biopirataria e apropriaçao dos conhecimentos tradicionais

Transcrição

biopirataria e apropriaçao dos conhecimentos tradicionais
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS
ESCOLA SUPERIOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO AMBIENTAL
WALKER SALES SILVA JACINTO
BIOPIRATARIA E APROPRIAÇÃO DOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS:
UM ESTUDO DE CASO DOS ÍNDIOS WAPIXANA DE RORAIMA.
MANAUS
2012
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS
ESCOLA SUPERIOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO AMBIENTAL
WALKER SALES SILVA JACINTO
BIOPIRATARIA E APROPRIAÇÃO DOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS:
UM ESTUDO DE CASO DOS ÍNDIOS WAPIXANA DE RORAIMA.
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Direito Ambiental no Programa
de Mestrado Interinstitucional da Universidade
do Estado do Amazonas e Universidade
Federal de Roraima como parte dos requisitos
exigidos para obtenção do título de Mestre em
Direito Ambiental.
Orientador: Dr. Renildo do Carmo Teixeira
MANAUS
2012
J12b
2011
Jacinto, Walker Sales Silva
Biopirataria e apropriação dos conhecimentos tradicionais: um estudo
de caso dos índios Wapixana de Roraima / Walker Sales Silva Jacinto. -Manaus, 2012.
139 p.
Orientador: Prof. Dr. Renildo do Carmo Teixeira.
Co-orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto Marinho Cirino.
Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado do Amazonas,
Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental,2012.
1.Direito-dissertação.2. Bio-sociodiversidade. 3. Biopirataria.
4.Conhecimentos tradicionais..I.Universidade do Estado do Amazonas UEA. II.Cirino, Carlos Alberto Marinho. III.Título.
CDU 504.5(=1-82)(811.4)(034)
WALKER SALES SILVA JACINTO
BIOPIRATARIA E APROPRIAÇÃO DOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS:
UM ESTUDO DE CASO DOS ÍNDIOS WAPIXANA DE RORAIMA.
Dissertação aprovada pelo Programa de Pósgraduação em Direito Ambiental da
Universidade do Estado do Amazonas, por
meio da Comissão Julgadora abaixo
identificada.
Manaus, 02 de março de 2012.
Prof. Dr. Renildo do Carmo Teixeira
Universidade do Estado de Roraima
Prof. Dr. Serguei Aily Franco de Camargo
Universidade do Estado do Amazonas
Prof. Dr. Maria das Graças S. D. Magalhães
Universidade Federal de Roraima
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais, que me ensinaram o valor dos estudos;
Ao meu amor, Lilian, pela paciência e compreensão diante dos meus momentos de ausência
para dedicação à pesquisa;
Ao amigo Roberto Santana, colega de trabalho e de mestrado, pelo incentivo e apoio na
pesquisa de campo;
À amiga, Fernanda Nascimento, colega de trabalho e de mestrado, pela parceria na Fundação
Estadual do Meio Ambiente e apoio no mestrado;
À amiga Vanéssia, pelo incentivo à produção científica e por me abrir os olhos para a
importância da interdisciplinariedade;
À Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Roraima – FEMARH-RR,
meu local de trabalho, nas pessoas do presidente Luis Emi de Sousa Leitão e Diretor Wagner
Severo Nogueira, pelo apoio à pesquisa e ao mestrado;
Aos meus ex-alunos do curso de Segurança Pública da Universidade Estadual de Roraima –
UERR, na pessoa de Carla Domingues;
À Universidade do Estado de Roraima – UERR, onde lecionei.
À Faculdade Cathedral, em Boa Vista, onde lecionei;
À tuxaua Corina da Silva Gomes, e ao vice-tuxaua Valqui Gomes de Oliveira, da
Comunidade Alto Arraia, pela compreensão, receptividade e apoio na pesquisa de campo;
Às comunidades Alto Arraia, Tabalascada, Malacacheta e todas as comunidades Wapixana da
Região da Serra da Lua;
Ao Senhor Norberto Cruz da Silva, da comunidade Tabalascada, antigo Coordenador Geral da
Serra da Lua, pela entrevista e relatos da comissão formada para a busca de soluções no Brasil
e Guiana para a questão do cunani e do biribiri ;
Ao atual Coordenador Geral das Lideranças Indígenas da Região da Serra da Lua Senhor
Simião Messias;
Ao tuxaua Basílio da Comunidade Jacamim e à tuxaua Luzineide da Comunidade
Malacacheta, ambas comunidades da Região da Serra da Lua;
À Funai, Coordenação Regional em Boa Vista, na pessoa do coordenador André dos Santos
Vasconcelos;
Ao servidor Jânio da Funai, que orientou acerca da pesquisa de campo;
Ao meu orientador do mestrado prof. Dr. Renildo do Carmo Teixeira e ao co-orientador Prof.
Dr. Carlos Alberto Marinho Cirino, pela paciência e orientações
Ao Prof.Dr. Sílvio José Reis da Silva do Museu Integrado de Roraima – MIRR, que muito me
orientou, na dissertação mesmo não sendo meu orientador oficial.
À Prof. Dr. Patrícia Velho, diretora do Museu Integrado de Roraim – MIRR, pela
oportunidade de participação, como palestrante, da quinzena ambiental realizada em junho de
2011, onde pude expor ideias da minha dissertação, além de ampliar minhas atividades de
crédito complementar do mestrado.
Às instituições que propiciaram a conclusão do meu mestrado NECAR/UFRR/UEA;
Ao Coordenador Prof. Dr. Alberto Martin Martinez Castañeda;
Ao Coordenador Prof. Dr. Serguei Aily Franco Camargo;
Aos meus pais Jairo e Heleni;
E ao meu amor Lilian.
Como quase todas as outras instituições permanentes –
a religião, a arte, a ciência, o estado, a família –,
o direito está envolvido em um processo de
aprender a sobreviver sem as certezas que o geraram.
(CLIFFORD GEERTZ, 1998, p. 328)
RESUMO
Trata-se de um projeto de pesquisa intitulado “biopirataria. análise da bio-sociodiversidade da
amazônia brasileira e apropriação dos conhecimentos tradicionais” que abordou a análise de
alguns elementos envolvendo a bio-sociodiversidade como a biopirataria, bioprospecção, com
duas hipóteses: a criminalização da biopirataria e a cooperação, benefício ou patente conjunta.
Constatou-se, por pesquisas, que produtos considerados tipicamente brasileiros tiveram seus
nomes registrados em escritórios de patentes dos Estados Unidos, União Europeia e Japão.
Também ocorreram registros de patente dos seus princípios ativos ou derivados. Os nomes
“cupuaçu”, “cupuaçu vital” “açaí”, “rapadura”, “escapulário” estiveram e alguns ainda estão
presentes em escritórios de registro de patentes e marcas destes países. Verificou-se, no
entanto, medidas preventivas adotadas pelo Governo brasileiro. É importante analisar o
impacto na preservação do interesse mercadológico na bio-sociodiversidade. A diversidade
cultural e biológica poderia constituir-se em novos interesses do mercado diante da
possibilidade de criação de novos produtos. Outro aspecto importante é que o reconhecimento
e proteção intelectual dos conhecimentos tradicionais poderiam levar a uma maior interação
entre os grupos detentores destes conhecimentos e o mercado produtivo de novos produtos e
tecnologias, gerando economia de tempo e dinheiro em pesquisas. Focou-se a pesquisa em um
estudo de caso em Roraima da notícia de uma apropriação de conhecimentos tradicionais dos
índios Wapichana que habitam Roraima e o país vizinho Guiana no que tange ao uso do
“cunani” e “biribiri” ou “semente do tipir”, cujo princípio ativo foi patenteado em três países
conforme pesquisas antropológicas, notícias da mídia e verificação feita junto a comunidades
Wapixana de Roraima, na Região da Serra da Lua, onde constatou-se in loco o uso tradicional
do cunani e a busca da comunidade por uma solução do problema do patenteamento.
Palavras-chave: Bio-sociodiversidade. Biopirataria. Conhecimentos tradicionais. Direitos
Autorais Coletivos. Bioprospecção
ABSTRACT
This is a research project entitled "biopiracy. analysis of bio-sociodiversidade da amazônia
brasileira and appropriation of traditional knowledge "that addressed some analysis involving
elements such as biopiracy, bioprospecting bio-sociodiversidade, with two assumptions: the
criminalisation of biopiracy and cooperation, benefit or joint patent. It was noted, by surveys,
which typically Brazilians had their products considered registered names in patent offices of
the United States, European Union and Japan. Also there were patent records of its active
principles or derivatives. The names "cupuaçu", "cupuaçu" vital "," Acai "rapadura", "and
some scapular" were are still present in offices patent and trademark registration in these
countries. There was, however, preventive measures adopted by the Brazilian Government. It
is important to analyze the impact on the preservation of marketing interest in biosociodiversidade. Biological and cultural diversity could become new market interests the
possibility of creation of new products. Another important aspect is that the intellectual
recognition and protection of traditional knowledge could lead to greater interaction between
the groups owners of these knowledge and productive market of new products and
technologies, generating savings in time and money in research. Focused research on a case
study in Roraima news owned traditional knowledge of Wapichana Indians who inhabit
Roraima and Guyana's neighbor country with regard to the use of counani, biribiri or tipir
seed, whose active ingredient was patented in three countries as anthropological research,
media reports and findings from Wapixana communities of Roraimain the region of Serra da
Lua, where it was found on the spot the traditional use of counani and the search for
community in a solution of the problem of patenting.
Keywords: Bio-sociodiversity. Biopiracy. Traditional knowledge. Collectives Copyright.
Bioprospecting
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Tabela 1 - Patente do “cupucu” nos Estados Unidos e demais dados.
Tabela 2 - Dados do procedimento de solicitação do registro de derivados do
cupuaçu como xampus, cosméticos perante escritório de registros e patentes
americano.
Tabela 3- Registro do termo “cupuacu vital” no “United States Patent and
Trademark Office”.
Figura 1 - Curva de Kuznets Ambiental
Figura 2 - A curva ambiental de Kuznets (The environmental Kuznets curve)
Figura 3 - curva de Kuznets e o meio ambiente.
Figura 4 – Mapa do sistema de mapeamento de língua mundial - Wapichana em
Roraima e Guiana
Figura 5 - Mapa de Terras Indígenas da Região da Serra da Lua em Roraima –
2007
Figura 06 - Malocas da Região Indígena da Serra da Lua – 2007
Figura 7 – ciclo básico em quatro fases de investigação-ação.
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LISTA DE ANEXOS
ANEXO A – AMOSTRA DA PESQUISA JUSTIFICATIVA, MÉTODO;
TERMO DE LIVRE CONSENTIMENTO; QUESTIONÁRIO DA
ENTREVISTA; MEDIDAS DE PROTEÇÃO DE RISCO E
CONFIDENCIALIDADE
ANEXO B – FIGURAS COOPERATIVA DE AÇAI; AÇAIZEIRO
SENDO COLHIDO; WAPIXANA MOSTRANDO SEMENTE DO TIPIR;
IMAGENS DA COMUNIDADE INDÍGENA ALTO-ARRAIA; IMAGEM
DA TUXAUA E VICE-TUXAUA DA COMUNIDADE ALTO-ARRAIA
ANEXO C – DADOS DA COMUNIDADE INDÍGENA ALTO-ARRAIA
CONFORME CARNEIRO 2007
ANEXO D – AUTORIZAÇÕES PARA INGRESSO EM TERRA
INDÍGENA PARA PESQUISA - AUTORIZAÇÃO DA FUNAI-RR
ATRAVÉS DO COORDENADOR REGIONAL; AUTORIZAÇÃO DA
TUXAUA DA COMUNIDADE ALTO-ARRAIA
ANEXO E – RELATÓRIO DA XXIX ASSEMBLEIA REGIONAL DE
LIDERANÇAS INDÍGENAS DA REGIÃO DA SERRA DA LUA 2011 –
POSTADO CONFORME RECEBIDO, SEM AJUSTES OU
ALTERAÇÕES
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109
116
118
120
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
1.1 ASPECTOS GERAIS
1.1.1 Aspectos históricos e gerais
1.1.2 Casos de biopirataria: cupuaçu, açaí, escapulário, rapadura
2 DISCUSSÕES ACERCA DA BIOPIRATARIA
2.1 MEDIDAS PREVENTIVAS
2.2 RACIONALIDADE AMBIENTAL
2.3 ESTRATÉGIA COLONIALISTA E VISÃO DE VANDANA SHIVA
2.4 PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA
2.4.1 Caráter fragmentário e subsidiário do direito penal
3 A IMPORTÂNCIA DA PRESERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE E
DISCUSSÕES SOBRE A BIOPIRATARIA
3.1 ENTENDENDO O TERMO DESENVOLVIMENTO
3.2 ENTENDENDO A SUSTENTABILIDADE
3.3 SUSTENTABILIDADE ECOLÓGICA
4 LEGITIMIDADE PARA TRATAR DOS CONHECIMENTOS
TRADICIONAIS DOS ÍNDIOS E DEFESA DOS SEUS DIREITOS
4.1 EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO SOBRE OS ÍNDIOS E O MEIO
AMBIENTE
4.2 OUTRAS CONSIDERAÇÕES SOBRE OS CONHECIMENTOS
TRADICIONAIS INDÍGENAS
4.3 CONTRAPONTO ACERCA DA BIOPIRATARIA, CONHECIMENTOS
TRADICIONAIS E PROPRIEDADE INTELECTUAL SEGUNDO OZÓRIO
JOSE M. FONSECA
4.4 CONVENÇÃO Nº. 169 DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO
TRABALHO (OIT)
4.5 A IMPORTÂNCIA DA CONVENÇÃO SOBRE A DIOVERSIDADE
BIOLÓGICA (CDB) E O ACESSO AO PATRIMÔNIO GENÉTICO
4.6 APROPRIAÇÕES E DIMENSÕES DOS DIREITOS DE
PROPRIEDADE
4.7 BIODIVERSIDADE, ESTIMATIVA ECONÔMICA E O MERCADO
MUNDIAL
4.8 BIOPIRATARIA: CONHECIMENTOS TRADICIONAIS DOS ÍNDIOS
WAPICHANA
4.9 PROPOSTAS
5 O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
5.1 FUNDAMENTAÇÃO LEGAL
5.2 A ETNIA WAPIXANA
6 BIOPIRATARIA – CASO DOS ÍNDIOS WAPIXANA DE RORAIMA
6.1 COMUNIDADE INDÍGENA MANUÁ-PIUM
6.2 PESQUISA AÇÃO
6.3 CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS DA PESQUISA-AÇÃO
6.4 AUTORIZAÇÃO FEITA NA ASSEMBLEIA GERAL DAS
COMUNIDADES DA REGIÃO DA SERRA DA LUA
6.5 RELATO DO SR. NORBERTO CRUZ DA SILVA E O RELATÓRIO
DA SUA COMITIVA À GUIANA
6.6 AMOSTRAGEM DE PESQUISA REALIZADA NA COMUNIDADE
INDÍGENA ALTO ARRAIA
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27
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75
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77
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84
86
88
90
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ANEXOS
92
95
102
13
1 INTRODUÇÃO
O presente estudo teve como objetivo analisar aspectos econômicos da apropriação
dos conhecimentos tradicionais para o Governo brasileiro, e especificamente da Região
Amazônica e o Estado de Roraima.
Influenciou a escolha do tema a constatação de que diversos conhecimentos
tradicionais e indígenas são utilizados pelo mercado e devolvidos ao mesmo sob a proteção de
registros e patentes, não havendo o devido reconhecimento da participação dos grupos que
forneceram com seus conhecimentos tradicionais.
Pesquisas apontam que estes conhecimentos ocasionam uma enorme economia de
dinheiro e anos de pesquisas, assim, incentivando-se com a participação no resultado das
vendas destes novos produtos, a “partilha” destes conhecimentos seria de grande interesse
para o mercado e para o consumo, todavia, com sua devida regulação para evitar um risco à
preservação da biodiversidade.
Optou-se por delimitar a problemática do tema para não aprofundar na questão da
patente de patrimônio da cultura tradicional, por ser assunto ainda não resolvido pelas novas
vigentes como o TRIPS e a Convenção de Biodiversidade, sendo neste momento, inoportuna
maiores digressões da questão no presente estudo.
Apesar da delimitação do tema no aspecto patrimonial, pretende-se contribuir com a
questão, expondo a proposta de cooperação entre os detentores de conhecimentos tradicionais
e as indústrias no que tange a bioprospecção.
Pretendeu-se, portanto abordar um estudo de caso relacionado à apropriação de
conhecimentos tradicionais dos índios Wapixana da região do Estado de Roraima e do país
fronteiriço Guiana, no que tange ao uso do fruto do biribi e cunani. (ANEXO B)
Além da pesquisa bibliográfica, no estudo de caso foram empregados questionários
fechados, com objetivo de confirmar o conhecimento do cunani e biribiri (tipir) pelos
Wapixana em Roraima através de amostragem das respostas na comunidade Alto Arraia, em
Manuá-Pium, Região da Serra da Lua, Município de Bonfim-RR, além de entrevista.
(ANEXO A)
14
1.1 ASPECTOS GERAIS
Pesquisas apontam que a biodiversidade tem um valor econômico imensurável e pode
gerar milhões de empregos e fonte de grande desenvolvimento regional em especial na
Amazônia.
Estima-se que a biodiversidade brasileira valeria R$ 4 trilhões no total, dos quais
metade corresponde ao tesouro natural da Amazônia (TOWNES,p.7, sd).
Outro dado relevante refere-se à informação de que o Brasil perde anualmente mais de
US$ 3 bilhões com a biopirataria, segundo Pamplona; Cunha; Prado (2007, p.12).
Há propostas doutrinárias pela criminalização da biopirataria no Brasil, sendo que
tramita no Congresso Nacional projetos de lei nesse sentido.
Por outro lado, alguns pesquisadores propõem a cooperação como solução à
problemática da Biopirataria, ou seja, união entre detentores de conhecimentos tradicionais e
industriais, que teriam economia de tempo e dinheiro investidos em pesquisas, garantindo
uma contrapartida aos grupos cooperadores.
Pesquisas empíricas apontam que alguns acordos foram celebrados no Brasil em
relação a direitos autorais e quanto a conhecimentos tradicionais.
Dentre os acordos judiciais envolvendo casos de conhecimentos tradicionais, pode-se
citar o caso envolvendo uma empresa de cosméticos “Natura” e as quebradeiras de coco do
Nordeste, outro o acordo judicial celebrado (perante a Justiça Federal Seção Judiciária do
Pará) entre a empresa Natura e uma Associação que representa os feirantes do Mercado Vero-peso em Belém do Pará.
Sobre os conhecimentos tradicionais dos Wapixana, que foram analisados no presente
trabalho, o tipir (biribiri) tem efeitos anti-concepcionais, anti-hemorragicos e abortivo e a
planta “cunani” é usada na pesca.
Estes produtos acima citados, de uso tradicional dos Wapixana, foram catalogados
pelo químico Conrado Gorinsky, com a ajuda das comunidades indígenas e, posteriormente
teve-se as patentes requeridas nos Estados Unidos, Europa e Grã-Bretanha, como invenção
própria.
Foram analisados os instrumentos jurídicos atuais e sua capacidade ainda insuficiente
para assegurar direitos a propriedade intelectuais de populações tradicionais como as
indígenas.
Procurou-se em pesquisa qualitativa e quantitativa confirmar o uso do cunani e biribiri
pelos Wapixana.
15
Através de entrevistas e pesquisas in loco realizado na comunidade Manuá-Pium, bem
como dados coletados da Assembleia Geral da Lideranças Indígenas da Região da Serra da
Lua constatou-se o conhecimento do cunani e biribiri pelos Wapixana de Roraima, bem como
a espectativa e anseio por solução quanto ao caso do patenteamento destes produtos.
1.1.1 Aspectos históricos e gerais
Desde a época do descobrimento do Brasil, riquezas do Ecossistema pátrio são
exploradas e comercializadas sem que houvesse preocupação com os devidos benefícios
locais e de proteção do meio ambiente, bem como do esgotamento dos recursos naturais,
como o caso do pau-brasil que já foi abundante no Brasil colonial.
Fonseca (2011, p.261) aborda este momento histórico e sua relação com a apropriação
de recursos biológicos:
Embora a apropriação e transferência de recursos biológicos e de conhecimento
tradicional seja uma prática iniciada pelos primeiros navegadores e colonizadores, o
vocábulo biopirataria só apareceu na linguagem ambientalista em 1993, em um
documento da então ONG Rafi, hoje ETC-Group (WWW.etcgroup.org) com o
significado de:
‘apropriação de conhecimento e de recursos genéticos de comunidades de
agricultores e comunidades indígenas por indivíduos ou por instituições que
procuram o controle exclusivo do monopólio sobre esses recursos e conhecimentos’.
(grifo nosso).
Denota-se que Fonseca (2011) relata a prática de condutas que hoje seriam
consideradas biopirataria desde a época das grandes navegações do séc. XVI, todavia, naquela
época não se tinha essa concepção e conceito de biopirataria, termo do séc. XX.
Colonizadores portugueses ofereciam espelhos, rosários em troca do ouro que os
silvícolas pareciam saber onde encontrar. Na memorável carta de Pero Vaz de Caminha
encontram-se menções sobre essa relação.1
No séc. XVI, os livros de André Thevet (1557)2 e Jean de Léry (1578)3, relataram
aproximações de portugueses e franceses com os indígenas com objetivos explícitos de
1
Viu um deles umas contas de rosário, brancas; fez sinal que lhas dessem, e folgou muito com elas, e lançou-as ao pescoço; e
depois tirou-as e meteu-as em volta do braço, e acenava para a terra e novamente para as contas de para o colar do Capitão,
como se dariam ouro por aquilo.
Isto tomávamos nós nesse sentido, por assim o desejarmos! Mas se ele queria dizer que levaria as contas e mais o colar, isto
não queríamos nós entender, por que lho não havíamos de dar! E depois tornou as contas a quem lhas dera. E então estiraramse de costas na alcatifa, a dormir [...].”
(Pero Vaz de Caminha. Carta a El Rei D. Manuel. Porto Seguro, Ilha de Vera Cruz, 1º de maio de 1500).
2
André Thevet (1503-92) foi um monge franciscano. O monge viajante passou pouco mais de três meses na colônia da Baía
de Guanabara. De volta à França, renegou qualquer solidariedade com os protestantes e publicou, em 1557, um relato de sua
viagem ao Brasil: Les Singularités de la France Antarctique.
3
Histoire d’un Voyage Fait en la Terre du Brésil, de Jean de Léry. Jean de Léry (1534-1613).
16
exploração comercial de madeira e as chamadas drogas do sertão, que eram especiarias
extraídas do chamado sertão brasileiro na época das entradas e das bandeiras.
Nos séculos seguintes, a biodiversidade brasileira sempre foi afetada por políticas
fundamentalmente voltadas para a exploração econômica como a exploração da borracha na
Amazônia, fordlândia, Jarí entre outras.
Nos anos do governo militar, a ideologia “integrar para não entregar” levou estradas,
vilas e cidades para locais inóspitos da Amazônia. Época em que se inicia a construção da
Transamazônica.
Nos tempos atuais, essa realidade tomou novas proporções ao se tratar do termo
biodiversidade. Conceito este dentre outros, que cuidam do meio-ambiente começaram a ser
elaborados e discutidos na primeira Convenção Internacional do Meio-Ambiente em
Estocolmo em 1972. Posteriormente, o Brasil também sediou semelhante Convenção na
ECO-92, realizada no Rio de Janeiro em 1992.
Conhecimentos de comunidades tradicionais do Brasil acerca de produtos oriundos da
fauna e flora nacionais têm sido utilizados por diversas indústrias e laboratórios sem a
permissão destas comunidades, nem o respeito à propriedade intelectual e sem que nenhum
direito lhes seja resguardado ou garantido.
No final do século XIX, sementes de seringueiras que foram levadas e plantadas na
Malásia, causaram a falência da produção brasileira da borracha face ao surgimento da
concorrência naquele país.
Todavia, na época, não se pensava em biopirataria ou conhecimentos tradicionais, ou
mesmo de diversidade biológica, sendo estas idéias desenvolvidas, acredita-se que no século
XX (Fonseca, 2011), como mencionado acima.
Segundo Nascimento (2010), o termo biodiversidade foi utilizado pela primeira vez na
obra organizada por Wilson e Peter, editada pela National Academy Press, em 1988 nos
Estados Unidos e a partir da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento (CNUMAD), em 1992 no Rio de Janeiro, passou-se a usar os termos
diversidade biológica e biodiversidade nos debates ambientais.
Em relação ao termo biodiversidade, Lewinsohn traz a informação de que o referido
vocábulo foi utilizado pela primeira vez na obra organizada por Wilson e Peter, que
foi editada, inicialmente, pela National Academy Press, em 1988, em Washington,
Estados Unidos. A partir da divulgação da referida obra e, principalmente, com a
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento –
CNUMAD, ocorrida em 1992, no Rio de Janeiro, a expressão diversidade biológica
17
e sua abreviação biodiversidade passaram a ser empregadas com bastante
frequência, embora advirta Lewinsohn que não há unanimidade entre os estudiosos
quanto ao alcance do aludido termo científico. (NASCIMENTO, 2010; p.23)
Outros estudos de caso, perante a Justiça Federal do Brasil, Seção Judiciária do Pará,
envolve um acordo judicial homologado, envolvendo bioprospecção, sendo os detentores de
conhecimentos tradicionais e, parte no processo, os feirantes do Mercado Ver-o-peso de
Belém-PA e como parte antagônica a empresa Natura.
No caso envolvendo os feirantes e a empresa Natura, a empresa admitiu ter lançado
uma linha de produtos apropriando-se dos conhecimentos tradicionais dos feirantes em ervas
e produtos da natureza, com anteriores entrevistas, garantindo com o acordo participação no
resultado das vendas destes produtos.
Conforme Ávila, (2006) os debates envolvendo biotecnologia e direitos da
biodiversidade na década de 1990, período que antecedeu a ECO-92 no Rio de Janeiro,
ocasionou na aparição de diversos movimentos indígenas de vários países a reivindicarem
seus direitos intelectuais coletivos.
No mesmo sentido (LITTLE, 2002; p.197) assegura que:
(...) os chamados “conhecimentos tradicionais” foram uma categoria relativamente
recente no vocabulário do movimento indígena e vêm sendo encarados como uma
fonte real de recursos estratégicos, que podem estabelecer novas relações entre
Estados nacionais e povos indígenas. Para tanto, utilizariam-se da interface entre a
ciência ocidental e as ciências locais e seus conhecimentos, tão cobiçados no mundo
ocidental.
Pode-se exemplificar com a já mencionada fruta do biribiri4 usada há gerações como
anticoncepcional pelos índios Wapixanas, tendo sido registrada pelo laboratório canadense
Biolink estimando-se um retorno financeiro de cerca US$ 2,5 milhões ao ano em royalties.
(TOWNES, p.9, sd)
No caso da apropriação dos conhecimentos tradicionais dos Wapixanas, a “semente do
tipir” ou biribiri (Octotea radioei), também conhecida como “Palm Grove” (pelos
Wapichanas5 da Guiana) e o “cunani” de uso daquela etnia, foi apresentada ao químico
4
Biribiri: as sementes são usadas há séculos pelos índios uapixanas como anticoncepcional. O laboratório canadense Biolink
patenteou o princípio ativo e desenvolve pesquisa com a substância para tratar a aids. Disponível em <
http://pib.socioambiental.org/c/noticias?id=9405> Acessado em 24 nov.2010.
