Reafirmação identitária em Frida Kahlo
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Reafirmação identitária em Frida Kahlo
I Congresso Internacional de Pesquisa em Letras no Contexto Latino-Americano e X Seminário Nacional de Literatura, História e Memória 21 a 23 de Setembro de 2011 UNIOESTE – Cascavel/PR Reafirmação identitária em Frida Kahlo BASSO, Elis Regina. (UNIOESTE) DÍAZ MERINO, Ximena Antonia. (UNIOESTE - ICV) RESUMO: Este estudo objetiva analisar alguns quadros da pintora mexicana Frida Kahlo (19071954), dentre sua vasta obra optamos por estudar seis auto-retratos. Para tanto, basear-nos-emos na obra de Chevalier e Gheerbrant (1993) no que concerne a simbologia, Candido (2000) em relação ao artista e sua obra e para o conceito de criatividade utilizaremos Ostrower (1987); além do diário de Frida Kahlo (2008). Em nossa pesquisa constatamos que a solidão, a dor e o amor são as temáticas mais recorrentes nas pinturas da artista; porque ela não pôde ter filhos, foi traída pelo marido inúmeras vezes, além de ter sequelas do acidente que sofreu aos 18 anos. Estes temas são, pois, sentimentos comuns a qualquer ser humano, o que nos faz compreender porque tantas pessoas têm se identificado com seus quadros. Além disso, observamos que através da vestimenta traje de tehuana (roupa típica mexicana) e dos colares e brincos Frida Kahlo reafirma sua identidade, nos revela que é originária do México, do povo asteca. Portanto, inferimos que a simbologia e a cultura são elementos fundantes das telas de Kahlo. Frida foi uma pintora que soube engenhosamente transformar suas mazelas, suas paixões em telas, ou melhor, em magníficas obras de arte; como ela mesma disse: “Não pinto sonhos, pinto a minha própria realidade”. PALAVRAS-CHAVE: Pintura; auto-retratos; mexicanidad; astecas; Frida Kahlo. RESUMEN: En este trabajo se analizarán algunos cuadros de la pintora mexicana Frida Kahlo (1907-1954), ante la numerosa obra elegimos seis autorretratos. Para el análisis de las obras usaremos como base los estudios de Chevalier y Gheerbrant (1993) en relación a la simbología, Candido (2000) sobre el artista y su obra y para la concepción de creatividad utilizaremos Ostrower (1987); además del diario de Frida Kahlo (2008). En nuestra pesquisa se constató que la soledad, el dolor y el amor son las temáticas más presentes en las pinturas de la artista; eso porque ella no pudo tener hijos, fue traicionada por su esposo varias veces, además de tener sequelas del accidente que sufrió a los 18 años. Estos temas son, pues, sentimientos comunes a cualquier ser humano, lo que nos hace entender por qué muchas personas se han identificado con sus cuadros. Además, observamos que a través del traje tehuana (ropa típica mexicana) y de los collares y pendientes Frida Kahlo reafirma su identidad, nos revela que es originaria de México, del pueblo azteca. Por lo tanto, se concluye que la simbología y la cultura son elementos fundamentales en las telas de Kahlo. Frida fue una pintora que supo ingeniosamente recrear su sufrimiento, sus pasiones en sus telas, mejor dicho, en magnificas obras de arte; como ella dijo: “No pinto sueños, pinto mi propia realidad”. PALABRAS-CLAVE: Pintura; autorretratos; mexicanidad; aztecas; Frida Kahlo. A cultura é socialmente construída e juntamente com ela os elementos simbólicos. Neste trabalho nos referimos especificamente à cultura mexicana, aos traços astecas presentes na pintura de Frida Kahlo. Outro fator a ser analisado nas telas da pintora mexicana é a simbologia. Partimos do conceito de que cultura são todos os hábitos e valores compartilhados por pessoas de uma dada sociedade. ISSN 2175-943X I Congresso Internacional de Pesquisa em Letras no Contexto Latino-Americano e X Seminário Nacional de Literatura, História e Memória 21 a 23 de Setembro de 2011 UNIOESTE – Cascavel/PR Frida Kahlo nasceu na cidade de