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Acompanhamento
Espiritual
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Celebrar e Praticar a Misericórdia – Para viver sempre em Ano Jubilar da Misericórdia
(3ª ed.)
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Acompanhamento Espiritual – Sabedoria para percorrer o longo caminho da fé
Henri J. M. Nouwen com Michael J. Christensen e Rebecca J. Laird
Henri J. M. Nouwen
com Michael J. Christensen e Rebecca J. Laird
Acompanhamento
Espiritual
Sabedoria para percorrer
o longo caminho da fé
Título original:
Spiritual Direction:
Wisdom for the Long Walk of Faith
Copyright © 2006 by the Estate of Henri J. M. Nouwen,
Michael J. Christensen and Rebecca J. Laird
ISBN 978-0-06-075473-0
Tradução
Sofia Pinheiro
Capa
Francisca Cardoso
Paginação
Editorial A. O.
Impressão e Acabamentos
Sersilito, Empresa Gráfica, Lda.
Depósito Legal nº
408149/16
ISBN
978-972-39-0813-8
Abril de 2016
Com todas as licenças necessárias
©
SECRETARIADO NACIONAL
DO APOSTOLADO DA ORAÇÃO
Rua S. Barnabé, 32 – 4710-309 BRAGA
Tel.: 253 689 440 * Fax: 253 689 441
www.apostoladodaoracao.pt/[email protected]
AGRADECIMENTOS
Este livro não foi, tecnicamente, escrito por Henri Nouwen,
mas são suas as palavras e a sabedoria. Em vida, ele apenas escreveu um artigo onde constam as palavras «acompanhamento
espiritual» no título, e só lecionou alguns cursos sobre «acom­
panhamento espiritual». A obra que tem em mãos é um livro póstumo sobre o acompanhamento espiritual praticado pelo próprio
Henri Nouwen; foi sendo desenvolvido pelos editores, à medida
que, nos seus inúmeros sermões, artigos, registos de diário, notas
para as suas aulas, manuscritos não publicados e escritos publicados, identificávamos linhas de sabedoria intemporal e orientação
pessoal, e que adaptávamos o material principal para uso prático.
Neste processo, que se estendeu ao longo de dois anos, solicitámos a permissão e a colaboração do Henri Nouwen Literary Trust
para recontextualizar o autor, atualizar a sua linguagem, focalizar
a sua sabedoria e, em vários casos, criar ligações, de modo a permanecermos, assim cremos, fiéis ao seu estilo e ao que desejava
transmitir.
Os editores agradecem a todos os que nos ajudaram a produzir
este livro: a Steve Hanselman e John Loudon, da Harper-Collins, por conceitualizarem o projeto, juntamente com a Rebecca;
a Sue Mosteller, executora literária da propriedade intelectual do
autor, e aos membros do grupo a trabalhar nos projetos do Henry
Nouwen Legacy – Nathan Ball, Robert Ellsberg, Gabrielle Earnshaw e Joe Vostermans – pela revisão de inúmeras provas e por
5
Acompanhamento Espiritual
nos orientarem, apoiados no conhecimento da vida e do trabalho de Henri; a Gabrielle Earnshaw, mais uma vez, na sua função de arquivista da Henri J. M. Nouwen Archives and Research
Collection, por nos ajudar a localizar, copiar e verificar as fontes
originais e as primeiras versões publicadas dos escritos do Henri; a John Lang, Carol Lang e Jeff Wittung, estudantes de doutoramento na Drew University, por digitalizarem anotações de
documentos de Nouwen, para depois inserirmos no manuscrito
final; aos membros da Henry Nouwen Society, particularmente
a Jeff Imbach e a Virginia Hall Birch, que reviram o manuscrito
e deram sugestões úteis; e a Mickey Maudlin, Roger Freet, Kris
Ashley e Carolyn Holland, a nossa incansável equipa editorial da
Harper-Collins.
