View - Associação e Sindicato dos Auditores Fiscais da Prefeitura

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Paulo Ernani B. dos Santos
PROJETO SIBE
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COMBATE À VIOLÊNCIA À CRIANÇA – PROJETO SIBE *
Paulo Ernani Bergamo dos Santos**
*FIGTHING AGAINST CHILD ABUSE – SIBE PROJECT
Resumo: Neste texto faz-se uma abordagem sobre sistemas de levantamento de dados acerca
de, e/ou de combate à violência a, criança nos Estados Unidos, no Canadá, na Nova Zelândia,
Austrália, Grã-Bretanha (UK) e Brasil, passando pela forma como a Organização Mundial de
Saúde define violência e pela descrição da tipologia dos casos de abuso à criança. Apresentarse-á então um projeto de interconexão da rede hospitalar e ambulatorial que permita o acesso,
em tempo real, aos atendimentos a que determinada criança tenha sido objeto, para que se possa,
com base no modus operandi do abusador - que segue normalmente o padrão de evitar o uso do
mesmo hospital de atendimento anterior para que sua agressão permanente à mesma criança não
seja descoberta –, auxiliar na detecção e prevenção da SIBE – Síndrome do Bebê Espancado.
Aponta-se a legislação brasileira a respeito do tema, culminando com algumas conclusões.
Palavras-chave: Detecção – Prevenção – SIBE - Projeto
Abstract: In this abstract, it is focused the data system concerned to Child Abuse in USA,
Canada, New Zealand, Australia, United Kingdom and Brazil, the child abuse typology and a
way to detect violence against baby and child through a real time hospitals interconnection,
due to the known pattern behavior of perpetrator. It is also studied the Brazilian’s child abuse
legislation and some conclusion are shown.
Keywords: Detection – Prevention –Chattered Baby Syndrome - Project
**
Auditor Fiscal de Tributos Municipais – SP,
Graduado em Direito e Engenharia Civil – POLI – USP,
Especialista em Administração Financeira - EAESP - FGV-SP,
Especialista em Direito Tributário – EDESP - FGV – SP,
Pós – Graduando em Direito Público – EPM – Escola Paulista da Magistratura,
Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais – UMSA – Argentina,
Vice-Presidente da 3ª Câmara Julgadora do Conselho Municipal de Tributos
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Paulo Ernani B. dos Santos
PROJETO SIBE
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I. INTRODUÇÃO
No mundo inteiro, o abuso a crianças vem sendo cada vez mais
perceptível, e não se restringe aos países subdesenvolvidos, alcançando
também os países em desenvolvimento e os desenvolvidos. Nos Estados
Unidos, estima-se que aproximadamente quatro milhões de crianças são
vítimas de abuso, por ano1; no Brasil, de 400 mil a um milhão. Tal percepção
se torna extremamente relevante, quando se tem em mira que é nas crianças –
os futuros adultos - que se depositam as esperanças de um mundo melhor.
As conseqüências da inércia social em face desse triste fenômeno que
assola a humanidade desde há muito têm efeitos danosos tanto para as
vítimas, como para a sociedade. Para as primeiras, as seqüelas de ordem
física e psíquica as acompanharão para o resto de suas vidas; e para a
sociedade, além da constatação de que a cada abuso perpetrado contra bebês
e crianças indefesas mais e mais se solapam os valores humanitários mais
nobres - refletidos na Convenção das Nações Unidas pelos Direitos das
Crianças (1989)
2
-, também se configura o aspecto frio, mas nem por isso
inexistente, dos custos vinculados aos tratamentos de saúde que o Estado e a
sociedade terão de suportar no transcorrer da vida das vítimas e aos custos
indiretos relativos à perda, ou diminuição, da produtividade 3. Estudo desse
impacto econômico nos EUA aponta para custos anuais da ordem de $US 94
1
ROBBEN, Simon. Diagnostic Imaging in Child Abuse – Non Accidental Trauma. Radiology
Departement of the Maastricht University Hospital in the Netherlands.
2
“Article 19
1. States Parties shall take all appropriate legislative, administrative, social and educational measures
to protect the child from all forms of physical or mental violence, injury or abuse, neglect or negligent
treatment, maltreatment or exploitation, including sexual abuse, while in the care of parent(s), legal
guardian(s) or any other person who has the care of the child.
2. Such protective measures should, as appropriate, include effective procedures for the establishment
of social programmes to provide necessary support for the child and for those who have the care of the
child, as well as for other forms of prevention and for identification, reporting, referral, investigation,
treatment and follow-up of instances of child maltreatment described heretofore, and, as appropriate, for
judicial involvement”.
3
Handbook for the documentation of interpersonal violence prevention programmes. Geneva: World
Health Organization, 2004, “Foreword”, v.
2
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bilhões – 1% do PIB americano, em 2001 4, alcançando a cifra de $US 103
bilhões, em 2007 5.
Todo desenvolvimento tecnológico deveria ter por pressuposto o
benefício que sua utilização poderia vir a trazer à humanidade o que inclui, na
atualidade, de forma peremptória, a utilização das tecnologias de informação e
comunicação na área de saúde. Estima-se que a redundância e a ineficiência –
que poderiam ser eliminadas com a utilização da tecnologia de informações são responsáveis por 25% a 40% dos U$ 3,3 trilhões que o mundo gasta em
saúde; estima-se ainda que, nos EUA, a utilização interoperacional do
prontuário digital do paciente resultaria numa economia superior a U$ 77
bilhões anuais nos custos com saúde 6.
Por óbvio que a tecnologia não substitui a atividade médica, mas pode
servir de ferramenta extremamente útil no suporte à denominada “medicina
baseada em evidências – MBE”, na troca de informações rápidas entre
médicos e pesquisadores e no levantamento de dados em tempo real que
fundamentem ações na área na saúde coletiva.
“Interoperabilidade, conectividade e acesso rápido passaram a ser as
palavras de ordem no mercado de Saúde. Integrar todos os membros
da cadeia de Atendimento, incluindo o paciente, deixou de ser uma
„estrutura facilitadora para ser uma „plataforma de sobrevivência‟ das
7
nações em todo o mundo” .
Nesse contexto, será apresentado um projeto de interconexão da rede
de assistência hospitalar e ambulatorial com a finalidade de detectar e prevenir
o abuso físico a bebês e crianças no Brasil - ao qual denominaremos “Projeto
SIBE” – referência à Síndrome do Bebê Espancado (SIBE). A intenção é a de
viabilizar a sua inserção no contexto de programas que já vem sendo
desenvolvidos no âmbito do Poder Público.
4
FROMM, Suzette. Total estimated cost of child abuse and neglect in the United States: statistical
evidence. Chicago, IL, Prevent Child Abuse America (PCAA), 2001. Available at:
<http://member.preventchildabuse.org/site/PageServer?pagename=research_reports_and_surveys>
(accessado em 23 de fevereiro de 2009).
5
CHING-Tung Wang, Ph.D. and John Holton, Ph.D. Total Estimated Cost of Child Abuse and Neglect
in the United State. Chicago, IL, Prevent Child Abuse America (PCAA), 2007. Available at:
http://member.preventchildabuse.org/site/DocServer/cost_analysis.pdf?docID=144. (accessado em 23 de
fevereiro de 2009).
6
HUMMEL, Guilherme S. eHealth – O Iluminismo Digital chega à Saúde. São Paulo: STS, 2006, p.35.
7
Ibid. p. 47.
3
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Inicialmente, no item II, com base nas diretrizes da Organização Mundial
de Saúde, será determinado o que se entende por “violência” e descrita a
abordagem que o organismo propõe para o caso de “violência interpessoal”, na
modalidade “violência doméstica ou entre os parceiros”, na qual se inclui o
abuso à criança. Nesse mesmo tópico, discorrer-se-á acerca da tipologia do
abuso à criança e, em particular, a Síndrome de Espancamento e Agressões a
Bebês e Crianças, de acordo com a obra “Manual de Medicina Legal” de
autoria do Dr. Wilmes Roberto Gonçalves Teixeira, membro Fellow da
American Academy of Forensic Sciences, EUA e Membro Emérito da
Academia de Medicina de São Paulo.
No item III serão abordados exemplos de sistema de coleta de dados,
controle e prevenção do abuso à criança - mais especificamente, os sistemas
nacionais dos Estados Unidos, do Canadá, da Nova Zelândia, da Austrália e do
Brasil -, acompanhados dos últimos dados estatísticos disponíveis.
No item IV, será apresentado, em linhas gerais, o Projeto SIBE; no item
V, os fundamentos legais atinentes ao abuso à criança no Brasil. Por fim,
apresentar-se-á a conclusão.
II. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
O Relatório Mundial sobre Violência e Saúde (World Report on Violence
and Health) define violência como sendo a ameaça de uso - ou o efetivo uso intencional de força física ou de poder, contra si mesmo, contra outra pessoa,
ou contra grupo ou comunidade, que resulte, ou possa vir a resultar, em lesão,
morte, dano psicológico, desenvolvimento deficiente ou privação. Nesse
Relatório, “violência” é classificada em termos de quem comete o ato violento,
se subdividindo, então, em três categorias: (i) violência contra si mesmo; (ii)
violência coletiva; ou (iii) violência interpessoal, que se subdivide em “violência
doméstica ou entre os parceiros” – que ocorre usualmente dentro de casa - e
em “violência comunitária” – que ocorre entre indivíduos sem qualquer vínculo
entre si, usualmente, fora de casa.