5
A etnia tem duas formas de escrita “Wapichana” e “Wapixana”, as duas formas estão corretas. A primeira, foi a forma
usada até a década de 70, posteriormente passou-se a usar a escrita da segunda forma, o mesmo ocorreu com a etnia
“Makuxi” - “Macuxi”; “Yanomami” - “Ianomami”. Townes, Nelson. A biopirataria em Rondônia. Pesquisadores
estrangeiros estão levando plantas e cobras no Vale do Guaporé. Revista Momento Brasil,v.4, n.44,p7, sd.
18
Conrad Gorinsky que patenteou os produtos como descobertas e invenção própria, em três
países.6
Este entrevero é relatado por Ávila (2006), que fez uma pesquisa “in loco” em
Roraima, Guiana, Brasília e transcreve o relato de Clóvis Ambrosio Wapichana no Seminário
Internacional sobre Biodiversidade, realizado no Superior Tribunal de Justiça, em Brasília.
(...) Os Wapichana, meu povo, habitam parte do lavrado no Brasil e na Guiana
Inglesa (...). Por termos conhecimento comuns sobre a vegetação, tanto no Brasil
quanto na Guiana Inglesa, utilizamos uma planta de nome cunani, na pesca.
Também conhecida por tipir ou coração verde em nossa medicina tradicional.
Muitos de nossos parentes nem imaginam que os conhecimentos podem representar
para as indústrias. E foi por isso que o químico Conrad Gorinsky, filho de uma índia
Wapichana com um alemão (...) pesquisou o cunani e o tipir promentendo que
ajudaria as comunidades com medicamentos. Nunca o fez (...). O senhor Conrad
Gorinsky já patenteou o cunaniol e o rupuni nos Estados Unidos, Europa e GrãBretanha. Ele vem buscando contato junto às multinacionais para explorar as
‘descobertas’(...). (WAPICHANA, 1999, apud ÁVILA 2006)
Carvalho (1999) relata ainda outros casos de apropriação de conhecimentos
tradicionais de povo indígena, mencionando acordos firmados com etnias indígenas na
Bolívia e Equador. Tais acordos podem servir como paradigmas para possíveis acordos no
Brasil, onde, como veremos adiante, terá tutela da União, pela Fundação Nacional do ìndio
(FUNAI), sendo os acordos homologados judicialmente ter trâmite perante a Justiça Federal,
com a intervenção do Ministério Público Federal em todos os atos (art. 231 e 231 da
Constituição Federal de 1988).
O caso do Acre, relatado pela Promotora Patrícia Amorim Rêgo, é uma história que
conheço, porque estive na região. Lá chegou um senhor alemão, um executivo
aposentado da Volkswagen, preocupado com a saúde indígena e, mediante contatos
com a Bayer, começou a distribuir medicamentos para, logo em seguida, pedir às
populações que criassem canteiros com suas plantas tradicionais. A moeda de troca,
nesse caso, foi à miséria. Estamos num patamar muito primário, pelo menos não
tenho notícia de um acordo, no Brasil, como os firmados com os povos indígenas da
Bolívia ou mesmo do Equador. Para mim, não há nada parecido em discussão no
Brasil. Isso é muito sintomático da situação de paupérie com que a questão indígena
é tratada pelo Estado brasileiro; é muito revelador do abandono da questão.
(Carvalho, 1999)
Essa apropriação dos conhecimentos tradicionais por missionários religiosos, no
passado, também é relatada por Shiva (2001).
6
Patentes n. US 5.569.456 (United States Patent) e EP610060A1 (EPO – Escritório Europeu de Patentes) para o rupununies;
EP 610059A1 (EPO – Escritório Europeu de Patentes) e US 5786358 (United States Patente) para o poliacetileno conhecido
com cunaniol. Todas estas patentes constam como inventor o Sr. Conrad Gorinsky.
U.S Patente n.5.569.456 – invenção sobre os “alkaloids” e “bisbenzylisoquinoline alkaloids and derivates” (...) denominado
“rupunine C37 H40 06 N2”;
19
Segundo Shiva (2001), essa apropriação dos conhecimentos tradicionais de grupos
indígenas sobre plantas medicinais, antigamente feitas por missionários, atualmente foi
substituída por grandes indústrias farmacêuticas.
Essas afirmações nos permitem uma reflexão no sentido que, assim como nem toda
missão religiosa tem finalidades diversas da fé, como a apropriação dos conhecimentos
indígenas; da mesma forma nem toda pesquisa envolvendo recursos biológicos tem fins de
biopirataria.
Pode-se dizer que o reconhecimento ou não dos conhecimentos tracionais de uma
comunidade e sua participação no resultado das pesquisas é um fator que determina a
apropriação indevida deste conhecimento ou não.
Esse contraponto e alerta para a não generalização e cuidados com xenofobismos
podem ser encontrados nas ponderações de Fonseca (2003) adiante exposto.
Há uma forte necessidade de se orientar, informar, organizar grupos detentores dos
conhecimentos dos efeitos dos produtos da biodiversidade brasileira para viabilizar a sua
exploração econômico-sustentável7 se for do interesse destes grupos, mas com
reconhecimento e tutela dos direitos intelectuais coletivos que ainda carece de norma jurídica
eficaz.
A exploração da nossa biodiversidade por grupos estrangeiros, sem que se pague
nenhum royalty, pode ser denominada de biopirataria ou usurpação de produtos oriundos da
biodiversidade nacional.
Pode-se dizer que a biopirataria é facilitada pela falta de associações regionais que
preservem e explorem economicamente seus conhecimentos tradicionais propiciando casos
como o do medicamento CAPTOPRIL, que tem o princípio ativo oriundo do VENENO DA
COBRA JARARACA que foi descoberto por cientistas brasileiros, todavia, um laboratório
estrangeiro desenvolveu o medicamento e explora o produto economicamente sem
reconhecimento ou participação do Brasil nestes resultados.(grifo nosso)
Denominado conhecimento tradicional de um povo pode implicar em vários anos
economizados em pesquisa laboratoriais, e também enorme economia financeira com isto.
7
Define-se pela continuidade dos investimentos econômicos, das pesquisas tecnológicas e da exploração de matéria-prima, de
tal forma que se leve em consideração não só o presente, mas também as gerações futuras. As diferentes nações têm
procurado encontrar os meios de atingir a formula, como explorar sem destruir ou, pelo menos, diminuir os impactos
ambientais. Disponível em:: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Biosfera#O_Desenvolvimento_Sustent.C3.A1vel> . Acesso em 24
nov.2010.(grifo nosso).
20
1.1.2 Casos de biopirataria: cupuaçu, açaí, escapulário, rapadura
Foi noticiada, pela imprensa, a recente disputa que o Brasil teve em torno do cupuaçu
que foi patenteado por empresas do Japão.
O cupuaçu (Theobroma grandiflorum), uma árvore da mesma família do cacau, cuja
semente é fonte de alimento na Amazônia, está no centro de uma polêmica
envolvendo organizações não-governamentais (ONGs), produtores do Acre, a
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Itamaraty e a gigante
japonesa Asahi Foods Co Ltd. Tudo começou quando a Amazonlink, uma ONG que
apóia produtores locais na comercialização de derivados de cupuaçu, como geléias e
bombons, se preparava para fechar um contrato de venda com uma empresa na
Alemanha, no final do ano passado.
Já no final dos entendimentos, eles nos disseram que o negócio só se consumaria se
o nome cupuaçu não aparecesse no produto, já que a marca cupuaçu estava
registrada na União Européia pela Asahi Foods, desde o ano passado", conta
Michael F. Schmidleher, presidente da Amazonlink. A mesma empresa japonesa,
soube-se posteriormente, tinha igualmente registrado a marca cupuaçu nos Estados
Unidos e no Japão.
Uma investigação mais apurada revelou que a Asahi Foods também tinha patenteado
o método de extração de óleo e gordura da semente e processo de produção do
cupulate, uma espécie de chocolate elaborado a partir da fruta, no Japão e União
Européia, entre os meses de outubro de 2001 e julho de 2002. Em 1998, o uso do
extrato de cupuaçu para a composição de cosméticos já tinha sido registrado pela
Body Shop Internacional. A patente da empresa japonesa, no entanto, pode guardar
semelhança com outra depositada pela Embrapa, no Instituto Nacional de
Propriedade Industrial (INPI), em 1990, relativa ao "Processo de obtenção de
cupulate em pó e em tabletes meio amargo com leite brando a partir de sementes de
cupuaçu".8
Observa-se que a Embrapa no Brasil já possuía uma patente depositada no Instituto
Nacional de Propriedade Industrial (INPI), em 1990 e a empresa japonesa Asahi Foods
depositou patente semelhante na União Européia e Japão, havendo também registro da marca
“cupuaçu” nos EUA e Japão.
Este caso chamou atenção do Brasil, principalmente do Ministério do Meio Ambiente,
na época, ocupado pela então Ministra Marina Silva, para necessidade de ajustar as normas
legais para proteção da bio-sóciodiversidade.
(...) A história veio a público no início deste ano, levantando suspeitas de que,
apesar das medidas de proteção previstas na Medida Provisória nº 2.186 - 16, sobre
o acesso ao patrimônio genético e o conhecimento tradicional associado, o Brasil
segue exposto às ações de biopirataria. "É importante que este caso do cupuaçu
chame a atenção para o problema maior da biopirataria", diz a ministra Marina
Silva, do Meio Ambiente. O ministério, ela adianta, está encaminhando a criação de
um grupo de trabalho interministerial e inter-institucional para analisar o registro de
marcas e depósito de patentes do cupuaçu.
Esse grupo, ela diz, vai conjugar "esforços e conhecimentos nos campos da pesquisa
agronômica e genética, da propriedade intelectual, proteção dos direitos e interesses
difusos e coletivos", assim como da cooperação internacional. A ministra também
8
Disponível em: <http://revistapesquisa.fapesp.br/?art=2060&bd=1&pg=1&lg=>. Acesso em: 06 abr.2011.
21
pretende acelerar a aprovação de medidas de proteção da biodiversidade. (...).
Agora, no comando do ministério, Marina Silva tem planos de ampliar a composição
do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (Cgen), criado pela Medida
Provisória, para incluir representantes de entidades científicas, da sociedade civil, de
comunidades indígenas e locais, para, juntos, propor ao Congresso um
encaminhamento para a conversão da Medida Provisória em lei. Outra idéia que está
sendo estudada é a de desarquivar os projetos de lei sobre a matéria que ainda estão
na Câmara dos Deputados, produzir um substitutivo de consenso e submeter a nova
versão à aprovação do Congresso. A expectativa, sublinha, é que, ainda este ano,
seja possível promulgar uma "verdadeira" Lei de Acesso aos Recursos Genéticos
(...).9
O Brasil, através do seu corpo diplomático conseguiu reverter à situação do registro do
“cupuaçu” pela empresa japonesa.
O termo “cupuaçu” constava no Registro de Marcas e Patentes dos Estados Unidos
sob o número 2729413, número de série 75476260 (protocolo do requerimento), tendo sido
cancelado em 23 de fevereiro de 2005, conforme tabela:
9
Disponível em <http://revistapesquisa.fapesp.br/?art=2060&bd=1&pg=1&lg=>. Acesso em 06 abr.2011.
22
Tabela 1 - Patente do “cupucu” nos Estados Unidos e demais dados.
Word Mark
CUPUACU
Goods and
Services
(CANCELLED) IC 030. US 046. G & S: , CHOCOLATE CANDIES. FIRST USE:
20011118. FIRST USE IN COMMERCE: 20011118
Mark Drawing Code (1) TYPED DRAWING
Serial Number
75558710
Filing Date
September 23, 1998
Current Filing
Basis
1ª
Original Filing
Basis
1B
Published for
Opposition
November 23, 1999
Registration
Number
2729413
Registration Date
June 24, 2003
Owner
(REGISTRANT) Asahi Foods Co., Ltd. CORPORATION JAPAN Shimotsuya-Kitaino
1 Kumiyama-cho, Kuse-gun, Kyoto JAPAN 613-0035
Attorney of Record SIMOR L. MOSKOWITZ
Type of Mark
TRADEMARK
Register
PRINCIPAL
Live/Dead Indicator
Cancellation Date
February 23, 2005
Fonte: UNITED STATES PATENT AND TRADEMARK OFFICE. Disponível em <
http://www.uspto.gov/trademarks/index. jsp>. Acesso em 06.04.2011>. Acesso em: 06 abr.2011.
Disponivel em: < http://tess2.uspto.gov/bin/showfield?f=doc&state=4006:4sj960. 2.2>. Acesso em: 06 abr.2011.
Perante o mesmo escritório de registro de patentes americano, consta o requerimento
de nome “cupuacu” relacionado a derivados como xampus, cosméticos (...) com número de
série 75476260 que não chegou a ser registrado, ocorrendo-se a desistência em 01 de maio de
1999, anteriormente a conclusão do registro.
23
Tabela 2 - Dados do procedimento de solicitação do registro de derivados do cupuaçu como
xampus, cosméticos perante escritório de registros e patentes americano.
Word Mark
CUPUACU
Goods and
Services
(ABANDONED) IC 003. US 001 004 006 050 051 052. G & S: perfumes, soaps,
shampoos, cosmetics, non-medicated toilet preparations; hair colourants, hair
conditioners, hair dyes, hair lotions or hair styling preparations; deodorants; depilatories;
antiperspirant preparations; non-medicated talcum powder for toilet purposes; sun-tanning
preparations (cosmetics); non-medicated massage preparations; bath additives, bath oils
or bath salts, not for medical purposes; shaving preparations; dentifrices; essential oils;
beauty masks, facial packs, nail care preparations, nail varnish; pumice stone, cotton
sticks; cotton wool for non-medical purposes; scented articles all for perfumery purposes,
potpourri, powder-impregnated paper for cosmetic use, abrasives for personal use
Mark Drawing
Code
(1) TYPED DRAWING
Serial Number 75476260
Filing Date
April 29, 1998
Current Filing
Basis
1B
Original Filing
Basis
1B
Owner
(APPLICANT) Body Shop International Plc, The CORPORATION GREAT BRITAIN
Watersmead, Little Hampton West Sussex UNITED KINGDOM BN17 6LS
Attorney of
Record
LESLIE BERTAGNOLLI
Type of Mark
TRADEMARK
Register
PRINCIPAL
Live/Dead
Indicator
DEAD
Abandonment
Date
May 1, 1999
Fonte: UNITED STATES PATENT AND TRADEMARK OFFICE. Disponível em <
http://www.uspto.gov/trademarks/index. jsp>. Acesso em: 06 abr.2011
Disponível em: < http://tess2.uspto.gov/bin/showfield?f=doc&state=4006:4sj960. 2.3>. Acesso em: 06 abr.2011.
Todavia, o nome “CUPUACU VITAL” está registrado no escritório de registros e
patentes dos Estados Unidos, como marca de uso comercial, ainda em vigor, pela empresa
Calais Naturals. A solicitação foi publicada para eventual oposição em 07 de julho de 2009,
porém o registro foi efetuado em 09 de março de 2010 e permanece ativo, conforme consta na
tabela abaixo:
24
Tabela 3- Registro do termo “cupuacu vital” no “United States Patent and Trademark Office”.
Word Mark
Goods
Services
CUPUACU VITAL
and IC 005. US 006 018 044 046 051 052. G & S: Dietary and nutritional supplements. FIRST
USE: 20091006. FIRST USE IN COMMERCE: 20091006
Standard
Characters
Claimed
Mark Drawing
(4) STANDARD CHARACTER MARK
Code
Trademark
Search Facility
LETTER-3-OR-MORE UACU Combination of three or more letters as part of the mark
Classification
Code
Serial Number
77691170
Filing Date
March 14, 2009
Current
Basis
1ª
Filing
Original Filing
1B
Basis
Published for
July 7, 2009
Opposition
Registration
Number
3759132
Registration
Date
March 9, 2010
Owner
(REGISTRANT) Calais Naturals LLC LIMITED LIABILITY COMPANY DELAWARE
11380 Propserity Farms Rd., Suite 221E Palm Beach Gardens FLORIDA 33410
Attorney
Record
Disclaimer
of
Daniel S. Polley
NO CLAIM IS MADE TO THE EXCLUSIVE RIGHT TO USE "CUPUACU" APART FROM
THE MARK AS SHOWN
Type of Mark TRADEMARK
Register
PRINCIPAL
Live/Dead
LIVE
Indicator
Fonte: UNITED STATES PATENT AND TRADEMARK OFFICE. Disponível em <
http://www.uspto.gov/trademarks/index. jsp>. Acesso em: 06 abr.2011
Disponível em: < http://tess2.uspto.gov/bin/showfield?f=doc&state=4005:5r5lh0. 2.1>. Acesso em: 06 abr.2011.
Além do cupuaçu, foi feito o registro da marca “Açaí” no Japão pela empresa K.K.
Eyela Corporation em 2003. O referido registro foi cancelado por ordem do escritório de
registro de marcas do Japão. Atribui-se este êxito à embaixada brasileira no Japão.
O açaí (Euterpe precatoria) é um tipo de palmeira, muito comum na região
amazônica, especificamente no Norte do Brasil, cuja polpa do fruto é utilizada para produzir
sucos, sorvetes, etc., contendo alto valor nutricional.
25
O açaí é, de novo, brasileiro. A frutinha típica da Amazônia estava desde 2003
registrada no Japão como marca de propriedade da empresa K.K. Eyela Corporation.
No início do mês, o Departamento de Patrimônio Genético do Ministério do Meio
Ambiente informou que o registro da marca “açaí” foi cancelado por ordem do
Japan Patent Office, o escritório de registro de marcas do Japão. A decisão não é
definitiva - cabe ainda um recurso da empresa, dentro de um prazo de 30 dias. Caso
a empresa não reivindique a marca, o caso estará encerrado. “Isso criou um
problema moral e econômico para o País. Se algum produtor quisesse exportar açaí
para o Japão, teria de inventar outro nome ou pagar royalties para a dona da marca”,
explica Eduardo Veléz, diretor de patrimônio genético do Ministério do Meio
Ambiente. Segundo Veléz, isso estava sendo usado “de forma perversa” como
barreira não tarifária.
O Ministério do Meio Ambiente credita a vitória aos esforços da embaixada
brasileira no Japão, que vem desenvolvendo um trabalho envolvendo também outros
dois ministérios - Relações Exteriores e Indústria e Comércio - para alertar os
escritórios de registros de marca ao redor do mundo sobre o registro indevido de
componentes da biodiversidade nacional. Entre as ações, o governo formulou uma
extensa lista com três mil nomes científicos de plantas da biodiversidade brasileira,
que, com as denominações populares, chega a cinco mil nomes, e distribui para
escritórios de registro de marcas no mundo inteiro. 'É uma ação preventiva, que vai
facilitar nossa defesa, caso apareça outro caso como este', diz Otávio Brandelli,
chefe da divisão de Propriedade Intelectual do Ministério das Relações Exteriores.
OPORTUNIDADE
Para os produtores de açaí, a decisão abre a possibilidade de se explorar um novo
mercado, o Japão. O açaí brasileiro é bem aceito em mercados como os Estados
Unidos e a Europa, mas ainda pouco conhecido dos japoneses.
Importante observar a medida preventiva adotada pelo Governo brasileiro em registrar
uma lista da biodiversidade nacional no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI).
Também a rapadura teve seu registro feito por uma empresa alemã chamada Rapunzel.
Todavia, o governo brasileiro requereu a retirada da patente de forma amigável.
Em 1996, a empresa alemã Rapunzel depositou no registro de patentes de seu país e
dos Estados Unidos a marca "rapadura" para o doce de açúcar orgânico. O governo
brasileiro só tomou conhecimento do fato em dezembro de 2004, quando acionou as
embaixadas do Brasil nos dois países para que solicitassem à empresa o abandono
voluntário do registro da marca, considerado ilegal segundo a Convenção de Paris e
o Acordo sobre Aspectos de Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao
Comércio (Trips).
Rapadura é um nome genérico e necessário de um produto tipicamente brasileiro, o
que torna o registro indevido como marca. Segundo Otávio Brandelli, secretário da
Divisão de Propriedade Intelectual do Itamaraty, há interesse da Rapunzel em um
acordo amigável, o que evitaria ações administrativas ou judiciárias como ocorreu
no caso do cupuaçu em 2004, quando a empresa japonesa perdeu no Japão e na
União Européia o direito à marca, abandonando-a também nos EUA. (Inovação
Uniemp, 2006)
Os casos exemplificados de registro marcas com nome de produtos in natura
tipicamente brasileiro ou patentes de seus derivados não são únicos. Trata-se de um rol
crescente que demonstra a necessidade de medidas preventivas por parte do Ministério do
Meio Ambiente, Ministério das Relações Exteriores, do Governo brasileiro.
26
(...)
ESCAPULÁRIO
O caso do açaí não é único. Vários produtos tipicamente brasileiros, como cupuaçu,
rapadura e até escapulário - pequeno cordão com imagens de santos, usado no
pescoço - já foram registrados indevidamente como marcas fora do País. O cupuaçu,
por exemplo, estava registrado como marca em três países - Alemanha, EUA e
Japão. Após intensas negociações, o Brasil obteve ganhos nos três países e
conseguiu cancelar o registro em 2004. Segundo Otávio Brandelli, do Ministério das
Relações Exteriores, atualmente existem 20 processos de apropriação de nomes
como marcas em negociação pelo Itamaraty. 10
10
Rede de Tecnologia Social – RTS. Disponível em <http://www.rts.org.br/noticias/destaque-4/noticiasgerais/brasil-consegue-recuperar-a-patente-da-marca-acai>. Acesso em: 06 abr.2011.
27
2 DISCUSSÕES ACERCA DA BIOPIRATARIA
2.1 MEDIDAS PREVENTIVAS
Diante do requerimento do registro de “cupuaçu”, “açaí”, “rapadura”, “escapulário”,
segundo informações do Secretário do Itamaraty Otávio Brandelli, o Governo brasileiro está
tomando medida preventiva para evitar novas patentes de produtos genuinamente brasileiros
com elaboração de uma lista contendo um rol destes produtos brasileiros.
A referida lista, encontra-se à disposição de todos os interessados no Instituto
Nacional de Propriedade Industrial (INPI).
O Secretário Otávio Brandelli, do Itamaraty, informa que se está providenciando
uma lista de denominações da biodiversidade brasileira que não devem ser
registradas por nenhuma empresa, seja no Brasil ou no exterior. A medida visa
evitar o patenteamento de nomes brasileiros de produtos genéricos ou da
biodiversidade, sob alegação de desconhecimento. A lista encontra- se no Instituto
Nacional de Propriedade Industrial (INPI) para que sejam feitos os cruzamentos
entre os nomes e a classificação internacional dos produtos. É permitido usar o nome
de um produto se for para outro, de outra natureza. O exemplo mais conhecido é a
marca de computadores Apple; para maçãs, a marca jamais seria aprovada. .
(Inovação Unicamp, 2006)
Convêm também ressaltar uma notícia vinculada pelo informativo da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB FEDERAL), no qual uma associação formada pelos feirantes do
mercado ver-o-peso de Belém, estado do Pará conseguiu obter ressarcimento econômico pelo
uso não autorizado de seus conhecimentos dos efeitos de plantas e raízes na indústria de
cosméticos.
Segundo o informativo da OAB Federal, a empresa NATURA reconheceu que fez
produtos com base nos conhecimentos dos feirantes, sendo que lançaram novos produtos logo
após consultas feitas com os feirantes.
Perante a Justiça Federal a empresa fez um acordo judicial para dar participação dos
valores obtidos nas vendas destes produtos para a associação dos feirantes do mercado ver-opeso.
Belém (PA), 03/07/2006 – Um momento histórico na valorização dos
conhecimentos tradicionais ocorreu no Pará, quando a empresa de cosméticos
Natura admitiu o uso de informações fornecidas por vendedoras de ervas na feira do
Ver-o-Peso, em Belém. A empresa comprometeu-se a assinar o primeiro contrato de
participação de benefícios na história do País. O acordo foi anunciado em reunião da
qual participaram representantes da empresa, da Seccional da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) do Pará, do grupo de ervas do Ver-o-Peso, Ministério
28
Público do Estadual do Pará, Ministério Público Federal e da 4ª Câmara do MPF. A
OAB-PA esteve representada pela presidente da Comissão de Bioética e Proteção do
Biodireito, Eliane Moreira.”11.
Casos como este têm sido observado e noticiado, todavia há uma carência de
pesquisas científica sobre o tema.
A citada biodiversidade e o conhecimento acerca de seus produtos é um patrimônio
de grande relevância econômica-social e deve-se discutir e expor meios de protegê-las. Uma
conscientização cumulada com orientações e políticas públicas para a formação de
associações de grupos campesinos e regionais seria a forma de preservar e retribuir estes
grupos pela transmissão de seu saber, bem como propiciaria uma fonte de sustento para suas
famílias e um grande desenvolvimento regional.
Seria favorável ao desenvolvimento regional, fornecer fonte de implementação de
associações e grupos econômicos brasileiros que obtenham renda de conhecimentos e
produtos da biodiversidade nacional, de maneira auto-sustentável.
As referidas associações e cooperativas trariam os reflexos positivos na diminuição
da biopirataria, desfalque à propriedade material (fauna e flora) e imaterial (propriedade
industrial, conhecimentos dos povos antigos) que ocorrem no Brasil.
Ressalta-se que produtos que são elaborados com respeito à legislação ambiental,
meio-ambiente e recursos naturais costumam ter uma valorização maior no exterior, no que
denomina-se valor agregado ao produto.
Esses pequenos grupos organizados em associações e cooperativas podem alcançar
na exportação de seus produtos uma fonte de recursos financeiros que não pode ser
desprezada.
Considerações feitas por Fonseca (2003) apontam duas possíveis medidas
preventivas para a biopirataria:
O combate a biopirataria, que é aqui definida como atividade idealmente ilegal e
moralmente condenável, parece ser uma questão puramente policial. As causas,
como em qualquer atividade criminosa, é que precisam ser combatidas ou anuladas
e, no caso específico da retirada ilegal de organismos, a prevenção só tem dois
caminhos: 1) fazer primeiro, investindo pesadamente em Ciência e Tecnologia e
anulando as discrepâncias regionais na alocação de recursos; 2) negociar e
implantar, efetivamente, um Acordo Internacional, que proíba o patenteamento de
substâncias cuja origem não esteja perfeitamente identificada. Para o primeiro
mecanismo não temos recursos nem pessoal qualificado, e para o segundo não temos
força política nem prestígio internacional real.
11
Disponível em: < http://www.oab.org.br/noticia.> Acessado em 24 nov.2010.
29
Denota-se que, segundo Fonseca (2003), as medidas preventivas não são de fácil
solução, tanto no sentido de combater criminalmente a biopirataria quanto nas medidas
sugeridas de investimento em Ciência e Tecnologia e um Acordo Internacional que proíba
que as substâncias identificadas no país sejam patenteadas no exterior.
A medida proposta por Fonseca (2003), conforme constatou-se em pesquisa prévia do
Projeto, parece apresentar maior aceitação dentre os pesquisadores biólogos, botânicos dentre
outros de áreas correlatas à biopirataria em detrimento a proposta de criminalização da
biopirataria.
2.2 RACIONALIDADE AMBIENTAL
No que tange a biodiversidade a ciência e a tecnologia para o seu uso sustentável, em
uma análise geral, os países ricos em biodiversidade, em regra, tem poucos recursos
financeiros, poucos investimentos em pesquisas, em ciência e tecnologia.
Contrariamente, os países pobres em biodiversidade são ricos em recursos financeiros
e em investimentos em ciência e tecnologia.
