Prémio Ser Saúde/ISAVE
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Prémio Ser Saúde/ISAVE
Campus Académico do ISAVE Quinta de Matos - Geraz do Minho 4830-316 Póvoa de Lanhoso Tel. 253 639 800 Fax. 253 639 801 Email: [email protected] Licenciaturas em: Enfermagem Fisioterapia Terapêutica da Fala Farmácia Higiene Oral Prótese Dentária Radiologia Análises Clínicas e Saúde Pública www.isave.pt Pós-graduações em: Gerontologia Clínica Motricidade Oro-Facial Editorial Com a publicação da revista 7, a Ser Saúde inicia o segundo ano de edições. A inovar, o caminho a seguir será esse que acompanha o desenvolvimento científico em saúde. De dois em dois meses, a Ser Saúde vai continuar a percorrer diferentes universidades, diferentes institutos, diferentes hospitais e outros espaços. Disponibilizada na página do ISAVE (www.isave.pt) a Ser Saúde chega a todo o mundo. A Ser Saúde ajuda, com toda a certeza, a criar uma saúde mais unida, multidisciplinar, ajuda a entender que os muros em saúde não fazem sentido, que o único fundamento em saúde é o bem da pessoa doente, sem limites, sem divisões. Ajuda os profissionais de saúde a entender a saúde como uma unidade de saber, embora com diferentes disciplinas, unida em prol de cada cidadão. A Ser Saúde forma, leva o conhecimento, a sabedoria. Apesar de poderem existir mudanças, pois são necessárias para todos os projectos se afirmarem e desenvolverem, elas nunca vão passar por alterações de valores ou princípios que nos orientam. A Ser Saúde, num caminho a crescer, continuará a marcar o ritmo da divulgação científica, marcará um novo mundo em saúde. Eugénio Pinto 1 14 Mário Reis Medicina Baseada na Evidência 2 Evidence Based Medicine (EBM) é o nome original dado a um método de prática clínica traduzido para português como Medicina Baseada na Evidência. A tradução não foi feliz porque o significado correcto da palavra inglesa Evidence é prova, e o termo português evidência, bem pelo contrário, implica não haver necessidade de prova. Porém, a tradução inicial generalizou-se e hoje faz parte do vocabulário correntemente utilizado na Medicina. A Medicina Baseada na Evidência define-se como uso o consciencioso, explícito e judicioso da melhor evidência actual no processo de tomada de decisão clínica, particularizando o doente. 28 Fátima Fonseca, Lília Figueiredo, Lurdes Santos Vitamina K e anticoagulantes orais A terapêutica anticoagulante constituiu um avanço no tratamento de estados de hipercoagulabilidade que propiciam a formação de trombos ou êmbolos que, por sua vez, podem causar obstrução parcial ou completa da circulação sanguínea e do fornecimento de sangue aos órgãos e tecidos. 38 Entrevista a Manuel Antunes Coração com dedicação humana plena Tendo em conta que estamos a utilizar um órgão cujo custo não é definível, porque é superior a tudo aquilo que possamos pensar, não o podemos estar a desperdiçar com doentes cujo resultados vão ser maus. 54 Antunes A, Botelho MF, Gomes CM, de Lima JJP, Silva ML, Moreira JN, Simões S, Gonçalves L Desenvolvimento de liposomas com afinidade para áreas miocárdicas isquémicas … Para além do seu papel como modelo de membrana biológica, os liposomas começaram mais recentemente a ser encarados como possíveis vesículas transportadoras de fármacos… Desde então a ideia estendeu-se a várias outras aplicações clínicas como o tratamento de neoplasias através do encapsulamento de fármacos para quimioterapia, encapsulamento de agentes quelantes para tratamento de intoxicações por metais pesados e também, mais recentemente, o uso de liposomas para o diagnóstico e tratamento de situações de isquémia mesentérica e miocárdica (estudos com experimentação animal). 66 Adriano Rockland, Janieny Vieira, Wagner Teobaldo Lopes de Andrade, Silvia Damasceno Benevides, Antônio Figueiredo Caubi Tratamento miofuncional numa criança com fractura de côndilo mandibular e sucção digital A fractura de côndilo em crianças é um factor que potencia o surgir de alterações no crescimento facial e a associação a hábitos nocivos pode aumentar, ainda mais, a possibilidade de ocorrência de deformidades. 80 Carla Morgado, Isaura Tavares Neuropatia diabética A elevada e crescente prevalência da diabetes em países desenvolvidos levou a que a Organização Mundial de Saúde designasse a doença como uma pandemia do século XXI. A diabetes caracteriza-se por hiperglicemia associada à insuficiência de insulina ou alterações no seu modo de acção e afecta vários sistemas orgânicos, incluindo o sistema cardiovascular, excretor, visual e nervoso. Um dos resultados do atingimento do sistema nervoso é a neuropatia diabética. 92 Jó Eduardo Esteves de Andrade A avaliação da pressão intra–abdominal como factor de prevenção da síndroma compartimental abdominal A síndroma compartimental abdominal apenas recentemente recebeu atenção considerável. Esta pode ser definida como um conjunto de consequências fisiológicas adversas, que ocorrem como resultado de uma persistente elevação da pressão intra-abdominal. As causas mais comuns da síndroma compartimental abdominal são: hemorragia, edema visceral, pancreatite, distensão intestinal, obstrução da mesentérica, ascite, peritonite e tumor. 104 Varandas, I., Sotto Mayor, M. Idosos em casa, a vigilância da terapêutica Estes dados contribuem para a noção de que embora a idade seja um factor de risco para a autonomia, a necessidade de prestar cuidados e o assumir de responsabilidades pode tardar o défice cognitivo e preservar a funcionalidade dos idosos. É de realçar que alguma desobrigação social, nomeadamente na prática das actividades funcionais, pode conduzir a perda cognitiva progressiva, situação evitável com atitudes de estimulação. 114 Lídia Maria Matias Abrunheiro Qualidade de vida e a satisfação com o suporte social dos doentes transplantados hepáticos A relação entre saúde e qualidade de vida é um constructo multidimensional que reflecte o bem-estar físico e psicológico no indivíduo. A qualidade de vida refere-se à capacidade que o indivíduo tem de desempenhar o seu papel social e doméstico, de forma a resolver os desafios da vida do dia-a-dia sem stress ou incapacidade física Poster Judite Pacheco, Paula Rangel Evolução do fardamento 3 Envelhecimento Um desafio futuro 4 Promover as medidas adequadas de educação para a saúde e estabelecer um sistema de cuidados são, nas palavras de José Carlos Millán, caminhos claros para um desafio presente de envelhecimento populacional. Criar recursos de assistência para que os idosos possam ser atendidos em centros especializados e por profissionais, os centros integrados, é fundamental. Actualidade José Carlos Millán Calenti Director do Grupo de Investigação em Gerontologia da Universidade da Corunha, Faculdade de Ciências da Saúde, Espanha Com o envelhecimento das sociedades modernas actuais, quais os caminhos a seguir? Os países desenvolvidos estão imersos num processo de envelhecimento que se pode catalogar como um êxito do ponto de vista sócio-sanitário. Contudo, existem muitas carências ao nível dos cuidados para que nos possamos contentar, unicamente, com o facto de vivermos mais anos. Do meu ponto de vista, a sociedade tem que tomar consciência desta situação e estabelecer as medidas adequadas para que, para além de apenas viver mais anos, estes se vivam com melhores condições de saúde e, sobretudo, com uma melhor qualidade de vida. Os caminhos a seguir são claros: por um lado, promover as medidas de educação para a saúde e instaurar medidas adequadas para a prevenção das diferentes doenças o mais rapidamente possível ao nível escolar; por outro, estabelecer um sistema de cuidados que permita colocar as pessoas idosas de acordo com as suas necessidades, em valências adequadas. Sabemos que mesmo implementando medidas preventivas adequadas, as pessoas podem adoecer, padecem de doenças comuns à sua idade. A forma adequada de agir passa por colocá-los em centros especializados. Os idosos são um desafio presente e de futuro. É evidente que as pessoas mais idosas constituem um desafio importante em determinadas sociedades, mas vão sê-lo principalmente no futuro, onde se estima que mais de 1,2 biliões de pessoas terá mais de 60 anos. O que criar para dignificar a vida/ saúde dos idosos? Para além de sensibilizar a população para que as pessoas mais idosas não são uma classe que está sempre ali, mas que vai mudando à medida que os anos vão passando, e em poucos anos seremos nós a população mais velha, é necessário estabelecer os recursos de assistência necessários para que as pessoas, independentemente das doenças que possuam, possam ser atendidas em centros especializados e por profissionais. É importante a criação de centros integrados? Em que moldes? Os centros integrados, gerontológicos ou de cuidados gerais, são os adequados para cuidar deste tipo de pessoas com doenças neurodegenerativas e de assumida dependência, já que no mesmo complexo se pode conciliar cuidados domiciliários, diurnos e nocturnos, cuidados permanentes de acordo, sempre, com as necessidades que as pessoas idosas têm. Conhece o projecto do Palácio da Igreja Velha. Que palavras dizer? Conheço o projecto. Sei que o êxito está garantido porque conheço o empenho e o bom trabalho da equipa envolvida. Relativamente ao projecto, diria que não há-de ser apenas mais um centro, mas demarcar-se-á e será um projecto de referência em Portugal. 5 Conselho Científico Ser Saúde 8 Adelino Correia Adília Rebelo Adrian Llerena A. Fernandes da Fonseca Alberto Salgado Alexandre Antunes Alexandre Castro Caldas Alexandre Quintanilha Alves de Matos Amílcar Falcão Ana Preto António Miranda António Paiva António Rosete Armando Almeida Arminda Mendes Costa Artur Manuel Ferreira Berta Nunes Carla Matos Carlos Alberto Bastos Ribeiro Carlos Albuquerque Carlos Pedro Castro Carlos Pereira Alves Carlos Valério Carmen de la Cuesta Catarina Tavares Célia Cruz Célia Franco Constança Paúl Daniel Montanelli Daniel Pereira da Silva Daniel Serrão Delminda Lopes de Magalhães Dinora Fantasia Duarte Pignatelli Elsa Pinto Eurico Monteiro Fátima Francisco Faria Fátima Martel Fernando Azevedo Fernando Duarte Fernando Schmitt Director Eugénio Pinto [email protected] [email protected] Editores Isabela Vieira Rui Castelar Joana Sousa Dias Fernando Ventura Freire Soares Guilherme Macedo Gustavo Afonso Gustavo Valdigem Helena Alves Helena Martins Henrique de Almeida Henrique Lecour Isabela Vieira João Costa João Luís Silva Carvalho João Pedro Marcelino João Queiroz João Ramalho Santos Joaquim Faias Jónatas Pego Jorge Correia Pinto Jorge Delgado Jorge Ferreira Jorge Marques Jorge Soares Jorge Sousa Pinto José Amarante José Carlos Lemos Machado José Eduardo Cavaco José Eduardo Lima Pinto da Costa José Luís Dória José Manuel Araújo José Matos Cruz José M. Schiappa José Rueff Laura Simão Liliana Osório Lisete Madeira Lucília Norton Luís Basto Luís Cunha Luís Martins Luiza Kent-Smith Manuel Antunes Manuel Domingos Propriedade Ensinave Educação e Ensino Superior do Alto Ave Campus Académico do ISAVE Quinta de Matos – Geraz do Minho 4830-316 Póvoa de Lanhoso NIF – 504 983 300 Director de arte e grafismo Ângelo Mendes [email protected] Impressão Orgal, impressores Rua do Godim, 272 4300-236 Porto Publicidade Celmira Dias Tiragem 5 mil exemplares / bimestral Nº de Registo na ERC 124994 ISSN 1646-5229 Manuel Mendes Silva Manuel Teixeira Veríssimo Manuela Vieira da Silva Marco Oliveira Margarida Soveral Gonçalves Mari Mesquita Maria Júlia Silva Lopes Maria Manuela Rojão Maria Margarida Dias Mário Rui Araújo Mário Simões Marta Marques Marta Pinto Miguel Álvares Pereira Paulo Daniel Mendes Pedro Azevedo Pedro Vendeira Piedade Barros Querubim Ferreira Ramiro Délio Borges de Menezes Ramiro Veríssimo Raquel Andrade Regina Gonçalves Rosa Martins Rui L. Reis Rui de Melo Pato Rui Nunes Sandra Cardoso Sandra Clara Soares Sérgio Branco Sérgio Gonçalves Sérgio Nabais Sónia Magalhães Susana Magadán Tiago Barros Tiago Osório de Barros Wilson Abreu Veloso Gomes Victor Machado Reis Virgílio Alves Depósito Legal 246971/06 Contactos Ser Saúde Campus Académico do ISAVE Instituto Superior de Saúde do Alto Ave Quinta de Matos – Geraz do Minho 4830-316 Póvoa de Lanhoso Telefone – 253 639 800 Fax – 253 639 801 www.isave.pt [email protected] [email protected] _____________________________________ Os artigos publicados nesta edição da Ser Saúde são da responsabilidade dos autores. Proibida a reprodução parcial ou total, sob qualquer forma, sem prévia autorização escrita. Agenda Setembro Quintas de Enfermagem 13 de Setembro Auditório Hospital Pedro Hispano, Matosinhos I Bienal de Cardiologia da Madeira 13 de Setembro Funchal II Jornadas de Urologia em Medicina Familiar da Madeira, Açores e Continente 20 de Setembro Ponta Delgada Conversas de Fim de Tarde – Hospital, Informação e Inovação – 3ª Sessão: Financiamento e Inovação nos Hospitais 21 de Setembro Covilhã II Congresso Nacional da Sociedade Portuguesa de Virologia – VI Encontro da Sociedade Portuguesa de Virologia 21 de Setembro Auditório da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto Congresso Saúde e Sexo 21 de Setembro Fundação Eng. António de Almeida Jornadas Interdisciplinares sobre Tecnologias de Apoio 26 de Setembro Auditório da Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra Encontro de Enfermagem: A enfermagem na resposta a situações de urgência/emergência: um valor acrescentado 27 de Setembro Auditórios do Cine Teatro de Vila Real, Trás-os-Montes Fórum Enfermagem Médico-Cirúrgica do Minho 27 de Setembro Auditório do ISAVE, Póvoa de Lanhoso Identificação de factores de susceptibilidade para doenças multifactoriais – novos desafios e novas abordagens 27 de Setembro Às 12:30 no auditório do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge 6º Congresso de Nutrição e Alimentação – 2º Congresso LusoEspanhol de Alimentação, Nutrição e Dietética 27 de Setembro Europarque, Santa Maria da Feira 9 I Encontro Regional de Reabilitação – Açores 27 de Setembro Auditório da Escola Superior de Enfermagem de Angra do Heroísmo, Terceira, Açores Avaliação Motora na Intervenção Precoce 28 e 29 de Setembro ISAVE, Póvoa de Lanhoso 10 Agenda Outubro VIII Congresso Nacional de Pediatria 01 de Outubro Vilamoura I Jornadas de Actualização em Pneumologia para Medicina Familiar do Porto 03 de Outubro Centro de Congressos, Hotel Porto Palácio I Jornadas de Emergências Pediátricas 29 de Setembro Salão Nobre dos Bombeiros Voluntários de Cête X Jornadas Regionais Patient Care 04 de Outubro Teatro Micaelense, Ponta Delgada IV Congresso da Sociedade Europeia para Infecções Emergentes 30 de Setembro Lisboa Oficina de Aprendizagem em Saúde Oral 05 e 06 de Outubro ISAVE, Póvoa de Lanhoso Prémio Ser Saúde/ISAVE O ISAVE, Instituto Superior de Saúde do Alto Ave, com desejo de contribuir para o desenvolvimento da ciência e investigação em saúde, confere anualmente um prémio denominado Prémio Ser Saúde/ISAVE de ciência e investigação em saúde. O Prémio, no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros), será atribuído ao melhor trabalho ou conjunto de trabalhos publicados durante 2006 e 2007 na Ser Saúde. O vencedor do Prémio Ser Saúde/ISAVE será conhecido até 31 de Março de 2008. O Prémio será entregue a 19 de Abril de 2008. Júri do Prémio: Amílcar Falcão, Daniel Serrão, Maria Júlia Silva Lopes, Rui L. Reis, Susana Magadán Regulamento em www.isave.pt Contactos: ISAVE | Campus de Geraz - Quinta de Matos | Geraz do Minho 4830-316 Póvoa de Lanhoso Telefone – 253.639.800 | Fax – 253.639.801 Email - [email protected] | [email protected] XXVIII Congresso Português de Geriatria/X Congresso Português de Gerontologia Social 10 de Outubro Lisboa I Congresso Reabilitação e Inclusão na Saúde Mental 11 de Outubro Auditório da Reitoria da Universidade de Coimbra VII Congresso SPCNA 11 de Outubro Porto Palácio Hotel 12 XVI Congresso Anual do Clube de Anestesia Regional 19 de Outubro Faro XII Simpósio Anual de Doenças Renais 19 de Outubro Universidade Lusíada, Lisboa Mecanismos de Doença na Era Pos-Genómica: Exemplo da Fibrose Quística – Seminários de Investigação Dr. Ricardo Jorge 25 de Outubro Às 12:30 no auditório do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge VI Congresso Nacional da Associação Portuguesa de Imunohemoterapia 12 de Outubro Hotel Mélia Ria, Aveiro XX Fórum de Dermatologia do Hospital Geral de Santo António 26 de Outubro Fundação Cupertino de Miranda, Porto II Congresso Família, Saúde e Doença 18 de Outubro Braga IV Jornadas de Urologia do Norte em Medicina Familiar 29 de Outubro Hotel Ipanema Park, Porto V Congresso Nacional da Associação Portuguesa de Neuro-Urologia e UroGinecologia 19 de Outubro Hotel Sheraton, Porto http://gdmf.org Palácio da Igreja Velha Hotel Sénior Atendimento médico permanente Piscina Ginásio áreas comuns de lazer Restaurante Espaço verde Contactos Avenida do Palácio, 600 4760-750 Vermoim | Vila Nova de Famalicão Telefone -252.920.000 Fax - 252.920.009 E-mail - [email protected] Mário Reis 14 Professor Agregado de Urologia da Faculdade de Medicina do Porto Director de Serviço de Urologia, Hospital da Ordem do Carmo, Porto Medicina Baseada na Evidência Introdução Evidence Based Medicine (EBM) é o nome original dado a um método de prática clínica traduzido para português como Medicina Baseada na Evidência (MBE). A tradução não foi feliz porque o significado correcto da palavra inglesa Evidence é prova, e o termo português evidência, bem pelo contrário, implica não haver necessidade de prova. Porém, a tradução inicial generalizou-se e hoje faz parte do vocabulário correntemente utilizado em Medicina. A Medicina Baseada na Evidência define-se como o uso consciencioso, explícito e judicioso da melhor evidência actual no processo de tomada de decisão clínica, particularizando o doente. A MBE define-se como o uso consciencioso, explícito e judicioso da melhor evidência actual no processo de tomada de decisão clínica, particularizando o doente (1). Segundo os seus autores, a prática da MBE requer integração da mestria (expertise) clínica individual com a melhor evidência clínica externa disponível obtida na investigação sistemática ou, melhor, medicina baseada em evidências significa tomar decisão em saúde com base na melhor prova científica existente para se obter a maior probabilidade de se ser bem sucedido (2,3). A MBE não é uma ideia totalmente nova, pois os clínicos habitualmente identificam os problemas patológicos existentes nos doentes, e consultam, com mais ou menos frequência, a literatura disponível, nomeadamente livros de medicina. A diferença mais significativa reside no recurso a uma estrutura explícita que permite tornar o processo de pesquisa num procedimento de rotina simples e facilmente exequível, quer para médicos hospitalares quer para médicos de medicina familiar. Na grande maioria das vezes a nossa resposta baseia-se na experiência clínica pessoal, recurso a livros de texto ou publicações de autoridades na matéria. No entanto, decisões tomadas assim apresentam óbvias limitações porque o nosso conhecimento e performance clínica degrada-se com o tempo e o recurso a livros antigos, habitualmente desactualizados, e as pesquisas não sistemáticas podem conduzir a conclusões erradas e tendenciosas ou, no mínimo, menos certas. Na prática, a MBE começa quando um doente e um médico devem tomar em conjunto uma decisão importante. Ela começa também quando um clínico admite a existência duma lacuna no seu conhecimento que deve ser esclarecida antes de tomar a decisão apropriada. Continua a ser MBE quando o clínico transforma a sua lacuna numa questão clínica, pesquisa a resposta e avalia a validade e a pertinência da resposta que encontrou. Enfim, a MBE termina como começa, com o doente e uma tentativa de aplicar o que foi apreendido para este preciso doente. A experiência adquirida na resolução deste problema clínico prático será posteriormente utilizada em futuros doentes. 15 16 Tipos de prática clínica e a MBE Na prática médica identificam-se três métodos diferentes de actuar: «Pesquisa & Estudo» – método que origina cuidados B-E mas despende muito tempo e exige fontes de estudo. «Pesquisa» isoladamente – método rápido mas se dirigida a fontes B-E pode resultar em cuidados de qualidade. Finalmente, «Imitando» a prática dos experts, processo rápido, mas que pode não distinguir a evidência de recomendações EGO-Based. Segundo os defensores da nova metodologia conhecem-se três soluções para manter a prática clínica actualizada: exercício da MBE; procura e aplicação de revisões médicas baseadas na evidência e, finalmente, aceitando protocolos clínicos (Directrizes de Orientação) baseados na evidência, elaborados por colegas. Praticar MBE consiste em localizar as melhores evidências externas que possam responder às perguntas clínicas. Por vezes, as evidências de que necessitamos provêm de ciências básicas como a genética ou imunologia. Os ensaios randomizados (RCT) e as revisões sistemáticas são o «padrão dourado» para julgar se um tratamento induz mais benefício do que prejuízo. Certas perguntas sobre tratamentos não requerem ensaios randomisados – intervenções benéficas para afecções que seriam mortais noutros casos. Quando não existe nenhum ensaio sobre os problemas do nosso paciente, seguiremos a pista até encontrar as melhores evidências externas possíveis. A MBE assenta em três pressupostos fundamentais: 1) desconfiar da experiência clínica, intuição e opinião dum único expert; 2) o conhecimento da fisiopatologia não é suficiente e pode conduzir a atitudes incorrectas de diagnóstico e tratamento; 3) é necessário conhecer regras de avaliação para adequada interpretação da literatura, de estudos prognósticos, de testes diagnósticos e de estratégias terapêuticas. Porém, não exclui a experiência ou mestria (expertise) pessoal.Vaz Carneiro (4), um dos mais entusiastas defensores da MBE, exaltou a importância da experiência pessoal: «A nossa experiência é preciosa porque há uma percentagem enorme daquilo que fazemos que nunca terá evidência científica», e acrescenta outras fontes válidas de conhecimento, como «os colegas e peritos ou estudos baseados em dados sólidos». A integração da experiência individual com provas científicas mais recentes constitui o princípio mais importante da MBE, pois sem a experiência clínica esta pode resultar numa prática médica tiranizada pelas provas, onde estas podem até não existir ou existirem com pouco rigor. Por outro lado, sem as melhores provas, a prática médica está desfasada e sujeita a vícios das observações clínicas não sistemáticas, das personalidades e interesses próprios dos médicos em detrimento dos doentes. A evidência clínica externa informa e reforça mas nunca substitui a habilidade, capacidade de julgamento, intuição e experiência clínica individual. IA R Ó pouco da história da MBE Um T S HI Interessa conhecer um pouco a história da origem e o contexto em que surgiu a MBE. A dada altura, o desenvolvimento da Medicina produziu um imenso caudal de informação. Esta informação deve chegar rapidamente ao meio interessado e ser assimilada facilmente para ser eficaz em tempo útil. Porém, a informação médica para além de profusa e algo desorganizada, nem sempre apresenta a qualidade que se deseja. Existem no mundo mais de 30 mil revistas e preve-se um período de duplicação de cerca de 19 anos. A Medline tem mais de 30 milhões de artigos (5); em 1992, George D. Lundberg, conceituado editor da revista JAMA, disse que mais de dois milhões de artigos da área médica eram publicados a cada ano e que um médico, para estar actualizado na sua especialidade, precisaria ler, pelo menos, 6 mil artigos cada dia (6,7). É fácil prever a tendência da Medicina para um número crescente de nova informação. Basta observar, por exemplo, o papel das agências que controlam a medicação, nomeadamente a FDA, European Medecine Avaliation Agency, Agence Française du Medicament e, entre nós, o Infarmed, que impõem a multiplicação e a publicação de ensaios randomisados para controlo de qualidade da investigação clínica. Acontece que para tanta publicação o médico não dispõe do tempo necessário para separar o trigo do joio, isto é, escolher propostas válidas e descartar as insensatas ou sem fundamento científico. Os meios actuais de divulgação são muito acessíveis, nomeadamente a Internet, que oferece a todos a vantagem dum acesso fácil ao conhecimento. Assim, um médico a exercer a sua actividade num centro recôndito pode aceder a qualquer revista com a mesma facilidade do investigador a trabalhar num centro universitário de referência. Necessita apenas de um modem e dum computador. O progresso não pára e a tecnologia da informação e comunicação produz aparelhos para esta finalidade, sendo um dos mais recentes denominado PDA. Foi neste contexto que surgiu a MBE em meados do século XX. Os fundamentos filosóficos remotos da MBE tiveram provavelmente raízes na China AC. Mais recentemente, sofreram influência do período pós-revolucionário de Paris, de meados do século XIX, com Bichat, Louis Magendie e outros (8). Alguns estudos de grande impacto foram, de certo modo, precursores desta nova escola, nomeadamente o primeiro ensaio randomisado e controlado publicado em 1948 (1st RCTs: streptomycine and respiratory tuberculosis) seguido de outros de grande importância publicados em 1950 (1st case-control study: smoking and lung cancer) e, em 1951, (1st large cohort studies: British Doctors’ Study). Nesta época, merecem destaque alguns nomes, como Austin B. Hill, Richard Doll e Ernst Wynder. No início dos anos 90, um grupo de clínicos e epidemiologistas da McMaster University, Ontário, Canadá, dedicam-se ao estudo de métodos inovadores de apuramento da verdade e utilizam, pela primeira vez, uma técnica que denominam evidence-based medicine. Gordon Guyatt foi um dos promotores desta nova filosofia (5). Em 1992, um grupo intitulado «Evidence-Based Medicine Working Group», tendo como figura central David Sackett, faz a primeira publicação com a denominação Evidence-Based Medicine, iniciando uma série de publicações referentes a este tema: User’s Guide to the Medical Literature, A New approach to Teaching the Practice of Medicine e A new paradigm for medical practice is emerging (6). Outras disciplinas são incorporadas nesta filosofia dando origem a diferentes termos como Evidence Based Practice ou Evidence Based Health Care. Posteriormente foram aplicadas nomenclaturas a este método, nomeadamente, Best Practice, Best Evidence, Evidence-Based Decision Making, Evidence-Based Problem Solving, Evidence-Based Practice e Science-Based Treatment/Practice. 