Coyacán, de mãe mestiça mexicana e pai judeu-alemão esteve sempre em contato com os costumes mexicanos. Uma marca de sua personalidade é a utilização de tehuana roupa típica mexicana composta por uma blusa e uma saia ou de uma peça só – vestido. De acordo com Chevalier e Gheerbrant (1993, p. 947) “A roupa é um símbolo exterior da atividade espiritual, a forma visível do homem interior”. O traje pode simbolizar o pertencer a uma dada sociedade, em Frida Kahlo estabelece a sua mexicanidad. O traje de tehuana pode ser de festa ou de uso cotidiano, o primeiro é mais elaborado, repleto de bordados, já o segundo é simples, constituído geralmente de duas peças de cores distintas. Frida utilizava muitas jóias, normalmente grandes e coloridas também oriundas do povo asteca, o cabelo – quase sempre – estava amarrado, com coques, tranças e enfeites. Para Chevalier e Gheerbrant (1993) a trança pode simbolizar uma ligação entre este mundo e o mundo além – o dos mortos - podendo também exprimir uma força viril e vital. Ela também pode representar um símbolo fechado, uma prisão. O coque pelo seu formato também pode significar um circuito fechado. TEHUANAS, AUTO-RETRATOS E MEXICANIDAD A obra Autorretrato (1930) fig.1, foi pintada pouco tempo depois do casamento de Frida com Diego Rivera (1929), ela esta trajando uma tehuana campesina de cor azulada e brincos em estilo mexicano. O fundo em tom róseo pode transmitir certa luminosidade, parece que Frida está posando para uma foto, o rosto estático, sério. Os cabelos amarrados estão provavelmente com um coque. Dá a impressão de ser um dia rotineiro na vida de Frida. FIG. 1 – Autorretrato (1930) FIG. 2 – Autorretrato el tiempo vuela (1929) ISSN 2175-943X I Congresso Internacional de Pesquisa em Letras no Contexto Latino-Americano e X Seminário Nacional de Literatura, História e Memória 21 a 23 de Setembro de 2011 UNIOESTE – Cascavel/PR No Autorretrato El tiempo vuela (1929) fig.2, Frida aparece novamente sentada, no fundo observam-se cortinas, uma sacada e a vista de um céu azul-acinzentado, não se trata de um céu com azul forte, vivo, mas também, não apresenta um céu escuro, tempestuoso; nele há um avião, geralmente associamos a este elemento a ideia de viagem, trajeto. Há também no quadro a presença de um relógio, representando o tempo. Ambos os objetos – avião e relógio – fazem analogia ao título da pintura El tiempo vuela, assim, tempo-relógio, voa-avião, o tempo anda depressa, a vida de Frida passou rápido, agora já está casada, já se foi a infância, a juventude, agora é mulher. Trata-se de uma metáfora representada literalmente por traços pictóricos. As cortinas abertas podem significar uma abertura para o mundo, para a vida. Em relação à roupa, Frida usa um vestido branco, de renda nas mangas, roupa simples, uma tehuana cotidiana, utiliza também um colar, o qual chama bastante a atenção, pois contrasta com a roupa clara e os brincos estilo mexicano, ambos de tamanho médio e tons escuros. Assim, a indumentária remete às raízes de Frida, à sua cultura, ao seu México querido. A postura ereta e centrada de Frida nos dá a impressão de que ela esta pousando para uma foto, como costumava fazer quando seu pai lhe fotografava. Já seu cabelo aparece preso e repartido ao meio, vale lembrar que na quase totalidade de suas pinturas seus cabelos aparecem assim. No Auto-retrato Perro Itzcuintli conmigo (1938) fig.3, Frida está usando uma tehuana de festa, com detalhes dourados e renda branca na parte inferior. Entretanto o tom do vestido é preto, esta cor nos remete à escuridão, à morte, à solidão. Com exceção de Frida, do cachorro e da cadeira onde está sentada, não há outro objeto na sala, há apenas a parede em tom róseo e o piso marrom, percebe-se o jogo de luzes representado na tela, o chão próximo à parede está mais escuro. Este vazio na tela também pode representar a solidão sentida pela