Ler edição completa on-line
Transcrição
Ler edição completa on-line
ISSN: 2177 - 0786 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 2 ISSN: 2177 – 0786 Ilustração da capa: Quadro Escena Patriótica de Johann Moritz Rugendas séc. XIX. EDITORES-CHEFE Prof. Cléber Roberto Silva de Carvalho Prof. Pablo Michel C. A. Magalhães Prof. Rafael de Oliveira Cruz EQUIPE DE EDIÇÃO Aldo Rabelo de Amorim Dielson da Silva Vieira Maria do Socorro Fonseca Tadeu Henrique Araújo Silva ARTE E DESIGN Christoval Araújo Júnior CONSELHO EDITORIAL Profª Dra. Lina Maria Brandão de Aras (UFBA) Prof. Dr. Nilton Almeida ( UNIVASF ) Prof. Ms. Reinaldo Forte (UPE) Profª Ms. Andréa Bandeira (UPE) Prof. Ms. Harley Abrantes (UPE) Prof. Ms. Moisés Almeida (UPE) Profª Ms. Sheyla Farias (UPE) OBJETIVO DA REVISTA A Revista Historien é uma produção do Grupo de Estudos Históricos Sapientia et Virtute, sendo que seus membros são discentes da Licenciatura Plena em História da Universidade de Pernambuco - Campus Petrolina, juntamente com professores do corpo docente do referido curso. A proposta da Historien é o incentivo a produção textual dos alunos da licenciatura, visando a expansão do conhecimento em história por meio da produção dos próprios acadêmicos. TODOS OS DIREITOS RESERVADOS É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio. A violação dos direitos autorais (Lei nº 9.610/1998) é crime estabelecido no artigo 184 do Código Penal. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 3 Petrolina – PE, Nº 5 – jun./nov. 2011 Sumário EDITORIAL .............................................................................................................. 6 HISTORIA EM FOCO - ARGENTINA: DE VICE-REINO A UM ESTADO DE PROVÍNCIAS. ......................... 9 Leonardo Mercher - EL CHOQUE FINAL ENTRE DOS REVOLUCIONES: DE LA EXPEDICIÓN NAPOLEÓNICA A LA INDEPENDENCIA DE HAITÍ. .............................................. 26 Juan Francisco Martinez Peria - LA REVOLUCIÓN HISPANOAMERICANA: UMA CARACTERIZACIÓN................... 48 Germán Ibañez - BICENTENARIO DE LA INDEPENDENCIA ARGENTINA: UNA PERSPECTIVA DESDE LA HISTORIA ECONÓMICA ..................................................................... 74 Agustina Vence Conti E. Martín Cuesta - EL BICENTENARIO SEGÚN LISA SIMPSON O LA CONSTRUCCIÓN SOCIAL DE LOS HÉROES.......................................................................................................... 88 Julio Osaba - LA CRISIS DEL CONVIVIR EN LA HISTORIA Y LA CULTURA REPUBLICANA EN CHILE....................................................................................................................101 Jorge Rueda Castro - EL "NUEVO MUNDO" EN EL ESPEJO DE EUROPA - REFLEXIONES SOBRE LA CONSTRUCCIÓN IDENTARIA ESTATAL...............................................................126 Natalia Bustelo Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 4 ARTIGOS - POVOS INDÍGENAS NO SERTÃO: UMA HISTÓRIA DE ESBULHOS DAS TERRAS, CONFLITOS E DE MOBILIZAÇÃO POR SEUS DIREITOS..................139 Edson Silva - HISTÓRIAS EM QUADRINHOS: POSSIBILIDADES E PERSPECTIVAS DO FAZER PEDAGÓGICO NO ENSINO DE HISTÓRIA.............................................................156 Silvano Fidelis de Lira) - ENTRE MEMÓRIA E IMAGINAÇÃO: PELO FIM DE UMA LONGA MÁ CONSCIÊNCIA.............,,,,,,,....................................................................................167 Ulisses do Valle - A DEMONIZAÇÃO DO PARAÍSO: FÉ E RELIGIOSIDADE NO BRASIL COLONIAL............................................................................................................ 183 Márcio Douglas de Carvalho e Silva - AÇÃO JESUÍTICA E CATOLICISMO NO BRASIL COLONIAL DO SÉCULO XVI........................................................................................................................ 204 Emanuel Luiz Souza e Silva Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 5 Prezado leitor, Nos últimos anos, a historiografia latino-americana tem dedicado um interesse especial em discutir os fatores que conduziram ao processo de emancipação das colônias luso-espanholas no princípio do século XIX. No Brasil em especial, notamos que a partir de 2008 um crescente interesse pelos aspectos que marcaram a vinda da Corte Portuguesa em 1808 e a consolidação de nossa independência política em 1822. Outras nações latino-americanas, colonizadas em sua maioria pela Espanha, também empreenderam estudos acerca de seus movimentos emancipacionistas. A idéia da presente edição nasceu em 2010, quando um dos integrantes da Revista Historien, Christoval Araújo em parceria com o Prof. Dr. Eduardo Martín Cuesta, propuseram uma edição conjunta entre pesquisadores brasileiros e outros historiadores da América Latina. A proposta concretizou-se e agora apresentamos a quinta edição da Revista Historien em que navegaremos no debate do Bicentenário da Independência das Nações Latino- Americanas. Em Argentina: de vice-reino a um Estado de províncias, Leonardo Mercher busca relatar como através de processos políticos regionais, durante o século XIX e XX é formado o estado argentino. Juan Francisco Martinez Peria, propõe um estudo acerca da última etapa da Revolução do Haiti, seu artigo é: El choque final entre dos revoluciones: De la expedición napoleónica a la independencia de Haiti. Germán Ibañez introduz a questão da descolonização como dimensão fundamental a ser explorada nos processos de independencia, seu artigo La Revolución Hispanoamericana: Una caracterización, aborda o processo revolucionário hispanoamericano com a culminância da independência de maior parte da América espanhola. Eduardo Martín Cuesta escreve junto a Agustina Vence Conti o artigo Bicentenário de la Independencia Argentina: una perspectiva desde la historia Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 6 econômica, ensaiando algumas perguntas acerca das características gerais da economia do que hoje é o espaço da República Argentina através da observação de três momentos históricos: 1810, 1910 e 2010. Com uma proposta no mínimo inovadora, Julio Osaba escreve El Bicentenário Según Lisa Simpson o la Construcción Social de los Héroes. O autor trará uma visão acerca do Bicentenário no Uruguai usando a figura do Herói nacional, sua construção e desejo social, para isso, fará um contraponto com o ícone Lisa Simpson, do desenho animado Os Simpsons. Jorge Rueda e Laura Rueda nos brinda com o artigo La Crisis del Convivir en la Historia y la Cultura Republicana en Chile, descrevendo aspectos na construção e historiografia da república chilena como sendo uma nação que assim fixada nas elites dominantes se encarregou de construir fronteiras culturais e de identidade. Lina Constanza Díaz Boada no texto La Élite Local ante la crisis de la Monarquía Española: Redes Sociales de Poder em el Cabildo de Pamplona – Virreinato de Nueva Granada, 1800-1810 analisa as diversas respostas desenvolvidas pela elite de Pamplona de Indias no Vice-Reinado de Nova Granada, em 1810, diante da crise da monarquia espanhola. E finalizando a História em Foco, Natalia Bustelo escreve El Nuevo Mundo en Espejo de Europa: Reflexiones Sobre la Construcción Identitaria Estatal, uma análise dos traços de imagens que foram usadas para representação do nacional e do latinoamericano e sua relação com a Europa. Edson Silva no artigo Povos Indígenas do Sertão: Uma História de Esbulhos das Terras, Conflitos e de Mobilização por seus Direitos discute sobre a atual situação dos povos indígenas no interior do Nordeste; Silvano Fidelis de Lira escreve Histórias em Quadrinhos: Possibilidades e Perspectivas do Fazer Pedagógico no Ensino de História em que trata das possibilidades de utilização de um instrumento de fácil acesso aos estudantes dentro da sala-de-aula e suas possibilidades de enriquecimento do conhecimento transmitido aos alunos. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 7 Abordando a temática História e Memória, temos o artigo de Ulisses do Vale com o trabalho Entre Memória e Imaginação: Pelo Fim de uma Longa Má Consciência buscando refletir acerca do debate dentro do meio acadêmico sobre a relação entre a História e a Memória. Por fim, dois artigos que abordam o Brasil Colonial: o primeiro de Marcio Douglas de Carvalho e Silva, A Demonização do Paraiso: Fé e Religiosidade no Brasil Colonial em que aborda as relações entre a religião oficial trazida pelo colonizador europeu e as diversas manifestações religiosas surgidas no Brasil a partir das influências de elementos africanos e indígenas; e o segundo de Emãnuel Luiz Souza e Silva, Ação Jesuítica e Catolicismo no Brasil Colonial do Século XIX que faz uma análise do padre jesuíta Luís da Gram em sua propagação da fé católica no Brasil do século XVI. É com imensa satisfação que reafirmamos com compromisso do iniciado em novembro de 2009, nós do Grupo “Sapientia et Virtute” e do Departamento de História da Universidade de Pernambuco – Campus Petrolina, em ampliar e divulgar o conhecimento entre pesquisadores de História e diversas áreas do conhecimento das Ciências Humanas e Sociais de diversas regiões do Brasil e agora com a colaboração de pesquisadores de diversas regiões do continente americano. Não poderíamos deixar de transmitir o nosso agradecimento a Maria Fernanda Sabio pelo apoio na idealização e construção dessa edição. Boa leitura! Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 8 Revista Historien – Ano II ARGENTINA: [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] DE VICE-REINO A UM ESTADO DE PROVÍNCIAS Leonardo Mercher1 Resumo: O presente artigo busca descrever, através de processos políticos regionais, no século XVIII e XIX, a formação do Estado argentino. É proposto um estudo em que a atuação inicial do Vice-Reino do Peru interferiu na criação do Vice-Reino do Prata, bem como a instabilidade entre as províncias platinas marcou todo o processo de independência e de consolidação conflituosa na Argentina do século XIX. A metodologia usada consiste em revisão de literatura em abordagem histórica e da ciência política. Os resultados obtidos reforçam o papel do Vice-Reino do Peru nos processos de criação do Vice-Reino do Prata e que, os conflitos gerados em sua criação determinaram os processos políticos de independência e consolidação da Argentina. Palavras-chave: Argentina. Independência. Geopolítica. INTRODUÇÂO Dada a colonização de boa parte do continente americano pela Espanha, a grande extensão territorial exigiu desta metrópole uma logística administrativa capaz de garantir os interesses de sua Coroa e o comprometimento dos colonos. A produção de insumos que 1 Mestrando em Ciência Política pela UFPR. Graduado e Especialista em Relações Internacionais pela PUC-Rio.Endereço: Rua Alferes Poli, 381/604, Centro. Curitiba, PR. CEP: 80230-090.Contatos: 418515-6222; [email protected] Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 9 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] abasteciam a metrópole era o grande foco das preocupações espanholas no Novo Mundo. Os bens obtidos nas colônias americanas precisavam valer os investimentos na região. No século XVI a América espanhola é dividida em Vice-Reinos e Capitanias para facilitar o controle espanhol contra investidas de potências estrangeiras e das populações nativas, bem como reforçar a presença da Coroa e seus interesses no continente. Porém, essa decisão trouxe ao continente uma autonomia administrativa fragmentada. Nos séculos XVI, XVII e XVIII a América espanhola dividiu seu poder em duas cidades construídas sobre as ruínas dos impérios précolombianos; a Cidade do México, sobre as estruturas astecas; e Lima, entre o Pacífico e as terras andinas dos incas. Aproveitando parte dos caminhos que integravam os povoados andinos sob domínio inca, a cidade de Lima tornou-se, ainda no século XVI, em 1543, o centro administrativo de toda colônia espanhola na América do Sul. Os produtos agrícolas, minerais e as demais produções da região seguiam pelas cordilheiras ate chegarem à capital do Vice-Reino do Peru. De lá, desciam até o litoral, sob forte guarda, para seguirem viagem até a Espanha. Essa centralidade em Lima permitia melhor logística de controle e defesa no escoamento dos bens coloniais à Europa. Apesar de ser o polo administrativo da Coroa na região, a diversidade territorial, dos materiais e de suas explorações, ao longo de todo o continente, fez surgir especificidades e interesses econômicos locais, que nem sempre se harmonizavam com as medidas vindas dos Andes. A grande produção mineral nas costas dos Andes, a exploração tropical ao norte e a produção de couro e outros materiais da agropecuária ao sul fizeram com que surgissem pequenas elites econômicas com interesses próprios. A centralização em Lima, já na segunda metade do século XVIII, passou a gerar gastos e conflitos no continente por aqueles que defendiam, ao menos, o direito de suas regiões terem uma relação direta com a metrópole. Atendendo à necessidade de melhorar a produção regional especializada, e também minimizar os choques regionais, a Espanha Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 10 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] firma um relacionamento direto com o Cone Sul do continente e seus polos de produção. Em 1776, é criado o Vice-Reino do Prata – o último a surgir antes dos processos de independência. Essa decisão da Coroa espanhola se impôs sobre fortes protestos locais, como os de Assunção, Córdoba e de Montevidéu, principalmente por ter elevado Buenos Aires à sede administrativa de toda a região, que hoje equivaleria aos atuais Estados da Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia e parte do Chile e do Brasil. A partir de 1776 surge um período marcado por instabilidades políticas nas Américas e na Europa. Com as independências dos Estados Unidos e do Haiti; o fortalecimento das elites locais; a ocupação da metrópole pelas tropas francesas e; com os novos ares iluministas e liberais a chegarem, levantes regionais se multiplicam e resultarão aos processos de independência. Em 1810 surge, em Buenos Aires, o primeiro governo argentino; apoiado por um conjunto de cidades que não tardaram a ressuscitar velhos desagrados político-administrativos. Após quase quarenta anos como sede administrativa colonial, 1778-1810, Buenos Aires tenta, junto ao processo de independência, manter centralizado em si o novo corpo político nacional. A nova capital entra em choque com as velha rivalidades internas do Vice-Reino do Prata que, por sua vez, traz desentendimentos à toda região. A relação entre capital e interior será conflituosa por quase todo o século XIX, resultando em períodos de fragmentação do Estado. As tentativas de unir em uma só nação todas as antigas cidades e províncias produziram muitos acordos desgastados em acirrados jogos de poder. O processo de independência da Argentina não pode ser pensado apenas em sua proclamação, como um Estado-Nação livre, mas sim em sua trajetória ao longo de todos os processos conflituosos entre; governos locais e interesses nacionais; interior e litoral e; entre Buenos Aires e as demais províncias. Se hoje a Argentina é concebida como uma federação, deve-se ressaltar que a mesma passou por negociações políticas intensas até que, em 1880 ficou acordado em comum que, a partir de então, os Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 11 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] atuais governos platinos aceitariam formar e atuar como uma só nação. Ao longo deste artigo seguem abordagens de alguns dos principais fatos a marcar esse processo que se inicia, desde as intervenções regionais pelo Vice-Reino do Peru até o desenrolar conflitante dos interesses locais para se integrarem à Buenos Aires em um Estado independente. Andes e Prata, um desequilíbrio no Vice-Reino do Peru As estruturas coloniais espanholas na América, divididas por níveis regionais, foram planejadas para facilitar a administração dos recursos coloniais, assim como para otimizar a defesa em relação as demais potências europeias. As maiores estruturas administrativas eram os Vice-Reinos que, em seus núcleos de povoamento, vilas e cidades, contavam com uma organização administrativa local, centralizadora e dirigida pelos vice-reis. Essas estruturas continentais eram compostas por três órgãos; audiência, cabildo e igreja. O primeiro incorporava a câmara de justiça, as funções judiciais e seus respectivos controles. O segundo, comumente denominados cabildos “cumpriam funções em teoria municipais, mas que, tratando de cidades tão distantes entre si, na verdade, exerciam todas as funções do governo, incluindo as militares” (LUNA, 1995, p.12). Por último tinha-se a igreja como órgão de equilíbrio, bem como “legitimador” dos dois primeiros órgãos à população local. Enquanto que a Igreja possuía o poder divino permanente, concedido por Deus, os governos políticos possuía o poder divino provisório, quando reconhecidos pela Igreja Católica. Assim se tornava legítimo para os cristãos o exercício do poder em suas vidas (PEREIRA, 2007, p.52). Já o Vice-Reino do Peru era responsável pela relação entre a Coroa espanhola e as cidades coloniais sul-americanas. Era também responsável pela fiscalização comercial e defesa de toda região. A centralidade litorânea de Lima na colônia espanhola – também protegida pela Cordilheira dos Andes – a tornou eficiente aos interesses da metrópole para escoar a maior parte dos produtos coloniais nos Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 12 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] séculos XVI, XVII e, em parte do XVIII. Entretanto, apesar de melhor posicionada, Lima também contava com pontos desfavoráveis, principalmente após o crescimento de investidas e povoamentos no Novo Mundo. Ainda que pudesse ser o centro das rotas comerciais espanholas no continente, sua ligação com o Pacífico estendia o tempo das viagens marítimas por longos recortes no litoral do continente. A opção de atravessar os rios selvagens amazônicos até o mar do Caribe também se mostrava pouco segura. Todavia, essas desvantagens foram solucionadas pela Espanha que restringiu os gastos mercantes entre os dois continentes fazendo apenas duas grandes viagens por ano. Atuando em larga esquadra, para fazer frente aos assaltos de piratas nos portos ou nos mares, a metrópole viu mais vantagens em investir na defesa centralizada em Lima do que em outras regiões, como na Bacia do Prata. Os portos platinos, ainda que possuindo melhor potencial de rota direta, ao se situarem em um dos dois grandes portões de entrada da América do Sul (Bacia do Prata e Bacia Amazônica), estavam longe demais dos centros de produção tropical – produtos de maior valor comercial na Europa – e perto demais dos navegantes rivais; portugueses, franceses, ingleses e holandeses. Assim, Assunção, Buenos Aires e Montevidéu foram preteridas por Lima nos séculos XVI e XVII. Os elementos condicionantes da localização da atividade econômica na América colonial explicam os motivos pelos quais o território argentino tenha sido um dos menos desenvolvidos àquela época. Suas terras não ofereciam elementos de atração para a produção destinada à exportação. O território localizado ao sul do Trópico de Capricórnio, a leste dos Andes e a oeste do rio Uruguai não possuía o tipo de recursos naturais de magnitude e localização geográficas adequadas para que se convertesse em centro importante da economia colonial (FERRER, 2006, p.21). Por mais que fosse remota a transferência administrativa colonial de Lima para cidades como Buenos Aires, os cabildos andinos se Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 13 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] preocupavam com essa possibilidade. Uma nova rota de escoamento colonial poderia surgir no Prata, invertendo a situação de controle exercida nos Andes. Temendo essa perda política e econômica, os cabildos centrais do Vice-Reino do Peru responderam às pressões das pequenas elites dos Andes e firmaram um cerco fiscal aos platinos. Apesar de Buenos Aires já sobreviver de contrabando desde sua fundação, as demais cidades do interior platino eram dependentes das rotas comerciais que levavam até Lima. Mesmo sendo Buenos Aires, Assunção e Montevidéu cidades de maior facilidade para esse escoamento, o medo da pirataria, que só iria diminuir no final do século XVIII, tornava mais seguro o escoamento pelo norte do continente. Este, por sua vez, criou obstáculos ao desenvolvimento das cidades ao sul, impedindo que essas alcançassem algum ponto de concorrência com os Andes. Por ser capital do Vice-Reino, Lima ganhou a autonomia de cria aduanas no continente para sustentar o crescimento de sua infraestrutura e demais gastos regionais. No final do século XVII, e ao longo de boa parte do século XVIII, a região platina recebeu aduanas secas e, ainda que não fosse a mais rica das regiões, os postos de fiscalização mantinham rígidos no controle dos fluxos comerciais, “dificultando e impedindo a entrada de produtos espanhóis” (LUNA, 1995, p.6), tanto da metrópole, como das demais colônias. Até 1690 já havia sido instaladas aduanas em Córdoba, Santiago Del Estero e Jujuy, controlando as três rotas que ligavam a região ao norte do continente. A medida de cercar comercialmente toda uma região delimitou uma área que sobreviveu através das trocas internas e da especialização de produção. As cidades prejudicadas buscaram no ‘mercado interno’ suprir suas necessidades; Tucumán pela facilidade de encontrar madeira buscou produzir em maior quantidade carretas e outros derivados, Santiago Del Esterro apoiou-se na mão-de-obra indígena para a produção têxtil e Córdoba em sua criação de mulas próprias para o transporte na região. “Como já se sabe, os mercados Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 14 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] costumam ser o pré-requisito para formar uma nação. A história fixava o marco do que seria o território da futura Argentina” (LUNA, 1995, p.7). Essa situação, ao contrário do esperado pelos andinos, ao longo de um século, fortaleceu a subsidiariedade da região e ampliou os interesses da Coroa na região. Assim, ao tentar isolar as cidades da região, Lima acabou por traçar as fronteiras do futuro Vice-Reino do Prata que, posteriormente, em 1820, enviaria tropas para cidades andinas e forçariam a independência do Peru. Portanto, os processos que se deram na fragmentação do Vice-Reino do Peru, no século XVIII, têm grande relevância para se entender o movimento de independência e consolidação do Estado Argentino. No Vice-Reino do Prata; a independência O fato dessas cidades se encontrarem enclausuradas na mesma situação não significou ainda que surgisse ali uma cooperação harmônica, muito menos a ausência de rivalidades entre os cabildos locais. Várias contendas passaram a ocorrer como; a questão das vacarias entre Buenos Aires, Santa Fé e os conflitos do Porto, em 1730 e em 1804; os de Montevidéu junto aos cabildos da margem ocidental e; as ameaças indígenas que levantaram conflitos entre as cidades do interior e as litorâneas. Na segunda metade do século XVIII, as cidades platinas já não obedeciam à Lima. Tentando evitar maiores conflitos e perdas econômicas, a metrópole eleva, em 1776, toda região abaixo das aduanas secas a Vice-Reino do Rio da Prata. Os cabildos platinos, que até então eram subordinados ao governo do vice-rei em Lima, ganham a oportunidade de defenderem seus interesses específicos diretamente com outras regiões e com a Coroa. Porém, o Vice-Reino do Prata presenciou, através da competição interna, por autonomia política, a ampliação dos conflitos regionais. A formação das elites econômicas em elites políticas, no final do século XVIII, coincidiu com a fragilização da metrópole. Desde dívidas de Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 15 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] guerra – que aumentaram o peso dos impostos nas Américas – até a instabilidade dos novos regimes no velho continente fez crescer um movimento por autonomia que ganhou simpatizantes nesse cenário de incertezas. Defensores portenhos do direito clássico espanhol, cujo bem comum deveria ser maior do que qualquer interesse; “Obedeço, mas não cumpro, que poderia ser interpretado como reconheço a autoridade da Coroa, mas em determinados assuntos farei o que quero” (SHUMWAY, 2008, p.25), defendiam que os cabildos platinos, que já resistiam em acatar as ordens de Lima, tornassem ainda mais críticos em acatar ordens de uma metrópole distante da realidade local. A consciência de um interesse local e o exercício de sua defesa em maior amplitude acabou por fortalecer uma identidade de autonomia política e possivelmente o esboço de uma futura federação. Mas, como dito anteriormente, os interesses das cidades platinas, nem sempre se acordavam entre si. No Vice-Reino do Prata via-se uma dificuldade em localizar, por exemplo, um centro político em liderança comum, que todos aceitassem de bom grado. O caminho natural para a compreensão da formação argentina é o de localizar na cidade de Buenos Aires – a capital –, o ponto unificador desse novo Estado. Entretanto, Buenos Aires sempre fora o pivô de muitos dos grandes desentendimentos na região, desde o período do Vice-Reino até a consolidação final da República, na década de 1880. Logo em sua elevação à capital do Vice-Reino – em detrimento de outras cidades importantes para a região, como Córdoba, Potosí, Montevidéu e Assunção –, em 1778, Buenos Aires inflamou a rivalidade das demais cidades que não aceitavam e nem compreendiam se subordinarem a ela. Assunção, por exemplo, reivindicava ser sede por ter sido a cidade de fundação mais antiga na região. Montevidéu fazia o mesmo, alegando possuir maior porto e, Potosí por sempre ter alcançado os maiores índices de produção no Prata. Em argumento da Coroa, a escolha de Buenos Aires, segundo Félix Luna, defendeu-se por que; “apesar de sua localização periférica, era o lugar ideal para se construir resistência ao avanço português” (LUNA, 1995, p.21). Se Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 16 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] Buenos Aires seria, de fato, a nova capital, a Coroa teve, ao menos, que garantir às demais uma jurisdição própria. Quando da invasão napoleônica na Espanha e a ausência de um chefe real legitimo em liberdade, as colônias espanholas se viram em uma nova situação política. Napoleão colocara seu irmão José Bonaparte como novo rei de Espanha enquanto que a Família Real Espanhola estava sob domínio e em cárcere francês. Já a única herdeira em liberdade, a Infanta D. Carlota Joaquina também fora negada, por Portugal e Inglaterra, de assumir sua posição de chefe de Estado para com as colônias espanholas. Buscando autonomias que defendessem interesses locais, o Vice-Reino do Prata rapidamente se fragmentou em novos Estados e, Buenos Aires, ainda que com dificuldades em ser reconhecida como capital administrativa colonial, tentou buscar centralizar o movimento de independência na região e se manter como capital. Após Napoleão e a fragmentação do Vice-Reino do Prata, passando pela proclamação de independência, em 1810, até a consolidação de um Estado livre, em 1816, as províncias platinas e suas cidades seguiram em crises políticas, principalmente ao terem que reconhecer, mais uma vez, Buenos Aires como sede administrativa. Sem o apoio da metrópole, sitiada pelos franceses, a cidade portenha teve grande dificuldade em manter uma unidade política no Prata. Em 13 de maio de 1810, quando as tropas inglesas anunciaram aos platinos que a França napoleônica havia destituído o rei Fernando VII e o substituindo por José Bonaparte – irmão de Napoleão – os portenhos, já nas semanas seguintes incentivaram as elites locais para que, em 25 de maio de 1810, se organizassem em uma junta que ficou conhecida como marco inicial da Revolução de Maio ou da independência à Espanha napoleônica; Do cabildo de Buenos Aires emergiu o primeiro órgão de governo argentino independente da Espanha, conhecido na história como La Primeira Junta. Os membros da Junta assumiram duas Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 17 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] tarefas principais: organizar um exército para repelir os espanhóis favoráveis a Napoleão, em nome de Fernando; e formar um congresso com representantes das diferentes províncias para governar o vice-reinado até que a ordem pudesse ser restaurada. Em 25 de maio de 1810, portenhos de todas as tendências políticas juraram obediência à Primeira Junta [...] Embora os argentinos considerem 25 de maio de 1810 como o Dia da Independência, esse juramento só pode ser considerado uma declaração de libertação da Espanha no contexto dos confusos eventos políticos da época (SHUMWAY, 2008, p.47). O conflito político nas demais regiões do Prata, iniciado com o surgimento da Primeira Junta em Buenos Aires, dividiu a sociedade platina em pelo menos três grandes grupos; os que queriam a independência naquele momento; aqueles que se mantinham fiéis à Coroa napoleônica; e aqueles que desejavam maior autonomia política negociável com uma Espanha livre. Os favoráveis à independência, liderados, após 1812, por José San Martín – pai da pátria argentina – conseguiram, em 1816, proclamar a independência total à Espanha. Entretanto, as cidades do interior que defendiam a independência queriam, não apenas se livrarem da metrópole europeia, como também de Buenos Aires. No próprio movimento pela independência, de 1810 até 1816, iniciada pelos portenhos, teve resposta armada de Córdoba, Mendonça e Salta através de uma contrarrevolução ainda em 1810. Diferentemente de outras cidades administrativas coloniais, a futura capital, Buenos Aires, não possuía força bélica suficiente para se impor em liderança e teve que abrir negociações extensas e onerosas com suas rivais. Cabildos do interior, por muitas vezes ignorados em seus pedidos de ajuda aos do litoral contra ameaças indígenas, resistiram por longo período até aceitarem fazer parte do novo governo que duraria até 1820. O governo provisório de 1816 mal se instalara quando as retiradas das tropas napoleônicas da Península Ibérica, simbolizadas pela libertação de Madrid, em 1817, trouxe um novo período de Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 18 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] incertezas que ressuscitaram os conflitos iniciais da Revolução de Maio. Pela instituição de um primeiro governo provisório, de 1816 até 1820, baseado no diálogo entre os unitários e os federais – aqueles que defendiam um novo Estado centralizador e aqueles que defendiam uma união por autonomias subnacionais – a Argentina surge como um novo Estado na região. Todavia, com as mudanças no velho continente, as cidades platinas, suas províncias e suas elites caudilhas rapidamente fomentaram crises e conflitos que levaram à secessão. Buenos Aires, ao longo de boa parte do século XIX, tentará unificar e manter um Estado argentino, sobretudo através dos jogos de cidades; se posicionar sempre ao lado das cidades do interior que, por algum motivo, se rebelavam contra os governos de suas províncias. A cidade portenha era constantemente procurada pelas cidades do interior que se indispunham com os caudilhos que as governavam de suas províncias. Os governos provençais, para fazerem valer suas políticas em seus territórios e cidades, acabavam por ter que enfrentar Buenos Aires no campo político e, principalmente no econômico – visto que, com os conflitos na região do Uruguai, a capital argentina tornarase um dos principais portos de escoamento para os produtos do interior. Já a capital não hesitava em dar apoio aos interesses das cidades beligerantes, objetivando enfraquecer as elites caudilhas locais e, com isso, se manter em uma posição menos vulnerável à coalizão de suas rivais. Entretanto, ainda assim, a posição da capital não era das mais confortáveis, pois o jogo de equilíbrio de poder com as cidades e províncias não era capaz de solucionar todos os conflitos e resultando em outros processos de fragmentação do Estado no século XIX. A dinâmica frágil entre os governos locais do recém-criado Estado argentino, bem como a tentativa de centralizar as decisões em Buenos Aires, fez com que a Argentina passasse boa parte do século XIX em lutas internas, se fragmentando, acordando as partes, reunificando-se e se desentendendo novamente. A independência tornou-se então apenas uma das tantas outras etapas político-históricas para se chegar Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 19 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] à consolidação do atual Estado-Nação argentino. A questão da unidade nacional O Estado-Nação é classicamente definido como a somatória entre três aspectos: território, população e governo. O território refere-se “ao espaço geográfico de cada Estado, delimitado por fronteiras reconhecidas por outros Estados e dentro do qual esta unidade política individual possui soberania e autonomia política” (PECEQUILO, 2004, p.43). Ao longo da interação entre esses três pilares, seriam criados símbolos gerais e uma identidade a os unir numa só nação. A Argentina, bem como quase todos os novos Estados que surgiram na América do século XIX, teve dificuldades em encontrar um vínculo entre sua população e a nova identidade de caráter nacional. No caso argentino, diferentemente de outros como no Brasil, os atores políticos envolvidos na questão territorial do Prata não conseguiam admitir uma centralização das decisões em Buenos Aires. O Brasil colônia nunca desfrutou das grandes estruturas administrativas da América espanhola, como os Vice-reinos do México e do Peru. Esse sistema administrativo hispânico favorecia interesses das elites locais enquanto que no Brasil o poder e os interesses das elites sempre foram rigorosamente centralizados pela coroa portuguesa e, posteriormente pelos governos brasileiros em uma só direção política e econômica. A sustentação do regime imperial deu-se pela congregação das elites que conseguiram representar eficazmente seus interesses unitários nos cenários interno e internacional (BERNARDES, 1997, p.12). A cidade de Buenos Aires, que tinha sido elevada a sede do ViceReino do Prata, apenas em 1778 – dois anos após o desmembramento do Vice-Reino do Peru devido a conflitos internos –, após os processos de independência, de 1810 a 1816, competia politicamente com as principais cidades as quais deveria cooperar. As fragmentações Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 20 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] territoriais, por conflitos de interesses e a recusa da subordinação política das províncias fez com que a integração da unidade territorial se colocasse como uma das maiores dificuldades para a consolidação do novo Estado argentino. Essa relação entre as cidades e suas províncias, províncias e Buenos Aires e, Buenos Aires com as demais cidades, tornou complexa, instável e, portanto, demorada a unidade argentina. Apesar de se tornar o maior escoadouro dos produtos para os compradores estrangeiros, Buenos Aires também dependia dos produtos vindos das províncias rivais para abastecer seu mercado interno. Tanto pela ausência de um senso comum, como talvez por não ter existido um poder econômico, político ou bélico que se sobrepusesse aos demais, ao longo do século XIX, o antigo Vice-Reino do Prata se fragmenta em vários Estado, como Paraguai, Uruguai e, em parte, Chile e Bolívia. A Argentina herda boa parte desse território colonial, mas em uma situação interna frágil. De 1820 até 1842 autonomias e secessões marcavam o cenário da primeira unidade no Prata, que só sobreviveu pela implementação dos Tratados Interprovinciais, onde as províncias poderiam ser autônomas por pelo menos mais quarenta anos. De fato, o tratado só vigorou de 1829 até 1842. Durante 1829 até 1832 o governo central conferiu maior autonomia para as províncias – ou aos seus caudilhos, que eram a política, a economia e a lei em suas localidades. Os debates de estruturação do novo país passam a ter, em teoria, uma abertura maior à participação do interior e das grandes cidades nas decisões nacionais. Os envolvidos com o novo governo buscavam, com essas reformas, algo que se aproximava da essência federalista; “diferente do Brasil que o Imperador escolhia os responsáveis pelas províncias na Corte, na Argentina as pessoas se reuniam e designavam alguém que as representassem em Buenos Aires” (LUNA, 1995, p.41). Mas, a partir de 1832, sob as novas ideias de Juan Manuel Rosas, as províncias se sentem ameaçadas por um plano político centralizador, e passam a retirar apoios à Buenos Aires. Em 1842, Rosas, já como ditador e com Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 21 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] apoio francês, consegue controlar militarmente boa parte do território argentino, domínio esse que resultará em revoltas, guerra civil e novamente em secessão. No período de 1850-1852, sob o regime do General Urquiza, acontecem desentendimentos entre províncias que, mais uma vez, resultam num processo de fragmentação territorial. Durante a Guerra do Paraguai, de 1864 a 1870, a Argentina continuou sofrendo lutas por autonomias em conflitos políticos armados até que, em 1880, com um novo governo, apoiado pela maior parte da elite oligárquica latifundiária do litoral e das províncias autônomas ou independentes no interior, finalmente aceitam retomar a defesa de uma única nação. No final do século XIX inicia-se a preocupação das elites econômicas por um desenvolvimento integrado, que até meados do século XX receberá respaldo na assimilação do foco agropecuarista. A elite econômica agropecuarista passa a dominar a economia e, consequentemente, o cenário político nacional nessa nova fase de integração nacional. A estabilidade interna e externa torna-se necessária para ampliação dos ganhos comerciais e diplomáticos e as relações de tolerância são ampliadas. A busca pelo respeito ao federalismo torna-se o primeiro passo para a consolidação da Argentina moderna que, tendo as províncias se comprometido a não voltarem ao antigo sistema de jogos de poder entre províncias e cidades, possibilita mais um avanço na unidade territorial e na consolidação de uma identidade nacional integrada. Gradativamente, a representatividade política dentro das províncias, após 1880, cresce significativamente. A política nacional torna-se um espaço aberto para debates e decisões de interesses, tanto das cidades, como os provençais, que irão concordar em seguir um novo governo central ao qual participam e fazem parte como federação. Considerações finais Os processos políticos regionais, consequentes do modelo administrativo colonial espanhol, interferiram desde a delimitação de Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 22 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] boa parte do atual território argentino como em sua relação com os Estados que se estabeleceram na América do Sul. A formação do Estado argentino se estendeu, ao menos, por um século de trincadas relações de poder sob o equilíbrio dos interesses caudilhos na região. Enquanto esses interesses locais conflitavam entre si, crises e secessões se fizeram permanentes no cenário político platino dos séculos XVIII e XIX. Se no século XVI os cabildos andinos se desenvolveram e se articularam em Lima – como sede do Vice-Reino do Peru – para isolar os cabildos do Cone Sul; estes, por sua vez, se mantiveram em uma relação frágil que dificultava a defesa de seus interesses como uma unidade regional. Por outro lado, isolados em suas próprias subsistências, as elites platinas responderam historicamente ao cerco comercial andino com o fortalecimento de uma interdependência comercial especializada que possibilitou maior autonomia econômica. Deve-se entender que os impactos das dinâmicas entre o Vice-Reino do Peru e a região platina, nos séculos XVII e XVIII, precisam ser vistos como essencial para se compreender o processo de consolidação do Estado-Nação argentino no século XIX. Enquanto que as aduanas secas, impostas por Lima à Bacia do Prata, especializações fizeram comerciais, surgir também dificuldades foram as que levaram responsáveis às pela delimitação econômica-territorial e, consequentemente, pela elevação da região, em 1776, a Vice-Reino do Prata, desmembrando-o do ViceReino do Peru. Essa elevação dada pela Coroa materializou os receios dos cabildos andinos de uma nova rota econômica e, principalmente política que concorreria e diminuiria o status e os investimentos repassados pelo sistema mercantilista espanhol aos Andes. O enfraquecimento de Lima, na segunda metade do século XVIII, bem como o da Espanha sitiada pelos franceses de Napoleão, trouxe tempos de incertezas e um cenário de lutas e levantes favoráveis aos processos de autonomia que redesenhariam as fronteiras da América do Sul ainda no século XIX. Os ares liberais após a independência dos Estados Unidos e do Haiti, no Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 23 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] final do século XVIII, bem como a ausência de uma metrópole em poder legítimo, resultou nos debates portenhos que, em maio de 1810, sustentaram um governo provisório autônomo da Espanha; a Junta da Revolução de Maio. Os debates e incertezas políticas do momento vieram a fragmentar o império colonial espanhol na América do Sul. Os traçados administrativos dos Vice-Reinos se tornaram a base política para a delimitação dos novos governos. A partir de então, um novo momento político se desdobra sobre o Cone Sul americano. Em Buenos Aires, sede do Vice-Reino do Prata, ainda que se tentasse, através da Junta de Maio, manter a região platina unida, os interesses de cabildos em suas províncias no interior não se harmonizavam com os do litoral O novo governo portenho acabou por esbarrar nos interesses de velhas rivais coloniais que não aceitavam se submeter ao governo proposto. Os desentendimentos políticos na região se estenderão pela história do Estado argentino até 1880, quando este finalmente se reunifica sob um regime de interesses econômicos comuns e amplia a participação dos governos locais na trajetória do novo Estado-Nação. Vinda de um contexto em que sua formação fora forjada em posicionamentos regionais, cuja defesa de interesses, se preciso, ia da autonomia à secessão da União, a Argentina viu que seu governo central, quando dado a atitudes impositivas aos demais entes federados, não obtinha êxito por muito tempo. O histórico em demanda por autonomia e participação efetiva das províncias nas tomadas de decisões, assim como suas cidades que recorriam à Buenos Aires – em seu contrapeso aos governos de suas províncias – fortaleceram o caráter federativo e a autonomia política de seus entes. Os processos políticos na Argentina dos séculos XVIII e XIX forjaram um Estado que aprendeu a lidar com os interesses divergentes entre suas esferas subnacionais. Da capital às províncias, do litoral ao interior, a Argentina conseguiu consolidar suas bases de autonomia local que hoje sustentam o seu federalismo nacional. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 24 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] Referência bibliográfica BERNARDES, Denis. Um Império entre repúblicas. São Paulo: Global, 1997, 85 p. FERRER, Aldo. A economia argentina: de suas origens ao início do século XXI. Rio de Janeiro: Campus, 2006, 305 p. LUNA, Felix. Breve história dos argentinos. Rio de Janeiro: Quartet, 1995, 190 p. PECEQUILO, Cristina. Introdução às Relações Internacionais. Petrópolis: Vozes, 2004, 248 p. PEREIRA, Otto. Diálogos Monárquicos. Rio de Janeiro: IDII, 2007, 512 p. SHUMWAY, Nicolas. A invenção da Argentina: história de uma ideia. São Paulo: Edusp/UnB, 2008, 397 p. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 25 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] EL CHOQUE FINAL ENTRE DOS REVOLUCIONES: DE LA EXPEDICIÓN NAPOLEÓNICA A LA INDEPENDENCIA DE HAITÍ. Juan Francisco Martinez Peria1 Resumen: en este breve etapa de la trabajo nos proponemos estudiar la última Revolución de Haití, desde 1801 hasta 1804. Particularmente analizamos la expedición napoleónica y la guerra de independencia que esta, como reacción, generó. Intentaremos demostrar que este proceso, puede ser visto como un choque militar, político y cultural entre la concepción eurocentrica/colonial y racista de los derechos del hombre enarbolada por la Revolución Francesa y la interpretación universalista de los derechos del hombre sostenida por la Revolución de Haití. En nuestra interpretación aquella colisión entre ambas revoluciones, derivó en la postura anticolonialista de los rebeldes de Saint Domingue y finalmente en la declaración de independencia de Haití en 1804. Introducción En 1801, luego de largos años de lucha revolucionaria en los que los esclavos insurrectos2 consiguieron la abolición de la esclavitud por 1 Abogado ( UBA), Magister en Ciencia Política y Sociología (FLACSO), Magister en Historia ( Universidad Pompeu Fabra), Doctorando en Historia ( Universidad Pompeu Fabra). Docente de Historia y Sociología en la Facultad de Derecho- UBA. Docente de Historia Argentina y de Historia Latinoamericana en la Universidad Popular de Madres de Plaza de Mayo. Docente de Sociología en la Universidad del Museo Social Argentino. Docente del Centro de Estudios Latinoamericanos de la Universidad de San Martín. Investigador del Departamento de Historia del Centro Cultural de la Cooperación Floreal Gorini. 2 Los esclavos se rebelaron masivamente la noche del 22 de Agosto de 1791 en la región Norte de la colonia. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 26 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] parte del Imperio Francés3, la Revolución Haitiana entró en una etapa de gran radicalidad y de concreción de importantes logros sociopolíticos. Para aquel año, Toussaint Louverture, el líder de los negros, se erigió en gobernador de Saint Domingue, conquistó Santo Domingo, expandiendo la revolución y promulgó una constitución para toda la isla. Esta legalizaba el nuevo orden socio-político post racial y post esclavista, hegemonizado por los negros, garantizando la igualdad y la libertad universal a todos los habitantes. Asimismo en cuanto a lo económico, aunque mantenía la estructura agroexportadora basada en las plantaciones, fijaba el trabajo salarial y un fuerte estatismo, por el cual la mitad de las haciendas eran administradas por el estado. Sin embargo, lo más llamativo era que, aunque reconocía a Saint Domingue como parte del Imperio Francés, no le otorgaba a la metrópoli ningún rol político ni económico efectivo. 4 Esto, representaba la independencia de facto de la isla. Pero, ¿Por qué Toussaint, no declaró la Independencia? No hay una respuesta clara, pero creemos que su intención no fue la de independizarse totalmente de Francia. Al parecer, su proyecto era el de establecer una suerte de commonwealth por el cual Saint Domingue fuese un estado asociado integrante del Imperio Francés, al que se le respetaría su autonomía política y comercial. 5 Así, buscaba terminar con el racismo y la esclavitud e intentaba renegociar el lazo colonial con la metrópoli en términos de mayor igualdad y autogobierno pero sin romperlo del todo. De esta manera, Toussaint y sus lugartenientes Jean Jacques Dessalines, Henri Christophe, Belair, etc habían dado un paso enorme hacia una mayor autonomía sin embargo, no habían declarado la independencia. Pero tampoco era necesario más para que las autoridades metropolitanas 3 se La abolición de la esclavitud fue declarada inicialmente por el comisionado Sonthonax el 29/8/1793 y luego fue aprobada por la Convención Nacional francesa, hegemonizada por los jacobinos, el 4/2/1794. La emancipación general, fue claramente una política pragmática, ya que se utilizó para evitar la perdida de la colonia a manos de los Ingleses y Españoles.Debido a esta medida la mayoría de los esclavos rebeldes, liderados por Toussaint Louverture se aliaron al bando republicano francés. 4 CLR James, The Black Jacobins, Vintage, New York, 1989 , pg 264 5 Aime Cesaire, Toussaint Louverture, La Revolución Francesa y el problema colonial, La Habana, Instituto del Libro, 1967, p. 342 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 27 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] escandalizaran. Los ex-esclavos ya habían ido demasiado lejos, era hora de ponerle fin a aquel extraño experimento democrático en el Caribe. El choque final entre las dos revoluciones se acercaba. Los planes de Napoleón Después de la caída de los jacobinos en 1794, la revolución francesa dio un brusco giro a la derecha que se aceleró a partir del golpe de estado de Napoleón.6 En materia colonial, durante el Directorio, este giro implicó una profundización del eurocentrismo inherente al proceso revolucionario, que se manifestó en un intento, por afirmar el control imperial sobre las antillas y en un sostenido proceso de re- particularización de los derechos del hombre. Aquella política, fue radicalizada por Napoleón, al promulgar la Constitución del Año VIII, que fijó leyes especiales para las colonias y al proyectar planes militares para reconstruir la gloria del Imperio Francés.7 A tal efecto, Napoleón tomó una primera medida expansionista adquiriendo Louisiana de España, mediante el tratado de San Ildefonso.8 Asimismo, empezó a idear expediciones bélicas, para restablecer el ferro control metropolitano y el trabajo esclavo en las antillas. Los emigrados y la burguesía de las ciudades de Nantes, Rouen, Burdeos, Le Havre, promovieron y apoyaron esta medida para recuperar la vieja prosperidad económica.9 A aquellas influencias debe añadirse los importantes cambios que ocurrieron a nivel internacional. Gran Bretaña y el Estados Unidos de Jefferson, empezaron a apoyar una expedición francesa a Saint Domingue. 10Los gobiernos de ambos países, estaban preocupados, por el ejemplo de una revolución de 6 Lefebvre,Gustave, La Revolución Francesa y el Imperio, México, Fondo de Cultura Económica, 1970, pp. 170-208. 7 Benot, Yves , La demence Coloniale Sous Napoleon , Paris, La Decouverte , 1991, pgs 21,22, “Carta de Napoleon Bonaparte a Saint Domingue de 25/12/1799”, compilado en Nesbitt, Nick, Toussaint Louverture and The Haitian Revolution, Londres ,Verso, 2008, pp. 36,37. 8 Franco, José Luciano, Historia de la revolución de Haití , Santo Domingo , Editora Nacional, , 1971,p. 292. 9 Ott, Thomas: The Haitian Revolution , Knoxville, University Tenesse Press, 1973, pp. 140-141, Schoelcher , Victor , Vie de Toussaint Louverture, Paris, Karthala, 1982,p. 314. 10 Ott, Th, op cit, p. 142, Smartt Bell, Madison, Toussaint Louverture, New York, Vintage Books, 2007, p.223. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 28 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] esclavos victoriosa que amenazaba con expandirse y preferían que la Isla fuera dominada por Francia antes que por los negros rebeldes. Inglaterra había intentado conquistarla11, pero después de fracasar, era mejor que la autoridad recayerá bajo sus antiguos dueños. Según Henry Addigton, el primer Ministro británico: “los intereses de los dos gobiernos son los mismos, destruir el jacobinismo, especialmente el de los negros”.12Esta opción, fue facilitada por la Paz de Amiens, entre Gran Bretaña y Francia firmada en 1801, que le abría el camino a la metrópoli para reconquistar su colonia.13 Estos factores se vieron reforzados por la política autonomista de Louverture, que enfureció a Napoleón y lo convencieron de que la Revolución en Saint Domingue había ido demasiado lejos14. Por último, merece señalarse, el racismo de Napoleón y del núcleo gobernante, que discriminaban a los negros, viéndolos como bárbaros que no merecían la libertad y la igualdad “concedida” por Francia.15Sus palabras son contundentes: “¿Como voy a otorgarle la libertad (…), a hombres absolutamente incivilizados que ni siquiera sabían lo que era una colonia, lo que era Francia?”16Todos estos elementos convencieron a Napoleón y a mediados de 1801 ordenó la preparación de una expedición de conquista. Organizada velozmente, esta contaba con 20.000 soldados y 20.000 marinos, dirigidos por el Gral. Victor Emmanuel Leclerc. Lo acompañaban, un cuadro de veteranos oficiales y su segundo al mando era el Gral. Rocheambau quien tenía experiencia bélica en el Caribe. 17 Asimismo, eran de la partida los affranchis exiliados Rigaud, Villlate, Petion, etc, enemigos de Toussaint, que intentarían organizar a los mulatos a favor de los franceses.18 Por último, como presente troyano, Leclerc, llevaba a los hijos de Louverture, Placide e Isaac, quienes serían 11 Desde 1793 hasta 1798. Citado por Dubois, Laurent, Avengers of the New World, Boston, Harvard University .Press ,USA 2004, p. 256. 13 Franco, J, op cit , p. 292 , Stoddard, T. Lothrop ,The French Revolution in San Domingo, New York, Kessinger Publishing, 2007, p. 303. 14 Franco, J, op cit, p. 292, Smartt Bell, M, op cit , p. 221, Ott , op cit , p. 143. 15 Cohen , William , The French Encounter with Africans , Indiana, Indiana Univ Press , 2003, p. 119. 16 Citado por Ott, Th, op cit , p. 144, Cohen , W, op cit , p.119. 17 James, CLR, op cit, pp. 274,275, Lacroix ,Pamphile , Memoires por servir A L’Histoire de la Revolution de Saint Domingue , Tomo II, Paris, Chez Pillet Aine , 1819, p. 319, Barsket, James, History of the Island of St Domingo, New York, Mahlon Day, 1824, p. 127. 18 Parkinson, Wanda, The Gilded African Toussaint L‘Overture ,London, Quartet ,London ,1978, p. 157. 12 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 29 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] utilizados para negociar traicioneramente. Napoleón, dio ordenes precisas a su cuñado de cómo debería actuar. De manera introductoria, sobre el apoyo internacional que tenía la misión decía: La amenaza de una república negra es igual de preocupante para los españoles, ingleses y americanos. (…) debe escribir circulares (…) para hacerles saber el objetivo del gobierno, y la común ventaja que los europeos tienen en destruir esta rebelión de negros. (…) Jefferson nos ha prometido (…) que tomara todas las medidas necesarias para hambrear a Toussaint y asistir a nuestro ejercito.”19 Luego, dividía la operación en tres etapas: Durante la primera fase, no seremos demandantes trataremos con Toussaint , le prometeremos todo lo que pida , para poder tomar posesión de los lugares claves, e introducirnos en el país.(…).Toussaint será considerado vencido únicamente cuando (…) jure lealtad a la Republica. En ese mismo día debemos, sin escándalo (…) con honores y consideraron ponerlo en una fragata y enviarlo a Francia. 20 Luego en la segunda etapa, se debía encarcelar a Moyse, Dessalines y lo propio debía hacerse con Toussaint si se negaba a someterse al poder de Leclerc, lo cual podría eventualmente llevar a una guerra que debería ejecutarse con ferocidad. Según Napoleón la tercera fase será el momento en el que se debe asegurar para siempre la colonia para Francia. Desde ese mismo día (…) arrestar a todos los hombres en posiciones de mando que no sean confiables, sin importar su color , y poner a los generales negros en los barcos (…) .Todos los negros que se han portado bien, pero que por su grado no pueden ser dejado en la Isla serán enviados a Brest. Todos los negros (…) que se han portado mal (…) serán (…) dejados en el puerto de la Isla de Córcega.(…) Sin importar lo que suceda , nosotros creemos que en el transcurso de la 19 “Instrucciones de Napoleón Bonaparte a Victor Emmanuel Leclerc” compilado por Dubois, Laurent y Garrigus John, Slave Revolution in the Caribbean, 1789-1804: A Brief History with Documents, Boston, Bedford, 2006, pp. 176,177. 20 Ibidem, p. 176 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 30 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] tercera etapa debemos desarmar a todos los negros (…) y debemos ponerlo de vuelta a trabajar en las plantaciones.21 El Primer Cónsul tenía un objetivo claro, el fin de la revolución y la restauración del antiguo régimen. La expedición finalmente partió en diciembre de 1801, soberbia se creía invencible, pero errores estratégicos, una serie de imprevistos y sobre todo la furiosa respuesta de los ex –esclavos, le deparaba un terrible destino. Toussaint, supo que Francia tramaba algo, aunque no estaba del todo seguro si tenía como objetivo reimponer la esclavitud o reafirmar su poder sobre las antillas.22 Esta duda y la ambivalencia que lo caracterizaba frente a Francia, lo llevaron a sostener en público un discurso dual. Por un lado amenazaba a la metrópoli que de ser atacados se defenderían ferozmente y por el otro, afirmaba su República. Como señala, CLR James, esta actitud lealtad a la dubitativa y su incapacidad para declarar la independencia fue un gran error, que le costó caro, por que no solo le impidió obrar con libertad, sino que además no le permitió encolumnar a sus seguidores tras un objetivo preciso, sumiéndolos en la perplejidad.23 A pesar de ello, Toussaint, actúo esperando lo peor, suponiendo que era una expedición de conquista. Sin saber donde podían desembarcar los enemigos, Louverutre, trazó una estrategia inteligente, amplió sus cuerpos de milicianos, acopió pertrechos en las zonas más impenetrables de la sla y estableció las tropas en las ciudades costeras. Una vez que los franceses desembarcasen se intentaría resistir, pero de ser imposible las fuerzas se retirarían hacia las montañas, arrasando con todo, para desde allí continuar la lucha.24Ambos líderes, Napoleón y Toussaint, habían planeado sus estrategias, las cartas estaban echadas, faltaba muy poco 21 22 23 24 Ibidem, pp. 177,178, Stoddard, op cit, p.306. Smartt Bell, M, op cit , p. 229 James, CLR, op cit , pp. 280-288 Dubois, L, op cit ,p. 262 , Korngold, Ralph , Citizen Toussaint, London,Gollanz ,1944, p. 188. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 31 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] para que Saint Domingue viviese la última y más sangrienta etapa de su revolución. La invasión y el comienzo de la guerra El 29 de enero de 1802, la expedición napoleónica finalmente arribó al extremo oriental de la isla. Alertado de la presencia francesa, Toussaint, se encaminó hacia el interior y envió emisarios para poner en marcha la resistencia. Por su lado Leclerc también inició sus operaciones, como parte de su ofensiva encomendó a Boudet a tomar Port au Prince, a Kerverseau a Santo Domingo y a Darbois a la región Sur.25 El mismo se dirigió, a ocupar Le Cap, una vez allí, el 2 de febrero inició, conversaciones con Christophe, le presentó una proclama de Napoleón y le ordenó que le entregara la ciudad.26 Este se negó y amenazó con incendiarla si decidían desembarcar por la fuerza, asimismo le dijo a Leclerc que debía esperar para recibir ordenes de Toussaint. 27 No se sabe si Christophe hablo con su comandante, pero lo cierto es que Leclerc pasó a la ofensiva enviando a Rocheambeau a tomar Fort Dauphin para rodear a Christophe, cosa que este logró con éxito.28 Finalmente el 4 de febrero, el propio Leclerc decidió desembarcar y atacar la ciudad. En respuesta Christophe ordenó evacuar a la población y prender fuego la ciudad y dejando tras de si una hecatombe ígnea, se retiró con su ejercito hacia el interior.29 Así Leclerc, ocupo Le Cap y paso seguido declaró a Louverture, Dessalines y Christophe como rebeldes fuera de la ley.30 Casi simultáneamente, la ofensiva avanzó exitosamente en otros puntos de la colonia. De esta manera, a los pocos días, Boudet consiguió tomar Port au Prince luego de que el Gral. Age junto con la población blanca y la mayoría de los mulatos se pasaran al bando francés. Asimismo, 25 Korngold, R op cit , p.197. Parkinson , W, op cit, p. 160, Dubroca , Louis , Vida de J. J. Dessalines: gefe de los negros de Santo Domingo, Madrid, Imprenta Real, 1805, p.54. 27 ,Schoelcher,V, op cit, pp. 322 , 323, Dubroca , op cit, pp. 54,55. 28 Korngold, R, op cit , p. 199, Parkinson , W, op cit, p. 161, Lacroix, P, op cit , tomo II, pp. 70, 72. 29 James , CLR, p. 296 , Lacroix, P,op cit, pp. 80-88, Dubroca ,L, op cit ,pp.59 , 60. 30 Franco, J, op cit,p. 297. 26 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 32 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] Kerverseau logró hacerse con Santo Domingo, luego de que Paul Louverture la entregara a los franceses, al hacerle creer, falsificando una carta, que su hermano había ordenado la capitulación. Las victorias militares se sucedieron a la ocupación de gran parte del Sur, gracias a la traición del mulato Gral. Laplume. En general en toda la colonia, un amplio sector de los affranchis, resentidos por la política represiva de Toussaint, siguieron el mismo camino dando una alegre bienvenida a los franceses. Así las cosas, muy rápidamente Leclerc controlaba la mayoría de las ciudades de la costa, una porción muy relevante del Sur y Santo Domingo sin sufrir grandes bajas.31 Frente a este avance Toussaint, repetía su estrategia en una carta a Dessallines : Mientras esperamos a la temporada de lluvias (…), no tenemos otro recurso que la destrucción y las llamas. Recuerda que el suelo bañado con nuestro sudor no debe otorgarle a nuestros enemigos ni el más mínimo alimento. Destruye las rutas a cañonazos, tira cadáveres y caballos en todas las fuentes, quema y destruye todo, en orden de que aquellos que han venido a reducirnos a la esclavitud tengan frente a sus ojos la imagen del infierno que merecen 32 De esta manera, siguiendo las líneas directrices del plan louvertiano, los ejércitos de ex–esclavos se retiraban destruyendo todo a su paso y a pesar de la ofensiva, se mantenían sólidos en el interior y habían logrado algunas victorias parciales en una serie de batallas menores. No todo estaba perdido. Para el 12 de febrero Leclerc, comenzó a darse cuenta de que sus enemigos eran mejores guerreros de lo que suponía. Por ello decidió abrir negociaciones con Toussaint, enviándole a través de Isaac y Placide Louverture una serie de cartas. En estas misivas, se le informaba que su intención era asegurar paz en la colonia y se le ofrecía, a cambio de que este depusiera las armas: el puesto de vicegobernador de la colonia, el reconocimiento de la libertad de los 31 Ott,Th, op cit, pp. 152,53, Dubois,L, op cit, p. 267. “Carta de Toussaint Louverture a Jean Jacques Dessalines , 8 de Febrero” compilada por Nesbitt, N, op cit , p. 76. 32 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 33 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] cultivadores y el mantenimiento de los negros en el ejército. 33 En respuesta Toussaint, decidió ofrecer una breve tregua para pensar su decisión y ganar tiempo.34 El armisticio, duró poco, ya que finalmente Toussaint, rechazó revolucionaria.35 En la paz y respuesta retomó a esta el camino tesitura, de la Leclerc nuevamente en rebeldía al comandante36 y lanzó un ataque guerra declaró múltiple contra Gonaïves, donde se encontraban las fuerzas de Louverture. En el trayecto, las tropas francesas sufrieron una dura contra-ofensiva de parte de Dessalines y la emboscada de Toussaint, ambas operaciones en las que los invasores tuvieron importantes bajas. Sin embargo, estas lograron avanzar, ocupando la ciudad, pero sin conseguir apresar a Louverture.37 Durante marzo, la guerra continuó con sangrientos combates en todo el territorio, desatascándose la batalla por el control del fuerte de Crete a Pierrot.38 Atrincheradas en el, las fuerzas lideradas por Dessalines resistieron un largo sitio, manteniendo en vilo a sus mas de 8.000 mil atacantes. Para sostener la moral alta, como era costumbre los ex – esclavos negros (en una muestra de su sincretismo cultural) cantaban la marsellesa dándole su propio sentido anti-esclavista. El general francés Lacroix, relata que esto sorprendió a los soldados invasores, que empezaron a tener serias dudas sobre la justicia de la causa y se preguntaban: “¿Acaso estos no eran nuestros enemigos bárbaros? No somos nosotros los únicos soldados de la republica? Acaso nos hemos convertido en serviles instrumentos políticos?”39, interrogantes que en muchos casos erosionaron el convencimiento político de las tropas y que dieron lugar, no solo al desgano sino también al cambio abierto de bando. La contradicción entre la predica falsamente universalista de la revolución francesa y su verdadero rostro eurocentrico que implicaba una aplicación particularista en las colonias, comenzó así, 33 Beard , John y Louverture, Toussaint , Toussaint Louverture Biography and Autobiography, New York, Ed.Cosimo Classics , 1886, pp 170-181. 34 Parkinson, W, op cit, pp. 166-169, Barsket, J, op cit, pp. 137-142. 35 Ott, Th, op cit , pp. 154-155 36 Barsket, J, op cit , pp. 142-143. 37 Ott, Th, op cit , pp. 154-155. 38 James, CLR, op cit , p. 319. 39 Lacroix, Ph, op cit , tomo II, p. 164 . Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 34 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] a despertar dudas entre los invasores sinceramente republicanos. Asimismo, esta independentista batalla para aportó Saint la formulación Domingue. En una de un arenga proyecto militar Dessalines, pronunció la palabra clave que vislumbraba un nuevo futuro post-colonial, “Los blancos de Francia no pueden con nosotros en Saint Domingue. (…)Les repito tengan coraje y verán que cuando los franceses estén reducidos a pequeños (…) números los atracáremos y golpearemos, quemaremos las cosechas e iremos a las montañas. Estarán obligados a partir. Después yo los haré independientes.”40 Aunque todavía no representaba un ideario global de los rebeldes, anunciaba lo que estaba por venir. La batalla finalmente se resolvió a favor de los franceses, sin embargo fue una victoria pirrica, ya que el ejercito negro, al huir lo hizo rompiendo las filas enemigas, dejando un tendal de 2000 muertos en su camino.41 A estas acciones les siguieron muchas otras, que permitieron un sostenido avance de las tropas rebeldes y de las guerrillas cimarronas de Macaya, San Souci y Sylla (que actuaban autónomamente) consolidaron sus posiciones en la región Norte.42 Lacroix definía este duro enemigo: “Como una hidra de cien cabezas renacían ante cada ataque .Ante una orden de Toussaint Louverture aparecían de debajo de la tierra. El suelo estaba cubierto de ellos. Su nombre estaba en boca de todos. Hablaban solo de él.”43 Asimismo como señala Ott, esta ofensiva, se vio agravada por la fiebre amarilla, la falta de suministros y la pérdida de apoyo de un sector de los affranchis, luego de que Rigaud y algunos de sus hombres fueran desterrados por Leclerc.44Frente al empeoramiento de la situación Leclerc, comenzó a profundizar su política de seducción de rebeldes. Esta, táctica le dio un éxito inmediato a mediados de abril, cuando consiguió que Christophe, aceptará su oferta y defeccionará, a cambio de garantizarle su rango y de que no se esclavizaría a los 40 , Dubois, L, op cit , p. 273, Fick, Carolyn , The Making of the Haiti Revolution ,Knoxville, University Tenesse Press, 1992, pp. 211-212. 41 Franco, J, op cit , pp. 297, 298 , Parkinson, W, op cit , p. 177. 42 James, CLR, op cit , p. 324 , Dubois, L, op cit, p. 274 43 Lacroix, citado por Korngold,R, op cit, p. 223. 44 Benot , Y, op cit , p. 79 , James, CLR, op cit , p. 322. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 35 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] cultivadores.45 Porque tomó esta decisión es una verdadero misterio, algunos como Ott y CLR James entienden que lo hizo siguiendo ordenes de Toussaint, otros como Dubois y Parkinson, aventuran que tuvo que ver con intereses personales y por pensar que la resistencia no tenía futuro.46 Como sea, fue un duro golpe para los rebeldes, debido a que perdieron importantes fuerzas y a uno de sus oficiales más eficaces. Este acontecimiento junto al arribo de la noticia de la Paz de Amiens, llevaron a Toussaint a pensar que era necesaria una salida pactada al conflicto. 47 Convencido de esta tesitura, abrió puentes de dialogo con Leclerc, que inmediatamente fueron bienvenidos. Finalmente, el 1 de Mayo Toussaint, se rindió a cambio de: el reconocimiento de la libertad de los ex esclavos, la continuidad de los oficiales negros en el ejército y que se le permitiese retirarse a sus plantaciones acompañado de su guardia personal. 48 El 6 de Mayo, Toussaint entró a Le Cap, donde se formalizó el acuerdo, con la subsiguiente rendición de Dessallines y Belair. ¿Por qué Toussaint, decidió dar ese paso en un momento donde los franceses estaban tan golpeados? La historiografía ha ensayado distintas respuestas. Para Korngold, Aime Cesaire y CLR James, la rendición, no fue mas que una estrategia, que apuntaba a ganar tiempo y carcomer el ejército invasor desde adentro. Según aquellos autores, Toussaint apostaba a que el enemigo finalmente sería derrotado cuando la fiebre amarilla irrumpiese con más fuerza e hiciera posible una revuelta victoriosa.49 En contraposición, Ott sugiere que tomó aquella decisión, por que creía que los revolucionarios, luego de las deserciones y de la Paz de Amiens, habían quedado demasiado debilitados, como para ganar la guerra. Según Ott, Toussaint pensaba que era mejor negociar en aquella situación, donde todavía se podían arrancar algunas concesiones fundamentales, que hacerlo luego donde estarían casi indefensos gracias 45 Benot, Y, op cit, p. 78, Dubroca, L, op cit , pp. 38-3. Dubois, L, op cit, pp. 274-275, Ott, Th, op cit, p. 159, James, CLR, op cit , pp. 325-326, Parkinson,W, op cit, p. 181, Smartt Bell, M, op cit, pp. 258-259. 47 Ott, Th, op cit ,pp. 159-160. 48 Benot, Y, op cit ,p. 78, Parkinson ,W, op cit, pp. 181-184, Lacroix, Ph, op cit , pp. 181-182. 49 Korngold , op cit, pp. 237-238 , James, CLR, op cit, p. 329, Dubroca, L, op cit, pp 42 ,43,Cesaire , Aime , op cit, pp.369-374. 46 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 36 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] a los refuerzos metropolitanos.50 En nuestra opinión, encontrar una respuesta certera a dicho interrogante, es muy difícil, ya que no hay fuentes que permitan afirmar nada con seguridad. Empero, creemos que ambas interpretaciones podrían conciliarse parcialmente, teniendo en cuenta los acontecimientos posteriores. Consideramos que se podría sugerir una tercera postura, que Toussaint decidió negociar por que en ese momento creía que la guerra difícilmente podía ganarse de manera inmediata y lo mejor era llegar a un compromiso con Francia, sin embargo, por su mente podía pasar la idea de continuar la lucha en condiciones mas favorables si es que no se cumplía con lo pactado, mediante una nueva rebelión de cultivadores y militares negros. En definitiva, esto fue lo que finalmente Toussaint intentó y en gran medida, sucedió posteriormente, aunque ya sin su presencia. Nos parece improbable que esta estrategia no se le haya ni siquiera ocurrido. Leclerc creía que la guerra había casi concluido, sin embargo muchos oficiales de segundo rango siguieron luchando junto con miles de soldados y cimarrones, convencidos de que los invasores no cumplirían sus promesas.51 En mayo, la resistencia logro debilitar seriamente a los invasores, que sufrieron una perdida estrepitosa de hombres, por las acciones bélicas y por la fiebre amarilla.52 Ahora si los errores estratégicos cometidos por Napoleón, la subestimación del enemigo, la dificultad del terreno, la escasa cantidad de tropas y de recursos médicos comenzaron a hacerse evidentes dejando a Leclerc cada vez mas aislado y dependiente del grupo de soldados afrodescendiente para defender su posición.53 Desde su rendición Toussaint, se mantenía en su plantación en Ennery junto con su familia y su guardia personal. Empero, ante la decadencia de sus enemigos renació en él la llama revolucionaria y aprovechando el contexto favorable empezó a enviar emisarios para generalizar el levantamiento de los cultivadores que todavía le eran leales. 50 51 52 53 Esta táctica dio resultados y reforzó la posición Ottt ,Th, op cit , pp.160-161 Benot, Y, op cit , p. 78, Ott, Th, op cit, p. 161, Dubois, L, op cit, pp. 276-277. Ott, Th, op cit , p. 170 James, CLR, op cit, pp. 332-333. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 37 Revista Historien – Ano II de los rebeldes. 54 [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] Los franceses se enteraron de aquellos movimientos y Leclerc decidió que era necesario completar la primera parte del plan de Napoleón. Para ello, le tendieron una trampa, el 7 de junio lo invitaron a parlamentar con un general francés sobre los problemas de la guerra y al asistir al conclave casi sin custodia fue apresado. Increíblemente, Toussaint, confió en Leclerc y pagó demasiado caro su error. Acto seguido fue puesto en un barco y junto con su familia enviado a la Metrópoli.55 Se iba así, el líder más importante de la Revolución Haitiana, el que aun con limitaciones, había logrado acaudillar a los esclavos insurrectos en su gesta por la emancipación y la materialización de la universalización de los derechos del hombre. En Francia, Toussaint, fue mantenido prisionero en Fort Joux y durante meses intentó reclamó justicia. Sus pedidos nunca fueron atendidos y luego de una larga agonía finalmente murió, de neumonía, el 7 de Abril de 1803.56 Sin embargo, al momento de ser desterrado forzosamente de la colonia, Toussaint lanzó una amenaza que resultaría profética; “Al derrocarme, han cortado solamente el tronco de la libertad. Pero este renacerá nuevamente por que sus raíces son numerosas y muy profundas”57.Louverture sabía de lo que hablaba. Hacia la Independencia. Cumplidas, la primera y segunda etapa, Leclerc decidió en Julio de 1802, que era hora de desarmar a la población afrodescendiente en general para asestarle la estocada final a la revolución.58 Para alcanzar aquel objetivo, comenzó a utilizar la tortura y el asesinato masivo de soldados y civiles.59 Empero, su voluntad y la de sus oficiales chocaron rápidamente contra la dura realidad, ya que ante las noticias del apresamiento de Toussaint y de las requisas de armas, los cultivadores 54 Dubroca, L, op cit, 42, Stoddard, L, op cit, pp. 326 ,327 Stoddard ,L, op cit , pg 328 , Scholecher,V, op cit ,pp. 345-350, 56 Parkinson ,W, op cit , pp. 195-207. 57 Citado por Smartt Bell , op cit, p. 265, Dubois,L, op cit,p. 278, Korngold,R, op cit , pg 237. 58 Lacroix, P, op cit, pp. 212 , 213, Dubois,L, op cit , pg 283, Fick, C, op cit , pp. 214 , 215. 59 Dubois, op cit, pp. 283,284. 55 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 38 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] se rebelaron o fugaron en masa para unirse a la lucha guerrillera contra los invasores.60 El propio Leclerc admitía: “Cuando desee desarmar a la región norte, explotó una insurrección general”61 y agregaba “Hay un venerable fanatismo en esta insurrección. Estos hombres se dejan matar hasta el último, antes que rendirse.”62Estos sectores, sabían que estos fusiles representaban su libertad y que si se los deseaban quitar, era por un solo motivo: para someterlos nuevamente a la esclavitud. Aunque Leclerc, siempre lo había negado, el objetivo real de la expedición se hacia cada vez mas evidente para los ex–esclavos y a pesar de que sus líderes tradicionales los habían abandonado continuaron la lucha. De hecho paradójicamente, la tragedia de este breve periodo, fue que los antiguos oficiales, Dessalines y Christophe, fueron los encargados principales del desarme.63 Empero, no todos siguieron este camino, otros mas dignos como el Gral. Belair, se negaron y se unieron a los cimarrones de Sans Souci, Sylla y Macaya. Muchos, entre ellos el propio Belair pagaron aquella actitud altiva con su vida, ya que terminaron siendo fusilados, por sus ex–compañeros de armas. Siguiendo a la mayoría de los autores, creemos que estas luchas intestinas, deben entenderse, por un lado, como enfrentamientos en torno al poder dejado vacante por Toussaint y por el otro como, conflictos entre la vieja guardia revolucionaria que seguía el modelo louvertiano y sus opositores los cimarrones que defendían otro proyecto político no estatista ni plantocrático.64Mientras estos acontecimientos se sucedían en Saint Domingue, grandes cambios ocurrían en Francia y en el resto del Caribe. En Mayo, Napoleón decidió develar sus verdaderas intenciones y dispuso que: “En las colonias restituidas a Francia (…) la esclavitud será mantenida conforme y a los reglamentos anteriores a 1789” 65 Asimismo, se restableció la trata negrera y el racismo en todo el Imperio 60 Beard ,J, op cit, p. 244, Fick, C, op cit, p. 214 ,215, James,CLR ,op cit , p. 337. Citado por Korngold, op cit , p. 253. 62 Ibidem, pg 253 63 Beard, J, op cit, pp. 248-249, James , CLR,op cit ,p. 338. 64 Ott, Th, op cit , p. 175, Nesbitt, Nick , Universal Emancipation: The Haitian Revolution and the Radical Enlightenment, Virginia, University of Virginia Press ,2008, p 169. 65 Franco, J, op cit , p. 300, Cesaire, A, op cit , pp. 392- 394 61 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 39 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] Frances.66La restauración fue defendida por Napoleón, con estas palabras, que dan cuenta de su cosmovisión eurocentrica y colonial: Sabemos como las ilusiones de la libertad y la igualdad fueron propagadas por estos países lejanos, donde las evidentes diferencias entre hombres civilizados y aquellos que no lo son y las diferencias climáticas, de colores y de hábitos y sobre todo la seguridad de las familias europeas, requieren de grandes diferencias en el estado político y civil de las personas.67 El decreto todavía no admitía que la esclavitud sería reinstaurada en Saint Domingue, sino que afirmaba que se tomarían medidas para reforzar el trabajo y la seguridad. Pero el objetivo real era evidente. El propio Ministro colonial Decres decía: “Quiero esclavos en la colonia .La libertad es una comida para la que el estomago de los negros no esta preparado”68 En paralelo a la Saint Domingue expedición de Leclerc, Napoleón había enviado otra a Guadalupe, la cual a diferencia de la primera, tuvo éxito en poco tiempo. A fuerza de masacres, lograron vencer a los afrodescendientes rebeldes, que heroicamente prefirieron inmolarse antes que rendirse ante el poder de los franceses. A partir de esta victoria, los invasores, reinstauraron la esclavitud. 69Las autoridades francesas instaron a Leclerc para que hiciera lo mismo, pero se negó, por considerar que todavía no era oportuno.Sin embargo, prometió hacerlo en breve.70A pesar de ello, noticias sobre lo que acontecía en Guadalupe y sobre el regreso de la trata esclavista comenzaron a arribar a Saint Domingue y a alarmar a los negros.71 Por mucho que Leclerc intentará ocultarlo, ya era imposible tapar el sol con las manos y esto hizo que la rebelión se avivará , aun mas expandiéndose por toda la isla liderada por 66 Cohen,W, op cit , p. 119, Cooper , Ana Julia, Slavery and the French and Haitian Revolutionists, New York, Rowman & Littlefield Publishers, 2006, p 110. 67 Dubois , op cit, p. 284. 68 Ibidem, p. 285. 69 Cesaire, A , op cit , pp. 391,392 , Cohen ,W, op cit , p. 119. 70 Ott, Th , op cit , p. 175. 71 Benot , Y, op cit ,pp. 80 ,81. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 40 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] cimarrones y por militares revolucionarios de segundo rango.72Durante Agosto y Septiembre, Christophe y Dessalines, siguieron reprimiendo a los insurgentes, pero ya no con la dureza de antes. Dándose cuenta que los franceses tenían los días contados y de que no cumplirían sus promesas, empezaron a colaborar secretamente con la resistencia y a proyectar su pase de bando. Este finalmente ocurrió a mediados de Octubre.73 A Christophe y Dessalines, lo acompañaron, Clariveaux, Paul Louverture y Alexandre Petion, líder de los affranchis , sector que ahora también se rebelaba contra los invasores.74 De este modo luego, de una serie de combates, la posición de los franceses, llegó a su pico mas bajo desde 1802, controlando sólo las ciudades mas importantes: Le Cap, Port au Prince y Les Cayes. Leclerc como represalia, mando a ahogar a más de 1000 soldados en pocos días. Asimismo, le envió una carta a Napoleón, donde le señalaba que el único camino para restablecer la esclavitud y mantener la colonia para Francia era el genocida Debemos destruir a todos los negros de las montañas hombres y mujeres y dejar solo los niños menores de 12 años, destruir a la mitad de las llanuras y no dejar un solo hombre de color que haya llevado galones militares. De otra manera la colonia, nunca estará tranquila (…). Si deseas ser el amo de Saint Domingue debes mandarme 12.000 hombres (…) sino (…) Francia perderá para siempre a Saint Domingue75 Como vemos, aquellos que encabezaban una cruzada civilizatoria contra pueblos que definían como salvajes, proponían el genocidio como únicos métodos para alcanzar sus objetivos. Pompee De Vastey, intelectual haitiano, participe de los acontecimientos, denunciará años después aquel accionar genocida: 72 Fick. C, op cit , pp. 216,217, Cesaire,A, op cit, p. 394. Dubroca , L, op cit , p. 48 74 Ott, Th, op cit, p. 176 , James, CLR, op cit , pp. 355-357, Fick, C; op cit, p. 227. 75 “Carta de Victor Emmanuel Leclerc a Napoleón Bonaparte 7 de Octubre de 1802” compilado por Dubois, L y Garriggus , J, op cit , p. 179 , Fick, C, op cit , p. 222. 73 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 41 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] Todo el mundo sabe que la República Francesa, proclamó la libertad en la isla. Después de haber disfrutado esta bendición (…) de haber luchado (…) por Francia (…) estos viles republicanos sin ningún motivo aparente, se propusieron robarnos la libertad (…), como si el hombre (…) pudiera dejar de lado y reasumir sus grilletes a su voluntad. No contentos con usar la fuerza para someternos (…) utilizaron todos los recursos para seducirnos (…).Nos dijeron (…) que éramos todos iguales ante Dios y la Repúbica, pero mientras hacían profesión de fe con sus labios, meditaban en sus corazones el horrible designo de reducirnos a la esclavitud, o si resultaba impracticable, de exterminarnos a todos.76 Angustiado y a la espera de refuerzos que nunca llegaron, Leclerc finalmente murió de fiebre amarilla, el 1 de noviembre. En su reemplazo, asumió el Gral. Rochambeau. Este contó con la buena fortuna de recibir, a fines del 1802, los refuerzos tan deseados. Con amainando y la fiebre amarilla mas de 10.000 nuevos soldados, Rochambeau, pudo fortalecer su posición y llevar adelante algunas ofensivas con relativo éxito. Sin embargo, se caracterizó por profundizar la estrategia terrorista y genocida inaugurada por Leclerc, llegando a usar la marina para ahogar cientos de negros por semana. Para la misma época, en el conglomerado de fuerzas revolucionarias, también se vivió un cambio organizativo y programático de extrema importancia .Se realizó la conferencia de Arcahaye, en la cual Dessalines selló un pactó con Petion, en pos de la unidad de los affranchis y los negros, en contra de los franceses. Y ahora sí el objetivo que antes había sido nombrado por algunas voces, se convirtió en el de todos los rebeldes: la lucha anticolonial por la liberación nacional. Así, la reivindicación de la libertad, que desde la rebelión de 1791, había significado libertad individual contra la esclavitud, ahora ampliaba su contenido semántico, para 76 Pompee Valentin De Vastey , Reflexions on the Blacks and Whites , Londres , 1817 , pp. 71,72. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 42 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] expresar la libertad personal y nacional, contra el imperio. 77Para formalizar este camino hacia la independencia, se creo una nueva bandera, azul y roja, quitando el blanco del medio y se reemplazó la inscripción “Republica Francesa”, por la de “Libertad o Muerte”.78 Los colores simbolizaban, la alianza de los afrodescendientes contra los europeos, quien con su accionar, habían promovido, sin quererlo la radicalización de la Revolución y su metamorfosis en una lucha independentista. Dessalines, fue nombrado Comandante en Jefe del Ejercito, que en un giro americanista/indigenista, fue bautizado como el Ejercito Indígena.79 convergieron hacia Empero, el aunque mismo todos objetivo, los los sectores conflictos rebeldes intestinos continuaron ( y continuaran después de la independencia) ,especialmente entre los criollos de la vieja guardia y los cimarrones de origen africano, que eran recelosos de su autonomía y que siempre habían mantenido un proyecto social y político más radical. En el contexto de la guerra, estas tensiones tendieron a mantenerse en un segundo plano, sin embargo, llegaron a estallar en varias oportunidades, siendo la última y mas importante la del fusilamiento de Sans Souci y de sus soldados, a manos del sector dirigido por el Gral. Christophe.80 Luego de la muerte del caudillo cimarrón, Dessalines , logró afianzar su liderazgo y forjar una unidad y una organización mas sólida en su ejercito. Estas alianzas y estas posiciones ideológicas, muestran a las claras que la guerra no fue una lucha mucho racial, como la han definido Stoddard y otros, sino algo mas complejo,un fuerte conflicto armado entre dos conglomerados sociales: la alianza de ex esclavos , affranchis y cimarrones contra el ejercito francés, que enarbolaban dos concepciones políticas antagónicas en torno a los principios de la libertad y la igualdad y los derechos del hombre. Los primeros, aun con sus diferencias internas, revindicaban una derechos humanos, que interpretación universalista de aquellos ponía en jaque el patrón de poder 77 Ott, Th, op cit , pg 177, Fick, C,op cit, pp. 227-228, Von Grafenstein, Johanna, Haiti, Mexico, Alianza, op cit, p. 67 78 James, CLR,op cit ,p. 365. 79 Dubois, L, op cit, p. 299. 80 Beard , J, op cit , p. 271 Fick, C; op cit ,pg 233 , Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 43 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] racista/colonialista/eurocentrico hegemónico en el mundo Atlántico, mientras que los segundos asumían una posición particularista que defendía aquel orden. Dos concepciones que desde los inicios, habían caracterizado, a la Revolución de Saint Domingue y a la Revolución Francesa y que luego de tensiones, conflictos y concesiones ahora estallaba abruptamente. En este sentido, podemos decir que la guerra significó el momento trágico, en que ambas revoluciones, terminaron de colisionar definitivamente. Pero, para verlo más claramente continuemos con la crónica de los acontecimientos. En Mayo de 1803, la suerte de los franceses, pareció mejorar, ya que Rocheambau recibió refuerzos, que le permitieron conquistar algunas regiones rurales y dominar las ciudades costeras de la colonia. Pero la ilusión duró muy poco, ya que la insurrección se fortaleció adquiriendo un carácter absolutamente popular.81 Era un pueblo en armas, que en una formidable contraofensiva fue consiguiendo vencer a los invasores en los pequeños poblados y poner en sitio a las urbes costeras. Para colmo a mediados de 1803, sobrevino la ruptura de la Paz de Amiens británica 82y la flota comenzó a bloquear los puertos de Saint Domingue y a hostigarlos con incesantes bombardeos.83 La inesperada e involuntaria ayuda de los británicos, facilitó la tarea del Ejercito Indígena, que en una ofensiva se alzó con todas las ciudades menos Le Cap. Hacia allí, huyó Rochambeau con sus hombres, intentando resistir y salvar lo que le quedaba de fuerzas y de dignidad. 84 Dessalines sitió la ciudad obligando a los franceses a aceptar la realidad de que Saint Domingue estaba perdida. El 30 de Noviembre Rochambeau, negoció la rendición con el británico, Capitán Loring, quien, permitió a los 18.000 franceses abandonar la isla, como prisioneros de guerra. En un acontecimiento sin precedente, los ex -esclavos, los affranchis, los cimarrones, en fin, los condenados de la tierra habían abatido a uno de los imperios mas 81 82 83 84 Dubois , L, op cit , p. 295. Dubroca, L,op cit , pp. 50-5. Cooper, J, op cit , p. 111, Ott, Th, op cit, p. 180, Stoddard,L, pp. 347-348. Barsket, J, op cit , p. 165-167 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 44 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] poderosos del planeta.85 Ante el triunfo, el comandante de los rebeldes, pronunció las siguientes palabras, que representaban la gesta de todo un pueblo; “He vengado a America”86 El 1 de enero de 1804, Dessalines, en un solemne acto en Gonaïves, declaró la independencia y reafirmó la universalidad de la Igualdad y la Libertad, principios sin limites raciales, de clase o de genero.87 Asimismo, en una manifestación de justicia histórica y de identidad indoamericana, repudió el nombre colonial español/francés de Saint Domingue y rebautizó al novel estado con su antiguo denominación: Haití.88 Nacía así la primera república negra del mundo y el primer estado independiente de América Latina. El ciclo revolucionario se cerraba, la larga marcha por la libertad había concluido. Referência bibliográfica BARSKET, James. History of the Island of St Domingo. New York, Mahlon Day, 1824. BEARD, John, Toussaint Louverture. Toussaint Louverture Biography and Autobiography .New York, Cossimo Classics, 1886. BENOT, Yves.La Démence Decouverte ,1992. colonial sous Napoleon. Paris, La CESAIRE, Aime. Toussaint Louverture La Revolución Francesa y el problema colonial.La Habana, Instituto del Libro , 1967. COHEN, Bernard. French encounters Indiana University Press, 2003. with africans.Knoxville, COOPER, Ana Julia. Slavery and the French and Haitian Revolutionists. New York, Ed Rowman & Littlefield Publishers, Inc. 2006. DE VASTEY, Pompee. Reflexions on the blacks and whites. Liverpool, 1817. DUBOIS, Laurent. Avengers of the New World. Boston. Harvard University Press, 2004. 85 Ott, Th, op cit ,p. 182, Dubois, L, op cit , pg 1 Barsket, J, op cit , p. 183 87 “Declaración de la independencia de Haiti 1/1/1804” Compilada por Dubois, L y Garrigus, J, op cit ,pp. 188-191, Nesbitt, N, op cit ,p. 1, Barsket,J, op cit, p.176. 88 Geggus, D, op cit , pp. 207-220, Stoddard, L, op cit, p. 349, James, CLR, op cit, p. 370. 86 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 45 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] DUBOIS, Laurent y Garrigus, John. Slave Revolution in the Caribbean. 1789-1804: A Brief History with Documents. Boston, Bedford, 2006 . DUBROCA, Louis. Vida de J. J. Dessalines: gefe de los negros de Santo Domingo .Madrid, Imprenta Real, 1805 DUBROCA, Louis. Life of Toussaint Louverture. London , 1802 FICK, Carolyn. The Making of the Univesity Tennessee Press, 1992. Haiti Revolution. Tennessee, FRANCO, José Luciano. Historia de la revolución de Haití. Santo Domingo, Editora Nacional, 1971. FRANCO, José Luciano. Documentos para la historia de Haití. La Habana, Archivo Nacional de Cuba, 1954. JAMES, CLR . The Black Jacobins. New York, Vintage Books, 1989. KORNGOLD, Ralph. Citizen Toussain. Ed Gollanz ,Londres 1944. LACROIX, Pamphile. Memoires por servir A L’Histoire de la Revolution de Saint Domingue , II Tomos. Paris, Chez Pillet Aine, 1819. LEFEBVRE, Gustave. La Revolución Francesa y el Imperio. México, Fondo de Cultura Económica, 1970. NESBITT, Nick (Ed). Toussaint Revolution. Londres, Verso, 2008. Louverture and The Haitian NESBITT, Nick. Universal Emancipation:The Haitian Revolution and the Radical Enlightenment . Virginia, University of Virginia Press. ,2008 OTT, Thomas. The Haitian Tennessee Press, 1973. Revolution. Knoxville, University SCHOELCHER, Victor . Vie de Toussaint Louverture. Ed Karthala ,Paris, 1982 ( original 1889) SMARTT, Bell, Madison. Books, 2007. Toussaint Louverture. New York, Vintage STODDARD, T. Lothrop. The French Revolution in San Domingo. New York, Kessinger Publishing, 2007. VON GRAFENSTEIN, Johanna. Haiti . México, .Alianza, 1988. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 46 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 47 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] LA REVOLUCIÓN HISPANOAMERICANA: UNA CARACTERIZACIÓN Germán Ibañez1 Resumen: El artículo propone una caracterización del proceso revolucionario hispanoamericano que culmina con la independencia de la mayor parte de la América española. En primer término, se aborda una serie de precisiones de tipo conceptual sobre la problemática de la “revolución”, explorando algunos tópicos: reforma versus revolución; violencia; cambio abrupto /larga duración; revolución política /revolución social; transformación capitalista; movilización de clases subalternas. En hispanoamericano, segundo a término partir de se una estudia el proceso problematización de revolucionario los consensos historiográficos actuales sobre una revolución política tanto como de la idea de una revolución burguesa “clásica”. Se introduce la cuestión de la descolonización como dimensión fundamental a explorar en los procesos independentistas Introdução Al cumplirse ya doscientos años del inicio del ciclo revolucionario que culminó con la Independencia política de la mayor parte de Hispanoamérica puede realizarse un balance de aquel complejo y extraordinario proceso o, más cautamente, aportar algunas reflexiones en esa dirección. Distintos países de la región, comenzando por Bolivia en el año 2009 realizaron sus festejos y recordatorios del Bicentenario, destacándose por la masividad de su convocatoria 1 Profesor de Historia, egresado de la Universidad Nacional de La Plata . Secretario Académico de la Universidad Popular Madres de Plaza de Mayo. Docente del Seminario Interdisciplinario: Pensamiento latinoamericano y procesos sociopolíticos de la Facultad de Periodismo y Comunicación Social, Universidad Nacional de La Plata.Docente del Seminario Interdisciplinario: Reformas y participación popular en Latinoamérica de la Facultad de Periodismo y Comunicación Social, Universidad Nacional de La Plata.Docente del Seminario Pensamiento Nacional, Dirección de Educación Permanente de la Universidad Nacional de Lanús .Integrante del equipo de Investigación Histórica y Redacción de El cronista del Bicentenario, publicación de la Dirección General de Cultura y Educación de la Provincia de Buenos Aires. [email protected] Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 48 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] y el enorme despliegue organizativo, de recursos y de riqueza de contenidos y debate, el festejo argentino del año 2010. Universidades, editoriales y medios de comunicación encararon de diversa manera la celebración del Bicentenario, y no faltaron también las voces críticas o pesimistas acerca de situaciones políticas puntuales de países latinoamericanos, que limitaran las potencialidades de la fecha para incidir en la apertura de un gran debate histórico nacional 2. En las discusiones y aportes se pusieron en juego inevitablemente diversas concepciones político-ideológicas y caracterizaciones historiográficas de aquellos procesos y acontecimientos que la convocatoria general del “Bicentenario” albergaba. Desde diversas historiografías hace tiempo ya que se ha cuestionado la tradición liberal, largo tiempo hegemónica, que desde la consolidación de los Estados latinoamericanos en la segunda mitad del siglo XIX sancionó una interpretación de las revoluciones hispanoamericanas como el proceso de emancipación de “naciones” preexistentes, oprimidas por la “nación” española3. Es frecuente, y por cierto no injustificada, la referencia a la obra de FrancoisXavier Guerra como estímulo y punto de partida de otra interpretación, hoy ampliamente generalizada, que cuestiona la idea de un levantamiento hispanoamericano de características “nacionales”, siendo el reclamo separatista una consecuencia del derrumbe del imperio español y del proceso de revolución en los dominios americanos y no su causa. Al mismo tiempo, el proceso de revolución abrazaría al conjunto del imperio, incluyendo las “provincias españolas” (e incluso allí, en 1808, hay que buscar su causa inmediata). Planteos que ponían de relieve estas cuestiones son previos a la obra de Guerra, y en la Argentina pueden hallarse posturas similares ya en pasajes de los escritos de Juan Bautista Alberdi, de Manuel Ugarte, de Julio V. González y de Jorge Abelardo Ramos4. En este artículo nos proponemos nos proponemos visitar la cuestión de la revolución hispanoamericana, pues consideramos que problemáticas como la 2 Por ejemplo es lo consignado para México por Daniel Kersffeld: “Entre evocaciones y desmemorias: México ante su propio Bicentenario”, en Beatriz Rajland y María Celia Cotarelo (coord.): La revolución en el bicentenario. Reflexiones sobre la emancipación, clases y grupos subalternos; Buenos Aires; CLACSO /Ediciones FISYP; 2009 3 Un interesante artículo de Tomás Pérez Vejo realiza una síntesis de esa crítica: “¿Por qué volver sobre las guerras de independencia?”, en revista Memoria, N° 247; México; octubre de 2010 4 Norberto Galasso: La corriente historiográfica socialista, federal-provinciana o latinoamericana, Cuadernos para la Otra Historia N° 3; Buenos Aires; Centro Cultural Enrique Santos Discépolo; 1999 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 49 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] descolonización no están del todo presentes en los actuales consensos historiográficos. Para encarar este trabajo comenzaremos con algunas precisiones de orden conceptual, sin pretensiones de exhaustividad, y después avanzaremos en una caracterización del proceso revolucionario e independentista hispanoamericano. El problema de la revolución como cuestión teórica Cuando se trata de la revolución como problema teórico son muchas las facetas a tener en cuenta. A veces se alude, al hablar de revolución, a un cambio político o social relativamente “brusco”; en contraposición, un cambio gradual y progresivo se identificaría con un proceso de reforma. Durante mucho tiempo esta distinción se polarizó en las discusiones como revolución versus reformismo. Ahora bien, en los procesos históricos concretos que han sido conocidos o caracterizados como revoluciones, los cambios bruscos se dan junto a otros graduales. Es necesario tener en cuenta qué cosas se quiere decir con cambios revolucionarios y a qué se alude con procesos reformistas, aunque no pueda arribarse a una definición completamente satisfactoria. Un abordaje posible es el que propuso el mexicano Abelardo Villegas, quien planteó que ese dilema debe ser referido concretamente a las formaciones sociales latinoamericanas, con sus contradicciones propias, evitando las grandes abstracciones. Villegas sostiene que se verifica en el proceso histórico latinoamericano una contradicción entre un polo “modernizador” y otro polo tradicional o “atrasado”. Pero esta oposición no debe ser leída como dualismo, sino como una relación dialéctica en la cual ambos polos se complementan y condicionan mutuamente. Y es en torno a esta contradicción que deben ser definidos concretamente la revolución y el reformismo. La revolución aparece como la superación de esa contradicción, en tanto que el reformismo sería la insistencia en la realización de uno de los dos términos (la modernización) para que actuara como “disolvente” no violento del otro (el atraso)5. Ahora bien, esa idea de la superación como proceso de cambio 5 Abelardo Villegas: “Panorama de los procesos de cambio: revolución, reformismo y lucha de clases”, en Leopoldo Zea (coord.): América Latina en sus ideas; México; Siglo XXI editores; 2000; pp. 103-104 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 50 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] que involucra a la totalidad de la formación social, nos obliga a mayores precisiones. Si nos mantenemos en el plano de un cambio que aparece como brusco podemos identificar dos cuestiones. Una de ellas es la de la temporalidad. El cambio brusco sería aquí el de una temporalidad acotada: de una sucesión de acontecimientos o una coyuntura determinada. Puede ser el caso de una insurrección o un proceso de toma del poder. La otra cuestión es la de la violencia. La “brusquedad” estaría dada por la instrumentación de alguna forma de acción directa, saliéndose de los marcos tradicionales o establecidos de ejercicio y transmisión del mando. Nuevamente los ejemplos de la insurrección o de la toma del poder resultarían apropiados en este contexto. Bien vistas las cosas, se desprende de esto que, en este plano, la revolución es un proceso eminentemente político: más concretamente, el cambio de régimen político a través de procesos de acción directa o enfrentamiento armado en un período relativamente breve. Aún así, existen casos en los cuales los procesos de lucha armada, asociados a cambios de regímenes políticos, se han manifestado en largos ciclos de guerra civil. Esto vuelve a remitirnos a la cuestión de la temporalidad, pues entonces la sucesión más o menos rápida de acontecimientos o el proceso acotado a una coyuntura precisa y delimitada no constituyen un rasgo “imprescindible” de una revolución. Podríamos decir que las revoluciones, como cambio “brusco” de un régimen histórico de mando o dominación, en general asociadas a formas de acción directa, pueden estar precedidas, acompañadas o sucedidas por ciclos de guerra civil que pueden prolongarse mucho en el tiempo. En la experiencia del siglo XX, tal parece el caso de las guerras revolucionarias, especialmente la china. Ahora bien, con estas precisiones (que no pretenden ser exhaustivas, por otra parte) estamos hablando propiamente de un tipo de revoluciones, denominadas revoluciones políticas, aún cuando estén acompañadas de guerra civil. Diferente es el problema cuando hablamos de aquellos procesos que han sido caracterizados como revoluciones sociales, que nos remite a esa totalidad a la que aludíamos anteriormente. Si se trata de la revolución social, de lo que se está hablando es de las transformaciones de las relaciones sociales fundamentales. Es decir, algo más Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 51 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] complejo (y menos frecuente) que los cambios abruptos en los regímenes políticos. Las relaciones sociales fundamentales son aquellas que se establecen entre las clases sociales, especialmente en torno a la propiedad de los medios de producción y el control del excedente. En las sociedades clasistas, son invariablemente relaciones que se caracterizan por diversos modos históricos y grados de explotación. Las revoluciones sociales son aquellos procesos por los cuales se modifican las relaciones entre las clases sociales, el control del excedente, el grado de explotación y, eventualmente, el modo de producción dominante en una formación social dada. Ya la magnitud de las transformaciones mencionadas, lleva a pensar que resulta imposible concebir el despliegue de una revolución social en el marco de una sucesión corta de acontecimientos o incluso una coyuntura delimitada. La temporalidad en el desarrollo de una revolución social es más prolongada, e incluso puede hablarse de larga duración, especialmente cuando nos referimos al cambio del modo de producción dominante o el pasaje de un tipo de sociedad a otra. Sin duda, las relaciones sociales no cambian de un día para otro. Es posible hacer más precisiones. Una revolución social puede modificar el equilibrio relativo entre las clases sociales, traspasar porciones importantes del control de excedente, o abrir paso al ascenso socio –económico de diversas fracciones o grupos sociales. En este caso de trata de una revolución dentro de un tipo específico de sociedad o relaciones sociales fundamentales, que culmina en transformaciones importantes pero no necesariamente en la instauración de un nuevo régimen social. Una revolución dentro del capitalismo podría ejemplificar esta situación. Nadie puede negarle carácter de revolución social a la Revolución Mexicana de 1910 y al mismo tiempo tener claro que orienta en determinada dirección el proceso de transformación capitalista de dicho país6; diferente dirección, en todo caso, a la que parecía imprimirle las elites tradicionales. Pero una revolución social puede marcar también el tránsito de un tipo de sociedad a otro, modificando el modo de producción dominante. Así se habla del ciclo de la revolución burguesa para la época de transición del feudalismo al capitalismo en la Europa occidental; y los procesos revolucionarios concretos como la revolución 6 El “porfirismo”, etapa previa a la revolución de 1910, fue un proceso de modernización capitalista de México, (despiadado y brutal, como suele ser la “modernización” en los países dependientes). Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 52 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] inglesa del siglo XVII y la revolución francesa del siglo XVIII se enmarcarían dentro de ese horizonte general. Ahora bien, en este plano, el concepto de revolución social se asemeja mucho al de transición societaria (todo el período en el cual un tipo de sociedad deviene en otra), y en todo caso obliga a pensar la relación entre ambos. Si nos mantenemos dentro del ejemplo mencionado de la transición del feudalismo al capitalismo en la Europa occidental, podemos ver que determinados procesos revolucionarios concretos jalonaron esa transición y fueron parte necesaria de ella, aunque por supuesto no opere ningún determinismo mecanicista. La Revolución Francesa fue un proceso activo en la transformación capitalista de dicho país, pero al mismo tiempo, mucho más que eso; por ejemplo, alimenta el imaginario insurreccional que luego van a sustentar corrientes obreristas anticapitalistas posteriores. De modo que puede distinguirse un gran ciclo de revolución de aquellos episodios concretos que conocemos como “revoluciones”. La expresión proceso revolucionario puede resultar de gran utilidad a ese efecto, pues con él nos referimos a las transformaciones políticas, económicas y culturales que identificamos como revoluciones concretas (la mexicana, la cubana, etc.). Es interesante, en este punto, el aporte de Omar Acha que señala que el concepto de proceso revolucionario permite, entre otras cosas, integrar también las experiencias históricas concretas que resultaron fallidas o truncas, es decir que no devinieron en un nuevo orden pos –revolucionario7. La contingencia opera por cierto en las revoluciones concretas, vinculadas a crudos momentos de luchas políticas y de clases y no solo a impersonales y prolongados cambios estructurales. Resulta necesario de todas formas inscribir a esos procesos en el horizonte general de una época, para calibrar adecuadamente el contenido socio – histórico de esas revoluciones y no cometer peligrosos anacronismos. Puede puntualizarse que ese horizonte general, en el momento en que se produce la revolución hispanoamericana que culmina en las independencias de las colonias españolas, es la era de la revolución burguesa. Se utiliza también la expresión compuesta democrático –burguesa para procesos revolucionarios 7 Omar Acha: “La historia latinoamericana y los procesos revolucionarios: una perspectiva del Bicentenario (1780 2010), en Beatriz Rajland y María Celia Cotarelo (coord.): La revolución en el Bicentenario. Reflexiones sobre la emancipación, clases y grupos subalternos; Buenos Aires; CLACSO /FISYP; 2009; pp. 17-21 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 53 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] enmarcados en ese ciclo general, e incluso han sido también utilizados más o menos como sinónimos8. Con ello se alude a dos dimensiones del proceso de revolución burguesa: la transformación capitalista y la participación de las masas. Este último factor, el de la movilización y las luchas de las masas populares no es meramente incidental ni un elemento “decorativo” del drama histórico, pues su profundidad se relaciona con el grado y el modo de la transformación capitalista (es decir, la dimensión propiamente “burguesa” de la revolución). La entrada en escena de las masas insurrectas ha sido el ariete fundamental en la destrucción de los regímenes políticos tipo “Antiguo Régimen”; a la inversa, su relativa ausencia o menor grado de incidencia a dado origen a intentos de categorizar esos procesos como “revolución pasiva” o “desde arriba”9. Por tanto, ambas dimensiones (transformación capitalista y movilización de las masas) no son una aleación caprichosa sino unidad dialéctica (y por tanto contradictoria) en el seno de la revolución burguesa. Una cuestión más: las luchas de las masas (el elemento democrático) buscando sus propios objetivos ha “rebasado” en procesos concretos a los intereses inmediatos de las ascendentes burguesías o proto –burguesías, insinuando la posibilidad de un “desborde” y forzando compromisos históricos. Esos compromisos han sido en ocasiones aquellos de las nuevas burguesías con las viejas clases dominantes, “congelando” la revolución en un cierto punto; pero en otros procesos han debido recoger en el orden pos –revolucionario algunas de las demandas de las masas, ya que el grado de movilización de estas últimas tornó imposible marginarlas totalmente. En torno a la revolución hispanoamericana El paradigma de la revolución burguesa o democrático burguesa fue pensado en relación al proceso de ascenso del capitalismo en lo que se constituyó como área metropolitana del mundo; allí donde, en el siglo XIX, esa civilización 8 Es el caso de algunos usos de ambas expresiones por parte de Lenin; ver Wolfgang Küttler: “Sobre el concepto de revolución burguesa y revolución democrático-burguesa en Lenin”, en VVAA: Las revoluciones burguesas; Barcelona; Crítica; 1983 9 Es lo que hace Antonio Gramsci al referirse al proceso de unificación italiana y el rol del Piamonte Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 54 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] alcanzó su madurez con el desarrollo del industrialismo10. ¿Es posible caracterizar al proceso de revolución y guerra de independencia hispanoamericana desde este paradigma? Si partimos de la cronología podemos concluir, provisionalmente, en una respuesta afirmativa. Tomando en cuenta los acontecimientos de 1808 en la propia España (invasión napoleónica y crisis de la estructura imperial española) como “inicio” del ciclo revolucionario, y el año 1824 (batalla de Ayacucho, que destroza prácticamente el último bastión realista en la América continental aunque continúen por un tiempo los enfrentamientos) marcando el fin de esa etapa de nuestra historia, podemos afirmar que estamos aún en esa época histórica de ascenso y consolidación de la civilización capitalista. Incluso si consideramos la revolución andina de Túpac Amaru II (1780) yendo de esa manera más atrás en el tiempo, seguimos todavía dentro del mismo arco temporal. Por cierto que la dominación colonial española se prolonga hasta fines del siglo XIX en Cuba y Puerto Rico, complejizando esta sumaria cronología, y al menos dos elementos sería necesario poner de relieve en relación al tardío fin de la dominación colonial española en el Caribe. El primero es que coincide con un período en el que ya se consolidó la formación de los Estados y los regímenes oligárquicos en la América Latina continental. El segundo, como lo señaló el propio José Martí, que el nuevo imperialismo del Norte ya comenzaba una etapa expansiva. Es decir, la desintegración final del colonialismo español en el Caribe coincide con la fase del capitalismo monopólico estadounidense, que mediatiza las independencias cubana y puertorriqueña (especialmente ésta última). Apenas mencionando estas cuestiones ya comenzamos a percibir que, aunque inscriptas en la época de la revolución burguesa, las revoluciones de independencia hispanoamericanas comienzan a alejarse del “modelo clásico” 11. La gran problemática que salta a la vista es el colonialismo. Las sociedades hispanoamericanas eran sociedades coloniales, sujetas al orden imperial español. 10 Proceso que tiene su epicentro original en Inglaterra, en las últimas décadas del siglo XVIII. Samir Amin afirma que el capitalismo solo alcanza su madurez con el desarrollo del industrialismo; consolidando las tendencias a la polarización mundial que son inmanentes al sistema: El capitalismo en la era de la globalización; Barcelona; Paidós; 1999; p. 15 11 Si existiera algo así como un modelo “clásico” por otra parte. Esta es una cuestión para ser revisada desde una teoría crítica del eurocentrismo, lo que excede el objetivo de estas páginas. