Factores de risco para Acidentes Vasculares Cerebrais 3ª

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Factores de risco para Acidentes Vasculares Cerebrais 3ª
Factores de risco para Acidentes Vasculares Cerebrais
3ª edição (2 de Janeiro de 2011)
Factores de risco definitivos e não modificáveis
Idade
Sexo
Raça
Origem geográfica
Baixo peso ao nascer
Factores genéticos
Factores de risco modificáveis bem documentados
Hipertensão arterial (HTA)
Tabagismo
Diabetes Mellitus (DM)
Dislipidémia
Fibrilhação Auricular (FA)
Estenose Carotídea
AIT ou AVC prévio
Doença de Células Falciformes
Álcool
Obesidade e distribuição abdominal da gordura corporal
Sedentarismo
Nutrição e Dieta
Terapia hormonal de substituição (THS)
Factores de risco potencialmente modificáveis menos bem documentados
Síndrome metabólica
Contraceptivos orais
Gravidez
Drogas de abuso
Síndrome da Apneia de Sono
Enxaqueca
Hiperhomocisteinémia ou hiperhomocistinémia
Lipoproteína(a), razão Apo B/Apo A1 e lipoproteína associada à fosfolipase A2
Outras alterações hematológicas com risco potencial de AVC
Outras cardiopatias e embolismo aórtico
Outras arteriopatias
Inflamação e infecção
Grupo de trabalho:
Carla Ferreira
Fernando Pita
Ivone Ferreira
Miguel Rodrigues
Vítor Tedim Cruz
[email protected]
[email protected]
[email protected]
[email protected]
[email protected]
Braga
Cascais
Viana do Castelo
Setúbal
Stª Maria da Feira
1
Factores de risco para Acidentes Vasculares Cerebrais
1. Introdução
Será pela promoção de saúde e pelo conhecimento dos Factores de Risco Vascular
(FRV) para o Acidente Vascular Cerebral (AVC), pela sua divulgação e
subsequente reconhecimento pela população em geral, pela sua prevenção,
detecção e intervenção terapêutica precoce, que podemos, a longo prazo, diminuir
a incidência do AVC, principal causa de morte e morbilidade em Portugal.
Este trabalho corresponde à actualização do documento sobre Factores de Risco
Vascular para o Acidente Vascular Cerebral.
A primeira versão foi editada em 1995 e disponibilizada na página de Internet do Grupo
de Estudos de Doença Cérebro-Vascular da Sociedade Portuguesa de Neurologia
A segunda versão (mantendo a actual o mesmo grupo de autores) foi editada em
Outubro de 2006, e disponibilizada no site da Sociedade Portuguesa do AVC.
1.1 Definições:
Factor de risco
Risco é a probabilidade de um evento ocorrer.1 Em epidemiologia, é habitualmente
usado para designar a probabilidade de um resultado (outcome) na sequência de uma
exposição.1 Termos como factor de risco, factor de risco modificável, indicador de
risco, determinante de doença e marcador de risco, são utilizados de forma intermutável
e com definições pouco precisas. A definição mais comum de factor de risco, constante
no Dicionário de Epidemiologia, é a seguinte: 1
«Aspecto do comportamento ou estilo de vida, exposição ambiental, característica inata
ou hereditária pessoal ou populacional que, pelas evidências epidemiológicas, se sabe
estar relacionado com um estado de saúde considerado importante para ser prevenido»
2
A referida definição continua listando alguns dos significados atribuíveis ao termo
factor de risco:
- Marcador de risco: um atributo ou exposição que se associa a uma probabilidade
aumentada de doença, mas que não é necessariamente um factor causal.
- Determinante: um atributo ou exposição que aumenta a probabilidade de ocorrência
de doença ou outro resultado de saúde (outcome)
- Factor de risco modificável: determinante que pode ser modificado por intervenção,
reduzindo a probabilidade de doença.
Na presente revisão o termo factor de risco será usado na forma mais alargada, evitando
controvérsias por vezes irresolúveis sobre os diferentes significados do termo.
O risco pode traduzir de forma quantitativa diferentes medidas de associação: 2,3
- Risco absoluto: probabilidade de ocorrência de um evento numa população. É igual à
incidência de uma doença, ou seja, a taxa à qual os indivíduos sem uma doença
desenvolvem essa doença num determinado período de tempo, calculado como: número
de novos casos duma doença num período de tempo / população em risco de
desenvolver essa doença num período de tempo.
- Risco relativo: medida da associação entre uma exposição a um factor e o risco de um
determinado resultado de saúde, calculado como: taxa de incidência de uma doença
entre os expostos / taxa de incidência de uma doença entre os não expostos.
- Risco atribuível na população (RAP): expresso em percentagem, é a proporção de uma
doença que é devida a um determinado factor de risco (risco atribuível) x 100. O risco
atribuível (AR) calcula-se da seguinte forma:
sendo P a prevalência da doença e R o risco relativo da doença, associado ao factor de
risco.
Para demonstração da existência de um factor de risco, é fundamental a execução de
estudos de coorte ou de caso controlo, desenhados de forma rigorosa e cuidadosamente
seleccionados, para a demonstração da associação estatística em causa.
3
No entanto, apenas um ensaio clínico randomizado ou uma meta-análise de ensaios
clínicos tem a capacidade para determinar se a modificação de um factor de risco
(intervenção terapêutica) tem implicações clínicas significativas num resultado de
saúde.4 A bibliografia médica apresenta vários exemplos em que a modificação de um
factor de risco vascular bem documentado (como a hiperhomocisteinémia) não se
reflecte numa diminuição de risco de AVC.5
Diversos níveis de prevenção de doença têm sido apresentados, sendo que o “Center for
Disease Control and Prevention” propôs um esquema de classificação em 3 níveis, para
a prevenção e controlo de doença coronária e vascular cerebral:6
- Promoção de saúde: estratégias desenhadas para uma população inteira,
independentemente do seu estado de saúde ou dos seus factores de risco. O objectivo é
prevenir o desenvolvimento de factores de risco e reduzir os níveis médios de risco da
população.
- Prevenção primária: estratégias direccionadas para indivíduos sem patologia coronária
ou AVC, mas com um ou mais factores de risco importantes e estabelecidos para estas
patologias. Pretende-se prevenir um primeiro evento coronário ou vascular cerebral.
- Prevenção secundária: estratégias direccionadas para pessoas com doença coronária,
equivalente coronário (como diabetes) ou AVC estabelecidos. O objectivo é evitar
eventos recorrentes, ou as suas complicações, e evitar morte prematura.
Na presente revisão serão focadas ambas as formas de prevenção, quando relevante. No
entanto, deve ser considerado que a redução relativa de risco (RRR) é quase constante
para os diversos riscos de base em intervenções não cirúrgicas destinadas a diminuir a
progressão de uma doença.7 Logo em prevenção secundária as mesmas estratégias
utilizáveis na prevenção primária garantem maiores reduções absolutas de risco, sendo
mais custo-efectivas, 8 mesmo que não necessariamente mais eficazes.
4
1.2 Prevalência e incidência do AVC em Portugal
A prevalência de AVC em Portugal foi estimada no concelho de Coimbra em 8% para
9
indivíduos com mais de 50 anos, (sexo masculino: 10,2%, sexo feminino: 6,6%).
Quanto à incidência, calculada a partir do primeiro evento vascular cerebral na vida de
um indivíduo, foi estimada por estudos de base populacional em duas áreas geográficas
no Norte de Portugal (1999-2000): a incidência nas áreas rurais (por 100.000 habitantes)
foi de 202 (IC 95%, 169 a 234) e nas áreas urbanas foi de 173 (IC 95%, 153 a 192),
após ajustamento para idade e sexo para a população padrão Europeia.10
No concelho de Torres Vedras (2000), a mesma estimativa (por 100.000 habitantes) foi
de 217 (IC 95%, 178 a 257).
11
Em ambos os casos a taxa de incidência de AVC é
superior no sexo masculino.
A mortalidade para um primeiro AVC foi de 16,9% aos 28 dias, subindo para 30,1% ao
fim de 12 meses.10
No estudo realizado no Norte de Portugal a incidência dos Acidentes Isquémicos
Transitórios (AIT) foi de 67 casos por 100.000 habitantes nas zonas rurais e 40 casos
por 100.000 habitantes nas zonas urbanas, após ajustamento para idade e sexo para a
população padrão Europeia.
12
No mesmo estudo, a taxa de ocorrência de AVC após
AIT foi de 12,8% aos 7 dias para o total da população estudada e de 20,6% ao fim de 4
meses.
