CADERNOS DE ESTUDOS BRASILEIROS Publicação - CEB

Transcrição

CADERNOS DE ESTUDOS BRASILEIROS Publicação - CEB
Universidade Federal de Goiás – UFG
Edward Madureira Brasil
Reitor
Eriberto Francisco Bevilaqua Marin
Vice-Reitor
Sandramara Matias Chaves
Pró-Reitora de Graduação
Divina das Dores de Paula Cardoso
Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação
Anselmo Pessoa Neto
Pró-Reitor de Extensão e Cultura
Orlando Afonso Valle do Amaral
Pró-Reitor de Administração e Finanças
Jeblin Antônio Abraão
Pró-Reitor de Desenvolvimento Institucional e Recursos Humanos
Ernando Melo Filizzola
Pró-Reitor de Assuntos da Comunidade Universitária
CADERNOS DE ESTUDOS BRASILEIROS
Publicação Semestral do Centro de Estudos Brasileiros da Universidade Federal de
Goiás
Ano L, n. 2 – julho/ dezembro de 2013
Wolney Unes
Direção Geral
Anselmo Pessoa Neto e Antón Corbacho Quintela
Editores
CONSELHO EDITORIAL
Anselmo Pessoa Neto – Faculdade de Letras (UFG)
Antón Corbacho Quintela – Faculdade de Letras (UFG)
Edward Madureira Brasil – Escola de Agronomia (UFG)
Gilberto Mendonça Teles – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Lisandro Nogueira – Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia (UFG)
Tasso de Sousa Leite – Centro de Estudos Brasileiros (UFG)
Wolney Unes – Escola de Música e Artes Cênicas (UFG)
FICHA CATALOGRÁFICA
Cadernos de Estudos Brasileiros/ Universidade Federal de Goiás. Centro de Estudos
Brasileiros. – vol. 1 n. 1 (jan.-jun. 1963). Goiânia, 1963 –
Semestral
I. Universidade Federal de Goiás. Centro de Estudos Brasileiros. 1. Artigos. 2. Ensaios.
Os Cadernos de Estudos Brasileiros
•
são uma publicação de divulgação de estudos sobre a realidade brasileira, de
periodicidade semestral;
•
dirigem-se a um público amplo nacional.
•
As opiniões expressas nos textos são de responsabilidade exclusiva dos autores.
Os Cadernos de Estudos Brasileiros, no formato digital, e as normas para a
submissão
de
textos
ao
conselho
editorial
<http://www.ceb.ufg.br>.
Contato: <[email protected]>
Endereço para correspondência:
Cadernos de Estudos Brasileiros
Centro de Estudos Brasileiros da UFG
Caixa Postal 131
74001-970 – Goiânia-GO
encontram-se
em:
Editorial
Um filósofo qualquer já deve ter notado a diferença entre Porvir e Futuro. Os
dicionaristas não dizem nada de proveitoso a este respeito, carregando na sinonímia,
como é o caso do Houaiss: “o tempo que está por vir, por acontecer; futuro”. O mesmo
se passa com o Aurélio: “o tempo que há de vir; o futuro”. Ambos, entretanto, separam
a definição com ponto-e-vírgula, não com uma simples vírgula. Isto pode sugerir que
existe mesmo alguma diferença, já que para os semanticistas os sinônimos nunca são
perfeitos: a estrutura silábica e fônica pode sugerir nuances de sentido que o poeta (ou o
filósofo) costuma recolher, e administrar na sua expressão. Assim, se o presente se faz
passado e se se atualiza num futuro horizontalmente tradicional, é possível pensar num
Futuro vertical, diferente pela origem e pela estrutura – é o Porvir, tipo novo de futuro,
vanguarda de um futuro que já não é o mesmo da tradição.
É por aí que enfrento este editorial sobre os Cadernos de Estudos Brasileiros
numa relação do passado com o presente que se quer futuro. Futuro, nada: um Porvir. É
como passo a compreender um número que se fez e ficou à espera de continuidade e um
que se faz e se tornar porvir. O único número do Cadernos de Estudos Brasileiros saiu
exatamente há cinqüenta anos, em janeiro-junho de 1963. Teve boa repercussão
nacional, com muitas resenhas, muitas cartas de agradecimento e ofertas de artigos.
Guardei o material que ia chegando (de professores, político, filósofo, maestro) e,
quando me preparava para organizar o segundo, eis que o Golpe Militar de 1964,
temendo a intelligentsia goiana, houve por bem (= por mal) fechar o Centro de Estudos
Brasileiros da Universidade Federal de Goiás e interromper a sequência das publicações
programadas. Ele se iniciava com uma nota não assinada (mas escrita por mim), cujo
último parágrafo declarava modestamente os objetivos do CEB:
Com o diálogo que agora abrimos, pretendemos, apesar de nossas
limitações, pôr em foco e debater os problemas de Goiás e do País.
Move-nos o interesse de tomar posição no sentido de entrosar o ensino
com a realidade, orientando os estudantes não somente na busca do
saber haurido nos livros, mas também na sua equação em termos de
verdade, na solução adequada às nossas peculiaridades, debaixo de um
caráter de sinceridade e coragem acima de tudo nacional.
Além da introdução teórica sobre o sentido, o objetivo, a história e atividades do
CEB (do diretor, embora não assinada), o número publicado trazia textos do reitor
Colemar Natal e Silva sobre a UFG, do Prof. Agostinho da Silva sobre o CEB, de
Domingos Félix de Sousa (sociologia), de Bernardo Élis (reforma agrária), de Gilberto
Mendonça Teles (literatura em Goiás), de Horieste Gomes (bacia do Tocantins), Ruy
Bretas (vontade social), Élder da Rocha Lima (história da arte), Lena Ferreira Costa
(coronelismo e capanguismo), Jean François Douliez (música no Brasil), Modesto
Gomes (arraiais goianos), Genezy de Castro e Silva (considerações), Amália Hermano
Teixeira (o “eterno” descobrimento de Goiás), José Luís Nunes (o momento é de
opção), Antônio Teodoro da Silva Neiva (dois estudos antropológicos) e do aluno José
Carlos de Almeida (entrosamento estudantil). Havia também um noticiário do CEB e
uma página de Arquivo (literário).
Finda por aqui um passado que não teve futuro, a não ser a ressonância de um
presente vivido com energia e desejo do melhor, segundo o termo Aretê, que vem desde
Homero e toca sempre o espírito de quem que vive a grandeza de um sonho.
***
É desta ressonância do novo que se deseja recolher o sentido de tempo e de
transformação de um futuro concluído em um porvir cheio de esperança. É por esta
esperança que se pode apresentar o segundo número do Cadernos de Estudos
Brasileiros, que a Universidade Federal de Goiás está lançando hoje nesta primeira
Jornada do seu novo Centro de Estudos Brasileiros. O material que ora se publica esteve
guardado há 50 anos e dá bem a dimensão cultural do que se fazia pela cultura
universitária em Goiás num lugar social que, embora novo, sonhava o melhor para
Goiás e para o Brasil.
São de ex-professores do antigo CEB, como o estudo antropológico de ANTÔNIO
THEODORO DA SILVA NEIVA sobre a formação cultural de Goiás; o ensaio geográfico de
MODESTO GOMES
DA
SILVA sobre os vilarejos goianos; o trabalho fitogeográfico de
HORIESTE GOMES sobre o cerrado goiano; e três ensaios de estudiosos de fora, como o
do deputado federal JOÃO DE ABREU sobre a exploração do babaçu; do maestro JEANFRANÇOIS DOULIEZ sobre Bach e Villa-Lobos; e, finalmente, do filósofo paulista LUIZ
WASHINGTON VITA sobre a filosofia no Brasil.
O mais são flores, tinir de brindes, hinos festivos para o Reitor-Presidente e para
os organizadores do segundo número dos Cadernos de Estudos Brasileiros, nesta
primeira jornada do Centro de Estudos Brasileiros na atualidade. Aqui e agora o futuro
se faz porvir, e tudo são flores, tinir de brindes, hinos festivos ao que há de vir.
Rio de Janeiro, 8 de outubro de 2013
GILBERTO MENDONÇA TELES
SUMÁRIO
•
QUATRO FACES DOS VILAREJOS GOIANOS
Modesto Gomes da Silva
•
TENDÊNCIAS ATUAIS DA FILOSOFIA NO BRASIL
Luís Washington Vita
•
O PROBLEMA DA EXPLORAÇÃO DO BABAÇU
João de Abreu
•
UM ESTUDO ANTROPOLÓGICO: A FORMAÇÃO CULTURAL DE
GOIÁS
Antônio Theodoro da Silva Neiva
•
SE BACH FOSSE VIVO E BRASILEIRO
Jean-François Douliez
•
A VEGETAÇÃO E O APROVEITAMENTO DOS CAMPOS CERRADOS
Horieste Gomes
QUATRO FACES DOS VILAREJOS GOIANOS
Modesto Gomes de Silva
I
Assim que Bartolomeu Buenos Filho, o segundo Anhangüera, através de
dramático rush, revela as minas goianas, a terra se vê imediatamente violentada em sua
intimidade, rasgando-se-lhe à superfície os sulcos evidentes de uma ocupação
divorciada da ordem. Grupos humanos heterogêneos, oriundos dos mais distantes
pontos da Colônia, e vindos igualmente da Metrópole, invadem prontamente os centros
de mineração. Nêsse verdadeiro assalto, concretizado por sêres que mais se assemelham
a animais em disparada, nada contém as massas invasoras para disciplinar-lhes
convenientemente a voracidade.
Tão logo se descobre um filão aurífero, em conseqüência da louca corrida que se
verifica no local se improvisa um arraial, que cresce numa velocidade assustadora. As
habitações são simples ranchos, construídos com o dispêndio de poucas horas de
trabalho. A parede é sempre de pau-a-pique, embora mais tarde se empregue o adôbe,
que dá vistoso aspecto às residências. A cobertura da moradia se faz, invariàvelmente,
com fôlhas de palmeiras, especialmente da espécie buriti. Já o piso não mostra qualquer
revestimento. Quanto ao mobiliário, sabe-se que é rude, não oferecendo grande parcela
de confôrto. Resume-se em bancos mal feitos, tamboretes e jiraus, sendo que êstes
servem de mesas e camas. Sòmente algum tempo depois aparecerá o catre. Autor que
escreveu sôbre época relativamente recente, mas cujas palavras se ajustam ao período
que estudamos, observa: “Se nos perguntarem por móveis, mostramos as rêdes de panos
ou de fibras, que substituem as camas mais macias, naquêle clima tropical onde não se
fala em frio e garoa. Havendo, por acaso, necessidade de cama, basta fincar na terra
batida quatro pés de madeira lavrados a facão e nêsses fixar os quatro cantos de um
couro de boi, de onça ou de cervo suçuapara. Nada de cadeiras e sofás, apenas
tamboretes baixos feitos em quatro paus cruzados e cobertos de couro” (1).
Referentemente à mesa, peça tão útil no sertão, informa o autor citado que “se não fôr
simples esteira de fibras, constará de larga tábua cortada a machado no cerne de alguma
árvore de pouca dureza como o tamboril. Furam-na nos quatro cantos e nela introduzem
os quatro pés que não hão de fixá-la no chão”. (2)
O desleixo que se verifica nas edificações e a parcimônia no uso de móveis e
utensílios
se
justificam
plenamente,
bastando
atentar-se
para
a
natureza
inequìvocamente aluvional dos depósitos auríferos. Esgotando-se ràpidamente o veio
em que pesquisa, o minerador vai em busca de nova área, onde possa reiniciar a
extração. “Definia-se a região – anota o emérito professor – por ondas migratórias de
uma população flutuante, precariàmente agarrada aos arraiais à borda das minas
descobertas” (3).
Tal estado de coisas perdura por muito tempo. Mesmo após a criação da
Capitania de Goiás ainda se nota desinterêsse dos moradores da terra por habitações
mais condignas. E o exemplo vinha de cima, partindo dos próprios quadros
administrativos. O primeiro palácio governamental levantado em Goiás, e que se
construiu no govêrno de d. Marcos de Noronha, não passa de um casarão com paredes
de terra socada (4).
II
O problema mais cruciante, todavia, com que se defrontam os primitivos
colonizadores relaciona-se com o abastecimento de víveres aos povoados. A febre do
ouro, atacando aquêles homens ambiciosos, faz com que se relegue a plano inferior
questão de tão transcendente importância. Ninguém quer desviar escravos ou prepostos
para o trabalho agrícola, sob o receio de que outros se aproveitem de suas datas.
A falta de alimentos traz uma série de complicações, permitindo que
inescrupulosos comerciantes paulistas, através de livre especulação, espoliem mineiros
incautos. O câmbio negro, à ausência de atos coibitivos, é norma comum. E o minerador
desprevenido, entregue ao labor de pesquisar ouro, se vê despojado de seu tesouro, que
passa incólume às mãos vorazes de mercadores. Os altos preços da época causam
assombro ao estudioso de nossos dias. O suíno chega a ser vendido a razão de duzentas
e cinquenta gramas de ouro por cabeça, alcançando uma vaca a espantosa quantia
representada por novecentas e vinte gramas (5).
Se a importação de alimentos se constitui em dura prova para os mineradores,
roubando-lhes grande parte do lucro obtido, não deixa, entretanto, de beneficiar áreas
produtoras, via do amplo sistema de troca que se estabelece. A zona aurífera pode pagar
prêços elevados pelos produtos de que necessita. Valoriza, desta forma, mercadoria que
não possuía valor ou que o tinha reduzido, abrindo perspectivas de consumo para o que
era produzido e insatisfàtoriamente consumido na fonte de produção (6). Realizam-se,
porém, operações nem sempre favoráveis aos cofres reais; operações que, por outro
lado, resultam benéficas para a Colônia, já que o ouro permutado por gêneros
alimentícios muitas vêzes escapa ao pagamento de impostos, perdendo-se nas trilhas do
contrabando, responsável direto, outrossim, pela fixação dos primeiros rebanhos em
Goiás, os quais vêm, sobretudo, do Vale do São Francisco, não obstante a
obrigatoriedade do uso de via única estabelecida pelo Conde de Sarzedas (7).
A situação se agrava de tal maneira, quase atingindo os limites da calamidade,
que a administração se vê na contingência de conceder datas auríferas apenas aos que se
comprometem a manter a lavoura de subsistência. Já a essa altura, presenciando
naturalmente
as
transações
em
que
negociantes
paulistas
se
enriquecem
vertiginosamente, elementos radicados em Goiás resolvem-se, conforme assinala Cunha
Matos, a lançar mão da agricultura. Todos aquêles que se incorporam às atividades
agrárias, daí para a frente, não somente formam os primeiros estabelecimentos
permanentes da região, que passam a produzir cereais em regular quantidade, mas
igualmente se apoderam, com relativa facilidade, de boa porção do ouro extraído (8).
III
A ausência de higiene é completa, circunstância, aliás, que caracteriza bem a
época. O interior das moradias, regra geral, apresenta o mesmo aspecto contristador da
oca indígena. É o lixo amontoado aqui, enquanto que acolá vão se espalhando restos de
cozinha. As nuvens de mosquitos, atraídas pelo nauseabundo odor que se volatiliza,
dominam o ambiente ao som de música sui generis.
Observa Taunay, laborioso pesquisador da história dos primeiros anos de Goiás,
citando Cunha Matos, que “as escavações das minas, os tanques feitos nos vales, as
lagoas cheias de ervas em putrefação, os animais mortos e corrompidos no campo, de tal
forma estragavam o ar que os corpos se ressentiam, as constituições mais robustas se
alteravam e os espíritos se abatiam” (9). Além das epidemias de sarampo, do bócio, da
hidropisia e mal céltico (10), por si sós altamente prejudiciais, os escravos são
portadores e transmissores de tuberculose, de sífilis, de bôba, de bexiga (11). Tais
moléstias, ao lado de outras então desconhecidas e por isso mesmo arroladas como
pestes, dizimam inúmeras vidas, principalmente de escravos. Vale acrescentar,
finalmente, que a malária e outras febres próprias da região jamais deixam de cobrar seu
tributo, levando à sepultura centenas e centenas de pessoas.
IV
Os habitantes dos povoados são uma mistura singularmente heterogênea. As ruas
estão sempre movimentadas, mostrando um vai e vem constante. Os tipos que desfilam
por êsses logradouros tortuosos são o retrato em ponto pequeno da massa humana que
compõe as comunidades cosmopolitas. Diz um cronista que os habitantes dos vilarejos
são “desbravadores encourados, índios domesticados, pretos forros, escravos africanos,
mulatos atrevidos, soldados insolentes” (12).
