Prémio Ser Saúde/ISAVE

Transcrição

Prémio Ser Saúde/ISAVE
Campus Académico do ISAVE
Quinta de Matos - Geraz do Minho
4830-316 Póvoa de Lanhoso
Tel. 253 639 800
Fax. 253 639 801
Email: [email protected]
Licenciaturas em:
Enfermagem
Fisioterapia
Terapêutica da Fala
Farmácia
Higiene Oral
Prótese Dentária
Radiologia
Análises Clínicas e Saúde Pública
www.isave.pt Pós-graduações em:
Gerontologia Clínica
Motricidade Oro-Facial
Editorial
Com a publicação da revista 7, a Ser Saúde inicia o segundo ano de edições. A inovar, o caminho a seguir será esse
que acompanha o desenvolvimento científico em saúde.
De dois em dois meses, a Ser Saúde vai continuar a
percorrer diferentes universidades, diferentes institutos,
diferentes hospitais e outros espaços. Disponibilizada na
página do ISAVE (www.isave.pt) a Ser Saúde chega a todo
o mundo.
A Ser Saúde ajuda, com toda a certeza, a criar uma saúde
mais unida, multidisciplinar, ajuda a entender que os muros
em saúde não fazem sentido, que o único fundamento em
saúde é o bem da pessoa doente, sem limites, sem divisões.
Ajuda os profissionais de saúde a entender a saúde como
uma unidade de saber, embora com diferentes disciplinas,
unida em prol de cada cidadão. A Ser Saúde forma, leva o
conhecimento, a sabedoria.
Apesar de poderem existir mudanças, pois são necessárias
para todos os projectos se afirmarem e desenvolverem, elas
nunca vão passar por alterações de valores ou princípios
que nos orientam. A Ser Saúde, num caminho a crescer,
continuará a marcar o ritmo da divulgação científica,
marcará um novo mundo em saúde.
Eugénio Pinto
1
14
Mário Reis
Medicina Baseada na
Evidência
2
Evidence Based Medicine (EBM) é o
nome original dado a um método de prática
clínica traduzido para português como
Medicina Baseada na Evidência. A tradução
não foi feliz porque o significado correcto da
palavra inglesa Evidence é prova, e o termo
português evidência, bem pelo contrário,
implica não haver necessidade de prova.
Porém, a tradução inicial generalizou-se e
hoje faz parte do vocabulário correntemente
utilizado na Medicina. A Medicina Baseada
na Evidência define-se como uso o consciencioso, explícito e judicioso da melhor
evidência actual no processo de tomada de
decisão clínica, particularizando o doente.
28
Fátima Fonseca, Lília Figueiredo, Lurdes Santos
Vitamina K e
anticoagulantes orais
A terapêutica anticoagulante constituiu um
avanço no tratamento de estados de hipercoagulabilidade que propiciam a formação de
trombos ou êmbolos que, por sua vez, podem
causar obstrução parcial ou completa da
circulação sanguínea e do fornecimento de
sangue aos órgãos e tecidos.
38
Entrevista a Manuel Antunes
Coração com dedicação
humana plena
Tendo em conta que estamos a utilizar um
órgão cujo custo não é definível, porque é
superior a tudo aquilo que possamos pensar,
não o podemos estar a desperdiçar com doentes cujo resultados vão ser maus.
54
Antunes A, Botelho MF, Gomes CM, de Lima JJP,
Silva ML, Moreira JN, Simões S, Gonçalves L
Desenvolvimento de
liposomas com afinidade
para áreas miocárdicas
isquémicas
… Para além do seu papel como modelo de
membrana biológica, os liposomas começaram mais recentemente a ser encarados como
possíveis vesículas transportadoras de fármacos… Desde então a ideia estendeu-se a várias
outras aplicações clínicas como o tratamento
de neoplasias através do encapsulamento de
fármacos para quimioterapia, encapsulamento de agentes quelantes para tratamento de
intoxicações por metais pesados e também,
mais recentemente, o uso de liposomas para
o diagnóstico e tratamento de situações de
isquémia mesentérica e miocárdica (estudos
com experimentação animal).
66
Adriano Rockland, Janieny Vieira, Wagner
Teobaldo Lopes de Andrade, Silvia Damasceno
Benevides, Antônio Figueiredo Caubi
Tratamento miofuncional
numa criança com fractura
de côndilo mandibular e
sucção digital
A fractura de côndilo em crianças é um
factor que potencia o surgir de alterações no
crescimento facial e a associação a hábitos
nocivos pode aumentar, ainda mais, a possibilidade de ocorrência de deformidades.
80
Carla Morgado, Isaura Tavares
Neuropatia diabética
A elevada e crescente prevalência da
diabetes em países desenvolvidos levou a que
a Organização Mundial de Saúde designasse a
doença como uma pandemia do século XXI.
A diabetes caracteriza-se por hiperglicemia
associada à insuficiência de insulina ou
alterações no seu modo de acção e afecta
vários sistemas orgânicos, incluindo o sistema
cardiovascular, excretor, visual e nervoso. Um
dos resultados do atingimento do sistema
nervoso é a neuropatia diabética.
92
Jó Eduardo Esteves de Andrade
A avaliação da pressão
intra–abdominal como factor
de prevenção da síndroma
compartimental abdominal
A síndroma compartimental abdominal
apenas recentemente recebeu atenção
considerável. Esta pode ser definida como
um conjunto de consequências fisiológicas
adversas, que ocorrem como resultado
de uma persistente elevação da pressão
intra-abdominal. As causas mais comuns da
síndroma compartimental abdominal são:
hemorragia, edema visceral, pancreatite,
distensão intestinal, obstrução da mesentérica,
ascite, peritonite e tumor.
104
Varandas, I., Sotto Mayor, M.
Idosos em casa, a vigilância
da terapêutica
Estes dados contribuem para a noção de que
embora a idade seja um factor de risco para a
autonomia, a necessidade de prestar cuidados
e o assumir de responsabilidades pode tardar o
défice cognitivo e preservar a funcionalidade
dos idosos. É de realçar que alguma desobrigação social, nomeadamente na prática das
actividades funcionais, pode conduzir a perda
cognitiva progressiva, situação evitável com
atitudes de estimulação.
114
Lídia Maria Matias Abrunheiro
Qualidade de vida e a
satisfação com o suporte
social dos doentes
transplantados hepáticos
A relação entre saúde e qualidade de vida é
um constructo multidimensional que reflecte
o bem-estar físico e psicológico no indivíduo.
A qualidade de vida refere-se à capacidade
que o indivíduo tem de desempenhar o seu
papel social e doméstico, de forma a resolver
os desafios da vida do dia-a-dia sem stress ou
incapacidade física
Poster
Judite Pacheco, Paula Rangel
Evolução do fardamento
3
Envelhecimento
Um desafio futuro
4
Promover as medidas
adequadas de educação
para a saúde e estabelecer
um sistema de cuidados
são, nas palavras de José
Carlos Millán, caminhos
claros para um desafio
presente de envelhecimento
populacional. Criar recursos
de assistência para que os
idosos possam ser atendidos
em centros especializados e
por profissionais, os centros
integrados, é fundamental.
Actualidade
José Carlos Millán Calenti
Director do Grupo de Investigação em Gerontologia da Universidade da
Corunha, Faculdade de Ciências da Saúde, Espanha
Com o envelhecimento das sociedades modernas actuais, quais os caminhos a
seguir?
Os países desenvolvidos estão imersos num processo de envelhecimento que se pode catalogar
como um êxito do ponto de vista sócio-sanitário. Contudo, existem muitas carências ao nível
dos cuidados para que nos possamos contentar, unicamente, com o facto de vivermos mais anos.
Do meu ponto de vista, a sociedade tem que tomar consciência desta situação e estabelecer as
medidas adequadas para que, para além de apenas viver mais anos, estes se vivam com melhores
condições de saúde e, sobretudo, com uma melhor qualidade de vida. Os caminhos a seguir são
claros: por um lado, promover as medidas de educação para a saúde e instaurar medidas adequadas para a prevenção das diferentes doenças o mais rapidamente possível ao nível escolar; por
outro, estabelecer um sistema de cuidados que permita colocar as pessoas idosas de acordo com
as suas necessidades, em valências adequadas. Sabemos que mesmo implementando medidas
preventivas adequadas, as pessoas podem adoecer, padecem de doenças comuns à sua idade. A
forma adequada de agir passa por colocá-los em centros especializados.
Os idosos são um desafio presente e
de futuro.
É evidente que as pessoas mais idosas constituem um desafio importante em determinadas
sociedades, mas vão sê-lo principalmente no
futuro, onde se estima que mais de 1,2 biliões
de pessoas terá mais de 60 anos.
O que criar para dignificar a vida/
saúde dos idosos?
Para além de sensibilizar a população para
que as pessoas mais idosas não são uma classe que está sempre ali, mas que vai mudando
à medida que os anos vão passando, e em
poucos anos seremos nós a população mais
velha, é necessário estabelecer os recursos
de assistência necessários para que as pessoas,
independentemente das doenças que possuam,
possam ser atendidas em centros especializados
e por profissionais.
É importante a criação de centros
integrados? Em que moldes?
Os centros integrados, gerontológicos ou de
cuidados gerais, são os adequados para cuidar
deste tipo de pessoas com doenças neurodegenerativas e de assumida dependência, já que no
mesmo complexo se pode conciliar cuidados
domiciliários, diurnos e nocturnos, cuidados
permanentes de acordo, sempre, com as necessidades que as pessoas idosas têm.
Conhece o projecto do Palácio da
Igreja Velha. Que palavras dizer?
Conheço o projecto. Sei que o êxito está
garantido porque conheço o empenho e o bom
trabalho da equipa envolvida. Relativamente
ao projecto, diria que não há-de ser apenas
mais um centro, mas demarcar-se-á e será um
projecto de referência em Portugal.
5
Conselho Científico Ser Saúde
8
Adelino Correia
Adília Rebelo
Adrian Llerena
A. Fernandes da Fonseca
Alberto Salgado
Alexandre Antunes
Alexandre Castro Caldas
Alexandre Quintanilha
Alves de Matos
Amílcar Falcão
Ana Preto
António Miranda
António Paiva
António Rosete
Armando Almeida
Arminda Mendes Costa
Artur Manuel Ferreira
Berta Nunes
Carla Matos
Carlos Alberto Bastos Ribeiro
Carlos Albuquerque
Carlos Pedro Castro
Carlos Pereira Alves
Carlos Valério
Carmen de la Cuesta
Catarina Tavares
Célia Cruz
Célia Franco
Constança Paúl
Daniel Montanelli
Daniel Pereira da Silva
Daniel Serrão
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Os artigos publicados nesta edição da Ser
Saúde são da responsabilidade dos autores.
Proibida a reprodução parcial ou total, sob
qualquer forma, sem prévia autorização
escrita.
Agenda Setembro
Quintas de Enfermagem
13 de Setembro
Auditório Hospital Pedro Hispano,
Matosinhos
I Bienal de Cardiologia da Madeira
13 de Setembro
Funchal
II Jornadas de Urologia em Medicina
Familiar da Madeira, Açores e
Continente
20 de Setembro
Ponta Delgada
Conversas de Fim de Tarde – Hospital,
Informação e Inovação – 3ª Sessão:
Financiamento e Inovação nos
Hospitais
21 de Setembro
Covilhã
II Congresso Nacional da Sociedade
Portuguesa de Virologia – VI Encontro
da Sociedade Portuguesa de Virologia
21 de Setembro
Auditório da Faculdade de Engenharia
da Universidade do Porto
Congresso Saúde e Sexo
21 de Setembro
Fundação Eng. António de Almeida
Jornadas Interdisciplinares sobre
Tecnologias de Apoio
26 de Setembro
Auditório da Escola Superior de
Tecnologia da Saúde de Coimbra
Encontro de Enfermagem: A
enfermagem na resposta a situações
de urgência/emergência: um valor
acrescentado
27 de Setembro
Auditórios do Cine Teatro de Vila Real,
Trás-os-Montes
Fórum Enfermagem Médico-Cirúrgica
do Minho
27 de Setembro
Auditório do ISAVE, Póvoa de Lanhoso
Identificação de factores de
susceptibilidade para doenças
multifactoriais – novos desafios e
novas abordagens
27 de Setembro
Às 12:30 no auditório do Instituto
Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge
6º Congresso de Nutrição e
Alimentação – 2º Congresso LusoEspanhol de Alimentação, Nutrição e
Dietética
27 de Setembro
Europarque, Santa Maria da Feira
9
I Encontro Regional de Reabilitação –
Açores
27 de Setembro
Auditório da Escola Superior de
Enfermagem de Angra do Heroísmo,
Terceira, Açores
Avaliação Motora na Intervenção
Precoce
28 e 29 de Setembro
ISAVE, Póvoa de Lanhoso
10
Agenda Outubro
VIII Congresso Nacional de Pediatria
01 de Outubro
Vilamoura
I Jornadas de Actualização em
Pneumologia para Medicina Familiar
do Porto
03 de Outubro
Centro de Congressos, Hotel Porto
Palácio
I Jornadas de Emergências Pediátricas
29 de Setembro
Salão Nobre dos Bombeiros Voluntários
de Cête
X Jornadas Regionais Patient Care
04 de Outubro
Teatro Micaelense, Ponta Delgada
IV Congresso da Sociedade Europeia
para Infecções Emergentes
30 de Setembro
Lisboa
Oficina de Aprendizagem em Saúde
Oral
05 e 06 de Outubro
ISAVE, Póvoa de Lanhoso
Prémio Ser Saúde/ISAVE
O ISAVE, Instituto Superior de Saúde do Alto Ave, com desejo de contribuir para o
desenvolvimento da ciência e investigação em saúde, confere anualmente um prémio
denominado Prémio Ser Saúde/ISAVE de ciência e investigação em saúde.
O Prémio, no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros), será atribuído ao melhor trabalho
ou conjunto de trabalhos publicados durante 2006 e 2007 na Ser Saúde.
O vencedor do Prémio Ser Saúde/ISAVE será conhecido até 31 de Março de 2008.
O Prémio será entregue a 19 de Abril de 2008.
Júri do Prémio:
Amílcar Falcão, Daniel Serrão, Maria Júlia Silva Lopes, Rui L. Reis, Susana Magadán
Regulamento em www.isave.pt
Contactos: ISAVE | Campus de Geraz - Quinta de Matos | Geraz do Minho
4830-316 Póvoa de Lanhoso Telefone – 253.639.800 | Fax – 253.639.801
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XXVIII Congresso Português de
Geriatria/X Congresso Português de
Gerontologia Social
10 de Outubro
Lisboa
I Congresso Reabilitação e Inclusão na
Saúde Mental
11 de Outubro
Auditório da Reitoria da Universidade
de Coimbra
VII Congresso SPCNA
11 de Outubro
Porto Palácio Hotel
12
XVI Congresso Anual do Clube de
Anestesia Regional
19 de Outubro
Faro
XII Simpósio Anual de Doenças Renais
19 de Outubro
Universidade Lusíada, Lisboa
Mecanismos de Doença na Era
Pos-Genómica: Exemplo da Fibrose
Quística – Seminários de Investigação
Dr. Ricardo Jorge
25 de Outubro
Às 12:30 no auditório do Instituto
Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge
VI Congresso Nacional da Associação
Portuguesa de Imunohemoterapia
12 de Outubro
Hotel Mélia Ria, Aveiro
XX Fórum de Dermatologia do
Hospital Geral de Santo António
26 de Outubro
Fundação Cupertino de Miranda, Porto
II Congresso Família, Saúde e Doença
18 de Outubro
Braga
IV Jornadas de Urologia do Norte em
Medicina Familiar
29 de Outubro
Hotel Ipanema Park, Porto
V Congresso Nacional da Associação
Portuguesa de Neuro-Urologia e UroGinecologia
19 de Outubro
Hotel Sheraton, Porto
http://gdmf.org
Palácio da Igreja Velha
Hotel Sénior
Atendimento médico permanente
Piscina
Ginásio
áreas comuns de lazer
Restaurante
Espaço verde
Contactos
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4760-750 Vermoim | Vila Nova de Famalicão
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Fax - 252.920.009
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Mário Reis
14
Professor Agregado de Urologia da Faculdade de Medicina do Porto
Director de Serviço de Urologia, Hospital da Ordem do Carmo, Porto
Medicina
Baseada
na Evidência
Introdução
Evidence Based Medicine (EBM) é o
nome original dado a um método de
prática clínica traduzido para português
como Medicina Baseada na Evidência
(MBE). A tradução não foi feliz porque
o significado correcto da palavra inglesa
Evidence é prova, e o termo português
evidência, bem pelo contrário, implica
não haver necessidade de prova. Porém,
a tradução inicial generalizou-se e hoje
faz parte do vocabulário correntemente
utilizado em Medicina.
A Medicina Baseada na
Evidência define-se como o
uso consciencioso, explícito
e judicioso da melhor
evidência actual no processo
de tomada de decisão
clínica, particularizando o
doente.
A MBE define-se como o uso consciencioso, explícito e judicioso da melhor evidência
actual no processo de tomada de decisão clínica,
particularizando o doente (1). Segundo os seus
autores, a prática da MBE requer integração
da mestria (expertise) clínica individual com a
melhor evidência clínica externa disponível
obtida na investigação sistemática ou, melhor,
medicina baseada em evidências significa
tomar decisão em saúde com base na melhor
prova científica existente para se obter a maior
probabilidade de se ser bem sucedido (2,3). A
MBE não é uma ideia totalmente nova, pois os
clínicos habitualmente identificam os problemas
patológicos existentes nos doentes, e consultam,
com mais ou menos frequência, a literatura
disponível, nomeadamente livros de medicina.
A diferença mais significativa reside no recurso
a uma estrutura explícita que permite tornar
o processo de pesquisa num procedimento
de rotina simples e facilmente exequível, quer
para médicos hospitalares quer para médicos de
medicina familiar. Na grande maioria das vezes
a nossa resposta baseia-se na experiência clínica
pessoal, recurso a livros de texto ou publicações
de autoridades na matéria. No entanto, decisões
tomadas assim apresentam óbvias limitações
porque o nosso conhecimento e performance
clínica degrada-se com o tempo e o recurso a
livros antigos, habitualmente desactualizados, e
as pesquisas não sistemáticas podem conduzir a
conclusões erradas e tendenciosas ou, no mínimo, menos certas.
Na prática, a MBE começa quando um
doente e um médico devem tomar em
conjunto uma decisão importante. Ela começa
também quando um clínico admite a existência
duma lacuna no seu conhecimento que deve ser
esclarecida antes de tomar a decisão apropriada.
Continua a ser MBE quando o clínico transforma a sua lacuna numa questão clínica, pesquisa
a resposta e avalia a validade e a pertinência da
resposta que encontrou. Enfim, a MBE termina
como começa, com o doente e uma tentativa
de aplicar o que foi apreendido para este preciso
doente. A experiência adquirida na resolução
deste problema clínico prático será posteriormente utilizada em futuros doentes.
15
16
Tipos de prática clínica e a MBE
Na prática médica identificam-se três métodos diferentes de actuar: «Pesquisa & Estudo»
– método que origina cuidados B-E mas
despende muito tempo e exige fontes de estudo. «Pesquisa» isoladamente – método rápido
mas se dirigida a fontes B-E pode resultar em
cuidados de qualidade. Finalmente, «Imitando»
a prática dos experts, processo rápido, mas que
pode não distinguir a evidência de recomendações EGO-Based. Segundo os defensores da
nova metodologia conhecem-se três soluções
para manter a prática clínica actualizada: exercício da MBE; procura e aplicação de revisões
médicas baseadas na evidência e, finalmente,
aceitando protocolos clínicos (Directrizes de
Orientação) baseados na evidência, elaborados por colegas. Praticar MBE consiste
em localizar as melhores evidências externas
que possam responder às perguntas clínicas.
Por vezes, as evidências de que necessitamos
provêm de ciências básicas como a genética ou
imunologia. Os ensaios randomizados (RCT)
e as revisões sistemáticas são o «padrão dourado» para julgar se um tratamento induz mais
benefício do que prejuízo. Certas perguntas
sobre tratamentos não requerem ensaios
randomisados – intervenções benéficas para
afecções que seriam mortais noutros casos.
Quando não existe nenhum ensaio sobre os
problemas do nosso paciente, seguiremos a
pista até encontrar as melhores evidências
externas possíveis.
A MBE assenta em três pressupostos fundamentais: 1) desconfiar da experiência clínica,
intuição e opinião dum único expert; 2) o
conhecimento da fisiopatologia não é suficiente e pode conduzir a atitudes incorrectas
de diagnóstico e tratamento; 3) é necessário
conhecer regras de avaliação para adequada
interpretação da literatura, de estudos prognósticos, de testes diagnósticos e de estratégias
terapêuticas. Porém, não exclui a experiência
ou mestria (expertise) pessoal.Vaz Carneiro (4),
um dos mais entusiastas defensores da MBE,
exaltou a importância da experiência pessoal:
«A nossa experiência é preciosa porque há uma
percentagem enorme daquilo que fazemos que
nunca terá evidência científica», e acrescenta
outras fontes válidas de conhecimento, como
«os colegas e peritos ou estudos baseados em
dados sólidos». A integração da experiência
individual com provas científicas mais recentes constitui o princípio mais importante da
MBE, pois sem a experiência clínica esta pode
resultar numa prática médica tiranizada pelas
provas, onde estas podem até não existir ou
existirem com pouco rigor. Por outro lado,
sem as melhores provas, a prática médica está
desfasada e sujeita a vícios das observações
clínicas não sistemáticas, das personalidades e
interesses próprios dos médicos em detrimento dos doentes. A evidência clínica externa
informa e reforça mas nunca substitui a habilidade, capacidade de julgamento, intuição e
experiência clínica individual.
IA
R
Ó pouco da história da MBE
Um
T
S
HI Interessa conhecer um pouco a história da origem e o contexto em que surgiu a
MBE. A dada altura, o desenvolvimento da Medicina produziu um imenso caudal
de informação. Esta informação deve chegar rapidamente ao meio interessado e ser
assimilada facilmente para ser eficaz em tempo útil. Porém, a informação médica para
além de profusa e algo desorganizada, nem sempre apresenta a qualidade que se deseja.
Existem no mundo mais de 30 mil revistas e preve-se um período de duplicação de
cerca de 19 anos. A Medline tem mais de 30 milhões de artigos (5); em 1992, George
D. Lundberg, conceituado editor da revista JAMA, disse que mais de dois milhões
de artigos da área médica eram publicados a cada ano e que um médico, para estar
actualizado na sua especialidade, precisaria ler, pelo menos, 6 mil artigos cada dia (6,7).
É fácil prever a tendência da Medicina para um número crescente de nova informação.
Basta observar, por exemplo, o papel das agências que controlam a medicação,
nomeadamente a FDA, European Medecine Avaliation Agency, Agence Française du
Medicament e, entre nós, o Infarmed, que impõem a multiplicação e a publicação de
ensaios randomisados para controlo de qualidade da investigação clínica. Acontece que
para tanta publicação o médico não dispõe do tempo necessário para separar o trigo
do joio, isto é, escolher propostas válidas e descartar as insensatas ou sem fundamento
científico. Os meios actuais de divulgação são muito acessíveis, nomeadamente a
Internet, que oferece a todos a vantagem dum acesso fácil ao conhecimento. Assim,
um médico a exercer a sua actividade num centro recôndito pode aceder a qualquer
revista com a mesma facilidade do investigador a trabalhar num centro universitário de
referência. Necessita apenas de um modem e dum computador. O progresso não pára e
a tecnologia da informação e comunicação produz aparelhos para esta finalidade, sendo
um dos mais recentes denominado PDA.
Foi neste contexto que surgiu a MBE em meados do século XX. Os fundamentos
filosóficos remotos da MBE tiveram provavelmente raízes na China AC. Mais
recentemente, sofreram influência do período pós-revolucionário de Paris, de
meados do século XIX, com Bichat, Louis Magendie e outros (8). Alguns estudos de
grande impacto foram, de certo modo, precursores desta nova escola, nomeadamente
o primeiro ensaio randomisado e controlado publicado em 1948 (1st RCTs:
streptomycine and respiratory tuberculosis) seguido de outros de grande importância
publicados em 1950 (1st case-control study: smoking and lung cancer) e, em 1951, (1st
large cohort studies: British Doctors’ Study). Nesta época, merecem destaque alguns
nomes, como Austin B. Hill, Richard Doll e Ernst Wynder. No início dos anos 90,
um grupo de clínicos e epidemiologistas da McMaster University, Ontário, Canadá,
dedicam-se ao estudo de métodos inovadores de apuramento da verdade e utilizam,
pela primeira vez, uma técnica que denominam evidence-based medicine. Gordon
Guyatt foi um dos promotores desta nova filosofia (5). Em 1992, um grupo intitulado
«Evidence-Based Medicine Working Group», tendo como figura central David
Sackett, faz a primeira publicação com a denominação Evidence-Based Medicine,
iniciando uma série de publicações referentes a este tema: User’s Guide to the Medical
Literature, A New approach to Teaching the Practice of Medicine e A new paradigm for
medical practice is emerging (6). Outras disciplinas são incorporadas nesta filosofia dando
origem a diferentes termos como Evidence Based Practice ou Evidence Based Health Care.
Posteriormente foram aplicadas nomenclaturas a este método, nomeadamente, Best
Practice, Best Evidence, Evidence-Based Decision Making, Evidence-Based Problem Solving,
Evidence-Based Practice e Science-Based Treatment/Practice.
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pressup
Impacto de MBE
1) desconfiar da experiência
Esta nova metodologia teve grande impacto
no meio médico internacional e a revista New clínica, intuição e opinião dum
York Times Magazine, de 12 de Setembro de
2001, incluiu a Evidence-Based Medicine único expert;
entre as 80 ideias que nessa época agitaram 2) o conhecimento da
o Mundo. A difusão foi imediata e intensa.
Joseph Lau (9), numa pesquisa no Google, fisiopatologia não é suficiente
em 23 de Janeiro de 2006, usando o termo
Evidence-Based Medicine, obteve 1 milhão e e pode conduzir a atitudes
900 mil citações.
incorrectas de diagnóstico e
Uma das razões que levou ao sucesso da tratamento;
MBE foi a noção da deterioração progressiva
dos conhecimentos clinicamente importantes 3) é necessário conhecer
dos médicos após finalizarem a carreira ou o
período de formação especializada. Um estudo regras de avaliação para
feito no Canadá para apreciar os conhecimentos actualizados dos médicos em doenças adequada interpretação
comuns, como hipertensão, tinha demonstrado da literatura, de estudos
correlação negativa, clínica e estatisticamente
significante entre o conhecimento e a duração prognósticos, de testes
do tempo após graduação (10,11). A ideia
de que a MBE poderia constituir uma arma diagnósticos e de estratégias
útil para contrariar aquela perda de conhecimentos ganhou adeptos. A Formação Médica terapêuticas.
Contínua (FMC) é outra alternativa para uma
actualização permanente dos médicos, porém
nem sempre é fácil de instituir.