17 18 a em três t n e s s a E A MB is: ndamenta u f s o t s o pressup Impacto de MBE 1) desconfiar da experiência Esta nova metodologia teve grande impacto no meio médico internacional e a revista New clínica, intuição e opinião dum York Times Magazine, de 12 de Setembro de 2001, incluiu a Evidence-Based Medicine único expert; entre as 80 ideias que nessa época agitaram 2) o conhecimento da o Mundo. A difusão foi imediata e intensa. Joseph Lau (9), numa pesquisa no Google, fisiopatologia não é suficiente em 23 de Janeiro de 2006, usando o termo Evidence-Based Medicine, obteve 1 milhão e e pode conduzir a atitudes 900 mil citações. incorrectas de diagnóstico e Uma das razões que levou ao sucesso da tratamento; MBE foi a noção da deterioração progressiva dos conhecimentos clinicamente importantes 3) é necessário conhecer dos médicos após finalizarem a carreira ou o período de formação especializada. Um estudo regras de avaliação para feito no Canadá para apreciar os conhecimentos actualizados dos médicos em doenças adequada interpretação comuns, como hipertensão, tinha demonstrado da literatura, de estudos correlação negativa, clínica e estatisticamente significante entre o conhecimento e a duração prognósticos, de testes do tempo após graduação (10,11). A ideia de que a MBE poderia constituir uma arma diagnósticos e de estratégias útil para contrariar aquela perda de conhecimentos ganhou adeptos. A Formação Médica terapêuticas. Contínua (FMC) é outra alternativa para uma actualização permanente dos médicos, porém nem sempre é fácil de instituir. Objectivos da MBE Os objectivos a que se propõe a MBE são de diferentes naturezas, nomeadamente ajudar o médico a cuidar dos seus doentes segundo dados actuais da ciência, formar médicos conscientes do ritmo da evolução desses mesmos dados, sem necessidade de recorrer permanentemente ao conhecimento adquirido no decurso da formação universitária. São ainda objectivos da MBE, ensinar uma metodologia que permita avaliar as conclusões dum estudo clínico a partir do estudo da própria estrutura desse estudo, motivar adeptos e formar novos seguidores. A MBE tenta fazer reconhecer as limitações dos médicos ditos expert, habituais fazedores de directrizes avulsas e teorias próprias fornecendo, assim, informação incompleta ou parcelar que levam os doentes a tomar opções difíceis ou mesmo erradas. A MBE serve também para dar suporte científico a guidelines, standardizar protocolos de admissão e alta, normas para educação dos doentes, medidas de seguimento e desenvolvimento de programas de abordagem dos doentes. É útil para elaboração de directrizes médicas e hospitalares, na credenciação de médicos e hospitais, na melhoria dos sistemas de saúde, na prestação de informações para cuidados de saúde dos utentes e concorre, decisivamente, para melhoria das relações entre médicos e doentes. Porém, a MBE não é uma panacéia que tudo resolve. Também não é um método impossível de praticar. Tampouco se trata de um livro de receitas ou método restrito a ensaios clínicos. Uma das razões que levou ao sucesso da Medicina Baseada na Evidência foi a noção da a gressiv o r p o raçã deterio entos m i c e h n tes dos co portan m i e t en clinicam s após o c i d é ou dos m arreira c a m re ão finaliza formaç e d o d o perío lizada. especia 19 20 Vantagens e desvantagens da MBE A MBE apresenta vantagens e desvantagens. Como vantagens referem-se a sua capacidade de reduzir as incertezas médicas, melhor uso do conhecimento existente, diminuição do risco e uma actuação segundo o Estado da Arte. De modo geral, evita implicações de índole legal e organizacional. Como desvantagens é costume mencionarse a natureza das fontes de evidência, por vezes fracas ou mesmo inexistentes, mas a crítica mais pertinente baseia-se no facto de não haver evidência directa de que a prática da MBE melhore a evolução clínica dos doentes, por falta de ensaios comparativos e randomisados (12). A qualidade dos artigos pode ser afectada pela falta de bases e pode conduzir a conclusões erradas (13). Para obviar estes factos existe uma metodologia de avaliação e uma classificação da qualidade da literatura, como veremos adiante. O facto da própria evidência ser uma componente da decisão médica que ignora o aspecto humano do trabalho clínico e a complexidade dos assuntos clínicos é outra desvantagem. A MBE tem sido criticada pela possibilidade de poder ser um método vocacionado para ditar normas ou subvalorizar a experiência clínica. Os objectivos a que se propõe a MBE são de diferentes naturezas, nomeadamente ajudar o médico a cuidar dos seus doentes segundo dados actuais da ciência, formar médicos conscientes do ritmo da evolução desses mesmos dados, sem necessidade de recorrer permanentemente ao conhecimento adquirido no decurso da formação universitária. MBE – Pontos de controvérsia A MBE, desde a sua apresentação até hoje, suscitou sempre a maior controvérsia (14). Se para uns é a medicina necessária e desejável por preconizar o uso permanente da pesquisa e de critérios de rigor como base da tomada de decisão, para outros pode conduzir a aceitação, sem exercício da crítica, a seguidismo, adesão a dogmas, a linhas de orientação, protocolos e árvores de decisão pré-fabricadas. A controvérsia provocada pela MBE generalizou-se logo após o seu aparecimento. No nosso meio, passa-se o mesmo, sendo justo citar António Vaz Carneiro (4), um profundo conhecedor da MBE e com inúmeros trabalhos publicados, como acérrimo defensor. AntónioVaz Carneiro é professor da Faculdade de Medicina de Lisboa, internista e nefrologista do Hospital de Santa Maria e coordena, desde Setembro de 2006, um Conselho Nacional para a Evidência da Medicina, órgão consultivo da Ordem dos Médicos. Entre os críticos podemos colocar, entre outros, Barros Veloso (15), Lobo Antunes (16) e Walter Ossvald (17). No entanto, todos reconhecem à MBE alguns méritos, nomeadamente o de ter chamado atenção para a necessidade de rigor, de procura incansável da verdade, da rejeição de hábitos, tradições, preconceitos não fundamentados ou comprovados (17). Há quem veja na MBE um risco de diminuição da autonomia do médico, de totalitarismo, da possibilidade de abusos na sua aplicação ou do perigo de poder conceder benefícios ilícitos a eventual manipulador. Muito recentemente Healy e vários académicos de Ontário, Canadá, citados por Pennie Marchetti e outros (18, 19) atacaram a MBE sugerindo tratar-se de um método «fascista», pelo risco da prática médica poder vir a ser de certo modo manietada pelo poder estatal. Mas a essência da MBE é bem clara: tomar as nossas decisões com base nas melhores provas científicas existentes, em detrimento de opiniões infundadas, mesmo que se tratem de opiniões sugeridas por notáveis especialistas na matéria. É evidente que existe uma atitude de perma- nente septicismo na abordagem e tratamento dos doentes que instiga à procura incessante da verdade possível. Não vejo qualquer mal nisso, até porque, segundo os princípios da MBE, a evidência isolada não obriga a tomar as decisões clínicas. Estas são tomadas tendo em conta os riscos, benefícios e custos em relação a estratégias alternativas e, até preferentemente, tendo em conta a preferência do doente correctamente informado. Além disso, as evidências, entenda-se provas, estão submetidas a uma hierarquisação com o objectivo apenas de ajudar a tomar a decisão. Quando se discute MBE não se deve entender, ou sugerir, que se trata de um processo rígido, pois quando encontramos barreiras, pouca consistência nas provas, casos isolados ou complicados, somos nós que temos a última palavra na aplicação de novas estratégias alternativas. Teremos de ter a necessária experiência para não confundir provas com propaganda, manipulação, superstição ou fólclore. Obviamente, a MBE ajuda nestes casos, mas a aplicação errada de MBE não pode ser atribuída ao método em si, mas a quem a interpretou ou aplicou mal. Nada resiste à falta de senso e à estupidez. Não podemos também esquecer os riscos da prática da medicina baseada na opinião de um especialista. Cito exemplos de cirurgiões que aconselharam mastectomia dupla no caso de doença fibrocística da mama, histerectomias em todas as mulheres em menopausa, ou cirurgia em todos os casos de dor ciática por ser único meio disponível (18). A tentação de utilizar a MBE com a finalidade de diminuir custos da assistência sanitária, não só seria má utilização da MBE, como poria de manifesto a existência dum erro fundamental na compreensão de possíveis consequências económicas. Não é admissível que a política de assistência à saúde, individual ou colectiva, se torne numa prática voltada apenas à contenção de gastos ou, pior ainda, ao lucro desmedido. Diria mesmo que nenhum processo de avaliação ou prática de medicina pode retirar do paciente a melhor assistência dentro do que é disponível, justo e necessário. Também a MBE não é contrário ao conceito 21 de que «existem doentes e não doenças», pois se assim fosse não teria a componente pessoal atrás referida. Não tenham receio os adeptos das medicinas alternativas, pois nada impede que se apliquem. E se houver interesse em testar a sua eficácia, podem sempre submeterse a ensaios controlados e randomisados. 22 Muitas das opiniões desfavoráveis à MBE surgem das provocações lançadas sobre os experts. A maior provocação lançada sobre os expert foi expressa num artigo de David Sackett, intitulada The Signs of Expertness and a Proposal for Redemption (20); enunciava publicamente a decisão de «(...) nunca mais dar aulas, escrever, ou actuar como referee em qualquer coisa relacionada à prática clínica baseada em evidência». Considerava haver mais experts disponíveis do que seria saudável. O estatuto de expert daria uma autoridade capaz de ultrapassar a sua real capacidade e um poder de influenciar, aceitar ou recusar novas evidências. Claro que estas afirmações suscitaram reacções de apoio e repúdio. Também o facto de a MBE ter sido apresentada inicialmente como «um novo paradigma assistencial e pedagógico» despertou alguns comentários, nomeadamente ser um modelo cognitivo adptado à prática clínica que não rompe com modos lógicos-racionais de produção de conhecimento científico (21). Na relação da Medicina com a Ciência e Arte, a MBE reforçaria o lado da Ciência, que é já característica da Medicina Ocidental Moderna.Finalmente,referimos alguns reparos levantados à própria denominação de MBE: a inclusão da palavra «Medicina» empresta-lhe indiscutível efeito retórico; a palavra «Baseada» insinua solidez; «Evidência», em linguagem criminal, é um elemento importante – a prova. Tudo termos necessários a uma sugestão de «verdade». A bioestatística e a informática médica, habitualmente associadas, configurariam os ingredientes necessários ao sucesso da MBE. Procedimentos práticos da MBE Embora não pretenda ensinar os procedimentos práticos da MBE, acho útil divulgar alguns dos preceitos práticos.A prática da MBE obriga a ter em consideração as bases da pesquisa, isto é, começar por uma ideia clara sobre o que se pretende saber a respeito do tópico e o que está envolvido. Também interessa precisar a data em relação a factos recentes ou informação histórica e, por fim, ter em conta se pretendemos uma pesquisa própria ou uma pesquisa para um projecto, palestra ou ensino. Em seguida, identificar o tópico e as palavraschave. É conveniente combinar palavras-chave para focar uma estratégia de pesquisa, usando «E» (AND) para combinar conceitos similares e limitar os resultados da pesquisa; «OU» (OR) para agrupar termos e alargar os resultados da pesquisa.A escolha das revistas e a língua é outra opção que tem de ser tomada, bem como o tipo de trabalho a pesquisar: ensaios, revisão, actualização, etc. A estratificação da importância dos estudos costuma ser exemplificada sob a forma de uma pirâmide (22). Subindo da base ao topo a quantidade de literatura disponível vai diminuindo ao mesmo tempo que vai aumentando a relevância dos estudos clínicos. No topo da pirâmide temos a literatura de carácter secundária que revisa e analisa a literatura primária. Durante a estruturação dos níveis de evidência há necessidade de uma noção relativa dos diferentes tipos de estudos primários e, conforme esses delineamentos, hierarquizam-se as co, o médi d a i Há quem veja na MBE m o a auton de totalitarismo, da d o ã ç i inu de dim o c s i r um possibilidade de abusos na sua aplicação ou do perigo de poder conceder benefícios ilícitos a eventual manipulador. evidências, colocando-as em ordem de importância (Quadro 1 e 2). A melhor evidência para determinar a eficácia de um teste diagnóstico é dada por ensaios prospectivos de comparação cega com o teste «padrão ouro». São estudos controlados que analisam pacientes em diferentes estágios da doença e aplicam ambos os testes, o que está sendo pesquisado, e o «gold standard» (teste considerado padrão para aquele tipo de diagnóstico) em todos os pacientes do grupo de estudo.A melhor evidência para estudos de prognóstico e diagnóstico são os estudos de coorte feitos em grupos de pacientes com determinada doença ou que recebem um tipo específico de tratamento durante algum tempo, seguidos para comparação com outros grupos que não foram afectados pela condição que está sendo estudada. Estudos de caso controlados são geralmente menos fiáveis que os estudos randomisados controlados e os estudos coorte. Casos ou Relato de Caso, como não utilizam nenhum tipo de controlo para comparação de resultados, e devido ao número pequeno de indivíduos incluídos para observação, não têm validade estatística e precisam ser complementados com outros estudos. Os principais tipos de trabalhos de carácter secundário que revisam as pesquisas originais são considerados de maior valor científico na prática da MBE e incluem: Revisão Sistemática – trabalho científico que segue uma rigorosa metodologia de análise, classificação e categorização dos trabalhos publicados; Metanálise – método quantitativo de combinação de resultados da revisão sistemática; a metanálise tem sido definida como «studying the studies». A MBE é a ferramenta de excelência para a criação de Guias de Orientação ou Protocolos de Procedimentos (Guidelines), isto é, pautas de recomendações válidas para a prática clínica que emergem da interacção entre os dados científicos e a opinião profissional, baseadas numa metodologia científica. A Internet é o sítio privilegiado para pesquisa de MBE. Existem numerosos databases especialmente destinados a pesquisa, uns de acesso livre (National Guideline Clearinghouse, Agency for Healthcare Research and Quality, Health Services/Technology Assessment Text) e outros pagos (American Medical Association, Evidence-Based Practice Centers, Medicare coverage decisions, FDA, National Institute of Health, Cochrane Reviews). Existem Centros especialmente vocacionados para avaliação de estudos Baseados na Evidência, nomeadamente o Centro Cochrane com site na Internet (www.cochrane.org); o Centro Cochrane é uma organização internacional sem intenção lucrativa que procura ajudar a tomar decisões clínicas e sanitárias bem fundamentadas preparando, actualizando e promovendo o acesso a revisões sistemáticas sobre os efeitos da atenção sanitária. 23 A MBE é a ferramenta de excelência para a criação de Guias de Orientação ou Protocolos de Procedimentos (Guidelines), isto é, pautas de recomendações válidas para a prática clínica que emergem da interacção entre os dados científicos e a opinião profissional, baseadas numa metodologia científica. Quadro 1 24 A B C D 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 Grau de Recomendação & Nível de Evidência Estudos Terapêuticos e Preventivos Revisão Sistemática de Ensaio Controlado e Aleatorizado Ensaio Controlao e Aleatório de IC* pequeno Outros Ensaios Clínicos Revisão Sistemática de Estudos de Coorte Estudos de Coorte Coorte de Cuidados Médicos Recebidos “outcome research” Revisão Sistemática de Estudos Caso-Controle Estudos Caso-Controle Série de Casos Consenso ou Opinião de Especialistas Quadro 2 A B C D 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 Grau de Recomendação & Nível de Evidência Estudos Diagnósticos Revisão Sistemática de Ensaio melhor Desenhados Padrão Ouro + Observação Cega + Selecção Adequada Alta Sensibilidade e/ou Alta Especificidade Revisão Sistemática de Estudos pior Desenhados Padrão Ouro + Observação Cega ou Selecção Adequada Observação Cega + Selecção Adequada sem Padrão Ouro Observação Cega ou Selecção Adequada ou Padrão Ouro Consenso ou Opinião de Especialistas es lusõ c n Co Conclusões Em conclusão, a MBE é um método de prática clínica desenvolvido nos anos 90, que tem por finalidade evitar opiniões e decisões baseadas em experiências pessoais não confirmadas e que dá preferências a estudos randomisados, meta-análises ou a revisões sobre os assuntos em questão. Desde logo foi um método saudado pelos centros académicos e de investigação, mas visto com alguma desconfiança pelos clínicos do mundo real. Embora tenha havido alguma resistência inicial à sua generalização muita coisa mudou e, hoje, com a facilidade de acesso a databases de pesquisa, verificamos que este método tem cada vez maior aceitação por parte dos médicos de família. A comunidade internacional, em congressos e outros eventos de envergadura, refere-se à MBE como uma fonte de credibilidade. Nada é aceite sem uma base científica apoiada em estudos randomisados reprodutíveis. Embora na Medicina pouco ou nada seja definitivo, pode prever-se que a MBE constitua a base da prática clínica e da apresentação de quaisquer tipo de normas orientadoras. 25 Referências 26 1. Sackett, Rosenberg, Gray, Haynes, Richardson, Evidence based medicine:What it is and what it isn’t, BMJ, 1996;312:71-72. 2. 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A alimentação nestes doentes apresenta um desafio suplementar. Por um lado, a vitamina K é um composto chave no processo da coagulação e está presente em numerosos alimentos fundamentais para uma alimentação adequada. Por outro, um dos fármacos mais utilizados nesta terapêutica, a varfarina, interfere com a acção da vitamina K. A interacção medicamento/alimento é um assunto de grande atenção na actuação dos nutricionistas, sendo neste caso da terapêutica anticoagulante particularmente relevante. 29 Papel da vitamina K Descoberta no início do ano 1930 por Henrik Dam1, recebeu o nome de Vitamina K porque a sua carência causava defeitos na coagulação (no escandinavo Koagulation)2. A vitamina K é necessária ao mecanismo de coagulação sanguínea que protege o organismo de uma morte por hemorragia devido a cortes ou feridas, bem como de hemorragias internas. Apresenta uma função fisiológica anti-hemorrágica3 uma vez que é essencial para a síntese de protrombina (factor II), uma proteína que converte o fibrinogénio solúvel, em circulação no sangue, numa proteína muito insolúvel, designada por fibrina, que é o principal componente de um coágulo sanguíneo. Foi em 1974 que se estabeleceu o papel bioquímico desta vitamina na síntese dos factores de coagulação (factores II, VII, IX e X), quando se descobriu que actuava como co-factor na conversão pós-translacional de resíduos específicos de glutamato (Glu) a γ-carboxiglutamato (Gla)3. 30 Formas activas da vitamina K A vitamina K engloba um grupo de diferentes moléculas com composição química e propriedades bioquímicas semelhantes4. Aparece na natureza como uma série de formas moleculares que apresentam em comum um anel 2-metil-1,4-naftoquinona, mas diferem em comprimento e grau de saturação da cadeia lateral isoprenóide na posição 33, 5. São conhecidas duas formas moleculares activas da vitamina K, a vitamina K1 (uma filoquinona), que se encontra nas plantas e a vitamina K2 (menaquinona), que é sintetizada por algumas bactérias3, 5, 6, 7. Existe ainda um derivado sintético da naftoquinona, a menadiona, que apresenta as mesmas propriedades fisiológicas da vitamina K. À menadiona é atribuído o nome de vitamina K38. Alimentos fornecedores de vitamina K Os dados relativos à composição dos diversos alimentos em vitamina K são escassos, não havendo na tabela de composição de alimentos nacional qualquer referência à quantidade de vitamina K, nem algum estudo no nosso país onde fosse determinada essa mesma quantidade. A forma predominante de vitamina K nas plantas é a filoquinona5. As principais fontes de K1 são os vegetais de folha verde9,10, tais como: brócolos, espinafres, couves11, seguidos de alguns óleos vegetais, como os óleos de colza e de soja10. Booth e colaboradores5 encontraram concentrações muito elevadas de filoquinona (3000-6000mg/Kg) em vegetais de folha verde como espinafre, salsa, couve-lombarda, couve-galega e concentrações intermédias (1000-2000mg/Kg) foram encontradas nas couves-de-bruxelas, brócolos, couve-branca e alface. A cor de certos hortofrutícolas determina a quantidade de K1 existente; ao progredir das camadas internas para o exterior, a quantidade de K1 aumenta, encontrando-se a quantidade mais elevada nas folhas verdes. Nos vegetais, a quantidade da vitamina pode ainda variar de acordo com a frescura, grau de pigmentação verde, maturação da planta e, possivelmente, do clima5. As sementes (noz, castanha, amêndoa, amendoim, etc.) não contêm quantidades significativas de K1, fornecendo na sua maioria quantidades inferiores a 5mg/100g. As excepções são os pinhões e o caju que podem fornecer aproximadamente 60mg/100g e 35mg/100g, respectivamente12. Os frutos, com algumas excepções, não são bons fornecedores de K1, apresentando uma quantidade média inferior a 10mg/100g. O kiwi, o figo, a ameixa preta, as uvas e o abacate constituem as excepções, fornecendo um conteúdo médio de filoquinona variável entre 15,6 e 59,5mg/100g de fruto. Os citrinos não são boas fontes de K1 e a maçã, quando não descascada, apresenta um conteúdo superior de K1. A hidrogenação dos óleos vegetais transforma parte da K1 em 2’-3’-dihidrofiloquinona9,13 que, embora não apresente a mesma potên- A terapêutica anticoagulante constituiu um avanço no tratamento de estados de hipercoagulabilidade que propiciam a formação de trombos ou êmbolos que, por sua vez, podem causar obstrução parcial ou completa da circulação sanguínea e do fornecimento de sangue aos órgãos e tecidos. 31 cia fisiológica da vitamina insaturada10, está distribuída por muitos alimentos, tais como margarinas hidrogenadas, alimentos de fastfood e fórmulas infantis contendo óleos hidrogenados13 e pode contribuir significativamente para a ingestão total de vitamina K10. Recomendação diária de ingestão A recomendação diária de ingestão de vitamina K (tabela 1) para indivíduos com idade superior a 19 anos do sexo masculino é de 120µg/dia e de 90µg/dia para indivíduos do sexo feminino da mesma faixa etária16, 17. A vitamina K é razoavelmente estável, não sendo destruída pelos processos culinários comuns e nem é perdida para a água de confecção14. No entanto, é destruída por alcalóides e ácidos fortes, a exposição à luz pode precipitar a foto-decomposição e é pouco estável a temperaturas entre 185 e 190ºC15. Tab.1* – Recomendações diárias de ingestão de Vitamina K Idade Crianças 0-6 m 7-12 m 1-3 A 4-8 A g/dia Bebés 2 2,5 30 55 Homens Mulheres 9-13 14-18 19-30 31-50 51-70 A A A A A 60 75 120 120 120 >70 A 120 Gestantes 9-13 14-18 19-30 31-50 61-70 A A A A A 60 75 90 90 90 >70 A ≤18 A 90 75 19-30 31-50 A A 90 90 Aleitantes ≤18 A 75 19-30 31-50 A A 90 90 *Trumbo P, Yates AA, Schlicker S, et al. Dietary Reference Intakes: Vitamin A, Vitamin K, Arsenic, Boron, Chromium, Copper, Iodine, Manganese, Molybdenum, Nickel, Silicon,Vanadium and Zinc. J Am Diet Assoc 2001; 101(3): 294-01. 32 A função da vitamina K na síntese dos factores de coagulação Para que as proteínas dependentes da vitamina K se tornem biologicamente activas,resíduos glutamil específicos da região N-terminal dos precursores proteicos dependentes da vitamina K necessitam de ser carboxilados, formando-se resíduos g-carboxiglutamil18,19. Esta reacção de carboxilação ocorre no fígado, embora tenha já sido demonstrada noutros orgãos, a nível pós-translacional por uma enzima microssomática, igualmente dependente da vitamina K, a g-glutamil carboxilase. Uma vez que a carboxilação é dependente da vitamina K, na sua ausência ou na presença de um antagonista da vitamina K, esta reacção encontra-se prejudicada19. O sistema consiste numa γ-carboxilase dependente da vitamina K que tem como co-factor a forma reduzida da vitamina K (hidroquinona) e a vitamina K2,3 ‑ epóxido redutase, que produz o co-factor20 . Concomitantemente com a γ-carboxilação, e uma vez que a quantidade de vitamina K na alimentação humana é limitada21, processa-se uma interconversão cíclica dos metabolitos da vitamina K, conhecida como Ciclo da vitamina K20 que previne a depleção da vitamina21. A reciclagem da vitamina K no seu ciclo normal requer uma quantidade mínima da mesma para que se encontrem níveis plasmáticos normais de factores de coagulação18. A γ-carboxilação também requer oxigénio molecular, CO2 e a vitamina reduzida na forma de hidroquinona22, 23. A vitamina K é necessária ao mecanismo de coagulação sanguínea que protege o organismo de uma morte por hemorragia devido a cortes ou feridas, bem como de hemorragias internas. Os anticoagulantes orais A função fisiológica do sistema de coagulação é impedir a perda de sangue após lesão. No entanto, há situações em que a lesão da parede vascular ou alterações no fluxo sanguíneo podem operar mudanças no processo de coagulação que resultam em trombose24. A trombose pode ser definida como a formação de um coágulo de fibrina que causa obstrução completa ou parcial da artéria ou veia25. Os anticoagulantes orais (ACO), também designados por antagonistas da vitamina K ou antivitamínicos K, são compostos orgânicos com uma estrutura semelhante à vitamina K26. Os ACO são usados extensivamente na prática clínica de rotina na prevenção e tratamento das complicações tromboembólicas da doença vascular27. A varfarina, inibe a g-carboxilação dos resíduos de ácido glutâmico dos precursores de proteínas dependentes da vitamina K durante a sua síntese hepática23. O efeito anticoagulante da varfarina é exercido pelo bloqueio das enzimas redútase do epóxido da vitamina K e redutase da quinona da vitamina K, impedindo a regeneração à forma activa da vitamina, a hidroquinona23,26. A inibição deste passo é dependente da dose mas é irreversível23. A acumulação do metabolito epóxido no fígado e no plasma e, principalmente, a depleção da forma reduzida da vitamina K conduzem à formação de proteínas coagulantes (protrombina, factor VII, factor IX e factor X) e de outros anticoagulantes (proteína C e proteína S) biologicamente inactivas porque contêm um número reduzido de carboxiglutamatos26 Ao conjunto de proteínas descarboxiladas ou parcialmente carboxiladas dá-se a designação colectiva de PIVKAs (protein induced by vitamin K absence or antagonists)23. A actividade da varfarina está dependente da interacção complexa entre a sua farmacocinética e o metabolismo dos factores de coagulação assim como da disponibilidade de vitamina K23. A variabilidade na afinidade da varfarina para os seus receptores hepáticos, as interacções com outros fármacos e os estados de doença que afectam a absorção de vitamina K contribuem para um efeito anticoagulante imprevisível24. A variabilidade na resposta a estes fármacos tem sido também atribuída a uma redução da biotransformação hepática dos ACO como resultado da idade e factores genéticos28. Assim, a terapêutica deve incluir uma monitorização regular e o ajuste da dose de ACO para assegurar que o efeito anticoagulante permaneça dentro do intervalo terapêutico24. 