A rtigos - Caderno CRH - Universidade Federal da Bahia

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A rtigos - Caderno CRH - Universidade Federal da Bahia
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ao carlismo pós-carlista
Paulo Fábio Dantas Neto
RESUMO: O carlismo é uma política baiano-nacional nascida de aspirações
modernizantes de uma elite regional, nos marcos da chamada revolução
passiva brasileira e na perspectiva de um autoritarismo instrumental. Adota,
como diretriz, simultânea atuação na política institucional, na estrutura da
administração pública e na interface destas com o mercado e, como estratégia, a sustentação regional da ordem social competitiva, ligando-se, pragmaticamente, ao campo político liberal. Com o declínio do poder pessoal
do senador ACM, nota-se alterações na política e no estilo de atuação do
grupo. Pode-se dizer, por isso, que a Bahia ingressou no “pós-carlismo”?
A política carlista declina com o seu chefe? As mudanças em curso descaracterizam-na ou são inflexões para preservá-la? O presente artigo discute estas e outras questões, através de sintética remissão às origens do
carlismo, da análise do processo de construção, ampliação e erosão de
sua hegemonia regional e de sua influência na política nacional, procurando indicar como a aceleração do processo erosivo enseja a estratégia
transformista de um “carlismo pós-carlista” e discutir condições de êxito
dessa estratégia.
PALAVRAS-CHAVE: carlismo, modernização, hegemonia, transformismo,
pós-carlismo
Um paradoxo notável no cotidiano político atual dos baianos é
o fato de que, num lugar onde até pouco tempo se discutia como seria o dia seguinte à saída de cena do senador Antônio Carlos Magalhães (e, com ele, do carlismo, grupo político sob seu comando), assis-
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Este trabalho foi elaborado, sob o título Do carlismo histórico ao carlismo pós-carlista,
para exposição no IV Simpósio do Observatório Social do Nordeste realizado em
Teresina e Natal (02 a 05.12.03), pela Fundação Joaquim Nabuco, em colaboração
com Programas de Pós-Graduação das Universidades Federais do Piauí, Rio
Grande do Norte e Pernambuco. A presente versão modifica e amplia a que foi
apresentada no Simpósio e que será publicada no site da referida Fundação. Servese, como a versão original, de dados e reflexões oriundos de pesquisa para tese de
doutoramento, em fase final de redação.
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te-se à sua lenta agonia política pessoal, ao lado de sintomas de que o
carlismo lhe sobreviverá.
Paradoxo menos evidente, mas certamente mais relevante, é
que a antecipação processualizada do dia seguinte oferece ao grupo
uma chance de continuidade pela retomada da orientação que lhe vinha sendo dada pelo deputado Luís Eduardo Magalhães, morto prematuramente, em 1998, quando partilhava com o pai o comando do
carlismo. Consiste em adotar posição política mais definida e mais
aderente ao campo político liberal, temperada por estilo de direção
menos impositivo e mais tolerante para com diferenças internas, embora não menos conservador na defesa de posições políticas conquistadas, nem mais flexível na disputa por novos recursos de poder. A
diferença é que a reorientação, antes “natural”, pois partida de um
“príncipe hereditário”, agora precisa ser feita, não só apesar de ACM,
como contra seu comando. São, contudo, mudanças que não despojam os políticos nela envolvidos da condição de carlistas. No máximo,
pode-se falar em carlismo pós-carlista, um grupo não mais dirigido
monocraticamente.
Impossível eliminar incertezas da conjuntura. Este texto pretende moderá-las de modo a que não se tornem impeditivas de uma
visão mais “estrutural” da política baiana. O termo estrutura não tem
aqui o significado forte, conceitual, de constrangimento externo à política (embora constrangimentos dessa natureza não sejam ignorados
na análise), mas alude a um sentido de permanência que empresta caráter de ordem ao cenário em que ações políticas transcorrem.
Sob tal premissa, o carlismo histórico (e sua inflexão recente)
será tratado como instituição da política baiana e nacional, parte constitutiva e constituinte de uma situação política que, sem reivindicar-se
singular, é um arranjo regionalmente peculiar de elementos presentes
na política brasileira do último meio século e, ao mesmo tempo, a
projeção nacional dessa “síntese” política regional realizada em contexto político autoritário e de fraca polarização ideológica.
O itinerário da exposição será, primeiro, a caracterização do lugar histórico ocupado por ACM em resposta a requerimentos - anteriores a 1964 – de elites baianas incorporadas a um certo campo político nacional; segundo, o modo de renovação dessa demanda, durante
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a década seguinte – quando o carlismo se constrói enquanto grupo
político regional, iniciando, ao final do período, sua trajetória de fenômeno baiano-nacional2 – o que permite definição mais precisa do
próprio termo carlismo; terceiro, análise do binômio carlismo/anticarlismo, elemento marcante da política baiana desde meados dos anos 70, cumprindo papel de relevo para a hegemonia alcançada pelo
grupo, nos anos 90; quarto, análise da erosão do poderio carlista – do
poder pessoal de ACM, em particular - a partir de 1999; por fim, a indicação de como a aceleração do processo erosivo, em 2003, abriu
uma oportunidade à afirmação de um carlismo pós-carlista.3
SEM ELOS PERDIDOS: premissas do carlismo, como força regional
(1954-1967)
A proposição do sub-título difere de duas versões contraditórias
sobre a origem do domínio carlista, ambas consagradas em círculos
políticos, jornalísticos e até acadêmicos: a de mera reiteração oligárquica e a de sua imposição autoritária, via regime militar, à sociedade
do lugar.
A compreensão da natureza dos requerimentos da elite baiana
exige que a visão retrospectiva recue a meados dos anos 50, quando,
na chegada da Petrobrás à região de Salvador, aquela elite confrontava-se com o enigma baiano,4 incapacidade de modernização e industria-
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O termo é tomado de empréstimo à socióloga Maria Brandão, que o criou
(Brandão, 1994), para qualificar um idioma, ou “língua franca” que, para ela,
assume diferentes conotações no Brasil contemporâneo, conforme sua utilização
no contexto regional ou nacional.
O fenômeno do carlismo, e/ou a personalidade política de ACM têm sensibilizado,
para além do farto debate político e jornalístico dos últimos anos, pesquisadores e
analistas de diversas áreas do conhecimento acadêmico, fato evidente em trabalhos
como Souza (1997), Cordeiro (1997), Almeida (1999), Carvalho (2001), D’Araújo
(2001), Rubim (2001), reflexões às quais foi até aqui possível adicionar outras, em
Dantas Neto (1997; 2000; 2001; 2002).
Entre diversas abordagens do tema do “enigma”, como foco ou como elemento
subsidiário de análise, ver Aguiar (1958), Almeida (1951), Azevedo (1975),
Brandão (1997), Guimarães, (1982) e (1987), Oliveira (1987), Risério (1993) e
(2000), Tavares (1966) , Teixeira & Guerra (2000) e Viana Filho (1984).
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lização enfatizada em comparações desfavoráveis com outros centros
urbanos, especialmente Recife.5
A este “atraso” a elite governante local procurou, entre 1947 e
1954, responder com iniciativas modernizantes de cunho liberal, que
pretendiam fazer o progresso (inclusive industrial) aflorar a partir do
reforço da dinâmica agro-mercantil tradicional e do capital bancário
que se acumulara na região. Tal estratégia esbarrava, de um lado, na
depreciação dos termos de câmbio no mercado internacional, fator
sempre associado a políticas encetadas pelo estado nacional e, de outro, na escassez de recursos materiais e humanos disponíveis ao governo baiano. Assim, a melhor expectativa despertada com a chegada
da Petrobrás era a captação de royalties, que se queria ver convertidos
em recursos adicionais, postos à disposição das elites regionais para a
execução de projetos de há muito acalentados.
Outra, como se sabe, foi a opção do estado nacional, empenhado em estratégia industrial focada na região Sudeste, cujo desdobramento foi a homogeneização do espaço econômico nacional (Oliveira, 1973; 1987), sob hegemonia de capitais ali situados. Em vez de
reforço ao papel diretivo de burguesias regionais, incrementou-se a
capacidade de planejamento e intervenção do Estado, cujo corpo técnico, crescentemente insulado, torna-se formulador e diretor de políticas. Assim, praticamente anulam-se as chances de implementação da
estratégia liberal, que tivera no governo Octávio Mangabeira (19475
A idéia do “enigma” foi apontada por Chico de Oliveira, em O elo perdido (Oliveira,
1987), como um caso de atribuição indevida ao conjunto da sociedade baiana de
um traço que singularizava a sua elite. Em parcial convergência com essa
abordagem, o professor Nelson de Oliveira recebe o tema do enigma como
discurso elitista dissimulador da violência econômico-social causadora do
persistente atraso baiano (Oliveira, 2000). Por outro lado, peculiaridades do
processo de urbanização acelerada da região de Salvador, iniciado na segunda
metade dos anos 40, foram analisadas, sob vários aspectos e diferentes
perspectivas metodológicas e disciplinares, por, dentre outros, Brandão (1978) e
(1980), Gordilho Souza (1990), Mattedi, Brito & Barreto (1979), Santos (1956) e
(1959), Souza (1978) e Souza & Faria (1980). Numa perspectiva comparativa entre
Salvador e Recife, desdobramentos dessa urbanização e sua associação com a
industrialização regional nos anos 70 foram estudados em Brandão (1985). E a
industrialização baiana, de per si, foi foco de sistemática análise, sob perspectiva
histórica, em Azevedo (1975). Recentemente, através da revista Bahia Análise &
Dados (SEI), têm sido divulgados estudos, pesquisas e artigos que atualizam e
desdobram o tema. Ver especialmente artigos retrospectivos publicados em dois
volumes especiais da revista, editados sob o título “Leituras da Bahia”.
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1951) seu momento máximo de fermentação e no isolamento daquele
líder político, com o retorno de Vargas ao poder, sua curva de inflexão.6 Logo, economia e política nacionais convergiam para sepultar a
hipótese de reiteração oligárquica e apontar, às elites baianas, um caminho alternativo de superação do enigma.
A ocasião veio nas eleições de 1954, quando ascende ao governo baiano uma coligação de forças até então rivais, reunidas por obra
de Getúlio Vargas: a UDN juracisista,7 o PTB getulista e uma dissidência do PSD, liderada por Antônio Balbino, eleito, assim, governador,
depois de ter o capital político inflado por Vargas.8 A coligação derrotada reunia a fina flor da elite liberal do Recôncavo,9 seus ramos agrícola, mercantil e bancário; seus mais destacados intelectuais – atuantes na academia e na imprensa, mormente do jornal A Tarde - e notórios políticos, inclusive o então governador, Régis Pacheco, e seu antecessor, Octávio Mangabeira.
A ascensão de Rômulo Almeida à Secretaria da Fazenda do governo Balbino (1955-1959), no papel de introdutor da função plane-
Mangabeira, um dos artífices dos entendimentos nacionais entre UDN e PSD
durante o Governo Dutra (1946-1951) tentou articular, a exemplo do que ocorrera
no plano estadual baiano em 1947, no qual elegeu-se governador, uma aliança
entre os dois partidos na eleição presidencial de 1950. Frustrado o plano pelo
lançamento de candidato próprio do PSD, pavimentou-se o caminho para a vitória
de Getúlio Vargas (PTB) e Mangabeira ainda teve de amargar o apoio de seus
companheiros autonomistas baianos à candidatura do ex-ditador, em troca do
apoio deste à candidatura de Régis Pacheco (PSD), ao Governo da Bahia.
Derrotando Juracy Magalhães(UDN), Régis governou de 1951 a 1955, período em
que Mangabeira guardou distância e silêncio da política baiana.
7 Comandada, na Bahia, por Juracy Magalhães, tenente de 30, que fora interventor
(1931-1934) e governador do estado (1934-1937), além de primeiro presidente da
Petrobrás, pela mão de Vargas. No pleito de 1954 elege-se senador pela chapa de
Balbino e, sob sua liderança, Antônio Carlos Magalhães estreou na vida política,
elegendo-se, no mesmo pleito, deputado estadual pela UDN e tornando-se, por
mais de uma década, um notório juracisisita.
8 Por escolha de Vargas, Balbino foi relator, na Câmara, da Lei 2004, que criou a
Petrobrás e, depois, ministro da Educação (1953-1954). Discussão detalhada das
eleições de 1954 e do processo político transcorrido na Bahia entre 1947 (eleição
de Mangabeira) e 1959 (término do governo Balbino) está em Dantas Neto(1996).
