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São Paulo, v. 9, n.1, jan-jun. 2014 CÂMBIOS ESTÉTICOS NO USO DE ANJOS NA PUBLICIDADE Tatiana Anchieschi Gomes Mazzei1 Resumo Desde o surgimento do que conhecemos hoje por publicidade e propaganda sempre foram utilizados artifícios para que se pudesse chamar a atenção dos 7 consumidores. Prova disso são os diferentes apelos usados pela área da comunicação como forma de buscar o aumento das vendas de inúmeros produtos e serviços, fossem eles destinados ao público final ou o chamado “trade”. Um destes apelos, que vem tornando-se cada vez mais usual, é justamente a utilização da figura destes seres ditos celestiais como forma de agregar adjetivos positivos às campanhas publicitárias. Este artigo visa abordar os câmbios estéticos pelos quais vem passando a figura angelical na propaganda desde o final do século XIX e início do século XX, bem como a maneira acredita-se profana com que vem sendo divulgada nos dias atuais. Palavras-chave Anjos; publicidade; estética; propaganda, sacro, profano. Não é de hoje que os anjos exercem fascínio sobre a humanidade e isso se deve a toda a religiosidade e mitologia que cercam tais seres alados. Dotados de asas, por vezes enormes, tem sua imagem ligada a representação das qualidades mais nobres almejadas pelos seres humanos. No passado, com o surgimento da propaganda, estas características notadamente positivas, passaram a ser utilizadas com os mais diferentes propósitos pela indústria dos bens de consumo e da publicidade, com o intuito de agregá-las à produtos e serviços. Em um breve retrospecto sobre tudo o que já foi anunciado com a presença destas figuras, é possível estar defronte de anúncios nem sempre eficazes ou de bom gosto. Encontra-se de tudo. De anúncios de produtos alimentícios, passando por perfumes e chegando até a venda de cigarros e bebidas ou de peças industriais com fins extremamente específicos. 1 É mestranda do programa de Pós Graduação em Ciências da Comunicação. da ECA/USP - Teoria da Comunicação na linha de pesquisa Linguagens e Estéticas da Comunicação. E-mail: [email protected]. 59 São Paulo, v. 9, n.1, jan-jun. 2014 Muitos são os adjetivos dados aos anjos e tal conotação depende também do modo como se apresentam. Quando representados pela figura de uma criança, busca-se atribuí-los inocência, pureza e virtude, quando belos e brilhantes, tornam-se mensageiros e podem ser até mesmo representados como guerreiros protetores em nome de Deus, basta que para isso brilhem, vistam armaduras ou os façam empunhar espadas. Antes de prosseguirmos na análise dos câmbios estéticos pelos quais estas figuras angelicais passaram com o decorrer dos séculos e com as inúmeras mudanças sociais e culturais pelas quais o mundo atravessou, faz-se necessário um breve mergulho e entendimento no universo destes seres. Muitas são as perguntas e provavelmente ainda que muito se pesquise, será impossível a obtenção de todas as respostas. O que são? Como surgiram? Como cada cultura os vê? O que de fato buscam representar? Enfim…Estes são só alguns dos inúmeros questionamentos possíveis e para tanto, o mais adequado é que se possa voltar no tempo para buscar algo mais sobre eles. Antes de abordar o assunto sobre a ótica bíblica ou religiosa, que ao que parece, é sempre a primeira a ser lembrada, podemos voltar ainda mais no tempo para o que possamos talvez considerar como as primeiras descrições dadas a eles. Os anjos estão presentes em diversas culturas e são considerados figuras importantíssimas em inúmeras tradições religiosas antigas. Seja no islamismo, espiritismo, budismo, hinduísmo ou para os chamados zoroastrianos, independente do nome dado a eles, todas estas crenças aceitam sua existência como fato, porém, não necessariamente suas características e funções sejam semelhantes à aquelas apontadas pela tradição judaico-cristã e o espiritismo, onde são considerados seres perfeitos que atuam como mensageiros dos planos superiores. 