33 Interacção vitamina K e ACO Os alimentos e a alimentação podem modificar a razão vitamina K/ACO e alterar os parâmetros de coagulação. O jejum, o abuso de álcool e as dietas de emagrecimento podem potenciar o efeito anticoagulante dos ACO29. Consequentemente, variações na ingestão de vitamina K podem causar variações no efeito anticoagulante da varfarina24. 34 A interacção fármaco/nutriente é uma preocupação nos doentes com terapia anticoagulante oral30, existindo uma grande variabilidade inter e intra-individual na resposta à anticoagulação oral com agentes anti-vitamina K. Esta variabilidade leva a instabilidade no INR (Razão Internacional Normalizada: medida standard para a determinação laboratorial do tempo da protrombina) e complicações por hemorragia, sendo proposto, do ponto de vista clínico, que a explicação desta variação reside no estado nutricional da vitamina K31. A avaliação da vitamina K inclui medição directa da concentração plasmática e avaliação da ingestão alimentar31.A avaliação da ingestão normal de vitamina K pode ser muito útil em determinados momentos: quando se inicia a terapia anticoagulante; quando o paciente altera a ingestão de vitamina K e quando ocorre uma alteração na protrombina que não é passível de ser explicada por interacções medicamentosas ou intercorrências patológicas32. Pensa-se que a concentração plasmática de filoquinona é exclusivamente derivada da alimentação e não da conversão metabólica de outras formas de vitamina K. A concentração da vitamina é sensível a alterações recentes na ingestão alimentar, tendo sido já demonstrado que a concentração plasmática diminui em resposta a planos alimentares moderada ou severamente pobres em filoquinona33. Foi descrito antagonismo da acção da varfarina em doentes que iniciaram dietas de emagrecimento que promoviam o consumo de vegetais de folha verde30, assim como está também descrito um efeito sazonal no consumo de vegetais causando instabilidade no controlo da terapia anticoagulante30, 34. No seu estudo, Pedersen sugeriu que os doentes a fazer terapia anticoagulante não devem ter variações de ingestão de vitamina K que excedam as 250 a 500mg/dia. Por sua vez, Karlson mostrou também que uma única dose de vegetais verdes não alterava significativamente os tempos da protrombina. Outro estudo levado a cabo pela equipa de Khan11 revelou que um aumento de 100µg na ingestão de vitamina K em 4 dias consecutivos causava uma redução no INR de 0,2. Estes resultados apoiam a hipótese de que a ingestão de vitamina K afecta a resposta anticoagulante da varfarina. Contudo, os doentes deste estudo apresentavam controlo estável da anticoagulação e as variações na ingestão de vitamina K não eram suficientemente significativas para causar uma alteração da dose de varfarina. Os resultados de estudos metabólicos sugerem que o estado nutricional da vitamina K é em parte determinado pela ingestão alimentar recente e que os níveis plasmáticos de K1 podem ser estabilizados em alguns dias se for feita uma ingestão consistente de K111, 30. Um baixo estado nutricional em vitamina K pode implicar carências nutricionais de outras vitaminas lipossolúveis, e aumentar o risco de doenças degenerativas33. Desta forma, a abordagem de restringir a ingestão de vitamina K para melhorar a estabilidade da terapia anticoagulante não parece ser a melhor opção, uma vez que não permite manter a função óptima das proteínas dependentes da vitamina K assim como pode conduzir a carências de outros nutrimentos11. Quando a dose de anticoagulante oral é estabelecida, a ingestão de vitamina K deverá ser a mais aproximada possível da ingestão normal que o indivíduo faz. Após a dose estar estabelecida, o objectivo será manter a ingestão total de vitamina K entre valores que não ultrapassem as 250 g/dia acima ou abaixo da ingestão basal32 . A ingestão crónica de vitamina K abaixo das RDIs associada ao efeito antagonista da varfarina, podem ter implicações a longo prazo na saúde óssea. Assim, enquanto não houver estudos prospectivos acerca da dose/resposta de vitamina K para a estabilidade da terapia com varfarina, o aconselhamento nutricional para melhorar essa estabilidade não deve ser no sentido de restringir o consumo de K1 abaixo da quantidade das RDIs mas recomendar uma alimentação com uma quantidade consistente de vitamina K30. A interdisciplinaridade entre profissionais envolvidos neste processo terapêutico (médicos, enfermeiros, e nutricionistas) é essencial para a melhoria do controlo. O diálogo constante poderá facilitar o ajuste das várias terapêuticas em conjunto (ACO e terapêutica nutricional), tendo em conta as patologias associadas, os hábitos alimentares e os alimentos disponíveis. Análise crítica De acordo como o que se apresenta previamente escrito, não se encontra uma razão justificada para restringir e evitar o consumo de alimentos fornecedores de vitamina K em doentes com terapia anticoagulante oral. No entanto, o que se verifica na prática clínica é que estes doentes, por aconselhamento restritivo ou, na maioria das vezes, por incompreensão das recomendações feitas pelos profissionais de saúde, evitam o consumo de vegetais e elegem apenas 2 ou 3 hortícolas (exemplo: tomate, cenoura e couve-branca) para consumir em pequena quantidade e pouco frequentemente. Em muitos casos, a monotonia alimentar instala-se tornando a alimentação mais pobre e afastada do padrão saudável, sem se traduzir necessariamente em estabilidade da terapia anticoagulante. Outro dos problemas existentes é a sazonalidade, que muitas vezes é responsável por alterações marcadas no controlo. Esta é particularmente notada em populações rurais ou semi-urbanas nas quais persiste a produção de vegetais para consumo doméstico, com picos marcados de consumo correspondentes à época de maturação. Neste caso torna-se útil o ensino de técnicas de conservação de alimentos e de regras para o seu consumo periódico. No início da instituição da terapêutica, poderá ser útil uma correcção dos hábitos alimentares, introduzindo a regularidade no consumo de vegetais, que deverá ser mantida após a estabilização da dose de ACO. Para melhorar a abordagem terapêutica nestes doentes faltam estudos nacionais que determinem a quantidade de vitamina K nos alimentos. Embora existam dados provenientes de estudos estrangeiros, estes por vezes apresentam algumas variações para além de, naturalmente, não incluírem alguns alimentos característicos da nossa realidade alimentar. 35 Bibliografia 36 1. Suttie JW. Vitamin K and Human Nutrition. Jam Diet. Assoc 1992; 92(5): 585-90. 2. Sadler JE. K is for Koagulation. Nature 2004; 427: 493-4. 3. Shearer MJ, Bolton-Smith C. The UK food data-base for vitamin K and why we need it. Food Chem 2000; 68: 213-18. 4. Lamon-Fava S, Sadowski JA, Davidson KW, et al. Plasma lipoproteins of phylloquinone (vitamin K1) in humans. Am J Clin Nut 1998; 67: 1226-31. 5. 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Le traitement anticoagulant oral: modalités pratiques et intérêt des cliniques d’anticoagulant. Annales de cardiologie et d’angéologie 2002; 51: 164-8. Conclusão O consumo de alimentos particularmente ricos em vitamina K em doentes com ACO não está desautorizado mas deve ser moderado, sendo fundamental conservar um regime alimentar equilibrado e constante no tempo34. O nutricionista deverá, portanto, ter um papel muito activo no acompanhamento dos doentes com esta terapêutica, desde o início da sua instituição. Um dos aspectos fundamentais é o da educação alimentar. Os doentes devem ser ensinados a fazer uma alimentação adequada, com um conteúdo regular e diário de fornecedores de vitamina K. Os objectivos do ensino são evitar as restrições alimentares severas a que alguns doentes se submetem, contornar o efeito da sazonalidade e contribuir para uma melhor estabilidade da terapia anticoagulante. Simultaneamente, naqueles doentes que apresentam outras patologias que necessitam de terapêutica alimentar (ex.: obesidade, obstipação, dislipidemias, diabetes ou outras) e que beneficiam de um aumento do consumo de hortofrutícolas, não há justificação para a sua restrição, o que irá contribuir para o tratamento da doença, para evitar carências em micronutrimentos, sem influenciar o controlo da hipocoagulação. A interdisciplinaridade entre profissionais envolvidos neste processo terapêutico (médicos, enfermeiros, e nutricionistas) é essencial para a melhoria do controlo. O diálogo constante poderá facilitar o ajuste das várias terapêuticas em conjunto (ACO e terapêutica nutricional), tendo em conta as patologias associadas, os hábitos alimentares e os alimentos disponíveis. 37 Entrevista a Manuel Antunes 38 Coração com dedicação humana plena Com 1650 intervenções anuais, cardíacas e pulmonares, o Centro de Cirurgia Cardiotorácica dos Hospitais da Universidade de Coimbra começa a ser conhecido quando, há três anos, se iniciam os transplantes cardíacos. Numa filosofia profissional de dedicação completa ao serviço, os cerca de 30 transplantes cardíacos anuais, 2% da actividade do centro, obedecem a rigorosos critérios de selecção. O coração, um órgão sem custo definível, «não pode ser colocado em quem não é capaz de tomar conta dele. É cruel dizer que alguns são excluídos, mas é esta a lógica seguida em todo o mundo». Em média, um transplante traz um acréscimo de 10 anos de vida. Este ano, o serviço calcula um saldo positivo de 7 milhões de Euros. De 2000 a 2005 distribuiu parte dos lucros pelos profissionais. Numa filosofia diferente, de dedicação plena dos profissionais, o Centro assume-se como modelo científico, técnico e, sobretudo, humano. 39 40 Embora a entrevista estivesse marcada a meio da manhã, sabia que Manuel Antunes estaria no hospital manhã cedo. Entrei no edifício antes da hora marcada, tudo a não lembrar um hospital. Comuniquei que tinha chegado e, passados momentos, levaram-me ao gabinete de Manuel Antunes. Falara com ele em Braga, nas Jornadas de Cardiologia, e ficara com a sensação de uma certa pressa nesse dia. Não hoje. Manuel de Jesus Antunes, director do Centro de Cirurgia Cardiotorácica dos Hospitais da Universidade de Coimbra, professor catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, 59 anos, estava calmo, sereno, apesar do pouco tempo disponível. No seu gabinete, uma secretária cheia de documentos, plantas, a luz difusa do meio da manhã sossegava todo o espaço. Para além das intervenções cirúrgicas, Manuel Antunes assume-se com um papel preponderante em ideias para a saúde. Permanece em Portugal, e aqui ficará, embora pudesse emigrar. Sente que o Sistema Nacional de Saúde é rígido, burocrático, pouco eficiente. Para tudo melhorar, era necessário aumentar a produtividade e diminuir o desperdício. «Temos de alinhar rapidamente por uma dedicação plena a uma actividade. A minha ambição é mostrar que não me cansei, que o modelo funciona». Nascido a 20 de Julho de 1948, em Memória, Leiria, a residir em Coimbra, com três filhos, sabe que «temos sempre o dever de fazer mais pelos outros na saúde. Em saúde temos de ter uma dedicação humana plena». Operamos 1650 doentes por ano. Não existe nenhum centro na Península Ibérica que faça tanta cirurgia cardíaca como o nosso, de maneira que os números globais deixam-nos a grande distância dos que vêm a seguir. Actualmente, o Centro de Cirurgia Cardiotorácica dos Hospitais da Universidade de Coimbra é o maior centro, não em termos de espaço, da Península Ibérica em intervenções realizadas. Em três anos, efectuaram 102 transplantações cardíacas. É fácil, em Portugal, produzir este trabalho? Não é fácil e cada vez mais tenho a sensação de que, em Portugal, tudo funciona mal. Mesmo aqui é muito difícil conseguir este trabalho, apesar de termos neste momento uma equipa altamente seleccionada. Nestes últimos 19 anos seleccionamos pessoas, tentando desviar aquelas que não se comprometiam ou que não tinham capacidade para absorver a metodologia utilizada no serviço. Tudo isto é feito com um esforço hercúleo diário. De facto, não sei se é uma questão cultural, se genética, se é apenas uma questão das condições sócio-económicas, políticas prevalentes, provavelmente relacionadas com uma democracia que ainda é muita recente e que as pessoas não compreenderam completamente. Penso que os portugueses ainda têm a noção de que a democracia é cada um puxar para si, puxar para seu lado, sem terem em conta as necessidades comuns da sociedade em que estão inseridos. E mesmo com pessoas altamente seleccionadas, o esforço é muito grande para conseguir manter o veículo em primeira velocidade. Disse: «Há a noção de que o trabalho intensivo, em dedicação plena, gera produtividade». Só assim consegue eficácia? As coisas fazem-se com trabalho e se as pessoas não estão, ou não estão muito tempo, não podem fazer muito. Isso é uma verdade para qualquer tipo de actividade. E aqui ainda mais. Estamos a falar de uma especialidade cirúrgica cujas intervenções são muito longas, em média quatro horas. Ou se trabalha o dia inteiro e se tem oportunidade para fazer duas ou três em cada sala, ou, então, se é apenas para trabalhar de manhã como acontece em muitos casos, não se consegue fazer mais do que uma intervenção. Por outro lado, se tivéssemos isto divido por turnos ou partido a meio com uns a entrar de manhã, outros à tarde, os períodos mortos seriam imensos e as coisas não poderiam funcionar assim. Nesta especialidade é necessária uma dedicação completa e por muitas horas. 41 42 Quantas intervenções fazem por ano? Operamos 1650 doentes por ano. Não existe nenhum centro na Península Ibérica que faça tanta cirurgia cardíaca como o nosso, de maneira que os números globais deixam-nos a grande distância dos que vêm a seguir. O que é excelente… Quando vim para aqui, há 19 anos, delineou-se um projecto que todos acharam megalómano. Provou-se que é possível realizar, claro que com muito esforço e alguma autocracia por parte das chefias, mas não há outra maneira. Porque é que começaram a realizar transplantes cardíacos? Aqui, a transplantação cardíaca só começou há três anos.Temos feito à volta de 30 por ano, o que significa menos de 2% da nossa actividade global. Quando cheguei a Portugal, já existiam três centros a transplantar, e isso, de acordo com as normas internacionais, era mais do que suficiente para um país com 10 milhões de pessoas, que se calcula que se devam fazer, teoricamente, 100 transplantes por ano, mas, provavelmente, não há necessidade de mais de 60 ou 70, o que seriam números para dois centros. Como já havia três, não havia necessidade de um quarto. Progressivamente, fomo-nos convencendo de que a baixa produtividade dos outros, em Portugal estavase a fazer, em média, 12 a 15 por ano, menos de um quarto ou quinto das necessidades, significava que não estavam a ser bem tratados os doentes da nossa área de responsabilidade. Entendemos que devíamos começar, não era uma grande prioridade, pois é apenas 2% da actividade global, e não podíamos permitir que os 2% viessem prejudicar os outros 98% de uma claramente bem sucedida experiência. Por outro lado, se queríamos entrar nesta actividade da transplantação, tínhamos de o fazer com rigor, de forma séria. Para fazer dois ou três por ano, como algumas equipas estão a fazer, não valia a pena. Na altura disse que no prazo de três anos estaria a fazer 25 por ano. Logo no primeiro ano fizemos mais de 25 e é aqui que nos queremos manter. Não fizemos mais porque não foi necessário. Como se determina que certa pessoa precisa de fazer um transplante cardíaco? Nós temos no hospital, no serviço de cardiologia, uma Unidade de Tratamento Intensivo da Insuficiência Cardíaca Avançada (UTICA) para onde são referidos todos os doentes que me são enviados. Nessa unidade são feitos os estudos prévios e, depois, concordamos se é um doente, ou não, para transplantação. Claro que os critérios de aceitação em medicina não são uniformes. Por exemplo, se tiver uma hérnia, há-de haver um cirurgião que diga é bom operar já e outro que diz para deixar andar enquanto puder. Há quem pense que o transplante do coração se deve fazer quase em doentes moribundos. Naturalmente que se deve fazer em doentes em condições de fim de linha, em que não há outras terapêuticas alternativas. Mas se fizermos em doentes que estão em vésperas de morrer os resultados são maus; se fizermos em doentes que ainda estão em boas condições físicas, excluindo o coração, os resultados são muito melhores. Tendo em conta que estamos a utilizar um órgão cujo custo não é definível, porque é superior a tudo aquilo que possamos pensar, não o podemos estar a desperdiçar com doentes cujo resultados vão ser maus. Neste momento, estamos a transplantar doentes vindos de todos os sítios desde o Minho até Lisboa, mais para sul ainda não fomos, que nos estão a ser enviados por vários serviços, que eram aqueles que já nos enviavam outros doentes para outro tipo de cirurgia, serviços que já verificaram que estamos a dar uma resposta diferente em relação à transplantação. 43 Quantos homens, quantas mulheres para transplantação? São sempre mais homens, embora não seja a mesma proporção que noutros tipos de patologia. Cerca de ¼ de mulheres e ¾ de homens. Que idade média? Anda à volta dos 50/55 anos. Já transplantamos doentes desde os 11 até aos 72 anos. Habitualmente, os programas de transplantação cardíaca põe como idade limite os 60/65 anos; agora, a maior parte põe os 65. Mas com o aumento da expectativa de vida da população, entendemos que um doente de 70 anos que tenha uma condição física razoável, que tenho todos os outros órgãos a funcionar em condições, pode ser candidato para o transplante. E se aceitamos doentes até aos 70 anos, se aparece um com 71 não podemos dizer que se viesse no ano passado dava para transplantar e este ano já não dá. Foi só um doente com 71 e outro com 72, depois é abaixo disso. 44 Que condições precisa um paciente para ser transplantado? As condições são rigorosas. Maior parte dos doentes para transplantação chegaram a esse estado geralmente por negligência da sua própria parte, não atalharam as coisas a tempo. Não é sempre assim, não é regra absoluta, mas é regra geral. São, geralmente, doentes de classe económica e social média/baixa. Depois da transplantação, os doentes têm que seguir um conjunto de regras muitíssimo rígidas quer no seu modo de vida quer na aderência à terapêutica muita severa que se coloca: os imunosupressores, para evitar a rejeição, e os profiláticos das infecções, porque é o balanço entre a infecção e a rejeição que pode fazer a diferença. Diminuímos a imunidade dos doentes e as infecções instalam-se rapidamente. O doente tem de ter condições sociais, ter apoio familiar forte, ter condições de vida razoável, uma casa própria com condições mínimas, ser capaz de suportar, porque isso não pode ser tudo suportado pelo Estado, os transportes para as inúmeras consultas que tem de fazer. Ter capacidade para se orientar e organizar. Boas condições psicológicas, claramente estão excluídos doentes com perturbações mentais, incapazes de compreender a terapêutica. A transplantação também se pode fazer em crianças que não tenham nenhuma dessas condições, mas tem de haver um pai ou uma mãe que tomem aquilo como se fosse para si próprios. Neste momento temos na enfermaria um adulto que até dizia que tinha duas mulheres antes de ser operado, e agora nenhuma delas aparece, estamos ali com um problema nas mãos. Sob o ponto de vista psicológico, é muito traumático na fase inicial e eles precisam de muito apoio. Tendo em conta que estamos a utilizar um órgão cujo custo não é definível, porque é superior a tudo aquilo que possamos pensar, não o podemos estar a desperdiçar com doentes cujo resultados vão ser maus. 45 De onde vêm os corações? Temos tido dadores desde Braga até Faro. Por ser um bem tão raro, tem de haver essa escolha bem definida? Evidentemente, não podemos inutilizar um órgão em alguém que não é capaz de tomar conta dele. Talvez seja o menos importante, mas num país como o nosso em que cada cêntimo conta, estamos a falar de cirurgias que custam, pelo menos, 50 mil euros e de mais de 10 mil euros por ano em medicação. Já não falo de consultas. É muito dinheiro do contribuinte posto nesta actividade, por isso temos de ter a certeza de que é gasto em quem lhe dá boa utilização. Parece um pouco cruel dizer que há alguns que são excluídos disto, mas é esta a lógica seguida em todo o mundo. E não estamos a desviá-los dos pobres para colocálos nos ricos, porque os ricos são raro chegar a estas condições. O que leva uma pessoa a ser transplantada? O transplante é normalmente feito por causa de uma falência do músculo cardíaco, que pode ser primária, por tóxicos ou por vírus, ou secundária, como doenças coronárias, valvulares. Temos um número significativo de doentes que já tinham sido operados ao coração.A sua doença foi progredindo até chegar a uma situação em que nada mais havia a fazer, a não ser substituir o coração. Que percentagem de sobrevivência? Perdemos três doentes no hospital, não tiveram alta. Um ainda chegou a ter alta, mas curta. Todos no período a seguir à cirurgia, o que dá 3%, número que é muito inferior aos 10% que habitualmente se referem. No nosso país é mais próximo de 20%. Depois perdemos mais seis doentes num período de três anos; houve doentes que morreram de cancro, de infecção. A sobrevida a três anos é de 89%, o que é certamente tão boa, se não superior, à média do registo da sociedade internacional de transplantação. Estamos no bom caminho. 