análise das mensagens de sexualidade no animê naruto
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análise das mensagens de sexualidade no animê naruto
CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – JORNALISMO FELIPE LIMA DE OLIVEIRA ANÁLISE DAS MENSAGENS DE SEXUALIDADE NO ANIMÊ NARUTO Fortaleza – CE 2010 FELIPE LIMA DE OLIVEIRA ANÁLISE DAS MENSAGENS DE SEXUALIDADE NO ANIMÊ NARUTO Monografia apresentada como exigência parcial para obtenção do título de Bacharel em Jornalismo à Faculdade Cearense sob orientação da Profa. Ms. Patrícia Soares da Silva Benevides. Fortaleza – CE 2010 Dedico este presente trabalho a minha Vó, Maria Augusta, que me ensinou que os cavalos não eram azuis AGRADECIMENTOS A Deus, primeiramente, pois me deu forças para seguir forte por toda construção deste trabalho. A minha mãe Regina Celma, que foi responsável por toda minha formação educacional até os dias de hoje. A minha irmã, Lorena Lima, que contribuiu para o desenvolvimento de minhas pesquisas, principalmente no início do curso de Jornalismo. Aos amigos Kika e Adriano Caetano, que me deram apoio por toda a caminhada universitária ao longo dos quatro últimos anos. À Profª. Ms. Joana Dutra que esteve sempre presente ao longo da produção deste trabalho. A minha orientadora, Profª. Ms. Patrícia Soares da Silva Benevides, por todo apoio e incentivo e aos esforços para tornar esta Monografia de Conclusão de Curso a melhor possível. “O sucesso nasce do querer, da determinação e persistência em se chegar a um objetivo. Mesmo não atingindo o alvo, quem busca e vence obstáculos, no mínimo fará coisas admiráveis.” José de Alencar RESUMO Este trabalho propôs-se a analisar as mensagens de sexualidade existentes na produção do animê Naruto, um desenho animado japonês. Estudiosos como Diane E. Levin e Jean Kilbourne (2009) denominam esse processo de veiculação de mensagens “não apropriadas” às crianças e adolescentes como “sexualização” da mídia. Conforme ressalta Penhalver (2005), atualmente brasileiros com até 14 anos passam 28 horas semanais com a TV e 23 horas semanais na escola, ou seja, o tempo dedicado à TV é semelhante ao tempo dedicado à escola. Durante o desenvolvimento desta pesquisa, realizou-se uma discussão sobre o surgimento destas mensagens de sexualidade ao logo da programação infanto-juvenil brasileira, apresentando um breve histórico da TV brasileira, com foco nos animês. A análise foi realizada com episódios que apresentavam mensagens de sexualidade explícitas ou não. Concluiu-se este estudo, percebendo que esta a temática da sexualidade é comum nas produções midiáticas do Japão, devido sua religião e comportamento, mas que gera discussões quando veiculadas no ocidente, pois a cultura vigente afirma que estas mensagens podem ser prejudiciais, já que, no caso dos desenhos animados, o público ainda está em desenvolvimento. Entre as mensagens de sexualidade presentes no animê, pudemos observar que existem situações homossexuais (beijo entre personagens do mesmo sexo), androginia (personagem com aparência de ambos os sexos), adultização da infância e até mesmo “coisificação” da imagem feminina. Palavras-chave: Criança, adolescente, sexualidade, animê, TV. ABSTRACT This study aimed to analyze the messages about sexuality that exist in production from the anime Naruto, a Japanese cartoon. Scholars like Diane E. Levin and Jean Kilbourne (2009) call this process of transmitting messages "inappropriate" for children and adolescents as the "sexualization" of media. As she points Penhalver (2005), currently aged 14 Brazilians spend 28 hours per week with TV and 23 hours per week at school, or the time spent on TV is similar to the time dedicated to school. During this research, there was a discussion of the emergence of these messages about sexuality to the lineup soon Brazilian children and youth, presenting a brief history of Brazilian television, with a focus on anime. The analysis was performed with episodes that had explicit sexual messages or not. We concluded this study, noting that the theme of sexuality is common in media productions in Japan, because their religion and behavior, but it raises questions when propagated in the West, because the prevailing culture says that these messages can be harmful, since in the case of the cartoons, the public is still under development. Among the messages of sexuality present in the anime, we see that there are situations homosexuals (kiss between characters of the same sex), androgyny (character with appearance of both sexes), adultization childhood and even “commodification” of the female image Keywords: Child, adolescent, sexuality, anime, TV. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................. 09 1. BREVE HISTÓRICO DA PROGRAMAÇÃO INFANTO-JUVENIL NO BRASIL ......................................................................................................................... 11 1.1. TV brasileira, o consumo e os padrões de comportamento ...................... 13 1.2. O desenvolvimento da programação infantil na televisão brasileira .......... 16 1.3. O desenho animado como objeto de estudo ............................................. 24 2. O INÍCIO DA ANIMAÇÃO NO MUNDO, O SURGIMENTO DOS ANIMÊS E A SEXUALIDADE NOS ANIMÊS ........................................................................ 29 2.1. O surgimento dos desenhos animados e a expansão dos animês na programação televisiva brasileira .................................................................... 29 2.2. A estrutura narrativa do animê .................................................................. 34 2.3. A sexualidade nos desenhos animados .................................................... 38 3. DEFINIÇÃO DO MÉTODO E ANÁLISE DOS EPISÓDIOS DE NARUTO .... 46 3.1. Percurso metodológico .............................................................................. 46 3.2. Naruto: do Japão para o universo infanto-juvenil mundial ......................... 48 3.3. A análise das mensagens de sexualidade no animê Naruto ..................... 49 3.3.1. O jutsu sexy: A mulher como objeto de desejo ...................................... 49 3.3.2. Sakura Haruno, a menina quer „ser grande‟: a adultização da infância .. 52 3.3.3. A androginia: uma confusão de gêneros ................................................ 56 3.3.4. O mundo sexualizado de Jiraiya: um reflexo do mundo real .................. 59 3.3.5. Tsunade: O padrão de beleza imposto no animê ................................... 61 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 64 ANEXOS ......................................................................................................... 68 REFERÊNCIAS ................................................................................................ 75 9 INTRODUÇÃO O tema escolhido para a elaboração desta pesquisa talvez tenha surgido durante a nossa infância. A certeza veio apenas no sexto semestre do curso de Jornalismo, durante a disciplina de Projetos Experimentais I, em 2008. Afirmamos que a escolha se deu ainda na mais tenra idade porque foi nesta época que começamos a admirar os desenhos animados, assim como a maioria das crianças. O tempo foi passando e uma observação crítica sobre este tipo de produção foi despertando. A partir dos primeiros estudos no curso de Comunicação Social pudemos observar que existiam muitas mensagens implícitas e explícitas nas diversas produções midiáticas, portanto como nos desenhos animados. Deste modo, começamos a observar que a manifestação desse tipo conteúdo, no caso a sexualidade, estava presente nos desenhos animados. Percebemos que a sexualidade era exposta naturalmente nos animês, os desenhos animados japoneses, veiculados na TV aberta. A exposição da sexualidade na mídia, particularmente na televisão, e a preocupação com o conteúdo dos desenhos animados é um tema estudado por diversos estudiosos como Diane Levin e Jean Kilbourne (2009), Elza Dias Pacheco (2009) e Rosa Maria Bueno Fischer (1993), entre outros. Segundo os autores citados, crianças e jovens são submetidas à exposição diária de mensagens que podem atrapalhar seu desenvolvimento. Um dos produtos responsáveis pela veiculação destas mensagens são os desenhos animados, partimos do pressuposto que este tipo de produção é o preferido do público infanto-juvenil, pois de acordo com Penhalver (2005), crianças e adolescentes passam aproximadamente 28 horas semanais recebendo mensagens que apesar de provocarem o entretenimento podem causar uma “confusão” entre o que é real e o que é imaginário. Já os autores Alexandre Nagado (2007), Cristiane Sato (2007) e Sandra Monte (2010) mostram a importância dos animês no mundo. Esse tipo de produção midiática é responsável hoje por disseminar a cultura oriental pelo mundo, além de movimentar um mercado milionário. Étienne Barral (1999) nos mostra como os fãs destas produções japonesas criam o seu próprio mundo e acabam isolando-se do mundo real, em detrimento do relacionamento habitual 10 com as demais pessoas e manifestam sua sexualidade ao se “envolver” com seres virtuais e bonecos (as) baseados em personagens de jogos e desenhos animados. Assim, com base nas informações deste e de outros autores dividimos este trabalho em três capítulos. O primeiro capítulo traz uma breve contextualização sobre o surgimento da televisão no Brasil, com foco na programação dedicada ao público infanto-juvenil. Aqui mostraremos também como esta programação cresceu por meio da influência da propaganda e como esta se utiliza da sexualidade para vender suas idéias às crianças e adolescentes. E no final deste capítulo, indicaremos a ideologia presente no desenho animado e como crianças e adolescentes são submetidas às mensagens expostas nos desenhos animados por meio da TV. Já no segundo capítulo apontaremos o surgimento da animação no mundo assim como os primeiros animês surgidos no Japão. Explicitaremos a definição, os primórdios e a estrutura narrativa dos animês. Logo no fim deste capítulo iniciaremos a discussão sobre a sexualidade existente nos animês, apresentando breves análises sobre Naruto, objeto de estudo deste trabalho. É importante salientar que a análise mais detalhada de Naruto ocorrerá no terceiro capítulo desta pesquisa. Para finalizar, no terceiro capítulo explicaremos a metodologia utilizada na pesquisa empírica das mensagens de sexualidade escolhidas dentro dos episódios selecionados e apresentaremos o percurso metodológico adotado para a execução desta monografia. A técnica adotada foi análise de conteúdo que é um “[...] método de pesquisa que recolhe e analisa textos, sons, símbolos e imagens impressas, gravadas ou veiculadas em forma eletrônica ou digital encontrados na mídia [...]” (HERSCOVITZ, 2007, p. 126). Diante dos episódios escolhidos faremos discussões sob as problemáticas que envolvem a sexualidade buscando verificar as mensagens explícitas e latentes nas cenas do animê, constituindo-se, assim, o principal objetivo desta pesquisa. 11 1. BREVE HISTÓRICO DA PROGRAMAÇÃO INFANTO-JUVENIL NO BRASIL Pretendemos com este trabalho analisar as mensagens de sexualidade presentes no desenho animado japonês Naruto. A forte presença da sexualidade no meio televisivo é o ponto de partida para a construção teórica e para seleção dos conceitos que permeiam este estudo. Segundo Café, Villares e Sousa (1996) a sexualidade pode ser entendida como um impulso que nos move a ir experimentando a vida em contínuo processo de desenvolvimento e evolução. Assim, entendemos que esse processo é um aprendizado no qual o ser humano vai adquirindo ao longo do tempo para criar sua identidade, que é determinada por um conjunto de atividades, preferências e experiências sexuais ao longo da existência do ser e que tem início logo na infância. Esse processo contínuo sofreu durante muito tempo opressão da Igreja Católica, principalmente. Foucault (1999) afirma que a sexualidade é um dispositivo usado há anos para explicar verdades sobre o sexo, como o individuo deve se relacionar com o seu parceiro, por exemplo. Criando assim um movimento de opressão, impedindo que as pessoas não pudessem desenvolver sua sexualidade, como afirma Ribeiro: Essa produção de "discursos verdadeiros" resulta na formação de poderes específicos. Assim, sustenta que as "verdades" produzidas em relação à sexualidade tornou-se um problema no Ocidente, uma vez que levaram à repressão sexual. (RIBEIRO, 1999, p. 358) Essa repressão sexual causada ao longo dos anos, ou seja, uma espécie de censura quanto descobrir da sexualidade do ser, chegando a ser visto pela igreja como um pecado, gerou uma educação sexual fundamentada em um “conjunto de pressupostos arraigados da tradição sexual: o sexo visto como perigo e ameaça, mais do que como oportunidade” (LOURO, 2010, p. 130). Foucault (1999) ressalta que era necessária uma discussão sobre a sexualidade já no século XVII, mesmo que para isso os estudiosos da época utilizassem de recursos que transgredissem a repressão vigente, imposta principalmente pela Igreja Católica. Isto é, “seria necessário nada menos que 12 uma transgressão das leis, uma suspensão das interdições, uma irrupção da palavra, uma restituição do prazer ao real, e toda uma nova economia dos mecanismos do poder” (FOUCAULT, 1999, p. 11). Em busca de uma mudança nesse processo de negação à sexualidade, entendemos que busca pelo conhecimento chegou à superexposição, tornando o ambiente atual como “sexualizado”, ou seja, arraigado de mensagens de sexualidade em todos os lugares, e um dos responsáveis por este processo é a mídia. Atualmente pudemos identificar facilmente estas mensagens nos diversos meios de comunicação. Isso vem afetando o desenvolvimento das crianças, principalmente. “As crianças de hoje são bombardeadas desde a idade mais precoce com mensagens explícitas sobre sexo e sensualidade na mídia e na cultura pop. [...] Muitas indústrias estão ganhando montes de dinheiro usando o sexo e a violência para comercializar seus produtos para as crianças” (LEVIN e KILBOURNE, 2009, p. 3). Veremos neste presente trabalho que a exposição à sexualidade está presente até mesmo nos desenhos animados e que a publicidade vem se utilizando disto para fomentar o mercado. Partindo do pressuposto que o público alvo dos desenhos animados são crianças e adolescentes existe aí uma problemática, pois, estes indivíduos, ainda se encontram em formação e podem confundir o real com o imaginário, atrapalhando o seu desenvolvimento. “As crianças aprendem a respeito do mundo e de como ele funciona, incluindo gênero, sexo e sexualidade, a partir do que vêem e ouvem no próprio ambiente” (LEVIN e KILBOURNE, 2009, p. 35). Dessa forma desenvolveremos nossa pesquisa, analisando a produção das mensagens de sexualidade presentes nos desenhos animados, com foco nos japoneses, os animês. No primeiro momento da nossa pesquisa mostraremos a evolução do conteúdo da TV brasileira ao longo dos seus 60 anos, com foco na programação infanto-juvenil, procurando mostrar como a sexualidade passou a ser exposta na televisão e como a indústria vem fomentando o desenvolvimento da sexualidade precoce das crianças e dos adolescentes. 13 1.1. TV brasileira, o consumo e os padrões de comportamento Após os primeiros experimentos na Europa, a TV chegou ao Brasil apenas em 1950 por meio do pioneirismo do empresário Assis Chateaubriand, que segundo Mattos (2002), trouxe 200 aparelhos de televisão dos Estados Unidos. Antes de implantar a TV no Brasil, Chateaubriand foi responsável por vários empreendimentos no País, como ressalta Silva: Chateaubriand foi o pioneiro em vários empreendimentos no Brasil (introduziu novas espécies bovinas no País, contribuiu pela multiplicação de aeroclubes e teve participação decisiva na formação do Museu de Arte de São Paulo). Contudo, o seu projeto mais audacioso foi a implantação da televisão (SILVA, 1996, p. 98) Assis Chateaubriand inaugura em 18 de setembro de 1950, a TV Tupi Difusora de São Paulo. Nesta época o Brasil vivia o segundo governo de Getúlio Vargas (1950-1954) que buscava, de acordo com Mattos (2002), investir fortemente na indústria pesada com a política voltada para o nacionalismo econômico e o Estado sendo o principal investidor da economia. Dessa forma, a televisão foi considerada um item que representava o desenvolvimento, acompanhando o modelo de incremento econômico, ou seja, a TV foi crescendo de acordo com a ampliação do Brasil. Mas assim como o Brasil dependia de investimentos estrangeiros, a televisão dependia da publicidade para proporcionar seu crescimento. “O crescimento da TV tem as mesmas características de desenvolvimento dependente do país como um todo” (MATTOS, 2002, p.37). Com o decorrer dos anos, a TV foi se desenvolvendo e fazendo parte cada vez mais da vida dos brasileiros. No período do regime militar (1964-1985), a TV foi usada para difundir as ideias do governo vigente, interferindo assim, no conteúdo dos programas, principalmente aqueles que eram contra as ideias do governo militar, deste modo a sexualidade não ficou de fora: O tema sexualidade no período da ditadura militar era completamente proibido, entretanto, muitos dramaturgos e diretores se arriscavam e abordavam essa temática, demonstrando forte resistência frente ao regime vigente. (SOUZA, CORÔA e SANTOS, 2010, s/n). 