Região situada em torno da baía de Todos os Santos, que abrange a outrora
opulenta área da cultura da cana e dos engenhos e usinas de açúcar, à qual
Salvador foi ligada, no passado, como porto, entreposto mercantil-financeiro e
sede administrativa estatal. O advento da Petrobrás, e a posterior demarcação,
com a industrialização, da sua Região Metropolitana, criou para a capital outros
laços econômicos, dela isolando o Recôncavo tradicional.
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jamento no Estado baiano, foi marco tardio de consolidação da Revolução de 30 na Bahia. Ali desenhou-se o mapa da mina que guiou a
elite estadual à conciliação com a modernização nacional. Mesmo que
aqui e ali, inclusive através do próprio Rômulo, protestos continuassem quanto ao “tratamento” dispensado à Bahia pelas políticas macro-econômicas e cambiais do governo federal, entre 1955 e meados
da década seguinte formou-se um consenso entre os vários ramos da
elite baiana: a modernização local não seria feita nem apesar, muito
menos contra, prioridades e interesses do estado nacional. Logo, o
processo de convencimento e sedução das elites baianas pela via
pragmática da associação ao que vinha politicamente “de cima” e economicamente do “centro-sul” começa antes de ACM.10
Embora programas governamentais estaduais do início dos 6011
insistissem em conciliar o objetivo industrial com a dinamização do
mundo agrícola (Santos & Oliveira,1988), “sabia-se” e aceitava-se a
idéia de que a industrialização da Bahia dependeria menos da recuperação do setor primário mas, sobretudo, do desdobramento direto das
atividades da Petrobrás num parque petroquímico que alterasse radicalmente a estrutura econômica do estado. O problema, então, era
saber como arrancar do centro político nacional a decisão viabilizadora da nova alternativa. O cenário do governo Goulart (1961-1964) era
desfavorável ao pleito,12 ainda que houvesse tentativas de entendimento, por parte do governo estadual e círculos importantes da elite
baiana.
O esclarecimento original dessa ancestralidade devemos a trabalhos do sociólogo
Antônio Sérgio Guimarães, sobre a formação de uma moderna sociedade de
classes na Bahia (Guimarães,1982; 1987).
11 Governos de Juracy Magalhães (1959-63) e Lomanto Jr. (1963-67), este,
especialmente, em seu primeiro ano.
A idéia da integração da Bahia a um projeto nacional era verbalizada por
sucessivas administrações federais. A implantação da Sudene, no governo JK
(1956-1961), foi, na perspectiva do conjunto da região Nordeste, um marco
institucional importante nessa direção. Apesar disso, os governos mantinham,
quanto a aspectos que afetavam interesses da Bahia (política cambial, agroindústria e a questão dos
uma política que Rômulo Almeida denominava
de “madrasta”, não havendo alteração relevante durante os períodos
governamentais de Jânio Quadros (1961) e João Goulart (1961-1964). Só depois
do golpe militar, a elite baiana, já concentrada na estratégia industrializante e
integrada ao jogo do regime autoritário – que incluía o esvaziamento político da
Sudene - começa a contabilizar vitórias na disputa por recursos federais e pela
inclusão da Bahia em projetos nacionais relevantes.
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royalties),
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Ainda mais desfavorável, para esses círculos, era o clima de radicalização política e mobilização social que vigorava no país. Os pólos do contencioso político baiano (o liberalismo conservador e o populismo empreendedor, saliente desde os anos 50) reproduziam traços
de comportamento político freqüentes na Bahia: o personalismo e o
bloqueio à inclusão republicana dos “de baixo” em arenas institucionais. A combinação peculiar desses dois traços – que, em si mesmos,
não conferiam singularidade à política baiana, nem à nordestina - sacrificava o pluralismo político, visto como um complicador para a
concretização daquilo que então passou a se entender por “interesse
baiano” (Guimarães,1987).
Essa percepção do auto-interesse modernizante regional demonizava o conflito social, por considerá-lo um solvente da idéia da Bahia una e cordial, cuja defesa, articulada no discurso apologético da
bahianidade,13 ganharia, mais tarde, sob ACM, foros de racionalidade
religiosa.
A ideologia não revelava, contudo, um jogo entre aparências e
uma “essência”. Ancorada numa sociedade concreta, onde vigora
uma forte religiosidade popular, mas onde também habitam interesses
objetivos historicamente arraigados e com implicações políticas concretíssimas, com poder de formatar relações sociais e inspirar discursos culturais plenamente “reais”, essa ideologia legitimava mudanças
sem perda de elos com um passado onde a desigualdade e o despotismo político, realidades que a modernização preserva e reproduz,
fincam suas raízes.
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Segundo o jornal A Tarde, naquele tempo seu mais conspícuo porta-voz, a
bahianidade era um “sentimento” que as “circunstâncias fizeram que medrasse e
crescesse apenas na Bahia”, devotado a “cousas nobres, generosas, elevadas” e
constituído ao longo de “4 séculos de civilização”, o que particularizava a Bahia e
os bahianos - “aqueles a quem a vida identificou profunda e realmente com a
Bahia” (A Tarde, 11.05.1950). Esse discurso fora antes politicamente encarnado,
durante a resistência da elite baiana à Revolução de 30 e ao Estado Novo, pelo
movimento autonomista por um governo bahiano e civil. Adiante tornou-se
recorrente o seu uso conservador, como negação ideológica da alteridade e do
pluralismo, quer dizer, dos que não “pensam, sentem e crêem como “nós” - únicos
capazes de “acalentar” e “compreender” esse “ideal” (A Tarde, 11.05.1950), que se
sobrepunha a diferenças e conflitos sociais. Trata-se, por assim dizer, da autoproclamação de um sentido de comunidade na qual a obediência política era dever
cívico de todos, embora a cidadania fosse apanágio de alguns “homens-bons”.
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Mais que contrafação do moderno, na reiteração dissimulada da tradição oligárquica (Oliveira, 2000) e menos que ruptura disfarçada na
aparência de continuidade (Oliveira, 1987), tratava-se da versão baiana do
conservantismo moderno, ascendente no Brasil (Cardoso, 1973), o qual
orientou a maior parte da elite regional nas eleições de 62 ao governo
do estado, quando a infiltração do tema da reforma social na pauta
eleitoral foi por ela captada como ameaça. Ao contrário de Pernambuco, onde venceu Miguel Arraes, na Bahia o caminho nacionalpopular foi repelido, sendo este o sentido da vitória de Lomanto Jr.
sobre Waldir Pires, naquele pleito.14
A combinação de atraso oligárquico nos “grotões” e forte apelo
de temas sociais nos centros urbanos não conferia competitividade
eleitoral ao discurso do conservantismo moderno, daí que esse campo
– no qual estava Antônio Carlos Magalhães – não se unificou através
de candidato próprio, programaticamente comprometido, mas aglutinou-se, majoritariamente, na linha do menor risco, em torno da candidatura “municipalista” de Lomanto Jr., opção que se revelaria eficaz
no contexto do golpe militar, quando o governador aderiu à nova ordem e submeteu-se à udenização de seu governo e da política baiana.15 Tem-se aqui, na incorporação transformista daquela liderança
populista, um traço conspícuo do processo baiano no pós-golpe, que
decerto facilitou a metabolização do contencioso político estadual
numa futura síntese carlista.
Uma campanha anti-comunista16 exorcizou, eleitoralmente, elementos republicanos que poderiam questionar a via passiva que aglutinava o campo do conservantismo moderno. Aliando-se a interesses
regressistas do espectro político baiano, esse campo político antecipava, em dois anos, a lógica que seria mote do golpe militar: em nome
da modernização econômica com tranqüilidade social, pregava a saída
Por mais que a retórica populista e a circunstancial filiação petebista do vitorioso
sugerissem outras avaliações.
15 Ameaçado de deposição por sua ligação com Jango até a véspera do golpe,
Lomanto Jr. foi preservado no cargo mediante acordos com os militares e sob
fiança do comando udenista baiano. Uma reforma do secretariado diminuiu a
autonomia política do governador, com a inclusão de militares e técnicos em
postos-chave e a exclusão do governo de partidos adversários da UDN, que passou
a exercer influência incontrastável na política baiana.
16 Movida não só contra a esquerda, mas principalmente contra a candidatura de
Waldir Pires e outros pessedistas.
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de cena de supostos inimigos de uma e outra, abrindo caminho a uma
democracia átona, sem “irracionalidade” sindicalista e ideologias “exóticas”. Mas os agentes locais da modernização conservadora17 baiana só
aderiram ao golpe na segunda metade de 1963 e à idéia de institucionalizar um regime autoritário, ao final do governo Castelo (1964-67).
Tal cronograma guardou sintonia fina com a maior parte do campo
político liberal brasileiro, sinal de que o projeto de modernização regional transcendia o ambiente paroquial.
O golpe militar não representou ruptura, só ajustes, nos planos
modernizantes da elite baiana. Ao contrário, removeu obstáculos que,
no plano nacional, interpunham-se ao seu projeto e, ainda, abriu brecha ao protagonismo de grupos políticos regionais18 que se faziam
porta-vozes daqueles interesses modernizantes. Esses grupos passaram a atuar em contexto compatível com a adoção da perspectiva política que Santos (1998) chamou de autoritarismo instrumental.19
A adesão à via prussiana (Coutinho, 1984)20 era – assim como
antes a aceitação do modelo industrialista e a opção de realizá-lo via
revolução passiva em sentido “fraco” (Vianna, 1997b)21 – condição de
Uso a expressão tal como difundida a partir da caracterização, por Barrington
Moore Jr., das modernizações “pelo alto” (Moore Jr, 1983), em que a autoridade
política, enquanto constrange a ação de grupos situados fora da ordem
estabelecida, promove mudança social politicamente orientada, compatibilizando
interesses e valores de elites modernizantes e conservadoras. Desta abordagem
aproxima-se Fernando H. Cardoso em Cardoso (1985).
18 Sobretudo a UDN, da qual Antônio Carlos Magalhães era o presidente, na Bahia.
19 A expressão tem, para o autor, sentido demarcatório de nuances entre diversas
posições autoritárias incidentes sobre a política brasileira. Expressa uma atitude em
favor do uso pragmático de mecanismos institucionais autoritários como artifício
apenas temporário e voltado à concretização de metas (em geral, econômicas),
diferindo de outras posições, que defendem ideologicamente o autoritarismo
político (e até o totalitarismo), seja como derivação natural de presumida
desigualdade básica entre elites e povo, seja como resposta racional a condicões
históricas criadas em sociedades complexas, cuja configuração seria “imprópria”
ao exercício da democracia.
20 Expressão
leniniana, de uso hoje difuso (assim como modernização
conservadora), com a qual é convergente a caracterização de Barrington Moore Jr.,
das modernizações
Em Coutinho, ela comparece para evocar o caráter
coercitivo de que se revestiu o processo de industrialização e unificação política da
Alemanha na segunda metade do século XIX em analogia à experiência histórica do
Estado brasileiro, cujo autoritarismo, nos marcos de revoluções passivas, serviria
para limitar demandas por mudança a arranjos de conteúdo social conservador.
21 O conceito gramsciano - denotativo de processos de mudança social de longo
curso onde se ausenta um elemento antitético ativo, de ruptura política - é aqui
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pelo alto.
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acesso daqueles interesses ao novo centro de decisão política. Pela
reflexão de Guimarães (1987), os militares sucederam à tecnocracia
nacional-desenvolvimentista na direção política da modernização regional, à qual a burguesia baiana já renunciara antes.
A recepção entusiástica da elite baiana a essa via (passiva e prussiana) e o seu peso político-eleitoral, preservado com a eleição de Lomanto Jr. e potencializado com a adesão deste à nova ordem, renderia
ao regime militar um longevo consenso político na Bahia e um plantel
de quadros técnicos ascendentes à burocracia federal, a serviço de
prioridades ditadas pelas políticas econômicas. Em troca, o golpe e a
orientação política do governo Castelo Branco foram funcionais aos
udenistas baianos e, além disso, a Bahia logrou, sob o regime militar, a
expansão econômica desejada, mercê de espaços de influência nacional concedidos à sua liderança política e a quadros técnicos que aos
poucos foram sendo estrategicamente situados.22
De outro lado, essa “simbiose” dissolveria até fisicamente a
burguesia regional (certos grupos mais relevantes deixaram de ser “regionais”, para se integrarem ao novo quadro), submeteria trabalhadores e camadas médias baianas a um ambiente político ultra-despótico,
marcado por truculência e carisma (Franco, 1995) e restringiria o
campo da ação da “vontade política” na formulação e execução de
estratégias complementares de desenvolvimento regional ou de políticas públicas capazes de reverter um quadro de concentração de renda
compreendido em dupla chave interpretativa, conforme a proposição de Werneck
Vianna, distinguindo-se revolução passiva como programa de ação estratégica de
elites estabelecidas (acepção mais corrente, presente em Coutinho (1984) e
qualificada de revolução passiva em sentido fraco) de revolução passiva como critério de
interpretação de cursos históricos, cenário sistêmico permeável, também, à ação
política de grupos antitéticos à ordem estabelecida, através da qual é possível,
mesmo no marco de uma revolução passiva, permitir a dinâmica da mudança
ultrapassar a da conservação (Vianna, op.cit, p. 30).