Objectivos da MBE
Os objectivos a que se propõe a MBE são
de diferentes naturezas, nomeadamente ajudar
o médico a cuidar dos seus doentes segundo
dados actuais da ciência, formar médicos conscientes do ritmo da evolução desses mesmos
dados, sem necessidade de recorrer permanentemente ao conhecimento adquirido no
decurso da formação universitária. São ainda
objectivos da MBE, ensinar uma metodologia
que permita avaliar as conclusões dum estudo
clínico a partir do estudo da própria estrutura
desse estudo, motivar adeptos e formar novos
seguidores. A MBE tenta fazer reconhecer
as limitações dos médicos ditos expert, habituais fazedores de directrizes avulsas e teorias
próprias fornecendo, assim, informação
incompleta ou parcelar que levam os doentes
a tomar opções difíceis ou mesmo erradas. A
MBE serve também para dar suporte científico
a guidelines, standardizar protocolos de admissão e alta, normas para educação dos doentes,
medidas de seguimento e desenvolvimento
de programas de abordagem dos doentes. É
útil para elaboração de directrizes médicas e
hospitalares, na credenciação de médicos e
hospitais, na melhoria dos sistemas de saúde,
na prestação de informações para cuidados de
saúde dos utentes e concorre, decisivamente,
para melhoria das relações entre médicos e
doentes. Porém, a MBE não é uma panacéia
que tudo resolve. Também não é um método impossível de praticar. Tampouco se trata
de um livro de receitas ou método restrito a
ensaios clínicos.
Uma das razões que levou ao
sucesso da Medicina Baseada
na Evidência foi a noção da
a
gressiv
o
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lizada.
especia
19
20
Vantagens e desvantagens da MBE
A MBE apresenta vantagens e desvantagens.
Como vantagens referem-se a sua capacidade
de reduzir as incertezas médicas, melhor uso
do conhecimento existente, diminuição do
risco e uma actuação segundo o Estado da
Arte. De modo geral, evita implicações de
índole legal e organizacional.
Como desvantagens é costume mencionarse a natureza das fontes de evidência, por vezes
fracas ou mesmo inexistentes, mas a crítica
mais pertinente baseia-se no facto de não
haver evidência directa de que a prática da
MBE melhore a evolução clínica dos doentes,
por falta de ensaios comparativos e randomisados (12).
A qualidade dos artigos pode ser afectada
pela falta de bases e pode conduzir a conclusões erradas (13). Para obviar estes factos
existe uma metodologia de avaliação e uma
classificação da qualidade da literatura, como
veremos adiante.
O facto da própria evidência ser uma
componente da decisão médica que ignora
o aspecto humano do trabalho clínico e a
complexidade dos assuntos clínicos é outra
desvantagem. A MBE tem sido criticada pela
possibilidade de poder ser um método vocacionado para ditar normas ou subvalorizar a
experiência clínica.
Os objectivos a que se propõe
a MBE são de diferentes
naturezas, nomeadamente
ajudar o médico a cuidar dos
seus doentes segundo dados
actuais da ciência, formar
médicos conscientes do ritmo
da evolução desses mesmos
dados, sem necessidade de
recorrer permanentemente
ao conhecimento adquirido
no decurso da formação
universitária.
MBE – Pontos de controvérsia
A MBE, desde a sua apresentação até hoje,
suscitou sempre a maior controvérsia (14). Se
para uns é a medicina necessária e desejável
por preconizar o uso permanente da pesquisa
e de critérios de rigor como base da tomada de
decisão, para outros pode conduzir a aceitação,
sem exercício da crítica, a seguidismo, adesão
a dogmas, a linhas de orientação, protocolos e
árvores de decisão pré-fabricadas.
A controvérsia provocada pela MBE
generalizou-se logo após o seu aparecimento.
No nosso meio, passa-se o mesmo, sendo justo
citar António Vaz Carneiro (4), um profundo
conhecedor da MBE e com inúmeros trabalhos publicados, como acérrimo defensor.
AntónioVaz Carneiro é professor da Faculdade
de Medicina de Lisboa, internista e nefrologista
do Hospital de Santa Maria e coordena, desde
Setembro de 2006, um Conselho Nacional
para a Evidência da Medicina, órgão consultivo da Ordem dos Médicos. Entre os críticos
podemos colocar, entre outros, Barros Veloso
(15), Lobo Antunes (16) e Walter Ossvald (17).
No entanto, todos reconhecem à MBE alguns
méritos, nomeadamente o de ter chamado
atenção para a necessidade de rigor, de procura
incansável da verdade, da rejeição de hábitos,
tradições, preconceitos não fundamentados ou
comprovados (17).
Há quem veja na MBE um risco de
diminuição da autonomia do médico, de
totalitarismo, da possibilidade de abusos na
sua aplicação ou do perigo de poder conceder benefícios ilícitos a eventual manipulador.
Muito recentemente Healy e vários académicos de Ontário, Canadá, citados por Pennie
Marchetti e outros (18, 19) atacaram a MBE
sugerindo tratar-se de um método «fascista»,
pelo risco da prática médica poder vir a ser de
certo modo manietada pelo poder estatal. Mas
a essência da MBE é bem clara: tomar as nossas
decisões com base nas melhores provas científicas existentes, em detrimento de opiniões
infundadas, mesmo que se tratem de opiniões
sugeridas por notáveis especialistas na matéria.
É evidente que existe uma atitude de perma-
nente septicismo na abordagem e tratamento
dos doentes que instiga à procura incessante
da verdade possível. Não vejo qualquer mal
nisso, até porque, segundo os princípios da
MBE, a evidência isolada não obriga a tomar
as decisões clínicas. Estas são tomadas tendo em
conta os riscos, benefícios e custos em relação
a estratégias alternativas e, até preferentemente, tendo em conta a preferência do doente
correctamente informado. Além disso, as
evidências, entenda-se provas, estão submetidas
a uma hierarquisação com o objectivo apenas
de ajudar a tomar a decisão. Quando se discute
MBE não se deve entender, ou sugerir, que
se trata de um processo rígido, pois quando
encontramos barreiras, pouca consistência nas
provas, casos isolados ou complicados, somos
nós que temos a última palavra na aplicação
de novas estratégias alternativas. Teremos de
ter a necessária experiência para não confundir provas com propaganda, manipulação,
superstição ou fólclore. Obviamente, a MBE
ajuda nestes casos, mas a aplicação errada de
MBE não pode ser atribuída ao método em
si, mas a quem a interpretou ou aplicou mal.
Nada resiste à falta de senso e à estupidez.
Não podemos também esquecer os riscos da
prática da medicina baseada na opinião de um
especialista. Cito exemplos de cirurgiões que
aconselharam mastectomia dupla no caso de
doença fibrocística da mama, histerectomias
em todas as mulheres em menopausa, ou
cirurgia em todos os casos de dor ciática por
ser único meio disponível (18).
A tentação de utilizar a MBE com a finalidade de diminuir custos da assistência sanitária,
não só seria má utilização da MBE, como
poria de manifesto a existência dum erro
fundamental na compreensão de possíveis
consequências económicas. Não é admissível
que a política de assistência à saúde, individual
ou colectiva, se torne numa prática voltada
apenas à contenção de gastos ou, pior ainda, ao
lucro desmedido. Diria mesmo que nenhum
processo de avaliação ou prática de medicina
pode retirar do paciente a melhor assistência
dentro do que é disponível, justo e necessário.
Também a MBE não é contrário ao conceito
21
de que «existem doentes e não doenças», pois
se assim fosse não teria a componente pessoal
atrás referida. Não tenham receio os adeptos
das medicinas alternativas, pois nada impede
que se apliquem. E se houver interesse em
testar a sua eficácia, podem sempre submeterse a ensaios controlados e randomisados.
22
Muitas das opiniões desfavoráveis à MBE
surgem das provocações lançadas sobre os
experts. A maior provocação lançada sobre
os expert foi expressa num artigo de David
Sackett, intitulada The Signs of Expertness and
a Proposal for Redemption (20); enunciava
publicamente a decisão de «(...) nunca mais
dar aulas, escrever, ou actuar como referee em
qualquer coisa relacionada à prática clínica
baseada em evidência». Considerava haver
mais experts disponíveis do que seria saudável.
O estatuto de expert daria uma autoridade
capaz de ultrapassar a sua real capacidade e um
poder de influenciar, aceitar ou recusar novas
evidências. Claro que estas afirmações suscitaram reacções de apoio e repúdio.
Também o facto de a MBE ter sido
apresentada inicialmente como «um novo
paradigma assistencial e pedagógico» despertou alguns comentários, nomeadamente ser
um modelo cognitivo adptado à prática clínica
que não rompe com modos lógicos-racionais
de produção de conhecimento científico
(21). Na relação da Medicina com a Ciência
e Arte, a MBE reforçaria o lado da Ciência,
que é já característica da Medicina Ocidental
Moderna.Finalmente,referimos alguns reparos
levantados à própria denominação de MBE: a
inclusão da palavra «Medicina» empresta-lhe
indiscutível efeito retórico; a palavra «Baseada»
insinua solidez; «Evidência», em linguagem
criminal, é um elemento importante – a prova.
Tudo termos necessários a uma sugestão de
«verdade». A bioestatística e a informática
médica, habitualmente associadas, configurariam os ingredientes necessários ao sucesso da
MBE.
Procedimentos práticos da MBE
Embora não pretenda ensinar os procedimentos práticos da MBE, acho útil divulgar
alguns dos preceitos práticos.A prática da MBE
obriga a ter em consideração as bases da pesquisa, isto é, começar por uma ideia clara sobre o
que se pretende saber a respeito do tópico e o
que está envolvido. Também interessa precisar
a data em relação a factos recentes ou informação histórica e, por fim, ter em conta se
pretendemos uma pesquisa própria ou uma
pesquisa para um projecto, palestra ou ensino.
Em seguida, identificar o tópico e as palavraschave. É conveniente combinar palavras-chave
para focar uma estratégia de pesquisa, usando
«E» (AND) para combinar conceitos similares
e limitar os resultados da pesquisa; «OU» (OR)
para agrupar termos e alargar os resultados da
pesquisa.A escolha das revistas e a língua é outra
opção que tem de ser tomada, bem como o tipo
de trabalho a pesquisar: ensaios, revisão, actualização, etc.
A estratificação da importância dos estudos
costuma ser exemplificada sob a forma de uma
pirâmide (22). Subindo da base ao topo a quantidade de literatura disponível vai diminuindo ao
mesmo tempo que vai aumentando a relevância
dos estudos clínicos. No topo da pirâmide temos
a literatura de carácter secundária que revisa e
analisa a literatura primária.
Durante a estruturação dos níveis de evidência há necessidade de uma noção relativa dos
diferentes tipos de estudos primários e, conforme esses delineamentos, hierarquizam-se as
co,
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a
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Há quem veja na MBE
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possibilidade de abusos
na sua aplicação ou do
perigo de poder conceder
benefícios ilícitos a eventual
manipulador.
evidências, colocando-as em ordem de importância (Quadro 1 e 2). A melhor evidência para
determinar a eficácia de um teste diagnóstico
é dada por ensaios prospectivos de comparação
cega com o teste «padrão ouro». São estudos
controlados que analisam pacientes em diferentes estágios da doença e aplicam ambos os
testes, o que está sendo pesquisado, e o «gold
standard» (teste considerado padrão para aquele
tipo de diagnóstico) em todos os pacientes do
grupo de estudo.A melhor evidência para estudos de prognóstico e diagnóstico são os estudos
de coorte feitos em grupos de pacientes com
determinada doença ou que recebem um tipo
específico de tratamento durante algum tempo,
seguidos para comparação com outros grupos
que não foram afectados pela condição que está
sendo estudada. Estudos de caso controlados são
geralmente menos fiáveis que os estudos randomisados controlados e os estudos coorte. Casos
ou Relato de Caso, como não utilizam nenhum
tipo de controlo para comparação de resultados,
e devido ao número pequeno de indivíduos
incluídos para observação, não têm validade
estatística e precisam ser complementados com
outros estudos.
Os principais tipos de trabalhos de carácter secundário que revisam as pesquisas
originais são considerados de maior valor científico na prática da MBE e incluem: Revisão
Sistemática – trabalho científico que segue
uma rigorosa metodologia de análise, classificação e categorização dos trabalhos publicados;
Metanálise – método quantitativo de combinação de resultados da revisão sistemática; a
metanálise tem sido definida como «studying
the studies».
A MBE é a ferramenta de excelência para a
criação de Guias de Orientação ou Protocolos
de Procedimentos (Guidelines), isto é, pautas
de recomendações válidas para a prática clínica
que emergem da interacção entre os dados
científicos e a opinião profissional, baseadas
numa metodologia científica.
A Internet é o sítio privilegiado para pesquisa de MBE. Existem numerosos databases
especialmente destinados a pesquisa, uns de
acesso livre (National Guideline Clearinghouse,
Agency for Healthcare Research and Quality,
Health Services/Technology Assessment
Text) e outros pagos (American Medical
Association, Evidence-Based Practice Centers,
Medicare coverage decisions, FDA, National
Institute of Health, Cochrane Reviews). Existem
Centros especialmente vocacionados para
avaliação de estudos Baseados na Evidência,
nomeadamente o Centro Cochrane com site
na Internet (www.cochrane.org); o Centro
Cochrane é uma organização internacional sem
intenção lucrativa que procura ajudar a tomar
decisões clínicas e sanitárias bem fundamentadas preparando, actualizando e promovendo
o acesso a revisões sistemáticas sobre os efeitos
da atenção sanitária.
23
A MBE é a ferramenta de excelência para a criação de Guias de
Orientação ou Protocolos de Procedimentos (Guidelines), isto
é, pautas de recomendações válidas para a prática clínica que
emergem da interacção entre os dados científicos e a opinião
profissional, baseadas numa metodologia científica.
Quadro 1
24
A
B
C
D
01
02
03
04
05
06
07
08
09
10
Grau de Recomendação & Nível de Evidência
Estudos Terapêuticos e Preventivos
Revisão Sistemática de Ensaio Controlado e Aleatorizado
Ensaio Controlao e Aleatório de IC* pequeno
Outros Ensaios Clínicos
Revisão Sistemática de Estudos de Coorte
Estudos de Coorte
Coorte de Cuidados Médicos Recebidos “outcome research”
Revisão Sistemática de Estudos Caso-Controle
Estudos Caso-Controle
Série de Casos
Consenso ou Opinião de Especialistas
Quadro 2
A
B
C
D
01
02
03
04
05
06
07
08
09
10
Grau de Recomendação & Nível de Evidência
Estudos Diagnósticos
Revisão Sistemática de Ensaio melhor Desenhados
Padrão Ouro + Observação Cega + Selecção Adequada
Alta Sensibilidade e/ou Alta Especificidade
Revisão Sistemática de Estudos pior Desenhados
Padrão Ouro + Observação Cega ou Selecção Adequada
Observação Cega + Selecção Adequada sem Padrão Ouro
Observação Cega ou Selecção Adequada ou Padrão Ouro
Consenso ou Opinião de Especialistas
es
lusõ
c
n
Co
Conclusões
Em conclusão, a MBE é um método de prática clínica
desenvolvido nos anos 90, que tem por finalidade evitar
opiniões e decisões baseadas em experiências pessoais não
confirmadas e que dá preferências a estudos randomisados,
meta-análises ou a revisões sobre os assuntos em questão.
Desde logo foi um método saudado pelos centros académicos e de investigação, mas visto com alguma desconfiança
pelos clínicos do mundo real. Embora tenha havido alguma
resistência inicial à sua generalização muita coisa mudou
e, hoje, com a facilidade de acesso a databases de pesquisa,
verificamos que este método tem cada vez maior aceitação
por parte dos médicos de família.
A comunidade internacional, em congressos e outros
eventos de envergadura, refere-se à MBE como uma fonte
de credibilidade. Nada é aceite sem uma base científica
apoiada em estudos randomisados reprodutíveis. Embora na
Medicina pouco ou nada seja definitivo, pode prever-se que
a MBE constitua a base da prática clínica e da apresentação
de quaisquer tipo de normas orientadoras.
25
Referências
26
1. Sackett, Rosenberg, Gray, Haynes, Richardson, Evidence based
medicine:What it is and what it isn’t, BMJ, 1996;312:71-72.
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clinical problem-solving, BMJ, 1995;310:1122-6.
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268:2420-2435.
7. Silva, Revista Hospital Clínico Universidade Chile, 1999,
2:142-4.
8.Vandenbrouke, Lancet, 1998; 352:2001-06.
9. Joseph Lau, Center for Clinical Evidence Synthesis,Tufts, New
England Medical Center.
10. Ramsey, Carline, Inui, JAMA, 1991, 266:1103.
11. Evans, Haynes, Birkett e al.,JAMA, 1986, 255:501.
12. Lewis e Orlando,The importance and Impact of EvidenceBased Medicine, J Manag Care Pharm. 2004; 10(5)suppl
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13. Zou, Fielding, Ondategui-Parra, What is Evidence-Based
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15. António José Barros Veloso, Acerca da Medicina Baseada na
Evidência, Revista Ordem dos Médicos, 61, Outubro 2005.
16. Lobo Antunes, Sobre a mão e outros ensaios. Gradiva, Lisboa,
2005.
17.Walter Ossvald, Da medicina hipocrática à medicina baseada
na evidência, Notícias Médicas, 2928, 13 de Dezembro de 2006.
18. Pennie Marchetti. Does “Evidence-Based Medicine”
Diminish the Physician´s Role? Medscape Med Students. 2007;
9(1), 2007.
19. Roy Poses, Better Than Traditional «Eminence» - Based
Medicine. Medscape Med Students. 2007;9(1), 2007.
20. Sackett, BMJ, 2000, 320:1283.
21. Luis Castiel, Conte Póvoa, Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro,
2001, 17:205.
22. Sunny Downstate Medical Center Evidence Based Medicine.
Evidence pyramid. Disponível em: http://servers.medlib.
hscbklyn.edu/ebm/2100.htm.
Sites:
http://www.evidencias.com/aldemar
http://www.bradfordvts.co.uk
http://[email protected]
http://www.evidencias.com/aldemar
http://www.cochrane.org
http://cancerweb.ncl.ac.uk/cgi-bin/omd?evidencebased+medicine
http://www.guideline.gov
http://ahcpr.gov
http://pubmed.gov
28
Lurdes Santos
Nutricionista
Lília Figueiredo,
Fátima Fonseca
Nutricionista, Serviço de Nutrição do Hospital Senhora da Oliveira, Guimarães
Vitamina
K
e anticoagulantes orais
Introdução
A terapêutica anticoagulante constituiu um
avanço no tratamento de estados de hipercoagulabilidade que propiciam a formação de
trombos ou êmbolos que, por sua vez, podem
causar obstrução parcial ou completa da circulação sanguínea e do fornecimento de sangue
aos órgãos e tecidos.Trata-se de uma terapêutica frequentemente utilizada em doentes com
antecedentes de acidentes vasculares cerebrais
ou doenças cardíacas, e que em muitos casos
têm associados outras doenças como dislipidemia, diabetes, hipertensão ou obesidade.
A alimentação nestes doentes apresenta um
desafio suplementar. Por um lado, a vitamina K
é um composto chave no processo da coagulação e está presente em numerosos alimentos
fundamentais para uma alimentação adequada.
Por outro, um dos fármacos mais utilizados
nesta terapêutica, a varfarina, interfere com a
acção da vitamina K.
A interacção medicamento/alimento é um
assunto de grande atenção na actuação dos
nutricionistas, sendo neste caso da terapêutica
anticoagulante particularmente relevante.
29
Papel da vitamina K
Descoberta no início do ano 1930 por
Henrik Dam1, recebeu o nome de Vitamina
K porque a sua carência causava defeitos na
coagulação (no escandinavo Koagulation)2.
A vitamina K é necessária ao mecanismo de
coagulação sanguínea que protege o organismo de uma morte por hemorragia devido a
cortes ou feridas, bem como de hemorragias
internas. Apresenta uma função fisiológica
anti-hemorrágica3 uma vez que é essencial
para a síntese de protrombina (factor II), uma
proteína que converte o fibrinogénio solúvel,
em circulação no sangue, numa proteína muito
insolúvel, designada por fibrina, que é o principal componente de um coágulo sanguíneo.
Foi em 1974 que se estabeleceu o papel
bioquímico desta vitamina na síntese dos
factores de coagulação (factores II, VII, IX e
X), quando se descobriu que actuava como
co-factor na conversão pós-translacional de
resíduos específicos de glutamato (Glu) a
γ-carboxiglutamato (Gla)3.
30
Formas activas da vitamina K
A vitamina K engloba um grupo de diferentes moléculas com composição química
e propriedades bioquímicas semelhantes4.
Aparece na natureza como uma série de formas
moleculares que apresentam em comum um
anel 2-metil-1,4-naftoquinona, mas diferem
em comprimento e grau de saturação da
cadeia lateral isoprenóide na posição 33, 5. São
conhecidas duas formas moleculares activas da
vitamina K, a vitamina K1 (uma filoquinona),
que se encontra nas plantas e a vitamina K2
(menaquinona), que é sintetizada por algumas bactérias3, 5, 6, 7. Existe ainda um derivado
sintético da naftoquinona, a menadiona, que
apresenta as mesmas propriedades fisiológicas
da vitamina K. À menadiona é atribuído o
nome de vitamina K38.
Alimentos fornecedores de vitamina K
Os dados relativos à composição dos diversos alimentos em vitamina K são escassos, não
havendo na tabela de composição de alimentos nacional qualquer referência à quantidade
de vitamina K, nem algum estudo no nosso
país onde fosse determinada essa mesma
quantidade.
A forma predominante de vitamina K nas
plantas é a filoquinona5. As principais fontes
de K1 são os vegetais de folha verde9,10, tais
como: brócolos, espinafres, couves11, seguidos de alguns óleos vegetais, como os óleos
de colza e de soja10. Booth e colaboradores5
encontraram concentrações muito elevadas
de filoquinona (3000-6000mg/Kg) em
vegetais de folha verde como espinafre, salsa,
couve-lombarda, couve-galega e concentrações intermédias (1000-2000mg/Kg) foram
encontradas nas couves-de-bruxelas, brócolos,
couve-branca e alface.
A cor de certos hortofrutícolas determina a
quantidade de K1 existente; ao progredir das
camadas internas para o exterior, a quantidade
de K1 aumenta, encontrando-se a quantidade
mais elevada nas folhas verdes. Nos vegetais, a
quantidade da vitamina pode ainda variar de
acordo com a frescura, grau de pigmentação
verde, maturação da planta e, possivelmente,
do clima5.
As sementes (noz, castanha, amêndoa,
amendoim, etc.) não contêm quantidades
significativas de K1, fornecendo na sua maioria quantidades inferiores a 5mg/100g. As
excepções são os pinhões e o caju que podem
fornecer aproximadamente 60mg/100g e
35mg/100g, respectivamente12. Os frutos,
com algumas excepções, não são bons fornecedores de K1, apresentando uma quantidade
média inferior a 10mg/100g. O kiwi, o figo,
a ameixa preta, as uvas e o abacate constituem
as excepções, fornecendo um conteúdo
médio de filoquinona variável entre 15,6 e
59,5mg/100g de fruto. Os citrinos não são
boas fontes de K1 e a maçã, quando não
descascada, apresenta um conteúdo superior
de K1.
A hidrogenação dos óleos vegetais transforma parte da K1 em 2’-3’-dihidrofiloquinona9,13
que, embora não apresente a mesma potên-
A terapêutica anticoagulante constituiu um avanço no
tratamento de estados de hipercoagulabilidade que propiciam
a formação de trombos ou êmbolos que, por sua vez, podem
causar obstrução parcial ou completa da circulação sanguínea e
do fornecimento de sangue aos órgãos e tecidos.
31
cia fisiológica da vitamina insaturada10, está
distribuída por muitos alimentos, tais como
margarinas hidrogenadas, alimentos de fastfood e fórmulas infantis contendo óleos
hidrogenados13 e pode contribuir significativamente para a ingestão total de vitamina K10.
Recomendação diária de ingestão
A recomendação diária de ingestão de vitamina K (tabela 1) para indivíduos com idade
superior a 19 anos do sexo masculino é de
120µg/dia e de 90µg/dia para indivíduos do
sexo feminino da mesma faixa etária16, 17.
A vitamina K é razoavelmente estável, não
sendo destruída pelos processos culinários
comuns e nem é perdida para a água de
confecção14. No entanto, é destruída por alcalóides e ácidos fortes, a exposição à luz pode
precipitar a foto-decomposição e é pouco
estável a temperaturas entre 185 e 190ºC15.
Tab.1* – Recomendações diárias de ingestão de Vitamina K
Idade
Crianças
0-6
m
7-12
m
1-3
A
4-8
A
g/dia
Bebés
2
2,5
30
55
Homens
Mulheres
9-13 14-18 19-30 31-50 51-70
A
A
A
A
A
60
75
120
120
120
>70
A
120
Gestantes
9-13 14-18 19-30 31-50 61-70
A
A
A
A
A
60
75
90
90
90
>70
A
≤18
A
90
75
19-30 31-50
A
A
90
90
Aleitantes
≤18
A
75
19-30 31-50
A
A
90
90
*Trumbo P, Yates AA, Schlicker S, et al. Dietary Reference Intakes: Vitamin A, Vitamin K, Arsenic, Boron, Chromium, Copper, Iodine,
Manganese, Molybdenum, Nickel, Silicon,Vanadium and Zinc. J Am Diet Assoc 2001; 101(3): 294-01.
32
A função da vitamina K na síntese
dos factores de coagulação
Para que as proteínas dependentes da vitamina K se tornem biologicamente activas,resíduos
glutamil específicos da região N-terminal dos
precursores proteicos dependentes da vitamina
K necessitam de ser carboxilados, formando-se
resíduos g-carboxiglutamil18,19. Esta reacção de
carboxilação ocorre no fígado, embora tenha
já sido demonstrada noutros orgãos, a nível
pós-translacional por uma enzima microssomática, igualmente dependente da vitamina
K, a g-glutamil carboxilase. Uma vez que a
carboxilação é dependente da vitamina K, na
sua ausência ou na presença de um antagonista da vitamina K, esta reacção encontra-se
prejudicada19.
O sistema consiste numa γ-carboxilase
dependente da vitamina K que tem como
co-factor a forma reduzida da vitamina K
(hidroquinona) e a vitamina K2,3 ‑ epóxido redutase, que produz o co-factor20 .
Concomitantemente com a γ-carboxilação, e
uma vez que a quantidade de vitamina K na
alimentação humana é limitada21, processa-se
uma interconversão cíclica dos metabolitos
da vitamina K, conhecida como Ciclo da
vitamina K20 que previne a depleção da
vitamina21.
A reciclagem da vitamina K no seu ciclo
normal requer uma quantidade mínima da
mesma para que se encontrem níveis plasmáticos normais de factores de coagulação18.
A γ-carboxilação também requer oxigénio
molecular, CO2 e a vitamina reduzida na
forma de hidroquinona22, 23.
A vitamina K é necessária ao
mecanismo de coagulação
sanguínea que protege o
organismo de uma morte por
hemorragia devido a cortes
ou feridas, bem como de
hemorragias internas.