E é justamente a violência interpessoal, na modalidade “violência
doméstica ou entre os parceiros”, que interessa para o tema em apreço, tendo
em vista que o abuso à criança está aí inserido. Ressalte-se que há relação
4
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estreita entre a violência doméstica entre os parceiros e a violência contra a
criança, da ordem de 30 a 60% dos casos 8.
A violência doméstica pode ser conceituada como:
Todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis
contra crianças e adolescentes que, sendo capaz de causar dano
físico, sexual e/ou psicológico à vítima – implica, de um lado, uma
transgressão do poder/dever de proteção do adulto e, de outro, uma
„coisificação‟ da infância, isto é, uma negação do direito que crianças
e adolescentes têm de serem tratados como sujeitos e pessoas em
9
condição peculiar de desenvolvimento.
A Organização Mundial de Saúde (World Health Organization) propõe
uma abordagem multidisciplinar para o entendimento e prevenção da violência
interpessoal, que segue a seqüência (modelo ecológico): definição do problema
– identificação dos riscos e dos fatores de proteção – desenvolvimento e
avaliação das intervenções – implantação e disseminação. Os dois primeiros
aspectos serão vitais para o desenvolvimento e avaliação das intervenções a
serem executadas e para a disseminação das estratégias para lidar com o
problema.
Na etapa da definição do problema, devem ser consideradas a tipologia
da violência e a relação existente entre a vítima e o abusador. Sugere-se o
levantamento de dados acerca do número e da proporção de novos casos, das
características demográficas da vítima e do abusador, da relação entre estes,
os mecanismos de lesão violenta, o envolvimento de armas, o aspecto
temporal e geográfico dos incidentes de violência.
Na etapa de identificação dos riscos e dos fatores de proteção,
identificam-se os riscos de que determinada criança possa vir a ser vítima de
abuso, ou de que o potencial abusador venha a praticar o abuso. Os fatores de
risco apontados pela OMS são analisados segundo quatro níveis: “individual” que considera a história pessoal, os aspectos biológicos, psicológicos, a
agressividade pessoal, histórico de experiência de abuso; “relacionamentos
8
Magistrate Protocol for Domestic Violence Cases apud H. Lien Bragg, Child Protection in Families
Experiencing Domestic Violence, Office on Child Abuse and Neglect, U.S. Department of Health and
Human Services, 7 (2003)
9
AZEVEDO, M.A. & GUERRA, V.N.A. (orgs.) Infância de Violência Doméstica – Fronteiras do
conhecimento. São Paulo: Cortez, 2003, p. 36.
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pessoais”, tais como familiares e rede de amizades; contexto comunitário,
relacionado à escola, vizinhança e outros locais, taxa de desemprego,
densidade populacional, mobilidade e existência de pontos de venda de drogas
ou de armas; e fatores sociais que incluem políticas sociais e econômicas que
incrementem (ou não) as desigualdades sociais, os aspectos culturais que
aceitam a violência como forma de resolução de conflitos.
Na etapa de desenvolvimento e avaliação de intervenções, deve ser
considerada a combinação entre o tipo de intervenção, o momento de sua
execução e a população em risco. Por exemplo, no nível de risco individual,
para crianças de 0 – 3 anos, as intervenções mais adequadas são: a visita
domiciliar e os programas de treinamento dos pais; no nível de risco
relacionado às relações pessoais, prioriza-se o trabalho de prevenção da
violência à criança e entre os pais; no riso comunitário, toma-se como alvo a
contenção de venda de armas de fogo e o abuso de álcool; e no “social”,
focaliza-se o desemprego e as desigualdades econômicas e sociais.
Na etapa de disseminação, procura-se determinar a aceitação dos
programas de intervenção nos diversos setores sociais, sendo nessa etapa
extremamente relevantes a política adotada, o suporte institucional e a origem
do financiamento aos programas.
SOCIETAL
RELATIONSHIP
COMMUNITY
INDIVIDUAL
10
FIGURA 1 – Ecological Model for intervention to prevent violence -adaptado - OMS
10
In Handbook for the documentation of interpersonal violence prevention programmes. Geneva: World
Health Organization, 2004, p. 13.
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A prevenção da violência segundo o “modelo ecológico” também recai
sobre os níveis: “individual” (por intermédio de informações públicas,
fortalecimento da polícia e do judiciário, redução da pobreza e das
desigualdades, reforma educacional e política de criação de empregos), do
“relacionamento” (treinamento familiar e programas de visita domiciliar), da
“comunidade” (estímulo à ação da comunidade, oferecimento de cuidados e
suporte às vítimas de abuso, realização de campanhas publicitárias em escolas
e outras instituições, melhorias no aparelhamento urbano e redução da
disponibilidade de acesso ao álcool. Treinamento policial, dos profissionais de
saúde e dos professores com a finalidade de poderem identificar os casos de
violência e agir da forma mais adequada); e “social” (trabalha os fatores
sociais, culturais e econômicos relacionados à violência, incluindo modificações
na legislação, nas políticas estatais e no ambiente social).
II. 1. O ABUSO À CRIANÇA - TIPOLOGIA
O abuso à criança segue a seguinte tipologia:
a) abuso físico – é o uso intencional da força física contra uma criança
que resulte em – ou pode vir a resultar em – dano à sua saúde, à sua
sobrevivência, ao seu desenvolvimento ou à sua dignidade. Bater, chutar,
morder, chacoalhar, estrangular, escaldar, queimar, envenenar e sufocar são
as formas usuais de abuso físico, muitas vezes infligido em casa, como meio
de punição;
b) abuso sexual – é o envolvimento de uma criança em atividade sexual
que ela não compreende totalmente, para a qual é incapaz de consentir, para a
qual não está suficiente desenvolvida, ou ainda, que viole as leis ou os padrões
morais da sociedade. As crianças podem ser sexualmente abusadas por
adultos ou por outras crianças que – em função da idade ou de seu estágio de
desenvolvimento – estão em posição de responsabilidade, confiança ou poder
sobre a criança abusada.
c) abuso emocional e psicológico – envolvem incidentes isolados ou um
padrão de conduta por parte dos pais ou responsáveis insuficientes para
oferecer à criança um ambiente emocionalmente desenvolvido e seguro. São
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atos que carregam elevada probabilidade de danificar a saúde mental ou física
da criança ou seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social.
Abusos deste tipo incluem restrição de movimento, agressividade, ameaças,
medo, discriminação ou ridicularização, e outras formas de rejeição ou de
tratamento hostil (não acompanhados de abuso físico).
d) negligência – inclui incidente isolado ou padrão insuficiente de
conduta dos pais ou responsáveis em prover o desenvolvimento e bem-estar
de uma criança em uma ou mais das seguintes áreas: saúde, educação,
desenvolvimento emocional, alimentação e condições seguras de vida.
II. 1.1. Síndrome de Espancamento e de Agressões a Bebês e
Crianças
Também
denominada
no
exterior
como
Child
Maltreatment,
o
espancamento a bebês e crianças, normalmente perpetrado pelos próprios pais
(como se verá dos dados estatísticos que serão apresentados no decorrer
desse trabalho), se concentra em crianças com menos de 2 a 3 anos,
particularmente os menores de 1 ano que, por sua fragilidade e incapacidade
de falar e denunciar o adulto, se tornam as vítimas ideais do agressor.
A síndrome inclui, de acordo com Wilmes Roberto Gonçalves
Teixeira11:
a) Síndrome do Bebê e/ou Criança Espancado (SIBE) – termo cunhado
pelo eminente médico-legista Dr. Wilmes Teixeira, a SIBE é o “espancamento
intencional do bebê pelos pais (geralmente a mãe) costumeiramente reiterado
e muitas vezes intenso, podendo matar”. O modo de agressão geralmente é
mecânico e manual, podendo a vítima ser esbofeteada, esmurrada, chutada,
erguida segura pelo tórax e atirada contra móveis, paredes, solo; outro modo
de agressão é de natureza térmica: com água quente, cigarro, chapas ou
objetos aquecidos.
b) Síndrome do Bebê e/ou Criança Negligenciado – corresponde à
negligência no cuidado ao bebê pelos pais ou responsáveis quanto à higiene,
saúde e segurança;
11
In Manual de Medicina Legal. Jet Copy, 2008, p. 453.
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c) Síndrome do Bebê e/ou Criança em Inanição – corresponde à falta de
alimentação intencional do bebê pelos pais, podendo levar à morte, por
inanição;
d) Síndrome do Bebê e/ou Criança Vítima de Agressões Sexuais atingem principalmente crianças do sexo feminino, entre 12-14 anos. ;
e)Síndrome do Bebê e/ou Criança Vítima de Agressões Químicas –
caracteriza-se pela ministração de sedativos, drogas psicotrópicas ou álcool à
criança, pelos pais ou babás, com a finalidade de torná-la “mais fácil” de cuidar;
f) Síndrome do Bebê Sacudido – refere-se ao ato de sacudir
intencionalmente a criança pelos braços, causando-lhe lesões neurológicas
graves, em razão dos movimentos antagônicos entre o cérebro e o crânio. Os
sintomas podem ser: hematoma subdural, lesões cerebrais, hemorragia
retiniana, fraturas por avulsão e reação perioesteal em ossos longos;
g) Síndrome de Munchausen. - De acordo com o “Protocolo de Suspeita
de Síndrome de Munchausen” do Children‟s Hospital Medical Center of
Cincinnati, a síndrome de Munchausen se caracteriza pela simulação de uma
doença na criança, pelos pais ou responsáveis, sujeitando-a a procedimentos
médicos desagradáveis e de alto risco.