Acima de tudo, agradecemos às nossas filhas adolescentes,
Rachel e Megan, pela paciência com que aguentaram a nossa
preocupação em terminar o livro antes do décimo aniversário da
morte de Henri, para que este trabalho, feito com amor, fosse a
nossa prenda para ele. Esperamos que esta dádiva de sabedoria e
amizade com que nos presenteou ao longo da sua vida continue,
no futuro, a moldar outras vidas.
6
PREFÁCIO
Acerca deste livro
Enquanto jovem padre, Henri Nouwen entendia o acom­
panhamento espiritual como uma relação formal de supervisão e
compromisso entre um líder espiritual experiente e um padre ou
pastor recém-ordenado1. Mais tarde, passou a preferir os termos
amizade espiritual ou amigo da alma, que transmitiam a ideia da
relação de dar e receber inerente ao processo de compromisso
espiritual e formação na fé2. Para Henri, um diretor espiritual
era simplesmente alguém que fala connosco e ora connosco sobre a nossa vida. A sabedoria e a orientação surgem do diálogo e
relação espirituais de duas ou mais pessoas de fé, comprometidas
com disciplinas espirituais e com a responsabilidade necessária
para viver uma vida espiritual. Além disso, o acompanhamento
espiritual, conforme Henri o entendeu, pode ser definido como
uma relação iniciada por alguém em busca de espiritualidade, que
encontra uma pessoa de fé experiente, disposta a orar e a responder
com sabedoria e compreensão às suas perguntas sobre como viver a
espiritualidade num mundo de ambiguidades e distrações.
1 Ver To Supervising Ministers (Berkeley Divinity School Center, 1977).
2 Ver Spiritual Direction (Reflection, Yale Divinity School, 1981). Henri
recomendou – e designou como leitura obrigatória para os seus cursos – Spiritual Direction and Meditation, de Thomas Merton (Liturgical Press, 1960) e
Soul Friend, de Kenneth Leech (Sheldon Press, 1977).
7
Acompanhamento Espiritual
A vida espiritual assenta sobre um paradoxo, diz Henri: «Sem
solidão, é praticamente impossível viver a vida espiritual»3. Porém, não podemos viver a nossa vida espiritual sozinhos. Embora
necessitemos de solidão para conhecer Deus, é em comunidade
que mantemos o nosso compromisso. Precisamos de aprender a
escutar a palavra de Deus, sempre presente no nosso coração. Precisamos de disciplina para estudar e praticar, de modo a discernir
a palavra de Deus nos textos das Escrituras. Precisamos de uma
Igreja ou comunidade de fé que nos ofereça oportunidades de
culto e de partilha, permitindo-nos o empenho mútuo em corrigirmo-nos, partilhar problemas e confessar faltas, e que ofereça
perdão e celebre a vida. Também necessitamos de guias: amigos
espirituais, um diretor espiritual ou um grupo de compromisso
espiritual que funcione, para nós, como um lugar seguro aonde
conduzir a nossa alma.
Onde quer que fosse, Henri criava comunidades e, nelas, oferecia orientação espiritual, por vezes de modo formal, mas normalmente em conversas informais e nas suas relações de amizade.
Também orientava espiritualmente muitas pessoas através da sua
correspondência pessoal, palestras, artigos e livros publicados.
Deixou esta mensagem aos seus amigos: disse-lhes que, quando
morresse, o seu espírito estaria acessível àqueles que ele amava e
que o amavam. Assim, esperamos que a sua experiência particular de acompanhamento espiritual com Henri Nouwen seja uma
realidade aqui e agora, pelo poder da palavra escrita e a ação do
Espírito Santo.
3
Making All Things New, p. 69.
8
Prefácio
Como se concretizou a ideia deste livro
A ideia de escrever este livro surgiu de um simples encontro.