pintora. FIG. 3 - Perro Itzcuintli conmigo (1938) ISSN 2175-943X I Congresso Internacional de Pesquisa em Letras no Contexto Latino-Americano e X Seminário Nacional de Literatura, História e Memória 21 a 23 de Setembro de 2011 UNIOESTE – Cascavel/PR Verifica-se que Kahlo está levemente inclinada para o lado, não está sentada no meio da cadeira, as mãos estão cruzadas e em uma delas há um cigarro. Pelo movimento do vestido verificase que Frida não está com as pernas cruzadas. Outro traço de mexicanidad é a presença do colar, de tom dourado, com fios duplos, na altura do pescoço há uma pedra unindo as partes e depois as correntes descem até a cintura, não dá para saber como termina o colar, pois as mãos de Frida estão sobre ele, provavelmente trata-se de uma jóia para festas, combinando com a roupa. O cabelo também está arrumado para festa, com um coque entrelaçado por uma fita azul, o penteado é finalizado por um laço. Verifica-se que o tom do laço e a rendas brancas no vestido quebram um pouco a áurea de mistério e escuridão que o vestido nos remete. A alusão às cores – branca e azul – é típica da cultura mexicana, que é repleta de cores vivas e intensas. O cachorro Itzcuintli é uma de suas mascotes, Frida tinha macacos, cachorros, pássaros e até um veado, como animais de estimação. Ela não pôde ter filhos, assim, as suas mascotes foram os seus pequenos, ocuparam o lugar dos filhos, pois, o amor materno – presente em toda mulher, em menor ou maior grau - que a pintora tinha foi transmitido aos animais. Conforme informações do Instituto cultural Quetzalcoatl (ICQ), Itzcuintli, fig.4, era o nome dado pelos astecas ao cachorro e representava o décimo dia do mês. Segundo a mitologia deste povo, o cachorro estava associado ao instinto sexual que deveria ser superado para prevalecer o amor verdadeiro, também era símbolo da fidelidade que se deve ter para com o cônjuge, amigos, enfim, com as pessoas que nos relacionamos. O Itzcuintli geralmente é representado de cor branca com pintas negras grandes e com um círculo escuro ao redor dos olhos, como poder ser observado na figura 4. FIG. 4 – Itzcuintli Frida parece não dar importância à presença do cachorro Itzcuintli, está indiferente, podemos relacionar isto ao título da obra Perro Itzcuintli conmigo, ou seja, o cachorro está com ela, mas ela não está com o cachorro, ou melhor, não está se preocupando com ele, ou ainda, mesmo com a presença dele se sente só. ISSN 2175-943X I Congresso Internacional de Pesquisa em Letras no Contexto Latino-Americano e X Seminário Nacional de Literatura, História e Memória 21 a 23 de Setembro de 2011 UNIOESTE – Cascavel/PR No quadro Yo y mi muñeca (1937) fig.5, Frida aparece sentada na cama e ao seu lado está uma boneca nua, também sentada, como se ela representasse os filhos que Kahlo não pôde ter; no período em que a tela foi pintada a artista já havia sofrido três abortos. Além dos três elementos centrais – Frida, boneca e cama – há a representação da parede que se estende por quase 2/3 do fundo da tela e o piso de lajotas em tom marrom-avermelhado. O que dá a ideia de vazio, de solidão, novamente pode-se fazer uma analogia ao fato de Frida não ter filhos, a ausência que ela sentia de ter um bebê. Kahlo está com as mãos cruzadas e em uma delas há um cigarro, parece não dar importância à boneca, é como se pousasse para uma foto e nada estivesse ao seu lado - observa-se que este agir é o mesmo da pintura anterior. Em relação à vestimenta Frida esta usando uma tehuana cotidiana composta por uma blusa e uma saia, o branco predomina, já que a blusa e a renda da saia são desta cor, há um bordado na blusa que dá um tom de delicadeza e feminilidade à peça. O cabelo está preso, provavelmente em forma de coque e dá para visualizar as pontas de um laço. FIG. 5 - Yo y mi muñeca (1937) FIG. 6 - Autorretrato (1948) Na pintura Autorretrato (1948) fig.6, quase