22 A elite política baiana esteve, nesse período, afinada com o processo nacional de
formação de quadros técnicos profissionalizados para o exercício de funções
públicas. Assim como Rômulo Almeida, ao exercer cargos governamentais na
Bahia, antes de 64, esteve atento a este processo, os udenistas influentes no
governo Lomanto Jr. assumiram, não importa se por convicção ou pragmatismo
político, o discurso gerencialista que, através de uma reforma administrativa,
buscava autonomizar a administração pública e sua gestão em relação a práticas
oligárquicas. Neste ponto ACM foi, não um pioneiro, mas o governante que,
aprofundando a tendência, dela extraiu conseqüência política, usando-a para
neutralizar grupos tradicionais e submetê-los a seu comando.
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e exclusão social. Chamar de modernizante tal cenário provoca compreensível reserva ética, por se associarem, geralmente, ao termo, significados positivos. Lidando cautelosamente com o adjetivo, mas sem
paralisia diante da ambigüidade substantiva do moderno, comento, a
seguir, o processo político baiano pós-golpe, onde a primeira idade do
carlismo histórico é coetânea dessa modernização.
A CONSTRUÇÃO DAS PREMISSAS DO CARLISMO BAIANONACIONAL (1967-1978)
De 1964 a 1967 a tessitura da obra política carlista dera-se em
ambiente palaciano e nacional. A influência de Juracy Magalhães23
aproximou dois quadros políticos baianos que já desfrutavam de alguma visibilidade, no plano nacional - Luís Viana Filho24 e Antônio
Carlos Magalhães25 – da cúpula do grupo castelista que, em 1966, os
indicou para ocupar, respectivamente, o governo do Estado e a prefeitura de Salvador, durante o quadriênio seguinte.
Mas se este ato foi crucial para o advento do carlismo na Bahia,
não o foram menos, como se viu, os lances da política baiana entre
1954 e 1966, dos quais Luís Viana e Antônio Carlos emergiram como
porta-vozes de reivindicações endógenas das elites locais, demandantes de um mix de continuidade e mudança, um “príncipe transformis-
Político de prestígio popular e chefe de um grupo político (o juracisismo) com
grande enraizamento no estado, governara a Bahia pela segunda vez (1959-1963) e
foi personalidade de proa nos primeiros anos do regime militar, quando exerceu o
cargo de embaixador nos EUA e de ministro, das Relações Exteriores e da Justiça.
24 Político e intelectual oriundo de família com ramificações no Recôncavo e na
região do São Francisco, cujo pai – o Conselheiro Luís Viana - governou a Bahia
no início da Primeira República. Iniciara sua vida pública nos anos 30, nas fileiras
autonomistas, sob a liderança de Octávio Mangabeira, tendo exercido, até 1964,
seis mandatos de deputado federal, já sendo, portanto, antes do golpe, um quadro
político experimentado e com alguma projeção.
25 Embora jovem, Antônio Carlos já não era, no início do regime militar, político
obscuro, ou ainda restrito ao plano regional. Depois do mandato de deputado
estadual (1955-1959), exercia seu segundo mandato federal e, mesmo sem integrar
o primeiro time da Câmara, era próximo a políticos influentes (destaque ao expresidente JK e a “banda de música” da UDN), tinha atuação ruidosa e agressiva, de
cunho denuncista (mormente contra o governo Jango, nos 6 meses anteriores ao
golpe), relatara uma CPI, presidira outra, coordenara a campanha de Juracy
Magalhães pela indicação udenista para concorrer, em 1960, à Presidência da
República e ocupava a presidência da UDN baiana, cargo obtido depois de ter sido
o deputado federal mais votado do partido, nas eleições de 1962.
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ta” comprometido, simultaneamente, com as pautas modernizantes
nacionais de 1930 e de 1964 e com as modulações políticas regionais
do liberalismo e do populismo,26 figurino quadrimensional que ACM e
seu grupo encarnariam como nenhum outro ator político. Crucial
também foi a fase posterior, quando, em pouco mais de uma década,
uma liderança regional exercida em condomínio, sob aval militar,
conquistou o comando pessoal e monolítico do estado e alçou vôo
em direção à política brasileira, articulado com o poder militar e uma
tecnocracia ascendente sob o regime autoritário, mas também com
interesses de ponta do capitalismo nacional, sua bússola liberal.
Nos limites restritos do campo político regional em que se forjou, onde claras antíteses estavam ausentes, a síntese carlista – obra de
simultânea estratégia de coação e cooptação de aliados e adversários
políticos, operada sob proteção e patrocínio do regime autoritário e
em contexto de modernização do estado e de consolidação de uma
classe média urbana – dissolveu aporias e nuances, reunindo, sob o
bordão da modernização econômica, o que se pode chamar, usando
categorias de análise mobilizadas por Vianna (1994), de ânimo estatal
ibérico (territorialista, personalista, centralizador e formatador da economia e da sociedade) e de ethos liberal, evidenciado no resumo da
obra: advento, na Bahia, de sociedade de mercado americanizada por
cima, onde, já nos anos 70, flagrava-se, enredada na teia dos empreendimentos estatais, a abissal assimetria, a que alude o autor citado, entre economia, política e organização social.
A síntese revogava, ainda, uma disjunção endógena à política
baiana, no interior da qual fixara-se a linha da modernização conservadora. Refiro-me ao confronto entre um liberalismo radicado na tradição agro-mercantil-financeira e um populismo quase sem operários,
nascido da urbanização sem industrialização, duas décadas atrás. O
populismo, em parte cooptado pelos vitoriosos de 1964, foi incluído
no repertório de práticas da elite dirigente, da qual o pluralismo políti-
Transformismo aqui é referido em seu sentido gramsciano original (Gramsci,
1978), como processo - próprio de revoluções passivas em sentido fraco - de
gradativa consolidação de blocos no poder mediante cooptação molecular de
personalidades e grupos de oposição, movimento voltado à neutralização
antecipada de conflitos e conseqüente conservação da ordem, ainda que com
traços de mudança derivados da metabolização, pelo bloco no poder, de
aspirações pontuais das forças cooptadas.
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co, e não o populismo, era o adversário a ser removido (Dantas Neto,
2000).
A estratégia dessa síntese quadrimensional (iberismo/ americanismo; liberalismo/populismo) valer-se-ia da coerção, mas também
buscaria, por décadas, uma hegemonia cultural só lograda, como se
verá, durante a democracia dos anos 90, quando a hegemonia tornouse “necessária”, pela maior espectro de interesses que uma pretensão
de síntese teve que passar a considerar.
De 1967 a 1974 o carlismo afirmou-se como a principal força
da ARENA na Bahia, embora se mantivesse, ainda, como grupo político apenas estadual. A Prefeitura de Salvador (1967-1970) serviu de
vitrine administrativa e trampolim político e o esforço prosseguiu durante o primeiro mandato de governador de ACM (1971-1975), quando, ao tempo em que mantinha a sociedade civil baiana sob forte
constrição autoritária, investia contra bases político-eleitorais de grupos conservadores rivais, no intuito, em parte consumado, de neutralizá-los, ou pulverizá-los.27
O carlismo renovou, gradualmente, os quadros dirigentes da
administração estadual, nela introduzindo, em grau inédito – e em
sintonia, como já visto, com o processo nacional de profissionalização
da burocracia estatal - jovens técnicos que, obstruídos os canais de
participação política, passavam a crer naquele tipo de mecenato insulado como caminho de infiltração do moderno no aparelho de governo, opção que trazia para eles a vantagem adicional, nada desprezível,
de realização profissional pessoal e, para alguns, acesso tutelado ao
então fechado mundo do poder. Em linha com esse “entrismo” estranho à tradição dos grupos políticos locais, os primeiros passos do
carlismo já eram dados em direção ao fomento de (e interação com)
atividades econômicas diversas do perfil agro-mercantil-financeiro
A afirmação do poder pessoal de ACM deu-se, principalmente, contra bases do
juracisismo e dos ex-governadores Lomanto Jr. e Luís Viana Filho. Este último
cumpriu, aliás, em 1970, papel fundamental, ainda no exercício do governo, como
articulador político nacional junto ao governo Médici e como arregimentador das
bases arenistas estaduais, com vistas à escolha de Antônio Carlos, pelo comando
militar, para sucedê-lo no cargo. Cabe, contudo, frisar que a estratégia de ACM,
uma vez no poder, não se resumiu à coerção. Recorreu a mecanismos de
acomodação e cooptação, sendo exemplo disso o manejo hábil das sublegendas, na
política municipal.
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predominante na Bahia: conflitos com o comércio e finanças estabelecidos, em torno da política tributária, compensavam-se com aproximação ao Banco Econômico, articulações em prol da petroquímica
e o fomento de um mercado imobiliário capitalista numa Salvador
enfitêutica.28
Já então insinuava-se um traço que jamais deixaria de marcar o
carlismo: a simultânea ação na política institucional, na estrutura da
administração pública e na interface de ambas com o mundo do mercado. Nos vértices formados por esses três fronts, ou “momentos”, de
atuação, a política obedecia a duas diretrizes articuladas: desmonte ou
esvaziamento de instituições e valores poliárquicos (Dahl, 1997) existentes ou em gestação na política baiana e a construção, no chão social da Bahia, de um mercado capitalista – nacional e internacionalmente conectado, ainda que carente de alicerce econômico local – e um
estado autoritário capaz de alavancá-lo.29
Apesar da transformação urbana de Salvador, da racionalização
administrativa do Estado e de sucessivas vitórias na política industrial
– colhidas, desde a gestão de Luís Viana, com a implantação definitiva
do Centro Industrial de Aratu e a fixação, contra interesses paulistas,
do Pólo Petroquímico de Camaçari30 – ACM encerrou seu primeiro
governo com duas derrotas: nas relações econômicas, a venda, em
1973, estimulada pelo governo federal, do centenário Banco da Bahia
(BBa) ao Bradesco, na contramão dos seus planos de criar, via fusão
Durante sua gestão à frente da Prefeitura de Salvador, ACM promoveu uma
“reforma urbana” que converteu em mercadoria, mediante alienação, grande
quantidade de terras públicas até então aforadas sob contratos em que ao foreiro
era garantido o domínio útil do imóvel, mas não sua propriedade plena. O fato de
boa parte das terras estar situada em áreas de expansão da cidade, por meio de
grandes obras viárias, conferiu-lhe súbito valor de mercado.
29 Duas premissas institucionais do que Florestan Fernandes chamou ordem social
competitiva (Fernandes,1976).
Além do já citado trabalho de José Sérgio Gabrielli de Azevedo (Azevedo, 1975),
há, especificamente sobre a história do Pólo Petroquímico de Camaçari, o relato
memorialista de um dos seus principais atores (Viana Filho, 1984), uma análise
histórica, econômica e da estratégia política dos agentes envolvidos, formulada por
Suarez (1986) e depoimentos de Rômulo Almeida (Almeida, 1980; 1986), principal
idealizador de uma estratégia para a industrialização baiana e um dos seus mais
decisivos articuladores junto a meios empresariais e à burocracia estatal federal,
papel que exerceu mesmo estando politicamente neutralizado e profissionalmente
estigmatizado pelos detentores do poder político na Bahia, especialmente a partir
do primeiro governo ACM.
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do BBa com o Banco Econômico, uma base de sustentação econômica para a almejada hegemonia política regional; no plano político, o
insucesso, em 74, na indicação do seu sucessor, impedida por articulação reativa dos demais grupos arenistas, a qual levou Roberto Santos31 ao governo (1975-79).