1.3 Quais os principais Factores de Risco Vascular modificáveis para AVC?
Principais FRV biologicamente plausíveis, consistentes entre os estudos e
independentes de outros factores, 13 que têm uma associação forte e causal com o AVC:
Na doença ateromatosa – hipertensão arterial (HTA), hipercolesterolémia,
tabagismo, estenose carotídea e diabetes mellitus (DM).
No embolismo cardíaco – fibrilhação auricular (FA) e doença valvular.
No AVC hemorrágico o peso específico da HTA é muito importante, seguido
pelo álcool,14 angiopatia amilóide no idoso, uso de anticoagulantes, drogas de
5
abuso vasoactivas (como a cocaína), malformações vasculares (MAV) e
hemorragias em lesões tumorais subjacentes.
Na hemorragia subaracnoideia não traumática, frequentemente consequente a
rotura de aneurisma arterial, o factor de risco modificável que se destaca é o
tabagismo, seguido pela HTA e pelo álcool.15
Em termos globais (Mundiais) cinco factores de risco são responsáveis por mais de
80% do risco global (isquémico e hemorrágico) de AVC16:
Variável
Prevalência controlo
Prevalência caso
OR (IC 99%)
RAP (IC 99%)
HTA
32%
56%
2,6 (2,3-3,1)
35% (30–39)
Tabagismo
24%
36%
2,1 (1,7–2,5)
19% (15–23)
Distribuição abdominal da gordura
33%
41%
1,6 (1,4–2,0)
26% (19–36)
Dieta não saudável
30%
35%
1,4 (1,1–1,6)
19% (11–30)
8%
12%
1,4 (1,1–2,0)
28% (14–48)
Ausência de actividade física regular
Com a adição de outros cinco factores de risco, o risco atribuível na população (RAP)
aumenta para 90%16:
Variável
Prevalência controlo
Prevalência caso
OR (IC 99%)
Diabetes Mellitus
12%
19%
1,4 (1,1–1,7)
5% (3–9)
Consumo excessivo de Álcool
11%
16%
1,5 (1,2–1,9)
4% (1–14)
Depressão
14%
20%
1,4 (1,1–1,7)
5% (3–10)
15%
20%
1,3 (1,1–1,6)
5% (2–10)
5%
12%
2,4 (1,8–3,2)
7% (5–9)
33%
47%
1,9 (1,5–2,4)
25% (16–37)
e Stress Psicossocial
Causas Cardíacas*
Razão Apo B/ Apo A1
RAP (IC 99%)
* Causas cardíacas – Fibrilhação ou flutter auricular, enfarte do miocárdio prévio, valvulopatia reumatismal ou prótese valvular.
Factores de risco vascular e risco aditivo
A determinação em cada doente do perfil de risco é extremamente importante na
planificação da intervenção terapêutica. Os riscos são aditivos, há uma sobreposição
sinergística ou complementar na actuação dos diversos FRV na formação de trombose
arterial. Por exemplo, nos doentes diabéticos é tão importante o controlo da glicémia
quanto o controlo rigoroso da tensão arterial e dos níveis de colesterol.17
Foram propostos vários modelos de estratificação de risco de AVC, aplicáveis às
populações estudadas. Baseiam-se em estimativas, partindo dos FRV individuais e
tentando detectar os doentes de alto risco, nos quais será maior o ganho da aplicação de
6
medidas preventivas. Não há no entanto em uso um modelo de predição/estratificação
de risco de AVC devidamente validado e globalmente aceite.18
Doença Vascular e factores de risco como um contínuo:
a) Os FRV actuam antes e após a ocorrência do AVC, sendo um contínuo a
intervenção terapêutica em termos de prevenção primária e secundária.
b) Os FRV mantêm-se importantes e determinando risco vascular a longo prazo, ao
longo de dezenas de anos.19
c) A doença ateromatosa é uma doença sistémica, exercendo os factores de risco
efeito nos diversos leitos vasculares, condicionando compromisso cardíaco,
arterial periférico e cerebral. Não há assim compartimentos estanques, qualquer
intervenção preventiva visa benefícios globais.
d) Não há uma dicotomia estanque tipo “este valor não faz mal, este valor mais
uma décima é um risco”. Existe um contínuo de risco: Uma pequena redução
dos níveis médios de TA ou Colesterol na população, pode acarretar um enorme
ganho na diminuição de incidência do AVC e isso poderá ser feito
progressivamente com simples medidas dietéticas e de manutenção de
actividade física:
A promoção de saúde, com adopção de um estilo de vida saudável:
Não fumar
Manter actividade física
Dieta saudável
Moderar consumo etanólico
Peso óptimo
pode, em termos populacionais, reduzir em 70 a 80% para os homens e em até
80% para as mulheres o risco de primeiro AVC 20
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8
2. Factores de risco definitivos e não modificáveis
Idade.
Os efeitos cumulativos do envelhecimento, associados ao aumento do número de
factores de risco com a idade e ao seu carácter progressivo acrescem substancialmente o
risco de enfarte e hemorragia cerebral. Estima-se que em cada 10 anos depois dos 55
anos, o risco de AVC duplique1. Por outro lado, da combinação entre idade e perfil de
factores de risco associados, resultam grandes diferenças nos tipos de AVC, quando se
comparam pessoas abaixo dos 50 anos, entre os 50 e os 80 anos e com mais de 80 anos2.
Sexo.
Em geral os homens apresentam maior incidência de AVC do que a mulher, para a
mesma idade. A idade média do primeiro AVC no homem é 68,6 anos, enquanto na
mulher é 72,9 anos e a incidência de AVC no homem é 33% mais elevada, embora
existam grandes variações entre escalões etários e populações. Entre os 35 e os 44 anos
as mulheres têm maior incidência de AVC, provavelmente relacionada com a gravidez e
o uso de contraceptivos orais. O AVC tende a ter efeitos mais graves nas mulheres, com
uma fatalidade de 24,7% aos 30 dias contra 19,7% nos homens. 1,3,4
Raça.
Existe uma maior incidência de todos os tipos de AVC na raça negra e nos hispanoamericanos5,6,7. São difíceis de diferenciar factores como a maior prevalência de
hipertensão, obesidade, diabetes e diferenças no acesso aos cuidados, medicação e
educação para a saúde8. Também as diferenças de hábitos nutricionais entre populações
de diferentes raças e localização geográfica podem contribuir para esta diferença9.
Origem geográfica.
A população portuguesa em geral apresenta uma maior incidência de AVC do que
algumas populações europeias1,10. É possível que a diferença de incidência de AVCs
entre populações não seja totalmente explicada pela prevalência de factores de risco
vascular importantes como a hipertensão, diabetes, dislipidemia, tabagismo, fibrilhação
auricular e acidente isquémico transitório.10,11
9
Baixo peso ao nascer.
O Risco de AVC antes dos 50 anos de idade é duas vezes superior nas pessoas com peso
à nascença inferior a 2500 g.12
Factores genéticos.
A existência de história familiar nos pais e irmãos está associada a um maior risco de
AVC. Isto pode acontecer pela transmissão mendeliana (único gene) de doenças
hereditárias raras ou pela transmissão de factores poligénicos como a facilidade de
desenvolver determinados factores de risco vascular (e.g. hipertensão, diabetes,
dislipidemia) ou a susceptibilidade aos seus efeitos.12,13
Doenças monogénicas associadas a AVC afectam sobretudo pessoas mais novas, são
raras, associam-se a um risco muito elevado de AVC e têm diagnóstico molecular.
Incluem nomeadamente o CADASIL (arteriopatia autossómica dominante com enfartes
subcorticais e leucoencefalopatia), doença de Fabry, doenças do colagénio,
neurofibromatose, drepanocitose, coagulopatias e MELAS (encefalopatia mitocondrial
com acidose láctica e episódios tipo AVC).14
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10
3. Factores de risco modificáveis bem documentados
3.1 Hipertensão arterial (HTA)
A classificação da tensão arterial (TA) é baseada na média de duas medições
correctamente realizadas em duas ou mais visitas. Define-se TA normal quando os
valores são de TA sistólica (TAS) <120 mmHg e TA diastólica (TAD) <80 mmHg e
HTA quando TAS ≥140 mmHg ou TAD ≥90 mmHg. Indivíduos com valores
intermédios, denominados pré-hipertensos, têm duas vezes maior probabilidade de
desenvolver HTA.1
A HTA é o FRV mais importante e relevante, sendo forte a associação para todos os
tipos de AVC.2 Tem uma prevalência elevada que aumenta com a idade (de 20% aos 50
anos para 60% aos 90 anos), com riscos relativo de 4,4 e atribuível de 40% nos doentes
com 50 anos2,3 Em Portugal os dados apontam para uma prevalência de 42,1%.4
A associação é forte para todas as formas de HTA – TAS, TAD, TAS isolada. O risco
de AVC duplica com cada aumento de 7,5 mmHg de TAD no ocidente5, mas a HTA
sistólica é um FRV ainda maior do que HTA diastólica.6
A HTA ligeira /moderada, agora denominada HTA estádio 1 (TAS 140-159 mmHg ou
TAD 90-99 mmHg) tem uma prevalência superior à HTA estádio 2 (TAS ≥160 mmHg
ou TAD ≥100 mmHg),1 o que faz com que o risco atribuível à HTA estádio 1 seja
superior ao da HTA estádio 2, apesar de esta ter um risco relativo mais elevado.5
Em 2010, o estudo INTERSTROKE3 confirmou que a HTA é também o factor de risco
para AVC mais importante nos países em desenvolvimento.