46 Que acréscimo de vida é dado a estes doentes? Espera-se que o acréscimo de vida dado a estes doentes ande à volta de 10 anos em média. Se forem muito novos temos quase a certeza que não chegam a avós. Estamos a acrescentar 10 anos, o que é razoável, mas são dez anos com uma qualidade de vida superior à que tinham, pelo menos nos primeiros anos. Na fase final a qualidade de vida diminui sempre, mas dois dias depois do transplante já notam diferenças para muito melhor. Os doentes são sempre informados de tudo? É muito difícil, a não ser que o doente seja mais inquisitivo, dizer tudo. Se é a única esperança e tem condições, obviamente é operado e não lhe dizemos que, em termos médios, só dura 10 anos. O doente começaria a contar o calendário e, ao aproximar-se dos 10 anos, teria uma vida muito pobre. E nesta média temos em conta a média entre os que só sobrevivem três anos e aqueles que sobrevivem 20 anos. Dizemos aos doentes que eles têm de viver a sua vida porque isto não dura sempre, mas não somos mais específicos do que isto, não negamos a informação que nos seja pedida directamente, mas quando as pessoas não a pedem directamente não a têm. Neste aspecto a ignorância não é pior. O transplante é normalmente feito por causa de uma falência do músculo cardíaco, que pode ser primária, por tóxicos ou por vírus, ou secundária, como doenças coronárias, valvulares. Temos um número significativo de doentes que já tinham sido operados ao coração. A sua doença foi progredindo até chegar a uma situação em que nada mais havia a fazer, a não ser substituir o coração. Para além de transplantes de coração, que são 2% do vosso trabalho, que outras intervenções realiza o Centro de Cirurgia Cardiotorácica? Fazemos mais de 1100 intervenções cardíacas e mais de 500 cirurgias pulmonares. O total anual dá 1650 intervenções. A actividade progrediu desde que começamos, em 1988. O serviço tinha sido construído no novo hospital para operar 250 doentes por ano; veja as diferenças dos números. Durante uma década, ainda foi possível adaptar as instalações que tínhamos a esse movimento. Metemos mais camas dentro de cada quarto, encurtamos corredores para aumentar as enfermarias, até que… era impossível. Foi necessário construir este novo edifício onde hoje vivemos, podemos dizer, à larga. Foi construído, preparado para o aumento que possa acontecer, se vier a acontecer no futuro. A actividade tem vindo sempre a crescer. Cresceu nos primeiros 10 anos, depois atingiu um certo patamar, correspondeu à exaustão da capacidade física do serviço anterior e, nos últimos cinco anos, já nestas novas instalações, tem crescido à média de 3% ano. E as intervenções seguem sempre os mesmos padrões de patologia ou têm variado? O que acontece neste momento é que existem grandes variações na patologia, sobretudo na patologia cardíaca. Desapareceram as doenças valvulares da febre reumática, os doentes coronários que eram antes operados a by-pass muitos deles fazem agora a dilatação por balão, são colocados os stents e não necessitam de cirurgia, pelo menos nesta fase, poderão necessitar mais tarde. Não sabemos ainda qual vai ser a consequência destas novas tecnologias. Por outro lado, com o envelhecimento dos doentes, temos cada vez mais doentes com doenças degenerativas, calcificação, envelhecimento natural. O tipo de actividade tem variado um pouco, os cinco/seis serviços do país em actividade neste momento estão muito próximos de satisfazer as necessidades do país. Penso que nenhuma outra especialidade está tão perto de satisfazer as necessidades do país como a nossa. Não temos lista de espera, em Lisboa a lista anda à volta de um mês, no Porto é ligeiramente maior. Temos ajudado a lista de espera dos outros, e parece-me que estamos em limites razoáveis. Se todas as outras especialidades cirúrgicas tivessem lista de espera de três meses, no máximo, acho que nos podíamos achar muitos satisfeitos. Que cuidados para prevenir estas doenças? As doenças do envelhecimento não são preveníveis, embora hoje existam estudos para ver se as mesmas doenças que atacam as artérias coronárias atacam as válvulas, e possam ser preveníveis, mas em princípio não. As doenças congénitas, que não referi anteriormente, dos bebés que nasceram com defeitos congénitos, também não são preveníveis, excepto se os eliminarem antes de nascerem, que é uma prática que obviamente não favoreço. E, depois, ficam praticamente as doenças da coronária, a aterosclerose ou arteriosclerose. Essa sim tem a ver com estilo de vida pouco saudável que as sociedades ocidentais adquiriram: comer muito, gorduras, álcool, obesidade, pouca actividade física. Essas são preveníveis fazendo esforço, comendo menos, controlando o peso, a tensão arterial através da diminuição do sal. Todos esses métodos podem ajudar a prevenir, se não as doenças, pelo menos a mortalidade dessas doenças. São um centro de excelência na transplantação cardiotorácica no mundo? Não há campeonatos do mundo nem europeus em cirurgia cardiotorácica. Já ouvi todos os títulos, isso não existe e não é certamente verdade. Tenho tido, pessoalmente, alguma repercussão internacional. Sinto que temos um centro que é equiparável à média dos bons centros internacionais. Não seremos os melhores, mas estaremos comparáveis à média. Estamos a dar aos nossos doentes o tratamento tão bom como aquele que vão conseguir em qualquer outro lado. Se em algumas áreas não somos tão sofisticados, até por natureza 47 48 própria, neste momento e com a idade que tenho sou muito conservador, algumas das muito novas tecnologias que estão por aí ainda em fase experimental já não serão para mim, estou a aguardar e a ver, porque muitas destas nascem e morrem quase à velocidade da luz, mas, de uma maneira geral, naquilo que é cirurgia de rotina, se tivermos alguma coisa em inferioridade, compensamo-la certamente com o cuidado pessoal e com o carinho e atenção que damos aos nossos doentes. Os nossos doentes têm essa certeza, e é aí que quero ficar. Em termos internacionais sou convidado para palestrar, participar em cursos em todo o lado, já operei em cirurgias de demonstração em vários países do mundo. Não tenho mais ambições do que isso, pois se tivesse mais ambições naturalmente podia emigrar para outros sítios onde as condições e, sobretudo, a atitude das pessoas são um pouco diferentes, mas foi aqui que cristalizei e é aqui que ficarei. Que número compõe a equipa? Temos uma equipa que varia, naturalmente, mas anda à volta de 117 pessoas. Somos 16 médicos, incluindo anestesistas e cardiologistas, 70 enfermeiros, 20 auxiliares e o resto são técnicos e administrativos. Se compararmos com outros serviços do país, podemos considerar que somos uma equipa pequena. Como trabalhamos com grande índice de intensidade, não precisamos de tanta gente. Estamos curtos em termos de pessoal, sem estarmos deficitários. Espera-se que o acréscimo de vida dado a estes doentes ande à volta de 10 anos em média. Se forem muito novos temos quase a certeza que não chegam a avós. Estamos a acrescentar 10 anos, o que é razoável, mas são dez anos com uma qualidade de vida superior à que tinham, pelo menos nos primeiros anos. 49 50 Num serviço com saldo francamente positivo, é comum fazer distribuição de parte dos lucros? Este ano calculamos um saldo positivo, entre os custos e as receitas, na ordem dos 7 milhões de Euros. Sempre tivemos um saldo positivo. Nenhum hospital tem um saldo positivo como um serviço como o nosso tem. Desde 2001, mercê da nossa condição de centro de responsabilidade, foi-nos permitida a distribuição de uma parte desses lucros, 20%. O hospital beneficiava em 80% e o pessoal 20%. No ano passado não nos foi possível fazer essa distribuição e este ano ainda não temos a certeza do que se vai fazer. O que é muito mau. Havia um contrato programa que a entidade hospital não cumpriu. Cumprimos a nossa parte, eles não cumpriram a parte deles. É muito mau, porque as pessoas começam a acreditar que afinal não vale a pena, que as promessas nem sempre são para cumprir.Vamos ver. Nos cinco anos em que houve distribuição, notou-se um efeito benéfico a nível de contentamento das pessoas que aqui trabalham, da muito menor mobilidade. Hoje temos mais gente a querer vir e não temos capacidade para eles. Com a própria contenção de custos, as pessoas, para além de terem a noção do que custa cada coisa, também sabem que se pouparem terão algum benefício pessoal. É uma prática corrente na actividade privada. Cada pessoa que trabalha neste serviço trabalha um pouco mais que em serviços congéneres ou mesmo doutros serviços do hospital. É justo que se compense este tipo de actividade. Para além da sua vida profissional, da família, tem tido uma preponderância activa na saúde em Portugal. Escreveu A Doença da Saúde – Serviço Nacional de Saúde: ineficiência e desperdício. E parte da afirmação que, em Portugal, a saúde está definitivamente doente. Escreveu o livro em 2000. Passados 7 anos, já melhorou? Infelizmente, penso que a doença não foi ainda curada. E está doente porque gastamos muito dinheiro, mais do que outros países da Europa. Se um país tem poucos recursos, não pode gastar tantos recursos como os outros. Gastamos mais e produzimos menos. O Serviço Nacional de Saúde, que se baseia num sistema de administração pública, é muito rígido, compartimentado, centralista, burocrático, pouco eficiente, não permite que possamos dar aos doentes a resposta que, de outro modo, tínhamos possibilidade de dar. Podemos fazer muito mais com o que temos. Temos pouco, somos pobres, e os portugueses têm de ter a noção de que se não temos as auto-estradas, as casas e os carros tão bons como alemães e franceses, também não podemos ter a mesma qualidade em serviços de saúde, isso é uma lógica. Mas podíamos dar uma resposta muito mais adequada e satisfatória às necessidades dos portuguesas se pudéssemos aumentar a produtividade e diminuir o desperdício. É isso o que tenho procurado fazer aqui. Se um país tem poucos recursos, não pode gastar tantos recursos como os outros. Gastamos mais e produzimos menos. O sistema do Serviço Nacional de Saúde, que se baseia num sistema de administração pública, é muito rígido, compartimentado, centralista, burocrático, pouco eficiente, não permite que possamos dar aos doentes a resposta que, de outro modo, tínhamos possibilidade de dar. Podemos fazer muito mais com o que temos. Fala, no livro, em promiscuidade entre os sectores público e privado, cerca de 90% dos médicos estão integrados no sector público e destes, a grande maioria, também faz parte do sector privado; falta de assiduidade dos médicos e outro pessoal superior; a maioria dos directores do serviço trabalha em part-time; atenção do médico dividida entre o particular, onde ganha muito mais, e o hospitalar; os serviços privados continuam a ser prestados pelos mesmos agentes que prestam o serviço público, numa competitividade incestuosa; a produtividade dos médicos é, na maior parte dos casos, baixíssima… São doenças na saúde? São factores para a doença da saúde. Este serviço é caracterizado pela grande disponibilidade, pela dedicação completa do pessoal que está aqui porque é isso que o faz ser rentável. Quem toca muitos violinos ao mesmo tempo não pode afinar-se em nenhum deles. Naturalmente que depois haverá nuances. Como fizeram todos os outros em todo o mundo, temos que alinhar rapidamente por uma dedicação plena a uma actividade ou a outra. Porque a profissionalização dentro de sector privado também é fundamental. Agora, os próprios hospitais privados estão a contratar equipas dedicadas unicamente ao hospital, que é fundamental. Aplica-se ao sector público e ao privado. 51 52 Acredita que ainda é possível mudar? Se não acreditasse já tinha emigrado, mas à medida que vamos envelhecendo, cresce o descrédito da capacidade de mudar as coisas, e temos mudado tantas vezes de ministros, de administradores, e as diferenças são tão poucas… não sei se isto realmente tem conserto. Mas ao criar aqui um exemplo é uma forma de mudar? Este hospital modificou-se muitíssimo com a existência do Centro de Cirurgia Cardiotorácica. Há alguns que falam no factor cirurgia cardiotorácica.As pessoas vão vendo que é possível fazer de outra maneira, vão copiando ou adaptando o modelo. Se o fariam se cá não estivéssemos é muito difícil dizer. Neste momento, a minha ambição é continuar a mostrar que não me cansei, que o modelo tem progredido, tem funcionado. Há outros serviços que se vão tornando mais eficientes e produtivos, não quer dizer que seja o mesmo modelo, mas são parecidos. Alguns serviços podem ter sofrido a influência natural deste. Mas o progresso é sempre assim, há alguém que vai à frente e os outros vão atrás e até os ultrapassam. Os profissionais de saúde têm de assumir que há gente a sofrer do outro lado, há pessoas à espera de cirurgias, à espera de consultas, e é nossa obrigação fazer o possível e, às vezes, um pouco do impossível, para conseguir melhorar essas condições. Tenho de reconhecer que todos somos humanos e temos uma capacidade física limitada, não é inesgotável. Mas temos o dever de ir muito para além daquilo que é nossa obrigação aqui no hospital como funcionários públicos. Aqui, como muitas vezes não se pode esperar para amanhã, as pessoas têm de assumir uma dedicação integral, têm de ter uma dedicação pelo progresso científico e técnico, têm de estar permanentemente preparadas para isso, mas têm de ter, sobretudo, uma dedicação humana plena. Que palavras para profissionais de saúde? Os profissionais de saúde têm de se considerar um tipo diferente de profissionais. Para já, e falamos dos dois grandes grupos de profissionais de saúde, sem menosprezo para todos os outros, médicos e enfermeiros, que tem uma qualificação difícil, cursos longos, uma especialização que prolonga a aprendizagem, o acesso às faculdades de medicina e escolas de enfermagem requerem classificações altas, são pessoas que fazem todo o esforço para entrarem nesta actividade. Se o fazem apenas por ela ser mais rentável, é mau. Se o fazem pelo gosto a uma actividade que tem como finalidade essencial servir os outros, servir a pessoa humana, então têm de se dedicar ao máximo. Têm de assumir que há gente a sofrer do outro lado, há pessoas à espera de cirurgias, à espera de consultas, e é nossa obrigação fazer o possível e, às vezes, um pouco do impossível, para conseguir melhorar essas condições. Tenho de reconhecer que todos somos humanos e temos uma capacidade física limitada, não é inesgotável. Mas temos o dever de ir muito para além daquilo que é nossa obrigação aqui no hospital como funcionários públicos. Aqui, como muitas vezes não se pode esperar para amanhã, as pessoas têm de assumir uma dedicação integral, têm de ter uma dedicação pelo progresso científico e técnico, têm de estar permanentemente preparadas para isso, mas têm de ter, sobretudo, uma dedicação humana plena. Os nossos doentes, na maior parte, sentem-se agradecidos e vêem a passagem por este serviço como uma experiência única, não tanto pelo sentimento daquilo que cientificamente e tecnicamente foi feito por eles, mas uma relação médico/enfermeiro/doente certamente diferente da maior parte dos outros. Não recebemos doentes da rua. Eles passam sempre pelos serviços de cardiologia, a maior parte deles já estiveram internados muitas vezes e sabem perfeitamente ver a diferença, apesar do internamento connosco ser aquele em que sofrem mais. Mesmo assim sentem que foi diferente… pela nossa dedicação. 53 54 Antunes A Serviço de Cardiologia, Hospitais da Universidade de Coimbra Botelho MF Departamento de Biofísica, Faculdade de Medicina, Universidade de Coimbra Gomes CM Departamento de Biofísica, Faculdade de Medicina, Universidade de Coimbra de Lima JJP Departamento de Biofísica, Faculdade de Medicina, Universidade de Coimbra Silva ML Laboratório de Investigação experimental, Hospitais da Universidade de Coimbra Moreira JN Faculdade de Farmácia, Universidade de Coimbra Simões S Faculdade de Farmácia, Universidade de Coimbra Gonçalves L Serviço de Cardiologia, Hospitais da Universidade de Coimbra 55 Desenvolvimento de liposomas com afinidade para áreas miocárdicas isquémicas Introdução No final dos anos 60, Alec Bangham publica um dos seus trabalhos na área da Bioquímica, onde relata que quando é adicionada água a uma mistura lipídica seca se formam estruturas esféricas com dupla membrana lipídica a que chama liposomas. Com efeito, se numa solução aquosa suspendermos fosfolípidos a uma temperatura em que as respectivas cadeias de ácidos gordos se encontram fluidas (acima da respectiva temperatura de transição de fase), o excesso de meio aquoso leva à formação espontânea de vesículas multilamelares concêntricas de dupla camada fosfolipídica separadas por meio aquoso - (MLVs – Fig. 1). 0==0 0==0 0==0 0==0 56 Liposomas Multilamelares Lamelas de dupla camada fosfolipíca separadas por espaços aquosos Fig. 1 – Liposomas multilamelares. A habilidade dos liposomas para englobar água e consequentemente soluções hidrofílicas numa estrutura fechada de dupla camada fosfolipídica conduziu ao seu uso como modelo de membrana biológica para estudos de permeabilidade. Se se incluírem agentes farmacológicos no meio durante a manufactura dos liposomas, aqueles serão encapsulados na fase aquosa se forem hidrofílicos ou intercalados na fase lipídica se forem hidrofóbicos. Assim sendo, para além do seu papel como modelo de membrana biológica, os liposomas começaram mais recentemente a ser encarados como possíveis vesículas transportadoras de fármacos. De acordo com a carga dos lípidos utilizados podemos obter liposomas neutros, catiónicos ou aniónicos. Através de técnicas de sonicação ou extrusão por alta pressão, é possível criar liposomas unilamelares (Fig. 2) que apresentam in vivo uma menor captação pelo sistema Mononuclear Fagocítico (SMF) e consequentemente um maior tempo de circulação. Os liposomas foram pela primeira vez encarados como possíveis transportadores terapêuticos em 1971 por Leathwood e Ryman: os autores conseguiram encapsular com sucesso a enzima glucamilase do Aspergillus niger usando os liposomas para o tratamento de doenças do armazenamento de glicogénio. Desde então a ideia estendeu-se a várias outras aplicações clínicas como o tratamento de neoplasias através do encapsulamento de fármacos para quimioterapia, encapsulamento de agentes quelantes para tratamento de intoxicações por metais pesados e também, mais recentemente, o uso de liposomas para o diagnóstico e tratamento de situações de isquémia mesentérica e miocárdica (estudos com experimentação animal). 57 Fig. 2 – Liposomas unilamelares. Fig. 3 – Liposoma peguilado; imagem esquemática. Liposomas e isquémia miocárdica: um impedimento major ao uso de fármacos no tratamento das síndromas coronárias agudas é o acesso limitado e inespecífico ao miocárdio isquémico. A localização selectiva de agentes farmacológicos em áreas de isquémia facilitará procedimentos quer diagnósticos (avaliação da lesão coronária) quer terapêuticos (por forma a tentar evitar ou reverter as consequências da isquémia. O primeiro estudo publicado nesta área data de 1977: Caride e Zaret publicam um trabalho onde usam um modelo canino de isquémia miocárdica e administram às 24 horas de oclusão coronária MLVs de carga positiva, neutra e negativa marcados com 99m Tc-DTPA; neste estudo concluem que os liposomas de carga positiva e neutra se concentram predominantemente na área de enfarte, portanto de forma inversamente proporcional ao fluxo coronário regional. Desde então têm-se realizado outros estudos com uso de modelos animais de isquémia-reperfusão miocárdica (coelho, cão). Os melhores resultados têm sido obtidos com liposomas de carga positiva ou neutra. Mais recentemente foram publicados estudos utilizando lípidos derivados do polietilenoglicol (PEG) que mostram bons resultados, provavelmente relacionados com o seu maior tempo circulatório (Fig. 3). Existem ainda alguns estudos também recentes em que são intercalados na fase lipídica anticorpos antimiosina (Ac-AM) de forma a dotar os liposomas de maior especificidade para o miocárdio isquémico. Objectivos Tendo por base estudos previamente publicados, são objectivos deste trabalho: 58 • Produção de liposomas unilamelares, positivos e neutros, peguilados, marcados com 99mTc através do método “after-loading”; • Controlo de qualidade da produção e marcação dos liposomas através de sistemas cromatográficos adequados, de forma a comprovar eficiência de marcação e estabilidade in vitro elevadas; • Criação de um modelo animal de isquémiareperfusão funcionante e reprodutível; • Injecção dos liposomas supracitados no modelo animal acima referido após um período de isquémia miocárdica, acompanhando durante as 3 horas seguintes a distribuição dos liposomas injectados através de aquisições de imagens cintigráficas com o uso de uma gama câmara; • Injecção simultânea de tálio-210, acompanhando também durante as 3 horas seguintes a sua distribuição através de aquisições de imagens cintigráficas com o uso de uma gama câmara; • Após o estudo cintigráfico in vivo, extracção dos órgãos com contagem em contador de poço para cálculo da actividade específica e estudo de biodistribuição. … para além do seu papel como modelo de membrana biológica, os liposomas começaram mais recentemente a ser encarados como possíveis vesículas transportadoras de fármacos. 59 Metodologia Preparação dos liposomas: a produção de liposomas e a sua marcação constitui um processo longo e minucioso que obedece a uma metodologia rigorosa: obtenção do filme lipídico, encapsulamento de Glutatião, extrusão, marcação do quelante Hexametilpropilenoamino oxima (HMPAO) liofilizado com o radioisótopo 99mTc, marcação dos liposomas com o traçador 99mTc-HMPAO, Cromatografia por exclusão molecular (CEM), controlo de qualidade do processo. Apesar de se tratar de uma metodologia validada e de eficácia comprovada, poderão existir produtos contaminantes; na produção e marcação dos liposomas foi obtida uma amostra para um controle de qualidade (Fig. 4) Fig. 4: Esquerda – Sistema de microcromatografia ascendente para controlo de qualidade. Direita – Imagem cintigráfica de uma tira de papel cromatográfico. Fig.5 – Coelho macho adulto Experimentação animal: coelhos (Oryctolagus cuniculus hyplus) machos adultos são sedados e anestesiados. Procede-se a uma toracotomia lateral esquerda e à laqueação da artéria coronária descendente anterior no início do seu terço distal (Figs. 5 e 6). Após 90 minutos de isquémia o nó é seccionado para permitir a reperfusão e procede-se à injecção dos liposomas marcados com o radioisótopo 99mTc. Em simultâneo é feita uma injecção de 37 MBq de Tálio 201. Fig. 6 – Laqueação da artéria coronária. Os coelhos são colocados na gamacâmara, procedendo-se a aquisições para 2 janelas de energia: 140 + 20 keV (Tecnécio) e 72 + 20 Kev (Tálio). No final da 5ª aquisição estática (às 3 horas de reperfusão) procede-se à realização de uma tomografia por emissão de fotão simples (SPET) também com 2 janelas de energia (Fig. 7). 60 Em seguida procede-se ao sacrifício dos animais. É executada a extracção cardíaca. De imediato procede-se à perfusão de corantes específicos que irão permitir uma diferenciação grosseira das zonas miocárdio são (cora de azul), miocárdio viável (cora de vermelho) e miocárdio necrosado (cora de negro). Seguidamente o coração isolado é colocado na gamacâmara e realizam-se aquisições estáticas. As aquisições foram realizadas em 2 incidências: ventrículo esquerdo (IE – Fig. 8A) e ventrículo direito (ID - Fig. 8B). Fig. 7 – Aquisições na câmara de raios gama. Fig. 8A – esquematização da incidência IE; o círculo colorido representa o local onde esteve laqueada a artéria coronária descendente anterior. Fig. 8B – Esquematização da incidência ID; o círculo colorido representa o local onde esteve laqueada a artéria coronária descendente anterior. (mywebpages.comcast.net/ wnor/thoraxlesson4.htm) As imagens obtidas na janela de energia do Tc corresponderão à distribuição cardíaca dos liposomas marcados. No que respeita às imagens na janela do 201Tl, tendo em conta que a frequência cardíaca média (F.C.M.) no coelho adulto em repouso é cerca do triplo da F.C.M. basal no ser humano adulto, deverão corresponder predominantemente à redistribuição cardíaca do radiofármaco no miocárdio isquémico viável. É colhida uma amostra de cada uma das 3 zonas miocárdicas identificadas com os corantes atrás referidos, e depois de extraídos os restantes órgãos é também colhida uma amostra de cada um deles. É feita a contagem em contador de poço para cálculo da actividade específica e estudo de biodistribuição. 99m Resultados Aquisições cintigráficas: Foram estudados 7 coelhos divididos por 2 grupos (Tabela I). Aquisições dinâmicas “in vivo” na 1ª hora (gráficos Ia e Ib). Eficácia de marcação dos liposomas (Tabela II). Durante este período de tempo, a actividade presente no coração e no pulmão correspondeu na sua maioria ao compartimento sanguíneo de liposomas, enquanto a actividade detectada no fígado e no rim traduziu fundamentalmente o metabolismo e excreção do conteúdo liposómico. Da análise do gráfico podemos inferir que os liposomas neutros peguilados possuem uma menor excreção hepática e renal e consequentemente um maior tempo de circulação que os liposomas positivos não peguilados. A eficácia significativamente mais baixa dos liposomas positivos não peguilados deve-se provavelmente à sua menor estabilidade “in vitro”. Grupo Coelhos I 1,2,3,4 II 5,6,7 Peso (Kg) 3,9±0,32 4,1±0,35 Género (M/F) 4/0 3/0 Liposomas Neutros peguilados Positivos não peguilados Tabela I Coelho 1 2 3 4 5 7 8 Média Grupo I Liposomas marcados (%) 91 86 94 86 57 44 68 89,25±3,95 Média Grupo II 56,33±12,01 Tabela II AQUISIÇÕES DINÂMICAS - Média Grupo II 0,5 0 ,4 0,4 % actividade injectada % actividade injectada AQ UISIÇÕ ES DINÂM ICAS - M édia G rupo I 0 ,5 0 ,3 0 ,2 0,3 0,2 % actividade injectada 0,1 0 ,1 0 0 0 900 1800 2700 3 6 00 0 900 1800 CO RAÇÃO P UL MÃO 2700 3600 Tempo (seg) T e m p o ( s eg ) F ÍG A D O R IM CORAÇÃO Gráfico Ia PULMÃO FÍGADO RIM Gráfico Ib 61 Resultados Aquisições cintigráficas estáticas do coração isolado: As imagens obtidas na janela de energia do 99mTc correspondem à distribuição miocárdica dos liposomas marcados; relativamente às imagens na janela do 201Tl, tendo em conta que a frequência cardíaca média (F.C.M) no coelho adulto em repouso é cerca do triplo da F.C.M. basal no ser humano adulto, irão corresponder predominantemente à redistribuição cardíaca do radiofármaco no miocárdio isquémico viável (Figs. 9. A e 9. B). 62 Fig. 9. A - Aquisições cintigráficas do coração isolado de um coelho do grupo I nas janelas de energia do 201Tl e 99mTc, incidências IE e ID. a – IE 201Tl b – IE 99mTc 201 c – ID Tl d – ID 99mTc Fig. 9. B - Aquisições cintigráficas do coração isolado de um coelho do grupo II nas janelas de energia do 201Tl e 99mTc, incidências IE e ID. a – IE 201Tl b – IE 99mTc 201 c – ID Tl d – ID 99mTc Aquisições SPET do coração isolado: O coração isolado foi submetido a uma tomografia por emissão de fotão simples (SPET), igualmente para 2 janelas de energia: 140 + 20 keV (Tecnécio) e 72 + 20 Kev (Tálio). (Fig. 10). 63 Fig. 10. A – Imagem SPET do coração isolado de um animal do grupo I (injectado com liposomas neutros peguilados) na janela do 201Tl: A.1 – cortes transversais A.2 – cortes sagitais A.3 – cortes longitudinais Fig. 10. B – Imagem SPET do coração isolado de um animal do grupo I (injectado com liposomas neutros peguilados) na janela do 99mTc: B.1 – cortes transversais B.2 – cortes sagitais B.3 – cortes longitudinais Fig. 10. C – Imagem SPET do coração isolado de um animal do grupo II (injectado com liposomas neutros peguilados) na janela do 201Tl: C.1 – cortes transversais C.2 – cortes sagitais C.3 – cortes longitudinais Fig. 10. D – Imagem SPET do coração isolado de um animal do grupo II (injectado com liposomas positivos não peguilados) na janela do 99mTc: D.1 – cortes transversais D.2 – cortes sagitais D.3 – cortes longitudinais Estudo de biodistribuição: Para cada coelho foi feito o cálculo da actividade específica e estudo de biodistribuição. Foi calculada a média relativamente a cada órgão e traduzida graficamente (fig. 11) 64 Fig. 11. A – Tradução gráfica dos resultados do estudo de biodistribuição: médias e desvios padrão para cada órgão no Grupo I. Fig. 11. B – Tradução gráfica dos resultados do estudo de biodistribuição: médias e desvios padrão para cada órgão no Grupo II. Conclusões Relativamente aos resultados obtidos podemos concluir: • Foram produzidos liposomas neutros peguilados e positivos não peguilados marcados com 99mTc. A eficiência de marcação do radiofármaco usado para a marcação foi elevada. No que respeita à eficiência de marcação dos liposomas, obtivemos bons resultados com os liposomas neutros peguilados mas os valores conseguidos com os liposomas positivos não peguilados foram bastante inferiores, consequência provável de uma menor estabilidade in vitro; • Desenvolveu-se um modelo animal de isquemia-reperfusão funcionante e reprodutível; • Verificou-se uma captação importante a nível cardíaco, quer em termos absolutos quer em relação aos outros órgãos, em ambos os tipos de liposomas utilizados. No entanto, os valores obtidos com os liposomas positivos não peguilados foram inferiores aos dos liposomas neutros peguilados, provavelmente devido à sua maior instabilidade in vitro e ao seu menor tempo de circulação. No que respeita à captação cardíaca dos liposomas, comparando os três tipos de miocárdio, os valores quantitativos que obtivemos nas 3 regiões miocárdicas consideradas foram, nos dois tipos de liposomas utilizados, apenas discretamente inferiores no miocárdio normal relativamente ao miocárdio isquémico; • A maior captação de liposomas neutros peguilados por parte do miocárdio isquémico ocorre nas áreas onde a redistribuição do 201Tl está presente. Esta evidência não é tão acentuada para os liposomas positivos; • Estes diferentes comportamentos, sugerem que a composição da parede liposómica terá de ser reformulada, no sentido de maximizar a afinidade para as áreas isquémicas e simultaneamente minimizar a captação pelo miocárdio normal. 