anais do i simpósio internacional ep thompson

Transcrição

anais do i simpósio internacional ep thompson
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
INSITUTO DE HISTÓRIA
ANAIS DO
I SIMPÓSIO INTERNACIONAL E. P. THOMPSON:
História & Perspectivas
Uberlândia, 22 a 24 de outubro de 2014
Campus Santa Mônica
COORDENAÇÀO DO SIMPÓSIO
Sérgio Paulo Morais
COMISSÃO ORGANIZADORA
Alcides Freire Ramos
André Fabiano Voigt
Antônio De P. Bosi
Bruna P. De Oliveira
Carlos Alberto V. Borba
Carlos H. De Carvalho
Célia R. Vendramini
Deivy F. Carneiro
Denise N. De Sordi
Dilma A. De Paula
Fabiane S. Previtali
Fabiano Silva Santana
Gabriel A. Damaceno
Gabriel P. De Melo
Joao Alfredo C. De C. M. Junior
Leandro Jose Nunes
Mylena M. Rodrigues
Pamela A. Vieira
Paulo Cesar Inacio
Paulo R. De Almeida
Rafael Correia Rocha
Ricardo G. Muller
Rinaldo J. Varussa
Rosana Kasue Kuniya
Rosangela M. S. Petuba
Rosangela PatriotaR.
Tulio Barbosa
Sérgio Paulo Morais
Vagner Jose Moreira
Vera Lucia Silva
Wenceslau Goncalves Neto
COMISSÃO CIENTÍFICA
Alcides Freire Ramos
André Fabiano Voigt
Antônio De P. Bosi
Carlos H. De Carvalho
Celia R. Vendramini
Deivy F. Carneiro
Dilma A. De Paula
Fabiane S. Previtali
João Alfredo C. De C. M. Junior
Leandro Jose Nunes
Paulo Cesar Inacio
Paulo R. De Almeida
Ricardo G. Muller
Rinaldo J. Varussa
Rosangela M. S. Petuba
Rosangela Patriota Ramos
Túlio Barbosa
Vagner Jose Moreira
Vera Lucia Silva
Wenceslau Goncalves Neto
APOIO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
Instituto de História Programa de Pós-Graduação INHIS (Linha Trabalho e
Movimentos Sociais)
Núcleo de Pesquisa e Estudo em História, Cidade e Trabalho (NUPEHCIT)
Grupo de Pesquisa Trabalho, Educação e Sociedade (GPTES)
Anais do I Simpósio Internacional E. P.
Thompson:
História
&
Perspectivas.
Universidade Federal de Uberlândia Instituto de
História. Uberlândia (MG) 22 a 24 de agosto de
2014.
ISSN 2358-8438
SUMÁRIO
Apresentação
Sérgio Paulo Morais (Coordenador Geral) ...................................................... 7
Programação Geral do I Simpósio Internacional E. P. Thompson: História &
Perspectivas....................................................................................................12
Ementas dos Grupos de Trabalho Temáticos.................................................14
Textos Completos GT 1 “Historiografia Brasileira e Edward Palmer Thompson:
diálogo com as evidências e o fazer-se da classe trabalhadora”.
Proponentes: Antônio de Pádua Bosi (UNIOESTE) e Rinaldo José Varussa
(UNIOESTE)........................................................................................... 22-187
Textos Completos GT 2 “Experiência, Trabalho e Educação em E. P.
Thompson”
Proponentes: Aparecida Darc de Souza (UNIOESTE) e Rodrigo Ribeiro Paziani
(UNIOESTE) .........................................................................................188-313
Textos Completos GT 3 “História Social: Culturas e Experiências de
Trabalhadores(as) do Campo e das Cidades”
Proponentes: Célia Rocha Calvo (UFU) e Rejane Meireles Amaral Rodrigues
(Unimontes) ........................................................................................... 314-523
Textos Completos GT 4 “História, Memória e Educação: Interfaces com o
Pensamento de E. P. Thompson”
Proponentes: Elisson Antônio Paim (UFSC) e João Batista Gonçalves Bueno
(UEPB) ................................................................................................... 524-661
Textos Completos GT 5 “Trabalho, Educação e Conflitos Sociais”
Proponentes: Fabiane Santana Previtali (UFU) e Túlio Barbosa (UFU)..662-736
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Textos Completos GT 6 “Experiência Social e Culturas Populares: diálogos
com Edward Palmer Thompson”
Proponente: João Alfredo Costa de Campus Melo Júnior (UFV) ...... 737-809
Textos Completos GT 7 “ Experiência: um termo presente”
Proponentes:
Rosângela
W.
Zulian
(UEPG)
e
Rosângela
Petuba
(UEPG)..810-857
Textos Completos GT 8 “Estudos Culturais e Linguagens Artísticas:
Caminhos de Pesquisa e Perspectivas Temáticas à Luz das Contribuições de
E. P. Thompson”
Proponentes: Alcides Freire Ramos (UFU), Rodrigo de Freitas Costa (UFTM)
e Rosângela Patriota Ramos (UFU) .................................................... 858-937
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APRESENTAÇÃO
...Não deveríamos ter como único critério de julgamento
o fato de as ações de um homem se justificarem, ou não
à luz da evolução posterior. A final de contas, nós
mesmos não estamos no final da evolução social.
Podemos descobrir, em algumas das causas perdidas
do povo da Revolução Industrial, percepção e males
que ainda estão por curar.
E. P. Thompson, 1963.
Por ocasião das comemorações dos 50 anos da clássica publicação
do livro “A Formação da Classe Operária Inglesa” (1963), dos 20 anos de
falecimento (1993) e 90 de nascimento (1914) do consagrado historiador
inglês Edward Palmer Thompson, organizamos na Universidade Federal de
Uberlândia, entre os dias 22 e 24 de outubro de 2014, o I SIMPÓSIO
INTERNACIONAL E. P. THOMPSON: HISTÓRIA & PERSPECTIVAS.
Este, aprovado pelo INHIS (instituto de História, UFU), foi realizado
pelo Núcleo de Pesquisas e Estudos em História, Trabalho e Cidade
(NUPEHCIT), com apoio da Capes, Fapemig, Propp/UFU e Proex/UFU. O
Simpósio contou com a participação de outros núcleos, laboratórios e
programas de pós-graduação do país, tais como o Núcleo de Estudos em
História Social da Arte e da Cultura (NEHAC/INHIS/UFU), o Grupo de
Pesquisa Trabalho, Educação e Sociedade (GPTES/UFU), o Núcleo de
Estudo e Pesquisa em Educação Geográfica (NUPEGEO/UFU); o Programa
de Pós-Graduação em Educação – PPGE da Universidade Federal de Santa
Catarina, o Núcleo de Estudos sobre as Transformações no Mundo do
trabalho (TMT/UFSC); Programa de Pós –Graduação em História PPGHUEPG da Universidade Estadual de Ponta Grossa, o Grupo de Pesquisa
Mundos dos Trabalhadores: Culturas, Memórias e Identidades de Classe
(UEPG); Laboratório de Pesquisa Trabalho e Movimentos Sociais e Grupo de
Pesquisa História Social do Trabalho e da Cidade, ambos da Universidade
Estadual do Oeste Do Paraná.
22 a 24 de agosto Universidade Federal de Uberlândia – Uberlândia, MG, Brasil
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A proposta do SIMPÓSIO foi a de promover um ampliado debate em
torno das obras e de pesquisas referenciadas em textos do Historiador Inglês
Edward Palmer Thompson, e procurou atentar-se várias dimensões
analíticas, entre elas destacaram-se:
1) Interdisciplinaridade: o autor é reconhecido e consagrado em
diversas áreas do conhecimento. Destacam-se a Teoria Literária -,
pois, o primeiro livro (além de outros posteriores em que cita
Chaucer, Tristam Shandy, Wordsworth, Dickens e os poetas do
século XVIII Stephen Duck e Mary Collier), do autor aborda uma
análise sobre o escritor, artista e socialista utópico do século XIX,
William Morris -; a Sociologia; a Educação – lembramos que por
anos Thompson trabalhou com Educação de adultos em atividades
de extensão na Universidade de Leeds, nos anos de 1950/1960) ; a
Antropologia – ciência sobre a qual lidou em diversos momentos,
tais como palestras realizadas na Índia ou em discussões sobre
Tradição, Folclore e Cultura Popular; o Direito e outras ciências
humanas.
2) Atualidade e importância acadêmica da obra do autor: Através de
levantamento realizado por Marcelo Badaró Mattos (Cnpq - UFF)
MATTOS, 2012, tem-se conhecimento de centenas de teses e
dissertações defendidas em anos recentes, nas quais o autor é
citado e referido diretamente. Esta tendência nacional reflete uma
realidade externa bastante conhecida, pois, Thompson: na década
de 1980 chegou a ser o historiador britânico mais citado e um dos
cem autores mais citados no mundo em todo o século XX segundo
o “Arts and Humanities Citations Index” (1976-1983). A obra de
Mattos mapeia, por seu turno, diferentes áreas e distintos centros
de pesquisas nacionais que produzem pesquisa e conhecimento a
partir
das
contribuições
daquele
historiador
inglês.
(Ref.
Bibliográficas que subsidiam informações de tópico 2: MATTOS,
Marcelo Badaró, E. P. THOMPSON e a tradição de crítica ativa do
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materialismo histórico. Ed. UFRJ. Rio de Janeiro, 2012. DUARTE,
Adriano Luiz e MÜLLER, Ricardo Gaspar (orgs). E. P. Thompson,
política e paixão. Argos. Chapecó, 2012.)
3) Atualidade e importância “extra-muros” da obra do autor: Até os
anos finais de vida, Thompson viveu imerso em uma arraigada
militância. Escreveu diversos livros a respeito da atualidade dos
protestes e movimentos internacionais contra a Guerra-Fria. O
autor deixou-nos significativas reflexões que podem subsidiar
reflexões sobre os movimentos “Occupys”, movimentos ecológicos
e as recentes manifestações que tomaram diferentes cidades no
Brasil, em anos recentes.
4) Magistratura,
importância
e
ineditismo
de
obras
de
autores/colaboradores. O I Simpósio foi marcado pela presença de
importantes pesquisadores brasileiros e internacionais, entre eles:
BRYAN D. PALMER (Trent University), MICHAEL MERRILL ( Harry
Van Arsdale Jr. Center for Labor Studies at SUNY Empire State
College, organizador da "Conference Registration: The Global E. P.
Thompson" (Universidade de Harvard), DENNIS L. DWORKIN
(University of Nevada), Prof. Dr. JOSE ÁNGEL RUIZ JIMENEZ
(Universidad de Granada).
A realização deste Simpósio contribuiu para o aprofundamento da
integração entre pesquisadores, alunos de pós-graduação e de graduação,
além de bolsistas de iniciação científica, que participaram com trabalhos que
reflitam o atual estágio de suas pesquisas.
Os trabalhos se distribuíram em três conjuntos de atividades: 1) Mesas
Redondas - com a participação de conferencistas convidados; 2) Palestras;
3) Sessões de Grupos de Trabalho, com apresentação de trabalhos de
graduandos, pós-graduandos e profissionais.
Além destes, ocorreu o
lançamento de um Número Especial da Revista História & Perspectivas,
sobre o autor (“História Social: E. P. Thompson – 1924-20014”) e realizou-se
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uma Exposição de Fotografias do MST (Movimento dos Trabalhadores SemTerra).
Este caderno traz o registro de textos completos previamente submetidos a
uma avaliação realizada por professores/pesquisadores que propuseram os
seguintes Grupos de Trabalho:
1) GT1: “Historiografia brasileira e Edward Thompson: diálogo com as
evidências e o fazer-se da classe trabalhadora”. Proponentes:
Antonio de Pádua Bosi (Unioeste), Rinaldo José Varussa
(Unioeste).
2) GT 2: “Experiência, Trabalho e Educação em E. P. Thompson”.
Proponentes:
Aparecida Darc de Souza (Unioeste), Rodrigo
Ribeiro Paziani (Unioeste).
3) GT
3:
“História
Social:
Culturas
e
Experiências
de
Trabalhadores(as) do Campo e das Cidades”. Proponentes: Célia
Rocha Calvo (UFU – INHIS), Rejane Meireles Amaral Rodrigues
(UNIMONTES).
4) GT 4: “História, Memória e Educação: Interfaces com o
Pensamento de E. P. Thompson”. Proponentes: Elison Antonio
Paim (UFSC), João Batista Gonçalves Bueno (UEPB Guarabira –
PB).
5) GT5: “Trabalho, Educação e Conflitos Sociais”. Proponentes:
Fabiane Santana Previtali (UFU – IHC/UNL), Tulio Barbosa (UFU)
6) GT 6: “Experiência Social e Culturas Populares: diálogos com
Edward Thompson”. Proponente: João Alfredo Costa de Campus
Melo Júnior (UFV – Campus de Rio Paranaíba).
7) GT 7: “Experiência: um termo presente”. Proponentes: Rosângela
W. Zulian (UEPG/PR), Rosângela Petuba (UEPG/PR).
8) GT 8: “Estudos Culturais e Linguagens Artísticas: Caminhos de
Pesquisa e Perspectivas Temáticas à luz das contribuições de E.P.
Thompson”. Proponentes: Alcides Freire Ramos (UFU/NEHAC),
Rodrigo de Freitas Costa (UFTM/NEHAC), Rosangela Patriota
Ramos (UFU/NEHAC).
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Ao agradecer mais uma vez a presença, os apoios e os esforços de
vários alunos, orientandos e monitores, espero que os textos a seguir, assim
como ocorreu nas atividades realizadas durante o Simpósio, contribuam para
a reflexão sobre caminhos e perspectivas de abordagens inerentes às nossas
práticas, com o intuito de democratizar o ensino, a pesquisa em história, e, tal
como
desejado
por
nosso
“homenageado”:
permita-nos
“vislumbrar
horizontes possíveis de mudanças na vida social”.
Prof. Dr. Sérgio Paulo Morais
Coordenador do Simpósio.
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PROGRAMAÇÃO GERAL
I SIMPÓSIO INTERNACIONAL E. P. THOMPSON:
HISTÓRIA & PERSPECTIVAS
CONFERÊNCIAS:
Bryan D. Palmer Ph.D (Trent University) – Palestra De Encerramento
Michael Merrill Ph.D ( Harry Van Arsdale Jr. Center For Labor Studies At
Suny Empire State College) –. Palestra Noite: 23/10
Dennis L. Dworkin Phd (University Of Nevada) – Palestra Manhã: 24/10
Prof. Dr. Jose Ángel Ruiz Jimenez (Universidad De Granada) – Palestra
Manhã: 23/10
MESA REDONDA 1
“E. P. THOMPSON: Dimensões da Teoria”
Prof. Dr. Ricardo Gaspar Müller (Tmt/Cfh/Ufsc).
Profª Drª Heloisa Faria Cruz (Dep. História/Puc/Sp)
Coordenador: Prof. Dr. André Fabiano Voigt (Ufu)
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MESA REDONDA 2
“E. P. THOMPSON: Extra-Muros e Movimentos Sociais”
Prof.ª Dr.ª Célia Regina Vendramini (Tmt/Ufsc)
Prof.ª Doutoranda Janaína Stronzake (Fiocruz/ Escola Politécnica Joaquim
Venâncio/ Instituto Hegoa/Ehu – Espanha)
Coordenador: Prof. Dr. Antônio De Pádua Bosi (Unioeste)
MESA REDONDA 3
“E. P. THOMPSON: Pesquisa em História Social”
Prof. Dr. Rinaldo José Varussa (Nupehcit/Unioeste – Campus M. Cândido
Rondon)
Prof. Dr. Paulo César Inácio (Ufg. – Campus De Catalão)
Coordenador: Prof. Dr. Tulio Barbosa (Ufu)
MESA REDONDA 4
“E. P. THOMPSON: diálogos”
Prof. Dr. Antônio De Pádua Bosi (Unioeste)
Prof. Drª Rosângela Patriota Ramos (Nehac /Ufu)
Coordenador: Prof. Dr. Deivy Ferreira Carneiro (Ufu)
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EMENTAS DOS GRUPOS DE TRABALHO TEMÁTICOS
Grupo de Trabalho Temático 1:
“Historiografia brasileira e Edward Thompson: diálogo com as
evidências e o fazer-se da classe trabalhadora”
Proponentes:
Antonio de Pádua Bosi (Unioeste) [email protected]
Rinaldo José Varussa (Unioeste) [email protected]
Ementa:
Este grupo de trabalho propõe-se a discutir como as contribuições de
Edward
Thompson
foram
incorporadas
pela
Historiografia
brasileira,
principalmente no que se refere ao trabalho com as fontes históricas ligadas
à investigação da classe trabalhadora. Interessa compreender processos
históricos abordados pela historiografia brasileira em que a classe
trabalhadora é evidenciada a partir de sua experiência social vivida em
confronto com dinâmicas e relações de poder no âmbito do trabalho, da
moradia, dos sindicatos e partidos e das lutas por direitos. Pretende-se
avaliar como investigamos e documentamos as dinâmicas de proletarização,
empobrecimento, expropriação, associação e lazer, por exemplo, no campo e
nas cidades. Prioritariamente, interessa discutir como construímos uma
narrativa
histórica
sobre
a
classe
trabalhadora
partindo
de
uma
documentação muitas vezes fragmentada, biográfica e com lacunas.
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Grupo de Trabalho Temático 2:
“Experiência, Trabalho e Educação em E. P. Thompson”
Proponentes:
Aparecida
Darc
Rondon/História
de
Souza
Social
(Unioeste/Campus
do
Trabalho
Marechal
e
da
Cândido
Cidade)
[email protected]
Rodrigo Ribeiro Paziani (Unioeste/Campus Marechal Cândido Rondon/
História Social do Trabalho e da Cidade) [email protected]
Ementa:
A proposta deste GT é acolher reflexões sobre trabalho e educação
que tenham sido construídas em diálogo com as contribuições de E. P.
Thompson, especialmente com sua noção de “experiência”. Sabemos que
Thompson se dedicou a problematizar as condições históricas do “fazer-se”
da classe trabalhadora, valorizando as experiências constitutivas da trajetória
dos próprios trabalhadores e encarando o tempo passado como fundamental
na (re)construção de práticas sociais transformadoras no tempo presente. Tal
enfoque parece-nos ser caro às interfaces entre trabalho e educação na
medida em que ele pode ser abordado numa perspectiva crítica que tem
analisado, principalmente, a relevância dos saberes da experiência docente
como dimensões político-pedagógicas de valorização dos sujeitos e de suas
práticas sociais no decorrer dos processos formativos. Esperamos promover
o diálogo entre trabalhos que abordem experiências de ensino, pesquisas
articuladas a história da educação, pesquisas sobre o trabalho docente e
reflexões teórico-metodológicas que articulem a concepção de “experiência”
com as discussões sobre formação e trabalho docente. A intenção é
proporcionar espaço para estudantes e profissionais das Ciências Humanas,
particularmente a História.
Grupo de Trabalho Temático 3:
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“História Social: Culturas e Experiências de Trabalhadores(as) do
Campo e das Cidades”
Proponentes:
Célia Rocha Calvo (UFU – INHIS) [email protected]
Rejane
Meireles
Amaral
Rodrigues
(UNIMONTES)
[email protected]
Ementa:
O Simpósio tem como proposta refletir sobre as concepções e
formulações da Historia Social priorizando o eixo temático: culturas e
experiências de trabalhadores(as) do campo e das cidades. Dar-se-á
prioridade ao debate que promova a reflexão sobre o fazer-se dos sujeitos
em suas múltiplas e diferentes práticas socioculturais, isto é, na produção
social da vida, nos modos de viver urbano e rural, nas lutas por trabalho,
moradia, saúde e lazer; nos modos de habitar, nas práticas e expectativas
educativas, nos hábitos, padrões e costumes alimentares e de lazer, bem
como nas relações de sociabilidades forjadas ou não nas praticas religiosas,
nas relações de vizinhança e família.
Tais objetivos apontam no sentido de dialogar sobre problemáticas
articuladas às potencialidades dos sujeitos, no que se refere à criação e/ou
recriação
de
estratégias
cotidianas
de
contenção,
resistências
e
insubordinações nos processos históricos de formação das sociedades
capitalistas.
Dessa maneira, promover o debate sobre investigações dos processos
sociais que configuram campo e cidade tanto nos atos de intervenção
técnica/política dos projetos dominantes, como naqueles que se cruzam e se
conflitam nas relações quotidianas para assim apreender esses espaços
como expressão de um campo conflituoso, que se constituem nos atos de
apropriação, nos sentimentos de pertencimento social, de
exclusão,
expropriação
vivenciam
e,
portanto
na
maneira
como
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a dominação/resistência e insubordinação. Refletir esses significados e
sentidos que pontuam os espaços da cidade, nos territórios de viveres dos
trabalhadores.
No terreno dessas lutas dialogar sobre a produção social das
memórias e historias articuladas às culturas e experiências de trabalhadores
e trabalhadoras do campo e da cidade; refletir sobre processos de
constituição das relações de poder e, por meio delas, a produção de
hegemonias e contra-hegemonias culturalmente vividos e que evidenciam a
historicidade
do
movimento
contraditório
das
relações
de
dominação/exploração, resistência/insubordinação entre grupos e classes
sociais. Isto
para
fortalecer
a
necessidade
de
superação
das
compartimentações nas explicações do processo histórico, socializar
procedimentos de investigação e firmar o potencial crítico e autoral do
historiador (a) em sua reflexão histórica.
Grupo de Trabalho Temático 4:
“História, Memória e Educação: Interfaces com o Pensamento de E. P.
Thompson”
Proponentes:
Elisson Antonio Paim (UFSC) [email protected]
João
Batista
Gonçalves
Bueno
(UEPB
Guarabira
–
PB)
[email protected]
Ementa:
Convivemos cotidianamente com a intensa multiplicação de práticas,
produção de saberes educacionais e registros de memórias no dialogo com o
pensamento de Edward Palmer Thompson. Consideramos necessário
fomentar debates e reflexões sobre tais diálogos na interface com as
potencialidades educativas e de intercâmbio entre pesquisadores que se abre
com atividades dessa natureza. Para tanto, temos como objetivo reunir e
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dialogar com profissionais e estudantes de graduação/pós-graduação. Serão
bem vindos aqueles sujeitos vinculados as universidades, centros de
memória, arquivos, museus e escolas que desenvolvam pesquisas ou
atividades educativas em espaços formais ou não formais. As propostas de
comunicação deverão evidenciar experiências e o fazer-se de diferentes
sujeitos históricos em diálogo com a produção de conhecimentos na interface
com a produção de Thompson.
Grupo de Trabalho Temático 5:
“Trabalho, Educação e Conflitos Sociais”
Proponentes:
Fabiane Santana Previtali (UFU – IHC/UNL) mailto:[email protected]
Tulio Barbosa (UFU) [email protected]
Ementa:
Thompson parte do princípio da dialética marxista da historicidade e
totalidade de todo fenômeno social. A história é concebida como processo da
vida real dos homens e das relações que estabelecem entre si, entre si e a
natureza, por meio do trabalho. Assim, resgata a dialética marxista e coloca
em debate a questão da práxis humana.
A partir dessas considerações, o objetivo do GT é a análise das
transformações que vêm se processando no trabalho e na educação, no
contexto da mundialização do trabalho e dos conflitos sociais, assim como as
mudanças no papel do Estado no período histórico contemporâneo. São
temas do GT os conflitos sociais resultantes da relação trabalho e capital, as
formas de adaptação, consentimento e de resistências desenvolvidas pela
classe trabalhadora diante das novas configurações do trabalho.
Os trabalhos devem contemplar as principais contribuições de
Thompson, especialmente no que concerne a compreensão da realidade
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histórica como processo, a categoria da experiência como relação entre ser
social e consciência social, bem como a defesa da necessidade do diálogo
permanente entre teoria e evidências no processo de construção do
conhecimento científico.
Grupo de Trabalho Temático 6:
“Experiência Social e Culturas Populares: diálogos com Edward
Thompson”
Proponente:
João Alfredo Costa de Campus Melo Júnior (UFV – Campus de Rio
Paranaíba) [email protected]
Ementa:
O conceito de experiência social é um dos mais férteis e, sem dúvida
mais duradouro em Thompson. Suas intenções teóricas e empíricas
buscavam contemplar as experiências e os processos de auto formação
(making) da classe operária inglesa de meados do século XVIII e começo do
XIX. A partir deste princípio, E.P. Thompson procura compreender os
processos articuladores da história como originários de experiências sociais e
culturais de homens e mulheres de verdade. As culturas populares para
Edward Thompson firmavam-se como o combustível das experiências
sociais.
É intenção deste GT discutir cultura popular, nas suas multifacetadas
experiências sociais, como também experiências sociais advindas de
organizações sociais e culturais. As propostas de comunicação deverão
contemplar as experiências sociais e culturas populares de sujeitos históricos
tendo como norte Edward Thompson.
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Grupo de Trabalho Temático 7:
“Experiência: um termo presente”
Proponentes:
Rosângela W. Zulian (Programa de Pós-Graduação em História – UEPG/PR)
[email protected]
Rosângela Petuba (Programa de Pós-Graduação em História – UEPG/PR)
[email protected]
Ementa:
O GT se propõe acolher comunicações cuja reflexão apresente como
foco central a noção de “experiência” em Thompson e suas múltiplas
apropriações em pesquisas que privilegiem os homens e mulheres comuns,
focando a relação entre culturas, processos de produção de memória,
identidades
de
classe
e
suas
reconfigurações
na
sociedade
contemporânea. Ou seja: “A busca de indícios, de como as pessoas fizeramse e assim forjaram sua história enquanto indivíduos que, vivendo em
sociedade, formaram um grupo com idéias e interesses comuns – uma
classe.” (BERTUCCI et al., 2010).
BERTUCCI, L. M et all. Edward P. Thompson: história e formação. Belo
Horizonte> Editora UFMG, 2010.
Grupo de Trabalho Temático 8:
“Estudos Culturais e Linguagens Artísticas: Caminhos de Pesquisa e
Perspectivas Temáticas à luz das contribuições de E.P. Thompson”
PROPONENTES:
Prof. Dr. Alcides Freire Ramos (UFU/NEHAC) [email protected]
Prof.
Dr.
Rodrigo
de
Freitas
Costa
(UFTM/NEHAC) [email protected]
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Profª.
Drª.
Rosangela
Patriota
21!
Ramos
(UFU/NEHAC) [email protected]
Ementa:
Este Grupo de Trabalho visa discutir pesquisas que têm como
documentos privilegiados os objetos artísticos, com o intuito de estabelecer
diálogos entre Arte e Sociedade; História e Estética; Arte e Política, entre
outros, a partir de uma interlocução teórica e metodológica, com as
preocupações de E. P. Thompson no que se refere à História, à Literatura e
às Artes, em sentido amplo, sejam elas relativas aos poetas românticos
ingleses, em geral, sejam elas verticalizadas sobre as obras de William Blake
e de William Morris.
Nesse sentido, de acordo com as palavras de Thompson, ao comentar
a obra de Wordsworth: “não é um ponto de vista momentâneo, mas uma
visão deliberada e permanente, expressa com uma maturidade filosófica que
desafiava a cultura tradicional. Wordsworth mudou não apenas seu próprio
ponto de vista, mas também o daqueles que vieram a seguir. Fechando a
distância entre ele próprio e o homem comum, alinhou-se com o homem
comum em sensibilidade e abriu uma distância entre eles dois e a cultura
refinada. A própria palavra “comum” – “um Homem com o mais comum” – ele
adquire, de modo significativo, novas conotações: colocamo-nos com o
comum e contra a cultura” (THOMPSON, E. P. Educação e Experiência. Os
Românticos: A Inglaterra na era revolucionária. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2002, p. 24).
Assim, do ponto de vista dos Estudos Culturais buscaremos interpretar
manifestações artísticas e culturais, em diferentes momentos históricos,
como práticas sociais.!
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TEXTOS COMPLETOS GT 1 “HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA E
EDWARD PALMER THOMPSON: DIÁLOGO COM AS EVIDÊNCIAS E O
FAZER-SE DA CLASSE TRABALHADORA”.
Proponentes:
Antônio de Pádua Bosi (UNIOESTE)
Rinaldo José Varussa (UNIOESTE)
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A RELAÇÃO CAMPO/CIDADE: SABERES E PRÁTICAS DOS
PEQUENOS PRODUTORES RURAIS DE FRUTAL-MG
Ananda Maria Garcia Veduvoto (UNICAMP)
[email protected]
Claudia Lopes Bernardes (UNESCO – HIDROEX)
[email protected]
Lucia Elena Pereira Franco Brito (UFU)
[email protected]
RESUMO:
O crescimento das atividades sucroalcooleiras no Brasil contribuiu para
estabelecer novos arranjos sociais, econômicos e culturais entre o campo e a
cidade. O espaço rural e o urbano foram refuncionalizados, na medida em
que o agronegócio passou a ser determinante na produção em escala global,
modernizando equipamentos e mecanizando o trabalho no campo. Em Frutal,
município localizado no Triângulo Mineiro, a inserção das usinas produtoras
de açúcar e álcool, a partir de 2005, alterou a base técnica da produção
agropecuária, mas redimensionou, sobretudo, relações socioculturais,
resultando em novos arranjos territoriais e de trabalho entre campo/cidade.
Diante disso, o artigo intenciona compreender as experiências dos pequenos
produtores rurais, que permaneceram em suas propriedades, reelaborando
seus saberes e práticas, por meio da organização da Feira do Pequeno
Produtor Rural de Frutal.
Palavras-Chave: Rural/Urbano – Pequenos Produtores Rurais –
Experiências
INTRODUÇÃO
Requeijão e queijo fresco? Só tem na feira. Doce de leite daquele
molinho e doce de goiaba? Na feira! Lá tem mel, pingo, jiló, jabuticaba, pequi,
manga, pinha, pimenta, carne de lata, banha de porco, alface fresquinha, ovo
caipira, tem farinha de milho e mandioca amarelinha, bolo de milho, curau,
pamonha, guariroba, frango caipira de canelinha amarela, polvilho, pão de
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queijo, leite cru, cachaça artesanal. Um mundo de coisas, como dizem os
feirantes.
A feira mencionada fica em Frutal, município localizado no Triângulo
Mineiro, cuja população residente urbana atinge a marca de 46.086
habitantes e a população rural, 7.379 – segundo o Censo Demográfico de
2010. Nos últimos quinze anos, Frutal tem passado por intensas
modificações, no que concerne aos espaços urbano e rural. A cidade, que
completou 126 anos em 2014, recebeu diversos estímulos, gerando
crescimento e diversificação econômica. A concomitante instalação de
centros de estudo e pesquisa atraiu novos moradores1.
Aos recém-chegados, os frutalenses tratam logo de alertar: se
quiserem encontrar alimentos de qualidade, procurem a feira. Mesmo
aqueles que são da cidade, muitas vezes, esperam chegar o dia da feira para
comer biscoito de polvilho frito na hora e mané pelado2 . As hortaliças
também acabam num instante. Mas, afinal de contas, que feira é esta? Onde
e quem a organiza? Seriam os tradicionais feirantes que montam suas
barracas aos domingos ou envolveria a participação de outras pessoas? Qual
a origem dos produtos comercializados? Seriam produzidos diretamente
pelos feirantes ou estes apenas revenderiam produtos de terceiros?
Estas foram algumas perguntas que nos impulsionaram a conhecer e,
posteriormente, desenvolver uma pesquisa sobre a Feira dos Pequenos
Produtores Rurais de Frutal3. Desde a primeira visita, chamou-nos a atenção
o jeito simples dos feirantes. Não pareciam comerciantes tradicionais.
Lembravam pessoas do campo, que ofereciam seus produtos como uma
dona de casa oferece suas quitandas para os visitantes. Nos rostos
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
1 Dentre as modificações em curso, destacam-se o estabelecimento da Universidade do
Estado de Minas Gerais, em 2004; a abertura da FAF (Faculdade de Frutal), em 2005; a
instalação do Centro UNESCO–HidroEX, em 2009, e o início da construção da Cidade das
Águas. Vem ocorrendo também a diversificação de agentes produtivos. A título de exemplo,
menciona-se aqui a recente inserção da cana de açúcar – por meio da instalação da Usina
Cerradão, em 2006, e da Usina Frutal, em 2007.
2 Pamonha doce, feita de massa de mandioca.
3 Este artigo resulta de pesquisa em andamento, desenvolvida pelo Centro UNESCOHidroEX, financiada com recursos do NURII (Núcleo de Referência e Inovação em Irrigação)
– Convênio nº 01.129.00/2007, com vigência de maio a dezembro de 2014.
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marcados pelo sol, víamos olhares gentis, enquanto buscavam responder
nossas perguntas com um misto de curiosidade e desconfiança. Alguns deles
deixavam de atender os clientes para escutar a próxima pergunta.
Foi conversando informalmente com eles que começamos a
esclarecer nossas primeiras dúvidas. Tudo começou no ano de 2009. A
situação estava muito apertada. Muita gente arrendando terra para as usinas.
Suas propriedades rurais eram muito pequenas. A produção de leite não
compensava mais. Preço sempre baixo. Quando se encontravam era aquela
reclamação geral. Até que foram convidados a integrar a Feira do Pequeno
Produtor Rural de Frutal. A iniciativa partiu de Maria Lúcia Azoia dos Santos,
ex-secretária de Agricultura do município:
Dois mil e nove. Eu devo ter entrado, mais ou menos, dois mil e
nove, dois mil e dez, nessa faixa aí. Aí foi quando eu comecei o
trabalho e aí os produtores, a minha primeira preocupação: o que
existe em Frutal? Foi aonde eu busquei as associações. [...]
Entregava hoje no mercado, amanhã chegava um grande produtor
entregava, era para consumo próprio. Eles não tinham incentivos,
sobrevivia mais da pecuária de leite do que de horta. Sobrevivia
mais de pecuária de corte do que de horta. A horta, a feira, ela foi
fomentada. Gente, vocês podem ganhar mais do que vocês estão
ganhando. Compreendeu? [...] Chegou um ponto de ligar num
programa de rádio; “Lúcia, tem pergunta aqui para você do que é
que vai vender.” Falei: Gente, abre a janela da sala aí. Vocês estão
vendo o quintal de vocês? Vocês têm pé de limão? Tem pé de
bucha? Tem esterco de galinha? Pega a bosta da galinha e põe
dentro de um vidro, leva à cidade para você ver se você não vende.
Conclusão: apareceu limão, apareceu mamão, apareceu
abobrinha, apareceu pequi, apareceu frango, apareceu linguiça
feita e foi levando. A hora que eles viram, que terminaram, falou
assim: “Lúcia, não sobrou nada!”. Ficou combinado que, aquilo que
não fosse usado, seria doado às entidades de Frutal. Não teve
doação, porque não sobrou. A necessidade do povo, porque nós
divulgávamos no rádio, divulgamos, fizemos convite e se falava,
pintamos carro, fizemos tudo. Então, na hora que falou da
inauguração da feirinha, gente, não cabia! Aí esses produtores
começaram a ver que eles podiam mais. Era uma vez por semana.
[...] O detalhe estava na palavra: Pequenos Produtores Rurais de
Frutal. Se você imaginar o que foi de gente de Comendador
Gomes, de Planura, de Itapagipe que queria vir vender na feirinha,
você não tem noção.4
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
4 Entrevista concedida, em 13/08/2014, ao projeto Saberes e Práticas dos Pequenos
Agricultores do Município de Frutal: a relação campo/cidade, desenvolvido pelo Núcleo de
Referência e Inovação em Irrigação (NURII), integrante do Centro UNESCO-HidroEX. A sigla
SPPA será usada como referência ao projeto de agora em diante.
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A partir desse primeiro relato, decidimos aprofundar nossa pesquisa
na referida feira5. O requisito para integrar o projeto era ser produtor rural,
morar no município e participar de uma associação rural. Embora não haja
dados oficiais, a Prefeitura Municipal e as cooperativas locais calculam que
existam, em média, 1.200 pequenos produtores rurais no município.
Sabíamos
que
nessa
feira
encontraríamos,
portanto,
pessoas
que
continuaram vivendo no campo ou do campo, apesar das intensas
modificações que a forte presença do agronegócio trouxera ao município.
Diante disso, algumas indagações nos motivavam: Quem eram estes homens
e mulheres? Como viviam e sobreviviam? Quais eram os saberes e práticas
a que lançavam mão para sobreviver diante das novas relações econômicosociais? Os dizeres de Brandão ecoavam em nossas mentes: “Em que
espaços eles habitam, vivem, trabalham, reproduzem-se e pensam a vida e o
mundo? Em que tempos se movem e como representam o seu passar?
Como vivem, enfim, nesta era em que mesmo no campo tudo muda [...]?”
(BRANDÃO, 2009, p.42).
Sabe-se que a história é um campo de lutas, que deve ser percebida
e tratada em sua pluralidade de sujeitos, experiências e processos. Constitui
tarefa do estudioso, ao ocupar-se da realidade social, dar conta dessas
tensões e inquietações, sem perder de vista o “olhar político”. Nas palavras
de Sarlo, “trata-se de atentar no menos visível, menos audível, em discursos
e práticas que escapam, pelas fissuras, seja aos ditames do mercado, seja
aos circuitos habituais” (1997, p.60). Devidamente inspirados, fomos a
campo.
1. ENTRE O RURAL E O URBANO: A MODERNIZAÇÃO AGRÍCOLA E
AS CIDADES DO CAMPO.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
5 Em Frutal, além da Feira do Pequeno Produtor Rural, existe a Feira do Domingo, porém
constatamos que, nesta última, os produtos oferecidos, em geral, não são cultivados em
Frutal. Os feirantes, em sua maioria, buscam os alimentos em centros maiores, Ceasas, ou
fazem o papel de “atravessadores”, compram e revendem os alimentos cultivados pelos
pequenos agricultores da região – que não têm espaço para comercialização na feira.
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Em cidades pequenas não situadas em região metropolitana, a
relação entre campo e cidade é proeminente6. Contudo, a interação entre
urbano e rural é refuncionalizada, na medida em que o agronegócio, ou
agribusiness, determina o que será produzido em escala global, moderniza
os equipamentos e mecaniza o trabalho no campo. A partir daí, há uma
redução dos limites entre a cidade e o campo. As atividades rurais passam a
ser, cada vez mais, relacionadas à indústria, incluindo a produção de
insumos, maquinários e equipamentos agrícolas, além de ser necessário um
aparato urbano comercial, bancário e administrativo para dar suporte ao
agronegócio – até mesmo cidades menores precisam se equipar (OLIVEIRA
e SOARES, 2002).
Em Frutal, a expansão do emprego na produção sucroalcooleira
tornou frequente a migração de trabalhadores (urbano-residentes), e seus
familiares, de outros estados e regiões, para se empregarem em diversos
setores das usinas de açúcar e álcool. Assim, a dinamização dessas
atividades acabou alterando modos de vida e relações de trabalho dos
pequenos e médios produtores rurais. Formas tradicionais de vivência e lida
com a terra foram alteradas em razão da modernização e industrialização do
campo. Damares Luiza de Freitas Neves7 – integrante da Feira do Pequeno
Produtor Rural – comenta, de modo detalhado, como este processo tem
ocorrido em Frutal e como tem prejudicado os pequenos produtores,
modificando a relação dos espaços rurais com a produção de alimentos:
Porque se nós fôssemos pensar em alimentar de grandes
proprietários, nós morreria de fome. E nós já estamos sentindo, nós
em Frutal, já estamos vivendo a crise que dá em um lugar aonde
entra a monocultura. Nós estamos sentindo. Entrou a cana em
nossa região, o que que ela fez? Ela fez uma devastação tão
grande e, é interessante que entrou três produtos... que são: a
cana, o abacaxi e a laranja, ela tirou o galei de todo mundo
trabalhar e alimentar, que é o importante. Você hoje não tem uma
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
6 “Alguns aspectos despontam na apreciação da dinâmica interna das cidades pequenas. O
primeiro é a articulação entre o urbano, o rural e o agrícola. Não raramente, o setor primário
possui relevância significativa no conjunto das atividades econômicas desenvolvidas. A
estrutura dos municípios está ligada essencialmente às atividades agropecuárias,
principalmente quando nos referimos às cidades pequenas de regiões não metropolitanas”
(MOREIRA JUNIOR, 2013, p. 27).
7 Entrevista concedida em 19/09/2014, ao Projeto SPPA.
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plantação de arroz, cê não tem uma plantação de milho saudável,
algum pedacinho que a usina deixa plantar soja e depois planta
cana, daqui a cinco anos quando vai reformar, é que torna plantar a
soja, então a nossa região está começando a viver, assim, eu
posso dizer assim, o desequilíbrio da biodiversidade da nossa
região. Porque era uma região que produzia arroz, produzia feijão,
leite, carne. Você vê hoje aqui em Frutal, cê anda... tá buscando
gado longe pra matar. Não tá tendo aqui na nossa região.
Na percepção de Damares, Frutal está passando pela “crise” dos
lugares que priorizaram o agronegócio. A dificuldade de permanência dos
pequenos agricultores em suas propriedades decorreria do fato das
monoculturas provocarem devastação onde são implantadas, pois nos
espaços em que antes se plantavam alimentos diversificados, hoje apenas se
produz uma cultura. Isso gera, segundo Damares, o desequilíbrio da
“biodiversidade da região”. A agricultora ainda comenta que testemunhou
esse mesmo processo em outros lugares:
E interessante que quando eu morei em Campinas, eu andava
muito de trem de ferro, de ônibus, e eu vivi, eu vi o que aconteceu
na região de Ribeirão Preto, Sertãozinho, Araraquara, o que nós
estamos começando a viver aqui agora. Porque o pequeno
produtor, se não tiver ajuda do governo, ele não tem condição de
sobreviver, não é por causa de ser pequenininho, não. É por causa
da necessidade que a terra tem de ser tratada, cê tá entendendo?
E ser cultivada. Hoje a tecnologia é tudo e o pequeno produtor não
tem acesso a essa tecnologia. Então precisa, urgentemente, toda
população investir num conhecimento melhor, procurar, por
exemplo, eu não concordo, eu acho que nós precisamos de bons
administradores, e não bons políticos, mas, infelizmente, é através
da política é que vem pra nós os recursos. Então nós precisamos
muito, mas muito, passar esses políticos na peneira, e numa
peneira bem fininha, para poder aparecer líderes que nos dá esse
respaldo.
Damares não acredita que a dificuldade dos produtores rurais em
permanecer na terra decorra do fato de serem “pequenos”. Provém,
sobretudo, da falta de “ajuda” do governo. A carência de tecnologia também é
considerada, em razão de não conseguirem fazer frente ao avanço do
agronegócio, bem como a ausência de políticas e políticos que estejam
dispostos a trabalhar em função da agricultura familiar. A entrevistada usa a
palavra “infelizmente” para dizer que é por meio da política que se consegue
obter algum recurso.
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Maria Lúcia Azoia dos Santos, ao comentar a diferença das políticas
implementadas para os pequenos e os grandes produtores rurais, enfatizou
que “ninguém se preocupa com o pequeno”. É preciso relatar que Maria
Lúcia ficou à frente da Secretaria de Agricultura somente por dois anos, visto
que passou a “incomodar” e sofreu pressões para deixar o cargo8. No
entanto, na entrevista, preferiu não citar diretamente quem a pressionou
durante o período em que esteve à frente da Secretaria:
A minha luta era com os pequenos, entendeu? Eu lembro do Sr.
Sebastião, ele vinha à feira na garupa da bicicleta dele, sabe?
Então, eu queria valorizar essas pessoas, eu gosto de trabalhar
com essas pessoas, porque eles reconhecem o seu trabalho,
sabe? O grande não reconhece. O grande produtor, você é só mais
um, o pequeno não. O pequeno, você se torna importante, porque
você se preocupa com ele e ninguém se preocupava com o
pequeno, entendeu? Não media esforços. Sabe, eu não tinha hora,
eu fazia porque eu gosto disso, entendeu? E, de repente, não deu
certo, eu saí. Mas, eu achava que ia seguir a mesma linha. Tinha
coisas que eu batia de frente, entendeu? E tinha coisas que eu não
omitia, aí foi aonde...[...] Um elefante incomoda muita gente.
Entendeu? Então começou a incomodar e aí, sabe, começou a ter
um monte de comentários, um monte de coisas injustas e, por fim,
eu pedi para sair.[...] Como eles tinham uma pessoa meio,
desculpem a expressão, porra louca da cabeça, não media muito o
que falava e ia de peito e de raça. E, com isso, tipo assim, eu fui
agregando mas, eu fui criando uma, “Espera aí, ela está
aparecendo demais, ela está aparecendo demais, vamos cortar.”
Foi assim. Eu falei, “Não, eu não quero incomodar ninguém.”[...] . E
aí veio a proposta para eu sair como candidata a vice-prefeita, eu
aceitei com a condição de que a pasta da agricultura ia ser minha.
Eu não queria a prefeitura, queria só a pasta da agricultura. Eu
queria poder voltar a trabalhar com o produtor. Mas aí também não
deu certo.
2. A FEIRA DO PEQUENO PRODUTOR RURAL DE FRUTAL: A
RESISTÊNCIA ENCONTRA UM LUGAR?
Diante das já assinaladas alterações sofridas no município, tornou-se
relevante analisar o modo de vida, experiências e práticas de homens e
mulheres que permaneceram no campo. Por isso, para o delineamento da
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
8 Maria Lúcia Azoia dos Santos candidatou-se ao cargo de vice-prefeita, em 2012, pela
coligação PSL e PT. A ex-prefeita, Maria Cecília Marchi Borges (PR), em cujo governo
ocupara a pasta da agricultura, apoiou a candidatura do atual Prefeito, Mauri José Alves
(PSC).
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pesquisa, buscamos a Feira do Pequeno Produtor Rural de Frutal. Com o
objetivo de iniciar um primeiro contato com os produtores, recorremos às
entrevistas semiestruturadas feitas na própria feira. No total, foram
entrevistados quinze feirantes9. As indagações abrangiam questões voltadas
tanto à vida no campo, quanto às relações com a cidade.
Feita a identificação, procurávamos nos aproximar mais do mundo do
entrevistado: nasceu no campo ou na cidade? Estudou? Tem filhos? Os filhos
vivem da renda da propriedade? O que produzem? Como produzem: usam
maquinários, fertilizantes? Comercializavam os produtos antes da feirinha?
Onde e de que forma? Aos poucos, as famílias dos entrevistados acabavam
chegando mais perto para ajudar a responder. Também os consumidores
queriam saber o que estávamos perguntando aos produtores. Isso contribuiu
para a riqueza de detalhes da investigação. Pudemos perceber o
envolvimento dos familiares no trabalho realizado, por meio do relato do
esforço e dos obstáculos diariamente enfrentados. Muitas vezes, mostravam
satisfação e orgulho pela opção de permanecer na roça.
A nossa busca nos levou a conhecer a produtora Sônia Maria
Agostinho Braz10, 43 anos, que relata a sua condição de produtora rural,
mulher, mãe e feirante:
Meu nome é Sônia Maria Agostinho Braz, eu moro na Fazenda
Marimbondo. [...] Eu comecei na feira, assim, sob uma associação.
A gente montou uma associação, daí no início abriu a feira. Aí nós
começamos a fazer... eu comecei com o artesanato, daí a minha
filha que entrou, depois eu comecei logo fazendo as coisas que eu
sei, que eu aprendi e pensei... eu comecei assim, tipo, salgado,
depois comecei com doce, queijo, requeijão. Hoje eu faço biscoito,
eu também trabalho na merenda escolar, forneço nas creches e
nas escolas, então, para mim foi muito bom eu ter começado a
trabalhar assim. Porque é uma renda a mais, porque antes era só
assim meu marido que trabalhava. A gente morava na fazenda,
então, a gente só tinha a renda do leite, o que ele trabalhava,
assim, para os outros. Agora hoje não, hoje tem uma renda a mais,
porque a feira são duas vezes por semana, terça e sexta, então
tudo o que a gente produz lá, a gente traz para vender aqui. Graças
a Deus, tá dando certo, tem dia que não sobra nada, às vezes, até
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
9 Nos limites deste artigo, estamos trabalhando com três das entrevistas realizadas, com
vistas a demonstrar o potencial do material coletado.
10 Entrevista concedida em 19/09/2014, ao Projeto SPPA.
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falta mercadoria, aí as pessoas encomendam, mas foi muito bom,
bom mesmo, está me ajudando muito. Tenho duas filhas hoje na
faculdade, quando eu comecei, elas me ajudavam, só que hoje é
praticamente eu e meu marido. Eu tenho uma vizinha que me ajuda
lá, assim, mais é na sexta. Mas só eu e ele, porque elas hoje faz
faculdade e a gente não conseguiu transporte para elas irem para a
faculdade, então, elas tiveram que vir para Frutal. Mas na fazenda
hoje é só eu e ele.
Com a fala emocionada, Sônia descreve o trabalho como “cansativo”.
Embora não pense em deixar o campo para morar na cidade, não deseja que
as filhas trabalhem nas mesmas condições que ela e o marido. Ainda assim,
diz que, se não fosse a feira e a produção da roça, não conseguiria
proporcionar o estudo às filhas. Sônia também comenta a falta de estrutura
para a agricultura familiar:
A gente tá levando, não pretendo desistir não, tem dia que dá
canseira. Muito cansativo, a gente tem que levantar de madrugada,
tem dia que duas horas da manhã, a gente está de pé para fazer
tudo isso que eu trago. Duas horas da manhã e não tem horário
para deitar. Durante a semana também, das quatro, cinco... a gente
tem para fazer as coisas, as encomendas. [...] Aqui me ajuda minha
irmã, me ajuda nas vendas, meu marido e a minha filha. Ela sai do
serviço e vem aqui ajudar até dar o horário dela ir para a faculdade.
Depois ela tem que ir para Rio Preto, aí fica só eu, meu marido e
minha irmã. Mas assim, tudo o que eu sei, que eu aprendi hoje,
veio um pouco, a minha mãe fazia. A gente foi aprendendo, porque
sempre morei na fazenda, lá não tinha, não era nada comprado,
era tudo feito em casa, produzido, então fui aprendendo. Desde
pequena já comecei a fazer, cada vez que eu fazia, mais
praticando a gente vai, né? Aprendi muita coisa também assistindo
Ana Maria Braga. Assistindo ela eu aprendi muita coisa, também, a
fazer tipos de salgado, alguns doces, aí isso a gente aprendeu
bastante. Mas a cada dia que passa a gente aprende assim, coisas
novas, coisas diferente. Vê o que a pessoa quer, o que a pessoa
gosta, o jeito, a maneira. Então, para mim foi muito bom, hoje eu só
tenho que agradecer, porque se não fosse essa renda, talvez eu
não teria minhas duas filhas hoje fazendo faculdade. Porque na
fazenda tá muito difícil. A gente não tem uma estrutura para
começar, para fazer muitas coisas assim... a gente podia fazer,
mas a gente não tem apoio de quase nada e isso é muito difícil.
Mas lá a gente produz também a horta, que é tudo orgânico, a
gente não joga veneno em nada. A gente faz assim, o possível, que
a gente dá conta. A gente só não traz mais coisas porque não acha
quem quer trabalhar para ajudar a gente. A gente não consegue
arrumar pessoas que pode ajudar a gente lá. Então é isso, hoje eu
falo, eu só tenho que agradecer, eu acho que é a Deus mesmo,
para me dar forças, para mim vim, e fazer tudo isso que faço hoje.
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Percebe-se pelo relato de Sônia que, para atender a demanda, tem
havido uma associação entre os saberes tradicionais – aprendidos com a
mãe, quando tudo era feito pela família e nada era comprado – com saberes
novos, incluindo o que ela aprende nos programas de televisão. Maria Lúcia,
conforme afirmou na entrevista, procurava estimular os produtores a
converterem seus saberes do dia a dia em produtos a serem vendidos,
porque assim, toda semana, teriam algo a vender:
Então, quando a gente iniciou o trabalho da feirinha, não foi do dia
pra noite que nós convencemos ele a entregar, “Lúcia, mas e
semana que vem, o que eu vou trazer? Como é que eu vou fazer?”.
Gente, semana que vem é outra semana, vamos pensar nessa.
Sabe, então tinha uma pessoa assim que, às vezes, quando batia o
desespero, “Lúcia, e aí, o que eu faço agora?”. Não, gente, não
esquenta não. Leva abobrinha. Não tem alface, leva abobrinha.
Não tem abobrinha? Pega limão do pé. Faz um bolo, leva um bolo.
Sabe esse tipo de coisa? Então eles começaram a ver que não
eram só produtor de leite, eles não eram só. E as donas-de-casa,
as mulheres foram muito valorizadas nesse processo, as mulheres
acompanhavam os homens na feira. Elas levavam as quitandas
delas. Gente, eu falava no rádio, gente, você quer coisa melhor do
que um bolo da roça? Não tem coisa melhor do que bolo de roça.
Aí foi onde a D. Damares começou a fazer biscoito frito na feira, o
mané pelado, que é aquela pamoinha lá.
Questionadas sobre o significado da terra e do campo, as duas
produtoras entrevistadas mostraram-se comovidas. Sônia diz que jamais
moraria na cidade:
A terra é tudo. Fui nascida e criada lá, Nossa Senhora. Agora
nessa época da seca é feio, tá tudo seco, né? Mas na época
que tá chovendo, que é verde, nossa para mim é tudo. Só de você
criar uma galinha, ter o ovo, ter a verdura, ter o porco, ter o leite,
tudo fresco. Nossa, gente, é a melhor coisa que tem. Você acordar
de manhã e você ver tudo verde. Não ter aquele movimento de
carro, aquele ar poluído, nossa é a melhor coisa! Eu não viria para
a cidade.
Pedimos a Damares que nos dissesse o significado das palavras
campo e cidade. A resposta se deu em meio a risos nervosos:
O campo é Deus [...] Se eu for falar o que é a cidade, para mim,
você vai assustar demais, para mim a cidade, numa palavra
também? Eu posso dizer que é, aquilo que eu tinha vontade de
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falar, mas que é dificuldade. Certo? Para te ser sincera, se for para
falar aquilo que é para mim, você ia assustar muito.
De modo geral, pudemos constatar que, embora haja grande
dificuldade e muito trabalho para permanecerem na propriedade, não houve
nenhum relato de homens ou mulheres que quisessem morar na cidade,
vender ou arrendar suas propriedades. Todos anseiam por políticas
destinadas aos pequenos produtores rurais, mas não pretendem deixar a
roça.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo da pesquisa de campo, muitas vezes, trocamos de lugar
com os entrevistados. Havia grande curiosidade com o que seria feito do
nosso trabalho: por que estaríamos interessadas nisso? Como seriam
ajudados por isso? Tentamos explicar que pretendíamos analisar como os
saberes e práticas rurais estavam sendo rearticulados com a chegada das
usinas de açúcar e álcool; como viviam/sobrevivam num cenário em que o
agronegócio dita as regras em detrimento da agricultura familiar. Não
sabemos ao certo se compreenderam nosso objetivo, mas imaginamos que
sim, pois quando pedíamos que se posicionassem perto das bancas para
uma fotografia, logo se colocavam ao lado daquilo que colheram de seus
quintais, com expressão de orgulho.
Embora
haja
grande
diversidade
de
alimentos
naturais
comercializados, os pequenos produtores disponibilizam os produtos de
acordo com as colheitas da semana. Além disso, há frutas e verduras que só
são cultivados em determinadas épocas do ano. Por conta da produção ser
de origem familiar, muitas vezes, os produtores não conseguem participar e
atender a demanda da feira duas vezes por semana.
Foi possível constatar que realmente as mulheres tiveram papel
fundamental na implementação do projeto. Além de trabalharem com os
maridos na roça, passaram a produzir e comercializar alimentos tradicionais
da região. O “cheirinho” de bolo de milho, roscas, pães, biscoitos, arroz doce,
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salgados e de uma diversidade de quitandas, torna ainda mais agradáveis as
visitas à feira.
A intenção de destacar a experiência das pessoas que estão levando
adiante a Feira do Pequeno Produtor Rural de Frutal nos remete a
Thompson, quando afirma: “Cada idade, ou cada praticante, pode fazer
novas perguntas à evidência histórica, ou pode trazer à luz novos níveis de
evidência” (THOMPSON, 1981, p. 51). Claro que se trata de pesquisa ainda
incipiente, mas que se propõe a apresentar algumas indagações às visões
hegemônicas locais, politicamente construídas com vistas a silenciar as
outras narrativas que tecem a história do lugar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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mundo rural. Uberlândia: EDUFU, 2009.
MOREIRA JUNIOR, Orlando. A produção do espaço urbano em cidades
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MOREIRA JUNIOR, Orlando. As cidades pequenas na geografia
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Tempo (Online), [S.l.], n. 35, p. 19-33, dez. 2013. ISSN 2179-0892.
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SARLO, Beatriz. Um olhar político em defesa do partidarismo na arte.
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Paulo: EDUSP, 1997.
THOMPSON, E. P. A miséria da teoria ou um planetário de erros. Uma
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revolucionária. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
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Entrevistados
SANTOS, Maria Lúcia Azoia dos. Saberes e Práticas dos Pequenos
Agricultores de Frutal: a relação campo/cidade. Depoimento [13 ago. 2014].
Frutal: Centro UNESCO-HidroEX.
BRAZ, Sônia Maria Agostinho. Saberes e Práticas dos Pequenos
Agricultores de Frutal: a relação campo/cidade. Depoimento [19 set. 2014].
Frutal: Centro UNESCO-HidroEX.
NEVES, Damares Luíza de Freitas. Saberes e Práticas dos
Pequenos Agricultores de Frutal: a relação campo/cidade. Depoimento [19
set. 2014]. Frutal: Centro UNESCO-HidroEX.
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Articulações, Memórias e Mitos: interlocuções acerca dos
movimentos de luta pela terra em Goiás 1950/1960
Carlos Alberto Vieira Borba (Doutorando em História Econômica USP)
E-mail: [email protected]
RESUMO:
O objetivo do presente trabalho é analisar as leituras sobre o movimento de
posseiros na historiografia goiana, entre o final da década de 1950 e início de
1960, a partir da possibilidade e dos limites das fontes que utilizamos (jornais
e entrevistas) oferece para esse exercício. Muitos dos pesquisadores sobre o
tema tendem a subestimar a capacidade dos posseiros de escolherem os
caminhos de atuação política sem a mediação de entidades, ou ainda, de
serem facilmente arregimentados em projetos políticos que em nada ou
minimamente contemplavam suas reivindicações e demandas. Buscamos
problematizar essas visões que ficaram cristalizadas na historiografia sobre
os movimentos de luta pela terra em Goiás. Para tanto, é necessário focar
suas relações com o Estado, instituição e organizações sociais da sociedade
civil e, buscar nelas, compreender os posseiros como sujeitos históricos
passíveis de realizar mudanças, desmitificando a ideia de que eles são
facilmente persuadidos ou levados em projetos políticos que não os
contemplam.
Palavras-chave: Posseiros; Luta de Classes; Mauro Borges; Entidade
Mediadora.
O período de 1950 e 1960 em Goiás foi marcado por uma grande
agitação social no campo. Destas disputas, emergiu uma série de projetos
políticos de movimentos de luta pela terra no intuito de promover mudanças
na estrutura fundiária do país e garantir do direito a terra a posseiros e todos
aqueles que trabalhavam no campo.
Todavia, ao mesmo tempo em que a questão agrária movimentava
os camponeses, suscitando-os a criar projetos alternativos de mundo, as
classes dominantes também a colocaram nas suas agendas políticas, devido
à pressão desses sujeitos e, outrossim, pela importância que a produção
agrícola e a terra tinham para apoiar o desenvolvimento industrial e
econômico do país.
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Dessa maneira, muitos foram os grupos sociais, partidos políticos,
instituições e entidades que buscaram na questão agrária uma das bases dos
seus programas políticos, seja para amparar o desenvolvimento econômico e
para conquistar o apoio dos trabalhadores rurais e camponeses buscando
conter a insurgência desses sujeitos pelas consequências geradas pela
penetração do capitalismo no campo, seja para transformação social do
ponto de vista de uma revolução que alterasse consideravelmente a
realidade vigente ou mudasse profundamente a estrutura agrária,
Com efeito, muitas das memórias e da produção historiográfica sobre
os movimentos sociais de luta pela terra, entre o final da década de 1950 e
início de 1960 em Goiás, são elaboradas preponderantemente a partir da
ótica dos agentes mediadores, o que levou a uma interpretação de que os
posseiros são facilmente persuadidos e manipulados em projetos alheio a
sua realidade, minimizando assim, sua capacidade de atuação, de
compreensão de mundo e de participação no teatro da política. Portanto, é
necessário problematizar essas visões que ficaram cristalizadas na
historiografia sobre os movimentos de luta pela terra em Goiás.
Assim, para compreender o movimento de posseiros na região norte
de Goiás, é necessário focar em suas relações com o Estado, partidos
políticos, instituições e organizações sociais da sociedade civil e buscar
nessa relação compreendê-los como um sujeito passível de realizar
mudanças, desmitificando a ideia de que eles são facilmente persuadidos ou
levados em projetos políticos que não os contemplam.
Para uma reflexão por que lutavam esses sujeitos, além de questões
mais urgentes e vitais, como a defesa da posse que ocupavam e o acesso a
terra, é necessário apresentar alguns desses projetos políticos que ganharam
destaque em Goiás, neste período, bem como suas análises, com o objetivo
de melhor compreender melhor as articulações, memórias e mitos que
envolvem os posseiros no Estado em meados do século XX.
Para Pessoa (1999, p. 63), o destaque que ocupou a questão agrária
a partir da década de cinquenta do século passado, na política brasileira,
suscitou uma ação do poder público, principalmente nos lugares onde a
tensão era maior, como em Goiás, por exemplo. À medida que acentuava o
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conflito por terra no norte de Goiás, no final da década de 1950 e início da
década de 1960, a questão agrária ganhava evidência e começa a fazer
parte das agendas de partidos e grupos políticos.
Seguindo essa linha política, foi que Mauro Borges (1961-1964) do
Partido Social Democrático (PSD) conquistou o governo de Goiás no pleito
de 1960. Buscando conter a agitação dos movimentos sociais no campo, ele
selecionou a questão agrária como um dos pilares do seu plano de governo,
pois ela serviria como base para o desenvolvimento industrial, assim como
para arrefecer a luta dos camponeses, buscando através de algumas
“concessões” obter o controle social do movimento.
No entendimento de Francisco Chagas Rabelo (2004), a forma de
administração do governo Mauro Borges marca o ponto alto da dinâmica
desenvolvimentista no Estado. Isto porque ele seguia uma tendência nacional
de promover uma política com base no planejamento econômico e com uma
forte atuação do Estado, que se colocava como agente do desenvolvimento
capitalista, atuando, inclusive, em áreas da iniciativa privada.
Para Oliveira (2008):
O ‘desenvolvimento econômico’ previsto no Plano, portanto, seria
alcançado principalmente via desenvolvimento agrícola, sustentado
por obras de infra-estrutura e por um reaparelhamento
administrativo do Estado. A questão agrária ‘amarrava’ as várias
pontas do Plano e lhe dava unidade (OLIVEIRA, 1987: 86).
Como podemos ver, a questão agrária assume uma das prioridades
do governo Mauro Borges, cabendo ao Estado à iniciativa de resolver esses
problemas, partindo de um conjunto de ações como: uma política de criação
de núcleos coloniais (como Tocantinópolis e Araguacema) (DIÁRIO DO
OESTE, 04/05/1962, p. 5), e do Combinado Agro-Urbano de Arraias (DIÁRIO
DO OESTE, 12/12/1962, p. 2) e a criação de órgãos que auxiliariam o
desenvolvimento da agricultura.
De acordo com Oliveira (2008), essa série de iniciativas que partiam
do governo de Goiás, representava, para Mauro Borges, a reforma agrária.
Com efeito, a proposta de reforma agrária do governador de Goiás não
consistia na distribuição de terras e nem no confisco de latifúndios. Mas em
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fornecer condições para que os camponeses pudessem efetuar a compra de
suas terras e conseguissem financiar o seu desenvolvimento. Para conseguir
tal objetivo, Mauro Borges pretendia criar pequenas propriedades que se
organizariam por cooperativas, pois estas permitiriam ao homem do campo
ganhar o seu dinheiro e entrar no mercado como produtor e consumidor.
Mauro Borges tratava a questão agrária mais como um problema de
colonização do que um problema social, por isso, seu projeto estava
assentado na criação de núcleos de colonização, que em nenhum momento
visava transformar a estrutura agrária do Estado e nem conter a grilagem de
terras e a expropriação dos posseiros das áreas conflituosas. Pelo contrário,
o objetivo era transferi-los para regiões mais ao norte de Goiás onde
situariam esses projetos e onde a terra não era fruto de tanto interesse e
investimento.
Por essa forma de administração e a aproximação dos movimentos
sociais no campo, Pessoa (1999, p. 63) considerou o governo Mauro Borges
como um governo populista, devido às suas alianças e práticas políticas.
Comunga também dessa visão, Rabelo (2004), quando caracteriza o governo
Mauro Borges como populista, procurando, principalmente no meio rural, as
bases para sua sustentação.
Como podemos notar a compreensão de que Mauro Borges exerceu
uma grande influência e contou com considerável apoio dos camponeses,
marca as análises sobre esse movimento em Goiás, no início da década de
1960. É sabido que através da SETAS, especialmente durante a gestão do
secretário Érides Guimaráes, houve uma intensa mobilização do movimento
camponês, com o surgimento de várias associações e sindicatos rurais.
Porém, a intensificação da mobilização dos posseiros não deve ser
atribuído somente em decorrência das ações do governo Mauro Borges.
Nesse momento, se verifica em Goiás o recrudescimento da luta pela terra
devido a especulação fundiária gerada pela construção de Brasília e uma
série de estradas que levou a cupidez de grileiros sobre as terras dos
posseiros na região. Estas disputas certamente foram determinantes para o
surgimento de associações e pela efervescência da luta dos posseiros.
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Contudo, quando se fala que esse governador contava com o apoio
dos lavradores, deixa transparecer que ele tivesse o seu controle. Não
podemos deixar de questionar que esse apoio não era irrestrito ou que não
ocorressem divergências, conflitos e instabilidades, nessa relação de
dominação.
Nesse sentido, é necessário questionar a atenção especial em que
alguns estudiosos atribuem ao papel de dominação do Estado na figura do
governador Mauro Borges, subestimando o papel dos camponeses, ou
relegando-os a segundo plano. Consequentemente, não levam em
consideração até que ponto realmente os posseiros apoiavam o governador,
aceitavam o seu projeto por interesse real em suas propostas, ou até que
ponto o apoio declarado a Mauro Borges, não passava de uma estratégia
para conseguir algumas de suas reivindicações e demandas, já que o
confronto declarado e a oposição explícita podiam desencadear uma forte
repressão, por parte do Estado, ou acarretar em obstáculos para os
posseiros se organizarem através de associações e sindicatos etc.
As “concessões”, portanto, devem ser entendidas muito mais como
conquistas dos camponeses, em virtude de suas pressões e reivindicações,
do que a simples barganha de estender a esses sujeitos direitos e benefícios
em troca de seu apoio. A ideia de concessão deve ser questionada, pois ela
é utilizada pelas classes dominantes no sentido de diminuir o papel dos
insurgentes, negando o peso e a importância de sua atuação política, da sua
capacidade de causar impacto e de estremecer o poder vigente. Como
sublinhou Thompson (1998, p. 69), “o que é (visto de cima) um ato de doação
é (a partir de baixo) um ato de conquista”.
Nesse sentido, vale sublinhar que mesmo o planejamento de reforma
agrária, proposto por Mauro Borges, não tivesse a intenção de alterar a
estrutura fundiária, não deixava de mostrar um avanço, em relação a outros
governos. Apesar de todos os problemas desses projetos de colonização, da
falta de investimentos e precariedades (DIÁRIO DO OESTE, 12/12/1962, p.
2) era uma possibilidade real que muitos camponeses encontraram de ter
acesso a terra, e uma vitória, pois raramente até esse momento eles eram
inseridos nas agendas políticas do Estado.
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Enfim, estas “concessões” deram-se em resposta de ações que
colocaram os camponeses, suas reivindicações e suas demandas em
evidência. Arrefecer esse movimento era necessário, pois é muito mais fácil
apagar uma fagulha do que um incêndio que se alastra. O objetivo de Mauro
Borges de aproximar-se dos posseiros buscando conquistar o seu apoio
significava reconhecer a importância de seu papel como base de apoio
importante para poder conduzir o Estado.
Seguindo esse raciocínio, é possível o diálogo com Raymond
Williams, quando se pensa o conceito de hegemonia e os seus mecanismos
de dominação. Tal reflexão traz questões importantes para analisar como
Mauro Borges, representando um projeto político ligado às classes
dominantes, que visava subjugar a terra e o trabalho no mundo rural sob a
lógica do capitalismo,11 se relacionava com os camponeses, buscando o seu
apoio, sem, todavia, entrar em choque com grupos políticos mais
conservadores do Estado, como por exemplo, uma ala de seu partido com a
qual, durante um breve período de seu governo, teve algumas divergências.12
De acordo com Raymond Williams, a hegemonia deve ser entendida
como um processo em constante movimento, em que não está incluído
somente as expectativas e os anseios da classe hegemônica, pois para o seu
domínio inclui-se também a necessidade de concessões aos grupos contrahegemônicos.
Uma hegemonia vivida é sempre um processo. Não é, exceto
analiticamente, um sistema ou estrutura. É um complexo realizado
de experiências, relações e atividades como pressões e limites
específicos e mutáveis. Isto é, na prática a hegemonia não pode
nunca ser singular. Suas estruturas internas são altamente
complexas, e podem ser vistas em qualquer análise concreta. Além
do mais (e isso é crucial, lembrando-nos o vigor necessário do
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
11 Segundo Pessoa, o governo de Mauro Borges é vinculado “ao projeto de modernização e
consolidação capitalista da agricultura” (PESSOA, 1999, p. 65).
12 Para Rabelo (2004), Mauro Borges, ao tentar implantar um modelo de governo com uma
administração planejada e com base em ideias “progressistas” destacando como principais
ações do governo os problemas agrários, acabou entrando em choque com setores mais
conservadores de seu partido, que era composto na sua maioria de uma elite agrária
conservadora. Para reverter essa crise, o governador goiano realizou algumas mudanças em
seu secretariado e aproximou-se dos grupos políticos mais conservadores. O que levou os
nacionalistas, como Leonel Brizola, a questionar a postura política do chefe do executivo
goiano (DIÁRIO DO OESTE, 12/01/1963). .
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conceito), não existe apenas passivamente como forma de
dominação. Tem de ser renovada continuamente, recriada,
defendida e modificada. Também sofre uma resistência continuada,
limitada, alterada, desafiada por pressões que não são suas
próprias pressões. Temos de acrescentar ao conceito de
hegemonia o conceito de contra-hegemonia e hegemonia
alternativa, que são elementos reais e persistentes da prática
(WILLIAMS, 1979, p. 115).
Podemos supor baseado nas reflexões acima, que, para manter os
elos de dominação entre as classes dominantes e os camponeses, Mauro
Borges enfatizou a questão agrária e o apoio a políticas voltadas para eles,
como uma forma de conquistar o seu apoio, garantindo a eles algumas de
suas reivindicações, mas de modo que não feria e nem confrontava os
princípios burgueses e o projeto dominante de desenvolver uma agricultura
de caráter capitalista em Goiás.
Os posseiros, por sua vez, também sabiam tirar proveito dessa
relação, pois os “os de baixo” sabem ler o mundo social de acordo com o seu
universo cultural, resistindo e negociando a partir de sua avaliação da
realidade e do conhecimento da desigualdade das relações de poder em
relação a grandes proprietários de terras, fazendeiros e outros grupos sociais
(AIRES, 2012, p. 210).
Tendo como base essas reflexões, é possível afirmar que o apoio ao
governador Mauro Borges fazia parte da estratégia, da leitura do mundo e da
realidade social dos posseiros. Contudo, como já sublinhado anteriormente,
esse apoio não era incondicional, como se pode aferir através das revoltas
dos posseiros na região de Porangatu, Goianésia, Jussara, Dianópolis, entre
outras. Os posseiros declararam apoio ao governador Mauro Borges e a seu
projeto político e, nem por isso, ficaram passivos à expropriação de suas
terras. Mesmo o governador anunciando a facilidade de obter terras nos
projetos de colonização eles não abriram mão de suas glebas. Apesar de
declarar apoio, evitando ações mais radicais como entrar em choque armado
com as forças coercitivas do Estado e com os grileiros, os posseiros
comumente rebelavam-se contra as decisões do executivo goiano quando
levavam a cabo a expropriação de suas terras.
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A história e a memória dos movimentos de posseiros não pode ser
reduzida pela representação forjada por instituições, partidos políticos e pela
historiografia sob o argumento de que os posseiros foram manipulados e
controlados por Mauro Borges, ficando apáticos e sem reação, deixando
assim esvaecer-se suas histórias e memórias de luta contra a expropriação
de suas terras.
O apoio a Mauro Borges não restringia a ação dos posseiros em
rebelar-se contra os poderes vigentes quando recrudescia a luta de classes e
a expropriação de suas terras. Nem significava dizer que eles apoiassem
integralmente as políticas agrárias de seu governo, pois, como veremos,
projetos contra hegemônicos foram criados.
Enfim, o debate sobre a questão agrária, constantemente ocupou o
debate político em Goiás nesse momento, qualquer agremiação política e
movimento social por mais conservador, havia algum projeto para o tema,
mesmo que não buscassem alterar efetivamente muita coisa a estrutura
agrária.
Podemos notar em algumas reuniões, que tinham como objetivo
elaborar uma carta programa e tirar delegados para a participação dos
camponeses goianos no Primeiro Congresso Nacional, a ser realizado em
novembro de 1961 em Belo Horizonte, as divergências entre os projetos
políticos hegemônicos e dos posseiros.
Na Conferência Regional de Ceres, levada a efeito domingo último,
com o objetivo de tratar de assuntos de interesses dos lavradores
locais, que serão apresentados no 1º Congresso Nacional dos
Trabalhadores Agrícolas para a deliberação, foram aprovados os
seguintes itens de reivindicações: 1º Reformar a Constituição de
maneira a permitir a realização do confisco das grandes terras não
cultivadas e entrega a quem nelas queira trabalhar, principalmente
os camponêses sem terra. 2º) – Estabelecer um limite máximo de
20 alqueires de terras de cultura como propriedade privada. 3º)
Que o govêrno chame a si a organização, com as terras do Estado,
de colônias agrícolas, não entregando as mesmas, por hipótese
nenhuma e às companhias devem ser feitas com a participação
direta dos interessados. 4º) Abolição do imposto da indústria e
profissão para os camponêses. Suspender a taxação de
propriedades de menos de 3 alqueires. Aumentar gradativamente
os impostos sôbre as grandes propriedades improdutivas. 5º)
Auxílio Técnico e Financeiro: juros baixos, prazo longo, assistência
total de agrônomos e fornecimento de máquinas agrícolas e
sementes em condições assecíveis (sic). 6º) Instalar escolas rurais
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com professoras competentes na Colônia Agrícola Nacional de
Ceres e postos de saúde, principalmente na zona rural (DIÁRIO DO
OESTE, 22/09/1961, p. 5).
A primeira proposta dos assuntos discutidos pelos camponeses de
Ceres questiona e se opõe diretamente a “reforma agrária” defendida pelo
governo Mauro Borges e por políticos ligados a classes dos proprietários de
terra, já que não previa de forma alguma confiscar terras particulares e nem
grandes propriedades rurais sem a indenização de suas terras. A proposta de
mudar a constituição de forma que invalidasse os argumentos dos grandes
proprietários de terras e capitalistas, de que o confisco delas deveria ocorrer
apenas mediante indenização, mostra que as mudanças almejadas eram
mais radicais do que as previstas nos projetos de reforma agrária em curso
no Congresso Nacional e no planejamento econômico de Mauro Borges.
Além das visões que tendem a superestimar a influência exercida
pelo governador Mauro Borges no movimento de posseiros em Goiás, alguns
autores buscam explicar o “fracasso” desse movimento a partir da
constatação de que ele foi capitaneado por entidades mediadoras que
direcionaram suas lutas a partir de reivindicações distantes de sua realidade.
Corrobora dessa visão, Borges (2005, p. 13) quando afirma que a
luta dos camponeses antes da década de 1970 era conduzida por entidades
mediadoras como (Ligas Camponesas, Ação Popular, partidos políticos), que
falavam em nome desses sujeitos e tinham concepções estranhas a seu
mundo e suas necessidades.
Com uma visão semelhante à de Borges (2005), Souza (2010, p.
214) em seu estudo sobre os posseiros de Trombas e Formoso, afirma que a
derrota desse movimento deveu-se consideravelmente a influência do PCB,
nos cursos e caminhos a serem seguidos por ele. Para esse autor, por uma
deliberação do programa político do PCB após o ano de 1958, quando nega
a luta armada como forma de promover a revolução e proclama a aliança
operário-camponesa com a burguesia nacional. Esse partido passa a criar
condições para a inserção da região de Trombas e Formoso no mercado
capitalista nacional.
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A visão de derrota do referido autor é construída com base de que o
movimento foi decisivamente influenciado pelo PCB, e que não conseguiu
manter-se isolado ou sem ser subordinado à lógica do capital. Por pensar
dessa forma, Souza (2010) avalia o sue sucesso e o fracasso, a partir de um
paradigma de transformação, o socialismo. Consequentemente a noção de
que qualquer medida política capitalista que fosse defendida por esse
movimento, revela o equívoco de suas lutas.
Maria Tereza Canezin Guimarães (2004, p. 228) também considera
que os agentes políticos foram responsáveis por desviarem os camponeses
do seu foco principal – a luta pela terra – em direção a um pacto conciliatório
com o Estado.
Devemos compreender que esse período foi marcado por uma
grande efervescência de programas políticos: do Estado, de instituições,
partidos políticos e movimentos sociais, que colocavam a questão agrária e
os camponeses como destaque em seus projetos políticos. Alguns, com
propostas mais radicais, conclamando a reforma agrária radical e a
revolução, como as Ligas Camponesas e também o PCB, embora seu
programa
político
fosse
reformista.
Outros,
com
medidas
mais
conservadoras, que visavam conter a influência de partidos políticos e de
movimentos sociais de esquerda, de forma a encaminhar a luta dos
trabalhadores rurais em uma direção que não confrontasse frontalmente com
os anseios das classes dominantes, como era o caso da Frente Agrário
Goiana (FAGO), organização da Igreja.
E, mesmo apesar das argumentações de que as lutas dos posseiros
tenham sido desviadas por entidades mediadores acarretando no fracasso do
movimento, não podemos desconsiderar que houve uma grande fertilidade
de atuação política dos movimentos de luta pela terra no norte de Goiás. E,
por isso mesmo, a estratégia do governo de Goiás e Federal de
institucionalizar as lutas sociais com a sindicalização do campo a partir de
1962/63, com vistas a arrefecer a mobilização camponesa, no que tange o
questionamento do latifúndio e das desigualdades sociais no campo.
Mas, mesmo a sindicalização, não foi conduzida de forma a acabar
tão seguramente com a mobilização dos posseiros que continuaram
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resistindo e confrontando os grileiros, o Estado e todos que aqueles que
desejam expropriá-los.
Tendo em vista essas questões, é difícil imaginar que os posseiros se
vinculassem preponderantemente com o PCB, apoiassem irrestritamente o
governo Mauro Borges, ou estivessem todos dispostos a defender a
revolução como pregava as Ligas Camponesas. É preciso considerar que a
participação dos camponeses em um ou outro movimento não significava que
os defendesse ou os aceitassem, como algo pronto e acabado.
Analisar que o movimento camponês foi controlado por Mauro Borges
ou conduzido por entidades mediadoras, que tiveram um peso considerável
em direcionar as lutas populares, cada vez mais aos interesses do projeto
nacional-desenvolvimentista da época, muitas vezes deixa turva a visão do
historiador, fazendo-o o considerar que os posseiros foram conduzidos,
manipulados e levados nestes projetos de forma alheia as discussões
políticas e as reivindicações do movimento. E, consequentemente, tendem a
desconsiderar a magnitude da tenaz resistência dos posseiros do norte de
Goiás na defesa de suas terras incorrendo no risco de negar aos posseiros a
condição de sujeitos históricos passíveis de realizar transformações no
universo em que estão inseridos.
O exemplo de José Porfírio ilustra bem como os camponeses
aproveitavam dessas entidades mediadoras e não aceitavam tudo o que lhes
era determinado. E sua falta de estudos de conhecimento sobre os tramites
políticos, as leis e sobre os seus direitos, não eram obstáculos para que eles
também tirassem proveito dessas relações.
José Porfírio manifestou publicamente, em diversas oportunidades, o
seu apoio a Mauro Borges. Porém, a declaração de apoio representava uma
estratégia de José Porfírio, que, diante do compromisso firmado pelo
governador goiano de conceder os títulos das terras aos posseiros de
Trombas e Formoso, qualquer oposição ou desentendimento entre eles
poderia atrapalhar o processo de distribuição dos títulos das terras. Além
disso, no processo de sindicalização rural, ele teve uma boa participação,
que certamente dependia do bom relacionamento que havia entre ele e
governador goiano.
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Outra questão que deve ser destacada é que José Porfírio tinha
pretensões a sair candidato estadual e ciente da oposição a sua candidatura
pelas
classes
dominantes,
ele
tinha
possivelmente,
frente
a
tais
circunstâncias, o cuidado em não dar os argumentos necessários a seus
opositores. O anúncio de Porfírio como um possível candidato a deputado
pelo legislativo goiano acarretou em uma forte campanha conduzida pela
deputada do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Almerinda Arantes, contra a
sua candidatura e também contra sua filiação em seu partido, sob o
argumento de que o líder dos posseiros estava sendo processado de
homicídios e de que era comunista (O POPULAR, 12/09/1962, p. 3). Por
estas questões, José Porfírio filiou-se ao Partido Socialista Brasileiro (PSB),
já que, nesse momento, o seu verdadeiro partido – o PCB, estava na
clandestinidade. Por isso, é que o líder dos posseiros não proferia
declarações mais radicais que pudessem vir a prejudicar sua candidatura.
De acordo com Souza (2010, p. 28), o discurso de Porfírio era
bastante ponderado em relação a suas ideias quanto à reforma agrária. E
que seu discurso só direcionou para a reforma agrária radical pouco tempo
depois de ter sido eleito no pleito de 1962. Isso representa uma tática do
deputado camponês, em não falar nada que pudesse servir de argumento,
em oposição a sua candidatura, correndo o risco de ser indeferida.
Por manter essa linha de atuação, José Porfírio foi acusado por
camponeses e por alguns historiadores de ter sido cooptado por Mauro
Borges e ter se tornado um “Maurista” (SAMPAIO, 2003, p. 97). Contudo, há
que se questionar dessa análise, pois, ao tempo que apoiava o governador
goiano, José Porfírio organizava e enviava homens para o projeto de luta
armada das ligas camponesas que tinha com objetivo promover a revolução
socialista no país, incentivado a ocupação de terras. Segundo Pessoa (1999,
p. 87), “[...] José Porfírio de Souza, pouco mais de um mês antes do golpe,
concedeu entrevista a um jornal de Goiânia, defendendo a invasão de toda e
qualquer terra não aproveitada economicamente”.
Há também que se discordar da afirmação de que ele era
influenciado e seguia piamente as determinações do PCB. Através das
entrevistas, ficou evidente que ele não aceitava as imposições verticalizadas
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deste partido. Que, às vezes, mesmo concordando com as deliberações do
partido na reunião, ao sair, fazia tudo diferente, e seguia o que achava ser
correto. Isso pode ser observado nas falas de Dirce Machado e Tarzan de
Castro.
Entender o movimento de luta pela terra a partir dessa compreensão
é importante porque destaca o seu papel como um sujeito social passível de
promover mudanças e abalar as estruturas do poder vigente. E, ainda como
sujeitos que não estão alheios à sua realidade, aos projetos políticos que os
englobam.
É preciso considerar o movimento de posseiros tem suas
potencialidades e que elaboram uma compreensão de mundo própria, que
escolhe os projetos que mais lhe convém. Nesse sentido, observa-se que
muitos pesquisadores centraram sua atenção em dissecar os mecanismos de
dominação e das estratégias utilizadas pelos grupos políticos dominantes
para conseguir o apoio dos camponeses, que faltou analisar a participação
dos camponeses no jogo político e buscar entendê-la, além do que ficou
institucionalizada nas memórias e histórias desse período.
Bibliografia
AIRES, José Luciano de Queiroz. O Teatro do Poder e o Contrateatro do
Campesinato Paraibano: negociação, táticas e resistências (1935 – 1945). In:
Saeculum – Revista de História, João Pessoa, nº 26, p. 205 – 220, 2012.
BORGES, Elisabeth MAIRA DE FÁTIMA BORGES. Itauçu: sonhos, utopias e
frustrações no movimento camponês em Goiás. Dissertação (Mestrado em
História) – Faculdade de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal
de Goiás, Goiânia, 2005.
GUIMARÃES, Maria Tereza Canezin. Organização Camponesa em Goiás
nas décadas de 1950 e 1960 e os sinais das novas práticas educativas nos
atuais movimentos sociais. In: Inter – Ação: Revista Faculdade de Educação
UFG, Goiânia, nº 29(2), p. 227 – 237, 2004.
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OLIVEIRA, Marisis Cunha. Questão Agrária em Goiás: governo Mauro
Borges, 1961 – 1964. (Dissertação de Mestrado) Universidade Federal de
Goiás, Goiânia, 1987.
PESSOA, Jadir de Morais. A revanche camponesa. Goiânia: Editora da UFG,
1999.
RABELO, Francisco Chagas E. Mobilização social e tradicionalismo político
em Goiás (Governo Mauro Borges, 1961 – 1964). In: SOUZA, Dalva Borges
de (Org). Goiás: Sociedade e Estado. Goiânia: Cânone Editorial, 2004, págs.
49 a 84.
SAMPAIO, Jacinta de Fátima Rolim. A História da Resistência dos posseiros
de Porangatu – GO (1940 – 1964). Dissertação (Mestrado em História) –
Faculdade de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal de Goiás,
Goiânia, 2003.
SEGATTO, José Antonio. PCB: a questão nacional e a democracia. In:
DELGADO, Lucilia de Almeida Neves; FERREIRA, Jorge(org.). O Brasil
Republicano: O tempo da experiência democrática. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2003, p. 217-239.
SOUZA, Renato Dias "Fazia tudo de novo" camponeses e Partido Comunista
Brasileiro em Trombas e Formoso (1950-1964). Dissertação de Mestrado em
História – Faculdade de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal
de Goiás, Goiânia, 2010.
THOMPSON, Edward Palmer. Costumes em comum. São Paulo: Companhia
das Letras, 1998. 493 p.
WILLIAMS, Raymond. Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
PERIÓDICOS
DIÁRIO DO OESTE 1960 a 1964
DIÁRIO DA TARDE 1959 a 1961
JORNAL DE NOTÍCIAS 1957 – 1959
O POPULAR de 1955 a 1964
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Uma experiência de organização política na fábrica moderna
Elaine Marlova Venzon Francisco (UERJ)
[email protected]
RESUMO:
O texto apresenta resultados parciais de uma pesquisa de longa duração que
investiga a ação política dos trabalhadores numa planta moderna do setor
automotivo. Analisa os desafios postos à organização dos trabalhadores
metalúrgicos do pólo automotivo na região sul fluminense, a partir da ação
política da comissão de fábrica de uma planta organizada sob o modelo de
consórcio modular a qual estabelece uma relação complexa entre empresa
mãe, empresas consorciadas e empresas terceiras. Analisa a relação da
comissão com as gerências, com o sindicato local e com as demais
comissões da corporação, considerando a importância da experiência das
comissões mais antigas para a sua consolidação. A pesquisa constata um
processo de avanço e retrocesso nos níveis de organização no chão de
fábrica ao longo do tempo, cuja análise fundamenta-se na perspectiva teórica
de Thompson, em que as classes são resultantes das lutas sociais,
destacando o papel da experiência na formação dos sujeitos políticos.
Palavras-Chave: organização dos trabalhadores nos locais de trabalho;
comissões de fábrica; formação da classe trabalhadora.
INTRODUÇÃO
O presente texto é resultante de uma pesquisa que busca analisar o
processo de formação da classe trabalhadora, a partir da implementação do
pólo automobilístico na região sul fluminense, em meados dos anos 90. Mais
precisamente, analisar a ação política dos trabalhadores em uma localidade
sem tradição de trabalho industrial, como é o caso de Resende-RJ.
A pesquisa iniciada em 2001 acompanha, desde então, os avanços e
retrocessos do processo de organização dos trabalhadores através da
comissão de fábrica de uma planta de caminhões e ônibus13. A fábrica iniciou
suas operações em 1995 e a comissão de fábrica foi criada em 1999 durante
a primeira – e única – greve.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
13
A VW Caminhões e Ônibus foi vendida para a MAN AG em dezembro de 2008, mantendo
sua estrutura organizacional e administrativa, pois a VW AG é a sua maior acionista. Dada
essa
continuidade,
mantivemos
a
designação
VW
no
texto.
Ver
www.oglobo.globo.com/economia,
acessado
em
17/12/2008,
e
www.folha.uol.com.br/folha/dinheiro acessado em 16/12/2009.
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Naquele momento, o desafio maior era compreender as lutas daqueles
trabalhadores quando Resende se apresentava como um greenfield 14 .
Somava-se a esse contexto, a peculiaridade do modelo de organização da
produção sob o conceito do consórcio modular, que consiste numa
experiência radical de organização em que a empresa contratante apenas
planeja o produto e confere a qualidade ao final do processo. Todo o
processo de produção e montagem é realizado por empresas tidas como
parceiras, dentro da fábrica da contratante. Ou, como tais parceiros
costumam afirmar: “estamos na casa do cliente”.
Na planta, dentro da produção, estas diferentes empresas são
unidades de negócio de suas holdings, cujas matrizes encontram-se, em sua
maioria, no estado de São Paulo. Diferente dos condomínios industriais, no
consórcio modular a empresa contratante possui um menor número de
trabalhadores, em sua maioria voltados para trabalhos administrativos como
planejamento e desenvolvimento, logística, pós-venda, etc. Além dos
parceiros, existem as empresas terceiras,
que atuam em serviços
administrativos como segurança, alimentação, logística, manutenção, entre
outros15.
Portanto, é uma planta em que convivem diferentes empresas que,
junto à contratante, definem diariamente volumes de produção e índices de
qualidade. Isso significa dizer que convivem ali, diariamente, gerentes
portadores de diferentes culturas organizacionais e trabalhadores em
distintas relações e condições de trabalho. Cabe ressaltar que os
trabalhadores do consórcio modular (VW e parceiros) são protegidos por um
contrato coletivo firmado pelas empresas com o Sindicato dos Metalúrgicos
do Sul Fluminense - SMSF, e que os trabalhadores das terceirizadas fazem
acordos com os seus sindicatos específicos.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
14
Os chamados greenfields são locais onde há ausência de tradição sindical, força de
trabalho qualificada, além de salários inferiores se comparados às regiões de tradição
sindical, ou os chamados brownfields.
15
No início da pesquisa, em 2001, a fábrica contava com aproximadamente dois mil
trabalhadores, sendo mil do consórcio e mil terceirizados e, entre os do consórcio, trezentos
eram da VW. Atualmente conta com aproximadamente cinco mil, sendo três mil do consórcio
e dois mil terceirizados. Entre os do consórcio, apenas setecentos são da VW. Dados
atualizados em entrevista junto aos representantes da CF em 27/03/14.
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O consórcio modular apresenta outra característica que diz respeito à
relação construída com o sindicato local. Nesse sentido, o greenfield sindical
não era tão verde. Contava com a longa trajetória do Sindicato dos
Metalúrgicos
de
Volta
Redonda,
baseado
inicialmente
na
indústria
siderúrgica, e com uma vasta experiência no âmbito da organização dos
trabalhadores16. No entanto, a trajetória desse sindicato se altera a partir de
uma mudança em seu referencial político através de sucessivas diretorias
ligadas à Força Sindical, a partir de 1992, e também com a privatização da
CSN, sua maior base.
A implantação do pólo automotivo, a partir de 1995, com a vinda da
VW/Caminhões e Ônibus, confere a este sindicato um poder ainda maior e
passa a se chamar Sindicato dos Metalúrgicos do Sul Fluminense - SMSF.
No que se refere à sua atuação junto à base do consórcio modular, há uma
adequação deste sindicato à cultura política implementada pela empresa. O
sindicato realiza o estabelecimento de uma “parceria” com o consórcio, com a
justificativa da geração e/ou manutenção de empregos, que tem prevalecido
como diretriz política e tem marcado a maioria das negociações
encaminhadas por ele
Para tornar ainda mais complexo esse conjunto de forças políticas, a
VW, assim como várias outras empresas européias, permite a organização
interna de seus trabalhadores através de comissões de fábrica que se
articulam dentro da corporação através de encontros nacionais e de
encontros do Comitê Nacional e do Comitê Mundial de Trabalhadores da
VW17.
É neste contexto complexo de organização da produção que a atuação
política da comissão de fábrica ganha destaque, pois, além dos
constrangimentos impostos pelo modelo produtivo, destacava-se, naquele
momento, o perfil do sindicato local, a inexperiência dos trabalhadores e a
larga experiência do corpo gerencial. O SMSF, filiado à Força Sindical, havia
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
16
Esse sindicato marcou a história do sindicalismo brasileiro e foi objeto de vários estudos
na área do trabalho. Ver, entre outros, Morel (2001), Pessanha e Morel (1991), Mangabeira
(1993) e Graciolli (2007).
17
A comissão de fábrica do consórcio passou a fazer parte do comitê mundial de
trabalhadores da MAN, conforme informação obtida em entrevista com os membros da CF
em março de 2014.
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participado de todo o processo de negociação para a implantação da fábrica
e, segundo os gerentes entrevistados na pesquisa, era considerado mais um
parceiro da empresa. Logo, a pesquisa buscava analisar como seria possível
a organização e a resistência dos trabalhadores em tal formato de produção
e em tal contexto político.
Partimos inicialmente de um pressuposto já apontado por outros
estudos, de que o consórcio modular encerrava poucas novidades. Para além
do formato organizacional da produção, em que os fornecedores viraram
parceiros/montadores debaixo do teto Volkswagen, não resta nenhuma outra.
As relações hierárquicas, o sistema salarial e de benefícios, não trazem
qualquer novidade. A própria organização do trabalho dentro dos módulos é
bastante tradicional, com pouca inovação tecnológica, bem próxima de
qualquer linha de produção na indústria metalúrgica.
No entanto, para nós, a novidade apareceu durante o trabalho de
campo: a busca incessante de soluções consensuais entre os diversos
sujeitos e que se espraia em todos os níveis hierárquicos. Uma cultura
baseada na cooperação que envolve, inclusive, sujeitos externos, como o
sindicato e alguns consumidores.
Esse foi o diferencial encontrado e indicava uma ação política da
comissão de fábrica refém dessa cultura, dessa busca de consenso em nível
sistêmico dentro da empresa. À medida que fomos construindo a análise
dessa ação, fomos trazendo a experiência dos sujeitos e pudemos perceber
que essa política administrativa da empresa é efetiva, mas encontra limites
na ação dos sujeitos. Esse limite não é posto apenas por questões
econômicas, quando as negociações são insatisfatórias para os
trabalhadores. É posto também pelas situações que explicitam as diferenças
de interesses, onde o consenso frustrado abre a possibilidade do conflito.
Quando o nível político das relações presentes no chão de fábrica se
sobressai ao nível econômico e passa a ser percebido pelos diferentes
sujeitos18.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
18
Em Francisco (2005) pudemos analisar detalhadamente as diversas ações encaminhadas
pela CF, no sentido da defesa dos interesses dos trabalhadores, muitas vezes contra as
gerências e o sindicato, que denotavam o protagonismo daquela instância de organização e
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Com o propósito de acompanhar essa trajetória, vimos acompanhando
desde então a organização desses trabalhadores através da atuação política
da comissão de fábrica. A pesquisa vem sendo desenvolvida através de
coleta de fontes primárias e secundárias, entrevistas e observação direta, de
modo a flagrar as experiências que conformam a ação política dos
trabalhadores nesta planta.
1. A EXPERIÊNCIA DE ORGANIZAÇÃO A PARTIR DA FÁBRICA:
Ao considerar que a sociologia do trabalho vem realizando um
movimento no sentido de entender as questões afetas ao trabalho para além
do espaço fabril, incorporando o trabalho chamado informal, o desemprego,
assim como as novas institucionalidades que vêm se formando nesta arena,
esta pesquisa privilegia ação política dos trabalhadores no espaço fabril.
Tratamos aqui da organização dos trabalhadores dentro de uma fábrica do
tradicional setor automotivo. Investigamos algo que poderia ser dito, nos
termos de E. P. Thompson, “manifestações políticas e sociais não incluídas
na linha oficial da evolução do movimento operário.” (2001:199-200) 19 .
Investigamos sobre a comissão de fábrica.
As comissões de fábrica, em geral, só começaram a se tornar objeto
de preocupação acadêmica a partir do alargamento no foco de análise e que
é influenciado pelo próprio movimento da realidade conjuntural do país
naquele período20 . Até então, não constavam dos lugares tradicionais da
ação política. Nesse sentido, somos tributários a E. P. Thompson que,
segundo Silva, pertence a uma
outra tradição marxista que não pode jamais de ser crítica em
relação a todo e qualquer poder instituído (...) que precisa
escarafunchar eternamente a história real, os modos de
dominação e as formas de resistência; não apenas a resistência
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
de luta; assim como, ações voltadas para a obtenção do consenso, o que expressava a
contradição existente naquelas relações sociais.
19
THOMPSON, E. P. A História vista de baixo. In: NEGRO, Antonio L. e SILVA, Sérgio
(orgs.). As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas: Editora da
UNICAMP, 2001. Pp.199-201.
20
Conforme Rizeck (1995).
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presente no cenário político oficial, mas também aquela diária,
incansável (2001:69).
Entendemos que é nessa esfera da política realizada no cotidiano dos
trabalhadores que a comissão de fábrica se inscreve e assim nos instiga a
conhecer como desenvolve sua ação política. Não estamos tratando aqui de
algo generalizado ou recorrente, pelo contrário. Buscamos conhecer como se
desenvolve a ação política de um sujeito menor – em termos de capacidade
de defesa dos interesses dos trabalhadores –, mas não menos importante do
ponto de vista da sua organização no espaço da fábrica e no processo de
formação da classe.
O caráter político das relações sociais que se dão no interior da
produção nem sempre foi reconhecido, ou priorizado, pelos estudiosos,
havendo um predomínio dos aspectos econômicos nos estudos nessa área.
Ao considerar as inovações tecnológicas como sendo a explicação
privilegiada para todas as transformações que ocorriam naquele espaço, nem
sempre a produção teórica atentou para os elementos políticos que compõem
aquela realidade. Como sugere Thompson:
Nessas démarches da análise histórica ou sociológica (ou
política), é essencial manter presente no espírito o fato de os
fenômenos sociais e culturais não estarem “a reboque”,
seguindo os fenômenos econômicos à distância: eles estão, em
seu surgimento, presos na mesma rede de relações21.
Para analisar a ação política da comissão de fábrica da VW/Resende
consideramos também a “noção de experiência como chave para superar a
contradição entre determinação e agência humana” (FORTES, NEGRO e
FONTES, 2001:43), desenvolvida na obra de Thompson, em sua clássica
citação:
a experiência de classe é determinada, em grande medida,
pelas relações de produção em que os homens nasceram – ou
entraram involuntariamente. A consciência de classe é a forma
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
21
THOMPSON, E. P. Modos de dominação e revoluções na Inglaterra. In: NEGRO e SILVA
(orgs.). op. cit. p. 208.
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como essas experiências são tratadas em termos culturais:
encarnadas em tradições, sistemas de valores, idéias e formas
institucionais. Se a experiência aparece como determinada, o
mesmo não ocorre com a consciência de classe. (...) A
consciência de classe surge da mesma forma em tempos e
lugares diferentes, mas nunca exatamente da mesma forma.
(1997:10).
Essa concepção nos permite pensar a ação política como resultante
de um processo ao longo do tempo e que, portanto, só pode ser pensado a
partir da trajetória de desenvolvimento dessa forma de organização, uma vez
que constitui uma entre tantas formas organizativas permeadas por valores e
tradições que são reelaborados pela experiência. Cabe aqui o registro de
Mattos que, fiel à perspectiva inaugurada por Thompson, afirma:
identidades coletivas novas se formam sempre a partir de
valores e referências culturais tradicionais, quer quando os
recuperam, quer quando procuram negá-los. A forma como
articulamos nossa tradição sindical deve ter, por isso mesmo,
um imenso valor estratégico. (1998:221).
Apesar da história recente, essa comissão certamente incorpora
valores e tradições presentes nas demais comissões de fábrica, dentro e fora
da corporação, e que são reinventados através da experiência dos sujeitos.
No caso da Volkswagen, a comissão de fábrica pioneira da VW Anchieta,
guarda um acúmulo daquilo que o movimento sindical foi capaz de produzir
ao longo desses anos. Através de diferentes instâncias de articulação entre
as comissões de fábrica, seja através dos encontros anuais, dos seminários,
das visitas e dos contatos freqüentes, via telefone ou intranet, se
estabelecem relações que permitem a troca de experiência entre sujeitos
políticos com diferentes temporalidades sociais22.
Chamou-nos a atenção, por exemplo, um protesto realizado em agosto
de 2003, em que a comissão de fábrica reivindicava melhorias no refeitório.
Em tal evento realizaram um “apitaço” dentro do restaurante, como forma de
chamar a atenção das gerências para uma questão que vinha sendo
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
22
Diferentemente de outras plantas mais antigas como as de Anchieta e Taubaté, criadas
nos anos 80, as plantas de Resende/RJ, assim como a de São José dos Pinhais/PR e São
Carlos/SP, serão marcadas por uma defasagem na experiência sindical de seus sujeitos.
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reivindicada há muito tempo. Neste mesmo mês, a comissão de fábrica da
VW/Anchieta havia realizado também um “apitaço” diante da ameaça de
demissões23. Ainda que não existisse uma relação direta entre os eventos, e
nem uma relação tão intensa entre as duas comissões de fábrica, o fato é
que essas táticas de pressão são largamente utilizadas pela comissão de
fábrica de Anchieta quando querem chamar a atenção da empresa para
alguma questão de interesse dos trabalhadores, e isso é de conhecimento da
comissão de Resende24.
No início da pesquisa, constatamos uma distinção entre as ações
políticas desenvolvidas no 1º e no 2º mandato (onde constatamos um
crescimento tanto da independência em relação ao sindicato e às gerências,
quanto da ocorrência de situações de conflito), que evidenciava a influência
da experiência como um elemento demarcador que qualifica a ação dos
sujeitos diante dos constrangimentos impostos pelo contexto das relações
sociais forjadas no interior do consórcio modular, além daqueles colocados
pelas condições do mercado e da conjuntura econômica e política.
Se por um lado a comissão de fábrica de Resende é condicionada
pelo formato de organização do consórcio modular – em que ela se constitui
em mais um dos parceiros para o sucesso do negócio – por outro, a
comissão vai criando a sua identidade nos pequenos confrontos com as
gerências, e também com o sindicato, em que ela expressa as suas
especificidades, possibilidades e limites.
Assim sendo, a trajetória dos diferentes sujeitos ganha importância
fundamental. Os perfis dos diferentes sujeitos atuantes no consórcio modular,
no início das operações da fábrica, revelava gerentes da VW e das empresas
parceiras, assim como os dirigentes sindicais, com larga experiência em suas
atividades, e trabalhadores, em sua maioria, jovens, em sua primeira
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
23
Ver “Apitaço e passeatas internas na Volks”. Tribuna Metalúrgica, 06/08/2003. (Últimas
Notícias).
24
Durante a pesquisa de campo pudemos acompanhar os membros da CF distribuindo a
“Tribuna Metalúrgica”, do SMABC, para os trabalhadores de Resende. Segundo um dos
representantes, era uma forma de os trabalhadores da fábrica de Resende se informarem
sobre o que acontecia com os trabalhadores fora dali.
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inserção na produção industrial25. Partimos do princípio de que a experiência
acumulada em cada segmento – seja o de trabalhadores de um greenfield,
seja o de sindicalistas do ramo metalúrgico, seja o de gerências – , qualificam
trajetórias sociais diferenciadas e conferem peculiaridades ao consórcio
modular e à ação de seus sujeitos. De todos eles, quem teve que se
desenvolver mais rapidamente para acompanhar o ritmo dos demais,
certamente, foi o segmento dos trabalhadores. Eles eram os únicos novatos.
Eles eram o elemento “verde” do greenfield.
No entanto, a pesquisa revelou que durante os três primeiros
mandatos da comissão, entre 1999 e 2006, a comissão, mais do que o
sindicato, conseguiu defender os interesses dos trabalhadores através de
pequenas conquistas no chão de fábrica, assim como pautar o sindicato local
e avançar na democratização das relações fabris26.
2. A ORGANIZAÇÃO POLÍTICA DOS TRABALHADORES DO
CONSÓRCIO: AVANÇOS E RECUOS
O acompanhamento da trajetória da ação política da CF no consórcio
modular revela avanços e retrocessos ao longo do tempo. Pode-se constatar
que entre 2008 e 2012 houve um retrocesso na sua ação política, se
comparada aos primeiros três mandatos. Nesse período foi realizado apenas
um processo eleitoral em que foram eleitos dois representantes27, os quais
não possuíam qualquer experiência junto à comissão e tiveram seus
mandatos prorrogados. Entre os antigos representantes –
aqueles que
haviam permanecido durante três mandatos consecutivos, portanto com mais
experiência – um foi para o legislativo municipal e outro se manteve na
fábrica como delegado sindical, ambos ligados à executiva do SMSF. Somase a isso, uma fraca atuação por parte do sindicato na base automobilística,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
25
Foram realizados dois surveys que possibilitaram o conhecimento acerca do perfil de
trabalhadores e gerentes, o primeiro em 2001 e o segundo em 2009. Em 2001, apenas 1,3%
dos entrevistados era proveniente de outra indústria automobilística e 16,7% de outra
indústria metalúrgica, contra 18,9%, nos dois segmentos em 2009. Ver Ramalho (2009).
26
Ver Francisco (2005).
27
A CF teve três representantes apenas no primeiro mandato. Desde então, os processos
eleitorais foram realizados para apenas dois representantes independentemente do número
de trabalhadores ou de turnos.
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que tem priorizado as demandas provindas da CSN (Companhia Siderúrgica
Nacional), sua base mais tradicional28.
Tal período foi marcado ainda pelos processos de crise, como em
2009, e também pelo processo de venda para a MAN, o que resultou numa
ação política, por parte da comissão de fábrica que, além de se isolar dos
trabalhadores na planta, conseguiu também se isolar das demais comissões
no interior da corporação29. É possível constatar, então, um refluxo da ação
política da CF que, somada à postura do sindicato local, representa uma
diminuição da pressão política dos trabalhadores em torno de seus
interesses.
Em fevereiro de 2014, no processo eleitoral para a comissão de
fábrica, um dos antigos representantes, que havia participado dos três
primeiros mandatos, retornou para a comissão, o que possibilita a retomada
da organização dos trabalhadores do consórcio e da articulação da CF com
as demais comissões dentro da corporação. Segundo ele:
a gente já começou a resgatar um trabalho que nós iniciamos no
passado, que a comissão iniciou no passado quando foi criada.
Então, é a presença no chão de fábrica, o retorno dos problemas para
os trabalhadores e as conquistas que a (...) foram muitas, no
passado, e hoje a gente faz a manutenção disso. Porque pra perder é
fácil, pra conquistar é que é difícil. Pras empresas tirarem muitas
coisas que nós conseguimos aqui, eles tiram da noite pro dia, e esse
é o maior exercício nosso: fazer manter o que tem e conquistar mais.
O fato de nesse momento de crise, tá vendo fazer o furacão, o
primordial agora é a manutenção dos benefícios, dos postos de
trabalho e a manutenção de tudo o que a gente conquistou no
passado. Quando a gente fala que a gente conquistou, foi o
trabalhador que conquistou. Comissão é uma ferramenta. Quando o
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
28
O processo de desgaste político que vem caracterizando a atuação do SMSF e o seu
distanciamento da base do setor automobilístico tem conseqüências significativas para a
organização sindical. Uma delas foi identificada por um survey realizado no consórcio
modular em 2009 que, comparado a outro semelhante realizado em 2001, flagrou um
processo de desfiliação sindical: em 2001, eram 62,8% os trabalhadores sindicalizados,
contra apenas 27,2% em 2009. A principal razão apontada para não ser sindicalizado foi “a
descrença nos sindicatos” (Ramalho, 2009).
29
Os trabalhadores do consórcio modular não têm tido representação nos eventos
organizados em âmbito corporativo. Esse distanciamento ganha expressão nas negociações,
nas formas de luta e nos ganhos diferenciados em relação às demais plantas da corporação
no Brasil.
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trabalhador tá organizado, a comissão é uma ferramenta. E vou dizer
pra você: é uma grande ferramenta! (Representante 1)30.
Cabe ressaltar que em março, logo após a eleição da comissão, foi
realizada a eleição para o SMSF. O pleito contou com a candidatura de três
chapas, sendo uma delas, a Chapa 3, encabeçada por um ex-membro da CF.
Com a eleição da Chapa 1, apoiada pelo atual presidente, dissidentes
tentaram criar dois novos sindicatos para a região de Agulhas Negras onde
se concentram as montadoras. Um destes sindicatos é de iniciativa do exrepresentante da CF que havia concorrido à eleição sindical.
Tal processo, ainda em curso31 , demonstra a insatisfação da base
metalúrgica vinculada ao setor automobilístico em relação à atuação do
SMSF. Demonstra também que a inserção dos antigos representantes da CF,
tanto na disputa para a comissão, quanto na disputa para o sindicato,
reproduz
percursos
de
inserção
política
idênticos
aos
de
outros
representantes de comissões de fábrica na corporação. Certamente, a
passagem destes trabalhadores por três gestões da CF, considerando a
complexidade das relações políticas presentes na experiência do consórcio
modular, aponta para uma mudança de perfil desses trabalhadores que lhes
possibilita um maior enfrentamento em relação às gerências e ao sindicato,
assim como a produção de novas articulações políticas dentro e fora da
corporação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Ao acompanharmos a trajetória da comissão, pudemos constatar como
essa forma de organização é herdeira das comissões de fábrica criadas nos
anos 80, na região do ABC paulista. No entanto, por nascer numa planta que
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
30
Em entrevista concedida à autora em 27/03/14, aproximadamente um mês após a eleição
da CF.
31
Ver “Renato Soares diz que vai pedir impugnação dos sois sindicatos”, em
<http://www.avozdacidade.com/site/page/noticias_interna.asp?categoria=3&cod=34071>,
acessado em 25/06/14 e “Sindicato tenta evitar divisão da base”, em
<http://www.diariodovale.com.br/noticias/0,91550,Sindicato%20tenta%20evitar%20divisao%2
0da%20base.html#axzz369iJ2dGs>, acessado em 30/06/14.
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já foi criada nos parâmetros da produção enxuta (demanda puxada pelo
consumidor, estoques para uma semana de produção, poucos níveis
hierárquicos, terceirização de atividades meio, etc.), a comissão convive,
desde o início, com os constrangimentos que esse tipo de empresa traz para
a organização dos trabalhadores, tais como os programas de participação, o
maior controle das gerências, a busca diária pelo consenso entre os sujeitos.
Outro elemento que a esse se soma, refere-se às diferentes culturas
gerenciais que constituem as redes de relações dentro do consórcio modular.
Nesse aspecto há a convivência de diferentes culturas empresariais ali
traduzidas pelos gerentes de negócio de cada módulo, resultando em
variadas formas de obtenção do consenso do trabalhador e que funcionam
como um filtro dos problemas nas relações e condições de trabalho que
chegam até a comissão de fábrica.
Por outro lado, além de nascer numa planta já enxuta, a comissão de
fábrica pertence a uma empresa que convive com a representação interna de
seus trabalhadores desde os anos 70. Isso quer dizer que terá, por força de
acordo com os seus trabalhadores em nível mundial, uma representação
interna de empregados. No entanto, se não houver pressão por parte dos
trabalhadores e do sindicato para que a representação exista, certamente
não é a empresa que o fará.
As relações complexas que se desenvolvem no interior do consórcio
modular entre diferentes gerências de diversas empresas, trabalhadores com
pouca experiência fabril e uma atuação sindical marcada por disputas
internas, condicionam a atuação política da comissão de fábrica. A esses
condicionantes aliam-se outros de caráter externo, entre eles: as diferentes
conjunturas políticas e econômicas que afetam diretamente o mercado e as
possibilidades de negociação; as experiências obtidas através de contatos
com outras comissões de fábrica e sindicatos do setor; os contatos de
negócio dentro da corporação; e a vida política dos sujeitos fora da fábrica.