O tratamento da HTA reduz o risco de AVC em 38%,2 sendo que o benefício se atinge
rapidamente em três anos.6 Inclusive nos muito idosos está demonstrado um efeito
positivo, sugerindo que não existe um limiar de idade acima do qual não se deva tratar a
HTA.7 Este efeito é contínuo em todo o âmbito de HTA e por cada 3 mmHg de descida
há uma redução de risco de 20%.6
Embora continue o debate sobre eficácias relativas, diuréticos, B-bloqueadores, IECAS,
ARA, antagonistas do cálcio, todos demonstraram reduzir o risco de AVC2.
11
3.2 Tabagismo
O Tabagismo, depois da HTA, é a segunda causa, em termos mundiais, de mortalidade
atribuível a factores de risco modificáveis,8 é um factor de risco major independente
para AVC isquémico, dobrando o risco nos fumadores relativamente aos não
fumadores. O efeito sobre o AVC hemorrágico é inconclusivo2.
Pode contribuir com até 12 a 14% das mortes por AVC.2
Pode potenciar, por efeito sinérgico deletério, o efeito de outros FRV para AVC, como
o uso concomitante de contraceptivos orais.2
Os mecanismos de aumento de risco incluem efeito pró-trombótico, alterações
hemodinâmicas e promoção da doença ateromatosa com estenose arterial.2,9
Estudo de observação demonstrou que o risco aumenta com o número de cigarros
fumados, diminui após a sua interrupção e é reduzido a metade dois anos após a
interrupção, independentemente do número de cigarros fumados e da idade do
fumador.10
O tabagismo passivo (exposição ambiental ao fumo de tabaco) tem uma elevada
prevalência na população em geral e aumenta também o risco de doença vascular.9 Deve
ser equacionado na avaliação global de risco do doente.
Em Portugal, o Inquérito Nacional de Saúde (INS) 1998/99 refere que a prevalência
autoreportada de tabagismo entre os indivíduos com mais de 15 anos é de 19%, sendo
de 29,3% no sexo masculino e 7,9% no sexo feminino.11
3.3 Diabetes Mellitus
De acordo com as definições da OMS, adoptadas pela “International Diabetes
Federation”, considera-se como glicemia em jejum normal, valores <110mg/dl.
Diabético é o doente que apresenta valores ≥126 mg/dl em jejum, em duas ocasiões
diferentes, ou glicemia não em jejum ≥200 mg/dl numa ocasião, confirmada por um
valor em jejum ≥126 mg/dl.12
A prevalência de DM tem vindo a aumentar, acompanhando o rápido crescimento de
obesidade na população. As projecções sugerem que o número total de pessoas com
DM suba de 171 milhões no ano 2000 para 366 milhões em 203013. Os valores actuais
apontam para uma prevalência da ordem dos 10,7%.2 Em Portugal, segundo a
Sociedade Portuguesa de Diabetologia, rondará os 4%.
12
Os doentes diabéticos têm uma maior susceptibilidade à aterosclerose e uma maior
prevalência de factores de risco aterogéneos como HTA (que ronda os 60%) e
dislipidemia.2
Estudos caso-controlo e de coorte confirmaram que DM é um FRV independente para
AVC isquémico, com um risco relativo que varia entre 1,8 e 6 e com um risco atribuível
de 5 a 27%.2,3
Pré diabetes, definida como glicose em jejum de 110 a 126 mg/dl, tem uma prevalência
na população de 2,8% e em múltiplos estudos o risco relativo para AVC isquémico
varia de 1,5 a 2,1. 13
A exposição crónica a concentrações elevadas de glicose, medida pela hemoglobina
A1c, pode ser um factor de risco independente para AVC isquémico em doentes com e
sem DM. 13
O risco de AVC em doentes com DM, pode ser diminuído com tratamento intensivo da
HTA e dislipidemia. O mesmo não acontece com o controlo rigoroso da glicemia,
embora este previna outras complicações. 2
3.4 Dislipidémia
O colesterol total elevado e o colesterol da HDL baixo são factores de risco para AVC
isquémico, bem documentados e modificáveis, em ambos os sexos incluindo pessoas
idosas.2,14,39,40,41 A probabilidade dos doentes com colesterol total >240mg/dl terem um
AVC isquémico é superior ao dobro da probabilidade dos doentes com colesterol total
<240mg/dl.
Estudos populacionais prévios que não encontraram associação entre o nível do
colesterol e a taxa de AVC, não separavam os doentes por tipo de AVC (isquémico
versus hemorrágico). 14
Ensaios randomizados demonstraram que o tratamento com estatinas reduz o risco de
AVC. Como exemplo, o estudo SPARCL demonstrou que a terapêutica com estatina
após AVC isquémico recente ou AIT tem uma significativa eficácia na redução de
eventos coronários (0.65 IC 95% 0.49 a 0.87; P=0.003) e uma eficácia marginal mas
também significativa na redução do AVC recorrente (0.84 IC 95% 0.66 a 0.94; P=0.03),
apesar de um pequeno aumento não significativo, do AVC hemorrágico.15
13
Uma meta-análise de mais de 90.000 doentes incluídos em estudos de estatinas mostrou
que quanto maior a redução no colesterol da LDL maior a redução no risco de AVC
isquémico.39
A prevalência da hipercolesterolemia total em Portugal é de 63.8% para um cut-off de
190mg/dl e 56% para um cut-off de 200mg/dl.17
Alguns autores sugeriram que a associação encontrada, em estudos populacionais, entre
níveis de colesterol baixo e AVC hemorrágico poderá estar na dependência de hábitos
etílicos superiores a 30gr/semana,16 sendo a hipocolesterolémia, tal como o AVC
hemorrágico, um efeito colateral do álcool e não uma causa de AVC hemorrágico. 16
Com os achados do SPARCL, contudo, esta questão permanece por clarificar.
O papel dos triglicerídeos como factor de risco para AVC encontra-se menos bem
documentado18 sendo a sua elevação componente da síndrome metabólica.
Estudos recentes ligaram independentemente, níveis de triglicerídeos elevados (sem ser
em jejum) com AVC isquémico e AVC aterotromboembólico de grandes artérias.39,42,43
3.5 Fibrilhação Auricular
A fibrilhação auricular (FA), persistente ou paroxística, é um factor de risco bem
documentado e modificável de AVC isquémico cardioembólico. Associa-se a um
aumento de risco de AVC de 4 a 5 vezes, após ajustamento para outros FRV.3,19,39
A FA persistente ocorre em doentes com doença cardiovascular, nomeadamente na
doença cardíaca reumática, na valvulopatia mitral não reumática, na cardiopatia
hipertensiva, na doença pulmonar crónica, na tireotoxicose, na comunicação interauricular (CIA) e noutras anomalias cardíacas.20
A avaliação sistemática do pulso nas consultas de rotina seguida de um ECG de 12
derivações nos doentes com pulso irregular resultou num aumento de 60% na detecção
de FA2
A prevalência da FA aumenta com a idade (sendo de 1% na população geral, 5% nos
indivíduos com mais de 65 anos e 10% nos indivíduos com mais de 75 anos.3,14,21
Na população portuguesa a prevalência é de 2.5% em indivíduos com 40 ou mais anos,
sendo de 6.6% no grupo dos 70-79 anos e de 10.4% nos grupos com 80 ou mais anos 44
14
A FA é um potente factor de risco de AVC, aumentando:3,21
a incidência (responsável por cerca de ¼ dos AVC em doentes > 80)
a gravidade ( enfartes maiores e incapacitantes)
a recidiva
a mortalidade.