Sobressaem-se, à crista dessa saga variada, os mineradores de mais largos
recursos, precisamente os que estão na posse de muitos escravos, encarregados de
trabalharem por êles, enquanto seus proprietários, sem maiores ocupações, alimentam a
turbulência dos arraiais. Vêm, depois, os sacerdotes, dirigentes da vida espiritual. Quase
sempre, tão logo se funda um povoado, há o levantamento da igreja, que reflete a
religiosidade dos portugueses e seus descendentes. A mulher, apesar do desprestígio do
matrimônio na faixa aurífera, ocupa lugar de relêvo. Devido ao seu número limitado, em
localidades fervilhantes de homens indisciplinados, vê-se ela guindada a um posto
elevado. Mestiça como é, não atrai o homem para o casamento. Contudo suas ligações
são vantajosas, já que ela pode impor condições e exigir prêços altos. A grande
presença, todavia, é a do escravo. É êle o agente principal na humanização da paisagem.
Muitos já vêm com prática de mineração, afeitos ao árduo labor. Seu número, em
diversas localidades, suplanta o de brancos, existindo mesmo regiões em que há dez
escravos para um branco ou mestiço (13).
Jogado ao trabalho inexoravelmente, extraindo o branco tôda a seiva de sua
exuberância, o negro às vêzes não suporta os horrores dos maus tratos, sucumbindo
inglòriamente. Não são poucos os que se revoltam com a situação, reunindo-se a
companheiros de infortúnio na quietude das florestas onde formam quilombos (14). A
autoridade de Vila Boa, atendendo aos apelos da população alarmada, determina a
destruição do quilombo formado em Pilar (15).
Posição de destaque ocupam os comerciantes, dos quis depende o
abastecimento. A sociedade que se aglomera nos povoados não apenas os teme, mas
também se escraviza ao seu jugo, receosa de se perder na fome e na miséria.
Notas
(1)
Frei José M. Audrin, O. P. – “Os sertanejos que eu conheci”, Livraria José
Olympio Editôra (Coleção “Documentos Brasileiros”), Rio, 1963, pág. 67.
(2)
Idem.
(3)
Domingos Félix de Souza – “A projeção do micro-organismo social”, in
“Cadernos de Estudos Brasileiros (1)” – Centro de Estudos Brasileiros da
Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 1963.
(4)
Revista “Oeste” – “A posse do Conde de São Miguel”, Goiânia, 1944, nº 19,
pág. 34.
(5)
Afonso Taunay – “História geral das bandeiras paulistas”, edição do Museu
Paulista, 1950, tomo undécimo, pág. 136.
(6)
Nelson Werneck Sodré – “Formação histórica do Brasil”, Editôra Brasiliense,
São Paulo, s/d, pág. 130.
(7)
Conde de Sarzedas – “Bando de 2 de outubro de 1732”, in Taunay, op. cit. (5).
(8)
Cunha Matos – “Corografia histórica da Província de Goiás”. Rev. Inst. Hist.
Bras., 2º sem. 1874, pág. 80.
(9)
Taunay, Op.cit. (5), pág. 134.
(10)
Cunha Matos , citado por Taunay, op. cit., pág. 134.
(11)
Odorico Costa – “A escravidão nas minas de Goiás”, in Revista Oeste, nº 16,
1944, pág. 7.
(12)
“A posse do Conde de São Miguel”, cit. (4).
(13)
Odorico Costa, Op. cit. (11)
(14)
Idem.
(15)
Idem.
TENDÊNCIAS ATUAIS DA FILOSOFIA NO BRASIL
Luís Washington Vita
Instituto Brasileiro de Filosofia
1. Considerações preliminares
Na atual filosofia praticada no Brasil, sem dúvida ainda aparecem – e, em última
instância, são todos – epígonos de pensadores europeus. Desta vez, porém não apenas
como um reflexo passivo, de pura receptividade e assimilação, mas como decorrência
da própria universalidade e historicidade da filosofia. A isto se juntam os motivos
inspiradores da realidade nacional, de profundo sentido político-social, que alentam o
nosso especular, marcando-o de circunstancialidade brasileira. Nêsse sentido, observa
Cruz Costa: “Naturalmente são as correntes da filosofia européia que ainda exercem
aqui a sua influência, mas o seu alcance e sua significação revelam-se já, em parte, de
maneira diferente daquela pela qual se expressavam no passado. A nossa alfândega
intelectual tornou-se mais exigente e rigorosa, desde que se sentiu dotada de melhores
instrumentos de análise que, cumpre também reconhecer, longe estão ainda perfeição.
Mas há, sem dúvida, uma consciência mais clara acêrca do que somos, do que somos
em face dos outros e de nós mesmos. Estamos talvez a liquidar um certo bovarismo, as
ilusões que alimentávamos acêrca de nós e dos outros. Superamos, ou estamos em via
de superar, um velho complexo colonial, embora ainda, como era de prever – estejamos
a resolvê-lo contraditòriamente...” (Panorama da história da filosofia no Brasil. São
Paulo, 1960, pp. 74-7).
Claro está que o chamado “pensamento puro” também aparece, motivado por
três fatôres relacionados entre si: o primeiro dêsses fatôres, de ordem epigônica e
meramente imitativo, é conseqüência do exemplo das filosofias analíticas de
procedência anglo-americana, haurido por estudiosos que estagiaram nos Estados
Unidos, como são exemplificativos Euryalo Cannabrava e Leônidas Hegenberg, o
primeiro de nítida formação filosófica e o outro saído de um instituto de matemática
pura. O segundo fator é fruto de um anseio de “tecnicação” da filosofia, que acaba
reduzida a expedientes metodológicos no plano linguístico, com especial ênfase
filosófica. O terceiro fator, recôndito e nem sempre explícito, é de ordem por assim
dizer ideológica, justificadora dos fatôres antes apontados e, ao mesmo tempo, atuando
como atenuador do especular político, sempre ameaçante das instituições sociais
vigentes, em geral retrógradas e obscurantistas.
Êsse pensamento “puro”, contudo, é excepcional – além de ser insólito no
evolver da filosofia brasileira –, e, mesmo aqui, as tendências mais “logicistas” nem
sempre se ocupam exclusivamente de temas abstratos (os dois filósofos citados, por
exemplo, estão também interessados em problemas estéticos enquanto vivência do fato
artístico), assim como, em contrapartida, o restante espetacular brasileiro também não é
simples reflexão sôbre circunstâncias concretas com uma finalidade meramente prática
(a Álvaro Vieira Pinto, ideólogo do desenvolvimentismo nacional, se deve um
importante trabalho sôbre o Timeu de Platão). Portanto, a atual filosofia no Brasil longe
está de ser um organismo eidético, supra-temporal, totalmente imune à nossa
contingência histórica, sendo, em grande medida, a elevação abstrata de uma situação
vital històricamente dada. Daí poder-se apontar, tendo em vista as observações
anteriores, três tendências entendidas weberianamente como “tipos ideais”: a tendência
antropológica, a tendência analítica e a tendência diamática. Essas tendências,
evidentemente, não são “puras” mas “típicas”, construções auxiliares expositivas, já que
uma tendência é mais – ou menos – que uma corrente de idéias, pois enquanto esta
implica um “sistema” fechado, coerente e sistematizado, aquela é aberta, eclética e
dispersiva.
Feita esta advertência, vejamos as principais tendências da filosofia
contemporânea no Brasil.
2. Tendência antropológica
Os representantes desta tendência não obstante ostentarem, em maior ou menor
grau, certa forma de pensamento filosófico de cunho existencial, coincidentes na
identidade formal de sua pergunta – que é o homem? –, nem sempre se limitam a uma
explicação conceitual da idéia de homem a partir da concepção que êste tem de si
mesmo numa fase determinada de sua existência. Assim, se em alguns é flagrante a
filiação heideggeriana ou diltheyana ou orteguiana, em outros as raízes partem de certas
correntes tomistas ou neotomistas, idealistas ou irracionalistas.
A principal figura da tendência antropológica na filosofia brasileira é, talvez,
Vicente Ferreira da Silva (1916-1963), certamente a mais estupenda vocação metafísica
já aparecida entre nós. O pranteado pensador paulista levou às últimas conseqüências a
“atitude” existencial (isto é, a exigência de que o filósofo deve pensar existencialmente,
ou seja, incluindo-se a si mesmo em seu pensamento, ao invés de fazer do pensamento
alguma coisa externa ao ser humano, alguma coisa cuja missão seria puramente a de
refletir, de modo objetivo, as circunstâncias que o rodeiam), vinculando-se o ponto de
partida de sua crença filosófica à doutrina da Dialética Transcendental kantiana, que
coloca o Mundo não como correlato objetivo de um ato de conhecimento transcendente,
mas como desênho de uma experiência infinita. Esta tese torna impossível, a seu ver,
qualquer filosofia do objeto em detrimento de uma filosofia do sujeito. O fim da
reflexão filosófica é, portanto, sempre e ùnicamente, a ação humana em sua dialética
interna e em seus desenvolvimentos. Para Vicente Ferreira da Silva as ciências do
espírito, a antropologia filosófica e a ontologia existencial completam o quadro das
disciplinas pròpriamente filosóficas. Qualquer possibilidade de uma representação
naturalística do real, baseada nas categorias do objeto, é limitada, pela redução contínua
dos objetos ao plano transcendental de sua possibilidade. Também fica eliminada
qualquer oportunidade de uma concepção vitalista, de tipo bergsônico. A liberdade fica
assim entendida como única fundação para uma elucidação do sentido último do real,
pois, de acôrdo com o filósofo paulista, “a filosofia, como queria Fichte, é uma
extenuada análise do conteúdo infinito da liberdade humana.”
Outra figura relevante da tendência antropológica é o jusfilósofo Miguel Reale
(1910), em cujo pensamento, desde as obras da mocidade até seus mais recentes
escritos, há uma nota ou diretriz dominante: a postulação de uma filosofia do concreto
infensa às fórmulas vazias ou às formas abstratas, e capaz de integrar o homem e as
coisas numa unidade orgânica. Essa aspiração de concretitude revela-se em múltiplos
sentidos, notadamente no que se refere à teoria do conhecimento, a qual evolui de um
realismo crítico um tanto vago, expôsto em trabalhos juvenis, para um “criticismo
ontognosiológico” que acaba por apresentar-se, em tôda a sua plenitude, como
historicismo ontognosiológico. Cumpre observar que êsse historicismo não assume uma
atitude agnóstica perante os problemas metafísicos, pois, ao ver de Miguel Reale, se
nada podemos dizer do Absoluto em si, no entanto tudo o que se desenrola no âmbito
ontognosiológico (que coincide, no fundo, com o âmbito da experiência histórica) é
condicionado pelo Absoluto, pressuposto,
conseqüentemente,
como condição
transcendental de possibilidade da experiência total do homem. Além do mais, em meu
historicismo há um valor fundante que é o próprio homem na universalidade de seu
dever-ser: “o ser do homem é o seu dever-ser”, sendo “a pessoa humana a fonte de
todos os valores”. No seu último livro – Pluralismo e liberdade (1963) –, Miguel Reale
chega a um verdadeiro “sistema”, onde os conceitos se relacionam e se conjugam entre
si e se formalizam em proposições e enunciados num embricamento orgânico que nada
tem de mecânico, mais derivando do real que impôsto pelo conceitual. Quer dizer:
também o pensador paulista intenta trazer Hegel do céu à terra, não porém através de
mera inversão de têrmos, como ocorre no marxismo, mas por meio de uma correção de
atitude metodológica. Com efeito, a idéia de “sistema” no citado livro de Miguel Reale
é flagrante, desdobrando-se numa organicidade sistemática que parte da idéia de
filosofia (entendida como “síntese e unidade”, sendo próprio dela, filosofia, “elaborar
uma cosmovisão, ou seja, uma compreensão geral do universo e da vida”), passa pela
idéia do homem (de caráter personalista, pois “o homem se sente na plenitude de seu ser
como pessoa, valor-fonte de todos os valores”) e pela idéia de sociedade (que afirma
que o social já está “originàriamente no ser mesmo do homem, no caráter bilateral de
tôda atividade espiritual”), para culminar na idéia de valor (entendidos os valôres como
dados estimativos, “dados vetoriais da experiência humana, suscetíveis de
conhecimento racional, embora incompleto”). Como, de acôrdo com Miguel Reale,
“vivemos num mundo plural”, é evidente que “ficaríamos divorciados do valor por
excelência da cultura do Ocidente se almejássemos fundir uma única matriz de
pensamento para impingi-la às novas gerações”. Nisso consiste seu pluralismo
metodológico, que longe está de se constituir numa posição teórico-metafisica,
convertendo-se antes num “monopluralismo” ao sustentar, por um lado, a
independência das realidades e, por outro, ao não negar que exista, direta ou
indiretamente, uma interação, superando assim tanto os “valores coletivizantes” como
os “valores de insulamento egoístico”, o que o leva a um “totalismo plural” (ou universo), porquanto “se o ser do homem é o seu dever ser, é sinal de que se sente em sua
finitude algo que o transcende, que o seu valor e o seu atualizar-se como pessoa implica
no reconhecimento de um valor absoluto, que é a razão de ser de sua experiência
estimativa: valor absoluto que êle não pode reconhecer senão como procura, tentâmen,
renovadas atualizações no plano da história, mas sem o qual a história não seria senão
uma dramaturgia de alternativas e de irremediáveis perplexidades”.
A essa tendência também se vincula Leonel Franca (1893-1948), eminente
figura da Companhia de Jesus, seguidor de um tomismo aberto aos estímulos das
correntes mais progressistas dos adeptos de Santo Tomás de Aquino, sendo notória a
sua simpatia pelo pensamento de um Sertillanges ou de um Maréchal. Nêsse sentido,
Leonel Franca parece optar por aquela ala do neotomismo que, em face da filosofia
moderna, pensa dever assumir uma atitude menos polêmica e mais compreensiva, pois
“nem tudo é para rejeitar depois de Descartes”. Isto porque “a fidelidade, não tanto à
letra quanto ao espírito de Santo Tomás impõe o dever de repensar as questões
modernas em função de sua problemática atual. Importa prolongar as linhas do
pensamento tomista numa fidelidade que não seja repetição simples mas assimilação
orgânica e vital, isto é, progressiva e adaptada a exigências novas e iniludíveis do
pensamento humano em marcha”, porquanto, para Leonel Franca, “a inteligência
humana não progride nem se enriquece senão no contraste das discussões”.
Nessa mesma tendência pode ser inserido Almir de Andrade (1911), crítico de
Freud e seguidor de uma “psicologia dinâmica como base de uma teoria do
conhecimento”, para quem a vitalidade, o dinamismo da consciência, que se desenvolve
num esfôrço de adaptação ao mundo real, traduz uma potencialidade de reprodução
psicológica dos caracteres dos objetos que se oferecem ao nosso conhecimento –
potencialidade que se realiza tanto na percepção imediata, como através das
representações mentais não percebidas, subterrâneas, obscuras e inexprimíveis. “Essa
potencialidade para a realização de certa espécie de movimentos (que, no caso, são os
processos de elaboração de representação) é, pois, o que caracteriza e define a
consciência. E tôda representação consciente do mundo exterior é um processo de
síntese dos dados da sensação – síntese que se opera pela seleção de certos elementos da
sensação, com abstração de outros”.
Seguem a tendência antropológica os pensadores próximos dos aqui arrolados,
nem sempre como discípulos, ou quase nunca, mas como coincidentes. Assim, ao lado
de Vicente Ferreira da Silva podem ser apontados todos os “existencialistas”; ao lado de
Miguel Reale os “historicistas”; ao lado de Leonel Franca os “neo-tomistas”; e ao lado
de Almir de Andrade os “psicologistas”. A tendência antropológica, por outro lado,
manifesta-se na análise da presente realidade brasileira entre aquêles que defendem um
“nacionalismo desenvolvimentista”, cuja tese central afirma que a promoção do
desenvolvimento econômico e a consolidação da nacionalidade constituem dois
aspectos correlatos do mesmo processo emancipatório. Para levá-lo avante preconiza a
mobilização da consciência nacional no sentido do desenvolvimento e dos esforços
requeridos pelo desenvolvimento e a adoção da programação global como técnica para
atingir a máxima e ótima utilização dos fatôres disponíveis. Seu mais importante
representante é Hélio Jaguaribe (1923), teórico e militante do desenvolvimento
nacional.