Como nos relata Marisa Marques Ribeiro e Rosilda Baron Martins 12:
“A violência física caracteriza-se pelo uso da força ou atos praticados
pelos pais ou responsáveis, com o objetivo claro de ferir ou não,
deixando ou não marcas evidentes. São comuns murros, tapas,
agressões com diversos objetos e queimaduras por objetos ou
líquidos quentes. Podemos acrescentar, nesse tipo de violência, a
chamada síndrome do bebê sacudido, que se refere a lesões de
gravidade variáveis, que ocorrem quando uma criança, geralmente
um recém-nascido, é severa ou violentamente sacudido, podendo por
conseqüência ocorrer cegueira ou lesões oftalmológicas, atraso no
desenvolvimento, convulsões, lesões na espinha, lesões cerebrais e
até levar à morte”.
III. ALGUNS SISTEMAS RELATIVOS AO CONTROLE E PREVENÇÃO DO
ABUSO À CRIANÇA
12
In Violência Doméstica Contra a Criança e o Adolescente. 1ªed. 5ª reimp. Curitiba: Juruá, 2008, p. 81.
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Ambrose Tardieu, em 1868, foi o primeiro a relatar a ocorrência de
abuso físico infantil, em estudo que realizou com trinta e duas crianças
“sacudidas” até a morte. Já no século seguinte, em 1946, o médico americano
John Caffey constatou uma série de sintomas, tais como hematomas, fraturas
múltiplas ao longo dos ossos, contusões e hemorragia na retina, em estudo
realizado em seis crianças13. Silverman, radiologista, realizou, em 1953, um
estudo retrospectivo de crianças com quadro clínico semelhantes ao relatado
preo Caffey, concluindo que as lesões foram intencionais
14
. Mas foi em 1962
que o Dr. Henry Kempe e seus associados publicaram artigo no Journal of the
American Medical Association, relatando “the battered baby syndrome” e a
vinculação dos traumas à ação dos pais. A partir de então, houve um intenso
movimento social e político nos EUA de combate ao problema, levando todos
os cinqüenta Estados americanos a editarem diplomas legais concernentes ao
abuso infantil, culminando com a criação do National Center on Child Abuse
and Neglet (NCCAN), em 197415.
Em 1994, o Jacob Wetterling Crimes against Children and Sexually
Violent Offender Registration Act determinou o registro compulsório dos
abusadores sexuais e, em 1996, após o abuso e morte de uma criança de 7
anos chamada Megan Kanka, em Nova Jersey, todos os Estados passaram a
estar obrigados a publicar informações sobre os abusadores registrados
(Megan‟s Law) 16.
III. 1. ESTADOS UNIDOS
Desde 1993, em cumprimento ao Child Abuse Prevention and Treatment
Act (CAPTA), vem sendo anualmente coletados e analisados dados referentes
a abuso de crianças nos EUA, por intermédio do National Child Abuse and
Neglet Data System (NCANDS) – financiado pelo governo federal norteamericano -, cujos resultados são utilizados para subsidiar ações de
13
CECONELLO, Alessandra at al. Práticas educativas, “Estilos Parentais e Abuso Físico no Contexto
Familiar”. Psicologia em Estudo, Maringá, v.8, num. esp, p. 49, 2003.
14
PIRES, Ana L.D. & MIYASAKI, Maria C.O.S. Maus-tratos contra crianças e adolescentes: revisão da
literatura para profissionais da saúde. Arq Ciênc Saúde 2005 jan-mar, p. 43.
15
LOO, Stanley K. et al. Child Abuse: Reporting and Classification in Health Care Settings. Canadá,
1998, p.3.
16
FISCH, Kate. Megan's Law: does it protect children?. Novembro, 2006. Disponível:
http://www.nspcc.org.uk/Inform/research/Findings/meganslaw_wda48233.html
10
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aperfeiçoamento do sistema de proteção à criança. Os relatos de abuso são
encaminhados às agências estaduais ou locais dos Serviços de Proteção à
Criança (Child Protective Services - CPS), que os submetem ao NCANDS.
Passam, então, por um sistema de revisão efetuada por uma equipe
supervisionada pelo ACF Children‟s Bureau, para posterior correção (quando
necessária) pelo próprio Estado que os enviou.
Os CPS atuam em duas vertentes:
- Preventiva, na atuação junto aos pais de crianças que estejam sob
risco potencial de vitimização. Inclui assistência domiciliar, tratamento para
abuso “substancial”, atendimento-dia, aconselhamento individual e orientação
sobre os estágios de desenvolvimento infantil (estima-se que 3,8 milhões de
crianças nos EUA receberam serviços de prevenção em 2006). Os
investimentos nesses serviços de prevenção são financiados por fundos
federais e estaduais.
- “Pós-investigação”, na atuação voluntária de proteção às crianças.
Inclui aconselhamento individual, apoio à família, assistência familiar e serviços
de substituição familiar17 (estima-se que um milhão e trezentos e quarenta e
um milhões de crianças receberam serviços “pós-investigação”). As crianças
podem ser removidas de seus lares durante ou após as investigações.
Esse sistema, baseado em alguns padrões definidos em lei federal,
começa com um relato inicial (referral) de suspeita de abuso, notificado por
qualquer pessoa da comunidade. Do total anual de referrals, aproximadamente
1/3 são descartados (screened out) e não são investigados; os demais 2/3
(screened in) recebem o status de report e passam por uma investigação
conduzida por agência do CPS, com a finalidade de determinar o tipo de abuso
a que foi submetida a criança ou o risco a que está submetida. A investigação
se dá por intermédio de entrevista à suposta vítima, a membros da família e a
pessoas ligadas a essa mesma família, ao fim do qual a agência registrará se
se trata de caso de abuso ou de risco de abuso (disposition).
O CAPTA, com as alterações do Keeping Children and Families Safe Act
of 2003, define abuso à criança como sendo: (i) qualquer ato recente - ou a
falha em agir – dos pais ou responsáveis que resulte em morte, em sérios
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Non Fatal Maltreatment of Infants – United States, October 2005 – September 2006.
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danos físicos ou emocionais, em abuso sexual ou exploração infantil; ou (ii) o
ato – ou a falha em agir - na existência de risco iminente a sério dano à
criança.
O relato inicial é descartado (screened out) quando a alegação de abuso
não atinge o padrão estabelecido pelo Estado para uma investigação, como,
por exemplo, nos casos em que: o relato não se refere a abuso de criança; não
contém informações suficientes para uma investigação; a criança objeto do
relato não pertence àquela jurisdição ou a vítima tem mais de 18 anos.
Os relatos iniciais que recebem o status de report devem ser
investigados, dependendo do Estado da federação, de 1 a 24 horas (casos de
elevada prioridade) ou de 24 horas a 14 dias (casos de baixa prioridade) e as
conclusões resultantes da investigação podem ser classificadas de acordo com
as seguintes categorias: conclusão – não resultante da investigação - de que a
criança não foi vítima de abuso (alternative response non victim - ARV);
conclusão – não resultante da investigação - de que a criança foi vítima de
abuso (alternative response non victim - ARN); conclusão de que há razões
para se suspeitar de que a criança tenha sido vítima de abuso, apesar de não
preencher os requisitos legais para suporte pelo Estado da Federação
(indicated); conclusão de que a criança foi vítima de abuso que preenche os
requisitos legais para suporte pelo Estado da Federação (substantiated);
conclusão – resultante de investigação - de que a criança não foi vítima de
abuso (unsubstantiated). Em média, o tempo de resposta da investigação é de
aproximadamente quatro dias (dados de 2006), num número médio de 62
investigações finalizadas por investigador das agências do CPS.
A tabela abaixo discrimina os dados relativos às conclusões dos reports.
UNSUBSTANTIANED
SUBSTANTIANED
60,4%
25,2%
ARN
5,9% 0,4%
FIGURA 2 – Investigation Dispositions, 2006
18
ARV
Fonte: NCANDS, 2006.
12
18
INDICATED
OTHERS
3,0%
5,1%
- adaptado do NCANDS
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O NCANDS, com base nos casos investigados (screened in),
disponibiliza informações sobre as características do relato inicial (referral), a
criança referida, o tipo de abuso, as conclusões provenientes da investigação,
os fatores de risco para a criança, os fatores de risco de abuso pelos pais ou
responsáveis, os serviços que foram disponibilizados e a identificação do
abusador (perpetrator).
Aproximadamente 90% dos livros, artigos e dados relativos ao abuso a
crianças provêm dos EUA19, o que torna as estatísticas provenientes desse
país um importante referencial do cenário epidemiológico, apesar das
peculiaridades de cada nação. Os dados relativos a 2006 20 registraram três
milhões e seiscentos mil relatos ao Serviço de Proteção à Criança (Child
Protetive Service - CPS) de abuso à criança naquele país, envolvendo seis
milhões de crianças – um aumento de 43,9 relatos por mil crianças em 2005
para 47,8 relatos por mil crianças em 2006 –, tendo sido investigados um
milhão novecentos e sete mil e duzentos e sessenta e quatro relatos (61,7%
que receberam o status de report), que determinaram um total de 905 mil
crianças vítimas de abuso (mil e quinhentos e trinta casos fatais, dos quais
22,4% resultaram de abusos físicos, 31,4% de mais de uma forma de abuso,
44,2% atingiram crianças com menos de um ano e 78%, crianças com menos
de quatro anos), mas se estima que o abuso à criança seja três vezes maior do
que o relatado21.
