O PRINCÍPIO DE “LOCAL PARA GLOBAL” Hoje a gente vai colocar

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O PRINCÍPIO DE “LOCAL PARA GLOBAL” Hoje a gente vai colocar
O PRINCÍPIO DE
“LOCAL PARA GLOBAL”
GABRIEL BUJOKAS
Hoje a gente vai colocar o teorema de Legendre em um contexto mais
moderno. Um ótimo livro para aprender mais sobre o assunto e o livro do
Serre [1].
1. Números p-ádicos
Vamos motivar o conceito de inteiros p-ádicos usando o lema de Hensel.
Seja f (x) um polinômio, e a1 ∈ Z/pZ uma raiz simples de f . Isso é, tal
que,
f (a1 ) ≡ 0
0
f (a1 ) 6≡ 0
mod p
mod p
O lema de Hensel fala que existe uma sequência ak ∈ Z/pk Z tal que
ak+1 ≡ ak
mod pk
mod pk
f (ak ) ≡ 0
Definição 1.1. Nós chamamos uma sequência ak ∈ Z/pk Z, para k =
1, 2, . . ., de inteiro p-ádico, se
ak+1 ≡ ak
mod pk
O conjunto de inteiros p-ádicos é denotado por Zp .
Os números p-ádicos são uma maneira de olhar módulo pk para todos
k simultaneamente. O lema de Hensel está construindo um inteiro p-ádico
para a gente!
1.1. Propriedades básicas de Zp . Para um inteiro a ∈ Z, existe um inteiro
p-ádico correspondente:
ā = a sequência constante (ak = a) para qualquer k ∈ Zp
Nós podemos definir somas, subtrações e produtos de inteiros p-ádicos.
(a1 , a2 , . . .) + (b1 , b2 , . . .) = (a1 + b1 , a2 + b2 , . . .)
(a1 , a2 , . . .) × (b1 , b2 , . . .) = (a1 b1 , a2 b2 , . . .)
Observe que essas operações coincidem com as operações nos inteiros, isso
é
¯ b e ā × b̄ = ab
¯
ā + b̄ = a +
Os números p-ádicos também tem um elemento 0̄ e um elemento 1̄ que
fazem o papel de 0 e 1 no anél Zp .
Date: Quarta Feira, 27 de Junho de 2012.
1
2
G. BUJOKAS
Em particular, se α ∈ Zp , e f é um polinômio, nós podemos calcular f (α).
De fato, se α corresponde a sequência (a1 , a2 , . . .), então f (α) corresponde a
sequência (f (a1 ), f (a2 ), . . .).
Nessa linguagem, o lema de Hensel diz:
Lema 1.1 (Lema de Hensel). Se f tem uma raiz simples a ∈ Z/pZ, então
existe α ∈ Zp tal que f (α) = 0 e α ≡ a mod p.
Demonstração. O significado da equação f (α) = 0 é exatamente
f (ak ) ≡ 0
mod pk
para todo k.
1.2. Como representar inteiros p-ádicos. A representação α = (a1 , a2 , . . .)
as vezes é difícil de trabalhar. Uma representação alternativa é a seguinte:
existe uma maneira única de escolher bi ∈ 0, 1, . . . p − 1 para todo i tal que
ak ≡ b0 + b1 p + . . . + bk−1 pk−1
mod pk
para todo k. Nós denotamos,
α = b0 + b1 p + b2 p2 + b3 p3 + . . .
(é como um inteiro na base p, mas que nunca “acaba”).
Com essa representação, nós realizamos soma e multiplicação do jeito que
você esperaria!
1.3. Os números p-ádicos Qp . Nós podemos extender a definição de inteiro
p-ádico para permitir um número finito de potências negativas de p. Esses
são os números p-ádicos Qp .
Definição 1.2. Números p-ádicos αinQp são números da forma:
α = b−k p−k + b−k+1 p−k+1 + . . .
Formalmente, o anél Qp = Zp [1/p], isso é a extensão do anél Zp onde a
gente adicionou um inverso para p.
A propriedade importante de Qp é a seguinte:
Proposição 1.2. O anél Qp é um corpo. Os números racionais Q são um
subconjunto de Qp .
2. Formas Quadráticas
Seja f (x1 , x2 , . . . , xm ) um polinômio homogêneo de segundo grau com
coeficientes racionais. Nós chamamos f de forma quadrática. Uma questão
básica é:
Questão. A equação
f (x1 , x2 , . . . , xm ) = 0
tem uma solução (x1 , x2 , . . . , xm ) ∈ Qm além da solução trivial (0, 0, . . . , 0)?