65 66 Adriano Rockland Docente do ISAVE, Instituto Superior de Saúde do Alto Ave; mestrando em Gerontologia Social pela Universidade Católica Portuguesa; especialista em Geriatria e Gerontologia pela Universidade de Aveiro; Coordenador da pós‑graduação em Motricidade Oro-Facial do ISAVE Janieny Vieira Fonoaudióloga; mestranda em Ciências da Saúde pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA); especialista em Motricidade Oral (Distúrbios Miofuncionais Orais) pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); docente do Centro Unificado do Maranhão (UNICEUMA) Wagner Teobaldo Lopes de Andrade Fonoaudiólogo; mestrando em Ciências da Linguagem pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP); especialista em Audiologia; docente do curso de Fonoaudiologia da Universidade Federal de Pernambuco Silvia Damasceno Benevides Fonoaudióloga; especialista em Motricidade Oral pelo Conselho Federal de Fonoaudiologia; mestre em Fisiologia pela Universidade Federal de Pernambuco; docente do curso de Fonoaudiologia da FUNESO-UNESF; docente do curso de especialização em DTM e Dor Orofacial da FOP-UPE Antônio Figueiredo Caubi Cirurgião Bucomaxilofacial; docente da Faculdade de Odontologia de Pernambuco – Departamento de Medicina Oral; especialista em Cirurgia Bucomaxilofacial; cirurgião Bucomaxilofacial do Hospital da Restauração, Recife Palavras-chave: Ferimentos e lesões, côndilo mandibular, criança, sucção digital, terapia miofuncional 67 Tratamento miofuncional numa criança com fractura de côndilo mandibular e sucção digital Resumo Introdução: A fractura de côndilo em crianças é um factor que leva ao aparecimento de alterações no crescimento facial e a associação a hábitos nocivos pode aumentar, ainda mais, a possibilidade de ocorrência de deformidades. Objectivo: Avaliar a eficácia da terapia da fala no tratamento funcional da fractura de côndilo numa criança com hábito de sucção digital. Relato do caso: Criança de quatro anos de idade, do sexo masculino, vítima de acidente ciclístico que originou fractura indireta de côndilo bilateral, localizada na região de colo do lado direito e na região subcondilar do lado esquerdo, com deslocamento proximal deste mesmo lado apresentando, ainda, fractura de parassínfise mandibular direita. Resultados: Após tratamento funcional, os movimentos mandibulares eram adequados e havia estabilidade do padrão mastigatório. Mesmo sem a eliminação total do hábito, verificou-se que a sucção digital não trouxe intercorrências significativas para o caso. Conclusão: Por meio da terapia funcional, a intervenção do Terapeuta da Fala mostra-se eficaz e benéfica para o restabelecimento das relações musculares e remodelamento condilíneo nos casos de fractura de côndilo mandibular. 68 Introdução As fracturas de côndilo correspondem a 50% ou mais de todas as fracturas mandibulares em crianças e a sua etiologia está frequentemente relacionada com acidentes ciclísticos1. Esse tipo de fractura representa um grave problema em crianças, principalmente porque o crescimento da mandíbula está mais activo no côndilo e no ramo durante a infância2 e este é um factor que potencializa o nascimento de alterações no crescimento facial. Associada a hábitos orais nocivos, a fractura pode aumentar a possibilidade de ocorrência de deformidades dentofaciais e esqueléticas. Uma fractura na região condilar pode induzir ao início de distúrbios no centro de crescimento (o côndilo)3, o que resulta na desaceleração do processo de crescimento mandibular devido ao efeito inibitório na proliferação da cartilagem e ossificação4. Duas complicações são muito relevantes e devem ser consideradas: a anquilose e os distúrbios do crescimento mandibular em crianças5. A anquilose temporomandibular é um distúrbio que limita ou impede totalmente a mobilidade do côndilo na cavidade glenóide do osso temporal6. O nascimento em crianças ou adolescentes pode comprometer o crescimento facial, provocando uma significante assimetria e micrognatia7 por destruição do centro de crescimento e ausência de tensões funcionais. Além de provocar deformações no aspecto facial, modifica a mastigação, fala e dificulta a higiene bucal. A limitação dos movimentos mandibulares promove uma disfunção da actividade muscular, componente que prejudica o potencial de crescimento nas fracturas do côndilo mandibular4 e resulta em distúrbios na aposição óssea desta região8. Quando não tratadas, acabam por poder evoluir para maiores limitações de amplitude e desvio dos movimentos mandibulares, podendo restringir esses movimentos significativamente e ocasionar uma assimetria facial, acometendo o sistema estomatognático9. Os hábitos orais nocivos, como a sucção digital, levam a pressões desadequadas constantes na articulação temporomandibular (ATM), pois a mandíbula faz movimentos caracterizados por pressões atípicas, podendo causar problemas musculares, ortodônticos oclusais ou uma postura em repouso não muito comum e adequada da mandíbula, que poderá trazer desequilíbrio ao nível do sistema estomatognático10, 11. O osso, por ser um tecido maleável, reage a todo o tipo de pressões exercidas sobre ele12, portanto, muitas consequências podem ser desencadeadas pela sucção digital13. O desenvolvimento de uma retracção postural mandibular decorrente deste hábito é bastante significativa, visto que, se o peso da mão ou braço força continuamente a mandíbula, esta assumirá uma posição retraída para a prática do hábito14. O tratamento miofuncional realizado pelo Terapeuta da Fala permite uma adequada consolidação da fractura e possibilita uma efectiva remodelação do côndilo, através do equilíbrio dos movimentos mandibulares, adequação e coordenação da musculatura mastigatória9, 15. Em crianças, o alto potencial de remodelamento ósseo favorece esse tipo de tratamento16. Existindo uma restruturação óssea precoce, a fisiologia muscular normal é mantida mesmo nas lesões da face, favorecendo o desenvolvimento normal, permitindo obter o mínimo de assimetria facial4. A reabilitação miofuncional orofacial, apresentando como estratégias os exercícios mastigatórios dirigidos, é um factor importante nos casos de tratamento conservador de fractura condilíaca, com o intuito de combater a fibrose local17. Para se realizar a sucção digital, é necessário que ocorra o movimento de projecção seguido da retracção da mandíbula. A protrusão mandibular acontece quando os músculos pterigóideos laterais, auxiliados pelo pterigóideo medial e temporal anterior18 se contraem simultaneamente, trazendo os côndilos para baixo e para a frente. Esse mecanismo envolve a participação do côndilo que, quando fracturado, não possui estabilidade necessária para manter a contracção da musculatura do pterigóideo lateral, podendo sofrer deslocamento e resultando em distúrbios na aposição óssea desta região8, o que prejudica o remodelamento condilíneo4. A retracção da mandíbula pela musculatura do temporal médio e posterior19 também é desfavorável em casos de fractura de côndilo, pois este pode encontrar-se numa posição instável, promovendo o deslocamento através do movimento constante de protrusão e de retração. Apesar dos movimentos mandibulares protrusivos realizados a partir da activação do pterigóideo lateral serem benéficos para a restruturação óssea, os desvios durante este e outros movimentos mandibulares (abertura, encerramento e lateralidade) devem ser corrigidos. Vale ressaltar que a activação do pterigóideo lateral não é efectiva nos casos de deslocamento condilar com grande angulação uma vez que perde o apoio completo do ponto móvel (a mandíbula). Em virtude disto, nestes casos, é explorado o feixe anterior do músculo temporal na realização do movimento protrusivo. A questão do hábito de sucção digital mostra-se prejudicial, especialmente, porque este movimento protrusivo é exectuado de forma aleatória, ou seja, sem correcção do desvio, que é o grande diferencial. Outra peculiaridade referente ao caso apresentado é a associação da fractura de côndilo com a sucção digital, pelo facto de que este hábito pode dar início ou intensificar um perfil de classe II. O somatório das alterações funcionais que podem aparecer em função do mesmo leva a alterações importantes, até mesmo esqueléticas20. Desta forma, o objectivo do presente estudo foi avaliar a eficácia da intervenção do profissional Terapeuta da Fala no tratamento funcional da fractura de côndilo numa criança com hábito de sucção digital. 69 70 Método Trata-se de um estudo qualitativo do tipo relato de caso, desenvolvido num hospital público da cidade de Recife, no estado de Pernambuco no Brasil. A recolha de dados foi realizada através de avaliação clínica, antes e após o tratamento efectuado peloTerapeuta da Fala,com aplicação de um protocolo padronizado por Bianchini9, com aspectos sobre o tipo da fractura, estruturas e funções do sistema estomatognático, dor à palpação dos músculos mastigatórios e região da ATM (palpação lateral e posterior à cápsula), classificação da intensidade da dor definida pela escala de 0 a 3 (0 – assintomático; 1 – com sensibilidade; 2 – com dor; 3 – com dor intensa)9 e movimentos mandibulares. Foi utilizado paquímetro de plástico com acurácia de 0,05mm para medição das estruturas do sistema estomatognático, avaliando abertura oral máxima, lateralidade, protrusão corrigida e terços da face, de acordo com protocolo de Silva e Cunha21. Foi realizada intervenção terapêutica na criança em estudo, por um período de três meses (12 sessões, sendo oito direccionadas ao tratamento para fractura e quatro ao trabalho de eliminação do hábito oral). As avaliações pré e pós-tratamento da Terapia da Fala, assim como a reabilitação miofuncional orofacial, foram realizadas por um único profissional da área. A reabilitação miofuncional orofacial para a fractura do côndilo foi composta por aplicação de termoterapia e execução de massagens sequenciais para relaxamento e mobilidade muscular; exercícios isotônicos e isocinéticos, por meio dos movimentos mandibulares, para eliminar a rigidez muscular e proporcionar o equilíbrio do sistema estomatognático; e pela função de mastigação para manter os ganhos adquiridos com o relaxamento e os exercícios, através de alimentos com consistência macia de tamanho grande (para ampliar os movimentos). Para a adequação das estruturas dos órgãos fonoarticulatórios (OFA), foram executados exercícios isométricos e isotônicos para aumento de força e mobilidade. Para a irradicação do hábito, foi utilizado o programa Meu Dedão e Eu22 e actividades direccionadas para consciencialização da criança e da família dos malefícios do hábito de sucção digital. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco (CCS/UFPE). As fracturas de côndilo correspondem a 50% ou mais de todas as fracturas mandibulares em crianças e a sua etiologia está frequentemente relacionada com acidentes ciclísticos. Esse tipo de fractura representa um grave problema em crianças, principalmente porque o crescimento da mandíbula está mais activo no côndilo e no ramo durante a infância e este é um factor que potencializa o nascimento de alterações no crescimento facial. Associada a hábitos orais nocivos, a fractura pode aumentar a possibilidade de ocorrência de deformidades dentofaciais e esqueléticas. 71 72 Relato do caso No momento da intervenção, a criança, do sexo masculino, contava com quatro anos de idade e tinha sido encaminhada para a especialidade de Terapia da Fala de um hospital público de saúde do estado de Pernambuco pelo cirurgião bucomaxilofacial. Apresentava fractura na parassínfise mandibular direita e fractura de côndilo bilateral na região de colo do lado direito e na região subcondilar do lado esquerdo, com deslocamento proximal deste mesmo lado, decorrentes de um acidente ciclístico com impacto directo na região do mento. Além disso, apresentava hábito de sucção digital. Foi realizada uma cirurgia uma semana após o acidente, para redução da fractura na região da parassínfise direita, utilizando bloqueio maxilomandibular rígido por 15 dias, período em que fez uso de alimentação pastosa. Imediatamente após a retirada do bloqueio, foi proposto o tratamento conservador que envolveu a abordagem terapêutica, seguindo o planeamento terapêutico anteriormente descrito. Os hábitos orais nocivos, como a sucção digital, levam a pressões desadequadas constantes na articulação temporomandibular, pois a mandíbula faz movimentos caracterizados por pressões atípicas, podendo causar problemas musculares, ortodônticos oclusais ou uma postura em repouso não muito comum e adequada da mandíbula, que poderá trazer desequilíbrio ao nível do sistema estomatognático. Resultados Na avaliação inicial efectuada pelo Terapeuta da Fala, verificou-se abertura oral máxima de 24mm com desvio em linha média dentária para o lado esquerdo, lateralidade esquerda de 4mm, lateralidade direita de 3mm, com protrusão corrigida de 4mm. O paciente não apresentou dor à palpação na musculatura mastigatória e na região da ATM, apesar da restrição dos movimentos mandibulares. Quanto às estruturas e funções do sistema estomatognático, observaram-se alterações como: lábios hipofuncionais e entreabertos, língua flácida, alargada e em soalho, projectando-se durante a fala e deglutição, com distorção dos fonemas linguodentais, mastigação com predomínio unilateral esquerdo e respiração oronasal. No exame clínico, foi observada mordida aberta anterior, já diagnosticada pelo cirurgião bucomaxilofacial e que, segundo a mãe, existia antes do acidente. Após a abordagem terapêutica, houve a adequação da tonicidade e mobilidade de lábios, língua, bochechas e musculatura mastigatória, assim como o restabelecimento dos movimentos mandibulares e das funções estomatognáticas, especialmente da mastigação. Observou-se a diminuição da intensidade, frequência e duração da sucção digital, assim como o encerramento da mordida aberta anterior. Os resultados das medidas dos movimentos mandibulares pós-intervenção miofuncional foram: abertura oral máxima de 44mm, lateralidade esquerda de 9mm, lateralidade direita de 8mm e protrusão corrigida de 8,2mm. 73 74 Discussão Em casos de fractura de côndilo, é frequente a ocorrência de limitação dos movimentos mandibulares.Problemas na região da ATM são provocados pela hiperactividade dos músculos mastigatórios23, portanto, alterações musculares como incoordenação, hipofuncionamento, disfunção estrutural, encurtamento e contraturas na musculatura mastigatória ocasionam a limitação dos movimentos mandibulares24. Os dados encontrados concordam com a literatura, uma vez que foi verificada limitação dos movimentos mandibulares, cujo índice de normalidade de abertura máxima em crianças deve ser superior a 35mm, sendo os valores inferiores sugestivos de problemas musculares ou articulares25. A criança apresentou desvio de linha média dentária para o lado esquerdo, decorrente da fractura de côndilo, apesar da fractura ser bilateral. Em fracturas condilares com deslocamento unilateral, a linha média dentária está desviada para o lado do deslocamento, o que dificulta a oclusão principalmente do lado contralateral1, 5. Na presença de desvio da linha média na abertura e/ou encerramento, pode ocorrer uma incoordenação ou hipertonicidade muscular, não possibilitando movimento muscular harmônico bilateral26. O tratamento miofuncional realizado pelo Terapeuta da Fala permite uma adequada consolidação da fractura e possibilita uma efectiva remodelação do côndilo, através do equilíbrio dos movimentos mandibulares, adequação e coordenação da musculatura mastigatória. Em crianças, o alto potencial de remodelamento ósseo favorece esse tipo de tratamento. É comum, no hábito de sucção, o aparecimento de transtornos como musculatura labial superior hipofuncional, musculatura labial inferior contraída, interposição de língua, respiração oral e calo ósseo na região do polegar27, 28. Se o hábito é acompanhado de desvio funcional-muscular, prejudica a oclusão e afecta os tecidos moles29. A hipofunção labial com postura entreaberta acontece em função da separação dos lábios, que não executam a sua função de forma adequada. A língua da criança encontrava-se em posição baixa e projectada pela manutenção do dedo durante o hábito, com projecção durante a fala e deglutição, e distorção dos fonemas linguodentais, alterações associadas ao hábito de sucção digital e mordida aberta anterior30. A respiração oronasal é um aspecto bastante comum no indivíduo que apresenta um hábito oral nocivo27, o que pode favorecer a ocorrência de respiração oral. O predomínio da mastigação para o lado esquerdo, possivelmente, ocorreu em virtude do deslocamento do côndilo ter acontecido apenas deste lado, já que a acção da musculatura do masseter tende a elevar a região do ângulo mandibular do lado do côndilo deslocado31, diminuindo assim a dimensão vertical posterior, o que gera um contacto prematuro da dentição, favorecendo o acto mastigatório deste mesmo lado. No paciente em questão, a mordida aberta anterior já existia antes da fractura, provavelmente originada pelo hábito de sucção digital que, como a sucção de chupeta, pode promover alterações dentárias32. Dos maus hábitos orais, a sucção digital parece ser o que mais interfere no surgimento da mordida aberta anterior33. Por terem sido observadas, na avaliação, alterações noutras estruturas e funções do sistema estomatognático, além do enfoque no tratamento para a fractura de côndilo e a eliminação do hábito nocivo, houve a actuação terapêutica na adequação da musculatura orofacial, através de exercícios isométricos para lábios e língua, com o intuito de equilibrar a forma e a função, favorecendo assim a harmonia deste sistema10. O tratamento miofuncional orofacial teve início com a aplicação de termoterapia, actuando assim, na redução da tensão, contracção e estiramento muscular34 e massagens9 para aumento da circulação sanguínea, oxigenação e liberação dos resíduos metabólicos na região dos músculos temporais e masseteres.Exercícios isotônicos e isocinéticos foram executados para melhorar a mobilidade mandibular e estabilidade muscular contribuindo deste modo para 75 Existindo uma restruturação óssea precoce, a fisiologia favorecendo o desenvolvimento normal, permitindo obter orofacial, apresentando como estratégias os exercícios de tratamento conservador de fractura condilíaca, com o 76 o aumento do limite de movimentos de abertura, encerramento, protrusão e lateralidade e a flexibilidade muscular e articular34, 5. A função mastigatória foi enfatizada no tratamento funcional e desenvolvida com alimentos, respeitando as suas características. A criança realizava o movimento de protrusão durante a mordida e de lateralidade na trituração, com a solicitação para mastigar direcionando o lado, para orientar o movimento10. O padrão utilizado no inicio da terapia foi o unilateral alternado, enfocando o lado contralateral ao lado de maior deslocamento, posteriormente o padrão bilateral alternado equilibra-se e estimula uma melhor oclusão e musculatura10, 36, devido à distribuição da força mastigatória intercalando fases de trabalho e repouso musculares e articulares, levando a sincronismo e equilíbrio muscular e funcional26. Para a eliminação do hábito, foi utilizado o programa Meu Dedão e Eu22 e actividades que possibilitassem a consciencialização da criança e da família quanto aos prejuízos da permanência da sucção digital e os benefícios de sua eliminação. A medida da intensidade, frequência e duração da sucção digital tem como influência o facto de o dedo fazer parte do corpo do indivíduo37, portanto, o seu aumento ou diminuição depende da consciencialização da criança sobre os malefícios que esse hábito promove. O encerramento da mordida aberta anterior sem a eliminação total do hábito de sucção digital pode ser explicado pelo facto de que algumas maloclusões decorrentes desse hábito podem-se autocorrigir, dependendo da veemência das variáveis frequências, duração e intensidade do mesmo14, 38, 39. muscular normal é mantida mesmo nas lesões da face, o mínimo de assimetria facial. A reabilitação miofuncional mastigatórios dirigidos, é um factor importante nos casos intuito de combater a fibrose local. 77 Conclusões Foi verificado aumento na amplitude de abertura oral máxima, lateralidade esquerda e direita e protrusão corrigida, além da adequação da tonicidade e mobilidade de lábios, língua e musculatura mastigatória. A actuação do Terapeuta da Fala na fractura de côndilo demonstrou, portanto, ser eficaz, pelo alto poder osteogênico na remodelação do côndilo durante a infância. A sucção digital não trouxe intercorrências significativas para o caso. Mesmo existindo sucesso com o tratamento miofuncional, a criança deve ser acompanhada pelo Terapeuta da Fala e pelo cirurgião bucomaxilofacial durante toda a sua fase de crescimento, visto que ainda possui riscos de apresentar comprometimentos no desenvolvimento facial em consequência da fractura e, estando associada ao hábito de sucção digital, as hipóteses aumentam pela promoção frequente de pressões atípicas habituais. Referências Dimitroulis G. Condylar injuries in growing patients. Australian Dental Journal 1997 Sept; 42: 367-71. (2) Enlow DH, Hans MG. Noções básicas sobre crescimento facial. São Paulo: Santos; 2002. (3) Kahl B, Fischbach R, Gerlach KL. 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Um dos resultados do atingimento do sistema nervoso é a neuropatia diabética.Trata-se de uma complicação crónica frequente na diabetes que afecta cerca de metade dos diabéticos com mais de 25 anos de doença e se associa a elevada morbilidade e baixa qualidade de vida (Galer et al, 2000). A forma mais comum de neuropatia diabética é a polineuropatia periférica, caracterizada pela degeneração dos nervos periféricos, particularmente ao nível dos membros Neuropatia inferiores (Podwall et al, 2004). A neuropatia diabética associa-se frequentemente a alterações na sensibilidade dolorosa, como dor espontânea, aumento da sensibilidade a estímulos inócuos (alodínia) e a estímulos nóxicos (hiperalgesia) de natureza mecânica e perda de sensibilidade a estímulos térmicos (Sima, 2003). Apesar da fisiopatologia da neuropatia diabética ser mais conhecida ao nível do sistema nervoso periférico, estudos recentes indicam a ocorrência de alterações centrais, decorrentes de efeitos centrais directos da doença ou de efeitos indirectos à periferia (Pertovaara et al, 2001; Chen et al, 2002). O presente trabalho pretende rever os mecanismos fisiopatológicos associados à neuropatia diabética dolorosa, abordando as alterações no sistema nervoso periférico e perspectivando as causas/consequências centrais da doença. a diabética 81 82 1. Fisiopatologia da neuropatia diabética A diabetes induz profundas alterações morfofuncionais dos nervos periféricos que incluem desmielinização, atrofia das fibras nervosas, perda axonal, degeneração Walleriana, diminuição da capacidade regenerativa e disfunção axoglial (Sima 2003, Wright et al, 1995). Estas alterações degenerativas estão associadas a alterações de vasos e nervos e podem ser sistematizadas em alterações vasculares, metabólicas e moleculares (Figura 1). Tais alterações não são apenas induzidas pela hiperglicemia, mas também pela deficiência em insulina e/ou peptídeos relacionados,como o peptídeo C e os factores de crescimento insulínicos (“InsulinGrowth Factors”- IGFs). Efectivamente, as alterações neuropáticas surgem mais precocemente e evoluem de forma mais severa na diabetes tipo 1, caracterizada por deficiência em insulina, peptídeo C e IGF-I, do que na diabetes tipo 2, caracterizada por hiperinsulinemia, níveis elevados de peptídeo C e níveis de IGFs inalterados. Esta visão mais recente da neuropatia diabética impõe que a investigação da doença seja enquadrada no tipo de diabetes. No que respeita à investigação experimental, o modelo mais utilizado pretende mimetizar a diabetes tipo 1 e consiste na administração de estreptozotocina (STZ), droga que destrói as células β dos ilhéus pancreáticos. A elevada e crescente prevalência da diabetes em países desenvolvidos levou a que a Organização Mundial de Saúde designasse a doença como uma pandemia do século XXI. A diabetes caracteriza-se por hiperglicemia associada à insuficiência de insulina ou alterações no seu modo de acção e afecta vários sistemas orgânicos, incluindo o sistema cardiovascular, excretor, visual e nervoso. Um dos resultados do atingimento do sistema nervoso é a neuropatia diabética. 1.1. Alterações vasculares Durante a diabetes ocorrem disfunções dos vasa nervorum que levam ao aumento da resistência vascular e diminuição do fluxo sanguíneo e da tensão de oxigénio o que, colectivamente, induz processos de isquemia/ hipoxia nos nervos periféricos, levando a disfunção e perda de fibras nervosas (Wright et al, 1995). Estas disfunções vasculares dependem de alterações metabólicas nas células endoteliais, nomeadamente diminuição da actividade enzimática endotelial da síntase do óxido nítrico (eNOS) e subsequente decréscimo na produção de óxido nítrico, hiperactivação da proteína cinase C (PKC), produção de radicais livres e redução da actividade antioxidante devida à depleção de factores antioxidantes como a taurina, o que induz stress oxidativo.A administração de fármacos inibidores da PKC ou de substâncias antioxidantes melhora o fluxo sanguíneo nos vasa nervorum, retardando as alterações degenerativas dos nervos periféricos. Mais recentemente, demonstrou-se que o peptídeo C desempenha um papel charneira nas alterações vasculares dado que a sua administração aumentava o fluxo sanguíneo nos vasos do antebraço de diabéticos tipo 1, o que parece dever-se à sua capacidade indutora da actividade da eNOS e consequente correcção dos níveis de óxido nítrico. 