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Actividade Física e Saúde – A Perspectiva do Médico1 António Duarte Araújo Médico especialista em Pneumologia 3º Dan de Karate Shotokan, Treinador de Grau II [email protected] «Uma das particularidades mais destacáveis do karate é que todos podem praticá-lo, jovens e velhos, fortes e débeis, homens e mulheres» Funakoshi Gigin2 «O karate como arte de defesa pessoal e como meio de melhorar a saúde, existe há muito tempo. Nos últimos vinte anos uma nova actividade ligada a essa arte marcial está a ser cultivada com êxito: o karate como desporto.» M. Nakayama3 Justificação O karate é uma modalidade desportiva bastante divulgada no nosso país, e com uma boa relação preço/acessibilidade; é uma modalidade de inclusão, contando com crianças e adultos das mais diversas idades e dos dois sexos. Por ser simultaneamente 1 Comunicação apresentada no 9º Encontro Nacional de Karate organizado pelo Clube de Karate de Barcelos a 15 de julho de 2012. 2 Funakoshi, G, Karate-Dô, Mi Camino, Madrid, Ed Dojo, 2007 3 Nakayama, M., série O Melhor do Karatê, S. Paulo, Brazil, ed Cultrix, 1977 1 uma arte marcial, incutindo nas crianças e adolescentes princípios de disciplina e de reforço da auto-estima, associado a um desenvolvimento harmonioso, tanto físico como da personalidade, tem levado a classe médica a sugerir a sua prática às crianças, muitas vezes com problemas de saúde, bem como aos seus pais e educadores, e que o treinador da modalidade não deve defraudar, assumindo uma responsabilidade para a qual deve estar preparado. Introdução e objectivos O conceituado historiador David S. Landes, em A Riqueza e a Pobreza das Nações4 considera, de uma forma algo irónica, que o mundo se divide em duas partes, a dos pobres, que diariamente lutam para conseguir alimento, e a dos ricos que lutam por tempo para ir ao ginásio, sobretudo para tentar queimar as calorias em excesso. Mas o mundo não foi sempre assim. A Revolução Industrial trouxe consigo a riqueza e a abundância ao Ocidente, e o progresso na medicina, sobretudo os conceitos de higiene e mais tarde a antibioterapia, ao diminuir a mortalidade por situações infecciosas, trouxe a longevidade. E com ambas apareceram as doenças degenerativas, sobressaindo as doenças cérebro e 4 LANDE, David S., A Riqueza e a Pobreza das Nações, Lisboa, ed. Gradiva, Nov 2011 2 cardiovasculares, e as doenças metabólicas, como a obesidade, e que hoje aflige uma significativa parcela da população. O problema da necessidade de actividade física, muscular, não se colocava nas sociedades pré-industrializadas, em que o trabalho da população era essencialmente físico, e de contacto com a natureza; e a actividade desportiva, realizada de uma forma regular e organizada, era um luxo a que a maioria da população não se podia dar, sendo até, nalguns casos, mal vista por alguns estratos sociais. Foram o progressivo sedentarismo e a abundância de calorias, com o consequente aumento das doenças cardiovasculares e metabólicas que trouxeram a actividade física e o desporto para a primeira linha das nossas preocupações com a saúde. Mas que a actividade física era importante, sempre o souberam os médicos, desde a antiguidade, e também com ela sempre se preocuparam. Para Hipócrates, chamado “Pai da Medicina” (460-355 a.C) «(…)a manutenção da saúde assenta no contrariar a tendência para a redução exercício. Não existe nenhuma forma de substituir o exercício (…) que expele o mal feito pela maior parte dos maus regimes que a maioria dos homens segue. (…) todas as partes do corpo são destinadas a uma função específica. Se usadas com moderação, fazendo regularmente os movimentos para que foram concebidas, tornamse por esse meio saudáveis (…)». Pedro Hispano (1210-1277 d.C.), médico e o único papa português, na sua obra «Liber de 3 Conservanda Sanitate»5 refere que «(…) no regime de saúde daqueles que vivem bem e tranquilamente, o exercício temperado (…) consome as