Os dados relativos a 2006 demonstram que quase 83% das vítimas
sofreram abuso dos pais. Da mãe (aproximadamente 40%), do pai (17,6%), de
ambos os pais (17,8%), da mãe com outra pessoa (6,1%) e do pai com outra
pessoa (1,0%).
Mother Only
39,9%
Father Only
17,6%
Father
Mother
Father
and
and
and
Mother
Other
Other
17,8%
6,1%
1,0%
19
Nonparental
Unknown
Perpetrator (s)
or Missing
10,0%
7,6%
LOO, Stanley K. et al, ibid, p. 13.
U.S. Department of Health and Human Services, Administration on Children, Youth and Families.
Child Maltreatment 2006 (Washington, DC: U.S. Government Printing Office, 2008).
21
Administration for Children & Families of the US Department of Health & Human Services “Child
Maltreatment Report 2003”
20
13
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FIGURA 3 – Victims by Perpetrator Relationship, 2006
22
- adaptado do NCANDS
Os relatos foram feitos, em sua maioria (56,3%), por profissionais
(professores – 16,5%; policiais ou advogados (15,8%); e membros do serviço
social – 10%).
A existência desse sistema nacional de levantamento de dados sobre a
violência contra crianças nos EUA não limita as ações dos Estados, que devem
seguir as linhas gerais determinadas por lei federal, mas têm competência para
estruturar a rede de controle à violência dentro de sua jurisdição.
Como exemplo, citamos o estado de Michigan, onde se desenvolveu um
sistema de colaboração entre a agência local de prevenção à violência
doméstica (Domestic Violence Prevention and Treatment Board), preservação
da família e serviços de proteção à criança (Families First).
Our common ground is the understanding that often the best way to
keep children safe is to keep their mothers safe. By enhancing the
safety and self-sufficiency of battered mothers, the safety of their
23
children may also be enhanced
A afirmação acima é corroborada pelos dados estatísticos apresentados.
A experiência de renomados médicos, como o Dr. Wilmes Roberto Teixeira,
também demonstram que a mãe é normalmente o agente da violência contra o
bebê.
Com base nesse entendimento, a colaboração mencionada passou por
três
etapas:
treinamento
entre
as
entidades,
de
uma
para
outra;
estabelecimento de um projeto-demonstração do qual resultou referenciais
para os serviços do Family First; inclusão do CPS no sistema de forma a se
criar uma força tarefa multidisciplinar na proteção à criança, culminando numa
evolução conjunta resultante do feedback entre as forças participantes.
22
Fonte: NCANDS, 2006.
Australian Domestic and Family Violence Clearinghouse Topic Paper: Domestic Violence in the
Context of Child Abuse and Neglect. 2003, apud FINDLATER, J. E. & KELLY, S. 1999, „Reframing
child safety in Michigan: building collaboration among domestic violence, family preservation and child
protection services‟, Child Maltreatment, vol. 4, no. 2, pp. 167.
23
14
Paulo Ernani B. dos Santos
PROJETO SIBE
_________________________________________________________________________
III. 2. CANADÁ
Como resultado dos esforços despendidos por profissionais da área de
serviço social, em meados do século XIX, foi criada, em 1897, na cidade de
Toronto, a primeira organização canadense de proteção à criança, a
atualmente denominada Children‟s Aid Society of MetropolitanToronto.
Em
1965, aprovou-se, na província de Ontário, a primeira legislação do Canadá
relativa a relato de abuso infantil, dando início, logo em seguida, à aprovação
de legislação similar nas demais províncias do país, com a única exceção de
Yukon 24.
Apesar disto, em 2001, a Presidente do Comitê Nacional Consultivo para
o Estudo dos Relatórios sobre a Incidência da Violência à Criança e
Negligência (National Advisory Committee to the Canadian Incidence Study of
Reported Child Abuse and Neglect), prefaciando o Child Maltreatment in
Canada, de 2001, deixava claro não existir naquele país, até aquela data, um
sistema nacional confiável de dados sobre a natureza e extensão do abuso à
criança, cenário que passava a se modificar com a criação do CIS - Canadian
Incidence Study of Reported Child Abuse and Neglect, o primeiro estudo
abrangente sobre o assunto no Canadá, com a intenção de ser continuamente
repetido ao longo dos anos.
Primeiramente, são registrados os relatos (dirigidos ao Serviço de BemEstar da Criança – Child Welfare Services), de abuso que, então, passam para
a etapa de investigação. O investigador do caso tem três níveis de valoração
para enquadramento do caso investigado: “confirmado” (substantiated –
quando o conjunto de evidências demonstra ao investigador ter ocorrido o
abuso); “suspeito” (suspect – quando o conjunto de evidências não é suficiente
para comprovar o abuso, mas também não é suficiente para o investigador
descartar tenha ocorrido); e “não confirmado” (unsubstantiated – quando o
conjunto de evidências demonstra ao investigador não ter ocorrido o abuso).
Esse primeiro estudo baseou-se numa amostra de 7.672 investigações
num universo total de 135.573 investigações de abuso a criança, realizadas em
1998 pelos serviços de bem-estar da criança (Child Welfare Services), no
24
LOO, Stanley K. et al. Op. cit, p.3.
15
Paulo Ernani B. dos Santos
PROJETO SIBE
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período de três meses (outubro a dezembro).
Desse total, 65% das
investigações tiveram os casos como “confirmado” (61.201 investigações), 22%
como “suspeitos” (29.668 investigações) e 33% como “não confirmado” (44.704
investigações). Constataram-se lesões físicas em 13% das investigações, e em
3% dessas investigações, a lesão física foi suficientemente severa para exigir
tratamento. O perfil dos abusadores está abaixo discriminado.
Biological
Biological
Mother
Father
54%
48%
Step-
Step-
fathers
Mothers
common
common
law
law
partners
partners
12%
2%
Nonparental
Relativies
Perpetrator
(s)
6%
Unknown
or Missing
3%
FIGURA 4 – Alleged Perpetrator in Child Maltreatment Investigation
7,6%
25
- adaptado do
Canadian Incidence Study of Reported Child Abuse and Neglet.
Os relatos foram feitos, em sua maioria (59%), por profissionais.
O segundo CIS - Canadian Incidence Study of Reported Child Abuse
and Neglect
26
- foi elaborado em 2003, tendo como amostra 14.200
investigações de abuso à criança, numa estimativa de 217.319 investigações
conduzidas no Canadá (excetuando-se Quebec), 47% delas consideradas
“confirmadas” (substantiated), correspondendo a 103.297 investigações de
abuso a criança. Constataram-se lesões físicas em 18% destas investigações,
quando consideradas isoladamente, subindo para 24%, quando considerada
em conjunto com outro tipo de abuso.
Biological
Biological
Mother
Father
61%
38%
Step-
Step-
fathers
Mothers
common
common
law
law
partners
partners
9%
3%
25
Nonparental
Relativies
Perpetrator
(s)
7%
10,0%
Unknown
or Missing
7,6%
Fonte: Final Report, p.xviii.. Ressalte-se que 24% das investigações incluíram mais de um tipo de
abusador.
26
In Canadian Incidence Study of Reported Child Abuse and Neglet – 2003.
16
Paulo Ernani B. dos Santos
PROJETO SIBE
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FIGURA 5 – Alleged Perpetrator in Child Maltreatment Investigation
27
- adaptado do
Canadian Incidence Study of Reported Child Abuse and Neglet- 2003.
Segundo o estudo de 2003, em 84% das investigações pelo menos um
dos pais foi o abusador.
III. 3. UNITED KINGDON
Houve na UK uma colaboração intensa entre pesquisadoras e a ONG
especializada na prática de proteção à criança – NSPCC.
Num primeiro
momento, o grupo realizou encontros para discussão e análise de casos de
violência do passado e casos atuais, com a finalidade de incorporar a violência
doméstica na prática de proteção à criança; estabeleceu-se então uma rotina
de procedimentos relativa à violência doméstica que resultou num formulário
contendo questões atinentes à violência doméstica e questões sobre o impacto
da violência doméstica sobre a criança.
Também na UK, a policia ou a MAPPAS (MULTI-AGENCY PUBLIC
PROTECTION ARRANGEMENTS) são responsáveis em informar o público
dos riscos que determinado ofensor traz para a sociedade. Segundo o relatório
sobre os efeitos da Lei “Megan”
28
, não há evidências na UK de que essa
notificação por si só seja suficiente para proteger as crianças. Ao focar sobre
um número pequeno de conhecidos ofensores, a atenção para a violência
familiar fica desguarnecida. Em 2005, 585 abusadores sexuais foram
condenados em Minnesota (EUA), dos quais, 90% não apresentavam
antecedentes; em Massachusetts, um estudo demonstrou que, de 136 crimes
sexuais, apenas 6 poderiam ter sido evitados pelos alertas da polícia.