Esse conjunto de fatores possibilitou um leque de experiências que fez com
que a ação política da comissão de fábrica fosse bastante distinta ao longo
do tempo, em processos de avanço e recuo na sua capacidade de
organização e de luta.
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Portanto, cabe enfatizar que o perfil do consórcio modular restringe e
molda a ação política, mas não impede que a comissão de fábrica vá
formando a sua própria identidade na relação com os demais sujeitos. Isso é
mais perceptível quando expressa a sua ação política revelando o espaço da
fábrica como um espaço de consenso e de dissenso, de cooperação e de
conflito, de tolerância e de disputa.
Assim, é possível afirmar que a formação da comissão de fábrica –
parafraseando Thompson (1988:18), quando ele diz que a classe operária
formou a si própria, tanto quanto foi formada – também está se dando num
processo em que os condicionamentos externos vão sendo transformados a
partir da experiência em cima de caminhos já percorridos por outras
comissões de fábrica em outros lugares, pelo movimento sindical em nosso
país e, também, a partir de uma tradição, valores e costumes de uma cultura
operária.
Nesse sentido, a comissão de fábrica constitui um sujeito em
permanente conflito com o sindicato – um conflito de representação – e com
as gerências, num conflito de interesses de classe. O que não significa que
na atuação cotidiana se estabeleçam parcerias, soluções de consenso e
cooperação. Apenas o conflito estrutural que lhes é inerente está sempre
posto em forma potencial e se expressa em algumas situações em que os
diferentes interesses são reconhecidos e reivindicados pelos sujeitos.
BIBLIOGRAFIA:
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E. P. Thompson. In: NEGRO, Antonio L. e SILVA, Sérgio (orgs.). As
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Antonio L. e SILVA, Sérgio (orgs.). As peculiaridades dos ingleses e
outros artigos. Campinas: Editora da UNICAMP, 2001. Pp.59-69.
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Janeiro: Paz e Terra, 1997. Vol.I.
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Bernardo do Campo/SP. 06/08/2003.
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A INDUSTRIALIZAÇÃO NO OESTE DO PARANÁ: A
PRECARIEDADE DOS TRABALHADORES DE FRIGORÍFICOS
Guilherme Dotti Grando
Joselene Ieda dos Santos Lopes de Carvalho32
RESUMO:
A presente comunicação é resultado do acúmulo das discussões realizadas em
nossas pesquisas e visam analisar as relações de trabalho através das
experiências dos trabalhadores de frigoríficos da região Oeste do Paraná.
Apoiando-nos teórica e metodologicamente nas reflexões de E. P. Thompson
buscaremos discutir e problematizar elementos da experiência destes
trabalhadores. O trabalho neste setor tem sido caracterizado como um trabalho
cansativo, monótono, com baixa exigência de qualificação e com sérias
consequências sobre a saúde dos trabalhadores ali empregados. Essa
experiência tem alterado significativamente a vida de milhares de homens e
mulheres nos últimos vinte anos, pressionando não apenas modos de
trabalhar, mas também modos de viver, redefinindo valores, espaços de lazer e
sociabilidade. Essas transformações históricas não permaneceram
circunscritas as cidades onde se instalaram essas indústrias, mas
pressionaram a alteração de dinâmicas sociais em toda a região Oeste do
Paraná. A partir das entrevistas realizadas com os trabalhadores que
vivenciaram esse processo, problematizaremos historicamente suas trajetórias
de vida, trabalho e cidade buscando com isso contribuir com a construção de
uma História Social do Trabalho e dos Trabalhadores no Oeste do Paraná.
Palavras-chave: Trabalhadores; experiência; industrialização.
Ao pensarmos a industrialização no Oeste do Paraná existem diversos
problemas que interessam a História. Por um lado, esse processo tem sido
descrito e analisado pela classe dominante como um ciclo de desenvolvimento
econômico e geração de empregos. Essa visão é apoiada e difundida em
jornais e demais meios de comunicação e conta com relativo apoio acadêmico.
Tais estudos têm buscado organizar uma explicação para as transformações
“econômicas” que o trabalho nas indústrias impactou na vida de milhares de
trabalhadores. Buscam explicar e legitimar essa mudança “econômica”, mas
também a estratificação social e a “necessidade” de qualificação de
trabalhadores. A discussão das condições de vida desses trabalhadores fica
subordinada ao desenvolvimento econômico, equivalendo aumento da
produção material com aumento do bem-estar.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
32
Estudantes do Programa de Pós-Graduação em História, Poder e Práticas Culturais da
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, vinculados à linha de pesquisa
Trabalho e Movimentos Sociais. Bolsistas da CAPES. E-mail: [email protected] e
[email protected].
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Nos últimos vinte anos as indústrias alimentícias no Oeste do Paraná
têm aumentado significativamente a sua produção. O sucesso destas últimas
décadas, expresso na quebra de recordes de produção, tem sido comemorado
e divulgado pela imprensa local33.
Os trabalhadores, quando aparecem nessa visão da classe dominante,
são vistos apenas sob o prisma da geração de renda e emprego. Obviamente
que, para milhões de trabalhadores que foram e são expropriados dos meios
de produção num processo histórico violento, ter um trabalho – entendido
enquanto ocupação – constitui-se numa necessidade. Mas não é possível, pelo
menos do ponto de vista histórico do qual partimos, entendermos esse
processo histórico de industrialização recente no Oeste do Paraná e,
principalmente, a experiência da classe trabalhadora que o vivencia assumindo
a perspectiva de que esse processo possa ser explicado por conceitos como o
de “geração de emprego e renda”.
Neste sentido, interessa-nos muito mais discutir e analisar como essa
jovem classe operária que tem se empregado em indústrias no Oeste do
vivenciam e atribuem sentido ao trabalho nessas linhas de produção. Esse
exercício histórico de análise nos permite questionar a visão das classes
dominantes de transformar “geração de empregos” em “qualidade de vida”. No
lugar disso, ao pensarmos o trabalho nestas indústrias alimentícias sob a ótica
da experiência dos trabalhadores nossas pesquisas têm apontado para um
processo atravessado de tensões e conflitos.
Essa história de progresso tem sido ancorada na exploração do trabalho
de milhares de trabalhadores. As indústrias alimentícias, e, em particular, os
frigoríficos instalados no Oeste paranaense, para muitos trabalhadores, jovens
e adultos, mulheres e homens, têm se constituído em uma das poucas
possibilidades para garantirem o sustento de suas vidas. Para alguns destes
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
33
Por exemplo, segundo o Relatório Anual da UBA, o Brasil terminou o ano de 2009 como
terceiro maior produtor de frangos do planeta. Ao todo foram produzidas 10,8 milhões de
toneladas de carne de frango. Deste total, 7,2 milhões de toneladas foram destinadas ao
mercado interno e 3,6 milhões de toneladas foram para exportação. (BOSI, 2013, p.01). O
Relatório Anual da Copagril nos informa que, ao final deste mesmo ano, 2009, a Unidade
Industrial de Aves da Copagril recebeu 32.962.100 cabeças de aves para abate, produzindo
um total de 63.778.222 quilos de carne de frango (COPAGRIL, Relatório Anual 2009.
Disponível em http://www.copagril.com.br/web/relatorio.html. Acesso em 12 de abril de 2013).
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trabalhadores, os frigoríficos foram a primeira experiência que tiveram com o
trabalho numa linha industrial. Para outros, que já sabiam o que significava
trabalhar numa sala de cortes de um frigorífico ou até mesmo em outras
indústrias, empregar-se nos frigoríficos da região foi uma opção feita em um
contexto com pouquíssimas possibilidades. Esta jovem classe operária
encontrou nas indústrias alimentícias um trabalho intenso, acelerado, marcado
pela monotonia e pela simplificação das atividades que realizavam e realizam.
Trata-se de um trabalho organizado para garantir a maior produção de
mercadorias possível, mesmo que a custa disso muitos trabalhadores estejam
adoecendo. É este trabalho que sustenta os recordes de produção.
Há aproximadamente cinco séculos, as máquinas, a alta tecnologia não
eram o mais importante, o trabalho não era sinônimo de desgaste e era
possível viver bem sentindo prazer em trabalhar. Atualmente, há pessoas que
trabalham porque querem consumir bens que simbolizam uma suposta
“felicidade” e há aqueles que trabalham porque precisam sobreviver. As filas de
mercado nos finais de semanas, são grandes exemplos disso, há carrinhos de
supermercado cheios de bebidas, carnes, guloseimas, símbolos de um final de
semana repleto de promessas de diversão. Em uma mesma fila, há aquele
carrinho que contém uma carne de segunda, alimentos para sobrevivência e
moedas contadas no bolso. A luta de classes está evidente até mesmo nesta
situação. O burguês e o proletário dividem a mesma fila, mas com
particularidades e condições diferentes. A sociedade é desigual, as condições
para alguns são lamentáveis e precárias, há tempos o trabalhador foi
expropriado de sua própria forma de viver.
Durante o século XVIII o artesão poderia exercer seu trabalho de acordo
com seus prazos, sem que precisasse deixar seus outros afazeres. Quem
organizava a forma de distribuição do tempo de trabalho era o próprio artesão.
Se quisesse, poderia nas segundas-feiras sair e ir na taberna com outros
artesãos sem que se preocupasse com o seu trabalho, pois, já tinha
estabelecido seus horários e formas para executar seu trabalho. Com o
surgimento do relógio, toda a sociedade mudou. A possível organização da
vida do artesão começou a ser contada pelo tempo determinado pela
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imposição do relógio, havia agora a contagem do tempo e a disciplina árdua no
trabalho. O tempo tornara-se dinheiro.
Toda manhã às cinco horas, o diretor deve tocar o sino para o
início do trabalho, às oito horas para o café da manhã, depois
de meia hora para o retorno ao trabalho, meio dia para o
almoço, a uma hora para o trabalho e às oito, para o fim do
expediente, quando tudo deve ser trancado. (THOMPSON,
1998, p.290)
Não precisamos nos remeter até o século XVIII para entendermos quais
as consequências dessa disciplina no trabalho, em entrevistas e pesquisas
com os trabalhadores que residem na cidade de Guaíra/PR e trabalham nos
frigoríficos de Marechal Cândido Rondon/PR e Palotina/PR, podemos
identificar resultados decadentes do Capital. O trabalhador é visto como mera
mercadoria e então, exige-se que este tente superar suas próprias limitações,
sendo expropriado não somente sua força física, mas também sua força e
capacidade mental. Porém, grande parte das entrevistas demonstra que há
perspectivas que sonham com um futuro melhor, onde o trabalho não será
sinônimo de angústia. Há experiências comuns compartilhadas por estas
pessoas e neste trabalho, consideramos como essenciais para a compreensão
do trabalho agroindustrial no Oeste do Paraná. Neste sentido, Angela
“planejava assim, três meses que eu consegui trabalhar aqui eu junto meu
dinheiro e saio daqui, eu pensei né? Depois fui ficando e estou lá até agora.”
Quando estes trabalhadores como Angela vão até o SINE procurar
emprego, são surpreendidos com promessas de um futuro promissor. São
promessas divulgadas nos próprios sites das Cooperativas. Ambos têm um
ícone chamado: “responsabilidade social”. No site da Copagril tem a seguinte
descrição: “Atua de forma a envolver a comunidade, criando um vínculo afetivo
e participando de ações que busquem o desenvolvimento social, sobretudo
valorizando as pessoas.”34. O que nos é possível questionar, para quem tem
sido este desenvolvimento social, senão para a própria Cooperativa? Prova
real disso, é o anseio destes trabalhadores em saírem de imediato dos espaços
do frigorífico. O que se torna motivo de tristeza é quando percebem que os dias
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
34
Acessado em 20/09/2013. Disponível em http://www.copagril.com.br/web/areasocial.html
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passam e as condições do trabalho fazem com que as dores, a indisposição
aumente, fatores que infelizmente contribuem para a permanência no emprego,
já que em outros lugares um braço com LER não terá serventia.
ANGELA: Eu mesma, estou lá só por causa disso, só por
causa que, pra manter a carteira do INSS paga, né? Por isso
que eu estou lá. Levanto todo dia na marra, tem vez que eu
vou e custo trabalhar... tenho vontade de voltar dormir, dor nos
pés, quero deitar só. Eu sou assim, e acho que é por causa da
idade também, já tenho quarenta e oito né? Mas são poucas as
horas que eu durmo. (ANGELA, 2012,p.5)
Diante da fala de Angela, percebemos a procura pela causa de sua
indisposição. Com quarenta e oito anos, Angela afirma que não sente ânimo
em ir trabalhar devido a sua idade, porém, sentir dores e indisposição não são
fatores derivados de sua idade e sim das condições de seu trabalho. Exemplo
disso é Estácio que têm vinte e oito anos e afirma também ter sentido dores
enquanto trabalhava no frigorífico da Cvale em Palotina/PR.
JOSELENE: E já teve alguma vez que estava doendo muito o
seu braço e você pensou até em não ir trabalhar?
ESTÁCIO: Ah sim! Já...
JOSELENE: E se você ou outro funcionário reclamasse de dor
no braço, na perna, eles liberavam pra você parar de trabalhar
ou não tinha que continuar mesmo com dor?
ESTÁCIO: Não, às vezes eles libera pra você ir até o CESMIT,
daí vai lá passa uma pomada, passa alguma coisa... de
repente te trocam de função por alguns dias ou até mesmo
definitivo que foi o meu caso depois de um certo tempo, eu fui
lá e conversei né? Falei que não tinha condição mais de
trabalhar na faca que estava sentindo muito o braço, ai a gente
conversou junto com o encarregado e operador aí me trocaram
de função, aí continuei trabalhando no mesmo setor mas aí
fazendo um serviço diferente que eram movimentos diferentes,
já não sentia tanto... então, às vezes eles fazem isso né? Se
você não está aguentando fazer uma determinada função, eles
te troca, põe numa outra que aí você já... movimento diferente,
por exemplo, alguma coisa assim, aí você, consegue trabalhar.
(ESTÁCIO, 2012, p.12)
Se durante a Revolução Industrial, enorme foi o espanto acerca da
capacidade da máquina perante a força de trabalho humano, hoje são as
máquinas que determinam o quão veloz e forte deve ser um trabalhador. Mas o
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homem ainda não conseguiu diagnosticar estas máquinas para medir o
cansaço e angústia que o trabalho escasso resulta. Com a grande expansão
das fábricas, com o impulso de lucrar cada vez mais, o prazer em trabalhar, o
dedicar-se e especializar-se para tarefas que te impulsionasse a trabalhar
foram sendo substituídas pelo “ter que trabalhar”, pelo “ter que ganhar
dinheiro”.
Outro
elemento
apontado
pelos
trabalhadores
empregados
nos
frigoríficos do Oeste do Paraná que entrevistamos diz respeito ao controle e
disciplinarização do tempo do trabalhador. Se tratarmos historicamente esse
elemento podemos pensá-lo não apenas como um aspecto técnico, mas como
expressão de um conflito de classe. Sobre isto, o relato de Laís, apesar da
linguagem de líderes e colaboradores, apresenta a hierarquia fabril no
frigorífico da Copagril destacando elementos que dizem respeito ao controle do
tempo e do ritmo de trabalho.
GUILHERME: Você falou do encarregado com um relógio no
peito, eu não entendi.
LAÍS: É que lá vai subindo né? Na produção você usa roupa
normal, a bota com as roupas tudo. Daí você tem o
encarregado, que ele é líder daí ele ganha um relóginho. Você
ganha um relóginho para controlar o horário do povo.O povo
não pode ficar muito tempo sentado na cadeira, tem que logo
tem que estar de pé. A cada dez minutos acho que roda a
cadeira pra sentar um pouco. Daí tem o reloginho, pra controlar
o horário que entra, que sai, se alguém chega atrasado. Daí
tem o outro que é o encarregado do líder, ele tem uma faixinha
no braço. Daí só ele pode ligar a máquina, desligar a máquina.
O que tem uma faixinha assim no braço. Ai o outro que manda
nele já tem duas faixinhas no braço. E o que manda em tudo
tem três faixinhas no braço. E têm os relógios, todos eles têm o
reloginho para controlar. Toda hora eles ficam com aquele
reloginho controlando o povo. Não, porque foi no banheiro são
cinco minutos, tem que subir as escadas e não pode passar, se
não você já ganha lá um termo de orientação. É por isso que a
gente fala reloginho. “Ganhou um reloginho tem o poder” (LAÍS,
2011, p. 04). [grifo nosso]
A fala de Laís nos chama atenção para a dimensão do conflito de
classes a partir da organização da hierarquia fabril. Ouvi-la falar sobre como se
organiza o controle do trabalho a partir do controle do tempo dentro do
frigorífico de aves da Copagril pode nos dar a impressão de que essa é uma
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relação “natural”. Mas esta é uma relação forjada com o desenvolvimento
histórico do capitalismo industrial. Em outras sociedades houveram outras
percepções sobre o tempo. Por exemplo, a percepção do tempo que orientava
o trabalho e a vida das pessoas em sociedades anteriores ao capitalismo
industrial era a orientação pelas tarefas, “o tempo necessário para ferver uma
água”.
Essa medição incorpora uma relação simples. Aqueles que são
contratados experienciam uma distinção entre o tempo do
empregador e o seu “próprio” tempo. E o empregador deve
usar o tempo de sua mão-de-obra e cuidar para que não seja
desperdiçado: o que predomina não é a tarefa, mas o valor do
tempo quando reduzido a dinheiro. O tempo é agora moeda:
ninguém passa o tempo, e sim o gasta (THOMPSON, 1998,
p.272).
O trabalho nem sempre foi medido e controlado pelo relógio. A junção
entre o relógio e o trabalho é obra do capitalismo durante a Revolução
industrial. Como mostra Thompson (1998), é somente a partir deste contexto
que o relógio passou a regular os ritmos da vida. Ele foi uma das necessidades
do capitalismo industrial para impulsionar seu avanço. Neste sentido, o relógio
não era apenas útil, mas também conferia prestígio e poder.
É com esta simbologia, do relógio enquanto instrumento de trabalho e
controle, mas também enquanto instrumento de repressão e castigo, que Laís
traduz a hierarquia fabril na Copagril. E é a partir desta simbologia que ela
procura constantemente construir a distinção entre ela própria e os outros
trabalhadores da linha de produção, “o povo”. Neste sentido, podemos
entender a necessidade que Laís tem em se diferenciar do “povo” pela sua
própria condição enquanto trabalhadora do Sistema de Inspeção Federal (SIF)
e, portanto, parte da hierarquia.
LAÍS: Lá é porque tem os encarregados e ai as meninas
reclamam que eles querem humilhar, sabe? Que querem
rebaixar, que eles acham que sabem mais, sabe? E muitas
vezes nem tem estudo, ai você fica brava porque “pô, eu tenho
estudo, eu sei que eu posso”, e ele acha que só porque tem o
reloginho no pescoço pode me mandar”. Isso também acontece
muito, eles humilham as vezes as meninas. Ou tem pessoal
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que é do interior, tem uns que são analfabetos, mas daí eles já
querem humilhar, já querem rebaixar (LAÍS, 2011,p. 03). [grifo
nosso]
Entender a organização de uma hierarquia fabril não apenas enquanto
aspectos técnicos permite perceber uma dimensão do conflito de classes. Para
estes trabalhadores que agora se empregam nos frigoríficos do Oeste
paranaense trabalhar nestas indústrias significou vivenciar a disciplina
industrial como uma pressão sobre antigos hábitos e ritmos que orientavam o
trabalho e a vida. Esse é um processo atravessado de contradições. Muitas
destas contradições se expressam no cotidiano da fábrica na forma de conflitos
entre os operários e seus chefes, ou então em conflitos entre os próprios
operários.
Para os trabalhadores que vivenciam o trabalho nessas indústrias as
referências que têm caracterizado este setor são as extenuantes jornadas de
trabalho, as dores, o cansaço e os baixos salários, que se desmancham em
descontos. Analisando as entrevistas que realizamos ao longo de nossas
pesquisas, podemos perceber uma contradição entre o discurso positivo do
trabalho nos frigoríficos e a experiência dos trabalhadores ali ocupados. Sob
muitos aspectos, essa contradição aparece nas falas dos trabalhadores como
um sentimento de frustração.
Esse sentimento de frustração nos parece fruto de uma experiência
compartilhada em comum por estes trabalhadores empregados nos frigoríficos
do Oeste do Paraná. Entendemos essa experiência como uma experiência de
classe. A trajetória de Rafaela, a nosso ver, expressa muito desse sentimento.
Filha de trabalhadores, Rafaela nasceu e cresceu em Marechal Cândido
Rondon. Casada e mãe de uma filha pequena, Rafaela vislumbrou no frigorífico
de aves da Copagril, em Marechal Cândido Rondon/PR uma possibilidade de
estabilidade, e, quem sabe, até “crescer na empresa”. Mas essa expectativa se
desmanchou em sessenta dias. Dois meses. Esse foi o tempo necessário para
que Rafaela abandonasse o frigorífico da Copagril.
Nesse intervalo de tempo relativamente curto sua experiência do
trabalho industrial condensa muitos elementos da degradação do trabalho nas
indústrias alimentícias. Ao longo de sua entrevista Rafaela nos contou sobre a
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velocidade da linha de produção, o controle e a pressão exercido pela empresa
sobre trabalhadoras e trabalhadores como ela, e tudo isso para ao final de
cada mês receber um salário que se minguava rapidamente, seja pelos
descontos já feitos na folha ou pelos gastos com os remédios, que agora
passavam a fazer parte do seu cotidiano para aliviar a tensão do trabalho. A
experiência vivida por Rafaela narra o trabalho nas indústrias em marcos
diferentes do que o “desenvolvimento”
RAFAELA: (...) me colocaram numa sala que eles chamam de
resfriamento de miúdos. É não sei quantos graus abaixo de
zero. E daí é o dia inteiro você mexendo com miúdos, com
fígado, moelas, com tudo esses negócios. E eu passava muito
mal, porque é muito sujo, sabe? Imagina você estar num lugar
com aquele monte de gente, aquele monte de coisas, aquele
monte de sangue. É meio tortura. Você acaba ficando meio
esquizofrênico de ver aquela gente toda suja de sangue.
Aquele frio, se você não está acostumado é um choque bem
grande (RAFAELA, 2012, p.02). [grifo nosso]
Nos Manuscritos econômico-filosóficos, Marx discutiu com profundidade
a relação entre trabalho estranhado e propriedade privada, principalmente no
que diz respeito a sociedade capitalista industrial. Analisar a narrativa de
Rafaela nos lembra da atualidade que a reflexão proposta por Marx tem para
compreendermos historicamente a experiência desta jovem classe operária
ligada ao setor alimentício.
Para Rafaela, trabalhar no frigorífico é sinônimo de cansaço. Nas horas
que passam no frigorífico, fechados em um lugar que se assemelha a uma
prisão e ao som monótono da linha de produção, os trabalhadores têm suas
forças sugadas, minuto a minuto, segundo a segundo. O fim da jornada de
trabalho dá aos operários a sensação de liberdade, mas nem sempre devolve a
eles a energia e o vigor que deveriam acompanhar esta sensação. Ao fim do
dia é o esgotamento físico e mental que resta.
O cansaço invade e redefine as sociabilidades de trabalhadores e
trabalhadoras. Torna-se difícil acompanhar com o interesse de antes as
conversas com os amigos. O cansaço insiste em lembrar que é necessário
dormir. “Você sempre está cochilando. Você não tem mais vida fora”. Nessas
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condições, também não é fácil demonstrar o afeto, a atenção e o carinho que
exige a relação de um casal. O cansaço continua a insistir em lembrar ao corpo
e a mente que é necessário dormir. “Porque só quer dormir, só quer dormir, só
quer dormir”.
Mesmo fora do frigorífico, nem sempre é possível esquecer aquele
trabalho. Cada minuto fora é um minuto para ser saboreado com alívio. Porém,
não é possível parar o relógio, impedir que o tempo passe. A sensação de
alívio é passageira, pois para estes trabalhadores não há outra opção a não ser
retornar ao frigorífico no dia seguinte. É por isso que a passagem do tempo
toma contornos dramáticos. “Ai chega no domingo e você já está com aquela
pressão, ‘meu, eu tenho que dormir porque amanhã eu tenho que trabalhar!
Meu, eu tenho que dormir porque amanhã eu tenho que trabalhar!’”. Cansaço é
sinônimo de afronta, esgotamento, extenuação e fadiga. Mas também pode ser
utilizado para traduzir o aborrecimento e o tédio de uma situação. A fala dos
trabalhadores expressa justamente isso: o aborrecimento e o tédio de uma
rotina que se repete dia após dia, semana após semana. Ao alívio do fim do dia
ou da chegada do final de semana sucede a angústia de saber que será
necessário retornar no dia seguinte.
Neste sentido, o estranhamento de Rafaela não é apenas com o
trabalho, com a ação exercida por ela dentro do espaço físico do frigorífico. Ele
é um estranhamento de si própria, enquanto trabalhadora, com o processo de
industrialização e as transformações em sua vida que ele mobilizou.
GUILHERME: E, assim, Rafaela, o que é que vocês faziam nos
finais de semana? Você falou que se esgotava praticamente
durante a semana. Tinha alguma coisa que vocês faziam?
RAFAELA: Então, daí, assim, com o que você ganha você não
tem condições de pagar uma pessoa para te ajudar. Então
você tem que colocar as coisas em ordem, lavar as roupas da
semana, fazer as coisas da casa, porque se não você não tem
tempo durante a semana. Você não aguenta às vezes. Você
chega em casa de noite você tá tão moído que nem para abrir
a máquina e colocar a roupa dentro você não tem vontade de
fazer. É tão cansativo que tinha vezes que parecia que até
chegava a doer o olho quando chorava de raiva. E daí no meu
caso que começou a inchar tudo, tava com os olhos inchados,
e começando a ficar meio depressiva assim, então, eu não
tinha vontade de nada.
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GUILHERME: Você começou a ter problemas de depressão?
(RAFAELA, 2013, p.06).
É dessa forma que Rafaela, expressando o estranhamento de si mesma
neste processo, expressa muito também de uma experiência que não é apenas
individual, mas antes uma realidade vivida coletivamente pelos trabalhadores
empregados nos frigoríficos do Oeste do Paraná. Sua experiência da
industrialização não pode ser traduzida numa via de mão única rumo ao
desenvolvimento. O trabalho industrial pressionou e redimensionou sua vida
para além dos muros do frigorífico. Sua experiência enquanto trabalhadora da
Copagril informou diretamente mudanças em outras relações de sua vida.
Quando tomamos como referencial de análise do processo de
industrialização recente no Oeste paranaense a experiência dos trabalhadores,
vislumbramos em vez de um “desenvolvimento econômico” unívoco, um
processo perpassado por contradições. As conseqüências na saúde causadas
por esta forma de organização do trabalho, quando já não são explícitas como
em acidentes de trabalho onde o trabalhador tem membros amputados por
maquinários no local de trabalho, são profundas em longo prazo e chegam a
persistir por toda uma vida. As dores nas articulações, coluna, braços e pernas
são os prêmios oferecidos pelos frigoríficos, fábricas de biscoitos e outras
indústrias do setor alimentício em troca do esforço dos trabalhadores em
alcançarem as metas de produtividade. A perspectiva que é oferecida a estes
trabalhadores, mas também as próximas gerações da juventude são de um
futuro onde o passado nos frigoríficos nem sempre pode deixar de ser sentido
e a todo o momento relembrado nas dores. É em estrita relação com esse
trabalho, em meio a este processo de luta de classes, que a jovem classe
operária empregada nestas indústrias tem construído e articulado expectativas
e desilusões sobre esse processo de industrialização recente.
De certa forma, todas as cidades são influenciadas por esse conjunto
econômico. Algumas cidades são atingidas mais especificamente, mas
conforme mencionado, toda região é modificada para que as cooperativas
agroindustriais se estabeleçam.
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EUGÊNIA: Eu trabalhei no cone, né? Trabalhei durante uns
três anos no cone. Daí passei pelo médico lá né? Adiantaram
eu pra passar pelo médico por causa da dor no meu braço. Daí
eles ia trocando. Ai ponharam eu lá na asa, pra trabalhar na
asa. Daí lá tinha bastante serviço assim diferente tipo diferente
serviço, tinha classificar, de pesar, aí lá na roda de cortar asa
né? Em três pedaços... que mais... ai tinha também as
pontinhas da asa que a gente pesava. Era de cinco quilo. Era
isso ai. Ai eu ficava fazendo isso. Aí trabalhei lá e começou a
doer mais meu braço ainda. Trabalhando naquela rota. Ai fui no
médico de novo. Ai eles me tiraram da roda, e comecei a
trabalhar só mais pra baixo assim né, na classificação e
pesando lá assim...(EUGÊNIA,2012, p.7)
Eugênia trabalhou na Cvale durante cinco anos e dois meses. Ela faz
parte da primeira remessa de trabalhadores guairenses que a partir de 2007
começaram a trabalhar no frigorífico em Palotina. Quando foi entrevistada ficou
perceptível que havia algo de estranho com seu braço direito, pois, não o
mexia facilmente. De todas as pessoas das quais entrevistei, Eugênia foi a que
menos falou acerca de sua experiência no frigorífico. Era perceptível seu
desconforto mesmo tendo aceitado conceder a entrevista. Inicialmente, não
consegui perceber a razão disso, mas no decorrer da entrevista, através de sua
fala, compreendi que a falta de movimentos em seu braço derivaram dos
inúmeros esforços na linha de produção e isso simbolizava um desânimo
perante a sua vida e isso não era tão fácil de ser exposto.
Quando ela afirma que sentia a dor mesmo mudando de setores na linha
de produção, podemos nos questionar: Como continuou trabalhando, mesmo
sentindo dor? Realmente é algo inexplicável se não acompanharmos de perto o
que significa este trabalho no frigorífico. Saber como se organiza uma linha de
produção significa compreender quais as relações de trabalho e o que cada um
destes trabalhadores carrega consigo, como experiência. Eugênia, por
exemplo, sonhava e esperava ansiosamente em conseguir um emprego com
carteira assinada do qual tivesse estabilidade, seja para comprar uma casa,
para pagar suas contas no final do mês ou simplesmente para tentar
sobreviver. Quando foi até o SINE e logo na entrada, se deparou com um
cartaz enorme colado na porta da frente contendo os inúmeros “benefícios” em
trabalhar no frigorífico, sua reação foi a de preencher logo a ficha de inscrição e
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tentar conseguir algo do qual ela pudesse orgulhar-se em dizer: “este é o meu
trabalho!”.
Através disso, fica evidente o apelo feito pelos frigoríficos em busca de
trabalhadores, e como há vínculo com as próprias prefeituras que se utilizando
de espaços públicos, divulgam e persuadem aquelas pessoas que há tempos
estão sem emprego. Imaginemos uma pessoa da qual está cerca de seis
meses sem trabalhar, e que necessita sustentar sua família; ao chegar no SINE
ver um cartaz do qual o funcionário aparenta estar feliz por estar trabalhando
no frigorífico e no qual parece afirmar que realmente todas aqueles benefícios
ali informados são reais, a primeira ação é essa: almejar ir trabalhar no
frigorífico.
REFERÊNCIAS
ENTREVISTAS
Angela (48 anos) trabalhadora do frigorífico da Cvale (Palotina) foi entrevista no
dia 14 de Abril de 2012 na cidade de Guaíra-PR por Joselene Ieda de
Carvalho.
Estácio(28 anos) trabalhador do frigorífico da Cvale (Palotina) foi entrevistado
no dia 20 de Maio de 2012. Na cidade de Guaíra-Pr por Joselene Ieda de
Carvalho.
Eugênia (36 anos), trabalhadora do frigorífico da Cvale (Palotina) foi
entrevistada no dia 20 de Maio de 2012. Na cidade de Guaíra-Pr por Joselene
Ieda de Carvalho.
Laís (26 anos) trabalhadora do frigorífico da Copagril (Marechal Cândido
Rondon). Foi entrevistada em fevereiro de 2011 na cidade de Marechal
Cândido Rondon por Guilherme Dotti Grando e Fagner Guglielmi Pereira.
Rafaela (35 anos) trabalhadora do frigorífico da Copagril (Marechal Cândido
Rondon). Foi entrevistada em dezembro de 2012 na cidade de Marechal
Cândido Rondon por Guilherme Dotti Grando.
BIBLIOGRAFIA
MARX, Karl. Divisão do Trabalho e Manufatura. In: O Capital: crítica da
economia política. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985. Volume I.
MARX, Karl., ENGELS, Fredrich. Manifesto do Partido Comunista. São
Paulo, SP: Global, 1986.
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MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo,
2004.
THOMPSON, Edward P. Costumes em comum: estudos sobre a cultura
popular tradicional. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1998
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E.P. THOMPSON E AS GREVES: CLASSE E EXPERIÊNCIA NA
LUTA POR DIREITOS EM PORTO ALEGRE (1929)
Guilherme Machado Nunes (UFRGS)
[email protected]
RESUMO:
Este trabalho pretende discutir como conceitos-chave do pensamento de E.P.
Thompson podem ajudar para estudar as greves da classe trabalhadora. O
estudo tem como eixo principal um estudo de caso: uma greve ocorrida em
janeiro de 1929, em Porto Alegre. Tendo o setor têxtil do operariado fabril como
protagonista, essa greve tinha como única reivindicação o cumprimento da Lei
de Férias, aprovada em 1925 e descumprida sistematicamente por todo o
patronato brasileiro.
Apesar de curta (dois dias), a greve é ilustrativa de um novo momento de luta e
organização da classe trabalhadora no Rio Grande do Sul, em que além de
reivindicar novas melhorias de vida e de trabalho, passou a se organizar em
torno de leis já existentes, tentando garantir o seu cumprimento.
A partir das noções de classe, experiência e domínios da lei, pretende-se
compreender melhor esse fenômeno específico e fazer reflexões mais gerais
sobre o estudo de greves.
Palavras-chave: Lei de Férias, Greve, Porto Alegre
Ao estudar os movimentos populares e as culturas plebeias na Inglaterra
entre os séculos XVIII e XIX, E. P. Thompson legou à história social um enorme
arcabouço teórico, não apenas restrito àquela localidade e àquele período, mas
capaz de fornecer pistas para compreender diversos movimentos sociais em
diferentes épocas e lugares. Analisar como as populações subalternas vivem e
como tentam encontrar brechas nas estruturas para garantir melhorias
materiais ou a manutenção de algum costume ameaçado
35
não só
impulsionaram (e impulsionam) novos estudos sobre as camadas populares –
e, no Brasil, mais especificamente sobre o trabalho escravo e livre -, mas
contribuem para pensar a clássica questão sobre a tensão entre sujeito e
estrutura na história. O que este artigo propõe é explorar as potencialidades de
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
35
Ver THOMPSON, E. P. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras,
1998.
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alguns conceitos do historiador inglês, especialmente o seu uso para o estudo
de greves, a partir de um evento específico: uma greve protagonizada por
operários e operárias ocorrida em Porto Alegre, em janeiro 1929
1. A GREVE DE JANEIRO DE 1929
Em uma manhã de sexta-feira, em Porto Alegre, os jornais de grande
circulação anunciavam, com certa surpresa, que mais de mil operários da
capital entravam em greve devido ao não cumprimento da Lei de Férias.36
Editada em 1925 e vigorando desde 1926, a referida lei previa quinze dias de
férias remuneradas aos comerciários e empregados da indústria. No bojo
desse novo momento 37 de intervenção do Estado no mundo privado do
trabalho, Fortes afirma que
Este pode ser considerado, na verdade, o primeiro benefício
trabalhista geral estabelecido no Brasil e, juntamente com o
Código de Menores e a Lei de Acidentes de Trabalho, deu
início a uma nova fase na regulamentação das relações de
trabalho no país, já prenunciada pela criação do Conselho
Nacional do Trabalho (CNT) em 1923.38
O movimento grevista teve início na Fábrica de Móveis Gerdau, mas
todas as demais indústrias que aderiram à parede pertenciam ao ramo têxtil.
Partindo da Rua Voluntários da Pátria, no centro da cidade, dezenas de
trabalhadores e trabalhadoras saíram batendo de porta em porta, de
estabelecimento em estabelecimento, recrutando mais pessoas para aderir à
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
36
Correio do Povo, Porto Alegre, 12/01/1929, p. 3.
37
Sobre o processo de implementação das leis trabalhistas ao longo dos anos 1920, ver
SOUZA, Samuel Fernando de. “Coagidos ou Subornados”: trabalhadores, sindicatos, Estado e
as leis do trabalho nos anos 1930. Tese (Doutorado em História) – Unicamp, Campinas, 2007;
e LIMA, Marcos Alberto Horta. Legislação e Trabalho em Controvérsias Historiográficas: o
projeto político dos industriais brasileiros. Tese (Doutorado em História) – Unicamp, Campinas,
2005.
38
FORTES, Alexandre. Férias pra quê? Revista de História, 12/09/2007. Disponível em:
http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/ferias-para-que. Acesso em: 06 jun. 2013.
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greve. O grupo grevista chegou até o 4º Distrito, bairro industrial da capital
gaúcha, onde o movimento atingiu seu apogeu.39
Entrevistados pelos jornais gaúchos, o argumento dos patrões era
sempre o mesmo, exemplificado a seguir pela fala de Walter Gerdau:
De facto fora ele [Walter Gerdau] procurado por um grupo de
operários que lhe manifestaram [sic] o desejo de gozar dos
benefícios oferecidos pela lei de férias.
E embora achando de justiça essa pretensão, ponderou a seus
subordinados que a inexistência da acção fiscalizadora do
poder federal, a insegurança de ver esse acto seguido pelas
demais firmas concorrentes, tornavam, no momento,
impraticável a concessão solicitada.40
Ou seja, se dessem férias a seus empregados, poderiam ter a sua
produção diminuída em relação a outras indústrias do país. Enfim, a falta de
fiscalização por parte do CNT em praticamente todos os estados, à exceção da
Capital Federal, era apontada frequentemente por empresários e pela
imprensa, que não poupavam críticas ao governo central.
A fala orquestrada da burguesia industrial e as edições seguintes do
jornal Diário de Notícias mostram que essa greve não foi tão surpreendente e
espontânea assim: diversas reclamações já haviam sido feitas anteriormente
por operários e comerciários à delegacia fiscal.41 Na fábrica Gerdau, onde a
greve teve início, 15 dias antes do estouro da parede um grupo já havia feito
uma reclamação com a direção da fábrica, e na terça-feira, dia 9 de janeiro,
tinha dado um ultimato à empresa.42 Na fábrica A. J. Renner, reclamações já
haviam sido realizadas com o patronato: “O movimento já havia tido, nesse
estabelecimento, o seu princípio, limitando-se aos procedimentos junto ao
Conselho Nacional do Trabalho e perante o juizado districtal, onde foi
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
39
Até mesmo a Renner, indústria têxtil conhecida pelo baixo número de trabalhadores/as
que aderiam a greves devido às suas melhores condições de trabalho e opções de lazer (ver
REICHEL, Heloisa Jochims. As indústrias Renner no contexto do bairro Navegantes. In:
Ciência e cultura. Suplemento. São Paulo Vol. 42, n. 7, 1990), teve 420 de um total de 600
operários/as participando do movimento (cf. Correio do Povo, Porto Alegre, 13/01/1929, p. 4).
40
Correio do Povo, Porto Alegre, 12/01/1929, p. 4.
41
Não foi encontrado o órgão que detém tais arquivos. Uma hipótese para que esse
órgão recebesse as reclamações é o fato de que era uma instituição central, localizado na
Praça da Alfândega, e um dos poucos órgãos federais a que os trabalhadores tinham acesso
em Porto Alegre.
42
Correio do Povo, Porto Alegre, 09/01/1929, p. 4.
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apresentado um protesto.” No protesto, os trabalhadores reclamavam que
sequer o instrumento de controle de férias havia sido fornecido:
Diversos operários da fábrica A. J. Renner & Cia, ingressara,
no dia 31 de dezembro último, em juízo, com um protesto
contra a attitude daquella firma, no que diz respeito á
concessão de férias.
Allegaram que elles na respectiva petição que a referida firma
lhes cassára as cadernetas relativas ás férias negando-se
também a conceder-lhes estas.
Affirmaram mais os signatarios do protesto que a referida firma
os ameaçava, caso persistissem no seu pedido de férias, com
o augmento de uma hora de trabalho diário, como castigo, ou,
então, demittil-os do emprego.43
Pinheiro Machado, então advogado de vários operários da Renner,
entrou em cena e enviou telegrama ao CNT pedindo esclarecimentos e
providências:
O sr. José Pinheiro Machado, como advogado de diversos
operários da firma A. J. Renner e Cia., dirigiu-se em
telegramma, ao Conselho Nacional do Trabalho, no Rio de
Janeiro, solicitando providência sobre o assumpto.
Em resposta foi-lhe communicado, ante-hontem [10/01/1929],
que aquelle Conselho tomaria providências, intimando as
fábricas,
mediante
requerimento
dos
interessados,
acompanhados dos documentos legaes, a conceder as
férias.44
Ao perceberem que suas reclamações não eram atendidas e que as
justificativas,
as
atribuições
e
as
responsabilidades
legais
eram
constantemente empurradas de uma instituição para outra, um grupo se
declarou em greve.
A greve, porém, apesar de numerosa, durou apenas dois dias. Tamanha
efemeridade se deve à atuação do então Presidente de Estado, Getúlio
Vargas, que no mesmo dia enviou o Secretário de Estado, Oswaldo Aranha,
para negociar com o grupo grevista. Na tarde do segundo dia de greve, 13 de
janeiro - um sábado -, em reunião na praça Navegantes envolvendo Oswaldo
Aranha, Pinheiro Machado e os demais operários, a greve se deu por
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
43
44
Diário de Notícias, Porto Alegre, 12/01/1929, p. 8 e 9.
Ibidem.
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encerrada. Os operários Amílcar e Carlos Ferrari, porém, alertavam que de
nada adiantaria acreditar nas promessas do governo, pois seriam “meras
ilusões”,45 mas acabaram voto vencidos.
2. AS PECULIARIDADES DE UMA GREVE
Compreender essa greve, em um primeiro momento, parece tarefa das
mais árduas quando nos deparamos com as seguintes questões: como explicar
tamanha adesão e protagonismo de um setor que sequer possuía um sindicato
organizado desde o começo dos anos 1920?46 Como explicar uma greve antes
de 1930 cuja participação de grupos anarquistas e comunistas foi nula?47 E por
que esse poder mobilizador em torno de uma lei que sequer compunha a pauta
do movimento operário brasileiro?48
É nesse momento que as contribuições teóricas de Thompson podem
fornecer algumas chaves explicativas para esse e outros eventos similares.
Levar em consideração as múltiplas experiências para a constituição dessa
classe é algo fundamental. Ao resgatar o papel da “experiência humana”, o
historiador inglês reivindicou que homens e mulheres retornassem como
sujeitos, embora
não como sujeitos autônomos, "indivíduos livres", mas como
pessoas que experimentam suas situações e relações
produtivas determinadas como necessidades e interesses e
como antagonismos, e em seguida "tratam" essa experiencia
em sua consciência e sua cultura [...] das mais complexas
maneiras (sim, "relativamente autônomas") e em seguida
(muitas vezes, mas nem sempre, através das estruturas de
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
45
Correio do Povo, Porto Alegre, 15/01/1929, p. 5.
46
Essa afirmação é embasada em uma longa prospecção de fontes e corroborada por
MARÇAL, João Batista. Primeiras lutas operárias no RGS: origens do sindicalismo riograndense. Porto Alegre: Globo, 1985.
47
Essa conclusão pode ser melhor argumentada em NUNES, G.M. A questão da lei de
férias agita o operariado porto-alegrense: a greve de janeiro de 1929 e as relações entre
trabalhadores, patrões e governo gaúcho (1925-1929). Trabalho de Conclusão de Concurso
(Licenciatura em História) – UFRGS, Porto Alegre, 2013.
48
Analisando os trabalhos clássicos e também os mais recentes que tratam das grandes
greves brasileiras durante a Primeira República, percebe-se que a maioria das pautas tratavam
da jornada de trabalho, salários e eventualmente alguma outra pauta específica, mas nunca
férias. Ver NUNES, Op. cit.
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classe resultantes) agem, por sua vez, sobre sua situação
determinada.49
Nesse sentido, o fato de a grande maioria das fábricas se localizarem
nos arrabaldes de São João e Navegantes é um importante indício das
condições de vida e de trabalho e de como esses trabalhadores e essas
trabalhadoras
viviam.
Nesta
perspectiva,
pode-se
afirmar
que
as
consequências da alienação dos meios de produção não se encerravam ao
final do expediente, e as incertezas e obstáculos se faziam presentes
diariamente na vida dessas pessoas. Esses dois arrabaldes compunham o 4º
Distrito, bairro afastado do centro da cidade e com diversos problemas de
habitação e transporte, como evidenciavam frequentemente os jornais. Por
exemplo:
Moradores da rua Visconde Mauá communicaram-nos hontem,
que depois das 10 horas ficaram privados do fornecimento
d'água.
Não possuindo as casas, ali, depositos para guardar o precioso
líquido, fácil é de imaginar as difficuldades com lutaram,
mórmente num dia quente como o de hontem.50
O jornal Diário de Notícias possuía uma sessão chamada Caixa Urbana,
onde a população fazia reclamações de problemas da sua região. Era muito
comum encontrar reclamações de moradores e moradoras de Navegantes e
São João referentes não só à falta de água, mas também à de iluminação
pública, alagamentos e precariedade ou mesmo falta de transporte público.51 O
não cumprimento de um direito pode ter sido a gota d'água diante desse
quadro de insatisfação e carências, pois, como se não bastassem as péssimas
condições de moradia, de transporte e de trabalho – sendo esse último de
responsabilidade direta do patrão -, operários e operárias se viam, ainda por
cima, privados do direito de tirar férias.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
49
THOMPSON, E. P. A Miséria da Teoria ou um Planetário de erros. Rio de Janeiro:
Zahar, 1981, p. 182.
50
Correio do Povo, Porto Alegre, 13/01/1929.
51
Ver FORTES, Alexandre. Nós do Quarto Distrito: a classe trabalhadora porto-alegrense
na Era Vargas. Caxias do Sul, Educs; Rio de Janeiro: Garamond, 2004, especialmente o
capítulo 1: Uma cidade dentro da cidade.
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Outra noção que nos ajuda a compreender esse movimento é a
percepção classista da sociedade que pode ter se desenvolvido ao longo
desses anos – vale lembrar que o CNT, criado em 1923, era composto por 8
membros do governo, 2 do patronato e 2 da classe trabalhadora, o que já pode
ter ajudado a construir essa noção (ou, ao menos, torná-la mais concreta), ao
colocar frente a frente em uma comissão dois grupos de interesses
antagônicos. Contudo, apenas posicionar patrões e empregados em um
mesmo órgão não faz com que instantaneamente aflore uma consciência de
classe. Segundo Thompson,
As classes não existem como entidades separadas que olham
ao redor, acham um inimigo de classe e partem para a batalha.
Ao contrário, para mim, as pessoas se vêem numa sociedade
estruturada de um certo modo (por meio de relações de
produção fundamentalmente), suportam a exploração (ou
buscam manter poder sobre os explorados), identificam os nós
dos interesses antagônicos, debatem-se em torno desses
mesmos nós e, no curso de tal processo de luta, descobrem a
si mesmos como uma classe, vindo, pois, a fazer a descoberta
da sua consciência de classe.52
Trabalhadoras e trabalhadores se viam alijados de seu benefício legal e
percebiam que essa situação se estendia ao operariado das demais fábricas,
se unindo um grupo em torno de uma causa – a partir de então, a lei de férias
não mais saiu da pauta de reivindicações do setor têxtil do movimento operário
porto-alegrense.53 Como dito anteriormente, a maioria das fábricas estava
localizada no 4º Distrito de Porto Alegre, e é possível então que muitas dessas
pessoas fossem vizinhas e soubessem o que os demais colegas viviam
cotidianamente. Mesmo se de fato quem não fosse insubstituível pudesse sair
de férias - alegação corriqueira entre os patrões na hora de justificar o não
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
52
THOMPSON, Edward Palmer. Algumas observações sobre classe e “falsa
consciência”. In: As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas, SP: Ed. Unicamp,
2001. p. 274.
53
Aliás, exatamente 6 anos depois, no dia 11 de janeiro de 1935, os operários das
fábricas de tecidos de Porto Alegre entraram em greve exigindo maiores salários, salários
iguais para homens e mulheres, sábado inglês e o cumprimento da lei de férias. Dessa vez,
quem convocou a greve foi o sindicato, que era comandado pelo PCB. (FORTES, Alexandre.
Revendo a legalização dos sindicatos metalúrgicos de Porto Alegre (1931 – 1945). In:
FORTES, Alexandre... [et al]. Na Luta Por Direitos: estudos recentes em história social do
trabalho. Campinas: Editora da Unicamp, 1999, p. 32).
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cumprimento da lei -, é a situação de um ponto de vista classista e a possível
percepção da luta de classes que mobilizou tantas pessoas em torno do
cumprimento de uma lei que beneficiaria a classe trabalhadora como um todo,
e não apenas alguns.
A continuidade da experiência grevista para a constituição da classe (e
para novas formas de lutar por direitos, como veremos mais adiante) se torna
evidente ao analisarmos os acontecimentos subsequentes. O setor têxtil se
reorganizou de tal maneira que apenas dois meses depois entrou novamente
em greve, dessas vez em conjunto 54 com o Sindicato Padeiral. Não é
coincidência que o protagonismo seja novamente de trabalhadores e
trabalhadoras das fábricas Renner, Fiação e Tecidos e Rio Guahyba
(sucessora da F. G. Bier), todas diretamente envolvidas na greve de janeiro.
Recebida “com a maior estranheza”, a greve dos operários fabris
reivindicava maiores salários e a jornada de 8 horas diárias de trabalho em um
momento de “harmonia aparente, que voltava a reinar entre patrões e
operários.”55 Em seguida, declarou-se em greve a classe dos padeiros.
O início do movimento foi narrado assim pelo Correio do Povo:
Em nossas indagações apuramos que os operários das
fábricas de tecidos A. J. Renner e Cia. Fiação e Tecidos Rio
Guahyba, de comum acordo, há cerca de mais de um mês,
tinham, silenciosamente, entrado em combinação para
conseguirem de seus patrões, com o auxílio do Estado,
aumento de salários e outras vantagens que julgavam
oportunas. (grifo meu)56
De imediato, ao menos duas questões saltam aos olhos: a articulação
conjunta do operariado têxtil e a crença de que o Estado (referindo-se ao Rio
Grande do Sul, não ao Brasil) poderia auxiliar na luta. Na greve de janeiro,
operários da Renner organizaram-se entre si para realizar uma série de
reclamações em relação ao não cumprimento da Lei de Férias - assim como
outras fábricas também tiveram trabalhadores reclamando diretamente com os
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
54
O Sindicato Padeiral declarou ao Correio do Povo (09/03/1929) que a simultaneidade
das greves foi coincidência, mas ao longo da parede, um movimento fortaleceu o outro.
55
Correio do Povo, Porto Alegre, 09/03/1929, p. 8.
56
Idem, p. 10.
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patrões - até que uma fábrica paralisou suas atividades e saiu convocando as
demais. Dessa vez podemos perceber uma articulação conjunta prévia entre
duas fábricas (e menos de um mês depois do término da greve de janeiro).
Desejar o auxílio estatal também é bastante significativo. O fato de a greve ter
proporcionado uma interlocução direta entre operariado e Estado não pode ser
desprezado, pois, ao que tudo indica, tal diálogo teve papel fundamental para
que os trabalhadores – ao menos do setor têxtil – passassem a enxergar no
Estado mais um canal de reivindicação. O trecho a seguir é bastante ilustrativo:
Firme no seu propósito, um grupo de operários da Fábrica
Renner, onde se gerou a ideia desse movimento, há cerca de
duas semanas, mais ou menos, dirigiu-se ao Dr. OSWALDO
ARANHA, secretário do Interior, e, depois de explicar as
pretensões de sua classe, pediu que o governo do Estado, por
intermédio daquele seu auxiliar, interviesse junto aos industriais
para conseguir o que eles pleiteavam.57
Dirigir-se
diretamente
a
Oswaldo
Aranha
também
é
bastante
significativo. Aranha foi o interlocutor direto no movimento de janeiro,
responsável pelo discurso que encerrou a greve, onde garantiu que Vargas
resolveria a questão. Mais uma vez, o referido líder político demonstrou “a
maior solicitude e boa vontade”, prometeu que faria “tudo que estivesse ao seu
alcance em benefício dessa numerosa classe”. Ou seja, novamente mostrou-se
aberto ao diálogo, e de fato foi conversar com os industriais no dia seguinte:
Os industriais declararam, em conferência com o dr. Oswaldo
Aranha, que não achavam sem fundamento o pedido de
aumento de salário dos operários, mas necessitavam de um
prazo para se pronunciar, a fim de conciliar os seus interesses
com os dos seus empregados.58
Segundo o Correio do Povo, no dia 7 de março, dia em que Oswaldo
Aranha pediu para que os trabalhadores voltassem a procurá-lo, foi declarada a
greve nas três fábricas:
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
57
58
Ibidem.
Ibidem.
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Recebendo essa notícia desagradavelmente, o secretário do
Interior achou inoportuna a atitude dos tecelões, declarandolhes que, por esse motivo, se via obrigado a não mais tratar do
assunto, como secretário de Estado, embora continuasse a
procurar pessoalmente a solucionar o caso.59
Essa atitude de Aranha exemplifica como o governo via a questão
social. Os conflitos deveriam ser todos contornados, buscando-se sempre uma
conciliação de classes – o que viria a ser a base da política trabalhista de
Vargas a partir dos anos 1930.
Por fim, sem aprofundarmo-nos ainda mais nessa greve e no seu
desfecho,60 é interessante perceber como, ao que tudo indica, o sindicato da
categoria não foi quem organizou o movimento, diferentemente do que
aconteceu com a paralisação dos padeiros, organizada por sua entidade de
classe. Apenas depois dessas duas paredes (ocorridas em janeiro e março) é
que o setor passou a se reorganizar em um sindicato.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os anos 1920 no Brasil foram de transformação nas relações privadas
do mundo do trabalho. O Estado enfim passava a intervir diretamente,
legislando a fim de garantir um melhor desenvolvimento do capitalismo no
Brasil. A classe trabalhadora não estava alheia a esse processo. Os
anarquistas, por um lado, não acreditavam nas leis de regulamentação e
reivindicavam que o operariado seguisse na luta e não se deixasse enganar
por leis filantrópicas. O jornal operário o Syndicalista de outubro de 1925, por
exemplo, relata o 3º Congresso Operário Regional, realizado um mês antes, e
a grande bandeira defendida pela FORGS eram as 44 horas semanais, não
havia qualquer menção à Lei de Férias, por exemplo.61 Já estavam em vigor a
lei de acidentes de trabalho e o CNT, mas a FORGS não fazia menção à lei e
nem ao órgão.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
59
60
61
Idem, p. 11.
Mais uma vez Oswaldo Aranha resolveu o conflito, que dessa vez durou uma semana.
O Syndicalista, Porto Alegre, 31/10/1925, p.2.
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Por outro lado, houve uma grande parcela do operariado que percebeu a
regulamentação e até mesmo a judicialização das relações de trabalho como
uma oportunidade de conquistar melhorias significativas nas condições de
trabalho e de vida de uma maneira geral. Se o CNT pode ser interpretado como
uma grande ferramenta de atuação do empresariado no âmbito legislativo, em
um primeiro momento, Souza62 mostra que, ao assumir caráter arbitral, o órgão
assegurou algumas conquistas para a classe trabalhadora. Por pressão dos
trabalhadores 63 – sobretudo dos ferroviários pelo cumprimento da lei Eloy
Chaves64 -, o CNT teve o seu caráter alterado, passando a julgar casos entre
patrões e empregados. Segundo Souza,
Os processos julgados pelo CNT, em quantidade razoável,
tinham soluções favoráveis aos trabalhadores. Durante uma
única sessão no ano de 1930 (217ª sessão) 91 processos,
iniciados nos anos de 1928 e 1929, foram julgados. Destes, 49
processos condenaram a empresa ao pagamento da
indenização, apenas 7 não tiveram o direito reconhecido pelo
CNT, os demais aplicaram multas à empresa, deram prazo
para pagamento da indenização, ou exigiram mais provas. De
certa maneira, a reclamação judicial era um caminho
interessante para fazer valer determinados direitos que não
fugiam ao conhecimento dos trabalhadores […].65
A lei, apesar de poder ser encarada como um instrumento de
dominação, pode também ser encarada como algo que media as relações de
classe de forma legal, impondo sim algumas restrições aos dominantes e ao
próprio Estado – e isso foi percebido pelos trabalhadores, que vislumbraram
nesse campo legal mais um campo de lutas, procurando as brechas para a sua
atuação em prol de suas causas.66 Os domínios da lei não eram – e não são –
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
62
SOUZA, Samuel Fernando de. “Coagidos ou Subornados”: trabalhadores, sindicatos,
Estado e as leis do trabalho nos anos 1930. Tese (Doutorado em História) – Unicamp,
Campinas, 2007.
63
Ibidem., ver capítulo 3.
64
A lei previa uma caixa de aposentadoria e pensões para esses trabalhadores, além de
estabilidade para quem tivesse mais de dez anos de serviço. Decreto-lei nº 4.682 de
24/01/1923. Disponível em <http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/23/1923/4682.htm>.
Acessado em: 19 out. 2013.
65
SOUZA, Op. cit., p. 218.
66
Ver THOMPSON, Edward Palmer. Senhores e Caçadores: a origem da lei negra. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
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estáticos, e a classe trabalhadora percebeu que o seu alcance estava em
disputa – mas era preciso organizar-se para tal.
Portanto, a greve foi um episódio que expressa as tensões do período
em torno da questão social – e aqui, especificamente da Lei de Férias. A
segunda metade dos anos 1920 no Brasil foi um período de profundas
transformações. O Estado legislava cada vez mais sobre o mundo privado do
trabalho, gerando reações por parte da classe trabalhadora e da burguesia
industrial. Se, por um lado, podemos entender o conjunto de leis aprovadas
entre 1919 e 1926 como uma tentativa do governo de desmobilizar o
movimento operário – e essa foi a percepção dos grupos anarquistas, por
exemplo –, a relação que os mais diversos setores e grupos passaram a ter
com a lei foi modificada, e em alguns casos, o operariado, a partir de suas
experiências, passou a se mobilizar em torno dessas normas legais.
Tais disputas no âmbito legal e as greves, comícios e protestos em torno
disso parecem ter desempenhado um papel muito importante para que uma
nova configuração de classe fosse percebida por trabalhadores e trabalhadoras
dos mais variados setores, os quais passaram a se reorganizar sindicalmente e
em outras instituições – esse é o momento em que surgem o Bloco Operário e
Camponês, a Confederação Regional do Trabalho e sindicatos como o dos
metalúrgicos, operários em fábricas de tecidos e dos alfaiates se reorganizam
depois de algum tempo de inatividade em Porto Alegre.
A greve de janeiro de 1929 expressa, em grande medida, todas essas
tensões, além de mostrar uma classe trabalhadora descobrindo o Estado e a
Justiça como novas formas de atuação e reivindicação – e que nem por isso
abandonou as formas mais tradicionais de lutas, como as greves. Por suas
considerações sobre as classes subalternas – sua cultura e suas formas de
organização –, muitos conceitos de Edward Thompson tem ainda muito a
contribuir para compreender os fenômenos protagonizados por essas pessoas.
FONTES E BIBLIOGRAFIA
Jornal Correio do Povo, 1925-1929. Museu da Comunicação Social Hipólito
José da Costa.
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Jornal Diário de Notícias, 1925-1929. Museu da Comunicação Social Hipólito
José da Costa.
Jornal O Syndicalista – 1925-1928. Núcleo de Pesquisa em História UFRGS
(microfilme).
FORTES,
Alexandre.
Férias
pra
quê?
http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/ferias-para-que
In:
________________. Nós do Quarto Distrito: a classe trabalhadora portoalegrense na Era Vargas. Caxias do Sul, Educs; Rio de Janeiro: Garamond,
2004.
FORTES, Alexandre; NEGRO, Antonio Luigi; DA SILVA, Fernando Teixeira;
COSTA, Hélio; FONTES Paulo. Na luta por direitos: estudos recentes em
história social do trabalho. Campinas: Editora da Unicamp, 1999.
MARÇAL, João Batista. Primeiras lutas operárias no RGS: origens do
sindicalismo rio-grandense. Porto Alegre: Globo, 1985.
NUNES, G.M. A questão da lei de férias agita o operariado porto-alegrense: a
greve de janeiro de 1929 e as relações entre trabalhadores, patrões e governo
gaúcho (1925-1929). Trabalho de Conclusão de Concurso (Licenciatura em
História) – UFRGS, Porto Alegre, 2013.
LIMA, Marcos Alberto Horta. Legislação e Trabalho em Controvérsias
Historiográficas: o projeto político dos industriais brasileiros. Tese (Doutorado
em História) – Unicamp, Campinas, 2005.
SOUZA, Samuel Fernando de. “Coagidos ou Subornados”: trabalhadores,
sindicatos, Estado e as leis do trabalho nos anos 1930. Tese (Doutorado em
História) – Unicamp, Campinas, 2007.
THOMPSON, E. P. A Miséria da Teoria ou um Planetário de erros. Rio de
Janeiro: Zahar, 1981.
_______________. Senhores e Caçadores: a origem da lei negra. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1997.
_______________. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras,
1998.
_______________. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas:
Ed. Unicamp, 2001.
_______________. A formação da classe operária inglesa, 1: A árvore da
liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 2011.
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UMA ANALOGIA DA REPRESSÃO? REFLEXÕES SOBRE A
DITADURA MILITAR SOB A LUZ DE UM ABAJUR LILÁS
!
Lúcio Fellini Tazinaffo (UNIOESTE)
[email protected]
RESUMO:
Este artigo procura trazer algumas reflexões acerca da peça O abajur
lilás (1969), do dramaturgo brasileiro Plínio Marcos, famoso por compor uma
série de textos numa linguagem coloquial, discorrendo sobre a vida e os
dramas vividos pelas camadas mais pobres da sociedade: desempregados,
assaltantes, prostitutas, traficantes. O diálogo que buscamos estabelecer com
esta fonte não perde de vista a sua relação com outras obras do autor, visto
que somente tendo em consideração a produção artística de Plínio Marcos
como um todo é que podemos compreender com quais problemas da
sociedade brasileira ele estava se debatendo. Tendo sido fortemente
perseguido pela censura, escrevendo a maioria de suas obras no turbulento
contexto da Ditadura Militar, pretendemos problematizar as analogias que o
autor construiu no O abajur lilás e quais as relações possíveis de serem
estabelecidas com a repressão do Estado naquele período.
Palavras-chave: Ditadura Militar, Teatro, Plínio Marcos, Analogias, Repressão.
1- INTRODUÇÃO
Este artigo é produto de uma pesquisa em andamento sobre a violência
na ficção – na literatura e no teatro – produzida durante o período da Ditadura
Militar no Brasil, em que procuramos compreendê-la sobre dois aspectos: a) a
relação entre violência e luta de classes e o(s) significado(s) da violência nas
relações de dominação e exploração, b) a difusão de meios violentos como
ferramentas políticas para a classe trabalhadora.
Nossa pesquisa logo de início nos levou a investigar a produção do dramaturgo
Plínio Marcos, cujo número de peças encenadas durante o regime militar foi
baixo. Mas quem foi Plínio Marcos? Plínio Marcos pode ser considerado um
dos escritores mais peculiares que viveu o período da Ditadura Militar no Brasil.
Nascido em Santos, sua trajetória de vida foi marcada pela perseguição
política, sobretudo a partir de 1968, seja pela censura que seus textos sofreram
ou pelas dificuldades que enfrentou para sobreviver em meio a impossibilidade
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de viver do teatro. Além de dramaturgo, Plínio Marcos exerceu uma série de
outras profissões ao longo de sua vida, sendo que pela própria perseguição
sofrida na Ditadura ele teve que recorrer a outros tipos de trabalhos para
sobreviver: quando jovem foi aprendiz de encanador, depois funileiro, trabalhou
como estivador no cais de Santos, começou sua carreira nos palcos como
palhaço de circo, depois virou ator e escritor, trabalhou como camelô –
vendendo seus textos – e mais para o fim de sua vida chegou a trabalhar como
tarólogo.
Esta vida simples e difícil o fez entrar em contato com as categorias de
trabalhadores mais exploradas da sociedade, compartilhando experiências de
vida e simpatizando com esses sujeitos. Desde o início da sua trajetória como
dramaturgo procurou produzir histórias que compartilhassem com o público os
modos de vidas vividos por esses personagens, compondo roteiros que
transmitiam em uma linguagem coloquial as gírias cotidianas desse
“submundo” que poucas vezes emergiu das artes no Brasil. Seus textos são
marcados pela violência, retratando o cotidiano sofrido das classes subalternas,
contrastando e muito com a imagem que o governo militar desejava passar,
tanto no interior do país como para o exterior, de um país em crescimento, rico,
sem mazelas sociais, e talvez esse tenha sido um dos fortes motivos pelos
quais Plínio Marcos foi perseguido pela censura, embora ele atribua o fato a
linguagem coloquial dos seus textos:
“O palavrão. Eu, por essa luz que me ilumina, não fazia nenhuma pesquisa de
linguagem. Escrevia como se falava entre os carregadores do mercado. Como
se falava nas cadeias. Como se falava nos puteiros. Se o pessoal das
faculdades de lingüística começou a usar minhas peças nas suas aulas de
pesquisas, que bom! Isso era uma contribuição para o melhor entendimento
entre as classes sociais.”
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“Eu escrevo histórias. Eu tenho histórias pra contar. Mas, tudo o que escrevo
dá sempre teatro.” “Eu sempre escrevi em forma de reportagem. As minhas
peças não têm ficção, sabe? Eu escrevo, desde Barrela, reportagens.”67
Os trechos das falas de Plínio Marcos expressam a sua preocupação
em produzir peças fieis a realidade que ele vivia e compartilhava com os
trabalhadores. Entretanto aí está também uma das problemáticas da pesquisa,
e que merece destaque. Por mais que o autor escreva muitas de suas obras na
forma de reportagens, e procure manter uma fidedignidade com a realidade da
qual ele parte, chegando até mesmo a reproduzir a linguagem dos bairros
pobres, seus textos devem ser problematizados e ter seus elementos
questionados pelo historiador. Como toda fonte, as que dialogam com a ficção
precisam ser questionadas, seus elementos precisam ser transformados em
problemas na investigação do historiador. Talvez mais que qualquer outra
fonte, estas trazem em si o questionamento sobre a verdade: todavia, não é em
busca da verdade que o historiador deve ir até elas, mas sim em desvendar os
sentidos da construção narrativa e a relação entre eles e o contexto vivido pelo
autor. Quem escreveu? Por quê? Em que contexto? Como construiu os
elementos da história? Quais os sentidos que ele atribuiu as suas vivências na
sua narrativa? Essas são questões que perpassam o trabalho do historiador
que investiga textos ficcionais. Sandra Pesavento diz o seguinte sobre a fonte
ficcional:
(...) Há que considerar ainda que estas fontes não são o acontecido, mas
rastros para chegar a este. Se são discursos, são representações discursivas
sobre o que se passou. (...) Assim, os traços que chegam do passado suportam
esta condição dupla: por um lado, são restos, marcas de historicidade; por
outro, são representações de algo que teve lugar no tempo. (PESAVENTO,
2006, p. 6).
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
67
Retirado do site http://www.pliniomarcos.com/dados/literatura.htm, visto em 29/07/2014.
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Para perceber as artimanhas do autor ao compor suas obras recorremos
ao texto sobre o foco narrativo escrito por Ligia Leite, que trata sobre a
interferência do autor, por meio do narrador, ao contar os acontecimentos da
história: mesmo que procure ocultar a sua percepção sobre os acontecimentos
vividos pelos personagens, como Plínio Marcos o faz, é preciso estar atento
para não cair na armadilha do autor e reconhecer os elementos da ficção como
fatos verídicos, sem a interferência de um ponto de vista (seja do autor que
compôs a obra ou do narrador da história).
Mas em que contexto sociopolítico Plínio Marcos escreveu? O abajur lilás, e
outras de suas peças com as quais dialogamos neste artigo – com exceção de
uma, foram produzidas nos primeiros anos da Ditadura Militar, entre 1964 e
1969, período que logo viu a implantação de uma série de medidas dos grupos
que haviam planejado, executado e apoiado o golpe militar. René Dreyfuss,
que levantou e problematizou um número muito grande de fontes e fez a
ligação entre os grupos empresariais, os institutos IPES/IBAD e o golpe militar,
discute como que rapidamente foi posto em prática o Plano de Ação
Econômica do Governo (PAEG), que previa uma série de medidas por parte do
governo na esfera econômica e que gerou uma série de reformas econômicas
e sociais, que foram implantadas entre 1964 e 1967 (DREYFUSS, 2006, p.
446). Dentre essas reformas Dreyfuss destaca a contenção do movimento da
classe trabalhadora, por meio de uma legislação que aumentou o controle
sobre os sindicatos e proibia as greves políticas, perseguindo aqueles que não
se submetessem a tais medidas e fechando as organizações que se
mantivessem combativas. Além disso, com o pretexto de controlar a inflação, o
PAEG diminuiu o valor do salário mínimo ano após ano e transferiu recursos
para a indústria submetendo os trabalhadores a diversos tipos de programas de
poupança forçada (DREYFUSS, 2006, p. 460-464). Estes elementos devem ser
levados em consideração para se compreender o tipo de trabalhador e os
problemas sociais com os quais Plínio Marcos vai trabalhar em seus textos,
escritos em meio às terríveis consequências que essas medidas provocaram
na vida da classe trabalhadora.
Tendo todos esses elementos em consideração, o contexto social e as
características dos textos do autor, vejamos a seguir como Plínio Marcos
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trabalha com a questão da violência na peça O abajur lilás e o que podemos
auferir sobre o conjunto de suas obras, dialogando com outras de suas peças
teatrais.
2- O ABAJUR LILÁS
A peça O abajur lilás foi escrita em 1969, mas só foi encenada onze
anos depois. A peça, produzida em pleno vigor do AI-5 – o Ato Institucional que
estabeleceu a censura prévia de peças de teatro, letras de música, jornais e
revistas – conta a história de três prostitutas, Dilma, Célia e Leninha, e a difícil
relação que mantém com o seu cafetão, de nome Giro, e o seu guarda-costas,
o brutamontes Osvaldo.
O texto se desenvolve em dois atos: no primeiro conhecemos a situação
de intensa exploração e cobranças vividas por Dilma e Célia, o ato de rebelião
de Célia expresso na destruição do abajur do quarto, com o propósito de
causar prejuízo financeiro e chateação ao Giro, e a chegada de Leninha para
se juntas à elas; no segundo ato acontece a repetição do ato de rebeldia de
Célia, a armação de Osvaldo – que quebra mais objetos do quarto – e o
interrogatório das prostitutas por Giro e Osvaldo, resultando no assassinato de
Célia e no pesar das suas duas colegas “sobreviventes”, simbolizado na oração
de Leninha, que repete quatorze vezes a frase Onde vamos?.
A cena do interrogatório e o que levou a ele é o que nos chamou a
atenção. A revolta de Célia com relação ao abajur é significativa pelo fato do
quarto e de todos os móveis e utensílios dele serem propriedades de Giro. O
ato de quebrar o abajur, realizado duas vezes na narrativa, possui três
significados: a) Célia expressa toda a sua raiva e frustração para com as
pressões e intimidações de Giro; b) Quebrar o abajur é o recurso que ela utiliza
para demonstrar indignação para com sua colega de profissão, Dilma, que se
recusa a cooperar num plano de comprar uma arma para enfrentar Giro; c)
Com a recusa de Dilma de ajudá-la, Célia quebra o abajur num ato de
profunda frustração e imobilidade sentida frente a uma situação com a qual não
consegue ver um horizonte de melhora: não se apresenta para ela uma
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alternativa as péssimas condições de vida que tem ao lado de Dilma
trabalhando para Giro.
O interrogatório acontece para descobrir quem foi a garota que quebrou
os vários utensílios do quarto. Embora suspeite de Célia, Giro não se importa
em ferir Dilma e Leninha: a primeira tem seu rosto queimado por um cigarro e
um dos seus seios torcido com um alicate; a segunda é torturada num pau-dearara improvisado por Osvaldo no quarto (MARCOS, 1975, p. 54-57). O fim da
peça ocorre com a execução de Célia e o lamento de suas companheiras.
Os elementos desenvolvidos por Plínio Marcos no interrogatório
compõem uma clara alegoria para a realidade dos interrogatórios dos órgãos
de polícia – DOI-CODI, DOPS. Os personagens não são o que aparentam ser:
as prostituas não são só prostitutas, elas representam as situações vividas pela
classe trabalhadora como um todo no período – e o eco Onde vamos?
expressa a dúvida da classe trabalhadora diante da incerteza de um futuro
melhor do que a realidade que se apresenta no presente; do mesmo modo que
o cafetão e o seu parceiro de negócios são muito mais do que aparentam embora eles não sejam figuras das forças armadas, as ações perpetradas por
eles são aquelas que atualmente sabemos terem sido comuns nos
interrogatórios executados no período. Giro conversa com as garotas com
calma e serenidade, afirmando-se enquanto um bom patrão e amigo, que não
recebe delas a consideração adequada pelo tratamento que dispensa à elas;
Osvaldo, caracterizado como frio e sádico, realiza algumas das ações
“clássicas” dos interrogatórios policiais do período contra as garotas, como o
“pau de arara”.
Por meio de Osvaldo, Giro se afirma enquanto uma boa pessoa,
contrastando em seus argumentos o “bom tratamento” que ele dispensa as
garotas e o castigo infligido pelo seu braço direito: porém o seu domínio e
crueldade para com as três prostitutas é reafirmado por meio de Osvaldo, seja
no interrogatório do fim do texto ou na simples ameaça de chamá-lo – o que
ocorre no primeiro ato.
Assim, numa espécie de jogo do “o que parece mas não é”, Plínio
Marcos recria as relações de exploração e violência do Estado vivenciados no
começo da Ditadura. Utilizando-se de personagens que vivem em situação de
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miséria e sofrimento, Plínio Marcos caracteriza Giro, o cafetão, como o Estadopatrão que exige mais esforços dos seus trabalhadores já exaustos, na figura
das prostitutas, afirmando-se enquanto um bom amigo e chefe; enquanto que
Osvaldo encarna a figura do braço-armado do Estado militar, intimidando com a
simples presença os empregados e impondo, pela força, os desejos do patrão
aos seus subordinados.
Vemos que é bastante clara a analogia que o autor faz entre o Estado e
a tortura no período da Ditadura Militar por meio dos personagens nesta peça e
que essas referências se encontram com a situação de intensificação da
exploração do trabalho vivido pela classe trabalhadora no período. Mas será
que esta analogia aparece em outras de suas obras produzidas no período? A
presença do Estado no cotidiano dos trabalhadores passaria por uma imagem
da tortura explícita em seus textos, ou haveriam outros elementos de maior
destaque que revelariam outros aspectos da repressão vivida pela classe
trabalhadora no período?
3- SOB A LUZ DO ABAJUR
A analogia escancarada da obra O abajur lilás nos permite olhar com
outros olhos para outras peças do autor, cujas metáforas – algumas quase
imperceptíveis numa primeira leitura – também expressam algumas críticas de
Plínio Marcos ao regime militar.
As
peças
Navalha
na
carne
e
Homens
de
papel,
escritas
respectivamente em 1967 e 1968, possuem traços no enredo semelhantes a
peça anteriormente analisada, O abajur lilás. Podemos verificar, por exemplo, a
oposição entre patrão x trabalhadores: em Navalha na carne temos o jovem
Vado, que explora Neusa Sueli, extorquindo-lhe dinheiro em troca dos seus
serviços sexuais, e o vizinho do casal, o homossexual Veludo, que rouba um
cigarro de maconha de Vado e sofre um interrogatório – bem menos violento
mas mesmo assim fazendo alguma referência aos interrogatórios do
DOPS/DOI-CODI como na peça de 1969 –; enquanto que em Homens de papel
temos nove catadores de papel sendo explorados por Berrão, o encarregado
da fábrica de reciclagem que compra o papel dos catadores, mas que engano22 a 24 de agosto Universidade Federal de Uberlândia – Uberlândia, MG, Brasil
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os na pesagem, ameaça-os com o seu revólver, visível em sua cintura, e chega
até mesmo a agredir fisicamente um ou outro catador – bem como explora
sexualmente as mulheres que fazem parte do grupo, coagindo-as em troca de
pequenos favores.
Ambas as peças, produzidas ao longo das promulgações dos Atos
Institucionais, da repressão às formas de organização dos trabalhadores, da
perseguição àqueles identificados como líderes dos sindicatos e associações
de trabalhadores e do encrudescimento da situação socioeconômica da classe
trabalhadora, trazem em si mais do que passagens de coação por meio da
violência explícita ou implícita – seja o interrogatório sofrido por Veludo ou a
arma na cintura de Berrão – mas principalmente trechos que destacam a
exploração do trabalho e do aumento da miséria na vida dos trabalhadores.
Numa primeira leitura, Navalha na carne parecia trazer os conflitos entre
vizinhos que compartilhavam das mesmas condições materiais de vida: no
entanto, por meio da leitura e reflexão que O abajur lilás nos trouxe, foi possível
perceber elementos que estavam para além do texto aparentado – o subtexto –
que permitiram a verificação e compreensão de elementos comuns nas obras
do autor naquele período, que denunciavam os problemas vividos pela classe
trabalhadora.
As falas dos sujeitos que podemos identificar como “patrões” nas
narrativas expressam as cobranças corriqueiras por melhores rendimentos no
trabalho sofrido pela classe trabalhadora e na contínua e estressante ameaça
de perder o emprego e migrar para uma situação social mais penosa (sem
emprego, sem casa, sem comida). Enquanto que Berrão reclama dos “poucos”
quilos aprendidos pelos catadores, Vado reclama com Neusa Sueli por ela não
ter-lhe deixado nenhum “tutu”. Ambos os personagens ridicularizam seus
“subordinados”, e exaltam a suposta benevolência com que agem para com
eles e a sorte que os mesmos possuem por estar vinculados a eles.
Nas duas peças não temos a figura do policial, do militar, do empresário
ou do fiscal da indústria, mas nem por isso o Estado militar não se faz presente
na vida dos trabalhadores: é justamente nas figuras de Berrão e Vado que os
subalternos das duas obras sentem o peso esmagador do Estado em suas
vidas, restringido-lhes o tempo de lazer e descanso, cobrando-lhes mais
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esforços, roubando o fruto do seu trabalho e lembrando-lhes que sem eles não
há outra alternativa68.
Um pequeno mas não menos importante adendo para a nossa reflexão.
Não é possível generalizar a nossa análise para todo o conjunto das obras
produzidas por Plínio Marcos, principalmente para aquelas que foram escritas
antes de 1964, como é o caso da peça Quando as máquinas param (encenada
pela primeira vez em 1963 sob o título de Enquanto os navios atracam). Apesar
de podermos identificar a pobreza, as dificuldades enfrentadas pela classe
trabalhadora, e os anseios por mudanças na peça, os elementos não podem
ser interpretado do mesmo modo. Nesta obra conhecemos o casal Zé e Nina:
ele, desempregado, procura todos os dias um emprego para poder dar uma
boa vida para a sua esposa; Nina, apaixonada pelo marido, dá-lhe esperança
para continuar a sua busca, enquanto faz algumas costuras para ajudar na
renda da casa. Com a falta de oportunidades para quem não possui curso
técnico, os constantes despejos das fábricas, e a perda de autonomia na casa
expressa na ajuda da sogra, Zé fica preocupado quando Nina lhe conta que
está grávida: a possibilidade de colocar no mundo uma criança com as
mesmas faltas de oportunidades do pai entristece Zé (MARCOS, 1978, p. 90).
O fim da peça termina com uma briga entre Nina e Zé e no ato chocante dele
ao dar um soco na barriga da mulher grávida.
Embora seja uma cena violenta, que surpreende o leitor pois contraria o
tratamento amoroso que Nina e Zé dispensavam um ao outro, ela se difere das
outras peças: nesta obra não podemos ver em Zé uma analogia ao Estado, sua
atitude violenta no final da narrativa é a expressão de um turbilhão de
sentimentos e revolta de Zé para com a sua própria condição de classe – sua
frustração perante a imobilidade social vivida –, por mais que ela tenha se
expressado na sua esposa grávida, Nina, sua companheira mais direta na
relação de classe trabalhadora que ele vive na história. Não trata-se aqui de
uma relação entre patrão e empregado, entre Estado e classe trabalhadora: a
obra em si revela a situação socioeconômica desoladora por que os
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
68
No caso de Neusa Sueli e Vado, por manterem uma relação “amorosa”, essa característica
se manifesta pelas zombarias de Vado com a idade de Neusa Sueli, afirmando que ela tem
sorte por ter alguém como ele – jovem, bem aparentado – ao seu lado (MARCOS, 1978, 3341).
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trabalhadores viviam no período anterior à Ditadura Militar - situação esta que
vai se intensificar durante ela e que vai provocar mudanças nas próprias
construções narrativas de Plínio Marcos, como analisamos.
4- CONSIDERAÇÕES FINAIS
A recorrência das analogias ao Estado nas obras de Plínio Marcos no
decorrer da Ditadura Militar revelam o olhar crítico que o autor tinha sobre as
condições de vida da classe trabalhadora e a intensificação da exploração do
trabalho pela classe dominante.
Embora a miséria dos trabalhadores e a violência sejam temas
recorrentes nas peças de Plínio Marcos, não podemos generalizá-las no que
concerne a análise das mesmas. Tomar uma de suas obras isoladamente do
conjunto do seu trabalho poderia levar o historiador a questões e assertivas
enganosas. Generalizar uma análise de uma ou mais obras para todo o corpo
artístico produzido pelo autor também conduziria o historiador a incorrer no
erro. É preciso levar em consideração o contexto de produção das obras, pois
como a investigação demonstrou, existe uma maior articulação entre os temas
e as abordagens das obras produzidas nos primeiros seis anos da Ditadura
Militar.
Como ficou claro nas análises, é preciso ficar atento às analogias
construídas pelo autor nas peças e ao subtexto, levando-se em consideração a
intensa perseguição pela censura que Plínio Marcos sofreu em todo o decorrer
da Ditadura Militar – embora estes elementos não sejam, necessariamente, a
expressão da preocupação do autor em burlar a leitura dos censores, mas
talvez num interesse em levar as vivências das camadas mais exploradas da
classe trabalhadora por meio do teatro, mostrando de maneira direta ou indireta
a presença opressora do Estado na vida desses sujeitos.
Por fim resta-nos destacar que embora a tortura apareça nas peças de Plínio
Marcos, ela não é o tema de maior destaque: o autor nos faz refletir para além
da tortura – este elemento tão corriqueiro quando se fala na Ditadura Militar –,
apresentando as dificuldades materiais enfrentadas pela classe trabalhadora,
um aguçamento da exploração do trabalho e o desespero desses sujeitos – e
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do próprio autor – frente uma realidade cujo horizonte parecia ser um reflexo do
próprio presente miserável.
BIBLIOGRAFIA
DREIFUSS, René Armand. 1964 a conquista do Estado: ação política, poder
e golpe de classe. 6ª ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.
LEITE, Ligia Chiappini Moraes. O foco narrativo. 10ª ed. São Paulo, SP: Ática,
2002.
MARCOS, Plínio. Homens de papel. São Paulo, SP: Parma, 1978.
________. Navalha na carne/Quando as máquinas param. São Paulo, SP:
Global, 1978.
________. O abajur lilás: peça em dois atos. Editora Brasiliense, 1975.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & literatura: uma velha-nova história. In:
Revista Nuevo Mundo, Mundos Nuevos, nº 6, 2006. Disponível em:
<http://nuevomundo.revues.org/index1560.html> Consultado em 23 de jnho de
2014.
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“DO OUTRO LADO DO RIO”: MEMÓRIAS E EXPERIÊNCIAS
SOCIAIS DE TRABALHADORES DO “POUSO FRIO” DE
TOLEDO/PR (1948/1988)
Maria Cristina de Castro Pereira
[email protected]
Mestranda do PPGH – UNIOESTE
RESUMO:
A comunicação apresenta resultados parciais da investigação sobre processo
histórico de constituição e regularização do “Pouso Frio”, uma área de
ocupação de Toledo/PR. Na pesquisa interpreto as experiências e as trajetórias
de vida de trabalhadores que se deslocaram para a cidade, privilegiando suas
expectativas antes da vinda, as experiências vividas no “Pouso Frio” e a forma
como se realizou a regularização dos terrenos e acesso aos serviços públicos
básicos (como por exemplo, água encanada, asfalto, educação, energia
elétrica, coleta de lixo, transporte). A perspectiva historiográfica parte da
tradição historiográfica do marxismo inglês, em particular da obra de Edward
Palmer Thompson. A proposta é tratar este processo histórico como construído
e modificado por sujeitos capazes de agir segundo seus próprios valores, ao
mesmo tempo em que são pressionados pela agência de outros,
desconstruindo mitos sobre a “colonização” de Toledo e/ou de seu suposto
“desenvolvimento”.
Palavras-chave: Moradia; Pouso Frio; Ocupação.
A perspectiva de análise que venho construindo em minha trajetória de
pesquisa certamente deve muito ao diálogo estabelecido com o historiador
inglês E. P. Thompson. Em investigação ainda em estado inicial, sobre os
modos de viver e trabalhar dos moradores do “Pouso Frio” de Toledo/PR –
área ocupada por trabalhadores vindos de diversas regiões do Brasil e do
Paraguai – as reflexões teóricas e metodológicas propostas por E. P.
Thompson me parecem pertinentes e instigantes ao pensar o objeto de
pesquisa.
Os trabalhadores que se deslocaram para aquela região, aparentemente
em busca de melhores condições de vida e trabalho, encontraram terrenos
baratos (ilegais) e trabalhos árduos e desgastantes em fazendas das
proximidades e no frigorífico Sadia. Busco interpretar as trajetórias de vida
destes sujeitos que vieram para esta região, privilegiando suas expectativas
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antes da vinda, as experiências (termo tão caro à Thompson) vividas durante a
estadia no “Pouso Frio” e a forma como se realizou a regularização dos
terrenos e acesso aos serviços públicos básicos (água encanada, energia
elétrica, coleta de lixo e transporte, por exemplo).
A investigação deste processo histórico se fará a partir do conceito de
cultura elaborado e problematizado por Thompson. Para este historiador, a
cultura é entendida como modos de vida e de luta, abarcando todas as
experiências das pessoas, desde o trabalho, as relações familiares, o lazer, a
religião, até as vestimentas, a alimentação, entre outros, e não simplesmente
como espaço de manipulação do poder. Os costumes apresentam-se como
lógicas para a elaboração de práticas sociais de resistência. Neste sentido,
cultura é a instância onde as pessoas lidam com as pressões e limites que lhes
são colocados, onde trabalham com estas dificuldades em suas consciências,
de maneira coerente ou não com seus costumes e tradições, criam e recriam
resistências e procuram produzir as condições materiais de existência.
Uma característica decorrente desta perspectiva é o não aprisionamento
conceitual de que o modo de produção é determinante da formação social. O
modo de produção exerce pressões e impõe limites, e as classes materializamse de diversos modos que nunca podem ser pré-determinadas. Classe,
especificamente, é um fenômeno histórico, observado num processo social ao
longo do tempo. Thompson indica que, sabemos que há classes porque as
pessoas têm se comportado repetidamente de modo classista. Os estudos
históricos descobrem regularidades em respostas a situações similares e em
um momento dado observamos a criação de instituições e de uma cultura com
conotações de classe. Teorizamos sobre esta evidência como teoria geral
sobre classes e sua formação (THOMPSON, 1979, p. 34).
Thompson alerta para a facilidade em supor que as classes existem não
como um processo histórico, mas em nosso próprio pensamento. É perigoso
utilizar um modelo estrutural estático: “classes são expressões de relações de
produção” (THOMPSON, 1979, p. 34).
Partindo desta afirmação, a classe
pode ser reduzida a uma medida quantitativa: determinado número de pessoas
em determinada relação com os meios de produção. Segundo o autor há uma
corrente muito influente do pensamento marxista que percebe em termos
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econômicos vulgares as relações de classe. De um modelo estático de
relações de produção capitalista se derivam as classes correspondentes e sua
consciência (ou falsa consciência) (THOMPSON, 1979, p. 35).
Utilizando o conceito de classe como categoria histórica, Thompson
sugere que seus usos modernos têm como marco a sociedade industrial
capitalista do século XIX. Para ele, o conceito não só permite organizar e
analisar a evidência, mas também está presente na própria evidência. Esta
evidência histórica deu origem ao conceito maduro de classe e até certo ponto,
imprime sua própria especificidade histórica (THOMPSON, 1979, p. 36).
Quando empregamos o termo para análises anteriores à revolução
industrial, devemos guardar esta especificidade histórica. E se continuamos
empregando a categoria de classe (apesar da dificuldade), certamente não
será pela perfeição como conceito. Mas sim por que não dispomos de outra
categoria alternativa para analisar um processo histórico universal e manifesto
(THOMPSON, 1979, p. 37).
Outro apontamento pertinente do referido autor, diz respeito à
impossibilidade de separar a categoria histórica de classe social da noção de
luta de classes. Aparentemente se presta excessiva atenção teórica (a
histórica) ao primeiro conceito e quase nada ao segundo. Ao contrário do que
alguns autores fazem parecer, as classes não existem como entidades
separadas que buscam outras classes para lutar. Pelo contrário, as pessoas se
encontram em uma sociedade estruturada com modos determinados
(substancialmente, mas não exclusivamente em relações de produção),
experimentam a exploração (ou a necessidade de manter sob controle os
explorados), identificam pontos de interesse antagônico, começam a lutar por
estas questões e nesse processo de luta é que se descobrem enquanto classe
(THOMPSON, 1979, p. 37).
As classes acontecem no viver dos homens e mulheres em suas
relações de produção e ao experimentarem suas situações determinadas,
dentro do conjunto de relações sociais, com uma cultura e experiências
herdadas, e modelam estas experiências em formas culturais (THOMPSON,
1979, p. 38). As classes não são mais do que casos especiais de formações
históricas que surgem da luta de classes (THOMPSON, 1979, p. 39).
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No caso específico do século XVIII na Inglaterra, percebe-se um
“equilíbrio paternalista”
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entre gentry e multidão, com seus interesses
antagônicos e sua correspondente dialética cultural. A resistência é menos
articulada, embora frequentemente mais específica, direta e turbulenta
(THOMPSON, 1979, p. 39). A caridade é utilizada como forma de
apaziguamento de conflitos – frequente em períodos de escassez e extorsão
premeditada – é vista “de cima” como concessão, e “debaixo” como conquista
(THOMPSON, 1979, p. 40).
Ao descrever a complexidade destas relações sociais, Thompson opta
por utilizar noções como “antagonismos”, “adaptações”, “reconciliações
dialéticas de classe”, “campos de força” (dentro do qual há espaços para a
cultura plebeia atuar), etc. E com este arsenal consegue perceber as
intrincadas redes de solidariedades entre a plebe e os conflitos que estabelece
com a gentry. Neste sentido, a hostilidade da plebe à crueldade psíquica da
justiça da gentry ao negar o enterro aos mortos enforcados, parece ser uma
evidencia de uma determinada solidariedade de classe em contraposição à
outra. (THOMPSON, 1979, p. 50).
Segundo Thompson (1981), é a partir da experiência humana que a
correspondência entre o modo de produção e o processo histórico pode ser
explicitada. Desta maneira, os sujeitos são reinseridos na história. Em sua
elaboração:
Os homens e mulheres também retornam como sujeitos, dentro
deste termo – não como sujeitos autônomos, “indivíduos livres”,
mas como pessoas que experimentam suas situações e
relações produtivas determinadas como necessidades e
interesses e como antagonismos, e em seguida “tratam” essa
experiência em sua consciência e sua cultura (as duas outras
expressões excluídas pela prática teórica) das mais complexas
maneiras (sim, “relativamente autônomas”) e em seguida
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
69
A cultura plebeia era restringida aos parâmetros da hegemonia da gentry - hegemonia que
não envolvia a vida dos pobres e não os impedia de defender seus próprios modos de trabalho
e descanso, formar seus próprios ritos, satisfações e visões de vida. Esta hegemonia apenas
definia os limites do que era politicamente e socialmente praticável, informando sobre uma
estrutura de relações de dominação e subordinação. A plebe não deixava de perceber estas
relações e ficavam vigilantes para aproveitar momentos em que podiam reivindicar
necessidades, muitas vezes adotando a própria retórica da gentry. Thompson aponta que os
pobres impuseram certos deveres e funções paternalistas aos ricos, em troca de deferência
(THOMPSON, 1979, p. 59).
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(muitas vezes, mas nem sempre, através das estruturas de
classe resultantes) agem, por sua vez, sobre sua situação
determinada. (THOMPSON, 1981, p.182).
Enfim, história é aqui considerada como experiência humana, com suas
lutas, necessidades, antagonismos – “um campo de possibilidades no qual os
sujeitos são atuantes e portadores de projetos diferenciados” (VIEIRA;
PEIXOTO; KHOURY, 2000, p.43). Compreendo a história como ciência que
procura apreender as relações entre todos os homens, incluindo estes que
normalmente são silenciados e ocultados pela historiografia dominante, que se
atenta apenas aos projetos vencedores da história, elegendo heróis, como os
dirigentes da empresa Maripá70, para demonstrar um suposto progresso. Esta
percepção da história faz parecer que nunca houve tensões e conflitos nos
diferentes contextos.
Quando se refuta a história escrita sob o prisma do vencedor, em que
alguns agentes históricos são ocultados – como os moradores do “Pouso Frio”,
e outros enaltecidos – uma história que mostra a vitória e reprime o dissenso –
torna-se essencial que se questione e se problematize os processos de
constituição da memória que se quer dominante em seu duplo movimento de
visibilidade e ocultação. A memória histórica é uma forma poderosa de
dominação, e o historiador pode e deve intervir.
A regularização dos lotes do Pouso Frio, e as ações implementadas
paralelamente pelo poder público municipal, como o alargamento de ruas, a
implantação da rede de esgoto, de energia elétrica e de água encanada
ocorreu na década de 1980. E apesar de encontrarmos “indícios” (apontados
no decorrer do texto) que nos permitem identificar neste processo a atuação
permanente dos moradores – reivindicando melhorias ou resistindo a
determinadas mudanças, pressionando de alguma forma o poder público
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
70
A Industrial Madeireira Colonizadora Rio Paraná S/A – MARIPÁ, constituída por sujeitos
ligados ao comércio atacadista gaúcho adquiriu boa parte da Fazenda Britânia (excetuando-se
algumas áreas, como o Pouso Frio), no oeste paranaense em meados do século XX, e iniciou
ali um processo de extração de madeira e venda de lotes, principalmente para descendentes
de italianos e alemães vindos do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Ver: DONASSOLO, Geni
Maria. O processo de seleção social no município de Toledo-PR. 1994. 82 f. Monografia
(Curso de Pós-graduação em História do Brasil). UNIOESTE/FACITOL, Toledo, 1994. A
bibliografia que trata sobre a atuação da empresa MARIPÁ na região é extensa. Em
contrapartida, sobre a constituição e posterior regularização do “Pouso Frio”, poucas
investigações foram realizadas.
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municipal – os jornais locais e os governos municipais parecem ter se
preocupado em construir uma memória que atribua a um ou a outro prefeito a
regularização do antigo Pouso Frio. Ocultando, especialmente, quaisquer
conflitos que tenham permeado este processo. A memória que se tenta
construir
é
de
uma
ação
supostamente
concedida
por
bondade
e
completamente benéfica ao conjunto de moradores.
O governo de Albino Corazza Neto (PMDB), por exemplo, que tomou
posse em 198371, publicou até mesmo uma revista para divulgar a atuação do
prefeito no processo de regularização do “Pouso Frio”. A revista se intitulou
“Toledo: Comunidade no Poder” e é composta por cinco números.
O primeiro número foi publicado em fevereiro de 1985 e se intitula:
“Toledo: Comunidade no poder – Um balanço de dois anos de trabalho –
Democracia: participação e emprego pleno”. O segundo número foi publicado
em fevereiro de 1986, e já continha textos apontando para a “solução após
mais de 30 anos” do “Pouso Frio”. O terceiro número foi publicado em fevereiro
de 1987, intitulado “4 anos – Toledo: Comunidade no Poder – Participação e
Democracia”. Também apresentou um extenso texto sobre a regularização do
Pouso Frio, indicando “a atuação política na defesa do social”, com o
realinhamento de postes, extensão da rede de energia elétrica entre outros
serviços. Na argumentação apresentada no texto, a atuação desta gestão se
contrapõe à gestão anterior:
Situado na periferia da cidade, nas Vilas Brasil e Pioneira, onde
moram mais de 22 mil toledanos, que até 1983, não tinham
garantia de propriedade do imóvel onde residem e nenhuma
infraestrutura sanitária. Graças ao trabalho conjunto
desenvolvido, em que a Prefeitura assumiu a luta da
comunidade residente naquela área e buscou os recursos
necessários, a situação começa a mudar. Dos 2.281 lotes
existentes, 382 já estão com escritura definitiva, 1.100 com
contratos legais, fornecidos pela Prefeitura, e os restantes 800
em fase de elaboração de contratos (PREFEITURA
MUNICIPAL DE TOLEDO, 1987, p. 44)
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
71
Albino Corazza Neto atuou como prefeito em Toledo entre 1983 e 1988 e novamente entre
1993 e 1996. No primeiro mandato representava o PMDB, e no segundo o PDT.
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Além destas ações, afirmam ter realizado o realinhamento, alargamento
e abertura de ruas; extensão da rede de energia elétrica; relocação de postes e
hidrômetros; relocação, rebaixamento e extensão da rede de água;
realinhamento de cercas e muros; drenagem de áreas alagadiças, recuo e
transporte de casas e prolongamento de bueiros e galerias. Isto feito na gestão
do prefeito Albino Corazza Neto, sempre em contraposição a suposta pouca
presença de intervenção da gestão municipal anterior a 1983.
As melhorias realizadas aparecem como resultado do posicionamento
do prefeito Albino Corazza Neto, disposto a mudar a realidade dos moradores
do
Pouso
Frio
e
de
todos
os
habitantes
“carentes”
da
cidade.
Contraditoriamente, em outro texto, publicado no primeiro número da revista,
seu protagonismo pode ser questionado:
No decorrer da caminhada muitas coisas aconteceram, e
também a equipe por sua vez pôde aprender muito já que as
organizações de cima para baixo logo foram se afogando já
que muitas lideranças um tanto despreparadas haviam tomado
a frente, mas com o decorrer do tempo as associações e
movimentos foram se solidificando e se tornando
independentes, servindo até de estímulo para o surgimento de
outras; já então as associações de moradores e movimentos
populares de bairros passaram a exercer pressão na luta por
melhorias nos distritos e bairros.
Podemos fazer lembrar da luta da população do BNH Parizotto
que em comissões esteve por 6 vezes no Gabinete do Prefeito
até conseguir o acesso, que há três anos vinha reivindicando.
A luta da união das associações da grande Vila Pioneira pela
escola Boa Esperança, que hoje funciona com três turmas
tendo doze salas de aula; inúmeras lutas nos distritos
reivindicando pontes, bueiros, estradas e outras melhorias
(PREFEITURA MUNICIPAL DE TOLEDO, 1985, p. 20)
Aqui o protagonismo do prefeito não me parece tão evidente. São os
moradores dos bairros que se organizam e buscam melhorar suas condições
de moradia e acesso à cidade através das pressões realizadas ao poder
público municipal. Devido ao caráter inicial da minha pesquisa, não foi possível
ainda estabelecer relações mais diretas e específicas a respeito de pressões
de determinadas mobilizações populares que resultaram na formulação de
políticas públicas efetivas.
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Cabe destacar que o texto citado acima, apesar de possibilitar
percebermos a atuação dos moradores dos bairros, enfatiza a criação, pelo
prefeito Albino Corazza Neto, em fevereiro de 1984, da Assessoria de Assuntos
Comunitários. Esta Assessoria teria participado de “centenas de reuniões e
lutas com os moradores, sempre com a coordenação de líderes de bairros e
líderes de classe.” Mesmo ao apontar para atuação dos moradores, enfatizam
a atuação do prefeito, que teria tentado sempre contribuir para a construção de
uma gestão democrática, em que a comunidade estaria no poder.
O quarto número da revista foi publicado em fevereiro de 1988, intitulado
“Toledo, 35 anos. Uma explosão de progresso.” Nesta publicação um balanço
da gestão de Albino Corazza Neto foi realizado. O próprio prefeito afirmou para
a elaboração de um dos textos: “Nossa maior obra no contexto dessas
comemorações (...) pode ser considerada a solução para o drama das 2.443
famílias carentes da área antes conhecida como Pouso Frio e que, finalmente,
estão conseguindo legalizar seus terrenos”.
Por fim, o quinto e último número foi publicado no final desta gestão, em
dezembro de 1988. O título é bastante sugestivo: “1983-1988 – 6 anos de
participação, obras e democracia – Urgente Administração Toledo Comunidade
no poder comunica: Final do mandato prefeito Albino Corazza Neto, Missão
Cumprida. Agora Toledo cem por cento. Saudações. Viva Toledo”. Nesta
revista novamente o processo de regularização do Pouso Frio foi explorado:
Legalizar o chamado Pouso Frio foi um das mais árduas
tarefas abraçadas pela administração de Albino Corazza (...)
As pessoas que “moravam” no Pouso Frio, viviam uma
situação crítica. As 49 casas de ribeirinhos, que a cada
enchente viam-se invadidas pelas águas do Rio Toledo, foram
as primeiras a serem removidas. Os ribeirinhos tiveram suas
casas transportadas até a Vila Boa Esperança, hoje
complementada com a construção de 168 casas e com a
legalização de 2.443 lotes, cujos proprietários agora possuem
documentação de seu imóvel e a segurança de que não mais
serão desalojados pelas águas ou mesmo por pendengas
judiciais que envolviam a área ilegal. (PREFEITURA
MUNICIPAL DE TOLEDO, 1988, p. 11)
Além da regularização dos lotes do Pouso Frio, repetidamente
mencionada, também foi destacado neste texto a intensificação das atividades
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do Centro Social Urbano, no novo loteamento Boa Esperança, que entre outras
coisas, atendia mais de 492 crianças (de 7 a 18 anos) por dia e a criação de
módulos sanitários anexos às casas dos moradores que não dispunham de
banheiro. Foram construídas 139 unidades: 57 no Jardim Europa; 64 na Vila
Boa Esperança e sete em outros bairros.
No passado ou no presente evidencia-se a tentativa de alguns políticos
locais de se associarem ao planejamento das transformações urbanas que
ocorreram ao longo da década de 1980 em Toledo. Esta associação parece ter
importância em momentos eleitorais em que se torna necessária a aceitação
popular e o angariamento de votos. Mas não só isso. O conjunto de textos
publicados em diferentes jornais e revistas locais contribui na construção de
uma memória que enfatiza a atuação dos prefeitos municipais e os benefícios
“concedidos” por estes protagonistas aos moradores supostamente sem
atuação do Pouso Frio. Nesta memória construída, não cabe nenhuma ação
organizada pelos próprios moradores no sentido de reivindicar e pressionar o
poder público ou mesmo resistir a determinadas mudanças.
Tendo em vista estas considerações, o diálogo com antigos moradores
do bairro me parece uma possibilidade instigante de perceber outros elementos
que compõe este processo histórico, incluindo a participação ativa destes
sujeitos. Parece-me pertinente buscar compreender de que maneira se
posicionaram em relação à regularização e de que forma atuaram. Quais suas
expectativas e anseios. Como aponta Khoury, além de a entrevista representar
uma oportunidade para a pessoa falar de si mesma e de suas próprias
experiências, possibilita ao pesquisador alargar os horizontes da história e da
memória, tendo em vista a afirmação de presenças sociais por vezes ocultas
em outros meios (KHOURY, 2004, p. 137).
Nesta tentativa permanente de compreender as relações dinâmicas
internas de processos históricos reais, permeados por inter-relações complexas
entre movimentos e tendências, o diálogo não só com E. P. Thompson, como
também com Raymond Willians72, também me parece pertinente e relevante.
Willians aponta uma possiblidade de encaminhamento para realizar tal análise:
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
72
WILLIANS, R. 8. Dominante, residual e emergente. In: Marxismo e Literatura. Rio de
Janeiro: Zahar, 1979.
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enfatizar não só os traços e características dominantes e aparentemente
definitivos de uma cultura. Tem-se que tratar também do “residual” e do
“emergente”, “que em qualquer processo real, e a qualquer momento do
processo, são significativos tanto em si mesmo como naquilo que revelam das
características do ‘dominante’” (WILLIANS, 1979, p. 125).
Por residual Willians entende não o arcaico, mas algo formado no
passado e ainda ativo no processo cultural. E ativo não só como elemento do
passado, mas como um elemento efetivo do presente. O residual pode ter uma
relação tanto alternativa, como oposta a cultura dominante. “Assim, certas
experiências, significados e valores que não se podem expressar, ou verificar
substancialmente, em termos de cultura dominante, ainda são vividos e
praticados à base do resíduo – cultural bem como social – de uma instituição
ou formação social e cultural anterior.” (WILLIANS, 1979, p. 125).
O emergente, por sua vez, são novos significados e valores, novas
práticas, novas relações e tipo de relação, não simplesmente no sentido de
algo novo, mas de algo substancialmente alternativo ou oposto à cultura
dominante (WILLIANS, 1979, p. 126). Isto porque, não há modo de produção,
ordem social dominante ou cultura dominante que inclua ou esgote toda a
prática humana, toda a energia humana e toda a intenção humana (WILLIANS,
1979, p. 128).
Neste sentido, podemos pensar a própria hegemonia, ainda a partir do
diálogo com Raymond Willians73, como uma complexa combinação de forças
políticas, sociais e culturais que precisa ser “renovada continuamente, recriada,
defendida e modificada. Também sofre uma resistência continuada, limitada,
alterada, desafiada por pressões que não são as suas próprias pressões”
(WILLIANS, 1979, p. 115). Por isso a indicação de Willians de que
acrescentamos ao conceito de hegemonia74, os conceitos de contra hegemonia
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
73
WILLIANS, R. 6. Hegemonia. In: Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
Hegemonia é entendida por Willians como “um conjunto de práticas e expectativas, sobre a
totalidade da vida: nossos sentidos e distribuição de energia, nossa percepção de nós mesmos
e nosso mundo. É um sistema vivido de significados e valores – constitutivo e constituidor –
que, ao serem experimentados como práticas, parecem confirmar-se reciprocamente. Constitui
assim um senso da realidade para a maioria das pessoas na sociedade, um senso de realidade
absoluta, porque experimentada, e além da qual é muito difícil para a maioria dos membros da
sociedade movimentar-se, na maioria da áreas de sua vida. Em outras palavras, é no sentido
74
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e hegemonia alternativa, que são elementos reais e persistentes na prática
(WILLIANS, 1979, p. 116).
Enfim, tentarei, em minha análise, a partir do diálogo permanente com
as evidências, contribuir para a produção do conhecimento histórico,
interpretando estas fontes do modo como Déa R. Fenelon, Heloísa F. Cruz e
Maria do Rosário C. Peixoto, em “Muitas memórias, outras histórias”, indicaram
ser preciso. Ou seja, considerando que “elas expressam sujeitos históricos,
inseridos ativamente numa complexa rede de relações e acontecimentos e num
intrincado jogo de pressões e limites que é preciso problematizar.” (FENELON,
et al., 2004, p.10).
BIBLIOGRAFIA
DONASSOLO, Geni Maria. O processo de seleção social no município de
Toledo-PR. 1994. 82 f. Monografia (Curso de Pós-graduação em História do
Brasil). UNIOESTE/FACITOL, Toledo, 1994.
FENELON, D. R. et al. (Orgs.). Muitas memórias, outras histórias. São
Paulo: Editora Olho d’Água, 2004.
KHOURY, Y. A. Muitas memórias, outras histórias: cultura e o sujeito na
história. In: KHOURY, Y. A. et al. (Orgs.). Muitas memórias, outras histórias.
São Paulo: Editora Olho d’Água, 2004.
THOMPSON, E. P. La sociedade inglesa del siglo XVIII: lucha de clases sin
clases? In: Tradicion, revuelta y consciência de clase. Barcelona: Crítica,
1979.
______. A miséria da teoria ou um planetário de erros: uma crítica ao
pensamento de Althusser. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981.
______. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional.
Tradução: R. Eichemberg. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
WILLIANS, R. 6. Hegemonia. 8. Dominante, residual e emergente. In:
Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
mais forte uma ‘cultura’, mas uma cultura que tem também de ser considerada como o domínio
e subordinação vividos de determinadas classes” (WILLIANS, 1979, p. 113).
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A NOVA GERAÇÃO METALÚRGICA FLEXÍVEL VISTA PELA
LENTE DE E. P. THOMPSON
Renan Araújo (UNESPAR)75
[email protected]
Edinéia F. Navarro Chilante (UNESPAR)76
[email protected]
RESUMO:
Este trabalho procura, com base nas contribuições de E.P. Thompson,
perceber a gênese da “geração flexível” em observância ao contexto histórico
que funda sua origem, os costumes, o cotidiano e valores sociais difundidos em
sua época. O objetivo é a compreensão destes processos à luz das
“experiências vividas e adquiridas” que conformam os elementos constitutivos
da subjetividade da “geração flexível” operária. Evidencia o processo de
flexibilização do processo produtivo com a diminuição do operariado
empregado diretamente pelas montadoras da região do ABC e a alteração do
perfil operário remanescente quando observado a escolaridade, a qualificação
profissional e a disponibilidade para empreender. Neste processo, instalou-se
uma relação conflitiva no chão da nova fábrica no qual se desnudam processos
de vida pessoal, trajetórias histórico-coletivas distintas e balizadoras das
atitudes divergentes em relação aos valores morais e padrões de conduta
contidos no modo de fazer-viver-perceber deste novo segmento do
proletariado.
Palavras-Chave: Geração flexível. Experiências vividas e experiências
adquiridas. Subjetividade operária.
Em sintonia com a tendência global do capital, na década de 1990, o
Brasil vivenciou a disseminação do complexo de reestruturação produtiva. No
segmento automotivo, localizado da região do ABC paulista, a reestruturação
impulsionou um intenso processo de mudanças que, de forma complementar,
apontaram em duas direções; a-) flexibilização do processo produtivo e drástica
diminuição do operariado empregado diretamente pelas montadoras; b-)
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
75
Doutor em Sociologia do Trabalho pela Unesp/Araraquara. Prof. do Programa de Mestrado
interdisciplinar “Sociedade e Desenvolvimento” da Universidade Estadual do Paraná Unespar/Campo Mourão e ao Programa de Mestrado “Interdisciplinar em Formação Docente”.
Membro da Comissão Executiva da Rede de Estudos do Trabalho - RET. Líder do grupo de
pesquisa CNPq: “Economia do Trabalho, Educação e Desenvolvimento Regional”.
76
Doutora em Educação pela Unicamp. Professora Adjunta na Universidade Estadual do
Paraná – Campus de Paranavaí. Membro do grupo de pesquisa CNPq: “Economia do
Trabalho, Educação e Desenvolvimento Regional”.
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alteração do perfil operário remanescente quando observado a escolaridade,
qualificação profissional, disponibilidade para empreender. Na esteira desse
processo, como parte da luta por permanecer no emprego, instalou-se uma
relação conflitiva no chão da nova fábrica entre a “geração flexível” e a “velha
guarda operária”.
Deste embate desnuda-se processos de vida pessoal e trajetória
histórica/coletiva distintas balizadoras das atitudes divergentes e dos valores
morais e padrões de conduta contidos no modo de fazer-viver-perceber deste
novo segmento do proletariado. Neste texto, procuramos com base nas
contribuições de
Edward Palmer
Thompson (1963; 1981), perceber a gênese da
“geração flexível” em observância ao contexto histórico que funda sua origem,
os costumes, o cotidiano e valores sociais difundidos em sua época. Em fim,
procuraremos compreendê-los à luz das “experiências vividas e experiência
adquiridas” que, específicas do tempo presente, conformam os elementos
constitutivos da subjetividade da “geração flexível” operária.
Ao longo do século XX, particularmente até a queda do muro de Berlim
(1989) e fim da URSS (1990), per summa capita77, segmentos da esquerda
estruturalista sustentaram o pressuposto de que o operariado, por sua posiçãocondição na sociedade produtora de mercadorias, impunha-se como portador
natural do devir histórico. Sustenta este pressuposto a ideia de que o
operariado traz dentro de si os códigos morais e sociais necessários à
emancipação humana, bastando, porém, que este elevasse sua consciência ao
ponto de romper com a estrutura política e ideológica à qual se encontrava
aprisionado.