Os anticoagulantes orais
A função fisiológica do sistema de coagulação é impedir a perda de sangue após lesão.
No entanto, há situações em que a lesão da
parede vascular ou alterações no fluxo sanguíneo podem operar mudanças no processo de
coagulação que resultam em trombose24.
A trombose pode ser definida como a
formação de um coágulo de fibrina que causa
obstrução completa ou parcial da artéria ou
veia25.
Os anticoagulantes orais (ACO), também
designados por antagonistas da vitamina K ou
antivitamínicos K, são compostos orgânicos
com uma estrutura semelhante à vitamina K26.
Os ACO são usados extensivamente na prática clínica de rotina na prevenção e tratamento
das complicações tromboembólicas da doença
vascular27.
A varfarina, inibe a g-carboxilação dos resíduos de ácido glutâmico dos precursores de
proteínas dependentes da vitamina K durante
a sua síntese hepática23. O efeito anticoagulante da varfarina é exercido pelo bloqueio das
enzimas redútase do epóxido da vitamina K e
redutase da quinona da vitamina K, impedindo a regeneração à forma activa da vitamina,
a hidroquinona23,26. A inibição deste passo é
dependente da dose mas é irreversível23. A
acumulação do metabolito epóxido no fígado
e no plasma e, principalmente, a depleção da
forma reduzida da vitamina K conduzem à
formação de proteínas coagulantes (protrombina, factor VII, factor IX e factor X) e de
outros anticoagulantes (proteína C e proteína
S) biologicamente inactivas porque contêm
um número reduzido de carboxiglutamatos26
Ao conjunto de proteínas descarboxiladas ou
parcialmente carboxiladas dá-se a designação
colectiva de PIVKAs (protein induced by
vitamin K absence or antagonists)23.
A actividade da varfarina está dependente
da interacção complexa entre a sua farmacocinética e o metabolismo dos factores de
coagulação assim como da disponibilidade de
vitamina K23. A variabilidade na afinidade da
varfarina para os seus receptores hepáticos, as
interacções com outros fármacos e os estados
de doença que afectam a absorção de vitamina
K contribuem para um efeito anticoagulante
imprevisível24. A variabilidade na resposta a
estes fármacos tem sido também atribuída a
uma redução da biotransformação hepática
dos ACO como resultado da idade e factores
genéticos28. Assim, a terapêutica deve incluir
uma monitorização regular e o ajuste da dose
de ACO para assegurar que o efeito anticoagulante permaneça dentro do intervalo
terapêutico24.
33
Interacção vitamina K e ACO
Os alimentos e a alimentação podem modificar a razão vitamina K/ACO e alterar os
parâmetros de coagulação. O jejum, o abuso
de álcool e as dietas de emagrecimento podem
potenciar o efeito anticoagulante dos ACO29.
Consequentemente, variações na ingestão
de vitamina K podem causar variações no
efeito anticoagulante da varfarina24.
34
A interacção fármaco/nutriente é uma
preocupação nos doentes com terapia anticoagulante oral30, existindo uma grande
variabilidade inter e intra-individual na
resposta à anticoagulação oral com agentes
anti-vitamina K. Esta variabilidade leva a
instabilidade no INR (Razão Internacional
Normalizada: medida standard para a determinação laboratorial do tempo da protrombina) e
complicações por hemorragia, sendo proposto, do ponto de vista clínico, que a explicação
desta variação reside no estado nutricional da
vitamina K31.
A avaliação da vitamina K inclui medição
directa da concentração plasmática e avaliação
da ingestão alimentar31.A avaliação da ingestão
normal de vitamina K pode ser muito útil em
determinados momentos: quando se inicia
a terapia anticoagulante; quando o paciente
altera a ingestão de vitamina K e quando
ocorre uma alteração na protrombina que
não é passível de ser explicada por interacções
medicamentosas ou intercorrências patológicas32.
Pensa-se que a concentração plasmática
de filoquinona é exclusivamente derivada da
alimentação e não da conversão metabólica de
outras formas de vitamina K. A concentração
da vitamina é sensível a alterações recentes na
ingestão alimentar, tendo sido já demonstrado
que a concentração plasmática diminui em
resposta a planos alimentares moderada ou
severamente pobres em filoquinona33.
Foi descrito antagonismo da acção da
varfarina em doentes que iniciaram dietas de
emagrecimento que promoviam o consumo
de vegetais de folha verde30, assim como está
também descrito um efeito sazonal no consumo de vegetais causando instabilidade no
controlo da terapia anticoagulante30, 34.
No seu estudo, Pedersen sugeriu que os
doentes a fazer terapia anticoagulante não
devem ter variações de ingestão de vitamina
K que excedam as 250 a 500mg/dia. Por
sua vez, Karlson mostrou também que uma
única dose de vegetais verdes não alterava
significativamente os tempos da protrombina.
Outro estudo levado a cabo pela equipa de
Khan11 revelou que um aumento de 100µg na
ingestão de vitamina K em 4 dias consecutivos
causava uma redução no INR de 0,2. Estes
resultados apoiam a hipótese de que a ingestão
de vitamina K afecta a resposta anticoagulante
da varfarina. Contudo, os doentes deste estudo
apresentavam controlo estável da anticoagulação e as variações na ingestão de vitamina K
não eram suficientemente significativas para
causar uma alteração da dose de varfarina. Os
resultados de estudos metabólicos sugerem que
o estado nutricional da vitamina K é em parte
determinado pela ingestão alimentar recente
e que os níveis plasmáticos de K1 podem ser
estabilizados em alguns dias se for feita uma
ingestão consistente de K111, 30.
Um baixo estado nutricional em vitamina
K pode implicar carências nutricionais de
outras vitaminas lipossolúveis, e aumentar o
risco de doenças degenerativas33.
Desta forma, a abordagem de restringir
a ingestão de vitamina K para melhorar a
estabilidade da terapia anticoagulante não
parece ser a melhor opção, uma vez que não
permite manter a função óptima das proteínas
dependentes da vitamina K assim como pode
conduzir a carências de outros nutrimentos11.
Quando a dose de anticoagulante oral é
estabelecida, a ingestão de vitamina K deverá
ser a mais aproximada possível da ingestão
normal que o indivíduo faz. Após a dose estar
estabelecida, o objectivo será manter a ingestão total de vitamina K entre valores que não
ultrapassem as 250 g/dia acima ou abaixo da
ingestão basal32 .
A ingestão crónica de vitamina K abaixo das
RDIs associada ao efeito antagonista da varfarina, podem ter implicações a longo prazo
na saúde óssea. Assim, enquanto não houver
estudos prospectivos acerca da dose/resposta
de vitamina K para a estabilidade da terapia
com varfarina, o aconselhamento nutricional
para melhorar essa estabilidade não deve ser no
sentido de restringir o consumo de K1 abaixo
da quantidade das RDIs mas recomendar uma
alimentação com uma quantidade consistente
de vitamina K30.
A interdisciplinaridade entre
profissionais envolvidos
neste processo terapêutico
(médicos, enfermeiros, e
nutricionistas) é essencial
para a melhoria do controlo.
O diálogo constante
poderá facilitar o ajuste
das várias terapêuticas em
conjunto (ACO e terapêutica
nutricional), tendo em conta
as patologias associadas,
os hábitos alimentares e os
alimentos disponíveis.
Análise crítica
De acordo como o que se apresenta previamente escrito, não se encontra uma razão
justificada para restringir e evitar o consumo
de alimentos fornecedores de vitamina K em
doentes com terapia anticoagulante oral. No
entanto, o que se verifica na prática clínica é
que estes doentes, por aconselhamento restritivo ou, na maioria das vezes, por incompreensão
das recomendações feitas pelos profissionais de
saúde, evitam o consumo de vegetais e elegem
apenas 2 ou 3 hortícolas (exemplo: tomate,
cenoura e couve-branca) para consumir em
pequena quantidade e pouco frequentemente. Em muitos casos, a monotonia alimentar
instala-se tornando a alimentação mais pobre
e afastada do padrão saudável, sem se traduzir
necessariamente em estabilidade da terapia
anticoagulante.
Outro dos problemas existentes é a sazonalidade, que muitas vezes é responsável por
alterações marcadas no controlo. Esta é particularmente notada em populações rurais ou
semi-urbanas nas quais persiste a produção de
vegetais para consumo doméstico, com picos
marcados de consumo correspondentes à
época de maturação. Neste caso torna-se útil o
ensino de técnicas de conservação de alimentos e de regras para o seu consumo periódico.
No início da instituição da terapêutica, poderá
ser útil uma correcção dos hábitos alimentares,
introduzindo a regularidade no consumo de
vegetais, que deverá ser mantida após a estabilização da dose de ACO.
Para melhorar a abordagem terapêutica
nestes doentes faltam estudos nacionais que
determinem a quantidade de vitamina K nos
alimentos. Embora existam dados provenientes de estudos estrangeiros, estes por vezes
apresentam algumas variações para além de,
naturalmente, não incluírem alguns alimentos
característicos da nossa realidade alimentar.
35
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Conclusão
O consumo de alimentos particularmente ricos em vitamina K em doentes com ACO não
está desautorizado mas deve ser moderado, sendo fundamental conservar um regime alimentar
equilibrado e constante no tempo34.
O nutricionista deverá, portanto, ter um papel muito activo no acompanhamento dos doentes
com esta terapêutica, desde o início da sua instituição. Um dos aspectos fundamentais é o da
educação alimentar. Os doentes devem ser ensinados a fazer uma alimentação adequada, com
um conteúdo regular e diário de fornecedores de vitamina K. Os objectivos do ensino são evitar
as restrições alimentares severas a que alguns doentes se submetem, contornar o efeito da sazonalidade e contribuir para uma melhor estabilidade da terapia anticoagulante. Simultaneamente,
naqueles doentes que apresentam outras patologias que necessitam de terapêutica alimentar (ex.:
obesidade, obstipação, dislipidemias, diabetes ou outras) e que beneficiam de um aumento do
consumo de hortofrutícolas, não há justificação para a sua restrição, o que irá contribuir para o
tratamento da doença, para evitar carências em micronutrimentos, sem influenciar o controlo da
hipocoagulação.
A interdisciplinaridade entre profissionais envolvidos neste processo terapêutico (médicos,
enfermeiros, e nutricionistas) é essencial para a melhoria do controlo. O diálogo constante poderá
facilitar o ajuste das várias terapêuticas em conjunto (ACO e terapêutica nutricional), tendo em
conta as patologias associadas, os hábitos alimentares e os alimentos disponíveis.
37
Entrevista a
Manuel Antunes
38
Coração com dedicação humana plena
Com 1650 intervenções anuais, cardíacas e pulmonares, o Centro de Cirurgia
Cardiotorácica dos Hospitais da Universidade
de Coimbra começa a ser conhecido quando,
há três anos, se iniciam os transplantes cardíacos. Numa filosofia profissional de dedicação
completa ao serviço, os cerca de 30 transplantes
cardíacos anuais, 2% da actividade do centro,
obedecem a rigorosos critérios de selecção. O
coração, um órgão sem custo definível, «não
pode ser colocado em quem não é capaz de
tomar conta dele. É cruel dizer que alguns são
excluídos, mas é esta a lógica seguida em todo
o mundo». Em média, um transplante traz
um acréscimo de 10 anos de vida. Este ano, o
serviço calcula um saldo positivo de 7 milhões
de Euros. De 2000 a 2005 distribuiu parte
dos lucros pelos profissionais. Numa filosofia
diferente, de dedicação plena dos profissionais,
o Centro assume-se como modelo científico,
técnico e, sobretudo, humano.
39
40
Embora a entrevista estivesse marcada a
meio da manhã, sabia que Manuel Antunes
estaria no hospital manhã cedo. Entrei no
edifício antes da hora marcada, tudo a não
lembrar um hospital. Comuniquei que tinha
chegado e, passados momentos, levaram-me
ao gabinete de Manuel Antunes. Falara com
ele em Braga, nas Jornadas de Cardiologia,
e ficara com a sensação de uma certa pressa
nesse dia. Não hoje. Manuel de Jesus Antunes,
director do Centro de Cirurgia Cardiotorácica
dos Hospitais da Universidade de Coimbra,
professor catedrático da Faculdade de Medicina
da Universidade de Coimbra, 59 anos, estava
calmo, sereno, apesar do pouco tempo disponível. No seu gabinete, uma secretária cheia
de documentos, plantas, a luz difusa do meio
da manhã sossegava todo o espaço. Para além
das intervenções cirúrgicas, Manuel Antunes
assume-se com um papel preponderante em
ideias para a saúde. Permanece em Portugal,
e aqui ficará, embora pudesse emigrar. Sente
que o Sistema Nacional de Saúde é rígido, burocrático, pouco eficiente. Para tudo
melhorar, era necessário aumentar a produtividade e diminuir o desperdício. «Temos de
alinhar rapidamente por uma dedicação plena
a uma actividade. A minha ambição é mostrar
que não me cansei, que o modelo funciona».
Nascido a 20 de Julho de 1948, em Memória,
Leiria, a residir em Coimbra, com três filhos,
sabe que «temos sempre o dever de fazer mais
pelos outros na saúde. Em saúde temos de ter
uma dedicação humana plena».
Operamos 1650 doentes
por ano. Não existe nenhum
centro na Península Ibérica
que faça tanta cirurgia
cardíaca como o nosso, de
maneira que os números
globais deixam-nos a grande
distância dos que vêm a
seguir.
Actualmente, o Centro de Cirurgia
Cardiotorácica dos Hospitais da
Universidade de Coimbra é o maior
centro, não em termos de espaço, da
Península Ibérica em intervenções
realizadas. Em três anos, efectuaram
102 transplantações cardíacas. É fácil,
em Portugal, produzir este trabalho?
Não é fácil e cada vez mais tenho a sensação de que, em Portugal, tudo funciona mal.
Mesmo aqui é muito difícil conseguir este
trabalho, apesar de termos neste momento
uma equipa altamente seleccionada. Nestes
últimos 19 anos seleccionamos pessoas,
tentando desviar aquelas que não se comprometiam ou que não tinham capacidade para
absorver a metodologia utilizada no serviço.
Tudo isto é feito com um esforço hercúleo
diário. De facto, não sei se é uma questão
cultural, se genética, se é apenas uma questão
das condições sócio-económicas, políticas
prevalentes, provavelmente relacionadas com
uma democracia que ainda é muita recente e
que as pessoas não compreenderam completamente. Penso que os portugueses ainda têm a
noção de que a democracia é cada um puxar
para si, puxar para seu lado, sem terem em
conta as necessidades comuns da sociedade
em que estão inseridos. E mesmo com pessoas
altamente seleccionadas, o esforço é muito
grande para conseguir manter o veículo em
primeira velocidade.
Disse: «Há a noção de que o trabalho
intensivo, em dedicação plena, gera
produtividade». Só assim consegue
eficácia?
As coisas fazem-se com trabalho e se as
pessoas não estão, ou não estão muito tempo,
não podem fazer muito. Isso é uma verdade
para qualquer tipo de actividade. E aqui ainda
mais. Estamos a falar de uma especialidade
cirúrgica cujas intervenções são muito longas,
em média quatro horas. Ou se trabalha o dia
inteiro e se tem oportunidade para fazer duas
ou três em cada sala, ou, então, se é apenas para
trabalhar de manhã como acontece em muitos
casos, não se consegue fazer mais do que uma
intervenção. Por outro lado, se tivéssemos isto
divido por turnos ou partido a meio com uns
a entrar de manhã, outros à tarde, os períodos
mortos seriam imensos e as coisas não poderiam funcionar assim. Nesta especialidade é
necessária uma dedicação completa e por
muitas horas.
41
42
Quantas intervenções fazem por ano?
Operamos 1650 doentes por ano. Não existe nenhum centro na Península Ibérica que
faça tanta cirurgia cardíaca como o nosso, de
maneira que os números globais deixam-nos a
grande distância dos que vêm a seguir.
O que é excelente…
Quando vim para aqui, há 19 anos,
delineou-se um projecto que todos acharam
megalómano. Provou-se que é possível realizar, claro que com muito esforço e alguma
autocracia por parte das chefias, mas não há
outra maneira.
Porque é que começaram a realizar
transplantes cardíacos?
Aqui, a transplantação cardíaca só começou
há três anos.Temos feito à volta de 30 por ano,
o que significa menos de 2% da nossa actividade global. Quando cheguei a Portugal, já
existiam três centros a transplantar, e isso, de
acordo com as normas internacionais, era mais
do que suficiente para um país com 10 milhões
de pessoas, que se calcula que se devam fazer,
teoricamente, 100 transplantes por ano, mas,
provavelmente, não há necessidade de mais
de 60 ou 70, o que seriam números para
dois centros. Como já havia três, não havia
necessidade de um quarto. Progressivamente,
fomo-nos convencendo de que a baixa
produtividade dos outros, em Portugal estavase a fazer, em média, 12 a 15 por ano, menos
de um quarto ou quinto das necessidades,
significava que não estavam a ser bem tratados
os doentes da nossa área de responsabilidade.
Entendemos que devíamos começar, não era
uma grande prioridade, pois é apenas 2% da
actividade global, e não podíamos permitir
que os 2% viessem prejudicar os outros 98%
de uma claramente bem sucedida experiência.
Por outro lado, se queríamos entrar nesta actividade da transplantação, tínhamos de o fazer
com rigor, de forma séria. Para fazer dois ou
três por ano, como algumas equipas estão a
fazer, não valia a pena. Na altura disse que no
prazo de três anos estaria a fazer 25 por ano.
Logo no primeiro ano fizemos mais de 25 e é
aqui que nos queremos manter. Não fizemos
mais porque não foi necessário.
Como se determina que certa pessoa
precisa de fazer um transplante
cardíaco?
Nós temos no hospital, no serviço de cardiologia, uma Unidade de Tratamento Intensivo
da Insuficiência Cardíaca Avançada (UTICA)
para onde são referidos todos os doentes que
me são enviados. Nessa unidade são feitos os
estudos prévios e, depois, concordamos se é
um doente, ou não, para transplantação. Claro
que os critérios de aceitação em medicina
não são uniformes. Por exemplo, se tiver uma
hérnia, há-de haver um cirurgião que diga
é bom operar já e outro que diz para deixar
andar enquanto puder. Há quem pense que o
transplante do coração se deve fazer quase em
doentes moribundos. Naturalmente que se
deve fazer em doentes em condições de fim
de linha, em que não há outras terapêuticas
alternativas. Mas se fizermos em doentes que
estão em vésperas de morrer os resultados são
maus; se fizermos em doentes que ainda estão
em boas condições físicas, excluindo o coração,
os resultados são muito melhores. Tendo em
conta que estamos a utilizar um órgão cujo
custo não é definível, porque é superior a tudo
aquilo que possamos pensar, não o podemos
estar a desperdiçar com doentes cujo resultados vão ser maus. Neste momento, estamos a
transplantar doentes vindos de todos os sítios
desde o Minho até Lisboa, mais para sul ainda
não fomos, que nos estão a ser enviados por
vários serviços, que eram aqueles que já nos
enviavam outros doentes para outro tipo de
cirurgia, serviços que já verificaram que estamos a dar uma resposta diferente em relação à
transplantação.
43
Quantos homens, quantas mulheres
para transplantação?
São sempre mais homens, embora não seja
a mesma proporção que noutros tipos de
patologia. Cerca de ¼ de mulheres e ¾ de
homens.
Que idade média?
Anda à volta dos 50/55 anos. Já transplantamos doentes desde os 11 até aos 72 anos.
Habitualmente, os programas de transplantação cardíaca põe como idade limite os 60/65
anos; agora, a maior parte põe os 65. Mas com
o aumento da expectativa de vida da população, entendemos que um doente de 70 anos
que tenha uma condição física razoável, que
tenho todos os outros órgãos a funcionar em
condições, pode ser candidato para o transplante. E se aceitamos doentes até aos 70 anos,
se aparece um com 71 não podemos dizer que
se viesse no ano passado dava para transplantar
e este ano já não dá. Foi só um doente com 71
e outro com 72, depois é abaixo disso.
44
Que condições precisa um paciente
para ser transplantado?
As condições são rigorosas. Maior parte
dos doentes para transplantação chegaram a
esse estado geralmente por negligência da sua
própria parte, não atalharam as coisas a tempo.
Não é sempre assim, não é regra absoluta,
mas é regra geral. São, geralmente, doentes de
classe económica e social média/baixa. Depois
da transplantação, os doentes têm que seguir
um conjunto de regras muitíssimo rígidas
quer no seu modo de vida quer na aderência
à terapêutica muita severa que se coloca: os
imunosupressores, para evitar a rejeição, e os
profiláticos das infecções, porque é o balanço
entre a infecção e a rejeição que pode fazer a
diferença. Diminuímos a imunidade dos doentes e as infecções instalam-se rapidamente. O
doente tem de ter condições sociais, ter apoio
familiar forte, ter condições de vida razoável,
uma casa própria com condições mínimas,
ser capaz de suportar, porque isso não pode
ser tudo suportado pelo Estado, os transportes
para as inúmeras consultas que tem de fazer.
Ter capacidade para se orientar e organizar.
Boas condições psicológicas, claramente estão
excluídos doentes com perturbações mentais,
incapazes de compreender a terapêutica. A
transplantação também se pode fazer em
crianças que não tenham nenhuma dessas
condições, mas tem de haver um pai ou
uma mãe que tomem aquilo como se fosse
para si próprios. Neste momento temos na
enfermaria um adulto que até dizia que tinha
duas mulheres antes de ser operado, e agora
nenhuma delas aparece, estamos ali com um
problema nas mãos. Sob o ponto de vista
psicológico, é muito traumático na fase inicial
e eles precisam de muito apoio.
Tendo em conta que estamos
a utilizar um órgão cujo custo
não é definível, porque é
superior a tudo aquilo que
possamos pensar, não o
podemos estar a desperdiçar
com doentes cujo resultados
vão ser maus.
45
De onde vêm os corações?
Temos tido dadores desde Braga até Faro.
Por ser um bem tão raro, tem de
haver essa escolha bem definida?
Evidentemente, não podemos inutilizar um
órgão em alguém que não é capaz de tomar
conta dele. Talvez seja o menos importante,
mas num país como o nosso em que cada
cêntimo conta, estamos a falar de cirurgias que
custam, pelo menos, 50 mil euros e de mais de
10 mil euros por ano em medicação. Já não
falo de consultas. É muito dinheiro do contribuinte posto nesta actividade, por isso temos
de ter a certeza de que é gasto em quem lhe
dá boa utilização. Parece um pouco cruel dizer
que há alguns que são excluídos disto, mas é
esta a lógica seguida em todo o mundo. E não
estamos a desviá-los dos pobres para colocálos nos ricos, porque os ricos são raro chegar a
estas condições.
O que leva uma pessoa a ser
transplantada?
O transplante é normalmente feito por
causa de uma falência do músculo cardíaco,
que pode ser primária, por tóxicos ou por
vírus, ou secundária, como doenças coronárias,
valvulares. Temos um número significativo de
doentes que já tinham sido operados ao coração.A sua doença foi progredindo até chegar a
uma situação em que nada mais havia a fazer,
a não ser substituir o coração.
Que percentagem de sobrevivência?
Perdemos três doentes no hospital, não
tiveram alta. Um ainda chegou a ter alta, mas
curta. Todos no período a seguir à cirurgia, o
que dá 3%, número que é muito inferior aos
10% que habitualmente se referem. No nosso
país é mais próximo de 20%. Depois perdemos
mais seis doentes num período de três anos;
houve doentes que morreram de cancro, de
infecção. A sobrevida a três anos é de 89%, o
que é certamente tão boa, se não superior, à
média do registo da sociedade internacional
de transplantação. Estamos no bom caminho.
46
Que acréscimo de vida é dado a estes
doentes?
Espera-se que o acréscimo de vida dado
a estes doentes ande à volta de 10 anos em
média. Se forem muito novos temos quase
a certeza que não chegam a avós. Estamos a
acrescentar 10 anos, o que é razoável, mas são
dez anos com uma qualidade de vida superior à que tinham, pelo menos nos primeiros
anos. Na fase final a qualidade de vida diminui
sempre, mas dois dias depois do transplante já
notam diferenças para muito melhor.
Os doentes são sempre informados
de tudo?
É muito difícil, a não ser que o doente seja
mais inquisitivo, dizer tudo. Se é a única esperança e tem condições, obviamente é operado
e não lhe dizemos que, em termos médios, só
dura 10 anos. O doente começaria a contar o
calendário e, ao aproximar-se dos 10 anos, teria
uma vida muito pobre. E nesta média temos
em conta a média entre os que só sobrevivem
três anos e aqueles que sobrevivem 20 anos.
Dizemos aos doentes que eles têm de viver
a sua vida porque isto não dura sempre, mas
não somos mais específicos do que isto, não
negamos a informação que nos seja pedida
directamente, mas quando as pessoas não a
pedem directamente não a têm. Neste aspecto
a ignorância não é pior.
O transplante é normalmente
feito por causa de uma
falência do músculo cardíaco,
que pode ser primária, por
tóxicos ou por vírus, ou
secundária, como doenças
coronárias, valvulares. Temos
um número significativo de
doentes que já tinham sido
operados ao coração. A sua
doença foi progredindo até
chegar a uma situação em
que nada mais havia a fazer, a
não ser substituir o coração.
Para além de transplantes de coração,
que são 2% do vosso trabalho, que
outras intervenções realiza o Centro
de Cirurgia Cardiotorácica?
Fazemos mais de 1100 intervenções cardíacas e mais de 500 cirurgias pulmonares. O
total anual dá 1650 intervenções. A actividade
progrediu desde que começamos, em 1988. O
serviço tinha sido construído no novo hospital para operar 250 doentes por ano; veja as
diferenças dos números. Durante uma década,
ainda foi possível adaptar as instalações que
tínhamos a esse movimento. Metemos mais
camas dentro de cada quarto, encurtamos
corredores para aumentar as enfermarias, até
que… era impossível. Foi necessário construir
este novo edifício onde hoje vivemos, podemos dizer, à larga. Foi construído, preparado
para o aumento que possa acontecer, se vier a
acontecer no futuro. A actividade tem vindo
sempre a crescer. Cresceu nos primeiros 10
anos, depois atingiu um certo patamar, correspondeu à exaustão da capacidade física do
serviço anterior e, nos últimos cinco anos, já
nestas novas instalações, tem crescido à média
de 3% ano.
E as intervenções seguem sempre os
mesmos padrões de patologia ou têm
variado?
O que acontece neste momento é que existem grandes variações na patologia, sobretudo
na patologia cardíaca. Desapareceram as doenças valvulares da febre reumática, os doentes
coronários que eram antes operados a by-pass
muitos deles fazem agora a dilatação por balão,
são colocados os stents e não necessitam de
cirurgia, pelo menos nesta fase, poderão necessitar mais tarde. Não sabemos ainda qual vai ser
a consequência destas novas tecnologias. Por
outro lado, com o envelhecimento dos doentes, temos cada vez mais doentes com doenças
degenerativas, calcificação, envelhecimento
natural. O tipo de actividade tem variado um
pouco, os cinco/seis serviços do país em actividade neste momento estão muito próximos
de satisfazer as necessidades do país. Penso que
nenhuma outra especialidade está tão perto
de satisfazer as necessidades do país como a
nossa. Não temos lista de espera, em Lisboa
a lista anda à volta de um mês, no Porto é
ligeiramente maior. Temos ajudado a lista de
espera dos outros, e parece-me que estamos
em limites razoáveis. Se todas as outras especialidades cirúrgicas tivessem lista de espera de
três meses, no máximo, acho que nos podíamos achar muitos satisfeitos.