Sobre a conservação da diversidade biológica no Brasil que é signatário da Convenção
sobre Diversidade Biológica, os Indicadores de Desenvolvimento Sustentável (IDS) do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) do ano de 2010, assim divulgam:
Justificativa
A conservação da diversidade biológica compreende a proteção da variabilidade em
vários níveis, como os ecossistemas e os hábitats, as espécies e as comunidades, os
genomas e os genes. A Convenção sobre Diversidade Biológica, ratificada pelo
Brasil em 1994, determina várias responsabilidades, entre as quais a identificação e
o monitoramento de ecossistemas e hábitats, espécies e comunidades que estejam
ameaçadas, genomas e genes de importância social e econômica.12
A justificativa do IBGE menciona a abrangência da preservação da diversidade
biológica ou biodiversidade, ressaltando que inclui-se a preservação de ecossistemas, hábitats,
espécies, comunidades, genomas e genes. Ou seja, além da fauna, flora, também
microorganismos, como fungos, e seu habitat e ecossistema devem ser preservados.
O referido Indicador do IBGE do ano de 2010 ainda atribui a um grupo de 12 países
no qual se insere o Brasil a característica de ter uma megadiversidade, ou seja, este grupo
12
BRASIL, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Indicadores de Desenvolvimento Sustentável – IDS, 2010,
p.136-137.
30
detêm 70% da biodiversidade do planeta. Isto demonstra a necessidade de monitorar e
controlar nosso patrimônio biológico.
Justificativa
(...)
O Brasil está incluído entre os países dotados da chamada megadiversidade, grupo
de 12 nações que abrigam 70% da biodiversidade total do planeta. À importância de
âmbito global da conservação da biodiversidade no Brasil, soma-se a sua relevância
para a economia do País. Entre as espécies vegetais de maior importância econômica
destacam-se aquelas de uso medicinal, objeto de intenso extrativismo (na maioria
das vezes predatório) e alvo de biopirataria. Este indicador é um dos mais
adequados para o monitoramento e avaliação da proteção da biodiversidade na
escala de espécies e biomas e, associado a outros indicadores, informa sobre a
eficácia das medidas conservacionistas13 (grifo nosso).
Importante observar que ao final deste trecho da justificativa do IBGE, menciona-se,
com base em seus dados estatísticos, que as espécies vegetais de uso medicinal são de maior
importância econômica, sendo alvo de biopirataria.
Leff (2009) analisa o que chama de “dívida ecológica” dos países do Primeiro e
Segundo Mundos, do Norte, em detrimento da exploração do Sul, da “pilhagem”, devastação
dos recursos do mundo “subdesenvolvido” que, na sua visão esvazia seus potenciais
produtivos e deteriora seus recursos ambientais.
Considera-se que há uma “dívida ecológica” dos países desenvolvidos pela
apropriação da natureza por “etnobioprospecção” e direitos de propriedade intelectual,
registros e patentes, sobre os direitos de propriedade dos recursos naturais, posse, uso e
conhecimento tradicional destes e dos Povos do “Terceiro Mundo” das Comunidades
Indígenas e das Comunidades Tradicionais como os Quilombolas, Caiçaras, etc.
Essa dívida não deveria ser paga com uma mera compensação econômica pelo dano
sofrido, mas por uma valorização dos conhecimentos tradicionais sobre a sóciobiodiversidade, uma participação nos resultados obtidos com a comercialização dos produtos
obtidos da natureza, conforme a proposta econômica para a biopirataria já citada.
Nesse sentido, Leff (2009, p.38-39), em outras palavras apresenta um movimento
ambientalista de alguns povos indígenas, grupos sociais em prol dessa participação na
produção e nos valores agregados com a natureza.
(...) Pedem que haja compensação justa para os governos e as comunidades do
Terceiro Mundo no negócio da biodiversidade (...)
Eis a razão por que alguns povos indígenas, grupos sociais e indivíduos estejam se
distinguindo desses processos de valorização e negociação, e que uma parte
importante – embora ainda silenciosa – do movimento ambientalista se manifeste
13
BRASIL, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Indicadores de Desenvolvimento Sustentável – IDS, p.137.2010.
31
por meio de lutas de resistência e de dessujeitamento da globalização. Estas lutas
mostram muito mais sua decisão de legitimar novos direitos culturais, ambientais e
coletivos do que a disposição de negociar uma compensação pelos danos sofridos
como resultado do impacto ecológico ou a aceitar uma distribuição dos benefícios da
comercialização da natureza.
Na visão de Leff (2009), os países do Sul ou “subdesenvolvidos” ricos em
biodiversidade, sofrem com a subvalorização de seus recursos naturais, que são utilizados
para manter o desenvolvimento industrial, financeiro e consumista do Norte, países
desenvolvidos.
Nesse contexto, o autor propõe o que chama de “racionalidade ambiental” sendo uma
reformulação do processo produtivo, baseado no potencial produtivo da natureza, somada à
ciência e a tecnologia moderna, identidades culturais, dos povos e suas relações homemnatureza.
Nesse contexto de desenvolvimento relacionado ao respeito ao meio ambiente, deve-se
observar diferentes prismas do termo “desenvolvimento sustentável”.
Clemente et all (2007, p.291) aponta três focos de desenvolvimento sustentável:
¿Qué se entiende por Desarrollo Sostenible? Es la actividad económica y social que
satisface las necesidades de la generación presente sin afectar la capacidad de las
generaciones futuras de satisfacer sus propias necesidades. Se debe lograr a tres
niveles:
Sostenibilidad Económica: crecimiento industrial, agrícola, pesquero, ganadero,
turístico, remuneración de empleo, contribuciones a la comunidad, satisfacción de
las necesidades de los hogares.
Sostenibilidad Ecológica: aire y agua limpios, conservación de recursos,
preservación de la biodiversidad.
Sostenibilidad Social: beneficio público, equidad social, participación,
mantenimiento de estado de bienestar (grifo nosso).
Sachs (1993) aponta cinco dimensões de Ecodesenvolvimento: a) Sustentabilidade
Social; b) Sustentabilidade Econômica; c) Sustentabilidade Ecológica; d) Sustentabilidade
Espacial; e) Sustentabilidade Cultural.
Propõe-se com isso revisar essa dívida dos Países Desenvolvidos com a natureza e
com os Povos da América Latina, do Terceiro Mundo com a racionalidade ambiental
conforme Leff (2009, p.40-41):
(...) leva a repensar as condições e potenciais para um desenvolvimento sustentável,
fundado numa racionalidade ambiental. Diante da racionalidade econômica e
instrumental que domina o processo de globalização, a racionalidade ambiental se
funda em novos princípios éticos, valores culturais e potenciais produtivos.
A globalização econômica está gerando uma retotalização do mundo sob o valor
unidimensional do mercado, superexplorando a natureza, homogeneizando culturas,
subjugando saberes e degradando a qualidade de vida das maiorias. A racionalidade
ambiental gera uma reorganização da produção baseada no potencial produtivo da
natureza, no poder da ciência e da tecnologia modernas e nos processos de
32
significação que definem identidades culturais e sentidos existenciais dos povos em
diversas formas de relação entre os seres humanos e a natureza. (...)
Este é o grande desafio, o da dívida que se mantém agrilhoada ao desenvolvimento
autodeterminado, democrático e sustentável dos povos da América Latina e do
Terceiro Mundo. Um desafio que obriga a questionar os mecanismos de submissão
que nos mantêm em dívida permanente, como apêndices dependentes da ordem
mundial.
Acerca dos mecanismos de submissão dos povos da América Latina e do Terceiro
mundo suscitado por Leff (2009), em sua exposição acima, nos leva a refletir sobre a
preocupação que muitos Países Desenvolvidos têm em relação ao rompimento deste vínculo
de submissão e o impacto sofrido no Ecossistema.
Além da perda de reserva de matéria prima barata para sua indústria, outra
preocupação presente é a estimativa de que se grande parte dos países em desenvolvimento
atingiram determinada expansão econômica e produtiva poderiam causar um colapso no
planeta com problemas de aquecimento global e escassez de recursos.
Essas preocupações com a equidade social, igualdade na distribuição de rendas
relacionadas e os efeitos no meio ambiente são citadas por Leff (2009, p. 127).
O movimento ambiental abre novas vias para alcançar a sustentabilidade ecológica e
justiça social (...). Hoje em dia, diante dos padrões prevalecentes de consumo, a
equidade converte-se num despropósito. Só em pensar que cada indivíduo dos países
pobres (China, Índia, por exemplo) pudesse ter acesso a um carro e um refrigerador,
faria estourar o planeta!
Com essas observações Leff (2009) conclui pela impossibilidade de se atingir a
equidade no consumo globalizado, onde também atuam grupos ecologistas do Norte que
pouco contribui para atenuar a pressão e a ânsia das massas menos favorecidas em elevar seus
padrões de renda e consumo.
2.3 ESTRATÉGIA COLONIALISTA E VISÃO DE VANDANA SHIVA
Na análise da biodiversidade, conhecimentos de populações tradicionais, soberania do
país e domínio sobre seu patrimônio biológico e genético, é importante mencionar o uso de
questões sobre a política indigenista e ambientalista de forma distorcida, como subterfúgios
para encobrir outros interesses.
Esses outros interesses seriam a preservação de reservas naturais de biodiversidade
para o mundo industrial desenvolvido, apropriando-se da riqueza biológica e genética mais
abundante na Amazônia, e em países em desenvolvimento do que nos países ricos e
desenvolvidos.
33
Nesse sentido, Cruz (2009, p.91) observa que:
Ao lado de preocupações legítimas quanto à degradação ambiental que se verifica na
região, especialmente quanto ao desmatamento para utilização do espaço antes
florestado com a formação de pastagem para a pecuária, a ocupação da Amazônia
vem sendo contida sob o argumento de que precisa ser preservada. Vários exemplos
podem
ser
citados
como
indicadores
de
que
o
manto
da
ambientalsimo/conservadorismo encobre muito mais que as justificáveis
preocupações do meio ambiente.
Na verdade, o bionômio política indigenista – política ambientalista é utilizado
fartamente como argumento para encobrir o principal objetivo de manter a
intocabilidade da Amazônia, transformando-a em depósito de recursos naturais para
utilização futura, no interesse da expansão do capital internacional, e em região
mitigadora do imenso processo de poluição produzida pelo mundo
industrial/desenvolvido (CRUZ, p.91, 2009).
Não se trata aqui de afirmar que a política indigenista e ambientalista é tendenciosa,
pelo contrário, reconhece-se sua importância e interesses sérios e legítimos, o que se alerta é
que muitas vezes essas bandeiras são levantadas por falsos ambientalistas e indigenistas com
interesses escusos e diversos do propagado, ou seja, biopirataria, bioprospeção, apropriação
de conhecimentos tradicionais.
Cruz (2009, p.91-93) cita alguns fatores que o levam a concluir pelos reais interesses
dos países desenvolvidos na preservação da Amazônia acima apontados.
1) Os dois últimos estados criados pela Constituição Federal de 1988, Roraima e
Amapá restaram até hoje engessados quanto ao processo de ocupação de seus
territórios por faltar aos respectivos governos locais os instrumentos necessários
para tanto (...). Sem recursos fundiários tanto Roraima como Amapá ficam
impedidos de proverem a ocupação de seus territórios, mesmo que através de
processos racionais, ambientalmente adequados;
2) Sem recursos fundiários os dois estados ainda enfrentam desde as últimas décadas
do Século passado um crescente processo de perda de territórios incorporáveis ao
processo produtivo (agropecuário ou mineral) através da criação de imensas reservas
indígenas e áreas de preservação permanente. No caso de Roraima, essas áreas
somam hoje cerca de 70% da área territorial do estado. (...).
3) Quando do processo de ocupação da Amazônia promovido pelo governo militar
nos anos 60/70/80 do Séc. XX, pequenos e grandes produtores podiam utilizar, via
desmatamento, até 50% de sues lotes. Posteriormente mudanças no Código Florestal
Brasileiro reduziram esse índice para 20%. No caso da agricultura familiar, cujos
lotes têm tamanho modal de 60 ha, isto significa que os produtores deste segmento
teriam em torno de 12 há para explorar. Dado o baixíssimo nível de tecnologia
mecânica ou química vigente na região, essa exigência legal torna a exploração
desses lotes inviável para agricultura ou pecuária;
4) Inviabilizadas enquanto agricultoras, milhares de famílias de pequenos produtores
escolhem entre migrar para os centros urbanos regionais ou virarem massa de
manobra nas mãos das organizações não governamentais que as organizam em torno
da exploração extrativista em áreas de ocupação coletiva. Nas duas vertentes o
resultado é reduzir o ritmo de exploração da Amazônia;
5) A população urbana da Amazônia representa hoje cerca de 70% da população
regional.(...) a população da Amazônia vive atualmente predominantemente nas
cidades. (...) Assim, as formas preconizadas e implementadas de ocupação da
Amazônia pelo Estado Nacional foca essencialmente os chamados povos da floresta
que representam menos de 10% da população regional;
34
6) Esse foco do Estado Nacional nos chamados povos da floresta seja os indígenas
ou as populações tradicionais ligadas ao extrativismo vegetal, obedece à lógica de
tornar a Amazônia inexplorada. (...);
7) O espaço amazônico é heterogêneo diferentemente da ideia que se prega sobre a
região. Nos vários subespaços regionais existem ecossistemas de floresta densa,
floresta de transição e, inclusive grandes áreas desflorestadas, representadas pelas
savanas de Roraima, Amapá, da região do Marajó (Pará), e mesmo no Amazonas.
(...);
8) Assim, em todas as manifestações de prepostos do Estado nacional sobre as
recentes discussões quanto ao aumento da produção de etanol pelo Brasil, tem sido
recorrente a afirmação do governo federal de que a Amazônia estaria fora de
cogitações como espaço para o desenvolvimento desse esforço na produção de
biocombustíveis. Refletindo esse caráter de subalternidade ao interesse de países
industrializados/desenvolvidos, recentemente o presidente brasileiro foi a Europa
para garantir que o Brasil não irá produzir etanol na Amazônia.
As reflexões expostas por Cruz (2009), sobre o falso interesse dos países
industrializados/desenvolvidos na preservação da Amazônia coadunam com o que foi exposto
anteriormente sobre a não opção dos cientistas e pesquisadores brasileiros pela criminalização
da biopirataria, pois, “blindar” a biodiversidade Amazônia para ninguém usar, iria preservá-la
para que? Por qual interesse? Para quem?
Por outro lado, reitera-se a proposta apresentada nesta dissertação de fomentar a
participação da patente, ou integração das comunidades tradicionais e seus conhecimentos
sobre a biodiversidade no sistema de patentes ou participação nos lucros dos produtos feitos
com suas informações, dentre outras vias econômicas.
Vandana Shiva é uma ambientalista e ativista respeitada em todo o mundo por
trabalhar em movimentos sociais junto a populações rurais da Índia, seu país, e também
abordar o assunto Biopirataria da perspectiva dos países em desenvolvimento, explorado e
dominado pelos países densenvolvidos.
A autora critica o sistema de patentes e propriedades intelectuais adotados e
defendidos pelos países desenvolvidos, entendendo que trata-se de novos instrumentos de
dominação e apropriação em detrimento de países subdesenvolvidos.
Com a devida licença ao posicionamento da autora, o registo de patentes e a
propriedade intelectual não são o problema, mas o modo como são utilizados. É preciso
disciplinar a propriedade intelectual, dar créditos a quem merece, garantir seus “royalties” e
participação nos resultados de produtos criados a partir da biodiversidade utilizada por
populações tradicionais.
O processo de colonização das Américas e sua dominação representou a dilapidação
de metais e pedras preciosas (ouro, prata, diamante) dos países colonizados e extermínio de
grande parte da população local.
35
Na era das grandes navegações (início da Idade Moderna) a Europa impôs seu
domínio sobre o mundo. O comércio consistia no envio de matéria prima das colônias para as
metrópoles.
Com a revolução industrial, os países colonizados continuaram a ser meros
fornecedores de matéria prima para serem transformados em produtos manufaturados nos
países industrializados.
O conhecimento da biotecnologia fez com que surgisse um novo modelo de
dominação que se renovou desde os tempos da colonização das Américas.
Shiva (2001) expõe ainda uma preocupação com a biotecnologia como instrumento de
dominação e critica o reconhecimento dos direitos de propriedade intelectual desenvolvido
com base no acordo geral sobre propriedade intelectual no âmbito da Organização Mundial do
Comércio, sugerindo que o sistema de patentes seria um novo instrumento de conquista e
exploração.
Segundo Shiva (2001, p.28), estes direitos de propriedade intelectual seriam ilegítimos
pelas seguintes razões: a) trata-se de apropriação indevida da biodiversidade e dos
conhecimentos tradicionais; b) a patente leva à presunção falsa de que o produto foi criado
pelo detentor do registro.
A ativista indiana entende que a violência e pilhagem praticadas por países
desenvolvidos são os novos instrumentos de dominação utilizados por àqueles países para
gerar riquezas e colonizar a natureza por meio de novas tecnologias (SHIVA, 2001, p.97).
Shiva (2001), como ativista que trabalha com as populações rurais pobres da Índia
(país em desenvolvimento), valoriza o que é construído pelo povo, e deseja que as riquezas
dos países em desenvolvimento não sejam objeto de cobiça e apropriação internacional, Shiva
(2001, p.92):
A biodiversidade é um recurso do povo. Enquanto o mundo industrializado e as
sociedades afluentes deram as costas à biodiversidade, os pobres no Terceiro Mundo
dependem continuamente dos recursos biológicos para obter comida, cuidar da
saúde, extrair energia, fibras e construir moradias.
Demonstrando uma preocupação com o processo exploratório feito através da
biotecnologia e patentes a ambientalista indiana faz sua crítica quanto ao que chama de
ideologia do poder dominante e assim expõe: “Os que são explorados tornam-se criminosos,
os que exploram reivindicam proteção. O Norte tem que ser protegido do Sul para poder
36
continuar seu roubo ininterrupto da diversidade genética do Terceiro Mundo” (SHIVA, 2001,
p.81).
O pensamento de Shiva (2001) revela uma realidade que ocorre com a biotecnologia e
registro de patentes, como o caso da biopirataria contra os índios Wapixana, objeto deste
estudo, no qual o químico Konrad Gorinsky extraiu a fórmula e composição química do
cunaniol (tradicionalmente utilizado pelos Wapixana) e registrou em três países como se fosse
invento seu.
Todavia, não se pode pensar que todo o sistema de propriedade intelectual seja um mal
ou um meio de apropriação da biodiversidade, como seria errado pensar que todo movimento
indigenista e ambientalista encobre interesses de bioprospecção.
Reitero o entendimento e a proposta de que a melhor solução seria a moralização e o
controle do registro de patentes, além de fomentar criação de mecanismos sociais, judiciais,
comerciais, que preservem a biodiversidade dos países e respeitem o conhecimento
tradicional de sua população, fomentem sua participação nos lucros dos produtos elaborados
com base no conhecimento tradicional.
Como medida preventiva pode-se adotar o cadastro de produtos da biodiversidade em
banco de dados nacionais, que, no caso do Brasil poderiam ser feitos pelo EMBRAPA ou
INPA, sendo que, além do produto, poder-se-ia anotar, em outra etapa, as populações
tradicionais que utilizam do produto da biodiversidade.
2.4 PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA
A proposta econômica no lugar da criminalização como medida de combate à
biopirataria ganha força no Princípio Penal da Intervenção mínima, também conhecido como
Subsidiariedade ou Princípio da “ultima ratio”, ou seja, segundo este princípio, o Direito
Penal deve ser insurgir apenas nos casos em que os demais ramos do Direito são insuficientes
para solucionar a questão.
Em outras palavras, quando o Direito Civil, Direito Constitucional, Direito
Econômico, por exemplo, for insuficiente para lidar com a prática da biopirataria, somente
assim deve-se pedir auxílio do Direito Penal.
Sobre o Princípio da intervenção mínima Nucci (2007, p.42-43) expõe:
(...) II – constitucionais implícitos: a) princípio da intervenção mínima (ou da
subsidiariedade): quer dizer que o direito penal não deve interferir em demasia na
vida do indivíduo, retirando-lhe autonomia e liberdade. Afinal, a lei penal não deve
37
ser vista como a primeira opção (prima ratio) do legislador para compor os conflitos
existentes em sociedade e que, pelo atual estágio de desenvolvimento moral e ético
da humanidade, sempre estarão presentes. Há outros ramos do Direito preparados a
solucionar as desavenças e lides surgidas na comunidade, compondo-as sem maiores
traumas. O direito penal é considerado a ultima ratio, isto é a última cartada do
sistema legislativo, quando se entende que outra solução não pode haver senão a
criação de lei penal incriminadora, impondo sansão penal ao infrator. Como bem
assinala Mercedes García Arán ‘o direito penal deve conseguir a tutela da paz social
obtendo o respeito à lei e aos direitos dos demais, mas sem prejudicar a dignidade, o
livre desenvolvimento da personalidade ou a igualdade e restringindo ao mínimo a
liberdade’(Fundamentos y aplicación de penas y medias de seguridad en el Código
Penal de 1995, p.36). Caso o bem jurídico possa ser protegido de outro modo, devese abrir mão da opção legislativa penal, justamente para não banalizar a punição,
tornando-a, por vezes, ineficaz, porque não cumprida pelos destinatários da norma e
não aplicada pelos órgãos estatais encarregados da segurança pública (...).
Ainda sobre o Princípio da intervenção mínima há decisões do Superior Tribunal de
Justiça que a admitem, conforme exemplifica Cunha (2009, p.11-12) citando uma dessas
decisões, que, por sua vez, citam precedentes e embasamento teórico do citado Princípio.
a) Desnecessidade de atuação do Direito Penal.
STJ/362 – Apropriação indébita. Princípio da subsidiariedade.
A recorrente (uma contadora) comprometeu-se a desembaraçar a obtenção de
benefício previdenciário devido à vítima. Para tanto, recebeu a quantia de
quinhentos reais com o fito de quitar, junto ao INSS, contribuições atrasadas, o que,
ao cabo, deixou de fazer. Também deixou de protocolar o próprio pedido
administrativo para a concessão de auxílio-doença, obrigando a vítima a aguardar
por mais um ano pelo benefício. Diante disso, viu-se denunciada e condenada pela
prática da apropriação indébita (art. 168, §1º, III do CP). Isso posto, a Turma, ao
continuar o julgamento e seguir o voto-vista do Min. Nilson Naves, entendeu, tal
como o Tribunal de Justiça, que as relações aqui descritas bem podem ser
resolvidas na esfera cível, pois o Direito Penal, tal como afirmou Roxin, é
desnecessário quando se possa garantir a segurança e a paz jurídica através dos
Direitos Civil e Administrativo, ou mesmo por medidas preventivas
extrajurídicas. Assim, por maioria, a Turma não conheceu do recurso especial. O
voto vencido da Min. Jane Silva dava provimento ao especial para restabelecer a
sentença condenatória, ao entender que esse entendimento do Tribunal de Justiça
não encontra amparo no ordenamento jurídico pátrio, visto que resultaria em efetiva
e ilegal negativa de vigência ao citado artigo do CP. Precedentes citados: HC
36.985-MG, DJ 10/10/2005; HC 39.599-MG, DJ 25/5/2006, e HC 93.892-SP, DJ
30/06/2008. REsp 672.225-RS, Rel. originária Min. Jane Silva (Desembargadora
convocada do TJ-MG), Rel. para acórdão Min. Nilson Naves, julgado em 7/8/2008.
(grifo do autor).
Bitencourt (2004, p.11-12), considera o princípio da intervenção mínima como um
limitador do poder incriminador do Estado ou mesmo do arbítrio do legislador.
O princípio de legalidade impõe limites ao arbítrio judicial, mas não impede que o
Estado – observada a reserva legal – crie tipos penais iníquos e comine sanções
cruéis e degradantes. Por isso, impõe-se a necessidade de limitar ou, se possível,
eliminar o arbítrio do legislador.
O princípio da intervenção mínima, também conhecido como ultima ratio, orienta e
limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma
conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado
38
bem jurídico. Se outras formas de sansão ou outros meios de controle social
revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização é inadequada
e não recomendável. Se para o restabelecimento da ordem jurídica violada foram
suficientes medidas civis ou administrativas, são estas que devem ser empregadas e
não as penais. Por isso, o Direito Penal deve ser a ultima ratio, isto é, deve atuar
somente quando os demais ramos do Direito revelarem-se incapazes de dar a tutela
devida a bens relevantes na vida do indivíduo e da própria sociedade.
(...)
Resumindo, antes de se recorrer ao Direito Penal deve-se esgotar todos os meios
extrapenais de controle social.
Apesar de o princípio da intervenção mínima ter sido consagrado pelo Iluminismo, a
partir da Revolução Francesa, “a verdade é que, a partir da segunda década do
século XIX, as normas penais incriminadoras cresceram `desmedidamente a ponto
de alarmar os penalistas dos mais diferentes parâmetros culturais. (grifo do autor).
Havia um Projeto de Lei que pretendia alterar a Lei n¶ 9.605, de 12 de fevereiro de
1998 (Lei dos Crimes Ambientais) para quadruplicar a pena de prisão e multa para os crimes
contra a fauna cometidos por estrangeiros.
Trata-se do Projeto de Lei n. 4.225, de 06 de outubro de 2004 de autoria do exDeputado Carlos Rodrigues. O referido projeto buscava alcançar atividades que se
enquadrariam no conceito de biopirataria, pois, a lei de crimes ambientais tipifica com o
crime a captura de animais silvestres sem a devida autorização.
A Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos
Deputados, rejeitou o projeto no dia 17 de maio de 2006 a pedido do relator, o Deputado
Federal, José Sarney Filho, que também foi relator da Comissão Parlamentar de Inquérito
(CPI) da Biopirataria.
A Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável rejeitou na quartafeira (17) o Projeto de Lei nº 4.225/04, de autoria do ex-Deputado Carlos Rodrigues.
A proposta pretende alterar a Lei nº 9.605/98 (Crimes Ambientais) para quadruplicar
a pena de prisão e a multa em crimes contra a fauna cometidos por estrangeiros.
O alvo do projeto é a chamada biopirataria, já que a lei ambiental também qualifica
como crime a captura de animais sem expressa autorização legal.
A rejeição ao projeto foi pedida pelo relator, Deputado Sarney Filho (PV-MA). Na
opinião dele, a elevação da pena para crimes como o de biopirataria não reduzirá
esse tipo de infração. Um dos motivos, segundo o relator, é que a multa prevista no
projeto é sempre inferior aos lucros da atividade ilegal.
Cestas básicas
Além disso, segundo o relator, a pena de prisão nem sempre é aplicada em crimes
ambientais no País. "Mesmo que o estrangeiro venha a ser condenado, o que não é
comum, a pena que recebe, geralmente, é de prestação de serviços à comunidade ou
de
distribuição
de
cestas
básicas",
disse
Sarney
Filho.
Ele também questionou a juridicidade de outro ponto do projeto, que prevê a
expulsão imediata do estrangeiro do País, após o cumprimento da pena. Segundo
Sarney Filho, esse aspecto precisa ser mais bem analisado, pois o Brasil é signatário
de convenções de direitos humanos que podem proibir esse tipo de punição.
(...)14
14
DIALEX de 22 de maio de 2006, editora Consulex, Ano XXIV, ed. 96, Brasília, segunda-feira, 22 de maio de
2006. Fonte: Agência Câmara
39
Segundo Sarney Filho, a elevação da pena não evitará a biopirataria, já que a multa
imposta ainda é bem inferior ao lucro obtido com a atividade ilícita. Além disso, conforme o
relator, a pena de prisão nem sempre é aplicada nos crimes ambientais, sendo substituídas por
“(...) prestação de serviços à comunidade ou distribuição de cestas básicas”.