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 55 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] Aunque existiera alguna controversia con respecto al estatuto jurídico de estos dominios (¿eran provincias y “reinos” de España, o como lo plantearan descarnadamente los Borbones, colonias de las cuales extraer riquezas?), lo cierto es que la asimetría en las relaciones entre la metrópoli y estas regiones, el tipo de régimen instaurado por la conquista, y el drenaje de riquezas, dejan poco lugar a dudas sobre la naturaleza colonial del vínculo. No existía ningún tipo de representación democrática o igualitaria, aunque esto fuera una norma general en un imperio (incluida la metrópoli) organizado desde el absolutismo dinástico. Es el Monarca el puntal del orden político imperial y el que organiza y da sentido a la “unidad” de un conjunto heterogéneo de regiones que no tienen fuertes lazos de solidaridad o identidad entre sí12. Una situación como la que se da en el Río de la Plata a consecuencia de las invasiones inglesas de 1806 -07: la destitución del Virrey español y la designación de uno nuevo de origen francés (Liniers) por parte de los “vecinos” y el nuevo poder miliciano, carecía realmente de antecedentes. Puede señalarse que estamos ya a las puertas de la crisis del sistema imperial español, pero el ejemplo es válido para comprender la naturaleza del régimen político colonial, que reducía la representación incluso de los “notables” locales. Si seguimos la secuencia cronológica, el “detonante” de la revolución hispanoamericana está en la península española, con la insurrección y guerra nacional que sigue a la ocupación napoleónica, y especialmente con el movimiento de las Juntas populares. Ese movimiento juntista, que reclamaba los derechos a la soberanía popular en respuesta a la prisión del monarca a manos de Napoleón, significó un principio de revolución democrática en el orden absolutista del imperio español. Es ese movimiento el que se replica en América, en las principales ciudades, con primeras manifestaciones en Nueva España (1808) y el Alto Perú (1809) y de manera más consistente y generalizada en 1810. No eran movimientos separatistas, sino autonomistas y democráticos, esgrimiendo el principio de la soberanía de los pueblos en defensa de los derechos del monarca cautivo. Las fracciones políticas separatistas o independentistas eran una clara minoría. Por sus objetivos inmediatos (colocar el autogobierno de las ciudades y regiones hispanoamericanas en manos locales cuestionando de 12 Francois Xavier Guerra: “La desintegración de la Monarquía hispánica: Revolución de Independencia”, en De los Imperios a las Naciones: Iberoamérica; Zaragoza; IberCaja; 1994; p. 201 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 56 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] hecho el principio absolutista de poder), el movimiento de las Juntas tiene también los rasgos de una revolución política democrática. Ahora bien, de esa manera el andamiaje integral del viejo régimen quedaba seriamente afectado y se abría una “escisión” en el sistema muy difícil de reparar13; la revolución democrática hispanoamericana inaugura un proceso de incalculables consecuencias. El desarrollo de un proceso de guerra civil en vastos territorios hispanoamericanos prolongó y profundizó la revolución política democrática que el movimiento juntista había expresado. En esa guerra civil se enfrentaron americanos y españoles en ambos bandos; pero la propia dinámica de profundización del enfrentamiento, y la intransigencia de la Península para aceptar la nueva autonomía de las ciudades hispanoamericanas, extremó las posiciones e inició la deriva hacia la guerra de carácter nacional. Debe ponerse de relieve que aquello que comenzará a difundirse como idea nacional en ese proceso revolucionario es la voluntad de crear sociedades políticas independientes. Un uso de la voz nación que no tenía fuerte connotación “étnica” o culturalista y que, como señala José Carlos Chiaramonte, era equivalente al de “Estado –nación”14. Podría decirse que, en el decurso del proceso de guerra civil hispanoamericana, la defensa de las autonomías planteadas por el movimiento juntista solo pudo mantenerse rompiendo el vínculo político con la Corona española. No fue el separatismo lo que movilizó a la mayoría de los actores que desencadenaron el movimiento de 1810, pero la propia idea de autonomía (mucho más su ejercicio) resultaba aberrante para el orden tradicional del imperio absolutista, que no pudo resistir ni absorber esos cambios. Sintetizando decimos que rasgos importantes de una revolución política democrática estaban contenidos en el movimiento juntista desde el inicio: el principio de la soberanía de los pueblos era antagónico con el puntal ideológico del imperio, el absolutismo dinástico; la propia aparición de las Juntas precipita la desintegración del régimen político colonial, de su institucionalidad en 13 Anthony McFarlane: “La caída de la monarquía española y la independencia hispanoamericana”, en Marco Palacios (coord.): Las independencias hispanoamericanas. Interpretaciones 200 años después; Bogotá; Grupo Editorial Norma; 2009; p. 32 14 José Carlos Chiaramonte: Nación y Estado en Iberoamérica; Buenos Aires; Sudamericana; 2004; p. 81 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 57 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] América. Las agrias controversias entre los participantes, y las resistencias de los partidarios del orden tradicional, muestran claramente que se había salido de los cauces habituales de reproducción del régimen y que éste no podía absorber el impacto con sus mecanismos y rutinas. Cuando el principio de la soberanía nacional comienza a convertirse en hegemónico dentro del bloque revolucionario (por convicción o “necesidad”) aparece con fuerza un rasgo primordial de la revolución o movimiento nacional: la lucha por ampliar el margen de autodeterminación. Podemos retornar ahora al punto que señalamos más arriba al decir que el problema del colonialismo es fundamental en la revolución hispanoamericana, que se aleja así del modelo “clásico” de la revolución burguesa metropolitana. Sin embargo, ¿la cuestión del colonialismo se agota con el fin de la dominación política española? Si así fuera, podría decirse que el ciclo contenido entre el movimiento juntista y la guerra de independencia constituye una revolución anticolonialista sin más. En cambio, si consideramos que el colonialismo es un fenómeno integral más complejo, deberemos hacer nuevas precisiones. Como señala Aníbal Quijano, sobre la base de la idea de raza fue clasificada la población de América por los conquistadores europeos. Se estableció así ese principio como elemento fundante de las relaciones de dominación en el proceso de colonización del continente, situación que luego fue extendida al resto del mundo colonial15. La elaboración ideológica de la “raza” se transformó en la justificación de la dominación de los europeos sobre los no europeos, trascendiendo la situación colonial concreta de Hispanoamérica y sirviendo a la constitución del patrón de colonialidad del poder. Este sugerente planteo deberá empero problematizarse, para calibrar en qué momento del período de colonización fue emergiendo esta idea de raza, habida cuenta de que la justificación metafísica y el derecho de conquista fueron dominantes en el sometimiento temprano de las poblaciones originarias de América. En todo caso, resulta de singular interés la clasificación de la población en estrecha vinculación con el establecimiento de formas de trabajo forzado para los no europeos. 15 Aníbal Quijano: “Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina”, en Edgardo Lander (comp.): La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Perspectivas latinoamericanas; Buenos Aires; CLACSO; 2003; pp. 202-208 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 58 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] De esta manera, la estratificación estamental de la población americana, sus “roles” y “lugares” sociales asignados en función de la construcción ideológica de la raza, es una parte constitutiva esencial de su situación colonial. La ruptura del lazo de subordinación política con la Corona no podía traducirse mecánicamente en un proceso integral de descolonización en la medida en que persistiera ese orden societario. El proceso de revolución hispanoamericana afectó inevitablemente ese fundamento central del orden colonial; por momentos pareció que se retomaba, como después de una larga pesadilla, la dignidad de aquellos sometidos y humillados por la conquista. El primer aniversario de la Revolución rioplatense de 1810 alumbraba en Tiahuanaco; el viejo Inca, o al menos sus huesos, aparecían junto a iluministas pasajes en el Himno original de los argentinos; San Martín arengaba a sus oficiales convocándolos a ser tan esforzados como “nuestros paisanos los indios”. Los criollos eventualmente realizaban una reivindicación parcial e instrumental del pasado prehispánico, cargando en la cuenta de los peninsulares la larga lista de los “abusos” y agravios de los tiempos coloniales, como si los “españoles americanos” dueños de esclavos, amos y señores de las masas de indios tributarios, grandes mineros y terratenientes, fueran desinteresados filántropos. Impulsar la descolonización de una manera radical suponía romper la dominación étnica heredada de la conquista y cristalizada en la división estamental en razas y diversos grados de “pureza de sangre” (todas las castas mestizas). En el proceso general de la revolución hispanoamericana fueron determinados movimientos populares los que plantearon más radicalmente las tareas de una descolonización profunda, que fuera “más allá” de la ruptura del lazo político que nos ataba a la Corona española. En el caso del artiguismo, se manifestó la importante presencia de pueblos originarios en el seno de la movilización social que agitó a la Banda Oriental y Litoral argentino desde 1811, especialmente guaraníes. Incluso un indio guaraní llegó a ser uno de los más importantes (y fieles) lugartenientes de Artigas: Andresito Guaycurarí (que adopta el apellido Artigas), quien lideró la movilización popular en Misiones y Corrientes. Esos contingentes guaraníes, dirigidos por Andresito, resistieron bravamente al avance portugués, al costo de miles de muertos. Pero no solo integraron el movimiento artiguista en cuanto “factor” popular, sino identificados como Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 59 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] indígenas. Así los reivindicó el caudillo en sus expresiones públicas y sus proyectos; como indios que debían gobernarse a sí mismos, sin “tutelas”, desandando el camino de la conquista y colonización. Su debilidad y marginalidad no eran constitutivas de la raza, sino producto histórico del sistema colonial. Esta formulación del pensamiento artiguista, junto con la propuesta concreta de integrar a los indios dentro de aquellos que debían ser beneficiados en primer término por el proceso de reforma agraria, traza los horizontes posibles de la descolonización, yugulados por la derrota del caudillo y la sangría sufrida por los guaraníes artiguistas. La invasión portuguesa de 1816 fue un factor determinante en la derrota y desintegración del artiguismo: acabó con la insurgencia guaraní, (capturando incluso a Andresito), penetró en Montevideo (con el beneplácito de la burguesía comercial de la ciudad) y destruyó la propia fuerza armada del caudillo en Tacuarembó. No menos importante en la frustración del movimiento popular oriental fue la hostilidad abierta y armada de la burguesía comercial de Buenos Aires, y la reticencia y finalmente escisión de las clases propietarias rurales orientales y litoraleñas ante la insurgencia popular rural y la propuesta de reforma agraria. Los sectores dominantes buscaron preservar sus intereses sociales fundamentales y “congelar” la descolonización antes de que alcanzara niveles críticos. En este punto, advertimos que la problemática del colonialismo está íntimamente relacionada con las relaciones sociales fundamentales y los modos de producción; y allí aparece la dimensión burguesa de la revolución (si fuera tal): la transformación capitalista de la formación económico –social. Esto lleva a plantear la relación entre el proceso de revolución política y guerra civil devenida nacional con el proceso de transformación capitalista hispanoamericano. El ideario de los más encumbrados líderes del proceso revolucionario, y las políticas que circunstancialmente pudieron promover, nos muestra los perfiles de las propuestas más avanzadas en el camino de la transformación capitalista del continente. Estamos hablando del impulso a la liberación de los trabajadores directos (manumisión de esclavos, eliminación del tributo indígena), remoción de obstáculos a la circulación regional de mercancías (elemento clave para la conformación de mercados más vastos), y protección del trabajo y la producción local. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 60 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] En la dinámica de los movimientos populares insurgentes se planteó la liberación de los trabajadores directos, decretada por sus líderes o de hecho. Esclavos manumitidos o fugados, campesinos que buscaban el fin del tributo o el acceso a la tierra, pobres y desarraigados, nutrieron las filas de esos movimientos. El cura Hidalgo decreta la eliminación del tributo indígena ya en los primeros tramos de la rebelión que acaudilló en México; coincidían en esa medida su ideario liberal ilustrado con la presión de las bases en un movimiento que asumiría inequívocos rasgos agraristas e indígenas. Ahora bien: ¿modernización capitalista? La insurgencia popular y las medidas igualitaristas de los líderes de la emancipación trazaban una contradicción: atentaba contra las viejas relaciones sociales y modos de la explotación, erosionando la disciplina social que inevitablemente también requería el desarrollo de formas capitalistas. Esta contradicción ya se había presentado en la Revolución Haitiana. Toussant L’Overture consagró el fin de la esclavitud en la Isla, y al mismo tiempo intentó conciliarlo con la pervivencia del sistema de plantaciones. Estaba en juego la producción de un excedente que permitiera a Haití “progresar” y defenderse 16. Eso implicaba que la instauración de un régimen de trabajo libre (los ex esclavos recibirían ¼ de la producción de los latifundios) necesitaba de una disciplina social reforzada por medios políticos (extra económicos). También en la política llevada adelante por San Martín en el período en que jugó el rol de Protector del Perú, pudo apreciarse ese problema. San Martín, que movilizaba a los esclavos negros en las filas del ejército Libertador, obteniendo aquellos su libertad al cabo de un tiempo de servicio, establece en el Perú la libertad de vientres. A partir del 28 de julio de 1821 todos los hijos de esclavos que nacieren en el Perú, serán declarados libres. En la justificación del por qué esa medida gradualista y no la simple y llana abolición de la esclavitud, San Martín señala: “Yo no trato de atacar de un golpe ese antiguo abuso; es preciso que el mismo tiempo que lo ha sancionado, lo destruya, pero yo sería responsable ante mi conciencia y mis 16 Juan Francisco Martínez Peria: “Haití, la Revolución Maldita”, en VVAA: La Patria es América; Buenos Aires; Editorial Madres de Plaza de Mayo; 2009; pp. 125-127 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 61 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] sentimientos, si no preparase para lo sucesivo esta piadosa reforma conciliando, por ahora, el interés de los propietarios, con el voto de la razón y la naturaleza”17. La crisis y remoción del sistema comercial monopólico español (ya muy erosionado en los principios del siglo XIX) también es un elemento clave en el proceso de transformación capitalista de Hispanoamérica; aunque la destrucción material y la desorganización causadas por la guerra civil no arrojaran de inmediato resultados visiblemente favorables al crecimiento económico y la expansión de las nuevas relaciones sociales. En este terreno no hubo un consenso entre las elites revolucionarias e independentistas. Las asimetrías regionales, la competencia entre ciertos rubros de la producción local y las mercaderías importadas, determinaron que se fueran suscitando diversas visiones sobre la amplitud de la liberalización del comercio. Las fracciones de las clases dominantes hispanoamericanas que ya estaban vinculadas a los nuevos centros metropolitanos y las elites políticas y militares que las expresaban, por supuesto tendieron a consagrar la “máxima” apertura comercial posible. Pero los bloques de productores y comerciantes orientados desde antaño a circuitos y mercados interregionales (que por otra parte fueron conmovidos negativamente por la guerra civil) se veían amenazados por la agresiva competencia de las manufacturas introducidas desde los puertos. Se planteó entonces la necesidad de cierto “control” de la apertura o de la protección de la producción local. Los Libertadores se hicieron eco, en ocasiones, de esta última tendencia. Si volvemos a la orientación que San Martín intentó desplegar en el Perú, veremos que el Reglamento Provisional de Comercio (septiembre de 1821) duplica las tasas a pagar por las importaciones de artículos que “directamente perjudican a la industria del país”18. En las visiones más avanzadas, esa protección al trabajo y la producción local (a través de un marco aduanero proteccionista) se combinaba con el estímulo a la circulación interregional de mercancías, factor clave en la conformación de mercados internos. El Reglamento aduanero artiguista discriminaba claramente las tarifas impositivas para la circulación en el seno de 17 Reproducido en Norberto Galasso: Seamos libres y lo demás no importa nada. Vida de San Martín; Buenos Aires; Colihue; 2000; p. 360 18 Ibíd.. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 62 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] la cuenca del Plata: serían de 5% para las provincias rioplatenses, pero se reduciría a 0% para las provincias artiguistas. En una escala más amplia, el Tratado Perú –Colombia impulsado por San Martín y su secretario Monteagudo establecía la ciudadanía común y la posibilidad de comerciar libremente para los ciudadanos de ambas repúblicas: “Los súbditos y ciudadanos de ambos Estados tendrán libre entrada y salida de los puertos y territorios respectivos y gozarán en ellos de todos los derechos civiles y privilegios de tráfico y comercio…En esta virtud, los buques y producciones territoriales de cada una de las partes contratantes no pagarán más derechos de importación, exportación, anclaje y tonelaje, que los establecidos o que se establecieren para los nacionales en los puertos de cada Estado, es decir, que los buques y producciones de Colombia abonarán los derechos de entrada y salida en los puertos del Estado del Perú como peruanos, y los del Estado del Perú en Colombia como colombianos”19. El objetivo de máxima era, por otra parte, establecer el acuerdo también con otras regiones (Chile, el Río de la Plata). Todos estos procesos (liberación de trabajadores directos, remoción de obstáculos a la circulación de mercancías, protección a la producción local) dibujan los perfiles de una posible vía de transformación capitalista de las sociedades hispanoamericanas. Pero no fue la única vía puesta en juego. Los intereses económicamente dominantes (señoriales, mercantiles y protocapitalistas) intentaron conjugar la conservación de privilegios y posiciones de poder heredadas del período colonial con la modernización que imprimía la apertura comercial y el “ajuste” a las necesidades de los nuevos centros metropolitanos nor –europeos. Es decir, imponer un determinado “compromiso histórico” que orientara la transformación capitalista por un cauce moderado y que conjurara cualquier deriva democrático –popular de la revolución y guerra civil. Esto puede llevarnos a la cuestión de las “revoluciones interrumpidas”. El ciclo iniciado con el movimiento juntista, ¿constituye una revolución “interrumpida”? Y si es así, ¿en qué punto? Son interesantes al respecto las reflexiones del sociólogo brasilero Florestan Fernandes. En primer término, las revoluciones no son interrumpidas para el 19 Ibíd.; p. 399 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 63 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] estrato más alto de las burguesías. En todo caso, el proceso se “interrumpe” concentrando los beneficios en la cúspide de las clases dominantes, cortando los “dividendos”, cuando se plantea su distribución en los estratos menos favorecidos de las clases propietarias o en los desposeídos20. En segundo término, la pervivencia de la conformación colonial de nuestras sociedades: el grado de deshumanización de las personas impuesto por la conquista y la visión de los vencedores; también la cristalización de un orden estamental o de casta que muy gradualmente cedió paso a la formación de clases sociales “modernas”, sin desaparecer del todo21. Es decir, los límites de la descolonización. Desde los intereses históricos de las clases señoriales y mercantiles hispanoamericanas, la revolución política que les permitiera controlar los mecanismos del poder era el horizonte y límite del proceso revolucionario: “…el anticolonialismo de los estratos privilegiados solo era intenso y fervoroso en un punto, el de la conquista de la condición legal y política de dueños del poder. En los demás puntos, los intereses más avanzados y profundos exigían el Congelamiento de la descolonización. Congelar la descolonización constituía no solo un prerrequisito estructural y dinámico de la “defensa del orden”, del “combate a la anarquía”, de la “preservación de la propiedad”, etc., sino que era el requisito número uno de la nueva articulación entre los estamentos señoriales y los estamentos intermedios en ascensión potencial con los centros de dominación económica externa, es decir, literalmente, del patrón neocolonial de crecimiento del capitalismo”22. Al llegar a este punto, puede apreciarse la problemática del “neocolonialismo”, o la redefinición de las relaciones de dependencia en condiciones de ruptura de la vieja dominación política ibérica. Los sectores más poderosos de las clases propietarias hispanoamericanas estaban ya vinculadas a las nuevas potencias industrialistas, y la magnitud del contrabando rioplatense es un buen ejemplo. La transformación capitalista, desde el punto de vista de los intereses de esas clases propietarias, implicaba la profundización de los vínculos con los centros metropolitanos. Esta “vía” al crecimiento capitalista se tornaba 20 Florestan Fernandes: “Reflexiones sobre las revoluciones interrumpidas”, en Dominación y desigualdad: el dilema social latinoamericano; Buenos Aires; CLACSO /Prometeo Libros; 2008; p. 126 21 Ibíd. 22 Ibíd; p. 133 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 64 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] por tanto tendencialmente antagónica de la “vía radical” que mencionamos en primer término, y que en su búsqueda de incorporar los intereses de los grupos desposeídos o menos poderosos (a través de la liberación de los productores directos) rompía los marcos del compromiso histórico con las clases señoriales e “iba más allá” del interés inmediato de los grupos mercantiles dominantes del comercio portuario internacional. Ese ir más allá define los contornos de una tendencia que Ricaurte Soler ha denominado “democracia radical”23. Tres grandes vertientes conforman la democracia radical en el ciclo de la revolución hispanoamericana: la pequeño burguesa “jacobina”, la de los grandes Libertadores, y la de los movimientos populares rurales. Figuras como Mariano Moreno y Bernardo de Monteagudo para el primer caso, San Martín y Bolívar para el segundo, Hidalgo y Artigas para el tercero, son emergentes de esa democracia radical. Muy especialmente la vertiente de los movimientos populares rurales significó un desafío para las elites dominantes. La revolución y guerra civil no podía sino lanzar a la arena del conflicto a enormes contingentes de las masas populares, alterando el inmovilismo de la sociedad colonial y afectando seriamente los lazos tradicionales de obediencia y dependencia personal. Trabajadores y campesinos movilizados voluntariamente o enrolados compulsivamente, esclavos manumitidos o fugados, levantamientos populares, todas diversas manifestaciones de una situación crítica para la dominación de clase y los viejos velos sociales. Esta es la principal fuerza activa de la descolonización, y lo que representa el factor democracia en el ciclo de la revolución burguesa. Las fracciones dirigentes de las elites revolucionarias (o “revolucionadas” a su pesar) dedicaron enormes esfuerzos para contener dentro de marcos “aceptables” esa movilización de las clases peligrosas. Aún así, en el período inmediatamente posterior a las independencias, las elites posrrevolucionarias tuvieron que lidiar con la movilización de sectores populares a la hora de definir los marcos de la organización nacional. Es el caso del caudillismo y las montoneras federales en la Argentina. Puede caber la pregunta de qué movilizó a las clases “peligrosas”, pues resulta relativamente más claro discriminar los intereses buscados por las clases 23 Ricaurte Soler: Idea y cuestión nacional latinoamericanas; México; Siglo XXI editores; 1987; pp. 55 -96 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 65 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] poseedoras. Desde luego, de una manera genérica para el vasto y heterogéneo conjunto de movilizaciones populares puede aludirse a la secular explotación colonial, pero cada caso concreto de rebelión y movilización ofrece perfiles particulares. En el caso mexicano de las rebeliones rurales acaudilladas por los curas Miguel Hidalgo y José María Morelos puede advertirse una fuerte presencia indígena y un marcado “localismo” de los insurgentes, que se traducía en una escasa autonomía territorial de las fuerzas rebeldes (la mayoría de los indígenas incorporados no se había movilizado demasiado lejos de su lugar tradicional de residencia)24. Entre los fundamentos de la importante violencia y la modalidad de los conflictos rurales en el seno del proceso de rebelión general se descubre también la existencia de prolongadas tensiones internas en el seno de las comunidades, que tendrían más importancia a la hora de explicar las rebeliones que un presunto horizonte “proto –nacionalista” compartido por los indígenas insurrectos25. De manera similar a lo ocurrido con el movimiento juntista de las ciudades, la separación o independencia con respecto a España no fue un factor detonante fundamental. En esta interpretación que seguimos (sustentada por el historiador Eric Van Young) no se pone en juego solamente una explicación “socioeconómica” sino los rasgos de una cultura política rural, de base indígena, en la cual adquieren sentido esos episodios de violencia y rebelión. La superposición de los episodios de estallido de violencia con festividades religiosas, la frecuente apelación a documentos que legitiman la acción contra los malos gobernantes, la memoria en los participantes de anteriores “tumultos” y disturbios, evidencian rasgos de esa cultura política popular que se manifiestan en la rebelión de 181026. Tenemos entonces un cuadro en el cual conflictos comunales, localismo, y cierto mesianismo, ofrecen una mirada distinta a las motivaciones de esas masas campesinas que se suman a la insurrección que la de un proto –nacionalismo o un planteo separatista con respecto a la metrópoli. Esto no significa que las clases populares fueran indiferentes a las formas de “patriotismo” que van apareciendo a medida que la guerra 24 civil Eric Van Young: “Insurrección popular en México, 1810 -1821”, en Marco Palacios (coord.): Las independencias hispanoamericanas. Interpretaciones 200 años después; Bogotá; Grupo Editorial Norma; 2009; pp. 315 -319 25 Ibíd.; p. 322 26 Ibíd.; pp. 323 -324 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 66 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] hispanoamericana se va tornando guerra de emancipación nacional. Es posible ver casos en los cuales inicialmente contingentes importantes de las masas rurales fueron movilizados por los realistas, como sucedió en Venezuela con el español Boves que enfrentó exitosamente a Bolívar y los patriotas. Más tarde, sobre todo a partir de la experiencia del Libertador en Haití, son visibles los esfuerzos de Bolívar por establecer compromisos con esas bases populares, incorporando a los llaneros al bando patriota. Pero en otras regiones, como en el Alto Perú, gran parte del esfuerzo de guerra contra las tropas realistas lo sobrellevó la insurgencia popular: la “guerra de Republiquetas”. En un territorio que los realistas controlaron la mayor parte del ciclo revolucionario, y solamente fue ocupado efímeramente por las tropas porteñas, los guerrilleros altoperuanos mantuvieron en estado de inestabilidad la región, condicionando negativamente el avance absolutista hacia el sur. De esa manera, junto a las guerrillas gauchas de Martín Miguel de Güemes en Salta –Jujuy, esos contingentes plebeyos facilitaron la campaña sanmartiniana a Chile y Perú. El costo fue altísimo, una gran parte de los líderes de la insurgencia murió combatiendo o ejecutado, y solamente una “republiqueta” (Ayopaya) se mantuvo hasta el final de la guerra. La historiografía tradicional interpretó esa participación popular motivada por el “patriotismo”, pero los nuevos enfoques (como señalamos para el caso de México) complejizan el abordaje sobre los movimientos populares y las clases subalternas en el ciclo de la emancipación. Así, junto a la cuestión socioeconómica y la problemática de la explotación (demanda de tierras, lucha contra el tributo, etc.) aparece la problemática de las culturas populares, de las representaciones sociales de la autoridad y del poder que se hacen visibles en medio de la rebelión27. Es registrable un incremento de la preocupación de la elite salteña por la insumisión de la plebe en los años previos al ciclo revolucionario. Las noticias “políticas” que circulaban con las novedades y los rumores de otros lugares del Virreinato y América no eran objeto del interés exclusivo de las clases dominantes, sino que circulaban y se discutían también en los ámbitos de la sociabilidad popular. La autoridad sacrosanta del régimen colonial comenzaba a 27 Sara E. Mata de López: “Insurrección e independencia. La provincia de Salta y los Andes del Sur”, en Raúl O. Fradkin (ed.): ¿Y el pueblo dónde está? Contribuciones para una historia popular de la Revolución de Independencia en el Río de la Plata; Buenos Aires; Prometeo Libros; 2008; p. 184 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 67 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] erosionarse, y es en ese ambiente “enrarecido” en el que se va definiendo la adhesión de Salta y el Alto Perú a la causa revolucionaria28. Sacarse de encima de un régimen despótico, obtener mayores márgenes de libertad, y aflojar los lazos de la explotación económica son factores presentes en la adhesión popular a la causa patriota y el desarrollo de la insurgencia. Los milicianos salteños, que resultaron actores claves de la insurrección popular y la lucha contra las tropas realistas, defendían con tenacidad las “conquistas sociales” recién logradas: la excepción en el pago de arriendos, y la competencia exclusiva del fuero militar sobre ellos. A su vez, la elite salteña, que había manifestado gran incapacidad para controlar la rebelión popular o dirigir exitosamente la guerra contra los realistas, perseguía con simétrica tenacidad restringir o anular dichas “conquistas”. Por lo tanto, el esfuerzo de guerra y la rebelión popular solo podían mantenerse en la medida en que un contenido social progresivo se entrelazara con la causa de la Patria. Los grandes caudillos y los líderes populares locales expresaron mejor que nadie esa tendencia democrática radical, que iba más allá de los intereses inmediatos de las clases propietarias. Al hacerlo intentaban sostener un compromiso histórico diferente al promovido por las elites. Los caudillos asumían intereses populares dándole un contenido social más profundo al ideario revolucionario o “patriota”. Al mismo tiempo traducían más concretamente el principio de la soberanía popular, pues su autoridad se basaba en el consentimiento de “los de abajo”, en su adhesión activa. Con eso se ponía en juego y movilizaba uno de los factores más importantes de los movimientos nacionales: el desarrollo de más sólidas y complejas solidaridades internas de un cuerpo social. Al decir de León Pomer, “Aceptar la nación como identidad es situarse subjetivamente en una dimensión transindividual nunca antes conocida, diferente de la dimensión transindividual metafísica que pasa por la imagen suprapersonal de Dios. La nación es conciencia de una relación /unidad efectiva, real, producida por una construcción cultural, psico-emocional que llamaremos imaginario, erigida sobre un fundamento relacional de creciente densidad”29. El esfuerzo común de guerra, la unidad de dirigentes y dirigidos en función de 28 29 Ibíd.; p. 188 León Pomer: La construcción de los héroes. Imaginario y nación; Buenos Aires; Leviatán; 2005; pp. 36-37 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 68 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] intereses compartidos y el ideario patriota revolucionario, se transformaban en factores activos en la desintegración de la vieja sociedad estamental. Allí se dará la competencia con la orientación promovida por las elites dominantes, que apelarán al patriotismo pero congelarán los vínculos sociales, frenando la descolonización integral, para aprovechar mejor las oportunidades brindadas por el acercamiento a los centros capitalistas metropolitanos. Es decir, disociando transformación capitalista de descolonización. Quedará como uno de los “legados” del sistema colonial el orden patrimonialista pos independentista. Uno de los rasgos de ese orden patrimonialista es la propiedad latifundista de la tierra, articulada a las formas de poder social y de organización política emergentes. Es decir, el poder mantiene características “particularistas”, identificado directamente con los propietarios. No habrá por tanto, una verdadera ciudadanía e igualdad de derechos sin un Estado que pueda sobreponerse al poder patrimonialista, que instrumenta directamente los órganos del poder político30. Esa será una cuestión pendiente, que se prolongará en ciclos posteriores de guerras civiles. La llamada “organización nacional”, la construcción efectiva de Estados latinoamericanos, continuará el proceso de puja entre las distintas clases y fracciones de clases en torno al control del poder político y la vía de transformación capitalista, aún cuando la revolución ya esté terminada. Recapitulando las cuestiones abordadas en este artículo diremos que las revoluciones hispanoamericanas comenzaron siendo revoluciones políticas, de carácter democrático, abriendo rápidamente paso a procesos de guerra civil. En ese devenir se transformaron en revoluciones independentistas, al bloquearse cualquier perspectiva de “reforma” del imperio absolutista, y cobrar impulso la vocación de establecer sociedades políticas independientes. Fueron asimismo revoluciones anticoloniales, pero justamente esta dimensión esencial del proceso fue congelada por las elites posrevolucionarias, que lograron derrotar tanto a las fracciones radicales de los patriotas como a los movimientos populares e insurgentes. Ese “congelamiento” de la descolonización en el punto en el cual se aseguraba la preeminencia de las clases poseedoras (y se alcanzaban acuerdos 30 Luis Tapia: “El estado en condiciones de abigarramiento”, en García Linera, Prada, Tapia y Vega Camacho: El Estado. Campo de lucha; La Paz; CLACSO /Muela del Diablo /Comuna; 2010; pp. 107-114 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 69 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] trabajosos entre ellas) condicionó el tipo de transformación capitalista en el continente, que se articuló y “ajustó” a las necesidades de los nuevos centros metropolitanos, estableciéndose simultáneamente un patrón externo neocolonial y el fenómeno del colonialismo interno. Las fracciones radicalizadas de los patriotas y los movimientos populares insurgentes constituyeron las fuerzas activas más importantes en la descolonización, aunque fueron contenidas por las clases poseedoras. Aún así, los sectores dominantes deberán lidiar largo tiempo para establecer regímenes políticos estables y recuperar la “disciplina” social erosionada por la revolución. También las formas republicanas y la apelación, aunque formal, a la soberanía popular, marcan los límites de un compromiso histórico que deben aceptar. El proceso revolucionario estimuló formas nuevas de sociabilidad política y amplió la cultura política popular en muchas regiones hispanoamericanas, realidad que tuvo que ser aceptada, aunque malamente por las clases dominantes31. La era de las masas se había insinuado peligrosamente. Referência bibliográfica ACHA, Omar: “La historia latinoamericana y los procesos revolucionarios: una perspectiva del Bicentenario (1780-2010)”, en Beatriz Rajland y María Celia Cotarelo (coord.): La revolución en el bicentenario: reflexiones sobre la emancipación, clases y grupos subalternos; Buenos Aires; CLACSO /FISYP; 2009 AMIN, Samir: El capitalismo en la era de la globalización; Barcelona; Paidós; 1999 BRAGONI, Beatriz y Mata, Sara E. (comp.): Entre la Colonia y la República. Insurgencias, rebeliones y cultura política en América del Sur; Buenos Aires: Prometeo Libros; 2008 31 Para el caso rioplatense véase una interesante muestra en Raúl Fradkin (ed.): ¿Y el pueblo dónde está? Contribuciones para una historia popular de la Revolución de Independencia en el Río de la Plata; Buenos Aires; Prometeo Libros; 2008 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 70 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] CHIARAMONTE, José Carlos. Nación y Estado en Iberoamérica; Buenos Aires; Sudamericana; 2004 FERNANDES, Florestan: “Reflexiones sobre las revoluciones interrumpidas”, en Dominación y desigualdad: el dilema social latinoamericano; Buenos Aires; CLACSO /Prometeo Libros; 2008 FRADKIN, Raúl O. (ed.). ¿Y el pueblo dónde está? Contribuciones para una historia popular en la revolución de independencia en el Río de la Plata; Buenos Aires; Prometeo Libros; 2008 NOBERTO Galasso. La corriente historiográfica socialista, federal- provinciana o latinoamericana, Cuadernos para la Otra Historia N° 3; Buenos Aires; Centro Cultural Enrique Santos Discépolo; 1999 GALASSO, Norberto. Seamos libres y lo demás no importa nada. Vida de San Martín; Buenos Aires; Ediciones Colihue; 2000 GUERRA, Francois-Xavier. “La desintegración de la Monarquía hispánica: Revolución de Independencia”, en De los Imperios a las Naciones: Iberoamérica; Zaragoza; IberCaja; 1994 IBAÑEZ, Germán: “Bicentenario y liberación”, en Germán Ibañez (comp.): Son tiempos de Revolución. De la emancipación al Bicentenario; Buenos Aires; Ediciones Madres de Plaza de Mayo; 2010 KERSFFELD, Daniel. “Entre evocaciones y desmemorias: México ante su propio Bicentenario”, en Beatriz Rajland y María Celia Cotarelo (coord.): La revolución en el bicentenario: reflexiones sobre la emancipación, clases y grupos subalternos; Buenos Aires; CLACSO /FISYP; 2009 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 71 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] KÜTTLER, Wolfgang: “Sobre el concepto de revolución burguesa y revolución democrático-burguesa en Lenin”, en VVAA: Las revoluciones burguesas; Barcelona; Crítica; 1983 MARTÍNEZ Peria, Juan Francisco: “Haití, la Revolución Maldita”, en VVAA: La Patria es América; Buenos Aires; Ediciones Madres de Plaza de Mayo; 2009 MATA, Sara E.: “Insurrección e independencia. La provincia del Salta y los Andes del Sur”, en Fradkin, Raúl O. (ed.): ¿Y el pueblo dónde está? Contribuciones para una historia popular en la revolución de independencia en el Río de la Plata; Buenos Aires; Prometeo Libros; 2008 MC FARLANE, Anthony: “La caída de la monarquía española y la independencia hispanoamericana”, en Marco Palacios (coord.): Las independencias hispanoamericanas. Interpretaciones 200 años después; Bogotá; Grupo Editorial Norma; 2009 PÉREZ Cruz, Felipe de J.: “Para pensar el Bicentenario de la primera independencia Latinoamericana y Caribeña”, en Felipe de J. Pérez Cruz y Luis Armando Suárez Salazar: Bicentenario de la primera Independencia de América Latina y el Caribe; La Habana; Editorial de Ciencias Sociales; 2009 PÉREZ Vejo, Tomás: “¿Por qué volver sobre las guerras de independencia?” en revista Memoria N° 247, México, octubre de 2010 POMER, León: La construcción de los héroes. Imaginario y nación; Buenos Aires; Leviatán; 2005 QUIJANO, Aníbal: “Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina”, en Edgardo Lander (comp.): La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Perspectivas latinoamericanas; Buenos Aires; CLACSO; 2003 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 72 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] SEMO, Enrique: “Modernización desde arriba y revolución”, en revista Memoria N° 243, México, junio de 2010 SERULNIKOV, Sergio. Revolución en los Andes. La era de Túpac Amaru; Buenos Aires; Editorial Sudamericana; 2010 SOLER, Ricaurte. Idea y cuestión nacional latinoamericana; México; Siglo XXI editores; 1987 TAPIA, Luis: “El Estado en condiciones de abigarramiento”, en García Linera Prada, Tapia y Vega Camacho: El Estado. Campo de lucha; La Paz; CLACSO /Muela del Diablo /Comuna; 2010 VAN Young, Eric: “Insurrección popular en México, 1810-1821”, en Marco Palacios (coord.): Las independencias hispanoamericanas. Interpretaciones 200 años después; Bogotá; Grupo Editorial Norma; 2009 VILLEGAS, Abelardo: “Panorama de los procesos de cambio: revolución, reformismo y lucha de clases”, en Leopoldo Zea (coord.): América Latina en sus ideas; México; Siglo XXI editores; 2000 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 73 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] BICENTENARIO DE LA INDEPENDENCIA ARGENTINA: UNA PERSPECTIVA DESDE LA HISTORIA ECONÓMICA Agustina Vence Conti1 E. Martín Cuesta2 Resumen: El derrotero de la historia de la republica argentina como país independiente se sitúa a partir de la revolución de mayo de 1810. En este trabajo se ensayarán algunas preguntas acerca de las características generales de la economía de lo que hoy es el espacio de la Republica Argentina, a través de la observación de tres momentos históricos: 18810, 1910 y 2010. Sin la pretensión de abarcar toda la historia económica argentina, se utilizarán algunas fuentes y variables económicas de cada uno de esos años observando cambios y continuidades. Siguiendo en parte la historiografía se tendrán en cuenta dos ejes explicativos. Uno es el grado de integración con el mercado mundial y el otro es el mercado de trabajo. Introducción 1 Magíster en Historia Económica (Universidad Torcuato Di Tella) y Licenciada en Economía (UADE). Profesora de la Universidad Argentina de la Empresa. Está investigado para su tesis de Doctorado la deuda externa y la economía argentina entre 1890 y 1910. [email protected] 2 Doctor de la Universidad de Buenos Aires. Investigador del Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Tecnológicas (CONICET). Profesor de la Universidad de Buenos Aires. Es especialista en Historia Económica, en particular de precios y salarios en Latinoamérica. [email protected] / 054-011-3967-8929 / Lima 717 (1073) Ciudad de Buenos Aires - Argentina Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 74 El derrotero de la historia de la republica argentina como país independiente se sitúa a partir de la revolución de mayo de 1810. Esto implicó un corte en el tipo de relaciones políticas con el imperio español que en esos momentos estaba en crisis. Desde ese momento hasta hoy, la evolución de la economía argentina ha pasado por diferentes etapas. En este trabajo se ensayarán algunas preguntas y respuestas acerca de las características generales de la economía de lo que hoy es el espacio de la Republica Argentina, a través de la observación de tres momentos históricos: 18810, 1910 y 2010. No se pretenderá hacer un relato de toda la historia económica argentina. Si se abrirán ciertas fuentes y variables económicas de cada uno de esos años observando cambios y continuidades en cada salto temporal. Para ello, se hace uso, además de las fuentes, de una vasta y profunda bibliografía de historia económica. Parte de ella abreva en teorías económicas que entienden la existencia e importancia de la vinculación con el mercado mundial. En este sentido, entienden como clave el rol de las políticas económicas a lo largo de la historia. El mejor trabajo que atiende a la observación de las políticas y observa los ciclos de crecimiento es el de Roberto Cortés Conde (1997). Por otro lado, otros historiadores han aplicado otros paradigmas, como por ejemplo el de las etapas de Rostow, para analizar las etapas del crecimiento argentino. Siguiendo en parte la historiografía se tendrán en cuenta dos ejes explicativos. Uno es el grado de integración con el mercado mundial y el otro es el mercado de trabajo. Desde poco antes de la independencia la integración a la economía mundial se transformó en sinónimo de orientación atlántica. Esto es consecuencia del rol preponderante del puerto y ciudad de Buenos Aires como canal necesario de comercialización. Esto no significa dejar de lado el reconocimiento de la gran diversidad regional al interior del espacio argentino con disparidades tanto económicas como políticas y sociales. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 75 La primera década revolucionaria (1810-1820) Cuando el 25 de mayo de 1810 se crea la junta de gobierno de Buenos Aires y se destituye al virrey se enciende la mecha de un profundo cambio a nivel económico. A nivel político esta junta envió contingentes armados al interior del espacio del por entonces virreinato del Río de la Plata con el objetivo de legitimarse y consolidar su autoridad sobre todo el espacio virreinal (Halperín, 1989) Sin embargo, esa expansión político militar hacia el interior, aún con la pérdida de las provincias del Paraguay (actual republica del Paraguay) y del Alto Perú (actual Bolivia), si bien consolidó el afán de independencia, abrió el camino de la desarticulación de los circuitos económicos coloniales (Irigoin y Schmidt, 2003) La integración de la economía regional en el espacio del virreinato del Río de la Plata se asentaba sobre dos claves. Uno era la riqueza argentífera del cerro de Potosí, la segunda era la conexión con el espacio atlántico español de la ciudad de Buenos Aires. Ambas ciudades integraban un eje alrededor del cual giraban las economías regionales de todo el espacio virreinal. Con el movimiento independentista, se fractura la conexión entre la riqueza de Potosí y el resto del espacio. Esto implicó el quiebre de los circuitos económicos preexistentes (Amaral, 1990). En consecuencia las economías regionales tuvieron que readaptarse buscando reemplazar la conexión con la riqueza potosina articulándose con otros espacios (Assadourian, 1983). El rol central en la nueva reconfiguración de la economía argentina durante el período 1810-1820 lo tendrá la provincia de Buenos Aires. En continuidad con los tiempos coloniales, el puerto de Buenos Aires era el único nexo comercial con el exterior de ahí devenía un rol fundamental tanto como intermediario necesario así como principal aduana de importación- exportación. Pero al mismo tiempo, la provincia de Buenos Aires incrementó Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 76 exponencialmente su rol como productora de productos ganaderos de exportación (Cuesta, 2009). La riqueza vacuna de la pampa húmeda que ya era importante en el siglo XVIII, se transformó en la principal fuente de riqueza del naciente país (Garavaglia, 1999). Esta transformación es claramente una consecuencia de la independencia económica. La liberalización de la economía y la derogación de las restricciones comerciales del imperio español impactaron de varias formas. La eliminación de la intermediación española y de los impuestos españoles a la exportación de cueros y tasajo incrementó los ingresos de los productores ganaderos y del estado de Buenos Aires (Newland y Poulson, 1998). Este fue un estimulo fundamental que provocó un aumento en la inversión en tierras y ganado que transformó la economía bonaerense. Las tierras dedicadas a la agricultura fueron transformadas en tierras ganaderas y se instalaron gran cantidad de saladeros para la producción de tasajo. Cuadro 1 – salarios y precios de bienes en 1810 y 1825 (en pesos de plata) 1810 1825 Cuero de vaca 1,7 6,2 Tasajo (100 1,7 4,2 Vaca 1,4 5,1 Tierra (por 0,2 0,7 100 92 libras) yarda) Salarios (índice) Fuente: Newland y Ortiz (2001) Dado que la ganadería ocupa menos mano de obra que la agricultura se produjo un descenso en la demanda de trabajo y por ende en los salarios. Por otro lado, se incrementó la demanda de tierras y ganado aumentando su precio. La exportación de cueros y tasajo se multiplicó para satisfacer la demanda de la Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 77 economía atlántica (Newland y Ortiz, 2001). Las tierras explotadas se duplicaron; se pasó de 2.250.000 hectáreas en 1810 a 4.200.000 hectáreas en 1825. Hacia 1820 la transformación económica ya estaba definida. La economía de Buenos Aires se articuló a la economía atlántica que estaba en plena expansión. El ingreso fiscal pasó a depender en más del 60% de los impuestos al comercio exterior (Halperín, 1989). Al interior del espacio de la Republica Argentina las diferentes regiones, ya finalizado el proceso de guerra de independencia y cortado el vínculo con Potosí, buscaba sobrevivir articulándose en parte con Buenos Aires y en parte con otros espacios. La zona de cuyo buscó conectarse con Chile. La zona mesopotámica y el litoral se articularon con Buenos Aires aprovechando el “boom” ganadero. El noroeste comenzó una lenta declinación intentando reconectarse con el Alto Perú. La zona central (Córdoba, Santiago del Estero, Tucumán) intentaron ser las bisagras de articulación de un mercado interno que aun no estaba construido. (Irigoin y Schmidt, 2003) 1910: el primer centenario en la argentina próspera. Después de la organización constitucional, alcanzada en el período 18531862, y consolidado el estado argentino desde 1880, la economía argentina comenzó un proceso de crecimiento económico de largo plazo. (Cortes Conde, 1997) A grandes rasgos la expansión de la economía mundial y las condiciones estructurales de la economía argentina permitieron que la llanura pampeana se integrara exitosamente al mercado mundial. Así la argentina entró de manera plena al mercado de capitales y de mano de obra global. En particular esto se concentró en las fértiles llanuras pampeanas y en la ciudad de Buenos Aires. La apertura de la economía permitió el ingreso de capital extranjero que fue invertido para financiar el déficit del estado nacional pero en mayor medida para la construcción de infraestructura básica. A fines del siglo XIX esto Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 78 significaba la construcción de ferrocarriles y servicios públicos. En la primera década del siglo XX, y acompañando el desarrollo tecnológico, la inversión extranjera se hizo fuerte en puertos y frigoríficos. Estos capitales en gran parte provenían del centro financiero internacional del siglo XIX: Londres. De hecho esta relación particular con la principal economía de la época no estuvo exenta de inconvenientes. Durante la década de 1890, y como consecuencia de la crisis de ese año, la Argentina estuvo ausente en el mercado de capitales. No obstante ello, a partir de 1901 Argentina volvió al mercado mundial de capitales (Vence Conti, 2008). También hay que destacar el rol del área de servicios financieros, que a pesar de la crisis de 1890 creció y se consolidó a la par del crecimiento económico. El segundo rasgo destacable de la integración al mercado mundial es el mercado de mano de obra. Durante el período previo al centenario la Argentina más que duplicó su población en base a la recepción de inmigrantes europeos. En gran mayoría italianos y españoles, migraban a Argentina en búsqueda de la prosperidad (“hacerse la América”). Los procesos económicos en sus países de origen expulsaban población mientras que la prosperidad Argentina creaba un excedente de demanda de mano de obra. En consecuencia, los diferenciales salariales tentaron a millones de inmigrantes a atravesar el atlántico y buscar trabajo en Argentina (Taylor, 1994). El crecimiento de la economía argentina era tan espectacular que aun la llegada de estos millones de inmigrantes no lograba satisfacer completamente la demanda de trabajo. En especial la demanda estacional que significaban los períodos de siembra y cosecha agrícola. Gran parte de estos inmigrantes se afincaron en las grandes ciudades y lograron en cierta medida el anhelo del ascenso social. Tanto el aporte de los inmigrantes exitosos como el crecimiento de la economía modificaron la sociedad argentina de lo cual una evidencia visible es el crecimiento de una clase media urbana. Sin embargo, hay que tener en cuenta que a medida que las transformaciones económicas y la inmigración iban creciendo, la facilidad del Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 79 ascenso social iba disminuyendo. Es por ello que ya desde 1890 y en especial desde 1900 los inmigrantes que se radicaban en las grandes ciudades como obreros comenzaron a organizarse en sindicatos (Godio, 1987). Estas organizaciones, cuya “intelligenzia” traía formación europea podía ser tanto de corte socialista, como comunista o anarquista. Entre 1900 y 1910 el nivel de conflictividad fue en aumento dado el crecimiento del sector obrero en las grandes ciudades y en la disminución en el aumento en los salarios reales (Cuesta, 2008). El aporte combinado de la demanda internacional de alimentos, la fertilidad de la pampa, la inversión de capital extranjero y la disponibilidad de mano de obra permitieron el crecimiento espectacular de la producción agrícola y ganadera para exportación. Hacia 1905 Argentina estaba entre los primeros tres países en exportación mundial de maíz y trigo. Esto explica la denominación de “el granero del mundo”. Dado todas características mencionadas es fácil interpretar que argentina, al igual que Canadá y Australia, se había transformado en la frontera agrícola de una Europa en pleno crecimiento industrial (Cortes Conde, 1997). Cuadro 2 – Indicadores económicos 1880,1890 y 1910 1880 1890 1910 147.000 9.837.000 72.202.000 Maíz (pesos oro) 288.000 14.146.000 60.261.000 Lino (pesos oro) - 1.229.000 44.604.000 Carne (pesos - 6.000 24.527.000 Trigo (pesos oro) oro) Deuda Externa 86.313.000 355.762.000 452.790.000 (pesos oro) Ingreso Público 19.594.000 29.143.000 133.094.000 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 80 (pesos oro) Gasto Público 26.919.000 38.145.000 180.947.000 FFCC (km) 2.313 8.113 27.713 Población 2.413.000 3.613.000 6.871.000 Salarios (índice) 100 112 122 (pesos oro) Fuentes: Cortes Conde (1997) Cuesta (2008) Es por todo lo anterior que argentina celebró el primer centenario con todas las promesas derivadas de una economía próspera y en continuo crecimiento. Entre 1900 y 1910 la ciudad de buenos aires, epicentro de los festejos del centenario, había tenido una renovación total. Arquitectos franceses e italianos diseñaron edificios públicos y parques según la moda europea. En el centro de la ciudad, se diseño y construyó la Avenida de Mayo con un estilo similar al centro de Madrid. La elite económica-social construyó palacios siguiendo la moda europea con el lujo que refleja su éxito económico. Es entonces comprensible que los festejos del primer centenario fueran una gran celebración que mostrara al mundo el éxito argentino. La presencia de mandatarios internacionales amplificó la imagen de la Argentina próspera en el mundo. Como ejemplo tardío, en 1913 el príncipe de Gales inauguró el primer subterráneo de Buenos Aires, que fue el primero de Latinoamérica. El esplendor de Argentina, y en particular de Buenos Aires, que se expresaba en los edificios pero también en la actitud de la elite que pasaba sus vacaciones cotidianamente en Europa, llevaron a denominar a la ciudad de Buenos Aires “la París del plata”. Sin embargo, la luz de los festejos no estaba exenta de algunas oscuridades. El crecimiento y descontento de la clase obrera estaba en incremento; fue lo que se denominó la cuestión social (Godio, 1987). Por otro lado, la creciente clase media demandaba participar políticamente, lo cual estaba restringido por la estructura del sistema político heredado del siglo XIX Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 81 (Devoto, 2008). Finalmente, se estaba en ciernes del primer conflicto bélico mundial del siglo XX. La economía argentina era abierta y dependía de su inserción al mercado mundial. El devenir de la economía mundial la afectará durante la primera guerra mundial. Los ingresos del Estado Nacional dependían casi en más del 70% de los impuestos al comercio exterior. 2010: el bicentenario El segundo centenario encuentra a la Argentina en cierta manera integrada a los procesos históricos latinoamericanos. A grandes rasgos, se encuentran similitudes con los sistemas políticos “neopopulistas”. Después de haber sufrido como toda Latinoamérica a fines del siglo XX las políticas neoliberales se observan tendencias crecientes a la alineación con la tensión al mercado interno y la intervención del estado en la economía. A nivel macroeconómico, la Argentina de 2010 sustenta su crecimiento en las exportaciones agrícolas. El crecimiento de la economía mundial a inicio del siglo XXI impulsó la demanda de productos primarios incrementando los precios mundiales de los mismos. La economía argentina se insertó en esta tendencia de manera exitosa, incentivada por los precios y la demanda. Al mismo tiempo los adelantos en la biotecnología le permiten a la producción agrícola argentina multiplicar su rendimiento sobre la misma área sembrada. Este boom de las exportaciones agrícolas, que ha comenzado coincidentemente con la crisis económica- política de diciembre de 2011, ha permitido un crecimiento continuo del PBI argentino durante los últimos 10 años. Al mismo tiempo, y como consecuencia de la crisis de 2001, se han abandonado las políticas neoliberales incrementándose sustancialmente los roles y actividades del estado. El financiamiento del estado y sus nuevas funciones proviene de este incremento de los precios de los productos exportados. Es por ello que, a grandes rasgos, la economía argentina continua siendo una economía exportadora de bienes primarios. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 82 Cuadro 3 – Indicadores macroeconómicos 1990, 2000 y 2010 (en millones) 1990 2000 2010 76.490 276.000 343.640 12.352 26.341 68.134 4.076 25.280 56.501 62.230 146.172 156.691 17.223 28.260 52.145 44.756 55.212 438.284 Gasto Público ($a) 40.197 59.502 413.169 Salarios (índice) 100 98 146 Población 32 37 42 PBI (U$S) Exportaciones (U$S) Importaciones (U$S) Deuda Externa (U$S) Reservas Monetarias (BCRA) (U$S) Ingreso Público ($a) Fuentes: Banco Central de la República Argentina (BCRA). Instituto Nacional de Estadísticas y Censos (INDEC) La renta generada por las exportaciones agrícolas financió crecimiento del gasto público. En gran medida se trata de lo que se denomina “gasto social”. El estado se encarga de subsidiar de manera directa e indirecta el consumo de amplios sectores de la sociedad. Por ejemplo, el estado otorga subsidios a las empresas de servicios públicos para mantener las tarifas a niveles por debajo de su costo. Pero también subsidia planes de vivienda u otorga remuneraciones estatales por maternidad y escolaridad. También se ocupa de reestatizar las empresas de servicios que fueron privatizadas durante el período neoliberal. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 83 Este conjunto de medidas y de características de las políticas económicas son asimilables a grandes rasgos con los procesos históricos que se están sucediendo en otros países de Latinoamérica. Por ejemplo, se pueden observar similitudes con las políticas económicas ecuatorianas y venezolanas que se basan en las rentas petroleras. También, con las políticas económicas de Uruguay cimentadas en la producción ganadera. Asimismo, es claro que el impulso estatal y la mega devaluación del peso argentino (de febrero de 2002), permitieron el resurgimiento de ciertas estructuras de carácter industrial que estaban en crisis durante el período de los noventas. Es por ello que parte del PBI argentino se asienta sobre la producción industrial. Al mismo tiempo, el sector terciario de la economía o servicios que había crecido durante la década de 1990 continuó su expansión durante la primera década del siglo XXI apoyándose en la mega devaluación y el apoyo estatal. El horizonte de peligro de la economía en el bicentenario está dado por el delicado equilibrio entre la evolución de los precios y los salarios, la tasa de inflación, y el tipo de cambio. Durante la segunda mitad del siglo XX la economía argentina estuvo atrapada por los ciclos “stop & go” (Gerchunoff y Llach, 2003). Frente a una devaluación de la moneda se incrementaban las exportaciones y caían las importaciones, mejorando la balanza comercial. Pero la puja salarial elevaba los salarios, lo cual permitía un aumento del consumo acompañado por inflación. En ese momento, la competitividad de la devaluación disminuía porque la inflación la eliminaba. Volvían a aumentar las importaciones y desaparecía el superavit de la balanza comercial arrastrando al Estado hacia el déficit fiscal. Dado este crecimiento del sector industrial y de servicios, y teniendo en cuenta el peso de las mismas dentro del trafico comercial del área del MERCOSUR es que se pueden observar similitudes con el crecimiento económico brasilero. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 84 Quizá a mejor síntesis de la economía argentina en el bicentenario pueda comenzar explicando una característica macroeconómica que ocurre por primera vez, son los “superávit gemelos”.el impulso de las exportaciones agrícolas y la mega devaluación permitieron el superávit comercial (exportaciones menos importaciones) y al mismo tiempo el superávit fiscal (ingresos menos gasto publico) desde el año 2002 en adelante. La devaluación del peso hizo disminuir las importaciones y aumento el valor de las exportaciones (que aumento en volumen por la productividad y en precio por la demanda mundial). El ingreso público aumento por el aumento por de la cantidad y precio de las exportaciones así como por la devaluación. Estos son los cimientos sobre los cuales el estado nacional argentino aumento el gasto social. Por otro lado es importante destacar que en 2002 la argentina declaró el default de la deuda externa. Las negociaciones para salir del default implicaron una reducción de la deuda soberana y al mismo tiempo pagos que permitieron reducirla significativamente con respecto al PBI. A grandes rasgos, la celebración del bicentenario en la argentina, sin el brillo europeizante del primer centenario, muestran una economía en crecimiento sustentado sobre una base macroeconómica sólida. Con un PBI en constante crecimiento la base de la rentabilidad continúa asentada sobre la productividad de la pampa húmeda y la exportación de la producción agrícola. Sin embargo, el rol del estado deja vislumbrar cierto impulso al sector industrial y terciario. La integración a nivel económico con Latinoamérica, y en particular con Brasil, permite ver ciertos indicios de la posibilidad de la consolidación de un espacio económico latinoamericano como el MERCOSUR. Consideraciones finales Esta visión panorámica de las características económicas en general de la argentina en 1810, 1910 y 2010 ha permitido vislumbrar ciertos cambios y continuidades. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 85 En los tres momentos relevantes seleccionados la economía se asentaba sobre la exportación de productos primarios. De ello dependían no sólo la prosperidad de la población sino también la del estado. Dada esta característica general, en los tres momentos es de vital importancia la integración real al mercado mundial. La dependencia de la economía argentina con respecto al mercado mundial esta dada por la demanda de productos primarios que determinan su precio. Si bien en el siglo XX se produjo un proceso de sustitución de importaciones, este no es lo suficientemente profundo como para indicar la existencia de una economía industrial. Si es posible observar que en 2010 es significativo el aporte al PBI del sector terciario o servicios. Este es consecuencia tanto de las políticas económicas neoliberales de la década de 1990 como del impulso estatal en la fase neopopulista comenzada en 2002. Sin dejar de observar el rol clave de la fértil llanura pampeana en su aporte al PBI durante los últimos doscientos años, es importante destacar que en 2010 esta presente la integración, aunque menor, con el mercado latinoamericano. A grandes rasgos, las características del MERCOSUR dejan observar que la integración económica latinoamericana tiene como dos grandes socios a la Argentina y a Brasil. Referência bibliográfica AMARAL, Samuel (1990) “Comercio libre y economías regionales. San Juan y Mendoza, 1780-1820”, Jahrbuch für Geschichte von Staat, Wirtschaft und Gesellschaft Lateinamerikas, 27. Koln, pp. 1-67. ASSADOURIAN, Carlos (1983) El sistema de la economía colonial, México, Nueva Imagen. Cortés Conde, Roberto (1997), La economía argentina en el largo plazo, Buenos Aires, Sudamericana. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 86 CUESTA, E. Martín (2008) “Precios, Salarios e Instituciones Políticas en Buenos Aires, 1850-1904”, en Cuesta y Serrafero (ed.), Pasado y Futuro: una complejidad en clave política, Buenos Aires, Sociedad Científica Argentina. CUESTA, E. Martín (2009) La economía de Buenos Aires en el siglo XVIII, Buenos Aires, Temas. DEVOTO, Fernando (2008) Historia de la inmigración en la Argentina, Buenos Aires, Sudamericana. GARAVAGLIA, Juan Carlos (1999) Pastores y labradores de Buenos Aires. Buenos Aires, Ed. La Flor. GERCHUNOFF, Pablo y Lucas Llach (2003) El ciclo de la ilusión y el desencanto, Buenos Aires, Ariel. GODIO, Julio (1987), El movimiento obrero Argentino (1870-1910). Socialismo, Anarquismo y Sindicalismo, Buenos Aires, Legasa. HALPERIN Donghi, Tulio (1989) Revolución y Guerra, Buenos Aires, Siglo XXI. IRIGOIN, María Alejandra y Roberto Schmidt, (ed.) (2003) La desintegración de la economía colonial. Comercio, moneda en el interior del espacio colonial (1800-1860), Buenos Aires, Biblos. NEWLAND, Carlos, y Barry Poulson (1998) “Purely Animal. Pastoral Production and Early Argentine Economic Growth 1825-1865”, Explorations in Economic History, núm. 35, pp. 325-345. NEWLAND, Carlos y Javier Ortiz (2001) “The Economic Consequences of Argentine Independence”, Cuadernos de Economía, año 38, Nº 115, pp 275290. TAYLOR, Alan (1994) “Mass Migration to Distant Southern Shores: Argentina and Australia, 1870-1939”, en Hatton, Timoty y Jeffrey Williamson (eds) Migration and the International Labor Market, 1850-1939, Londres. VENCE Conti, Agustina (2008) “Política y deuda externa en la Argentina a inicios del siglo XX”, en Cuesta y Serrafero (ed.), Pasado y Futuro: una complejidad en clave política, Buenos Aires, Sociedad Científica Argentina. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 87 [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] Revista Historien – Ano II EL BICENTENARIO SEGÚN LISA SIMPSON O LA CONSTRUCCIÓN SOCIAL DE LOS HÉROES. Julio Osaba1 Resumen: Este artículo intenta una reflexión sobre la conmemoración de los Bicentenarios en el Uruguay, teniendo como eje estructurador la figura del héroe (nacional), su construcción y deseabilidad social. Como disparador utilizaré la impostura planteada en un recordado capítulo de la serie animada Los Simpsons. Esta primera opción que pareciera fruto de una contradicción, esto es, reflexionar sobre una conmemoración nacional (uruguaya y también porque no latinoamericana) a partir de un tópico iconográfico de la cultura globalizada, da cuenta de una hipótesis central: en el mundo occidental los mecanismos estructurantes de las naciones y los nacionalismos por un lado y los usos públicos de la memoria (y la historia) por el otro, se instrumentan de forma similar. De esta manera una producción estadounidense, con ánimos hegemónicos, ofrece para el análisis un sabor de asunto conocido. Dejo por fuera de este análisis aspectos estéticos, de narrativa audiovisual y de exploración de la imagen en sí, aunque creo que estos tópicos son tan importantes como los que trataré a continuación. Lisa, la iconoclasta 1 Profesor de Historia egresado del Instituto de Profesores Artigas, realizó cursos de posgrado en el CLAEH. Trabaja en el Departamento de Investigaciones de la Biblioteca Nacional y en la Universidad Católica (Uruguay). E-mail: [email protected] Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 88 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] La ubicua ciudad de Springfield se apresta a festejar sus doscientos años, la inquieta Lisa investigando para un trabajo escolar encuentra en libros y documentos que Jeremías Springfield, fundador y héroe de la ciudad cuyo monumento domina la plaza principal, fue un pirata y un asesino que incluso intentó matar a George Washington. Lisa intenta convencer a todos que Jeremías es un fraude, pero la ciudad ya ha desatado la conmemoración. Al encarar a la gente congregada en la plaza pública se encuentra con los mayores rostros de felicidad que haya visto, hombres y mujeres de todas las edades, razas y procedencias se encuentran embanderados festejando. Lisa duda. Una anciana le da ánimo “piensa en Jeremías y te saldrán las palabras” le dice. Lisa habla: “quería decirles que Jeremías fue..., Jeremías fue... grande” y todo el pueblo la aplaude. Cuándo a solas le preguntan por qué no le dijo a todos lo que descubrió responde: “el mito de Jeremías tiene valor, promueve los mejores sentimientos del pueblo, quien lo haya dicho, un noble espíritu agrandece [sic] al hombre más pequeño”2. Lisa desmonta el relato hegemónico del nacimiento de la comunidad dando cuenta de las versiones contradictorias, pero a la vez da cuenta de que la instancia de la conmemoración es un momento en que ese relato es (re) instituido por la sociedad como una necesidad tanto para fijar los límites de la comunidad (un adentro, un nosotros) como para (re) generar valores sociales religantes objetivados en la figura del héroe. Ese relato poco tiene que ver con la historia cómo disciplina sino más bien con la forma en que la sociedad se quiere ver a sí misma en un momento histórico determinado, o sea en términos de autoimagen. Es por ello que el historiador poco tendrá (o debería tener) que ver en la justificación de la 2 Los Simpsons, Temporada 7, Capítulo 16: Lisa la iconoclasta. http://www.lossimpsonsonline.com.ar/capitulos-online/espanol-latino/temporada-7/capitulo-16 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 89 En: Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] conmemoración ya que el pasado es solo una excusa para celebrar el presente. En términos de la niña amarilla esto implica que no importa que Jeremías haya sido un pirata y un asesino, sino que la memoria social en torno al héroe (y es sabido que memoria y olvido son caras de la misma moneda) se estructura en el recuerdo y funcionalidad de sus valores míticos, olvidando (compulsiva o tácitamente) los “defectos” humanos que el personaje pudiera tener. Pero existe un problema que es convenientemente soslayado en este capítulo (y que posiblemente tampoco figurara en la agenda de los guionistas), que es el de la naturalización del relato de los orígenes, de esta manera se pone a tono con una de las características centrales con la que se presentan los relatos nacionales, o sea su esencialidad, inmanencia y ahistoricidad. El cambio de milenio nos ha informado de la crisis (por lo menos académica) de esas concepciones prefiriéndose el enfoque de construcción o invención histórica social, por lo que sumado al razonamiento anterior la pregunta (un tanto obvia) es ¿desde cuándo el héroe es héroe?, o sea ¿cuándo una sociedad históricamente situada instituye en la memoria social, a través de la reconfiguración de los datos del pasado, la imagen del héroe cómo figura de consenso y portador de los valores que la propia sociedad desea para sí? El padre nuestra Artigas… Hay un consenso en la historiografía uruguaya en cuanto a fijar en la década de 1880 la construcción de un primer imaginario histórico de contenido nacionalista, en ese momento es posible registrar un movimiento político e intelectual preocupado por el pasado y por la Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 90 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] búsqueda de un relato inclusivo de la comunidad, ambientado por la paz política impuesta por los sucesivos gobiernos militares (1876-1890) y también por la coparticipación de las dos grandes comunidades políticas (colorados y blancos) en el parlamento desde 1872. Este será un ambiente propicio para la reflexión sobre el pasado en el cual se busquen la o las figuras de consenso que puedan adquirir status de nacionales, operando así una redefinición de las fronteras simbólicas de la comunidad, articulada en homenajes públicos, obras históricas y literarias, inauguración de monumentos, obras pictóricas En 1882 un decreto ley del dictador Máximo Santos establece la erección en la Plaza Independencia de un monumento a José Artigas y además le encarga al pintor Juan Manuel Blanes la confección de un cuadro que devendrá en canónico: Artigas en la puerta de la Ciudadela. Estos datos pueden hacer pensar la espontaneidad del consenso de la figura de Artigas, pero otros homenajes dan cuenta del largo y sinuoso proceso de construcción pública de su imagen. Seguiré el camino de la concreción de la construcción del monumento propuesto en 1882, que recién se construirá en 1923. Por un lado en la discusión parlamentaria sobre la inscripción que llevará el monumento en su base es posible constatar una fuerte indefinición e incluso versiones contradictorias respecto al homenajeado, o sea, para los legisladores la figura de Artigas si bien importante todavía no es capaz de lograr el consenso necesario para ser la máxima imagen nacional, esto se laudará con el acuerdo de que la inscripción consonancia, sea simplemente recién para “Artigas” 1923 esa sin tarea más referencias; (simbólica, en política, historiográfica, literaria) estaría concluida, y allí sí y hasta la actualidad Artigas adquirirá el carácter de héroe patrio en la liturgia nacional. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 91 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] Por otro lado en 1895 se inaugura un monumento en la Plaza Independencia a otro de los homenajeados de la década de 1880, el hoy casi olvidado Joaquín Suárez, presidente en la década de 1840 y considerado en buena parte del siglo XIX cómo el “héroe civil”. Cuando la memoria social instauré a Artigas como héroe máximo y su monumento ocupe la principal plaza de la ciudad, la figura de Suárez y su monumento sufrirán un doble corrimiento a la vez geográfico y simbólico; geográfico ya que su estatua es trasladada (y allí sigue hasta el día de hoy) hacia un barrio relativamente alejado del centro de la ciudad, simbólico en tanto que esa descentración permite visualizar cómo la sociedad uruguaya a partir de un nuevo relacionamiento y configuración de los datos del pasado, por diferentes motivos elige una nueva jerarquización de los personajes históricos que permite, ahora si, considerar a Artigas cómo el héroe máximo, en tanto que Suárez pasará a un plano por lo menos secundario. Toda la liturgia patria posterior a la década de 1920, soportada en sucesivas conmemoraciones, tendrá el Artigas que quiera tener incluso conviviendo imágenes contradictorias del mismo, será sucesiva o simultáneamente una figura comparable con la épica bíblica, un caudillo militar, un político republicano y constitucionalista, un líder social promotor de la reforma agraria, un ser humano padre y amante… Pero todas estas imágenes se soportan justamente en una mirada de tipo nacionalista en la cual el héroe cumple una función de cohesión social que se objetiva en los valores sociales de que es portador justamente por imposición de la sociedad que situada históricamente lo instituye. Ahora bien, todas estas construcciones nacionales y territorializadas propias de la modernidad occidental que en los sistemas escolares nacionales adquirieron su verdadera socialización, entraran en crisis con la escuela, Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 92 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] el concepto de nación y la propia modernidad, o sea, ha cambiado el contexto cultural a partir del cual (re)pensar la nación en general y la funcionalidad social de los héroes en particular. Artigas y el Cuarteto de Nos En el año 1996 el grupo de rock El Cuarteto de Nos (grupo caracterizado desde sus inicios por la apelación en sus letras al humor, la ironía y el absurdo) edita unos de sus discos más importantes hasta ese momento, El Tren Bala. Este disco además de sus virtudes artísticas obtuvo un impacto mediático inesperado a partir de la controversia pública que generó la canción titulada El día que Artigas se emborrachó. La canción tiene cómo acápite una reversión en tono aguardentoso de la canónica frase artiguista “Mi autoridad emana de vosotros y ella cesa por vuestra presencia soberana”, que es cambiado por “Mi autoridad es la hermana de vosotros y ella se deja ante mi presencia soberana”, a renglón seguido la primera estrofa expresa: “El día que Artigas se emborrachó Hizo cualquier cagada cómo un buen señor Pero como ningún libro nunca lo contó Por eso ahora agarro y se los cuento yo”3 El asunto no habría pasado a mayores de no haber mediado la denuncia pública y mediática de un parlamentario horrorizado ante la 3 Ver: http://www.cuartetodenos.com.uy/ Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 93 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] afrenta antipatriótica del grupo en cuestión. Este parlamentario confundió en ese momento varios aspectos que deben estar disociados, la patria, la historia (cómo disciplina) y consideraciones artísticas, a partir de esta confusión es imposible rebatir históricamente los “argumentos” del Cuarteto, lisa y llanamente porque estos artistas, son justamente eso artistas por lo tanto su obra debe ser valorada en primera instancia bajo esa mirada. Pero es posible entrever otro problema que tiene que ver el contexto en el que se desarrolla esta polémica, la década de los 90 es un momento histórico de restructuración neoliberal del sistema capitalista a escala global que pone en cuestión ya no también el concepto de nación sino sus mecanismos estructurantes. Para el caso uruguayo se ha caracterizado esta época posterior a la aprobación plebiscitaria en 1989 de la Ley de Caducidad4 y la caída del Muro de Berlín cómo de pos política. En este contexto de crisis de las instituciones modernas y en primer lugar de la Escuela, se sustenta el reclamo del legislador y sus seguidores, pero a la vez la canción puede ser tomada cómo síntoma de un imaginario en crisis, o sea, para parte de la sociedad uruguaya los valores canónicos del héroe ya no cumplen el rol aglutinante de antaño por lo tanto su deseabilidad social es severamente cuestionada. En definitiva, el relato de la nación y sus tópicos pierde capacidad inclusiva. Por otra parte desde el punto de vista artístico y su representatividad de las necesidades sociales es posible comparar al Cuarteto de Nos con Juan Zorrilla de San Martín, este último designado como el poeta de la patria escribe y declama públicamente sus loas5 en un momento preciso (fines del siglo XIX y principios del XX), o sea, en el momento en que la sociedad uruguaya reclamaba hitos religantes de la comunidad.; en tanto 4 Esta ley consagró la impunidad para las violaciones a los derechos humanos cometidas en el marco del terrorismo de Estado durante la dictadura cívico militar, 1973-1985. 5 En tal sentido sus obras más importantes son: La Leyenda Patria y La Epopeya de Artigas. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 94 Revista Historien – Ano II que los apátridas [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] roqueros dan cuenta de un imaginario en descomposición. ¿Artigas o Forlán? Lo expuesto en el ítem anterior pone de relieve un problema central para (re)pensarnos en este contexto de sociedades fragmentadas posmodernas, que por otro lado es el contexto en que los Bicentenarios se asientan, ese problema podría articularse a partir de la siguiente pregunta ¿existe hoy un mecanismo capaz de generar y socializar valores religantes que por su deseabilidad puedan servir para (re) construirnos cómo comunidad?, todo esto teniendo en cuenta la profunda crisis en la que se encuentra la Escuela institución que a lo largo del siglo XX cumplió acabadamente con esa tarea. El asunto pasa por encontrar en el repertorio de prácticas culturales de la sociedad uruguaya un hito capaz de inclusividad no traumática y de cohesión social. La única institución social capaz de cumplir con esta tarea es el fútbol en formato de selecciones, la escritora argentina Beatriz Sarlo lo expresa en los siguientes términos: “En el estallido de identidades que algunos llaman posmodernidad, el fútbol opera como aglutinante: es fácil, universal y televisivo. No es la nación, sino su supervivencia pulsátil. O, quizás, la forma en que la nación incluye hoy a quienes, de otro modo abandona”6 6 Citado en: P Alabarces, Fútbol y Patria, el fútbol y las narrativas de la nación en la Argentina, Buenos Aires: Prometeo, 2002, p. 18. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 95 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] De esta manera el fútbol se instala cómo un centro de remisión emocional por encima de las diferencias sociales y encuentra eficacia estructurante en su extendida televisación. En el Uruguay los éxitos deportivos de la selección de fútbol en el Mundial de Sudáfrica 2010 (cuarto puesto después de 40 años) y de la Copa América de Argentina 2011 (campeón, con eliminación del local incluida) desataron un festejo multitudinario que se expresó en la toma de las calles por parte del público en reiteradas ocasiones, superponiéndose de alguna manera con los festejos del Bicentenario promovidos por el poder político. Lo interesante es constatar que el artefacto más utilizado para festejar en las diferentes manifestaciones públicas a la selección de fútbol fue justamente la bandera uruguaya. Quiero plantear a modo de hipótesis que la apelación cómo elemento de festejo a un artefacto moderno por excelencia, por un lado realiza una nueva puesta en circulación social del mismo evidenciado en su visibilidad, por el otro se realiza una resignificación y recontextualización del objeto que se explica en la antedicha visibilidad en los festejos futbolísticos, en tanto que, esa visibilidad decae notoriamente en otro tipo de festejos. De esta manera, la sociedad encuentra aunque sea fugazmente, un lugar de puesta en común, un adentro, un nosotros, en el cual participar en pie de igualdad. Por otro lado a la par del sentimiento de comunidad se instauran los héroes portadores de los valores deseables por la comunidad. Existe un valioso documento que parece ser un indicativo en ese sentido, durante el Mundial de Sudáfrica y a medida que la selección uruguaya avanzaba en el torneo el Banco de Seguros del Estado habilitó un link en su página web para que los aficionados pudieran dejar sus impresiones sobre la selección, que luego se convirtió en libro digital. Es Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 96 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] muy interesante constatar en ese opus que acto seguido a la felicitación por la actuación deportiva en sí, se comienzan a recalcar otras características: humildad, sacrificio, compañerismo, trabajo, garra, amistad, educación y un largo etc.7 O sea, en esos jugadores liderados futbolísticamente por Diego Forlán la sociedad objetiva los valores que quiere para sí y esa necesidad esta pautada por la crisis o ausencia de los mismos. Ahora bien, estas nacionalidades de nuevo tipo (por llamarlas de una manera provisoria) guardan algunas diferencias con las nacionalidades clásicas modernas; por un lado son autoconvocadas en tanto le arrebatan al Estado la iniciativa, por otra parte hay varios ejemplos en la historia uruguaya de propuestas estatales en torno al fútbol en las que la sociedad procedió a su apropiación y resignificación revirtiendo el sentido de la propuesta original8; por otro lado es posible que sean efímeras en tanto en última instancia el resultado deportivo pautará la eficacia de esta construcción. Paradojas El 10 de octubre pasado las conmemoraciones del Bicentenario tuvieron su festejo montevideano luego de varias celebraciones en el interior del país. Los poderes públicos más que la solemnidad de la liturgia patria eligieron ofrecer una fiesta a partir de diferentes espectáculos artísticos nacionales e internacionales repartidos en varios escenarios en el 7 Ver: http://www.ellibroceleste.com.uy/ El Mundialito de 1980 organizado por el gobierno militar uruguayo cómo forma de exaltación patriótica, comenzó a cambiar de sentido un mes antes de su inicio con la derrota que sufrió en plebiscito la propuesta de reforma constitucional del gobierno. El triunfo de la selección uruguaya en la final frente a Brasil terminó de subvertir el sentido original cuándo la gente salió a festejar a la calle cantando “Se va a acabar, se va a acabar la dictadura militar”. Esta temática es abordada en la película documental Mundialito (Director: Sebastián Bednarik, 2010) 8 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 97 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] centro de la ciudad, a los cuáles asistió una verdadera multitud, y fue una buena oportunidad para constatar la mucha menor visibilidad de la bandera uruguaya con respectos a los festejos deportivos. En el escenario ubicado en la Plaza Independencia y con la estatua de Artigas presidiendo el evento hizo su presentación el grupo de arte callejero catalán La Fura dels Baus, más allá de la actuación no pasó desapercibido el hecho de que para la “Celebración del Bicentenario del Proceso de Emancipación Oriental” (tal el título oficial en la ley que instituyo la conmemoración9), y teniendo en cuenta que esa emancipación se hizo a costa de España, se convocara a una grupo de artistas provenientes de Cataluña, justamente uno de los bastiones históricos del autonomismo (que no independentismo) en la península ibérica. En el escenario de la Avenida del Libertador Juan Antonio Lavalleja, donde también actuó el brasileño Gilberto Gil, hizo su presentación el grupo de rock El Cuarteto de Nos, quien en el día de la conmemoración de los doscientos años en que Artigas fue declarado Jefe de los Orientales cantó su ya clásica El día que Artigas se emborrachó; mientras que en el escenario de la Plaza Libertad actuaba el músico pop Dani Umpi ataviado con un corto vestido hecho de hojas de revistas, con tacos altos y peluca al tono10; y en otro escenario después de más de veinte años volvió a actuar el grupo de canto popular Rumbo, uno de los grupos emblemáticos de la resistencia cultural en la transición a la democracia de principio de los ochentas… 9 Ver: http://www.bicentenario.gub.uy/bicentenario-uruguay/ley/ Puede verse una foto al respecto bajo el título de Viva la Patria, en la portada del periódico La Diaria del martes 11 de octubre de 2011, en: http://ladiaria.com.uy/ediciones/?pagina=2 10 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 98 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] En los viajes en el tiempo que realizan Marty McFly y el “Doc” Emmet Browm en la trilogía Volver al Futuro11, el mayor peligro que corrían era tomar contacto con sus yo de otras épocas, esto provocaría una paradoja en el continuo espacio temporal que haría estallar el universo. Esta ficción teórica pareciera no aplicarse para el caso de las sociedades avocadas a conmemorarse, puesto que lo relevante es la celebración del presente desde el cual la memoria social estable relaciones con el pasado y los puntos de vista sobre ese pasado pueden incluir lo divergente y aún lo contradictorio, en todo caso la conmemoración es paradójica por definición y habla tanto de la imagen que tenemos de nosotros mismos, como de nuestros deseos y necesidades cómo sociedad. En este contexto la pregunta es ¿podremos ser Lisa Simpson?, ¿lo deseamos? Referência bibliográfica ALABARCES, Pablo. Fútbol y Patria, el fútbol y las narrativas de la nación en la Argentina, Buenos Aires: Prometeo, 2002. ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas, reflexiones sobre el origen y difusión del nacionalismo, México: FCE, 1993. CAETANO, Gerardo. “Identidad nacional e imaginario colectivo en Uruguay. La síntesis perdurable del Centenario”, en: ACHUGAR, Hugo – CAETANO, Gerardo (coordinadores), Identidad uruguaya: ¿mito, crisis o afirmación?, Montevideo: Trilce, 1992. DEMASI, Carlos. La lucha por el pasado, historia y nación en el Uruguay 1920-1930, Montevideo: Trilce, 2004. 11 Director: Robert Zemeckis (1985, 1989, 1990). Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 99 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] --- “La figura de Artigas en la construcción del primer imaginario nacional (1875-1900)”, en: FREGA, Ana - ISLAS, Ariadna (coordinadoras), Nuevas miradas en torno al Artiguismo, Montevideo: FHCE, 2001. DEMASI, C., RICO, A., ROSSAL, M..“Hechos y sentidos de la política y la pospolítica”, en: BRANDO, Oscar (coordinador), Uruguay hoy, paisaje después del 31 de octubre, Montevideo: Ediciones del Caballo Perdido, 2004 RILLA, José. La actualidad del pasado, usos de la historia en la política de partidos en el Uruguay 1942-1972, Montevideo: Debate, 2008. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 100 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] LA CRISIS DEL CONVIVIR EN LA HISTORIA Y LA CULTURA REPUBLICANA EN CHILE1 Jorge Rueda Castro2 Laura Rueda Castro3 Resumen: La siguiente comunicación describe y explica aspectos que han estado presentes en la construcción e historiogría de la república chilena. La nación fijada por las elites dominantes se ha encargado de constituir fronteras culturales e identitarias. Esto último, en el sentido de oficializar el discurso del tiempo y del espacio de las minorías. Se ha marginado, por lo mismo, el flujo espontáneo de la vitalidad de otros sectores sociales cuyo ethos resulta, para el vivir en la agresión dominante del modo de ser nacional dirigencial, tan ajeno como inspirador para el diálogo intercultural contemporáneo. Quiérase o no reconocer, los conglomerados urbanos latinoamericanos suelen presentarse como estructuras dominadoras. Como tal, fomentan las desigualdades de todo tipo; las polis republicanas de los diversos países de América del Sur se han 1 Este artículo fue escrito en el marco del proyecto FONDECYT- CHILE, código 1085056, “El amor como vida del mundo en las culturas populares, siglos XIX y XX”. 2 Profesor de Castellano, Licenciado en Educación, Licenciado en Literatura, Magíster en Literatura, Doctor en Estudios Americanos. Integra el equipo docente y de investigación del Departamento de Lingüística y Literatura, Facultad de Humanidades, Universidad de Santiago de Chile. Profesor invitado del Magíster en Literatura Chilena y Latinoamericana y al Doctorado en Ciencias de la Educación con mención en Educación Intercultural, ambos programas de la USACH. [email protected] 3 Terapeuta Ocupacional, Licenciada en Filosofía, Magíster en Bioética. Profesora Asociada Facultad de Medicina. Integrante equipo académico del Centro Interdisciplinario de Estudios en Bioética. Universidad de Chile. Miembro Comité de Bioética Comunitaria RM Norte Santiago de Chile. [email protected] Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 101 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] planteado, a través de los siglos XIX y XX, en términos del pensamiento eurocéntrico, acelerados, primero, americano acumulación de del recursos, norte, después. dirigencia de Cambios las elites intelectuales y políticas han apostado de manera ciega a la instalación de sucesivas asimetrías y verticalidades. El individualismo excluyente y la operacionalidad pragmática se han convertido, en el transcurso de 200 años, en el ideal “civilizatorio”. Roger Bastide lo expresó así: “La independencia como la colonización son manejadas por una elite minoritaria occidentalizada por completo y cuyos ideales de ‘desarrollo económico y social’ no significan otra cosa que la interiorización de los valores europeos”4. La ciudadanía de las nacientes repúblicas incorporó estos principios como base de los proyectos socio-culturales, políticos y económicos. Por el contrario, vinculados de una forma otra a como lo ha hecho la visión funcional y dominante, los grupos populares de raíz indígena, campesina y aun mestiza muestran una forma de vida donde los estilos con-vivenciales constituyen todavía aspectos centrales de un ethos amablemente intenso. Barbarizados por la historia y por la minorías de poder, no obstante, esta sensibilidad amorosa ―que afirma la vida en un sentido comunal― perdura como dinámica de pertenencia a un ámbito vinculante y mayor. En éste, la naturaleza y particularmente la tierra no es fuente de poder económico ni motivo del cálculo racional y predatorio. Cada persona y los componentes del entorno se vuelven un referente para la construcción de un cuerpo colectivo, de una concordancia comunitaria que reclama el predominio de los actos de vida en proximidad inclusiva con la tierra. Miguel Luis Castañeda (h. primera mitad del siglo XX), un poeta popular de Cogotí, región cercana a Coquimbo en el norte de Chile, manifestaba con mucha fuerza esta sensibilidad5 en el poema “Madre Tierra”: 4 Bastide, R. (1973). El prójimo y el extraño. El encuentro de las civilizaciones. Buenos Aires: Amorrortu, p. 245. 5 Como la mayoría de los poetas populares que escribieron en hojas de Lira Popular, Castañeda –de extracción campesina– fue un representante de los muchos que hacia los primeros decenios del siglo XX hicieron de la literatura popular una vía de denuncia y un registro que se liberó de las imposiciones de los códigos culturales de la normativa oficial. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 102 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] […]Hoy la tierra está atrapada Por un grupo de hacendados Que todo han acaparado Sin dejarnos della nada. Es una grande bandada De cuervos que mantener Ellos tienen el poder Y nos tienen aplastados. No saben lo que es arado Y sembrar para comer6. La convivencia supone la colaboración, el apoyo mutuo y desinteresado; articula, en efecto, un lenguaje de vínculos, de relación plural y participativa. Se trata, según las ideas de H. Maturana, de un tejido de conexiones inclusivas y amorosas: “Si usted me pregunta cómo se aprende a amar, la respuesta es en el vivir las acciones que constituyen al otro como un legítimo otro en la convivencia”7. En este aprender a amar de los sectores indígenas y campesinos, la tierra y la naturaleza entera se expresan como una fuente de espiritualidad que encierra el poder creador y sustentador de la vida. Este marco de sensibilidad ―”pre-moderna” para los (neo)liberales pragmáticos ― no deja espacio para que la persona ejerza dominio exclusivo de intereses individuales. La naturaleza no se percibe en este contexto con-vivencial como un conjunto de materiales disponibles para los propósitos personales. Por el contrario, aparece como el ámbito propicio para generar, cuidar, alimentar e iluminar la vida comunitaria. El programa republicano de los países en América del Sur impuso progresivamente la dinámica del capitalismo mercantil con nuevas relaciones sociales de clases. Creencias, formas y visiones ancestrales de la vida fueron negadas por la mentalidad de las elites políticas. La apuesta por las interpretaciones modernizadoras involucró un radical intento de mutación cultural de la socio y cosmovisión de base no dominante. No obstante, hasta hoy, sean posiblemente aquellos rasgos 6 7 Muñoz, D. (1972). Poesía Popular Chilena. Santiago de Chile: Quimantú, p. 106. Maturana, H. (1990). El sentido de lo humano. Santiago de Chile: J.C. Sáez Editor, p.44. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 103 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] las dimensiones de mayor relevancia que define el propio ser e identidad cultural de América Latina8. Se puede afirmar entonces que, esta suerte de contraposición de visiones que sin duda permanece entre la racionalidad ilustrada, productiva, individualista y tecno-liberal del poder oficial y la necesidad de colectivizar la vida y su cuidado amoroso-comunitario que hacen de ésta los amplios sectores populares, recorre un camino más de tensiones que de armonías. Los estereotipos de las narraciones nacionales construidas por las elites letradas, políticas dirigentes, económicas y empresariales dificultan (así lo han hecho históricamente) el diálogo con la alteridad y su legítimo reconocimiento. Es más, se han empeñado hostilmente en borrar la relación de pertenencia que la cultura latinoamericana tiene respecto de un modo de vida catalogado como no civilizatorio, antiproductivo, antimoderno. Los rasgos culturales de las mayorías populares se han utilizado desde las elites para oponerlas a las “virtudes del blanco perfecto"9. A propósito, por ejemplo, de las costumbres populares chilenas, el intelectual liberal José Joaquín de Mora escribió en 1829: “[Son] escuelas de vicios nuestras chinganas, y los bailes que en ellas se ejecutan son parecidos a las de los mozambiques; [se deberían borrar] hasta de la memoria esos bailes salvajes y obscenos”10. Este proceso de barbarización de lo popular y de lo negro11, junto con la necesidad de su control por parte de los grupos dirigenciales, fue parte del programa fundacional de las repúblicas. La cultura negra de África fue, particularmente, sinónimo de barbarie y de ilegitimidad. Miguel Rojas Mix lo confirma aun en las ideas de Simón Bolívar: “Pero, para el venezolano [Bolívar], en esta sociedad el indio y el negro no tenían identidad, debían estar naturalmente por su carácter, bajo la autoridad del criollo blanco”12. Y el propio Simón Bolívar, en la carta al general Francisco de Paula 8 Larraín, J. (2001). Identidad chilena. Santiago de Chile: LOM, p.173. Salinas, M. (2000). Gracias a Dios que comí. El cristianismo en Iberoamérica y el Caribe. Siglos XV – XX. México: Ediciones Dabar, p. 125 10 El Mercurio chileno (1829, 1 de marzo). 11 Sobre la barbarización del mundo africano con la República, consúltese de Laënnec Hurbon (1993). El bárbaro imaginario. México: Fondo de Cultura Económica. 12 Rojas, M. (1988). Cultura afroamericana. De esclavos a ciudadanos. Madrid: Anaya, p. 98. 9 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 104 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] Santander, en 1826, expresó: “Estamos muy lejos de los hermosos tiempos de Atenas y de Roma […]. El origen más impuro es el nuestro ser. Con tales mezclas físicas, con tales elementos morales, ¿cómo se pueden fundar leyes sobre héroes y principios sobre los hombres?” 13. O cuando nuevamente Bolívar escribe en 1826, en el discurso introductorio a la Constitución de Bolivia: “África […] no ofrece más que crímenes”14. La misma percepción tuvo eco en la república Argentina. Vicente Fidel López observó con estupor los bailes de los negros como “un rumor siniestro y ominoso desde las calles del centro, semejante al de una amenazante invasión de tribus africanas”15. En el interior del tiempo histórico de la “nación independiente” operaron estrategias y figuras para evaluar los conglomerados subalternos, indígenas, mestizos y campesinos, en cuanto sujetos que debían obligatoriamente hacerse cargo de los principios occidentalesbase de las construcciones Independencia, República, Nación, y para definir tanto los contenidos como los procedimientos discursivos y de representación que debían recibir en su condición de población no ilustrada. Se trató, por ende, de una parte fundamental del aparato que fijó la serie de acciones con las cuales intervino la representación hegemónica. En palabras de Roger Bastide: “La Independencia y la República no son sino organizaciones verbales, en forma de leyes, que rigen el vacío. Aquí ya no se trata de que únicamente el nacionalismo sea un mito; sucede que la nación misma posee una realidad mítica”16. Este fenómeno, en cuanto forma de control e intento de transformación de los sistemas de creencias de los grupos subalternos, ya era reconocido, a mediados del siglo XIX, por Edmond Smith: “Es curioso que los indios guarden un cariño por los españoles que no lo tienen por 13 Mörner, M. (1969). La mezcla de razas en la historia de América Latina. Buenos Aires: Paidós, p. 90. Romero, J. (1986). Pensamiento conservador (1815–1898). Caracas: Ayacucho, p. 10. 15 Pujol, S. (1999). Historia del baile. De la milonga a la disco. Buenos Aires: Emecé, p. 58. 16 Bastide, R. (1973). El prójimo y el extraño. El encuentro de las civilizaciones. Buenos Aires: Amorrortu, p. 307. 14 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 105 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] los chilenos […]. Bajo la República […] los indios son tratados con un desprecio apenas disimulado, y ellos no dejan de sentir la diferencia”17. Sucede, empero, lo que históricamente ha estado implícito en las prácticas culturales hegemónicas: la lucha por la imposición de una ansiada “supra-cultura”. Así, los objetos de este pretendido saber pasan a convertirse en absolutos (entre los cuales está el idioma, la filosofía, la religión, los sistemas políticos, económicos, educacionales, sociales, etc.). En su “superioridad”, este proyecto, en el decir de A. Colombres, niega el carácter de cultural a cualquier contenido que difiera de él. Puntualmente, ante la cultura popular el proyecto oficial de las dirigencias ha marginado sus fundamentos: “Sus creencias son supersticiones, sus ceremonias fetichismos, su arte artesanía. Sus tradiciones orales, aunque se escriban y publiquen, no pueden invadir el ámbito sagrado de la literatura. Su ciencia, cuando no es magia, es una opinión no especializada, deleznable, que vive en los campos y las calles pero no en los ‘templos del conocimiento’ (institutos, universidades, academias)”.18 En Chile, por ejemplo, Pedro Nolasco Cruz (1857-1939) confirmaba en los primeros decenios del siglo XX aquel excluyente etnocentrismo tan característico de la cultura de las elites. A propósito de la poesía popular, Nolasco enjuicia la lírica del pueblo desde una mirada que profundiza en las divisiones creadas por la élite dominante. Como representante de este grupo, es decir, dueño de las construcciones culturales que contribuyen a profundizar en ese poder, expresó: […] el tono dominante de nuestra poesía popular en sus diversas manifestaciones, es jactancioso, fanfarrón, menospreciador, agresivo, falto casi por completo de sentimientos delicados, tiernos, religiosos, y aún carece de la virilidad sencilla y patriótica de los cantos de otras naciones. La persistencia de este tono, que no es natural en gente 17 Smith, E. (1914). Los araucanos, o, notas sobre una gira efectuada entre las tribus indígenas de Chile meridional. Traducción de Ricardo Latchman. Santiago de Chile: Universitaria, p. 162. 18 Colombres, A. (2007). Sobre la cultura y el arte popular. Buenos Aires: Ediciones del Sol S.R.L., p. 21. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 106 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] de hábitos sencillos y de escasas aspiraciones, incita a investigar sus causas […]. No creo andar descaminado si afirmo que su causa está en la funesta inclinación del pueblo chileno al vicio de la embriaguez […], queda bien claro que nuestra poesía popular no expresa afectos ingenuos y naturales, sino exaltados por el licor; no manifiesta un carácter, sino los vicios de un carácter 19. Es evidente, en consecuencia, el carácter estratégico de las prácticas culturales de las elites para desarrollar con énfasis una serie de mecanismos discursivos y de representación dirigidos a sobrepasar y relegar a una situación de no oficial los motivos de vida, las creencias y costumbres de grupos considerados como “desviados” de la “correcta cultura”. Lo que este proceso histórico revela no es sino la instalación de un repertorio y de relaciones asimétricas entre grupos sociales. Se trata de una maniobra cultural que ha neutralizado horizontes simbólicos de sentido, excluyéndolos porque no les resultan útiles a la instrumentalidad de los intereses dirigenciales. Se trata, en fin, de la producción regida desde los discursos de elites y cuyo propósito estratégico es la configuración monopólica y unidireccional de sistemas o códigos de representación normalizados (sociales, políticos, económicos, etc.). Ha sido este espacio el asociado al “orden”, a las “virtudes” del hombre autoritario y a la “civilización”20. De lo anterior, América del Sur muestra, en 300 años de colonización peninsular y en los bicentenarios de regímenes 19 Nolasco Cruz, Pedro. “La poesía popular chilena” [1916], en: Nolasco Cruz, Estudios sobre la literatura chilena, vol. II, Editorial Nascimento, pp. 404; 406; 414. 20 Un planteamiento así responde a la propuesta foucaultiana respecto de cómo funciona el poder. La construcción y circulación de determinados discursos determina las modalidades aceptadas como correctas, “normales”, vale decir, como “espacios de orden”. Las representaciones o códigos convencionalizados imponen el estatuto aceptado de los sentidos sociales que condicionan las prácticas culturales de determinadas épocas. Las descripciones y enunciados normativos que constituyen los modelos generales de actuación social emanan desde el poder de manera estratégica y táctica. Esto condiciona, según M. Foucault, que “ninguna estrategia podría asegurar efectos globales [de poder] si no se apoyara en relaciones precisas y tenues que le sirven, si no de aplicación y consecuencia, sí de soporte y punto de anclaje. De unas a otras, ninguna discontinuidad como en dos niveles diferentes (uno macroscópico y otro microscópico), pero tampoco homogeneidad (como si uno fuese la proyección aumentada o la miniaturización del otro); más bien hay que pensar en el doble condicionamiento de una estrategia por la especificidad de las tácticas posibles y de las tácticas por la envoltura estratégica que las hace funcionar”. Foucault, M. (1986). Historia de la sexualidad I: La voluntad del saber. México: Siglo XXI, pp.120-121. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 107 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] republicanos, saberes y programas políticos, económicos y religiosos instalados por las elites, inspirados y evaluados por el ideal de occidente. Sus líneas de acción se han empeñado por instituir, inicialmente, y mantener, después, despliegues estratégicos dirigidos a borrar la sensibilidad colectivo-comunitaria de las mayorías populares. Discursos y representaciones oficiales no han cesado de reducirla racionalmente, según el imaginario e ideario hegemónico de perfección androcéntrica y blanca. Dejada a una suerte de estigma cultural, la matriz vernáculo-ancestral y vitalista que propicia el cuerpo colectivo, ha sido marginada por un modelo de reproducción cultural que fundamenta básicamente al individuo poderoso y autosuficiente: “Vivimos una cultura que habla del amor pero lo niega en la acción. Esta es la cultura patriarcal europea u occidental a la que pertenecemos […]. La cultura patriarcal destruye o subyuga a las culturas matrísticas, y cuando las subyuga, lo matrístico queda relegado a la relación materno-infantil, mientras que lo patriarcal se desenvuelve en la vida adulta, en el mundo del patriarca”21. En efecto, el discurso oficial de las elites latinoamericanas, desde el siglo XVI, ha buscado, con más éxito que fracaso, asimilar el sistema eurocéntrico para los pueblos del continente del sur. El discurso paternalista del varón occidental, sabio, severo, hacendado y conquistador22, no sólo tuvo un imaginario perfecto y racista hacia los pueblos originarios, sino que estableció un orden social sustentado en relaciones asimétricas de poder, cuya dinámica fue y ha sido la imposición de la supremacía de lo masculino y la consideración de lo popular, de lo campesino-indígena y de lo negro, como desechable. Por lo anterior, la vida socio-cultural de los países de América Latina ha legitimado, a veces consciente y otras inconscientemente, cada uno de los preceptos que favorecen la institucionalización de ese “ordenamiento”. Los grupos privilegiados por el poder o las elites gobernantes de las sociedades latinoamericanas han representado, 21 Maturana, H. (2008). El sentido de lo humano. Santiago de Chile: J.C. Sáez Editor, p. 53. Salinas, M. (2006). “Los caballeros imperiosamente serios de occidente”(p.89), Revista Mapocho Nº 60, Revista de Humanidades. Santiago de Chile: DIBAM, 79-119. 22 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 108 Revista Historien – Ano II históricamente, una [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] expresión de control que ha promovido, reproducido y consolidado en todos los campos de la cultura una visión de mundo, una perspectiva de ideales y principios reguladores del dominio occidental-varonil. Aquella apropiación, “fundamento social del espíritu de la seriedad” — según Salinas― “permite definir por completo un modelo civilizatorio”23 en la vida histórica de Chile: Esto es, contiene aspectos de género, culturales, políticos y económicos. En términos de género, se trata de la virtud del Padre, como modelo de comportamiento masculino. En términos culturales, define la virtud del Educador, modelo de ilustración académica y pedagógica. En términos políticos, funda la virtud del Militar, modelo de disciplina civilizada. En términos económicos, finalmente, reconoce la virtud del Rico empresario, modelo de explotación metódica, racional y victoriosa de la naturaleza. En cada caso, se establece una relación de dominación y de desigualdad jerárquicas con respecto a los arquetipos de subordinación”24. Cada una de estas nociones, traducidas en virtudes dignas del ideal del ciudadano republicano, resultaron las bases de la edificación de un programa donde la supremacía del hombre en la dirigencia pragmática se hizo, más que nunca, evidente. Este “modelo dominador”25, centrado en el individuo (vale decir, sin sentido social y favorecedor de los intereses exclusivistas del propietario), reemplazó a otro mucho más solidario que organizó la convivencia y formas intergrupales de las culturas indígenas y campesinas. En contraposición, “lo que se construyó fue una sociedad distinta a la tradición colonial, pues ahora el sujeto central fue el 23 Salinas, M. (2006). “Los caballeros imperiosamente serios de occidente”, Revista Mapocho Nº 60, Revista de Humanidades. Santiago de Chile: DIBAM, 79-119. 24 Salinas, M. (2006). “Los caballeros imperiosamente serios de occidente” (p. 90), Revista Mapocho Nº 60, Revista de Humanidades. Santiago de Chile: DIBAM, 79-119. 25 Para R. Eisler, el modelo dominador, propio de la historia de occidente, reemplazó a otro de orientación solidaria. Su funcionamiento, en síntesis, se manifiesta en relaciones de género, donde lo masculino supera en rango social a lo femenino, en un alto nivel institucionalizado de violencia y abuso sociales, con lo cual se estructura una sociedad jerárquica y autoritariamente masculina. Con esto último, según la autora, la imposición o amenaza de dolor es esencial para mantener el sistema: “El poder supremo es aquel para dominar y destruir, simbolizado desde la remota antigüedad por el poder letal de la espada” Op. Cit., p.166. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 109 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] individuo quien, poco a poco, fue convirtiendo lo comunitario en una necesidad exterior y secundaria”26. Respecto de las virtudes del primer ideal, la expresión máxima apuntó en el ideario de la vida independiente de Chile (y de los nacientes países de América del Sur), hacia la identificación del Padre como origen de la comunidad civilizada y, por ende, como ícono del correcto proceder. Esto respondió al carácter androcéntrico del programa republicano, donde la perfección humana, en términos de civilización, se vinculó con la raigambre del ideal clásico. Este ideario, no obstante se gestó desde la colonización y la anglosajonización latinoamericanas: “Los arquetipos del Padre pueden ser múltiples: Dios Padre, el Santo Padre de Roma, los Padres de la Patria, el Padre de familia. En cada caso la paternidad abarca diferentes ámbitos del origen de lo existente: el universo, la cristiandad, la nación, el hogar”.27 En términos del blanco perfecto, “la representación de esta paternidad en el ideal caballeresco de occidente como fuente de pureza del linaje es invariablemente un individuo de la raza blanca superior”28. Con la segunda mitad del siglo XIX se impuso el racismo aristocrático burgués de los historiadores patrios, como Benjamín Vicuña Mackenna, Diego Barros Arana o Alberto Edwards Vives. Ellos forjaron desde el discurso científico la superioridad de la nación blanca. Barbarizaron, por ende, a los indígenas y mestizos 29. Lo clave era la construcción de una genealogía alejada de las etnias vernáculas o de raíz africana: “Los indios no son sino bandidos y salteadores de camino”30. El mismo autor consideró a los chilenos una raza sin la mezcla de componentes africanos31. Y para convencer a los habitantes del Norte a que vinieran a 26 García, A. (2006). El fracaso del amor: género e individualismo en el siglo XIX mexicano. México D. F.: El Colegio de México, UNAM, p. 236. 27 Salinas, M. (2006). “Los caballeros imperiosamente serios de occidente” (p. 91), Revista Mapocho Nº 60, Revista de Humanidades. Santiago de Chile: DIBAM, 79-119. 28 Salinas, M. (2006). “Los caballeros imperiosamente serios de occidente” (p. 91), Revista Mapocho Nº 60, Revista de Humanidades. Santiago de Chile: DIBAM, 79-119. 29 Bastide, R. (1973). El prójimo y el extraño. El encuentro de las civilizaciones. Buenos Aires: Amorrortu. 30 Vicuña Mackenna, B. (1868). La conquista de Arauco. Santiago de Chile, p. 4. 31 Vicuña Mackenna, B. (1855). Le Chili considéré sous le rapport de son agriculture et de l’ emigration européene. Paris, p. 43. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 110 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] Chile, expresó que hallar un indígena o un negro en el país era algo prácticamente imposible: “[To] find in Chili an Indian or a negro is a thing next to imposible”32. Se borraba así un sustrato étnico asentado, incuestionablemente, desde la Colonia: “Chile, para 1570, está constituido de casi 7 mil negros, mulatos y zambos, 7.000 españoles, 10.000 mestizos blancos, 450.000 indígenas de paz y 150.000 indios rebeldes. La población negra a partir de esa proporción crece para 1620 a 22.000 negros y mestizos de color en Chile”33. Por otra parte, Barros Arana construyó una imagen despreciable e inhumana de los pueblos mapuche, al destacar la nula capacidad de convivencia y organización comunitarias: Por más que los indios celebraban frecuentes reuniones en que con diversos motivos tenían desordenadas borracheras, cada familia vivía aislada, en un lugar apartado, lejos del contacto diario con los otros hombres. La razón de este aislamiento era una manifestación de la grosería e ignorancia de sus preocupaciones, i de la sombría desconfianza que forma uno de los distintivos del hombre salvaje. Creían que viviendo reunidos, estaban espuestos a los hechizos i venenos de sus enemigos, enemigos encubiertos en quienes suponían un poder maravilloso i sobrenatural34. Posteriormente, Jaime Eyzaguirre prolongó la “expatriación” de los sujetos y las culturas populares en la historia de Chile. Excluyó la herencia de los pueblos indígenas en la constitución de la identidad histórica de la nación. Sólo el imperialismo español pudo concederle historicidad al acontecer del país: “Si la historia es la sucesión consciente y colectiva de los hechos humanos, la de Chile sería inútil arrancarla de una vaga y fragmentaria antecedencia aborigen, carente de movilidad creadora y vacía de sentido y horizontes. Chile se revela como cuerpo total y se introduce en el dinamismo de las naciones al 32 Vicuña Mackenna, B. (1866). A sketch of Chili, expressly prepared for the use of emigrants from the United States and Europe to that country. New York, pp. 6-7. 33 Mellafe, R. (1964). La esclavitud en Hispanoamérica. Buenos Aires: Eudeba, p. 226. 34 Barros Arana, D. (1884). Historia Jeneral de Chile. Tomo Primero. Santiago de Chile: Rafael Jover, Editor, pp. 78-79. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 111 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] través del verbo imperial de España” 35. Y Francisco Frías Valenzuela, autor de textos escolares de historia nacional ―¡cómo construye imágenes, conceptos y cultura la escolaridad!