14 Já nos anos 90, após o fim do regime militar, a TV começou a reproduzir programas “apelativos”. Com uma programação composta por programas onde a sexualidade era explícita, como o „Programa do Ratinho‟, do SBT, Sushi Erótico, quadro apresentado no programa „Domingão do Faustão‟, da Rede Globo, houve interferências governamentais: Em 1997, a baixaria nos programas de televisão foi apresentado com requintes que escandalizaram o país, forçando o governo a tomar uma posição. O requinte foi tanto que, por exemplo, o Faustão apresentou o „Sushi Erótico‟, quando uma bela mulher, completamente nua, coberta por sushis e sashimis (iguarias da culinária japonesa), foi usada como se fosse uma travessa, enquanto atores globais se serviam dos petiscos e a nudez da modelo era aos poucos revelada. Isto sem falarmos sobre o exagero da erotização da programação infantil da TV, mostrada não apenas nas roupas colantes e na dança sensual das apresentadoras e acompanhantes, tipo „Xou da Xuxa‟ e suas paquitas. A erotização também estava presente nos programas de Angélica, Carla Perez e Tiazinha (MATTOS, 2002, p.134). O período compreendido entre o ano de 1990 até o ano 2000 é apontado por Mattos (2002) como um período de grande presença da sexualidade na TV aberta, assim como uma preocupação por parte de críticos e políticos, com a programação infanto-juvenil1 da época. Com um preço muito alto nos seus primeiros anos no Brasil, a televisão esteve nas mãos da elite brasileira. Apesar do domínio elitista, mas precisando desenvolver-se e ser disseminada, a publicidade passou a ter forte presença na programação brasileira. Seguindo o modelo norte americano de programação e veiculação publicitária, as receitas destes anunciantes estrangeiros fortificavam o desenvolvimento da TV brasileira, mas a utilização da publicidade na televisão acabou gerando, de acordo com Mattos (2002), interferência dos anunciantes do conteúdo da programação, ou seja, o investidor podia dizer o que deveria ou não ser veiculado. Essa forte presença que os anunciantes e as agências de publicidade exercem sobre os veículos de massa, principalmente na televisão, tende, segundo Mattos (2002), a influir nos padrões de consumo e comportamentos, especificamente a sexualidade, que é o nosso objeto de 1 A programação infanto-juvenil brasileira será abordada com mais detalhes no próximo tópico deste capítulo. 15 estudo. Ou seja, a indústria busca vender ao público infanto-juvenil roupas inadequadas para sua idade, fazendo com que meninas e meninos se comportem como adultos. Esse potencial gerado pela publicidade é fortemente explorado quando se diz respeito ao envolvimento de crianças e adolescentes. Segundo Filho (1998): O mercado infantil, que no Brasil é um dos mais importantes na comercialização de produtos, faz com que o marketing estabeleça esforços específicos para sensibilizar o público de até 14 anos e, no caso da publicidade, para alcançar resultados mais eficazes na linha da comunicação persuasiva. (FILHO, 1998, p.135). Esse gênero, que possui uma linguagem própria, tem como principal estratégia de sustentação a presença sedutora das crianças e jovens em situações diversas e, por vezes, inusitadas, além disso, propõe-se a divulgar produtos destinados à sua faixa etária, mas como afirma Rocco (1998), a propaganda vai além e as crianças, na televisão, estão sendo mostradas para lançar artefatos necessários à vida adulta. A utilização da própria criança na propaganda televisiva também é outro fator preocupante. A justificativa de profissionais da área é, segundo Sampaio (1999), devido a vários fatores: (i) A criança ouve outra criança, ou seja, ela é particularmente sensível à interpelação de outra criança; (ii) a criança tem um forte apelo emocional ou, nas palavras do criativo, ela tem um „apelo mágico‟ que emociona o adulto e o sensibiliza; (iii) a criança pode contribuir para o rejuvenescimento da marca; (iv) a criança tem empatia com os anunciantes, favorecendo a aprovação dos comerciais. (SAMPAIO, 1999, p. 197) Observarmos assim, que a criança e o consumo gerado em torno da sua imagem é um fator que contribuiu e ainda contribui para o desenvolvimento televisivo, mesmo que isso gere situações “apelativas”, como crianças vestindo acessórios dos ídolos da TV e embalagens de produtos com os personagens mais conhecidos da programação infanto-juvenil. Entraremos agora neste próximo tópico para analisarmos a programação infantil brasileira, assim como a criação de padrões de consumo incitados pelos programas infantis e a erotização precoce causadas por eles. 16 1.2. O desenvolvimento da programação infantil na televisão brasileira Segundo Lara Maria (2000), as produções direcionadas ao público infanto-juvenil apresentam de certa forma diversidade em seu conteúdo, mas algumas fórmulas de sucesso são adaptadas e se repetem em programas diferentes. Ainda de acordo com a autora, fórmulas comerciais são predominantes e acabam interferindo nas ideias dos produtores, “deixando entrever que a TV comercial brasileira não se mostra capaz de trabalhar efetivamente com todo potencial educativo que o veículo permite” (LARA MARIA, 2000, p.6). Assim como Lara Maria, Sampaio (1999) afirma que os programas infanto-juvenis possuem estruturas bastante semelhantes, ou seja, oferecem basicamente “desenhos, brincadeiras, números musicais e dançantes, miniquadros dramáticos, e mais recentemente, a introdução da mininovela como inovação do gênero” (SAMPAIO, 1999, p. 193). A programação infanto-juvenil brasileira teve início junto com a inauguração da TV Tupi, pioneira no Brasil. De acordo com Lara Maria (2000), os primeiros programas infantis seguiam os moldes dos programas dedicados aos adultos, baseados no teatro. Gurilândia foi o primeiro programa a se dedicar ao público infanto-juvenil. Estreou em 1955 na TV Tupi e ficou no ar até 1976. Outro sucesso da TV Tupi foi o Teatrinho Trol, que também foi baseado em peças teatrais e seu enredo continha histórias que transportavam as crianças para o mundo da fantasia, geralmente com bruxas, princesas e florestas encantadas. Apesar do surgimento dos primeiros programas dedicados às crianças logo no início da TV brasileira, a veiculação de desenhos animados era escassa. Monte (2010) relata que no início dos anos 50, poucos personagens faziam parte do cenário infanto-juvenil como, por exemplo, Mickey Mouse, Gandy Goose, Popeye e Tom & Jerry. Mas os desenhos que inauguraram a veiculação de desenhos animados foram Andy Panda e Pica Pau. Até 1964, a programação televisiva era direcionada ao público adulto, com a telenovela sendo o principal produto desta época. A primeira 17 novela voltada para o público infantil foi A Pequena Órfã. Segundo Ramos e Miranda (1997), a telenovela infantil do diretor Teixeira Filho foi ao ar em 1968 e ficou até 1969. A trama contava a história de uma menina abandonada pelos pais que no orfanato foi maltratada pela dona da instituição. A menina, chamada de Toquinho, cansada dos maus tratos, foge do orfanato e encontra o velhinho Gui, que fica comovido após outro desaparecimento da criança. A partir de 1965, com a inauguração da TV Globo, pudemos observar uma maior participação dos programas infanto-juvenis na grade televisiva. O programa infantil voltado para essa faixa etária de estreia da TV Globo foi Uni-Duni-Tê, o qual representava uma sala de aula comandada por uma professora que representava situações cotidianas e brincadeiras envolvendo os alunos. O programa tinha também característica interativa, pois permitia que o público infantil participasse do programa enviando cartas e desenhos à produção. Ainda em 1965, foi ao ar os programas Zás Tráz, Capitão Furacão e o Mundo Mágico de Alakazan2. Os dois primeiros foram provenientes da TV Paulista, comprada pela TV Globo. Em Capitão Furacão, apresentado por Mário Pietro, o personagem vestido de capitão da Marinha lia as cartas enviadas pelos telespectadores, promovia gincanas, contava histórias do mar, dava conselhos aos „marinheiros iniciantes‟ e apresentava filmes curtos e desenhos animados como A Tartaruga Touch, Lippi, o Leão e Wally Gator. No seu segundo ano de veiculação, a atriz Elizângela do Amaral Vergueiro passou a participar do programa, como assistente do „Capitão‟. Com 13 anos na época, a atriz mirim vestia-se como uma marinheira, de minissaia e botas brancas, como nós observamos nas cenas do programa. Aqui, pudemos verificar a valorização do corpo por meio da pouca roupa da apresentadora. É importante ressaltar que antes da maior exposição corporal e das danças sensuais fomentadas por apresentadoras como Xuxa, Angélica e Mara Maravilha, o corpo das apresentadoras já era valorizado. Partindo do pressuposto que as crianças tendem a imitar seus ídolos, elas passam a se 2 Ver Dicionário da TV Globo, v.1: programas de dramaturgia & entretenimento. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2003. 18 pautar no modelo criado pelas apresentadoras, gerando uma erotização precoce: Ora, o corpo infantil eleito para habitar as cenas de televisão é cada vez mais um corpo que se faz precocemente erotizado, segundo uma gestualidade que capta um desejo adulto, o desejo sobretudo da mulher adulta, que aos poucos se desamarra de uma história de recato e submissão. O programa do SBT Mara Maravilha, talvez mais do que os apresentados pelas atrizes louras, mostra o quanto as programações infantis se prestam a esse objetivo (FISCHER, 1998, p. 113) Antes do surgimento dos programas de auditório apresentados por loiras com roupas sensuais, Lara Maria (2000) ressalta que o entretenimento sempre foi característica marcante das produções da TV Globo, embora em alguns momentos tenham surgido programas de caráter mais educativos, como Vila Sésamo e Sítio do Pica-pau Amarelo, por eles terem ganhado grande importância ao longo do desenvolvimento da programação infanto-juvenil, cabe aqui algumas considerações. O programa Vila Sésamo3 pode ser considerado como o principal programa infanto-juvenil da década de 1970. Foi ao ar pela primeira vez em 12 de outubro de 1972 e permanecendo até março de 1977. O programa foi resultado de quatro anos de pesquisa e observações junto a crianças de três a cinco anos. O cenário de Vila Sésamo representava uma vila, onde crianças conviviam com adultos e bonecos. Segundo Fiuza (2003) eram apresentados pequenos esquetes com duração máxima de três minutos e a mesma informação era repetida mais de uma vez. Com tom de brincadeira, o programa ensinava, estimulando o raciocínio. Com o fim das transmissões de Vila Sésamo, outro sucesso foi ao ar: Sítio do Pica-pau Amarelo. O Sítio do Pica-pau Amarelo4 foi uma adaptação de Paulo Afonso Grisolli e Wilson Rocha da obra homônima de Monteiro Lobato. Sua primeira versão estreou como resultado de um convênio entre a TV Globo, a TV Educativa e o Ministério da Educação e Cultura. Dirigido especialmente ao público infantil, o programa unia entretenimento a um conteúdo de informação 3 Ver Dicionário da TV Globo, v.1: programas de dramaturgia & entretenimento. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2003. 4 Ver Dicionário da TV Globo, v.1: programas de dramaturgia & entretenimento. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2003. 19 e instrução. Os capítulos tinham cerca de 30 minutos de duração e procuravam recriar a obra de Monteiro Lobato, adaptando-a para o formato da televisão: Anticonvencional por natureza e com ideias avançadas para sua época, Monteiro Lobato criou o “mundo do faz de conta” (expressão dele), onde a realidade e os sonhos não tinham fronteira definitiva (primeiro aspecto do imaginário), e o pó de pirlimpimpim era tão aceito e digno de crédito quanto os célebres bolinhos de Tia Nastácia, devorados pelos habitantes do Sítio (TÁVOLA, 1998, p. 39). Apesar de O Sítio do Pica-pau Amarelo levar a cultura e um mundo de possibilidades presente nos livros de Monteiro Lobato para a televisão, TÁVOLA (1998) critica que tal adaptação fez com que a criança perdesse a imaginação criada pelo livro, pois na TV, o conteúdo já está pronto, no caso referindo-se ao personagem Visconde de Sabugosa: Uma espiga de milho, com toda sua carga simbólica, estimula a fantasia infantil, pois serve para mil coisas nas brincadeiras, mais do que o produto industrial completo e acabado que, apesar de ser deslumbrante, deixa pouco ou nenhum espaço para a complementação criativa das crianças. (TÁVOLA, 1998, p. 42) Essa questão do “conteúdo pronto” é um ponto a ser ressaltado, pois entendemos que isso facilita a absorção do conteúdo da TV, estimulando o consumo influenciado pelos programas infanto-juvenis, isto é, o público acaba apenas recebendo o conteúdo sem sentirem a necessidade interpretar e estimular o raciocínio, assim como são nas tramas dos livros onde é possível um maior desenvolvimento. “Os próprios programas infantis hoje existentes nada buscam a não ser formar consumidores infantis, posto que seus apresentadores estão envolvidos na indústria do consumo” (TÁVOLA, 1998, p. 49). A partir de 1980, após o sucesso gerado por Vila Sésamo e Sitio do Pica-pau Amarelo, “a programação infantil ganha importância crescente nas diversas emissoras e explode a oferta de comunicação dirigida especialmente a esse público” (SAMPAIO, 1999, p. 191). Com isso o público infantil passa a ser alvo do interesse da propaganda: A descoberta do potencial de consumo da criança é alavancada básica que deflagra esse processo. Em 86, verifica-se uma ampliação de programação infantil das emissoras. Além de programas consolidados da TV Criança (Bandeirantes) e do Bozo (TVS), quatro 20 novos programas marcam a sua estreia: o Xou da Xuxa (Globo), o TV Fofão (Bandeirantes), Dr.Cacareco Cia. (Record) e Lulu Limpim Clapá Topô (Manchete). (SAMPAIO, 1999, p.192) A estreia de Xuxa na televisão veio alavancar ainda mais esse processo de expansão da programação infantil. Em 1986, tem início o primeiro programa da apresentadora Xuxa Meneghel na TV Globo, o Xou da Xuxa5. Com brincadeiras, atrações musicais, números circenses, exibição de desenhos animados e quadros especiais, a „Rainha dos Baixinhos‟ tornou-se rapidamente referência para as crianças. Xuxa comandou outras atrações infantis na Rede Globo, como Bobeou Dançou (1989), Xuxa (1993), Xuxa Park (1994), Xuxa Hits (1995), Planeta Xuxa (1997), Xuxa no Mundo da Imaginação (2002), TV Xuxa (2005) e Conexão Xuxa (2007). A apresentadora é modelo para muitas crianças até hoje. Sendo que, o consumismo e questão da “adultização” gerada em torno da apresentadora, são vistos para os críticos como preocupantes. Assim como Xuxa, Angélica e Eliana fazem parte desse modelo de apresentadora infantil. “A fabricação destas mulheres sedutoras e erotizadas está intimamente ligada ao consumo de suas roupas, acessórios, hábitos alimentares, etc.” (MORASSI, s/d., s/n.). O potencial de consumo da criança é bastante explorado. Em torno da programação infantil das diversas emissoras é movimentada uma enorme quantia em dinheiro, como afirma Sampaio: A atratividade dos programas se fundamenta no carisma de seus apresentadores e nos desenhos animados que correspondem por parcela expressiva da programação. As emissoras investem na imagem de seus apresentadores que, por sua vez, emprestam sua imagem de estrelas a produtos e marcas. O sucesso de vendas implica novas verbas para o financiamento desses programas e a valorização dos mesmos apresentadores. Num processo similar, as emissoras lançam, também, séries cujos personagens, através de licenciamentos, são associados a um conjunto de produtos anunciados nos intervalos da programação – caso dos comerciais – ou no interior da mesma – caso do merchandising. (SAMPAIO, 2000, p. 149) De acordo com Morassi (s/d.,s/n.), os programas infantis que fazem a preferência das crianças possuem cenário bastante coloridos, cheios de brinquedos e atrativos para diversão. As roupas usadas pelas apresentadoras 5 Ver Dicionário da TV Globo, v.1: programas de dramaturgia & entretenimento. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2003. 21 também são bastante coloridas e justas. Já os intervalos destes programas servem para veiculação de propagandas que se referem a produtos ligados á própria apresentadora: Esses programas passam, também, a idéia de que o bonito é ser loira, magra e de olhos claros. Portanto, a televisão cria para as meninas um modelo de identificação e para os meninos o modelo de mulher desejada. (MORASSI, s.d., s/n.). A apropriação do conteúdo destes programas, desde o consumismo gerado até a imitação das apresentadoras por parte das crianças, gera segundo Fischer (1998), uma precoce erotização da criança ou adolescente, ou seja, os jovens telespectadores tendem a avançar etapas do desenvolvimento sexual: Diz Áries que, no século XX, a adolescência passou a ser a idade favorita: queremos chegar cedo à idade adolescente e nela permanecer pelo maior tempo possível. Certamente, há uma relação direta dessa ampliação da adolescência – crianças sendo estimuladas a deixar logo o mundo infantil e jovens que adiam a hora de assumir responsabilidades de “gente grande” – com as preocupações do chamado “mercado”. (FISCHER, 1998, p. 100-111) Todo esse processo de apropriação de conteúdo e a formação da cadeia de consumo vão criando uma realidade não existente, ou seja, entendemos que a partir do que é veiculado na TV (o imaginário) o público infanto-juvenil absorve o conteúdo passa a fazer parte de sua vida. Deste modo esse ciclo vai se reforçando e expandindo-se. Como afirma Rocco (1998), a sociedade do consumo em que vivemos, baseada nos comerciais infantis, tendem a realimentar esta cadeia de marketing. Conforme diz Levin e Kilbourne (2009), mais de 80% dos programas destinados ao público infanto-juvenil possuem conteúdo sexual. Tal fato faz parte de toda uma cadeia de marketing, que há tempos, utilize-se da sexualidade para vender: Faz tempo que os marqueteiros estão de olho nas crianças como consumidores potenciais, e eles sabem que usar o sexo e sensualidade é uma das maneiras mais bem sucedidas de conseguir a atenção das crianças para fazê-las querer comprar. (LEVIN; KILBOURNE, 2009, p. 37). 