A organização americana - Stop it Now! - descreve assim o impacto que
a notificação tem sobre as vítimas:
“The spectre of notification, the accompanying shame, the potential
vigilante response from the community, the inability to restore life to
27
Fonte: Final Report, p.xviii.. Ressalte-se que 24% das investigações incluíram mais de um tipo de
abusador.
28
FISCH, Kate. Op. cit.
17
Paulo Ernani B. dos Santos
PROJETO SIBE
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some level of normalcy post-release, the potential for the humiliation
of other family members besides the abuser him/herself are all
deterrents in a very direct way.” (Written communication from Deborah
Donovan Rice, Stop it Now! Vermont)
Talvez estas razões expliquem o porquê de no início do funcionamento
do site da Stop it Now!, em 1996, 60% das notificações se relacionavam ao
abuso sexual; com a Megan‟s Law, o número de notificações desse tipo caíram
à zero 29.
III. 4. AUSTRÁLIA
Na Austrália implantou-se o sistema do triplo “P” – Positive Parenting
Programme – que focalizou os fatores “relacionamento” e “comunidade”,
consistindo em campanha publicitária de alerta geral sobre o problema
(incluindo campanhas por meio eletrônico), atrelada à disponibilização de
serviços de saúde (consulta entre pais e médicos, treinamento familiar e
suporte às famílias), intervenções em diferentes setores populacionais.
Tal sistema, ao nível do “relacionamento”, propiciou atenção primária e
secundária, oferecendo aos pais de famílias com dificuldades médias de
comportamento as linhas para a melhoria das relações familiares, por
intermédio de quatro sessões de treinamento em cuidados primários. Para
famílias com problemas mais graves, 8-10 sessões de treinamento individual
ou em grupo, e, em casos mais complexos, intervenções familiares tendentes a
tratar o comportamento dessas famílias 30.
III. 5. NOVA ZELÂNDIA
Até 2006, o órgão responsável pelos serviços de proteção à criança era
o Department of Child, Youth and Family, o qual recebia as notificações de
abuso – ou de risco de -, procedia às investigações e determinava os próximos
passos para a manutenção da proteção à criança. Em seguida, trabalhava no
29
FISCH, Kate. Megan's Law: does it protect children?. NSPCC, 2006, p. 37.
In Handbook for the documentation of interpersonal violence prevention programmes. Geneva: World
Health Organization, 2004, p. 14.
30
18
Paulo Ernani B. dos Santos
PROJETO SIBE
_________________________________________________________________________
sentido de oferecer serviços de apoio às vítimas com a finalidade de resolver
seus problemas advindos do abuso e auxiliava as famílias quando a
intervenção se tornava necessária, promovendo o aconselhamento familiar e
outras medidas pós-crise.
Ocorre
que,
como as agências
governamentais dependem
de
notificações efetuadas por fontes “externas”, estima-se que os dados oficiais
obtidos restringem-se à aproximadamente 10% dos casos que estejam
ocorrendo.
Os dados obtidos foram os seguintes:
NOTIFICAÇÕES
RECEBIDAS
AÇÕES POSTERIORES
REQUERIDAS
99/00
00/01
01/02
02/03
03/04
04/05
05/06
19.521
26.707
27.507
31.781
43.314
53.097
66.210
16.206
22.858
23.805
27.394
36.066
43.460
49.063
7.568
10.118
4.111
4.343
4.308
5.422
6.287
-
-
6.094
6.613
7.506
7.654
9.190
3.533
3.909
4.281
4.440
4.674
4.853
5.077
CONFERÊNCIAS PARA
GRUPO DE FAMÍLIAS
PROFERIDAS PELO CHILD
AND PROTECTION
CONFERÊNCIAS PARA
GRUPO DE FAMÍLIAS
PROFERIDAS PELA
JUSTIÇA JUVENIL
NÚMERO DE CRIANÇAS
SOB ASSISTÊNCIA EM
JUNHO
19
Paulo Ernani B. dos Santos
PROJETO SIBE
_________________________________________________________________________
De acordo com o manual Family Violence Intervention Guidelines – Child
and Partner Abuse, elaborado pelo Ministério da Saúde da Nova Zelândia,
estima-se que de 4 a 10% das crianças da Nova Zelândia tenham sofrido
abuso físico, e aproximadamente 18%, abuso sexual 31.
III. 6. BRASIL
O Brasil, em 2007, situava-se na 107ª posição no ranking mundial no
índice de mortalidade de crianças menores de cinco anos (under-five mortality
rate) e em 69º, no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH = 0,80), segundo
relatório publicado em 2007 pelo PNUD – Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento.
O cenário em que está inserido o Brasil é bem descrito na seguinte
consideração expressa no Manifesto do 3º Fórum Paulista de Prevenção de
Acidentes e Combate à Violência contra crianças e adolescentes:
“Grande parte dos atos de violência contra a infância e a
adolescência não é reconhecida como tal, sendo fundamental estimala e caracteriza-la para além das informações oficiais, pois os casos
não detectados não são alvos de medidas de intervenção, de ajuda
ou de proteção adequadas.”
Reconhece-se que há um “silêncio” sobre o assunto, como um “segredo”
que não se quer revelado. Mas em pleno século XXI, com os anseios dos
governantes de elevar o país a maior destaque estratégico no mundo, não há
como o Estado brasileiro deixar de promover a proteção das crianças
brasileiras, ao nível dos países mais desenvolvidos. Não deve haver cor
política nesse tópico: o tema é de interesse nacional e foi alçado à prioridade
“número um” pela Constituição Federal, artigo 227.
Entre as recomendações do Fórum, cita-se a de:
“Desenvolver políticas públicas para a proteção eficiente das crianças
e adolescentes, incentivando a melhoria dos processos de coleta de
dados e o enfrentamento desta questão, apoiado em estudos
científicos em âmbito local, municipal, estadual e nacional”.
31
Ministry of Health. 2001. Draft fact sheet, Partner abuse and child abuse in New Zealand. IPRC.
20
Paulo Ernani B. dos Santos
PROJETO SIBE
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Evidentemente, não há como atacar o problema sem um sistema
confiável de coleta de dados. Mas, mais ainda: não há como prevenir que o
futuro adulto se torne um fardo para si mesmo e para a sociedade se não
descortinarmos a tragédia que vem tornando crianças brasileiras vítimas
indefesas de abusadores que, no mais das vezes, são as próprias mães, quer
por este ou por aquele motivo.
Um estudo de pesquisadores brasileiros datado de 2007 apontou os
seguintes fatores de risco de abuso, tendo como fonte de análise 20 famílias
(pai, mãe e filhos) de nível socioeconômico baixo e com histórico de abuso
físico:
Fatores de Risco
Freqüência*
Porcentagem (%)
Maternidade na adolescência
13
65
Paternidade na adolescência
3
15
4
20
Sobrecarga de papéis da mãe
10
50
Sobrecarga de papéis de um filho
6
30
Adolescência dos filhos
7
35
Interferência da sogra
3
15
Alcoolismo
8
40
Depressão/ descontrole emocional
6
30
Portadores de necessidades especiais
4
30
Usuários de drogas ilícitas
3
15
Portadores de HIV
2
10
Falta de limites dos filhos
10
50
Prática disciplinar divergente entre os pais
8
40
Crença: punição física é para educar o filho
8
40
Violência conjugal
14
70
Violência transgeracional
13
65
Relação agressiva entre pai-filhos
9
45
Relação agressiva entre mãe-filhos
8
40
Conflito com a lei
8
40
1) Papéis Familiares
Pai não registrou um dos filhos/ Não
reconhece a paternidade
2) Patologias
3) Práticas Disciplinares Ineficazes
4) Comportamentos agressivos
21
Paulo Ernani B. dos Santos
PROJETO SIBE
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Nota: Freqüência*= Freqüências múltiplas
Figura 7. Indicadores de risco para a violência nas famílias pesquisadas (freqüências
32
múltiplas) - adaptado.
E como fatores de proteção:
Fatores de Risco
Freqüência*
Porcentagem (%)
Rede de serviços
15
75
Rede de apoio social
12
60
Religiosidade
5
25
De uma qualidade do filho
11
55
Dos estudos
9
45
Da moradia
7
35
Do trabalho
4
20
Filhos melhorem de vida
11
55
Segurança dos filhos
6
30
Final da violência
5
25
1) Rede de Apoio
2) Sentimentos de valorização
3) Desejos
Nota: Freqüência*= Freqüências múltiplas
Figura 8. Fatores de proteção para a violência encontrados nas famílias - adaptado.
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, cabe aos
Conselhos Tutelares o recebimento das notificações de abuso e realizarem
uma apreciação do caso. Não equivalem à denúncia policial, e apenas em
casos mais graves que configurem crimes ou iminência de danos maiores à
vítima, deverá a situação ser levada ao conhecimento da autoridade judiciária e
ao Ministério Público ou, quando couber, solicitar a abertura de processo
policial.
A notificação é:
“uma informação emitida pelo Setor Saúde ou por qualquer outro
órgão ou pessoa, para o Conselho Tutelar, com a finalidade de
32
DE ANTONI, Clarissa et al. Indicadores de Risco e de Proteção em Famílias Fisicamente Abusivas.
Psicologia: Teoria e Pesquisa, abr –jun 2007, vol. 23 n. 2, p. 127.