Que cuidados para prevenir estas
doenças?
As doenças do envelhecimento não são
preveníveis, embora hoje existam estudos para
ver se as mesmas doenças que atacam as artérias coronárias atacam as válvulas, e possam ser
preveníveis, mas em princípio não. As doenças
congénitas, que não referi anteriormente, dos
bebés que nasceram com defeitos congénitos,
também não são preveníveis, excepto se os
eliminarem antes de nascerem, que é uma
prática que obviamente não favoreço. E, depois,
ficam praticamente as doenças da coronária, a
aterosclerose ou arteriosclerose. Essa sim tem
a ver com estilo de vida pouco saudável que
as sociedades ocidentais adquiriram: comer
muito, gorduras, álcool, obesidade, pouca
actividade física. Essas são preveníveis fazendo
esforço, comendo menos, controlando o peso,
a tensão arterial através da diminuição do sal.
Todos esses métodos podem ajudar a prevenir,
se não as doenças, pelo menos a mortalidade
dessas doenças.
São um centro de excelência na
transplantação cardiotorácica no
mundo?
Não há campeonatos do mundo nem europeus em cirurgia cardiotorácica. Já ouvi todos
os títulos, isso não existe e não é certamente
verdade. Tenho tido, pessoalmente, alguma
repercussão internacional. Sinto que temos
um centro que é equiparável à média dos
bons centros internacionais. Não seremos os
melhores, mas estaremos comparáveis à média.
Estamos a dar aos nossos doentes o tratamento tão bom como aquele que vão conseguir
em qualquer outro lado. Se em algumas áreas
não somos tão sofisticados, até por natureza
47
48
própria, neste momento e com a idade que
tenho sou muito conservador, algumas das
muito novas tecnologias que estão por aí
ainda em fase experimental já não serão para
mim, estou a aguardar e a ver, porque muitas
destas nascem e morrem quase à velocidade
da luz, mas, de uma maneira geral, naquilo que
é cirurgia de rotina, se tivermos alguma coisa
em inferioridade, compensamo-la certamente com o cuidado pessoal e com o carinho
e atenção que damos aos nossos doentes. Os
nossos doentes têm essa certeza, e é aí que
quero ficar. Em termos internacionais sou
convidado para palestrar, participar em cursos
em todo o lado, já operei em cirurgias de
demonstração em vários países do mundo.
Não tenho mais ambições do que isso, pois
se tivesse mais ambições naturalmente podia
emigrar para outros sítios onde as condições e,
sobretudo, a atitude das pessoas são um pouco
diferentes, mas foi aqui que cristalizei e é aqui
que ficarei.
Que número compõe a equipa?
Temos uma equipa que varia, naturalmente,
mas anda à volta de 117 pessoas. Somos 16
médicos, incluindo anestesistas e cardiologistas, 70 enfermeiros, 20 auxiliares e o resto são
técnicos e administrativos. Se compararmos
com outros serviços do país, podemos considerar que somos uma equipa pequena. Como
trabalhamos com grande índice de intensidade, não precisamos de tanta gente. Estamos
curtos em termos de pessoal, sem estarmos
deficitários.
Espera-se que o acréscimo
de vida dado a estes doentes
ande à volta de 10 anos em
média. Se forem muito novos
temos quase a certeza que
não chegam a avós. Estamos
a acrescentar 10 anos, o que
é razoável, mas são dez anos
com uma qualidade de vida
superior à que tinham, pelo
menos nos primeiros anos.
49
50
Num serviço com saldo francamente
positivo, é comum fazer distribuição
de parte dos lucros?
Este ano calculamos um saldo positivo, entre
os custos e as receitas, na ordem dos 7 milhões
de Euros. Sempre tivemos um saldo positivo.
Nenhum hospital tem um saldo positivo
como um serviço como o nosso tem. Desde
2001, mercê da nossa condição de centro de
responsabilidade, foi-nos permitida a distribuição de uma parte desses lucros, 20%. O hospital
beneficiava em 80% e o pessoal 20%. No ano
passado não nos foi possível fazer essa distribuição e este ano ainda não temos a certeza
do que se vai fazer. O que é muito mau. Havia
um contrato programa que a entidade hospital
não cumpriu. Cumprimos a nossa parte, eles
não cumpriram a parte deles. É muito mau,
porque as pessoas começam a acreditar que
afinal não vale a pena, que as promessas nem
sempre são para cumprir.Vamos ver. Nos cinco
anos em que houve distribuição, notou-se um
efeito benéfico a nível de contentamento das
pessoas que aqui trabalham, da muito menor
mobilidade. Hoje temos mais gente a querer
vir e não temos capacidade para eles. Com a
própria contenção de custos, as pessoas, para
além de terem a noção do que custa cada coisa,
também sabem que se pouparem terão algum
benefício pessoal. É uma prática corrente na
actividade privada. Cada pessoa que trabalha
neste serviço trabalha um pouco mais que em
serviços congéneres ou mesmo doutros serviços do hospital. É justo que se compense este
tipo de actividade.
Para além da sua vida profissional,
da família, tem tido uma
preponderância activa na saúde
em Portugal. Escreveu A Doença da
Saúde – Serviço Nacional de Saúde:
ineficiência e desperdício. E parte
da afirmação que, em Portugal, a
saúde está definitivamente doente.
Escreveu o livro em 2000. Passados 7
anos, já melhorou?
Infelizmente, penso que a doença não foi
ainda curada. E está doente porque gastamos
muito dinheiro, mais do que outros países da
Europa. Se um país tem poucos recursos, não
pode gastar tantos recursos como os outros.
Gastamos mais e produzimos menos. O
Serviço Nacional de Saúde, que se baseia num
sistema de administração pública, é muito rígido, compartimentado, centralista, burocrático,
pouco eficiente, não permite que possamos
dar aos doentes a resposta que, de outro modo,
tínhamos possibilidade de dar. Podemos fazer
muito mais com o que temos. Temos pouco,
somos pobres, e os portugueses têm de ter a
noção de que se não temos as auto-estradas,
as casas e os carros tão bons como alemães e
franceses, também não podemos ter a mesma
qualidade em serviços de saúde, isso é uma
lógica. Mas podíamos dar uma resposta muito
mais adequada e satisfatória às necessidades
dos portuguesas se pudéssemos aumentar a
produtividade e diminuir o desperdício. É isso
o que tenho procurado fazer aqui.
Se um país tem poucos
recursos, não pode gastar
tantos recursos como os
outros. Gastamos mais
e produzimos menos. O
sistema do Serviço Nacional
de Saúde, que se baseia num
sistema de administração
pública, é muito rígido,
compartimentado, centralista,
burocrático, pouco eficiente,
não permite que possamos
dar aos doentes a resposta
que, de outro modo,
tínhamos possibilidade de dar.
Podemos fazer muito mais
com o que temos.
Fala, no livro, em promiscuidade
entre os sectores público e privado,
cerca de 90% dos médicos estão
integrados no sector público e
destes, a grande maioria, também
faz parte do sector privado; falta
de assiduidade dos médicos e
outro pessoal superior; a maioria
dos directores do serviço trabalha
em part-time; atenção do médico
dividida entre o particular, onde
ganha muito mais, e o hospitalar; os
serviços privados continuam a ser
prestados pelos mesmos agentes
que prestam o serviço público,
numa competitividade incestuosa;
a produtividade dos médicos é, na
maior parte dos casos, baixíssima…
São doenças na saúde?
São factores para a doença da saúde. Este
serviço é caracterizado pela grande disponibilidade, pela dedicação completa do pessoal
que está aqui porque é isso que o faz ser rentável. Quem toca muitos violinos ao mesmo
tempo não pode afinar-se em nenhum deles.
Naturalmente que depois haverá nuances.
Como fizeram todos os outros em todo o
mundo, temos que alinhar rapidamente por
uma dedicação plena a uma actividade ou a
outra. Porque a profissionalização dentro de
sector privado também é fundamental. Agora,
os próprios hospitais privados estão a contratar
equipas dedicadas unicamente ao hospital, que
é fundamental. Aplica-se ao sector público e
ao privado.
51
52
Acredita que ainda é possível mudar?
Se não acreditasse já tinha emigrado, mas
à medida que vamos envelhecendo, cresce o
descrédito da capacidade de mudar as coisas,
e temos mudado tantas vezes de ministros,
de administradores, e as diferenças são tão
poucas… não sei se isto realmente tem
conserto.
Mas ao criar aqui um exemplo é uma
forma de mudar?
Este hospital modificou-se muitíssimo
com a existência do Centro de Cirurgia
Cardiotorácica. Há alguns que falam no factor
cirurgia cardiotorácica.As pessoas vão vendo que é
possível fazer de outra maneira, vão copiando
ou adaptando o modelo. Se o fariam se cá
não estivéssemos é muito difícil dizer. Neste
momento, a minha ambição é continuar a
mostrar que não me cansei, que o modelo
tem progredido, tem funcionado. Há outros
serviços que se vão tornando mais eficientes e
produtivos, não quer dizer que seja o mesmo
modelo, mas são parecidos. Alguns serviços
podem ter sofrido a influência natural deste.
Mas o progresso é sempre assim, há alguém
que vai à frente e os outros vão atrás e até os
ultrapassam.
Os profissionais de saúde
têm de assumir que há gente
a sofrer do outro lado, há
pessoas à espera de cirurgias,
à espera de consultas, e
é nossa obrigação fazer o
possível e, às vezes, um pouco
do impossível, para conseguir
melhorar essas condições.
Tenho de reconhecer que
todos somos humanos e
temos uma capacidade física
limitada, não é inesgotável.
Mas temos o dever de ir
muito para além daquilo que
é nossa obrigação aqui no
hospital como funcionários
públicos. Aqui, como muitas
vezes não se pode esperar
para amanhã, as pessoas têm
de assumir uma dedicação
integral, têm de ter uma
dedicação pelo progresso
científico e técnico, têm de
estar permanentemente
preparadas para isso, mas
têm de ter, sobretudo, uma
dedicação humana plena.
Que palavras para profissionais de
saúde?
Os profissionais de saúde têm de se considerar um tipo diferente de profissionais. Para já,
e falamos dos dois grandes grupos de profissionais de saúde, sem menosprezo para todos
os outros, médicos e enfermeiros, que tem
uma qualificação difícil, cursos longos, uma
especialização que prolonga a aprendizagem, o
acesso às faculdades de medicina e escolas de
enfermagem requerem classificações altas, são
pessoas que fazem todo o esforço para entrarem nesta actividade. Se o fazem apenas por
ela ser mais rentável, é mau. Se o fazem pelo
gosto a uma actividade que tem como finalidade essencial servir os outros, servir a pessoa
humana, então têm de se dedicar ao máximo.
Têm de assumir que há gente a sofrer do outro
lado, há pessoas à espera de cirurgias, à espera
de consultas, e é nossa obrigação fazer o possível e, às vezes, um pouco do impossível, para
conseguir melhorar essas condições. Tenho de
reconhecer que todos somos humanos e temos
uma capacidade física limitada, não é inesgotável. Mas temos o dever de ir muito para além
daquilo que é nossa obrigação aqui no hospital
como funcionários públicos.
Aqui, como muitas vezes não se pode esperar para amanhã, as pessoas têm de assumir uma
dedicação integral, têm de ter uma dedicação
pelo progresso científico e técnico, têm de estar
permanentemente preparadas para isso, mas
têm de ter, sobretudo, uma dedicação humana plena. Os nossos doentes, na maior parte,
sentem-se agradecidos e vêem a passagem por
este serviço como uma experiência única,
não tanto pelo sentimento daquilo que cientificamente e tecnicamente foi feito por eles,
mas uma relação médico/enfermeiro/doente
certamente diferente da maior parte dos outros.
Não recebemos doentes da rua. Eles passam
sempre pelos serviços de cardiologia, a maior
parte deles já estiveram internados muitas vezes
e sabem perfeitamente ver a diferença, apesar
do internamento connosco ser aquele em que
sofrem mais. Mesmo assim sentem que foi
diferente… pela nossa dedicação.
53
54
Antunes A
Serviço de Cardiologia, Hospitais da Universidade de Coimbra
Botelho MF
Departamento de Biofísica, Faculdade de Medicina, Universidade de Coimbra
Gomes CM
Departamento de Biofísica, Faculdade de Medicina, Universidade de Coimbra
de Lima JJP
Departamento de Biofísica, Faculdade de Medicina, Universidade de Coimbra
Silva ML
Laboratório de Investigação experimental, Hospitais da Universidade de Coimbra
Moreira JN
Faculdade de Farmácia, Universidade de Coimbra
Simões S
Faculdade de Farmácia, Universidade de Coimbra
Gonçalves L
Serviço de Cardiologia, Hospitais da Universidade de Coimbra
55
Desenvolvimento de liposomas com
afinidade para áreas miocárdicas isquémicas
Introdução
No final dos anos 60, Alec Bangham publica
um dos seus trabalhos na área da Bioquímica,
onde relata que quando é adicionada água a uma
mistura lipídica seca se formam estruturas esféricas com dupla membrana lipídica a que chama
liposomas. Com efeito, se numa solução aquosa
suspendermos fosfolípidos a uma temperatura
em que as respectivas cadeias de ácidos gordos se
encontram fluidas (acima da respectiva temperatura de transição de fase), o excesso de meio
aquoso leva à formação espontânea de vesículas
multilamelares concêntricas de dupla camada
fosfolipídica separadas por meio aquoso - (MLVs
– Fig. 1).
0==0
0==0
0==0
0==0
56
Liposomas
Multilamelares
Lamelas de dupla camada fosfolipíca
separadas por espaços aquosos
Fig. 1 – Liposomas multilamelares.
A habilidade dos liposomas para englobar água
e consequentemente soluções hidrofílicas numa
estrutura fechada de dupla camada fosfolipídica
conduziu ao seu uso como modelo de membrana biológica para estudos de permeabilidade.
Se se incluírem agentes farmacológicos no
meio durante a manufactura dos liposomas,
aqueles serão encapsulados na fase aquosa se
forem hidrofílicos ou intercalados na fase lipídica
se forem hidrofóbicos. Assim sendo, para além do
seu papel como modelo de membrana biológica,
os liposomas começaram mais recentemente a
ser encarados como possíveis vesículas transportadoras de fármacos.
De acordo com a carga dos lípidos utilizados
podemos obter liposomas neutros, catiónicos ou
aniónicos.
Através de técnicas de sonicação ou extrusão por alta pressão, é possível criar liposomas
unilamelares (Fig. 2) que apresentam in vivo
uma menor captação pelo sistema Mononuclear
Fagocítico (SMF) e consequentemente um
maior tempo de circulação.
Os liposomas foram pela primeira vez encarados como possíveis transportadores terapêuticos
em 1971 por Leathwood e Ryman: os autores
conseguiram encapsular com sucesso a enzima glucamilase do Aspergillus niger usando os
liposomas para o tratamento de doenças do
armazenamento de glicogénio. Desde então
a ideia estendeu-se a várias outras aplicações
clínicas como o tratamento de neoplasias através
do encapsulamento de fármacos para quimioterapia, encapsulamento de agentes quelantes para
tratamento de intoxicações por metais pesados e
também, mais recentemente, o uso de liposomas
para o diagnóstico e tratamento de situações de
isquémia mesentérica e miocárdica (estudos com
experimentação animal).
57
Fig. 2 – Liposomas unilamelares.
Fig. 3 – Liposoma peguilado; imagem esquemática.
Liposomas e isquémia miocárdica: um
impedimento major ao uso de fármacos no
tratamento das síndromas coronárias agudas é
o acesso limitado e inespecífico ao miocárdio
isquémico. A localização selectiva de agentes
farmacológicos em áreas de isquémia facilitará
procedimentos quer diagnósticos (avaliação da
lesão coronária) quer terapêuticos (por forma
a tentar evitar ou reverter as consequências da
isquémia. O primeiro estudo publicado nesta
área data de 1977: Caride e Zaret publicam
um trabalho onde usam um modelo canino
de isquémia miocárdica e administram às 24
horas de oclusão coronária MLVs de carga
positiva, neutra e negativa marcados com
99m
Tc-DTPA; neste estudo concluem que os
liposomas de carga positiva e neutra se concentram predominantemente na área de enfarte,
portanto de forma inversamente proporcional
ao fluxo coronário regional. Desde então
têm-se realizado outros estudos com uso de
modelos animais de isquémia-reperfusão
miocárdica (coelho, cão). Os melhores resultados têm sido obtidos com liposomas de carga
positiva ou neutra. Mais recentemente foram
publicados estudos utilizando lípidos derivados
do polietilenoglicol (PEG) que mostram bons
resultados, provavelmente relacionados com o
seu maior tempo circulatório (Fig. 3).
Existem ainda alguns estudos também
recentes em que são intercalados na fase lipídica anticorpos antimiosina (Ac-AM) de forma
a dotar os liposomas de maior especificidade
para o miocárdio isquémico.
Objectivos
Tendo por base estudos previamente publicados, são objectivos deste trabalho:
58
• Produção de liposomas unilamelares, positivos e neutros, peguilados, marcados com 99mTc
através do método “after-loading”;
• Controlo de qualidade da produção e
marcação dos liposomas através de sistemas
cromatográficos adequados, de forma a
comprovar eficiência de marcação e estabilidade in vitro elevadas;
• Criação de um modelo animal de isquémiareperfusão funcionante e reprodutível;
• Injecção dos liposomas supracitados no
modelo animal acima referido após um período de isquémia miocárdica, acompanhando
durante as 3 horas seguintes a distribuição dos
liposomas injectados através de aquisições de
imagens cintigráficas com o uso de uma gama
câmara;
• Injecção simultânea de tálio-210, acompanhando também durante as 3 horas seguintes
a sua distribuição através de aquisições de
imagens cintigráficas com o uso de uma gama
câmara;
• Após o estudo cintigráfico in vivo, extracção
dos órgãos com contagem em contador de
poço para cálculo da actividade específica e
estudo de biodistribuição.
… para além do seu
papel como modelo de
membrana biológica, os
liposomas começaram
mais recentemente a
ser encarados como
possíveis vesículas
transportadoras de
fármacos.
59
Metodologia
Preparação dos liposomas: a produção
de liposomas e a sua marcação constitui um
processo longo e minucioso que obedece a uma metodologia rigorosa: obtenção
do filme lipídico, encapsulamento de
Glutatião, extrusão, marcação do quelante
Hexametilpropilenoamino oxima (HMPAO)
liofilizado com o radioisótopo 99mTc, marcação
dos liposomas com o traçador 99mTc-HMPAO, Cromatografia por exclusão molecular
(CEM), controlo de qualidade do processo.
Apesar de se tratar de uma metodologia
validada e de eficácia comprovada, poderão
existir produtos contaminantes; na produção e
marcação dos liposomas foi obtida uma amostra para um controle de qualidade (Fig. 4)
Fig. 4:
Esquerda – Sistema de
microcromatografia
ascendente para controlo de
qualidade.
Direita – Imagem cintigráfica de uma tira de papel
cromatográfico.
Fig.5 – Coelho macho adulto
Experimentação
animal: coelhos
(Oryctolagus cuniculus hyplus) machos adultos
são sedados e anestesiados. Procede-se a uma
toracotomia lateral esquerda e à laqueação
da artéria coronária descendente anterior no
início do seu terço distal (Figs. 5 e 6).
Após 90 minutos de isquémia o nó é
seccionado para permitir a reperfusão e
procede-se à injecção dos liposomas marcados
com o radioisótopo 99mTc. Em simultâneo é
feita uma injecção de 37 MBq de Tálio 201.
Fig. 6 – Laqueação da artéria coronária.
Os coelhos são colocados na gamacâmara,
procedendo-se a aquisições para 2 janelas de
energia: 140 + 20 keV (Tecnécio) e 72 + 20
Kev (Tálio). No final da 5ª aquisição estática
(às 3 horas de reperfusão) procede-se à realização de uma tomografia por emissão de fotão
simples (SPET) também com 2 janelas de
energia (Fig. 7).
60
Em seguida procede-se ao sacrifício dos
animais. É executada a extracção cardíaca. De
imediato procede-se à perfusão de corantes
específicos que irão permitir uma diferenciação grosseira das zonas miocárdio são (cora
de azul), miocárdio viável (cora de vermelho) e miocárdio necrosado (cora de negro).
Seguidamente o coração isolado é colocado
na gamacâmara e realizam-se aquisições estáticas.
As aquisições foram realizadas em 2 incidências: ventrículo esquerdo (IE – Fig. 8A) e
ventrículo direito (ID - Fig. 8B).
Fig. 7 – Aquisições na câmara de raios gama.
Fig. 8A – esquematização da incidência IE; o círculo colorido representa o local onde esteve laqueada a artéria coronária
descendente anterior.
Fig. 8B – Esquematização da incidência ID; o círculo
colorido representa o local onde esteve laqueada a artéria
coronária descendente anterior. (mywebpages.comcast.net/
wnor/thoraxlesson4.htm)
As imagens obtidas na janela de energia do
Tc corresponderão à distribuição cardíaca
dos liposomas marcados. No que respeita às
imagens na janela do 201Tl, tendo em conta
que a frequência cardíaca média (F.C.M.) no
coelho adulto em repouso é cerca do triplo
da F.C.M. basal no ser humano adulto, deverão
corresponder predominantemente à redistribuição cardíaca do radiofármaco no miocárdio
isquémico viável.
É colhida uma amostra de cada uma das 3
zonas miocárdicas identificadas com os corantes atrás referidos, e depois de extraídos os
restantes órgãos é também colhida uma amostra de cada um deles. É feita a contagem em
contador de poço para cálculo da actividade
específica e estudo de biodistribuição.
99m
Resultados
Aquisições cintigráficas:
Foram estudados 7 coelhos divididos por 2
grupos (Tabela I).
Aquisições dinâmicas “in vivo” na 1ª hora
(gráficos Ia e Ib).
Eficácia de marcação dos liposomas
(Tabela II).
Durante este período de tempo, a actividade
presente no coração e no pulmão correspondeu
na sua maioria ao compartimento sanguíneo de
liposomas, enquanto a actividade detectada no
fígado e no rim traduziu fundamentalmente o
metabolismo e excreção do conteúdo liposómico. Da análise do gráfico podemos inferir que
os liposomas neutros peguilados possuem uma
menor excreção hepática e renal e consequentemente um maior tempo de circulação que os
liposomas positivos não peguilados.
A eficácia significativamente mais baixa dos
liposomas positivos não peguilados deve-se
provavelmente à sua menor estabilidade “in
vitro”.
Grupo Coelhos
I
1,2,3,4
II
5,6,7
Peso (Kg)
3,9±0,32
4,1±0,35
Género (M/F)
4/0
3/0
Liposomas
Neutros peguilados
Positivos não peguilados
Tabela I
Coelho
1 2 3 4 5 7 8 Média Grupo I
Liposomas
marcados (%) 91 86 94 86 57 44 68 89,25±3,95
Média Grupo II
56,33±12,01
Tabela II
AQUISIÇÕES DINÂMICAS - Média Grupo II
0,5
0 ,4
0,4
% actividade injectada
% actividade injectada
AQ UISIÇÕ ES DINÂM ICAS - M édia G rupo I
0 ,5
0 ,3
0 ,2
0,3
0,2
% actividade injectada
0,1
0 ,1
0
0
0
900
1800
2700
3 6 00
0
900
1800
CO RAÇÃO
P UL MÃO
2700
3600
Tempo (seg)
T e m p o ( s eg )
F ÍG A D O
R IM
CORAÇÃO
Gráfico Ia
PULMÃO
FÍGADO
RIM
Gráfico Ib
61
Resultados
Aquisições cintigráficas estáticas do coração isolado:
As imagens obtidas na janela de energia do 99mTc correspondem à distribuição miocárdica dos
liposomas marcados; relativamente às imagens na janela do 201Tl, tendo em conta que a frequência
cardíaca média (F.C.M) no coelho adulto em repouso é cerca do triplo da F.C.M. basal no ser humano
adulto, irão corresponder predominantemente à redistribuição cardíaca do radiofármaco no miocárdio isquémico viável (Figs. 9. A e 9. B).
62
Fig. 9. A - Aquisições cintigráficas do coração isolado de um
coelho do grupo I nas janelas de energia do 201Tl e 99mTc,
incidências IE e ID.
a – IE 201Tl
b – IE 99mTc
201
c – ID Tl
d – ID 99mTc
Fig. 9. B - Aquisições cintigráficas do coração isolado de um
coelho do grupo II nas janelas de energia do 201Tl e 99mTc,
incidências IE e ID.
a – IE 201Tl
b – IE 99mTc
201
c – ID Tl
d – ID 99mTc
Aquisições SPET do coração isolado:
O coração isolado foi submetido a uma tomografia por emissão de fotão simples (SPET), igualmente para 2 janelas de energia: 140 + 20 keV (Tecnécio) e 72 + 20 Kev (Tálio). (Fig. 10).
63
Fig. 10. A – Imagem SPET do coração isolado de um animal
do grupo I (injectado com liposomas neutros peguilados) na
janela do 201Tl:
A.1 – cortes transversais
A.2 – cortes sagitais
A.3 – cortes longitudinais
Fig. 10. B – Imagem SPET do coração isolado de um animal
do grupo I (injectado com liposomas neutros peguilados) na
janela do 99mTc:
B.1 – cortes transversais
B.2 – cortes sagitais
B.3 – cortes longitudinais
Fig. 10. C – Imagem SPET do coração isolado de um animal
do grupo II (injectado com liposomas neutros peguilados) na
janela do 201Tl:
C.1 – cortes transversais
C.2 – cortes sagitais
C.3 – cortes longitudinais
Fig. 10. D – Imagem SPET do coração isolado de um animal
do grupo II (injectado com liposomas positivos não peguilados) na janela do 99mTc:
D.1 – cortes transversais
D.2 – cortes sagitais
D.3 – cortes longitudinais
Estudo de biodistribuição:
Para cada coelho foi feito o cálculo da actividade específica e estudo de biodistribuição. Foi calculada a média relativamente a cada órgão e traduzida graficamente (fig. 11)
64
Fig. 11. A – Tradução gráfica dos resultados do estudo de biodistribuição: médias e desvios padrão para cada órgão no Grupo I.
Fig. 11. B – Tradução gráfica dos resultados do estudo de biodistribuição: médias e desvios padrão para cada órgão no Grupo II.