humidades e excessos, pelos quais se originam muitas doenças (…)». No Oriente também é patente, desde a antiguidade, a preocupação com o exercício, como forma de manter a saúde. A medicina ayuvédica, de origem indiana e conhecida como a “Mãe da Medicina” desenvolveria o yoga, como prática promotora de vida6. Patrick McCarthy, provavelmente o maior estudioso (e tradutor) do Bubishi7, obra complexa e que reúne muita da sabedoria ancestral chinesa sobre formas de luta, medicina, fitofarmacologia e filosofia, refere que «(…) a nossa saúde física e o nosso bem-estar mental devem ser sempre as prioridades mestras da nossa vida. Portanto, treinar um quanfa (kata, para o gongfu) deve ser um equilíbrio entre treino físico e estudo metafísico (…)». Se a necessidade de exercício e actividade física é conhecido desde sempre e até intuitivo como forma de promover a saúde, foi só em 1953 que Morris JN et al., no Lancet, publicaram um estudo que relacionou actividade física e doença coronária em dois grupos profissionais, motoristas e revisores dos autocarros de Londres, de dois andares, e por isso com uma actividade física muito diferente, naquele que foi um dos primeiros trabalhos relacionando actividade física e doença coronária8. Muitos outros 5 HISPANO, Pedro, Liber de Conservande Sanitate, Lisboa, ed. Port Heartbraiun, 2008 PORTER, Roy, Medicina, A História da Cura, ed. Livros e livros Fev 2002 7 McCARTHY, Patrick, Bubishi – La Bíblia del Karaté, Madrid, ed. Tubos S.A., 2007 8 BARATA, Themudo, Actividade Física e Medicina Moderna, Odivelas, ed Europress, 1997 6 4 trabalhos de investigação se seguiram, sendo hoje inquestionável a prática regular de actividade física como forma de promover a saúde, de diminuir a morbi-mortalidade em geral e por causas específicas, como as doenças cardiovasculares e metabólicas. E essa quantidade de evidência médica de ganhos para a saúde com o exercício físico regular e com o desporto, hoje muito robusta, tem levado a uma mudança no comportamento das pessoas, agora progressivamente mais activas. Hoje ir ao ginásio ou praticar desporto, para além dos ganhos com saúde, promove o convívio e a integração social, e é um sinal de cultura e até de algum estatuto social. Mas progressivamente também se tornou evidente para a comunidade médica, e intuitivamente para a população em geral, que a prática de desporto, a partir de determinado grau, não só não se traduzia em ganhos para a saúde, como poderia ser prejudicial. Então o objectivo deste presente trabalho é apenas o da clarificação de alguns conceitos que relacionam exercício, desporto e saúde, bem como o do papel do médico, sem diferenciação em medicina desportiva ou em medicina do exercício, mas como agente promotor de saúde. Entende-se por saúde o bem-estar físico, mental e social do indivíduo, e não apenas a ausência de doença, pelo que o conceito de saúde é quantitativo: há vários graus de saúde. Este conceito de saúde da OMS vai ao encontro do conceito de individuo, um ser 5 bio-psico-social, e segundo Damásio9 essencialmente emocional, e também por isso a actividade física ou desportiva praticada deve, antes de mais, ser fonte de prazer, até para poder ser continuada pela vida fora: se há verdades que temos como certas é que o exercício físico só é benéfico para a saúde enquanto praticado, e se a sua prática for regular. Actividade física e desporto Por actividade física entende-se qualquer movimento do corpo que dê lugar a um gasto de energia; assim todos os dias fazemos alguma actividade física, informal e espontânea, importantíssima para a saúde e que deve ser a base da pirâmide da actividade física; é o ir a pé para o trabalho, andar de bicicleta, subir escadas, fazer jardinagem, dançar, ou passear o cão, ou seja a execução de exercícios habitualmente de baixa intensidade e cujo objectivo não é o exercício em si. Actividade física organizada é fazer um programa de caminhada, de corrida, ir ao ginásio, ou ir ao treino de