60 São Paulo, v. 9, n.1, jan-jun. 2014 No chamado Cristianismo Esotérico e também no estudo da Cabala, são atribuídos aos anjos graus de evolução, onde estes são inseridos em uma ordem imediatamente superior a do homem e imediatamente inferior ao dos arcanjos. Já no islamismo, estes seres por vezes são vistos como bons, outras vezes por maus, e outras tantas vezes possuem traços ambíguos. Nas filosofias e crenças orientais como o Hinduísmo e o Budismo são descritos como seres auto iluminados, dotados de poderes, que incluem muitas vezes a materialização e a capacidade de comer e beber. E por fim acabamos por esbarrar na Teosofia, onde a filosofia, a religião e a ciência juntas, contemplam a existência de infindáveis tipos de anjos, com distintos aspectos, atributos e funções, onde são consideradas neste Universo desde diminutas partículas atômicas até colossais dimensões planetárias responsáveis em dar continuidade aos processos naturais. No Gênesis, os anjos são descritos como seres divinos enviados à Terra como mensageiros de Deus. Em tese, como Deus não poderia interagir com os seres humanos (pois isto não seria digno de um Deus) ele os enviava em seu nome. Anjo em hebraico significa mensageiro e em grego angelus significa mediador. Disso, podemos concluir que ao existirem, fariam a intermediação entre os homens e os Deuses e ainda segundo algumas mitologias, seriam entidades sobrenaturais a serviço de alguma divindade (que não necessariamente precisasse ser boa). Investigando um pouco mais, nota-se que os mitos sobre estes seres acabam sendo semelhantes, dado que a tradição oral foi transmitida entre os povos, onde cada um destes, pegou para si, um pedaço da mitologia de outro e daí construíram a sua própria, de acordo com as adaptações inerentes às suas culturas. Com isso supõe-se que, quer seja nas tradições pagãs ou na mitologia cristã, os anjos são os mensageiros e protetores dos abençoados por um determinado Deus. Na Antiguidade já é possível encontrar algumas referências a eles. Ou seja, fica claro que não é apenas na Bíblia que menciona-se algo sobre estes seres. Em diversos desenhos, como por exemplo hieróglifos e pictografias, assim como em esculturas e adornos, notamos que já eram feitas alusões aos Deuses Egípcios, muitas vezes acompanhados por deusas ou animais com asas, o que nos faz crer que já nesta época retratavam estes seres como mensageiros de uma 61 São Paulo, v. 9, n.1, jan-jun. 2014 vontade celestial e já estavam presentes em diferentes culturas, como os Sumérios e Babilônicos por exemplo. Já na Grécia Antiga, apesar de angelus significar mediador, o sentido que empregamos atualmente aos anjos, para os gregos possuía a conotação de Daimon , termo que muito mais tarde, fora corrompido para “demônios” por autores canônicos. Eram considerados “espíritos da condição humana”, onde a personificação de várias emoções e estados de moralidade eram empregados constantemente ao politeísmo, a crença em vários deuses. Neste desfile do Olimpo, vários são os ditos “alados”, no entanto, entre os mais conhecidos podemos citar: Nike, Victoria para os romanos, conhecida deusa alada que personificava o triunfo tanto em batalhas quanto em competições pacíficas como as Olímpiadas, e que séculos mais tarde, serviria de inspiração para uma famosa empresa de calçados esportivos de mesmo nome. Hermes, também conhecido por Mercúrio, tido como mensageiro dos deuses. Seu trajar era composto por sandálias com asas, um chapéu alado e um caduceu dourado entrelaçado por 62 São Paulo, v. 9, n.1, jan-jun. 2014 cobras, considerado uma vara mágica (o que faria mais tarde que muitos o confundissem com Asclépio utilizado para simbolizar a Medicina). Era também considerado o deus do comércio e protetor dos comerciantes. Além disso era tido como divindade dos atletas, responsável por proteger os ginásios e estádios, atribuindo- lhe também o ganho de fortunas e riquezas. Ícaro, filho de