Aula 4: Gráficos lineares

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Aula 4: Gráficos lineares
Aula 4: Gráficos lineares
1
Introdução
Um gráfico é uma curva que mostra a relação entre duas variáveis medidas. Quando, em um
fenômeno fı́sico, duas grandezas estão relacionadas entre si o gráfico dá uma idéia clara de
como a variação de uma das quantidades afeta a outra.
Assim, um gráfico bem feito pode ser a melhor forma de apresentar os dados experimentais. Ao realizarmos uma medida sugere-se colocar num gráfico todos os pontos experimentais
e traçar curvas que se ajustem o mais aproximadamente possı́vel a esses pontos. A forma
dessas curvas pode auxiliar o experimentador a verificar a existência de leis fı́sicas ou levá-lo
a sugerir outras leis não previamente conhecidas.
Muitas vezes nos defrontaremos com o problema de encontrar uma função que descreva
apropriadamente a dependência entre duas grandezas medidas no laboratório. Algumas das
curvas mais comuns são a linha reta, funções polinomiais, raiz quadrada, função exponencial,
senos, cossenos, etc.
Nesta aula trataremos apenas de grandezas fı́sicas (x e y) relacionadas por uma dependência linear, ou seja, por uma função y=f(x), onde f(x) obedece a equação de uma reta:
y=ax+b, com a e b constantes.
2
Construção de gráficos
Há algumas regras básicas que devem ser seguidas na construção de gráficos:
1. Colocar um tı́tulo, especificando o fenômeno fı́sico em estudo, que relaciona as grandezas medidas.
2. Escrever nos eixos coordenados as grandezas representadas, com suas respectivas
unidades. A escala deve conter a informação do número de algarismos significativos das
medidas. No eixo horizontal (abcissa) é lançada a variável independente, isto é, a variável
cujos valores são escolhidos pelo experimentador; no eixo vertical (ordenada) é lançada a
variável dependente, ou seja, aquela obtida em função da primeira.
3. Escolher escalas convenientes tais que facilitem tanto a construção quanto a leitura
dos gráficos. A escala deve ser simples e sugere-se adotar valores múltiplos ou submúltiplos
de números inteiros.
4. A escala adotada num eixo não necessita ser igual à do outro.
5. Escolher escalas tais que a precisão dos pontos sobre o gráfico seja aproximadamente
igual à precisão dos pontos que representam os dados experimentais. Se por exemplo o gráfico
é feito muito mais precisamente do que o justificado pela precisão dos dados, os pontos serão
indevidamente espalhados e torna-se difı́cil opinar sobre a forma da curva.
6. Escolher escalas tais que a curva cubra aproximadamente toda a folha disponı́vel do
papel do gráfico mas restringindo-se aos casos nos quais o gráfico grande não seja inconveniente.
7. Deve-se ter o cuidado de nunca assinalar na escala as coordenadas dos pontos experimentais.
1
Quando todos os pontos experimentais já estiverem marcados no gráfico,
resta traçar a curva. Esta não precisa
passar sobre todos os pontos; de fato, é
possı́vel que a curva não passe por nenhum ponto do gráfico. Sendo assim, não
é necessário que a curva tenha inı́cio no
primeiro e termine no último ponto experimental.
A figura ao lado mostra um exemplo de
dados experimentais cuja dependência é
caracterizada por uma reta. Os quadrados () representam os dados experimentais e sua dispersão é devida aos erros cometidos durante a experiência. A linha
Figura 1: Caracterı́sticas gerais de um gráfico
reta contı́nua representa a curva que melhor descreve a dependência linear da grandeza x
com a grandeza y.
3
Relações lineares:
Relações lineares são aquelas nas quais as grandezas envolvidas estão relacionadas por uma
dependência do tipo:
y=ax+b
onde a é o coeficiente angular e b é o coeficiente linear.
O coeficiente angular corresponde à
inclinação da reta, ou seja, a= ∆y/∆x,
enquanto que o coeficiente linear b é obtido pela interseção da reta com o eixo y,
como indica a figura 2.
Figura 2: Gráfico de uma reta y=ax+b, indicando os coeficientes linear (b) e o coeficiente angular (a).
2
Alguns exemplos tı́picos são:
1. Movimento retilı́neo uniforme (MRU):
Neste caso temos duas grandezas fı́sicas
(posição x e tempo t ) relacionadas pela
função linear:
x=v t+x
o
o
onde vo é a velocidade do corpo (constante) e xo sua posição inicial. Portanto,
lançando num gráfico os pontos medidos
Figura 3: Movimento retilı́neo uniforme
de t (no eixo x) e x (no eixo y), conforme
mostra a figura 3, teremos o coeficiente angular correspondente a vo e o coeficiente linear a
xo .
