76 D`OH! OS SIMPSONS EM “HISTÓRIAS DE DOMÍNIO PÚBLICO

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76 D`OH! OS SIMPSONS EM “HISTÓRIAS DE DOMÍNIO PÚBLICO
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D’OH! OS SIMPSONS EM “HISTÓRIAS DE DOMÍNIO PÚBLICO”: UMA RELEITURA PARÓDICA
Juliana Nascimento
Universidade Federal do Espírito Santo
Resumo: Neste artigo, em vez de me basear no conjunto de episódios que compõem Os Simpsons,
série de maior sucesso nas últimas décadas, concentro-me em um episódio especifico, “Histórias de
domínio público”, inspirado nas obras Odisséia de Homero; Hamlet de Shakespeare e também na
vida de Joana Darc. Através de sátiras, Homer, Marge, Lisa, Bart e Maggie realizam suas releituras
literárias, sociais, filosóficas de forma irreverente e com um alcance inimaginável. Concentro-me aqui
na paródia e suas relações com a alusão, a sátira e a ironia a partir de Linda Hutcheon.
Palavras-chave: Os Simpsons; Paródia; Clássicos literários.
Desenhos animados não têm significado profundo. São só uns
rabiscos estúpidos feitos para você dar umas risadas baratas.
Homer Simpson
Eis que na noite de 17 de dezembro de 1989, ao som de um coral, surge entre as nuvens o nome da
família que iria mudar a história da tevê americana e, segundo Keslowitz 1, virar um fenômeno cultural e
global. O ar celestial, imposto logo na abertura, não revelava o que estava por vir, em um primeiro
instante parecia mais um desenho comum. Até o nome, Os Simpsons, soava como repetição de Os
Flinstones e de Os Jetsons. Mas, logo nos primeiros minutos do desenho, a impressão de repetição foi
sumindo. Estava na cara amarela, nos olhos esbugalhados e nas mãos de quatro dedos que aquele
desenho era diferente. Hoje, 20 anos depois e mais de 400 episódios, a família Simpson coleciona fãs
em mais de 100 países, uma penca de prêmios e até estrela na calçada da fama, em Hollywood.
As mal traçadas linhas do início deram lugar à sofisticação e ao gigantismo implantado no desenho.
Hoje para animar um único episódio da série é preciso produzir 24 mil desenhos e gastar até oito
meses de trabalho, com 300 profissionais e um custo de 1,5 milhão de dólares. Tanto empenho rendeu
inúmeras críticas, elogios e prêmios, entre eles: um Peabody, dezessete prêmios Emmy, doze prêmios
Annie, três prêmios Genesis, sete prêmios International Monitor e quatro prêmios Environmental Media.
Altamente satírico, o seriado critica não somente a sociedade americana, mas o mundo como um todo.
Nem ao menos os próprios Simpsons são poupados. A série acabou se tornando uma das comédias
1 KESLOWITZ, Steven. A sabedoria dos Simpsons: o que nossa família favorita diz sobre a vida, o amor e a busca do
donut perfeito. Trad. Roberto Muggiati. Rio de Janeiro: Prestigio, 2007.
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mais inteligentes na televisão hoje em dia. Se o programa for assistido com atenção, revelará níveis de
comédia muito além da farsa. Vemos segmentos de sátira, duplos sentidos, alusões a alta-cultura e à
cultura popular, manipulação, paródia e humor auto-referencial.
Este trabalho tem como objetivo a análise da paródia realizada no episódio “Histórias de domínio
público”, inspirado nas obras Odisséia de Homero; Hamlet de Shakespeare e também na vida de
Joana Darc. De acordo com Massaud (2004), a paródia designa toda composição literária que imita,
cômica ou satiricamente, o tema e /ou a forma de outra obra. Seu sentido veio mudando com o passar
dos anos e sua popularização corroborou para que se tornasse um dos tópicos mais controversos e um
dos mais estudados nas últimas décadas.
O tópico paródia obviamente tem afinidades com a alusão, assim como com a sátira e a ironia. No
entanto, vale ressaltar que, para algo ser uma alusão, deve ser pretendido pelos criadores da ficção,
neste caso deve ser pretendido pelos roteiristas. A paródia funciona da mesma forma, referências não
pretendidas são, na melhor das hipóteses, acidentais. Com mais de 400 episódios e há 20 anos no ar,
não é difícil de imaginar que o leque de citações e referências seja tão extenso e intenso. Aliás, esta é
uma das características dos produtos da indústria cultural, é claro que nem todos são tão ricos e
diversificados em suas releituras, e nem tão bem sucedidos, mas de forma geral são cheios de
referências.
