escritaria alargado ao espaço lusófono

Transcrição

escritaria alargado ao espaço lusófono
suplemento
Dedicado a
Mário Cláudio,
autor de
TIAGO VEIGA,
uma biografia
Directora: Nassalete Miranda | 12 Outubro de 2011 | Nº60 | Preço: 2 euros | quinzenalmente às quartas
ISSN: 1647-290X
DR
O Zé Povinho,
totem nacional português
ENSAIO
//
// PÁGs.6 a 8
Escritaria
alargado
ao espaço
lusófono
EM NOTÍCIA // Festival literário, a 15 e 16 de Outubro,
destaca obra e vida de Mia Couto. Penafiel oferece
teatro, arte de rua, dança, cinema e colóquios, sempre
com a obra literária do escritor moçambicano como
tema de fundo. // PÁG.27
DR
entrevista // PÁGS.4 e 5
A investigação
da documentação
foraleira,
por Olinda Santana
lusofonia // PÁG.9
Viver numa
escola em
Moçambique
//
Isabel Bruma
lusofonia // PÁG.10 e 11
Falando
português
na Rússia
//
Adelto Gonçalves
12 outubro 2011
as artes entre as letras
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Nassalete Miranda
directora
Entre Sentidos
Quando lançámos este jornal em Maio de 2009, a Teresa Rosmaninho disse-me: “Tens de ir rapidamente para
Lisboa, lá, quer queiramos quer não, é que tudo se decide
e quem não anda pelos corredores… das ruas da capital
não tem visibilidade, logo, não existe”.
Discordei, mas apenas em parte, e apenas porque, de
quando em vez, é bom que a razão se sobreponha ao
coração!
A Teresa morreu a lutar pelo que acreditava – a defesa
dos direitos das mulheres, sobretudo das vítimas de violência doméstica.
Nasceu no Porto, foi para Lisboa, ou, como ela dizia
“fui a Lisboa” e regressou ao Porto, cidade onde criou o
primeiro gabinete da Associação Portuguesa de Apoio à
Vítima, e não mais parou.
Teresa, hoje quero dizer-te que valeu a pena o teu trabalho de alerta, de denúncia, de apoio. A tua morte não foi
manchete dos jornais, (como a minha também não será,
e disso falámos em 2009…). Os jornais dedicaram-te
200 caracteres de notícia, e os audiovisuais estavam demasiado ocupados com futebóis e outras coisas “móis”.
Mas não foi esse o protagonismo que te interessava, se
assim fosse serias mais uma passageira da CP semanalmente entre Lisboa e Porto, ou terias por lá gasto “as pedras da calçada fadista”.
Teresa, agradeço hoje e mais uma vez publicamente todo
o teu esforço e empenho como defensora dos direitos das
mulheres. Não foi em vão. Não tiveste oportunidade de
ver a manifestação de mulheres indignadas frente ao Tribunal de Évora. Não aceitaram em silêncio a decisão de
colocar em liberdade mais um agressor confesso desse
crime público que é a violência doméstica.
O teu trabalho deixa sementes que vão continuar a florir, porque enquanto “a violência é o refúgio das mentes
pequenas”, a” união do rebanho obriga o leão a deitar-se
com fome”.
Teresa, hoje chegamos ao n.º 60 do nosso jornal e não
poderia deixar de te dizer obrigada pelas tuas palavras
de incentivo e de coragem.
Guardo religiosamente o teu último email. Tem a data
de poucos dias antes de entrares no hospital. Deram-te
poucas horas de vida. Resististe meses!
Hoje tenho uma notícia para ti: publicamos uma grande
entrevista a Mário Cláudio em suplemento, que só foi
possível com o apoio de outro grande amigo comum a
quem tu também sempre admiraste. O “nosso” Miguel.
E é assim, vivendo “na amizade” que vamos caminhando “pelo sonho” até nos encontrarmos todos, de novo, na
nossa cidade de sempre.
Para ambos, um beijo, para todos boas leituras em artes
feitas!
DR
Entre nós
Encontro intercultural
e solidário
O encontro anual que a Associação África Solidariedade promove para angariar fundos destinados às
bolsas para ajudar estudantes africanos em Portugal ou nos PALOP realiza-se no dia 22 de Outubro,
na Fundação Eng.º António de Almeida. A «Matinée Recreativa e Encontro Intercultural», que terá
início às 14 horas, será preenchida por uma variedade de actividades que pretende envolver vários
aspectos de alguns dos países em que a associação
desenvolve programas de solidariedade. Da música
à dança, haverá ainda lugar a um desfile de trajes
tradicionais e termina com um lanche.
A associação, que é uma Organização Não Governamental para o Desenvolvimento e cujos elementos
dos Corpos Sociais são todos voluntários, tem, para
CONSELHO EDITORIAL
Arnaldo Saraiva | Agustina Bessa-Luís | António Vitorino
d’Almeida | António Joaquim Oliveira | Carlos Fiolhais
| Francisco Laranjo | Francisco Ribeiro da Silva | Helder
Pacheco | José Atalaya | José Rodrigues | Lemos de Sousa
| Lídia Jorge | Luisa Dacosta | Manoel de Oliveira
| Mário Cláudio | Miguel Veiga | Óscar Lopes | Salvato Trigo
| Urbano Tavares Rodrigues
além das bolsas de estudo, vários projectos na África Lusófona, nomeadamente na área de construção, de que é exemplo o projecto em Moçambique
«Recuperação do Hospital Rural do Songo», em
Cahora Bassa.
Concretamente em relação ao projecto de atribuição de bolsas, a presidente, Maria Manuela Lopes
Cardoso, garantiu ao jornal As Artes entre As Letras
que acredita que “os nossos bolseiros vão contribuir,
de forma efectiva, para as boas políticas dos respectivos países”. A associação vive da solidariedade de
todos: NIB 0033.00000000.877937405.
NOTA
O jornal As Artes entre As Letras, que ainda não
adoptou o novo Acordo Ortográfico, publica textos
de colaboradores que o aplicam, respeitando, assim,
o original.
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Jorge Santana Oliveira | Contactos: Praceta Eng.º Adelino Amaro da Costa,
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a vida dos livros
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as artes entre as letras
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Guilherme d’Oliveira Martins
Educação = exigência
e qualidade
«Liberdade e Política Pública de Educação – Ensaio sobre um novo compromisso social pela Educação» de
Joaquim Azevedo (Fundação Manuel Leão, 2011) é um conjunto de reflexões sobre a educação e a aprendizagem
de alguém que conhece bem esse mundo e que nos propõe, com seriedade, pistas de ação, para além dos
lugares comuns e das simplificações que tantas vezes são ouvidas quando se trata destes temas.
DIGNIDADE E AUTORIA. - Começo por referir um
amigo comum, que nos deixou não há muito e que
Joaquim Azevedo cita no início deste seu livro – falo
de Joaquim Pinto Machado. Disse ele, um dia, «a
dignidade do ser humano é ser autor». Esta referência é fundamental e está ligada à ideia de «autoridade moral». Ao longo da vida, ouvi sempre Joaquim
Pinto Machado a falar dos valores éticos enraizados
na vida, ligados ao facto de a pessoa humana ter de
ser colocada no centro da história e da sociedade.
E quando falamos de educação é essa centralidade
que tem de ser afirmada. Tenho encontrado, porém,
uma grande dificuldade em debater seriamente os
temas da educação, há demasiados preconceitos e
grandes resistências a pôr na mesa o que realmente
está em causa. Há muitas pessoas convencidas de
que têm soluções, mas assentam em pressupostos
tantas vezes errados que prejudicam seriamente a
apresentação de pistas viáveis no sentido de melhorar a educação e a aprendizagem e de as tornar um
fator de exigência e de qualidade. Este livro de Joaquim Azevedo é um contributo sereno para o debate.
(p.55). E o certo é que «o sistema escolar continua
muito ineficaz e ineficiente, sobretudo nas transições entre ciclos de estudo e no ensino secundário»
(id.). Impõe-se, assim, inscrever a educação no espaço público. Se o «santuário ruiu» (porque o saber
deixou de ser administrado isoladamente do mundo, acessível a poucos, passando a apontar-se para
uma escola de qualidade para todos) é fundamental
empenharmo-nos em superar os bloqueamentos
perante os quais estamos: a educação não é um
problema técnico, mas político e de cidadania; exige
o apoio às famílias; a diferenciação das aprendizagens; a mobilização dos professores para as tarefas
que lhes cabem; o estabelecimento de um clima de
confiança com as escolas, de modo a favorecer a autonomia; o primado da responsabilização; a superação da dicotomia Estado / mercado; e a recusa do
populismo, do cinismo e da demagogia. Em vez da
desconfiança e da irresponsabilidade, do que se trata
é de pôr a autonomia como ideia e prática no centro
do funcionamento das escolas.
LEMBRAR CELESTIANO… - O velho Celestiano, de
UM CAMINHO DE PROGRESSOS. - Ao falarmos de
Educação temos de começar por dizer que vivemos
em Portugal nos últimos quarenta anos um caminho
longo de progressos, mas também de perplexidades.
Em 1974, havia vinte cinco por cento de analfabetos, que era a taxa mais elevada da Europa. Apesar
dos esforços efetivos, sobretudo depois do final dos
anos sessenta, a democratização ocorreu como consequência direta da nova ordem constitucional iniciada em 1974, consolidada a partir de 1976 e 1982,
e que deu lugar à Lei de Bases do Sistema Educativo
de 1986. No entanto, houve desde o início hesitações
e erros com consequências irreversíveis, em especial
a prevalência de uma via única no ensino secundário, ao invés da diversidade prevista na reforma não
concretizada de Veiga Simão. E importa reconhecer
que desde muito cedo o autor deste livro teve a exata
compreensão do papel crucial que o ensino secundário desempenha – como resultou da sua ação no
âmbito das escolas profissionais. De facto, como
nos diz Joaquim Azevedo: «não podemos oferecer
o mesmo tipo de formação a todos, pensando que
estamos a oferecer o melhor percurso a cada um»
Mia Couto, acusa a facilidade quando diz «onde é
sempre meio-dia, tudo é noturno». De facto, a facilidade na escola, a festa e a tentação de deixar tudo
pela rama, tem consequências dramáticas. O que
distingue o progresso do atraso é a capacidade de
aprender. Não basta investir em Educação, importa
traduzir as apostas em qualidade, exigência, avaliação e prestação de contas (no sentido da responsabilidade cidadã). E quando se discute se o objetivo da
educação é a preparação para o mercado de trabalho
– temos de contrapor que formamos pessoas, que
queremos criar cidadãos livres e responsáveis – os
bons profissionais virão por acréscimo. Daí que a
autonomia seja pedagogicamente ativa – exerce-se
em nome da cidadania responsável, por contraponto à irresponsabilidade. Mas exercer a autonomia,
tornando a escola central e não periférica, obriga ao
gradualismo, ao aperfeiçoamento permanente, e ao
exercício das tarefas cometidas a cada um. O triângulo escola / família / comunidade tem de ser levado
a sério. Os pais devem participar na escola, mas não
confundir o seu papel com o dos professores. Infelizmente, ou chegam tarde demais ou invadem terri-
tórios dos profissionais. O equilíbrio é fundamental
– nem tarde demais nem para além do desejável.
O SERVIÇO PÚBLICO DE EDUCAÇÃO. - Como defendi com Eduardo Marçal Grilo, o serviço público
de educação não pode resumir-se à iniciativa estatal.
Estamos perante a necessária complementaridade
de iniciativas, uma rede de escolas com estatutos diferentes, exercendo cada vez mais a sua autonomia,
com um objetivo comum. E a verdade é que as escolas
devem ser mais autónomas e ativas, como lugares de
trabalho, de liberdade e de democracia. Eis por que
razão concordo com Joaquim Azevedo sobre a necessidade de uma visão antimonopolística, policêntrica,
com uma autêntica regulação responsabilizadora nas
escolas. Assim, a interação entre a pessoa e a comunidade, a vivência da laicidade (por contraponto ao
laicismo), a sociedade providência e a solidariedade
voluntária (ou a importância crescente da responsabilidade social) tornam a rede escolar como ponto de
encontro de diversas iniciativas, que tem de valorizar
a aprendizagem. A ideia de compromisso surge, assim, com naturalidade: a partir do empenhamento
pessoal e cívico, do exercício da autonomia, do acordo
e da cooperação em nome do bem comum e de uma
auto-avaliação praticada por escolas que aprendem.
«Escolham o que escolherem fazer com a vossa vida,
garanto-vos que não será possível a não ser que estudem» (Obama). Trabalho, disciplina, profissionalismo – eis o que tem de estar presente quando falamos
de educação de qualidade para todos. No fundo, «a
educação é essa “arte” de promover o desenvolvimento humano de cada pessoa, que só se des-envolve
verdadeiramente na medida em que é acolhida pelo
outro, que lhe dá em si um lugar; o outro des-ocultame solidariamente, convocando toda a comunidade
indizível que me habita» (p.124). Jorge de Sena diria:
«uma pequena luz bruxuleante / brilhando incerta
mas brilhando».
NOTA:
Texto publicado ao abrigo da parceria
estabelecida entre AS ARTES ENTRE AS
LETRAS e o Centro Nacional de Cultura
entrevista
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Olinda Santana tem prontas para publicação novas obras sobre forais
“Um património documental sin
em Portugal”
Com cerca de 30 livros e 50 artigos científicos publicados, Olinda Santana
é uma das maiores especialistas na área da investigação da documentação
foraleira. Professora na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD),
fala de uma Região com pouco poder de decisão, mas inatingível a nível
patrimonial e cultural. Além do trabalho de investigação, dinamizou o Ciclo
Cultural da UTAD e integra a Associação Internacional de Artistas. «Página de
Rosto dos Forais Novos de Trás-os-Montes» é o seu último livro, mas novas
obras estão já prontas para publicação.
Paulo Francisco Carvalho
Tem muitos trabalhos publicados sobre documentos históricos, principalmente forais. Como é que
começou este interesse?
Sim, tenho cerca de 30 livros e capítulos de livros publicados, bem como cerca de 50 artigos científicos em actas de
congressos e revistas científicas. Na verdade, uma grande
parte da minha investigação tem versado sobre a documentação medieval e moderna outorgada pela coroa portuguesa às localidades transmontanas e alto durienses e
uma outra parte sobre o arquivo pessoal de António Maria
Mourinho, o obreiro da oficialização da língua mirandesa.
