2007-04 Informe Equipe Itnerante Encontro Marco Legal na Triplice

Transcrição

2007-04 Informe Equipe Itnerante Encontro Marco Legal na Triplice
A TRÍPLICE FRONTEIRA
BRASIL-COLÔMBIA-PERU
(Informe da Caminhada da Equipe Itinerante e dos
Encontros da Tríplice Fronteira - Abril/2004 a Abril/2008)
BREVE CONTEXTO HISTÓRICO E CONTEMPORÂNEO
DA TRÍPLICE FRONTEIRA BRASIL- PERU- COLÔMBIA
DEMARCAÇÃO DAS FRONTEIRAS
"O nascimento oficial da região
foi um assunto de alta cirurgia internacional" (Grisales)
Quando a expedição espanhola de Francisco de Orellana (1542) chegou à atual região de
fronteira, as beiras do Rio Amazonas estavam povoadas por indígenas Omagua organizados
em grandes aldeias de até 10.000 habitantes. Outras nações indígenas como os Ticuna
ocupavam os cursos altos dos afluentes, mais afastados do grande rio. As epidemias e saques
escravistas de espanhóis e portugueses dizimaram o povo Omagua.
Entre 1580 e 1640 não houve conflitos na fronteira luso-espanhola, pois Espanha e
Portugal eram um só império. Quando se separaram o conflito europeu veio para a América.
No começo do sec. XVIII, os portugueses atacaram as missões jesuítas espanholas e acabaram
com os Omagua que acabaram ficando "sujeitos" à proteção deles. Durante os séculos XVIII e
XIX, os Ticuna desceram da terra firme (terra não inundável) até o Amazonas, para ocupar as
beiras deixadas livres pelos Omagua, hoje divididas pelas fronteiras dos três países limítrofes.
Com a pressão diplomática portuguesa se assinou o Tratado de Madrid em 1750, pelo qual se
revisaram as fronteiras entre os dois colonizadores, não por meio de líneas imaginárias, e sim
privilegiando os traçados geográficos da região. Pelo princípio de uti possidetis, a ocupação do
território se converteu em fator chave para determinar as posses nacionais. As demarcações
negociadas em Madrid determinaram grosso modo a silueta do território brasileiro.
Em 1762 os espanhóis fundaram Loreto de Ticunas para controlar os movimentos
portugueses na região (A desaparecida Loreto de Ticunas se encontrava no lugar da atual
comunidade Ticuna de Macedônia, no lado colombiano do Amazonas). A cidade foi por muito
tempo sede do governo regional espanhol, vigiando de perto a sede do governo português em
Tabatinga. A cidade de Tabatinga deriva do povoado de São Francisco Xavier de Tabatinga,
fundada na primeira metade do séc. XVIII por Fernando da Costa Ataíde Teives, que para ali
transferiu um destacamento militar do Javari (mais ao sul, na fronteira Brasil-Peru),
estabelecendo um posto de guarda de fronteiras entre domínios do Reino de Portugal e da
Espanha.
Também como postos militares de fronteira foram criadas mais tarde (década de 30 do séc.
XX), do lado brasileiro, Vila Ipiranga e Vila Bittencourt, os dois outros pontos povoados de
maior expressão.
Com as revoluções de independência da década de 1820, forma-se a Grande Colômbia,
que abarcava a atual Colômbia, Panamá, Equador (que se separa em 1830) e Venezuela
(separada em 1829). OS territórios restantes formam a República de Nova Granada,
rebatizada em 1857 como Confederação Granadina, em 1863 como Estados Unidos de
Colômbia, e em 1866, República de Colômbia. Apesar de estar constituídos, a República de
Colômbia e os Estados Unidos do Brasil estavam longe de ter suas fronteiras territoriais
demarcadas.
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Letícia nasceu em 1867 como uma aldeia peruana. Os peruanos instalaram aí o posto
militar de São Antônio, provavelmente para controlar o tráfico de borracha, em pleno vigor
depois da abertura do Amazonas à navegação internacional em 1966. Passou nas mãos
colombianas pelo Tratado Salomon Lozano de 1922, que fixou os limites entre Peru e Colômbia
e imprimiu à fronteira sua atual forma de trapézio. Em 1932 os peruanos tentaram recuperar
Letícia, iniciando a Guerra do Amazonas entre Colômbia e Peru (1932-1934); foi quando
Bogotá organizou uma intensa colonização militar para definir sua soberania nesta remota
região amazônica. Um decreto de 1930 cria a Comisaría del Amazonas com Letícia como
capital, mesmo se a cidade continua habitada por peruanos. Um censo do mesmo ano conta
em Letícia 150 habitantes.
Com a criação da comarca do Alto Solimões em 1891, Tabatinga é integrada ao
município de São Paulo de Olivença, sede da comarca. Em 1938 nasce o município de
Benjamin-Constant e Tabatinga passa a pertencer a esta zona distrital. Sua posição estratégica
a transforma em colônia militar em 1967 e, através da Emenda constitucional do Estado do
Amazonas, consegue sua autonomia municipal em 1983.
Em 1906, Brasil e Colômbia se acordam e definem seus confins em dois trechos: ao norte
desde as Guyanas até o rio Apaporis, e ao sul até a foz do Apaporis no Caquetá-Japurá até
Tabatinga. O primeiro trecho se define no Tratado de Bogotá de 1907. O segundo se define só
em 1928, com o Tratado de Limites e Navegação Fluvial.
Este Tratado, que estabelece uma Comissão Mista colombo-brasileira para a demarcação
da fronteira, começa seus trabalhos em 1930 e os conclui em 1937.
Ainda hoje a
característica dos marcos de fronteira é conduzida por uma Comissão Mista de Inspeção dos
Marcos da Fronteira brasilero-colombiana, estabelecida em 1976.
Em Tabatinga e Letícia a fronteira contradiz as
definições
tradicionais
de
limite
estadual:
mesmo
encontrando os marcos ao lado do bairro Santa Rosa e no
bairro La Unión, muitas das casas, bairros e pessoas vivem
indiferentes a marcos e tratados estabelecidos pelas
autoridades. A fronteira aparece só através do controle
migratório (precário, mas presente) e pelas regras de acesso
ao trabalho, as expulsões e/ou os assentamentos das
comunidades de baixa renda e dos grupos indígenas que
historicamente têm-se movido pela região a despeito das
fronteiras. É comum encontrar pessoas que trabalham no
lado brasileiro e residem no lado colombiano e vice-versa.
Existem, inclusive, casas com alguns cômodos em Colômbia
e outros no Brasil.
A Constituição colombiana de 1991 converteu a Camisaria Amazonas em departamento e
Letícia em capital e sede de governo departamental.
É assim que ficou a Tríplice Fronteira conformada por um trio administrativamente desigual: no
lado peruano, na ilha aluvial do mesmo nome, o assentamento humano de Santa Rosa e no
lado oposto do rio Amazonas, Letícia (capital departamental) e Tabatinga (um dos 9 municípios
da Mesorregião do Alto Solimões) aderidas pela permeável fronteira.
Letícia – Colômbia
Tabatinga - Brasil
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“As três cidades se converterão, desde então, no núcleo populacional e administrativo que
ordenará a região. Desde aí se organizará seu desenvolvimento.
Três legislações antagônicas regerão a fronteira, três
ordens territoriais se enfrentarão, três sistemas de
alfândegas não coincidirão, três tradições institucionais e
operativas não serão afines, três tipos de políticas públicas
se sobreporão, dos idiomas latinos e inumeráveis línguas
indígenas formarão parte do cotidiano, três maneiras de
encarar a segurança na fronteira se consolidarão, dos
aeroportos duplicarão as razões de seu funcionamento,
mas, simultaneamente uma interação gradualmente mais
complexa dos problemas fundamentais aparecerá com a
convivência da gente e os fluxos migratórios pendulares…”
(Grisales)
Santa Rosa - Peru
UMA HISTÓRIA DE MIGRAÇÕES, SERVIDÃO E DIVIDAS NO VAI E VÉM
DOS CICLOS EXTRATIVOS.
Para entender qualquer fenômeno atual não se pode esquecer o lastro psicológico que
deixou o vai e vem dos ciclos extrativistas em seus povos. A extração conjuntural e febril de
produtos altamente comerciais (quina, borracha, peles, pau-brasil, cedro, copaíba, peças
ornamentais, oro, petróleo, coca…) tem dominado os ciclos econômicos da Amazônia nos
últimos séculos. Os Estados deixaram o "desenvolvimento econômico" regional nas mãos de
aventureiros e empresários privados motivados pelo lucro imediato, sem preocupar-se de
implementar políticas sustentáveis de desenvolvimento capazes de oferecer fontes estáveis de
emprego e proteção aos recursos naturais. Os habitantes se acostumaram assim a viver na
expectativa de novos ciclos. Na sombria amazônica, longe de todo controle estadual, se
repete a mesma historia desde os tempos da Conquista: massas humanas em busca do novo
Eldorado, miragens de ganhos imediatos, esgotamento de recursos não renováveis,
exploração, dívidas, fraudes, extorsões, assassinatos…
A primeira febre da borracha, de 1850 a 1910-12 marcou dramaticamente o destino da
região, incluindo-a de cheio no mercado mundial. Época dourada para os donos dos seringais,
os proprietários de vapores e intermediários ingleses que pululavam entre Iquitos, Manaus e
Belém do Pará, foi sem dúvida um capítulo negro para os milhares de colonos e indígenas
deslocados com a força o por necessidade para trabalhar nos seringais.