22 Mas há quem se preocupe com a educação das crianças e adolescentes, fugindo assim dessa cadeia de marketing. A TV Cultura diferencia-se das demais emissoras por apresentar um caráter mais educativo em sua programação, mais precisamente nos programas infanto-juvenis. De acordo com Lara Maria (2000), a TV Cultura aborda desde questões de comportamento, relacionamento social, familiar, até o conhecimento sistematizado de História e Ciências. A autora vai mais longe: Seus programas, em geral, são interativos, porque estimulam a criança a fazer, a experimentar, a tentar; são ricos na mescla de gêneros, utilizando-se do auditório, da dramatização, de bonecos e de vários outros recursos, que podem prender a atenção da criança. Se comparada à programação das emissoras comerciais concorrentes, percebemos que seus programas mantêm uma constância, talvez por terem um projeto educativo que os norteia. É comum, também, que sejam reprisados com certa constância, tornando-se atemporais. (LARA MARIA, 2000, p. 9) O programa de destaque destinado ao público infanto-juvenil da TV Globo atualmente é a TV Globinho6. Surgiu em março de 2000 com apresentadoras mirins, entre oito e doze anos, que apresentavam os desenhos animados. Ao longo do tempo, as crianças foram substituídas por atrizes mais experientes, passando a ser exibido de segunda-feira a sábado, pela manhã. TV Globinho foi lançado com um formato especial para estabelecer um encadeamento entre os desenhos animados exibidos dentro da faixa de programação “Férias Animadas”, que estreou em substituição a Angel Mix. [...] Desde a estreia, em 2000, foram exibidos em TV Globinho dezenas de desenhos e séries, com destaque para Digimon, Dragonball Z, Power Rangers, Luluzinha, XMen, Homem-Aranha, Action Man e Bob Esponja. (FIUZA, 2003, p. 766) Com o surgimento da TV Globinho já podemos observar aqui a veiculação de desenhos animados japoneses na programação televisiva. Os desenhos nipônicos exibidos pela TV Globo como Digimon e Dragonball Z são exemplos mais recentes, mas a emissora foi a percussora na exibição de desenhos nipônicos. De acordo com Monte (2010), a TV Globo veiculou em 24 de setembro de 1968, o animê O Oitavo Homem, marcando a primeira exibição de animês no país. Ainda no mesmo ano, outro título que teve destaque foi 6 Ver Dicionário da TV Globo, v.1: programas de dramaturgia & entretenimento. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2003. 23 Maha Go Go Go. Conhecido mundialmente como Speed Racer, o animê fez sucesso no Brasil com o nome Capitão Meteoro. A TV Bandeirantes apresenta hoje uma programação infantil reduzida, dedicando apenas a exibição de alguns desenhos animados em horários dedicados ao público infantil. Mas no fim dos anos 60, a Bandeirantes foi responsável pela veiculação de Ultraman7, produção japonesa que, segundo Monte (2010), chegou a ser exibida em horário nobre, disputando assim com as novelas, gêneros responsáveis por alavancar os índices da audiência das emissoras. Apesar do surgimento de vários desenhos animados, inclusive animês, durante as décadas de 60 e 70, a programação infanto-juvenil ganhou destaque com a TV Manchete. Monte (2010) relata que a emissora foi uma das mais importantes na veiculação de gêneros nipônicos dedicados às crianças e adolescentes, com foco nos tokusatsus como Jaspion, Changeman e Patrine. “A rede foi uma das principais exibidoras de programas para crianças, sendo que foi na Manchete que duas personalidades infantis da época surgiram: Xuxa e Angélica” (MONTE, 2010, p.49). Já o SBT, tem como ponto forte a transmissão de desenhos animados. Pela manhã são exibidos os programas Carrossel Animado8 e Bom Dia & Cia9, ambos veiculam desenhos animados como O Máskara, Ben 10, Tom e Jerry e Naruto. Bom Dia & Cia é apresentado pelos jovens Priscilla Alcântara e Yudi Tamashiro. “É importante salientar que uma figura que se destacou desde o início da emissora como animador e apresentador dos desenhos foi o Bozo, que se fez presente também na Record, visto que, na época, ambas pertenciam ao mesmo proprietário”. (LARA MARIA, 2000, p. 10). A veiculação de Naruto no programa Bom Dia & Cia conseguiu elevar os índices de audiência do canal, tornando-se uma das principais atrações da grade. Segundo informações do Instituto Brasileiro de Opinião 7 Ultraman é classificado como tokusatsu. Produção japonesa que remete aos efeitos especiais dos filmes de monstros e heróis de seriados live-action, ou seja, há a participação de atores fantasiados. NAGADO, Alexandre. Almanaque da Cultura Pop Japonesa. 2007) 8 Mais detalhes em http://www.sbt.com.br/infantil/?nome=carrossel. Acesso em 4 de outubro de 2010. 9 Mais detalhes em http://www.sbt.com.br/bomdiaecia/. Acesso em 4 de outubro de 2010. 24 Pública e Estatística (IBOPE), o animê alcançou 10 pontos e pico de 10.5 de audiência, conseguindo alcançar o 1º lugar em algumas oportunidades. Com isto, Naruto alcançou a 2ª maior média já atingida por um desenho animado no Brasil, recorde que é de outro animê, o Dragon Ball GT. Segundo informações divulgadas em 2010 pela TV aberta do Japão, Naruto ocupa apenas a 12ª posição quanto à preferência do público. Após seu lançamento em 2007 no Brasil, o animê passou a ser exibido duas vezes ao dia no canal, a primeira por volta das 11h30min e novamente por volta das 13h30min. Apesar do sucesso gerado pela produção japonesa, o SBT teve que cancelar sua veiculação em 2010. Em matéria veiculada no jornal A Folha de S. Paulo no dia 23 de agosto de 2010, o Ministério da Justiça considerou inapropriado a classificação indicativa do animê, assim, a produção teve que ser editada para ser veiculada durante o período da manhã. As edições feitas se referem ao conteúdo de violência e em algumas falas dos personagens. Atualmente Naruto é restrito a alguns estados do Brasil10, pois o animê deixou de ser veiculado em rede nacional devido à incompatibilidade de horários entre a programação nacional e local, mas é exibido no canal fechado Cartoon Network com horários variáveis. 1.3. O desenho animado como objeto de estudo Para iniciarmos este tópico, partimos do pressuposto que o desenho animado, assim como outras narrativas (filmes, telejornais, novelas), possuem uma vasta linguagem constituída por elementos, a maioria deles com significados implícitos e assim não identificados ou compreendidos por crianças e adolescentes, por exemplo. Ou seja, os desenhos estão recobertos por ideologias que estão por trás das mensagens veiculadas, como por exemplo, violência física e verbal, preconceitos e sexualidade. Esta linguagem polissêmica dos desenhos acaba dificultando a análise destas produções de TV, gerando diferentes interpretações, como ressalta Fischer (1993): Decompô-la em seus elementos e constatar que texto, atores, situações, cenários, musica, tudo esteja dizendo a mesma coisa a 10 Mais informações disponíveis em: http://forum.televisao.uol.com.br/Naruto-estreia-com-baixaaudiencia-no-SBTNovos-Episodios_t_145908. Acesso em 12 de outubro de 2010. 25 todas as pessoas, não só pela própria diversidade dos públicos, como pela complexidade da produção das mensagens, os objetivos do proprietário da emissora, as intenções do roteirista, a interpretação dos atores, etc. (FISCHER, 1993, p. 39) A identificação dessas mensagens pode ser compreendida por meio do incurso mitológico, que “é uma forma de conhecer mais profundamente o que está por trás daquilo que aparece no vídeo” (TÁVOLA, 1980 apud FISCHER, 1993, p. 39). Neste presente trabalho iremos focar nas mensagens de sexualidade, mas é preciso entender que, em meio aos desenhos animados, existem outros conteúdos internos da mensagem que são veiculados. Estes, responsáveis pela ligação entre espectador, no nosso caso, crianças e adolescentes, e o desenho. Na narrativa dos desenhos animados, Fischer (1993) identificou como principais incursos deste tipo produção o fascínio do mágico (as transformações e os rápidos movimentos), o poder sobre a vida e a morte (tudo é possível) e o animismo (seres não-animados, como pedras, plantas e animais, que passam a ganhar vida). O fascínio pelo mágico diz respeito, segundo Fischer (1993), à rapidez das ações e gestos elaborados pelos personagens dos desenhos animados, ou seja, em pouco espaço de tempo, a criança vê o personagem viajar por vários ambientes, sair de uma floresta, passar pelo oceano, ir ao deserto e voltar novamente para a floresta. Ela também vê seu personagem predileto sofrer danos e voltar ao normal, como se nada tivesse acontecido. Em Naruto, esta característica é verificável, pois após uma batalha ninja, em que o personagem sofre vários danos, minutos depois ele está “normal”, como se nada tivesse acontecido, ou seja, “é realmente o mundo por excelência onde tudo é possível” (FISCHER, 1993, p. 60) Sobre esse “mundo do tudo é possível”, onde está incluído o poder sobre a vida e a morte, Pacheco (1998) toma como exemplo as aventuras do personagem Pica-pau, no desenho animado de mesmo nome: O Pica-Pau massacra, destrói, mas ninguém morre. É uma agressividade caricata e a criança não ignora isso. Com tudo isso a criança parece elaborar os principais tabus e mitos: o nascimento, a vida e a morte, que sempre foram cercados de mistério. Atualmente 26 já não se fala em cegonha para explicar o nascimento. A criança já o decifrou, ou melhor, os meios de comunicação lhe propiciaram tal desvelamento. (PACHECO, 1998, p. 35) No animê Naruto, os personagens também passam por esse mundo de possibilidades, como a morte e depois a ressurreição. Essa questão de retornar à normalidade após o personagem sofrer danos, passar por situações difíceis, entendemos que faz com que o espectador se torne fã do desenho animado, criando um espetáculo entre o real e o imaginário, por isso, ele sempre vai estar ali, pronto para compartilhar outra aventura, pois entendemos que espectador sempre vai esperar que seu personagem predileto esteja “vivo”. A morte de personagens que não retornaram já causou grandes movimentações no Japão. Segundo Sato (2007), em 23 de março de 1970 centenas de pessoas reuniram-se em frente à sede da editora Kõdansha em Tóquio para realizar o funeral de Toru Rikiishi, um personagem do desenho japonês Ashita no Joe (Joe de amanhã), que tratava da história de jovens boxeadores. Na ocasião, os fãs ainda realizaram oferendas e demonstravam tristeza. “Um monge budista prestou os devidos serviços, diante de um altar onde oferendas em incesto e flores foram feitas. Os presentes escutaram discursos acalorados em homenagem ao falecido, com lágrimas e expressões graves de luto sincero.” (SATO, 2007, p. 46). Outra característica dos desenhos animados é o animismo, isto é, a capacidade de seres inanimados ganharem vida, como a pedra que fala, a cama que anda ou os animais que falam e tomam atitudes por si mesmos. Neste último caso tomamos como exemplo o próprio Pica-pau (um pássaro), Mickey Mouse (um camundongo), A Pantera Cor-de-rosa (uma pantera), Tom & Jerry (gato e rato). Em Naruto, o animismo está presente por meio da representação de sapos, raposas e monstros gigantes. “A criança espera que animais e coisas, céu e terra – tudo sinta, faça e fale coisas que ela falaria ou gostaria de sentir e fazer” (FISCHER, 1993, p. 60). A identificação que o público infanto-juvenil tem com os desenhos animados se dá por meio da busca de respostas para seu desenvolvimento. Bettelheim (apud FISCHER, 1993, p. 60) afirma que desde os primeiros anos de vida, a criança já busca respostas para as questões de identidade: “Quem 27 sou eu?”. Aí é que entra a função da televisão por meio da linguagem mágica dos desenhos animados para explicar o que a criança busca entender: [...] a necessidade de respostas cifradas na linguagem da mágica, pela qual animais, objetos quaisquer, seres de outro mundo, cada um a seu modo, oferecem, metaforicamente, explicações, aos olhos do adulto mais fantásticas que verdadeiras, mas aptas à criança a segurança necessária para que, mais tarde, possa com tranqüilidade chegar a raciocinar abstratamente, cientificamente (FISCHER, 1993, p. 61). Carmona (1998) vem se preocupar com essa identificação criada pelo público infanto-juvenil gerada pela TV e pelos desenhos animados. De acordo com a autora, as crianças brasileiras ficam em torno de três a quatro horas vendo televisão e acabam sendo submetidas à programação dedicada ao público adulto e não apenas aos desenhos animados. O fato se torna preocupante, pois “elas têm um alto grau de elaboração, tanto que aprendem e imitam o que vêem” (CARMONA, 1998, p. 66). Rezende (1998) diz que a distinção entre o que é “conteúdo adulto” e “conteúdo infanto-juvenil” pode ser realizada mais facilmente entre as crianças mais favorecidas, ou seja, aquelas cujas famílias podem proporcionar outros tipos de lazer, além dos desenhos animados. “Certamente estas crianças têm mais oportunidades de comentar e discutir as mensagens televisivas. Não necessariamente são mais inteligentes. O que ocorre é que elas dominam com maior facilidade o código lingüístico culto” (REZENDE, 1998, p. 81). Já no caso de crianças que possuem apenas a televisão com único recurso de lazer e informação, ou seja, não tem contato com as brincadeiras interativas onde se reúnem outras crianças e jovens, a apropriação do conteúdo é diferente. “As crianças desfavorecidas, que moram nas periferias dos grandes centros, dividem seu tempo entre a TV, às vezes, a escola e as brincadeiras de rua” (REZENDE, 1998, p. 81). Quando crianças e adolescentes passam ver a TV como única fonte de diversão, o “mundo lá fora” perde o sentido. Até mesmo os parentes passam para segundo plano. Este fato é reforçado quando crianças e jovens não ficam 28 em companhia dos pais enquanto assistem desenhos animados, assim elas têm a liberdade de ter acesso ao que desejarem, pois de acordo com Rocco (1998), em mais de 35% do tempo dedicado à TV, as crianças permanecem sós. “Seus principais companheiros e colegas, com quem passa a se relacionar são os personagens de seus programas favoritos na televisão” (GUARESCHI, 1998, p. 89). Em suma, entendemos que os desenhos animados são uma forma de expressão atual em que mais crianças e adolescentes conseguem se identificar, “não sendo, portanto gratuita a escolha que fazem desse tipo de narrativa” (FISCHER, 1993, p. 65). No próximo capítulo faremos uma abordagem sobre os desenhos animados japoneses e a sexualidade existente nestes animês. 29 2. O INÍCIO DA ANIMAÇÃO NO MUNDO, O SURGIMENTO DOS ANIMÊS E A SEXUALIDADE NOS ANIMÊS Iniciaremos este capítulo destacando os precursores da animação no mundo e os primeiros desenhos animados japoneses, os animês. Mostraremos aqui, a definição de animê e suas principais características e influências, já que narrativa do gênero é uma adaptação de tramas provenientes dos quadrinhos japoneses (os mangás) e também dos desenhos animados norte-americanos. Já no fim deste capítulo iniciaremos a discussão sobre a sexualidade existente nos animês em geral, onde apresentaremos análises sobre Naruto, objeto de estudo deste trabalho. 2.1. O surgimento dos desenhos animados e a expansão dos animês na programação televisiva brasileira Os primeiros desenhos animados datam do início do século XX, em 1906, quando o inglês James Stuart Blackton lança o desenho animado Humorous Phases of Funny faces11. Apesar desta primeira experiência, a consagração deste gênero se deu por meio de outro autor, o francês Émile Cohl, como discorre Nader: Em 1907, com o sucesso de The Haunted Hotel, consagrou-se o francês Émile Cohl, que é considerado o pai do desenho animado. Cohl introduziu a primeira técnica de cartum, desenhando uma série de figuras com traços negros em folha de papel branco e fotografando-as. Na tela, utilizou o negativo e conseguiu um movimento executado por figuras brancas sobre o fundo escuro. (NADER, 2007, p. 49) Estes primeiros desenhos eram elaborados por meio da produção de figuras com traços negros em folha de papel em branco e depois eram fotografados, criando assim uma sequência de imagens em movimento. Anos depois do surgimento dos primeiros desenhos animados norte-americanos, eles começam a chegar ao Japão. “Os japoneses começaram a ver desenhos animados comercialmente em 1909, quando os cinemas locais começaram a exibir as produções pioneiras que vinham de Nova York e Paris”. (SATO, 2007, p. 33). 11 O desenho animado pode ser visto em http://www.youtube.com/watch?v=FvVVAr6JIGE. Acesso em 18 de outubro de 2010. 