a totalidade do quadro é composta por um toucado de renda, acessório tipicamente mexicano, de cor branca, o que pode nos lembrar o véu das noivas. Todo ele é trabalhado com desenho de flores, na parte ao redor do rosto é um tipo de flor, já na parte inferior o modelo floral é outro, há um broche segurando as duas partes do toucado. Estes detalhes também nos indicam a qualidade da pintura de Frida, a precisão dos traços, além de ressaltar a mexicanidad e feminilidade de Kahlo. ISSN 2175-943X I Congresso Internacional de Pesquisa em Letras no Contexto Latino-Americano e X Seminário Nacional de Literatura, História e Memória 21 a 23 de Setembro de 2011 UNIOESTE – Cascavel/PR O toucado está tão justo à cabeça de Frida que nos dá a impressão de que ela está presa, sufocada, talvez o sentimento que sentia em relação a sua vida. De seu rosto caem três lágrimas, que podem significar o sofrimento pelo qual ela estava passando ao pintar a tela, ou ainda a dor que ela sentira durante a sua existência, devido às sequelas do acidente de bonde sofrido em 1925 quando tinha apenas 18 anos e as várias cirurgias às quais foi submetida, ou ainda as infidelidades de Diego. As folhas secas presentes nos cantos superiores da tela corroboram com as lágrimas, indicando certa tristeza; já que folhas verdes representam vida e folhas secas morte, melancolia. Outra questão interessante é a coloração da tela, em tons pastéis, também nos remetendo a morbidez. FRIDA E SU NIÑO FIG. 9 – Autorretrato como tehuana (1943) A obra Autorretrato como tehuana (1943) fig.9, é também conhecida como Diego en mis pensamientos e Pensando en Diego, o que mostra o amor obsessivo de Frida por seu esposo. Em várias partes de seu diário, a pintora fala o quanto ama o também pintor Diego Rivera. Há um fragmento extraído de seu diário em que afirma que nunca o esquecerá: “Jamás en toda la vida olvidaré tu presencia/ Me acogiste destrozada y me devolviste entera integra”. (KAHLO, 2008, p. 125). Em seguida expomos um desenho do diário de Frida (KAHLO, 2008, pp. 40-41) fig.8, que reafirma a passagem transcrita anteriormente. ISSN 2175-943X I Congresso Internacional de Pesquisa em Letras no Contexto Latino-Americano e X Seminário Nacional de Literatura, História e Memória 21 a 23 de Setembro de 2011 UNIOESTE – Cascavel/PR FIG. 8– “Yo soy la DESINTEGRACIÓN…” A citação anterior pode ser corroborada com a imagem acima, pois segundo Frida, Diego a acolheu destroçada, desintegrada e a devolveu inteira. Parece-nos que Diego a uniu e a completou. A figura que aparece no centro destas páginas é uma cabeça de touro com resquícios do Deus Jano (Para Chevalier e Gheerbrant (1993) ele é considerado o porteiro do céu e é representado por duas cabeças uma indicando o passado outra o futuro, o começo e o fim) e um corpo de mulher, ou melhor, trata-se de um minotauro (Segundo Chevalier e Gheerbrant (1993) para a mitologia grega é uma criatura com cabeça de touro e corpo de homem.). Dessa forma, a imagem alude tanto ao deus romano quanto a mitologia grega. Observa-se que o corpo feminino é uma inovação de Frida, pois o minotauro geralmente é metade homem metade animal. A figura da esquerda nos remete ao passado, pois há a imagem de um pé que nos lembra o pé de Frida que teve sequelas devido à poliomielite contraída aos seis anos de idade. Há também um rosto com uma mancha, que pode significar a vida passada, a Frida de antes, a do pretérito. ISSN 2175-943X I Congresso Internacional de Pesquisa em Letras no Contexto Latino-Americano e X Seminário Nacional de Literatura, História e Memória 21 a 23 de Setembro de 2011 UNIOESTE – Cascavel/PR O fundo da página da direita é azul que pode simbolizar o espaço, o futuro em potência. A cabeça sob o corpo feminino parece pomposa, a posição do chifre exala certa superioridade, o devir. Em cima de uma coluna romana se encontra Frida, despedaçada, caem