No Brasil se promoveram políticas de atração de migrantes (europeus, japoneses,
confederados…) até os seringais amazônicos, não podendo depender dos dispersos, frágeis e
volúveis indígenas como mão de obra. Muitos dos colonos desistiam frente à malaria e à
rudeza do clima tropical e só os saques do Ceará de 1879 conseguiram empurrar dezenas de
milhares de cearenses até as plantações de Acre e Santarém, o que justifica o alto número de
nordestinos na Amazônia brasileira.
Em Colômbia e Peru, o negócio da borracha ficou nas mãos de privados alheios a todo
controle estadual. A exploração da borracha negra conseguiu derrubar as árvores e deslocar
povos indígenas para usá-los como mão de obra escrava. Em toda a Amazônia se generalizou
a instituição da "divida", que consistia em pagar o salário por adiantamento e em dinheiro
(com artigos taxados a preços proibitivos), endividando o trabalhador até reduzi-lo à condição
de escravo.
Além das dívidas, certos seringueiros aproveitaram do anonimato da floresta para
explorar com sevicias seus trabalhadores indígenas, e chegaram a torturá-los e assassiná-los
por esporte. As denuncias de vários viajantes e dos seringueiros colombianos revelaram no
princípio do sec. XX as atrocidades cometidas pela Casa Arana, propriedade do seringueiro
peruano Julio César Arana. Arana entrou na região do Putumayo em 1896 e depois de derrotar
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seus rivais colombianos, em 1905 havia adquirido 31.000 km quadrados de território
colombiano. Durante décadas manteve em regime de terror a sua mão de obra indígena.
Com a assinatura do Tratado Salomón Lozano em 1922, o Prédio Putumayo (Território
entre os rios Putumayo e Caquetá), centro das atividades borracheiras da Casa Arana,
retornou nas mãos colombianas. Não querendo abandonar sua mão de obra em Colômbia,
Arana ordenou um deslocamento massivo de indígenas uitoto até o rio Ampiyacu, no lado
peruano. Os indígenas sobreviventes em Colômbia se dispersaram por pelo rio Putumayo, e
alguns se estabeleceram perto de Letícia, onde até hoje é possível recolher seus testemunhos.
A Casa Arana torturou e assassinou cerca de 40.000 indígenas uitoto, bora, miraña, e até hoje
este genocídio permanece impunido.
Os ciclos das peles, dos animais vivos e das madeiras finas… não só têm levado as
espécies comerciais à beira da extinção, mas também têm modificado os hábitos de
subsistência dos indígenas, induzidos a novas necessidades de consumo pelos colonos e
traficantes.
O ciclo da cocaína (1977-1986), bem vivo na memória de muitos amazonenses, foi uma
época de prosperidade e esbanjamento sem lei para Letícia e Tabatinga. O tráfico de droga se
converteu no motor da economia regional, usando as rotas que antes foram utilizadas pela
borracha e as peles. Mesmo se e negocio começou nos lados peruano e colombiano, o
aumento de preços em Letícia e o aumento da circulação de pessoas e mercadorias na
fronteira favoreceram a vizinha Tabatinga, que em seguida se envolveu no tráfico. Se em
Tabatinga os investidores se arriscavam una ou duas vezes a financiar o envio de um cargo
para investir logo os ganhos em seus negócios legais, em Letícia o investimento em atividades
legais foi menor, privilegiando a aquisição de artigos muito chamativos (prédios, carros de
luxo, lanchas, motos…).
A repreensão do tráfico de drogas nos nãos 90 determinou a queda do cartel de Letícia
em 1997. O tráfico declinou dramaticamente, porém ainda hoje deixa mortos todas as
semanas em Tabatinga. Os grandes ganhos com o tráfico de cocaína convidam a arriscar-se
como "mulas" na rota Tabatinga-Manaus, enquanto na floresta muitos indígenas cultivam e
fumegam coca. Quando foram erradicadas as plantações colombianas da área fronteiriça,
sobreviveram as do lado peruano, onde até hoje os ribeirinhos em busca de dinheiro prestam
seus serviços. Um indígena yukuna fala assim de sua experiência nas plantações ilegais:
"Eu ganhava bem com a coca. Os catadores são pagos pelas folhas que arrancam. No
princípio se colhe devagar e se ganha pouco… porém se observa os outros e se aprende…
quando chegas a 80 ou 90 kl por dia já se ganha bem. Alguns sacavam 100 kl… Estava
tudo organizado, as planilhas, os salários… te davam as três refeições, água panela,
teto…Passei por todos os trabalhos: colher folhas, fumigar, pisar a folha, químico, ganhava
muito dinheiro. Comprei uma gravadora…comprei um bote de 60 cavalos que era do
patrão…O patrão me amava como si fosse seu filho. Uma vez que se ausentou me deixou
responsável pela plantação, porém me descuidei e se encheu de pragas. Tive que ficar
mais um outro ano até pagar o prejuízo. Outra vez me pagaram com dois kl de pó…".
4
G
U
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VENEZUELA
EQUADOR
RORAIMA
COLÔMBIA
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GUIANA
Francesa
AMAPÁ
R.
Branco
R.
Negro
Leticia (C)
Tabatinga (B)
Santa Rosa (P)
Manaus
*
R. Solimões
PERÚ
R.
Amazonas
R.
Araguaia
AMAZONAS
.R
Purus
PARÁ
R.
Madeira
R.
Tapajós
R.
Xingu
ACRE
PERÚ
RONDONIA
BOLÍVIA
MATO
GROSSO
Os ciclos têm imprimido nos fronteiriços uma atitude imediatista, caracterizada pelo
desejo de migrar até qualquer fonte de ganho imediato, a assumir altos riscos pessoais, à falta
de interesse por atividades menos rentáveis, à indiferença frente aos danos ambientais, à
busca de enriquecimento imediato, ao dispêndio dos ganhos fáceis a à nova apatia e desespero
quando acabar o ciclo. Nos empresários extrativos aparece clara a condução paternalista,
autoritária e muitas vezes violenta das populações locais, a atitude ostentosa, o suborno de
autoridades e a ambição pelo controle econômico e político da região.
Estes lastres
psicológicos e sociais, somados à ausência de alternativas de trabalho, explicam em parte a
disposição do povo da fronteira de aceitar qualquer "oferta tentadora".
Um exemplo claro é o elevado índice de presos no presídio de Tabatinga, muitos
colombianos e peruanos, a maioria de baixa renda, envolvidos com o narcotráfico. De fato, o
tráfico de drogas é um grave problema na região. Coopta para si uma população
extremamente vulnerável, em condição de extrema pobreza, frente à inexistência de uma
economia formal propulsora do desenvolvimento regional e capaz de abarcar a massa de
trabalhadores com baixa escolaridade e formação. Em troca de dinheiro fácil, e muitas vezes
por desespero, pessoas de ambas as nacionalidades se submetem ao risco de transportar
droga da fronteira até o interior. Algumas destas pessoas são presas pela Polícia Federal,
outras, assassinadas pelos próprios traficantes. Atualmente, os índices de violência ligados ao
tráfico na região da fronteira brasileiro-colombiana têm chegado a níveis alarmantes, com
várias mortes semanais, ligadas à disputa pelo controle da rota de abastecimento entre grupos
criminais, acertos de contas, ou simplesmente por não querer pagar os "serviços". A população
civil, já marginalizada, passa a conviver com uma violência que se torna cada vez mais
"normal e cotidiana".
(fonte: 1) Migración, tráfico ilícito de migrantes y condiciones de vulnerabilidad a la trata de personas
en la frontera colombo-brasilera de la triple frontera brasil-perú-colombia.
Pesquisa da Equipe de Mobilidade Humana Tripartite, 2007
2) EQUIPE ITINERANTE: acervo de notícias e fotos )
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MOBILIDADE
HUMANA
Tríplice fronteira Brasil, Peru e Colômbia e os desafios para as políticas
internacionais de migração.
A migração, nesta tríplice fronteira, passa pelo mesmo caminho do narcotráfico,
exploração ilegal de madeira, militarização, povos indígenas divididos pelas fronteiras, tráfico
de seres humanos.