Durante um jantar, no qual Rebecca ia discursar sobre Henri
Nouwen, uma jovem protestante, que estudava para ser diretora
espiritual, estava sentada à mesma mesa que ela e fez-lhe algumas
confidências. Uma depressão, devido a problemas de infertilidade, deixara-a letárgica e sem ânimo. «Ler os livros do Henri foi
a única coisa que fez com que eu aguentasse o verão passado.
Através deles, ele orientou-me na minha noite escura, como um
guia pessoal».
Como era possível que um padre católico, que escreveu os seus
últimos livros já com sessenta anos e que nunca experimentara as
variações de humor causadas pela infertilidade ou inerentes ao casamento, pudesse tocar o coração ferido daquela mulher? É certo
que a depressão está para além da idade ou do sexo, mas era mais
do que isso. As palavras de Henri referem-se a necessidades e anseios espirituais universais, e ele percebeu que aquilo que é mais
pessoal é também o que é universal. Ele viveu a profundidade da
tradição espiritual cristã e soube como escutar as questões fundamentais subjacentes aos conflitos mais comuns do ser humano.
Muitas pessoas procuram nos livros de Henri orientação espiritual. Contudo, muitos de nós gostaríamos de ter podido sentar-nos com ele frente a frente e colocado as nossas questões mais
urgentes. Mas isso já não é possível. Fisicamente, Henri já partiu. Começámos, então, a desejar encontrar um livro que enca­
minhasse os leitores através das grandes questões com que se deparam quando começam a explorar, intencionalmente, os temas
espirituais universais e partem à procura de um guia.
Michael, que beneficiou da orientação espiritual de Henri no
seminário, lembrou-se que ainda tinha as notas que tirara numa
aula de acompanhamento espiritual que Henri lecionara na Yale
Divinity School. Foi o suficiente para arrancarmos com o projeto.
9
Acompanhamento Espiritual
Procurámos nos Henri Nouwen Archives, situados no St. Michael’s College, em Toronto, os seus escritos não publicados sobre formação espiritual através do acompanhamento espiritual.
O que encontrámos foi limitado, mas maravilhoso, e necessitou
de um trabalho considerável de corta e cose literário.
Juntámos vários escritos não publicados: reflexões, preleções,
homilias, notas para a preparação das aulas e exercícios que ele
recomendava. Também adicionámos artigos que haviam sido originalmente publicados em revistas e que nos pareceram mais informais e diretos do que as versões mais polidas encontradas nos
seus livros. Ocasionalmente, usámos excertos dos livros de Henri,
quando não estavam disponíveis as fontes originais para cobrir
determinado assunto. O resultado representa a nossa tentativa, em
colaboração com o Henri Nouwen Literary Trust, de apresentar a
abordagem de Henri a algumas das grandes questões da vida espiritual, que são normalmente exploradas na maioria das relações de
acompanhamento espiritual. A nossa intenção é a de proporcionar
a experiência de ser orientado espiritualmente por Henri Nouwen
através dos seus escritos e dos exercícios por ele propostos. O manuscrito editado representa, assim esperamos, o «Henri vintage»
– toda a maturidade do seu pensamento e da experiência das relações estabelecidas na prática de dar e receber acompanhamento
espiritual. É necessário reconhecer, porém, que o companheirismo e o compromisso que fazem parte da relação que se estabelece
no acompanhamento espiritual não podem ser reproduzidos nem
substituídos por palavras numa página. Este livro, dirigido tanto a
diretores espirituais como àqueles que buscam acompanhamento
espiritual, pretende encorajar, à medida que vamos mergulhando
na sabedoria de Henri e nas suas reflexões teológicas, a reflexão
pessoal e o compromisso com os outros.
Esperamos que, ao pôr em prática os ensinamentos deste livro,
o leitor descubra que eles se tornam mais úteis se usados a par
com conversas sagradas.