karate; são actividades habitualmente de moderada intensidade (mas que podem ter vários graus de intensidade), e associada à primeira (a espontânea), a que permite colher maiores benefícios para a saúde: permite quantificar e controlar o esforço, variar e trabalhar a intensidade, trabalhar a componente aeróbica ou a 9 Sobre este assunto consultar O Erro de Descartes, de DAMÁSIO, António 6 força muscular, ou dar primazia à flexibilidade. O trabalho da força muscular e a prática de desporto recreativo ou de lazer é o andar seguinte (o 3º) da pirâmide da actividade física, e devem ser praticados 2 a 3 vezes por semana quando, apesar do conceito de desporto implicar competição, o objectivo for a recreação, a promoção da saúde ou da condição física. O último andar da pirâmide é o desporto intenso, de competição, cujos objectivos são de âmbito diferente, trazendo frequentemente mais inconvenientes que benefícios para a saúde. Quando um indivíduo inicia uma actividade física regular, o seu organismo desencadeia um conjunto de adaptações ao esforço; muitas delas vão ser vantajosas em termos de saúde, outras na promoção das suas capacidades físicas10: é o health related fitness; quanto mais sedentário é o indivíduo, maior o benefício que colhe, tanto para a saúde, como para a condição física, e a regularidade é a única forma de manter estes benefícios. Com a continuação do treino, ou seja com o aumento progressivo da duração, da frequência ou da intensidade, deixa de haver margem para mais ganhos com saúde, mas continua a haver melhoria progressiva da condição física; as cargas de treino para promover a saúde são bem menores que as necessárias à melhoria da condição física: deixou de haver o health related fitness para se passar a trabalhar apenas a condição física. Por condição física ou fitness entende-se as capacidades para poder executar e com facilidade as tarefas motoras necessárias à vida de cada um, na 7 intensidade e duração necessárias11. Cada desporto tem a sua condição física específica, dando preferência à força, ou à velocidade, ou à resistência, ou à flexibilidade, mas a condição física geral, uma mistura de vários componentes, é importante para todos, desportistas ou não. Uma boa condição física associada a um bom equilíbrio psicológico, que tem a haver com os conceitos de confiança e auto-estima, significa estar em forma. Do âmbito médico em geral faz parte a promoção de ganhos com saúde através da actividade física e do desporto, bem como a melhoria da condição física do indivíduo, tendo presente que cargas de treino demasiado intensas habitualmente também se acompanham de inconvenientes: o desporto de alta competição, quer pelas elevadas cargas de treino, não fisiológicas, quer pelo stress competitivo, não é seguramente um meio de promover nem de preservar a saúde. Benefícios gerais da actividade física e do desporto São essencialmente de ordem preventiva, raramente de natureza curativa, e neste caso inserem-se mais no conceito de tratar o indivíduo como um todo, melhorando a sua auto-estima, diminuindo os seus níveis de stress, promovendo a socialização e 10 11 BARATA, Themudo, Actividade Física e Medicina Moderna, Odivelas, ed Europress, 1997 BARATA, Themudo, Mexa-se, pela sua Saúde, Lisboa, ed. Don Quixote, 2007 8 integração no grupo, melhorar a sua forma física, mais que o tratamento de patologias específicas. De qualquer modo são bem conhecidas as suas indicações, a par da terapêutica farmacológica, no controlo da asma brônquica, da hipertensão arterial (HTA), da diabetes tipo 2 (DMNID), da isquémia miocárdica ou da obesidade. A actividade física adequada e o desporto são um dos pilares para um estilo de vida saudável12, como o são a alimentação saudável, uma boa higiene do sono, a evicção tabágica e de substâncias psicotrópicas, bem como de actividades e comportamentos de risco; para o indivíduo é um eficaz meio de prevenção de doenças, para os Estados dos melhores métodos custo-eficácia na