30 Os japoneses demoraram a lançar seus primeiros desenhos animados, enquanto isso nos Estados Unidos, a técnica de produção ia se aperfeiçoando. Segundo Nader (2007), o animador norte-americano Earl Hurd introduziu em 1914, a técnica do uso de folhas transparentes de acetato na produção dos desenhos animados, que permitiam a sobreposição das figuras em fundo imóvel e partes em movimento. Depois desta inovação, outras demoraram a vir. “Depois das primeiras experiências de John Brain com a cor, em 1917, mais nenhuma grande inovação técnica foi introduzida até o advento do som” (NADER, 2007, p. 51). O primeiro filme sonoro do mundo, de acordo com Nader (2007), foi O cantor de jazz, dos estúdios Warner Bros., em 1927. O advento do som fez iniciar o sucesso de Walter Elias Disney, o popular animador Walt Disney. Apesar de já produzir desenhos animados antes da inserção do som, Walt Disney conseguiu reconhecimento por meio do lançamento de Mickey Mouse. “O primeiro desenho animado do Mickey, já na companhia de Minnie, estreou no dia 28 de novembro de 1928, no teatro Colony, de Nova York, com estrondoso sucesso” (NADER, 2007, p. 65). O surgimento de Mickey12 revolucionou não só os desenhos animados, mas também o cinema com um todo. As técnicas de som utilizadas pela primeira vez em um desenho animado causaram impacto na indústria da animação. “O modo como Walt ligou a ação à música e aos efeitos sonoros em Mickey, era diferente do que se havia visto antes. O filme foi ao mesmo tempo um sucesso inédito e uma ruptura para a indústria da animação”. (NADER, 2007, p. 65). Antes do surgimento e expansão internacional do desenho animado Mickey Mouse, os japoneses já criavam suas primeiras produções. De acordo com Sato (2007), o primeiro desenho animado japonês foi lançado em 1917, com o título Imokawa Mukuzou Genkanban no Maki: 12 Segundo o Index Translation publicado pela ONU, as aventuras de Mickey já superaram, em número de línguas para as quais foram traduzidas, até mesmo a Bíblia. Mickey e os outros personagens de desenhos de Walt Disney já foram mais traduzidos que Lênin e Agatha Christie para lembrar alguns. (NADER, 2007, p.61) 31 Imokawa Mukuzou Genkanban no Maki (A História do Zelador Mukuzou Imokawa), um curta-metragem mudo de 5 minutos feito em 1917 por Õten Shimokawa, desenhista colaborador da revista de charges Tokyo Puck, é formalmente considerado o primeiro desenho animado japonês. Entretanto, como Shimokawa dedicou-se prioritariamente ao trabalho de ilustrador de revistas, credita-se ao diretor Kenzo Masaoka o título de “pai da animação”, por seu longo e artístico trabalho como animador iniciado nos anos 20. Em 1943 Masaoka criou sua obra-prima, Kumo to Churippu (A Aranha e a Tulipa), adaptação de um premiado livro infantil. (SATO, 2007, p. 33) Assim como os primeiros desenhos animados japoneses, os desenhos feitos pela indústria de animação norte-americana também eram curtos. O primeiro longa metragem foi Branca de Neve e os Sete anões13, de Walt Disney, em 1937. A animação precisou ser regravada várias vezes até ser lançado. “O filme levou três anos para ser concluído e foi refeito várias vezes, pois Walt almejava a perfeição. Em 1934, o orçamento inicial de US$ 500 mil foi ultrapassado, chegando no final a US$ 1,7 milhão”. (NADER, 2007, p. 84). Nesta mesma época, os primeiros desenhos animados japoneses serviam para passar mensagens militaristas, isto é, mensagens que reproduziam as batalhas da guerra com a vitória dos japoneses, criando assim padrões de comportamento que criavam uma aversão ao povo norteamericano. Como relata Sato: A partir do governo militar e com o início da Guerra Sino-Japonesa em 1933, a produção cinematográfica passou a funcionar como propaganda pró-guerra, e o animê também foi gradativamente se tornando militarizado. Desenhos americanos, como os de Betty Boop e Mickey, antes populares no Japão, foram proibidos e surgiram os puropagandas animês (SATO, 2007, p. 33). Os puropagandas animês, foram animês responsáveis por disseminar o modelo do combatente japonês, nas tramas os protagonistas eram seres que representavam o soldado japonês sempre vencendo suas batalhas. O primeiro foi Momotarõ no Umiwashi (Momotaro, O Valente Marinheiro), lançado em 1943. Os personagens desta trama eram animais com aparência humana que se envolviam em um combate que simulava uma guerra. Segundo Sato (2007), o animê atraiu um grande público, o que fez com 13 Branca de Neve e os Sete Anões foi uma adaptação do filme sobre a menina Branca de Neve dos irmãos Grimm, de 1812. Walt Disney havia visto na sua infância, ainda quando o cinema era mudo e em preto e branco. NADER, Ginha. A Magia do Império Disney. São Paulo, 2007. 32 que o governo investisse em uma continuação chamada Momotarõ Umi no Shinpei (Momotaro, o Divino Soldado do Mar), em 1944. Mesmo com o lançamento dos primeiros animês, o gênero só atingiu reconhecimento internacional quando o desenhista de mangás, Osamu Tesuka, resolveu investir na produção de animação para a televisão. A adaptação de histórias reconhecidas nos mangás para desenhos animados é um modelo adotado em todo o Japão. Como afirma Borges: O sistema de produção de animê no Japão apresenta-se de maneira diferente da que já estamos acostumados aqui no Brasil: antes de tudo, só é lançado se tiver audiência garantida através da aceitação da história na versão em quadrinhos, ou seja, através dos mangás. (BORGES, 2008, p. 17) O primeiro animê baseado em mangá já consagrado foi Tetsuwan Aton (Astro Boy). A obra de Osamu Tesuka14 lançada em janeiro de 1963, contava as aventuras de um garoto robô que combatia outros vilões, uma espécie de super-herói infantil. Com o impacto causado por Astro Boy, as produtoras de animação começaram a investir no modelo criado por Tezuka. “Com o grande sucesso de Tetsuwan Aton outras produtoras começaram a desenvolver trabalhos próprios. Comparados com a animação americana, a japonesa era bem precária e com menos recursos”. (NAGADO, 2007, p. 71). No Brasil, os primeiros animês só chegaram após os anos 60, antes disso um personagem ganhou destaque entre o público brasileiro. Em passagem pelo país, o já consagrado Walt Disney criou o personagem Zé Carioca. O papagaio, que serviu para a fixação da marca Disney no Brasil, representava o “povo brasileiro”, como relata Nader: Zé Carioca, personagem concebido para ser síntese dos laços de amizade entre os estados Unidos e o Brasil, é o simpático papagaio de chapéu de palha e bengalinha. Apesar de morar no morro – ou, no subúrbio –, quer desfrutar “as coisas boas da vida”, comer bem, 14 Osamu Tesuka é considerado o pai do animês. Tezuka nasceu em 3 de novembro de 1928 e desde criança mostrou aptidão para desenhar e contar histórias. Segundo Sato (2007) sua família sofreu com a 2ª guerra, chegando a passar fome. Assim para tentar ajudar seus parentes, Osamu aos 17 anos, então estudante de Medicina, passou a publicar um jornal intitulado Ma-chan no Nikki-cho (O Diário de Machan) com histórias em quadrinhos. Anos depois publicou o primeiro mangá moderno: Shin Takarajima (A Nova Ilha do Tesouro), produção que gerou um grande impacto. A consagração de Osamu deu-se com a produção dos primeiros animês para a TV, após os anos 60 seu nome passou a ser reconhecido em todo o mundo. 33 hospedar-se em hotéis de luxo e conquistar as belas morenas. Almeja apenas a felicidade momentânea. Retrata o boa-praça, o malandro carioca, que trata os amigos com muita simpatia; sua cordialidade, porém, camufla essa malandragem. (NADER, 2007, p. 113) Anos após o lançamento de Zé Carioca, chegam ao Brasil os primeiros animês. Segundo Nagado (2007), já no final dos anos 60 são veiculados na TV brasileira, clássicos como Eito Man (Oitavo Homem), Uchu Ace (Às do Espaço) e Tetsujin Ni-juhachi Gou (Homem de Aço). Os mais conhecidos como Ribbon no Kishi (A Princesa e o cavaleiro), Paa Man (Super Dínamo) e Maha Go Go Go (Speed Racer) só passaram a ser exibidos na década de 70. “Na década de 70, a animação definiu-se como um forte ramo da indústria de entretenimento japonesa, que vem mantendo um ritmo de crescimento constante” (SATO, 2007, p. 36) Apenas na década de 1990, os animês se fixaram no Brasil. Com a estreia de Saint Seiya (Os Cavaleiros do Zodíaco) em 1994, pela extinta TV Manchete. Tal animê foi responsável pela mudança dos hábitos de assistir desenho animado no País. Segundo Nagado (2007), Os Cavaleiros do Zodíaco causaram um “impacto devastador”. O autor conta que o consumo destes desenhos aumentou, mesmo que por meio da compra de DVDs piratas, mas o impulso deve-se em grande parte aos próprios canais de TV: [...] com a mudança do canal pago Locomotion para o especializado Animax em 2006 abriu novas portas aos animês no Brasil. O Cartoon Network e os canais abertos continuam exibindo animês destacadamente em suas programações. Isso tem alimentado legiões cada vez maiores de fãs que se dizem otakus com orgulho e lotam muitas convenções pelo país, incluindo as enormes AnimeCon e Anime Friends, que acontecem anualmente em São Paulo. (NAGADO, 2007, p. 74) O autor afirma ainda que esse consumo não seja tratado “com respeito” pela mídia em geral. Mas que isso também não ocorre também no Japão, país de origem dos animês. A popularidade dos Cavaleiros se deu devido ao animê ter agradado ao público feminino. De acordo com Sato (2007) o fato dos personagens masculinos serem “bonitos” pode ter atraído as mulheres. Isso pode ter sido algo proposital, já que os produtores da trama Shingo Araki e Michi Himeno são 34 conhecidos por estilizar personagens assim. Estes mesmos produtores já haviam realizado trabalho com animês que agradaram o público feminino como A Rosa de Versalhes, animê que abordaremos posteriormente. Ainda sobre os Cavaleiros do Zodíaco, Monte (2010) relata que seu lançamento serviu para que as emissoras passassem a dar maior atenção aos animês. Além disso, serviu para que a TV Manchete, a principal veiculadora de desenhos animados nipônicos, apostasse em outros títulos: O êxito de Cavaleiros do Zodíaco foi decisivo para o interesse da TV Manchete em outros títulos. Logo, vários desenhos japoneses começaram sua trajetória na televisão aberta. Naquele momento, a Manchete foi a TV que mais transmitiu animês. Passaram por ela YuYu Hakusho, Super Campeões, Sailor Moon, Shurato, Samurai Warrios entre outros. (MONTE, 2010, p. 61) Percebemos assim que, aos poucos, os animês passaram a fazer parte do cotidiano da programação infanto-juvenil. Além dos títulos já citados, outros como Pokémon, Samurai X, Fullmetal Alchemist, tornaram os brasileiros mais fiéis a este tipo de produção midiática. 2.2. A estrutura narrativa dos animês Segundo Nagado (2007), o termo animê é designado para identificar os desenhos animados japoneses. A maioria dos animês surge de adaptações de outro gênero japonês: o mangá15. O desenho animado japonês ganhou força após a década de 1960, quando o desenhista japonês Osamu Tesuka iniciou suas produções. Os mangás serviram como base principal na produção dos animês. Conforme Sato (2007), o quadrinho japonês é um dos meios mais importantes na divulgação da cultura japonesa no mundo. Aproveitando isto, os produtores japoneses começaram a criar os primeiros animês adaptados das tramas de sucesso já existentes no mangá. Antes de serem intitulados como animês, os desenhos animados japoneses eram chamados de dõga (imagem ou desenho que se move) ou de 15 Sinônimo tanto de histórias em quadrinhos como de gibis no Japão. Significa literalmente “desenhos irresponsáveis” e foi usada pela primeira vez pelo cartunista e ilustrador Hokusai em 1814. Mas foi com Osamu Tesuka, na década de 1950, que começou a estabelecer um padrão que depois se tornou marca registrada: narrativa cinematográfica, traços estilizados e olhos grandes e expressivos inspirados em Bambi de Walt Disney. (NAGADO, 2007, p. 9) 35 mangá eiga (filmes de quadrinhos). Segundo Sato (2007), a expressão animê surgiu após a segunda Guerra Mundial (1939-1945). Hoje animê significa, literalmente, animação japonesa e deriva da expressão em inglês animation, mas para os japoneses, “todo e qualquer desenho animado é um animê” (SATO, 2007, p. 31). O que difere da classificação dada pelos norteamericanos, que intitulam como animês apenas as produções japonesas. Apesar da influência dos mangás e das produções norteamericanas, o animê possui um conjunto de particularidades que o difere dos demais tipos de produções: Sob o ponto de vista técnico as principais características do animê são aquilo que os japoneses chamam de limited animation (o uso racional de material na produção sem prejuízo do efeito de ação e de dramaticidade, com o uso de cores mais vivas e contrastantes que o padrão Disney, visando redução de custos na produção), e um estilo de desenhar personagens exageradamente estilizados, de olhos grandes e cabelos pontudos: o estilo do mangá [...] adaptados para o traço técnico da animação. (SATO, 2007, p. 31) Além do estilo particular da produção de desenhos animados japoneses, este tipo de produção midiática possui também um conceito diferente dos outros tipos de animação, diferente dos Estados Unidos, onde a produção de desenhos animados é direcionada ao público infantil. Segundo Sato (2007), os animês possuem a mesma importância que os filmes em geral, não se caracterizando apenas como uma produção voltada para o público infantil. O fato de atingir não somente o público infantil e provocando consumo por parte do público adulto, essa particularidade dos desenhos animados japoneses vem causando um grande impacto econômico. “A indústria do animê movimenta um mercado milionário, com mais de uma centena de séries de TV inéditas e cada ano e dezenas de produções voltadas para cinema e vídeo”. (NAGADO, 2007, p. 8). Além de propiciar desenvolvimento econômico, o animê é responsável por disseminar a cultura japonesa no próprio país e no mundo, ditando assim comportamentos, como defende Sato: Com uma estética própria e diferente de tudo que até então se produzia na animação ocidental, os desenhos japoneses possuem tramas de alta dramaticidade que se por um lado confundia ou até 36 mesmo chocava a geração de país, por outro lado foram muito apreciadas pelos filhos, a ponto de muitos terem se tornados otakus. Através das animações, crianças e jovens fisicamente distantes do arquipélago passaram não só a cultuar super heróis com nomes em japonês, como também a conhecer muitos elementos da estética do comportamento japonês, como também – e a incorporá-los no cotidiano. Entre os adolescentes a moda passou a refletir o que se vê nos animês, como cabelos pontudos pintados em cores vivas, sapatos extravagantes, roupas tipo marinheiro inspiradas nos uniformes escolares japoneses e coisas do gênero. (SATO, 2007, p. 22). A mudança de comportamento influenciada pela cultura dos animês gerou grupos segmentados de jovens. Entre eles pudemos destacar dois: os nyuu haafu e os otakus. O primeiro grupo, de acordo com Sato (2007) é composto, em sua maioria, por mulheres “curiosas e obcecadas” pela homossexualidade, que formam grande parte do público que sustenta o mercado dos mangás e animês yaoi, os quais possuem tramas homossexuais. Já os otakus são os fanáticos por mangá, animês ou seriados diversos. O termo, originalmente, significa “viver num casulo”, pois os otakus são “pessoas que se isolam do mundo real, vivendo apenas em função de quadrinhos, games, seriados, culto a cantores etc.” (NAGADO, 2007, p. 9). Para Barral (2000), os otakus são mais que admiradores de animês e mangás. Este grupo possui características ainda mais particulares, podendo ser entendido com “uma expressão de uma imensa doença, de uma degenerescência psicológica da juventude neste final de século, talvez a negação de uma vida social” (BARRAL, 2000, p. 13). O isolamento e a negação da vida social dos otakus em relação ao mundo real para a criação de seu próprio mundo influenciado pelo mundo virtual, na maioria das vezes, fazem com que esse grupo passe a “conviver” apenas com mangás, animês e tecnologia em geral. Quanto à sexualidade, Barral (2000) afirma que os otakus preferem relacionar-se com personagens de desenhos animados ou bonecas, em detrimento de um parceiro humano, como ressalta Barral: Para alguns, enamorados de uma boneca ou da imagem préfabricada de uma das jovens vedetes cantoras, para outros, através do vídeo games, para outros ainda, perdidos na página de suas histórias em quadrinhos, o mundo exterior só existe como provedor de suas fantasias (BARRAL, 2000, p. 23). 37 De acordo com o autor, a preferência por seres virtuais é uma justificativa para uma relação segura, ou seja, sem problemas de relacionamento, como traição ou fim de namoro ou casamento. Observamos aqui comportamentos influenciados por produtos midiáticos da cultura japonesa, entre eles os animês. Mas esse fato não é exclusivo da sociedade nipônica, pois o fenômeno do otakismo já se expandiu ao longo das décadas por diversos países. E, fenômenos que se referem à sexualidade dos otakus, a priori, é um fator preocupante, mesmo que a análise dos efeitos deste fenômeno não seja objeto de estudo de nosso trabalho. O relacionamento corporal de jovens com seres virtuais é observado no animê Video Girl Ai, o qual veremos com mais detalhes no próximo tópico. Foco da nossa pesquisa, a sexualidade sempre foi uma característica marcante dos quadrinhos japoneses, principalmente nos mangás dedicados ao público feminino, os shojo mangá. De acordo com Nagado (2007), os personagens masculinos dos shojo mangá possuem aparência andrógina, ou seja, uma mistura de características femininas e masculinas em um único ser, além disso, as relações homossexuais aparecem neste tipo de mangá. Entre os exemplos estão Nakayoshi (Amiga Íntima), Hana to Yume (Flores e Sonhos). Neste tipo de produção, os romances entre personagens do mesmo sexo são habituais e têm como plano de fundo uma história de amor. Já nos mangás dedicados ao público masculino, os shonen mangá, as características marcantes são a aventura, violência e humor. Aqui se encontram os títulos mais conhecidos: Dragon Ball, Os Cavaleiros do Zodíaco, Samurai X, Yu Yu Hakusho, além de Naruto. Assim como nos shojo mangá, os shonen mangá também apresentam erotismo e sexualidade. “Os shonen mangá também podem apresentar situações maliciosas, erotismo leve e nudez, coisas que os fariam (e muitas vezes fazem) ser classificados como obras para os adultos no Ocidente” (NAGADO, 2007, p. 10). Assim como os mangás, os animês também possuem a classificação shojo e shonen, mas com características mais universais, isto é, características de ambas as classificações, como violência e erotismo na mesma trama. Entre os que abordam explicitamente o erotismo, estão os yaoi, 38 que segundo SATO (2007) destina-se ao público homossexual e os hentais que são voltados para o público adulto em geral, onde “é notória a perversão japonesa por garotas colegiais e adolescentes [...] espalhando influência por diversos títulos” (NAGADO, 2007, p. 9). 