Conclusões
Relativamente aos resultados obtidos podemos
concluir:
• Foram produzidos liposomas neutros
peguilados e positivos não peguilados marcados com 99mTc. A eficiência de marcação do
radiofármaco usado para a marcação foi elevada. No que respeita à eficiência de marcação
dos liposomas, obtivemos bons resultados com
os liposomas neutros peguilados mas os valores
conseguidos com os liposomas positivos não
peguilados foram bastante inferiores, consequência provável de uma menor estabilidade
in vitro;
• Desenvolveu-se um modelo animal de
isquemia-reperfusão funcionante e reprodutível;
• Verificou-se uma captação importante a
nível cardíaco, quer em termos absolutos quer
em relação aos outros órgãos, em ambos os
tipos de liposomas utilizados. No entanto, os
valores obtidos com os liposomas positivos não
peguilados foram inferiores aos dos liposomas
neutros peguilados, provavelmente devido à
sua maior instabilidade in vitro e ao seu menor
tempo de circulação. No que respeita à captação cardíaca dos liposomas, comparando os três
tipos de miocárdio, os valores quantitativos que
obtivemos nas 3 regiões miocárdicas consideradas foram, nos dois tipos de liposomas
utilizados, apenas discretamente inferiores no
miocárdio normal relativamente ao miocárdio
isquémico;
• A maior captação de liposomas neutros
peguilados por parte do miocárdio isquémico ocorre nas áreas onde a redistribuição do
201Tl está presente. Esta evidência não é tão
acentuada para os liposomas positivos;
• Estes diferentes comportamentos, sugerem
que a composição da parede liposómica terá
de ser reformulada, no sentido de maximizar a
afinidade para as áreas isquémicas e simultaneamente minimizar a captação pelo miocárdio
normal.
65
66
Adriano Rockland
Docente do ISAVE, Instituto Superior de Saúde do Alto Ave; mestrando
em Gerontologia Social pela Universidade Católica Portuguesa; especialista
em Geriatria e Gerontologia pela Universidade de Aveiro; Coordenador da
pós‑graduação em Motricidade Oro-Facial do ISAVE
Janieny Vieira
Fonoaudióloga; mestranda em Ciências da Saúde pela Universidade Federal do
Maranhão (UFMA); especialista em Motricidade Oral (Distúrbios Miofuncionais
Orais) pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); docente do Centro
Unificado do Maranhão (UNICEUMA)
Wagner Teobaldo Lopes de
Andrade
Fonoaudiólogo; mestrando em Ciências da Linguagem pela Universidade Católica
de Pernambuco (UNICAP); especialista em Audiologia; docente do curso de
Fonoaudiologia da Universidade Federal de Pernambuco
Silvia Damasceno Benevides
Fonoaudióloga; especialista em Motricidade Oral pelo Conselho Federal de
Fonoaudiologia; mestre em Fisiologia pela Universidade Federal de Pernambuco;
docente do curso de Fonoaudiologia da FUNESO-UNESF; docente do curso de
especialização em DTM e Dor Orofacial da FOP-UPE
Antônio Figueiredo Caubi
Cirurgião Bucomaxilofacial; docente da Faculdade de Odontologia de Pernambuco
– Departamento de Medicina Oral; especialista em Cirurgia Bucomaxilofacial;
cirurgião Bucomaxilofacial do Hospital da Restauração, Recife
Palavras-chave: Ferimentos e lesões, côndilo mandibular, criança, sucção digital,
terapia miofuncional
67
Tratamento miofuncional
numa criança com fractura de côndilo
mandibular e sucção digital
Resumo
Introdução: A fractura de côndilo em crianças é um factor que leva ao aparecimento de
alterações no crescimento facial e a associação a hábitos nocivos pode aumentar, ainda mais, a
possibilidade de ocorrência de deformidades. Objectivo: Avaliar a eficácia da terapia da fala no
tratamento funcional da fractura de côndilo numa criança com hábito de sucção digital. Relato
do caso: Criança de quatro anos de idade, do sexo masculino, vítima de acidente ciclístico que
originou fractura indireta de côndilo bilateral, localizada na região de colo do lado direito e na
região subcondilar do lado esquerdo, com deslocamento proximal deste mesmo lado apresentando, ainda, fractura de parassínfise mandibular direita. Resultados: Após tratamento funcional, os
movimentos mandibulares eram adequados e havia estabilidade do padrão mastigatório. Mesmo
sem a eliminação total do hábito, verificou-se que a sucção digital não trouxe intercorrências
significativas para o caso. Conclusão: Por meio da terapia funcional, a intervenção do Terapeuta
da Fala mostra-se eficaz e benéfica para o restabelecimento das relações musculares e remodelamento condilíneo nos casos de fractura de côndilo mandibular.
68
Introdução
As fracturas de côndilo correspondem a 50%
ou mais de todas as fracturas mandibulares em
crianças e a sua etiologia está frequentemente
relacionada com acidentes ciclísticos1. Esse
tipo de fractura representa um grave problema em crianças, principalmente porque o
crescimento da mandíbula está mais activo no
côndilo e no ramo durante a infância2 e este
é um factor que potencializa o nascimento de
alterações no crescimento facial. Associada a
hábitos orais nocivos, a fractura pode aumentar
a possibilidade de ocorrência de deformidades
dentofaciais e esqueléticas.
Uma fractura na região condilar pode
induzir ao início de distúrbios no centro de
crescimento (o côndilo)3, o que resulta na
desaceleração do processo de crescimento
mandibular devido ao efeito inibitório na
proliferação da cartilagem e ossificação4. Duas
complicações são muito relevantes e devem
ser consideradas: a anquilose e os distúrbios do
crescimento mandibular em crianças5.
A anquilose temporomandibular é um
distúrbio que limita ou impede totalmente a
mobilidade do côndilo na cavidade glenóide
do osso temporal6. O nascimento em crianças
ou adolescentes pode comprometer o crescimento facial, provocando uma significante
assimetria e micrognatia7 por destruição do
centro de crescimento e ausência de tensões
funcionais. Além de provocar deformações
no aspecto facial, modifica a mastigação, fala e
dificulta a higiene bucal.
A limitação dos movimentos mandibulares
promove uma disfunção da actividade muscular, componente que prejudica o potencial de
crescimento nas fracturas do côndilo mandibular4 e resulta em distúrbios na aposição óssea
desta região8. Quando não tratadas, acabam
por poder evoluir para maiores limitações de
amplitude e desvio dos movimentos mandibulares, podendo restringir esses movimentos
significativamente e ocasionar uma assimetria
facial, acometendo o sistema estomatognático9.
Os hábitos orais nocivos, como a sucção
digital, levam a pressões desadequadas constantes na articulação temporomandibular
(ATM), pois a mandíbula faz movimentos
caracterizados por pressões atípicas, podendo
causar problemas musculares, ortodônticos
oclusais ou uma postura em repouso não
muito comum e adequada da mandíbula, que
poderá trazer desequilíbrio ao nível do sistema
estomatognático10, 11.
O osso, por ser um tecido maleável, reage
a todo o tipo de pressões exercidas sobre
ele12, portanto, muitas consequências podem
ser desencadeadas pela sucção digital13. O
desenvolvimento de uma retracção postural
mandibular decorrente deste hábito é bastante
significativa, visto que, se o peso da mão ou
braço força continuamente a mandíbula, esta
assumirá uma posição retraída para a prática
do hábito14.
O tratamento miofuncional realizado pelo
Terapeuta da Fala permite uma adequada
consolidação da fractura e possibilita uma
efectiva remodelação do côndilo, através do
equilíbrio dos movimentos mandibulares,
adequação e coordenação da musculatura
mastigatória9, 15. Em crianças, o alto potencial
de remodelamento ósseo favorece esse tipo de
tratamento16.
Existindo uma restruturação óssea precoce, a
fisiologia muscular normal é mantida mesmo
nas lesões da face, favorecendo o desenvolvimento normal, permitindo obter o mínimo de
assimetria facial4. A reabilitação miofuncional
orofacial, apresentando como estratégias os
exercícios mastigatórios dirigidos, é um factor
importante nos casos de tratamento conservador de fractura condilíaca, com o intuito de
combater a fibrose local17.
Para se realizar a sucção digital, é necessário
que ocorra o movimento de projecção seguido da retracção da mandíbula. A protrusão
mandibular acontece quando os músculos
pterigóideos laterais, auxiliados pelo pterigóideo medial e temporal anterior18 se contraem
simultaneamente, trazendo os côndilos para
baixo e para a frente. Esse mecanismo envolve
a participação do côndilo que, quando fracturado, não possui estabilidade necessária para
manter a contracção da musculatura do pterigóideo lateral, podendo sofrer deslocamento
e resultando em distúrbios na aposição óssea
desta região8, o que prejudica o remodelamento condilíneo4. A retracção da mandíbula pela
musculatura do temporal médio e posterior19
também é desfavorável em casos de fractura
de côndilo, pois este pode encontrar-se numa
posição instável, promovendo o deslocamento
através do movimento constante de protrusão
e de retração.
Apesar dos movimentos mandibulares
protrusivos realizados a partir da activação
do pterigóideo lateral serem benéficos para
a restruturação óssea, os desvios durante este
e outros movimentos mandibulares (abertura, encerramento e lateralidade) devem ser
corrigidos. Vale ressaltar que a activação do
pterigóideo lateral não é efectiva nos casos de
deslocamento condilar com grande angulação
uma vez que perde o apoio completo do
ponto móvel (a mandíbula). Em virtude disto,
nestes casos, é explorado o feixe anterior do
músculo temporal na realização do movimento protrusivo. A questão do hábito de sucção
digital mostra-se prejudicial, especialmente,
porque este movimento protrusivo é exectuado de forma aleatória, ou seja, sem correcção
do desvio, que é o grande diferencial.
Outra peculiaridade referente ao caso apresentado é a associação da fractura de côndilo
com a sucção digital, pelo facto de que este
hábito pode dar início ou intensificar um
perfil de classe II. O somatório das alterações
funcionais que podem aparecer em função
do mesmo leva a alterações importantes, até
mesmo esqueléticas20.
Desta forma, o objectivo do presente estudo foi avaliar a eficácia da intervenção do
profissional Terapeuta da Fala no tratamento
funcional da fractura de côndilo numa criança
com hábito de sucção digital.
69
70
Método
Trata-se de um estudo qualitativo do tipo
relato de caso, desenvolvido num hospital
público da cidade de Recife, no estado de
Pernambuco no Brasil.
A recolha de dados foi realizada através de
avaliação clínica, antes e após o tratamento
efectuado peloTerapeuta da Fala,com aplicação
de um protocolo padronizado por Bianchini9,
com aspectos sobre o tipo da fractura, estruturas e funções do sistema estomatognático,
dor à palpação dos músculos mastigatórios e
região da ATM (palpação lateral e posterior
à cápsula), classificação da intensidade da dor
definida pela escala de 0 a 3 (0 – assintomático;
1 – com sensibilidade; 2 – com dor; 3 – com
dor intensa)9 e movimentos mandibulares.
Foi utilizado paquímetro de plástico com
acurácia de 0,05mm para medição das estruturas do sistema estomatognático, avaliando
abertura oral máxima, lateralidade, protrusão
corrigida e terços da face, de acordo com
protocolo de Silva e Cunha21.
Foi realizada intervenção terapêutica na
criança em estudo, por um período de três
meses (12 sessões, sendo oito direccionadas ao
tratamento para fractura e quatro ao trabalho
de eliminação do hábito oral). As avaliações
pré e pós-tratamento da Terapia da Fala, assim
como a reabilitação miofuncional orofacial,
foram realizadas por um único profissional da
área.
A reabilitação miofuncional orofacial para a
fractura do côndilo foi composta por aplicação de termoterapia e execução de massagens
sequenciais para relaxamento e mobilidade
muscular; exercícios isotônicos e isocinéticos,
por meio dos movimentos mandibulares, para
eliminar a rigidez muscular e proporcionar o
equilíbrio do sistema estomatognático; e pela
função de mastigação para manter os ganhos
adquiridos com o relaxamento e os exercícios,
através de alimentos com consistência macia
de tamanho grande (para ampliar os movimentos).
Para a adequação das estruturas dos órgãos
fonoarticulatórios (OFA), foram executados exercícios isométricos e isotônicos para
aumento de força e mobilidade. Para a irradicação do hábito, foi utilizado o programa Meu
Dedão e Eu22 e actividades direccionadas para
consciencialização da criança e da família dos
malefícios do hábito de sucção digital.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de
Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da
Saúde da Universidade Federal de Pernambuco
(CCS/UFPE).
As fracturas de côndilo
correspondem a 50% ou
mais de todas as fracturas
mandibulares em crianças
e a sua etiologia está
frequentemente relacionada
com acidentes ciclísticos. Esse
tipo de fractura representa um
grave problema em crianças,
principalmente porque o
crescimento da mandíbula está
mais activo no côndilo e no
ramo durante a infância e este
é um factor que potencializa o
nascimento de alterações no
crescimento facial. Associada a
hábitos orais nocivos, a fractura
pode aumentar a possibilidade
de ocorrência de deformidades
dentofaciais e esqueléticas.
71
72
Relato do caso
No momento da intervenção, a criança, do
sexo masculino, contava com quatro anos de
idade e tinha sido encaminhada para a especialidade de Terapia da Fala de um hospital
público de saúde do estado de Pernambuco
pelo cirurgião bucomaxilofacial. Apresentava
fractura na parassínfise mandibular direita e
fractura de côndilo bilateral na região de colo
do lado direito e na região subcondilar do
lado esquerdo, com deslocamento proximal
deste mesmo lado, decorrentes de um acidente ciclístico com impacto directo na região
do mento. Além disso, apresentava hábito de
sucção digital.
Foi realizada uma cirurgia uma semana após
o acidente, para redução da fractura na região
da parassínfise direita, utilizando bloqueio
maxilomandibular rígido por 15 dias, período
em que fez uso de alimentação pastosa.
Imediatamente após a retirada do bloqueio,
foi proposto o tratamento conservador que
envolveu a abordagem terapêutica, seguindo
o planeamento terapêutico anteriormente
descrito.
Os hábitos orais nocivos,
como a sucção digital, levam
a pressões desadequadas
constantes na articulação
temporomandibular, pois a
mandíbula faz movimentos
caracterizados por pressões
atípicas, podendo causar
problemas musculares,
ortodônticos oclusais ou uma
postura em repouso não
muito comum e adequada da
mandíbula, que poderá trazer
desequilíbrio ao nível do
sistema estomatognático.
Resultados
Na avaliação inicial efectuada pelo Terapeuta da Fala, verificou-se abertura oral máxima de
24mm com desvio em linha média dentária para o lado esquerdo, lateralidade esquerda de 4mm,
lateralidade direita de 3mm, com protrusão corrigida de 4mm. O paciente não apresentou dor à
palpação na musculatura mastigatória e na região da ATM, apesar da restrição dos movimentos
mandibulares.
Quanto às estruturas e funções do sistema estomatognático, observaram-se alterações como:
lábios hipofuncionais e entreabertos, língua flácida, alargada e em soalho, projectando-se durante
a fala e deglutição, com distorção dos fonemas linguodentais, mastigação com predomínio unilateral esquerdo e respiração oronasal.
No exame clínico, foi observada mordida aberta anterior, já diagnosticada pelo cirurgião bucomaxilofacial e que, segundo a mãe, existia antes do acidente.
Após a abordagem terapêutica, houve a adequação da tonicidade e mobilidade de lábios, língua,
bochechas e musculatura mastigatória, assim como o restabelecimento dos movimentos mandibulares e das funções estomatognáticas, especialmente da mastigação. Observou-se a diminuição
da intensidade, frequência e duração da sucção digital, assim como o encerramento da mordida
aberta anterior.
Os resultados das medidas dos movimentos mandibulares pós-intervenção miofuncional foram:
abertura oral máxima de 44mm, lateralidade esquerda de 9mm, lateralidade direita de 8mm e
protrusão corrigida de 8,2mm.
73
74
Discussão
Em casos de fractura de côndilo, é frequente
a ocorrência de limitação dos movimentos
mandibulares.Problemas na região da ATM são
provocados pela hiperactividade dos músculos
mastigatórios23, portanto, alterações musculares como incoordenação, hipofuncionamento,
disfunção estrutural, encurtamento e contraturas na musculatura mastigatória ocasionam a
limitação dos movimentos mandibulares24.
Os dados encontrados concordam com a
literatura, uma vez que foi verificada limitação
dos movimentos mandibulares, cujo índice de
normalidade de abertura máxima em crianças
deve ser superior a 35mm, sendo os valores
inferiores sugestivos de problemas musculares
ou articulares25.
A criança apresentou desvio de linha média
dentária para o lado esquerdo, decorrente
da fractura de côndilo, apesar da fractura ser
bilateral. Em fracturas condilares com deslocamento unilateral, a linha média dentária está
desviada para o lado do deslocamento, o que
dificulta a oclusão principalmente do lado
contralateral1, 5. Na presença de desvio da linha
média na abertura e/ou encerramento, pode
ocorrer uma incoordenação ou hipertonicidade muscular, não possibilitando movimento
muscular harmônico bilateral26.
O tratamento miofuncional
realizado pelo Terapeuta da
Fala permite uma adequada
consolidação da fractura
e possibilita uma efectiva
remodelação do côndilo,
através do equilíbrio dos
movimentos mandibulares,
adequação e coordenação
da musculatura mastigatória.
Em crianças, o alto potencial
de remodelamento ósseo
favorece esse tipo de
tratamento.
É comum, no hábito de sucção, o aparecimento de transtornos como musculatura labial
superior hipofuncional, musculatura labial
inferior contraída, interposição de língua,
respiração oral e calo ósseo na região do polegar27, 28. Se o hábito é acompanhado de desvio
funcional-muscular, prejudica a oclusão e afecta os tecidos moles29.
A hipofunção labial com postura entreaberta
acontece em função da separação dos lábios,
que não executam a sua função de forma
adequada. A língua da criança encontrava-se
em posição baixa e projectada pela manutenção do dedo durante o hábito, com projecção
durante a fala e deglutição, e distorção dos
fonemas linguodentais, alterações associadas
ao hábito de sucção digital e mordida aberta
anterior30. A respiração oronasal é um aspecto
bastante comum no indivíduo que apresenta
um hábito oral nocivo27, o que pode favorecer
a ocorrência de respiração oral.
O predomínio da mastigação para o lado
esquerdo, possivelmente, ocorreu em virtude
do deslocamento do côndilo ter acontecido
apenas deste lado, já que a acção da musculatura do masseter tende a elevar a região do
ângulo mandibular do lado do côndilo deslocado31, diminuindo assim a dimensão vertical
posterior, o que gera um contacto prematuro
da dentição, favorecendo o acto mastigatório
deste mesmo lado.
No paciente em questão, a mordida aberta
anterior já existia antes da fractura, provavelmente originada pelo hábito de sucção digital
que, como a sucção de chupeta, pode promover
alterações dentárias32. Dos maus hábitos orais, a
sucção digital parece ser o que mais interfere
no surgimento da mordida aberta anterior33.
Por terem sido observadas, na avaliação, alterações noutras estruturas e funções do sistema
estomatognático, além do enfoque no tratamento para a fractura de côndilo e a eliminação
do hábito nocivo, houve a actuação terapêutica
na adequação da musculatura orofacial, através
de exercícios isométricos para lábios e língua,
com o intuito de equilibrar a forma e a função,
favorecendo assim a harmonia deste sistema10.
O tratamento miofuncional orofacial teve
início com a aplicação de termoterapia, actuando assim, na redução da tensão, contracção
e estiramento muscular34 e massagens9 para
aumento da circulação sanguínea, oxigenação
e liberação dos resíduos metabólicos na região
dos músculos temporais e masseteres.Exercícios
isotônicos e isocinéticos foram executados para
melhorar a mobilidade mandibular e estabilidade muscular contribuindo deste modo para
75
Existindo uma restruturação óssea precoce, a fisiologia
favorecendo o desenvolvimento normal, permitindo obter
orofacial, apresentando como estratégias os exercícios
de tratamento conservador de fractura condilíaca, com o
76
o aumento do limite de movimentos de abertura, encerramento, protrusão e lateralidade e a
flexibilidade muscular e articular34, 5.
A função mastigatória foi enfatizada no
tratamento funcional e desenvolvida com
alimentos, respeitando as suas características.
A criança realizava o movimento de protrusão durante a mordida e de lateralidade na
trituração, com a solicitação para mastigar
direcionando o lado, para orientar o movimento10. O padrão utilizado no inicio da
terapia foi o unilateral alternado, enfocando
o lado contralateral ao lado de maior deslocamento, posteriormente o padrão bilateral
alternado equilibra-se e estimula uma melhor
oclusão e musculatura10, 36, devido à distribuição da força mastigatória intercalando fases de
trabalho e repouso musculares e articulares,
levando a sincronismo e equilíbrio muscular
e funcional26.
Para a eliminação do hábito, foi utilizado o
programa Meu Dedão e Eu22 e actividades que
possibilitassem a consciencialização da criança
e da família quanto aos prejuízos da permanência da sucção digital e os benefícios de sua
eliminação.
A medida da intensidade, frequência e
duração da sucção digital tem como influência o facto de o dedo fazer parte do corpo
do indivíduo37, portanto, o seu aumento ou
diminuição depende da consciencialização
da criança sobre os malefícios que esse hábito
promove.
O encerramento da mordida aberta anterior sem a eliminação total do hábito de
sucção digital pode ser explicado pelo facto
de que algumas maloclusões decorrentes desse
hábito podem-se autocorrigir, dependendo da
veemência das variáveis frequências, duração e
intensidade do mesmo14, 38, 39.
muscular normal é mantida mesmo nas lesões da face,
o mínimo de assimetria facial. A reabilitação miofuncional
mastigatórios dirigidos, é um factor importante nos casos
intuito de combater a fibrose local.
77
Conclusões
Foi verificado aumento na amplitude de abertura oral máxima, lateralidade esquerda e direita
e protrusão corrigida, além da adequação da tonicidade e mobilidade de lábios, língua e musculatura mastigatória.
A actuação do Terapeuta da Fala na fractura de côndilo demonstrou, portanto, ser eficaz, pelo
alto poder osteogênico na remodelação do côndilo durante a infância. A sucção digital não
trouxe intercorrências significativas para o caso.
Mesmo existindo sucesso com o tratamento miofuncional, a criança deve ser acompanhada
pelo Terapeuta da Fala e pelo cirurgião bucomaxilofacial durante toda a sua fase de crescimento,
visto que ainda possui riscos de apresentar comprometimentos no desenvolvimento facial em
consequência da fractura e, estando associada ao hábito de sucção digital, as hipóteses aumentam
pela promoção frequente de pressões atípicas habituais.
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79
Carla Morgado
Isaura Tavares
80
Instituto de Histologia e Embriologia, Faculdade de Medicina do
Porto e IBMC, Universidade do Porto, Portugal
A elevada e crescente prevalência da
diabetes em países desenvolvidos levou a que
a Organização Mundial de Saúde designasse a
doença como uma pandemia do século XXI.
A diabetes caracteriza-se por hiperglicemia
associada à insuficiência de insulina ou
alterações no seu modo de acção e afecta
vários sistemas orgânicos, incluindo o sistema
cardiovascular, excretor, visual e nervoso. Um
dos resultados do atingimento do sistema
nervoso é a neuropatia diabética.Trata-se
de uma complicação crónica frequente na
diabetes que afecta cerca de metade dos
diabéticos com mais de 25 anos de doença
e se associa a elevada morbilidade e baixa
qualidade de vida (Galer et al, 2000). A
forma mais comum de neuropatia diabética
é a polineuropatia periférica, caracterizada
pela degeneração dos nervos periféricos,
particularmente ao nível dos membros
Neuropatia
inferiores (Podwall et al, 2004). A neuropatia
diabética associa-se frequentemente a
alterações na sensibilidade dolorosa, como
dor espontânea, aumento da sensibilidade a
estímulos inócuos (alodínia) e a estímulos
nóxicos (hiperalgesia) de natureza mecânica
e perda de sensibilidade a estímulos térmicos
(Sima, 2003). Apesar da fisiopatologia da
neuropatia diabética ser mais conhecida ao
nível do sistema nervoso periférico, estudos
recentes indicam a ocorrência de alterações
centrais, decorrentes de efeitos centrais
directos da doença ou de efeitos indirectos
à periferia (Pertovaara et al, 2001; Chen et al,
2002). O presente trabalho pretende rever
os mecanismos fisiopatológicos associados
à neuropatia diabética dolorosa, abordando
as alterações no sistema nervoso periférico
e perspectivando as causas/consequências
centrais da doença.
a diabética
81
82
1. Fisiopatologia da neuropatia
diabética
A diabetes induz profundas alterações morfofuncionais dos nervos periféricos que incluem
desmielinização, atrofia das fibras nervosas,
perda axonal, degeneração Walleriana, diminuição da capacidade regenerativa e disfunção
axoglial (Sima 2003, Wright et al, 1995). Estas
alterações degenerativas estão associadas a
alterações de vasos e nervos e podem ser sistematizadas em alterações vasculares, metabólicas
e moleculares (Figura 1). Tais alterações não
são apenas induzidas pela hiperglicemia, mas
também pela deficiência em insulina e/ou
peptídeos relacionados,como o peptídeo C e os
factores de crescimento insulínicos (“InsulinGrowth Factors”- IGFs). Efectivamente, as
alterações neuropáticas surgem mais precocemente e evoluem de forma mais severa na
diabetes tipo 1, caracterizada por deficiência
em insulina, peptídeo C e IGF-I, do que na
diabetes tipo 2, caracterizada por hiperinsulinemia, níveis elevados de peptídeo C e níveis
de IGFs inalterados. Esta visão mais recente da
neuropatia diabética impõe que a investigação
da doença seja enquadrada no tipo de diabetes.
No que respeita à investigação experimental,
o modelo mais utilizado pretende mimetizar a
diabetes tipo 1 e consiste na administração de
estreptozotocina (STZ), droga que destrói as
células β dos ilhéus pancreáticos.
A elevada e crescente
prevalência da diabetes
em países desenvolvidos
levou a que a Organização
Mundial de Saúde designasse
a doença como uma
pandemia do século XXI. A
diabetes caracteriza-se por
hiperglicemia associada à
insuficiência de insulina ou
alterações no seu modo de
acção e afecta vários sistemas
orgânicos, incluindo o sistema
cardiovascular, excretor, visual
e nervoso. Um dos resultados
do atingimento do sistema
nervoso é a neuropatia
diabética.
1.1. Alterações vasculares
Durante a diabetes ocorrem disfunções
dos vasa nervorum que levam ao aumento da
resistência vascular e diminuição do fluxo
sanguíneo e da tensão de oxigénio o que,
colectivamente, induz processos de isquemia/
hipoxia nos nervos periféricos, levando a
disfunção e perda de fibras nervosas (Wright et
al, 1995). Estas disfunções vasculares dependem
de alterações metabólicas nas células endoteliais, nomeadamente diminuição da actividade
enzimática endotelial da síntase do óxido nítrico (eNOS) e subsequente decréscimo na
produção de óxido nítrico, hiperactivação da
proteína cinase C (PKC), produção de radicais
livres e redução da actividade antioxidante
devida à depleção de factores antioxidantes
como a taurina, o que induz stress oxidativo.A
administração de fármacos inibidores da PKC
ou de substâncias antioxidantes melhora o
fluxo sanguíneo nos vasa nervorum, retardando
as alterações degenerativas dos nervos periféricos. Mais recentemente, demonstrou-se que o
peptídeo C desempenha um papel charneira
nas alterações vasculares dado que a sua administração aumentava o fluxo sanguíneo nos
vasos do antebraço de diabéticos tipo 1, o que
parece dever-se à sua capacidade indutora da
actividade da eNOS e consequente correcção
dos níveis de óxido nítrico.