22
Paulo Ernani B. dos Santos
PROJETO SIBE
_________________________________________________________________________
promover cuidados sociossanitários voltados para a proteção da
criança e do adolescente , vítimas de maus-tratos. O ato de notificar
inicia um processo que visa a interromper as atitudes e
comportamentos violentos no âmbito da família e por parte de
33
qualquer agressor.”
A importância da notificação repousa: (i) na possibilidade de viabilizar
um sistema de informações acerca da violência contra crianças e adolescentes
no Brasil, o que permitiria prevenir a sua ocorrência; (ii) possibilitaria comprovar
se o atendimento às vítimas de maus-tratos está sendo incorporado às rotinas
institucionais.
No Brasil, no âmbito do SUS (Sistema VIVA - envolvendo 27 municípios
brasileiros), o número de notificações sobre violência doméstica, sexual e
outras violências resultantes a crianças na faixa etária de 0 – 9 anos, relativo
ao período 2006 – 2007, foi da ordem de 1.939 notificações e, na faixa etária
de 10 – 19 anos, 2.370 registros de violência
34
. Quando se compara o número
de notificações registradas no Brasil, via sistema VIVA, aliado ao envolvimento
de reduzido número de municípios na rede, com o elevado número de relatos
de casos de abuso a crianças nos EUA (na casa de quase quatro milhões), a
conclusão é clara e imediata: estamos ainda engatinhando na estruturação de
um sistema nacional que responda de forma rápida e coordenada ao problema.
IV. PROJETO SIBE
O Projeto que ora se apresenta tem por escopo a detecção e proteção a
bebês e crianças espancados, por intermédio de criação de uma interconexão
eletrônica de dados da rede hospitalar e do preparo dos profissionais de saúde
e de outras áreas que, de alguma forma, estejam envolvidos no atendimento a
casos de SIBE.
Segundo estimativas apontadas pelo Dr. Wilmes Roberto Teixeira 35, uma
das figuras mais ilustres da medicina legal brasileira - Membro da American
33
Notificação de maus-tratos contra crianças e adolescentes pelos profissionais de saúde: um passo a mais
na cidadania em saúde / Ministério da Saúde, Secretaria de Assistência à Saúde. – Brasília: Ministério da
Saúde, 2002.
34
Impacto da Violência na Saúde das Crianças e Adolescentes. Ministério da Saúde, Brasília – DF, 2008.
35
DIMENSTEIN, Gilberto. Violência mata 4 mil crianças por ano.FOLHA ON LINE, sítio eletrônico
http://www1.folha.uol.com.br/folha/dimenstein/cbn/m_sp_210408.shtml, 21/04/2008.
23
Paulo Ernani B. dos Santos
PROJETO SIBE
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Academy of Forensic Science e o primeiro a publicar, no Brasil, um artigo a
respeito da SIBE -, o número de crianças de até quatro (4) anos espancadas
por ano, no país, atinge um patamar entre 400 mil e um (1) milhão - com 40 mil
dessas crianças atingindo um estado grave; quatro (4) mil morrem. Conclui-se
com essas estimativas que o caso Isabela, que tanto comoveu o país, não é
um caso isolado, mas está muito mais presente do que se pensa.
A relevância do tema é patente, haja vista que a criança é o futuro
adulto. Uma criança formada em ambiente saudável terá grandes chances de
vir a ser um adulto saudável e útil à coletividade. Ora, a criança vítima da SIBE
é alvo de agressões físicas que podem deixar seqüelas permanentes graves, o
que contribui para aprisionar a criança a uma vida mais difícil e sofrida; e sob a
ótica do sistema de saúde, acaba por resultar em mais custos, já que o
acompanhamento médico a essa criança poderá perdurar para o resto da vida.
Geralmente, a vítima é o próprio filho (a), com menos de dois (2) a três
(3) anos, particularmente os menores de um (1) ano e, com certa freqüência, o
caçula.
As causas da SIBE estão relacionadas, geralmente, ao despreparo de
mães jovens; à gestação indesejada; a condições sócio-econômicas precárias
(mas pode ocorrer em qualquer classe social).
Segundo Wetch
e
Larkin,
os agentes
agressores
podem
ser
classificados da seguinte forma: agressor intermitente (espanca uma vez e, por
remorso, não repete a agressão); agressor esporádico (agride uma vez e volta
a agredir posteriormente, já com a intenção de matar); agressor permanente
(distúrbios de personalidade); agressor ignorante (que "educa" a criança,
agredindo-a); e agressor inserido em um triângulo formado com a mãe e o
bebê.
Já há estudos acerca do tema desde os anos 70, sendo pioneiro J. Caffey "Pediatric X-Ray Diagnosis" (Chicago, Year Book, 1978)36.
IV. 1. MODO DE AGRESSÃO E LESÕES
36
.TEIXEIRA, Wilmes Roberto Gonçalves. Manual de Medicina Lega – Vol II.
24
Paulo Ernani B. dos Santos
PROJETO SIBE
_________________________________________________________________________
Normalmente, as agressões ocorrem de forma mecânica e manual,
podendo ocorrer com a utilização de água quente, cigarro, chapas ou objetos
aquecidos. A vítima pode ser esmurrada, esbofeteada, chutada, erguida pelo
tórax e atirada contra móveis e paredes.
As lesões resultantes das agressões podem ser dos seguintes tipos:
a) Lesões da pele e de partes moles – equimoses37 múltiplas de cores
diferentes (“espectro esquimótico”), que demonstram terem ocorrido
traumas corporais originados de agressões praticadas em momentos
distintos; lesões esquisitas, tais como as provenientes de dentadas,
queimaduras de cigarro, lesões “educativas” de órgãos genitais
(lesões originadas por ferro de passar roupa ou posicionando a
criança em objeto quente), queimaduras provenientes de água
quente atirada na criança, e equimoses na região orbital, por
exemplo.
b) Lesões ósseas – a mais comum (69% dos casos) é a fratura de
ossos longos (de membros e costelas), além de outros ossos e do
crânio. A constatação se dá pela verificação de fraturas em diferentes
estágios de evolução, umas recentes, outras mais antigas. São
resultado de socos e pontapés ou sacudidas e puxões violentos.
c) Lesões internas – A mais grave é o hematoma “subdural”, que incide
em 69% dos casos fatais. É uma lesão interna do crânio, não
acompanhada
necessariamente
de
fratura,
mas
que
causa
hemorragia.
IV. 2. DIAGNÓSTICO
O diagnóstico da SIBE deve ser feito nos casos em que, apesar das
explicações da mãe ou responsável, de que o bebê teria “caído do berço” - e
outras explicações simplistas - há suspeitas, devido ao tipo de lesão que a
criança apresenta, de que se está diante de um caso de SIBE. Além da
presença de lesões típicas, pode se suspeitar que é caso de SIBE quando:
37
Equimoses são lesões causadas por instrumentos contundentes – pedaço de madeira, punho, martelo,
tijolo, cabo de vassoura - que atingem a pele diretamente, podendo gerar lesões na pele ou em órgãos
internos (couro cabeludo, sobre os ossos, no crânio). TEIXEIRA, Wilmes Roberto Gonçalves. Medicina
Legal, Vol. 2. Jet Copy, 2008.
25
Paulo Ernani B. dos Santos
PROJETO SIBE
_________________________________________________________________________
haja discrepância nas versões dadas pelos pais; o responsável procura por
médicos/hospitais diferentes, para que não se suspeite das agressões
reiteradas; haja inexplicável demora em procurar assistência médico-hospitalar;
e quando haja desconformidade patente entre o tipo de lesão e as explicações
dadas pelos responsáveis.
Acrescente-se que a criança vítima da SIBE comumente chora no
hospital quando da presença do autor das lesões.
O primeiro procedimento médico é efetuar o exame radiográfico de
corpo inteiro, para se determinar a existência ou não de lesões ósseas. Em
seguida, permanecendo a suspeita, o médico deve internar a vítima para tratála e afastá-la do agressor. Confirmado o caso, deve o fato ser comunicado à
autoridade competente (delegado, juiz, promotor) a iniciativa das ações penais.
IV. 3. DESCRIÇÃO DO PROJETO
O bebê, por sua natural fragilidade - não fala, não anda, não tem como
se defender - é um alvo fácil para aqueles pais ou responsáveis que, por
alguma razão de ordem psicológica, o agridem intencional e constantemente.
Pretende-se com o Projeto alterar o cenário de desconhecimento, tanto
dos médicos como da população em geral, a respeito dessa síndrome, por
intermédio de um sistema regional (ou nacional) integrado que permita o
registro hospitalar on line da SIBE, no sentido de detectar a sua ocorrência e
aplicar medidas que reduzam os riscos de seqüelas, ou até mesmo de morte,
da criança vítima da síndrome.