Esta tríplice fronteira apresenta uma migração de:
 Saída: pessoas que saem de seu país para entrar num outro.
 Trânsito: pessoas que passam uns dias e vão embora.
 Destino final: gente que se queda e decide viver nesta tríplice fronteira.
Inclui




diferentes categorias de migração:
Interna compulsória ( forçada): desemprego e trabalho, saúde, educação, violência.
Deslocados pelo conflito armado.
Refugiados
Transnacionais.
População migrante em Letícia: mais ou menos
14.000 pessoas considerando quem chega de outros
departamentos, seja indígenas que não indígenas.
População
migrante
em
Tabatinga:
aproximadamente 12.000 pessoas, entre eles 2.364
colombianos, sem contar os migrantes internos
brasileiros e os indígenas.
Trafico de migrantes: rota Bogotá-Letícia-ManaosFrankfurt (Alemanha) Europa.
Trata de pessoas: transporte de meninas/os para
outras cidades, especialmente crianças indígenas,
para exploração doméstica, sexual, afetiva, e inserção
no mundo da ilegalidade.
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Como acontece em todas as demais regiões de fronteira do território brasileiro, a
mobilidade humana na fronteira do Brasil com o Peru e a Colômbia também revela a presença
incômoda do “novo”, do “estranho”, do “diferente”, enfim, do migrante, que é sempre
acompanhada de reações contrárias por parte daqueles que não admitem sua ação ou
intervenção. Nesse sentido, não se pode falar de migração nessa fronteira sem também
considerar todas as formas de rejeição por que passam as pessoas nessa situação, que
envolvem dois problemas fundamentais: a xenofobia dissimulada e a ausência de políticas
internacionais de migração.
No caso do Brasil, observa-se que, historicamente, vem se reproduzindo uma atitude
xenófoba ou de intolerância caracterizada por certa sutileza, que encobre uma realidade social
conflitiva e a institucionalização de uma sociedade marcada pelas desigualdades sociais.
Aquele mesmo estigma do preconceito que fora colocado sobre os ombros das vítimas do
fenômeno das migrações internas que se configurou no Brasil desde inícios do século XX vem
sendo transferido para o migrante estrangeiro que vive no país, principalmente nas fronteiras.
No caso específico dos fluxos
migratórios de peruanos e colombianos
para o Brasil, na Região Amazônica, a
proximidade entre os países é um dos
pontos mais impulsionadores de uma
corrente
migratória
que
vem
se
acentuando cada vez mais. A referência e
os pontos de convergência na tríplicefronteira são as cidades Santa Rosa (Peru),
Tabatinga (Brasil) e Letícia (Colômbia).
São cidades de pequeno porte, perdidas
nos confins dos três países.
No entanto, a cidade de Tabatinga, distante 1.105 quilômetros de Manaus (em linha
reta) e 1.607 quilômetros (em via fluvial), destaca-se como ponto de maior movimentação
migratória, concentrando uma porcentagem significativa de migrantes colombianos e peruanos
e se apresentando também como porta de entrada no território brasileiro.
Há problemas similares vivenciados pelos três países nessa área específica. O
narcotráfico impera na tríplice fronteira com proporções diferentes em cada uma das três
cidades. O desemprego e o trabalho informal também são característicos do trio.
Vista a partir do ângulo do movimento migratório, a tríplice fronteira funciona como
lugar de permanência e também como porta de entrada e de saída nos três sentidos. Mesmo
estando muito próximos, cada país apresenta uma conjuntura diferenciada nos setores sociais,
políticos e econômicos que são determinantes no itinerário migratório. A fronteira do lado
brasileiro segue sendo aquela para onde se converge um considerável fluxo da migração dos
outros dois países.
Um problema muito sério nesse vai-e-vem na tríplice fronteira é o acesso ilegal de
pessoas que entram no país sem documentos. A fiscalização federal de fronteiras é intensa em
algumas áreas, porém, considerando a vastidão da selva amazônica, é humanamente
impossível manter um controle 100% eficaz nessas condições de traslado permanente.
Entretanto, o cotidiano de privações a que os migrantes peruanos e colombianos são
submetidos no Amazonas denuncia as várias lacunas da política de migração brasileira com
suas leis arcaicas calcadas nos interesses puramente econômicos e comerciais, que nunca
esteve aberta à migração de hispano-americanos.
O rio Amazonas é a grande faixa transportadora de pessoas, dinheiro e mercadorias
nesta região de fronteira. Suas ramificações se estendem desde os Andes peruanos até a costa
Atlântica brasileira, passando pela margem colombiana.
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A selva baixa peruana está ligada à cordilheira pelos rios Ucayali, Marañón, Huallaga,
Napo e outros afluentes, e pelas estradas Pucallpa-Lima e Yurimaguas-Lima. Os peruanos
descendem por estas rotas até a fronteira, em busca do sonho brasileiro. A principal cidade
peruana sobre o rio Amazonas é Iquitos, capital do departamento de Loreto, onde muitos
comerciantes adquirem as mercadorias que logo vendem na fronteira e no interior do Brasil.
Entre Iquitos e a Tríplice Fronteira está Caballococha, capital da província de Ramón Castilla.
As margens peruanas do Amazonas estão povoadas por colonos mestiços e indígenas yagua e
tikuna. Destaca-se a colonização massiva dos Israelitas del Nuevo Pacto Universal, um grupo
religioso de origem rural da serra e da costa com muitas comunidades no rio, cujo braço
político (FREPAP) obteve numerosas prefeituras loretanas nas eleições municipais de 1998,
2002 e 2006.
À frente da última margem peruana do Amazonas, a orla colombiana mede apenas 116
km, desde o rio Atacuari (fronteira com o Peru) até a quebrada de São Antônio que marca a
fronteira entre Letícia e Tabatinga. Os principais municípios ribeirinhos são Puerto Nariño e
Letícia, capital departamental. Entre eles se encontra o Parque Nacional Amacayacu e
numerosas comunidades de indígenas ticuna misturadas com alguns cocamas, yaguas e
uitotos. Ilhada no interior de Colômbia pela floresta, Letícia depende do ponte aéreo com
Bogotá, e isso a obriga a recorrer aos países vizinhos para o abastecimento de certos serviços,
produtos e mão de obra. Muitos colombianos chegam à fronteira pelo único aeroporto de
Letícia, o Alfredo Vásquez Cobo, nas duas líneas comerciais de passageiros, nas empresas de
carga, ou nos aviões privados ou da Força Aérea. Outros chegam pelos rios Caquetá ou
Putumayo até o Amazonas brasileiro, e sobem o rio até Letícia e Puerto Nariño. Também se
utilizam as pistas na floresta entre os distintos “corregimientos” e países vizinhos ou para
chegar daí até Letícia e Puerto Nariño. O transporte aéreo é de difícil acesso para os migrantes
de escassos recursos (deslocados, refugiados, migrantes econômicos e presos deportados do
Brasil ao acabarem suas condenações). Estes migrantes costumam entrar em estado de
vulnerabilidade ao chegar à Tríplice Fronteira. Sua precariedade econômica e a pouca atenção
humanitária para seu retorno em condiciones dignas os expõem ao trafico, às bandas de
narcotraficantes, aos marginais comuns e à mendicidade.
O Amazonas brasileiro começa em Tabatinga em sua margem norte. Tabatinga também
conta com um aeroporto (Aeroporto Gonzalo de Lima), mesmo se a cidade utiliza mais o rio,
por onde chegam as mercadorias de Manaus. Um pouco mais abaixo, onde o rio Yavarí marca
a outra fronteira entre Brasil e Peru, têm outras duas cidades com muito intercâmbio entre
elas: a brasileira Benjamín Constant e a peruana Islândia (capital do distrito Yavarí).
De Tabatinga a Belém do Pará as estão povoadas por caboclos e indígenas. Manaus,
capital do Amazonas, continua sendo o pólo de atração laboral e mercantil para a população
fronteiriça, tanto peruana como colombiana e brasileira. Declarada Zona Franca pelos
governos militares, hoje continua sendo um pólo de desenvolvimento industrial e destino de
numerosos migrantes e mercadorias procedentes dos portos peruanos e da Tríplice fronteira.
Numerosas lanchas peruanas cobrem a rota Iquitos-Santa Rosa-Islandia, demorando
três dias na subida e dois na descida. Várias companhias de motores rápidos operam na línea
Iquitos-Santa Rosa, gastando mais ou menos dez minutos. Têm lanchas de carga colombianas
que cobrem a rota Letícia-Puerto Asís (Putumayo) navegando o rio Putumayo. Quando as
condições climáticas e de segurança o permitem, gastam 25 dias na subida e 20-25 na
descida. Letícia não tem grandes barcos comerciais para passageiros, porém algumas lanchas
de carga os admitem, dando margem à ilegalidade. Com o auge do turismo amazônico, barcos
de transporte comercial de passageiros de Bahamas, Equador e Peru começaram a chegar a
Letícia.