Dédalo (famoso inventor grego). Seu pai foi o criador do labirinto de Creta, responsável por manter preso o temido Minotauro. Acabou aprisionado junto com ele em uma ilha intransponível, devido a seu pai ter ajudado Ariadne a ficar com Teseu e isto ter irritado ao rei. Para que pudessem tentar fugir da tal ilha, Dédalo criou asas de cera para que ele e Ícaro pudessem voar. No entanto, após ensinar ao filho o seu funcionamento, orientou- o que não se aproximasse muito do Sol a ponto de derretê-las ou queimá-las e nem tão pouco do mar para que não molhassem e ficassem por demais pesadas. No entanto, Ícaro provou da sensação de liberdade que as asas o permitiram e não resistiu voando em direção ao Sol, que acabou por derreter suas asas e fazendo com que caísse no mar Egeu. 63 São Paulo, v. 9, n.1, jan-jun. 2014 Morfeu, conhecido por Deus do sono e um dos muitos filhos de Hipno. Uma de suas diversas descrições é que assim como seu pai, também era dotado de grandes asas que permitiam a ele, uma agilidade na locomoção e que fazia com que pudesse chegar silenciosamente em qualquer lugar desejado. E ainda mencionando os deuses e semideuses alados da mitologia Greco-romana, não poderíamos deixar de citar, aquele que talvez seja o mais conhecido dentre todos os outros, um dos filhos de Vênus (Afrodite) e porque não dizer, o mais famoso: Eros, mais comumente chamado de Cupido. Este, na maioria das vezes, representado por uma criança alada, seminua, empunhando arco e flecha, simbolizando o amor. Cupido tem como função primordial, representar a força poderosa que permite a união dos casais e a perpetuação das raças. Não é a toa, que desde a origem da propaganda, é possível notar sua imagem estampada nos mais diferentes anúncios, principalmente àqueles que relacionam sua figura a datas comemorativas promocionais como o Dia dos Namorados ou produtos relacionados ao amor como alianças de casamento ou perfumes, por exemplo. Indo mais adiante, já com o surgimento do Cristianismo, temos como referência do que seria o primeiro registro dos anjos alados, o sarcófago de Julius Bassus, construído em 359 d.C. e que hoje encontra-se dentro da Basílica de São Pedro no Vaticano. 64 São Paulo, v. 9, n.1, jan-jun. 2014 A Bíblia, o livro sagrado dos cristãos, é com certeza um dos livros que mais falam sobre estes seres e que em diversos momentos são retratados não somente como protetores, mas também com poderes para intervir na vida das pessoas. Os principais protagonistas deste período são sem sombra de dúvidas: Rafael, conhecido como o anjo da cura, que segundo relatos do Antigo Testamento no Livro de Tobias, teria sido enviado ao Egito no período da Páscoa e teria curado seu pai devolvendolhe a visão. Gabriel, que possui duas citações no Evangelho Segundo Lucas, bem como diversas passagens na Bíblia. A ele atribuiu-se a previsão dos nascimento de João Batista e da vinda do novo messias, Jesus. Porém não foi sempre que os anjos tiveram funções divinas e benevolentes. Segundo o texto bíblico do Livro de Ezequiel e mais tarde os textos de Enoque encontrados nos final dos anos 40 próximo ao Mar Morto, reportam a revolta de Lúcifer (lucem ferre) cujo significado é "portador de luz". Seria ele um dos anjos mais amados e agraciados por Deus, no entanto, sua ambição sem fim (onde, aqui nota-se características não tão positivas) exigia que dessem a ele o mesmo tratamento dado a Deus. Isso acabou por gerar uma batalha, onde os anjos rebeldes liderados por Lúcifer, fossem expulsos, originando o que hoje conhecemos pela denominação de “anjos caídos”. O mais impressionante, é que posteriormente, com o surgimento da igreja, seus criadores, com exceção de Orígenes de Alexandria, não demonstravam muito interesse pela natureza dos anjos. Isto acabou ficando a cargo de Santo Agostinho a quem podemos atribuir talvez as bases do que chamamos de doutrinas angelológicas. Segundo ele, os anjos teriam natureza puramente espiritual e teriam como