Os revezes puseram a nu os limites do carlismo enquanto resposta regional aos reclamos ligados à solução do enigma baiano. Nos
dois episódios desfez-se a veleidade de uma dominação autárquica da
Bahia por um sátrapa periférico ao regime autoritário. E mostrou-se a
necessidade de elevar o carlismo à condição de ator baiano-nacional,
sem o que nenhuma supremacia estável seria obtida na Bahia, face à
radicalidade da centralização decisória, superlativizada durante o governo Médici. A rigor, sem este salto de qualidade que extremasse a
magnitude dos recursos de poder de ACM daqueles retidos por seus
rivais, não seria possível falar em carlismo, salvo como situação conjuntural, o que não atenderia ao sentido da ação de ACM: inscrição
permanente do grupo na estrutura da política baiana, como ocorreria
após 1978.
O salto foi dado em 1975, a partir da ocupação, por ACM, da
Presidência da Eletrobrás. Pesquisa sobre extensão e circunstâncias
dessa sua primeira performance executiva nacional ainda está por ser
feita, mas as evidências do papel estratégico daquela estadia na trajetória do carlismo são eloqüentes. Datam daí as relações doravante
próximas entre ACM e segmentos do empresariado nacional; o início
da constituição de um grupo econômico, a princípio regional, a ele
ligado diretamente; as suas primeiras incursões importantes na burocracia estatal brasileira; a recuperação – sob Geisel e na indicação do
General Figueiredo para sucedê-lo – do grau de influência palaciana
Médico e professor até então sem projeção política, fora reitor da Universidade
Federal da Bahia e presidente do Conselho Federal de Educação. Suas relações
com Antônio Carlos datavam da infância, uma vez que seu pai, Edgard Santos,
primeiro reitor da mesma universidade, fora uma das amizades de resultados (Almeida,
1999) que abriram portas a Antônio Carlos, no início da carreira política deste. Apesar
disso – ou talvez também por causa disso – Roberto Santos não era nome do gosto de
ACM para sucedê-lo. Admitido, por mera formalidade, numa lista tríplice enviada pelo
governador ao governo federal, sua escolha expressou uma coalizão de veto das demais
lideranças arenistas contra o real nome carlista, o então prefeito de Salvador, Clériston
Andrade. Consumado o revés, dele ACM não passou recibo e tentou uma aproximação
com o escolhido, recusada durante todo o mandato.
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que desfrutara durante o Governo Castelo Branco e a reconciliação,
sob sua supremacia, dos diversos grupos da ARENA baiana, antes conflagrados contra si, por conta da política expansiva de seu grupo,
adotada durante o seu primeiro governo.
Um amplo acordo arenista garantiu, em 1978, o retorno de ACM
ao governo do Estado,32 revelando, sem meios termos, o quanto as
posições políticas dos vários grupos arenistas eram condicionadas por
uma convergência de fundo da elite à qual eles se reportavam, em
torno da liderança carlista. Acirradas rivalidades pessoais passavam a
plano secundário, desautorizando interpretações de que o “personalismo” impedia o exercício da “grande política”. Ao contrário, o poder pessoal a viabilizava em contexto político autoritário, garantindo
aos “interesses baianos”, situados nos vértices entre política, administração pública e mercado, a continuidade de um tratamento diferenciado, por parte do Estado nacional, pacto do qual ACM era o fiador.
Aos demais grupos políticos da ordem sobrava a partilha de fatia cada
vez mais exígua do varejo político, ou o isolamento, pois na Bahia do
exitoso conservantismo moderno objeções ao carlismo havia apenas
em ambientes privados. O espaço público era surdo e quase mudo.33
Coube a Luís Viana Filho indicar seu filho, Luís Viana Neto, para vicegovernador; a Jutahy Magalhães, herdeiro sanguíneo do juracisismo, ferrenho
opositor de ACM dentro da ARENA, que alimentava e expectativa de ser o
escolhido para o governo, destinou-se a vaga de senador “biônico”, na prática,
uma nomeação. E a Lomanto Jr., que mantinha prestígio popular, embora seu
grupo fosse o mais fraco na luta interna do partido, restou a missão de disputar e
conquistar a vaga eletiva ao Senado, com o apoio dos demais, especialmente de
ACM, o mesmo que, alguns anos antes, usara a máquina do Estado para varrer o
“lomantismo” do mapa político baiano. De fora do acordo ficou apenas o
governador Roberto Santos, que sequer compareceu ao ato público em que aquele
foi sacramentado, migrando, dois anos depois, com a extinção da Arena, para o PP
de Tancredo Neves.
Por justiça histórica devo citar o papel oposicionista desempenhado pelo
durante o primeiro governo de ACM e parte do tempo em que este presidiu
a Eletrobrás. Pagando alto preço, o jornal foi vítima de asfixia material, pela
retirada dos anúncios do governo estadual e intimidação de anunciantes privados.
Resistiu bom tempo, sustentando posição politicamente ambígua, pois alinhava-se
ao governo Médici para tentar se defender das perseguições do poder estadual.
Mas, por ocasião do acordo arenista de 1978 havia jogado a toalha e por pouco
não foi vendido a interesses ligados ao seu próprio algoz que, para tanto, contou
com a colaboração intermediadora de um poderoso grupo empresarial baiano, que
já então possuía projeção nacional.
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Quanto ao MDB baiano, apenas engatinhava, enquanto partido
de oposição. Tive ocasião de analisar, em outro trabalho (Dantas Neto, 2000), a sua defasagem na constituição de uma frente democrática
contra o regime militar. Tal se deu por uma conjunção de fatores dentre os quais avulta o próprio consenso conservador que perfilou a elite baiana ao carlismo, além da ação transformista de ACM de infiltrar
no partido oposicionista, desde o início dos 70, uma corrente adesista
que lhe tolheu o crescimento e a capacidade de galvanizar a insatisfação, que crescia na Bahia , desde 74, como em todo o país, das camadas médias urbanas. Só no final da década o MDB passou a dialogar
com a sociedade civil e a se organizar com visibilidade no estado.
Contrariando impressões de senso comum, a consolidação do
carlismo como força política baiano-nacional coincide com o declínio
do regime militar. A conciliação de 1978 é, neste sentido, um marco.
A partir dela o carlismo não é mais um grupo, entre outros (ainda que
o mais forte), de arenistas baianos, mas UMA POLÍTICA praticada, sob
comando centralizado, por um agrupamento que atua, regional e nacionalmente, na política institucional, na administração pública e em
interfaces de ambas com o mundo do mercado para respaldar os movimentos de seu chefe,34 enquanto ator de “grande política”, no bloco
de forças dominantes na política brasileira, ligadas à afirmação da ordem social competitiva.
A ação transcorre sob condições de revolução passiva, padrão
da modernização brasileira (Vianna, 1997a) para cuja sustentação historicamente contribuíram alianças de interesses econômicos capitalistas de ponta com elites políticas dominantes em regiões ditas atrasadas,
razão porque o discurso reivindicatório regionalista do grupo conciliase, assim como o anterior a 64, com a subordinação a prioridades estratégicas do Estado nacional. ACM concorre, nacionalmente, com
políticos de outras regiões, ao privilégio de ser selecionado para o papel acima referido. Já no plano regional, é ele mesmo o condutor político do processo seletivo.
Chefia unipessoal que passou a ser partilhada com Luís Eduardo, quando este
ingressou na grande política nacional, em fins dos anos 80. Com sua morte, em 98,
voltou, por breve tempo, à unipessoalidade e, atualmente, face ao desgaste político
de ACM, é objeto de disputa entre este e o que chamo de carlismo pós-carlista.
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As sociedades política e civil baianas mostram-se maleáveis à
modificação parcial e contínua na composição de blocos hegemônicos de poder, mediante cooptação e incorporação de personalidades
e/ou grupos originários da oposição, desativando, previamente, eventuais focos de ruptura política. A marcação da dança transformista é
feita pelo binômio carlismo/anti-carlismo, cuja força vigora na Bahia,
durante as duas décadas seguintes, de modo tão intenso que este formato de disputa e seu conteúdo político surgem, em muitas análises
da política baiana e na prática efetiva de seus atores, alienados dos
seus aspectos institucionais e tomados como parte da “natureza das
coisas”, isto é, singularidade da Bahia, incorporada à sua cultura e estrutura políticas, pela configuração, dita também singular e/ou atrasada, de sua sociedade.
CARLISMO E ANTI-CARLISMO: dicotomia a serviço de uma hegemonia (1978-1998)
O binômio aludido no sub-título resume o contencioso político
baiano, grosso modo, desde o final dos 70, quando avançou a transição democrática. Já então o comando de ACM sobre os quadros da
ARENA e da administração do estado firmara-se de modo incontrastável, até porque, durante o segundo mandato de governador (19791983), operando num tempo político em que se tornavam mais complexas as partilhas de um varejo político emagrecido pela crise de legitimidade do regime que apoiava, usou o poder que lhe foi dado pelo
acordo de 1978 para acabar de anular os grupos rivais, cujos resíduos
somar-se-iam à oposição, na década seguinte. Conseqüentemente – e
simetricamente –, no campo oposicionista, as alternativas políticas
estreitavam-se no leito único de frentes eleitorais anti-carlistas, acomodando, sob discurso em registro negativo e escassa definição programática, atores políticos de variados matizes.
Se o cenário maniqueísta guardava sintonia com o regime autoritário agonizante no país, tornar-se-ia peculiar ao se manter praticamente intacto no retorno da democracia política. Mesmo depois que
o carlismo, em 1986, sofreu ampla derrota eleitoral, a política baiana
continuou pautada pelo binômio, apenas invertido o sinal da contenda, ao se instalar, no estado, um governo cujo perfil tinha como traço
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mais nítido o anti-carlismo. Assim foi até a fênix carlista, ou seja, a retomada do poder estadual por ACM, em 90, desta vez pelo voto (Dantas Neto, 2000).
Nesta nova fase há uma inflexão tática no carlismo – sintonizando-o ao tempo neo-liberal que se firmava – no qual cumpriu papel
primordial o Deputado Luís Eduardo Magalhães. Apesar de importante, não deixou de ser mais uma entre várias inflexões observadas
na trajetória de ACM e seu grupo, todas elas realizadas, por outro lado,
no interior de um mesmo campo político. Em 64, como se viu, os
udenistas baianos ajustaram seus planos às circunstâncias do golpe;
entre 67 e 70 fizeram acrobacias para que sua condição de castelistas
de primeira hora não os castigasse durante o período de Costa e Silva,
AI-5 e Médici; já ator autônomo, ACM reviu sua estratégia depois dos
revezes de 73 e 74; e contorcionismo bem mais arriscado permitiu-lhe
embarcar, em 84, afinado com o campo liberal, mas com assento personalizado, na canoa de Tancredo Neves.
O episódio da adesão à Aliança Democrática (1984/85) é, aliás,
emblemático da capacidade de ACM de extrair vantagens de situações
agonísticas dos governos que apóia. Mantendo-se em posição de solidariedade ao General Figueiredo por mais tempo do que a maioria do
campo liberal-conservador ao qual era ligado nacionalmente, tirou
proveito dessa condição tanto para auferir recursos de poder, enquanto o governo os propiciou, como ao aderir à candidatura de Tancredo
Neves, não em bloco, mas como força individualizada. A mesma perícia para mover-se com eficácia em contextos de penumbra, próprios
de situações-limite, revelou ao manter-se ao lado de Sarney nos estertores do seu governo (1985-1990) e ao ser um dos que apagaram a luz
do governo Collor (1991-1992) para, em seguida, fazer oposição ao
governo Itamar Franco (1992-1993), mas com o foco dirigido, já em
parceria com Luís Eduardo, à reforma liberal da economia, que haveria de ser o cimento da aliança entre PFL e PSDB, em 1994. Também
nessas “transições”, se o compasso da ação era pessoal, o pano de
fundo (o script) coincidia com o do campo político liberal e, mesmo
no compasso diferenciado, o interesse do grupo carlista e seu chefe
tinha sempre o cuidado de se manifestar acoplado à antiga mística do
“interesse baiano”.