Primeiramente, poderiam ser interligados em “rede” (informatizada) os
hospitais da região municipal, com a finalidade de que fiquem registrados, em
tempo real e on-line, os casos de crianças que tenham passado por qualquer
um desses hospitais. Assim, em cada atendimento médico-hospitalar de
determinada criança, toda a rede hospitalar teria acesso aos atendimentos
pelos quais ela tenha passado em qualquer um dos hospitais da “rede”
informatizada, viabilizando-se assim uma forma de controle sobre o número de
vezes em que a mesma criança tenha sido atendida nessa rede hospitalar;
ressaltes-se que está cientificamente detectado que, para levar o filho
espancado para ser atendido, a mãe, ou o responsável, varia sempre de
26
Paulo Ernani B. dos Santos
PROJETO SIBE
_________________________________________________________________________
hospital, para que, em assim procedendo, não se perceba que seu filho (a) está
sendo vítima da SIBE. Na criação desse cadastro interligado entre os Hospitais
da região, teria de haver a participação das Secretarias de Saúde das
Prefeituras Municipais da Região, da Secretaria de Saúde do Estado e do
Ministério da Saúde, com o acompanhamento dos Conselhos de Saúde e dos
Conselhos da Criança e do Adolescente.
Paralelamente, criar-se-ia uma cartilha contendo as informações cruciais
para a detecção da síndrome pelos médicos, o modo de proceder - tanto no
aspecto médico, como no aspecto jurídico, ao se estar diante de um possível
caso da SIBE, a ser elaborada com o apoio do CRM (Conselho Regional de
Medicina), dos Conselhos da Criança e do Adolescente e Conselhos Tutelares
da Região, das Secretarias de Saúde das Prefeituras da Região, do Estado, do
Ministério da Saúde, Secretaria de Segurança Pública, Poder Judiciário,
Ministério Público e da Mídia em geral. Distribuir tal cartilha então a todos os
médicos e enfermeiras que trabalham nos hospitais da região, e aos demais
profissionais envolvidos em situação de SIBE (policiais, delegados, juízes,
promotores).
Na elaboração do conteúdo da cartilha, teria de se contar com o apoio
do CRM (Conselho Regional de Medicina), dos Conselhos Municipais de
Saúde
e
dos
Conselhos
da
Criança
e
do
Adolescente.
Na confecção da cartilha, poderia haver participação do Ministério da Saúde,
integrado com a Secretaria de Saúde do Estado, e dos Municípios envolvidos.
Também a Secretaria de Segurança Pública, o Ministério Público e a
Magistratura estariam envolvidos, quando da constatação de casos de SIBE,
no sentido da lavratura do Boletim de Ocorrência (SSP), do oferecimento da
denúncia (MP) e do recebimento da denúncia pelo juiz de direito.
Os Conselhos de Saúde, da Criança e do Adolescente, e os Conselhos
Tutelares agiriam conjuntamente para garantir o suporte necessário à proteção
da criança vítima da SIBE, nos termos do Estatuto da Criança e do
Adolescente.
Havendo vontade política, o custo do Projeto é “zero”, já que todos os
instrumentos para a sua consecução estão disponíveis no setor público. A
Rede Hospitalar já dispõe de sistema informatizado e poderia ser utilizada a
rede eletrônica federal/estadual/municipal, bastando, então, inserir uma
27
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PROJETO SIBE
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padronização de ficha de atendimento hospitalar no sistema on-line.
A
elaboração da cartilha poderia ser elaborada com o apoio do CRM e de
médicos que atendam na rede pública e que já tenham experiência neste tipo
de situação; pelas Associações da Magistratura, da OAB e do Ministério
Público, no tocante à seara jurídica; e pelos Conselhos Tutelares e ONG‟s, no
tocante ao encaminhamento e suporte à criança vítima. A impressão da cartilha
poderia ser efetuada via Secretaria de Saúde ou algum outro órgão que já
disponha dos equipamentos para tal; até mesmo com o apoio do Diário Oficial.
A participação da mídia pode ser estabelecida dentro da cota a que o Estado
tem direito de veicular, gratuitamente, informativos de ordem pública (TV,
rádio).
Ressalte-se que o projeto traz as seguintes vantagens:
- Detecção de suspeita da SIBE, quando da procura por hospitais
distintos para atendimento à mesma criança, podendo salvar a vida de crianças
abusadas ou em risco de serem abusadas;
- Valorização da equipe interdisciplinar que tem a criança como foco de
suas ações conjuntas;
- Entrada de dados também pelos profissionais do Programa de Saúde
da Família, visando à prevenção e maior abrangência dos dados coletados
pelo sistema;
- Prontuário digital simples, com campos de preenchimento mais
complexos conforme o caso vai caminhando na rede hospitalar;
- Coleta de dados em tempo real;
- Possibilidade de obtenção de dados em tempo real, cobrindo toda a
área prevista na interconexão (municipal, estadual ou federal)
- Detalhamento (fluxograma) das etapas desde o primeiro atendimento
até a fase final (aconselhamento aos potenciais agressores, em casos mais
leves; comunicação de crime à Polícia, oferecimento da denúncia pelo
Ministério Público e acolhimento da denúncia pelo Judiciário; equipe
multidisciplinar para tratar da vítima sobrevivente; ou óbito).
Nos termos do estudo “Notificação de maus-tratos contra crianças e
adolescentes pelos profissionais de saúde: um passo a mais na cidadania em
saúde”, elaborado pelo Ministério da Saúde, Secretaria de Assistência à
Saúde. – Brasília, 2002:
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Apesar dos benefícios que se espera obter com a notificação
compulsória de maus-tratos, mesmo os profissionais sensíveis à
questão do impacto da violência sobre o crescimento e o
desenvolvimento infantil e juvenil quase sempre acabam realizando
um atendimento apressado ou pouco aprofundado. Quase sempre
isso se deve, de um lado, à enorme demanda que os absorvem; de
outro, à pouca experiência com esse tipo de problema. Por isso, é
muito importante, que os gestores de saúde criem estratégias que
facilitem a implantação de boas práticas de assistência e de
notificação. (grifo nosso)
IV. 4. PRONTUÁRIO DIGITAL
De acordo com o Conselho Federal de Medicina, prontuário médico é
(artigo 1º, Resolução CFM nº. 1.638/02), in verbis:
“(...) o documento único constituído de um conjunto de informações,
sinais e imagens registradas, geradas a partir de fatos,
acontecimentos e situações sobre a saúde do paciente e a
assistência a ele prestada, de caráter legal, sigiloso e científico, que
possibilita a comunicação entre membros da equipe multiprofissional
e a continuidade da assistência prestada ao indivíduo.”
Foi em 1907 que a Clínica Maio, nos EUA, adotou um registro individual
de cada paciente, cronologicamente preenchido. Posteriormente, buscou-se
um conjunto mínimo de dados com a finalidade de padronização dos registros
o que, porém, encontrou barreiras na diversidade de profissionais que
atenderam determinado paciente (psicólogos, nutricionistas, enfermeiros,
fisioterapeutas) e na diversidade de locais de atendimento deste (UTI,
enfermaria, ambulatórios etc), gerando um volume elevado de informações
diferentes. Foi em razão desse quadro caótico que em 1969, Lawrence Weed
criou o protocolo voltado para o problema, segundo a sistemática de registro
SOAP (“S” – queixas; “O” – achados; “A” – testes e conclusão; “P” – plano de
cuidado).
É como resultado da evolução na forma de registro e na utilização da
tecnologia hoje disponível que surge o PEP – Prontuário Eletrônico do Paciente
-, um prontuário capaz de conter todas as informações sobre a saúde de um
paciente e os tratamentos por ele recebidos no decorrer de sua vida.
De acordo com o Institute of Medicine (1997), o PEP é:
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“um registro eletrônico que reside em um sistema especificamente
projetado para apoiar os usuários fornecendo acesso a um completo
conjunto de dados corretos, alertas, sistemas de apoio à decisão e
38
outros recursos, como links para bases de conhecimento médico”.
Nesse ponto é que reside a importância de aplicação ao Projeto SIBE de
um prontuário Eletrônico do Paciente que seja simples, fácil de preencher, com
alertas e sistemas de apoio às decisões, e que viabilize a entrada e saída de
dados compatíveis com o problema de ordem pública que se deseja prevenir,
continuamente e em tempo real.
As qualidades de um sistema de prontuário eletrônico de sucesso são
resultantes dos seguintes aspectos:
- rapidez na entrada e recuperação de dados para o usuário;
- interface gráfica familiar ao usuário;
- flexibilidade no acesso personalizado a informações;
- Melhoria do fluxo de trabalho;
- Mais clareza e legibilidade da documentação 39.
A relevância do uso do prontuário eletrônico pode ser demonstrada pelo
seguinte exemplo extraído do texto “A Construção do Conhecimento Médico”,
de autoria de Eduardo Massad e Armando Freitas da Rocha 40:
Tomemos o exemplo do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), o maior
complexo hospitalar da América Latina, com quase 10 mil
funcionários, tem mais de 2.200 leitos ativos, e movimentação
ambulatorial que chega a fazer mais de 1 milhão de consultas por
ano, além de mais de 6 milhões de exames laboratoriais. No
complexo HC-FMUSP circulam diariamente quase 35 mil pessoas e
seu orçamento anual atinge a cifra de 250 milhões de dólares.
O número total de prontuários ativos está estimado entre 1 e 2
milhões e cresce na razão de 50.000 novos prontuários por mês.