Em
contraposição
aos
cânones
desta
interpretação
estruturalista/econômico/mecanicista disseminada intensivamente no ocidente
do pós-guerra, a contribuição de E.P. Thompson, particularmente o seu livro
“The making of the english working class”, pode ser entendido como um ato de
insurgência intelectual em defesa da interpretação materialista dialética.
Conforme salientou E. J. Hobsbawm: “He had not just talent, brilliance,
erudition and the gift of writting but the capacity to produce something
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
77
Por alto; sem entrar em pormenores; sucintamente, sumariamente.
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qualitatively different […] Let us simply call it genius, in the tradicional sense of
the word"78.
De forma polêmica, mas sem negar a tese de que a contradição
essencial da sociedade moderna corporifica-se na existência das classes
sociais antagônicas, E.P. Thompson apreendia o operariado fabril enquanto a
fração pujante do proletariado que, criadora do valor, constituía-se no
segmento social potencialmente negador da sociedade regida pelo capital.
Ou seja, Thompson mantinha em sua análise o núcleo central da
concepção marxiana que, avessa à fabricação de heróis estereotipados,
procura interpretar a contribuição de Karl Marx com base no estudo dos
escritos originais do autor. Eis como E.P.Thompson define o conceito de
classe:
“by class I understand a historical phenomenon, unifying a
number of disparate and seemingly unconnected events, both
in the raw material of experience and in consciousness […]
more than this , the notion of class entails the notion of
historical relationship[…]the relationship must always be
embodied in real people in a real context […] The class
happens when some men, as a result of common experiences
(inherited or shared), feel and articulate the identity of their
interests as between themselves, and as against other men
whose interests are different from (and usually opposed to)
theirs”. (THOMPSON, 1991, p. 08)79.
Neste caso, a classe em suas nuances é percebida como fenômeno
social, reflexo e produto de uma determinada época histórica. Por esta razão
sua composição diferenciada no nível da contingência reafirma, apesar do
contentio inter partes80, o lastro da sua gênese, ainda que do ponto de vista
fenomênico a classe se apresente de forma fragmentada. Na verdade, seu
formato aparente explicita tão somente a lógica expansiva do capital em suas
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
78
“Ele não tinha apenas talento, brilho, erudição e o dom da escrita, mas a capacidade de
produzir algo qualitativamente diferente [...] Vamos simplesmente chamá-lo de gênio, no
sentido tradicional da palavra". (Nossa tradução)
79
“Por classe entendo um fenômeno histórico que unifica uma série de acontecimentos
díspares e aparentemente desconectados, tanto na matéria-prima da experiência e na
consciência [...] mais do que isso, a noção de classe implica a noção de relação histórica [...] o
relacionamento deve sempre ser incorporado em pessoas reais em um contexto real [...] A
classe acontece quando alguns homens, como resultado de experiências comuns (herdadas ou
partilhadas), sentem e articulam a identidade de seus interesses entre si, e contra outros
homens cujos interesses são diferentes (e, geralmente, em oposição à) deles.” (THOMPSON,
1991, p. 08.). (Nossa tradução).
80
Divergência entre as partes.
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diferentes temporalidades caracterizadoras do continuum processo de
modernidade contraditória.
O operariado industrial, enquanto especificidade do proletariado, na
medida em que se conforma enquanto segmento essencial, pertencente ao
conjunto dos assalariados mantém intacto seu vínculo na criação do valor,
apesar das contradições materiais e espirituais que repercutem em
contundentes desconexões no campo da reprodução social, motivação para
práticas e condutas diferenciadas entre estratos da classe, conforme veremos
mais adiante em relação às rusgas entre a antiga e a nova geração metalúrgica
encontrada na região do ABC paulista.
Em E. P. Thompson, a experiência adquirida no cotidiano, autoriza-nos
a apreender o operariado enquanto uma “unidade disforme”, cuja capacidade
de apreensão dos aspectos essenciais ou fenomênicos das contradições
sociais indica que “a cotidianidade é, ao mesmo tempo, um mundo cujas
dimensões e possibilidades são calculadas de modo proporcional às
faculdades individuais ou às forças de cada um” (KOSIK, 1976. p. 69). Desta
forma, a trajetória formativa do proletariado expressa os processos históricos
cujas contradições reverberam na formação do operariado fabril, que deve ser
percebido, de acordo com E.P. Thompson, enquanto estrato complexo da
classe na medida em que a sua formação social, cultural, simbólica e moral
não convergem automaticamente para um mesmo nível de consciência, ainda
que ocupem o mesmo papel social na produção.
O operariado é uma unidade estratificada, razão pela qual em E.P.
Thompson, não pode ser percebido como um bloco social uniforme, que resulta
mecanicamente da estrutura organizativa do processo de produção. Além deste
aspecto estrutural/econômico, que não deve ser ignorado, é preciso considerar
a esfera da reprodução social a partir do cotidiano vivido em sua complexidade,
momento em que as trajetórias coletivas e singulares, contraditoriamente,
“igualam diferentemente” o processo de configuração/desconfiguração dos
indivíduos coletivos que compõem os diferentes segmentos do operariado.
Utilizando-se da lente de E. P. Thompson, temos que no Brasil, a partir
da década de 1990, uma ampla produção intelectual vinculada à engenharia
industrial, à economia e à Sociologia do Trabalho, tem procurado analisar a
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disseminação das estratégias do trabalho flexível. Em especial, ganharam
destaque os estudos sobre o processo de reestruturação produtiva nas
empresas montadoras localizadas na região do ABC paulista (BRESCIANI,
2001; ARBIX, 1996; COMIN, 1997).
De forma ampla, encontramos autores que enfatizam a emergência de
um perfil operário jovem que goza de maior escolaridade, maior qualificação
profissional e melhores salários, quando comparados com a média brasileira.
Este se constitui em novo segmento operário cuja convivência com a velha
geração é marcada por inúmeros conflitos (TOMIZAKI, 2007; RODRIGUES,
2005). Tais conflitos emergem do processo de dissensão das formas correlatas
de emulação subsumidas no conceito de empregabilidade, que exige a adoção
de atitudes proativas na produção, maior engajamento no cumprimento das
metas e das melhorias contínuas. Trata-se de novas estratégias do capital, em
geral, incorporadas predominantemente pelo segmento metalúrgico jovem,
justamente quando almejam passar pelo rubicão, da quarentena dos 90 dias
que os separam da efetivação no emprego.
É neste contexto que se acirram as rusgas entre os operários antigos e
os jovens, momento em que impera o sentimento do indivíduo descartável. Os
antigos são vistos como aqueles que devem ceder seus lugares. Assim é que
nos momentos de maior tensão, particularmente quando se discute o corte de
pessoal, a nova geração se manifesta provocativamente dizendo: “vai pescar,
véio”, “sua mulher está te esperando”, “o Ricardão vai passar na sua casa”, etc.
(ARAÚJO, 2012, p. 89).
Para os antigos, uma geração cuja identidade da classe se constituiu em
meio aos movimentos de massa, da resistência conflitiva/coletiva e das
correlatas redes de solidariedade operária, tais provocações advindas dos mais
jovens são vistas como formas de “humilhação”, “constrangimento” e
desrespeito à memória de um “glorioso passado” de lutas, combatividade e
conquistas.
Ainda que os jovens sejam advertidos pelos mais velhos, o
embate continua e a nova geração desabafa: “aposentado tem que sair”. Os
antigos respondem: “mas eu dei meu sangue aqui”. O novo devolve: “já era,
sua fase já passou” (ARAÚJO, 2012, p. 89).
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A compreensão das rusgas geracionais, evidenciadas acima, se
inscreve no panorama político/analítico contemporâneo cuja percepção dos
significados essenciais contidos nas experiências cotidianas, conforme
salientam Alves e Araújo (2013), exige ir além da apreensão enviesada dos
epistemológos e sociólogos contemporâneos que:
[...] Quando ouvem a palavra “experiência” identificam-na
imediatamente à experiência II, a experiência percebida; isto é,
movem-se na direção do que Marx denominou “consciência
social”. Como consequência, afirmam que a “experiência II” é
um meio imperfeito e falsificador, corrompido por interferências
ideológicas. Entretanto, Thompson observa que as
regularidades no interior do ser social, com frequência,
resultam de causas materiais que ocorrem de forma
independente da consciência ou da intencionalidade. Tais
causas inevitavelmente dão ou devem dar origens à
experiência vivida, à experiência I, mas não penetram como
“reflexos” na experiência II. No entanto, a pressão dessas
causas sobre a totalidade do campo da consciência não pode
ser adiada, falsificada ou suprimida indefinidamente pela
ideologia. (ALVES; ARAÚJO, 2013, p. 57).
É por isso que Alves e Araújo (2013), em contraposição a corrente pósmoderna e “crítica” ao estruturalismo, retomam argumentos explicativos de E.P.
Thompson que argutamente asseverou:
On the social changes which give rise to a transformed
experience occur: This is This experience is crucial, in that it
puts pressure on existing social consciousness, asks new
questions and provides much of the material dealing with the
most elaborate intellectual exercises. (THOMPSON, 1981, p.
406)81.
Com base no enunciado de E.P. Thompson (ALVES; ARAÚJO, 2013,
p. 57) salientam que “a experiência [...] constitui e nega, opõe e resiste,
estabelece mediações, é espaço de prática, intervenção, obstaculizações,
recusa, é processo de formação de identidades de classe e, poderíamos
acrescentar, de gênero, de geracional e de etnias. Processos dialeticamente
articulados que, ela, a experiência, expressa de forma privilegiada”.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
81
Dentro do ser social ocorrem mudanças que dão origem a uma experiência transformada: e
essa experiência é determinante, no sentido de que exerce pressão sobre a consciência social
existente, propõe novas questões e oferece grande parte do material com que lidam os
exercícios intelectuais mais elaborados (THOMPSON, 1981, p. 406). (Tradução nossa).
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Incorporando acriticamente a crítica ao estruturalismo, Kimi Tomizaki
(2007), atada a experiência I, elaborou seu estudo sobre as formas de
coexistência entre as duas gerações operárias amparada numa narrativa que
descreve os traços da nova geração metalúrgica da seguinte maneira:
A primeira geração, na maioria absoluta, tem origem rural e foi
introduzida em uma fábrica tipicamente taylorista/fordista.
Trata-se, portanto, de trabalhadores formados pelo “trabalho
pesado”, que, por consequência, valorizam a força física como
recurso identitário importante. Além disso, os aspectos que
definem a masculinidade e a virilidade são bastante visíveis,
tanto na forma conservadora de se vestir ou de cortar e manter
o cabelo quanto no cultivo dos hábitos de beber (geralmente
cachaça) e fumar. A segunda geração, por sua vez, fortemente
influenciada pela cultura escolar e gozando de padrões de vida
da classe média, apresenta outra relação com o corpo. A força
física é mais eufemizada; o cuidado com as roupas, por
exemplo, causa estranheza entre os mais velhos, além dos
brincos, cabelos longos (ou cabeça raspada) e outros
acessórios inimagináveis para a primeira geração, tais como
anéis, pulseiras, colares e as inevitáveis tatuagens.
(TOMIZAKI, 2007, 168-169).
A incorporação, pela autora citada acima, dos pressupostos descritivos
“sociológicos” coaduna-se com a trajetória em curva das interpretações de
Thompson realizados no Brasil que, segundo Mattos (2006), descuidou-se em
assinalar que a concepção de interdisciplinaridade que guiava as formulações
do historiador inglês, ao incorporar elementos da Antropologia e da Sociologia,
não implicava no abandono da análise do processo histórico fundado na
sociedade de classes e suas contradições na medida em que E.P. Thompson
afirmava categoricamente que;
[...] É preciso estar alerta para todos os pressupostos que
puderam insinuar-se em cada etapa, creio que isso quer dizer
que precisamos ler muito de outras disciplinas; é preciso, além
disso, estar a par das inovações teóricas da Antropologia e da
Sociologia; permanecendo ao mesmo tempo prudente, pois
não se trata de aceita-las em bloco. (THOMPSON, Apud,
MATTOS, 2006, p. 88).
Nesse sentido, ao mesmo tempo em que é salutar a apropriação da
premissa de E. P. Thompson para a interpretação dos significados
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históricos/sociais parece-nos prudente guardar distância do culturalismo
(derretimento da noção de cultura enquanto forma articulada de produção e
reprodução social prenhe de significados objetivos e subjetivos reais) que a
pretexto de ampliar o escopo do “entendimento do objeto”, finda por ignorar os
sinais de alerta do historiador inglês. Com isso, pasteurizam a classe numa
descrição empobrecida e “a-ideológica” do culturalismo que pretensamente
autossuficiente, jacta-se em desenvolver estudos sobre novos sujeitos sociais
a partir da tese da diversidade.
Temos que no Brasil, foram (e ainda o são), introduzidas tardiamente as
teses do difuso multiculturalismo europeu da década de 1960 que,
pretensamente contrário ao estruturalismo, dissolvente dos “sujeitos sociais”
em classes antagônicas e suas ideologias, terminam por empobrecer o
conceito de experiências I e experiência II subsumidas nas teses de E.P.
Thompson, quando das suas formulações e embates teóricos contra a
interpretação dogmática em relação à “forma de ser e se perceber” da classe,
sua consciência e seu cotidiano conforme sugerem Alves e Araújo (2013).
Na verdade, as transformações do mundo do trabalho contemporâneo
correspondem aos cenários que engendram a forma de ser material e espiritual
da classe operária. A cultura operária reflete, então, as formas de reprodução
social que estranhadas, materializam a subjetividade operária verificáveis nos
comportamentos e condutas cotidianas mediadas por valores e costumes
inerentes ao segmento do operariado fabril tal qual analisou E. P. Thompson
em “The making of the English working class” (1963).
Em Thompson, a história da classe operária deixa de ser uma expressão
abstrata, sem negar as esferas da produção e da ideologia, para tornar-se a
história da experiência vivida por homens e mulheres reais num mundo
contraditório da reprodução social cotidiana. A classe operária, por ser
histórica, deve ser percebida enquanto estrato do proletariado dotado de
diferentes concepções morais, religiosas e valores. Suas ações “forjam”
processos difusos premidos pelas contingências do cotidiano, além de plurais,
passam por constantes realinhamentos e modificam-se de acordo com as
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circunstâncias impostas pela realidade objetiva, sem a perda da sua unidade
essencial histórica/social contraditória e de classe.
Como indicou Heller (1999), o próprio acirramento do processo de
disputas de todos-contra-todos, revelam os sentidos e as particularidades das
ações dos indivíduos, grupos ou estrato da classe que atuam premidos pela
dimensão objetiva imposta pelo cotidiano estranhado/alienado, pois:
“[...] as escolhas entre alternativas, juízos, atos, têm um
conteúdo axiológico objetivo. Mas os homens jamais escolhem
valores, assim como jamais escolhem o bem ou a felicidade.
Escolhem sempre ideias concretas, finalidades concretas,
alternativas concretas. Seus atos concretos de escolha estão
naturalmente relacionados com sua atitude valorativa geral,
assim como seus juízos estão ligados à sua imagem de
mundo”. (HELLER, 1999, p. 14).
Vemos, assim, o quanto em nossa cotidianidade dinâmica, calcada na
imediaticidade desse turbilhão de experiências fetichizantes/alienantes processo no qual a nova geração operária encontra-se completamente
submersa - há uma forte tendência à fragilização dos laços de solidariedade
entre segmentos, grupos, parcelas ou classes como um todo. Expressam de
forma acentuada, os novos significados das manifestações da vida cotidiana
alienada, reveladora de um novo conteúdo “axiológico objetivo”, que atua como
força capaz de reduzir parte significativa da força de trabalho à condição de
“rejeito humano”, uma vez que a consolidação dos paradigmas técnicoorganizacionais do trabalho flexível implica também tornar descartáveis
contingentes expressivos do proletariado, tais quais os operários antigos.
Nesse contexto, no momento em que o jovem é visto pelos mais antigos
como sendo a síntese portadora de um comportamento marcadamente
consumista, individualista, preferimos percebê-lo como expressão das
peculiaridades da sociabilidade capitalista contemporânea, que condiciona a
existência/identidade/reconhecimento do indivíduo ao que é capaz de
consumir, sejam as mercadorias, sejam as “ideias difundidas” como parte da
ideologia do capital à época do trabalho flexível.
Mais ainda, não podemos nos esquecer de que o jovem metalúrgico é
profundo conhecedor dos dramas relativos à fase de “estagiário”, no momento
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em que passou por entre as “portas do inferno”. Sendo assim, uma marca de
nossa contemporaneidade - como consequência das formas mais agudas de
manifestação desse comportamento social estranhado - é dada pela
intensificação, pelo acirramento brutal das disputas entre os próprios operários
pela manutenção do emprego.
O novo segmento operário, por ser portador de aptidões profissionais e
atitudes condizentes com as exigências, “também ideológicas”, do mercado de
trabalho - particularmente no caso das empresas flexíveis -, de modo geral, se
beneficiam dessa disputa em relação aos antigos e são duramente criticados
pelo seu descolamento, desinteresse em participar das ações sindicais.
Mas a dimensão da reprodução cotidiana estranhada se manifesta com
toda a sua intensidade, pois são os operários mais antigos, parentes diretos
dos operários jovens, que, almejando uma vida melhor para seus filhos,
considerando
a
condição
salarial/material,
disseminam
nas
empresas
montadoras da região do ABC as ideias fundadas nas contingências típicas da
experiência I “[...] filho, ó, você tem que estudar... você tem que fazer isso... ó,
você tem futuro aqui dentro da empresa”. (ARAÚJO, 2013, p. 90).
A
dessemelhança
dos
comportamentos
“da
classe”
em
nossa
contemporaneidade demonstram vivências e experiências temporalmente
estanques, de cotidianos fundados por contextos históricos distintos. A geração
mais antiga viveu espasmos da experiência II na qual a ação coletiva forjou
uma identidade de classe aguerrida em meios às greves deflagradas durante
os anos de chumbo no Brasil. O segmento mais jovem viveu situações de
experiência I cujo cenário era dos tempos de “democracia” e da ofensiva do
capital por meio da reestruturação produtiva, de esvaziamento do sindicalismo
combativo, da defensiva sindical consubstanciada em ações de conciliação e
parcerias com o capital. Uma conjuntura política e ideológica no qual a figura
do colaborador encarnava o ressurgimento da figura do “self-made-man”
contemporâneo dotado de valores egoísticos.
As ações do capital no sentido de cooptar este novo segmento jovem da
classe, em face da defensiva sindical, parece mover “forças ocultas”, capaz de
causar uma espécie de “medo paralisante”. Contudo, seu silêncio demonstra a
maneira resignada como encara as contingências sem que isto represente
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automaticamente sua adesão à lógica do capital. A recusa em participar do
sindicato não anula o fato de que o jovem metalúrgico, imerso em novas
contradições, construa sonhos, devaneios e desejos. Ao mesmo tempo, suas
aspirações são engendradas num contexto no qual ele não foi educado para
confrontação com o capital, ou seja, foram engendradas com base em suas
experiências vividas; “Their aspirations were valid in terms of theirs own
experience; and, if they were casualties of history , they remain, condemned in
their own lives, as casualties”. (THOMPSON, 1991, p.12)82.
Parece-nos, então, que o lapso temporal que separa as gerações
operárias, particularmente a antiga e nova geração flexível encontrada no ABC
paulista, em sentido literal, expressa variantes em suas formas de produção
sem romper o vínculo umbilical que, subsumidas no processo de formação da
grande indústria, representam as particularidades da forma de ser da classe
em tempos de predomínio das transnacionais flexibilizadas.
Por fim, a nova geração metalúrgica flexível expressa um estrato da
classe transformada cujo lastro histórico, por mais que se apresentem novas
facetas no plano da reprodução social reafirma, pelo papel que ocupa na
produção, sua genealogia social/estrutural vinculada ao desenvolvimento da
modernidade do capital. Assim, sua apatia silenciosa pode ser enganosa na
medida em que sua recusa, ainda que resignada no tempo presente, não
resolve a contradição essencial da sociedade do capital a qual se encontra
profundamente imersa. É por isso que ao resgatar o legado de E.P. Thompson,
em oposição ceticismo fatalista, devemos olhar para o exemplo positivo das
experiências vividas pela classe operária em que “People fancy that when all is
quiet that all is stagnating […] Propagandism is going on for all that. It´s when
all is seed´s a- growing, republicans and socialists are pressing their doctrines.
(THOMPSON, 1991, p. 781)83.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
82
“Suas aspirações eram válidas em termos de suas próprias experiências; e, se eles foram
vítimas da história, eles permanecem condenados em suas próprias vidas, como vítimas”
(THOMPSON, 1991, p.12). ( Tradução nossa).
83
“As pessoas imaginam que quando tudo está calmo, tudo está estagnado [...] Toda forma de
propagandismo está acontecendo. Tudo é uma semente em crescimento e republicanos e
socialistas estão divulgando suas doutrinas”. (THOMPSON, 1991, p. 781).
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REFERÊNCIAS
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experiência - um diálogo mais que necessário. Revista Mundos do trabalho.
v. 5, n. 10, 2013.p.53-70.
ARAÚJO, Renan. O novo perfil operário metalúrgico do ABC: um ensaio
sobre o trabalho e o modo de vida “just-in-time” do metalúrgico jovem-adulto
flexível (1992-2008). Campo Mourão: Editora Fecilcam, 2012.
ARBIX, Glauco. Uma Aposta no Futuro: Os primeiros anos da Câmara
Setorial da indústria automobilística. São Paulo: Scritta, 1996.
BRESCIANI, Luís Paulo. O contrato da mudança: a inovação e os papéis dos
trabalhadores na indústria brasileira de caminhões. Tese Doutorado: Unicamp:
Instituto de Geociências, 2001.
COMIN, Alvaro. De volta para o futuro: política e reestruturação industrial do
complexo automobilístico brasileiro. São Paulo: Annablume: Fapesp, 1998.
HELLER, Agnes. O cotidiano e a História. Trad. Carlos Nelson Coutinho e
Leandro Konder. 3oed. Paz e Terra: Rio de Janeiro, 1989.
MATTOS, Marcelo Badaró. E. P. Thompson no Brasil. Revista(Outubro, n.14,
novembro de 2006.
KOSIK, Karel. Dialética do Concreto. Trad. Célia Neves e Alderico Toríbio. 2o
ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
RODRIGUES, Iram J. Martins, Heloisa Helena T. Perfil socioeconômico de
jovens metalúrgicos. Revista Tempo Social. v.17. no2, 2005. p.03-25.
THOMPSON, E. P. The making of the english working class. London: Penguin Books, 1963.
THOMPSON, E. P. The Politics of theory. In: SAMUEL, Raphael (Ed.).
People’s history and socialist theory. London: Routledge, 1981, p. 406.
TOMIZAKI, Kimi A. Ser metalúrgico no ABC: transmissão e herança da
cultura operária entre duas gerações de trabalhadores. Campinas: Arte
Escrita, 2007.
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CONCEPÇÃO E PRÁTICAS DOS TRABALHADORES SOBRE O
TRABALHO E SUAS TRANSFORMAÇÕES
Rosane Marçal da Silva (doutoranda, UFU)
[email protected].
RESUMO:
A proposta de trabalho aqui apresentada é parte de uma pesquisa que visa
investigar as relações que se articulam em torno do suposto processo de
intensificação da produção industrial na região oeste do Paraná, tendo como
referência central, as relações de trabalho vivenciadas pelos trabalhadores das
indústrias de confecções têxteis e do vestuário em Santa Helena, Paraná
(décadas de 1980 a 2000). Neste artigo, discuto sobre alguns elementos e
dimensões relativos às relações de trabalho que se articulam em torno desse
setor de produção, compreendendo-as como parte do processo de constituição
dos trabalhadores e do próprio setor de confecções. Para tanto, utilizo-me de
entrevistas realizadas com trabalhadores que estavam vinculados ao trabalho
do setor de confecções, e também alguns que não atuavam mais neste setor,
bem como algumas matérias divulgadas pela imprensa local.
Palavras-chave: Trabalho, trabalhadores, experiência.
Neste artigo analiso alguns elementos acerca das relações de trabalho
que se articulam em torno do setor de produção têxtil e do vestuário em Santa
Helena, Paraná. Desenvolvo uma reflexão que busca as articulações entre o
trabalho domiciliar e o trabalho nas facções industriais, tendo por base as
trajetórias dos trabalhadores. Utilizo-me de entrevistas realizadas com
trabalhadores que estavam vinculados ao trabalho do setor de confecções, e
também alguns que não atuavam mais neste setor84.
Num levantamento realizado junto ao Departamento de Tributação da
Prefeitura Municipal de Santa Helena, em 2011 e 2013, constatei a existência
de 19 empresas no setor de confecções têxteis e do vestuário, as quais foram
instaladas e registradas entre 1989 e 2013. Estas empresas produziam, entre
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
84
Os trabalhadores entrevistados são identificados com pseudônimos.
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outras coisas, cortinas, uniformes escolares e empresariais, roupas sociais e
jeans, lingeries e pijamas.85
As relações de trabalho nas quais a atividade de costura pode ser
desenvolvida permite identificar os trabalhadores em duas linhas de
diferenciação: os que têm carteira de trabalho assinada e os que trabalham
sem registro na carteira. A primeira categoria é constituída por trabalhadores
internos das facções industriais, a segunda pode ser composta por
trabalhadores externos e por costureiras sem ligação com as empresas.
Das 19 empresas identificadas, 12 eram especializadas em confecções
de roupas, dessas, 10 recebiam as peças cortadas para fazer o trabalho de
montagem. Dois empresários destacaram utilizar trabalho de trabalhadores
terceirizados.
Estes
costumavam
“contratar”
trabalhadores
domiciliares
somente para a limpeza das peças, ou seja, para tirar os fios que ficam soltos
após a peça estar pronta.
As costureiras que costuravam sob medida tinham a necessidade de
dominar todo o processo produtivo, que incluía tirar as medidas, cortar e
costurar determinado modelo de roupa, executando, portanto, todas as etapas
da peça produzida para uma única pessoa.
Além de precisarem de um conhecimento maior com relação ao
processo de produção, segundo Rosangela Maria Pereira, as exigências em
relação à responsabilidade com a produção também era maior para as
trabalhadoras a domicílio, pois elas são responsabilizadas “pela execução da
peça e eventual defeito”86.
A mencionada necessidade de qualificação apresenta para os
trabalhadores um ponto incerto que pode lançá-los na busca de outros
caminhos, deixando de lado o trabalho com costura, pois ter conhecimento da
produção não é garantia de uma posição “melhor” e com melhor remuneração
dentro das facções. Uma das entrevistadas destacou ter um curso de
supervisora de produção industrial pelo SENAI, mas tinha consciência de que
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
85
Este artigo é parte da pesquisa que desenvolvo junto ao programa de pós-graduação em
Historia pela Universidade Federal de Uberlândia
86
PEREIRA, Rosangela Maria. De trabalhadoras precárias a empreendedoras da confecção?
A complexa construção da identidade profissional das trabalhadoras a domicílio da indústria de
confecção. Tese (doutorado em sociologia), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto
Alegre, 2011, p. 141.
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para aproveitar os conhecimentos recebidos teria que mudar de emprego, uma
vez que o cargo que pretendia já estava preenchido: “era pra gente ganhar
mais, mas as firma não contrata, assim, mais supervisor industrial. Cada... o
chefe são supervisor, então já não contrata”87.
Parece que a única maneira de melhorar sua posição é através da
mudança de emprego. Para Isabel esta mudança era visualizada na
possibilidade de abrir uma facção doméstica:
[...] estou com o projeto ai que, se der tudo certo até o final do
ano, ainda desse ano, vai... eu quero, eu vô comprar duas
máquinas daí eu vou costura pra uma firma de Toledo, mais eu
vou costura em casa, tipo uma facçãozinha, mais daí é só com
a família e outra pessoa, só [...]88.
Os planos da trabalhadora era aproveitar o período de férias coletiva da
empresa no final de ano (2011) para fazer o teste com a facção domiciliar,
dessa forma, ela não correria o risco de ficar desempregada, caso a facção não
desse certo.
Essa perspectiva de abrir o próprio negócio era incentivada pela
administração municipal. O secretário de Indústria e Comércio (2008), Altair
Ricardi, ao falar sobre um curso de corte de tecidos disponibilizado aos
trabalhadores, enfatizou que tendo este curso as pessoas poderiam “abrir suas
próprias fábricas”89.
Isabel destacou que além do trabalho na fábrica ela vendia roupas e
fazia consertos, o que era uma vantagem, pois já tinha duas máquinas em casa
e para abrir a facção, precisaria comprar somente mais duas: uma overloque e
uma reta industrial.
Abrir a facção domiciliar há deixava empolgada pela possibilidade de
ganhar mais, pois se baseava no exemplo de suas amigas:
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
87
Isabel, 44 anos. Entrevista concedida a Rosane Marçal da Silva. Santa Helena – PR, 10 de
dezembro de 2011.
88
Idem.
89
BIESDORF, Elimara. Começa curso de corte em Santa Helena. In: Jornal Costa Oeste.
Santa Helena, 18 de julho de 2008, p.10.
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[...] eu tenho muitas amigas minha que já tão trabalhando com
isso lá em Santa Helena. Elas já saíram das empresas e tão
trabalhando em casa e na verdade elas tão ganhando mais,
têm amiga que está tirando mil e meio as vez [...]. Só que tem
que ser duas pessoa, porque uma só ele disse que demora
demais pra montar e, ele paga por peça, cinco real por peça90.
Outros trabalhadores enxergavam a possibilidade de mudanças de suas
condições de trabalho a partir da tentativa de se vincular a alguma facção
domiciliar de outras pessoas ou amigos. Outros ainda buscavam outras
relações de emprego que julgavam ter melhores condições de trabalho, como
por exemplo, Mônica e Marta91. Esta mobilidade é favorecida pela instabilidade
do setor, no qual falências e fechamento de empresas são frequentes (de 2003
a 2010 quatro empresas deixaram de funcionar).
Mônica disse não concordar com a forma de trabalho e como os patrões
tratavam os trabalhadores, das cobranças e do ritmo do trabalho. Estas
questões foram relatadas por ela da seguinte maneira:
[...] a maneira de sê tratado, né? Porque você tem que ficar de
boca fechada e parada ali tipo congelada. Congelada sem si
mover, só olhando pra máquina, olhando pra máquina. Si você
olhar pro lado já ti chama atenção, fala em voz alta. Um erro
que você comete ali, vem com a peça, leva a peça na tua
máquina e praticamente, né? Te esfrega na cara. É uma coisa
assim. Então, não é assim, num é por ai, tipo, né? Chega,
conversa, explica mais não se altera, né? Claro que as, as
regra são pra ser seguida, são pra ser cumprida mais não
precisa daquela forma92.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
90
Isabel, 44 anos. Op., Cit.
Marta, 40 anos, trabalhou durante 3 anos numa confecção de jeans, de onde saiu em 2011,
porque conseguiu emprego como merendeira numa Escola Estadual do município. Na ocasião
da entrevista, ela disse que, se não tivesse outro serviço ela voltaria para a confecção, do
contrário, não: “Eu sai de lá porque eu entrei na escola assim mais se fosse pra mim voltar, eu
voltaria de novo si eu não tivesse outro serviço, né? mais si eu tiver outro eu num volto mais,
porque tu chega estressada [...]. Tu não quer saber de muita conversa, tu não quer saber,
sabe? Outro barulho qualquer tu num quer sabe”. (Marta, 40 anos. Entrevista concedida a
Rosane Marçal da Silva. Santa Helena – PR, 02 de novembro de 2011).
92
Mônica, 31 anos. Entrevista concedida a Rosane Marçal da Silva. Santa Helena – PR, 02 de
novembro de 2011.
91
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Por estas razões, ela acreditava que se a pessoa “não consegue, não
aceita, né? A maneira deles [os patrão] serem, então tem que mais é se afastar
tentar outra opção, seguir outro caminho”.
Essa trabalhadora fez dois cursos de costura e, em 2000 trabalhou
numa fábrica por 15 dias. Sobre sua demissão ela argumentou: “ganhei a conta
eu num dava muita produção e também acho que não era bem aquilo que eu
queria”.
Vale destacar que Santa Helena é um município pequeno93 em que,
principalmente, para as jovens, aprender a costurar era um costume, tanto que
os clubes de mães desenvolviam cursos de corte e costura para as mulheres e
as adolescentes do município.
Mônica, 31 anos, natural de Santa Helena, cresceu no meio rural, com
seus familiares trabalhando de “boia fria”: “sem carteira assinada, trabalhava
por dia carpindo, roçando, catando algodão, essas, esses serviços assim” 94.
Quando tinha entre 13 e 14 anos, ela fez curso de “corte e costura” organizado
pelo Clube de Mães de São Miguel, pertencente ao distrito de São Roque,
município de Santa Helena.
A narrativa de Mônica e outras trabalhadoras demonstra que ter uma
máquina e fazer os reparos das roupas da família é parte da cultura existente e
compartilhada por boa parcela das pessoas que viviam no interior. Esta
entrevistada frisou que sua mãe não tinha “muita noção do que seria a
máquina”, mas, ainda assim, tinha uma máquina de costura em casa. E
reforçando a importância de saber costurar, a mãe dessa trabalhadora a
colocou no curso, para que a filha aprendesse aquilo que ela não conseguiu
aprender. Mônica fez o curso de lingerie e corte e costura, numa experiência
que disse ter “gostado”:
[...] gostava de costurar e achava que seria, tipo no momento,
né? Si a gente não teria outra coisa, não conseguisse outra
coisa, seria uma opção de trabalho, né? No futuro, assim,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
93
Com uma população estimada de 24.895 habitantes (Censo demográfico de 2013, realizado
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE), o município de Santa Helena limitase ao norte com Entre Rios do Oeste, ao sul com Missal e Itaipulândia, ao leste com São José
das Palmeiras e Diamante do Oeste, ao oeste com a República do Paraguai (Lago de Itaipu).
94
Mônica, 31 anos. Op. Cit.
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porque sempre precisa, né? De alguém pra costurar, um
conserto de alguma coisa95.
Na ocasião da entrevista, Mônica era casada, tinha duas filhas e
destacou que não tinha máquina de costura em casa, mas, segundo ela, “as
pessoas têm, sempre têm em casa. Até a minha irmã tem e sempre faço
consertos pequeno: é barra de calça, é fecha, às vezes, né? Uma costura que
tá aberta, é barrinha em pano de prato, barrinha em toalha de mesa, essas
coisas assim eu faço direto”96. Costurar para ela, não era encarado como uma
profissão que almejava seguir. Saber costurar era importante como uma
aprendizagem pessoal que poderia servir como algo momentâneo, pois
costurar em sua concepção era uma opção caso não tivesse outro trabalho,
pois as pessoas sempre precisam do trabalho de uma costureira.
Esta trabalhadora fez dois cursos de costura, o primeiro, citado acima,
ela o fez por volta de 1991 e, em 2000, fez o curso de costura industrial.
Embora tenha feito os cursos, Mônica não seguiu no trabalho de costureira, ela
fez magistério e graduação em pedagogia. Na ocasião da entrevista (2011), ela
trabalhava numa creche de monitora educacional e disse que utilizava os
conhecimentos adquiridos nos cursos de costura em seu trabalho na área da
educação, pois confeccionava roupas para teatro, fazia consertos de fantoches
e outros utensílios utilizados nas dinâmicas das aulas em séries iniciais.
A trajetória dessa trabalhadora é um exemplo da mobilidade profissional
que caracteriza esses trabalhadores, o que, por vezes, mostra a busca por
posições que lhes possibilite a satisfação com o trabalho e instabilidade
financeira.
Por que as trabalhadoras vislumbram a ideia de abrir o próprio negócio?
Assim como as trabalhadoras entrevistadas por Pereira97, as de Santa Helena
apontaram a questão do horário de trabalho, a possibilidade de sair do trabalho
para realizar atividades como ir ao médico, estender a jornada de trabalho até
mais tarde para compensar aquele tempo dedicado a outras atividades.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
95
Idem.
Idem.
97
PEREIRA, Rosângela Maria. Op. Cit.
96
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Ao falar sobre as dinâmicas do trabalho domiciliar e a necessidade de
passar do horário, Maria, 40 anos, pontuou elementos que diferenciava o
trabalho desenvolvido na facção industrial e o trabalho domiciliar:
Eu já cheguei a fica até às sete da noite. Um dia porque nós
tinha que entregar eu fiquei até dez da noite [sorriu]
trabalhando, daí só paramos pra ir no banheiro faze um lanche
e voltamos de novo, é uma... não te deixa assim: há tenho que
trabalha de novo. Tu tem vontade de volta porque é uma coisa
que é pra você, não pra mais ninguém, não é pro patrão que
vai ficar [com] aquilo que tu está fazendo, né? Eu pelo menos
quando eu estava numa fábrica eu num queria ficar, si eu tinha
que ficar depois do meu horário eu já ficava preocupada com
quem estava em casa, eu já não ficava concentrada ali naquilo.
Daí aqui não, não sei se é porque eu estou em casa mais eu
consigo me concentra continuar depois do horário. Daí pra mim
é melhor agora, né?98
Ela costumava levantar às seis horas e as sete começava trabalhar. A
tarde ela trabalhava das treze horas as dezessete e trinta, mas conforme seu
relato acima, já havia trabalhado até às vinte e duas horas para entregar a
produção no prazo.
Este processo em que as empresas contratam o trabalho domiciliar
mantendo relações de trabalho sem registrar os trabalhadores é uma prática
que vem se desenvolvendo há alguns anos em outras regiões do Brasil.
Alice Rangel de Paiva Abreu e Bila Sorj (1993) constataram que o
trabalho a domicílio da indústria de confecção do Rio de Janeiro,
especificamente da Zona Norte, Baixada Fluminense e Niterói era marcado
pelo isolamento das trabalhadoras, que eram ignoradas pelos sindicatos e
excluídas dos benefícios sociais atribuídos aos trabalhadores assalariados.
Essas características do trabalho, na avaliação das autoras, faziam com que as
trabalhadoras encontrassem dificuldade para diferenciar sua identidade
profissional daquela de mãe e esposa99.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
98
Maria, 40 anos. Entrevista concedida a Rosane Marçal da Silva. Santa Helena – PR, 08 /03
/2013.
99
ABREU, Alice Rangel de Paiva; SORJ, Bila. Trabalho a domicílio nas sociedades
contemporâneas – uma revisão da literatura recente. In: ABREU, Alice Rangel de Paiva; SORJ,
Bila (org.) O trabalho invisível: estudos sobre trabalhadores a domicílio no Brasil. Rio de
Janeiro: rio Fundo Ed., 1993. Ver, também: JINKINGS, Isabella; AMORIM, Elaine Regina
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Sob a conotação de trabalho autônomo, as condições e as relações de
trabalho vivenciadas pelos profissionais desse setor são camufladas com a
aparência
de
empreendedorismo
100
que
gera
emprego
e
ajuda
no
desenvolvimento social.
Carvalhal percebeu que entre trabalhar no domicílio ou na indústria, as
trabalhadoras produziam pareceres que em sua avaliação, manifestavam
sentimentos contraditórios, pois:
[...] ao mesmo tempo em que garantem preferir estar em casa,
por não terem patrão, aludem ao estresse do dia-a-dia e ao
fato de mal saírem de casa, evidenciando uma falta de
sociabilidade. Apontam a circunstância de terem poucas
atividades de lazer, da falta de condições para viagem e
passeios de fim-de-semana. Muitas vezes, o lazer se resume a
passeios aos parentes da própria cidade, como à casa de pais,
irmãos e filhos101.
Diante das questões postas pelas trabalhadoras, Carvalhal concluiu que
“o trabalho de autônoma mascara a realidade de não ter o controle da
produção, em contraposição ao estar em casa e trabalhar quando quiser”102.
Tendo constatado que a maioria das trabalhadoras domiciliares de Terra Roxa,
estava na condição de trabalhadoras informais, ela questionou se estas
trabalhadoras tinham realmente autonomia.
Percebo que a trajetória de trabalho das trabalhadoras e a forma de
trabalho estabelecida por elas na ocasião da entrevista têm implicações
diferenciadas com relação a sua autonomia no trabalho e na avaliação que
produzem sobre tais condições.
Os trabalhadores que enxergavam a possibilidade de mudanças de suas
condições de trabalho a partir da tentativa de se vincular a alguma facção
domiciliar, tendiam a ver as relações de trabalho nessas pequenas unidades
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Aguiar. Produção e desregulamentação na indústria têxtil e de confecção. In: ANTUNES,
Ricardo (org.) Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006, pp. 337385.
100
Rosangela Maria Pereira, Op. Cit.
101
CARVALHAL, Terezinha Brumatti. Dinâmica territorial do trabalho domiciliar das mulheres
em Terra Rocha/ PR. Tese (doutorado em Geografia), UNESP/Presidente Prudente/SP –2009,
p. 74.
102
Idem.
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produtivas, como um local permeado por afetividade, e o patrão, algumas
vezes aparece como seu companheiro de trabalho.
Seguindo essa perspectiva de interpretação, Ana relatou:
Ana: [...] Nas grandes firmas já, você entra de manhã já com
medo do que vai chegar no final da tarde, [o] que você vai
deixar pro outro dia. Então, é um... É sempre aquele atropelo e
você não vence e você passa pra amanhã, depois de amanhã
[...], e você não consegue mais conciliar casa com trabalho e
com família e você vai, sabe? A tua cabeça parece que vai
explodir, você não consegue. E daí vem cobrança de patrão, é
cobrança de colega de trabalho e, geralmente, muitas vezes, a
culpa não é tua e acaba caindo nas tuas costas, né? Então, é
esse stress do dia-a-dia. É totalmente diferente você trabalha
numa sala de costura e numa fábrica dessas grande, mesmo
que os patrão diz que não é, né? Mais é isso e, muitas vezes,
as pessoas, as costureiras elas acabam ficando doente, elas
não aguentam o ritmo de trabalho por causa disso, é muita
cobrança, é muito, muito, num tem corpo, num tem mente que
aguente isso, porque o ser humano é só um ser humano, né?
Não é uma máquina103.
Tendo como ponto de comparação as formas de organização, o ritmo do
trabalho e as cobranças das facções industriais, essa trabalhadora olhava o
trabalho nas facções domiciliares de forma positiva, principalmente, pela
maneira que eram tratadas e do relacionamento com os patrões e os demais
trabalhadores.
Na avaliação das trabalhadoras que trabalhavam, ou tinham trabalhado
em facção domiciliar, trabalhar nesses locais era diferente da facção industrial,
pois o número de funcionário era menor e, principalmente, pela redução do
“stress”. Ana destacou que o ritmo de trabalho nas facções industriais “mata a
mente”, já nas domiciliares é possível “costurar com gosto”.
Vejo as questões destacadas pela historiografia e pelos trabalhadores
entrevistados como elementos que falam sobre o processo de formação de
sujeitos pertencentes a um lugar social num momento de mudanças em suas
formas de viver e trabalhar.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
103
Ana. Entrevista concedida a Rosane Marçal da Silva. Santa Helena – PR, 10 de janeiro de
2012.
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Estes são elementos que precisam ser aprofundados numa reflexão que
busque a constituição desses sujeitos e as formas pelas quais a luta de classes
é vivida no dia-a-dia, tanto no ambiente de trabalho quanto fora dele.
FONTES:
Entrevistas orais:
Ana. Entrevista concedida a Rosane Marçal da Silva. Santa Helena – PR, 10
de janeiro de 2012.
Isabel, 44 anos. Entrevista concedida a Rosane Marçal da Silva. Santa Helena
– PR, 10 de dezembro de 2011.
Maria, 40 anos. Entrevista concedida a Rosane Marçal da Silva. Santa Helena
– PR, 08 /03 /2013.
Marta, 40 anos. Entrevista concedida a Rosane Marçal da Silva. Santa Helena
– PR, 02 de novembro de 2011.
Mônica, 31 anos. Entrevista concedida a Rosane Marçal da Silva. Santa
Helena – PR, 02 de novembro de 2011.
Imprensa:
BIESDORF, Elimara. Começa curso de corte em Santa Helena. In: Jornal
Costa Oeste. Santa Helena, 18 de julho de 2008, p.10.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ABREU, Alice Ranchel de Paiva. O avesso da moda. Trabalho a domicilio na
industria de confecção. Editora Hucitec, São Paulo, 1986, p.227.
ABREU, Alice Rangel de Paiva; SORJ, Bila. Trabalho a domicílio nas
sociedades contemporâneas – uma revisão da literatura recente. In: ABREU,
Alice Rangel de Paiva; SORJ, Bila (org.) O trabalho invisível: estudos sobre
trabalhadores a domicílio no Brasil. Rio de Janeiro: rio Fundo Ed., 1993.
CARVALHAL, Terezinha Brumatti. Dinâmica territorial do trabalho domiciliar
das mulheres em Terra Rocha/ PR. Tese (doutorado em Geografia),
UNESP/Presidente Prudente/SP –2009.
JINKINGS, Isabella; AMORIM, Elaine Regina Aguiar. Produção e
desregulamentação na indústria têxtil e de confecção. In: ANTUNES, Ricardo
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(org.) Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006, pp.
337-385.
PEREIRA, Rosangela Maria. De trabalhadoras precárias a empreendedoras da
confecção? A complexa construção da identidade profissional das
trabalhadoras a domicílio da indústria de confecção. Tese (doutorado em
sociologia), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011, p.
141.
THOMPSON, E. P. O termo ausente: experiência. In: Miséria da teoria, ou um
planetário de erros. Rio de janeiro. Zahar Editores S. A, 1981
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O viver no campo em Santa Helena-PR: conflitos, modos de
vida e experiências desiguais.
Tatiane karine Matos da Silva104
(UNIOESTE) Universidade Estadual do Oeste do Paraná
[email protected]
RESUMO:
As discussões propostas nesse trabalho têm como intuito dinamizar uma
reflexão frente relações de poder vivenciados na cidade de Santa Helena-PR,
enfatizando as alternativas elaboradas por trabalhadores em suas diferentes
condições de classe ao lidarem com as incertezas e dificuldades diante suas
dinâmicas de trabalho e permanência no campo. Destaco nesse percurso as
alternativas articuladas por trabalhadores ao lidarem com a disputa por terras,
vivenciadas não apenas diante aspectos violentos mas, também, perpassando
por práticas coercitivas. Estas tensões foram decisivas diante aos rumos
diversos tomados pelas vidas dos sujeitos que experimentaram tais embates.
Trata-se de um debate significativo ao pensarmos a movimentação e atuação
dos trabalhadores no contexto de uma sociedade desigual e contraditória.
Palavras chave: Trabalhadores, viver no campo, disputas por terra.
A concepção elaborada por Marx, ao estudar as relações construídas
em sociedade, é significativa para nossa reflexão. De acordo com ele:
Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem
segundo a sua livre vontade, em circunstâncias escolhidas por
eles próprios, mas nas circunstâncias imediatamente
encontradas, dadas e transmitidas105.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
104
Mestranda vinculada ao Programa de Pós Graduação -Nível Mestrado- da Universidade
Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Bolsista do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico. (CNPQ). Orientador Dr. Davi Felix Schreiner.
105
MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. O 18 de Brumário de Louis Bonaparte. In: MARX, Karl &
ENGELS, Friedrich. Obras escolhidas. Moscou: Progresso, 1982.p 487.
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O autor não pensa apenas “o homem’’, mas sim “os homens’’. Os
homens se constituem como sujeitos ativos nas situações que vivenciam e
suas ações tecem nas relações com outros sujeitos.Ao mesmo tempo em que
constroem sua história lidam com limites/pressões encontradas em meio às
relações sociais -dadas e transmitidas - por “outros homens’’, que também são
sujeitos ativos e transformadores sociais.Desse modo, as indicações feitas por
Lucas acerca de parte de sua trajetória de vida nos ajuda a discutir as relações
entre diversos sujeitos nas disputas por terra:
Isso quando o senhor já era casado?
É eu já era casado, dai eu dei uma entrada na terra ali doze
alqueire era um matão ali naqueles doze alqueire. Eu comprei
a moradia dos jagunço ali, era só os cavalo que pastava lá e eu
cheguei lá e derrubei tudo dai no outro ano eu destoquei né.
Jagunço, como assim tinha bastante jagunço aqui?
Vichi um dia eu vi passa onze ali na Mesquita e Lá no São
Francisco e eles se mataram lá, os jagunço e os colono,
morrerão se mataram.
Ah e o senhor compro as terras deles?
É dessa tropa dali não daquela tropa de lá era uns cuidador
das firma grande de empresa e não sei oque, porque aqui
turma começou a grila terra e entra, entrava sem pedi pra
ninguém, sem nada chegava lá e falava ‘’ que aqui é meu’’ e eu
comprei já era grilo né, mais grilo legalizado pelo dono, comprei
o direito do dono106.
Lucas veio para no município de Santa Helena em meados da década
de 1960, juntamente com sua esposa. Quando chegou à cidade, Lucas
comprou uma área de terra de 12 alqueires, as quais de acordo com ele
pertenciam a um grupo de jagunços. O entrevistado nos indica a presença de
diversos grupos de jagunços, e para, além disso, indica as constantes mortes
originadas pela disputa por terras no referido município. Nesse contexto de
tensões, de acordo com ele os trabalhadores, denominados como jagunços,
eram contratados por firmas colonizadoras para que fizessem a segurança de
áreas de terras das quais os donos de tais empresas diziam ser os
proprietários.
Estas práticas apontam para um universo de interesses e disputas.
Lucas teve condições de negociar com os jagunços e comprar as terras para
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
106
Lucas (Pseudônimo) Entrevista realizada pela autora em 23/08/2012 na residência de Lucas.
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se estabelecer. Ele sabia que assim como estes, as companhias colonizadoras
também tinham áreas de terra para vender, entretanto, não recorreu a elas.
Talvez porque, de alguma maneira, negociar com o grupo de jagunços fosse
mais vantajoso para ele.
Mas nem todos tiveram a mesma possibilidade que o senhor Lucas.
Muitos não tinham dinheiro para negociar com as companhias colonizadoras,
nem com os jagunços. Porém, isso não significava que também estas pessoas
não se colocassem nessas disputas pelo acesso à terra.
Nesse sentido, vale ressaltar ainda, os sujeitos denominados por Lucas
como jagunços não devem ser vistos como os ‘’vilões’’ destas articulações
sociais. Muitos daqueles que Lucas indicou como sendo colonos foram mortos
nos embates com jagunços, assim como muitos jagunços foram mortos por
colonos, ambos eram trabalhadores que buscavam de alguma forma manter
suas dinâmicas de trabalho, se colocando de diferentes formas nos embates
frente à disputa por terras.
Nesse contexto, Maria Celma Borges nos ajuda a pensar a constituição
da Lei de terras, como uma ação que impulsionou os conflitos no campo. De
acordo com a autora:
Após a instituição da Lei de Terras, surgiu uma grande
indústria de falsificação de títulos de propriedade que, em sua
maioria, datavam de um período a ela e ao Registro Paroquial.
Assim, os títulos de propriedades falsificados eram registrados
em cartórios oficiais com conivência dos escrivães e dos
demais funcionários [...]A corrida desenfreada dos grileiros
para a tomada dessas áreas deixou um registro de violência
que permanece na memória dos habitantes dos habitantes 107.
A constituição da Lei de terras não impediu que a falsificação de
registros sobre a mesma continuasse a existir. Nesse sentido, é considerável o
apontamento feito pela autora de que os próprios escrivães consentiam com a
falsificação dos registros. Possivelmente estes aceitavam participar do
processo de falsificação, por serem beneficiados de alguma forma pelos
sujeitos que encomendavam o registro falsificado.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
107
BORGES, Maria Celma. O Desejo do Roçado: Praticas e Representações Camponesas no
Pontal do Paranapanema-SP. Editora Annablume. p 51-52.
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Não é difícil dimensionar os embates que esta prática ocasionou, afinal
uma ou mais pessoas poderiam no contexto destas tramas sociais se
apresentarem como donos de uma área de terra. Logo, outros sujeitos se
colocaram em meio a estes embates, os grileiros. A falsificação de registros
torna-se um negócio, e, além disso, impulsionou a violência e as mortes dos
sujeitos que se colocavam nestas disputas.
Estes apontamentos nos ajudam a compreender a dificuldade que o
senhor Lucas teve ao tentar explicar que os 12 alqueires que comprou na
cidade de Santa Helena eram “grilo legalizado’’. Será que o registro das terras
adquiridas pelo senhor Lucas não foi viabilizado por meio da dinâmica discutida
por Borges108?
Nessa perspectiva de discussão, Paulo Inácio nos ajuda a discutir os
olhares/perspectivas que são feitos sobre as relações elaboradas no campo.
De acordo com ele:
Lá estão os coronéis, reunidos com seus trabalhadores,
vivendo bem próximos,participando junto dos mutirões, das
festas, dançando em bailes, cercados pelos agregados,que são
meros sonâmbulos humanosrecebendo favores dos coronéis,
ou bestializados culturais que reproduzem ritos impostos pela
Igreja Católica, ou seres que, tateando a existência, vão votar
nos candidatos apontados pelos coronéis. Desse meio,
pessoas comuns só aparecem em crimes, são os bandidos
quecirculam pelas fazendas, se colocam a serviço de
proprietários, em alguns casos se voltam contra proprietários,
ou participam de aventuras amorosas. Esse jeito de olhar o
campo tem muita coisa da cidade e pouca coisa do campo.
Geralmente, a visão de que aquela época era um período de
atraso parte de uma comparação simplista: hoje andamos de
carro, eles andavam de carro de boi; temos televisão e energia
elétrica eles usavam lamparina; temos água encanada, eles
buscavam água em córregos; hoje usamos para mediar nossas
necessidades o dinheiro, naquela época trabalhavam por
“trama”, por coberta, litro de manteiga, etc., moramos em casas
próprias ou com posse relativa mediante aluguel, eles
moravam de favor em uma fazenda; podemos comprar com
longas parcelas nas Casas Bahia, eles não tinham direito ao
crediário e consumiam segundo a boa vontade do
proprietário109.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
108
Ao longo da pesquisa almejo problematizar a prática da grilagem na cidade de Santa
Helena, problematizando os conflitos que está ação ocasionou.
109
Inácio, Paulo Cesar, 1965- Sudeste goiano: seus trabalhadores, seus construtores,
suas memórias – nossas histórias / Paulo Cesar Inácio. - 2009. p 27.
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Paulo problematiza as dinâmicas elaboradas no campo em um
contexto em que os coronéis/proprietários de terra são vistos como sujeitos e
que em contrapartida os trabalhadores são vistos como ‘’figurantes’’, pessoas
bestializadas, que são postas por parte da literatura, análises econômicas e até
mesmo por parte da historiográfica como pessoas que apenasreproduzem as
ações e ideias de seus empregadores.
O autor analisa também as representações harmoniosas feitas em
torno das articulações sociais construídas no campo. Compartilho de seu
posicionamento críticofrente a estas questões. Nesse sentido, as indicações
feitas por Lucas diante algumas das experiências que vivenciou na cidade de
Santa Helena são representativas ao demonstrarem diversos sujeitos agindo
sobre as diferentes situações que vivenciavam, não como sujeitos inertes,
dóceis, ou passiveis, mas, sim, como sujeitos que agiam -e que agem- de
acordo com sua própria lógica, buscando alterar suas condições de vida e
trabalho.
Desse modo, reduzir as discussões sobre o campo às formas
simplistas, tornando as dinâmicas construídas pelos sujeitos que tiveram/têm
suas experiências elaboradas a partir desse espaço social como algo exótico,
ou como bases para demonstrar o suposto desenvolvimento/modernização da
sociedade torna-se um “equívoco’’, pois além de limitar as ações de diferentes
agentes históricos contribui-se para a formação de conceitos grotescos como
os de superação ou de um “relembrar saudoso’’, desconsiderando as tensões,
as ações, as negociações e outras diversas formas de enfrentamento entre
pessoas que, longe de serem ‘’sonâmbulos humanos’’, foram e são agentes
ativos e transformadores da sociedade.
Problematizar as práticas elaboradas no campo não significa isolar o
campo da cidade, tampouco fixar espaços sobre os quais os trabalhadores
devem ou não falar, pelo contrário, refletir em torno da experiência de se
vivenciar o campo,significa pensar o fazer dos homens e da sociedade, este
“fazer-se’’ não é algo abstrato, tampouco exótico, mas sim, relações reais,
elaboradas por “homens que se relacionam com outros homens’’ se
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construindo e reconstruindo socialmente110.Frente a isso, faremos agora uma
análise em torno das indicações feitas por Mateus:
Então pra que foi pra cidade?
Fui pra cidade por quê? Porque eu tinha que estuda, eu já
estava no terceiro ano da faculdade em 1984, dai eu já fui na
aula lá em Sub- Sede.
Há então o senhor veio pra da aula.
Eu vim mora em Sub- Sede em 1994 pra da aula só que em
oitenta e cinco eu perdi as aula até hoje é assim é sobras como
se fala hoje na época era seletivo hoje é PSS ai eu fui muito
mal, ai em noventa e dois eu terminei a faculdade em julho, ai
eu estive trabalhando um ano na manutenção da agua em SubSede na associação eu fui o primeiro funcionário lá com grande
honra , mais foi bom pra mim eu ganhei um salario e só que dai
eu tinha muita divida ainda não conseguia mais paga, ai em
noventa e dois eu terminei a faculdade arredei a minha terra,
peguei cavalo lá e fui enverga até no dia vinte e três de
dezembro dai fizemo o natal dai em noventa e três dai eu
peguei doze aulas aqui em São Clemente ai eu comecei até
hoje assim né, tanto é que você era minha aluna né? Fiz muita
amizade realmente, mais como professor eu reconheço eu era
muito pavio curto, há a aqueles planejamentozinho dos ano
noventa que me arruíno, vai toma banho aqueles
planejamentozinho , eu preciso de assunto, de conteúdo, eu
preciso sabe, eu preciso faze essa piazada pensa, lê, escreve,
eu era assim curto e grosso, mais com aqueles negocio de
objetivo de estratégia de avaliação de não sei o que há vai, ai
eu criei um percalço lá, desde a primeira aula de didática,
assim como eu tive o primeiro grande problema no meu
primeiro dia de aula lá em mil novecentos e sessenta, mais
tudo bem, dai eu comecei, trabalhei aqui em São Clemente em
noventa e três e logo em seguida veio o concurso e nesse
concurso eu fui razoavelmente bem passei em Geografia e em
Historia, vinte horas cada um só que Geografia nem assumi,
naquele mesmo ano eu fiz concurso na prefeitura também
passei de primeira a quarta também não assumi111.
Mateus mudou-se do Rio Grande do Sul para Santa Helena em
meados da década de 1970. Logo que chegou a cidade, foi morar, juntamente
com seus pais, na comunidade que atualmente é denominada como Linha
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
110
Paulo Cesar Inácio constrói uma discussão significativa em torno das relações elaboradas
no campo. VER: Inácio, Paulo Cesar, 1965- Sudeste goiano: seus trabalhadores, seus
construtores, suas memórias – nossas histórias / Paulo Cesar Inácio. - 2009. p 40.
111
Mateus (Pseudônimo) Entrevista realizada pela autora em 20/05/2013 na residência de
Mateus.
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Gaúcha. Assim que se casou, ele adquiriu uma nova área de 5 alqueires, onde
foi morar com sua esposa. No entanto, no ano de 1984 ele avaliou que
continuar morando no campo não era a melhor alternativa, já que o término dos
estudos e sua dinâmica de trabalho seriam facilitadas se ele estivesse morando
na cidade.
Mateus mudou-se então para o distrito de Sub-Sede -SH, no entanto,
suas perspectivas com a possibilidade de dar aulas foram frustradas e ele teve
que lidar com o trabalho vinculado a manutenção do abastecimento de água do
distrito.
Mesmo tendo mudado para a cidade, Mateus não se desfez de sua
área de terra, talvez porque soubesse que poderia lucrar muito mais se á
arrendasse do que se á tivesse vendido, além do que, ter estas terras
significava também ter a certeza de que se os planos de trabalho na cidade
não dessem certo, ele e sua família teriam para onde voltar. Esta situação
vivida nos indica que pensar as relações elaboradas no campo não significa
pensar o campo isolado da cidade, mas perceber de que modo os
trabalhadores em suas diferentes condições de classe se utilizam destes
espaços sociais para alteram seus modos e de vida e de que forma se colocam
nos embates que permeiam este fazer-se sociais.
Logo, pensar a constituição dos homens e de suas relações sociais
tendo como base suas experiências no campo, implica também no exercício de
pensar qual o significado que se atribui a terra/campo.
Maria Celma Borges, ao discutir as lutas camponesas na região do
Pontal do Paranapanema, observando as experiências destes trabalhadores
diante suas participações no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terras
(MST), como militantes, dirigentes e assentados nos ajuda a pensar essa
problemática:
As experiências narradas pelos assentados entrevistados,
diferentemente das práticas da direção e da militância, as quais
traziam em sua essência os desejos de ‘’transformação social’’,
vendo o espaço do acampamento com lugar preferencial para
a conscientização politica, ou seja, como ‘’laboratório’’ de
militância, os assentados remetem mais ao deseja da ‘’terra de
trabalho’’, por ser esse o espaço a possibilitar o enraizamento,
a exemplo das ações realizadas no tempo da pesquisa pelo
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setor I do assentamento São Bento, como troca de dias de
serviço para que conseguissem sobreviver na terra112.
Vivenciar o campo, ter uma área de terra não significa a mesma coisa
para todos os sujeitos que tiveram em algum momento este espaço social
como referencia. A autora nos indica que, para aqueles que foram lideres
militantes o espaço do campo, torna-se o lugar preferencial para ‘’implantar-se
a conscientização política’’, já para os assentados vivenciar e participar do
processo de construção de um assentamento significa a possibilidade de
conseguir uma área de terra em que possam trabalhar.
Frente a isso, a reflexão feita pela autora me instiga a pensar quais
eram os sentidos atribuídos a terra, ao viver no campo, pelos sujeitos que
vivenciaram a cidade de Santa Helena entre as décadas de 1960 e 1980.
Nesse sentido, será que todos tiveram a possibilidade de mudar-se
para a cidade e continuar de algum modo mantendo suas articulações com o
campo, como fez Mateus? Por quê correr o risco de ser morto nos constantes
confrontos entre diversos sujeitos que se colocavam nas disputas por uma área
de terra? Por quê os donos das companhias colonizadoras contratavam
trabalhadores para fazerem a segurança de terras que diziam ser de suas
empresas? O que significa a terra para esses donos de empresas? Estas
questões são de extrema importância para a reflexão que pretendo construir ao
longo de minha pesquisa, pois acredito que discutir estes diferentes sentidos
atribuídos ao campo/terra é um passo significativo para problematizarmos as
motivações que permeavam os conflitos por terras na cidade.
A problemática apresentada por Maria Celma Borges nos da
margempara pensarmos não apenas os diferentes sentidos atribuídos ao
acesso a terra, mas, para além disso, o modo pelo qual determinadas pessoas
se lançam à “defesa’’ do direito á esse acesso a terra. No caso discutido por
ela, os líderes de assentamentos vinculados ao (MST) Movimento dos
Trabalhadores Rurais sem Terra, esta “defesa’’ pode estarintimamente ligada a
possibilidade de lançar-se em disputas políticas, logo, nada melhor do que ter o
apoio deste trabalhadores.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
112
BORGES, Maria Celma. O Desejo do Roçado: Praticas e Representações Camponesas no
Pontal do Paranapanema-SP. Editora Annablume. p 28
22 a 24 de agosto Universidade Federal de Uberlândia – Uberlândia, MG, Brasil
!
!
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Muito me intriga a indicação dos líderes do assentamento estudado por
Borges, de que os assentamentos se constituam comoo lugar preferencial para
a conscientização política. Não me parece que os assentados se constituíssem
como pessoas inconscientes, tanto que sabiam o porquê estavam lidando com
a dinâmica de ser um assentando, não estavam ali por que precisavam ser
conscientizados politicamente, estavam ali porque sabiam que esta era uma
possibilidade de conseguirem um pedaço de terra para viverem e trabalharem.
Isso para mim é ter consciência das relações com as quais estavam lidando.
Parece que essa conscientização política enfatizada pelos líderes do
acampamento São Bento, estava pautado em interesses políticos em um
contexto em que conseguir o apoio destes grupos de trabalhadores
significava/significa um passo importante na busca por um lugar nos órgãos
legislativos113.Desse modo, pensar as relações dinamizadas no campo, nos
permite também refletir sobre a tentativa da construção de memórias. Assim,
discutindo problemáticas sobre o Vale do Paranapanema Borges nos diz que:
Poderíamos falar em ‘’solidão’’, na região do Vale do
Paranapanema, se não levássemos em conta a existência de
populações ás quais o próprio autor se referiu no de sua obra,
ou seja, os povos indígenas que nela habitavam, dizimados
pelos primeiros habitantes brancos que, na ‘’conquista do
deserto’’ ou dos ‘’terrenos desconhecidos’’, continuamente
iriam, se, por um lado ocupando as terras pelas pequenas
habitações dos sertanejos que por ali se instalavam na ‘’frente
de expansão’’, por outro, despovoando-as de seus habitantes
imemoriais por meio da tomada de suas terras e do extermínio,
particularmente com a ‘’frente pioneira’’. Tanto que na
atualidade, pouco se sabe ou se estuda sobre as populações
indígenas do Pontal. Vivenciando a violência física, foram ainda
quase excluídos da memória dos habitantes do lugar, no caso
especifico da população do Pontal. Quando lembrados, são na
maioria das vezes, vistos como irreais114.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
113
Gernot Kirinus pastor da Igreja Evangélica Luterana no Brasil (IECLB), vivenciou a chamada
região Oeste do Paraná na década de 1970, momento em que a região passava por um
processo de transformação e tesão social inflamados pela construção do reservatório da Usina
Hidrelétrica de Itaipu. Kirinusse colocou como um dos representantes dos interesses dos
desapropriados e elegeu-se deputado Estadual no ano de 1978, tendo como base o apoio
destes sujeitos. Vemos aqui que processos sociais vividos no campo tornam-se um espaço
onde os interesses não se limitam aos sentidos atribuídos á terra, mas se expandem para
outras possibilidades.
114
BORGES, Maria Celma. O Desejo do Roçado: Praticas e Representações Camponesas no
Pontal do Paranapanema-SP. Editora Annablume. p 38.
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Maria Celma Borges tece as considerações acima a partir do contanto
que teve com autores e instituições como a Comissão Geográfica do Estado de
São Paulo. Assim, a autora problematiza a suposta “solidão’’ da região do Vale
do Paranapanema, solidão que implicou na “conquista do deserto’’ pela “frente
de expansão pioneira’’.
Obviamente a região estudada pela autora não era um deserto, mas o
cabe aqui é um questionamento. O que motiva a disseminação de ideias como
esta por parte de alguns autores e de algumas instituições tidas como
responsáveis por preservar a memória de determinadas cidades? Talvez uma
possível resposta para essa pergunta possa ser dada após analisarmos uma
das matérias vinculadas ao Jornal Costa Oeste 115 em uma das edições
comemorativas ao aniversário do município de Santa Helena. Vejamos então, o
que nos diz a matéria a seguir:
A notícia é boa, terras a venda no Oeste Paranaense. De
acordo com Heitor Loothiu Angeli, no seu interessante trabalho
- Crônicas do Oeste: Histórias de pioneiros: a colonização
Oestina deu-se por cinco caminhos distintos e, segundo o autor
nenhum deles através do Parque Nacional do Iguaçu. Os
primeiros colonos vindos do Rio Grande do Sul, no começo da
década de XX, o fizeram pelo Rio Paraná, e aportaram em
Santa Helena. As famílias Bortolini, Thomé, Prati, Andreolla,
Simione, e muitas outras, estão aqui de testemunhas vivas e
inconstantes da primeira frente verdadeiramente colonizadora
porque temos que separar colono de ocupante116.
A matéria publicada no Jornal Costa Oeste, em uma das edições
comemorativas ao aniversário do município, tenta demonstrar que a
‘’colonização’’ da cidade foi feita por sujeitos vindos do Estado do Rio Grande
do Sul. Para dar credibilidade a está ideia, os editores do jornal utilizam o
trabalho de Lothiu Angeli como base para afirmar a suposta colonização
sulista, além disso, os sobrenomes de algumas destas famílias são, no mesmo
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
115
O Jornal Costa Oeste está situado na Avenida Brasil -956, no centro de Santa Helena Paraná.
Possui circulação semanal todas as sextas-feiras nos municípios Lindeiros ao Lago de Itaipu,
além de distribuição direcionada em Curitiba e Brasília. Inaugurado em 1 de Janeiro de 1991
116
Jornal Costa Oeste, edição especial. Santa Helena 33 anos de amor pra você! 25 de maio
de 2000. Editorial.
22 a 24 de agosto Universidade Federal de Uberlândia – Uberlândia, MG, Brasil
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sentido,
utilizados
como
‘‘provas
incontestáveis’’
da
primeira
frente
verdadeiramente colonizadora á chegar ao município.
No entanto, cabem aqui alguns questionamentos. Por quê temos que
separam colono de ocupante? O que diferencia estes dois sujeitos? A própria
discussão que envolve o conceito de colonização nos ajuda problematizar
estes questionamentos. Nesse sentido, o termo sugere que antes da chegada
dos “colonizadores’’, dos sujeitos vindo do Rio Grande do Sul, Santa Helena
seria um lugar inabitado, ou habitado por pessoas ‘‘incapazes’’ de explorar e
desenvolver o espaço em que viviam. Nesta direção, a noção de colonização
busca construir uma determinada imagem da formação de um determinado
lugar. E uma certa “identidade’’ sulista é reforçada pela ideia de uma
“colonização’’ feita a partir da chegada dos rio-grandenses.
Nessa perspectiva de discussão, voltemos a dialogar com a matéria
vinculada ao Jornal Costa Oeste, lembramos que os editores do jornal
buscaram enfatizar a existência de uma “frente verdadeiramente colonizadora’’
na cidade de Santa Helena. A suposta colonização sulista não foi vivenciada
em contexto harmonioso como os editores do jornal buscaram ressaltar. Sonia
Regina Radaelli nos indica que:
...ao lado dessa colonização direcionada, ocorreu também um
processo de ocupação ‘’espontâneo’’ dirigido por posseiros ou
por companhias particulares ou ilegais com o intuito de
comercializar a propriedade da terra. Dentro dessa conjuntura
é que mais tarde surgiram os conflitos que se deram pela
posse da terra117.
O trabalho da autora intitulado ‘’Coisas de alguém não comum:
conflitos pela posse da terra em Santa Helena-PR’’ tem como intuito discutir as
tensões que permeavam as relações elaboradas na cidade entre as décadas
de 1960-1980. Embora ela não explore de forma efetiva as disputas pelo
acesso á terra, as indicações feitas por Radaelli no trecho acima nos permitem
dimensionar a intensidade destas tensões e nos instigam a investigá-las.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
117
RADAELLI, Sônia Regina. ‘’Coisas de alguém não comum’’: conflitos pela posse da terra em
Santa Helena (1960-1980). Universidade Estadual do Oeste do Paraná-UNIOESTE- Centro de
Ciências humanas Educação, e Letras -CCHEL- Colegiado do curso de História (Trabalho de
conclusão de curso)
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Longe de ser um movimento organizado de “colonização’’, como quis
indicar a matéria exposta pelo Jornal Costa Oeste, as indicações de Sônia
apontam para um processo onde diversos sujeitos elaboravam diferentes
práticas, seja no sentido de obter lucro através da comercialização de terras,
seja no sentido de ocupar determinada área e ali estabelecer suas dinâmicas
de trabalho. Nesse sentido Radaelli indica ainda que:
A empresa Alegretti e Companhia continuaria desenvolvendo
precariamente suas atividades colonizadoras em Santa Helena
até o ano de 1952 quando foi finalmente adquirida pela
Imobiliária Madalozzo Ldta. A Madolozzo, não conseguindo
convencer os proprietários das terras de Santa Helena Velha a
vender-lhe uma área suficiente para a implantação de seu
projeto urbano, conforme obrigação contratuais com o governo
do estado, delibera por adquirir uma área localizada 11
quilômetros ao Norte, originando o loteamento cidade de Santa
Helena.118
As empresas Alegretti e Madalozzo são por vezes citadas por José
Augusto Colodel em seu trabalho ‘’Obragens e Companhias Colonizadoras,
Santa Helena na História do Oeste Paranaense até 1960’’, como as
“responsáveis’’ por trazer sulistas e alguns catarinenses para “colonizarem’’ o
município. E como podemos perceber a partir dos apontamentos de Sonia, a
Imobiliária Madalozzo foi também responsável pela efetivação do projeto de
construção da cidade de Santa Helena.
Entretanto, não foi tão fácil como esperavam, tanto que tiveram que
mudar o lugar onde se implementaria o loteamento Santa Helena. Certamente
isso aconteceu porque a área onde pretendiam construir Santa Helena estava
ocupada por sujeitos que se recusaram a deixar o local, que atualmente é
denominado Santa Helena Velha, possivelmente o nome seja uma referencia a
um projeto que não aconteceu119 .
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
118
RADAELLI, Sônia Regina. ‘’Coisas de alguém não comum’’: conflitos pela posse da terra em
Santa Helena (1960-1980). Universidade Estadual do Oeste do Paraná-UNIOESTE- Centro de
Ciências humanas Educação, e Letras -CCHEL- Colegiado do curso de História (Trabalho de
conclusão de curso
119
Durante a pesquisa nos arquivos do Fórum Municipal de Santa Helena, fui informada que o
embate diante a construção do ‘’loteamento Santa Helena’’ gerou disputas entre os sujeitos
que residiam na área em que pretendiam efetivar o empreendimento e a Imobiliária Madalozzo,
estes processo estão arquivados no Fórum Municipal de Matelândia. Nesse sentido a pesquisa
neste acervo será feita no decorrer do segundo semestre.
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Pensar os conflitos por terras em Santa Helena envolve lidar com
questões que não se resumem a uma ação, pois práticas diversificadas se
colocavam nesses embates. À exemplo de tensões, como esta envolvendo o
“loteamento Santa Helena’’, que são por vezes minimizadas em prol de
discursos harmoniosos como vimos na matéria veiculada pelo Jornal Costa
Oeste.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BORGES, Maria Celma. O Desejo do Roçado: Praticas e Representações
Camponesas no Pontal do Paranapanema-SP. Editora Annablume. p 51-52.
COLODEL, José Augusto. Obragens e Companhias Colonizadoras, Santa
Helena na História do Oeste Paranaense até 1960. Santa Helena:
ASSOESTE, Ed. Educativa, 1988. p 53-54.
INÁCIO, Paulo Cesar, 1965- Sudeste goiano: seus trabalhadores, seus
construtores, suas memórias – nossas histórias / Paulo Cesar Inácio. 2009. p 18.
MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. O 18 de Brumário de Louis Bonaparte. In:
MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. Obras escolhidas. Moscou: Progresso,
1982.p 487.
RADAELLI, Sônia Regina. ‘’Coisas de alguém não comum’’: conflitos pela
posse da terra em Santa Helena (1960-1980). Universidade Estadual do Oeste
do Paraná-UNIOESTE- Centro de Ciências humanas Educação, e Letras CCHEL- Colegiado do curso de História (Trabalho de conclusão de curso)
FONTES:
Orais:
Mateus (Pseudônimo) Entrevista realizada pela autora em 20/05/2013 na
residência de Mateus.
Lucas (Pseudônimo) Entrevista realizada pela autora em 23/08/2012 na
residência de Lucas.
Imprensa:
Jornal Costa Oeste, edição especial. Santa Helena 33 anos de amor pra você!
25 de maio de 2000. Editorial.
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AGRONEGÓCIO, RELAÇÕES DE TRABALHO NO CAMPO E
SINDICALISMO RURAL NO OESTE DO PARANÁ, 1980-2014120
Vagner José Moreira (UNIOESTE)
[email protected]
RESUMO:
O artigo apresenta parte dos resultados da pesquisa de estágio pós-doutoral
sobre a história e historiografia da experiência social de trabalhadores
vinculados à avicultura na região Oeste do Paraná, no período de 1970 a 2013,
desenvolvido em História Social do Trabalho na Universidade Estadual de
Campinas. A investigação parte do presente vivido pelos trabalhadores rurais e
perscruta, historicamente, a inserção desses sujeitos no processo de produção
e agroindustrialização de aves, problematizando a respectiva organização do
trabalho e as relações de trabalho. No final do século XX e início do século XXI,
com a diversificação e tecnificação das atividades agropecuárias nas pequenas
propriedades, moldados pelo agronegócio, o trabalho passou a não ser apenas
familiar, ocorrendo à contratação de trabalhadores para o trabalho nos aviários.
O fato não é isolado, pois ocorreu também em outras atividades agropecuárias,
como na produção de leite e de suínos. Todavia, a experiência de exploração
vivida pelos trabalhadores rurais agrava-se diante da tradição e práticas
sindicais dos sindicatos de trabalhadores rurais vinculados aos interesses de
classe dos proprietários rurais.
Palavras-chave: Agronegócio, avicultura, sindicalismo rural.
A versão hegemônica construída para história da avicultura no Oeste
do Paraná, que transforma a produção de frango do modo artesanal e familiar
para produção industrial da carne de frango, oculta a expropriação e
exploração dos trabalhadores, mas edifica e mitifica a “saga da avicultura”121 .
O processo histórico reorganizou a produção de aves no Brasil e
pressionou alterações nas relações de trabalho no campo e na vida dos
trabalhadores rurais, a partir de meados do século XX, que era habitualmente
realizada pelas próprias famílias dos pequenos proprietários rurais, que se
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
120
O texto apresenta resultados da pesquisa de pós-doutorado em História Social do Trabalho,
pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, “História da avicultura no Oeste do
Paraná: trabalhadores e o processo industrial de produção de frangos (1970-2013)”.
Financiamento CNPq.
121
COSTA, S. (coord.); FERREIRA, M. The saga of the Brazilian poultry: how Brazil has
become the Word´s largest exporter of chicken meat. A saga da avicultura brasileira: como o
Brasil se tornou o maior exportador mundial de frango. Rio de Janeiro: Insight; São Paulo:
UBABEF,
2011.
p.
8.
Disponível
em:
<http://www.insightnet.com.br/publica/LIVRO_A%20saga%20do%20frango_site.pdf>. Acesso
em: 28/02/2013.
22 a 24 de agosto Universidade Federal de Uberlândia – Uberlândia, MG, Brasil
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integravam às fábricas processadoras de carne de frango – os frigoríficos –
utilizando-se de pouco trabalhadores contratados para a atividade. No final do
século XX e início do século XXI, com a diversificação e tecnificação das
atividades agropecuárias nas pequenas propriedades, o trabalho passou a não
ser apenas familiar, ocorrendo à contratação de trabalhadores para o trabalho
em aviários. O fato não é isolado, pois ocorreu também em outras atividades
agropecuárias, como na ordenha das vacas para a produção de leite ou no
trabalho na granja de suínos. A relação de trabalho no campo tradicionalmente
nomeada como “parceria”, que remonta o Estatuto da Terra de 1964, utilizada
para descrever as relações de trabalho em aviários, porém trata-se do uso da
legislação para desrespeitar os direitos trabalhistas e previdenciários.
A lógica adotada pelas indústrias com o sistema integração vertical
está fundamentada no repasse de parte dos custos da produção avícola aos
avicultores, como a construção e a manutenção dos aviários, para o
fornecimento da matéria-prima – o frango – e na garantia da produtividade de
cada lote de frango entregue aos avicultores, por meio do sistema de
conversão alimentar122. O valor do frango é definido pela capacidade de fazê-lo
chegar ao maior peso com a menor quantidade possível de ração consumida
durante o período de engorda de 45 dias – o “fazer o frango” –, pesando em
torno de três quilos cada. No tempo da galinha caipira o período para um
frango “ficar pronto” para o consumo demorava de seis a oito meses.
A produtividade relacionada à percentagem na produção como fator
para definição do salário do trabalhador rural foi inserida no campo com as
transformações capitalistas nas últimas quatro ou cinco décadas. Para Ivan de
Otero Ribeiro, Paulo Bastos Cesar e Roberto Iazlovitch Besnosik, a produção
integrada às agroindústrias no Extremo Oeste do Paraná, associado ao
processo de intensificação da tecnificação e da mecanização da produção
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
122
Cf. SILVA, R. N. B., op. cit. STORTI, I. As Estratégias de existência camponesa entre os
agricultores vinculados à Copagril. 2010 111 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) –
Programa de Pós Graduação em Geografia, Universidade Estadual do Oeste do Paraná –
UNIOESTE, Francisco Beltrão, 2010. PAULILO, M. I. S. Produtor e agroindústria: consensos e
dissensos. Florianópolis: UFSC, 1990. TOEBE ZEN, R. O processo de trabalho dos avicultores
parceiros da Sadia S.A.: controles, mediações e autonomia. 2009. 124 f. Dissertação (Mestrado
em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Estadual do Oeste
do Paraná.
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agropecuária, que os autores qualificam como “surto modernizador pós-1970”,
reorganizou a propriedade fundiária e a produção no campo, expropriou e
expulsou a maioria dos agricultores não proprietários – sem terras –,
aumentando significativamente o proletariado urbano e rural123. Para Ribeiro,
Cesar e Besnosik, as transformações na base técnica da agropecuária
repercutiram nas relações sociais no campo:
No extremo oposto, o processo de modernização deu lugar à consolidação
de um estrato significativo de produtores agrícolas apoiados
fundamentalmente no trabalho familiar, mas, ao mesmo tempo,
tecnificados e capitalizados no sentido de uma integração crescente ao
complexo agroindustrial e aos circuitos de financiamentos da produção. [...]
Em virtude de uma conjuntura de mercado extremamente favorável
durante a maior parte dos anos 70, consolidou-se e prosperou uma
produção familiar capitalizada, correspondente de certa forma a uma
pequena burguesia rural.124
O relatório da pesquisa produzido pelos autores foi concluído em 1981.
Para tratar do processo de intensificação da tecnificação e das relações
capitalistas no campo – nomeado como “modernização” – os autores utilizamse de inúmeras entrevistas com diversos sujeitos implicados com a
agropecuária industrial no Extremo Oeste do Paraná, incluindo a avicultura, e
concluíram que, naquele momento, ocorreram transformações nas relações
sociais e reconfiguração nas classes sociais agrárias. Em 1980 as atividades
agropecuárias não eram mais as mesmas das décadas de 1950 e 1960. O
processo histórico interpretado pelos autores alterou-se até o presente,
ampliando significativamente o uso de tecnologias na produção agropecuária e
agroindustrial. Do mesmo modo, se na década de 1980 determinadas relações
sociais de trabalho apresentavam-se como tendências, hoje são realidades
vividas no campo.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
123
Para Moacir Palmeira o deslocamento rural-urbano não está relacionado apenas ao
processo que se convencionou nomear como “modernização conservadora”, sendo possível
verificar o “êxodo rural” desde o principio do século XX. O que há de “novo” a partir da década
de 1970 é a expulsão e a expropriação das relações sociais do trabalhador rural e a
impossibilidade de retorno ao campo aos moldes anteriores. PALMEIRA, M. Modernização,
estado e questão agrária. Estudos Avançados, v.3 n.7 São Paulo, set./dez. 1989. Disponível
em: <http://www.scielo.br/pdf/ea/v3n7/v3n7a06.pdf>. Acesso em 29 ago. 2013.
124
RIBEIRO, I. O.; CESAR, P. B.; BESNOSIK, R. I. Modernização e diferenciação social na
agricultura brasileira: um estudo no Extremo-Oeste do Paraná. Relatório Final Extremo-Oeste
Paranaense. Projeto de evolução recente e situação atual da agricultura brasileira. Rio de
Janeiro: Ministério da Agricultura/Fundação Getúlio Vargas, 1981. p. 145.
22 a 24 de agosto Universidade Federal de Uberlândia – Uberlândia, MG, Brasil
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Nas duas últimas décadas, os proprietários de aviários se organizaram
em associações de avicultores para reivindicarem contratos de integração em
melhores condições com as fábricas processadoras de carne de frango, como
a redução no custo na produção e melhor preço do produto final. Sobre o
processo histórico de formação da classe, Edward P. Thompson afirma que o
“fenômeno histórico, que unifica uma série de acontecimentos díspares e
aparentemente desconectados, tanto na matéria-prima da experiência como na
consciência”125, de identificação histórica e cultural de classe, tem aproximado
avicultores e demais pequenos agropecuaristas da região Oeste do Paraná das
demandas políticas do agronegócio e dos sindicatos patronais – a burguesia
agroindustrial. Parte significativa dos pequenos proprietários filiados e
dirigentes dos sindicatos de trabalhadores rurais mantém como prática sindical
o distanciamento político das demandas dos trabalhadores rurais assalariados,
cujo vínculo trabalhista ocorre também com estes pequenos proprietários126. A
propriedade privada da terra tem produzido valores liberais de classe tornando
difícil uma identidade de interesses comuns entre pequenos proprietários e
trabalhadores rurais não proprietários e sem terras.
As relações sociais capitalistas fundamentadas na reorganização da
produção agropecuária tornaram-se hegemônicas no final do século XX. Esse
processo histórico está intimamente associado às disputas dos trabalhadores
por direitos trabalhistas e aos diversos movimentos sociais de luta pela terra127.
A reorganização do trabalho no campo pelos proprietários de terra relaciona-se
ao movimento hegemônico de negação de direitos trabalhistas previstos pelo
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
125
THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa. A árvore da liberdade, v. 1. 3 ed.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. p. 9.
126
Cf. CHRIST, F. M. Memórias, projetos e lutas na formação história do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu/PR (1970-2009). 2010. 157 f. Dissertação
(Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em História, Universidade
Estadual do Oeste do Paraná, Marechal Cândido Rondon, 2010. VARUSSA, R. J. Disputas na
Justiça do Trabalho: memórias e histórias a partir do Oeste do Paraná (década de 1980 a
2000). Diálogos, DHI/PPH/UEM, v. 13, n. 2, p. 441-460, 2009.
127
Cf. MORAES JUNIOR, L. R. Mastro: a formação do Movimento dos Agricultores Sem Terra
do Oeste do Paraná (1970-1990). 2011. 151 f. Dissertação (Mestrado em História) – Programa
de Pós-Graduação Stricto Sensu em História, Universidade Estadual do Oeste do Paraná,
Marechal Cândido Rondon, 2011. MOREIRA, V. J. O levante comunista de 1949: memórias e
histórias da luta pela terra e da criminalização dos movimentos sociais de trabalhadores no
Noroeste paulista. Cascavel: Edunioeste, 2012.
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Estatuto do Trabalhador Rural 128 , que pressionaram, contraditoriamente, a
intensificação do uso de tecnologias, tais como, mecanização da produção,
sementes transgênicas, utilização de diversos implementos agrícolas, venenos
(inseticidas, herbicidas, fungicidas). Em substituição das relações sociais de
trabalho
anteriormente
encontradas
no
campo
(como
o
posseiro,
o
arrendatário, o parceiro, o agregado, o trabalhador assalariado permanente,
entre outros), que possibilitava ao trabalhador e sua família residirem no campo
e usufruir de moradia, cultivo de subsistência, criação de pequenos animais,
lenha, entre outros, assentada em direitos costumeiros, ocorreu à expulsão e a
expropriação dos trabalhadores rurais do campo 129 . Em seu lugar foram
introduzidas relações de trabalho baseadas em diversas formas de
assalariamento, não raro sem registro em carteira de trabalho e garantias
previdenciárias; e apenas os 50m² para o cultivo de uma horta. Os trabalhos
nos aviários, nas granjas de suínos e na produção de leite não são mais nas
mesmas condições em que era o trabalho na agropecuária há cinco décadas.
Assim, as transformações na base técnica da agropecuária não estão apenas
relacionadas ao aumento da produtividade. Para Moacir Palmeira, o “projeto
em que investem é um projeto de classe, não é um projeto de setor, e a
sociedade vislumbrada em suas manifestações não cabe nos limites da
agricultura.”130
A trama vivida pelos trabalhadores torna-se ainda mais intricada diante
da atuação do sindicalismo rural no Oeste do Paraná, que não tem uma
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
128
Para Maria Aparecida de Moraes Silva, o Estatuto do Trabalhador Rural foi “fundamental na
expulsão dos trabalhadores” do campo e representou “a intensificação da exploração da força
de trabalho”. De fato, a legislação permitiu a contratação do trabalho temporário e informal –
precário –, contudo, a autora desconsidera a luta dos trabalhadores rurais e dos movimentos
sociais para pressionar a aprovação da legislação e os usos que fizeram os trabalhadores da
lei. A autora parte da leitura hegemônica das classes proprietárias que justificaram a
expropriação das relações sociais consuetudinárias e “mandaram embora” os trabalhadores
por “culpa” dos sindicatos, ou melhor, do Estatuto do Trabalhador Rural. Cf. SILVA, M. A. M.
Errantes do fim do século. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999. p. 64. Para uma
perspectiva historiográfica crítica da perspectiva da socióloga e do significado do Estatuto do
Trabalhador Rural para os trabalhadores, Cf. CUNICO, J. M. op. cit. Capítulo II. Tem também o
clássico artigo de Caio Prado Júnior, Cf. PRADO JÚNIOR, C. O Estatuto do Trabalhador Rural.
In: ______. A questão agrária no Brasil. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 2000.
129
Cf. CUNICO, J. M. op. cit.; MOREIRA, V. J. op. cit.; PALMEIRA, M. op. cit..
130
PALMEIRA, M. op. cit., p. 88. (Grifos do autor).
22 a 24 de agosto Universidade Federal de Uberlândia – Uberlândia, MG, Brasil
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tradição de luta e organização dos trabalhadores131 e prezam, antes de tudo,
pela prática da negociação após o rompimento do vínculo empregatício.
A experiência social do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Toledo
(STRT) é expressiva do sindicalismo rural da região Oeste do Paraná. A
narrativa do senhor Delvo Baldin, 61 anos, natural de Lagoa Vermelha, Rio
Grande do Sul, presidente do STRT há pouco mais de um ano, permite avaliar
as práticas e políticas sindicais direcionadas às relações de trabalho no campo,
em particular, a “parceria”. O senhor Delvo antes de assumir como presidente
foi tesoureiro e relata que atua no sindicato há mais ou menos 25 anos. E ainda
trabalha na sua pequena propriedade localizada na área rural de Toledo. O
senhor Delvo explica que não fará a sucessão rural, pois o filho formou-se em
administração e atua na área. Até hoje produz soja e milho na propriedade,
mas durante muito tempo também criou suínos e nos últimos dois anos que
manteve a suinocultura contratou um “parceiro” para a atividade. Quando
questionado se na região ocorre muito à contratação de “parceiros”:
Delvo: Agora muitos contratam, muitos contratam.
Pesquisador: E aí o sindicato tem uma relação, tem dados sobre isso?
Delvo: Na verdade esse é o nosso desafio, é o nosso desafio de nós irmos
a campo e tomar conhecimento de quantos são esses trabalhadores e ter
uma conversa, um diálogo com esse povo porque nós não temos isso. O
sindicato nunca fez esse trabalho de chegar e conversar, por exemplo,
com esses trabalhadores rurais que tão empregados lá cuidando, por
exemplo, tanto da avicultura como em outras atividades, a pecuária de leite
e suinocultura. Então, nós temos essa dificuldade e nós não temos. Mas é
o desafio e nós temos a proposta desse ano a gente ir a campo e buscar
esse trabalho. Então, é uma pena eu não posso te dar todas essas
informações.
Pesquisador: Mas o senhor sabe como que é o contrato de trabalho entre
os avicultores e os trabalhadores de aviário?
Delvo: É, então, varia muito de situação pra situação, assim, de
proprietário para proprietário é... outros... muitos fazem assim, uma
parceria, que tem a participação no resultado. Outros, então, são
empregados assim mensais, recebendo o seu salário.
Pesquisador: Como é que é essa parceria?
Delvo: Bem, essa parceria ela é feita assim, dependendo do resultado
final. Ele [o trabalhador] tem uma percentagem em cima do resultado,
então, é assim que funciona.
Pesquisador: Isso não é salário?
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
131
VARUSSA, R. J. Disputas na Justiça do Trabalho...; Talvez a exceção tenha sido o
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu durante a década de 1980, Cf.
CHRIST, op. cit.
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Delvo: Na verdade, a parceria não é considerada trabalho... salário. É, mas
ali a CLT é meio complicado, daí tem muitas ações. E nós também fizemos
parte aqui de uma junta conciliadora. Aí depende muito da interpretação,
da Justiça quando há assim esses delitos, ou diria assim, uma, mais
entrosamento patrão/empregado e acaba indo pra Justiça pra fazer o
acerto, por exemplo, na hora da rescisão do contrato e coisas assim.
Então, ali é muitas vezes considerado salário, dependendo muito da
situação.
Pesquisador: O senhor poderia dar um exemplo pra eu entender? Quando
é considerado salário e quando não é considerado salário?
Delvo: Bom, isso depende muito, assim, de como que é lá o contrato feito,
as cláusulas do contrato feito. Então, isso depende muito, varia muito,
mas, por exemplo, assim, a pessoa é contratada pra ter como um trabalho
lá um percentual, trabalhar sempre em porcentagem, do resultado.
Pesquisador: Por exemplo, dez, quinze, vinte por cento?
Delvo: É, vamos dizer assim, vinte por cento. Mas aí ele trabalha no
sábado, no domingo e à noite e aí, muitas vezes, a lei interpreta isso como
salário e que ele teria direito a hora extra. E ele pode questionar isso na
Justiça. Aí é uma questão muito de advogado, de interpretação do juiz
também. É meio complicadinho essa situação quando vai pra esse lado aí.
Por isso, às vezes, é interessante fazer um contrato bem feito que não da
essa, essa, vamos dizer, essa vantagem depois pro empregado, por
exemplo, pedir na Justiça horas extras ou mesmo insalubridade, outras
coisas assim.132
O presidente do sindicato conhece a legislação e reconhece o seu
descumprimento à medida que os contratos de parceria não estão adequados
às relações de trabalho realmente vividas no campo. Ao final do trecho da
narrativa citada, o senhor Delvo constrói sua identificação social e define a sua
posição enquanto presidente do STRT e proprietário de terra. Esse é um dos
dilemas do sindicalismo dos trabalhadores rurais, que mantém na mesma base
sindical “pequenos proprietários” em regime de “agricultura familiar” 133 ,
compreendidos como “trabalhadores rurais”, e trabalhadores rurais não
proprietários – assalariados134. Com a intensificação das transformações na
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
132
BALDIN, Delvo. Entrevista realizada pelo autor em 19 de fevereiro 2014. Duração: 23 mim.
(Grifo nosso).
133
A definição de pequena, média e grande propriedade é determinada pelo Estatuto da Terra,
Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964, que instituiu os módulos fiscais para fins de
cobrança de Imposto Territorial Rural, alterado pela Lei n. 6.746/1979, que estabeleceu que até
um módulo fiscal fosse minifúndio; de um a quatro módulos fiscais é uma pequena
propriedade. Na Região Oeste do Paraná um módulo fiscal corresponde a 18 hectares. Assim,
é considerado pequeno proprietário quem possuir até 72 hectares.
134
A manutenção na mesma base sindical “pequenos proprietários rurais” e trabalhadores
rurais assalariados está relacionado ao sindicalismo rural de tradição comunista durante as
décadas de 1950-60, que buscou construir uma aliança entre os pequenos proprietários e os
demais trabalhadores rurais (assalariados rurais, posseiros, parceiros, arrendatários, entre
outros) contra os latifundiários, contraditoriamente, conformado no Estatuto do Trabalhador
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base técnica da agropecuária a partir da década de 1970 a contratação de
trabalhadores ocorria ocasional e sazonalmente com os trabalhadores
diaristas, sem vínculo empregatício, em ocasião das colheitas ou de alguma
emergência de mão de obra no campo – os chamados “boias-frias”. As
transformações na mesma base técnica na última década do século XX, com a
intensificação da produção industrial de leite, aves e suínos com produção
integrada às agroindústrias, motivaram os pequenos proprietários a contratar
trabalhadores permanentes com regularidade. Os interesses econômicos e
políticos entre pequenos proprietários e trabalhadores rurais assalariados não
mais se articularam135. Talvez, seja esse o motivo que levou o senhor Delvo a
projetar para o futuro o trabalho sindical que poderia coibir a transgressão da
legislação trabalhista. O trabalho no sindicato limita-se a receber as demandas
dos trabalhadores após o rompimento do contrato de trabalho e encaminhá-las
ao advogado conveniado. O senhor Delvo avalia ao final da entrevista que, na
verdade, os trabalhadores não são registrados e são contratados como
“parceiros” para “ludibriar o trabalhador, pra realmente o patrão sair das
obrigações trabalhistas”136. É provável que o entrevistado tenha cogitado a sua
condição enquanto presidente do sindicato e alterado a narrativa, uma
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Rural, Lei n. 4.214 de 2 de março de 1963, revogado pela Lei n. 5.889, de 8 de junho de 1973.
Apenas com o Estatuto do Trabalhador Rural que o sindicalismo rural foi regulamentado. O
enquadramento sindical a partir da Constituição Federal de 1988 permitiu a criação de
sindicatos de trabalhadores rurais – assalariados rurais – porém, em regiões que não contam
com a organização dessa categoria os sindicatos não foram reorganizados e a separação das
categorias não foram efetivadas na base sindical.
135
No passado, principalmente na década de 1980, parte do sindicalismo rural de São Miguel
do Iguaçu, Oeste do Paraná, conseguiu a articulação dos interesses dos pequenos
proprietários e trabalhadores rurais sem terras, quando parte de seus dirigentes, alguns
pequenos proprietários, militaram na luta pela terra e na organização dos sem terras na luta
pela terra, Cf. CHRIST, F. M. op. cit. MORAES JUNIOR, L. R. op. cit. Sobre o sindicalismo rural
no Paraná, Cf. SILVA, O. H. A organização sindical dos produtores rurais integrados à
agroindústria: representações dos avicultores e suinocultores do Paraná. Disponível em:
<http://biblioteca.clacso.edu.ar/ar/libros/anpocs/heller.rtf>. Acesso em: 02 out. 2013. SILVA, O.
H. A gênese do sindicalismo rural no Paraná: reflexões sobre as carreiras de dirigentes. In:
FERNANDES, B. M.; MEDEIROS, L. S.; PAULILO, M. I. (orgs.) Lutas camponesas
contemporâneas: condições, dilemas e conquistas, v. 1: o campesinato como sujeito político
nas décadas de 1950 a 1980. São Paulo: UNESP; Brasília, DF: Núcleo de Estudos Agrários e
Desenvolvimento Rural, 2009. Contudo, convém indagar e investigar se no passado a
articulação política entre trabalhadores rurais sem terra e pequenos proprietários rurais não
passou de um projeto de um setor da classe para a classe, dificilmente factível para a realidade
vivida da luta de classes e dos valores que permeiam a propriedade privada da terra no Brasil?
136
BALDIN, Delvo. op. cit.
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particularidade na produção e no uso da fonte oral137, mas evidencia a prática
social e sindical cotidiana.
O cumprimento dos direitos trabalhistas e previdenciários depende, não
raro, de ações na Justiça do Trabalho e na Justiça Comum, mediados por
advogados que atuam ou não vinculados aos sindicatos dos trabalhadores
rurais da região Oeste do Paraná. Isso significa que a reclamação trabalhista
referente às péssimas condições de trabalho e situações precárias, sem a
formalização por meio de registro em CTPS, ocorre apenas depois de rompido
o contrato de trabalho, em que o trabalhador reclama na Justiça do Trabalho o
cumprimento da legislação.
A lógica comumente adotada pelos trabalhadores rurais constitui-se em
trabalhar durante muito tempo para um determinado proprietário rural (dez,
quinze, vinte anos ou mais) e depois reclamar na Justiça do Trabalho os
direitos trabalhistas negados e não pagos. A prática fundada no costume de
não confrontar o patrão proprietário consiste resguardar a permanência no
trabalho, pois avaliam com razão que acionar o patrão na Justiça do Trabalho
enquanto ainda são seus subordinados pode levá-los a perder o emprego.
Agora, tal prática tornou-se um problema para os trabalhadores rurais,
uma vez que as mudanças introduzidas na Constituição de 1988, a Emenda
Constitucional 28/2000, previu a prescrição dos direitos trabalhistas não
reclamados depois de transcorridos cinco anos e depois de transcursados dois
anos da rescisão contratual. A alteração constitucional colidiu com os costumes
de não confrontar o patrão durante a vigência da relação de trabalho – fato que
tem levado os trabalhadores rurais perderem seus direitos trabalhistas.
Embora, em decisão recente, o TST amparou os direitos dos trabalhadores
prescrevendo os contratos celebrados “apenas” após a Emenda Constitucional
28/2000, de 25 de maio de 2000138. Mesmo com as mudanças na legislação os
trabalhadores rurais ainda não construíram uma tradição acionar seus
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
137
PORTELLI, A. O que faz a história oral diferente. Projeto História, São Paulo, Educ, n. 14, p.
25-39, fev.1997.
138
TST – RECURSO DE REVISTA: RR 60900-78.2004.5.15.0029. Relator Renato de Lacerda
Paiva. Julgamento em 26 de outubro de 2011. JusBrasil. Disponível em:
<http://tst.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/20696322/recurso-de-revista-rr609007820045150029-60900-7820045150029-tst>. Acesso em: 24 mar. 2014.
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respectivos patrões na Justiça do Trabalho durante a vigência do contrato de
trabalho.
Além do assalto aos direitos trabalhistas e o ardil na negação dos
costumes dos trabalhadores rurais, outra possível pressão para a mudança
constitucional está relacionado ao fato de que uma reclamação trabalhista
muitas vezes inviabilizava parte ou totalidade da propriedade privada à medida
que a indenização aos trabalhadores rurais poderia ultrapassar o valor da
propriedade139 . Enquanto o direito de propriedade privada é inalienável, os
direitos dos trabalhadores são alienados pela mudança constitucional e
prescrevem se não forem reclamados no tempo determinado.
Todavia, após o rompimento do contrato de trabalho, os trabalhadores
rurais procuram os sindicatos dos trabalhadores rurais140 e são encaminhados
aos advogados trabalhistas para dirimir as demandas dos trabalhadores.
O tema da “parceria” entre avicultores e trabalhadores de aviários
também apareceu na entrevista com o senhor Luiz Ari Bernardi, presidente da
AAVIOPAR. Ao mesmo tempo, tratou-se sobre a história da AAVIOPAR, as
demandas dos avicultores e das lutas políticas e as negociações junto a BR
Foods e a Globo Aves, fábricas de processamento de carne de Toledo e
Cascavel, respectivamente, que integram a maioria dos avicultores filiados na
associação. A narrativa do senhor Luiz Bernardt sobre as relações de trabalho
entre os avicultores e os trabalhadores de aviários é expressiva dos interesses
em disputa:
Luiz Ari Bernardt: [...] Outra coisa importante que nós estamos pedindo é...,
é o nosso produtor tem um problema seríssimo de hoje trabalhista, então
se nós colocarmos, o produtor, nosso funcionário como, na nota de
produtor, e ele entra como integrado, recebe percentagem, ele tá na nota,
ele mesmo que ganha a comissão dele, mas ele vai tá na nota, ele, ele,
fica fácil pra provar pra um juiz que ele é um integrado realmente, agora se
ele não aparece, ele não vendeu nada, não gastou nada. [...] Esse
funcionário tem que colocar na minha nota, a nota que eu entrego a cada
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
139
VARUSSA, R. J. Disputas na Justiça do Trabalho...
Esse não é o caso do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Marechal Cândido Rondon
(STR-MCR), pois em entrevista com o representante jurídico e advogado do STR-MCR até hoje
nunca recebeu uma reclamação trabalhista de trabalhadores de aviários. Os trabalhadores
rurais de Marechal Cândido Rondon não se sentem representados pelo STR-MCR? Parece
que sim, pois outros advogados trabalhistas têm representado trabalhadores rurais da base do
STR-MRC na Justiça do Trabalho local.
140
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carga que vai eu tenho que colocar uma nota no meu nome, vai no meu
nome e outro, esse outro é ele, é o funcionário, por isso, se ele entrar, no
final da coisa, entra com uma ação na Justiça querendo, pagá, o juiz te dá
vínculo trabalhista, daí vínculo trabalhista tem que pagar um monte de
coisa [...].141
A narrativa do avicultor e presidente da AAVIOPAR sobre a mão de
obra é muito parecida com os reclames de demais membros da burguesia
agrária no Oeste do Paraná: falta de mão de obra e qualificação para o
trabalho no campo. A representação sindical dos avicultores no Oeste do
Paraná está atenta as possíveis mudanças na legislação que rege a relação
entre avicultores e as indústrias de abate e processamento de carne de frango,
os contratos de integração – as “parcerias”142 –, informando ao pesquisador
que se posicionou contra a tratativa do Ministério Público do Trabalho de
Chapeco, Santa Catarina, que pleiteou o vínculo trabalhista entre avicultores e
as indústrias integradoras. O senhor Luiz Bernardt compartilha a sua posição
com o diretor executivo da Associação Catarinense de Avicultura (Acav),
Ricardo Gouvêa, e com o presidente do Sindicato dos Criadores de Aves do
Estado de Santa Catarina (Sincravesc), Valdemar Kovaleski, que assevera: “O
que os avicultores querem é uma atividade rentável, retorno da mão de obra
empregada e do capital investido. Todo trabalho que estamos fazendo é para
equilibrar a situação e garantir renda para os criadores”143 . A posição contrária
ao vínculo empregatício entre os avicultores e a BR Foods, que foi o caso em
litígio, apresentou-se ao senhor Luiz Bernardt como paradigma para a relação
social vivida entre os avicultores e os trabalhadores de aviários.
A história do trabalho e dos trabalhadores rurais do Oeste do Paraná
não tem termo, pois segue o ritmo intenso marcado pela reorganização
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
141
BERNARDT, Luiz Ari. Entrevista realizada pelo autor em 24 fev. 2014. Duração: 60 min.
Refere-se ao PL 6459/2013 em tramitação no Congresso Nacional, que dispõe sobre os
contratos de integração, estabelece condições, obrigações e responsabilidade nas relações
contratuais entre produtores integrados e integradores.
143
UMA decisão histórica. O Presente Rural, 5 out. 2010. Disponível em:
<http://www.opresenterural.com.br/noticias.php?n=2383>. Acesso em: 30 set. 2013. Para a
decisão do TST, Cf. TST. Recurso de revista. Parceria rural. Contrato de parceria para a
produção avícola. Incompetência da Justiça do Trabalho. PROCESSO n. TST-RR-2930045.2009.5.04.0522. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/web/guest/processos-do-tst>. Acesso
em 30 set. 2013.
142
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contínua das relações de produção no campo, moldada pelo capitalismo, que
assumiu “roupagem nova” com o epíteto de “agronegócio”.
As transformações capitalistas no campo intensificou a precariedade
das relações de trabalho rurais e agora sob o risco da situação piorar ainda
mais, pois notícias catastróficas pululam na imprensa e no Congresso Nacional
anunciando a “revisão da atual legislação trabalhista rural”, propugnado pela
burguesia agroindustrial “como atrasada e impeditiva do desenvolvimento
agrícola brasileiro”144 .
A mais-valia era o conceito outrora utilizado para descrever as relações
sociais de trabalho assim como vividas no campo no Oeste do Paraná.
REFERÊNCIAS
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Duração: 23 mim.
BANCADA ruralista articula revisão das leis do trabalho rural. Valor Econômico,
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mar.
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<http://www.aviculturaindustrial.com.br/noticia/bancada-ruralista-articularevisao-das-leis-do-trabalho-rural/20130311085803_M_743>. Acesso em: 13
mar. 2013.
BERNARDT, Luiz Ari. Entrevista realizada pelo autor em 24 fev. 2014.
Duração: 60 min.
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Cândido Rondon, 2010.
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<http://www.insightnet.com.br/publica/LIVRO_A%20saga%20do%20frango_site
.pdf>. Acesso em: 28/02/2013.
CUNICO, J. M. Viver e trabalhar no campo: produção agropecuária, relações
de trabalho e tensões no Extremo Oeste paranaense, 1970-2012. 2014. 136 f.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
144
BANCADA ruralista articula revisão das leis do trabalho rural. Valor Econômico, 11 mar.
2013. Disponível em: <http://www.aviculturaindustrial.com.br/noticia/bancada-ruralista-articularevisao-das-leis-do-trabalho-rural/20130311085803_M_743>. Acesso em: 13 mar. 2013.
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UMA decisão histórica. O Presente Rural, 5 out. 2010. Disponível em:
<http://www.opresenterural.com.br/noticias.php?n=2383>. Acesso em: 30 set.
2013. Para a decisão do TST, Cf. TST. Recurso de revista. Parceria rural.
Contrato de parceria para a produção avícola. Incompetência da Justiça do
Trabalho.
VARUSSA, R. J. Disputas na Justiça do Trabalho: memórias e histórias a partir
do Oeste do Paraná (década de 1980 a 2000). Diálogos, DHI/PPH/UEM, v. 13,
n. 2, p. 441-460, 2009.
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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL EM QUESTÃO: A QUEM
SERVE?
Valéria de Jesus Leite (Doutoranda UFU)
[email protected]
RESUMO:
Nesta comunicação pretendo apresentar alguns resultados parciais obtidos por
meio da minha pesquisa de doutorado que visa abordar o processo de
desenvolvimento no Norte de Minas Gerais, entre 1980 e 2000. A partir dos
anos 1960, o Norte de Minas passou a integrar a área da SUDENE,
Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste. Essa integração favoreceu
a burguesia local por meio de incentivos e financiamentos para implantação de
indústria nas principais cidades e grandes projetos agrícolas no campo. Essa
concepção desenvolvimentista foi duramente criticada por várias agências que
disputavam a condução do desenvolvimento regional. Nosso objetivo com este
texto é verificar como as ideias de desenvolvimento sustentável chegaram ao
Norte de Minas e quais os meios usados para disseminá-la.
Palavras-chave: Norte de Minas, Desenvolvimento Sustentável, Sudene.
A ideia de desenvolvimento sustentável e tudo o que ela envolve, é
algo relativamente novo, pois tornou-se tema de debate no pós-guerra. Os
problemas relacionados com o crescimento desenfreado da economia
somados ao aumento de desastres ambientais, ao aquecimento global, ao
crescimento dos desertos, fizeram com que os cientistas de todo o mundo
abordassem a questão do desenvolvimento de maneira mais sistematizada.145
Dessa preocupação, emergiram novos caminhos para se pensar a noção de
desenvolvimento sem atacar o meio ambiente, principalmente através do Clube
de Roma, em 1968, e da Conferência de Estocolmo, em 1972, primeira reunião
que tratou das questões ambientais. Essas reuniões são concluídas com o
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
145
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Nosso Futuro Comum. 2 ed.
Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1991, 430 p.
22 a 24 de agosto Universidade Federal de Uberlândia – Uberlândia, MG, Brasil
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pensamento de que os problemas ambientais eram causados pela pobreza e
pela falta de tecnologias adequadas nos países pobres.146
Destes debates surgiram os ingredientes necessários para se formar
uma Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Tal comissão
foi fundada em 1984 e, em 1987, apresentou ao mundo o relatório de suas
atividades. Com o título de “Nosso Futuro Comum”, o documento produzido
pela Comissão em resposta ao apelo da Assembleia Geral das Nações Unidas,
apontou o novo caminho a ser seguido: promover “uma agenda global para
mudança”. Este documento ficou conhecido como relatório Brundtland, por ter
sido a norueguesa Gro Harlem Brundtland a presidir a comissão. Seus
objetivos principais foram:
Propor agendas ambientais de longo prazo para obter um
desenvolvimento sustentável por volta do ano 2000 e daí em
diante.
Recomendar maneiras para que a preocupação com o meio
ambiente se traduza em maior cooperação entre os países em
desenvolvimento e entre países em estágios diferentes de
desenvolvimento econômico e social e leve a consecução de
objetivos comuns e interligados que considerem as interrelações de pessoas, recursos, meio ambiente e
desenvolvimento.
Considerar meios e maneiras pelos quais a comunidade
internacional possa lidar mais eficientemente com as
preocupações de cunho ambiental.147
Essas foram algumas das ideias que nortearam o documento, cujo
objetivo fundante girou em torno de um desenvolvimento que pudesse
satisfazer as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das
gerações futuras de suprir suas próprias necessidades. No entanto, foi com a
“Rio-92” que o termo desenvolvimento sustentável ganhou mais força, pois a
noção de sustentabilidade já havia sido definida pelo “Nosso Futuro Comum”.
Esta se baseou em “um processo de mudança, no qual a exploração de
recursos, a orientação dos investimentos, os rumos do investimento
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
146
RABELLO, Antônio Cláudio. A questão setentrional – Amazônia, Natureza e Capitalismo. In:
Sociedade Civil: ensaios históricos. PAULA, Dilma Andrade de; MENDONÇA, Sônia Regina.
(orgs). Jundiaí: Paco Editorial, 2013.
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Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Nosso Futuro Comum. 2 ed.
Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1991, 430 p.
