Mercados para a literatura brasileira - Centro de Línguas

Transcrição

Mercados para a literatura brasileira - Centro de Línguas
·Biblioteca Nacional de Portugal- Catalogação �a Publicação
COLÓQUIO mTERNACIONAL "LUGARES. DA
LUSÓFONIA", Faro, 2009 .
Lugares da lusofonia : actas Ido Encontro Internacional
"Lugares da Lusófonia" ; org. Petar Petrov.
-
(Extra-co1ecção)
ISBN 978-972-772-970-8
. Índice
1- DIMITROV, Petar Petrov,.1948CDU 821.134.3
81l.l34.3
•·••�1U<'aIlçals nos estudos de ciências humanas e desafios concretos
061.3
vertebrar a Lusofonia: docência, investigação e política cultura!....... 9
J. Torres Feijó
C:ornUlnitarisIrlo literário-cultural e a globalização:
p aíses de lingua portuguesa
.
..............
..................................................
29
>Ilenjamln Abdala Júnior
. FlordinandDenis, leitor de Camões
., ..............................45
..........................
.R,'gir.laZilberman
Título: Lugares da Lusofonia.
Actas do Encontro Internacional
Camões - protagonista de um romance Húngaro Décimonónico
............
61
<I'I""'''' Pál
Organização: Petar Petrov
Edição: Edições Colibri
Capa: Dept." Gráfico da Colibri
Depósito legal D.· 306 503/10
Lisboa, Outubro de 20 I O
História de uma Paixão
............................................................................
73
Cristina Robalo Cordeiro
o grande segredo da literatura
............
,.................................................... 79
Teresa Cerdeira
Obra publicada com o apoio da
FCT
-
Fundação para a Ciência e a Tencologia
Fantástico e Onírico el)l Urbano Tavares Rodrigues:
o caso de Filipa Nesse Dia.:
.
...................
Ana Alexandra Seabra de Carvalho
.....................................
.
.........
:.85
XVI:
.
em Roma no século
cisco de Sá de MIranda
Fran
de
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V
'iortu
A figura do pastor na poesia de Eugéuio de Andrade ............. .........
João Min�oto Marques
Mercados para a literatura brasileira ............................................ , .
M Carmen Villarino Pardo
..
.
".. ..>
.
o Realismo mágico-maravilhoso de Mia Couto ............................ .......
Petar Petrov
Neologia semântica: aspectos culturais e sociais de um novo termo
Sebastião Silva Filho
o Lugar dos provérbios na lnsofonia ........................................... :
Helena Rebelo
dos outros"
.
.
...............
. 1
..
.
199
................................................................................................
207
......
Ladislau III de Varna - um rei polaco refugiado na Ilha da Madeira
(século XV). Mistério do Cavaleiro de Santa Catarina em pinceladas
históricas
Anna Kalewska
. ... . ..... . . . ...........·.·············
........ .
..............
·····················
.
....
..
237
..
253
·········
263
...................... 279
s secas, do livro ao filme
,re'pr,es<mtaç<;es e o real: Vida
...
..
............
matográficos
nos discursos literários e cine
..
...
.....
Presenças da língua portuguesa na produção científica na Internet
Raquel Bello Vázquez
.
,rnrl,O
José Paulo Pereira
Acerca de algum vocabulário do Arquipélago da Madeira
.............. 229
...............
ugal dos Estrangeirados
dos Estrangeiros e o Port
de Carvalho
.' Firmino de A�drade
.
Mia Couto - a escrita e o outro da língua..............................................
Lucília Chacota
fonia
�. gI'O e inspiração da Luso
de desterro, relU
lves
H.nr;,C/"," Ribeiro Gonça
..
.....................
291
Mercados para a literatura brasileira
M. Carmen Villarino Pardo
Grupo GaI.bra-Universidade de Santiago de Compostela
Em
1977, no meio de manifestos pedindo o fim da ditadura, a revista
É (5/1 0/77)
publica a mauchete: "Todos amam Gabriel. Mas há
}
outras, além dela. Nossa literatura começa a se mostrar ao mundo" .