promoção da saúde na comunidade; ela deve ser para todos, independentemente da idade ou da existência de incapacidades, físicas ou mentais. O sedentarismo associa-se ao aumento de doenças crónicas e estima-se que seja causador de 3,2 milhões de mortes, a nível mundial13 (dados da OMS); Portugal é o país mais sedentário da Europa, e o segundo com maior prevalência de obesidade, e no mundo 60% dos adultos não tem níveis suficientes de actividade física; se é extensa a lista de benefícios da actividade física regular, também é verdade que se centram essencialmente nas patologias cardiovasculares, uma das principais causas de morte, e nas doenças metabólicas, como a obesidade e diabetes. Alguns dos benefícios, no adulto, e sem 12 13 Consultar o Portal da saúde, 2007, www.dgs.pt Consultar sitio oficial da OMS 9 preocupação de ser exaustivo ou na enumeração por qualquer ordem, são, segundo dados da OMS e da DGS: - Redução do risco de morte prematura -Redução da morbilidade e mortalidade por doenças cardiovasculares - Redução do risco de desenvolver diabetes tipo 2 - Redução do risco de algumas neoplasias (cólon, mama, recto) - Prevenção e redução da hipertensão (HTA) - Melhoria do perfil lipídico - Prevenção e tratamento da obesidade - Prevenção da osteoporose e redução do risco de fracturas - Aumento da força e massa muscular - Aumento da resistência de tendões e ligamentos - Prevenção de artroses - Melhoria do sindroma depressivo, do stress, da ansiedade e da auto-estima - Atraso do envelhecimento. Nas crianças e adolescentes o exercício físico e o desporto são fundamentais, até para que esses hábitos (de manutenção de uma boa condição física) se perpetuem ao longo da vida, levando nomeadamente a: 10 - Aquisição de hábitos de vida saudável e de respeito pelos colegas - Prevenção de comportamentos de risco, como tabagismo, alcoolismo, toxicofilias - Maior desempenho académico e controlo da ansiedade - Desenvolvimento das capacidades de integração social, facilitando a passagem do circulo familiar para a sociedade. - Enriquecimento do reportório psico-motor, desenvolvimento da coordenação e controlo do movimento - Controlo do peso, diminuindo o risco de obesidade - Ajuda ao crescimento saudável do sistema músculoesquelético (ossos, músculos e articulações) - Desenvolvimento de sistema cardiovascular saudável. Níveis gerais de actividade física Saúde e condição física são dois conceitos diferentes, apesar de frequentemente confundidos, porque estão muitas vezes associados. A OMS define condição física como a capacidade para realizar de uma forma satisfatória determinada tarefa muscular ou motora, o que pressupõe um estado de adaptação a um estímulo e a tolerância à fadiga específica daí resultante14, e é estudada pela medicina do exercício. Quando um indivíduo sedentário inicia uma actividade física vai inicialmente ter ganhos em saúde e em condição física; 11 mais tarde, com o aumento progressivo da carga, esse paralelismo perde-se, registando-se apenas ganhos em condição física. Assim, mesmo quando deixa de ter ganhos com a saúde, ainda há muito a fazer pela melhoria da condição física, e que vai sendo progressivamente mais exigente, mas esses ganhos são também um bem para a qualidade de vida de qualquer indivíduo. As actividades ligeiras e moderadas são as que permitem obter ganhos com a saúde, e o indivíduo mais sedentário é o que mais beneficia; por outro lado é mais importante o volume da carga que a sua intensidade, mas uma actividade física contínua é preferível a uma actividade fraccionada, até para se obter algum ganho em condição física; e porque se trata de respostas adaptativas do organismo, a prática regular, ou seja, diária, é fundamental, uma vez que os benefícios só se verificam enquanto a actividade física se mantiver; actividade física moderada de pelo menos 30 minutos por dia é fundamental15, e deve ser associada a uma actividade mais intensa, estruturada, três dias por semana. Como a