“l`amitié et l`amour” de sigismund neukomm
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“l`amitié et l`amour” de sigismund neukomm
RAÍ BIASON TOFFOLETTO “L’AMITIÉ ET L’AMOUR” DE SIGISMUND NEUKOMM ESTUDO, TRANSCRIÇÃO E INTERPRETAÇÃO DA OBRA. CAMPINAS 2010 RAÍ BIASON TOFFOLETTO “L’AMITIÉ ET L’AMOUR” DE SIGISMUND NEUKOMM ESTUDO, TRANSCRIÇÃO E INTERPRETAÇÃO DA OBRA. Monografia apresentada como relatório final do projeto de Iniciação Científica financiado pela agência FAPESP. Orientadora: Profa. Dra. Helena Jank CAMPINAS 2010 ii AGRADECIMENTOS À Profa. Dra. Helena Jank, por todos os ensinamentos durante a orientação deste trabalho e pelas constantes conversas que elucidaram vários pontos sobre execução e interpretação musical e pesquisa acadêmica. À FAPESP: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, pela concessão de subsídio para a realização deste trabalho. Ao Prof. Dr. Pedro Aurélio Persone, pelos ensinamentos de estilo e da execução em fortepianos e por gentilmente dispor sua casa e seu instrumento para a gravação da obra. À querida Giulia da Rocha Tettamanti, pela paciência de sempre ler e apontar as falhas na redação do texto e pelo companheirismo e apoio dado durante esta pesquisa. Ao Prof. Ms. Cassiano Barros, pelas conversas e palestras que ajudaram na análise musical, à Profa. Dra. Maria José Carrasqueira, pelo acompanhamento e interesse no trabalho e aos pesquisadores Profa. Ms. Mayra Pereira e Prof. Ms. Adriano de Castro Meyer, por disponibilizarem prontamente seus trabalhos. iii LISTA DE FIGURAS Figura 1: Sigismundo Neukomm, Biblioteca Nacional da França (p. 1). Figura 2: Mayra Pereira, Mecânica Vienense de Fortepiano (p. 15). Figura 3: Mayra Pereira, Mecânica Inglesa de Fortepiano (p. 15). Figura 4: Bernard Viguerie, Tabela de Trilos (p. 19). Figura 5: Bernard Viguerie, Tabela de Appoggiature (p. 20). Figura 6: Bernard Viguerie, Tabela de Appoggiature (p. 21). iv SUMÁRIO 1 Introdução 1. Contextualização 1.1. Sigismund Ritter von Neukomm 1.2. Os Fortepianos no Rio de Janeiro e a sua Execução 3 13 2. A Obra 2.1. A Transcrição 23 2.2. Análise da Obra 28 2.3. Gravação 48 50 Bibliografia Anexo I – Fotocópia do manuscrito da obra. Anexo II – Transcrição da obra. Anexo III – Gravação da obra v Introdução Sigismund Ritter von Neukomm foi um célebre músico austríaco do classicismo. Nascido em Salzburg em 1778, foi aluno muito estimado de Joseph Haydn, se tornando um de seus prediletos. Portador do título de Cavaleiro da Legião de Honra da França e dentre outros, Neukomm viajou muito e residiu em diversos países da Europa, Norte da África e Brasil, onde permaneceu de 1816 a 1821. Figura 1. (Acervo da Biblioteca Nacional da França) O compositor exerceu intensa atividade musical durante a sua estadia em nosso país, sendo de grande importância para o desenvolvimento da música 1 realizada na corte do Brasil no início do séc. XIX. Suas composições no período brasileiro totalizam sessenta e nove obras, sendo que cinqüenta e uma delas são de caráter instrumental. Este projeto contempla a obra para fortepiano “L´amitié et l´amour”, escrita por Neukomm no Rio de Janeiro em 1820. A obra encontra-se hoje disponível apenas em seu manuscrito, preservado no acervo da Biblioteca Nacional da França em Paris. Iniciamos a nossa proposta de uma interpretação historicamente orientada com a transcrição do manuscrito da obra em computador, necessária para facilitar a leitura e a compreensão do texto musical. A partir da nova partitura realizamos a análise e o estudo interpretativo desta obra. Paralelamente, pesquisamos sobre a vida do compositor e sobre a música e instrumentos presentes nesta época na corte do Rio de Janeiro. Concluímos o estudo com a gravação desta obra em um fortepiano e a registramos em formato de Áudio-CD. O instrumento utilizado é uma cópia de um Broadwood, modelo encontrado em abundância no Rio de Janeiro durante o início do séc. XIX. Nosso objetivo é disponibilizar ao intérprete brasileiro de teclados (Cravo, Fortepiano ou Piano) uma obra singular até então desconhecida no repertório, de um prolífero compositor ainda pouco explorado pelos intérpretes e musicólogos. 2 1. Contextualização 1.1. Sigismund Ritter von Neukomm A presente biografia tem como propósito apresentar, rápida e concisamente, a vida do compositor. Para tal fim, baseamos-nos nos trabalhos de Beduschi 1, Araújo 2 e Azevedo 3, os quais devem ser consultados para um estudo mais detalhado. As informações acerca da vida de Neukomm são obtidas através de três fontes primárias: seu Catálogo de Obras, escrito por ele a partir de 1804 e constantemente atualizado durante sua vida; suas Cartas, conservadas em Paris e Viena (Bibliothèque Nationale de France e Wiener Stadtbibliothek); e seu Esquisse Biographique, uma autobiografia escrita ao final de sua vida em publicada postumamente por seu irmão em três partes na revista La Maîtrise, entre novembro de 1858 e março de 1859. Sigismund Neukomm nasce em 10 de julho de 1778 em Salzburg, Áustria, em uma casa vizinha àquela que Mozart nascera vinte e dois anos antes. Sigismund é o primogênito de quinze filhos do casal David Neukomm e Cordelia Riederen. Com a idade de cinco anos já está alfabetizado por seu pai, professor reconhecido em Salzburg. À idade de sete, inicia seus estudos musicais com Franz Xavier Weissauer, organista da Catedral de Salzburg e seu parente pelo lado materno. Dos seus oito aos BEDUSCHI, Luciane. Sigismund Neukomm (1778-1858): Sa vie, son œvre, ses canons éniguimatiques. Tese (Doutorado em Musicologia) - D.E.A. d'Histoire de la Musique et Musicologie, Université de ParisSorbonne (Paris IV), Paris, 2008. 2 ARAÚJO, Mozart de. “Sigismund Neukomm, Um músico austríaco no Brasil”. In: Revista Brasileira de Cultura, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, 1969. 3 AZEVEDO, Luiz Heitor C. de. “Sigismund Neukomm, an Austrian Composer in the New World”. In: The Musical Quarterly, Oxford, v. 45, n. 4, 1959. 1 3 dezoito anos, o jovem Neukomm estuda na Universidade de Salzburg, na qual ocupa os cargos de Organista da Igreja e correpetidor dos coros da universidade. Neste meio tempo tem aulas com Michael Haydn, cuja esposa é parente de sua mãe, e que recomenda ao jovem ter aulas em Viena, com seu irmão Joseph Haydn. Sigismund chega a Viena em março de 1797 e se torna pupilo de J. Haydn, com quem estuda durante sete anos consecutivos e desenvolve uma relação próxima e paternal, o que, segundo Araújo, “levou Haydn a declarar certa vez que dos seus alunos o maior era Beethoven, porém o pre-dileto [sic] era Neukomm“ 4. Em maio de 1804 parte para São Petersburgo. É nomeado Mestre de Capela do Teatro Alemão, onde compõe sua ópera Alexander am Indus, estreada no dia da coroação do Imperador Alexandre. A Imperatriz Mãe o acolhe em sua corte, mas devido ao grande trabalho e a notícia da morte de seu pai, Neukomm cai gravemente enfermo, o que o leva a se mudar para Moscou em dezembro de 1805. Na Rússia recebe a nomeação de membro da Sociedade Real de Música de Estocolmo e da Sociedade Filarmônica de São Petersburgo. Neukomm decide, em junho de 1808, voltar à Áustria, onde visita diariamente seu “adorado pai Haydn” 5. Em seu Esquisse, Neukomm nos conta o estado emocional em que se encontrava seu grande mestre, então com setenta e sete anos: [...] ele conservara toda sua memória e sua amabilidade; mas o fogo anacreôntico, que dotou de alma suas obras, sobretudo suas últimas produções instrumentais, reflexo vívido de seu criador, este fogo se apagou, e se transformou em uma sensibilidade tal, que a menor emoção o fazia cair em lágrimas; [...] 6 ARAÚJO, op. cit., p. 62. “J’allai chaque jour visiter mon vénéré père Haydn.” BEDUSCHI, op. cit., p. 39. 6 “[...] il avait conservé toute sa mémoire et toute son amabilité; mais le feu anacréontique, qui avait animé tous ses ouvrages, surtout ses dernières productions instrumentales, images vivifiantes de leur créateur, ce feu était étaint, et s’était transformé en une sensibilité telle, que la moindre émotion le faisait fondre en larmes; [...]”. Ibidem. 4 5 4 Haydn falece três meses após Neukomm deixar Viena em partida para França. Em março de 1809, Sigismund se estabelece em Montbeillard por um ano e então é acolhido em Paris pelo príncipe Talleyrand, ao qual serve como pianista residente por mais de vinte anos. Compõe em 1814 seu grande Te Deum, para as comemorações da entrada solene de Louis XVIII em Paris. Sua obra é estreada na catedral de Notre-Dame com toda a família real presente. Neste mesmo ano, acompanha Talleyrand ao Congresso de Viena, onde compõe seu grande Requiem para o aniversário de morte de Louis XVI. O Requiem é executado, frente aos Imperadores, Reis e Príncipes de todas as nações presentes ao congresso, por mais de trezentos cantores divididos em dois coros. Nesta ocasião o compositor é agraciado com o título de Chevalier de la Légion d’Honneur por sua majestade Louis XVIII. Neukomm visita o Brasil em 1816 a convite do Duque de Luxemburgo. É convidado a permanecer no país pelo Conde da Barca, António de Araújo e Azevedo, homem de grande apreço pelas artes e um dos incentivadores da “Missão Artística Francesa” e da recém criada Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios. A pedido do Conde, Dom João VI lhe concede uma pensão anual de oitocentos mil réis, paga trimestralmente 7, o suficiente para os gastos do compositor durante sua estadia que dura até 1821. Acerca deste período, transcrevemos na íntegra a parte de seu Esquisse Biographique 8 que retrata a sua vinda e permanência no Rio de Janeiro: Ibidem, p. 45. Disponível no trabalho já citado de Luciane Beduschi “http://www.musicologie.org/theses/neukomm_01.html”. 