As obras de ficção popular2 têm como características estabelecer ligações com seus leitores e
espectadores, por causa de sua frequente citação de pessoas, eventos e objetos extra-textuais
familiares ou pelo menos reconhecíveis do grande público. Por exemplo, a ficção popular faz
referências a músicas, filmes, programas de televisão, figuras públicas, celebridades, políticos,
tecnologias etc. No caso dos Simpsons estima-se que mais de 100 filmes e cerca de 70 programas de
televisão já tenham sido mencionados e/ou parodiados. Mas a série não fica restrita a fatos atuais, ou a
ícones midiáticos. Sua lista de referências literárias ultrapassa a casa de 50 obras, e suas influências
filosóficas são sempre debatidas e questionadas por estudiosos da área.
Além de todas as citações e referências, a série em si é uma paródia da família americana, e dentro
dessa paródia ocorrem outras e outras. “Os Simpsons são, na linguagem midiática, uma das
representações mais importantes da família norte americana contemporânea, bem como seu estilo de
vida” (NOLASCO, 2002, p. 46).
“Histórias de domínio público”
O episódio “Histórias de domínio público” é a releitura de algumas das principais obras da literatura
mundial, segundo o olhar da família mais querida da televisão. Os Simpsons figuram como
personagens de três contos clássicos: Homer como Odisseu/Ulisses lidera o exército grego contra
Tróia; Bart como Hamlet tenta vingar a morte de seu pai e Lisa como Joana D'arc lança franceses
contra os ingleses.
A história tem início com Homer deitado, tirando um breve cochilo no sofá da sala, as crianças estão no
chão em volta do pai. Lisa lê um livro, Bart joga um game e Maggie brinca. Enquanto isso, Marge
2 Thomas J. Roberts. An aesthetics of junk fiction. Athens, GA: University of Georgia Press, 1990.
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recebe as correspondências e dá início ao diálogo.
•
Marge - Contas, contas... ameaça de morte, contas.../Homer, você tem uma carta/ É da
biblioteca.
•
Homer - Livro atrasado? Isto é a maior calúnia desde O. J Simpson 3. Esperem ai, com
sangue nas mãos... aqueles monólogos do O. J. Meu Deus, ele fez.
Em seguida, Lisa encontra o livro que Homer deve há mais de sete anos à biblioteca. De acordo com
Homer ele pretendia ler o livro todos os dias para Bart, mas algo que ele não sabe muito bem, mas que
tem a ver com carros, aconteceu e ele acabou não lendo nenhuma história para o filho. Lisa pede e
Homer decide ler as histórias aos filhos. A primeira da lista é a Odisséia de Homero. A princípio o
patriarca da família Simpson se confunde, acredita que a história é sobre ele e uma minivan, é então
que Lisa explica a verdadeira origem da obra e Homer dá início à leitura, mas não sem antes reiterar
que amava aquela minivan e que aquela era uma boa história.
A história,dentro da história, tem início com o último e grande ato da guerra de Tróia, onde Ulisses –
interpretado por Homer – e seu famoso cavalo levariam os gregos à vitória. Na versão simpsoniana o
presente é ofertado ao rei Príamo, interpretado por Ned Flanders, pelo próprio Odisseu.
•
Homer/ Odisseu – Um de seus soldados quando era torturado disse que colecionava
animais de madeira gigante, espero que não tenha um cavalo.
•
Rei Príamo/ Flanders – Bom, não tenho um vosso.
O cavalo adentra em Tróia e o rei Príamo diz, de forma inocente, porém real e logo cômica a seguinte
frase: “Bem, agora ao longo dos anos quando alguém receber um presente de madeira vai pensar nos
troianos”. O cavalo fica no pátio do palácio ao lado de diversos outros animais de madeira, entre eles
porco, cachorro, e outros cavalos.
Ao cair da noite os soldados saem de dentro do cavalo e dão início à batalha. É quando um soldado,
interpretado por Moe, diz: “Matem todos, não é porque estão sem cabeça que estão mortos”. Ao
amanhecer Tróia esta destruída e Odisseu corrige a placa de entrada da cidade com o seguinte dizer:
Cidade de Tróia, população zero. E diz aos companheiros que é hora de regressar a Ítaca e rever sua
doce Penélope. Odisseu é alertado pelos soldados que um sacrifício deve ser feito em agradecimento
aos deuses pela vitória, mas ele reage dizendo que sacrificar animais é um ato bárbaro. Em seguida
ordena aos escravos que matem os feridos.
No monte Olimpo, Zeus fica indignado e diz que este mortal precisa aprender a respeitar os deuses.
Dionísio, bêbado, pega um raio de Zeus e destrói Atlântida. A pedido do deus dos deuses Poseidon
resolve castigar Odisseu e sua tripulação, impedindo que voltem para Ítaca. O barco de Odisseu é
enviado para fora da rota de Ítaca indo parar nas Ilhas Malucas. A primeira parada se dá com o canto
das sereias. Uma voz doce, suave convoca os marinheiros para a ilha das sereias onde o sexo é
escaldante, o feta é cremoso e as sereias são fáceis. Só que em seguida, ao invés de se depararem
com criaturas bonitas, sedutoras e perigosas se deparam com mulheres/sereias feias, fumando e com
3 O. J. Simpson é um ex-jogador de futebol americano e ator. Em 1994 ele foi acusado de matar a facadas sua ex-mulher,
Nicole Brown, e seu amigo, Ronald Goldman. O julgamento teve grande repercussão na mídia. O. J acabou sendo
absolvido, anos mais tarde confessou o crime em um livro, mas o veredicto não foi alterado.