No início da minha carreira académica, na Universidade
de Trás-os-Montes e Alto Douro, comecei por estudar, no
âmbito das Provas de Aptidão Pedagógica e Capacidade
Científica, os forais de Vila Real, outorgados por D. Afonso
III, D. Dinis e D. Manuel à actual cidade de Vila Real. Na
tese de doutoramento europeu, realizada na UTAD e na
Universidade de Toulouse-Le-Mirail, em França, ampliei
o objecto de estudo. Editei o «Liuro de Foraes Nouos da
Comarqua de Trallos», composto por 56 forais novos e
realizei um estudo histórico, estatístico-lexical do mesmo
«Liuro», um livro de registos foraleiros exarado na chancelaria manuelina. Depois disso, investiguei e publiquei as
Inquirições Manuelinas de Trás-os-Montes, documentação avulsa e inédita. Editei e estudei toda a documentação
foraleira dionisina outorgada pelo Rei-Poeta aos lugares
de Trás-os-Montes (102 documentos). Editei e estudei
igualmente o Tombo Filipino da vila e termo de Vila Pouca de Aguiar, entre muitos outros trabalhos.
documentação foraleira, pretendeu fazer passar ao grande público a imagem de rei poderoso e opulento. Os forais novos, códices iluminados em pergaminho, livros de
aparato, sumptuosos, funcionaram como uma forma de
propaganda, uma vez que o monarca não se deslocava ao
interior, aos lugares de fronteira, como os reis medievais.
Este soberano quase não saía da sua faustosa corte, mas
esse facto não o impediu de divulgar e cultivar uma imagem de um rei poderoso junto dos seus súbditos, no limiar
da modernidade. Esta mensagem está gravada nas páginas de rosto dos forais novos ou manuelinos.
Que importância atribui ao estudo dos forais e
como se caracteriza a Região de Trás-os-Montes
nesta matéria?
Os forais antigos ou medievais foram as cédulas de nascimento dos concelhos na Idade Média, a maior parte
dos forais antigos foram outorgados até ao reinado de D.
Dinis, decorrentes da necessidade de repovoar e colonizar
o reino após a reconquista. Com o decorrer dos tempos,
foram perdendo a sua primitiva força jurídica e política,
uma vez que os representantes concelhios passaram a
pronunciar-se nas cortes e os monarcas começaram a
A investigação nesta área/região já está concluída, ou ainda há muito por fazer?
Fale-me um pouco sobre o seu último livro publicado, «Páginas de Rosto dos Forais Novos de Trásos-Montes?
O livro «Página de Rosto dos Forais Novos de Trás-osMontes» divulga a beleza e a originalidade da iluminura
das páginas de rosto dos forais novos mandados exarar
por D. Manuel I para as localidades de Trás-os-Montes,
no decurso da reforma manuelina dos forais (1496 1520). A iluminura das referidas cartas de foral, embora
apresente um tratamento rudimentar, constitui uma novidade artística no contexto europeu do final da Idade Média e dealbar da Época Moderna, em virtude da iluminura
ilustrar textos administrativo-jurídicos (forais novos), em
vez de livro religioso, como acontecia com a iluminura
francesa ou flamenga. D. Manuel, através da feitura da
legislar revogando o conteúdo dos forais medievos. Foi
necessário fazer uma reforma dos forais antigos, porque
estes se encontravam desactualizados na linguagem (latim ou português arcaico), nas medidas, nos pesos, na
moeda. Coube a D. Manuel I essa grande tarefa. No decurso do seu reinado, foram reformados 537 forais para
todo o reino. Trás-os-Montes, como qualquer outra região
do país, possui os seus forais antigos e novos custodiados
nos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, assim como
em vários arquivos, bibliotecas e museus regionais.
Página de rosto do foral manuelino de Outeiro de Miranda
A investigação na área da documentação foraleira manuelina ainda está longe de estar concluída. Encetei a
investigação pela edição e estudo histórico-cultural e linguístico da documentação manuelina de Trás-os-Montes
e Alto Douro. Neste momento, estou a desenvolver um
projecto de investigação intitulado «Fontes de uma herança histórico-cultural portuguesa: os registos foraleiros
manuelinos» com um pequeno grupo de doutorandas.
Propus-me fazer uma dupla edição (conservadora e modernizada) dos cinco livros de registos foraleiros manuelinos de todo o reino, custodiados no IAN/TT [Instituto
dos Arquivos Nacionais Torre do Tombo], bem como um
estudo histórico-cultural e um glossário de cada livro. Trata-se, na verdade de um património documental singular
em Portugal e inexistente no panorama europeu. Estão
prontos a ser publicados, em edição paleográfica, o «Li-
entrevista
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ngular
dr
A UTAD promove um conjunto significativo de
actividades culturais (exposições, conferências,
teatro, concertos…). É um papel fundamental na
região…
Sim. A UTAD é, há várias décadas, um pólo científico e
cultural importantíssimo na região. Relativamente às actividades culturais mais recentes, criei em 2008 com um
grupo de estudantes um projecto intitulado Ciclo Cultural da UTAD com o objectivo de dinamizar e enriquecer
ainda mais as actividades culturais desenvolvidas na universidade. Como sou docente no Departamento de Letras,
Artes e Comunicação, considerei que era minha obrigação
incentivar e divulgar as letras, as humanidades, as artes e
todo o tipo de trabalho científico e artístico, convidando,
no interior da academia, os estudantes, os docentes, os
funcionários, a divulgarem as suas capacidades artísticas,
não esquecendo, contudo, o exterior, a comunidade em
geral, chamando igualmente personalidades exteriores à
universidade a mostrarem os seus trabalhos. Dispomos
de um espaço-galeria para as exposições e temos um blogue (http://www.cicloculturalutad.blogspot.com/) onde
damos conta de todas as nossas actividades. Creio que o
Ciclo Cultural da UTAD começa a cativar públicos dentro
e fora da universidade. São cada vez mais as pessoas que
me contactam para expor e divulgar os seus trabalhos na
UTAD.
Foi convidada a integrar recentemente a Associação Internacional de Artistas. O que representa e
que trabalho pode desenvolver neste âmbito?
Olinda Santana
Fui convidada a integrar a Associação Internacional de
Artistas (AIA) [«International Association of Artists]» na
qualidade de autora, pelo presidente da AIA, José Duarte Pinto dos Santos, pelas obras já publicadas. Sinto-me
uma privilegiada por pertencer a uma associação internacional constituída por pintores, escultores, desenhadores,
ceramistas, fotógrafos, escritores, músicos e artesãos de
todo o mundo. A AIA permite-nos, enquanto membros,
promover intercâmbios e diálogos com artistas nacionais
e internacionais, bem como a divulgação da nossa obra
dentro e fora do país. Esta oportunidade é aliciante e enriquecedora para todos os autores. Enquanto coordenadora
do Ciclo Cultural da UTAD e presidenta da Delegação da
Associação Internacional de Artistas em Vila Real pretendo aliar as actividades do Ciclo Cultural da UTAD às
actividades artísticas da AIA e captar sinergias na região
transmontano-duriense para futuros eventos culturais e
artísticos da Associação.
vro de Forais Novos do Entre Douro e Minho» e o «Livro
dos Forais Novos da Estremadura». Está a ser ultimada a
edição do «Livro dos Forais Novos da Beira». Estou a finalizar também o «Vocabulário do Livro dos Forais Novos
e das Inquirições Manuelinas de Trás-os-Montes». Mas
falta concretizar o mesmo tipo de estudo vocabular para
as restantes quatro comarcas do reino no período manuelino (Entre Douro e Minho, Beira, Estremadura e Entre
Tejo e Odiana).
Há apoios para estes trabalhos de investigação?
Sim, a Fundação para a Ciência e Tecnologia tem financiado os centros de investigação das universidades. Como
sou membro do Centro de Estudos em Letras da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro é esse Centro que
publica os meus trabalhos desenvolvidos no âmbito do
projecto acima enunciado.
Que importância atribui à investigação no ensino?
Desenvolve a sua actividade na Universidade de
Considera-a fundamental para a qualidade?
Trás-os-Montes e Alto Douro. Sente o peso da inte-
Como já disse noutras entrevistas, sem investigação não
há ensino de qualidade. Não podemos ensinar de uma
forma cativante os assuntos que não dominamos bem. Se
estivermos a produzir investigação e a podermos transmitir e debater com os nossos discentes dos vários níveis de
ensino, a investigação tornar-se-á mais consistente e fundamentada, e a aprendizagem será muito mais enriquecedora e diversificada. Logo, considero que a investigação é
a base sustentadora de um ensino de qualidade, no fundo,
investigação e ensino são as duas faces de uma moeda.
rioridade, ou neste caso é até uma vantagem dada
a riqueza histórica da região?
Sim, sinto o peso da interioridade, porque cada vez mais a
litoralização está à frente do interior, neste pequeno país.
O interior tem poucos votantes, porque está desertificado, por isso também tem muito pouco poder de decisão.
Contudo, a região de Trás-os-Montes e Alto Douro a nível
patrimonial e cultural é inatingível. Tenho a sorte de trabalhar no campus universitário mais bonito da Península
Página de rosto do foral manuelino de Frechas
Ibérica, o campus da UTAD. Vivo num espaço que pertence a um património único no mundo «O Alto Douro
Vinhateiro», coordeno um projecto de investigação num
local singular, com uma língua e uma cultura ímpares:
Miranda do Douro. Os pontos positivos compensam largamente os negativos.
ensaio
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João Medina
O Zé Povinho,
totem nacional português
S
urgiu o Zé Povinho graças ao lápis de Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905), na Lanterna Mágica de 12-VI-1875, sobrevivendo
desde essa data até aos nossos dias, o que prova,
através da sua coriácea resistência simbólica de
mais de cento e trinta anos, que não se limita a
uma criação literária, ou meramente satírica da
Geração de 70, antes carrega consigo a simbologia
da personalidade base dos Portugueses, como estereótipo nacional que foi e continua sendo. O Zé
Povinho merece, assim, ser estudado como uma
das mais complexas e ricas criações culturais lusas, como uma invenção genial do satírico artista
do António Maria, dos Pontos nos ii e da Paródia, como uma sinopse da própria mentalidade
do povo que o engendrou e nele, através dum (duplo) diminutivo tão revelador – José (Zé) e Povo
(Povinho) –, se tornou nosso símbolo totémico
retomado por inúmeros cartoonistas ao longo da
monarquia constitucional, da I República, e, após
a longa vigência da Censura ditatorial, ressurrecto em seguida ao 25 de Abril, ainda que nos custe
aceitar como nosso retrato verídico essa imagem
deprimente e incomodamente labrega que nos espreita do fundo do nosso espelho colectivo, aquele
rosto bronco de pascácio rural, de campónio mal
vestido, barba rala, colete e chapéu preto de rústico, calças de fazenda ruim, mãos nos bolsos, riso
alvar, espécie de resignado Sancho Pança sem um
cavaleiro da Triste Figura que o quixotize e lhe comunique um Ideal superior.
Esta criação de um mito nacional é algo que valerá para sempre a Rafael Bordalo Pinheiro o nosso
respeito pelo grande artista que a imaginou com o
seu lápis crítico e realista. Este protótipo nacional,
criado desde 1875 por um artista satírico, membro
da geração setentista e, nessa medida, praticante
(e militante) dum certo realismo – por oposição
a um outro paradigma, mítico esse, de recorte inteiramente distinto, o Camões do Tricentenário,
proposto pelo sector republicanizante e positivista
dos mesmos setentistas –, perpetuar-se-ia muito
para além do ambicioso programa palingenésico
de 1880 e da panteonização do Bardo da Nação,
resistindo a mudanças de regimes e de estatuto
social, e, mesmo eclipsado como cartoon numa
imprensa vigiada pelo ríspido e paranóide Lápis
Azul salazarista durante quase meio século, sobrevivendo a esse longo jejum funcional, refugiado no
teatro de revista, na cerâmica popular e até na lin-
guagem corrente (em expressões como “Zé pagante” e “gesto do Zé”), onde o estereótipo nacional
ia cumprindo como podia o seu mester de totem
caseiro e de novo Parvo vicentino, xabregas mas
manhoso, espécie de Soldado Chveick lusitano ou
de Bertoldinho luso, falsamente idiota para melhor escapar aos arbítrios do poder e às bordoadas
da polícia, herói da resistência passiva (disse José
Leite de Vasconcelos), aquela que um povo sofrido, melancólico e iletrado sabia praticar.
O Zé Povinho é, assim, um ser imaginário que
tem, para além da sua especial função satírica ou
lúdica, um intuito bem conseguido e eficaz de personificar tradicionalmente o Português, ou seja, de
o representar através de um estereótipo nacional,
como um símbolo icónico evidente, facilmente reconhecível pelos leitores dos jornais, e, ao mesmo
tempo emblema globalizante, unificador de distintas mentalidades básicas próprias de estratos
sociais diversificados. O Zé, figura já mais do que
secular, tem mostrado uma persistência e uma tenaz aptidão a resumir de modo praticamente exclusivo a imagem caricatural que os Portugueses
fazem de si mesmos, expressão duma virtualidade
e duma actualidade que atestam a sua justeza ou
a sua adequação a um fundo psicológico étnico.
Muito ao invés do seu quase contemporâneo do
Tricentenário, esse outro mito que foi Camões,
bardo da grei, o Zé nunca se propôs então, nem
alguma vez se lembraria depois, ao longo de mais
dum século de vida, de se oferecer como espelho
excelso do País. Criação realista e estereótipo satírico desde 1875, estava-se apenas perante um contribuinte pobre que tinha de dar dinheiro para o
trono do «Santo António» da Fazenda e do Governo, sob o olhar atento e suspicaz das autoridades,
de chicote, emblemático na mão. O Zé erguer-seia, entretanto, a proporção emblemática de Vítima
nacional de tudo que oprimisse e aviltasse o país,
já como bestinha portadora da Albarda, já como o
pobre diabo popular sovado pela polícia e demais
tiranos domésticos.