Essa ideia aparece na altura do I Encontro cOm a Literatura Bra­
Isto
sileira que tem lugar em São Paulo, em Setembro de
77, justamente um
ano depois de Carmen Balcells ter iostalado a filial da agência dela no
Rio de Janeiro e de o Governo do Rio Grande do Sul e a Prefeitura de
Porto Alegre terem organizado os Encontros Cultur 76 e Cu/tur 77.
A dimensão que este encontro de São Paulo adquiria era a de abrir
uma janela para a literatura brasileira no exterior. A iniciativa deveu-se à
Câmara Brasileira do Livro - CBL - (presidida por Mário Fittipaldi), sob
o patrocínio da Secretaria de Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado e
da Secretaria Municipal de Cultura. O objectivo era mostrar aos editores
estrangeiros convidados (procedentes da Alemanha, EUA - vieram
menos do que os esperados -, Uruguai, México, Itália, França, Espanha -
estas duas delegações foram as mais numerosas -...) as propostas especí­
ficas dos textos brasileiros que podiam ter projecção no mercado interna··
cional.
Segundo a escritora Edla Van Steen (um dos membros da comissão
organizadora, de que também fazia parte Lygia Fagundes Telles), era a
primeira vez na história da literatura brasileira que os escritores se reu­
niam "num esforço comum para romper a barreira que os separa do mUfl-
1
Artigo de Maria da Paz Rodrigues e Paulo Moreira Leite.
.
115
Lugares da Lusofonia
Mercados para a literatura brasileira
do Bra­
do exterior e apresentar todo o trabalho que aqui se faz" (Jornal
claro,
os
bastante
parecia
objectivo
o
s
brasileiro
os
.para
Se
.
sil, 27/9/77)
saber bem
sem
ados,
desorient
Brasil
ao
chegaram
ros
estrangei
editores
e
qüais eram as intenções do Encçmtro. VinhaD? para ouvi� . f?ram-se
em
lnsIstIam
que
Jovens
emborá com vários manuscritos de escritores
ou
menos
mais
contratos
"cortejá-los" para que os conhecessem, com
a entes
prontos entre escritores jã consolidados2, com acordos com os �
sent
no
es
el
por
do
assin�
manifesto
um
.tdo de
literários presentes, e com
.
, , s e pedIrem o
brasIleIro
Is
intelectua
dos
situação
a
com
se solidarizarem
os .autores hispanoamericanos de lingua espanhola, que despertaram o
interesse do mercado europeu e dos Estados Unidos)' na tentativa de alte­
I14
fim da censura.
3
.
.
Um dos editores presentes, o da espanhola Alfaguara - JaIme Sah­
nas -, resume bem, através das suas impressões, os resultados do Encon­
tro. Segundo ele, o erro foi que, "desgraçadamente, esperavam-nos como
salvadores messiânicos da literatura brasileira: procuravam a gente com
manuscritos, enfiavam papéis, fotografias, pela porta do apartamento. Isso
reflete uma confusão total" (Folha de S. Paulo, 30/9/77).
Estes editores. estrangeiros ficaram impressionados com tantos
s
nomes, com as polémicas que se levantaram sobre outros participant�
que deviam lã estar, e nem puderam .dar a esperada atençao aos depOI­
_
mentos dos escritores, críticos e professores presentes4.
Inconscientemente, os nacionais tinhanl a esperança de que se pro­
duzisse um boom literârio exportãvel (como sucedera uns anos antes com
home� procurado - por
de Murilo Rubião, que se converteu
, no
ress
escrItor
um
Sou
ido.
�s�ltado há pouco,
todos: "fiquei meio surpreend
para ser
estava tão habituado a ser um escritor secreto. Se eu espereI trmta anos
Paulo,
S.
de
Folha
(
é?"
não
editado não era agora que ia correr,
e
E também Nélida Piiion, uma autora que, segundo pubhcam os Jornais
no
obra
sua
a
mais
,divulgar
para
revistas, já não precisava deste encontro
Isto E,
estrangeiro (O Estado de S. Paulo,
2 Especialmente
1/10/7?). .
29/9/77;
3
4
5/10/77).
Clarice
Esta editora já publicara em espanhol obras de Guimarães Rosa,
de Tebas do
Lispector e Osman Lins; e em
-publica a tradução espanhola
meu coração. de Nélida Pifion.