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as pernas peludas, as personagens são interpretados por Pety e Selma, as irmãs gêmeas mais velhas
de Marge.
A próxima parada é na ilha da feiticeira Circe. Lá os marinheiros são transformados em porcos e
devorados por Odisseu. Na tentativa de voltar para casa, Odisseu deve descer ao inferno e atravessar
o rio das almas. Vinte anos depois Odisseu retorna para Ítaca, mata os pretendentes de Penélope,
coloca o lixo para fora e vai beber no bar do Moe.
Homer anuncia que a próxima história é a vida de Joana D’arc. Marge aparece na sala e pergunta:
“Você disse Joana Van Ark4?” e Lisa explica de qual Joana se trata; frustrada, a matriarca volta para
cozinha. A leitura tem início com Homer dizendo a provocativa frase: “Esta história desenrola-se num
reino imaginário chamado França. Os franceses lutavam contra os ingleses na Guerra dos Cem anos,
que depois ficou conhecida como operação conclusão rápida”.
O desenho narra a história de acordo com a versão oficial. Joana – Lisa – ouve a voz de Deus, onde o
mesmo a avisa que foi escolhida por ele para liderar o exército francês à vitória, na guerra contra os
ingleses. Seguindo sua fé, a jovem parte para o campo de batalha, Joana chega e diz aos soldados
que veio liderá-los até a vitória. Ao ser questionada de como faria, ela diz que com ideias modernas e
sugere que usem pedras ao invés de pessoas na catapulta.
A principio ninguém crê em Joana, mas ela ganha a batalha e é levada ao rei Delfim, lá ela passa pelo
teste e adivinha, ou melhor, é alertada por Deus, e acerta quem é o verdadeiro rei. Depois da recepção
no castelo Joana ganha um exército e segue para o campo de batalha, lá os soldados ingleses
aparecem tomando o chá das cinco. Antes de liderar o ataque Joana diz:
•
Joana/Lisa – “Vamos matar os ingleses! O conceito que têm de direito individual pode
minar o poder de nossos adorados tiranos”.
Em seguida os franceses atacam, e no meio da batalha Joana é capturada pelos ingleses e é levada a
julgamento, onde é acusada de feitiçaria, heresia e de empurrar um homem. Ao tentar se defender,
Joana apela para sua única testemunha: Deus. Que, por incrível que pareça comparece ao tribunal, na
forma de uma luz sobre a cadeira das testemunhas. Quando o juiz o questiona se ele realmente disse
à jovem que levasse o exército francês a vitória, o soldado que prendeu Joana diz: “Sua luz traidora
você me disse para liderar os ingleses a vitória”. Constrangido Deus diz: ”Bom eu nunca pensei que
vocês fossem se encontrar.../ Isso é constrangedor.../Adeus!” Nesse momento as pessoas presentes
pedem que Joana seja queimada.
Joana é levada para a fogueira, Marge tentar impedir que a filha seja queimada, Homer tentar trocar
Lisa por Bart, mas não adianta. O carrasco com avental de cozinheiro acende o fogo, Marge mais uma
vez tenta intervir, dessa vez pede a Joana que renuncie a sua fé e se salve, mas a menina não aceita.
Neste momento o desenho volta para a sala dos Simpsons, Lisa aflita pergunta ao pai se Joana foi
queimada. Neste momento Marge tira o livro das mãos de Homer e muda totalmente a história:
•
Marge – Neste momento sir. Lancelot apareceu num cavalo branco e salvou Joana
Darc. Casaram-se e viveram numa nave espacial. Fim.
Em seguida a matriarca da família Simpson mastiga a folha do livro que contém o real fim da história e
4 Atriz norte-americana que participou do seriado Dallas.
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diz: “Foi mais fácil de mastigar que o vídeo do bambi”. Homer dá início à última história, Hamlet. Bart
logo se mostra contrário.
•
Bart – Pai essas histórias não se comparam aos escritores modernos. O Steve
Bochco5 é muito melhor do que Shakespeare.
Lisa diz a Bart que a história é interessante, e que começa com o assassinato do pai de Hamlet e o
menino logo fica interessado. O príncipe esta deitado em sua cama quando o fantasma de seu pai
aparece e diz que foi assassinado por seu irmão Cláudio e que o filho deve vingá-lo. Hamlet consegue
desmascarar Cláudio durante a apresentação do bobo da corte. Diante do retrato do pai o jovem
príncipe diz:
•
Hamlet/Bart – Pai, é verdade, o tio Cláudio te matou.