O risco atribuível na população é de 1.5% dos 50-59 anos, 2.8% dos 60-69 anos, 9.9%
dos 70-79 anos e 23.5% dos 80-89 anos.2
A estratificação do risco de AVC em doentes com FA não valvular pela CHADS2 está
validada e considera 5 preditores independentes de risco de AVC:
insuficiência cardíaca congestiva (ICC)
CHF
hipertensão arterial (HTA)
Hypertension
idade ≥75 anos
Age
diabetes mellitus
Diabetes
AIT/AVC prévio
Stroke or TIA
valendo 1 ponto a idade, a ICC, a HTA e a diabetes e 2 pontos o antecedente de AVC
ou AIT
Os doentes com 0, 1, 2, 3 e ≥ 4 pontos apresentavam uma taxa de AVC de 1.0 , 1.5 , 2.5
, 5.5 e > 7%/ano respectivamente.3
Nos doentes com FA a hipocoagulação oral, com varfarina visando um INR de 2 a 3,
reduz a taxa de AVC isquémico em cerca de 70% e a Aspirina (325 mg/dia) em cerca
de 21%, em comparação com o placebo.19 Adicionalmente a hipocoagulação reduz a
severidade e a mortalidade dos AVC não evitados2.
Para doentes com FA que têm AIT ou AVC apesar de bem hipocoagulados, não há
dados que indiquem que aumentar a intensidade da hipocoagulação faculte protecção
adicional contra eventos isquémicos.
A varfarina também é claramente superior à associação do Clopidogrel com a Aspirina
(ACTIVE W). 2
Ponderando o benefício/risco não há diferença entre AAS e AAS + Clopidogrel em
doentes que não podem ser hipocoagulados (ACTIVE A). 2
Não há evidência de que associar varfarina com antiagregante reduza o risco de AVC
comparado com varfarina isoladamente e há clara evidência de que aumenta o risco
hemorrágico (SPORTIF). 2
Aguarda-se a aprovação dos inibidores directos da Trombina (ex. Dabigatrano) que
oferecem uma potencial alternativa à Varfarina.2
15
3.6 Estenose Carotídea
A estenose carotídea ateromatosa, assintomática e sintomática (existente após AVC,
AIT, ou amaurose fugax do território vascular comprometido), é um factor de risco
modificável. Duplica na população (≈2x) o risco de AVC isquémico independentemente
de outros FRV.2
É uma situação clínica comum, calculando-se que entre 2 a 8% da população tenha uma
estenose carotídea assintomática significativa.2
Em doentes com estenoses moderadas a severas é estimado um risco atribuível na
população de até 10 a 20%,23 com um risco anual de AVC de 8,8% na estenose
sintomática.22. O risco anual de AVC poderá no entanto ser significativamente mais
baixo, inferior a 1%, em doentes com estenose carotídea assintomática submetidos a
terapêutica médica intensiva.45
O risco/benefício de procedimento de revascularização, sendo marginal na estenose
assintomática, é inquestionável na sintomática (entre 70 a 99%),2,9,14,22,23 calculando-se
uma redução de risco relativo de AVC de 44% (21-60%).22 Entre 60 e 95% o risco
aumenta com a gravidade da estenose, diminuindo de novo em valores de estenose
superiores a 95% até à oclusão.3 Nos doentes sintomáticos a eficácia dos procedimentos
de revascularização é superior com a proximidade temporal da execução do
procedimento relativamente à ocorrência do evento.9
O papel da doença ateromatosa extracraniana vertebrobasilar e das estenoses
intracranianas como factores de risco para AVC encontra-se menos bem
documentado,9 tal como o valor preditor independente, relativamente ao AVC, da
espessura intima-média como marcador de doença ateromatosa.2
16
3.7 Acidente Isquémico Transitório (AIT) ou Acidente Vascular Cerebral (AVC)
prévio
O risco de ocorrência de AVC encontra-se substancialmente aumentado após um AVC
prévio ou um AIT (com quem compartilha os mecanismos fisiopatológicos)2.
Também a ocorrência de doença coronária, enfarte agudo do miocárdio ou doença
arterial periférica, enquanto marcadores de doença ateromatosa, são preditores de AVC,
mas mais frequentemente as recorrências atingem o mesmo leito vascular.24
O risco de recorrência a curto prazo de AVC é muito alto (até 19,5% aos 90 dias) e o
seu impacto é mais devastador com o dobro da mortalidade (41% versus 22%). O risco
diminui ao longo do tempo, estabilizando nos 5% por ano, após o primeiro ano.23
O AIT é uma janela de oportunidade num doente que se mantém integro.
Indica um elevado risco de AVC, sendo o risco maior da sua ocorrência no período
próximo (até 12.8%, IC 95% 7.3 a 18.3) aos 7 dias.25
Obriga à investigação etiológica urgente para intervenção terapêutica em tempo útil.
A intervenção diagnóstica e terapêutica precoce pode proporcionar uma redução do
risco de AVC em até 80%.46 Clinicamente o instrumento de estratificação de risco (de
AVC após AIT) validado mais utilizado é o score ABCD2, consiste47:
Idade – Age
≥ 60 anos
1 ponto
T.A. – Blood pressure
≥ 140/90
1 ponto
Clínica
Parésia unilateral
1 ponto
Alt. da fala sem parésia
1 ponto
≥ 60’
2 pontos
10-59’
1 ponto
Duração
Diabetes
1 ponto
Propondo-se a seguinte conduta consoante o score:
0-3 (baixo risco de AVC – 1% às 48 horas) – consulta de AIT
4-5 (risco intermédio de AVC– 4,1% às 48 horas) – internamento para
investigação e eventual trombólíse ou consulta de AIT (se resposta imediata)
6-7 (alto risco de AVC – 8,1% às 48 horas) - internamento para investigação e
eventual trombólíse
17
3.8 Doença de Células Falciformes
Esta entidade compreende os doentes com mutações em dois alelos da beta-globina,
sendo pelo menos uma delas a mutação que origina a Hemoglobina S (HbS). Em mais
de metade dos casos são homozigóticos para a HbS (Anemia de Células Falciformes) e
os restantes são heterozigóticos de HbS com outros tipos de hemoglobinopatias
afectando a beta-globina (beta-talassémias, HbC, persistência de Hb fetal, HbE, HbD,
Los Angeles, HbO árabe, HbG-Filadélfia).26
A prevalência da Doença de Células Falciformes está estimada em 0,25% nas
populações Afro-americanas.9 As crianças com esta doença têm um risco relativo de
AVC isquémico de até 410 vezes, quando comparadas com crianças sem esta patologia.
O risco de AVC é maior na primeira década de vida, com 11% dos doentes a sofrer um
AVC até aos 20 anos e 24% até aos 45 anos. A prevalência de enfartes silenciosos
nestas crianças pode chegar aos 35%. Dois terços dos doentes têm uma recorrência de
AVC, geralmente 2 a 3 anos depois do primeiro evento.27
O estudo STOP demonstrou que crianças e adolescentes entre 2 e 16 anos, com Anemia
de Células Falciformes ou associação da heterozigotia para Doença de Células
Falciformes e beta-talassémia major, com velocidade média de fluxo na artéria cerebral
média > 200 cm/s medida por Doppler transcraniano (DTC) e sem AVC prévio, tinham
uma redução relativa de risco de AVC isquémico de 91% (p<0,002) com transfusões
frequentes.28 Pode também ser utilizada uma velocidade de pico sistólico de 250 cm/s
como limiar.2 Um estudo subsequente (STOP II) pretendia averiguar a segurança da
suspensão das transfusões após 30 meses de terapêutica. Este estudo foi interrompido
prematuramente quando se demonstraram maus resultados (aumento da velocidade
média de fluxo na artéria cerebral média e eventos vasculares recorrentes) no grupo de
doentes que suspendeu as transfusões.48
Um estudo subsequente nos EUA demonstrou que, em crianças com Anemia de Células
Falciformes ou Doença de Células Falciformes associada Beta-talassémia major,
seguidas até a um máximo de 20 anos de idade, o uso de DTC aumentou
significativamente desde o estudo STOP, mas as crianças residindo mais longe dos
centros que oferecem este exame eram sistematicamente subavaliadas. Foi também
demonstrado na mesma coorte que após a implementação do rastreio sistemático com
DTC, apenas 1 criança que recusou programa de transfusão crónico teve AVC (taxa
18
anual de AVC 0,19 por 100 pessoas-ano) enquanto na fase pré rastreio ocorreram 4
AVCs nestas crianças (taxa anual de AVC 0,44 por 100 pessoas-ano).49
Demonstrou-se igualmente que o uso de hidroxiureia na Doença de Células Falciformes
também diminui as velocidades de fluxo nas artérias cerebrais média, podendo ser uma
alternativa às transfusões crónicas.50 Estão em curso estudos para verificar se é seguro
passar os doentes do programa de transfusões para hidroxiureia e o transplante de
medula óssea é promissor.3 No entanto o uso de hidroxiureia sem monitorização por
DTC pode não garantir uma diminuição de risco de AVC.51 Por outro lado o seguimento
de crianças com Doença de Células Falciformes e já com pelo menos um episódio de
AVC demonstrou que o programa de transfusões crónicas como prevenção secundária
de AVC parece pouco eficaz, com 17,5% a ter um AVC sintomático recorrente e 27,5%
a apresentar novas lesões vasculares assintomáticas, justificando-se investigação de
novas terapêuticas.52 Justifica-se também a investigação da capacidade de outros
exames, além do doppler transcraniano, para prever melhor o risco de AVC nesta
população.2
Assim aconselha-se que crianças com anemia de células falciformes sejam examinados
com doppler transcraniano a partir dos 2 anos. Apesar de o intervalo entre avaliações
não estar estabelecido, é razoável que as crianças mais jovens e as que tenham
velocidades no doppler transcraniano perto do limiar sejam rastreados com mais
frequência para detectar o desenvolvimento de alterações que motivem intervenção.2
3.9 Álcool
A relação entre o consumo de álcool e o risco de AVC (todos os tipos) tem sido difícil
de estabelecer pelas diferentes definições e metodologias dos estudos, mas a relação
parece não ser linear.29
O consumo moderado (1 a 30 bebidas por mês) será protector para o AVC
isquémico.2,3,30 Quando comparado com abstinência, o consumo de >6 bebidas (1
bebida = 12 g) por dia apresentou um risco relativo de 1,64 (IC 95%, 1,39 a 1,93) e o de
1 bebida por mês a 2 bebidas por dia o de 0,68 (IC 95%, 0,47 a 0,98).30
O tipo de bebida alcoólica pode influenciar o risco, sendo este efeito protector mais
consistentemente encontrado para vinho e em menor grau para a cerveja, do que para
outras bebidas.2
19
Para o AVC hemorrágico já não se verifica essa relação em J, aumentando o risco de