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tecnológico e a mudança institucional estão de acordo com as necessidades
atuais e futuras”.148 Em suma, a proposta de um desenvolvimento sustentável
deveria obedecer três princípios básicos: 1) ser economicamente viável; 2)
socialmente justo; e 3) ecologicamente responsável para com as futuras
gerações. Nessa perspectiva, todo desenvolvimento deveria ser sustentável.
No Brasil, o desenvolvimento sustentável ganhou mais evidência com a
Conferência Rio-92, também chamada de Eco-92 ou ainda Cúpula da Terra,
onde foram discutidos temas relativos à questão ambiental do planeta, na
cidade do Rio de Janeiro. A partir de então houve uma união de esforços por
parte do governo e também de organizações não governamentais para
promover a ideia.149 No entanto, a noção de sustentabilidade seguia incerta, e
o que se viu foi um uso indiscriminado do termo por governos e instituições, em
que, muitas vezes, políticas públicas tornavam-se incompatíveis com o
discurso apresentado. Isso foi observado na Amazônia por Antônio Cláudio
Rabello, ao analisar dois programas do governo de Fernando Henrique
Cardoso, que orientaram as propostas de desenvolvimento sustentável para
aquela região: o “Avança Brasil” e o “Comunidade Solidária”.
O Avança Brasil defendia a associação do “desenvolvimento
sustentável ao crescimento econômico, com respeito à vocação das diversas
regiões e seus ecossistemas”, já com o programa Comunidade Solidária, o
desenvolvimento sustentável teria sua dinâmica nas “comunidades locais”, uma
vez que era centrado no Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável e se
baseava em uma nova forma de promover o desenvolvimento. Este
desenvolvimento deveria possibilitar
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148
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Nosso Futuro Comum. 2 ed.
Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1991, 430 p
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Ainda em 1992, na esteira dos debates promovidos no Rio de Janeiro, aconteceu a EcoBrasília. Neste ambiente de debate acerca das questões ambientais ocorreu o primeiro
Seminário Sobre Diretrizes de Ação para o Meio Ambiente no Brasil, promovido pela Comissão
de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias, na Câmara dos Deputados, entre os
dias 24 e 25 de novembro. O documento traz um balanço do que foi o Seminário e aponta as
principais questões e entraves a serem enfrentados para se alcançar políticas ambientais no
país: a falta de clareza quanto aos possíveis caminhos a serem seguidos, assim como as
contradições em torno do significado do movimento, as diversas posturas ideológicas no seu
interior e os múltiplos interesses de grupos sociais variados, foram algumas das questões
discutidas. PRIMEIRO SEMINÁRIO SOBRE DIRETRIZES DE AÇÃO PARA O MEIO
AMBIENTE NO BRASIL. Brasília, Câmara dos Deputados, 24 e 25 nov. 1992. Cabe ressaltar
que, as questões referentes ao meio ambiente já eram discutidas no Brasil, embora não
houvesse uma maior preocupação das autoridades.
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o surgimento de comunidades mais sustentáveis, capazes de
suprir suas necessidades imediatas; descobrir ou despertar
suas vocações locais e desenvolver suas potencialidades
específicas; e fomentar o intercâmbio externo, aproveitando-se
de suas vantagens locais.150
Para Rabello a expansão capitalista na Amazônia foi travestida de uma
ideia de sustentabilidade, visto que seus caminhos foram redirecionados,
transformando-se de acordo com interesses particulares. Primeiramente tem-se
uma Amazônia apta ao avanço agropecuário para em seguida transformar-se
em uma área de preservação.151 Mas o que se observa, muitas vezes, é uma
noção
deturpada
de
desenvolvimento
associado
a
um
termo
ainda
desconhecido. A sustentabilidade foi uma ideia formulada para “salvar” o
planeta que foi comprada por muitos e, que se disseminou por todos os cantos
do planeta, mas ainda não se definiu claramente.
Para o que nos interessa de perto, o Norte de Minas Gerais, espaço
dessa pesquisa, a ideia de desenvolvimento sustentável foi materializada na
criação do Fórum Popular de Desenvolvimento Regional, em 1993. Este Fórum
foi uma tentativa de disputar a condução do desenvolvimento regional no Norte
de Minas, por ocasião das Audiências Públicas Regionais promovida pela
Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Mas as primeiras práticas que
remetem à ideia de um desenvolvimento sustentável chegaram à região, em
meados da década de 1980, através de um grupo de técnicos e agrônomos
que atuavam com projetos, como o PDRI – Programa de Desenvolvimento
Rural Integrado, direcionado para a pequena produção, desenvolvidos pela
Secretaria de Trabalho e Ação Social, SETAS. Primeiramente, com a ideia do
uso de tecnologias alternativas para a agricultura, com as noções de agricultura
orgânica e ecológica. Essas alternativas buscavam fornecer subsídio para os
pequenos produtores rurais locais, buscando assegurar-lhe sua reprodução
social.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
150
RABELLO, Antônio Cláudio. A questão setentrional – Amazônia, Natureza e Capitalismo. In:
Sociedade Civil: ensaios históricos. PAULA, Dilma Andrade de; MENDONÇA, Sônia Regina.
(orgs). Jundiaí: Paco Editorial, 2013.
151
RABELLO, Antônio Cláudio. A questão setentrional – Amazônia, Natureza e Capitalismo. In:
Sociedade Civil: ensaios históricos. PAULA, Dilma Andrade de; MENDONÇA, Sônia Regina.
(orgs). Jundiaí: Paco Editorial, 2013.
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Portanto, pensar como essa noção de desenvolvimento sustentável
chegou na região, a quais ideias se contrapunha e como se desenvolveu, faz
parte de nossos objetivos neste texto. Ou seja, em qual ambiente foi possível
plantar a ideia de um novo modelo de desenvolvimento e, como ele foi
construído e difundido ao longo do tempo na vida das pessoas. Buscando dar
conta dessas questões, foi necessário analisar um novo momento que se
formou para a classe trabalhadora, assim como o reordenamento de sua
atuação no campo político, a partir da década de 1990.
Para falar da década de 1990, convém antes lembrar que os
movimentos sociais das décadas anteriores, 1970 e 1980, foram extremamente
importantes, uma vez que colocaram em discussão questões essenciais para a
classe trabalhadora brasileira. A atuação dos movimentos sociais se fez por
meio das organizações populares de bairro que contestavam o planejamento
urbano, denunciavam a deterioração das condições de vida e dos serviços
públicos e protestavam contra a precariedade ou a falta dos serviços
coletivos.152
Se entre 1970 e 1980 o momento havia sido dos movimentos sociais
populares com suas ações contestatórias e reivindicatórias, na década de 1990
os movimentos sociais sofreram um duro golpe, sobretudo devido ao avanço
das ações neoliberais. A parceria entre estado e sociedade civil, por meio das
organizações não governamentais floresceu. A tentativa do estado em
institucionalizar os movimentos populares foi bem sucedida, pois freou o
ímpeto destes dando início a uma proposta reformista que abafou, em grande
medida, os movimentos sociais na cidade e no campo.
Em Minas Gerais e em alguns outros estados da federação, as
Assembleias Legislativas convocaram audiências públicas regionais, buscando
uma maior interação com a sociedade civil. Em Minas, a ideia, segundo o
relatório geral publicado pela Assembleia Legislativa, era tornar o parlamento
mineiro itinerante, para assim se fazer presente em todas as regiões do
Estado. Portanto, o objetivo das audiências públicas era ouvir propostas sobre
o desenvolvimento regional elaboradas pela sociedade civil para suas
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
152
JACOBI, Pedro. Movimentos sociais urbanos no Brasil: reflexão sobre a literatura dos
anos 70 e 80. Rio de Janeiro: BIB, n. 23, p. 18-34, 1987.
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respectivas regiões. Estas audiências tiveram início no ano de 1993, tendo
Montes Claros como cidade sede para ouvir as propostas da região norte. As
audiências aconteceram em 30 de junho do referido ano e teve como objetivos
principais:
abrir caminhos à efetiva participação do cidadão, junto com
seus representantes, na identificação e discussão dos
problemas econômicos do Estado; possibilitar a comunicação
direta entre o Legislativo estadual e os municípios; e permitir ao
primeiro o conhecimento aprofundado e sistemático das
realidades regionais. Entre os objetivos precípuos está também
o de permitir à Assembleia Legislativa a coleta de dados que,
de um lado, irão subsidiar o trabalho parlamentar e a
formulação do planejamento estadual e, de outro, possibilitarão
a elaboração da proposta orçamentária com base em
prioridades regionais estabelecidas, democraticamente pelo
voto das lideranças regionais.153
A ideia de abrir caminhos para a participação do cidadão foi parte de
uma estratégia que buscou conservar mudando. Conservar a ordem
estabelecida implementado algumas poucas mudanças. Após os movimentos
contestatórios e reivindicatórios das décadas anteriores era preciso organizar
as massas com o propósito de desorganizá-las. O que vimos nos anos 1990 foi
uma desestruturação dos movimentos populares que foi seguida de uma
explosão de organizações não governamentais, com finalidades diversas,
financiadas tanto pelo Estado brasileiro, como por entidades estrangeiras.
Portanto, diante da proposta da Assembleia Legislativa de Minas
Gerais, alguns dos agentes que estavam à frente das entidades de apoio aos
trabalhadores e movimentos sociais do Norte de Minas: ONGs, sindicatos,
associações, como Comissão Pastoral da Terra, Centro de Agricultura
Alternativa, Pastoral Operária, Central Única dos Trabalhadores, Federação
dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas e outros, se articularam
para apresentarem à Assembleia Legislativa propostas alternativas de
desenvolvimento regional para o Norte do Estado. Esse movimento se auto
denominou como sendo de “caráter popular, plural e autônomo”, formado por
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
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ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DE MINAS GERAIS. AUDIÊNCIAS PÚBLICAS REGIONAIS.
RELATÓRIO GERAL. Belo Horizonte: 1994, 160 p.
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“cidadãos comuns, educadores, dirigentes e militantes de movimentos
populares e sindical”154 foi denominado Fórum Popular de Desenvolvimento
Regional.
As propostas do Fórum Popular de Desenvolvimento Regional foram
condensadas em um único documento e foi apresentado à Assembleia
Legislativa, nas reuniões das audiências públicas regionais. O documento
criticava a noção de desenvolvimento implantada pela classe dominante em
parceria com o Estado, que se baseava, principalmente na pecuária de corte
extensiva, grandes plantações de eucaliptos, carvoarias e grandes projetos de
irrigação. As críticas contidas neste documento eram dirigidas contra um
modelo de desenvolvimento que, segundo eles, degradavam o meio ambiente
e expulsavam o homem do campo. Por isso, as propostas alternativas
apresentadas pelo Fórum foram baseadas em um projeto de desenvolvimento
sustentável, justo socialmente e viável economicamente, que privilegiaria a
“pequena e média produção familiar, comunitária, cooperativa ou empresarial
diversificada”.155
A noção de um desenvolvimento sustentável está presente no Fórum
como elemento fundante, portanto, de fundamental importância. Pode ser
compreendida como uma ideologia. Em seu documento consta que suas
propostas foram pensadas buscando um desenvolvimento sustentável, que
fosse justo socialmente e viável economicamente. Mas, as ideias de
desenvolvimento sustentável e agricultura ecológica já vinha sendo praticadas
e difundidas pelos agentes do Fórum, através do Centro de Agricultura
Alternativa, desde meados da década de 1980. O contato com os documentos
revelou um grande esforço por parte dos agentes, para que essas práticas
fossem disseminadas, para que se tornassem conhecidas e adquirissem o
status de senso comum. Principalmente porque eram práticas recentes no país.
Para alcançar este objetivo, ainda durante a década de 1980, foram
promovidos encontros para formação de lideranças comunitárias, reuniões para
ensinar novas técnicas de plantio, cuidados com a terra, controle de pragas. Os
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
154
155
FÓRUM POPULAR DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL. Montes Claros, 1993, 44 p.
FÓRUM POPULAR DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL. Montes Claros, 1993, 44 p.
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meios de difusão eram panfletos, cartilhas e os boletins informativos,
principalmente o Integração e o Pelejando, das Comunidades Eclesiais de
Base e Comissão Pastoral da Terra de Minas Gerais. No boletim Integração
eram veiculados textos chamando a atenção para o perigo dos agrotóxicos e
as vantagens e importância da agricultura orgânicas. Os boletins informavam
também sobre os encontros que aconteciam na região para debater o tema.
Um desses encontros, o I Encontro Regional de Tecnologias Alternativas,
aconteceu entre os dias 19 e 21 de julho de 1985, em Montes Claros, sob a
coordenação da Comissão Pastoral da Terra, com apoio da Secretaria de
Trabalho e Assistência Social e Emater – Empresa de Assistência Técnica e
Extensão Rural do Estado de Minas Gerais.156
Outra forma de disseminar as noções de desenvolvimento sustentável
foram as cartilhas. Elas eram usadas em cursos de formação ou encontros
temáticos. Em 1995, o Fórum Popular de Desenvolvimento Regional firmou
parceria com o Fórum de entidades sindicais, ONGs, Pastorais e movimentos
sociais de Minas Gerais para o Desenvolvimento Rural Sustentado e passou a
usar o seu material. Nessa época foi feita uma cartilha pedagógica contendo
um conjunto de princípios e métodos referentes ao desenvolvimento
sustentável. Com o título de “A vida na roça tem jeito! Ou o que é
Desenvolvimento Rural Sustentável”, a cartilha traz uma série de informes
sobre o que seria um desenvolvimento rural sustentável, primeiramente
abordando o significado da palavra desenvolvimento, em seguida buscando
esclarecer sobre temas como a modernização agrícola, a reforma agrária, as
políticas agrícolas e o desenvolvimento de uma nova agricultura baseada nos
princípios ecológicos.
As questões envolvendo a produção, a segurança alimentar, condições
dignas de trabalho no campo, infraestrutura e serviços sociais básicos, saúde,
educação também estão presentes nas cartilhas, que discutia também a
relação de gênero, a luta contra todos os preconceitos e o fortalecimento das
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
156
TECNOLOGIA ALTERNATIVA. In: Integração: Boletim Informativo das Comunidades
Eclesiais de Base, Comissão Pastoral da Terra e Pastoral Operária do Norte e Noroeste
de Minas. Diocese de Montes Claros. Ano II, n. 12, jul-ago 1985.
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organizações populares também são temas da cartilha.157 O objetivo da cartilha
é ensinar, difundir uma determinada concepção de vida. Por isso mesmo foi
dividida em tópicos e construída sempre fazendo alusão ao mundo rural, ao
universo do trabalhador, com imagens e um vocabulário de fácil entendimento,
sendo que ao fim de cada tópico são apresentadas questões para debate.
Portanto, foi a partir de ações como estas que o Fórum Regional de
Desenvolvimento Sustentável tentou divulgar a ideia de sustentabilidade junto
aos trabalhadores rurais da região. Entretanto, existe uma questão importante
a ser abordada dentro desse processo: em que medida os projetos do Fórum
se afastam ou coincidem com os projetos dominantes? Ainda necessitamos de
mais pesquisa, mas podemos dizer, com alguma certeza, que as ações e os
objetivos do Fórum Popular de Desenvolvimento Regional, hoje conhecido
como Fórum Regional de Desenvolvimento Sustentável, seguiram por
caminhos diferentes daqueles traçados inicialmente. Um desses objetivos foi a
luta pela reforma agrária que foi deixada de lado. Suas ações no que se refere
à questão da terra, se restringiram a assessorar trabalhadores nas áreas de
conflitos e assentamentos de terra na região. O Fórum, enquanto espaço para
articular propostas para o desenvolvimento regional, teve seus esforços
redirecionados para a questão hídrica, participando da elaboração do projeto 1
milhão de cisternas, o P1MC. O Programa 1 Milhão de Cisternas faz parte do
Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o
Semiárido da ASA – Articulação do Semiárido, que tem como meta construir
um milhão de cisternas de placas para beneficiar famílias carentes do
semiárido. Segundo o sítio eletrônico da ASA, ela conta com a parceria de
pessoas físicas, do empresariado, de entidades internacionais, e do governo
federal.
Portanto, o Fórum Regional de Desenvolvimento Sustentável, de
instância articuladora de propostas para o desenvolvimento sustentável do
Norte de Minas, tornou-se um parceiro do Estado, associando-se a organismos
internacionais e ao setor privado, que outrora recebia suas críticas. Neste
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
157
A vida na roça tem jeito ou O que é Desenvolvimento Rural Sustentável. In: Fórum de
entidades sindicais, ONGs, pastorais e movimentos sociais de Minas Gerais. Belo
Horizonte: Editora Gráfica Ltda, 1985.
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sentido, a criação do Fórum revelou-se uma resposta reformista aos protestos
sociais das décadas de 1970 e 1980, efetivada por meio da parceria entre
sujeitos sociais diversos: Estado, agências internacionais e empresariado,
todos preocupados em combater a pobreza.
Todavia, os esforços direcionados para este ideal, no caso do Norte de
Minas e na área da Sudene, se restringem aos programas de combate à seca,
que disponibilizam verbas para as frentes produtivas, financiamentos que
subsidiam a produção dos pequenos produtores com uma casa de farinha ou
uma horta comunitária, em prol de uma sustentabilidade que existe só para
alguns. Para mudar essa realidade de maneira mais ampla é preciso construir
e projetar políticas que sejam capazes de transformar essa realidade, e, por
conseguinte, mudar esse estado de coisas. São políticas que, por exemplo,
passam por uma reforma agrária. No entanto, os ideais, contidos na carta de
intenção do Fórum, acabaram se dissipando no ar e, consequentemente,
servindo a outro propósito.
Referências bibliográficas:
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Primeiro Seminário Sobre Diretrizes de Ação
para o Meio Ambiente no Brasil. Brasília, 24 e 25 nov. 1992.
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Nosso Futuro
Comum. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1991, 430
p.
JACOBI, Pedro. Movimentos sociais urbanos no Brasil: reflexão sobre a
literatura dos anos 70 e 80. Rio de Janeiro: BIB, n. 23, p. 18-34, 1987.
RABELLO, Antônio Cláudio. A questão setentrional – Amazônia, Natureza e
Capitalismo. In: Sociedade Civil: ensaios históricos. PAULA, Dilma Andrade
de; MENDONÇA, Sônia Regina. (orgs). Jundiaí: Paco Editorial, 2013.
Fontes:
A vida na roça tem jeito ou O que é Desenvolvimento Rural Sustentável. In:
Fórum de entidades sindicais, ONGs, pastorais e movimentos sociais de
Minas Gerais. Belo Horizonte: Editora Gráfica Ltda, 1985.
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ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DE MINAS GERAIS. AUDIÊNCIAS PÚBLICAS
REGIONAIS. RELATÓRIO GERAL. Belo Horizonte: 1994, 160 p.
FÓRUM POPULAR DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL. Montes Claros,
1993, 44 p.
TECNOLOGIA ALTERNATIVA. In: Integração: Boletim Informativo das
Comunidades Eclesiais de Base, Comissão Pastoral da Terra e Pastoral
Operária do Norte e Noroeste de Minas. Diocese de Montes Claros. Ano II, n.
12, jul-ago 1985.
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EXPERIÊNCIAS DE TRABALHADORES DE ORIGEM
NORDESTINA NA FAZENDA SANTA CRUZ – MUNICÍPIO DE
ARAGUARI – MG (1985 – 2005)
Vanusa!Alves!Viana!Fernandes!!!
[email protected]!
RESUMO:
Este trabalho trata de uma análise feita a partir de minha dissertação de
mestrado, defendida de 2005, na Universidade Federal de Uberlândia, na linha
de Trabalho e Movimentos Sociais. A referida pesquisa tratou das relações de
trabalho, cultura e vivências cotidianas de uma comunidade de trabalhadores
rurais oriundos do Ceará que, trabalhavam em parceria com dois irmãos
descendentes de japoneses no cultivo do tomate. A preocupação era entender
as razões da migração, a realidade da cidade de origem, as novas relações de
trabalho no Sudeste e como estas pessoas se organizaram cotidianamente nas
esferas culturais, religiosas, a sociabilidade no interior da comunidade, as
relações com as cidades próximas, as diferentes etapas pelas quais passaram
as experiências de trabalho, que foram se transformando, devido a um
processo trabalhista contra os proprietários rurais. As experiências construídas
no campo e as relações vividas na cidade neste período, informam sobre os
embates na busca por melhores condições de vida, as conquistas de
benfeitorias no local que viviam e as relações que estabeleceram com os
habitantes das cidades próximas.
Este artigo trata de um primeiro olhar meu sobre minha dissertação de
mestrado, defendida em 2005 na Universidade Federal de Uberlândia, na linha
de pesquisa Trabalho e Movimentos Sociais, sob a orientação da professora
doutora Heloísa Helena Pacheco, intitulada Cultura e Relações de Trabalho na
Fazenda Santa Cruz, Município de Araguari,
1985 -2005. Far-se-á uma
apresentação geral do tema, dos caminhos da pesquisa, referenciais teóricos e
algumas conclusões chegadas naquele momento. Na mesma feita, agregam-se
novos olhares já mediados por mudanças e novas concepções da autora,
especialmente sobre o capítulo um.
A referida pesquisa surgiu de meu interesse em compreender as
experiências de uma comunidade de trabalhadores rurais de origem nordestina
que vivia em colônias nas fazendas de propriedade dos senhores Mitsuro
Okubo e Ivao Okubo ( este último, hoje falecido). Os dois irmãos, descendentes
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de japoneses, cultivavam soja, café e milho, em três fazendas entre Araguari e
Indianópolis, Minas Gerais, com trabalho assalariado. Nas mesmas fazendas,
havia o cultivo de tomate, em parceria com os trabalhadores citados.
Conheci os trabalhadores em Araguari, onde eu mantinha uma loja de
variedades com produtos populares, as chamadas lojas de um real, na época.
Interessou-me especialmente as razões da migração, as formas de viver no
Nordeste e em Minas, a cultura, as novas incorporações nesta região, diferente
para eles, a forma como construíram suas experiências de trabalho e de vida
na fazenda, suas relações com moradores das cidades vizinhas, o viver das
crianças, mulheres e as relações com os patrões. Compunham uma
comunidade, com estreitos laços de amizade, parentesco, interesses culturais
afíns e cooperação. Uma curiosidade especial movia a idéia de uma pesquisa,
as relações de trabalho no cultivo do tomate, uma espécie de agricultura de
jardinagem, que demanda cuidados diários e manuais, daí a preferência por
trabalhador parceiro por parte dos fazendeiros?
Questionava-me inicialmente, sobre quais razões específicas, para além
de minhas suposições levavam os proprietários a trabalhar com este perfil de
pessoas, oriundas de uma região, a Nordeste, sendo alguns até parentes. Em
que sentido a dita parceria lhe reduzia gastos com impostos, registros
trabalhistas? Uma mão-de-obra que vinha de uma parte árida do país, com
uma vida sofrida, muitos analfabetos, sem carteira de trabalho, poderia trazer
quais vantagens? Estes foram alguns dos meus questionamentos. Por outro
ângulo, pensava sobre as razões da migração deles para o sudeste.
A princípio, tinha minhas “respostas” já formuladas. Qual não foi meu
espanto, quando “minha caixinha de respostas” abriu-se ante às evidências e
uma por uma das certezas foram se mesclando com dados novos, olhares e
memórias dos sujeitos pesquisados, documentos; percebi naquela hora, o que
dura ainda hoje, pesquisa se constrói no trajeto, fontes surgem, respostas
aparecem de perguntas que não eram centrais, contradições surgem entre os
pressupostos e o que se apresenta no calor da vivência, da relação que se
estabelece com os pesquisados. Enfim, que o resultado é uma história contada
a muitas mãos e interpretações diversas. Provisória também, pois tanto os
pesquisados quanto a pesquisadora estão em movimento. Ampliaram-se as
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incertezas, que foram fundamentais para exigir
novas leituras e reflexões,
trocas com a turma.
A parceria neste caso não era exatamente o que é determinado por lei, a
forma de organizar a parceria estava baseada na divisão seguinte: os
trabalhadores entravam com a mão-de obra e os donos com o restante, logo,
pela CLT, caracteriza trabalho assalariado.
As relações de trabalho existentes na fazenda somam três estágios
diferentes. Os irmãos Okubo iniciaram suas atividades no Sudeste em meados
dos aos oitenta, do século XX, destinando cerca de 400 hectares ao cultivo do
tomate em parceria com os trabalhadores. Neste primeiro estágio, o que os
proprietários definem como parceria foi um arranjo trabalhista envolvendo a
mão-de-obra que realmente entrava com o trabalho e os proprietários entravam
com o restante. Os gastos eram computados ao final da lavoura, que durava
cerca de quatro meses, descontava-se as antecipações ( vales ), despesas
com equipamentos individuais de segurança, despesas com farmácia,
mercado, dentre outras e, após a venda do tomate por intermediários, fazia-se
o acerto, segundo os irmãos produtores, na proporção de cinquenta por cento
para cada parte.
Na prática, este tipo de arranjo trabalhista não é considerado parceria,
perante a lei, posto que a parte trabalhadora entra “apenas” com a mão-deobra, o que caracteriza assalariamento. De acordo com as entrevistas, os
trabalhadores preferiam esta fase.
A preferência se justifica, nas falas destes sujeitos por render um maior
lucro, já que trabalhavam familiarmente, atuando no plantio tanto os filhos
quanto esposas, além de parentes e amigos, que faziam uma segunda
parceria, já negociada por parceiros originais, que convidavam amigos e
parentes da cidade de Barro-CE para trabalharem juntos, neste caso, o acerto
já era feito diretamente entre estes novos trabalhadores e os mais antigos, uma
sub-parceria.
Realmente, o que se constatou pela documentação e pelas narrativas orais,
mediante um olhar crítico da pesquisadora, foi que a produtividade era alta
nesta fase, havendo um maior contentamento dos envolvidos tanto com a parte
produtiva, quanto por parte dos proprietários.
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Vale ressaltar, que, ao construírem esta visão positivada dos
resultados, é de seus próprios trabalho, esforço e horas-extras que estavam
falando, haja vista que, o trabalho era cooperativo, familiar e que não tinham
um limite fixo de horas trabalhadas, já que estavam em função das
necessidades da cultura de produto agrícola perecível, que pode ser afetado
por atraso na colheita por exemplo. Também é importante destacar as
condições de vida destas pessoas em seu local de origem, qual seja, as
dificuldades com a seca, o desemprego, a perda das pequenas propriedades, a
fome, a política coronelesca que ainda vigora no interior do Nordeste.
Não percebiam que os salários maiores eram fruto de seus esforços
coletivos, familiares. Como também não controlavam a contabilidade,
realmente acreditavam estar recebendo a metade da produção.
Na segunda fase das relações de trabalho, que durou de 2000 a 2003, foi
proibida em função de uma fiscalização do Ministério do Trabalho, a parceria
não poderia mais ocorrer, vigorou um “peseudo assalariamento”, que se definia
por um adiantamento de um salário mínimo mensal, pelo afastamento da
produção feminina e infantil. Os proprietários insistiram em manter a parceria,
desta feita remodelada, contudo, reclamavam da queda na produção, já que os
assalariados já não madrugavam e nem tinha a cooperação familiar, por sua
vez, os trabalhadores também preferiam a parceria.
Finalmente, em 2003, houve nova fiscalização e todos foram
obrigados a ser assalariados, ganhando na época, entre duzentos e cinqüenta
reais e trezentos reais.
Datam desta época, centenas de demissões e
reclamações trabalhistas. Muitos trabalhadores tentaram a sorte nas fazendas
vizinhas, que trabalhavam com a parceria, outros viraram bóias-frias, ou
assalariados na região de Indianópolis, contudo, raros regressaram ao Estado
de origem.
O interesse pelo grupo de trabalhadores iniciou em falas informais, em
minha loja,
sobre cultura, culinária, a visão deles sobre o Nordeste e o
Sudeste. Com alguns falei uma vez, com outros, semanalmente, já que era um
grupo grande. Deste interesse, surgiu um projeto de pesquisa, que foi usado
para concorrer a uma vaga no mestrado.
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Como hoje, nesta fase estava encantada pela história, pela construção
de uma metodologia e um referencial teórico que embasasse a pesquisa. Daí
para frente, as leituras inspiraram muitas revisões de posições, houve, como
gosto de dizer, um tremor de terras, ante às certezas que trazia comigo sobre
história, fontes, pesquisa, referencial teórico. O desassossego foi causado por
novas leituras, debates, novos olhares dos colegas e professores, que muito
colaboraram para a constituição de um diferente terreno, que aos poucos foi
oferecendo a segurança necessária para a escrita e o trato com as fontes,
inclusive as orais, uma novidade para mim, mas que embasou a pesquisa.
Escrevi a dissertação em primeira pessoa, não por uma pretensão
intelectual, mas por sentir-me sujeito da pesquisa, por assumir meus
posicionamentos e envolvimento com a mesma. As visões que na época tinha,
muitas das quais ainda possuo, foram sim construídas no debate, forjadas por
novas leituras, notadamente dos seguintes autores que muito influenciaram-me
estão E. P. Thompson158, Eric Hobsbawm159, Raimond Williams160, Cornélius
Castoriadis161, Dea Ribeiro Fenelon162 , dentre outros, discutidos no interior da
Linha de Pesquisa Trabalho e Movimentos Sociais.
autores que em muito colaboraram para uma novo arranjo mental, diferentes
formas de lidar com diversas fontes históricas, que aos poucos foram se
delineando como essenciais à pesquisa, dentre as quais, quero ressaltar as
narrativas orais, já que estava tratando de sujeitos que estavam vivendo suas
experiências de vida no momento em que eu pesquisava. Suas narrativas,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Entre as leituras que inspiraram minhas análises, cito:
THOMPSON, E. P. A miséria da teoria: ou um planetário de erros. Rio de Janeiro: Zahar,
1981.
_________________. A formação da classe operária inglesa. v. 1 e 2, Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1987.
_________________. Costumes em Comum. Estudos sobre a cultura popular tradicional.
São Paulo: Cia das Letras, 1998.
_________________. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos, São Paulo: Cia das
Letras, 2001.
159
HOBSBAWM, Eric. Os Trabalhadores. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
_________________. Mundos do Trabalho. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
_________________. Sobre História. São Paulo: Cia. das Letras, 1998.
160
WILLIAMS, Raymond. Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
161
CASTORIADIS, Cornelius. A experiência do movimento operário. São Paulo: Brasiliense,
1989.
162
FENELON, Déa Ribeiro. “Trabalho, cultura e história social: Perspectivas de investigação”.
In: Projeto História, São Paulo: PUC, (4), 1985, pp. 21-37.
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interpretadas por mim, à luz de um referencial teórico, foram fundamentais para
a construção de um pensamento sobre o fazer histórico daqueles sujeitos que
vivenciavam a história que desejava contar por escolha própria.
A tarefa de escrever as vivências de pessoas com suas expectativas,
frustrações, anseios, conflitos, disputas, realizações, captar suas formas de
viver, as relações sociais que estabelecem com outras pessoas, trazer a tona
suas múltiplas experiências é de suma importância, um nobre trabalho. O
historiador, contudo, carrega muitas responsabilidades, a começar pela escolha
do tema.
Escolhi tratar através da interpretação dos relatos orais a trajetória de um
grupo de trabalhadores, fato que não implicou desconsiderar a relação destes
com os empregadores. As narrativas orais foram privilegiadas, contudo,
analisei também documentos escritos, jornais, notas fiscais, o processo do
Ministério do Trabalho, notas de acertos e vales, adiantamentos, fotografias,
carteiras de trabalho, acertos trabalhistas, o PIQ ( programa de incentivo à
qualidade), as notas de EPÌ (equipamentos de Proteção Individual), que foram
cobradas dos trabalhadores, alguns processos trabalhistas contra os
fazendeiros, dentre outros documentos importantes para a compreensão das
experiências
daquelas pessoas. Tanto os documentos escritos, quanto as
narrativas orais foram mediados por um olhar crítico , mediado pelo referencial
teórico, de forma a tratar estas fontes como passivas de interpretação.
A idéia era adentrar um mundo de outras pessoas, tentar contar suas
histórias , através de reconstituições do vivido, selecionadas pela memória.
Desde o começo, interpretei as narrativas como fruto das seleções, das
valorações de cada entrevistado. Em muitas ocasiões, a resposta dizia mais
sobre os anseios e expectativas, as mágoas e questões mal resolvidas, as
angústias, que sobre a pergunta feita. Alguns silêncios, lacunas, reticências,
choros, gestos foram sendo interpretados por mim como falas não verbais,
carregadas de significados. Os procedimentos com fontes orais são distintos
dos tratos com documentos escritos, as entrevistas possuem uma elasticidade,
plasticidade, um sopro de vida, que em geral não captamos no documento
escrito. Por outro lado, fontes orais são fruto de reelaborações de memórias,
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feitas à luz do presente vivido, logo, não devem ser tomadas como a verdade,
mas como uma interpretação tanto do pesquisador quanto do entrevistado.
Neste artigo, tratarei de forma mais resumida, o primeiro capítulo da
dissertação, intitulado “Para mim, estando trabalhando é o que basta” – o
significado do trabalho e das relações de parceria. A frase que intitula o
capítulo foi proferida em entrevista oral dia 22/11/2003, pelo trabalhador da
Fazenda Santa Cruz, Cícero Dias. Este capítulo aborda as condições de vida
no Nordeste e as razões da migração, a partir disso, trata também das visões
dos trabalhadores sobre a relação de parceria e como os trabalhadores foram
se adaptando à nova região.
Para a compreensão da cultura, valores e tradições camponesas, os
autores acima citados foram úteis também. Contudo para entender as
condições de vida no Nordeste, as concepções de parceria e as razões da
migração na ótica da historiografia foram de fundamental importância a leitura
de Antônio Cândido163 , Maria Isaura Pereira de Queiróz164, Maria Rita Garcia
Loureiro165 , José de Souza Martins166 , José Graziano da Silva167, Thelma Maria
Grisi Velôso168, Inaiá Maria Carvalho169 , Dalva Maria Silva170 , dentre outros. Na
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
163
CANDIDO, Antônio. Os Parceiros do Rio Bonito – Estudo sobre o caipira paulista e as
transformações dos seus meios de vida. 6ª ed. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1982.
284p.
Na análise da historiografia foram selecionados também os trabalhos abaixo relacionados com
os quais procurei dialogar ao longo dos capítulos:
164
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O sitiante tradicional e o problema do campesinato. In:
O campesinato Brasileiro. São Paulo: Vozes, EUSP, 1973.
165
LOUREIRO, Maria Rita Garcia. Capitalismo e Parceria. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1977.
166
MARTINS, José de Souza. A sociabilidade do homem simples. São Paulo: HUCITEC,
2000.
___________ . O cativeiro da Terra. São Paulo: LECH – Livraria Editora Ciências Humanas,
1981.
167
SILVA, J. G. de. Estrutura agrária e produção de subsistência na agricultura brasileira.
2ª ed. São Paulo. HUCITEC, p. 113, 1980 (col. Estudos Rurais)
168
VELÔSO, Thelma Maria Grisi. Frutos da terra: memórias da resistência e luta dos
pequenos produtores rurais de Cumucim – Pitimbu/PB. Tese de Doutorado em Sociologia.
Programa de Pós-graduação em Sociologia da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP.
Araraguara, 2001.
169
CARVALHO, I.M.M. De; HAGUETTE, T.M.F(orgs). Trabalho e Condições de Vida no
Nordeste Brasileiro. São Paulo: HUCITEC/CNPQ, 1984. 293 p.
170
SILVA, D. M. de O. Memória: Lembrança e esquecimento, trabalhadores nordestinos
no Pontal do Triângulo Mineiro nas décadas de 1950 e 60. São Paulo: PUC, 1997.
(dissertação de mestrado)
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bibliografia consultada, destaco o trabalho da geógrafa Ada Borges Custódio171
sobre o cultivo de tomate na região de Araguari.
Com relação aos aspectos legais, foram consultadas obras dos juristas
Wellington Pacheco Barros172 e Ivan Santos Cabeleira173 , além da CLT, do
Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto da Terra e o processo de
autuação contra os proprietários da fazenda. Na dinâmica da pesquisa surgiu a
necessidade de consultar os aspectos legais, uma vez que grandes alterações
nas relações de trabalho ocorreram em função de autuações, descumprimento
de leis, demissões, dentre outros. Na caminhada, novas fontes foram surgindo,
o “diálogo” entre elas foi de grande importância
As realidades estudadas nas referidas obras são outras, assim como o
recorte geográfico e cronológico. Esses autores não oferecem modelos, partem
de suas inquietações, das especificidades de suas áreas do conhecimento,
pois nem todos são historiadores, a seu modo, seus trabalhos clarearam minha
caminhada, seja porque adotei caminhos diferente ou porque percebi em suas
obras uma afinidade com meus caminhos.
No primeiro capítulo, minha preocupação era entender o significado do
trabalho tanto no Nordeste, quanto no Sudeste, o significado da migração,
como estavam configuradas as relações de parceria, como cada parte entendia
a parceria e o que as diretrizes legais definem como parceria.
A partir das entrevistas orais, fotografias, do diálogo com a
historiografia, fui adentrando o rico universo daquelas pessoas, conhecendo
suas experiências cotidianas, seus valores, descortinou-se lentamente para
mim, quais as visões que possuíam da vida no Nordeste, o que acham da vida
no Sudeste, quais elementos de suas culturas permaneceram, quais mudaram
ou foram mesclados com outros novos para eles.
Um dos entrvistados que mais colaborou com a pesquisa foi o senhor
José Valderi, 57 anos, ( na época) casado com dona Terezinha Rodrigues, pai
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
171
CUSTÓDIO, Ada Borges. Produção e comercialização do tomate de mesa em Araguari
– MG. Uberlândia: UFU (Programa de pós-graduação em Geografia)/ 2000, (dissertação de
mestrado).
172
BARROS, W. Pacheco. Contrato de Parceria Rural: Doutrina Jurisprudência e Prática.
Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1999, p.15.
173
CABELEIRA, I. Santos. Dos contratos de Arrendamento e Parceria Rural: Teoria,
Roteiros e Formulários Jurisprudência. Rio de Janeiro: Aide Editora, 1988, p.17.
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de sete filhos, dos quais seis moram na Fazenda Santa Cruz (um já falecido),
migrou para a referida fazenda em 1989. Ele veio do Ceará com a família, onde
era agricultor, trabalhando na maioria das vezes como assalariado, ou
arrendando terra. Nas palavras do senhor Valderi um dos fatores que reforçou
sua opção em deixar o Nordeste foram as dificuldades relacionadas à produção
de alimentos:
“Lá o arroiz é pra aquele pessoal que tem dinheiro, né?
Pra comprá, os pobrezinho que vive trabalhando tem malmente
o dinheiro pro feijão. O arroz, se plantá tem, se num plantá num
tem, é bom plantá se tem inverno. Lá ninguém conhece adubo.
Eu vim conhecê adubo aqui (no Sudeste). De tudo que plantá
na terra dá, só pela natureza dela mesmo”174
Percebe-se pela fala do senhor Valderi, que os hábitos alimentares da
população menos favorecida no Nordeste guarda íntima relação com seu poder
de compra. Se para nós do Sudeste, o arroz é prato diário, lá, apesar de ter
boa terra, como diz, devido à seca, a maioria da população não tem no arroz,
um alimento básico, pelo contrário, é um artigo de luxo. Por esta fala, percebese o quanto a situação social pode influenciar hábiltos alimentares.
A fala dele é expressiva, na medida que percebe-se que não está
relatando apenas a própria experiência, pois fala dos que “tem dinheiro e dos
pobrezinhos”. A fala nos remete à gravidade do problema do acesso à terra,
que preocupa não a este trabalhador, mas a muitos.
Tentando entender a questão do acesso à terra, questionei sobre a terra que
usava para cultivo, se lhe pertencia, ele assim se expressou:
“Era não, a terra não era minha, era dos proprietário de
lá, num sabe? Cumo que se diz, eu trabalhava alugado175, num
sabe? Trabalhava alugado. Ai foi... foi... num dia deu certo,
purque a vida era muito cansada por lá, a sobrevivência num
dava pra arrumá lá direito. Aí a gente vei pra cá e graças a
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
174
Entrevista concedida em 22/11/03 por José Valderi.
Segundo vocabulário nordestino, o trabalho alugado é aquele feito para outras pessoas,
mediante remuneração salarial. Este é considerado pior que o trabalho em terras próprias ,
arrendadas ou em parceria.
175
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Deus até hoje tumo aqui, to achando muito bom, e... vô levano
a vida do jeito que Deus qué.”176
Percebe-se a relação entre a posse da terra e a sobrevivência. Por outro
lado, nota-se que o Sudeste lhe trouxe outra perspectiva para seu sustento e
de sua família. Enquanto lá ele trabalhava “alugado”, ou seja empregado, aqui,
no Sudeste, a relação de parceria, que mais tarde ele vai descrever, lhe dá
uma dimensão de co-proprietário da terra, bem como lhe garante a existência
física. Para entender este olhar, não bastou-me ver que, se a lei por um lado
define parceria de forma diferenciada do que era praticado nas fazendas dos
Okubo, o que logo levou-me a perceber que o apreço pelo patrão estava muito
relacionado à realidade da região de origem, sem muitas oportunidades.
Juridicamente, o que se praticava na fazendo não era parceria, mas sim
relações de trabalho que deveriam ser norteadas pela CLT ( Consolidação das
Leis Trabalhistas). No caso do senhor Valderi e seus conhecidos e parentes, a
parte trabalhadora não entrava com divisão de custos, mas “apenas” com
trabalho.
Todo o acerto ocorria mediante apresentação de notas de compra e
venda,
contudo
os
parceiros
(trabalhadores)
não
tinham
acesso
às
negociações, cotações, etc. Muitos eram analfabetos, prevalecia a confiança
no patrão.
O imaginário social que relaciona os japoneses com trabalho e
honestidade se manifesta nas narrativas. Questionado sobre sua opinião em
relação ao patrão, o senhor Cícero Dias assim se pronunciou:
“Contra os japoneis eu não tenho nada. Os japoneis é
bom demais, sempre tá no lugá de um bom pai pra nóis, certo?
Cumpre com tudo, dá o trabaio pra gente, dá o dinheiro e só
isso, eu num tenho nada a dizê contra ele”177
A compreensão de que quem “dá o trabalho” também dá o dinheiro foi
percebida em vários entrevistados. Reafirma-se nesta visão, a falsa idéia de
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
176
177
Idem
Entrevista concedida em 22/11/2003 por Cícero Dias.
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que o pagamento advém de um favor, uma ação paternalista, desvalorizando a
força de trabalho como geradora de riquezas. Por este olhar, percebe-se que
os proprietários, ao contratar pessoas apenas de uma cidade, Barro-CE, muitas
vezes amigos ou parentes, reforçava a idéia de uma grande família, ao meu ver
bem produtiva, que via neles um pai. Esta foi uma percepção que chocou-se
com minas visões prontas, de que certamente os migrantes percebiam que
estavam sendo explorados, que sentiam-se descontentes com o fato de não
serem registrados, que perdiam direitos trabalhistas. Foi preciso separar a
visão que eu tinha dos proprietários da fazenda, da que se construiu na
vivência entre eles e os trabalhadores, haja vista que, o olhar positivo, estava
em muito amparado na vida difícil no Ceará.
Dona Francisca Freire Pereira, que além da honestidade do patrão ( a
gente trabalhô recebe), destaca também a importância dele na fixação do
trabalhador na fazenda, através do fornecimento de condições mínimas para a
sobrevivência:
“É... ele é um bom patrão, não tenho nada pra dizê dele,
ele é um bom patrão. Só! A gente trabalhô, recebe, né? E...
quando eu cheguei aqui, ele arrumô barraco pra nóis, de talba
né? A gente trabalhano certo com ele, ele é um bom patrão.
Até hoje, não tenho o que falá dele não né?”178
A análise que faço deste apreço envolve questões e condições elementares
para a existência física no Nordeste, que eram precárias para o mínimo de
conforto e segurança. Assim, uma moradia de tábua, ou de placa de muros,
tem um significado grande, pois é o local de viver, de abrigar a família, onde as
relações de parentesco acontecem, onde, a segurança é delineada pela
mistura da tábua e dos afetos, da certeza de não estar desabrigada. O salário,
o emprego, simboliza a garantia do sustento. O fator exploração, tem
significados diferentes no Nordeste e no sudeste.
Segundo Ivao Okubo , 53 anos, um dos proprietários da Fazenda Santa
Cruz: “o sistema de parceria é um sistema eficaz para ambas as partes, pois o
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
178
Entrevista concedida em 22/11/2003 por Francisca Freire.
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trabalhador não corre nenhum risco, só entra com o trabalho, não tem
custos”.179
Exatamente por entrar com o trabalho “apenas” é que não caracteriza uma
parceria e sim uma relação que deveria ser de assalariamento, com todos os
deveres patronais de acordo com a CLT. A parceria por sua vez, reduz o
imposto de renda e outros impostos rurais pela metade, pois apenas se presta
conta da metade, formalmente. Embora esta conferência das vendas, da
cotação do tomate, fosse um pouco delicada para trabalhadores analfabetos
em sua maioria, eles acreditavam que recebiam pela metade da produção.
Diversas irregularidades foram percebidas, em franca contradição com a lei
trabalhista.
O trabalho familiar era extremamente interessante, cooperativo. Além disso, a
crença de que a família trabalhava para si, gerava um ânimo produtivo bem
maior que em relações assalariadas. Na fala de um dos proprietários, Ivao
Okubo, a preferência por trabalhadores de origem nordestina se justifica
porque: “Eles não dão problema com a justiça, são mais honestos, com eles o
trato é verbal, a palavra é o que vale”.180
Essa fala dá a entender que, para ele, ser honesto é não usufruir dos
direitos legais quando a situação exigir, pois, segundo Sr. Ivao, quase todos os
trabalhadores de Araguari recorreram à justiça em experiências anteriores,
sobretudo nas experiências com a colheita do café, quando o trabalho é
temporário. Ele informa que muitos trabalham uma semana e alegam à justiça
ter trabalhado dois ou três meses.
Aos poucos, a trajetória da pesquisa foi desvendando as razões da
preferência por esses trabalhadores migrantes, sobretudo de origem
nordestina, e porque eles são interessantes aos latifundiários. Evidencia-se
que, além dos princípios rígidos norteados por tradições orais, a maioria
desses trabalhadores tem pouca escolaridade e está fora da terra natal o que
reduz as oportunidades de averiguar direitos. Além disso, a renda
proporcionada por uma colheita de sucesso oculta qualquer possibilidade de
injustiça, se comparada com a renda do Nordeste.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
179
180
Entrevista concedida em 22/11/2003 por Ivao Okubo, na Fazenda Santa Cruz.
Entrevista concedida dia 22/11/2003 por Ivao Okubo.
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REFERÊNCIAS
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Jurisprudência e Prática. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1999,
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Teoria, Roteiros e Formulários Jurisprudência. Rio de Janeiro: Aide Editora,
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paulista e as transformações dos seus meios de vida. 6ª ed. São Paulo:
Livraria Duas Cidades, 1982. 284p.
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TEXTOS COMPLETOS GT 2 “EXPERIÊNCIA, TRABALHO E EDUCAÇÃO
EM E. P. THOMPSON”
Proponentes:
Aparecida Darc de Souza (UNIOESTE)
Rodrigo Ribeiro Paziani (UNIOESTE)
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EDWARD PALMER THOMPSON: Contribuições e conceitos
para a história da educação brasileira
Eduardo Norcia Scarfoni, (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo)
[email protected]
André Luiz Rodrigues Carreira, (Universidade Católica de Santos)
[email protected]
RESUMO:
Esse artigo pretende fazer uma reflexão sobre a educação brasileira, a escola
e a sua história a partir do legado deixado por Edward Palmer Thompson
levando em consideração as duas de suas maiores contribuições – as noções
de experiência e cultura – no que tange o estudo histórico da educação
escolar. As perspectivas desenvolvidas pelo historiador britânico nos permitem
pensar criticamente a cultura produzida pela escola a partir da própria escola,
levando em consideração as trajetórias e experiências de sujeitos que se
constituem, se formam, e se educam, em diversas esferas da vida social.A
escola como uma instituição social não age apenas intramuros, possui ampla
atuação na medida em que funciona como elemento que produz, divulga e
legitima (ou deslegitima) identidades e modos de vida, inclusive no interior das
instituições escolares. Com uma historiografia da educação tradicionalmente
voltada para a discussão de políticas educacionais e de prescrições legais,
desconsiderando os sujeitos e suas experiências vividas, Thompson nos
permite observar a escola pelo viés da cultura, das experiências construídas e
reconstruídas cotidianamente pelos sujeitos inseridos em seu contexto. Assim,
pretendemos destacar a importância dessesconceitos no âmbito da história da
educação brasileira,sendo os sujeitos como constituidores de políticas que
modificam sua consciência a partir de suas práticas vividas.
Palavras-chave: educação; prática social; cultura.
Este artigo pretende contribuir em alguns aspectos para uma análise
da história da educação brasileira tomando as noções de Thompson,
experiência e cultura, como norteadoras. Em contrapartida do que se vem
produzindo pela história da educação, hoje com diferentes abordagens,
acreditamos que as noções de Thompson merecem um maior destaque, pois
podem suscitar novas possibilidades para as pesquisas desenvolvidas na área.
Entendemos aqui a história da educação como um tema da História Social e
não um campo com uma epistemologia específica, pois esse campo pertence à
História. Esse é um debate longo que não pretendemos aprofundar nesse
artigo, masque se faz presente.
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Assim pensamos em desenvolver esse trabalho mostrando os modos
de operar de Thompson e a necessidade de um diálogo com as fontes sem um
determinismo teórico que pré-estabelece os rumos da pesquisa. Entendendo a
história como um processo, são os sujeitos que fazem a história criando e
recriando estratégias no âmbito de suas experiências e práticas vividas.
Nesse sentido não podemos pensar a escola isolada do mundo, algo
que não sofre influencias ou que não esteja em permanente tensão devido aos
diversos projetos em disputas na sociedade. Assim, vale ressaltar as palavras
de Faria Filho e Bertucci (2009, p.12)
Se entendemos que a escola, ao se estruturar como instituição
e, no momento mesmo de sua lenta institucionalização, não
age em um vazio cultural, mas em uma situação de grande
densidade cultural, na qual as pessoas são produzidas e
reconhecidas como sujeitos na e da cultura, ou seja, que
nossas sociedades, antes mesmo da escola, produziram
também modos de significar e reconhecer as “pessoas
educadas” (da)naquelas sociedades, é preciso reconhecer,
então, que o projeto educativo posto em ação na e pela escola
entra em tensão com processos educativos já existentes.
A escola é um ambiente de constante tensão devido a essas
constantes disputas dos processos educativos que se alteram e se modificam
conforme interesses de grupos que mantem sua hegemonia social.
E também não podemos pensar a escola fora de seu contexto, pois as
vontades ali expressas são condicionadas por uma serie de fatores que por ali
perpassam. Thompson ao falar da disciplina história ressalta que
[...] a história é uma disciplina do contexto e do processo: todo o
significado é um significado-dentro-de-um-contexto e, enquanto as
estruturas mudam velhas formas podem expressar funções novas, e
funções velhas podem achar sua expressão em novas formas. (Thompson,
2001, p. 243).
Se tirarmos a escola de seu contexto os significados perdem seus
sentidos e não conseguiremos entender os processos de escolarização que
foram priorizados em detrimentos a outros que anteriormente eram adotados.
Esse constante embate não se esgota, pois os sujeitos que estão presentes
nesse processo são sujeitos ativos, portanto reflexivos e que alteram suas
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concepções conforme suas praticas vividas. Assim vale ressaltar as palavras
de Taborda (2008, p.160):
[...] diferentes indivíduos e grupos, produzem, apropriam e definemsua
representação do mundo a partir de um referente de luta de classes e da
história desse referente, o que implica considerar excessivamente
atomizadas aquelas perspectivas que concebem os indivíduos (ou mesmo
grupos) como mônadas capazes de, sozinhos, (re)significar as pressões
da cultura, no sentido estrutural mais amplo.
E nesse conjunto de relações que são definidas e redefinidas as
questões culturais, nunca isolando os sujeitos de um sistema de coisas que
prioriza projetos (esses sempre em disputa) em detrimento a outros. Para
elucidar as noções de experiência e cultura voltemos a Thompson (1981,
p.189)
A "experiência" (descobrimos) foi, em ultima instância, gerada na "vida
material", foi estruturada em termos de classe, e, consequentemente, o
"ser social" determinou a "consciência social". La Structure ainda domina a
experiência, mas dessa perspectiva sua influencia determinada é pequena.
As maneiras pelas quais qualquer geração viva, em qualquer "agora”,
"manipula" a experiência desafiam a previsão e fogem a qualquer definição
estreita da determinação. Creio que descobrimos uma outra coisa, de
significação ainda maior para todo o projeto do socialismo. Introduzi,
algumas páginas atrás, outro termo médionecessário, "cultura". E
verificamos que, com "experiência" e "cultura", estamos num ponto de
junção de outro tipo. Pois as pessoas não experimentam sua
própriaexperiência apenas como ideias, no âmbito do pensamento e de
seus procedimentos, ou (como supõem alguns praticantes teóricos) como
instinto proletário etc. Elas também experimentam sua experiência como
sentimento e lidam com esses sentimentos na cultura, como normas,
obrigações familiares e de parentesco, e reciprocidades, como valores ou
(atravésde formas mais elaboradas) na arte ou nas convicções religiosas.
Essa metade da cultura (e é uma metadecompleta) pode ser descrita como
consciência afetiva e moral.
As noções de experiência e cultura estão estreitamente ligadas, uma
complementa a outra, pois os sujeitos adquirem sua consciência de classe não
a priori, mas a partir de suas praticas vividas que incluem o sentimento, as
normas as obrigações religiosas e etc. As ideias dos sujeitos não surgem do
nada, eles as constroem e as modificam constantemente a partir de suas
relações.
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Pensando dessa maneira podemos entender a escola como uma
instituição importante para a formação de sujeitos e organização da cultura,
porem ela não é a única, e isso precisamos deixar claro. As famílias, outras
crianças também se compõem como agentes dessa formação do sujeito, a
escola não molda ninguém, mas influencia pelas suas práticas, normas e etc.
Ao estudar a escola também precisamos pensar nas resistências por parte de
seu público devido a suas ações.
Sobre isso vale ressaltar Faria Filho e Bertucci (2009, p.15)
Ao ato ou efeito de tornar escolar, ou seja, o processo de
submetimento de pessoas, conhecimentos, sensibilidades e
valores aos imperativos escolares. Esta dimensão, apesar de
considerar a importância da escola como instituição
relacionada à transmissão cultural, não deixa de enfatizar que
a escola cumpre um papel fundamental na organização social
da cultura. Neste sentido, estudar a escolarização significa
entender a forma como a escola organiza a cultura a ser
transmitida e a própria organização da escola para realizar tal
transmissão, mas também significa apreender as tensões que
marcam as relações dos sujeitos (alunos, famílias,...) com a
instituição, já que estes não se submetem passivamente às
lógicas que presidem a ação da escola.
Escola é um ambiente de tensão, pois são as tensões que marcam as
relações dos sujeitos, cada um com interesses específicos entrando sempre
em conflito com a logica da escola, ou seja, os sujeitos não são passivos e
fazem a história.
O “fazer-se” de Thompson e suas implicações para a História da
Educação
Publicada originalmente em 1963, A formação da classe operária
inglesa, obra fundamental de Thompson, trazia, sintetizada já em seu prefácio,
não apenas sua tese sobre o processo de formação da classe operária inglesa,
mas também sua indicação de como fazer pesquisa, de como conduzir
metodologicamente o seu trabalho. Interessava a Thompson a busca de
indícios, de vestígios de como as pessoas fizeram-se e assim forjaram sua
própria história como indivíduos.
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Segundo ele, “[...] o fazer-se (...) do título evidencia um estudo sobre
um processo ativo, que se deve tanto à ação humana como aos
condicionamentos. A classe operária não surgiu tal como o sol, numa hora
determinada. Ela estava presente em seu próprio fazer-se”. (THOMPSON,
2011, p.10)
Esses indivíduos, vivendo em sociedade, formaram grupos com
interesses, perspectivas e idéias em comum – formaram, enfim, uma classe. A
classe, segundo Thompson, acontece quando alguns homens, como resultado
de experiências comuns, sentem e articulam a identidade de seus interesses
entre si contra outros homens cujos interesses diferem dos seus (2011, p. 12).
A classe, segundo esse pressuposto, é definida pelos homens enquanto vivem
sua própria história, sendo essa sua única definição possível.
As noções de formação – do fazer-se evidenciado por Thompson
– e de classe se articulam ao estudo do processo de escolarização ao
concebermos a necessidade de se levar em consideração o movimento interno
de cada instituição escolar analisada em relação ao contexto social que
extrapola os seus muros, relacionado, por sua vez com uma lógica de sistema
que
preside
a
organização
escolar
em
termos
locais,
nacionais
e
internacionais.
Os sujeitos do universo escolar vivem suas experiências
integralmente como aspirações, necessidades, idéias e desejos, como sujeitos
sociais que resistem, se submetem, vivendo enfim.
As contribuições de Thompson nos ajudam a compreender a
escolarização e, em especial, as culturas escolares como processos ativos
construídos coletivamente. A legislação, tradicional instrumento de análise no
campo da História da Educação – em especial no tocante às reformas da
instrução pública –deixa de ser concebida de forma abstrata e generalizante.
Sobre isso, Thompson nos lembra que:
[...] as regras e categorias jurídicas penetram em todos os níveis da
sociedade, efetuam definições verticais e horizontais dos direitos e
status dos homens e contribuem para a autodefinição ou senso de
identidade dos homens. (THOMPSON, 1987, p. 358)
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E complementa afirmando que: “Nenhuma ideologia – ou sistema de
idéias – é inteiramente absorvida por seus partidários: na prática, ela multiplicase de diversas maneiras, sob o julgamento dos impulsos e da experiência”.
(THOMPSON, 2011, p. 205)
Importante ressaltar que, embora sejam naturais as tentativas de
conformação dos sujeitos escolares por instâncias socioculturais diversas –
como a legislação, por exemplo – as diferentes formas de reação desses
agentes às ingerências, prescrições e imposições precisam ser recuperadas
não como adesão, pura e irrestrita, tampouco como resistência sempre
consciente e ativa, mas como diálogo que deve considerar tanto as dimensões
racionais do ser quanto as dimensões sensíveis inerentes ao processo
contínuo de formação.
Sobre esse diálogo, o historiador britânico nos indica que:
A consciência, seja como cultura não autoconsciente, ou como mito, ou
como ciência, ou lei, ou ideologia articulada, atua de volta sobre o ser, por
sua vez: assim como o ser é pensado, também o pensamento é vivido – as
pessoas podem, dentro de limites, viver as expectativas sociais que lhe
são impostas pelas categorias conceituais dominantes. (THOMPSON,
1981, p. 17)
Quando discutimos a adoção – invariavelmente por imposição – de
novos modelos, de novos métodos, de novos procedimentos escolares, de
novos mecanismos de controle e disciplina, precisamos levar em conta as
tensões, as resistências – conscientes ou “surdas” – enfim, o constante diálogo
e as formas diversas encontradas por diferentes indivíduos, grupos ou classes
ao conceber e interagir com a cultura escolar. Ou seja, a pesquisa em
educação – mais especificamente no prolífico campo da História da Educação
– pode ser enriquecida pela perspectiva de novos estudos das necessidades e
interesses dos sujeitos em relação à sua classe e às outras classes, dos
sujeitos em relação às inúmeras prescrições às suas atividades diárias.
Para finalizar e em consonância com as reflexões aqui propostas sobre
a influência e as contribuições do pensamento de Thompson para a História da
Educação brasileira, enfatizamos que:
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O trabalho de Edward Palmer Thompson permite vislumbrar um
entendimento de que a história pode ser diferente. E nessa direção a
formação entendida como um processo de autorreflexão, de
autoconhecimento, de contínuo fazer-se, inclusive escolar, teria um lugar
fundamental para que a sociedade pudesse se organizar em outras bases.
(...) Cremos que cabe fazer a pergunta crucial: qual seria, hoje, o papel
fundamental da escola? Ela teria lugar em um projeto de formação? E esse
projeto, que implicaria um entendimento de fazer-se maior que a instrução,
hoje seria possível nos termos propostos por Thompson e pela tradição da
qual seu pensamento faz parte? (BERTUCCI, FARIA FILHO, TABORDA,
2010, P. 93)
Considerações Finais
Como o leitor pôde ver, nosso artigo pretendeu estabelecer uma série
de reflexões acerca da educação brasileira, o papel da escola e a história da
educação e da instituição escolar tomando como referencial teóricometodológico e historiográfico todo um legado deixado por Edward Palmer
Thompson.
Procuramos
levar
em
consideração
duas
de
suas
maiores
contribuições para o pensamento moderno na História, Educação e Ciências
Sociais – as noções de experiência e cultura – voltando os nossos olhares
perscrutadores para o estudo histórico da educação escolar.
Baseados nas concepções teóricas desenvolvidas pelo historiador
britânico, nos foi oportunizada a chance de pensar criticamente sobre a cultura
que vem sendo produzida pelas escolas através de uma perspectiva
antropológica, que analisa a escola “por dentro”, ou, em outras palavras, pelo
uso do método etnográfico. Desse modo, levamos em consideração as
trajetórias e experiências dos sujeitos que se constituem, se formam e se
educam, em diversas esferas da vida social.
Se partimos do pressuposto analítico de que a escola, enquanto uma
instituição social, não age apenas em posições “intramuros”, foi para que
mostrássemos, de uma forma mais aprofundada, como ela possui ampla (e
difundida) atuação na sociedade brasileira, na medida em que se apresenta e
se expressa como elemento simbólico que produz, divulga e legitima (ou
deslegitima) identidades e modos de vida, inclusive no interior das instituições
escolares.
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Vivendo ainda sob o predomínio de uma historiografia “tradicionalista”
de educação, que tem reforçado as discussões em torno de políticas
educacionais e de prescrições legais, e, portanto, desvalorizando o papel dos
sujeitos e de suas experiências vividas, Edward Palmer Thompson aparece
como um autor e pensador profícuo na observação e análise crítica da escola
através do campo da cultura – pensada aqui (e apropriada do historiador
britânico) como as múltiplas experiências construídas e reconstruídas
cotidianamente em comum pelos sujeitos inseridos em determinados contextos
e tempos históricos.
Assim, destacar a obra de Thompson e a importância dos conceitos de
cultura e experiência no que concerne à história da educação em nosso país,
significa refletir criticamente sobre o papel ativo dos sujeitos como
constituidores de práticas sociais e políticas que podem modificar suas
consciências.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
THOMPSON, Edward Palmer. A miséria da teoria. Rio de Janeiro: Ed. Zahar,
1981.
______. Senhores e Caçadores. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
______. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas: Ed.
UNICAMP, 2001.
_______. A formação da classe operária inglesa, 1: a árvore da liberdade.
6ºed. São Paulo: Paz e Terra, 2011.
BERTUCCI, Liane Maria; FARIA FILHO, Luciano Mendes de; TABORDA,
Marcus Aurélio. Edward P. Thompson: história e formação. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2010.
FARIA FILHO, Luciano; BERTUCCI, Liane. Experiência e Cultura:
contribuições de E.P. Thompson para uma história social da escolarização. In:
Currículo Sem Fronteiras, v.9, p.10-24, 2009.
TABORDA, Marcus Aurélio. O pensamento de Edward Palmer Thompson como
programa para a pesquisa em história da educação. In: Revista Brasileira de
História da Educação, n. 16, jan./abr., 2008.
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EXPERIÊNCIA, UM TERMO PRESENTE: Diálogos entre E. P.
Thompson e Paulo Freire
Profa. Dra. Aparecida Darc de Souza (Unioeste/Campus Marechal Candido
Rondon/História Social do Trabalho e da Cidade)
E-mail: [email protected]
Prof. Dr. Rodrigo Ribeiro Paziani (Unioeste/Campus Marechal Candido
Rondon/ História Social do Trabalho e da Cidade)
E-mail: [email protected]
RESUMO:
Esta comunicação tem como objetivo propor um diálogo teórico-metodológico
entre E. P. Thompson e Paulo Freire, ao considerar um eixo fundamental de
análise: a formação e o trabalho docente na área de História. Partindo da
noção de ‘experiência’. Tomamos este termo em Thompson não apenas por
sua reconhecida significação teórica, mas também por instigar a construção de
um método e prática de ensino de História focada na valorização dos ‘saberes’
e dos ‘fazeres’ dos sujeitos situados em contextos históricos determinados.
Seguindo esta perspectiva buscamos estabelecer o diálogo entre as
concepções político-pedagógicas propostas por Paulo Freire, notadamente as
questões da educação problematizadora do método dialógico de ensino com o
conceito thompsoniano de experiência. Enfatizaremos a defesa da “presença” –
e não da “ausência” – do termo “experiência” em ambos os intelectuais e como
eles contribuem para a construção de novas reflexões sobre a história e o
ensino de História.
Palavras-Chave: Experiência; Educação; História e Ensino de História.
Eles jamais se conheceram. Até onde se sabe, as obras de um nunca
foram citadas e/ou lidas pelo outro.Apesar de serem intelectuais e educadores
de renome internacional e terem viajado e ministrado cursos, palestras e
conferências pelo mundo afora, não há qualquer registro histórico de que
ambos tenham se encontrado durante as suas vidas.
A tentativa de descobrir e/ou realizar qualquer tipo de encontro entre
Edward Palmer Thompson (1924-1993) e Paulo Freire (1921-1997) parece, a
priori, ser uma tarefa das mais impossíveis – senão improváveis. Mas, se
descartamos o termo “encontro” e em seu lugar inserimos o termo “diálogo”,
logo nos veremos diante de possibilidades de cruzarmos as trajetórias de
Thompson e Freire.
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Neste sentido, o uso do termo “diálogo” não é fortuito, nem casual, mas
intencional e premente de justificativas: a maior delas é a abertura críticoreflexiva de ambos aos aspectos dialógicos da construção de conhecimentos
nas Ciências Humanas e as possibilidades transformadoras inerentes a eles.
Antes, porém, permitam-nos relembrar outras justificativas plausíveis deste
diálogo entre Thompson e Freire – intrinsecamente ligadas às suas trajetórias e
a um termo-chave na produção acadêmica (e não-acadêmica) dos dois: a
“experiência”.
Homem de múltiplos saberes (historiador, poeta, militante, socialista,
escritor) e de compromisso público com a História enquanto uma área de
conhecimento voltada a problematização científica e ao engajamento político,
Edward Thompson foi considerado um dos historiadores mais influentes e
proeminentes do século XX e um dos 250 autores mais citados de todos os
tempos – afirmações de Eric Hobsbawm, amigo e interlocutor, publicadas sob a
forma de artigo num jornal britânico em 1993.
Em “Peculiaridades de E. P. Thompson”, Alexandre Fortes, Antonio
Luigi Negro e Paulo Fontes (2001) traçaram um elo significativo entre a história
e a vida de Thompson ao fazerem o seguinte comentário:
[...] Idéias, palavras e atitudes se alimentaram mutuamente, refletindo-se
na sua vida de modo duradouro. Dono de um pensamento hábil e original,
eloqüente e apaixonado, lançou-se em inúmeros “combates pela história”.
Não se tratou, aliás, de campanhas circunscritas à universidade, às salas
de aula e a encontros acadêmicos. Muito além desses recintos, sua
biografia foi marcada pela imbricação entre a história estudada e a história
vivida. (p. 22)
Uma trajetória marcada “pela imbricação entre a história estudada e a
história vivida” ou um historiador cuja obra “aliou paixão e intelecto, os dons do
poeta, do narrador, do analista” (HOBSBAWM, p. 18 In: THOMPSON, 2001) ou
ainda o intelectual que analisou e redigiu “a história, vista a partir de ‘baixo’”
(FORTES, NREGRO & FONTES, p. 24 In: THOMPSON, 2001) – eis os motes
por onde compreendemos quem foi e o que representou E. P. Thompson para
a história, as ciências sociais, a política e a educação.
Credenciais de um sujeito que incorporou conhecimentos às suas
próprias vivências e às daqueles com quem conviveu e compartilhou idéias,
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palavras e atitudes. A estas credenciais – que, nem de longe, exprimem toda a
sua vida e obra – nós chamaremos de “experiência”. Um termo presente em
Thompson – discutiremos isto no tópico seguinte.
Quando narramos um pouco da trajetória de Thompson já não se
apresenta tão complexa a tarefa de articulá-la a de Paulo Freire. Se
tomássemos as referências feitas ao historiador britânico à vida e obra do
educador brasileiro, ficaríamos surpresos com algumas coincidências. Por
exemplo, ambos trabalharam com educação de adultos. Thompson foi
professor, em Leeds, entre as décadas de 1940 e 1960 em cursos
frequentados por“(...)homens e mulheres comuns (trabalhadores, manuais,
bancários, funcionários de escritório, profissionais da seguridade social e
professores da rede de ensino não universitária)” (THOMPSON, 2001, p. 24).
Do outro lado do atlântico, em Pernambuco, Paulo Freire dedicava-se à uma
educação dirigida a formação e alfabetização de adultos.
Segundo Moacir
Gadotti:
Nos anos 50, quando ainda se pensava na educação de adultos como uma
pura reposição de conteúdos transmitidos, às crianças e jovens, Paulo
Freire propunha uma pedagogia específica, associando estudo,
experiência vivida, trabalho e pedagogia e política. (1996, p. 70)
Como Thompson, Freire nasceu na década de 1920 e faleceu na
década de 1990. Ambos tiveram uma formação acadêmica que dialogou com
textos clássicos da obra de Marx e do próprio marxismo. Os dois, cada um, a
sua maneira, foram politicamente ativos e engajados no campo da esquerda.
Sua militância porém sempre guardou espaço para uma relação crítica com as
práticas dogmáticas e autoritárias dos partidos de esquerda. Em suas
trajetórias se destaca uma indissociabilidadeentre o tempo da vida e do
trabalho e um compromisso indisfarçável com a educação pública e popular da
(e feita pela) classe trabalhadora..
No Prefácio de “Pedagogia do Oprimido” – obra seminal do educador
pernambucano que propõe um diálogo intenso sobre a pedagogia libertadora
dos oprimidos (camadas populares e classe trabalhadora) – Ernani Maria Fiori
afirma o seguinte:
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Paulo Freire é um pensador comprometido com a vida; não pensa idéias,
pensa a existência. É também educador: existencia seu pensamento numa
pedagogia em que o esforço totalizador da práxis humana busca, na
interioridade desta, retotalizar-se como “prática da liberdade”. Em
sociedades cuja dinâmica estrutural conduz à dominação das
consciências, “a pedagogia dominante é a pedagogia das classes
dominantes” [...] Nessas sociedades, governadas pelos interesses de
grupos, classes e nações dominantes, a “educação como prática da
liberdade” postula, necessariamente, uma “pedagogia do oprimido”. Não
pedagogia para ele, mas dele [...] A prática da liberdade só encontrará
adequada expressão numa pedagogia em que o oprimido tenha condições
de, reflexivamente, descobrir-se e consquistar-se como sujeito de sua
própria destinação histórica [...] (FREIRE, 1987, p. 09)
Paulo Freire foi um sujeito “comprometido com a vida”, que “existenciou
seu pensamento”, no qual a práxis humana é condição sinequa non para a
conquista da “prática da liberdade” dos sujeitos sociais em condição de
opressão, expressa em sua proposta pedagogia na qual o oprimido adquire
condições materiais e existenciais de “descobrir-se e conquistar-se como
sujeito de sua própria destinação histórica”.
Os projetos de alfabetização popular – para jovens e adultos – sempre
em consonância com o anseio de transformar o cotidiano da classe
trabalhadora (e de auto-transformar-se junto com ela), a intensa participação
dentro e, principalmente, fora dos muros das universidades brasileiras e do
exterior, graças às reflexões sobre a pedagogia libertadora, assim como a
abertura (não sem criticidade e rigor) para a esfera dialógica de compreensão e
transformação das pessoas – o que lhe rendeu um método de ensino e
aprendizagem (FREIRE & SCHOR, 1986) tornaram seu trabalho reconhecido
em várias partes do mundo.
Palavras, idéias e atitudes que fizeram de Paulo Freire um homem
cujos múltiplos conhecimentos jamais se separaram do comprometimento
público com o “ser” e o “fazer” de sujeitos sociais, que, mesmo sob
determinações
e/ou
condicionamentos,
deviam
ter
a
consciência
do
inacabamento do mundo, e, portanto, da (sua) própria história como um
processo em construção, nunca dado ou acabado, tecidos pelos sujeitos em
contextos e tempos determinados(FREIRE, 2000) – lembrando as concepções
de História e de ‘processo histórico’ em E. P. Thompson.
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Enfim, vemo-nos diante de um sujeito que também incorporou
conhecimentos às suas próprias vivências e às daqueles com quem conviveu e
compartilhou, transformando-os em práticas reflexivas e problematizadoras. E
o que seria tudo isto senão o que chamamos de “experiência”?De igual modo,
um termo presente em Freire.
Se um encontro entre esses dois grandes intelectuais e educadores do
século XX é inexoravelmente impossível, possível torna-se aproximá-lospara
um dialogismo ao nível das idéias, das palavras e das ações que acumularam
e dividiram durante suas vidas (extremamente produtivas). Dois homens, duas
trajetórias, um elo: a relação intrínseca entre experiência, história e educação.
Justificada nossa proposição é preciso, no entanto, definir melhor como
e, em que sentido,estabelecemos o diálogo entre Thompson e Paulo Freire.
Concentramos nossa discussão em torno do sentido de se produzir uma
História engajada com os grupos subalternos ancorada na valorização das
experiências vividas. Uma característica comum aos dois autores em tela.
Destaca-se na obra de Thompson o esforço de compreender as
experiências dos trabalhadores “por dentro”, ou seja, tomar os seus hábitos,
costumes, idéias e ações – não sem tensões, solidariedades e contradições
sociais
–
enquanto
um
jogo
histórico-dialético
de
determinações
/
condicionamentos / permanências versus consciências / protagonismos /
mudanças – pois somente assim o historiador poderia, com argúcia e
prudência (e evidências históricas), problematizar o ‘fazer’ da classe
trabalhadora ao longo de processos históricos.
A metodologia de ensino dialógico e libertador amplamente defendida
por Paulo Freire estava imbricada na relação dialógica com as experiências
sociais dos trabalhadores. Se a educação poderia constituir-se em instrumento
e espaço de uma práxis social transformadora, só poderia sê-lo se
considerasse de maneira interessada e ao mesmo tempo crítica o conjunto das
experiências e percepções dos trabalhadores acerca do mundo ao seu redor.
Essa concepção de História “por dentro” do universo de um grupo ou
classe social – sem cair em discursos e práticas fragmentárias do
conhecimento – presente na concepção do fazer da História em Thompson
parece articular-se muito bem ao sentido e importância do termo “experiência”
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na proposta de Freire. Em ambos, destaca-se nesta valorização da
experiência, a compreensão de que a educação é, sobretudo, uma relação de
troca entre sujeitos cognitivos. Vejamos esta passagem em que Thompson
tece algumas considerações sobre a educação com jovens e adultos:
[...] Toda educação que faz jus a esse nome envolve a relação de
mutualidade, uma dialética, e nenhum educador que se preze pensa no
material a seu dispor como uma turma de passivos recipientes de
educação. Mas, na educação liberal de adultos, nenhum mestre
provavelmente não sobreviverá a uma aula – e nenhuma turma
provavelmente continuará no curso com ele – se ele pensar, erradamente,
que a turma desempenha um papel passivo. O que é diferente acerca do
estudante adulto é a experiência que ele traz para a relação. A
experiência modifica às vezes de maneira sutil e às vezes mais
radicalmente, todo o processo educacional [...] (THOMPSON, 2002, p.
13 – grifos nossos)
Em Leeds, durante os cursos de educação para jovens e adultos, em
sua maioria da classe trabalhadora, Thompson viveu uma das melhores fases
da sua vida, no que tange às interfaces entre reflexões teóricas e práticas
educativas – o que lhe propiciou, possivelmente, a experiência da
indissociabilidade entre pesquisa e ensino, bem como as relações dialéticas
entre os saberes do professor e os de seus alunos.
Nada de passividade: a educação consiste num processo dialógico no
qual as experiências dos atores envolvidos (professores e alunos) representam
a base epistemológica da formação do pensamento crítico – e tudo isto
(re)elaborado nas práticas de construção e troca permanente de idéias. Basta
que se leia o que Fortes, Negro e Fontes dizem sobre esse tempo da vida de
Thompson:
[...] o pequeno grupo de Thompson propugnava uma relação entre
professor e aluno pouco afeita aos rígidos padrões vigentes. O grupo
queria, antes de mais nada, romper a relação entre professor-expositor e
audiência passivo-receptora, advogando que a experiência trazida para
dentro das salas de aula pela “gente comum” era um poderoso recurso
didático, no qual os alunos não deviam enxergar motivos de vergonha ou
de autodesmerecimento.
Para
Thompson,
seus
alunos
ofereciam
um
retorno
fabuloso,
alimentando duas grandes paixões, a literatura e a história social. “O professor
acredita”, escreveu em um relatório sobre suas salas em Cleckheaton no ano
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letivo de 1948-1949, “que aprendeu tanto quanto comunicou”. (FORTES,
NEGRO & FONTES, p. 26-27 In: THOMPSON, 2001). O que dizer, portanto,
dos estreitos vínculos entre história e educação em E. P. Thompson? A
resposta vem numa só palavra: “experiência”. A sagacidade de quem sabia que
a experiência “modifica às vezes de maneira sutil e às vezes mais
radicalmente, todo o processo educacional”.
Assim, se a educação envolve uma relação mútua e dialética, e a
experiência é a energia vital que alimenta o (re)construir de tal relação, falar em
história significa compreendê-la enquanto fruto de experiências que levam em
conta a “imbricação entre a história estudada e a história vivida” . E disso ele
sabia muito bem.
Nestes termos parece muito razoável apresentar a seguinte questão:
qual seria a metodologia de ensino que nos permitiria colocar as proposições
de uma História engajada com os grupos subalternos, tomando-os como
sujeitos sociais? Qual metodologia nos permitiria estudar a experiência dos
oprimidos, tomados como sujeitos de sua própria história, sem que esta
operação não redundasse em mais uma forma de objetivar professor e aluno
no espaço da sala de aula?
Esta é a preocupação que orienta nossa discussão em torno de um
diálogo entre Paulo Freire e Thompson. Entendemos que vale a pena refletir
sobre a coerência entre a maneira de entender e escrever a História e a forma
como a ensinamos no espaço escolar. Assim sendo, parece justo fazer a
seguinte provocação: qual é o sentido de falar, dissertar sobre a História que
prima pela valorização da experiência social se não reconhecemos os
educandos a quem nos dirigimos como sujeitos?
A pertinência desta questão reside na insistente estetização da
pesquisa histórica realizada no âmbito acadêmico que guarda pouca ou quase
nenhuma relação orgânica como outros espaços de produção de saberes
históricos. De fato, ainda assistimos nos dias de hoje, a repetição da prática de
transposição do saber acadêmico para o âmbito escolar. Os resultados de
estudos e pesquisas sobre as experiências sociais dos trabalhadores ainda
estão reservados a um público seleto das universidades. Quando, por fim,
estes resultados alcançam os grupos subalternos, no âmbito escolar, o fazem
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numa perspectiva vertical. As experiências históricas dos trabalhadores
acabam se traduzindo em conteúdos estranhos e desconectados da realidade
daqueles que deveriam ser seus interlocutores privilegiados.
Com isto não queremos negar o valor fundante da categoria
experiência na ampliação do horizonte social da pesquisa histórica e no
engajamento da produção historiográfica com os setores subalternos. No
entanto, entendemos que este engajamento deve ser produzido não apenas no
campo da pesquisa, mas também do ensino, sem, contudo, opor uma prática a
outra. Aqui partimos do horizonte proposto por Déa Fenelon181 de que:
O verdadeiro ensino sempre pressupõe pesquisa e descobertas.
Queremos um profissional de História no qual as pessoas possam se
reconhecer e se identificar, porque para nós a História é uma experiência
que deve ser também concretizada no cotidiano, porque é a partir dela que
construiremos o hoje e o futuro. (FENELON, 2008, p. 35)
A prática de ensino articulada a prática da pesquisa é um exercício que
coloca o professor numa posição ativa de produtor do conhecimento histórico.
O caminho da produção deste conhecimento implica em desenvolver no âmbito
do ensino de História o esforço de problematização e indagação constante do
tempo presente, o diálogo crítico com a historiografia, o trabalho de análise
crítica das fontes e o esforço de síntese.
No dia a dia isto representa iniciar o trabalho de ensino de História a
partir de uma mirada crítica e questionadora do mundo e mergulhar o processo
de ensino no exercício de investigação como caminho para construção de
respostas nos termos propostos por Febvre:
Assim a história. A que compreende e faz compreender. A que não é lição
a estudar todas as manhãs, com devoção – mas verdadeiramente uma
condição permanente de atmosfera. História, resposta a perguntas que o
homem de hoje necessariamente se põe. (FEBVRE, 1985, p.49)
Destarte, para o professor, ensinar representa, a partir desta
abordagem, mais que retomar narrativas históricas sobre as ações dos homens
no passado, significa em outra direção praticar cotidianamente a perspectiva
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
181
As questões apontadas por Déa Ribeiro Fenelon presentes neste artigo foram apresentadas
pela primeira durante uma conferência no XI Simpósio Nacional da ANPUH, em João Pessoa PB, no ano de 1981.
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cognitiva da ciência histórica. Significa dirigir-se ao mundo, no tempo presente,
de forma interessada e problematizadora tornando a História um conhecimento,
uma reflexão ligada à vida concreta. Deste ponto de vista, quando se define a
História como um conhecimento produzido a partir da leitura das experiências
concretas vividas pelos homens há que se considerar que na prática docente
este diálogo problematizador com o tempo presente não pode ignorar a
importância da experiência dos sujeitos nela envolvidos.
Neste sentido, o método de ensino dialógico e libertador proposto por
Paulo Freire constitui-se num campo profícuo para refletirmos sobre as
possibilidades e os caminhos de colocar em prática um ensino de História
como lugar da produção de saberes e não como forma de reprodução de
conhecimentos prontos e acabados.
Em primeiro lugar, porque no método de ensino dialógico, defendido
por Paulo Freire ensinar é um ato criador que se realiza no encontro entre
educador e educando. A relação de ensino, não é uma relação de transmissão,
simplificação ou transposição de saber, noutra direção:
[...] o objeto a ser conhecido medeia os dois sujeitos cognitivos (educador
e educando). Em outras palavras, o objeto a ser conhecido é colocado na
mesa entre os dois sujeitos do conhecimento. Eles se encontram em torno
dele e através dele para fazer uma investigação continua. (FREIRE, 1986,
p.131)
Este sentido de investigação e descoberta que orienta e define a
prática do ensino dialógico está apoiada num princípio de horizontalidade da
relação entre os diferentes sujeitos do processo educativo. Esta relação entre
educador e educando é, sobretudo, um exercício simultâneo de investigação,
de descoberta e reflexão que se inicia a partir do diálogo. Paulo Freire insiste
que este diálogo não pode ser confundido com uma performance de gestos e
palavras, é, pelo contrário uma postura, a partir da qual se reconhece que todo
conhecimento é um evento social (FREIRE, 1986, p.123).
É pelo diálogo,
neste encontro, que os homens refletem, conhecem e atuam sobre sua própria
realidade.
É justamente por reconhecer a impostura deste sentido do diálogo
frente às características hegemônicas da educação burguesa que Paulo Freire
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propõe um ensino dialógico e libertador. Este seria o caminho para romper com
as práticas autoritárias de produção e difusão do conhecimento que
historicamente têm favorecido o status quo, e, limitado o campo da reflexão
crítica dos grupos sociais subalternos. Este diálogo democrático depende
sobremaneira do esforço do educador em evidenciar o papel de sujeito do
educando. Em termos práticos isto significa fazer emergir as experiências dos
educandos. Suas narrativas, suas descrições suas interpretações sobre suas
vidas, sobre mundo em que vivem, suas percepções sobre os acontecimentos.
Ttudo isto constitui o ponto de partida para que se efetue o diálogo, pois:
A educação dialógica parte da compreensão que os alunos têm de suas
experiências diárias, quer sejam alunos da universidade, ou crianças do
primeiro grau, ou operários de um bairro urbano ou camponeses do
interior, minha insistência de começar a partir de sua descrição sobre suas
experiências da vida diária baseia-se na possibilidade de se começar a
partir do concreto, do senso comum, para chegar a uma compreensão
mais rigorosa da realidade. (FREIRE, 1986, p. 131)
Esta busca por uma compreensão mais rigorosa da realidade colocada
no horizonte do processo educacional inclui educador e educando no esforço
de tornar o processo de ensino um momento compartilhado de descoberta e
desmistificação de situações existenciais.
A partir desta perspectiva, a experiência não é o ponto de chegada,
mas o lugar de onde se inicia a reflexão e o exercício de análise crítica. É por
meio da leitura crítica desta experiência que constrói a relação de produção do
conhecimento. Nesta relação de ensino, o conteúdo programático, não é um
dado universal e definitivo, mas uma construção histórica e social que se faz e
se refaz no diálogo com as experiências vividas dos educandos. Neste sentido,
a experiência é o ponto para onde retornamos, num exercício contínuo de
instrumentalização e articulação do conhecimento histórico com a vida prática e
as questões por ela impostas.
Esta perspectiva de valorização apoiada numa relação crítica com as
experiências dos grupos subalternos presentes no pensamento de Paulo Freire
e E.P. Thompson é, para nós, um elemento muito importante. Em grande
medida, porque a partir dela, o conhecimento constitui-se num produto social,
alicerçado na experiência e em seu estudo crítico. A articulação de ambos os
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autores colocada a serviço de uma educação pública de trabalhadores e filhos
de trabalhadores, pode nos oferecer um caminho para produzir uma relação de
ensino de História que contemple educadores e educandos como sujeitos
sociais e cognitivos.
Entendemos que não ésuficiente colocar a temática das experiências
dos trabalhadores no horizonte curricular sem se considerar as experiências no
processo de ensino as próprias experiências dos estudantes a quem nos
dirigimos. Por esta razão, parece-nos essencial discutirmos como podemos
desenvolver um ensino de História, que em sua própria prática, em seu próprio
fazer-se, revele no processo educativo os sujeitos sociais.
Considerações Finais
Um encontro impossível. Pior: improvável. Nunca os veremos juntos,
sentados em uma mesa de debates (quem nos dera!). Thompson e Freire nos
deixaram um enorme legado, mas também a sensação de um certo “vazio” em
relação ao modelo de intelectual da qual encarnavam: combativo e militante,
coerente e rigoroso, perspectivo e prospectivo.
Mais: a perspectiva dialética e dialógica de produzir conhecimentos,
somada a valorização das experiências dos sujeitos sociais envolvidos em
processos educativos – seja na universidade, seja na escola, seja ainda na
sociedade civil – e a associação fundamental entre os saberes e fazeres da
história, da educação e da política, fizeram de E. P. Thompson e Paulo Freire,
por caminhos diferentes, referenciais obrigatórios para quem (ainda) deseja e
acredita em outros mundos e/ou sociedades possíveis.
Enfim, num tempo marcado por incertezas, desencantos, descréditos e
impasses – como parece ser (também) o nosso século XXI – promover um
diálogo epistemológico entre esses dois grandes nomes do pensamento
moderno a partir da categoria “experiência” e suas vinculações com a
educação, a história e o ensino de História nos permite refigurar o mundo ao
qual vivemos, de modo que possamos buscar, em meio às “ruínas” do saber
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(no sentido benjaminiano), novos sentidos e significados para as nossas vidas,
lá onde as experiências sejam termos sempre presentes.
Referências Bibliográficas
FENELON, D. R. A formação do profissional de História e a realidade do
ensino. Revista Tempos Históricos, v.12, 1ºsemestre, 2008, p.23-35.
FEBVRE, L. Combates pela História. Lisboa, 2a.edição, Editorial Presença,
1985.
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In: THOMPSON, E. P.As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. São
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___. Pedagogia da Autonomia. 14ª. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
GADOTTI, M. Paulo Freire: uma biobliografia. São Paulo: Cortez, Instituto
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THOMPSON, E. P. Costumes em comum: estudos sobre cultura popular
tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
___. Os Românticos: A Inglaterra na era vitoriana. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2002.
___. A miséria da teoria ou um planetário de erros: uma crítica ao
pensamento de Althusser. Rio de Janeiro: s/ed., 2009.
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DIÁLOGOS COM E. P. THOMPSON: Notas de pesquisa sobre
ensino de história, currículo e escola pública
Artur Nogueira Santos e Costa (UFU)
[email protected]
RESUMO:
Este texto apresenta uma reflexão acerca de pesquisa realizada ao longo dos
três últimos anos, a respeito do eixo ensino de história, currículo e escola
pública. O objetivo central concentra-se em apresentar as contribuições de E.
P. Thompson para o delineamento do percurso de investigação. Tomando
como ponto de partida a noção de “experiência” sustentada pelo autor, propõe
refletir acerca das articulações entre ensino de história, currículo e escola
pública, num esforço de apreender pontos significativos desse processo. Tratase de uma questão que merece ser constantemente reaberta, uma vez que
abrange não apenas letra morta, mas se caracteriza como vivência, como
movimento histórico em que se envolvem diferentes sujeitos em processo de
incessante transformação.
Palavras-chave: História Social e Escola Pública; Ensino de História e
Currículo; Experiência e Conhecimento Histórico.
A experiência modifica, às vezes de maneira sutil e às vezes mais
radicalmente, todo o processo educacional; influencia os métodos de
ensino, a seleção e o aperfeiçoamento dos mestres e o currículo,
podendo até mesmo revelar pontos fracos ou omissões nas disciplinas
acadêmicas tradicionais e levar à elaboração de novas áreas de
estudo.
E. P. Thompon, Os Românticos
Escrevo este texto em um momento peculiar. Acabo de concluir o curso
de Graduação em História – licenciatura e bacharelado – e finalizei, também,
recentemente, um percurso de pesquisa de iniciação científica que se estendeu
por três anos.
Ao longo desse período, minha atenção esteve voltada para o eixo
“ensino de história, currículo e escola pública”. Coloco-me, aqui, o desafio de
refletir sobre esta trajetória, perscrutando os caminhos trilhados e as escolhas
feitas, tendo como fio condutor destacar as contribuições do historiador E. P.
Thompson, um dos pilares da História Social de matriz inglesa (COSTA, 2014),
perspectiva que venho assumindo enquanto o lugar social em que me situo.
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A oportunidade enseja, felizmente, a realização da autocrítica,
exercício vital para o avanço intelectual e para a expansão das possibilidades,
mesmo porque, para iniciar com Thompson, o exame sobre uma dada
realidade e seus resultados, tal como a própria realidade, são incompletos,
apresentam contradições e deixam lacunas, não são fixos. (THOMPSON,
1981, p. 47-62)
Para iniciar essas notas, faz-se necessário apresentar, num breve
levantamento, o percurso de investigação sobre o qual falo. Trata-se,
sobremaneira, seja para o findar do curso de graduação, seja para a iniciação
científica, de pesquisa desenvolvida com o objetivo de problematizar
normatizações, propostas curriculares e experiências de ensino, pensando
sempre que, de uma forma ou de outra, ensino de história e escola pública
estão entrelaçados e compõem um mesmo universo, e este, de maneira mais
ampla, é constituído por sujeitos reais e suas experiências.
Já nesse ponto, é possível perceber que, não só enquanto um
referencial teórico, a leitura thompsoniana se faz presente, também, como um
ingrediente incorporado ao movimento da pesquisa. Ao falar de escola e das
experiências dos sujeitos que a tornam concreta, refiro-me, certamente, ao que
Thompson diz ter sido gerado “na vida material”, através de maneiras que
“desafiam a previsão e fogem a qualquer definição estreita da determinação.”..
(IDEM, p. 189)
Desenvolver pesquisa sobre ensino de história e escola pública, nos
termos da História Social, quando se quer levar em conta a noção
thompsoniana de experiência, requer procurar desviar-se das abstrações e das
generalizações, o que só é possível diante da investigação empírica, quando
se busca “o objeto humano real”. (IBID., p. 55)
Para romper com a determinação, sabendo que a experiência desafia a
previsão, urge indagar como a escola e o ensino se constituem na prática,
como se fazem, por quem, o que conseguem efetivar em termos de ensino e
de aprendizagem. Para isso, inicialmente, delimitei Uberlândia-MG, no período
de 2000 a 2010, como dimensão empírica da investigação, tarefa que nem
sempre foi cumprida com sucesso, mas que continuamente se constituiu em
elemento de inquietação.
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Diante desse cenário, que abria uma multiplicidade de possibilidades,
despontou a necessidade de se instituir uma operação metodológica capaz de
orientar a investigação e de estabelecer critérios para as escolhas a serem
feitas. A “lógica histórica”, nesse caso, apresentou-se de grande importância,
na medida em que ajudou a compreender que a pesquisa, em História, se dá
numa relação dialógica entre investigador, objeto da investigação, perguntas
feitas e conceitos utilizados (ID. IBID., p. 48-49).
E, mais do que isso, lembrou que “a evidência histórica tem
determinadas propriedades. Embora lhe possam ser formuladas quaisquer
perguntas, apenas algumas serão adequadas” (ID. IBID., p. 50). Assim, os
fenômenos analisados possuem particularidades, especificidades, às quais
devemos nos atentar ao escolher o que perguntaremos a eles e sobre eles.
Em se tratando do ensino de história, da escola pública e do currículo,
estamos diante de movimentos históricos inacabados, ainda em curso, porque
alimentados cotidianamente pelas práticas de seus sujeitos. Refazem-se no
presente, incorporando as diferentes conjunturas passadas. Nas palavras de
Raymond Williams, são movimentos históricos “ainda não definidos”.
(WILLIAMS, 1979, p. 17)
Nesse sentido, já sabendo que os fenômenos possuem suas
especificidades, e que aquele ao qual propunha investigar estava ainda em
curso, colocava-se o desafio de forjar uma problematização capaz de, através
de suas perguntas, sondar a composição histórica daquele objeto, levando em
conta sua incompletude e a incorporando ao exercício de problematizar.
Um primeiro esforço para abrir essas questões e buscar a historicidade
do processo se dirigiu rumo à legislação nacional que dispunha sobre a
organização da educação e sobre a composição do currículo. Assim, tendo em
vista que a tarefa de “transformar evidências e registros da vida de sujeitos
históricos é uma operação do historiador, envolvendo diferentes formas de
indagar o social a partir de escolhas teóricas e metodológicas” (CRUZ, p. 20 In:
ALMEIDA, MACIEL & KHOURY, 2006), tomei a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB), de 1996, e as Diretrizes Curriculares Nacionais para
o Ensino Fundamental (DCN), de 1998, como primeiros indícios de uma rede
complexa e ampla. Ainda nesse percurso, incorporei as Diretrizes Curriculares
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Nacionais Gerais para a Educação Básica e as Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos, ambas de 2010.
Impelia, contudo, pensar sobre como analisar essa legislação para
enxergar, nela, a dinâmica social, para percebê-la como prática viva, e não
como letra morta. Ou, como diria Walter Benjamin (2012, p. 245), tratava-se de
realizar uma leitura “a contrapelo”, com o intento de interrogar os silêncios
daqueles materiais, surpreendê-los em suas estruturas, no modo como se
compunham, no conteúdo que apresentavam.
Nesse sentido, tal como disse Thompson em relação ao fato de nem
todas as perguntas serem adequadas aos objetivos pretendidos com a
investigação, cabe pensar, igualmente, na discussão feita pelo autor em seu
texto acerca das relações da História Social com a Antropologia e com os
materiais dos folcloristas na Inglaterra. Num dado momento, quando o
historiador inglês aponta que dirigir novas perguntas a materiais já não tão
novos é de extrema utilidade, porque permite recuperar lampejos perdidos ou
esquecidos, ele lembra, paralelamente, que
[...] à medida que alguns atores principais da história – políticos,
pensadores, empresários, generais – retiram-se da nossa atenção, um
imenso elenco de suporte, que supúnhamos ser composto de simples
figurantes, força sua entrada em cena. (THOMPSON, 2011, p. 234)
Destarte, o desafio que se colocava era o de investigar aquele conjunto
de textos legislativos sem fazer uma história “dos vencedores” (BENJAMIN,
2012, p. 244), para usar uma expressão benjaminiana, ou simplesmente
daqueles que legislaram, que detinham o poder da fala e da escolha, quando
do processo de construção desses textos legais. Tal como venho aprendendo
com Thompson e demais autores da História Social, a riqueza da história é
buscar as articulações, as relações, a dinâmica, rompendo com a ortodoxia que
analisa a sociedade de forma estática, que retira dela as contradições, os
processos
de
mudanças
e,
portanto,
seu
próprio
caráter
histórico
(THOMPSON, 2011, p. 75-179).
Isso só foi possível no contato com os próprios documentos, no curso
da investigação, quando me debatia com o que as evidências indicavam. Vale,
nessa direção, dedicar atenção ao que dizem as Diretrizes Curriculares
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Nacionais para o Ensino Fundamental (1998, p. 06), nos termos do Parecer
04/98, da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação,
sobre o conceito de Currículo:
[...] atualmente este conceito envolve outros três, quais sejam:
currículo formal (planos e propostas pedagógicas), currículo em
ação (aquilo que efetivamente acontece nas salas de aula e nas
escolas), currículo oculto (o não dito, aquilo que tanto alunos,
quanto professores trazem, carregado de sentidos próprios
criando as formas de relacionamento, poder e convivência nas
salas de aula).
Assim, ao perceber a multiplicidade de sentidos que compõe o
currículo, o trabalho de investigá-lo torna-se mais complexo, porque precisa
considerar diferentes dimensões e camadas, por vezes não tão facilmente
visíveis. Há que se apontar, contudo, que, ao reconhecer que o currículo não é
apenas um conjunto de textos normativos, mas que envolve também a
concretude das escolas, é preciso considerar que a legislação não pode ser
analisada como letra morta, pronta, acabada. Entendo-a como prática, viva,
que se refaz cotidianamente, na medida em que é experimentada por novos
sujeitos.
Tomando como ponto de partida o fato de que o currículo oculto, para
dizer com outras palavras, é alimentado pelas experiências de alunos e
professores, na qualidade de um conjunto de referências culturais, políticas e
sociais, e que contribui para configurar as relações a partir das quais o
currículo formal e o currículo em ação ganharão ou não sentido, torna-se
visível, como alertou Thompson, a entrada em cena de novos atores, com suas
experiências.
Assim, a pesquisa se dirige no sentido de compreender quais são
essas experiências e como elas se articulam à construção curricular, levando
em conta que alunos e professores são sujeitos: sujeitos do ensino e da
aprendizagem, sujeitos de suas histórias, das histórias de suas escolas, seus
bairros, sua cidade. Trata-se de uma rede complexa, que envolve lugares de
poder e de saber. Por exemplo, junto à importâncias que esses alunos
atribuem à escola, à história, caminha a concepção de história do professor, o
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modo como ele aborda a disciplina, quem ele considera, ou não, como sujeito
ativo, que histórias elege como mais importantes para serem estudadas.
Obviamente,
nem
sempre
é
possível
desvendar
essa
rede,
compreendê-la totalmente. Muitas das vezes, não se tem oportunidade de
acompanhar a prática real da escola. Ou, quando se utiliza a metodologia de
história oral, como procedimento para perscrutar a grafia das experiências
sociais desses sujeitos, aparecem falas “prontas”, já formatadas, por exemplo,
pelo que esses professores acreditam que queremos ouvi-los falar. Isso,
contudo, constitui-se como mais um elemento a ser incorporado à
problemática, para fazer-nos repensar os caminhos da pesquisa, as
possibilidades descobertas, a necessidade de novas perguntas, de novas
incursões.
Déa Ribeiro Fenelon, umas das historiadoras pioneiras na introdução
das leituras de Thompson no Brasil, apresenta uma outra dimensão que, no
que concerne ao ensino de história e seu currículo, merece ser discutida. Tratase das intersecções entre ensino de história e História Social. Para a autora, a
partir dos pressupostos teóricos dessa citada perspectiva, seria possível
romper com abordagens exclusivamente lineares e factuais e com a concepção
de que há uma história que, de fato, aconteceu e que precisa ser ensinada, a
partir da valorização da capacidade de pensar historicamente e da
experimentação de outras propostas. (FENELON, 1994, p. 76)
Se, de um lado, temos insistido na necessidade de se aprofundar essa
discussão e investir na edificação de propostas mais significativas para a
construção do conhecimento histórico, tal como Déa Fenelon lembrou, já nos
anos de 1980 (FENELON, 1982, p. 07-19), de outro, na análise de propostas
curriculares, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e os
Conteúdos Básicos Curriculares (CBC) de Minas Gerais, ambos para a área de
História, percebe-se a dificuldade de romper com tratamentos tradicionais do
tempo e do espaço, por exemplo.
No percurso de pesquisa ao qual essas notas se referem, na lida com
esses documentos, ficou evidente que, embora proponham, em seus textos de
apresentação e de justificativa, enveredar por caminhos diferentes daqueles
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tidos como ultrapassados, não conseguem manter esse objetivo em relação
aos conteúdos propostos.
As listas de conteúdos apresentadas tanto pelos PCN quanto pelos
CBC denunciam uma concepção de história tradicionalista, que pretende uma
falsa totalidade, que quer dar conta de “toda a história do mundo” e, em
contrapartida, negligencia as muitas histórias vividas por todos nós. Nesse
sentido, os caminhos sugeridos por esses documentos deixam dúvidas quanto
à sua real força de projeção nas escolas concretas, no sentido de contribuir
para a valorização do ensino de história e o desenvolvimento do pensar
historicamente. (VASCONCELOS & COSTA, 2014)
Esse panorama, mais do que um diagnóstico de uma possível
fragilidade do documento, vem despertando a inquietação no sentido de
perscrutar o ponto em que se encontra esse entrave. Permanece, sempre,
como uma questão em aberto. Acompanhamos, com base em diferentes
matrizes teóricas, embora me refira, aqui, à História Social, o questionamento
das diferentes noções às quais a História preza: tempo, sujeito, espaço,
práticas, entre outras.
Numa perspectiva thompsoniana, valoriza-se o esforço de nuançar o
tempo
e
de
construir
noções
que
ultrapassem
a
mera
cronologia,
desarticulando a rigidez de esquemas explicativos apegados a estruturas
abstratas e ousando novas periodizações (THOMPSON, 1988, p. 179-224). A
experiência, o “termo presente”, articula essa empreitada, relacionando tempo
– sujeito – espaço – prática. Se, do ponto de vista teórico, temos apresentado
essa necessidade, porque há tanta dificuldade de enfrentá-la na prática, no
cotidiano das salas de aula de escolas públicas, quando professores e alunos
lidam com a disciplina de história? Onde se encontram os nós?
Se reconhecemos a necessidade de avançar por outros caminhos,
encontramos dificuldade para fazê-lo. Seguir por outras direções significa bater
de frente com uma tradição que vem se refazendo no interior das escolas
públicas, em geral, que é a de insistir em não dar vez a possibilidades
diferentes daquelas já desgastadas, insuficientes, reducionistas. Isto que
reconheço como uma “tradição” engessa muitas tentativas de crítica e de
criação.
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Raymond Williams ressalta que a “tradição” não é neutra, mas formada
por recortes, escolhas, intencionalidades, e possui uma dimensão de
dominação e hegemonia, um princípio ativo que ratifica lugares históricos e
culturais (WILLIAMS, 1979, p. 118-123. A quem e a que interessa mantê-la?
De toda forma, Williams reforça a importância de se levar em conta a
complexidade da escola, os diferentes interesses ali colocados, as disputas, os
embates. Vale considerar, felizmente, também como sugere o autor, que para
toda hegemonia, há que existir formas de resistência, de contra-hegemonia.
Ainda sobre a escola, devo destacar as contribuições da obra de Paulo
Freire para o delineamento de meu posicionamento e para minha investigação
acerca do tema. Sua ampla reflexão acerca das operações didáticas de
construção do conhecimento, seu claro combate à concepção bancária de
educação, como ele mesmo destaca, bem como seu modo de encarar os
sujeitos da aprendizagem como sujeitos históricos, constituídos a partir de sua
práxis, da concretude de suas experiências, sua ênfase no materialismo
dialético como forma de lidar com o mundo, constituíram valiosa inspiração
para essa trajetória (FREIRE, 2011a; FREIRE, 2011B). E, mais do que isso, foi
possível ler, usar e praticar Paulo Freire num processo coerente com a
historiografia thompsoniana. (THOMPSON, 2011, p. 09-16). 182
Deste percurso de pesquisa, outro ponto que quero destacar é que, na
apresentação de trabalho em um determinado evento, ao discorrer sobre
cultura afro-brasileira, ensino de história e escola pública, procurei enfatizar a
pluralidade que, nesta última, encontramos e que, portanto, deve ser elemento
a compor o currículo. Perseverava em dizer da necessidade de os historiadores
atentarem seu olhar para essa dinâmica e procurarem entender que, ali,
encontram-se sujeitos históricos ativos, diferentes entre si.
Em razão disso, fui “alertado” por um dos participantes a tomar cuidado
com o que afirmava, uma vez que a escola, para tal, não é plural. O argumento
central utilizado é que, segundo o filósofo Michel Foucault, a escola é um
espaço disciplinador, homogêneo, em que estão todos nas mesmas faixas
etárias, aprendendo as mesmas coisas, dispostos do mesmo jeito.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
182
O prefácio de A formação da classe operária inglesa, ao indiciar as bases nas quais o autor
se sustenta, apresenta muitas características que permitem esse diálogo.
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Em relação a esse caso, sustentei que não concordava com aquela
leitura, uma vez que meu ponto de vista em relação à escola pontuava-se pela
História Social, especialmente a partir da noção de experiência, que é vivida
por muitos sujeitos em relações sociais. De tal maneira, ao indagar sobre as
experiências que se concretizam na escola, inclusive de aprendizagem, penso
ser vital considerar algumas situações.
Os alunos não possuem os mesmos ritmos de aprendizagem,
aprendem de maneiras diferentes, portanto, não estão todos aprendendo as
mesmas coisas. Nós, professores, é que, muitas vezes, tentamos ensinar de
maneira única, homogeneizando o que é heterogêneo. Eles escutam, falam,
escrevem, raciocinam de modos distintos. Para além disso, são de famílias
múltiplas, de localidades distintas. São umbandistas, espíritas, evangélicos,
católicos. São do sudeste do país, mas também do nordeste, do sul, do norte.
Como dizer que este quadro é homogêneo? Ignorar a pluralidade é ignorar a
história e a própria escola!
Trata-se, portanto, de uma questão que merece ser constantemente
recolocada, uma vez que envolve não apenas letra morta, mas se caracteriza
como vivência, como movimento histórico em que se envolvem diferentes
sujeitos em processo de incessante transformação. A discussão sobre ensino
de história e currículo passa pelo estudo e pela experiência que investiga
também o universo escolar, na perspectiva de um campo fértil de investigação
que reúne as várias dimensões do ensino, incluindo as perspectivas
curriculares, em especial por se constituir por múltiplos sujeitos, crianças,
adolescentes, adultos, em condições de vida diferentes e desiguais
compartilhando uma mesma experiência, a educação. (VASCONCELOS, p. 3140 In: CARDOSO & PATRIOTA, 2011)
Para finalizar, um cenário me parece muito claro. Na presente
conjuntura, às vésperas das eleições presidenciais, em que o passado tem sido
retomado como objeto de legitimação argumentativa pelas forças políticas mais
sombrias do país; em que, contraditoriamente, se quer fazer esquecer as
agruras já enfrentadas, como aquelas dos anos de 1990, com a mais dura
experiência neoliberal no Brasil, a disciplina de história nunca foi tão importante
e a leitura de E. P. Thompson nunca esteve tão atual!
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HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO BASICA: Formação Continuada
de Professores por meio da elaboração de Jogos
Narrativos
CINTHIA CRISTINA DE OLIVEIRA MARTINS (INHIS/UFU)183
[email protected]
ROSANA KASUE KUNIYA (INHIS/UFU)184
[email protected]
RESUMO: Este trabalho tem como intenção apresentar análises produzidas a
partir do acompanhamento do curso “Cidade de Uberlândia: História regional e
local, ensino-aprendizagem e jogos narrativos”, sendo esse financiado pela
FAPEMIG (2013/2015), coordenado pelo Prof. Dr. Sérgio Paulo Morais e
ministrado pelo Prof. Ms. Rafael Correia Rocha. Curso este destinado aos
professores de História da educação básica, atuantes em instituições públicas
e/ou privadas da cidade de Uberlândia. Propomo-nos em apresentar reflexões
iniciais referentes à analise dos relatos de experiência dos professores
participantes do curso, que contemplam o desenvolvimento, apresentação e
resultados obtidos com a aplicação dos jogos narrativos pedagógicos. A partir
deste trabalho pretendemos evidenciar as experiências (Thompson, 1981) dos
professores cursistas em produzir seu próprio material didático, caracterizados
pela utilização de uma diferente linguagem para o ensino de História, restrita
aos jogos narrativos.
Palavras-chave: Ensino de História, experiência, jogos narrativos.
1. Introdução
O projeto de pesquisa “Cidade de Uberlândia: História regional e local,
ensino-aprendizagem e jogos narrativos” 185 desenvolveu o curso de extensão
direcionado aos professores da disciplina História, da educação básica de
instituições
públicas
e/ou
privadas,
que
possuiu
como
objetivo
o
desenvolvimento de jogos narrativos pedagógicos sobre “História Local” pelos
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
183
Aluna do mestrado do Programa de Pós-Graduação em História pela Universidade Federal
de Uberlândia. Linha de pesquisa Trabalho e Movimentos Sociais. Bolsista Capes.
184
Aluna do mestrado do Programa de Pós-Graduação em História pela Universidade Federal
de Uberlândia. Linha de pesquisa Trabalho e Movimentos Sociais. Bolsista FAPEMIG.
185
Projeto de pesquisa financiado pela FAPEMIG, referente ao anuário 2014/2015, pelo
Instituto de História da Universidade Federal de Uberlândia, coordenado pelo Prof. Dr. Sérgio
Paulo Morais e ministrado pelo Prof. Ms. Rafael Correia Rocha.
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professores participantes deste. Esta atividade contou com a participação de 7
professores atuantes na cidade de Uberlândia, os quais assistiram às aulas
expositivas, realizaram a atividade de produzir um jogo narrativo, integralizaram
a aplicação do mesmo em pelo menos uma turma na qual trabalha e
produziram um “relato de experiência”, no qual apresentam seus jogos, os
resultados obtidos com a aplicação e as dificuldades encontradas, quando
houveram.
Este trabalho se mostra importante para a formação e atuação
profissional dos professores de História da cidade de Uberlândia a partir da
perspectiva apresentada por Santos (2014), ao afirma que “devemos ponderar
que muitos docentes em exercício, hoje, na educação básica encontram
dificuldades em trabalhar com essas novas linguagens no ensino [...] por falta
de formação metodológica para abordar tais objetos e por muito outros fatores.”
(SANTOS, 2014, p. 65). O trabalho desenvolvido a partir do curso apresentou
aos
professores
interessados
essa
formação
metodologia
de
ensino
mencionada, contudo pautada especificamente nos jogos narrativos, e também
a forma de desenvolvimento destes.
Os “relatos de experiência” produzidos ao final das atividades do curso
são importantes fontes de pesquisa por apresentarem os resultados obtidos
pelos professores participantes. As conclusões às quais os professores
chegaram são relevantes por apresentarem a intersessão entre a pesquisa
desenvolvida ao longo da atividade e a prática docente, evidenciada nos textos
produzidos pelos cursistas.
A proposta deste trabalho é apresentar algumas reflexões iniciais
idealizadas a partir da leitura dos “relatos de experiência”, produzidos pelos
professores participantes do curso supracitado. A partir da categoria
experiência (1981) apresentado por Thompson, norteamos a leitura dos relatos
a fim de refletir sobre as experiências dos professores de história, enquanto
sujeitos das relações produtivas, na participação do curso já mencionado.
Evidenciando, também, a experiência da relação com o saber construída pelos
cursistas, constituída em grupo devido à dinâmica da atividade, mas ainda
singular.
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2. A categoria experiência
Historiador inglês assumidamente atuante a partir da perspectiva
materialista da escrita da história, Thompson concentrou seus estudos na
busca pela compreensão da constituição da classe trabalhadora inglesa no
decorrer do século XVIII e início do século XIX, apresentando as
transformações no cotidiano e no trabalho, acarretadas pela ‘Revolução
Industrial’. A partir dos trabalhos do historiador é possível conhecer o processo
de transformação pelo qual toda a sociedade inglesa passava no período, mas
com um destaque mais claro à classe trabalhadora, mostrando as
transformações sociais e culturais acarretadas pela implantação do capitalismo.