Os barcos “recreio” brasileiros na rota Tabatinga-Manaus, gastam 3 dias e meio na descida
e 7 dias na subida. Um número muito grande de barcos particulares e de transporte público
pulula entre os portos peruanos, colombianos e brasileiros.
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Devido aos tempos demorados e às
distâncias,
os
controles
oficiais
de
embarcações, cargas e passageiros são muito
precários. Os controles da alfândega se
realizam na base peruana de Chimbote, perto
de Caballococha.
Em Letícia e Puerto Nariño, as instituições
competentes pelo controle de embarcações são
a Capitania de Portos, a Inspeção Fluvial ela
Polícia de Turismo. Seu trabalho é limitado por
causa das condições geográficas e logísticas.
Em Tabatinga a mesma função é realizada pela
Capitania dos Portos e pela base de Anzol da
polícia federal brasileira, perto de São Paulo de
Olivença.
Algumas características mais relevantes da migração peruana na tríplice
fronteira
Para melhor compreender os fatores que provocam os deslocamentos humanos de
diversas regiões do Peru para a tríplice fronteira e para a cidade de Manaus, é importante
identificar as etapas de migração por que passaram esses migrantes dentro de seu próprio
território até se lançarem para a migração internacional. A migração interna mais acentuada
data do início do século XX. Nesse período, a estrutura econômica e social do país foi
determinada fortemente por seus antecedentes de uma sociedade que conservou os valores do
tipo feudal, mantendo uma espécie de separação entre os brancos, a burguesia dominante e
os indígenas, e, conseqüentemente, um dualismo cultural: uma cultura da corte ocidental
(legado dos colonizadores) e uma outra cultura indígena com uma grande população espalhada
por toda a região andina, com uma economia de subsistência, deixados à margem do
desenvolvimento do país (Ponce, 1970, p.65).
Vários fatores podem ser identificados nesse percurso migratório, desde a entrada ou
permanência na cidade de Tabatinga até a fixação de um significativo número de migrantes
peruanos na cidade de Manaus, destino preferido de um bom contingente migratório.
Os fatores históricos indicam a influência da cultura na decisão de migrar, uma vez que
os povos andinos eram predominantemente nômades.
Já os fatores geográficos apresentam a proximidade da fronteira como um grande
convite à transposição dos limites, que nesse caso são simplesmente geopolíticos. Os fatores
econômicos também são determinantes nesse processo, principalmente para a migração mais
recente que é decorrente da grande crise e recessão econômica que o país vem atravessando.
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No entanto, o sangrento período da ditadura do general Velasco Alvarado6 destaca-se
como um dos elementos que mais interferiram nos processos de migração até os dias atuais.
A corrente migratória de peruanos na tríplice fronteira é constituída majoritariamente
por migrantes oriundos da selva peruana. Trata-se de um fluxo migratório que se deslocou,
num primeiro ciclo, dentro dos próprios limites regionais. Considerando que a distância para a
capital limenha era absurda para as possibilidades de traslado das populações, a migração se
deu, primeiramente, dos pequenos povoados e aldeias interioranas para as maiores cidades da
região, tais como Arequipa, Iquitos, Yurimaguas e Pucallpa.
Somente num segundo processo migratório é que houve um novo direcionamento
desse fluxo, em larga escala para o Chile e, posteriormente, para a Amazônia brasileira. A
entrada com maior relevância de peruanos em território amazonense se deu a partir de
meados da década de 1980 e da primeira metade da década de 1990.
Além de um significativo porcentual
de peruanos que se estabelece na cidade
de Tabatinga, outro número considerável
se desloca para outras cidades da chamada
região sul do Alto Solimões (Benjamim
Constant, Jutaí, Amaturá, São Gabriel da
Cachoeira e outras). Outros peruanos se
deslocam para a capital do Estado do
Amazonas.
A escolha da cidade de Manaus
como alternativa de migração, no itinerário
migratório,
na
maioria
dos
casos
analisados, deu-se por aquela mesma
“ilusão
do
fausto”,
do
ideário
de
crescimento econômico e do pseudo
progresso que fascinou igualmente tantos
migrantes
nacionais
provenientes
de
outras regiões do Brasil.
A maioria quantitativa dos migrantes peruanos que vivem em Manaus apresenta
algumas características em comum: são originários da selva peruana; apresentam um
histórico de migração interna no Peru e, não raras vezes, também nos municípios do interior
do Estado do Amazonas; não têm qualificação profissional; o nível de estudos é baixo;
pertencem a etnias indígenas peruanas; migram com toda a família em busca de qualquer tipo
de trabalho e de melhores condições de vida; a média de filhos é em torno de três;
submetem-se a qualquer situação que lhes proporcione algum ganho para o sustento da
família; são muito explorados pelos nacionais que ora o fazem porque sabem que não vão
denunciar a situação de exploração no trabalho por causa de sua clandestinidade e ora o
fazem porque sabem que são pessoas extremamente dedicadas ao trabalho.
Uma grande porcentagem de peruanos que vivem em Manaus se encontra em situação
de clandestinidade e está inserida no mercado informal de trabalho (Oliven, 1996, p.26). Sem
documentação, não têm carteira assinada e são constantemente explorados pelos nacionais e
também pelos próprios conterrâneos que se aproveitam de sua fragilidade de forma
descarada. As vítimas de exploração, na maioria dos casos, não denunciam os fatos por terem
medo das autoridades e porque desconhecem os seus direitos e a legislação brasileira que
proíbe todo e qualquer tipo de trabalho em condição de escravização ou exploração sumária. A
condição de clandestinidade submete as pessoas a uma rotina de vida marcada pelo medo
constante de serem identificadas pelos agentes de fiscalização da Polícia Federal e,
automaticamente, serem autuadas, multadas e deportadas.
10
Algumas características que determinam a migração colombiana na tríplice
fronteira
Toda a Região Amazônica conhecida como Alto Solimões faz fronteira com a Colômbia.
Em muitos casos, como ocorre entre as cidades de Tabatinga e Letícia, a única demarcação
territorial é uma determinada rua11 que estabelece um limite jurídico e geopolítico entre os
dois países. No cotidiano das relações, as pessoas passam por esse limite a todo o momento e
esse não estabelece uma “separação” territorial segundo os moldes jurídicos. Apesar das
similaridades, existem diferenças determinantes entre um país e outro mesmo numa fronteira
tão convergente. O contexto de migração em que se insere a Colômbia talvez seja um dos
marcos determinantes dessa distinção. É o que informa a diretora da Pastoral Social do
Vicariato Apostólico de Letícia, Nelcy Jaimes Grimaldos, acentuando os graves problemas
decorrentes da violência interna por que passa a Colômbia, num conflito sangrento que já dura
a quase meio século.
Desde meados do ano 2000, quando o governo dos Estados Unidos aprovou o Plano
Colômbia – um amplo programa de ajuda militar, totalizando mais de US$ 1,3 bilhão, a maior
parte dele destinada ao exército colombiano, apesar de seu péssimo histórico em matéria de
direitos humanos e da contínua preocupação internacional sobre os vínculos entre as forças de
segurança e os grupos paramilitares – os conflitos armados se acirraram e o fenômeno
migratório desse país vem tomando dimensões alarmantes.
Além dos milhares de mortos, a violência institucionalizada vem promovendo o
“deslocamento” de milhares de colombianos nas últimas décadas.
Diferentemente da categoria de refugiados, os deslocados pela violência vivem os horrores da
fuga desesperada para escapar da morte e das ameaças constantes nos territórios dominados
pelos narcotraficantes, em constante conflito, ora com o Exército nacional ora com os
paramilitares (justiceiros) ora com os guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionarias da
Colômbia (Farc), o chamado “Ejército del Pueblo” (Exército do Povo).
Os guerrilheiros das Farc continuam recrutando militantes em território colombiano e também
nas fronteiras de países vizinhos, como o Brasil e o Peru.
As estimativas apontam que as
Farc possuem entre doze mil a dezoito
mil membros e mantêm presença em
aproximadamente 35% a 40% do
território colombiano, a maioria em
florestas e selvas a sudeste da base das
montanhas
dos
Andes
e,
mais
recentemente, na região da selva
amazônica do lado colombiano.
Os deslocados determinam uma categoria migratória peculiar: estão sempre na
condição do provisório. Almejam ardentemente regressar à Colômbia, mas são impedidos
porque os conflitos permanecem acirrados.
Muitos adentram as fronteiras brasileiras. Na Região Amazônica não existe ainda
nenhum suporte de atendimento a migrantes nessas condições de deslocados ou desalojados.
Trata-se de um desafio muito grande de responsabilidade dos governos locais mais que de
instituições que atuam junto aos migrantes.