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O que singulariza a experiência dos anos 90 é que, dessa vez,
não só a articulação nacional muda, mas com ela precisou mudar todo
um modo de exercer o poder regional que, ainda em jargão gramsciano, passou, ao longo da década, da simples dominação à hegemonia.35
Antes que se veja na análise histórica aqui empreendida a atribuição de sentido democratizante à reciclagem liberal do carlismo nos
anos 90, assinalo que o processo não contradiz, ao contrário, realça e
pereniza traços do período anterior, deixando à Bahia um legado ideológico de “pensamento único”, que afirma o moderno ao passo
em que trunca o pluralismo político.36
Compõe esse legado um padrão aclamativo de legitimação,
sendo o carlismo o demiurgo de uma “nova” Bahia, imagem reforçada, ao longo dos anos 90, pelo prestígio nacional do grupo e pela atualização midiática do tema da baianidade. Já sem o “h” aristrocrático
(Brandão, 1994) de outrora, esta passa a ser, na forma hegemônica
que o carlismo adquire em contexto pós-autoritário, o cimento ideológico que aspira conectar elite e povo, mantendo assimetrias sociais,
mas subsumindo potenciais contestações, ao recorrer ao costumeiro
ethos tecnocrático – proclamador do “arrojo” e “tino” administrativos
da elite dirigente – e métodos de cooptação da sociedade civil. Na
simulação de uma monocracia,37 uma interdição democrática, na qual
a política, vítima de racional estratégia de neutralização, naufraga em es-
Como se sabe, a situação hegemônica caracteriza-se, para Gramsci, quando
determinado bloco de forças detém, mais que o controle de aparelhos coercitivos
próprios da sociedade política (o Estado strictu sensu), que configuram a dominação,
também o predomínio cultural (intelectual e moral) na sociedade civil, a partir da
incorporação, à sua própria política, de elementos da cultura dos dominados.
Logo, é importante considerar que hegemonia não exclui coerção, mas a
complementa, dando lugar a que se afirme a supremacia de um dado bloco de
forças em sociedades de tipo ocidental (onde a sociedade civil “sitia” politicamente
o estado, ampliando-o) como hegemonia revestida de coerção (Gramsci, 1978).
A observação procede por ser comum usarem-se os adjetivos moderno, liberal e
democrático como quase sinônimos e vincular-se, automaticamente, o termo
hegemonia, quando contraposto a dominação, a uma condição alcançada por
meios democráticos. O caso do carlismo é, no entanto, de modernização
econômica sem liberalismo político; e de hegemonia obtida mediante alinhamento
ao campo liberal, na contramão de uma práxis democrática.
Simulação porque, sob o invólucro do poder pessoal, atualizava-se um longevo
arranjo, socialmente enraizado.
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paço público algemado, limítrofe da religião.38 Nada, a rigor, singular, mas
tudo peculiar e reiterado como paradoxo, à medida em que o País, constitucionalizado e estabilizado, cria-se mais laico, moderno e plural.
Durante o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso
esse traço de hegemonia regional a muitos pareceu anacronia, quando
projetou sua sombra sobre a política nacional, rendendo a ACM e seu
grupo uma influência que causava espanto.39 Como sempre ocorreu, a
este reforço nacional correspondeu, reativamente, reforço simétrico
do anti-carlismo estadual.
Parte da responsabilidade por esse dito “atraso” político baiano
na contemporaneidade cabe ao próprio carlismo, a cuja reprodução
política interessava a reiteração obsessiva do maniqueísmo. Aí reside,
inclusive, uma armadilha que hoje ameaça o grupo, pois o seu êxito
nessa reiteração esterilizou o ambiente político a ponto de privar o
binômio carlismo/anti-carlismo de uma efetiva dinâmica bi-polar. O
acúmulo de poder em um dos pólos emasculou o outro e desenhou
um cenário de situação dominante,40 no qual degenerou-se a hegemonia
alcançada nos anos 90. Na falta de adversário viável, uma metástase
endógena é o modo pelo qual o poder carlista segue reproduzindo
tecidos “esclerosados” como se fossem sãos, num processo auto-
A nova abordagem da cultura baiana, pelo carlismo dos anos 90, busca, para este,
um status de religião oficial da baianidade. Opondo cidadania política e vida
cultural, limita, pela dissuasão, a primeira e enaltece virtudes estéticas da segunda,
acercando-se da religiosidade popular e, mais recentemente, do tema da negritude,
acoplando-o ao elogio da mestiçagem brasileira e da cordialidade baiana,
atualização relevante não só pelo apelo eleitoral, mas pelo peso que relações raciais
vêm tendo no delineamento da questão democrática em Salvador.
Por ser maior, aliás, do que a exercida no governo Sarney, quando foi capaz de
garantir interesses políticos e empresariais na Bahia, mas o peso de Ulisses
Guimarães e do PMDB prevalecia em questões decisivas, só sendo possível a ACM
disputar a primazia ao final do período, beneficiando-se do isolamento político do
presidente.
A expressão está sendo usada aqui no sentido de uma situação caracterizada pela
presença, em contexto pluripartidário, de um partido dominante, tal como definido
por Jean Charlot (Charlot, 1982, p. 200-207), isto é, um partido cujo domínio
incontrastável conduz, de um lado, a estabilidade crescente e, de outro, a
representatividade limitada e a eventuais ilegitimidades do sistema político,
esclerose do poder e despolitização dos cidadãos. A presença desses elementos no
cenário político baiano, se este for visto em processo, e, mais, a consideração do
carlismo como “meta-partido” conduziram, neste trabalho, à analogia com a
definição de Charlot.
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destrutivo muitas vezes tratado como última novidade, quando já deita algumas raízes no tempo.
Também a oposição contribuiu para esse cenário de esterilidade
política, ao tratar o carlismo como persistência fantasmagórica de coronelismo, termo de uso tão largo quanto inapropriado, ao se reportar
a um personagem que sempre esteve, no balcão da política tradicional, do lado oposto ao que estava o coronel, isto é, como encarnação
do Estado que, cada vez mais, dava as cartas e subordinava, a seus
desígnios, declinantes oligarquias tradicionais. Estas só obtinham, do
ascendente poder do dirigente estatal, a garantia (mesmo assim, em
termos) de conservação do status quo agrário e concessões cada vez
mais magras na ocupação de cargos públicos, desde que em troca de
absoluta fidelidade político-eleitoral, a qual, via de regra, passava, não
só por adesão ao governo de candidaturas oligárquicas aos Legislativos, mas por gradual imposição, a líderes interioranos, de nomes palacianos, noviços tecnocratas vindos de camadas médias urbanas, através dos quais o carlismo seguia o script modernizante. É, como se pode ver, uma lógica diversa da coronelística, mesmo que se desvincule,
metaforicamente, a figura do “coronel” do sistema político da República Velha, que funda o conceito clássico (Leal, 1976).41
A subversão do conceito de Nunes Leal pela oposição baiana,
estimulada pela mídia sudestina e bolsões anti-carlistas sobreviventes
na imprensa local, foi subestimação suicida do adversário, pois desprezava a principal razão de sua hegemonia: o fato do carlismo ter
sido, por 3 décadas, o protagonista político, na Bahia, da modernização conservadora brasileira.
A miopia de seus adversários facilitou o êxito carlista em cooptar quadros políticos, intelectuais, artísticos, empresariais e comunitários, convencidos por argumentos pragmáticos a compor ambiente
aclamativo de uma hegemonia política exercida sobre uma Bahia mais
Devo excetuar, como caso diverso do uso irrefletido e indiscriminado do termo,
um texto de José Murilo de Carvalho (Carvalho, 2001), que procura compatibilizar
o conceito de Nunes Leal com sua pertinência à personalidade política de ACM.
Ainda que o argumento não considere aspectos da práxis carlista, aqui assinalados,
que o ligam, também, a um campo político liberal, de perfil americanista, é preciso
reconhecer seu poder de persuasão, desde que se o restrinja ao perfil pessoal do
senador, sem estendê-lo ao conjunto da ação do grupo e aos seus resultados,
analisados no tempo e nos planos da política baiana e nacional.
41
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moderna e diversa do que supunha um estereótipo que chegou ao
paroxismo, em 2001, durante o episódio da violação do painel do Senado. Certa opinião pudica, muito freqüente em círculos ligados ao
governo federal de então, “esquecia” o papel cumprido pelo carlismo
na viabilização de reformas orientadas ao mercado no Brasil e dizia-se
chocada com atitudes públicas solidárias a ACM, verificadas no local
que ele comandou, politicamente, por 30 anos, quase ininterruptos.
Este auto-engano, que discuti na ocasião (Dantas Neto, 2001),
consistiu em explicar a supremacia carlista na Bahia por uma suposta
impermeabilidade da sociedade baiana à institucionalização da política. Mal disfarçando preconceitos regionalistas, essa suposição desconsiderava a gradual legitimação da lógica do interesse na cultura política
baiana e sua crescente relevância na vida institucional do estado. Efeito não antecipado da própria modernização carlista inaugurada nos
anos 70, esse traço explica melhor do que a etiqueta de coronel o apoio obtido por ACM em, por exemplo, amplos segmentos do mundo
artístico e do entretenimento na Bahia, locus de uma absorvente racionalidade instrumental derivada do culto ao mercado e do estiolamento de valores republicanos na Bahia onde o carlismo reinava.
A suposição de que a Bahia se perfilava ao “coronel” foi reiterada na eleição de 2002, quando o carlismo conservou o governo estadual, manteve a representação senatorial e elegeu numerosas bancadas legislativas, federal e estadual. O crescimento do PT no Estado,
lento e seguro desde o início da década passada, foi tomado como
mero efeito de uma “onda Lula” e até na ampla vitória deste no pleito
presidencial na Bahia houve quem notasse o dedo onipotente de ACM.
A mitologia era persuasiva pela impressão ainda vigente, embora contestada por fatos concretos, de que não havia, no horizonte político
baiano, contraste possível ao poder do carlismo.42
Até 1998 o carlismo reciclado aproximava-se, realmente, de
uma conclusão indolor de sua transição rumo à integração plena e
No intuito de questionar essa interpretação escrevi, logo após aquele pleito, um
artigo (Dantas Neto, 2002) no qual afirmava que a Bahia já ingressara no “póscarlismo”, argumentando que isso não significava fim do carlismo ou revogação de
sua posição proeminente, mas o bloqueio ao comando monocrático de ACM sobre
seu grupo e a política baiana, que já transitava, concluía o texto, da realidade de
partido dominante (Charlot, 1982) para uma bi-polaridade competitiva, sendo pólos
um neo-carlismo, menos monolítico, e um neo-petismo, mais pragmático.
42
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competitiva ao campo político liberal. Influente na política nacional e
detendo amplos espaços de poder na administração federal (mais amplos do que explica o seu peso eleitoral e a relevância econômica da
Bahia, mesmo que se considere que ela detém o sexto PIB do Brasil),
o grupo, já comandado em parceria por pai e filho, expandia-se a
ponto de ostentar a condição de um “meta-partido”, dominante e hegemônico.
De fato, o PFL baiano era a sigla mais importante de uma constelação de satélites que gravitava em torno de um comando central,
cujas diretrizes valiam como bula, tanto para a organização interna
das legendas, como para a ação parlamentar (o carlismo ostentava
maioria qualificada e disciplinada na Assembléia Legislativa e coesa e
eficaz ação no Congresso Nacional) e as estratégias eleitorais (política
de alianças, organização de chapas, hierarquização dos redutos a serem contemplados pela ação governamental). Além do carlismo stricto
sensu, distribuído por quatro legendas (PFL, PTB, PL e PPB) e do seu
núcleo duro, mais assentado no PFL, a hegemonia carlista havia capturado outras siglas menores e chegava até ao PMDB, tradicional adversário.
Na administração, a idéia-força que inaugurou a década, com a
reconquista do governo estadual, continha-se no trinômio publicitário
“ação-competência-moralidade” (A-C-M), embora, na prática, os três
atributos, além de formarem, com as iniciais, a sigla do personagem
central da fênix, convergissem para o leito único do ajuste fiscal. Aliás,
a Bahia foi, na primeira metade dos 90, um dos laboratórios onde se
descobriu modos de extrair prestígio político e aclamação social de
uma cartilha administrativa e financeira de cunho impopular.43
Naquele mandato de ACM (1991-1995), exercido, parte sob Collor (em contexto de tempestade política nacional), noutra sob Itamar
Franco (com quem sustentava relações nada amistosas), pouco se viu
de investimento em obras, grandiosas ou não, programas estruturantes, inovação em serviços, políticas públicas, ou ações administrativas
de impacto sobre a economia e a sociedade, exceção talvez ao que diz
respeito à área cultural que, nas gestões carlistas, terminou virando, ao
mesmo tempo, carro-chefe da construção de imagem e sub-área da
Aqui há convergência com a experiência iniciada anos antes no Ceará, conforme
analisado em Bonfim (1999)
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função turismo. O apelo midiático completava-se com a ostentação
da paixão incondicional pela Bahia e com um espírito de revanche
contra os seus “inimigos”, quer dizer, os que a governaram no quatriênio anterior e a teriam enterrado no abismo do qual o ajuste fiscal
haveria de tirá-la.