― celebró el exterminio de la memoria africana en Chile: “La raza africana no ha dejado, felizmente, sus huellas en el pueblo chileno”36. Respecto del segundo ideal, de la mano con el prototipo político, la expresión virtuosa más potenciada estuvo y está en el control educativo del espíritu público. La creación de centros de enseñanza (la Universidad de Chile, en 1842 y el Colegio de Santiago en 1849), contó con el incondicional respaldo de los primeros gobiernos republicanos en el sentido de formar a la futura élite dirigente del país: “El ethos caballeresco impone la figura del educador como responsable del control de los espíritus, de las conciencias, de la razón, del lenguaje. El educador es una figura cultural y finalmente política que puede desempeñarse en diversas áreas del quehacer social, pero siempre como modelo de mentalidad civilizada”37 Las elites, en las modulaciones del Padre y del Educador, se explicitaron, por ende, con fuerza. Los proyectos nacionales de la mayoría de los países latinoamericanos concentraron a los intelectuales con el fin de incorporar sus voces a la construcción de la nación Estado. En Chile, los grupos encargados de esta tarea bebieron del enciclopedismo europeo en el sentido de apostar por el itinerario del progreso y de la supracultura de la época como fue, para las elites, la Ilustración. Junto con el Romanticismo de la primera mitad del siglo XIX, surgió, además, la manera de imaginar una nacionalidad chilena a través de la recuperación de los hechos emblemáticos de la Independencia nacional: “La generación de la Independencia nutría sus esperanzas de la mentalidad progresista del siglo de las luces […]. Sólo era necesario trazar una política adecuada, organizar el estado, 35 Silva, O. et al. (1976). Historia de Chile. Santiago de Chile: Editorial Universitaria, pp. 13-14 Silva, O. et al. (1976). Historia de Chile. Santiago de Chile: Editorial Universitaria, p. 237. 37 Salinas, M. (2006). “Los caballeros imperiosamente serios de occidente” (p. 104), Revista Mapocho, Nº 60, Revista de Humanidades. Santiago de Chile: DIBAM, 79-119. 36 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 112 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] garantizar los derechos individuales y difundir la cultura para que el pueblo chileno alcanzase el bienestar y la dicha”.38 Por lo anterior, la Ilustración emancipadora concibió el proceso de la cultura en los nacientes países desde una vocación europea que, a lo menos, perduró por un período cercano a los 100 años. Lo que Ángel Rama observó para el desarrollo de la literatura latinoamericana, puede perfectamente reflejarse en la constitución de los proyectos republicanos de los países del sur: En América Latina la élite movible, de “intelectuales no ligados al terreno”, tuvo una inclinación universalista y cosmopolita que en los hechos consistió en una imitación de las más modernas corrientes europeas; en el caso de la élite de la burguesía mercantil de 1810, formada en el enciclopedismo francés, con un nítido cuño racionalista y universalista; es la élite del modernismo de 1895 conformada por la lección sensorial, individualista y cosmopolita de la literatura europea postromántica39. En los momentos aurorales de Chile republicano, puntualmente, los textos constitucionales y en especial la Constitución de 1833, trazaron “la política adecuada”, es decir, un Ejecutivo Padre y Educador, fuerte e impersonal, con un Gobierno apoyado bajo el principio de autoridad y el respeto a la ley. Todo esto, básicamente con el fin de asegurar el orden público: Las fondas de los suburbios fueron controladas por las autoridades y se persiguieron los vicios […]. La época tenía confianza en el poder la ley. Con ella se podía transformar a la sociedad y modelarla, desarraigar prejuicios y viejas costumbres y aún ejercer un poder moralizador […]. Entre los artículos [de la Constitución de 1833] podía percibirse la huella de la antigüedad romana, la influencia de los filósofos moralistas, el espíritu católico, el sentido 38 Villalobos S. et al. (1976). Historia de Chile. Santiago de Chile: Editorial Universitaria, p. 419. Rama, A. (2008). La novela en América Latina. Panoramas 1920 – 1980. Santiago de Chile: Ediciones de la Universidad Alberto Hurtado, p. 54. 39 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 113 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] bienhechor de la ilustración y el derecho racionalista en boga. Por sobre todo se destacaba la incorporación de categorías de orden ético al derecho constitucional, que debían reglar la vida cívica de los ciudadanos, incluyendo a veces hasta la conducta privada40. Aunque, a partir de 1871, se dio comienzo a una serie de reformas constitucionales que buscaron, hacia fines del siglo XIX y principios del XX, la instauración en Chile de un régimen parlamentario, la institucionalización de los valores sociales relacionados con la firmeza, la jerarquía y el dominio de los masculino fueron los canales que internalizaron en el ideario nacional la figura del pater dominador, infalible y severo. Como parte integral del proceso de construcción de la “identidad” chilena, el proyecto republicano insistió en estereotipar tales “virtudes-valores” como una forma de control y “corrección” del “otro desviado”. La obligación de ciertas actuaciones cívicas por sobre otras, como la postergación de una interacción social vinculatorio- participativa, consiguieron instalar una dirección patriarcal que ha penetrado las distintas prácticas sociales. Así, en esta dinámica cultural, las “leyes sabias” se han mostrado útiles en la transformación de costumbres y en la organización de los pueblos a través de “los dictados de la razón”. En aquel momento inicial, por otra parte, los programas literarios apostaron también por el proyecto progresista inspirado en categorías conceptuales ilustradas. La pluma de los autores de la Generación de 1842 se dio a la tarea de “ilustrar al pueblo” por medio de la literatura. Difundir la cultura para que los sectores no letrados disfrutaran del “bienestar y la dicha”, fueron los propósitos centrales. Este programa pedagógico-intelectual “se originó como un producto de la máquina modeladora de escritura que extranjeros (en fuga de las dictaduras) como Andrés Bello, José Mora y Domingo Faustino Sarmiento impulsan 40 Villalobos S. et al. (1976). Historia de Chile. Santiago de Chile: Editorial Universitaria, pp. 440; 444. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 114 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] hace unos años”41. En función de las características que constituyeron la perspectiva histórica desde donde miraron, los representantes de esta generación en Chile creyeron en la educación como propulsor del desarrollo social de la nación: “Dentro de este esquema, el concepto de la literatura se diluye en el de libros luminosos o el de obras sabias, cuya función es […] utilitaria: esparcir las luces, promover las verdades útiles que dicta la soberana razón y el sano juicio, en una palabra, educar”42. En el intelectuales campo locales de la educación recurrieron los programas igualmente a las políticos e corrientes y paradigmas europeos. Éstos de constituyeron en ejes de la formación del ciudadano que debía responder a la concepción de nación. Para las elites edificadoras de la naciente República: El programa político que se formuló en los inicios del Estado chileno imaginó y proyectó reglamentos educacionales, métodos de enseñanza, políticas de formación de docentes, entre otros tantos elementos propios de una gestión de promoción de la educación. De modo tal que, en paralelo al proceso de organización política y administrativa del país y a su expansión económica, fue la iniciativa estatal la que forjó un creciente sistema nacional de enseñanza, que recibió como complemento la acción educacional de escuelas privadas y eclesiásticas. Desde mediados del siglo XIX se manifestó un proceso de gradual centralización de las pautas de desarrollo de la educación chilena y un notorio propósito de reforzar, a través de la escuela, los imperativos políticos de la institucionalidad republicana y la unidad nacional43. 41 Barrenechea, P. (2008). “La figuración del negro en la literatura colonial chilena. María Antonieta Palacios, esclava y músico: La traza de un rostro borrado por/para la literatura chilena”. En Concurso Bicentenario. Tesis Doctoral 2007. Comisión Bicentenario Chile 2010. Tomo I. Santiago de Chile: Andrós Impresiones, pp. 227-228. 42 Promis, J. (1977). Testimonios y documentos de la literatura chilena (1842-1975). Santiago de Chile: Nascimento, pp. 29-30. 43 Toro, P. (1995). “Una mirada a las sociabilidades y las doctrinas de la elite y los artesanos capitalinos ante la demanda social por instrucción primaria, 1856-1920”. Tesis Licenciatura en Historia, Pontificia Universidad Católica de Chile, p. 64. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 115 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] Como consecuencia de lo anterior, lineamientos curriculares asentados en el “prestigio” del repertorio conceptual-formal del tipo educativo foráneo, se dirigieron a la homogeneización de las diferencias y temperamentos locales. Esto, bajo el denominador común de la enseñanza orientada hacia la calificación intelectual y moral de los futuros ciudadanos: “[…] de acuerdo con el imaginario e ideario liberal y modernizador de las elites dirigentes, expectantes de incorporar exitosamente a Chile en el concierto del capitalismo mundial”44. Los comportamientos pedagógicos promovieron, por ende, la circulación de los principios modernizadores y foráneos como un capital cultural que, a fin de cuentas, proyectó una correlación entre posición de clase y cultura. Con la ley de “Instrucción Primaria Obligatoria”, dictada en 1860, el proyecto educativo de la nación se dio por comenzado. Esto significó la gratuidad de la educación primaria y la incorporación eventual de los sectores sociales marginados. La elite dirigente ya estaba formada, por lo cual solo faltaba asegurar su continuidad en el tiempo. Ésta fue una de las razones principales de la continuidad de las escuelas privadas en Chile45. Los textos de educación escolar, en cuanto canales de transmisión de la racionalidad moderna e ilustrada y como sistemas de esquemas generadores de ideas y prácticas culturales, constituyeron parte del repertorio homogenizador de los diseños sociales. El libro de lectura para la escuela secundaria fue, en este proyecto nacional, una colección de fragmentos minuciosamente seleccionados. Con el nombre de trozos selectos o trozos escogidos se componían extensas colecciones de textos cuyo carácter modélico debía abarcar múltiples aspectos. Ciertamente, el trozo seleccionado fue un modelo de uso de la lengua correcta, en tanto, además, un ejemplo gramatical. Fue también un prototipo genérico de las reglas retóricas y un modelo de comportamiento porque 44 Toro, P. (1995). “Una mirada a las sociabilidades y las doctrinas de la elite y los artesanos capitalinos ante la demanda social por instrucción primaria, 1856-1920”. Tesis Licenciatura en Historia, Pontificia Universidad Católica de Chile, p. 68. 45 Loayza, A. y Ximena Recio (2005). “Proyectos educativos y formación de la República”. En Chile – Perú, Perú – Chile: 1820 – 1920. Desarrollos políticos, Económicos y Culturales. E. Cavieres Figueroa y C. Aljovín de Losada (compiladores). Pontificia Universidad Católica de Valparaíso, Convenio Andrés Bello y Universidad Mayor San Marcos. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 116 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] respondió a la moral establecida. No es, por cierto, una novedad que los textos empleados para la enseñanza de la lectura (rasgo que se mantiene hasta hoy), respondieran a alguna voluntad de adoctrinamiento (religioso, político, moral). Ciertamente, “antologías” de la segunda mitad del siglo XIX continúan la tradición ilustrada que vincula la enseñanza de la lengua nacional con la educación patriótica, entendida como la que buscaba despertar en los jóvenes utilitarios sentimientos de amor y respeto por una nación construida ¡por y para los poderosos! El ensanchamiento del “horizonte republicano” sumó abiertamente el tercer ideal del militar virtuoso, capaz de imponer “la comunidad civilizada”46. Un programa de dominación y ordenamiento brutales sobre los pueblos originarios fueron parte de las expresiones que legitimaron el control central. Este ideal, poseedor de virtudes incuestionables, llevó al gobierno chileno ―pasada la primera mitad del siglo XIX― a intervenir y ocupar la Araucanía. Mediante un verdadero plan de exterminio, la severidad y disciplinamiento estatal se impuso por la cancelación de una cultura y cosmovisión otras. La “barbaridad” de la organización comunitario-mapuche fue argumento para arrasar con lo que fue considerado por el poder político como pensamiento primitivo, oscuro y no compatible con un sistema serio de producción y menos aún con un proceso exitoso de desarrollo material que imponía el ideal del hombre hacendado. El 11 de mayo de 1859, El Mercurio de Valparaíso conminaba al gobierno de turno a que lograra un rápido control de los mapuche, dada la importancia económica de las tierras del sur, en manos de verdaderos bárbaros, para el bien de la Nación: Más influye en ellos la holganza y libertad de la vida natural, que todos los consejos y reflexiones para instruirlos, con el fin de que se sometan a la unión y prácticas civiles y religiosas […] es por demás ya manifestar la grande importancia y conveniencia nacional de reducir a estos indios a la vida civil 46 Salinas, M. (2006). “Los caballeros imperiosamente serios de occidente” (p. 92), Revista Mapocho Nº 60, Revista de Humanidades. Santiago de Chile: DIBAM, 79-119. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 117 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] como súbditos de la nación, tanto por su número como por la riqueza que contiene y prosperidad que promete el territorio que ocupan47. Desde un programa que persiguió la disolución de la cultura indígena, la República procuró los medios más adecuados para su consecución. La verdadera guerra de exterminio de la sensibilidad ancestral no se hizo esperar. Fue, sin embargo, denunciada abiertamente por otros representantes de la prensa nacional. A diez años del llamado que hacía El Mercurio de Valparaíso, el diario El Ferrocarril expresó el 5 de marzo de 1869, que la intervención del ejército debiera ser menos agresiva y menos costosa, “limitándose a protejer la línea de frontera, en vez de perpetuar la alarma con la intentona de una imajinaria conquista a sangre i fuego”48. Por otra parte, El Meteoro de Los Ángeles, del 19 de diciembre de 1868, apuntaba: “Después de los horrores, de los asesinatos, de los robos y salteos a mano armada que se han cometido con los indios, todavía se decreta contra ellos una guerra de exterminio [subrayado en el original] ¿Y quieren que no defiendan su tierra, su familia y su oro?”49 Las voces del dominador aplastante replicaron inmediatamente, y en un intento por acallar las denuncias, un artículo de Jorge Hoccker, en la Revista del Sur del 21 de febrero de 1881, indicaba: Se debería correr a los indios. Que no quedara ninguno entre el Cautín y el Malleco. El cautín en el invierno es fortificación natural y en el verano lo defenderán los héroes de Iquique, Tacna y Miraflores. ¡ADELANTE, ADELANTE! [en mayúsculas en el original] Que concluya de una vez para siempre el caos que desde 300 años nos envuelve”50. 47 En Fassnidge, J. (2009). Pacificación de la Araucanía, Santiago de Chile: Universidad Alberto Hurtado, pp. 6-7. 48 En Fassnidge, J. (2009). Pacificación de la Araucanía, Santiago de Chile: Universidad Alberto Hurtado, p7. 49 En Fassnidge, J. (2009). Pacificación de la Araucanía, Santiago de Chile: Universidad Alberto Hurtado, p. 7. 50 En Fassnidge, J. (2009). Pacificación de la Araucanía, Santiago de Chile: Universidad Alberto Hurtado, p. 7. una mirada histórica de un conflicto Actual. una mirada histórica de un conflicto Actual. una mirada histórica de un conflicto Actual. una mirada histórica de un conflicto Actual. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 118 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] En fin, la razón práctico-económica del hacendado rico, el cuarto ideal, se impuso, no obstante, por sobre un saber ancestral, donde la crianza amorosa, celebrativa y ritual de la comunidad con la tierra había contenido gran parte del referente colectivo. Como sostén del “orden”, el ejército chileno intervino por “razones” de seguridad y de defensa. A esto, “debía seguir como indispensable corolario una ‘inmigración blanca’”51. La naturaleza dejó de percibirse en la visión estatal como un organismo viviente, capaz de generar y sostener la vida comunitaria. Pasó a ser parte del progreso económico y del cálculo “racional”, donde lo acumulable y el crecimiento indefinido de la productividad justificaron la visión de la naturaleza como objeto de riqueza. Consecuencia de esta estrategia fue “el traspaso de tierras indígenas a manos particulares, para lo que se utilizaban toda suerte de argucias, en especial el otorgamiento de poderes, la extensión de escrituras de promesa de venta o los préstamos de dinero”52. Esta operatoria tuvo, algunos años después, un correlato en la zona austral de la República. Como una necesidad de borrar aquellos colectivos “impuros” para la expansión del proyecto político-económico del país, las comunidades indígeneas fueron sistemáticamente reemplazas por la hacienda. De aquí que las extensas pampas de Tierra del Fuego: […] fueron objeto de generosas y amplísimas concesiones. Varias de ellas superaron largamente las 100.000 hectáreas […]. La intervención de capitales británicos convirtió a algunas de esas concesiones en base de poderosas sociedades ganaderas… Víctima de la pujante expansión fueguina, los onas se vieron perseguidos y diezmados por las armas y por las enfermedades del hombre blanco”53. En el interior de aquel contexto cultural, los tres últimos decenios del siglo XIX vieron cómo Chile se distanciaba de las formas 51 Silva, O. y otros (1976). Historia de Chile. Santiago de Chile: Editorial Universitaria, p. 593. Silva, O. y otros (1976). Historia de Chile. Santiago de Chile: Editorial Universitaria, p.595. 53 Silva, O. et al. (1976). Historia de Chile. Santiago de Chile: Editorial Universitaria, p. 611. 52 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 119 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] tradicionales de producción y apostaba por el progreso industrial. La verdadera expresión del ideal virtuoso del dominador rico y hacendado se constituyó en parte fundamental del modelo civilizatorio: “El rico es el que dispone de los medios para la explotación metódica y planificación de la naturaleza a través del control sobre el capital y sobre el trabajo ¿Qué sería de una comunidad civilizada sin el concurso benefactor de los ricos? No sería sino el tiempo y el espacio de la barbarie, del ocio o del atraso y retraso en la prosecución de los destinos de la Historia”54. Por otra parte, hacia inicios del siglo XX, la industrialización por la que apostó el país (y la mayoría de las naciones de América Latina), atrajo desde el campo cada vez más a sectores que se organizaban en las periferias urbanas. La fábrica o la maestranza los concentró laboralmente y su protagonismo fue la incipiente reivindicación social. No hubo, sin embargo, un cambio radical respecto de aquello que los discursos y códigos representacionales habían gestado como líneas de la historia. La mayoría seguía como sujetos pasivos dado el dominio de sus espacios por parte de la normatividad reguladora y programática del “orden”. El sedimento ancestral, capaz de mantener viva la memoria de la diversidad colectiva, fue sistemáticamente aislado y aun borrado del carácter “civilizatorio” de las costumbres y los modos de ser sometidos al ideal de la República. No obstante, ha perdurado siempre como fuerza de vitalidad social. Pese a las implicancias militarizadas, económicas, ilustradas y políticas del modelo varonil-central, la sensibilidad comuntaria que motiva y nutre básicamente visiones de mundo sustentadas en la preeminencia del grupo ha dado “a entender la sólida y subterránea conciencia que tiene el colectivo de sí mismo. Dicha expresión expresa la responsabilidad que puede experimentarse ante la existencia, aunque se traduzca en actos que pueden ser calificados de anómicos”55 por las élites dirigentes. 54 Salinas, M. (2006). “Los caballeros imperiosamente serios de occidente” (p. 97), Revista Mapocho, Nº 60, Revista de Humanidades. Santiago de Chile: DIBAM, 79-119. 55 Maffesoli, M. (1996). De la orgía. Una aproximación sociológica. Trad. de Manuel Mandianes. Barcelona: Ariel, p. 25. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 120 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] Precisamente por esto último, una tradición pública de doscientos años ha legitimado el establecimiento de relaciones sociales asimétricas. Algunas veces, éstas han establecido prácticas de subordinación y, en otras ocasiones, procesos de asimilación. Como pauta de homogeneización cultural, la historia y la cultura republicanas se muestran como totalizadoras (aunque en la práctica, más excluyentes). Esta aparente paradoja se comprende en el sentido de que cuan verdaderas fórmulas “domesticadoras”, se han empeñado en subsumir las diferencias capitalismo, al modelo desarrollismo, occidental. modernidad, Ilustración, maltrato, liberalismo, discriminación, neoliberalismo han tenido, en un turno de doscientos años, el papel de sistemas de regulación cultural. Este “ordenamiento” de la pluralidad ha descansado en la prolijidad y autoritarismo del padre gobernante, incrustado en los proyectos de país. La mirada jerarquizadora del poder ha focalizado y priorizado como necesidad primordial mantener la “civilidad” (en algunos momentos más marcadamente que en otros), mediante un estado de control que ha terminado por bloquear las experiencias del cuerpo colectivo-amoroso. Lo invasivo de este modelo cultural, político y económico, ha sido apoyado y difundido por códigos representacionales públicos empeñados en producir un estado de desmemoria en y para con los cuerpos populares. El prolongado proceso “civilizador” alcanzó su máxima explosividad política y militar con los gobiernos terroristas de Seguridad Nacional del último tercio del siglo XX. La norteamericanización económica de la región del sur sólo pudo realizarse a través del terrorismo de Estado. En términos culturales y policiales, se eliminó o expatrió a quien resultaba un obstáculo en la imposición de modelo impuesto. Había que ―como expresaron las fuerzas armadas de Chile en 1973― preservar la identidad histórico-cultural de la Patria56. En paralelo, las autoridades militares argentinas, enseñaban en 1977: “Es un delito grave atentar contra el estilo de vida occidental y cristiano 56 Avellaneda, A. (1986). Censura, autoritarismo y cultura: Argentina 1960–1983. Buenos Aires, p. 150. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 121 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] queriéndolo cambiar por otro nos es ajeno”57. En ambos casos qué identidad o tradición se apuntó a legitimar. Pues, aquella que la polis republicana había construido ya en la primera mitad del siglo XIX. En tanto aceleración del tiempo burgués del Norte, los países nacientes del Sur en manos de las elites dirigentes, no entendieron, sino opacaron y excluyeron las culturas de los pueblos indígenas y mestizos. En el transcurso de los últimos 35 años, la nación chilena experimentó un proceso de febril desmemoria. Primero, a través del control de la vida pública, cuyo efecto fue el desarrollo de una cultura del miedo y del desamor. La férrea plenitud del poder patriarcal tomó el control de todos los ejercicios y derechos civiles. El desmantelamiento de los espacios para la vida colectivo-amorosa se sistematizó y se hizo bando o decreto en virtud del “orden necesario” para la Patria (noción cuya etimología deriva de pater). Los sectores populares, siempre acostumbrados a existir desde la integridad comunitaria, vivieron más allá del límite de la exclusión. Como nunca, los mundos populares fueron los “otros”. Después, la indefensión instaurada por la violencia planificada desde el Estado, dio paso a la amnesia general. La aparente libertad para atravesar las lógicas que el poder había enraizado mediante la violencia no tocó en nada la economía de mercado enclavada por el proyecto político precedente y sostenido con éxito por las fuerzas militares (siempre desde la iniciativa de un núcleo civil). Sistemas discursivos y códigos representacionales de esta nueva dinámica quedaron en manos de la burguesía frenética, emblema predilecto de los gestores del “renovado” país que entró triunfante al recinto del capitalismo global. Los medios dominantes de comunicación masivos fueron los principales canales de difusión del estereotipo exitoso: el Homo Consumidor. La sensibilidad individualista, consumista a ultranza, hizo de la compra y de la acumulación, los único “valores” cordiales. La construcción programática de este modelo social, posibilitó la evasión, 57 Avellaneda, A. (1986). Censura, autoritarismo y cultura: Argentina 1960–1983. Buenos Aires, pp. 162-163. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 122 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] el olvido y absoluto desinterés por la historia, el acontecer político y la cultura eventualmente comprometidas en el día a día de chilenas y chilenos. La “matinal” filosofía light, más envolvente que nunca instaló, hacia fin del siglo, las leyes, motivaciones inducidas, gustos y lugares comunes ―vigentes hasta hoy―. En el más aparente “respeto o tolerancia” por la diversidad y las diferencias, el “dejar hacer libremente” (principal consiga de las democracias de papel), se ha homogeneizado y disciplinado igualmente, convirtiendo a la mayoría en piezas funcionales y útiles al sistema. Desamorosamente solapado, el proyecto vigente reprime y acosa de similar manera que en otros momentos de la vida de la nación: “La tragedia de Chile es su desmembramiento como comunidad […]. La enfermedad de Chile es el miedo a no tener capacidad de convivencia social”58. Referência bibliográfica AVELLANEDA, A. (1986). Censura, Argentina 1960–1983. Buenos Aires. autoritarismo y cultura: BARROS Arana, D. (1884). Historia Jeneral de Chile. Tomo Primero. Santiago de Chile: Rafael Jover, Editor. BASTIDE, R. (1973). El prójimo y el extraño. El encuentro de las civilizaciones. Buenos Aires: Amorrortu. COLOMBRES, A. (2007). Sobre la cultura y el arte popular. Buenos Aires: Ediciones del Sol S.R.L. EN FASSNIDGE, J. (2009). Pacificación de la Araucanía, una mirada histórica de un conflicto Actual. Santiago de Chile: Universidad Alberto Hurtado. GARCÍA, A. (2006). El fracaso del amor: género e individualismo en el siglo XIX mexicano. México D. F.: El Colegio de México, UNAM. LARRAIN, J. (2001). Identidad chilena. Santiago de Chile: LOM. 58 Maturana, H. (1990). Emociones y lenguaje en educación y política. Santiago de Chile: Hachette. 92; 97. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 123 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] MUÑOZ, D. (1972). Poesía Popular Chilena. Santiago de Chile: Quimantú. MATURANA, H. (1990). El sentido de lo humano. Santiago de Chile: J.C. Sáez Editor. MÖRNER, M. (1969). La mezcla de razas en la historia de América Latina. Buenos Aires: Paidós. MAFFESOLI, M. (1996). De la orgía. Una aproximación sociológica. Trad. de Manuel Mandianes. Barcelona: Ariel. MELLAFE, R. (1964). La esclavitud en Hispanoamérica. Buenos Aires: Eudeba. NOLASCO Cruz, Pedro. “La poesía popular chilena” [1916], en: Nolasco Cruz, Estudios sobre la literatura chilena, vol. II, Editorial Nascimento. PUJOL, S. (1999). Historia del baile. De la milonga a la disco. Buenos Aires: Emecé. PROMIS, J. (1977). Testimonios y documentos de la literatura chilena (1842-1975). Santiago de Chile: Nascimento. ROJAS, M. (1988). Cultura afroamericana. De esclavos a ciudadanos. Madrid: Anaya. ROMERO, J. (1986). Caracas: Ayacucho. Pensamiento conservador (1815–1898). SALINAS, M. (2000). Gracias a Dios que comí. El cristianismo en Iberoamérica y el Caribe. Siglos XV – XX. México: Ediciones Dabar. SMITH, E. (1914). Los araucanos, o, notas sobre una gira efectuada entre las tribus indígenas de Chile meridional. Traducción de Ricardo Latchman. Santiago de Chile: Universitaria. SALINAS, M. (2006). “Los caballeros imperiosamente serios de occidente”(p.89), Revista Mapocho Nº 60, Revista de Humanidades. Santiago de Chile: DIBAM. SILVA, O. et al. (1976). Historia de Chile. Santiago de Chile: Editorial Universitaria. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 124 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] VICUÑA Mackenna, B. (1868). La conquista de Arauco. Santiago de Chile. VICUÑA Mackenna, B. (1855). Le Chili considéré sous le rapport de son agriculture et de l’ emigration européene. Paris. VICUÑA Mackenna, B. (1866). A sketch of Chili, expressly prepared for the use of emigrants from the United States and Europe to that country. New York. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 125 Revista Historien – Ano II EL “NUEVO [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] MUNDO” REFLEXIONES SOBRE EN LA EL ESPEJO CONSTRUCCIÓN DE EUROPA: IDENTITARIA ESTATAL Natalia Bustelo1 Resumen: La circulación de imágenes icónicas constituye una de las vías más importantes utilizadas por los Estados modernos para construir una identidad nacional. Para abordar los rasgos que esa construcción tuvo en Latinoamérica, el presente trabajo ha seleccionado una serie de imágenes que permiten reconstruir el modo en que tendió a ser figurado lo nacional, lo latinoamericano y su relación con Europa. Introducción La construcción de una representación identitaria es, sin duda, un elemento decisivo en la consolidación de los Estados modernos. En el caso del continente americano, esa construcción se encuentra recorrida por una peculiar tensión. Si, por un lado, los Estados nacionales son acontecimientos postindependentistas y en ese sentido se alejan del pasado colonial que marca el comienzo del vínculo europeo, por otro lado, esos Estados aspiran a una civilización y modernidad universales cuyo foco de irradiación tiende a ser ubicado en Europa. En las páginas que siguen proponemos algunas reflexiones sobre el modo en que los Estados latinoamericanos concibieron su relación identitaria con Europa. Para ello, tomamos como disparador una serie de imágenes icónicas que, promovidas por esos Estados, circularon 1 Doctoranda en historia por la Universidad Nacional de la Plata, becaria Conicet. Email: [email protected]. Agradezco los comentarios y sugerencias de María Marta Quintana y Adrián Celentano. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 126 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] masivamente alimentando la representación de lo nacional y de lo latinoamericano. 1. El orden de lo social en las colonias españolas A fines del siglo XV, los españoles “descubren” el Nuevo Mundo. En corto tiempo toman contacto con distintas comunidades americanas y luego de unos cincuenta años logran conquistar y cristianizar a muchas de esas comunidades que tenían lenguajes y tradiciones sumamente distintos. El orden social que instalan los españoles en las colonias se basa en una clasificación y jerarquización sumamente precisa. En esta imagen anónima del tiempo de la conquista, están representadas las tres grandes castas en las que, en principio, fue dividida la sociedad: el español, el mestizo y el indio.2 El cuadro ofrece también la clave de la jerarquización de lo social: la unión de la razón masculina y la naturaleza femenina da nacimiento a una esencia infantil, el mestizo –quien, por cierto, hereda la lengua y el traje españoles-. Para la visión patriarcalista de entonces, es evidente que las mujeres y los niños no son capaces de gobernar; ambos necesitan de la iluminación de los civilizados y cultivados 2 Sobre todo a partir de la introducción de la mano de obra esclava traída de África, la clasificación tripartita de la sociedad se mostró insuficiente. Así, ella fue ampliada para incluir nuevas castas, entre ellos, “negros”, “zambos” y “mulatos”, pero la racialización de las jerarquías históricamente establecidas es tardíamente cuestionada. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 127 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] “hombres blancos”. Asimismo, sólo bajo la tutela ciudadosa de los últimos, los habitantes de esa exhuberante naturaleza pueden vivir en armonía y amor. La descripción de la sociedad como una familia en la que la máxima autoridad es identificada con el padre no es una particularidad española. Más bien, se trata de una constante en la teoría política europea. Una tradición de pensamiento que probablemente encontró su expresión más sistemática en el Patriarcha (1680) del inglés Robert Filmer y su polemista más famoso en el contractualista John Locke y su Primer tratado sobre el gobierno civil (1698). Retomando una de las cuestiones señaladas –y críticadas- por Locke, recordemos que la familia como metáfora social legitima el orden colonial en tanto una disposición natural –a la que se le agrega un anclaje racial-. Esa naturalización de lo social no puede pensar el conflicto, imposibilidad que no se vio cuestionada por las dificultades que tuvieron los españoles para mantener su dominio. En efecto, la represión de los levantamientos indígenas tendió a ser considerada como la restitución del orden dado y no como la imposición de un artificio social. Como es sabido, el potencial conflicto recién adquiere una configuración amenazante para los colonos españoles hacia fines del siglo XVIII. Ese conflicto es formulado por la segunda casta que se consolida al interior de la etiqueta de “españoles”, y que da lugar a la distinción entre “peninsulares” (nacidos en la peninsula ibérica) y “criollos” (blancos nacidos en América, impedidos de asumir cargos políticos). Reconociéndose como blancos puros y hombres civilizados, los criollos reclaman derechos políticos ante la corona española. Las ideas de la Ilustración son el apoyo ideológico en su rivalidad con los peninsulares. Más precisamente, la crítica a la forma de dominación del absolutismo monárquico, así como las doctrinas de la soberanía popular y las teorías del contrato social se convierten en la Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 128 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] justificación intelectual de los criollos que exigen la libertad política respecto de la Madre Patria.3 Hacia comienzos del siglo XIX, cuando la monarquía española se encuentra debilitada por la ocupación napoleónica, los criollos del Virreinato del Río de la Plata logran convertir el foco de conflicto en Independencia: las autoridades españolas deben huir del territorio rioplatense y prontamente los criollos deciden que la “república” es el nuevo régimen político. Si bien las ideas igualitarias de la Ilustración estaban detrás de la conformación de los ejércitos independentistas (compuestos tanto por criollos como por mestizos e indios), pocos fueron los criollos que pusieron en duda que la república debía mantener las jerarquías sociales coloniales, y que cuestionaron la clasificación racial que legitimaba esas jerarquías. La Independencia desplaza a los peninsulares, pero los criollos logran mantener muchos de los rasgos del orden colonial.4 De ahí que no sea sorprendente la pervivencia en Latinoamérica, hasta entrado el siglo XX, de formas de explotación de la mano de obra semi-esclavista y desiguales relaciones sociales, ancladas ambas en vínculos premodernos, así como la sólida concentración del poder político en manos de latifundistas criollos. Como suguieren las imágenes sobre las que trabajaremos en los siguientes apartados, a pesar del reconocimiento jurídico de la igualdad, la jerarquización social de las colonias españolas continuó teniendo efectos en los nuevos ordenes políticos de la región. 2. La “Guerra de la Independencia” 3 Restringuiéndonos al caso de las colonias españolas, dejamos aquí de lado el interesante caso de la independencia de la colonia francesa de Haití, donde no son los “criollos”, sino los “negros esclavos” quienes están a la cabeza de la primera revolución republicana del continente. 4 En relación al caso peruano, sostiene José Aricó: “El estado republicano se constituyó sobre bases políticas, ideológicas e institucionales que mantenían inmodificada la herencia colonial y que instauraban de hecho un sistema cuasi medieval de estamentos jerárquicamente organizados” (Arico, 1999: 195). Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 129 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] Estas imágenes han sido tomadas de dos manuales escolares vigentes. Ellas ejemplifican el tipo de representaciones sobre la Independencia que circula masivamente. Alguien que las observe sin atender a su anclaje podría pensar que se está ilustrando una guerra europea. No se muestran allí indios, mestizos, ni objetos “exóticos”. Más precisamente, aunque los investigadores acuerdan en que en los ejércitos de liberación participaron, además de criollos, mestizos e indios, no suelen encontrarse en los retratos de ese “nuevo mundo” que se independiza, marcas que señalen a otro noeuropeo, ni en el estilo de las representaciones, en los paisajes retratados, en las vestimentas, ni en la fisonomía de los libertadores. Ya en el siglo XIX el letrado y presidente de la nación argentina Domingo F. Sarmiento admitía que la intervención de la “tercera entidad” (las masas mestizas del campo) había sido decisiva en la victoria criolla; sin embargo, las imágenes sugieren una independencia de España conseguida únicamente por hombres blancos y civilizados. El discurso historiográfico que trasmite la escuela tiende a invisibilizar a los grupos que no responden a los patrones de civilización europeos, y con Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 130 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] ello parece reforzar las jerarquías sociales que constantemente son minadas por los movimientos populares promotores de una afirmación autoctona y popular.5 A pesar de los cuestionamientos que durante el siglo XX ha sufrido la idea de una única modernidad, los Estados latinoamericanos parecen continuar concibiendo el proceso abierto por la Independencia como una separación del régimen colonial español, pero de ningún modo como una independencia de la cultura europea. Al respecto, veremos en el último apartado una interesante reformulación con el caso mexicano. 3. La guerra contra el indio en Argentina Arriba a la derecha: “Julio Argentino Roca (Tucumán 1843 - Buenos Aires 1914). Militar y estadista, realizador de la campaña del desierto (1878) Firmó el tratado de límites con Chile y fue dos veces presidente de la república (1880-1886, 1889-1904)” Abajo a la izquierda: “La conquista del desierto” Vemos aquí el billete de mayor valor vigente en Argentina. La ilustración remite a la expedición del ejército argentino que exterminó a los pueblos nómades de la Patagonia. Esta sangrienta guerra mediante la que el Estado argentino logra tomar control del territorio sur es nombrada oficialmente, aún hoy, como “Conquista del desierto”, 6 una expresión que 5 Recordemos que Bolivia, una república con 62% de población nativa y un mestizaje sumamente extendido, recién tiene su primer presidente mestizo en enero de 2006; y que la oposición a las medidas de ese gobierno han producido reacciones sumamente violentas que se apoyaban en concepciones racistas. 6 A través de diversos libros e iniciativas (como el reemplazo del monumento porteño a Julio Argentino Roca por el “Monumento a la Mujer originaria”), el historiador Osvaldo Bayer se ha convertido en la personalidad que encabeza la denuncia de esa expedición militar y las representaciones que con ella promueve el Estado, al tiempo que busca rescatar la memoria de los pueblos originarios. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 131 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] recoge la caracterización de “tierra desierta” utilizada por los españoles no en referencia al desierto de habitantes, sino de comunidades utilizables como fuerza de trabajo. A pesar del reconocimiento de los “pueblos originarios” establecido en la modificación de la Constitución Nacional de 1994, en 1999 (año en que se realizan las últimas modificaciones a los billetes de curso legal) el Estado argentino continúa proponiendo en su moneda que la Argentina es blanca y pura.7 Entre las distintas acciones significativas de un político como Roca (quien logró acordar una duradera paz con Chile), el Estado opta por el motivo de la campaña militar a través de la que son controlados territorios muy redituables comercialmente. La imagen del siglo XX retoma la interpretación construida por el Estado argentino en 1880: no se representa ninguna guerra, e incluso la ilustración siguiere que el ejército no se ha topado con hombre alguno. La conquista de un desierto permite al Estado eludir el tratamiento explícito de la cuestión del mestizaje, al tiempo que refuerza una construcción identitaria marcada por un supuesta pureza racial de una Europa blanca. En ese sentido, en el billete puede descubrirse un equivalente icónico de lo que recientemente el filósofo argentino Dardo Scavino ha propuesto llamar “novela familiar criolla”, en oposición a la “epopeya popular americana”. Ciertamente, la imagen parece refrendar al más ferviente promotor local de aquel tipo de narración, Juan Bautista Alberdi. Éste declaraba en la segunda mitad del siglo XIX: “La Europa sois vosotros mismos. Ya veis que no es tan fea como la creéis. Sois la Europa establecida en América. Sois los descendientes de Hernan Cortés y no los de Moctezuma. Si la Europa no hubiera ido a América, vosotros habrías nacido en España en lugar de nacer en América: he ahí todo vuestro americanismo. Sois españoles nacidos en América” (Scavino, 2010: 177). 4. Apariciones de las características autóctonas 7 Al respecto, cabe recordar q actualmente la Comisión de Finanzas de la Cámara de Diputados discute un proyecto de reemplazo del motivo de Roca por el de la Teniente Coronela en la Guerra de la Independencia Juana Azurduy. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 132 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] Las imágenes de la guerra de la independencia y el billete argentino suguieren que la clasificación racial española continúa teniendo cierta vigencia en las representaciones difundidas por los Estados. Sin embargo, pueden señalarse distintos puntos de la historia en los que esa construcción de lo nacional y de la relación con Europa ha sido fuertemente cuestionada, e incluso tramada de un modo distinto. En lo que respecta a los intelectuales, a fines de la Primera Guerra Mundial varios de ellos comienzan a cuestionar “aquello que venía de Europa” y a estrechar lazos con personalidades de distintos países del continente. La idea de que había una única civilización auténtica, cuya cuna se encontraba en Europa, entra entonces en una importante crisis. Son los años en que La decadencia de Occidente de Oswald Spengler encuentra diversos lectores y publicistas, al tiempo que llegan las primeras noticias de la Revolución Rusa, cobra visibilidad la Mexicana y la Reforma Universitaria se expande por el continente. Asimismo, en México Raúl Haya de la Torre funda en 1924 la Alianza Popular Revolucionara Americana, que entonces tiene un carácter continental. Desde la Argentina, en 1925 el escritor dominicano Pedro Henríquez Ureña propone pensar la guerra como el “eclipse de Europa” y distinguir entre la “herencia” de la civilización europea y su “imitación” (Henríquez Ureña, 1925: 27-30), mientras que el mismo año José Ingenieros, junto a varios intelectuales partícipes del movimiento de la Reforma, da vida a la Unión Latinoamericana, una organización que había sido proyectado en 1922, cuando la comitiva de la Revolución Mexicana, presidida por José Vasconcelos, visita el cono sur. Por su parte, José Carlos Mariátegui funda en Perú la célebre revista Amauta (1926-1930) y en 1928 publica sus Siete ensayos sobre la realidad peruana. En cuanto a los Estados latinoamericanos, es el mexicano el que, luego del prolongado proceso revolucionario que se inicia en 1910, asume más sistemáticamente la narración de una “epopeya popular americana”. Una muestra de ello la ofrece la siguiente pintura. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 133 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] Jorge González Camarena, La Patria, 1962, óleo sobre tela, 120 x 160 cm.. Museo de Soumaya, Mexiko. Este óleo, realizado por el pintor mexicano Jorge González Camarena, gana en 1962 el concurso de la “Conaliteg” (Comisión Nacional de Libros y Textos Gratuitos) y su reproducción se convierte, desde entonces y por diez años, en el motivo que ilustra la portada de los 350 títulos escolares que la Secretaría de Educación Pública del Estado mexicano distribuye gratuita y masivamente en el territorio. El cuadro alude resueltamente a la alegoría europea de la libertad. En la tradición política inaugurada por la Revolución Francesa, la mujer con la estola blanca de reminiscencias romanas deviene el símbolo, por antonomasia, de la libertad. Como una cita a “La Liberté guidant le peuple” pintado por Eugene Delacroix en 1830, “La Patria” sostiene una bandera y dirige su mirada hacia el futuro. Pero también inscribe sus variaciones tanto a la referencia francesa como a ese criollismo en el que civilización es sinónimo de blancura y pureza. La libertad mexicana tiene una apariencia mestiza y, en lugar de un arma, porta un libro abierto: es mediante la educación que ella pretende guiar al pueblo hacia el progreso. Se propone una representación identitaria que no recusa la estrecha relación civilizatoria con Europea, aunque ahora los elementos autóctonos adquieren visibilidad. En efecto, en el segundo plano del cuadro se distinguen los animales heráldicos mexicanos, de procedencia azteca: ese águila devorando una serpiente que, según la leyenda, es la señal enviada por el dios al pueblo para que reconozca el lugar Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 134 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] en el que debe fundar la ciudad de Tenochtitlan, actual ciudad de México. Asimismo, junto a la mujer y sobre el ala del águila se retratan varios objetos alegóricos: la bandera tricolor francesa y dos columnas (una de estilo romano y otra griego) como símbolo de la cultura; el arado y las frutas del Nuevo Mundo como símbolo de la agricultura; y una fábrica que remite a la industria. A diferencia de las imágenes anteriores, las particularidades latinoamericanas juegan aquí un importante rol. El Estado mexicano decide representar a México como una civilización mestiza. Pero cabe recordar que hacia 1962 la idea de la identidad latinoamericana como un crisol de razas ya tiene una larga tradición en el continente y específicamente en ese país. El “apóstol de la educación” durante la Revolución Mexicana, José Vasconcelos, había publicado en 1925 La raza cósmica. Misión de la raza iberoamericana, un ensayo en el que, en discusión con el concepto de Gustave Le Bon de una “raza pura”, se introduce la idea de una raza latinoamericana proveniente de la mezcla entre las comunidades americanas y las españolas. Esa mezcla racial, en oposicion a la separación y pureza, sería la marca particular de latinoamerica frente a Europa y Estados Unidos.8 Las respuestas del Estado mexicano a las preguntas ¿qué somos? y ¿qué nos une con Europa? se distancian ampliamente de las halladas en las otras imágenes. Los libros escolares que reparte el Estado en los sesenta sugieren en su portada que se trata de una nación occidental, pero dicen también que México tiene algo más que Europa, en relación tanto con la naturaleza como con la cultura. Y es a partir de esas diferencias que debería ser posible una nueva y original identidad. De todos modos, a pesar de esa diferencia, la construcción mexicana comparte con las anteriores la invisibilización de los conflictos y tensiones implicados en todo recorte de un 8 Esta propuesta alcanza a resignificar el Día de la Raza, festejo instaurado, a instancias de España, por los Estados latinoamericanos hacia fines de 1920. Siguiendo la construcción identitaria formulada por Vasconscelos (entonces Secretario de Instrucción Pública y enlace decisivo de los “muralistas” con el Estado), México otorga un significado particular al día festivo: no recuerda la llegada del hombre blanco, cuya descendencia es el criollo, sino el comienzo del mestizaje y el sincretismo cultural, cuyo resultado sería la emergencia de una “raza iberoamericana” (Rodríguez, 2007: 117-124). Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 135 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] “nosotros”. En efecto, la propuesta mexicana continúa dominada por la idea de armonía, idea que en 1968 el mismo Estado mexicano se encargará de rebatir con la Matanza de Tlatelolco. Para concluir, analicemos una última imagen que sí se propone dar cuenta de las tensiones que recorren el intento de construir una identidad latinoamericana. Frida Kahlo, Retrato de Lucha María, 1942, Masonite, 54,6 x 43,1 cm. Colección privada. Este cuadro de Frida Kahlo no ha sido retomado por una política estatal tendiente a formular una representación nacional –ni es parte del grupo de obras de la mexicana más conocido-. Sin embargo, lo hemos elegido para concluir este recorrido porque creemos que en el puede hallarse una provocadora interrogación sobre la identidad latinoamericana y su vínculo con Europa. A primera vista, “Retrato de Lucha María” se presenta como un retrato convencional y romántico de una niña indígena. Sentada sobre una roca, Lucha María tiene a sus espaldas un paisaje partido por dos ejes que organizan oposiciones tajantes. Por un lado, el horizonte divide la tierra del cielo; por el otro, un difuso eje vertical ubica el día a la derecha y la noche a la izquierda. El cielo de la derecha es iluminado por el sol que cae sobre la “Pirámide del sol” (que aún puede visitarse en Teotihuacán) y el cielo de la Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 136 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] izquierda es apenas iluminado por la luna que baña la “Pirámide de la luna” (de la misma ciudad mexicana). El nombre cristiano de la niña, su peinado y el modo de sentarse suguieren que ella pertenece a una cultura que ha recibido una fuerte influencia de la Europa “civilizada”, una cultura híbrida. Pero una mirada atenta puede descubrir que el cuadro desestabiliza sutilmente la armonía de esa identidad mestiza. En efecto, en medio de la Segunda Guerra Mundial, Frida pinta en el centro de la escena un avión de combate camuflado, similar a los que atraviesan los cielos europeos, y lo coloca, como un inocente juguete, en las manos de la niña indígena. A ello se suma la elección de sus nombres. Los dos apelativos cristianos tienen una significativa semántica cuando se los utiliza para dar identidad a la niña indígena ubicada en ese esenario: “Lucha” parece haber dejado de funcionar como el diminutivo de “Lucía” para aludir a la guerra, y “María” podría suguerir la referencia a la mujer que, sin quererlo ni saberlo, dio nacimiento a una nueva era. Así, en esta última imagen encontramos finalmente representada una identidad latinoamericana no sólo mestizada, sino también recorrida por fuertes tensiones. Lucha María se encuentra sentada en el centro de dos ejes que trazan una encrucijada. Esas dos culturas ya han sido mezcladas y su respectivo valor ha dejado de ser inmediatamente claro, pues la nueva guerra parece formular con más fuerza las siguientes preguntas: ¿dónde reside nuestra identidad latinoamericana? ¿Esa Europa que da a luz una nueva barbarie puede ser el indiscutido modelo? Referência bibliográfica ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginarias. Reflexiones sobre el origen y la difusión del nacionalismo, Buenos Aires, FCE, 1999. ARICO, José, “Mariátegui y los orígenes del marxismo latinoamericano” en La hipotesis de Justo. Escritos sobre el socialismo en América Latina, Buenos Aires, Sudamericana, 1999. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 137 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] BAYER, Osvaldo (comp.). Historia de la crueldad argentina: Julio Argentino Roca, Buenos Aires, Ediciones del CCC, 2007. HENRÍQUEZ UREÑA, Pedro. “Caminos de nuestra historia literaria” en Valoraciones nº 7, La Plata, setiembre 1925, pp. 27-32. RODRIGUEZ, Miguel. Celebración de la “Raza”. Una historia comparatica del 12 de octubre, México, Universidad Iberoamericana, 2004. SABATO, Hilda. “La reacción de América: la construcción de las repúblicas en el siglo XIX“, en CHARTIER, Roger y FEROS, Antonio (comp.), Europa, América y el mundo: tiempos históricos, Madrid, Marcial Pons, 2006. SCAVINO, Dardo (2010). Narraciones de la independencia. Arqueología de un fervor contradictorio, Buenos Aires, Eterna Cadencia. TERÁN, Oscar (comp.). Ideas en el siglo. Intelectuales y cultura en el siglo XX latinoamericano, Buenos Aires, Siglo XXI, 2010. VAZQUEZ, Karina. “De la modernidad y sus mapas. Revista de Occidente y la “nueva generación” en la Argentina de los años veinte”, Revista Intellectus, año 02, vol. II, www.intellectus.uerj.br, 2003. YANKELEVICH, Pablo, “Las fronteras latinoamericanas del México revolucionario” en México en el mundo hispánico, MAZÍN GÓMEZ, Óscar (comp.), Michoacan, COLMIH. S. 131-147, 2000. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 138 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] POVOS INDÍGENAS NO SERTÃO: UMA HISTÓRIA DE ESBULHOS DAS TERRAS, CONFLITOS E DE MOBILIZAÇÃO POR SEUS DIREITOS Edson Silva1 Resumo: Após a extinção oficial dos aldeamentos na segunda metade do século XIX, apesar das invasões de seus territórios e perseguições, os povos indígenas no Sertão de Pernambuco elaboraram diversas estratégias para continuarem em seus locais de moradias. Com as mobilizações indígenas a partir das primeiras décadas do século XX para o reconhecimento de seus direitos, esses povos além de questionarem as explicações que afirmam o desaparecimento indígena, passaram a ocupar inegavelmente o cenário político regional contemporâneo. Palavras-chave: índios; Sertão Pernambuco; história; organização; direitos. Novas abordagens sobre os índios na História Nos últimos vinte anos vêm sendo realizadas diversas pesquisas sobre os chamados índios em Pernambuco, no Nordeste. Esses grupos, que se mobilizam desde as primeiras décadas do século XX, colocando em questão crenças e afirmações sobre o desaparecimento indígena na Região após extinção dos aldeamentos, a partir de meados do século XIX, conquistaram considerável visibilidade política em anos recentes. Constituindo-se, portanto, em um tema a ser discutido na área de História, malgrado ainda preconceitos e o quase desconhecimento, expresso pelos escassos estudos sobre o assunto, nessa área do conhecimento. 