7 8 5 e também na internet em: En 1816, je profitai de l'offre avantageuse que me fit le duc Em 1816, aproveitei-me da oferta generosa, que me fez o Duque de Luxemburgo, de acompanhá-lo ao Rio de Janeiro, onde na qualidade de embaixador extraordinário estava encarregado de felicitar João VI por sua ascensão ao trono, vago pela morte de sua mãe. Nós embarcamos em Brest, dia 2 de abril de 1816, na fragata Hermione; aportamos dia 7 em Lisboa e depois de alguns dias de repouso retomamos nossa rota por Madeira e Tenerife. Fizemos uma parada de alguns dias em Funchal e em Santa-Cruz. Durante a travessia compus vários motetos e outras peças para a Igreja, assim como muitas marchas e peças para a banda militar da fragata. O príncipe Talleyrand havia me entregue uma carta de recomendação para o Conde da Barca, o qual, anteriormente embaixador português em Paris, esteve em contato próximo com o príncipe. Esta recomendação me foi logo de grande utilidade. O senhor Conde era um homem de espírito iluminado e grandes conhecimentos. Ele me recebeu com uma inesquecível benevolência, e logo que, algumas semanas depois de nossa chegada, o Duque de Luxemburgo voltou à França, o Conde me propôs de permanecer no Rio de Janeiro e me ofereceu hospedagem em sua casa. “Nós temos a esperança, me disse ele, de fundar um novo império neste Novo-Mundo, e será de um grande interesse para você ser testemunha deste período de desenvolvimento”. de Luxembourg, de l'accompagner à RioJaneiro, où il se rendait en qualité d'ambassadeur extraordinaire, chargé de féliciter Jean VI sur son avènement au trône, devenu vacant par la mort de sa mère. Nous nous embarquâmes à Brest, le 2 avril 1816, sur la frégate l’Hermione; nous touchâmes, le 7, à Lisbonne, et après quelques jours de repos, nous reprîmes notre route par Madère et Ténériffe. Nous nous arrêtâmes quelques jours à Funchol et à Sainte-Croix. Pendant la traversée, j'ai composé plusieurs motets et autres morceaux pour l'Église, ainsi que plusieurs marches et morceaux pour la musique militaire de la frégate. Le prince de Talleyrand m'avait remis une lettre de recommandation pour le comte de Barca, qui, précédemment ambassadeur portugais à Paris, avait été en relation intime avec le prince. Cette recommandation me fut, dans la suite, d'une grande utilité. M. le comte de Barca était un homme d'un esprit éclairé et avait de grandes connaissances. Il me reçut avec une remarquable bienveillance, et lorsque, quelques semaines après notre arrivée, le duc de Luxembourg repartit pour la France, le comte me proposa de rester à Rio-Janeiro, et m'offrit la table et le logement chez lui. "Nous avons l'espoir, me dit-il, de fonder un nouvel empire dans ce Nouveau-Monde, et ce sera pour vous d'un grand intérêt d'être témoin de cette période de développement". 6 J'acceptai avec empressement son Aceitei com prontidão a sua bondosa oferta. Ele, assim como eu, era solteiro e tinha por companhia somente um amigo já de idade, o Dr. Carvalho, homem muito distinto, médico da infanta Dona Isabela, futura regente de Portugal. O Rei concedeu-me, a pedido do Conde da Barca, uma pensão mais que suficiente para as minhas despesas e sem me encarregar de qualquer cargo. Mas, de bom grado ofereci-me para dar aulas de música à infanta Dona Maria, assim como ao príncipe herdeiro S. A. R. Dom Pedro e à sua futura esposa Leopoldina, arquiduquesa da Áustria; ofereci-me também para fazer música com eles e ao mesmo tempo proporcionar a eles uma oportunidade para se exercitarem na língua francesa. Assim vivi durante todo o tempo de minha estadia no Rio de Janeiro, de 1816 a 1821, junto à família real, que me cobria de agrados; mas sem me subordinar à Corte ou ao Estado. Havia apenas dois anos que eu estava no Rio de Janeiro quando tive a infelicidade de perder meu protetor, o Conde da Barca. Os males causados pela conjectura dos eventos políticos, que mais tarde obrigariam o Rei a deixar o Brasil em definitivo, assim como seus esforços para evitar a revolução, destruíram sua saúde já debilitada. Após sua morte, aceitei a oferta hospitaleira de uma família que se tornou de grande estima para mim: a do Barão de Santo Amaro. Mais tarde reencontrei-o em Paris, como embaixador do Brasil. offre bienveillante. Il était comme moi, non marié, et n'avait pour toute compagnie, auprès de lui, qu'un ami âgé, le docteur Carvalho, homme très-distingué, médecin de l'infante Dona Isabella, future régente du Portugal. Le Roi m'accorda, sur la demande du comte de Barca, un traitement plus que suffisant pour mes dépenses, et sans me charger d'aucune fonction. Mais je fus heureux d'offrir de donner des leçons de musique à l'infante Dona Maria, ainsi qu'au prince héréditaire, S. A. R. Dom Pedro, et à sa future épouse Léopoldine, archiduchesse d'Autriche; j'offris, de plus, de faire de la musique avec eux, et de leur procurer en même temps l'occasion de s'exercer dans la langue française. Ainsi je vécus pendant tout le temps de mon séjour à Rio-Janeiro, de 1816 à 1821, au milieu de la famille royale, qui me combla de bontés; mais sans dépendre personnellement ni de la Cour, ni de l'État. Il y avait à peine deux ans que j'étais à Rio-Janeiro, lorsque j'eus le malheur de perdre mon protecteur, le comte de Barca. Le chagrin causé par la prévision des événements politiques qui obligèrent le Roi, plus tard, de quitter le Brésil pour toujours, ainsi que les efforts qu'il fit pour conjurer la révolution, détruisit sa santé déjà si affaiblie. Après sa mort, j'acceptai l'offre hospitalière d'une famille qui m'était devenue bien chère, celle du baron de SaintAmaro, que je revis par la suite à Paris où il vint en qualité d'ambassadeur du Brésil. 7 Une attaque de phthisie pulmonaire m'ayant fait craindre des Um ataque de tuberculose me suites fez temer por más conseqüências para dangereuses pour ma santé, je résolus, minha saúde, decidi assim, a conselho d'après l'avis des médecins, de revenir eu médico, de retornar à Europa. Europe. Eu Je m'étais occupé beaucoup dans ce nesse estive país bastante feérico, onde atarefado tudo é pays féerique, où tout est merveilleusement maravilhosamente belo e grandioso na beau entomologia et grandiose, d'entomologie et e na botânica, onde d'horticulture, et cependant mon catalogue todavia meu catálogo aumentou em s'était quarenta augmenté de quarante-cinq e cinco peças musicais, morceaux de musique composés à Rio- compostas no Rio de Janeiro. Uma Janeiro. J'ai composé un de ces morceaux, la destas peças, a grande missa (São grand'messe la Francisco), compus a pedido especial demande expresse de la femme de Dom da esposa de D. Pedro, para seu pai, Pedro, Ier, Franz I, imperador da Áustria. Escutei empereur d'Autriche. J'ai entendu dans la essa missa mais tarde, em 1842, na suite, en 1842, dans la chapelle particulière capela particular do Imperador, em de l'Empereur à Vienne, exécuter cette Viena. pour (Sancti son Francisci), père, à François Assim, parti do Rio de Janeiro messe, avec la plus grande perfection. Je quittai donc Rio-Janeiro, le 15 em 15 de abril de 1821. Os ventos avril 1821. Les vents contraires nous desfavoráveis detiveram-nos durante retinrent pendant plus de huit jours en vue mais de oito dias perto da costa; e ao des côtes; et au bout de vingt-deux jours, final de vinte e dois dias, fomos nous à obrigados a parar em Pernambuco para Fernambouc pour prendre des vivres. Notre nos abastecer de mantimentos. Nosso navire était en si mauvais état, que sur la navio estava em péssimo estado e a demande le constante pedido dos marinheiros, o commissaire de la marine déclara qu'il était comissário de bordo o declarou sem incapable de tenir la mer. Le capitaine condições de entrar em mar aberto. O soutint que le navire pouvait encore capitão insistiu que o navio ainda terminer le présent voyage, et il partit. Mon poderia terminar a viagem, e partimos. ami Meroni et moi, confiants dans la Meu amigo Meroni e eu, confiantes na Providence, nous continuâmes notre route Providência Divina, continuamos nossa pour notre rota para Lisboa, onde aportou nosso capitaine. Nous y arrivâmes au bout de capitão. Chegamos ao fim de noventa e quatre-vingt-douze dois fûmes obligés réitérée Lisbonne, où de des se jours, relâcher matelots, rendait après une dias, após uma ininterrupta e entediante. traversée non interrompue et ennuyeuse. 