Mais que apenas apresentar o processo de transformação acarretado pelo
capitalismo, e a implantação de suas instituições, o trabalho de Thompson
também evidencia a recepção, na maioria das vezes tensa, dos trabalhadores
desta nova perspectiva econômica, destacando a relação travada entre essa e
as instituições já existentes, os costumes, os modos de classificação social,
dentre vários outros. (FARIA FILHO e BERTUCCI, 2009)
Neste
trabalho
evidenciaremos
as
análises
desenvolvidas
por
Thompson (1981) no que se refere à categoria experiência. A partir deste
conceito é possível dotar de sentido os relatos de experiência produzidos pelos
professores, e que neste trabalho assumem a função de fonte. Para realizar
essa atividade é necessário, primeiramente, conceituar o que Thompson (1981)
entende por experiência humana.
O desenvolvimento da categoria experiência por Edward Thompson
(1981), presente na obra “A miséria da Teoria: ou o planetário de erros”, se
justifica devido à busca do autor pela superação de “algumas dificuldades que
o método marxista encontra ao analisar a ação dos sujeitos na perspectiva da
relação dialética entre os sujeitos e as estruturas.” (THEOBALD, 2007, p.14).
Thompson (1981, p. 182) acreditava que determinada tendência do
materialismo histórico não foi capaz de identificar a relação presente nos
modos de produção - a base - com o processo histórico - a estrutura.
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Ao propor a categoria “experiência humana” 186 , Thompson (1981,
p.183) afirma que “voltamos assim ao termo que faltava, ‘experiência’, e
enfrentamos imediatamente os verdadeiros silêncios de Marx. Não se trata
apenas de um ponto de junção entre ‘estrutura’ e ‘processo’, mas um ponto de
disjunção entre tradições alternativas e incompatíveis.” Essa categoria é
proposta com a finalidade de suprir as fendas presentes no materialismo
histórico proposto pelo marxismo, e romper com o que ele chama de silencio
de Marx. (THOMPSON, 1981)
A experiência é humana, para Thompson (1981), devido ao fato de o
historiador acreditar que homens e mulheres são sujeitos que vivem a
experiência no seu cotidiano, contudo esta não é meramente individual. A
consciência desses indivíduos, e a cultura na qual estão inseridos, influenciam
diretamente na percepção desta experiência. Isso fica evidente quando o autor
afirma que
Os homens e mulheres também retornam como sujeitos, dentro
deste termo [experiência humana] – não como sujeitos autônomos,
“indivíduos livres”, mas como pessoas que experimentam suas
situações e relações produtivas determinadas como necessidades e
interesses e como antagonismos, e em seguida “tratam” essa
experiência em sua consciência e sua cultura (as duas outras
expressões excluídas pela prática teórica) das mais complexas
maneiras (sim “relativamente autônomas”) e em seguida (muitas
vezes, mas nem sempre, através das estruturas de classe
resultantes) agem, por sua vez, sobre sua situação determinada.
(THOMPSON, 1981, p.182).
Thompson (1981) afirma que a experiência humana é uma categoria
válida, quando percebida dentro de alguns limites previamente estabelecidos.
Esta categoria pode ser compreendida como individual ou de grupo, contudo a
segunda é singular dentro do grupo. Outro diferencial de Thompson diante do
marxismo, também importantíssima para a compreensão dos limites da
categoria experiência humana, é o diálogo que desenvolve com a categoria
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
186
Conceito proposto por E. P. Thompson, apresentado no livro “A miséria da Teoria: ou o
planetário de erros: uma crítica ao pensamento de Althusser”, de 1981.
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cultura. O autor propõe uma interlocução entre estas duas categorias, ao
afirmar que
[...] com ‘experiência’ e ‘cultura’, estamos num ponto de junção de
outro tipo. Pois as pessoas não experimentam sua própria
experiência apenas como ideias, no âmbito do pensamento e de
seus procedimentos, ou (como supõem certos praticantes teóricos)
como instinto proletário etc. Elas experimentam sua experiência
como sentimento e lidam com esses sentimentos na cultura, como
normas, obrigações familiares e de parentesco, e reciprocidade,
como valores ou (através de formas mais elaboradas) na arte ou nas
convicções religiosas. Essa metade da cultura (e é uma metade
completa) pode ser descrita como consciência afetiva e moral.
(THOMPSON, 1981, p.189)
A partir da apresentação feita é possível conceituar a categoria
experiência humana, e dotar de sentido a participação dos professores no
curso
de
extensão
apresentado
anteriormente.
Theobald
sintetiza
a
contribuição de Thompson, e de sua categoria experiência, para com
pesquisas que possuem professores como sujeitos, ao afirmar que
[...] Thompson (1981) contribui com a categoria da experiência, que
é humana, entendida como processo em que um grupo de
professores (as), homens e mulheres, procuraram agir como sujeitos
em suas relações produtivas, afetivas, culturais e axiológicas,
elaboradas racionalmente numa dinâmica de produção do ‘ser
social’ [...] Essa experiência provocou e alimentou a reflexão,
provocou mudanças conceituais, criando condições para a
oxigenação do racionalizado, do estruturado, por meio da
realimentação da produção do conhecimento, do diálogo entre razão
e realidade, do tratamento dado a esse diálogo, a essa experiência,
na consciência. Devido às suas próprias condições concretas de
institucionalização tornou-se uma experiência singular ou de grupo,
e quando de grupo, singular dentro do grupo, localizada e não
generalizável. (THEOBALD, 2007, p.16)
Finalizando essa atividade de apresentação e conceituação da
categoria experiência, que é tão cara à este trabalho, é possível iniciar o
diálogo entre os relatos de experiência produzido pelos professores
participantes do curso de extensão anteriormente mencionado, e a experiência
destes professores evidentes nas produções.
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3. Os relatos de experiência
Para o primeiro momento desta pesquisa trouxemos reflexões
redigidas de relatos de experiências por professores do ensino fundamental II e
ensino médio. Nesse sentido, buscamos apontar as motivações, intenções,
relações de pratica docente na elaboração do material didático e por fim as
conclusões dos professores particípios do curso. Neste texto abordaremos o
trabalho de 6, do 7 professores cursistas, sendo da esfera municipal, estadual
e da rede particular de ensino, os quais experimentaram o exercício de
desenvolver atividades relacionadas a jogos educacionais.
A professora G187 leciona no ensino fundamental II na rede pública
municipal, a motivação para participar do curso é explicitada inicialmente para
o “aprendizado e desenvolvimento dos educadores” (Professora G), isso no
âmbito geral, entretanto quando lemos com mais profundidade seu relato,
percebemos que a mesma busca ajuda enquanto profissional da educação
preocupada nas relações humanas entre professores e alunos. Para tanto, ela
ressalta que os profissionais da educação têm que pensar no seu “bem estar”
(Professora G), relacionado com satisfação e alegria, isso é bem ressaltado em
seu relato, pois acredita que a partir disso professores poderão conviver e
ensinar as práticas escolares com êxito.
Além disso, percebemos a preocupação constate que a professora nos
apresenta no que tange relacionamento, tanto que a intenção da mesma em
participar do curso foi também de por meio da aplicação do jogo educacional
“...estabelecer um novo e diferente canal de comunicação com os estudantes,
um canal onde os tradicionais papéis atribuídos a cada parte pudesse ser
driblada e uma conexão mais profunda pudesse ser estabelecida ...”
(Professora G)
Outro fator que G aponta é a importância do lúdico no ensino, pois este
seria um dos meios para se estabelecer relações entre professores e alunos de
maneira que a convivência resultaria numa troca de experiências. Nas relações
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
187
Para preservar a identidade dos professores participantes do curso de extensão, ao longo
do texto caracterizamos os mesmo apenas pela primeira letra de seus nomes.
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de práticas docentes durante a elaboração do material didático a professora G
trouxe muitas inquietações
[...] serei capaz de desenvolver meu próprio jogo,
conseguirei aplicá-lo na sala de aula, meus alunos irão
realmente se engajar na tarefa e atingir conhecimento? E
embora o período de vivencia tenha sido prazeroso e
justamente por isso, uma expectativa a mais se criou:
meus alunos irão se divertir tanto quanto eu?
Com base no conhecimento teórico e orientações durante o curso a
professora G desenvolveu o jogo educacional ‘Live Action Roleplaying’ 188 com
cartas para alunos com idade de por volta de 12 anos na turma de sétima serie,
o conteúdo abordado foi Renascimento Cultural Europeu no século XV.
Percebe-se no relato de G que a prática do relacionamento é um foco e
uma preocupação constante, pois mesmo no jogo elaborado isso é ressaltado
“a meta era que os alunos entendessem e vivenciassem os conflitos vividos
pelos artistas do período que encontravam-se entre as pressões da Igreja
Católica, da nobreza absolutista e da emergente burguesia da época.”
(Professora G). Isso nos remete também a dissolução de relacionamentos
tradicionais vivenciado tanto no conteúdo abordado como na pratica docente.
A professora G conclui seu relato de experiência nos apresentando que
o lúdico é um auxilio para que professores desenvolvam suas metodologias
associadas ao conteúdo abordado. O movimento do corpo também despertou
outros questionamentos para a professora no âmbito escolar.
O segundo relato aqui abordado é da professora P, que leciona em
turmas do ensino fundamental II, da rede municipal. Ela desenvolveu o jogo
educacional com base no Live Action Role Play associada com cartas, que
tiveram a função de caracterizar a conjuntura da Reforma Protestante na turma
de sétimo ano do ensino fundamental. Neste relato a preocupação no que
tange ao conteúdo relaciona-se ao presente passado, senhora P objetiva que
os alunos compreendam a percepção de hoje e os leve aos questionamentos
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
188
LARP ( live action role-playing, ou jogo de interpretação ao vivo, em português ),
usualmente chamado apenas de Live Action (ação ao vivo, em português), é uma das formas
de se jogar RPG (sigla para Role Playing Game, ou "jogo de interpretação de papéis"). O Live
Action pode ser considerado uma evolução, ou uma variação do RPG.
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do passado, para isso buscou no curso desenvolver a atividade lúdica por meio
do jogo educacional.
No inicio do curso a professora P acreditava que poderia oferecer aos
alunos uma aula que fosse lúdica e com “ambiente seguro” (professora P), o
relacionada ao controle, onde ela pretendia “... pensar em uma estrutura que
poderia moldar todos os pontos que eu gostaria de fazer o aluno compreender
do início ao fim do jogo... fixava regras, pensava em objetivos a serem
alcançados e caminhos que deveriam ser percorridos.” Entretanto, durante o
curso a professa P percebe que isso já não é uma atividade didática que seja
lúdica, assim a mesma abandona a ideia do “ambiente seguro” (professora P),
mesmo porque não seria para o aluno, mas sim para o professor.
Por fim, a professora P enfatiza a importância dos jogos enquanto
“técnicas de ensino” (professora P) para o auxilio de aulas lúdicas que
despertem a criticidade do aluno.
O professor C leciona no fundamental II na rede estadual de ensino. O
jogo educacional LARP (com cartas) foi aplicado na sétima serie com o
conteúdo Sociedade Feudal. As motivações do professor C estão relacionadas
às suas preocupações de despertar no aluno o interesse pelo conteúdo e
pesquisa em História, pois acredita que dessa maneira “... contribuir para uma
ascensão sociocultural destes jovens...” (professora C), outro fator que o levou
a participar do curso foi para buscar “novas alternativas” metodológicas e
didáticas para se trabalhar em sala de aula, por fim, o terceiro motivo em
decorrência do relacionamento professor e aluno, muitas vezes conflitantes.
A elaboração do material didático possibilitou ao professor C trabalhar
com leitura e pesquisa, e também enfatizar as características de permanência
e rupturas da Sociedade Feudal. Por fim, nos dizeres do professor P:
Enfim a experiência, que de início era rejeitada pelo professor, que
descartava o jogo e a fantasia como ferramentas para serem
trabalhadas em sala de aula, se mostrou como instrumento eficaz,
que consegue trazer a atenção do aluno bem como o interesse dos
mesmos ao conteúdo disciplinar. Assim sendo, tal metodologia,
doravante será uma ferramenta constante em sua carreira
profissional.
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O quarto relato de experiência do professor L leciona no fundamental II
da rede estadual. Em 2014 é o primeiro ano que o professor L tem sua
experiência em sala de aula nas turmas de oitava série, atuando recentemente
como docente sentiu a necessidade de buscar cursos de formação continuado
para professores. O interesse também abarca aprender metodologias e
didáticas que proporcionem o estímulo aos alunos para praticas de pesquisas
dentro da disciplina História. A busca pelo curso foi motivada também pelo
interesse em integrar-se ao ambiente de pesquisa em ensino de História.
A participação na elaboração do material didático, o jogo educacional
produzido foi por meio do RPG em função de sua pratica em seu lazer e
também, bem como o professor L afirmou sentir-se a vontade para trabalhar
com tal modalidade. O conteúdo analisado e elaborado na metodologia foi a
“Revolução Francesa”.
Durante a elaboração do jogo L deparou-se no problema da
quantificação de alunos a ser aplicado, pois para ele RPG (sem finalidade
didática) e uma atividade para poucos participantes e a sala de aula
geralmente é composta com mais de 30 alunos. Isso foi solucionado durante o
curso, o RPG com a finalidade didática tomou um caráter coletivo, ou seja,
personagens foram adaptadas conforme situações históricas, como por
exemplo, “os escravos”, “os nobres”, “a multidão”, dessa maneira partilhada por
alunos. Outra questão que foi resolvida é a sociabilidade do coletivo em
momentos conflituosos. Isso foi resolvido com o auxilio de objetos como dados,
moedas, roletas entre outros.
Outro relato de experiência é da professora K, que leciona no ensino
fundamental II na rede municipal. As motivações que levaram a participar do
curso foram os problemas de comportamento disciplinares enfrentados em sala
de aula, e também buscar outras metodologias para o ensino de história afim
de dar sentido ao conteúdo.
O jogo desenvolvido aborda o conteúdo da Segunda Guerra Mundial,
para tanto a professora K, pensando como bacharel em História, o faro de
pesquisadora e tendo o conhecimento de que ex-combatentes residem na
cidade de Uberlândia, logo tratou ela de entrevistar o ex-soldado, o resultado
foi um relato pessoal narrando à experiência de participar de um dos maiores
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fatos históricos do século XX. Este material foi usado em sala de aula com a
intenção de apresentar e explicar que a historia faz parte de todos nós.
Durante o curso a professora K experimentou a elaboração do material
didático, percorreu na produção de cartas na modalidade Larp (Live action roleplaying game), com o conteúdo relacionado com a entrevista e ao assunto da
Segunda Guerra Mundial. Por fim, a professora K percebe que o jogo
pedagógico é uma ferramenta que auxilia no aprendizado é também na
disciplina de alunos.
Por fim o relato de experiência da professora A que leciona na rede
particular no segundo ano do ensino médio. A iniciativa de participar na
elaboração do jogo educacional é bem lembrada por A, o que bem afirmava
Paulo Freire (1996), “que a prática docente deve ter uma dimensão social e
deve ser favorável à autonomia do aluno e da aluna” (Professora A). Durante o
curso A desenvolveu o conteúdo da “Guerra de Secessão”, com o Role-Playing
Games (RPG), porque este é um jogo de interpretação de personagens, e
também pelo motivo que não há vencedores ou perdedores.
Além da pesquisa em livros didáticos e artigos sobre a temática, a
professora A buscou embasamento na LDB (Leis de Diretrizes e Bases) e
também na Lei 10.639/03, a fim de analisar a importância do tema escravo no
ensino de história. Nos dizeres de A “preocupação foi construir um jogo fiel aos
relatos históricos e evitar os anacronismos para não comprometer o
aprendizado dos envolvidos nesse processo.”
A professora A conclui que, “De modo geral, avaliamos que o
desenvolvimento do jogo de RPG teve uma excelente aceitação pelos alunos e
alunas. Sua dinâmica correu de forma bem interativa e participativa ...”
Considerações finais
Esses são apenas resultados parciais de uma pesquisa que ainda
possui muito material para ser analisado e cruzado. Contudo, já conseguimos
vislumbrar algumas questões importantes e que merecem nossa atenção.
A partir da apresentação, e uma análise bem simples, dos relatos de
experiência dos professores participantes do curso de extensão é possível
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perceber que a intenção dos professores, enquanto grupo cursista, é muito
similar. Todos os docentes mencionaram que, dentre as motivações pela busca
do curso, estava a procura por novas metodologias de ensino, que
proporcionem a participação e o interesses dos alunos pelas aulas de história.
A experiência (THOMPSON, 1981) que o curso proporcionou ao grupo
de participantes foi importante para o (re)pensar do ensino de história e a
prática docente destes. Proporcionando aos cursistas referenciais que os
auxiliaram a desenvolver novas metodologias de ensino, reflexões críticas
sobre as dinâmicas das aulas e a realimentação do conhecimento
(THEOBALD, 2007). Contudo, mesmo se tratando de uma experiência de um
curso em grupo, não podemos ignorar as individualidades de cada professor,
pois eles trazem consigo realidades escolares, sociais e culturais diferentes.
A
experiência
(THOMPSON,
1981)
individual
dos
professores
influenciou diretamente na participação e escolhas feitas ao longo das
atividades. Um momento que evidencia bastante esta questão foi o momento
de escolha da modalidade de jogo que o professor almejava trabalhar. A
realidade da turma escolar na qual o docente trabalhava, e iria aplicar o jogo,
era o principal fator levado em consideração no momento de seleção da
metodologia de jogo, questão que resultou no desenvolvimento de diferentes
jogos pedagógicos, mesmo os professores tendo participados das mesmas
aulas, e realizado a leitura dos mesmo referenciais teóricos. Isso evidencia a
singularidade dos participantes do grupo, e esta influencia na participação e
resultados das atividades.
Referenciais bibliográficos
FARIA FILHO, Luciano Mendes; BERTUCCI, Luciane Maria. Experiência e
cultura: contribuições de E. P. Thompson para uma história social da
escolarização. Revista Currículo sem Fronteiras, V.9, n.1, Jan/Jun 2009, p.1024.
HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. 5edição.
São Paulo: Perspectiva, 2007.
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SANTOS, Bergston luan. Interpretando mundos: Jogos Digitais &
Aprendizagem Histórica. Dissertação (Mestrado em Educação: Saberes e
práticas educativas) – Universidade Federal de Uberlândia. 2014. 192p.
THEOBALD, Henrique Rodolfo. A experiência de professores com idéias
históricas: o caso do “grupo Araucária”. Dissertação (Mestrado em Educação:
Cultura, Escola e Ensino) – Universidade Federal do Paraná. 2007. 251p.
THOMPSON, Edward Palmer. A formação da classe operária inglesa: A Árvore
da Liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 4º Ed., 1987. 204p.
____. A miséria da teoria ou um planetário de erros: uma crítica ao pensamento
de ALTHUSSER. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1981.
____. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.!
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O CORONELISMO NO LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA DA
COLEÇÃO “PROJETO ARARIBÁ”: Reflexões sobre a
experiência de trabalho docente e a formação da
consciência histórica
Prof. Me. José Faustino de Almeida Santos (SE-SP)
[email protected]
Profª. Drª. Andrea Coelho Lastória (Orientadora - FFCLRP-USP)
[email protected]
RESUMO:: Pretendemos propor reflexões que articulem conteúdos e
metodologia do Ensino de História com o conceito de experiência na
perspectiva de Thompson. Tal proposta focaliza a análise do conteúdo
(curricular e histórico) coronelismo no livro didático de História do 9º ano da
coleção “Projeto Araribá” adotada em 90% das escolas municipais de Ribeirão
Preto – SP conforme os resultados de investigação finalizada que focaliza o
coronelismo nos materiais didáticos do ciclo II do Ensino Fundamental, na
forma de um estudo analítico-descritivo de natureza qualitativa. Os resultados
indicam que a atuação docente demanda autonomia e que o coronelismo pode
ser apresentado segundo seus vínculos com o tempo presente, o que favorece
a problematização das questões do cotidiano e, consequentemente o
protagonismo dos indivíduos no interior das categorias teóricas como sua
classe, distinguindo experiência vivida da experiência percebida conforme
preconizado por Thompson.
Palavras-chave: Ensino de história; Livros didáticos; Coronelismo;
Consciência histórica.
1. Introdução
Nossas
reflexões
explicitadas
no
presente
trabalho
são
desdobramentos de nossa dissertação de mestrado realizada sob orientação
da Profª. Drª. Andrea Lastória junto ao Programa de Pós-Graduação da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo.
Seu título é “O coronelismo nos manuais didáticos de História no
Ensino Fundamental das escolas públicas de Ribeirão Preto – SP”, e a
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investigação considerou as referências da área do Ensino de História, o
conteúdo curricular coronelismo e as contribuições dos manuais didáticos de
História adotados nas escolas públicas do ciclo II do Ensino Fundamental de
uma dada localidade paulista para viabilizar reflexões de ordem política que
considerem as interfaces entre a História Local e Nacional, por meio do estudo
do coronelismo.
Na presente comunicação, optamos por focar apenas um dos três
manuais analisados na dissertação189 . Escolhemos um dos livros didáticos da
coleção “Projeto Araribá” adotados em 90%190 das escolas da rede municipal
de Ribeirão Preto – SP nos anos de 2011, 2012 e 2013. A opção (na
dissertação) pelo volume 4 da coleção (usado no 9º ano do ciclo II do Ensino
Fundamental) se justificou pelo tema “coronelismo”, o foco de nosso recorte.
Outra escolha que fizemos (na dissertação) e queremos justificar foi a
localidade de Ribeirão Preto – SP para o estudo do coronelismo. Primeiro é
preciso ter em conta que
[...] concebemos o “coronelismo” como resultado da superposição de
formas desenvolvidas do regime representativo a uma estrutura econômica
e social inadequada. Não é, pois, mera sobrevivência do poder privado,
cuja hipertrofia constituiu fenômeno típico de nossa história colonial. É
antes uma forma peculiar de manifestações do poder privado, ou seja, uma
adaptação em virtude da qual os resíduos do nosso antigo e exorbitante
poder privado têm conseguido coexistir com um regime político de extensa
base representativa. (LEAL, 1997, p. 40).
Quando estudamos esse jogo político nacional percebemos a
heterogeneidade que resulta das diferentes estruturas de mando e pelas
nuances locais e/ou regionais. Especificamente, Ribeirão Preto - SP possui
peculiaridades históricas que evidenciam o quanto é auspiciosa e profícua a
observação mais atenta das diferenças que existiam e existem entre as
diferentes localidades.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
189
Os materiais analisados na dissertação foram: Cadernos (do Professor e do Aluno) do
Programa curricular “São Paulo Faz Escola”, seguindo de dois livros didáticos, um dos volumes
da coleção “Projeto Araribá” e um dos volumes da coleção “História em documento: imagem e
texto”.
190
Porcentagem aproximada, informada pelo coordenador da área de História da Rede
Municipal, Professor Mestre Almir de Paula e Silva, via e-mail em 24 de janeiro de 2013, que
acompanhou ativamente o processo previsto no PNLD de escolha (feita pelos professores) e
distribuição dos livros didáticos de História.
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Exemplo disso é o conceito “supralocal”, criado por Walker e Barbosa
(2000) para definir o poder que alguns coronéis ribeirão-pretanos tiveram em
âmbito estadual e até nacional. As contribuições do brasilianista são fruto de
suas investigações realizadas em Ribeirão Preto/SP, que, segundo ele, é uma
localidade historicamente marcada pelo coronelismo no âmbito das relações de
poder durante a Primeira República. Um desses chefes políticos que
exerceram o poder supralocal foi Joaquim da Cunha Diniz Junqueira, nome
frequente em diversos trabalhos elaborados por historiadores (locais e
regionais), entre eles Rodrigo Paziani, que lhe deu o título de “supercoronel”
(PAZIANI, 2001).
No âmbito das práticas escolares e dos objetivos do Ensino de História,
entendemos que o coronelismo é uma possibilidade entre outras sugeridas
para a problematização do cotidiano, e que é o professor quem deve selecionar
e enfatizar os temas mais adequados a cada contexto escolar, segundo sua
pertinência “[...] à realidade social, econômica, política e cultural da localidade
onde mora, da sua região, do seu país e do mundo [...]” (BRASIL, 1998, p. 67).
A nossa escolha pelo estudo do coronelismo no Ensino Fundamental
se justifica não apenas por sua importância na historiografia nacional e local
(conforme exporemos), mas, também por sua antologia favorecedora de
práticas escolares que aspiram estar coerentes com o objetivo (próprio ao
Ensino de História) de formar para o exercício da cidadania frente às diversas
carências do cotidiano (BRASIL, 1998; RUSËN, 2007; FONSECA, 2008;
BITTENCOURT, 2011)
2. Matizes do coronelismo: razões históricas e epistemológicas
Estudar o modo como o coronelismo repercutiu em Ribeirão Preto –
SP, bem como refletir sobre como é ensinado nas escolas locais (por meio de
seus principais materiais didáticos), justifica-se não apenas pela necessidade
de conhecer melhor a história do lugar, ou para permitir aos aprendentes uma
melhor contextualização do conteúdo, mas também para entender o todo
nacional, ou seja, o coronelismo no Brasil durante a Primeira República.
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Conforme salientamos a historiografia de Ribeirão Preto evidencia
diversos eventos e características que fazem do município uma referência
importante do processo histórico nacional, posto que a localidade, além de ser
uma importante produtora de café no período da Primeira República, possuía
grande prestígio e poder político em âmbito estadual e até nacional (DOIN;
PAZIANI; CUELLO, 2006). Entre tantas peculiaridades, a plutocracia cafeeira
local não foi constituída por “Barões do Café”, como no Vale do Paraíba
durante o período imperial, mas por coronéis, por vezes considerados até “[...]
uns matutos, comparados aos condes e barões refinados da Corte, e se lhes
aplicavam os mesmos estereótipos através dos quais os citadinos viam os
roceiros: ignorância, rudeza, rispidez, simplicidade.” (QUEIROZ, 1976, p. 100).
Essa aparente sutileza ou curiosidade historiográfica colocam-nos
diante de um complexo processo de transformações econômicas (expansão
cafeeira para o Oeste Paulista), sociais (substituição da mão de obra escrava
por assalariada), políticas (fim do Império e instauração da República), culturais
(urbanização), entre outras destacadas e consolidadas na historiografia
nacional. (DOIN; PAZIANI; CUELLO, 2006).
Além dos aspectos históricos (nacionais e locais) há também questões
epistemológicas que encontram consonância no conceito de experiência em
Edward Palmer Thompson (MELO JÚNIOR, 2011). Para expor tais reflexões
podemos considerar as relações supostamente dicotômicas entre as categorias
teóricas micro/macro, indivíduo/sociedade e História Nacional/História Local.
Cabe explicitar que a relação analítica (entre esses pares) é entendida
segundo certas concepções teóricas como divisões estanques, que indicam
determinismos e hierarquia entre macro e micro, entre indivíduo e sociedade,
entre História Nacional e História Local. Nós, ao contrário, consideramos que a
articulação
necessários
dessas
às
categorias
atividades
de
teóricas
pesquisa
traz
e
ganhos
de
epistemológicos
ensino-aprendizagem.
Consideramos também que tais articulações vão ao encontro do pensamento
de Thompson (2001).
Para a socióloga Brandão (2001) a articulação entre micro e macro,
entre indivíduo e sociedade é uma inovação metodológica que permite superar,
de um lado, a homogeneização, fruto da busca pelas regularidades das
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relações sociais, que permitiriam categorizar, classificar e intervir nas
estruturas sociais, mas que, ao ignorar a diversidade de comportamentos,
escolhas e interações entre os indivíduos que existem no interior dessas
categorias sociais, apenas criações teóricas, que não existem de fato, não
alcançam uma compreensão das contradições existentes entre os pares que
convivem em um mesmo grupo (BRANDÃO, 2001). Do outro lado, nas
abordagens microssociais, que mergulham nos casos particulares, nas
exceções, há o perigo de tomar e interpretar um pequeno grupo, uma situação,
um caso ou um indivíduo de forma descontextualizada, isolado de suas
interações com o plano macro.
Sobre esse desafio teórico, o geógrafo Santos (1999) ao tratar das
complexas relações entre as “partes” e o “todo”, defende que ambas só podem
ser entendidas se consideradas as suas relações múltiplas. Para ele, o todo é
multifacetado, e cada uma dessas faces, além de influenciarem-se, estão em
constante transformação, o que faz a totalidade, além de complexa, mutante ou
transitória. Uma dinâmica constante de movimento e mudança em um processo
indefinido que ele chama de “totalização”, que tem profunda consonância com
a ideia de “movimento totalizador” desenvolvido por Azanha (2011) em densa
reflexão sobre o mesmo tema.
A totalidade (que é una) se realiza por impactos seletivos, nos quais
algumas de suas possibilidades se tornam realidade. Pessoas,
coletividades, classes, empresas, instituições se caracterizam, assim, por
tais efeitos de especialização. O mesmo se dá com os lugares, definidos
em virtude dos impactos que acolhem. Essa seletividade tanto se dá no
nível das formas, como no nível do conteúdo. O movimento da totalidade
para existir objetivamente é um movimento dirigido à sua espacialização,
que é também particularização. (SANTOS, 1999, p. 100).
Ao considerar os indivíduos e seu cotidiano temos o mesmo tipo de
desafio teórico, ou seja, a necessidade de articulá-los ao conjunto da
sociedade. Segundo Azanha (2011), o desafio é definir e sustentar os critérios
adotados para selecionar as partes componentes de uma totalidade, ou seja,
fatos do cotidiano que não sejam meramente casuais, mas indispensáveis por
revelarem a realidade global, o que ele chama de “cotidianidade”, para
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contrapor o núcleo revelador da vida cotidiana, daqueles fatos que podem ser
negligenciados por serem episódicos.
O recorte do objeto é pautado pelos objetivos e referenciais teóricos da
pesquisa, o que implica a consequente marca da subjetividade e inevitáveis
críticas. O autor defende que isso não é problema algum, que não devem ser
obedecidos
como
cânones
metodológicos
definitivos,
mas
debatidos
constantemente, pois o que marca o avanço dos conhecimentos acadêmicos
em todas as áreas do saber ao longo da história.
[...] Quem admite a possibilidade de obtenção de explicações últimas,
quando imagina tê-las encontrado, não mais precisa e nem pode
prosseguir na investigação. A crença na posse de verdades definitivas é
paralisante e dogmática, pois, como disse Popper, retira-se do jogo da
ciência quem admite que há teorias imunes à crítica, como seriam,
obviamente, as explicações últimas. (AZANHA, 2011, p. 126).
Salientamos que também no âmbito do Ensino de História a categoria
cotidiano tem importância fundamental. Bittencourt (2011), ao considerar os
objetivos gerais do ensino da história (entre eles a formação cidadã), em
consonância com inúmeras investigações e publicações da área, entre elas os
PCNs de História (BRASIL, 1998), defende que
[...] O cotidiano deve ser utilizado como objeto de estudo escolar pelas
possibilidades que oferece de visualizar as transformações possíveis
realizadas por homens comuns, ultrapassando a idéia de que a vida
cotidiana é repleta e permeada de alienação. (BITTENCOURT, 2011, p.
168).
Entretanto, ao valorizamos os sujeitos e o cotidiano, podemos incorrer
em certo fetichismo empirista, e, após analisar e compreender o cotidiano de
um indivíduo ou pequeno grupo, termos dificuldade para relacionar as reflexões
produzidas com outros contextos. Para lidar com tal problema teórico,
entendemos serem profícuas as proposições de Azanha (2011, p. 75), no
sentido de ser necessária a adoção de um referencial teórico consistente,
assumido claramente e ajustado a cada contexto a ser estudado.
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[...] Talvez o primeiro passo para tentar superar essa dificuldade seja reconhecer,
no caso da cotidianidade, que a ideia de uma totalidade não é uma descoberta
empírica aflorada espontaneamente da observação, mas fruto de uma operação
conceitual, do exercício cognoscitivo de um ponto de vista. Este ponto de vista é
sempre teórico, num sentido bem amplo, que pode variar desde um quadro
perceptivo pessoal, rudimentar e emotivo, até um explícito e sofisticado conjunto
articulado de hipóteses [...].
Nesse sentido é que o historiador francês Michel de Certeau, em sua
obra “A invenção do cotidiano”, aborda tais questões (a complexidade do
estudo do cotidiano) a partir das relações entre produtores públicos ou privados
(de coisas e conteúdos) e consumidores (homem ordinário).
A obra é desdobramento de investigações muito refinadas, nas quais o
autor e seus colaboradores buscaram captar as astúcias sutis, as táticas de
resistência pelas quais o homem ordinário apropria-se desses produtos, do
espaço das ideias, e por meio de uma arte de fazer os indivíduos, que,
supostamente, compõem uma multidão sem qualidades supostamente,
“driblam”, dão “golpes” no modo como usam os produtos impostos, sejam
objetos ou ideias na forma de imagens, de escritos ou pela oralidade.
Certeau (2008, p. 273) defende que “[...] é sempre bom recordar que
não se devem tomar os outros por idiotas.” O historiador francês entende o
cotidiano como uma construção coletiva a partir das apropriações (por meio da
leitura, por exemplo) feitas pelos consumidores que são dominados, mas não
passivos nem dóceis, ao contrário: valem-se de suas “[...] táticas de consumo,
engenhosidades do fraco para tirar partido do forte, vão desembocar então em
uma politização das práticas cotidianas.” (CERTEAU, 2008, p. 45).
É nesse sentido que tomamos a ideia de experiência vivida de Edward
Thompson e sua busca em “[...] dar voz a homens e mulheres esquecidos nas
análises de historiadores marxistas afinados com as teorias estruturalistas [...]”
(MELO JÚNIOR, 2011, p. 2).
Para o Ensino de História e seus objetivos específicos a categoria
cotidiano tem importância fundamental. Bittencourt (2011), ao considerar os
objetivos gerais do ensino da história (entre eles a formação cidadã),
explicitados em inúmeras publicações da área, entre elas os PCN’s de História
(BRASIL, 1998), defende que
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[...] O cotidiano deve ser utilizado como objeto de estudo escolar pelas
possibilidades que oferece de visualizar as transformações possíveis
realizadas por homens comuns, ultrapassando a idéia de que a vida
cotidiana é repleta e permeada de alienação. (BITTENCOURT, 2011, p.
168).
Foi com esse referencial que analisamos o coronelismo nos manuais
didáticos, o que apresentamos parcialmente conforme segue.
3. Análise do coronelismo no livro didático da coleção “Projeto Araribá”
O modo como é apresentada a Primeira República no livro didático
“Projeto Araribá” indica que ele é baseado em uma concepção historiográfica
que obedece à perspectiva linear evolutiva, que parte da história europeia para
explicar a brasileira (do macro para o micro), do passado para a atualidade.
Uma evidência disso é que há somente uma única questão que propõe uma
problematização inequívoca do tempo presente. Ela não se encontra no “Tema
2 – A proclamação da república no Brasil”, mas na seção “Atividades de
ampliação”, uma seção especial que, segundo a lógica de diagramação do
material, é inserida para retomar ou ampliar assuntos tratados nos dois ou três
temas (ou capítulos) antecedentes.
No caso específico, a seção “Atividades de ampliação” trata do
conceito “coronelismo” na perspectiva do passado (inclusive expondo imagens
com caráter ilustrativo), para, somente na última questão, propor a articulação
com o presente: “O coronelismo é coisa do passado? Há personagens da atual
política brasileira que podem ser considerados ‘coronéis’? Dê exemplos e
converse com os colegas sobre o assunto.” (APOLINÁRIO, 2007, 55).
Além de não priorizar a articulação do passado com o presente e,
consequentemente, não valorizar a atualidade, o cotidiano, o livro didático
tampouco valorizou a localidade, na medida em que não fez menção às
nuances ou aos matizes locais. Quando muito citou a oligarquia dos
cafeicultores paulistas, o Partido Republicano e seu acordo de revezamento
com a oligarquia mineira no governo federal (política do café com leite), mas
com um discurso sempre permeado por uma ideia de homogeneidade nacional,
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já que em momento algum explicitou que a geografia do coronelismo é
marcada pelas nuances (ao menos econômicas) entre os Estados mais e os
menos desenvolvidos econômica e politicamente (CARONE, 1972).
Quanto ao uso das imagens, o livro limita-se à dimensão ilustrativa,
uma limitação cuja superação, conforme Carvalho (2009, p. 100), fica a cargo
do professor, pois é ele “[...] que dá o tom, como numa banda de música, que,
ao iniciar uma canção, é o maestro que, com sua batuta, dá início à execução
[...]”. Por outro lado, a mesma pesquisadora constatou que,
[...] no ensino fundamental da escola investigada, o professor ainda não
desenvolve uma análise iconográfica detalhada, aprofundada nas aulas de
História. Este problema pode ser decorrente da formação acadêmica de
alguns professores de História, como bem nos apontaram nossos
entrevistados. Mas também podemos sugerir como explicação a
precariedade de infraestrutura ou, até mesmo, a má distribuição de tempo
escolar entre as disciplinas e a pouca valorização da disciplina História na
organização curricular [...] (CARVALHO, 2009, p. 100).
Essas questões relacionadas aos usos do livro didático de história,
segundo Carvalho (2009), são ainda pouco conhecidas no Brasil; demandam
mais investigações que considerem as vozes dos alunos e professores, os
principais usuários desses materiais.
No caso das imagens sobre o período da Primeira República, elas não
são exploradas do ponto de vista de fontes históricas que possam ensejar a
investigação das contradições e disputas que marcaram a instalação do novo
regime, como demonstra Carvalho (1990), autor que se encontra entre as
referências do livro didático analisado e que fez apurada análise dos
significados simbólicos da República no Brasil. A escolha de tentar ensinar
história buscando ocultar as contradições do conhecimento e do processo
histórico revela uma concepção de conhecimento e ensino tradicionais
(comenianas), fato que coaduna com as constatações da pesquisa de Centeno
(2010, p. 34) sobre os livros da mesma coleção, segundo a qual
[...] verificou-se que a função do manual Projeto Araribá História segue as
recomendações comenianas à medida que substitui todas as demais
fontes e recursos educativos, constatado no fato de que resume as lições
em textos não muito longos, orienta passo a passo o trabalho do professor,
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incorpora pouquíssimos documentos na seção destinada à análise de
fontes históricas. As fontes alternativas que o manual indica estão no guia
reservado ao professor e parecem ter uma posição secundária no
processo. Por esse motivo, nele estão depositadas e sintetizadas todas as
fontes necessárias, transformando-o no único instrumento adotado.
Para não nos alongar, salientamos que, além de as imagens serem
usadas apenas para a ilustração, apenas duas dentre seis (no decorrer do
tema analisado) ssibilitariam evidenciar o cotidiano e o protagonismo de
indivíduos ordinários (CERTEAU, 2008)
Das duas imagens, a que mais é adequada para esse fim mostra um
postal com uma cena de imigrantes europeus trabalhando na colheita de café,
personagens
descritos
de
forma
preconceituosa
e
rasa,
como
“[...]
Semianalfabeto, sem assistência médica, alheio às notícias do mundo [...] tinha
o coronel como um benfeitor, um esteio contra os males desse mundo.”
(APOLINÁRIO, 2007, p. 55). Entendemos que essa versão precisa ser melhor
problematizada; do contrário, propaga uma superficialidade que contribui para
a manutenção da História dos grandes heróis, pois ignora que
[...] Esses imigrantes, vindos de um país distante, desconhecedores da
língua portuguesa e muitas vezes sem recursos, eram submetidos ao jugo
dos fazendeiros, que coibiam ao máximo qualquer forma de organização
que pudesse ameaçar seus interesses econômicos. Entretanto, as
péssimas condições de trabalho e a influência anarquista presente no meio
italiano favoreceram a ocorrência de alguns movimentos de resistência
entre os trabalhadores rurais. (ROSA, 1997, p. 27).
Sob nossa ótica, o livro didático analisado apresenta o coronelismo de
forma que desfavorece a valorização do cotidiano e do indivíduo ordinário.
Entendemos que poderia evidenciar o indivíduo como propõe Thompson (2001)
ao distinguir “[...] a experiência vivida e a experiência percebida. A segunda
categoria aproxima-se daquilo que Marx denominou de consciência social, uma
vez que elas resultam das causas materiais. [...]” (MELO JÚNIOR, 2011, p. 3).
[...] Em uma análise comparativa, o modelo tem apenas valor heurístico,
passível de geralmente redundar em perigo dada sua tendência em
direção a uma estase conceitual. Na história, nenhuma formação de classe
específica é mais autêntica ou mais real que outra. As classes se definem
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de acordo com o modo como tal formação acontece efetivamente
(Thompson, 2001, p. 277).
Algumas considerações
Consideramos que o livro didático analisado poderia dar uma melhor
contribuição à formação de uma consciência histórica (de alunos e professores)
ao expor o coronelismo, no sentido de viabilizar o desenvolvimento da
competência de recorrer ao conhecimento do passado frente às carências do
presente para elaborar conscientemente projeções dos seus desejos (RÜSEN,
2007).
Entendemos ser possível e viável iniciar o estudo de qualquer temática
histórica pelas contradições e questões do presente, cujas respostas possíveis
são favorecidas pela “visitação” ao conhecimento do passado. Por outro lado,
essa questão de por onde começar a articulação entre passado e presente é,
segundo nossa compreensão, posterior à opção de fazer a articulação em si,
pois o professor pode alterá-la a depender do seu contexto e, isso tangencia
também a experiência tratada por Thompson (2001), mais especificamente
aquela referente aos saberes próprios da prática docente como explicitou Tardif
(2002).
Ainda assim, defendemos como adequado que o livro didático viabilize
a articulação entre o conhecimento historiográfico (passado) com as carências
do tempo presente.
A superação dessas limitações dos livros didáticos em sala de aula é
possível, mas dependem no mínimo de um professor bem formado e com
condições favoráveis de trabalho (CARVALHO, 2009). Mesmo que hajam
materiais adequados tais requisitos continuaram sendo necessários. Mas,
entendemos que são importantes os materiais didáticos que apresentem
efetivamente propostas favoráveis a construção daquilo que Rüsen (2007)
chamou de um conhecimento histórico vivo.
Referências bibliográficas
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Experiência em Dewey e Thompson: EDUCAÇÃO E
CONSCIÊNCIA DE CLASSE
Flavia de Figueiredo de Lamare (Doutoranda PPFH/UERJ)
[email protected]
RESUMO:
O presente trabalho objetiva apresentar a categoria experiência a partir da
concepção de dois intelectuais do século XX: Dewey e Thompson. A atualidade
da discussão reside no fato das teorias de Dewey servirem, ainda hoje, de
embasamento teórico-epistemológico para a comprovação de que não existe
um conhecimento objetivo, pois o indivíduo “aprende fazendo”, nas
experiências que vivencia, a partir de sua observação da prática. O
conhecimento, portanto, é individual e válido se útil ao contexto em que cada
pessoa está inserida. Nos marcos do materialismo histórico dialético,
Thompson apresenta o conceito de experiência a partir de uma abordagem
histórica do conhecimento problematizando as concepções de cultura e
formação no sentido de unificação dos trabalhadores. Deste modo, as
conexões entre relações de produção e consciência de classe são
estruturantes para a compreensão do homem em suas particularidades e
singularidades, mas necessariamente articuladas às relações de classe.
Palavras-chave: Experiência, Thompson, Dewey.
1. Introdução
O objetivo geral deste artigo é apresentar as conexões e divergências
entre o norte americano John Dewey (1859-1952) e o inglês Edward Thompson
(1924-1993), especialmente no que se refere à categoria experiência utilizada
por ambos.
Para tanto, na primeira parte do artigo apresentamos o pensamento de
Dewey e sua concepção de educação como reconstrução da experiência, esta
que, para ele é transitória, pessoal e passageira. Na segunda parte do texto,
nos marcos do materialismo histórico dialético, trazemos Thompson e a
categoria experiência a partir de uma abordagem histórica do conhecimento.
Nas considerações finais confrontamos, em uma apreensão inicial, as
bases epistemológicas que fundamentam a categoria experiência para ambos
os autores a partir da categoria práxis.
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2. Dewey: educação como reconstrução da experiência
A base para a compreensão do conceito de experiência em Dewey é,
sem dúvida, a ideia de diversidade e adaptação/adequação. Para ele, cada
homem é livre para escolher e realizar aquilo que deseja para si, portanto a
liberdade é uma condição humana. O pensamento é o esforço que a pessoa
faz para colocar-se em condições de se adaptar a novas situações.
Sendo o universo incompleto, o homem deve estar preparado para
uma perpétua transformação. Segundo Dewey, agir sobre o outro e sofrer do
outro uma reação é o que se chama de experiência, assim
Experiência não é, portanto, alguma coisa que se oponha à natureza, pela qual se experimente, ou se prove a natureza. Experiência é uma fase
da natureza, é uma forma de interação, pela qual os dois elementos que
nela entram – situação e agente – são modificados. (DEWEY, 1980, p.
113, grifos do autor)
Nesse sentido, a experiência precisa ser compreendida como
transitória, como pessoal e, portanto, passageira. Nesse aspecto, é também
relativa, à medida que o mundo passa a ter sentido quando relacionado às
experiências do indivíduo. As experiências são, portanto, sempre individuais,
de acordo com as trajetórias vivenciadas por cada pessoa e por situações
experimentadas por ele. Isso também é o que faz com que o homem se adapte
ao meio, mas que permaneça insatisfeito, buscando se rever, se compreender.
Viver seria uma espécie de rede entremeada por experiências que
levam a aprendizagem. Portanto, na visão de Dewey não podemos separar
vida, experiência e aprendizagem, pois são simultâneos. A concepção de
educação construída por ele parte do princípio que o aprender é uma
experiência social que ocorre com a ampliação da liberdade pessoal.
Dewey, ao criticar a pedagogia tradicional desenvolve uma outra teoria
da educação denominada pedagogia nova. Esta pedagogia tem como
fundamento a ideia de que a educação é um amadurecimento, um crescimento
tanto fisiológico como espiritual. Nas palavras do próprio Dewey (1980, p. 116),
“educar-se é crescer, não só no sentido puramente fisiológico, mas no sentido
espiritual, no sentido humano, no sentido de uma vida cada vez mais rica e
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mais bela, em um mundo cada vez mais adaptado, mais propício, mais
benfazejo para o homem”.
Nota-se que o autor utiliza o termo “educar-se”, pois, para ele, as
experiências individuais é que determinarão a educação de cada um, ou seja, a
reflexão, a organização e a reconstrução das experiências é que possibilitarão
ao homem sair do nível puramente “animal” para o nível “mental ou espiritual”.
Sendo assim, a experiência possui dois elementos centrais articulados: a) um
ativo, que se caracteriza pelo fato de a experiência ser uma tentativa; b) um
passivo, que seria o sofrimento por se passar por determinada vivência. O valor
da experiência será medido pela conexão dessas duas fases da experiência e
a aprendizagem relaciona-se à ação (tentativa) e à reação (sofrimento):
‘Aprender da experiência’ é fazer uma associação retrospectiva e
prospectiva entre aquilo que fazemos às coisas e aquilo que em
consequência essas coisas nos fazem gozar e sofrer. Em tais condições a
ação torna-se uma tentativa; experimenta-se o mundo para se saber como
ele é; o que se sofre em consequência torna-se instrução – isto é, a
descoberta das relações entre as coisas. (DEWEY, 1959, p. 153)
Como fundamento para explicar o pensamento ou reflexão acerca das
experiências o autor utiliza a Psicologia; afinal, para ele, pensamento e ação se
relacionam intrinsecamente. A ação a determinado estímulo relaciona-se a
intencionalidade, ou seja, as operações mentais do homem precisam ser
compreendidas pela sua funcionalidade na ação, pelo motivo dominante que
guia a ação e permite que outros impulsos fiquem “subordinados”. Assim, não
podemos ser ensinados a pensar, mas precisamos aprender a pensar bem.
Dewey procura articular a concepção de aprendizagem a aspectos
internos e externos ao indivíduo e afirma que vida e aprendizagem são
fundantes para o processo educativo. Para ele, “vive-se aprendendo, e o que
se aprende leva-nos a viver melhor” (DEWEY, 1980, p. 127). Com isso, o autor
critica conceitos tradicionais que compreendem a educação: a) como um
desdobramento único de forças internas, inatas (inatismo); b) como uma
aplicação exclusiva de forças externas do ambiente, sejam naturais, físicas,
culturais ou históricas (ambientalismo).
Sendo assim, o processo educativo deve compreender: a) como se
aprende? (método); b) como o que se aprende refaz e reorganiza a nossa
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vida? (educação compreendida como vida e não preparação para ela); c) como
o que se aprende pode tornar a vida melhor e mais feliz? (vida em ascensão,
quando colocamos todas as nossas potencialidades/capacidades em ação).
Enfocamos o fato de o processo educativo proposto por Dewey estruturar-se
por um sistema que prevê somente as ações e condutas individuais
compreendidas entre a essência humana e o processo de equilibração com o
meio. Esses três aspectos apontados por Dewey indicam sua concepção de
que a educação é um fim em si mesma. Para ele, a educação “é um
processo de reconstrução e reorganização da experiência, pelo qual lhe
percebemos mais agudamente o sentido, e com isso nos habilitamos a melhor
dirigir o curso de nossas experiências futuras.” (DEWEY, 1980, p. 116)
O pensamento reflexivo surge a partir de uma dificuldade, por isso, o
autor consolida o modo reflexivo de pensar como um método que visa superar
as explicações tradicionalmente firmadas, possibilitando um conhecimento
novo e adequado às novas situações. Nessa direção, propõe o método
experimental:
Se em lugar de termos uma fé conservadora no passado, na rotina,
acreditarmos no progresso, pela subordinação inteligente das condições
existentes a uma regra, será esse, naturalmente, o efeito do método
científico experimental.
O método empírico exalta fatalmente a influência do passado; o método
experimental, ao contrário, propõe em relevo as possibilidades futuras. O
método empírico diz: “Esperemos ter suficiente número de casos”. E o
método científico: “Provoquemos o aparecimento dos casos”. (DEWEY
apud CUNHA, 2001, p. 67)
O que Dewey ressalta em toda a sua obra é a necessidade de termos
uma educação progressiva que una experiência e aprendizado, ou seja, que
parta da experiência e do interesse individual dos alunos. A escola, portanto,
deve se organizar em ideias, “o conteúdo das matérias deve derivar das
experiências comuns da vida”. (DEWEY, 2011, p. 75) Assim, as propostas
educacionais não devem partir de verdades que não façam parte das
experiências vivenciadas pelos alunos. Tudo deve partir das experiências que
os alunos já possuem e, só então, com esse ponto de partida, favorecer novas
aprendizagens, mas sempre ligadas às experiências mais antigas.
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Outro
conceito
importante
abordado
por
Dewey
é
quanto
à
necessidade de que os conteúdos sejam trabalhados progressivamente de
acordo com a “maturidade do aluno”. Especialmente nesse ponto identificamos
a ênfase ao aspecto biológico/psicológico presente na teoria de Dewey. Como
afirma Ramos (2010, p. 132)
As características internas ao indivíduo seriam mediadoras na relação
entre este e o meio, sendo o desenvolvimento humano resultado do
amadurecimento dessas características. Desta forma, o desenvolvimento
psicológico dos indivíduos equivaleria ao desenvolvimento de mecanismo
adaptativos do comportamento humano ao meio material e social.
Sendo
assim,
evidencia-se
no
pensamento
de
Dewey
um
evolucionismo pragmático e instrumentalista, à medida que o conhecimento só
tem validade se for útil. Sob a base de uma psicologia funcional – oriunda da
Biologia evolucionista de Darwin e do pensamento pragmatista de William
James – Dewey desenvolveu uma nova teoria pedagógica com o intuito de
estudar as consequências do instrumentalismo para a Pedagogia e
compreender sua validade mediante a experimentação. O pensamento,
portanto, seria um instrumento voltado à resolução de problemas da
experiência e o conhecimento seria a acumulação de sabedoria que possibilita
a resolução dos problemas.
Nesse ponto enfoca-se a questão da utilidade do conhecimento, uma
vez que de acordo com o pensamento de Dewey a própria utilidade do saber
também se modifica ao longo dos anos. Sendo assim, a educação deve
estruturar-se a partir das condições encontradas na experiência dos alunos
como fontes de problemas para o desenvolvimento do que será importante/útil
trabalhar com aquele grupo (descartando-se, assim, um único plano de estudo
para todas as escolas). Para tanto,
É parte da responsabilidade do educador prestar igual atenção em duas
coisas: primeiro que os problemas surjam das condições das experiências
que estão acontecendo no presente e que sejam coerentes com as
capacidades dos alunos; segundo que essas experiências despertem nos
alunos a necessidade de busca ativa de informações e novas ideias.
(DEWEY, 2011, p. 82)
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A comprovação do pensamento por meio da ação, mediante a
experimentação é condição fundamental na teoria de Dewey e o professor
deve construir ambientes em que os alunos possam confrontar situações
problema a fim de resolvê-los. Cabe ao professor: “conseguir que existam as
condições que estimulem e desenvolvam, todos os dias, as faculdades ativas
dos alunos, cada criança há de realizar seu próprio destino tal como se revela a
você tesouros das ciências, da arte e da indústria”. (DEWEY apud
WESTBROOK; TEIXEIRA, 2010, p.18)
Ressalta-se também, para a ação do professor, a necessidade do
domínio
da
Psicologia/
proporcionando-lhe
os
Biologia
estímulos
a
fim
de
necessários
que
a
conheça
partir
do
a
criança
tratamento
diferenciado dos alunos de acordo com as suas diferenças individuais,
favorecendo a espontaneidade, o despertar da atenção e da curiosidade. A
“natureza psicológica” infantil torna-se uma grande preocupação e o objetivo do
trabalho fundamenta-se no “aprender a aprender”. Como afirma Ramos (2010,
p. 178):
Em Dewey, encontramos o fundamento do “aprender a aprender”, quando
afirma que não se aprender nem se ensina a pensar, posto que essa seria
uma função inerente à inteligência humana; mas se poderia aprender
como pensar bem, sobretudo como adquirir o hábito geral da reflexão.
Nesse sentido, a reflexão do educador torna-se um conceito
fundamental para a compreensão da escola progressiva.
O pensamento reflexivo é definido por Dewey como aquele que consiste
em dar voltas em um tema na cabeça e torna-lo a sério com todas as suas
consequências. A reflexão não implica tão somente uma sequência de
ideias, mas uma con-sequência, isto é, uma ordenação sequencial das
ideias na qual cada uma delas determina a seguinte como seu resultado,
enquanto cada resultado, por usa vez, aponta e remete àquelas que a
precederam. Assim, o que constitui o pensamento reflexivo é o exame
ativo, persistente e cuidadoso de toda crença ou suposta forma de
conhecimento à luz dos fundamentos que a sustentam e das conclusões a
que tende. (RAMOS, 2010, p. 177)
3. Thompson: educação como relação dialética
A apreensão do pensamento de Thompson é perpassada por dois
aspectos principais: a) a problematização da concepção de cultura e de formação;
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b) a compreensão do conhecimento historicizado. Para tanto, busca a história
“vista de baixo”, ou seja, como se dá o processo de construção da classe operária
que, por si só, é diversa. O conceito de classe é fundante e, para ele, não pode ser
separada de consciência de classe, uma vez que:
A classe acontece quando alguns homens, como resultado de experiências
comuns (herdadas ou partilhadas), sentem e articulam a identidade de
seus interesses entre si, e contra outros homens cujos interesses diferem
(e geralmente se opõem) dos seus. A experiência de classe é
determinada, em grande medida, pelas relações de produção em que os
homens nasceram – ou entraram involuntariamente. A consciência de
classe é a forma como essas experiências são tratadas em termos
culturais: encarnadas em tradições, sistemas de valores, ideias e formas
institucionais. Se a experiência aparece como determinada, o mesmo não
ocorre com a consciência de classe. (THOMPSON, 1987, p. 10)
Nesse sentido, para Thompson o conceito de experiência não existe
fora das relações de classe, a totalidade 191 das relações de produção
determina as situações que serão “experimentadas” pelos sujeitos, que envolve
também, resistência, ressignificação e criação. O autor enfatiza o protagonismo
do sujeito na História desenvolvendo a relação entre estrutura e superestrutura
a partir da noção de experiência.
A experiência surge espontaneamente no ser social, mas não surge sem
pensamento. Surge porque homens e mulheres (e não apenas filósofos)
são racionais, e refletem sobre o que acontece a eles e ao seu mundo (...)
ocorrem mudanças no ser social que dão origem a experiência modificada;
e essa experiência é determinante, no sentido de que exerce pressões
sobre a consciência social existente, propõe novas questões e proporciona
grande parte do material sobre o qual se desenvolvem os exercícios
intelectuais mais elaborados. (THOMPSON, 1981, p. 16)
Thompson sustenta que há uma relação dialética entre educação e
experiência e que esse par dialético deve ser considerado em sua totalidade,
ou seja, com as tensões, possibilidades. O que o autor enfoca em seus estudos
é a análise dos sujeitos envolvidos na construção de sua própria história, mas
sempre relacionado, imbuído de compromisso entre sua própria atuação e o
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
191
Para Kosik (2002, p. 50): “A compreensão dialética da totalidade não só significa que as
partes se encontram em relação de interna interação e conexão entre si e com o todo, mas
também que o todo não pode ser petrificado na abstração situada por cima das partes, visto
que o todo se cria a si mesmo na interação das partes”.
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movimento histórico democrático. Isso fica muito evidente ao relatar a formação
da classe operária inglesa para além da fábrica, pois para ele a relações
sociais não são produzidas somente no chão da fábrica.
Para tanto, através da crítica a qualquer tipo de determinismo, tenta
mapear as sínteses das relações sociais tencionando conceito e evidência
através do diálogo com trabalhadores e fontes primárias (como arquivos, fontes
orais...). Em Thompson, encontramos que as relações históricas são
construídas por homens e mulheres permanentemente, através de lutas,
resistências, conflitos e muitas ambiguidades. Assim, a classe se faz tanto
quanto é feita.
Por isso, é fundamental, em toda a obra de Thompson, a compreensão
de que a observação deve ser múltipla e não singular. Isso significa dizer que a
própria experiência (seja de um indivíduo ou de um grupo social) possui
múltiplas evidências e é produzida a partir do pensamento dos sujeitos. Sendo
assim,
podemos
dizer
que,
segundo
o
autor,
a
experiência
surge
espontaneamente, mas é resultado da racionalidade dos homens e mulheres,
da capacidade de reflexão e pensamento acerca do mundo.
O que Thompson traz de grande contribuição é a discussão da
formação da consciência de classe, em que a experiência se dá dentro de uma
determinada cultura. Afinal, para ele, não há cultura sem experiência. Assim, o
ser social determina a consciência, mas não abstratamente (como vimos em
Dewey), pois a consciência também determina o ser social.
Para Thompson, a classe tem materialidade histórica, o que também
significa dizer que quanto maior o número de dimensões do real, mais próximo
do real estaremos, mas o real não é estático. (KOSIK, 2002) Nesse sentido, as
categorias elegidas para a investigação do real precisam ser as categorias
históricas
articulando-as
com
a
totalidade,
compreendida
como
um
conhecimento em desenvolvimento (que ocorre tanto na teoria como na
prática). Assim,
A explicação histórica não revela como a história deveria ter se
processado, mas porque se processou dessa maneira, e não de outra; que
o processo não é arbitrário, mas tem sua própria regularidade e
racionalidade; que certos tipos de acontecimentos (políticos, econômicos,
culturais) relacionaram-se, não de qualquer maneira que nos fosse
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agradável, mas de maneiras particulares e dentro de determinados
campos de possibilidades; que certas formações sociais não obedeceram
a “uma lei”, nem são “os efeitos” de um teorema estrutural estático, mas se
caracterizam por determinadas relações e por uma lógica particular de
processo. (THOMPSON, 1981, p. 61)
A ênfase da obra de Thompson é justamente demonstrar que nenhuma
classe é gerada espontaneamente e, especificamente, a classe trabalhadora
inglesa nasceu da submissão do povo a exploração econômica e da opressão
política advindos da Revolução Industrial. O povo não só empobreceu, mas
precisou mudar o seu padrão de vida para um modo de vida,
(...) para o trabalhador rural, a perda dos direitos comunais e dos
resquícios de democracia nas aldeias; para o artesão, a perda de seu
status; para o tecelão, a perda do seu meio de vida e da sua
independência; para a criança, o fim do trabalho e do lazer domésticos;
para os diversos grupos de trabalhadores cujos salários reais aumentaram,
a perda da segurança e do tempo livre, ao lado da deteriorização das
condições ambientais urbanas. (THOMPSON, 1987, v. 2, p. 345)
Mais uma vez o autor articula os conceitos: cultura e classe social,
ressaltando que a “classe operária formou a si própria tanto quanto foi formada”
(THOMPSON, 1987, v. 2, 18). Esse fazer-se contínuo da classe operária é
histórico, político e cultural, uma vez que a própria independência do
trabalhador o reduz, no capitalismo, a dependência dos instrumentos de
produção que não lhe pertencem, modificando modos de vida e impondo
sofrimento ao trabalhador.
O sofrimento gerado é também experiência, assim como a destruição
de modos de vida antigos fazem parte das experiências herdadas e vividas
pelos sujeitos. No entanto, cabe ressaltar que a própria relação de exploração
é uma relação social e que precisa ser compreendida para além da soma das
injustiças ou conjunto de explorações sofridas pelo trabalhador. Há
antagonismos, resistência, luta, contradições... e Thompson, evidencia que os
trabalhadores não foram passivos à Revolução Industrial e ao contexto a que
foram submetidos nesse período, ressaltando que a esfera do contentamento
não pode ser só a determinação econômica. Vendramini e Tiriba (2014, p. 9)
afirmam que:
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Por entender que a classe é uma formação tanto cultural como econômica,
Thompson adverte que não devemos fazer generalizações a partir da
experiência inglesa. Isso significa que a compreensão da formação da
classe operária na Irlanda, na Escócia ou em qualquer outro país ou nação
requer uma reconstrução histórica que considere as particularidades de
cada
espaço/tempo
(...).
Em
outras
palavras,
em
considerar
as
determinações gerais do modo de produção capitalista, cabe ao
pesquisador perceber as formas peculiares como os sujeitos sociais
participam, de forma ativa, nos processos de produção da existência.
4. Educação, cultura e consciência de classe
As mudanças produzidas pelo advento do capitalismo não foram
somente do ponto de vista mercadológico, de forças produtivas, mas do
mesmo modo, no aspecto cultural, uma vez que foi preciso fazer com que
houvesse uma mudança dos costumes e formas de vida dos povos. Sincronizar
o tempo às atividades que produzissem retorno financeiro – como a
necessidade de se criar novos hábitos de trabalho (como acordar cedo, ter uma
rotina de horário, disciplinarização, diminuição do tempo do ócio, em ter outros)
– era o que os empregadores exigiam, no entanto, também houve resistência
dos trabalhadores.
Como
afirma
Thompson
(1998,
p.
304),
“(...)
não
existe
desenvolvimento econômico que não seja ao mesmo tempo desenvolvimento
ou mudança de uma cultura. E o desenvolvimento da consciência social, como
o desenvolvimento da mente de um poeta, jamais pode ser, em última análise,
planejado”.
Uma das instituições não industriais usada para “inculcar” o “usoeconômico- do-tempo” foi a escola, um local em que se poderia educar as
crianças para que adquirissem o “hábito do trabalho”. Segundo Thompson
(2002, p. 13),
A experiência modifica, às vezes de maneira sutil e às vezes mais
radicalmente, todo o processo educacional; influencia os métodos de
ensino, a seleção e aperfeiçoamento dos mestres e o currículo, podendo
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até mesmo revelar pontos fracos ou omissões nas disciplinas acadêmicas
tradicionais e levar à elaboração de novas áreas de estudo.
A escola passa, então, a ser o principal instrumento de educação e
doutrinamento (cultivando um “bom caráter”) ideológico para a formação de
hábitos e comportamentos compatíveis a essa mudança social, em que o
trabalhador passa a vender a sua mão de obra. Mas é também um espaço de
organização das experiências cotidianas, de contradições, de vida.
Deste modo, ressaltamos que, a categoria experiência é o que conduz
a própria vida das pessoas, abrangendo elementos concretos da vida
(objetividade e subjetividade), o individual e o coletivo, o universal e o
particular.
A experiência não espera discretamente, fora de seus gabinetes, o
momento em que o discurso da demonstração convocará a sua presença.
A experiência entra sem bater à porta e anuncia mortes, crises de
subsistência, guerra de trincheira, desemprego, inflação, genocídio.
(THOMPSON, 1981, p. 17)
Como afirma Vendramini e Tiriba (2014, p. 10) a categoria experiência
“propicia o entendimento das particularidades e singularidades dos processos
de produção da vida social” e, portanto, não pode ser compreendida fora da
história, ou simplesmente como o simples experenciar algo. A experiência é
sempre: herdada, vivida, percebida e transformada e por isso precisa ser
apreendida na dinâmica das relações sociais. Assim, o sentido que Thompson
dá para o uso da experiência na educação é justamente pelo fato da
experiência ser social e histórica e implicar, necessariamente no passado,
presente e futuro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As argumentações apresentadas neste artigo nos levam a algumas
reflexões: a compreensão do conceito de experiência em Dewey e em
Thompson articula-se, em primeiro lugar, com a visão que cada um tem sobre
o homem, a sociedade e o conhecimento.
Como vimos, em Dewey, a educação deve respeitar as pessoas e
prepara-las para a vida social por meio do desenvolvimento previsto pela
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natureza de cada aluno. Por isso, propõe uma pedagogia ativa, em que se
educa pela ação, tendo como elemento central a ideia do aprender fazendo,
em que a educação é uma contínua reconstrução da experiência. (DEWEY,
1959)
A
concepção
de
conhecimento
em
Dewey
é
baseada
no
pragmatismo192, em que se atribui ao sentido de prática a ação subjetiva do
indivíduo destinada a satisfazer seus interesses. Sendo assim, a prática é
esvaziada de teoria, ou com um mínimo dela. O conhecimento deve ser voltado
ao utilitarismo.
Certamente, as ideias de Dewey ainda estão muito presentes na
sociedade e nas políticas educacionais contemporâneas, afinal a base liberal
de suas proposições nega as “histórias grandiosas”, universalistas. Assim, para
o materialismo histórico dialético, as concepções de Dewey baseiam-se na
negação da história, pois não há causalidade. O que se depreende da
realidade restringe-se a análises particulares e pontuais. Há uma rejeição da
totalidade, dos valores universais; celebra-se o pluralismo e valoriza-se o
relativismo. Com isso, não há como esperar uma análise de contestação geral
ao capitalismo, não se discutem as relações de classe, de exploração.
Dissolve-se a luta de classes junto a outros debates diminuindo e relativizando
o que precisa ser compreendido de forma universal.
Ao abordar a experiência nas condições e relações do indivíduo com o
ambiente, Dewey não propõe uma reflexão da sociedade. A escola, portanto,
não deve ser uma preparação para a vida, mas a própria vida, afinal, as
experiências são particulares.
As contribuições de Dewey nos levam a pensar se é possível
considerarmos as experiências individuais, ou seja, se elas existem fora de um
contexto de relações com outros sujeitos. Sendo assim, a história de cada
pessoa é a sua própria vida, como afirma Dewey? Mas de que vida estamos
falando? De que relações? Em que momento histórico?
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
192
O pragmatismo é uma corrente filosófica que surge no final do século XX baseada na
utilidade do conhecimento. Há uma valorização desta em relação à teoria. O assunto é muito
bem trabalhado em Ramos (2010).
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Para o materialismo histórico, a realidade social é apreendida em sua
totalidade, visto que totalidade “é um conjunto de fatos articulados ou o
contexto de um objeto com suas múltiplas relações ou, ainda, um todo
estruturado que se desenvolve e se cria como produção social do homem”
(CIAVATTA, 2001, p. 132). Kosik (2002) adverte que é preciso distinguir entre
representação e coisa, através do pensamento dialético, para chegar à “coisa
em si”.
Quando Thompson afirma que a classe se faz tanto quanto é feita, quer
dizer que não podemos negar jamais o papel determinante das relações de
produção sobre a experiência de classe (o que os liberais não consideram).
Deste modo, o conceito de experiência em Thompson, diferente do que propõe
Dewey, é mediada, necessariamente, pelas conexões entre relações de
produção e consciência de classe, “se detemos a história num determinado
ponto, não há classes, mas simplesmente uma multidão de indivíduos com um
amontoado de experiências” (THOMPSON, 1987, v. 1, p. 11)
A obra de Thompson também converge para uma análise da classe
trabalhadora na sua complexidade, bem como a compreensão da experiência e
da formação humana no âmbito das relações sociais a partir da epistemologia
da práxis. Em Vázquez (2007) entendemos que práxis é uma categoria
filosófica e historizadora central e de explicação do mundo, que permite que as
relações existentes entre as coisas e os fenômenos não sejam cindidas, mas
encadeadas a partir de uma unidade dinâmica que lhe concede objetividade
concreta.
Em Thompson, a experiência e o conhecimento não são vistos como
um fim em si mesmo, mas como uma ação do homem relacionada às suas
necessidades práticas às quais serve de forma mais ou menos direta.
Thompson amplia e questiona essa visão individualizada afirmando
que cada fenômeno histórico tem um caráter singular que visa a transformação
do mundo. Por isso, a categoria experiência, para este autor, nos inspira a
pensar um novo mundo, uma educação e formação que não seja pensada por
sujeitos em condições particulares, mas que as pessoas são feitas pela história
e também a fazem.
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“O QUE EU SINTO DA ESCOLA”: Experiências de vida na
educação de jovens e adultos
Luiz Augusto Gonçalves Rodrigues Aguiar
Graduado em licenciatura e bacharelado em História pela Universidade Federal
de Uberlândia e Professor de História da Escola Municipal Odilon Custódio
Pereira – Uberlândia - MG
Email: [email protected]
RESUMO:: Este artigo busca problematizar os vários sentidos, sentimentos e
significados que trazem a educação e a escola para educandos(as) da
Educação de Jovens e Adultos a partir das experiências trazidas por eles(as)
ao longo desse processo. Essa pesquisa surgiu inicialmente de maneira
coletiva dentro do Projeto de Incentivo à Docência (PIBID) – CAPES da
Universidade Federal de Uberlândia - subprojeto Educação Popular com
ênfase em Educação de Jovens e Adultos. Porém, é importante ressaltar que
foi a partir da amizade construída entre o presente autor e o entrevistado em
questão, que surgiu a verdadeira preocupação em escrever sobre essas
experiências, levando em consideração o diálogo e o respeito como principais
componentes para a compreensão do que vem a ser a escola e a educação na
visão de educandos(as) trabalhadores(as) que voltaram a estudar depois de
adultos. Nesse sentido a contribuição das obras de E.P. Thompson se dá na
articulação entre dois termos/conceitos tão presentes em nossas práticas –
educação e experiência – que se consolidam na tentativa de compreender a
escolarização da classe trabalhadora em um ambiente, que é a escola, onde
muitas vezes são sufocadas e caladas essas experiências no processo
educacional.
Palavras-chave: EJA; Educação; Experiência.
Este trabalho foi realizado durante minha participação como bolsista do
Projeto de Iniciação à Docência (PIBID) – CAPES, pela Universidade Federal
de Uberlândia, que apresentava no ano de 2013, como proposta, a temática da
Educação Popular com ênfase na Educação de Jovens e Adultos. Na Escola
Municipal Afrânio Rodrigues da Cunha (EMARC), desenvolvemos um trabalho
na perspectiva da Educação Popular, cuja principal preocupação era de romper
com as propostas tradicionais presentes no currículo educacional, sobretudo na
EJA. Por isso, adotamos o diálogo como método orientador de nossas práticas
pedagógicas, criando espaços através de rodas de conversa, para que os(as)
educandos(as) da escola pudessem (re)pensar tanto sua vida,
quanto os
problemas (sociais, políticos, pessoais, etc).
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Acreditamos que quando a escola trabalha nessa perspectiva, ela
deixa de atuar apenas como transferidora de conhecimentos acumulados e vai
em direção a uma atuação mais crítica e consciente na sociedade. Tentamos,
com isso uma prática onde o saber escolar não fosse desvinculado da vida e
das experiências dos(as) educandos(as). Para movimentar o debate,
pensamos em temas ligados ao social e ao contexto da escola. Trabalhamos
com documentários, filmes, palestras com professores(as) da UFU, passeios
pela cidade, etc. Nessa perspectiva nossa abordagem tentou trabalhar com
uma visão de sujeito que não está excluído de um processo histórico mais
amplo. Nosso entendimento é que, como sujeitos da história, nós temos o
poder de intervir no mundo a partir do compartilhamento, confronto e diálogos
de nossas próprias experiências e de nossos conhecimentos. Tomamos então
esse caminho como necessário para a construção do conhecimento capaz de
promover uma mudança de atitude frente aos problemas enfrentados por nossa
sociedade.
Esse modo de pensar e agir, orientados pela educação popular, fez
com que a educação passasse a assumir um novo sentido para nós, adquirindo
a possibilidade de repensar a prática escolar, tais como o valor subjetivo
atribuído ao ato de estudar. Nesse sentido, as experiências vivenciadas por
cada sujeito, compõe o ambiente da Educação de Jovens e Adultos e formam
um conjunto de instrumentos pedagógicos importantíssimos e capazes de
(re)significar os sentidos atribuídos durante o processo educacional. Por isso,
os sonhos e os desejos, que vão desde o de voltar a estudar ou de continuar
estudando, são essenciais para o entendimento das várias nuanças que dão
sentido tanto a escola, quanto aos sujeitos que dela se apropriam.
Neste contexto desenvolvemos um trabalho com narrativas orais de
alunos da EMARC como um meio de analisar, de refletir e de pensar sobre as
mudanças e permanência no tempo presente. Através do diálogo construído,
pudemos constatar que o ato de compartilhar e narrar experiências, além de
criar uma grande possibilidade de aprendizado, foi de extrema importância para
entender como vivem os(as) educandos(as) da EJA e encaram as dificuldades,
impostas muitas vezes por uma lógica perversa ligada ao capital.
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Pensando nessas contradições, acreditamos que a escola deve
assimilar a necessidade de avançar numa relação entre a teoria e a prática, a
reflexão e a ação, entre o fazer e o refazer, num projeto em que ela saia de si
própria e vá em direção à comunidade. A escola deve reformular sua essência
centralizadora entendendo que não é transmissora de saber e que deve
reproduzir relações de criatividade, de crítica, de transformações, no lugar das
que ela julga serem as ideais. Desta forma, abrir as portas para que a
comunidade possa trazer suas necessidades e seus projetos.
Para isso, faz-se necessário um comprometimento político, ético e
pedagógico por parte do nosso grupo, ao tentar promover atividades
significativas para esses jovens e adultos. Essas atividades, pautadas na
diversidade e pluralidade de situações que compõem nossa sociedade, estão
inseridas em uma prática docente crítica e problematizadora sobre as
condições sociais, injustas, desiguais e violentas vividas pela maioria da
população. Condições essas que não são naturais e inatas, mais sim resultado
das relações históricas, econômicas, políticas e culturais. Por isso, o diálogo foi
tão importante para conhecer um pouco mais e de maneira mais sensível essa
realidade sobre a qual falamos.
[...] dialogar com pessoas sobre cuja experiência refletimos, tem
significado explorar modos como narrativas pessoais e únicas trazem
dimensões do vivido e compartilhado; como apontam alternativas em jogo
na realidade social, processos de dominação e resistência, horizontes
possíveis, limites enfrentados ou a enfrentar. Tem significado compreender
essas narrativas como expressões de suas carências, expectativas, lutas e
acomodações na vida social. (KHOURY, 2000, p.28)
A escolha da Educação Popular vem exatamente pelo fato dela trazer
em suas concepções a inserção da realidade dos(as) educandos(as) da EJA
que são homens, mulheres, jovens, adultos, idosos, negros, desempregados,
trabalhadores com baixa remuneração, moradores da periferia descriminados
pela sociedade, como instrumento de prática pedagógica . Além disso, ao
trazer a experiência de vida dos(as) educandos(as) à tona, ela aparece como
um instrumento necessário para romper com os preconceitos que permeiam o
senso comum sobre os(as) educandos(as) da EJA, que muitas vezes são
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interpretados como aqueles com problemas de aprendizado, indisciplinados,
repetentes, desinteressados, descompromissados, culpados por sua condição,
despolitizados, entre outras classificações negativas.
Diálogos e experiências
A EJA então, embora se configure em um ambiente totalmente plural,
onde os fatores subjetivos, como a experiência, podem ganhar novos sentidos,
não se mostra um lugar onde o diálogo desses fatores seja leva tão a sério
como
deveria.
Muitas
vezes
esses
fatores
são
ignorados
pelos(as)
educadores(as). O fato é que a verdadeira riqueza de se trabalhar na educação
de Jovens e Adultos está na possibilidade de trocas de experiências. O diálogo
é fundamental, não apenas para estreitar os laços, mas como prática que pode
levar a construção da crítica construtiva e a transformação social.
Toda educação que faz jus a esse nome evolve a relação de mutualidade,
uma dialética, e nenhum educador que se preze pensa no material a seu
dispor como uma turma de passivos recipientes de educação [...] O que é
diferente acerca do estudante adulto é a experiência que ele traz para a
relação. A experiência modifica radicalmente todo o processo educacional;
influencia os métodos de ensino, a seleção e o aperfeiçoamento dos
mestres e do currículo, podendo até mesmo revelar pontos fracos ou
omissões nas disciplinas acadêmicas tradicionais e levar à elaboração de
novas áreas de estudo. (THOMPSON, 1968, p.13)
A educação e a escola, atualmente tem enfrentados vários dilemas em
relação a prática escolar no sentido do é oferecido aos(as) educandos(as)
como conhecimento. Os currículos e os métodos pedagógicos muitas vezes
adotados são aqueles que trazem a informação e o excesso de conteúdos
como o grande objetivo a ser alcançado.
A escola tem se preocupado em formar pessoas informadas sobre
vários conteúdos diferentes e acumulados, mas que muitas vezes não
possuem utilidade prática nenhuma, justamente por não serem e por não
dialogarem com a experiência dos sujeitos. Reforçando este discurso, é muito
comum a separação entre o saber acadêmico e a experiência, de tal forma que
a experiência sempre apareça inferiorizada em relação ao saber acadêmico.
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Essa problemática é abordada de maneira pertinente pelo educador espanhol,
Jorge Larossa, quando traz a seguinte interpretação de escola e educação:
Nessa lógica de destruição generalizada da experiência, estou cada vez
mais convencido de que os aparatos educacionais também funcionam
cada vez mais no sentindo de tornar impossível que alguma coisa nos
aconteça. Não somente, como já disse, pelo funcionamento perverso e
generalizado do par informação/opinião, mas também pela velocidade. [...]
E na escola o currículo se organiza em pacotes cada vez mais numerosos
e mais curtos. Com o quê, também em educação, estamos sempre
acelerados e nada nos acontece. (LAROSSA, 2004, P.158)
Essa questão da experiência e educação, também marca as reflexões
de E.P Thompson, que trata a experiência como algo essencial na educação
de adultos. Acontece que o termo experiência parece ser dotado de sentidos
diferentes frente ao nosso modelo neoliberal e modernizador de sociedade.
Existe um discurso, como pontuado por Larossa, que desqualifica a experiência
transferindo o fracasso individual de um aluno(a)-trabalhador(a) reduzindo-o a
uma questão de qualificação.
A vida de Anderson, um educando do sétimo ano, atualmente com 44
anos e que hoje está afastado do serviço por conta de um acidente de trânsito,
foi marcada por algumas experiências que o afastou da escola durante vinte
anos.
É interessante perceber em sua fala que a sua experiência com o
trabalho, sobretudo com as horas extras, o levou a entender que apesar da
importância do trabalho em sua vida, também percebemos que agora o estudo
ocupa um lugar tão importante quanto o trabalho, pois segundo Anderson, ele é
a base para tudo na vida.
Vinte anos. Por causa de... pra trabalhar, né? Foi... envolvia de fazer hora
extra. É uma coisa que eu não aconselho hoje em dia ninguém a fazer.
Porque hora extra você não está ganhando mais, cê ta trabalhando mais
[...] Eu devia ter acordado pra umas coisa mais cedo. Principalmente pro
estudo. Porque a base de tudo é estudo. De tudo que você vai fazer. Eu
penso isso comigo, né? Porque tudo você depende do estudo. Você tem
que ler, tem que fazer conta, tudo tem uma base no estudo. A gente
parece que fica igual tolo, baixa a cabeça e... num é assim. (Anderson, 44
anos, entrevista realizada em 16/04/2013)
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Entendemos que os significados atribuídos à educação passam
principalmente pela experiência que esses sujeitos tiveram e aprenderam em
diferentes momentos de suas vidas, seja na relação que tiveram com seus
familiares, seja no trabalho, enfim, em momentos que traduzem seus modos de
pensarem e interpretarem o presente e todos os enfrentamentos diários aos
quais estão submetidos. O fato de ter ficado vinte anos longe da escola, sem
estudar e somente trabalhando, o levou a valorizar ainda mais o conhecimento:
“Esse conhecimento que é tão bonito, e maior... Que é o nosso conhecimento
[...] agora eu to aprendendo a lidar com pequenas coisas.”, de uma maneira
que hoje ele vê os estudos como algo necessário em sua vida, para
praticamente tudo. Hoje ele está aprendendo a lidar com pequenas coisas, isto
é, está vivendo com a sabedoria e com a alegria de aprender.
Isso nos faz refletir que o ato de educar-se na escola não se resume na
simples
transferência
de
conhecimento
de
um
para
o
outro,
mas,
principalmente e primordialmente na construção desse conhecimento de uns
com os outros, coletivamente. Esse é o conhecimento primordial para a
transformação social. O diálogo entre aquilo que se propõe a “ensinar” e aquilo
que é vivenciado dentro e fora da escola é imprescindível nessa relação, pois
transforma-se em experiência.
A de Anderson nos mostra uma perspectiva diferente, nova e mais
aprofundada em relação aos sentidos e sentimentos criados nesse percurso,
pois nos mostra uma visão de escola que é sua, única, sentida por ele e que
extrapola os limites da escola tradicional atribuindo a ela uma gama de novos
sentidos, sentimentos e experiências.
Uai representa o... como se diz? Explicar com palavras é meio complicado.
Que que é? É você ter um aprendizado é uma coisa que nunca ninguém
vai te tirar, porque tudo que você aprender é bem-vindo. Igual, eu tava
fazendo um curso de porteiro. Mas o que ensinou lá, num foi só pra
portaria [...] O conhecimento que eu to adquirindo agora é muito valido...
As pessoas que eu to conhecendo [...] Porque pra mim, o que eu sinto da
escola é a convivência com a pessoa, novas amizades, [...] Tem muita
gente que quer abandonar, eu falo: num abandona não, isso é um caminho
que você tem que traçar. (Anderson, 44 anos, entrevista realizada em:
16/04/2013).
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Porém, esse conhecimento e essa experiência trazida por Anderson,
parecem ser confrontados (e muitas vezes sufocados) pelo discurso neoliberal
e pelo seu projeto de sociedade. Nosso entrevistado não deixa de ser um dos
muitos educandos da EJA que voltam a estudar pelo ideal de que por meio da
educação seguramente irão ascender socialmente. Se analisarmos bem, este
discurso é contraditório ao que diz respeito àquilo que vivenciamos no bairro e
na escola, colocados aqui em questão, ambos situados na periferia da cidade
de Uberlândia.
Ele se mostra contraditório, pois não leva em consideração os sonhos
e a esperança em uma vida melhor, sentimento compartilhado por muitos. Isso
faz do currículo da EJA uma simples (re)produção do senso comum, pois está
distante daquilo que querem os(as) educandos(as). É interessante perceber
que a escola parece desempenhar uma lógica de alienação semelhante a
estabelecida nas relações de trabalho. O(a) estudante, assim como o operário,
parece não ter autonomia para ir além daquilo que lhe é determinado. Ou seja,
existe uma estrutura rígida que é criada para aprisionar educadores(as) e
educandos(as) dentro de uma grade curricular imposta.
Infelizmente o que tem sido evidenciado em muitos trabalhos
acadêmicos é que poucos(as) educandos(as) conseguem continuar na escola
e/ou conseguir um emprego melhor, em muitos casos os alunos da EJA
terminam seus estudos para realizar as mesmas funções que realizavam antes
da escolarização. Ainda, há aqueles que ao perderem uma oportunidade de
emprego, caem no sentimento de culpa por conta do discurso neoliberal da
qualificação da(a) trabalhador(a), assim buscam qualificar-se pela via da
educação, atribuindo seu fracasso ao fato de não terem estudado no passado
ou de não terem dado valor suficiente na escola. (ALMEIDA et al. 2012)
Ninguém que ta aqui na escola quer voltar pra fazer serviços gerais,
ninguém aqui quer isso. Então a gente ta aqui pra crescer, pra ter um
serviço melhor, ser valorizado, que é o meu caso. Eu estou trabalhando
nesse serviço porque eu não cheguei aonde eu quero ainda, eu vou
chegar lá. Só que na hora que eu tiver as minhas função no que eu quero,
no que eu trabalho... Ai sim, sou outra pessoa, ai eu te digo: Sim, sou feliz
no que eu faço. (Eleilda, 45 anos, entrevista concedida em 16/04/2013)
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Entretanto, não existe uma razão especifica para os motivos que levam
esses(as)
trabalhadores(as)
a
se
ingressarem
na
EJA,
embora
as
interferências econômicas influenciem muitas vezes de forma direta nessas
escolhas. Percebemos que juntamente aos fatores relacionados a busca pela
qualificação para o mercado, existem outros fatores que passam pela esfera
dos sonhos, dos desejos e das angústias. Isso nos chamou muita atenção
durante a realização de nosso projeto na EJA, sobretudo com narrativas orais.
Esses fatores subjetivos às vezes aparecem atrelados a outros sentidos de
ordem ainda maior que aparecem implícitos nessa busca, tais como, a
dignidade. Podemos ver alguns desses sentidos, por exemplo, na fala acima,
de Eleilda.
No entanto, entendemos que essas experiências que permeiam a
relação na Educação de Jovens e adultos, quando valorizadas e dialogadas,
tornam-se potencializadoras de novos conhecimentos. Porém o que fica
evidente é que a escola mesmo atuando como parte resistente deste processo
e mesmo inserida dentro de uma lógica perversa e generalizante, se
(re)significa também de acordo com os sentimentos individuais e coletivos dos
sujeitos que compartilham e interagem nesse espaço. Afinal, uma escola não
pode ser feita sem pessoas. O que cada um sente é único e o que a escola
deixa em cada um são coisas mais ligadas a troca de experiências do que aos
próprios conteúdos curriculares. Assim como ressalta Anderson, sobre a
importância da escola: “As pessoas que eu to conhecendo [...] Porque pra mim,
o que eu sinto da escola é a convivência com as pessoas, novas amizades,
[...]”. E continua sua reflexão, dizendo o que representa a educação para ele:
Uai representa o... como se diz? Explicar com palavras é meio complicado.
Que que é? É você ter um aprendizado é uma coisa que nunca ninguém
vai te tirar, porque tudo que você aprender é bem-vindo. Igual, eu tava
fazendo um curso de porteiro. Mas o que insinou lá, num foi só pra
portaria. (Anderson,44 anos, entrevista realizada em: 16/04/2013)
Por meio do diálogo construído, pudemos constatar que o ato de relatar
e reconstruir o vivido, guarda em si uma potencialidade de aprendizado maior,
mais dinâmica, mediadas pelo intercambio e apropriação de conceitos, valores,
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ações, fatos, etc., do campo individual para o social e vice-versa. Entendemos
que a consciência histórica, decorrência da reflexão presente/passado e
também das nossas experiências, seja fundamental na discussão dose
“porquês” que (des)orientam a nossa vida e o mundo a nossa volta. Trazer
essa reflexão para a EJA foi de extrema importância para o conhecimento de
que a classe trabalhadora, independente da profissão, passa hoje por
dificuldades não apenas econômicas, mas também de um forte sufocamento
de suas lutas cotidianas por meio dessa manutenção perversa do status quo.
O espaço da escola como um todo serviu para nós como um espaço de
ruptura com esse sufocamento, pois conseguimos coletivamente romper com o
silêncio daquilo que grita constantemente a realidade da classe trabalhadora.
Também percebemos que é um conceito que varia de acordo com cada
sentimento e com cada objetivo vivenciado e trazido pelos(as) educandos(as) e
que esse ponto invisível aos currículos é, de fato, o mais importante na relação
entre o(a) educador(a) de jovens e adultos com os(as) educandos(as).
Referências bibliográficas
FELENON, Déa Ribeiro. O historiador e a cultura popular: história de classe ou
história do povo? História & Perspectivas. Uberlândia. EDUFU. 1992.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo. Paz e Terra. 2011.
KHOURY, Yara Aun. Historiador, as fontes orais e a escrita da história. In:
FENELON, Déa Ribeiro et al. (orgs.). Outras Histórias: memórias e linguagens.
São Paulo. Olho d`Água. 2004.
LARROSA, Jorge. Linguagem e educação depois de Babel. Belo Horizonte:
Autentica, 2004.
PORTELLI, Alessandro. “O momento da minha vida”: funções do tempo na
história oral. In: FENELON, Déa Ribeiro et al. (orgs.). Muitas memórias, outras
histórias. São Paulo. Olho d`Água.2000. p.296.
SILVA, Tomaz Tadeu; GENTILI, Pablo. (Orgs.). Escola S.A.: quem ganha e
quem perde no mercado educacional do neoliberalismo. Brasília: CNTE, 1999.
THOMPSON, Edward. A miséria da teoria. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
___. Os Românticos. A Inglaterra na era revolucionária. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2002.
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TRABALHAR É PRECISO, PRECARIZAR NÃO É PRECISO:
Experiências de professores de história na educação básica –
o caso de Marechal Candido Rondon (1980-2014)
Nayara Cadamuro Weber (Graduanda em História – Unioeste/Campus
Marechal Candido Rondon / Bolsista IC Fundação Araucária)
E-mail: [email protected]
RESUMO:
A proposta desta comunicação será a de analisar os sentidos e os significados
do processo de transformações no trabalho docente de professores de História
do ensino básico do Paraná, da década de 1980 até 2014. Partindo das
contribuições teóricas e metodológicas da historiografia social marxista – em
particular, da história social do trabalho – e da sociologia do trabalho,
pretendemos compreender o processo histórico de precarização do trabalho
docente no Brasil, tomando como lugar de análise o município de Marechal
Candido Rondon. Privilegiando o uso de fontes orais - entrevistas realizadas
com professores de História deste município – problematizaremos o tema da
precarização do trabalho sob a ótica de E. P. Thompson, ou seja, refletindo-o
através das experiências dos próprios docentes (vistos como sujeitos sociais),
de modo a compreender e analisar de quais maneiras eles vivenciaram (e
vivenciam) as condições precárias da educação básica, assim como as formas
de (re)construir suas memórias e o modo como atribuem (novos) sentidos e
significados em seus espaços de trabalho e vivência.
Palavras-Chave: Precarização do Trabalho Docente; Educação e
Experiências; Sentidos e Significados do Trabalho.
1. Objeto de pesquisa: uma breve introdução
A proposta de pesquisa tem por enfoque principal compreender o
processo histórico de transformações no “mundo” do trabalho docente entre os
anos de 1980 até 2014, tomando como referencial de análise as trajetórias e as
experiências de docentes de História, da educação básica do Paraná, que
atuaram (e/ou atuam) em escolas públicas nas cidades de Marechal Cândido
Rondon e Toledo. Trata-se de pesquisa de Iniciação Científica recentemente
financiada pela Fundação Araucária e em fase de leituras e início de
entrevistas orais de professores.
Partindo das vivências destes trabalhadores nas duas localidades
citadas, bem como dos sentidos e significados que eles atribuem a sua
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vida/formação/profissão, queremos entender o modo como os docentes de
História vivenciaram (vivenciam) e enfrentaram (enfrentam) o que vem sendo
chamado, de modo geral e específico, de precarização do trabalho docente e
de desqualificação profissional (BASSO, 1998; FONSECA, 1993; SILVA &
FONSECA, 2007).
Por fim, cabe destacar que o contato com discussões sobre o trabalho
docente e a educação iniciou-se ainda em 2011, quando a candidata foi
selecionada como bolsista do PIBID193 . Dessa experiência, que perdurou por
dois anos e meio, emergiu a problematização dos sentidos e dos significados
históricos do trabalho docente.
As atividades realizadas durante o tempo que permaneceu no projeto
procuraram analisar criticamente o processo da precarização do trabalho e da
profissão docente em tempos de neoliberalismo e globalização capitalista, mas
também valorizaram as experiências e as ‘vozes’ dos trabalhadores da
educação, pois foram feitas entrevistas orais com os docentes que atuavam em
colégios de Marechal Cândido Rondon.
A partir do convívio com professores e professoras de História em suas
diversas atividades – docência, planejamento, horas-atividade – pudemos
perceber o quão necessário era escutar o que esses sujeitos tinham a dizer
sobre suas vidas, rotinas de trabalho, dificuldades, sensibilidades, expectativas
e angústias da profissão.
2. Trabalhadores da educação:
autointensificação do trabalho
precarização,
intensificação
e
Podemos dizer que o trabalho e a “classe-que-vive-do-trabalho” vem
sofrendo uma série de mutações históricas desde a década de 1970, que têm
sido vista como consequência – no mundo capitalista, (pós?)moderno e
neoliberal – pela reestruturação produtiva do capital, a flexibilização das
relações de trabalho e a precarização das condições de vida dos
trabalhadores, entre outros fatores – conforme as análises de David Harvey
(1996) e Ricardo Antunes (2002).
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
193
Coordenado pela Profa. Dra. Aparecida Darc de Souza (Unioeste / Campus Mal. Rondon).
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No campo da educação, tais mutações materializaram-se, ao mesmo
tempo, na perda gradativa da autonomia docente e no crescente interesse dos
governos de Estado no favorecimento ao mercado editorial, na formulação de
currículos “flexíveis” e voltados ao mercado de trabalho e na própria concepção
de docente.
As políticas neoliberais na educação implantadas nos anos de 1990,
trouxeram como consequência uma espécie de “reestruturação produtiva” e de
“flexibilização” do trabalho docente, que, ao contrário do que se pensa,
aumentaram ainda mais o tempo de trabalho e as exigências da profissão, sem
que isto representasse melhorias nas condições para a realização de suas
demandas pessoais e profissionais (OLIVEIRA, 2004, p. 1132).
Primeiramente, para além de compreendermos do que se tratam esses
mecanismos, é fundamental nos atentarmos da maneira como se deram essas
transformações durante o processo histórico. Estudos como os de Ferreira Jr e
Bittar (2006, p. 1159-1179) têm destacado o período da ditadura no Brasil, pelo
seu grande impacto para a educação pública e na carreira docente.
Neste período, crescia o ideal de modernização e o chamado “milagre
econômico”, acontecendo uma vinculação da educação com os projetos de
desenvolvimento e segurança nacional (FERREIRA JR. & BITTAR, 2006;
FONSECA, 1993). No campo da educação e do ensino de História, as reformas
empregadas entre as décadas de 1960 e 1970, trouxeram, além de arrocho
salarial, a precarização e a desqualificação não apenas do trabalho, mas da
formação docente – a diminuição de tempo dos cursos de licenciatura, a
diluição de disciplinas como História dentro de “Estudos Sociais”, a Lei n. 5692,
as mudanças curriculares, a massificação do ensino e do acesso escolar, em
detrimento da perda de qualidade da educação e de autonomia docente
(FONSECA, 1993, p. 17-48).
Estudos nas áreas de Ensino de História e da Sociologia da Educação
feitos por Fonseca (1993), Silva e Fonseca (2007), Oliveira et. al. (2002) e
também Augusto (2005, p. 01-12), têm trazido contribuições significativas
acerca das reformas educacionais e seus impactos no trabalho docente e na
organização curricular e escolar entre as décadas de 1980 e 2000.
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Tais estudos têm revelado, entre outras coisas, que as políticas
educacionais implementadas pelo Estado (exames, dedicação maior em
planejamentos, aplicação de currículos e avaliações) têm proporcionado uma
intensiva responsabilização dos docentes na resolução de problemas intra e
extraescolares. Neste sentido, tal responsabilização traduz-se numa forma de
ser do trabalho que se caracteriza pela alienação (BASSO, 1998; OLIVEIRA,
2004). Devido ao intenso grau de responsabilização do trabalho docente, vem
ocorrendo aquilo que Garcia e Anadon (2009) denominaram de “intensificação”
e “autointensificação”:
A precarização das condições de trabalho dos professores da educação
básica, os baixos salários do magistério, as novas demandas de trabalho
na gestão da escola, dos currículos e do ensino, as políticas oficiais de
profissionalização, o estímulo a uma moral de autorresponsabilização e
culpa por parte do discurso oficial, que toma como objeto de governo a
subjetividade das professoras e as emoções no ensino, têm como efeitos a
intensificação e autointensificação do trabalho docente. (GARCIA &
ANADON, 2009, p. 63)
As consequências dessa (auto)intensificação do trabalho docente
podem ser diversas, tais como frustrações, doenças, abandonos de trabalho,
exonerações, entre outras. Segundo Basso (1998, p. 05), as mutações
provocadas pelo moderno capitalismo geram uma ruptura entre o significado e
o sentido do trabalho docente. Contudo, estudar o processo de precarização e
desqualificação docente implica, de acordo com Itacy Basso, em analisar as
condições subjetivas e objetivas necessárias para a realização do seu trabalho.
Basso (1998) afirma que as condições subjetivas compreendem os
processos formativos da educação, enquanto as condições objetivas
representariam as condições adequadas de trabalho (remuneração salarial,
tempo de preparação de aulas, participação em cursos de pós-graduação,
entre outros). Os significados do trabalho docente diriam respeito a uma noção
que vê o docente como mediador do processo formativo do aluno; já os
sentidos do trabalho estariam relacionados às questões da autonomia docente
e da afirmação da “centralidade do trabalho” (ANTUNES, 2002) como elemento
constituinte da práxis subjetiva, social e educativa.
Selva Guimarães Fonseca em “Caminhos da História Ensinada” (1993),
mostrou como a partir dos anos 1980 – num contexto histórico de
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redemocratização do país e de crescente fortalecimento dos movimentos
operários, sindicais e de diversas outras categorias – os docentes de História,
por meio de seus órgãos de representação como a ANPUH e a CENP, ou em
reuniões e congressos de educação, passaram a criticar o tipo de (de)formação
docente propiciada pela ditadura e as condições precárias e desmotivadoras do
ser docente e enfatizar as lutas sociais e políticas da categoria em busca de
novos sentidos e significados às suas atividades de trabalho.
Em outra obra, em parceria com Marcos Silva (2007), num capítulo
intitulado “Entre a formação básica e a pesquisa acadêmica”, ambos
retomaram esse debate, ao apontar para um pêndulo que, desde as décadas
de 1980 e 1990 tem movido a categoria docente: viver entre a “proletarização”
e a “profissionalização” (SILVA & FONSECA, 2007, p. 19).
Mas, para além desse pêndulo dilemático, Silva e Fonseca ressaltam o
papel axiomático do trabalho docente em todas as suas dimensões –
educativa, política, social, cultural, identitária – e como estas estão presentes
nas experiências narradas pelos docentes, pois “revelam o sentido que cada
um atribui a sua própria vida profissional, como cada um se vê”, de maneira
que nos percursos formativos “entrecruzam-se diversos caminhos, saberes são
compartilhados, complexas relações se estabelecem no processo vivo,
dinâmico e ativo de tornar-se professor” (IDEM, p. 20).
Nesta perspectiva, estes autores alertam para a perda relativa da
autonomia docente em meio às precárias condições de trabalho, pois se trata
de uma profissão onde um dos principais sujeitos do processo formativo – o
professor – apesar de participar da “cultura escolar” e receber pressões de
todos os lados, pode selecionar (até com os alunos) materiais, conteúdos,
metodologias e práticas de ensino, e utilizá-los de modos peculiares dentro (e
fora) das salas de aula.
3. Mundos do trabalho e dos trabalhadores: um balanço historiográfico e
um estranho impasse
Sabemos que, no decorrer do século XX, as discussões historiográficas
construíram teorias e metodologias pautadas no florescimento de novos
problemas, temas e abordagens. É o caso dos Annales (BURKE, 1991).
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Concomitante aos Annales, mas eivados de outras propostas teóricometodológicas, assistiu-se ao surgimento da historiografia social marxista de
matriz britânica.
Entre as décadas de 1960 e 1970, um grupo de historiadores passou a
discutir e conceber propostas de análise histórica que privilegiavam as
experiências, as lutas e o cotidiano dos trabalhadores por meio de
interpretações dos processos sociais e culturais, que formaram as consciências
e as identidades de classe destes sujeitos sociais (CASTRO, 45-60 In:
CARDOSO & VAINFAS, 1997) – falamos aqui de Raymond Williams, Eric
Hobsbawm e, particularmente, Edward Palmer Thompson.
Nesta pesquisa, pretendemos dialogar com a história social marxista
britânica. Essa escrita da história se caracteriza pela ótica de uma “história
vista de baixo” (SHARPE 39-62 In BURKE, 1992; HOBSBAWM, 1998/2000;
NEGRO & SILVA, 2001) – não para inverter a lógica dos sujeitos tidos como
“heróis” da história, e sim para problematizar as relações entre os sujeitos (os
trabalhadores) e suas experiências históricas em contextos históricos
específicos: valorizar seus modos de vida, suas lutas diárias, seus hábitos,
costumes, tradições orais e as formas de resistir às transformações em suas
vivências cotidianas (FENELON, 1995, p. 86)
Portanto, o campo analítico em que se problematiza o estudo das
relações, organizações e conflitos históricos dos trabalhadores dentro dos
“mundos” pré-capitalista e capitalista, em perspectiva interdisciplinar, posto que
estabelece um diálogo crítico com a Sociologia, a Educação e a Antropologia
Social, que refletiram (e refletem) sobre os conceitos de classe, experiência,
costume e trabalho (THOMPSON, 1981; 2001; 2011; CASTRO, p. 45-60 In:
CARDOSO & VAINFAS, 1997; HOBSBAWM, 1998; ANTUNES, 2002; SILVA &
FONSECA, 2007).
Neste sentido, E. P. Thompson (1998; 2001; 2011) trouxe uma reflexão
fundamental sobre o papel dos sujeitos no processo histórico. Para ele, os
historiadores devem levar em conta as relações/conflitos sociais entre as
classes, ou seja, considerar a história destes sujeitos no conflito social, e nesta
direção, não apenas o econômico, mas o social, o político e cultural fazem
parte das relações da sociedade.
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Intelectual militante, Thompson foi autor de obras primas como “A
formação da classe operária inglesa” e, o que nos cabe aqui, o livro “
A
miséria da teoria ou um planetário de erros” (1981). Nesta obra, o historiador
britânico abordou a questão da experiência, elaborando uma crítica
contundente no interior da própria corrente marxista, especialmente a de
formação estruturalista encabeçada por Louis Althusser: tal corrente defendia
um uso abstrato, formal e teoricista dos conceitos de Marx.
Em particular no capítulo intitulado “O termo ausente: experiência”, E.
P. Thompson apontou para essa proposta “descarnada” da História, que
eliminava qualquer possibilidade analítica da História como ciência e do papel
ativo dos sujeitos sociais em seu processo de ‘fazer’ histórico de classe – e que
ganha concretude na trilogia “A formação da classe operária inglesa”.
Como antídoto a esse marxismo “desalmado”, ele rediscute a categoria
“experiência” partindo dos sentidos, significados e consciências que os próprios
sujeitos (os trabalhadores, em especial) têm de sua história não apenas como
classe social, mas principalmente do ângulo da cultura – visto por Thompson
através das diferentes formas de pertencimento a hábitos e costumes
compartilhados em comum (1998).
É neste sentido de ‘experiência’, que ele amadurecera e consolidara
sua paixão pelo debate, a militância e, notadamente, “sua fantástica forma de
traduzir, para uma problemática historiográfica, os problemas políticos
contemporâneos”. (FORTES, NEGRO & FONTES, p. 45 In: THOMPSON,
2001). Ou ainda:
Como afirmam Huw Beynon e Christopher Hill, sua visão de história o
“envolvia em perene engajamento com o presente”. Ele era um “intelectual
público”, estando permanentemente preocupado “com a relevância da
história para o presente” [...] Deste modo, Thompson contribuiu para o
desenvolvimento da compreensão da história como política, entendida
como compromisso com a vida e os desejos dos homens e mulheres reais.
(IDEM, p. 45).
Apropriando-nos desta abordagem thompsoniana, faremos uma análise
qualitativa de um objeto de estudo que explorará um tipo particular de trabalho
– o docente – e de trabalhador – o sujeito licenciado em História que trabalha
em escolas públicas. No que concerne a esse posicionamento, a historiografia
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social do trabalho e dos trabalhadores tem problematizado e revisto
criticamente, desde os anos de 1980, as abordagens metodológicas e o uso
progressivo de uma multiplicidade de fontes como formas de renovação da
investigação histórica (PAOLI, SADER & TELLES, 1983; BATALHA, 2006;
CHALHOUB & TEIXEIRA, 2009).
No entanto, o que nos estranha é o fato de nenhum dos balanços
historiográficos citados aqui inclui termos como “educadores” ou “professores”
dentro do conceito de “trabalhador” – mesmo com toda renovação dos estudos
da área de História Social do Trabalho. Curiosa, por exemplo, é certa
passagem do artigo de Cláudio Batalha, “Os Desafios Atuais da História do
Trabalho” (2006), fruto de reflexões de outros balanços historiográficos feitos
pelo historiador. Sigamos o trecho:
[...] Outro aspecto a ser ressaltado diz respeito às nossas formas de
trabalho. Na medida em que as carreiras universitárias hoje não se limitam
mais à obtenção do mestrado e do doutorado, pois o título exigido para
ingresso na carreira docente na maioria dos concursos é de doutor; há
exigências crescentes de novos projetos e maior número de
publicações dentro das universidades voltadas à docência e
pesquisa. Os recursos mais vultosos para financiamento à pesquisa junto
às agências de fomento não se encontram em modalidades de projetos
individuais, mas em projetos coletivos de certo porte, envolvendo muitas
vezes equipes de diferentes universidades [...] (BATALHA, 2006, p. 95 –
grifos nossos)
Intrigante como Batalha flerta com uma demanda de projetos e
publicações fundamentais voltadas à docência e à pesquisa em História, para,
logo em seguida, apenas dedicar-se a tratar da pesquisa – como se a docência
fosse um campo de estudo separado das práticas de pesquisa. Pior: após a
passagem que citamos, mais nenhuma linha sobre ensino e/ou docência em
História.
Aliás, em nossa pesquisa bibliográfica inicial, é quase inexistente a
preocupação dos historiadores dos “mundos do trabalho” de valorização um
debate entre educação, trabalho e ensino de História. Será porque o professor
e/ou o educador viveria um dilema específico, ser trabalhador mas não
constituir uma “classe trabalhadora”?
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Por esta razão, temos nos fundamentado em estudo nas áreas de
Sociologia do Trabalho, Sociologia da Educação ou áreas interdisciplinares
(incluindo o ensino de História) que se debruçam sobre a temática do trabalho
docente no Brasil (OLIVEIRA, 2004; AUGUSTO, 2005; FERREIRA & BITTAR,
2006; GARCIA & ANADON, 2009; ZIBELLI & PEREIRA, 2010; SOUZA, 2013).
Com exceção do artigo de Aparecida Darc de Souza (2013), nos demais
estudos predomina – com maior ou menor grau – uma leitura sobre os
mecanismos da precarização e quando são utilizadas as ‘vozes’ dos docentes
é feito na maioria das vezes de forma “vitimizadora”. Isto é, mesmo quando são
entrevistados, as análises de seus depoimentos são feitas exclusivamente do
ponto de vista da verificação do processo de precarização do trabalho.
4. Metodologia, fontes orais e uma análise preliminar: o caso da trajetória
de um trabalhador docente de Marechal Candido Rondon
Como afirmamos em páginas anteriores, o intuito desta pesquisa será
o de estudar as trajetórias e as experiências partilhadas de professores de
História, de modo a compreender e problematizar o processo histórico de
precarização do trabalho docente e de desqualificação profissional surgidas
entre as décadas de 1980 até 2014.
Pretendemos também valorizar as subjetividades dos professores de
História, por meio de um suporte espacial local/regional de onde eles possam
reconstruir memórias e histórias – vendo-os como sujeitos específicos em
lugares específicos para refletir temas e problemas amplos ou globais, além de
identificar
possíveis
campos
de
organização,
lutas
e/ou
resistências
construídas por eles/elas.
Isto nos leva a abordar as perspectivas metodológicas da História e
desta pesquisa. A partir do século XX, os esforços metodológicos passam a
ganhar novas perspectivas e interpretações: a ampliação e diversificação do
uso de fontes documentais – fotografia, pintura, filmes, diários, artefatos
culturais – levaram os historiadores a refletir sobre metodologias específicas
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para cada uma delas. É o caso das fontes orais (PORTELLI, 1997a/1997b;
VOLDMAN, p. 33-34 In FERREIRA & AMADO, 2000; FREITAS, 2006).
Destacamos as fontes orais não apenas por que, por meio delas, o
historiador busca valorizar as “vozes” de protagonistas que, de outra forma,
permaneceriam anônimos. Em nosso entendimento, esta modalidade de fonte
documental permite redimensionar a própria história, na medida em que tomam
o “vivido” do depoente inscrito num tempo “presente” para reconstruir saberes e
experiências “passadas”.
Deste modo, as interfaces entre a precarização do trabalho docente, a
desqualificação profissional e as experiências dos professores de História
privilegiarão
uma
concepção
ampliada
do
conceito
de
“trabalhador”
(ANTUNES, 2000, p. 101-104). O objetivo de utilizar fontes orais partirá,
sobretudo, de compreender e analisar as trajetórias destes sujeitos, as formas
de (re)construir suas memórias e o modo como atribuem (novos?) sentidos e
significados em seus espaços de trabalho e de vivências a partir do “presente
vivido” (FREITAS, 2006, p. 85).
Quando se trabalha com a metodologia de entrevistas, é possível que
se crie condições para a leitura sobre o significado da memória dos
entrevistados – surgindo a necessidade de compreendermos os relatos orais
não apenas como fontes de informações, e sim como um processo de
interpretação feito pelos próprios sujeitos:
Fontes orais não são objetivas. Isto naturalmente se aplica para qualquer
fonte, embora a sacralidade da escrita sempre nos leve a esquecer isto.
Mas a não-objetividade própria das fontes orais jaz em características
específicas inerentes, as mais importantes sendo que elas são artificiais,
variáveis e parciais. (PORTELLI, 1997a, p. 35)
De acordo com Alessandro Portelli (1997a, p. 31): “A primeira coisa
que torna a história oral diferente, portanto, é aquela que nos conta menos
sobre eventos que sobre significados”. Por se tratar de uma fonte que o
historiador participa ativamente de sua preparação, existe uma relação
(inter)subjetiva entre o pesquisador e o entrevistado – o que Portelli denomina
de “mutualidade” (PORTELLI, 1997b, p. 09).
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A proposta será a de entrevistar de quatro a seis professores/as de
História das escolas públicas de Toledo e Marechal Cândido Rondon (que
tenham ao menos 20 anos de trabalho docente) com o objetivo de
compreender o modo como os docentes de História vivenciaram (e vivenciam)
o processo de precarização do trabalho docente e como atribuem sentidos e
significados ao seu trabalho.
É o caso de nossa primeira entrevistada, Judite Veranisa Schmitt,
professora de História em Marechal Candido Rondon há mais de 25 anos 194.
Com uma considerável experiência docente – desde a educação infantil até o
ensino médio – Judite caracteriza-se por ser uma docente com uma trajetória
de participação em lutas sindicais, em greves estaduais e, ao mesmo tempo,
uma profissional que tem valorizado a aproximação entre a universidade e a
escola, mediada pela busca permanente do conhecimento histórico.
Nestes mais de 25 anos, Judite acompanhou o cotidiano dos
professores da rede pública – e o seu próprio – e apontou, durante a entrevista,
alguns aspectos desta precarização do trabalho docente de que falamos aqui.
Por exemplo, quando perguntamos a ela sobre sua jornada de trabalho, vemos
surgir, em meio a regularidade das normas, as ‘brechas’ para sobrecargas em
virtude das condições de trabalho:
Nayara: é... e qual que é a sua jornada de trabalho hoje e se ela já sofreu
alguma alteração assim na sua jornada...
Profa. Judite: não eu comecei com 40 horas né... e eu acabei pegando
uma substituição de duas aulas lá no Eron, por causa da (Profa.) Suzana,
não tava encontrando professor, eram duas aulas, ninguém... é uma
aula muito quebrada e eu acabei pegando né, mas não é definitiva, acho
que agora em julho a professora titular acaba voltando né... mas seriam
42 horas daí né... (grifos nossos)
Ou ainda quando Judite relata os casos de indisciplina discente e, na
seqüência, aponta um dos fatores importantes que pesam sobre os ombros dos
professores:
Profa. Judite: eu vejo assim, é... além da indisciplina, acho que a
precarização da nossa formação né, as condições precárias só pra
gente resolver entende? Eu vejo assim sabe... ta aumentando, como é
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
194
Entrevista realizada em 16 de junho de 2014.