2. Movimento retilı́neo uniformemente acelerado (MRUA):
Neste tipo de movimento temos duas grandezas fı́sicas: tempo t e velocidade v de um
corpo sujeito a uma aceleração constante a, descrito pela função:
v=at + v
o
Neste caso, a construção de uma reta com eixo x correspondendo ao tempo t e velocidade v
ao eixo y, os coeficientes angular e linear fornecerão os valores da aceleração a e da velocidade
inicial vo do movimento, respectivamente.
A seguir descreveremos dois métodos que nos permitem determinar estes coeficientes a
partir dos dados experimentais.
4
Métodos de determinação dos coeficientes a e b.
Conforme já foi mencionado, será comum em laboratório nos defrontarmos com medidas de
grandezas correlacionadas com as quais não temos uma relação estabelecida. Nestes casos
quase sempre a primeira atitude é buscar através de gráficos uma lei simples ligando uma
grandeza à outra.
Aqui apresentaremos 2 métodos para determinar esta relação no caso de uma dependência
linear, a partir de dados experimentais. É importante notar que estes não são os únicos
métodos encontrados na literatura, sendo apenas os mais comuns.
4.1
1. Método gráfico:
Este método permite estimar os parâmetros de uma reta e é recomendado quando não se
dispõe de calculadora ou computador para realização de cálculos. O método funciona melhor
se as escalas do gráfico forem escolhidas razoavelmente, ou seja com os pontos experimentais
relativamente alinhados ao longo de uma diagonal.
3
Para ilustrar o método, consideremos
os dados representados na figura 4.
O procedimento consiste em estimar o
centro de gravidade dos pontos (x,y),
onde x = (xmin + xmax )/2 e y = (ymax +
ymin)/2. Os ı́ndices min e max se referem
aos valores e mı́nimos e máximos de x e
y medidos. Com o auxı́lio de uma régua,
passando por (x,y), devemos traçar a reta
de tal forma que aproximadamente 50%
dos pontos experimentais se encontrem
acima dessa reta e os outros restantes
abaixo.
Para encontrar os parâmetros a e b, basta
determinar a inclinação da reta traçada e
o ponto onde esta cruza o eixo y, respec- Figura 4: Método gráfico para determinar os coeficientes
a eb
tivamente.
4.2
Método dos mı́nimos quadrados
O ajuste de curvas pelo método dos mı́nimos quadrados é importante, pois ao contrário do
método gráfico, é independente da avaliação do experimentador.
Este método consiste em minimizar o erro quadrático médio (S) das medidas. Considerese então um conjunto de N medidas (xi , yi ), com i assumindo valores inteiros desde 1 até
N
N
P
P
N. Sendo S definido como: S =
∆Si =
(y − yi )2 , onde y é o valor da curva ajustada
i=1
i=1
(y=ax+b), o objetivo é somar os ∆Si das N medidas e traçar uma reta que torne a soma
dos ∆Si mı́nima. Matematicamente isso pode ser escrito como: ∂S
= 0 e ∂S
= 0.
∂a
∂b
É razoável acreditar que para que isto aconteça a reta desejada deve passar entre todos
os pontos experimentais. Destas duas expressões extraı́mos os valores dos parâmetros a e b.
Os detalhes do cálculo são apresentados no Apêndice 1, pois envolvem o conhecimento de
cálculo diferencial.
O resultado é:
N
a=
N
P
xi yi−
i=1
N
N
P
N
P
xi
i=1
x2i −
i=1
N
P
N
P
yi
i=1
!2
e
b=
xi
i=1
N
P
N
P
x i yi
xi
i=1 i=1
i=1
i=1
!2
N
N
P
P
xi
x2i −
N
x2i
N
P
i=1
onde usamos a notação de somatório:
N
P
i=1
N
P
xi = x1 + x2 + ... + xN
i=1
4
yi−
5
Exemplo:
Considere uma medida
de movimento retilı́neo uniforme efetuado por um carrinho no laboratório. Foram medidos tanto sua posição
x ( em metros) quanto o
tempo t (em segundos) e os
resultados estão conforme
a tabela da figura 5. Construa o gráfico que representa o movimento e determine a velocidade e a
posição inicial do carrinho
usando os dois métodos de
Figura 5: Exemplo de movimento retilı́neo uniforme
ajuste de retas.
Para usarmos o método dos mı́nimos quadrados, sugere-se a construção de uma tabela, conforme está indicado abaixo, lembrando que aqui o eixo x corresponde ao tempo t e o eixo y,
à posição x.
x (s)
y (m)
xy
x2
0,100
0,51
0,051
0,0100
0,200
0,59
0,12
0,0400
0,300
0,72
0,22
0,0900
0,400
0,80
0,32
0,160
P 0,500
P 0,92
P 0,46
P 20,250
x = 1, 500
y = 3, 54
xy = 1, 17
x = 0, 550
Com esses resultados, basta substituir os valores nas fórmulas para a e b e lembrar que
neste caso temos N=5 medidas:
a=(5*1,17-1,500*3,54)/[5*0,550-(1,500)2]=(5,85-5,31)/[2,75-2,250]=(0,54)/[0,50]=1,08 m/s=1,1
m/s
b=(0,550*3,54-1,17*1,500)/[5*0,550-(1,500)2]=(1,95-1,75)/[2,75-2,250]=(0,20)/[0,50]=0,40
m
Portanto, temos vo =1,1 m/s e xo =0,40 m. Para construir a curva basta atribuir pelo
menos dois valores para t e encontrar os correspondentes x. Por exemplo, para t=0 s temos
x= 0,40 m e para t=0,50 s corresponde x=0,95 m.