intensidade do treino é inversamente proporcional à sua duração, 45 minutos diários de actividade ligeira ou 15 minutos de actividade intensa podem ser alternativas. Se o objectivo é o controlo do peso, o tempo duplica para 60 minutos de actividade moderada diária. Quando se realiza qualquer actividade física estruturada ou uma actividade desportiva desenvolvem-se várias capacidades físicas, como a força máxima, a força resistência, a velocidade, a flexibilidade, etc; a capacidade 14 15 BARATA, Themudo, Actividade Física e Medicina Moderna, Odivelas, ed Europress, 1997 Consultar o Portal da saúde, 2007, www.dgs.pt 12 física que mais interessa desenvolver, em termos de saúde, é a resistência aeróbia geral, seguida da força resistência, da flexibilidade, do equilíbrio e da coordenação psico-motora. No karaté, p.e., é muito importante a aquisição de capacidades relacionadas com a potência e a velocidade para o êxito competitivo, mas que não se traduzem necessariamente em ganhos para a saúde. Intervenção do médico na actividade física na criança A actividade física e desportiva na criança desenvolve-se em três cenários principais: o desporto de rua, em que a prevenção e tratamento de acidentes é a principal função do médico, o desporto escolar, em que a motivação da criança e dos pais é a sua principal função, a par de colocar algumas restrições, habitualmente temporárias, e o desporto de competição, em que é necessária com frequência a sua especialização. A sua preocupação fundamental deve ser a saúde da criança, e a sua intervenção deve ter em conta: -A identificação da criança sedentária. -A identificação da criança obesa. -A identificação da criança que necessita de restrição à prática desportiva, habitualmente temporária, no caso de doenças agudas, geralmente de natureza infecciosa (gripes, faringites, pneumonias, 13 gastroenterite, etc), menos vezes de média duração (tuberculose, hepatite vírica, febre reumática…) e raramente de longa duração (cardiopatias congénitas, asma grave). -Adequar o desporto à idade da criança (provavelmente os desportos de combate não seriam, grosso modo, os mais adequados antes dos 8 anos, onde correr, nadar, andar de bicicleta ou de patins serão provavelmente mais indicados). Ressalve-se no entanto, que o novo processo de alfabetização motora, seguido pela FNKP, resolve estes problemas de base psico-motores; por isso o treinador de karate com conhecimentos actualizados é capaz de desenvolver com responsabilidade, e mantendo ainda assim uma fidelidade aos princípios estruturantes da modalidade, uma prática regular de karatecas a partir dos 3 anos de idade. -Aconselhar regras higiénicas e dietéticas. -Fazer a prevenção de lesões e complicações relacionadas com o desporto (condições atmosféricas, condições das instalações desportivas, diagnóstico precoce de lesões ou micro-lesões, sono e descanso adequado, abstenção de alcool, tabaco e substâncias dopantes, equipamento adequado, identificação de situações patológicas que se possam agravar com o treino ou predispor ao aparecimento de lesões, etc). -Identificar a competição como factor de ansiogénese, e ter a noção que a competição deve ser um meio (para o desenvolvimento da criança) e não um fim. 14 -Adequar o desporto a cada criança (se a criança tem asma necessitará provavelmente dum aquecimento diferente, ou de um desporto de interior, no tempo frio, ou da identificação dos esforços e desportos que desencadeiam a crise asmática, se a criança sofre de epilepsia provavelmente o karate ou a natação não serão as melhores opções, se a criança só tem um rim, ou tem miopia acentuada, ou tem uma escoliose acentuada, provavelmente os desportos de combate não serão opção, etc.). As crianças e adolescentes, entre os 5 e os 17 anos, à sua actividade física diária e informal, devem acrescentar pelo menos 60 minutos de actividade física vigorosa, diariamente, e cargas superiores podem associar-se a benefícios adicionais para a saúde; a