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que é, aumento da nossa jornada, como é que a gente fala? A
intensificação do trabalho, tá intensificando. Quer dizer, nós temos
mais atividades, mas nós temos que fazer outras coisas né?! É
preencher fica aqui, é preencher aqui, fazer PTD e daí faz aqui. Quer
dizer o que sobra, por exemplo, eu planejo minhas aulas em casa, porque
daí lá eu tenho meus livros, aqui (a escola) eu faço a coisa burocrática,
as vezes corrigir algumas coisas, eu faço aqui. (grifos nossos)
Estes trechos da entrevista – dentre tantos outros não selecionados
aqui – apresentam uma professora que reconhece nas tais ‘brechas’ uma
forma de exploração do trabalho docente, haja visto que o governo de Estado
do Paraná e sua cumplicidade com a reprodução do capital tem criado formas
precárias de “tapar” problemas históricos, como a ausência de concursos e a
contratação de professores eventuais.
No segundo trecho, essa questão é ainda mais acintosa. Judite aponta
“a precarização da nossa formação”, “as condições precárias” de trabalho os
quais os professores estão vivendo cotidianamente. “A intensificação do
trabalho, ta intensificando”: Judite tem plena consciência de si e de classe, pois
afirma que os docentes (uso do “nós”) são obrigados a cumprir mais atividades,
especialmente as de caráter burocrático (caso do preenchimento do Plano de
Trabalho Docente – PTD).
Pior: se, de um lado, a casa é “invadida” pelos planejamentos e
atividades de sala de aula, por outro, a escola, ao invés de representar um
espaço público de reflexão e construção de conhecimentos, torna-se, mais do
que nunca, um lugar onde os professores – caso de Judite – “gastam” o tempo
cumprindo tarefas burocráticas!
Eis algumas das questões-chave a serem exploradas em nossa
pesquisa.
Considerações Finais
A pesquisa ora apresentada – ainda em sua fase inicial – tem o
propósito, dentro do campo historiográfico do trabalho, de problematizar
algumas questões relevantes a trajetória e ao cotidiano do professor, em
particular o que leciona a disciplina História: casos da autonomia docente, das
expectativas e/ou frustrações no trabalho, a saúde, as condições salariais, as
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jornadas de trabalho, a intensificação e a autointensificação em suas
atividades.
Por outro lado, pensamos que uma pesquisa situada em âmbito local e
regional e fundamentada metodologicamente em entrevistas orais, poderão se
tornar um mote problematizador deste tema, especialmente ao considerarmos
as narrativas tecidas pelos professores – numa perspectiva de “história vista de
baixo” – enquanto um outro olhar sobre a história dos trabalhadores da
educação.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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negação do trabalho. 6ª. ed. São Paulo: Boitempo, 2002.
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EXPERIÊNCIAS DE MODERNIDADE, URBANIZAÇÃO E
EXCLUSÃO EM JARDINÓPOLIS/SP – Notas sobre as interfaces
entre pesquisa acadêmica e formação básica no ensino de
história
Priscila Fernanda Ferreira (Graduada em História pelo CUBM - Ribeirão
Preto/SP, Colégio NEC – Jardinópolis/SP).
[email protected]
RESUMO:: Este texto visa divulgar os resultados de uma pesquisa realizada
como Trabalho de Conclusão de Curso do curso de História do Centro
Universitário Barão de Mauá – Ribeirão Preto/SP. Buscamos neste trabalho
analisar as transformações da modernidade impregnada de um discurso
civilizador em Jardinópolis/SP, e como essas transformações influenciaram na
transferência do bairro “Vila Sebosa”, localizado no centro, para a periferia da
cidade, adotando-se o nome de “Cidade Operária” – pois este bairro seria
ocupado por sujeitos da classe trabalhadora. Também pretendemos abordar a
respeito da produção de um curta metragem sobre o tema da pesquisa, vendoo como um material audiovisual e pedagógico voltado ao ensino de História e à
pratica docente do educador. Em ambos os casos – o TCC e o curta – nos
fundamentamos no conceito de “experiência” de Thompson para refletir sobre
pesquisa e ensino de História.
Palavras-chave: Experiência; Pesquisa e Ensino de História; Estudo local.
1. A busca pelo moderno: as ambivalências da modernidade
Ao discutir sobre modernidade,nossa intenção é conduzi-la a uma
abordagem das transformações urbanas, tomando o município de Jardinópolis
como ponto central desta discussão. De início, vamos relembrar como Marshall
Berman define modernidade:
Existe um tipo de experiência vital – experiência de tempo e espaço,
de si mesmo e dos outros, das possibilidades e perigos da vida –
que é compartilhada por homens e mulheres em todo o mundo, hoje.
Designarei esse conjunto de experiências como “modernidade”. Ser
moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura,
poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das
coisas em redor – mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que
temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. A experiência
ambiental da modernidade anula todas as fronteiras geográficas e
raciais, de classe e nacionalidade, de religião e ideologia: nesse
sentido, pode-se dizer que a modernidade une a espécie humana.
Porém, é uma unidade paradoxal, uma unidade de desunidade: ela
nos despeja a todos num turbilhão de permanente desintegração e
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mudança, de luta e contradição, de ambiguidade e angústia. Ser
moderno é fazer parte de um universo no qual, como disse Marx,
“tudo que é sólido desmancha no ar.” (BERMAN, 1986, p. 15)
Partindo da concepção apresentada, discorrer sobre modernidade é
considerar como esta é paradoxal. É estar ciente de suas ambiguidades e
ambivalências, é experimentar as contradições que ela mesma incorpora. E
para compreendermos o que significou a modernidade no que diz respeito às
transformações urbanas em Jardinópolis, tendo como consequência a
transferência da “Vila Sebosa”, iremos refletir acerca do desenvolvimento que a
cidade passou até a ocorrência desse fato.
Em 1898, Jardinópolis é emancipada de Batatais e elevadaa município.
Com a chegada da estrada de ferro da Companhia Mogiana em 1899, fica claro
o desejo de modernizar-se, pois a ferrovia contribuía para uma visão
progressista. Segundo o historiador Humberto Perinelli Neto (2009, p. 168),
além de beneficiar o comércio, a ferrovia era associada à civilizaçãoe ao
progresso, sendo desejada por todos aqueles que almejavam uma cidade
moderna.
Se seguirmos cronologicamente o desenvolvimento de Jardinópolis,
veremos que, a partir da ferrovia, os aspectos do moderno na cidade se tornam
progressivos. Apontamos esses aspectos como parte de um projeto de
modernização, chamado por Nicolau Sevcenko (2003, p. 35-94) de
“modernização conservadora”. Essa atribuição se justifica pelo fato das
transformações urbanas darem-se aos ensejos da elite jardinopolense, fazendo
parte desse projeto a beleza, a higiene, a disciplina, o progresso e a civilização,
como veremos a seguir.
Em 1900, é feita a primeira Planta da cidade; construção de duas
escolas, do Cemitério e do Matadouro Municipal. No ano seguinte, se inicia a
construção de sarjetas e instalações de lampiões pela cidade. Em 1904,
começa o cuidado com a praça central.(ELIAS, 1998)
Observamos, portanto, os indícios da concepção moderna de cidade,
influenciada,
principalmente,
pela
haussmanização
(BRESCIANI,
1982;
ROUANET, 1995; SALGUEIRO, 1995): construção de escolas, onde os
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cidadãos abastados obteriam educação institucional aprendendo os valores da
civilização, da disciplina e contribuindo para o progresso; a construção do
Cemitério municipal e do Matadouro, que diz respeito à preocupação com a
higiene, ficando afastados do centro da cidade; a construção de ruas, sarjetas
e iluminação, e o cuidado com a praça central, a preocupação com o belo, que
era tão importante quanto à educação, pois permitiria constatar que
Jardinópolis não era uma cidade “atrasada” e “rural”, mas que já estava
inserida em um processo de modernização urbana.
A Figura 1 (abaixo) representa a Rua Silva Jardim, que leva o nome do
republicano que teria inspirado a escolha do nome “Jardinópolis”. Sem nenhum
acaso ela fica localizada no centro da cidade, passando ao lado da praça
central. Início do século XX no Brasil, a rua passa a fazer parte de uma
concepção moderna. Representa a racionalidade dos novos tempos. Ela é reta,
possui perspectiva, nada em comum com as travessas estreitas que
remontavam ao passado colonial. A “nova rua” ornava bem com as concepções
modernas que lhe são intrínsecas. Todavia, no centro da rua nota-se a
presença de uma carroça, que representa o arcaico, o rural. Temos o novo, o
desejo incessante pelo moderno, mas também temos a permanência do
arcaico, aquilo que ainda não foi sobrepujado pelo novo: as ambivalências da
modernidade.
FIGURA 1 – Rua Silva Jardim, Jardinópolis, 1912.
FONTE: SAQUY SOBRINHO, J. Jardinópolis: das origens ao centenário (1859-1998).
Ribeirão Preto: São Francisco Gráfica e Editora, 2007, p.54.
A imposição do novo, do moderno, acontecia em todos os âmbitos:
econômicos, sociais e culturais; práticas que nos revelam o desejo pelo
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moderno em Jardinópolis e, em consequência, a modernidade. Enfatizando
uma dúbia realidade, exercida pela imposição do novo e resistência do arcaico.
2. A transferência da “Vila Sebosa” para a “Cidade Operária”
Antigamente localizada no centro da cidade195, a “Vila Sebosa” era um
resquício de que o desejo pelo moderno no município de Jardinópolis não havia
sido totalmente concretizado. Habitada por trabalhadores pobres, o próprio
nome dado à vila era pejorativo, caracterizando-a como um lugar sujo, seboso,
porcalhão. 196
FIGURA 2 – Planta da cidade de Jardinópolis, 1935
FONTE: Arquivo do Departamento de Planejamento da Prefeitura Municipal de
Jardinópolis.
Nesta Planta do município de 1935, podemos observar, conforme
marcação com seta vermelha, onde o bairro ficava localizado. O projeto de
modernização deveria atender três pré-requisitos para ser concretizado:
higiene, beleza e disciplina (FARIA, 2010).
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
195
Não encontramos nenhum registro que indicasse a localização exata do bairro, entretanto,
segundo conhecimento popular dos moradores de Jardinópolis, a “Vila Sebosa” ficava
localizada na confluência das ruas Américo Salles e São Sebastião. Esta ausência da
localização pode ser interpretada como intencional para causar esquecimento sobre o bairro.
196
Definição de seboso: INSTITUTO ANTÔNIO HOUAISS. Dicionário eletrônico Houaiss da
língua portuguesa 3.0. Editora Objetiva Ltda, 2009.
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É nesse sentido que a FIGURA 2 nos dá subsídio para confirmar essa
interpretação sobre Jardinópolis. O Posto Policial, o Grupo Escolar, a Câmara
Municipal e a Igreja Matriz representam a ordem, a disciplina, de forma que só
assim se alcançaria o progresso. A Praça central representa a higiene, o belo,
um local arborizado para passar horas de lazer. A “Vila Sebosa” não fazia jus
ao lugar em que estava localizada, era necessária sua remoção da área central
para manter a coerência urbana.
No dia 1º de outubro de 1964 é emitido o Projeto de Lei nº 53, que
tinha por objetivo a edificação da “Cidade Operária” para “abrigar” os
moradores da “Vila Sebosa”.
FIGURA 3– Capa do Projeto de Lei nº 53/64
FONTE: Arquivo da Câmara Municipal de Jardinópolis.
A palavra “urgência” aparece escrita de vermelho no canto superior
direito, e “votado em regime de urgência” aparece nas observações da capa do
Projeto. Entendemos que a vontade de extinguir a “Vila Sebosa” do perímetro
central era algo emergente por parte do Poder Legislativo e Executivo da
cidade.
FIGURA 4 – Fragmento do Projeto de Lei nº 53/64
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FONTE: Arquivo da Câmara Municipal de Jardinópolis.
Na FIGURA 4, notamos algumas justificativas do Prefeito Municipal
para tomar essa medida. A frase “com isto irá desaparecer uma espécie de
favela em pleno centro de nossa cidade”, deixa muito explícito o desejo das
autoridades jardinopolenses em deslocar os moradores do bairro “Vila Sebosa”,
pois era inadmissível comportar um bairro que se assemelhava a uma favela
no centro da cidade. Nesse sentido, a transferência do bairro é feita, e o
prefeito Newton Princivalli da Silva Reis autoriza a criação do bairro “Cidade
Operária” para abrigar os referidos moradores.
No texto da Lei nº 491, de 5 de outubro de 1964 (percebam que a
aprovação desta Lei demorou apenas 4 dias após a data de criação do Projeto
de Lei apresentado - ver FIGURA 3) consta que o Poder Público: “Autoriza a
doação de terrenos para edificação da ‘Cidade Operária’ e toma outras
providências”.
A lei citada acima atribui algumas especificações:
ARTIGO 1º: - Fica o Sr. Prefeito autorizado a doar terrenos de propriedade
municipal a trabalhadores que não possuírem nenhum outro imóvel [...].
(grifo nosso) (SÃO PAULO, Lei nº. 491, 5 de outubro de 1964)
ARTIGO 5º: - Fica o Sr. Prefeito Municipal igualmente autorizado a mandar
construir residências simples em número de 14 para abrigar famílias
moradoras do lugar urbano conhecido por “Vila Sebosa”[...] (IDEM)
O nome “Operária” referira-se aos futuros moradores do respectivo
bairro, que segundo as atribuições constantes na Lei nº 491/1964, eram
trabalhadores. O nome “Cidade” dá margem para enfatizar ainda mais a
exclusão que traz o bairro, considerando que cidade é a materialização de
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determinadas relações sociais.Se antes o bairro era “Vila Sebosa”, e passa a
ser “Cidade Operária”, a intenção, compreendida por nós, é que as ditas
características dos moradores não tenham repercussão no restante do
município, sendo que a materialização de suas relações sociais se limitaria ao
bairro que moram.
Entre todas as questões citadas, a localização do bairro é o que mais
denota a exclusão desses moradores.
[...] terrenos estes localizados em parte da Antiga “Chacara do
Lazareto”, na confluência das estradas que vão ao Cemiterio e a
Fazenda São Pedro. [...]
Em breve veremos surgir um novo núcleo habitacional em Jardinopolis, e
talvez até um distrito. Naquela Chacaraainda sobrará lugar para futura
instalação de industrias. (grifo nosso) (SÃO PAULO, Projeto de Lei nº 53,
1º de outubro de 1964)
O cenário descrito, onde seria construído o bairro compõe elementos
da ruralidade e da insalubridade, citando a Fazenda São Pedro, o antigo
Lazareto e a instalação de indústrias (que, apesar de ser um elemento do
progresso, deveria também estar localizada longe do espaço central da
cidade).
FIGURA 5 – Mapa urbano de Jardinópolis, possivelmente entre 1964-1968
FONTE:Arquivo do Planejamento da Prefeitura Municipal de Jardinópolis.
Como podemos notar na FIGURA 5, a distância entre o antigo bairro
“Vila Sebosa” para a “Cidade Operária” era imensa, sendo completamente
afastado do perímetro urbano e delimitado, claramente, pelos trilhos da
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Mogiana,
que,conforme
apresentamos
anteriormente,
representava
o
progresso para a cidade. Observando o mapa acima, notamos que o que se
localiza à direita dos trilhos representava a “ordem”, o “progresso”: os prédios
do Grupo Escolar, Posto Policial, Câmara Municipal, Igreja e etc. E o que se
localiza à esquerda eram símbolos da barbárie, da insalubridade: o Cemitério
Municipal e as futuras indústrias.
Nesse sentido, podemos tomar as palavras de Jean Starobinski (2001,
p. 11-56), “Em lugar de uma barbárie de face descoberta, as civilizações
contemporâneas exercem uma violência dissimulada”. Trata-se da falsa
civilização, denunciando a barbárie de nossas civilizações.Com essa frase ele
nos chama atenção para as “máscaras da civilização”, a corrupção dos
“civilizados” tomando atitudes bárbaras para a imposição do progresso.
Dessa forma, podemos concluir que foi em nome dessa civilização
mascarada que as medidas apresentadas foram tomadas em Jardinópolis.
Exercidas por uma classe dominante que aspiravam por materializar o
progresso não se importando com o rastro da barbárie que deixavam atrás de
si.
3. Sobre experiência: pesquisa e ensino de História
Buscaremos neste momento fazer a relação entre a pesquisa
apresentada e ensino de História à luz do conceito de experiência de E. P.
Thompson, publicado no livro “A miséria da teoria”, em 1978. Segundo ele, o
termo “experiência” seria oportuno para atribuir significado à cultura, não
fugindo dessa abordagem a classe social a qual o sujeito pertence, mas
também não se submetendo a ela em uma análise puramente estrutural, como
apontava Althusser à época (THOMPSON, 1978).
No que concerne à educação, podemos apontar o conceito de
experiência como a vivência do docente no processo de construção do
conhecimento, não se submetendo ao empirismo puro e nem à teoria, mas
construindo uma relação dialética entre ambos e se permitindo reinterpretar os
fatos para melhor abordagem do assunto. A pesquisa aqui apresentada pode
abrir caminhos para o ensinode História com vista na propagação de um curta
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metragem com duração de 1 minutoproduzido sobre a transferência do bairro
“Vila Sebosa”.
Segundo Rodrigo Ribeiro Paziani e Humberto Perinelli Neto (P. 69-96
In: LIMA & PERINELLI NETO, 2012), a experiência com a produção de curtas
metragens remontando a realidade de um local – no nosso caso Jardinópolis e
a transferência do bairro – almeja provocar mudanças na maneira de se
aprender e ensinar tais saberes escolares. Além de colocar os “sujeitos
anônimos” – no nosso caso os moradores/trabalhadores do bairro – como
protagonistas da história e não sendo submetidos a uma visão tradicional da
história.
O curta “As vilas de Jardinópolis” contribui para uma concepção vista
de baixo (SHARPE, p. 39-62 In: BURKE, 1992; HOBSBAWM, 1998) sobre o
episódio de transferência da “Vila Sebosa”, pois coloca os holofotes sobre duas
mulheres – mãe e filha – que narram o que a transferência do bairro do centro
para a periferia da cidade significou para elas, além das dificuldades
encontradas e a brusca mudança em seu cotidiano.
Dessa forma, buscamos a apreensão da realidade por meio do local,
tomando-o como lugar onde o mundo acontece e não como fim em si mesmo,
portanto, sob a perspectiva micro-histórica (LEVI, p. 133-162 In: BURKE, 1992;
LIMA FILHO, 1999; GINZBURG, 1989). Essa perspectiva é de extrema
importância nos termos da educação, pois rompe com a distância entre
educando e objeto de estudo, dando maior sentido ao processo ensinoaprendizagem, além de respeitar os saberes dos alunos promovendo sua
autonomia.
Porque não discutir com os alunos a realidade concreta a que se deva
associar a disciplina cujo conteúdo se ensina [...] Porque não estabelecer
uma “intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e
a experiência social que eles tem como indivíduos? (FREIRE, 2011, p. 32)
A nosso ver, a produção do curta metragem também contribui para a
prática e reconhecimento de certos saberes pelos docentes, entrelaçando
pesquisa e ensino de história, assim como já sugeria Paulo Freire. No trabalho
de mediação no processo educativo é importante que o professor mantenha
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laços estreitos entre pesquisa e prática, buscando o melhor meio para que a
construção do conhecimento seja efetiva.
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JOGOS NARRATIVOS: Propostas sobre o fazer-se professor de
história entre o ensino, a pesquisa e as demandas curriculares
Rafael Correia Rocha (Mestre em Educação)
[email protected]
RESUMO:
Ao propor instrumentos específicos que trabalham o ensino de História junto à
pesquisa, dentro das escolas segundo relatos captados de professores que
realizaram um curso de formação voltado a desenvolvimento de jogos
educacionais, proveniente do projeto Cidade de Uberlândia: História regional e
local, ensino-aprendizagem e jogos narrativos, n° CHE - APQ-03413-12,
financiado pela Fapemig/Capes, com realização entre 2013 á 2014, tendo
também como parâmetro de orientação o texto “Os românticos” de Edward
Thompson (2002). Assim, com a devida analise detrês professores de ensino
público de Uberlândia que desenvolveram jogos narrativos analógicos
interagindo pesquisa e ensino, com enfretamentos diante da estrutura das
escolas em relação às condições de trabalho, as pressões com exigências do
currículo, repressões, entre outros. Por meio destes, se pode compreenderde
acordo com experiências laborais o processo do fazer-se professor de História.
Palavras-chave: Ensino; jogos; História; Pesquisa.
Introdução
Quando um historiador assume o oficio docente, começa a vivenciar
um processo regrado por estruturas curriculares presentes dos CBCs
(Currículo Básico Comum) e PCNs (Parâmetros curriculares nacionais), que
constituem suas condições de trabalho, assim como pressões exercidas pela
organização escolar, entretanto sua prática se diferencia substancialmente da
instrução. De acordo com Thompson (1981) “os historiadores também se
ocupam, em sua prática cotidiana, da formação da consciência social e de suas
tensões”. (10 p.).
O historiador docenteenfrenta desafios e tensões para exercer essa
consciência social com uma á três aulas por semana, se acordo com o estado
de Minas Gerais, apenas utilizando de discurso, livro didático e algumas fontes.
Ou seja, ensinar História passa por um processo em prol de demandas
estruturais e humanas, para promover noções sobre a composição deste
exercício.
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Mas na medida em que esta noção sobreviva, o faz em nível metodológico,
mas que de teoria, isto é, se for possível criar somente o método correto,
geralmente quantitativo (positivismo armado de computador), então os
fatos revelarão os significados independente de qualquer exercício
conceitual rigoroso. Discuti com a estase desse tipo de posição “empirista”
durante muitos anos, em minha própria prática (THOMPSON, 1981, 37p.).
Thompson discute sobre as relações do campo prático com o teórico,
articulado como um método. O campo teórico se compõe da consolidação e
reflexão da prática, o historiador começa a experimentar condições de trabalho
docente, junto com a estrutura estabelecida pela escola, o bairro e a cidade,
compondo estratégias metodológicas para produzir sentido ao ensino de
História por meio de experimentações.
A experiência chega sem bater na porta e anuncia mortes, crises de
subsistência, guerras, desemprego, inflação, genocídio. Pessoas passam
fome: os que sobrevivem pensam o mercado de outra forma. Pessoas são
presas: na prisão meditam na lei de novas maneiras (...) Dentro do ser
social ocorrem mudanças que dão origem a uma experiência
transformada: e essa experiência é determinante, no sentido de que
exerce pressão sobre a consciência social existente, propõe novas
questões e oferece grande parte do material com que lidam os exercícios
intelectuais mais elaborados”. (THOMPSON, 1978).
O professor de História se cria pela maneira que lida com sua
experiência e de seus alunos, como promove e instiga a formaçãoda
consciência social por meio do levantamento de novas questões relacionadas
com os espaços de convivência ao qual estão imersos, permitindo a construção
de um olhar crítico sobre a realidade de acordo como experimenta e percebe o
vivido. Segundo Thompson (1981), é possível perceber a experiência como o
alimento da consciência social crítica.
Para seguir no caminho deste equilíbrio, se inicia a analise de um
recorte sobre projeto “cidade de Uberlândia: História regional e local, ensinoaprendizagem e jogos narrativos” n° CHE - APQ-03413-12, financiado pela
Fapemig/Capes, realizado entre 2013 á 2014, que propôs o desenvolvimento
de jogos educacionais como proposta metodologia ao professor de História, por
meio de um curso de formação que entrelaçasse a pesquisa e o ensino de
História.
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A pesquisa buscou recursos lúdicos para fim de contextualizar
significativamente pesquisa e ensino junto a alunos da educação básica, visto
que “é sempre difícil conseguir o equilíbrio entre o rigor intelectual e o respeito
pela experiência, mas hoje em dia esse equilíbrio está seriamente prejudicado”
(THOMPSON, 2002).
Foram
apresentados
como
jogos
narrativos,como
recursos
representados por uma coletânea de estruturas lúdicas relacionadas com
quatro categorias de jogos, o RPG - Role Playing Game (Jogo de
Representação de papéis), o LARP – Live Action Role Playing (Representação
ao vivo), Board Games (jogos de tabuleiro voltados à estratégia) e Card Games
(jogos de cartas).
A seleção foi feita pela propriedade destes jogos promoverem
experiências que remetem a contextos de determinados períodos históricos,
por meio da representação simbólica ou concreta, e também devido ao baixo
custo quanto ao desenvolvimento.Os elementos constituintes destes jogos
também podem se misturar livremente e criar novas estruturas, o que deu
maior liberdade a esse trabalho.
Neste texto serão analisados três trabalhos realizados com LARP,
compreendido “como uma experiência imersiva, uma vivencia e um jogo
relacional. E todas estas perspectivas estão corretas” (FALCÃO, 2013). Esta
flexibilidade atraiu a atenção dos historiadores como uma forma de constituir
representações históricas por meio dos próprios alunos, combatendo o aspecto
passivo dos discentes.
Desta forma, o historiador busca promover experiências práticas com
ludicidade e imersão, instigando o processo de pesquisa e crítica, trazendo
para a sala de aula uma nova estrutura diante do conteúdo formal, visto que
“não basta continuar a formar professores que sabem um pouco mais do que
os seus alunos e mostram um pouco de método para transmitir seu saber?”
(PERRENOUD, 1999).
De março até junho de 2014 foi possível desenvolver um processo
formativo que envolveu experimentação de jogos, análise e recomposição de
seus elementos, com a devida aplicação orientada, partindo do pré suposto
que “as sociedades se transformação, fazem-se e desfazem-se. As
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tecnológicas mudam o trabalho, a comunicação, a vida cotidiana e mesmo o
pensamento” (PERRENOUD, 1999).
Desenvolvimento
Para esclarecer e compreender a proposta do projeto na trajetória do
campo de pesquisa para a reinterpretação dos saberes do livro didático. Partese da obra “Os Românticos” de Edward Thompson (2002) onde contempla
[...] a experiência modifica, às vezes de maneira sutil e às vezes mais
radicalmente, todo processo educacional; influencia os métodos de ensino,
a seleção e ao aperfeiçoamento dos mestres e o currículo. Podendo até
mesmo revelar pontos fracos ou omissões nas disciplinas acadêmicas
tradicionais e levar à elaboração de novas áreas de estudo (THOMPSON,
2002, p. 13)
Por meio do exercício desta experiência de influencias e revelações, no
intuito do aperfeiçoamento docente junto ao entrelaçamento proposto entre
pesquisa e ensino, com a devida analise sobre postura docente em relação a
suas necessidades e carências.
A professora Keila observou peculiar interesse de seus alunos pelo
ambiente de guerrasformado por filmes e videogames, que em contrapartida a
mesma iria trabalhar com o recorte da segunda guerra mundial. Iniciou por
meio de uma pesquisa que vinculasse Uberlândia áeste período histórico,
assim iniciou um processo investigativo no quartel da cidade que prontamente
a encaminhou a um ex-combatente, que lhe cedeu seu relato de experiência.
Estivemos na Itália até terminar, retiramos os alemães de lá, nós e os
americanos, ficamos lá 4 meses. Estavam na montanha Monte Castelo, já
tinham tomado à cidade de Montese, nós chegamos e reconquistamos a
cidade de Montese e fomos combater no front em Monte Castelo. Os
alemães a 1200 metros de altura e nós lá em baixo, nós a tropa brasileira e
americana.Toda vida eu fui patriota, caxias, como se diz! Eu fui servir!
Sabia que não ia voltar! As batalhas com canhões, só canhões em torno
da montanha. Depois de 2 meses ocorreram os combates corpo a corpo.
Fizemos os alemães prisioneiros, ai acabou a guerra, mas durou quase
dois meses de combate. Dormíamos no mato, na montanha. Não dormia
não! Ficávamos combatendo dia e noite. Morreram muitos brasileiros, eu
escapei dessa. Usávamos rifles, metralhadoras, canhões, os alemães
ficavam no topo da montanha e nós embaixo. Os alemães eram 100%,
muito fortes! Os maiores soldados do mundo foram os alemães. Eles
ficaram no final do combate como se fossem os vencedores da tropa, os
alemães. Se você visse os brasileiros e os alemães; os coronéis, soldados
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brasileiros, o major pareciam presos deles. E eles, os perdedores,
orgulhosos, orgulhosos! Quase 200 prisioneiros e pareciam que eles
tinham vencido guerra, orgulhosos, orgulhosos mesmo! Você vê um
coronel e um alemão, você pensa que o coronel é o alemão. A pose deles!
Depois de rendidos, prisioneiros, perdido a guerra, pareciam que tinha
vencido a guerra. Os alemães são os soldados mais corajosos do mundo.
Se você pensar em um vencedor são eles, pareciam os donos do mundo.
Se renderam porque acabou a comida e a munição. O Brasil fez um
sucesso terrível junto com os Estados Unidos, combateu Brasil e Estados
Unidos e lá, nós retomamos a Itália. Quando voltamos, quem quisesse
ficar no exercito ficava, quem não quisesse aposentava. 197
Munida da pesquisa, vislumbrando a tenacidade e persistência dos
soldados alemães, a professora optou por criar um LARP, com 30 alunos de 7°
ano contextualizaram as percepções de micro grupo escondido em um Banker
durante a invasão nazista em Berlin, “Arrumamos as carteiras de forma a
separar em quartos o banker e diminuímos a luz, durante o recreio”.
Nas cartas, colocamos cidadãos comuns” entre esses cidadãos foram
definidos como personagens: industriais, bancários, prefeito, médicos, idosos,
crianças, doentes, assim como figuras perseguidas pelo regime nazista, como:
judeus, deficientes físicos e homossexuais.Essaspersonagens recordam o
pensamento de Brand apud Thompson (2002) que posiciona pesquisa assim
como ensino deve abarcar todos, sendo que nenhum sujeito ou grupo de
sujeitos históricos pode “passar despercebido á nossa observação, que diga
respeito à menor coisa do Vulgo, daqueles pequeninos que ocupam o lugar
mais baixo, embora não em absoluto de menor importância, na ordenação
política dos seres humanos”.
Durante o jogo, a professora representou uma repórter que noticiava os
acontecimentos da guerra, por meio de uma TV antiga, o que fazia os alunosjogadores se organizarem estrategicamente para sobreviverem, o que remeteu
a recomposições históricas como “judeus quando se sentiram ameaçados por
uma notícia transmitida pela televisão ou a perseguição de outro personagem
se escondiam embaixo das carteiras, imaginando que assim escapariam de
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
197
Sr. Mario Pereira da Silva, ex-Combatente da 2ª Guerra Mundial integrava o 6º RI Regimento de Infataria - Regimento Ipiranga. Nascido no ano de 1923, na pequena cidade de
Ribas do Rio Pardo, interior do Estado de Mato Grosso (hoje Mato Grosso do Sul), Mario era o
filho mais velho de seis irmãos (três homens e três mulheres), do casal José Vitoriano da Silva
e Abadia Pereira da Silva. Foi o único convocado para guerra. Melhor dizendo voluntário.
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serem capturados” com essa abordagem, os alunos se projetaram no recorte
histórico por meio da representação de personagens dos quais emergiram
novas experiências, que segundo a descrição da professora “por se tratar do
último horário, o jogo foi encerrado.
Mas a turma reclamou e pediu que repetíssemos em outro dia, quando
forem dois horários seguidos para a trama durar mais tempo” neste dia a
atividade durou aproximadamente 40 minutos.De acordo com Thompson
(1981) a “questão que temos imediatamente à nossa frente não é a dos limites
da experiência, mas a maneira de alcançá-la e produzi-la”. Dessa forma,
os historiadores também se ocupam, em sua prática cotidiana, da
formação da consciência social e de suas tensões. Nossa observação
raramente é singular (...) Nossa preocupação mais comumente é com
múltiplas evidências, cuja inter-relação é, inclusive, objeto de nossa
investigação. (...) Propõem novos problemas e, acima de tudo, dão origem
continuadamente à experiência – uma categoria que, por mais imperfeita
que seja, é indispensável ao historiador, já que compreende a resposta
mental e emocional, seja de um indivíduo ou de um grupo social, a muitos
acontecimentos inter-relacionados ou a muitas repetições do mesmo tipo
de acontecimento.” (THOMPSON, 1981, p. 14-15)
Produzindo experiências para promover o exercício de percepções
críticas diante do conteúdo curricular. Posteriormente em uma segunda
intervenção de jogo narrativo, realizada pelaprofessora Gabriela, foi abordado o
tema Renascimento, também utilizando da estrutura do LARPcom o 30 alunos
do 7° ano, que foram divididos nas categorias: a Igreja, os Mecenas e os
Artistas, enquanto a professora se posicionava como Rainha, em um corte
improvisada onde vivenciou com intensidade o jogar:
A experiência foi extremamente liberadora neste ponto, a Rainha não tinha
necessidade e nem obrigação de conter seus súditos sentados na carteira
e falando baixo. E artistas, burgueses e religiosos em “guerra” também não
precisavam conter-se a seus lugares e podiam esbravejar à vontade dentro
dos limites da civilidade. Uma única regra foi imposta no jogo, todos
deveriam calar-se no momento preciso em que a Rainha levantasse,
manobra para aplacar os momentos mais explosivos, recurso que
funcionou relativamente bem. A liberação do corpo aliviou diversas tensões
que pairavam sobre a turma, considerada como uma das mais difíceis da
escola. Ao encerrar do jogo os alunos estavam muito entusiasmados
(GABRIELA, Relatório, p.3).
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Por meio do entusiasmo posteriormente ao jogo, os alunos por escolha
própria se dispuseram a pesquisar sobre o Renascimento para apresentar a
escola uma peça de teatro. Neste aspecto o jogo fomentou o interesse prático
pela pesquisa e em relação à necessidade de investigação, assim como o
desejo dos alunos de apresentarem sua experiência
A experiência surge espontaneamente no ser social, mas não surge sem
pensamento. Surge porque homens e mulheres (e não apenas filósofos)
são racionais e refletem sobre o que acontece a eles e ao seu mundo. Se
tivermos de empregar (a difícil) noção de que o ser social determina a
consciência social, como iremos supor que isto se dá? Certamente não
iremos supor que o 'ser' está aqui, como uma materialidade grosseira da
qual toda idealidade foi abstraída, e que a 'consciência' (como idealidade
abstrata) está ali. Pois não podemos conceber nenhuma forma de ser
social independentemente de seus conceitos e expectativas
organizadores, nem poderia o ser social reproduzir-se por um único dia
sem o pensamento. O que queremos dizer é que ocorrem mudanças no
ser social que dão origem a experiência modificada; e essa experiência é
determinante, no sentido de que exerce pressões sobre a consciência
social existente, propõe novas questões e, proporciona grande parte do
material sobre o qual se desenvolvem os exercícios intelectuais mais
elaborados. A experiência, ao que se supõe, constitui uma parte da
matéria-prima oferecida aos processos do discurso científico da
demonstração. E mesmo alguns intelectuais atuantes sofreram, eles
próprios, experiências.” (THOMSPON, 1981, p. 16)
Essa pontualidade da experiência, como um processo espontâneo
ocorre dentro do jogo narrativo, com seus participantes que segundo a
professora Gabriela “cumpre aqui papel duplo, traz o aspecto lúdico com todas
as suas implicações, e ainda permite que sejam trabalhados o conteúdo e a
formação do sujeito”.
Assim, o historiador cria por meio de métodos adequados condições
em sua realidade escolar, para que a experiência seja produzida, percebida,
analisada e interpretada de maneira coesa segundo os parâmetros
estabelecidos pelo currículo base.
Esta abordagem remete uma reflexão sobre quais desdobramentos o
jogo acaba por promover “o conflito entre educação e experiência como sendo
entre o intelecto (ou mero intelecto mecânico) e o sentimento e em desespero
superestimar esse último em relação ao primeiro” de maneira a conduzir o
historiador diante da perspectiva na qual a educação vem pelas ideiasenquanto
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a experiência vem dá própria vida dos sujeitos gerando o sentimento em
relação ao contexto do vivido (THOMPSON, 2002).
No último caso, a professora Maria Helena, que se apresentou como
uma educadora engajada e aberta a novas iniciativas diante do ensino de
História, com uma postura de oposição direta o tradicionalismo docente, obteve
uma percepção distinta sobre a utilização um LARPem relação aos jogos
citados anteriormente, em outra sala de 7° ano, com 25 alunos, onde
desenvolveu a temática sobre a crise do século XIV.
A historiadora descreve uma situação caótica onde “todos falavam alto
e gritavam ao mesmo tempo(...) eles tinham autorização para falar alto, gritar
com os colegas” criando uma “bagunça” que fez a professora terminar a
atividade antes do previsto por medo de ser repreendida pela direção.
Na aula seguinte, a historiadora pediu aos alunos que produzissem um
texto sobre a crise do século XIV a partir da experiência do jogo narrativo,
“sendo ele um indivíduo daquele tempo. Foi fantástico, além do esperado. Eles
haviam compreendido mais do que foi dito ou lido sobre o assunto”.
A
historiadora
pode
levantar
questões
significativas
destas
experiências, cita que os alunos souberam relacionar o passado com o
presente, com paralelos sobre crises atuais, estabeleceram críticas aos papéis
dos governantes, analisaram o significado da própria crise como importante
para a reconfiguração do mundo moderno.
A mesma compreendeu pela experiência uma distinção entre seu
discurso e a prática, compreendendo que “talvez haja mais em mim de
tradicional do que eu gostaria de admitir. O fato é que o LARP me proporciona
a ideia de estar no controle. É um engano”. Esta questão ficou clara, quando a
professora não assumiu nenhum personagem durante o jogo, se diferenciando
dos relatos anteriores.
Torna-se perceptível que caso ocorra ausência de participantes por
negligencia em se envolver na experiência coletivamente, começam a surgir
pontas soltas, como brechas em um processo, descontextualizando o sujeito
da experiência do grupo.
Considerações Finais
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Os
jogos
narrativos,
segundo
estes
relatos,
proporcionaram
experiências para um ensino de História contextualizado diante de percepções
ativas, junto ao caráter de pesquisa e crítica, desenvolvendo assim o processo
de fazer-se professor de História, talvez, de dentro para fora sendo orientado
pelo exercício conjunto de produzir experiências históricas, utilizando de
pesquisa e representações.
Sendo o historiador um profissional distinto do professor convencional
devido a sua natureza e demanda social, deve desenvolver uma postura “não
como um homem profissional especializado, mas com um “perito” na própria
vida, exatamente nestes termos” (THOMPSON, 2002) mediando entre os
saberes curriculares junto experiência produzida e “o conhecimento e a
experiência acumulados” oriundos das trajetórias dos sujeitos.
Todo esse mecanismo produtivo parte da necessidade da formação
docente especializada, como primeira etapa no processo de fazer-se professor,
munida de métodos funcionais que contextualizam o conteúdo programático
mantendo as demandas curriculares com inserção dos alunos por meio de
percepções historiográficas durante a prática cotidiana. Nos casos citados,
apresentam um processo de ensino e pesquisa pré ou pós aula, assim como
uma análise crítica sobre o conteúdo, diante a perspectiva dos alunos e do
próprio professor devido a plasticidade os jogos narrativos, que dão a força
para arrombar uma “porta de entrada para a experiência e a crítica”
(THOMPSON, 2002).
Referências Bibliográficas
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Disponível
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THOMPSON, E. P. A miséria da teoria ou um planetário de erros: uma
crítica ao pensamento de Althusser. Rio de Janeiro: Zahar, 1981
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EDWARD PALMER THOMPSON – Entre a educação e a
experiência, uma pequena valorização da vida
Victor Hugo Soliz (Universidade Federal De Uberlândia)
[email protected]
RESUMO:
O presente trabalho tem como objetivo analisar e problematizar as relações
entre educação e experiência trabalhadas em Thompson na sua palestra sobre
educação e experiência, de modo a entender não apenas as questões
relacionadas diretamente a ambas, mas também se buscando fazer a crítica às
bases da educação burguesa que são reproduzidas de maneira impensada
dentro da academia. Esta crítica será feita a partir das premissas da pedagogia
libertária, já que consideramos que a mesma é a linha que mais valoriza a
experiência dos sujeitos envolvidos.
Palavras-chave: Educação, experiência, Thompson, pedagogia libertária.
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1. Introdução
Devido à proximidade das eleições muito se fala em como “consertar” a
educação, mas pouco se reflete sobre os alicerces que sustentam o sistema
educacional moderno, com suas disciplinas e currículos. Thompson é um autor
que trouxe muitos avanços no pensar o marxismo e a educação, mas que
também era influenciado pelo seu local sócio-temporal.
Então para se entender um pouco mais desta quimera
chamada
educação que o presente estudo pretende explorar um pouco da relação entre
a educação e experiência em Thompson de maneira que se possa verificar até
que ponto Thompson valoriza realmente a experiência e até que ponto ainda se
encontra influenciado pela questão idealista da academia e do marxismo . Para
conseguir este objetivo se fará um contraponto tendo em vista a pedagogia
libertária, que é uma filosofia pedagógica que parte do concreto (a experiência)
para depois seguir em direção ao ideal e que não compartilha da inversão
perpetrada pelo modelo educacional moderno.
2. Educação e experiência
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Para começar os estudos falaremos sobre a origem do sistema
educacional moderno . Para Thompson este sistema surge devido à onda
contrarrevolucionária que ocorreu após a revolução francesa e que trazia em
seu seio uma disciplinarização social cristalizada na educação formal. Esta
disciplinarização, segundo o mesmo ainda permaneceria até hoje: “O desejo de
dominar e de moldar o desenvolvimento intelectual e cultural do povo na
direção de objetivos predeterminados e seguros permanece extremamente
forte durante a época vitoriana: e continua vivo ainda hoje” (THOMPSON,
2012, p. 31).
Preferimos considerar o surgimento do modelo educacional moderno de
ensino obrigatório no ano de 1717, com a reforma educacional pioneira de
Frederico Guilherme I, Rei da Prússia , segundo alguns estudos, dentre os
quais destacamos o de Celeti (2012). Esta preferência se dá não apenas pelo
fato do processo na Prússia ter de iniciado mais de cinquenta anos antes da
revolução francesa, mas que foi o modelo que foi importado por diversos outros
países antes mesmo da revolução. Evidente que a revolução francesa fez que
o processo adquirisse um ímpeto maior, mas na nossa visão ela não pode ser
considerada a causa do sistema moderno de ensino.
A diferença do ponto de vista sobre o surgimento do modelo educacional
pouco tem valor frente à análise que se faz sobre a natureza do mesmo e em
relação a este ponto existem muitas convergências entre o que acreditamos e
o que defende Thompson. O principal ponto de convergência é o caráter
disciplinador da mesma, e quando se fala disciplinador estamos pensando no
sentido foucaultiano do termo. Evidência disso é a denúncia de Edmond
Holmes que Thompson reproduz:
No momento em que a vontade da criança estivesse anulada e
“ela tivesse sido reduzida a um estado de servidão mental e
moral, chegava a gora de o sistema de educação, através da
obediência mecânica, ser-lhe aplicado com todo o rigor”. O
sistema era visto por ele como “um engenhoso instrumento
para frear o desenvolvimento mental da criança e sufocar suas
mais altas faculdades (THOMPSON, 2012, p. 35 e 36).
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Outro ponto de convergência (parcial) é a relação à questão da
subordinação cultural. Thompson traz que na Europa, em meados do século
XVIII, se observava uma cultura elitizada apartada da popular, com o
distanciamento das pessoas de posição em relação ao homem comum e que
“a cultura de um homem, exatamente como seu prestígio social, era calculada
de acordo com a hierarquia da sua classe (THOMPSON, 2012, página 17)”.
O problema a nosso ver, é que para Thompson em 1790, o impacto da
revolução francesa e as suas ideias de igualdade, esta ideia de completa
subordinação cultural é posta sob exame radical (THOMPSON, 2012, p. 19).
Não que discordemos que a Revolução Francesa tenha trazido uma
reflexão, mas não acreditamos em toda esta radicalidade, Stirner, em 1842,
vivenciando o auge da massificação da escola na Alemanha através do projeto
iluminista de educação universal aliado ao discurso legitimador da “guerra
contra o analfabetismo”, ainda traz esta questão da superioridade cultural como
extremamente pertinente, e mesmo se olharmos ao nosso redor hoje veremos
que existe uma enorme diferenciação entre as culturas, de modo que quantas
vezes não vemos nas redes sociais críticas de uma auto-intitulada elite cultural
ao vulgo de maneira bem parecida com a que Coleridge faz: “Sem alegrias
religiosas e terrores religiosos, não se pode esperar nada das classes inferiores
da sociedade” (THOMPSON, 2012, p. 27). Mesmo dentro da universidade isto
não é diferente, pelo contrário, neste caso a hierarquização fica ainda mais
acentuada, como atesta Stirner:
[...] o motor de toda nossa atividade consistia realmente nessa
relação de senhor a servidor; é graças a essa característica da
época que podemos compreender por que se aspirava tão
abertamente ao “ensino superior” e por que se estava tão
desejoso de distinguir-se do vulgar. A cultura fazia de seu
detentor um senhor para os indivíduos incultos. (STIRNER,
2001, p. 65).
Thompson, por sua vez, apesar de acreditar neste exame radical da
subordinação cultural, percebe o sistema educacional como um mero
instrumento de mobilidade social seletiva . Mais que isto, reconhece que existe
até mesmo entre os membros mais humanos dos corpos docente e discente
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uma equiparação entre o progresso educacional e o mérito humano
(THOMPSON, 2012, p. 42-43), ou seja, neste ponto ele se contradiz e mostra
que o que Stirner escreveu ainda faz sentido.
Ao falar de mérito humano, Thompson não discute sobre a meritocracia,
que sob um discurso de iguais possibilidades, pretende justificar as
desigualdades, introjetando a culpa dos problemas do sistema às vítimas e não
aos algozes dentro do capitalismo. Será trabalhado mais a frente como o
Thompson compra este discurso meritocrático, de maneira que ele parece
acreditar que a educação formal recebida pelos trabalhadores na época dele
eram dignas: “e a sombra empobrecida disso, exatamente, era o que a
educação formal escolar de fato oferecia aos filhos da classe trabalhadora até
tempos bem recentes” (THOMPSON, 2012, p. 33).
Ou seja, o que Thompson põe como problema do passado a educação
empobrecida sendo que ela é um problema que é inerente ao capitalismo e à
sua meritocracia de forma que de maneira alguma este problema ficou no
passado, afinal, como concentrar capital sem explorar os outros?
Ainda sobre a subordinação cultural, onde Thompson acredita que a
mesma foi reexaminada após a Revolução Francesa. Interessante notar que
depois o autor discorre contraditoriamente sobre “as cerceadoras limitações de
atitude que surgiram entre os homens de educação em relação à cultura e –
pois as duas são intimamente relacionadas – à experiência daqueles que se
encontram fora da cultura letrada (THOMPSON, 2012, p. 28)”. Em outras
palavras, se por um lado Thompson defende o exame radical da subordinação
cultural, por outro, ele dá os elementos necessários para questionar este ponto
de vista, principalmente quando vai abordar as obras de Wordsworth (17701850), que é a parte na qual as suas contradições e apegos às ideias
hegemônicas ficam mais evidentes.
Para evidenciar as contradições na abordagem das obras de
Wordsworth será necessário se analisar cada ponto separadamente, então
como primeiro ponto Thompson diz que Wordsworth não cai em idealizações
pastorais ou variações do camponês virtuoso e que desenvolve a consciência
de homem revolucionário, mas logo depois afirma que recai em excessos
revolucionários e de defesa do godwinismo (THOMPSON, 2012, p. 22-23).
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Interessante notar que Thompson menciona o fechamento da distância
que Wordsworth tem entre ele e o homem comum de modo que se alinha com
o mesmo através da sensibilidade e abre uma distância entre ambos e a
cultura refinada (THOMPSON, 2012, página 24), mas o que Thompson não fala
é que esta é parte da herança godwiniana de crítica à aristocracia .
Segundo Thompson, Wordsworth defende que os atributos morais e
espirituais seriam proveniente das experiências no trabalho, sofrimento e
relações humanas básicas, tendo pouca relação com os atributos racionais
burgueses , e com uma grande desconfiança na educação formal. Esta linha de
pensamento está relacionada a que futuramente será chamado de pedagogia
libertária. Coincidência, ou não, um dos primeiros idealizadores deste modelo
pedagógico, influenciado por Pestalozzi (1746-1827), é Willian Godwin, e
embora o mesmo não tenha escrito nada mais denso sobre o tema, o mesmo
lançou diversos panfletos.
O primeiro escritor que vai escrever um texto aprofundando no tema é
Max Stirner, com o seu texto “o falso princípio da nossa educação”. Os
principais eixos da pedagogia libertária são a não opressão, a valorização da
experiência e a vivência ética na qual teoria e prática não se separam. Sobre a
experiência Thompson afirma:
A experiência modifica, às vezes de maneira sutil e às vezes
mais radicalmente, todo o processo educacional; influencia os
métodos de ensino, a seleção e o aperfeiçoamento dos
mestres e o currículo, podendo até mesmo revelar pontos
fracos ou omissões nas disciplinas acadêmicas tradicionais e
levar à elaboração de novas áreas de estudo (THOMPSON,
2012, p. 13)
O objetivo do texto não é fazer um contraponto da visão pedagógica de
Thompson com a pedagogia libertária, mas ainda assim é interessante deixar
explícito que a pedagogia libertária não acredita em mestres, currículos,
mesmo disciplinas, considerando estes mecanismos de dominação e
subordinação.
Mas voltando à tese thompsoniana sobre a educação, a educação não
seria apenas uma baliza na direção de um universo mental novo, e mais amplo,
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mas também como uma baliza para longe, para fora, do universo da
experiência no qual se funda a sensibilidade (THOMPSON, 2012, p. 32).
A partir deste ponto já se começa a perceber a valorização que
Thompson
faz
dos
conhecimentos
acadêmicos
em
detrimento
ao
experimentado, criando uma hierarquia intelectual, que verticaliza as relações
entre os sujeitos e que cria uma vanguarda intelectual, na qual Thompson
acredita, embora não a verbalize, explicitada no trecho: “a luta pela minoria foi
tão prolongada e tão dura, e eram tão frequentes os períodos em que pareciam
que eram abandonados pela própria classe, que até mesmo os mais dedicados
tendiam ocasionalmente a olhar seus companheiros trabalhadores com
aversão e desespero” (THOMPSON, 2012, p. 32). Interessante notar a
esperança que tinha Francis Pale, defendido pelo enxerto anterior, na qual os
trabalhadores deveriam adotar os hábitos da classe média. Até hoje, este é o
sonho de boa parte dos intelectuais da academia que não conseguem aceitar
que o vulgo seja o vulgo.
Thompson defende a participação daqueles que vêm “de baixo” dentro
da academia, como no discurso transcrito de Mactavish (THOMPSON, 2012, p.
44-45), mas não menciona em qualquer momento a defesa de uma total
integração entre academia e comunidade, pelo contrário, diz que a
universidade não deve ceder à tentação de alcançar as grandes massas , o
que reforça novamente nossa visão de que Thompson não consegue por a
experiência no mesmo patamar do conhecimento academicista, valorizando
este em detrimento daquele.
Mas o elitismo intelectual de Thompson fica mais evidente quando se
utiliza de um tom moderado na crítica ao academicismo destituído da
experiência e um tom ácido em relação ao contrário, no que ele chama de “feia
celebração do irracionalismo” (THOMPSON, 2012, p. 37). Como se este trecho
não fosse o suficiente, a ideia de um juízo de valor em relação a uma
vanguarda fica mais evidente quando ele classifica o anti-intelectualismo
marxista como militante e os outros como inocentes ou rancorosamente
intolerantes.
Mas a passagem mais lamentável se dá quando, após discorrer quase a
palestra toda sobre o valor da experiência, ele a destitui de todo e qualquer
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valor, considerando que a única coisa realmente importante era o esforço
intelectual burguês, ou o mérito:
Pode ser verdadeiro e importante insistir que avaliamos os
homens não por sua classe ou qualidades educacionais, mas
sim pelo seu valor moral, mas se os homens – e especialmente
os homens em desvantagem educacional – começam a se
avaliar com muita presunção, isso pode servir como desculpa
para que abandonem todo o esforço intelectual. (THOMPSON,
2012, p. 38)
Ou seja, Thompson diz em um primeiro instante que não se deve avaliar
um homem por sua qualidade intelectual , mas por outro lado abandonar o
esforço intelectual (que é o conhecimento que alguém disse que é científico e
por isto se encontra dentro da academia, ou seja, apenas uma instância de
poder ) é algo inaceitável.
Agora que já discorremos sobre a hierarquia que existe entre o vivido e
a academia para Thompson, seguiremos para analisar como o mesmo imagina
a integração subordinada dos mesmos. Esta integração se daria por laços
econômicos e sociais entre trabalhadores e intelectuais e, deste modo,
Thompson defende indiretamente, a existência e hierarquização entre
intelectuais e trabalhadores.
Em outras palavras, para Thompson bastaria apenas trazer a
experiência para a academia e o problema da educação estaria resolvido. O
exemplo ideal ao qual Thompson recorre sobre esta integração se encontra na
obra “Judas, o obscuro” na qual o próprio Judas seria o verdadeiro protagonista
dos valores “intelectuais” e “culturais”. Vale salientar que Judas é o típico
trabalhador com mentalidade de classe média, de maneira análoga à
esperança de Francis Pale, ou seja, por detrás de um discurso bonito e
refinado, fica evidente que também é o sonho de Thompson que os
trabalhadores pensem como a classe média.
Uma questão que não é questionada em momento algum por Thompson
é se a academia e a ciência seriam as únicas guardiãs do conhecimento
racional. Nós acreditamos na análise foucaultiana de conhecimento é poder e
assim sendo, a academia estaria apenas inclinada a aceitar os conhecimentos
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que a ajudassem a se manter em sua prestigiosa torre de marfim, já Thompson
enxerga um único perigo em relação à universidade: que a tecnologia
profissional, engendrada nas mesmas, exproprie as pessoas de sua identidade
intelectual, mas se levarmos em consideração o que já foi exposto, a pergunta
que fica é: não é para ter autoridade para dizer o que é válido e o que não é
que a universidade existe?
Neste caso a influência hegeliana positivista de busca da verdade dentro
da universidade fica evidente e explica porque certas filosofias políticas
conseguiram se adaptar tão bem à universidade burguesa e porque tem
dificuldades de fazer críticas contundentes à mesma. Desta questão,
considerando que para Thompson a academia é a guardiã da razão, temos que
o problema principal da educação, para o autor, seria o conflito entre a
experiência e a educação formal, que seria um conflito entre o intelecto e o
sensível, e para defender nossa visão recorremos ao trecho no qual
Thompson afirma “se adotássemos, sem maiores esclarecimentos, o
‘sentimento real e a razão justa’ de Wordsworth, estaríamos abandonando o
problema da educação: poderíamos deixá-la a escola da vida” (THOMPSON,
2012, p. 39), em uma evidente conivência com os conceitos hegemônicos
burgueses sobre a educação.
Primeira questão a se discutir em relação a isto é que na pedagogia
libertária não existe este conflito, porque razão e sensibilidade são
complementares, como Kant atesta em sua terceira crítica. O problema é que o
idealismo de Thompson separa a educação da vida, e embora o mesmo
defenda que é necessário trazer a vida para dentro da academia é num
sentindo subordinador e que não existe uma recíproca de integrar a academia
à vida. Em relação a isto é interessante notar que enquanto o sistema
educacional se mantiver em sua torre de marfim distante da vida, a educação
sempre estará em crise, sobre isto Stirner afirma:
Percebeu-se que a escola estava em atraso com relação à
vida, não apenas porque ela mantinha-se afastada do povo,
mas porque negligenciava a cultura geral dos estudantes em
proveito de uma cultura especializada, e porque abstinha-se de
desenvolver, em sala de aula, o estudo dos numerosos
problemas que a vida nos impõe (STIRNER, 2001, p. 66-67).
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Neste ponto fica evidente que se existe um conflito entre o
intelectualismo burguês e a experiência vivida, ela se deve por uma idealização
que separa, de maneira antinatural, a teoria da práxis. Ou seja, novamente fica
evidente que ao abordar a questão de determinada maneira, Thompson reforça
todas as ideias hegemônicas burguesas sobre a educação incluindo a
meritocracia. Em outras palavras a correlação entre “sentimento real e razão
justa” não tem nada a ver do equilíbrio entre o ‘rigor intelectual’ e a experiência
vivida, como Thompson defende e sim com uma idealização que separa a
teoria e a prática, de modo que desta maneira se impede o surgimento de uma
experiência de aprendizagem ética .
Conclusão
O que podemos perceber da análise do conteúdo desta palestra é que
apesar de existir uma tímida valorização da experiência dentro da academia,
por parte de Thompson, a mesma é feita apenas com o viés de fortalecimento
da instituição burguesa e não com o intuito de ‘desierarquizar’ as pessoas
segundo seu avanço acadêmico.
Ao não se questionar sobre as bases que sustentam o modelo
educacional burguês, Thomson reafirma a meritocracia de maneira que sua
tímida defesa a experiência é anulada ao longo da palestra. Além disso,
lembrando que a educação atualmente é um mecanismo de dominação
cultural, Thompson reforça esta função educacional ao desejar que os
trabalhadores pensem como classe média, ou seja, como pequenos
burgueses. E ao defender uma relação conflituosa entre razão e sensível,
mesmo buscando um equilíbrio artificial, Thompson também defende a
idealização do processo educacional, o separando da vida.
Então Thompson por não buscar os alicerces da educação burguesa,
faz uma crítica superficial e isolada da realidade por conta de uma arrogância
típica da academia, como o próprio diz:
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A cultura letrada não está isolada em relação à cultura do povo
à maneira antiga de diferença de classes, mas, não obstante,
está isolada dentro de suas próprias paredes de auto-estima
intelectual e de orgulho espiritual (THOMPSON, 2012, página
43).
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STIRNER, Max. O falso princípio da nossa educação. São Paulo. Imaginário.
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TEXTOS COMPLETOS GT 3 “HISTÓRIA SOCIAL: CULTURAS E
EXPERIÊNCIAS DE TRABALHADORES(AS) DO CAMPO E DAS CIDADES”
Proponentes:
Célia Rocha Calvo (UFU)
Rejane Meireles Amaral Rodrigues (Unimontes)
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A HISTÓRIA ORAL DOS PROFISSIONAIS DE MOTOTAXI NA
CIDADE DE MONTES CLAROS/MG NA PERSPECTIVA DA
LÓGICA HISTÓRICA
BARBOSA, Cristiano (Mestrando em História pela Universidade Estadual de
Montes Claros/MG - UNIMONTES, professor Faculdades Santo Agostinho)
[email protected]
RODRIGUES, Rejane Meireles Amaral (Docente no programa de Pósgraduação em história nível Mestrado na Universidade Estadual de Montes
Claros/MG – UNIMONTES)
RESUMO:
O presente artigo apresenta os resultados parciais da pesquisa realizada sobre
o surgimento da atividade de mototaxi na cidade de Montes Claros/MG, a
configuração da profissão através de seu cotidiano, os aspectos ligados ao
poder e a identidade na atividade. Os resultados parciais revelam que o
surgimento da profissão decorre de uma ampliação da informalidade no
contexto do trabalho, de certo modo, legitimada pelo Estado. Mostrou que nem
sempre há identidade entre os profissionais, que há disputa de poder interno e
externo à atividade. Além disso, revelou que a profissão se configura
basicamente como atividade masculina e que o cotidiano do labor é marcado
por interrelações de poder que mantêm a atividade na condição de um labor
informal.
PALAVRAS-CHAVE: mototaxista, Montes Claros, trabalho, informalidade.
1 INTRODUÇÃO
Atualmente a observação empírica tem demonstrado elevação do labor
informal decorrente de transformações nos modos capitalistas de produção,
que são poupadores de força de trabalho, o que coaduna com a visão de Kon
(2004) ao referir-se a ampliação da informalidade e da prestação de serviços
como forma de obtenção de sustento pessoal. Por outro lado, As
transformações no modelo capitalista de produção revelam embate de forças
conflituosas, ou seja, revelam embates de poder. Nesse âmbito, situa-se o
trabalhador que se vê frente a tentativa do capitalismo de se manter intocado
em suas relações. E assim, ele (capital) busca sua reafirmação gerando
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distorções, mesmo que indiretamente, nas relações de emprego transformando
o trabalhador em mera peça da linha de produção passível de descarte a
qualquer momento, conforme pode ser interpretado, se assim nos for permitido,
da leitura de Almeida (2006), Theodoro (2004), Capelas; Huertas Neto,
Marques (2010), Castells (2012). Tal fato faz com que muitos trabalhadores,
em um ato de resistência contra as explorações capitalistas peçam demissão
do emprego e passem a buscar alternativas de sustento em atividades não
regulamentadas.
Paralelamente, estudos relativos ao futuro do mercado de trabalho, a
exemplo de Offe (1994) e Kon (2004) apontam para a acentuação da
flexibilização e para a busca da subsistência e/ou do seu complemento no setor
informal da economia. Tal cenário não se difere muito no Brasil. Diante do
exposto, surge a possibilidade de se discutir aspectos relativos a consciência
dos trabalhadores enquanto classe que luta pelos seus direitos, desejos e
objetivos de sobrevivência, transformando-os em uma classe que vive do
trabalho, conforme interpretação da ideia de Khoury (2006), Antunes (2002),
classe essa que nem sempre tem consciência identitária sobre ela própria.
No Brasil a transformação do mercado de trabalho decorreu dos
aspectos históricos ligados a uma economia escravista, que posteriormente
buscou o processo de industrialização sob o slogan desenvolvimentista, mas
manteve as relações de poder entre dominadores e dominados. Nesse sentido,
o trabalhador se transformou em assalariado, desprovido de significação
positiva ligando-o a pobreza, despreparo, desocupação, trabalho informal,
desqualificação conforme é possível entender em Telles (1999). Paralelamente
não se pode negar que, em parte, tal transformação (contexto do trabalho) é
decorrente das reduções no crescimento das economias gerada por crises
financeiras
e
econômicas
como
as
que
se
tem
percebido
contemporaneamente. Assim, somaram as formas alternativas de ocupação
laboral que já existiam, outras que foram criadas como meio de obter a
subsistência, a exemplo do serviço de transporte alternativo conhecido como
mototaxi.
Em decorrência do exposto houve a opção de estudar o surgimento
da profissão de mototaxista na cidade de Montes Claros/MG, sob a perspectiva
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dos profissionais da área com a coleta dos dados através de depoimentos e
das memórias desses trabalhadores e de enquadramento do mesmo na
vertente oral e social, sem que haja negação de outras formas de abordagem
complementares, como por exemplo, dados apresentados pela imprensa.
Assim, o problema proposto questiona qual o motivo dos trabalhadores
atuarem como mototaxista e como a profissão se caracteriza na atualidade.
Baseado nele foram propostas as seguintes hipóteses: 1)- o desemprego
involuntário e posteriormente o desemprego voluntário justificam a atuação de
trabalhadores na profissão, 2)- A profissão está configurada com participação
em sua maioria de pessoas do sexo masculino e com trabalhadores informais,
3)- apresentam relações de poder conflituosas e de que 4)- não há identidade
fortemente estabelecida entre os profissionais. Em relação ao objetivo o
estudo se propõe a identificar o surgimento e elementos caracterizadores da
profissão.
2 METODOLOGIA
Para a elaboração desse trabalho foi estabelecido como método à
pesquisa qualitativa, realizada por acessibilidade e de forma não probabilística.
Além disso, partiu-se do método de lógica histórica em que o investigador
identifica a evidência, posteriormente a questiona e a confronta com os
referenciais teóricos selecionados para análise, conforme destaca Thompson,
(1981).
Essa forma de pesquisa contou com o registro por escrito efetuado
pelo próprio pesquisador das informações apresentadas e que se relacionavam
com a questão do poder na atividade, objeto do trabalho. A opção pelo registro
manual se deu com a finalidade de selecionar somente as respostas que se
relacionavam com o tema proposto para pesquisa. Através da entrevista não
estruturada foram entrevistados 30 trabalhadores que atuam em 5 pontos de
atendimento sendo localizados nas regiões do Alto São João (A), Centro (B),
São Luiz (C), Funcionários (D) e Cidade Nova (E). Ressalta-se que os nomes
dos entrevistados assim como dos pontos de atendimento foram mantidos em
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sigilo conforme informado aos entrevistados, sobre o procedimento de
pesquisa na apresentação dos dados, que se daria de forma descritiva.
É importante ressaltar que os resultados estão apresentados de forma
de forma conjugada com os referenciais teóricos e não foram transcritos na
integra conforme a fala dos pesquisados. A adoção dessa forma de
apresentação permite que na medida em que os resultados são colocados para
apreciação seja realizado o confronto com a teoria. Outro fator que também
deve ser destacado é que os resultados apresentados são parciais, por isso, há
que ser considerada a possibilidade de, na ampliação da pesquisa, ocorrer
variação nas formas de disputa de poder, conforme os locais e a população
entrevistada. Importante destacar que a pesquisa se enquadra no contexto da
historia social, pois, segundo interpretação das ideias de Hobsbawm, (1998),
ela possibilitou explicar como os aspectos econômicos teve peso na
conformação da atividade de mototaxi, bem como, de que modo as próprias
relações e inter-relações dos profissionais geram modificações e adaptações
no poder e nas identidades a ela vinculada (atividade). Além disso, a pesquisa
fez uso do método da história oral e a memória uma vez que o levantamento
dos dados ocorreu junto aos indivíduos objeto da investigação, na forma de
narrativa oral e depoimentos. Contribui para a visão da historiografia pautada
na oralidade, o fato dela ser uma metodologia constituída de fontes para o
estudo da história contemporânea, segundo ressalta Alberti (2006).
Em corroboração e complementação, Thompson (1992, p.304-305)
menciona que a história oral pode utilizar uma forma de análise cruzada em
que a evidência oral “é tratada como fonte de informação a partir da qual se
organiza um texto expositivo [...] a evidência oral pode ser avaliada, julgada,
comparada e citada paralelamente ao material de outras fontes.” Além disso o
estudo propôs uma reflexão baseada em documentos gerados pela
impressa escrita (jornais) vez que, segundo Luca (2006) essa opção de
abordagem serve não apenas para confronto das hipóteses com os
acontecimentos registrados, mas, também auxilia no sentido de trazer a
memória dos trabalhadores investigados, os fatos e acontecimentos de cada
período, servindo inclusive, como forma de confirmar ou negar o reflexo dos
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fatos históricos através das transformações econômicas e sociais vividas e
relatadas pelo grupo objeto do estudo.
3 DESENVOLVIMENTO
É sabido que do passado registrado, das memórias e da oralidade
dos indivíduos que se pode obter a compreensão dos dilemas vividos no
presente, Nesse sentido, o surgimento da atividade de mototaxista em Montes
Claros/MG indica, historicamente e através da visão empírica, um processo de
retroalimentação de relações de poder, assim como, de processos de
identidade. Tais aspectos podem ser revelados através dos registros oficiais ou
não, bem como, “[nas] memórias individuais narradas pelas pessoas [que
fazem] emergir sentimentos, valores, atitudes de um grupo e o cotidiano das
experiências vividas [...] [além disso,] a memória pode ser também o guia da
construção da história oficial” (CARDOSO, 2006, p. 178).
Dessa forma, antes de buscar o registro escrito sobre a profissão de
mototaxi, a pesquisa buscou contato direto com os profissionais da área para
identificar, em um contexto mais geral e em suas memórias, dados sobre o
surgimento da profissão na cidade. Com isso, segundo os entrevistados e o
primeiro mototaxista que criou o primeiro ponto de atendimento na cidade, a
atividade surgiu por volta do ano de 1996-1998 quando ele trouxe a idéia de
estabelecer um ponto de atendimento de transporte de passageiros sobre
moto, de modo semelhante ao que ocorria em uma cidade do estado de Goiás,
onde o serviço era prestado de modo regulamentado pela prefeitura e de onde
ele copiou a idéia.
Assim, o 1º mototaxista da cidade buscou a prefeitura local, através
da qual recebeu alvará de funcionamento, para criar um ponto de atendimento.
Contudo, já na primeira semana de funcionamento a atividade gerou conflitos
de interesses com taxistas, empresas de transporte coletivo urbano. Esses dois
grupos alegavam prejuízos financeiros gerados pelos mototaxistas, pois, eles
passaram a captar clientela dos mesmos. Nesse contexto revelou a primeira
disputa de poder gerada pela inter-relação indireta da atividade com outros
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segmentos da economia, ou seja, foi criado o primeiro conflito externo a
atividade. Paralelamente a pesquisa utilizou da busca em jornais impressos de
notícias que se referiam a atividade em sua gênese. Pelos recortes de notícias
encontrados a atividade surgiu, segundo a imprensa local, como uma atividade
ilegal, realizada por trabalhadores que afetavam a ordem do serviço público de
passageiros e colocava em risco as vidas dos que faziam uso do serviço de
mototaxi.
Essa forma de imprensa (divulgação da informação) revelou a partir
da interpretação da matéria divulgada uma conotação de notícia interesses, ou
seja, aquela que é veiculada com a finalidade de atender interesses do poder
dominante na cidade, o que no caso era as empresas de transporte coletivo
urbano e dos taxistas, que percebiam a atividade de mototaxi como prejudiciais
à aferição de lucratividade, o que se confirmou em processo movido pelas
empresas contra os 05 primeiros pontos de mototaxi criados na cidade, onde a
alegativa era de que a atividade se caracterizava como ilegal e que deveria ser
proibida pelo Estado, no caso a prefeitura local. Tal postura revelava que o
embate de poder ocorria pelo fato dele se apresentar de modo fluído, múltiplo,
contraditório e complementar ao mesmo tempo. (SAQUET, 2007). Assim,
houve a resposta dos mototaxitas através de mobilizações dos trabalhadores
que atuavam na atividade para reivindicar o reconhecimento e regularização da
mesma junto ao poder local – prefeitura municipal. Interessante notar, que
nessa
mobilização
percebia-se
um
sentimento
identitário
entre
os
trabalhadores. A retaliação do poder capitalista dominante se deu segundo o 1º
mototaxista da cidade, através da retirada do alvará de funcionamento da
parede do ponto de atendimento, pelo mesmo fiscal da prefeitura que o
concedeu. Tal ato considerado incorreto fez com que a atividade deixasse de
ser legal para se tornar efetivamente ilegal. Nesse sentido, justificar-se-ia as
notícias veiculadas pela imprensa escrita local. Nesse ponto houve
coincidência de ações e intenções para caracterizar a atividade como irregular.
Além disso, essa atitude demonstrou, indiretamente, o poder de
influência de grupos de interesse, que nos dizeres de Telles (1999) se revela
como uma relação entre o Estado e os capitalistas de um tratamento marcado
pelo patriarcalismo e patrononialismo o que é confirmado, mesmo que
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indiretamente por Offe (1994). Assim, o poder, pela observação empírica, pode
ser exercido de diversas formas a exemplo do poder político, econômico, etc.
Em complemento a essa percepção, Bourdieu (2006, p.8) indica que o poder é
algo simbólico podendo “ser exercido com a cumplicidade daqueles que não
querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo [por aqueles que estando em
diversos grupos de poder] o exercem [impositivamente]”. Importante destacar
que o poder simbólico contribui, para a construção da realidade, de
experiências vivenciadas e na (re)(des)construção de identidades entre os
profissionais.
O poder também pode ser objeto de focos diversos de análise como a
da tradição neokantiana, a estrutural e a tradição marxista. O primeiro foco de
análise é voltado para o modo como o poder se opera e na atração como
produtora de consciência. O segundo busca “isolar a estrutura imanente a cada
produção simbólica”. (BOURDIEU, 2006, p. 9). Já o terceiro foco de analise
procura explicar uma produção simbólica efetuando uma relação com o
interesse das classes dominantes. Nesse sentido, o poder cumpriria a função
política de imposição ou legitimação da dominação de um individuo ou grupo
sobre outros indivíduos e/ou grupos, conforme pode ser depreendido a partir da
interpretação associada das ideias de Bourdieu (2006), Hobsbawn, (1987) e
Claval (1999). Ainda segundo Bourdieu (2006), o poder somente permite
àquele que o exerce efetivar a dominação, caso ele não seja percebido como
arbitrário pelos dominados. Do contrário ele pode não resistir. A partir desse
ponto de vista abrir-se-ia a hipótese de que ao ser reconhecido como arbitrário
pela parcela dominada (que passa a ter consciência) dar-se-ia início a luta de
classes como forma de resistência e do modo como aconteceu no caso do
surgimento da atividade de mototaxi na cidade de Montes Claros/MG.
Relacionado ao surgimento de pontos de atendimento de mototaxi, de
modo mais específico, a pesquisa demonstrou que ao ser realizado o relato
histórico os profissionais que atuam nos pontos de atendimento localizados nos
bairros Alto São João (A), Centro (B), São Luiz (C), Funcionários (D) e Cidade
Nova (E) foi identificada divergência entre as informações recebidas nos locais
A, em relação aos relatos efetivados nos locais C e D. A divergência se refere à
data e o motivo de surgimento da atividade em Montes Claros. Os
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entrevistados no ponto A informaram que a atividade surgiu na cidade antes de
1991 e que o motivo não foi desemprego, mas, sim o desejo de ter
complementação
de
renda.
Nesse
aspecto,
não
teria
ocorrido
a
desterritorialização do mercado de trabalho formal pelo exercício do poder
econômico, representado pela demissão de empregados das empresas. Por
esse fato, a territorialização do mercado de trabalho informal se processou de
modo espontâneo, o que coaduna com Claval (1997) e Saquet (2011), no que
tange a possibilidade de construção e coexistência de novas identidades, ou
seja, trabalhadores empregados no mercado formal e desempregados atuantes
no mercado informal.
Já nos pontos C e D os relatos indicaram que a atividade surgiu entre
os anos de 1997-1998 e que o motivo foi o desemprego involuntário. Se
considerado as informações dos trabalhadores que atuam nos pontos
indicados,
poder-se-ia
argumentar
no
sentido
de
ter
ocorrido
a
desterritorialização dos profissionais que atuavam no mercado de trabalho
formal. Paralelamente a esse fato, teria ocorrido a territorialização do mercado
de trabalho informal como alternativa para obtenção do sustento pessoal.
Também é importante destacar em relação a criação do ponto de atendimentos
A, C, e D, que eles foram estabelecidos tendo apenas um único proprietário
que visava complementar a renda através da cobrança de diárias dos demais
mototaxistas. Nesse caso (construção de um ponto de atendimento) houve
uma territorialização sem que houvesse conflito de poder imediato e direto
entre classes ou membros dela (mototaxi), que induzisse ao estabelecimento
naqueles locais.
Dessa forma, abrir-se-ia a possibilidade de considerar que o exercício
de poder no modelo capitalista, ao influenciar negativamente na remuneração
de parcela dos trabalhadores, reduzindo-a (ponto atendimento A) ou eliminadoa (ponto atendimento C e D), acabou por conduzir os indivíduos a atuar em
outras segmentações do território econômico, coadunando com a percepção de
Kon (2004) . Baseada na informação obtida poderia ser dito que o trabalhador
ao estabelecer um ponto de atendimento sob sua gerência e controle criou a
identidade de proprietário. Paralelamente, pelo fato dos proprietários dos locais
de atendimento cobrar diárias para que outros indivíduos atuassem nos
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referidos pontos como mototaxistas, ele (proprietário) passou a exercer poder
econômico e simbólico ao se posicionar na condição de capitalista sobre os
demais trabalhadores que ali laboravam. Esse fato gerou uma relação de poder
conflituosa semelhante ao que os trabalhadores vivenciam no mercado de
trabalho formal, ou seja, de trabalhadores de um lado e capitalistas de outro empresa versus proletário, conforme deixa entender Offe (1994). Diante da
recusa de alguns mototaxistas em pagar as diárias aos proprietários do ponto
de atendimento, houve a desterritorialização dos mesmos, representada pelo
poder impositivo do proprietário do local em não autorizar que tais indivíduos
continuassem laborando ali.
Em relação aos trabalhadores expurgados dos pontos de mototaxi, por
deixar de pagar a diária, foi identificado que eles não apresentavam identidade
com o local de atendimento. Tanto que eles não fizeram questão, segundo
relatado, de continuar trabalhando no mesmo ponto. Apesar da ocorrência da
desterritorialização, daqueles que se recusaram a pagar as diárias no ponto D,
eles continuaram no mesmo ramo de atividade. Esses profissionais saíram
daquele local para territorializar outras áreas a exemplo do ponto de
atendimento C, criando concorrência ao ponto D, o que reforça a adoção de
percepção capitalista por esses trabalhadores, quando eles se colocaram na
posição de proprietário - empresário informal. Complementarmente, poderia ser
hipotetizado que a territorialização dos espaços A, C e D foi precedida, de certo
modo, por um poder econômico do proprietário do ponto de atendimento, que
possuía recursos financeiros que lhe possibilitou alugar um local para
instalação do mototaxi.
Em relação ao ponto A e D não houve
desterritorialização precedente decorrente de uma relação de poder conflituosa
entre indivíduos do mesmo ramo. Já no ponto C houve primeiramente um
processo de desterritorialização decorrente do poder de comando e decisão de
uma classe (dono do ponto) em relação à outra (mototaxista que pagava diária
para laborar no local). Quanto aos pontos B e E as informações obtidas
revelaram que alguns dos mototaxististas que ali atuam, optaram por aquelas
localizações por não ter a obrigatoriedade de pagar diária, aluguel de ponto,
por estarem desempregados, etc.
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A atuação dos trabalhadores nos pontos dos bairros Centro e Cidade
Nova são indicativas de um processo de territorialização do espaço público,
transformando-o
em
privado
através
da
ocupação
do
local
com
o
estacionamento das motos utilizadas para efetuar o serviço de transporte de
passageiros. A princípio, nos espaços B e E não há disputa de poder, nem
territorialidade. Contudo, ao ser observado que alguns dos trabalhadores que lá
laboram impedem o exercício da atividade por outros indivíduos estranhos ao
local, eles, além de um processo de territorialização, através dessa atitude
revelam uma identidade e territorialidade, ao se posicionarem como se donos
fossem daquela área. Outro aspecto a ser destacado é o fato de essa atitude
indicar uma disputa de poder entre indivíduos que são iguais entre si, em
termos de ocupação laboral, ou seja, teoricamente desterritorializados do
mercado de trabalho formal. Porém, ao mesmo tempo eles se diferenciam de
outros indivíduos em decorrência do tempo de ocupação da área em que
captam clientela. Os trabalhadores mais antigos exercem poder de controlar o
fluxo de profissionais na área, com o intuito de manter a sua renda sem a
concorrência de outros indivíduos. A observação revelou a que territorialização
dos espaços B e E é relativa e não é plena, pois, quando os mototaxistas
antigos saem para realizar corridas, outros profissionais informais que passam
pelos locais e que não tem vinculação com eles, param e captam clientes nos
referidos pontos. O motivo disso, é que os profissionais que primeiro
territorializaram o local, quando ausentes, não conseguem efetivar uma
fiscalização e controle que impeça a concorrência.
Ao ser considerado o poder de fiscalização do Estado sobre o espaço
público, foi identificado um processo contínuo e retroalimentado de
territorialização pelos trabalhadores e desterritorialização pelo Estado. O
primeiro ocorre quando os trabalhadores param no local B ou E, e ficam
esperando clientes para transportar sem que haja interferência de fatores
externos como, por exemplo, a fiscalização do Estado que multa os
mototaxistas. Importante destacar que os pontos B e E se caracterizam por
serem locais proibidos para parada de veículos. O segundo (desterritorialização
promovida pelo poder do Estado) ocorre quando os fiscais – MCTrans e Polícia
Militar – passam a autuar os infratores por desobediência à regra de trânsito.
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Apesar das autuações não ter caráter de expulsão – desterritorialização - dos
trabalhadores, ela resulta em maior ou menor escala nessa consequência. Tal
fato revela o poder como elemento territorializante ou desterritorializante e
gerador de identidade múltipla.
Outra forma expressa de disputa de poder entre Estado, como ente
fiscalizador
e
regulador,
e
os
mototaxistas
como
trabalhadores
desterritorializados do mercado de trabalho formal ocorreu, segundo relatos,
quando o Município, no período compreendido entre 1997-1998, tentou
normatizar, sob pressão dos profissionais e regulamentar a atividade. Através
da Legislação Municipal contida nas Leis de nº. 2779 de 16-11-1999 e a da Lei
nº. 2900 de 24-05-2001 foram estabelecidas as regras para atuação na
profissão.
Resumidamente
elas
tratam
dos
aspectos
relacionados
à
padronização das motos em termos de cor, emplacamento, registro do
profissional na prefeitura, pagamentos de taxas, definição das faltas graves na
atividade, formação de cooperativas, etc. Como no geral, os profissionais de
mototaxi consideraram a regulação onerosa e sem vantagem alguma para a
classe, eles não aderiram à regularidade. Tal fato revelou disputa de poder do
Estado ao tentar impor a regularização, e a resistência dos profissionais em se
oporem e não cumprirem a regra, bem como, uma consciência de classe que
se formou naquela ocasião. O descumprimento das regras fez das referidas
leis “letra morta” no município e a atividade continua na informalidade não
apenas pela ausência de registro na Prefeitura Municipal, mas também, pela
ausência de recolhimento previdenciário por parte dos trabalhadores e da
assinatura da carteira de trabalho do mototaxista. Sobre quem são os
profissionais que laboram na atividade foi identificado que todos são do sexo
masculino. Esse fato é indicativo de que a atividade foi territorializada apenas
por um gênero. A causa disso reside no fato e relato de que a atividade é
considera perigosa pelas mulheres, além do desinteresse dos indivíduos do
sexo feminino atuar em tal setor, conforme indicação dos entrevistados.
4 CONCLUSÃO
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A pesquisa revelou que a identidade se mostra com duas vertentes,
sendo uma individual e outra coletiva. É individual no momento em que alguns
mototaxistas não se reconhecem como pertencentes ao grupo e por isso
deixam de buscar melhoria ou legalização da atividade, como ocorreu quando
da filiação ao sindicato e do posterior afastamento em relação a ele. Através
dos relatos sobre a atividade foi percebido que, o mototaxista que não é
proprietário do ponto de atendimento, ao sofrer cobrança da diária para poder
atuar no local, se mostrava averso a ela. Isso fazia com que ele se sentisse no
direito de não pagar por considerá-la inconveniente, o que gerava conflito de
poder. Quando o mototaxista que não aceitava a cobrança da diária por
considerá-la elevada, ele era desterritorializado de forma voluntária ou não do
local, influenciando outros que pensavam de modo semelhante a agir da
mesma forma. Esse fato revelava em relação aos que agiam desse modo, que
eles apresentavam consciência de classe quando se considerava a cobrança
da taxa, mas não de luta em beneficio do grupo.
Outro aspecto de destaque é o fato daqueles que deixaram de laborar
em quaisquer dos pontos de atendimento, não apresentavam identidade com o
lugar de trabalho. Isso se descortinou na análise realizada quando foi
considerado que a ausência de identidade podia ser decorrente do
desentendimento entre eles e o proprietário do ponto com a consequente
proibição de ali atuar. Paralelamente também pode ser dito que, ao ocorrer a
decisão daquele que saiu do mercado de trabalho formal, em criar um ponto de
atendimento para a continuidade do exercício da atividade de mototaxi, esse
ato poderia ser considerado representativo de uma territorialização no campo
econômico, porém no setor informal.
Além disso, e de um modo geral, a atividade surgiu e logo se gerou
conflitos de interesses com as empresas de transporte coletivo urbano da
cidade e os taxistas que alegavam prejuízo pela concorrência, que segundo
eles era considera ilegal. A atividade foi taxada pela mídia impressa de ilegal e
em alguns casos as reportagens reportavam os trabalhadores como pessoas
de pouca idoneidade, coadunando com o que Telles (1999) ressaltou sobre a
troca de favores entre os detentores do poder local. Ao contrário do que se
poderia imaginara atividade se revela em sua quase totalidade dominada pelos
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indivíduos do sexo e se constitui uma forma de sobrevivência para uma parcela
significativa da população que encontra-se desempregada. Além disso, ela se
mostra também como uma forma de complementação de renda para os que
trabalham no segmento formal da economia. Por outro lado a atividade
continua sendo considerada não regulamentada, apresar da tentativa de
regularizá-la e se firma como informal devido inclusive as disputas de poder
ocorridas em períodos antecedentes.
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Alternativas de Desenvolvimento Sustentável no Estado do
Acre e na Zona da Mata do Estado de Minas Gerais
Arlete Maria da Silva Alves
Professora Associada II do IE-UFU, Ph. D: [email protected]
RESUMO:: Neste artigo se discute alternativas socioambientais em duas
regiões Brasileiras, tendo em vista a vinculação delas com novos conceitos e
práticas produtivas que indicam transformações importantes nas formas de uso
de recursos naturais na agricultura, dentre eles o solo e a água e dos recursos
florestais. Visa destacar aspectos relevantes de experiências socioambientais
no Acre, comparando-as com resultados de pesquisa realizada em uma região
da Zona da Mata mineira, e argumentar que uma associação de tais
experiências com a educação ambiental e políticas publicas facilita a expansão
e aprofundamento delas em diferentes contextos e escalas. Apesar das
diferenças históricas, de recursos, e nível de desenvolvimento entre as regiões,
se observa em ambas a adoção de atividades produtivas que unem recursos
florestais e outros usados na agricultura em sistemas produtivos para a
reprodução social de agricultores familiares e suas famílias e preservação
ambiental. Associa esta reflexão ao desenvolvimento local, como forma
alternativa para a efetivação dessas práticas que contestam processos
históricos de marginalização social e degradação ambiental e visam recuperar
recursos naturais imprescindíveis à vida, na ótica de um novo conceito de
educação para um processo de desenvolvimento socioeconômico sustentável.
Palavras-chaves: Agricultura, Desenvolvimento Rural-local Sustentável,
Educação Ambiental.
Summary: This article discusses environmental alternatives in two Brazilian
regions, with a view to linking them with new concepts and production practices
that indicate significant changes in the forms of use of natural resources in
agriculture, including soil, water and forest resources. Aims to highlight relevant
aspects of environmental experiences in Acre, comparing them with results of
research carried out in a region of Zona da Mata, and argue that an Association
of such experiences with environmental education facilitates their expansion
and deepening in different contexts and scales. Despite historic differences, and
of resources, and level of development between the regions, it is observed in
both the adoption of productive activities that unite forest and other resources
used in agriculture into sustainable productive systems for the social
reproduction of family farmers and environmental preservation. Associates this
reflection with the local development approach, as an alternative for the
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
198
Agradece à FAPEMIG, que financiou a pesquisa com bolsa de pós-doutorado sênior, aos grupos de agricultores e
agricultoras e suas famílias, que participaram da pesquisa e das reuniões de intercâmbios, membros do Centro de
Tecnologias Alternativas da Zona da Mata de Minas Gerais, do Governo do Acre e do PESACRE, aos Professores
orientadores do DER-UFV e demais colegas dos Departamentos de Economia Rural, Educação e Solos da UFV, a
Universidade Federal de Uberlândia(UFU) e de Viçosa(UFV).
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implementation of these practices that contest historical processes of social
marginalization and environmental degradation and seek to retrieve natural
resources indispensable to life, in the optic of a new concept of education for a
sustainable socioeconomic development process.
Keywords: agriculture, Rural and Sustainable development, Environmental
Education.
Introdução e Metodologia
A Amazônia e a Mata Atlântica estão entre os mais importantes biomas
brasileiros e de destaque internacional, devido tanto às suas riquezas naturais
e culturais e diversidade biológica assim como exemplos de degradação
ambiental e socioeconômica em necessidade de reparação neste inicio de
século XXI. Mas também são espaços que propiciam a construção de
alternativas socioeconômicas e ambientais, se optarem por adotar estratégias
de desenvolvimento sustentável‟ na teoria e na prática e distanciarem das
ambigüidades do termo que tem tornado impossível a sua efetivação
atualmente.
A Amazônia já foi palco de discussões importantes na cena nacional e
internacional sobre o papel das florestas e recursos naturais em várias
dimensões da vida. Serviu para que as sociedades locais e globais
despertassem para os danos que a região estava sofrendo devido a um padrão
de desenvolvimento econômico, que mostrava resultados nefastos e não trazia
os benefícios sociais e econômicos esperados. A Mata Atlântica é a segunda
maior fonte de biodiversidade do mundo, mas devido à sua inserção mais
antiga ao desenvolvimento apresenta maior degradação de sua biodiversidade.
Do Brasil, maior país em extensão territorial e populacional dentre os
que formam a Amazônia e com um padrão insustentável de desenvolvimento,
se espera um papel chave em apresentar, juntamente com os outros países
amazônicos, alternativas que considerem as crises alimentar, ambiental,
climática e energética, que trazem consequências negativas a própria base
material e imaterial das quais depende o desenvolvimento e a vida na terra. Se
faz necessário ouvir as demandas e práticas de movimentos sociais e setores
da sociedade civil que tem atuado com questionamentos e ações alternativas
ao padrão de desenvolvimento que produziu e/ou intensificou aqueles
problemas.
Este artigo aborda alternativas de desenvolvimento sustentável em curso
em uma
região da Amazônia, no estado do Acre e da Mata Atlântica, na Zona da Mata
de Minas Gerais. Nos dois casos busca-se atender a objetivos básicos de
desenvolvimento, a melhoria da qualidade de vida, recuperação e preservação
ambiental através de atividades de geração de renda, em muitos casos de
sistemas agroflorestais, alternativa de produção agropecuária e florestal com
novas formas de uso dos recursos dos ecossistemas.
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O método utilizado para a pesquisa em Minas Gerais foi o de estudo de
caso, com seleção de casos significativos, e não aleatórios, de grupos de
agricultores familiares que adotam práticas socioprodutivas na perspectiva
agroecológica (priorizando-se os sistemas agroflorestais (SAFs) em quatro
municípios. Estes agricultores adotam as novas práticas socioambientais,
apoiados pelos Sindicatos de Trabalhadores Rurais(STR's) locais, o Centro de
Tecnologia Alternativa da Zona da Mata (CTA-ZM), e alguns professores da
Universidade Federal de Viçosa (UFV), e participam de reuniões de
intercâmbios entre as famílias que adotam as práticas em cada município199 .
Os quatro municípios selecionados para a pesquisa foram Acaiaca,
Araponga, Divino e Espera Feliz, onde foram entrevistados um dos membros
das famílias que adotam as práticas agroecológicas e SAFs e participam dos
intercâmbios 200 . Os dados de campo foram levantados pela pesquisadora
durante os meses de março de 2010 a março de 2011, através de entrevistas
semi-estruturadas realizadas nas propriedades selecionadas ou nos sindicatos,
dos encontros de intercâmbios, das visitas a algumas das propriedades e
contatos com agricultores e sindicatos de trabalhadores rurais.
Para a pesquisa no Acre, foram visitadas experiências de geração de
emprego e renda no município de Feijó, junto ao secretário de pequenos
negócios e assessores, e realizadas entrevistas abertas com o coordenador da
organização não governamental (ONG)--Pesquisa e Extensão em Sistemas
Agro-florestais do Acre(PESACRE) e da Secretaria de Extensão Agroflorestal e
Produção Familiar(SEAPROF) sediados na capital Rio Branco. A pesquisa
utiliza-se de dados qualitativos e quantitativos e fontes primárias e secundárias,
estas principalmente para o Acre, e se classifica como qualitativa201.
O artigo apresenta alguns dos resultados das pesquisas e sugere a
associação das experiências com a educação ambiental(EA) e criação de
tecnologias socioambientais apropriadas ao contexto onde se desenvolvem.
Dentre os resultados, será dada atenção especial a educação, na versão da
EA, pensada em associação com a pesquisa e a extensão, de maneira a
permitir se trabalhar temas e desafios na área do desenvolvimento rural e local
sustentável, tais como tecnologias socioambientais. Dada a vinculação da EA
com o desenvolvimento sustentável e movimentos sociais, apresenta-se como
instrumento importante para se avançara práxis e teorização sobre o
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
199
Os intercâmbios têm como objetivos a troca de conhecimentos entre as famílias e a partilha de saberes e
experiências, visando aprofundar e fortalecer as experiências agroecológicas e SAFs e as novas estratégias de
produção de meios de vida e tecnologias socioambientais originadas a partir delas.
200
O número de famílias que participam dos grupos de intercâmbios foi informado pelos entrevistados e aferido nas
reuniões de intercâmbio como sendo 08 em Acaiaca, 06 em Araponga, 06 em Divino e m Espera Feliz.Em cada
município, foram entrevistadas pelo menos a metade daquelas famílias e membros dos STRs locais e/ou das
associações vinculadas aos sindicatos que participam dos intercâmbios,sendo no total 15 agricultores familiares -- 04
em Acaiaca, 03 em Araponga, 04 em Divino e 04em Espera Feliz, e 13 membros-diretores dos sindicatos--03 em
Acaiaca, 01 em Araponga, 04em Divino e 05 em Espera Feliz, e 05 membros do CTA-ZM e UFV que promovem as
experiências e pesquisas sobre elas.
201
Para mais detalhes sobre a metodologia e instrumentos utilizados ver Alves e Botelho (2014).
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desenvolvimento nos ecossistemas brasileiros, com participação dos
beneficiários, apoiadores e sociedade.
Na próxima seção será feita uma reflexão sobre variáveis chaves a
serem priorizadasem uma nova concepção de desenvolvimento
socioeconômico e local que busque o uso sustentável dos recursos naturais e
um papel central da agricultura e florestas no desenvolvimento dos países. As
seções seguintes apresentam informações sobre o Acre e a Zona da Mata
mineira, alguns dos resultados das pesquisas e o papel da EA no
aprofundamento, orientação e produção de conhecimentos sobre experiências
como as analisadas no artigo, visando à inserção delas nos processos de
desenvolvimento rural.
2. Variáveis Chaves e Nova Concepção de Desenvolvimento Sustentável
Já está se conformando hoje no mundo, um entendimento de que ascrises
alimentar, ambiental, climática e energética evidenciam problemas chaves
relacionados aos usos dos recursos naturais nos vários países e para
solucioná-losse exigem mudanças no conceito e prática do desenvolvimento
para que ele seja sustentável. Isto requer a consideração de dimensões
sociais, econômicas, históricas, político-culturais e ambientais.
Com relação às áreas rurais, para Caporal e Costabeber (2004) há
consenso de que o atual modelo de desenvolvimento rural e agricultura
convencional é insustentável no tempo, dada sua grande dependência de
recursos renováveis e limitados, e a noção de sustentabilidade tem dado lugar
ao surgimento de diferentes correntes de desenvolvimento rural sustentável.
Afirmam que está em curso uma mudança de paradigma na qual se destaca a
necessidade de se buscar estilos de desenvolvimento rural e agricultura que
assegurem maior sustentabilidade ecológica e equidade social.
Quanto ao uso dos recursos florestais, o momento é oportuno, pois se
evidencia, com a discussão do código florestal brasileiro, a necessidade de
aprofundar o debate sobre o uso das florestas e o controle da sociedade sobre
estes e os outros recursos naturais. Com 61% de sua área territorial coberta
por florestas, a segunda maior extensão de florestas do planeta depois da
Rússia e maior área de floresta tropical do mundo (ISA 2008), o Brasil tem o
dever de inovar no papel delas no desenvolvimento sustentável.
No Brasil, Segundo Nitahara (Ecodebate 2011), “As florestas são fonte
de sustento de pelo menos 200 mil famílias que vivem do extrativismo só na
Amazônia, produzindo o pescado, a castanha, óleos vegetais, fibras, açaí,
pequenos artefatos de madeira e a borracha. Em outros biomas, Cerrado,
Caatinga e Mata Atlântica, também há extrativismo e os produtos são o pequi,
no Centro-Oeste ou o caranguejo no litoral. No mundo, a estimativa da
ONU(1988) é que haja 1,6 bilhão de pessoas que dependem das florestas para
viver.” As práticas agroecológicas e SAFs se apresentam como alternativas
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para estas áreas ea teorização sobre o desenvolvimento sustentável em níveis
locais.
Os SAFs têm se desenvolvido em várias partes do mundo (Mead e
Sadio 2004), mas especificamente na África e Ásia( Kumar and Miah 2004).
Alguns estudos (Schroth et al 2004) chamam a atenção para a quantidade de
informação já acumulada sobre os efeitos de diferentes práticas agroflorestais
na conservação da biodiversidade e como estratégia de união de objetivos da
produção agropecuária com preservação do solo, água, clima local e
biodiversidade, diversificando a produção para aumento de benefícios sociais,
econômicos e ambientais”.
Tanto no Acre como em Minas Gerais, observa-se uma questão central
sobre o uso de recursos naturais em dois setores importantes da economia
brasileira, Agricultura e Florestas: a adoção de práticas socioambientais para o
Desenvolvimento socioeconômico e Rural Sustentável com foco em grupos
sociais marginalizados pelo modelo atual. Os sistemas produtivos examinados
estão sendo praticados por agricultores familiares202 e estimulados por atores
sociais e institucionais que propõem mudanças nos usos de recursos naturais e
na gestão socioambiental e institucional de tais recursos na ótica de um novo
conceito e prática de desenvolvimento rural e local sustentável.
O artigo apresenta experiências em curso nos estados do Acre e Minas
Gerais, como base para uma EA que ajude na produção de conhecimentos
sobre elas, de tecnologias socioambientais adequadas ao ambiente em que se
desenvolvem e as analisem no contexto mais amplo do desenvolvimento
sustentável da Amazônia, Mata Atlântica e Brasil. No Acre se destacam
iniciativas inovadoras da ONG PESACRE, na extensão rural e a criação de
uma Política de Valorização do Ativo Ambiental Florestal, que buscam usar de
formas mais sustentáveis os recursos naturais ainda existentes na Amazônia,
com geração de renda, e na Zona da Mata experiências com SAFs que aliam a
recuperação de recursos naturais já degradados com a geração de renda.
Os SAFs propiciam o uso sustentável de recursos naturais e geração de
produtos
essenciais á manutenção da vida e são praticados em diferentes ecossistemas
e regiões do planeta. Segundo Xaud et alli(2003) os “SAFs são formas de uso
e manejo da terra nas quais árvores e/ou arbustos são utilizados em
associação com cultivos agrícolas e/ou com animais, numa mesma área,
permitindo que a família rural utilize de forma eficiente os recursos naturais que
dispõe. ”Para ele, como também se apreende da literatura em geral, dentre as
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
202
Adota-se o conceito de agricultura familiar de Buainain (2006)que considera que “nenhum critério ou metodologia é
totalmente satisfatório, e nenhumestá livre de certo grau de arbitrariedade. Em geral, o corte original--ser ou não ser
agricultorfamiliar é feito, tomando-se como variável básica a utilização de mão de obra familiar”. Esta éuma
característica dos agricultores entrevistados durante a pesquisa. Todos utilizam dotrabalho de vários membros da
família, e só raramente utilizam do trabalho de outras pessoas e, na maioria das vezes com a o sistema de “trocas de
dias”,geralmente não envolvendo pagamento monetário pelo trabalho.
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vantagens destes sistemas temos: sua capacidade de manter bons níveis de
produção no longo prazo e melhorar a produtividade de forma sustentável,
reduzido ou nenhum uso de agrotóxico, menor risco de erosão, menor uso de
insumos, maior diversificação de produtos e renda, recuperação de áreas
degradadas e recursos hídricos.
Para o ISA (2008), os SAFs existem em várias partes do Brasil,
particularmente na Amazônia e a adoção deles tem mostrado vantagens
econômicas e ambientais em relação aos sistemas de cultivo convencionais, e
em quase todas as experiências observa-se o aumento da diversidade das
espécies. Se dividem em sistemas agrissilviculturais, que combinam árvores
com cultivos agrícolas anuais; agrissilvipastoris, árvores com cultivos agrícolas
e animais; silvipastoris, árvores e pastagens; e sistemas de enriquecimento de
capoeiras com espécies de importância econômicae pouso melhorado.
Dentre os pontos negativos destacam-se o pouco conhecimento em
nível de interações entre componentes dos ecossistemas e manejo e
necessidade de maiores informações técnicas, excesso de competições entre
espécies e dificuldades para mecanização. Dimensões em que a EA,
associada a uma ciência e tecnologias socioambientais apropriadas aos
ecossistemas onde se desenvolvem as experiências, o papel dos atores sociais
envolvidos com seus conhecimentos e praticas, e da universidade no ensino,
pesquisa, extensão e produção de conhecimentos e tecnologias tornam-se
fundamentais.
Um dos resultados de experiências com SAFs mais destacados na
pesquisa e na
literatura é a capacidade de restaurar recursos naturais tais como solo, água,
fauna e flora, necessários para manter as florestas e uma agricultura
sustentável. Segundo Almado (2012), baseando-se no Dicionário da Floresta
(Helms), “a sustentabilidade florestal é definida como a capacidade das
florestas em manter a sua saúde, produtividade, diversidade e integridade
global em longo prazo, no contexto da atividade e do uso.” A forma em que os
recursos florestais são usados determina esta possibilidade, mas para tal fazse necessário sistemas produtivos sustentáveis.
Adota-se no trabalho o conceito de sustentabilidade oficial das
Organizações das Nações Unidas (1988), mas também enfatiza aquele
associado á lógica das práticas, apresentado por Ascelrad (1997) para quem:
“ao contrário dos conceitos analíticos voltados para a explicação da realidade,
a noção de sustentabilidade está submetida à outra lógica--a lógica das
práticas: articula-se a efeitos sociais desejados e a funções práticas que os
diferentes atores pretendem tornar realidade objetiva. Ӄ tema central nas
experiências estudadas, que se desenvolvem na perspectiva multidisciplinar e
permitem examinar o conceito de sustentabilidade relacionado à prática
produtiva sustentável.
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Importante considerar também a diversidade ambiental e de formas de
reprodução social nos diferentes ecossistemas/biomas brasileiros e as várias
conotações que apalavra local associada á sustentabilidade e a prática podem
assumir. Neste sentido apresenta-se também o conceito de agroecologia,
forma alternativa de uso de recursos naturais que tem recebido atenção de
setores da academia e movimentos sociais, e que permite construir a
sustentabilidade em diferentes locais/ecossistemas. Segundo Caporal e
Costabeber (2004), “a agroecologia proporciona as bases científicas e
metodológicas para estilos de agricultura sustentáveis. ”E para Altieri (2000) é
uma “Ciência/Disciplina científica que apresenta uma série de princípios,
conceitos e metodologias para estudar, analisar, dirigir, desenhar e avaliar
agros ecossistemas, visando à implantação e desenvolvimento de estilos de
agricultura com maiores níveis de sustentabilidade.”
Na Zona da Mata a agroecologia é vista como um processo em
construção, assim como os SAFs, em que as famílias se envolvem conciliando
atividades produtivas com a restauração e manutenção de recursos naturais
como os florestais, o solo e a água, aprimorando sua relação com a natureza e
a biodiversidade na área. Embora os SAFs nem sempre se desenvolvam na
perspectiva agroecológica, acredita-se que esta seja uma meta quando se
busca a sustentabilidade social e ambiental. Para Altieri a agroecologia:
Agroecology is the holistic study of agroecosytems, including all environmental and human
elements. It focuses on the form, dynamics and oftheir interrelationships and the processes in
which they are involved. An area used for agricultural production, e.g, a field, is seen as a
complex system where ecological processes found under natural conditions occur, nutrient
cycling, predator/prey interactions, competition, symbiosis and successional changes. Implicit in
agroecological research is that by understanding these ecological relationships and processes,
agroecosytems can be manipulated to improve production and produce more sustainably, with
fewer negative environment or social impacts and fewer external inputs(Altieri, 1995).
Para se avançar na busca da sustentabilidade associada á lógica das práticas,
a pesquisa
destaca o Desenvolvimento em nível Local, que, teorizado por autores
nacionais e internacionais(Alves 2009; Lima 2007; González 1998), visa à
construção de processos de desenvolvimento locais sustentáveis, com a
participação de diferentes setores econômicos e da sociedade civil, em
parceria com governos locais e outras instituições. Segundo Paul Rose (apub
González 1998): “O desenvolvimento local é uma mudança global que põe em
movimento a busca de sinergias porparte de agentes locais, para a valorização
dos recursos humanos e materiais de certo território.
Outros autores (Lima et alli. 2007; Alves e Vasconcellos 2001) sugerem
que as alternativas de desenvolvimento hoje focalizem a geração de emprego e
renda e a preservação ambiental, e combinem, além dos aspectos econômicos,
os de cunho social, político-cultural, e ambiental e trabalhem asdesigualdades
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ainda existentes em muitos países, a democracia participativa e a
cidadania.Nesta reflexão, adota-se esta abordagem de desenvolvimento como
uma que facilita atender aos seus objetivos, e que, com base em novos
valores, éticas e modalidades de atuação, novaspráticas, metodologias e
instituições, apoiem as iniciativas locais e a EA, engendradas e construídas
com base naquelas experiências pelos atores sociais e institucionais
envolvidos e sociedade.
3. Alternativas Socioambientais - Acre e Zona da Mata de Minas Gerais
O estado do Acre tem dado exemplos de mobilização social, política e
institucional para usar deformas sustentáveis os recursos florestais que detém.
Após 120 anos da ocupação territorial doestado em 1878, com a chegada, em
sua maior parte, de nordestinos para exploração da borracha, chega ao poder,
um governo que decide estimular o uso sustentável dos recursos naturais da
região. Reconhece a vocação florestal do estado, foi denominado governo da
Floresta‟ e apoiado por movimentos sociais.
Os impactos sociais, econômicos e ambientais negativos oriundos das
formas de uso dos recursos naturais na Amazônia já são bastante destacados
na literatura nacional e internacional. O Acre contribuiu já desde a década de
1980, com os movimentos sociais e lutas dos seringueiros que culminou com a
morte de Chico Mendes, para a conscientização internacional sobre problemas
graves de degradação ambiental no bioma da Amazônia, principalmente o
desmatamento.
Nos últimos anos, com a determinação do governo estadual e parcerias
desenvolvidas para elaborar e programar a Política de Valorização do Ativo
Ambiental Florestal o Acre coloca em prática uma nova visão de
desenvolvimento, com apoio da sociedade civil nacional e internacional,
elaborando uma estratégia de desenvolvimento pautada na sustentabilidade e
estimulando experiências que podem servir de base para o desenvolvimento
sustentável da Amazônia. O governo cria a Política acima(Governo do AcreManual Operativo), que busca conhecer seus recursos sociais, econômicos e
ambientais e a construção de um novo modelo de desenvolvimento local e
regional pautado no combate á pobreza e elevação do bem-estar da
população, no dinamismo de uma economia de base florestal com geração de
emprego e renda, no fortalecimento da identidade e respeito à diversidade
cultural, e no uso dos recursos naturais com sabedoria.
A Zona da Mata mineira é parte da Mata Atlântica, que na época do
descobrimento do Brasil em 1500, cobria 15% de seu território, e hoje restam
apenas 102 mil quilômetros quadrados (ISA 2008). Os impactos sociais,
econômicos e ambientais negativos oriundos das formas de uso da terra e
outros recursos naturais na região são destacados na literatura. Para Brito et
al(1997) já no século XIX Saint Elaine e outros naturalistas europeus
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deslumbravam-se com a riqueza da flora e fauna da Mata Atlântica mineira.
Mas, já no início deste século, Saint Hilaire (1975, apud Brito et al 1997)
chamava a atenção para o desmatamento e as queimadas que comprometiam
a flora e a fauna.
A principal atividade econômica da maioria dos municípios da região é a
produção de bens agrícolas, em pequenas unidades produtivas familiares,
destinada ao mercado regional. Segundo Cardoso et al.(2001) o uso da terra,
em longo prazo, com práticas agrícolas tradicionais, principalmente com o uso
da força de trabalho da própria família, e pastagem e café, este muitas vezes
inter-cultivado com milho e/ou feijão, são os principais sistemas de produção
locais, além da cana de açúcar, mandioca, frutas e legumes destinados ao
consumo humano e dos animais, e à comercialização na região.
As propriedades dos agricultores possuem em média 7,1ha em
Acaiaca;11,5 em Araponga; 5,5 em Divino e 7,5 em Espera Feliz. Algumas já
apresentam alto nível de diversificação da produção, outras estão implantando
os SAFs, ou fazendo a inserção de árvores nativas e/ou frutíferas, milho e/ou
feijão e bananeiras nas lavouras de café. Dos quatro municípios, três têm o
café como o principal produto para comercialização, e em Acaiaca, os
agricultores utilizam-se dos SAFs em áreas de cultivos variados, principalmente
nos quintais, na produção de milho e feijão, a maior parte para
comercialização.
Além de outros resultados, destaca-se as novas estratégias de produção
de meios de vida e tecnologias sociais adotadas pelos agricultores envolvidos,
que lhes permitem colocar em prática os princípios agroecológicos em suas
propriedades para produção agropecuária e florestal, desenhando sistemas
produtivos alternativos para sua reprodução social. As novas estratégias de
produção de meios de vida já discutidas em outro trabalho (Alves e Botelho
2014) incluem atividades de geração de emprego e renda através da
diversificação dos cultivos agrícolas, a produção de alimentos vendidos nas
residências e mercados locais, e de artesanato, e a participação em políticas
públicas como as de aquisição de alimentos e merenda escolar pelo governo
federal.
Para alguns entrevistados, o fato de um grupo de agricultores adotarem
as práticas agroecológicas e/ou SAFs vai construindo uma nova visão de
desenvolvimento, onde as questões da alimentação e melhoria na saúde são
citadas como muito importantes (Entrevista 23/10/2010-EF). Este agricultor
afirma que o mercadinho local que vende produtos agroecológicos é bastante
procurado por vender produtos saudáveis, o que segundo ele contribui para
mudanças na questão conceitual do desenvolvimento.
No Acre, além da determinação do governo em usar os recursos
florestais como base para o desenvolvimento do estado, destacam-se
organizações como o PESACRE, que em parceria com agencias
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governamentais e não-governamentais, nacionais e internacionais, realiza
experimentos que priorizam melhorias socioeconômicas e uso sustentável dos
recursos naturais, e estudos que visam compreender o papel dos municípios
no uso sustentável das suas florestas e na agricultura(Toni e Kaimowitz
2003).Podem-se citar três ações que evidenciam o empenho das organizações
e estado em adotar e praticar um novo conceito de desenvolvimento
sustentável, pautado na inclusão social e uso adequado dos recursos sociais,
econômicos, político-institucionais e ambientais.
Foram desenvolvidas parcerias entre a Universidade Federal do
Acre(UFAC) e da Flórida (UF), dos Estados Unidos, para um programa de
cooperação técnica, financiado pela fundação FORD, que tem como objetivo
reforçar a capacidade técnica destas e de outras instituições (Melgaço 2005).
Criou-se o Grupo PESACRE em Julho de 1990, que adota os preceitos de
pesquisa participativa defendidos pelo PESA(Pesquisa e Extensão em
Sistemas Agroflorestais) e inclui entre suas atividades, o desenvolvimento de
pesquisas e EA para diferentes setores da sociedade. Segundo Melgaço
(2005):
“O PESACRE é uma ONG multidisciplinar e interinstitucional de conservação e
desenvolvimento que atua em diversos projetos, criando novas metodologias,
buscando estudar e difundir aspectos ecológicos, sociais e econômicos na
utilização da floresta e sistemas agroflorestais e agrícolas junto a colonos,
índios, seringueiros e ribeirinhos. As atividades aliam conservação do meio
ambiente e geração de renda para as populações que moram e vivem da
floresta. As demandas foram se transformando: A princípio era necessário
tornar sustentáveis os sistemas de produção para não faltar alimento nem
derrubar mais florestas, e hoje se busca alternativas para beneficiar os
produtos, processá-los e comercializá-los.
Uma das experiências de destaque do PESACRE foi o projeto Assentamento
Sustentável São Salvador no município de Mancio Lima, no Acre. A ONG foi
convidada a participar na concepção e implementação deste modelo de
assentamento diferenciado e articula varias parcerias institucionais e a
comunidade na construção da sustentabilidade deste assentamento. Pratica
uma nova metodologia que tem como princípios a participação das
comunidades beneficiarias, a perspectiva de gênero, a inserção da dimensão
ecológica e o respeito ao conhecimento e a cultura local.
O estudo subsidiou a criação do Projeto de Desenvolvimento
Sustentável(PDS) do seringal São Salvador e considera os cinco princípios-social, cultural, ambiental, econômico e político. Ressalta a adoção de novas
atividades econômicas como fonte de renda e subsistência das famílias após o
fim da comercialização da borracha, o que requer um trabalho de planificação
do uso destes recursos com a população local. Afirma que a agricultura já se
constitui como a principal atividade econômica do seringal, mas há carência de
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assistência técnica em todos os níveis de produção. Recomenda a mobilização
das famílias também para discutir melhorias nas áreas de educação e saúde.