2.3 A sexualidade nos desenhos animados A presença da sexualidade nos desenhos animados não é um fato recente. Crianças e jovens são submetidos há muito tempo a mensagens sobre sexo e sensualidade desde os primeiros desenhos animados. A personagem Betty Boop, lançada em 1930, com dotes avantajados, decotes e minissaias, chegou a ser vetada por censores norte americanos da época. De acordo com Nader (2007), devido sua grande sensualidade, Betty Boop foi proibida de aparecer nas telas em 1939 pelo Comitê Moralizador16 após anos de perseguição. Assumpção Junior afirma que: [...] submetida a uma censura maior, foi editada nos EUA em 1931, por Max Fleisher, a sensual Betty Boop, associada à figura de Mae West e à voz da cantora Helen Kane, com uma figura sensual e irônica, com saias curtas, olhos bem pintados e cílios longos, dandolhe a atitude das vamps cinematográficas. Em virtude de seu modo tranqüilo e pouco reprimido, foi considerada ultrajante à moral americana, já podendo se notar aqui uma primeira tentativa de liberação ainda que tímida, das fantasias, principalmente no referente à sensualidade. Esse movimento de liberação se manifestava na figura da personagem que, no decorrer de suas aventuras, expunha as ligas enfeitadas por um coração, ou mesmo suas calcinhas. Essa exposição foi considerada ameaçadora à decência, a tal ponto que levou a Liga da Decência Americana a condená-la, sendo retirada de circulação em conseqüência disso. (ASSUMPÇÃO JUNIOR, 2001, p.45) O interessante sobre a personagem, é que Betty foi desenhada como um animal. Segundo Nader (2007), antes de figurar como uma personagem sensual dos desenhos animados, Betty Boop foi criada para ser namorada do cachorro Bimbo no filme Dizzy Dishes, de 1930. Logo após sua estreia, a personagem chegou a aparecer em 1932, no filme Betty Boop’s Baboo Isle, dançando hula-hula de toplees. 16 O Comitê Moralizador era uma instituição norte americana responsável por controlar a veiculação de mensagens proibidas na época, entre elas, o erotismo. O Comitê estava relacionado com a Ku Klux Klan. Organização racista norte-americana que apóia a supremacia da raça branca e o protestantismo. (IAV – Instituto de Artes Visuais da UniverCidade. Revista DESIGNE. Rio de Janeiro, nº 7, 2008) 39 Já no que se refere aos animês, a sexualidade e o erotismo sempre foi uma característica marcante, principalmente no shojo mangá/animê. Para ilustrar tal fato, pudemos tomar como exemplo um dos primeiros títulos que trouxe essa temática: Berusaiyu no Bara (A Rosa de Versalhes). Lançado em mangá em maio de 1972 pela desenhista Riyoko Ikeda, A Rosa de Versalhes virou animê em 1979. Na trama, a personagem Oscar François de Jarjayes, apesar de possuir um nome masculino e aparência andrógina, Oscar é uma mulher, filha de um general de uma corte européia que decide criá-la como um rapaz por não ter um herdeiro homem. Vista como um homem, Oscar torna-se comandante de um exército, sempre acompanhada pelo personagem André Grandier, o qual mantém um relacionamento escondido. A Rosa de Versalhes apesar de ter marcado época no mangá e no animê, levantou polêmicas quanto ao seu conteúdo, pois apresentava cenas de homossexualidade e relacionamento extraconjugal, em um produto destinado à meninas até 14 anos, como afirma Sato: [...] considerando tratar-se de um mangá direcionado a meninas de 8 a 14 anos, haviam em “A Rosa de Versalhes” elementos que podiam ser considerados pouco adequados para faixa etária das leitoras da época, como o relacionamento extraconjugal da rainha com seu verdadeiro amado, o leal e devotado conde sueco Hans Axel Von Fersen, e a protagonista fictícia da história, Oscar François de Jarjayes (SATO, 2007, p. 50). Em outro clássico das produções japonesas, Ribon no kishi (O Cavaleiro da fita), produzido por Osamu Tezuka, conhecido no Brasil como A Princesa e o Cavaleiro, publicado pela primeira vez em 1953 na revista Shojo Club, estreando como animê em 1967, a presença da androginia e da transexualidade17, é um fator marcante. Na ocasião, a protagonista da história, a princesa Safiri, se disfarça de herói para combater inimigos que ameaçam seu reino. Assim como em A Rosa de Versalhes, a protagonista também mantém relações escondidas com um personagem masculino, o príncipe Franz. Nagado (2007) descreve a obra como: 17 A transexualidade pode ser entendida como um transtorno de identidade de gênero. Refere-se à condição do indivíduo que possui uma identidade de gênero diferente a designada no nascimento, tendo o desejo de viver e ser aceito como sendo do sexo oposto. Segundo LOURO (2010) a identidade de gênero é como os sujeitos se identificam, social e historicamente, como masculinos ou femininos. 40 Em um ambiente que lembra a Europa medieval, a obra mostra a saga da Princesa Safiri, herdeira do trono da Terra de Prata, que tem que se passar por rapaz por causa das leis que impedem uma mulher subir ao poder. (NAGADO, 2007, p. 55). No caso do animê A princesa e o cavaleiro o erotismo não é tão explícito como na produção do mangá/animê Video Girl Ai. Nesta produção, um jovem de 16 anos, chamado de Youta Moteuchi é apaixonado pela colega Moemi, que é apaixonada por outro rapaz. Para solucionar a crise vivida pelo personagem Youta, surge Ai (cujo nome significa amor, em japonês), uma personagem que sai de uma fita de vídeo e passa a se envolver com Youta. No animê, lançado como OVA18 em 1992, Ai aparece constantes vezes sem roupa, deixando à mostra os seios. “Video Girl Ai tem toques de erotismo e situações consideradas adultas no Ocidente, mas é uma obra voltada para adolescentes, expondo dúvidas e fragilidades humanas com muita sensibilidade” (NAGADO, 2007, p. 46). Além de A Rosa de Versalhes, A princesa e o cavaleiro e Video Girl Ai apresentarem situações de manifestação da sexualidade, outro animê apresenta tal temática bem mais exposta. Trata-se de o animê Bishõjo Senshi Seera Muun, conhecido como Sailor Moon. A obra surgiu em mangá em 1991, produzido pela desenhista Naoko Takeuchi, sendo adaptada para o animê em 1992. Sailor Moon passou a ser exibido no Brasil a partir de 29 de abril de 1996, pela extinta TV Manchete. Segundo Sato (2007), a idéia da autora era produzir uma obra que envolvesse protagonistas que usassem sailor fuku19, super sentai20 e transformação. Assim surgiu Sailor Moon, o mangá/animê direcionado para o público feminino, um shojo que tinha como base a luta de um grupo formado por cinco jovens que receberam super poderes para lutar contra inimigos que ameaçavam o mundo. 18 OVA é a sigla de Original Video Animation e indica quando uma animação foi feita para o mercado de venda direta ou de locadoras. Geralmente apresentam produção melhor que a TV e inferior à do cinema. (NAGADO, Alexandre. Almanaque da Cultura Pop Japonesa. 2007) 19 Sailor fuku é o nome dos uniformes escolares usados por adolescentes a partir da série ginasial no Japão. O visual é baseado em roupa de marinheiro. (SATO, Cristiane A. JAPOP – O Poder da Cultura Pop Japonesa. 2007) 20 Super sentai é o nome que se dá em japonês às séries de grupos de super-heróis. (SATO, Cristiane A. JAPOP – O Poder da Cultura Pop Japonesa. 2007) 41 A primeira problemática que envolve Sailor Moon é a presença do sailor fuku. Apesar de ser um uniforme colegial que agrada as meninas que estão prestes a entrarem em uma nova fase da vida escolar, o uniforme também marca uma nova etapa da adolescência destas meninas, o sailor fuku é visto como um fetiche sexual para os homens do Japão. Como afirma Sato: Mas não são só as meninas pequenas que se sentem atraídas pelos uniformes escolares. Os sailor fuku são para muitos homens um fetiche sexual – o ícone do Rorikon (contração de Lolita complex, ou “complexo de Lolita”), expressão derivada do título do controvertido romance de Vladimir Nabokov publicado em 1955 nos Estados Unidos, sobre um homem de meia-idade que se apaixona pela enteada adolescente, que foi adaptado para o cinema em 1962 pelo diretor Stanley Kubrick. (SATO, 2007, p. 102) Por meio dessa primeira observação, verificamos que a vestimenta dos personagens dos desenhos animados pode demonstrar sexualidade, fazendo com que um produto destinado ao público feminino infantil acabe por agradar o público masculino adulto. Em Naruto, também pudemos observar que a vestimenta dos personagens provoca atração por parte do público adulto. Na própria trama, o personagem Jiraya acaba entrando em excitação quando se depara com mulheres e meninas com roupas sensuais. “Para os japoneses o que atrai é justamente a idéia de inocência e infantilidade que os sailor fuku inspiram, contrastando com o corpo formado de mulher das jovens que o vestem” (SATO, 2007, p. 102) Outra problemática presente em Sailor Moon é questão da exposição da figura feminina como mulher objeto. Na trama as personagens se submetem à manipulação por parte dos personagens masculinos, criando assim relacionamentos passageiros e frustrantes. Como afirma Sato: Apesar do enredo confuso, e de se tratar de uma história direcionada para um público infantil, vários capítulos da série em animê expuseram de modo realista um aspecto perturbadoramente autodestrutivo do comportamento feminino: a manipulação consentida pelo sexo oposto, também conhecido como “síndrome da mulher que ama demais”. A versão em desenho animado de Sailor Moon obteve grande audiência de um público adulto ao mostrar através de suas personagens situações de mulheres que se apaixonam por homens claramente interessados apenas em usá-las, e que mesmo alertadas por amigas e parentes aceitam ser manipuladas pelos amados, recusando-se a acreditar que seus sentimentos não são correspondidos. O resultado, como é previsível, são relacionamentos frustrantes ou separações trágicas (SATO, 2007, p. 104) 42 O relacionamento entre personagens masculinos e femininos não é tão presente em Naruto, mas as personagens femininas neste animê têm grande destaque, entre elas está Tsunade, uma ninja superior, com idade próxima aos 50 anos, mas com corpo escultural, seios volumosos e aparência jovial. Por apresentar semblante sexy, a personagem causa furor entre alguns personagens masculinos. Já outra personagem de destaque em Naruto é a jovem Sakura, que possui 12 anos na primeira versão do animê, é apaixonada pelo personagem Sasuke, de mesma idade, mas que não é correspondida. Situações homossexuais também são representadas em Naruto, embora não tão explícitas quanto em Sailor Moon. De acordo com Peret (2009), as relações homossexuais em Sailor Moon são claras. Segundo o autor, na terceira temporada do animê, as personagens Haruka Tenoh (Sailor Urano) e Michiru Kaioh (Sailor Netuno) demonstram claramente que possuem um relacionamento homossexual. Na ocasião, as personagens moram juntas e Haruka se veste como homem, tem cabelos curtos, dirige carros velozes e realiza atividades esportivas. Já Michiru é artista, amante da pintura e da música. Segundo Peret (2009) esse tipo de comportamento confunde os próprios personagens quanto à sexualidade de Haruka e Michiru. “Assim que as cinco protagonistas conhecerem o casal, alguns episódios mostram como, uma a uma, elas se encantam por Haruka e, no caso de Makoto (Júpiter), chegam a questionar a própria sexualidade”. (PERET, 2009, p. 6). A presença das heroínas homossexuais em Sailor Moon causou choque principalmente quando o animê passou a ser exibido no Ocidente: [...] há em Sailor Moon aspectos que chegaram a ser a chocar leitores e espectadores ocidentais conservadores. As heroínas Sailor Netuno e Sailor Urano são um casal gay, e na última fase da série, Sailor Moon Sailor Stars, apareceram os “Starlights”, um trio de rapazes cantores que se transformam em mulheres ao manifestar seus superpoderes, passando a usar pequenas e decotadas roupas de couro e botas de cano alto pretas, em óbvia ilusão ao transexualismo. (SATO, 2007, p. 105) Mensagens com conotação homossexual também ocorrem em Naruto, no episódio 3 do animê, intitulado “Sasuke e Sakura: amigos ou inimigos?”, os personagens Naruto e Sasuke trocam um beijo, protagonizando assim uma ação homossexual. Tal situação forçada por Naruto, só ocorre 43 porque o personagem tem ciúmes da personagem Sakura, que tem atração por Sasuke. As situações de homossexualidade são comuns nos animês. A obra Cardcaptor Sakura, lançada no fim dos anos 90, que ficou conhecida no Brasil como Sakura Card Captors, é focada sobre a menina Sakura Kinomoto que acidentalmente liberta um baralho de cartas mágicas de um livro e passa a capturá-las e controlar sua magia, mas esta produção vai além disso. A série composta por 70 episódios originais passou por censura em vários países. De acordo com Peret (2009), “por conter elementos inapropriados para crianças”, como insinuações de sexo e atração homossexual. Quando foi reproduzida pela TV Globo, Sakura Card Captors teve que sofrer cortes, de acordo com Peret (2009), por conter relações de conotação homossexual. Nos episódios editados, a personagem Tomoyo, a melhor amiga de Sakura, gosta de filmá-la e vesti-la com fantasias especiais para suas missões, remetendo a insinuações de voyeurismo. No mangá, a relação platônica de Tomoyo e Sakura é mais clara do que no animê. Em outra situação, os personagens masculinos Yukito e Touya representam uma relação homossexual disfarçada, ou seja, sem contato propriamente dito. Touya é o irmão mais velho de Sakura, que em algumas situações protagonizou os dois personagens masculinos dormindo juntos. Em um episódio, Sakura declara seu amor por Yukito, mas ele responde que seu coração já tem dono – e, para surpresa dele, ela declara saber que é o irmão dela. A revelação da verdade estreita ainda mais os laços de amizade entre eles. Outra característica marcante que remete à sexualidade nos animês é a androginia, ou seja, personagens que possuem traços masculinos e femininos ao mesmo tempo. Singer (1976) define androginia como “„um‟ que contém o „dois‟, a saber, o masculino (andro) e o feminino (gyne)” (SINGER, 1976, p. 27). Para ilustrar essa característica pudemos tomar como exemplo o personagem Fish Eye (Olho de Peixe) de Sailor Moon, que é um rapaz com características andróginas e seu objetivo na trama é caçar outros rapazes. Em determinado episódio, ele se veste e se maquia como uma garota, causando surpresa aos seus companheiros. Em Naruto também há androginia. O personagem Haku é um menino com aparência feminina, para reforçar tal 44 problemática, ele veste-se como menina, chegando a confundir outros personagens, como o próprio Naruto, que em tom extasiado diz: “mas ele mais bonito que a Sakura”, comparando Haku com a personagem feminina Sakura. Entendemos assim, que a presença da androginia nos desenhos animados pode levantar questionamentos para as crianças como: afinal a personagem é masculina ou feminina – menino ou menina. O ser andrógino por não ter um gênero bem definido, pode atrair a atenção de ambos os sexos. Sato (2007) afirma que a presença da sexualidade, do erotismo e de suas vertentes é encarada com mais naturalidade pelos japoneses, não causando o mesmo espanto como no Ocidente. “Na realidade cotidiana o homossexualismo não é, tanto quanto no ocidente, um comportamento aceito pela sociedade, mas a freqüência e o modo aberto de como o assunto é exposto aos desavisados” (SATO, 2007, p. 105). É importante salientar aqui que, apesar de atrair o público adulto devido às conotações de sexualidade, existem produções direcionadas totalmente para esse público. Os animês pornográficos, classificados como hentai, retratam com clareza cenas que apresentam relações sexuais. Entre os títulos hentais estão After Class Lesson, Angel of Darkness, Dark Love, Foxy Nudes, Immoral Sisters e Bible Black, sendo este último um dos mais difundidos. A presença da sexualidade nos animês direcionados ao público infantil pode ser explicada pela própria cultura japonesa. Segundo Peret (2009) qualquer apropriação por parte do povo ocidental poderá não corresponder à realidade e verossimilhança internas do produto, pois na maioria das vezes, as cenas em que a sexualidade está presente sempre são vistas como prejudiciais para o público; já no Japão isto é algo habitual. Além disso, a censura imposta pelos países ocidentais pode ser considerada uma questão de religiosidade. Sato (2007) defende que há uma grande diferença entre os princípios das religiões ocidentais e orientais: Tal choque de conceitos resulta da diferente fundamentação religiosa que rege o comportamento de japoneses e de ocidentais quando o assunto é homossexualidade. A escala de valores ocidental, baseada 45 no raciocínio judaico-cristão, condena a homossexualidade como um crime e propicia comportamentos de aversão tão radicais que chega ao ódio gratuito e ao homicídio (SATO, 2007, p. 107). Explícita ou não, a sexualidade nos desenhos animados causa problemas para pais e jovens fãs de desenhos animados que tendem a tomar esse tipo de produção midiática como base para seu comportamento. “Crianças estão aprendendo a agir de forma que perturbam e até mesmo chocam muitos adultos. Mas essas crianças estão agindo de maneira que se justificam no ambiente sexualizado que as rodeiam” (LEVIN; KILBOURNE, 2009, p. 3). 