1.2. Alterações metabólicas A hiperglicemia induz alterações metabólicas marcadas em neurónios e células de Schwan que levam a stress osmótico e oxidativo e são, em parte, responsáveis pelas alterações morfofuncionais dos nervos periféricos durante a diabetes (Sima, 2003; Wright et al, 1995). A hiperglicemia induz hiperactivação da via dos polióis de que resultam algumas das disfunções vasculares já referidas, nomeadamente diminuição da produção de óxido nítrico, alterações na actividade da PKC, produção aumentada de compostos oxidantes acompanhada por diminuição da actividade antioxidante endógena. Adicionalmente, ocorre diminuição da actividade da Na+/K+ ATPase e glicosilação e glicooxidação não-enzimática de organelos neuronais, nomeadamente fosforilação aberrante do citoesqueleto, contribuindo para perda axonal e alterações no transporte axonal de neurotransmissores e importantes factores neurotróficos (Fernyhough et al, 1999). Mais recentemente, demonstrou-se que a deficiência em insulina e peptídeo C estão na génese das alterações metabólicas. A administração de insulina e de peptídeo C exerce efeitos neuroprotectores, restaurando a produção de óxido nítrico, estimulando a actividade da Na+/K+ ATPase e prevenindo a degeneração axonal e disfunção axoglial. 83 84 1.3. Alterações moleculares 1.3.1. Alterações nos canais iónicos Os aferentes primários de ratos com neuropatia diabética apresentam alterações importantes nos canais iónicos, nomeadamente nos canais de sódio e cálcio, com aumento do número de canais de sódio resistentes à tetrodotoxina e dos de canais de cálcio dependentes da voltagem e das densidades de corrente dos mesmos, o que poderá ser devido à activação de canais inactivos em situações não patológicas ou à síntese de novo, dado aumentarem concomitantemente os níveis de ácido ribonucléico mensageiro (ARNm) de algumas das suas subunidades (Hirade et al, 1999). Os aferentes primários de ratos diabéticos apresentam, consequentemente, maior permeabilidade ao cálcio, maior mobilização das reservas citoplasmáticas deste ião, aumento da concentração de cálcio intracelular e alterações nas vias de transdução de sinal, nomeadamente activação de cinases proteicas (Hall et al, 2001; Yusaf et al, 2001). Estas alterações moleculares poderão estar na base da hiperexcitabilidade das fibras C e Aδ, do aumento do número de potenciais de acção durante a estimulação sustentada, das descargas ectópicas independentes do estímulo e da diminuição da capacidade de hiperpolarização destas fibras detectada durante o registo electrofisiológico em nervos de ratos diabéticos (Alhgren et al ,1994; Chen et al, 2003). Tais alterações funcionais dos aferentes primários podem explicar a dor espontânea e hiperalgesia mecânica detectadas durante a diabetes. De facto, a administração de bloqueadores dos canais de sódio e cálcio induz efeito anti-alodínico e analgésico, que poderá estar na base da eficácia de fármacos anti-convulsionantes no alívio de quadros álgicos em diabéticos (Krishnan et al, 2003). Acredita-se que as alterações dos canais iónicos dos nervos periféricos poderão ser devidas ao aumento de actividade da PKC. Para além da acção directa sobre os canais iónicos, a PKC poderá actuar fosforilando proteínas G a eles associadas ou outros mensageiros secundários envolvidos no processamento da dor (Hall et al, 2001). A sustentar o envolvimento da PKC na neuropatia diabética encontra-se a redução da hiperalgesia mecânica e da disfunção da condução nervosa periférica detectada após administração periférica de inibidores da PKC (Ahlgren et al, 1994). As alterações dos aferentes primários podem originar activação ectópica espontânea e hiperexcitabilidade dos neurónios da medula espinal durante a neuropatia diabética (Morgado e Tavares, 2007). As alterações parecem afectar neurónios de largo espectro dinâmico nomeadamente os do feixe espino-talâmico (Chen et al, 2002; Pertovaara et al, 2001), pelo que estes fenómenos podem participar na sensibilização central e contribuir para a cronicidade da dor. 1.3.2. Alterações na expressão de neurotransmissores e receptores A neuropática diabética parece também associar-se a alterações da expressão/função de neurotransmissores/receptores importantes na transmissão da informação nociceptiva. No que diz respeito aos neurotransmissores, os neurónios dos gânglios raquidianos apresentam diminuição dos níveis de substância P (SP), somatostatina e CGRP enquanto, pelo contrário, a expressão do ARNm do precursor do neuropeptídeo Y aumenta (Diemel et al, 1992; 1994; Rittenhouse et al, 1996). Relativamente a receptores, foram detectados aumentos do ARNm dos receptores adrenérgicos do tipo α1 nos neurónios dos gânglios raquidianos e dos locais de ligação dos respectivos agonistas/ antagonistas. O aumento daqueles receptores adrenérgicos nas membranas dos aferentes primários tem um papel importante na excitabilidade das fibras C, mediante mecanismos complexos que parecem envolver activação da PKC, com consequente aumento dos níveis intracelulares de cálcio (Lee et al, 2000). As alterações na expressão dos neurotransmissores e receptores detectadas nos aferentes primários têm repercussões na medula espinhal. Ao decréscimo na expressão de SP no corno dorsal da medula espinhal de animais diabéticos associa-se o aumento da expressão dos seus receptores (receptores NK1; Kamei et al, 1990), o que parece estar na base da intensa antinocicepção induzida pelo CI-1021, um antagonista dos receptores NK1 de actuação central (Field et al, 1998). Um outro exemplo de alterações periféricas com repercussão na medula espinhal diz respeito aos receptores adrenérgicos tipo α1. Apesar de alguns estudos não terem mostrado alterações dos níveis do seu ARNm no corno dorsal de ratos, tal facto é difícil de conjugar com o aumento acentuado da expressão destes receptores e dos locais de ligação de agonistas e antagonistas específicos (Bitar et al, 1999). A estas alterações do sistema adrenérgico espinhal do rato diabético, acrescem alterações dos receptores adrenérgicos α2. Na medula espinhal dos ratos diabéticos, o ARNm dos receptores α2 diminui bem como os locais de ligação dos seus agonistas, o que deverá justificar a baixa acção antinociceptiva do respectivo agonista (clonidina) após instilação intratecal em ratos diabéticos (Bitar et al, 1999). A complexidade das alterações dos receptores adrenérgicos tem sido correlacionada com a diminuição do “turnover” e libertação da noradrenalina na medula espinhal (Bitar et al, 1999). As alterações periféricas na actividade da PKC também se reflectem a nível espinhal. A administração intratecal de indutores da actividade da PKC aumenta a libertação de aminoácidos excitatórios e SP na medula espinhal e activa os receptores NMDA. O facto destas alterações bioquímicas intervirem no processamento da dor ficou demonstrado pela inibição da hiperalgesia e alodinia no rato diabético após administração intratecal de inibidores da PKC (Ohsawa et al, 1999). Para além dos neurotransmissores/receptores cujas alterações periféricas se reflectem a nível espinhal, foram detectadas alterações adicionais noutros sistemas de neurotransmissores 85 86 Fig. 1 Mecanismos subjacentes à neuropatia diabética. Sistematizaram-se os efeitos da doença no sistema nervoso em alterações vasculares, metabólicas e moleculares, conducentes, em última análise, a alterações das respostas sensoriais e sensibilidade à dor. 87 88 e seus receptores na medula espinhal durante a neuropatia diabética. O glutamato parece estar envolvido na neuropatia diabética dado ocorrer aumentos da densidade dos locais de ligação dos receptores NMDA e AMPA e da afinidade de ligação de antagonistas daqueles receptores na medula espinhal de ratos diabéticos (Li et al, 1999), as quais representam uma resposta adaptativa à expressão diminuída do respectivo neurotransmissor (Malmberg et al, 2006). Tem sido sugerido que tais alterações possam reflectir um aumento da afinidade de ligação do glutamato aos respectivos receptores predispondo os neurónios espinhais a hiperexcitabilidade (Li et al, 1999). De facto, a administração de antagonistas dos receptores NMDA têm um efeito analgésico marcado em ratos diabéticos (Malcangio et al, 1998). O sistema GABAérgico parece também estar afectado durante a diabetes, dado haver diminuição da capacidade analgésica do baclofeno, agonista dos receptores GABAB (Malcangio et al, 1998), associada a aumento dos níveis de ácido γ-aminobutírico (GABA) em ratos diabéticos (Malmberg et al, 2006). A alteração na acção de neurotransmissores/ receptores na medula espinhal de ratos diabéticos tem repercussões nas interacções entre sistemas de neurotransmissores. Os locais de ligação e a afinidade de ligação dos receptores muscarínicos aumentam na medula de ratos diabéticos e a administração intratecal de agonistas dos receptores muscarínicos induz antinocicepção. Este fenómeno parece envolver uma diminuição da libertação espinhal de glutamato a partir dos terminais dos aferentes primários, com intervenção do sistema espinhal GABAérgico. A activação dos receptores muscarínicos induz libertação de GABA que actua pré-sinapticamente impedindo a libertação de glutamato. A intervenção do GABA neste processo é evidenciada pela inibição do efeito antinociceptivo dos agonistas muscarínicos quando se administram antagonistas dos receptores GABAB (Chen et al, 2003). Um outro neurotransmissor cuja alteração durante a neuropatia diabética afecta directamente outros sistemas de transmissores é a colecistocinina (CCK). A CCK parece estar associada à fraca eficácia analgésica dos opióides, um dos problemas no tratamento da dor neuropática diabética. De facto, a administração concomitante de antagonistas de CCK e agonistas opióides apresenta um efeito analgésico maior do que quando se procede a administração isolada de cada um deles. A acção da CCK está, ademais, exacerbada na medula de ratos diabéticos dado que a administração intratecal de antagonistas dos seus receptores exerce um efeito antinociceptivo maior relativamente a ratos não-diabéticos (Kamei et al, 2001). Na sequência da descoberta das múltiplas e complexas alterações espinhais dos neurotransmissores/receptores durante a neuropatia diabética, novos rumos de investigação estão a ser desenhados para o futuro. Por exemplo, a importância de receptores vanilóides (TPVR1) foi sugerida com base na observação de que a administração intratecal de anticorpo dirigido contra o receptor reverte a hiperalgesia e alodínia detectadas em animais diabéticos (Kamei et al, 2001). A diabetes induz profundas alterações morfofuncionais dos nervos periféricos que incluem desmielinização, atrofia das fibras nervosas, perda axonal, degeneração Walleriana, diminuição da capacidade regenerativa e disfunção axoglial. Associada às alterações periféricas e espinhais admite-se que ocorram também importantes alterações neuroquímicas e funcionais a nível supraspinhal. Porém, só muito recentemente se tem abordado este tema em particular no que respeita às alterações do sistema supraspinhal endógeno de controlo da dor. Curiosamente, sistemas facilitatórios descendentes oriundos do núcleo magno do rafe e formação reticular adjacente (RVM) não parecem estar envolvidos na neuropatia diabética dado que estimulação ou bloqueio locais não afectam as respostas nociceptivas em ratos diabéticos (Pertovaara et al, 2001), ao contrário do repetidamente demonstrado na dor neuropática devido a trauma periférico (Porreca et al, 2002). No entanto, os dois neurotransmissores mais relevantes na modulação inibitória descendente - serotonina e noradrenalina - encontram-se alterados na neuropatia diabética dolorosa. Em ratos diabéticos havia uma diminuição da concentração e síntese de serotonina e aumento dos respectivos receptores (Sandrini et al, 1997) no córtex cerebral e bolbo raquidiano, enquanto a concentração de noradrenalina diminui nesta última região encefálica (Ramakrishnan et al, 1995). Estes dados sugerem que a neuropatia diabética pode estar associada a uma modulação descendente inibitória da dor menos eficaz. A utilidade dos antidepressivos inibidores da recaptação da serotonina ou da serotonina/ noradrenalina, que levam a um aumento de concentração destes neurotransmissores na fenda sináptica, poderá decorrer da exacerbação de tais acções inibitórias (McQuay et al, 1996), embora não se saiba ainda quais as áreas supraspinhais envolvidas. 1.3.3. Diminuição do suporte neurotrófico Existem, actualmente, fortes indicações de que a diminuição do suporte neurotrófico possa estar envolvido nas disfunções neuronais associadas à diabetes. A síntese e expressão de factores neurotróficos, nomeadamente o factor de crescimento neuronal (NGF), a neurotrofina-3 (NT-3) e IGFs, diminuem drasticamente em tecidos periféricos (músculo, pele) e estruturas nervosas periféricas e centrais em ratos diabéticos. Para além disso, ocorrem alterações na expressão dos respectivos receptores e no transporte axonal destas neurotrofinas. Admite-se que tais alterações estejam associadas a diminuição da velocidade de condução e da expressão de neurotransmissores (SP e CGRP) nos nervos periféricos afectando, em particular, os nervos sensoriais sob os quais estas neurotrofinas actuam. Estudos farmacológicos corroboraram tais achados ao demonstrarem que a administração destas neurotrofinas previne a diminuição da velocidade de condução nervosa, assim como a redução na expressão de alguns dos neurotransmissores acima referidos. A administração de IGFs parece apresentar benefícios adicionais, prevenindo alterações na capacidade regenerativa nos nervos sensoriais e a progressão da hiperalgesia em ratos com diabetes tipo 1 (Sima, 2003). 89 Bibliografia 90 Alhgren SC, Levine JD. Protein kinase C inhibitors decrease hyperalgesia and C-fiber hyperexcitability in the streptozotocin-diabetic rat. 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O seu conhecimento mais detalhado, particularmente no que respeita ao papel da insulina, peptídeo C e factores de crescimento neuronais na etiopatogenia da neuropatia diabética dolorosa e aos componentes centrais da doença, poderá permitir o desenvolvimento de abordagens terapêuticas mais eficazes. Um campo emergente de estudo diz respeito à ocorrência de apoptose que parece estar também associada a outras complicações da doença, como a retinopatia e a nefropatia. Efectivamente, neurónios dos gânglios raquidianos de ratos com diabetes tipo 1 apresentam apoptose que poderão ser extensíveis a vários níveis do neuroeixo, como demonstrado pela ocorrência de apoptose em neurónios do hipocampo. Importa estabelecer as causas da apoptose neuronal e os neurónios mais susceptíveis no sentido de definir estratégias de prevenção eficazes. 91 Jó Eduardo Esteves de Andrade Enfermeiro na Unidade de Cuidados Intensivos, Hospital de Sousa Martins, Guarda Palavras-chave: Síndroma compartimental abdominal (SCA); Hipertensão intraabdominal (HIA); Pressão intra-abdominal (PIA); Pressão intra-vesical 92 A síndroma compartimental abdominal apenas recentemente recebeu atenção considerável. Esta pode ser definida como um conjunto de consequências fisiológicas adversas, que ocorrem como resultado de uma persistente elevação da pressão intra-abdominal. As causas mais comuns da síndroma compartimental abdominal são: hemorragia, edema visceral, pancreatite, distensão intestinal, obstrução da mesentérica, ascite, peritonite e tumor. Os sistemas orgânicos mais afectados incluem o cardiovascular, o pulmonar, o renal, o nervoso central e o esplénico. O diagnóstico depende do reconhecimento dos sinais clínicos, seguido de uma avaliação objectiva da pressão intra-abdominal, preferencialmente através da sonda vesical. O tratamento consiste num adequado aporte de líquidos e descompressão cirúrgica, quando necessário. A avaliação da pressão intra-abdominal como factor de prevenção da síndroma compartimental abdominal 93 Introdução O conceito que define a cavidade abdominal como um compartimento já é conhecido desde o final do século XIX [1-4]. Contudo, apenas recentemente, ele se tornou alvo de interesse e discussão nas comunidades científicas e também no nosso meio [2-7]. Estes factos e a escassez de informação a este respeito, disponível na nossa língua, estimularam-me a fazer uma revisão sobre este tópico e a apresentá-la através deste artigo. Fontes de informação Como base para este artigo, foram utilizados sistemas de busca informática (sistema “medline” da pubmed e biomednet), seleccionando artigos dos últimos dez anos, com especial enfoque nos artigos de revisão e investigação. Dentre os artigos encontrados, seleccionaram-se particularmente os artigos de investigação realizados em humanos. Perspectiva histórica A primeira descrição de HIA (hipertensão intra-abdominal) foi feita há mais de 130 anos atrás, quando Marey (1863) e Burt (1870) demonstraram a relação entre a PIA (pressão intra-abdominal) e a função respiratória [1,4]. Wendt (1876) foi pioneiro a associar a pressão rectal com o débito urinário [1,8]. Em 1980, Heinricius demonstrou que a HIA (27-46 cmH2O) se torna fatal em gatos e porcos da Guiné, atribuindo estas mortes à “suspensão da respiração por interferência com a expansão torácica” [1,4]. Gross (1948), um cirurgião pediátrico, identificou a tríade clínica, esperada quando a cavidade abdominal se apresenta hipertensa – dificuldade respiratória (devida à deslocação cefálica do diafragma), diminuição do retorno venoso (devida à pressão na veia cava inferior) e obstrução intestinal (devida à compressão visceral) [1]. A (SCA) síndroma compartimental abdominal foi mais amplamente reconhecida por Kron (1984), que descreveu pacientes com HIA em anúria, que recuperaram espontaneamente após descompressão abdominal [1,4]. Kron e os seus colaboradores usaram pela primeira vez o termo SCA e introduziram o método de avaliação da PIA através da sonda vesical [1]. Incidência A incidência de HIA varia de acordo com a patologia de base, podendo variar entre 2-30% nos doentes cirúrgicos internados em UCI (unidade de cuidados intensivos) e rondando os 38% em doentes submetidos a cirurgias de urgência ou cirurgias major [1-4, 6]. A incidência de SCA varia entre 1 a 16% dos doentes com HIA [1, 2, 4, 6]. Etiologia Os principais factores responsáveis pelo aumento da PIA podem subdividir-se em agudos e crónicos (Tabela 1) [1, 4, 5, 7, 8]. O aumento crónico do volume abdominal, como por exemplo nos casos de obesidade mórbida, apenas conduz a uma elevação sem significado da PIA, uma vez que este aumento é gradual e permite que a parede abdominal se vá adaptando [1, 4]. Em conformidade com isso, nesses casos, não se desenvolvem sinais de SCA [1, 4]. As causas mais comuns de SCA são: hemorragia, edema visceral, pancreatite, distensão intestinal, obstrução da mesentérica, ascite, peritonite e tumor [1, 2, 4, 6, 8-11, 13]. O resultado final de uma Síndroma Compartimental Abdominal não tratada é a falência multi-orgânica e a morte [3, 8, 14]. A síndroma compartimental abdominal apenas recentemente recebeu atenção considerável. Esta pode ser definida como um conjunto de consequências fisiológicas adversas, que ocorrem como resultado de uma persistente elevação da pressão intra-abdominal. As causas mais comuns da síndroma compartimental abdominal são: hemorragia, edema visceral, pancreatite, distensão intestinal, obstrução da mesentérica, ascite, peritonite e tumor. 95 Efeitos da hipertensão intra-abdominal A HIA causa graves alterações em quase todos os sistemas orgânicos [1, 2, 4, 6, 8, 9, 12-14]. Se não for controlada, a HTA evolui para SCA [1, 2, 4, 8-10, 12]. 96 Efeitos cardiovasculares O aumento da PIA pode alterar significativamente o débito cardíaco [1, 3, 4, 8-13, 15]. Estes efeitos estão associados a valores de PIA superiores a 20 mmHg e, para valores de PIA de 40 mmHg, o débito cardíaco diminui cerca de 38% [1, 3, 4, 8, 10, 13]. A diminuição do débito cardíaco é devida a um insuficiente aporte sanguíneo através da veia cava inferior, como resultado da compressão directa sobre esta e sobre a veia porta, compressão intratorácica da veia cava superior e do coração, e consequente menor volume ventricular diastólico [1, 3, 4, 8-13]. A pós-carga encontra-se aumentada, dado o aumento da resistência vascular periférica, provocada pela compressão mecânica sobre os seios capilares [1, 3, 8, 9, 11-13]. A taquicárdia surge como um processo compensatório da redução do volume por todos estes mecanismos. Efeitos pulmonares Como resultado do aumento da PIA, o diafragma move-se cefalicamente, diminuindo a compliance pulmonar, o volume pulmonar e o débito cardíaco [1, 3, 4, 8-10, 12, 13, 15]. A alteração da relação ventilação/perfusão conduz a hipoxémia e a acidose respiratória [1, 3, 4, 8, 9, 11-13]. A oxigenação e ventilação adequadas só se conseguem com pressões elevadas das vias aéreas [1, 3, 4, 8, 9, 11, 13]. Efeitos renais A oligúria está frequentemente presente e é a manifestação por excelência da HIA [1, 3, 4, 8-11, 13, 15]. São vários os factores que contribuem para a disfunção renal associada à HIA, nomeadamente a diminuição do débito cardíaco, que provoca uma diminuição no fluxo sanguíneo renal; a compressão mecânica das veias e artérias renais e a compressão mecânica dos rins [1, 3, 4, 8, 9, 11, 15]. PIA entre 15 e 20 mmHg é acompanhada de oligúria, enquanto que um aumento da PIA para cerca de 30 mmHg resulta em anúria [1, 4, 8, 9, 11, 13, 15]. Definições Síndrome compartimental Ocorre quando a pressão dentro de um espaço anatómico fechado aumenta de tal maneira que a perfusão capilar fica comprometida e ocorre isquémia tecidular [3,8,9]. Pressão intra-abdominal (PIA) Estado de pressão constante, dentro da cavidade abdominal (em descanso, varia entre 0 e 5 mmHg) [1-11]. Efeitos esplénicos O aumento da PIA (acima de 15 mmHg) está associado a uma redução do fluxo sanguíneo hepático, mesentérico e esplénico [1, 4, 8, 13]. Este facto, vai conduzir a isqemia das mucosas e translocação bacteriana, factos que poderão conduzir a sépsis e falência multiorgânica [1, 8]. 97 Efeitos intra-cranianos O aumento da pressão intra-abdominal pode aumentar a pressão intra-craniana e diminuir a perfusão cerebral, devido à resistência no retorno venoso, provocado pela pressão intra torácica elevada [1, 4, 8-11, 13, 14], com consequente dano cerebral [3, 9]. Efeitos na parede abdominal A redução da perfusão da parede abdominal, secundária ao aumento da PIA, poderá conduzir a complicações no tratamento de feridas ou suturas, como sejam a infecção e a deiscência de suturas [1, 3, 4, 8, 13, 14]. Hipertensão intra-abdominal (HIA) Elevação prolongada da PIA, acima dos valores de referência. Os valores de referência não se encontram ainda perfeitamente definidos, contudo, a maioria dos autores, defende os 10 mmHg (13,6 cmH2O; 1,3 kPa)1 como valor de referência [1-4, 6-9, 11, 12]. Síndrome compartimental abdominal (SCA) Consequências complexas e adversas decorrentes de uma elevação prolongada e mantida (período superior a seis horas) da PIA acima dos valores fisiológicos [1-4, 6, 9, 12-14]. 1 1 mmHg = 1,36 cmH2O = 0,13 kPa 98 Diagnóstico A PIA deve ser avaliada sempre que haja probabilidade de HIA e, consequentemente, SCA [2, 4-10, 13]. Não se deve aguardar pela presença de sinais clínicos de SCA para iniciar a avaliação da PIA [2-10, 13]. O diagnóstico de SCA só pode ser feito se os seguintes critérios estiverem presentes: 1. PIA superior a 25 mmHg; 2. Pelo menos um dos seguintes sinais clínicos: oligúria, pressão pulmonar aumentada, hipoxia, débito cardíaco diminuído, hipotensão ou acidose; 3. A confirmação que a descompressão abdominal resulta em melhora clínica [1, 2, 4, 6, 11-13]. A PIA pode ser avaliada através de métodos directos e indirectos (Tabela 2). Apesar disso, passa-se a descrever apenas a avaliação indirecta através da pressão vesical, uma vez que esta técnica reflecte, com precisão, a pressão intraabdominal, é de fácil realização e traz poucos riscos para o paciente – “the gold standard” [2-11, 13, 14, 16], estando apenas contraindicada em caso de limitação da distensão da parede da bexiga (bexiga neurogénica, trauma da bexiga e hematoma pélvico com compressão vesical) [1, 5, 7, 8]. O material necessário ao procedimento encontra-se alistado na Tabela 3, podendo o mesmo variar em conformidade com o sistema de transdução utilizado. Avaliação indirecta da PIA através da pressão vesical [1-5, 7-16] (Figura 1) – Antes de iniciar o procedimento, o doente deverá ser colocado em decúbito dorsal [11, 14, 16] (sem qualquer tipo de almofada), partindo-se do princípio que o doente está algaliado e com um sistema colector de urina – Urimeter®. O balão de soro fisiológico é inserido dentro da manga de pressão, conectado ao sistema para transdutor de pressão, onde está também conectada a seringa, e insuflado a uma pressão de 300 mmHg. O sistema de soro para transdutor de pressão é conectado na extremidade do prolongador, que será posteriormente conectado no abocath. Preenche-se todo o sistema com soro e enche-se a seringa com 50 ml [11, 14, 17]. O hemopod é colocado ao nível da sínfise púbica do doente e ligado ao monitor. O cabo transdutor de pressão é conectado ao hemopod e ao sistema de soro para transdutor de pressão. Depois de desinfectado o local, insere-se o abocath na porta de aspiração asséptica do Urimeter®, retira-se a agulha e conecta-se ao prolongador. “Zera-se” o sistema. Clampa-se o Urimeter® abaixo da zona de inserção do abocath. Administram-se os 50 ml de soro. Coloca-se a torneira aberta apenas para o sistema de transdução (Figura 1). Deixase o sistema avaliar a pressão. Desclampa-se o Urimeter® e desconta-se os 50 ml no débito urinário dessa hora. Figura 1 – Esquema de avaliação da Pressão Intra Abdominal com monitor “Siemens SC9000”® [1, 3-5, 7, 8, 12, 14, 15]. Deve-se suspeitar precocemente da síndrome, sempre que se verifique: um abdómen suspeito num paciente de risco (distensão abdominal, ausência de ruídos intestinais, etc.); oligoanúria; falência respiratória com altas pressões na via aérea, em doentes ventilados; desenvolvimento progressivo de falência multi-orgânica. A avaliação indirecta da PIA através da pressão vesical também é susceptível de ser realizada com uma sonda vesical de três vias, ficando uma das vias conectada directamente ao sistema de transdução não havendo, assim, a necessidade de introdução do abocath na porta de aspiração asséptica do Urimeter® [3, 11]. A literatura consultada apresenta também já um kit que faz a ligação da sonda vesical ao transdutor e ao Urimeter® que, com um simples movimento de rotação, alterna os sistemas, evitando as manipulações [3]. Existem também outros dispositivos que permitem a incorporação de uma torneira de três vias entre a sonda vesical e o Urimeter®, considerando-se este método preferível (quando disponível), uma vez que não requer invasão da porta de aspiração asséptica do Urimeter®. No caso de não estar disponível um sistema de transdução, este pode ser substituído por uma régua de avaliação da pressão venosa central obtendo, assim, um valor manual da PIA em cmH2O [9]. O facto do doente ter sido operado, encontrando-se com múltiplos drenos, ou mesmo com o abdómen não encerrado, não contra-indica a utilização da técnica [3, 5, 7, 18], uma vez que, mesmo nesta situação, a SCA pode desenvolver-se [18]. A avaliação da PIA continua a ser útil nestes casos, embora frequentemente os valores se mantenham algo elevados [3, 5, 18]. A PIA deverá ser avaliada até que esteja definitivamente excluído o risco de HIA e SCA [2-8, 16, 18]. 