1 Doutor em História Social pela UNICAMP. Leciona no Programa de Pós-Graduação em História/UFCG (Campina Grande-PB) e no Curso de Licenciatura Intercultural Indígena na UFPE/Campus Caruaru, destinado a formação de professores/as indígenas. É professor de História no CENTRO DE EDUCAÇÃO/Col. de Aplicação - UFPE/Campus Recife. E-mail: [email protected] Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 139 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] Ao contrário do considerável volume de estudos realizados nos últimos anos, alguns deles publicados, na área da Antropologia sobre os povos indígenas em Pernambuco e no Nordeste, é facilmente constatável que pesquisas tendo os índios como objetos de reflexões na área de História são ainda em número muito reduzido. Os estudos, em uma perspectiva especificamente histórica, se limitam em sua maioria ao período colonial e alguns ao século XIX. A crença expressa por intelectuais regionais de que a extinção dos aldeamentos, pelo Governo Imperial, provocou o desaparecimento das populações indígenas que foram misturadas e incorporadas aos contingentes de moradores vizinhos, originando o caboclo ou no máximo um remanescente, influenciou os estudos posteriores sobre a História no Nordeste. Os então chamados caboclos ou remanescentes de índios no Nordeste foram vistos em uma perspectiva de análise das perdas culturais. E, por essa razão, durante muito tempo esquecidos, até mesmo pelas abordagens antropológicas, pois se tratava de populações marginais, espoliadas, pensadas como totalmente aculturadas, quando situadas em uma escala evolucionista, comparadas com os grupos indígenas no Norte do Brasil, portadores de uma legítima e suposta pureza cultural originária. Foram, portanto, desprezados os processos históricos vivenciados por essas populações no Nordeste. Processos esses que precisam ser conhecidos, para se compreender as especificidades das situações nas quais os grupos afirmam uma identidade indígena, exigindo o reconhecimento oficial e reivindicando seus direitos, principalmente os relativos às terras invadidas por terceiros. Assim, em novas abordagens, pensar os “índios misturados” no Nordeste é antes de tudo, conhecer os processos históricos e os fluxos culturais, expressos nas relações com diferentes atores sociais nas situações de cada grupo indígena. A cultura não é mais vista na perspectiva das perdas, mas, sim, como expressão das relações sócio-históricas de diferentes atores interagindo, local e globalmente, desde as disputas pelas terras às várias influências políticas, no âmbito público ou mais próximo, nas articulações, alianças e nas organizações sociais. Uma análise dos Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 140 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] acontecimentos históricos os indígenas deve então levar em conta as diferentes temporalidades e leituras que deles foram realizadas, a partir de interesses explícitos ou não, quando expressos publicamente quase nem sempre pelos índios ou a eles favoráveis. A população indígena em Pernambuco foi contabilizada nos dados mais recentes em torno de 38.000 indivíduos (FUNASA/SIASI, 2006), habitando as regiões do Agreste e Sertão, formada pelos povos: Fulni-ô (Águas Belas), Xukuru do Ororubá (Pesqueira), Kapinawá (Ibimirim, Tupanatinga, Buíque), Kambiwá (Ibimirim), Pipipã (Floresta), Pankará (Carnaubeira da Penha), Atikum (Carnaubeira da Penha e Floresta), Tuxá (Inajá), Pankararu (Tacaratu, Petrolândia e Jatobá), Truká (Cabrobó) e os Pankauiká (Jatobá), estando esse último povo reivindicando o reconhecimento oficial. Essas populações historicamente foram discriminadas, perseguidas e expulsas de suas terras. Seus direitos e identidades étnicas foram negados, por aqueles que advogaram o extermínio e o desaparecimento indígena, a extinção dos aldeamentos baseada na idéia de assimilação dos índios. Imagens e concepções repetidas em vários discursos oficiais, reproduzidas em escritos literários e também nos estudos acadêmicos. Nesse texto, a partir de documentos encontrados no Arquivo Público Estadual de Pernambuco que se referem aos índios, evidenciamos os percursos históricos dos grupos indígenas no Sertão pernambucano. O conhecimento dessas trajetórias possibilita uma melhor compreensão da situação e demandas dos atuais povos indígenas nessa região. O protesto dos índios Tuxá pelos seus direitos Juntamente com “seus companheiros” Jacinto Baptista dos Santos, índio da “tribu Tuchá”, e “morador na Ilha da Viúva”, compareceram em 1908 ao Cartório de Cabrobó, onde pediram para lavrar um “Termo de Protesto” com um abaixo-assinado endereçado ao Presidente da República. Jacinto em nome dos seus parentes protestou contra o Conselho Municipal Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 141 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] que fez o arrendamento de seus terrenos e os da povoação de Rodelas, doados a eles ainda “durante o período monárquico”. O documento elaborado a pedido dos índios pelo Tabelião do Cartório, afirma a ilegalidade do procedimento do Conselho lembrando que o direito de posse além de ser assegurado pela Constituição, à desapropriação só poderia ocorrer pro “necessidade de utilidade pública” e com prévia indenização. Solicitavam os índios à devolução de suas terras garantidas pela Constituição Federal em vigor que desrespeitada pelo Conselho Municipal. não poderia inclusive ser 2 Alguns dias depois o índio Jacinto voltou ao Cartório e dirigiu outro Requerimento ao Governador do Estado de Pernambuco Herculano Bandeira de Melo, onde afirmava: “estamos sendo usurpados dos meus direitos adquiridos assim como os meus companheiros índios da tribu Tuchá”. O líder Tuchá pedia que lhe fossem devolvidas as terras arrendadas ilegalmente. No documento Jacinto expôs que seus antepassados eram donos da terra, o que foi reconhecido por Dom João VI e D. Pedro I e por isso apelava para o senso de justiça para ser atendido em seu pedido3. Esses documentos dos “Tuchá” demonstram a existência de um apoio conquistado pelos índios, no fato da escrita dos termos pelo Tabelião do Cartório, na reivindicação dos seus direitos. Nos abaixo-assinados que acompanham os referidos documentos dentre aqueles que assinaram muitos sobrenomes são semelhantes, o que evidencia talvez uma lista de indivíduos com parentesco. Além disso, é importante ter presente os argumentos e os instrumentos jurídicos e políticos usados pelos índios na denúncia e na busca de reaver o que lhes pertencia, através da historicização e reafirmação com clareza das suas reivindicações. Na divisão política e a administrativa dos Estados na República, o município de Rodelas onde habitavam os “Tuchá” ficou situado na Bahia, na proximidade das margens do Riso São Francisco, na fronteira com Pernambuco. Ainda na década de 1940 os índios conquistaram o direito de 2 Termo de Protesto de Jacinto Baptista dos Santos (por José Joviano de Barros), em Cabrobó 06/06/1908, para o Presidente da República. Arquivo Público Estadual de Pernambuco (APE), Códice Petições: Índios, folhas 1112. 3 Requerimento de Jacinto Baptista dos Santos, em Cabrobó 25/06/1908, para o Governador do Estado de Pernambuco Herculano Bandeira de Melo. APE, Cód. Petições: Índios, fls. 13-14. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 142 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] um Posto do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) e Governo Federal reconheceu suas terras na Ilha da Viúva e em Rodelas. Com as obras da Barragem de Itaparica que inudariam essas terras, a partir 1987 os Tuxá foram reassentados pela CHESF em três novos núcleos: Ibotirama no Sertão baiano, Nova Rodelas/Riacho do Bento (BA) e umas poucas famílias em uma fazenda adquirida pela FUNAI em Inajá/PE. Os órgãos oficiais se comprometeram assentar os agora chamados de Tuxá, em terras com um projeto de agricultura irrigada. Passaram cerca de dez anos, com grandes prejuízos para os Tuxá. Somente em fins da década de 1990 em parte reivindicações foram atendidas, após muita pressão dos índios que ocuparam várias vezes o canteiro de obras da CHESF e até a sede da Empresa no Recife. A destinação de terras para todas as famílias Tuxá permanece uma questão irresolvida. Aldeias da Assunção e de Santa Maria: queixas contra os esbulhos e perseguições Documentos do Século XIX informam que a Aldeia da Assunção ou Ascenção tinha cinco léguas de extensão. Sua sede estava localizada na Ilha do mesmo nome, defronte a cidade de Cabrobó, separada do Continente pelo Rio São Francisco. Possuía essa grande Ilha e outras menores terras muito férteis, onde os índios em função da abundância de água plantavam grande quantidade de lavoura, hortaliças e algodão. A riqueza produzida pelas terras da Aldeia foi motivo de cobiça de invasores. Os índios fizeram “diverças queixas” o que obrigou como reconheceu o Diretor Geral dos índios em 1853, “solicitar de pessoas consideráveis daquele Certão informaçõens se de fato sofrião os ditos Índios, as opreçõens de que se queixavão”. (Grifamos). A situação chegara a tal ponto que muitos tiveram que fugir para se reunirem a “tribu selvagem” na Serra Negra4. No Relatório de 1861 sobre a situação das aldeias na Província de Pernambuco, lemos que a Câmara Municipal tinha esbulhado grande parte das terras da Aldeia. O abuso fora favorecido pelo Juiz local que afirmando 4 Of. do Dir. Geral dos Índios José Pedro Vellozo da Silveira, em 01/04/1853, ao Pres. da Prov. de PE. APE, Cód. DII-19, fl. 17. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 143 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] serem os terrenos propriedade da Matriz os colocou em hasta pública arrendando-as por nove anos5. Em 1863 os índios insistem sobre “a posse das Ilhas reclamadas”, que segundo comunicou a autoridade provincial responsável pela administração dos índios, estavam sendo objeto de discussões e disputas entre as Câmaras Municipais de Cabrobó e Boa Vista. A Aldeia de Santa Maria foi invadida por fazendeiros que expulsaram os índios refugiados nas serras próximas. Apesar das perseguições que provocou a fuga e a dispersão de muitos índios, mesmo pressionadas algumas famílias indígenas permaneceram habitando as terras da Aldeia. Entre 1920 a 1940, no primeiro período das emergências étnicas no Nordeste (Arruti, 2004, p.232), os chamados “caboclos da Assunção”, organizaram a mobilização para o reconhecimento oficial e das suas terras. No acervo do SPI disponível no Museu do Índio/RJ, encontramos documentos que comprovam isso. Os índios apesar das muitas perseguições recorreram a Justiça pelo direito às suas terras e por diversas vezes líderes como Ancilon e Antonio Ciríaco, aparecem nos documentos como reclamantes dos direitos indígenas. Em fins da década de 1990 após longos anos de conflitos com posseiros e de espera para uma solução oficial, os Truká ocuparam toda Ilha da Assunção expulsando os invasores. Malgrado outros tipos de violências gravíssimas provocadas pelo plantio da maconha por outros invasores nas ilhas menores, a intensa produção de cebola e de arroz carregam os caminhões que abastecem os mercados das cidades do entorno e de outras regiões. Aldeia do Brejo dos Padres: conflitos e ataques dos “selvagens” da Serra Negra Uma parte da documentação do Século XIX disponível no Arquivo Público de Pernambuco sobre a Aldeia do Brejo dos Padres, em Tacaratu, nos coloca diante de uma difícil pergunta. Teria o Maioral daquela Aldeia o domínio da escrita tão bem expressa nos documentos enviados as 5 “Relatório do estado das Aldeias da Província de Pernambuco”, pelo Barão dos Guararapes, em 13/02/1861. APE, Cód. DII-19, fl. 55. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 144 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] autoridades provinciais, ou contava ele com um apoio na redação dos textos? Ele era um índio? Não temos como saber, uma vez que nos faltam informações. Mas, seja qual for à resposta, ela nos revela como os índios se apropriaram dos instrumentos coloniais para afirmarem sua autonomia e reivindicarem os seus direitos. Os conflitos na Aldeia Brejo dos Padres, em Tacaratu, acentuaram-se na década de 1860. Manoel Barbosa Arcoverde, “Capitão-Mór Interino da Missão do Brejo dos Padres da Villa de Tacaratú”, com um longo e detalhado ofício, denunciou em 1852 a sua prisão arbitrária por ordem do Delegado do Termo de Tacaratu, durante as eleições no dia sete de setembro. Em sua denúncia o Maioral dizia ser falsa a acusação de estar bêbado como motivo para sua detenção, pois a verdadeira razão seria a coerção contra a liberdade de voto do preso: “fallar-se liberdade de votos é o mesmo que dizer-se soffer o mais duro acossamento”. 6 O Maioral da Aldeia Brejo dos Padres também denunciou a autoridade provincial que fora preso pelo Diretor da Aldeia por não colaborar para a exploração dos índios: “só por querer que eu lhe mande os índios fazer por força, o que totalmente eu não posso, pois não são escravos, já tenho sido por duas vezes prezo, como agora me acho sem culpa alguma só pelos dispoticos costumes do Sr. Director”. 7. Encontramos ainda referências de documentos enviados em 1853 pelo “Mayoral dos Índios da Aldeia dos Padres” a Presidência da Província e ao Diretor Geral dos Índios denunciando perseguições e violências. 8 No mesmo ano, Manoel “Arco Verde”, em outro longo ofício, afirmava que depois de ter denunciado as prisões dos índios pela recusa em trabalhar nas lavouras do Diretor da Aldeia e de seus parentes, e em virtude de ter conquistado da Presidência da Província a dispensa desse trabalho obrigatório, continuavam as prisões por motivos banais. O Maioral denunciava mais perseguições, pois o Diretor com o apoio da polícia “todos os dias procura pretextos fúteis para arrastar o supplicante e mais índios a 6 Of. do Maioral dos Índios da Missão Brejo dos Padres, s/d. ao Pres. da Prov. de PE. APE, Códice DII-10, fls. 2 e 3. 7 Idem, fl. 14. 8 Of. do Dir. Geral dos Índios, em 31/01/1853, ao Pres. da Prov. APE, Cód. DII-10, fl. 01. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 145 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] cadêa, trazendo a Aldeâ effectivamente assustada, e varejada por tropas de policia, disparando tiros sobre os índios...”9. As terras do Brejo eram muito valorizadas. A Comissão nomeada pela Presidência da Província para dar um parecer sobre as aldeias em 1873, encontrou nelas diversas “engenhocas”, engenhos alguns deles de propriedades dos índios que produziam mel e rapadura. (MELLO, 1975, p.347.). Ora, tendo presente o histórico das perseguições contra os aldeados no Brejo dos Padres, é possível compreender as ações indígenas. Um documento de 1860 cita que os fazendeiros estavam preocupados em defender o rebanho bovino com o qual ocupava os territórios indígenas, e para isso também apelavam às autoridades provinciais. Pediam providências contra os “índios semi-selvagens da Serra Negra que reunidos com diversos índios domesticados da Aldeia Brejo dos Padres” estavam furtando o gado. Ataques eram realizados por grupos formados de aldeados e ex-aldeados no Brejo e com índios que se refugiavam na Serra vizinha a Aldeia, para onde por causa também das invasões de suas terras foram índios da Aldeia de Assunção, “obrigados a unir-se aos selvagens que habitão a Serra Negra”. 10 A Serra Negra desde muitos anos fora local de moradia de diferentes povos indígenas. Em 1838 se tinha notícias de “umans e xocós” que da Serra migraram para Jardim, no Ceará. Em 1842 o Delegado de Flores informava que tinha recebido ordens da autoridade provincial para encontrar a melhor maneira de “chamar a ordem” índios Quipapá (Pipipan?), Uman e Xocó que “armados a maior parte deles com granadeiras, bacamartes, clavinotes e pistolas”, estavam atacando e assassinando quem passava na Serra Negra e no Piancó. (ROSA, 1998, p.25). Na Serra Negra local abundante em caça e água, secularmente habitada por indígenas, se juntaram índios vindos outras aldeias, expulsos pelas invasões de fazendeiros. A Serra se tornou uma fortaleza onde os povos indígenas locais e os que para lá foram defenderam seus territórios tradicionais frente às invasões dos fazendeiros com o criatório de gado. Por 9 Of. do Maioral dos Índios do Brejo dos Padres, em 27/04/1853, ao Pres. da Prov. de PE. APE, Cód. DII-10, fl.19. 10 Relatório do Estado das Aldeias da Província de PE, pelo Barão de Guararapes, em 13/02/1861. APE, Cód. DII-19, fl. 55. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 146 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] essa razão as autoridades afirmavam que uma “horda de índios selvagens” atacava as lavouras e a criação de gado nas freguesias de Cabrobó e Salgueiro. Em correspondências de 1846 4 1848 as autoridades locais diziam que os índios “além de fugirem da comunicação dos habitantes, vivem prejudicando os fazendeiros”, solicitando providências. (Id. 30). Os habitantes na Serra eram considerados pelas autoridades como bárbaros que armados de arcos e aramas de fogo, desrespeitavam “a ordem” e acirravam um conflito que já provocara diversas mortes de índios e fazendeiros11. Os índios da Serra Negra foram atacados diversas vezes, por milícias e tropas legais com baixas do lado indígena, como no combate ocorrido na Fazenda Canabrava, onde foram feridos diversos índios e morto Crispim de Souza Ferraz que se encontrava com eles. (ROSA, 1998, p.35). Em 1869 o Delegado de Tacaratu informa que “criminosos” continuavam agindo na região e que “sustentavam-se com gados alheios, no lugar de Varas, no Moxotó, e que teria atacado com uma força não conseguindo capturá-los, mas apenas afugentá-los dali.” (Id, p.36). O conflito prolongou-se e dez anos mais tarde em 1879, outro Delegado de Floresta solicitou ao Chefe de Polícia da Capital uma força de 50 praças, um bom oficial e muita munição para combater um grupo de mais de “30 criminosos” escondidos na Serra Negra e Periquito. Informava posteriormente o Delegado que “criminosos e ladrões” da Serra Negra ofereceram resistência nos combates com as tropas oficiais, o que resultou em mortes de ambos os lados. No ano seguinte, por repetidas vezes, o Delegado pediu diligenciais para capturar “criminosos” que permaneciam roubando e ameaçando atacar Floresta e a cadeia daquela cidade. (ROSA, 1998, p.38). Não encontramos o documento que oficializou a extinção, mas alguns autores afirmam que a Aldeia do Brejo dos Padres foi legalmente declarada extinta em 1875 (HOHENTAL, 1960, p.68). Os índios da Aldeia do Brejo dos Padres em 1883 protestaram através de um abaixo-assinado,12 enviado para 11 Of. do Juiz Municipal Antonio Pereira de Barros, em 18/04/1860, ao Presidente da Província de Pernambuco. APE, Cód. JP-20, fl. 104. 12 Requerimento acompanhado de assinaturas dos Índios da Aldeia do Brejo dos Padres/em Tacaratu 17/02/1883, ao Pres. da Prov. de PE. APE, Cód. Petições: Índios, fls. 08-09. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 147 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] a Presidência da Província depois que “perderam o terreno que cultivavam cana-de-açúcar” e denunciaram que “pessoas estranhas” invadiram suas terras proibindo-os de colher “frutos que eles mesmos tinham plantado”. Diziam os índios que os terrenos originalmente ocupados por eles era o suficiente para cultivo de todos os habitantes da Aldeia. O conflito se arrastou com a continuidade dos ataques dos índios moradores na Serra Negra às fazendas de gado que invadiram seus territórios. Por essa razão em 1884 o índio José Francisco Lima encontravase preso na Ilha de Fernando de Noronha, como informava o Delegado de Floresta as autoridades da Capital. Porém, os confrontos persistiram e em 1889 informavam as autoridades policiais que “60 criminosos” tinham se juntado a um grupo menor no lugar Quebra Unha, o que levou a Presidência da Província recomendar a solicitação de tropas dos municípios vizinhos. Naquele mesmo ano, o Subdelegado do 2º Distrito de Floresta percorria com uma tropa a Ribeira do Navio para capturarem “criminosos e ladrões” que segundo ele teria “plantado o terror no seio das famílias; obrigando deste modo os fazendeiros a reunirem indivíduos para defesa de suas casas e propriedades”. Na Várzea do Mari ocorreu um combate com ferimentos nos homens de sua tropa. No ano seguinte, autoridades policiais informavam que “em perseguição aos criminosos que habitam a Serra Negra” foram feridos dois homens e um morto. (ROSA, 1998, p.39). Os índios da Serra Negra sabedores dos embates e disputas da política local buscaram apoio e fizeram alianças com aqueles que ocuparam cargos públicos. É o que revelou o Delegado de Floresta referindo-se a Antonio Valgueiro dos Santos que enviou um abaixo-assinado às autoridades policiais da Capital, denunciando um plano da policial local para atacar e assassinar mulheres e crianças na Serra Negra. Dizia o Delegado que Antonio Valgueiro era do extinto Partido Conservador e um “célebre protetor dos afamados criminosos da Serra Negra e Quebra Unha”, e que aqueles Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 148 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] indicados por ele para ocupar cargos públicos tinham notórias implicações com criminosos ou eram parentes deles. (ROSA, 1998, p.40). Na documentação lemos que os índios atacavam realizando a matança de gado e incêndios de plantações nas Ribeiras do Navio e Mandantes. Nos primeiros anos do período republicano as autoridades policiais continuavam a reclamar a ausência de tropas para combater os “criminosos” que “infestavam” a Comarca de Floresta, especificamente na Serra Negra. Em 1894 diante dos ataques os moradores organizaram uma grande expedição para combater os índios. Foi um combate duro, os índios ofereceram “notável resistência, lutando com bacamartes, arcos e flechas”. Depois desse confronto não há mais notícias de ataques às fazendas. (ROSA, 1998, p.41). Mas os conflitos com as invasões dos fazendeiros continuaram. Na memória oral dos índios do Brejo dos Padres/Tacaratu, encontramos relatos que nas primeiras décadas da República, seus antepassados procuraram Pe. Alfredo Damaso, vigário em Bom Conselho e “protetor” dos índios de Águas Belas, pedindo ajuda para intermediar junto ao Estado os seus direitos. Com o apoio do religioso, índios fizeram várias viagens a pé ao Rio de Janeiro e ao Recife para falar com as autoridades governamentais. Os índios conquistaram o reconhecimento oficial com a instalação em 1937 de um Posto do SPI no Brejo dos Padres. Iniciou-se um processo de mobilização e pressão junto ao Estado para demarcação definitiva das terras reivindicada pelos indígenas, sendo uma parte delas demarcada em fins da década de 1990 e a outra parte encontra-se no final do processo demarcatório. Uma história indígena em suas (des) continuidades No século XIX, acentuadamente após a Lei de Terras de 1850, as câmaras municipais insistentemente solicitaram aos poderes públicos as terras dos antigos aldeamentos para patrimônio dos municípios, alegando a necessidade de expansão destes. Os vereadores legislavam em causa própria, uma vez que sendo a maioria deles invasores nas terras indígenas, com a medição e demarcação das terras dos aldeamentos, tiveram suas posses legitimadas. Assim, a partir de 1870 vários aldeamentos foram oficialmente declarados extintos em Pernambuco e no Nordeste, favorecendo Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 149 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] os tradicionais esbulhos, legitimando-se os antigos invasores das terras indígenas, como comprova a documentação que tratam sobre os índios nesse período. Os atuais povos indígenas lembram em suas tradições orais que com as invasões sistemáticas de suas terras e decretação das extinções dos aldeamentos, ocorreram casos de umas poucas famílias que permaneceram em seus antigos locais de moradia. Recordam ainda de parentes que migraram para terras de outros aldeamentos, também oficialmente declarados extintos. Muitas famílias indígenas engrossaram o grande contingente de mão-de-obra espalhado pelas regiões vizinhas às aldeias, ora trabalhando nas fazendas, como moradores, agregados, sem terras, ora migrando para trabalharem no cultivo sazonal da cana-de-açúcar na Zona da Mata. Ora vagando pelas estradas, sem-terras e sem-tetos vieram ocupar as periferias dos centros urbanos. O Relatório sobre os aldeamentos de índios na Província de Pernambuco apresentado em 1873 por uma comissão nomeada pelo Presidente da Província, quando ao tratou dos “Costumes dos índios” afirmava: “são preguiçosos e inclinados ao furto”. E sobre a situação dos indígenas: Esbulhados em seus direitos, vendo usurpadas as suas terras, os índios de muitas aldeias se tem lançado em verdadeiro desespero, procurando o caminho do crime. Existe um considerável número de índios, processados por crimes de morte e que vivem foragidos. Também circulam pelas fazendas bandos de índios que roubam e matam o gado. (MELLO, 1975, p.349). Uma leitura minuciosa e nas entrelinhas da documentação sobre os aldeamentos torna bastante questionável as informações encontradas nesse Relatório, uma vez que não foram levados em conta os processos de conflitos, esbulhos, violências, mas também de resistências, as experiências dos índios vivenciadas em cada um dos aldeamentos. Prevalecia do ponto de vista oficial o preconceito e a negação das populações indígenas. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 150 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] Não foi sem razão, portanto, que partir do último quartel do século XIX ocorreu um silêncio oficial sobre os povos indígenas no Nordeste. Esse silêncio estava baseado na idéia de assimilação dos índios, “confundidos com a massa da população”, como enfatizavam as autoridades, o que influenciou as reflexões históricas posteriores e os primeiros estudos antropológicos regionais que afirmavam o desaparecimento dos indígenas no processo de miscigenação racial, integração cultural e dispersão no conjunto da população regional. (PORTO ALEGRE, 1992/1993; SILVA, 1996). Por meio da memória oral de vários povos é facilmente constatável que famílias indígenas conseguiram resistir às pressões nos seus antigos locais de moradia, em “sítios” mais afastados e de difícil acesso. E na dinâmica dos vínculos estabelecidos com outros grupos de marginalizados pelo sistema social vigente e das relações culturais na sociedade onde estavam inseridas, essas famílias reelaboraram a identidade étnica afirmada pelos atuais povos indígenas em Pernambuco e no Nordeste. (SILVA, 2000). Classificados como remanescentes de índios, oficialmente chamados de caboclos, a eles foram dedicados estudos de seus hábitos e costumes considerados exóticos, suas danças e manifestações folclóricas em vias de extinção, como também apareceram em publicações, crônicas de memorialistas, que exaltaram de forma idílica a contribuição indígena nas origens e formação social de municípios do interior. Apesar de conhecidos como caboclos também no senso comum da sociedade, e nos lugares onde existiram antigos aldeamentos e, terem essa caboclização justificada em diversos estudos regionais, o caboclo permaneceu índio, questionando as visões preconceituosas, as teorias explicativas do desaparecimento indígena. Assim, vários povos indígenas no Nordeste, invisíveis desde fins do século XIX, teceram uma história de resistência étnica afirmada nas primeiras décadas do século XX, em razão das pressões que recebiam com o avanço do latifúndio sobre as suas pequenas propriedades, sítios e glebas de terras onde permaneceram resistindo, se mobilizaram para exigirem seus direitos históricos negados. (SILVA, 1995). Esse fenômeno chamado de “emergência étnica” que vem ocorrendo nas áreas mais antigas da colonização a exemplo do Nordeste foi também Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 151 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] chamado pela atual reflexão antropológica de etnogênese: o processo de emergência histórica de um povo que se auto-define em relação a uma herança sociocultural, a partir da reelaboração de símbolos e reinvenção de tradições culturais, muitas das quais apropriadas da colonização e relidas pelo horizonte indígena (OLIVEIRA, 2004). Os povos indígenas em Pernambuco, no Nordeste, vivenciaram dois processos de territorialização em situações muito diversas. Na primeira, com as missões religiosas, desde o século XVII até o início do século XVIII, quando contingentes de diferentes grupos nativos foram aldeados e catequizados, de que resultaram os atuais etnônimos dos povos indígenas no Nordeste. Nos aldeamentos, como parte da política assimilacionista e homogeneizadora, ocorreu uma primeira mistura. Para atender os interesses expansionistas coloniais, foi incorporada a mão-de-obra indígena e posteriormente incentivados legalmente os casamentos mistos e o estabelecimento de portugueses em terras dos aldeamentos, provocando uma segunda mistura. As missões foram elevadas à categoria de vilas de índios. Com a Lei de Terras de 1850, regulatória de propriedades rurais, foram legitimadas as invasões em terras de antigos aldeamentos, declarados extintos em fins do século XIX. Suas terras, quando não passaram para as mãos de terceiros, foram incorporadas aos patrimônios das câmaras municipais. No ato da medição e demarcação, a umas poucas famílias indígenas foram destinados pequenos lotes, outras famílias se dispersaram, ocorrendo uma terceira mistura, relembrada nos relatos das memórias orais indígenas. Em um segundo momento, um processo de territorialização se iniciou a partir dos anos 1920, quando um posto do SPI foi instalado entre os Fulniô, em Águas Belas, depois da mediação de Pe. Alfredo Dâmaso junto às autoridades federais, no Rio de Janeiro. A partir do reconhecimento oficial desse grupo indígena no Nordeste, foi provocada uma articulação e mobilização dos índios, para a instalação, ao longo das décadas seguintes, de postos do SPI entre outros grupos indígenas, sendo o último instalado em 1954, entre os Xukuru, na Serra do Ororubá (Pesqueira/PE). A instalação dos postos criou vínculos de uma tutela paternalista, chegando a estabelecer Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 152 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] os critérios que determinavam a identidade indígena, bem como os papéis do cacique, pajé e conselheiro da organização política. (OLIVEIRA, 2004, p.2527). Os povos indígenas em Pernambuco e no Nordeste, portanto, vivenciaram esse processo de territorialização, mas que não deve ser entendido como homogeneizador e que tinha ocorrido com a passividade indígena, pois “Cada grupo étnico repensa a ‘mistura’ e afirma-se como uma coletividade precisamente quando dela se apropria segundo os interesses e crenças priorizados” (OLIVEIRA, 2004, p.28). As pesquisas e reflexões históricas que ora vem sendo realizadas sobre os povos indígenas no Nordeste, a partir de abordagens que incorporam as discussões interdisciplinares mais recentes, além de possibilitarem rever uma história linear, ufanista, como uma grande conquista, está contribuindo para um maior conhecimento das relações coloniais onde os indígenas foram atores/sujeitos. Contribuindo também para compreensão do processo histórico de emergência étnica na Região e da atualidade dos povos indígenas no Nordeste. Embora se faça necessário evitar o “vicio do presentismo”, ou seja, supor que os atuais indígenas no Nordeste sempre existiram, ao nos referirmos aos acontecimentos e imagens do passado com os nossos olhos. E para não pensarmos de forma simplista que os atuais povos indígenas sempre estiveram onde hoje estão é que precisamos “resgatar a plena historicidade dos sujeitos históricos” concretos em cada contexto e situação política. (OLIVEIRA, 1999, p.105-106). Para isso também são necessárias à realização de novas pesquisas em antigos e novos documentos, as (re) leituras das fontes questionando as visões fatalistas que advogaram o fim dos índios, “confundidos com a massa da população”, como afirmavam as autoridades no século XIX para legitimar a extinção dos aldeamentos e os esbulhos de suas terras (SILVA, 1996), ou visões deterministas que afirmaram a tragédia histórica indígena com “a perpetuação da conquista: a destruição das aldeias indígenas em Pernambuco no século XIX”. (VALLE, 1992) Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 153 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] As pesquisas nos acervos documentais juntamente com reflexões ancoradas nas novas abordagens estão contribuindo para melhor compreendermos os atuais povos indígenas em Pernambuco e no Nordeste. Entendermos as relações da nossa sociedade do presente e do passado com os indígenas, para pensarmos um país que se reconheça, respeite a riqueza da diversidade e das diferenças expressas pelos povos indígenas. Por essa razão, em novas abordagens, “Importa recuperar o sujeito histórico que agia [age] de acordo com a sua leitura do mundo ao seu redor, leitura esta informada tanto pelos códigos culturais da sua sociedade como pela percepção e interpretação dos eventos que se desenrolavam”. (MONTEIRO, 1999, p.248). É a partir dessa perspectiva que procuramos ler as fontes que tratam sobre os índios no Sertão pernambucano disponíveis no Arquivo Público Estadual. Referência bibliográfica ANDRADE, Manuel Correia de. A terra e o homem no Nordeste. 4ª ed. São Paulo: LECH, 1980. ARRUTI, José M. A. A árvore Pankararu: fluxos e metáforas da emergência étnica no sertão do São Francisco. In, OLIVEIRA, João P. de. (Org.). A viagem de volta: etnicidade, política e reelaboração cultural no Nordeste indígena. 2ª ed. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2004, p.231279. CUNHA, Manuela C. da. (Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 1992. HOHENTAL, W. D. As tribos indígenas do Médio e Baixo São Francisco. Revista do Museu Paulista. (Nova Série), vol.XII, 1960, p.66-76. MELLO, José A. G. de. Relatório sobre os aldeamentos de índios na Província de Pernambuco em 1873. In, O Diário de Pernambuco e a História Social do Nordeste (1840-1889). Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1975, (Vol. 1), p. 339-351. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 154 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] MONTEIRO, John M. (1999). Armas e armadilhas. In, NOVAES, Adauto. (Org.). A outra margem do Ocidente. São Paulo: Cia. das Letras, p.237-249. OLIVEIRA, João P. de. Ensaios de Antropologia Histórica. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1999. _ _ _ .(Org.). A viagem de volta: etnicidade, política e reelaboração cultural no Nordeste indígena. 2ª ed. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2004. PETI/MUSEU NACIONAL-UFRJ. Atlas das Terras Indígenas no Nordeste. Rio de Janeiro: Projeto de Estudos sobre Terras Indígenas no Brasil, 1993. PORTO ALEGRE, M. S. Cultura e História, sobre o desaparecimento dos povos indígenas. In, Revista de Ciências Sociais, vol. 23/24, n.º1/2. Fortaleza: Edições Universidade Federal do Ceará, 1992/1993 p. 213-225. ROSA, Hildo Leal da. A Serra Negra: refúgio dos últimos “bárbaros” do Sertão pernambucano. Recife: UFPE, 1998. (Monografia de Bacharelado em História). SILVA, Edson. “Confundidos com a massa da população”: o esbulho das terras indígenas no Nordeste do século XIX. In, Revista do Arquivo Público Estadual de Pernambuco, n. 46, vol. 42, dez./1996, p.17-29. SILVA, Edson. “O nosso direito”. Conflitos e resistência indígena em Pernambuco no Século XIX. In, SILVA, Edson et alli. Índios do Nordeste: temas e problemas. Maceió: Edufal, 1999, p. 265-279. _ _ _. Resistência indígena nos 500 anos de colonização. In, BRANDÃO, Sylvana. (Org.). Brasil 500 anos: reflexões. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2000, p.99 -129. _ _ _. Memórias Xukuru e Fulni-ô da Guerra do Paraguai. In, Ciência em Revista, v.3, nº. 2, 2005, UFMA, São Luís, p.51-58. VALLE, Sarah M. A perpetuação da conquista: a destruição das aldeias indígenas em Pernambuco no século XIX. Recife: UFPE, 1992. (Dissertação de Mestrado em História). Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 155 Revista Historien – Ano II HISTÓRIAS [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] EM QUADRINHOS: POSSIBILIDADES E PERSPECTIVAS DO FAZER PEDAGÓGICO NO ENSINO DE HISTÓRIA Silvano Fidelis de Lira1 Resumo: o ensino de História é um ambiente de aprendizagem que utiliza de variadas formas de materiais didáticos para o seu fazer-se, junto a isto se somam novos personagens, novas abordagens e novas fontes e nesta perspectiva, a utilização das Histórias em Quadrinho (HQ). Este trabalho busca fazer reflexões, diagnosticar problemas e propor algumas questões quanto ao uso de HQ e sua utilização no ensino de História. A metodologia empregada busca investigar em escolas públicas se existe a utilização das HQ e a sua receptividade em meio aos professores e alunos. É preciso, contudo perceber quais as barreiras encontradas para a sua utilização como material pedagógico, a partir disso objetiva-se traçar possibilidades para a utilização das HQ nas aulas de História, propondo possibilidades para a sua abordagem como linguagem acadêmica. Palavras-chave: Histórias em Quadrinhos. Ensino de História. A prática de ensino e suas múltiplas formas se manifestam por excelência 1 no ambiente da sala de aula, e isso tem despertado Aluno do terceiro ano do curso de História da Universidade Estadual da Paraiba. E-mail: [email protected] Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 156 questionamentos quanto ao fazer pedagógico entre os profissionais da educação. Questiona-se como podemos atrair a atenção de nossos alunos e ao mesmo tempo despertar neles o gosto e o prazer em estudar história, em entender que o estudo dos homens no tempo pode ser algo que proporcione riso, alegria e ludicidade. Dentre as mais diversas formas de tornar as aulas de história mais ricas os professores vêm lançando mão de alternativas para inovarem as suas aulas, entre essas metodologias, podemos destacar, por exemplo, o uso do cinema na sala de aula, amplamente utilizadas, porém usada de forma errada, é o que acontece na maior parte dos casos, o material de apoio que o professor se propõe em usar não pode ser uma alternativa ilustrativa do conteúdo. Dependendo da forma com que estes são utilizados podem se tornar barreiras ao invés de serem agradáveis possibilidades de uma melhor aprendizagem no ensino de história. É bem verdade que de alguns anos para cá os pesquisadores em história vem se debruçando sobre uma quantidade de fontes que deixam de serem objetos secundários e passam a integrar de forma substancial a pesquisa escolar e acadêmica. Trabalhos surgem com o intuito de socializar os conhecimentos que lançam novas luzes sobre as novas maneiras de se ensinar história, os professores e alunos começam a perceber que o diálogo entre as fontes documentais pode contribuir para uma diversificação do conhecimento para que este se torne atrativo, encantador e eficaz. Neste sentido é preciso pensar novas formas de se ensinar história; O grande desafio que se apresenta neste novo milênio é adequar nosso olhar às exigências do mundo real sem sermos sugados pela onda neoliberal que parece estar empolgando corações e mentes. É preciso, nesse momento, mostrar que é possível desenvolver uma prática de ensino de História adequada aos novos tempos (e alunos): rica de conteúdo, socialmente responsável e sem ingenuidade ou nostalgia. (PINSKY e PINSKY, 2005, p, 19) Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 157 O professor que se propõe a está à frente de uma sala de aula sabe quais são os desafios que pode encontrar daí em diante, as salas estão cada vez mais cheias, e por se encontrarem assim, estão formadas por uma maior variedade de pessoas, cada uma com uma cultura diferente. A escola é o lugar do encontro e também o lugar do desencontro, do conflito, nela se manifesta aquilo que tantas vezes negligenciamos; a diferença. Essas tribos, esses grupos trazem em si uma identificação, uma identidade, por isso é preciso que professor – no nosso caso especifico, o professor de história – além de ser um homem das letras, e dos livros, seja também um homem do rip rop, do mangá, dos quadrinhos, do cordel, etc., isso implica em dizer que o professor deve está integrado ao lugar social de seus alunos, sendo dessa forma em parte uma pessoa que busque interagir com o meio em que se insere. Determinados professores perpetuam a prática de utilizar a linguagem dos quadrinhos para alguns exercícios básicos, porém corriqueiros e de forma sem nenhuma criação criativa. Alguns fazem fotocópias de uma página de Histórias em Quadrinhos com os textos eliminados. Apenas os desenhos, como completarem os forma balões ilustrativa. de fala Na como sala um pedem para exercício de os alunos criação e desenvolvimento de texto. Esse exercício ajuda a passar a estrutura de início, meio e fim de uma história para uma boa redação. Os professores estão certos nessa criação espontânea e empírica. Mas esta ferramenta pode render mais. Muito mais. O uso das chamadas novas metodologias de ensino tem mobilizado todo um debate em torno das propostas escolares e curriculares. Discute-se a sua utilização e a sua implantação em pequena ou larga escala, questionase quais metodologias utilizar, e em até que ponto elas podem substituir os tradicionais métodos educativos que ainda perduram no sistema escolar. Será que as novas metodologias podem ajudar a dinamizar o ensino e tornar as aulas mais atraentes? Será que os usos de novas linguagens têm algo a contribuir com o nosso sistema de ensino? Será que elas podem substituir o Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 158 livro didático? São perguntas que os educadores fazem sempre que pensam em como melhorar as suas metodologias, perguntas que povoam a mente das pessoas que se preocupam com os rumos que a educação vem tomando na sociedade contemporânea. Perguntas que movem as subjetividades não só dos grandes teóricos da educação, mas das pessoas que se propõem em pensar a educação com aquilo que tanto nos falta; sensibilidade pedagógica, a essência da vida do educador. A realidade da sala de aula hoje não é mais a realidade de uma escola que tem a missão de ser depositária do conhecimento, ela é antes de tudo uma mediadora do saber. A escola dialoga com o mundo do seu aluno, estabelece pontes e derruba os muros do preconceito, da intolerância e do egocentrismo, por isso mesmo seu papel é de dialogar. Dialogar inclusive no sentido de deixar-se ser questionada sobre a sua postura mediante às transformações culturais que o mundo está passando. Dentro do leque que se abre na educação e que recebeu o nome de novas linguagens temos as histórias em quadrinhos – daqui pra frente (HQ) – uma forma lúdica de se ensinar história. De acordo com Vergueiro (2004) o Brasil é o país pioneiro em estudos do gênero, país em que os estudos sobre HQ vêm tendo um crescimento considerável e uma produção bibliográfica bastante expressiva. De acordo com o autor foi na Universidade de Brasília (UNB) que foi criada a primeira disciplina de história em quadrinhos, inserida no currículo de um curso de graduação. A partir da criação da disciplina especifica sobre os quadrinhos na UNB foram criados outros cursos em universidades de todo o Brasil. Primeiramente, as disciplinas eram ofertadas em sua maioria nos cursos de letras e artes, só então começaram a despertar o interesse de pesquisadores de outras áreas como a história e a sociologia, por exemplo. Pensar as HQ como possibilidade no fazer pedagógico das aulas de história é propor-se a pensar um produto cultural e sua inserção dentro do mundo complexo da sala de aula. Isso nos leva a entender tala atitude do profissional como uma perspectiva de ensino, tendo em vistas que o Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 159 professor atuante tem uma quantidade de material didático em suas mãos que na grande maioria das vezes não funcionam, ou se funcionam não fornecem os resultados desejados. O funcionar ou não funcionar de um material pedagógico está ligado a uma série de fatores que muitas vezes escapam do controle do professor, é preciso estar atento para as realidades múltiplas da educação, em momento algum teremos uma homogeneidade quando nos referimos à educação. Os quadrinhos entram em nossa discussão como um dos vários recursos pedagógicos que podem ser utilizados no contexto da educação, em suas mais variadas modalidades. Eles não só ilustram conteúdos, mas devem ser tomados como o próprio conteúdo da disciplina. Segundo Vilela (2007); Devemos entendê-lo apenas como mais um recurso pedagógico que, se empregado, pode trazer bons resultados. O potencial pedagógico das histórias em quadrinhos é enorme. Mas, assim como o cinema e a literatura ficcional, os quadrinhos são muitas vezes vistos pelo professor de História apenas como suporte de um conteúdo. Eles podem ser mais do que isso. (p, 106) No intuito de serem inseridos no contexto da sala de aula, os quadrinhos podem ser utilizados na educação como instrumento para a prática educativa, porque podemos encontrar elementos em sua forma que poderiam ser bastante úteis como meio de alfabetização e leitura saudável. Sem falar na presença de técnicas artísticas como enquadramento, é preciso pensar também que o os quadrinhos são uma forma de texto duplo, eles unem harmonicamente o texto imagético e o texto escrito, nesse sentido, ao lê-los os alunos estariam também se alfabetizando visualmente. As HQ são um conjunto de técnicas que tanto podem ajudar a melhorar a leitura do texto em si como a leitura das imagens, imagens que dialogam numa sequência de símbolos e signos, formando um conjunto harmônico de enunciados que envolvem o leitor; Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 160 A fusão de símbolos, imagens e balões faz o enunciado [...]. Os balões, outro dispositivo de contenção usado para encerrar a representação da fala e do som, também são úteis no delineamento do tempo. Os outros fenômenos naturais [...] representados por signos reconhecíveis, tornam-se parte do vocabulário usado para expressar o tempo. Eles são indispensáveis ao contador de histórias, principalmente quando ele está procurando envolver o leitor. (EISNER, 1989, p. 28) Os quadrinhos têm uma dinâmica em sua composição, a sequência de cenas leva o leitor a analisar a cena de acordo com a leitura do texto escrito, numa forma de integrar de forma dinâmica o texto e a imagem, numa sincronia que permite a visualização de um todo da história. As imagens neste contexto não devem ser tomadas como ilustrações ou animações, elas são também um texto a ser lido, a ser interpretado e, sobretudo, a ser problematizado pelos alunos. Ao pensarmos a HQ como uma possibilidade de se trabalhar a leitura nas aulas de história podemos, por exemplo, começar a trabalhar com as tiras que contenham mais imagens que textos escritos, fazendo com que o aluno comece a descobrir a possível leitura da imagem associada ao conteúdo escrito. Assim o aluno tem a possibilidade de estimular a imaginação das cenas e das falas dos personagens da história. O aluno deve ser um ser criativo, produtor de interpretações diferentes das consagradas pela historiografia tradicional. Na medida em que o aluno passa a dialogar com a imagem e sua composição temos, um novo momento da educação, o desenvolvimento da autonomia do aluno frente ao conhecimento que lhe é proposto. Então, temos uma nova forma de abordar o conhecimento em história, e assim promover um conhecimento que toma como pressuposto o aluno, sem contudo excluir os cânones tradicionais do sistema educativo. É possível a partir das HQ estabelecer uma relação frutífera com a imagem e o texto, tendo como objetivo as interpretações que os alunos podem produzir de acordo com suas análises. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 161 Fonte: “O melhor de Hagar, o horrível” L&PM Pocket, 2010 A imagem acima é um exemplo claro daquilo que colocamos anteriormente, ela fala muito mais do que as poucas linhas presentes no quadrinho, a construção que produz “deve ser acessível ao público infantil ou juvenil” (BITTENCOURT, 2009). O ensino de história é um dos grandes desafios, sobretudo quando se fala nos índices de leituras de nossos alunos, eles simplesmente consideram os conteúdos enfadonhos e se mostram desinteressados frente as leituras exigidas para o bom desempenho da disciplina. Levar ao aluno possibilidades de leitura é uma das maiores necessidades da educação básica dos dias atuais, ler é abrir as janelas do mundo para si mesmo, é se projetar nas aventuras do conhecimento. Dentre as inúmeras histórias que existem na forma de quadrinhos, elencamos uma muito difundida no Brasil e bastante conhecida entre o público Infanto juvenil, Hagar, o Horrível – que inclusive já tomou forma de desenho animado – um personagem viking que vive com sua família e seu fiel amigo. Hagar vive aventuras típicas da idade medieval, porém vive momentos característicos das sociedades contemporâneas. As primeiras tiras de Hagar, o Horrível, foram publicadas em 1973, alcançando mais de 1. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 162 500 jornais em todo o mundo, produzidas pelo cartunista norte-americano Dik Browne (1917-1989). Fonte: “O melhor de Hagar, o horrível” L&PM Pocket, 2010 No quadrinho acima, Hagar mostra ao dono da taverna o seu cotidiano e através dele expõe a sua identidade viking, seu cotidiano é de navegações tempestuosas, batalhas sangrentas, e fazer prisioneiros em pedacinhos, estereótipos típicos do homem medieval. Hagar é aquilo que poderíamos caracterizar como um herói atípico, por ser um viking, vivendo no medievo, deveria ter atitudes completamente diferentes das presentes as tiras. Hagar quer vida mansa, quer curtir a sua vida e estar o tempo todo ao lado de sua família – também atípica para os padrões comportamentais da história – ele nos diverte, mas também nos ensina a rir de nós mesmos, bons sujeitos em um mundo ruim; [...] Hagar é um saqueador [...] que se satisfaz com muito menos lucro do que qualquer aventureiro da história da pilhagem. Ele sofre as adversidades do mundo mais com resignação do que com fúria. Nunca destinado a ser um tirano conquistador. Hagar fica mais feliz com uma garrafa de cerveja medieval do que com a responsabilidade de um reino. [...] Ele é um incrivelmente bem sucedido em nos fazer rir dos nossos fracassos. É Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 163 um bom sujeito num mundo ruim. (BROWNE, 2007, p. 16). O mundo de Hagar é composto por personagens peculiares. Sua esposa, Helga, é uma dona de casa, mandona e que tem Hagar sobre suas ordens e desordens, ela de certa forma põe ordem em casa, dedicada, cuida de sua filha que sonha em encontrar um príncipe encantado e se casar, seu irmãozinho não quer ser sucessor do pai, sendo um horrível viking, seu desejo é estudar, ler poesia, ao contrário do que seu pai sempre havia desejado. Tudo é uma sátira da Noruega medieval. Fonte: “O melhor de Hagar, o horrível” L&PM Pocket, 2010 Será que as culturas ou os costumes de um povo podem ditar as regras sociais de um povo? A imagem protagonizada pelo filho de Hagar, o garoto Hamlet, pode nos ajudar a fazer algumas reflexões sobre esta indagação. No texto – escrito e imagético – o garoto fala e expressa que quer fugir dos padrões a que estaria sujeito, e entra na “crise de inicio de vida”. A cultura aí aparece nas entrelinhas, há um confronto explícito e um diálogo geracional em torno da condição atual do pai e do futuro esperado do filho. O quadrinho acima pode ser utilizado na sala de aula com o intuito de levar os alunos a repensarem suas posições enquanto seres sociais. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 164 Posicionar-se diante das realidades é uma questão difícil, talvez o lúdico, pode ser uma ferramenta a favor do professor e do aluno na sala de aula, no sentindo de levar para as aulas de história uma atividade reflexiva da realidade. Ao se ler as tiras de Hagar, podemos encontrar muitas questões que podem ser apropriadas pelos historiadores e desenvolvidas na sala de aula, formando uma discussão em torno da história e da linguagem dos quadrinhos. Enfim, a atividade reflexiva do professor de história deve está atenta a realidade na qual seus alunos estão inseridos. Trazer as HQ para a sala de aula, mais que dinamizar o aprendizado por produzir novas formas de aprendizado, tanto no que se refere a práticas de leitura como também educação para uma análise da fusão entre texto e imagens. Especificamente no caso de Hagar, o Horrível, o professor de história pode trabalhar junto com seus alunos civilização/barbárie, determinados cultura, conceitos temporalidade, como, sujeitos anacronismo, históricos, entre outros. Ensinar história é se aventurar numa trajetória de possibilidades. Porque não embarcar junto com o viking Hagar e seus amigos em busca de novas aventuras do conhecimento histórico? Trata-se de uma aventura em todos os sentidos, é buscar em uma literatura de circulação em massa uma forma de trabalhar na escola, levando aos alunos essa possibilidade de aprendizado. As HQ além de serem de leitura prazerosa, são acessíveis a todos, podem ser encontradas inseridas, desde em jornais de circulação nacional até nos livros didáticos. Temos, pois, o material na mão! É só exercer a criatividade pedagógica que possuímos. Espero que a partir de então possamos inserir as Histórias em Quadrinhos em nossas aulas, não como um mero objeto de ilustração e sim como um contéudo pedagógico a ser explorado. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 165 Referência Bibliográfica BROWNE, Dik. O melhor de Hagar, o Horrível – vol. 4. – Porto Alegre: L&PM, 2007. ____________. O melhor de Hagar, o Horrível – vol. 5. – Porto Alegre: L&PM, 2010. BITTENCOURT, Circe. Livros didáticos entre textos e imagens. In; _____ (org.) O Saber histórico na sala de aula. 11 ed., 3ª reimpressão. – São Paulo: Contexto, 2009. – (Repensando o ensino). EISNER, Will. Quadrinhos e arte sequencial. São Paulo: Martins Fontes, 1989. PINSNKY, Jaime e PINSKY, Carla Bassanezi. Por uma história prazerosa e consequente. In; KARNAL, Leandro (org.) História a sala de aula: conceitos e propostas. 3ª ed. – São Paulo: Contexto, 2005. VERGUEIRO, Waldomiro (Org.). Como usar as histórias em quadrinhos em sala de aula. São Paulo: Contexto, 2004. VILELA, Túlio. Os quadrinhos na aula de história. In; BARBOSA, Alexandre. Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula. 3ª ed., 1ª reimpressão – São Paulo: Contexto, 2007. – (Coleção Como usar na sala de aula). Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 166 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] ENTRE MEMÓRIA E IMAGINAÇÃO: PELO FIM DE UMA LONGA MÁ-CONSCIÊNCIA. Ulisses do Valle1 Resumo: É notória a discussão que se empreende nos meios acadêmicos a respeito da complexa relação entre história e memória. É também comum se observar que nessa discussão a memória, freqüentemente associada à imaginação, funciona por isso como um índice de indeterminação do que viria a ser uma ciência da história. Nessa medida, este artigo procura esclarecer alguns pontos no que toca ao papel que memória e imaginação exercem na formulação de juízos causais em história. Para tal, o comentário paradigmático de Paul Ricoeur no que toca à relação entre Memória e Imaginação, serve como pretexto a uma resposta procurada à luz de algumas posições afins de Max Weber e Edmund Husserl tomadas de um modo conjugado. Ver-seá que a relação entre memória e imaginação, situada no âmbito da constituição de um juízo causal em história, influi diretamente na relação entre a evidência e a validade de uma proposição historiográfica, o que não significa indeterminá-la de antemão, mas sim declarar seu estatuto de juízo de possibilidade. Palavras-chave: evidência, imaginação, possibilidade. Abstract: It is notable that the discussion is undertaken in academic circles about the complex relationship between history and memory. It is also common to observe that the memory in this discussion is often 1 Ulisses do Valle – professor de História Moderna e Teoria da História da Universidade Federal do Tocantins, Mestre em História pela Universidade Federal de Goiás e doutorando pela mesma universidade. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 167 associated with imagination, so it works as an index of indetermination of what would be a science of history. As such, this article, seeks to clarify some points regarding the role that memory and imagination play in the formulation of causal judgments in history. To this goal, the commentary of Paul Ricoeur's paradigm regarding the relationship between memory and imagination, serves as a pretext for a reply sought in the light of some positions like Max Weber and Edmund Husserl taken in a conjugate mode. Will see that the relationship between imagination and memory, located in the establishment of causal judgments in history, directly influences the relationship between evidence and validity of a historical proposition: and this does not mean indeterminate it beforehand, but yes declare its status as a judgment of possibility. Key-words: evidence, imagination, possibility. Como se sabe, o conceito de causalidade figura na história das idéias como algo central à filosofia e como eixo de toda a teoria do conhecimento. Relativamente recente na história do pensamento é a introdução formal do conceito de causalidade na investigação de fenômenos não-naturais ou, propriamente dizendo, históricos. Esse passo, na verdade, confirmou seu trajeto no século XIX; mas, ainda assim, não é um “ato acabado”; não temos ainda garantia alguma que ele não se transformará em um tropeço. O domínio da causalidade, tal como expresso pelos cientistas sociais e historiadores, é ainda algo amorfo e sem princípios definidos. Desde que o acontecimentos impulso inicial referentes ao fora âmbito dado, quando social, se histórico, trata de cultural, humano, isto é, quando direta ou indiretamente se aplica o conceito de causalidade histórica, não se tem por certo um “acordo” consensual do que, neste caso, significa “ser causado”. Nos diferentes e vários trabalhos de história que possamos acompanhar, inclusive aqueles de maior amplitude e reconhecimento, apresentam em sua Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 trama 168 específica cada qual uma idéia distinta do que, em termos de uma disciplina da história, deveria significar “ser causado”. Este artigo foi escrito levando-se em consideração o estabelecimento de conexões causais em história como um problema, problema este que aparece (ou se esconde) no interior das proposições historiográficas e dos juízos causais-históricos nelas contidos. Partindo de uma questão levantada por Paul Ricoeur em seu livro “A História, A Memória, O Esquecimento”, em que ele atesta, quanto à relação entre Memória e Imaginação, os aspectos comuns a ambas (o enigma da presença do ausente) intencionalidades bem como distintas), suas questiona-se dessemelhanças sobre as (duas funções desempenhadas pela memória e pela imaginação na constituição dos juízos causais em história, isto é, do estabelecimento de conexões causais entre um evento e outro expresso nas proposições historiográficas. Tal questão, então, será desenvolvida à luz de Max Weber e daquilo que havia de acordo entre ele e Edmund Husserl quanto à natureza dos juízos de possibilidade, típicos da disciplina histórica aos olhos de Weber. I – Evidência, Imaginação, Possibilidade. Ricoeur se propõe a fazer uma fenomenologia da memória: apóiase, por isso, na teoria de Husserl sobre noese e noema. Por muito tempo, diz Ricoeur, a filosofia deu atenção apenas ao lado egológico (noético) do problema da memória: Ricoeur explica que essa propensão da tradição filosófica em cuidar da questão “de quem?” é a memória talvez se deva em razão da prevalência da forma pronominal que designa o ato mnemônico: certo é que, na opinião de Ricoeur, ela deve ser encaminhada posteriormente à questão do “o que/de que se lembra”, isto é, o lado noemático. Ricoeur assim procede para evitar o desgaste da dúbia opção entre um eu ou um coletivo como o lócus da Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 169 recordação, como o seu “quem?”