46 3. DEFINIÇÃO DA METODOLOGIA E ANÁLISE DOS EPISÓDIOS DE NARUTO 3.1. Percurso metodológico Como já havíamos apontado no primeiro capítulo do nosso trabalho, o objetivo principal é analisar as mensagens de sexualidade no animê Naruto, com a finalidade de entender como elas são construídas, sem buscar explicar seus efeitos, pois tal fato não diz respeito à nossa análise. Partimos do pressuposto que estas mensagens de sexualidade estão expostas e implícitas dentro do discurso do animê em questão. Nossa hipótese é que as mensagens contidas no animê são direcionadas ao público infanto-juvenil e que esta situação se torne problemática, pois tal público se encontra em processo de desenvolvimento. Para realizar a pesquisa empírica escolhemos a técnica análise de conteúdo, por ela desvendar conteúdos latentes no discurso e tornar possível descobrir o que está por trás dos conteúdos manifestos, ou seja, a análise de conteúdo é um: [...] método de pesquisa que recolhe e analisa textos, sons, símbolos e imagens impressas, gravadas ou veiculadas em forma eletrônica ou digital encontrados na mídia a partir de uma amostra aleatória ou não dos objetos estudados com o objetivo de fazer inferências sobre seus conteúdos e formatos enquadrando-os em categorias previamente testadas, mutuamente exclusivas e passíveis de replicação. (HERSCOVITZ, 2007, p. 126) Com a aplicação da análise pudemos entender sobre a produção das mensagens de sexualidade contidas no animê Naruto. Pois por meio da utilização desta técnica conseguiremos “entender um pouco mais sobre quem produz e quem recebe a notícia e estabelecer alguns parâmetros culturais implícitos e a lógica organizacional por trás das mensagens” (SHOEMAKER & REESE, 1996 apud HERSCOVITZ, 2007, p. 124). É importante que realizemos um breve histórico para entendermos o processo de evolução desta técnica e como ela se constitui atualmente. A introdução das técnicas da análise de conteúdo teve início no século XVIII, segundo Fonseca Júnior (2005), os estudos começaram quando a corte suíça realizou a análise de hinos religiosos, denominados Os cantos de Sião, em 47 busca conteúdos latentes com viés pernicioso. O autor afirma que a corrente de pensamento do francês Augusto Comte, o Positivismo, é a principal base para os estudos da análise de conteúdo: No contexto geral da ciência, a análise de conteúdo é tributária do positivismo, corrente de pensamento desenvolvida por Augusto Comte (1798-1857), cuja principal característica é a valorização das ciências exatas como paradigma de cientificidade e como referência do espírito humano em seu estágio mais elevado. Na visão positivista, até mesmo as teorias sobre a vida social “deveriam ser formuladas de forma rígida, linear ou metódica, sobre uma base de dados verificáveis” (JOHNSON, 1997, apud FONSECA JÚNIOR, 2005, p. 281) Deste modo o objetivo de Comte era tornar o Positivismo semelhante à linha de pesquisa das ciências exatas, por meio da introdução de técnicas empíricas. Até aqui, os estudos eram realizados com base em técnicas apenas qualitativas, muitas delas, baseadas nos estudos de Comte, mas outros autores ressaltaram a necessidade de analisar o conteúdo de forma qualitativa e não só quantitativa. O primeiro pesquisador a utilizar a análise de conteúdo na mídia foi Harold Lasswell, em 1927, nos Estados Unidos. Segundo Herscovitz (2007), o pesquisador norte americano utilizou o método para descrever com precisão e objetividade o que era dito sobre um determinado tema. Assim, a base teórica da análise de conteúdo foi construída por Lasswell e também pelo austríaco Paul Lazarsfeld. O primeiro livro sobre a definição da análise de conteúdo foi escrito pelo norte-americano Bernard Berelson: Ainda na primeira metade do século XX, Bernal Berelson publicou o primeiro livro escolar sobre o assunto definindo o método como “uma técnica de pesquisa para a descrição objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto da comunicação (HERSCOVITZ, 2007, p. 124) Após anos de desenvolvimento nos Estados Unidos e Europa, a difusão da análise de conteúdo na América Latina se deu por meio do Centro Internacional de Estudos Superiores de Jornalismo (Ciespal). De acordo com Fonseca Júnior (2005), o Ciespal mudou o ensino técnico-profissional em detrimento da formação clássico-humanista já arcaica, por meio da introdução da análise de conteúdo. 48 Após entendermos a definição e o processo de desenvolvimento da análise de conteúdo, os critérios utilizados para a seleção dos episódios do animê Naruto foram aqueles que possuíam as mensagens de sexualidade expostas ou não21, entre elas estão a “coisificação” da figura feminina, situações de homossexualidade e adultização da infância. Buscamos selecionar cinco episódios que resumissem vários outros que abordassem a mesma temática ao longo de toda a série do animê, para mostrar que a existência dessas mensagens não é um fato isolado, isto é, está presente ao longo da história de Naruto, ou seja, a partir de um episódio que apresentasse uma dessas temáticas, pudemos identificar as demais, já que elas se repetem. Lembramos que segundo Café; Villares; Sousa (1996) a sexualidade pode ser entendida como um impulso que nos move a ir experimentando a vida em contínuo processo de desenvolvimento e evolução. Essa evolução se dá ao longo de toda a vida e se refere às relações e identidade sexual do indivíduo. Assim, entendemos que esse processo é um aprendizado onde o ser humano vai adquirindo ao longo do tempo para criar sua identidade, que é determinada por um conjunto de atividades, preferências e experiências sexuais ao longo da existência do ser e que tem início logo na infância. 3.2. Naruto: do Japão para o universo infanto-juvenil mundial Naruto é um animê baseado no mangá homônimo e foi criado em 2002 pelo japonês Masashi Kishimoto. Sua primeira versão em forma de quadrinho japonês foi publicada pela revista semanal Shonen Jump22. A trama conta a história de um jovem de 12 anos chamado Naruto Uzumaki, que vive na região de Konoha, vila ninja do País do Fogo. Logo após seu nascimento, Naruto teve o espírito de um monstro aprisionado em seu corpo, tal fato fez com que ele crescesse sendo hostilizado por moradores de Konoha. Ao lado dos companheiros Sasuke Uchiha e Sakura Haruno, Naruto tem o sonho de torna-se o ninja mais poderoso de sua vila, um Hokage, para que as pessoas 21 É importante salientar aqui que Naruto não apenas possui mensagens de sexualidade. O animê também é composto situações de violência, por exemplo. 22 Segundo Nagado (2007) a revista Shonen Jump é a publicação mais popular entre os jovens. Foi fundada em 1968 e começou publicando trabalhos de novatos, o que fez revelar vários autores. Entre os títulos de maior repercussão publicados pela revista pudemos exemplificar: Saint Seiya (Cavaleiros do Zodíaco), Dragon Ball, Samurai X e Video Girl Ai. 49 passem o respeitar. Por ser muito atrapalhado, além de não se dedicar aos estudos da escola de artes marciais, Naruto Uzumaki é desacreditado por outros jovens ninjas, que insistem em chacoteá-lo. Mas junto a Sasuke e Sakura, Naruto tem de provar suas habilidades enfrentando várias missões. Após a primeira parte lançada em 2002, produzida pelo Studio Pierrot e exibida pela televisão japonesa TV Tokyo, Naruto recebeu nova versão em fevereiro de 2007, intitulada Naruto Shippuden23. Nesta versão, os personagens aparecem com idade mais avançada, demonstrando continuidade da trama. Segundo Pereira (2010), o sucesso da franquia gerou a produção de filmes para cinema e também OVAs (Original Video Animation), produções destinadas à venda direta para locadoras. O animê só chegou ao Brasil cinco anos depois de seu lançamento no Japão. Seu primeiro episódio no Brasil foi exibido em janeiro de 2007 no canal fechado Cartoon Network, chegando ao canal aberto, SBT, em junho do mesmo ano. No SBT, Naruto sofreu várias oscilações, saindo e voltando ao ar de forma frequente. Hoje o animê não é mais exibido em rede aberta nacional, sendo exibido apenas para alguns estados, mas continua no ar pelo Cartoon Network. Nos três anos que Naruto foi veiculado pelo SBT, de 2007 a 2010, o animê sofreu edições de episódios que apresentavam violência extrema e cenas que remetiam à sexualidade, como o beijo entre personagens masculinos. Percebemos isto porque tivemos acesso aos episódios exibidos sem cortes no canal Cartoon Network. Hoje, Naruto é composto por 220 episódios separados em nove temporadas. 3.3. A análise das mensagens de sexualidade no animê Naruto 3.3.1. O jutsu sexy: A mulher como objeto de desejo Texto/Som “Naruto, boa sorte”, diz Hinata. “Transformação”, diz Naruto. 23 Imagem Envergonhada, Hinata deseja boa sorte a Naruto. Mostrando atração pelo jovem. Naruto transforma-se em uma jovem loira, de olhos azuis, com aparência atraente. Ela está completamente nua, De acordo com Pereira (2010), a versão Naruto Shippuden chegou ao Brasil com o título Lendas do Tufão do Vento. 50 sendo recoberta apenas por nuvens de poeira. Iruka Sensei muda o semblante. Seus olhos ficam arregalados. Ele grita e cai no chão. “Hahaha, te peguei! É o meu jutsu sexy!” Muda a cena. Naruto ri com a reação de Iruka Sensei. “Chega de truques idiotas! É meu último Enraivecido, Iruka repreende Naruto. aviso”, grita Iruka. Aqui observamos episódio 01, Naruto Uzumaki chegando!, onde mostra o início da história de vida do protagonista da série Naruto Uzumaki. Junto a outros personagens, Naruto é submetido aos primeiros testes para se tornar ninja, pois até então ele é apenas um aprendiz. Na cena transcrita acima, os alunos devem realizar o justu24 de transformação. Os outros alunos já tinham passado no teste, agora é a vez de Naruto. Antes de seu teste, a cena mostra o encantamento da garota Hinata Hyuuga por Naruto, quando timidamente, deseja que Naruto seja aprovado nos testes. Eis que Naruto evoca o jutsu de transformação, na ocasião, o jovem transforma-se em uma sensual jovem. Tal fato faz com que Iruka Sensei, o professor que aplica a prova, fique extasiado com a imagem da loira. Esta é a primeira vez, de muitas outras, em que Naruto realiza o jutsu sexy. Sempre que ele faz a evocação, os personagens masculinos ficam extasiados, mostrando a excitação causada pela presença da jovem loira. Em muitas vezes, Naruto realiza a transformação e multiplica-se em várias cópias, o que faz com que outros personagens sintam-se ainda mais impressionados, chegando a desmaiar, ou seja, a aparição da imagem da jovem muda o comportamento dos demais personagens que presenciam a transformação. A evocação do jutsu sexy pode ser comparada a “coisificação” da imagem feminina, observado nos comerciais de cerveja, por exemplo, onde uma mulher é exposta de forma sensual para buscar a venda do produto. Observamos aqui a criação de ícones sexuais que são utilizadas para estimular o consumo. A exposição de mulheres atraentes acaba não apenas estimulando o desejo masculino para a aquisição do produto, mas também transformando a 24 Justu corresponde a uma técnica ninja. Para evocá-la o ninja realiza um sinal de mão. 51 mulher em “coisa”. Quando o indivíduo idealiza algo através deste tipo de mensagem, é como se junto ao produto viessem as qualidades da mulher mostrada. Segundo Jordão (2005), nós vivemos um momento onde a mídia em geral, utiliza-se de forma abusiva de corpos femininos e também, às vezes, masculinos, com a finalidade de mexer com os sonhos e desejos do público consumidor e de vender uma ideia. Na cena em questão, o personagem utilizase da sensualidade repassada por meio da imagem de uma mulher e isto acaba alterando o comportamento de outros personagens. Esta sensualidade acaba gerando dúvidas para o espectador quanto à sua verdadeira intenção, ou seja, não se sabe qual a verdadeira finalidade de mostrar uma jovem nua recoberta por nuvens de poeira, diferente do erotismo, que já é algo explícito: O erotismo está relacionado com aquilo que é explícito, desenvolvido e preciso, e tem intenção meramente exibicionista. Por outro lado, a sensualidade não possui a ligação de mostrar claramente, ou seja, é implícita, apenas deixa no ar, com um toque bem maroto, com certa malícia, dando ao expectador somente o vislumbre. Portanto, o erotismo apela sempre para o sentido consciente, não permitindo possíveis dúvidas; já a sensualidade encobre a vulgaridade disseminada no erotismo. (JORDÃO, 2005, p. 49) O fato de a sensualidade conter mensagens implícitas acaba confundindo justamente pelo fato de não mostrar sua verdadeira intenção. Já no caso do erotismo, a exposição é gratuita e apenas exibicionista, como afirmou Jordão (2005) no trecho acima. A reação provocada pela aparição da jovem loira mostra que ser sexy é importante e mexe com os homens. Além de mostrar como „deve‟ ser o estereótipo da mulher atraente, que foi transformada em um simples objeto de desejo: As mulheres são retratadas como sexualmente desejáveis apenas se forem jovens, magras, cuidadosamente polidas e arrumadas, maquiadas, depiladas, vaporizadas e perfumadas – tornando-se quase desumanas, de fato; já os homens devem estar em busca dessas parceiras perfeitas e se sentindo desapontados se falharem. (LEVIN; KILBOURNE, 2009, p. 161). Com esta afirmação, pudemos concluir que se cria um ambiente propício à erotização precoce, já que segundo estas próprias autoras, a tendência é que 52 o público infanto-juvenil tende cada vez mais cedo guiar-se pelo comportamento exposto nos desenhos animados. 3.3.2 Sakura Haruno, a menina quer „ser grande‟: a adultização da infância Texto/Som Imagem A cena mostra Sakura Haruno arrumando em frente ao espelho do seu quarto. Ela parece admirar-se. Ela faz poses e sorri. “Sakura! Não está na hora de ir à Sakura irrita-se. escola filha?”, diz mãe de Sakura, que está em outro compartimento da casa. “Eu sei mãe, eu já estou saindo! Descontente com o questionamento Droga até quando você vai me tratar da mãe, a garota mostra-se como criança? Eu já sou uma ninja!”, totalmente incomodada. diz Sakura. Sakura Haruno é uma jovem de 12 anos, cabelos longos de cor rosa, olhos azuis e magra. Usa roupa curta, sempre mostrando as pernas. Assim como Naruto, é uma aprendiz de ninja. Ela já se acha totalmente crescida, pelo fato de ser uma ninja Kunoichi25. Segundo Sampaio (2004), existe aí o uso da “imagem precoce da criança”, em que a criança assume a identidade de um adulto, esta característica é mais perceptível na propaganda, quando busca vender para as crianças roupas dedicadas aos adultos, por exemplo. Já no desenho animado em questão, Sakura tenta passar a imagem de uma menina que já cresceu e o fato dela ter apenas 12 anos não quer dizer que deve viver como uma criança. O descontentamento mostrado por ela quando a mãe chama sua atenção evidencia o fato dela se achar independente. É nesse ponto que Postman (1999) aponta que há um retrocesso na sociedade sobre o termo infância, isso baseado no fato de que nos séculos XI, 25 Kunoichi é um termo designado para identificar uma ninja do sexo feminino Além das habilidades tradicionais de um ninja, elas recebem um treinamento especial para a arte da sedução, com isso podem influenciar o comportamento do oponente. Seus uniformes são sempre provocantes. 53 XII e XII, o termo infância era desconhecido para a sociedade daquela época, pois não havia uma preocupação específica com a educação e comportamento das crianças, pois elas conviviam no meio dos adultos e presenciavam situações de orgias e bebedeiras, além de, no caso dos meninos, serem submetidos a treinamentos militares mesmo na sua infância. Ainda de acordo com o autor, os meios de comunicação ocasionaram a fusão entre o mundo adulto e o mundo infantil. Como vimos na cena em análise, a personagem Sakura, de 12 anos, não quer mais ser tratada como uma criança. Para o autor, as evidências do desaparecimento da infância aparecem de várias maneiras nos meios de comunicação, com a frequente aparição de crianças em novelas, atuando em cenas que exigem sensibilidade e emoção; nos seus gostos e estilos, como no fato de os garotos ingerirem bebidas alcoólicas, usarem drogas e iniciarem suas atividades sexuais cada vez mais cedo, implicando uma declinante distinção entre infância e idade adulta. Observamos na cena deste episódio 03, intitulado Sasuke e Sakura: Amigos ou inimigos, a vontade de “ser grande” no comportamento de Sakura. Ela mostra que já é independente e não quer que sua mãe interfira nas suas decisões. Linn (2006) relata que esse é o comportamento das meninas atuais, pois cada vez mais cedo elas buscam a independência dos pais. Isso faz com que elas também busquem a sexualidade precoce. Tomando conhecimento de tal fato, os especialistas da mídia exploram essa tendência: Uma vez que os especialistas em marketing exploram essa tendência natural das crianças de desejar crescer e escolher crianças um pouco mais velhas como modelos, não é por acaso que elas têm agido de maneira sexual cada vez mais cedo que as gerações anteriores; [...] projetadas para encorajá-las a se vestir e agir como adolescentes ou jovens adultos. De acordo com a sabedoria do marketing, os adolescentes querem ter 20 anos e crianças de 12 anos querem ter 17. (LINN, 2006, p. 168) Aqui também pudemos nos remeter á indústria da moda reforçada pelos meios de comunicação. Segundo Levin e Kilbourne (2009), essa indústria da moda utiliza-se de produtos os quais transformam as crianças em objetos sexuais, como por exemplo, as bonecas Bratz que apresentam hoje uma linha de roupas e acessórios que incluem calcinhas justas e sutiã de bojo. Em outras ocasiões, cadeias de lojas vendem roupas com mensagens que remetem à 54 sexualidade como “Wink-Wink” (insinuação sexual) e “Eye Candy” (colírio para os olhos). Entendemos que a veiculação dessas mensagens, assim como nos animês, acaba criando um ambiente que torna crianças em objetos sexuais. No caso dos meninos eles acabam vendo o