3. Tendência analítica
A tendência analítica no pensamento atual brasileiro é um ponto de intersecção
para onde confluem os carnapianos, os wittgensteinianos, os russellianos, os logísticos e
os linguísticos, de fortes tendências positivistas mas, nem por isso, se trate sempre de
neopositivismo ou de empirismo lógico, coincidindo seus membros num empênho em
estabelecer uma definição exata dos conceitos fundamentais das ciências no quadro de
uma linguagem idealmente formalizada ou uma terapia lógica dos pseudo-problemas.
O primeiro representante dessa tendência, cronològicamente, é Pontes de
Miranda (1892) que, numa Introdução à sociologia geral, em 1926, propõe a
interpretação do determinismo probalitário, superando o determinismo mecanicista com
auxílio de novas técnicas de análise, e onde expõe também o princípio da simetria no
plano das relações sociais, culminando, em 1937, com O problema fundamental do
conhecimento, onde afirma que conhecemos o mundo pelas sensações, “mas tôda
sensação por si só já é uma abstração ou uma extração, pois o ser só se dá a nós
abstraído. Assim, os sentidos não nos dão a realidade total do mundo, mas apenas aquilo
que do mundo nos excita”. Por outro lado, a inteligência, depois que recebe as
impressões dos sentidos, não se limita a representá-las, mas vai além, faz associações,
induções, deduções, generalizações. O problema fundamental do conhecimento é,
portanto, o de saber o que se passa entre a sensação e o conceito ou o julgamento
intelectual. Para Pontes de Miranda, é estéril discutir se o que conhecemos está
realmente no objeto ou é uma relação entre sujeito e objeto, onde se faz a extração dos
elementos próprios de uma e de outro, a fim de se obter um conceito que contenha
apenas o que é comum a um e a outro, com eliminação das diferenças. A oposição
tradicional entre (su)jeito e (ob)jeto desaparece desde o instante que a nossa inteligência
extrai o “sub” do sujeito e o “ob” do objeto, que é o elemento comum aos dois. Não se
trata de mera questão de palavras, mas sim da tradução, em palavras, de uma operação
mental, que é a base do tôdo o conhecimento. Extrair os “jetos” ( ou “jectos”, de que o
“jeito” de “sujeito” é mera variedade verbal) dos objetos e do sujeito é assegurar a
objetividade e a realidade duradoura do conhecimento.
É, porém, com Euryalo Cannabrava (1903) que a tendência analítica atinge sua
máxima ressonância. Sua missão é de defêsa do “conceito de filosofia científica contra
as tentativas de reduzir a atividade especulativa ao mero exercício verbal ou à
divulgação inconsistente”. Essa atitude missionária se explica, pois “nos países sem
tradições em matéria de cultura, como o nosso, a tarefa do pensador consiste mais em
destruir preconceitos ativos do que em criar pròpriamente idéias ou teorias”. Para êle, a
finalidade da construção filosófica é elaborar a metalinguagem apropriada para discorrer
sôbre o conhecimento científico, tomado como linguagem-objeto, sendo a mais
importante tarefa da filosofia “estabelecer critérios formais e empíricos para a
justificação da teoria científica”, substituindo então a metafísica (“tipo de conhecimento
incompleto”) pela ciência (“mais completo”). Nêsse ponto, esclarece o filósofocientista: “o que se procura afirmar, mesmo na hipótese de se concluir pela legitimidade
do conhecimento ontológico ou metafísico, é o seu caráter incompleto relativamente ao
conjunto de princípios e leis que se submetem ao teste da verificação experimental”.
Seu propósito, portanto, é abrir caminho ao ensaio oposto à pretensão de subordinar a
ciência à filosofia e que consiste “na fundamentação científica da filosofia”.
À tendência analítica pertencem os filósofos da ciência, em geral, os logísticos e
os “filólogos”, quase sempre alienados da realidade nacional, cuja expressão, no campo
da atual controvérsia ideológica, é o que Hélio Jaguaribe chamou “cosmopolitismo
liberal” que se caracteriza pelo conteúdo liberal de sua formulação, assegurador das
condições de liberdade de movimentação e da remuneração dos fatôres econômicos,
pelos motivos em que se fundamenta o liberalismo clássico, e a partir do postulado de
harmonia preestabelecida, em virtude da qual a perseguição por cada indivíduo, de seu
interêsse próprio, resulta no atendimento do interêsse geral, sendo seu principal
representante Eugênio Gudin (1886).
4. Tendência diamática
A tendência diamática é de acentuada influência marxista, porém nem sempre
dogmática ou de plena submissão partidária. Três são seus principais representantes:
Caio Prado Júnior (1907), filiado ao Partido Comunista, João Cruz Costa (1904) e
Álvaro Vieira Pinto (1912), os dois últimos “simpatizantes” das idéias e ideais
comunistas.
Para Caio Prado Júnior a filosofia marxista é, sobretudo, um método – o método
dialético – de elaboração do conhecimento, entendido êste como sistematização da
experiência para o fim de ser utilizável e utilizado na condução da ação e direção do
comportamento humano. Portanto, o conhecimento resulta da ação e retorna à ação.
Desta procede a experiência que se faz conhecimento (através da atividade do
pensamento que é uma função orgânica do homem). O conhecimento assim elaborado
inspira e conduz a ação, e essa nova ação produzindo nova experiência, resulta em
ampliação do conhecimento anterior. Dêsse modo se comporta o ciclo do conhecimento,
renovando-se permanentemente (tanto no plano individual como no plano coletivo em
que se comunica e conjuga o pensamento de todos os indivíduos em comunicação uns
com os outros por fôrça da vida social de que, em conjunto, participam).
Para João Cruz Costa – que é, acima de tudo, um historiador da filosofia no
Brasil – tôda a atenção deverá estar dirigida para os “fascinantes problemas que de mais
perto nos tocam”, já que “a nossa origem, as condições de nossa formação, a nossa
experiência histórica nos afastam do alcantilado das metafísicas e nos impelem para a
meditação de realidades concretas e vivas, convidando-nos a refletir sôbre as
interessantes e contraditórias aventuras do nosso devir”. Isto porque o progresso do
espírito, ou, mais exatamente, da inteligência, está ìntimamente relacionado com o
condicionalismo da atividade humana. Por isso o conhecimento histórico é uma
necessidade gnosiológica que não poderá ser eliminada do campo do devir humano, isto
é, torna-se impossível um conhecimento teórico que não atende às condições históricas.
“É preciso, porém, não esquecer que a história exclui certas restaurações. Ela não é feira
para restaurar mas para libertar do passado. A filosofia encontra a verdade na sua
adequação com a realidade”. Para Cruz Costa, afinal de contas, a reflexão filosófica, no
Brasil, “não termina na contemplação do mundo. Vai além. Ela exige a sua
transformação”. Assim sendo, julga o pensador paulista que a filosofia não é uma
ciência, “é uma atitude em face da vida, do mundo; um ‘conhecimento’ incessantemente
renovado e a se renovar, no que vai grandeza e, ao mesmo tempo, miséria de sua
condição”. Com o frade dominicano Maydieu, pensa Cruz Costa que a aquisição do
filósofo é muito pobre mas permite coordenar muita riqueza.
Investigação interminável sôbre os problemas do espírito ou da inteligência, a
filosofia, no meu parecer, é abstração que não se perde no abstracionismo.
Por certo é a abstração o essencial, talvez, de sua tarefa. Mas, por detrás
dessas abstrações, dêsses esquêmas, que são produtos dessa única luz que nos
pode conduzir pela estrada da vida e que é a razão, o que há é o homem na
sua aventura. Aventura que não é apenas aventura do espírito mas
engajamento total no fluir concreto da existência histórica, – história que não
é cemitério, mas movimento, ação.
Não acredita Cruz Costa que a filosofia se resuma num mero jôgo
contemplativo. “Ela tem sido e é transformadora do mundo. Mais: as filosofias não se
confundem, a meu ver, com as escolásticas, escolásticas que são, no dizer de MassonOursel, pedagogias das ortodoxias”.
Para Álvaro Vieira Pinto, cabe ao filósofo a busca das categorias que nos
capacite a bem compreender a realidade nacional, partindo do âmbito a que pertence.
A missão que se impõe à filosofia do desenvolvimento é contribuir para dar
aos homens de Estado a compreensão crítica do papel que já estão
efetivamente desempenhando, sem disso terem a correspondente consciência.
Contudo, sòmente se torna pensador
aquêle que, com raízes individuais na vida do povo, assume o ponto de vista
dêste, recolhe do convívio e comunicação com o ‘outro’, enquanto
trabalhador comum, a expressão de uma concepção da sociedade e do mundo
nada requintada nem sistemática, mas nem por isso menos autêntica. O
pensador autêntico do país em desenvolvimento não preexiste ao processo,
mas é constituído por êle.
Entretanto, êsse fato – a incorporação, pelo filósofo, do ponto de vista coletivo –
está submetido a determinações históricas concretas, não acontecendo do mesmo modo
em qualquer situação nacional. No país subdesenvolvido, com muito maior dificuldade
as massas encontram os seus filósofos, porque em tal condição a filosofia é,
pràticamente, domínio de pura alienação; o simples fato de ser filósofo ou estudioso da
filosofia já é indício de afastamento em relação às camadas ignorantes do povo. A
filosofia é aí a fuga à realidade, cultuá-la é sinal de que a consciência não está
interessada na circunstância pobre e monótona a que pertence, mas encontra nas delícias
das altas especulações, ao tentar solucionar os problemas abstratos de que se ocupa, a
compensação para o abatimento que lhe causa a impossibilidade de resolver os outros,
que a atormentam na existência cotidiana. É preciso que o país esteja emergindo do
estado de subdesenvolvimento para que seus sociólogos e pensadores despertados aos
acontecimentos significativos se revertam à realidade que é a sua. Tudo porque não há
conceito “dado aí”, pronto, constituído por obra de um pensamento impessoal: “o
conceito é conteúdo de uma subjetividade que se defronta com um processo vivo, do
qual é parte interessada, e não com um mundo morto, visto através de um instrumento
óptico”. Em suma:
o filósofo tem a vivência de sua realidade nacional suficiente para percebê-la,
e ademais se informa junto aos pesquisadores especializados do que está
acontecendo. Tem direito, assim, de formular em teoria o esquêma dos
modos de consciência no âmbito social a que pertence.
Seguem a tendência diamática, no plano social, os adeptos do “nacionalismo
estatista”, cuja fórmula, de acôrdo com Hélio Jaguaribe, é comandada por uma
concepção e uma motivação socialista, predominantemente de caráter marxista,
compreendendo, além dos comunistas, que são minoritários e de pequena e declinante
influência, uma maioria de marxistas independentes e um grupo menor de socialistas
cristãos. O principal representante dessa tendência é Nelson Werneck Sodré (1911).
5. Conclusão
Considerada em conjunto, a filosofia brasileira atual, herdeira da européia e
integrada no espírito ocidental, mas vinculada à realidade do Brasil e representativa de
suas necessidades, tende a obviar os fatôres que até agora impediram a eclosão de um
verdadeiro pensamento especulativo. Como observa Hélio Jaguaribe, “é de registrar-se,
contudo, uma acentuada tendência para que se formem, ideal e realmente, as condições
necessárias à cogitação filosófica, graças à profunda crise em que se encontra o país,
crise essa que, se não fôr destruidora, poderá ter os melhores efeitos sôbre nossa
cultura” (A filosofia no Brasil. Rio de Janeiro, 1957, p. 50). Porque o filósofo brasileiro,
vivendo autènticamente a impetuosa vida da civilização ocidental plantada em terras
americanas, procura entendê-la e entender-se a si próprio a partir desta realidade
concreta. Aos historiadores do futuro cumprirá julgar esta atitude, que se reveste do
mais profundo sentido de opção.
São Paulo, 9 de outubro de 1963
O PROBLEMA DA EXPLORAÇÃO DO BABAÇU
Dr. João de Abreu
Primeira Parte
Aqui comparecendo, não me limito a agradecer o convite que me fez o Prof.
Gilberto Mendonça Teles, diretor do Centro de Estudos Brasileiros, da Universidade
Federal de Goiás; desejo manifestar-lhe o júbilo com que aplaudo de tôdo coração, com
a autoridade que os anos me conferem, qualquer movimento no sentido de dotar o nosso
povo dos elementos que lhe venham proporcionar o progresso de nossa terra, o seu bem
estar, encorajando-o com perspectivas radiosas que se nos apresentam, no momento.
Convidado, com a liberdade de discorrer sôbre o que sabemos de nossos
problemas socioeconômicos, de preferência os da “imensa região Norte de Goiás”,
estimaria se pudesse abranger, numa palestra, todos os temas interessantes, êsse
punhado de jóias contidas nêsse majestoso escrínio que é o norte goiano.
Sua história, capitulada de lances heróicos, dos nativos ou invasores, das
bandeiras ou isolados, dos mineiros, dos caminhos, dos elementos que substituíram os
garimpeiros – os imensos campos de dois verdes, a floresta amazônica, cuja fímbria
alcança ali um milhão de HP, e o Babaçu.
Na impossibilidade de estreitar tôda essa grandeza nos limites de minutos, tomei
o último citado, o Babaçu, para tema de hoje. Devo, de início, prevenir, que as pessoas
idosas sofrem, com mais intensidade, o fluxo rápido do sangue, quando sujeitas a
qualquer excitação emocional, mesmo agradável, devido à pouca elasticidade de seus
vasos. Daí resultam, muitas vêzes, os erros e retardamento de raciocínio, impedindo de
expressar o pensamento conforme desejo.
Essa foi uma das razões porque me afastei da vida pública, embora saiba que a
capacidade mental não se atrofia, quando dela fazemos uso adequado, podendo,
portanto, ainda ser útil em campo que não demande compromisso com o povo na sua
justa ambição. Donde, embora repousando das atividades políticas, jamais me retirarei
do convívio com aquêles que cuidam do estudo e ampliação dos fenômenos
socioeconômicos.
Pelas razões expostas e atendendo à justeza da ponderação de alguém, isto é, que
êsses estudos devem ser continuados, vulgarizados, acrescidos de novos conhecimentos,
reduzidos a escritos e impressos e acessíveis aos estudiosos, como meio de facilitar,
indiretamente, o aproveitamento econômico de nossas enormes riquezas, entendi que,
embora me desse mais trabalho, deveria reduzir a escrito esta palestra.
Palestra, sim, e não conferência, porque não disponho de floreados, nem de
estilo fluente para enfeitar o pensamento, com beleza da linguagem nos seus requintes
mais caprichosos, que arrastam os ouvintes para o campo principal da conversa.
Procurarei, contudo, evitar canseiras e inquietações, falando linguagem própria de uma
conversação informal sôbre o assunto que nos reúne, do qual devo, sem pretensões, dar
uma visão panorâmica, oriundo de minhas observações e dos conhecimentos que colhi
em 30 anos de trato com o mesmo. Não admirem o tempo, 30 anos. Conhecer os
problemas fundamentais do babaçu e os dêle decorrentes absorve tempo, quanto mais as
respectivas soluções. Vamos abordar um assunto debatidíssimo, que vem atribulando o
espírito de sucessivas gerações, há séculos, ainda erradamente, tanto pelos gabinetes,
como pelos comerciantes, porque procuram sempre solução parcial. Tudo quanto diz
babaçu, até hoje, tem girado em torno da quebra do côco. A quebra tem sido o
espantalho. Constitui o “pivot” de tôdo o problema, não obstante não haver nela
nenhum óbice à sua industrialização.
Nesta, como já o fizemos, e noutras oportunidades, pretendemos indicar
NORMAS para a industrialização do babaçu, fora dos limites do empirismo sôbre que
tem sido colocado o problema, mas sim, dentro de fórmulas econômicas e métodos
racionais.
Perlustrando os anais de nossa história econômica, ressalta desde logo, como
causa principal de nossas crises cíclicas, a falta de um aproveitamento racional de
nossas riquezas naturais.
Temos malbaratado aquilo que a natureza dadivosamente colocou à disposição
do homem. O pau-brasil foi objetivo de pirataria no período colonial. A cana-de-açúcar
deu origem à invasão estrangeira. A borracha – o algodão – o café têm sido e estão
servindo de pasto a interesses estranhos aos nossos. Quanto ao petróleo, então nem se
fala. Por isso, perdemos, ontem, o monopólio natural da produção da Hevea
brasiliensis; hoje, a situação de predomínio incontrastável na produção da cofea;
amanhã, quem sabe, a oportunidade de tirar o proveito econômico de centenas de
riquezas naturais, dentre as quais coloco o babaçu, como uma das fontes de
enriquecimento de que até agora não temos sabido aproveitar.