1978
Autran
Entre eles: Clarice Líspector. Nélida Pifion. Otto Lara Rezende,
Torres,
Antônio
Filho.
Adonías
Fonseca.
Rubem
Callado
Antônio
Dourado
Maria
Ignácio e Loyola Brandã , Gerardo de Mello Mourão, José Lo,.uzeiro,
Ang�lo,
Ivan
Telles,
Fagundes
Lygía
Gullar,
Ferreira
Barroso,
Alice
hterárla de
Novaes Coelho (que destacou a importância mundial da prqdução
pas�av� ,o
que
por
momento
bom·
do
(falou
Lucas
Fábio
autoria feminina),
hterana
produção
da
conto brasileirO), Leo Gilson Ribeiro (referiu a situação
d
brasileira), etc.
�
�eny
rar un1 quadro negativo, pois nem o mercado interno nem o extemo6
eram, "ao naturaI, receptivos à produção literária brasileira" (CremilCla
.
Medina, "Escritores na conquista do grande mercado", O Estado de
S Paulo, 4/9/77).
Alguns convencidos, como o crítico Leo Gilson Ribeiro, não acei­
tavam "que os editores estrangeiros venham aqui qetrás de um 'baú de
exóticos', do tipo de Gabriel Garcia Mârquez" ("Uma criação ilhada que
o mundo não pode desconhecer", O Estado de S. Paulo, 4/9/77).
E, no final do encontro, houve matérias do tipo deste título de Cícero
Sandroni, "Vinte autores nacionais serão traduzidos no exterior. Valeu a
pena?" (Jornal do Brasil,
8/1 0/77); ou exemplos como o do editor da
revista mexicana El Cuento, Edmundo Valadés, que vinha publicando
uma média de três autores brasileiros por número nos últimos dois anos,
que comentou: "Com o Encontro estou mais interessado nos brasileiros
ainda. Jã levo contos de Rubem Fonseca, Murilo Rubião e Nélida Pifion"
("Fim da maratona dos escritores. Otimismo", Folha de S. Paulo,
1 / 10/77). Afinal de contas, os mesmos nomes, aqueles que jã tinham um
percurso consolidado.
Apesar da distância temporal, as queixas continuam sendo parecidas
neste início do sécnlo XXI, ainda que, na opinião da editora Luciana
Villas-Boas, da Record - um dos grupos editoriais com maior peso no
sistema Iiterârio brasileiro actual - cada vez haja mais leitores para a
literatura brasileira no Brasil (2008)".
Apesar de os dados da pesquisa Retratos da leitura no Brasil- feita
pelo Ibope para o InstitUto Pró-Livro (pesquisa pnblicada no livro do
5
·
Nélida Pmon foi talvez a única escritora que tentou siste atizar as principais
causas da "defasagem dos brasileiros em relação aos latino-americanos" (O
Estado de S. Paulo,
e falou "sobre os motivos que levaram a cultura
brasileira a ser ignorada por outros países. (...)" ("Depois da briga, novo rumo",
Folha de S. Paulo,
�
2/10/77)
975,
28/9/77).
.
6 Em ]
Assis Brasil ("América Latina: a literatura do exflio", Escrita i,
ano 1, pp.
queixara-se do desequilíbrio entre o número de textos
hispanoamericanos traduzidos no Brasil e os textos brasileiros "exportados"
12-13)
para o resto da América Latina; sem falar de outros mercados. como o dos
Estados Unidos e o europeu.
7 ln I Encontro Internacional de Pesquisadores Estrangeiros em Literatura
Brasileira. Conexões, Itaú Cultural, São Paulo,
16-19/12/2008.
Mercadós para a, literatura brasi leira
'
de S�o
mesmo nome, com a parceria da Imprensa Oficial do Estado
respons
aqueles
para
s
�vels
melhore
os
Paulo, 2008) - não serem ainda
reltera­
em
aparece
tema
o
(e
como
os
objectiv
por inStituições qu� visam
ão d� um
daã oCB;siÕes) 'a construção de um país leitor' - ou 'a construç
mter­
mercado
o
11),
Brasil leitor', p. 10 - 'por uma nação de leitores', p.
período
No
sectores.
nalguns
no parece ter-se consolidado, pelo menos
es de
entre 1998-2002 verifica-se que continua o incremento de publicaçõ
editoras
as
entre
imento
desaparec
e
criação
de
taxa
textos e uma elevada
. (Lindoso, 2004: 103).