uma mão, um olho, um pé e uma cabeça. Uma de suas pernas não aparece na imagem e um braço está fragmentado. Com os cabelos presos e vestindo uma tehuana Frida afirma ser a própria desintegração, a desintegração em pessoa. Ela se sentia despedaçada após tantas cirurgias, a dor esteve tão presente em sua vida que escreve: La angustia y el dolor. El Placer y la muerte no son mas que un proceso para existir. (KAHLO, 2008, pp.77-78) A seguir Frida (KAHLO, 2008, pp. 57-58) diz como se sente em relação ao Diego, não se vê como esposa, pois, se sente mãe dele: Nadie sabrá jamas como quiero a Diego. No quiero que nada lo hiera. Que nada lo moleste y le quite energía que él necesita para vivir Vivir como a él se le dé la gana. Pintar, ver, amar, comer, dormir, sentirse solo, sentirse acompañado, pero nunca quisiera que estuviera triste si yo tuviera salud quisiera darsela toda si yo tuviera juventud toda la podría tomar. No soy solamente tu madre – soy el embrión, el germen, la primera célula que = en poten cia = lo engendró Soy él desde las más primitivas … y las más antiguas celulas, que con el “tiempo” se volvieron él.[sic]. ISSN 2175-943X I Congresso Internacional de Pesquisa em Letras no Contexto Latino-Americano e X Seminário Nacional de Literatura, História e Memória 21 a 23 de Setembro de 2011 UNIOESTE – Cascavel/PR Neste excerto Frida diz que se tivesse saúde e juventude as daria a Diego, fato interessante, pois para alguém que viveu a maior parte da vida com uma saúde frágil, provavelmente desejaria muito ter saúde, e Frida abriria mão dela para seu esposo. Observa-se aí a extensão desse amor, incondicional, para muitos até obsessivo. Frida também diz que ele é ela, que é sua mãe, que o concebeu, que foi a célula primeira que se converteu nele, o tem como filho, “Cada momento él es mi niño, mi niño nacido, cada ratito, diário, de mi misma”. (KAHLO, 2008, p.205). Outro fator que reforça essa relação de mãe-filho é Frida permitir que ele viva como lhe dê vontade. A seguir temos mais um fragmento extraído do diário de Frida (KAHLO, 2008, p.17) no qual ela exprime seu amor a Diego: Nada comparable a tus manos ni nada igual al oro – verde de Tus ojos. Mi cuerpo se llena de ti por dias y dias. eres el espejo de la noche. la luz violenta del relámpago la humedad de la tierra. El hueco de mis axilas es mi refugio. Mis yemas tocan tu sangre. Toda mi alegria es sentir brotar la vida de tu fuente – flor que la mia guarda para llenar todos los caminos de mis nervios que son los tuyos.[sic]. Neste excerto verifica-se como Frida por meio de metáforas compara Diego à natureza, como exemplo, temos o olho relacionado ao ouro verde, ela diz ainda que seu marido é o espelho da noite, a luz violenta do relâmpago – que dá vida a Kahlo, a umidade da terra – que a alimenta. Diz por fim, que os nervos dela são também dele, que eles existem um no outro. O amor de Frida por Diego é tamanho que ela fala a outras pessoas deste sentimento, abaixo temos um extrato de uma carta escrita à pintora Jacqueline Lamba esposa de André Breton – idealizador do movimento vanguardista Surrealismo: Tú también sabes que todo lo que mis ojos ven y que toco conmigo misma, desde todas las distancias, es Diego. La caricia de las telas, el color del color, los alambres, los nervios, los lápices las hojas, el polvo, las células, ISSN 2175-943X I Congresso Internacional de Pesquisa em Letras no Contexto Latino-Americano e X Seminário Nacional de Literatura, História e Memória 21 a 23 de Setembro de 2011 UNIOESTE – Cascavel/PR la guerra y el sol, todo lo que se vive en los minutos de los no-relojes y los no-calendarios y de las no-miradas vacias, es él. (KAHLO, 2008, pp. 12-13) [sic]. No fragmento observa-se que - para Kahlo - Diego está em tudo, que tudo o que ela sente, tudo o que ela vê é ele; parece que ele vive em Frida. “[...] no es amor, ni ternura, ni cariño, es