10
Prefácio
Como ler este livro
Este livro foi concebido para ser lido, pelo menos, duas vezes:
a primeira, de modo rápido e seguido, talvez de uma assentada;
a segunda vez, lentamente e meditando, talvez um capítulo por
semana, ao longo de dez semanas. Pode ler os capítulos sozinho
ou em comunidade, respeitando ou não a sua sequência, o que
depende das suas questões, necessidades e interesses. Esperamos
que as questões da secção «reflexão e diário», no final de cada
capítulo, sejam úteis para a sua meditação e para preparar a sua
conversa com os outros. Os exercícios no final de cada capítulo
(a maioria dos quais foram usados e recomendados por Henri)
destinam-se a ser realizados com o seu diretor ou amigo espiritual
ou no seu pequeno grupo de oração.
O livro está estruturado em torno de dez questões universais
para a vivência da vida espiritual. As questões são apoiadas por
parábolas, narrativas pessoais e reflexões bíblicas, pois essa foi a
forma como Henri estruturou as suas aulas e retiros de acompanhamento e formação espiritual. Ele contava parábolas curtas
mas incisivas, colocava questões fundamentais e intemporais, selecionava e meditava sobretudo sobre os textos dos Evangelhos,
identificava incontáveis disciplinas e imperativos espirituais e recomendava vias específicas para aprofundar a fé.
Independentemente da forma como ler ou usar este livro, ele
oferece um encontro literário com Henri durante o período de
tempo necessário para o crescimento espiritual individual dentro
da sua comunidade. As fontes do material que o compõem estão
identificadas no final da obra, para que possa chegar aos textos e
contextos originais. Os anexos contêm recursos adicionais para
reconhecer e encontrar um diretor espiritual, de modo a poder
continuar com a disciplina de acompanhamento espiritual.
Também nós beneficiámos da orientação espiritual pessoal oferecida por Henri durante a sua vida. Soubemos, por outras pessoas
11
Acompanhamento Espiritual
que o conheciam melhor, que ele tinha um talento especial para
apontar para realidades e verdades espirituais nas suas conversas
do dia a dia. Possuía o dom da amizade e da hospitalidade.
Henri partiu, mas a sua sabedoria permanece. Podemos ainda
ligar-nos com o seu espírito por meio da escrita. Na sua ausência
física, devemos contar ainda mais com o verdadeiro guia e diretor
da vida espiritual que é, claro está, o Espírito Santo. Cremos que
Henri aprovaria esta lembrança e, como fez durante a sua vida,
orientar-nos-ia continuamente para Deus, o criador, doador e escultor das nossas vidas.
Michael J. Christensen
Rebecca J. Laird
24 de janeiro de 2006
12
INTRODUÇÃO
Acompanhamento Espiritual
Ao iniciarmos juntos esta viagem de orientação espiritual1,
gostaria de convidar o leitor a criar espaço para Deus na sua
vida. Isto requer tempo e compromisso. Qualquer compromisso de acompanhamento espiritual envolve a oportunidade de
se criar uma amizade espiritual, e oferece o tempo, a estrutura,
a sabedoria e a disciplina necessários para gerar espaço sagrado
na sua vida, no qual Deus pode agir. Ao criar um espaço sagrado, o leitor está a reservar uma parte de si e, assim, a impedir
que a sua vida esteja totalmente preenchida com ocupações ou
preocupações. O acompanhamento espiritual dota a sua vida
de um «endereço» que lhe permite ser «contactado» por Deus
na oração. Quando assim acontece, a sua vida começa inesperadamente a ser transformada, pois Deus trabalha de formas
maravilhosas e surpreendentes.
O propósito do acompanhamento espiritual é a formação
espiritual – a capacidade consciente e em permanente fortalecimento de viver uma vida espiritual a partir do coração. Uma vida
1 Ver «Spiritual Direction» (Reflection, Yale Divinity School, 1981). Henri
recomendou – e designou como leitura obrigatória para os seus cursos – Spiritual Direction and Meditation, de Thomas Merton (Liturgical Press, 1960) e
Soul Friend, de Kenneth Leech (Sheldon Press, 1977).