Concebido muito sub specie temporis para epitomizar a inércia, o desconforto atávico e o cepticismo pirrónico dos Portugueses diante do regime
constitucional, fontista, esse «conjunto de sofismas e ficções» (A. Fuschini), chamado sistema
representativo liberal, o Zé Povinho depressa se
autonomiza do seu criador para voar com asas
próprias, utilizado agora por desenhadores como
Leal da Câmara, Celso Hermínio, Valença, Alonso, Stuart de Carvalhais, Hipólito Collomb, Silva
e Sousa e tantos outros artistas gráficos portugueses posteriores, como, nos nossos dias, João
Abel Manta, André Carrilho ou António Jorge
Gonçalves, depressa se impondo como aquilo que
sempre foi: um símbolo do Português, Portugal
em pessoa, ou seja, feitogrotesca e ridícula figura
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as artes entre as letras
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visível, escarninha e escarnecida duma etnia. Ele
é Todo-o-Mundo ou nós todos: o Zé, nosso estereótipo étnico, expresso de preferência por via da
caricatura. Seria de esperar que, sobretudo, aos
estudiosos da cultura popular competisse explicar
a aura de trivialidade e mistério que rodeia o seu
manguito: gesto de esconjuro, obscenidade destinada a quebrara o mau olhado hostil, enorme figa
de rústico sem finura nem letras, tradução retórica brutal duma recusa «libertária» ante governos,
poderes, polícias, chicotes.
Figura cultural e psíquica colectiva, símbolo dum
ethos tipicamente luso, o Zé pertence à história
das mentalidades: ele é mito e imaginário, nossa
imaginação, e afectividade, modelo nacional e figura historicamente situada, tradução profunda
de sonhos, obsessões, anseios, tropismos, fobias,
medos, aspirações, paixões, rotinas, etc. Homem
crédulo e incrédulo, submisso e revoltado, humilde e orgulhoso, abúlico e voluntarioso, indiferente e compassivo, egoísta e dadivoso, azedo
e bonacheirão, o Zé opera diversas coincidências
de opostos que nem sempre têm a sua realização
dialéctica: uma vez por outra, a História solicita-o
para além da sua esfera de rotinas e regularidades
anímicas, e vemo-lo então transviado, excessivo.
Advertira-o Ramalho Ortigão: ele deseja, sobretudo, “atirar a albarda ao ar”, tendo do Estado e do
Governo ideias demasiado vagas, embora possa
explodir de quando em vez, em certos “dias tempestuosos” chamados revoluções. Num país de
consabidos “brandos costumes”, este labrego é capaz das cóleras mais homéricas, sempre traduzidas em linguagem gestual, uma vez que ele, como
ignaro boçal que é, não sabe recorrer à Palavra.
Talvez só assim compreendamos que um povo pacífico, indolente, preguiçoso, acanhado, rotineiro,
tímido e quase que abúlico, apegado ao seu torrão
natal, avesso a aventuras e atrevimentos, receando e voltando até as costas ao mar que o acompanha de norte a sul, pouco propenso a imaginar
sistemas e ideias espaços metafísicos, ou paraísos
perfeitos (não temos, como comunidade cogitante, aversão a sumptuosas arquitecturas da Imaginação e da Estética moral a que chamamos, desde
Thomas Morus, utopias – não somos um povo que
curiosamente nunca produziu ínsulas imaginárias, embora as andássemos sacando do mar desde o séc. XV?), talvez só assim, dizíamos, compreendamos que esse mesmo povo tivesse realizado
a esgotante gesta de quinhentos, dilatando os horizontes físicos e morais do mundo e, feito nauta
intrépido, aventureiro temerário, explorador, homem de ciência ou missionário, calcorreasse universos, lançando a gente lusa pelo mundo, como
dizia Hermann Von Keyserling autor da Análise
Espectral da Europa, como pelouros de um canhão espalhados pelo planeta, outros andarilhos,
trotamundos e navegadores. Em suma, um acervo
de contradições psicológicas que estão na base da
figura afinal complexa e até enigmática deste estereótipo que tão claramente se distancia de outros
émulos em categoria ou funções de estereotipia, o
John BulI, o Tio Sam – este duo anglo-saxónico
Biografia
- João Medina, “O Gesto do Zé Povinho, da figa ao
manguito”, Revista da Faculdade de Ciências Sociais
e Humanas–UNL, Lisboa, 1992-1993, pp.219-230.
- “O Zé Povinho estereótipo nacional: a autocaricatura do «Homo lusitanus»”, in João Medina (dir. de).
História de Portugal dos Tempos pré-históricos aos
nossos Dias, Amadora, Ediclube, s.d.(1993, reed, em
1998), vol. XV, pp.49-181 (inclui-se aqui o estudo acima citado, “O gesto do Zé Povinho – da figa ao manguito”, pp.115-126, com numerosas fotos de peças
de cerâmica), já publicado na Revista da Faculdade
Ciências Humanas e Sociais. -“Zé Povinho e Camões.
Dois pólos da prototipia nacional”, revista Colóquio
Letras, nº 92, Lisboa, Setembro de 1986, pp.11-21,
ilustr. - Zé Povinho sem Utopia, Cascais, Câmara Municipal de Cascais, 2004, .ilustr. - Portuguesismo(s),
(Acerca da identidade nacional). Ensaio sobre as
imagens de marca identitárias, os emblemas, os
mitos e outros símbolos nacionais seguido de O ZÉ
POVINHO, ESTEREÓTIPO NACIONAL E AUTOCARICATURA DO PORTUGUÊS DESDE 1875, Lisboa, Centro de História da Universidade de Lisboa, 2006, ilustr,. maxime. pp.206-215 e 507-514).-Caricatura em
Portugal. Rafael Bordalo Pinheiro, Pai do Zé Povinho,
Lisboa, Edições Colibri, 2008, ilustr.
ensaio
mais conforme a identificar-se com o governo de
cada um dos seus respectivos países –, ou o rural
Sancho Pança – e o seu alter-ego, o nobre cavaleiro Dom Quixote –, o Miguel Alemão (deutscher
Michel) – espécie de conformado Zé Povinho teutónico –, o matreiro soldado Chveik – um “imbecil
épico” muito mais manhoso do que a sua nativa
estupidez deixaria supor, especialmente apto a lidar com ocupantes estrangeiros da pátria checa,
fossem eles austríacos, alemães ou soviéticos…
Com o Zé, criado por Bordalo Pinheiro, tocamos na
essência caricatural do portuguesismo, do «Homo
Lusitanus», ainda que sob o registo do burlesco e
da sátira, sintetizando a imensa maioria do país
rural, o sector primário, cujo peso era esmagador
na pirâmide do nosso oitocentos, ultrapassando
ensaio
os 60% da população activa em 1890, quando
a Inglaterra nos desfechava a clavina do Ultimato, sob a inércia duma vida produtiva feita
de frus­trações e revoluções industriais falhadas, duma certa menoridade cultural e cívica,
um ser duplamente diminuído no seu irónico
(ou carinhoso) rebaixamento onomástico: um
José Povo que deu em Zé Povinho, um ridicularizado pseudodetentor da Soberania, sendo
esta suposta residir nesse mesmo Povo soberano desde que os vintistas importaram para
esta desolada Baratária os vistosos ideais da
Revolução Francesa e a sua panóplia europeia
de Direitos, Liberdades e Garantias.
Deste modo, o Zé era, de facto, um homem
rural, espessamente iletrado, um emblema do
sector primário esmagadoramente dominante
nas actividades económicas da população activa, o que se iria perpetuar por mais algumas
décadas, ao longo dos dois regimes políticos
seguintes, a I República e a Ditadura: o sector
primário situar-se-ia nos 49,1% da população
em 1950, contra 24,6 no secundário e 26,3%
no terciário, evoluindo muito lentamente nas
décadas seguintes, com 43,9% (1960), sendo preciso esperar pelo ano de 1981 – após o
25 de Abril, portanto –, para que o primário
impedisse a hegemonia do sector activo mais
numeroso da população, pois nesse ano a
sua percentagem desceria para 16%, contra
38,3% no secundário e 54,5% no terciário. Por
outras palavras, só nesse ano o Zé seria finalmente arredado da cúspide da pirâmide para
que o sector activo dominante fosse, doravante,
o terciário, com o qual começa, de modo cada
vez mais notório, a imparável terciarização da
sociedade lusa: 54,5% em 1991 e 62,8% em
2001. Dito de outra forma, o Zé deixou de ser
rural só desde 1981, ano em que, pela primeira vez, deixa de representar a hegemonia como
sector de agente predominante da actividade
económica1.
Antes de mais, o Zé Povinho é, desde a primeira
vez que apareceu numa ilustração da Lanterna
Mágica, um produto directo do Fisco – tido
como expressão evidente do esbulho, do arbítrio e da violência sobre o cidadão inerme e im-
O Zé - Eu sempre quero vêr como é que o sr. doutor tapa esses buracos...
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as artes entre as letras
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O soberano!
pecunioso, todos esses pobres pulhas que somos
– e adversário neurasténico e permanente de
todos os que governam, ainda que seja incapaz
de teorizar sobre a estrutura da Polis ou imaginar sequer, como labrego iletrado que é (em
2001, ainda tínha­mos, cá dentro, 9% de ignaros
totais), uma forma de a melhorar ou substituir.
O Zé é um estereótipo satírico concebido para
epitomizar a nossa inércia, o desconforto atávico e o cepticismo pirrónico dos Portugueses
diante do regime constitucional, republicano
ou socialista, isto é, um símbolo do Português
tal e qual, grotesca e ridícula figura visível, escarninha e escarnecida, respondendo com o seu
brutal e irado gesto obsceno ao malocchio das
inúmeras e constantes vicissitudes e misérias
que vai sofrendo, através do Fisco ou doutras
formas de ser albardado pelas mãos do Estado
e pelas intermináveis formas que resultam dos
desmandos de quem o desgoverna, desse usurpador que se intitula Soberano. Deixando aos
demais as tarefas intelectuais de formular uma
estratégia superior de réplica política ou cultural aos abusos de que é vítima inerme, o Zé
contenta-se, assim, em resistir pela forma tradicional e peculiar da resistência passiva e, nas
ocasiões mais abrasivas ou intoleráveis, pela
explosão gestual, pelo Manguito que resume
toda a sua Ética, Política e Metafísica.
E se ainda o estudamos, é porque nele se continua a manifestar algo que não envelhece – o
Português tal e qual, o seu psiquismo invariável. De qualquer modo, mau grado a sua lenta
perda de conteúdo sociológico – notemos que a
única tentativa icónica e onomástica de lhe alterar o apelido e o estatuto social foi praticada
pelo cartoonista Hipólito Collomb ao chamar-
lhe “Povão” (nas páginas do Século Cómico) e
ao dar-lhe um vestuário de acordo com o esse
aburguesamento ou upgrade social, o Zé manteria até aos nossos dias, com ligeiras adaptações darwinianas, um ar inconfundível de
labrego, de rústico analfabeto e rude, já como
Zé Pagante, Zé da Espiga ou o Zé da Albarda
que viera do campo para a cidade dos políticos para ser assaltado pelo Fisco, sovado pela
polícia e cavalgado por mandões e tiranetes
das mais desvairadas espécies. O seu conteúdo simbólico manter-se-ia, todavia, central e
invariável, como totem do modo-de-ser nacional, do nosso psiquismo e comportamento. Em
termos psicofísicos ou morfológicos, aí o temos
de chapéu braguês, camisa rude desabotoada,
calças de pano com rasgões, colete de campónio e botas velhas. No físico e na indumentária,
o Zé seria sempre o rural que desce à Cidade,
de sorriso amarelo e triste, de mãos nos bolsos,
ligeiramente inclinado para o lado, cabelo desgrenhado, barba rala por fazer, pele curtida e
morfologia pesada, de esqueleto forte, musculado, entroncado. Psico-somaticamente, portanto, um pícnico ciclotímico, oscilando entre a
alegria e a tristeza, extrovertido e melancólico,
eufórico e agitado ou ensonado2.
Em suma, o Zé, não obstante as suas metamorfoses aparentes ao longo de vários regimes
históricos, manter-se-ia de algum modo inalterável como um símbolo teimoso que, para
além de uma abundante produção em cerâmica
popular e anónima (mas que nunca mereceu o
estudo de alguém) solicita ainda e sempre a sua
presença como estereótipo nacional através do
qual uma geração incessantemente renovada de
cartoonistas o vai utilizando como porta-voz e
emblema duma coriácea resistência – sempre
passiva, raras vezes explosivamente colérica
através do gesto desabrido do Manguito, o tal
“gesto do Zé”.
NOTA:
1 Ao criar o Zé Povinho no derradeiro quarto de
século de oitocentos, Rafael teve a intuição notável
ou a perspicácia de lhe dar, desde logo, um estatuto
sociológico que fazia dele a expressão patente e
claramente identificável do sector rural português,
dominante na pirâmide social portuguesa de então,
uma vez que o sector primário ( a agricultura)
ocupava, em 1890, no sector da a população
economicamente activa, 61%, contra 18,4%
no secundário (indústria) e 20,6% no terciário
(serviços), situação que era acompanhada, desde
1878, por uma estarrecedora percentagem, 79,2%
- de analfabetismo geral dos quatro milhões e meio
de portugueses desse período, evoluindo com atroz
lentidão nos anos seguintes: 74.1% (1900), 69,1%
(1911), 66,2%(1920), 66,3% (1930), 48,8% (1940),
41,5% (1950), 31,3% (1960), 25,6% (1970), 11,2%
(1991) e 9% (2001).
2 Hipólito Collomb, numa série de postais
coloridos, sem data, dos “Sete Pecados mortais” (os
principais políticos da I República), um Zé Povinho
dormindo representaria a Preguiça, sendo o sono
esse velho vício pelo qual há muito Rafael Bordalo
Pinheiro simbolizava a sua apatia e alheamento em
relação ao espectáculo da política e do desgoverno
nacionais.
lusofonia
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as artes entre as letras
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Isabel Bruma
escritora
Viver numa escola
em moçambique
O
nze semanas na escola de Ontupaia, repartidas por duas épocas, permite-nos ter uma
visão bastante clara do meio escolar no Norte
de Moçambique e das problemáticas que lhe são afins.