Diante da cena, Ofélia (Lisa) demonstra toda sua indignação e diz que ninguém ali é mais louco que
ela e sai cantando e dançando sobre a mesa. A noite cai, e Hamlet corre pelo palácio com a espada em
punho à procura de Cláudio. Ao entrar no quarto da mãe vê que tem alguém atrás da cortina e acaba
matando Polônio, que pede a seu filho, Laertes, que o vingue. Cláudio se aproveita do duelo para
passar veneno em todo o castelo a fim de garantir que Hamlet seja realmente morto.
Laertes acaba se matando, Hamlet mata Cláudio e tropeça em uma poça de sangue e acaba
morrendo. Ao ver a cena, a rainha diz: “Eu não limparei esta bagunça”- e também se mata. O desenho
volta para a sala dos Simpsons. Empolgada, Lisa diz que essa é a melhor história, já Bart se mostra
decepcionado e diz não acreditar que uma peça onde todas as pessoas morrem poderia ser tão chata.
E Homer então encerra o episódio com tais palavras:
•
Homer – Filho, não é somente uma grande peça, como também se tornou um grande
filme, que se chama Caça fantasmas.
Os Simpsons em: a paródia
A paródia tem sua origem na cultura grega, quando era comum entre filósofos, segundo Massaud
(2004), céticos e cínicos reagirem contra a autoridade literária de Homero, parodiando-o. Para alguns
críticos, a paródia faz com que o texto original perca em poder, uma vez que, vai além da obra original.
Já outros a vêem como uma maneira de valorizar o original. A paródia descreve a relação entre dois
textos: o próprio texto parodístico 6 e o texto-alvo parodiado. Para Hutcheon, parodiar é uma prática
autoconsciente, que envolve a intenção do artista ou autor na codificação, e a atividade interpretativa
do público em decodificar. A intenção do artista é necessária porque envolve a “repetição com
diferença” - repetição denotando o reconhecimento de precedentes históricos no mundo da arte, e
diferenças marcando as mudanças, as variações ou o exame irônico aos quais aquele precedente
histórico é submetido7.
5 Steven Ronald Bochco é um produtor de televisão americana e escritor. Desenvolveu séries de televisão populares como
Hill Street Blues, LA Law, e NYPD Blue.
6 SKOBLE, Aeon J.; CONARD, Mark T.; IRVWIN, William. Os Simpsons e a filosofia. São Paulo: Madras, 2001.
7 HUTCHEON, Linda. Uma teoria da paródia: Ensinamentos das formas de arte do século XX. Rio de Janeiro: Edições 70,
1985.
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Hutcheon tem como objetivo distinguir a paródia de uma gama de práticas artísticas e literárias com as
quais é frequentemente confundida, entre elas: “o plágio, o burlesco, a fantasia, o pasticho, a citação e
a alusão” (p. 43). A grande questão é que sua pesquisa é maciçamente concentrada no estudo da
“paródia arte”, ou seja, na “arte culta”. As obras de arte populares são citadas esporadicamente e
segundo Knight8 sua visão tem alguns problemas óbvios.
[...] um texto parodístico não precisa parodiar alguma obra-de-arte canônica específica.
Aliás, não precisa parodiar obra-de-arte alguma: ele pode facilmente parodiar as
convenções reconhecíveis de um gênero narrativo. Em segundo lugar, os textos
parodísticos não precisam se referir às assim chamadas obras de arte culta (p.100).
Não podemos esquecer que tudo é transitório e evolutivo, inclusive os conceitos de popular e erudito.
Hoje os Simpsons são vistos, hegemonicamente, como ícones da cultural popular, assim como
Sófocles e Shakespeare também foram considerados em sua época, e hoje ninguém contesta a
validade das reflexões filosóficas de suas obras.
Desta forma as produções da sétima arte e da televisão não podem ser encaradas dentro dos mesmos
parâmetros, devendo ser levadas em conta suas particularidades.
Este separação entre popular e erudito não é recente, no entanto, há algumas correntes que
questionam tais práticas. Um exemplo disso são os estudos culturais porque questionam as hierarquias
entre formas e práticas culturais, estabelecidas a partir de oposições como “cultura alta x baixa” ou
“superior x inferior” e defendem que entre as diferentes culturas existem relações de poder e
dominação que devem ser problematizadas. De acordo com Kellner, os estudos culturais são estudos
sobre a diversidade dentro de cada cultura e sobre diferentes culturas, sua multiplicidade e
complexidade. Logo, não existe divisão entre cultura e condições de produção. Ocorre o deslocamento
do sentido de cultura da sua tradição elitista para as práticas cotidianas.
Sim! O Simpsons é cultura popular. E sim, eles fazem paródia de tudo, eles satirizam e ironizam a
todos. Mas não necessariamente isso ocorre de forma negativa. A paródia popular, diferente da
“paródia arte”, não é basicamente crítica de seus alvos – pelo menos, não no sentido de “interrogar”
seus precedentes. Prestar homenagem, em vez de criticar, é uma estratégia parodística significativa e
recorrente, encontrada na arte popular. Julgo que os Simpsons prestam homenagem, criticam,
ironizam, satirizam, aludem e também ridicularizam. Não somente neste episódio, como no decorrer de
toda série. São tantas as citações que fica difícil analisar todos os detalhes em um único artigo,
principalmente porque há referências especificas da língua, da cultura e da sociedade americana e que
não são percebidas ou compreendidas mediante conhecimento prévio.