sexo oposto apenas com intenções sexuais, ou seja, “eles aprendem a objetificar as meninas muito antes de entenderem sobre sexo” (LEVIN e KILBOURNE, 2009, p. 45). Ainda neste mesmo episódio, destacamos o encantamento da maioria das meninas pelo jovem Sasuke Uchiha. Ele é o ninja mais inteligente da Aldeia da Folha26. Ele não dá atenção para nenhuma destas garotas e mais, repreende todas elas. Toda vez que Sasuke está perto de alguma delas, estas ficam impressionadas com a beleza do rapaz, além de demonstrar ciúmes. Uma delas é Sakura. Esta não gosta da rivalidade entre Sasuke e Naruto. Naruto sente-se atraído por Sakura e incomoda-se por ela preferir Sasuke. O ápice da rivalidade entre o trio é atingido quando Naruto beija Sasuke para incomodar Sakura: Texto/Som Imagem Música de suspense Sasuke e Naruto encaram-se demonstrando rivalidade. “Naruto para de encarar o Sasuke Muda a cena e Sakura aparece junto agora mesmo!”, diz Sakura. (tom de a revolta) outras garotas apresentando semblante de revolta contra Naruto. “Por que elas são tão obcecadas por Confuso, Naruto questiona o desejo ele? Sasuke, Sasuke, o que esse cara das meninas por Sasuke. tem demais?”, reflete Naruto. (tom de incômodo) Naruto e Sasuke aproximam-se cada vez mais. Naruto continua a refletir. Gritos de revolta Sakura e as outras meninas que presenciam o momento ficam revoltadas com a aproximação entre 26 Aldeia da Folha é a vila onde os personagens citados vivem. Em Naruto, cada país pode ter uma aldeia ninja. Assim como a da Folha, existem a da Nuvem, Pedra, Areia e Névoa. Cada aldeia está dentro de um grande país. 55 os dois jovens. “O que, mas o que...”, repetem as De garotas. (tom de duvida) repente todas param. Elas mostram-se assustadas. Naruto aplica um beijo em Sasuke. “Aaaaaah! Mais que humilhação! Era Muda a cena e Sakura aparece eu quem iria dar o primeiro beijo no totalmente impressionada. A Sasuke! O Naruto vai me pagar por personagem começa a cambalear. isso!”, diz Sakura (tom vingativo) Música com tom de humor Após o beijo, Naruto e Sasuke demonstram nojo um do outro.Naruto aperta sua garganta e põe a língua para fora, na tentativa de expelir saliva.Sasuke faz o mesmo “Olha Naruto, você vai morrer”, diz Volta-se a imagem para as meninas. Sakura. (tom de ameaça) Todas estão descontentes com a ação de Naruto. “Você já era”, diz Sakura. Sakura estrala os dedos. Seu rosto demonstra crueldade. Nesta cena observamos o beijo entre personagens do mesmo sexo. A cena foi editada quando veiculada pelo canal aberto SBT, já no canal Cartoon Network, da TV fechada, a cena foi transmitida sem cortes. Como já comentamos no capítulo anterior, cenas de homossexualidade são facilmente observadas em animês dedicados ao público feminino, os shoujo. Mas Naruto é caracterizado como um shounen, ou seja, uma produção dedicada ao público masculino. Segundo Michaels e Lhomond (2006), antigamente tinha-se uma visão clínica e psiquiátrica sobre a homossexualidade, concebendo-a como uma “doença mental”, já hoje sabemos que a homossexualidade pode ser entendida como a atração sexual entre seres do mesmo gênero e que já aceita pela sociedade, apesar de ainda existir muito preconceito. Mas os autores vão mais além: 56 No contexto da homossexualidade, a distinção entre os atos sexuais ou experiências e identidade sexual se torna particularmente importante. Embora possa parecer que eles estão intimamente relacionados, na prática eles não se sobrepõem perfeitamente. Dependendo do contexto social e cultural, uma identidade homossexual pode existir independentemente do comportamento, por exemplo, as pessoas podem se auto-identificar como homossexuais, mas não atualmente ou mesmo nunca se envolveram em comportamento homossexual, inversamente, as pessoas podem se envolver em atividades sem se identificar como homossexual. (MICHAELS E LHOMOND, 2006, p. 1367) Assim, entendemos que a cena onde os personagens Naruto e Sasuke protagonizam o beijo, caracterizada como uma ação homossexual, não quer dizer que ambos possam ser identificados como homossexuais. Pelo contrário, já que ao longo da história do animê sabemos que Naruto sempre está em busca de conquistar a personagem Sakura. Em reportagem concedida à Agência O Globo, pesquisadora Rosa Maria Bueno Fischer explica a presença destas mensagens nos diversos produtos culturais são explicadas pela época em que vivemos, pois a homossexualidade é algo normal e facilmente identificada no meio social. Ela vai mais além ao dizer que é necessário que esta diversidade seja exposta, para que crianças e jovens possam ter acesso a diferentes informações e opções do mundo de hoje. 3.3.3 A androginia: uma confusão de gêneros Texto/Som Imagem Música instrumental suave ao fundo. Haku encontra Naruto dormindo no meio da floresta. Ele surpreende-se com a beleza de Haku. Que possui longos cabelos pretos e usa uniforme semelhante a um vestido de cor rosa. “Você será forte, muito forte”, Muda a cena e Haku despede-se de comenta Haku. Naruto dizendo que ele será muito forte. “Nos veremos um dia”, diz Haku. Haku pega uma cesta de ervas e vai embora. Haku caminha enquanto Naruto 57 continua admirado com a beleza de Haku. “Ah, a propósito sou um garoto”, De repente Haku para e faz uma revela Haku. revelação. “Aaaaah, não é possível! Ele é mais Naruto bonito que a Sakura!”, grita Naruto. fica revelação surpreendido de Haku, com que a tem aparência feminina. Impressionado, ele mostra imenso descontentamento. “Eu já vi muito coisa estranha nessa Muda a cena e Haku desaparece vida, mas essa daí merece um enquanto Sasuke chega até Naruto prêmio!”, diz Naruto. (tom de descontentamento.) Haku já havia aparecido no episódio 09 (Kakashi: O guerreiro sharingan!), quando ele surge mascarado para salvar seu companheiro ninja Momochi Zabuza. Nos capítulos seguintes é revelada a história de Haku e sua parceria com o ninja Momochi. Esta cena em questão ocorre no episódio 12, intitulado Batalha na ponte! Zabuza retorna!. Naruto havia passado horas em treinamento para realizar uma determinada missão. Exausto, o garoto acabou dormindo na floresta. Haku estava colhendo ervas medicinais no local quando encontra Naruto. Ao acordar e vê Haku perto dele, o jovem ninja fica admirado com a beleza de Haku. Ambos passam a conversar sobre o treinamento ninja. A beleza andrógina de Haku acaba confundindo Naruto, que pensa que ele é uma menina. Acreditamos que a voz suave e a roupa semelhante a um vestido, além de ser cor-de-rosa acabou por influenciar mais ainda a atração de Naruto. Segundo Nagado (2007), a androginia presente nas produções japonesas é uma fuga do estereótipo machista da sociedade masculina do Japão, ou seja, principalmente nos animês e mangás shojo, os homens são sempre galantes e meigos. Já citamos aqui tramas de animês que possuem essa característica, como Berusaiyu no Bara (A Rosa de Versalhes) e Ribon no Kishi (A Princesa e o Cavaleiro). Mas a androginia, assim como confundiu o próprio personagem Naruto, entendemos que ela pode também confunde o próprio espectador 58 infanto-juvenil, partindo do pressuposto que ele ainda não tem desenvolvimento suficiente para identificar o gênero sexual de um personagem que apresenta características de ambos os sexos. Louro (2010) não vê esta “confusão” como um problema. Segundo a autora, os sujeitos podem apresentar diferentes formas de sexualidade, vivendo assim seus desejos e prazeres corporais de várias formas. Ela explica dois principais pontos para a construção desta sexualidade: Suas identidades sexuais se constituíram, pois através das formas como vivem sua sexualidade, com parceiros/as do mesmo sexo, do sexo oposto, de ambos os sexos ou sem parceiros/as. Por outro lado, os sujeitos também se identificam, social e historicamente, como masculinos ou femininos e assim constroem suas identidades de gênero. (LOURO, 2010, p. 26) Baseando-se nestes dois últimos conceitos, não pudemos compreender a identidade sexual de Haku, pois o mesmo não tem relacionamento corporal com nenhum personagem. Mas pudemos dizer que ao se definir como um menino, Haku mostra que sua identidade de gênero é masculina. Ou seja, pudemos dizer que as identidades, sexual e de gênero, estão relacionadas entre si, o que torna cada vez mais difícil definir a identidade precisa de um indivíduo, por temos que pensar estas identificadas sempre se “autocompletando”, isto é: Nenhuma identidade sexual – mesmo a mais – normativa é automática, autêntica, facilmente assumida; nenhuma identidade sexual existe sem negociação ou construção. Na existe, de um lado, uma identidade heterossexual lá fora, pronta, acabada, esperando para ser assumida e, de outro, uma identidade homossexual instável, que deve se virar sozinha. Em vez disso, toda identidade sexual é um constructo instável, mutável e volátil, uma relação social contraditória e não finalizada. (BRITZMAN, 1996, p.74 apud LOURO, 2010, p. 27). A citação mostra que hoje o processo de desenvolvimento da sexualidade do ser humano vai depender das experiências ao longo da vida e que quando o indivíduo consegue compreender sua identidade não pode afirmar que ela será plena e imutável, pois o processo de desenvolvimento da sexualidade é contínuo. 59 3.3.4 O mundo sexualizado de Jiraiya: um reflexo do mundo real Texto/Som Imagem Risos maliciosos. Jiraiya aparece impressão é de que costas. esteja A se masturbando. “Está espionando o banheiro das Ebisu percebe a ação de Jiraiya e mulheres velho? nenhum Não permitirei parte para cima dele. comportamento vergonhoso!”, grita Ebisu. “Ah, por favor...”, diz Jiraiya. Jiraiya percebe a chegada de Ebisu e vira-se e evoca um sapo gigante, que derruba Ebisu. “O que há com você? Relaxe! Não vai Tranquilo em cima do enorme sapo, querer que nos pegue não é bobão?”, Jiraiya questiona Ebisu. questiona Jiraiya (tom malicioso) “Quem é esse cara? Derrotou o meu Muda a cena e Naruto aparece muito treinador e o que é pior, ele é mais assustado com a ação de Jiraiya. pervertido que o Ebisu!‟, diz Naruto, assustado. Risoso (tom de desdém) Jiraiya aparece sorrindo. Aqui, Naruto estava aprendendo novas técnicas com seu novo treinador, chamado Ebisu. Ele é um sensei que não perde a oportunidade de observar meninas, além de ser admirador do jutsu sexy de Naruto. Nesta cena, Ebisu percebe a presença de um homem alto e de longos cabelos brancos. Ele se chama Jiraiya. Ao tentar reprimir a ação de Jiraiya, que estava observando meninas em um lago, Ebisu é derrubado por meio de um jutsu de evocação27. Naruto fica surpreendido com a facilidade que Jiraiya evocou o grande sapo que derrubou seu treinador apenas com a língua. Esta cena ocorre no episódio 52, intitulado A Volta de Ebisu! e marca o fim da 2ª temporada assim como a saga de Naruto junto a Jiraiya marca toda a 3ª temporada, pois Jiraiya passa a ser o treinador do garoto. 27 O jutsu de evocação é a técnica usada para evocar grandes seres, na maioria deles um animal. Jiraiya domina o jutsu de evocação de sapos. Técnica que será aprendida por Naruto. 60 Jiraiya possui 50 anos é um dos sennin lendários, isto é, faz parte do trio de ninjas mais fortes do mundo. É conhecido como sennin dos sapos ou sábio da montanha do sapo, mas Naruto prefere o chamar de “Sábio tarado”. Jiraiya recebeu a alcunha de tarado por sempre está à procura de mulheres e muitas vezes fica observando-as tomando banho, chegando a pagar Naruto para que ele possa atrair mulheres para ele. A justificativa de Jiraiya para tal comportamento é a pesquisa que ele realiza para a elaboração de um livro, este que sabemos nos episódios seguintes, tratar-se de um livro erótico. Jiraiya é um reflexo de um indivíduo mundo real, onde pessoas cada vez mais aceitam a sexualidade como um valor primário em detrimento de outros valores como o respeito para com o próximo, ou seja, o personagem em questão é um ser “sexualizado”, isto é, está sempre pensando em sexo. Assim também estão crescendo as crianças e jovens de hoje que adotam as mensagens midiáticas como base na construção do seu comportamento, muitas vezes aprendem sobre sexualidade na TV de forma precoce. Eles se baseiam em filmes, novelas e até mesmo em desenhos animados. Segundo Levin e Kilbourne (2009), “sexualização tem a ver com tratar outras pessoas (e às vezes a si mesmo) como „objetos de desejo sexual [...] como coisas em vez de pessoas com sentimentos sexuais próprios legítimos‟”. Na análise em questão, a criança que absorve estas mensagens de sexualidade, transmitidas pelo personagem Jiraiya, por exemplo, podem de acordo com Levin e Kilbourne (2009), sofrer um impacto perturbador sobre a compreensão infantil de gênero, sexualidade e relacionamento. Entendemos que a partir das considerações destas autoras, a sexualização provocada pela mídia, especificamente dos desenhos animados japoneses, podem gerar um comportamento sexual levado ao extremo, incluindo até mesmo o abuso sexual, pedofilia e prostituição. Para ilustrar esse comportamento, observamos em uma das cenas em que Jiraiya aparece frequentando lugares semelhantes a um prostíbulo (chamado no animê de taverna) e lá paga mulheres para que as mesmas o acompanhem. Na ocasião, Jiraiya impede a entrada de Naruto no local, fato que reforça a idéia de um lugar proibido para menores. Aqui verificamos que assuntos de cunho adulto estão sendo mostrados em 61 produções para o público infantil e isso é questionado pelo próprio personagem Naruto que não consegue compreender porque Jiraiya é tão obcecado por mulheres. 3.3.5 Tsunade: O padrão de beleza imposto no animê Texto/Som Imagem Naruto e Jiraya caminham por uma estrada de areia em busca Tsunade. “Sábio tarado, essa mulher bonita que Naruto para um instante e questiona estamos indo procurar é a Tsunade Jiraiya. que você mencionou?”, pergunta Naruto. “Ei, nada mal em garoto, você é muito Jiraiya mostra-se contente com o esperto! Por quê? O que tem em questionamento de Naruto. mente?”, questiona Jiraiya. “Bom você disse que ela é um dos Naruto vai mostrando se curioso três sennin lendários, como você não sobre quem seria Tsunade. é sábio tarado?”, pergunta Naruto. “Exato, onde você quer chegar”, Jiraya rebate Jiraiya. passa a demonstrar preocupação. “Qual é a idade dela?”, questiona Naruto. “A mesma idade que eu!”, responde Jiraya responde contente mostrando Jiraya. um sinal de positivo. “Arrgh! Então ela é velha?!”, reflete Naruto mostra-se desapontando com Naruto. a revelação feita Jiraiya. Neste episódio, intitulado Um novo treinamento começa! Eu serei!, correspondente ao número 86 da 3ª temporada, Naruto e Jiraiya estão em busca da sennin Tsunade para que ela possa tratar dos personagens Sasuke e Kakashi, os quais estão bastante debilitados devido batalhas. Assim como Jiraiya, Tsunade ela é uma ninja lendária. Suas principais habilidades remetem ao uso do poder da cura. Apesar de possuir a mesma idade de Jiraiya, 50 anos, Tsunade apresenta aparência jovial, segundo o próprio “sennin dos 62 sapos” revela em um episódio posterior, ela parece ter 20 anos de idade. Ela é loira, alta e sempre usa roupas decotadas, mostrando que a personagem possui seios volumosos. Observamos que esta sennin segue os padrões de beleza das demais protagonistas femininas, seja ainda adolescente ou já adulta. O estereótipo das personagens femininas de Naruto reforça a cultura criada pela mídia da “obrigação de ser bela”. Observamos que cada vez mais as mulheres procuram meios de se tornarem mais atraentes e manter aparência jovial, ou seja, “as imagens refletem corpos super trabalhados, sexuados, respondendo sempre o desejo do outro, ou corpos medicados, lutando contra o cansaço, contra o envelhecimento”. (NOVAES; VILHENA, 2003, p. 24) Para ilustrar tal afirmação, essa busca pela beleza é observada em Naruto, quando Jiraiya revela que Tsunade utiliza-se de suas habilidades curativas para manter-se com aparência jovial. Como já foi dito antes, apesar de possuir 50 anos ela parece ter 20. Levin e Kilbourne (2009) relatam que em uma de suas pesquisas observou o comportamento de uma menina de sete anos, chamada Hannah, a qual reclamava por ser gorda e que seu desejo era ser sexy, igual a amiga Isabelle; “Eu sou gorda! Eu sou gorda! Quero ser bonita como Isabelle – sexy igual a ela! Daí o Judd iria gostar de mim também”. Observamos aqui criança de sete anos que já busca um padrão de beleza para conquistar um garoto. A mãe de Hannah revela que a garota tinha ouvido histórias nos noticiários sobre comportamentos sexuais cada vez mais precoces entre crianças e adolescentes. Segundo Novaes e Vilhena (2003), a mulher que não cultiva a beleza remete à “falta de vaidade” e mais, isso pode ser um “depreciativo moral”. Entendemos que de acordo com esta afirmação, a mulher que não busca se adaptar aos padrões de beleza impostos pela mídia acaba sendo depreciada por homens, assim, a busca por este estereótipo torna-se uma obrigação. 63 E assim estamos atualmente, sendo bombardeados por mensagens de sexualidade. Estas são responsáveis por ditar o comportamento destes espectadores, que ainda jovens, são “obrigados” a tornarem-se adultas antes do tempo, além buscarem uma forma “ideal” imposta pela mídia para buscar a beleza ditada por ela. Esse padrão não diz respeito apenas à beleza feminina, homens também devem seguir um modelo de acordo como é mostrado pela mídia: Enquanto a beleza masculina é associada a traços agressivos e exagerados, vistos como sinônimos de virilidade, as expectativas sociais diante da beleza feminina colocam-na no lugar de ícone dessa cultura de atenções corporais. Como parâmetros de beleza masculina, temos alguns exemplos trazendo seus traços mais significativos: sobrancelhas cerradas, linha do maxilar bem delineada, nariz acentuado (padrão italiano) e membros avantajados. (NOVAES e VILHENA, 2003, p. 28) Portanto, entendemos que no caso de crianças e jovens que buscam esta identidade imposta pela mídia acabam “pulando” etapas, ou seja, elas querem atingir um estágio posterior da vida, antes mesmo que vivenciarem a sua juventude, ou até mesmo a própria infância. Já que o padrão retratado se diz respeito à uma mulher de 50 anos que busca sempre estar bonita e sensual. 