A cidade de Letícia vem se tornando, cada vez mais, local de refúgio dos deslocados
provenientes dos conflitos que vêm se deslocando para a selva colombiana. No km 11 da saída
norte da cidade, foi instalado um centro de acolhida provisória aos deslocados que atende uma
média diária de 450 a 500 famílias nessa situação. Submetidos a condições sub-humanas e
sob iminentes ameaças, os deslocados estão adentrando a fronteira brasileira em busca do
direito de sobrevivência. Esse ingresso vem aumentando significativamente desde 2000. No
11
entanto, existem estatísticas sobre o real contingente de colombianos deslocados vivendo no
Brasil. Os relatos informais de moradores das cidades do Alto Solimões indicam que são
muitos; entretanto, no Amazonas não existem levantamentos convencionais, como censos
demográficos, contagem de população ou Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios
(PNAD), que apresentem mesmo que estimativas do real contingente de colombianos
deslocados que adentram a fronteira brasileira de forma clandestina. Os instrumentos
convencionais de contagem e controle de entrada não parecem se mostrar instrumentos aptos
à coleta de informações a respeito desse contingente populacional, o que se atribui, dentre
outras possíveis causas, à própria fuga à prestação de informações por parte daqueles que se
encontram em situação de clandestinidade.
A contagem populacional desse contingente migratório, adentrando diariamente nessa
fronteira brasileira, se faz necessária porque determinaria um conjunto de medidas a serem
tomadas pelos três governos que mantêm tratados comerciais em larga escala, mas não
apresentam uma política comum de migração estrangeira.
Em muitos casos, os deslocados se esquivam de uma apresentação oficial nos postos da
fronteira brasileira porque, historicamente, a Polícia Federal, com seus agentes de fronteira,
passou a ser identificada como a “linha dura” da justiça brasileira. Muitos migrantes têm horror
à possibilidade de terem que se apresentar aos agentes e serem imediatamente deportados,
sem ao menos serem ouvidos com maior atenção. Isso se deve também ao fato de o governo
brasileiro não apresentar nenhuma garantia de permanência para essa categoria migratória.
Quando se apresentam aos órgãos oficiais, são tratados como todas as demais categorias.
E o fato de serem colombianos já os coloca numa situação muito fragilizada pelo fato de que,
historicamente, do lado brasileiro, quem lida com os migrantes é a mesma Polícia Federal
encarregada de caçar e prender os traficantes que, categoricamente, são classificados como
“colombianos”. Dessa forma, o simples fato de ser de nacionalidade colombiana já se torna um
empecilho para uma possível permanência ou estada no território brasileiro. Os deslocados são
tratados com extrema diferenciação e, na maioria das vezes, caçados e rechaçados de volta à
Colômbia. Essa realidade vem sofrendo algumas modificações graças à insistência e
intervenção dos oficiais de proteção do Alto Comissariado das Nações Unidas para os
Refugiados (ACNUR), que, desde 2004, vem concedendo o direito de refúgio a muitas
solicitações encaminhadas por intermédio da superintendência da Polícia Federal em seu posto
de atendimento na cidade de Tabatinga.
Em muitos casos, os deslocados debandam em grupos de famílias ou vizinhos expulsos
de uma mesma região. Em outubro de 2005, um grupo de 25 pessoas, composto por sete
famílias, deu entrada à solicitação de refúgio junto ao ACNUR na fronteira brasileira e foi
prontamente atendido. Recentemente, no mês de março, o escritório do Serviço Pastoral dos
Migrantes de Manaus, acompanhou outro grupo numeroso de deslocados que estão tramitando
a solicitação de refúgio junto ao ACNUR. Segundo informações do escritório do ACNUR em
Brasília, continua grande a demanda de solicitações de refúgio provenientes da tríplice
fronteira. Mas, na realidade, o que mais preocupa as instituições de pesquisas e de assistência
aos migrantes é o contingente de deslocados que se encontram em situação irregular no
território brasileiro. Isso porque, segundo fontes informais, muitos deslocados que vivem em
situação de clandestinidade na selva amazônica se sentem constantemente ameaçados pelo
fato de estarem relativamente muito próximos da região de perigo. Apesar de não existirem
dados oficiais sobre perseguições ou extermínios de fugitivos dos conflitos da Colômbia em
solo brasileiro, os deslocados têm muito medo de permanecer na região, e aqueles que
tramitam o pedido oficial de refúgio em geral almejam alcançar outras regiões do Brasil o mais
distante possível da Amazônia.
O Vicariato Apostólico de Letícia tem acolhido, em 2007, 650 deslocados.
Conforme afirmado pelo Pe Zabala, diretor da Pastoral Social de Letícia, a mão de obra
mais barata que existe na cidade é formada pelos deslocados, considerados um degraus mais
abaixo dos indígenas. Neste grupo há casos de meninas e mães de família que se prostituem
para poder manter a família.
12
Alguns deslocados já tentaram reconstruir sua vida em Tabatinga, mas voltaram para
Letícia lamentando a exploração trabalhista à qual eram sujeitos.
O município de Letícia doa terras para que estas pessoas possam trabalhá-las. A Pastoral
Social tem denunciado este costume, já que era um jeito disfarçado de lavagem de dinheiro do
narcotráfico.
A Pastoral Social de Letícia acolhe os refugiados só na fase de tramitação para o Brasil,
encaminhando para a Pastoral de Mobilidade Humana de Tabatinga e para a Polícia Federal
brasileira. O Pe Zabala já acompanhou casos concretos de colombianos perseguidos e em
perigo de vida que foram bem atendidos e protegidos pela Polícia Federal brasileira. Nesta
ocasião o padre foi ameaçado de morte pelos paramilitares.
Entre os deslocados há quem se inventa historias para ser ajudado a sair do país e
buscar fortuna no Brasil. Há outros que chegam realmente em condições lamentáveis, às
vezes depois de ter passado por vários Departamentos sofrendo persecuções, ameaças,
presenciando assassinatos.
A maioria chega do Putumayo, fugindo da violência (guerrilha, paramilitares e exército).
A Pastoral Social oferece um serviço de escuta e orientação, encaminhando as pessoas
às autoridades competentes e ajudando na procura de um trabalho. A maioria acaba ficando
em Letícia (em 2006, 612 se estabeleceram na cidade e 78 foram embora). 98% estão
registrados na ficha RUT. A Pastoral Social envia estes registros ao sistema de informação da
Conferência Episcopal Colombiana sem comparti-la com o Governo
As instituições públicas mostram certo descaso com a situação seja pela falta de pessoal
capacitado para lidar com este problema que pela falta de recursos físicos e econômicos.
Entre as ações preventivas promovidas pela Pastoral Social, destaca-se uma campanha de
sensibilização nas paróquias para evitar emitir falsas certidões de batismo. O fato começou em
2006, quando se encontraram 3 casos de pais de adolescentes que pretendiam alterar a idade
de suas filhas para que outras pessoas pudessem levá-las para a Europa e os Estados Unidos.
O caminho mais breve pensado por eles era mudar a data de nascimento no certificado de
batismo, já que depois funcionários do Registro Civil estariam disponíveis para falsificar os
documentos.
Neste mesmo ano teve uma tentativa de suborno (6 milhões de pesos para “obras
sociais”) para alterar uma certidão de batismo.
Quase todos os meses chega um casal colombo-brasileiro pedindo de poder-se casar o
mais rápido possível para poder ter acesso com maior facilidade à nacionalidade que lhe
interessa.
FAMÍLIAS E PESSOAS DESLOCADAS NO DEPARTAMENTO DO AMAZONAS
13
De 2001 até os primeiros meses de 2008 têm chegado ao departamento do Amazonas
311 famílias, o que equivale a 1010 pessoas em situação de deslocamento forçado registradas
em RUPD.
Tendo em conta as cifras do Registro de 2008, é possível afirmar que a tendência de
deslocamento forçado até o Amazonas se mantém no patamar do ano anterior.
UBICAÇÃO GEOGRÁFICA DA POPULAÇÃO DESLOCADA - ANO 2008
DEPARTAMENTO AMAZONAS
MUNICIPIO DE LETICIA
MUNICIPIO DE PUERTO NARIÑO
INSPECCIÓN EL CALDERON
CORREGIMIENTO TARAPACA
CORREGIMIENTO LA PEDRERA
CORREGIMIENTO PUERTO ARICA
CORREGIMIENTO PUERTO SANTANDER
TOTAL
Familias
149
1
3
3
2
3
2
163
Personas
502
3
6
10
13
6
4
544
É bom notar que o 93% da população deslocada no departamento do Amazonas reside
no Município de Letícia, o que equivale ao 0,5 % da população.