Dessa forma selecionei para analisar alguns dos principais diálogos e cenas do desenho e da obra
literária. A primeira obra parodiada pelos Simpsons é a Odisséia de Homero, um dos dois principais
poemas épicos da Grécia antiga. É, em parte, uma sequência da Ilíada, outra obra creditada ao autor, e
é um poema fundamental ao cânone ocidental moderno, e, historicamente, é a segunda - a primeira
sendo a própria Ilíada - obra existente da literatura ocidental, tendo sido escrita provavelmente no fim
do século VIII a.C., no entanto o texto que conhecemos foi copilado nos séculos III e II a. C.
A Odisséia compreende três poemas distintos pelo assunto, cujos pontos se interligam: o primeiro narra
8 KNIGHT, Deborah. Paródia popular: Os Simpsons e o filme policial. In: Os Simpsons e a filosofia. São Paulo: Madras,
2001.
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a viagem de Telêmaco em busca de notícias do pai; outro, as aventuras do regresso de Odisseu; o
terceiro, o extermínio dos pretendentes de Penélope. Os Simpsons ficam restritos aos dois últimos,
sendo o segundo o mais extenso. Uma das passagens mais citadas e repercutidas da Odisséia de
Homero é o canto XII, também conhecido como o canto das sereias. No texto original Circe avisa
Ulisses do encontro com as sereias e o orienta como deve proceder; no desenho, ao serem enviados
por Poseidon para fora da rota de Ítaca, os navegantes encontram-se primeiro com ninfas e depois
com a deusa. Vejamos os versos de Homero:
[...] Pois bem; atende agora, e um deus na mente
Meu conselho te imprima. Hás de as sereias
Primeiro deparar, cuja harmonia
Adormenta e fascina os que as escutam:
Quem se apropinqua estulto, esposa e filhos
Não regozijará nos doces lares;
Que a vocal melodia o atrai às veigas,
Onde em cúmulo assentam-se de humanos
Ossos e podres carnes. Surde avante;
As orelhas aos teus com cera tapes,
Eusurdeçam de todo. Ouvi-las podes
Contanto que do mastro ao longo estejas
De pés e mãos atado; e se, absorvido
No prazer, ordenares que te soltem,
Liguem-te com mais força os companheiros [...]. 9
Nos Simpsons a cena transcorre da seguinte forma: Ulisses e a tripulação são enviados para fora da
rota de Ítaca pelo deus dos mares, Poseidon, e vão direto para as Ilhas Malucas. De repente ouve-se
uma música suave, porém dançante e envolvente. Que diz:
Na ilha das sereias
O sexo escaldante vai te fazer suar
O feta é cremoso e as sereias são fáceis
Na ilha vamos te satisfazer
Ilha das sereias.10
Ao contrário da obra homérica, onde Odisseu segue à risca os conselhos de Circe e se amarra ao
mastro, enquanto seus marinheiros colocam cera nos ouvidos, para dessa forma não sucumbirem ao
canto das sereias, o Ulisses de Homer e seus tripulantes sentem-se atraídos e seguem o som, dessa
forma seguem seus impulsos e desejos. Só que, ao chegarem ao local, deparam-se com duas
mulheres horríveis e não com ninfas de grande beleza. Diante da cena, se desesperam e fogem. Ao
contrário do poema de Homero, os tripulantes não enlouquecem com música, mas sim com a imagem.
Que neste caso, se representa com duas mulheres acima do peso, fumando e com as pernas sem
depilar.
O poema foi composto originalmente seguindo a tradição oral, e destinava-se mais a ser cantado do
que lido. Hoje, com os adventos do cinema e da televisão a imagem ficou privilegiada em todas as
esferas, não se trata apenas de preferir ver um filme a ler um livro, mas também de viver em função da
imagem·. O canto das sereias, uma das mais belas passagens da obra homérica, é retrata com humor,
ironizando não apenas a obra, mas criticando, de certa forma, os conceitos atuais. Sem dúvida, uma
9 HOMERO. Odisséia. Trad. Manoel Odorico Mendes. São Paulo: Atena Editora, 1957.
10 Tradução livre.
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das melhores paródias/homenagens já prestadas à obra homérica.
Se, para Adorno, Ulisses se autocondena à impotência e ao aprisionamento para poder gozar do canto
e condena, simultaneamente, seus companheiros a renunciar ao gozo artístico para continuarem vivos,
para os Simpsons só há uma saída, se entregar ao gozo. Somente diante do terror da cena é que fugir
e ficar bem longe das mulheres se torna a única saída. Nas palavras de Leny 11, um dos marinheiros:
“Alguém arranque meus olhos. Salve-me das mulheres”.