funções mais importantes a glorificação de Deus e a transmissão da vontade divina, além de terem semelhanças notáveis, sendo criados à imagem de Deus. Tempos depois, Gregório Magno, acabou por acrescentar noções sobre estes seres ao pensamento agostiniano. Foi o responsável por dividir os anjos por classificações celestes, uma forma de hierarquia que acabava por contemplar a cada um destes: tipos e funções distintas (serafins, querubins, tronos, dominações, virtudes, principados, arcanjos e anjos), consolidado 65 São Paulo, v. 9, n.1, jan-jun. 2014 mais tarde por Dioniso, o Areopagita em seu texto “Hierarquia Celeste” escrito no início do século IX d.C. Posteriormente já no período Gótico, onde o Teocentrismo teve grande influência na arte e onde Deus era visto pelos homens como centro do universo, isso acabou por orientar praticamente toda a produção artística, cujo foco era majoritariamente religioso. Tudo era representado por cenas bíblicas, anjos e santos, fosse na arquitetura, pintura ou esculturas. Nesta última, houve o prevalecimento do realismo, onde os artistas buscavam dar as suas obras um aspecto mais real e humano, ou seja, os anjos cada vez mais aproximando-se das características “mundanas”, inclusive revelando emoções como notadamente podemos v er no anjo da anunciação presente na Catedral de Reims que parece sorrir largamente. Os anjos também foram importantes coadjuvantes em muitas obras de artistas do Renascimento, basta que para isso observe-se sua presença em obras de gênios como Leonardo da Vinci, Michelangelo, Rafael Sanzio e Botticelli. Leonardo da Vinci ao pintar “A Anunciação”, justamente apresenta um anjo com função de mensageiro. Acredita-se que este quadro seja deveras importante em sua carreira ou até mesmo como realização pessoal, visto que mais tarde, ele o pintou uma segunda vez com a ajuda de seu colega Lorenzo de Credi. No quadro, “O Nascimento de Vênus” de Boticelli, a deusa Vênus surge das águas em uma concha, onde acaba sendo empurrada para a margem pelo chamados “Ventos D'oeste” e recebendo, de uma deusa uma manto bordado de flores. Basta que se repouse os olhos mais atentamente que nota-se que um anjo os acompanha durante a paisagem. Talvez no sentido de simbolizar o amor, visto que Vênus era sua principal representante. 66 São Paulo, v. 9, n.1, jan-jun. 2014 Outro pintor extremamente relevante é Michelangelo. Tamanha é sua importância, que foi convidado a ilustrar com afrescos a Capela Sistina. Duas entre todas as suas obras chamam mais a atenção quando falamos de anjos. Uma delas é justamente “A Criação de Adão”, onde Deus é representado como u m senhor de barba envolto por um manto (ou seria um cérebro?) que divide com alguns anjos. Outro trabalho de suma importância foi realizado na mesma Capela Sistina, onde a cena do “Juízo Final” representa perfeitamente a um momento em que a Contra-Reforma exercia a censura sobre qualquer outra visão diferente que se tivesse do Cristianismo. A obra busca demonstrar Cristo como um juiz, onde os bons são separados dos maus e os anjos são parte disso como que adjetivando virtudes. 67 São Paulo, v. 9, n.1, jan-jun. 2014 E por fim, os famosos querubins de Rafael de Sanzio que na verdade são integrantes de seu quadro “Madona Sistina”. Os bons observadores notam rapidamente sua presença na parte central inferior, onde os dois anjinhos assistem descontraidamente a cena. O mais interessante é que estes seres alados acabam por delegar certa realidade à tela, modificando a ideia de que para que algo seja sagrado tenha que necessariamente ser sério e sisudo. Os dois querubins são contemplativos à cena. Estariam atentos ou alheios a ela? Outra observação a ser feita é sobre suas asas. Não são brancas e sim escuras. Seriam anjos ou meninospássaros? Esses seres alados tornaram-se tão populares que acabaram sendo separados da obra original e atualmente são replicados e vendidos em diferentes produtos, que podem variar de camisetas a cadernos. Teriam eles talvez servido também de inspiração aos dois anjos que durante anos ilustraram os catálogos publicitários da marca italiana Fiorucci? 