. Começando pelo aspecto noemático, entretanto, Ricoeur se viu numa outra aporia: “a presença, na qual parece consistir a representação do passado, aparenta ser mesmo a de uma imagem” (RICOEUR, 2001: p. 25). Ricoeur, assim, acentua o problema comum que aproxima a memória da imaginação: o problema da presença do ausente. Pelo fato da recordação recorrer à imaginação e da lembrança fazer-se sempre uma imagem, a memória desde sempre teve um estatuto de fidelidade débil com relação à coisa lembrada, que fora outrora originalmente percebida. Por isso, entende-se facilmente a ironia com que geralmente se recebe aqueles que querem fazer da memória uma categoria científica da história: segundo os “irônicos”, pois, a memória enquanto instância de retificação do objeto passado está aquém das exigências e dos rigores científicos. Produtiva ou improdutivamente, muitos historiadores parecem ter levado a sério os irônicos. Tais historiadores caminham para uma desvalorização da memória que, situada à esteira da imaginação, apresenta-se como um modo de conhecimento tão débil quanto o dela: esses historiadores, assim, buscam seus argumentos numa dissociação entre memória e imaginação cuja ideia diretriz seria a diferença entre duas intencionalidades: “uma, a da imaginação, voltada para o fantástico, a ficção, o irreal, o possível, o utópico; a outra, a da memória, voltada para a realidade anterior, a anterioridade que constitui a marca temporal por excelência a ‘coisa lembrada’, do ‘lembrado’ como tal.” (RICOEUR, 2007: p. 26) Desvaloriza-se a memória, então, à custa de uma crítica da imaginação; e o único motivo para fazê-lo é que se tome por certa essa crítica: que continuemos a julgar que a imaginação é mesmo um tipo débil de conhecimento, um conhecimento que é afetivo, por estar mais ligado à Erística, à arte fantástica, ao simulacro, do que à mimeses, à Arte eicástica, que exporia a dimensão “veritativa” do discurso: esse tipo de desvalorização da memória apontado por Ricoeur exige que continuemos a ser platônicos ao ponto de considerar a realidade ou Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 170 mesmo o discurso do ponto de vista de sua falsidade ou de sua veracidade. Mas não; falsidade e veracidade são termos cujos conteúdos sofreram importantes tergiversações semânticas - sobretudo quando o âmbito que lhes dão sentido é o epistemológico. Verdade ou falsidade: uma oposição que se desvaneceu numa fluída gradação e o papel que antes preenchiam no modelo de inquirição científica foram ocupados por termos como evidência e validade. A virada do XIX para o XX desempenhou uma tarefa importante nesse processo: pensadores como Nietzsche não puderam ser ignorados e, desde então, “a falsidade de um juízo não constitui uma objeção contra ele” e o receio frente à imaginação passa mais como uma espécie de má-consciência do que por uma “prudência” epistemológica. Neste contexto de idéias, pode-se inserir Max Weber. Os maiores críticos que sua obra encontrou são desse tipo platônico: severos e impiedosos com aqueles que ousam fazer da falsidade, da irrealidade, no “não-ser”, um instrumento de investigação epistemológica. Se subtrairmos os coloridos sentimentais, as críticas que Weber recebeu ao tornar o “possível” uma categoria epistemológica da ciência histórica, se apóiam todas nessa longínqua tradição platônica, comentada por Ricoeur, em que a imaginação é vilipendiada como um modo de conhecimento falso, afetivo, passional. De agora em diante, pois, procedermos a uma justificação do uso de juízos de possibilidade no âmbito metodológico das ciências históricas. Para tal, nos apoiaremos em Weber. No âmbito científico, a relação entre evidência e validade ganha particular importância no que toca à relação entre conceito e realidade empírica. Todo esse complexo problema que estende a memória e a imaginação num pólo de suspeita já estava pré-figurado na época que o próprio Weber escrevia. Por estarem conjugadas ao problema da relação entre conceito e realidade, essas questões estavam sob as vestes de outro vocabulário, certamente menos preciso que o atual, mas que a despeito disso já indicava o enfrentamento direto destes problemas. O Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 171 exemplo que daremos, nessa medida, retoma as refutações que Weber apresentou às críticas que Croce dirigiu às pretensões científicas da História. Essas refutações abrem espaço para o uso da imaginação na inquirição histórica e livra, assim, a ciência histórica da má-consciência de ter a memória como fonte de retificação última. Vejamos: Croce se refere à impossibilidade de dar à história um tratamento lógico, isto é, de submetê-la a uma análise causal. A justificação que Croce dá a tal proposição é classificada por Weber como um psicologismo “apresentado de um modo inteligente”: “coisas são intuições”, afirma laconicamente Croce, e “conceitos”, diferentemente, referem-se a relações entre as coisas. Portanto, o conceito é, por essência e definição, de natureza geral e abstrata. Ele já não é mais “intuição”, [...], pois ele é uma elaboração das intuições. A conseqüência do caráter necessariamente abstrato dos conceitos consiste no fato de as “coisas” que são sempre individuais não poderem ser apreendidas pelos conceitos, mas só poderem ser objetos de um processo de “intuição”: portanto, o conhecimento das coisas só é possível de “maneira artística”. Um conceito sobre algo individual é uma contradictio in adjecto, já que a ciência histórica visa conhecer o individual na sua individualidade, é exatamente por isso que ela é uma “arte”, ou seja, uma “junção de intuições”. Nenhuma análise conceitual pode dar uma resposta à questão quanto a determinado fato de nossa vida realmente ter ou não acontecido, o que é típico do interesse histórico; por isso, a história seria uma “reprodução de intuições”: “história é memória, e os juízos que formam o seu conteúdo não são formados por conceitos, pois, como mera representação material da impressão de uma experiência, só podem ser expressões de intuições” (WEBER, 2001: p. 80) Eis o psicologismo naturalista de Croce. É naturalista porque divide concepções centrais com o naturalismo mesmo; a opinião, amplamente difundida àquela época, segundo a qual apenas “conceitos relacionais” que podem ser enquadrados num sistema de relações causais seriam conceitos, afeta diretamente as pretensões científicas da história. Como explicar cientificamente um acontecimento histórico que, Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 172 como tal é irredutível a si mesmo, algo absolutamente único e idiossincrático e, por conseguinte, algo do qual não pode se formar um “conceito” (no sentido de uma generalidade abstrata que subsuma particularidades)? Pois bem, Weber localiza tais problemas numa confusão inicial não percebida. Ela se deve, precisamente, a uma compreensão confusa – naturalista – do conceito de intuição, que engendra a seguir uma série de confusões: especialmente quanto aos conceitos de conceito (a opinião, também difundida por Croce, de que “apenas conceitos relacionais são conceitos"), evidência e validade. Todas essas refutações que Weber fará a Croce encontram respaldo no Husserl das Investigações Lógicas2, inclusive as acusações de psicologismo e naturalismo. Husserl apresenta dois tipos de intuição, cada qual implicando em dois tipos de conceitos e dois tipos de evidência. A intuição categorial, pois, é distinta da intuição sensorial: a evidência intuitiva da primeira espécie é tal qual a evidência do axioma matemático: ela não está submetida ao fluxo de consciência cuja percepção é o ponto original, atual, de presentação de uma intuição. A intuição sensorial, por sua vez, está submetida a esse fluxo de consciência. Sua evidência intuitiva, por isso, é evidência imediatamente dada de uma experiência: ou seja, trata-se da “evidência de uma intuição a partir da variedade do real”. (WEBER, 2001: p. 81). Como tal, essa intuição sensorial, submetida à atualidade original do 2 Husserl publicou suas Investigações Lógicas no ano de 1900. Weber escrevia o segundo ensaio sobre o problema da Irracionalidade (ensaio que consta a discussão direta com Croce) entre os anos de 1903 e 1906. As Investigações Lógicas, por certo, foi o livro de Husserl ao qual Weber deu mais atenção e do qual sem dúvida Weber reteve algumas lições. Se Weber incorporou algo da fenomenologia de Husserl (e provavelmente ele o fez) foi apenas sob a forte ressalva de que mesmo o método fenomenológico não reconsistirá num caminho de retorno às essências, embora permaneça como indispensável ferramenta de esclarecimento lógico e teórico ao nível de suas pressuposições,pressuposições estas que, por serem demasiadamente históricas, dissolvem-se no devir humano de tal maneira que a aparência do essencial migra casualmente de uma instância para outra sem qualquer Razão suficiente imediatamente colocada e que, por isso, nos convida a acreditar que essencial mesmo é ser histórico (e não meramente temporal) – sendo este, talvez, o núcleo das premissas ontológicas que caracterizam Weber e o aparta de Husserl (ao menos do primeiro Husserl, o Husserl das Investigações Lógicas, extenso livro ao qual Weber se refere em seu ensaio sobre a irracionalidade). Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 173 fluxo de consciência, aparece sempre como uma “experiência” que foi objeto de uma vivência “interna ou externa” (WEBER, 2001: p. 81). Temos, agora, melhores condições de entender Croce. A história não se submete a uma análise lógica em função de sua evidência intuitiva não ser categorial, independente do fluxo de consciência em que aparece. Nesse sentido, ela é a reprodução (imagética) de intuições sensoriais vividas outrora: por isso, seus juízos não podem formar conceitos (que, mais do que intuições sensoriais, carecem de intuições categoriais) e permanecem reproduções materiais da impressão de uma experiência, ou, em outras palavras, imagens. Ao se deparar com Croce, então, Weber se deparava com o mesmo tipo de platonismo, agora disfarçado num outro vocabulário, que depreciava a memória como conhecimento imagético e não-conceitual. Weber discorda de Croce em termos de princípio. A história não é e nem pretende ser uma reprodução de intuições empíricas, menos ainda uma imagem fiel de vivências anteriores. O historiador, ao fazer história, não pode escapar ao fluxo de sua própria experiência e, por isso, uma vivência, ainda que uma vivência sua, própria, autêntica, não pode, [...] a partir do momento em que ela é apreendida pelo pensamento, simplesmente ser “copiada” ou “reproduzida”: se assim fosse, não tratar-se-ia mais de um “pensamento”, mas de uma vivência, ou, antes, de uma nova “vivência da vivência anterior”, na qual está presente o “sentimento” de já a ter vivenciado uma vez (isto é uma parte indefinida de um dado como vivência presente). (WEBER, 2001: p. 82) Assim, em primeiro lugar, mesmo que o historiador se esforçasse por reproduzir intuições empíricas anteriormente vivenciadas (ainda que elas fossem as suas próprias), não seria isso que ele alcançaria. O objetivo do historiador não é reproduzir fielmente vivências anteriores e a história não é, por isso, imediatamente “memória” e nem a historiografia imediatamente uma arte. Ele não é alguém que, pelos Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 174 meios da arte fantástica, do simulacro e da imaginação quer fazer-se representante da arte Eicástica. O recurso à imaginação não se dá em função da reprodução de vivências anteriores; logo, toda a crítica por tais vias acaba infundada. Quem assim o faz realmente acredita que o “artístico” e o intuitivo são os autênticos atributos da historiografia, e assim confunde “o processo psicológico na formação de um conhecimento” com o “sentido lógico de sua validade empírica”. (WEBER, 2001: p. 82) Assim, o recurso à imaginação não se dá para fazer “presente” algo agora ausente. A imaginação, pois, integra o instrumental heurístico do investigador. Ela é um meio para a investigação e não expressa o seu resultado, eis o ponto fundamental. O lembrar-se, como tal, não foge à forma pronominal: o ato mnemônico é sempre o da subjetividade de um ego noético, que, se por um lado pode lembrar-se de percepções ora vivenciadas por ele, não o pode com relação à pessoa alheia. Assim, o objetivo do historiador é fazer convergir aquelas duas intencionalidades classificadas por Ricoeur como eideticamente distintas: a intencionalidade da imaginação, voltada para o irreal e o possível, deve convergir para a intencionalidade da memória, voltada para a realidade anterior. Ora, uma vez admitida a afirmação de que tal realidade anteriormente vivida é, em princípio, impossível de ser reproduzida, o que, então, restaria à História? Não pouco, desde que nos livremos do preconceito que supõe a memória e a imaginação como incapazes de evidência. Na verdade, é essa suposição crucial que fundamenta os depreciadores da memória e da imaginação: eles compreenderam mal justamente o que vem a ser uma evidência, ao a associarem o evidente muito diretamente à noção de “verdadeiro”, real, e o não-evidente ao falso, irreal. Nesse sentido, verdadeiro, real, evidente, seria tudo aquilo passível de ser confirmado na percepção original; ou seja, também as retenções e as expectativas reproduzidas, presentificadas, seriam incapazes de evidência na medida em que toda reprodução (presentificação) não pode ser confirmada Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 175 numa proto-impressão (numa impressão original). A história, na condição de tempo pretérito, não pode ser objeto de uma intuição categorial e a intuição sensorial que dela temos não pode ser objeto de uma proto-impressão; de modo que, assim, suas representações não alcançariam evidência. Weber, apoiando-se ainda em Husserl, aponta alguns erros nesse tipo de conclusão. O primeiro é o de associar evidência à veracidade. Tanto Husserl quanto Weber alertam-nos quanto a possibilidade de tipos distintos de evidência. Husserl, por exemplo, nos fala de evidências adequadas e inadequadas, e também de evidências apodíticas e não-apodíticas. A adequação (perfeição) e a inadequação (imperfeição) de uma evidência são definidas em termos de sua suficiência ou insuficiência. As evidências imperfeitas são unilaterais, relativamente obscuras, indistintas quanto ao modo pelo qual as cosias ou os fatos são eles próprios aí dados. A “experiência” é aí viciada, portanto, pelos elementos de intuição significante não preenchidos ainda por uma intuição correspondente. O aperfeiçoamento opera-se então numa progressão sintética de experiências concordantes, onde essas intenções significantes se elevam ao estágio da experiência real que os confirma e preenche. (HUSSERL, 1978: p. 26) Desse modo, algo pode ser evidente sem ser dado na percepção. Assim o são, pois, os juízos da ciência história, caso o historiador os forme adequadamente. E isso não pode servir de argumento contra ela, uma vez que todas as ciências, inclusive a matemática, lidam com evidências desse tipo. Os avanços da matemática da época, então, serviam de argumentos para a introdução de juízos de possibilidade, “falsos”, “irreais”, “ideais”, na operação científica. Há passagens em que Weber rende elogios ao professor e orientador de Husserl, o matemático Weirstress; e o faz justamente quanto à sua “imaginação matemática”; assim, diz Weber, “o espaço ‘pseudo-esférico’ pode ser construído sem contradições e é plenamente ‘evidente’” (WEBER, 2001: p. 85): a Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 176 imaginação, pois, desenvolve um papel fundamental em toda e qualquer ciência. Apesar de não mencionarmos claramente ainda esse papel, podese parcialmente concluir que a formação de “imagens” do passado, isto é, o recurso a idealidades que não podem ser confirmadas numa percepção original, não é o que necessariamente invalidaria os juízos históricos. Entre evidência e validade há não uma identidade, uma continuidade, mas um complexo dualismo. Assim, um juízo pronunciado por um historiador X pode ser evidente (considerando as premissas de que parte tal historiador), a despeito de não ser válido e ser válido a despeito de não-evidente: [...] se os objetos são para mim no sentido mais lato – objetos reais, estados vividos, nomes, relações, leis, teorias, isso nada tem a ver, antes de mais, com a evidência. Isso significa apenas que esses objetos valem para mim; dito de outra maneira, são as minha cogitata, e essas cogitata estão presentes à consciência no modo posicional da crença. (HUSSERL, 1978: p. 80) A evidência da existência de algo não se dá paralelamente à sua validade; na evidência, o “ser” ou a determinação de uma coisa é captada pela “própria consciência em si mesma no modo a própria coisa e com certeza absoluta de que este ser existe. [...] todavia a evidência não exclui a possibilidade de o seu objeto tornar-se em seguida objeto de dúvida.” (HUSSERL, 1978: p. 27) Pois bem, se a evidência de uma proposição não exige que ela se dê originalmente na percepção (de modo que também a reprodução imagética de uma retenção, uma protensão, e mesmo uma construção formal idealizada, que salta do real para o possível, podem ser plenamente evidentes) – como o conceito categorial de espaço pseudoesférico na matemática, e também da geometria não euclidiana e se toda a evidência, a não ser que seja apodítica, pode tornar-se em seguida objeto de dúvida, o fato de a história e, sobretudo, a memória, ter de recorrer à imagem (no caso da primeira) ou ter que fazer-se Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 177 imagem (no caso da segunda), não invalida por si só o conteúdo propositivo nelas expresso. Por isso, há uma diferença de princípios entre aquela tradição eminentemente grega que associaram memória e imaginação por via de sua característica comum (o enigma da presença do ausente), e o modo como tanto Husserl como Weber entenderam essa relação. Para ambos, também os juízos de possibilidade, irreais, imagéticos, ideais, podem ter caráter evidente, uma vez que “em termos de lógica, a evidência inclui como pressupostos apenas a possibilidade de pensamento – a possibilidade de ser pensado e, com referência ao conteúdo, apenas a possibilidade objetiva das conexões que poderiam ser apreendidas mediante a interpretação.” (WEBER, 2001: p.85) Tanto Weber como Husserl tomam “evidência” num sentido mais amplo, alargado, como um conceito que é “correlativo não só dos conceitos de ser e de não-ser, mas também das outras variações modais do ser, tais como: ser possível, provável, duvidoso; e, além disso, das variações que não pertencem a esta série e que têm a sua fonte na esfera afetiva e volitiva, tais como ‘ser um valor’ e ‘ser um bem’”. (HUSSERL, 1978: p. 78) O problema da presença do ausente, de um signo imagético que substitui e remete a uma impressão primordial anterior, só é um problema se é suposto que uma “realidade-em-si” existe: se não se reconhece, talvez por carência de fenomenologia, de excesso de esquecimento de si, que toda a esfera da consciência é “atravessada pela oposição entre o real e o imaginário”, entendido como ficção de realidade. Do lado da imaginação surge um conceito novo de possibilidade, conceito geral onde se encontra de uma maneira modificada, no aspecto da simples “possibilidade de conceber”, todos os modos existenciais, a começar pela simples certeza da existência. Esta duplicação efetua-se em modos que, por oposição aos modos do real, [...] pertencem às Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 178 irrealidades puramente 1978: p. 79) imaginárias. (HUSSERL, Dito isso, lembremos a distinção que Ricoeur faz entre memória e imaginação: cada uma, pois, teria uma intencionalidade própria: a primeira, voltada para uma realidade anteriormente vivida, e a segunda voltada para a ficção, o possível, a fantasia. Se admitirmos a premissa de que a realidade empírica, no menor de seus fragmentos, compreende uma potência intensivamente infinita – hipótese de todo o neokantismo e também de Weber – teremos que admitir também, por conseqüência, que aquilo do passado que persiste no presente e que, como tal, pode ser “lembrado”, compreende uma parcela ínfima do que fora a realidade e que, portanto, aponta para uma parcela significativamente maior que foi esquecida e “perdida”. A pertinência da distinção feita por Ricoeur, então, não impede a seguinte conclusão: ao voltar-se ao passado, o historiador deve proceder, obviamente, de uma maneira mais ampla do que alguém que simplesmente “se lembra”. Ele deve procurar, aliás, aquilo que não pôde ser lembrado e, para tal, necessariamente deve fazer uso da imaginação na construção de juízos de possibilidade. O passado a ser recordado não encerra as preocupações do historiador: preocupa-lhe mais o modo como a própria recordação alia-se a um presente original, atual, que, ao lembrar-se situado num presente que passa, em fluxo, também emite uma interpretação sobre aquilo do qual se lembra. Voltamos, agora, ao início de nossa exposição. Como, então, tais questões estavam conectadas com a relação entre conceito e realidade? Para Weber, a realidade empírica apresenta-se a nós como uma manifestação imensurável e infinita, da qual apenas uma porção selecionada vem a ser objeto de investigação. Mais do que isso, qualquer segmento escolhido da realidade tem essas características. E também um segmento desse segmento e, assim, ad infinitum. Disso conclui-se a inexorabilidade e a inesgotabilidade da realidade empírica para o conhecimento e a percepção do sujeito. Nessa medida, aquilo que Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 179 fica retido em nossa memória pessoal e aquilo que, em termos de um acontecimento histórico Y (suponhamos, Revolução Francesa), fica retido numa memória pública (todo o tipo de artefato histórico e valor cultural), tomados por si só, compreendem uma parcela ínfima da realidade que outrora foi vivida ativamente. Portanto, é ingenuidade querer uma mera “representação material das impressões de uma experiência”, isto é, reduzir a história à memória, como queria Croce fazer da história, enquanto disciplina, um repositório de imagens intuitivamente pintadas e reproduzidas, descritas meramente, seguindo um esforço ganancioso de aproximar a todo custo o “lembrado” do “vivido”. Croce pensava que a história não era capaz de formar conceitos e que, portanto, permaneceria um mero conhecimento intuitivo e nãocausal, não-lógico, porque permanecia refém de uma concepção naturalista de conceito, que entende que “apenas conceitos relacionais são conceitos” e uma compreensão, também naturalista, do papel que exerce a intuição e a imaginação na construção mesmo do mais geral (no sentido de uma legalidade abstrata) dos conhecimentos. “Apenas conceitos relacionais são conceitos”, isto é, apenas generalizações abstratas que submetem uma pluralidade indefinida de particularidades intuitivas sob sua extensão, são conceitos. A ciência, neste caso, operaria com uma formação de sistemas fechados de conceitos, uma tendência objetivista para a qual a realidade estaria sintetizada em alguma classificação permanente e universalmente válida e da qual pode ser a qualquer momento deduzida. Esse tipo de tendência, da qual Croce não escapou, mantém o papel da “interpretação imaginativa” na formação de leis in petto, em segredo, e acaba por cometer o sério equívoco de identificar e localizar a causa de todo fenômeno numa ligação imanente entre conceitos abstratos e experiência concreta. Eis o aspecto naturalista de Croce que Weber critica. Para este, pois, um conceito histórico não trata de revivenciar, rememorar o passado: ser um partidário da categoria da possibilidade não pode ser confundido com a aceitação das teorias empatéticas. A Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 180 imaginação não entra em cena para nos colocarmos no lugar do outro: ela deve retroagir ao passado, na condição de memória pública e amorfa e, depois de selecionado o decurso de eventos, ações e escolhas históricas que se quer explicar, construir juízos de possibilidade, orientados por elementos empíricos difusos em tal memória, que descrevam um decurso irreal, imaginário, idealmente possível, em que participam apenas “causas racionais”, isto é, motivações que têm, para nós, um significado presumido. Esse constructo ideal, conseguido na confluência metódica entre os dados da memória e sua ordenação lógica (na medida em que instala coerência naquilo que, tomado por si mesmo, é caótico) e imaginativa, metodologicamente orientada, pode ser comparado ao devir real, “já conhecido”, de modo que assim causas irracionais, desvios, erros estratégicos e demais fatores que não foram inclusos no constructo ideal, precipitem-se como causalmente atuantes para que aquele segmento selecionado do devir tivesse tais e tais características. Com o uso de tal método, a memória se expande: o “lembrado”, pois, servirá como meio a partir do qual se procura o que ainda não pôde ser lembrado: e isso vai desde motivos que atuaram em um tal evento e ainda não puderam ser desvelados até a novas perspectivas e faces de um mesmo acontecimento ou época histórica. “O domínio do trabalho científico não tem por base as conexões objetivas sobre as coisas, mas as conexões conceituais entre os problemas” (WEBER, 2001: pág. 121). Considerando-se assim a memória, as conexões que ela renovadamente nos dá devem ser problematizadas a fim de desvendar o que permanece esquecido e obliterado. Referência bibliográfica HUSSERL, Edmund. Meditações Cartesianas: introdução fenomenologia. Porto, Ed. Rés: 1978. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 181 à WEBER, Max. Metodologia das Ciências Sociais I e II. Campinas, Ed. Unicamp: 2001. RICOEUR, Paul. A Memória, a História, o Esquecimento. Campinas, Ed. Unicamp: 2007. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 182 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] A DEMONIZAÇÃO DO PARAÍSO: FÉ E RELIGIOSIDADE NO BRASIL COLONIAL Márcio Douglas de Carvalho e Silva1 Resumo: A chegada do homem do Velho Mundo as novas terras concretizou esperanças existentes no seu imaginário: o Novo Mundo para eles seria o paraíso terrestre ante, descrito em narrações bíblias e profecias. A fé em Deus é um eminente, porém nesse universo paradisíaco o demônio também se faz presente duelando com Deus os domínios dessa nova terra. As práticas religiosas que se desenvolveram no Brasil colonial, impulsionada pela diversificação cultural étnica dos povos que o formou apresentaram várias facetas. O cristianismo tido pelos portugueses, as várias práticas religiosas trazidas pelos escravos africanos somaram-se aos cultos indígenas. Diante dessa pluralidade de crenças e práticas religiosas o catolicismo dominante é obrigado a conviver com o surgimento de “novas fés”, que no Brasil Colonial vai cada vez mais buscar espaço dentro da terra ofertada ao homem europeu por Deus. Palavras-Chaves: Brasil Colônia. Religiosidade Popular. Práticas Religiosas. 1. Introdução A descoberta do Novo Mundo era vista pelo europeu como um presente de Deus para um recomeço – um novo paraíso aqui na terra. Essa teoria era reforçada por alguns livros bíblicos. Aproveitando-se dessa ocasião, a Igreja Católica atrelada ao Estado, traz seus dogmas para esse novo lugar. Todas as características denotam ser aqui o “novo Éden”, mas essas terras antes 1 Acadêmico do 5º Período do Curso de Licenciatura Plena em História pela Universidade Estadual do Piauí . ([email protected]) Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 183 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] calmas e de clima favorável passa a mostrar-se um lugar muitas vezes perigoso com catástrofes e povoada de animais perigosos, Gandavo2, narrador da paisagem brasileira e endeusador destas terras conta as controvérsias que o Brasil passou a apresentar. As feições não mais correspondiam a um paraíso, a decepção natural era explicita e os habitantes que aqui viviam em muitos casos foram denominados como povo pertencente ao demônio. As práticas desenvolvidas pelo colonizador também atestam a transformação desse paraíso num verdadeiro inferno! O demônio passa a importunar a dominação de Deus, passando assim a existir uma dualidade entre Deus e o Diabo. Essa dualidade do sobrenatural (sagrado e demoníaco) se mostra como fruto do imaginário do homem europeu, embora os acontecimentos que foram sendo desenhados na história do Brasil Colonial levassem a crê que existiu mesmo esse duelo. E existiu, mas não em termos literais. As ações operadas pelos portugueses decretavam a sua dominação, o catolicismo, religião oficial da Coroa também era religião oficial da colônia.Dentro desse contexto pode-se afirmar que de fato a religiosidade no Brasil Colonial foi diretamente marcada pela influência da Igreja de Roma tanto nas populações de colonos quanto entre os povos que foram submetidos a sua dominação. Mesmo assim a diversidade religiosa que existia no Brasil naquela época era muito grande e sempre surtida de crenças vindas de diversas partes da África somadas com as práticas de culto indígenas. Esse sincretismo resultou em uma grande diversidade de cultos e crenças. Para a historiadora Mery Del Priori, a resistência a essas novas religiões era enorme isso fez com que o povoamento português no Brasil fosse denominado por um espírito cruzadista. Os colonos partilhavam a mentalidade de seus reis, ou seja, participavam de uma maneira de pensar como os católicos de seu tempo: todo não católico era considerado inimigo, infiel, aliado do demônio, um perigo para a unidade religiosa desejada por Roma (PRIORI, 2004, p. 9) 2 Pêro de Magalhães Gândavo ( Braga, c. 1540 — c. 1580) foi um historiador e cronista português que descreveu em muitos aspectos a fauna e flora brasileira e relator da descoberta do Brasil por Pedro Álvares Cabral. (Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Pero_de_Magalhes_Gandavo Acesso 15 de outubro de 2010). Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 184 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] Apesar de existir empenho da Igreja Católica, para integrar as crenças religiosas dos indígenas e dos africanos, não surtiu muito efeito tal como se pode perceber hoje, o Brasil é um país de culturas religiosas múltiplas. As práticas de feitiçaria, em muitos casos associadas às crenças dos não católicos também receberam em muitos casos punição efetiva pela Inquisição. Associadas aos cultos demoníacos, muitas vezes eram rituais de cunho “assistencialista” usados para resolver problemas amorosos, em outros o culto ao demônio se efetivava. Em linhas gerais a religiosidade colonial era efervescente e diretamente ligada pelas práticas de crenças afros, indígenas, católica e pela grande demanda da religiosidade popular, onde apropriando-se em muitos casos dos santos católicos para fazer suas devoções praticavam uma fé de cunho menos institucionalizado. A esse tipo de devoção sempre intencional, onde o devoto pedia algo em troca da prática ofertada ao santo surgem também descontentamentos quando “o santo não fazia sua parte”. Blasfêmias, maus tratos e destruição de imagens se tornaram comuns. A busca por milagres era intensa e as respostas para os pedidos exigia emergência. A América nasceu e se desenvolveu sob os auspícios da religião, não raro que todos os aspectos da vida cotidiana dos habitantes do Novo Mundo fossem influenciados por algum tipo de credo que se enraizaram na nossa cultura e exprimem um enorme sincretismo de fé e religiosidade no Brasil de hoje. 2. Um lugar, um Paraíso É comum se ter a concepção de que a terra encontrada – Novo Mundo – pelos navegadores europeus no século XV fosse associada ao Paraíso Terrestre, em voga, o que conhecemos como Brasil hoje, foi o local encontrado. As novas terras correspondiam às características paradisíacas que os desbravadores do Velho Mundo acreditavam existir. Fato curioso é que o homem europeu chegou naquela época as terras hoje brasileiras, Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 185 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] quase por caso, a descoberta foi basicamente ocasionada pelo capitalismo mercantil como descreve Marilena Chauí: Os mapas do período inicial das primeiras navegações são cartografias do real e do fabuloso e as primeiras viagens não trazem apenas novas mercadorias e novos saberes, mas também trazem novos semióforos3: os países exóticos (Índia, China e Japão) e um Novo Mundo, no qual se julga haver encontrado o Paraíso Terreal, de que falam a Bíblia e os escritores medievais. (CHAUÍ, 2000, p. 59) As terras americanas correspondiam em todos os aspectos ao imaginário do homem europeu, nos seus rios, clima que eram de conhecimento do mesmo baseado em textos bíblicos, no livro de Gêneses e mais reforçada ainda em Apocalipse, onde a promessa de uma renovação é declarada: ”E vi um novo céu e uma nova terra. Porque já se foram o primeiro céu e a primeira terra, e o mar já não existe”4 e nas profecias de Daniel e Isaias onde o último profetiza: "Assim, tu chamarás por uma nação que não conheces, sim, uma nação que não te conhece acorrerá a ti"5. A promessa de um novo céu e uma nova terra alimenta os sonhos do homem do Velho Mudo de encontrar o Paraíso, a salvação, no seu imaginário, sendo o mesmo merecedor de tal benção, o que perdurou no seu imaginário por muito tempo se encontrava do outro lado do oceano, o que já era possível graças ao avanço das navegações, a ponte entre o Velho Mundo e o Novo Mundo já existia, agora era momento de fazer merecer o presente do criador! Todas as características da nova terra chamavam à atenção do europeu que via aqui uma possibilidade de expansão religiosa e comercial. A descoberta destas terras concretizava as percepções decorrentes do seu 3 Marilena Chauí emprega ao conceito de semióforo, dando ênfase a um conjunto de coisas carregadas de força simbólica, signos de poder e prestígio, cheios de significação, caracterizando-o com um traço fundamental, que o faz precioso a sua singularidade. Estes aspectos são decisivos pra que o tornem, além de produto de efeitos de significação dentro dos sistemas, é propriedade daqueles que detém o poder para produzir e conservar esses sistemas. (Disponível em: http://www.ebah.com.br/a-nacao-como-semiosforo-doc-a22125.html . Acesso 04 de Outubro de 2010). 4 Apocalipse 21,1 5 Isaias. 55, 6 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 186 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] imaginário, em muitos casos essa descoberta foi considerada um ato “sobrenatural e miraculoso” (SOUZA, 2009, p. 43). Sendo que essa denominação paradisíaca dada ao Brasil é conseqüência da “produção da imagem mítica fundadora destas terras” (CHAUÍ, 2000, p. 62). O Brasil recém descoberto tornava nulo o medo dos navegadores em se aventurar nos mares, agora essa nova terra, era vista como um prolongamento da Europa onde já podia ser vista de acordo com Laura de Melo e Souza (2009) pela bifrontalidade tanto econômica como religiosa. Os índios que de certa forma eram vistos como possíveis novas ovelhas para o rebanho do Senhor, alimentando a dicotomia, colonizar e catequizar que foi assumida por Portugal “sem que os propósitos materiais fossem acanhados. Cristianizar era de fato, parte integrante do programa colonizador do português no Novo Mundo. Mais do que isso: parte importante, dado o destaque que tinha a religião na vida do homem quinhentista” sendo assim, “os portugueses se imbuíram sinceramente no papel missionário” (SOUZA, 2009, p. 49). Para Laura de Melo e Souza, o Novo Mudo é visto como prova da existência de Deus e era, pois generalizada, sobretudo entre os clérigos, a idéia de que o descobrimento do Brasil fora ação divina; de que dentre os povos, Deus escolhera os portugueses; de que estes, uma vez senhores da nova colônia, tinham por dever nela produzir riquezas materiais – explorando a natureza – espirituais – resgatando almas para o patrimônio divino. A ação divina, o descobrimento do Brasil desvelou aos portugueses a natureza paradisíaca que tatos aproximariam do Paraíso terrestre: buscavam assim, no acervo imaginário, os elementos de identificação da nova terra. (2003, p. 51) Dados os objetivos a serem traçados na nova terra, os colonizadores passam a buscar meios afirmativos divinos para sua atuação no Brasil Assim como consideravam ser atribuição de Deus sua chegada ao Novo Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 187 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] Mundo também atribuíram ao criador as justificativas de suas ações, como é exposto por Marilena Chauí (2000, p. 58) em Brasil, mito Fundador e sociedade autoritária, “a obra de Deus, (...) a Natureza, a palavra de Deus, (...) a história, e a vontade de Deus, (...) o Estado”. Como pode ser notado todos os aspectos impositivos do homem do velho mundo aqui no Brasil eram justificados como sendo vontade de Deus. Diante disso, os meandros que o processo colonizador vai tomando no decorrer do tempo levam a muitas características que se tornariam incabíveis ser justificados como sendo vontade de Deus, porém o mesmo foi usado. Podendo dizer que os rumos que levou a atuação e existência do português aqui no Brasil foram perdendo e fazendo com que essa terra se eximisse do caráter paradisíaco que adquirira anteriormente. Agora não só pela existência do imaginário que aqui tentava reinar também o demônio, e nem só pelas novas características que foi apresentando a natureza brasileira que contradiziam as aflições do Éden. A “endiabação” do paraíso foi se formando a partir das ações que o homem do Velho Mundo passou a tomar para poder efetivar sua dominação. 3. E o céu virou inferno Aos poucos a natureza brasileira tratou por si só de tirar seu caráter paradisíaco a que tinha recebido anteriormente desde as narrações inicias da descoberta da terra, agora a visão paradisíaca de belas árvores e clima ameno se retraia e aparecia a sua face natural, Laura de Melo e Souza (2009) usando textos de Gandavo afirma que este mesmo sendo edenizador destas terras “considerou-a deleitosa e temperada, mas sujeita a ventos mortíferos: “estes ventos da terras é mui perigoso e doentio”, diria, “e se acerta de permanecer alguns dias, morre muita gente assim portugueses como índios na terra” (SOUZA, 2009, p. 54). Os animais aqui encontrados foram descritos por Gândavo como sendo perigosos ameaçadores: Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 188 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] [...] haja nella muita diversidade de animaes, e bichos mui feros e venenosos, pois cá entre nós, com ser terra já tam cultivada e possuida de tanta gente, ainda se crião em brenhas cobras mui grandes de que se contão cousas mui notaveis, e outros bichos e animaes mui danosos, esparzidos por charnecas e matos, a que os homens com serem tantos e matarem sempre nelles, nam podem acabar de dar fim, como sabemos. Quanto mais nesta Provincia, onde os climas e qualidades dos ares terrestres, nam são menos dispostos para os gerarem, do que a terra em si, pelos muitos matos que digo, acomodada pera os criar. (GANDAVO, 1980, sem numeração de página) Apensar dessa essa dualidade descritiva6 Gandavo (1980) em vários aspectos da sua narração, despoja vários caracteres naturais do que ele chama de Província, não se restringindo somente aos animais, ele também descreve a natureza brasileira e a convivência da mesma com seus habitantes naturais.7 Não só os acontecimentos naturais, mas a sucessão de acontecidos que foram aparecendo na vivência na nova terra passaram a caracterizar esse novo ambiente que nascia.8 Os nativos brasileiros também descritos por Gandavo contribuem para a formação de uma nova visão das terras encontradas: os índios em alguns momentos são não a vitima de todo esse processo, pois em algumas vezes agem como seres que aos olhos do português cometia horrores, na visão de Gandavo: 6 Gandavo não se prende apenas a narrar os pontos positivos da nova terra, apesar do mesmo ser um endeuzador do Novo Mundo, também narra aspectos que por algum caso desfigura a imagem paradisíaca do Brasil. 7 Outros muitos animaes e bichos venenosos ha nesta Provincia, de que nam trato, os quaes são tantos em tanta abundancia, que seria historia mui comprida nomea-los aqui todos, e tratar particularmente da natureza de cada hum, havendo, como digo, infinidade delles nestas partes, aonde pela disposição da terra, e dos climas que a senhorêão, nam pode deixar de os haver. Porque como os ventos que procedem da mesma terra se tornem inficionados das podridões das hervas, matos e alagadiços geram-se com a influencia do Sol que nisto concorre, muitos e mui peçonhentos, que per toda a terra estão esparzidos, e a esta causa se crião e achão nas partes maritimas, e pelo sertão dentro infinitos da maneira que digo. (GANDAVO, 1980, sem numeração de página) 8 O Brasil infernal se dá nas passagens de Vieira através das barbáries aqui existentes, nos massacres indígenas, na falta de estrutura para se viver, nos mandos e desmandos aqui ocorridos, uma verdadeira terra de ninguém. O embate colonos X negros X indígenas também retrata bem o estado de conflito existente na colônia, onde a desordem e os desmandos muitas vezes se constituíam como rotineiros. (Disponível em: http://visaodeindio.blogspot.com/2010/05/brasil-divina-comedia-do-hemisferio-sul.html (Acesso 18 de outubro de 2010) Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 189 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] Huma das cousas em que estes Indios mais repugnam o ser da natureza humana, e em que totalmente parece que se extremam dos outros homens, he nas grandes e excessivas crueldades que executam em qualquer pessôa que podem haver ás mãos, como nam seja de seu rebanho. Porque nam tam somente lhe dam cruel morte em tempo que mais livres e desempedidos estam de toda a paixão; mas ainda depois disso, por se acabarem de satisfazer lhe comem todos a carne usando nesta parte de cruezas tam diabolicas, que ainda nellas excedem aos brutos animaes que nam tem uso de razam nem foram nascidos pera obrar clemencia. (GANDAVO, Tratado da terra do Brasil, 1980, sem numeração de página) A crueldade com que os índios executavam a morte dos cativos desperta em Gandavo uma visão assustadora. Dentre as várias populações indígenas citadas por ele, os Aimorés e os Tapuyas todas são carregadas de um olhar de estranheza e comparação, sendo determinada uma conclusão que se tratava de seres horrendos e bizarros.9 As descrições feitas por Gandavo denotam uma nova realidade em relação à visão edenizadora antes descrita. A natureza paradisíaca perde as afeiçoes do Éden e ganha uma nova visão, definitivamente o paraíso mostrava suas formas negativas e ameaçadoras. Desse modo, no que tange a infernização do paraíso, não só as afeições naturais passam contorcer a imagem antes tida no imaginário do homem vindo do Velho Mundo, mas a própria ação exercida pelo mesmo nessa nova terra vai se opor aos caracteres de um lugar que pudesse se comparar ao Éden. Nesse aspecto começava-se o antagonismo que Mello e Sousa descreve como Componentes do universo mental, nunca estiveram isolados um dos outros, mantendo entre si uma relação constante e contraditória: na esfera divina, não existe deus sem o diabo; no mundo da natureza, não existe 9 A América não era como tinham imaginado; até os mais entusiastas (dentre os humanistas) tiveram desde cedo de aceitar o fato de que o fato de que os habitantes deste mundo idílico podiam ser também viciosos e belicosos, e as vezes comiam uns aos outros”, J. H. Elliott, The Old World and the New – 1492-1650, p 27. Apud. Cf. SOUZA, O Diabo e a Terra de Santa Cruz. p. 62) Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 190 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] paraíso terrestre sem inferno; entre os homens, alternamse virtude e pecado. (SOUSA, 2009, p. 44) A acepção de que as terras do além-mar eram disputadas por Deus e o Demônio é decorrente do imaginário do colonizador, sem dúvida essa imagem foi formada levando em conta o papel religioso que este carregava desde o período medieval e acentuada certamente por alguns aspectos que o Brasil apresentava, porém “tornou-se lugar-comum afirmar que a religião forneceu os mecanismos ideológicos justificatórios da conquista e colonização na América, encobrindo e escamoteando as atrocidades cometidas em nome da fé” (SOUZA, 2009, p. 48). Mediante as ações paradoxais10 que passaram a ser aplicadas pelos colonizadores, o Paraíso Terrestre, aos olhos de muitos passou a ser visto como o Inferno Terrestre, assim como na obra A divina Comédia de Dante Alighieri, onde é decorrente que seus personagens transitam entre inferno purgatório e paraíso, o que não é muito diferente da realidade vivida no período colonial, os índios que vivendo em condições de vida amena antes da chegada dos europeus agora viam-se sujeitos a um novo estilo de vida, o trabalho compulsório foi um dos pontos que não favoreceu para que os mesmos aprovassem a idéia de paraíso antes dada pelo homem do Velho Mundo. O colonizador como sempre justificava esse ato como sendo permissão e vontade de Deus que se realizasse, mas como pode ser um paraíso se só a paisagem natural é vivente desse aspecto, diferente dos homens que o habitam? Marilena Chauí (2000, p. 63) afirma que “desde o inicio da colonização, o escravismo se impôs como exigência econômica” e impulsionados pelos conceitos de modernidade que afloravam naquela época, juntamente com a apreciação capitalista, o português firma-se na teoria descrita por Chauí como teoria do direito natural objetivo onde Deus “ordenando hierarquicamente os seres segundo sua perfeição e seu poder, e 10 Aqui se refere aos atos cometidos por portugueses no que tange a sua atuação no que denominavam ser o paraíso, pois as ações que passaram a ser executadas a partir de então não condiziam com a atmosfera sagrada que anteriormente fora atribuída ao Brasil. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 191 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] determinando suas obrigações de mando e obediência (...) em que o superior naturalmente comanda e subordina o inferior, o qual naturalmente lhe deve obediência.(CHAUÍ, 2000, p. 63-64). Sendo dessa forma o cativo dos primitivos brasileiros seria justificado pelo estado da Natureza, pois eram vistos em vários aspectos como seres inferiores, dando margem a ser “mandados” pelos que se diziam superiores. Em Casa Grande e Senzala Gilberto Freyre, (2006) expõe uma informação hoje bastante contorcida no que diz respeito ao trabalho manual indígena na colônia. Esse processo de escravização dos indígenas pelo colonizador lusitano foi inviabilizado, o que obrigou a introdução do africano para realizar as tarefas que seriam atribuídas aos índios. Diante dessa inaptidão ampla do homem americano para o trabalho manual foi necessário o ingresso do negro africano para os desígnios dessa tarefa. Como o próprio Freyre afirma a idéia de escravizar os índios tinha fraquejado quando o nativo ameríndio se mostrou um homem “molengão” e inadequado para o trabalho compulsivo isso justificado talvez pela sua tradição e modo de viver nestas terras antes da chegada dos portugueses, pois “[...] a cultura americana ao tempo da descoberta era nômade a de floresta, e não ainda a agrícola [...]” (FREYRE, 2006, p. 164). Diante do uso agora desse novo recurso manual de trabalho – o negro africano – o uso das teorias do direito natural objetivo se reforça onde “é legal e legítima a subordinação do negro inferior ao branco superior” (CHAUÍ, 2000, p. 65). E ainda mais reforçada pelo direito natural subjetivo, porém não mais sob a forma de servidão voluntária e sim pelo direito natural de dispor dos vencidos de guerra. Afirmava-se que nas guerras entre tribos africanas e as guerras entre africanos e europeus os vencidos eram naturalmente escravos e poder-se-ia dispor deles segundo a vontade de deus senhores. [...] a naturalização da escravidão africana (...) ocultava, o principal, isto é, o tráfico negreiro [...] (CHAUÍ, 2000 p. 65-66) Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 192 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] O Novo mundo estava definitivamente sendo duelado entre Deus e o Diabo. Para tanto não só as ações naturais falavam (eram apenas ações da natureza), as ações humanas iam além do imaginário paradisíaco, desmanchando a imagem da casa de Adão e Eva. A serpente estava solta e em muitos aspectos reinava sobre a vontade do senhor. O inferno existia no paraíso, e o reino de Deus estava ameaçado pelo domínio do “demônio”! Porém vale destacar o que Laura de Melo e Sousa expõe em O Diabo e Terra de Santa Cruz, a mesma afirma que “não houve uma seqüência ordenada entre um e outro, entre edenização e detração. Mesmo os grandes edenizadores da natureza não pouparam observações, pejorativas em maior ou menor grau acerca do Novo Mundo” (SOUZA, 2009, p. 62). 4. As práticas religiosas na Colônia – Exaltação de Deus e Evocação do Diabo: Sincretismos, Bruxarias e Desacatos. O Novo Mundo estava debruçado no pecado e parecia não haver mais salvação, muitos jesuítas narram em suas cartas ações que a seus olhos eram coisas do demônio: “incesto (...) poligamia, (...) nudez, preguiça, cobiça, paganismo, canibalismo” (SOUZA, 2009, p. 86) chegando a afirmar alguns jesuítas “os índios são povo do diabo” (SOUZA, 2009, p. 95). A demonizarão atribuída ao homem ameríndio era um dos aspectos da percepção do europeu sendo o Novo Mundo antes um local de domínio de Deus, se tornara agora o refúgio do diabo este perdendo espaço no Velho Mundo buscava abrigo nas novas terras, onde um leque do oportunidade se abria para a sua dominação. Na colônia portuguesa muito do que não era permitido na Europa se praticava assim e eis que se deu o translado: “(...) o demônio perdera o controle sobre a Europa – cristalizada durante toda a Idade Média – e se instalara , vitorioso na outra banda da terra – a América (...)” (SOUZA, 2009, p. 94), pois assim sendo o imaginário do habitante do Novo Mundo tendia a novas especulações, haja vista o modo de vida que aqui se vivenciava muitas vezes causava desvios de crença, pois Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 193 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] Se Deus era cultuado d’aquém e d’além-mar, Satanás também o era, reinando ainda nas vagas e turbilhões oceânicos. Numa época em que o Sistema Colonial articulava boa parte das terras do globo, é natural que sonhos, anseios, desejos, projeções imaginárias refletissem sua importância que tinha na vida cotidiana, nos afetos e na subsistência de cada um (SOUZA, 2009 p. 190) A dominação do demônio de dava de forma tão abrangente que segundo Frei Vicente o diabo conseguira substituir a Santa Cruz pelo pau de tinta na denominação da nova terra Porém, como o demônio com o sinal da cruz perdeu todo o domínio que tinha sobre os homens, receando perder também o muito que tinha em os desta terra, trabalhou que se esquecesse o primeiro nome e lhe ficasse o de Brasil, por causa de um pau assim chamado de cor abrasada e vermelha com que tingem panos. (Salvador s/d: 15). (Disponível em: www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php? Acesso 06 de outubro de 2010) Como se pode perceber as mudanças ocorriam em vários âmbitos, a terra de Santa Cruz já não se chamava mais assim, e de fato era evidente essa retirada, pois a “Santa Cruz” já não operava mais como antes no imaginário do povo que vivia na colônia. Constatada nos hábitos da vida cotidiana, confirmada nas práticas de feitiçaria, a demonização do homem colonial expandiu-se d figura do índio – seu primeiro objeto – para a do escravo, ganhando, por fim, os demais colonos. Para se esquivaram dos castigos rigorosos, os escravos recorriam a “artes diabólicas”” (SOUZA, 2009, p. 98) As práticas de feitiçaria e de adoração ao demônio são descritas como uma fuga das aflições que sentiam os povos existentes nesta terra, em busca de respostas buscavam relações com o sobrenatural, é no momento dessa Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 194 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] relação “que o homem da colônia paga tributo ao diabo e confirma seu caráter de humanidade diabólica” (SOUZA, 2009, p. 97). O paraíso vira inferno, assim, as situações se inverteram. A Europa era vista como um lugar onde os cristãos se deleitavam na fé em Deus, o inferno se estabelecia pela sua condição dispare e demoníaca na colônia portuguesa. As diversas práticas religiosas diversas, características do hibridismo cultural e religioso existente no Brasil se acentuaram cada vez mais, havendo a consistência de cultos católicos, (oficial) juntamente com práticas diversas trazidas pelos escravos africanos além de práticas religiosas indígenas. Em outros casos também se usava símbolos cristãos para a realização de cultos não católicos. As várias maneiras religiosas povo que vivia na colônia se distanciam e se aproximam em um complexo sistema de adoração que pode ser percebido pela disparidade de etnias que aqui existiam, onde cada “povo” tinha sua adoração, o que não era generalizada. Parece passar despercebida é a característica básica da nossa religiosidade de então: justamente o se caráter especificamente colonial: branca, negra, indígena, refundiu espiritualidades diversas num todo absolutamente específico e simultaneamente multifacetado (SOUZA, 2009, p. 121) Levando em consideração as afirmações de Gilberto Freyre em Casa Grande & Senzala, pode-se afirmar que a igreja perdeu um pouco de espaço na administração nas terras ameríndias gerando insatisfações em relação aos senhores de engenho. Porém a religiosidade sempre exerceu sua enorme influência mesmo com as desavenças; é de comum conhecimento que em praticamente toda casa grande tinha uma área reservada em seu interior para a realização das celebrações. Mas não só dentro da Casa Grande a igreja mantinha sua influência, muitos dos santos cultuados em Portugal foram introduzidos na religiosidade do brasileiro e a eles atribuídas especialidades como “em aproximar os sexos, em fecundar as mulheres, em Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 195 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] proteger a maternidade: Santo Antonio, São João, São Gonçalo do Amarante (...)”