A escola de Ontupaia fica nos arredores da cidade de
Nacala, grande porto, mas cidade pobre. Dizem-me
que é o maior porto da África Austral, com águas profundíssimas que permitem a atracagem de navios de
grande calado. Além disso é um porto natural muito
bonito, baía extensíssima recortada na linha do horizonte por montes de variada altura. Dentro da grande
baía uma mais pequena onde os pescadores têm o seu
porto. Porque a pesca é uma actividade importante
nesta cidade. Por isso pode-se comer bom peixe. Porque carne… só mesmo frango e porco. Isto quando há
dinheiro para a comprar. De facto, a gente aqui tem
muitas carências alimentares e há mesmo fome. “Matabichaste?” perguntava eu aos alunos. “Não senhora”.
“E ontem à noite, comeste alguma coisa?” “Também
não”. Por isso muitas crianças mais pequenas adormeciam na aula. “Deixo-as dormir porque têm fome”
explicava-me uma professora. Muitas tinham “tinha” e
embora tivéssemos feito diligências junto da AMI e da
UNICEF para conseguir o medicamento, não tivemos
resposta positiva, ou porque não seguimos os melhores
canais, ou porque somos simples voluntárias sem voz
no meio dessas organizações ou pura e simplesmente porque a distribuição desse remédio não esteja no
âmbito dos objectivos das mesmas. E assim aquelas
cabecinhas irão ficando mais sem cabelo e com mais
feridas. O cabelo que faz o orgulho das africanas que
o penteiam de mil maneiras, com uma imaginação espantosa.
A escola de Ontupaia é uma escola básica com alunos
desde a primeira até à sétima classe e tem agregada a
si onze escolinhas para os mais pequeninos, a maioria a funcionar debaixo dos cajueiros. Para quem não
conhece o cajueiro é uma árvore lindíssima, grande e
muito frondosa que dá a castanha de caju.
São mais de mil alunos distribuídos por dois períodos
horários: das sete ao meio-dia e da meia hora às cinco
e meia da tarde. Mas o problema, o grande problema é
o fraquíssimo aproveitamento. E nós que trabalhamos
nas turmas e com os professores pudemos perceber
o porquê de tal situação. Para além de haver poucos
professores para o número de alunos (60 alunos por
turma, no mínimo), numa escola desta dimensão não
há um único professor licenciado. Alguns têm apenas
o décimo ano e os que procuram desenvolver os seus
conhecimentos têm de se deslocar de chapa (nenhum
dr
professor tem automóvel. Deslocam-se para a escola
em bicicleta ou em motoreta) cerca de 200 quilómetros
para ter dois dias intensos de aulas e regressarem em
seguida a casa sem meios de estudo. “Não há biblioteca
na universidade?” perguntei eu. “Há, mas o tempo que
lá estamos é todo passado em aulas e depois temos de
regressar.” “Já tentaram a internet?” perguntei, como
se não conhecesse a resposta. De facto o acesso à internet é restrito e caro. Aliás nenhum professor tem computador. Vários deles vieram ter comigo queixando-se
da falta deste instrumento de trabalho. “Não temos
dinheiro”. Fui informar-me. Um vencimento máximo
de 6000 meticais para um computador de 32000 meticais no mínimo! De facto!
Mas há outros problemas mais graves ainda. A falta
de saúde é um deles. É impressionante as pessoas que
adoecem, seja com malária, seja porque são doentes
crónicos de Sida (um autêntico flagelo nestas paragens.) “Dói-me a cabeça; dói-me a barriga” são queixas
permanentes que escutamos a cada momento seja das
crianças seja dos adultos. A morte ronda sempre por
perto e chega a ser deprimente a sensação da sua presença. Vim de lá há três meses e já morreram neste período vários alunos com malária e outros, assim como
professores, estiveram internados! Com progressos
tão fulgurantes no campo da medicina, como é que se
não investe na procura da cura deste flagelo africano,
e não só? É mais uma vez o dinheiro a comandar as
prioridades dos homens. Fosse a malária a afligir os
europeus ou os americanos e a cura estaria já á vista.
Um terceiro problema muito grave é o Português. Língua obrigatória na escola, é um muito deficiente meio
de comunicação e de trabalho porque as crianças chegam à escola sem saber português e em casa só falam
macua porque os pais não falam a língua oficial. Assim
temos alunos que chegam à quinta classe sem literalmente saber ler. Fiz várias experiências em turmas
diferentes, contando às crianças histórias elementares
como, por exemplo, Os Três Porquinhos, ou outras
ainda mais simples inventadas por mim e com uma
linguagem expressamente básica e aconteceu que muitas vezes tive de recorrer à tradução em macua para
que eles percebessem, nomeadamente nas primeiras
classes.
E poderia continuar por aqui fora no muro das lamentações. Mas só para concluir, há um facto que me faz
doer a minha consciência de portuguesa. É que estivemos lá tantos anos, gabávamo-nos na altura de sermos
civilizadores e afinal acho que fizemos muito pouco.
Chegada àquela zona de África senti-me andar para
trás cinquenta, sessenta anos, quando as pessoas eram
analfabetas numa grande maioria e mantidas num estado de minoridade mental. Foi isso que eu senti em
África. Terá de passar pelo menos uma geração para
que aquelas pessoas estejam ao nível do desenvolvimento actual da Europa e aptos absorver um conhecimento que, sem anular a cultura própria, os abra para
uma cultura universal.
lusofonia
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as artes entre as letras
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Adelto Gonçalves
escritor
Falando português
na Rússia
Trabalho do Centro Lusófono Camões, de São Petersburgo, é muito importante na difusão da Língua Portuguesa
O
que leva um jovem russo a procurar aprender
o idioma português? Para Diana Shpilevskaya,
22 anos, tudo começou em 2005, quando foi
a Inglaterra aperfeiçoar o seu inglês. “Estudei numa cidade pequena chamada Exeter e meu curso durou duas
semanas num grupo de 12 pessoas, das quais oito eram
do Brasil”, diz. “Lá, pela primeira vez, ouvi a língua portuguesa na vida real e a achei tão bonita que, ao voltar
para a Rússia, comecei a estudá-la sozinha”, conta. “Assim, aqueles oito estudantes brasileiros mudaram a minha vida sem que soubessem disso”, acrescenta Diana,
que é graduada pela Faculdade de Letras Estrangeiras
da Universidade Estatal Pedagógica Hertzen, de São Petersburgo, e sonha fazer mestrado na Universidade de
São Paulo.
Para Vitaly Violino, 24 anos, foi o interesse pela arte da
capoeira, que conheceu há cerca de cinco anos por meio
da Internet, a razão que o levou a procurar aprender português. “Precisava aprender uma técnica de defesa pessoal”, justifica. Depois de ter passado cinco semanas em
Salvador, aprendeu todos os passos dessa arte e, hoje,
em São Petersburgo, dá aulas para cerca de 50 alunos.
Com freqüência, participa de encontros com capoeiristas brasileiros na Europa. “Por isso, falo um português
abaianado”, diz Vitaly, que costuma cantarolar canções
do compositor baiano Dorival Caymmi (1914-2008).
Já Maria Rybakova, 21 anos, primeiro aprendeu o idioma espanhol e, em razão da proximidade entre as duas
línguas, quis conhecer melhor o português. “Estudo português porque gosto de Portugal e do Brasil”, diz, lembrando que o português, por ser uma língua românica
e rara, sempre a atraiu. “Além disso, o Brasil se tornou
importante na Rússia por causa do Bric [Brasil, Rússia,
Índia e China]”, observa. “Sem contar que gosto muito
dos professores do Centro Camões”, acrescenta.
Por sua vez, Gleb Poltorak, 22 anos, igualmente graduado, o intelectual do grupo, entendeu que saber falar português o faria discutir com mais conhecimento de causa
as questões políticas e econômicas da América Latina e
do mundo. Formado pela Universidade Estatal Pedagógica Hertzen, Gleb, por enquanto, só pode dar aulas
em colégios. “Para dar aula em faculdade, é preciso ter
pelo menos mestrado (stepen’ magistra)”, observa, reclamando do fato de o professor hoje na Rússia não ser
muito valorizado nem respeitado. “Os salários são baixos e o professor para sobreviver precisa dar aulas em
quatro ou cinco instituições”, queixa-se, demonstrando
preocupação com seu futuro.
dr
Director do Centro Lusófono, Vadim Kopyl (à esquerda), e o escritor Adelto Gonçalves
O fato que une esses jovens é que todos são formados
em Língua Portuguesa pelo Centro Lusófono Camões
da Universidade Estatal Pedagógica Hertzen. Não raro,
reúnem-se, ao final da tarde, num restaurante da rua
Naberezhnaya Kanala Griboedova, à margem do canal
Griboedova, perto do imponente Templo da Ressurreição de Cristo, mais conhecido como Salvador Sobre
Sangue, que está construído no lugar em que morreu o
czar Alexandre II (1818-1881), vítima de um atentado
a bomba. E qual o objetivo da reunião? Ora, conversar
em português e exercitar o idioma que aprenderam – alguns com sotaque luso e outros com o falar mais adocicado dos brasileiros.
Fundado em 1999, o Centro Lusófono Camões começa o
ano, em média, com 15 estudantes russos de português.
Os estudantes entram no nível zero, passam para o nível
médio, chegando ao nível superior. Em média, formamse de sete a oito alunos por ano. Mas a tendência é que
esse número cresça. Por iniciativa do Centro, uma escola
secundária de São Petersburgo já manteve em sua grade o
português como língua facultativa, mas acabou por voltar
atrás. A esperança, porém, é que a sua direção reconsidere
a ideia, já que isso significaria um potencial alargamento
da lista dos freqüentadores do Centro em futuro próximo.
Todo esse esforço para a difusão do idioma português na
Rússia tem um nome: Vadim Kopyl, doutor em Filologia
Românica, diretor do Centro Lusófono Camões. O Centro,
inaugurado a 16 de junho de 1999, em ato prestigiado pelo
embaixador de Portugal, José Luís Gomes, e pela embaixadora do Brasil, Teresa Maria Machado Quintella, funciona dentro do campus da Universidade Estatal Pedagógica Hertzen que é formado por vários palácios adaptados
às necessidades de ensino, no centro histórico de São
Petersburgo, cidade que é mais um museu a céu aberto,
também conhecida como a Veneza do Norte.
Pouco depois de sua fundação, o Centro produziu uma
edição eletrônica dos Sonetos de Camões, que teve prefácio da professora Maria Raquel de Andrade e contou com
o apoio dos professores José Manuel Matias, Zélia Madeira, Rogério Nunes, Alexandra Pinho e Madalena Arroja,
do Instituto Camões, de Lisboa. Desde então, publicou
vários livros impressos, como o Guia de Conversação
Russo-Portuguesa Contemporânea, Poesia Portuguesa
Contemporânea (2004), que reúne poemas de 26 poetas portugueses traduzidos com participação de Helena
Golubeva (como tradutora-tutora), e Vou-me embora de
mim (2007), do poeta português Joaquim Pessoa, todos
em edição russo-portuguesa.
O Centro tem ainda preparado à espera de apoio financeiro para publicação um livro de contos do escritor português Gonçalo Tavares, que contou com a participação do
próprio autor. Além do Instituto Camões, o Ministério da
Cultura, o Instituto Português do Livro e das Bibliotecas, o
Colégio Universitário Pio XII, a Universidade Clássica de
Lisboa, a Universidade Internacional de Lisboa, a Universidade Lusófona e a Universidade de Aveiro são algumas
lusofonia
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as artes entre as letras
11
dr
das instituições culturais portuguesas que têm cooperado
com o trabalho dos lusistas russos.
O Centro funciona numa pequena sala atulhada de livros,
cartazes e fotos. No centro da sala, fica uma grande mesa
em volta da qual se acomodam os alunos, sentados em
não mais que quinze cadeiras daquelas tradicionais. Na
parede, há ainda uma pequena lousa, ao lado de três armários envidraçados que guardam livros portugueses, na
maioria. Perto da janela, há uma pequena mesa decorada
com livros, jornais e revistas em memória de Dário Moreira de Castro Alves (1927-2010), embaixador do Brasil em
Portugal de 1979 a 1983, sócio-honorário da instituição.
A ALMA DO CENTRO
Aos 70 anos de idade, o professor Kopyl poderia passar o
resto de sua vida descansando em Ukraine, mas isso só o
faz em julho e agosto, meses de verão intenso e de “noites
brancas” em São Petersburgo. No resto do ano, dedica-se
ao Centro: é ele mesmo quem dá as aulas, dividindo-as
com um intérprete-sincronista, Vladimir Ivanov. Até há
pouco tempo, tinha também a colaboração de Helena
Golubeva, que o auxiliava no ensino de português e dava
aulas de tradução.
As comunicações dos estudantes dedicadas aos contatos
culturais entre a Rússia e os países do mundo lusófono
são lidas em português durante as aulas e, em russo, em
alguns atos realizados nas bibliotecas municipais ou na
casa-museu de Anna Akhmatova (1899-1966), uma das
mais importantes poetas russas do século XX.
“Além da aprendizagem de português, os estudantes recebem conhecimentos básicos de tradução literária”, conta
Kopyl, lembrando que mestres de tradução do russo para
o português, como Helena Golubeva, Alexandra Koss,
Andrei Rodossky, e também a poeta e tradutora Veronica
Kapustina, laureada com o prêmio Anna Akhmatova, a
etnógrafa Elena Soboleva e o perito em artes e poliglota
Mark Netchaev, já estiveram em contato com os alunos do
Centro. “É inesquecível a aula simultaneamente de língua,
arte e filosofia que Mark Netchaev costuma dar aos nossos
alunos nas salas do Museu Hermitage”, garante.
Neste ano, o Centro contará com o apoio da leitora Maria
Joana Albuquerque, do Instituto Camões. Nos últimos
tempos, recebeu grande contribuição de João Santos e
João Carlos Mendonça, também leitores do Instituto Camões. Com João Santos, o professor Kopyl preparou uma
espécie de manual de português falado em diálogos, que
se tem mostrado muito útil na aprendizagem do idioma.
A aproximação do professor Kopyl com o idioma português deu-se muito cedo, mas depois que já aprendera o
espanhol e fora requisitado, ainda estudante, para trabalhar em Cuba como intérprete em 1962. “Naquele tempo da Guerra Fria, poucas pessoas falavam espanhol na
Rússia”, lembra. “Quando estávamos no hotel em Havana
e olhávamos para o Mar do Caribe, não tínhamos ainda
noção dos riscos que a Humanidade corria naqueles dias”,
observa, referindo-se implicitamente à crise dos mísseis
entre Estados Unidos e União Soviética.