la vida entera, la mía que encontré al verla en tus manos, en tu boca y en tus senos”, (Kahlo, 2008, p.23), Diego é, portanto, a própria vida de Frida. Na pintura Autorretrato como tehuana (1943) (FIG. 6, pág. 10) Frida também está com um toucado, porém, este dá para ver um pouco mais, pelo menos até o ombro – em relação à pintura analisada anteriormente. Ele é composto de três partes, a parte ao redor do rosto, de tecido bem fino, transparente e com as bordas levemente pontiagudas; a outra parte é em um tom amarelado com desenho de flores, a seguir vem uma fita rosa e por último uma renda branca, nos parece o mesmo tipo de renda que aparece na parte inferior dos vestidos que Frida usava – como exemplo temos o vestido do quadro Perro Itzcuintli conmigo (1938) (FIG. 3, pág. 3) ou ainda, Yo y mi muñeca (1937) (FIG.5, pág. 4), analisados neste trabalho. Em cima da cabeça Frida apresenta um ramo de flores com algumas folhas e três espécies de flores diferentes, deste ramalhete surgem fios que perpassam todo o quadro, eles podem nos remeter a uma teia de aranha, onde se quer capturar a presa, no caso Frida que deseja se ver unida, ligada a Diego. Segundo Chevalier e Gheerbrant (1993), a flor é símbolo de um princípio passivo e pode significar a passividade de Frida em aceitar seus pensamentos, suas ideias fixas em Diego. Para o povo asteca as flores tinham um simbolismo cosmogônico: A era histórica da chegada dos conquistadores ao México coincidiu exatamente com a chuva de flores que se derramou sobre a cabeça dos homens, no final do quarto sol cosmogônico. A terra desforrava-se de suas mesquinharias anteriores, e os homens agitavam bandeiras, em sinal de júbilo. Nos desenhos do Codex Vaticanus ela é representada por uma figura triangular, ornada de galões de plantas entrançadas; a deusa dos amores ilícitos, suspensa a uma grinalda vegetal, desce sobre a terra, ao passo que bem ao alto, explodem sementes fazendo tombar flores e frutos. (REYES [S.D.] apud CHEVALIER E GHEERBRANT, 1993, p.438). Segundo SANTOS (2005), o Codex Vaticanus (Códice Vaticano) é um manuscrito de origem pré-hispânica que possui elementos da escrita pictoglífica com textos e glosas em italiano, que trata da cosmogonia e da cosmografia dos astecas e está arquivado na biblioteca do Vaticano. ISSN 2175-943X I Congresso Internacional de Pesquisa em Letras no Contexto Latino-Americano e X Seminário Nacional de Literatura, História e Memória 21 a 23 de Setembro de 2011 UNIOESTE – Cascavel/PR De acordo com Reyes (apud Chevalier e Gheerbrant, 1993) para a civilização asteca a flor (xochit no idioma nahuáltl) era também um dos vintes signos dos dias e representava o perfume e as bebidas, além de simbolizar tudo o que era nobre. A flor era desenhada com uma geometria reduzida, ora era representada de perfil, ora pela boca da corola. Assim, na cultura mexicana a flor esta relacionada ao tempo e as idades do cosmos, exprimia as relações entre homens e deuses. As flores na cabeça de Frida parecem apresentar um formato triangular, estão pintadas pela boca da corola e estão entrelaçadas juntamente com algumas folhas; a imagem da deusa dos amores ilícitos com uma grinalda vegetal pode ser compara a Frida com sua „grinalda‟ de tehuana. Na testa há a imagem de Diego Rivera, como um dos títulos da obra mesmo diz (Diego en mis pensamientos) ele não sai do pensamento dela, Frida se valeu da expressão e literalmente o pintou em sua cabeça. Geralmente quando esquecemos de fazer algo, metaforicamente dizemos que vamos escrever na testa para não esquecer mais e quando há uma característica muito marcante em uma pessoa fala-se que está escrito na testa, estas expressões populares podem fazer referência ao fato de Frida lembrar sempre de Diego, não querer esquecê-lo e ele estar tão presente nela. O nome Autorretrato como tehuana, reforça a importância que tinham para Frida