8 travessia Je souffris pendant tout ce temps de Sofri de febre durante todo esse tempo em razão de uma queimadura de sol que ganhei em um passeio a cavalo que fiz com o governador geral daquele estado. Um repouso de algumas semanas em Lisboa me deixou capaz de continuar minha rota, e embarquei em 6 de setembro para Havre, aonde cheguei dia 22; as tempestades do equinócio haviam empurrado nossa frágil embarcação para os Açores. Não éramos mais que cinco pessoas a bordo: o capitão, a tripulação e eu, que era o único passageiro. O Rei do Brasil, que revi em Lisboa, onde já havia chegado com sua família, agraciou-me com a Ordem Portuguesa de Cristo durante a minha visita de despedida, e enviou-me mais tarde a Paris a Ordem da Conceição que ele havia instituído. la fièvre, suite d'un coup de soleil que j'avais gagné à Fernambouc dans une promenade à cheval que j'avais faite avec le général-gouverneur de ce pays. Un repos de quelques semaines, à Lisbonne; me mit en état de continuer ma route, et je m'embarquai le 6 septembre pour le Havre, où je n'arrivai que le 22, les tempêtes de l'équinoxe ayant poussé notre frêle embarcation jusqu'aux Açores. Nous n'étions que cinq personnes à bord: le capitaine, les mousses et moi qui étais le seul voyageur. Le roi du Brésil, que j'avais revu à Lisbonne où il était déjà arrivé avec sa famille, me fit la grâce de m'accorder l'ordre Portugais du Christ, lors de ma visite d'adieu; et il m'envoya plus tard à Paris l'ordre de la Conception ( o Ordem da Conceição) qu'il avait institué. No trecho acima vemos que suas memórias a respeito do período brasileiro não são totalmente precisas. No trabalho de Meyer e Castagna 9, notamos que Neukomm teria sessenta e nove composições no período e não as quarenta e cinco citadas. Beduschi explica que algumas de suas composições “brasileiras” não estão em seu catálogo, constando nele, somente quarenta e cinco entradas 10. Sabemos também que Neukomm não se limitou a dar aulas apenas para a família real. Tinha como alunas a esposa do Cônsul Geral da Rússia, Georg Heinrich von Langsdorff, que Neukomm já conhecia e a quem já havia dado aulas, e uma 9 MEYER, Adriano de Castro; CASTAGNA, Paulo. “A produção musical de Sigismund Neukomm no Brasil”. In: XV Congresso da ANPPOM, Anais. Rio de Janeiro, 2005, p. 778. 10 BEDUSCHI, Luciane. “Le Séjour de Sigismund Neukomm au Brésil”. In: Tempus Perfectum. Lyon, v. 2, 2007, p. 16. 9 jovem, cujo nome não se sabe, de dezesseis anos com uma disposição extraordinária para a música 11. Segundo Correia de Azevedo 12, Francisco Manuel da Silva também teria tido aulas com o mestre austríaco. A produção de Neukomm no Brasil foi essencialmente instrumental. Das sessenta e nove composições citadas por Meyer e Castagna, constam apenas sete obras vocais e onze obras sacras. As cinqüenta e uma obras restantes abrangem gêneros instrumentais como música sinfônica, música para banda militar, música de câmera e peças para fortepiano 13 solo. Dentre estas obras, encontram-se as únicas cinco aberturas sinfônicas, assim como a única sinfonia de Neukomm. Beduschi supõe que esta intensa produção instrumental, em detrimento de composições para a Igreja (preferidas pelo compositor), se deve ao fato da influência predominante de Marcos Portugal sobre a Capela Real, resultando que a música sacra de Neukomm não tivesse oportunidade 14. Observamos que a estadia do compositor no Brasil não foi totalmente agradável como o demonstrado em suas memórias. Em carta de 12 de agosto de 1817 a um destinatário desconhecido 15, Neukomm se queixa que, apesar de todos serem muito amáveis, provavelmente não conseguirá deixar o Brasil por conta própria, visto que lhe dão tão pouco dinheiro que ele não teria o suficiente para arcar sozinho com seu retorno à Europa. Em trecho mais a frente, indigna-se com alguns homens que se vêem no direito de dar aulas de música, chamando-os de medíocres. Os BEDUSCHI. Sigismund Neukomm: Sa vie, son œvre, ses canons éniguimatiques. loc. cit.,p. 125. AZEVEDO, Luiz Heitor C. de. “Sigismund Neukomm, an Austrian Composer in the New World”. In: The Musical Quarterly, Oxford, v. 45, n. 4, 1959. p. 478. 13 O termo Fortepiano será utilizado neste trabalho para distinguir entre o instrumento de teclado com ação de martelos construído no início do séc. XIX e o instrumento conhecido hoje por Piano. 14 BEDUSCHI. Le Séjour de Sigismund Neukomm au Brésil, loc. cit.,p. 16. 15 BEDUSCHI. Sigismund Neukomm: Sa vie, son œvre, ses canons éniguimatiques. loc. cit.,p. 125. 11 12 10 naturalistas Spix e Martius 16 relatam que a cultura musical do Rio de Janeiro ainda não estava madura para a música de Neukomm, composta “no estilo dos mais célebres mestres alemães”. Após seu retorno à Europa, Neukomm chega à casa de Talleyrand em outubro de 1822. Neste novo período parisiense, é apresentado ao Duque de Orléans, futuro Rei Louis-Philippe I, e à sua irmã Mme. Adelaide D’Orléans. O compositor era freqüentemente recebido pelo Duque para jantar, e nos momentos de deleite musical acompanhava Mme. Adelaide ao fortepiano ou ao órgão expressivo. Neukomm passa a acompanhar Talleyrand em suas viagens. Também empreende algumas por conta própria, como a visita à Itália em 1826, satisfazendo um antigo desejo. Em 1829 faz sua primeira viagem à Inglaterra, acompanhando seu mecenas que foi enviado na qualidade de embaixador. O período que se segue é marcado por freqüentes viagens aos principais países da Europa Ocidental, Oriental e pela costa mediterrânea da África. Estas viagens o compositor alterna com períodos de estadia em Paris ou Londres. Segundo Gisela Pellegrini, foi dentre os anos de 1822 a 1843 que Neukomm obteve em toda Europa um grande sucesso e reconhecimento como músico e compositor 17. Reconhecimento que é evidenciado pelo grande número de condecorações colecionadas pelo compositor durante sua vida, além dos diversos diplomas de membro honorário concedido por diversas academias, sociedades e universidades européias e americanas 18. 16 SPIX, Johann Baptist von; MARTIUS, Carl Friedrich Philipp von. Viagem pelo Brasil: 1817-1820. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1981. Volume 1, p. 57. 17 BEDUSCHI. Sigismund Neukomm: Sa vie, son œvre, ses canons éniguimatiques. loc. cit.,p. 70. 18 Ibidem, p. 81. 11 Suas constantes viagens são marcadas sempre por um trabalho composicional intenso e a organização de concertos. No repertório de tais apresentações constavam obras novas e antigas do compositor e também obras de Handel, Bach, Haydn, Mozart e Beethoven, arranjadas ou não, por Neukomm. O compositor se apresentava também ao órgão e ao fortepiano, executando peças suas, arranjos, ou improvisações. Viaja à Salzburg, em 1842, para participar da inauguração do monumento em homenagem a W. A. Mozart. Como membro do comitê organizador tem a honra de pronunciar o discurso inaugural, assim como descobrir a estátua presente no monumento. Esteve a cargo, também, da música executada nestas comemorações. Em 1845, o início de catarata nos dois olhos faz Neukomm diminuir seu ritmo intenso de composição. Três anos após o início da doença, seu olho direito é operado com sucesso em Manchester. Neukomm passa seus últimos anos viajando por várias cidades européias, principalmente pelas capitais inglesa e francesa, sempre compondo novas peças. Sua última composição data de 10 de março, aproximadamente vinte dias antes da morte do compositor. Sigismund Ritter von Neukomm falece em Paris no dia 3 de abril de 1858, com 80 anos de idade. 12 1.2. Os Fortepianos no Rio de Janeiro e a sua Execução Acerca dos instrumentos de teclado presentes na capital brasileira no início do séc. XIX, tomamos por base o trabalho de Mayra Pereira 19, que traça um histórico desde o aparecimento do cravo em nosso país até a substituição deste pelo fortepiano. Pereira nos diz que não se sabe ao certo quando começou a presença de fortepianos no mercado brasileiro. A primeira referência a um destes instrumentos aparece em 1798 no inventário post-morten do botânico António Pereira Ferreira, no qual constam “um pequeno cravo e um valiosíssimo pianoforte” 20. Não se pode afirmar se o botânico realmente possuía um fortepiano, ou se o examinador o confundiu com um grande cravo 21, todavia o uso do termo demonstra o conhecimento de tal instrumento no Rio de Janeiro já nos finais do séc. XVIII. Durante o período Joanino diversos anúncios de vendas e registros de importação destes instrumentos foram documentados. Inicialmente os fortepianos encontrados no Brasil eram de origem portuguesa e encontravam-se, após a abertura dos portos, também instrumentos de origem inglesa e francesa. Tais instrumentos variavam de tamanho e extensão, possuindo de quatro a seis oitavas. Averigua-se 19 PEREIRA, Mayra. Do Cravo ao Pianoforte no Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Música) - Escola de Música, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005. 20 Ibidem, p. 77. 21 Para maiores explicações sobre nomenclatura observar o item 3.2 no trabalho de Pereira. 