.
Trabalhos como este Retratos da leitura no Brasil estudam a situa­
ção da leitura no país e, em boa medida, avaliam medidas políticas inter­
nas (sobretudo derivadas da Lei do Livro de 2003). Continua havendo
problemas e, na opinião de F. Lindoso, verifica-se como pontos frágeis da
indústria editorial brasileira actual que,
os problemas de distribuição em um país de dimensões continen­
tais não foram resolvidos; a sociedade brasileira nunca teve um
movimento que incorporasse as bibliotecas como elemento funda­
mental de sua organização, como houve em outros países; algumas
das dificuldades e contradições de indústrias editoriais maiores já
se instalam no Brasil sem que problemas fundamentais tenham si­
do resolvidos.
(2004: 107)
De entre as tendências que se consolidaram nos finais do século XX
e nos primeiros três anos do presente século no mercado editorial brasilei.
ro, Lindoso indica:
I) o
processo de concentração empresarial e o aumento da participa­
ção de empresas estrangeiras (a consolidação do grupo Record como o
maior
grupo
editorial
de obras gerais8; grupos como o americano
Thomson - em livros técnico-científicos e de informação empresarial - e
i17
2) a organização de pequenas editoras, sobretudo na área de livros
ger��s e. infanto-juvenis� numa associação para desenvolver estratégias
.
comuns de marketing (Liga Brasileira de Editoras ...: Libre);
�)'a importância crescente dos chamados 'sistemas' ("�pos empre�
.
sanaIS que desenvolvem projetos integrais ,de administração, metodolo­
gia, treinamento e fornecimento de materiais didáticos para escolas parti­
culares" - Lindoso, 2004: 101).
A radiografia que Retralos da leitura no Brasil (2008) mostra esta­
belece perfis de leitores, significado da leitura para eles, influenciadores de
leitura, frequências, preferências e motivações dos consumidores (incluídos
génetos. e escritores brasileiros, assim como livros mais 'importantes' para
os leitores - mostrando-se a Bíblia como o primeiro e mais marcante) ...
Um dos dados refere-se à leitura de livros em outros idiomas, sendo que
87% dos leitores declaram não ler noutra lingua e, dos restantes 13%, 95%
(8 milhões) lêem em inglês, 5% (4,9 milhões) lêem em espanhol
e 1% em
francês e italiano (sendo esta a quarta lingua).
Não aparecem nesse estudo dados relativos a fenómenos como as
Bienais do Livro (e não apenas do Rio de Janeiro e de São Paulo) e das
diferentes feiras literárias que proliferam no país a partir do sucesso da
Flip (Feira Literária Iritemacional de Paraty, iniciada em
2003) - os
cha­
mados, de modo coloquial, "filhotes da Flip" - e, com maior dimensão
histórica e tradição, da Feira do Livro de Passo Fundo.
Esse tipo dy.-�squisas mostra aspectos do mercado interno brasilei­
ro, como é es
�ct�\rel,
dados, em parte, de m.ercados internos para o.
mercado editoriàl1Jrasileiro, mas não temos ainda esrudos que analisem
os resultados das políticas de investimento na indústria editorial brasileira
no exterior. Esses dados mostrariam um perfil dos outros mercados e das
motivações, preferências� etc.� dos consumidores de literatura brasileira
os grupos espanhóis Santillana - na área de livros didácticos - e Planeta­
no exterior.
estratégias);
agentes e infonnantes, tentaremos ver, como esboço de uma pesquisa que
colecções de livros de banca de jornal, que ganham espaço, defmindo
Se um projecto como este precisar de uma rede muito complexa de
pretendemos posteriormente ampliar, quais poderiam ser os traços desse
retrato da presença (não da leitura, neste caso) da literatura brasileira no
exterior, três décadas depois daquela mostra da Feira de São Paulo em 1977.
8 "Comprou a Civilização Brasileira e a Bertrand Brasil, que tinha também o selo
Difel reativado, e, posterionnente, a José Olympio. Além disso, passou a
desenvolver novos selos, com atenção para segmentos especificos do mercado
editorial - Nova Era, na linha dos esotéricos, e Rosa dos Tempos, para o
público feminino" (Lindoso, 2004: 97).