Sem embargo da análise crítica, política e administrativa (que
aqui não cabe, por fugir ao foco do artigo) das gestões dos governadores peemedebistas Waldir Pires (1987-1989) e Nilo Coelho (19891991), a responsabilização de ambos, na campanha carlista de 1990,
pela “destruição” da obra modernizadora anterior não resiste ao confronto com o quadro crítico das finanças estaduais legado pelas últimas administrações carlistas44 e com o contexto de dificuldades econômicas (dívida externa, inflação, ausência de estratégia de desenvolvimento econômico) e crise fiscal do Estado, a nível nacional, em que
tais administrações transcorreram. Para essa desqualificação dos governos dos adversários, a ocupação do Ministério das Comunicações
foi estratégica, pois, além da influência que ACM pôde exercer sobre
decisões federais, rendeu-lhe uma posição privilegiada no controle
dos meios de comunicação do estado.45
Em contraste com o governo de ACM, a primeira gestão de
Paulo Souto (1995-99) foi o tempo da colheita farta, na administração
e na política, de bônus oriundos da rígida poupança de recursos do
período antecedente, da nova situação política nacional sob FHC e da
expansão hegemônica do grupo no Estado, sob comando conjugado
de ACM e Luís Eduardo Magalhães.
João Durval Carneiro, cujo governo (1983-1987) foi alvo de denúncias de
corrupção e má gestão de recursos públicos, com contratações em massa de
servidores por indicação política e grande endividamento por conta da construção
da barragem de Pedra do Cavalo, exerceu todo o seu mandato sob tutela política
de ACM e somente no início dos anos 90 consumaria seu rompimento com o
chefe. E já durante o segundo mandato do próprio ACM (1979-1983), vinha se
configurando a quebra do Banco do Estado da Bahia, cuja gestão promoveu sua
instrumentalização política, na campanha eleitoral de 82. Todos esses processos
tiveram desdobramentos durante o governo de Waldir Pires, que a propaganda
carlista acusa de ter operado a “destruição” da Bahia.
Como se sabe, durante a gestão de ACM no ministério a família Magalhães obteve,
para um canal de TV de sua propriedade, então recentemente criado, os direitos de
transmissão da programação da Rede Globo na Bahia.
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45
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Um largo consenso blindava a performance administrativa carlista, que gozava de reputação de estabilidade, eficiência e austeridade,
valores sagrados em tempos neo-liberais, ainda que entre a imagem de
finanças saneadas e a realidade adversa dos fatos houvesse uma fronteira tênue. Esta cedeu, na seqüência, ao esforço empreendido, a partir de 1999, de levar para a Bahia uma fábrica da Ford, através do qual
dissipou-se a propalada capacidade de investimento do Estado, alcançada com o ajuste fiscal do início da década e através da privatização
da empresa de eletricidade. A adequação à Lei Camata passou a depender, a partir de 99, da dispensa do Tesouro estadual do pagamento
de aposentados, manobra que legou ao futuro incertezas sobre a solvência do recém-criado fundo previdenciário estadual, ao qual foi repassado o ônus.
EROSÃO DE UMA “SITUAÇÃO DOMINANTE” (1999-2002)
Os anos de 1999 a 2002 que, segundo os planos, deveriam ter
sido o prelúdio de um apogeu (a gestão estadual de Luís Eduardo
Magalhães, plataforma de seu virtual lançamento como pré-candidato
à sucessão de FHC), terminaram sendo os do início da administração
da crise, durante o mandato de César Borges,46 período em que a racionalização de métodos cedeu ao retorno de um estilo unipessoal de
comando, a expansão regional do grupo estancou, além de ter diminuído sua influência na política nacional. Reforçou-se mais a percepção do governo do Estado como departamento do carlismo e este
voltou a agir como se fora só projeção da sombra de ACM. A impressão era de que tudo voltara ao último ponto de recomeço, isto é, ao
apelo carismático de 1990. Mas não havia, na verdade, passado a revisitar e sim, ladeira a descer.
A morte súbita de Luís Eduardo desorientou e, na seqüência,
trincou a política carlista. Mas se foi um infortúnio que deflagrou a
erosão do poderio do grupo, seu fermento foi a conduta politicamente pouco virtuosa que o senador ACM passou a observar. Comprometendo a fama de PhD em política, que lhe atribuiu Collor, iniciou, co-
Completado pelo vice, Otto Alencar, por desincompatibilização do titular,
candidato ao Senado, em 2002
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mo é do conhecimento geral, uma queima de navios que, em meses, o
colocou num fogo cruzado, em pé de guerra com simultâneos adversários, inclusive segmentos do seu partido. Além disso, cometeu atos
anti-republicanos47 fragilizadores de sua retaguarda política que, sendo sólida e vinculada a uma hegemonia real, pôde retardar a combustão e evitar o naufrágio. Mas a virtual impermeabilidade da hegemonia
carlista cedeu aos fatos e ao proveito que deles tirariam adversários e
aliados, antigos e novos.
Os primeiros reflexos das derrotas feriram a aura de onipotência e infalibilidade que cercava o poderio carlista (Dantas Neto, 2001),
percepção compartilhada por Carvalho Neto (2001). Privado desse
anteparo mitológico, o grupo ficou à mercê da pura lógica dos interesses. Por isso, à medida em que refluía seu peso em Brasília, começou a perder também o controle sobre importantes recursos de poder
na Bahia: rompimento do PMDB; defecção de deputados; confronto
com o movimento estudantil; greve radical das polícias estaduais; oposição de A Tarde, principal órgão da imprensa escrita baiana; limitação, pela Rede Globo, do uso político da sua repetidora na Bahia,
propriedade da família Magalhães e perda do controle sobre o TRE e a
cúpula judiciária do Estado, tudo isso formando uma cadeia de eventos erosivos, que se precipitaria sobre o cenário eleitoral de 2002. Nas
urnas o desempenho refletiu a erosão. Mesmo vencendo no conjunto
da Bahia, amargou derrota em Salvador e em outras das maiores cidades baianas, além de ver crescer muito a oposição de esquerda em
todo o Estado.48
Mas as urnas refletiram também, além da erosão, a radicação
social do carlismo na Bahia, pois sem admiti-la não se entende como
o grupo manteve sua retaguarda eleitoral no patamar anterior (históricos 30%) mesmo com a aura suprimida e os recursos de poder sensi-
Refiro-me, mais uma vez, ao episódio da violação do painel do Senado Federal
Na eleição para governador, por pouco não houve um 2º turno que lhe seria
adverso (por conta da provável sinergia decorrente da união contra si dos blocos
oposicionistas que disputaram separados o primeiro turno e, aí sim, dos efeitos
mais que prováveis da “onda Lula” na reta final) e nas eleições legislativas as
vitórias do carlismo
(núcleo duro, mais aliados) tiveram, quando muito,
sabor de sobrevivência, face à perda, em relação ao pleito de 98, de 25% da
bancada federal e 17% da estadual. Análise mais detalhada do desempenho
eleitoral do carlismo e da oposição nas eleições de 2002 na Bahia podem ser
encontradas em Dantas Neto (2002).
47
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lato sensu
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velmente reduzidos, nacional e localmente. Conservação do patamar
de votos e perda de força política em razão do resultado eleitoral: para
esclarecer a aparente contradição é preciso analisar, no lado da oposição, alguns movimentos, já antes ensaiados, que ganharam velocidade
entre 1998 e 2002.
Fortaleceu-se, como em todo o país, o campo de esquerda imantado pelo PT, beneficiado pela maré montante, também nacional,
da insatisfação com o governo federal. Outros segmentos da oposição
anti-carlista, especialmente PMDB e PSDB, em franco desgaste, vislumbraram, para compensar inconvenientes do seu governismo nacional,
oxigênio provinciano na crise pessoal do senador. De fato, em 2001,
o PMDB beneficiou-se de defecções carlistas na área política, mas a
ilusão acabou nas urnas, que reduziram a força do partido (e a do
PSDB) a nível inferior ao de 1998, consolidando, na política baiana, a
tendência a uma bi-polarização carlismo/PT.
A situação dominante que reinava em 98 revogava-se graças ao estancamento da expansão do carlismo e ao avanço da esquerda sobre o
espólio da outra banda da oposição e sobre o saldo da marcante queda da alienação eleitoral historicamente alta na Bahia carlista, notoriamente a dos votos em branco.49 Este fato sugere um comentário
qualitativo: a interpelação do carlismo enquanto força política dominante na Bahia depende, em grande medida, da capacidade da oposição adquirir visibilidade como real alternativa de poder, o que não
ocorrera até 1998.
Da análise desses e de outros dados das eleições de 2002 emergiu a idéia da transição pós-carlista, inferência que qualifiquei como
uma prospecção no vácuo (Dantas Neto, 2002). Considerava, naquele
quadro, a possibilidade de que viesse a ocorrer, na oposição, a atenuação da lógica da frente anti-carlista, deslocamento que refletiria o papel do governo Lula como novo móvel de aglutinação. A esta modulação mais propositiva, moderada e menos provinciana do discurso
A alienação eleitoral na Bahia - que explica, em parte, como o carlismo pôde ser
força dominante, conservando um patamar eleitoral em torno de 30% do total do
eleitorado - caiu de 56%, em 1998, para 37,6%, em 2002, percentuais, também
neste caso, referidos ao conjunto do eleitorado. Já os votos em branco,
especificamente, caíram de 17,9 para 3,7%, no mesmo período, logo, tiveram
variação negativa de quase 80%. Maiores detalhes e comparações com resultados
de outros estados e com médias nacional e regionais estão em Dantas Neto (2002).
49
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oposicionista50 chamei de neo-petismo, que poderia virtualmente nuclear
uma esquerda pós-carlista, não circunscrita, em sua estratégia, ao binômio carlismo/anti-carlismo.
De outro lado, raciocinando ainda sobre a transição ao póscarlismo como novo cenário, considerei o grupo de ACM desafiado a
retomar o rumo interrompido com a morte de Luís Eduardo ou expor-se a erosão mais radical de sua base eleitoral. Em conexão, cogitei
da quase óbvia hipótese do segundo governo Souto ser mais autônomo face à liderança pessoal de ACM.
ACM E CARLISMO: fim de uma sinonímia em cenário pós-hegemônico
O balanço político de 2003, na política baiana e nacional, indica
que a transição se completou, evidenciando o cenário pós-carlista que,
em finais de 2002, era mais uma conjectura.
A erosão do carlismo ampliou-se. Os espaços perdidos não foram retomados e abriu-se nova temporada de revezes, a partir de denúncias51 que, além de provocarem desgaste ainda não de todo mensurado à imagem de ACM, no tocante à sua vida privada, envolveram
diretamente a estrutura do governo baiano. Para além desse fato – e
em interação com ele – o antes compacto bloco carlista ficou mais
poroso. Se antes já renunciara a planos imediatos de expansão, agora
renuncia também ao enquadramento hierárquico de seus quadros e se
torna refém de estratégias defensivas, dependentes de acordos internos num grupo antes monolítico. São constrangimentos à sua cultura
grupal, repercutindo na retaguarda partidária, na arena parlamentar e
na relação com os Executivos que controlam na Bahia: o governo do
Estado e, em tese, quase 90% das prefeituras (acordos eleitorais de
2004 dirão quantas ainda são carlistas), inclusive a da capital.
Quanto à estrutura partidária, pode-se dizer que o carlismo vai,
aos poucos, ficando do tamanho do PFL, quando já foi, insisto, um
complexo pool de siglas, que funcionavam como aparelhos institucio-
Ensaiada, em 2002, no discurso de campanha do candidato petista ao governo,
Jacques Wagner.
Refiro-me, agora, ao episódio das escutas telefônicas ilegais realizadas por agentes
do governo baiano contra adversários políticos e desafetos pessoais de ACM e
denunciadas no início de 2003.
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nais de um meta-partido. Os satélites, com ênfase variada, foram deixando a órbita carlista para declararem-se aliados (PP, ex-PPB), independentes (PL) ou em oposição (PTB).
Há implicação recíproca entre a dinâmica de descolamento desses partidos e a atitude defensiva imposta ao comando do grupo pelos
riscos de implosão. A complexidade do ambiente interno, aumentando a incerteza, reduz a mobilidade política, levando à recente ineficácia carlista na interlocução com os comandos nacionais dessas agremiações.52 A defecção do PTB e a entrega do seu comando estadual a
um grupo de ex-carlistas recém-saídos de um estágio no PMDB é caso
conspícuo do que acabo de referir; com o PFL nacional, onde a lógica
é inversa (pois o comando partidário nacional parece querer se firmar
na oposição e encontra no senador ACM um óbice) as dificuldades
não têm sido menores. O carlismo “puro sangue” tem sido, então,
nesse começo de governo Lula, um intruso incômodo – e necessário
– à situação e à oposição.