13 que os instrumentos ingleses eram mais comuns em nossa capital, visto as facilidades fiscais de importação estabelecidas com a Inglaterra 22. Apesar dos naturalistas Spix e Martius relatarem que somente as casas mais abastadas possuíam o instrumento 23, vê-se pelos documentos da época (anúncios em jornais e relatórios da balança comercial) que o número destes instrumentos não era tão pequeno no Rio de Janeiro, havendo bastante oferta e procura. Não podemos definir com certeza qual tipo de instrumento Neukomm possuiu ou utilizou durante sua estadia no Brasil. Sabemos apenas que o único instrumento que pertenceu à Família Real conservado até nossos dias é um fortepiano modelo de mesa (ou square-piano) de seis oitavas, construído por volta de 1820 pelo fabricante inglês J. Broadwood e conservado no Museu Imperial 24. Saber a origem dos instrumentos que mais foram importados e utilizados durante a estadia de Neukomm no Brasil nos ajuda a estabelecer qual seria a prática de execução mais comum em nosso país naquele período. No início do séc. XIX havia duas principais correntes de construção de fortepianos europeus: a inglesa e a vienense. Tais instrumentos possuem mecânica e concepção de construção completamente diferentes. Os vienenses tem mecânica de ação leve (fig. 1), com abafadores eficientes, de teclado raso e com acionamento dos registros (sostenuto e abafador) por meio de joelheiras. Já os ingleses são instrumentos de mecânica mais pesada (fig. 2), com abafadores não tão eficientes, de teclado fundo e a utilização de pedais no lugar das PEREIRA, op. cit. p. 81-83. Ibidem, p. 85. 24 Ibidem, p. 92. 22 23 14 joelheiras para alternar dentre os registros (sostenuto e una corda) 25. Segundo Pedro Persone, pode-se dizer “que a escola vienense buscou um clavicórdio mais sonoro e a inglesa um cravo mais expressivo” 26. Figura 2. (PEREIRA, 2005) Figura 3. (PEREIRA, 2005) Essa grande disparidade entre os dois conceitos de construção de instrumentos exige que a execução em cada um deles ocorra de modo diferente. Tal diferença levou, no final do século XVIII, à criação de dois estilos divergentes de execução pianística 27. Vê-se claramente a diferença dos dois estilos quando tomamos por base os ensinamentos de Daniel Gottlob Türk (1750-1813) e, antes dele, Carl Philipp Emanuel O registro sostenuto consiste em elevar todos os abafadores para que as cordas vibrem livremente, o uma corda faz com que os martelos atinjam somente uma das cordas de cada nota e o abafador interpõe uma faixa de feltro entre os martelos e as cordas. 26 PERSONE, Pedro Aurélio. "O fortepiano na Coleção Theresa Christina Maria: propostas para uma performance historicamente informada.". In: Claves, João Pessoa, n 6, 2008, p. 46-47. 27 PERSONE, Pedro Aurélio. op. cit., p. 47. 25 15 Bach (1714-1788) como os representantes da tradição germânica de teclado e Muzio Clementi (1752-1832) como importante construtor e fundador da escola pianística inglesa 28. Sobre o toque regular, ou seja, aquele o qual usamos quando não há nenhum sinal de articulação definido pelo compositor (i.e: ligaduras, staccati ou tenuti, etc.), Türk e C. P. E. Bach defendem o uso do non-legato, visto que a mecânica leve do fortepiano vienense proporciona uma fácil articulação. Türk: Para notas que devem ser tocadas de maneira comum (isto é, nem destacadas nem ligadas) o dedo deve deixar a tecla antes da duração total requerida pela figura. [...] Se houver misturadas notas que devam ser mantidas por sua duração total, então ten. ou tenuto é escrito sobre elas. 29 Bach: §6. Algumas pessoas tocam grudando, como se tivessem cola nos dedos. Seu toque é muito longo, pois sustentam as notas mais que o necessário. Outras querem melhorar e tocam curto demais, como se as teclas estivessem queimando. O efeito é igualmente deplorável. O meio-termo é o melhor caminho. §22. As notas que não devem ser nem em staccato, nem ligadas, nem sustentadas são tocadas apenas com a metade de seu valor, a menos que a palavra ten. (sustentada) esteja indicada; neste caso tem-se que sustentá-las. 30 Para Clementi o toque regular seria o legato, pois a pesada mecânica inglesa não possibilita muitas articulações: A melhor regra geral é manter abaixadas as teclas do instrumento pela duração total de cada nota. [...] Quando o compositor deixa o legato e o staccato ao gosto do intérprete, a melhor regra é aderir, preferencialmente, ao legato; deixando o staccato para dar espírito ocasionalmente a certas passagens, demonstrando assim a superior beleza do legato.31 Apesar de nascido italiano, Muzio Clementi residiu na Inglaterra desde os seus quatorze anos, se tornando um célebre músico, pedagogo e construtor de fortepianos naquele país. 29 Ibidem. 30 BACH, Carl Philipp Emanuel. Ensaio sobre a maneira correta de tocar teclado, Berlim 1753. Campinas: Editora Unicamp, 2009, p. 135-140. 31 PERSONE, Pedro Aurélio. op. cit., p. 47. 28 16 Entretanto, é de comum acordo para Bach, Türk, Clementi e outros tratadistas contemporâneos que o uso do legato, do staccato e das demais articulações depende muito do caráter e do andamento da obra. É de comum acordo, também, a interpretação de alguns sinais de articulação ou , devem soar secas e destacadas umas das outras. Já as notas em legato, , devem ser definidos pelo compositor: as notas em staccato, ligadas uma à outra, sendo que a primeira do arco é tocada um pouco mais forte e apoiada e a ultima mais leve que todas. As notas indicam o portato, elas são tocadas em legato e cada uma delas recebe igual pressão. As notas Notas com um traço, são acentuadas. , ou com ten. ou tenuto escrito sobre elas devem ser sustentadas por toda sua duração e tocadas com ânimo e um leve acento 32. Devemos tomar em consideração outros aspectos, além da articulação, para a execução nestes instrumentos antigos. C. P. E. Bach diz em seu tratado (1753) que o tocar bem se dá através de dedilhados corretos, ornamentos precisos e boa execução 33, dedicando um capítulo inteiro a explicar cada um desses fatores. No capítulo sobre a execução, Carl Philipp inclui a articulação e também a dinâmica, a agógica e o bom gosto como fatores determinantes para se alcançar a boa execução 34. Sobre a dinâmica não há muito escrito, pois quando está marcada, devese segui-la; o autor apenas realça que se deve executar mais forte as dissonâncias que BACH, Carl Philipp Emanuel. op. cit. p. 138-140, §17-22; BACH Jean-Chrétien; RICCI, FrancescoPasquale. "Méthode ou recueil de connoissances", Paris 1786. In: ROUDET, Jeanne (Ed). Méthodes et Traités Pianoforte. v.1. Bressuire: Editions Fuzeau, 2004, p. 42, §IX; VIGUERIE, Bernard. "L'art de toucher le piano-forte", Paris c.1796. In: ROUDET, Jeanne (Ed). op.cit. v.1, p. 127. 33 BACH, Carl Philipp Emanuel. op. cit. p.21, §1. 34 Ibidem, p. 134, §3. 32 17 as consonâncias, assim como as cadências de engano. Acerca da agógica, Carl Philipp escreve que dependendo do caráter da peça algumas notas ou pausas devem durar mais tempo que o exigido pela notação, e que a mão que executa a melodia deve ter liberdade para expressar-se sem estar presa ao acompanhamento. O bom gosto, diz o autor, vem através da audição de bons músicos e bons cantores, aconselhando variar as reprises e defende que se deve tocar com a alma e para provocar emoções em quem ouve, o executante deve estar igualmente emocionado. Sobre os dedilhados e a maneira de tocar e se portar ao teclado, Carl Philipp declara que “só há uma boa maneira de usar os dedos no teclado e poucos casos permitem mais de um dedilhado” 35, defendendo que cada idéia musical possui um dedilhado específico, e poucas delas possibilitam dedilhados alternativos. O autor afirma que o polegar tornou-se o dedo principal da mão, e que não pode tocar bem quem não o usa. A respeito da posição do executante ao teclado, C.P.E. Bach aconselha a sentar-se ao meio do instrumento, com os antebraços um pouco acima das teclas; tocar com a mão paralela ao teclado; deixar os dedos curvos com o polegar perto deles; e manter os nervos o mais relaxados possível, evitando gestos desnecessários 36. Em pesquisa bibliográfica 37, vimos que no final do séc. XVIII e início do séc. XIX, os tratadistas ainda mantêm tais conselhos em suas obras, acrescentando seus ensinamentos na mesma linha de pensamento de Carl Philipp. Ibidem, p. 31, §2. Ibidem, p. 32, §10-12. 37 BACH J.C.; RICCI, F.P. op. cit.; ADAM, Louis; LACHNITZ, Ludwig-Wensel. "Méthode ou principe général du doigté", Paris 1801; DESPREAUX, Félix-Louis. "Cours d'éducation de clavecin ou pianoforte", Paris 1783; BEMETZREIDER, Antoine. "Nouvelles leçons de clavecin ou pianoforte", c.1795; NONOT, Joseph. "Leçons méthodiques de clavecin ou de forte piano", Paris 1797. In: ROUDET, Jeanne (Ed). op. cit., 2004. 35 36 18 J.C. Bach e F.P. Ricci (1786) recomendam evitar o uso do polegar ou do quinto dedo nas notas cromáticas do teclado (bemóis e sustenidos) a não ser em caso de movimentos oitavados 38. L. Adam e L.W. Lachnitz (1801) dizem que jamais devemos bater (frapper) nas teclas com a força do braço, devemos usar somente a força proveniente dos nervos, e estes não podem estar tensos, mas sim soltos para obtermos a liberdade do movimento 39. No escrito de J. Nonot, o autor elenca algumas das habilidades que o claveciniste deve possuir: a liberdade das articulações do braço e da sua mão tocando sem pesar; a agilidade dos dedos; a independência das mãos; a boa leitura e o bom gosto 40. Já a respeito dos ornamentos, o gosto modificou-se desde o tratado de Carl Philipp até o início do séc. XIX. Viguerie (1796) nos mostra uma série de possibilidade para os trilos, conforme a figura 3: Figura 4. (VIGUERIE, 1796) BACH J.C.; RICCI, F.P. op. cit., p.45, §XII. ADAM, Louis; LACHNITZ, op.cit., p.82. 40 NONOT, Joseph. op. cit., p. 214. 