Em sintonia com esse tipo de eventos, encontramos - há alguns anos
- as iniciativas privadas de agentes literários, entre eles o norte-o
-americano Thomas Colchie e o da agência de Carmen Balcells, instalada
no Brasil em 1976, e cujo slogan na Feira de Frànkfurt desse mesmo ano
foi "Conheça a literatura brasileira", que contribuíram para. uma
presença de detenninados produtores literários nos mercados europeus e
118
Lugares da Lusofonia
Mercados para a literatura brasileira
norte-americanos nos inícios da década de 1980, ainda que sem muita
continuidade�
'
. Combinadas com essas medidas empresariais aparecem iniciativas
posteriores de órgãos públicos, sobretudo a partir da Feira de Frankfurt
em 1994 - em que o Brasil foi país convidado de honra -, onde
encontramos destacadas presenças da produção literária brasileira como
produtos culturais que n,presentam o pais.
O sucesso mediático desse tipo de propostas é indiscutível, mas, por
vezes, o efeito,_é o de um comprimido que evita uma noite de insónia e
não o de uma oportunidade que provoque outros efeitos secundários posi­
tivos ou, pelo menos, :visíveis. e que vise as causas e o processo que está
por detrás. Se autoridades brasileiras vinculadas à Câmara Brasileira do
Livro (CBL), ao Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), ao
Ministério da Cultura ou ao Ministério de Relações Exteriores decidem
que se trata de um investimento para mostrar apenas a presença e não
. para investir em outras acções que desta derive1'l1, estarã<? - em minha
opinião - rentabilizando pouco a hipótese de converter um bem cultural,
como podem ser os produtos literários, em ferramentas activas que cha­
mem a atenção para a indústria do livro, que consigam exportar um pro­
duto que, não sendo o sabonete de cupuaçu, concorre com muitos outros
produtos 'nacionais' em fóruns e feiras desse tipo e que fomentem
também uma série de ideias sobre o Brasil.
Da Feira de Frankfurt, por exemplo, saiu, na Alemanha, uma extensa
. e pormenorizada bibliografia da literatura brasileira nunca antes traduzida
para alemão. Uma iniciativa útil na opinião de tradutores como Bertold
Zilly. Na Alemanha, como indicou em Outubro de 2006 a falecida e
conhecida agente literária Ray-Güde Mertin,
em 1994, quando o Brasil foi país-tema da Feira de Frankfurt, ain­
da conseguimos realizar um número considerável de lançamentos,
mas posteriormente o interesse caiu. É uma situação estreitamente
ligada ao mercado editorial, que também mudou muito. [. ·l,
(http://www.dwworld.deldw/article/O.2144.2191 152.OO.html).
119
pifion e Paulo Coelho), no Salão· do Livro de Paris em 1998, na Feria
Internacional dei Libro de Guadalajára em 2001 , na 14.' edição da Feria
Internacional deI Libra de la Habana em 2005. A literatura brasileira
mereceu igualmente honras especiais de convidada no Ano do Brasil na
França em 2005 e em eventos como a Copa da Cultura na Alemanha
2006, a 27.' Feria Internacional dei Libro de Santiago (Chile) em 2007 e,
no ano de 2009, a XII Feria Internacional dei Libro de Santo Domingo
. (República Dominicana).
Para além desses destaques, a participação do sector editorial brasi­
leiro neste tipo de feiras internacionais (sobretudo do hemisfério norte), é
cada vez maior. De facto, na última feira de Frankfurt (60.' edição), em
Outubro de 2008, para além de polémicas sobre a chegada atrasada dos li­
vros ao stand ou da presença ou não do ministro interino da Cultura na­
quela altura - Juca Ferreira - na homenagem ao escritor Paulo Coelho,
por ter atingido os 100 milhões de livros vendidos', o facto foi que 43
editoras brasileiras estavam presentes na Feira, com o ,maior stand nunca
antes ocupado e Gom 6400 livros para expor (1800 títulos), neste evento
organizado pela Câmara Brasileira do Livro.