Ao voltar para a Universidade, começou a estudar português como autodidata, mas com grande ajuda de um
jovem professor, Anatolio Gakh, nascido no Brasil, com
quem mantém amizade até hoje. O tema de sua tese de
mestrado já foi em português – Língua e estilo de Eça de
Queiroz –, bem como o tema de sua tese de doutoramento,
três anos depois – Língua e estilo de Fernando Namora.
Alunos do Centro Lusófono e cadetes e oficiais do navio-escola Brasil
Mais tarde, Kopyl manteve relações pessoais com o padre
Joaquim Antônio de Aguiar (1914-2004), fundador e diretor do Colégio Universitário Pio XII, de Lisboa, e presidente da Academia Internacional da Cultura Portuguesa,
que acabaram por aproximá-lo da cultura lusa. Para a
fundação do Centro Lusófono Camões, grande foi o apoio
daquela instituição. Alunos do tradicional colégio lisboeta
e do Centro Lusófono participaram de fóruns realizados
no Brasil, Portugal e Macau. Por sua parte, o Centro ajudou a Comissão da Cultura Europeia do Colégio Universitário Pio XII a organizar dois fóruns estudantis em São
Petersburgo.
Por intermédio do padre Aguiar, Kopyl acabou por conhecer Dário Moreira de Castro Alves, que à época já estava
empenhado em traduzir para o português o romance em
versos Eugênio Oneguin, de Alexandr S. Pushkin (17941837), que seria, finalmente, publicado em 2008 pelo
Grupo Editorial Azbooka-Atticus, de Moscou, em edição
russo-portuguesa, e no Brasil em 2010 pela Editora Record, do Rio de Janeiro. Das consultas e dúvidas sobre os
dois idiomas, nasceu uma amizade que se solidificou com
os anos.
Fosse como fosse, as ligações de Kopyl sempre foram
maiores com Portugal – como denuncia o seu sotaque
lusitano. “Conheço do Brasil só aquilo que li e ouvi a
respeito, mas gostaria imenso de conhecê-lo de perto”,
diz. Em Portugal, Kopyl esteve várias vezes, mantendo
contatos com intelectuais como António Ramos Rosa,
Gastão Cruz, Casimiro de Brito, Fernando Guimarães e
Fernando Echevarria, entre outros, a propósito da preparação de uma antologia de poetas portugueses.
Foi a partir das ligações com Dário Moreira de Castro Alves que, nos últimos tempos, o Centro Lusófono
Camões passou a registrar maior presença da cultura
brasileira. Com o apoio do Ministério das Relações Exteriores do Brasil e da Embaixada brasileira em Moscou, o Centro pôde publicar os livros Contos, em 2006,
e Contos Escolhidos, em 2007, ambos de Machado de
Assis (1839-1908), em edições bilíngües. Até então, da
obra de Machado de Assis só os romances Memórias
póstumas de Brás Cubas e Dom Casmurro haviam sido
traduzidos para o russo.
Por enquanto, há outros projetos de lançamentos em
edição bilíngüe à espera de apoios financeiros de entidades culturais tanto de Portugal quanto do Brasil. “Gos-
taríamos que essa cooperação se ampliasse com outras
instituições culturais brasileiras, não se limitando ao
apoio da Embaixada brasileira em Moscou”, acrescenta.
PORTUGUESES EM SÃO PETERSBURGO
Kopyl lembra que seus estudantes já localizaram a participação destacada de dois portugueses na história de
São Petersburgo, preparando informes sobre essas personalidades. Um deles foi Antônio Ribeiro Sanches (16991783), clínico de renome em Londres, que foi contratado
como médico do Senado e da cidade de Moscou em 1731,
mas que depois manteve residência em São Petersburgo,
servindo ao Império Russo até 1747.
Outro foi Antônio Manuel de Vieira, ou Antón Devier
(1682?-1745), que não só foi o primeiro chefe de polícia de
São Petersburgo (à época, o termo polícia englobava também a administração pública das cidades, não se restringindo à atuação repressiva policial, como se conhece hoje)
como participou de obras nos canais do norte da Rússia
e dirigiu a construção de dois importantes portos marítimos – o de Revel (agora Tallin) e o de Okhotsk, durante o
reinado do czar Pedro I (1672-1725), alcunhado Pedro o
Grande, que, em 1703, mandou edificar São Petersburgo,
a nova capital da Rússia.
Segundo Kopyl, ao analisar as propostas de Ribeiro Sanches, os alunos do Centro puderam concluir que, com
certeza, houve participação daquele “estrangeirado” luso
na própria fundação da Universidade Estatal Pedagógica
Hertzen, em 1797. “Como se sabe, a nossa universidade
surgiu daquilo que primeiro era um asilo, organizado
para crianças órfãs, tal como a Casa Pia, de Lisboa, criada pelo intendente-geral de polícia Diogo Inácio de Pina
Manique (1733-1805)”, diz, lembrando que a necessidade
de se criar asilos para crianças órfãs foi argumentada por
Ribeiro Sanches numa carta que supostamente era dirigida a Ivan Betskoi (1704-1795), organizador do asilo em
São Petersburgo.
Além disso, no século XVIII, lembra Kopyl, é importante destacar a presença da cantora lírica portuguesa Luísa
Todi, natural de Setúbal, que, a partir de 1784, esteve por
quatro anos na corte de Catarina, a Grande, em São Petersbugo. “Em sua estada na Rússia, Luísa Todi escreveu
com o marido, o violinista Francesco Todi, a ópera Pollinia, como expressão de agradecimento pelas atenções recebidas da czarina”, ressalta.
latinIdades
12 outubro 2011
as artes entre as letras
12
António Fournier
escritor
dr
Viajando a bordo
da fragata Pallada
Para Alberto Taddei
I
van sorveu profundamente o fumo do charuto,
depois expirou-o fazendo um barulho com a boca
como um peixe que acaba de produzir uma bolha de ar. Está sentado à mesa de madeira, de perfil
contra a janela em forma de vigia. Vejo o fumo subir,
formar uma pequena nuvem, como um pensamento
indefinido que fica a pairar sobre a sua cabeça, antes
de volatizar-se. Depois do almoço, um bom charuto
e um copo de vinho Madeira, o ambiente fica ameno
e sonolento. Sorvemos o vinho e falamos do carácter dos ingleses (Goncharov não tinha uma grande
opinião sobre eles, mas invejava-lhes secretamente
o espírito de iniciativa que faltava aos russos). É um
tempo morto, mas higiénico: ele suspende o trabalho
de escrita, levanta-se e espreguiça-se, dá alguns passos
– a madeira geme debaixo dos seus pés pesados – sai
para a varanda e desaparece. Às vezes vou também eu
fora e ficamos a contemplar o horizonte ou a comentar
o voo das aves de arribação que têm estado a chegar
neste princípio de Outono ao Parque de San Rossore.
Descomprimimos um pouco, gracejamos, aproveitamos para “apanhar moscas”. É assim que o meu interlocutor baptizou os intervalos: Moscovo em italiano
diz-se Mosca.
Estamos numa casa de pescadores mesmo na foz do
Arno. É uma palafita em madeira, apoiada sobre estacas cravadas numa exígua fileira de rochas baixas
mesmo à entrada do rio. De cada lado da casa há duas
imensas redes suspensas que ao baixarem, capturam
o peixe. Os pescadores chegam muito cedo, antes do
amanhecer – são dois: um homem velho, robusto e si-
lencioso que parece o avô (avô é como se chama afectuosamente qualquer pessoa mais velha em russo), e
o mais novo que é expedito e tagarela, e tem sempre
um sorriso florentino nos lábios (e aqui diria que faz
lembrar o excêntrico Tichmenev, o oficial encarregado
da despensa de bordo). Vemo-los da janela a içarem
as redes, e ouvimo-los comentar o fervilhar prateado
que roubam todos os dias às águas. Mesmo sem ver
o peixe, sabemos distinguir se a faina foi profícua ou
não, a partir das suas vozes. O mais velho é lacónico
e responde invariavelmente com uma imprecação
ou uma blasfémia. Acordamos com eles, são o nosso
galo, e é bastante divertido despertar ao som do dialecto pisano. Alugámos a casa para os próximos seis
meses – o tempo de acabarmos a tradução – mas não
sei se conseguiremos passar aqui os meses de inverno,
não deve ser fácil resistir ao frio. E depois, apesar de
as estacas de madeira me parecerem suficientemente
altas, não sei até que ponto resistirão a uma tempestade. Ontem mesmo, ao anoitecer o mar levantou-se
e acordei várias vezes sobressaltado. Ao mínimo rangido, imaginava a casa a avançar na escuridão como
uma jangada à deriva.
Em todo o caso, julgo que estas sensações – o medo
que se insinua lentamente, a visão apaziguadora do
crepúsculo, o rulho constante do mar e a vaga sensação de enjoo – são úteis, para recriar de algum modo
as condições de vida no interior de um navio. Esta
casa foi o mais próximo que conseguimos arranjar
de uma fragata. As duas imensas redes dão à palafita
um aspecto poético de veleiro, misto de casa, barco e
ave. Curiosamente, em italiano, usa-se a mesma palavra – “albero” – para designar quer a árvore quer um
mastro de um navio. A casa tem dois mastros que suportam de cada lado o peso das redes e bem se poderia
dizer que são o mastaréu da gávea e o gurupés do nosso “navio”. Não deixa de ser engraçado que, em russo,
para dizer “os pássaros voam”, se diga “os pássaros nadam no céu”. Ivan volta a entrar no nosso cubículo, e
ao sentar-se na mesa desengonçada, graceja: “Aqui os
móveis não os come o caruncho, mas sim as enguias!”
Voltamos ao trabalho. Como se pode traduzir “sordo
frastuono” em português? pergunta. Não conheço
a expressão e ele cita-me um verso de Leopardi: “E
come il vento / Odo stormir tra queste piante, io quello
/ infinito silenzio a questa voce / Vo comparando”).
Também nós não vemos o Infinito que se esconde por
detrás da sebe densa de palavras. Mas pelo menos,
temos um termo de comparação: esta casa suspensa
sobre estacas na foz de um rio, longe da terra firme,
diante do mar aberto, como metáfora coerente da condição de semi-exílio das nossas respectivas línguas.
Ele, o meu interlocutor italiano, traduz do russo para
o português, com passagem pelo italiano, e eu, o seu
fiel servo Fadaeev, tenho como tarefa ajudá-lo a aclimatar a tradução à minha língua. Também nós baixamos todos os dias a rede e ficamos à espera dos peixes
trazidos à noite com a maré. Não muitos, o suficiente
para uma ração diária de trabalho. Trabalho penoso,
de arte e paciência, o que nos espera. Temos uma
longa viagem pela frente. Começámos a 7 de Outubro
(também aqui tentámos respeitar as simetrias: é o dia
em que a fragata partiu de Kronstadt). Já atravessámos o Báltico e o mar do Norte e fizemos uma longa
escala em Portsmouth – o tempo necessário para que
a fragata fosse preparada para a longa travessia transoceânica. Estamos agora a sair do canal da Mancha.
Finalmente viajamos a sério. A silhueta lisa, branca e
esguia do farol de Eddyngton ergue-se ao longe. No
Atlas das estradas da Europa, percorremos a costa inglesa. Lá está o farol. Estamos finalmente a entrar no
grande oceano.
NOTA:
Em Outubro de 1952, o escritor russo Ivan
Alexandrovich Goncharov, “talvez movido pelo
desejo de desafiar o destino e demonstrar a si
mesmo e aos outros que era capaz de actos de
coragem”, aceitou o cargo de cronista da primeira
expedição russa ao Japão. Ele que nunca tinha
viajado por mar, que para mais era autor desse
“herói imortal da preguiça” que é Oblomov, viu-se
de um momento para o outro catapultado para
bordo de uma fragata onde iria viver os próximos
três anos, atravessando três oceanos. O autor
deu-nos conta dessa viagem num magnífico livro
intitulado A fragata Pallada. Nele, há dois capítulos
dedicados respectivamente à Madeira (onde o
escritor saboreia pela primeira vez uma banana) e a
Cabo Verde (onde entra por engano numa casa em
Porto Praia e tem um curioso “diálogo” com uma
jovem portuguesa que o impressiona). relação ao
espectáculo da política e do desgoverno nacionais.
arte
12 outubro 2011
as artes entre as letras
13
A natureza como um
santuário de inspiração
Isabel Fernandes
H
á dois anos que Luísa Prior vem desenvolvendo um projecto – fazendo
com que interrompesse o seu hábito
de realizar uma exposição de novas obras por
ano – que lhe foi imposto de fora: “É um desafio que a própria natureza me lançou”. E por
isso, não obstante a natureza estar muito presente nos seus trabalhos anteriores, Luísa Prior
dedica agora um vasto conjunto de obras “só à
natureza”. E pela primeira vez a artista plástica
apresenta uma mostra temática, onde o objecto
foi “vivido em todos os quadros à mistura do urbanismo, para que este e a natureza se envolvessem”. O projecto foi “desenvolvido na vertente
das quatro estações e dos quatro elementos
[Água, Ar, Terra e Fogo] e mais um: o próprio
universo que os engloba”. As diferenças não representam uma ruptura no percurso artístico
de Luísa Prior, será apenas mais um passo num
caminho que tem vindo a construir “patamar a
patamar” e sempre com grande presença das cores. O que se mantém neste conjunto de obras:
“A paleta é praticamente a mesma, pois a
natureza dá-nos tudo. É o meu santuário de inspiração”. Basta observar, que é sempre o seu ponto
de partida.
