Cap 31 Rousseau - Escola Superior de Educação de Santarém

Transcrição

Cap 31 Rousseau - Escola Superior de Educação de Santarém
Cap 31 ROUSSEAU (1712-1778)
Ramiro Marques
Jean-Jacques Rousseau nasceu em Genebra, onde foi educado
por uma tia, devido á morte da mãe, uns dias depois do seu
nascimento. Aos treze anos começa a trabalhar como aprendiz e aos
dezasseis torna-se secretário pessoal e amigo íntimo de Madame
Louise de Warens. Em 1742, vai viver para Paris e começa a
trabalhar como professor de Música e secretário pessoal. Aí, inicia
uma colaboração com a "Enciclopédia" de Diderot e D`Alembert. Em
1750, ganhou o prémio da Academia de Dijon, com a sua obra
"Discours sur les Sciences et les Arts". Em 1755, publicou o "Discours
sur l`Origine de l`Inegalité". Em 1761, publicou "Julie ou la Nouvelle
Éloise" e, um ano depois, "Le Contrat Sociale" e "Émile". Devido ás
suas ideias radicais, teve de se refugiar, durante alguns anos, na
Inglaterra, onde conheceu e conviveu com David Hume. Regressado
a França, dedicou os últimos anos a escrever uma autobiografia a que
deu o nome de "Confessions". Morreu, em 1778, em Ermenonville.
Jean-Jacques Rousseau deixou-nos um tratado educacional que
marcou a concepção naturalista e romântica da pedagogia: "Emílio".
Baseado sobre as suas experiências pessoais, Rousseau desenvolveu
uma concepção educacional que iria influenciar algumas escolas
pedagógicas dos séculos seguintes. "Para Rousseau, o processo
educativo não só faz parte integral da reforma social, mas é a
condição anterior e necessária para a reforma. O projecto educativo
proposto por Rousseau exige a instauração de uma ordem social
radicalmente nova, porém, esta nova ordem deve basear-se na
natureza. Na primeira frase de "Emílio", Rousseau afirma que tudo é
bom quando vem das mãos do Criador; tudo degenera nas mãos do
homem. É dentro desse princípio fundamental que Rousseau se opõe
radicalmente ao tradicional método de educar a criança. Este, além
de impor constrangimentos físicos ao infante, também procura
eliminar a afectividade, enquanto possível, para que a criança se
tornasse mais receptiva aos ditados da razão. A solução para este
problema torna-se tema constante em todos os escritos de Rousseau,
a saber, a reconstrução da sociedade em termos da ordem natural,
tema que se inspira, conforme o próprio Rousseau, na "República" de
Platão" (1).
É conhecida a teoria de Rousseau sobre a bondade natural do
homem e sobre as origens da desigualdade social. Rousseau
desenvolveu essa teoria na obra "Discours sur L`Origine
de
L`Inegalité", publicada em 1755. E, na obra "Du Contrat Social",
publicada em 1762, Rousseau procurou apresentar uma alternativa
aos regimes despóticos assentes no domínio senhorial e nas
desigualdades de nascimento. Nessas obras, Rousseau considera que
o homem deforma a sua própria natureza devido às más instituições
criadas por ele próprio. São as instituições e, em particular, a
educação e a cultura que corrompem os homens. O regresso à
bondade natural do homem implicaria uma recusa dessas instituições
sociais corruptoras e um abraçar, de novo, a vida simples norteada
pela ordem natural.
Para mostrar que é possível o regresso à ordem natural,
Rousseau descreveu a história da educação de uma criança, de nome
Emílio, e de uma menina, chamada Sofia. Dos cinco livros do tratado
"Emílio", os quatro primeiros tratam da educação do menino, e o
último, da pequena Sofia. O livro primeiro trata da primeira infância,
o livro segundo da educação da criança, o terceiro refere-se à
puberdade e o quarto à adolescência. "Na primeira fase da infância,
que deve passar-se sob a supervisão da mãe, com o pai só
acompanhando de longe, deve deixar-se a criança livre, na medida do
possível, só orientada pelas forças fundamentais do prazer e da dor.
Para evitar toda a artificialidade, o ambiente não deve fugir do
normal. A criança deve acumular a experiência sensorial mediante
encontros directos, enquanto os pais e outros adultos permanecem
discretamente afastados. Este processo segue a evolução natural das
capacidades da criança, pois desde o nascimento, momento em que a
criança é desprovida de todo o conhecimento, está dotada da