A cena seguinte ocorre na casa de Odisseu, sua esposa, Penélope é cortejada por seus pretendentes,
seu filho, Telêmaco, diz à mãe que talvez seja a hora de se casar novamente. É quando surge Disco
Stu, personagem que claramente faz referência aos anos 70. O filho de Odisseu ameaça sair para
deixar os dois à vontade, mas é surpreendido quando Stu diz que está ali para falar com ele. A cena é
cortada para ilha de Circe, a deusa feiticeira. Ao desembarcarem os marinheiros se deparam com a
deusa que se apresenta e lhes oferece uma bebida de seu caldeirão, onde se encontram
dependurados esqueletos humanos. Mesmo diante da cena eles bebem, e são transformados em
porcos. Em seguida chega Ulisses que, ao ver os porcos, diz: “Este porco parece com Leny”. No
instante seguinte, pega o porco e morde, depois diz: “Depois de comer o Leny, isso é a melhor coisa”.
Conforme foi exposto, são três cenas seguidas onde a alusão ao homossexualismo é retratada de
forma a remeter ao velho hábito grego 12 e às próprias insinuações já contidas no programa. Por
definição, uma alusão é uma referência intencional cuja associação transcende a mera substituição de
um referente. Uma referência comum nos permite apenas substituir um termo ou frase por outro. Já
uma alusão nos obriga a ir além de tal substituição. As alusões em os Simpsons são muito
“americanas”, mostradas como uma sociedade fast-food, em que as massas não gostam de “pensar
muito”. Em muitos casos, embora não todos, as alusões são mostradas abertamente.
A intenção por trás de muitas alusões é que o público se lembre de certas coisas e deixe outras
associações fluírem. Logo, o espectador que não conhece a Odisséia, nem conhece a série pode
compreender, somente com o ocorrido, que são feitas insinuações sobre a sexualidade dos
personagens. Porém aquele que conhece uma das obras, ou ambas, pode fazer uma leitura muita
mais clara e rica. Essa passagem exemplifica bem que o desenho por ser visto em níveis de
entendimento sem grandes perdas, uma vez que a televisão é acessível a todas as classes e a todos
os níveis de instrução, isso sem falar do acesso por todas as faixas etárias. Apesar de não voltada para
criança, o programa tem um grande público infantil.
Ao retornar ao lar, Ulisses diz: “Querida, cheguei!”. Referência clara a outro programa de grande
sucesso, a Família Dinossauro, onde o patriarca Dino da Silva Sauro sempre que chegava em casa
dizia a mesma frase. Uma alusão tipicamente fast-food. Ao vê-lo, Penélope o ironiza: “Ora, vejam quem
apareceu”. E ele responde: “Desculpa ter demorado tanto. Mas vou fazer algo que não faço há 20
anos. Pôr o lixo na rua”. Veja, não se trata da Penélope apaixonada e sofredora à espera do amado,
mas, sim, de uma mulher, até certo ponto, indignada com a demora do marido. A paródia nos remete a
tempos modernos, onde a mulher não assume uma posição tão passiva. Ao dizer que colocará o lixo
na rua, Ulisses não está apenas matando os pretendentes de sua esposa, mas fazendo uma clara
alusão, essa mais elaborada, à atualidade, onde o homem participa de forma ativa nos trabalhos
11 Personagem da série, que ao lado Carl e Smithers sofrem constantes insinuações a cerca de sua sexualidade.
12 Na Grécia Antiga, as relações entre homens, que hoje nomeamos de homossexualismo, eram quase sempre orientadas
para finalidades específicas e ultrapassavam a simples busca do prazer sexual. A pederastia visava à formação do jovem.
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domésticos. Assim como uma paródia onde o desfecho da trama ocorre, o amor e a cumplicidade do
casal dão lugar às pequenas rusgas que existem em qualquer relacionamento.
A cena final é a que melhor demonstra essa combinação de paródia e homenagem. Vale ressaltar que
não se trata apenas de uma homenagem ou paródia à obra, mas sim à família. Ulisses mata seus
desafetos, se reconcilia com Penélope e, quando tudo parece que irá terminar em romantismo, a série
nos presenteia com a seguinte frase:
•
Penélope/ Marge - “Bravo Ulisses, passaram-se 20 longos anos. Presenteia-me com
uma história de suas aventuras”.
•
Ulisses/ Homer - “Não me sufoque. Vou ao bar do Moe”.
No diálogo acima fica claro uma das estratégias que caracterizam as narrativas populares, que é a
referência a sua própria cultura contemporânea e a ligação com os espectadores. Se o Ulisses de
Homero narra toda sua odisséia à amada, o Ulisses de Homer prefere ir ao bar tomar uma cerveja,
como já foi dito pelo próprio Homer em outro episódio: “Prefiro tomar uma cerveja a ganhar o prêmio de
pai do ano”.
A Guerra dos Cem anos foi a primeira grande guerra européia que provocou profundas transformações
na vida econômica, social e política da Europa Ocidental. Joana Darc surge por volta de 1422 para
mudar os rumos do conflito e entrar para a história. Com a França em perigo, a jovem heroína
organizou um exército completamente diferente dos exércitos feudais que lutavam por seu senhor e
seu feudo. Já o de Joana lutava pela França e por seu rei. Os franceses, agora, sentiam-se integrantes
de um país. A ideia de nação estava lançada.