Permanecemos, assim, alvos de crítica de órgãos da imprensa estrangeira e de
autoridades nos diversos setores da economia, como sendo um povo que não sabe
aproveitar devidamente suas riquezas naturais, e que, pelo contrário, ficamos à espera
que tudo nos venha de fora, numa demonstração de incúria que estarrece e causa pena.
Com o babaçu, então, a displicência é criminosa. A prática, atual, do sistema de
exploração do babaçu é um desperdício, quer dêle próprio, como do potencial humano
que dêle cuida, transformando o imenso valor dessa riqueza num paradoxal
disseminador de miséria. Donde resulta que desde os primórdios do Brasil, empresas
que se fundaram para a exploração do babaçu foram todas condenadas ao fracasso. E até
nossos dias essa indústria extrativa ainda não mereceu da parte dos próprios
interessados, como dos poderes públicos, aquela atenção necessária à solução cabal do
problema. (O presidente Jânio Quadros nomeou um grupo de trabalho que lhe desse os
dados necessários à solução do caso. A convite do governador de Goiás, tomei parte
como representante do Estado nêsses estudos. E tenho a satisfação de comunicar aos
senhores, sem empáfia, que a nossa tese foi a vitoriosa, naquêle conclave, de
representantes do Pará, Maranhão, Piauí e dos ministérios da Agricultura e Viação,
Bancos do Brasil, Desenvolvimento Econômico e do Banco Nacional Cooperativa. Do
relatório que o grupo enviou ao presidente, resultou um decreto com as características
de resolver o momentoso problema. Êsse decreto é datado de 5 de agosto de 61 e
publicado no Diário Oficial do mesmo dia. Dêsse conclave trouxe as conclusões ao
nosso govêrno, que tomou todas as medidas necessárias para a solução racional do
assunto, entre nós).
Daí a pergunta: êsse problema terá solução que corresponda aos interesses da
indústria? A resposta será dada na demonstração que vamos desenvolver. Mas,
antecipamos essa resposta, para satisfazer a vossa curiosidade, citando uma opinião de
autoridade incontestável. William Lever, mundialmente acatado, o qual fundou diversas
companhias com enormes capitais, em várias possessões na Ásia, na África,
principalmente nas Filipinas, para plantio e industrialização do côco da Bahia – “copra”.
William Lever afirmou, em publicações divulgadíssimas que “não existe melhor
negócio, em tôdo mundo, do que a exploração do côco”. A autoridade dêsse homem é
tamanha que as companhias por êle organizadas sujeitaram-se a restrições por êle
estabelecidas, isto é, “dividendos só começarão a ser distribuídos após dez anos”.
“Não existe melhor negócio do mundo do que a exploração do côco”, repetimos.
E acreditamos. Veremos. Mas, descrevamos primeiro o que seja o babaçu. É uma
palmeira. É a mais bela palmeira do Brasil.
Não foi à toa que o grande vate maranhense, Gonçalves Dias, em delicada
fantasia, exaltou a palmeira que aninha o sabiá, cujo canto sonoro recordava de
Coimbra, saudoso, na “Canção do Exílio”. E nêsses 100 anos após não tem sido mais
que poesia.
O seu hábitat compreende principalmente o Maranhão, Goiás e Piauí, havendo
menos densamente em outros Estados.
Nativa no Brasil. Atinge até 20 metros de altura. Tem vida longa. Vai aos 300
anos. Começa a frutificar aos 20 anos. Muito produtiva. Cada palmeira, em média, dá
800 a 1.000 cocos, anualmente, ou seja, 8 a 10 quilos de amêndoas. Todas as partes da
palmeira são aproveitáveis. Palhas – ou palmas – servem para cobertura de casas; para
fabricação de cordoames empregados com vantagem nas embarcações marítimas,
porque resistem à ação do sal; para chapéus, bolsas, peneiras, cestos, esteiras, etc.
Tronco – do tronco, além do palmito, tão procurado como comestível, retiram-se ripas,
celulose e outros produtos empregados como fertilizantes (adubos, etc.). Côco – côco é
irregular na forma e em tamanho, dependendo das condições do cocal. Varia, em
tamanho, entre um ovo de galinha e um côco da Bahia, descascado. Pesa de 40 a 400
gramas. O de Goiás é maior do que o de outros Estados. Já fizemos disso prova na
Usina Piloto da Sociedade Anônima do Gás, do Rio, destinada aos estudos de
combustíveis susceptíveis de produzirem gás. O côco é composto de casca e amêndoa.
A casca se dobra em pericarpo, mesocarpo e endocarpo. O pericarpo, parte fibrosa
corresponde a 15% do tôdo; contém celulose. Serve para fazer tapetes, capachos, etc.
Quando verde, produz fumaça que serve para coagulação do látex de borracha. O
mesocarpo corresponde a 20% do côco, farináceo, empregado em mingaus, bebidas
nutritivas, material isolante, empregado também na fabricação de dinamites. Endocarpo
constitui a maior parte do côco – 55%. Com êle se fabricam várias utilidades, botões,
isoladores e a sua maior importância está na sua transformação em coque – carvão
vegetal, empregado com êxito notável na fundição de metais, e pelos vários produtos
que resultam da sua destilação – álcool, tintas, alcatrão, petróleo e gás. Amêndoa – parte
mais interna do côco, do qual representa 10%. De largo emprego na indústria. Produz
óleo alimentício e industrial e tortas. E o caso sobe de importância quando se sabe, ao
certo, que no Maranhão há 40 bilhões de palmeiras, mais de dez bilhões em Goiás e
outro tanto no Piauí.
Produzindo cada palmeira 8 quilos de amêndoas, poder-se-ia, aproveitada tôda a
produção, obter, em número redondo, 500 bilhões de quilos de amêndoas. No prêço
atual do óleo – notem bem – só do óleo, sem falar noutros produtos resultantes da
operação, corresponderia a uma soma astronômica em cruzeiros – 300 bilhões de quilos
de óleo, a CR$ 100,00, é igual a 30 ou 40 trilhões de cruzeiros. Entretanto, a maior safra
até hoje, a de 1948, que atingiu apenas 80 mil toneladas, ou 80 milhões de quilos de
amêndoas, ou 400.000 vêzes menos do que poderíamos produzir.
Assim mesmo foi para atender a um oferecimento de prêço recorde do govêrno
norte-americano, que desejava 200.000 toneladas, dispensando também direitos
alfandegários para o produto nos Estados Unidos. Damos-lhe, apenas, a 10ª parte.
Nessa ocasião, Fortune, revista norte-americana, em longo editorial,
acompanhado de ilustrações, disse que o babaçu é o pesadelo do Brasil. Êsse artigo, que
estudou a imensa possibilidade dessa riqueza, assegurou que o babaçu vale quatro e
meia vêzes mais do que o café. Realmente, e além do óleo, como produto principal da
amêndoa, e de que o mundo está morrendo de fome, oferecendo-nos mais o babaçu,
petróleo, coque e gás. Até há pouco, tinha-se que o não aproveitamento do babaçu era
devido à falta de um processo que facilitasse a quebra do côco.
Um processo inventado pelo festejado técnico patrício, Dr. Antônio Vivaqua
Filho, levado a efeito em Minas e com demonstrações práticas no Rio de Janeiro, cerca
de 10 anos atrás, abriu largo e luminoso horizonte à liberdade econômica do Brasil pelo
aproveitamento inteligente do côco babaçu, dispensando-lhe a quebra. Êsse processo
consiste na transformação das oleaginosas em produtos petrolíferos, carbonáceos,
gasosos, tendo como ponto de partida não os óleos, mas sim os frutos oleaginosos, no
caso, principalmente, o babaçu, quer integral ou em casca. Com uma única
aparelhagem, simples, fabricada mesmo no Brasil, pode-se obter todos os produtos e
subprodutos de petróleo do babaçu. Quarenta produtos foram obtidos, os quais podem
ser desdobrados em centenas de subprodutos, inclusive os mais importantes – coque
siderúrgico e gás.
Sentimos todos os dias a alfinetada deprimente, de inferioridade de
subdesenvolvido, sem, muitas vêzes, buscarmos saber a causa dêsse estado de coisas,
Reside na nossa pouca produtividade. Estamos ainda na civilização muscular. Tôdo o
nosso esfôrço produtivo baseia-se na energia muscular (gasolina de cotovelo). Os
Estados Unidos e outros países civilizados assentam sua produção na energia do carvão,
do petróleo e da fôrça hidráulica. Um homem produz, nêsses países, 10, enquanto nós,
na China, na Índia, produzimos 0,50. Somos países escravizados. Não podemos
transformar as próprias matérias-primas em produtos essenciais à vida civilizada.
Quando tomamos parte na Conferência de Araxá, por delegação da Federação
das Indústrias de Goiás, em tese que ali defendemos transcrevemos o seguinte estudo
publicado na véspera, pelo “Correio da Manhã”:
Nós importamos 3.800 milhões de cruzeiros de produtos manufaturados, de
origem mineral. Pelos preços da matéria-prima valeriam apenas 854 milhões. Como
sairmos dêsse estado? Pela agricultura? Pela pecuária? Pela mineração? Impossível, sem
mecanização, sem rede de transporte, dependentes ainda do petróleo e do carvão.
Sòmente pelo combustível sairemos do pauperismo. O nosso carvão é de má qualidade.
Resta-nos o petróleo. Ou explorá-lo, para sairmos do grupo dos países de civilização
muscular, ou permanecermos escravos.
Citei êsse trecho, em abono de nossa tese, que assim concluía: Ora, se possuímos
uma riqueza natural, imensa, como é o babaçu, porque não o aproveitarmos, como
alavanca de Arquimedes, para darmos uma reviravolta nêsse mundo de miséria em que
ainda vivemos?
Porque se retarda uma obra que o país reclama, brada e exige, como necessidade
primária para que afirma sua soberania econômica, como libertação inicial das algemas
que o manietam e aniquilam?
Se o mundo batalha pela posse dos centros da produção da Copra, de
aproveitamento mais difícil do que o babaçu, que impede que esta maravilhosa
palmeira, que cresce exuberantemente em nossas vastidões, não se transforme em
produtor da matéria-prima, não representa obra segura. Nesta época, em que se quer
atingir a lua, ainda temos párias, lidando no nosso meio, como sustentáculos de
empresas industriais. Só mesmo a extrema penúria dos sertanejos abriga-os ainda a
extrair um punhado de amêndoas. E todos sabemos que a melhoria de certas espécies
vegetais, em virtude de processos científicos, ou racionais, pela seleção; o aumento da
produção per capita do trabalhador pelo aperfeiçoamento técnico, concorrem para o
progresso da indústria. Aqui me ocorre o seguinte pedido: se há aqui entre nós algum
filiado ao Partido Trabalhista, eu concito-o a levar para o programa de sua agremiação o
grande, o patriótico empenho de elevar os babaqueiros a uma vida à altura da dignidade
humana. Ao invés de, frente aos Institutos de Previdência, estarem conseguindo
financiamento para seus adeptos das cidades, voltem as vistas para essa pobre gente,
que, aliás, constituirá até mesmo mais vantajosa a messe eleitoral. Defendamos as
massas se almejamos uma pátria próspera e feliz e capaz de se defender. Ou se ajusta
essa gente à indústria organizada, ou êsses proletários rurais cairão nos braços da
assistência pública.
Segunda Parte
Do que vimos, não temos óleo nem se explora o babaçu por falta de maquinismo
eficiente para a quebra de côco. Veio Vivaqua e mostra que o babaçu pode ser
aproveitado sem ser preciso a quebra do côco, retirando dêle petróleo, coque, gás, cujas
aplicações já focalizamos.
E o babaçu continua inexplorado. Nascendo e morrendo nas florestas. E os
poucos pobres que procuram tirar dêle assim como está, ficam mais miseráveis que
dantes eram. Dá mal para matar a fome, E a mina vegetal de ouro inesgotável continua
inexplorada. Mas apesar do que aí está, penso e ouso afirmar que esteja reservada ao
babaçu a liderança da economia nacional. É que a causa principal, ou o obstáculo à sua
racionalização ainda não foi atacado. Daí a razão do fracasso das empresas, diante da
abundância da matéria-prima. É o que pretende esclarecer, isto é, mostrar que a
principal causa, que se opõe à exploração proveitosa do babaçu, reside na
superficialidade lastimável com que tem sido encarado o problema. Até aqui não
racionalização do trabalho nessa indústria. Nem óleo, nem petróleo, nem coque, nem
gás, com a sua procura imensa e os mil e um demais produtos que se podem extrair do
côco, os quais resolveriam muitos outros problemas, têm podido fazer a sua exploração
eficiente pelo sistema atualmente adotado. Simplesmente por falta de côco. E as
florestas infindas descritas? Aí é que está a incógnita do babaçu. A chave do problema
está na coleta do côco. O sistema atual de “catar” o côco é empírico e o responsável por
tudo que tem havido de desengano no babaçu, a ponto de se supor que êle seja uma
ilusão. A coleta, como é feita atualmente, no estado em que se acha o babaçual,
contínuo, silvestre, compacto na sua exuberância de vegetação, a floresta espessa e
selvagem, além de não produzir suficientemente, dificulta a penetração do homem, na
“apanha” do côco, colocando o produto acima de sua utilização econômica, Já dissemos
que um homem, pelo método até agora adotado, colhe dois mil quilos de amêndoas
anualmente, quando, pelo sistema que indicamos, essa produção atinge a 30.000, no
mesmo período. Como se deve proceder, então, para resolvermos o impasse? Colocando
o trabalhador em condições de recolher, racionalmente, o produto. É o único meio.
Desde 1944 batalho por que se adote o método adequado, por mim apresentado à
Conferência Brasileira de Imigração e Colonização, realizada naquela época em
Goiânia, e em 1951, oferecido ao Conselho Nacional de Economia e que constituiu
objeto de suas observações e foi adotado em relatório enviado ao Sr. Presidente da
República. Êsse método consiste em possibilitar a produção a baixo prêço: a) pelo
ajustamento dos cocais; b) pelo povoamento dos cocais; c) pela mecanização da coleta.
O prêço é um dos fatôres mais importantes em qualquer indústria, quer quanto ao da
matéria-prima, quer se refira ao do produto, tendo-se em vista que o consumidor
também deve participar dos lucros da empresa. Por outras palavras: sua matéria-prima
barata não subsistirá a indústria, atendendo à capacidade aquisitiva do consumidor e à
concorrência científica de outros povos.
Sabemos que quanto mais reduzido o custo da produção, maior possibilidade de
lucros. E sem lucros nenhum empreendimento industrial poderá existir. Assim, no nosso
caso: se um homem, no estado atual dessa produção, só pode colher 250 côcos por dia
(75 kg), que correspondem a 8 quilos de amêndoas, ou ainda 4 quilos de óleo, porque
prêço não sairá o produto da primeira mão dos agentes dessa produção?
Dessa operação resultaria impossível, por falta de mercado, a venda do produto
em estado de utilizar-se na alimentação, por exemplo. Com baixa produtividade, no
setor inicial, que à da colheita da matéria-prima, e indústria será também de baixa
produtividade. Isso é que ocorre para ser impraticável a exploração do babaçu, dentro
dos métodos até aqui adotados.
Nas condições atuais, tomando-se por base apenas o aproveitamento do babaçual
do norte de nosso Estado, e se o homem se sujeitasse a ganhar 60 cruzeiros diários, a
sua custa, para apanhar côco entre os coqueiros nativos, seria necessária a metade da
população do estado para colher os cocos em condições de aproveitamento industrial.
Por que prêço não seria o produto da sua primeira manipulação?
Ainda mais: e que garantia oferece uma indústria, se não possui os seus próprios
trabalhadores? Fiar-se em côcos “catados” por quem nenhum vínculo obrigacional
mantenha com ela, a fábrica corre o risco de, a qualquer afloramento de outro interesse
melhor, ficar sem matéria-prima. Torna-se uma indústria aleatória, e por isso cara, e,
nêste caso, insubsistente.
É o que vem acontecendo com a indústria oriunda do babaçu. E como sabemos,
o objetivo elementar de qualquer indústria é de compensar condignamente todos os que
nela colaboram inclusive o capital sem pôr de lado a parte social representada pelos
impostos arrecadados destinados ao bem estar geral. Não constitui assim uma riqueza
básica de influência creditória.
Um fazendeiro de café traz as suas transações bancárias na base do número de
pés dessa planta, que possui. Duvido muito que um banco de fie na produção anterior de
uma usina de babaçu, a não ser com outras garantias subsidiárias, que sobreponham ao
crédito pretendido do quarenta por cento.