Esta Feira foi a primeira para algumas das editoras beneficiadas pelo
acordo entre a Agência brasileira de promoção de exportações e investi­
mentos (Apex) e a Câmara Brasileira do Livro para "promover a expor­
tação de direitos autorais'\ com o objectivo, segundo o director executivo
da CBL (Eduardo Mendes), de que "o Brasil passe a ex ortar mais a sua
�
literatura" (Scul1ly, 1 711 0/08). O convénio, Brazil Rights 0, vai investir ao
longo de dois anos 1,5 milhões de reais na preparação de editoras brasi­
leiras para vender direitos autorais para o mercado mundial (algumas
delas já participaram de seminários nesta linha e por isso já foram a
Frankfurt em 2008). A editora Cosac Naify é um dos exemplos: apresen­
tou um catálogo de 43 títulos que mostram a diversidade da editora e, ao
mesmo tempo, exibiu a sua produção no stand da sua distribuidora
.
Isto depois de, durante os anos 80 e nos inícios da década seguinte, se
terem publicado, na opinião dela, 'um grande número de escritores brasi­
leiros na Alemanha' .
A Frankfurt 94 seguiu-se uma presença da literatura brasileira como
convidada de honra em Liber 9 7 - em Madrid - e Liber 98 - em Barce­
lona (com destaque, sobretudo, para a obra de Clarice Lispector e a
presença, entre outros, de Zira1do, Cony, Lygia Fagundes Telles, Nélida
9
Para além de receber um Livro Guinness dos Recordes Mundiais especial pelo
seu romance O Alquimista, como o mais,traduzido no mundo.
10
"Mais de 6 mil livros deveria� ter chegado antes de segunda, mas fica,am
retidos em Madrid, segundo a Câmara Brasileira do Livro. De 43 editoras, 19
man?aram a literatura através de um convênio entre o CBL, Sindicato
NaclOnal de Editores do Livro e Governo Federal"":" essa ação foi divulgada
como a �primeira grande ação do convênio para a difusão do livro brasil�iro
no mercado internacional" (Fabíola Scul1y, www.oglobo.com. 17/1012008).
Mercados para a literatura brasileira
Lugares da Lusofonia
120
. europeia (a catalã Gustavo Gili), com destaque para os livros de arquitec­
l
tura e design l. A Rocco, para citar outro caso, fechou negócio com edito­
ras portuguesas para a edição de livros de Adriana Lisboa e Thalita Re­
bouças e vendeu, para o mercado espanhol e francês, a obra de Adriana
Lunardi.
Como sabemos, a essas feiras, os expositores acorrem mais para
comprar direitos de autores internacionais do que para vender os daqueles
que publicam. Vão à procura de títulos que se convertam em sucessos de
-vendas no Brasil, e esse ainda é o seu principal objectivo e negócio: com­
prar e não vender.
Para mudar em parte essa situação e incrementar a venda de títulos
para O exterior, o direCtor executivo da Nova Fronteira, Mauro Palermo­
que. também ia comprar, e em menor medida vender -, reclama uma maior
participação do governo, sobretudo através de "subsídios para a tradução
e a promoção de seus livros e escritores no exterior. O Brasil não faz isso
:
o que dificulta a proliferação dos autores brasileiros fora do Brasii'
.
(Carneiro, 2008).
O escritor Milton Hatoum, com livros traduzidos nos Estados Uni­
dos e na Europa, numa entrevista recente .no portal do Itaú Cultural recla­
ma
�am?ém
uma intervenção parecida. Apesar de extenso, parece-nos
eluCltadlvo um trecho da entrevista:
- O português é um idioma que atrapalha a inserção internacional
de um autor?
- Sim. Porque é uma língua pouco conhecida, falada e estudada.