68 São Paulo, v. 9, n.1, jan-jun. 2014 E o Barroco brasileiro? Mestre Ataíde e Aleijadinho talharam seus estilos pessoais em suas obras ao retratar figuras sacras muitas vezes com expressividade acentuada, olhar penetrante e por apresentarem santos, anjos e madonas com traços mestiços. Talvez todos estes câmbios estéticos citados, não sejam até aqui tão incômodos como os que vêm se apresentando atualmente. É certo que a figura do anjo também se modernizou, tornou-se contemporânea e que busca talvez querer aproximar-se ao que de fato o comportamento dos seres humanos representa, permitindo talvez um espelhamento e porque não dizer uma reflexão. No entanto, o que se percebe ao empregá-los à peças publicitárias é justamente uma maneira por vezes provocativa como forma de testar o entendimento de quem os vê, para que se verifique aqui a importância de um vasto repertório intelectual e até mesmo a que ponto a religião e as crenças permeiam a vivência das pessoas. Foi justamente o que ocorreu com Oliviero Toscani, ao fotografar para a famosa empresa italiana Benetton, onde o slogan era “United Colors of Benetton” e onde duas crianças, uma branca e outra negra, abraçadas buscavam representar justamente tal expressão. No entanto, os cachos de uma e os cabelos presos da outra, geraram reações das mais inusitadas. Seria preconceito? Ou estariam de fato certos? E se fosse o contrário, cachos na menina negra e cabelos presos na branca, será que ainda assim as reações seriam as mesmas? 69 São Paulo, v. 9, n.1, jan-jun. 2014 O que podemos concluir é que ao contrário de muitos dos anúncios do passado, cuja intenção ao utilizar estas figuras era justamente passar a sensação de tranquilidade, proteção ou uma chancela de “divino”, os anúncios atuais e até mesmo alguns mais antigos (porém porque não dizer a frente da sua época) muitas vezes tem (apesar de serem extremamente criativos) deixado a desejar em relação ao porque de tão radical câmbio estético, que busca sim uma proximidade maior do comportamento humano, porém também por vezes acabam por agredir o imaginário até do mais desapegado leitor. Hoje é possível encontrar de tudo, desde anjos com característica realmente humanas, inseridos em anúncios como o da transportadora XPress, como que dizendo: “Deixe conosco! Sua mudança está em boas mãos!” (sentido de proteção e segurança), até anjos que lavam sua roupa como ninguém, como busca convencer o anúncio do sabão em pó Tide (sentido de cuidado e maciez). É possível também encontrar outras tantas alusões modernas a estes seres alados. Como já informado, muitas delas chegam a beirar o mal gosto. São anjos agredidos e de olho roxo, como forma de combate a agressão infantil, são anjos com picadas de insetos para anunciar um novo inseticida e até um anjo com os cabelos cortados a máquina, pasmem fazendo 70 São Paulo, v. 9, n.1, jan-jun. 2014 propaganda de um restaurante italiano, com o dizeres “Nossas massas são mais frescas que cabelo de anjo”. No entanto, não somente de mal gosto, são dotados os anúncios atuais. Alguns poucos, acabam por dizer muito, de maneira bem mais agradável, utilizando-se da sutileza, como é o caso do perfume Angel de Thierry Mugler, a campanha Got Milk? ou dos bronzeadores Hawaian Tropic, onde apenas através de imagens, dando a noção de proteção com asas completamente estilizadas. Nenhum destes citados até então, parecem chocar ou gerar reflexões maiores tanto quanto alguns outros que tem sido constantemente veiculados na mídia mundial. Fazem parte destes últimos, anúncios onde são determinados sexo aos anjos, além disso, ganham contornos mais sensuais onde belíssimas mulheres de asas, são utilizadas de canal para a divulgação desde lingeries (Victoria Secret’s), de bebidas como água (Evian), até a adoção de 71 São Paulo, v. 