AVC com o consumo de álcool.3
3.10 Obesidade e distribuição abdominal da gordura corporal.
O excesso de peso está associado, de forma proporcional, a um maior risco de AVC,
para além de se associar também a hipertensão, diabetes e dislipidémia. Os indivíduos
com um índice de massa corporal (IMC - peso em kg / dividido pelo quadrado da altura
em metros) superior a 25 são considerados com excesso de peso. O risco relativo de um
IMC >30 é de 1,8 a 2,4.22 A distribuição de gordura abdominal (perímetro da cintura >
102 cm no homem ou > 88 cm na mulher) também está associada a maior risco de AVC
(RR 2,33 IC 95% 1,25 a 4,37).3,9,14 Os marcadores de distribuição abdominal de gordura
apresentam uma relação forte com o risco de AVC e AIT independente de outros
factores de risco vascular (perímetro abdominal OR 4.25 IC 95% 2,65 a 6,84; relação
perímetro-altura OR 4.67, IC 95% 2,82 a 7,73). 53
3.11 Sedentarismo.
Define-se sedentarismo como menos de 4 horas por semana de caminhada, ciclismo ou
jardinagem ligeira. A actividade física é benéfica na prevenção do AVC e na correcção
de muitos dos factores de risco vascular (hipertensão, diabetes, dislipidémia).9 Os
indivíduos com actividade física moderada têm um risco relativo de AVC de 0,87 (IC
95% 0,79 a 0,95). Aqueles com muita actividade física (mais de 3h semanais de corrida,
natação, jardinagem pesada ou actividade desportiva) têm um risco relativo de 0,79 (IC
95% 0,69 a 0,91) de ter um AVC.31,32 Tem-se tornado claro, que qualquer tipo e
quantidade de actividade física é benéfica e que esse benefício é proporcional à
quantidade de exercício efectuado.54
3.12 Nutrição e Dieta.
Podem influenciar o risco de AVC por vários mecanismos, nomeadamente pela redução
de alguns factores de risco vascular importantes como a hipertensão, diabetes e
dislipidémia.
20
Frutas e vegetais. O risco de AVC pode baixar cerca de 11% por cada porção diária
adicional de frutas na dieta (RR 0,89 IC95% 0,85 a 0,93),
31
5% por cada porção de
fruta e vegetais (RR 0,95 IC 95% 0,92 a 0,97) e 3% por cada porção de vegetais (RR
0,97 IC 95% 0,92 a 1,02).31,33
Minerais. O consumo de dietas pobres em sódio e ricas em potássio, magnésio ou
cálcio (produtos lácteos pobres em gordura) tem um efeito protector para o AVC.34
Gorduras. Existe benefício para a prevenção do AVC do consumo de dietas pobres em
gorduras saturadas, gorduras trans (hidrogenadas naturais e industriais) e colesterol. O
consumo privilegiado de gorduras poli-insaturadas, não hidrogenadas e ácidos gordos
tipo ómega-3 é protector.
A ingestão de gorduras animais saturadas e monoinsaturadas abaixo de 20 g por dia
pode aumentar o risco de hemorragia intracerebral.34
Outros elementos da dieta. Existe benefício para a prevenção do AVC do consumo de
cereais integrais e fibras. O consumo semanal de peixe também diminui o risco (RR
0,66 IC 95% 0,51 a 0,87).
O consumo de flavonóides em geral e nomeadamente do chocolate, cacau e chá (preto e
verde) é protector, reduzindo a prevalência de AVC nas populações (OR 0,56 IC 95%
0,36 a 0,89, para mais de 150g de chá por mês).35,36 O consumo de alimentos ricos em
antocianidinas (flavonóides dos mirtilos, framboesas e vinho tinto) associa-se a uma
redução do risco de doença cerebrovascular ( RR 0.91, IC 95% 0.83 a 0.99). Os
alimentos individuais, ricos em flavonóides, que demonstraram diminuição de risco de
AVC foram: farelo, maçãs, peras, vinho tinto e o chocolate.55,56
O consumo moderado de álcool (< 12g/dia) reduz o risco de AVC isquémico (RR 0,8
IC 95% 0,67 a 0,96).31 (ver 3.9).
As dietas devem ser pobres em sódio e gorduras saturadas. Os padrões dietéticos ricos
em vegetais, legumes, fruta, peixe, cereais, azeite e produtos lácteos pobres em gordura
reduzem o risco de AVC.19,34,35
21
3.13 Terapia hormonal de substituição (THS)
Dados de estudos de observação sugeriam que o uso de THS estava associado a uma
diminuição de risco de AVC. Na realidade está associada a um aumento de risco.2,38
Um estudo observacional recente confirmou aumento de risco de AVC com THS por
via oral ou transdérmica de dose elevada, mas não por via transdérmica com baixa
dose.57
O uso de raloxifeno e tibolona também aumenta o risco de AVC. 2.
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24
4. Factores de risco potencialmente modificáveis menos bem documentados
4.1 Síndrome metabólica
A terminologia síndrome metabólica refere-se à conjunção de uma série de factores de
risco de doença cardiovascular, cuja fisiopatologia subjacente se supõe relacionada com
resistência à insulina.1
Existem várias definições da síndrome metabólica tais como a do “National Cholesterol
Education Program – NCEP – ATP III”. Mais do que 3 dos seguintes:2
1) Distribuição abdominal da gordura com circunferência da cintura >102 cm no
homem e 88 cm na mulher
2) Triglicerídeos >150 mg/dl
3) HDL colesterol < 40 mg/dl no homem e 50 mg/dl na mulher
4) TA ≥130/ ≥85 mmHg;
5) Glicose em jejum ≥110 mg/dl.
Também a OMS e a “International Diabetes Federation” propuseram critérios de
diagnóstico.3
A prevalência da síndrome metabólica é de 23,7% nos EUA, sendo um forte preditor de
doença coronária, doença cardiovascular e mortalidade. Pode estar associada a um
maior risco de AVC nas mulheres.2,32 A associação ao AVC é um importante problema
de saúde pública.2,4, De salientar, no entanto, que os dados encontrados não revelam que
o risco comportado pela síndrome metabólica seja superior ao da soma dos seus
componente 1,2.