Argumenta ainda que o Projeto de Lei n. 4.225/2004 ao prever a expulsão do
estrangeiro após o cumprimento da pena, pode contrariar convenções de direitos humanos, na
qual o Brasil é signatário.
Essa rejeição ao Projeto de Lei 4.225/2004 corrobora com a teoria da intervenção
mínima do direito penal, acima citado, pois o agravamento da pena não impediria o
cometimento do ilícito face os lucros obtidos na atividade ilegal.
Ainda que se estipule penas privativas de liberdade ao invés da restritivas de direito,
ou seja, ainda que se impute ao acusado de biopirataria o efetivo encarceramento, iria-se
ocupar ainda mais o sistema prisional do país, sem, contudo, um resultado comprovado na
diminuição do índice de ocorrências de crimes ambientais.
Referido Projeto de Lei foi submetido ao Plenário e a Comissão de Constituição e
Justiça, mas não foi aprovado, não ocorrendo à alteração da lei dos crimes ambientais nos
termos propostos.
2.4.1 Caráter fragmentário e subsidiário do direito penal
Pode-se defender a solução da biopirataria pela via economia em detrimento da via da
criminalização pelo caráter fragmentário e subsidiário do Direito Penal, que refletem o mesmo
conceito de intervenção mínima, subsidiariedade e ultima ratio, conforme Capez (2005, p.5-6,
19, 21):
Caráter fragmentário do Direito Penal: caráter fragmentário quer dizer que o Direito
Penal só pode intervir quando houver ofensa a bens fundamentais para a subsistência
do corpo social. Caráter subsidiário significa que a norma penal exerce uma função
meramente suplementar da proteção jurídica em geral, só valendo a imposição de
suas sanções quando os demais ramos do direito não mais se mostrem eficazes na
defesa dos bens jurídicos. Isso quer dizer que a sua intervenção no círculo jurídico
dos cidadãos só tem sentido como único e último recurso para a proteção do bem
jurídico. Esse caráter fragmentário conduz à intervenção mínima e subsidiária,
cedendo a ciência criminal a tutela imediata dos valores primordiais da convivência
humana a outros campos do direito, atuando somente em último caso (ultima ratio).
O Direito Penal age apenas quando os demais ramos do direito e os controles
formais e sociais tiverem perdido a eficácia e não forem capazes de exercer essa
tutela.
(...)
e) Intervenção mínima: assenta-se na Declaração de Direitos do Home e do
Cidadão, de 1789, cujo art. 8º determinou que a lei só deve prever as penas
estritamente necessárias.
40
A intervenção mínima tem como ponto de partida a característica da
fragmentariedade do Direito Penal (...).
A intervenção mímina tem, por conseguinte, dois destinatários principais.
Ao legislador o princípio exige cautela no momento de eleger as condutas que
merecerão punição criminal, abstendo-se de incriminar qualquer comportamento
(...).
Ao operador de Direito recomenda-se não proceder ao enquadramento típico,
quando notar que aquele pendência pode ser satisfatoriamente resolvida com a
atuação de outros ramos menos agressivos do ordenamento jurídico (...).
Outro argumento que corrobora para uma solução econômica para a questão da
biopirataria, está no fato de que a proteção isolada da biodiversidade sem a fiscalização
efetiva, contingente suficiente de pessoas nos órgãos ambientais, polícia federal e do meio
ambiente, orientação dos detentores de conhecimento tradicional, tente a aumentar a
clandestinidade, a usuarpação, pilhagem e não traz uma solução efetiva.
A título de comparação, o mesmo ocorre no caso de aumento de reservas e unidades
de proteção ambiental sem uma proteção efetiva e políticas públicas, conforme esclarece
Sachs (2000, p.68):
A multiplicação de reservas sem os meios necessários para a sua proteção
autoderrotada. As pessoas retiradas das reservas ou impedidas de nelas entrarem
para coletar os produtos florestais de que sempre dependeram consideram isso uma
violação do seu direito à vida. Reagem invadindo essas reservas, que, deste modo,
tornam-se em todos os sentidos áreas de livre acesso, res nullis presa fácil da
pilhagem.
Apesar da criminalização ser uma hipótese plausível, em respeito ao princípio da
intervenção mínima, no presente trabalho, far-se-á uma exposição com predominância
econômica da questão.
41
3 A IMPORTÂNCIA DA PRESERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE E DISCUSSÕES
SOBRE A BIOPIRATARIA
Os países industriais do hemisfério norte têm a maior fonte de recursos, todavia menor
quantidade de recursos naturais e biodiversidade em relação aos países do hemisfério sul, em
desenvolvimento.
Diante dessa vantagem econômica, é grande a tendência de apropriação da
biodiversidade e dos conhecimentos de populações tradicionais dos países menos
desenvolvidos economicamente.
A biodiversidade de um país faz parte de seu patrimônio, de sua riqueza, sendo
importante preservá-la, pois, é fonte de medicamentos, produtos farmacêuticos, genéticos, etc.
Além de preservar essa riqueza da biopirataria é importante preservá-la do desenvolvimento,
isto é, do desenvolvimento desregrado, predatório.
Neste contexto, é importante analisarmos a ideia do desenvolvimento sustentável e de
algumas teorias elaboradas sobre o assunto.
Georgerscu-Roegen (1971) expõe sobre a lei da entropia em sua crítica da economia
convencional, sendo aplicável à denominada economia ecológica.
A lei da entropia foi adaptada pelo autor da teoria clássica da termodinâmica dos
processos próximos ao equilíbrio para o processo econômico, com manifestação empírica na
perda irrecuperável da matéria e energia útil, no sistema ecológico e também no processo
econômico.
Pode-se aplicar a entropia como lei-limite da natureza que permite enfrentar a
“resistência em reconhecer nossas limitações em relação ao espaço, ao tempo, à matéria e à
energia” e a busca por uma fonte de energia inesgotável que propiciaria o crescimento sem
limites (Georgescu-Roegen, 1971). Essas questões serão retomadas e abordadas adiante.
3.1 ENTENDENDO O TERMO DESENVOLVIMENTO
A ideia de desenvolvimento de forma sustentável surgiu nas sociedades organizadas
de forma paulatina.
É importante ressaltar que desenvolvimento não se confunde com crescimento
econômico e segundo Veiga (2008), o primeiro tem três diferentes focos:
42
a) o primeiro foco trata do desenvolvimento como crescimento econômico que na
época das Grandes Navegações, no século XVI era buscado pelas metrópoles através de suas
colônias.
A medida do desenvolvimento, sob este primeiro contexto, atualmente se daria através
de índices, como Produto Interno Bruto (PIB).
b) o segundo foco trata do desenvolvimento como uma ilusão, utopia, crença, mito ou
mesmo manipulação ideológica.
c) o terceiro foco relaciona desenvolvimento com qualidade de vida, inovando-se e
diferenciando-se das referências e dos índices até então aplicados para constar o nível de
desenvolvimento dos países.
Constatou-se que o crescimento econômico de alguns países semi-industrializados ou
em desenvolvimento, durante a década de 1950 não refletiu em maior capacidade aquisitiva
de bens por suas populações mais pobres, tampouco, em redução de taxas de analfabetismo ou
maior acesso aos serviços de saúde. Esses dados estimularam reflexões sobre o tema.
Assim, O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) lançou o
primeiro relatório de Desenvolvimento Humano em 1990, dele constando o “Índice de
Desenvolvimento Humano” (IDH), que é uma forma de evitar o uso exclusivo do critério
econômico (segundo foco), como sinônimo de desenvolvimento sustentável.
Pode-se dizer que o IDH demonstra a diferença entre rendimento e bem estar.
O PNUD publica anualmente, desde 1990, um Relatório sobre Desenvolvimento
Humano.
O desenvolvimento, sob este terceiro prisma, vai além do crescimento econômico,
englobando outras informações como expectativa de vida, mortalidade infantil, acesso à saúde
e educação, dentre outros indicadores de qualidade de vida.
Neste sentido exsurge da obra de Veiga (2008, p.85):
Na concepção de Sen e de Mahbud, só há desenvolvimento quando os benefícios do
crescimento servem à ampliação das capacidades humanas, entendias como o
conjunto das coisas que as pessoas podem fazer, na vida. E são quatro as mais
elementares: ter uma vida longa e saudável, ser instruído, ter acesso aos recursos
necessários a um nível de vida digno e ser capaz de participar da vida da
comunidade.
Assim, o Prêmio Nobel Amartya Sen aperfeiçoou e contribuiu com o Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e seu Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH), sendo que o Relatório sobre o Desenvolvimento Humano, do PNUD (Programa das
43
Nações Unidas para o Desenvolvimento), de 2004 aduz que as pessoas são as verdadeiras
riquezas das nações.
O mencionado Relatório sobre o Desenvolvimento Humano de 2004 enfatiza que o
desenvolvimento depende da maneira como os recursos gerados pelo crescimento econômico
são utilizados – se para fabricar armas ou para produzir alimentos, se para construir palácios,
obras “faraônicas” ou fornecer água potável, além de fatores que independem de rendimento
como igualdade entre homem e mulher, participação política, etc.
O relatório sobre o desenvolvimento humano de 2004 apresenta grande quantidade de
indicadores em seu índice (33 quadros e quase 200 indicadores), sendo bastante abrangente.
Em 1991 o PNUD criou um índice da liberdade humana e em 1992 um índice de
liberdade política, porém não durou um ano, em vista a dificuldade de quantificar
adequadamente estes aspectos do desenvolvimento, face sua complexidade.
Os índices da liberdade humana e liberdade política da PNUD, portanto, em sua forma
original, caíram em desuso, todavia não foram esquecidos, mas tradados de forma mais
extensivas nos relatórios de desenvolvimento humano da PNUD dos anos posteriores.
Assim, em 2002 o Relatório dedicou-se ao tema democracia e em 2004, ao tema da
liberdade cultural.
Segundo Sachs (2000), desenvolvimento e direito humanos ganharam destaque na
metade do século XX, para superar as lembranças da Grande Depressão (1929) e da Segunda
Guerra Mundial.
O já citado autor propõe que a conscientização ambiental é mais recente, apesar de
parcialmente atribuída ao efeito produzido pela bomba atômica de Hiroshima e a descoberta
de que a humanidade alcançara poder tecnológico suficiente para destruir o planeta.
3.2 ENTENDENDO A SUSTENTABILIDADE
São três as teses que procuram explicar a sustentabilidade, sendo as duas primeiras
totalmente antagônicas e a terceira um meio termo.
a) Primeira tese – uma fábula panglossiana - considera a conservação ambiental e o
crescimento econômico passíveis de serem aplicados conjuntamente, sem atritos.
O crescimento econômico só prejudicaria o meio-ambiente até um determinado
patamar de riqueza aferida, pela renda per capita. A partir daí, o crescimento passaria a
44
melhorar a qualidade ambiental. (nesse sentido, há a seguinte tese macroeconômica “fazer o
bolo crescer para depois distribuí-lo melhor”, cujo maior expoente no Brasil é Antônio Delfim
Neto).
Ilustra esta tese a “curva ambiental de Kuznets” (Simon Kuznets), por analogia à curva
em “U” invertido proposta em meados dos anos 1950 pelo terceiro ganhador do prêmio Nobel
de Economia, em 1971 (esta diz que o desenvolvimento faz-se inicialmente à custa do
aumento das desigualdades sociais, mas a coesão surge depois de consolidado o
desenvolvimento).
Figura 1 - Curva de Kuznets Ambiental
Fonte: CARVALHO, Terciane Sabadine; ALMEIDA, Eduardo. A hipótese da
curva de Kuznets ambiental global: uma perspectiva econométrico-espacial.
Estud. Econ., São Paulo, v. 40, n.3, Set. 2010.
Segundo esta teoria, o desenvolvimento faz-se inicialmente em prejuízo ao meio
ambiente, mas a coesão surge após consolidado o desenvolvimento, ou seja, chegar-se-ia ao
equilíbrio ambiental.
Sobre a teoria de Kuznets e a curva ambiental em “U” invertido dispõem Arraes; Diniz
e Diniz (2006, p.525-547):
A relação entre crescimento econômico e distribuição da renda
de “U–invertido”, observada inicialmente por Kuznets (1955)
Bretanha e Alemanha, tem sua explicação fundamentada
diferencial de rendimentos na transição de uma economia
pessoal em formato
para os EUA, Grãessencialmente no
agrícola para uma
45
economia industrial, como reflexo da diferença dos produtos marginais do trabalho
entre os dois setores.
A idéia básica era que a distribuição de renda tem que ser pensada como uma
combinação da distribuição de renda da população rural e urbana, onde esta última,
apesar de deter uma renda média mais alta, apresenta maior concentração do que a
primeira (...).
(...) na década de 1990 surgiram várias evidências empíricas em contrário ensejando,
por sua vez, explicações teóricas que sustentavam formatos da relação entre
desigualdade e crescimento diferentes daquela prevista por Kuznets. Apesar dessa
controvérsia, também na década de 1990, a curva de Kuznets passou a ser referência
para explicar a relação de como a poluição ambiental em suas várias formas evolui
em razão do crescimento econômico. O formato da curva é explicado através de dois
argumentos. A porção ascendente reflete o progresso natural do desenvolvimento
econômico, passando-se de uma economia agrária “limpa” para uma economia
industrial “poluída” e para uma economia de serviços “limpos” (Arrow et al, 1995).
Enquanto a porção descendente seria o mecanismo das economias desenvolvidas
(...).
exportarem processos de produção intensivos em poluição para economias menos
desenvolvidas (Suri; Chapman, 1998). Daí, alguns autores, como Beckerman (1992),
defenderem que, ao longo do processo de crescimento, a melhor, senão a única,
maneira para se atingir qualidade ambiental na maioria dos países é tornando-se
rico.
O indicado caminho da qualidade ambiental amparado na riqueza do país se deu pelo
entendimento de que a capacidade econômica de investimento em ciência e tecnologia seria
suficiente para criar novas fontes de energia, energia limpa e combater à poluição gerada.
Figura 2 - A curva ambiental de Kuznets (The environmental Kuznets curve)
Fonte: Disponível em <http://450.aers.psu.edu/development_environment. cfm>. Acesso: 23 maio 2010.
46
Figura 3 - curva de Kuznets e o meio ambiente.
Fonte: Disponível em <http://hastaporahinomas.blogspot.com/2008/09/la-curva-de-kuznetsmedioambiental.html>. Acesso em: 09 out.2011.
Em maio de 1995 foi lançado um periódico científico de economia: o The
Quarterly Journal of Economic(“QJE s), com algumas páginas que abordam a relação
crescimento econômico e meio ambiente (p.353-77).
No citado periódico, Gene M. Grossman e Alan B. Krueger (“Economic growth and
the environment”. The quarterly Journal of Economic, v..11, n.2, p.353-77, maio, 1995; “Ten
Inverted-U: What does it mean?” Environment and Development Economics, 1996, (1): 11922) examinando a relação entre o comportamento da renda per capita e os quatro tipos de
indicadores de deterioração ambiental (poluição atmosférica urbana, oxigenação de bacias
hidrográficas, contaminação fecal e por metais pesados) concluem que as fases de desgraça e
recuperação ambiental estariam separadas por um ponto de mutação que se situaria em torno
de 8 mil dólares de renda per capita.
b) Segunda tese – uma fatalidade entrópica – entende que o desenvolvimento
fatalmente resulta em deterioração ambiental. Tem como expoente Nicholas GeorgescuRoegen (GEORGESCU-ROEGEN, Nicholas. “The entropy law and the economic problem”.
In Herman Daly (ed) Toward a steady-state economy. S. Francisco: Freeman, 1973), que
defendia a tese desde 1971, tendo lançado o alerta sobre o inexorável aumento da entropia
(energia livre e presa).
47
O referido economista usou conceitos da termodinâmica para explicar sua tese,
assinalando que as atividades econômicas gradualmente transformam energia em formas de
calor tão difusas quanto inutilizáveis.
Segundo Georgescu (1971), a energia está sempre em transição, inicialmente
disponível, passa para não disponível, pois, uma vez utilizada, parte da energia de baixaentropia (livre) se torna de alta entropia (presa). Para atingir um equilíbrio, a humanidade tira
da natureza os elementos de baixa entropia para compensar a alta entropia que causa.
O crescimento econômico exigiu a extração da baixa entropia contida no carvão e no
petróleo (combustíveis fósseis).
No entendimento de Georgescu (1971), um dia a humanidade voltará a explorar de
maneira mais direta a energia solar (pode-se acrescentar também outras fontes, como energia
eólica). O que não implica em contrariar o segundo princípio da termodinâmica, o que um dia
exigirá a superação do crescimento econômico.
O autor acredita ainda que em dado momento a humanidade deverá apoiar a
continuidade de seu desenvolvimento na retração, isto é, com decréscimo do produto, em um
caminho inverso do percorrido nos últimos dez mil anos.
Denota-se, neste contexto, uma visão de retração. O economista entende o crescimento
como encurtamento de expectativa de vida da espécie humana que estaria fadada a um
período curto, porém excitante, com o conforto que o desenvolvimento traz.
Segundo Veiga (2008, p.112), Georgescu morreu sob descrédito em 1994, todavia,
suas idéias continuam orientando programas de pesquisa:
(...) Até referências a Gerogescu pasaram a ser evitadas a partir de 1976, quando o
paradigmático manual pedagógico de Paul Samuelson, Economia, dedicou meia
dúzia de linhas para avisar que o autor do célebre Analytical Economics (Harvard
University Press, 1967) se embrenhara pela obscura ecologia, uma disciplina que,
naquela conjuntura, ainda era tão suspeita para os economistas quanto à
quiromancia.
c) Terceira tese – conotação política - um ponto de equilíbrio entre as duas primeiras –
Desde 1987 a expressão “desenvolvimento sustentável” começou a se legitimar e
institucionalizar, sendo referido como “conceito político” e “conceito amplo para o progresso
48
econômico e social” em um relatório elaborado por Gro Harlem Brundtland15, então
presidente da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento.
Este relatório apresentado em 1987, perante a Assembléia Geral da ONU, intitulou-se
“Nosso futuro Comum”, foi um documento político que procurava alianças para a
concretização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento
que ocorreria em 1992 no Rio de Janeiro – a “Rio-92”.
O surgimento da expressão em sua conotação política nasceu de um debate na década
de 1960 (principalmente americano), que polarizou o “crescimento econômico” versus
“preservação ambiental” aliados ao temor da “explosão demográfica”, da guerra nuclear e os
testes nucleares.
O economista Robert M Solow ganha o prêmio Novel em 1987, pela sua contribuição
à teoria do crescimento econômico (mesmo ano do Relatório Brundtland). Em sua teoria a
natureza jamais seria sério obstáculo à expansão.
Para Solow (2000), qualquer recurso natural limitado na biosfera ao processo
produtivo, acabará sendo substituído com a ajuda da tecnologia e das invenções.
Por novas invenções, pode-se citar como exemplo, a substituição de recursos não
renováveis, como energia advinda de carvão e petróleo por energia limpa oriunda dos ventos e
luz do sol (eólica e placas solares).
Destes conceitos, denota-se que os produtos que não agridem o meio-ambiente tem um
valor agregado à sua produção, sendo este um valor acrescido pelos gastos com pesquisas e
tecnologia para sua produção que tenham ao mesmo tempo qualidade e não agridam as fontes
renováveis.
Nesse sentido, Benchimol (2001, p. 21) enfatiza que foi a partir da conferência de
Estocolmo de 1972, que criou-se através da conferência das Nações Unidas o novo conceito
de que os países deveriam incorporar aos seus bens e produtos valores e padrões não apenas
econômicos, mas também ambientais, sociais e políticos.
São os denominados produtos verdes, que exigem custos maiores e, muitas vezes
menor produtividade e nem sempre os mercados aceitam pagar, pois, essas despesas não
conseguem, em regra ser repassadas ao consumidor.
15
Our Commom future, Gro Harlem Brundtland (org.), Oxford University Press, 1987.
49
Os produtos orgânicos ou biológicos têm sempre elevados preços, pois demandam
maiores gastos em pesquisa, ciência, extensão, invenção, tecnologia e habilidade maior para
descobrir técnicas menos agressivas e mais brandas para não ferir os parâmetros
ambientalmente corretos.
Segundo Benchimol (2001), essa questão dos valores agregados aos produtos verdes
procura distinguir o processo de crescimento que significa ficar maior, para desenvolver e
ficar melhor. Ou seja, produção em desenvolvimento poderá ficar maior, porém melhor,
menos agressiva, incorporando valores extra-econômicos como sociais, biológicos, físicos,
políticos, sociais e éticos.
A preservação da capacidade produtiva para futuras gerações exigirá mudanças
importantes na maneira de se medir o desempenho das economias, incorporando cálculo dos
PIBs E PNBs “verdes”, que Solow (2000) prefere chamar de produtos interno ou nacional
“líquido”.
3.3 SUSTENTABILIDADE ECOLÓGICA
Desenvolvimento sustentável é o processo que melhora as condições de vida das
comunidades humanas, e, ao mesmo tempo, respeita os limites da capacidade de carga dos
ecossistemas. União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais
(IUCN 1991)).
São cinco as dimensões do ecodesenvolvimento, segundo Sachs (1993): a)
Sustentabilidade social; b) Sustentabilidade econômica; c) Sustentabilidade ecológica; d)
Sustentabilidade espacial; e) Sustentabilidade cultural.
Sobre a sustentabilidade social, o autor informa que é aquela baseada em um tipo de
desenvolvimento baseado em um crescimento orientado por uma visão do que é bom para a
sociedade, com objetivo de construir uma civilização do “ser” com maior equidade e
distribuição do “ter”, da renda com redução das desigualdades sociais.
A sustentabilidade econômica visa uma gestão mais eficiente dos recursos com fluxo
regular do investimento público e privado através da superação de certas condições externas e
fatores negativos como relações adversas de troca, barreiras protecionistas de países
industrializados, limitações de acesso à ciência e tecnologia.
A sustentabilidade ecológica pode ser fomentada com alguns mecanismos citados por
Sachs (1993):
50
1.
“aumento da capacidade de carga da Espaçonave Terra por meio da
engenhosidade”, ou, em outras, palavras, intensificar o uso dos recursos potenciais
dos vários ecossistemas com um mínimo de dano e com propósitos socialmente
aceitos.
2.
Limitação do consumo de combustíveis fósseis e outros recursos esgotáveis
ou prejudiciais ao meio ambiente substituindo pelas denominadas “fontes limpas”
Sustentabilidade espacial – voltada para a uma configuração rural – urbana mais
equilibrada e a uma melhor distribuição territorial de assentamentos humanos e
atividades econômicas, com ênfase nas seguintes questões:
a)
concentração excessiva nas áreas metropolitanas;
b)
destruição de ecossistemas frágeis, mas vitalmente importantes, por
processos de colonização descontrolados;
c)
promoção de projetos modernos de agricultura regenerativa e
agroflorestamento, operados por pequenos produtores, proporcionando para isso o
acesso a pacotes técnicos adequados, ao crédito e aos mercados;
d)
ênfase no potencial para industrialização descentralizada, associada a
tecnologias de nova geração (especialização flexível), com especial atenção às
indústrias de transformação de biomassa e ao seu papel na criação de empregos
rurais não-agrícolas; nas palavras de papel na criação de empregos rurais nãoagrícolas; nas palavras M.S. Swaminathan, “uma nova forma de civilização, baseada
no uso sustentado de recursos renováveis, não é apenas possível, mas essencial” (in
MCNEELY et al. p.10);
e)
estabelecimento de uma rede de reservas naturais e de biosfera para proteger
a biodiversidade.
Sustentabilidade cultural - Em busca das raízes endógenas dos modelos de
modernização e dos sistemas rurais integrados de produção, privilegiando processos
de mudança no seio da continuidade cultural e traduzindo o conceito normativo de
ecodesenvolvimento em uma pluralidade de soluções particulares, que respeitem as
especificidades de cada ecossistema, de cada cultura e de cada local.
Leff (2006, p.202) analisando a entropia, o desenvolvimento sustentável ressalva a
importância de buscar uma produtividade ecotecnológica.
A construção de sociedades sustentáveis significa a necessidade de construir um
paradigma de produtividade ecotecnológica – incluindo sua expressão nas teorias e
práticas agroecológicas e agroflorestais - , capaz de transformar a racionalidade
econômica dominante através da ativação de novos princípios produtivos fundados
na produtividade ecológica sustentável do planeta. Além dos mecanismos
compensatórios propostos pelo Protocolo de Kioto, essa nova racionalidade
produtiva, partindo do potencial fotossintético do planeta e da produtividade
neguentrópica da biomassa, seria capaz de absorver os excedentes de produção de
gases de efeito estufa gerados pelo processo econômico que, guiado por sua inércia
de crescimento e por sua incapacidade de submeter-se às condições de equilíbrio
ecológico, acelera a marcha em direção à morte entrópica do planeta. Isso leva à
necessidade de se avaliar o potencial para sustentar uma população humana que
muito possivelmente chegará a 12 bilhões ao longo deste século, sem acelerar as
tendências ao esgotamento dos recursos não renováveis, o incremento da
contaminação dos serviços ambientais e da emissão de gases de efeito estufa com
seus efeitos no aquecimento global do planeta.
Dentre os mecanismos compensatórios propostos pelo Protocolo de Kioto encontramse o crédito de carbono. Assim os países que não possuem mais grandes áreas ecológicas para
51
preservar ou tenham maior dificuldades em reduzir seus índices de poluição, podem adquirir
créditos em prol do meio ambiente mundial.
O processo neguentrópico (entropia negativa)16 está relacionado à matéria vegetal,
biológica e ecológica, sendo a fotossíntese seu processo mais significativo, conforme Leff
(2006, p.198-202):
A fotossíntese é o processo neguentrópico mais significativo pra a construção de
uma bioeconomia como um paradigma positivo fundado no potencial produtivo da
natureza. Mesmo sendo certo que a fotossíntese do planeta Terra não reverte a
entropia global do universo, é determinante na dinâmica ecológica da biosfera,
incluindo o processo econômico. (...) A produção de entropia em qualquer
organismo vivente na terra – a morte entrópica em qualquer organismo vivente na
terra – a morte entrópica de cada indivíduo – assim como a morte entrópica do
universo correspondem a processos diferenciados em escala, tempo e significado em
relação à formação neguentrópica de biomassa através da fotossíntese.
(...)
Devemos, pois, distinguir entre o processo neguentrópico pelo qual se forma a
matéria vegetal de outros processos de auto-organização biológica e ecológica – a
evolução biológica, a sucessão ecológica, o metabolismo dos organismos vivos -, e
diferenciá-los dos processos técnicos industriais que degradam a energia útil
disponível e geram alta entropia em forma de calor, contaminação e dejetos. Nos
sistemas ecológicos, uma maior ordem, complexidade e estabilidade se associa à
produção ecológica, enquanto os sistemas tecnológicos aparecem como produtores
de entropia apesar de suas possíveis retroalimentações cibernéticas e da reciclagem
de materiais e energia. Se os sistemas tecnológicos tendem a maximizar a
degradação entrópica, os sistemas ecológicos funcionam como ordem produtiva
neguentrópica.
(...) A questão fundamental na perspectiva de se alcançar um estado de
sustentabilidade da vida e da produção no planeta Terra está no equilíbrio entre a
formação neguentrópica da biomassa e na degradação da massa e energia nos
processos metabólicos dos seres vivos, das cadeias tróficas dos ecossistemas e na
transformação tecnológica nos processos produção.
(...) Para dar bases teóricas e operativas a esse novo paradigma produtivo é
necessário construir o conceito de produtividade ecotecnológica a partir dos sentidos
do conceito de entropia no campo da bioeconomia e das estruturas dissipativas. (...)