13
Acompanhamento Espiritual
espiritual não pode forjar-se sem disciplina, sem prática e sem
responsabilidade. Há inúmeras formas de disciplina espiritual.
Em geral, qualquer coisa que regularmente nos peça para abrandarmos e ordenarmos o nosso tempo, os nossos desejos e pensamentos, de modo a contrariarmos o egoísmo, a impulsividade ou
a obscuridade que a preocupação origina na nossa mente, pode
servir como disciplina espiritual.
Para mim, há pelo menos três disciplinas ou práticas espirituais clássicas que são particularmente úteis na relação criada
pelo acompanhamento espiritual. Cada uma delas permite criar
espaço dentro de nós para Deus: (1) a disciplina do Coração, (2)
a disciplina do Livro e (3) a disciplina da Igreja ou comunidade
de fé. Em conjunto, estas práticas espirituais ajudam-nos a ultrapassar as nossas resistências à escuta contemplativa e à obediência
ativa a Deus, e libertam-nos para podermos viver uma vida espiritual plena e gratificante2.
Contemplar o nosso coração e com o coração
A primeira e a mais importante prática espiritual que um diretor espiritual deve pedir que a pessoa siga é a disciplina do Coração3. A introspeção e a oração contemplativa constituem a antiga
disciplina pela qual começamos a ver Deus no nosso coração.
A oração interior consiste em estarmos cuidadosamente atentos
2
Outras disciplinas espirituais clássicas estão subordinadas às três disciplinas de Nouwen; nelas se incluem: pobreza ou simplicidade, castidade,
obediência, estabilidade, jejum, meditação, contemplação, leitura sagrada,
comunidade, serviço, generosidade e muitas formas de oração interior. Ver
Celebration of Discipline, de Richard Foster (Harper & Row, 1978).
3 Nouwen utilizou a palavra «coração» de forma consistente, para significar
o nosso ponto de acesso a Deus através da oração contemplativa, da escuta
orante e da obediência ativa.
14
Introdução
Àquele que habita o centro do nosso ser. Através da oração, despertamos para a consciência de Deus dentro de nós. Com a prática, permitimos que Deus entre no pulsar do nosso coração e na
nossa respiração, nos nossos pensamentos e emoções, na nossa visão, audição, toque e sabor, e em cada membrana do nosso corpo.
Ao estarmos despertos para a presença de Deus em nós, podemos
começar, realmente, a ver Deus no mundo à nossa volta.
A disciplina do Coração torna-nos conscientes de que orar
não é apenas ouvir o coração, mas, essencialmente, ouvir com o
coração.
A oração ajuda-nos a estar na presença de Deus com tudo
aquilo que temos e somos: medos e ansiedades, culpa e ver­
gonha, as nossas fantasias sexuais, a nossa ganância e a nossa raiva, as nossas alegrias, os sucessos, as aspirações e as esperanças, as
nossas reflexões, os sonhos e divagações e, acima de tudo, a nossa
relação com a família, amigos e inimigos; em suma, tudo aquilo
que faz de nós o que somos. Com toda esta bagagem, devemos
escutar a voz de Deus e permitir que Ele nos fale em cada recanto
do nosso ser.
O nosso ser, com todos os seus recantos, inclui, claro está, o
corpo físico. De facto, o «coração» não é um órgão meramente
espiritual, mas o lugar secreto, dentro de nós, onde espírito, alma
e corpo se unem e manifestam a totalidade do ser. Não podemos
conceber o coração desligado do espírito e do corpo. Somos chamados a amar a Deus e ao próximo com todo o nosso coração,
toda a nossa alma, todo o nosso entendimento e todas as nossas
forças (Lucas 10, 27).
Isto é muito difícil de fazer, devido aos nossos medos e inseguranças. Teimamos em esconder-nos de Deus e dos outros.
Temos tendência a apenas mostrar a Deus e aos outros aquelas
partes de nós com as quais nos sentimos relativamente confortáveis e que pensamos que darão origem a uma resposta positiva. Assim, a nossa oração torna-se muito seletiva e limitada.