as suas origens, os costumes mexicanos, esta roupa é muito parecida com o toucado da obra Autorretrato (1948) (FIG. 3, pág. 3) analisado acima; portanto, esta vestimenta também nos remete à roupa de noiva, ao véu e grinalda usados pela nubente. Conforme Chevalier e Gheerbrant (1993) o tom ocreamarelado - do fundo da tela - é uma cor neutra, por ser tida como a cor da terra, das folhas secas, geralmente usada como plano de fundo. PROCESSO CRIATIVO: FRIDA KAHLO IN FOCO Para Antonio Candido (2000, p. 21) “[...] a arte é um sistema simbólico de comunicação inter-humana”, ela pode ser dividida em dois grupos: a arte de agregação e a arte de segregação, a primeira adota um sistema simbólico vigente se valendo, assim, do já estabelecido como forma de expressão de dada sociedade e se baseia na experiência coletiva; já a segunda modifica o sistema simbólico e cria novos recursos expressivos dirigindo-se a um número menor de pessoas. Estes tipos de arte podem coexistir em uma mesma obra em graus variados. Nas pinturas apresentadas por Frida encontramos ambas as artes, o uso da tehuana, dos colares e brincos, dos coques, acentuam uma peculiaridade, o modo de se vestir das mexicanas; existindo assim, uma arte segregadora; pois está centrada em apenas uma cultura, além do personagem representado ser uma mulher. ISSN 2175-943X I Congresso Internacional de Pesquisa em Letras no Contexto Latino-Americano e X Seminário Nacional de Literatura, História e Memória 21 a 23 de Setembro de 2011 UNIOESTE – Cascavel/PR Já a pintura do cachorro e da boneca, pode remeter a um costume americano, onde as crianças meninas brincam com bonecas na infância representando os filhos e onde se tem animais de estimação como, por exemplo, um cachorro; neste caso se compararmos à ideia de mundo, a América é apenas uma parte dele, assim, a arte seria segregadora, porém, se relacionarmos ao México a arte é agregadora. Entretanto, a analogia do nome do cachorro Itzcuintli com a mitologia asteca, provavelmente só será realizada pelo povo mexicano e por pessoas conhecedoras desta cultura. Já o auto-retrato El Tiempo Vuela (1929) (FIG. 2, p. 3), pode ser compreendido por qualquer pessoa, pois o tempo é um tema universal, o símbolo do avião também como transporte extremamente rápido, assim, a metáfora o tempo anda depressa, é de conhecimento global; dessa forma, esta pintura apresenta uma arte agregadora. O Autorretrato (1948) (FIG. 6, p.6) pode constituir uma arte segregadora, pois, as mulheres que pensam demais em seus maridos, ou em algum homem podem se ver referenciadas na pintura. Assim apenas uma classe é representada a das mulheres, além do traje de tehuana remeter à cultura mexicana. Para Antonio Candido (2000) ao analisarmos uma obra devemos estudar seus momentos de produção: o artista sob o impulso de uma necessidade interior, orientando-se segundo os valores e sua época, a escolha de certos temas, o uso de dadas formas e a síntese resultante sobre o meio. Segundo Fayga Ostrower (1987) a criatividade é um processo inerente ao homem e sua realização uma necessidade, para Frida a criatividade era propulsora para sua criação e esta seu modo de exteriorozar-se, de exprimir seus sentimentos. Octavio Paz em Labirinto da Solidão (1984) fala sobre o ser mexicano, nos diz que ele é intovertido, solitário e que se abre apenas nas festas, só nestes momentos se permite extrapolar. O autor ainda afirma que as mulheres costumam falar mais que os homens, que as mexicanas „se abrem‟; assim, as pinturas de Frida Kahlo são uma forma dela falar ao mundo, de dizer como se sente. As obras analisadas neste trabalho são auto-retratos, como Frida mesmo afirma pinta a si mesma, pois, passa a maior parte do tempo sozinha e é quem mais conhece; assim, nas telas Perro Itzcuintli conmigo (1938) (FIG. 3, p. 3) e Yo y mi muñeca (1937) (FIG.5, p. 4) a existência da boneca e do cachorro