Isso levaria à criação de um novo paradigma de produção que incorpora tanto as
condições entrópicas de um todo processo de transformação de massa e energia
como o processo neguentrópico de formação de biomassa a partir dos processos
fotossintéticos da biosfera, para basear neles uma produção sustentável de valores de
uso para satisfazer necessidades humanas culturalmente diferenciadas. Esse fato foi
evitado tanto pela ecologia – mais preocupada com a produtividade primária dos
ecossistemas, a conservação da biodiversidade, os processos de desflorestamento, a
emissão e diluição dos gases de efeito estufa – como pela bioeconomia – preocupada
com a degradação entrópica do processo econômico – e pela economia ecológica,
interessada em atribuir preços às funções de sumidouro das matas.
Essa busca por um novo paradigma produtivo denominado “produtividade
ecotecnológica” leva a uma reflexão sobre as falhas das pesquisas ecológicas e bioeconômicas
em formar esse novo paradigma de sustentabilidade.
16
Neguentropia pode ser definido como entropia negativa, como função que representa o grau de ordem e de previsibilidade
existente num sistema.
52
4 LEGITIMIDADE PARA TRATAR DOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS DOS
ÍNDIOS E DEFESA DOS SEUS DIREITOS
Poder-se-ia questionar como seriam feitos acordos com grupos indígenas detentores de
conhecimentos tradicionais? Como fomentar a cooperação dos indígenas em pesquisas
envolvendo a bio-sóciodiversidade se não são sujeitos de direito? Como proceder se os índios
não têm capacidade civil?
A resposta encontra-se disciplinada na Constituição Federal de 1988, no seu artigo 231
que confere à União a tutela dos seus bens e direitos e no artigo 232 que reconhece a
legitimidade das comunidades indígenas para ingressar em juízo com obrigatoriedade de
intervenção do Ministério Público em todos os atos.
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas,
crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente
ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus
bens.
(...)
Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para
ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério
Público em todos os atos do processo.
Extrajudicialmente os direitos indígenas podem ser tutelados através de Órgãos da
Administração Pública Indireta vinculados à União como a Fundação Nacional do Índio
(FUNAI). Judicialmente, a Procuradoria Federal, Órgão da Advocacia Geral da União, tem a
legitimidade para propiciar o atendimento jurídico aos indígenas do Brasil.
Procuradoria realiza mais de 400 atendimentos jurídicos aos indígenas do
Amazonas
26 de Janeiro de 2011
Balanço realizado pela Procuradoria Federal no Estado do Amazonas (PF/AM),
órgão da Advocacia-Geral da União, mostra que, nos últimos três meses, mais de
400 atendimentos jurídicos foram realizados aos indígenas do Amazonas.
O atendimento nesse período faz parte de um termo de cooperação técnica firmado
entre a Procuradoria, a Defensoria Pública do Estado e da União e a Secretaria
Estadual de Povos Indígenas (Seind) para possibilitar atendimento jurídico gratuito
aos indígenas da região.
Entre as demandas mais comuns estão assuntos referentes a homicídios, lesões
corporais, pensões alimentícias, benefícios previdenciários que envolvem
aposentadoria e pensão por morte indígena, além de questões fundiárias.
Para a procuradora federal Eliane de Almeida Seffair, que presta atendimento
jurídico aos indígenas, "uma das maiores conquistas proporcionadas pelo
53
atendimento jurídico centralizado é a redução das distâncias e as facilidades
oferecidas pela Seind" (ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO, 2011).17
4.1 EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO SOBRE OS ÍNDIOS E O MEIO AMBIENTE
O art. 4º do Estatuto do Índio, Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973, considera os
índios como grupos isolados, em vias de integração e integrados. Nesse prisma, visualiza-se
os índios como uma comunidade em transição do isolamento à integração onde se tem a ideia
que a etapa final de integração representa o fim de cada cultura indígena ou dos próprios
grupos.
A Constituição Federal de 1988 trouxe o reconhecimento de multietnicidade e
pluralidade cultural, ou seja, reconheceu-se o direito de ser diferente e de ter esta diferença
respeitada.
O direito à diferença cultural foi corroborado pelas disposições da Agenda 21 (Rio,
1992) e pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O elo entre a tutela do meio ambiente e a proteção da pessoa humana, (índios e não
índios) está representado e estipulado na Carta Magna, em seu artigo 225: “Todos têm direito
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida (...)”.
Referido dispositivo constitucional relaciona a importância da tutela ao meio ambiente
com a sadia qualidade de vida.
O meio ambiente é concebido com bem do povo que deve ser tutelado para que seja
preservado para presentes e futuras gerações. O direito dos índios serem diferentes e serem
respeitados por estas diferenças não implica em inferioridade de direito, ao contrário, não se
poder negar-lhes os direitos inerentes a qualquer cidadão brasileiro ao mesmo tempo que
deve-se respeitar e garantir-lhes diversos direitos face suas peculiaridades.
17
Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/noticias/ultimas_noticias/2011/01/procuradoria-realiza-mais-de-400atendimentos-juridicos-aos-indigenas-do-amazonas/?searchterm=SECRETARIA INDÍGENA>. Acesso em: 01 abr.2011.
54
4.2 OUTRAS CONSIDERAÇÕES SOBRE OS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS
INDÍGENAS
Como já exposto, o conhecimento tradicional da biodiversidade pode representar
grande economia de tempo e de dinheiro em pesquisas com medicamentos, com cosméticos.
Fonseca (2003) observa que possivelmente estes conhecimentos tradicionais dos
povos indígenas e outras populações tradicionais sobre a fauna e flora não incluem
substâncias derivadas dos fungos e bactérias.
O referido autor não cita referências científicas, todavia, sua observação é coerente,
pois, o conhecimento tradicional dos povos indígenas, em regra, é advém de várias gerações
passadas, com observações e experimentos de produtos da natureza, sem uso de equipamentos
de laboratório como microscópios, microscópios eletrônicos, etc. (Fonseca, 2003):
Todos que conhecem, ou pelo menos tiveram um contato mais próximo com a vida e
a cultura do hinterland amazônico, sabem que a única esperança de cura para os
males que atingem os desassistidos habitantes do interior da Amazônia, são as
plantas e o conhecimento dos pagés, raizeiros e benzedeiras.
Vêm deles, que acumulam grande parte do conhecimento das populações indígenas
e tradicionais, a quase totalidade das indicações sobre essas substâncias, embora, no
caso de fungos e bactérias, talvez essa afirmativa não seja verdadeira, já que os
habitantes seculares da região, nunca tiveram muita intimidade com o uso de
organismos microscópicos.
4.3
CONTRAPONTO
ACERCA
DA
BIOPIRATARIA,
CONHECIMENTOS
TRADICIONAIS E PROPRIEDADE INTELECTUAL SEGUNDO OZÓRIO JOSE M.
FONSECA
Conforme Fonseca (2003), não obstante o potencial farmacológico do bioma
amazônico, há um discurso político, emotivo e místico acerca do poder terapêutico das
plantas amazônicas.
O resgate histórico das discussões sobre este tema, ocorridos sob influência emotiva
ou político-ideológica, mostra que só se conseguiu produzir argumentos voltados
para afirmações míticas e místicas sobre o poder terapêutico das plantas amazônicas.
E assim, de equívoco em equívoco, foi se construindo um binômio filosóficoimaginário, que atribui um poder miraculoso aos chás e infusões, difícil de ser
cientificamente comprovado.
Para o autor, apesar de reconhecer a problemática da falta de regulamentação
específica sobre acesso e uso do patrimônio biológico genético e do conhecimento tradicional
associado, faz um contraponto no sentido de que muitos produtos tradicionalmente utilizados
carecem de uma comprovação científica sobre sua eficácia.
55
Em outras palavras, não poderia todo chá, infusão ou ervas tradicionalmente utilizados
ser reconhecidos como produtos terapêuticos, sem que haja comprovação científica da
eficácia dos mesmos. (FONSECA, 2003):
(...) É claro que a ciência mantém uma grande expectativa sobre os organismos
amazônicos e, no caso de medicamentos, os olhares têm um brilho de esperança
maior, quando se direcionam para os microorganismos. Ainda que não se tenham
comprovações inequívocas, acredita-se que muitos organismos amazônicos
produzem princípios ativos, potencialmente eficazes no tratamento de certas
patologias.
Em outra abordagem, Fonseca (2003) aponta a importância de associar os
conhecimentos tracionais à ciência e a tecnologia.
No entanto, para que essas substâncias bioativas, (diga-se, de passagem, quase todas
tóxicas), sejam incorporadas a fórmulas de medicamentos com aceitação mundial, é
necessária a participação de um enorme contingente de cientistas, executando
pesquisas de elevadíssimo nível científico e tecnológico, com garantia de
financiamento de longo prazo. O fato é que, para produzir um medicamento que
figure nas farmácias do mundo, são necessários 20 a 30 anos de pesquisa, e um
investimento cujo montante varia de algumas centenas de milhões a cerca de um
bilhão de dólares.
Sobre esse prazo estimado para a produção de medicamentos, reitero (conforme já
exposto) que o mesmo pode ser reduzido através de informações de detentores de
conhecimentos tradicionais da biota amazônica, conforme já exposto, pois a pesquisa partiria
dos produtos que são tradicionalmente usados, ao invés de buscar-se aleatoriamente pela
natureza um princípio ativo.
Em suas ponderações, Fonseca (2003) afirma a necessidade de separar a discussão
científica acerca da apropriação de conhecimentos tradicionais, dos discursos políticos,
emocionais.
Para muitos, é difícil entender as razões que levam o noticiário da mídia e algumas
entidades ambientalistas a fazerem uma conexão direta e determinística entre plantas
e remédios, entre saúde e biota amazônica, entre recursos biológicos e indústria
farmacêutica. Essa distorção equivocada, além de sugerir uma única utilidade para
os organismos ainda aduba o terreno para a proliferação de discussões emocionais e
ideológicas, que são extremamente perigosas e totalmente inadequadas para o
equacionamento correto do problema.
Essa passionalidade que surge nos debates sobre a prática de biopirataria, acaba por
direcionar, via de regra, uma parcela de culpa para as instituições oficiais de ensino
e pesquisa, mais especificamente para os cientistas e pesquisadores que nelas
trabalham. Isso, além de revelar um evidente despreparo intelectual dos
denunciantes e constituir uma calúnia injuriosa e maledicente, ainda faz ressurgir
uma prática que se julgava definitivamente abolida, pelo menos nos meios
intelectualizados: de o denunciado ter que provar sua inocência.
56
Essas ponderações feitas pelo autor, também serve de alerta para que não se trate toda
pesquisa envolvendo o bioma nacional como potencial caso de biopirataria. Pode ocorrer que
a falta de tecnologia e número insuficiente de profissionais qualificados, justifiquem a
necessidade de envio de material para laboratórios localizados no exterior, conforme Fonseca
(2003):
Na Amazônia, especialmente, onde as instituições ainda estão inadequadamente
instrumentalizadas5, e o número de pesquisadores qualificados é insuficiente para
atender a demanda por conhecimento científico6, a solução mais inteligente é
promover o fortalecimento delas, seja através da divulgação de sua importância, seja
procurando incentivar o estabelecimento de convênios, acordos, e parcerias
nacionais e internacionais.
A sociedade precisa saber que a atividade de pesquisa envolve, obrigatoriamente, a
remessa de amostras para o exterior, onde laboratórios modernamente equipados,
sem similar no Brasil fazem, rotineiramente, análises sofisticadas, imprescindíveis
para resolver problemas científicos de importância vital. Para entender bem essa
questão, é preciso lembrar que, felizmente, a ciência foi a primeira atividade humana
globalizada e que, graças a isso, o conhecimento flui pelo mundo para ser,
paulatinamente, aperfeiçoado. Essa agregação de saberes é que permite o surgimento
de inovações tecnológicas, que resolvem os problemas de infra e super estrutura,
até mesmo dos países sem muita ciência e tecnologia.
Cientistas, pesquisadores e diretores de instituições oficiais de ensino e pesquisa são
servidores públicos com responsabilidade pessoal e social, que não usam (salvo
raríssimas exceções) meios escusos para exercer a honrosa missão (...).
Essas ponderações não significam que o autor não aceita e problemática da
biopirataria, mas apenas faz uma ressalva para não se chegar a extremismos ou xenofobismos
de tratar toda pesquisa que envolva atividades no exterior como ato de biopirataria. Toda
pesquisa deve ter respeitada a propriedade intelectual.
A problemática da apropriação indevida do conhecimento tradicional é real, ainda que
se deixem os extremismos de lado, deve-se ter cautela e fiscalização, mas na medida justa.
Nesse sentido Fonseca (2003) elucida:
É clara a necessidade de incrementar a fiscalização nos aeroportos de forma a poder
apreender, se possível, todo o material biológico indevidamente retirado dos nossos
sistemas naturais. O que não se deve é transformar cada prisão de acusados,
contraventores ou criminosos, em uma verdadeira histeria de políticos da turma do
“eu acho”, que se aproveita desses fatos para inflamar seus eleitores, sabendo que
isso toca, profundamente, o ufanismo inculto e provoca arroubos de patriotismo
insano.
Há de se proteger o bioma e o patrimônio genético, mas “sem patriotismos insanos”
nas palavras de Fonseca (2003), e sim, com uma fiscalização séria, capacitada, treinada, tendo
57
apoio dos órgãos governamentais e conhecimento científico, bem como o uso de tecnologia.
Exemplifica Fonseca (2003):
No rio Negro, aqui usado como exemplo emblemático, existe, de forma abundante,
uma espécie de bactéria denominada Chromobacterium violaceum, que foi um dos
primeiros organismos a terem seu genoma eterminado no Brasil. Sua importância
está ligada à produção de violaceina, uma substância bioativa altamente promissora,
que está sendo objeto de estudos avançados para sua utilização como antibiótico e
na terapia de algumas outras patologias.
Um estudo sobre sua incidência natural, realizado em 1976, revelou que essa espécie
representava, aproximadamente, 60% da microflora bacteriana do rio Negro, e esse
trabalho foi apresentado na XXIXª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência, realizada em São Paulo, em 1977.
Esse dado biológico da maior importância, não é levado em conta pelos patrulheiros
da biodiversidade, quando barcos e navios brasileiros e estrangeiros, que aqui
aportam, autorizados ou não, enchem seus tanques com enormes quantidades de
água in natura, do Negro e do Solimões-Amazonas. (grifo nosso).
4.4 CONVENÇÃO Nº. 169 DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO
(OIT)
A Convenção n.169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas
e Tribais foi celebrada em Genebra em 27 de junho de 1989.
Essa Convenção é um importante texto que objetiva garantir aos povos indígenas o
direito de serem consultados sobre a utilização de seus conhecimentos tradicionais, além de
participarem do planejamento de projetos e lucros deles resultantes.
A mesma foi incorporada ao corpo normativo do Brasil, sendo aprovada pelo
Congresso Nacional em 20 de junho de 2002, pelo Decreto Legislativo 143, entrando em
vigor em 25 de julho de 2002, promulgada no país pelo Decreto 5.051 de 19 de abril de 2004,
publicado em 20.04.2004, data em que efetivamente passou a vigorar no Brasil. (“Art. 3o Este
Decreto entra em vigor na data de sua publicação”. Decreto 5051 de 19 de abril de 2004).18
18
Decreto n.5051, de 19 de abril de 2004.
Promulga a Convenção n.169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, adotada em
Genebra, em 27 de junho de 1989.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição,
Considerando que o Congresso Nacional aprovou, por meio do Decreto Legislativo no 143, de 20 de junho de 2002, o texto
da Convenção no 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, adotada em Genebra,
em 27 de junho de 1989;
Considerando que o Governo brasileiro depositou o instrumento de ratificação junto ao Diretor Executivo da OIT em 25 de
julho de 2002;
Considerando que a Convenção entrou em vigor internacional, em 5 de setembro de 1991, e, para o Brasil, em 25 de julho de
2003, nos termos de seu art. 38;
DECRETA:
Art. 1o A Convenção no 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, adotada em
Genebra, em 27 de junho de 1989, apensa por cópia ao presente Decreto, será executada e cumprida tão inteiramente como
nela se contém.
58
Segundo o art. 15 da Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho
(OIT), os direitos dos povos indígenas aos recursos naturais existentes nas suas terras, aí
abrangida à utilização, administração e conservação, deverão ser especialmente protegidos, e
afirma que, na hipótese de os recursos existentes nas terras pertencerem ao Estado, os
governos devem estabelecer procedimentos de consulta para determinação de eventual
prejuízo aos povos interessados.
Ainda sobre a responsabilidade dos Estados acerca dos direitos sociais e econômicos
dos Povos Indígenas o art. 2 da Convenção n.169 da OIT dispõe:
Artigo 2º
1. Os governos deverão assumir a responsabilidade de desenvolver, com a
participação dos povos interessados, uma ação coordenada e sistemática com vistas
a proteger os direitos desses povos e a garantir o respeito pela sua integridade.
2. Essa ação deverá incluir medidas:
a) (...)
b) que promovam a plena efetividade dos direitos sociais, econômicos e culturais
desses povos, respeitando a sua identidade social e cultural, os seus costumes e
tradições, e as suas instituições;
(...)
Conforme analisado acima, a biodiversidade representa um alto valor no mercado
industrial no mundo. Assim, a apropriação dos conhecimentos tradicionais sobre a
biodiversidade dos Povos Indígenas implicam em violação de interesses e direitos
econômicos destes, merecendo a tutela dos Governos nos termos do artigo 2º, 2, “b” da
Convenção n.169 da OIT.
4.5 A IMPORTÂNCIA DA CONVENÇÃO SOBRE A DIOVERSIDADE BIOLÓGICA
(CDB) E O ACESSO AO PATRIMÔNIO GENÉTICO
A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) foi assinada pelo Brasil durante a
ECO/92 (Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento –
realizada entre 03 a 14 de junho de 1992) no Rio de Janeiro.
A CDB estabelece regras e princípios internacionais de proteção à biodiversidade,
tendo sido promulgada no Brasil pelo Decreto n. 2.519, de 16 de março de 1998, quando é
oficialmente incorporado às normas jurídicas brasileiras.
Art. 2o São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em revisão da referida
Convenção ou que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional, nos termos do art. 49, inciso I, da
Constituição Federal.
59
A proteção ambiental proposta pela CDB enfatiza dois focos: acesso aos recursos
genéticos e a biossegurança, conforme Varella e Plantiau (2004).
O conceito de biodiversidade da CDB está estipulado no seu art. 2º englobando a
variedade de organismos vivos englobando fauna, flora e microorganismos de ecossistemas
terrestres e marinhos, ecossistemas aquáticos complexos19.
Quanto ao conceito de recursos biológicos, da mesma Convenção, está compreendido
os recursos genéticos, organismos ou partes, populações, ou outro componente biótico de
ecossistemas, com real ou potencial valor e utilidade.
Dentre os conceitos trazidos pela CDB, extrai-se que os recursos biológicos englobam
também os recursos genéticos, conforme observam e exemplificam Stefanello e Dantas (2010,
p.152-153):
Interessante frisar que o conceito de recursos biológicos da CDB engloba também os
recursos genéticos. (...).
(...) queremos fizer que, num primeiro olhar, todo recurso genético está contido num
recurso biológico. Assim, por exemplo, hipoteticamente se determinada planta
contém um princípio ativo que é eficaz como anti-inflamatório, em tese, quando
alguém se apropria desta planta, estará se apropriando também das suas informações
genéticas.
Todavia, isso não acontece de forma tão simples como parece. Deve-se lembrar que
as plantas costumam ter inúmeros elementos em sua composição. Além disso,
geralmente leva-se décadas para identificar e isolar qual dos elementos da planta em
questão atua como anti-inflamatório.
Essa reflexão sobre o recurso biológico e do recurso genético pode ser usada no estudo
de caso da biopirataria praticada contra os Wapixana de Roraima. No caso em questão, o
pesquisador inglês Konrad Gorinsky, usou dos conhecimentos tradicionais daquela
comunidade indígena das propriedades do “cunani” e usa utilização na pesca e extraiu seu
componente químico, o “cunaniol” e patenteou.
Da mesma forma, o pesquisador isolou o princípio ativo do beri-beri ou “green-heart”
comum e muito utilizado pelos Wapixana da Guiana como anticoncepcional e antihemorrágico e após patentear esse recurso genético, vendeu a patente para um laboratório
Canadense que comercializa um anticoncepcional à base deste princípio ativo.
Ao apropriar-se de uma planta e tranformá-la em um medicamento ou produto
farmacêutico, o meio utilizado é a biotecnologia que assim foi conceituada no art. 2. da CBD:
“Biotecnologia significa qualquer aplicação tecnológica que utilize sistemas biológicos,
19
BRASIL, Presidência da República. Decreto n.2.519, de 16 de março de 1998. Promulga a Convenção sobre a Diversidade
Biológica, assinada no Rio de Janeiro, em 5 de julho de 1992. Brasília, 1998. CDB, art. 2. “Diversidade biológica significa a
variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e
outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte; compreendendo ainda a diversidade dentro de
espécies, entre espécies e de ecossistemas.”
60
organismos vivos, ou seus derivados, para fabricar ou modificar produtos ou processos para
utilização específica.”.
A utilização dos conhecimentos tradicionais de grupos como os Wapixana,
quilombola, caiçara, etc, por pesquisadores é prática que merece ser bem disciplinada e
regulamentada, pois, ocorre de forma não usual.
Nesse sentido, Stefanello e Dantas (2010, p.153):
Deve-se destacar que os pesquisadores não costumam sair procurando plantas
aleatoriamente na natureza. Na grande maioria das vezes usam o conhecimento
tradicional das populações para facilitar o processo de bioprospecção, realizando
estudos sobre os usos das substâncias utilizadas pelas comunidades tradicionais e
indígenas, cuja regulamentação jurídica deste acesso se dá (com muitas lacunas)
pela Medida Provisória 2186-16/2001.
Sobre a consumação, o momento da apropriação do recurso genético de uma planta
utilizada tradicionalmente por um grupo, Stefanello e Dantas (2010, p.153) observam:
Por isso, em nosso entender, o fato de alguém ter a posse de uma planta (entenda-se
recurso biológico) que contém um princípio ativo com potencial anti-inflamatório,
não quer dizer, necessariamente, que está ocorrendo a apropriação do recurso
genético propriamente dito, uma vez que isso só irá ocorrer, em tese, quando se
realizar a devida identificação, isolamento e acesso ao princípio ativo (entenda-se
recurso genético) procurado.
Mesmo que a consumação da apropriação dos recursos genéticos ocorram com a
devida identificação, isolamento do princípio ativo do recurso biológico, o tempo e o dinheiro
economizados com pesquisas deste princípio ativo, que, não ocorreriam de forma aleatória,
mas com base em informações de conhecimentos de populações tradicionais, por si só,
justificariam uma contrapartida econômica para estes grupos e populações tradicionais que
contribuíram com a pesquisa.
Sobre os conhecimentos tradicionais das populações indígenas, como os Wapixana, e
as comunidades locais, referentes ao uso sustentável da diversidade biológica e de suas
inovações, a CBD estipula expressamente sua proteção, bem como, incentiva a repartição dos
benefícios auferidos destes conhecimentos, como se observa no artigo 8, alínea “j” da
Convenção.
Artigo 8
Conservação in situ
Cada Parte Contratante deve, na medida do possível e conforme o caso:
(...)
j) Em conformidade com sua legislação nacional, respeitar, preservar e manter o
conhecimento, inovações e práticas das comunidades locais e populações indígenas
com estilo de vida tradicionais relevantes à conservação e à utilização sustentável da
61
diversidade biológica e incentivar sua mais ampla aplicação com a aprovação e a
participação dos detentores desse conhecimento, inovações e práticas; e encorajar a
repartição eqùitativa dos benefícios oriundos da utilização desse conhecimento,
inovações e práticas; (...)
Assim, a CDB procura conciliar os interesses científicos com os conhecimentos
tradicionais, procurando evitar a apropriação destes conhecimentos sem a devida repartição
dos lucros.
4.6 APROPRIAÇÕES E DIMENSÕES DOS DIREITOS DE PROPRIEDADE
Segundo Derani (2003), o patrimônio ambiental possui elementos apropriáveis, sendo
esta apropriação diversa da propriedade privada. Relata, ainda, que há diversas formas de
apropriação que geram ou não direito de propriedade, sendo a apropriação pela posse a mais
antiga delas.
Assim, os bens ambientais também seriam apropriáveis sendo esta apropriação uma
ação humana de tomada de um bem para satisfação de uma necessidade ou mera vontade.
Para apropriar-se de um bem ambiental não é necessário ter seu domínio ou
propriedade sobre o bem, pois o acesso pode se dar de forma precária e temporária visando
identificar algum princípio ativo de uma planta, animal ou fungo ou qualquer elemento da
biota. Conforme Derani (2003, p.70):
O direito de acesso, como obtenção de informação sobre o bem, independe da
detenção do domínio concreto e de sua fruição. Um aspecto imaterial do bem pode
ser transmitido e transferido sem que se altere o domínio e não se interfira na
fruição.
No que tange à propriedade, os direitos referentes à sua titularidade estão elencados no
art. 1228 do Código Civil Brasileiro, que faculta ao proprietário usar, gozar e dispor da coisa,
e reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
Quanto à posse, há duas grandes teorias originárias da Alemanha. A teoria de subjetiva
da posse de Savigny e a teoria objetiva da posse de Ihering, sendo esta última adotada pelo
direito brasileiro.
A teoria subjetiva da posse de Savigny é a posse que se dá pela presença de dois
elementos, quais sejam, corpus; animus. Quando há apenas um dos elementos o corpus temos
apenas uma detenção, esta se eleva à posse quando também está presente o animus que ‘é a
62
vontade de possuir o bem para si (elemento subjetivo), nesse sentido, Gonçalves (2009, p.43)
esclarece:
Para SAVIGNY, o corpus identifica somente a detenção. Esta se eleva a posse
quando se lhe acrescenta o animus específico, ou seja, animus domini ou animus
rem sibi habendi (vontade de possuir pra si). Também só existe detenção se há
apenas vontade de possuir para outrem ou em nome de outrem, como no caso de
locação, comodato, usufruto etc.
Todavia, nosso direito brasileiro adotou a teoria objetiva da posse de Ihering, sendo a
posse determinada pela conduta do dono que age como se o bem fosse seu, ou conforme o art.
1.196 do Código Civil exerce alguns dos poderes inerentes à propriedade (os descritos no
artigo 1228, acima citados: usar, gozar, dispor ou reaver de terceiros). Conforme expõe
Gonçalves (2009, p.40-41):
Para IHERING, cuja teoria o nosso direito positivo acolheu, posse é conduta de
dono. Sempre que haja o exercício dos poderes de fato, inerentes à propriedade,
existe a posse, a não ser que alguma norma diga que esse exercício configura a
detenção e não a posse.
(...)
Complementa o quadro o art. 1.208, prescrevendo: “Não induzem posse os atos de
mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos
violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a
clandestinidade”.
Portanto, o conceito de posse resulta da conjugação dos três dispositivos legais
mencionados.
Esta distinção de propriedade, posse e denteção se faz importante na análise de
apropriação de bens ambientais e no estudo de caso dos conhecimentos tradicionais dos índios
Wapixana de Roraima.
No caso dos Wapixana, os mesmos detêm a posse da planta cunani (recurso
biológico), que contém o princípio ativo cunaniol (utilizado na pesca). Não implica em dizer
que já estão apropriados do recurso genético do cunani ou do biribiri (que tem efeitos
anticoncepcionais), pois, este só se dará com a identificação ou apropriação do recurso
genético do cunani e do biribiri.