Ajustar os cocais aos fins industriais
Êsse é o suporte técnico da racionalização produtiva, sem a qual não haverá,
nunca, o aproveitamento econômico do babaçu. Disso resulta: 1º Completa abolição da
coleta manual dos cocos, removendo a carestia incompatível em relação ao valor
produtivo das amêndoas. Por ela (a coleta manual) não há, no estado nativo em que vive
o babaçual, nem produtividade nem consequente rendimento econômico. E assim
repetimos, relegada ao empirismo, tem sido objeto de fracassados empreendimentos, e
está sendo já considerada uma ilusão, a indústria do babaçu. Daí vemos que ontem era
considerada a quebra o espantalho da indústria do babaçu. Tudo girava em torno dela.
Era o empecilho da indústria do babaçu. Máquinas e mil e um processos foram
inventados. Não se resolveu o assunto. Porque a chave do problema babaçu, como
vimos, está na coleta mecanizada.
Como ajustar os cocais
Já expus, em tese defendida junto à Conferência Brasileira de Imigração e de
Colonização, realizada nesta cidade, da seguinte maneira:
Não vamos pensar em estabelecer culturas novas do babaçu, porque teríamos
que esperar duas ou três décadas até que as palmeiras produzissem. Nosso trabalho, ao
contrário, baseia-se no aproveitamento das reservas já existentes. Apenas teríamos de
eliminar a vegetação daninha que asfixia as palmeiras reprodutivas e dificulta o acesso
dos trabalhadores. Teremos de fazer uma eliminação racional dos indivíduos
decadentes, de modo a permitir a existência de árvores sadias sem se arriscar às cobras,
sem lutar com os roedores, sem peso para conduzir às costas, sem perda de tempo.
Enquanto o prêço da lã está sujeito a todas as despesas da família, a da 2ª está livre,
podendo garantir a qualquer empreendimento industrial.
Um exemplo: A produção atual de Goiás é de 400.000 quilos de óleo por ano, ou
seja, 700.000 quilos de amêndoas. Para essa produção são necessários 350 catadores de
côco. Quando, num só núcleo de habitantes, com 60 lotes, ou seja, 240.000 palmeiras,
dois caminhões recolhem, com apenas 6 empregados, o dobro dessa produção. É
irrisória essa produção, diante das possibilidades de que dispomos de matéria-prima.
Vamos analisar o prêço dessa produção e suas consequências, para exemplo de que
estamos afirmando. Primeiro – 700.000 quilos de amêndoas requerem 350
trabalhadores, durante um ano inteiro. Pagos a 100,00 diários, 350 multiplicados por
100,00, em 300 dias, equivalem a Cr$ 10.500.000,00. O óleo 400.000 quilos, a Cr$
100,00, vem a somar Cr$ 10.000.000,00.
Como vemos, dá para se ganhar na indústria, à custa da miséria do trabalhador e
escorchando o consumidor. Assim sendo, não haverá produção da comunidade nos
lucros das atividades humanas. Demonstrada a possibilidade da exploração econômica
do babaçu, lembremo-nos de que, assim como Goiânia foi inspirada de Brasília,
também de Goiás pode partir o grande evento do babaçu. Mesmo porque foi daqui a
ideia adotada pelo C.N.E., que estudou o ante-projeto que foi ao Congresso com
mensagem do Executivo, com o seguinte programa: terra ao homem e espaço à
palmeira, slogan adotado pela cooperativa que fundamos em 1944, em Tocantinópolis.
Aos poderes públicos e às indústrias oleíferas cabem pôr mãos à obra, pelo
caráter patriótico do empreendimento e pela própria segurança dos industriais. Ao
Estado cabe, segundo o moderno conceito de economia, como verdadeira função
pública, valorizar o trabalhador, proporcionando-lhe meios favoráveis para produzir nas
devidas condições de eficiência.
UM ESTUDO ANTROPOLÓGICO:
A FORMAÇÃO CULTURAL DE GOIÁS (1)
Antônio Theodoro da Silva Neiva (2)
A formação cultural de Goiás remonta ao próprio momento da descoberta,
quando o Anhangüera reconhece o lugar em que estivera com seu pai, 40 anos antes, e
resolve permanecer, construindo as bases físicas da sociedade.
Sítio do Ferreiro ou Barra, aí nasceu o primeiro agrupamento, esboço do arraial
de Santana, cuja capela se inaugura a 26 de julho de 1727. Nasceu também aí, o traço
básico da cultura não material, exatamente aquêle que reúne os homens, no sentido
divino. A vida jurídico-administrativa de Vila Boa instala-se, oficialmente, a 26 de julho
de 1739. Fundadas a Igreja, a Câmara Municipal e o Pelourinho, ficavam ainda as
relações jurídico-administrativas presas à Comarca e Capitania de São Paulo. Em 1749,
com a investidura de d. Marcos Noronha, surge o govêrno próprio. Corta-se o cordão
umbilical, integrando-se, por êste meio o novo ciclo de cultura. Já sabemos o que
significa, em Antropologia, a palavra cultura. Soma total das criações humanas, como a
definiu Artur Ramos; ou expressão harmônica do sentir, pensar, querer, poder, agir e
reagir de uma unidade social, expressão essa que nasce de uma combinação de fatôres
hereditários, físicos e psíquicos com fatôres coletivos e morais e que unida ao
equipamento civilizador (instrumentos, armas, etc.) dá a unidade social, a capacidade e
a independência necessárias à luta material e espiritual pela vida – como a conceituou
Baldus, de qualquer modo, a cultura como somatória de tudo que o homem faz ou
produz, no sentido material ou espiritual, constitui uma resposta ao meio ambiente, um
processo de adaptação a êste através de inventos criados por satisfazer necessidades.
Como réplica à pressão do ambiente, cada sociedade cria processos e realiza inventos
distintos. Assim, para um perfeito entendimento da formação cultural de Goiás, é
indispensável que analisemos a interação das três raças, que reagiram entre si e o
ambiente histórico-geográfico, que constituiu o manancial dos estímulos para a gênese
cultural. Paulo Prado, em seu livro Retrato do Brasil, ressalta, no caráter do povo
brasileiro, certos atributos que, segundo êle, constituíram herança de nossos
antepassados. A luxúria e a cobiça, por exemplo, tiveram entroncamento na paixão
genésica que fatigou o português e o índio; e na fome de ouro, que incendiou a alma
lusitana, no século XVIII, entroncou-se a tristeza da nova raça a que o africano pagou o
atributo de exilado e de escravo. Mas o brasileiro, como bem pondera Fernando de
Azevedo, apoiado em arguta observação de Humberto de Campos, não é absolutamente
um povo triste, nem tem de onde lhe advenha êste mal. E continua: “O português é
jovial, festeiro, comunicativo.” Provam-no a alegria de seus vilarejos e os seus
folguedos campestres em que predominam os bailados nacionais. E o nosso índio não o
era menos. As suas festas bulhentas, tumultuosas, duravam dias, e às vêzes, semanas. O
nosso indígena, isoladamente, mostrava-se, de fato, taciturno. Mas ser taciturno não é
ser triste. A taciturnidade é uma das características dos povos caçadores e torna-se um
hábito pelas próprias exigências da ocupação. O silêncio e a quietação não significam
assim tristeza, que só poderia vir do desgosto da vida. Os nossos silvícolas viviam
satisfeitos da sua condição. De outro lado, esta “apagada e vil tristeza” não mergulha as
raízes nos africanos, que antes comunicaram à nossa vida doméstica uma nota festiva e
cujas reservas extraordinárias de alegria e robustez lhes permitiram tolerar bem –
escreve Gilberto Freire – o ramerrão tristonho da lavoura da cana em que falharam os
índios.
Sem dúvida alguma, o homem possui uma herança constitucional ou biopsicológica na qual o hábitat e os fatôres genéticos e socioculturais desempenham um
papel interatuante. O ponto de localização dessa herança é o corpo do individuo com
suas estruturas e tendências comportamentais (3). Se o fenótipo, ou morfologia
orgânica, resulta de uma complexa interação de fatôres genéticos, ambientais e
socioculturais, não há, entretanto, capacidades uniformes inatas a raças. As qualidades
psicológicas não se ligam genèticamente a aspectos raciais (côr da pele, natureza do
cabelo, etc.). Em todas as raças, o potencial genotípico é variável entre os indivíduos, ou
heterogênea a capacidade de reagir a estímulos culturais. O conceito de superioridade
racial vem do erro científico de se admitir a existência de correlação de caracteres
genéticos e padrões de comportamentos culturais, acreditando-se na uniformidade
dêstes em relação a todos os indivíduos de uma raça. Êste foi o supremo erro dos
nazistas ao admitirem a superioridade dos dólico-louros; e o de quantos afirmam que
todos os orientais são inerentemente industriosos; todos os nórdicos, individualistas;
todos os negros, de talento musical; e todos os índios, apáticos (4). Os antropólogos
sustentam que os rumos do comportamento não são devidos a uniformidades genéticas
inerentes a cada indivíduo, mas devido à tradição cultural da população. Os
comportamentos estão ligados a valores, objetivos, ideais peculiares a determinadas
culturas. A cultura goiana, bem assim a brasileira, tinha de herdar do povo lusíada a sua
forma atual. A argila portuguesa – escreve Fernando de Azevedo –, lançada no molde
do mundo americano, então tôdo por colonizar, saiu, evidentemente, transformada; é um
sopro sempre poderoso que animou a estátua antiga. Eis que não se pode explicar o
caráter e predizer o futuro de um grupo humano, apenas em função de sua composição
étnica, porque os fenômenos religiosos, morais, econômicos são sociais e não raciais. A
cultura é corolário de um complexo de fôrças externas e internas. Dotada de extremo
dinamismo, cresce pela difusão e pela invenção. Assim, os hábitos físicos e mentais, as
concepções de vida e as técnicas de trabalho tinham que, forçosamente mudar com os
contatos e a interpenetração das três culturas, que se encontraram na mesologia
brasileira. Em Vila Boa, no Planalto Goiano, houve uma repetição intensa dos
fenômenos que tiveram por moldura a linha litorânea. Lá, como em todos os núcleos
surgidos no sertão, ocorreu uma verdadeira orgia de sexo. Era natural isto; não havia
mulheres brancas e o intercurso do português e mestiços com as negras e índias tinha de
ser forte. Foi a primeira mudança. Das causas da segunda. Fala melhor êste trecho
selecionado de um estudioso:
As sociedades que se organizam nas regiões, onde a mineração constitui o
fundamento da vida, são sempre marcadas pela mobilidade e pela
intranquilidade, mobilidade resultante dos descobrimentos continuados, que
exigem os vaivéns dos grupos de trabalho e, da exaustão a que descem os
filões; e intranquilidade consequente aos choques que se verificam entre os
grupos que disputam os veios, ou pretendem, desprezando o regime da lei,
enfrentar as autoridades, ou sobrepor-se a elas. Os elementos que integram
êsses organismos sociais, na generalidade aventureiros, audaciosos, são
homens irrequietos, saídos de todas as camadas, preferentemente das menos
elevadas. Com o andar dos tempos, vencida a indisciplina, estabelecida a
ordem política, alterada a atividade econômica dos mineiros, a paisagem
toma novas cores. E a sociedade sedentariza-se desenvolvendo-se dentro de
um nôvo ritmo. Foi o que ocorreu na Austrália, no Transvaal, na Califórnia.
No caso do Brasil Central, vamos encontrar êsse quadro, que foi também o
que apresentaram as Minas Gerais e o Mato Grosso do ciclo colonial da
mineração. (A. C. Ferreira Reis. Goiás, Uma Nova Fronteira Humana)
De fato, estas ocorrências são pintadas com tintas vivas pela tonalidade dos
historiadores goianos: Zoroastro, Americano do Brasil, Alencastre, Cunha Matos, etc.
Mas a terceira mudança não tardaria; veio após o declínio da mineração, quando a infraestrutura econômica passou a ter base agrária e pastoril. Viviam, na Capitania, 60 mil
indivíduos, descendentes dos sertanistas do século XVIII. Constituíam uma população
mestiça. O índio recuara para o Norte. O negro diminuíra. O branco escasseara. A
explicação dêste panorama étnico reside no minguar das correntes imigratórias e na
perseguição do índio. Após a independência, a população cresce pela entrada de
maranhenses, baianos e mineiros; crescem também a agricultura e o criatório. Define-se
uma sociedade goiana, tìpicamente brasileira, cujos traços principais são: a Família
Rural, a Igreja e a Escola. Os fundamentos religiosos datam de 1727, quando se erige a
capela da Santana; os jurídicos e administrativos vinham da proclamação da descoberta,
em 1749. Quanto à Escola, leiamos o que escreve Saint-Hilaire:
Na época em que Goiás era ainda um Estado próspero, não se descuidara da
instrução da mocidade: criou-se em Vila Boa uma cátedra de Filosofia e de
Moral, uma de Retórica, uma terceira de Gramática Latina, e, para completar,
contratara-se um mestre de ensino primário. No começo dêste século (XIX),
o Conde da Palma, Governador da Província, teve a ideia de fazer economia;
incluiu na sua reforma vários professores, e, na época de minha viagem, não
havia em tôda a Província, mais do que um professor de Gramática, em Meia
Ponte, um outro em Vila Boa, e um mestre-escola em cada uma das
principais povoações. Pohl, que visitou Goiás em 1839, diz, pela boca de
Kidder, que o número das escolas primárias se eleva, nesta Província, a 60
para meninos, 2 para meninas, existindo 5 ou 6 escolas de ordem mais
elevada. (Saint-Hilaire. Viagens às Nascentes do São Francisco e Província
de Goiás).
Só em 1846, no govêrno de Joaquim Inácio de Ramalho (Barão de Ramalho),
inaugura-se a primeira Escola Secundária do Estado, pela Lei nº 29, de 20 de julho de
1846: o Liceu de Goiás. Anteriores ao Liceu e de nível secundário são as aulas do pe.
Luís Antônio da Silva e Souza, que não cobrava de seus alunos.
Em 1872, surge o Seminário de Santa Cruz, instituído por d. Joaquim. Em 1898,
a Faculdade de Direito; e após a revolução de 30, multiplicam-se as escolas primárias,
normais e ginasiais; fundam-se: o Instituto Histórico e Geográfico, o Museu Estadual, a
Academia Goiana de Letras, o Instituto de Educação e vários estabelecimentos de
ensino de nível superior: Faculdade de Farmácia e Odontologia, Faculdade de
Engenharia, Faculdade de Filosofia, Escola de Enfermagem, Escola de Belas Artes, etc.
Estas são brilhantes antecipações das Universidades, que apareceram: a Católica em
1959, e a Federal em 1960. A imprensa goiana data de 1830, quando surgiu, em Meia
Ponte, a Matutina Meiapontense dirigida por Joaquim Alves de Oliveira. O Correio
Oficial, impresso nas oficinas daquêle órgão particular, circula em 1837. Daí em diante
são numerosos os jornais e revistas goianas, que vão levando o pensamento literário,
político e científico por todos os recantos do Estado e para o resto do Brasil.
No entanto, se os fundamentos culturais de nosso Estado, fundamentos sociais,
econômicos e religiosos constituíram-se, remotamente, a partir do advento do
Anhangüera, em 1725 (5), inquestionável é que só puderam desenvolver-se, ostentando
complexidade
e
peculiaridades,
quando
existiram
condições
favoráveis,
ao
desenvolvimento. Os alicerces ou fundamentos são sempre idênticos em panoramas
culturais de um mesmo ciclo, como os sistemas latino-americanos.
No principio, a família, a igreja, o pelourinho. A lavoura, o criatório ou a
mineração formavam a infraestrutura econômica. Esta, a nebulosa primitiva de que
surgiram os complexos culturais de tôdo o continente. No Brasil, formaram-se assim as
províncias culturais do grande tôdo. Lembrem-se as palavras de Fernando de Azevedo
referidas há pouco: A argila portuguesa lançada no molde do mundo americano, então
tôdo por colonizar, saiu, evidentemente, transformada. Entretanto, a cultura é portadora
de um dinamismo intrínseco pelo qual cresce e se diversifica refletindo as condições
ambientais. Por isto – já o assinalamos atrás – dizem os antropólogos: a cultura é uma
resposta à mesologia. Tal definição reflete a verdade, pois sendo a cultura um complexo
de meios materiais e não materiais criados pelo homem, como arma na luta pela vida,
têm de acomodar-se às condições ambientes. Estas lhe determinam as dimensões e os
poderes, que são específicos. Daí as peculiaridades, os coloridos sui generis, os
regionalismos. Por isto, distingue-se uma cultura goiana, de uma cultura nordestina, de
uma cultura gaúcha etc., assim como se distingue também uma cultura brasileira, de
uma cultura francesa, de uma alemã, de uma inglesa, etc. A verdade é que nossa cultura
mediterrânea, antes de 1930, não podia crescer, nem expandir-se à míngua de estímulos.