Ainda sobre as causas da mobilidade humana e migração na Tríplice
Fronteira
Uma recente pesquisa efetuada pela Equipe de Mobilidade Humana Tripartite
identificou, através de conversações com informantes chaves e a observação de campo, as
seguintes causas de mobilidade humana de Colômbia até o Brasil e do Peru até o Brasil pela
Tríplice Fronteira.
Geográficas: a rede fluvial do Amazonas e o precário controle policial das embarcações
oferecem grandes facilidades para o tráfico informal de pessoas, dinheiro e mercadorias.
Político-administrativas - A fronteira aberta: Os cônsules assinalam que uma das
razões de encontrar colombianos e peruanos indocumentados em Tabatinga é a fronteira
“aberta”.
14
Não existem fronteiras físicas, mas só imaginárias, e por isso o tema migratório se dilui,
se torna intangível e muitas coisas são irregulares, informais e também ilegais. Existem
condescendência e aceitação desta situação por parte das autoridades competentes.
Muitas pessoas pensam que, pelo fato de não necessitar de passaporte para circular
entre Letícia e Tabatinga, ou entre Santa Rosa, Letícia e Tabatinga, não precisam regularizar
sua situação quando decidem viver de maneira temporal ou estável em Tabatinga. A Polícia
Federal, porém, exige o passaporte com o visto de entrada. Inclusive, mesmo com o visto de
turista o colombiano ou peruano que realizem atividades econômicas se tornam ilegais, pois
para isso precisariam ter ou a residência ou um visto de entrada para trabalho. Apesar disso,
muitos peruanos e colombianos vivem e trabalham de maneira irregular no lado brasileiro.
Legais: A Comunidade Andina (Colômbia, Peru, Bolívia, Venezuela e Equador) permite,
por um período de três meses, com a simples cédula de identidade, a livre circulação de seus
cidadãos pelos Países membros. Desde outubro de 2007 se está esperando a aprovação de um
acordo, parecido àquele que já existe entre Peru e Brasil, entre Colômbia e Brasil e que vai
permitir a mobilidade entre os Países e vai facilitar o turismo.
Comerciais: Os comerciantes colombianos de Letícia trazem suas mercadorias
prevalentemente de Bogotá, mas não dispensam comprar certos produtos em Iquitos, onde
abundam os produtos importados da China e do sudoeste asiático. Alguns comerciantes
colombianos se têm instalado em Tabatinga, entre outras razões porque os mesmos produtos
se vendem mais caros neste lado da fronteira. Comparado ao fluxo de peruanos, poucos
colombianos baixam pelo rio até Manaus por razões comerciais explícitas.
A rota da cocaína colombiana (ou peruana comprada por colombianos) vá, nesta
fronteira, de Letícia até o interior de Colômbia por via aérea ou até Manaus e Belém do Pará
pelo Amazonas. Também desembocam no Amazonas, rumo a Manaus, o contrabando
proveniente dos rios Putumayo-Içá e Caquetá-Japurá.
Os peruanos trazem suas mercadorias de
Lima, Yurimaguas, Pucallpa e Iquitos utilizando
os barcos peruanos, aproveitando a margem de
ganho que conseguem comprando em soles e
vendendo em pesos colombianos e reais.
Os barcos atracam na ilha peruana de
Santa Rosa, frente à Letícia e Tabatinga, ou um
pouco mais abaixo em Islândia, frente à cidade
brasileira de Benjamin Constant. Também os
ribeirinhos baixam num “peque peque” nos
mercados fronteiriços.
Muitos peruanos de poucos recursos começam sua aventura em Tabatinga ou Benjamin
Constant como vendedores ambulantes (de doces, sorvetes, gasolina...) e vão progredindo até
alugar um comércio nas ruas do mercado.
Com o dinheiro que obtêm em pesos ou reais compram dólares nos cambistas, que
logo voltam a vender no interior do Peru, pois a diferença no câmbio lhes consegue um ganho
ulterior.
As rotas da cocaína peruana também desembocam no Amazonas, de Huanuco ou Tingo
María até Pucallpa e logo até Iquitos pelo Ucayali, ou de Tarapoto e Yurimaguas até Iquitos
pelo Huallaga e de Mazán até Iquitos pelo Napo. Existem também numerosas trilhas no mato
que vão do Peru até o Brasil.
A atividade comercial dos brasileiros no lado colombiano e peruano é principalmente
consumidora, nos supermercados e lojas de roupa. Muitos tabatinguenses cruzam a fronteira
15
para comprar sua gasolina, de procedência brasileira, porém mais barata por causa dos
incentivos fiscais.
Trabalho: Muitos brasileiros consideram a remota e violenta Tabatinga como um
destino de trabalho pouco atrativo, o que ocasiona um déficit de profissionais brasileiros nas
instituições educativas, médicas, etc. Por isso, a Universidade Estadual de Tabatinga deve
contratar professores colombianos, cubanos e peruanos e nos postos de saúde e no hospital
têm alguns médicos peruanos e colombianos. As escassas oportunidades de trabalho formal
levam a buscar alternativas como independentes ou trabalhadores ilegais. Alguns colombianos
trabalham em Tabatinga como ambulantes, pintores, carpinteiros, etc. Outros – eletricistas,
reparadores de eletrodomésticos, mecânicos… - trabalham em um ou outro lado da fronteira
conforme foram chamados.
As plantações ilícitas de coca são causa de migração para a floresta peruana para alguns
colombianos, particularmente jovens indígenas das comunidades do rio.
Empresários colombianos de Letícia (hoteleiros, construtores…) contratam migrantes
ilegais peruanos porque já cansaram de colombianos que não acabam seus trabalhos.
Em Tabatinga se escutam casos de peruana ilegais, empregadas domesticas nas casas
de brasileiros ou de outros peruanos.
Em Colômbia a vigilância policial é muito mais severa com os ilegais e esta é a razão
pela qual não se vêem ambulantes peruanos nem brasileiros pelas ruas de Letícia.
Os indígenas das comunidades próximas de Letícia e Tabatinga se empregam nas
tarefas urbanas pior remuneradas (construção, limpeza, pavimentação e outras obras
públicas), forçados às vezes a abandonar sua identidade para viver na realidade urbana.
Saúde: Muitas pessoas cruzam a fronteira em busca de um melhor atendimento
médico no país vizinho. Em Tabatinga, tanto os postos de saúde como o Hospital de Guarnição
atendem gratuitamente a população fronteiriça, qualquer seja a nacionalidade. Muitas
peruanas (e algumas colombianas) preferem dar à luz nos hospitais brasileiros para registrar
aí seus bebês e garantir sua nacionalidade brasileira, coisa que, mais tarde, vai facilitar o
direito de residência para os pais. Em Letícia, o hospital público San Rafael atende também
peruanos e brasileiros. As clínicas privadas são excessivamente caras para muitos, porém
atraem a população mais rica dos três Países, que chega em busca de especialistas.
Educativas: Apesar da péssima reputação do ensino no departamento do Amazonas,
poucos colombianos matriculam seus filhos no ensino fundamental e médio no Brasil, a não ser
que um dos casais seja brasileiro.
Em Tabatinga, para matricular filhos de estrangeiros nas escolas se exige que a
documentação dos pais esteja em dia, no contrário admitem-se as crianças só como ouvintes.
Os alunos peruanos que estudam em Tabatinga pertencem a famílias residentes na cidade ou
na ilha peruana de Santa Rosa, pois os pais não confiam na qualidade do ensino da escola
pública de Santa Rosa.
Apesar das muitas universidades na fronteira, poucas oferecem oportunidades aos
jovens colombianos ou peruanos recém formados, pois as colombianas presenciais por
enquanto oferecem só cursos de pós-graduação, e as brasileiras, que tem cursos de
licenciatura e bachelerado apresentam travas burocráticas como o exame Celpe-Bras de
língua portuguesa e exigência de abundante documentação traduzida que muitas vezes o
estudante estrangeiro não consegue juntar.
Alguns brasileiros (principalmente militares e professores da UEA) têm estudado ou
estudam na UNAL-Amazonas cursando a pós-graduação em Estudos Amazônicos e,
acostumados com a gratuidade da universidade brasileira, não deixam de se queixar pelos
valores da matrícula,. Estudantes peruanos e espanhóis da UNAL podem beneficiar-se com as
bolsas de estudo que concede o ICETEX a estudantes estrangeiros.
16
A UEA de Tabatinga conta com mais ou menos 1000 estudantes, todos brasileiros. Por
enquanto não têm estudantes peruanos ou colombianos. Em Brasil, as universidades federais
são consideradas mais importantes do que as estatais; por isso alguns alunos da UEA de
Tabatinga pediram transferência para a UFAM de Benjamin Constant. Esta também recebe a
estudantes peruanos e colombianos que cumpram com os requisitos.