Infelizmente, apesar de possuírem os recursos biológicos, os recursos genéticos
(cunaniol e o princípio ativo do biribiri) foram apropriados pelo pesquisador Konrad
Gorinsky.
Nas palavras de Derani (2003), acessar significa apropriar-se. No exemplo citado,
acessar significa isolar os elementos das plantas, efeitos medicinais, isolando-os.
63
O direito de acesso, como obtenção de informação sobre o bem, independe da
detenção do domínio concreto e da sua fruição. Um aspecto imaterial do bem pode ser
transmitido e transferido sem que se altere o domínio e não se interfira na fruição.
Quanto à distinção entre o acesso ou apropriação e o domínio e propriedade do bem
Derani (2003, p.73) expõe com bastante propriedade:
Emerge desta dissociação uma peculiaridade relativa ao poder de transmitir e
transacionar sobre o direito de acesso. Como já dito, não se transaciona o bem, mas
o seu conteúdo informativo. Poder-se-ia pensar que logicamente este conteúdo
estaria sob o pode do detentor do bem, como imanente à propriedade ou como a ela
acessório, na hipótese mais frágil. Ocorre que nenhuma destas formas tradicionais é
pensada no caso do direito de acesso. Nem o conhecimento é um acessório da
propriedade do bem, nem necessariamente o detentor do bem é detentor do
conhecimento. Quem detém o bem não detém necessariamente o conhecimento,
assim como as informações sobre um bem independem da relação de domínio do
bem.
Denota-se que os recursos biológicos compreendem os recursos genéticos, conforme
conceito da CBD. Uma vez acessada essa informação, ela passa a ser apropriável, não mais
dependendo do recurso biológico, mas passando a integrar a propriedade intelectual.
Nem todo detentor do bem detém o conhecimento do uso medicinal ou cosmético do
produto biológico ou genético. Todavia, no caso do biribiri e do cunani os Wapixana são
detentores do conhecimento tradicional destes recursos genéticos.
Há gerações, o biribiri e o cunani são utilizados como anti-inflamatório;
anticoncepcional; como instrumento de pesca. Portanto, são detentores dos recursos
biológicos e da utilidade destes produtos.
As medidas previstas na CBD procuram mitigar a denominada dependência mútua
assimétrica que ocorre em virtude do desequilíbrio econômico e político entre países do Sul
(ricos em biodiversidade) e do Norte (ricos em recursos financeiros), principalmente o art. 8,
alínea, “j” da Convenção que estipula “consentimento prévio fundamentado dos países de
origem dos recursos genéticos e a repartição dos benefícios gerados pelas atividades de
bioprospecção”.
Na verdade, procura-se harmonizar os conflitos entre o conhecimento científico e o
conhecimento tradicional, apropriação dos saberes sem a repartição dos lucros auferidos.
Oportuno relembrar o caso dos feirantes do mercado ver-o-peso em Belém no Pará. A
empresa Natura apropriou-se do conhecimento dos feirantes quanto ao uso de plantas e ervas
lançando uma linha de produtos baseadas nestes conhecimentos.
64
Todavia, foi homologado um acordo na Justiça Federal, Seção Judiciária do Pará, na
qual a empresa se comprometeu a dar uma participação das vendas destes produtos aos
feirantes.
4.7 BIODIVERSIDADE, ESTIMATIVA ECONÔMICA E O MERCADO MUNDIAL
A biodiversidade é grande fonte de recursos para a indústria farmacêutica que podem
ser divididos em sintéticos, naturais e derivados20; fitofarmacêuticos; biotecnologia, etc.,
podendo-se por isso, fazer uma mensuração econômica do mercado mundial da
biodiversidade.
Segundo Barata (1995), os produtos farmacêuticos movimentam US$ 250 bilhões no
mundo, os cosméticos USS 120 bilhões, num total de US$ 370 bilhões. O consumo de
matérias-primas são estimadas em 10% deste valor.
Kubicek (1998) estima em US$50 bilhões o mercado mundial de biotecnologia, com
mais de 50% deste montante apenas no setor agrícola. Os Estados Unidos seriam os
dominadores deste mercado, com muitos transgênicos no mercado, muitas instituições e
investimentos em Ciência e Tencnologia.21
Abrantes (2002, p.71) expõe o grande investimento de empresas farmacêuticas no
mundo em produtos naturais e menciona fusões que influenciariam o futuro das empresas
brasileiras que produzem estes tipos de produtos.
Em 1994, metade das 250 principais empresas farmacêuticas no mundo
desenvolviam projetos na área de produtos naturais. Há quinze anos nenhuma delas
tinha projetos nesta área. As aquisições, acordos, joint-ventures e outros tipos de
associações praticadas no momento pelas empresas farmacêuticas demonstram a
importância desse mercado. Em todo o mundo as grandes firmas estão adquirindo as
pequenas e competentes firmas de fitofármacos, herbal drugs. Para Barata (1995), o
futuro das empresas brasileiras de produtos naturais certamente será afetado por este
processo.
Assim, denota-se os detentores de conhecimento tradicional ainda que não tenham
laboratórios para isolar o princípio ativo dos produtos da biodiversidade utilizados para fins
medicinais ou cosméticos, sem dúvida, merecem participação o reconhecimento sobre sua
propriedade intelectual.
20
Pode-se dividir os produtos farmacêuticos da seguinte forma: sintéticos (50%); naturais ou derivados (25%); outros (25%),
(Barata, 1995).
21
KUBICEK, Q. B. O panorama da biotecnologia nos EUA. Biotecnologia, Ciência e Desenvolvimento, n.01, 1998
(entrevista).
65
Este reconhecimento é merecido, pois, propiciam ao mercado, ainda que através de
terceiros, novos produtos, sendo estes produtos elaborados com menos tempo e menos
dispêndio de investimentos em pesquisas, graças aos conhecimentos tradicionais.
4.8 BIOPIRATARIA: CONHECIMENTOS TRADICIONAIS DOS ÍNDIOS WAPICHANA
É importante observar que a denominação “Guiana Inglesa” utilizada na transcrição
acima da fala de Clóvis Ambrósio Wapichana deve ser evitada, devendo-se chamar o país
vizinho apenas de “Guiana”, pois não é mais colônia da Inglaterra, desde a década de 60, por
isso, desde então não se utiliza mais a expressão “Guiana Inglesa”, mas tão somente
“Guiana”.
Figura 4 – Mapa do sistema de mapeamento de língua mundial - Wapichana em Roraima e Guiana
Fonte: “Data courtesy of the World Language Mapping System”22.
A planta “cunani” ou “semente de tipir” ou “coração verde”, são chamados pelos
Wapichana que habitam a Guiana de “green heart”. No país vizinho, os não índios tem como
idioma oficial o inglês. O inglês falado naquele país sofre influência linguística de idioma
Macuxi (etnia indígena), sendo diferente, em suas particularidades, do inglês falado na
Inglaterra, Estados Unidos e outros países.
22
Disponível em: <http://llmap.org/language/wap/static_map.png?width=350&height=350>. Acesso em: 07 abr.2011.
66
Outros relatos somam-se às informações prestadas por Clóvis Ambrósio Wapichana
sobre a apropriação dos conhecimentos tradicional dos Wapichana pelo químico Conrad
Gorinsky.
(...) já levaram um bocado dali, faz tempo quando eu morava lá na serra,
levaram um bocado até semente levaram de cunani. Lá, não sei quem era,
parece que era os americanos, pra lá sei lá. Aqui na Serra da Tabalascada (...)
(D. Maria, Tabalascada, 15-12-2000 apud Ávila,2006)).
Segundo Ávila (2006), Gorinsky para ter aceitação dos Wapichana e participação
destes em suas pesquisas como informantes ou “catadores de plantas” utilizava-se de duas
estratégias: benefício individual (renda irrisória por dia trabalhado) e promessa de benefício
coletivo (perspectiva de melhorias de saúde para as aldeias, com fornecimento gratuito de
medicamentos.
(...) I was at school and he (Gorinsky) was. Then he (gone out) work on this things.
He went and come back and, when he come back, I know that was the Corad who
promised people, who tanking leaves, seeds… and making with it, drugs. And if he
is successfully on it he will help us… Since that we never hear or heard about him…
(Sra. Louise, Sand Creek, 31-12-2000, apud Ávila,2006).
Sobre a acusação de apropriação dos conhecimentos tradicionais do Wapichana,
segundo Carvalho (1997), Conrad Gorinsky demonstra conhecer o assunto em uma entrevista,
todavia, não admite pagar royalties aos indígenas invocando uma série de razões para isso.
A opinião do próprio Conrad Gorinsky aparece pouco, não sabemos muito o que ele
acha sobre esta acusação que está carregando. Em uma entrevista realizada por
Mário César Carvalho, este diz que o químico conhece bem a convenção da
diversidade biológica, sabe de suas proposições, mas não admite pagar royalties aos
indígenas por uma série de razões, passando pelo preconceito e crença na
incapacidade deles administrarem dinheiro e também pela possibilidade destes
benefícios desviados nos caminhos burocráticos.
(CARVALHO, 1999).
Denota-se que há certo reconhecimento por parte de Conrad Gorinky sobre os
conhecimentos tradicionais dos Wapixana. Mas também há uma negação quando invoca
razões para não pagar aos representantes daquela etnia nenhuma participação nos benefícios
recebidos pelo registro do biribiri e cunani.
Em entrevista feita com Norberto Cruz da Silva, Wapixana, antigo Coordenador Geral
da Região da Serra da Lua, o mesmo afirma que em 1999 formou uma comitiva, e com esta
foi até Guiana.
67
Na Guiana, relatou ter contactado “os parente”23 de lá e que algumas primas do
pesquisador Conrad Gorinky, que ainda tinham contato com as comunidades Wapixana,
alegavam que a “invenção” era apenas dele (Gorinky).
A entrevista do Sr. Norberto Cruz da Silva será transcrita adiante, com outras
informações.
4.9 PROPOSTAS
Basicamente pode-se trabalhar com duas soluções para o problema da biopirataria e
apropriação dos conhecimentos tradicionais, quais sejam: a) proposta de criminalização da
biopirataria e, alternativamente; b) proposta da cooperação (foco econômico).
Conforme já citado, os recursos biológicos citados na Convenção sobre a Diversidade
Biológica (CDB) englobam os recursos genéticos.
Assim, por exemplo, uma planta com princípio ativo medicinal utilizado por uma
comunidade tradicional, tem seu recurso genético apropriado quando o princípio ativo desta
planta é isolado, identificado e, posteriormente, registrado ou patenteado.
Todavia, sabe-se que os cientistas não fazem pesquisas aleatoriamente em organismos
vivos, sistemas biológicos e seus derivados em busca de novos medicamentos, produtos
farmacêuticos ou cosméticos, pois, demandaria muito tempo e dinheiro, por isso, é comum
utilizarem-se dos conhecimentos tradicionais de grupos como populações indígenas, para isso.
Nesse sentido, Stefanello e Dantas (2010, p.153):
Deve-se destacar que os pesquisadores não costumam sair procurando plantas
aleatoriamente na natureza. Na grande maioria das vezes usam o conhecimento
tradicional das populações para facilitar o processo de bioprospecção, realizando
estudos sobre os usos das substâncias utilizadas pelas comunidades tradicionais e
indígenas, cuja regulamentação jurídica deste acesso se dá (com muitas lacunas)
pela Medida Provisória 2186-16/2001.
Nesse prisma, face a economia de tempo e dinheiro auferida, e pela participação e
contribuição da população tradicional nesse resultado, justo seria sua participação nos lucros
ou na patente, ou mesmo um ressarcimento financeiro por esta “contribuição”.
A Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB), corrobora com esta proposta
econômica sobre a problemática da biopirataria, de forma expressa, em seu artigo 8.
23
O termo “parente” é comumente utilizado para designar todos os Wapixana, independentemente da distância
geográfica, do país (Brasil ou Guiana), como exemplo desta transcrição: “A área tava demarcada, aqui tinha
muito peixe e caça. Era onde morava o Tuxaua, no centro. Os nossos parentes sabendo que nós estamos aqui, o
pessoal veio da Guiana, Manoá. Viemos andando do Moskow, não tinha estrada, ela chegou em 1985.”
(CARNEIRO, 2007, p.56, grifo nosso).
68
Artigo 8
Conservação in situ
Cada Parte Contratante deve, na medida do possível e conforme o caso:
(...)
j) Em conformidade com sua legislação nacional, respeitar, preservar e manter o
conhecimento, inovações e práticas das comunidades locais e populações indígenas
com estilo de vida tradicionais relevantes à conservação e à utilização sustentável da
diversidade biológica e incentivar sua mais ampla aplicação com a aprovação e a
participação dos detentores desse conhecimento, inovações e práticas; e encorajar a
repartição eqùitativa dos benefícios oriundos da utilização desse conhecimento,
inovações e práticas; (...)
Denota-se que a CDB tenta harmonizar os interesses dos cientistas com suas pesquisas
com o respeito aos detentores de conhecimentos tracionais, evitando conflitos, procurando
evitar a apropriação destes conhecimentos sem a devida repartição dos lucros.
O artigo 15 da Convenção estipula respeito à soberania do país sobre seus recursos
naturais, tema que envolve também os recursos genéticos derivados da biodiversidade
nacional.
Nurit Bensusan (2005, p.49) discorre sobre o dever de repartipação de benefícios entre
um país que acessa a biodiversidade do outro e este último.
(...) em geral, a convenção diz que o país que acessa componentes da biodiversidade
em outro deve obter o consentimento explícito do país onde o acesso se dará; deve
envidar esforços para que a pesquisa se faça nesse país e com sua participação; e
deve repartir, de forma justa e equitativa, os benefícios advindos desse acesso.
A proposta da criminalização no plano interno se daria com definição de conduta(s)
que envolve(m) a biopirataria e a tipificação, ou seja, inserção no ordenamento jurídico
brasileiro por meio de lei federal e no plano internacional por Tratados e Convenções.
Atualmente, não há um conceito jurídico pronto sobre biopirataria. A princípio, a Lei
de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98) previa o crime de biopirataria em seu artigo 47, mas
citado artigo foi vetado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, com a justificativa
de considera-lo muito abrangente.24
O vetado art. 47 da Lei 9.605/98 previa pena de detenção de um a cinco anos, ou
multa, ou ambas as penas, cumulativamente, para quem praticasse a seguinte conduta:
“exportar espécie vegetal, germoplasma ou qualquer produto ou subproduto de origem
vegetal, sem licença da autoridade competente”.
24
Razões do veto (art. 47 da Lei 9.605/98):
“O artigo, na forma como está redigido, permite a interpretação de que entidades administrativas indeterminadas terão que
fornecer licença para a exportação de quaisquer produtos ou subprodutos de origem vegetal, mesmo os de espécies não
incluídas dentre aquelas protegidas por leis ambientais.
A biodiversidade e as normas de proteção às espécies vegetais nativas, pela sua amplitude e importância, devem ser objetos
de normas específicas e uniformes. Ademais, existem projetos de lei nesse sentido em tramitação no Congresso Nacional.”
(Presidência da República Federativa do Brasil, Mensagem n.181 de 12 de fevereiro de 1998.)
69
O Projeto de Lei 7.211/02 sobre o tema foi resultado da CPI da BIOPIRATARIA que
teve como relator José Sarney Filho, encerrada em 2006.
Santilli (2006, p.85) assim define biopirataria:
(...) é a atividade que envolve o acesso aos recursos genéticos de um determinado
país ou aos conhecimentos tradicionais associados a tais recursos genéticos (ou a
ambos) em desacordo com os principais estabelecidos na Convenção sobre
Diversidade Biológica, a saber: - a soberania dos Estados sobre os seus recursos
genéticos, e – o consentimento prévio e informado dos países de origem dos
recursos genéticos para as atividades de acesso, bem como a repartição justa e
equitativa dos benefícios derivados de sua utilização.
Santilli (2005, p.71) apresenta ainda o seguinte conceito:
(...) é relativamente bem aceito o conceito de que a biopirataria é a atividade que
envolve o acesso aos recursos genéticos ou aos conhecimentos tradicionais a eles
associados (ou a ambos) em desacordo com os princípios da Convenção sobre a
Diversidade Biológica (CDB).
Sobre a apropriação dos conhecimentos tradicionais, Santilli (2006, p.204-205) expõe:
(...) há uma apropriação indevida e injusta – coibida pela Convenção sobre
a Diversidade Biológica – de um recurso que pertence a outro país e às suas
comunidades locais, por meio do uso de um instrumento legal – o direito de
propriedade intelectual, especialmente a patente -, consagrado pelas legislações
nacionais e internacionais.
Quando se trata utilização de conhecimentos tradicionais e povos indígenas, citada
autora menciona a necessidade de aprovação e participação destes nos benefícios em respeito
a CDB, (SANTILLI, 2005, p.71-72):
(...) Quando a atividade envolve conhecimentos, inovações e práticas de povos
indígenas e populações tradicionais, a CDB estabelece a necessidade de que a sua
aplicação se dê mediante a aprovação e a participação de seus detentores e a
repartição, com estes, dos benefícios. Assim, a fiel observância aos princípios da
CDB implica tanto a consulta aos países de origem dos recursos genéticos e
conhecimentos tradicionais associados – como expressão de sua soberania em face
de outros países – quanto à consulta aos povos e populações tradicionais detentores
dos recursos genéticos situados em seus territórios e dos conhecimentos tradicionais
a eles associados.
O que se observa em estudos de caso como o da biopirataria dos Wapixana em
Roraima é que a observância da CDB no que tange a prévia autorização dos países que
tenham produtos de biodiversidade em seu território geográfico utilizados por terceiros, tem
maior facilidade de ser observado do que a mesma permissão aos grupos indígenas.
70
Assim como aborda Santilli, há quem aponta soluções para a biopirataria nas leis de
propriedade intelectual, como cultivares, patentes, copyright, licença de tecnologia.
Outras soluções têm sido consideradas, como a do registro de espécies, por sistemas
próprios de cada país, antes que elementos genéticos da sua composição venham a
ser patenteados. As leis de copyright referem-se à reprodução de obras de arte, de
material escrito ou visual. Os mecanismos de licenciamento de tecnologia, como o
de patentes, tratam de direitos individuais e não coletivos. Especialistas recomendam
tentar todas as opções: cultivares, patente, copyright e licença tecnológica, embora
tais instrumentos não sejam adequados às necessidades e concepções das populações
tradicionais. O Brasil nos últimos anos promulgou a lei de proteção de cultivares,
atualizou a lei de direitos autorais, que não considera invenção os materiais
biológicos, mesmo isolados, embora permita a patente dos trangênicos. Os bens
culturais também são difíceis de proteger contra abusos e descaracterizações, pois é
preciso, ao mesmo tempo, encorajar novas criações, apoiar a disseminação,
adaptações em obras de autor, e condicionálas à autorização das autoridades
nacionais e das comunidades. Esforços têm sido feitos para aumentar garantias às
minorias, por intermédio da World Intellectual Property Organisation, com sede em
Genebra (Gray, 1991; Nijar, 1999).
No que tange a proposta de criminalização da Biopirataria, a mesma foi debatida em
uma Comissão Parlamentar de Inquério - CPI da Biopirataria - cujo relator foi o Deputado
José Sarney Filho, sendo uma das recomendações finais da CPI finalizar a tramitação do
Projeto de Lei 7.211/02 que prevê o tipo penal de Biopirataria.
Assim, consta dentre as recomendações do relator da mencionada CPI da Biopirataria
(CPIBIOPI):
(...)
Finalizar a tramitação do Projeto de Lei 7.211/02, que prevê o tipo penal de
biopirataria, assegurando que ele seja apenado com sanções penais severas, e que se
permita aos operadores da fiscalização dispor de todas as ferramentas investigativas
necessárias;
Tipificar como crime a apropriação dos conhecimentos tradicionais de comunidades
locais;
Definir a titularidade do patrimônio genético, finalizando-se as discussões em torno
da PEC 618/98, de modo a consagrar o patrimônio genético como bem da União,
assegurada a previsão de repartição de benefícios envolvendo Estados, Municípios e
comunidades tradicionais.25
A questão da biopirataria ganhou expressão e força nos debates internacionais a partir
da Convenção sobre a Biodiversidade Biológica, abordando-se a soberania dos Estados sobre
os seus recursos genéticos, a repartição dos benefícios oriundos do uso destes recursos e a
apropriação dos conhecimentos tradicionais associados.
25
Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito da Biopirataria (CPIBIOPI). Câmara dos Deputados. Presid.
Antônio Carlos Mendes Thame, Rel. Dep. José Sarney Filho. Centro de Documentação e Informação. Brasília, 2007, p.
464. Disponível em <http://www.camara.gov.br/internet/comissao. Acessado em 23 mar. 2011.
71
Quanto à hipótese de combate a biopirataria pela cooperação e motivação ganha força
com propostas de valorização de pesquisas sem destruição ambiental, bem como modelos
como a socialfloresty da Ásia.
No mesmo sentido, o Projeto de Emenda Constitucional nº. 618/98 acima mencionado,
no relatório final da CPIBIOPI, parece favorecer a proposta de “cooperação” no combate à
biopirataria pela menção do Projeto à repartição de benefícios à comunidades tradicionais.
Em relação aos conhecimentos tradicionais, Morán (1990) propõe a valorização destes
pelas pesquisas de forma a propiciar seu uso de forma sustentável.
Alguns ecólogos propõem que, com a valorização desses conhecimentos pela
pesquisa, poder-se-ia desenvolver in situ formas de aproveitamento econômico
vantajosas, sem destruição ambiental, com potenciais avanços na química e na
farmacologia, por meio de substâncias alcalóides, fungicidas e herbicidas; no
aproveitamento de fibras e frutos de palmeiras, combinado com adensamento
florestal. A extração de produtos renováveis, como indicam as práticas indígenas,
deveriam ser consideradas, apesar do declínio de seu uso, como a seringa, a
castanha-do-pará, os frutos de palmeiras e a pesca tradicional. Ao contrário, a
agricultura intensiva, devido à perda de fertilizantes, não tem conseguido na
Amazônia resultado econômico duradouro.
Moran, Oliveira e Ab’Saber, citados por Mauro Leonel, relatam algumas experiências
realizadas em comunidades na Amazônia, inspiradas na socialfloresty asiática na qual se
busca um aproveitamento do conhecimento tradicional pelo mercado econômico.
Experiências, como as asiáticas em socialforestry, com culturas perenes e
anuais, consorciadas com espécies florestais, inspiradas na diversificação da cultura
tradicional, começam a ser realizadas na Amazônia, como seringa com pastagem;
pupunha com cacau; espécies para a produção de papel com milho e feijão. Os
lucros do gado são baixos, os da madeira em tora não são sustentáveis, o que
tornaria o extrativismo e o manejo diversificado do modelo tradicional
potencialmente competitivo, conservando a floresta em pé. Em tal proposta aliar-seia preservação com objetivos sociais, permitindo o acesso ao mercado desejado por
muitos desses agrupamentos e orientando os colonos. A população permanente no
interior da Amazônia é menor hoje do que a das populações indígenas anteriormente
à colonização, salvo nos surtos localizados de acampamento, como o do garimpo.
Os sobreviventes indígenas ainda são maioria da população residente no interior em
vários municípios da região Norte, sobretudo quando somados aos ribeirinhos e
extrativistas influenciados pelos primeiros habitantes (Oliveira, 1988; Morán, 1990;
Ab’Saber, 1996).26
As riquezas da biodiversidade e os conhecimentos tradicionais podem se tornar fontes
de riquezas para comunidades roraimenses, como os cosméticos à base de produtos naturais,
26
LEONEL, Mauro. Bio-sociodiversidade: preservação e mercado. Estud. av., São Paulo, v. 14, n. 38, Apr. 2000 .
Disponível em <http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142000000100019&lng=en&nrm=iso>>.
Acessado em 12 Mar. 2011. doi: 10.1590/S0103-40142000000100019.
72
artesanato (como o usado com semente da Jarina), medicamentos à base de plantas e ervas,
entre outras formas de fomento.
À Administração Pública, Direta e Indireta, pode direcionar sua política pública para a
proteção e utilização da bio-sóciodiversidade em prol do desenvolvimento sustentável, tendo
por base conhecimentos tradicionais de grupos em Roraima, todavia é preciso que a
propriedade intelectual deste conhecimento tradicional seja respeitada.
Apesar de, atualmente, não haver um conjunto normativo eficaz para tutelar os
conhecimentos tradicionais coletivos, sendo insuficientes a Convenção 169 da OIT, a
Convenção sobre a Biodiversidade (CDB), o registro de patentes, as propostas de participação
nos resultados ou outras devem ser consideradas para se ter um reconhecimento e retribuição
justa dos detentores de conhecimentos tradicionais.
Afinal, como já dito, os detentores de conhecimentos tradicionais economizam tempo
e dinheiro das indústrias em pesquisas indicando onde e o que pesquisar.
Inicia-se a divulgação do ecoturismo em Roraima, porém ainda não se aborda a
questão da biopirataria e o apoio a grupos roraimenses para uso dos seus conhecimentos
tradicionais. EMBRAPA, IBAMA, SEBRAE entre outros entes podem contribuir de forma
mais ostensiva na questão.
73
5 O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
O grande desafio do Brasil e dos países da América do Sul é garantir seu
desenvolvimento, preservando as fontes de recursos naturais para as presentes e futuras
gerações.
Nesse Sentido a Constituição brasileira prevê que:
Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e
futuras gerações.
O surgimento da expressão “desenvolvimento sustentável”, nasceu de um debate na
década de 1960 que polarizou “crescimento econômico” versus “preservação ambiental”,
aliados ao temor da “explosão demográfica”, da guerra nuclear e os testes nucleares.
Em 1972, em Estocolmo, na Suécia, a discussão ambiental ganhou projeção mundial.
Mas apenas em 1987, perante Assembléia Geral da ONU, foi lido o relatório intitulado
“Nosso Futuro Comum”, cujo relator foi Gro Harlem Brundtland, quando o termo
“desenvolvimento sustentável” se consolidou.
Clemente et alli (2007, p.291) apontam 3 focos de desenvolvimento sustentável:
¿Qué se entiende por Desarrollo Sostenible? Es la actividad económica y social que
satisface las necesidades de la generación presente sin afectar la capacidad de las
generaciones futuras de satisfacer sus propias necesidades. Se debe lograr a tres
niveles:
Sostenibilidad Económica: crecimiento industrial, agrícola, pesquero, ganadero,
turístico, remuneración de empleo, contribuciones a la comunidad, satisfacción de
las necesidades de los hogares.
Sostenibilidad Ecológica: aire y agua limpios, conservación de recursos,
preservación de la biodiversidad.
Sostenibilidad Social: beneficio público, equidad social, participación,
mantenimiento de estado de bienestar.
(grifo nosso)
Pode-se, ainda, vislumbrar cinco dimensões do Econdesenvolvimento, segundo Sachs
(1993): a) Sustentabilidade Social; b) Sustentabilidade Econômica; c) Sustentabilidade
Ecológica; d) Sustentabilidade Espacial; e) Sustentabilidade Cultural.
Importante notar que o desenvolvimento sustentável, deve incorporar todo diálogo de
integração econômica e social internacional.
74
5.1 FUNDAMENTAÇÃO LEGAL
Temos dentre os principais mecanismos internacionais que podem ser utilizados para
acesso aos conhecimentos tradicionais no âmbito nacional e internacional, a Convenção sobre
Biodiversidade (CBD); a Organização Mundial de Propriedade Intelectual; a Organização
Mundial do Comércio (OMC) e o Acordo de TRIPs; a Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT).