maior parte da actividade física deve ser aeróbia, com reforço muscular 3 vezes por semana16. O treino da força (treino contra resistência) que durante muito tempo se desaconselhava, não se parece associar a risco acrescido de lesões, mas o aumento da força muscular parece dever-se apenas a factores neurológicos, como sejam a melhor técnica de coordenação motora e aumento de activação da unidade motora, e não ao aumento do volume muscular; parece também ser evidente que o exercício físico em geral afecta o peso e a composição corporal, diminuindo a massa gorda total e aumentando a massa corporal total, mas não tem efeito no crescimento em altura, nem altera os ritmos próprios de 16 Dados da OMS, ver sítio oficial da OMS 15 crescimento e maturação de cada criança, programados genotipicamente17. É ainda importante que as crianças contactem com várias modalidades, com finalidade mais lúdica que competitiva, de modo a se desenvolverem de forma saudável e harmoniosa; mais que ensinamentos técnicos de determinada modalidade, deve melhorar a sua condição física e psicológica, preparando-se para que um dia, se escolher essa via, possa vir ser um grande desportista numa determinada modalidade. É este um pouco o conceito actual de alfabetização motora, em oposição ao de especialização precoce. Deve ser dada especial atenção ao ritmo próprio de aprendizagem e desenvolvimento de cada criança, e devem ser evitados o stress associado à necessidade de bom desempenho, a ansiedade que precede as competições, bem como o medo do fracasso, ou a frustração, por não atingido determinadas metas: isto são factores de abandono precoce, e o que se pretende é o contrário, a aquisição de hábitos de vida saudável, que se mantenham pela vida adulta. É de valorizar alguns aspectos fundamentais do desporto em geral, e das artes marciais em particular, como são a disciplina (sem disciplina não há aprendizagem), o respeito pelos outros, desde logo os colegas e o professor, a autoconfiança e auto-estima, a coragem e o espírito de equipa (a noção de grupo, e noção de pertença a um grupo), importantes na construção da personalidade e no processo de socialização. 17 WILMORE, Jack H., COSTIL, David L, Fisiologia del Esfuerzo y del Deporte, Barcelona, ed. Paidotribo 16 A prática de um desporto de alta competição, tanto na criança como no adulto, não é uma forma de preservar a saúde; alguns dos efeitos negativos, tanto na criança como no adolescente são o stress competitivo, que gera ansiedade, depressão e frustração, situações de fadiga crónica, geralmente por recuperação insuficiente, alterações no comportamento alimentar, mais prevalentes nas crianças do sexo feminino, lesões musculares e esqueléticas, mais graves nos ossos em crescimento, ou lesões microtraumáticas sobre músculos e articulações, para referir apenas alguns dos mais frequentes. A criança asmática e a prática desportiva A asma brônquica é uma das doenças respiratórias crónicas mais prevalentes, estimando-se que afecte 300 milhões de indivíduos em todo o mundo18, tanto adultos como crianças, e é a doença crónica mais comum na idade pediátrica, atingido entre 10 a 15% das crianças de ambos os sexos: é por isso um importante problema de saúde pública. É uma doença com vários graus de gravidade e várias manifestações fenotípicas, causada por uma inflamação crónica das vias aéreas, que na criança tem habitualmente uma base alérgica, e é mais prevalente e mais difícil de tratar na criança obesa. Exceptuando as asmas crónicas graves e as situações de agudização, 17 estas crianças podem e devem praticar desporto ou outras formas de actividade física; tanto assim é que a asma é ainda mais prevalente nos atletas que na população em geral; não o impedindo de atingir o topo da carreira desportiva, limita-o no seu rendimento, se for negligenciada. Parece haver nos atletas dois fenótipos distintos de asma, a asma clássica, prévia à prática desportiva, e que se iniciou relativamente cedo