99 100 Tratamento São recomendadas estratégias terapêuticas diferentes, de acordo com o grau de HIA [1, 3-6, 8-13]: Grau I (10 a 15 cmH2O) – Manutenção da normovolémia, colocação de sonda naso-gástrica, enema, paracentese, diuréticos, ultrafiltração; Grau II (16 a 25 cmH2O) – Hipervolémia, colocação de sonda naso-gástrica, enema, paracentese, diuréticos, ultrafiltração; Grau III (26 a 35 cmH2O) – Descompressão cirúrgica, hipervolémia; Grau IV (> 35 cmH2O) – Descompressão e re-exploração cirúrgica. Vários autores [1-4, 8, 9, 11, 13, 18] são unânimes ao referir a laparotomia como o único tratamento viável em caso de evidência clínica de SCA. Nestas circunstâncias, a administração de grandes quantidades de fluidos reveste-se de crucial importância [1, 3, 8, 9, 13], podendo surgir colapso do sistema cardiovascular se o aporte líquido for insuficiente [1, 3, 9, 13]. Em conformidade com a patologia de base, são várias as opções que podem ser consideradas, depois da descompressão de emergência, em relação à ferida cirúrgica 1, 3, 8, 9, 13, 18]: • Encerrar • Encerrar apenas a derme com sutura de aproximação; • Manter a parede abdominal aberta para re-exploração e/ou lavagens posteriores. O encerramento definitivo da parede abdominal deve ser realizado depois da estabilização do doente (que poderá ir de 24 horas, em situações mais simples, até 12 meses, como no caso de grandes hérnias) [1, 9, 18]. Prognóstico A mortalidade devida a SCA é extremamente elevada – 38 a 71% [1, 3, 13]. Esta percentagem não aparece isolada, mas sim associada às patologias de base dos doentes (a maioria dos utentes estão gravemente doentes, em unidades de cuidados intensivos, com sépsis abdominal, trauma abdominal, pós-operatório de grande cirurgia vascular, etc.) [1, 2, 13, 18]. Tabela 1 – Factores que contribuem para o aumento da PIA [1-4, 8, 11, 13, 18]. Agudos Espontâneos Peritonite; Abcesso intra-abdominal; Ileus; Obstrução intestinal; Ruptura de aneurisma da aorta abdominal; Pneumoperitoneu hipertensivo; Pancreatite aguda;Trombose da mesentérica. Pós-operatórios Peritonite; Abcesso; Ileus; Distensão gástrica aguda; Hemorragia intra-abdominal;Transplante hepático. Pós-traumáticos Traumatismos abdominais fechados ou abertos; Fracturas pélvicas; Queimaduras com escara abdominal extensa; Sangramento intra ou retroperitoneal; Edema visceral pós-ressuscitação. Iatrogénicos Procedimento laparoscópico; Redução de hérnia parietal ou diafragmática; Encerramento abdominal sob tensão excessiva. Crónicos Ascite; Grande quisto ou tumor abdominal; Diálise peritoneal ambulatória; Gravidez; Pré-eclampsia e eclampsia. Tabela 2 – Métodos de avaliação da PIA [1-4, 7, 8, 10, 11]. Tabela 3 – Material necessário para avaliação da pressão intraabdominal com monitor “Siemens SC9000”® [1, 3-5, 7, 8, 12, 14, 15]. Directos Através de cânula metálica ou de cateter inserido na cavidade abdominal e conectado a régua de pressão venosa central; Durante laparoscopia; Através de um catéter intraperitoneal conectado a um transdutor de pressão. Indirectos Pressão da veia cava inferior; Pressão gástrica; Pressão rectal; Pressão vaginal; Pressão vesical (método de eleição). Um balão de Soro Fisiológico de 1000 ml, do tipo flexível; Uma manga de pressão; Um sistema de soro para transdutor de pressão; Uma seringa de 50/60 ml; Uma torneira de três vias; Um prolongador; Um abocath de grande calibre (14G ou 16G); Um cabo transdutor de pressão; Um hemopod; Um monitor; Material de desinfecção. 101 102 Bibliografia 1.Reis R, Labas P, Vician M, Ziak M. The abdominal compartment syndrome. Bratisl Lek Listy 2003;104(1):32-5. 2.Malbrain ML. Is it wise not to think about intraabdominal hypertension in the ICU? Curr Opin Crit Care 2004;10(2):132-45. 3.Wolfe T, Kimball E, Bernstone T. Intra-abdominal Pressure Monitoring:The Key to Avoiding Abdominal Compartment Syndrome. AACN NEWS 2004;21(9):1-6. 4.Malbrain ML. Abdominal pressure in the critically ill: measurement and clinical relevance. Intensive Care Med 1999;25(12):1453-8. 5.Matos R. Monitorização da pressão intra-abdominal. 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Deve-se suspeitar precocemente da síndrome, sempre que se verifique: um abdómen suspeito num paciente de risco (distensão abdominal, ausência de ruídos intestinais, etc.); oligo-anúria; falência respiratória com altas pressões na via aérea, em doentes ventilados; desenvolvimento progressivo de falência multi-orgânica. O diagnóstico deve ser confirmado pela avaliação da pressão intra-abdominal. Uma administração adequada de fluidos é essencial e a descompressão cirúrgica está indicada nos graus mais elevados de hipertensão intraabdominal. Um conhecimento aprofundado e uma consciencialização para a SCA, com uma monitorização eficaz da PIA em pacientes de risco, acompanhada de exploração abdominal, quando indicada, poderão contribuir para diminuir o risco de mortalidade desta condição potencialmente fatal. 103 O programa de intervenção para a promoção da autonomia do cuidador na preparação da terapêutica ao idoso em ambulatório, realizouse durante o ano de 2006, no atendimento de doentes com demência em programa de visita domiciliária, do serviço de psicogeriatria do (HML) da cidade do Porto, em Portugal. 104 Idosos em casa, a vigilância da terapêutica Segue as características de um estudo longitudinal. Integrou 100 cuidadores, na sua maioria do sexo feminino, casados, baixa escolaridade, com pouca diferenciação profissional que têm a seu cargo um familiar com demência. Este programa tem por objectivos: 1. Avaliar os compromissos funcionais e mentais dos cuidadores; 2. Identificar os apoios sociais e familiares; 3. Implementar estratégias promotoras da qualidade de vida do idoso com demência; Os resultados deste programa indicam que a maioria dos cuidadores tem autonomia funcional sem compromisso cognitivo.Tem apoios familiares consistentes e melhorou competência para a tarefa de preparar a terapêutica após período de treino intensivo. Os autores do programa realçam a importância da vigilância dos serviços de saúde, da avaliação/intervenção, na detecção de riscos, na preservação da funcionalidade para garantir qualidade de vida dos cuidadores e dos idosos dependentes no domicílio. 105 4. Melhorar a autonomia funcional do cuidador; 5. informar o cuidador sobre preparação da terapêutica. Sotto Mayor, M. Varandas, I 106 Enfermeira Especialista em Enfermagem de Saúde Mental, Hospital Magalhães Lemos; doutoranda ICBAS Enfermeira Especialista em Enfermagem de Saúde Mental, Hospital Magalhães Lemos; pós-graduada U.A. Introdução Diversos autores salientam a importância da vigilância de saúde dos idosos cuja prevalência tem aumentado, em parte, devido a uma maior longevidade humana (Fukuyama, 2002). Destacam a necessidade de uma abordagem multidimensional nesse acompanhamento (Leuschner, 2005) com a vantagem de detecção precoce de alterações (PNS, 2004), muitas vezes, não identificadas no contacto assistencial, mas passíveis de intervenção mais atempada, preventiva (situações de risco) e reabilitadora (Matsuda, 1999). Este tipo de avaliação/intervenção, com grande relevância na funcionalidade e qualidade de vida dos indivíduos pode ter abrangência diversa, sendo comum, o contributo de várias competências de diferentes profissionais (Leuschner, 2005). Nesse sentido, são objectivos deste programa: • Avaliar os compromissos funcionais e mentais dos cuidadores que podem interferir na preparação da terapêutica; • Identificar os apoios sociais e familiares dos cuidadores que permitem colmatar eventuais défices cognitivos e ou funcionais na prestação de cuidados; • Implementar estratégias promotoras da qualidade de vida do idoso com demência; • Contribuir para proporcionar/melhorar a autonomia funcional do cuidador; • Informar/formar o cuidador acerca da preparação da terapêutica. Identificar a estratégia de selecção do fármaco aquando da preparação da terapêutica. É efectuado com os cuidadores em ambulatório e incide sobre a tarefa de preparar a terapêutica do idoso dependente e a seu cargo para as 24 horas. Tem vindo a realizar-se na sequência de avaliação de repetidas situações de risco com erros na preparação da medicação observadas periodicamente aquando da visita domiciliária. A inserção neste programa obedece a vigilância de risco, onde são efectuados controlos de prescrição/preparação de terapêutica em 100 idosos acompanhados pela equipa de enfermagem. Material e métodos Este programa procura seguir as características de uma investigação exploratória, descritiva e longitudinal. Decorreu durante o ano de 2006, estando integrado no plano de atendimento de doentes com demência visitados pela equipa de Enfermagem do Serviço de Psicogeriatria do Hospital Magalhães Lemos, cidade do Porto. Foram integrados no programa 100 cuidadores de idosos com demência, de ambos os sexos, residentes no domicílio da área do Grande Porto. Utilizaram-se como instrumentos de colheita de dados, o Índice de Katz, o Índice de Lawton, o MMSE e um questionário elaborado para o efeito, de modo a obter-se informação sobre: prescrições, horários, doses, nome dos medicamentos etc. (aceitaram-se nomes químicos e nomes comerciais e os dados que caracterizassem a sua individualidade), no qual se registaram os erros e suas características. No âmbito da visita domiciliária efectuou-se a avaliação do estado mental e funcional do cuidador, tendo como referência e enquadramento o papel desempenhado. Durante os contactos procedeu-se ainda à caracterização dos aspectos da rede social (Fillenbaum, 1986) e da classe social (Graffar, 1956), avaliámos tarefas de cuidados pessoais diários (Katz, Branch, Branson, et al., 1963), de adaptação ao meio (Lawton & Brody, 1969), de sintomatologia activa (International Classification of Primary Care - ICPC, 1987) de demência (Guerreiro et al., 1994) e de aspectos da vivência do cuidador (Alves, Sobral & Sotto Mayor, 1999). Foram critérios de avaliação na preparação da terapêutica: 1) prepara adequadamente; 2) prepara adequadamente embora hesite; 3) prepara mas pede ajuda e 4) erra na preparação da terapêutica. 107 108 Resultados Neste programa foram envolvidas 100 pessoas cuidadoras. Fizeram-se 422 visitas domiciliárias, das quais, 391 foram de seguimento (2ªs. consultas) e 31 de primeiras avaliações (1ªs. consultas), em casa. Nas visitas de seguimento desenvolveram-se acções de suporte e informação ao cuidador e, nas referenciadas como primeiras fizeram-se avaliações multidisciplinares globais. Todas as visitas foram efectuadas por pares de técnicos. Na sua maioria enfermeiros (422), seguidos de assistentes sociais (107) e em menor número por médicos (49). Todo o programa decorreu sem desvios aos objectivos assistenciais delineados pela equipa multidisciplinar. Relativamente à caracterização sócio demográfica dos cuidadores (Quadro 1) verifica-se que, 75% eram do género feminino e 25% do género masculino. Destes cuidadores, 74% viviam em co-residência com o doente a cuidar, tinham idades compreendidas entre os 30 e os 80 anos, sendo que, a maior percentagem dos cuidadores se situava entre os 50 e 70 anos. Tinham baixa escolaridade, 63% apresentavam menos que a 4ª classe, 30% a 4ª classe e apenas 7% tinham uma escolaridade superior ao 1º ciclo do ensino básico. A maioria dos cuidadores (44%) eram cônjuges, seguidos de filhos Estes dados contribuem para a seja um factor de risco para a prestar cuidados e o assumir de o défice cognitivo e preservar a realçar que alguma desobrigação das actividades funcionais, progressiva, situação evitável com Quadro 1 Características sócio-demográficas dos cuidadores Género: Masculino Feminino Co-residência Idade (moda) Escolaridade: < 4ª Classe 4ª Classe > 4ª Classe Parentesco: Cônjuges Filhos Irmãos Noras Outros Grupo profissional: Rurais Domésticos Op. construção civil 25% 75% 74% [50-70] 63% 30% 7% 44% 42% 5% 4% 5% 25% 65% 10% noção de que embora a idade autonomia, a necessidade de responsabilidades pode tardar funcionalidade dos idosos. É de social, nomeadamente na prática pode conduzir a perda cognitiva atitudes de estimulação. Quadro 2 Avaliação funcional do cuidador N = 100 Actividades de vida diária (AVDS) 100% autómanos Actividades instrumentais de vida diária (AIVDS) • Autónomos 60 (60%) • Parcialmente autónomos (com ajuda de familiares e empregados) 40 (40%) • Relevante compromisso da mobilidade 5 (5%) (sem interferência na preparação da terapêutica) (42%). Os restantes distribuíam-se por irmãos (5%) noras (4%) e (5%) por outros. Os grupos profissionais em que se integravam apresentavam uma escassa diferenciação, categorizados como trabalhadores rurais (25%), domésticos (65%) ou operários da construção civil (10%). Quanto à avaliação funcional verifica-se que a totalidade dos cuidadores de idosos visitados é autónomo nas actividades de vida diária e parcialmente dependente nas actividades instrumentais de vida diária (Quadro 2) e nestas últimas actividades são ajudados (40%), por familiares e empregados. Alguns dos problemas apresentados ao nível funcional (5%) estão relacionadas com a mobilidade mas não interferem na preparação da terapêutica, não sendo por isso considerados. Em relação à avaliação breve do estado mental, verifica-se que a maioria dos cuidadores integrados neste programa (80%), não apresentava comprometimento funcional nem cognitivo.Apenas 20% dos cuidadores foi objecto de intervenção. Detectaram-se dificuldades de organização e alterações na orientação temporal em 10 pessoas e a estas foram ensinadas estratégias para orientação diária como por exemplo a utilização de quadro negro ou calendário, utilização de agendas etc. Ao fim de três visitas verificaram-se estratégias eficazes nestes cuidadores, melhoraram na autonomia e assumiram a tarefa sob vigilância da família. As outras 10 pessoas que apresentavam ligeira sub orientação sem significado patológico, com mais dificuldades de concentração/atenção na tarefa, que comprometiam o cálculo e a gestão 109 Uma gestão adequada do regime primordial importância, atendendo à da terapêutica e à necessidade da a maioria da população idosa se da terapêutica ao longo do dia e, que erraram na preparação de terapêutica, permaneceram na visita semanal até ao final do programa durante dois meses. 110 Esta redução do intervalo de visita permitiu a avaliação/treino intensivo pelo que no final do programa apenas uma pessoa foi excluída da actividade de preparar a terapêutica por se considerar que não reunia as condições mínimas para continuar a assumir esta tarefa e, tinha mostrado extrema dificuldade na sua preparação. O Quadro 3 indica os critérios que nortearam todo o programa de avaliação na preparação da terapêutica. Da totalidade da amostra, das estratégias usadas pelos 100 cuidadores para identificar o fármaco, verificou-se que 40% identifica o fármaco pela cor, 12% selecciona o fármaco pela forma, 20% faz a leitura do invólucro e verifica também a cor, 18% faz a leitura do nome do fármaco e 10% realiza a tarefa silenciosamente. Estas estratégias utilizadas pelos cuidadores, quando conhecidas pelos técnicos visitadores podem ser potenciadas na educação para a saúde promovendo a melhoria da qualidade de vida dos idosos dependentes (Quadro 4). Quadro 3 Critérios de avaliação na preparação da terapêutica Critérios de avaliação N (%) Prepara adequadamente 60 (60%) Prepara adequadamente embora hesite 18 (18%) Prepara mas pede ajuda 12 (12%) Erra na preparação da terapêutica 10 (10%) farmacológico constitui um foco de sua elevada correlação com a eficácia vigilância da polimedicação a que encontra exposta. Quadro 4 Estratégia de identificação do fármaco usadas pelos cuidadores: N = 100 Estratégias de identificação do fármaco Identifica o fármaco pela cor do medicamento N (%) 40 (40%) Identifica o fármaco pela forma 12 (12%) Faz a leitura do invólucro + cor 20 (20%) Faz leitura do invólucro 18 (18%) Prepara silenciosamente 10 (10%) Discussão Avaliámos uma população maioritariamente feminina, com predomínio de casados, de baixo nível sócio cultural, praticamente sem compromisso funcional, sem alterações cognitivas significativas. Estes dados contribuem para a noção de que embora a idade seja um factor de risco para a autonomia (Neri, 2001), a necessidade de prestar cuidados e o assumir de responsabilidades pode tardar o défice cognitivo e preservar a funcionalidade dos idosos. É de realçar que alguma desobrigação social, nomeadamente na prática das actividades funcionais, pode conduzir a perda cognitiva progressiva, situação evitável com atitudes de estimulação (Melo, 2005). Por parte do cuidador, as situações de risco, na preparação da terapêutica foram o principal objecto de análise e, embora diminutas e sem relevância estatística, são importantes, atendendo a que o alvo são pessoas indefesas, pelo que o investimento, na avaliação, no treino e na promoção das competências para a tarefa instrumental de preparação da terapêutica deve ser potenciada. Esta intervenção em casa, traduz uma abordagem multidimensional com idosos e possível de replicar noutros contextos. Ficou evidente a necessidade de uma supervisão por parte dos serviços de saúde centrados no doente no domicílio e relacionada com os que assumem o cuidar dos seus familiares mais próximos. Uma gestão adequada do regime farmacológico constitui um foco de primordial importância, atendendo à sua elevada correlação com a eficácia da terapêutica e à necessidade da vigilância da polimedicação a que a maioria da população idosa se encontra exposta. 111 A detecção de situações de risco e posterior reencaminhamento para recursos da comunidade, apoio domiciliário, médico/enfermeiro de família, ilustra o grande esforço no estabelecimento de uma óptica de rede, potenciando os recursos sociais e familiares disponíveis, promovendo a qualidade de vida para os idosos em regime de ambulatório. 112 Bibliografía Alves, T., Sobral, M. & Sotto Mayor, M. (1999). Cuidadores informais de idosos portadores de demência: qualidade de vida e morbilidade consequentes ao seu papel de cuidadores. Carvalhos, 3, 363-37. Botelho, M. A. (2000). Autonomia Funcional em Idosos. Caracterização multidimensional em idosos utentes de um centro de saúde urbano (1ª ed.). Porto: Laboratórios Bial. Fillenbaum, G. 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O acompanhamento dos idosos/cuidadores através da visita domiciliária facilita o diagnóstico precoce, possibilita a prevenção de situações de risco para a saúde do idoso dependente e promove, simultaneamente, a preservação da funcionalidade do cuidador através da informação/formação/treino do cuidador num contexto de continuidade de cuidados. A detecção de situações de risco e posterior reencaminhamento para recursos da comunidade, apoio domiciliário, médico/ enfermeiro de família, ilustra o grande esforço no estabelecimento de uma óptica de rede, potenciando os recursos sociais e familiares disponíveis, promovendo a qualidade de vida para os idosos em regime de ambulatório. Castro-Caldas, A., Garcia, C. (1994). Adaptação à população portuguesa na tradução do “Mini Mental State Examination” (MMSE), Reunião da Primavera da Sociedade Portuguesa de Neurologia, Coimbra, 20 e 21 de Maio. ICPC Working Party. (1987). International Classification of Primary Care. 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São Paulo: Papirus. 113 Lídia Maria Matias Abrunheiro Psicóloga Clínica Palavras-chave: suporte social; qualidade de vida; doente transplantado; transplante hepático 114 Qualidade de vida e a satisfação com o suporte social dos doentes transplantados hepáticos Este estudo teve como objectivo explorar e analisar a correlação existente entre a Qualidade de Vida e a Satisfação com o Suporte Social dos doentes transplantados hepáticos. Foram aplicados um Questionário Sócio-Demográfico, e dois instrumentos: a Escala de Satisfação com o Suporte Social – ESSS, adaptada por Pais Ribeiro (1999) e o Questionário de Qualidade de Vida – SF36, validado por Ferreira (2000), a uma amostra de 50 doentes do Hospital da Universidade de Coimbra, submetidos há menos de um ano a cirurgia para transplante hepático na Unidade de Transplantes Hepáticos, sendo 34 (68%) do sexo masculino e 16 (32%) do sexo feminino com idades compreendidas entre os 16 e os 40 anos (M=39,44; dp=12,91). Os resultados demonstraram a existência de correlação positiva entre a qualidade de vida e a satisfação com o suporte social, principalmente com os factores satisfação com os amigos e satisfação com a família. Tendo em consideração que uma boa saúde pode estar associada a um bom nível de qualidade de vida, pode dizer-se que o suporte social que o doente percebe ter, facilita na sua recuperação, o que vai afectar a qualidade de vida que ele relata. 115 116 Introdução Actualmente, o suporte social é um dos principais conceitos na psicologia da saúde, como referem Rodin e Salovey (1989, cit. por Ribeiro, 1999). Este alivia o distress em situação de crise, pode inibir o desenvolvimento de doenças e, quando o indivíduo está doente, tem um papel positivo na recuperação. Ribeiro, 1999) defendem que o suporte social se refere aos recursos ao dispor dos indivíduos e às unidades sociais, tais como a família, que respondem aos pedidos de ajuda e assistência. De acordo com Berkman (1984, cit. por Ribeiro, 1999), o suporte social é hoje aceite, indiscutivelmente, como importante tanto para a saúde como para as doenças, embora se continue a discutir o que pode ser considerado como variável no vasto domínio do suporte social, tais como o número de amigos, a frequência de contactos, a intensidade de contactos, a existência de amigos íntimos, ou de redes constituídas apenas por contactos sociais mesmo que não sejam amigos. Para além destes, também são considerados alguns aspectos subjectivos, tais como a percepção que o indivíduo tem da adequação do suporte que dispõe e a satisfação com a dimensão social da sua vida. Dunst e Trivette (1990, cit. por Assim, também Cobb (1976, cit. por Kaplan, 1993) definiu suporte social como pertencente a uma rede de trabalho social de comunicação e obrigação mútua. Nesta rede são consideradas as pessoas em quem realmente se pode confiar, que se preocupam e que amam. Em alguns estudos epidemiológicos (Kaplan, 1993; Taylor, 1995), o suporte social foi definido como um número de contactos sociais mantidos por uma pessoa extensivos à rede social de trabalho. Caplan et al. (1975, cit. por Winnubst, Buunk & Marcelissen, 1990) definem suporte social como qualquer input recebido de um indivíduo ou grupo, o que faz com que o receptor desse input siga em direcção do seu desejo. Esta definição inclui não só todo o tipo de suporte informal mas também alguns tipos de suporte formal, tal como os benefícios sociais, comerciais assim como os tratamentos recebidos por médicos ou psicoterapeutas. Lin (1986) define o suporte social como sendo o apoio acessível a um indivíduo, através dos elos sociais com outros indivíduos, grupos e com o conjunto da comunidade. A definição anterior poderá ser completada por House (1981), que refere tratar-se de uma transacção interpessoal, que inclui um ou vários dos elementos seguintes: solicitude de ordem emocional como a amizade, o amor e a empatia, ajuda concreta de bens e serviços, informação sobre o ambiente e avaliação da informação pertinente por auto-avaliação. Esta definição assemelha-se à de BruchonSchweitzer (1994, cit. por Llorca, Poussin & Cazals-Ferré, 2004) que diz que o apoio social é o conjunto das relações interpessoais do indivíduo que procura um vínculo afectivo como a simpatia, a amizade e o amor, uma ajuda prática instrumental ou financeira, mas também informações e avaliações relativas à situação que o ameaça. Apesar da definição deste termo ser ainda bastante discutível, o mesmo tem sido referido como tendo efeitos positivos em diversos domínios, incluindo a saúde física, o bem-estar mental e as funções sociais, ou seja, o suporte social é hoje encarado como um assunto de pesquisa psicossocial (Wortman & DunkelSchetter, 1987). Ridder e Schreurs (1996, cit. por Ribeiro, 1999) afirmam que os doentes crónicos expressam satisfação com o suporte social emocional e prático, enquanto que o suporte social informativo, especialmente quando provém de amigos e familiares, é visto como interferência indesejável. A crise que se reflecte no estádio final da doença hepática é resolvida após o transplante, sendo restabelecido o equilíbrio.A transplantação representa, então, um planalto em pacientes com doença do fígado. O êxito do transplante absorve a atenção do doente e tem influência na forma como este interage com a sua família, amigos, colegas de trabalho e com o resto do seu mundo. Os cuidados de saúde por parte da equipa médica, desempenham um papel importante na reabilitação social do doente transplantado hepático, ao dar um sentido de esperança incentivando a ultrapassar os desafios inerentes e a viver uma vida satisfeita e produtiva (Dowdy, 1997). Também Leppin e Schwarzer (1989, cit. por Ribeiro, 1999), numa meta-análise sobre 55 estudos (publicados entre 1976 e 1987) com uma amostra total de 32739 indivíduos, mostraram 83 correlações baseadas em amostras independentes, acerca da relação entre suporte social e saúde, e confirmaram que a saúde deficiente era mais pronunciada entre os que tinham falta de suporte social.Verificaram também, que o grau de associação entre as variáveis dependia das circunstâncias, da população, dos conceitos e das medidas utilizadas para avaliar o suporte social e a saúde. Outros autores referem que a satisfação com o suporte social disponível é uma dimensão cognitiva com um importante papel na redução do mal-estar (Lakey & Drew, 1997; Bishop, 1994). Por outro lado, Hohaus e Berah (1996, cit. por Ribeiro, 1999) referem que a satisfação com o suporte social é uma das variáveis que estão associadas à satisfação com a vida. Cohen 117 e McKay (1997, cit. por Silva, Ribeiro, Cardoso & Ramos, 2003), referem que o suporte social tem sido amplamente usado para mencionar os mecanismos através dos quais as relações interpessoais têm efeito. Deste modo, o suporte social irá actuar a nível da prevenção de perturbações psicológicas e orgânicas, ou seja, não só quando o indivíduo é confrontado com situações stressantes, mas também na diminuição da gravidade da doença e na recuperação desta. 