pode tentar suprir a ausência de um filho, já que Frida não pode ter um devido às sequelas do acidente que sofreu aos 18 anos em que o bonde onde estava se chocou com um ônibus. ISSN 2175-943X I Congresso Internacional de Pesquisa em Letras no Contexto Latino-Americano e X Seminário Nacional de Literatura, História e Memória 21 a 23 de Setembro de 2011 UNIOESTE – Cascavel/PR No Autorretrato como tehuana (1943) (FIG. 9, p. 6), Frida a partir da pintura nos fala de sua obsessão por Diego, de seu amor incondicional por ele, situação que muitas mulheres também podem estar passando. Portanto, ela exprime na tela os sofrimentos sentidos interiormente. Dessa forma, Frida é o foco principal de suas pinturas, o tema é quase sempre sua dor – vale lembrar que há também quadros de natureza-morta e de pessoas que conviveram com ela; o uso das roupas de tehuana é um modo de reafirmar constantemente sua identidade. Para Candido (2000, p.25): As relações entre o artista e o grupo [...] podem ser esquematizadas do seguinte modo: em primeiro lugar há a necessidade de um agente individual que tome a si a tarefa de criar ou apresentar a obra; em segundo lugar ele é ou não reconhecido como criador ou intérprete pela sociedade, e o destino da obra está ligado a esta circunstância; em terceiro lugar ele utiliza a obra, assim marcada pela sociedade, como veículo das suas aspirações individuais mais profundas. Assim, o destino da obra depende muito do espectador, muitos podem sentir-se representados na tela, outros podem sentir uma complacência pela pintora mexicana, mas tantos outros podem sentir admiração por tamanha obra criadora e criativa - e também pela mulher que foi Frida Kahlo. Segundo Candido (2000, p.38), “[...] o público dá sentido e realidade à obra, e sem ele o autor não se realiza, pois ele é de certo modo o espelho que reflete a sua imagem enquanto criador”. Assim, o público une o autor a sua própria obra. Verifica-se nas obras analisadas que Frida Kahlo constantemente reafirma sua identidade, o faz ao trajar a roupa tehuana, ao utilizar os colares e brincos de estilo mexicano, ao fazer alusão em suas obras a costumes astecas (cachorro Itzcuintli, deusa dos amores ilícitos, a flor - xochitl etc.), ao usar os cabelos presos e trançados. Portanto, Kahlo através de sua arte pictórica, além de expressar seu sofrimento, sua dor, suas paixões, nos mostra os costumes de seu povo, o modo de vida do mexicano. REFERÊNCIAS: CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos.7.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1993. CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade. 8.ed. T.A. Queiroz: São Paulo: 2000. Instituto cultural Quetzalcoatl – ICQ. Itzcuintli. Disponível em: <http://samaelgnosis.net/calendario_azteca/10_izquintli_perro.html> Acesso em: 20 mar 2010. ISSN 2175-943X I Congresso Internacional de Pesquisa em Letras no Contexto Latino-Americano e X Seminário Nacional de Literatura, História e Memória 21 a 23 de Setembro de 2011 UNIOESTE – Cascavel/PR Itzcuintli. Disponível em: <http://nativeamericanencyclopedia.com/dogs-in-mesoamerican-folkloreand-myth/> Acesso em 24 mar 2010. KAHLO, Frida. Frida Kahlo – un íntimo autorretrato. La vaca independiente: México, Distrito Federal, 2008. KAHLO, Frida. Pinturas. Disponível em: http://www.fridakahlofans.com/paintingsyear01.html Acesso em 21 Mar 2010. OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. 16.ed. Petrópolis, Vozes, 1987. PAZ, Octavio. O labirinto da solidão e Post-Scriptum. Trad. Eliane Zagury. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. SANTOS, Eduardo Natalino dos. Calendário, cosmografia e cosmogonia nos códices e textos nahuas do século XVI. 438f. Tese. (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2005. Disponível em: <http://ged1.capes.gov.br/CapesProcessos/919367-ARQ/919367_5.PDF> Acesso em: 30 ago 2011. ISSN 2175-943X