É facil verificar que os dois métodos forneceram valores similares. No método gráfico,
obtivemos x = 0,30 s e y = 0,71 m.
Note que, devido ao fato da posição ter sido medida com apenas 2 algarismos significativos, as respostas para xo e vo acompanham essa restrição.
Observação importante: Considere que as medidas do tempo acima tivessem sido realizadas com um instrumento menos preciso, conforme mostrado na tabela abaixo:
5
x (s)
y (m)
xy
x2
0,1
0,51
0,05
0,01
0,2
0,59
0,1
0,04
0,3
0,72
0,2
0,09
0,4
0,80
0,3
0,2
0,5
0,92
0,5
P
P
P
P 20,2
x = 1, 5
y = 3, 54
xy = 1, 1
x = 0, 5
Com esses resultados, substituindo os valores nas fórmulas para a e b e aplicando as
aproximações em cada etapa (7 etapas de contas), teriamos obtido os seguintes resultados:
a=(5*1,1-1.5*3,54)/[5*0,5-(1,5)2]=(5,5-5,3)/[2-2,2]=0,2/0 → ∞
b=(0,5*3,54-1,1*1,5)/[5*0,5-(1,5)2]=(2-1,6)/[2-2,2]=0/0 → indeterminado.
Isto mostra efeitos indesejáveis na propagação de erros em sucessivas operações feitas
com instrumentos pouco precisos.
Como essa é a situação que deverá ocorrer no laboratório, definiremos uma nova maneira
de tratar propagação de erros em situações com muitas operações encadeadas. O novo
critério a ser adotado consiste em efetuar todas as operações sem considerar as regras de
propagação de erros nas etapas intermediárias e avaliar o resultado com base apenas nos
algarismos significativos dos dados iniciais. Efetuando novamente as operações teremos:
a=(5*1,15-1.5*3,54)/[5*0,55-(1,5)2]=(5,75-5,31)/[2,75-2,25]=0,44/0,5==0,88=0.9 m/s.
b=(0,55*3,54-1,15*1,5)/[5*0,55-(1,5)2]=(1,947-1,725)/[2,75-2,25]==0,222/0,5 =0,444=0,4
m.
Comparando com os dados mais precisos, esse critério evita os problemas resultantes de
arredondamentos.
6
APÊNDICE
Dedução das equações dos mı́nimos quadrados
Em uma experiência na qual se efetuaram N medidas, tem-se um conjunto de N pares
ordenados (x,y), os quais,quando representados graficamente, podem fornecer uma reta.
Nosso objetivo é ajustar os dados com a equação:
y(x) = ax + b
onde os coeficientes a e b devem ser tais que minimizem a diferença entre os valores
medidos yi e os correspondentes valores calculados y(xi )=axi +b dados pela equação acima.
É necessário estabelecer um critério para minimizar as diferenças e otimizar o cálculo dos
coeficientes. Os desvios ∆Yi entre cada valor medido e o valor calculado correspondente
são:∆Yi = yi − y(xi ). No entanto, a soma destes desvios não fornece uma boa indicação do
quanto os dados se aproximam dos valores calculados a partir da equação da reta, uma vez
que grandes desvios positivos podem ser contrabalançados por grandes desvios negativos.
N
P
Daı́ a definição do erro quadrático médio S = (∆Yi )2 . Portanto, devemos encontrar a reta
i=1
tal que
∂S
=0
∂a
Calculando esses termos temos:
∂
∂S
=
∂a
∂a
N
X
∂S
=0
∂b
(yi − axi − b)
2
i=1
∂
∂S
=
∂b
∂b
N
X
(yi − axi − b)
i=1
!
2
= −2
!
N
X
(yi − axi − b)xi = 0
i=1
= −2
N
X
(yi − axi − b) = 0
i=1
As duas equações acima podem ser escritas como:
N
N
N
X
X
X
2
− yi xi + a xi + b xi = 0
i=1
i=1
i=1
N
N
X
X
− yi + a xi + Nb = 0
i=1
i=1
Resolvendo o sistema de equações para a e b obtemos finalmente:
N
P
N
N
P
P
xi yi
i=1 i=1
a = i=1
N 2
N
P 2
P
N xi −
xi
N
xi yi−
i=1
e
b=
N
P
x2i
i=1
N
P
yi−
i=1
N
P
N x2i
i=1
i=1
7
N
P
xi yi
i=1
−
N
P
N
P
xi
i=1
xi
i=1
2

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