118 Então, o facto de o doente ser transplantado poderá contribuir para que este se centre em si próprio, desvalorizando os outros, inclusive a família. Isto poderá tornar-se um problema, pois o doente sente-o como a ausência de suporte social, facto que poderá provocar uma recuperação mais lenta. Quando estão no hospital ou em casa, as pessoas doentes ficam isoladas, incapacitadas de participar nas actividades habituais. O doente que deixou de trabalhar é incapaz de participar nas actividades sociais e retira-se das idas à igreja ou outras actividades, restringindo o acesso à interacção social, o que provoca neste uma percepção de suporte social reduzida que vai interferir de forma negativa na sua saúde (Dowdy, 1997). Heyenk, Tymstra, Slooff, e Klompmaker (1990) afirmam que, apesar de terem sido desenvolvidas diferentes pesquisas com doentes no período pós-transplante hepático, a maioria foca a atenção sobre os problemas físicos, mas pouco é conhecido sobre os problemas psicossociais. Tendo como objectivo o conhecimento mais aprofundado sobre o assunto, Adams, Ghent, Grant e Wall (1995) fizeram entrevistas a 29 doentes, onde puderam constatar que estes, no período a seguir ao transplante, sofriam de vários problemas psicossociais, como por exemplo a depressão, referindo pensamentos suicidas, tendo sido verificado tentativas em três casos. Outros aspectos referidos por estes doentes foram o facto de lhes ser difícil aceitar as alterações na aparência (como cicatrizes e aparecimento de pêlos em excesso, devido à toma de medicamentos – imunossupressores), as dificuldades em voltar para casa (visto sentirem-se mais seguros no hospital), as dificuldades de ajustamento a um novo papel dentro da família (antes independente), e o não desempenho de um papel na sociedade (por estar desempregado). Outro estudo feito por Commander, Neuberger e Dean (1992), teve em conta o funcionamento social dos doentes transplantados, e verificou algumas alterações a nível do desempenho no trabalho, na vida familiar e no casamento. De acordo com um estudo realizado por Levy (1983) verificou-se que o suporte social é um factor preditor importante da adesão ao tratamento. Depois de alguns estudos sobre a relação entre a doença e o suporte social,Turner (1982, cit. por Pilisuk & Parks, 1986) concluiu que o suporte social poderá actuar primeiramente como um amortecedor do impacto da doença, mas também poderá oferecer protecção. Cohen e Wills (1984, cit. por Pilisuk & Parks, 1986), após uma intensiva revisão de literatura, chegaram à mesma conclusão. Pelo facto de estes doentes sofrerem alterações a diversos níveis após o transplante e a forma como percebem o suporte que lhes é dado poderá ter influência na sua qualidade de vida. O conceito da qualidade de vida foi inicialmente desenvolvido e operacionalizado com uma população de adultos doentes e refere, especificamente, o impacto da doença, do tratamento médico ou a politica dos cuidados de saúde individuais (Levi & Drotar, 1998). Deste modo, a definição de saúde tem influenciado fortemente a definição de qualidade de vida (Levi & Drotar, 1998). De acordo com Spieth e Harris (1996, cit. por Levi & Drotar, 1998; Bucuvalas & Britto, 2003), as A relação entre saúde e qualidade de vida é um constructo multidimensional que reflecte o bem-estar físico e psicológico no indivíduo. A qualidade de vida refere-se à capacidade que o indivíduo tem de desempenhar o seu papel social e doméstico, de forma a resolver os desafios da vida do dia-a-dia sem stress ou incapacidade física. dimensões físicas, mentais e sociais, referidas pela Organização Mundial de Saúde na sua definição de saúde, permaneceram como ponto central na construção da definição da qualidade de vida que, para além destes, inclui mais quatro domínios, o estado de doença e sintomas físicos, o estado funcional, o funcionamento psicológico e o social. O objectivo do transplante de órgãos não é só lutar pela sobrevivência, mas proporcionar ao doente uma maior qualidade de vida. No entanto, a qualidade de vida poderá também ser definida como o bem-estar social de um indivíduo, um grupo, uma comunidade ou um país. As condições de vida, o salário, o emprego e a habitação, são factores determinantes da qualidade de vida. Quanto melhores forem estas condições, melhor será a qualidade de vida do indivíduo (Martinez, 1997). A qualidade de vida após o transplante hepático é determinada por uma experiência subjectiva assim como por factores objectivos, além de algumas dimensões,como as somáticas, a psicossocial, a interpessoal, a socioeconómica e a espiritual. Estas dimensões poderão ser vistas de forma separada. Por exemplo, o facto de estar somaticamente doente tem impacto em todas as outras dimensões da qualidade de vida. Uma orientação espiritual sólida ou um suporte social adequado permite ao doente cooperar, mesmo que tenha limitações físicas severas (Küchler,Kober,Brölsch,Henne-Bruns & Kremer, 1991). A relação entre saúde e qualidade de vida é um constructo multidimensional que reflecte o bem-estar físico e psicológico no indivíduo. A qualidade de vida refere-se à capacidade que o indivíduo tem de desempenhar o seu papel social e doméstico, de forma a resolver os desafios da vida do dia-a-dia sem stress ou incapacidade física. Em estudos recentes (Shih, Hu, Ho, Lin, Lin & Lee, 1994; Chen e Sun, 1994) concluiu-se que nos doentes hepáticos a relação entre saúde e qualidade de vida piora após a cirurgia de transplante. Após o transplante do fígado são vários os problemas que o doente continua a ter, não só a nível físico mas também social e psicológico, que vão afectar a sua qualidade de vida. O presente estudo teve como objectivo verificar qual a relação da satisfação com o suporte social e da qualidade de vida numa amostra de doentes com transplante hepático. 119 Método 120 Participantes Instrumentos Participaram neste estudo 50 doentes do Hospital da Universidade de Coimbra, acompanhados na Unidade de Transplantes Hepáticos. Como critério de inclusão na amostra definiu-se que os indivíduos deveriam ter sido submetidos há menos de um ano a cirurgia para transplante hepático. O material utilizado neste estudo foi um protocolo composto por duas escalas, a Escala de Satisfação com o Suporte Social (ESSS) e o Questionário da Qualidade de Vida (SF-36) de 36 itens, e um questionário sócio demográfico construído para o efeito que permitiu a recolha de dados relativos ao sexo, idade, estado civil, escolaridade, profissão/ocupação e tipo de doença do sujeito. Os participantes apresentaram idades compreendidas entre os 16 e os 62, com média de 39,44 (dp=12,91), a maior percentagem (38%; n=19) situa-se no intervalo de 30-40 anos. Tendo em conta as patologias referidas, dois (4%) dos inquiridos têm a Doença de Wilson, 29 (58%) têm P.A.F., 12 (24%) apresentam Cirrose Hepática,dois (4%) sofrem da Síndrome de Bud-Chiari, dois (4%) têm Hepatite C, um (2%) têm Hepatite Fulminante, dois (4%) apresentam Hepatite Auto-Imune e um (2%) tem Colangite Esclerosante Hepática. No que se refere ao estado civil, a maioria dos indivíduos (n=38; 76%) referiu estar casado ou viver em união de facto, nove (18%) são solteiros, dois (4%) divorciados e um (2%) é viúvo. No que diz respeito à escolaridade, 20 indivíduos (40%) referem ter feito o primeiro ciclo, oito (16%) fizeram o segundo ciclo, três (6%) possuem o terceiro ciclo, oito (16%) concluíram o secundário e 11 (22%) têm um curso superior. Quanto às profissões, verifica-se que 11 indivíduos (22%) são técnicos superiores, um (2%) pertence ao quadro médio, três (6%) são operários especialistas, 13 (26%) são operários, 13 (26%) são desempregados, 4 (8%) são estudantes, duas (4%) são domésticas, um (2%) é empresário e dois (4%) são reformados. A Escala de Satisfação com o Suporte Social – ESSS é um instrumento desenvolvido por Wethingson e Kessler (1986) e validado para a população portuguesa por Ribeiro (1999). É um questionário de auto-preenchimento que permite a operacionalização da variável satisfação com o suporte social com as suas quatro dimensões ou factores através de 15 itens de diferencial semântico de 5 pontos: «concordo totalmente», «concordo na maior parte», «não concordo nem discordo», «discordo a maior parte» e «discordo totalmente». A nota total da escala resulta da soma da totalidade dos itens, e pode variar entre 15 e 75, sendo que à nota mais alta corresponde uma percepção de maior suporte social.A nota de cada dimensão resulta da soma dos itens pertencentes a cada dimensão ou sub-escala. Os itens são cotados atribuindo o valor «1» aos assinalados em «A», e «5» aos assinalados em «E». São excepção os itens que devem ser cotados invertidos: 4, 5, 9, 10, 11, 12, 13, 14, e 15. O primeiro factor, «satisfação com amigos» (SA), mede a satisfação com amizades/amigos, e inclui cinco itens (3, 12, 13, 14, 15). O segundo factor, denominado de «intimidade» (IN), mede a percepção da existência de suporte social íntimo e é composto por quatro itens (1, 4, 5, 6). O terceiro factor, chamado «satisfação com a família» (SF), mede a satisfação com o suporte social familiar existente, do qual fazem parte três itens (9, 10, 11). O quarto factor, nomeado «actividades sociais» (AS), mede a satisfação com as actividades sociais que realiza, com três itens (2, 7, 8). Os estudos de validação revelam que o instrumento apresenta qualidades psicométricas adequadas. No que diz respeito à fiabilidade, o autor da validação para a população portuguesa procedeu ao cálculo da consistência interna de cada factor que compõe a escala, e que estão entre os padrões aceitáveis utilizados, com excepção do valor do factor satisfação com a família, que têm índice inferior a 0,69. Para além deste procedimento, o autor determinou o valor de consistência interna da escala total verificando-se que este é de 0,85, número que excede os padrões de aceitabilidade usualmente utilizado (Ribeiro, 1999). No que concerne à determinação da validade do instrumento, o autor procedeu ao cálculo da validade discriminante e da validade concorrente. A validade discriminante de um item evidencia-se pela diferença entre a correlação do item com a escala a que pertence por comparação com a correlação do item com as escalas a que não pertence. Verifica-se que o índice de discriminação dos itens é superior a 20 pontos entre a magnitude da correlação com a escala a que pertence e a magnitude do segundo valor de correlação com outra escala. A validade concorrente foi inspeccionada, comparando a escala com medidas de saúde e de bem-estar e com medidas de mal-estar, verificando-se que a ESSS está associada a medidas de saúde na direcção esperada, ou seja prediz resultados positivos das medidas indicadoras de saúde e resultados negativos com medidas indicadoras de mal-estar (Ribeiro, 1999). O Questionário de Qualidade de Vida – SF36, foi desenvolvido por Ware e Sherbourne (1992) e validado para a população portuguesa por Ferreira (2000a; 2000b), o SF36 é constituído por 36 itens de auto-resposta e destina-se a avaliar conceitos de saúde que representam valores humanos básicos relevantes à funcionalidade e ao bem-estar de cada um, abrangendo oito dimensões de estado geral de saúde, que detectam tanto os estados positivos como os negativos. Além disso, não é específico de qualquer nível etário, doença ou tratamento. A primeira dimensão denomina-se «função física», composta por 10 itens, que medem desde a limitação para executar actividades físicas menores, até às actividades mais extenuantes, passando por actividades intermédias. A segunda dimensão refere-se ao «desempenho físico», com quatro itens.A terceira, diz respeito ao «desempenho emocional», com três itens. Estas duas dimensões medem a limitação da saúde em termos do tipo e da quantidade de trabalho executado. A «dor física» é a quarta dimensão com dois itens, que representam, não só a intensidade e o desconforto causados pela dor, mas também a forma como esta interfere nas actividades normais. A «saúde em geral» com cinco itens, pretende medir o conceito da percepção holistica da saúde, incluindo não só saúde actual, mas também a resistência à doença e a aparência saudável. A «vitalidade» com quatro itens inclui os níveis de energia e de fadiga, permite captar melhor 121 Método (Cont.) Procedimento 122 as diferenças de bem-estar. A «função social», com dois itens, pretende captar a quantidade e a qualidade das actividades sociais, assim como o impacto dos problemas físicos e emocionais nas actividades sociais da pessoa que responde. Por fim, a última dimensão é a «saúde mental», com cinco itens, que medem a ansiedade, a depressão, a perda de controlo em termos comportamentais ou emocionais e o bemestar psicológico. Estas oito sub-escalas (dimensões) podem ser agrupadas em duas componentes (saúde física e saúde mental), obtidas a partir de análises factoriais de componentes principais. A componente de saúde mental engloba a saúde mental, o desempenho emocional, a função social e a vitalidade. A componente física engloba a função física, o desempenho físico, a dor física e a saúde em geral. O questionário de qualidade de vida – SF36 apresenta boas qualidades psicométricas. Para avaliar a fiabilidade da versão portuguesa do SF36 o autor utilizou o método teste-reteste e foi calculado o coeficiente alfa. Os valores de fiabilidade encontrados para as sub-escalas excedem os padrões aceitáveis utilizados. Para cada sub-escala, os coeficientes de fiabilidade iguala ou excede o valor 0,80, com excepção da sub-escala «função social». No que se refere aos testes de validade o autor procedeu à determinação da validade de conteúdo, discriminante e de critério, tendo-se verificado que o instrumento SF36 apresenta uma boa validade. A recolha dos dados processou-se entre Fevereiro e Junho de 2004, durante o período de estágio realizado no HUC (Hospital da Universidade de Coimbra), na Unidade de Transplantes Hepáticos. Os participantes foram contactados durante as consultas de psicologia, sendo informados do objectivo do estudo, assim como de que a participação era voluntária e as respostas seriam mantidas em absoluto anonimato. Tendo sido dado aos doentes os esclarecimentos e apoio necessários, quando solicitados. Tendo em consideração que uma boa saúde pode estar associada a um bom nível de qualidade de vida, pode dizer–se que o suporte social que o doente percebe ter facilita na sua recuperação, o que vai afectar a qualidade de vida que ele relata. 123 124 Resultados Inicialmente, foi feito o estudo de associação entre o questionário da qualidade de vida (SF total) e a escala de satisfação com o suporte social (ESSS total), dos doentes transplantados, onde se verificou uma correlação positiva com significância estatística (r=0,30; p<0,05) entre a qualidade de vida e o suporte social. Verificou-se ainda existir uma correlação positiva com significância estatística (r=0,31; p<0,05) entre a qualidade de vida (SF total) e o factor satisfação com os amigos (SA). No estudo de associação entre o questionário da qualidade de vida (SF total) e o factor satisfação com a família (SF), pôde constatarse também a existência de correlação positiva com significância estatística (r=0,28; p<0,05) entre a qualidade de vida e o factor satisfação com a família. O facto destes doentes sentirem confiança na equipa médica, protecção e preocupação com o seu bem-estar, assim como apoio familiar e dos amigos, reflecte-se na forma como adere aos tratamentos, na forma como se alimenta e na convivência com os seus colega de quarto, melhorando assim a sua saúde e consequentemente a qualidade de vida. Discussão O objectivo deste estudo foi comparar a associação entre a satisfação com o suporte social e a qualidade de vida do doente transplantado hepático há menos de um ano. Após a análise dos resultados, verificouse a existência de correlação positiva com significância estatística, que demonstra que quanto maior for o suporte social percebido maior será a qualidade de vida. Esse facto vai de encontro ao que refere a literatura. Bennett (2002) verificou existir uma correlação positiva com significância estatística entre a qualidade de vida do doente transplantado e a satisfação com o suporte social. De acordo com Bennett (2002), existem dados significativos de que tanto homens como mulheres com poucos contactos sociais teriam maior predisposição para morrer mais cedo do que aqueles que possuem uma boa rede de suporte social. No entanto, dados do Alameda Country Study (Berckman e Syme, 1979 cit. por Ribeiro, 1999), por exemplo, mostraram um aumento da longevidade associada a um número considerável de relações sociais, nomeadamente como consequência do casamento, de contactos com amigos próximos e parentes, da participação em grupos de igreja ou outros. Os indivíduos isolados teriam maior propensão para morrer mais cedo. Tendo em consideração que uma boa saúde pode estar associada a um bom nível de qualidade de vida, pode dizer-se que o suporte social que o doente percebe ter facilita na sua recuperação, o que vai afectar a qualidade de vida que ele relata. Segundo Hohaus e Berah (1996, cit. por Ribeiro, 1999), a satisfação com o suporte social é uma das variáveis que estão associadas à satisfação com a vida. De acordo com Rutter e Quine (1996, cit. por Ribeiro, 1999), o suporte social tem efeitos mediadores na protecção da saúde. Broadhead e col. (1983, cit. por Ribeiro, 1999), concluíram, na sua investigação, que havia uma forte correlação entre as variáveis suporte social e saúde. Leppin e Schwarzer (1989; 1991, cit. por Ribeiro, 1999) concluíram que uma saúde deficiente era mais pronunciada entre os indivíduos que não tinham suporte social. O facto destes doentes sentirem confiança na equipa médica, protecção e preocupação com o seu bem-estar, assim como apoio familiar e dos amigos, reflecte-se na forma como adere aos tratamentos, na forma como se alimenta e na convivência com os seus colega de quarto, melhorando assim a sua saúde e consequentemente a qualidade de vida. Como refere Rodin e Salovey (1989, cit. por Ribeiro, 1999), o suporte social alivia o distress em situação de crise, pode inibir o desenvolvimento de doenças e, quando o indivíduo está doente, tem um papel positivo na recuperação. Quando se verificou a associação entre a qualidade de vida e a satisfação com os amigos, constatou-se a existência de correlação positiva com significância estatística. Este resultado vai no sentido do que foi referido por Berkman 125 Referências 126 Adams, P., Ghent, C., Grant, D. & Wall,W. (1995). Employment After Liver Transplantation. Hepatology, 21, 140-144. Bennet, P. (2002). Introdução clínica à psicologia da saúde. 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Assim, o que foi referido anteriormente pôde ser confirmado pelos doentes transplantados hepáticos durante o seu acompanhamento nas consultas de psicologia nos HUC. Estes contam que o facto de sentirem a presença de amigos em quem podem confiar nos momentos de maiores dificuldades após o transplante hepático, mostrando que se preocupam com eles, faz com que se sintam amados e valorizados. É visível, então, o aumento da auto-estima nestes, assim como a diminuição de problemas psicológicos como por exemplo a depressão, facto que vai actuar de forma positiva na sua recuperação e por consequência na sua qualidade de vida. Encontrou-se ainda uma associação positiva significativa entre a qualidade de vida e o factor satisfação com a família. Este facto talvez se deva às características da amostra, constituída por 58% de doentes com P.A.F. (Paramiloidose Amiloidotica Familiar), doença hereditária que, pelas suas características de degradação física e afectação psíquica, implica o centrar-se na família, inclusive pelo grau de dependência que passa a ter, dependendo do nível de avanço da enfermidade. A família é o ponto fulcral neste período póstransplante hepático. Segundo Bodily e Fitz (1997), a dinâmica familiar e o suporte social a ela associada são aspectos importantes na reabilitação progressiva do doente transplantado. O facto destes, em regime de internamento, saberem que chegou o dia da família os visitar, faz com que estejam menos tristes, se alimentem melhor, adiram melhor aos tratamentos e durmam menos tempo durante o dia, conversando mais com o vizinho de quarto. No entanto, o contrário também é visível. O facto de o doente receber visitas espaçadas dos familiares, por estes se encontrarem longe ou por dificuldades económicas, parece afectar a sua recuperação. Isto pode ser corroborado por Charmaz (1983, cit. por Dowdy, 1997), que refere existir um sentimento de perda fundamental do self, experimentado pelos doentes crónicos, como se a falta de identidade fosse apagada devido à perda de papéis sociais e relacionamentos. Adicionalmente, muitos preocupam-se com o facto de se tornarem um peso para a sua família. De facto, o regresso ao seu estilo anterior de vida é complicado pelo regime médico imposto após o transplante, o que reforça a necessidade de atenção e cuidados especiais. Deste modo, uma baixa auto-estima poderá fazer com que os doentes desenvolvam fobias sobre doenças infecciosas, assim como medo da separação dos imunossupressores. As fobias poderão resultar numa preocupação em demasia com o transplante, mesmo após a recuperação física estar completa (Dowdy, 1997). 127 Próxima edição Alcina Costa, Konstantina Sarioglou, M.Teresa Paixão A importância da cultura celular no diagnóstico virológico 128 Nos laboratórios de virologia, o sector da cultura de tecidos constitui uma estrutura de apoio ao diagnóstico laboratorial.Tem como função a preparação e manutenção das diferentes linhas celulares em uso, de sensibilidade conhecida para diferentes vírus. Na preparação de tubos e placas para isolamento e identificação viral é importante conhecer a concentração de células onde os vírus são inoculados, e usar as células metabolicamente activas. Para isso é necessário conhecer as características de crescimento de cada linha celular e saber a melhor altura para a sua subcultura, assim como a melhor concentração a usar consoante o estudo pretendido. Orelbe Jesus Medina Lorenzo Desenho de uma formulação de comprimidos vaginais cetoconazol 400 mg As patologias vaginais nos últimos anos aumentaram a sua incidência de forma alarmante, sendo uma das mais frequentes a candidíases vulvovaginal; devemos destacar que esta patologia é muito frequente em zonas desenvolvidas como Europa e Estados Unidos de América… No desenvolvimento de uma forma farmacêutica, existem inúmeros passos a seguir de forma rigorosa. Este estudo foi desenvolvido a partir da necessidade real de obter uma forma farmacêutica de aplicação local no tratamento da candidíase vulvovaginal, como uma forma alternativa, já que, como é sabido, nos últimos anos tem-se verificado o aparecimento de resistências aos fármacos activos na candidíase, e esta doença está presente numa alta percentagem da população feminina. Marta Moreira Consumo crónico de psicofármacos em utentes adultos nos cuidados de saúde primários Este estudo contribui para aumentar o conhecimento relativo ao consumo crónico de psicofármacos, sua prevalência e factores associados, permitindo uma melhor caracterização da realidade dos cuidados de saúde primários acerca de um problema que tem sido crescente a nível nacional e internacional. José Afonso Moreira, Isabel Vitória Figueiredo, Amílcar Falcão Aspirina como antiagregante plaquetar: mecanismos de “resistência à Aspirina” Apesar dos conhecimentos actuais sobre o efeito antiagregante plaquetar da aspirina, os mecanismos pelos quais se desenvolve resistência à aspirina ainda não se encontram claramente estabelecidos. A resposta a esta questão encontra provavelmente sustentação na combinação de inúmeros factores, dos quais podemos salientar as características biológicas e genéticas de cada indivíduo e as características inerentes à sua própria situação clínica. Albertina Cruz, Cristina Duarte, Filipa Barbosa, Isabel Costa, Maria Ferreira Para além do ninho: Continuidade de Cuidados O serviço de Neonatologia é um dos vértices da arte de cuidar. Os pais aparecem, na actual filosofia de prestação de cuidados às crianças hospitalizadas, como parceiros ou sócios no cuidar e não apenas como visitantes ou acompanhantes dos filhos, apresentando-se como um contributo valioso na Continuidade de Cuidados aquando da alta hospitalar. Campus Académico do ISAVE Quinta de Matos - Geraz do Minho 4830-316 Póvoa de Lanhoso Tel. 253 639 800 Fax. 253 639 801 Email: [email protected] Licenciaturas em: Enfermagem Fisioterapia Terapêutica da Fala Farmácia Higiene Oral Prótese Dentária Radiologia Análises Clínicas e Saúde Pública www.isave.pt Pós-graduações em: Gerontologia Clínica Motricidade Oro-Facial 28 e 29 de Setembro de 2007 Avaliação Motora na Intervenção Precoce 5 e 6 de Outubro de 2007 Oficina de Aprendizagem em Saúde Oral Campus Académico do ISAVE Quinta de Matos Geraz do Minho 4830-316 Póvoa de Lanhoso Telefone - 253 639 800 Fax - 253 639 801 Email - [email protected] www.isave.pt
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