(FREYRE, 2006, p. 326) entre outros santos, todos recebiam uma vocação de cura “gente estéril, maninha, impotente, é a São Gonçalo que se agarra” (FREYRE, 2006, p. 327) e por aí vão as mais diversas atribuições, crendices e práticas religiosas. O cunho popular que ganhou a religião principalmente com a especialização dos santos para a cura ou proteção de uma causa específica se pluraliza na Colônia e passa a ganhar aspectos dogmáticos dispares, fugindo das concernências da igreja oficial. O sincretismo11 religioso era uma realidade na colônia, não bastante os aspectos da sua formação dão razão para isto e não deixam de lado os aspectos que se tornaram inerentes a vivencia religiosa do brasileiro “uma colônia escravista estava fadada ao sincretismo religioso” (SOUZA, 2009, p. 128) essa convivência de cultos e religiões existindo em um ambiente onde a igreja romana tentava impor seu domínio é definido por Laura de Melo e Sousa como sincretismo afro-católico pois, (...) cultuava-se são Benedito, mas cultuava-se também Ogum, e batiam-se atabaques nos calundus da colônia: nas estruturas sociais que lhe foram impostas, os negros através da religião, procuravam “nichos” em que pudessem desenvolver integralmente suas manifestações religiosas (SOUZA, 2003, p. 128) Essa diversidade religiosa a que o Brasil adotava se dá ainda mais diversificada no contexto do transporte de africanos para essa terra, pois várias culturas africanas eram recrutadas para chegar ao Brasil12, assim 11 O sincretismo marca, pois uma das condições dos países de escravidão que é de mistura de raças e de povos, a coabitação das mais diversas etnias num mesmo lugar e a criação, acima das nações centradas nelas mesmas, de uma nova forma de solidariedade no sofrimento, uma solidariedade de cor. (Bastide. op. cit, p. 260) Apud Laura 12 A memória coletiva do Brasil é heterogênea, fruto dos processos históricos e sociais que formaram o país dos dias atuais. O português que veio habitar a colônia já era sincrético. Aqui, uniu-se aos negros de diversas partes da África, ao índio e a outras gentes. Com isso, foi sendo criado um sincretismo específico da colônia, fruto da fusão de diversos povos. A metrópole portuguesa era mestiça: ... Contatos de raça e cultura, apenas dificultados, nunca porém impedidos pelos antagonismos da religião, foram em Portugal os mais livres e entre elementos os mais diversos. (Juliana Barros Prata Carvalho Sincretismo religioso brasileiro: um estudo através das Veredas de Grande Sertão Dissertação de mestrado PUC/SP – 2007) Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 196 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] esse processo de formação populacional dispare se reflete diretamente na religiosidade, “forçosamente o catolicismo no Brasil haveria de impregnar-se dessa influência (...) (FREYRE, 2006, p. 394) sendo assim não se pode falar em influência religiosa africana, mas sim em influencias religiosas que foram se misturando e formando essa miscigenação cultural que é o Brasil: “Gêges, Nagôs, Iorumbas, Malês e tantos outros trouxeram cada um sua contribuição, refundindo-as à luz de necessidades e realidades novas, superpondo ao sincretismo afro-católico um outro quase sincretismo afro. (SOUZA, 2009, p. 129). No entanto, muitas outras práticas se integravam ao cotidiano colonial. Eram pequenas rezas para cura de doenças cotidianas que cismavam em perturbar ainda mais a vivência dos habitantes das terras sob domínio luso. Eram feitiços para conseguir paixões praticamente impossibilitadas, ou para adquirir algum benefício, como a proteção. Eram contra-feitiços procurando desfazer os trabalhos encomendados por inimigos. Eram bruxedos realizados por mulheres conhecedoras de toda espécie de sortilégios e receitas mágicas, com ervas ou ingredientes nada usuais. Eram demônios familiares que auxiliavam as bruxas no seu intento, sugando criancinhas, deixando-as secas. (FREIRE, 2008, p. 6). Essas práticas de feitiçaria que ganharam espaço no cenário sincrético colonial brasileiro residiu também dentro da vivencia religiosa do colono impulsionada em muitos casos pela necessidade de uma reposta imediata que a fé católica não dava, daí o apelo ao sobrenatural em busca de realizações mais concretas, tendo em vista que o misto de crenças existentes no Novo Mundo era financiadora do surgimento dessa práticas de feitiçaria. Gilberto Freyre afirma que: a freqüência da feitiçaria e da magia sexual entre nós é outro traço que passa a ser de origem exclusivamente africana. Entretanto, o primeiro volume de documentos relativos as atividades do Santo Ofício no Brasil registra Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 197 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] vários casos de bruxas portuguesas. Suas práticas podem ter recebido influencia africana: em essência, porém foram expressões do satanismo europeu que ainda hoje se encontra entre nós, misturado a feitiçaria africana ou indígena. Antonia Fernandes de alcunha Nóbrega dizia ser aliada do Diabo: as consultas, quem respondia por ela era “certa cousa que falava, guardava num vidro” Magia medieval do mais puro sabor europeu (...) Isabel Rodrigues, ou Boca-Torta, fornecia pós miríficos e ensinava orações fortes. A mais célebre de todas, Maria Gonçalvez de alcunha Arde-lhe-o-rabo, ostentava as maiores intimidades com o Diabo. (...) (2006, p. 405-406). A Constatação desse tipo de bruxaria no Brasil tem forte ligação com o misto de religiões que aqui ganharam espaço o que de fato se comprova é que a existência de bruxas no Brasil não foi efetivamente confirmada é fato que no Brasil, nunca foi instaurado efetivamente um tribunal do Santo Ofício como na Europa. Houve, no entanto, três Visitações do Santo Ofício que resultaram numa grande quantidade de processos de acusações e condenações por práticas variadas, que iam da adivinhação ao curandeirismo e blasfêmia. Fora isso acusações de práticas de feitiçaria era comum, mesmo que os acusados dificilmente confessassem fazer mão dessa prática, ocorre então um caso existente no Piauí descoberto pelo historiador Luiz Mott onde em suas pesquisas o mesmo encontra o depoimento da mestiça Joana Pereira de Abreu13. De acordo com o registro encontrado na Torre do Tombo14: Descrevendo o suposto acontecido Luiz Mott expõe esse registro onde que sob orientação de sua mestra a feiticeira Cecília, a mesma escrava praticava rituais não permitidos com o demônio no referido texto a escrava Joana, 13 "Joana Pereira de Abreu era uma escrava mestiça, moradora da Vila da Mocha (atual Oeiras) nos meados de 1.700. Joana foi protagonista de um dos episódios mais complexos e insólitos da historia religiosa do Brasil Colonial: praticou um ritual diabólico, o famigerado Sabá, reunião orgiástica de feiticeiras com Satanás, ritual medieval muito comum na Europa, mas até então nunca documentado na a América Portuguesa (jornal de the) 14 O Arquivo Nacional da Torre do Tombo Encontra-se em Portugal ”custodia um universo diversificado de património arquivístico, incluindo documentos originais desde o séc. IX até aos dias de hoje. (Disponível em: http://antt.dgarq.gov.pt/ Acesso 16 de outubro de 2010) Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 198 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] dirigiu-se nua altas hora da noite a porta da Igreja (...) da vila da Mocha (...) e ali bateu com suas partes prepósteras assim nua três vezes na porta da igreja indo sempre para trás, e que dali havia de endireitar nua para umas covas de defuntos (..) aonde chamam o enforcado (...). E que ali me havia de aparecer o demônio em forma de moleque” Feito isso a escrava foi ao local indicado e “apareceu logo o demônio em forma de moleque: adorei-o antes de me por de quatro, para ter torpissimos e nefandos atos. Beijei-lhe os pés (...) Chamava-o meu senhor e o tinha por Deus e Senhor. (...) (MOTT, 1997, p. 208) O registro apesar de muito importante é apenas uma constatação de mais um tipo de acusação de bruxaria dos muitos que ocorreram no Brasil, em muitos casos os “inquisidores buscava associar essa práticas aos calundus e catimbós", porém como estas já eram práticas existentes na vivencia religiosa dos brasileiros, a demonização das mesmas tornou-se inviável. A religiosidade do Colono se apresentava de forma tão determinante que muitos casos de enfermidades era pedido auxilio imediato de Deus, dos muitos exemplos mencionados em O Diabo e a Terra de Santa Cruz, o de Cecília Fernandes, a mesma dizia “eu não havia deus no mundo se não a vingasse de quem ela pedia vingança” (SOUZA, 2009, p. 148), a exemplo de Cecília, “biscainho Martim que: (...) se vira as voltas com violências inesplicadas (...) Cheio de pisaduras, “desatinara [...] com a força da paixão, que vendo que nenhuma gente branca lhe acudia, dissera em altas vozes como desesperado por inço ou seis vezes que arrenegava de Deus e da Virgem Maria Nossa Senhora, e São Pedro e de São Paulo, e de todos os santos da Corte dos Céus, e do Padre que o batizara (SOUZA, 2009, p. 149). Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 199 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] A exigência por respostas era imediata, a relação do colono com as divindades era estreita e algumas vezes agressiva caso o fiel não sentisse está sendo visto e protegido pelas santidades celestes. Uma das faltas graves consideradas pela Igreja Católica e severamente farejadas pela Inquisição que apesar de nunca ter possuído um tribunal instituído em terras brasileiras possuía representantes aqui era a blasfêmia contra santidades da Igreja Católica. Os desacatos eram freqüentes, em uma terra de muita fé e em algumas vezes poucas respostas dos céus, a revolta dava-se pela injúria e até mais do que isso. Era comum que a Virgem Maria fosse tida como uma mulher desvirginada, Jesus fosse xingado dos mais variados nomes. O insulto negava a devoção o que era considerado como pecado. Blasfemava-se por tudo que causava insatisfação, até as mudanças climáticas (chuva ou sol) causavam indignação. Os desacatos não se restringiam somente a palavras, além das zombarias os símbolos religiosos também entravam no rol dos desacatos como o crucifixo e imagens de santos a exemplo disso “Diogo Castanho, homem solteiro infligia ao crucifixo a convivência com suas atividades sexuais “Quando tinha ajuntamento carnal com sua negra, medita debaixo dela um crucifixo” (SOUZA, 2009, p. 152-153) .”Cuspir no crucifixo, esmagálo com os pés, urinar sobre ele” (SOUZA, 2009, p. 154) também foram situações a que mesmo foi submetido. Essas práticas de uso indevido de imagens às vezes eram atribuídas a cristão-novos como no caso de Diogo, em outros o “massacre a imagens” se dava justamente pelo não acato do santo feito pelo devoto. Como exemplo disso a prática de colocar a imagem de Santo Antonio de cabeça para baixo ainda hoje é freqüente numa forma de obrigar o santo a obrar o milagre, na Colônia Santo Antonio passava por bocados piores, as vezes era dependurado de cabeça para baixo no poço e em outras a imagem era posta debaixo de pedra. Diante de tudo isso percebe-se que o cunho religioso do colono independente das aproximações com os céus ou o afastamento dele era muito forte decorrente do acumulo de vários credos na Terra de Santa Cruz. A fé sobretudo ditava o modo de vida do colono, a tudo se atribuía ao Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 200 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] sobrenatural, apesar dos variados cultos e da arrenegação muitas vezes da autoridade celeste superior o demônio nunca reinou totalmente15 sobre o Novo Mundo, a aproximação com os santos é muito forte,“O culto a Virgem e sobretudo, aos santos , é um dos componentes da religiosidade popular em que é mais nítida e perceptível esta afetivização” (SOUZA, 2009, p. 156) 5. Conclusão O contato com a narrativa da origem abordada no mito fundador nos leva a reflexão do contexto econômico, social, político e aqui, principalmente religioso. O mito é fundado na fé, na religião do homem do Velho Mundo que aqui acrescida as já existentes e as que chegaram posteriormente fundou um mundo de alto grau de religiosidade. O outro lado do Atlântico, paraíso ofertado por Deus também foi lugar de renegação do mesmo e adoração do demônio. A palavra foi elemento forte na Colônia, pois foi através dela que se venerou, adorou e também arrenegou. A fé foi um dos maiores símbolos de dominação do Brasil Colônia, haja vista a ocupação e escravização aqui instaurada eram justificadas pela religião. No entanto, não pode-se afirmar que o colono foi apenas um homem da fé cristã exacerbada, os mesmos percorriam os vários meandros da emoção humana, exemplo disso as blasfêmias. Sendo assim, a religiosidade colonial, bem como as formas adotadas por ela no seio dos diferentes grupos sociais que aqui existia naquela época, está inserida numa realidade onde o aparentar é mais levando em conta do que evidenciar. Sendo assim a religiosidade pouco interiorizada do Colono não é nada menos do que resultado de atribuições ditadas por seu imaginário que acabou refletindo diretamente nas suas ações, ações essas que estão fortemente ligadas ao tratamento dado pelos mesmos ao Brasil. A fé foi usada e abusada no Paraíso! Usada para difundir 15 Apesar de todas as distinções e ambigüidades, a luta contra o pecado e o pecador deveria continuar. Afinal, blasfemador não era só aquele que se arriscava a desencadear a cólera divina: ele representava também uma ameaça à frágil harmonia social de um mundo que apoiava seus pilares sobre o solo ainda firme da religião. Disponível em: http://maniadehistoria.wordpress.com/blasfemar-era-coisa-comum-na-colonia/ Acesso 17 de outubro de 2010 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 201 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] a palavra de Deus, para o português se implantar aqui e até para alimentar o seu status enquanto colonizador e foi indevidamente usada para reprimir os mais fracos para explorá-los e para exigir de Deus o que não era de merecimento do devoto. Abusada a certo ponto de se voltar para o demônio, pois o excesso das mesmas era tão grande que às vezes gerava conflitos no interior de quem cria. O Colono viveu e sobreviveu envolvido pela fé! Fé esta atribuída a Deus ou ao diabo. Sob os auspícios religiosos o Brasil nasceu e ganhou formas mais aparentes, fomentou seu lado divino e também demoníaco, portanto merecedor ou não do Paraíso, os novos habitantes, usaram e modificaram a realidade dos ameríndios e aqui fundaram um novo lugar, fundados nos princípios religiosos e na ambição mercantilista que ganhava espaço no mundo dos quinhentos e seiscentos. Referência bibliográfica ALIGHIERI, Dante. A divina comédia. Versão para e Book: Fonte Digital. 2003. (Disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/paraiso.html Acesso 17 de outubro de 2010) BARROS, José D’Assunção. O campo da História: especialidades e abordagens. 6ª ed. Petrópolis: Vozes, 2009. CARVALHO, Teresinha Alves de Miranda. Paraíso Terrestre ou terra do sem mal?, Dissertação de Mestrado, Universidade Metodista de São Paulo: São Bernardo do Campo, 2006. CHAUÍ, Marilena. Brasil: Mito fundador e sociedade autoritária. Editora Fundação Pereseu Abramo. São Paulo, 2000 FREIRE, Gláucia de Souza. Do viver ao praticar: Sincretismo Religioso no Brasil Colonial. Revista de Humanidades. UFRN. Caicó (RN), v. 9. n. 24, Set/out. 2008. ISSN 1518-3394. Disponível em www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais (Acesso 08 de outubro de 2010) FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala: formação da família brasileira sob regime patriarcal. Global: São Paulo, 2006. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 202 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] GÂNDAVO, Pero de Magalhães. Tratado da terra do Brasil; História da Província Santa Cruz, Belo Horizonte, Ed. Itatiaia, 1980. (Disponível em: http://www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/ganda2.html Acesso 09 de outubro de 2010. http://jornalobruxoteresina.blogspot.com/2008/07/bruxaria-em-oeiras-noperodo-do-brasil.html (Acesso 16 de outubro de 2010) http://visaodeindio.blogspot.com/2010/05/brasil-divina-comedia-dohemisferio-sul.html (Acesso 18 de outubro de 2010) MOTT, Luiz. Cotidiano e vivencia religiosa: entre a capela e o calundu. In: SOUZA, Laura de Melo. (org.) História da Vida Privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo, Companhia das Letras, 1998. PRIORE, Mary Del. Religião e religiosidade no Brasil colonial: Ática: São Paulo, 2004. SOUZA, Laura de Mello e. O Diabo e a Terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade no Brasil Colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 203 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] AÇÃO JESUÍTICA E CATOLICISMO NO BRASIL COLONIAL DO SÉCULO XVI Emanuel Luiz Souza e Silva1 Resumo: este artigo tem como objetivo analisar a atuação do padre jesuíta Luís da Gram, membro da Companhia de Jesus, no processo de evangelização e expansão no catolicismo no Brasil colonial quinhentista. Este clérigo veio ao Brasil em meados do século XVI e juntamente com seus companheiros de jornada, entre os quais podemos destacar o padre Manuel da Nóbrega, foi um jesuíta muito atuante na catequese indígena e na expansão dos ideais do catolicismo na colônia. Propomos analisar estes momentos de colaboração deste jesuíta na evangelização, para observar como se deu desenvolveu a doutrina católica no Brasil do século XVI. Introdução Pretendemos neste artigo analisar a participação do padre jesuíta Luís da Gram2 no processo de evangelização no Brasil colonial e difusão do catolicismo entre os seus habitantes no primeiro século de colonização. Clérigo de destaque na colônia, ocupando cargos de grande responsabilidade e prestígio, este membro da Companhia de Jesus pode ser um exemplo da atuação jesuítica e da tentativa de expansão da doutrina religiosa católica, esta dominante nas Terras de Santa Cruz, por ser a religião oficial da Metrópole portuguesa e, por conseguinte, também das suas possessões. Sobre a presença e papel dos jesuítas no Brasil do século XVI temos trabalhos históricos importantes, dentre os quais podemos destacar: A obra 1 Emãnuel Luiz Souza e Silva. Mestre em História pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Professor de História da América e História Medieval da Faculdade Cenecista de Senhor do Bonfim (FACESB). Email: [email protected]. Telefone: 7188336252. Endereço: Avenida Antônio Laurindo, n.75, apto. 302, Centro, Senhor do Bonfim, Bahia, Cep:48970-000. 2 Nas fontes que utilizaremos neste artigo o padre Luís da Gram aparecerá grafado de formas diferentes, dependendo da documentação utilizada, tais como: Luís da Grã, Luis da Grana, Luís da Gran, Luis da Graan. Como opção metodológica, utilizaremos a grafia - Luís da Gram - no decorrer do texto produzido, aparecendo estas outras grafias nas citações e referências às fontes e bibliografia. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 204 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] monumental de Serafim Leite - História da Companhia de Jesus no Brasil, que faz uma análise minuciosa sobre a organização e desenvolvimento desta companhia em solo brasileiro: “Composta por dez volumes publicados entre 1938 e 1950, a obra em questão conta a história dos jesuítas no Brasil colonial, a partir da compreensão que os inacianos tinham de si mesmos.” 3. Também destacamos outros estudos importantes sobre os jesuítas no Brasil colonial: a dissertação do historiador Fabrício Lyrio dos Santos, intitulada: Te Deum Laudamus. A expulsão dos Jesuítas da Bahia (1758-1763) 4, que aborda um período conflitante e de disputas entre o Estado, na figura do Marquês de Pombal e a Companhia de Jesus, que perdia espaço na dinâmica colonial: “A expulsão dos jesuítas se insere neste quadro mais amplo de afirmação dos direitos do Rei sobre os da Igreja, embora também represente a solução de antigos conflitos locais.” 5. A obra do historiador Paulo de Assunção intitulada: Negócios jesuíticos: o cotidiano da administração dos bens divinos6 que contribui para se ter uma visão sobre os aspectos administrativos, organizacionais e hierárquicos existentes na Companhia de Jesus. A partir destas leituras e das fontes documentais que analisamos, constituídas basicamente de relatos e cartas dos jesuítas que viveram em terras coloniais e interagiram com Luís da Gram, faremos um estudo histórico da trajetória, práticas e contribuições deste clérigo no Brasil do século XVI. A trajetória de um jesuíta no Brasil colonial do Século XVI Iniciaremos com uma análise da atuação, enquanto jesuíta, do padre Luís da Gram no Brasil colonial quinhentista. Observaremos a sua trajetória, práticas e relações sociais desde a sua chegada, até o final do século XVI. O padre Luís da Gram nasceu em Lisboa, em 1523. Era filho de Antônio Taveira, em 1591 tinha 68 anos, conforme relatou ao Visitador do Santo Ofício, Heitor Furtado de 3 PEDRO, Lívia Carvalho. História da Companhia de Jesus: A Biografia de uma Obra. Salvador, Dissertação de Mestrado, Universidade Federal da Bahia, UFBA, 2008. p. 6. 4 SANTOS, Fabrício Lyrio dos. Te Deum Laudamus. A expulsão dos Jesuítas da Bahia (1758-1763). Salvador, Dissertação de Mestrado, Universidade Federal da Bahia, UFBA, 2002. 5 SANTOS, Fabrício Lyrio dos. A Presença Jesuíta no Recôncavo da Bahia. In: Revista do Centro de Artes, Humanidades e Letras. Vol. 1 (1), 2007. p. 26. 6 ASSUNÇÃO, Paulo de. Negócios jesuíticos: o cotidiano da administração dos bens divinos. São Paulo: Edusp, 2004 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 205 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] Mendonça, na sua denúncia:7·. Gram em Portugal “estudou direito em Coimbra, onde entrou para a Companhia em 43, chegando a ser reitor do collegio.”: 8. Além de cursar artes. O padre Miguel de Torres, visitador de Portugal, recomendou a sua vinda ao Brasil:9. Este clérigo veio ao Brasil na mesma nau em que viajou o segundo governador geral da colônia, Duarte da Costa:10, em 1553. Nesta embarcação também vieram outros clérigos dentre os quais citamos: José de Anchieta, Brás Lourenço e Ambrósio Pires, e os irmãos João Gonçalves, Antônio Blasques, Gregório Serrão:11. José de Anchieta também tratou da sua chegada: “no ano de 1553 vieram seis da Companhia com o segundo governador D. Duarte da Costa, o padre Luiz da Grã, o padre Braz Lourenço e o irmão João Gonçalves, o qual morreu depois de sacerdote na Companhia com muita santidade, e os irmãos Antônio Blasquez, Gregorio Serrão, José de Anchieta e todos os cinco ainda vivem, todos sacerdotes.”:12. A sua chegada:13, juntamente com os outros membros do clero metropolitano que aqui desembarcaram, foi muito esperada, devido à grande carência de padres que havia na colônia, uma realidade que se prolongou por todo o período colonial. Por ter desempenhado uma função de destaque na metrópole, sendo reitor do colégio da Companhia de Jesus em Coimbra, sua chegada e permanência foi muito comemorada pelo clero que aqui vivia, e que já havia iniciado os trabalhos de catequese e conversão indígena. Em uma carta escrita pelo padre Manuel da 7 Heitor Furtado de Mendonça, Primeira Visitação do Santo Ofício às Partes do Brasil, p. 329. Azpilcueta Navarro. Cartas Avulsas. São Paulo, Itatiaia, 1988. p. 319. 9 Serafim Leite. História da Companhia de Jesus no Brasil. Lisboa: Portugalia; Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1938-1950. Tomo II. p. 472. 10 Inclusive este clérigo tinha boas relações com o governador geral, sendo este um dos fatores que colaboraram para a sua posse como reitor do colégio da Baía. “Luiz da Grã (1554- 1556). O quarto Superior da Baía foi o p. Luiz da Grã escreve Braz Lourenço que esteve ele próprio para ser reitor da Baía, mas depois ficou Grã por ser pregador e muito querido da gente, principalmente do Governador, D. Duarte.” In: Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, p. 59. 11 Pedro Calmon. História do Brasil: As Origens - Século XVI. Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1959, Vol.I. p. 260. 12 José de Anchieta. Cartas, Informações, sermões e fragmentos Históricos. São Paulo, Itatiaia, 1988. p. 322-323. 13 Pedro Calmon descreveu a chegada do Governador geral com os demais tripulantes: “A 8 de maio saiu de Portugal, em companhia do Filho, D. Álvaro da Costa, de algumas órfãs que vinham casar no Brasil, dos jesuítas Luís da Grã, que fora reitor do Colégio de Coimbra, e José de Anchieta.” In: Calmon, História do Brasil, p. 260. Frei Vicente do Salvador, também relatou a chegada de Luís da Gram “movido el rei dos rogos e importunações do governador Tomé de Souza, acabado o triênio de seu governo, lhe mandou por sucessor D. Duarte da Costa, o qual embarcou a 8 de maio, trazendo em sua companhia seu filho D. Álvaro e o padre Luís da Grã, que havia sido reitor em o colégio de Coimbra, e mais dois padres sacerdotes e quatro irmãos da Companhia[...]” In: Frei Vicente do Salvador. História do Brasil: 1500-1627. São Paulo, Itatiaia, 1984. p.147. 8 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 206 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] Nóbrega, podemos observar este contentamento pela sua vinda ao Brasil: “Depois de ter escripto a vossa paternidade o anno passado de 1555 por duas, veiu o padre Luís da Grã no mez de maio, com cuja vinda nos alegramos todos e tomamos novo fervor e esforço para o serviço do senhor, e eu me determinei com seu conselho em algumas duvidas que tinha.”:14 A sua vinda, com os demais clérigos, significou um reforço aos quadros do clero colonial, pois logo após o seu desembarque já tratou de se inteirar dos problemas e avanços realizados nas terras do Brasil, e juntamente com os outros, iniciou as visitas e as obras missionárias. “E entendendo-se nisso, chegou o padre Luiz da Grã e os mais padres e irmãos que com ele vieram”: 15. Gram foi colateral de Nóbrega, que era uma espécie de vice-provincial, compartilhando de algumas decisões referentes a Companhia de Jesus, sobretudo nas capitanias do Sul, em que atuavam inicialmente de forma mais incisiva: 16. Apesar de divergirem em algumas opiniões, como a questão da Companhia possuir bens, em que Gram era contra, seguindo os preceitos do voto de pobreza, e Nóbrega era favorável para o sustento e manutenção no clero em terras coloniais. Também a questão da escravidão utilizada pela Companhia era um ponto de divergência. Viam de forma diferente Nóbrega e Grã “neste debate preponderou a opinião realista de Nóbrega”:17 Luís da Gram foi nomeado por duas vezes reitor do Colégio da Companhia de Jesus na Capitania da Bahia. A primeira vez foi entre os anos de 1554 e 1556, e novamente assumiu o cargo nos anos de 1574 e 1575:18. Além destes cargos, assumiu outra posição de destaque como a supervisão das capitanias do Sul:19. Este clero que aqui se instalou, iniciando a catequese e fortalecendo a frágil e inicial estrutura da Companhia de Jesus, na colônia, fazia parte de uma política mais ampla do governo português, que então estava associado ao padroado régio:20. A política e práticas jesuíticas de então, refletiam uma tentativa de 14 Manuel da Nóbrega. Cartas do Brasil: 1549-1560. São Paulo, Itatiaia, 1988. p.147. Manuel da Nóbrega, Cartas do Brasil, p. 151. 16 “ficou como colateral de Nóbrega, uma espécie de vice provincial [...]” In: LEITE, Serafim. Op. Cit. Tomo II. p. 472. 17 Serafim Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, Tomo II, p. 348. 18 “Em junho de 1574-1575 achava-se outra vez o p. Luiz da Grã a frente do Colégio da Baía.” In: Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, p. 64. 19 “As capitanias do Sul governavam-se, em geral por um superior comum, e foram-no durante algum tempo Nóbrega, Luiz da Grã, Anchieta.” In: Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, p. 309. 20 “Na condição de Mestre da Ordem de Cristo, D. Manuel fora constituído pelo Sumo Pontífice com um especial 15 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 207 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] conter a Reforma Protestante em terras ibéricas e ao mesmo tempo expandir os preceitos do catolicismo às diversas localidades que ainda não tinham contato com a religião cristã: “Como a afirmação sugere, Trento, expressão da reação católica à Reforma, representa também o marco da predominância da então recém fundada Companhia de Jesus [...] como uma resposta de Trento aos protestantes, simbolizando a nova vertente cristã.”:21. Os jesuítas representavam desde a sua chegada, em 1549 à Bahia um grupo em destaque nas terras de além mar: Os jesuítas eram quase todos letrados, enquanto entre a população leiga da época ler e escrever era considerado uma raridade, uma qualidade mágica. Eles foram um elemento por excelência para as necessidades colonizadoras da escassamente povoada colônia Brasileira. Livres de família para cuidar, os jesuítas podiam dedicar-se de corpo e alma às tarefas árduas. Sendo melhores na instrução e na formação e mais disciplinados do que quase todo o resto da população brasileira da época, conseguiram não somente praticar o sacerdócio catequizando os índios e cuidar da parte espiritual da população, mas também, na necessidade do próprio sustento, mostrando-se muito hábeis nos empreendimento comerciais.:22 Na sua dissertação de mestrado, a historiadora Célia Cristina da Silva Tavares realizou um estudo acerca dos jesuítas e a sua atuação na América Portuguesa:23. Analisou a participação destes sujeitos históricos na estruturação e desenvolvimento da colonização nas terras do Brasil, perpassando por todo o período colonial até a sua expulsão dos domínios portugueses, em meados do século XVIII. Também avaliou os conflitos ocorridos entre os membros da privilégio para exercer uma jurisdição eclesiástica [...] sobre todas as ilhas e terras do ultramar português, as conquistadas e por conquistar – privilégio transformado em padroado régio sobre o ultramar, a partir de 1514 -, tornando-se o grande moderador da obra missionária nas regiões ultramarinas portuguesas.” In: Alceu Kuhnen. As Origens da Igreja no Brasil. 1500 a 1552. São Paulo, EDUSC, 2005. p. 109. Mais informações sobre o Padroado Régio, consultar a primeira parte desta obra. 21 Ângela Mendes de Almeida. O Gosto do Pecado: Casamento e sexualidade nos manuais de confessores dos séculos XVI e XVII. Rio de Janeiro, Rocco, 1993. p. 31-32. 22 Bella Hersson. Os cristãos novos e seus descendentes na medicina Brasileira. 1500-1850. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 1996. p.58. 23 Celia Cristina da Silva Tavares. Entre a Cruz e a Espada: Jesuítas e a América Portuguesa. Niterói, 1995. Dissertação de Mestrado - Universidade Federal Fluminense, UFF. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 208 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] Companhia de Jesus e os interesses coloniais de escravização indígena do Estado do Maranhão e Grão-Pará. As questões religiosas que envolviam os jesuítas e a sua tensão frente às idéias surgidas no século das luzes também são discutidas, tendo por fim, um estudo de caso, do padre Gabriel Malagrida que foi processado pela Inquisição portuguesa e sentenciado à fogueira. A historiadora ressalta que a fundação da Companhia de Jesus, bem como a Inquisição e o Concílio de Trento foram um esforço de fortalecimento da Igreja Católica naquele contexto histórico e mostraram-se como os três pilares principais da contra-reforma:24. Os jesuítas, neste ínterim, representavam os agentes, uma vez aqui na colônia, responsáveis por propagar e defender estes ideais expansionistas e de reafirmação que a Igreja Católica impunha para defender-se do “mal protestante” que se espalhava na Europa. Acerca das preocupações e atuações dos jesuítas na colônia, afirma: A Importância da ação dos inacianos na colônia não deve ser invalidada pelos enormes problemas relativos ao trabalho de catequese dos indígenas [...] a conversão implicava a desestruturação de um grupo social; de uma cultura; era, portanto, um processo marcado pela violência, mas justificado pela crença na urgência em difundir a verdadeira fé:25 O papel e atuação:26 do padre Luís da Gram encaixa-se neste perfil delineado por Celia Cristina Tavares. Apesar de não ser citado em seu trabalho, podemos ressaltar que este jesuíta foi um dos grandes expoentes e representantes desta política, empreendida pela Igreja Católica, e levada adiante pela Companhia de Jesus, da qual o clérigo fazia parte. O seu destaque na colônia era tamanho que chegou a ser constantemente relatado pelos seus colegas de ofício, como o descrito neste trecho das cartas jesuíticas: “Não deixo eu de entender que elle não queira que os outros ensinassem mas creio que o faz para nos envergonhar e para nos fazer inveja, 24 Célia Cristina Tavares, Entre a Cruz e a Espada, p.16. Célia Cristina Tavares, Entre a Cruz e a Espada, p.37. 26 Sobre o prestígio que tinha com os colegas da Companhia de Jesus: “finalmente é muito solicito da saude das almas, das de seus irmãos, porque, como sabe que os principaes meios são os bons instrumentos, tem grande cuidado que seus irmãos se dem muito à virtude e para isto quando esta em casa faz comunmente a noite praticas como costuma fazer neste collegio, e enfim, quer este quer não, tem ordenado que sempre se façam. E escusado é particularizar mais isto, pois não faltara neste collegio algum que o conheca para poder conjecturar o que elle pode fazer.” In: Navarro, Cartas Avulsas, p. 301-306. 25 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 209 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] como na verdade a mim me envergonha, que há 12 annos que cá ando e não sei nada agora começo pelos nominativos por a arte para poder aprender.”: 27 conta o padre Antônio Pires quando de uma visita de Luís da Gram à Bahia. Outra passagem que demonstra os trabalhos deste incansável jesuíta que foi admirado pelo seu exagerado espírito missionário: Chegou a quinta feira e logo ao domingo bautizou alguns, sessenta ou mais entre grandes e pequenos e fez 8 ou 9 casamentos, porque, como disse, é tão soffrego que não deixa ninguem fazer nada; parece incansável: os que o conhecem pasmas, porque prega duas horas aos brancos e logo no mesmo dia prega as mulheres e no mesmo a escravaria e gasta nisto muito tempo que lhe não lembra comer e muitas vezes reza o terço a noite: finalmente, a todos nos envergonha:28 Luís da Gram destacava-se, por ser um língua, ou seja, um padre que conseguia falar e se entender com os indígenas, um intérprete:29. Devido a este talento e habilidade, que não era atributo da maioria dos clérigos, mas sim de um número reduzido destes, era muito requisitado para se comunicar com índios das diversas localidades na colônia:30, fazer visitas e auxiliar na conversão. Observamos a falta de padres com esta habilidade numa carta escrita por Manuel da Nóbrega, queixando-se “escreve-me o padre Luís da Grã que agora não pode mais que um irmão língua por companheiro, para se lá ordenar, que é o irmão Chaves, uma cousa boa, e pede-me que mande quem daqueles irmãos tenha cuidado, pelo qual será forçado de quatro que aqui estamos que aqui há de fazer 27 NAVARRO, Cartas Avulsas, p. 301-306. NAVARRO, Cartas Avulsas, p. 301-306. 29 “ Os missionários do 'campo' pensavam de outra forma: eles sabiam que a evangelização não passaria a não ser pelo veículo da língua nativa. No máximo, foram aceitas soluções intermediárias como aquela de deixar algumas palavras do catecismo em castelhano (ou português), ou latim. O esforço missionário, porém, concentrou-se exatamente nesta ' tradução' para os códigos culturais nativos de conceitos europeus, da mesma forma como eles próprios [...] traduziram a si próprios nos mesmos códigos [...] por outro lado, esta 'tradução' foi re-traduzida, ou seja, de-codificada pelos destinatários indígenas da mensagem cristã: o resultado foi a produção de uma religião 'híbrida', no interior de uma cultura de contato”. In: Maria Cristina Pompa. Religião com Tradução: Missionários, Tupi e “Tapuia” No Brasil Colonial. Campinas, 2001. Tese de Doutorado - Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP. p. 80. 30 “a 29 de agosto chegou a esta Bahia o padre Luiz da Grã em companhia do senhor governador, com cuja vinda fomos tão consolados que não sei com que palavras o possa explicar. Trouxe consigo quatro irmãos linguás: Gonçalo de Oliveira, Gaspar Lourenco, Antônio de souza, e outro irmão noviço, que se chama Balthezar Goncalves, dos quaes os três primeiros estão agora pera se ordenar, pera que ambos os talentos aproveitem melhor ao próximo. Trouxe mais outros dous noviços recebidos: Antônio de Mello e Pero Peneda, e outro moco que, por ser pequeno, não é ainda recebido: todos estes linguas.” In: Navarro, Cartas Avulsas, p. 295. 28 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 210 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] muita falta”:31. Até em localidades mais povoadas, como era o caso da Capitania da Bahia, havia falta de intérpretes:32. Ele era solicitado para ensinar alguns padres a aprenderem a língua dos gentios:33. Naquele contexto histórico, saber falar e se comunicar com facilidade com os índios era uma possibilidade a mais de lograr êxito na aproximação e “conversão” dos ameríndios, como podemos ver na seguinte carta de Anchieta: Esperamos a chegada do padre Luiz da Grã para que se delibere com o seu conselho o que se deva finalmente fazer, e se enviem ao mesmo tempo alguns dos irmãos aquelas nações, enquanto que sobejem, pois tanta falta sentimos deles que, de todos os que acima mencionei, apenas um sabe a língua latina como, pois bastará para acudir-se a tal e tanto trabalho:34 Outro destaque vinculado a Luís da Gram era a sua dedicação à catequese dos escravos:35, procurando ouvir suas confissões e instruí-los na fé católica, também tendo como alvo os seus senhores: agora é ido o padre Luiz da Grã a mar a ensinar os escravos dos portugueses e pregar aos senhores, onde sem cessar os ensina, colhendo muito fruto de confissoes, e admoestacoes, maxime dos escravos com os quais principalmente entende, aos quais todos traz a confissão, ensinando-lhes rudimentos da fé de que carecem:36 A tarefa de batizar os escravos e gentios era cotidianamente propagada pelos jesuítas, pois o batismo seria a porta de entrada dos pagãos no Catolicismo. Então, quanto mais batismos, mais grossa seria a fileira de novos cristãos nas terras do Brasil. Com este ideal cruzadista, e acompanhado pelo aval do monarca 31 Manuel da Nóbrega, Cartas do Brasil, p.175-176. “ No tempo que o padre chegou a esta bahia estavam as cousas algum tanto feias, as quaes logo com a sua vinda se arquitetaram, assi em casa como fora, porque em casa logo deu ordem a que todos os irmaos se dessem a aprender a lingua, cousa que ate ali ninguem havia feito, tirando alguns que andaram fora, e assi deu ordem que viesse a escavaria aprender a doutrina na nossa egreja, cousa que havia muito tempo que se não fazia e elle mesmo a ensina e as cousas da fé na lingua as escravos e no portuguez a muitas mulheres que folgam de saber cousa que nunca lhes foi ensinada; é elle tão soffrego nisto que assi em casa como nas aldeas não consinte a niguem ensinar.” In: Navarro, Cartas Avulsas, p. 301- 306. 33 No ano de 1560 “Determinou Luiz da Grã que todos aprendessem a língua.”. In: Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, p. 564. 34 José de Anchieta, Cartas, Informações, sermões e fragmentos Históricos, p. 59. 35 “Depois da sua vinda acodem a nossa casa confissoes principalmente da escravaria e creio que na coresma virão os senhores, porque amostram muita affeicao ao pader e elle muitos desejos de lhes dar remedio as suas cousas e busca todos os meios para isto”. In: Navarro, Cartas Avulsas, p. 301-306. 36 Navarro, Cartas Avulsas, p. 107. 32 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 211 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] português, mediante o Padroado Régio, estes clérigos tinham como meta propagar os ideais do catolicismo, batizando, ouvindo confissões, admoestando, ensinando doutrinas, realizando casamentos, mas também se envolvendo em casos específicos, como a antropofagia:37, a qual Luís da Gram tentou impedir neste episódio, narrado nas cartas jesuíticas: “com seus cantos vimos as festas como é de costume: sabendo o padre Luiz da Grã foi a ela, para batizar os moradores, que não se quisessem cometer aquela maldade, prometeram-lhe que não haviam de sujar seu lugar em que havia tantos cristãos com derramamento de sangue inocente.”:38 A evangelização e a imposição de preceitos cristãos era difundida com ardor e dedicação pelos membros da Companhia de Jesus, visitando aldeias longínquas, espalhadas pelas diversas capitanias hereditárias:39, e adentrando os sertões em busca de mais almas para conversão: trabalha agora entre eles o padre Luiz, empregando minucioso cuidado na sua doutrinação, não só ai, mas também em outra aldeia, daqui a duas milhas, lançando os alicerces da fé, visitando-a frequentemente, mas residindo em Jeribata, onde alguns suficientemente instruídos na fé se uniram pelo sagrado vinculo do matrimonio:40 Este convívio entre jesuítas que colaboravam entre si para concretizar a evangelização no Brasil, apesar de ser, em sua maioria, convergente, não atravessou os anos com a plena tranqüilidade. Houve momentos de tensões entre os membros deste clero, como notamos nesta passagem descrita por Serafim Leite acerca de uma inquirição delegada a Gram, na ocasião de alguns contratempos ocorridos na capitania de Sergipe: Enviaram cartas à Camara da Bahia e grandes queixas contra P. Lourenço para verem se os superiores o retiravam. O provincial encarregou o p. Luíz da Grã de visitar estas aldeias, 37 O ritual de Antropofagia era um costume indígena utilizado correntemente pelos ameríndios no Brasil. Porém este costume, que geralmente ocorria nas festas, para comemorar vitórias de guerra contra etnias contrárias, onde se comiam os índios capturados da outra tribo, não foram vistos com bons olhos pelos Portugueses, que tentaram suprimir esta prática de todas as maneiras, utilizando inclusive a força para esta meta. O governador Mem e Sá foi quem de forma mais incisiva combateu este costume. Ver o trabalho de: Pompa, Religião com Tradução. 38 José de Anchieta, Cartas, Informações, sermões e fragmentos Históricos, p.163. 39 “depois da partida do padre Luiz da Grã para a baia de todos os santos, com o governador, no mês de junho, um dia depois de s. João Batista.” In: Anchieta, Cartas, Informações, sermões e fragmentos Históricos, p.175. 40 José de Anchieta, Cartas, Informações, sermões e fragmentos Históricos, p. 100. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 212 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] e dar o remédio que o caso urgisse [...] viu logo Luiz da Grã o nenhum fundamento das acusações e não só retirou os jesuítas das Aldeias, mas de tal maneira, informou à sua volta, O provincial que este enviou-lhes novo reforço com o p. João:41 Luís da Gram também fundou vários povoados e aldeias no seu provincialado, como podemos destacar de S. Miguel de Taperaguá, fundada em 1561, Nossa senhora da Assunção de Tapepigtangia, também fundada em 1561, a aldeia de Bom Jesus de Tatuapara, S. Pedro de Saboig e “nossa senhora de Camamu, iniciada já, em 1561, pelo padre Luiz da Grã, a pedido do índio cristão, Luiz Henriques, de Ilhéus – mais tarde teve destaque como centro abastecedor”:42 Este clérigo também recebeu doações, o que demonstra a sua importância como religioso e como era conhecido nas terras do Brasil. Em 1560, ele recebeu uma sesmaria doada em Piratininga, por Francisco de Morais, “As quais terras de duas léguas, lhe dou ao ditto Luiz da Grã, Provincial da Companhia de Jesus pela eles e pera seus descendentes e pera quem eles quiserem como coisa sua.”:43 Mas nem só de ensinamentos e doutrinas foram marcadas as trajetórias dos jesuítas no Brasil colonial Quinhentista. As doenças, dificuldades:44, tensões, mudanças de cargos, viagens ao sertão, hostilidades dos índios, entre outros percalços, foram enfrentados pelo padre alvo de estudo. Luís da Gram sofreu uma grave doença, em meados de 1560, na qual quase não sobrevive, deixando seus companheiros da Companhia de Jesus apreensivos: nos outros todos estamos bem; precedemos conforme as constituições em a via do senhor, guiando-nos o padre Luiz da Grã, o qual dias passados teve grave enfermidade porque se lhe fizeram umas postemas no peito, com perigo de vida. Mas nem por isso deixava de dizer as orações frequentemente, ensinando uns e outros, e o que é mais indo-se ao mar, entre os portugueses a dez léguas por bosques mui ásperos onde esteve algum mui tempo pregando, e tornando a nos outros, não somente não crescerão as postemas, como temíamos, mas ainda parece que quis o senhor usar dessa mezinha para se sarar:45 41 Serafim Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, p.442. Serafim Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, p. 158. 43 Serafim Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, p. 543. 44 Alguns imprevistos enfrentados por Gram no inverno da capitania do Espírito Santo: “não receia chuvas, nem charcos nem naus, nem caminhos” In: Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, p. 96. 45 José de Anchieta, Cartas, Informações, sermões e fragmentos Históricos, p. 105. 42 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 213 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] Também quase foi vitimado por um naufrágio ocorrido na capitania do Espírito Santo, em 1573 “no dia 28 de abril quando sobreveio um terrível naufrágio, nesse mesmo dia à noite, na foz do Rio doce. Perdeu-se o navio e tudo quanto levavam. Grã livrou-se a custo da Morte”:46. Mesmo enfrentando adversidades, o clérigo, continuava seu trabalho missionário, e por isso, era constantemente elogiado por seus colegas. Segundo Anchieta, Gram era um trabalhador incansável e contínuo na busca da salvação das almas repartia o pão com os famintos e mostrava-se muito satisfeito e alegre ao ensinar os gentios, mesmo que pregasse a dois ou três, demonstrava o entusiasmo “como se estivesse com a igreja cheia”: 47, concomitantemente, visitava os índios enfermos, admoestava e ouvia confissões:48. Alguns jesuítas se aprofundavam na compreensão dos costumes indígenas, e mais tarde demonstravam suas impressões acerca deles, através de cartas descritivas. Demonstravam conhecimento, apesar das suas representações e visões de mundo e da forma como visualizavam estas práticas ameríndias. O tema família/matrimônio, bem como outras características acerca da cultura dos índios, era discutido por estes clérigos e em alguns momentos geravam discordâncias, bem como eram alvo de estudo por parte destes: Também o padre Luis da Grã escrevendo de Piratininga, na Capitania de São Vicente, em 1557, depois de afirmar que a mais legítima é a filha da irmã avançou no estudo da questão, apresentando uma teoria explicativa para o facto de ser a filha da irmã e não a do irmão porque tem para si que a criança não recebe carne da mãe, que é como um saco, mas sim do pai:49 Gram, na questão da descendência indígena, uma das várias questões discutidas e analisadas pelos jesuítas, procura responder de quem os filhos 46 Serafim Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, p. 221. José de Anchieta, Cartas, Informações, sermões e fragmentos Históricos, p. 162. 48 “no que trabalham os irmãos que tem a seu cargo, principalmente o padre Luiz da Grã, com um trabalho incansável e contínuo, procurando a salvação das almas; três quatro e cinco vezes reparte o pão da doutrina aos famintos, e tão alegremente se ocupa em ensinar dois o três, pondo grande cuidado em visitar os enfermos, admoestar particularmente a uns e outros, e ouvir confissões.” In: Anchieta, Cartas, Informações, sermões e fragmentos Históricos, p. 162 49 Maria Beatriz Nizza da Silva; Harold Johnson. O Império Luso-Brasileiro. 1500-1620. Lisboa, Ed. Estampa. 1992. p. 390. 47 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 214 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] recebem maiores líquidos e carne. Ele afirma baseado no seu estudo da organização social dos gentios, que a mulher não é senão um saco que armazena seu filho durante a gestação, nada mais do que isso. É somente o pai que contribui com sua semente para gerar a criança. Na trajetória deste jesuíta no Brasil colonial quinhentista, há dois momentos que merecem destaque. O primeiro refere-se a sua promoção para provincial na colônia. As cartas que o indicaram para o cargo foram enviadas pelo padre Laines, um dos fundadores da Companhia de Jesus, como consta nesta passagem: Alli estuvo el Padre Luis da Grana algunos anos exercitando los ministerios de la Comp. Co mucho trabajo asi co los blancos como co los indios [...] despues de algunos anos ordeno hro pe Laynes de buena memoria, q el pe Luis da grana tuviesse cargo desta provincia y ansi torno de S. Vicente para este collegio y començo em el ano de 1560 a exercitar su officio y comunmente venia del reyno [...]:50 O momento em que o clérigo recebe o comunicado é narrado pelo jesuíta José de Anchieta. Este fato ocorreu no ano de 1560, e ele descreve como Gram reagiu com a notícia, convidando todos os outros membros do clero presentes para uma reunião, na qual falou sobre o acontecido. Inicialmente afirmou não ser apto e merecedor do cargo, mas depois acabou por concordar em exercê-lo: O padre Luiz da Grã não em assento firme para melhor acudir a todos: agora esta em Piratininga, onde har muitos portugueses co toda a sua família, e ai e em outros lugares ao derredor procurando proveito espiritual dos portugueses e seus escravos. Há pouco recebemos cartas em que se lhe encomendava o cargo desta província, o que ele disse aos irmãos, chamando a todos na igreja, e mandando-os sentar, posto ele de joelhos, acusando-se gravemente, afirmando não ser apto para tal cargo, e depois prostrado por terra, beijando os pes a todos os irmãos:51 O segundo Momento foi marcado pela sua gestão, enquanto reitor, à frente do colégio da Companhia de Jesus na capitania de Pernambuco, na qual teve 50 Historia dos Collegios do Brazil. In: Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Volume XIX, 1897. p. 87. 51 José de Anchieta, Cartas, Informações, sermões e fragmentos Históricos, p. 170. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 215 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] grande destaque:52, principalmente no episódio da construção de uma igreja naquela localidade: Estabelecendo-se dotação em 1576, convinha que houvesse igreja digna da terra e dos padres. Luiz da Grã, nomeado reitor em 1584, lançou mãos à obra, sem recursos econômicos contando apenas na providência e na generosidade dos pernambucanos. Não foram vãs as suas esperanças. O Edifício da igreja crescia a olhos vistos [...] Dois anos depois, estava coberta e pronta, só faltava caiar. De uma nave no mais puro estilo jesuítico:53 As visitações realizadas por membros do clero, tanto bispos, quanto jesuítas eram constantes no Brasil colonial do século XVI. Estas visitas eram destinadas para observar como andavam o estado das almas em uma determinada localidade, para semear as sementes do catolicismo e para propagar suas doutrinas, nos territórios ainda não convertidos ao seu jugo. Os jesuítas, como dito, ouviam confissões, admoestavam, levavam os seus ensinamentos, realizavam casamentos, batizavam e fiscalizavam se o proceder dos moradores estava de acordo com os princípios cristãos. Luiz da Gram visitou várias capitanias, dentre as quais destacamos: Paraíba:54, Bahia, Pernambuco, Sergipe, Espírito Santo:55, São Paulo, Rio de janeiro, até a região do Prata, no Paraguai:56. O padre Antônio Pires descreveu em uma longa carta, uma visita realizada por Gram à cidade da Bahia e os seus afazeres nesta visitação. Esta carta contribui para que possamos visualizar o procedimento jesuítico nestes trabalhos, e também a atuação deste clérigo, foco do estudo. Estas visitas poderiam mostrar duas facetas desta postura evangelizadora da colonização lusitana no novo mundo. Os clérigos eram, em alguns lugares, bem recebidos, porém também o seriam com hostilidade em outros. Nestas visitações descritas por Antônio Pires, os jesuítas foram recebidos com festas, o que não se pode considerar como regra: “Daqui se foi Sancti spiritus que esta seis leguas desta 52 “(1577-1589) o reitor mais benemérito de Pernambuco, no século XVI.” In: Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, p. 464. Serafim Leite complementa sobre este destaque “grande apostólico de Pernambuco.”. In: Leite, Historia da Companhia de Jesus no Brasil, p. 480. 53 Serafim Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, p. 451. 54 Serafim Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, p. 451. 55 Em 1568. In: Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, p. 216. 56 Em 1555. In: Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, p. 341. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 216 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] cidade onde o receberam os principais com muita gente com folia de tamboris e como lhe dizerem todos grandes e pequenos: Louvado seja jesus christo, e vieramno a receber com esta festa em grande pedaço de caminho e assi o foram festejando ate a casa.”:57. Nesta mesma localidade, quando da despedida de Gram, foi feita uma grande celebração, para demonstrar o contentamento deles com a vinda e permanência deste padre no local: Quando desta povoacao de sancti spititu partiu pra esta que digo o acompanhou muita gente, a qual junta com a que o estava esperando no caminho da outra fazia grande somma. Fizeram-lhe um recebimento como costumavam fazer em outro tempo a seus feiticeiros, porque uma legua fizeram do caminho bem largo, até a povoação: em um rio que sempre passaram em suas jangadas, fizeram uma boa ponte bem cunprida: tinham na entrada da legua uma ramada com sa rede para o padre descancar e comer e ia um principal dizendo palavras de muito amor e para que as saibaes referirvo-las-ie como as elles diziam: vinde, muito folgo com vossa vinda, alegro me muito com isto; os caminhos folgam, as ervas, os ramos, os passaros, as velhas, as moças, os meninos, as aguas, tudo se alegra , tudo ama a Deus: 58 Esta Visitação realizada por Gram na Bahia e os seus arredores, foi marcada pelos diversos batismos feitos: “E dizendo-lhes o padre que os bautizaria, ficam tão contentes que mostravam bem que lhe davam a cousa mais desejada. Aqui bautizou muitos e casou e creio que presto, os fará todos christãos.”:59. Nesta primeira localidade, o jesuíta mostrou-se bastante satisfeito com o que havia visualizado na sua chegada, pois a população estava disposta a se converter:60. Luís da Gram os perguntou se queriam ser cristãos e obteve como resposta: “muito há que eu peço, mas não me querem fazer.”:61. A partir de finais do século XVI e inícios do XVII, Luís da Gram viveu quase exclusivamente na capitania de Pernambuco, atuando como reitor do 57 Navarro, Cartas Avulsas, p. 302. Navarro, Cartas Avulsas, p. 303. 59 Navarro, Cartas Avulsas, p. 302. 60 “Comecou o padre o visitar pela primeira visitacao que estara uma legua da cidade, onde há muitos christãos casados como verao pela geral, dos quaes ficou tao satisfeito que lhe pareceu que não havia mais que desejar e determinou de fazer logo a todos christãos, por lhe parecer que todos o mereciam, porque não há nem um que não peca que o facam cristãos e muitos” In: Navarro, Cartas Avulsas, p. 302. 61 Navarro, Cartas Avulsas, p. 302. 58 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 217 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] colégio e em outras atividades. No ano de 1600, este clérigo aparecia como confessor da igreja e domiciliar:62. Acabou os seus dias de vida nesta Capitania “a 16 de novembro de 1609. Tinha 86 anos de idade”:63. Considerações finais Ao término deste trabalho podemos afirmar que, tanto o padre Luís da Gram quanto a Companhia de Jesus, instituição da qual ele fazia parte, contribuíram significativamente para o processo de expansão da doutrina Católica em terras brasileiras durante o período colonial. Observamos a influência deste clérigo e atuação enquanto missionário e evangelizador. Um intérprete requisitado, jesuíta bem visto perante seus companheiros de jornada, promovido a provincial pela sua postura. Mas visualizamos também as dificuldades pelas quais passou: enfermidades, inimizades, duras entradas pelos sertões, entre outros momentos. A ação dos jesuítas na colônia não se resumiu somente a evangelização. Por estarem presentes no cotidiano colonial e participarem de muitas decisões que acabavam por interferir na dinâmica da população, esta ordem esteve, em muitos momentos, também envolvida nos dilemas e conflitos sociais durante os três séculos em que desenvolveu suas atividades no Brasil colonial: “Desde os primeiros tempos de sua presença, devido à tarefa que lhes foi atribuída, os religiosos da Ordem estiveram profundamente imersos no quadro das múltiplas disputas e conflitos que caracterizaram a sociedade colonial.” 64. Estas disputas acabaram culminando com a expulsão desta ordem do Brasil colônia. De toda forma, podemos concluir que, em atitudes individuais, trajetórias de exploração ou dedicação às suas funções, os jesuítas deixaram marcas indeléveis na história do Brasil e contribuíram com suas posturas e ensinamentos para o desenvolvimento da religiosidade colonial. 62 “p. Luiz da Graa confessor da Igreja e dos da casa” In: Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, p. 583. Serafim SLeite, História da Companhia de Jesus no Brasil, p. 475. 64 GONÇALVES, Regina Célia. Ação Missionária e Identidade Jesuíta na Província do Brasil. In: SAECULUM revista de História. [15]; João Pessoa, jul./ dez. 2006. p. 190. 63 Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 218 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] Referência bibliográfica ANCHIETA, José de Anchieta. Cartas, Informações, sermões e fragmentos Históricos. São Paulo, Itatiaia, 1988. LERY, Jean de. Viagem à Terra do Brasil. São Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo, 1972. MENDONÇA, Heitor Furtado de. Primeira Visitação do Santo Oficio às Partes do Brasil: Denunciações da Bahia – 1591- 1593. Introdução: Capistrano de Abreu. São Paulo,Paulo Prado,1925. NAVARRO, Azpilcueta. Cartas Avulsas. São Paulo, Itatiaia, 1988. NÓBREGA, Manuel da. Cartas do Brasil:1549-1560. São Paulo, Itatiaia, 1988. SALVADOR, Frei Vicente do Salvador. História do Brasil: 1500-1627. São Paulo, Itatiaia, 1984. ALMEIDA, Ângela Mendes de. O Gosto do Pecado: Casamento e sexualidade nos manuais de confessores dos séculos XVI e XVII. Rio de Janeiro, Rocco, 1993. ASSUNÇÃO, Paulo de. Negócios jesuíticos: o cotidiano da administração dos bens divinos . São Paulo: Edusp, 2004 CALMON, Pedro. História do Brasil: As Origens - século XVI. Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1959, Vol.I. CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa, Difel, 1988. —————. O Mundo como Representação. Estudos Avançados. 11(5), 1991. GONÇALVES, Regina Célia. Ação Missionária e Identidade Jesuíta na Província do Brasil. In: SAECULUM revista de História. [15]; João Pessoa, jul./ dez. 2006. HERSSON, Bella. Os cristãos-novos e seus descendentes na medicina Brasileira. 1500-1850. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 1996. Historia dos Collegios do Brazil. In: Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Volume XIX, 1897. LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Lisboa: Portugalia; Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1938-1950. Tomo I e Tomo II. KUHNEN, Alceu. As Origens Da Igreja no Brasil. 1500 a 1552. EDUSC, 2005. São Paulo, Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 219 Revista Historien – Ano II [200 ANOS: A INDEPENDÊNCIA DAS NAÇÕES LATINO-AMERICANAS] PEDRO, Lívia Carvalho. História da Companhia de Jesus: A Biografia de uma Obra. Salvador, Dissertação de Mestrado, Universidade Federal da Bahia, UFBA, 2008. POMPA, Maria Cristina. Religião com Tradução: Missionários, Tupi e “Tapuia” no Brasil colonial. São Paulo, Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, 2001. SANTOS, Fabrício Lyrio dos. Te Deum Laudamus. A expulsão dos Jesuítas da Bahia (1758-1763). Salvador, Dissertação de Mestrado, Universidade Federal da Bahia, UFBA, 2002. SANTOS, Fabrício Lyrio dos. A Presença Jesuíta no Recôncavo da Bahia. Revista do Centro de Artes, Humanidades e Letras. vol. 1 (1), 2007 In: SILVA, Maria Beatriz Nizza da; JOHNSON, Harold. O Império Luso-Brasileiro. 1500-1620. Lisboa, Ed. Estampa.1992. SOUTHEY, Robert. História do Brasil. São Paulo, Obelisco Editora, 1965, Vol. I. TAVARES, Célia Cristina da Silva. Entre a Cruz e a Espada: Jesuítas e a América Portuguesa. Niterói, Dissertação de Mestrado, Universidade Federal Fluminense, UFF, 1995. VIANNA, Helio. Estudos de História Colonial. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1948. Historien – Revista de História [5] Petrolina, jun./nov. 2011 220