1.2. Alterações metabólicas
A hiperglicemia induz alterações metabólicas
marcadas em neurónios e células de Schwan
que levam a stress osmótico e oxidativo e são,
em parte, responsáveis pelas alterações morfofuncionais dos nervos periféricos durante a
diabetes (Sima, 2003; Wright et al, 1995). A
hiperglicemia induz hiperactivação da via dos
polióis de que resultam algumas das disfunções
vasculares já referidas, nomeadamente diminuição da produção de óxido nítrico, alterações
na actividade da PKC, produção aumentada
de compostos oxidantes acompanhada por
diminuição da actividade antioxidante endógena. Adicionalmente, ocorre diminuição da
actividade da Na+/K+ ATPase e glicosilação
e glicooxidação não-enzimática de organelos
neuronais, nomeadamente fosforilação aberrante do citoesqueleto, contribuindo para
perda axonal e alterações no transporte axonal
de neurotransmissores e importantes factores
neurotróficos (Fernyhough et al, 1999). Mais
recentemente, demonstrou-se que a deficiência em insulina e peptídeo C estão na génese
das alterações metabólicas. A administração de
insulina e de peptídeo C exerce efeitos neuroprotectores, restaurando a produção de óxido
nítrico, estimulando a actividade da Na+/K+
ATPase e prevenindo a degeneração axonal e
disfunção axoglial.
83
84
1.3. Alterações moleculares
1.3.1. Alterações nos canais iónicos
Os aferentes primários de ratos com neuropatia diabética apresentam alterações importantes
nos canais iónicos, nomeadamente nos canais
de sódio e cálcio, com aumento do número
de canais de sódio resistentes à tetrodotoxina e
dos de canais de cálcio dependentes da voltagem e das densidades de corrente dos mesmos,
o que poderá ser devido à activação de canais
inactivos em situações não patológicas ou à
síntese de novo, dado aumentarem concomitantemente os níveis de ácido ribonucléico
mensageiro (ARNm) de algumas das suas
subunidades (Hirade et al, 1999). Os aferentes primários de ratos diabéticos apresentam,
consequentemente, maior permeabilidade ao
cálcio, maior mobilização das reservas citoplasmáticas deste ião, aumento da concentração
de cálcio intracelular e alterações nas vias de
transdução de sinal, nomeadamente activação
de cinases proteicas (Hall et al, 2001; Yusaf et
al, 2001). Estas alterações moleculares poderão
estar na base da hiperexcitabilidade das fibras
C e Aδ, do aumento do número de potenciais
de acção durante a estimulação sustentada,
das descargas ectópicas independentes do
estímulo e da diminuição da capacidade
de hiperpolarização destas fibras detectada
durante o registo electrofisiológico em nervos
de ratos diabéticos (Alhgren et al ,1994; Chen
et al, 2003). Tais alterações funcionais dos
aferentes primários podem explicar a dor
espontânea e hiperalgesia mecânica detectadas
durante a diabetes. De facto, a administração
de bloqueadores dos canais de sódio e cálcio
induz efeito anti-alodínico e analgésico, que
poderá estar na base da eficácia de fármacos
anti-convulsionantes no alívio de quadros
álgicos em diabéticos (Krishnan et al, 2003).
Acredita-se que as alterações dos canais iónicos dos nervos periféricos poderão ser devidas
ao aumento de actividade da PKC. Para além
da acção directa sobre os canais iónicos, a PKC
poderá actuar fosforilando proteínas G a eles
associadas ou outros mensageiros secundários
envolvidos no processamento da dor (Hall et
al, 2001). A sustentar o envolvimento da PKC
na neuropatia diabética encontra-se a redução
da hiperalgesia mecânica e da disfunção da
condução nervosa periférica detectada após
administração periférica de inibidores da PKC
(Ahlgren et al, 1994).
As alterações dos aferentes primários podem
originar activação ectópica espontânea e hiperexcitabilidade dos neurónios da medula espinal
durante a neuropatia diabética (Morgado e
Tavares, 2007). As alterações parecem afectar
neurónios de largo espectro dinâmico nomeadamente os do feixe espino-talâmico (Chen et
al, 2002; Pertovaara et al, 2001), pelo que estes
fenómenos podem participar na sensibilização
central e contribuir para a cronicidade da dor.
1.3.2. Alterações na expressão de
neurotransmissores e receptores
A neuropática diabética parece também
associar-se a alterações da expressão/função
de neurotransmissores/receptores importantes
na transmissão da informação nociceptiva. No
que diz respeito aos neurotransmissores, os
neurónios dos gânglios raquidianos apresentam
diminuição dos níveis de substância P (SP),
somatostatina e CGRP enquanto, pelo contrário, a expressão do ARNm do precursor do
neuropeptídeo Y aumenta (Diemel et al, 1992;
1994; Rittenhouse et al, 1996). Relativamente
a receptores, foram detectados aumentos do
ARNm dos receptores adrenérgicos do tipo
α1 nos neurónios dos gânglios raquidianos e
dos locais de ligação dos respectivos agonistas/
antagonistas. O aumento daqueles receptores
adrenérgicos nas membranas dos aferentes
primários tem um papel importante na excitabilidade das fibras C, mediante mecanismos
complexos que parecem envolver activação da
PKC, com consequente aumento dos níveis
intracelulares de cálcio (Lee et al, 2000).
As alterações na expressão dos neurotransmissores e receptores detectadas nos aferentes
primários têm repercussões na medula espinhal. Ao decréscimo na expressão de SP no
corno dorsal da medula espinhal de animais
diabéticos associa-se o aumento da expressão
dos seus receptores (receptores NK1; Kamei et
al, 1990), o que parece estar na base da intensa
antinocicepção induzida pelo CI-1021, um
antagonista dos receptores NK1 de actuação
central (Field et al, 1998). Um outro exemplo
de alterações periféricas com repercussão na
medula espinhal diz respeito aos receptores
adrenérgicos tipo α1. Apesar de alguns estudos
não terem mostrado alterações dos níveis do
seu ARNm no corno dorsal de ratos, tal facto é
difícil de conjugar com o aumento acentuado
da expressão destes receptores e dos locais de
ligação de agonistas e antagonistas específicos
(Bitar et al, 1999). A estas alterações do sistema
adrenérgico espinhal do rato diabético, acrescem alterações dos receptores adrenérgicos
α2. Na medula espinhal dos ratos diabéticos,
o ARNm dos receptores α2 diminui bem
como os locais de ligação dos seus agonistas,
o que deverá justificar a baixa acção antinociceptiva do respectivo agonista (clonidina) após
instilação intratecal em ratos diabéticos (Bitar
et al, 1999). A complexidade das alterações
dos receptores adrenérgicos tem sido correlacionada com a diminuição do “turnover” e
libertação da noradrenalina na medula espinhal
(Bitar et al, 1999). As alterações periféricas na
actividade da PKC também se reflectem a nível
espinhal. A administração intratecal de indutores da actividade da PKC aumenta a libertação
de aminoácidos excitatórios e SP na medula
espinhal e activa os receptores NMDA. O
facto destas alterações bioquímicas intervirem
no processamento da dor ficou demonstrado
pela inibição da hiperalgesia e alodinia no
rato diabético após administração intratecal
de inibidores da PKC (Ohsawa et al, 1999).
Para além dos neurotransmissores/receptores
cujas alterações periféricas se reflectem a nível
espinhal, foram detectadas alterações adicionais noutros sistemas de neurotransmissores
85
86
Fig. 1
Mecanismos subjacentes à neuropatia
diabética. Sistematizaram-se os efeitos da
doença no sistema nervoso em alterações
vasculares, metabólicas e moleculares,
conducentes, em última análise, a alterações das respostas sensoriais e sensibilidade
à dor.
87
88
e seus receptores na medula espinhal durante
a neuropatia diabética. O glutamato parece
estar envolvido na neuropatia diabética dado
ocorrer aumentos da densidade dos locais de
ligação dos receptores NMDA e AMPA e da
afinidade de ligação de antagonistas daqueles
receptores na medula espinhal de ratos diabéticos (Li et al, 1999), as quais representam uma
resposta adaptativa à expressão diminuída do
respectivo neurotransmissor (Malmberg et al,
2006). Tem sido sugerido que tais alterações
possam reflectir um aumento da afinidade de
ligação do glutamato aos respectivos receptores predispondo os neurónios espinhais a
hiperexcitabilidade (Li et al, 1999). De facto,
a administração de antagonistas dos receptores
NMDA têm um efeito analgésico marcado
em ratos diabéticos (Malcangio et al, 1998).
O sistema GABAérgico parece também estar
afectado durante a diabetes, dado haver diminuição da capacidade analgésica do baclofeno,
agonista dos receptores GABAB (Malcangio
et al, 1998), associada a aumento dos níveis
de ácido γ-aminobutírico (GABA) em ratos
diabéticos (Malmberg et al, 2006).
A alteração na acção de neurotransmissores/
receptores na medula espinhal de ratos diabéticos tem repercussões nas interacções entre
sistemas de neurotransmissores. Os locais de
ligação e a afinidade de ligação dos receptores
muscarínicos aumentam na medula de ratos
diabéticos e a administração intratecal de
agonistas dos receptores muscarínicos induz
antinocicepção. Este fenómeno parece envolver uma diminuição da libertação espinhal de
glutamato a partir dos terminais dos aferentes
primários, com intervenção do sistema espinhal GABAérgico. A activação dos receptores
muscarínicos induz libertação de GABA que
actua pré-sinapticamente impedindo a libertação de glutamato. A intervenção do GABA
neste processo é evidenciada pela inibição do
efeito antinociceptivo dos agonistas muscarínicos quando se administram antagonistas dos
receptores GABAB (Chen et al, 2003). Um
outro neurotransmissor cuja alteração durante a neuropatia diabética afecta directamente
outros sistemas de transmissores é a colecistocinina (CCK). A CCK parece estar associada à
fraca eficácia analgésica dos opióides, um dos
problemas no tratamento da dor neuropática
diabética. De facto, a administração concomitante de antagonistas de CCK e agonistas
opióides apresenta um efeito analgésico maior
do que quando se procede a administração
isolada de cada um deles. A acção da CCK
está, ademais, exacerbada na medula de ratos
diabéticos dado que a administração intratecal
de antagonistas dos seus receptores exerce um
efeito antinociceptivo maior relativamente
a ratos não-diabéticos (Kamei et al, 2001).
Na sequência da descoberta das múltiplas e
complexas alterações espinhais dos neurotransmissores/receptores durante a neuropatia
diabética, novos rumos de investigação estão a
ser desenhados para o futuro. Por exemplo, a
importância de receptores vanilóides (TPVR1)
foi sugerida com base na observação de que a
administração intratecal de anticorpo dirigido
contra o receptor reverte a hiperalgesia e alodínia detectadas em animais diabéticos (Kamei
et al, 2001).
A diabetes induz profundas alterações morfofuncionais
dos nervos periféricos que incluem desmielinização, atrofia
das fibras nervosas, perda axonal, degeneração Walleriana,
diminuição da capacidade regenerativa e disfunção axoglial.
Associada às alterações periféricas e espinhais
admite-se que ocorram também importantes
alterações neuroquímicas e funcionais a nível
supraspinhal. Porém, só muito recentemente se
tem abordado este tema em particular no que
respeita às alterações do sistema supraspinhal
endógeno de controlo da dor. Curiosamente,
sistemas facilitatórios descendentes oriundos
do núcleo magno do rafe e formação reticular
adjacente (RVM) não parecem estar envolvidos
na neuropatia diabética dado que estimulação
ou bloqueio locais não afectam as respostas
nociceptivas em ratos diabéticos (Pertovaara
et al, 2001), ao contrário do repetidamente
demonstrado na dor neuropática devido a trauma periférico (Porreca et al, 2002). No entanto,
os dois neurotransmissores mais relevantes na
modulação inibitória descendente - serotonina e noradrenalina - encontram-se alterados
na neuropatia diabética dolorosa. Em ratos
diabéticos havia uma diminuição da concentração e síntese de serotonina e aumento dos
respectivos receptores (Sandrini et al, 1997) no
córtex cerebral e bolbo raquidiano, enquanto
a concentração de noradrenalina diminui nesta
última região encefálica (Ramakrishnan et al,
1995). Estes dados sugerem que a neuropatia
diabética pode estar associada a uma modulação descendente inibitória da dor menos eficaz.
A utilidade dos antidepressivos inibidores da
recaptação da serotonina ou da serotonina/
noradrenalina, que levam a um aumento de
concentração destes neurotransmissores na
fenda sináptica, poderá decorrer da exacerbação de tais acções inibitórias (McQuay et al,
1996), embora não se saiba ainda quais as áreas
supraspinhais envolvidas.
1.3.3. Diminuição do suporte
neurotrófico
Existem, actualmente, fortes indicações de
que a diminuição do suporte neurotrófico
possa estar envolvido nas disfunções neuronais
associadas à diabetes. A síntese e expressão de
factores neurotróficos, nomeadamente o factor
de crescimento neuronal (NGF), a neurotrofina-3 (NT-3) e IGFs, diminuem drasticamente
em tecidos periféricos (músculo, pele) e
estruturas nervosas periféricas e centrais em
ratos diabéticos. Para além disso, ocorrem alterações na expressão dos respectivos receptores
e no transporte axonal destas neurotrofinas.
Admite-se que tais alterações estejam associadas a diminuição da velocidade de condução
e da expressão de neurotransmissores (SP e
CGRP) nos nervos periféricos afectando, em
particular, os nervos sensoriais sob os quais estas
neurotrofinas actuam. Estudos farmacológicos
corroboraram tais achados ao demonstrarem
que a administração destas neurotrofinas previne a diminuição da velocidade de condução
nervosa, assim como a redução na expressão de
alguns dos neurotransmissores acima referidos.
A administração de IGFs parece apresentar
benefícios adicionais, prevenindo alterações na
capacidade regenerativa nos nervos sensoriais
e a progressão da hiperalgesia em ratos com
diabetes tipo 1 (Sima, 2003).
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Conclusões e perspectivas futuras
Os mecanismos da neuropatia diabética
têm sido estudados em detalhe nos últimos
anos. O seu conhecimento mais detalhado,
particularmente no que respeita ao papel da
insulina, peptídeo C e factores de crescimento
neuronais na etiopatogenia da neuropatia
diabética dolorosa e aos componentes centrais
da doença, poderá permitir o desenvolvimento de abordagens terapêuticas mais eficazes.
Um campo emergente de estudo diz respeito
à ocorrência de apoptose que parece estar
também associada a outras complicações da
doença, como a retinopatia e a nefropatia.
Efectivamente, neurónios dos gânglios raquidianos de ratos com diabetes tipo 1 apresentam
apoptose que poderão ser extensíveis a vários
níveis do neuroeixo, como demonstrado
pela ocorrência de apoptose em neurónios
do hipocampo. Importa estabelecer as causas
da apoptose neuronal e os neurónios mais
susceptíveis no sentido de definir estratégias
de prevenção eficazes.
91
Jó Eduardo Esteves de
Andrade
Enfermeiro na Unidade de Cuidados Intensivos,
Hospital de Sousa Martins, Guarda
Palavras-chave: Síndroma compartimental abdominal (SCA); Hipertensão intraabdominal (HIA); Pressão intra-abdominal (PIA); Pressão intra-vesical
92
A síndroma compartimental abdominal apenas recentemente
recebeu atenção considerável. Esta pode ser definida como
um conjunto de consequências fisiológicas adversas, que
ocorrem como resultado de uma persistente elevação da
pressão intra-abdominal. As causas mais comuns da síndroma
compartimental abdominal são: hemorragia, edema visceral,
pancreatite, distensão intestinal, obstrução da mesentérica,
ascite, peritonite e tumor. Os sistemas orgânicos mais afectados
incluem o cardiovascular, o pulmonar, o renal, o nervoso central
e o esplénico. O diagnóstico depende do reconhecimento dos
sinais clínicos, seguido de uma avaliação objectiva da pressão
intra-abdominal, preferencialmente através da sonda vesical.
O tratamento consiste num adequado aporte de líquidos e
descompressão cirúrgica, quando necessário.
A avaliação da
pressão
intra-abdominal
como factor
de prevenção
da síndroma
compartimental
abdominal
93
Introdução
O conceito que define a cavidade abdominal
como um compartimento já é conhecido desde
o final do século XIX [1-4]. Contudo, apenas
recentemente, ele se tornou alvo de interesse e
discussão nas comunidades científicas e também
no nosso meio [2-7]. Estes factos e a escassez de
informação a este respeito, disponível na nossa
língua, estimularam-me a fazer uma revisão sobre
este tópico e a apresentá-la através deste artigo.
Fontes de informação
Como base para este artigo, foram utilizados
sistemas de busca informática (sistema “medline”
da pubmed e biomednet), seleccionando artigos
dos últimos dez anos, com especial enfoque nos
artigos de revisão e investigação. Dentre os artigos
encontrados, seleccionaram-se particularmente os
artigos de investigação realizados em humanos.
Perspectiva histórica
A primeira descrição de HIA (hipertensão
intra-abdominal) foi feita há mais de 130 anos
atrás, quando Marey (1863) e Burt (1870)
demonstraram a relação entre a PIA (pressão
intra-abdominal) e a função respiratória [1,4].
Wendt (1876) foi pioneiro a associar a pressão
rectal com o débito urinário [1,8]. Em 1980,
Heinricius demonstrou que a HIA (27-46
cmH2O) se torna fatal em gatos e porcos da
Guiné, atribuindo estas mortes à “suspensão da
respiração por interferência com a expansão torácica” [1,4]. Gross (1948), um cirurgião pediátrico,
identificou a tríade clínica, esperada quando
a cavidade abdominal se apresenta hipertensa
– dificuldade respiratória (devida à deslocação
cefálica do diafragma), diminuição do retorno
venoso (devida à pressão na veia cava inferior) e
obstrução intestinal (devida à compressão visceral)
[1]. A (SCA) síndroma compartimental abdominal
foi mais amplamente reconhecida por Kron
(1984), que descreveu pacientes com HIA em
anúria, que recuperaram espontaneamente após
descompressão abdominal [1,4]. Kron e os seus
colaboradores usaram pela primeira vez o termo
SCA e introduziram o método de avaliação da
PIA através da sonda vesical [1].
Incidência
A incidência de HIA varia de acordo com a
patologia de base, podendo variar entre 2-30%
nos doentes cirúrgicos internados em UCI
(unidade de cuidados intensivos) e rondando
os 38% em doentes submetidos a cirurgias de
urgência ou cirurgias major [1-4, 6].
A incidência de SCA varia entre 1 a 16%
dos doentes com HIA [1, 2, 4, 6].
Etiologia
Os principais factores responsáveis pelo
aumento da PIA podem subdividir-se em
agudos e crónicos (Tabela 1) [1, 4, 5, 7, 8].
O aumento crónico do volume abdominal,
como por exemplo nos casos de obesidade
mórbida, apenas conduz a uma elevação sem
significado da PIA, uma vez que este aumento
é gradual e permite que a parede abdominal
se vá adaptando [1, 4]. Em conformidade com
isso, nesses casos, não se desenvolvem sinais de
SCA [1, 4].
As causas mais comuns de SCA são: hemorragia, edema visceral, pancreatite, distensão
intestinal, obstrução da mesentérica, ascite,
peritonite e tumor [1, 2, 4, 6, 8-11, 13].
O resultado final de uma Síndroma
Compartimental Abdominal não tratada é a
falência multi-orgânica e a morte [3, 8, 14].
A síndroma compartimental
abdominal apenas recentemente
recebeu atenção considerável.
Esta pode ser definida como
um conjunto de consequências
fisiológicas adversas, que ocorrem
como resultado de uma persistente
elevação da pressão intra-abdominal.
As causas mais comuns da síndroma
compartimental abdominal são:
hemorragia, edema visceral,
pancreatite, distensão intestinal,
obstrução da mesentérica, ascite,
peritonite e tumor.
95
Efeitos da hipertensão intra-abdominal
A HIA causa graves alterações em quase todos os sistemas orgânicos [1, 2, 4, 6, 8, 9, 12-14]. Se
não for controlada, a HTA evolui para SCA [1, 2, 4, 8-10, 12].
96
Efeitos cardiovasculares
O aumento da PIA pode alterar significativamente o débito cardíaco [1, 3, 4, 8-13, 15].
Estes efeitos estão associados a valores de PIA
superiores a 20 mmHg e, para valores de PIA
de 40 mmHg, o débito cardíaco diminui cerca
de 38% [1, 3, 4, 8, 10, 13]. A diminuição do
débito cardíaco é devida a um insuficiente
aporte sanguíneo através da veia cava inferior,
como resultado da compressão directa sobre
esta e sobre a veia porta, compressão intratorácica da veia cava superior e do coração, e
consequente menor volume ventricular diastólico [1, 3, 4, 8-13]. A pós-carga encontra-se
aumentada, dado o aumento da resistência
vascular periférica, provocada pela compressão
mecânica sobre os seios capilares [1, 3, 8, 9,
11-13]. A taquicárdia surge como um processo compensatório da redução do volume por
todos estes mecanismos.
Efeitos pulmonares
Como resultado do aumento da PIA, o
diafragma move-se cefalicamente, diminuindo
a compliance pulmonar, o volume pulmonar
e o débito cardíaco [1, 3, 4, 8-10, 12, 13, 15].
A alteração da relação ventilação/perfusão
conduz a hipoxémia e a acidose respiratória
[1, 3, 4, 8, 9, 11-13]. A oxigenação e ventilação adequadas só se conseguem com pressões
elevadas das vias aéreas [1, 3, 4, 8, 9, 11, 13].
Efeitos renais
A oligúria está frequentemente presente e
é a manifestação por excelência da HIA [1,
3, 4, 8-11, 13, 15]. São vários os factores que
contribuem para a disfunção renal associada à
HIA, nomeadamente a diminuição do débito
cardíaco, que provoca uma diminuição no
fluxo sanguíneo renal; a compressão mecânica das veias e artérias renais e a compressão
mecânica dos rins [1, 3, 4, 8, 9, 11, 15]. PIA
entre 15 e 20 mmHg é acompanhada de
oligúria, enquanto que um aumento da PIA
para cerca de 30 mmHg resulta em anúria [1,
4, 8, 9, 11, 13, 15].
Definições
Síndrome compartimental
Ocorre quando a pressão dentro de um espaço anatómico fechado aumenta de tal maneira
que a perfusão capilar fica comprometida e
ocorre isquémia tecidular [3,8,9].
Pressão intra-abdominal (PIA)
Estado de pressão constante, dentro da cavidade abdominal (em descanso, varia entre 0 e 5
mmHg) [1-11].
Efeitos esplénicos
O aumento da PIA (acima de 15 mmHg)
está associado a uma redução do fluxo sanguíneo hepático, mesentérico e esplénico [1, 4,
8, 13]. Este facto, vai conduzir a isqemia das
mucosas e translocação bacteriana, factos que
poderão conduzir a sépsis e falência multiorgânica [1, 8].
97
Efeitos intra-cranianos
O aumento da pressão intra-abdominal
pode aumentar a pressão intra-craniana e
diminuir a perfusão cerebral, devido à resistência no retorno venoso, provocado pela pressão
intra torácica elevada [1, 4, 8-11, 13, 14], com
consequente dano cerebral [3, 9].
Efeitos na parede abdominal
A redução da perfusão da parede abdominal, secundária ao aumento da PIA, poderá
conduzir a complicações no tratamento de
feridas ou suturas, como sejam a infecção e a
deiscência de suturas [1, 3, 4, 8, 13, 14].
Hipertensão intra-abdominal (HIA)
Elevação prolongada da PIA, acima dos valores de referência. Os valores de referência não
se encontram ainda perfeitamente definidos,
contudo, a maioria dos autores, defende os 10
mmHg (13,6 cmH2O; 1,3 kPa)1 como valor
de referência [1-4, 6-9, 11, 12].
Síndrome compartimental abdominal (SCA)
Consequências complexas e adversas decorrentes de uma elevação prolongada e mantida
(período superior a seis horas) da PIA acima
dos valores fisiológicos [1-4, 6, 9, 12-14].
1
1 mmHg = 1,36 cmH2O = 0,13 kPa
98
Diagnóstico
A PIA deve ser avaliada sempre que haja
probabilidade de HIA e, consequentemente,
SCA [2, 4-10, 13]. Não se deve aguardar pela
presença de sinais clínicos de SCA para iniciar
a avaliação da PIA [2-10, 13].
O diagnóstico de SCA só pode ser feito se
os seguintes critérios estiverem presentes: 1.
PIA superior a 25 mmHg; 2. Pelo menos um
dos seguintes sinais clínicos: oligúria, pressão
pulmonar aumentada, hipoxia, débito cardíaco
diminuído, hipotensão ou acidose; 3. A confirmação que a descompressão abdominal resulta
em melhora clínica [1, 2, 4, 6, 11-13].
A PIA pode ser avaliada através de métodos
directos e indirectos (Tabela 2). Apesar disso,
passa-se a descrever apenas a avaliação indirecta
através da pressão vesical, uma vez que esta
técnica reflecte, com precisão, a pressão intraabdominal, é de fácil realização e traz poucos
riscos para o paciente – “the gold standard”
[2-11, 13, 14, 16], estando apenas contraindicada em caso de limitação da distensão da
parede da bexiga (bexiga neurogénica, trauma
da bexiga e hematoma pélvico com compressão vesical) [1, 5, 7, 8]. O material necessário ao
procedimento encontra-se alistado na Tabela 3,
podendo o mesmo variar em conformidade
com o sistema de transdução utilizado.
Avaliação indirecta da PIA através da pressão
vesical [1-5, 7-16] (Figura 1) – Antes de iniciar
o procedimento, o doente deverá ser colocado
em decúbito dorsal [11, 14, 16] (sem qualquer
tipo de almofada), partindo-se do princípio
que o doente está algaliado e com um sistema
colector de urina – Urimeter®. O balão de
soro fisiológico é inserido dentro da manga de
pressão, conectado ao sistema para transdutor
de pressão, onde está também conectada a
seringa, e insuflado a uma pressão de 300
mmHg. O sistema de soro para transdutor
de pressão é conectado na extremidade do
prolongador, que será posteriormente conectado no abocath. Preenche-se todo o sistema
com soro e enche-se a seringa com 50 ml [11,
14, 17]. O hemopod é colocado ao nível da
sínfise púbica do doente e ligado ao monitor.
O cabo transdutor de pressão é conectado ao
hemopod e ao sistema de soro para transdutor
de pressão. Depois de desinfectado o local,
insere-se o abocath na porta de aspiração
asséptica do Urimeter®, retira-se a agulha e
conecta-se ao prolongador. “Zera-se” o sistema. Clampa-se o Urimeter® abaixo da zona
de inserção do abocath. Administram-se os 50
ml de soro. Coloca-se a torneira aberta apenas
para o sistema de transdução (Figura 1). Deixase o sistema avaliar a pressão. Desclampa-se o
Urimeter® e desconta-se os 50 ml no débito
urinário dessa hora.