38 39 19 E nos explica que: O princípio, antigamente estabelecido, era de começar os trilos pela nota superior àquela assinalada; hoje, o uso [comum] é de se começar quer pela nota superior, quer por ela mesma, quer pela nota inferior; esta [decisão] depende do gosto do executante, a menos que o autor, por meio de uma ou duas pequenas notas, tenha explicado a maneira pela qual ele pretende que nos comecemos 41. Sobre as appoggiaturas, o tratado de J.C. Bach e Ricci (1786) nos diz que: [...] [as appoggiatuas], sejam ascendentes, sejam descendentes, não são contadas dentro da métrica, mas [seu tempo] é tomado da duração da nota que lhes precede ou daquela que lhes sucede. [...] Nós devemos observar que se a appoggiatura é adjunta a uma nota, na qual a divisão [do compasso] é em razão binária ou subdupla 42, ela [appoggiatura] vale a metade do valor dela [nota], mas, [se está adjunta] a uma nota, na qual a divisão [do compasso] é em razão subtripla 43, sua duração se estende por dois terços [do valor da nota] 44. Viguerie divide as appoggiaturas (Port de Voix) em duas categorias: Ordinárias e Antecipadas; sendo que as Ordinárias se dividem em Precipitadas e em Lentas, como exemplificado pelo autor nas figuras 4 e 5. Figura 5. (VIGUERIE, 1796) 41 "Le principe anciennement établi etoit de commencer le tremblement par la note supérieure à celle qui portoi le signe; maintenant l'usage est de le commencer, soit par la note supérieure, soit par la note même, soit enfin par la note inférieure; cela dépend du goût de l'executant, amoins que l'auteur, par le moyen d'une ou deux petites notes, n'ait expliqué la manière dont il entend qu'on le commence." VIGUERIE, Bernard. op. cit., p. 155. 42 Compasso quaternário. 43 Compasso ternário. Para maiores explicações sobre proporções na métrica musical, ver o item 3.3.2 de TETTAMANTI, Giulia da Rocha. Silvestro Ganassi : Opera Intitulata Fontegara. Dissertação (Mestrado em Música) – Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010. 44 "[...] soit en montant, soit en descendant ne se compte pas dans la Mesure, mais se prend sur la durée de la Note qui les precède, ou de celle qui les suit. [...] On doit remarquer que si l'Appoggiatura est attachée à une Note, dont la division est une raison binaire, ou Sous-Double, elle vaut la moitié de sa valeur, mais, à une Note, dont la division est en raison Sous-Triple sa durée s'étend aux deux tiers. " BACH J.C.; RICCI, F.P. op. cit., p.42, §VII. 20 Figura 6. (VIGUERIE, 1796) Tais preceitos, de articulação, touché, ornamentação, etc., formam um bom panorama de como se davam os diversos tipos de execução nos fortepianos do início do séc. XIX. Segundo Persone 45, a “fusão” dos dois principais estilos de execução (o vienense e o inglês) para a criação de um novo touché iniciou-se somente a partir de 1805, sendo um processo gradativo. Analisando a biografia de Neukomm, podemos observar que toda sua educação foi vienense e o final de seus estudos com J. Haydn (1804) ocorreu antes do processo de mudança de touché. No trabalho de Luciane Beduschi 46, há referência do contato de Neukomm com diversos músicos célebres da época, entretanto, em sua estadia na Rússia (1804-1808), não se vê nenhuma menção a um possível contato dele com Muzio Clementi, que realizou viagens e concertos na Rússia entre os anos de 1802 e 1806 ou com John Field, o qual se estabeleceu e trabalhou para a família real 45 46 PERSONE, Pedro Aurélio. op. cit., p. 52. BEDUSCHI, Luciane. Sigismund Neukomm): Sa vie, son œvre, ses canons éniguimatiques. [...]. 21 naquele país entre os anos de 1802 e 1829 47. Deste modo, não há como dizer ao certo o quanto o seu tocar de formação vienense foi influenciado pelo touché inglês. Entretanto, como o verificado no início deste item, os instrumentos ingleses eram de grande presença no Brasil durante o período joanino. Talvez por tal razão, Neukomm faz uso abundante do legato em sua escrita musical para fortepiano, e é muito cauteloso e metódico ao indicar os trechos em que o legato deve ser empregado, como é visto no manuscrito de L’Amitié et L’Amour (Anexo I). Esta escrita minuciosa demonstra que o legato defendido pelos ingleses foi incorporado na execução do compositor, mas que ainda não é o seu touché regular, necessitando assim da indicação de quando empregá-lo. LANGLEY,Robin. "Field, John"; PLANTINGA,Leon. "Clementi, Muzio"; In: The New Grove Dictionary of Music and Musicians. London: Oxford University Press, 2001. 47 22 2. A Obra 2.1. A Transcrição O manuscrito original de L’Amitié et L’Amour encontra-se no acervo da Biblioteca Nacional da França (BNF), em Paris, sob a catalogação MS 7703(18). A sua fotocópia, que caracteriza o material de base para este estudo, foi obtida através do Département de la Reproduction da BNF e encontra-se em anexo neste trabalho junto com sua transcrição (Anexos I e II). A obra, composta por vinte e uma páginas de música e dois movimentos (Andante e Allegro moderato), traz em sua capa as seguintes inscrições: N: 183 – du catalogue copié L’amitié et l’amour deux esquiſses pour le Pianoforte composées par le Chev. Sigismond Neukomm (gravé) À última página lê-se a data e local de sua composição: Rio de Janeiro, 1 Juillet (1º de Julho) 1820. 23 No alto desta página de título observamos a referência ao catálogo de obras desenvolvido pelo próprio Neukomm, cujo manuscrito original encontra-se também na BNF; crê-se que esta inscrição foi adicionada posteriormente, provavelmente pelo próprio compositor durante a preparação de tal catálogo 48. Ao final da página notamos a referência gravé. Entretanto, em seu catálogo nos deparamos com o registro gravé Leipsic [sic], sugerindo-nos o local (Leipzig) em que a obra tenha sido editada. Várias das composições de Neukomm possuem inscrições gravé (ou similares) em seus manuscritos ou em seu catálogo 49; estas parecem ter sido realmente editadas em lugares diversos no início do séc. XIX. Porém, atualmente não possuímos conhecimento de exemplares da grande parte destas edições, tal como é o caso de L’Amitié et L’Amour, que não possui outras cópias além de seu manuscrito, ou indicações no catálogo de Neukomm de qual seria seu editor em Leipzig. A transcrição do manuscrito (Anexo II) deu-se por meio de computador através do programa Sibelius Software em sua versão 5.0, escolhido por sua clareza e facilidade em edição de música. A metodologia utilizada para realizar tal transcrição foi definida previamente, utilizando-se como base os preceitos estabelecidos por John Caldwell em seu livro Editing Early Music: Há apenas dois requisitos fundamentais para a edição de música: clareza e consistência. Dentro deste aspecto não há diferenças entre uma edição “acadêmica” ou uma edição “prática”. 50 BEDUSCHI, Luciane. La Musique pour clavier de Sigismund Ritter von Neukomm (1778-1858). Université de Paris-Sorbonne (Paris IV), Paris, 2002, p.91. 49 Ibidem, p.92-93. 50 “There are really only two fundamental requirements for an edition of music: clarity and consistency. In this respect there is no difference between a ‘scholarly’ and a ‘practical’ edition.” CALDWELL, John. Editing Early Music. Oxford: Oxford University Press, 1984, p.1. 48 24 Assim, o objetivo durante a preparação da cópia digital foi de se obter uma partitura confiável, que fosse a mais próxima do conteúdo do manuscrito e ao mesmo tempo acessível e de fácil assimilação ao intérprete. Priorizou-se em manter o conteúdo musical de acordo com o que se encontra no manuscrito, em poucos casos foi necessária a adição ou mudança de algum elemento. Notou-se imprescindível a adição de alguns acidentes ocorrentes para o melhor entendimento do texto musical, que foram apresentados entre parênteses: ( ). As hastes das notas, ou acordes, foram mantidas em seu sentido original, exceto quando apareceram na forma desaconselhada por Caldwell 51: . Um exemplo encontra-se na linha da mão esquerda no décimo quinto compasso do Andante (ex. 1). Exemplo 1. Acordes com uma mesma haste que abrangia notas nos dois pentagramas, a exemplo do sétimo compasso no Andante, foram escritos em apenas um dos pentagramas, devido a restrições do programa de edição. Os sinais de dinâmica (forte, piano, sforzatto, crescendo e diminuendo) foram movidos para o centro entre os dois pentagramas a fim de obter uma praticidade 51 Ibidem, p.89. 25 visual ao intérprete; notou-se no manuscrito que Neukomm os escreve abaixo do pentagrama apenas nos locais em que há pouco espaço disponível, e nos momentos em que este espaço existe, ele os escreve ao centro. Os sinais que se referiam à dinâmica de uma voz específica foram mantidos de forma a preservar seu significado original. As expressões dolce e tenuto foram mantidas por extenso e em seu local original. Uma prática comum de escrita musical dos séculos XVIII e XIX é de abreviar a repetição de notas ou células musicais. Tais sinais estão documentados em tratados, como no de J.C. Bach e F.P. Ricci (1786) 52, e no de I. Pleyel e J.L. Dussek (1797) 53, e presente em várias edições do período, como o demonstrado abaixo (exemplos 2 a 4). Exemplo 2. 54 Exemplo 3. 55 BACH Jean-Chrétien; RICCI, Francesco-Pasquale. "Méthode ou recueil de connoissances", Paris 1786. In: ROUDET, Jeanne. Méthodes et Traités Pianoforte. v.1. Bressuire: Editions Fuzeau, 2004. §VII, p. 42. 