15
Acompanhamento Espiritual
É evidente que a disciplina do coração pede alguma orientação
que nos permita ultrapassar medos, aprofundar a nossa fé e ir
descobrindo aquilo que Deus é para nós. As perguntas que, por
norma, um diretor espiritual colocará são: Que lugar tem a oração na sua vida? De que forma tem dado espaço, na sua vida,
para que Deus lhe possa falar?
Procurar Deus no Livro
A segunda disciplina essencial no acompanhamento espiritual é a disciplina do Livro, pela qual contemplamos Deus através da lectio divina – a leitura sagrada das Escrituras e de outros
textos espirituais4.
Quando estamos realmente comprometidos com a vida espiritual, é fundamental escutar, de forma pessoal e íntima, a palavra
de Deus conforme nos é transmitida pelas Escrituras. A disciplina
do Livro é a disciplina da leitura e meditação devocionais de um
texto sagrado que conduz à oração. Meditar significa deixar a palavra descer da nossa mente até ao nosso coração, interiorizando-se
e encarnando em nós. Meditar significa ingerir a palavra, digeri
-la e incorporá-la concretamente na nossa vida. A meditação é a
disciplina pela qual deixamos a palavra de Deus tornar-se palavra
para nós, ancorando-se no centro do nosso ser e convertendo-se
na fonte das nossas ações. Desta forma, a meditação é a Encarnação continuada de Deus no nosso mundo. A disciplina do Livro
conduz-nos no caminho da verdadeira obediência interior. Pela
prática regular da meditação, desenvolvemos um ouvido interior
que nos permite reconhecer a palavra de Deus, que se dirige diretamente às nossas necessidades e aspirações mais íntimas. Quan
4 Ver Capítulo Sete, «Como escuto a Palavra?», para mais informação sobre
a lectio divina.
16
Introdução
do ouvimos uma frase, uma história ou uma parábola, não de forma a sermos simplesmente instruídos, informados ou inspirados,
mas para nos tornarmos uma pessoa verdadeiramente obediente,
então o Livro oferece discernimento espiritual fidedigno. A prática diária da lectio divina (leitura sagrada), com o tempo, transforma a nossa identidade pessoal, as nossas ações e a nossa vida comum de fé. Um diretor espiritual experiente ajuda-nos a manter
honesto e regular o nosso compromisso com a palavra de Deus
e acrescenta-lhe a perspetiva da interpretação geral. As Escrituras
têm uma palavra particular para nós, mas o conhecimento do
ensinamento cristão histórico ajuda-nos a evitar a armadilha fácil
de querer que as Escrituras apoiem os nossos desígnios pessoais.
Olhar os outros em comunidade
A terceira chave para o acompanhamento espiritual é a disciplina da Igreja ou da comunidade de fé. Esta prática espiritual
requer que nos relacionemos com o povo de Deus, que sejamos
testemunhas da presença ativa de Deus na história e na comunidade, «onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome»
(Mateus 18, 20).
Uma comunidade de fé lembra-nos continuamente aquilo que
realmente se passa no mundo e na nossa vida. A liturgia e o lecionário da Igreja – as orações normalmente usadas, os rituais, as
passagens das Escrituras e o calendário que segue a vida de Cristo
ao longo do ano – desvendam-nos, por exemplo, a profundidade
da vida de Cristo e o seu significado. Cristo vem, Cristo está a
nascer, Cristo manifesta-Se ao mundo, Cristo está a sofrer, Cristo
está a morrer, Cristo está a ressuscitar, Cristo está a ascender aos
Céus, Cristo envia o Espírito. Estes não são simples acontecimentos que tiveram lugar há muito tempo e que são recordados com
uma certa melancolia; estes acontecimentos têm lugar na vida
17
Acompanhamento Espiritual
quotidiana da comunidade cristã. Na vida de Cristo, e através
dela, recordada na comunidade e na liturgia, Deus manifesta a
sua presença ativa. É esse o propósito do Advento, do Natal, da
Epifania, da Quaresma, da Páscoa, da Ascensão e do Pentecostes.