Segundo Silveira (2009, p.66) temos também a Organização do Tratado de
Cooperação Amazônica firmado em 14 de dezembro de 1988 pelo “Protocolo de Emenda ao
Tratado de Cooperação Amazônica”, em Caracas, na Venezuela a par da Secretaria
Permanente em Brasília constituiu uma Instituição “dotada de personalidade jurídica, sendo
competente para celebrar acordos com as Partes Contratantes, com Estados não-Membros e
com outras organizações internacionais”.
No direito brasileiro, temos e sistema de registro de patentes (Lei n. 9.279, de 14 de
maio de 1996), porém, para Marcelo Dias Varela27, o sistema de patentes, disciplinado por
esta lei é prejudicial aos conhecimentos tradicionais associados e à proteção do meio
ambiente, pois lhes falta os requisitos para a patente, quais sejam, os critérios da novidade,
individualidade, exclusividade e temporariedade.
A Constituição Federal de 1988 estipula em seu art.225 o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações. Trata-se de um direito
difuso, ou seja, que tem um número indeterminado de tutelados, abarcando não só um direito
humano, mas o seu próprio habitat, o nosso Planeta.
A visão antropológica do Direito Ambiental, defendida por alguns autores como os
professores doutores Edson Damas da Silveira e Sandro Nahmias Melo defendem que o fim
da preservação é o próprio homem. Assim, a preservação dos recursos naturais, das riquezas
culturais devem ter como objetivo beneficiar o próprio homem, de forma sustentável.
O art. 225, §1º da Carta Magna traz a proteção constitucional para os conhecimentos
tradicionais dos povos indígenas e outros grupos que muitas vezes se utilizam da
biodiversidade para se expressar, sendo objeto de proteção a riqueza cultural destes povos.
27
VARELLA, Marcelo Dias; FONTES, Algumas ponderações sobre as normas de controle ao acesso dos recursos genéticos.
In: Meio Ambiente. Brasília. ESMPU, 2004. 396p. /VARELLA, Marcelo Dias. Algumas ponderações sobre as normas de
controle do acesso aos recursos genéticos. In: CUREAU, Sandra (Org.). Série Grandes Eventos. Brasília: ESMPU, 2004. p.
121-157. Vol. 1.
75
Acerca dos direitos dos povos indígenas do Brasil, o art. 231 e seguintes da
Constituição da República oferece sua tutela especificamente.
O patrimônio genético que também merece tutela, sendo alvo, muitas vezes de
biopirataria, está definido no art. 7.º, I, da Medida Provisória 2.186-16/2001, e pressupõe:
A informação de origem genética, contida em amostras do todo ou de parte de
espécime vegetal, fúngico, microbiano ou animal, na forma de moléculas ou
substâncias provenientes do metabolismo destes seres vivos e de extratos obtidos
destes organismos vivos ou mortos.
Por seu turno, o art. 2º da CBD (Convenção sobre Biodiversidade) assim define
biodiversidade:
Art. 2.º - Diversidade biológica significa a variabilidade de organismos vivos de
todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos
e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte;
compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de
ecossistemas.
Por se tratar de uma matéria que tem relação interdisciplinar, pois envolve estudos da
área de Direito, Biologia, Sociologia, Antropologia, Economia, por exemplo, outros
dispositivos constitucionais podem ser aplicados para tutelar a bio-sociodiversidade, como a
garantia do direito de propriedade (art. 5.º, XXII e XXIII), a propriedade intelectual (art. 5.º,
XXIX), os princípios da ordem econômica e financeira (art. 170), a proteção dos índios (arts.
231 e 232), dentre outros.
É importante ressaltar que não existe um dispositivo Constitucional específico para
coibir a biopirataria, tampouco proteger a biodiversidade. Na esfera infra-constitucional, há
alguns projetos de lei que tratam sobre biopirataria, todavia não há um consenso conceitual
entre os mesmos, dificultando a aprovação e conversão em lei, pois sem os limites da
definição legal, não há falar em tipificação.
5.2 A ETNIA WAPIXANA
O presente trabalho aborda um estudo de caso dos índios Wapixana de Roraima,
assim, importante falar-se um pouco sobre esta etnia.
Sobre os Wapixana, assim expõem Melo; G.R. Shaefer; Vale Júnior; Francelino,
(2010, p.222),
Grupo de indígena de filiação Aruak, os Wapishana habitam predominantemente a
região da Serra da Lua, ao logo dos rios Tacutu e Uraricoera região do Taiano, e
também com ocorrência nas Regiões do Amajarí, Contigo (baixo) e Surumu
(Coudreau, 1887), considerados por Lobo D’Almada (1861) em 1787, os Wapishana
76
eram o maior grupo indígena do rio Branco. Em suas atividades econômicas desde
os tempos coloniais, já se registravam cultivo das roças, pesca, caça e fabricação de
instrumentos de trabalho, cultivando mandioca, milho, tabaco, cana de açúcar,
banana, ananás, inhame, batata doce e abóbora (CIRINO, 2000).
Atualmente os Wapixana do Brasil são reconhecidos como uma etnia pacífica,
civilizada e bem esclarecida das questões dos não índios. Em contato com as comunidades e
as lideranças dos Wapixana da Região da Serra da Lua durante Assembleia Geral realizada,
revelou-se grande poder de organização, formadores de opiniões como professores entre eles.
Artigos antropológicos como de Ávila (2006) indicam que a mesma descrição se
aplica aos Wapixana do país vizinho Guiana. Sendo que naquele país eles tem contado com o
apoio da APA - Ameridians Peoples Association (Baines, 2006).
77
6 BIOPIRATARIA – CASO DOS ÍNDIOS WAPIXANA DE RORAIMA
O antropólogo Carlos Alberto Cirino pesquisando a evangelização na língua
Wapichana, este em contato com aquela etnia na região da Serra da Lua em Roraima,
visitando as Malocas (aldeias) Malacacheta e Jacamin.
Em 1996, o citado antropólogo entra em contato com malocas Wapixana do Jacamin,
Marupá e Wapun.
As pesquisas in loco bem como bibliográficas realizadas por Cirino (2008, p.117)
resultou na obra: “A ‘boa nova’ na língua indígena: contornos da evangelização dos
Wapischana no século XX” na qual expõe o caso de biopirataria ocorrido:
Em 1997, a imprensa nacional noticia o registro da patente, no Reino Unido, de uma
substância com poder anticoncepcional que utilizava conhecimento dos índios
Wapischana. A substância é conhecida entre os Wapischana pela designação de
“rupununine”, extraída da semente do biribiri. O pedido de reconhecimento da
descoberta é feita pelo químico britânico Conrad Gorinsky, nascido em Roraima,
filho de índia Wapsichanna com um cidadão britânico, que teria deixado a região
com 17 anos.
Cirino (2008) menciona a notícia da imprensa nacional do registro de patente da
substância utilizada pelos Wapischana, vinculada na mídia nacional.28
6.1 COMUNIDADE INDÍGENA MANUÁ-PIUM
Em 19 de abril de 2011 foi feita uma pesquisa qualitativa, junto à Comunidade
Indígena Alto Arraia – Terra Indígena Manuá-Pium, Região da Serra da Lua, Município de
Bonfim, onde as lideranças indígenas autorizaram a entrevista e forneceram as informações
solicitadas.(ANEXO C)
28
Em suas referências bibliográficas encontra-se o Jornal Folha de São Paulo, edição de 02/06/1997, p.6, cad.1 que anuncia:
“FUNAI vai pedir anulação de patente” onde se comprova a divulgação do caso na mídia nacional.
78
Figura 5 - Mapa de Terras Indígenas da Região da Serra da Lua em Roraima – 2007
Fonte: CARNEIRO, João Paulo J. A. A morada dos Wapixana. Atlas toponímico da região indígena da
Serra da Lua – RR. Dissertação ( Mestrado), Universidade de São Paulo, USP, 2007.
79
Figura 06 - Malocas da Região Indígena da Serra da Lua – 2007
Fonte: CARNEIRO, João Paulo J. A. A morada dos Wapixana. Atlas toponímico da região indígena da
Serra da Lua – RR. Dissertação ( Mestrado), Universidade de São Paulo, USP, 2007.
80
A Tuxaua Corina da Silva Gomes permitiu as entrevistas, bem como o Vice-Tuxaua
Valqui Gomes de Oliveira (sobrinho da atual Tuxaua), e ao ex Tuxaua Leonardo Herinque
Gomes (pai da atual tuxaua). (ANEXO D).
Cientes da biopirataria ocorrida envolvendo os Wapixana e o químico Conrad
Gorisnky, a tuxaua da comunidade prestou as informações sobre o caso e autorizou a pesquisa
com a condição de que o resultado da pesquisa e cópias da dissertação fossem
disponibilizadas para a Comunidade, e também para o núcleo Insikiran na Universidade
Federal de Roraima.
Entrevista: Corina da Silva Gomes – Wapichana, atual tuxaua da comunidade.
1) Nasceu na comunidade? (Alto Arraia)
Sim
2) Estuda na Comunidade? Qual o nível?
Corina - Universidade Federal de Roraima – UFRR, Curso de Licenciatura
Intercultural Instituto Insikiram, nível superior.
3) Língua materna falada.
Corina - Wapichana.
4) Fala a língua materna na comunidade?
Corina - Sim, todos falam.
5) Conheceu o “biribi”?
Corina: Ouviu falar. Tem na Guiana.
6) Conheceu o “cunani”.
Corina: Aqui tem “cunaní”. Usamos as folhas da planta. Você coloca num buraco na
terra, soca, depois põe num saco e leva para a beira do rio. Não pode colocar muito cunani na
água senão mata o gado que vai beber água.
Entrevista – Leonardo Henrique Gomes (Wapichana, ex-tuaxaua).
1) O senhor foi o antigo tuxauxa, não quis mais continuar a liderança?
Leonardo: Muita responsabilidade, a idade vai pesando também.
2) Conheceu o “biribiri”?
Sim, eu conheci. Tem muito na Guiana, aqui (Comunidade Alto Arraia, Região Serra
da Lua, Bonfim/RR) não tem.
81
3) Sabe da história de Conrad Gorinsky? Um químico alemão que patenteou produtos
usados pela sua etnia?
Era um inglês, ele esteve na Guiana, ouvi falar sim.
O artigo científico de Ávila (2006) menciona que Conrad Gorinsky era um químico,
filho de um alemão com uma índia Wapixana. Este fato também é relatado por (Cirino, 2009),
segundo Cirino, Gorinsky era inglês e registrou a biribiri no Reino Unido.
Entrevista – Valqui Gomes de Oliveira (Wapichana, Vice-Tuxaua).
1) O senhor é o Vice-Tuxaua? O que faz o vice-tuxaua?
Valqui: É o responsável pela comunidade quando a Tuxaua não está.
(o entrevistado, que acompanhou as outras entrevistas, não respondeu outras perguntas
sobre o “biribiri” e o cunani, pois já haviam sido respondidas pelos outros entrevistados.)
No início da entrevista, a Tuxaua Corina, perguntou a seu pai, na língua mãe sobre o
“biribiri”. O antigo Tuxaua, após responder algo na língua nativa, explicou para o autor que
só tem na Guiana, que só viu por lá.
Pôde-se perceber o uso da língua materna em outra ocasião, quando a tuxaua
conversou com algumas crianças que estavam próximo na língua materna, o “Wapixana”.
A tuxaua explicou que a pronúncia de “Wapixana” na língua materna tem um som
mais acentuado no “xa”.
Questionado sobre a planta, a tuxaua informou que não havia por perto, que estavam
no roçado e não poderia ir buscar, nem mostrar naquele momento.
6.2 PESQUISA AÇÃO
Durante as pesquisas, nos encontramos com algumas lideranças indígenas Wapixana
na FUNAI em sua sede Regional de Boa Vista, Roraima.
Notou-se grande interesse dos tuxauas como o da comunidade Jacumim, Região da
Serra da Lua, e outros no objeto da pesquisa que trata de assunto de interesse dos Wapixana.
Ao tomarem conhecimento do projeto e de que o mesmo visava formalizar um
documento científico que é uma dissertação de mestrado, as próprias lideranças sugeriram a
participação do autor em uma Assembleia das comunidades para a discussão do tema.
82
Assim, a autorização e interesse inicial da comunidade indígena Wapixana Alto
Arraia, em Manuá-Pium, Região da Serra da Lua, Município de Bonfim, Roraima, ganhou
uma dimensão maior.
O tema do projeto que abordava um estudo de caso dos Wapixanas quanto ao cunani e
biribiri foi levado ao conhecimento da Assembléia Geral da Região da Serra da Lua ocorrido
entre 22 e 25 de novembro de 2011, na Maloca Malacacheta, com 18 tuxauas e suas
respectivas comunidades.
Na Assembleia as lideranças e a comunidade deliberaram e votaram em processo de
democracia direta e participativa na concordância ou não com a pesquisa.
A maioria entendeu que a abordagem do cunini e biribiri, sua patente, é a busca de
solução quanto ao reconhecimento do conhecimento tradicional dos Wapixana iria trazer
benéficio para toda a comunidade, no sentido de oportunizar material de apoio científico
(dissertação de mestrado), para que reivindicassem solução aos órgãos governamentais como
a FUNAI.
Foi mencionado também, a importância de não deixar o assunto cair no esquecimento.
Assim, por maioria de votos, a Assembleia Geral autorizou a pesquisa.
Uma observação importante foi feita pelo Coordenador do Conselho Regional da
Região da Serra da Lua, Sr. Simião, ao mencionar que o cunani é conhecido e encontrado em
todas as comunidades da Região da Serra da Lua ali presentes, sendo o biribiri comum entre
os “parente” da Guiana.
Esse relato, consentido entre os presentes corrobora com a informação de que o cunani
e o biribi são produtos tradicionalmente utilizados pelo povo Wapixana.
Retomando a discussão da pesquisa-ação e o reflexo da pesquisa no pesquisado, no
caso concreto pôde-se constatar que o interesse e a autorização inicialmente circunscrita na
Comunidade Alto Arraia, ampliou-se para todas as comunidades da Região da Serra da Lua e
suas 18 lideranças e adultos ali presentes que votaram e tomaram decisão própria.
A discussão da pesquisa em si na Assembleia Geral demonstrou que o interesse ia
além de apenas uma comunidade, atingiu todas as comunidades da Região da Serra da Lua.
Por fim, por maioria de votos, autorizaram a pesquisa, como será dito adiante.
Essa interação dos pesquisados com a pesquisa e a busca de soluções remete a
reflexões sobre a pesquisa-ação.
Engel (2000), tratando do tema, expõe um conceito de pesquisa-ação:
83
A pesquisa-ação é um tipo de pesquisa participante engajada, em oposição à
pesquisa tradicional, que é considerada como “independente”, “não-reativa” e
“objetiva”. Como o próprio nome já diz, a pesquisa-ação procura unir a pesquisa à
ação ou prática, isto é, desenvolver o conhecimento e a compreensão como parte da
prática. É, portanto, uma maneira de se fazer pesquisa em situações em que também
se é uma pessoa da prática e se deseja melhorar a compreensão desta.
Aplicando-se este conceito no caso dos índios Wapixana, denota-se que há um
interesse prático na situação pesquisada, ou seja, os próprios pesquisados buscam um
entendimento sobre o sistema de registro de patentes, que fundamentou as patentes do cunani
e do biribirí, e possíveis soluções para quebrar a patente, pois discordam do registro.
Tripp (2005), por seu turno analisa a dificuldade de se conceituar pesquisa-ação.
É difícil de definir a pesquisa-ação por duas razões interligadas: primeiro, é um
processo tão natural que se apresenta, sob muitos aspectos, diferente; e segundo, ela
se desenvolveu de maneira diferente para diferentes aplicações. Quase
imediatamente depois de Lewin haver cunhado o termo na literatura, a pesquisaação foi considerada um termo geral para quatro processos diferentes: pesquisadiagnóstico, pesquisa participante, pesquisa empírica e pesquisa experimental
(Chein; Cook; Harding, 1948).
Sobre a finalidade da pesquisa-ação Engel (2000), assim aborda a questão:
A pesquisa-ação surgiu da necessidade de superar a lacuna entre teoria e prática.
Uma das características deste tipo de pesquisa é que através dela se procura intervir
na prática de modo inovador já no decorrer do próprio processo de pesquisa e não
apenas como possível conseqüência de uma recomendação na etapa final do projeto.
Pode-se buscar a compreensão do termo pesquisa-ação analisando-se o prisma dos
seus pioneiros, o momento histórico, social, em que foi desenvolvida, sobre a origem e seus
pioneiros expõe Engel (2000):
Um dos pioneiros da pesquisa-ação foi o psicólogo alemão Kurt Lewin (1890-1947)
. Na década de 1960, na área de Sociologia, rapidamente ganhou terreno a idéia de
que o cientista social deveria sair de seu isolamento, assumindo as consequências
dos resultados de suas pesquisas e colocá-los em prática, para interferir no curso dos
acontecimentos. Além de sua aplicação em ciências sociais e psicologia, a pesquisaação é, hoje, amplamente aplicada também na área do ensino. Nela, desenvolveu-se
como resposta às necessidades de implementação da teoria educacional na prática da
sala de aula.
Antes disso, a teoria e a prática não eram percebidas como partes integrantes da vida
profissional de um professor, e a pesquisa-ação começou a ser implementada com a
intenção de ajudar aos professores na solução de seus problemas em sala de aula,
envolvendo-os na pesquisa. Por exemplo, possibilitava avaliar empiricamente o
resultado de crenças e práticas em sala de aula. Neste sentido, este tipo de pesquisa
é, sem dúvida, atrativa pelo fato de poder levar a um resultado específico imediato,
no contexto do ensinoaprendizagem.
29
29
KURT, Lewin. Die lösung sozialer konflikte. Bad Nauheim, 1953.
84
Além disto, a pesquisa-ação em sala de aula também se revelou como um
instrumento eficiente para o desenvolvimento profissional dos professores.
TRIPP (2005), também relata Kurk Lewin (1946) como um dos pioneiros da
pesquisa-ação, como sendo também o primeiro a publicá-la, todavia, aponta outros possíveis
autores na Alemanha de 1913.
Muitas vezes, atribui-se a criação do processo a Lewin (1946). Embora pareça ter
sido ele o primeiro a publicar um trabalho empregando o termo, pode tê-lo
encontrado anteriormente na Alemanha, num trabalho realizado em Viena, em 1913
(Altrichter, Gestettner, 1992). Versão alternativa é a de Deshler e Ewart (1995) que
sugerem que a pesquisa-ação foi utilizada pela primeira vez por John Collier para
melhorar as relações inter-raciais, em nível comunitário, quando era comissário para
Assuntos Indianos, antes e durante a Segunda Guerra Mundial e Cooke (s.d.) parece
oferecer vigoroso apoio a isso. A seguir, Selener (1997) assinala que o livro de
Buckingham (1926), Research for teachers [Pesquisa para professores], defende um
processo reconhecível como de pesquisa-ação. Assim sendo, é pouco provável que
algum dia venhamos, a saber, quando ou onde teve origem esse método,
simplesmente porque as pessoas sempre investigaram a própria prática com a
finalidade de melhorá-la.
Assim denota-se que apesar de controversa autoria do tema pesquisa ação, parece
haver um consenso quanto ao pioneirismo de Kurk Lewin (1946) que, ainda que não fosse o
primeiro a desenvolver o tema, foi um dos primeiros e teria sido o primeiro a publicá-la.
6.3 CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS DA PESQUISA-AÇÃO
Segundo Engel (2000), a pesquisa-ação tem as seguintes características:
- O processo de pesquisa deve tornar-se um processo de aprendizagem para todos os
participantes e a separação entre sujeito e objeto de pesquisa deve ser superada.
- Como critério de validade dos resultados da pesquisa-ação sugere-se a utilidade
dos dados para os clientes: as estratégias e produtos serão úteis para os envolvidos se
forem capazes de apreender sua situação e de modificá-la. O pesquisador parece-se,
neste contexto, a um praticante social que intervém numa situação com o fim de
verificar se um novo procedimento é eficaz ou não.
- No ensino, a pesquisa-ação tem por objeto de pesquisa as ações humanas em
situações que são percebidas pelo professor como sendo inaceitáveis sob certos
aspectos, que são suscetíveis de mudança e que, portanto, exigem uma resposta
prática. Já a situação problemática é interpretada a partir do ponto de vista das
pessoas envolvidas, baseando-se, portanto, sobre as representações que os diversos
atores (professores, alunos, diretores etc.) têm da situação.
- A pesquisa-ação é situacional: procura diagnosticar um problema específico numa
situação também específica, com o fim de atingir uma relevância prática dos
resultados. Não está, portanto, em primeira linha interessada na obtenção de
enunciados científicos generalizáveis (relevância global). Há, no entanto, situações
em que se pode alegar alguma possibilidade de generalização para os resultados da
pesquisa-ação: se vários estudos em diferentes situações levam a resultados
semelhantes, isto permite maior capacidade de generalização do que um único
estudo.
85
- A pesquisa-ação é auto-avaliativa, isto é, as modificações introduzidas na prática
são constantemente avaliadas no decorrer do processo de intervenção e o feedback
obtido do monitoramento da prática
Tripp (2005, p.445-446) faz uma distinção entre a pesquisa-ação e a investigaçãoação, sendo esta última de forma variada e diversificada, sendo uma instrumentalização da
primeira.
É importante que se reconheça a pesquisa-ação como um dos inúmeros tipos de
investigação-ação, que é um termo genérico para qualquer processo que siga um
ciclo no qual se aprimora a prática pela oscilação sistemática entre agir no campo da
prática e investigar a respeito dela. Planeja-se, implementa-se, descreve-se e avaliase uma mudança para a melhora de sua prática, aprendendo mais, no correr do
processo, tanto a respeito da prática quanto da própria investigação.
Assim, segundo Tripp (2005) verifica-se que investigação-ação é um termo genérico
acerca dos vários meios de se fazer a pesquisa-ação. O autor expõe ainda o seguinte
fluxograma básico quanto à investigação-ação:
Diagrama: representação em quatro fases do ciclo básico de investigação-ação.
Figura 7 – Ciclo básico em quatro fases de investigação-ação.
Fonte:TRIPP, David. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica. Trad. Lólio Lourenço de Oliveira.
Educação e Pesquisa, São Paulo, v.31, n.3, p.443-446, set./dez. 2005.
86
Tripp (2005, p.446) explica o diagrama apresentado:
A maioria dos processos de melhora segue o mesmo ciclo. A solução de problemas,
por exemplo, começa com a identificação do problema, o planejamento de uma
solução, sua implementação, seu monitoramento e a avaliação de sua eficácia.
Analogamente, o tratamento médico também segue o ciclo: monitoramento de
sintomas, diagnóstico da doença, prescrição do remédio, tratamento, monitoramento
e avaliação dos resultados.
Aplicando-se o ciclo do diagrama da investigação ação de Tripp (2005), ao estudo de
caso dos Wapixana, notamos que a solução do problema da patente do cunani e biribiri
começa com a identificação do mesmo.
No caso o problema consiste no fato dos produtos terem sido patenteados sem o
reconhecimento ou participação dos Wapixana nos benefícios oriundos desta patente.
Como monitoramento tem-se conhecimento de artigos antropológicos registrando a
problemática, bem como a notícias de que a FUNAI iria tomar providências quanto a quebra
da patente conforme divulgado no jornal Folha de São Paulo em 1997.
Todavia, parece haver falta de efetivo monitoramento no deslinde da questão, pois os
próprios Wapixana, em Assembleia admitem que os esforços e medidas divulgados desde
1997, continuam sem respostas.
Ainda não se chegou na fase de implementação ou tratamento, pois, a Assembleia tem
o entendimento de que algo deve ser feito, que deve-se acionar Órgãos Governamentais como
a FUNAI para as devidas providências. Mas ainda não se tem resposta de nenhum Órgão
Oficial quanto alguma medida tomada ou iniciada.
A própria comunidade, com a organização demonstrada para discutir, deliberar e
buscar uma solução irá encontrar o “tratamento” que entenderem melhor para a Comunidade e
seus interesses.
6.4 AUTORIZAÇÃO FEITA NA ASSEMBLEIA GERAL DAS COMUNIDADES DA
REGIÃO DA SERRA DA LUA
Conforme já mencionado, alguns tuxauas Wapixana demonstraram interesse no tema
da pesquisa e falaram para apresentar o tema na Assembleia Geral da Região da Serra da Lua
que foi realizado na comunidade Malacaxeta, Município de Cantá-RR, nos dias 22 a 25 de
novembro de 2011.
87
O autor se dirigiu ao local da Assembleia, na Malacaxeta, onde estavam presentes 18
tuxauas e suas comunidades, todas da Região da Serra da Lua, etnia Wapixana.
Primeiramente foi estabelecido contado com a tuxaua Lucineide, que atende por
“Neide”, da comunidade anfitriã (Malacaxeta), depois com o Coordenador Simião (Simião é o
Coordenador do Conselho Regional da Região da Serra da Lua, sendo uma liderança de toda a
Região da Serra da Lua).
Foi deixado com a tuxaua Luzineide, conhecida por Neide e com o Coordenador
Simião cópias do projeto, certidões sobre o mestrado e a aprovação no exame de qualificação,
dentre outros documentos que esclareciam e demonstravam a seriedade e finalidade
acadêmica do projeto.
Determinou-se que o autor deveria expor por breves minutos o tema, os objetivos, a
metodologia, os tipos de perguntas e a pesquisa que pretendia fazer com a comunidade Alto
Arraia.
Procedeu-se conforme orientado, feita a exposição do projeto, respondido os
questionamento, anunciaram que iriam deliberar sobre a autorização para a pesquisa, sendo
que o expositor deveria retornar na sexta-feira (dia 25 de novembro de 2011), para obter o
resultado, positivo ou negativo.
No dia 25 de novembro, ao retornar à Assembleia, houve nova exposição do assunto,
novos questionamentos e a Assembleia votou da maneira como se fazia nos primórdios da
Democracia na Grécia antiga, ou seja, pelo voto aberto, mas não só por homens como na
antiga Democracia Grega, mas por homens e mulheres adultos da comunidade.
Respondendo um questionamento, foi esclarecido, como no primeiro dia, e
confirmado que não se iria extrair amostra de planta, de sangue, de animais. A pesquisa seria
meramente do ponto de vista jurídico, quanto à propriedade intelectual do conhecimento
tradicional do cunani e do biribiri.
Este esclarecimento final quanto ao não uso de amostras pareceu ter sido importante
na decisão final sobre a autorização ou não da pesquisa.
Assim, por maioria de votos, feitos no “malocão” onde se reuniram todos em
Assembleia, contabilizou-se a maioria dos votos aprovando a pesquisa.
O resultado foi registrado em ata que foi assinada por todos os presentes e, conforme
informado seria enviado para a FUNAI e para o Conselho Indígena de Roraima (CIR).
Sobre o CIR, oportuno citar Baines (2004, p.65-98), que expõe sobre seu surgimento e
também sobre um Órgão similar Ameridians Peoples Association (APA) no país vizinho
Guiana:
88
No Brasil, o Conselho Indígena de Roraima (CIR) se consolidou a partir do
movimento indígena nos anos de 1970, iniciado com apoio da Igreja Católica.
Enfrentando hostilidades constantes, os povos indígenas, a partir de escritórios em
cidades com advogados indígenas e outros profissionais em lidar com o Estado,
estão conseguindo grandes avanços no reconhecimento dos seus direitos e
estabelecendo novas relações com os Estados nacionais. Na Guiana, a Amerindian
Peoples Association (APA), criada em1991, e reconhecida desde 1992, vem
ganhando força política em relação a direitos territoriais.
Entre as quatro principais organizações indígenas em nível nacional, a APA vem
ganhando mais visibilidade nesta região.
Denota-se uma grande organização social e democrática entre os Wapixana tanto do
Brasil quanto do país vizinho Guiana, com organismos sociais como o CIR no Brasil e APA
na Guiana.