Superada a burocracia, os colombianos e peruanos têm a oportunidade de estudar no
Brasil gratuitamente. Em Letícia se realiza duas vezes por ano (Abril e Outubro) o exame
Celpe-Bras na sede do INEM, e o consulado brasileiro oferece bolsas de estudo aos estudantes
estrangeiros que querem estudar no Brasil. O SENA de Letícia e o CTP de Tabatinga também
recebem estudantes dos países vizinhos
Familiares: Muitos colombianos, peruanos e brasileiros cruzam as fronteiras por
causas das relações familiares. Na Tríplice Fronteira são freqüentes os casamentos e as uniões
livres binacionais. Nos três Países o casamento formal dá direito à residência permanente no
país do cônjuge. Os casais ou as mulheres estrangeiras com filhos brasileiros também têm
direito à residência permanente no Brasil.
Mobilidade Indígena: Os Ticuna são um caso emblemático de um povo indígena
dividido pelas fronteiras. Esta circunstância os torna extremamente móveis entre os três
países, por causas familiares e culturais (cerimônias, bailes tradicionais, busque de
atendimento de médicos tradicionais). Muitos Ticunas peruanos e colombianos se mudaram
para as comunidades brasileiras de Umariaçu I e II e Filadélfia, atraídos pelos subsídios
estatais e as vantagens que oferecem as leis indigenistas brasileiras.
Originários do Putumayo, os Uitotos se dispersaram entre Colômbia e Peru desde os
tempos da Casa Arana. Muitos Uitotos a estrada Leticia-Tarapacá (comunidades do km 7 e do
km 11) vieram a Letícia pelo rio Ampiyacu, perto de Pebas, no Peru, e têm familiares em
ambos os lados da fronteira colombo-peruana.
Os povos Cocama e Yagua também têm laços culturais e familiares entre Peru e
Colômbia.
Refúgio: Colombianos deslocados pelo conflito armado chegam por via aérea ou fluvial
a Letícia e permanecem na fronteira ou a cruzam buscando refúgio no Brasil.
Turismo: Os brasileiros freqüentam Letícia e suas vizinhanças por razões turísticas,
para desfrutar de seus restaurantes, lojas e balneários (km 8). Nas noites de sábado os
colombianos freqüentam as discotecas de Tabatinga, enquanto nas ruas os peruanos vendem
gasolina e X-salados.
É sintomático o papel desempenhado por cada nacionalidade nos
eventos festivos (Confraternização, carnaval…). Nas palavras do cônsul peruano: “No carnaval
de Tabatinga os brasileiros bailam, os colombianos bebem e os peruanos vendem as cervejas”.
Em tempo de seca as praias de Santa Rosa atraem numerosos colombianos e brasileiros.
Religiosas: Outro fator de mobilidade trans-fronteriça é o extraordinário dinamismo
dos novos grupos cristãos - pentecostais, neo-pentecostais, batistas, presbiterianos,
metodistas, adventistas… - cujos membros aceitem às celebrações nos templos de um ou
outro lado da fronteira, e cujos pastores e missionários proselitizam ativamente nos três países
limítrofes. Ouvimos historias e rumores de igrejas que submetem seus jovens missionários até
o servilismo. Neste caso é difícil determinar se este tipo de situação se encaixa no quadro legal
de “trafico de pessoas”, pois os próprios jovens consideram seus sacrifícios uma prova de
compromisso religioso.
Caso a parte é o grupo religioso de origem peruana conhecido como “Israelitas del
Nuevo Pacto Universal”, que através de seu braço político (o FREPAP), e seu programa
“Fronteras Vivas” de colonização agrária, tem lançado milhares de camponeses da serra e da
costa numa epopéia de colonização da Amazônia peruana, estendendo-se também na
Colômbia, Bolívia, Equador e Brasil. Alguns ex-congregados colombianos e peruanos
denunciaram situações de exploração trabalhista.
17
Residência e nacionalização legal: Poucos migrantes na fronteira aspiram a obter a
nacionalidade brasileira, pois isso implica a renuncia à própria nacionalidade, o que acarreta
desvantagens (por ex. comerciais) pela perda dos direitos no país de origem. A residência
permanente no Brasil, que dá plenos direitos trabalhistas, se pode conseguir de várias
maneiras: (matrimônio, filhos brasileiros, asilo político).
Nacionalização ilegal: Numerosas pessoas na fronteira têm dupla ou até triple
nacionalidade, conseguida às vezes de maneira irregular. O tráfico de cédulas de cidadania
colombianas e de documentos de identidade brasileiros é particularmente intenso nas épocas
das eleições.
Rumores e suspeitos de casos de exploração sexual na fronteira.
“Todo mundo fala sobre isso, de que tem muita exploração e prostituição infantil”
(Consulado de Colômbia em Tabatinga).
Não faz muito tempo, uma professora de Letícia foi presa em Manaus acusada de aliciamento e
tráfico de meninas para a exploração sexual.
Este ano começaram a circular vídeo promovendo as meninas “pré-pago” de Letícia e
Tabatinga, onde aparecem também os hotéis brasileiros para onde ir. Trata-se de uma
quadrilha onde estão envolvidos seja brasileiros que colombianos. Os contatos são feitos por
jovens de uns 22 anos que já passaram por isso, iniciando-se à prostituição desde a
adolescência e que agora servem de ponte entre as novas adolescentes e os clientes. A
maioria destas meninas pertence a famílias pobres a fazem isso para sustentá-las. Há também
algumas de famílias mais abastecidas que o fazem por ter independência e não ter que pedir
nada aos pais.
“Sabe-se d casos de abusos e de menores pré-pago. Casos muito freqüentes e que
sofrem muita influência do Brasil, onde as pessoas são mais liberais nestas coisas. Conforme o
que se conhece, a iniciativa á mais das adolescentes, não tanto porque pressionadas ou
porque são vitimas de uma rede, mas porque simplesmente querem viver melhor, satisfazer
seus caprichos, sair de uma situação familiar carente de afetos e oportunidades. Casos de
denuncia direta, por coação, não temos; mas quando se aprofundam os casos familiares se
encontram muitas variáveis.…” (Centro de Convivencia Ciudadana de Leticia).
Tem também boatos de crianças e adolescentes colombianas, brasileiras e peruanas
que se prostituem nas discotecas da ilha peruana de Santa Rosa, e que algumas famílias
indígenas chegam de barcos de suas comunidades até o porto de Letícia para prostituir suas
filhas menores. Uma evidência de prostituição juvenil é o CD que circula na fronteira com
fotografias de menores e adolescentes locais anunciando seus serviços.
“Pelo trabalho desenvolvido pelas assistentes sociais da Secretaria de Ação Social,
conhecemos a situação de exploração sexual sofrida por meninas adolescentes e crianças em
Tabatinga e na Ilha de Santa Rosa.” (Prefeitura de Tabatinga -Secretaria de Ação Social).
Problemas de tráfico ilícito de migrantes e de seres humanos.
Dentro do contexto pluriêtnico e multicultural da Tríplice Fronteira, a investigação de
problemas tão delicados como o tráfico ilícito de migrantes e o de seres humanos apresenta
desafios metodológicos que vale a pena revisar e aprofundar.
Com efeito, as informações coletadas na pesquisa feita na fronteira pela Equipe de
Mobilidade Humana, refletem condições de vulnerabilidade numa elevada porcentagem das
pessoas entrevistadas. Além disso, os rumores, os dados conseguidos em depoimentos
confidenciais, as entrevistas a funcionários públicos, os casos relatados na rede binacional
ESCI-Programa Sentinela e o trabalho da Pastoral de Mobilidade Humana permitem suspeitar
uma realidade ainda mais alarmante. a partir destas fontes foram detectadas as seguintes
formas de tráfico de migrantes e de seres humanos.
18
Tráfico ilícito de migrantes:
 Traslados internos de meninos e meninas com fins de exploração trabalhista.
 Tráfico de deslocados e refugiados.
Tráfico de seres humanos:
Exploração sexual:
 Prostituição infanto-juvenil
 Tráfico de crianças e jovens em âmbito familiar e comunitário.
 Casamento ou união de fato entre adolescentes e adultos.
 Formas de turismo sexual.
Trabalhos e serviços forçados
 Nos serviços domésticos
 Nas madeireiras e nas indústrias da pesca.
ACORDOS FRONTEIRIÇOS
TRATADO DE COOPERAÇÃO AMAZÔNICA de julho de 1978.
Com este tratado os governos decidiram “outorgar máxima prioridade e dinamismo a
uma política de cooperação amazônica orientada ao estabelecimento de mecanismos que
promovam o desenvolvimento integral dos territórios amazônicos, assegurando assim a plena
incorporação de suas economias nacionais”.