4.2 Contraceptivos Hormonais
As estimativas de incidência de AVC em mulheres jovens variam de 0,9 a 10 por
100.000.2 O uso de contraceptivos orais está associado a um risco relativo de 2,1 (IC
95%, 1,5 a 3,1)5 com risco atribuível de 19% nas mulheres entre os 22 e os 44 anos. De
qualquer forma, esse risco é mínimo em termos globais, menor do que a taxa de
mortalidade por gravidez nos Estados Unidos.2 Em alguns grupos de mulheres tais
como, idade superior a 35 anos, fumadoras, com HTA, com DM, obesas, com
enxaqueca com aura, presença de trombofilias como o Factor V Leiden e a homozigotia
677T da MTHFR, o risco relativo de AVC com o uso de contraceptivos orais aumenta.5
25
Nesta data, não existem ainda dados comparativos entre contracepção hormonal por via
oral e transdérmica ou de libertação vaginal.2
4.3 Gravidez
Estudos de registos hospitalares demonstram que a gravidez triplica o risco de se ter um
AVC. A incidência de AVC está aumentada principalmente no período periparto e
puerpério e é de 34,2 por 100 000 partos (IC 95%, 33,3 a 35,1). Há a considerar factores
de risco para AVC na gravidez (como enxaqueca com aura, trombofilia, doença
cardíaca, HTA, trombocitopenia, idade acima 35 anos) e complicações da gravidez
(eclampsia, pré-eclampsia severa, hemorragia pós parto, alterações electrolíticas,
infecção).6
4.4 Drogas de abuso
Estudos caso-controlo têm identificado aumento da incidência de AVC em
consumidores de drogas como heroína, cocaína, anfetaminas, PCP, LSD (AVC
isquémico e hemorrágico) e marijuana (AVC isquémico).7 Num estudo o risco
aumentou 6,5 vezes (IC 95%, 3,1 a 13,6) em todas as idades, com um risco relativo de
11,2 (IC 95%, 3,2 a 42,5) em doentes com menos de 35 anos.2 Os mecanismos
envolvidos incluem vasospasmo, embolia cardíaca, dissecção, vasculite, arterite séptica
e rotura de MAV por aumento brusco de TA.8 A maior parte dos AVC ocorrem nas
primeiras 3 horas após o consumo. 8
4.5 Síndrome da Apneia de Sono
A síndrome da apneia de sono é muito frequente, atingindo até 2% a 4% dos adultos de
meia idade.2,9
Na poligrafia de sono, define-se apneia como a paragem de fluxo de ar pelo nariz e boca
por um período de pelo menos 10 segundos e hipopneia como uma redução superior a
30%, relativamente ao estado basal, também por um período de 10 segundos,
condicionando uma desaturação de pelo menos 4% de O2.9 O Índice de
Apneia/Hipopneia (IA) quantifica o número de episódios por hora, considerando-se
anormal um IA superior a 5/hora.10
26
Estudos epidemiológicos sugerem que a roncopatia enquanto marcador de apneia do
sono é um factor de risco independente (da idade, HTA, doença coronária e obesidade)
para AVC.2,9
Estudos com registo poligráfico de sono dão-nos um risco relativo de AVC de 1,58 (IC
95%, 1,02 a 2,46).11 Um estudo comunitário recente demonstrou que em homens com
apneia de sono moderada a grave o risco de AVC triplica. Nas mulheres o aumento de
risco só se verificou para formas graves de apneia de sono.12
Os mecanismos subjacentes ao aumento de risco de AVC são multifactoriais, incluíndo
HTA, alteração da hemodinâmica cerebral com compromisso da autoregulação,
embolismo paradoxal via foramen ovale permeável (FOP), arritmias cardíacas,
hipercoagulabilidade e aterogénese.2,9
4.6 Enxaqueca
A enxaqueca é uma doença benigna e comum, afecta cerca de 12% da população
mundial, atinge as mulheres com aproximadamente o dobro da frequência dos homens,
é paroxística e recorrente. Pode ser precedida ou acompanhada por fenómenos de
disfunção neurológica (aura).13
Embora o risco absoluto, seja pequeno, 18 por 100.000, a enxaqueca tem sido
consistentemente associada a AVC na mulher jovem. O risco atribuído associando
enxaqueca em geral a AVC é de 2,16 (IC 95%, 1,89 a 2,48).14 O risco é maior na
enxaqueca com aura, principalmente se associada ao tabagismo e ao uso de anovulatório
oral (RR 34,4; IC 95%, 32,7 a 36,1).13
Outros parâmetros que aumentam o risco de AVC são uma frequência de cefaleia
superior a 12 crises por ano e um inicio recente, inferior a um ano. Não foi no entanto
demonstrada associação entre a severidade das crises e o AVC.2
Raramente a enxaqueca faz parte dos sintomas de uma entidade nosológica que causa
AVC, como o CADASIL ou o MELAS. Pode levantar problemas de diagnóstico
diferencial com AVC ou AIT, como acontece na enxaqueca hemiplégica familiar ou na
aura sem cefaleia. Pode, pelo contrário, ocorrer na fase aguda de um AVC.13
Fisiopatologicamente, os mecanismos de aumento de risco de AVC nos doentes com
enxaqueca passam pela diminuição da perfusão cerebral por vasoespasmo e outras
alterações hemodinâmicas (principalmente na circulação posterior), aumento de
27
agregação plaquetária e embolismo paradoxal (em doentes com FOP, que tem uma
prevalência aumentada em doentes com enxaqueca com aura). 2,13
4.7 Hiperhomocisteinémia ou hiperhomocistinémia
O aumento de homocist(e)ína sérica total altera a função endotelial, aumenta o “stress”
oxidativo no endotélio vascular e promove a inflamação e a hipercoagulabilidade,
motivo pelo qual existe plausibilidade biológica para o incluir como factor de risco
vascular.15
Não existe um valor que sirva de ponto de corte para definir o aumento sérico de
homocisteína. Os estudos observacionais utilizam definições operacionais, comparando
quartis ou outros percentis. O ensaio clínico randomizado VISP utilizou como ponte de
corte o último quartil da população Norte Americana com AVC, sendo esse valor 9,5
µmol/L para os homens e 8,5 µmol/L para as mulheres.16
Em 6 estudos prospectivos que estudaram a relação entre homocisteína sérica total e
AVC isquémico, 3 mostraram associações significativas (estimativas de risco de 1,8, 2,5
e 4,7), enquanto outros 3 não mostraram esta associação.15 Para mais, estudos de
associação genética que analisaram o genótipo da enzima MTHFR demonstraram que o
genótipo TT produz um aumento dos níveis séricos de homocisteína e um maior risco
de AVC (OR=1,26; IC 95%, 1,14 a 1,40) que o genótipo CC.17
A redução moderada dos níveis de homocisteína sérica total em indivíduos com
hiperhomocisteinémia e AVC isquémico recente não diminuiu, no entanto, o risco de
eventos vasculares em geral e de AVC isquémico em particular. 16
O estudo VITATOPS, mais recente, demonstrou que o uso de vitaminas do grupo B na
prevenção secundária de AVC permite uma diminuição média dos níveis de
homocisteína de 3,8 µmol/L ainda que o uso destas vitaminas versus placebo não se
tenha associado a uma redução significativa da ocorrência de AVC, enfarte de
miocárdio ou morte vascular (respectivamente 15% e 17% para vitaminas e placebo,
p=0,05).33
O papel do uso de algumas vitaminas (ácido fólico, vit. B12, vit. B6) sobre as doenças
cardíacas e cerebrais vasculares é mal compreendido: Apesar da redução dos níveis de
homocisteína, a suplementação vitamínica não exerce efeitos significativos sobre risco
vascular. Por outro lado, apesar de alguns hipolipemiantes aumentarem os níveis de
homocisteína em pacientes diabéticos, não há provas de que esse aumento atenue os
28
efeitos benéficos desses tratamentos sobre o risco vascular. Devido a estas incertezas e
apesar de ser um factor de risco vascular comprovado, os dados disponíveis colocam
dúvidas sobre a avaliação de rotina e tratamento dos níveis elevados homocisteína para
prevenir doenças vasculares.34
4.8 Lipoproteína(a), razão Apo B/Apo A1 e lipoproteína associada à fosfolipase A2
A lipoproteina(a) [Lp(a)] é um complexo lipoproteico, com propriedades
proaterogénicas e protrombóticas, facilitando o depósito de colesterol na parede da
artéria e inibindo a activação do plasminogéneo.2
É um preditor independente de AVC18, nomeadamente se relacionado com doença
aterotrombótica de grandes vasos e o seu nível é associado com a severidade da
estenose carotidea e das grandes artérias intracraneanas 2.
Considerável evidência sugere que valores altos de Lp(a) aumentam o risco de AVC
isquémico, sendo referidos uma prevalência de 20% nos homens com mais de 65 anos,
um risco atribuível na população de 6.8% (IC 95%, 1.3-12.4) e um risco relativo para
AVC de 1.22 (IC 95%, 1.04-1.43)2
Os níveis elevados de Lp(a) podem ser reduzidos em 25% com niacina. No entanto a
sua efectividade não está bem estabelecida e são necessários estudos para determinar se
a redução da Lp(a) reduz o risco de AVC.2
Na última década tem sido estudada a razão Apo B/Apo A1, considerando que a Apo B
reflecte as lipoproteinas aterogénicas e a ApoA1 reflecte a HDL.