na infância, e um fenótipo distinto, com início dos sintomas durante a carreira desportiva do atleta19. Deve ainda ser diferenciado, no desportista, a «asma induzida pelo exercício» do «broncospasmo induzido pelo exercício», em indivíduos sem asma, e de mais difícil caracterização. A asma é mais prevalente em atletas de determinados desportos, como desportos de endurance (fundistas), natação ou os desportos de Inverno, e há desportos mais propensos a causar sintomas de asma do que outros. Desportos que obriguem a esforço intenso e prolongado, praticados ao frio ou em meios poluídos (poluição outdoor ou in-door) como ciclismo ou corridas de fundo, corridas de corta mato em épocas polínicas, ou desportos subaquáticos, por exemplo, poderão ser desaconselhados. O mais importante no entanto é que a criança mantenha uma actividade física regular que a afaste do ciclo vicioso de sedentarismo, e em ultima análise deve ser ela a escolher o desporto que gosta e quer praticar. Os treinadores desportivos devem conhecer estas situações, e saber trabalhar com elas; estas crianças não devem ser 18 GINA (Global Initiative for Asthma) 2011, www.ginaasthma.org 18 desencorajadas da actividade física, nem rejeitadas, mas podem não poder realizar os exercícios físicos programados, ocasionalmente excessivos ou desadequados à sua condição física. Não devem ser criticadas por usarem medicação de alívio, antes devem os treinadores saber reconhecer o início de um broncospasmo e incentivar a criança ao uso da medicação inalatória prescrita, e suspender temporariamente os exercícios em curso, ou, em caso de se manter a sintomatologia, a criança deve abandonar o ginásio ou outro local de treino, mas sempre acompanhada. Estas crianças necessitam de um aquecimento mais prolongado, que pode necessitar ser feito in-door, se o desporto é de exterior, bem como um arrefecimento mais gradual. À asma associa-se frequentemente a rinite alérgica; é uma doença muito prevalente na população, afectando entre 10 e 20% dos indivíduos20, e que deve ser devidamente valorizada; estes doentes tem muito frequentemente obstrução nasal, não efectuando o nariz a necessária função de humidificação, aquecimento e filtração do ar inspirado, pelo que a estes jovens desportistas deverá ser facilitada e incentivada a hidratação durante o próprio treino, até com vista a diminuir a probabilidade de aparecimento dos sintomas de asma durante o exercício. As tricloraminas, decorrente da reacção entre o cloro das piscinas e os líquidos orgânicos, suor, saliva ou urina, são inaladas pelos nadadores, podendo desencadear asma, e os nadadores de alta 19 Moreira, A.,Delgado L., Carlsen, K, Exercise-induced asthma: Why is it so frequent in Olympic Athletes?. Expert Rev Resp Med 5(1), 2011 19 competição tem maior prevalência do diagnóstico de asma, de sintomas de asma e de uso de medicação anti-asmática do que a população em geral; vários trabalhos sugerem que a natação não aumenta o risco de asma ou alergias21, sendo actualmente prematuro tirar conclusões sobre associação de natação e asma, até devido à selecção de asmáticos preferencialmente para essa modalidade22. Sendo o karate um desporto de inclusão e de fácil acessibilidade no país, convém que o treinador de karate esteja preparado e seja ele mesmo motor de uma mudança de paradigma, no que respeita à sua popularização como desporto de referência na população de crianças com asma, por reunir em si quase todas as condições e factores determinantes de um bom desporto nesta situação específica. (Nota: este artigo não foi escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.) 20 ARIA (Allergic Rhinitis and its Impact on Asthma Guidelines), 2010 Ribera, L. et all, Swimming pool attendance, Asthma, allergies and Lung Function in the Avon Longitudinal Study of Parents and Child Cohort. AJRCCM, Mar 1, 2011, vol 183, nº5, 582-588 22 Goodman M, Hays S, Asthma and Swimming: a meta-analysis. J Astma, 2008;45:639-647. 21 20