Numa junção de alguns desejos, «O Universo e o Tempo»,
inaugura no próximo dia 22
de Outubro, pelas 15h30, na
Casa-Museu Teixeira Lopes,
em Vila Nova de Gaia, e que estará patente até ao dia 30 de NoFogo da paixão
vembro. Serão 20 quadros, onde
Auto-retrato
Cidade de fogo
se inclui um auto-retrato em grafite
sido ao longo do meu trabalho a minha exprese sanguínea. Serão apresentadas
são”. Luísa Prior é hoje uma pintora respeitada
duas peças em acrílico sobre
pelo público e pelos seus pares, o que a deixa
papel, uma aguarela e os resfeliz, com a certeza de ter realizado o seu sonho
tantes em acrílico sobre tela.
de sempre – “foi sempre um sonho estar nas arTodos realizados com espátes, adiado, mas que tem ido muito além do que
tula, que gosta de usar pelos
imaginava” – e reitera ainda estar “na arte por
pormenores que lhe permite
amor à arte e para contribuir para a cultura do
elaborar. “É um trabalho de
meu país”. Esta mulher que tardou a dedicar-se
cor, alma e paixão. Adorei fazer
à sua arte e que não revela qualquer nostalgia
este trabalho, para mostrar ao púpelo tempo ainda assinala as horas que dedica
blico que a natureza pode ser visao seu trabalho e explica que “quando se inicia
ta de várias formas e que não deiuma obra e se está inspirada tem que se dar
xa de ser bela. Ela é sempre bela mesmo quando
continuidade durante horas”. Não com a intennos transmite medo, mesmo quando se zanga,
ção de o acabar, pois partilha da ideia que uma
através de explosões e tempestades”.
obra nunca termina, o artista tem que se forçar
E como é que nasce a obra? “Quando
a abandoná-lo e há um truque: viráse está muito envolvida, quanlo. Quando falou ao jornal As
do deixamos de estar com
Artes entre As Letras, cerca
os pés na terra… Quando
de duas semanas antes da
pinto não vivo o preseninauguração da mostra,
te, desenvolvo a minha
Luísa Prior já deixava
pintura que é o futuro”.
adivinhar que está com
Parece simples… mas
muitos outros projectão pouco o é quando
tos e, mesmo não quetenta explicar o nascirendo deixar escapar
mento de cada obra, que
qualquer ideia para o
resulta como uma parte
futuro, revelou que a esde si própria: “Não há porcultura está nos seus plaquês no surgimento da obra”,
nos, pois trabalhar metais é
diz categoricamente, acrescenoutro dos seus gostos e das suas
Universo
tando que “pintar e desenhar tem
aptidões.
especial
12 outubro 2011
as artes entre as letras
14
Um homem singular
na pluralidade das artes
Guido Arturo Palomba, um dos especialistas cujo nome nos remete para os grandes mestres em psiquiatria
criminal, é entre imensas e prestigiadas funções, Membro Emérito da Academia de Medicina de São Paulo.
Com mais de três décadas de experiência e auxiliando a Justiça de São Paulo, este médico brasileiro é autor
de quase dez mil pareceres psiquiátricos, bem como escritor de nível superior e com registo de autoridade,
sobre a mente criminosa. Guido Paloma toma posse dia 22 de Outubro, como diretor cultural da Associação
Paulista de Medicina, em cerimónia que acontecerá no Teatro Municipal de S. Paulo.
G
uido Arturo Palomba, é
uma referência para juízes, advogados e até para
a própria imprensa. O seu percurso
profissional é absolutamente invejável, sendo o que lhe confere mais
orgulho é o seu Tratado de Psiquiatria Forense, Civil e Penal (Atheneu,
2003), o primeiro em língua portuguesa e um dos poucos no mundo.
Palomba também é co-autor de
450 Anos de História da Medicina
Paulistana, editado pela Associação
Paulista de Medicina e publicado
em 2004. Guido Arturo Palomba,
é também um artista no sentido da
criação e da sua paixão pela expressão artística. Isto é, a sua sensibilidade para as artes plásticas é de tal
modo ímpar que enquanto curador
da Pinacoteca da APM, apostou na
selecção dos grandes mestres contemporâneos como Inos Corradin,
Ivald Granato, Maria Bonomi, Aldir
Mendes de Souza, Antônio Maia,
Antonio Peticov, Claudio Tozzi, Arcangelo Ianelli, Gustavo Rosa, Gustavo Von Ha, Alex Flemming, entre
outros, para expor e participar do
projecto de ampliação do acervo.
Também o Mestre Adelino Ângelo
não lhe foi indiferente, pelo contrário, sobre o Louco (obra que pertence ao acervo do mestre A.A.), quem
melhor que Guido Arturo Palomba
para explicar tão denso texto pictórico. “(…) Grassa no pensamento de muitas pessoas que quanto
mais louco for o artista mais talento terá. Não é bem assim. (…) Ora,
perguntará o leitor: Vincent Van
Gogh, Francisco de Goya, Robert
Schumann e Emanuel Schikaneder,
para citar apenas dois pintores e
dois músicos, não tiveram as suas
loucuras e não estão entre os maiores gênios, quer da pintura quer da
música, de todos os tempos? Portanto, concluirá o leitor, loucura
Pintura a óleo de Guido Arturo Palomba pelo Mestre Adelino Ângelo
e genialidade associam-se sim senhor.
( …) Com todo o respeito, essa afirmação contém um equívoco, pois,
um fato é absolutamente certo:
quando o artista está no período
agudo da doença mental não produz nada, somente o faz ao sair ou
já livre da psicopatologia flórida.
E mais, dependendo da doença
mental de que padece, se for alguma daquelas que ao remitir o surto
deixam defeito, como a esquizofrenia paranoide, provavelmente não
mais haverá desempenho artístico
de qualidade, se o tinha antes de
adoecer, seja na música, seja nas ar-
tes plásticas ou em qualquer outra
modalidade em que o sentimento, a
intuição e a sensopercepção, muitas
vezes também o pensamento, têm
que estar no seu mais refinado nível
para produzir com qualidade. Isso
porque a criação artística ocorre
no momento em que se equilibram
e se harmonizam as esferas psíquicas interiores. É nesse passo que
nasce a obra de arte, como expressão e materialização do psiquismo
do gênio, que fora fecundado pelas
musas (e pelos demônios), que lhe
deixaram a mente abaçanada, em
estado de vesânia. Porém, prenhe.
Interessante notar que a loucura,
às vezes, é como se fosse a normalidade mental vista com lente de
aumento desfocada. Muitos sinais e
sintomas clínicos são exacerbações
do comportamento normal. Assim,
alienados mentais serviram, e ainda servem, de modelo aos grandes
mestres da pintura, que deles extraíram e extraem a essência trágica da
natureza humana. Na atualidade,
no mundo ocidental, quem melhor
retrata essas figuras da miséria é
o grande Mestre Adelino Ângelo,
português de Vieira do Minho, verdadeira reencarnação de Goya, de
El Greco, o herdeiro da luz de Sorolla. Ilustra este artigo O louco, de
sua autoria, de grande força expressiva.” Guido Arturo Palomba que
sublinha os institntos como parte
integrante do Homem, como nenhum outro o conseguiu, a sua sapiência exige-lhe a fundamentação
de tão profunda observação. E de
forma magistral consegue dissertar
sobre arte, sem exercícios de erudição oca, mas tão só pela profundidade e saber que as suas «lições»
são capazes de transmitir. Guido
Arturo Palomba, um clínico pensador que encontra na Arte a janela do
sublime.
especial
12 outubro 2011
as artes entre as letras
15
“A cada passo um desafio a cada desafio
uma vitória”
A Câmara
Municipal de São
Paulo concede,
no próximo 18
de outubro, Dia
do Médico, a
Medalha Anchieta
e o Diploma
de Gratidão da
Cidade de São
Paulo ao actual
presidente da
Associação Médica
Brasileira e futuro
presidente da
Associação Médica
Mundial para o
ano 2011/2012. A
tomada de posse
será no Uruguai
em Montevideu.
Pela primeira vez
a língua lusófona
estará representada
em tão prestigiada
instituição, que
é equiparada
à Organização
Mundial de Saúde.
Pintura a óleo de José Luiz Gomes do Amaral por Mestre Adelino Ângelo
J
osé Luiz Gomes do Amaral
nasceu em São Paulo a 24 de
fevereiro de 1950, mas possui
dupla nacionalidade (brasileira/portuguesa). Graduado e pós-graduado
pela Escola Paulista de Medicina/
Universidade Federal de São Paulo
(EPM/ Unifesp), especializou-se em
Anestesiologia e Medicina Intensiva
com título de especialista reconhecido pela Associação Médica Brasileira, Associação de Medicina Intensiva
Brasileira e Sociedade Brasileira de
Anestesiologia. Entre 1983 e 1984, fez
especialização em Terapia Intensiva
na Faculdade de Medicina da Universidade Louis Pasteur, Strasbourg
(França). Tem título de doutor em Medicina reconhecido pela Faculdade de
Medicina de Lisboa. Entre o seu vasto
percurso académico e profissional, recebeu 14 prémios e multiplas homenagens; orientou nove teses de mestrado
e oito de doutorado. Iniciou a carreira
docente em 1980 na EPM. Atualmente, é professor titular da disciplina de
Anestesiologia, Dor e Terapia Intensiva. Também é professor livre docente
da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista
desde 1990. Faz parte de um amplo
número de instituições, tais como a
Associação Médica Brasileira, Associação Paulista de Medicina, Sociedade
Brasileira de Anestesiologia, Associação de Medicina Intensiva Brasileira,
Sociedade de Anestesiologia do Estado
de São Paulo, Sociedade Paulista de
Medalha Anchieta
e Diploma de
Gratidão da Cidade
de São Paulo
A Medalha Anchieta foi instituída
setembro de 1969. Assim como o
Diploma de Gratidão é entregue a
personalidades que tenham conquistado a admiração e o respeito
do povo paulistano. Várias personalidades já a receberam, entre
elas, o Papa João Paulo II.
Terapia Intensiva, Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos, Academia de Medicina de São Paulo, etc.
Foi conselheiro do CRM-SP, presidiu
a Associação Paulista de Medicina por
duas vezes (1999-2002 e 2002-2005)
e, atualmente, está na segunda gestão
na presidência da AMB. Faz parte do
Conselho da Associação Médica Mundial e presidiu por três anos ao Comitê de Assuntos Médicos e Sociais. Em
2010, foi eleito para presidir a insti-
tuição. A cerimônia de posse ocorrerá
este mês em Montevideu (Uruguai).
No campo das atividades culturais:
promoveu a reestruturação do suplemento literário; incentivou a reforma
e ampliação das instalações da Pinacoteca da APM, que é uma das maiores coleções privadas do país. As artes
plásticas são também uma sua paixão,
e vê no Mestre Adelino Ângelo uma
genealidade tocante. Na esfera musical, auxiliou o desenvolvimento de
programas que funcionam até hoje
como: Música em Pauta, Música ao
Meio-Dia, Clube do Jazz, Música Popular Paulista, Música nos Hospitais
e Festival Médico Músico. Participa
do programa Agita São Paulo e Agita
Mundo. No âmbito internacional, teve
parte na fundação e desenvolvimento da Comunidade Médica de Língua
Portuguesa, da qual é presidente até
agosto de 2011. Participa ativamente
da Confederação Médica Latino-Americana e Caribe e do Foro Iberoamericano de Entidades Médicas, buscando
a integração entre os médicos latinoamericanos e os da Península Ibérica.
Auxiliou na organização do Congresso
Médico do Centenário Brasil-Japão
que teve como objetivo reconhecer a
contribuição da imigração japonesa
para a Medicina brasileira. Atualmente, além das ações de solidariedade
como a missão AMB-SOS Haiti, articulação com o Ministério da Defesa e
com os Serviços de Saúde das Forças
Armadas para integrá-las à sociedade
médica civil, trabalha em projetos de
segurança no trânsito e de combate ao
abuso de álcool e outras drogas.
O Mestre Adelino Ângelo e sua
mulher, La-Sálett Magalhães, associam-se com muita amizade e
admiração àquele ato de grande
significado e de reconhecimento
mundial pelo trabalho de José
Luiz Gomes do Amaral na defesa
universal dos direitos humanos,
concretamente através do seu
empenho, de décadas, na defesa
da saúde do ser humano.
(Des)
Construções
de Margarida
António
«Ego», de Margarida António, inaugura amanhã
(13 de Outubro), pelas 18h30, no Palácio das Artes, no Porto. A mostra será “fundamentada nas
linhas harmónicas da Pietà, com a particularidade de a obra estar inacabada”. Serão expostas
bases da Pietà e cada dia, durante as (cerca de)
duas semanas de duração da mostra, a artista
plástica trabalhará sobre um quadro,“construindo e/ou desconstruindo a própria dinâmica da
base”. Explicando que a construção será feita
por “adição, colagem, grafismo e até pincelada”,
garante que “no final teremos um novo espectáculo visual, com a Pietà a ser encontrada com
outros valores plásticos”. Assim, no último dia,
26 de Outubro, haverá nova vernissage para
que as obras possam ser apreciadas já completas, não obstante Margarida António afirmar
que “a obra nunca está acabada”. A venda dos
trabalhos reverterá a favor da Comunidade de
Inserção Eng. Paulo Vallada, um equipamento social da Fundação da Juventude que visa
contribuir para a progressiva inserção social de
jovens mães.
arte
12 outubro 2011
as artes entre as letras
16
Graça Morais na Árvore
«A Caminhada do Medo», de Graça Morais – que será a homenageada deste ano do Prémio de Artes
do Casino da Póvoa de Varzim – é inaugurada no próximo dia 20, pelas 18h30, na Cooperativa Árvore,
Porto. A exposição de desenho e pintura fica patente até ao dia 12 de Novembro. “As peças de menor
dimensão, as colagens, dão a chave para os grandes desenhos e o modo como são compostos. Aí
se percebe a importância do registo fotográfico, dos apontamentos escritos em folhas de diário e a
sua recuperação posterior…”, escreve Laura Castro no catálogo da exposição. Graça Morais será a.
Inaugurações
no CPF
BLACK SOLSTICE 2010
Trabalhos de
José Rodrigues
em Bragança
De 15 de Outubro de 2011 a 8 de Janeiro de
2012, a exposição de escultura e desenho
«JOSÉ RODRIGUES - Travessias do Desenho e da
Escultura» vai estar patente no Centro de Arte
Contemporânea Graça Morais, em Bragança. A
mostra é organizada pela Árvore e promovida
pela Câmara Municipal de Bragança.
A exposição «A Rota do Vinho do Porto», de José Miguel Ferreira, é inaugurada no próximo dia 15 de Outubro. A
mostra pode ser visitada até 4 de Dezembro no Centro Português de Fotografia, Porto. No mesmo dia é também
inaugurada a exposição «Marín – Fotografias 1908-1940», patente até 18 de
Dezembro.