53 PLEYEL, Ignace; DUSSEK, Johann-Ludwig. "Méthode pour le pianoforte", Paris 1797. In: ROUDET, Jeanne (Ed). op.cit., v.2, p. 14. 54 DUSSEK, Jan Ladislav. Grande Sonata opus 48. 1 partitura. Piano a Quatro-Mãos. Disponível em: <http://imslp.org/wiki/Grande_Sonate_for_Piano_Four-Hands,_Op.48_%28Dussek,_Jan_Ladislav %29>. Acesso em: 24 nov 2009, p. 11. 55 DUSSEK, Jan Ladislav. Trio Sonatas opus 2. 1 partitura. Piano, Violino, Violoncelo.Breitkopf e Hartel, Leipzig, 1813. Disponível em: <http://imslp.org/wiki/3_Trio_Sonatas,_Op.2_%28Dussek,_Jan_ Ladislav%29>. Acesso em: 24 nov 2009, p. 30. 52 26 Exemplo 4. 56 Durante o Andante e Allegro moderato, Neukomm utiliza com freqüência esse tipo de notação (Exemplo 5). Exemplo 5. Este tipo de escrita musical foi mantido na transcrição. Entendemos que tal notação não atrapalharia o intérprete durante a leitura musical, já que estes recursos de abreviação, outrora largamente utilizados, são de fácil assimilação. A diagramação da partitura foi pensada de maneira para que atrapalhasse minimamente o intérprete quanto à leitura e à virada de páginas. BEETHOVEN, Ludwig van. Grande Sonate Pathétique opus 13, Londres 1799. 1 partitura. Piano. Bressuire: Editions Fuzeau, 2008, p. 2. 56 27 2.2. Análise da Obra L’amitié et l’amour foi composta por Neukomm na forma de deux esquisses 57. São dois movimentos, cada qual representando uma das paixões humanas referenciadas no título da obra (a amizade e o amor). Ambos os movimentos são escritos em compasso ternário ( 3 4 ) e na tonalidade de Ré maior. Tratadistas dos séculos XVIII e XIX costumam descrever este tom como sendo brilhante, nobre, alegre e marcial; já Johann Mattheson (1713) diz que “este tom [também] pode demonstrar uma especial disposição para coisas delicadas” 58. Neukomm utiliza-se de uma escrita muito livre e pessoal para estes dois movimentos, não os concebendo dentro de nenhum gênero comum à época como uma Sonata, Rondó, Minueto, etc. Todavia, a ausência de uma forma habitual não implica em uma desorganização do discurso musical, observamos que nas duas peças os períodos e frases foram desenvolvidos com muita destreza. Este processo de organização musical deriva da Retórica, que, segundo o tratadista H. C. Koch em seu Musikalisches Lexikon (1802), “é um ramo do conhecimento necessário à prática da Composição” 59. Assim, o discurso-musical dos dois movimentos foi elaborado de um modo fluente e coerente pelo compositor. Dois esboços. STEBLIN, Rita K. A History of Key Characteristics in the Eighteenth and Early Nineteenth Centuries. New York: University of Rochester Press, 1996, p. 237. 59 BARROS, Cassiano de A. A orientação retórica no processo de Composição do Classicismo observada a partir do tratado Versuch einer Anleitung zur Composition (1782-1793) de H.C. Koch. Dissertação (Mestrado em Música) – Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2006, p. 103. 57 58 28 O primeiro esquisse, L’amitié, é um Andante de caráter brando que possui características de um improviso: suas frases aparecem de maneira aglutinada 61. 60 são geralmente inconclusivas e Musicalmente esta peça se porta como um prelúdio ou introdução para o segundo movimento. A frase principal (Ex. 1) deste esquisse é apresentada nos quatro primeiros compassos e contém a essência do que será desenvolvido. Vemos que é uma frase inconclusiva, partindo da tônica (Ré) 62 e terminando no acorde de dominante (Lá), e é constituída de três incisos: o primeiro possui um salto de terça descendente (a’ f#’) 63 sobre o acorde de tônica com a indicação dolce, estabelecendo para o ouvinte a tonalidade da peça; no segundo inciso há uma expansão do primeiro inciso, vemos uma anacruse (d’‘) que leva a um salto ornamentado de terça ascendente c#’’-e’’ (oposto ao salto do primeiro inciso) seguido por uma sexta descendente e’’-g’ (a sexta como inversão do intervalo de terça) sobre o acorde de dominante (Lá7), sendo ressaltado pelo sforzato no primeiro tempo e a queda de dinâmica para piano no segundo; o terceiro inciso é formado por uma linha diatônica descendente no baixo A seguinte terminologia será usada: Incisos - conteúdo musical que não possui sentido completo por si só; Frases – um ou mais incisos que criam um sentido completo; Períodos – uma ou mais frases que criam momentos diferentes ao decorrer da obra; Estes termos estão presentes no tratado Versuch einer Anleitung zur Composition de H. C. Koch estudado por Cassiano Barros, tomamos conhecimento destes através de conversas com o pesquisador. 61 Ou seja, frases que não terminam na tônica (inconclusivas) e que seu final se concatena com o início de outra frase (aglutinadas). 62 Ao se referir à acordes ou tonalidades utilizaremos a letra inicial maiúscula para acordes maiores e a inicial minúscula para acordes menores (ie: Ré = ré maior; lá = lá menor). Os números sobrescritos referem-se às notas dissonantes pertencentes aos acordes e o número subscrito à nota que se encontra no baixo do acorde, como na notação utilizada pela harmonia funcional. Será usado também, quando necessário, algarismos romanos para esclarecer os graus (e por conseqüência suas funções) de cada acorde quando acharmos necessário. 63 Para não haver equívocos entre as notas musicais e os acordes narrados no texto, utilizaremos para as notas o sistema de notação baseado em Helmholtz: 60 29 (d’ c’ b a g e a A) em oposição a uma linha melódica ascendente (de f#’ a d’’), enfocando a cadência imperfeita (Ré - Lá) que termina esta frase. Exemplo 1. A segunda frase (compassos 4 a 8) desenvolve-se a partir da cadência imperfeita anterior (I - V), iniciando e terminando na dominante. Podemos dividi-la em dois incisos. No primeiro vemos uma melodia harmonizada sobre um pedal de dominante com o baixo em a; no segundo há uma harmonização sobre uma linha cromática descendente (de b a A, Ex. 2) derivada da linha diatônica descendente presente no baixo da primeira frase. Exemplo 2. Vemos que estas duas primeiras frases modulam para a dominante (Lá) após uma breve aparição da tônica (Ré) no primeiro compasso. Esta rápida modulação é o que atribui a este esquisse as características de um improviso, visto que a tônica só retornará no final da peça. As frases que se seguem (compassos 8 a 19) ocorrem já no âmbito da dominante (Lá). Os primeiros incisos destas frases possuem melodias ornamentadas 30 descendente com um acompanhamento simples em colcheias (Ex. 3) e que acumulando expectativa gradativamente através de uma linha melódica ascendente formada pelos picos de cada inciso (g#’’, c#’’’, d#’’’, g#’’’). Esta expectativa terá seu auge no compasso 14, no qual ocorre a resolução melódica dos picos ascendentes descritos acima e a resolução harmônica da seqüência de dominantes precedente a este compasso: Si73 e Mi7 (V/V/V e V/V). Exemplo 3. A partir deste compasso, a expectativa criada é dissolvida através de uma seqüência melódica e, no compasso seguinte, de uma escala descendente de b’’ a d’ reforçada por um decrescendo. Esta escala serve também de preparação para a súbita cadência sobre Dó#, dominante da relativa menor de Lá (V/vi/V), que é estendida por mais dois compassos (Ex. 4). Exemplo 4. Nesta cadência sobre Dó# termina o primeiro período da peça. Entre este período e o que se segue há uma conexão composta por dois incisos (Ex. 5): o primeiro é formado por notas longas (enfatizadas por tenutti e em pianissimo) precedidas por um ritmo duplo pontuado, escritas em oitavas sobre os quinto, sexto 31 e sétimo graus da escala de fá# (c#, d, e#) e que mantém suspensa a tensão do período que se encerra; o segundo começa subitamente com um arpeggio ornamentado em dinâmica forte sobre o acorde de Dó# que recebe as dissonâncias de sétima e nona, realçando o caráter de dominante do acorde. Exemplo 5. O segundo período começa no compasso 24 e está no âmbito de fá#, relativa menor da dominante Lá (vi/V). A primeira frase deste período parte de fá# para sua dominante (Dó#) e seus incisos são derivados do período anterior (Ex. 3). Vemos um simples baixo acompanhado com colcheias e uma melodia construída sobre arpeggi descendentes, marcada por ritmos duplo-pontuados. A segunda frase inicia-se ampliando o acorde de Dó# adicionando dissonâncias de sétima e nona a ele. Seus dois primeiros incisos são construídos em cima deste acorde, possuindo um levare ascendente marcado por um crescendo que resulta em acordes em dinâmica forte repetidos em colcheias. Há uma cadência de engano em pianissimo nos compassos 30 e 31, e em seguida a cadência perfeita que encerra este período (Ex. 6). Exemplo 6. 32 O acorde que resolve a cadência final deveria ser fá#, todavia, a resolução ocorre no acorde de Fá#73. Com este procedimento, Neukomm aglutina este período com uma transição para o próximo, transformando o acorde de resolução em dominante do tom que virá. Esta conexão é marcada por arpeggi e bordaduras (Ex. 7) sobre a dominante criada e durante seus quatro compassos acumula expectativa para o próximo período. Exemplo 7. O terceiro período é o clímax de tensão deste esquisse. Composto por uma única frase na tonalidade de si, relativa menor da tônica (vi/I), e construída sobre um a harmonia de um baixo ascendente (B, c#, d, e, e#, f#, fx, g#, a, a# e b). Esta possui acompanhamento de acordes em síncopa e melodia formada através de arpeggi ornamentados por appoggiature (Ex. 8). A harmonia deste trecho é instável e repleta de dissonâncias, vemos acordes com sétima e nona sem fundamental, acordes invertidos, decorrente do cromatismo presente ao baixo e uma sexta napolitana no compasso 40. A dinâmica proposta pelo compositor realça a dramaticidade do período, formada por forti, fortissimi e sforzati organizados de maneira a criar um crescendo que se conserva até a cadência final no compasso 45. 