A Igreja chama a nossa atenção para os eventos divinos que subjazem a toda a História e que nos permitem entender o significado
da nossa própria história.
Escutar a Igreja é escutar o Senhor da Igreja, o que significa, na prática, tomar parte na vida litúrgica da Igreja. Durante o
Advento, o Natal, a Quaresma, a Páscoa, a Ascensão e o Pentecostes, há festas, celebrações e cantos que nos ensinam a melhor
conhecer Jesus e que nos unem mais intimamente à vida divina
dentro da comunidade de fé. Quanto mais permitirmos que os
acontecimentos da vida de Cristo nos ensinem e moldem, mais
capacidade teremos de entender as nossas histórias diárias à luz
da história maior que é a presença de Deus na nossa vida. Além
disso, a disciplina da Igreja, enquanto comunidade de fé, funciona como nosso diretor espiritual, ao dirigir o nosso coração e o
nosso entendimento Àquele que verdadeiramente enche de significado as nossas vidas. As conversas com o nosso diretor espiritual
oferecem-nos uma experiência interpessoal da comunidade cristã
e a possibilidade de entendermos como a nossa vida, individualmente, é parte da grande história de Deus e do seu povo, em
constante manifestação.
Estas três disciplinas – o Coração, o Livro e a Igreja – exigem
discernimento, responsabilidade e orientação espiritual, de modo
a podermos ultrapassar a nossa surdez e resistência e a tornarmo-nos pessoas livres e obedientes que escutam a voz de Deus até
mesmo quando ela nos chama para lugares desconhecidos.
Então, se o leitor estiver interessado em começar a viagem,
tenho muito mais a dizer-lhe, pois esta jornada da vida espiritual pede não só determinação e disciplina, mas também que se
conheça, pela experiência, o terreno a percorrer. Não quero que
18
Introdução
tenha de divagar pelo deserto durante quarenta anos, como aconteceu com os nossos antepassados espirituais. Nem sequer quero
que tenha de lá permanecer tanto tempo quanto eu. Embora seja
verdade que cada um tem de aprender por si, continuo a crer que
podemos acautelar aqueles que amamos de cometerem os mesmos erros que nós. No caminho da vida espiritual, necessitamos
de guias. Gostaria de ser o seu guia. Espero que esteja interessado
em percorrê-lo comigo.
Henri J. M. Nouwen
19
Índice
Agradecimentos ......................................................................... 5
Prefácio – Acerca deste livro ....................................................... 7
Introdução – Acompanhamento Espiritual ........................... 13
Contemplar o nosso coração e com o coração ..................... 14
Procurar Deus no Livro ...................................................... 16
Olhar os outros em comunidade ........................................ 17
PRIMEIRA PARTE
Contemplar o Coração
1. Quem responderá às minhas perguntas? .......................... 23
O mestre de Zen ................................................................. 23
Quais as perguntas que as pessoas colocam? ........................ 26
Lance-se numa demanda .................................................... 28
Testemunhar a vulnerabilidade humana ............................. 30
Pergunte e vivencie as questões ........................................... 31
Para aprofundar: Exercícios para acompanhamento espiritual ...... 34
Reflexão e Diário ...................................................................... 35
2. Por onde começo? ............................................................. 37
O leão dentro do mármore ................................................. 37
Escuta orante ..................................................................... 38
Resistência ativa à escuta .................................................... 40
Desenvolver a atenção ........................................................ 41
203
Acompanhamento Espiritual
Disciplina e orientação ....................................................... 42
O papel de um diretor espiritual ......................................... 43
Amizade, não aconselhamento ........................................... 44
Para onde me devo virar? .................................................... 45
Para aprofundar: Exercícios para acompanhamento espiritual ...... 47
Reflexão e Diário ...................................................................... 47
3. Quem sou eu? ................................................................... 49
O fugitivo e o rabi .............................................................. 49
És o Amado de Deus!.......................................................... 51
A afirmação suprema .......................................................... 51
A tentação de duvidarmos de quem realmente somos ......... 53
A tentação da compulsão .................................................... 55
Convite a regressar ............................................................. 56
A disciplina da oração ........................................................ 57
Para aprofundar: Exercícios para acompanhamento espiritual ...... 59
Reflexão e Diário ...................................................................... 60
4. Onde estive e para onde vou? ........................................... 61