Atílio Correia Lima, urbanista e idealizador do plano piloto de Goiânia, observou, com
justeza, que
o Estado de Goiás sofreu, como os outros Estados centrais de grandes
extensões, os males provindos da centralização comercial e industrial, no
momento em que passa do feudalismo agrário escravocrata para o trabalho
livre. É notório o aspecto desolador de tôdo o interior brasileiro, onde, a cada
passo, encontramos vestígios de prosperidade em épocas passadas. Essa
nova, era na economia nacional, abre um período de larga expansão ao
capitalismo, rompendo de direito os laços de um passado feudal, embora de
fato subsistam influências dêste sistema. Para as transformações profundas,
num ambiente que conserva ainda reminiscências de uma economia feudal
agrária e, conseguintemente, de uma sociedade que dela decorre, foram
precisas lutas tremendas. Entre as reformas de que carecia o Estado, para o
pleno desenvolvimento, destacava-se, como principal medida, a mudança da
capital.
Sem dúvida, as características feudais e agrárias da cultura goiana amarraram o
progresso por intermédio do insulamento, da rotina, do tradicionalismo. Uma das fôrças
responsáveis pelas mudanças culturais é o contacto, a intercomunicação, a difusão. Ora,
antes de 30, cada comuna goiana vivia isolada, ensimesmada, empelicada ou envolvida
por um meristema de tradições impermeável às influências externas. Os contatos eram
superficiais e intermitentes, no ritmo lento do carro de boi, ou no passo estradeiro das
comitivas. De quando em quando, aparecia o cometa vendendo a mercadoria produzida
nas cidades litorâneas, ou o juiz de direito, o médico, o advogado, ou o padre, que
vinham de fôrça, quando não fossem filhos da terra, que regressavam dos estudos,
depois de longa ausência. Goiás, a velha cidade fundada por Amador Bueno, não
possuía condições a fim de polarizar as atividades dos núcleos municipais, mobilizandolhes as potencialidades econômicas, imprimindo-lhes expansão e impulso centrífugos e
retemperando-lhes as energias espirituais. A Serra Dourada era como que uma
blindagem granítica, que tornava Vila Boa insensível aos anseios da comunidade
goiana. Era a capital do Estado, porque nela residia o govêrno, porque dela partia as
resoluções fiscais, vinculando-se aos municípios próximos e remotos apenas
polìticamente. Em última análise, a velha capital não tinha poderes para abrir as
fronteiras de Goiás a novas correntes culturais, nem possuía faculdades para irradiar
progresso material e espiritual. Já êste conhecimento se revela, em 1830, na idéia de
Miguel Lino de Morais, fazendo sentir a necessidade de transferir-se a capital do Estado
para outro lugar (imediações de Água Quente, no Norte de Goiás); no pensamento de
Couto de Magalhães, quando escreve:
a situação de Goiás era bem escolhida, quando a Província era aurífera. Hoje,
porém, que está demonstrado que a criação do gado e a agricultura valem
mais do que quanta mina de ouro há pela Província, continuar aqui é
condenar-nos a morrer de inanição, assim como morreu a indústria que
iniciou a escolha dêste lugar.
No interesse do governador Rodolfo Gustavo da Paixão em solucionar o
problema; no texto da primeira constituição republicana do Estado, quando diz: “a
cidade de Goiás continuará a ser capital do Estado, enquanto outra coisa não deliberar o
Congresso”; finalmente, na oração do dr. Pinheiro Chagas, quando focalizava, ao
empossar-se no govêrno, em 1930, a necessidade de transferir-se a capital, no menor
prazo possível. Coube a Pedro Ludovico fazê-lo, encarnado cìvicamente o ideal de seus
antecessores e a aspiração coletiva, que refletia uma necessidade histórica. O mérito
dêste homem decidido não está na originalidade, mas na compreensão de um importante
problema, cujo equacionamento encerrava o próprio futuro de Goiás, e, na virilidade
homérica com que soube vencer os imensos obstáculos que se lhe antolharam na grande
marcha, que foram a construção e fundação de Goiânia. As consequências desta
empresa arrojada e audaciosa foram tão grandes que se projetaram nos próprios destinos
da nacionalidade: sabe-se que além de um estímulo, a construção de Goiânia ensejou
uma série de experiências com que se beneficiaria, mais tarde, a de Brasília.
No tocante ao expandir cultural vinculado à mudança, refere-se êste argumento
extrapolado da apresentação da apresentação do livro Goiânia documentada, escrito em
1958, para comemorar o 25º aniversário da mais jovem metrópole estadual do Brasil:
Ressalte-se que com a mudança do eixo político-administrativo, a receita
estadual de cerca de 5 milhões de cruzeiros, antes de 1930, oscila atualmente
em torno de um bilhão de cruzeiros, com previsão, sujeita à retificação, de
um bilhão e seiscentos milhões de cruzeiros em 1959. E, agora, que completa
25 anos de existência, encontra-se entre os primeiros municípios brasileiros,
acusando surpreendente expansão de sua população. Em face do ritmo de
crescimento vertiginoso que anualmente apresenta, Goiânia, em dez anos,
poderá estar com sua população triplicada, isto é, na casa dos 300 mil
habitantes. Verifica-se, portanto, que a renda estadual, sob os efeitos da
mudança, aumentou em proporções imprevistas, atuando, de outra parte, para
favorecer não só o melhoramento do nível de vida de suas populações, como
intensificar a produção das atividades básicas da economia goiana –
agricultura e pecuária – além de dar forte impulso ao comércio e às indústrias
de transformação, apesar de que o estado, por motivos óbvios, não alcançou
ainda grau de industrialização apreciável.
Hoje que não se tem mais dúvidas quanto às benéficas influências de Goiânia no
processo de progressivo desenvolvimento do Estado até então amarrado aos elos de uma
economia de tipo feudal, fechada, inacessível aos empreendimentos de vulto, que
subsistia à custa da pecuária e lavoura produtiva, pode-se dizer que se transformou num
dos principais pontos de atração de capitais do Brasil, tal o surto de progresso que aí se
verifica, e passou a ocupar nos últimos anos um lugar de saliência no concêrto geral da
nação.
Note-se que os dados estatísticos mencionados no fragmento supra são
referentes ao ano de 1958, quando Goiânia comemorava o seu 25º aniversário. Hoje,
outro é o panorama, e pode-se dizer que, em decorrência da mudança, Goiás pode
apresentar, nêste dezembro de 1963, os seguintes índices de desenvolvimento cultural:
População do Estado: 2.239.000 habitantes (6)
População de Goiânia: 207.000 habitantes (7)
Receita Estadual: Cr$ 13.166.711.093,00 (8)
Receita Municipal de Goiânia: Cr$ 328.996.912,90 (9)
Salas de aula primária: 4 mil (10)
Matrículas primárias: 232 mil (11)
Estabelecimentos escolares de grau médio: 169 (12)
População escolar de grau médio: 19.619 (13)
Ensino Superior: Duas Universidades
Assistência Médico-Sanitária: 28 Postos de Higiene no interior e 8 em
Goiânia. (14)
Departamentos Hospitalares: 6 além de numerosos hospitais particulares na
Capital e no interior. (15)
Unidades Sanitárias: O plano MB prevê a instalação de 135 US no
quinquênio 1961-1965. (16)
Produção Agrícola: Cr$ 14.468.072.622,00 (arroz, milho, feijão, mandioca,
etc.). (17)
Produção Pecuária: Cr$ 78.824.659.067,00. (18)
Rebanho bovino: 6.616.755 cabeças (5º lugar no país). (19)
Êstes elementos estatísticos são atinentes apenas às expressões mais vigorosas
do desenvolvimento cultural goiano. Através dêles se pode conjecturar a respeito dos
restantes setôres. Como é patente, Goiás ainda não chegou à fase da industrialização.
Sua infra-estrutura repousa em atividades predominantemente agropecuárias. Tal fato se
deve em parte à carência de energia elétrica que, máxime, em Goiânia, tem travado a
expansão industrial, que jamais estêve paralela à agrícola e pastoril. Por isto, o Plano de
Desenvolvimento Econômico de Goiás (Plano MB) acelerou a construção das últimas
etapas da Usina Cachoeira Dourada, o que dará, em breve, às nossas necessidades uma
potência superiora 160 mil KW. Acha-se em elaboração um grandioso projeto para o
aproveitamento das possibilidades dos rios Corumbá, Claro e Tocantins, onde se iniciou
a construção das Usinas do Lajeado, Mosquito, Farinha e São Félix (tôdas no
Tocantins), que representa a passada inicial da industrialização da Zona Norte do
Estado, opulenta em minérios. E apesar da complexidade dessa tessitura cultural
entretecida a partir das primeiras passadas do Anhangüera em 1725 – temos ainda muito
que fazer, pois Goiás possui 64% de seus municípios sem profissionais de medicina,
67% de analfabetos e 300 mil crianças sem escolas (20).
(1) Capítulo do nosso livro a publicar-se sob o título ANTROPOLOGIA CULTURAL
DE GOIÁS.
(2) Professor de Antropologia Cultural do Centro de Estudos Brasileiros.
(3) Felix Keesing, in Antropologia Cultural.
(4) Idem, ibidem.
(5) Colemar Natal e Silva, in História de Goiás.
(6) Estimativa do Laboratório Nacional de Estatística do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística.
(7) Idem, ibidem.
(8) Lei Orçamentária do Estado de Goiás publicada no Diário Oficial de 31/12/62.
(9) Informação prestada pela Inspetoria do IBGE, em Goiânia, e relativa ao ano de
1962.
(10) Estatística colhida no livro Primeiro Plano de Desenvolvimento Econômico do
Estado de Goiás (Plano MB).
(11) Idem, ibidem.
(12) Idem, ibidem.
(13) Idem, ibidem.
(14) Idem, ibidem.
(15) Idem, ibidem.
(16) Idem, ibidem.
(17) Idem, ibidem.
(18) Idem, ibidem.
(19) Idem, ibidem.
(20) Idem, ibidem.
SE BACH FOSSE VIVO E BRASILEIRO
(As Bachianas Brasileiras de Vila-Lobos)
Maestro Jean François Douliez
Conservatório de Música da UFG
Estudando nas fontes e nas origens as inúmeras formas e os conteúdos da música
de João Sebastião Bach, teremos, inevitàvelmente, a examinar também os ritmos da
dança que, de preferência, adotou tão freqüentemente em suas obras.
Efetivamente, por que não dizê-lo desde o início, que quase tôda a música de
Bach é dançante? Dançantes são êsses ritmos que, não sòmente regulam o decorrer do
tempo musical, porém, também incitam o corpo humano a movimentos dançantes.
Os “puristas” podem objetar, que a música de Bach é completamente isenta de
quaisquer sentimentos sensuais; que ela é pura e ùnicamente espiritual.
Certamente, Bach espiritualizou suas danças, entretanto..., ficaram danças e,
danças até nos nomes: Minueto, Gavota, Giga, Louré, Bourrée, Allemande, Courante,
Sarabanda, Polonaise, Passepied, Siziliano, Passacaglia... quantas são! Tratadas,
melódica e periòdicamente como danças, Bach desencarnou e espiritualizou-as de tal
forma que, de vulgaridade sensual rítmica, não poderá haver mais questão. Aliás, o
ritmo bachiano é tido, ainda hoje, como tão erudito quanto a própria concepção
melódica e polifônica dêle, fazendo parte equilibrada dos três elementos que integram a
música: melodia, harmonia e ritmo.
O sentimento rítmico é, em geral, coisa que o povo europeu perdeu. Um
musicólogo suíço fala da “inabilidade rítmica dos povos da Europa Central” (René
Matthes. Educação Musical Elementar. Ed. Kassel. 1951. p. 12). Um alemão acha que:
A falta de sentimento rítmico é coisa comum na tradição musical dos países
noturnos (Abendlaendische Volker – os povos da velha Europa), onde existe
um curioso rompimento entre uma tão maravilhosa concepção melódica,
harmônica e formal de um lado e, do outro, o empobrecimento dos elementos
rítmicos. (Joachim Ernst Berendt. O Nôvo Livro do Jazz. Frankfurt a/M,
1959, p. 113)
Um inglês diz: “A maioria dos europeus do norte são mortos do pescoço para
baixo” (Rolf Gardiner. Comunicações da Associação Musical Britânica. Caderno do
mês de abril de 1957, p. 6).
“Não estranha então, que muitos compositores adotam a “motoricidade”, que
divida o tempo em batucadas absolutamente iguais e simétricas, o que finalmente
deveria produzir ritmo”. (Alfred Baresel. O Ritmo no Jazz e na Música de Dança.
Trossingen, 1955, p. 11).
Na realidade, êste fenômeno não é coisa comum na tradição musical dos países
da Europa, mas de todos os países civilizados.
Já Santo Agostinho, em seus escritos sôbre música, disse que:
de acordo com o sentido exato da palavra grega “ritmo”, e para uma boa
execução musical, é indispensável que a gente tenha uma certa experiência
do movimento, isto é: que a sonorização deve ter uma bem ordenada
movimentação rítmica.
No capítulo “De Música”, Santo Agostinho define a música como “scientia bene
modulandi” e a modulação como “quaedam peritia movendi”.
Na Idade Média, Berno, abade do Convento de Reichenau, na Alemanha,
escreve: “que segundo o exemplo dos antigos mestres, o homem fica aliviado de corpo e
alma pela bem ordenada musicalidade do ritmo da melodia” (“Cantilena ex veterum
corporisque compago delectatur”).
Heinrich Schultz, predecessor de J. S. Bach, já escreveu em 1623: “Que a alma e
a vida de tôda música residem na bem ordenada movimentação do compasso e do ritmo,
e na acentuação dos tempos fortes e fracos”. Também François Couperin, em seu livro
sôbre A Arte de tocar Piano, editado em 1717, disse: “Que o compasso (la mesure)
regula a duração e a simetria dos tempos, uma vez que o ritmo (le mouvement) constitui
o VERDADEIRO ESPÍRITO E A ALMA DA MÚSICA”. (L’Art de toucher le
Clavecin. Paris, 1717 – Nova Edição com textos em alemão e inglês de Anna Linde.
Wiesbaden, 1933, p. 24).
Não menos importante é, com respeito ao ritmo, o que encontramos no
Kurtzgefaszte Musikalische Lexicon, de Stoszel, publicado em Chemnitz no ano de
1737:
Movimento ou ritmo é, na música, uma coisa completamente diferente que o
compasso, não obstante a maioria não conheça essa diferença e tome um por
outro. O movimento ou o ritmo consiste na maneira exata em que uma
música é interpretada, o que dá vida à música, sem o qual a música é coisa
monótona e morta; e isto é um negócio de experiência, de “judicii et gusto”.
Também o Hamburguês Johann Mattheson, porte-estandarte da música
Bachiana, repetidamente chamou em seus escritos a atenção sôbre a
dificuldade de “discernir o verdadeiro movimento de uma peça musical, o
que é a mais perfeita expressão da Arte musical, que a gente sòmente atinge
pela experiência e os grandes dotes da natureza. (Johann Mattheson. O
Perfeito Maestro. Hamburgo, 1739. Edição em fac-símile, reeditada por
Margareta Reimann. Kassel & Basel, 1954, p. 173, parágrafo 27)
Ainda muitos outros grandes mestres da música atribuíram ao ritmo e ao
compasso um papel preponderante na música.
Aliás, os três elementos que formam a música: MELODIA, HARMONIA E
RITMO, devem ser equilibrados em cada composição musical. Suprimir o RITMO na
música, significaria amputá-la dos membros inferiores, as pernas, porque: melodia =
cabeça, harmonia = corpo, ritmo = pernas.
Qual era a atitude de Bach perante o problema do ritmo? Conhecê-la através dos
estudos sôbre Bach do prof. Johann Mathias Gesner, amigo de Bach, reitor da
Thomasschule, da qual Bach era o “Kantor” é indispensável para qualquer estudioso da
arte musical. O prof. Gesner, que mais tarde foi professor de Filologia Clássica na
Universidade de Goettingen, na Alemanha, caracterizou Bach como “membris omnibus
rhytmicus” (Institutiones Oratoriae, 1738).