«Selvas»,
de Rik Lina
Está ainda patente no Fórum de Arte
e Cultura de Espinho até ao dia 23 a
exposição «Selvas» do pintor holandês radicado na Figueira da Foz Rik
Lina. Artista surrealista tem a América
Latina como fonte de inspiração: “A
minha paleta é tropical, toda a minha
pintura denota uma profunda ligação com a floresta tropical e as ‘selvas
coraliárias’. Embora os objectos e
motivos do meu trabalho sejam inspirados pela natureza, não é apenas
a realidade do mundo exterior que
me inspira. A Natureza é o meu único
Mestre, mas os seus irmãos gémeos:
sonho e imaginação estão também
presentes no meu trabalho”.
José Miguel Ferreira
crónica
12 outubro 2011
as artes entre as letras
17
Joaquim dos Santos Marinho
licenciado em economia pela UPorto
Os caminhos de Santiago
É
desde o século IX que os peregrinos caminham para Santiago de Compostela.
Peregrinos, em latim, escreve-se «Per
Argos» e são aqueles que «atravessam campos».
Têm como seu como seu símbolo uma concha,
normalmente uma vieira designada localmente
por «venera», costume que já vinha do tempo
em que os povos ancestrais peregrinavam a Finisterra.
Os caminhos espalhavam-se para toda a Europa
e vão todos entroncar aos caminhos franceses
que posteriormente se legam aos espanhóis, com
excepção das várias vias do Caminho Português,
que têm origem a Sul, e do Caminho Inglês que
vinha do Norte.
HISTÓRIA
O Caminho de Santiago entrou na história há
12 séculos, quando foram encontrados os restos
mortais do apóstolo Tiago, ou Santiago, na que
hoje é a cidade de Santiago de Compostela.
Esta rota une diversas zonas da Europa e Compostela vem sendo seguida por milhões de pessoas das mais variadas procedências. O itinerário
mais famoso é o chamado «Caminho Francês»,
que absorve a maioria dos caminhos vindos do
continente europeu e se dirige a Santiago atravessando o Nordeste de Espanha.
Existiram outros percursos não menos impor-
tantes idos de Portugal, do Sul de Espanha que
atravessava a cidade portuguesa de Chaves, e do
Oeste e Norte da Europa por via marítima.
O Caminho de Santiago atingiu o máximo esplendor nos séculos XI e XII e, depois, após a
contra reforma no início do século XVII por
Portugal. Nas últimas décadas voltou a ganhar
protagonismo, sendo convertido num itinerário
espiritual e cultural de primeira ordem. Foi declarado o Primeiro Itinerário Cultural Europeu
(1987) e Património da Humanidade na Espanha (1993) e França (1998).
CAMINHOS EXISTENTES
Os caminhos, geralmente, encontram-se sinalizados por setas de cor amarela, no chão, muros,
pedras, postes, árvores, estradas, marcos de granito ou concreto, e outros. Como regra, passou
sempre em frente à Igreja mais importante da
cidade.
Entre as várias rotas, delineadas desde a Idade
Média, destacam-se: Caminho Francês a partir
de Saint-Jean-Pied-de-Port, entra na Espanha
por Roncesvalles, no sopé dos Pirinéus e de lá
segue cerca de 800 quilómetros até Compostela. A este liga-se o Caminho Aragonês («Tranco
Aragonês»). Com saída em Somport, com cerca
de 900 quilómetros.
- Caminho de Prata («Via de la Plata») – com
dr
saída em Sevilha (Espanha) passando por Chaves e Ourense, é o mais longo e segue uma antiga
estrada romana a que os árabes chamaram algo
que, foneticamente, soava a «plata» e assim ficou o nome.
- Caminho Primitivo – com saída em Castroverde, estendendo-se por, aproximadamente, 140
quilómetros.
- Caminho do Norte – sai de Ribadeo e segue por
cerca de 220 quilómetros.
- Caminho Português – com várias alternativas. A maior parte dos caminhos portugueses
entroncavam em Valença do Minho, onde se
fazia (e faz) a travessia da fronteira para Tui e,
daí, estender-se por cerca de 130 kms. Do lado
português os percursos mais frequentados são a
partir de Fátima, do Porto ou Braga.
Nos últimos anos tem ganho relevo o percurso
Porto-Rates-Barcelos-Ponte de Lima-Valença,
como principal caminho português.
- Caminho da Ria Arousa
- Caminho inglês – parte de Ferrol ou de Caminha, estendendo-se, aproximadamente, 120
Km.. Surgiu a partir dos peregrinos das ilhas
britânicas que, devido à Guerra dos Cem Anos,
não podiam atravessar a França com segurança
e, assim, viajavam de barco até à Galiza e, daí, a
pé, até Compostela.
- Caminho de Finisterra – um prolongamento
francês pata os peregrinos que vinham de longe
terem a ideia que tinham chegado ao fim da terra (finis terrae), embora o ponto mais ocidental
da Europa seja, na verdade, o Cabo da Roca, em
Portugal.
Apenas os caminhos Inglês, Francês e Português
chegam a Santiago de Compostela; os outros
vão-se juntando a estes três durante o percurso.
O Caminho Finisterra une Santiago de Compostela e o Cabo Finisterra.
Os últimos 20 kms. do Caminho de Santiago de
Compostela é palco de um desafio que será registado. A partir da enorme pressão das redes
sociais para o relançamento dos trilhos Ferrorama existentes na década de 1980, a «Estrela»
compromete-se a relançar o produto no mercado
caso os fãs consigam fazer percorrer os últimos
20 km. Do caminho com apenas 110 m. de trilhos. Para isso os desafiadores terão que criar
uma logística de modo a retirar o caminho em
que o comboio já passou a recolocá-los na parte
dianteira da linha férrea. Todavia não se sabia se
os desafiadores poderiam receber apoio da população de Santiago de Compostela.
educação
12 outubro 2011
as artes entre as letras
18
Portugal deve unir educação,
ciência e tecnologia
«Educação: O futuro de Portugal» é o próximo tema a ser abordado, dia 13 de Outubro, nos Grandes Debates do
Regime, na Biblioteca Almeida Garrett, Porto, às 21h15. Artur Santos Silva, Carlos Fiolhais e Lurdes Rodrigues são
os convidados da iniciativa, promovida pela Câmara do Porto. Ao jornal As Artes entre As Letras, o professor de
Física da Universidade de Coimbra Carlos Fiolhais antecipou a sua perspectiva sobre a educação em Portugal.
Paulo Francisco Carvalho
Assente neste modelo educativo, que futuro
vê para o país?
Como vê o estado da educação em Portugal?
O sistema educativo português cresceu bastante em
quantidade nos últimos tempos, mas, apesar de alguns bons indicadores sectoriais, não cresceu em
qualidade de forma que nos possa satisfazer. É facto
que havia um grande atraso estrutural visível nos baixos níveis de qualificação da população activa e essa
situação, por mais esforços que se façam, demora a
colmatar. Mas basta olhar para comparações internacionais para vermos que estamos longe das metas
fixadas pelo «clube de países» a que pertencemos.
Em Abril de 2011 foi publicado um relatório da União
Europeia sobre educação e no que se refere ao nosso
país, as notícias são boas e más, nalguns casos muito
boas e noutros muito más. São boas no que respeita
ao aumento da frequência do ensino pré-escolar, bastante boas no que respeita à diminuição do número
de alunos com 15 anos com fraco desempenho em
leitura, matemática e ciências, e muito boas quanto
ao aumento do número de licenciados nas áreas de
ciência e tecnologia, em resultado do investimento
na ciência. Mas, apesar dos visíveis progressos, são
muito más quanto ao abandono escolar precoce
(um verdadeiro flagelo nacional), quanto ao nível de
educação atingido pela população jovem e quanto ao
número de pessoas que termina o ensino superior, e
más ainda quanto à aprendizagem ao longo da vida.
Esta deficiência de resultados tem lugar apesar de o
investimento público em educação em 2007 (5,3%
do PIB) ter sido acima da média da UE (5,0%). Portanto, o nosso investimento na área educativa está
longe de ser eficaz. O desafio agora é fazer mais com
menos, o que, convenhamos, não é fácil.
A Europa, com a colaboração do FMI, é que nos está
neste momento a ajudar para ultrapassarmos a crise
económico-financeira. Acredito que o nosso futuro
está na Europa, na sociedade do conhecimento que a
Europa quer ou devia querer construir em conjunto.
Para esse futuro na «casa europeia comum», terá de
haver convergência não só a nível económico-financeiro, mas também ao nível educativo. As duas áreas
dr
estão aliás ligadas intimamente: quanto melhor for a
nossa qualificação, melhor será o nosso desempenho
económico.
Quanto mais soubermos, mais seremos capazes de
fazer. Basta olhar para os países mais ricos, que são
aqueles que têm sistemas educativos mais eficientes. Sem ser irrealista, quero ser optimista. Poderá
demorar o seu tempo, porque em educação não há
ilusionismos nem magias (não se aprende instantaneamente!), mas estou convencido de que não
somos inferiores aos outros povos europeus. Temos,
porém, de assegurar que a escola forneça uma boa
preparação. E temos todos que nos empenhar na
escola. É uma questão de melhoria da organização,
mas é sobretudo uma questão de mudança de mentalidades. Queremos trabalhar mais e melhor na escola para amanhã sermos mais ricos?
O que considera urgente mudar?
Em Junho passado houve uma mudança de governo
e está a haver, na educação, um «choque» governativo. Unir a educação com a ciência e tecnologia
poderá ser bom para todos, até porque na ciência
os nossos progressos têm sido visíveis e pode haver
um efeito de «contaminação» na educação. Havia
algumas mudanças na educação que se impunham
e estão a ser feitas e outras que ainda se impõem. Estou a pensar na diminuição e desburocratização do
pesadíssimo ministério, na autonomia das escolas,
na paz com os professores (base do sistema educativo, mas que foram incompreensivelmente hostilizados), na auditoria a fundações opacas como a do
E-Escolas e a empresas endividadas como a Parque
Escolar, na revisão do programa Novas Oportunidades (cujo grau de exigência deixa muito a desejar),
na revisão dos programas (com orientações pedagógicas cheias de expressões ocas como o «aprender
a aprender»), na revisão do sistema de acesso ao
ensino superior, cheio de injustiças, na reorganização do sistema de ensino superior onde proliferam
instituições e cursos, na melhor formação inicial e
contínua dos professores, etc. Numa altura em que
o país está a ser sacudido por uma crise, a ocasião
é óptima para efectuar, na área crucial da educação,
mudanças profundas. Acima de tudo não devemos
ter medo de mudar.
“Os vícios do ensino são preocupantes”
Paulo Francisco Carvalho
“Pela maneira como os grandes autores são ensinados nas escolas portuguesas dá para ver que estamos
perto da catástrofe”. O alerta foi deixado por Vasco
Graça Moura no «2.º Seminário sobre Cultura e Sociedade», organizado pela Câmara do Porto. Para o
escritor, umas das grandes preocupações deve ser
com a educação, o que, entende, não está a acontecer. “Os vícios do ensino e o empenhamento dos
responsáveis são preocupantes. Mas o mais preocupante é que se está a caminhar para um alheamento
progressivo da herança cultural”, referiu, acrescentando que é uma responsabilidade “partilhada por
todos”.
Vasco Graça Moura, que já desempenhou funções
governativas, considera que Portugal devia reformar de alto a baixo as suas instituições de ensino, ao
mesmo tempo que alerta que a cultura não tem só
um papel identitário, é uma dimensão essencial na
democracia. “O Estado não deve condicionar a actividade cultural, mas também não deve omitir-se da
sua defesa e promoção”, concluiu.
Na mesma mesa redonda – «Uma política cultural
sustentável» – participou ainda Gabriela Canavilhas, que rejeitou a tese instalada de que não existe
uma política cultural no País e afirmou que a integração europeia foi fundamental para a criação de
uma estratégia. “Até 1986 Portugal era um deserto
em termos culturais. Do plano europeu têm chegado ciclos orientadores que têm sido cumpridos. O
paradigma cultural português foi marcado por esta
integração europeia”, referiu.
Para a ex-ministra da Cultura, “a única coisa que tem
faltado a este país é dinheiro para a actividade cultural. Só tem havido investimentos nos grandes ciclos”.
razoar X
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as artes entre as letras
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Paulo Ferreira da Cunha
[email protected]
Psicopatologia e Poder:
Uma Lição de Mentes Perigosas
S
ede de poder autoritária e demagogia, em contexto favorável, designadamente de crise, permitem o estabelecimento até de totalitarismos.
Se o autoritarismo é um traço de carácter
que pode ainda assim ser controlável no
contexto de regras democratizantes e de
controlo de poderes, com lideranças colectivas ao mesmo tempo fortes e democráticas
(únicas capazes de travar os ímpetos dos
autoritários), o problema pode tornar-se
muito mais sério quando temos perante nós
verdadeiros psicopatas.
Como explica a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva,
“Os psicopatas estão por toda a parte e no
dia a dia é possível encontrá-los em diversas
categorias profissionais. Em particular, em organizações e em empresas públicas ou privadas. (...)
Sem qualquer sombra de dúvida o papel de liderança em cargos como diretor, gerente, supervisor
ou executivo é sempre algo muito atraente para um
psicopata. Esses cargos, além de oferecerem bons
salários, proporcionam status social, poder e um
amplo território de atuação e influência.”1
O psicopata facilmente se revestirá da camuflagem
necessária para os seus fins predatórios, que visam
exclusivamente as divindades do tipo psicológico
em causa: poder, dinheiro e prazer. Essa camuflagem tanto pode ser a afectação de competência
técnica num emprego, desde logo maquinada por
formas inteligentes de engenharia na confecção de
curricula, como de um marketing pessoal de grande charme e eficácia.
Ora na política, pelo menos em certos casos (que
serão os mais frequentes), há da parte de quem já
está nas organizações uma ingenuidade confrangedora relativamente a quem bate à porta. Acontece
em partidos, movimentos, sindicatos, um pouco
por todo o lado. A ideologia, ou, no mínimo, a comunhão de causas, que deveria ser conditio sine
qua non para a admissão, em muitos casos se tornou “discreta” e difusa. Mesmo nos partidos mais
extremistas, em que a nota ideológica é ainda dominante e identificadora, a capacidade de verificação da coerência dos recém-chegados deixa muito
a desejar. Um psicopata facilmente se revelará conhecedor das cartilhas, dos tratados ideológicos,
da história do partido, da biografia dos seus líderes, e será um militante esforçado e dedicadíssimo,
uma excelente e invejável aquisição. Simplesmente, a sua ascensão será fulgurante, e terminará
sempre em proveito próprio.