Figura 1 – Esquema de avaliação da Pressão Intra
Abdominal com monitor “Siemens SC9000”® [1,
3-5, 7, 8, 12, 14, 15].
Deve-se suspeitar
precocemente da síndrome,
sempre que se verifique:
um abdómen suspeito num
paciente de risco (distensão
abdominal, ausência de
ruídos intestinais, etc.); oligoanúria; falência respiratória
com altas pressões na via
aérea, em doentes ventilados;
desenvolvimento progressivo
de falência multi-orgânica.
A avaliação indirecta da PIA através da
pressão vesical também é susceptível de ser
realizada com uma sonda vesical de três vias,
ficando uma das vias conectada directamente
ao sistema de transdução não havendo, assim,
a necessidade de introdução do abocath na
porta de aspiração asséptica do Urimeter® [3,
11]. A literatura consultada apresenta também
já um kit que faz a ligação da sonda vesical
ao transdutor e ao Urimeter® que, com um
simples movimento de rotação, alterna os
sistemas, evitando as manipulações [3]. Existem
também outros dispositivos que permitem
a incorporação de uma torneira de três vias
entre a sonda vesical e o Urimeter®, considerando-se este método preferível (quando
disponível), uma vez que não requer invasão
da porta de aspiração asséptica do Urimeter®.
No caso de não estar disponível um sistema de
transdução, este pode ser substituído por uma
régua de avaliação da pressão venosa central
obtendo, assim, um valor manual da PIA em
cmH2O [9].
O facto do doente ter sido operado,
encontrando-se com múltiplos drenos, ou
mesmo com o abdómen não encerrado, não
contra-indica a utilização da técnica [3, 5, 7,
18], uma vez que, mesmo nesta situação, a
SCA pode desenvolver-se [18]. A avaliação da
PIA continua a ser útil nestes casos, embora
frequentemente os valores se mantenham algo
elevados [3, 5, 18]. A PIA deverá ser avaliada
até que esteja definitivamente excluído o risco
de HIA e SCA [2-8, 16, 18].
99
100
Tratamento
São recomendadas estratégias terapêuticas
diferentes, de acordo com o grau de HIA [1,
3-6, 8-13]:
Grau I (10 a 15 cmH2O) – Manutenção
da normovolémia, colocação de sonda
naso-gástrica, enema, paracentese, diuréticos,
ultrafiltração;
Grau II (16 a 25 cmH2O) – Hipervolémia,
colocação de sonda naso-gástrica, enema,
paracentese, diuréticos, ultrafiltração;
Grau III (26 a 35 cmH2O) – Descompressão
cirúrgica, hipervolémia;
Grau IV (> 35 cmH2O) – Descompressão
e re-exploração cirúrgica.
Vários autores [1-4, 8, 9, 11, 13, 18] são
unânimes ao referir a laparotomia como o
único tratamento viável em caso de evidência
clínica de SCA. Nestas circunstâncias, a administração de grandes quantidades de fluidos
reveste-se de crucial importância [1, 3, 8, 9,
13], podendo surgir colapso do sistema cardiovascular se o aporte líquido for insuficiente [1,
3, 9, 13].
Em conformidade com a patologia de base,
são várias as opções que podem ser consideradas, depois da descompressão de emergência,
em relação à ferida cirúrgica 1, 3, 8, 9, 13, 18]:
• Encerrar
• Encerrar apenas a derme com sutura de
aproximação;
• Manter a parede abdominal aberta para
re-exploração e/ou lavagens posteriores.
O encerramento definitivo da parede
abdominal deve ser realizado depois da estabilização do doente (que poderá ir de 24 horas,
em situações mais simples, até 12 meses, como
no caso de grandes hérnias) [1, 9, 18].
Prognóstico
A mortalidade devida a SCA é extremamente elevada – 38 a 71% [1, 3, 13]. Esta
percentagem não aparece isolada, mas sim
associada às patologias de base dos doentes (a
maioria dos utentes estão gravemente doentes,
em unidades de cuidados intensivos, com sépsis
abdominal, trauma abdominal, pós-operatório
de grande cirurgia vascular, etc.) [1, 2, 13, 18].
Tabela 1 – Factores que contribuem para o aumento da PIA [1-4, 8, 11, 13, 18].
Agudos
Espontâneos Peritonite; Abcesso intra-abdominal; Ileus; Obstrução intestinal;
Ruptura de aneurisma da aorta abdominal; Pneumoperitoneu
hipertensivo; Pancreatite aguda;Trombose da mesentérica.
Pós-operatórios Peritonite; Abcesso; Ileus; Distensão gástrica aguda; Hemorragia
intra-abdominal;Transplante hepático.
Pós-traumáticos Traumatismos abdominais fechados ou abertos; Fracturas pélvicas; Queimaduras com escara abdominal extensa; Sangramento
intra ou retroperitoneal; Edema visceral pós-ressuscitação.
Iatrogénicos Procedimento laparoscópico; Redução de hérnia parietal ou
diafragmática; Encerramento abdominal sob tensão excessiva.
Crónicos
Ascite; Grande quisto ou tumor abdominal; Diálise peritoneal
ambulatória; Gravidez; Pré-eclampsia e eclampsia.
Tabela 2 – Métodos de avaliação da PIA [1-4, 7, 8, 10, 11].
Tabela 3 – Material necessário para avaliação da pressão intraabdominal com monitor “Siemens SC9000”® [1, 3-5, 7, 8, 12,
14, 15].
Directos
Através de cânula metálica ou de cateter
inserido na cavidade abdominal e conectado
a régua de pressão venosa central;
Durante laparoscopia;
Através de um catéter intraperitoneal
conectado a um transdutor de pressão.
Indirectos
Pressão da veia cava inferior;
Pressão gástrica;
Pressão rectal;
Pressão vaginal;
Pressão vesical (método de eleição).
Um balão de Soro Fisiológico de 1000 ml,
do tipo flexível;
Uma manga de pressão;
Um sistema de soro para transdutor de pressão;
Uma seringa de 50/60 ml;
Uma torneira de três vias;
Um prolongador;
Um abocath de grande calibre (14G ou
16G);
Um cabo transdutor de pressão;
Um hemopod;
Um monitor;
Material de desinfecção.
101
102
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Um conhecimento
aprofundado e uma
consciencialização para a
síndroma compartimental
abdominal, com uma
monitorização eficaz da
pressão intra-abdominal
em pacientes de risco,
acompanhada de exploração
abdominal, quando
indicada, poderão contribuir
para diminuir o risco de
mortalidade desta condição
potencialmente fatal.
Conclusão
Apesar de já se conhecerem os efeitos nocivos da HIA há mais de dois séculos, a síndroma
compartimental abdominal só recentemente
começou a receber atenção considerável.
Deve-se suspeitar precocemente da síndrome, sempre que se verifique: um abdómen
suspeito num paciente de risco (distensão
abdominal, ausência de ruídos intestinais,
etc.); oligo-anúria; falência respiratória com
altas pressões na via aérea, em doentes ventilados; desenvolvimento progressivo de falência
multi-orgânica.
O diagnóstico deve ser confirmado pela
avaliação da pressão intra-abdominal. Uma
administração adequada de fluidos é essencial
e a descompressão cirúrgica está indicada nos
graus mais elevados de hipertensão intraabdominal.
Um conhecimento aprofundado e uma
consciencialização para a SCA, com uma
monitorização eficaz da PIA em pacientes de
risco, acompanhada de exploração abdominal,
quando indicada, poderão contribuir para
diminuir o risco de mortalidade desta condição potencialmente fatal.
103
O programa de intervenção para a promoção
da autonomia do cuidador na preparação da
terapêutica ao idoso em ambulatório, realizouse durante o ano de 2006, no atendimento de
doentes com demência em programa de visita
domiciliária, do serviço de psicogeriatria do
(HML) da cidade do Porto, em Portugal.
104
Idosos em casa,
a vigilância da terapêutica
Segue as características de um estudo longitudinal. Integrou 100 cuidadores, na sua maioria do
sexo feminino, casados, baixa escolaridade, com pouca diferenciação profissional que têm a seu
cargo um familiar com demência. Este programa tem por objectivos:
1. Avaliar os compromissos
funcionais e mentais dos
cuidadores;
2. Identificar os apoios
sociais e familiares;
3. Implementar estratégias
promotoras da qualidade de
vida do idoso com demência;
Os resultados deste programa indicam que a maioria dos cuidadores tem autonomia funcional
sem compromisso cognitivo.Tem apoios familiares consistentes e melhorou competência para a
tarefa de preparar a terapêutica após período de treino intensivo. Os autores do programa realçam
a importância da vigilância dos serviços de saúde, da avaliação/intervenção, na detecção de riscos,
na preservação da funcionalidade para garantir qualidade de vida dos cuidadores e dos idosos
dependentes no domicílio.
105
4. Melhorar a autonomia
funcional do cuidador;
5. informar o cuidador
sobre preparação da terapêutica.
Sotto Mayor, M.
Varandas, I
106
Enfermeira Especialista em Enfermagem de Saúde Mental, Hospital
Magalhães Lemos; doutoranda ICBAS
Enfermeira Especialista em Enfermagem de Saúde Mental, Hospital
Magalhães Lemos; pós-graduada U.A.
Introdução
Diversos autores salientam a importância da vigilância de saúde dos idosos cuja prevalência tem
aumentado, em parte, devido a uma maior longevidade humana (Fukuyama, 2002). Destacam
a necessidade de uma abordagem multidimensional nesse acompanhamento (Leuschner, 2005)
com a vantagem de detecção precoce de alterações (PNS, 2004), muitas vezes, não identificadas
no contacto assistencial, mas passíveis de intervenção mais atempada, preventiva (situações de
risco) e reabilitadora (Matsuda, 1999).
Este tipo de avaliação/intervenção, com
grande relevância na funcionalidade e qualidade de vida dos indivíduos pode ter abrangência
diversa, sendo comum, o contributo de várias
competências de diferentes profissionais
(Leuschner, 2005).
Nesse sentido, são objectivos deste programa:
• Avaliar os compromissos funcionais e
mentais dos cuidadores que podem interferir
na preparação da terapêutica;
• Identificar os apoios sociais e familiares dos
cuidadores que permitem colmatar eventuais
défices cognitivos e ou funcionais na prestação
de cuidados;
• Implementar estratégias promotoras da
qualidade de vida do idoso com demência;
• Contribuir para proporcionar/melhorar a
autonomia funcional do cuidador;
• Informar/formar o cuidador acerca da
preparação da terapêutica. Identificar a estratégia de selecção do fármaco aquando da
preparação da terapêutica.
É efectuado com os cuidadores em ambulatório e incide sobre a tarefa de preparar a
terapêutica do idoso dependente e a seu cargo
para as 24 horas. Tem vindo a realizar-se na
sequência de avaliação de repetidas situações
de risco com erros na preparação da medicação observadas periodicamente aquando da
visita domiciliária. A inserção neste programa
obedece a vigilância de risco, onde são efectuados controlos de prescrição/preparação de
terapêutica em 100 idosos acompanhados pela
equipa de enfermagem.
Material e métodos
Este programa procura seguir as características de uma investigação exploratória, descritiva e
longitudinal. Decorreu durante o ano de 2006, estando integrado no plano de atendimento de
doentes com demência visitados pela equipa de Enfermagem do Serviço de Psicogeriatria do
Hospital Magalhães Lemos, cidade do Porto.
Foram integrados no programa 100 cuidadores de idosos com demência, de ambos os sexos,
residentes no domicílio da área do Grande Porto. Utilizaram-se como instrumentos de colheita
de dados, o Índice de Katz, o Índice de Lawton, o MMSE e um questionário elaborado para
o efeito, de modo a obter-se informação sobre: prescrições, horários, doses, nome dos medicamentos etc. (aceitaram-se nomes químicos e nomes comerciais e os dados que caracterizassem
a sua individualidade), no qual se registaram os erros e suas características. No âmbito da visita
domiciliária efectuou-se a avaliação do estado mental e funcional do cuidador, tendo como
referência e enquadramento o papel desempenhado.
Durante os contactos procedeu-se ainda à caracterização dos aspectos da rede social (Fillenbaum,
1986) e da classe social (Graffar, 1956), avaliámos tarefas de cuidados pessoais diários (Katz, Branch,
Branson, et al., 1963), de adaptação ao meio (Lawton & Brody, 1969), de sintomatologia activa
(International Classification of Primary Care - ICPC, 1987) de demência (Guerreiro et al., 1994)
e de aspectos da vivência do cuidador (Alves, Sobral & Sotto Mayor, 1999).
Foram critérios de avaliação na preparação da terapêutica: 1) prepara adequadamente; 2)
prepara adequadamente embora hesite; 3) prepara mas pede ajuda e 4) erra na preparação da
terapêutica.
107
108
Resultados
Neste programa foram envolvidas 100
pessoas cuidadoras. Fizeram-se 422 visitas
domiciliárias, das quais, 391 foram de seguimento (2ªs. consultas) e 31 de primeiras
avaliações (1ªs. consultas), em casa. Nas visitas
de seguimento desenvolveram-se acções
de suporte e informação ao cuidador e, nas
referenciadas como primeiras fizeram-se
avaliações multidisciplinares globais. Todas as
visitas foram efectuadas por pares de técnicos.
Na sua maioria enfermeiros (422), seguidos de
assistentes sociais (107) e em menor número
por médicos (49). Todo o programa decorreu
sem desvios aos objectivos assistenciais delineados pela equipa multidisciplinar.
Relativamente à caracterização sócio demográfica dos cuidadores (Quadro 1) verifica-se
que, 75% eram do género feminino e 25%
do género masculino. Destes cuidadores, 74%
viviam em co-residência com o doente a cuidar,
tinham idades compreendidas entre os 30 e os
80 anos, sendo que, a maior percentagem dos
cuidadores se situava entre os 50 e 70 anos.
Tinham baixa escolaridade, 63% apresentavam
menos que a 4ª classe, 30% a 4ª classe e apenas
7% tinham uma escolaridade superior ao 1º
ciclo do ensino básico. A maioria dos cuidadores (44%) eram cônjuges, seguidos de filhos
Estes dados contribuem para a
seja um factor de risco para a
prestar cuidados e o assumir de
o défice cognitivo e preservar a
realçar que alguma desobrigação
das actividades funcionais,
progressiva, situação evitável com
Quadro 1
Características sócio-demográficas dos cuidadores
Género:
Masculino
Feminino
Co-residência
Idade (moda)
Escolaridade:
< 4ª Classe
4ª Classe
> 4ª Classe
Parentesco:
Cônjuges
Filhos
Irmãos
Noras
Outros
Grupo profissional:
Rurais
Domésticos
Op. construção civil
25%
75%
74%
[50-70]
63%
30%
7%
44%
42%
5%
4%
5%
25%
65%
10%
noção de que embora a idade
autonomia, a necessidade de
responsabilidades pode tardar
funcionalidade dos idosos. É de
social, nomeadamente na prática
pode conduzir a perda cognitiva
atitudes de estimulação.
Quadro 2
Avaliação funcional do cuidador N = 100
Actividades de vida diária (AVDS)
100% autómanos
Actividades instrumentais de vida
diária (AIVDS)
• Autónomos 60 (60%)
• Parcialmente autónomos (com
ajuda de familiares e empregados)
40 (40%)
• Relevante compromisso da
mobilidade 5 (5%)
(sem interferência na preparação
da terapêutica)
(42%). Os restantes distribuíam-se por irmãos
(5%) noras (4%) e (5%) por outros. Os grupos
profissionais em que se integravam apresentavam uma escassa diferenciação, categorizados
como trabalhadores rurais (25%), domésticos
(65%) ou operários da construção civil (10%).
Quanto à avaliação funcional verifica-se
que a totalidade dos cuidadores de idosos
visitados é autónomo nas actividades de vida
diária e parcialmente dependente nas actividades instrumentais de vida diária (Quadro
2) e nestas últimas actividades são ajudados
(40%), por familiares e empregados. Alguns
dos problemas apresentados ao nível funcional
(5%) estão relacionadas com a mobilidade mas
não interferem na preparação da terapêutica,
não sendo por isso considerados.
Em relação à avaliação breve do estado
mental, verifica-se que a maioria dos cuidadores integrados neste programa (80%), não
apresentava comprometimento funcional
nem cognitivo.Apenas 20% dos cuidadores foi
objecto de intervenção. Detectaram-se dificuldades de organização e alterações na orientação
temporal em 10 pessoas e a estas foram ensinadas estratégias para orientação diária como
por exemplo a utilização de quadro negro ou
calendário, utilização de agendas etc. Ao fim
de três visitas verificaram-se estratégias eficazes
nestes cuidadores, melhoraram na autonomia e
assumiram a tarefa sob vigilância da família. As
outras 10 pessoas que apresentavam ligeira sub
orientação sem significado patológico, com
mais dificuldades de concentração/atenção na
tarefa, que comprometiam o cálculo e a gestão
109
Uma gestão adequada do regime
primordial importância, atendendo à
da terapêutica e à necessidade da
a maioria da população idosa se
da terapêutica ao longo do dia e, que erraram
na preparação de terapêutica, permaneceram
na visita semanal até ao final do programa
durante dois meses.
110
Esta redução do intervalo de visita permitiu
a avaliação/treino intensivo pelo que no final
do programa apenas uma pessoa foi excluída
da actividade de preparar a terapêutica por
se considerar que não reunia as condições
mínimas para continuar a assumir esta tarefa
e, tinha mostrado extrema dificuldade na sua
preparação. O Quadro 3 indica os critérios
que nortearam todo o programa de avaliação
na preparação da terapêutica.
Da totalidade da amostra, das estratégias
usadas pelos 100 cuidadores para identificar
o fármaco, verificou-se que 40% identifica o
fármaco pela cor, 12% selecciona o fármaco
pela forma, 20% faz a leitura do invólucro e
verifica também a cor, 18% faz a leitura do
nome do fármaco e 10% realiza a tarefa silenciosamente. Estas estratégias utilizadas pelos
cuidadores, quando conhecidas pelos técnicos
visitadores podem ser potenciadas na educação para a saúde promovendo a melhoria da
qualidade de vida dos idosos dependentes
(Quadro 4).
Quadro 3
Critérios de avaliação na preparação da terapêutica
Critérios de avaliação
N (%)
Prepara adequadamente
60 (60%)
Prepara adequadamente embora hesite
18 (18%)
Prepara mas pede
ajuda
12 (12%)
Erra na preparação
da terapêutica
10 (10%)
farmacológico constitui um foco de
sua elevada correlação com a eficácia
vigilância da polimedicação a que
encontra exposta.
Quadro 4
Estratégia de identificação do fármaco usadas pelos
cuidadores: N = 100
Estratégias de identificação do fármaco
Identifica o fármaco
pela cor do medicamento
N (%)
40 (40%)
Identifica o fármaco
pela forma
12 (12%)
Faz a leitura do invólucro + cor
20 (20%)
Faz leitura do invólucro
18 (18%)
Prepara silenciosamente
10 (10%)
Discussão
Avaliámos uma população maioritariamente feminina, com predomínio de casados, de
baixo nível sócio cultural, praticamente sem
compromisso funcional, sem alterações cognitivas significativas. Estes dados contribuem
para a noção de que embora a idade seja um
factor de risco para a autonomia (Neri, 2001), a
necessidade de prestar cuidados e o assumir de
responsabilidades pode tardar o défice cognitivo e preservar a funcionalidade dos idosos.
É de realçar que alguma desobrigação social,
nomeadamente na prática das actividades
funcionais, pode conduzir a perda cognitiva
progressiva, situação evitável com atitudes de
estimulação (Melo, 2005).
Por parte do cuidador, as situações de risco,
na preparação da terapêutica foram o principal
objecto de análise e, embora diminutas e sem
relevância estatística, são importantes, atendendo a que o alvo são pessoas indefesas, pelo
que o investimento, na avaliação, no treino e
na promoção das competências para a tarefa
instrumental de preparação da terapêutica
deve ser potenciada. Esta intervenção em casa,
traduz uma abordagem multidimensional com
idosos e possível de replicar noutros contextos.
Ficou evidente a necessidade de uma supervisão por parte dos serviços de saúde centrados
no doente no domicílio e relacionada com os
que assumem o cuidar dos seus familiares mais
próximos.
Uma gestão adequada do regime farmacológico constitui um foco de primordial
importância, atendendo à sua elevada
correlação com a eficácia da terapêutica e à
necessidade da vigilância da polimedicação a
que a maioria da população idosa se encontra
exposta.
111
A detecção de situações
de risco e posterior
reencaminhamento para
recursos da comunidade,
apoio domiciliário,
médico/enfermeiro de família,
ilustra o grande esforço no
estabelecimento de uma
óptica de rede, potenciando
os recursos sociais e familiares
disponíveis, promovendo
a qualidade de vida para
os idosos em regime de
ambulatório.
112
Bibliografía
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informais de idosos portadores de demência: qualidade de
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Guerreiro, M, Silva A. P., Botelho, M. A., Leitão, O.
Conclusões
A promoção da saúde do idoso com demência no domicílio está dependente, em grande
parte, de uma adequada toma da terapêutica
pelo que, a devida preparação dos cuidadores
para esta actividade constitui uma medida
elementar de precaução, de segurança e de
garantia de um cuidado de qualidade.
O acompanhamento dos idosos/cuidadores através da visita domiciliária facilita o
diagnóstico precoce, possibilita a prevenção
de situações de risco para a saúde do idoso
dependente e promove, simultaneamente, a
preservação da funcionalidade do cuidador
através da informação/formação/treino do
cuidador num contexto de continuidade de
cuidados.
A detecção de situações de risco e posterior reencaminhamento para recursos da
comunidade, apoio domiciliário, médico/
enfermeiro de família, ilustra o grande esforço
no estabelecimento de uma óptica de rede,
potenciando os recursos sociais e familiares
disponíveis, promovendo a qualidade de vida
para os idosos em regime de ambulatório.
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Neri, L. A. (2001). Desenvolvimento e envelhecimento. São
Paulo: Papirus.
113
Lídia Maria Matias Abrunheiro
Psicóloga Clínica
Palavras-chave: suporte social; qualidade de vida; doente
transplantado; transplante hepático
114
Qualidade de vida e a satisfação com o
suporte social dos doentes transplantados hepáticos
Este estudo teve como objectivo explorar e analisar a correlação existente entre
a Qualidade de Vida e a Satisfação com o Suporte Social dos doentes transplantados hepáticos. Foram aplicados um Questionário Sócio-Demográfico, e dois
instrumentos: a Escala de Satisfação com o Suporte Social – ESSS, adaptada por
Pais Ribeiro (1999) e o Questionário de Qualidade de Vida – SF36, validado por
Ferreira (2000), a uma amostra de 50 doentes do Hospital da Universidade de
Coimbra, submetidos há menos de um ano a cirurgia para transplante hepático
na Unidade de Transplantes Hepáticos, sendo 34 (68%) do sexo masculino e 16
(32%) do sexo feminino com idades compreendidas entre os 16 e os 40 anos
(M=39,44; dp=12,91). Os resultados demonstraram a existência de correlação
positiva entre a qualidade de vida e a satisfação com o suporte social, principalmente com os factores satisfação com os amigos e satisfação com a família.
Tendo em consideração que uma boa saúde pode estar associada a um bom nível
de qualidade de vida, pode dizer-se que o suporte social que o doente percebe
ter, facilita na sua recuperação, o que vai afectar a qualidade de vida que ele
relata.
115
116
Introdução
Actualmente, o suporte social é um dos
principais conceitos na psicologia da saúde,
como referem Rodin e Salovey (1989, cit.
por Ribeiro, 1999). Este alivia o distress em
situação de crise, pode inibir o
desenvolvimento de doenças
e, quando o indivíduo está
doente, tem um papel positivo na recuperação.
Ribeiro, 1999) defendem que o suporte social
se refere aos recursos ao dispor dos indivíduos
e às unidades sociais, tais como a família, que
respondem aos pedidos de ajuda e assistência.
De acordo com
Berkman (1984, cit.
por Ribeiro, 1999),
o suporte social é
hoje aceite, indiscutivelmente, como
importante tanto para
a saúde como para as
doenças, embora se
continue a discutir o
que pode ser considerado como variável no
vasto domínio do suporte
social, tais como o número
de amigos, a frequência de
contactos, a intensidade de
contactos, a existência de
amigos íntimos, ou de redes
constituídas apenas por
contactos sociais mesmo
que não sejam amigos. Para
além destes, também são
considerados alguns aspectos subjectivos, tais como a percepção que o
indivíduo tem da adequação do suporte que
dispõe e a satisfação com a dimensão social
da sua vida. Dunst e Trivette (1990, cit. por
Assim, também Cobb (1976,
cit. por Kaplan, 1993) definiu suporte social como
pertencente a uma rede de
trabalho social de comunicação e obrigação mútua.
Nesta rede são consideradas as pessoas em quem
realmente se pode confiar,
que se preocupam e que
amam.
Em alguns estudos epidemiológicos (Kaplan,
1993; Taylor, 1995), o suporte social foi definido como um número de contactos sociais
mantidos por uma pessoa extensivos à rede
social de trabalho.
Caplan et al. (1975, cit.
por Winnubst, Buunk &
Marcelissen, 1990) definem
suporte social como qualquer input recebido de um
indivíduo ou grupo, o que
faz com que o receptor desse
input siga em direcção do seu
desejo. Esta definição inclui
não só todo o tipo de suporte
informal mas também alguns
tipos de suporte formal, tal
como os benefícios sociais, comerciais assim
como os tratamentos recebidos por médicos
ou psicoterapeutas.
Lin (1986) define o suporte social como
sendo o apoio acessível a um indivíduo, através dos elos sociais com outros indivíduos,
grupos e com o conjunto da comunidade. A
definição anterior poderá ser completada por
House (1981), que refere tratar-se de uma
transacção interpessoal, que inclui um ou
vários dos elementos seguintes: solicitude de
ordem emocional como a amizade, o amor e
a empatia, ajuda concreta de bens e serviços,
informação sobre o ambiente e avaliação da
informação pertinente por auto-avaliação.
Esta definição assemelha-se à de BruchonSchweitzer (1994, cit. por Llorca, Poussin &
Cazals-Ferré, 2004) que diz que o apoio social
é o conjunto das relações interpessoais do
indivíduo que procura um vínculo afectivo
como a simpatia, a amizade e o amor, uma
ajuda prática instrumental ou financeira, mas
também informações e avaliações relativas à
situação que o ameaça.
Apesar da definição deste termo ser ainda
bastante discutível, o mesmo tem sido referido como tendo efeitos positivos em diversos
domínios, incluindo a saúde física, o bem-estar
mental e as funções sociais, ou seja, o suporte
social é hoje encarado como um assunto de
pesquisa psicossocial (Wortman & DunkelSchetter, 1987).