Portanto, o arquivo do HC-FMUSP renova-se a cada 2 a 3 anos. Se
imaginarmos que o volume de atendimento tem sido o mesmo por,
pelo menos 20 anos, mais de 12 milhões de prontuários estiveram de
posse da instituição neste período! Estes documentos encontram-se
armazenados na forma tradicional de pastas com vários milhões de
documentos individuais, a grande maioria dos quais manuscritos,
quase sempre de maneira ilegível. Assim é que, por não ter um
sistema de armazenamento eletrônico de dados médicos, instituições
38
MARIN, Heimar de Fátima et al. O prontuário eletrônico do paciente na assistência, informação e
conhecimento médico. OPAS/OMS 2003, p. 1-6 apud Institute of Medicine. The computer-based patient
record:an essential technology for heath care, revised edition, Division of Health Care Services,.Institute
of Medicine, National Academy of Science, Washington, D.C., USA, 1997.
39
MARIN, Heimar de Fátima et al, op. Cit, p. 15.
40
MARIN, Heimar de Fátima et al. O prontuário eletrônico do paciente na assistência, informação e
conhecimento médico. OPAS/OMS 2003, p.36.
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como o HC-FMUSP jogam fora, literalmente, uma quantidade
inimaginável de conhecimento médico institucional. É claro que
existem exceções e várias pesquisas retrospectivas tem sido
realizada no arquivo médico do HC-FMUSP.
Porém, em termos quantitativos, estas pequenas exceções são como
gotas no enorme oceano de informações não aproveitadas até o
momento.
Assim, há necessidade de que a organização em saúde busque a
excelência de desempenho, cujos fundamentos são: gestão centrada nos
clientes;
foco
nos
resultados;
comprometimento
da
alta
direção;
responsabilidade social; valorização das pessoas; visão de futuro de longo
alcance; gestão baseada em processos e informações; ação pró-ativa e
resposta rápida; aprendizado contínuo 41.
IV. 5. PROJETO SIBE E SEU ALINHAMENTO ÀS DIRETRIZES MÉDICAS
MUNDIAIS
A Associação Médica Mundial (World Medical Association - WMA)
42
recomenda a todas as Associações Médicas Nacionais um maior grau de
sistematização na análise da violência, que privilegie a coleta de dados, o
treinamento médico, a prevenção, a coordenação da assistência às vítimas, as
pesquisas, a atuação médica contra a violência, e a estruturação de políticas
de prevenção e de planos de ação.
V. OS FUNDAMENTOS LEGAIS PARA A DETECÇÃO E PREVENÇÃO DO
ABUSO À CRIANÇA NO BRASIL
O pilar da proteção prioritária à criança e ao adolescente encontra-se na
Constituição Federal de 1988, artigo 227, “caput”, in verbis:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à
criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar
e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão.
41
42
Ibid, p. 70.
WMA Policy – Available at: http://www.wma.net/e/policy/v1.htm
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Por ser dever prioritário da família, da sociedade e do Estado assegurar,
dentre outros, o direito à vida e à saúde da criança e de colocá-la a salvo de
toda forma de negligência e violência, não parece haver qualquer dúvida de
que a Carta Maior, fonte do Direito nacional por excelência, expressão dos
valores mais prezados pela sociedade, colocou a proteção à criança como a
finalidade primordial das entidades mencionadas.
Atendendo a esse ditame constitucional, também o Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA) determina que, in verbis:
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e
do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação
dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer
circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de
relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais
públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas
relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou
omissão, aos seus direitos fundamentais.
Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais
a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e
deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do
adolescente como pessoas em desenvolvimento.
Em tendo preferência na formulação e na execução das políticas sociais
públicas, não pode o Poder Público, sob pena de desrespeito ao artigo 5°, 1ª
parte, do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, deixar de priorizar as
medidas de proteção nele descritas.
A Portaria GM/MS nº. 737 de 18.05. 2001, do Ministério da Saúde,
lançou a “Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e
violências”, traçou as linhas gerais no que concerne ao tema da violência, em
especial, a violência contra crianças. Esse documento seguiu as diretrizes da
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Classificação Internacional de Doenças da OMS, na qual o fenômeno da
violência por acidente ou intencional estão classificadas como “causas
externas”. Em sendo a violência contra crianças um “fenômeno” multifacetado,
quer parecer que seguir essa classificação não auxilia o descortinamento mais
apurado do problema. A Portaria nº 1968/2001 do Ministério da Saúde
estabeleceu a obrigatoriedade da notificação compulsória dos casos suspeitos
ou confirmados de maus-tratos contra a criança e o adolescente pelos
profissionais dos estabelecimentos de saúde que atendem pelo S.U.S.
De qualquer forma, da própria Portaria GM/MS nº. 737 extraem-se
alguns dados relevantes sobre a violência no Brasil, apesar das estimativas de
que para cada caso notificado, 10 a 20 deixam de sê-lo
43
. A violência nas
áreas urbanizadas correspondia, em 1997, a 75% do total, e os gastos
hospitalares de internação por acidentes e violências, a R$ 232.376.612,16
(8% dos dispêndios com internações). Segundo relato inserto na Portaria nº
737, acerca do SIM/MS – Sistema de Informação de Mortalidade do Ministério
da Saúde, in verbis:
Quanto à qualidade das informações relativas a acidentes e a
violências, alguns deixam a desejar. Os dados, nesse contexto, têm
origem nas Declarações de Óbitos – DO – preenchidas nos Institutos
de Medicina Legal. A qualidade da informação é ainda discutível, na
medida em que, algumas vezes, não existe detalhamento quanto ao
tipo ou intencionalidade da causa externa responsável pelas lesões
que provocaram o óbito.
Essa Portaria é de alguns anos atrás e houve avanços no setor, mas as
indicações são de que não há ainda, no Brasil, um sistema global de dados
sobre a violência à criança, tal qual o dos EUA, por exemplo.
A Lei Federal nº. 11.340/07 trouxe vários dispositivos importantes no
contexto da violência à mulher no âmbito familiar, o que interfere positivamente,
como já apontado no início do trabalho, no combate à violência contra a
criança.
No âmbito do Estado de São Paulo, a Lei nº. 10.498/00 dispõe sobre a
obrigatoriedade de notificação compulsória de maus-tratos, suspeitos ou
confirmados, em crianças e adolescentes, via modelo anexo a Lei, a serem
43
PIERS, Ana L.D. & MYIASAKI, Maria C.O.S. Maus-tratos contra crianças e adolescentes: revisão da
literatura para profissionais da saúde. Arq Ciênc Saúde 2005 jan-mar , p. 44.
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encaminhados através dos responsáveis pelas unidades de saúde, educação e
segurança pública ao Conselho Tutelar ou, na falta deste, à Vara da Infância e
da Juventude ou ao Ministério Público. Anexo à lei, há um modelo de “Ficha de
Notificação Compulsória de Maus-Tratos” que pode estar inserido no sistema
de prontuário eletrônico a ser desenvolvido.
Em São Paulo, a Lei Municipal nº. 14.247/06 cria o Programa Municipal
de Conscientização e Combate à Violência Contra a Criança e o Adolescente,
um conjunto de ações e campanhas de conscientização a serem desenvolvidas
pela Prefeitura de São Paulo e, anualmente, na semana em que se comemora
o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e
Adolescentes (18 de maio), serão divulgados estudos, pesquisas e projetos de
enfrentamento aos maus-tratos praticados. A Portaria nº. 1328/07/SMS.G
implantou o “Sistema de Informação para a Vigilância de Violências e
Acidentes - SIVVA”, a ser gerenciado pela Secretaria Municipal de Saúde,
tornando obrigatória a notificação de casos de violência por intermédio da
“Ficha de Notificação de Casos Suspeitos ou Confirmados de Violências e
Acidentes”, pelos profissionais de saúde dos serviços hospitalares, urgência e
emergência da rede pública e privada e demais serviços de saúde do SUS do
município de São Paulo. Também traz em anexo o modelo da ficha de
notificação.
V. CONCLUSÃO
Em face de todo o exposto conclui-se que:
- O abuso a crianças ocorre em todos os países, qualquer que seja seu grau de
desenvolvimento;
- Este tipo de violência acarreta vultosos impactos econômicos no sistema de
saúde e previdência nacional;
- Os casos de violência à criança (sub) relatados em países como os Estados
Unidos e Canadá, por exemplo, demonstram que este tipo de violência é mais
comum do que se imagina;
- Em geral, a mãe é o agente da violência;
- O sistema de notificação compulsória ainda “não pegou” no Brasil;
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- O sistema de notificação compulsória, por si só, não resolve o problema, se
não estiver acompanhado de outras medidas de caráter assistencial, médico,
psicológico, policial e jurídico, a serem realizadas por equipe multidisciplinar
especialmente preparada para isto;
- O sistema que viesse a ser implantado com base no sistema SIBE traria
vantagens relevantes na detecção, prevenção da violência à criança e no
levantamento “em tempo real” de dados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A agressão a bebês e crianças é algo que toda sociedade civilizada
deve repudiar veementemente, principalmente nessa nova era em que os
direitos humanos passam a ser objeto de ações efetivas tendentes à sua
proteção.
Nesse contexto, o projeto ora apresentado pode representar um avanço
na luta de todos nós contra essa crueldade que tanto avilta a condição
humana.
A colaboração que fazemos aqui, quem sabe, poderá ser futuramente
aproveitada como uma política de Estado, já que uma sociedade só será livre
quando conseguir reagir à omissão em face da crueldade perpetrada contra
bebês e crianças por aqueles que deveriam zelar por elas.
35
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Estudo de Revisão Autor correspondente: Carla Lizandra de Lima Ferreira - [email protected]

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