A história de Adam contada por Deus ................................ 62
Duas vozes ......................................................................... 63
A minha vida com Adam .................................................... 66
A minha história com Deus ................................................ 70
Para aprofundar: Exercícios para acompanhamento espiritual ...... 73
Reflexão e Diário ...................................................................... 74
SEGUNDA PARTE
Procurar Deus no Livro
5. O que é a oração? .............................................................. 77
Três monges numa ilha ....................................................... 77
Orar sem cessar .................................................................. 78
204
Índice
A oração enquanto clamor a Deus ...................................... 80
A oração enquanto conversa................................................ 83
A oração enquanto contemplação ....................................... 85
A disciplina da oração ........................................................ 86
Lidar com as distrações ....................................................... 89
Ser fiel ................................................................................ 90
Para aprofundar: Exercícios para acompanhamento espiritual ...... 92
Reflexão e Diário ...................................................................... 93
6. Quem é Deus para mim? .................................................. 95
Os quatro cegos e o elefante ............................................... 95
Quem é aquele a quem oro? ............................................... 96
Parar e reconhecer .............................................................. 97
Deus está connosco ............................................................ 98
Deus é pessoal .................................................................... 99
Deus está escondido ........................................................... 101
Deus procura-nos ............................................................... 105
Para aprofundar: Exercícios para acompanhamento espiritual ...... 107
Reflexão e Diário ...................................................................... 110
7. Como escuto a Palavra? .................................................... 111
Palavra e sabedoria ............................................................. 111
Escutar a Palavra Viva de Deus ........................................... 112
A leitura da Palavra ............................................................ 115
Proferir uma palavra no silêncio ......................................... 119
A palavra escrita ................................................................. 123
Para aprofundar: Exercícios para acompanhamento espiritual ...... 127
Reflexão e Diário ...................................................................... 131
205
Acompanhamento Espiritual
TERCEIRA PARTE
Olhar os outros em comunidade
8. Onde pertenço? ................................................................. 135
Escuridão e alvorada ........................................................... 135
Alicerçados na solidão ........................................................ 137
Quando a solidão saúda a solidão ....................................... 138
Como encontrei o caminho para casa ................................. 141
A vida em comunidade ....................................................... 144
O perdão é fundamental numa comunidade ...................... 145
O perdão conduz à celebração ............................................ 149
Unidos pelo amor ............................................................... 151
Para aprofundar: Exercícios para acompanhamento espiritual ...... 152
Reflexão e Diário ...................................................................... 153
9.
Como posso servir? ........................................................... 155
Onde encontrar o Messias? ................................................. 155
O ministério de cura de Jesus ............................................. 156
Ministério partilhado ......................................................... 158
Gratidão e compaixão ........................................................ 160
Deslocação voluntária e mobilidade descendente ................ 164
Servir com os outros ........................................................... 169
Para aprofundar: Exercícios para acompanhamento espiritual ...... 170
Reflexão e Diário ...................................................................... 173
Epílogo – Para onde vou, a partir daqui?............................... 175
Anexo I – Vivenciar as Questões: Dez Parábolas de Henri Nouwen 181
Anexo II – Como encontrar um diretor espiritual – Rebecca J. Laird .183
Outras leituras .......................................................................... 189
Principais fontes ....................................................................... 195
Autorizações ............................................................................. 201
Índice....................................................................................... 203
206