A concentração plasmática de Apo B foi referida como o melhor preditor lipídico de
doença coronária e em 286 doentes com AIT, previamente avaliados e seguidos durante
10 anos, a elevação da razão Apo B/Apo A1 foi um factor de risco de AVC
subsequente.17
A razão Apo B/Apo A1 elevada é um preditor independente de AVC isquémico mesmo
em indivíduos idosos(>70 anos)35
No estudo Interstroke36 a razão Apo B/Apo A1 integra o grupo de factores de risco
significantes de AVC com um OR 1.89 (IC 99% 1.49-2.4) e um risco atribuível na
população de 24.9%, (IC 99% 15.7-37.1)
29
A lipoproteína associada à fosfolipase A2 (Lp-PLA2) é uma lipase da serina,
independente do cálcio, associada à LDL.
Níveis plasmáticos elevados de Lp-PLA2 associam-se a um aumento de risco de eventos
cardiovasculares e de AVC isquémico, independentemente de outros factores de risco.2
Os níveis da Lp-PLA2 podem ser reduzidos com estatinas, fenofibrato e ß-bloqueantes.
No entanto não há estudos demonstrando que a redução dos níveis da Lp-PLA2 reduz o
risco de AVC isquémico.2
4.9 Outras alterações hematológicas com risco potencial de AVC
Para além da doença de células falciformes (ver 3.8), cabem nesta categoria a
alteração do volume celular total, as alterações da coagulação, e as alterações da
fibrinólise. Está calculado que corresponda a cerca de 1% do total das causas de AVC
em registos populacionais e hospitalares e a cerca de 2 a 6% dos AVCs em doentes com
menos de 50 anos.19
Alterações do volume celular total
A Policitémia Vera (PV) tem um elevado risco de eventos trombóticos, calculado em
cerca de 41% na história destes indivíduos. Aproximadamente 70% dos eventos
trombóticos no momento do diagnóstico de PV são AVC ou AIT.20 Quanto à
policitémia secundária, é questionável o seu valor como factor de risco independente
para eventos trombóticos de qualquer tipo.19
A trombocitose, quer na forma de trombocitémia essencial ou associada a síndromas
mieloproliferativas,
associa-se
com
frequência
a
complicações
vasculares,
nomeadamente AVC isquémico e trombose venosa cerebral. A trombocitose secundária
não parece ser um factor de risco independente para doença vascular cerebral.19
Alterações da coagulação
Dos principais estados de hipercoagulabilidade (ou trombofilia) congénitos ou
adquiridos, apenas a presença de anticorpos anti-fosfolípidos parece ter relação com
trombose na vertente arterial.2
30
Anticorpos antifosfolípidos
Os anticorpos antifosfolípidos são auto-anticorpos adquiridos dirigidos contra os
fosfolipídos ou contra o complexo fosfolipído-proteína. A síndrome antifosfolípido
(SAF) é uma doença auto-imune sistémica caracterizada por níveis elevados de
anticorpos antifosfolípidos em associação com pelo menos um episódio clínico de
trombose arterial, venosa ou de pequenos vasos em qualquer tecido ou órgão ou
morbilidade na gravidez (morte fetal inexplicável, parto prematuro devido a (pré)eclâmpsia, insuficiência placentária ou abortos espontâneos inexplicáveis de repetição).
De acordo com os critérios de consenso internacionais os achados laboratoriais devem
estar presentes em duas ou mais ocasiões com, pelo menos, 12 semanas de intervalo. A
fisiopatologia do estado pró-trombótico na SAF, que está associado a um aumento do
risco de recorrência venosa e eventos tromboembólicos arteriais, é ainda debatida, mas
pensa-se que resulte principalmente da activação de células endoteliais e plaquetas por
anticorpos antifosfolípidos.37
A prevalência de anticorpos anticardiolipina é de até 19,7% no homem e de até 17,6%
na mulher.21 O risco relativo de AVC não é significativo no homem e é significativo na
mulher (RR=1,9; IC 95% 1,1 a 3,5), resultando num risco atribuível na população
feminina de 14%.2
Deficiência de proteína C
A proteína C é uma proteína vitamina K-dependente, que circula no sangue na forma
inactiva. A proteína C activada (PCA) inibe a formação de coágulos por degradação
proteolítica dos factores V e VIII activados. A deficiência hereditária de proteína C, que
se estima existir em 0,2 a 0,5% da população em geral, resulta num estado de
hipercoagulabilidade e associa-se a um risco aumentado de eventos trombóticos
venosos. Muitas mutações diferentes foram identificadas no gene que codifica a
proteína C, resultando em vários tipos de deficiência. A maioria dos doentes tem uma
deficiência heterozigótica de proteína C, com um nível de proteína C de cerca de 50%
do normal. Em adultos, não se provou existir associação entre a deficiência desta
proteína e eventos cerebrais arteriais, ainda que nas crianças com um primeiro AVC e
deficiência de proteína C parece haver um risco aumentado de AVC recorrente.37
31
Deficiência de proteína S
A proteína S, também uma proteína vitamina K-dependente, é um co-factor no processo
de inactivação proteolítica do factor Va e VIIIa pela PCA e exerce um efeito inibidor na
cascata de coagulação. Várias mutações têm sido descritas na deficiência hereditária de
proteína S. Os raros casos relatados com homozigotia ou heterozigotia composta da
deficiência de proteína S apresentam uma doença trombótica grave na criança. A
deficiência de proteína S heterozigótica é a mais frequente e associa-se a um risco
elevado de tromboembolismo venoso. Não parece haver relação entre a deficiência de
proteína S heterozigótica e eventos arteriais em qualquer idade.37
Deficiência de antitrombina (anteriormente designada antitrombina III)
A antitrombina é um inibidor da protease da serina, que inactiva a trombina bem como
outras enzimas da coagulação, incluindo factores X, IX, XI e XII activados. Funciona
assim como um anticoagulante natural. Foram identificadas várias mutações no gene da
antitrombina que podem causar a sua deficiência. O padrão de hereditariedade é
geralmente autossómico dominante. A deficiência de antitrombina resulta num estado
de hipercoagulabilidade e associa-se a um risco aumentado de tromboembolismo
venoso. No entanto não existem provas substanciais da associação entre a deficiência de
antitrombina e o risco de eventos isquémicos arteriais, incluindo acidente vascular
cerebral.37
Factor V de Leiden (FVL)
A mutação do FVL (1691 G>A) é uma mutação comum do gene que codifica o factor V
da coagulação, resultando na resistência à degradação do factor Va pela PCA. A
resistência à PCA, devido à mutação do FVL ou causada por outros factores genéticos
ou adquiridos, é o factor de risco independente mais conhecido para trombose venosa.
Estima-se que o risco de trombose venosa seja 5 a 7 vezes superior em portadores
heterozigóticos e 50 a 100 vezes em homozigóticos. Não foi encontrada qualquer
associação significativa e consistente entre a mutação do FVL e o risco de acidente
vascular cerebral arterial isquémico em adultos.37
Mutação G20210A da protrombina
A mutação G20210A na região 3' não traduzida do gene da protrombina resulta em
níveis plasmáticos elevados de protrombina (Factor II), precursora da trombina.