33 Exemplo 8. Em piano súbito, temos outra conexão entre períodos, que dura do compasso 45 ao 49. A brusca alteração da dinâmica ajuda a dissolver o clímax, preparando para iniciar o retorno à tônica. Os incisos desta conexão são formados por fragmentos melódicos desenvolvidos de maneira imitativa, ora escrito em terças, ora em sextas (Ex. 9). Os picos melódicos de cada inciso, posicionados no contratempo, organizados de maneira ascendente (f’’, b’’, e’’’, f’’’) e reforçados por acentos (>), concedem uma sensação de suspensão e um novo tipo de expectativa a esta transição. Exemplo 9. A nova expectativa e a sensação de suspensão são mantidas por todo o quarto período. Este período é trabalhado já no âmbito de Ré (I), entretanto, para manter a suspensão, não há nenhuma cadência perfeita (V-I) que leve para a tônica, todo acorde de Ré aparece como inversão (com a terça ou quinta no baixo), tirando a força deste acorde e reservando o acorde de tônica para o último período. Este quarto período é derivado do material exposto no primeiro período, suas frases são 34 compostas por melodias bem ornamentadas e por um acompanhamento de acordes em colcheias. Há uma alteração de dinâmica inesperada nos compassos 57 e 58, na qual o arpeggio em ritmo duplo-pontuado reaparece sobre os acordes de si, relativa menor da tônica (vi), e de sol3, subdominante menor (iv), realçados por sforzati e acordes cheios na mão esquerda (Ex. 10). Exemplo 10. O uso da subdominante menor causa grande surpresa já que este é um acorde fora do campo harmônico da tônica (Ré) ou de outro campo harmônico utilizado até então, seu uso só é possível graças ao movimento cromático descendente que faz o baixo (B - Bb). A seguir, o baixo cromático harmonizado do início da peça (Ex. 2) reaparece com pequenas alterações e dá seqüência à cadência (mi3 – Lá46 – Lá7) que encerrará este período e retornará de fato à tonalidade de Ré (Ex. 11). Exemplo 11. O último período encerra este esquisse na tonalidade da tônica. Nele é retomado o material utilizado no início da peça com algumas alterações, como a intervenção melódica do baixo ligando os três primeiros incisos ao invés das pausas (Ex. 12). 35 Exemplo 12. A partir do compasso 72 há um retorno da idéia do compasso 8, aqui com o acompanhamento de acordes cheios reforçados por sforzati. A melodia cromática descendente do compasso 11 retorna agora com um baixo melódico em sextinas (Ex. 13). Exemplo 13. No compasso 75 um novo material é inserido visando à cadência perfeita (V-I) que dará início à coda no compasso 78. Nele observamos um trilo harmonizado que com um crescendo chega ao acorde de dominante (Lá) em fortíssimo, que subitamente em piano cadência para a tônica Ré. A partir desta cadência começa a coda que é construída por um grande pedal sobre a nota D e sua oitava d. Sobre este pedal há uma melodia em sextas marcada por appoggiature de meio-tom e no compasso 81 sobre o acorde diminuto de dó#5b7d marcado por um crescendo de forte para fortissimo e um decrescendo para piano súbito (Ex. 14). 36 Exemplo 14. Segue-se o movimento cadencial que encerra a peça, repetido em duas oitavas diferentes, e três acordes sobre a tônica Ré que pontuam o final. As notas mais agudas destes três últimos acordes formam um salto de terça descendente f#’ - d’ que completa o salto de terça inicial a’ – f#’ (Ex. 15). Exemplo 15. Como o descrito acima, vimos que L’amitié é uma peça que não possui mais de uma seção, o seu desenvolver ocorre de maneira linear partindo da tônica e constantemente modulando até retornar a ela. Seus cinco períodos conectam de uma maneira fluente tais modulações: o primeiro parte de Ré para Lá como tonalidade principal (I - V); o segundo aparece no tom de fá# (vi/V ou iii/I); o terceiro no de si (vi/I); o quarto em Lá como dominante de Ré (V/I); o quinto que encerra na tonalidade de Ré (I). Vê-se que a tonalidade de tônica é a última a ser trabalhada, já que no início da peça sua aparição é muito rápida. Por este modo de construção e 37 desenvolvimento aqui empregado por Neukomm, este esquisse prepara o ouvinte para a música que se segue. O segundo esquisse, L’amour, é um Allegro moderato. Este é mais extenso que a peça anterior e é construído e estruturado de maneira muito diferente. Vemos que esta peça está dividida em duas seções, separadas por um ritornello no compasso 64. Cada uma destas duas seções possui uma função diferente, a primeira expõe os materiais temáticos principais da peça e a segunda os re-expõe desenvolvendo-os. A primeira seção possui três períodos. O primeiro deles apresenta o tema principal do esquisse nos quatro primeiros compassos. A frase que compõe este tema é anacrúsica, apresentada em piano, construída sobre uma melodia movida e acompanhada por um baixo e acordes repetidos em colcheias (Ex. 16). Esta frase é inconclusiva, partindo de Ré e cadenciando em Lá (I-V); seu primeiro inciso (compassos 1 e 2) é caracterizado por uma síncopa (colcheia - semínima) e por uma melodia ornamentada sobre um salto de sexta descendente (f#’’ – a’). Exemplo 16. A frase seguinte ao tema desenvolve o primeiro inciso e termina com uma cadência sobre o acorde de fá# (iii). Segue-se uma frase construída sobre a harmonia de mi (ii), composta por uma nova melodia (também anacrúsica, formada com notas 38 ornamentadas da harmonia e antecipações rítmicas no compasso 11) e com um acompanhamento em semicolcheias sobre arpeggi de acordes (Ex. 17). Exemplo 17. Através de um movimento cromático do baixo no compasso 12 (b - bb - a) a próxima frase inicia sobre a harmonia de Lá (V), com a melodia formada sobre trechos escalares e mantendo o acompanhamento anterior. Nos compassos 16 e 17 há uma quebra no acompanhamento, sforzati no contratempo do compasso reforçam a dominante Mi7 (V/V). Estes compassos finalizam o período com uma cadência perfeita (V/V - V) na dominante Lá (Ex. 18). Exemplo 18. Entre o primeiro e o segundo período desta seção há uma transição de três compassos formada por arpeggi e escalas sobre a dominante Lá (proveniente da cadência anterior). O segundo período (compasso 21) começa novamente com o tema no tom original seguido de uma frase conclusiva. Esta, de material oriundo do tema, cadencia em Ré (IV – V46 – V7 – I; Ex. 19). 39 Exemplo 19. Segue-se uma nova frase em forte constituída por um baixo de semicolcheias oitavadas em tremolo sobre um pedal de tônica (D - d) e depois sobre a dominante (A - a), ornamentado pela bordadura inferior (g#). Sua melodia é formada por terças, sextas e oitavas e marcada por appoggiature em sforzato (Ex. 20). Esta frase é de grande impacto devido à sua alteração de dinâmica e sua textura cheia, com ela a tônica da peça (Ré) é reafirmada com convicção. Exemplo 20. Após a reafirmação da tônica inicia-se uma frase modulatória, saindo da tônica para a dominante (I – V). Esta frase é construída por uma melodia em terças e uma linha de baixo simples, encerrando este segundo período (Ex. 21). Exemplo 21. 40 O terceiro período desta seção se desenvolve no âmbito da dominante (Lá). Suas frases são menos movidas e seu acompanhamento é menos denso. A primeira frase expõe um tema secundário também anacrúsico (a’’ - c#’’’), esta anacruse é proveniente da inversão da anacruse do tema (a’’ – f#’’), antes uma terça descendente e aqui uma terça ascendente. A melodia deste segundo tema é constituída ritmicamente por figuras lentas (mínimas e semínimas) e melodicamente por notas repetidas e várias appoggiature reforçadas por acentos ou forte-piani. O acompanhamento é composto por um baixo preenchido por colcheias em arpeggio ou melodia, se mantendo constante durante este período (Ex. 22). Esta frase termina suspensa com uma cadência para dó# (iii/V). Exemplo 22. A frase que se segue deriva da primeira e termina com uma cadência perfeita em Lá (V). Ela se diferencia apenas por um crescendo e pela inserção de pausas de colcheias na linha do baixo a cada primeiro tempo de compasso. A última frase deste período começa com incisos criados sobre dominantes (Lá7, Si7, Dó#7) e criam um crescendo até o acorde de Mi73 (V/V) em fortissimo (Ex. 23). Os próximos incisos aparecem em piano e são compostos por acordes intercalados de pausas. Primeiramente eles levam a uma cadência de engano (V – V/V – vi/V) no compasso 60 e depois à cadência perfeita sobre a dominante que encerra esta seção. 