O PESACRE também promove intercâmbios em praticas agroecologicas
para
produtores familiares do programa Pro ambiente Pólo Alto Acre entre o Grupo
de Produtores Novo Ideal (GPNI) de Acrelandia -AC e o projeto RECA
(Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado) em Nova Califórnia. O
GNPI trabalha no processamento, beneficiamento e comercialização de
produtos como a farinha de banana, doces, geléias e café. O RECA foi criado
por produtores rurais para aumentar a produção e renda em 1989 e segundo
Sorte et alli (2007) “trabalha com SAFs que oferecem melhores condições de
vida para as 200 famílias diretamente envolvidas. Contou com o apoio de
sindicatos e igrejas, que, juntamente com a comunidade promovem as
reuniões.
No Acre, a Extensão Agroflorestal--Um Serviço Educativo para o
Desenvolvimento Sustentável, segundo Fernandes(2009) “busca um novo jeito
de caminhar pelos caminhos abertos e trilhados por 04 décadas desde a
criação da Associação de Credito e Assistência Técnica Rural do Acre (ACARAC) em 1968,” e congrega varias iniciativas e experiências socioambientais
como base para o desenvolvimento sustentável usando recursos florestais e
desenvolvendo a agricultura como parte deste desenvolvimento.
Conforme Fernandes (2009), o serviço de extensão rural no estado
começou em 1968,com a ACAR-AC, sociedade civil sem fins lucrativos, e ao
longo dos 40 anos de existência passou por diversas mudanças institucionais.
Em 1975 transforma-se em Empresa de Assistência Técnica Rural do Acre
(EMATER-AC), em 1969, cria-se uma Secretaria Executiva de Assistência
Técnica, Extensão Rural e Garantia de Producão-SEATER-GP, subordinada a
EMATER e a Empresa de Armazenamento do Estado (CAGEACRE). Em 2003,
o serviço ganha status de Secretaria de Estado, transformando-se em
Secretaria de Assistência Técnica e Extensão Agroforestal (SEATER).Nesse
ano foi editada a proposta de Extensão Agroflorestal: Um Serviço Educativo
para o Desenvolvimento Sustentável, em estreita sintonia com a PNATER.
Finalmente em 2007 o serviço de extensão incorpora as ações de fomento e
transforma-se na SEAPROF, que como afirmou o Sr. Francisco Ferreira em
entrevista em 11/01/2013, se dedica a quatro cadeias produtivas: aves, leite,
hortaliças e borracha.
4. EA e Tecnologias Socioambientais para o Desenvolvimento Rural-Local
As principais respostas sobre as razões para adoção das práticas
agroecológicas e/ou
SAFs na Zona da Mata mineira foram: preservação ambiental e melhorias
socioeconômicas. Alguns destes objetivos foram alcançados como a melhoria
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na saúde e ambientais, mas a maioria dos entrevistados respondeu que os
resultados econômicos são lentos. Mas segundo um dos entrevistados, após a
adoção das atividades agroecológicas e/ou SAFs “a qualidade de vida melhora
100%. Melhora a água, a alimentação, coisas que vão fazer bem para a
agricultura”(Entrevista 06/10/2010-AC) e a sociedade. Afirma que “estas
práticas ajudaram a melhorar a merenda escolar”, demonstrando alto nível de
conscientização sobre a amplitude social das experiências, relacionando-as
com objetivos básicos de desenvolvimento, a alimentação e esta á educação.
A dimensão social obteve destaque e as melhorias mais citadas foram
na alimentação e na saúde dos que adotaram as novas atividades
agroecológicas e/ou SAFs. O mesmo não ocorreu com a educação, outra
dimensão central do desenvolvimento que tem sido muito discutida nos últimos
anos como uma que merece destaque dentre os problemas sociais do Brasil, e
acredita-se ser um grande desafio modificar esta estrutura quando se formula
alternativas de desenvolvimento sustentável para áreas rurais.
Ao mesmo tempo, visualiza-se as experiências como oportunidades para
responder a tal desafio aliando-se a necessidade urgente da educação com
uma EA focada nos novos sistemas produtivos, grupos envolvidos, inovações
ocorridas e desafios que enfrentam na adoção e implementação daqueles
sistemas. Uma EA que priorize as inovações, problemas e desafios
enfrentados com relação às novas estratégias de produção de meios de vida
que adotam a partir das experiências agroecológicas e SAFs, que focalizem,
por exemplo, a criação de tecnologias socioambientais para os sistemas
produtivos que melhorem sua produtividade, gestão e a comercialização dos
bens que produzem.
A EA é chamada a contribuir com a harmonização entre as atividades
humanas e a natureza, pois se apresenta como instrumento capaz de trabalhar
em vários níveis e dimensões, categorias e classes sociais que necessitam
conhecimento e orientações em um mundo complexo que exige mudanças nas
formas de conhecer, produzir e socializar o conhecimento. A EA, conforme
Carvalho (2004) surge da preocupação da sociedade com o futuro da vida e a
qualidade da existência das presentes e futuras gerações.
“É concebida inicialmente como preocupação dos movimentos
ecológicos com uma pratica de conscientização capaz de
chamar atenção para a finitude dos recursos naturais e
envolver os cidadãos em ações sociais ambientalmente
apropriadas. Em um segundo momento, se transforma em uma
proposta educativa, que dialoga com o campo educacional,
com suas tradições, teorias e saberes”.
A pesquisa tanto no Acre como em MG, mostra resultados que, se combinados
a EA poderá levar a produção de conhecimentos e tecnologias socioambientais
que superem desafios enfrentados pelos participantes tais como informações
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sobre doenças e pragas próprias da produção agroecológica e SAFs e
tecnologias socioambientais que aumentem a produtividade e tragam melhorias
socioeconômicas, ambientais e da qualidade de vida dos participantes e da
sociedade. A compreensão da EA, ratificada pela Política Nacional de
Educação Ambiental, segundo Carvalho (2004), se afirma como: Os processos
por meio dos quais os indivíduos e a coletividade constroem valores sociais,
conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a
conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial a sadia
qualidade de vida e sua sustentabilidade (Lei 9.705 de 27/04/1999).
Os SAFs têm o potencial de atender às necessidades básicas com a produção
de alimentos, emprego e renda, restauração e preservação ambiental (Mead
and Sadio 2004). E uma vez que se desenvolvem em diferentes contextos e
envolvem diferentes atores sociais e institucionais, permitem ambientes e
situações propícias para integração entre estes diferentes atores sociais,
governamentais e não governamentais, para formularem uma EA sobre eles,
as estratégias de meios de vida que propiciam e os desafios que enfrentam em
diferentes biomas e ecossistemas brasileiros. Neste sentido, não apenas a
educação dos jovens, mas também a de adultos envolvidos nas experiências
assume importância, pois se trata de novas atividades produtivas para as quais
novos conhecimentos e tecnologias são necessárias, juntamente com a
conscientização ambiental, por isto o estímulo á educação ambiental e não
apenas a convencional para estes grupos.
O desenvolvimento de tecnologias socioambientais adequadas a estes
sistemas
produtivos e associadas à formação escolar, e a educação de adultos
envolvidos na
agroecologia e SAFs pode se tornar uma forma de levar avanços científicos
para comunidades locais propiciando a inclusão social delas e avanços em
seus municípios e territórios. Na Zonada Mata mineira, a existência de
unidades da Escola Família Agrícola (EFA), que provê formação educacional
em temas rurais, têm contribuído para reflexões sobre a realidade rural e dos
agricultores que se envolvem nas atividades alternativas.
5. Considerações Finais: SAFs, EA e Desenvolvimento Rural Sustentável
Com a acentuada exploração de recursos naturais, os florestais e outros na
agricultura, faz-se mister a focalização em alternativas sustentáveis para estes
setores da economia brasileira, agricultura e florestas. Alternativas que
promovam, como os SAFs e a produção agroecológica, alterações nos usos da
terra e de outros recursos naturais dos diferentes biomas, tais como os
florestais e a água, fundamentais em processos de desenvolvimento que
superem a degradação ambiental provocada pelos modelos anteriores á
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própria base material da qual dependem e à diversidade biológica e cultural do
mundo.
No Brasil, dentre as experiências que visam contrapor às praticas
convencionais na agricultura, os SAFs e a agroecologia permitem subsidiar
uma reflexão e adoção de novas dinâmicas para a agricultura e setor florestal.
Se associadas a uma EA que esclareça e responda aos desafios que
enfrentam estes novos sistemas produtivos e subsidie a criação de tecnologias
socioambientais adequadas a eles, pode-se vislumbrar a construção da
sustentabilidade nos municípios, territórios, diferentes ecossistemas ou biomas,
e associação com experiências internacionais importantes tais como a parceria
UNESCO-HidroEX (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência
e Cultura-Excelência em Águas) para gestão sustentável de bacias
hidrográficas, sendo desenvolvida atualmente na cidade de Frutal, estado de
Minas Gerais .
A associação dos temas e experiências estudadas com o
desenvolvimento local se deve ao fato de que neste nível se permite trabalhar
com propriedade questões urgentes próximas dos locais onde ocorrem. Muitas
das experiências de desenvolvimento local surgiram para remediar situações
de marginalidade econômico-social de populações, comunidades, ou
municípios que ficavam fora do desenvolvimento de seus países. Enfatizam as
noções de desenvolvimento rural e local sustentáveis, para depois avançar
para outros ecossistemas e escalas mais abrangentes a fim de atender, para
maior parcela das populações, os objetivos de melhoria da qualidade de vida e
meio ambiente, hoje buscados por um número crescente de pessoas tanto
local e globalmente, conforme se observa em eventos tais como o Fórum
Social Mundial e Rio-92 e outras conferências.
A questão do incremento das escalas destas experiências, para outros
estados da
Amazônia e do país, embora delicada e difícil de gerir principalmente devido à
sua natureza e ao numero limitado de pessoas que as apóiam, é um tema em
necessidade de reflexão e aprofundamento na sociedade rural, local, nacional,
e global. Neste sentido, as organizações dos atores envolvidos, parcerias e
redes, são fatores chaves para o desenvolvimento rural-local sustentável,
pensado em sua vinculação com aqueles sistemas, concebendo-se assim
novos conceitos e práticas para o desenvolvimento rural,
com papel chave da agricultura e florestas ainda existentes no país.
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desenvolvimento local sustentável. Vol.09, numero 02. Revista Brasileira de Agroecologia
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ENTRE A CIDADE E O CAMPO: TRAJETÓRIAS DE VIDA E
TRABALHO DA JUVENTUDE RURAL (1996/2013)
Ricardo Callegari (Universidade Estadual do Oeste do Paraná)
[email protected]
RESUMO:
O objetivo desta pesquisa é compreender como são construídas as trajetórias
de vida e de trabalho da juventude rural assentada no Assentamento José
Eduardo Raduan, localizado no município de Marmeleiro, Sudoeste do Paraná.
O Assentamento possui 336 famílias assentadas desde 1998 e sua criação
está ligada à ocupação da fazenda Anoni, em 1983, por filhos de camponeses,
agregados e meeiros que, mediante a frequente sucessão familiar e a
mecanização do campo, ficaram sem terras suficientes para a reprodução da
vida. Tendo em vista que este é um problema persistente para seus filhos no
assentamento, buscamos discutir historicamente as mudanças na forma de
organizar o trabalho familiar no campo e quais as formas construídas pela
juventude rural Sem Terra visando a permanência no campo. As fontes
utilizadas são entrevistas orais e dados dos Censos Demográficos de 1996 a
2010, além de pesquisas sobre o MST e os Assentamentos de Reforma
Agrária.
Palavras-chave: Trabalho. Juventude Rural. Assentamentos.
Este artigo é fruto de pesquisas desenvolvidas desde a época de
graduação através de bolsas de iniciação científica vinculadas, num primeiro
momento a Linha de Pesquisa Estado e Poder da Universidade Estadual do
Oeste do Paraná (Unioeste) e, posteriormente, aprofundada no mestrado
através de discussões vinculadas a Linha de Pesquisa Trabalho e Movimentos
Sociais, da mesma instituição.
O objetivo inicial da pesquisa, que começou em 2010, foi de
compreender quais eram as formas de organização coletiva dos trabalhadores
pra pressionar o Estado a executar a reforma agrária e, desta forma, conquistar
um lote de terra.
203
Ao ingressar no mestrado nos preocupamos em
compreender as trajetórias de trabalho e condição social de uma camada bem
específica da população assentada: a juventude rural Sem Terra.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
203
A partir de agora, toda vez que formos tratar do lote, denominaremo-los como unidade de
produção familiar.
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Para fins de nossa pesquisa estamos considerando como “juventude
rural Sem Terra” aqueles filhos de assentados que estão na idade entre 14 e
30 anos e que se depararam com os limites da reprodução da vida no campo
devido a falta de terra ou de trabalho. Compartilham desta condição social, o
que os torna sem-terra, sem a propriedade. Mas, além disto, são jovens que se
criaram num ambiente e território de luta, de enfrentamento a dificuldades
como falta de comida, falta de terra e trabalho. Ou seja, são jovens que
constituíram suas subjetividades na dimensão da ocupação, do acampamento
e continuam a construí-la no Assentamento. Portanto eles são jovens rurais
Sem Terras que participam de um movimento social e moram em
assentamentos conquistados pela luta coletiva. Pesquisas como a de Ricardo
Abramovay204 e Natacha Janata205 contribuíram para construirmos a noção de
juventude que foi utilizada nesta pesquisa.
Ainda a respeito da noção Sem Terra, partimos dos pressupostos
desenvolvidos por diferentes autores em que Sem Terra é o sujeito coletivo
estabelecido nas lutas dos movimentos de trabalhadores sem-terras. Segundo
a definição de Candido Grzybowski “a consciência da comum situação de
carência e de exclusão social, decorrente do não ter a terra, leva o grupo a
elaborar a sua identidade. A afirmação política como sem terra dá base para
reivindicar junto ao Estado o direito à terra”.206
A justificativa de analisarmos as transformações na organização do
trabalho no campo, a partir da juventude rural Sem Terra, é pela saída de
grande parte destes do campo. Segundo dados do boletim O Alerta de 1983, o
acampamento da fazenda Anoni contava com 422 jovens acima de 14 anos,
diferente da realidade de hoje que, segundo dados obtidos em 2014 no Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA – de Francisco Beltrão,
conta com 83 jovens.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
204
ABRAMOVAY, Ricardo (et al.). Juventude e agricultura familiar: Desafios dos novos padrões
sucessórios. Brasília: UNESCO, 1998.
205
JANATA, Natacha Eugênia. Juventude que ousa lutar: Trabalho, Educação e Militância de
Jovens Assentados do MST. Tese de Doutorado, Florianópolis, 2012.
206
GRZYBOWSKI, Candido. Caminhos e descaminhos dos movimentos sociais no campo.
Petrópolis: Fase/Vozes, 1987, p. 57. Para mais consultar: CALDART, Roseli Salete. O MST e a
formação dos sem terra: o movimento social como princípio educativo. Estudos Avançados 15,
p. 207-224, 2001.
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Estudar as perspectivas e escolhas dos filhos de assentados exige que
compreendamos as condições materiais e históricas em que estas são
tomadas, compartilhando da metodologia de Marx ao afirmar que “os homens
fazem sua própria história, no entanto a fazem em condições determinadas e
herdadas do passado”.207 Para tanto, dialogaremos com as transformações e
recriações do trabalho no acampamento e assentamento para depois
compreendermos quais são as formas de recriar o trabalho no campo e de que
posição, ou a partir de que condição sociopolítica os jovens constroem suas
alternativas. Isto é, analisar as possibilidades construídas pelos jovens
assentados e as formas de recriar a vida, em especial o trabalho, no campo
sem perder de vista as condições materiais e históricas.
Neste sentido, é que analisamos as formas de organização do trabalho
e da produção nos Assentamentos ao longo dos anos, possibilitando que as
alternativas construídas hoje sejam compreendidas processualmente e
historicamente. Por isso, optamos em abordar um processo de 30 anos por
compreendermos que para analisar as atuais recriações do trabalho pela
juventude
no
campo
devemos
inserir-las
num
processo
maior
de
transformações sociais no campo, compartilhando da perspectiva de Marc
Bloch208 de que compreender o presente exige uma compreensão do passado,
ambos percebidos como processo.
A opção em pesquisar a partir das relações de trabalho é por
compartilharmos dos pressupostos desenvolvidos por E.P Thompson, Eric
Hobsbawm e Raymond Willians em que o trabalho compreende dimensões da
vida social das pessoas, contribuindo para a construção de valores, de práticas
sociais coletivas. Isto é, contribui para a construção da cultura e organização
do modo de vida dos trabalhadores.
Em Thompson encontramos a preocupação de resgatar a participação
de homens e mulheres na história. Neste sentido, a categoria “experiência”
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
207
MARX, Karl. 18 Brumário de Luís Bonaparte. 1848. 1ª Ed. São Paulo: Nelson Jahr Garcia,
2002 [Consulta 11/11/2013]. Disponível em:
http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/brumario.pdf.
208
BLOCH, Marc. Apologia da História: ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed. 2001.
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aparece como fundamental no processo educativo. A história é concebida
como processo da vida real dos homens e das relações que estabelecem entre
si, entre eles e a natureza, por meio do trabalho.
1. Características da questão agrária no Sudoeste do Paraná
(1980/2014).
Antes de continuarmos é preciso fazer algumas breves ponderações
sobre a formação social da região Sudoeste do Paraná e sobre a criação do
Assentamento José Eduardo Raduan no município de Marmeleiro que serviu,
para os propósitos deste artigo, como estudo de caso.209
A região Sudoeste do Estado do Paraná, caracteriza-se pelo grande
número de pequenas propriedades, como demonstra os dados organizados
pelo IPARDES em 2004. No referido estudo consta que a concentração de
terras na região é uma das menores do Estado. Porém, as contradições sociais
e econômicas coexistem nesta dinâmica e afetam milhares de trabalhadores do
campo que rumam para as cidades em busca de trabalho e “uma vida melhor”,
contribuindo para o elevado êxodo rural principalmente na camada entre 15 e
30 anos.
Como revelam os dados, dispostos na tabela a seguir, dos
trabalhadores rurais da região Sudoeste, 43% deixaram o campo entre 1970 e
2010. A saída da população rural em direção as cidades da região como
Francisco Beltrão, ou mesmo cidades como Maravilha em Santa Catarina foi
significativa e é considerada uma das conseqüências da mecanização.
Alguns autores afirmam que buscar os centros urbanos, e o que eles
oferecem, é uma característica histórica das populações. Porém há uma
vertiginosa saída desta população durante o período pesquisado, peculiaridade
que notabiliza grandes contradições sociais no campo. Karl Marx ao discutir
sobre a renda da terra apontava para este movimento de proletarização e
situou-o como um movimento do modo capitalista de produção que “libera da
produção dos meios imediatos de subsistência parte cada vez maior da
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
209
Vale destacar que na dissertação estudamos também a juventude rural Sem Terra do
Assentamento Missões, em Francisco Beltrão/PR.
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sociedade”.210 O município de Marmeleiro é único da região em que há um
aumento da população rural entre as décadas de 1970, 1980 até 1991, porém
com uma diminuição de 54% durante o período de 1991 a 2010, superior a
média estadual que foi de 32% para o mesmo período.
Tabela 1. População residente por situação do domicílio (variável:
pessoas)
Mesorregiã
o
Geográfica
e
Município
Situaçã
o do
domicíli
o
Total
Brasil
Urbana
Rural
Paraná
Sudoeste
Paranaens
e – PR
Francisco
Beltrão
Marmeleiro
Total
Urbana
Rural
Total
Urbana
Rural
Total
Urbana
Rural
Total
Urbana
Rural
1970
1980
1991
2000
2010
93.134.84
6
52.097.26
0
41.037.58
6
6.929.821
2.504.253
4.425.568
426.360
80.401
345.959
36.807
13.470
23.337
12.651
2.002
10.649
119.011.05
2
80.437.327
38.573.725
146.825.47
5
110.990.99
0
35.834.485
169.799.17
0
137.953.95
9
31.845.211
190.755.79
9
160.925.80
4
29.829.995
7.629.849
4.472.506
3.157.343
468.472
166.865
301.607
48.765
28.307
20.458
14.388
3.258
11.130
8.448.713
6.197.953
2.250.760
211
478.126
225.666
252.460
61.272
45.622
15.650
17.113
5.763
11.350
9.563.458
7.786.084
1.777.374
472.626
283.044
189.582
67.132
54.831
12.301
13.665
7.168
6.497
10.444.526
8.912692
1.531.834
497.127
345.882
151.245
78.943
67.449
11.494
13.900
8.824
5.076
Tabela organizada pelo autor com base nos dados disponibilizados pelo IBGE
nos Censos Demográficos de 1970 a 2010.
Este aumento da população rural no município de Marmeleiro pode ser
compreendido por dois motivos: o primeiro é o fato de que a mecanização é
mais tardia, se acentuando na década de 1990, possibilitando que as relações
de trabalho e produção marcadas pela presença de agregados permaneçam. O
segundo está relacionado ao fato de que na década de 1980 ocorreu a
ocupação da fazenda Anoni por mais de 600 famílias de Sem Terras da região,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
210
MARX, Karl. A renda da terra. In O capital: crítica a economia política, livro terceiro: o
processo global de produção capitalista, volume VI; tradução Reginaldo Sant´Anna, Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 1041.
211
As décadas de 1970 e 1980 não possuem dados tais municípios: Bela Vista da Caroba, Boa
Esperança do Iguaçu, Bom Jesus do Sul, Bom Sucesso do Sul, Cruzeiro do Iguaçu, Flor da
Serra do Sul, Manfrinópolis, Nova Esperança do Sudoeste, Nova Prata do Iguaçu, Pinhal de
São Bento, Pranchita, Saudade do Iguaçu e Sulina.
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contribuindo para o aumento da população rural, ou ao menos sua
manutenção.
A história do Assentamento José Eduardo Raduan, criado em 1998,
começa na ocupação da fazenda Anoni no dia 15 de julho de 1983. Ele é fruto
de um dos mais longos conflitos de terra do Sudoeste do Paraná que envolveu
648 famílias de camponeses do Paraná e Santa Catarina e durou quinze anos
até que as unidades de produção familiar fossem regularizadas.
A fazenda Anoni compreendia uma área de 4.334 (quatro mil trezentos
e trinta e quatro) hectares e estava desapropriada para a execução da reforma
agrária mediante o Decreto do Governo Federal nº 84.603 de 31 março de
1980. Porém, o INCRA, órgão que ficou encarregado de distribuir os lotes e
elaborar o projeto de assentamento, não o fazia. Mediante esta condição as
famílias ocuparam a área.
As famílias que ocuparam a fazenda eram, na maioria, agregados212 e
meeiros que foram expulsos das terras que mantinham as relações de trabalho
e constituíram seus modos de vida, ou filhos de camponeses que encontram na
ocupação uma possibilidade de permanência no campo.
Durante o período de acampamento as famílias se dividiram pelo
interior da fazenda e passaram a trabalhar e produzir os alimentos básicos para
a alimentação. Estes lotes foram medidos pelas próprias famílias, que levaram
em consideração a capacidade de cada um em tornar a área produtiva. Este
forma de divisão foi respeitada pelo Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (INCRA) quando fez a regularização fundiária em 1998, desta
forma alguns lotes tem 13 hectares enquanto outros possuem 5 hectares.
Atualmente o Assentamento está dividido em dez comunidades213 e a
produção de leite é a mais frequente nas unidades de produção familiar, sendo
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
212
O “agregado” é, na região, um trabalhador que mora e planta, junto com sua família, em
propriedades de agricultores que lhes pagam uma renda para que a terra seja utilizada. É uma
relação de trabalho subordinado na qual a maioria dos ocupantes da fazenda Anoni
participaram ou que em algum momento das suas trajetórias de vida desenvolveram.
213
Bela Vista, Barra Bonita, Santo Antonio, Santo Agostinho, Fátima, Novo Progresso, São
Domingos, São Pedro, Nossa Senhora de Lurdes e Santa Terezinha.
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diversificada com o plantio e comercialização de hortaliças, frutas e pequenos
animais como peixes, galinhas e cabras.
2. O trabalho na cidade ou fora do lote
Através da análise das entrevistas podemos perceber como a saída dos
jovens envolve diversas questões, desde a renda familiar que, mesmo com a
tentativa de diversificação da produção, não é suficiente para a manutenção da
família, levando os filhos a buscarem alternativas como o trabalho na cidade ou
nas escolas de dentro dos Assentamentos.
Angélica é filha de assentados que participaram da ocupação. Ela tem
vinte e cinco anos e trabalha como Auxiliar de Serviços Gerais no Colégio
Paulo Freire, que se localiza na comunidade Santo Agostinho. Em sua
narrativa sobre o trabalho no assentamento ela destaca a importância que tem
o colégio, por possibilitar “um dinheirinho a mais”. Ela, na época, era criança e
viu diversas lutas que os pais tiveram que construir junto a outros acampados
para poderem trabalhar e viver no campo. Perguntada sobre quais eram os
trabalhos que desenvolvia no lote ela destaca que ajudava na ordenha do leite,
capina na roça de feijão e organização da casa. Porém, chama atenção para o
fato de que em diversos períodos tinha que sair trabalhar como faxineira em
outras casas, ao ser perguntada do por que desta escolha ela afirma:
Eu tirava leite com meus pais, ajudava meu pai, eu fazia o
serviço de casa, ia na roça. Saia fora, atrás de serviço, nas
casa dos outro das menina, lavava casa. Tudo. Tudo o que eu
precisava eu fazia. Sobrava um tempinho em casa aí eu ia. Era
um dinheirinho a mais que entrava. É que tipo assim, em casa
quando faltava, que as vacas tinham um período de leite né?!
Tinha, tinha época que ficava duas vacas, aí a renda ia bem lá
em baixo, o preço também ia lá em baixo. Aí eu saia pra ajudar
meus pais em casa. Pra ajudar eles por que eles não
conseguiam pagar tudo só com duas vacas de leite.214
A fala de Angélica remete ao período em que necessitou trabalhar fora
para poder aumentar a renda familiar de forma a pagar as contas que a família
obtinha na produção do leite e manutenção da casa. Uma questão chama
atenção, é o fato do leite não garantir uma renda fixa de forma a possibilitar
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
214
ANGÉLICA. Entrevista produzida por Ricardo Callegari com angélica de 25 anos, Francisco
Beltrão, 29 de jan. 2014, 51 min.
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uma renda familiar básica para as despesas, sendo variável conforme a época
do ano e quantidade produzida. Podemos perceber que a possibilidade de
trabalho fora do lote se coloca como complemento ao trabalho na produção de
leite.
Ela relata que a condição econômica melhorou agora que começou a
trabalhar na escola, pois pode contar com uma renda fixa mensalmente.
Porem, destaca que pretende ficar e trabalhar na produção do leite. Ela afirma
que seus pais sempre trabalharam com leite e que, ela e seu irmão, sempre
ajudavam desde pequenos nas atividades que envolviam a produção.
Por que meu pai sempre trabalhou de empregado a vida inteira
e sempre lutou com leite ou porcos. E nós era pequeninho e
sempre atrás do pai e da mãe e mexendo com silagem.215 Daí
a gente acaba gostando também né?! Se eu fosse escolhe
entre a escola e as vaca de leite, eu largaria tudo para poder
tirar leite.216
Podemos perceber que sua expectativa é de recriar o trabalho que era
desenvolvido por seus pais e que ela, junto com seu irmão, ajudava e
partilhava das dificuldades do trabalho quando pequenos. Ao afirmar que
escolheria trabalhar com as vacas de leite ao invés da escola, ela parece nos
dizer que o trabalho na escola é para melhorar a renda, enquanto o do leite
seria para a sua renda e “satisfação” pessoal. Mesmo com as dificuldades
vividas no campo, ele ainda se apresenta como um lugar melhor de se viver e
trabalhar principalmente para aqueles que tiveram boa parte de sua vida ligada
ao trabalho no campo.
Em seu relato percebemos como a saída da juventude rural se constitui
como um problema social e, que ao migrarem às cidades, está relacionado a
busca de trabalho. Por outro lado, percebemos como esta condição está
relacionada falta de terra. Neste sentido a entrevista com Angélica, jovem rural
do Assentamento Missões é significativa pois notabiliza a necessidade de
reforma agrária devido a demanda por terra.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
215
Processo que consiste em triturar o pé de milho e armazená-lo em buraco envolto com lona
para servir de alimento para os animais no inverno.
216
ANGÉLICA. Entrevista produzida por Ricardo Callegari com angélica de 25 anos, Francisco
Beltrão, 29 de jan. 2014, 51 min.
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3. O leite e as hortaliças: limites e possibilidades
As narrativas que produzimos com os jovens possuem elementos que
permite discutirmos sobre a trajetória de vida, e de trabalho, de camponeses
que buscaram na cidade alguma alternativa para a sobrevivência. Podemos
perceber que boa parte da trajetória da juventude rural Sem Terra perpassa o
trabalho na cidade. Uma das questões que chamam a atenção é o fato de
como as trajetórias de vida, tanto dos pais ou dos jovens rurais Sem Terras,
são marcadas por idas e vindas.
O caso de Marcos é significativo para dialogarmos sobre a trajetória de
vida e sobre as idas e vindas do campo para a cidade e da cidade para o
campo. Além de apresentar uma possibilidade na forma de organizar a
produção, o trabalho e a renda do lote. Ele tem 27 anos é casado com Alana
de 25 anos, ambos moram no lote dos pais de Marcos há 04 anos. Seu pai
sempre trabalhou como agricultor e sua mãe como professora. Marcos, porém,
trabalhava na cidade como professor de informática. Ao perguntar a ele como
decidiu vir morar no Assentamento responde:
A partir do momento que houve a possibilidade da gente formar
uma renda, a gente veio morar pra cá. Pela questão de que a
gente conseguiria trabalhar com uma alternativa de renda fora
a renda que meus já tinham. Eu vim e formei uma renda em
cima das hortaliças, o que tornou viável.
Podemos perceber que não são escolhas que partem do mundo ideal,
mas sim com base na “vida prática” como, por exemplo, a forma de
organização do trabalho e da produção já existente e que encontram limites. A
partir destas condições e contradições é que buscam formas de trabalhar,
transformando e recriando o modo de vida no campo. Isto é, o processo de
recamponeisação 217 é motivado pela possibilidade de trabalho e renda no
campo, neste sentido a produção de hortaliças se constituiu como importante
ferramenta.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
217
Compreendemos este conceito através das discussões de Theodor Shanin que pesquisou
sobre grupos sociais que voltaram ao meio rural e recriaram o modo de vida de camponês.
Para o autor, mesmo no capitalismo seria possível a existência de uma economia camponesa e
chama a atenção para a organização dos movimentos sociais que lutam para o assentamento
de trabalhadores urbanos. Este processo será debatido por nós no segundo capítulo, quando
discutiremos sobre a volta dos filhos de assentados para o meio rural. Para mais discussões
relacionadas aos processos de re-camponesação ver: Manoela Pedrosa (2012) e Paulo Zarth
(2012).
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A unidade de produção familiar (de 18 hectares) está organizado de
forma a privilegiar a manutenção de duas fontes de renda: as hortaliças e a
produção de leite. Porém, há produção de frutas, de peixes e de cabras que
servem para a subsistência das duas famílias, além de serem comercializadas.
Perguntei a Marcos como o trabalho era organizado e ele trouxe outra
importante dimensão afirmando que “os dois [casais] trabalham juntos na
produção de leite e de hortaliças, mas cada um com sua renda. Mas se o pai
tem que sair, eu trabalho! Faço cerca, planto pasto, planto milho”. Esta é uma
importante dimensão e, através dela, podemos discutir como o trabalho familiar
possuiu seus aspectos coletivos.
Davi Schreiner destaca como o processo de avanço das relações
produtivas capitalistas modificaram o modo de viver e produzir no campo,
porém, através das pesquisas sobre o “trabalho comunitário, a ajuda mútua e o
ideal de organização social na forma de ‘comunidade’”, 218 demonstra como
algumas práticas e relações permanecem. No caso do Assentamento
pesquisado podemos perceber no âmbito da produção, através da organização
do lote familiar e da produção de alimentos visando a subsistência, como estas
relações são recriadas mesmo com este avanço das relações capitalistas.
4. Conclusão
Estas saídas, conforme vimos, estão ligadas a diversos motivos tais
como: a pouca renda, a condição de trabalho no campo e os poucos espaços
para lazer. Uma das alternativas construídas pelos Sem Terras é o de
diversificar a produção de forma aumentar a renda (diminuindo os gastos de
alimentação e possuindo um excedente para a comercialização) e divisão
desta renda entre os integrantes da família.
Uma das alternativas que vêem sendo construída é também uma
recriação campesina. Quando os filhos passam a morar no lote e administrar a
produção em conjunto com a família.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
218
SCHREINER, Davi Felix. Cotidiano, trabalho e poder – a formação da cultura do trabalho no
Extremo Oeste do Paraná. Toledo: Editora Toledo, 1997, p. 162.
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Podemos perceber como a escolha de ficar no campo envolve o que se
conhece sobre a cidade, como “dinheiro jogado fora no aluguel”, mas também
a questão da organização do tempo. Ao ser perguntada do por que acha
melhor viver no campo ela responde atribuindo a questão da “autonomia do
tempo” já que no campo “você tem o leite, tem o trabalho, se tu quer parar a
hora que tu quer, tu para e descansa. E fora a tranqüilidade do lugar, não tem
aquele “vuco vuco” da cidade. Mais tranqüilo.219
Para Angélica a autonomia do tempo em relação ao trabalho executado
é importante na decisão dela de ficar ou não no campo. Não é uma questão de
ter menos trabalho, mas de poder organizar melhor o tempo despendido para
fazê-lo possibilitando assim uma relativa autonomia em sua organização.
Para concluir, podemos perceber que a opção pelo campo não é
somente uma alternativa por que lá o trabalho é pesado, há outras dimensões
que envolvem a sua escolha. Talvez uma delas seja a possibilidade de “ditar o
ritmo do trabalho” no campo. Ou seja, enquanto o trabalho na cidade é
predeterminado, no Assentamento ele possui vários trabalhos e atividades que
devem ser feitas. De certa forma podemos considerar que no campo há uma
“autonomia relativa” no trabalho. Relativa por que desde logo sua produção
também está submetida a uma lógica do mercado, pois, parte significativa da
produção é leite comercializado no laticínio da Frimesa de Francisco Beltrão e,
outra parte da produção do lote, é para as necessidades básicas e sustento da
família.
Thompson ao estudar a formação da classe, considerou aspectos
importantes para a investigação histórica, considerou a subjetividade, relação
do conflito entre as classes, a cultura, bem como os processos formativos e
constitutivos da classe operária na Inglaterra. Uma das leituras que mais
contribuíram para pensar o movimento da juventude rural Sem Terra e sua
relação conjunta com as transformações do trabalho no campo.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
219
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Para o autor os sujeitos com experiências comuns constroem uma
identidade em contraposição a outra, motivada por interesses sociais, materiais
e culturais diferentes daquela dominante.
220
A preocupação central de
Thompson foi mostrar que o fator crucial, para o entendimento do processo de
transformação dos trabalhadores em "classe", não são as condições objetivas
externas ou estruturais do capitalismo industrial, mas a própria experiência e
ação coletiva dos grupos de trabalhadores em oposição às classes dominantes
da sociedade inglesa; os trabalhadores "em sua maioria vieram a sentir uma
identidade de interesses entre si e contra seus dirigentes e empregadores".221
Essa identidade de classe, de acordo com o autor, foi penosamente construída
a partir de suas bases fundamentais da tradição da sociedade inglesa: a
economia moral e o ideal do "inglês livre por nascimento".
A experiência cosntruída pela juventude rural Sem Terra revela aspectos
formadores da classe trabalhadora no campo. As trajetórias de vida evidenciam
como o trabalho é marcado por idas as cidades e vindas ao campo. No geral, é
uma juventude marcada pela expropriação do trabalho e que, dentro das
possibilidades, constrói alternativas coletivas junto com a família para
permanecerem no campo.
Thompson parte da experiência dos trabalhadores, valorizando aspectos
culturais, políticos, econômicos e sociais, evidenciando a formação da
consciência de classe como um processo histórico conflituoso. Ou seja,
compreende a formação da classe operária inglesa através de sua experiência
num contexto social desigual econômica e politicamente, além de perceber as
disputas envolvendo a “cultura operária” através dos movimentos sociais.
5. Bibliografia
ABRAMOVAY, Ricardo (et al.). Juventude e agricultura familiar: Desafios dos
novos padrões sucessórios. Brasília: UNESCO, 1998.
ALMEIDA, P. J. “Cada um tem um sonho diferente” Histórias e narrativas de
trabalhadores no movimento de luta pela terra. In, MACIEL, Laura Antunes et al
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220
THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa I: a árvore da liberdade. 4. ed.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002a, p. 10.
221
THOMPSON, E. P. As peculiaridades dos ingleses. In.: NEGRO, Antonio Luigi; SILVA,
Sergio (orgs.). E. P. Thompson: as peculiaridades dos ingleses e outros artigos. 3. ed.
Campinas: Unicamp, 1998. n. 10, v. 1, p. 12.
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FESTAS, DEVOÇÕES E SOCIABILIDADES: IDENTIDADE E
MEMÓRIA NAS FESTAS RELIGIOSAS DA COMUNIDADE DA
ROÇA VELHA (1950 – 1990)
Angélica Nobre da Luz (UEPG)
[email protected]
Matheus Koslosky (UEPG)
[email protected]
RESUMO:
Este artigo traz uma reflexão acerca das festas religiosas da comunidade rural
da Roça Velha, durante as décadas de 1950 e 1990. O trabalho atenta para as
memórias de moradores e ex-moradores da região sobre essas práticas,
atentando para relações sociais e culturais que eram expressas nas festas e
pelas festas e que constituíam a identidade e a memória desses habitantes. O
trabalho tem como fontes os relatos e histórias de vida de moradores e exmoradores da região e através dessas fontes procurou-se perceber, que
elementos formavam a memória e identidade dessa população e como os
espaços de fé, trabalho e sociabilidade interagiam nas festas religiosas.
Palavras-chave: festas – religiosidade – memória – identidade
As festas religiosas da comunidade da Roça Velha
As festas religiosas foram para os habitantes da Roça Velha, por muitos
anos, o elemento principal de expressão de sua religiosidade e de contato com
o sagrado. Durante os primeiros anos de sua formação a região de Itaiacoca,
como em muitas outras áreas rurais do país, tinha nas festas religiosas
organizadas por leigos, um elemento forte de sua cultura e identidade.
Essas festas ocupam lugares privilegiados nas memórias e nos relatos
de seus antigos participantes, que ao narrarem suas histórias de vida, acabam
representificando essas práticas.
A comunidade da Roça Velha, bairro do distrito rural de Itaiacoca, tem
sua história ligada ao sistema das sesmarias e o tropeirismo. A região onde
está
localizada
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!
o
!
distrito, pertencente a cidade de Ponta Grossa desde 1909, pertencia a
sesmaria dada ao capitão-mor Pedro de Almeida Taques, suas terras foram ao
longo dos anos sendo dividas entre seus familiares e amigos, e se tornaram ao
poucos povoados e vilarejos, que aumentavam de tamanho a medida que
pessoas de diversas partes do Brasil mesmo de outros países, se instalavam
no local, que crescia com o advento do tropeirismo e com o comércio das
tropas.
Assim os habitantes dessa região foram formados pela junção de vários
povos, sendo indígenas, migrantes e imigrantes, além dos povos de origem
africana. E assim a religiosidade desses habitantes também foi formada e
reformulada através dessa junção.
O catolicismo, como em todo o Brasil, era a religião predominante, que
dominava muitos aspectos da vida cotidiana dos moradores da Roça Velha. As
expressões de fé dessa comunidade foram se modificando ao longo dos anos,
e as festas religiosas foram ganhando destaque frente a outras práticas, e é
sobre essas práticas e as memórias dos moradores sobre essas práticas que
nossa reflexão se debruçará.
Nesse artigo trataremos as festas religiosas dessa comunidade como
práticas religiosas ligadas ao chamado “catolicismo popular” ou “rústico”, porém
contextualizando-as e tendo em mente algumas premissas.
Vemos o catolicismo popular como “expressões religiosas daqueles que
declaram a Igreja Católica como primeiro sistema de referência, mesmo que
façam uma seleção funcional e pratiquem uma reinterpretação não
institucionalizada” (SUESS, 1979, p.28). Destacamos, dessa forma, o fato de
que as práticas do catolicismo popular não estão ligadas apenas as classes
populares ou minorias, pois não são manifestações marginais à uma cultura
hegemônica, e sim práticas especificas e legitimas de uma população.
Assim percebemos que essas práticas eram para os habitantes da Roça
Velha expressões legitimas de sua catolicidade, não sendo classificadas por
eles como diferentes das outras práticas que realizavam, mesmo das ligadas
diretamente a Igreja Católica, como a celebração das missas.
Segundo Martha Abreu o catolicismo popular não é um conceito
fechado, dado como um conjunto de práticas específicas que pode ser aplicado
em qualquer tempo e lugar. Assim analisamos as práticas religiosas dessa
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comunidade em seu contexto social e temporal, relacionando-as com as
práticas, consideradas oficiais pela Igreja Católica, sem opô-las ou mesmo
hierarquizá-las.
Como elencado por Souza, o catolicismo popular é visto aqui para além
de uma prática religiosa, como uma prática cultural, que tem uma forma
especifica perante a Igreja Católica, mas que existe em uma intensa relação
com ela, tanto recebe influências com as causa, sendo assim não pode ser
visto apenas como uma manifestação empobrecida do catolicismo oficial (2013
p. 04-06).
Ainda de acordo com Souza, o catolicismo popular é fenômeno
dinâmico, sujeito a mudanças, não sendo avesso a modernidade e ligado
apenas a tradição. As tradições podem ser reinventadas para servirem a novas
realidades (2013, p. 04-06).
Assim ao utilizarmos a expressão “catolicismo popular”, não estamos
inferiorizando as práticas religiosas dessa comunidade, ou opondo-as as
chamadas práticas oficiais, o uso do termo, serve apenas para atentar para as
especificidades da religiosidade dessa população, que buscou ressignificar e
reformular as práticas com as quais tiveram contato.
As festas não são manifestações isoladas, tendo uma multiplicidade de
significados e sentidos variados de acordo com as especificidades do meio
social que estão inseridas (LEONEL, 2010), elas não apenas quebram a rotina,
mas também refletem o cotidiano, ressaltando aquilo que já é comum a
determinado grupo. Sendo assim são práticas culturais que estão em constante
reformulação.
As festas religiosas são vistas como além de práticas de contado com o
sobrenatural ou divino, práticas que através de seus rituais, símbolos e
sentidos, refletem as dinâmicas da sociedade, as relações de poder, os
conflitos e integrações que formam a identidade dessa sociedade.
Dessa forma vemos as festas religiosas dessa comunidade não eram
apenas ambientes onde os moradores expressavam sua fé, e sim como
espaços de sociação, onde os habitantes socializavam, resolviam conflitos e
partilhavam seus costumes, valores e crenças. Vemos as festas como espaços
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que quebravam a rotina de trabalho, mas que também refletiam muito desse
cotidiano em suas práticas.
As festas são espaços que são privilegiados no que concerne à
socialização de vivencias e de ideias, e desse modo são espaços onde as
representações e os valores coletivos são expostos, onde o sentimento de
pertencimento ao grupo é destacado.
1.Roça Velha (1950-1990)
Os habitantes da Roça Velha eram em sua maioria, até meados da
década de 1980, pequenos agricultores e pecuaristas, que retiravam dos
produtos que produziam, seja através do consumo ou da troca e/ou venda, o
sustento de suas famílias.
Localizada à aproximadamente 40 km do centro a cidade de Ponta
Grossa, a Roça Velha é formada por um grupo de habitantes que residem
nessa região à aproximadamente 20 anos. O terreno acidentado, característica
da região, lagos, capões de mata e Araucárias, formam o bairro que tem muito
verde e casas relativamente próximas umas as outras.
Durante a década de 1960, o bairro contava com aproximadamente 30
famílias, entre essas famílias havia uma única família que formava a Boa Vista,
um vilarejo que mesmo distante fazia parte da Roça Velha.
Assim como em muitas áreas rurais do país a vida dessas famílias
girava em torno do trabalho agrícola, seu cotidiano e dia-a-dia eram ligados ao
trabalho na terra e as fases do plantio. Vindo desse âmbito também a maior
parte de suas relações sociais, já que o trabalho na lavoura unia a família, os
vizinhos, e a comunidade, e era nesses espaços de trabalho que também se
davam o lazer e a sociabilidade, assim sendo lugares onde se formavam a
memória e a identidade.
Até meados da década de 1980 as festas religiosas ocuparam um
espaço
privilegiado
entre
as
práticas
religiosas
dessa
comunidade,
movimentavam a comunidade e contavam com a participação de todos os
moradores da região.
Porém, o avanço da agroindústria e produção em larga escala acabou
atingindo os moradores da região, que não conseguiram mais viver da
agricultura e da lavoura e foram obrigados a procurarem outras formas de
sobreviver. Muitos se transformaram e trabalhadores da indústria madeireira ou
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de minerais, e aqueles que não se adequaram a essa nova forma de vida,
rumaram para outros lugares, como o centro urbano na maioria das vezes.
1.2.Hora da festa
A religiosidade e a fé tomavam forma no cotidiano desses habitantes das
mais variadas formas, o sinal da cruz ao acordar, o ir até o altar de casa, beijar
a bandeira do Divino e fazer uma oração pedindo proteção contra animais
peçonhentos durante o trabalho no campo, os terços feitos com as famílias à
tarde, as novenas, a ida a missa, a comunhão e o jejum em dias santos, mas
era nas festas religiosas que mais se desenhava a religiosidade e cultura
desses habitantes.
O calendário das festas orientava a vida dos habitantes da Roça Velha,
todos já se programavam para os dias de festas, e quando se iniciava uma
nova tomava-se muito cuidado para que esta não coincidisse com a festa de
outro vizinho ou conhecido. Todas seguindo o calendário da Igreja, que ditava
que dias eram determinados para cada santo.
Havia muitas festas na região, podemos destacar a Festa de Corpo de
Cristo (Corpus Christi), de São Miguel, São Roque, Santo Antônio, São João,
São Pedro, de Todos os Santos, Senhor Divino, Festa de Páscoa, Senhor
Menino (Natal) e a de Dia de Reis.
As festas em sua maioria eram realizadas por devotos em suas casas,
alguns as faziam por tradição familiar, que não sabem explicar quando
começou, outros, realizavam a festa como paga a uma graça recebida. Cada
família realizava as suas festas de acordo com suas posses e recebia ajuda
dos vizinhos e familiares, muitas vezes o que estava em jogo não era só a fé,
mas a solidariedade, a boa vizinhança, ou a obrigação para com o vizinho,
parente ou compadre.
Nessa comunidade os festeiros não eram escolhidos pelas suas posses,
e nem sempre eram das famílias mais abastadas, e também não havia uma
troca de festeiro a cada ano, como em algumas partes do Brasil, todos os anos
as festas eram realizadas pelas mesmas famílias. Os festeiros dessa região
eram em sua maioria homens, patriarcas que organizavam todos os detalhes
da festa.
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Os preparativos da festa se iniciavam no dia anterior, onde eram
preparadas todas as coisas necessárias para a festa, é nesse momento que a
solidariedade da comunidade mais se destacava, seja por uma promessa feita
ao santo, seja por obrigação para com o vizinho ou por solidariedade, muitas
pessoas da comunidade ajudavam nessa preparação, cortando lenha,
preparando a carne para o churrasco, armando barracas e tendas, limpando o
quintal, preparando pães e bolos para o leilão e também preparando o mastro e
bandeira que seriam hasteados no dia seguinte.
Muitos também doavam prendas para o leilão da festa para colaborar
com o santo e ajudar nos custeios da festa, as prendas variavam de doces,
bolos, pães, bebidas a animais vivos como galinhas e porcos. Alguns também
contribuíam com dinheiro, ou com mantimentos como feijão, milho, etc.
Essa ajuda também se estendia durante a festa, na preparação da
comida, geralmente feita pelas mulheres, e na preparação do churrasco, feito
pelos homens. Algumas dessas festas como a de Santo Antônio, as pessoas
que ajudavam durante a festa usavam algo em sua roupa que demarcava isso,
uma fita ou um pequeno broche pregado em suas roupas que sinalizava que
esses eram “ajudantes do santo”.
A maioria das festas começava pela manhã, em algumas delas onde as
famílias eram mais abastadas serviam um café da manhã para os convidados,
em outras a festa só começava perto do almoço, onde o povo se reunia em
torno no altar da casa ou de uma capelinha e começavam as orações, as
rezas, os cânticos e os vivas.
As orações eram feitas por um capelão, que nem sempre era da região e
muitas vezes vinha de longe para realizar a festa. Este rezava diversas
orações, ladainhas e cânticos, com ajuda das pessoas da comunidade, durante
as orações uma mesa era posta com uma refeição apenas para as crianças
consideradas “anjos”, que para os habitantes eram as crianças que tinha até
sete anos de idade.
Nessa mesa as crianças comiam enquanto os adultos a sua volta
continuavam rezando, era comum que houvessem muitas crianças vestidas de
anjos nessas refeições que eram chamadas por todos de “mesadas de anjos”,
sendo que essa tradição só seria valida se houvessem pelo menos sete
crianças durante a refeição.
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Com o termino da refeição e das orações, o capelão e aqueles que
assim desejassem colocam a imagem do santo padroeiro em um andor,
seguravam sua bandeira e assim começavam uma procissão.
A procissão seguia com orações e cânticos, e é claro, com muitos
foguetes, um elemento principal de celebração da festa. Algumas devoções
eram medidas pela quantidade de foguetes, se houvesse muitos fogos
significava que havia muita devoção, se poucos, o povo estava esquecendo-se
do santo.
Ao final da procissão o santo era levado de volta ao seu altar e a
bandeira e o mastro do era hasteado, sempre rodeado de muitos foguetes e
vivas. Assim o festeiro convidava todos para o almoço e a festa começava.
O almoço variava de festa para festa, alguns ofereciam churrasco e
pães, outros mais abastados ofereciam arroz, feijão, farinha e carne porco frita.
Havia também um tipo de carne especial chamada de “rechiu”, que segundo os
participantes, eram pedaços de leitão cortados em quadrados que após serem
pré-cozidos eram fritos em gordura bem quente, o que dava a carne um
aspecto de recheado, dai o nome que é chamada pelo habitantes, porém como
esse corte era um de carnes mais nobre não eram todas as famílias que
ofereciam esse tipo de carne.
Cada um procurava um lugar para comer e assim começavam as
conversas e a socialização, cada um procurava seus amigos, parentes e
conhecidos, os grupos de jovens se reuniam e celebravam juntos.
A bebida alcoólica não era permitida, assim como a música “de baile”, a
dança e os jogos de baralho. As brigas e os desentendimentos também eram
proibidos, mas segundo moradores não havia uma festa que não terminasse
com pelo menos um desentendimento, que mais tarde se transformasse em
uma morte.
A festa também era o local para se resolver conflitos ou para criá-los,
brigas começam e terminavam nas festas, famílias inteiras às vezes eram
dizimadas por questões de honra e acerto de contas.
Por outro lado também havia muitos casamentos e namoros que
começavam nas festas, sem ter muitos outros lugares pare se reunirem e
conversarem, os jovens se encontravam nessas festas para namorar e
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reencontrar os amigos. Os mais velhos também aproveitavam esse momento
para descansar e conversar, rever parentes distantes e conhecidos,
cumprimentar os compadres, avisar sobre uma na nova reunião de trabalho na
casa de um vizinho, da venda ou da compra de algum produto.
O lazer também estava presente nessas festas, o descanso do trabalho
em casa e do trabalho na lavoura, os torneios de futebol que aconteciam
depois das festas, também eram um momento de lazer e descontração.
Após o almoço começava o leilão da festa, onde todas as prendas
doadas eram leiloadas para ajudar nos custos. O elemento principal do leilão
era o leiloeiro, que com seu carisma e seus gracejos devia animar o povo a
ajudar o santo. Sempre na figura de um homem, esse personagem usava de
sua simpatia para arrecadar mais dinheiro para o santo, segundo os
moradores, o leilão dependia do leiloeiro, se ele fosse bom todos se divertiam.
Muitas dessas festas contavam com a participação de um número
grande de pessoas, chegando às vezes, segundo os moradores a terem
aproximadamente cento e quinta pessoas, e era a quantidade de pessoas que
sempre determinava se a festa era boa, pois quanto mais gente retornasse no
ano seguinte, mais significava para o festeiro que a festa tinha agradado e sido
boa para todos.
As capelas da região também faziam suas festas em homenagem aos
padroeiros, e a população também prestigiava, mas como toda a comida na
festa era vendida, muitas famílias, em especial as grandes, não tinham dinheiro
para o almoço, segundo os moradores, sempre havia mais pessoas na festa de
devotos do que nas festas que eram organizadas pela Igreja.
Como práticas dinâmicas que refletem o seu contexto, as festas não se
mantiveram estáticas e congeladas no tempo, muitas foram se reinventando,
sendo ressignificadas, enquanto algumas aos poucos foram se extinguindo.
2.Memória e Identidade
A memória é construída pela relação com o outro, “é um elemento
constituinte do sentimento de identidade” (POLLAK, 1999, p. 204), que emerge
do contexto do grupo do qual ela representa e da tensão no seio do grupo e
fora dele.
A identidade também está alocada no contexto social e nos diferentes
grupos que o individuo está inserido, num processo de inclusão e exclusão,
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pois “a construção da identidade é um fenômeno que se produz em referencia
aos outros, em referência aos critérios de aceitabilidade, de admissibilidade, de
credibilidade, e que se faz por meio da negociação direta com outros”
(POLLAK, 1999, p. 204).
Sabemos que a construção dessa identidade é feita a partir das tensões
internas ao grupo, dos discursos que prevalecem entre o grupo e o indivíduo, e
com as tensões externas, que diferenciam um grupo do outro. O processo de
formação da identidade e da memória é continuo, ou seja, o individuo está
sempre modificando a maneira como representifica o seu passado e como
representa a sim mesmo, a partir do seu presente e do seu meio social.
Segundo Candau, a linha que separa a memória e a identidade é tênue,
pois segundo ele, não pode haver memória sem identidade como também não
haveria identidade sem a memória. Este autor afirma que a memória constitui
nosso sentimento de continuidade, pois ela fornece quadros de orientação e
classificação que nos conduzem, mas sem a identidade, que dá significado a
esses enquadramentos e sequências temporais, esses fatos seriam apenas
meras lembranças sem significados e sentimentos (CANDAU, 2009/2010, p.
46-47).
Percebemos a memória como uma continua representificação do passado,
que é construída, seletiva e referencial e localiza no presente as experiências
vividas no passado, de acordo com o meio social, econômico e cultural em que
está inserida (BARROS, 1999).
Essa memória que construída pela relação com o outro, “é um elemento
constituinte do sentimento de identidade” (POLLAK, 1999, p. 204), que emerge
do contexto do grupo do qual ela representa e da tensão no seio do grupo e
fora dele.
A identidade também está alocada no contexto social e nos diferentes
grupos que o individuo está inserido, num processo de inclusão e exclusão,
pois “a construção da identidade é um fenômeno que se produz em referencia
aos outros, em referência aos critérios de aceitabilidade, de admissibilidade, de
credibilidade, e que se faz por meio da negociação direta com outros”
(POLLAK, 1999, p. 204).
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Assim como Carvalho, vemos as festas como espaços eficazes em
“aglutinar as pessoas em termos de vivencias coletivas” (2008, p.149), que
unificam e uniformizam a identidade social de um grupo de indivíduos, assim
ao tratarmos as memórias dessa comunidade sobre as festas religiosas, temos
em mente que elas não representam a memória de um único individuo, mas
que esta situada em um conjunto social.
Nas observações in loco, nas conversas e entrevistas ao questionar os
habitantes e ex-moradores da comunidade da Roça Velha, sobre suas
memórias da infância e juventude nessa região, esses itaiacocanos acabam
por atingirem as memórias das festas.
Quando falam de sua religiosidade e sua fé, e consequentemente das
festas, esse moradores exaltam as antigas práticas, distinguindo das práticas
de hoje, de sua devoção atual, para alguns o desaparecimento dessas práticas
é sinal de que a fé dos moradores já não é mais a mesma, em suas narrativas
percebemos que muitos moradores veem os tempos passados como tempos
de fé, onde as pessoas eram mais religiosas e apegadas a religião.
Em momento algum em suas narrações eles veem a festa como
marginal as práticas da Igreja Católica, ou que não fossem legitimas e que
necessitassem do aval do padre para serem validadas. As festas coexistiram
durante muitos anos com a presença dos padres, que muitas vezes traziam
elementos dessas práticas para as festas de padroeiros das capelas.
A solidariedade e sociabilidade também são constantemente citadas
pelos moradores, para muitos a lembrança mais marcante dessas práticas era
reunião das famílias e a solidariedade. Esses valores surgem de maneira
corrente nas falas desses moradores, que ressaltam com tristeza, muitas
vezes, não terem mais contato com esse valores em seu cotidiano hoje.
O trabalho no campo é sempre alvo das conversas, as lembranças das
plantações, do tempo de colheitas e carpidas, as reuniões de trabalho como a
comunidade, são sempre trazidas a tona quando se é perguntado sobre sua
vida. A saudade do trabalho na terra e de outro modo vida, na qual um homem
poderia tirar seu sustento e de sua família da terra é sempre lembrado.
Aqueles que deixaram a região e hoje vivem no meio urbano deixam
ainda mais claro sua posição frente ao passado e ao lugar onde pertencem. Os
valores do meio urbano não são vistos como seus, esses meio, por mais que
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lhe seja familiar, pelos anos de convívio, ainda é estranho, não é a esse meio
que ele sente pertencer, não vê os vizinhos como pares, pois esses não
compartilham as mesmas memórias e nem a mesma identidade.
O trabalho também lhe é estranho, se reconhecer como membro de
outra classe de trabalhadores parece complexo para esses trabalhadores, pois
em suas memórias serão sempre agricultores, lavradores que no momento, por
forças maiores, são obrigados a trabalharem em outras funções.
A religião também era uma forma de sociação, as festas, as novenas,
nos terços rezados na casa dos vizinhos e companheiros, eram também
formas de socialização. As orações feitas em casa pela comunidade podiam
ser feitas apenas pela família ou em alguns momentos, feita com o auxilio de
vizinhos e conhecidos. A religião ocupa grande parte das memórias dos
habitantes, demonstrando o quão relevante esse aspecto é para esses
habitantes, a comunidade é narrada como muito religiosa, onde o povo sempre
participava da religião e era devoto.
As festas religiosas também eram espaços onde homens, mulheres,
jovens e crianças de todas as idades podiam se encontrar e se reunir. Eram
também nesses espaços onde se podia verificar os laços de solidariedade e de
compromisso dos habitantes entre si, muitos recebiam ajuda da comunidade na
organização de suas festas.
Esses espaços que misturam a fé e o divertimento também aparecem
muito nas narrativas dos habitantes, que falam da fé e seus costumes e rituais,
mas que também atentam para as brigas que tiveram nesses locais, para os
namoros que aconteciam e os casamentos que arranjavam.
O lazer, o trabalho e a fé não limites claro nas festas, o culto aos santos
que muitas vezes eram ligados a questões do plantio ou da colheita, as
promessas para uma plantação boa e para um rebanho sadio, faziam da festa
um espaço ligado ao trabalho, bem como o lazer, a festa não era para eles
apenas um espaço de contato com o sagrado, mas espaço onde as interações
sociais aconteciam, conflitos eram criados ou resolvidos, namoros começavam
e findavam. Na memória desses moradores era no espaços das festas que eles
partilhavam seus costumes, valores, crenças, devoções e lazer, era nesses
espaços que partilhavam suas vias.
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3.Referências:
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Cesar Teixeira; LIMA, Lana Lage da Gama; SILVA, Francisco Carlos Teixeira
da. (Org.) História & religião. Rio de Janeiro: Mauad Editora Ltda., 2002.
BARROS, José Marcio. Cultura, memória e identidade – contribuição ao
debate. Cadernos de História. Belo Horizonte, v. 4, n. 5, p. 31-37, dez / 1999.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A partilha do tempo: A experiência da vida e dos
símbolos do catolicismo popular no cotidiano de camponeses tradicionais em
São Luís do Paraitinga, SP. In: SANCHIS, Pierre (Org.). Catolicismo:
cotidiano e movimentos. São Paulo – SP: Edições Loyola, 1992, p. 89-153.
CANDAU, Joël. Bases antropológicas e expressões mundanas da busca
patrimonial: memória, tradição e identidade. Revista Memória em Rede.
Pelotas, vol.1, n.1, p. 43-58, dez/2009-mar/2010.
CARVALHO, André Luis Piva de. Festa e Identidade Social. In: II COLÓQUIO
FESTAS E SOCIABILIDADES, 2008, Anais Eletrônicos, 2008.
FERREIRA, Everaldo Skalinski. A influência do sistema de faxinal no
estado ambiental da bacia hidrográfica do rio Sete Saltos – PR. 2009. 103
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Ponta Grossa – 2009.
LEONEL, Guilherme Guimarães. Festa e sociabilidade: reflexões teóricas e
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contemporâneos. Cadernos de História, Belo Horizonte, v. 11, n. 15, p. 35–57,
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POLLAK, Michael. Memória e Identidade Social. Estudos Históricos, Rio de
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Ponta Grossa –PR, na década de 1970. 2008. 194 f. Dissertação (Mestrado
em Ciências Sociais) – UEPG, Ponta Grossa – 2008.
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2000.
SOUZA, Ricardo Luiz de. Festas, procissões, romarias, milagres: aspectos
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religiosidade vivida. São Paulo: Edições Loyola, 1979. Cap. 2. p. 83-91.
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NEGOCIAÇÃO E RESISTÊNCIA: EXPERIÊNCIA DOS
TRABALHADORES RURAIS DO VALE DO RIO DOCE NA
DÉCADA DE 1950
Michelle Nunes de Morais (PPGH – Unisinos)
[email protected]
RESUMO:
Nossa proposta é apresentar as formas de resistência que os Trabalhadores
Rurais em Governador Valadares, no médio Rio Doce, buscaram durante o
processo de expropriação que sofreram na década de 1950. As formas de
resistência destes trabalhadores podem ser lidas como uma cultura política.
PALAVRAS-CHAVE: negociação, resistência, Cultura Política.
A resistência como cultura política
No decorrer da década de 1950 os trabalhadores rurais de Governador
Valadares, Estado de Minas Gerais, que estavam sendo expulsos de suas
posses - em benefício do latifúndio - buscaram formas de resistência. Eles
negociaram a permanência na terra mediante diversos meios. Lemos essas
formas de negociação e resistências dos trabalhadores rurais como uma
cultura política.
Para
tratarmos
as
ações
de
negociação
e
resistência
dos
trabalhadores, como uma cultura política, amparamo-nos em Edward Palmer
Thompson (1998, p. 21). Segundo o autor nas revoltas, ou resistências, pode
ser visto o surgimento de uma cultura política, ou seja, o incipiente surgimento
de uma consciência e formação de classe. Já para refletirmos a resistência
como aprendizagem, buscamos subsídio em Olinda Maria Noronha (1986) que,
estudando as trabalhadoras inseridas na cultura de cana no interior de Minas,
observa que no processo de exclusão e opressão que os trabalhadores são
submetidos há um processo de aprendizagem da resistência e este processo
pode levar a uma aprendizagem de classe. Isso porque
entendemos que as relações de expropriação do saber, de
apropriação de um saber novo, engendrado nas relações de trabalho
assalariado, e de resistência dão-se de maneira articulada no interior
de um mesmo processo: o social. (p. 126).
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Para a autora ao se submeterem às novas regras do capital os
trabalhadores instrumentalizaram novas habilidades, criando um contra saber,
assim como, “termina-se por criar a possibilidade de transgressão desse
código, ou seja, há a formação de estratégias de resistência e de consciência
de classe” (NORONHA, 1986, p. 126). Denunciar a violência, as condições
degradantes a que são submetidos, entre outros, representa que os
trabalhadores conquistaram um alto nível de consciência da realidade.
Os
posseiros
–
transformados
em
trabalhadores
rurais
pela
expropriação - ao tomarem a iniciativa de procurar a justiça para reclamar
direitos, denunciando a violência com que estavam sendo expulsos de suas
posses: resistiram, pois, conscientizaram-se quanto sujeitos detentores de
direitos. Por conseguinte, a demanda individual torna-se coletiva ao se
observar que a reclamação de um se confunde com os interesses de todo o
grupo, mesmo não havendo uma organização intencional dos trabalhadores
(NORONHA, 1986, pp. 128 - 205).
Trabalhadores rurais e suas formas de resistência
No decorrer das décadas de 1930-1940, em Governador Valadares, os
posseiros foram transformados em assalariados rurais, parceiros, meeiros,
entre outras categorias de trabalhadores rurais. Posteriormente, com os pastos
já formados eles foram expulsos do campo e se integraram a mão-de-obra
desempregada de Governador Valadares (BORGES, M., 1991, p. 179). Estes
trabalhadores rurais, que foram expropriados e expulsos de suas terras,
buscaram diversas formas de resistência. Inseriram-se ao mercado de trabalho
rural; recusaram-se a deixar as glebas (posses) em que residiam, procuraram
amparo na lei e denunciaram a violência que sofriam através dos meios de
comunicação do estado.
Para Noronha (1986, pp. 29 e 34) a resistência que surge da
experiência da expropriação não é acidental e sem importância. Nela se
encontra o ponto de partida para a aprendizagem de novas formas de relações
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sociais, que possibilitam que estes trabalhadores se descubram portadores e
direitos.
A industrialização do País a partir da década de 1930, motivada pelo
desenvolvimentismo varguista, incentivou o avanço da fronteira agrícola para
áreas ainda não colonizadas. Diversos órgãos privados e públicos, nacionais e
estrangeiros, financiaram a expansão das frentes de ocupação. O estado
estabeleceu tanto políticas de industrialização, quanto de colonização,
implantando diversas colônias agrícolas em todo o país, medida que tinha
como fim incentivar a pequena propriedade.
Por conseguinte, as áreas de fronteira inicialmente foram colonizadas
por pequenos posseiros que se dedicavam a agricultura de subsistência,
posteriormente, com a expansão da fronteira agrícola, para estas áreas
migraram o capital agrário, que implantou uma forma de relação de
propriedade privada da terra ainda desconhecida do posseiro. Isto agravou os
conflitos entre posseiros, primeiros ocupantes destas terras, e os grandes
proprietários, novos donos – legais – das mesmas (BORGES, B., 1996, pp. 3950).
A
primeira
forma
de
resistência
que
identificamos
entre
os
trabalhadores do Vale do Rio Doce é a parceria/meação. Para Antônio Candido
(1964 p. 163) a parceria/meação era a forma encontrada pelos posseiros e
pequenos sitiantes, impossibilitados de manterem suas terras pela iniciativa do
latifúndio, manterem a dignidade humana, por ser a forma de relação que mais
se assemelha as formas de relação de subsistência do posseiro. Partindo da
análise do autor identificamos essa modalidade dos posseiros do Vale do Rio
Doce como uma forma de resistência.
Na região a inserção dos trabalhadores na parceria era estabelecida
por um contrato de dois anos, no qual no primeiro ano eles deveriam derrubar a
mata, sem pagar nada ao contratante. Esse primeiro estágio, com a chegada
da frente pioneira, absorveu bastante mão-de-obra, na derrubada da mata e
fabricação de carvão vegetal, para abastecer os autos fornos das empresas
siderúrgicas Belgo Mineira e Acesita (Aços Especiais Itabira). Por conseguinte,
em um segundo estágio, com os pastos formados, a pecuária de invernada
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absorveu baixa mão-de-obra, o que levou a expulsão dos trabalhadores ou
para a cidade ou para outras áreas de fronteiras. Dessa forma, havia intensa
migração para a área urbana de Governador Valadares e outros estados como
Mato Grosso e Pará (CASTALDI, 1957, p. 61).
A experiência dos posseiros (expropriação, assimilação, inserção ao
latifúndio, entre outras) levou a uma aprendizagem da resistência. É a
experiência que possibilita a negociação e na negociação que se adquire
instrumental para resistir. Os trabalhadores rurais não eram passivos, eles
estavam apreendendo o meio, o que possibilitou o desenvolvimento de
habilidades sociais para negociar, há nesse processo a formação de uma
consciência social e consequentemente de tensões.
Para Edward P. Thompson (1981, p. 15) a experiência é uma categoria
“indispensável ao historiador, já que compreende a resposta mental e
emocional, seja de um indivíduo ou de um grupo social, a muitos
acontecimentos inter-relacionados ou a muitas repetições do mesmo tipo”. O
autor considera a habilidade como uma prática que surge da reflexão sobre a
experiência. A experiência é espontânea no ser social, ela é gerada na vida
material e é dela que surge a consciência social e da consciência surge os
valores (pp. 189-194).
Os posseiros do Vale do Rio Doce ao serem expropriados e inseridos
dentro da lógica do capital agropecuário adquiriram novas habilidades advindas
da experiência de negociar a permanência na terra. O que consideramos como
pedagogia da resistência são os vários elementos acionados pelos
posseiros/trabalhadores rurais para burlar a lógica da exclusão, exploração e
violência do capital fundiário. A concentração de terras e a impossibilidade dos
trabalhadores em manter suas posses possibilitaram a contra produção de um
novo
saber
que
funcionou
como
uma
aprendizagem
da
resistência
(NORONHA, 1986, pp. 22, 24 e 59). Esse processo de aprendizagem perpassa
pela exclusão; perda de autonomia, inclusão precária e um discurso de
desqualificação do trabalhador.
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As expropriações de terra no Vale do Rio Doce
A ocupação do Médio Rio Doce intensificou-se com a construção da
Estrada de Ferro Vitória-Diamantina (hoje Vitória-Minas) no final do século XIX.
A partir de então a região teve intensa entrada de imigrantes pobres, vindos,
sobretudo, do nordeste, fugidos da seca que assolou a região em fins do
século XIX e início do século XX, para trabalhar na construção da estrada de
ferro.
No decorrer da década de 1910 a exploração de madeira ocorria nas
áreas próximas às estações, sendo que as zonas distantes permaneciam mata
fechada, onde os posseiros entravam e abriam suas glebas. Em meados da
década de 1930, a instalação da empresa mineradora Belgo Mineira em João
Monlevade e o início da abertura da Rodovia Rio-Bahia levaram novos
interessados a possear e comprar terras na região, ela se abriu como a nova
fronteira econômica do estado de Minas Gerais, recebendo grandes
investimentos de capital da frente pioneira. Isso provocou um crescimento
rápido da população, consequência do encontro das redes viárias – Estrada de
Ferro Vitória-Minas e Rodovia BR-116 - que se cruzam na cidade de
Governador Valadares. A BR-116 possibilitou a exploração em larga escala dos
recursos naturais e minerais. Em consequência dessa abertura, aos mercados
nacionais, as matas da região deixaram de ser apenas de interesse dos
posseiros, pois passaram a ter valor de mercado (imobiliário) (ESPINDOLA et.
al. 2010, pp. 21-22).
Esta sobreposição de interesses tem contido diferentes camadas de
tempo, pois posseiros e latifundiários, dotados de capital agrário, vivem
diferentes períodos de tempo (KOSELLECK, 2006, p. 137). Em consequência
dessa diferente forma de experimentar o movimento histórico, os posseiros que
chegaram à região, nas primeiras décadas do século XX, foram expropriados
de suas posses, pela frente pioneira, que detinha o capital e os títulos legais
das terras. A expropriação de posseiros é uma característica da frente pioneira,
pois essa se caracteriza por um grupo detentor de capital, com influência
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política e poder que os possibilitam se tornarem grandes fazendeiros
(ESPINDOLA et. al., 2010, p. 23).
A iniciativa da fazenda, a partir de 1930, expropriou os posseiros e os
expulsou violentamente de suas terras. O governo não fiscalizava as
informações prestadas nos requerimentos e a Secretaria de Agricultura,
desaparelhada, sem funcionários e equipamentos suficientes para exercer suas
funções, não conseguia averiguar os pedidos de legitimação, o que possibilitou
que se burlassem as exigências para o processo. Também, havia a conivência
de funcionários da Secretaria de Agricultura (fiscais de matas, agrimensores,
coletores de impostos) com juízes de paz, deputados e grileiros. O que
possibilitou que pessoas que nunca haviam pisado nas terras do Vale do Rio
Doce legalizassem grandes extensões de terra, em muitos casos acima do
limite permitido pela constituição de 1946.
A resistência
As fontes nos apontam que a resistência no Vale do Rio Doce teve seu
marco a partir da atuação do advogado Dr. Caio (Júlio César) Monteiro de
Barros na região por volta do ano de 1951 (DIÁRIO de Minas, 28/01/1953). Dr.
Caio defendia as causas dos posseiros e os posseiros se recusavam a saírem
das posses. Acreditamos que a medida surtiu efeito, pois em janeiro de 1953 o
jornal Diário de Minas, enviou um correspondente especial, Oscar Nonato
Chaves, para a região a fim de investigar os casos de invasões de terras.
Foram feitas diversas matérias sobre as invasões de terras e ação comunista
no Médio Rio Doce. No dia 16 de janeiro de 1953 o jornal noticiou: “Iminente
um conflito entre os proprietários de terra e os posseiros”.
As matérias inicialmente criminalizavam os posseiros, que foram
taxados de invasores, e culpavam os comunistas de os estarem induzindo as
ações criminosas. No dia 21 de janeiro de 1953 uma matéria diz que havia
prenuncios (sic) de sérios (sic) conflitos, quando se começa
a falar em “justiça pelas proprias (sic) mãos – Muitos ocupantes são
aventureiros que pretendem lesar os incautos, através do chamado
'conto das terras devolutas' – os comunistas, como sempre, tirando
partido da situação [...].
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A matéria continua dizendo que o Dr. Caio Monteiro de Barros é o
chefe do movimento stalinista dos ‘invasores’. Os fazendeiros alardeavam o
arsenal bélico que detinham e deixavam claro que tinham homens para coibir
qualquer invasão. A violência contra os posseiros na região é tão gritante que
não houve como esconder e o repórter [que estava na região para investigar as
invasões] reconhece que vinha acontecendo expulsão dos posseiros. O
correspondente diz que
sempre que se toca nesse intricado problema das terras
devolutas, tem-se naturalmente uma serie de prevenções, pois ele
sugere sempre a história de tremendas injustiças e violencias (sic)
praticadas contra humildes 'posseiros', que não tem para quem apelar
na defesa de seus direitos. (DIÁRIO de Minas, 21 de janeiro de
1953).
No dia 22 de janeiro de 1953 o jornal divulgou uma entrevista com o
Prefeito de Governador Valadares que fez graves denúncias contra os
proprietários de terras. Na entrevista o prefeito Raimundo Albergaria diz que:
−
Quero, antes de mais
nada afirmar que são infundadas as informações de que se serviu o
seu conceituado jornal. O que há é o seguinte: existem no município
grandes latifundiários, que ocupam vastas áreas de terras devolutas
de que legalizaram parte. Indivíduos, por exemplo, que tem
lançamento de 40 alqueires de terras do Estado, dominam áreas de
500 alqueiros, alijando 'posseiros' antigos (ilegível) ameaças, pondoos na rua com as suas resectivas (sic) famílias. Há 'posseiros' de
mais de 20 anos, com muitas benfeitorias. Certas companhias
pretendem retirá-los à força, amedrontando-os e queimando os seus
barracos. Ora, evidentemente, não é este o processo legal.
Esclarece depois o prefeito de Governador Valadares que, tendo sido
procurado muitas vezes por 'posseiros' nesta situação, que lhe
pediam instruções, aconselhou-os a que tratassem judicialmente do
assunto, 'porque o caso não era de minha alçada'.
O correspondente especial Oscar Nonato Chaves, fez uma série de
matérias sobre as expropriações dos posseiros do Vale do Rio Doce.
No dia 22 de janeiro de 1953 a matéria traz denúncias das formas
violentas utilizadas pelos fazendeiros para adquirirem suas terras e algumas
práticas que foram utilizadas a fim de formar grandes latifúndios. O latifúndio
em Governador Valadares foi constituído por assassinato de posseiros,
tocando fogo nas casas dos moradores habituais, entre diversas outras formas
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de violência. A reportagem traz ainda uma denúncia sobre a atuação dos
postos de requerimento e da coletoria, órgãos da Secretaria de Agricultura, nos
conflitos por terra na região. Segundo a matéria o coletor fazia lançamentos
irregulares de terras recebendo pagamentos ilegítimos. De posse do
documento de pagamento de impostos, os interessados procuravam a
Secretária de Agricultura e entravam com o pedido de medição da área. O
pagamento, dos impostos territoriais, garantia a preferência de compra das
terras fora da Hasta Pública. Havia casos absurdos de posses que eram
lançadas com uma área e quando medidas a extensão da área era outra.
Observamos
nos
discursos
sobre
a
invasão
de
terras
uma
preocupação com a mudança de comportamento dos invasores. Os que
outrora deixavam as terras passaram a se recusarem a deixá-las. Na edição do
Diário de Minas do dia 24 de janeiro de 1953 a matéria diz que: observava-se
uma ‘perigosa mudança’ no comportamento dos posseiros, pois “antigamente
eles acatavam as decisões judiciais e policiais, que lhes impedia continuar nas
propriedades”, mas passaram a não acatar as decisões que lhes eram
desfavoráveis recorrendo à justiça. A preocupação é que os posseiros, que
antes se retiravam pacificamente das terras griladas, naquele momento,
estavam se recusando a saírem.
A edição do Diário de Minas do dia 28 de janeiro de 1953 divulgou
carta do Dr. Caio Monteiro de Barros, na qual ele contestou a imputação de ser
comunista, negando ser o ‘chefe stalinista’ na região, como apareceu em
diversas matérias do jornal. Ele, também, esclarece que vinha fazendo a
defesa dos posseiros expropriados desde fevereiro de 1951, os amparando
contra os despejos da empresa siderúrgica Belgo Mineira, a Cobraice e outras.
Assim como, defendia causas de posseiros das cidades vizinhas (Tarumirim,
Teófilo Otoni, Itambacuri e outras).
No dia 30 de janeiro de 1953 foi publicada uma matéria que nos elucida
o que vinha acontecendo na região. Nesta edição o deputado João Batista de
Miranda (não temos informação do partido ao qual se filiava) concedeu uma
entrevista em que relatou que se encontrava na região “quando se verificaram
as primeiras invasões de terras de domínio do Estado nos municípios de
Governador Valadares e Itambacuri”, ou seja, terras públicas. A questão, nos
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Vales dos Rios Doce e Mucuri, é tão complexa que até quem se propõe a falar
em defesa dos proprietários fundiários, acabam denunciando a situação de
injustiça reinante na região. O deputado diz que
−
a demora já consagrada
em regra para a legitimação das glebas do Estado [...] cria quase
sempre situações anômalas. Os pretendentes à legitimação, não
dispondo de elementos técnicos, muita vez ocupam áreas alem do
limite da que pleiteiam. Dai, de preferencia, a invasão se verificar em
áreas ainda em legitimação, o que vale dizer, sem o definitivo 'statu'
(sic) jurídico de posse.
−
Em alguns casos, os
atritos se originam, ora devidos à pouca compreensão dos elementos
forasteiros, ora devidos igualmente à incompreensão dos fazendeiros,
estes ultimos (sic) levados pela ambição de domínio da maior área de
terras possível. (DIÁRIO de Minas, 30/01/1953).
Observamos que o mesmo deputado esclarece que não estavam
sendo invadidas as propriedades particulares. Vemos, nesta matéria, que os
fazendeiros estavam ocupando áreas superiores às legitimadas, ou em
processo de legitimação. Estas áreas eram terras públicas, ocupadas
irregularmente, ainda não tituladas. Embora ele defenda os fazendeiros,
dizendo que essa situação era devida a falta de elementos técnicos, fica
evidente que não era invasão de terras, mas litígio entre grileiros e posseiros.
A partir das análises do jornal Diário de Minas, do manuscrito anônimo
e dos relatórios do DEOP/MG, quanto às chamadas invasões de terras no
início da década de 1950, podemos considerar que: o que houve foram
conflitos entre os posseiros e os proprietários fundiários que vinham
legitimando terras Devolutas e Públicas nos Vales do Rio Doce e Mucuri. Como
os posseiros passaram a não se retirarem da terra com tanta facilidade, mas
procuraram dentro da lei, com a defesa do Dr. Caio Monteiro de Barros,
garantir a permanência nas glebas, os fazendeiros se viram desesperados com
a nova postura dos posseiros e procuraram desqualificar esta resistência,
cunhando o discurso de que a mesma era subversiva.
Com este discurso os proprietários fundiários tentavam desviar a
atenção pública da violência praticada contra os posseiros. Norman Fairclough
(2001, pp. 90 - 94) diz que o discurso é a utilização da linguagem como uma
prática social, sendo que, há uma relação dialética entre discurso (prática
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social) e a estrutura social, por isso, ele é um modo de ação, servindo para
significação do mundo. O discurso como prática política serve para naturalizar
as relações de poder. Ao denominar de subversiva as ações dos posseiros os
proprietários fundiários visavam manter as relações de dominação.
Se houve realmente invasões (não encontramos documentação que
possa afirmar) foram casos isolados, que não podem ser tomadas como regra
para caracterizar os conflitos por terra na região. Vemos nessa atitude, dos
posseiros, de se negarem a se retirarem das glebas e a busca por justiça,
pelos meios legais, o surgimento de uma consciência, que nomeamos de
pedagogia da resistência, que se estabelece a partir das formas de
negociações
estabelecidas
pelos
posseiros/trabalhadores
rurais.
Cabe
ressaltar que Noronha (1986, p. 44) vê na pedagogia da resistência a
instrumentalização de habilidades novas que mostram que o grupo estava
apreendendo com a realidade a que estavam sendo submetidos. Elas surgem
da experiência dos trabalhadores. As denúncias de invasões de terras foram
cunhadas visando desmoralizar moradores habituais diante da opinião pública
e assim desviando a mesma opinião da violência e suas várias faces: a
dominação, a exploração e a opressão.
Os conflitos por terra na região continuaram ganhando a atenção do
país. Em 1957 os conflitos agrários chegaram novamente ao ápice. Novamente
o Diário de Minas enviou um correspondente especial para Governador
Valadares, com o fim de apurar as denúncias que vinham da região. O
jornalista Mauro Santayana ao chegar à Valadares se deparou com cenas das
mais chocantes de violência. Ele viajou por toda a região dos Vales dos Rios
Doce e Mucuri, coletando histórias de violência e resistência e documentou os
mais chocantes casos de assassinatos e expulsão de posseiros.
No dia 5 de abril de 1957, Santayana publicou matéria sobre a
violência no povoado de Jampruca, distrito de Campanário, no Mucuri. Ele
conversou com diversos posseiros expropriados e na fala de Jorge Francisco
Agostinho vemos o sofrimento dos posseiros da região:
- 'Moço, lá no cemitério há umas dezessete cruzes. Seria
melhor que o senhor conversasse com elas. Porque os homens que
ali estão vieram para cá, pouco depois de mim. Eles chegaram
quando tudo era mata virgem, perderam gente da família com a febre
e tiveram que comer carne de macaco. Depois que a Rio-Bahia
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estava pronta, os homens ricos vieram. Vieram de jipe e com
jagunços armados de carabina. Exigiram que estes homens saíssem
da terra: foram assassinados e ninguém tomou conhecimento. Estas
cruzes estão lá...'
Esta testemunha chegou às matas do Vale do Rio Doce em 1935, as
terras que posseou foram legitimadas pelo fazendeiro Antônio Correia, em
1953. Ele e os outros posseiros que tinham posses na área legitimada por este
foram expulsos e os que tentaram resistir foram assassinados pelos jagunços
do mesmo fazendeiro.
O repórter relatou a fome e o desespero das mulheres que estavam
com os maridos presos pelos seguranças/jagunços da Acesita. Santayana
denunciou o fim que muitas filhas de posseiros expulsos de suas terras tinham
ao serem encaminhadas para as cidades: a prostituição. Diante de tantas
denúncias e histórias de homens e mulheres sofrendo todo tipo de violência, as
crianças a mendigarem, seus filhos jovens assassinados e as filhas a se
prostituírem na zona boêmia, requereu-se na Assembleia Legislativa Mineira
uma Comissão de Inquérito para Apurar o Escândalo das Terras Devolutas,
pelo Deputado Hernani Maia (DIÁRIO de Minas, 10/04/1957).
O Diário de Minas do dia 26 de abril de 1957 traz um editorial: O
escândalo das terras devolutas, segundo o mesmo, os governos anteriores
haviam sustado todos os processos de legitimação de glebas a fim de rever os
pedidos, pois havia grandes irregularidades nos processos, sendo que a
questão era de enorme gravidade, mas que
com a administração instalada em 1956, todavia, a
Secretaria de Agricultura retomou o despacho dos processos, que,
acumulados durante anos, atingiram número elevadissimo.
Estabelecera-se, então, uma verdadeira orgia de legitimação de
terras devolutas, contra a qual se insurgiu o chefe do Departamento
de Terras e Matas. (DIÁRIO de Minas, 26/04/1957).
Na edição do dia 27 de abril de 1957 foi denunciado que o Cel. Joviano
dos Santos, comandante do 6º Batalhão de Caçadores e delegado de Polícia
de Governador Valadares, era acusado de “invasor de terras pertencentes a
terceiros” (DIÁRIO DE MIINAS, 27/04/1957). Quando todas as autoridades
constituídas pelo Estado estão envolvidas nas atividades criminosas de
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grilagem de terras e expropriação dos posseiros, o pequeno posseiro se
encontra desamparado por qualquer dispositivo legal.
Segundo Edward P. Thompson (1987, p. 338 e 349) para que a
legislação pareça imparcial é preciso que a lei se desenvolva por uma lógica
imparcial. A lei é o artefato utilizado para legitimar a ação reguladora. Mas, no
Vale do Rio Doce vemos a legislação mineira violar os direitos garantidos aos
posseiros constitucionalmente, pois a lógica imperante no ordenamento jurídico
mineiro foi o da titularidade da apropriação privada do solo e não a da
ocupação.
Por isso, vemos a necessidade do Estado se posicionar ante aos
acontecimentos no Vale: a solução veio a cavalo. O Governo do Estado de
Minas enviou para a cidade um Batalhão da Cavalaria a fim de “impedir
invasões de terras”, mas, a real função era para o Batalhão “cumprir
rigorosamente as decisões judiciais, sejam definitivas, sejam liminares
acolhendo, pedido de restituição ao 'statu quo' das terras invadidas” (DIÁRIO
de Minas, 07/11/1957), ao mesmo tempo acenou para os posseiros,
prometendo analisar todos os processos pendentes devido à ação de litígio na
Secretária de Agricultura. O que realmente foi feito: a Secretaria de Agricultura
agilizou os processos de legitimação pendentes naquele órgão, seja por falta
de documentos, seja porque posseiros residentes entraram com processo de
impugnação.
Enfim,
os
processos
pendentes
na
secretaria,
foram
encaminhados rapidamente e, sendo assim, os proprietários poderiam limpar
as terras de invasores.
Considerações finais
As formas de negociação e resistência dos trabalhadores do Vale do
Rio Doce mostram um incipiente surgimento de uma cultura política que
possibilitou aos trabalhadores buscarem formas de permanecerem nas antigas
posses. As diversas formas de negociação e resistência sejam as negociações
políticas amparadas pela lei ou as negociações no âmbito cotidiano, não
podem ser negadas como importantes instrumentos da luta pela terra na
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região. Sendo assim, não consideramos os conflitos entre trabalhadores e
proprietários fundiários como ações isolados de caráter individual, mas como
ação coletiva.
FONTES E BIBLIOGRAFIA:
Fontes:
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1957.
Arquivo Público Mineiro:
DOP'S (Departamento de Ordem Pública e Social). Belo Horizonte/MG
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EXPERIÊNCIAS DE TRABALHADORES RURAIS EM
CONTEXTOS DE MIGRAÇÃO
Danielle da Silva Ramos (UFBA)
[email protected]
Luana Moura Quadros(UFBA)
[email protected]
RESUMO:
Este trabalho busca retratar as experiências de trabalhadores rurais do sertão
baiano em contexto de migração impulsionado pela seca. Ao analisar estes
eventos que se abateram sobre a vida dos sertanejos, as estratégias de
sobrevivências por eles empreendidas ganham destaque, sobretudo a
migração. A opção por não estabelecer balizas temporais deve-se à ênfase da
proposta em apontar caminhos que busquem compreender as vivências destes
sujeitos: tanto na cidade, quanto no campo, tendo como base o conceito de
experiência de Thompson. Busca-se ainda fornecer através desta análise
possibilidades de abordagens, hipóteses e problematizações que permitam
perceber as conexões entre o campo e a cidade.
Palavras-Chave: Migração. Experiência. Trabalhadores Rurais.
1 À guisa de introdução
A instabilidade pluviométrica no sertão para além de um fenômeno
natural, recorrente de tempos em tempos, foi adquirindo contornos sociais,
econômicos e políticos. Os longos períodos de seca que se fizeram presentes
na vida do sertanejo compõem o pano de fundo em muitas análises e obras
empreendidas que retratam o viver no sertão222. Largar o pedaço de terra,
diante desse contexto, foi uma constante na vida do sertanejo. Os impactos
desta migração têm sido objeto de investigação de historiadores. Um dos
vieses, que também é aqui adotado, segue os passos de E. P. Thompson que,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
222
Recorrentemente a historiografia enfatiza as secas ocorridas a partir do século XIX. Durval
Muniz de Albuquerque (1995, p.111) ressalta que os autores são unânimes ao considerar a
chamada “grande seca” de 1877/79 como o momento a partir do qual a seca passa a interessar
aos “poderes públicos”, tornando-se um problema de repercussão “nacional”.
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reconhecendo as experiências dos migrantes, descortina como se conformam
suas relações com outros atores sociais na construção de estratégias para
sobreviver. São assim, sujeitos ativos do processo histórico que vivem num
cenário, onde a luta para superar a falta das chuvas ou os obstáculos
decorridos com a migração se fazem presente.
Diante disto, alguns problemas são destacados. Primeiro, diante de
uma situação de calamidade criada por uma longa estiagem, a fome e a falta
de meios para sobreviver fazem muitos sujeitos migrarem. Contudo nem todos
abandonam suas terras. O que lhes motivam a permanecer? E permanecendo,
que estratégias criam para perpassar esta crise? Quanto àqueles que migram
para as grandes cidades, como se dão suas primeiras vivências? A grande
cidade corresponderia às expectativas destes?
A noção de experiência é norteadora em todo o trabalho e está “não
apenas no âmbito das ideias, mas das ações e sentimentos, e estes por sua
vez são sentidos na cultura a partir de normas e valores estabelecidos e
significados historicamente em sociedade” (Ibid, p. 189). Assim, quando se
pensa em vivências de migrantes na cidade, levamos em conta que eles
quando as buscam para estabelecerem novos modos de vida, não se
transplantam para um modo de ser urbano. Pelo contrário, coexistem as ações
e as ideias gestadas no mundo rural que aos poucos se transformam e
adquirem novos sentidos. Para Thompson (2004, p.10), esta noção é
elementar para compreender a formação da classe e sua consciência enquanto
tal, uma vez que ela está encarnada no bojo das “tradições, dos sistemas de
valores, ideias e formas institucionais”. Contudo, ressalva que estas não são
categorias estatizantes e estão em dinâmica com o próprio processo
histórico223.
Dito isto, ressaltamos que o propósito do presente trabalho não é dar
respostas para aquelas questões, mas apontar caminhos, levantar hipóteses e
mostrar as possibilidades de discussão do tema a partir das noções
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
223
Para!E.!P.!Thompson!(1981,!p.!53H54)!as!categorias,!os!conceitos!e!as!noções!de!análise!não!são!
exteriores!à!História!enquanto!área!do!conhecimento!e,!portanto,!emergem!de!sua!prática.!Ou!seja,!
não! são! formulações! abstratas,! mas! são! endossados! numa! realidade,! tornandoHse,! por! isso,!
operacionalizáveis.! Ao! adotar! alguns! de! seus! conceitos,! ainda! que! seja! para! se! referir! a! uma!
sociedade!completamente!distinta!da!Inglaterra!do!século!XVIII,!eles!podem!ser!compreendidos!em!
outros!contextos.!!
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supracitadas. Por isso, não se adotou nenhum recorte temporal, mas
utilizaram-se exemplos empíricos para potencializar as discussões, bem como
salientar as alternativas metodológicas para o uso das mais variadas fontes. É
importante considerar que as problemáticas apresentadas não são, de modo
algum, um terreno nunca pisado pelos historiadores, mas também, assim como
nenhum outro tema da história, encontra-se esgotado em si mesmo.
2 Tempos de seca e de “arribação”: algumas considerações da
historiografia baiana à luz das contribuições de Edward P. Thompson
Falar de seca no sertão, não soa estranho aos ouvidos mais distantes.
O sofrimento do povo sertanejo nesse contexto foi evidenciado desde relatos
de viajantes a abordagens tradicionais que se dedicaram aos sertões enquanto
espaço de análise. Com o avançar da historiografia baiana em direção a essa
região, mesmo que ainda de maneira tímida, novas experiências vêm sendo
privilegiadas, trazendo à tona um sertanejo em constante atividade, procurando
meios de tocar sua vida adiante, a ser: os escritos de Erivaldo Fagundes
Neves, Maria de Fátima Novaes Pires, Elisângela Oliveira Ferreira e Idelma
Aparecida Ferreira Novaes. Estes historiadores contemplaram os impactos e
alternativas criadas em torno da difícil conjuntura vivenciada.
Tendo a escravidão no alto sertão baiano enquanto foco de
abordagem, Neves e Pires, demonstraram problemas como mortes, migração,
desabastecimento e desemprego. No entanto, ao enfatizar tais mazelas, Neves
(2012, p. 225) deixa escapar “que os efeitos da seca de 1857-1862, despovoou
o Alto Sertão da Bahia, com milhares de mortes por inanição e fuga em massa
da população”. Afirmativa que não corrobora com o pensamento de Pires
(2009), elucidando que apesar do contingente populacional que se retirou para
outras regiões, da escassez de alimentos e de trabalho, os sertanejos
encontraram alternativas capazes de driblar as dificuldades impostas,
contando, por exemplo, com a solidariedade e reciprocidade de familiares e
vizinhos.
Enfatizando a estruturação do cotidiano a partir das práticas
construídas por famílias que detinham desde grande pecúlio, àquelas que
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contavam com parcos recursos no Sertão do Francisco, Ferreira (2008)
demonstrou a partir da análise dos inventários os efeitos da seca sobre a vida
material dos sujeitos: ora conduzindo as famílias a considerável perda de seus
bens, ora acarretando prejuízos com a mortandade das cabeças de gado e das
plantações.
Nesta contramão Idelma Aparecida Ferreira Novaes (2008),
debruçando-se sobre o Sertão da Ressaca224, destaca que mesmo com as
inconstâncias climáticas a região continuou a dispor dos produtos base da
alimentação sertaneja. As ações dos fazendeiros na distribuição de farinha e a
chegada de imigrantes, foram descritos enquanto denotadores da força
econômica dessa região.
Estes estudos sobre os sertões da Bahia, ainda que não tenham como
preocupações
centrais
descortinar
como
se
processaram
vivências
relacionadas à migração, nos levam a perceber o quão complexo tornaram-se
as relações nesse período: tanto para aqueles que optaram pela permanência
quanto para os que “arribaram”. Adentrando nesse universo, de maneira mais
detida, Graciela Rodrigues Gonçalves (2000) e Daiane Dantas Martins (2009)
ofereceram uma abordagem mais ampla.
Ao se enveredar por entre os períodos de seca que se abateram na
Bahia durante o século XIX, Gonçalves apresenta distintas estratégias e
configurações socioeconômicas e políticas que perpassaram a escassez aí
sentida, na qual o reconhecimento das distinções de classe, vistas numa lógica
desigual, porém interdependente, fazia com que os ritos do paternalismo e a
deferência a sujeitos mais potentados se fizessem presente. De modo
semelhante, Martins analisa na seca de 1932, dando visibilidade às
engenhosidades dos moradores de Xique-Xique buscando sobreviver. Ao
trazer as experiências evocadas pelas memórias de quem a vivenciou, ela se
reporta a categorias pensadas por Thompson, como o conceito de economia
moral. Neste caso, as ações dos sujeitos não foram percebidas como puro
reflexo da fome, mas ensejadas em noções de bem estar comum, justiça e
moral construídas a partir do costume local. Assim como a própria categoria de
experiência, o que Martins se reporta como economia moral, não pode ser
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
224
Ainda conforme Novaes (2008, p.17), refere-se à Região do Sudoeste da Bahia, onde se
localiza a cidade de Vitória da Conquista. No final do século XVIII Mathias João da Costa já
estabelecera a Fazenda Ressaca, no Riacho da Ressaca, dando nome também.
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desvencilhado de um movimento coletivo, que ganha significados dentro do
contexto histórico (THOMPSON, 2011).
De maneira geral, as abordagens realizadas nessas referências se
tangenciam, trazendo à tona a permanência do sertanejo e os obstáculos
enfrentados cotidianamente enquanto a falta prolongada das chuvas vigorava.
Recorrer às contribuições thompsonianas tem se mostrado um campo fértil e
frequentado pelos historiadores que buscam evidenciar as experiências dos
trabalhadores de vida mais humilde em diferentes conjunturas. Sobre a seca,
viu-se que tem sido descortinada a (re)organização da vida sertaneja sobre o
ponto de vista da articulação de interesses, superando a simples visão de
“caridade” e “flagelo” 225 .
Tal abordagem, no entanto, ainda carece de
pesquisas que enfatizem o significado do migrar, uma vez que não só as secas
foram responsáveis por este fenômeno, como tambéma falta de perspectiva
que, para alguns, a vida no campo ia se delineando, como por exemplo: a
desigualdade no acesso à terra e aos recursos tecnológicos, fatores que
criavam expectativas em relação ao local de destino.
Desse modo, partindo do campo em direção às cidades, o trabalho de
Charles D’Almeida Santana (1998), percebeu que no mundo urbano dos
migrantes, ainda persistiam elementos do mundo rural que emergiam com
pertinência no cotidiano de ex-lavradores. Com isto, ele mergulhou na análise
das motivações dos migrantes no seu momento de partida.226 Noutro trabalho,
fruto de sua tese de doutorado, o autor parte para a compreensão destes
trabalhadores rurais na cidade, onde eles se inscreviam, significando espaços
e construindo novas redes de solidariedade. Daí apreende suas experiências
como “traços de todo um universo de saberes que surgem ora valorizados, ora
negados, ora aproveitados como percepção da realidade a ser reelaborada de acordo
com as novas vivências” (SANTANA, 2009, p.63). A dimensão oferecida pelas fontes
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
225
Sobre as relações paternalistas, Frederico de Castro Neves (1998, p.53) elucida que: “O
estado, favorece a permanência das relações personalizadas e marcadas pela
deferência/submissão, cujo reverso é a proteção em tempos difíceis. Relações recíprocas,
portanto, embora desiguais, que tanto camponeses quanto proprietários entendiam ser
obrigações próprias de suas posições na sociedade”.
226
Nesta obra, Fartura e ventura camponesas, permeia a ideia do “fazer futuro”, cunhada nos
relatos orais como “indicação de uma teleologia”, de perspectivas de futuro do trabalhador rural
no contexto do campo. As dificuldades do trabalho com a lavoura teriam impulsionado um
contato entre as esferas rural e urbana, e “fazer futuro” se ligaria com conquistar novos
espaços de sociabilidade e de trabalho na grande cidade.
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orais, delineou suas opções de abordagem. Assim, a noção de experiência presente
em Thompson dialoga com Raymond Williams, como também com o conceito de
representação. Ambos se fundem no que o autor destaca como as “linguagens
urbanas” como linguagens criadas a partir de visões de mundo, projetadas a
partir de vivências no cotidiano urbano.
Como é possível observar, não só as abordagens à luz de E. P.
Thompson são possíveis. Neste sentido, o trabalho de Ely Estrela (2003),
utilizando o conceito de representação de Roger Chartier, encontra-se
enquanto instigador nessa tarefa de compreender as vivências de sertanejos
baianos nas cidades. Ao observar o movimento de ir e vir no alto sertão baiano,
ela se envereda no cotidiano e nas representações elaboradas acerca de São
Paulo, o principal local de destino na primeira metade do século XX. A respeito
da mudança espacial, sinaliza que uma série de transformações agem sobre o
cotidiano dos sampauleiros 227 , desde “o tipo e às relações de trabalho, à
vizinhança, à relação com o poder público, às formas de moradia, às atitudes e
aos comportamentos, ao lazer [e] à educação” (Ibid, p. 28).
Pela amplitude e complexidade que é o tema das secas e das
migrações, as possibilidades de abordagem tornam-se variadas.228 Entretanto,
as ações dos sujeitos ganham visibilidade a partir de sua inserção no coletivo e
no seu reconhecimento enquanto parte de um grupo social. Desse modo, os
caminhos que Thompson sugere vislumbram compreender não um sertanejo
que apenas sofre com as estiagens, mas que age dentro desse quadro,
organizando e reorganizando suas vivências, seja no sertão ou nas cidades
que se tornaram seus lares por um determinado tempo, ou por tempo
indeterminado.
3 Enquanto a chuva não cai: rastros da vida sertaneja
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
227
Conforme Estrela (2003, p.24), o Sampauleiro era todo indivíduo que deixava seu local de
origem para procurar, em terras de São Paulo, especialmente condições de trabalho e
sobrevivência.
228
Ver a linha Foucaultiana adotada em: ABUQUERQUE JR, Durval Muniz. A invenção do
nordeste e outras artes. 5.ed. São Paulo: Cortez, 2012.
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A imagem dos tanques e cacimbas que não mais refletia os rostos dos
sertanejos na água, carcaças de animais sobrevoadas por urubus, o verde
cada vez mais desbotado, paira sobre a vida do sertanejo. Entretanto, paralelo
a tais dificuldades acentuadas pela estiagem, viu-se, entre outras coisas, o
fortalecimento político, entendimento e exigência dos direitos dos trabalhadores
rurais, ajuda mútua e trocas culturais com o constante movimento migratório. A
esse respeito, observa-se que no alto sertão baiano o deslocamento esteve
acompanhando a vida dos seus modestos moradores, como destacou Zezito
Silva (2008, p. 3): “Desde muito cedo o homem dessa parte do sertão aprendeu
a buscar em outros lugares menos desabonados as condições de vida e
durante algum tempo cumpre sua sina tal qual as “aves de arribação” que
migram em busca de água.”
O desejo por melhores condições de vida depositado em centros
urbanos maiores ou locais da própria região, recai sobre a vida daqueles que
contavam com poucos recursos, trabalhadores que não possuíam grandes
extensões de terras e meios para produzir, sobretudo em tempos de escassez,
por isso, se faz necessário “relativizar os efeitos da seca a depender da
situação econômica de cada família, pois apesar dela provocar mudanças no
cotidiano de toda a população atingida, cada grupo responde a ela de uma
forma diferente” (MARTINS, op. cit., p.89)
Essa afirmativa nos conduz ao olhar lançado por Thompson sobre a
constituição da classe social. Entendendo-a enquanto processo histórico, o
autor lança mão de considerações que demonstraram que para além de
determinações econômicas, a noção de classe está arraigada na experiência,
assim: “acontece quando alguns homens, como resultado de experiências
comuns (herdadas ou partilhadas) sentem e articulam a identidade de seus
interesses entre si, e contra outros homens cujos interesses diferem (e
geralmente se opõem) dos seus” (THOMPSON, 2004, p.10).
Na correspondência escrita por Juca, no ano de 1913, em Monte Alto,
e endereçada a sua esposa Celsina Teixeira, em Caetité, ilustra como famílias
abastadas sentiam os efeitos da seca:
Campos, 26 de agosto de 1913
Querida Celsina
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Estimo bastante que com Edivaldinho esteja gosando vigorosa
saúde.
Estou aqui contemplando o tetrico e doloroso espetáculo da
secca – povo faminto e animais sedentos.
Não há mais vestígio de uma gota d´agua nos tanque.
A cisterna tem servido para abastecer a casa e para criação
caprina e lanigera. Apezar da agua da cisterna não ser má
tenciono mandar buscar no morro, por ser mtº bôa.
Tenho andado bastante, providenciando pª evitar mais
prejuízo.229
Com as melhores terras, sobretudo pela presença de “aguadas”,
concentrada nas mãos dos grandes fazendeiros, observa-se que tais
elementos permitiram amenizar os efeitos da seca na propriedade de Juca. A
falta d´água no tanque, neste momento, não paralisou nenhuma atividade da
fazenda, uma vez que a família contava também com cisternas, servindo para
as atividades domésticas e para criação. Além disso, observa-se que o poder
aquisitivo de Celsina e Juca possibilitavam recorrer a fontes d´agua em outros
locais.
Deste modo, o tétrico e doloroso espetáculo da seca, no qual refere-se
Juca, pode assumir sentidos diversos: podendo representar prejuízos com a
morte de algumas criações, aumentos dos gastos com deslocamento de gado
para outras pastagens, limpeza de tanques, entre outros. Já aos seus
agregados, vaqueiros e demais trabalhadores rurais, representava a dispensa
esvaziada, o desagregamento da família, dentre outras ações pontuadas ao
longo deste texto.
A correspondência de cunho oficial também demonstra importantes
elementos, “muitos mais que processos burocráticos, constituem-se em diários
das comunidades dos missivistas. Elas revelam fatos, até elementares de
natureza jurídica, política, policial, social, econômica ou religiosa.” (NEVES, op.
cit., p. 16). Seguindo essas considerações, a correspondência remetida pelo
Juiz de Direito da Comarca de Caetité ao Presidente da Província em março de
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
229
A Fazenda Campos estava situada em Monte Alto. Era uma, entre outras propriedades que
pertenceram a família Teixeira, cujo patriarca era o influente político Deocleciano Pires
Teixeira, residente em Caetité. Sua filha, Celsina Spínola Teixeira “casou-se em 1909 com o
farmacêutico, proprietário de terras e gado José Antônio Gomes Ladeia - Juca, neto do Barão
de Caetité” (RIBEIRO, 2012, p.25).
Fundo: Acervo Casa Anísio Teixeira. Série: Celsina Teixeira Ladeia (1905-1950). Caixa não
identificada. Maço: (1901-1907)
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1889, traz elementos que permitem visualizar as experiências vivenciadas
pelos sertanejos em tempos de escassez:
[...] impedidos pela secca de empregarem-se na lavoura, estão
os trabalhadores activos entregues a inercia e a fome. Não há
ocupação. O emprego delles nas obras da estrada de ferro
central ou em outras estradas dando serviço a muita gente,
facilitaria também o transporte de mantimentos e de socorros,
que serão inevitáveis por parte do governo por que concorrem
todos os indicios para acreditar-se que o sertão não pode
passar o anno com seos próprios recursos.230
Na documentação remetida pelo representante do poder local, no
alvorecer da República, nota-se que a crise vivenciada atendeu também a
interesses políticos. O assistencialismo pela via do emprego, “dando serviço a
muita gente”, permite entrever a atuação da relação paternalista, seja junto ao
governo central, ou à população local. Nessa relação, os trabalhadores não
atuaram como mero receptores dos anseios de um grupo abastado, entendem
que podem exigir medidas que venham a amenizar a situação vivenciada,
como reifica Thompson (2011, p. 68-69), “um ato de generosidade poderia
significar algo calculado, um apaziguamento em tempos de escassez, como
extorsões calculadas”.
A ociosidade atribuída aos trabalhadores sertanejos, ao tempo em que
reforça os abalos causados pela seca e demonstra a permanência desses
mesmo diante das dificuldades enfrentadas, sugere mais uma forma de driblar
as agruras das secas. Ao ser relatada em tom de incômodo, além da
preocupação com os ideais de civilidade e progresso que pairavam nesses
tempos, vislumbra um temor por parte do poder público com eventuais ações
desses trabalhadores, assim: “Havendo nesta cidade apenas 8 praças de polícia
que mal chegam para a guarnição da cadeia, onde se achão recolhidos mais de vinte
presos, a reunião de trabalhadores na parochia de Canabrava ou em outros, torna
indispensável um augmento da força pública para policiamento”.
231
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
230
APEB. Seção do Arquivo Colonial e Provincial,
Juiz de Direito Joaquim Antonio de Souza Spínola
de fevereiro de 1889.
231
APEB. Seção do Arquivo Colonial e Provincial,
Juiz de Direito Joaquim Antonio de Souza Spínola
de março 1889.
Seca, 1608. Correspondência remetida pelo
ao Presidente da Província da Bahia, em 05
Seca, 1608. Correspondência remetida pelo
ao Presidente da Província da Bahia, em 16
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No incômodo aos governantes, contando com a solidariedade, fazendo
uso das relações paternalistas, ou recorrendo a alimentos fornecidos pela
natureza, que não compunha a dieta do sertanejo, assim como “largar tudo”,
foram estratégias e astúcias encontradas por muitos sertanejos.
4 Descortinando mundos e refazendo a vida: a cidade como locus de
novas vivências
“Eu vou para a Bahia”. Basta chegar às cidades localizadas no próprio
Recôncavo baiano e conversar com pessoas de mais idade que certamente
eles irão se referir uma ida à Salvador como ir para a Bahia. Como enunciou
Guerreiro (2000), esta expressão está ligada à construção de uma
regionalidade contemporânea impulsionada pelos meios de transporte.
Entretanto, a expressão “eu vou para a Bahia” é carregada de sentidos, na qual
a “Bahia” é a cidade grande, cheia de luzes e que abre perspectivas de
melhoria de vida para muitos sujeitos que saíam de suas roças por conta do
fenômeno da seca ou ainda por perceber que o trabalho na roça não dava mais
futuro. Desse modo, Salvador foi para muitos sujeitos, sinônimo de esperança,
de recomeço e de prosperidade.
Nos anos de 1940 um movimento migratório já era evidenciado nos
sertões baianos. Percebendo este movimento populacional, D. Juvencio Brito,
bispo da diocese de Caetité informou ao delegado do recenseamento da Bahia
que “há muitos anos se nota grande emigração do sertanejo baiano,
principalmente para o Estado de S. Paulo” e que entre os anos de 1939 e 1940
“acentuou-se de um modo assustador” 232 . Ainda que nesta época seja
identificado um movimento de migração em massa para São Paulo, é possível
dizer que este não fosse o único destino e que Salvador também estivesse
nesta rota. Sintoma disto é o crescimento demográfico revelado pelo censo de
1950, no qual o geógrafo Milton Santos (2008, p.51), alude que entre 1940 e
1950, quando a população passou de 290.443 habitantes para 417.235, 70%
deste incremento consistia em imigrantes.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
232
A Tarde. 29 de março de 1941, p. 2
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Contudo, Santos deixa entender que tentar a sorte na cidade grande
não apresentou uma melhoria na renda e nas condições de sobrevivência, uma
vez que neste contingente havia: “maridos sem profissão estaticamente
definida” (aquelas estabelecidas pelo censo como ocupação profissional) e
“meninos de mais de 10 anos que não têm emprego, nem vão à escola”. Além
disto, ele chama a atenção para o caráter numeroso das famílias que se
compunham de tios, sobrinhos, primos, afilhados, amigos e vizinhos; e para a
existência dos subempregados, que por falta da expansão industrial que
incorporasse a mão de obra, tinham nas atividades esporádicas seu meio de
sustento. Observando como crescera e se diversificara este tipo de atividade, o
jornal A Tarde em 25 de fevereiro de 1943 (p.2) denunciou:
Não há preocupação maior nos dias de hoje, do que a luta pela
vida. Em consequência disso, surgiram e frutificam pequenas
indústrias e profissões, com as quais a gente pobre procura
garantir o próprio sustento. As donas de casa auxiliam os
maridos, fabricando queimados e doces, fornecendo comida
em marmitas, ou sublocando quartos a rapazes do comércio ou
casais sem filhos. Multiplicam-se os expedientes, criam-se
modalidades novas de se conseguir o pão de cada dia.
No entanto, tal ocupação (estatisticamente não definida) não
assegurava a sobrevivência digna destas numerosas famílias e os primeiros
tempos da vida na cidade eram marcados pela dificuldade. Em alguns casos, a
existência de laços de solidariedade facilitavam os caminhos para o trabalho e
a moradia. Noutros, estas questões já se impunham como obstáculos ao sonho
de ter uma vida melhor.
Migrar é sempre uma experiência complexa por evocar uma mudança
no padrão de vida, seja no consumo, na moradia ou no modo de interrelacionar-se. E quando a migração se dá do campo para a cidade significa
imergir num espaço permeado de complexidades, marcado pela coexistência
de vivências que se imbricam no ser urbano. Na Salvador do período em
questão, a modernização urbana233 intricou mais ainda a realidade de quem aí
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
233
Por modernização, entender-se-ão as transformações realizadas na cidade imperando o
desejo de “civilização”, “modernização” e “progresso”, escondendo o passado colonial e
tomando as experiências realizadas na Europa.