32
Indivíduos portadores desta mutação, em especial indivíduos homozigóticos, têm até
três vezes maior risco de trombose venosa. A associação entre a mutação G20210A da
protrombina e o risco de acidente vascular cerebral isquémico foi avaliada
prospectivamente. Enquanto numa metanálise de 10 estudos a estimativa não foi
estatisticamente significativa, uma metanálise maior de 19 estudos caso-controlo
mostrou uma associação modesta, mas estatisticamente significativa.37
Proteína Z
A proteína Z é uma glicoproteína vitamina K-dependente que funciona como co-factor
na inibição do factor X activado, através de um inibidor da protease proteína Zdependente. Estudos fisiopatológicos sugerem que a proteína Z pode exercer um efeito
anticoagulante bem como pró-coagulante. Os resultados de vários estudos de casocontrolo não suportam a teoria de associação entre níveis de proteína Z e trombose
venosa. Vários estudos de caso-controlo examinaram a associação entre níveis de
proteína Z e acidente vascular cerebral, com resultados contraditórios. Em alguns
estudos, baixos níveis plasmáticos de proteína Z associaram-se a risco aumentado de
AVC isquémico, enquanto outros grupos encontraram um aumento do risco de acidente
vascular cerebral com níveis elevados de proteína Z, ou nenhuma relação. No estudo
prospectivo ARIC, de grandes dimensões, não houve associação estatisticamente
significativa entre os níveis de proteína Z e acidente vascular cerebral.37
Trombofilia e embolia paradoxal
No entanto, os vários estados de hipercoagulabilidade determinados geneticamente
(nomeadamente factor V de Leiden e mutação 20210 da protrombina) parecem ser mais
frequentes em doentes com AVC e Foramen Ovale Patente (FOP), comparado com
doentes com AVC sem FOP. Este facto sugere um risco aumentado de AVC quando
ambas as condições estão presentes em comparação com cada uma delas isolada,2
assumindo-se que a hipercoagulabilidade predispõe ao embolismo paradoxal através do
FOP.22,37
Em doentes com AVC ou AIT e uma causa de trombofilia hereditária identificada
devem ser investigadas de forma completa as hipóteses alternativas para a etiologia do
evento isquémico arterial, sendo essencial uma avaliação para determinar a presença de
trombose venosa profunda com eventual embolismo paradoxal.23
33
Alterações da fibrinólise
A disfibrinogenémia é a única alteração da fibrinólise que se considera como tendo uma
relação provável com AVC isquémico. A deficiência de plasminogénio, a deficiência do
activador do plasminogénio, a deficiência de factor XII e a deficiência de pré-calicraína
são consideradas como de relação duvidosa com AVC isquémico.19
Quanto aos níveis séricos de fibrinogénio, uma análise combinada de 3 estudos
prospectivos demonstrou que níveis acima da mediana aumentam ligeiramente o risco
relativo de AVC isquémico (HR=1,21; IC 95%, 1,01 a 1,44, após ajuste para variáveis
confundidoras). Esse aumento de risco é mais forte para os AVC não lacunares. A
associação entre níveis crescentes de fibrinogénio e AVC isquémico é linear.24
Outros factores de risco emergentes
Existem dúvidas sobre a existência de risco aumentado de AVC em alterações da
hemostase como o aumento dos níveis do factor de Von Willebrand (pela diminuição
dos níveis séricos de uma metaloprotease), o activador do inibidor do plasminogénio-1
(PAI-1), activador do plasminogénio tissular, factores V, VII, e VIII, D-dímeros,
fibrinopéptido A e fragmentos 1 e 2 da protrombina.17, 37
A maioria dos indivíduos com uma alteração única da coagulação não desenvolve
eventos trombóticos. Em muitos casos de trombose venosa, está envolvido mais de um
factor predisponente, por exemplo, uma trombofilia hereditária em combinação com
outro factor de risco, tais como cirurgia, gravidez, traumatismo ou imobilização. Para
muitas das alterações da coagulação o risco de acidente vascular cerebral isquémico
arterial, se existe, é modesto. No entanto, alguns estudos indicam que distúrbios da
coagulação que, individualmente, têm pouca ou nenhuma influência, se associam a um
risco aumentado de AVC em coexistência com outro factores de risco.37
4.10 Outras cardiopatias e embolismo aórtico
Para além da fibrilhação auricular, outras doenças cardíacas ou do arco aórtico podem
ser causas de embolia cerebral, podendo o cardioembolismo ser responsável por até
40% dos AVC’s criptogénicos.2
As cardiopatias embolígenas podem ser estratificadas como sendo de elevado risco ou
de risco baixo ou incerto:25
34
Auricular
Alto risco
Baixo risco ou risco incerto
Fibrilhação auricular
Foramen ovale patente
Flutter auricular mantido
Aneurisma do septo auricular
Doença do nódulo sinusal
Contraste espontâneo da aurícula
Trombo auricular esquerdo
Trombo do apêndice auricular esquerdo
Mixoma auricular esquerdo
Valvular
Alto risco
Baixo risco ou risco incerto
Estenose mitral
Calcificação do anel mitral
Prótese valvular
Prolapso da válvula mitral
Endocardite infecciosa
Estenose aórtica calcificada
Endocardite não-infecciosa
Fibroelastoma
Excrescências gigantes de Lambl
Ventricular
Alto risco
Baixo risco ou risco incerto
Trombo ventricular esquerdo
Cardiomiopatia hipertrófica subaórtica
Mixoma ventricular esquerdo
Insuficiência cardíaca congestiva
Enfarte de miocárdio anterior recente
Segmento da parede ventricular acinético
Cardiomiopatia dilatada
ou discinético
O AVC pode também ocorrer como complicação de procedimentos como o
cateterismo, colocação de pacemaker ou cirurgia coronária.2
Algumas características do evento isquémico permitem suspeitar de Cardioembolismo.
É o caso da ocorrência de: 25
alteração inicial da consciência
défice neurológico súbito de intensidade máxima no início
defeito de campo visual
inatenção ou extinção
afasia
regressão rápida dos sintomas.
35
outras características ainda são a identificação por exames de imagem de:
lesões isquémicas sequenciais ou simultâneas em diferentes territórios
ocorrência de transformação hemorrágica
assim como demonstração por ultrassonografia ou angiografia de:
oclusão da carótida por trombo móvel
recanalização precoce de um vaso intracraniano ocluído
microembolismo em ambas as artérias cerebrais médias.
Algumas das cardiopatias embolígenas de risco incerto são alvo de polémica. É o caso
do foramen ovale patente (FOP), presente em cerca de um terço de todos os indivíduos e
que pode ser encontrado em até 40% dos doentes com AVC isquémico abaixo dos 55
anos de idade.26
Continua por determinar qual a importância do Foramen Ovale Patente associado ou
não a aneurisma do septo inter-auricular como causa de AVC, sobretudo nos jovens e
em doentes com AVC criptogénico. Os dados são controversos mas pensa-se que o
risco, a existir, será seguramente baixo.27, 28
Para aceitar que o FOP é causa de AVC, tem que se admitir a possibilidade de
embolismo paradoxal. Para tal, é necessário não encontrar outra fonte de embolismo
arterial ou cardíaca, demonstrar shunt direito-esquerdo, demonstrar trombose venosa
profunda ou embolia pulmonar e documentar episódio de manobra de Valsalva
imediatamente antes do AVC.25
Quanto ao arco aórtico, estudos quer de autópsia quer com ecocardiograma
transesofágico mostraram que uma placa de ateroma com protusão no lúmen >4-5 mm é
3 a 9 vezes mais comum em doentes com AVC, que em indivíduos saudáveis. O risco
relativo de AVC recorrente e outros eventos isquémicos associado a placa >4-5 mm está
estimado entre 1,6 e 4,3x.2,25
4.11 Outras arteriopatias.
Cabem nesta categoria as doenças associadas a risco de dissecção arterial como a
displasia fibromuscular, défice de alfa1-antitripsina, síndromo de Ehler-Danlos,
síndromo de Marfan, pseudoxantoma elástico e outras doenças hereditárias do
colagénio.29 Também a existência de níveis elevados de homocisteína associados a
36
défice de folatos e mutações no gene da MTHFR (677TT), se associam a um maior
risco de dissecção arterial (OR 7,9; IC 95% 1.66 a 35). 38, 39
Também podem ser incluídas nesta categoria arteriopatias hereditárias não
ateroscleróticas e de pequenos vasos como o CADASIL, CARASIL, HERNS
(hereditary endotheliopathy with retinopathy, nephropathy and stroke), a angiopatia
hereditária com aneurismas, nefropatia e caimbras e as arteriopatias associadas a
mutações no gene COL4A1.30,40,41
4.12 Inflamação e infecção
Marcadores de inflamação.
Um valor de leucócitos no quartil mais elevado está associado a AVC isquémico
recorrente (RR 1,42; IC 95%, 1,25 a 1,63). A contagem de monócitos pode estar
associada a maior risco de formação de placas carotídeas. A proteína C reactiva de
elevada sensibilidade está associada a maior risco de AVC isquémico e AIT (RR 1,25;
IC 95%, 1,0 a 1,54).17
Infecções e arteriosclerose.
Encontram-se associados a AVC isquémico – doença periodôntica (OR 2,11 IC95% 1,3
a 3,42), infecção por Clamidia pneumonia (OR 4,51 IC95% 1,44 a 14,06), infecção
respiratória aguda <3 dias, (RR 3,19 IC95% 2,81 a 3,62), bronquite crónica,
Helicobacter pylori, HIV, herpes e citomegalovirus. Provavelmente através de
mecanismos de activação inflamatória que favorecem a criação e activação de placas
ateroscleróticas e com possível risco cumulativo entre eles.2,31,42
Doenças infecciosas e AVC.
São factores de risco conhecido para AVC isquémico as endocardites fúngicas ou
bacterianas, as meningites da base e as doenças infecciosas como a sífilis, tuberculose,
cisticercose, leptospirose, malária, trypanosomíase. A varicela pode ser factor de risco
para AVC pela vasculite do herpes zooster31 e, nas crianças, por poder causar uma
arteriopatia estenosante nas artérias do Polígono de Willis. 43
37
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