No plano parlamentar, a orientação de ACM, perseverante na
corte ao governo, tem encontrado contraponto na do líder da bancada pefelista, o carlista pós-carlista José Carlos Aleluia. Até aqui a bancada baiana tem votado com o velho chefe, mas a pergunta que não
cala é: até quando? Sem acesso fluente, embora cultive simpatias no
governo federal, a tendência é do proverbial comando de ACM sobre
os deputados federais carlistas depender só do seu prestígio eleitoral e
da sua influência sobre o governo estadual.53 De todo modo, a fidelidade da bancada ao senador terá seu teste definitivo até, se tanto, por
volta de 2005, quando alinhamentos estarão endereçados à renovação
de mandatos, no ano seguinte. Por ora, serve ao varejo da bancada
No caso das legendas-satélite, quando suas escolhas políticas cancelam a
satelitização regional por conveniências referidas ao governismo federal, o
ambiente interno do carlismo, já contraído, tensiona-se ainda mais. E no do PFL,
são cada vez mais constantes as cenas públicas de dissídio interno, seguidas de
malabarismos conciliatórios, sendo sempre o senador ACM uma das pontas do
contencioso e da trégua.
O prestígio eleitoral de ACM, mesmo que não decline (o que é difícil) tende a
contemplar, em grande medida, interesses eleitorais do deputado ACM Neto,
reeditando, em 2006, disputa por espaço político dentro do grupo, já problemática
em 2002; quanto à influência no Governo Souto persiste, mas também com
problemas crescentes.
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agradar ACM, enquanto ele não confrontar o governador e for simpático ao governo federal.
Importa, também, o comportamento institucional da bancada
carlista no encaminhamento parlamentar de pleitos estaduais. Recente
trabalho de Celina Souza sobre relações federativas refletidas na Comissão de Orçamento do Congresso Nacional mostra que a hegemonia pefelista na representação baiana privilegiava, na discussão do
orçamento federal (mesmo antes da fixação de normas nesse sentido),
emendas coletivas sobre individuais, indicando cooperação entre bancadas partidárias, no âmbito da representação baiana, a exemplo do
que ocorria na do Paraná, que atuava sob a condição antípoda de representação política pulverizada (Souza, 2003).
Este elemento conta para moderar prognósticos – inspirados
em estereótipos sobre modernidade e atraso em política – de que a
disputa “personalista” entre ACM e setores não carlistas do PFL nacional venha a afetar, de modo relevante, a conduta da bancada do PFL
baiano. O que mais parece poder afetá-la são razões institucionais ligadas, primeiro, a interesses administrativos do governo da Bahia, fator ao qual poderá se juntar, na seqüência, a mudança do formato da
competição política estadual. Ao transitar da situação de partido dominante para a de uma bi-polarização, a política baiana poderá induzir
seus deputados federais a trocarem o padrão cooperativo por uma
atuação mais próxima da que teve, no período estudado em Souza
(2003), a bancada do Ceará, na qual a polarização entre PSDB e PMDB
bloqueava a cooperação e as emendas coletivas só começaram a predominar por força de constrangimentos normativos.
Assim, o pós-carlismo, sendo a transição de um simulacro de
monocracia à competição bi-polar, mas situando-se aquém do pluralismo político, pode levar, no Congresso, a momentâneo refluxo na
reconhecida eficácia parlamentar baiana em defender interesses regionais,54 dificuldade adicional às decorrentes da perda de acesso privilegiado a postos e decisões do Executivo, usufruída pelo carlismo durante a maior parte do período FHC. Somadas, as duas mudanças podem, circunstancialmente, reduzir a capacidade da liderança do Esta-
Até o momento, porém, não se vê sinais dessa mudança e a cooperação segue
sendo o padrão.
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“SURF” NAS ONDAS DO TEMPO: do carlismo histórico ao carlismo pós-carlista
do de compensar, pela via política, desvantagens impostas pelo arranjo federativo em vigor.55
Na Assembléia Legislativa, a unidade de comando do grupo
depende ainda mais da relação entre ACM e Paulo Souto. Aí (como no
trato com prefeituras e lideranças interioranas), o governador já promove, com cautela, certa demarcação de terreno, que lhe confere –
em parte por conta do lugar institucional que ocupa, em parte pelo
desgaste político do senador – a primazia no comando político da
bancada, ainda que sem ostentação. Apesar desse realinhamento,56
não se nota mudança de qualidade no estilo “rolo compressor” que
sempre predominou na ação parlamentar carlista, um terreno onde
bem se mostra a continuidade entre carlismo histórico e carlismo póscarlista. A atuação da bancada oposicionista segue, também, via de
regra, a tradição de concentrar o combate ao carlismo na pessoa do
senador ACM.
Setores mais conservadores da oposição conciliam uma postura
confrontacionista, nesse registro do anti-carlismo personalizado, com
a simpatia em relação a um virtual “estilo-Souto” de governar, o qual,
todavia, continua pedindo confirmação empírica. A conciliação inclui
até, em alguns casos, freqüência ao ambiente palaciano e sua acolhida discreta, pelo Executivo, mostra, a um só tempo, a disposição deste de des-
Desse cenário não se deve concluir pela inconveniência política da quebra do
simulacro, mas pela consciência de que ela tem um preço, ressarcível adiante se a
competição política na Bahia puder evoluir da bi-polaridade atual para a
pluralidade, hipótese que enfrenta, contudo, óbices não pequenos, que vão de
hábitos políticos arraigados nas instituições e no comportamento eleitoral dos
baianos até cogitações até aqui tornadas públicas em torno de uma reforma do
sistema político brasileiro presidida, especialmente no que concerne aos sistemas
partidário e eleitoral, pela idéias-força da estabilidade e da seletividade, ainda que
em sacrifício do pluralismo. Caso esses balões de ensaio decolem, poderemos
testemunhar o irônico desfecho de uma reforma dita modernizante do sistema
político inibir ou mesmo deter a meio caminho o trajeto de superação do
propalado atraso político baiano.
O equilíbrio entre as duas lideranças carlistas, no âmbito da AL, sugerido pela
presença de um seguidor de ACM na Presidência da Casa e de um notório
“soutista” na liderança da maioria, é mais aparente que real, tendo em vista o
isolamento político do referido presidente e o comportamento quase passivo da
bancada frente ao progressivo desgaste da imagem do senador. O realinhamento é,
porém, apenas interno ao grupo, que conserva praticamente a mesma maioria
obtida nas urnas e em cooptações pós-eleitorais, contando com 38 deputados fiéis
à situação (um a menos que no momento da posse), contra 25 integrantes da
oposição.
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colar-se, mesmo sem ruptura, da sombra de ACM e a plena vigência, sob
Souto, do antigo ânimo transformista do carlismo histórico.
Fantasias adesistas à parte, no governo do Estado e na prefeitura da capital vigora um ethos tecnocrático que, embora já compusesse a
política do grupo desde os anos 70, é marcante do carlismo póscarlista, tendo primazia sobre a ostentação do carisma, agora mais
complexa, com o desgaste da imagem do senador ACM. Ajustada à
agenda liberal, mas sem pauta relevante em privatizações, a estratégia
faz uso extenso de terceirizações, dando a parcerias público-privado
atributos de panacéia. Adotando sotaque de ONG, gestões carlistas
acabam estimulando, ao seu redor, a articulação de redes de negócios
de apetites cartoriais, na contramão de argumentos racionais que podem justificar as parcerias como instrumentos suplementares de gestão pública.
Por outro lado, demandas provenientes da sociedade política e
da sociedade civil têm cobrado de executivos do carlismo pós-carlista
posturas mais institucionais. A resposta tem sido o cumprimento
formal dos requisitos de governança, acoplando-os, porém, ao seu
estilo despótico de gestão, isto é, conservando o padrão aclamativo de
legitimação da liderança política, o andamento passivo e prussiano das
inovações e o perfil tecnocrático do seu ethos modernizante.
Os orçamentos, mesmo legalmente adaptados, seguem inacessíveis ao controle social; temas como o desenvolvimento sustentável
são obrigatórios no jargão administrativo, mas relações com os órgãos
e entidades civis voltadas ao tema ambiental carecem de transparência; o Plano Diretor de Salvador segue determinada tramitação, mas
foros de debate são submetidos a ritos sumários; a gestão da saúde
pública conforma-se, a partir da segunda metade dos anos 90, a requisitos de participação previstos no SUS, mas a adesão tardia dá-se mediante utilização de redes de influência tradicionais e processos decisórios verticais (Guimarães, 2000), o que inibe, na ponta do sistema, a
substância da inovação. Também Ivo (2001) mostra o caráter estratégico de controle do carlismo sobre instâncias de poder municipal, potencializado na década de 90, quando agências internacionais de financiamento normatizam em favor do poder local e a própria refor-
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ma do Estado confere a essa instância maior controle das políticas
sociais.
Nas relações do governo Souto com o senador ACM não há escaramuças públicas, nem sobressaem, à diferença da gestão anterior,
ingerências extra-institucionais. Desde a montagem da equipe de governo57 até a neutralidade adotada pelo chefe do Executivo baiano no
duelo travado entre ACM e o deputado Aleluia pela liderança efetiva
da bancada federal, a aparência é mais de contemporização do que de
submissão reverencial dos quadros dirigentes do governo à figura do
senador. A auto-imposição de silêncio obsequioso na política e, simultaneamente, a coordenação ativa da administração têm correspondido
ao perfil “gerencial” de Paulo Souto.58
É difícil avaliar, sem critérios fortemente subjetivos, a conduta
do governo estadual em termos de continuísmo ou inflexão, face às
gestões da década passada. A linha forte é, sem dúvida, a da continuidade, nos marcos da reciclagem orientada ao mercado. Mas não é
simples discernir, nessa continuidade, aquilo que reitera o estilo empreendedor de ACM e o que é automatismo derivado da imersão do
aparelho governamental baiano na lógica de prioridades e procedimentos próprios de um padrão globalizado de gerenciamento de políticas públicas.
Em que a influência de ACM se fez presente mas, afinal, prevaleceram critérios
técnicos, ou nomes ligados à confiança pessoal do governador.
Cito quatro evidências dessa conduta, no primeiro ano de governo: 1) a exsecretária da Segurança Pública, diretamente responsabilizada pela montagem da
central de escuta ilegal no governo anterior, permanece no cargo de diretora da
Empresa Baiana de Abastecimento de Águas e Saneamento do Estado e não se leu
ou ouviu comentário de Souto a respeito do assunto; 2) A Secretária de Educação
nomeada no início do Governo pediu exoneração, ao que se sabe, sob pressão de
carlistas ortodoxos, com a complacência da bancada estadual. Mas os que
esperavam emplacar em seu lugar um político histórico do grupo frustraram-se
com a nomeação da ex-reitora da Universidade Estadual de Feira de Santana,
técnica da confiança pessoal de Paulo Souto; 3) A presidente da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia, no cargo há várias gestões e pessoa das
relações do senador foi, após alguns meses de governo, sumariamente demitida do
cargo, hoje ocupado por um quadro sem ligações com ACM; 4) O ViceGovernador Eraldo Tinoco, carlista do núcleo duro, histórico e fiel liderado de
ACM, foi, assim como o ex-vice, Otto Alencar, isolado numa secretaria secundária,
quando se esperava que a influência do senador lhe pudesse conferir papel mais
relevante no governo.
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O fato do centro real do poder na Bahia não ter se situado, no
primeiro mandato de Paulo Souto, nem na figura pessoal, nem no
lugar institucional do governador – cujo perfil em nada aderia ao de
um barão da federação (Abrucio, 1998) – permitiu à sua gestão beneficiar-se de insulamento técnico-burocrático radical e da possibilidade de
sustentar um discurso universalista, moderno, exercitado, contudo,
em ambiente aclamativo, de baixo risco de contestação, pela esterilização política dos conflitos sociais. O escritório de ACM no jornal
Correio da Bahia, o seu gabinete e o de Luís Eduardo, no Congresso
Nacional (e não a Governadoria do Estado ou o Palácio de Ondina),
eram os endereços buscados pelo varejo da política tradicional e por
pleitos de grupos corporativos ligados à política carlista, dos quais o
Banco Econômico foi exemplo notório.
A imagem do aparelho governamental baiano, nos anos 90, era
de inovação e gerencialismo austero, mas, como ocorria desde os 70,
todas as quatro gramáticas de Edson Nunes59 eram operadas, pelo meta-partido carlista, nos vértices em que se tocavam política, administração e mercado. As condições “ótimas” de operação do primeiro
governo Souto já não existem e hoje a ação carlista lembra mais a imagem da perfuração lenta de tábuas duras (Weber, 1985).