Há poucos departamentos de português nas universidades america­
nas, por exemplo.
algumas capitais da Europa e nos Estados Unidos, para divulgar a
. literatúra clássica brasileira e o trabalho de autores contemporâ­
neos. Isso já começa a ser feito em algumas cidades"Algumas em­
baixa4as já estão fazendo isso12. (www.itaucultura1.org.br. "Por
uma política da língua", 12/12/2008):
EsseS ínvestimentos em tradução das obras brasileiras para outras
línguas é um assunto que está em cima da mesa neste tipo de encontros e
'eventos . de modo constante, como aconteceu também no encontro recente
Conexões-Mapeamento da literatura brasileira no Exterior, organizado em
Dezembro de 2008 pelo Itaú Cultural. A presença de críticos literários, de
éditores, de tradutores e de professores de literatura brasileira no exterior
mostrou que é preciso uma política continuada para manter a presença da
literatura brasileira e que o crescimento de núcleos de estudo do português,
em países como a Argentina, está favorecendo uma ampliação do mercado
editorial brasileiro neste país. De facto, nas palavras de Bernardo
Gurbanov, vice-presidente da Câmara Brasileira do Livro em 2006, a pro­
pósito da participação da CBL na Feria dei Libro de Buenos Aires
o mercado de obras brasileiras traduzidas para o espanhol está
crescendo, o que favorece a oportunidade de negócios aos profis­
sionais. O apoio da Embaixada, o aumento de bolsas para autores
de nosso país, além do crescimento de aulas de literatura brasileira
nos cursos de Letras, são alguns dos motivos para este panorama
(www.cbl.org.br/content.php?recid=371 6&type=N.
significativo.
08/112009)
É a visão oficial de um dos agentes responsáveis por essas políticas
culturais.
- E você acredita que esse cenário pode mudar em pouco tempo?
- Só se houver um investimento em uma política da língua. Uma
política cultural que contemple a literatura brasileira. A Espanha
tem o Instituto Cervantes, que conta com uma presença muito forte
no mundo todo; Portugal tem o Instituto Camões... E eu já falei
certa vez que o Brasil merece um Instituto Machado de Assis em
O mercado argentino, através de editoras de Buenos Aires foi histo­
n: brasileira
ocamente - e continua sendo - uma boa entrada da literatu
em espanhol. Cuba, através do Prémio para a literatura brasileira 'Casa de
las Américas', foi também um espaço legitimador no exterior para a pro­
dução literária brasileira. Mas é o mercado mexicano e a Feria Interna­
cional
11
.
'
Em palavras de CassIano Elek Machado director editorial da Cosac Naify
\\pr� t� nd�mo� comprar algo, e queremos t ntar vender, mas a nossa pr�sença
maIS mstltuclonal. Elaboramos um folheto em inglês com 40 páginas no qual
apresentatJ?-0s al�as dezenas de títulos", diz Machado. \IA intenção é de­
mon�trar mternaclOnalmente a �orça e variedàde do nosso catálogo e a
quahdade gráfica dos nossos hvros" (htttp://www l.folha.uol.com.br/folha/
publifolhafult1 003 7u321364.shtml)
�
121·
é
dei Libro de
Guadalajara, criada em 1987, um dos melhores espa­
- se não o melhor - para a divulgação de determinados produtos edi­
,t,)tJlUS brasíleir os. "O México, (... ), é um tradicional mercado comprador
didáticos brasileiros", afirma a presidente da CBL, Rosely Bos-
\?'�tl;,�:,,:�: :,fO' i escritor residente em Stanford, Yale, Berkeley, na França e na
122
Lugares da Lusofonia
Mercados para a literatura brasileira
�hini. A Feira abre portas para o mercado mexic.ano, m�s também, e CO�
Feitas ou Salões do Livro. São os casos até agora mais conhecidos. e as
di �âmicas mais habituais, juntamente com a presença esporádica em
.
eventos, como os indicados e, mais recentemente, em convénios específi�
CDS p aia·o �ector13. Assim, temos, até agora, a sensação de que as autori­
dades governamentais responsáveis ainda não se aperceberam da impor­
tãncia de uma acção cultural continuada no exterior e da rentabilidade
mo já se vem indicando nas diferentes participações do Brasil nesta feira,
"é-'um centro de referência e de aquisições para bibliotecas norte-america­
nas e canádianas, mnitas delas situadas em áreas de forte presença hispâ­
nica e lusófona", afirma R. Boschini (http://www.revistafator.com.br/
ver noticia.php?not=60625). Em 2008 também se incentivou a participa­
çã; de mais editoras brasileiras através do convénio da Apex com a CBL
(980 títulos, 1750 exemplares).