Objetivos generais deste tratado: 1.-melhorar o nível de vida da população, gerando
atividades produtivas e fontes de trabalho sustentáveis, instalando como suporte a
infraestrutura econômica e social básica, com a participação ativa do povo. 2.-articular e
integrar econômico-social e culturalmente a área amazônica com o resto dos países, e
desenvolver o mercado transfronteiriços. 3.-propor normas e dispositivos legais orientados a
criar condições de equidade com os países fronteiriços. 4.-implementar mecanismos para a
execução dos projetos de caráter binacional, aprovados nas comissões
de integração
fronteiriça.
Em 1995, para fortalecer institucionalmente o Tratado, os chanceleres dos oito países,
reunidos em Lima, decidiram criar uma Secretaria Permanente para o TCA, a ser sediada em
Brasília, e reafirmaram a importância da Amazônia como fonte essencial de matéria-prima
para as indústrias alimentar, química e farmacêutica, recomendando a formulação de planos e
estratégias para a conservação do meio ambiente e a promoção do desenvolvimento
sustentável da região.
ZIF –Zona de Integração Fronteiriça Colombo-Peruana
DECRETO 501, de 2 de junho de 2001.
Sanciona os âmbitos territoriais fronteiriços adjacentes de Países membros da
Comunidade Andina com o objetivo de procurar soluções conjuntas a problemas comuns nas
regiões de fronteira mediante políticas bilaterais que se traduzam em programas e planos de
prevenção.
19
Acordo BRASIL – PERU
DECRETO Nº 5.537, de 13 de setembro de 2005.
Promulga o Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da
República do Peru sobre Facilitação para o Ingresso e Trânsito de seus Nacionais em
seus Territórios, de 10 de fevereiro de 2004.
Acordo BRASIL – PERU:
DECRETO Nº 5.931, DE 13 de outubro de 2006.
Promulga o Tratado sobre Transferência de Presos entre o Governo da República
Federativa do Brasil e o Governo da República do Peru, celebrado em Lima, em 25 de agosto
de 2003.
Acordo BRASIL – COLÔMBIA:
ACORDO “SOBRE FACILITAÇÃO PARA O INGRESSO E TRÂNSITO DE SEUS NACIONAIS
EM SEUS TERRITÓRIOS”.
Assinatura: Brasília, 21 de agosto de 2007.
Ministros: Celso Amorim e Fernando Perdomo.
Situação: Foi assinado, mas consta como Não vigente ainda.
Acordo BRASIL – COLÔMBIA:
“MEMORANDO DE ENTENDIMENTO SOBRE ENSINO DE PORTUGUÊS E ESPANHOL NA
REGIÃO FRONTEIRIÇA”.
Assinatura: Bogotá, 27 de junho de 2005.
Situação: Consta em Vigor desde 27/junho/2005 (sem D.O.U.)
Acordo BRASIL – COLÔMBIA:
ACORDO PARA CRIAÇÃO DE UM “COMITÊ DE FRONTEIRA” BRASIL-COLÔMBIA.
Assinatura: 06 de junho de 2002.
Situação:consta Vigente desde 06.06.02 (não consta D.O.U.)
Principais pontos:
- Objetivo geral: “promover ações e soluções imediatas para a região
fronteiriça...”.
- Quem preside: Cônsules do Brasil e da Colômbia nas cidades de Letícia e
Tabatinga.
- Caráter das decisões do Comitê: “Caráter operativo in situ”.
- Composição
do
Comitê:
“flexível,
permitindo
a
participação
de
representantes dos setores público e privado da zona fronteiriça e de
outros órgãos e entidades de cada país, na medida em que sua presença se
mostre necessária para o tratamento dos tópicos previstos na agenda da reunião
convocada”.
Registro de Brasileiros nascidos no Exterior
Em 2007, uma Emenda à Constituição Federal (Emenda 54, de 20/09/07) corrigiu disposição
em relação aos filhos de brasileiro ou brasileira nascidos no exterior.
Acordo Brasil – Colômbia – Peru:
Acordo de tríplice fiscalização dos rios da Amazônia.
Assinatura: Letícia, 20 de julho de 2008, pelos Presidentes dos Três Países.
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Em 2005, de 25 a 26 de fevereiro, aconteceu o 1 o Encontro de Pastoral de Mobilidade
Humana na Tríplice Fronteira Peru-Colômbia-Brasil; nasceu da insegurança de não saber o que
fazer frente a esta problemática e, ao mesmo tempo, da consciência que era necessário
juntar-se para falar e buscar soluções em conjunto.
Nesta ocasião foi criada a Equipe de Mobilidade Humana Tripartite para levar a frente as
sugestões levantadas durante o Encontro:
Criação da Pastoral de Mobilidade Humana (PMH), que previa a liberação de
recursos humanos, a formação e capacitação de agentes pastorais em PMH, a criação de um
escritório de PMH entre as três Igrejas da fronteira, a abertura de um escritório de ACNUR
para os deslocados e refugiados, a criação de um banco de dados e o fortalecimento de redes
institucionais para a atenção ao migrante e refugiado.
Criação do núcleo de DDHH e Pastoral Carcerária, para poder oferecer uma
contribuição com assessoria jurídica, presença nos presídios, combate ao trafico de pessoas.
Atividades pastorais conjuntas:
 Celebração da semana dos migrantes (Junho e Setembro).
 Devoções populares dos migrantes (em particular a festa do Senhor dos Milagres).
 Visitas às famílias.
 Atividades culturais.
 Missões Populares a serem realizadas nos bairros e periferias das cidades onde vivem
os migrantes estrangeiros.
 Atividades de conscientização da sociedade sobre o fenômeno migratório
 Fortalecer as associações e grupos de migrantes.
Esta Equipe de Mobilidade Humana demorou um pouco para encontrar seu ritmo de
trabalho, mas desde o começo de sua criação ofereceu apoio humanitário ao deslocados e
refugiados encaminhando-os nos escritórios de Pastoral Social de Letícia e Tabatinga. A partir
do final de 2006 o grupo foi adquirindo maior organização e força, consolidando sua
participação na Pastoral carcerária de Tabatinga, acompanhando a realização da Casa de
Trânsito para Migrantes, promovendo encontros com os Bispos da fronteira, realizando uma
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Pesquisa sobre Trafico de Pessoas na Fronteira envolvendo as instituições dos três Países,
promovendo um Seminário sobre Trafico de Seres Humanos e outro sobre o Marco Legal na
Tríplice Fronteira. Neste momento está tentando articular a criação de Comitês de Direitos
Humanos nos municípios dos três Países próximos da fronteira.
2008
2007
Participantes do Curso “Marco Legal na Tríplice Fronteira”- Tabatinga 23 – 25 de abril de 2008.
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“Eu era migrante e vocês me acolheram” (Mt 25,35)
OBJETIVO
Oferecer acolhida, orientação psicossocial, religiosa e ajuda humanitária aos migrantes e
refugiados que chegam em Tabatinga forçados por situações de violência ou miséria e que
procuram uma chance para refazer um novo projeto de vida.
MISSÃO
Prestar um serviço de evangelização e de promoção humana e social para migrantes e
refugiados, realizando com eles atividades de acolhida, assistência social, apoio, orientação
espiritual e psicossocial.
VISÃO
Ser um espaço de acolhida, orientação e apoio para migrantes e refugiados nos primeiros dias
de chegada na cidade assim que possam reconstruir um projeto digno de vida em Tabatinga
ou em outras cidades.
QUEM ASSITE
 Migrantes (famílias completas ou incompletas ou pessoas sozinhas) que por motivos de
miséria saem de seus lugares de origem.
 Refugiados (famílias completas ou incompletas ou pessoas sozinhas) que por motivos
de violência fogem de seus lugares de origem.
SERVIÇOS OFERECIDOS
 Alimentação e alojamento temporário.
 Orientação psicossocial e espiritual.
 Orientação e encaminhamento às instituições publicas.
 Acompanhamento das famílias que se estabelecem na cidade.
REQUISITOS PARA A ADMISSÃO
 Migrantes ou Refugiados enviados pelas Pastorais Sociais das três Dioceses ou
Vicariatos, com prévia chamada telefônica e uma carta de apresentação da pessoa e de
sua problemática.
 Deslocados que chegam a Letícia no final de semana e que, por isso, não podem ser
atendido pelos órgãos públicos, com prévia chamada telefônica da Pastoral Social de
Letícia e uma carta de apresentação da pessoa e de sua problemática.
 Que sejam pessoas aptas para viver em comunidade.
 Que não tenham amigos ou familiares em Tabatinga ou Letícia.
 Ao chegar à Casa de Trânsito devem apresentar um documento de identificação
pessoal.
 Que as pessoas tenham disposição para cumprir o Regulamento da casa durante a sua
permanência nele.
 Que não sejam tidas já hospedadas outras vezes na instituição.
A CASA DE TRÂNSITO PEDE QUE
cada hospede ACOLHA PARA SER ACOLHIDO(A)
RESPEITE PARA SER RESPEITADO(A).
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