Na Prefeitura de Salvador, fatos políticos exemplificam - ainda
melhor do que no caso do governo estadual - como aquilo que aqui
chamo de carlismo pós-carlista busca preservar, com ajuda de parte
da oposição, sua imagem pública do desgaste a que se expõe a do senador ACM.
A capital baiana, anti-carlista dos anos 70 até meados da década
passada, foi conquistada pelo grupo em 1996. Como nas eleições de
90, quando ACM retomou o controle do governo do Estado concentrando-se na denúncia da “destruição” da Bahia durante o quadriênio
peemedebista e na promessa de restabelecer a prosperidade anterior,
o alvo dos ataques na campanha em Salvador foi a gestão de esquerda
que findava imersa em dificuldades administrativas e desavenças políticas60 e o cenário alternativo pintado foi a reedição da revolução ur-
Clientelismo, corporativismo, insulamento burocrático e universalismo de
procedimentos (Nunes,1997).
A gestão da prefeita Lídice da Mata (1993-1996), então no PSDB, teve um
primeiro ano promissor, apesar da penúria financeira da prefeitura. A coligação de
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bana operada por ACM nos anos 60. Mas o apelo principal da campanha, que polarizou a eleição de Imbassahy, foi o convencimento dos
cidadãos soteropolitanos – face à experiência concreta de asfixia da
gestão municipal findante por um embargo financeiro e um implacável cerco político, nos planos federal e estadual – de que obras públicas, serviços razoáveis e a própria solvência da Prefeitura dependiam
da eleição de um prefeito carlista.
Em 2000, essa lógica foi mantida para obter a reeleição do prefeito, mas já então a ela se somava uma avaliação positiva da sua gestão por uma opinião pública ganha para uma concepção utilitarista da
sociabilidade urbana, legitimando-se, em detrimento da polis, o uso
econômico pragmático dos espaços da cidade. Em troca de uma manutenção eficiente – se comparada ao padrão das gestões anteriores –
dos equipamentos e serviços urbanos e de acenos freqüentes à geração de empregos por obra de um mercado livre de amarras, a cidade
passou a ver como natural e “racional” o tratamento raso, ligeiro e
pouco aberto ao contraditório, por parte do poder público, de questões que lhe são culturalmente caras, como a miséria social, a sua configuração racial e religiosa e o seu patrimônio histórico, paisagístico e
arquitetônico. Logo, o difícil desafio que a capital lança ao carlismo
em 2004 não é o de rever seu discurso ou sua política, mas o de encontrar um nome capaz de representar eleitoralmente a ambos.
Numa cidade onde o carlismo pós-carlista criou asas a ponto de
se tornar extra-carlista e beneficiar-se de uma rejeição à figura do senador,61 a hipótese de uma derrota eleitoral carlista deriva menos da
centro-esquerda pela qual se elegeu mantinha-se unida, embora com tensões, e o
município tinha apoio do governo federal. Passou a enfrentar sérias dificuldades
administrativas a partir do momento em que foi celebrado o acordo nacional entre
seu partido e o PFL de ACM, com vistas às eleições presidenciais de 1994. Além do
cerco político do carlismo, lutou contra seqüestros de verbas municipais por um
consórcio de empreiteiras que a Justiça por vezes reconhecia como credoras da
prefeitura, por conta de obras de gestões anteriores. A partir de 1995, antigas
divergências políticas com o PT e outras, mal resolvidas, sobre rumos
administrativos do governo, com partidos e lideranças de esquerda a ele ligadas,
trouxeram ao cenário já adverso um componente político facilitador da conquista
da prefeitura pelo carlismo, na eleição de 1996.
Por ter sua conduta avaliada, pelo jornal de ACM, como pusilâmine, no caso do
movimento estudantil que, em setembro de 2003, paralisou a cidade contra um
aumento de passagens de ônibus, o prefeito Imbassahy passou a ser dado como
rompido com o chefe e ganhou, por isso, de setores da oposição e do jornal A
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força do PT e mais da ausência desse nome, a qual, por sua vez, resulta daquela armadilha a que antes me referi: a revogação do contraditório na cidade, pela imposição de um “pensamento único” esterilizador
da vida política, ameaça vitimar o grupo que foi o seu maior beneficiário. A esta armadilha soma-se outra, descendente direta do discurso
eleitoral de 96: a cidade acreditou tanto que seu destino dependia, não
de uma liderança política bem dotada, mas de um prefeito politicamente adotado “de cima”, que agora o carlismo se arrisca a provar do
próprio veneno e assistir Lula decidir a eleição de 2004 em Salvador.
As duas armadilhas dão a medida da extensão da metástase política
que perturba o grupo.
Na esfera da bancada federal um outro “racha” no carlismo
vem sendo comemorado por alguns dos seus adversários, mesmo se
mantendo, prudentemente, no prelo. Envolve o deputado José Carlos
Aleluia que, dentre os mais destacados carlistas pós-carlistas, é o que
mais deve sua projeção ao caráter baiano-nacional do carlismo.62 Através dele o carlismo pós-carlista, acompanhando tendência da sociedade civil brasileira e baiana, trabalha a gramática do universalismo,
nela aperfeiçoa seu discurso liberal e com ela força entrada nos ambientes da “grande política”, inclusive colocando em segundo plano o
tema da baianidade. Mas também neste caso o alarde é desproporcional aos fatos, pois a política baiana recente está repleta de indicações
de que disputas internas, até contradições, não impedem que os quadros do carlismo ajam no auto-interesse de preservar um patrimônio
político que, dilapidado, a nenhum servirá. Se não se dividiram em
2001, quando ainda havia muito poder a disputar e um governo federal ávido por cooptar carlistas, é improvável que o façam agora, quando a hegemonia do carlismo histórico já é poente e a estrela que brilha em Brasília parece apostar numa frente que os exclui.
Tarde, tratamento de anti-carlista, ainda que jamais tenha dirigido qualquer crítica
ao senador ou ao grupo, do qual é membro histórico.
Foi a política nacional sua arena principal de atuação quando estava integrado ao
comando de ACM e segue sendo agora, quando lhe faz contraponto, ocupando a
liderança da bancada do PFL na Câmara dos Deputados. Ao contrário de
Imbassahy e Souto (técnicos ligados a ACM desde os anos 70, promovidos à
política, o primeiro nos 80, o outro em 90), Aleluia entrou no PFL por sugestão do
ex-ministro Oliveira Brito, antigo prócer do PSD baiano. Afinado ideologicamente
com Luís Eduardo Magalhães, sempre teve certa autonomia de discurso.
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O alerta procede porque em meio ao tiroteio varejista na conjuntura corre-se o risco de perder a visão do conjunto. A política,
mesmo às vezes insinuando o contrário, não é departamento separado
da sociedade em que é praticada. O carlismo, insisto, nunca foi mera
obra do talento político ou do apetite pessoal de poder de ACM. Sem
embargo de ambos, ele sempre foi muito a expressão política de interesses, valores e atitudes de elites baianas e nacionais que apostaram
na supressão autoritária do pluralismo para apressar, por cima, uma
modernização que lhes preservasse dedos e anéis. Esses interesses,
valores e atitudes não se revogam porque a estrela de ACM se apaga.
Logo, desse apagamento não resulta o fim do carlismo, enquanto política.
De toda a análise empreendida decorre que, além da transição
pós-carlista ter cumprido seu ciclo ao longo de 2003 e já se viver na
Bahia a plenitude de um novo momento, bi-polar, já não é mais suficiente falar em carlismo no singular para entender, do ponto de vista
ideológico, sociológico e institucional, o grupo político de maior poder no Estado e sua influência nacional. Contra os prognósticos históricos, há que se pensar o carlismo no plural, para além de ACM.
Cabe reconhecer que até aqui o “neo-carlismo” tem sido mais
ágil na adequação de seu discurso e prática a esses tempos póshegemônicos do que a oposição, ainda presa ao anti-carlismo habitual. Traços de anacronismo, na formulação e ação, ainda prevalecem e
isso faz com que, enquanto o carlismo pós-carlista já é ator, a esquerda pós-carlista seja ainda uma virtualidade.
Porém, comando político mais colegiado, estratégias eleitorais
defensivas, “pefelização” do “meta-partido” carlista, menor ênfase no
carisma, alusão mais enfática à cultura negra na abordagem da baianidade, adaptações da práxis administrativa a requisitos de governança,
gestões com sotaque de ONG, aderência ao liberalismo econômico e
conseqüente redução da face “iberista” do carlismo são inflexões
combinadas, funcionalmente, à conservação de traços pilares do carlismo histórico: comando político vertical (ainda que colegiado) sobre
bancadas e bases municipais; busca de legitimação aclamativa e neutralização, via coação ou cooptação assimilativa, de atores sociais e
políticos de oposição (manipulação despótica de instâncias de particiCADERNO CRH, Salvador, n. 39, p. 213-255, jul./dez. 2003
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pação da cidadania, uso político da religiosidade popular e aversão
pragmática ao pluralismo político e ao conflito social); discurso modernizante politicamente conservador, com valorização de um perfil
tecnocrático de gestão e do protagonismo da elite política dirigente; e sintonia com o campo político liberal, via criação de bases institucionais regionais de uma sociedade de mercado e via alinhamento a atores políticos
relevantes e interesses econômicos dominantes, no plano nacional. Tudo
isso sempre foi e continua sendo a política do carlismo.
A acrobacia dos carlistas pós-carlistas consiste em “surfar” na
nova onda do tempo (a rejeição à figura do senador ACM), confiando
ao tempo o fim do seu poder pessoal, enquanto cuidam, sob direção
mais colegiada, de renovar a imagem do grupo. A operação tem sentido e é preferível ao puro e simples rompimento com o chefe porque
o que se quer é evitar o vácuo e conservar o carlismo enquanto política, mantendo seus elos ideológicos, sociais e não apenas eleitorais,
que datam de meio século sem jamais terem sido perdidos. Logo, não
é uma dissidência que vai à luta, exposta a sol e sereno, mas um movimento de inflexão que tenta concretizar mais uma atualização transformista de uma mesma revolução passiva feita por e para elites baianas e nacionais, hoje decididas, como as de ontem, a eximir-se dos
riscos inerentes ao exercício de uma práxis republicana e pluralista, em
contexto econômico-social modernizado.
A conspirar contra essa empreitada estão a virtual constituição
de um campo de esquerda pós-carlista na política baiana e a velocidade do processo erosivo do carlismo, que pode atropelar o timing da
operação transformista. A seu favor o carlismo pós-carlista conta com
a institucionalização da política brasileira - que pode lhe ajudar a vencer mais rapidamente a queda de braço interna com ACM no PFL nacional - e com a miopia política do anti-carlismo tradicional que, conferindo sobrevida mitológica à centralidade política de ACM e à sinonímia entre si e o carlismo, atenua a quebrada da onda, poupando esforços aos hábeis “surfistas”.
Miopia e esperteza levam, no caso, ao mesmo lugar. Arremessar
pedras em quem já declina, como se o futuro político da Bahia dependesse do destino de uma só pessoa, é um ato que nada produz
senão nublar o olhar retrospectivo da sociedade. É preciso demarcar
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fronteira ante esse simplismo de ocasião, lembrando que a história
não pode ser contada em panfletos ligeiros e que aventuras despóticas
nunca vingam sem os cúmplices e beneficiários do déspota. A modernização política da Bahia não requer revanche pessoal, mas atitude
democrática. Sobre ressentimentos e escombros não se erguerá uma
Bahia melhor, porque o melhor que podemos desejar é a convivência
no pluralismo político, tesouro ignorado pelos baianos. Somos um
povo, não mocinhos e bandidos, e há muito a ponderar sobre as décadas de domínio carlista.
Mas a generosidade republicana não é amnésia, nem admite
pactos para chancelar acrobacias políticas e escrever, pela enésima
vez, a história sob o prisma de vencedores circunstanciais. A eles,
nem as batatas! Às elites baianas e nacionais, seus ramos econômico,
político e intelectual, devem ser exibidos, sem dramatizações excessivas,
os débitos e créditos de nossa modernização conservadora. Há um passado e um presente de violência e omissão a superar, mas também conquistas e um novo mundo social baiano que germinou em chão áspero e que
deve ser reconhecido para que a política não se converta em autópsia. A
partir daí é possível encarar a reconstrução civil e a invenção democrática que desafiam novas gerações de baianos.
(Recebido para publicação em dezembro de 2003)
(Aceito em dezembro de 2003)
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