capacidade para explorar o ambiente. De acordo com Bacon e Locke,
Rousseau segue a teoria da evolução hierárquica das faculdades
mentais. Em resumo, no início da vida, a criança só se interessa por
aquilo que estimula os sentidos, e uma vez que estes últimos são a
matéria-prima do conhecimento, segue-se a ordem natural quando se
permite que a memória forneça essas experiências e compreensão"
(2).
Deixar a criança experimentar, errar e tentar de novo, sem
imposições autoritárias do adulto é aquilo que Rousseau designa de
educação negativa. Este conceito implica que o professor se
resguarde ensinar directamente à criança quaisquer matérias
académicas, numa recusa total do ensino livresco e da memorização.
A aprendizagem da leitura e da escrita deve ocorrer de forma natural,
quando a criança sentir curiosidade e prontidão.
Quando a razão começa a surgir, no início da adolescência, as
pessoas, e não apenas a natureza e as coisas, têm um papel
extremamente importante no processo educativo. É apenas nessa
altura que os livros podem ser verdadeiramente apreciados. "Na
época da adolescência, o intelecto começa a voar, na medida em que
a sensação e a memória começam a alimentar as faculdades da razão
e do juízo. Daqui em diante, Emílio pode ler, pois já dispõe de um
acervo de experiências pessoais. Rousseau insiste também na
capacitação profissional, o que inclui os exercícios físicos, uma dieta e
um horário regulamentar" (3).
Em plena adolescência, Emílio torna-se menos egocêntrico e
não se limita apenas a aprender com as pessoas que lhe estão
próximas, mas também com os povos vizinhos, estando capacitado
para viajar. Aos dezoito anos de idade, o jovem entra na primeira
fase de adulto, estando preparado para aprender moral, filosofia e
política. O desenvolvimento cívico de Emílio vai fazer-se graças às
suas experiências sociais, aos livros que vai lendo e aos
conhecimentos que vai acumulando com a aprendizagem da História,
da Geografia e da Filosofia. Uma boa formação superior exige,
também, de Emílio o estudo do Francês e do Latim e das Literaturas
Latina e Grega.
Embora, em muitos aspectos, Rousseau não faça grandes
distinções entre a educação de Emílio e de Sofia, há um aspecto que
as distingue: aconselha Sofia a ser educada num colégio de freiras
para poder manter a inocência durante mais tempo. Prisioneiro do
seu tempo, Rousseau continuava a considerar que Sofia estava
destinada ao casamento e à maternidade, não lhe sendo necessária
uma preparação profissional, já que não era essa a vocação das
mulheres.
A concepção educacional de Rousseau teve um enorme
impacto, na Europa do século XVIII, abrindo caminho para a reforma
das instituições educativas, no sentido de centrar o acto pedagógico
no aluno e de aproximar mais a escola à natureza e à vida. O
movimento da escola nova, surgido no princípio do século XX, deve
muito da sua inspiração ao "Emílio" de Rousseau. Contudo, ao longo
do século XVII, o "Emílio" foi alvo de muitas e violentas críticas,
sobretudo por parte dos pedagogos jesuítas que viam na crítica ao
ensino livresco uma recusa infundada e pueril da cultura clássica e da
cultura cristã. O jesuíta francês Giacinto Gerdil publicou, em 1765,
uma refutação das ideias educacionais de Rousseau, num tratado
intitulado "Reflexões sobre a Educação, Relativas tanto à Teoria como
à Prática, em que alguns dos Princípios que o Senhor Rousseau Tenta
Estabelecer no seu Emílio são Examinados e Refutados".
Pese embora a crítica violenta dos pedagogos jesuítas, a vitória
do Iluminismo e das Revoluções Liberais, nos séculos XVIII e XIX,
trouxeram uma grande popularidade a Rousseau. Na Prússia, Johann
Basedow tentou introduzir as concepções de Rousseau nas escolas
elementares, tendo publicado um livro que se tornou famoso,
intitulado "Livro Metódico para Pais e Mães de Famílias e Nações". A
czarina Catarina II da Rússia leu, com entusiasmo, o "Emílio" e
estabeleceu duas escolas inspiradas em Rousseau, os Institutos de
Smolny e de Novodevitch.
Notas
1) Giles, Th. (1987). História da Educação. São Paulo: EPU, p. 177
2) Idem, p. 177-78
3) Ibid., p. 179

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