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chegava para superar as dificuldades da vida no campo, marcado pelas
incertezas das condições climáticas.
O centro tornava-se uma vitrine e valorizava-se com ruas retilíneas,
arborizadas e salubres; enquanto as camadas populares eram cada vez mais
daí afastada, restando-lhes poucas alternativas, a não ser o aluguel, os cortiços
ou as palhoças em lugares longínquos, o que comprometia a ida ao trabalho,
bem como acentuava a os riscos à saúde causados pela insalubridade destes
locais. Assim, já se notava um movimento de expansão desordenada do
espaço, denunciando problemas não só urbanísticos como também clivagens
sociais.
As circunstâncias pelas quais passavam os imigrantes nesta cidade
são semelhantes ao que E. P. Thompson (2012, p. 230-231) já denunciara
quando empreendeu a análise sobre a formação da classe operária inglesa,
salientando que nas cidades em expansão industrial os problemas se
multiplicavam
“culminando
com
estarrecedoras
condições
reveladas
pelas
investigações sobre moradia e condições sanitárias”. E por mais que a função
industrial não fosse predominante na capital baiana, tais condições
evidenciadas não distam do que algumas fontes apontam.
Refletindo estas questões, a precariedade e pobreza descrita por Jorge
Amado em Suor não é realidade distante da que se pretende compreender
aqui. Contudo, o objetivo não é discorrer sobre a análise da obra ou sobre as
visões de mundo do autor, mas perceber como as cenas apresentadas por ele,
põe o leitor num contexto verossímil com a época em que foi escrita. A imagem
do sobrado colonial na ladeira do Pelourinho, onde viviam mais de seiscentas
pessoas foi apresentado por Amado como mundo “fétido, sem higiene, sem
moral, com ratos, palavrões e gente” (AMADO, 2011, p. 10). Este quadro não
era distante do que noticiava o A Tarde, sobre o aspecto de cortiço de um
casarão na Ladeira da Água Brusca.
Indicando a recorrência deste tipo de habitação, a reportagem de 29 de
novembro de 1938 retrata que com o “sopro de progresso” vários prédios
antigos foram sendo demolidos e que na mesma proporção as “casas para
alugar começaram a se rarear, e encarecer”, havendo “verdadeira plethora de
inquilinos em relação ao número de casas existentes”. Neste caso, o cortiço se
apresentava como uma saída emergencial para moradia de famílias pobres,
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onde, segundo o jornal, às vezes “8,10 e mais elementos, cohabitam,
assardinhados, em um exíguo commodo de poucos metros quadrados”234. As
más condições de moradia, além de denunciar o paradoxo da modernização
urbana, podem inferir ligações com as causas de morte em 1937 na capital
baiana. Do total de 6.915 mortos, cerca de 30% tiveram como causa do óbito
doenças do aparelho respiratório, destacando-se a grande incidência da
tuberculose 235 .
A literatura de Jorge Amado, confrontada com o jornal, como chama
atenção Nicolau Sevcenko (1999, p. 20) sobre a literatura moderna, é uma
“fronteira extrema do discurso e o proscênio dos desajustados, mais do que o
testemunho da sociedade”. Por isso, os problemas aludidos em sua obra
revelam pontos de tensão social. Nesta constante problematização das fontes,
pode-se elucidar os caminhos tortuosos que passaram os imigrantes sertanejos
ao tentar “fazer futuro” em Salvador.
O choque entre os dois mundos, a inserção na cidade em novos modos
de moradia e condições de trabalho, normalmente impostas pela disciplina e
pela imposição do tempo capitalista, criou novos modos de viver, sem implicar
no abandono das memórias e experiências de outrora. Por mais dificuldades
que a vida nas cidades pudessem impor, talvez não caiba questionar se
realmente tenha sido válido migrar. Como analisou Thompson, quando
percebeu a migração do camponês inglês para as cidades industriais, as
motivações que lhe fez migrar, eram aspirações “válidas nos termos de sua
própria experiência” (THOMPSON, 2004, p. 13).
Considerações Finais
Conviver com a seca ou partir para as cidades? Dito em tom simplista
este questionamento, em um primeiro olhar, talvez fácil de ser respondido,
esconde em si uma série de motivações, vivências e transformações
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
234
A Tarde. 29 de novembro de 1938, p. 2.
IBGE. Sinopse estatística do Estado da Baía. Cidade do Salvador: Oficinas Graficas Nova
Era, 1938.
235
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processadas na vida dos sertanejos. Se hoje, podemos apontar os caminhos
por eles escolhidos, ou que se apresentara enquanto melhor opção em um
momento de dificuldades, observamos que o tom simples fica apenas nessa
questão, uma vez que ela nos leva a um emaranhado de práticas que se
demonstraram complexas.
Ao tentar visualizar, durante este trabalho, as tessituras das
experiências sertanejas em época de estiagem, tanto contempladas pela
historiografia baiana quanto apontadas nos registros a que são lançados o
olhar do pesquisador, viu-se que o caminho trilhado no sertão ou na cidade
apresentou-se repleto de bifurcações, nem sempre fáceis de serem
atravessadas, porém gerenciada pela astúcia dos sertanejos.
Referências
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dominam: a invenção da seca do Nordeste. Revista Brasileira de História, São
Paulo, v. 28, p. 111-120, 1995.
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Paulo: Humanitas FFLCH/USP, Fapesp: Educ, 2003.
FERREIRA, Elisângela Oliveira. Entre vazantes, caatingas e serras: trajetórias
familiares e uso social do espaço no sertão do São Francisco, no século XIX.
Dissertação de Mestrado. Salvador: UFBA, 2008.
FREITAS, Antonio Fernando Guerreiro. “Eu vou para a Bahia”: a construção da
regionalidade contemporânea. In: Bahia Análise e Dados, 39ª ed, 2000.
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sociedade e política. Dissertação de Mestrado. Salvador: UFBA, 2000.
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segunda metade do século XIX. Dissertação de Mestrado. Salvador: UFBA,
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da Bahia, século XIX.. Feira de Santana: UEFS Editora, 2012.
NEVES, Frederico de Castro. Economia moral versus moral econômica (ou: o
que economicamente certo para os pobres). Projeto História, São Paulo,
16.fev. 1998.
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MEMÓRIAS E EXPERIÊNCIAS DE TRABALHADORES NOS
PROCESSOS DE TRANSFORMAÇÕES NA CIDADE
Juliana Lemes Inácio (Universidade Federal de Uberlândia)
[email protected]
RESUMO:
A investigação realizada no curso de Doutorado em História na Universidade
Federal de Uberlândia a respeito das memórias elaboradas sobre os processos
de mudanças ocorridos na cidade de Nova Ponte/MG apontou maneiras como
trabalhadores atribuem significados às transformações experimentadas. A
cidade, transferida em 1994 devido à chegada de uma usina hidrelétrica, foi
trazida por trabalhadores a partir das suas referências culturais e do seu lugar
social. Suas narrativas, vistas em conjunto com outras evidências e a partir das
perspectivas da História Social, permitiram dimensionar os modos como os
sujeitos interpretam a vida levada naquela cidade. Os trabalhadores narraram
relações de trabalho, tanto no campo quanto na cidade, bem como relações de
sociabilidades e as maneiras como constituíam seus territórios, o que permitiu
problematizar o seu fazer-se enquanto sujeitos sociais ativos.
PALAVRAS-CHAVE: memórias, cidade, trabalhadores
A investigação236 em torno da produção social de memórias em Nova
Ponte/MG237 revelou tensões, embates e contradições do processo vivido a
partir dos anos 1980, quando aquela cidade foi deslocada em função da
instalação de uma Usina Hidrelétrica.
A Usina Hidrelétrica de Nova Ponte foi inaugurada em 1994 pela Cemig
– Companhia Energética de Minas Gerais – e suas obras tiveram início em
1987. A formação do reservatório de águas é apresentada pela empresa como
sendo aquilo que justificou a transferência da cidade.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
236
Este artigo traz algumas reflexões presentes na tese de doutorado intitulada Culturas,
Memórias e Outras Histórias: processos e disputas na e pela cidade de Nova Ponte/MG
(1960-2013), defendida em julho de 2014, na Universidade Federal de Uberlândia, orientada
pela professora Doutora Célia Rocha Calvo.
237
Nova Ponte/MG é uma cidade que se localiza no Triângulo Mineiro, na rodovia MG190, a
poucos quilômetros do entroncamento com a rodovia BR 452 e dista 75 quilômetros de
Uberlândia. Atualmente a cidade possui 13.988 habitantes. Dados populacionais, fonte: IBGE.
Cidades;
Minas
Gerais/Nova
Ponte.
Disponível
em:
<http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=314500&search=minas-gerais|novaponte>. Acesso em: 28 maio 2014.
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Na materialidade da cidade é possível evidenciar lugares de memória,
referenciais de tempo inscritos em monumentos e sondar a respeito da
natureza das transformações ocorridas. Na arquitetura da nova cidade, o
traçado urbanístico planejado prioriza avenidas e ruas dispostas de modo a
fazer com que o trânsito flua. Desenhada em xadrez, valoriza-se o acesso a
instituições como igrejas, fórum, Prefeitura e Câmara Municipal, praças e,
principalmente, ao comércio.
O embelezamento da cidade ficou a cargo da combinação entre o
traçado das avenidas e a visão do lago que pode ser observado a partir de
múltiplos pontos da cidade, chamando a atenção de visitantes.
Essa cidade do tempo presente é distinta de como era antes de sua
desapropriação para a construção da Usina, quando era pequena, não
planejada nos termos urbanísticos e se tinha a presença do Rio Araguari que a
entrecruzava, formando um lado de cá e um lado de lá na cidade. Nesse
sentido, seu desenho planejado, a presença do lago e a ausência do Rio
Araguari são os elementos que de imediato indicam um processo de mudanças
vivido em Nova Ponte.
O alagamento da cidade e a reconstrução dela três quilômetros de
distância em relação ao local onde se situava, usualmente são colocados como
os marcos da história da cidade. E estes são os pilares de uma memória que
vem se tornando hegemônica238.
A noção de cidade destruída, presente de modo significativo na
historiografia a respeito dessa cidade
239
, mas também nas memórias
produzidas pela empresa, implica na existência de duas cidades, a nova e a
velha. Porém, nestas interpretações essa nova cidade não teria história uma
vez que ela surgiu do alagamento da outra que foi submersa.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
238
Ver reflexões de Reymond Williams a respeito da noção de hegemonia WILLIAMS,
Raymond. Hegemonia. In: ______. Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1979, p.111-117.
239
Entre outros, ver: CREMA, Adriana Oliveira. A cidade dos “afogados”: a memória, a
história e a luta pelo direito à cidade de Nova Ponte. Dissertação (Mestrado em Teoria e
História da Arquitetura e do Urbanismo) – Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade
de São Paulo, São Carlos, 2005. GONÇALVES, Fabiane Ribeiro. Passado, presente e futuro:
a paisagem (re) construída em Nova Ponte. 2004. 147f. Dissertação (Mestrado em Geografia)
– Programa de Pós-graduação em Geografia, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia,
2004. FERREIRA, Rosa Maria. As águas e o tempo – memórias de Nova Ponte. 1996. 204f.
Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1996.
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De outro modo, busquei ir além da discussão que partia da ausência da
“cidade física” recorrente tanto nas memórias da empresa, quanto na
historiografia.
A partir, do entendimento de que no termo cidade acumula-se uma
grande soma de experiências históricas e que “são as relações sociais no seio
de uma sociedade histórica que presidem à organização do espaço urbano”240 ,
procurei compreender experiências sociais marginais constituídas nos
territórios que compõe a cidade, relações de sociabilidades e práticas sociais.
A expectativa é de contribuir para a construção de um olhar mais
atento às dissidências241, dar visibilidade a experiências comuns, às vivências
que não tem sido consideradas como sendo dignas de serem registradas, de
serem compartilhadas socialmente. A partir dessa perspectiva, a reflexão a
respeito dos modos como membros das classes trabalhadoras se reconhecem
na cidade, forjando nela os seus territórios, tornaram-se relevantes.
O diálogo com alguns trabalhadores foi fundamental. Ao produzir as
entrevistas, procurei privilegiar experiências de quem viveu de modo diferente a
cidade e as transformações pelas quais ela passou. Busquei produzir diálogo
com proprietários de estabelecimentos comerciais, com trabalhadores da
cerâmica, empresa que mais gerava emprego na cidade até os anos 1980; com
trabalhadores autônomos; com organizadores e participantes de festas da
cidade (festa da Cavalhada e de Nossa Senhora do Rosário); com sujeitos que
não moram mais em Nova Ponte, com trabalhador de empreiteira que construiu
a usina, entre outros.
O enredo dessas narrativas permitiu pensar que elas importam menos
por nos contar sobre os eventos do que sobre os significados, o que nas
palavras de Alessandro Portelli não implica que a história oral não tenha
validade factual. Ao contrário disso, “entrevistas sempre revelam eventos
desconhecidos ou aspectos desconhecidos de eventos conhecidos: elas
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
240
RONCAYOLO, Marcel. Cidade. In: Enciclopédia Einaudi. Região, v8. Lisboa: Imprensa
Nacional Casa da Moeda, 1986, p.457.
241
O diálogo com Beatriz Sarlo a respeito da importância do olhar político contribui para as
reflexões. Ver SARLO, Beatriz. Um olhar político. In: _______. Paisagens Imaginárias. São
Paulo: Edusp, 2005, p.60.
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sempre lançam nova luz sobre áreas inexploradas da vida diária das classes
não hegemônicas”242 .
No
decorrer
da
pesquisa,
a
partir
de
leituras
realizadas
e
especialmente do diálogo com trabalhadores, notei que os sujeitos não lidam
com uma noção de duas cidades, cidade nova e cidade velha, sem lhes atribuir
significados próprios.
Nas narrativas fica evidente que os termos cidade nova e cidade velha
são utilizados para lembrar seus modos de viver, suas culturas 243 .
Essa
percepção me levou a pensar sobre os termos cidade nova e cidade velha sem
dicotomizar as temporalidades e as relações vividas, problematizando as
noções de cidade nova e de cidade velha comumente apresentada nas
memórias da empresa e na historiografia por um viés de ruptura.
Desse modo, as noções de cidade nova e cidade velha – mas também
cidade antiga e cidade de baixo, cidade de lá e cidade de cá referenciadas
inclusive pelos trabalhadores – permitiram problematizar as maneiras como os
sujeitos buscam se localizar no tempo e no espaço, atribuindo significados as
suas experiências244, dizendo-nos a respeito das formas como constituem e
instituem seus territórios na cidade.
Nessa perspectiva, um dos desafios foi compreender as maneiras
como os viveres eram articulados, explicitando os significados do que era
morar de um lado e de outro da cidade, ou seja, de um e de outro lado do Rio
Araguari. As memórias do Sr. Manoel possibilitam reflexões relevantes.
O Sr. Manoel Benedito Inês, 71 anos, morador do São Miguel, no lado
de cá da cidade, nasceu e cresceu em fazendas localizadas nas proximidades
da cidade onde trabalhava, à meia, nas terras de fazendeiros do município. Ele
se mudou para a cidade na primeira metade dos anos 1960, aos 23 anos,
quando se casou. Na cidade, ele trabalhou oito anos na Cerâmica São Miguel,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
242
PORTELLI, Alessandro. O que faz a história oral diferente. Revista Projeto História. São
Paulo, PUC, Programa de Estudo Pós-Graduados em História, n 14, 1997, p.31.
243
THOMPSON, E.P Introdução: Costume e Cultura. In: _______. Costumes em comum:
estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Cia. das Letras, 1998, p.13-24.
244
THOMPSON, E. P. O Termo Ausente: Experiência. In:_______. Miséria da Teoria ou um
planetário de erros; uma crítica ao pensamento de Althusser. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1981, p.180-201.
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depois comprou um caminhão e a partir daí passou a trabalhar para ele mesmo
transportando lenha por volta de 1973, ocasião em que o cerrado começou a
ser derrubado para o plantio de madeiras comercializáveis e para formação de
grandes lavouras. Ele era um dos organizadores da festa de Nossa Senhora do
Rosário que havia na cidade. Atualmente é aposentado.
A partir da observação de que o lado de lá, o São João era “atrasado”245,
o Sr. Manoel, recordou-se que aquele bairro também era chamado de
mangueiro e sua narrativa é relevante para a compreensão de algumas
tensões engendradas no viver a cidade de cá e de lá do rio. Quando lhe
perguntei por que aquele bairro era conhecido como mangueiro, ele respondeu:
Não sei por que [risos]. Não sei por que, o povo falava que era
mangueiro de lá e coisa. E os de lá ficava queimado com isso,
né, porque achava que cidade mesmo era só de cá, né, porque
tudo que tinha era de cá, era loja, tudo que tinha era de cá, era
banco, era de tudo. De bão que tinha de lá mesmo, como se
diz o ditado, pra falar a verdade mesmo, tinha a Cavalhada, né,
a festa, era muito boa a festa na época, os campo de bola.
Mas, o resto tudo era de cá, farmácia era tudo de cá do rio, né.
Então eles tinha aquela superstição que nós não gostava né, e
os outro de cá também achava que tava por cima da carne
seca, como diz o ditado [risos].246
O Sr. Manoel atrelou a imagem do lado de cá à ideia de que ele possuía
todos os recursos de que se dispunha naquele presente, tais como lojas,
bancos e farmácias. O São Miguel era, na sua concepção, a cidade. A noção
de mangueiro que ele utilizou para designar o lado de lá, diz da percepção das
condições experimentadas naquele local considerado pobre, tais como, poeira
devido à falta de calçamento, ou a própria lama em tempos de chuva, mas
principalmente a ideia da sujeira.
Importa considerar que mangueiro na cultura desses trabalhadores é um
termo que se utiliza para identificar um local onde, no campo, cria-se porcos.
Ou seja, a expressão mangueiro, utilizada para caracterizar o lado de lá,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
245
Meu pai, Sr. Honório Inácio da Fonseca, acompanhou-me em algumas entrevistas, inclusive
na que produzi com o Sr. Manoel. Durante a gravação ele comentou que o São Sebastião era
mais “atrasado”, buscando exprimir as diferenças existentes na organização da cidade. A partir
dessa observação, o Sr, Manoel elaborou a narrativa acima.
246
Sr. Manoel Benedito Inês. Entrevistado em 21/07/2012.
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também indica que aquele território era visto por eles próprios como um local
onde se articulavam práticas vinculadas ao campo.
Nessa narrativa, o lado de lá foi lembrado a partir das festas e do
futebol, práticas que “uniam” os dois lados, e ao lado de cá foi atribuído uma
noção de centralidade. Os elementos que a narrativa contém dizem respeito às
disputas que eram articuladas na cidade, ou seja, à ideia de que ela estava
organizada entre um lado mais rico e um lado mais pobre.
O Sr. Manoel interpretou e produziu significados sobre como se davam
as relações entre os que moravam de cá e os que moravam de lá do rio: “Então
eles tinha aquela superstição que nós não gostava, né, e os outro de cá
também achava que tava por cima da carne seca, como diz o ditado”. Essas
são fronteiras construídas nos viveres dele com outros. O “nós” e o “eles”,
adquire um cunho classista e é este um dos sentidos que se estabelece para o
viver de um lado ou de outro da cidade, marcados por fronteiras sociais de
classe.
Nas narrativas do Sr. Manoel, “da moda do ditado”, ou simplesmente “da
moda”, são expressões recorrentes e seus significados passam pelas ideias de
um campo comum de conhecimento, ou seja, “todo mundo sabe”, “é certo que
é assim”. Na narrativa acima, a frase “por cima da carne seca” significa “estar
bem de vida”, “achar-se numa boa posição” ou “que está em situação de
mando”, essa é uma expressão que remete a relações de classe forjadas no
campo: nem todos tinham acesso à carne, por isso a expressão “por cima da
carne seca”.
Ao analisar relações constituídas pelos diversos grupos de trabalhadores
em Terni, na Itália, Alessandro Portelli247 problematizou fronteiras que cresciam
no interior do próprio espaço urbano, linhas invisíveis que separavam partes
mais antigas e pobres da cidade das novas áreas da classe média criadas a
partir de 1870. Ele trouxe também rituais populares que traziam uma percepção
de Terni como sendo separada por cortes conforme linhas de classe.
Entretanto, suas reflexões contribuem por apontar que, quando caíram as
barreiras de classe mais visíveis, houve a criação de outras, mais sutis. As
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
247
PORTELLI, Alessandro. Dividindo o mundo: o som e o espaço na transição cultural. Revista
Projeto História, São Paulo, PUC, Programa de Estudos Pós-Graduados em História, n.
26, jun. 2003. Especialmente o intervalo entre as páginas 53 e 56.
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barreiras de classe continuaram sendo firmadas no mundo fechado além dos
portões das fábricas. Essa discussão importa por mover à compreensão dos
complexos modos como as diferenças de classe são vivenciadas.
Nessa perspectiva, os sentidos e os significados que discriminavam o
que era o lado de cá e o lado lá do rio eram os mesmos que distinguiam, na
cidade velha, as diferenças nos modos de viver. Essa noção de lado de cá e de
lá trazia para eles um modo de se ver na cidade, de se perceber socialmente
nas relações que se forjam, nas diferenças. Então, para esses sujeitos,
estavam os ricos de um lado e os pobres de outro, o que compunha as
experiências vividas naquela cidade.
As considerações de Thompson a respeito da experiência social, por
meio da qual se pode compreender o fazer-se dos agentes no processo
histórico, contribuem para o entendimento de que as falas dos sujeitos são atos
de intervenção na realidade social. Para Thompson,
os homens e mulheres também retornam como sujeitos, dentro
deste termo – não como sujeitos autônomos, “indivíduos livres”,
mas como pessoas que experimentam suas situações e
relações produtivas determinadas como necessidades e
interesses e como antagonismos, e em seguida “tratam” essa
experiência em sua consciência e sua cultura (as duas outras
expressões excluídas pela prática teórica) das mais complexas
maneiras (sim, “relativamente autônomas”) e em seguida
muitas vezes, mas nem sempre, através das estruturas de
classe resultantes) agem, por sua vez, sobre sua situação
determinada.248
É no processo social de lutas e de contradições que os sujeitos tratam
as suas experiências nas suas consciências. Desse modo, quando narram
expressam sua consciência do vivido, das tensões, das culturas, as maneiras
como se inserem no social, os lugares que ocupam, as relações que travam,
seja na cidade seja no campo. Por este motivo, as narrativas orais representam
um processo ativo de produção de consciência e de memória.
As narrativas produzidas ganharam relevância nesta pesquisa por me
deixarem mais próxima dos modos como a chegada da hidrelétrica e a
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
248
THOMPSON, E. P. O termo ausente: experiência. In:______. Miséria da teoria ou um
planetário de erros; uma crítica ao pensamento de Althusser. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1981, p. 182.
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mudança para a nova cidade foram vivenciadas e significadas pelos
trabalhadores. Seus enredos permitiram que eu problematizasse os sentidos
que eles atribuem a este processo, extrapolando alguns marcos recorrentes na
historiografia e nas memórias da Cemig.
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MEMÓRIAS E EXPERIÊNCIAS DA LUTA POR MORADIA NA
OCUPAÇÃO URBANA ÉLISSON PRIETO
Flávia Gabriella Franco Mariano (PPGCS/UFU)
[email protected]
RESUMO:
O texto debruça-se sob narrativas orais e experiências singulares das
moradoras e moradores do bairro Élisson Prieto, ocupação urbana coordenada
pelo Movimento Sem Teto do Brasil (MSTB) na cidade de Uberlândia-MG.
Buscamos investigar as trajetórias de vida, as relações sociais, políticas e os
sentidos produzidos pelos sem-teto no âmbito da luta comum por moradia e da
vivencia cotidiana e compartilhada da comunidade. Nos referenciamos no que
E. P. Thompson define como o Termo Ausente, tomando a experiência social
como meio de estabelecermos nexos entre relações de dominação e
resistências. Entendemos a reflexão sobre estas práticas sociais individuais e
coletivas como forma de investigar os caminhos e alternativas pelas quais
estes grupos subalternizados empreendem sua participação na produção social
do espaço e se firmam como agentes sociais efetivamente ativos na
modelagem do espaço urbano e da cidade.
Palavras-chave: Trabalhadores; Experiência; Sem-Teto.
Marrom: [...] viemos do despejo, em novembro do ano passado
organizado pela Prefeitura de Uberlândia de 4.200 famílias,
ocupamos essa área no dia 13 de janeiro, aonde a gente
definiu que a gente tinha que fazer um projeto de habitação, de
uma moradia popular, pra atender as necessidades das
pessoas que, né, vinha de um despejo, essa área pertence à
Fazenda Glória, Universidade de Uberlândia, Universidade
Federal de Uberlândia, hoje, 2.200 famílias se organizou249.
A ocupação Élisson Prieto, em área da fazenda do Glória é a ocupação
mais recente e que se encontra em processo de regularização na cidade.
Ocorrida no dia 13 de Janeiro de 2012 e inicialmente nomeada pelos
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
249
Wellington Marcelino Romana (Marrom), em entrevista ao Vídeo canal AFES MG –
Associação Franciscana de Ecologia e Solidariedade. Acampamento Sem Teto – Elisson Prieto
Uberlândia,
MG.
Uberlândia,
2013.
Disponível
em:
<
http://www.youtube.com/watch?v=f_GxDdTzaT0> Acesso em: 23 jan. 2013.
22 a 24 de agosto Universidade Federal de Uberlândia – Uberlândia, MG, Brasil
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moradores de Paulo freire, a ocupação foi composta por centenas de famílias
de diferentes origens. A maioria destas famílias havia sido despejada em
agosto de 2011 de uma área em frente à CEASA, que havia sido ocupada em
maio daquele ano e fundado a ATRBV.
A fazenda do Glória é parte do patrimônio da UFU desde a década de
1970, por meio de doação da Prefeitura Municipal para que a então UnU
pudesse construir um campus único. Com a falta de recursos para a
construção deste campus até então, veio sendo utilizada como fazenda
experimental e reserva ambiental universitária.
De acordo com o zoneamento urbano de Uberlândia, a área da
fazenda que tratamos se localiza entre os setores Sul e Leste da cidade
(conforme imagem 01), abrangendo uma porção inserida no perímetro urbano,
junto ao bairro São Jorge, e uma maior parte correspondendo ao perímetro
rural.
IMAGEM 01- Localização da área do Glória no atual perímetro
urbano e Uberlândia
Fonte: Prieto, 2005.
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ISSN 2358-8438
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A discussão sobre a construção do campus Glória foi retomada pelas
instâncias da UFU somente no ano 2000, com a elaboração de um documento
sobre o planejamento futuro e a ocupação do espaço físico da UFU. Diante da
carência de espaço físico da UFU para a expansão de cursos e infraestrutura
de pesquisa, o Conselho Universitário (CONSUN), por meio da Resolução n.º
18/2008, aprovou a criação do Campus Glória, em parte da área da fazenda.
Em setembro de 2010 foi finalizado pelo professor e arquiteto Élisson Cesar
Prieto um projeto que subsidiou a construção do Plano Diretor Físico-Territorial
do Campus Glória (PRIETO, 2005).
IMAGEM 02- Mapa de uso e ocupação do solo na fazenda do Glória
– localização da ocupação Élisson Prieto
Fonte: Prieto, 2005.
22 a 24 de agosto Universidade Federal de Uberlândia – Uberlândia, MG, Brasil
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!
O projeto de implementação do novo campus incluiu a deliberação do
CONSUN pela venda da área correspondente ao perímetro urbano, de 62
hectares, situada à margem direita da BR 050, no sentido Uberlândia-Uberaba,
portanto, descontínuo à área que abrigará o campus. Chegaram a ser feitas
três avaliações orçamentárias por empresas privadas contratadas pela
universidade, até que em 2012 este mesmo terreno foi ocupado por famílias
sem-teto, fundando o que viria a ser o acampamento Élisson Prieto (área
número 16 na imagem 02).
A ocupação desta porção urbana da área, que não seria utilizada para
o campus, foi coordenada desde o início pelo MSTB, sob a liderança de
Wellington Marcelino Romana, o Marrom. Enquanto ainda compunha o
Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), Marrom participou do
acampamento coordenado pela ATRBV durante o mês de agosto de 2011 até o
despejo. O MSTB foi criado a partir da conjunção de ideias de ocupar a área do
Glória e de reorganizar estas famílias despejadas, que acabaram se
dispersando
em
diferentes
destinos:
parte
delas
foi
incorporada
a
acampamentos rurais coordenados por movimentos sem-terra, e um número
considerável se deslocou para uma faixa de domínio Estatal da mesma área.
No planejamento da ocupação da área do Glória foram incluídas, ainda, outras
famílias com os quais o movimento já fazia trabalho político.
Marrom: [...] então pegamos este trabalho de base que foi feito
ali pra cima do Matinha, que eu esqueci o nome do bairro [auto
posto localizado às margens da rodovia BR-050, no Bairro
Tibery] [...] essas já eram de aluguel. Eram três realidades, um
grupo tava sendo despejado dos sem-terra, outro grupo já tinha
sido despejado do Ceasa e esse outro grupo tava neste bairro
atrás do Matinha [...] os sem-terra era aqui na Serra da Ema,
próximo a Serra da Ema, fazenda Siriema [...] despejou lá. Lá
não teve acordo, a usina [a área ocupada era arrendada pelo
Consórcio Capim Branco de Energia] pressionou para poder
desocupar. Como as famílias que tavam lá tinham pouco
contato com a terra, ficavam lá porque não tinham lugar pra
ficar na cidade, aí veio a ideia de misturar também todo mundo,
e fazer uma luta ali dentro. (Acréscimos nossos) 250.
Segundo Marrom, o movimento teve conhecimento de que esta área
doada pela gestão municipal representada por Virgílio Galassi à UnU em 1971
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
250
Entrevista com Wellington Marcelino Romana (Marrom), realizada no dia 21 de fevereiro de
2014.
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_ doação que vislumbrava atender a objetivos imbricados no projeto
hegemônico de cidade _ reunia matrículas sobrepostas em cartório que
permanecem em conflito judicial. A porção de terra referente à fazenda
destinada ao campus Glória, apesar de estar em posse oficial da UFU, é
reivindicada por proprietários que constam em matrícula anterior à posse da
Prefeitura Municipal. A liderança do MSTB conta ter diálogo com herdeiros dos
proprietários iniciais das terras, e sustenta a existência de documentações
sobrepostas, indicando que as terras chegaram à posse da Prefeitura Municipal
por meio de fraudes cartorárias.
A duplicidade de posse das terras da fazenda Glória são indícios de
como a ausência, a fragilidade ou a ineficácia de regularização quanto à
apropriação e parcelamento de terras marcou a formação da cidade e da
região de diversas formas, tendo sido as fraudes cartorárias ou as chamadas
“grilagem
251
” de terras prática comum entre as elites tradicionais e
administrativas, conforme aponta a pesquisa apresentada por Oliveira (2013).
Marrom: [...] mas isso a gente descobriu depois que a
gente ocupou a área. Antes de a gente ocupar a área, a
gente não sabia se era área da Prefeitura, se era área da
UFU, se era de alguém... sabia que tava abandonada e
precisava por o povo em algum lugar. E ocupamos aquela
área ali com, se eu não engano hoje, acho que... Não
tenho
muita
memória
boa,
acho
que
com
252
aproximadamente umas 300 famílias [...] .
Cristiano
Santos
Teixeira,
conhecido
entre
os
moradores
do
acampamento pelo apelido “Irmão”, que vivenciou a ação de ocupação da área
e a primeira repressão policial, conta que levantou o primeiro barraco na área
ocupada, com material que buscou de imediato em cima de um carro.
Irmão: [...] três horas da manhã, quando deu quatro ou
cinco horas chegou meio mundo de seguranças da UFU,
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
251
“[...] os termos grileiro e grilagem surgiram a partir de uma prática muito antiga de colocar
um papel (contendo um tipo de ‘comprovação’ de propriedade) dentro de uma gaveta junto com
alguns grilos. O papel, após algumas semanas, passa a ter uma aparência envelhecida em
razão dos dejetos daqueles insetos. Com este papel envelhecido pela ação dos grilos, a
pessoa visa comprovar a antiguidade de sua ocupação” (MOTTA, 2002, p.79).
252
Wellington Marcelino Romana (Marrom), em entrevista realizada no dia 21 de fevereiro de
2014.
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polícia, e nós “aqui não sai”, “daqui não sai”, “quem é o
líder”, “somos nós”, mostramos um monte de criancinha
lá, tudo sujinha, e estamos ali, e estamos aqui para contar
a história, irmã [...] 253
Irmão chegou à ocupação com oito filhos, um deles com três meses de
idade, e que havia nascido enquanto ele e sua família moravam em um barraco
na ocupação da área em frente à CEASA. “Eu costumo dizer, esse aí é um
verdadeiro sem-teto”, diz. Atualmente, Irmão é dono de uma padaria na
avenida principal que corta o acampamento, a Padaria Maná de Deus. Esta
história cruza-se a outras memórias de outras tantas pessoas que perceberam
no acampamento a amenização de suas dificuldades de sobrevivencia.
Irmão: Moro aqui desde o primeiro dia, né, da ocupação.
Vim, porque não tinha nenhuma perspectiva de vida,
estava não dando conta de pagar aluguel mais, tenho oito
filhos, e não teve outra saída a não ser tá aqui, correndo
em busca de um teto que é a maior dificuldade da maioria
das famílias que aqui hoje...254.
É possível refletirmos sobre as dimensões e a importância da opção
pela ação coletiva e política na vida destes sujeitos, que decidiram se organizar
junto ao movimento sem-teto mediante as experimentações objetivas e
subjetivas da precariedade de condições da vida urbana para os trabalhadores.
As ocupações de áreas ociosas tornam-se alternativas para a superação das
dificuldades para adquirir moradia e dignidade em muitas das trajetórias de
vida.
Nem todas as pessoas estiveram na ocupação anterior organizada pela
ATRBV, entretanto, foi possível identificar nos depoimentos semelhantes
experiências de privações que influenciaram centralmente para a decisão de
viver em uma ocupação. A dificuldade de pagar aluguel, a busca por melhores
condições de vida familiar, dentre outras mazelas impostas à população de
baixa renda são condições compartilhadas por muitas destas famílias, que
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
253
Cristiano Santos Teixeira (Irmão), em entrevista realizada no dia 09 de fevereiro de 2014.
254
Cristiano Santos Teixera (Irmão), em depoimento concedido ao Vídeo canal AFES MG. In:
Associação Franciscana de Ecologia e Solidariedade. Acampamento Sem Teto – Elisson Prieto
Uberlândia,
MG.
Uberlândia,
2013.
Disponível
em:
<
http://www.youtube.com/watch?v=f_GxDdTzaT0> Acesso em: 23 jan. 2013.
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acabaram formulando soluções no contato com o MSTB e a ocupação Élisson
Prieto.
Silvana: Eu consegui a terra pra gente, a nossa casa, eu
mesmo vim pra cá, eu pagava trezentos e cinquenta reais
de aluguel, não tinha condições de pagar, então já tem
nove meses que eu estou aqui e não pretendo sair daqui.
[...] Só que hoje tá bem melhor, estou bem melhor, e a
luta da gente pra que a gente consiga, se Deus quiser a
gente vai consegui, né?255
O comprometimento significativo da renda com aluguel, do qual se
queixa Silvana, é recorrentemente ouvido nas narrativas orais de homens e
mulheres que buscaram o movimento sem-teto e hoje vivem na ocupação
Élisson Prieto. Atentamo-nos para a predominância de trabalhadores e
trabalhadoras de baixa renda, que têm extensivas dificuldades em suprir as
necessidades básicas pessoais e familiares, como alimentação e a própria
moradia, com a renda salarial própria ou familiar.
Muitos dos moradores com quais conversamos nos contaram que até a
incorporação em ocupações sem-teto já residiam “de favor”, em casas de
parentes ou amigos, por falta de condições em arcar com os preços dos
aluguéis. Aliado a esta condição comum, percebemos um número significativo
de desempregados, e que a maior parte sobrevive de salários muito baixos de
empregos sem estabilidade, subcontratos e, sobretudo, atua no mercado
informal.
Maria Iracilda Cardoso do Nascimento construiu um barraco na
ocupação Élisson Prieto onde mora com o esposo e o filho desde março de
2012:
Maria Iracilda: Antes eu morava no Piauí, tem dois anos
que ele mora aqui, que ele veio a procura de emprego,
que lá... o emprego lá é fraco, né, na cidadezinha do
Piauí, chamada Altos. Aí, então ele veio, tá com dois anos
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
255
Silvana, em depoimento concedido ao Vídeo canal AFES MG. In: Associação Franciscana
de Ecologia e Solidariedade. Acampamento Sem Teto – Elisson Prieto Uberlândia, MG.
Uberlândia, 2013. Disponível em: < http://www.youtube.com/watch?v=f_GxDdTzaT0> Acesso
em: 23 jan. 2013.
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que ele tá aqui, e eu fiz um ano agora em setembro, que
to aqui. Aí a gente tava morando de casa alugada ali,
pagando duzentos e vinte, sem energia e sem água, né,
juntando todos dava uns trezentos e pouco [...] aí agora já
está bom, que ele recebeu o salário, seiscentos e pouco,
salário mínimo, dava para pagar aluguel, a gente pagava
a cesta, mas a gente ficava praticamente com
necessidade, né? Aí depois que começou essa ocupação
aqui, a gente veio e melhorou tudo [...] Ora, dá para a
gente comer até uma carninha, né, porque, nossa... agora
melhorou bastante256.
Refletimos que a inclusão no mercado de trabalho, portanto, não se
evidencia como fator suficiente para a garantia efetiva do acesso ao que é
produzido e oferecido na cidade. Os depoimentos nos revelam contornos sutis
e próprios de um modelo que exclui pela marginalização, ou que Castells
(1975) prefere caracterizar como um processo de integração perversa.
Entendemos, entretanto, que esta inserção precária na vida e na produção
urbana impôs a estas pessoas, seja pela renda ou pelas condições de vida
decorrentes dela, a exclusão concreta de uma serie de serviços e direitos,
como fica evidente no caso da moradia digna e de serviços urbanos
adequados.
José Nelson: Ninguém veio parar aqui porque achou isso
bonito, e nem porque era bom de viver... porque hoje é
bom, hoje tem de tudo, mas na época que eu cheguei
aqui não tinha. Então quem veio pra cá era necessitado
mesmo. E quem mais necessita? Quem tem uma, duas,
três crianças no mundo, que é o meu caso e de outros. Eu
conheço caso aí que tem cinco crianças, cinco, seis
crianças... ali mesmo tem um casal que tem seis crianças.
Então, é muito raro chegar em uma casa aqui que tem só
um casal, é muito, mas é muito raro257 [...]
José Nelson da Silva chegou à ocupação em abril de 2012 e
atualmente é um dos cinco coordenadores do MSTB no acampamento. Morava
no bairro Canaã sob o pagamento de um aluguel de quinhentos e cinquenta
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
256
Maria Iracilda Cardoso do Nascimento em depoimento cedido em vídeo realizado por frei
Gilvander Luís Moreira, da CPT. In: Ocupação Prof. Edson Prieto, do MSTB/Uberlândia: 2,200
famílias. Uberlândia, 2012. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=_q2kfhsJR8E> Acesso
em 23 jan. 2014.
257
José Nelson da Silva, em entrevista realizada no dia 09 de fevereiro de 2014.
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reais quando soube por notícia de um primo da ocupação sem-teto que se
construía no Glória.
José Nelson: Eu vim, fiz barraco, fiquei do Canaã pra
aqui, daqui pro Canaã, uma vez de ônibus, uma vez de
bicicleta, às vezes meu irmão vinha me trazer de moto,
falei “vou me mudar pra cá”, porque eu tenho três
crianças, naquele lugar, com as crianças naquela
precariedade. Aí foi melhorando a luta, mas em poucos
dias eu já falei “a não, eu quero fazer parte dessa luta, vai
que da certo”, e aí eu comecei a lutar junto com eles,
né258.
Após construiu uma casa de quatro cômodos com mais de 60m² no
total, José Nelson mora na ocupação com os filhos de dez, oito e seis anos, e
foi uma das pessoas que se sentiram motivadas a integrar a coordenação do
movimento, que entre 2012 e 2013 chegou a contar com quarenta e dois
coordenadores, sendo um representante por quadra.
José Nelson: Eu ficava imaginando, assim, sabe, todo
mundo tem o mesmo objetivo, porque todo mundo não
luta, né? E aí é tipo uma bebida, né, um vício, você vai
entrando, e no final tá dentro [...] Aí eu já participei de
outras lutas, no Célia lá mesmo eu fiz questão de ver o
alicate cortar o arame [risos].
No contato com as alternativas e discursos construídos no âmbito do
movimento organizado, moradores como José Nelson nos explicitam em suas
falas uma noção de coletividade construída justamente sob as mazelas e
resistências compartilhadas, fundando a identidade compartilhada de sem-teto.
Passar a ser sem-teto constituiu-se, sobretudo, em vivenciar a ocupação e as
ações coletivas que os integram ao movimento. Como afirma Sader (1995, p.
222) "a consciência de seus direitos consiste exatamente em encarar as
privações da vida privada como injustiças no lugar de repetições naturais do
cotidiano”.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
258
Ibid.
22 a 24 de agosto Universidade Federal de Uberlândia – Uberlândia, MG, Brasil
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A construção da identidade coletiva ocorre no cotidiano da luta por
moradia, de projetos e perspectivas comuns que têm como centro a construção
do espaço comunitário. O acampamento Élisson Prieto foi organizado em 42
quadras, com aproximadamente 2.200 lotes que abrigam, segundo o
movimento, cerca de 8 mil moradores. Parte dos nomes das ruas e avenidas
homenageiam sujeitos conhecidos pela intervenção ou atuação nas lutas
populares, como a Avenida Paulo Freire e a Rua Karl Marx. Tiago Luciano dos
Reis, que mora na ocupação com a esposa e a filha, que nasceu já morando
no acampamento, conta como foi realizada a organização espacial para que o
acampamento tenha se tornado um bairro, ainda que ilegal:
[...] ruas, lotes e quadras, todos bem cortados. Um projeto
de topografia que foi mais de setenta mil, nós gastamos
aqui e não foi do nosso bolso, foi a comunidade que
juntou e cortou as ruas, pagou topógrafo, pagou, e...
pagou as máquinas pra organizar as ruas259 .
O corte topográfico, que custou cerca de 22 reais para cada
morador, considerou a reserva de uma quadra com cinquenta lotes para a
construção de prédios públicos, como escolas, creches e hospitais. Ao lado da
casa onde funciona hoje a associação de moradores e a secretaria do MSTB
foi reservada também um grande área para a construção de um centro de
formação, além de outros lotes não ocupados, que se encontram sob
responsabilidade do movimento.
[...] em assembleia, num processo coletivo a gente
discutiu que era viável, fazer um planejamento topográfico
onde a gente contratou a equipe topográfica, né? Pra
fazer o processo de engenharia da área, temos o
mapeamento, temos uma área institucional [...]260
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
259
Tiago Luciano dos Reis, em depoimento cedido em vídeo realizado por frei Gilvander Luís
Moreira, da CPT. In: Ocupação Prof. Edson Prieto, do MSTB/Uberlândia: 2,200 famílias. Uberlândia,
2012. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=_q2kfhsJR8E> Acesso em 23 jan. 2014.
260
Wellington Marcelino Romana (Marrom), em entrevista ao Vídeo canal AFES MG –
Associação Franciscana de Ecologia e Solidariedade. Acampamento Sem Teto – Élisson Prieto
Uberlândia,
MG.
Uberlândia,
2013.
Disponível
em:
<
http://www.youtube.com/watch?v=f_GxDdTzaT0> Acesso em: 23 jan. 2013.
22 a 24 de agosto Universidade Federal de Uberlândia – Uberlândia, MG, Brasil
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A associação dos moradores do bairro Élisson Prieto foi criada meses
após a ocupação da área e cumpre a função institucional de coordenação e
representação do bairro em conjunto com o MSTB. Marrom, que além de
principal liderança do MSTB é também presidente da associação de moradores
do bairro, relata que a organização tem a intensão de se manter como
movimento social mesmo com a conquista da regularização.
[...] Aquela secretaria, nós definimos também em
assembleia que ficará para o movimento, até para...
centro de pesquisa, alguma coisa que o movimento
precisar fazer, tem aquele espaço. Até porque nós não
podemos perder a referencia do bairro, porque as outras
ocupações que aconteceram, se você perguntar pro
morador lá como é que foi a conquista do bairro, o
camarada nem sabe, então você não tem presidente do
bairro... [...] O grande esforço nosso é manter a estrutura
como movimento, até o final dos tempos, né, assumir ali
de fato, companheiros nossos que entendem o processo
da luta, para assumir a associação dos moradores. Hoje
eu sou presidente da associação, mas também não é por
muito tempo, deste ano para o ano que vem acho que já
vence o mandato e já vão vir outros companheiros para
disputar a chapa [...]261
O bairro ainda não possui nenhuma infraestrutura de saneamento
básico e eletricidade. Apesar de uma promessa da prefeitura de enviar a coleta
de lixo, o lixo ainda tem que ser descartado em áreas exteriores para que
possa ser coletado. Cristiano Santos Teixeira, o Irmão, relatou que teve dois de
seus filhos detidos, juntamente com outras duas pessoas, quando realizavam a
ligação elétrica clandestina em seu lote, meio pelo qual é realizada a provisão
de energia elétrica em toda a extensão da ocupação.
É possível observar formas pelas quais a exclusão do gozo de bens de
consumo coletivo regulares, tais como transporte, água e energia, incorporamse intrinsicamente à exclusão do acesso a terra aos trabalhadores, dentro do
modelo capitalista de produção e reprodução do espaço urbano. Conforme
aponta Kowarick (1979), as privações e carências vivenciadas por essas
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
261
Wellington Marcelino Romana (Marrom), em entrevista realizada no dia 21 de fevereiro de
2014.
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famílias estendem-se continuamente das extorsões instituídas no âmbito do
trabalho e abarcam espaços outros de moradia, transporte e demais situações
necessárias à sobrevivência.
Se bem como argumenta Sader (1995), a racionalidade da
situação não se encontra na consciência de um ator privilegiado_ mas se faz
como resultado de encontros de estratégias e processos de reconhecimento
recíprocos, mutáveis e intercambiáveis_ a luta própria das moradoras e
moradores sem-teto da ocupação Élisson Prieto expressa a resistência
cotidiana à cidade estruturada pela especulação imobiliária e sob símbolos de
um progresso que exclui estas trabalhadoras e trabalhadores de acesso à
condições igualitárias de vida digna. A luta coletiva nos aponta, ainda, a
importância da ação radical como meio de produção do espaço (LEFEBVRE,
2001).
E justamente a revolução de expectativas produzidas esteve na
busca de uma valorização da dignidade, não mais no estrito
cumprimento de seus papéis tradicionais, mas sim na
participação coletiva numa luta contra o que consideram as
injustiças de que eram vítimas. E, ao valorizarem a sua
participação na luta por seus direitos, constituíram um
movimento social contraposto ao clientelismo característico das
relações tradicionais entre os agentes políticos e as camadas
subalternas (SADER, 1995, p. 222).
Concordamos, ainda, quando Lefebvre (2001) aponta sobre a
importância de os habitantes das cidades serem reivindicadores em potencial
na luta pelos direito à cidade. Visto que são igualmente usuários da vida
cotidiana, a luta tem o potencial de desconstruir e construir as formas de viver a
cidade. Os trabalhadores que acamparam no Glória e resistem há mais de dois
anos às dificuldades para construir o bairro Élisson Prieto, reformularam os
papeis que lhes foram designados pela ordem oficial, reelaborando seus
cotidianos e histórias de vida.
A partir das memórias e experiências de luta do bairro Élisson Prieto,
entendemos que não é possível isolar a dinâmica da ocupação, quando está
inserida nas formas de produção e reprodução formuladas pelo projeto
capitalista de cidade. Entretanto, pudemos perceber o quanto essencial é
enfatizar o caráter emancipatório, ainda que condicionado, expresso na
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elaboração própria do espaço, dos serviços, da organização comunitária e de
uma solidariedade de classe pela qual Sader (1995, p.15) acredita que “as
chamadas classes populares passam a fazer parte da cena histórica, não como
atores desempenhando papeis pré-fixados, mas como sujeitos criando a
própria cena através de sua própria ação”.
Fontes
Entrevistas:
José Nelson da Silva. Uberlândia, 09 de fevereiro de 2014. Depoimento
concedido a Flávia Gabriella Franco Mariano.
Cristiano Santos Teixeira. Uberlândia, 09 de fevereiro de 2014. Depoimento
concedido a Flávia Gabriella Franco Mariano.
Wellington Marcelino Romana (Marrom). Uberlândia, 21 de fevereiro de 2014.
Depoimento concedido a Flávia Gabriella Franco Mariano.
Vídeos:
Vídeo canal AFES MG - Associação Franciscana de Ecologia e Solidariedade.
Acampamento Sem Teto – Elisson Prieto Uberlândia, MG. Uberlândia, 2013.
Disponível em: < http://www.youtube.com/watch?v=f_GxDdTzaT0> Acesso em:
23 jan. 2013.
Vídeo canal CharreteNet ciberAtrações. Estreia Mundial CharreteNet UDI, o
filme! Uberlândia, 2013. Disponível em: <
http://www.youtube.com/watch?v=WY0rzfP0Brs> Acesso em: 23 jan. 2013.
Frei Gilvander Luís Moreira, da CPT. In: Ocupação Prof. Edson Prieto, do
MSTB/Uberlândia: 2,200 famílias. Uberlândia, 2012. Disponível em: <
https://www.youtube.com/watch?v=_q2kfhsJR8E> Acesso em 23 jan. 2014.
Referências bibliográficas
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KOWARICK, Lúcio. A espoliação urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001.
22 a 24 de agosto Universidade Federal de Uberlândia – Uberlândia, MG, Brasil
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OLIVEIRA, Igino Marcos de. Uberlândia de “costas” para a justiça.
Disponível em <http://elissonprieto.blogspot.com.br/2011/08/sem-teto-emuberlandia-denuncia-de.html> Acesso em: 20 nov. 2013.
PRIETO, Élisson Cesar. Os Desafios Institucionais e Municipais para
implantação de uma cidade universitária: o Campus Glória da Universidade
Federal de Uberlândia. 2005. Dissertação (mestrado) do Programa de PósGraduação em Geografia – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia,
2005.
SADER, Eder. Quando novos personagens entram em cena. 3º ed., Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1995.
THOMPSON, E.P. A Miséria da Teoria. Rio de Janeiro: Zahar Editores S.A.,
1981.
THOMPSON, E.P. Notas sobre o texto. In:______. As peculiaridades dos
ingleses e outros artigos. Campinas: UNICAMP, s/d. (“Textos didáticos”).
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REFLETINDO O COTIDIANO DOS AGRICULTORES EM
ARACATIAÇU: DIALOGANDO A PESQUISA COM THOMPSON E
OUTROS AUTORES DA HISTÓRIA SOCIAL CONTEMPORÂNEA
Luciane Azevedo Chaves (UFU)
[email protected]
RESUMO:
Esse artigo é fruto da pesquisa de mestrado que se encontra em andamento.
No intuito de construir um diálogo com autores que venham a contribuir para a
pesquisa, refleti-se o cotidiano do agricultor sertanejo de Aracatiaçu em SobralCE, percebendo-o como construtor de uma cultura e de uma identidade social.
Busca-se entender como esse agricultor organizava sua vida na década de
1970, pensando quais lembranças traz em sua memória sobre os socorros
emergenciais implementados pelos governos para amenizar os períodos de
estiagem. Edward Palmer Thompson acredita ser papel da história enveredar
na reconstituição do passado, tentando compreendê-lo, constituindo uma
história fundamentada na experiência vivida que é um conjunto de significados
constituídos ao longo do tempo, formando a identidade de um povo. Em
diálogo com Thompson e outros autores da História social Contemporânea,
refleti-se os costumes desses trabalhadores durante os períodos de estiagem.
PALAVRAS-CHAVE: Agricultor. Costumes. Trabalho.
1. Desafios da pesquisa: dialogando as relações entre consciência de
classe, história e memória
As leituras de Sidney Chalhoub 262 e Marilena Chauí 263 ajudam a
entender sobre a construção da nova classe trabalhadora no Brasil. O diálogo
com Chalhoub proporciona a reflexão sobre o surgimento de uma classe
operária mais estruturada politicamente, sendo que essa classe passaria a ser
o sujeito que articularia melhor com a realidade onde estava inserido, traçando
estratégias de luta dentro de um cenário burocrático, policial e disciplinar.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
262
CHALHOUB, Sidney. SILVA, Fernando Teixeira da. Sujeitos no Imaginário Acadêmico:
Escravos e Trabalhadores na Historiografia Brasileira desde os anos 1980. Cadernos ALE.
Vol. 14. N. 26. IFCHI. Unicamp, Campinas. 2009.
263
CHAUÍ, Marilena. Uma nova classe Trabalhadora. SADER, Emir. (Org.)10 anos de
governos pós- liberais no Brasil: Lula e Dilma. -São Paulo, SP: Boitempo; Rio de Janeiro:
FLASCO Brasil, 2013.
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Essas reflexões somadas com as discussões realizadas na disciplina
Instituições e Movimentos Sociais são relevantes para a estruturação da escrita
da dissertação de mestrado.
Marilena Chauí no artigo Uma nova classe Trabalhadora ajuda a
pensar como a classe média fragmentada tenta se reafirmar dentro de uma
conjuntura social, onde ocorre uma idealização dessa classe, buscando
legitimá-la como dominante, enquanto se distancia da possibilidade de se
tornar proletária. Percebendo essas questões, compreende-se sua contribuição
para pensar a categoria classe trabalhadora a partir de um contexto mais
amplo, problematizando essas reflexões na pesquisa em andamento.264
O diálogo com Chalhoub no artigo Sujeitos no Imaginário Acadêmico:
Escravos e Trabalhadores na Historiografia Brasileira desde os anos 1980
apresenta contribuição para o pensamento da construção da consciência de
classe no Brasil a partir da década de 1970. Neste período a classe operária
começa a ganhar uma nova imagem devido às greves realizadas no ABC
paulista e em São Paulo. Pautada em discurso mais consistente e organizado,
sendo considerada como um sujeito político capaz de articular e traçar
estratégias de reivindicação em sua estrutura de trabalho industrial. Pensando
através de um viés econômico, burocrático e político.265 Atentar para a citação
abaixo:
No final dos anos 1970, as análises que subsumiam os trabalhadores
às determinações estruturais da industrialização, a lógica da
acumulação e as escolhas políticas da esquerda passaram por um
escrutínio. A classe operária começou a ser procurada em
circunstâncias históricas precisas e considerada como sujeito político
que articulava entendimentos de sua realidade e estratégias de luta
no interior de um conjunto de constrangimentos diversos - de ordem
econômica, disciplinar, burocrática e política etc., esta virada está
intimamente relacionada com os movimentos grevistas que
emergiram, sobretudo, em São Paulo e no ABC paulista a partir de
1978, quando os trabalhadores se expressaram margem dos antigos
canais institucionais e criaram novas formas de mobilização e
266
organização. [...] .
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
264
CHAUÍ, 2013, p. 131.
CHALHOUB, 2009, p. 30.
266
CHALHOUB, op. cit., p. 30.
265
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As discussões de Chalhoub se somam a pesquisa porque faz uma
reflexão sobre a classe trabalhadora no Brasil em várias épocas inclusive na
década de 1970, período de problematização da pesquisa de mestrado sobre
as políticas públicas implementadas para os trabalhadores rurais na região
Norte de Sobral. Suas colocações proporcionam um olhar para a constituição
da consciência de classe desses trabalhadores do campo. Na referida pesquisa
atenta-se para os sujeitos históricos inseridos nesse cenário repleto de lutas
sociais.
Em diálogo com o projeto do Programa de Estudos Pós-Graduados
em História-PROCAD da Pontifícia Universidade Católica-PUC-SP que
acarretou na produção do livro Muitas memórias, outras histórias onde as
historiadoras Déa Ribeiro Fenelon, Heloísa de Faria Cruz e Maria do Rosário
Cunha Peixoto propõem uma discussão com as memórias e as muitas
histórias, partindo de indagações como quais histórias e memórias estão sendo
faladas e porque falar de história no plural.267 As historiadoras colocam que “a
memória é um campo minado pelas lutas sociais”.268 Dialogando também como
ela se constitui no campo da política e se torna dominante e legitimadora.
Na introdução desse livro as autoras questionam a dificuldade de
produzir histórias que possam ir além daquelas produzidas no universo
acadêmico, pensando como poderiam socializar uma narrativa acadêmica
capaz de validar outras histórias. O projeto propõe a visibilidade dos sujeitos
históricos através da memória social, visando também uma valorização da
categoria trabalhadora urbana e assalariada.
No decorrer da pesquisa é importante repensar como compreender a
relação estabelecida com as fontes históricas, desenvolvendo outros ângulos
de abordagem, entendendo as relações sociais e percebendo sua pluralidade,
sem perder a dimensão desse social. As historiadoras apontam para
questionamentos sobre o lugar social e as atividades do historiador diante de
sua escrita.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
267
FENELON, Déa Ribeiro e outros (Orgs.). Introdução. Muitas memórias, outras histórias.
São Paulo: Olho D’Água, 2004.
268
FENELON, op. Cit., p. 6.
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Pensando nisso, é proposto refletir sobre o papel do intelectual na
sociedade capitalista e no meio acadêmico. Dialogar com os sujeitos sociais,
compreendendo seus modos de vida, buscando construir histórias capazes de
atravessar o espaço acadêmico são preocupações desafiadoras para o
historiador que almeja trabalhar as memórias e histórias partindo do viés que
contempla os modos de vida do sujeito social, marcado por lutas e tensões.
Essa proposta também inquieta as pesquisadoras Heloísa de Faria
Cruz, Maria do Rosário Peixoto, Yara Aun Khoury entre outros que dialogam no
livro Outras Histórias: Memórias e Linguagens, falam dos desafios de dialogar
com os sujeitos sociais como mulheres, negros e moradores num espaço
diverso. O fazer-se dos sujeitos e das classes são para essas autoras os
modos culturais de viver.269
Dessa forma, pensar o fazer-se histórico dos trabalhadores e das
classes implica atentar para todo um conjunto de modos de viver incluindo o
trabalho, a moradia, a alimentação, o vestuário, a diversão e a maneira como
se organizam. Todo esse conjunto de modos é percebido pelos historiadores
sociais ao refletir sobre as histórias e memórias desses sujeitos.
Partindo dessas questões Cruz, Peixoto e Khoury apontam também
para um diálogo sobre a investigação da escrita da história e a sistematização
dos textos acadêmicos. Levantando indagações sobre quais histórias estamos
construindo, pois quando assumimos uma maneira de escrever, é assumido
um compromisso acadêmico- político que não deve se limitar a cientificidade. E
assim, pensar numa escrita capaz de dialogar com as fontes, sem estar
pautada numa metodologia padronizada. Essas autoras acreditam ser
necessário construir uma escrita capaz de dar voz aos sujeitos silenciados. É
preciso pensar como “articular memórias e linguagens na construção de outras
histórias”. 270
Fenelon diz ser a memória uma força social, pois carrega consigo os
sujeitos sociais. Pensando em suas colocações, novas reflexões se somam a
problemática da pesquisa, a qual está fundamentada na investigação sobre as
políticas públicas implementadas pelo Estado em períodos de estiagem na
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
269
Cruz, Heloisa e outros (Orgs.). Introdução. Outras Histórias: Memórias e Linguagens.
São Paulo, Olho d’ Água, 2006. P. 9-21.
270
CRUZ, op. Cit., p. 21.
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microrregião de Sobral-CE na década de 1970. Abordando a forma de
desenvolvimento econômico proposto ao homem do campo pelos governos
militares através dos investimentos econômicos como projetos que visavam
modernizar o campo na justificativa de amenizar o sofrimento do agricultor
sertanejo em períodos de estiagens. Dessa forma, busca-se entender quem
são os sujeitos da pesquisa? Como eles se constituem no espaço social onde
estão inseridos? E porque esse espaço é tão importante para eles?
É importante ressaltar que estas questões se tornaram presentes a
partir das leituras e releituras realizadas no curso de Pós - Graduação em
História da Universidade Federal de Uberlândia. Sendo introduzidas em
diálogos posteriores realizados com a pesquisa ainda em andamento. No
intuito de discutir as memórias dos sertanejos dos distritos de Sobral, o referido
trabalho representa um caminho desafiador. Trabalhar com reminiscências é
algo delicado, pois significa um processo de (des) construção tanto para o
entrevistador como para o entrevistado.
271
Essas lembranças são de
fundamental importância, para que assim possa ser realizado um cruzamento
de informações e, principalmente, de posições a partir de materiais de
naturezas e lugares sociais distintos.
2. Refletindo o cotidiano dos agricultores de Aracatiaçu a partir do
diálogo com E. P. Thompson
Propõe-se compreender o cotidiano dos agricultores sertanejos
problematizados como sujeitos construtores de uma cultura capaz de
proporcionar a eles uma identidade social. Refletindo os pensamentos Edward
Palmer Thompson, é papel da história procurar enveredar pelo caminho da
reconstituição do passado, tentando compreendê - lo e a partir de então,
constituir uma história fundamentada na experiência vivida. Ao falar de
experiência de vida, fala-se também em um conjunto de significados
constituídos ao longo do tempo que assim formam a identidade de um povo.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
271
VASCONCELOS, Regina Ilka Vieira. Tempos e memórias. Caminhos para o sertanejo:
quem conta histórias? In: FENELON, Déa Ribeiro e outros (Orgs.). Muitas memórias, outras
histórias. São Paulo: Olho D’Água, 2004.
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Esse conjunto de significados, chamados por Thompson de “costumes”
caracterizam um dos pontos pertinentes a designar a definição de cultura. Os
hábitos de um povo cristalizado a partir de seu comportamento.272
As discussões de Thompson sobre cultura são de fundamental
importância para o desenvolvimento dessa pesquisa, pois ajuda a entender o
cotidiano dos grupos de agricultores da região Norte de Sobral diante da seca
ocorrida no Ceará, bem como as modificações do ritmo de vida devido à
realidade da ausência de chuvas.
Fenelon enfatiza que a cultura “é um campo de possibilidades”,273 pois
engloba valores, luta de classe. Fortalecendo os pensamentos de Thompson
quando focaliza a importância das experiências vividas no livro Costumes em
comum: estudos sobre a cultura popular tradicional e enfatizando Fenelon ao
apresentar a cultura no plural, fortalecendo discussões dentro da História
social, é importante sinalizar as percepções desses autores que darão
consistência a essa pesquisa quanto às vivências dos agricultores sertanejos
da região norte de Sobral.
Acostumados com o ciclo de trabalho no campo que implica desde o
preparo da terra para o plantio e colheita até o momento da consolidação de
seu trabalho com o resultado desse plantio. Na ausência de chuvas, restava ao
agricultor sertanejo modificar seus modos de vida para se adequar a nova
realidade: a seca que levava muitos agricultores a migrarem em busca de
trabalhos para sua sobrevivência e de sua família.
Nas frentes de serviços havia grupos de agricultores insatisfeitos com a
forma como eram conduzidas, chegando se organizar uma comissão para se
dirigirem ao Governador do Estado na capital do Ceará no objetivo de levarem
suas insatisfações, solicitando a descentralização das frentes de serviço. Em
entrevista realizada com o senhor Francisco Júlio de Araújo, conhecido como
Júlio Maciano, agricultor de 63 anos e residente em Aracatiaçu (Sobral-CE).
Estas questões sobre a busca de trabalhos em frentes de serviços, a luta por
melhores
condições
destas
atividades
implementadas
como
medidas
paleativas, levaram-os a tomar essa atitude, porém esse fato ocorrido
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
272
THOMPSON, E. P. Introdução. Costumes e culturas. In: ______. Costumes em comum:
estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 13-24.
273
FENELON, Déa. Cultura e História Social: historiografia e pesquisa. Projeto História. São
Paulo, n. 10, p. 73-90, dez., 1993.
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aconteceu na década de 1990, mas é lembrado pelo senhor Júlio quando se
reporta as frentes de serviço da década de 1970.
O fatode o entrevistado mencionar essas insatisfações, faz-se atinar
para uma indagação. Haveria no período de 1970 ocorrido insatisfações e /ou
manifestações sobre a centralização do trabalho nas frentes de serviço, pois de
acordo com a fala do senhor Júlio Maciano estes trabalhos emergenciais eram
solicitados por proprietários de terras e eram voltadas para a construção de
açudes ou de estradas dentro de suas propriedades.
Outra questão importante mencionada pelo senhor agricultor é que os
trabalhos nas frentes de serviços embora tivessem uma diária de custo baixo,
quando o agricultor não tinha como se manter nem a sua família durante os
períodos de estiagem via-se “obrigado” a se submeter a esses trabalhos, pois
era a alternativa mais viável no momento isso porque “[...] em um momento de
seca, era um momento agravante [...]”.274
Quando Thompson analisa o cotidiano dos tecelões no livro Costumes
em comum, num determinado ponto do capítulo 4 intitulado Os Tecelões, ao
tratar das formas de trabalho destas pessoas e de suas relações com seus
mestres, o historiador aponta para as necessidades dos trabalhadores
agrícolas, entre outros grupos de trabalhadores, em se submeterem a
atividades de tecelagem diante de salários reduzidos devido a grande procura
por esse trabalho. Ver citação abaixo.
[...] Ainda assim, embora os salários se achatassem, o número de
tecelões continuou a crescer durante as três primeiras décadas do
século 19, pois a tecelagem representava o último recurso dos
desempregados do norte, antes do trabalho não-especializado. A
produção do fustão era pesada e monótona, mas de aprendizado
simples. Trabalhadores agrícolas, soldados desmobilizados,
irlandeses, imigrantes-todos contribuíam par inflar a oferta de força de
275
trabalho.
O cotidiano dos agricultores de Aracatiaçu em momentos como este
passa a ser semelhante ao dos trabalhadores do século XIX problematizados
por Thompson. Ambos eram agricultores, mas foram em busca de outra
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
274
Francisco Júlio de Araújo, 63 anos. Entrevista realizada em 30/07/14 no distrito de
Aracatiaçu (Sobral-CE).
275
THOMPSON, 1998, p.129.
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atividade que não correspondia a sua atividade costumeira e se submetiam a
ganhar bem menos trabalhando numa função exaustiva.
Ao lembrar sobre o cotidiano dos trabalhadores nas frentes de serviço,
o senhor Júlio Maciano menciona que muitas pessoas morriam nestes serviços
temporários, pois
adquiriam doenças, ele não menciona quais, mas informa
que tudo isso acontecia devido não terem uma alimentação. Contudo, este
agricultor que também atuou nas frentes de emergência fala sobre se sentir
beneficiado com estas assistências embora o ganho não fosse compensatório.
No decorrer da entrevista, o agricultor sempre trazia em suas
lembranças a responsabilidade assumida com a família desde muito jovem. Em
sua memória o tempo em que mais se remetia era o tempo presente. Um
tempo marcado por luta política, conquistas de melhorias nas condições de
vida do agricultor devido aos projetos sociais existentes. Em alguns trechos da
entrevista são frequentes frases como: “[...] a vida do agricultor hoje, ela tá
melhor do que antes porque ele tem essa assistência dos programas sociais
[...]”.276
Ao ouvir a história de vida do senhor Júlio Maciano é perceptível como
a memória faz esse circuito entre passado e presente, colocando a mostra o
tempo que mais torna a vida do indivíduo significativa. É perceber como a
história para cada pessoa tem um significado dentro de um espaço temporal,
e, dependendo do seu momento de vida essas pessoas trazem à tona
lembranças intrinsecamente relacionadas ao processo social. Pensando em
como lançamos as perguntas ao objeto de pesquisa, é importante atentar para
o que diz Thompson sobre a lógica histórica, aquilo que diz respeito às leis que
a regem, as pressões sofridas no processo social. 277
Thompson ao desconsiderar que a história não deveria ser estudada
dentro de uma perspectiva de uma lógica analítica aponta para a lógica
histórica, pois para o historiador essa lógica é percebida de forma diferente isto
porque os acontecimentos históricos estão inseridos num processo social em
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
276
Francisco Júlio de Araújo, 63 anos. Entrevista realizada em 30/07/14 no distrito de
Aracatiaçu (Sobral-CE
277
THOMPSON, E. P. Intervalo: a lógica histórica. In______. A miséria da teoria ou um
planetário de erros: uma crítica ao pensamento de Althusser. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. p.
47-62.
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transformação, há contradições, as perguntas realizadas dentro da lógica
histórica tendem a sofrer modificações, pois o próprio objeto se modifica.
Nas discussões de Fenelon sobre História Social a autora propõe
refletir para além de uma história contínua e factual, pensar também como ela
está sendo praticada e ensinada. É fundamental refletir sobre as experiências
de vida dos sujeitos históricos, sobre cultura como “modos de vida global”278,
sistema de investigação do processo social capaz de constituir diferentes e
específicos modos de vida.
Esse modo de pensar o social levantado por Fenelon é uma proposta
da historiografia inglesa na busca de pensar cultura de forma abrangente na
dinâmica do processo social, proposto por Thompson na obra A formação da
Classe operária inglesa 279 . Diante disso, é associando estas discussões à
pesquisa de mestrado que visa problematizar a implementação das políticas
públicas para o desenvolvimento do Nordeste durante a década de 1970 pelos
governos militares, a partir de narrativas dos agricultores sertanejos em torno
de seu processo de trabalho.
Entendendo, como era percebido o sertanejo pelos jornais Correio da
Semana e Correio do Ceará, como os agricultores entrevistados compreendem
esse período e como se constituem dentro de um espaço social minado por
lutas, como experimentam suas vivências dentro das relações sociais onde
estão inseridos. “[...] no acréscimo de Thompson, representa sempre uma luta
que é de classe e se dá também no campo dos valores e dos interesses,
porque pessoas “experimentam” suas vivências [...]”. 280
BIBLIOGRAFIA
CHALHOUB, Sidney. SILVA, Fernando Teixeira da. Sujeitos no Imaginário
Acadêmico: Escravos e Trabalhadores na Historiografia Brasileira desde os
anos 1980. Cadernos ALE. Vol. 14. N. 26. IFCHI. Unicamp, Campinas. 2009.
CHAUÍ, Marilena. Uma nova classe Trabalhadora. In.: SADER, Emir (Org.). 10
anos de governos pós-liberais no Brasil: Lula e Dilma/ (org.).-São Paulo,
SP: Boitempo; Rio de Janeiro: FLASCO Brasil, 2013.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
278
FENELON, 1993, p.86.
Vê primeira obra de E. P. Thompson: A Formação da Classe Operária Inglesa de 1963.
280
FENELON, 1993, p.90.
279
22 a 24 de agosto Universidade Federal de Uberlândia – Uberlândia, MG, Brasil
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Grupo Memória Popular: Memória Popular: Teoria, política, método. Trad.
Helen Hughes e Yara Aun Khoury. In: FENELON, Déa Ribeiro et. al. (Org.).
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THOMPSON, E. P. Intervalo: a lógica histórica. In: THOMPSON, E. P.. A
miséria da teoria ou um planetário de erros: uma crítica ao pensamento de
Althusser. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. p. 47-62
______. Os Tecelões. In:______. Costumes em comum: estudos sobre a
cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 117177.______. Economia moral revisitada. In: ______. Costumes em comum:
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1998. p. 203-266.
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DISPUTAS DE TERRA E DE VIDA EM CACHOEIRINHAMG NA CONFORMAÇÃO DA REGIÃO DO VALE DO JAÍBA,
NORTE DE MINAS GERAIS
Andrey Lopes de Souza (UFU – Faculdade Promove de Janaúba)
Linha de Pesquisa: Trabalho e Movimentos Sociais
[email protected]
RESUMO:
O objeto de estudo deste trabalho é o processo histórico e social de luta pela
terra em Cachoeirinha, atual município de Verdelândia-MG. Tomando como
ponto de partida disputa social e jurídico entre posseiros e fazendeiros na luta
pela posse da terra em Cachoeirinha que desembocou em dois despejos
ocorridos em 1964 e 1967 propomos analisar como a conformação de uma
região é feita e refeita nas relações sociais de luta de valores e de interesses
nos usos e na posse da terra. Esse é um esforço para compreender e dar
visibilidade aos valores, interesses e projetos que estavam em disputa naquele
momento, bem como identificar no decorrer das lutas quais versões foram
subsumidas ou esquecidas.
O objeto de estudo deste trabalho é a dinâmica do processo
histórico e social de luta pela terra em Cachoeirinha, atual município de
Verdelândia-MG.281 Tomando como ponto de partida a disputa social e jurídica
entre posseiros e fazendeiros na luta pela posse da terra em Cachoeirinha que
desembocou em dois despejos ocorridos em 1964 e 1967 propomos analisar
como a conformação de uma região é feita e refeita nas relações sociais de
luta de valores e de interesses dos usos e de posse da terra.
Nos anos de 1964 e 1967 ocorreram dois despejos dos posseiros de
Cachoeirinha que, por meio de decisão judicial, os fazendeiros Manoelito
Xavier e Sebastião Alves tiveram reconhecido seu direito de posse. Em torno
desses despejos ocorreu uma luta que passou pela esfera jurídica ao qual dois
processos crime foram arrolados, sendo um em 1973 impetrado contra o
advogado Georgino Jorge de Souza e outro em 1983 em que tal advogado
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
281
Cachoeirinha era distrito de Varzelândia, foi emancipada em 1996, denominando-se
Verdelândia, sendo localizada na mesorregião Norte de Minas Gerais.
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aparece como vítima acusando o advogado Antônio Adenilson, então
advogado dos posseiros de Cachoeirinha, acusado-o de calúnia e difamação. A
partir deste despejo incide sobre Georgino Jorge de Souza diversas acusações
de ter agido com crueldade na expulsão dos posseiros, sendo que a mesma
provocou mortes de crianças por inanição e sarampo, pois suas famílias
perderam suas plantações e suas casas. O processo de 1973 determinou a
inocência de Georgino Jorge de Souza. No entanto, no município de
Verdelândia e região povoa nas formas de rememorar o acontecido uma visão
negativa de Georgino que é apontado como verdadeiro culpado de todo o
acontecido.
O processo-crime datado de 1983 envolvendo a queixa do advogado
Georgino Jorge de Souza contra Adenilson Ferreira para além de uma
contenda entre advogados faz emergir disputas de versões interpretativas do
fato ocorrido em 1967, que também se revelam como lutas de classe e de
projetos de desenvolvimento da região, visto que tanto os trabalhadores rurais
representados em seus depoimentos e matérias de jornais publicados, quanto
representantes
da
polícia
militar,
fazendeiros
e
integrantes
da
elite
montesclarense, acabam por expressar o lugar de onde falam e os valores de
sociedade em disputa então vigentes naquele momento.
O fazendeiro Sebastião Alves da Silva, natural de Buenópolis e sócio
de Manoelito Sales contrataram o advogado Georgino Jorge Souza para entrar
com processo de expulsão dos agricultores de Cachoeirinha. O despejo dos
agricultores ocorreu em 1967. Em sua fala registrada via linguagem adaptada
pelo escrivão o fazendeiro afirmou que:
Não houve qualquer violência e o depoente desafia quem quer
que seja que houve tal; que atribui apenas a mentira e a
agitação a publicação feitas de que teria havido violência no
despejo dos posseiros; de que não teve nenhum conhecimento
de que alguma criança, filha de posseiros, tenha morrido de
inanição, em conseqüência do despejo; que o Dr. Georgino não
acompanhou pessoalmente o despejo e nem lá sequer
compareceu.
Na fala de Sebastião Alves há uma negação da violência ocorrida no
momento do despejo. Em discurso semelhante, o militar Airton Araújo Campos
afirmou que na época pertencia ao 10º Batalhão da PM de Montes Claros e foi
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acionado para dar cobertura ao processo de despejo, sendo que o advogado
Georgino não se fez presente naquele momento e que “não é do conhecimento
do depoente qualquer violência durante a ação de despejo”. O mesmo ainda
destacou em seu depoimento a atuação do Advogado Georgino Jorge no
“movimento revolucionário de 1964”, sendo o mesmo uma “figura projetada da
revolução” e que em outra ocasião o advogado requereu do 10º Batalhão da
PM apoio na erradicação de epidemia que se alastrava na região de
Cachoeirinha.
O processo ocorreu no início dos anos 1980. Naquele momento
ainda estava em vigência o Estado de Exceção, a saber, a ditadura militar.
Esse período de domínio dos militares em que o militar menciona a
participação de Georgino Souza no “movimento revolucionário de 1964” pode
ser interpretado para além da fala de um representante militar que estava
diretamente ligado ao grupo que dirigia o país, visto que a ditadura militar não
foi apenas uma forma de governo ou período exterior ao processo histórico
brasileiro. Tal assertiva não quer negar as particularidades deste período, mas
vem indicar que valores presentes na sociedade de então permaneceram
nessa forma de governo, balizaram e deram sobrevida ao mesmo, visto que
uma elite burguesa o apoiou e foi beneficiada em seus projetos de sociedade.
Valores de uma sociedade capitalista, conservadora e desigual. Valores esses
que não iniciaram em 1964 e tão pouco tiveram seu fim em 1985. Na verdade,
o que se estava em jogo é uma disputa de projetos de sociedade.
O processo-crime em sua amplitude revela os limites e as pressões
produzidas e enfrentadas pelos diversos sujeitos, visto que, por mais que um
projeto tenha saído vencedor, o mesmo teve que realizar concessões, pois em
uma sociedade capitalista a contradição entre capital e trabalho ainda permite
que o trabalhador ainda possua papel na transformação da sociedade e acabe
por indicar os limites de uma hegemonia classista.
O lavrador Norberto José Lopes, natural de Castro Alves, Bahia, em
depoimento como testemunha de Adenilson ocorrido em 1983, quando tinha 64
anos, relatou o fato acontecido em 1967. Ele afirma que foi um dos posseiros
expulsos de Cachoeirinha e que o despejo foi realizado por 12 soldados com
metralhadoras acrescidos do apoio de jagunços. Sebastião Alves e Manoelito
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Sales são apontados como grileiros que, conjuntamente com a atuação do
Advogado Georgino Jorge de Souza requereu o despejo. Ao longo do processo
e no depoimento é percebido que o fato em questão deixou de ser uma
contenda entre dois advogados, e traços marcantes da disputa de memória e
do fato histórico acabam por dar um tom ao processo, sendo que o ocorrido em
1967 ganha maior atenção na medida em que se procura saber sobre o que
realmente ocorreu e qual o papel do advogado Georgino no mesmo. O lavrador
assim o definiu:
Que segundo ficou constatado na época, o querelante foi
mandante de todos os assassinatos referidos pelo depoente,
além de outros cadáveres encontrados dentro da propriedade
do querelante e em sepulturas encontradas no mesmo local;
Que o depoente perdeu no despejo, 236 porcos castrados,
no ponto de engorda e dez hectares de milho plantado,
seco, na hora de colher; Que o posseiro João Francisco de
Jesus, foi saqueado em suas lavouras de mamona,
calculada em mais de 30 mil quilos, de arroz, de feijão,de
milho e certo número de porcos; Que Pio Miguel da Silva,
Joaquim da Esperança, e Belchior Alves Felício e Marinho,
foram outros, que também perderam as suas lavouras; que ao
todo foram mais de 200 famílias desalojadas e saqueadas em
seus bens
Apesar do Advogado Georgino Jorge ser Coronel reformado desde
1965 (e o despejo ocorreu em 1967), quando era comandante do 10º Batalhão
de Polícia de Minas Gerais, a referência do lavrador é que o mesmo enquanto
comandante requereu o despejo e foi uma das figuras centrais no despejo
deflagrado em 1967. Ele menciona a participação de Georgino Souza como
mandante de vários assassinatos. No caso do despejo é citado que o lavrador
possuía 36 porcos castrados no ponto de engorda e 10 hectares de milho
plantado. Em nenhum outro depoimento realizado, mesmo pelo advogado
Georgino Jorge Souza ou outros depoentes que negue o fato de que esses
lavradores não apresentassem uma produção ou organização do seu espaço.
A quantidade de porcos em ponto de engorda indica o comércio que era
movimentado pelos lavradores daquela região que, apesar da distância de
Janaúba, centro urbano mais próximo, movimentava por estrada de terra cerca
de 40 quilômetros para vender sua produção. Os dez hectares de milho seco
em ponto de colheita ainda indicam os usos comerciais da terra em pequenas
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propriedades, bem como uma organização de divisão de suas terras em virtude
que seu espaço de produção está definido nos hectares mencionados.
Domingos Poncio Batista, agricultor, natural de Porteirinha-MG, em
depoimento realizado em 1983 quando tinha 43 anos afirmou que na época
residia em Jaíba (Colônia de Jaíba, localizada no atual município de Jaíba) e
não presenciou o ocorrido. O mesmo destacou que passou pela estrada de
Cachoeirinha e “viu casas queimadas e destruídas”, sendo que em 1980
participando do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Janaúba integrou a luta
dos lavradores de Cachoeirinha para reaver suas terras. Ele afirmou que “todos
os posseiros diziam que foram saqueados em seus pertences, como animais,
lavouras, mantimentos e um deles se queixava de haver perdido uma jóia”.
Essa passagem indica que os lavradores de Cachoeirinha aravam a
terra e produziam para além da sua subsistência. Norberto assim como outros
lavradores que vieram para a região em virtude de propagandas de terras
devolutas do estado enxergaram essa como uma possibilidade de conseguir
dias melhores. A passagem acima ao indicar uma produção considerável,
acrescido ao número de 200 famílias que vivam naquela região indicam que
muitos dos lavradores possuíam sua produção que não era comum, mas que
cada família possuía a sua. Dito de outra forma, o capitalismo chegou ao
campo e ao Norte de Minas não simplesmente por via modernização
conservadora burguesa a partir dos anos 1960.
Inspirados em Marx que pontuou que, “os homens fazem sua própria
história, mas não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas
com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado...”
nossa problemática está centrada em compreender o processo de constituição
histórica desse espaço, indicando que o mesmo é feito e refeito nas relações
produzidas por esses sujeitos a partir de situações materiais.
No caso de Verdelândia, a luta pela terra ainda constitui um tema
atual e presente na vida da cidade. Em documento produzido em julho de 2013
pela Liga dos Camponeses Pobres que atual no Norte de Minas e Sul da Bahia
é possível perceber mais uma atuação da Liga e dos camponeses em
Verdelândia.
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Dia 17 de julho foi emitida a absurda e injusta ordem de
reintegração de posse pelo juíz Otávio da Vara Agrária contra
as famílias da comunidade “Vitória” em Cachoeirinha, onde
vivem e trabalham há mais de 13 anos, 30 famílias
camponesas. Decisões como esta tem sido uma prática
corriqueira do governo anti-povo e vende-pátria do PT/Dilma,
como parte de sua política de criminalização do movimento
camponês, de expulsão dos camponeses de suas terras, de
favorecimento do latifúndio e entrega das riquezas minerais
aos monopólios nacionais e estrangeiros. Nas terras da antiga
fazenda Ypiranga o que era abandono hoje é prosperidade!
Estas famílias camponesas que nada ou pouco tinham, hoje
são senhoras do seu destino, tiram o sustento do seu trabalho
em sua terra. Estão em seus lotes, através do Corte Popular
decidido e organizado pelas próprias famílias junto com a Liga
dos Camponeses Pobres. Têm casas de alvenaria, criações,
benfeitorias e a certeza do valor de cada conquista, sem
nenhum recurso do velho Estado contando com suas próprias
forças, com seu trabalho e os amigos e apoiadores. Várias
crianças do início da tomada das terras já constituíram família,
e seguem firmes na luta. A produção das roças é vendida no
comércio de Cachoeirinha, ali também comercializam a
produção de leite e hortaliças. As famílias camponesas do
“Vitória” trouxeram prosperidade para a cidade, enquanto o
latifúndio só traz misérias e a violência de seus capangas e
pistoleiros!
Ao ir de Jaíba para Verdelândia é possível visualizar entre fazendas
a atuação da Liga e o acirramento das lutas pela terra, em destaque ao
ocorrido na comunidade de Vitória. Quando do primeiro contato com a Liga
Camponesa por intermédio de uma outra pesquisadora que informou que estou
realizando pesquisa sobre a disputa de terra em Verdelândia-Cachoeirinha, o
representante da liga repassou seu contato em email e escreveu:
A propósito, a situação lá em Cachoeirinha está se
agravando. As famílias foram notificadas e está para ocorrer a
qualquer momento a reintegração de posse com eminente
conflito. Os camponeses estão dispostos a resistirem
e situação é tensa. Por favor, nos ajudem a divulgar o panfleto
em anexo. Essa terra é nossa! Nem que a coisa engrossa!
A presença da liga na região indica a organização da luta pela terra
em Verdelândia, bem como a atuação dos camponeses pobres fazendo a sua
história, sendo que como afirmou Marx, eles “não a fazem sob circunstâncias
de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas
e transmitidas pelo passado.” A região de Verdelândia, chamada pela Liga de
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Cachoeirinha, pois esse nome evoca fatos e significados importantes da luta
pela terra acabam por possuir um peso da história da cidade marcada pela luta.
A fazenda Ypiranga ocupada em 2000 por 30 famílias, atual comunidade
Vitória como foi colocado no panfleto da Liga possui “várias crianças do início
da tomada das terras já constituíram família, e seguem firmes na luta.” No
panfleto segue pontuando a importância do acampamento e destaca a relação
da comunidade com a cidade em que “a produção das roças é vendida no
comércio de Cachoeirinha, ali também comercializam a produção de leite e
hortaliças. As famílias camponesas do “Vitória” trouxeram prosperidade para a
cidade, enquanto o latifúndio só traz misérias e a violência de seus capangas e
pistoleiros!”.
É possível perceber que a Liga dos Camponeses Pobres possui
forte atuação em Verdelândia-Cachoeirinha. Em outro documento da liga
percebe-se que a história dos conflitos de Cachoeirinha que remontam a 1967
tornaram-se símbolo da luta pela terra no Norte de Minas.
“Cachoeirinha hoje não existe sem a presença da liga”. Essa frase
escrita no caderno de RESUMO: do II Congresso da liga dos Camponeses
Pobres do Norte de Minas Gerais, ocorrido em 06 e 08 de outubro de 2002 é,
no mínimo, digna de maior atenção por vários motivos. Primeiro porque na
atualidade Cachoeirinha (Distrito de Vazerlândia) passou pelo processo de
emancipação e se tornou Verdelândia e, mesmo assim, nos escritos da liga dos
camponeses pobres a referência é Cachoeirinha. Na verdade, a nomenclatura
em questão utilizada pela liga carrega consigo um conjunto de significados que
reportam a trajetórias de lutas, temporalidades, espaços e situações que
constituíram o fazer daquela região e de seus moradores.
Em segundo lugar, Cachoeirinha possui uma importância ímpar para
a liga dos camponeses pobres, representando um símbolo da luta pela terra.
No mesmo caderno de RESUMO:s foi realizado um balanço do I Congresso em
Cachoeirinha que ocorreu em abril de 2001. A linha de atuação da liga de 2001
para 2002 passou de 6 áreas para 14 áreas, sendo que, “a começar pela
tomada da fazenda Ipiranga, em Cachoeirinha, decidida dentro do Congresso”.
O tempo todo é enfatizado que essa luta constitui um acerto de contas dos
posseiros com os fazendeiros, “luta que tem a mais rica herança da resistência
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camponesa do Norte de Minas, onde vários camponeses foram assassinados a
mando do latifúndio”.
Nesse sentido, foi por esta razão que a luta de
Cachoeirinha “passou a concentrar toda a atenção da liga e mobilizou muitos
companheiros e companheiras”.
A utilização recorrente do termo Cachoeirinha e a importância dada
a esse lugar pela liga nos leva a alguns questionamentos iniciais. O que
ocorreu em Cachoeirinha? Qual o significado desse lugar para o norte de
Minas Gerais e para o país? Em que medida as histórias vivenciadas pelos
seus moradores mobilizam as movimentações no Norte de Minas?
Dentre esses questionamentos, uma constatação é certa. O atual
município de Verdelândia está umbilicalmente marcado pelas disputas de terra
nessa região. Esse lugar, bem como a maior parte do Norte de Minas foi
constituído a partir do tensionamento de relações sociais, marcada por lutas
sociais que se desdobraram em violência no processo de luta pela terra.
A região do Norte de Minas, o vale do São Francisco em
particular, é uma região em que as terras estavam povoadas
há séculos por indígenas e que depois receberam os negros
com o fim da escravidão. Os posseiros são exatamente os
herdeiros de índios e negros. Os fazendeiros açambarcaram as
terras através da expulsão e matanças de camponeses e
índios.
Cachoeirinha
se
constituiu
nessas
relações
destacadas
no
RESUMO: do II Congresso da Liga dos Camponeses pobres, o que torna essa
uma complexa região. Historicamente, os moradores desse lugar são
descendentes de índios, negros e, posteriormente, de outros moradores que
vieram para a localidade objetivando encontrar terras como trabalhadores de
cidades vizinhas, fazendeiros, dentre outros.
Verdelândia na atualidade é conhecida na região como o lugar do
“povo desconfiado”, “da cara fechada” e do “povo pouco amigável”. Na
prefeitura do município é possível perceber que os cargos de técnicos em sua
maioria é ocupado por moradores de Janaúba, sendo que, apenas nos últimos
anos percebe-se que alguns habitantes da cidade estão tendo condições de
dar continuidade aos estudos e cursar o ensino superior em outras cidades. Ou
seja, por um longo tempo grande parte dos habitantes de Cachoeirinha viveram
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“isolados” e, nos últimos anos, com a emancipação política em 1996 percebeuse que aos poucos esse isolamento está sendo rompido.
Tais fatos exemplificam o quanto essas relações históricas
marcaram a região e o norte de Minas. Historicamente esse povo vivenciou
situações de pressão, tendo o tempo todo que estar disputando espaços.
Primeiro que muitos são descentes de índios, tendo muitos deles avós que
foram “tirados do mato a cachorro” e, segundo, descendem de negros que
vieram fugidos da escravidão e se isolaram na região por longo tempo. Além
dessas situações ainda houve a chegada dos fazendeiros que expulsaram
muitos deles de sua região. Ou seja, uma situação de alerta acompanha essas
pessoas.
Não há como analisar a disputa de terra em Cachoeirinha sem
entender o vértice dessa história. É no encontro dessas situações e desses
diversos sujeitos (descendentes de índios, negros, fazendeiros e etc) que se
forjou o pertencer a essa região e que a dotou de grande importância para a
liga. Os lugares que emergem nos diversos materiais produzidos sobre essa
localidade são enviesados por essas lutas sociais protagonizadas por esses
sujeitos e, por isso, faz-se necessário entender com maior acuidade a
polissemia de significados dessas situações na atualidade. No entanto, essa
não é uma tarefa fácil, até mesmo porque parte da literatura produzida ao
relatar o Norte de Minas mencionam os diversos grupos constituídos como os
quilombolas, os Xacriabas, os geraizeiros, os vazanteiros e os catingueiros, e
destacam que os mesmos sofreram pressão de fazendeiros para tomar suas
terras - para criação de gado, plantação de eucalipto ou para o agronegócio de forma a valorizar as identidades desses grupos o que contribuiu para dotar
essas lutas de maior força ao inserí-la muito mais como uma luta regionalista
no sentido identitário do que uma luta em torno de valores que perpassam
todas as situações que Cachoerinha é exemplo por representar um dos
vértices dessas situações. Esse foi um panorama da disputa de terra na região,
não obstante, para além da análise do que ocorreu com esses grupos,
ponderar o ocorrido em Cachoeirinha a partir desse viés que aparece nas
fontes mencionadas representa perceber o ocorrido por dentro, perscrutando
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no processo de constituição do movimento de forma a valorizar o conflito e a
disputa de valores.
A região em que Cachoeirinha está inserida pertence a antiga mata
de Jaíba. A região da antiga mata de Jaíba foi alvo de pesquisa em sua maioria
de sociólogos que, de um ponto de vista geral, traçaram um percurso baseado
na idéia de transformação, ou seja, na mudança da lógica da produção para
subsistência para a lógica da produção para o mercado. O trabalho não
objetiva questionar essas tese, e sim refletir sobre a atuação desses sujeitos
frente a essas transformações entre rupturas e continuidades.
No que toca aos movimentos sociais, o sociólogo Rudá Ricci,
integrante do Fórum Brasil de Orçamento e do Observatório Internacional da
Democracia Participativa, em seu blog, publicou o artigo intitulado “O fim da era
dos movimentos sociais brasileiros”. Esse artigo provocou o maior frisson na
academia, tanto que em seu blog várias pessoas postaram mensagens,
concordando e, principalmente, discordando dele. O autor, além de apontar o
fim da era dos movimentos sociais, afirmou que o Movimento dos Sem Terra
está se isolando.
O
presente
trabalho
não
corrobora
com
as
proposições
apresentadas pelo autor acima e, por isso, objetiva analisar a atuação dos
moradores de Cachoeirinha na luta pela terra. A premissa de movimento social
apontada pelo autor passa pela entidade e parece não sair dela, o que emperra
a visualização de um movimento aberto que aponte para diferentes formas de
luta cotidiana enfrentadas no dia-a-dia pelos sujeitos sociais na disputa pelo
direito à terra.
A partir do horizonte de possibilidades da história, propomos refletir
como os trabalhadores, assentados, posseiros e moradores do município que
aqui viviam e os que ainda vivem, interpretaram aquele momento e, dentro de
condições materiais, entre limites, pressões, alianças, compromissos e
correlações de forças com grupos diversos, constituíram e constituem suas
vidas por meio de acomodações e resistências.
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MÚSICA CAIPIRA E SEUS ESPAÇOS DE SOCIABILIDADE: HISTÓRIAS E
CAUSOS DE QUEM A PRATICA NA CIDADE DE UBERLÂNDIA MG
Mylena Moreira Rodrigues
(Aluna da Pós Graduação – Mestrado - em História da Universidade Federal de
Uberlândia / Linha de Pesquisa: Trabalho e Movimentos Sociais)
[email protected]
RESUMO:
O presente trabalho pretende investigar a partir de fontes orais (entrevistas),
onde, e por quem os espaços de sociabilidade da música caipira vem sendo
frequentados na cidade de Uberlândia, bem como as experiências de vida e
modo de vida dessas pessoas que hoje moram nas cidades e não perderam
suas raízes em relação a música caipira. Pretende-se investigar, como esses
praticantes da música caipira na cidade veem a música nos dias atuais,
levando em conta à sua comercialização e o que ela vem “impondo” referente à
modernização da música, que recebe tantas denominações como “música
sertaneja”, “sertanejo universitário” e porque não dizer “sertanejo pop”. A
investigação parte da ideia de música caipira como uma pratica social. Por
conseguinte, é de importância relevante a experiência de vida desses
indivíduos para entender as continuidades e/ou rupturas que a música caipira
sofreu no decorrer dos últimos anos. A investigação parte da ideia de como
“práticas sociais”, a qual carrega consigo significados, sentimentos e valores
para as pessoas que as praticam na cidade, dão formato e significado à música
caipira hoje. Sendo assim, é relevante mencionar que os escritos de E. P.
Thompson vem contribuindo para o desenvolvimento da pesquisa.
Palavras-Chave: Música Caipira; cidade; modo de vida.
Em primeiro lugar, cumpre ressaltar um trecho do livro “A pesquisa em
história”, das autoras Maria do Pilar de Araújo Vieira, Maria do Rosário da
Cunha Peixoto e Yara Maria Aun Khoury, onde as autoras dizem:
Os homens vivem sua experiência integralmente como ideias,
necessidades, aspirações, emoções, sentimentos, razão,
desejo, como sujeitos sociais que improvisam, forjam saídas,
resistindo, se submetendo, vivendo enfim, numa relação
contraditória o que nos faz considerar essa experiência como
experiência de luta e de luta política. Nesse sentido a luta de
classe é, ao mesmo tempo e na mesma medida, luta de
interesses e de valores. Cultura passa a ser apreendida como
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todo um modo de vida e todo um modo de luta, não podendo
ser pensada como reflexo ou eco de uma base material.
(VIEIRA; PEIXOTO; KHOURY, 1989, p. 7)
Dessa forma, a música caipira, pode ser compreendida, sobretudo, nas
experiências de seus praticantes na cidade de Uberlândia, onde é possível
destacar as suas vidas e obras (composições), para uma melhor compreensão
das transformações, rupturas e continuidades que aconteceram e acontecem
com o tempo e no tempo, sobretudo no que se referem à vida do migrante, das
pessoas que saíram do campo rumo às cidades muitas vezes em busca de
melhores condições de sobrevivência.
O que se pretende destacar são como essas mudanças influenciam na
industrialização e comercialização da música antes tocada no campo e agora
vinda para a cidade. Nas cidades, contudo, a música e seu praticante se
deparam com uma vida diferenciada, onde o progresso e a busca pelo
moderno “mudam” suas maneiras de vida.
Sob este viés, acredito que não se pode desvincular a vivência de um
ser humano com a história, e por isso, cito Déa Ribeiro Fenelon, que sobre a
história social e a experiência de vida de cada indivíduo menciona:
(...) dos modos pelos quais os homens constroem os seus
viveres e se relacionam com o meio ambiente, uma vez que as
relações uns com os outros são expressas através da
linguagem, o que implica vários valores, logo que abrimos à
boca. (FENELON, 1992, p.7)
Assim, coloco aqui, a música caipira como uma linguagem, na qual as
pessoas transmitem experiências de vida e valores que para elas são
significantes.
Quando me remeto à linguagens, tenho como base Raymond Williams,
que sobre essa perspectiva menciona:
Quando dissemos que “simplesmente não falamos a mesma
língua”, referimo-nos a algo mais geral: temos valores
imediatos ou diferentes tipos de valoração, ou temos
consciência, às vezes de maneira intangível, de formações e
distribuições diferentes de energia e interesse. (...) Não há
nenhum critério linguístico que estabeleça que um grupo
esteja “errado”, ainda que um grupo temporariamente
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dominante possa impor seus próprios usos como “corretos”.
(WILLIAMS, 2007, p. 27-28)
Segundo ele, língua e linguagem não podem ser separadas, sendo que
a língua não deve ser entendida somente como um campo simbólico e sim
como uma expressão que vai constituir o social, sendo o social entendido por
ele como relações, ou seja, culturais, econômicas e políticas.
Assim, o importante é pensar o indivíduo inserido em um grupo social,
sendo que este fala a partir do lugar social no qual se encontra. Ou seja, ao
pensar o praticante de música caipira na cidade de Uberlândia, é preciso
pensar nas relações sociais desse indivíduo e não isolar a música como uma
mera expressão de cultura.
Sobre a ideia de cultura, quero me deter à discussão com mais
cuidado, iniciando como uma citação de Chauí, que diz:
A cultura é mais do que as belas artes. É memória, é política, é
trabalho, é História, é técnica, é cozinha, é vestuário, é religião,
é festa etc.. Ali onde seres humanos criaram símbolos, valores
práticas, há cultura. Ali onde é criado o sentido do tempo, do
visível e do invisível, do sagrado e do profano, do prazer e do
desejo, da beleza e da feiúra, da bondade e da maldade, da
justiça e da injustiça, ali há cultura. (CHAUI, 1992, p. 30)
Com efeito, a música caipira é entendida como prática social, sendo
que o indivíduo que a pratica na cidade ou aquele que apenas a ouve, em sua
maioria, a ouve ou a toca, pois a música trás memórias, que são individuais ou
coletivas, por geralmente fazerem parte de um grupo que vieram do campo,
onde seus pais e/ou avós os passaram essa tradição, esses valores, bem
como o modo de falar errado (que não proposital) e também o vestuário e
festas. Por fim, como Marilena Chauí, que foi citada anteriormente menciona:
“isso é cultura”. E a música caipira como prática social, ou seja, levando em
conta tudo que já foi dito aqui e o que será dito posteriormente é uma cultura
que não pode ser desvinculada da política, da economia e do social.
Retomando Raymond Williams tem-se que este pensa a cultura como
uma mediação da sociedade, onde a mediação pretende descrever um
processo ativo. Sendo assim, mediação é, para ele, um processo positivo na
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realidade social, e não um processo a ela acrescentado como projeção,
disfarce ou interpretação. Ao se falar de realidade, o autor deixa claro:
Não devemos esperar encontrar (ou encontrar sempre),
realidades sociais refletidas diretamente na arte, já que
estas (sempre, ou com frequência) passam através de um
processo de mediação no qual seu conteúdo original é
modificado. (...) A modificação envolvida na mediação pode
ser simplesmente uma questão de expressão indireta: as
realidades sociais são projetadas ou disfarçadas, e sua
recuperação é um processo de remontar através da
mediação, às suas formas originais. (WILLIAMS, 1979, p.
101)
Um fenômeno cultural só adquiri uma significação quando é
considerado como uma forma (conhecida, ou conhecível) de processo ou
estrutura social geral. Para além disso, é preciso entender um processo cultural
para além de suas instituições formais.
As relações entre instituições culturais, política e
econômicas são muito complexas e a sua substância é uma
indicação direta do caráter da cultura no sentido mais amplo.
Mas não é nunca apenas uma questão de instituição
formalmente identificáveis. É também uma questão de
formações; esses movimentos e tendências efetivos, na vida
intelectual e artística, que tem influência significativa por
vezes decisiva no desenvolvimento ativo de uma cultura, e
que tem uma relação variável, e com frequência oblíqua,
com as instituições formais. (WILLIAMS, 1979, p. 120)
As instituições, por vezes, exercem poderosas e imediatas pressões
sobre as condições de vida e de ganhar a vida, ensinam, confirmam e, na
maioria dos casos impõem significados, valores e atividades. Ou seja, quando
menciono a temática da música caipira na cidade de Uberlândia, quero pensala para além dos eventos criados por prefeitura, município e Estado, quero
pensa-la como uma tradição.
A tradição, segundo Williams,
(...) é um aspecto da organização social e cultural
contemporânea, no interesse do domínio de uma classe
específica. É uma versão do passado que se deve ligar ao
presente e ratificá-lo. O que ela oferece na prática é um
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senso de continuidade predisposta. (WILLIAMS, 1979, p.
119)
Assim,
(...) a tradição e a prática cultural são vistas como muito
mais do que expressões superestruturais (...) de uma
estrutura social e econômica formada. Pelo contrário, estão
entre os processos básicos da própria formação e, mais,
relacionadas como uma área muito mais ampla da realidade
do que as abstrações da experiência social e econômica.
(WILLIAMS, 1979, p. 114)
Pensar em modernização, progresso, industrialização da música,
requer pensar que ao se trabalhar com tais abordagens e seus diversos
registros, emerge ao mesmo tempo uma imagem construída sobre o espaço
urbano e uma necessidade constante de repor uma “racionalidade” sempre em
conflito com os diversos modos de vida construídos pelos conjuntos dos
moradores, em outras palavras, com a cultura das classes populares.
Para concluir cito Déa Ribeiro Fenelon, que menciona a respeito das
concepções de dois autores, Thompson e Willians, sendo que tal afirmação
será fundamental para investigar às relações existente entre praticantes de
música, progresso, modernização e espaços de sociabilidades tanto no campo
anteriormente, como na cidade nos dias de hoje.
Segundo as concepções de Thompson e Willians,
consideramos necessário reconhecer a complexidade e
variabilidade das forças que dão forma e sentido ao cotidiano
da luta de classe para podermos entender processos mais
amplos de consciência, opções, orientações e direções
tomadas pelos trabalhadores no seu viver, não como etapas
necessárias e sucessivas, mas para entender que é neste
construir da classe, nestas atividades e nestas possibilidades,
que se definem os processos sociais, constitutivos que são,
todos eles, de situações específicas e diferenciadas. Só aí
podemos dar consistência à idéia de que ‘uma classe se define
pelos próprios homens, segundo e como vivam sua própria
história e, em última instância esta é a única definição
possível’. (FENELON, 2009, p.47)
Segundo Thompson, o costume e a cultura só podem ser
compreendidos se forem contextualizados levando em consideração as
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transformações históricas e analisados empiricamente num recorte de tempo e
espaço. O autor mostra como essas relações eram conflitantes.
Ele busca compreender a ação das camadas populares (trabalhadores,
artesãos e camponeses), evidenciando o seu protagonismo, enquanto sujeitos
históricos, com motivações racionais, autônomas e coerentes. Ações estas que
encontram na utilização de determinados costumes - compreendido por ele
enquanto práticas que embora antigas são repensadas e reformuladas a partir
da experiência - um senso de legitimidade, mesmo que entrando em confronto
com práticas pertinente ao universo das classes dominantes, buscando
evidenciar uma hegemonia de poder sempre vulnerável.
Dessa forma, certas experiências, significados e valores que não se
podem expressar, ou verificar substancialmente em termos da cultura
dominante, ainda são vividos e praticados, como é o caso na cultura caipira,
sendo essa instituída ou praticada apenas por um pequeno grupo em espaços
menores de sociabilidade dentro da cidade.
Thompson percebe e apresenta a cultura para além das análises
marxistas ortodoxas. Ele a apreende como algo dinâmico, construído e em
construção pela inter-relação dos fatores sociais, políticos e econômico.
Apresentando-a como força de transformação histórica circunscrita temporal e
espacialmente e cuja compreensão só pode ser através de pressuposto
teórico-metodológico.
Dessa
forma
expõe
a
problemática
de
tentar
compreender o passado a luz de sua própria “experiência” e “consciência
social”, e não pelo juízo de valores.
Ao se utilizar da análise cultural para o levantamento de novas
problemáticas e abordagens historiográficas Thompson busca adentrar o
cotidiano das massas por meio da análise de costumes tipicamente das
comunidades, percebendo e analisando essas práticas enquanto pertencentes
a um universo coerente, significativo e legítimo de ação que encontra no senso
de identidade comunitária autônoma respaldo e validade.
Assim, para se falar de cultura é preciso falar no plural, culturas, pois
este conceito só pode ser trabalhado se contextualizado em períodos, lugares,
grupos sociais e econômicos de determinados espaços.
Sendo assim, Thompson considera que é em um processo de luta que
se forja a identidade social das classes populares. Ele se lançou ao estudo das
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resistências
das
classes
subalternas
procurando
valorizar
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atitudes
e
comportamentos que eram reveladores de uma identidade social. O campo
teórico da cultura popular em Thompson valoriza, portanto, a resistência social
e a luta de classes em conexão com as tradições, os ritos e o cotidiano das
classes populares, num contexto histórico de transformação.
Thompson admite relações com a dita cultura das classes subalternas
e a das classes dominantes, pretensamente hegemônicas, esboçando uma
noção de inter-relações recíprocas entre os dois universos culturais. Assim,
Thompson parte de um marxismo mais convencional, para um conceito mais
“elástico” e histórico-antropológico de cultura popular.
Para Thompson o que importa é desvendar a identidade sociocultural
das classes subalternas no contexto específico da formação do capitalismo, e o
cenário privilegiado por ele é a luta coletiva das classes populares.
É com essa perspectiva que se torna profícuo pensar nas falas,
memórias, lembranças e histórias contadas, para entender suas relações com
o campo e com a cidade, bem como com a própria música caipira.
Raymond Williams nos diz que “a vida campestre tinha seus
significados e que eles mudavam, tanto em si próprios, quanto em relação aos
outros”. (WILLIAMS, 1989, p. 15). Assim, a experiência dos praticantes de
música caipira na cidade com relação ao campo nos proporciona concepções e
imagens com relação ao cotidiano no campo, o que é fundamental para se
pensar essas mesmas relações com a cidade.
Aqui, é valido colocar em cena, principalmente as questões da cidade.
Posso citar novamente Déa Fenelon, que como já dito, cita e debate principalmente no que diz respeito ao campo e a cidade -, citando Thompson e
Willians. Dessa forma nos diz:
(...) ainda no tema das cidades, o estudo das condições e da
qualidade de vida, como saúde, alimentação, transporte, seja
no estudo das condições de moradia dos trabalhadores,
também no estudo de seu arranjo, divisões, objetos, etc. e
sobretudo nas questões da divisão do espaço urbano, como
centros habitacionais, bairros, espaços para o lazer e o
esporte, bem como o próprio desenrolar destas atividades, o
rádio e a televisão, o futebol, o jogo de cartas, os cinemas, os
bares e os botequins, as revistas, os folhetins, as novelas e
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outros espaços alternativos de divertimento, principalmente as
festas populares, as quermesses, etc. (...).. (FENELON, 2009,
p. 47-48)
Se tomarmos a cidade de Uberlandia entre as décadas de 1950 à
1980, tem-se que a cidade passou por uma grande expansão urbana,
comercial, industrial e populacional. Entretanto, com tal crescimento, ocorreram
inúmeros problemas, não só na economia do campo como também na da
cidade: desigualdade social, aumento do desemprego, problemas no
fornecimento de água e o abastecimento de esgoto são exemplos destes
agravantes.
A música caipira nos remete a uma associação com um determinado
modo de vida ou com um tipo de sociedade que, atualmente, vem
desaparecendo, mas que deixou suas marcas.
A música, como uma expressão do social, aborda questões que giram
em torno de características que são fundamentais para compreendermos os
motivos pelos quais esses praticantes continuam com o jeito simples de vestir,
falar e tocar seu instrumento. O que quero dizer é que, de uma forma ou de
outra, as pessoas que ouvem e/ou cantam a música caipira, a vêem como
sendo mais que uma manifestação cultural ou um folclore desprovido de
sentido. As músicas, para elas, retratam suas vidas, sendo uma maneira de
muitas vezes se aproximarem de suas lembranças e memórias.
O desenvolvimento do capitalismo no Brasil, a implantação das
indústrias, o progresso e modernização, e a busca por uma vida melhor nos
centros urbanos podem ser considerados acontecimentos que marcaram a
ruptura do antigo modo de vida, porém acredito em uma transformação e não
no fim desse modo de vida. Exemplo disso é a própria música caipira, que não
deixou de ser tocada e cantada apesar de todas as mudanças que também
vem sofrendo no decorrer do tempo.
Com tudo isso, a cultura caipira teoricamente perderia seu espaço.
Entretanto, a música caipira permaneceu com suas características do campo,
ou seja, com a exaltação da natureza e o trabalho no campo, a religiosidade,
entre outras características. Sendo assim, a música conquistou novas gerações
que mesmo não tendo toda a sua vida voltada para os costumes do campo,
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continuaram e continuam a transmiti-la, passando ao público experiências de
vida e as tradições.
Essas questões são representações do modo de vida desses
praticantes da música caipira na cidade.
É importante ter em mente que a memória é tratada como uma
“memória social”, onde múltiplas vozes, conflitos e sentidos manifestam-se.
Para E. P. Thompson,
(...) conflito são as maneiras pelas quais o caráter
essencialmente explorador das relações produtivas se torna
uma experiência vivida, dando origem à manifestação de
valores antagonistas e a uma ampla crítica do ‘senso comum’
do poder. (THOMPSON, 2001, p. 262)
Para concluir esse debate, tem-se que,
A complexidade de uma cultura se encontra não apenas em
seus processos vereáveis e suas definições sociais – tradições,
instituições e formações – mas também nas inter-relações
dinâmicas em todos os pontos do processo, de elementos
historicamente variados e variáveis. Naquilo que chamei de
analise de época, um processo cultural e tomado como sistema
cultural, com determinadas características dominantes: a
cultura feudal ou a cultural burguesa ou uma transiçãouma
para outra. (WILLIAMS, 1979, p. 124)
Assim, cumpre mencionar Déa Ribeiro Fenelon. Para ela, falar de
Cultura e História social requer cuidados e ponderações. Em primeiro lugar, a
categoria cultura é pensada como campo de possibilidades aberto pela História
Social e vem se apresentando entre nós com nuances específicas. Assim, seja
qual for o trabalho que possamos desenvolver, não podemos tratar cultura de
forma singular e sim plural.
Antes das discussões era comum que os historiadores utilizassem
termos como manifestações e aspectos culturais, dessa forma, tomando
conceitos emprestados de outras categorias. Cabe ressaltar que, na história da
cultura sempre se demanda o reconhecimento de objetos específicos.
Enfim, a história cultural participa de um debate com perspectivas
diversificadas, desde aqueles que admitem tratar-se apenas de mais uma
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forma de trabalhar o social, até os que buscam associá-la simplesmente à
produção espiritual e mental. Em se tratando da História Cultural também
acontece o debate sobre o conteúdo da cultura. Enfim, a cultura popular deve
se interessar tanto pelo conteúdo quanto pelo contexto, pelo trabalho, pelo
jogo, pelo lugar, tempo, etc.
Em suma, para a autora, a base da discussão sobre a teoria da cultura
vem da disposição de aceitá-la como processo social que modela modos de
vida global e não considerá-la apenas uma teoria das artes e da vida intelectual
em suas relações com a sociedade. A cultura passa a ser o campo no qual a
sociedade inteira participa elaborando seus símbolos e signos, suas práticas e
valores.
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