41 Exemplo 23. Interligando as duas seções há um levare proveniente da expansão da anacruse do tema. O salto de terça a’’ - f#’’ da anacruse é invertido, obtendo a sexta a’ - f#’’ que é preenchida com notas de passagem em semicolcheias. Este levare serve tanto para retornar ao início da seção quanto para iniciar a próxima. Os três períodos desta primeira seção apenas apresentam o material que será utilizado pela segunda. Harmonicamente eles são bem estáveis: o primeiro parte de Ré (I) passando por mi (ii) e terminando em Lá (V); o segundo se desenvolve no âmbito da tônica (Ré), terminando suspenso na dominante; o terceiro é exposto na dominante (Lá) e apresenta um tema secundário. A instabilidade e desenvolvimento harmônico ocorrerão na seção seguinte, cabendo a esta primeira apenas a polarização entre dominante e tônica. A segunda seção começa enérgica com um pedal melódico em forte sobre a nota f#’’ e sua oitava inferior, o baixo caminha ascendente e é formado pela repetição em semicolcheias de um intervalo de terça (Ex. 24a). Este f#’’ é a mesma nota pertencente ao tema principal, entretanto, aqui ele aparece sobre a harmonia de Fá#7 (V/vi) e não sobre a tônica (Ré), iniciando um trecho de instabilidade tonal. Seguemse incisos compostos pelo mesmo baixo em semicolcheias e por uma melodia feita com repetições e arpeggi ornamentados sobre notas da harmonia, que se alterna entre a dominante Fá#97 (V/vi) e a relativa menor da tônica (si3) (Ex. 24b). 42 Exemplo 24. A partir do compasso 155 há um ciclo de quintas construído sobre arpeggi ornamentados por bordaduras (Ex. 25). A harmonia transita de Dó#7, passando por Fá#7 e Si7, até Mi7 (V/V). Exemplo 25. A última dominante do ciclo é resolvida no compasso 164 quando o tema principal reaparece transposto para a dominante do tom (Lá). Na frase seguinte, o primeiro inciso do tema é trabalhado de forma a modular para a tonalidade de fá# (vi/V). Sobre este tom inicia-se uma frase que encerra o primeiro período desta seção, retomando o vigor do início desta seção. Sua melodia é construída em oitavas e seu acompanhamento em acordes executados em tremolo de semicolcheia (Ex. 26). Exemplo 26. 43 Entre este primeiro período e o próximo há uma transição constituída de incisos formados por notas ornamentadas com mordentes, escritos por extenso em semicolcheias. Estes incisos aparecem ora em registro grave, em fortissimo e reforçados por oitavas, ora em registro agudo e em piano (Ex. 27), eles formam uma linha cromática ascendente (c#’’ – d’’ – d#’’ – e’’) criando um levare para o início do segundo período desta seção. Exemplo 27. Neste próximo período o tema principal reaparece novamente transposto para a dominante (Lá), aqui uma oitava mais grave que no período anterior. A próxima frase (compasso 100) inicia-se desenvolvendo o primeiro inciso do tema no âmbito da homônima menor da dominante (lá; Ex. 28). Primeiramente vemos incisos elaborados sobre os acordes de lá (v), Dó (VI/v), mi (v/v) e lá3, precedidos de suas respectivas dominantes. Segue-se no compasso 109 um novo ciclo de quintas (Mi75, Lá7, Ré7, Sol7, Dó7), utilizando o primeiro inciso do tema como material e modulando para a homônima menor da tônica (ré). Exemplo 28. 44 A partir do compasso 114 inicia-se uma nova frase. O baixo caminha diatonicamente por duas oitavas (de f a FF), sobre ele um padrão composto de semicolcheias em graus conjuntos se repete e transforma-se em um tremolo, preenchendo a harmonia (Ex. 29a). Este trecho acumula tensão e expectativa para que, a partir do compasso 120, arpeggi ascendentes sobre acordes em sforzati conduzam para o clímax da peça no compasso 124. Neste ápice vemos acordes repetidos, Mi793 em fortissimo sob arpeggi descendentes, que resultam em uma grande escala cromática, de a a f#’’ sobre a suspensão Lá46 – Lá7 no baixo, dissolvendo o clímax e encerrando este período de grande instabilidade tonal (Ex. 29b). Exemplo 29. O final da escala cromática dá início a um novo período, no qual o tema secundário é re-apresentado no âmbito da tônica, todavia, agora com algumas modificações. Há uma frase nova a partir do compasso 136 que se desenvolve a partir do primeiro inciso deste tema secundário, ela é marcada por um crescendo no baixo e por sforzati que criam uma nova expectativa para este trecho (Ex. 30a). Vemos um novo trecho a partir do compasso 149, nele o inciso da segunda frase do tema secundário gera appoggiature superiores marcadas com sforzati formando uma linha melódica ascendente com um acompanhamento acéfalo, constituído de colcheias com o contratempo marcado também por sforzati (Ex. 30b). Esta linha resulta em um 45 arpeggio descendente (compasso 153) que dissolve a tensão criada pela linha ascendente anterior e cadencia na tônica (Ré) no compasso 156. Exemplo 30. A frase que encerra este terceiro período é proveniente da frase que encerra a seção anterior. entretanto, vemos uma alteração rítmica: ao invés de colcheias em staccato como antes, temos uma mínima que valoriza o segundo tempo do compasso. Há uma cadência de engano no compasso 160 que suspende e estende a frase, homóloga à do compasso 60 (Ex. 31). A frase é marcada por pausas e acordes, terminando inconclusa na dominante e preparando para o último período da peça. Exemplo 31. O tema principal é re-exposto no tom original (Ré) sobre um pedal de tônica (D). Este pedal perdura pela próxima frase, formada por uma melodia ascendente sobre o arpeggio ornamentado de notas da harmonia. Seguem-se incisos cadenciais (I V - I) construídos sobre arpeggi com acentuação em fortissimo no segundo tempo (Ex. 32), depois, o baixo de semicolcheias em tremolo sobre D e d (Ex. 20) reaparece para finalizar a peça com uma cadência perfeita para a tônica. 46 Exemplo 32. A peça acaba com quatro acordes de Ré maior, com seus sopranos dispostos ascendentemente formando um arpeggio em fortíssimo (Ex. 33). Exemplo 33. Nesta segunda seção temos quatro períodos distintos: o primeiro inicia com vigor a seção e re-expõe o tema principal no tom da dominante (Lá); o segundo trabalha o tema principal no âmbito da homônima menor da tônica (ré), caracterizando o período de máxima de instabilidade tonal que culmina no clímax da peça; o terceiro volta para a tonalidade da tônica (Ré) re-expondo o tema secundário; o quarto e último retoma o tema principal e encerra a peça. Vimos que esta obra de Neukomm é constituída de duas peças escritas e estruturadas de modos complemente diferentes. O primeiro esquisse possui características improvisatórias, portando-se como um prelúdio para a peça seguinte. O segundo esquisse possui tema e estrutura bem definidos, com conteúdo musical mais extenso e denso. Assim, L’Amitié precede L’Amour, criando uma obra única de grande expressão patética e de um refinado discurso musical. 47 2.3. Gravação A gravação da obra “L’amitié et l’amour” foi realizada no dia 24 de julho de 2010 (Anexo III). O fortepiano utilizado foi construído por César Augusto Guidini (Boston, 2009) e é de propriedade do Prof. Dr. Pedro Aurélio Persone, a quem agradecemos a gentileza de disponibilizar seu instrumento e sua casa para a realização do nosso trabalho. O fortepiano é uma cópia de um instrumento inglês, do construtor John Broadwood (London, 1804), cujo original faz parte da coleção particular de instrumentos de Guidini. Escolhemos este fortepiano para gravar a obra de Neukomm porque, como o discutido no item 1.2. deste trabalho, instrumentos deste construtor inglês eram amplamente importados e utilizados pela corte do Rio de Janeiro no início do séc. XIX. O instrumento possui extensão de cinco oitavas e meia (FF - c’’’’), sendo três cordas e um abafador para cada nota de sua extensão, e possui três pedais: um una corda, que desloca o mecanismo e o teclado para a direta fazendo com que a cabeça dos martelos atinja apenas uma das três cordas; e dois sostenuti, cada um de ação independente (um na região acima de c’ e o outro abaixo), que suspendem todos os abafadores da sua região de ação. 48 O fortepiano foi afinado em temperamento histórico desigual descrito por Francesco Antonio Vallotti em seu tratado Della scienza teorica e pratica della moderna musica (Pádua, 1779). Este temperamento foi escolhido por sua gama de modulações possíveis e pela sua extrema semelhança com o temperamento proposto pelo inglês Thomas Young (Londres, 1800) 64. A principal característica deste temperamento é de encurtar as quintas Fá – Dó – Sol – Ré – Lá – Mi – Si em um-sexto de coma pitagórica e manter puras as outras quintas do ciclo 65. Para realizar a captação de áudio, utilizaram-se dois microfones condensadores da marca AKG e um aparelho tipo D.A.T., sendo a gravação depois tratada e editada digitalmente em computador por Cauê Dalla Vecchia Pittorri. Thomas Young foi importante teórico inglês contemporâneo de Neukomm, seu sistema de temperamento é extremamente similar ao descrito por Vallotti, entretanto as quintas temperadas são de Dó a Fá#, e não Fá a Si. 65 VEROLI, Claudio Di. Unequal Temperaments: Theory, History and Practice. 2ed. Bray: Bray Barroque, 2009, p. 121. 64 49 Bibliografia Fontes Primárias: ADAM, Louis; LACHNITZ, Ludwig-Wensel. "Méthode ou principe général du doigté", Paris 1801. In: ROUDET, Jeanne (Ed). Méthodes et Traités Pianoforte. v.2. Bressuire: Editions Fuzeau, 2004. BACH, Carl Philipp Emanuel. Ensaio sobre a maneira correta de tocar teclado, Berlim 1753. Campinas: Editora Unicamp, 2009. BACH, Jean-Chrétien; RICCI, Francesco-Pasquale. "Méthode ou recueil de connoissances", Paris 1786. 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