Que Johann Sebastian Bach estava fortemente influenciado pelos ritmos de
dança não é sòmente testemunhado pelo prof. Gesner, mas sua própria música nos dá a
maior prova disso. Mais de trinta Suítes de Bach, com cada uma, pelo menos, quatro
movimentos diferentes, são danças. A maior parte das outras obras de Bach, tanto
vocais como instrumentais, religiosas e profanas, são peças e ritmos de danças.
Além disso, as peças para piano, que escreveu entre 1722 e 1725 para sua esposa
dona Anna Magdalena, são polonaises, marchas, minuetos, bourrées e outras danças. As
Partitas ou Sonatas para violino só, são todas elas danças, inclusive a Chaconne.
O valor que Bach atribuiu às danças para o ensino da composição nos é
testemunhado por um dos seus alunos, Johann Philipp Kirnberger, em sua Teoria Geral
das Belas Artes. Escreve êle:
Os bons professores de música sempre incentivaram seus alunos a tocar e
compor peças de dança; Bach também o fez sempre com preferência, a fim
de familiarizar seus discípulos com o mecanismo do compasso e do ritmo.
Isto serviu ao mesmo tempo como exercício de interpretação. Os diferentes
compassos, os vários ritmos e movimentos imprimiam à música o caráter de
expressão, com o qual os instrumentistas ou os compositores têm que se
identificar. Quem quer conseguir uma interpretação rítmica exata é
aconselhado seguir a orientação de um bom professor de música e
SIMULTÀNEAMENTE DE UM BOM PROFESSOR DE DANÇA.
Ninguém deveria pretender que as peças de dança não têm bom gosto: elas
têm mais do que isso, elas têm caráter e expressão.
Mais além, Kirnberger escreve:
Que isto não implica que o instrumentista deve fazer movimentos antiestéticos como corpo durante a execução de uma peça bem ritmada; Bach, o
grande João Sebastião Bach, nunca fez a menor grimaça, nem movimento
com o corpo, quando tocava e, apenas, enxergava-se o movimento de seus
dedos. Isto não quer dizer que Bach estava sentado no instrumento como um
pau, não: para o “omnibus membris rhytmicus”, coisa semelhante seria
impossível, porém, cada movimento do seu corpo era tão gracioso e
sincronizado com o ritmo da peça que tocava que apenas seus movimentos
pareciam reflexos naturais.
Ainda mais convincente é a declaração do próprio filho de Bach, Felipe
Emanuel, que encontramos no capítulo “Da Interpretação da Música do meu Pai” do seu
famoso Método, dizendo:
Nem meu pai, nem qualquer outro membro da minha família, tocavam cravo,
piano ou órgão, fica sentado no instrumento como uma estátua de bronze.
Porém, tão feios e prejudiciais são os movimentos antiestéticos do corpo,
quanto mais úteis são os bons, à condição que ajudam os auditores na
compreensão do ritmo.
O mesmo Felipe Emanuel Bach, tão genial quanto o próprio pai, criador da
forma definitiva da “Sonata”, teve como professor de ritmo o Mestre de dança francês
De la Selle, que ensinava na Academia dos Cavalheiros e na Michaelisschule em
Luneburgo, onde o jovem Bach estudava (Gustav Fock. O Jovem Felipe Emanuel Bach
em Luneburgo de 1700 até 1702. Hamburgo, 1950. Capítulo “Musikforschung” IV, p.
233 f.).
Finalmente, o grande musicólogo Johann Nicolaus Forkel, em seu livro Sôbre
Johann Sebastian Bach – Sua Vida, Sua Arte e Suas Obras (Leipzig, 1802. Reedição de
J. M. Muller. Augsburgo: Blattau, 1925. Fac-símile Frankfurt a/M, 1950), diz o
seguinte:“Os compositores deveriam introduzir em suas obras uma multidão de ritmos
de danças, que, infelizmente, se perderam (já em 1800) e usá-los, a fim de dar mais
caráter às composições”. (p. 52). E mais além:
Também êsse ramo da arte musical, Bach o manejava mais e muito além do
que qualquer um dos seus predecessores ou contemporâneos. Nenhum ritmo
de dança do seu tempo ficou inutilizado por êle, a fim e dar às suas peças
mais caráter e mais diversidade de ritmos. Sua habilidade no manejamento
dos ritmos de dança era tão grande, que mesmo em suas “Fugas” aparecem
do começo até o fim. (p. 52)
Concluímos deste pequeno estudo sôbre a música do maior gênio que era Bach,
o seguinte: mais de dois séculos após sua morte, a música de Bach é ainda viva e
moderníssima, imprescindível nos estudos da Arte musical em qualquer Conservatório
do mundo inteiro. E ela ficará viva ainda por muito tempo.
Os grandes compositores, tais como Béla Bartók, Darius Milhaud, Stravinsky e
os brasileiros Vila-Lobos, Francisco Mignone, Camargo Guarnieri, Lorenzo-Fernandes
e mesmo o americano George Gershwin, têm razão quando se voltam para o passado e
se inspiram nas fontes do “Kantor de Leipzig”, empregando ritmos de danças do nosso
tempo em suas composições.
Efetivamente, se Bach fosse vivo e brasileiro, não resta dúvida que suas
composições seriam Batuques, Sambas, Frevos, Choros, Ponteios, Devaneios,
Modinhas e até Valsas.
Por isso, as Bachianas Brasileiras de Vila-Lobos, cheios de Choros e Sambas,
são obras do melhor quilate.
Com tôdo respeito que devo a Bach e para o despeito dos “puristas”, que querem
impor Bach como um “would-be” músico austero, grave, trágico, super-religioso ou
coisa que valha, pretendo que, ao contrário, era muito espirituoso e cheio de vida.
Visto sob este ângulo, o conteúdo e os ritmos dançantes na música de Bach, têm
uma importância primordial na interpretação e merecem mais do que um simples estudo
musicológico – isto é, sua música deve ser tocada com aquilo que os alemães chamam
de “Schwung”, o que podemos talvez traduzir em português por “saltitância”.
AS “BACHIANAS BRASILEIRAS” DE VILA-LOBOS
Em
1930,
Heitor
Vila-Lobos,
o
mais
brasileiro
dos
compositores
contemporâneos brasileiros, iniciou a composição desta grandiosa série de obras
musicais, abrangendo diversas peças instrumentistas e corais, nas quais associa o estilo
melódico e contrapontístico de Johann Sebastian Bach às características peculiares da
música brasileira, de acordo com os estudos profundos que Vila-Lobos fez do nosso
folclore em diversas regiões geográficas do Brasil.
Na opinião de Vila-Lobos, e concordamos com êle, a música de Bach constitui
uma fonte folclórica universal, fazendo o papel de intermediária entre todas as raças e
comunidades étnicas.
A “Bachiana Brasileira nº 1”, escrita para orquestra composta exclusivamente de
violoncelos, possui três partes: Introdução (Embolada), Prelúdio (Modinha) e Fuga
(Conversa).
O nº 2, para orquestra de câmera, é uma peça que evoca alguns panoramas
sugestivos e típicos da vida brasileira. Possui quatro partes: Prelúdio (O Canto do
Capadócio), Ária (O Canto de nossa Terra), Dança (Lembrança do Sertão) e Tocata
(Trenzinho do Caipira). O último movimento é de grande beleza descritiva, contendo
um ritmo que faz lembrar o trem em marcha, com seus ruídos característicos,
impregnado de música tìpicamente sertaneja estilizada com sedutora elegância, sem
perder suas características próprias e que nos enchem de saudades da nossa gente
sertaneja tão querida e tão abandonada.
O nº 3, para piano e orquestra, foi escrito em 1938, possui quatro partes:
Prelúdio (Ponteio), Fantasia (Devaneio), Ária (Modinha) e Tocata (Picapau).
O nº 4, para piano e transcrito para orquestra pelo autor, tem as seguintes partes:
Prelúdio (Introdução), Ária (Cantiga), Coral (Canção do Sertão) e Dança (Miudinho).
O nº 5, para soprano solo e violoncelos é de imensa beleza, a nosso ver a mais
bela de todas as Bachianas Brasileiras. Possui dois números: Ária (Cantilena) e Dança
(Martelo), sendo que o texto do primeiro número é da autoria de Ruth Valadares Corrêa
e do segundo, do poeta Manoel Bandeira.
O nº 6, para flauta e fagote, possui dois números: Ária (Choro) e Fantasia.
O nº 7, para orquestra, tem quatro partes: Prelúdio (Ponteio), Giga (Quadrilha
Caipira), Tocata (Desafio) e Fuga (Conversa).
O nº 8, para orquestra, tem também quatro partes: Prelúdio, Ária, Tocata e Fuga.
O nº 9, para vozes e arranjado para orquestra de cordas pelo autor, tem duas
partes: não tem texto e as palavras são substituídas por sílabas. As vozes cantam como
se fossem instrumentos, pronunciando diversas sílabas, como: ô, â, lô, nan, lé, etc.
Além das Bachianas Brasileiras, Vila-Lobos compôs, entre 1920 e 1929, uma
série notável de Choros, os quais, segundo o próprio autor, constituem uma nova forma
de composição musical, na qual, se acham sintetizadas várias modalidades de nossa
música indígena, primitiva, civilizada ou popular, tendo como principais elementos o
RITMO e qualquer melodia típica popularizada que aparece de quando em quando,
incidentalmente.
Essa série é formada por uma Introdução e dezesseis Choros, dos quais nove são
sinfônicos.
No nº 13 dos Choros, escrito por duas orquestras, uma parte inteira é consagrada
puramente ao ritmo, onde são empregados na bateria instrumentos típicos como o
“camisão”, o “caxambu”, a “tartaruga”, o “tambi” e o “pio”.
Vila-Lobos, que desde criança demonstrou grande e acentuada preferência para
as divinas obras de Bach, sobretudo os Prelúdios e as Fugas, compondo as magníficas
Bachianas Brasileiras e os Choros, quis trazer à humanidade inteira em geral, e, aos
brasileiros em particular, a mensagem da UNIVERSALIDADE DA ARTE MUSICAL e
demonstrar que SE BACH FOSSE VIVO E BRASILEIRO, teria escrito música como
êle, do mesmo modo que Prokofieff, com sua Sinfonia Clássica, quis demonstrar, como
Mozart teria escrita sua música se fosse russo, e, evidentemente, contemporâneo.
A VEGETAÇÃO E O APROVEITAMENTO DOS CAMPOS CERRADOS
Horieste Gomes
Engana-se o viandante, que pensa encontrar no território goiano as florestas
compactas e contínuas, citadas nas estatísticas do passado. A paisagem que se estende
numa monotonia constante, é o cerrado verde-amarelo interrompido às vêzes pelas
matas galerias ao longo dos rios, ou formando manchas isoladas na superfície.
A mata tropical latifoliada dos vales e encostas do Paranaíba, Araguaia, Caiapó,
Rio Claro, do Peixe, São Patrício, Lontra... etc., são verdadeiras exceções dentro do
conjunto vegetal regional.
A observação do mapa fitogeográfico evidencia a predominância quase absoluta
dos campos cerrados, entre os demais tipos de vegetação. Os dados fornecidos pelo
Setor de Fitogeografia do Conselho Nacional de Geografia positivam a afirmação.
Floresta equatorial: 14.135 km²
Floresta tropical: 39.303 km² (1)
Cerrados: 555.835 km²
Trata-se realmente de uma apresentação muito generalizada, semi-verdadeira,
viste que, estudos do campo já realizados, como o de Spiridião Faissol, retificaram
dados incorretos na área sudeste do Planalto Central.
O conhecido geógrafo do CNG comenta em seu trabalho, Vegetação e Solos no
Sudeste do Planalto Central: “Calcula-se hoje que pelo menos 30% da área do sudeste
do Planalto Central seja constituída de matas, muito embora grandemente
devastadas”(2).
Tal devastação está notadamente relacionada com as práticas agrícolas, e não
com a existência de uma indústria extrativa organizada.
Realmente incorreríamos em erro, se admitíssemos unicamente 39.303 km² de
floresta tropical para o nosso Estado, quando sabemos que as duas maiores regiões
florestais que possuímos – o Mato Grosso Goiano e o Vale do Paranaíba – possuem
respectivamente 20.000 km² e 18.000 km², restando apenas 1.303 km² para todas as
demais regiões, e que seria uma evidente incoerência.
Falta-nos um levantamento aerofotogramétrico completo, que possibilitaria a
delimitação mais perfeita das atuais reservas do Estado.
O que está bem definido, e de conhecimento público, é o domínio dos campos
cerrados em nosso meio geográfico, comparado aos demais tipos de vegetação
existente.
Tal característica reflete a própria economia de Goiás – pastoril – e impõe aos
técnicos estudos obrigatórios e aprofundados, buscando as suas reais possibilidades
agropastoris, porquanto nossas reservas florestais, sinônimo de terras férteis, caminham
a passos largos para a extinção.
No artigo intitulado O Cerrado Mineiro e Seus Problemas, o agrônomo Ezechias
Paulo Heringer pontifica:
O conhecimento dos problemas relativos à conquista do Cerrado é no
momento aquêle que merece o maior carinho e atenção dos homens que
arcam com as responsabilidades de aumentar a produção agrária do país.
Sejam
êles,
fazendeiros,
agrônomos
especialistas
em
silvicultura,
experimentação agrícola, fertilidade do solo, zootecnistas, geneticistas,
engenheiros civis e metalúrgicos, médicos rurais, professores, etc., etc. (3)
Basta salientar que somente para o Centro-Oeste do Brasil, calculam uma
superfície de 1,5 milhão de quilômetros quadrados em cerrados, o que comprova a
importância que assume no mundo científico atual, chamando a atenção dos estudiosos.
Representando a paisagem dominante no Centro-Oeste brasileiro, os campos
cerrados são ainda de tal forma desconhecidos, que até a sua própria origem permanece
no terreno das controvérsias.
O prof. Félix K. Rawitscher e seus discípulos, que o estudaram no Estado de São
Paulo, expressaram a princípio, a opinião de que êle é uma vegetação subclímax
“Cerrado at Emas is not the natural vegetation of this region, but a fire-climax”. (4)
Passivelmente foi uma floresta queimada que se transformou em pasto, resultando
finalmente em campo cerrado.
Atribuíram assim ao fogo, papel capital na distribuição atual da citada
vegetação. Posteriormente, como assevera Karl Arens, “abandonou êsse ponto de vista
de que o fogo fosse um fator essencial da ecologia do cerrado”. (5)
Uma das objeções apresentadas à hipótese de que o cerrado seja uma vegetação
secundária é a existência de cerrado em topos de testemunhos, quase inacessíveis no
centro de Mato Grosso (Chapada dos Guimarães).
Outros indagam, com muita razão, porque o indígena, em sua agricultura de
queimada itinerante estancou a sua ação destrutiva até as barrancas mato-grossenses do
Rio Paraná, deixando intacto o lado paulista. A pergunta agrava-se ainda mais, quando
sabemos que outros grupos silvícolas habitavam a exuberante floresta paulista, ainda em
estado virgem.
O prof. Fausto Ribeiro de Barros, da escola de Rawitscher, em sua tese A
Transformação Florística dos Campos de Avanhandava pela Ação das Queimadas:
“Somos testemunha das transformações florísticas dos campos de Avanhandava. Temos
notado que o campo cerrado foi aparecendo mais rapidamente onde se operavam as
queimadas” (6).
Os defensores da teoria de que os campos cerrados resultam de florestas
degradadas, parecem fundamentar suas justificativas na evolução natural da flora, que
segundo os botânicos evolui-se a partir de micro-organismos até as formas superiores
vegetais.
Elemento que não deve ficar desapercebido, apesar de muito conhecido no meio
rural, é que após a destruição da mata pela queima ou pelo corte, a nova vegetação
silvestre que aparece é a conhecida capoeira e não um campo cerrado.
É lógico que com queimas sucessivas num mesmo local, a vida bacteriana tende
a desaparecer, juntamente com os elementos minerais, o que ocasionará um evidente
raquitismo na vegetação a aparecer.
Outros como Eugênio Warming e Lee Waibel, defendem a originalidade do
campo cerrado, considerando-o uma vegetação clímax natural, atribuindo ao fogo
parcela secundária na formação da vegetação. “Absolutamente inadmissível a hipótese
que quer que os incêndios tenham provocado essas transformações em tôda a extensão
imensa dos campos que cobrem o interior do Brasil” (7).
Se o fogo pode mudar os hábitos das árvores, a sua casca, a densidade da sua
formação, o tempo de florescimento e da queda das fôlhas, êle certamente não pode
criar as fôlhas singularmente grandes de algumas árvores que não ocorre em nenhuma
comunidade vegetal da América Tropical, com exceção de plantas de sombra e de brejo
(8).