A paródia é uma forma de imitação caracterizada por uma inversão irônica, não necessariamente essa
inversão ocorre às custas do texto parodiado. Mas “é notável na paródia moderna o seu âmbito
intencional do irônico e jocoso ao desdenhoso ridicularizador” (HUTCHEON, 1985, p. 17). Isso pode ser
percebido na versão simpsoniana sobre a história de vida da heroína francesa, Joana Darc. Neste caso
não há um texto literário, propriamente dito, sendo parodiado, mas sim fatos históricos,
comportamentos, ou seja, a própria história é colocada em “xeque”.
Toda a importância da guerra e da França é questionada logo na primeira frase de Homer: “Esta
história desenrola-se num reino imaginário chamado França. Os franceses lutavam contra os ingleses
na Guerra dos Cem anos, que depois ficou conhecida como operação conclusão rápida”. O desenho
coloca a fala de Homer como se pertencesse ao livro Clássico para crianças13, dessa forma toda ironia
e sátira utilizada na cena, podem também, nos levar a uma alusão/ crítica feita não somente a França,
e à guerra contra os ingleses, mas, também, à postura norte - americana diante de outra cultura. De
certo, tal postura se assemelha à dos franceses, que se julgam pais da luz, da razão e da
intelectualidade, enquanto os americanos se consideram os pais da liberdade e da democracia, assim
como os protetores da humanidade.
“Vamos matar os ingleses! O conceito que têm de direito individual pode minar o poder de nossos
adorados tiranos”, diz Joana Darc (Lisa) aos seus soldados. A frase, assim como a citada acima é
marcada pela ironia com o objetivo de criticar um período marcante, não só da cultura francesa, mas
13 Nome do livro lido por Homer. O titulo por si só já é uma ironia, uma vez que as histórias narradas são cheias de
violência, e esse tipo de conteúdo é considerado impróprio para este tipo de público.
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de toda a Europa, o absolutismo 14. Neste momento a critica fica mais próxima dos franceses, mas em
seguida, quando Joana é capturada, a frase proferida por seu algoz - “Capturei uma menina, sou o
maior herói da história da Inglaterra” -, mostra que o alvo mudou de direção. Através da sátira o
programa revela como os heróis de guerra são forjados e como através de atos nada nobres se vence
uma guerra. A simples presença de Joana nos campos de batalha já era motivo suficiente para
desagradar tanto aliados como inimigos. Quando se revela uma eximia guerreira, a humilhação é
maior. Afinal, aquela guerra era assunto para nobres e homens, já esse exército era liderado por uma
mulher camponesa.
Mas o ápice dessa história se dá com Joana levando Deus para o tribunal, mais precisamente ao
banco das testemunhas. Deus é interrogado pelo juiz, mas antes que possa depor é reconhecido pelo
soldado que capturou Joana, que entrega a artimanha armada pelo Senhor: “Sua luz traidora, você me
disse para liderar os ingleses à vitória”. Constrangido, Deus diz: ”Bom eu nunca pensei que vocês
fossem se encontrar... isso é constrangedor... adeus!”. A cena relatada pode ser lida das seguintes
maneiras: a) trata-se de uma crítica ao discurso religioso de que Deus tudo vê e tudo sabe; b) não há
um deus qualquer e sim um manipulador e maniqueísta; c) uma crítica aos senhores das guerras, que
se valem dos discursos acima citados para convencer os soldados a irem aos campos de batalha; d)
uma crítica ao próprio discurso americano de que deus protege a América.
Quando se fala em tragédia, não tem como não falar de Shakespeare. A ação é movida por mortes,
lutas, amores infelizes, assassinos, etc. Tais acontecimentos podem ser encontrados tanto na comédia
como na tragédia. A comédia não está precisamente ligada ao riso, pois o riso pode vincular-se a
manifestações nada cômicas, o mesmo ocorre com a paródia.
Hamlet é a tragédia de Shakespeare mais representada em todos os tempos e a que mais se prestou a
interpretações de toda ordem. Praticamente todos os escritores e pensadores importantes dos últimos
quatro séculos deixaram suas impressões sobre o impacto que lhes causou a história do infeliz príncipe
da Dinamarca, constrangido a fazer, sem nenhuma vocação para tal, uma terrível vingança. Em os
Simpsons, a apresentação burlesca da peça é marcada pelo exagero do tragicômico. O rei defunto é
representado por Homer, o rei bufão, enquanto Hamlet é encenado por Bart, o rebelde. A relação
estabelecida pelos dois é levada para encenação da obra, onde a vingança para o jovem príncipe é
retratada como uma diversão, ao contrário da original.