64 CONSIDERAÇÕES FINAIS Após os resultados obtidos na análise do conteúdo das mensagens de sexualidade do animê Naruto pudemos expor algumas considerações sobre o tema. Entendemos que a sexualidade está implícita na programação dedicada a crianças e jovens desde o surgimento na TV no Brasil. Seja por meio da imagem estereotipada das apresentadoras de programa ou inclusa nas cenas dos desenhos animados. Assim, essa exposição não é um fato recente e cada vez mais cedo o público infanto-juvenil está absorvendo este tipo de mensagem. Estas mensagens acabam mostrando meninos e meninas de forma adultizada, ou seja, a criança ou jovem acaba tendo um comportamento adulto antes mesmo de passar por um período de descobrimento e desenvolvimento. O “ambiente sexualizado” criado pela mídia passa a ser assim objeto de preocupação de pais e educadores, já que este público está aprendendo lições sobre sexo e sexualidade, auto-imagem, corpo e natureza dos relacionamentos que tornam mais difícil a tarefa de pais e professores. Ou seja, crianças e jovens estão sendo submetidos a mensagens do “ambiente sexualizado” que estão ditando a própria base de que precisam para se desenvolverem. Outro ponto identificado é que a sexualidade presente nos animês é algo “normal” nos países orientais, principalmente no Japão. Segundo Sato (2007) isto se deve a uma maior exposição deliberada pela cultura vigente. Já no Ocidente, tais mensagens, como homossexualidade e erotismo, são bastante criticadas devido um maior controle imposto pelos canais de TV, principalmente. Assim, nas produções nipônicas, é comum o relacionamento entre personagens dos dois sexos, androginia, transexualidade entres outros fatores relacionados à sexualidade. Este tipo de conteúdo é facilmente observado nas diversas produções japonesas, principalmente nos mangás e animês. 65 Apesar dos japoneses já serem habituados a estes tipos de mensagens nos animês, entendemos que isso é fator preocupante, pois podem estimular cada vez mais a sexualidade precoce, já que crianças e jovens passam várias horas diariamente em frente a TV, e quando não há a interferência dos pais educadores, elas passam a “imitar” seus ídolos e muitos destes provêm dos programas de TV e dos desenhos animados. A prova da apropriação de conteúdo transformada em comportamento influenciado por animês, além dos mangás e outras produções japonesas, é a formação dos grupos sociais chamados de otakus. São jovens que passam a dedicar sua vida apenas ao mundo derivado destas produções, isolando-se do mundo real, passando a relacionar-se apenas com seres virtuais. No Japão esse tipo de comportamento transformou os otakus em um grupo social totalmente isolado dos demais. Estes indivíduos passam a idealizar relacionamento com seres virtuais, principalmente com personagens de animês, em detrimento do relacionamento com outros indivíduos. Barral (2000) afirma que o fato dos otakus preferirem relação com seres virtuais se deve ao fato destes serem mais “confiáveis”, nunca trairão e sempre estarão de prontidão. Na análise dos episódios dos animês observamos algumas categorias que estão relacionadas com a sexualidade. No primeiro caso vimos a “coisificação” ou “objetificação” da mulher por meio do jutsu sexy. Para conseguir alguma coisa. O personagem Naruto transformava-se em mulher esta acabava provocando excitação dos demais personagens masculinos que eram capazes de “fazer de tudo” para conseguir aquela “mulher”, mostrando assim o encantamento dos homens por aquela imagem, isto é, a imagem sensual da mulher é utilizada na mídia apenas para vender uma idéia e que ela segue estes padrões em busca de conseguir seu objetivo. No segundo caso vimos que a personagem Sakura de 12 anos já se sentia independente e não queria que sua mãe interferisse nas suas decisões. Aqui verificamos a problemática da adultização da criança, ou seja, cada vez mais cedo crianças querem se tornar adultas sem antes mesmo ter desfrutado da sua juventude. Linn (2006) afirma que estas meninas de 12 anos querem ter 66 17, e as de 17 desejam ter 20 anos. Postman (1999) é mais crítico e afirma que esta infância desde a Antiguidade é despercebida e que os adultos demoraram a perceber a importância de se criar uma educação devida para estas crianças. Apesar de uma evolução ao longo do tempo, observamos hoje que a mídia faz com estas crianças e adolescentes passem a se comportar como adultos seja usando roupas não recomendadas ou até mesmo tento relações sexuais precoces. No mesmo episódio em que observamos a categoria “adultização” da criança, pudemos ver uma situação homossexual, quando dois personagens masculinos acabam se beijando. Michaels e Lhomond (2006) afirmam que a homossexualidade era tratada como uma “doença” e foi bastante repreendida ao longo do tempo, mas que hoje deve ser melhor compreendida pois nem sempre uma ação homossexual pode identificar um individuo como tal, ou seja, o fato dos personagens terem realizado apenas uma ação não pode resumir o comportamento sexual de ambos, foi apenas um fato isolado. Assim também concordamos, pois na cena, a ação foi forçada e não passou disso. Já Fischer afirma que a exposição de mensagens de homossexualidade nas diversas produções midiáticas, inclusive nos desenhos animados, se deve ao fato da homossexualidade ser algo habitual na sociedade e que até mesmo as crianças e os jovens devem conhecer as demais possibilidades da sexualidade em geral. Já no caso da androginia, ou seja, seres que não apresentam uma aparência de gênero bem definida assemelhando-se tanto com homem e como mulher, vimos que esta é uma das características marcantes dos animês, principalmente nos dedicado ao público feminino. Assim como um ser andrógino confundiu um próprio personagem dentro do desenho, a aparência andrógina de um indivíduo pode confundir o público infanto-juvenil. Na análise da categoria “o mundo sexualizado de Jiraiya”, escolhemos o personagem Jiraiya para representar o ser “sexualizado”, ou seja, segundo Levin e Kilbourne (2009) existem pessoas que vêem o próximo apenas com intenções sexuais, em detrimento de outros valores como amizade e respeito. Segundo as autoras isto se deve ao fato da mídia mostrar diversos conteúdos sexuais atualmente. Assim também estão crescendo as crianças de 67 hoje, isto é, por meio das mensagens de sexualidade presentes nos desenhos animados elas acabam vendo o sexo como um valor mais importante que os demais, antes mesmo de entender de que se trata o sexo. Na última categoria, falamos dos padrões de beleza utilizados pela mídia para representar o estereótipo da mulher perfeita. Na análise vimos que a personagem Tsunade segue esta linha. Ela é loira, alta, apresenta aparência sensual e jovial. Na trama ela tem 50 anos, mas tem aparência de 20 anos, como afirma os próprios personagens. Segundo Novaes e Vilhena (2003) as mulheres procuram cada vez mais apresentar este estereótipo, tudo para conquistar o sexo oposto e assim buscam meios que a tornam “belas e atraentes”. As autoras ainda afirmam que a mulher que não cultiva esta “beleza” remete à “falta de vaidade” e isso pode ser até mesmo um “depreciativo moral” principalmente para os homens que almejam estas mulheres “perfeitas”. Concluímos que apesar de alguns estudiosos defenderem a exposição das mensagens de sexualidade para que crianças e adolescentes estejam atentos as diversas opções do mundo atual, entendemos que é preciso que pais, educadores e órgãos públicos atentem a esta exposição da sexualidade no meio midiático, que é gratuita e sem discussões sobre a real necessidade delas serem expostas, buscando outros recursos, para que crianças e jovens não passem a ditar seu comportamento apenas na TV ou, para sermos mais precisos, nos desenhos animados. 68 ANEXOS ANEXO 1 - GLOSSÁRIO Animê: Termo utilizado para identificar os desenhos animados japoneses. É a abreviação da palavra em inglês animation. A maioria deste são versões adaptadas dos quadrinhos japoneses. Chuunin: Um gennin se torna um chuunin após passar pelas três fases do Chuunin Shiken. Os chuunins fazem missões um pouco mais difíceis, ou são levados até a academia para virarem professores. Quando um chuunin é muito experiente pode tornar-se um jounnin ou um ANBU. Gennin: São jovens ninjas que fazem missões fáceis. Geralmente não possuem técnicas avançadas. Com o tempo, seu jounnin pode achar que eles estão prontos para o exame chuunin, um teste para virar chuunin. Ele é dividido em: teste escrito, teste de sobrevivência, e se houver muitos participantes, uma eliminatória, finalizando com um campeonato. Hentai: Animês e mangás que apresentam cunho erótico. Totalmente voltado para o público adulto. Jounnin: São a elite do vilarejo e fazem missões muito difíceis. Alguns treinam gennins. Existem também os Jounnins especiais que exercem a função de examinadores no Exame Chuunin ou que são especialistas em treinar um certo tipo de ninja, como Ebisu, que é especialista em treinar ninjas candidatos a Hokage. Jutsu: Técnica utilizada pelos ninjas do animê Naruto. Elas Server para evocar superpoderes ou até mesmo seres sobrenaturais. Kage: Cada uma das cinco principais Vilas Ocultas do mundo de Naruto possui um líder nomeado Kage. Hokage é Kage da Vila Oculta da Folha. Sensei: Na trama é um título que se refere a professores ou figuras de autoridade. Denomina respeito a alguém que tenha alcançado um certo nível de mestria em uma forma de arte ou de alguma outra habilidade. 69 Shonen: É a classificação de produções japonesas dedicadas ao público masculino. A maioria das histórias privilegia a violência, aventura e humor. Também podem apresentar erotismo. Shoujo: É a classificação de produções japonesas dedicadas ao público feminino. Apresentam tramas de romance com relações homossexuais e personagens masculinos com aparência andrógina. Sennin: É a classificação designada para os ninjas mais fortes de Naruto. São também classificados como lendários. São Três Jiraiya, Tsunade e Orochimaru. Mangá: Termo designado para identificar as histórias em quadrinhos do Japão. Significam literalmente “desenhos irresponsáveis”. Diferente dos demais quadrinhos elas são lidos de trás para frente. Otaku: São indivíduos fanáticos por animês, mangás e pelo mundo virtual. A maioria delas vive isolada dos outros indivíduos e acabam se relacionando apenas com seres do mundo virtual. Para alguns estudiosos esse comportamento é visto como um distúrbio. OVA: É a sigla de Original Video Animation. É um formato de animação que consiste de um ou mais episódios de anime lançados diretamente ao mercado de vídeo (VHS ou LD, atualmente DVD), sem prévia exibição na televisão ou nos cinemas. Tokusatsu: É uma abreviatura da expressão japonesa "tokushu satsuei" traduzida como "filme de efeitos especiais". Antigamente, o gênero englobava praticamente qualquer produção cinematográfica ou televisiva que se utilizasse de efeitos especiais. Atualmente, tornou-se sinônimo de filmes ou séries liveaction de super-heróis produzidos no Japão, com bastante ênfase nos efeitos especiais, mesclando varias técnicas como pirotecnia, computação gráfica, modelismo, entre outras. 70 ANEXO 2 – ALGUNS PERSONAGENS Naruto Uzumaki: Naruto é muito brincalhão e sua comida favorita é Ramen. Naruto nasceu na Vila da Folha Oculta, e dentro dele está selado o demônio que há dez anos atacou o vilarejo, por isso Naruto é rejeitado por todos do lugar onde mora. Ele é considerado o pior aluno da sala, pois conseguiu repetir duas vezes no exame de graduação, mas depois de salvar Iruka Sensei, este o gradua. Sakura Haruno: Sakura é outra Genin da Vila da Folha Oculta, ela tem uma queda por Sasuke, e está no trio de Sasuke e Naruto para completar as missões. Na academia de ninja o seu professor era Iruka Sensei, e ela é uma garota com um temperamento muito forte, além de não gostar muito de Naruto Sasuke Uchiha: Sasuke é o melhor aluno da classe, ele é até considerado um gênio. Depois da graduação, Sasuke fica no grupo junto com Naruto e Sakura para completar as missões do vilarejo. Ele é o Genin número 1 da Vila da Folha Oculta. Ino Yamanaka: Junto com Shikamaru e Choji, Ino é membro do time 10 e se auto-proclamou líder do grupo. Ino é uma das mais fortes ninjas mulheres de Konoha, e está sempre ajudando sua mãe em sua loja de flores. Também era a melhor amiga de Sakura na infância, porém as duas acabaram se tornando rivais por ambas gostarem de Sasuke. Shikamaru Nara: É um personagem preguiçoso, os seus companheiros de equipe são Ino e Choji. Nara Shikamaru só sabe usar uma técnica chamada Kage Mane No Jutsu, onde ele faz seu oponente imitá-lo através da sombra, apesar de saber apenas uma técnica, Nara Shikamaru é muito esperto e tem um QI acima de 200, e ele acaba usando essa inteligência na luta, tanto que no exame Chuunin ele foi o único aprovado. Choji Akamich: É companheiro de equipe de Shikamaru, seu melhor amigo, e Ino. Ele é o tipo de pessoa que todos menosprezam porque é gordo e só pensa em comida. Toda hora em que ele é mostrado no anime, ele está comendo algo, ele também faz parte do Clã Akimichi. Usa como golpes o “tanque de 71 carne”, além do Clã Akimichi dar pílulas para a pessoas ficarem mais fortes, tendo três tipos de pílulas: a azul, amarela e a vermelha. Choji é muito forte, porém ele acaba se achando fraco demais e a única pessoa que acredita em seu potencial é Shikamaru. Rock Lee: Nunca foi bom em técnicas como Ninjutsu e Genjutsu, assim se dedicando ao Taijutsu que é uma espécie de combate corpo a corpo. Rock Lee é bem forte, além de usar ataques de grande velocidade. Neji Hyuuga: Descendente da família mais poderosa da Vila da Folha Oculta, Neji é o genin mais habilidoso de sua geração. Assim foi considerado o gênio da turma. Mas, não é à toa que o chamam de gênio. Hyuuga aprendeu sozinho a defesa absoluta do clã Hyuuga chamada Hakke-sho Kaiten, o Juken e um giro de seu corpo para derrubar os inimigos. Mas sua grande habilidade não pára por aí. Neji também desenvolveu sozinho o ataque secreto da Souke, chamado Ju-kenpo Hakke 64-sho, que assim ele pressiona os 64 tenketsus e assim o fluxo do chakra fica limitado e o oponente fica sem poder usá-lo. Hinata Hyuuga: É uma menina bastante fechada e quieta, ela também pertence ao Clã Hyuuga. Diferente de Neji, ela pertence a família principal dos Hyuga, podendo também o Byakugan. Hinata tem uma queda por Naruto. Temari Tentei: É do país da Areia e ela é irmã de Gaara e Kankurou. Junto dos dois ela invade a Vila da Folha e entra no Exame Chunnin, ela é a mais inteligente de seu grupo e também a mais cautelosa sendo uma poderosa ninja, que usa seu leque para poder atacar. Gaara: Desde que nasceu, vive em um meio conturbado. Alimentado com a morte de sua mãe assim que nasceu e seu pai, fazendo o selamento de uma alma antes do nascimento (Hyoui no Jutsu), selou a alma de um velho sacerdote da Vila da Areia, conhecido como Shukaku. Gaara tornou-se o ninja mais forte de sua vila. Foi criado pelo seu pai, que o ensinou as técnicas ninja desde criança, mas à partir dos 6 anos de idade, foi vítima de vários atentados de morte. 72 Kakurou: É um Gennin da Vila Oculta da Areia, ele tem como parceiros e irmãos Gaara e Temari. Kankurou usa uma marionete como ataque onde ele o controla pelas fios de chakra, e ele prepara armadilhas em sua marionete como colocando venenos nas partes do corpo de sua marionete. Iruka Sensei: Como Naruto, Iruka Sensei cresceu órfão e sempre fazia brincadeiras para chamar a atenção. Seus pais morreram na luta contra a raposa demônio que atacou a Vila da Folha Oculta. Iruka Sensei é quem ensina os ninjas antes da sua graduação, e Iruka Sensei é o melhor amigo de Naruto. Kakashi Hatachi: É um Jounin da Vila da Folha Oculta e faz treinos de sobrevivência. Depois da graduação, são formados grupos de três, e cada grupo ganhou um instrutor. Kakashi é responsável pelo grupo de Naruto, Sasuke e Sakura, e torná-los Genins. Seu trabalho é assistir e treinar a equipe. Kakashi é muito fechado e pouco se sabe sobre seu passado, mas ele é muito forte, e ele é conhecido como o ninja da cópia por ter copiado mais de 1000 jutsus. Hokage: Ele é o líder da Vila da Folha Oculta, é como se fosse um governador. Uma figura muito importante e respeitada na vila, sendo o líder dos ninjas. É a pessoa mais forte, e só realiza missões de Rank A. Konohamaru: Neto do Hokage, ele quer derrotar seu avô a todo custo para conseguir o título de Hokage, porque todos da vila o reconhecem apenas como neto dele, mas ele não aceita isso. 73 ANEXO 3 – IMAGENS Jutsu sexy multiplicado Haku, o personagem andrógino Jiraiya impressionando com meninas Jutsu sexy Naruto e Haku Jiraiya acompanhado de meninas 74 Sakura em frente ao espelho Sakura tenta beijar Sasuke Naruto beija Sasuke Hinata observa timidamente Naruto Tsunade Konohamaru esbarra em de Tsunade 75 REFERÊNCIAS ASSUMPÇAO JUNIOR, Francisco Baptista. Psicologia e história em quadrinhos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001 BARRAL, Etienne. Otaku – Os filhos do virtual. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2000. BORGES, Patrícia Maria. Traços ideogramáticos na linguagem dos animês. 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