9, n.1, jan-jun. 2014 animais (Peta). O que acaba por nos fazer pensar: qual a necessidade da seminudez de uma mulher abraçada a um cão para a divulgação de adoção. Faria diferença se estivesse vestida ou com uma bata branca de asas e ainda assim representasse um anjo? Talvez não... E mais recentemente o que podemos chamar de apelos ainda mais sensualizados e próximos do comportamento humano, como é o caso dos anúncios de celulares da Virgin Mobile, onde estas figuras angelicais são inseridas em inúmeras situações ditas “profanas”. Onde um deles inclusive talvez venha a chocar a muitos pelo fato de que protagonizam umas das fotos, dois homens. Porém, anjo tem sexo? Fica aí a questão e também talvez o questionamento dos criativos destas peças. Vale a reflexão. Na ânsia por uma campanha de sucesso, muitas vezes acaba-se esbarrando na má compreensão e entendimento. Que é o caso por exemplo da campanha masculina para o desodorante Axe – “Even Angels will fall” ou “Até os anjos cairão” como veiculada no Brasil e que em função de seu apelo por assim dizer “não tão religioso” acabou por ser proibida em 72 São Paulo, v. 9, n.1, jan-jun. 2014 alguns países. Esta campanha não faz alusão aos anjos, mas sim a Lucifer como o anjo caído que foi rebelde e expulso do céu, justamente devido ao comportamento mais próximo das ambições humanas: luxúria, neste caso. Ou então acaba-se por realmente abolir qualquer santidade ou então espírito canônico da figura angelical, que é o que ocorre no anúncio abaixo divulgado pelo GAPA – Grupo de Apoio a Prevenção a Aids, que insere no contexto dois anjos em situação nada angelical, muito pelo contrário. 73 São Paulo, v. 9, n.1, jan-jun. 2014 Durante séculos a humanidade buscou na figura dos anjos, o que estes sempre simbolizaram: proteção, cuidado e conforto. Atualmente, acabaram tão mergulhados e inseridos no comportamento humano, que se tornaram o mais fiel reflexo “humano” do ser, inclusive no seu lado mais mundano e proibido. O mais interessante é que hoje, estes seres alados, estão muito mais próximos da arte contemporânea e porque não dizer ao barroco brasileiro, devido a sua expressividade acentuada e mais realista. Assim, foi possível entender um pouco mais como os anjos surgiram, como sua figura midiática foi transformando-se no decorrer dos séculos, firmando características bem específicas de acordo com o seu pertencimento no tempo. Referências FOX, Matthew. A física dos anjos: uma visão científica e filosófica dos seres celestiais. São Paulo: Aleph, 2008. PROPHET, Elizabeth Clare. Anjos caídos e as origens do mal: por que a Igreja ocultou o livro de Enoque e suas impressionantes revelações. 3a. Edição – Rio de Janeiro: Record Nova Era, 2004. ECO, Umberto. Arte e Beleza na Estética Medieval – Rio de Janeiro: Record, 2010. 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Endereços Eletrônicos http://austro.com/livros/arcanjos-e-arquetipos-entre-a-crenca-e-a-razao http://pt.wikipedia.org/wiki/Anjo http://solangeraiodeluz.blogspot.com.br/2009/05/origem-dos-anjos.html http://solascriptura-tt.org/Angelologia/AngelologiaDoutrinaAnjos-CursoLucio.htm http://escudeirodamorte.blogspot.com.br/2011/04/anjos-egipcios.html http://imensidao-oculta.blogspot.com.br/search/label/anjos http://ceticismo.wordpress.com/religiao/os-anjos-para-que-servem/ http://australianmuseum.net.au/Uploads/Images/8629/iE039786-01-Amulet_big.jpg http://www.mundodosfilosofos.com.br/mercurio.htm http://eventosmitologiagrega.blogspot.com.br/2010/12/morpheus.html http://pt.wikipedia.org/wiki/Anjos http://www.mundodosfilosofos.com.br/cupido.htm http://www.spectrumgothic.com.br/gothic/gotico_historico/filosofia_e_escultura.htm 74 São Paulo, v. 9, n.1, jan-jun. 2014 http://www.essaseoutras.com.br/resumo-sobre-arte-gotica-arquitetura-pinturas-vitrais-e-esculturas/ http://ciclo2009.files.wordpress.com/2009/11/fernanda-maria-trentini-carneiro_apariaies-de-anjos-na-artecontempore2809anea-n-o-eterno-retorno.pdf 75