Logo após a Assembleia Geral da Região da Serra da Lua ter aprovado a pesquisa, o
antigo Coordenador do Conselho Regional da Região da Serra da Lua, Sr. Norberto Cruz da
Silva, Wapixana da Comunidade indígena Tabalascada, trouxe apontamentos e informações
sobre a busca por solução quanto ao patenteamento do cunani e biribiri já feita e ainda sem
respostas.
6.5 RELATO DO SENHOR NORBERTO CRUZ DA SILVA E O RELATÓRIO DA SUA
COMITIVA À GUIANA
Conforme mencionado, após a autorização das comunidades da Região da Serra da
Lua acerca da pesquisa da presente dissertação e sua abordagem ao estudo de caso dos
Wapixana, o Sr. Norberto Cruz da Silva, antigo Coordenador do Conselho Regional da
Região da Serra da Lua, trouxe informações que vivenciou sobre o tema.
O Senhor Norberto, relatou que em 1999 os Wapixana em Roraima tiveram contato e
apoio de Marina Silva, na época Senadora da República.
O mesmo relatou que conversou com Marina Silva sobre o cunani e biribi e esta os
ajudou a divulgar o assunto e também com recursos para formarem uma comitiva a ir para
Guiana tratar do assunto (patente do cunani e biribiri, buscar informações sobre o caso, etc.)
naquele país.
Dentre a mídia em que foi divulgada, cita-se e emissora de televisão Rede TV. Cirino
(2000) menciona a divulgação no jornal Folha de São Paulo em 1997.
A comissão visitou a Guiana em 04 de maio de 1999 e era composta dos seguintes
integrantes:
89
1-Norberto Cruz da Silva – Wapixana, Coordenador Regional da Região da Serra da
Lua;
2 – Paulo Pacararú – Assessor Jurídico do CIR (Conselho Indígena de Roraima);
3 – Alan Douglas – Professor e Tradutor – Maloca Manoá;
4- Geraldo Douglas – Guia da Comissão – Maloca Manoá;
5- Evandral B. do Vale – Motorista do CIR30
Continuando seu relato, uma vez constituída a comissão, “seu Leandro da
Malacacheta” colheu cunani, dissolveu na água e mostrou como se usa para a equipe.
Chegando na Guiana, entraram em contato com a comunidade Sant-Greek, tendo sido
apresentados ao Senhor Moacir Barreto (representante dos Wapixana na Guiana) que disse ser
o prefeito.31
O Senhor Moacir Barreto disse à comitiva que não conhecia nada sobre o
patenteamento, mas informou que teria um encontro de lideranças em Lethem (município da
fronteira com o Brasil, por Roraima).
Assim, o Senhor Moacir autorizou a comitiva ir até a maloca Sant Greek, contatou a
polícia para “assinar autorização” da entrada da comitiva.
Uma vez autorizados, passaram pelo rio Rupunune e chegaram ao local da reunião
onde encontraram os seguintes líderes: Benedit James, Edoardo Midael, Johnny Moses, Zita
B. Bonjam, Rocky Mario, Lionel M. Birney.
Foi informado que a palavra “biribiri” é um nome usado pelos não índios e que o
termo wapixana para o produto tradicionalmente usado por eles, sendo comum na região da
Guiana é o “tipir”.32
A comitiva ouviu informações da Sra. Louise Ramphanil que afirmou conhecer
Conrad Gorinsky, que talvez o mesmo tenha nascido em “Good Hope”, abaixo de Lethem.
Informou ainda que os pais de Gorinsky era estrangeiro, sendo que ela acha que é
alemão e a mãe uma “parente” wapixana.
Ramphanil relatou que o pai de Gorinsky o tinha enviado para estudar na Inglaterra,
onde este se formou e depois voltou.
30
Os nomes, informações e denominação da maloca de alguns integrantes da comitiva estão relatados conforme anotados
pelo Sr. Norberto Cruz da Silva no seu relatório de viagem.
31
Apesar de não explicar o termo, acredita-se que seja o termo que usam para a liderança local indígena, semelhante aos
tuxauas em Roraima. Artigos antropológicos mencionam o termo inglês: “charman”.
32
biribiri na língua mãe wapixana é chamado de tipir. (com pronúncia acentuada na sílaba “pir” ao final)
90
Retornando à comunidade, já formado (conforme continuação do relato) Conrad disse
à comunidade que queria fazer pesquisa sobre plantas medicinais e prometeu que se tudo
desse certo, “traria de volta para o povo Wapixana”.
Teria convocado pessoas para ser ajudante. A Sra. Louise Kamphanil informou que
conheceu três pessoas que o ajudaram, que passaram seus conhecimentos. Relata que
Gorinsky levou o material e nunca mais voltou com remédios.
Kamphanil informa ainda que, uma vez a irmã de Gorinsky esteva na maloca. Nessa
ocasião, perguntaram para ela sobre Conrad Gorinsky e ela teria dito que ele estava atarefado
e que o medicamento que ele estava usando foi descoberto por ele próprio.
Essas são as informações mais significativas que o Senhor Norberto Cruz da Silva
relatou e passou das suas experiências pessoais e anotações da busca por soluções e
integração com os Wapixana da Guiana (que chamam de “parentes”).
Ao final, demonstrou que apesar dos esforços da época, desde 1999, os Wapixana
ainda aguardam uma resposta sobre o patenteamento do cunani e biribirí (tipir na língua
wapixana).
6.6 AMOSTRAGEM DE PESQUISA REALIZADA NA COMUNIDADE INDÍGENA
ALTO ARRAIA
Em pesquisa realizada com moradores da comunidade indígena Alto Arraia, em
Manuá-Pium, Região da Serra da Lua, Município de Bonfim-RR, sendo os mesmos da etnia
Wapixana, chegou-se a uma conclusão significativa acerca do conhecimento do cunani e do
biribiri.
O Questionário aplicado (conforme anexo) cita o conhecimento do cunani e do biribiri
e numa amostragem de 30% (trinta por cento) da população da Comunidade (População Alto
Arraia 136 habitantes - Cirino, 2009, p.84, tabela 1).
Na pesquisa realizada no primeiro bimestre de 2012, mediante aplicação de
questionários (questionário em anexo)’ constatou-se do total de entrevistados (30% da
população33) 100% (cem por cento) conheciam o cunani e sabem como utiliza-lo,
demonstrando ser comum a sua utilização.
Uma porcentagem menor, 2%(dois por cento) conhecem o biribiri (tchipiiz34),
confirmando não ser comum naquela região.
33
34
População total de 136 habitantes na comunidade Alto Arraia, segundo CIRINO (2009).
Escrita na língua Wapixana. Em português escreve-se tipir.
91
Os dados coletados confirmam as declarações do Sr. Simião, Coordenador da Região
da Serra da Lua, durante a Assembleia Geral dos dias 22 a 25 de novembro, quando afirmou
que todas as comunidades da Região da Serra da Lua ali presentes tinham o cunani, mas o
biribiri seria comum e de uso dos Wapixana da Guiana.
Quanto a presença do biribiri ou tipir (na língua Wapixana) na Guiana, a declaração do
Coordenador da Região da Serra da Lua coaduna com as informações de Avila (2006).
Constatou-se também, durante as entrevistas, que o cunani seria bastante presente na
comunidade Jacumim.
92
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de não haver atualmente solução para o problema da biopirataria relacionada
à apropriação de conhecimentos tradicionais, especialmente de populações indígenas, como
os Wapixana, muito se avançou no sentido de coibir essa prática.
A Convenção 169 do OIT, artigo 8, alínea “j” prevê o respeito à biodiversidade dos
países e também do conhecimento de sua população tradicional.
O reconhecimento do conhecimento de uma população tradicional merece uma
regulamentação ou um novo instrumento jurídico que tutele esse bem jurídico imaterial.
É sabido que o registro de patentes só reconhece invenções e inovações individuais.
Todavia o respeito da biodiversidade nacional já é um avanço, visto que nos países ricos em
biodiversidade, há quem diga que o patrimônio genético representa valor material superior
que as jazidas de minérios e pedras preciosas, como ouro e diamante, presente no subsolo.
Nesse contexto, novamente lembra-se o caso dos Wapixana, objeto do estudo de
caso,
cujo
biribiri,
que
tem
propriedades
medicinais,
como
anti-hemorrágico,
anticoncepcional e até abortivo, foi biopirateado, ou seja, apropriado indevidamente e
patenteado, sendo que um laboratório canadense, “Biolink”, produz um anticoncepcional com
base em seu princípio ativo.
Há o discurso da criminalização, com proposta de tipificar a biopirataria. Essa
proposta ganhou força na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Congresso Nacional
Brasileiro, do ano de 2006, cujo relator foi José Sarney Filho, resultando em Projeto de Lei
com a proposta de criação de lei nesse sentido.
Todavia, a criminalização ainda não traria uma solução total. Poder-se-ia diminuir,
mas não extinguir com a prática de apropriação desses conhecimentos tradicionais. Talvez
com algum resultado quanto à preservação do patrimônio genético e imaterial no país. Mas
ainda sem resposta para a tutela dos direitos de grupos detentores de conhecimentos
tradicionais.
Assim, a criminalização seria um paliativo, na visão que prega o uso do direito penal
como ultima ratio, ou seja, como última esfera, defendida pelo princípio da intervenção
mínima, quando o direito civil, comercial e outros ramos do direito foram insuficientes,
poder-se-ia melhorar as questões que atentem contra o patrimônio nacional, mas não é
solução para os grupos detentores de conhecimento tradicionais.
93
O brocardo jurídico suum cuique tribuere teria melhor alcance com remédios
jurídicos de conteúdo econômico ou cível. Nesse sentido, a proposta de participação nos
resultados dos produtos elaborados com a ajuda e informações dos detentores de
conhecimentos tradicionais, parece ser uma solução mais ampla.
Dentre desta proposta econômica, a medida preventiva de um cadastro prévio de
produtos da biodiversidade nacional, é de grande ajuda, tendo sido utilizado na solução e na
quebra da patente do “cupulate” que estava com uma empresa japonesa “Asian Foods” e
graças ao empenho da embaixada brasileira no Japão, obteve-se a quebra da patente.
A patente conjunta, ou participação nos lucros dos produtos derivados dos princípios
ativos obtidos da biodiversidade e dos conhecimentos tradicionais também é possível
conforme se verificou no acordo dos feirantes-ver-o-peso de Belém-PA e a empresa Natura.
Opcionalmente pode ser atribuído um valor específico para compensar o
fornecimento das informações como ocorreu com as quebradeiras de côco no Piauí e a
empresa Natura.
No estudo de caso do Wapixana em Roraima, denota-se que a etnia tem grande
interesse no assunto, querem uma solução, mas não sabem como ou quem pode lhes dar uma
resposta definitiva aos seus anseios.
Representantes da etnia já estiveram na Capital Federal, nas Cortes Superiores e
pediram ajuda da FUNAI e demais Órgãos Governamentais, todavia, ainda não há notícias
sobre quebra da patente do cunani (cunaniol) e biribirí, tampouco, notícias de alguma medida
adotada pela FUNAI ou Procuradoria da República.
Durante as pesquisas, notou-se fomentação de discussões e buscas de soluções, nesse
sentido, denota-se que a teoria da pesquisa-ação, tem visíveis resultados, ou seja, durante a
pesquisa, o grupo pesquisado, começa a pensar e fomentar possíveis ações que possam ser
adotadas para atender seus anseios.
No caso pesquisado os anseios dos Wapixana de Roraima era ter reconhecimento dos
seus conhecimentos tradicionais do uso do cunani e beribirí, cujos princípios ativos foram
patenteados pelo pesquisador Conrad Gorinsky, como invenção individual deste, apesar da
ajuda obtida dos Wapixana, sendo reconhecida tal ajuda pelo pesquisar, que mesmo assim,
nega-se a pagar qualquer valor como royalties.
Denota-se que o sentimento dos Wapixana quanto ao caso estudado, tem um misto
de ingratidão e traição, visto que o pesquisador tinha sangue Wapixana, pois sua mãe era da
comunidade daquela etnia da Guiana.
94
A quebra da Patente ou reconhecimento dos conhecimentos tradicionais e
participação da comunidade no resultado final do anticoncepcional feito com o princípio ativo
do biribirí é uma medida que se impõe necessária para dirimir conflitos decorrentes da
biopirataria e mesmo fazer justiça contra essa e outras possíveis apropriações de
conhecimentos tradicionais.
95
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103
ANEXOS
104
ANEXO A – AMOSTRA DA PESQUISA JUSTIFICATIVA, MÉTODO; TERMO DE
LIVRE CONSENTIMENTO; QUESTIONÁRIO DA ENTREVISTA; MEDIDAS DE
PROTEÇÃO DE RISCO E CONFIDENCIALIDADE
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE
BIOPIRATARIA E APROPRIAÇÃO DOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS: UM
ESTUDO DE CASO DOS ÍNDIOS WAPIXANA DE RORAIMA
Declaro que fui satisfatoriamente esclarecido pelo pesquisador Walker Sales Silva Jacinto, em relação a
minha participação no projeto de pesquisa intitulado BIOPIRATARIA E APROPRIAÇÃO DOS
CONHECIMENTOS TRADICIONAIS: UM ESTUDO DE CASO DOS ÍNDIOS WAPIXANA DE
RORAIMA, cujo objetivo é tratar da biodiversidade e problemática da apropriação de conhecimentos
tradicionais e as propostas de solução, das quais a criminalização e a cooperação, sendo a primeira pelo meio
coercivo, na seara do direito penal e a segunda pelo meio da compensação, do incentivo, sendo o foco
econômico. Contribuir o tema, abordando um caso local, “Waipixanas e a Biopirataria” no qual dois produtos
naturais utilizados pelos índios Waipixanas que residem em Roraima e na Guiana, sendo ao beriberi e o cumani
tiveram patentes requeridas pelo químico Goransky, filho de alemão com uma indígena Waipixana, que alegou
ter sido o único inventor e descobridor Hdos conhecimentos passados pela comunidade Waipixana. Os dados
serão coletados através de entrevistas de membros da comunidade indígena Alto-Arraia em Manuá-Pium, Região
da Serra da Lua, Município de Bonfim/RR, registradas em gravador de voz e transcritas no formulário de
perguntas em anexo do projeto. Existe um risco ao em comentar os conhecimentos tradicionais da comunidade
em relação ao cunani e beriberi. Seria o risco de atrair pesquisadores mal intencionados para tentar se apropriar
do conhecimento de outros produtos tradicionalmente utilizados pelos Wapixana. Esse risco pode ser reduzido
com a notificação dos Órgãos Oficiais de fiscalização como Polícia Federal, IBAMA. O resultado das pesquisas
serão disponibilizados para toda a Comunidade, as eventuais despesas decorrentes da participação na pesquisa
serão integralmente ressarcidas pelo pesquisador Walker Sales Silva Jacinto que poderá ser acionado pela
FUNAI administrativamente ou pela Procuradoria da República, judicialmente. Uma cópia do TCLE ficará com
o sujeito (pesquisado/entrevistado) e outra com o pesquisador. Estou ciente e autorizo a realização dos
procedimentos acima citados e a utilização dos dados originados destes procedimentos para fins didáticos e de
divulgação em revistas científicas brasileiras ou estrangeiras contanto que seja mantido em sigilo informações
relacionadas à minha privacidade, bem como garantido meu direito de receber resposta a qualquer pergunta ou
esclarecimento de dúvidas acerca dos procedimentos, riscos e benefícios relacionados à pesquisa, além de que se
cumpra a legislação em caso de dano. Caso haja algum efeito inesperado que possa prejudicar meu estado de
saúde físico e/ou mental, poderei entrar em contato com o pesquisador responsável e/ou com demais
pesquisadores. É possível retirar o meu consentimento a qualquer hora e deixar de participar do estudo sem que
isso traga qualquer prejuízo à minha pessoa. Desta forma, concordo voluntariamente e dou meu consentimento,
sem ter sido submetido a qualquer tipo de pressão ou coação.
Eu, ____________________________________________, após ter lido e entendido as informações e
esclarecido
todas
as
minhas
dúvidas
referentes
a
este
estudo
com
o
Professor
_____________________________,
CONCORDO
VOLUNTARIAMENTE,
_____________________________________________ participe do mesmo.
Local (cidade), data: _________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
Nome e assinatura (do pesquisado ou responsável) ou impressão datiloscópica
Eu, Walker Sales Silva Jacinto, declaro que forneci todas as informações referentes ao estudo ao paciente.
Para maiores esclarecimentos, entrar em contato com os pesquisadores nos endereços abaixo relacionados:
Nome:
Walker Sales Silva Jacinto
Endereço:
Av. Ville Roy, n. 4935
Bairro:
São Pedro
Cidade:
Boa Vista
Fones:
(95)2121-9281 ; (95) 9145-4362
UF:
e-mail:
RR
[email protected]
105
ALTERAÇÃO DO QUESTIONÁRIO DE ENTREVISTAS
Justificativa:
Analisando melhor o questionário, considerando também as considerações
do Parecer do Comitê de Ética e Pesquisa – CEP/UFRR processo n. 111006, o
pesquisador entendeu que o formulário anterior que indagava nos itens 9 e 13
sobre uso de medicamentos de árvores e a localização causaria uma exposição
de risco aos conhecimentos tradicionais dos Wapixana entrevistados.
Referida informação sobre os medicamentos utilizados não são
necessários a pesquisa que é sobre o cunani e beribéri, não havendo necessidade
de mencionar novos produtos
Formulário de entrevistas
1) Nasceu na comunidade? (Alto Arraia)
_________________________________________________________________________
2) Estuda na comunidade? Qual nível?
_________________________________________________________________________
3) Língua materna falada?
_________________________________________________________________________
4) Fala a língua materna na comunidade?
_________________________________________________________________________
5) Conheceu o “biribirí”?
___________________________________________________________________________
6) Conheceu o “cumani”?
___________________________________________________________________________
106
AMOSTRA DA PESQUISA, JUSTIFICATIVA, MÉTODO
A coleta de informações para o desenvolvimento do protocolo de pesquisa intitulado
BIOPIRATARIA E APROPRIAÇÃO DOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS: UM
ESTUDO DE CASO DOS ÍNDIOS WAPIXANA DE RORAIMA, de autoria de Walker
Sales Silva Jacinto (mestrando), discente(s) do curso de Mestrado em Direito Ambiental, será
preservada a privacidade e a privacidade e a confidencialidade de tais documentos e dos seus
sujeitos.
A amostra da pesquisa será feita na comunidade indígena Alto Arraia cuja população
estimada em 136 habitantes (Cirino, 2009) 35. Os mesmos possuem acesso à energia elétrica
da linha de Guri, distribuída pela Companhia Energética de Roraima – CER (fonte: Folha de
Boa Vista, 19.09.2008).
Considerando que a pesquisa é qualitativa e não quantitativa, pretende-se aplicar o
questionário submetido ao Comité de Ética e Pesquisa a cerca de 10% da população ou ao
menos às lideranças.
Será gravado em áudio, por meio de gravador de voz, sendo posteriormente transcrito.
Não serão transcritas outras informações relevadas que não tenham relação com o
questionário (confidencialidade).
A justificativa da amostra é demonstrar in loco, na comunidade Alto Arraia, o
conhecimento e uso tradicional do cunani e biribiri.
A comunidade terá acesso ao resultado da pesquisa e a futura dissertação de mestrado
que constitui documento científico que fica à disposição da comunidade para suas demandas e
reivindicações.
A pesquisa corroborar com dados e artigos antropológicos de que o cunani e biribiri é
de uso tradicional dos Wapixana, apesar de ter sido patenteado por um químico, o Sr. Conrad
Gorinsky como invenção individual deste.
Características da população:
Segundo Diniz (1972) os Wapixana e os Macuxi constituem povos com uma longa
história de colonização e contatos intensivos e contínuos com os regionais dos dois países
(Brasil e Guiana) por mais de dois séculos, sendo caracterizados pela população regional de
Roraima como “índios civilizados” e “caboclos” (Diniz, 1972, p. 124)36.
35
CIRINO, Carlos Alberto Marinho Cirino. A “Boa Nova” na língua indígena. Contornos da evangelização dos
Wapischana no século XX. Ed.UFRR, 2009.
36
DINIZ (1972) apud BAINES, Stephen G. Revista de Estudos e Pesquisas. FUNAI, Brasília, v.1, n.1, p.65-98, jul.2004.
107
A Comunidade Alto Arraia, faz parte do Manua-Pium, Região da Serra da Lua,
Município de Bonfim.
Dados da Comunidade segundo pesquisa de Carneiro (2007) 37:
Topônimos: Alto Arraia Topônimo em Wapxinana: Dybaruw ‘u Dukuit
Município: Bonfim – RR
Origem linguística: Portuguesa
Estrutura Gramatical: Adjetivo + Substantivo
Ano de fundação: 1980
Limites: Faz parte do Manoá-Pium
Etimologia: o quantitativo alto + peixe cartilaginoso, rajiformes.
Contexto Oral: “Eu que fundei a maloca aqui, nós morávamos no Moskow, tinha
uma pessoa apenas lá, o fazendeiro botou fogo na minha casa, aí o papai falou
vamos embora, para onde a funai está demarcando, 6 de janeiro de 1980 chegamos
aqui. A área tava demarcada, aqui tinha muito peixe e caça. Era onde morava o
Tuxaua, no centro. Os nossos parentes sabendo que nós estamos aqui, o pessoal veio
da Guiana, Manoá. Viemos andando do Moskow, não tinha estrada, ela chegou em
1985. Aí o irmão Francisco contrui a igreja em São Francisco em 1985, aí mudamos
por causa da estrada, e ficou igreja de São Francisco. Só a Católica aqui. Como
Moskow não estava demarcada, ele resolveu viu aqui para o mirxizal.”
Dados do Informante: Henrique Gomes
Natural de/Etnia: Chiia (Guiana)/wapixana
Data de nascimento: 06/08/1941
Pai: Leonardo Gomes
Mãe: Irene Gomes
Local e data da coleta: Malocão do Alto Arrraia, 24 de agosto de 2006
Coordenadas Geográficas: Nº 02 51.299 Wº 60 12.555 – 107 mt
População Wapischana (Cirino, 2009, p.84, tabela 1)38:
Região:
Maloca
População
Serra da Lua
Jacamin
312
Marupá
200
Água Boa
58
Wapun
123
Malacacheta
427
Canauanin
340
Moscou
130
Tabalascada
282
136
Alto Arraia
Cumarú
162
Jabutí
176
Sapo
100
Pium
302
Todo o referido é verdade.
Boa Vista, 21 de novembro de 2011.
Walker Sales Silva Jacinto
Universidade Federal de Roraima – UFRR
Campus Paricarana
Boa Vista - RR
37
CARNEIRO, João Paulo J. A. A morada dos Wapixana. Atlas toponímico da região indígena da Serra da Lua – RR.
Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, USP, 2007.
38
CIRINO, Carlos Alberto Marinho, 2010.
108
MEDIDAS DE PROTEÇÃO DE RISCOS E CONFIDENCIALIDADE
Diante do risco de expor os conhecimentos tradicionais da comunidade Wapixana Alto
Arraia e com essa exposição tornarem-se vítima de apropriações de conhecimentos
tradicionais como o que ocorreu com o biribiri e cunani. Deve ser adotada as seguintes
medidas:
1) Ainda que o pesquisador Walker Sales Silva Jacinto tome conhecimento do uso de
outros produtos da biodiversidade pelos Wapixana, não serão divulgados, com
exceção do cunani e biribiri que são objetos da pesquisa;
2) Não será divulgado a localização exata do cunani e biribi, para evitar que seja
apropriados por não índios, por pesquisadores mal intencionados;
3) Não será divulgado informações sobre outros produtos da biodiversidade utilizados
pelos Wapixana, que não sejam o cunani e biribiri.
4) Serão notificados os Órgão Oficiais de fiscalização e proteção dos índios no Brasil.
a Polícia Federal, o Ministério Público Federal, a FUNAI, IBAMA, FEMARH/RR
(Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Roraima), para
conhecimento do tema e prevenção.
Declaro, também, que o procedimento proposto, na pesquisa assegura a
confidencialidade dos dados e garante a privacidade dos sujeitos, bem como a proteção da sua
imagem, impedindo o estigma e a utilização das informações em prejuízo de terceiros e da
comunidade. Preservando, ainda, a auto-estima e o prestigio dos envolvidos, tudo utilizando,
apenas, para os fins propostos no protocolo de pesquisa.
Todo o referido é verdade.
Boa Vista, 21 de novembro de 2011.
______________________________________________
Walker Sales Silva Jacinto
Universidade Federal de Roraima – UFRR
Campus Paricarana
Boa Vista – RR
109
ANEXO B – FIGURAS COOPERATIVA DE AÇAI; AÇAIZEIRO SENDO COLHIDO;
WAPIXANA MOSTRANDO SEMENTE DO TIPIR; IMAGENS DA COMUNIDADE
INDÍGENA ALTO-ARRAIA; IMAGEM DA TUXAUA E VICE-TUXAUA DA
COMUNIDADE ALTO-ARRAIA
Cooperativa de produtores de açaí (PA)
Fonte: Jornal O Liberal, Belém, fev.2007
110
Açaizeiro sendo colhido39
Fonte: Dias, J., 2011
39
Disponível em <http://www.amazonlink.org/biopirataria/recursos_biologicos/acai.jpg>. Acesso em: 07 abr.2011.
111
Ìndia wapixana Evelyn Gomes na Guiana mostrando o “tipir” cuja raspa estanca hemorragias,
impede infecções, além de servir como anticoncepcional, conforme a tradição do seu povo.
Fonte:
Rede
de
Tecnologia
do
Rio
de
Janeiro.
Responsável:
http://www.redetec.org.br/inventabrasil/rupu.htm>. Acesso em: 07 abr.2011.
Disponível
em
<
112
Comunidade Indígena Alto Arraia – Terra Indígena Manuá-Pium, Região Serra da Lua,
Município de Bonfim.
Fonte: Autoria propria,2011.
113
Comunidade Indígena Alto Arraia – Terra Indígena Manuá-Pium, Região Serra da Lua,
Município de Bonfim.
Fonte: Autoria propria,2011.
Comunidade Indígena Alto Arraia – Terra Indígena Manuá-Pium, Região Serra da Lua,
Município de Bonfim.
Fonte: Autoria propria,2011
114
Comunidade Indígena Alto Arraia – Terra Indígena Manuá-Pium, Região Serra da Lua,
Município de Bonfim/RR.
Fonte: Autoria propria,2011
115
Tuxaua
Corina
da
Silva
Gomes
e
do
ViceTuxaua Valqui Gomes de Oliveira. Durante pesquisa na Comunidade Indígena Alto Arraia –
Terra Indígena Manuá-Pium, Região Serra da Lua, Município de Bonfim/RR.
Fonte: Autoria propria, 2011.
116
ANEXO C – DADOS DA COMUNIDADE INDÍGENA ALTO-ARRAIA CONFORME
CARNEIRO 2007
117
118
ANEXO D – AUTORIZAÇÕES PARA INGRESSO EM TERRA INDÍGENA PARA
PESQUISA - AUTORIZAÇÃO DA FUNAI-RR ATRAVÉS DO COORDENADOR
REGIONAL; AUTORIZAÇÃO DA TUXAUA DA COMUNIDADE ALTO-ARRAIA
119
120
ANEXO E – RELATÓRIO DA XXIX ASSEMBLEIA REGIONAL DE LIDERANÇAS
INDÍGENAS DA REGIÃO DA SERRA DA LUA 2011 – POSTADO CONFORME
RECEBIDO, SEM AJUSTES OU ALTERAÇÕES.
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