Ridder e Schreurs (1996, cit. por Ribeiro,
1999) afirmam que os doentes crónicos
expressam satisfação com o suporte social
emocional e prático, enquanto que o suporte social informativo, especialmente quando
provém de amigos e familiares, é visto como
interferência indesejável.
A crise que se reflecte no estádio final da
doença hepática é resolvida após o transplante,
sendo restabelecido o equilíbrio.A transplantação representa, então, um planalto em pacientes
com doença do fígado. O êxito do transplante
absorve a atenção do doente e tem influência
na forma como este interage com a sua família,
amigos, colegas de trabalho e com o resto do
seu mundo. Os cuidados de saúde por parte
da equipa médica, desempenham um papel
importante na reabilitação social do doente
transplantado hepático, ao dar um sentido de
esperança incentivando a ultrapassar os desafios
inerentes e a viver uma vida satisfeita e produtiva (Dowdy, 1997).
Também Leppin e Schwarzer (1989, cit.
por Ribeiro, 1999), numa meta-análise sobre
55 estudos (publicados entre 1976 e 1987)
com uma amostra total de 32739 indivíduos,
mostraram 83 correlações baseadas em amostras independentes, acerca da relação entre
suporte social e saúde, e confirmaram que a
saúde deficiente era mais pronunciada entre os
que tinham falta de suporte social.Verificaram
também, que o grau de associação entre as
variáveis dependia das circunstâncias, da população, dos conceitos e das medidas utilizadas
para avaliar o suporte social e a saúde.
Outros autores referem que a satisfação com
o suporte social disponível é uma dimensão
cognitiva com um importante papel na redução do mal-estar (Lakey & Drew, 1997; Bishop,
1994). Por outro lado, Hohaus e Berah (1996,
cit. por Ribeiro, 1999) referem que a satisfação
com o suporte social é uma das variáveis que
estão associadas à satisfação com a vida. Cohen
117
e McKay (1997, cit. por Silva, Ribeiro, Cardoso
& Ramos, 2003), referem que o suporte social
tem sido amplamente usado para mencionar
os mecanismos através dos quais as relações
interpessoais têm efeito. Deste modo, o suporte
social irá actuar a nível da prevenção de perturbações psicológicas e orgânicas, ou seja, não só
quando o indivíduo é confrontado com situações stressantes, mas também na diminuição da
gravidade da doença e na recuperação desta.
118
Então, o facto de o doente ser transplantado
poderá contribuir para que este se centre em
si próprio, desvalorizando os outros, inclusive
a família. Isto poderá tornar-se um problema,
pois o doente sente-o como a ausência de
suporte social, facto que poderá provocar uma
recuperação mais lenta.
Quando estão no hospital ou em casa, as
pessoas doentes ficam isoladas, incapacitadas de
participar nas actividades habituais. O doente
que deixou de trabalhar é incapaz de participar nas actividades sociais e retira-se das idas
à igreja ou outras actividades, restringindo o
acesso à interacção social, o que provoca neste
uma percepção de suporte social reduzida que
vai interferir de forma negativa na sua saúde
(Dowdy, 1997).
Heyenk, Tymstra, Slooff, e Klompmaker
(1990) afirmam que, apesar de terem sido
desenvolvidas diferentes pesquisas com doentes
no período pós-transplante hepático, a maioria
foca a atenção sobre os problemas físicos, mas
pouco é conhecido sobre os problemas psicossociais.
Tendo como objectivo o conhecimento
mais aprofundado sobre o assunto, Adams,
Ghent, Grant e Wall (1995) fizeram entrevistas a 29 doentes, onde puderam constatar
que estes, no período a seguir ao transplante,
sofriam de vários problemas psicossociais,
como por exemplo a depressão, referindo
pensamentos suicidas, tendo sido verificado
tentativas em três casos. Outros aspectos referidos por estes doentes foram o facto de lhes ser
difícil aceitar as alterações na aparência (como
cicatrizes e aparecimento de pêlos em excesso,
devido à toma de medicamentos – imunossupressores), as dificuldades em voltar para casa
(visto sentirem-se mais seguros no hospital), as
dificuldades de ajustamento a um novo papel
dentro da família (antes independente), e o não
desempenho de um papel na sociedade (por
estar desempregado).
Outro estudo feito por Commander,
Neuberger e Dean (1992), teve em conta o
funcionamento social dos doentes transplantados, e verificou algumas alterações a nível do
desempenho no trabalho, na vida familiar e no
casamento.
De acordo com um estudo realizado por
Levy (1983) verificou-se que o suporte social
é um factor preditor importante da adesão ao
tratamento.
Depois de alguns estudos sobre a relação
entre a doença e o suporte social,Turner (1982,
cit. por Pilisuk & Parks, 1986) concluiu que
o suporte social poderá actuar primeiramente
como um amortecedor do impacto da doença, mas também poderá oferecer protecção.
Cohen e Wills (1984, cit. por Pilisuk & Parks,
1986), após uma intensiva revisão de literatura,
chegaram à mesma conclusão.
Pelo facto de estes doentes sofrerem alterações a diversos níveis após o transplante e a
forma como percebem o suporte que lhes é
dado poderá ter influência na sua qualidade de
vida.
O conceito da qualidade de vida foi inicialmente desenvolvido e operacionalizado com
uma população de adultos doentes e refere,
especificamente, o impacto da doença, do
tratamento médico ou a politica dos cuidados
de saúde individuais (Levi & Drotar, 1998).
Deste modo, a definição de saúde tem
influenciado fortemente a definição de qualidade de vida (Levi & Drotar, 1998). De acordo
com Spieth e Harris (1996, cit. por Levi &
Drotar, 1998; Bucuvalas & Britto, 2003), as
A relação entre saúde e qualidade de vida é um constructo
multidimensional que reflecte o bem-estar físico e psicológico
no indivíduo. A qualidade de vida refere-se à capacidade que o
indivíduo tem de desempenhar o seu papel social e doméstico,
de forma a resolver os desafios da vida do dia-a-dia sem stress
ou incapacidade física.
dimensões físicas, mentais e sociais, referidas
pela Organização Mundial de Saúde na sua
definição de saúde, permaneceram como
ponto central na construção da definição da
qualidade de vida que, para além destes, inclui
mais quatro domínios, o estado de doença e
sintomas físicos, o estado funcional, o funcionamento psicológico e o social.
O objectivo do transplante de órgãos não é
só lutar pela sobrevivência, mas proporcionar
ao doente uma maior qualidade de vida.
No entanto, a qualidade de vida poderá
também ser definida como o bem-estar social
de um indivíduo, um grupo, uma comunidade
ou um país. As condições de vida, o salário, o
emprego e a habitação, são factores determinantes da qualidade de vida. Quanto melhores
forem estas condições, melhor será a qualidade
de vida do indivíduo (Martinez, 1997).
A qualidade de vida após o transplante
hepático é determinada por uma experiência
subjectiva assim como por factores objectivos,
além de algumas dimensões,como as somáticas,
a psicossocial, a interpessoal, a socioeconómica
e a espiritual. Estas dimensões poderão ser
vistas de forma separada. Por exemplo, o facto
de estar somaticamente doente tem impacto
em todas as outras dimensões da qualidade de
vida. Uma orientação espiritual sólida ou um
suporte social adequado permite ao doente
cooperar, mesmo que tenha limitações físicas
severas (Küchler,Kober,Brölsch,Henne-Bruns
& Kremer, 1991).
A relação entre saúde e qualidade de vida é
um constructo multidimensional que reflecte
o bem-estar físico e psicológico no indivíduo.
A qualidade de vida refere-se à capacidade
que o indivíduo tem de desempenhar o seu
papel social e doméstico, de forma a resolver
os desafios da vida do dia-a-dia sem stress ou
incapacidade física. Em estudos recentes (Shih,
Hu, Ho, Lin, Lin & Lee, 1994; Chen e Sun,
1994) concluiu-se que nos doentes hepáticos
a relação entre saúde e qualidade de vida piora
após a cirurgia de transplante.
Após o transplante do fígado são vários os
problemas que o doente continua a ter, não só
a nível físico mas também social e psicológico,
que vão afectar a sua qualidade de vida.
O presente estudo teve como objectivo
verificar qual a relação da satisfação com o
suporte social e da qualidade de vida numa
amostra de doentes com transplante hepático.
119
Método
120
Participantes
Instrumentos
Participaram neste estudo 50 doentes
do Hospital da Universidade de Coimbra,
acompanhados na Unidade de Transplantes
Hepáticos. Como critério de inclusão na
amostra definiu-se que os indivíduos deveriam ter sido submetidos há menos de um ano
a cirurgia para transplante hepático.
O material utilizado neste estudo foi um
protocolo composto por duas escalas, a Escala
de Satisfação com o Suporte Social (ESSS) e
o Questionário da Qualidade de Vida (SF-36)
de 36 itens, e um questionário sócio demográfico construído para o efeito que permitiu
a recolha de dados relativos ao sexo, idade,
estado civil, escolaridade, profissão/ocupação
e tipo de doença do sujeito.
Os participantes apresentaram idades
compreendidas entre os 16 e os 62, com média
de 39,44 (dp=12,91), a maior percentagem
(38%; n=19) situa-se no intervalo de 30-40
anos.
Tendo em conta as patologias referidas, dois
(4%) dos inquiridos têm a Doença de Wilson,
29 (58%) têm P.A.F., 12 (24%) apresentam
Cirrose Hepática,dois (4%) sofrem da Síndrome
de Bud-Chiari, dois (4%) têm Hepatite C,
um (2%) têm Hepatite Fulminante, dois (4%)
apresentam Hepatite Auto-Imune e um (2%)
tem Colangite Esclerosante Hepática.
No que se refere ao estado civil, a maioria
dos indivíduos (n=38; 76%) referiu estar casado ou viver em união de facto, nove (18%)
são solteiros, dois (4%) divorciados e um (2%)
é viúvo. No que diz respeito à escolaridade,
20 indivíduos (40%) referem ter feito o
primeiro ciclo, oito (16%) fizeram o segundo
ciclo, três (6%) possuem o terceiro ciclo, oito
(16%) concluíram o secundário e 11 (22%)
têm um curso superior. Quanto às profissões,
verifica-se que 11 indivíduos (22%) são técnicos superiores, um (2%) pertence ao quadro
médio, três (6%) são operários especialistas, 13
(26%) são operários, 13 (26%) são desempregados, 4 (8%) são estudantes, duas (4%) são
domésticas, um (2%) é empresário e dois (4%)
são reformados.
A Escala de Satisfação com o Suporte Social
– ESSS é um instrumento desenvolvido por
Wethingson e Kessler (1986) e validado para
a população portuguesa por Ribeiro (1999). É
um questionário de auto-preenchimento que
permite a operacionalização da variável satisfação com o suporte social com as suas quatro
dimensões ou factores através de 15 itens de
diferencial semântico de 5 pontos: «concordo
totalmente», «concordo na maior parte», «não
concordo nem discordo», «discordo a maior
parte» e «discordo totalmente».
A nota total da escala resulta da soma da
totalidade dos itens, e pode variar entre 15 e
75, sendo que à nota mais alta corresponde
uma percepção de maior suporte social.A nota
de cada dimensão resulta da soma dos itens
pertencentes a cada dimensão ou sub-escala.
Os itens são cotados atribuindo o valor «1»
aos assinalados em «A», e «5» aos assinalados
em «E». São excepção os itens que devem ser
cotados invertidos: 4, 5, 9, 10, 11, 12, 13, 14,
e 15.
O primeiro factor, «satisfação com amigos»
(SA), mede a satisfação com amizades/amigos,
e inclui cinco itens (3, 12, 13, 14, 15). O segundo factor, denominado de «intimidade» (IN),
mede a percepção da existência de suporte
social íntimo e é composto por quatro itens (1,
4, 5, 6). O terceiro factor, chamado «satisfação
com a família» (SF), mede a satisfação com o
suporte social familiar existente, do qual fazem
parte três itens (9, 10, 11). O quarto factor,
nomeado «actividades sociais» (AS), mede a
satisfação com as actividades sociais que realiza,
com três itens (2, 7, 8).
Os estudos de validação revelam que o
instrumento apresenta qualidades psicométricas adequadas. No que diz respeito à fiabilidade,
o autor da validação para a população portuguesa procedeu ao cálculo da consistência
interna de cada factor que compõe a escala, e
que estão entre os padrões aceitáveis utilizados,
com excepção do valor do factor satisfação
com a família, que têm índice inferior a 0,69.
Para além deste procedimento, o autor
determinou o valor de consistência interna da
escala total verificando-se que este é de 0,85,
número que excede os padrões de aceitabilidade usualmente utilizado (Ribeiro, 1999).
No que concerne à determinação da validade do instrumento, o autor procedeu ao
cálculo da validade discriminante e da validade
concorrente. A validade discriminante de um
item evidencia-se pela diferença entre a correlação do item com a escala a que pertence por
comparação com a correlação do item com
as escalas a que não pertence. Verifica-se que
o índice de discriminação dos itens é superior
a 20 pontos entre a magnitude da correlação
com a escala a que pertence e a magnitude do
segundo valor de correlação com outra escala.
A validade concorrente foi inspeccionada,
comparando a escala com medidas de saúde
e de bem-estar e com medidas de mal-estar,
verificando-se que a ESSS está associada a
medidas de saúde na direcção esperada, ou seja
prediz resultados positivos das medidas indicadoras de saúde e resultados negativos com
medidas indicadoras de mal-estar (Ribeiro,
1999).
O Questionário de Qualidade de Vida –
SF36, foi desenvolvido por Ware e Sherbourne
(1992) e validado para a população portuguesa por Ferreira (2000a; 2000b), o SF36 é
constituído por 36 itens de auto-resposta e
destina-se a avaliar conceitos de saúde que
representam valores humanos básicos relevantes à funcionalidade e ao bem-estar de cada
um, abrangendo oito dimensões de estado
geral de saúde, que detectam tanto os estados
positivos como os negativos. Além disso, não é
específico de qualquer nível etário, doença ou
tratamento.
A primeira dimensão denomina-se «função
física», composta por 10 itens, que medem
desde a limitação para executar actividades
físicas menores, até às actividades mais extenuantes, passando por actividades intermédias. A
segunda dimensão refere-se ao «desempenho
físico», com quatro itens.A terceira, diz respeito
ao «desempenho emocional», com três itens.
Estas duas dimensões medem a limitação da
saúde em termos do tipo e da quantidade de
trabalho executado. A «dor física» é a quarta
dimensão com dois itens, que representam,
não só a intensidade e o desconforto causados pela dor, mas também a forma como esta
interfere nas actividades normais. A «saúde
em geral» com cinco itens, pretende medir
o conceito da percepção holistica da saúde,
incluindo não só saúde actual, mas também a
resistência à doença e a aparência saudável. A
«vitalidade» com quatro itens inclui os níveis
de energia e de fadiga, permite captar melhor
121
Método (Cont.)
Procedimento
122
as diferenças de bem-estar. A «função social»,
com dois itens, pretende captar a quantidade e
a qualidade das actividades sociais, assim como
o impacto dos problemas físicos e emocionais
nas actividades sociais da pessoa que responde.
Por fim, a última dimensão é a «saúde mental»,
com cinco itens, que medem a ansiedade, a
depressão, a perda de controlo em termos
comportamentais ou emocionais e o bemestar psicológico.
Estas oito sub-escalas (dimensões) podem
ser agrupadas em duas componentes (saúde
física e saúde mental), obtidas a partir de análises factoriais de componentes principais. A
componente de saúde mental engloba a saúde
mental, o desempenho emocional, a função
social e a vitalidade. A componente física
engloba a função física, o desempenho físico,
a dor física e a saúde em geral.
O questionário de qualidade de vida – SF36
apresenta boas qualidades psicométricas. Para
avaliar a fiabilidade da versão portuguesa do
SF36 o autor utilizou o método teste-reteste
e foi calculado o coeficiente alfa. Os valores
de fiabilidade encontrados para as sub-escalas
excedem os padrões aceitáveis utilizados. Para
cada sub-escala, os coeficientes de fiabilidade
iguala ou excede o valor 0,80, com excepção
da sub-escala «função social».
No que se refere aos testes de validade o
autor procedeu à determinação da validade de
conteúdo, discriminante e de critério, tendo-se
verificado que o instrumento SF36 apresenta
uma boa validade.
A recolha dos dados processou-se entre
Fevereiro e Junho de 2004, durante o período
de estágio realizado no HUC (Hospital da
Universidade de Coimbra), na Unidade de
Transplantes Hepáticos.
Os participantes foram contactados durante
as consultas de psicologia, sendo informados
do objectivo do estudo, assim como de que a
participação era voluntária e as respostas seriam
mantidas em absoluto anonimato. Tendo sido
dado aos doentes os esclarecimentos e apoio
necessários, quando solicitados.
Tendo em consideração que
uma boa saúde pode estar
associada a um bom nível
de qualidade de vida, pode
dizer–se que o suporte social
que o doente percebe ter
facilita na sua recuperação, o
que vai afectar a qualidade de
vida que ele relata.
123
124
Resultados
Inicialmente, foi feito o estudo de associação
entre o questionário da qualidade de vida (SF
total) e a escala de satisfação com o suporte
social (ESSS total), dos doentes transplantados,
onde se verificou uma correlação positiva com
significância estatística (r=0,30; p<0,05) entre
a qualidade de vida e o suporte social.
Verificou-se ainda existir uma correlação
positiva com significância estatística (r=0,31;
p<0,05) entre a qualidade de vida (SF total) e
o factor satisfação com os amigos (SA).
No estudo de associação entre o questionário da qualidade de vida (SF total) e o factor
satisfação com a família (SF), pôde constatarse também a existência de correlação positiva
com significância estatística (r=0,28; p<0,05)
entre a qualidade de vida e o factor satisfação
com a família.
O facto destes doentes sentirem confiança na equipa médica,
protecção e preocupação com o seu bem-estar, assim como
apoio familiar e dos amigos, reflecte-se na forma como adere
aos tratamentos, na forma como se alimenta e na convivência
com os seus colega de quarto, melhorando assim a sua saúde e
consequentemente a qualidade de vida.
Discussão
O objectivo deste estudo foi comparar a
associação entre a satisfação com o suporte
social e a qualidade de vida do doente transplantado hepático há menos de um ano.
Após a análise dos resultados, verificouse a existência de correlação positiva com
significância estatística, que demonstra que
quanto maior for o suporte social percebido
maior será a qualidade de vida. Esse facto vai
de encontro ao que refere a literatura. Bennett
(2002) verificou existir uma correlação positiva
com significância estatística entre a qualidade
de vida do doente transplantado e a satisfação
com o suporte social.
De acordo com Bennett (2002), existem
dados significativos de que tanto homens
como mulheres com poucos contactos sociais
teriam maior predisposição para morrer mais
cedo do que aqueles que possuem uma boa
rede de suporte social. No entanto, dados do
Alameda Country Study (Berckman e Syme,
1979 cit. por Ribeiro, 1999), por exemplo,
mostraram um aumento da longevidade associada a um número considerável de relações
sociais, nomeadamente como consequência do
casamento, de contactos com amigos próximos
e parentes, da participação em grupos de igreja
ou outros. Os indivíduos isolados teriam maior
propensão para morrer mais cedo.
Tendo em consideração que uma boa saúde
pode estar associada a um bom nível de qualidade de vida, pode dizer-se que o suporte
social que o doente percebe ter facilita na sua
recuperação, o que vai afectar a qualidade de
vida que ele relata. Segundo Hohaus e Berah
(1996, cit. por Ribeiro, 1999), a satisfação com
o suporte social é uma das variáveis que estão
associadas à satisfação com a vida. De acordo
com Rutter e Quine (1996, cit. por Ribeiro,
1999), o suporte social tem efeitos mediadores
na protecção da saúde. Broadhead e col. (1983,
cit. por Ribeiro, 1999), concluíram, na sua
investigação, que havia uma forte correlação
entre as variáveis suporte social e saúde. Leppin
e Schwarzer (1989; 1991, cit. por Ribeiro,
1999) concluíram que uma saúde deficiente
era mais pronunciada entre os indivíduos que
não tinham suporte social.
O facto destes doentes sentirem confiança na
equipa médica, protecção e preocupação com
o seu bem-estar, assim como apoio familiar e
dos amigos, reflecte-se na forma como adere
aos tratamentos, na forma como se alimenta e
na convivência com os seus colega de quarto,
melhorando assim a sua saúde e consequentemente a qualidade de vida. Como refere
Rodin e Salovey (1989, cit. por Ribeiro, 1999),
o suporte social alivia o distress em situação de
crise, pode inibir o desenvolvimento de doenças e, quando o indivíduo está doente, tem um
papel positivo na recuperação.
Quando se verificou a associação entre a
qualidade de vida e a satisfação com os amigos,
constatou-se a existência de correlação positiva
com significância estatística. Este resultado vai
no sentido do que foi referido por Berkman
125
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126
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Baum & J. Singer (Eds.), Handbook of psychology and health: stress (pp. 68-70). London: Lawrence Erlbaum Associates.
(1984, cit. por Ribeiro 1999) em que o suporte
social é hoje aceite, indiscutivelmente, como
importante tanto para a saúde como para
as doenças, embora se continue a discutir o
que pode ser considerado como variável no
vasto domínio do suporte social, tais como o
número de amigos, a frequência de contactos,
a intensidade de contactos e a existência de
amigos íntimos.
Outros autores como Caplan et al. (1975, cit.
por Winnubst, Buunk & Marcelissen, 1990)
definem suporte social como qualquer input
recebido de um indivíduo ou grupo, o que faz
com que o receptor desse input siga em direcção do seu desejo.
Assim, o que foi referido anteriormente pôde
ser confirmado pelos doentes transplantados
hepáticos durante o seu acompanhamento
nas consultas de psicologia nos HUC. Estes
contam que o facto de sentirem a presença de
amigos em quem podem confiar nos momentos de maiores dificuldades após o transplante
hepático, mostrando que se preocupam com
eles, faz com que se sintam amados e valorizados. É visível, então, o aumento da auto-estima
nestes, assim como a diminuição de problemas
psicológicos como por exemplo a depressão,
facto que vai actuar de forma positiva na sua
recuperação e por consequência na sua qualidade de vida.
Encontrou-se ainda uma associação positiva
significativa entre a qualidade de vida e o factor
satisfação com a família. Este facto talvez se
deva às características da amostra, constituída
por 58% de doentes com P.A.F. (Paramiloidose
Amiloidotica Familiar), doença hereditária
que, pelas suas características de degradação
física e afectação psíquica, implica o centrar-se
na família, inclusive pelo grau de dependência
que passa a ter, dependendo do nível de avanço
da enfermidade.
A família é o ponto fulcral neste período póstransplante hepático. Segundo Bodily e Fitz
(1997), a dinâmica familiar e o suporte social a
ela associada são aspectos importantes na reabilitação progressiva do doente transplantado.
O facto destes, em regime de internamento,
saberem que chegou o dia da família os visitar,
faz com que estejam menos tristes, se alimentem melhor, adiram melhor aos tratamentos e
durmam menos tempo durante o dia, conversando mais com o vizinho de quarto.
No entanto, o contrário também é visível.
O facto de o doente receber visitas espaçadas
dos familiares, por estes se encontrarem longe
ou por dificuldades económicas, parece afectar
a sua recuperação. Isto pode ser corroborado
por Charmaz (1983, cit. por Dowdy, 1997),
que refere existir um sentimento de perda
fundamental do self, experimentado pelos
doentes crónicos, como se a falta de identidade
fosse apagada devido à perda de papéis sociais
e relacionamentos. Adicionalmente, muitos
preocupam-se com o facto de se tornarem um
peso para a sua família.
De facto, o regresso ao seu estilo anterior
de vida é complicado pelo regime médico
imposto após o transplante, o que reforça a
necessidade de atenção e cuidados especiais.
Deste modo, uma baixa auto-estima poderá
fazer com que os doentes desenvolvam fobias
sobre doenças infecciosas, assim como medo
da separação dos imunossupressores. As fobias
poderão resultar numa preocupação em demasia
com o transplante, mesmo após a recuperação
física estar completa (Dowdy, 1997).
127
Próxima edição
Alcina Costa, Konstantina Sarioglou, M.Teresa
Paixão
A importância da cultura
celular no diagnóstico
virológico
128
Nos laboratórios de virologia, o sector da
cultura de tecidos constitui uma estrutura
de apoio ao diagnóstico laboratorial.Tem
como função a preparação e manutenção das
diferentes linhas celulares em uso, de sensibilidade conhecida para diferentes vírus. Na
preparação de tubos e placas para isolamento
e identificação viral é importante conhecer
a concentração de células onde os vírus são
inoculados, e usar as células metabolicamente
activas. Para isso é necessário conhecer as
características de crescimento de cada linha
celular e saber a melhor altura para a sua
subcultura, assim como a melhor concentração a usar consoante o estudo pretendido.
Orelbe Jesus Medina Lorenzo
Desenho de uma formulação
de comprimidos vaginais
cetoconazol 400 mg
As patologias vaginais nos últimos anos
aumentaram a sua incidência de forma
alarmante, sendo uma das mais frequentes a
candidíases vulvovaginal; devemos destacar
que esta patologia é muito frequente em
zonas desenvolvidas como Europa e Estados
Unidos de América… No desenvolvimento
de uma forma farmacêutica, existem inúmeros passos a seguir de forma rigorosa. Este
estudo foi desenvolvido a partir da necessidade real de obter uma forma farmacêutica de
aplicação local no tratamento da candidíase
vulvovaginal, como uma forma alternativa, já
que, como é sabido, nos últimos anos tem-se
verificado o aparecimento de resistências aos
fármacos activos na candidíase, e esta doença
está presente numa alta percentagem da
população feminina.
Marta Moreira
Consumo crónico de
psicofármacos em utentes
adultos nos cuidados de
saúde primários
Este estudo contribui para aumentar o
conhecimento relativo ao consumo crónico
de psicofármacos, sua prevalência e factores
associados, permitindo uma melhor caracterização da realidade dos cuidados de saúde
primários acerca de um problema que tem
sido crescente a nível nacional e internacional.
José Afonso Moreira, Isabel Vitória Figueiredo,
Amílcar Falcão
Aspirina como antiagregante
plaquetar: mecanismos de
“resistência à Aspirina”
Apesar dos conhecimentos actuais sobre
o efeito antiagregante plaquetar da aspirina,
os mecanismos pelos quais se desenvolve
resistência à aspirina ainda não se encontram
claramente estabelecidos. A resposta a esta
questão encontra provavelmente sustentação
na combinação de inúmeros factores, dos
quais podemos salientar as características
biológicas e genéticas de cada indivíduo e as
características inerentes à sua própria situação
clínica.
Albertina Cruz, Cristina Duarte, Filipa Barbosa,
Isabel Costa, Maria Ferreira
Para além do ninho:
Continuidade de Cuidados
O serviço de Neonatologia é um dos
vértices da arte de cuidar. Os pais aparecem,
na actual filosofia de prestação de cuidados
às crianças hospitalizadas, como parceiros
ou sócios no cuidar e não apenas como
visitantes ou acompanhantes dos filhos,
apresentando-se como um contributo valioso
na Continuidade de Cuidados aquando da
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