Waibel impressionou-se profundamente com o tamanho das fôlhas em árvores
tão pequenas (lobeira, lixeira, pau santo, etc.) e pelo fato das árvores e arbustos
conservarem até os meados de agosto todas as suas fôlhas.
Êsse proceder foi explicado cientificamente por Félix Rawitscher, por Mário
Ferri, demonstrando que elas não necessitam de proteção excessiva à transpiração, uma
vez que abrigam no subsolo mais água do que as florestas, e suas raízes buscam-na, às
vêzes, a 18 e mesmo 20 metros de profundidade.
Realmente, os campos cerrados com as suas formações arbóreas, arbustivas e
herbáceas, exercem papel muito importante na manutenção dos lençóis aquíferos
subterrâneos, retendo melhor a água de infiltração no subsolo, trazida pela pluviosidade.
Waibel invoca também as condições do campo cerrado – arenoso, quase seco,
com parcela reduzida de húmus –, opinando pelo contraste com o solo da mata,
concluindo ser (os campos cerrados) uma vegetação sui generis, isto é, completamente
distinta da mata e do campo.
Henrique Veloso em seu trabalho Considerações Geral sôbre a Vegetação de
Mato Grosso, atribui ao cerrado da região estudada e caráter de clímax.
Outro que advoga a teoria da primitividade dos campos cerrados é Kurt Hueck.
Apresenta entre outras justificativas:
A – justamente em lugares onde a influência humana é mínima encontramos
os cerrados mais importantes e de dimensões gigantescas... revestindo áreas
em que nunca viveu uma população suficientemente forte para ser capaz de
mudar a cobertura vegetal natural, numa forma progressiva, quer pelas
queimas, quer pelos cortes.
B – a teoria do fogo não pode explicar a ocorrência de locais onde os campos
cerrados surgem como pequenas ilhas nas selvas amazônicas. Parece
impossível que, sob as atuais condições ecológicas, possam as sementes das
plantas dos cerrados invadir centenas de quilômetros através da espessa
floresta amazônica para ocupar pequenas áreas sem árvores, que supõe terem
sido forjadas pelo homem... estes locais não parecem ser os primeiros
representantes de uma nova vegetação, mas sim os últimos remanescentes de
uma vegetação que cobria a região e agora se acham isolados em pequenas
ilhas pela poderosa floresta pluvial invasora. (9)
Mário Guimarães Ferri tece a seguinte crítica às conclusões de Hueck: “uma
reunião de considerações teóricas e de observações ocasionais, feitas em viagens em
geral longas, mas de duração relativamente curta”. (10)
Para Paulo T. Alvim e Wilson de Araújo, a distribuição dos cerrados é devido
principalmente ao solo, cujas condições nutrientes deficitárias não permitem o
aparecimento de florestas. O baixo pH e teor em cálcio condicionam ao meio as
espécies dos cerrados.
Há ainda os que consideram como vegetação ecótone, isto é, transição de campo
limpo para o campo sujo e deste para o cerrado.
Recentemente, no simpósio realizado em São Paulo, nova hipótese foi aventada
com relação a sua origem. Trata-se dos trabalhos do Professor Karl Arens, que apontou
as deficiências minerais, em nitrogênio, fósforo, cálcio, enxofre, potássio..., dos solos
dos cerrados como responsável direto pelo aparecimento da vegetação, concluindo:
A falta do Ca, P, S, N, que foi constatada pela análise química dos solos de
cerrados, produz acumulação de carboidratos e consequente escleromorfia,
como se desprende de muitos dados de literatura, em parte acima citados. A
escassez destes quatro macronutrientes reduz a síntese das proteínas
citoplasmáticas, limitando assim o crescimento. A escassez de Zn e Mo age
aparentemente pelas mesmas razões, ou seja, pela redução da síntese
proteica. Daí concluímos, que as árvores e arbustos são limitados em seu
crescimento, não pela falta de água, mas sim, pela escassez de sais minerais
dos selos pobres dos cerrados. (11)
Esta hipótese, por sinal bastante fundamentada, leva-nos ao raciocínio de que a
problemática a respeito da origem dos campos cerrados, caminha para a solução
definitiva.
Em resumo, segundo as correntes, êles seriam:
A – vegetação clímax;
B – vegetação degradada;
C – vegetação ecótone;
D – vegetação como resultado da oligotrofia.
Tôdo este emaranhado de considerações controvertidas tem significação muito
relativa, pois, mais importante do que a validade ou não de sua primitividade, é
sabermos se os campos cerrados, que ocupam a maior porção do território goiano,
prestam-se às práticas agropastoris.
Spiridião Faissol, em Desenvolvimento Agrícola do Sudeste do Planalto Central,
já adverte: “por quatro séculos, a agricultura brasileira tem-se restringido às áreas de
floresta tropical, mas, agora chegou o momento em que esta floresta em áreas ainda
disponíveis e acessíveis, já não deve mais ser usada para a continuação da expansão
agrícola”. (12)
A estreita vinculação existente entre a mata e o cultivo no Brasil, tem agido em
detrimento do real valor dos campos cerrados. Desta forma, a mata alta, fechada, com
muitas lianas, espécies vegetais como o jatobá, a peroba, o cedro, palmeiras como a alta
guariroba e o baixo bacuri são características de solo fértil, rico em matéria orgânica e
sais minerais. É a cultura de primeira, na linguagem do nosso camponês.
Em decorrência de sua fertilidade, verificamos elevada concentração
demográfica, quantidade maior de área cultivada, em menores propriedades rurais,
proporcionando desenvolvimento econômico mais acentuado.
Confirmam-no as regiões florestais do Mato Grosso Goiano e do vale do
Paraíba, apresentando a mais elevada densidade humana do Estado e os maiores índices
de produtividade.
Nos campos cerrados, cujos solos de maneira geral apresentam boa
profundidade, capacidade de água disponível inferior ao nível moderado (embora exista
em maior quantidade no subsolo) ocorrendo diversos tipos e classes estruturais, desde
areia até argila, reduzida capacidade de troca e de matéria orgânica, e elevada acidez,
processa-se atualmente o oposto.
Constituídos por dois estratos, sendo um arbóreo-arbustivo, com espécies
vegetais pequenas, retorcidas, espaçadas, tendo a casca grossa e as fôlhas pilosas – o
pau terra, o araticum, o barbatimão, o murici, o pau-santo, o pequi, a lobeira... – o outro
herbáceo com presença de gramíneas e capins, como o fedegoso, a barba de bode,
forrageiras de baixo valor alimentar para o gado. Daí resulta as terras dos cerrados
serem cotadas a prêços reduzidos, metade dos de mata de 2ª classe, determinando fraca
fixação humana e baixo rendimento; são mais bem valorizadas nos lugares onde
apresentam boas ferragens, como o capim-mimoso e o gordura.
Entretanto, êsse conceito vigente em nosso país, já começa a perder a sua
validade, mediante as primeiras práticas agrícolas em campos cerrados, cujos resultados
são bastante animadores. Cultivos como o de abacaxi, mandioca, algodão, cana para o
gado, e mesmo arroz em escala comercial, efetuadas em vários rincões de Goiás, Minas
e São Paulo, vem confirmar a viabilidade do aproveitamento dos seus selos para fins
agrícolas. Em Goiás, são a mandioca e o abacaxi os mais cultivados nos terrenos do
cerrado; o arroz está sendo cultivado nos cerradões de Goiatuba e Itumbiara.
Em Minas Gerais, o Triângulo Mineiro é grande produtor de abacaxi, realizando
intenso comércio dessa fruta com São Paulo e Rio de Janeiro.
Renato de Oliveira Coimbra, fez inúmeros experimentos na Estação
Experimental de Sete Lagoas, afirmando que
o trabalho feito, partindo-se do zero e chegando-se a rendimentos de 2.000
kg/ha de algodão a 7.600 kg/ha de milho híbrido.
O bom êxito deve-se a um conjunto de medidas, indicadas pela
experimentação, razão por que, guardando a necessária seqüência,
abordaremos os resultados com a calagem, a adubação verde e a adubação
química, de par com os de defesa do solo e rotação de culturas, que
conduziram o estabelecimento a compensadoras colheitas, mantendo, ao
mesmo tempo, o solo em boas condições de fertilidade. (13)
Em São Paulo, experiências levadas a efeito em cerrados de Orlândia,
Pirassununga e Matão, com culturas de algodão, milho e soja, deram bons resultados.
Evidentemente, o uso dos campos cerrados no sentido agrícola, importa numa
mudança da técnica de produção rotineira. O sistema primitivo de rotação das terras
herdado de indígena brasileiro: “Nos lugares onde querem plantar, cortam
primeiramente as árvores e deixam-nas secar de um a três meses; em seguida deitam
fogo à derrubada, e nas cinzas, entre troncos menos carbonizados plantam” (Staden),
que é usado no Brasil, quase que de ponta a ponta, certamente não pode ser o utilizado.
A rotação de terras melhoradas, também não surtiria efeito desejado pelo
aproveitamento racional da fertilidade natural dos solos, procurando sempre aumentar o
seu potencial através da adubação verde, da adubação química, da correção dos solos
ácidos pela calagem, com emprego de fungicidas, matéria orgânica, de sementes
selecionadas e integradas ecologicamente em seu habitat, utilizando-se a rotação de
culturas e maquinaria, enfim de uma agricultura permanente é que poderão surtir
resultados compensadores.
É necessário que se diga, que para corrigir a acidez excessiva dos nossos solos,
contamos com um recurso natural importante, imensas reservas de calcário,
notadamente nas zonas do Paranã, em diversos municípios (Posse, São Domingos,
Taguatinga, Dianópolis); do Planalto (Corumbá de Goiás, Formosa, Nova Roma,
Veadeiros) e Norte Goiano (Duerê, Cristalândia...).
Faissol advoga que unicamente as grandes empresas estariam à altura de tão
importante desiderato, invocando a grande produção per capita, como elemento
compensador ao pequeno rendimento por área. Ao que parece, assentou tal conclusão na
experiência realizada pela fazenda Boa Esperança, município de Formosa, propugnando
pela “necessidade absoluta de fazer um levantamento minucioso das diversas variações
do campo cerrado para que possam usar as partes mais apropriadas para a agricultura,
em cultivo de produtos agrícolas, evitando-se as áreas cobertas por blocos de canga ou
as de relevo acidentado pela possibilidade de se acentuar a erosão do solo”. (14)
Outro aspecto a observar, parece um paradoxo, é que os maiores obstáculos à
utilização agrícola dos campos cerrados têm sido as matas. À medida que vão sendo
devastadas, é que se faz sentir a procura da mata secundária ou mato seco, dos cerradões
e dos cerrados (exemplo do cerradão de Itumbiara), consequentemente o uso da terra do
cerrado está estritamente vinculado à pressão demográfica, o que se traduz pela
demanda incessante das matas e dilapidação progressiva de nossas reservas florestais.
Quanto ao aproveitamento dos cerrados para a atividade pastoril, sabemos que é
o estrato inferior que tem importância, e quanto maior for o espaçamento das formações
arbóreas (estrato superior) praticamente inúteis com forragem, tanto melhor será para a
criação, porque as espécies rasteiras aumentam à medida que as arbóreas diminuem. A
maior parte das pastagens dos cerrados goianos são de fraco valor alimentar, não
comportando grandes rebanhos, atendendo em média uma rês por três hectares.
Todavia, ao lado de plantas qualitativamente fracas (fedegoso, barba-de-bode),
existem boas gramíneas como o capim-mimoso, o jaraguá, o bambu cambaúva, etc.
Infelizmente a prática da queimada após a estação seca, destinada ao rápido
brotamento das espécies e extermínio das pragas que flagelam o gado, determina a
proliferação de ervas daninhas, que invadem a seara de boas forrageiras, constituindo
uma verdadeira simbiose vegetal, por sinal negativa.
Também o sistema de criação adotado – extensivo, gado criado à solta sem
quaisquer requisitos de ordem técnica – não beneficia o aproveitamento dos cerrados,
porque determina, muitas vêzes, o excesso de rezes por hectare, e não estimula o nosso
rurícola à formação de boas pastagens, que corrigiriam as deficiências alimentares das
plantas
dos
cerrados,
redundando
no
melhoramento
dos
rebanhos.
“Um
superpovoamento, pelo partejo contínuo e intensivo, determinará o desaparecimento
rápido das plantas forrageiras existentes, apreciadas pelos bovinos, com a consequente
desnudação de área ou o aparecimento de uma vegetação insólita e inaproveitável”. (15)
Na maioria das vêzes a afirmação do dr. Henrique B. de Freitas, em Alguns
Aspectos da Pecuária Brasileira, é verídica: “Faz-se da pecuária uma indústria extrativa
e é vulgar ouvir-se dizer nessas regiões que não é o homem que cria o gado e sim o boi
que cria o homem”. (16)
Finalmente, não podemos nos esquecer das muitas plantas dos cerrados,
classificadas pelos botânicos, de alto valor para a indústria e silvicultura que necessitam
estudos mais apurados, a fim de serem melhoradas e ordenadas, buscando maior
rendimento e possibilitando o aparecimento de indústrias permanentes.
Mencionamos entre elas, título de curiosidade, as seguintes:
a – barbatimão – possui elevada porcentagem de tanino, substância de largo
emprego nos curtumes;
b – mangabeira – produz o látex e fruta saborosa;
c – pequi – fornece madeira, frutos vitaminados e oleaginosos;
d – faveira – além de madeira, fornece legumes forrageiros para o gado;
e – pau-santo – fornece a cortiça;
f – tingui, araticum, lixeira, plantas medicinais, produtores de essências, etc.
Outra preocupação que deve ser objeto dos silvicultores brasileiros é o
reflorestamento das terras dos cerrados.
Em São Paulo, já se processa tal medida, na Reserva Estadual de Jataí, na
Estação Experimental de Santa Rita do Passa Quatro, utilizando-se de pináceas e de
eucaliptos.
A análise dos dados apresentados leva-nos à necessidade de incrementar os
estudos de Pedologia e Edafologia, procurando conhecer as origens, classificações e
propriedades físicas e biológicas dos solos dos cerrados, bem como sua utilidade prática
no sentido agropastoril, como também os de Botânica, visando buscar o maior
rendimento das plantas dos cerrados, e o conhecimento de novas espécies que possam
ter utilidade para os homens.
Finalizando, não devemos nos esquecer como bem assevera João Soares Veiga,
que “o melhoramento do solo, como o melhoramento das plantas e o melhoramento do
gado, para dêle tirarmos os maiores benefícios, deve ser precedido ou, no mínimo, deve
ser concomitante com o melhoramento do homem que os vais explorar”. (17)
Notas
(1) Geografia do Brasil-Grande Região-Centro-Oeste. CNG, vários autores.
(2) Vegetação e Solos no Sudeste do Planalto Central. Spiridião Faissol.
(3) Boletim Florestal – ano 3 n° 3 – 5ª I.R.F. Minas Gerais.
(4) The Water Economy of the Vegetation of the “Campos Cerrados” in Southern Brazil
– transcrito do Simpósio Sôbre os Cerrados, página 23 – Félix Rawitscher.
(5) As Plantas Lenhosas dos Campos Cerrados como Flora Adaptada às Deficiências
Mineirais do Solo – Karl Arens – Simpósio Sôbre o Cerrado.
(6) A Transformação Florística dos Campos de Avanhandava pela Ação das Queimadas
– Fausto Ribeiro de Barros – Anais do X Congresso Brasileiro de Geografia, vel. II.
(7) Lagoa Santa. Eugênio Warming.
(8) Capítulos de Geografia Tropical e do Brasil. Leo Waibel.
(9) Sôbre a Origem dos Campos Cerrados no Brasil e Algumas Novas Observações no
Seu Limite Meridional. Kurt Hueck.
(10) Histórico dos Trabalhos Botânicos Sôbre o Cerrado – Mário Guimarães Ferri.
Simpósio Sôbre o Cerrado.
(11) Karls Arens, obra citada (5).
(12) Desenvolvimento Agrícola do Sudeste do Planalto Central. Spiridião Faissol.
(13) Agricultura no Cerrado-Renato de Oliveira Coimbra-Simpósio Sôbre o Cerrado.
(14) Spiridião Faissol, obra citada (12).
(15) Pecuária no Cerrado. João Soares Veiga – Simpósio Sôbre o Cerrado.
(16) Alguns Aspectos da Pecuária Brasileira. Henrique E. de Freitas.
(17) João Soares Veiga, obra citada (15).
----------oooOooo----------