Antes de iniciar a história de Hamlet, Bart tece seus comentários sobre as obras antigas. Segundo ele,
os escritores modernos não se comparam aos antigos, sendo Steve Bochco muito melhor do que
Shakespeare. Lisa, a personagem culta da série, tenta incentivar o irmão a conhecer a história. Ao
saber que a trama tem início com o pai do príncipe sendo assassinado, Bart se interessa em ouvir a
história. E pergunta: “Legal! E depois ele se casa com a mãe?”. Homer diz que não sabe, mas que
seria legal15 se isso acontecesse.
Hamlet está em sua cama, preparando-se para dormir, quando o fantasma de seu pai entra em seu
quarto e pede ao filho que o vingue, matando Cláudio, seu algoz. Sem hesitar, o jovem príncipe aceita
e se prepara para desmascarar o tio. A revelação se dá durante a apresentação do bobo da corte, que
diz: “Gostaríamos de avisar que nossa atuação faz o público revelar seus segredos”. Cláudio se mostra
14 Absolutismo é uma teoria política que defende que uma pessoa (em geral, um monarca) deve obter um poder absoluto,
isto é, independente de outro órgão, seja ele judicial, legislativo, religioso ou eleitoral.
15 Uma clara referência à obra de Sófocles, Édipo rei.
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preocupado e com razão, pois incentivado por Hamlet os bobos encenam o assassinato do pai do
príncipe. A confissão ocorre no exato momento em que o veneno é derramado na orelha do rei.
Cláudio se entrega ao dizer: “Esperem aí, eu não usei tanto veneno”. O rei ainda tenta disfarçar, mas
não consegue.
Em frente ao retrato do pai, Hamlet confessa diante de todos que fora o fantasma do rei defunto quem
lhe revelou crime. Nesse exato momento, Ofélia se mostra indignada com o comportamento do amado
e diz: “Agora Hamlet enlouqueceu. Ninguém é mais louco que Ofélia” e sai saltitando sobre a mesa e
cai da janela do palácio. A paródia da obra shakespeariana é marcada pela ironia, pelo grotesco e pelo
ridículo contido nas cenas. Loucos, bufões, assassinos e bobos ressaltam em toda sua força o
grotesco contido na obra. De acordo com Wolfgang Kayser, praticamente toda obra artística apresenta
em seu modo de composição ou organização aspectos que podem ser chamados de grotesco. E,
segundo Bakhtin, nenhum evento relevante se realizava sem intervenção dos elementos de
organização cômica de alguma espécie. Logo, uma das obras mais reproduzidas do canônico
Shakespeare ganha na versão simpsoniana uma homenagem, não a tragédia em si, mas ao
tragicômico da peça.
Os últimos minutos da história são marcados por sete assassinatos. O clima mórbido, porém
engraçado, só é quebrado com a volta à casa dos Simpsons. Lisa diz que é uma ótima história, Bart
confessa que nunca poderia imaginar que uma história onde todos morrem pudesse ser tão chata, e
em seguida Homer dá um desfecho hilário: “Filho, não é somente uma grande peça, como também se
tornou um grande filme que se chama Caça fantasmas”. E todos dançam ao som da trilha sonora que
marcou o filme. Homer guarda para o último ato sua derradeira homenagem a Shakespeare, que de
certa forma se estende a Homero e a Joana Darc mostrando assim que o riso e a morte fazem uma
boa mistura. O episódio é um exemplo de paródia popular, e sua primeira atitude não é de criticar, mas
sim homenagear. Certamente, a arte popular pode ridicularizar e satirizar seu texto- alvo. E o desenho
muitas vezes os faz, mas em “Histórias de domínio público”, isso ocorre não com a obra, mas com
fatos diretamente ligados ao real, ao humano, ao comum. No mais, os Simpsons reservam aos
espectadores boas risadas, e as obras recebem uma ótima homenagem, não com uma recriação
fidedigna do texto, mas sim uma releitura paródica.
Referências:
HOMERO, Odisséia. Trad. Manoel Odorico Mendes. São Paulo: Atena, 1957.
HUTCHEON, Linda. Uma teoria da paródia. Rio de Janeiro: Edições 70, 1985.
KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. São Paulo: Universidade Sagrado Coração, 2001.
KESLOWITZ, Steven. A sabedoria dos Simpsons: o que nossa família favorita diz sobre a vida, o
amor e a busca do donut perfeito. Trad. Roberto Muggiati. Rio de Janeiro: Prestigio, 2007.
MASSAUD, Moises. Dicionário de termos literários. São Paulo: Cultrix, 2004.
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MICHELET, J. Joana Darc. São Paulo: Hedra, 2006.
NOLASCO, Sócrates. De Tarzan a Homer Simpsons: banalização e violência masculina em
sociedades contemporâneas ocidentais. São Paulo: Rocco, 2001.
SHAKESPEARE, Willian. Hamlet. Trad. de Millor Fernandes. São Paulo: L&PM, 2006.
SKOBLE, Aeon J.; CONARD,Mark T.; IRVWIN, William. Os Simpsons e a filosofia. São Paulo:
Madras, 2001.
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