Em 2001, o director geral da Global Editora, Luiz Alves Junior des­
tacava já a participação do SNEL e da CBL em feiras de livros como uma
das actividades importantes do ano e afirmava: "O Brasil já sabe vender
aço e frango e está aprendendo a vender uma imagem editorial, o que é
muito bom" (www.snel.org.br).
A pergunta poderia ser se hoje existe já uma marca que se detecte a
nível internacional como 'made in Brazil' para a literatura brasileira - do
mesmo modo que existe para outros produtos culturais como a música ou,
mais recentemente, o cinema - ou, como parecem indicar alguns editores,
funciona mais o nome concreto de um escritor ou escritora e não tanto a
origem colectiva. Na opinião, por exemplo, da editora francesa, Anne­
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acções recentes como as da Apex mostram, e que as declarações do
( interino) de Cultura na inauguração, da última feira de
t, Alfredo Manevy, parecem � no mínimo teoricamente - apontar
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caminhos e para o avanço de propostas de 'venda do Brasil no
,Ytiér;,nr'. Segundo Clelia Araújo "O mercado editorial precisa aproveitar
t,,;:.= espaços de conexão de venda, de licenciamento de direitos autorais,
que isso possa gerar divisas e receit8:s para o Brasil" ("Feira do Livro
Frankfurt", 17110/2008). Ela insiste nesse lado económico derivado de
"')':i!i:ç,õe,. de planificação cultural através do mercado editorial, ao indicar:
O Brasil na Feira é uma importante ferramenta para a soberania do
país, para a língua portuguesa, para a valorização dos autores brasi­
leiros e também para ampliar o acesso à leitura, no Brasil e no
- Marie Métailié (responsável pelas Éditions Métailié): 'o livro pratica­
mundo. (C. Araujo, 17/10/2008).
2008), referindo-se às preferências do mercado francês em relação a
Leituras políticas das políticas do mercado editorial...
mente existe só se o escritor pode falar, pode se mostrar' (Itaú Cultural,
textos de autores brasileiros jovens, autores que 'se possam mostrar em
123
entrevistas para a mídia ou em encontros' .
Com um mercado editorial brasileiro dinâmico e, cada vez mais
assumido como uma, parte importante da indústria cultural brasileira, che­
gava no mês de Novembro de 2008 a Madrid a iniciativa Projeto Talento
Brasil para promover três dos sectores mais pujantes da indústria cultural
'ÀÍlJORllvl,
Galano (org.) (2008). Retratos da leitura no Brasil. São Paulo:
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do Brasil: o audiovisual (cinema independente, cinema publicitário e for­
matos televisivos), o musical e O editorial. (http://br.noticias.yahoo.coml
sI11112008/40/entretenimento-projeto-talento-brasil, 2/12/2008).
A mostra, organizada' pela Agência Brasileira de Promoção de
Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), tinha como objectivo, na opi­
nião do coordenador da Unidade de Imagem e Acesso a Mercados da
Apex-Brasil, Juarez Leal, "posicionar a 'marca Brasil' em nível mundial"
(ibidem).
Em nossa opinião, esta é das poucas vezes em que o Brasil, se p�si�
ciona deste modo no exterior, em relação ao mercado editorial. Em geral,
conhecemos iniciativas que nos levam a encontrar escritores participando
em programas como visitantes através de Embaixadas, Fundações, Uni­
versidades, Associações de escritores, etc. e, sobretudo, em eventos como
ex:emplo é a recente participação de praticamente vinte
editoras brasileiras
dos eventos internacionais mais importantes dedicado
s ao sector de livros
,;Inf:mtis e juveIÚs: a Feira do Livro para Crianças de
Bolonha (Itália). Na
com o apoio do convénio Brazilian Publishers, assinado
entre
e a CBL, a participação brasileira na Feira de Bolonha
. . . .
ganhou
VISIbIlIdade: um stand com o dobro de superfíc
ie do da edição anterior,
de um projeto de comunicação visual mais
moderno e atraente. Ao todo,
\8."<1i:1 0fllS brasileiras irão apresentar
um catãlogo com mais de
titulas,
exemplares"
(www.revistafator.com.br/ver_noticia.
2009,
�:��:�;o 6i2).132
0
1000
124
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ARAÚ�O,
Clelia
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