Se a resposta dessa pergunta é afirmativa, nós dizemos que a forma quadrática representa 0.
Nessa linguagem, o problema de Legendre é se a forma f = x2 − ay 2 − bz 2
representa 0.
LOCAL PARA GLOBAL
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Definição 2.1. Seja f uma forma quadrática. Nós dizemos que f∞ representa 0 se
f =0
tem uma solução nos reais. Nós dizemos que fp representa 0 se a equação
acima tem solução em Qp .
Observe que como Q ⊂ R, e Q ⊂ Qp , nós temos a seguinte proposição.
Proposição 2.1. Se f representa 0, então fv representa 0, pra qualquer
v ∈ V = {∞} ∪ {p ∈ Z| p é primo}.
A generalização do teorema de Legendre é a seguinte:
Teorema 2.2 (Hasse, Minkowski). O converso da proposicão 2.1 é verdade.
Se fv representa 0 para qualquer v ∈ V , então f também representa 0.
Observação. O teorema de Hasse-Minkowski tem a seguinte interpretação
geométrica. O conjunto V é chamado o conjunto de “lugares". A pergunta
“fv representa 0?” é chamada de local, e a pergunta “f representa 0"de
global. O teorema de Hasse-Minkowski é chamado de princípio de local para
global : Se f tem solução localmente em todos os lugares, então f tem uma
solução global.
Observação. O princípio de local para global não é verdade para qualquer
polinômio. Por exemplo, Selmer mostrou que
3x3 + 4y 3 + 5z 3 = 0
tem solução localmente em qualquer lugar, mas não tem solução inteira!
3. Preliminares
O primeiro passo é fazer uma substituição de variáveis para simplificar a
forma f . A técnica é completar os quadrados. Por exemplo, vamos simplificar:
f = x2 + 3xy + 5xz + 2z 2 + 2y 2
Seja x̃ = x + 23 y + 52 z. Então
f = x2 + x(3y + 5z) + 2z 2 + 2y 2
3
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9
15
25
= (x + y + z)2 − y 2 − yz − z 2 + 2z 2 + 2y 2
2
2
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2
4
1
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= x̃2 − y 2 − yz − z 2
4
2
4
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15
Agora a gente substitui ỹ = 2 y + 2 z
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17
f = x̃2 − y 2 − yz − z 2
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2
4
1
15 2
2
= x̃ − ( y + z) + 52z 2
2
2
2
2
= x̃ − ỹ + 52z 2
Finalmente, trocando z̃ = 2z, a gente consegue
f = x̃2 − ỹ 2 + 13z̃
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G. BUJOKAS
A observação é que f representa 0 se, e somente se, x2 − y 2 + 13z 2 representa
0.
Esse exemplo pode ser generalizado da seguinte maneira. Nós dizemos que
duas formas f, f 0 são equivalentes se existe uma substituição de variáveis
invertível que transforma f em f 0 . Nós denotamos a equivalência como
f ∼ f 0.
Proposição 3.1. Qualquer forma quadrática é equivalente a uma forma
f = a1 x21 + a2 x22 + . . . + an x2n
onde ai são inteiros não nulos e que não são múltiplos de quadrados.
Note que essa representação não é única. Por exemplo, x2 + 3xy + 5xz +
+ 2y 2 também é equivalente a −13x2 + 2y 2 + 2z 2 . Outra questão interessante é a seguinte:
2z 2
Questão. Classificar formas quadráticas (de acordo com essa relação de
equivalência).
O primeiro passo na classificação é achar invariantes: quantidades que não
dependem da escolha de representante a1 x21 + . . . + an x2n . Um invariante é
simples: o posto da forma.
Definição 3.1. O posto de
f = a1 x21 + . . . + an x2n
é n (assumindo ai 6= 0).
Exercício 1. Mostre o posto é um invariante da forma. Isso é, se
2
a1 x21 + . . . + an x2n ∼ b1 y12 + . . . bm ym
então n = m.
Exercício 2. Prove o teorema de Hasse-Minkowski para formas f de posto
menor ou igual a 3 (reduza o caso de posto 3 ao teorema de Legendre).
Referências
[1] "A Course in Arithmetic", Jean-Pierre Serre, 1973
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