O psicopata jamais é sincero. Quase se duvidará
se tem uma real identidade para além de ser uma
máquina ao serviço de si próprio, uma personagem
encenada na perfeição como máscara da sua sede
de poder, prazer e bens. Sem escrúpulos, o psicopata é um perfeito imitador das regras e até dos
altos ideais e valores de qualquer instituição em
que entre. Será santo nas igrejas, sábio nas academias, empreendedor nas empresas. Repetirá todos
os chavões que achar serem “abacadabras” abridores de portas. E não terá, como é óbvio, qualquer
sentimento, salvo os postiços, que são de vez em
quando úteis para a sua popularidade, prestígio,
boa reputação.
Agirá com plano frio, calculado, implacável. Não
necessariamente para cometer um genocídio, ou
um assassinato, ou um desfalque. Há psicopatas que se contentam com fraudes relativamente
pequenas, lugares comparativamente modestos.
Contudo, se a afecção for grave e aberto o espaço
das oportunidades, quem sabe até onde não subirão? E em muitos casos parecerão tão completamente iguais aos melhores dos outros, das pessoas
normais... Só que infernizando a vida destas, sempre que possam, sempre que sirva os seus interesses, ou somente o seu prazer pessoal de afirmação
do mando, por exemplo.
Atentemos de novo num trecho da referida psiquiatra, que não pode deixar de nos perturbar:
“A grande maioria dos psicopatas utiliza suas
atividades profissionais para
conquistar poder e controle
sobre as pessoas. (...) Muitos se
camuflam em pessoas responsáveis através de suas profissões. Nesse contexto, podemos
encontrar policiais que dirigem
redes de prostituição, juízes que
cometem os mesmos delitos
que os réus – mas no julgamento os condenam com argumentações jurídicas impecáveis.
Banqueiros que disseminam
falsos boatos econômicos na
economia. Também alguns lideres de seitas religiosas, que
abusam sexualmente de seus
discípulos, ou ainda políticos e homens de Estado
que só utilizam o poder em proveito próprio. Estes últimos costumam representar grandes perigos
pelo tamanho do poder que podem deter”2.
A conclusão da autora sobre a relação entre psicopatologia e política é clara, irrefutável e muito
preocupante:
“A política propicia o exercício do poder de forma
quase ilimitada. Poucos cargos permitem um exercício tão propício para a atuação dos psicopatas.”3
Para mais, o psicopata não é feliz. É incapaz de
partilha, diálogo real, vero amor. E essa insensibilidade mostruosa chega a redundar em desconhecimento da própria infelicidade. Uma espécie de cegueira moral profunda. Essa infelicidade deve ser
uma das razões da sua constante insaciabilidade,
acumulando cadáveres de adversários, despojos de
guerras, troféus de vitórias.
Em tempos que exigem balanço sobre o que têm
feito os políticos, não seria útil que se ponderasse
até que ponto têm faltado pessoas ponderadas e
sabedoras, intrinsecamente honestas, e não calculistas ou demagogos mediáticos, mais ou menos
sedutores ou desabridos? Quantos psicopatas governaram o Mundo?
NOTA:
1 BARBOSA SILVA, Ana Beatriz – Mentes perigosas, Rio de
Janeiro, Fontanar, 2008, p. 95.
2 Ibidem, p. 101.
3 Idem, Ibidem.
teatro
12 outubro 2011
as artes entre as letras
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Castro Guedes
encenador
Um projecto de teatro
para a diáspora portuguesa
e para a Europa
A
cultura continua a ser parente pobre no
poder político: independentemente dos governos ou oposições de todos e cada partido
parlamentar. Não apenas em termos de dotação orçamental, nem da ausência de debate ou relevância
em programas eleitorais. O que é realmente grave, do
lado do poder político – do «meio» e suas (ir)responsabilidades não me tenho cansado de trazer críticas
públicas e publicadas –, é que falta um sentido da sua
compreensão estruturante e da dimensão repercussiva no próprio desenvolvimento económico produtivo indirecto e mesmo directo, podendo contribuir,
inclusive, para a nossa afirmação internacional. Não
é por acaso que em todas as situações
de dominação (colonial ou de invasão ou de aglutinação de nações sob
uma mesma tutela política) que uma
das primeiras formas de «despersonalização» passa pela língua e mesmo pela destruição de monumentos
e a ocultação de factos históricos, limpando-os das memórias dos povos.
Chegar à nossa diáspora multi-geracional é decisivo na preservação da
sua ligação às origens, independentemente da miscigenação que origina
um comportamento cultural híbrido.
Tanto mais quanto em «lugares-chave» da economia, do meio académico
ou mesmo da administração pública
e política, os luso-descendentes que
lá se encontram podem ajudar a fazer
permanecer algum rasto «genético»
da nossa cultura. E isso é crucial na abertura de Portugal ao Mundo, sobretudo na perspectiva das portas
do Mundo abertas a Portugal: para lá de modelos
económicos, sociais e políticos. Estes modificam-se
na História, mas a matriz identitária dos povos, mesmo que adaptando-se a cada período, mantém alguma coisa de inalterável, radical (de raiz).
Se no livro traduzido ou no cinema legendado, por
via da tradução, o problema pode ser contornado e
na música, na dança ou nas artes plásticas a questão
não se põe na comunicação com um falante de outra
língua, a questão do teatro é completamente diversa.
Haverá quem diga que também se pode aplicar a legendagem e é certo, mas o contacto «reforçante» da
língua com a diáspora é, do meu ponto de vista (e isso
diria que mesmo nas demais expressões literárias e
artísticas), mais estruturante a prazo («impressão
digital» duradoira) do que marcar presença numa
Bienal em Veneza ou no Festival de Avignon… O que
não sendo despiciendo, não pode ser (até por razões
de proporcionalidade de poder económico) verdadeiramente competitivo.
No teatro (até porque «aglutinador» de expressões
artísticas diferentes), enquanto elemento activo de
expressão humana ao vivo podemos ter uma «gazua»
junto das comunidades locais de outros países, para a
«compreensão» e «atenção» de e a Portugal através
da própria diáspora. Mas de forma estruturante e não
pontual: a criação de uma companhia portuguesa de
teatro para actuar Europa fora é uma questão que se
pode e deve pôr. Obstaculiza-a o momento de retracção económica e contenção de custos, embora grande parte do que no teatro se tem feito de errado não
resida principalmente na falta de verbas, mas na sua
dispersão e aplicação não-estratégica, não avaliada
(nem sequer fiscalizada). Com pouco mais dinheiro
– mas com critérios rigorosos, sem desperdícios, com
exigência de gestão económica mais rigorosa e artística mais adequada a cada realidade sócio-geográfica –
poder-se-ia, em 4 ou 5 anos, obter resultados visíveis.
(O que em legislaturas de 4 anos é uma temeridade).
Desde logo, porque um «pontapé de saída» só pode
partir do poder político (alargado da tutela da Cultura às da Educação, Ciência, Economia, Turismo,
Negócios Estrangeiros e mesmo Presidência da República), mas, como certos interesses corporativos,
arrastando oportunismos políticos, farão tanta berraria, não parece que possa haver grande esperança.
Todavia, para um dia se fazer, tem de se alargar para
lá dos horizontes da administração pública. Tem de
se chamar à participação activa os mundos académico e científico, apoios empresariais (mecenáticos,
mas não só: mesmo como «oportunidades de mercado» indirectas) e de uma larguíssima sustentação
e enraizamento na própria diáspora,
numa «construção» sentida como
dr
sua também.
Com uma direcção artística (aberta à
pluralidade estética e chamada de diferentes encenadores portugueses), e
elencos residentes de pelo menos 5
anos para potenciar recursos humanos, reportórios e materiais, realizando e repetindo em diferentes países
produções de longa duração «em
carteira», tanto fazendo temporadas
sazonais nas grandes metrópoles europeias, quanto sendo «promotora»
de núcleos (amadores) em outros
centros mais pequenos, onde haja
portugueses. Provavelmente preferencialmente no Luxemburgo, dada
a posição geográfica na Europa e a
importância económica, social, gregária e percentagem populacional de portugueses aí
residentes.
Porém, infelizmente, devemos estar muito longe de
lá chegar ou tão pouco reconhecer o significado de
uma tal «caravela hodierna». A «classe», em grande
parte, sentir-se-á ameaçada pelo «prejuízo» no seu
cofre de migalhas. E é previsível que – maioritariamente no xadrez político – as direitas o achem «sem
interesse prático» e as esquerdas saem em defesa
dos lóbis de quem dependem para se apresentarem
como as «detentoras exclusivas» da intelectualidade.
Mesmo assim, como na maioria das coisas que escrevo, esta aqui fica como registo para «memória
futura».
teatro
12 outubro 2011
as artes entre as letras
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Maria Luísa Malato
professora universitária
O teatro no arquivo distrital
do Porto parábola do semeador
N
o dia 25 de Outubro, pelas 17h30
(colocar na agenda), o Arquivo Distrital do Porto, situado na Rua das
Taipas, apresentará ao público interessado
uma invulgar colecção de teatro: a que foi
reunida por José Vitorino Ribeiro, e depois
por seu genro, o empresário de teatro Luís
César de Lemos. O documento mais antigo
é de 1774, o mais recente de 1961, muitos
são da segunda metade do século XIX,
mas são especialmente curiosos os que
acompanham as mudanças políticas do
primeiro quartel do século XX, sobretudo
em géneros teatrais especialmente corrosivos, como a Revista. Talvez seja quase
simbólico começar as actividades do ano
escolar por este evento e levar lá alunos,
colegas e amigos. Já longe o São Miguel e
as colheitas, o mês de Outubro está ainda
livre para nela colocar breves momentos, pequenas sementes que hão-de certamente dar muitos frutos. Na verdade,
o espólio teatral que a partir de 25 de
Outubro vai estar disponível no Porto
pode ser visto como uma narrativa em
que as velhas metáforas da “cultura”,
nos parecem cultura viva, real.
“Eis que o semeador saiu a semear”.
Sementes. O que encontraremos no
Arquivo Distrital serão coisas simples
e miúdas, coleccionadas com a minúcia e óbvio carinho das coisas pequenas: recortes de notícias, programas, bilhetes, libretos,
argumentos, postais, fotografias, cartas, e até um
frágil guardanapo de café, com quase cem anos,
impresso para divulgar a mágica “O Gato Preto”. Os recortes estão por vezes metidos entre as
folhas do libreto correspondente, os postais de
actores e actrizes colados em álbuns à medida.
Por alguma razão José Vitorino Ribeiro ganhou
a alcunha de “Formiguinha”. Há coisas grandes
feitas de pequenos nadas, que os outros achavam
inúteis e deitavam fora.
“Uma parte da semente caiu ao pé do caminho,
e vieram as aves e comeram-na”. Lança-se a semente e não se sabe o tamanho que a árvore atingirá. A cultura é feita assim, de coisas pequenas
que se transmitem às gerações seguintes, confiando na sua grandeza. E por isso, na cultura,
nem sempre quem semeia é quem colhe. Quase
nunca é. Por isso são notáveis estas colecções
que resistem ao tempo, ainda que encerradas
em casas particulares, em deficientes condições
de conservação, sujeitas às oscilações da temperatura, à acidez das tintas, à gula da “Lepisma
Saccharina”.
“E outra caiu entre espinhos e os espinhos cresceram, e sufocaram-na”. É de louvar o sentido cívico de quem doa uma colecção, e a concebe para
além do que é um bem de família e um acervo
pessoal. Os herdeiros dos dois coleccionadores
(Maria Branca e Luísa César de Lemos, M. Isilda
e Jorge Ribeiro Vieira) tiveram como único benefício encontrar no Arquivo Distrital uma casa
aberta para aquilo que estimavam: existe nessa
visão do bem público uma óbvia generosidade. O
melhor que pode fazer o serviço público é honrar
essa generosidade, divulgando o que guarda.
“E outro caiu em boa terra e deu fruto”. O bem
público, porém, é um valor complexo, feito do que não se vê, do que se
verá: precisa de instituições com visão. O co-financiamento da Fundação
Calouste Gulbenkian permitiu ao Arquivo Distrital do Porto avançar mais
rapidamente com a recuperação, tratamento e organização da Colecção de
Documentos das Artes Cénicas. Trabalho silencioso mas inestimável. Numa
biblioteca, um livro não catalogado é
um livro inexistente. Os investigadores
e os leitores muito têm a agradecer aos
arquivistas que pacientemente limpam,
higienizam, identificam, descrevem e
classificam as centenas de documentos
que aparecem depois com uma simples
cota. Ainda mais neste caso, rico em
complexidades arquivísticas, documentos únicos, para os quais se criou um
acesso fácil e o mais completo possível,
fruto das competências muito distintas de
Maria João Pires de Lima, Conceição Meireles, Rui Esperança, Raquel Patriarca, Joana Moreira, Edite Pereira e tantos outros.
Veja-se o link criado para a colecção, por
ora integrado no site do Arquivo:
http://pesquisa.adporto.pt/cravfrontoffice/default.aspx?page=regShow&searchMo
de=bs&ID=1390367
“E deu fruto: um a cem, outro a sessenta, e
outro a trinta”. Cada secção arquivística é um
insuspeitado manancial de investigação, de géneros injustamente menosprezados: Vaudeville,
Bailado, Comédias, Mágicas e Fantasias, Paródias, Farsas, Zarzuelas, Dramas, Revista… Até
como afronta ao espírito censório: Fado da Situação, À Roda da Política, Salada Russa, Posso
desabafá?... Uma carta de Emília das Neves, que
alguns criam analfabeta, agradece a Manuel de
Brito Camacho o livro em sua honra, A Linda
Emília. É óbvia a riqueza linguística da expressão popular e onomatopaica (Gato sapato, Favas
contadas, Rataplan, Tic-tac, Zig-zig-zig-bum,
Tam-tam…). Até laivos de utopia a investigar: S.
Paulo futuro, Novo mundo, No país do Tirismo,
Torre de Babel…
“Quem tem ouvidos para ouvir, ouça”.
república
12 outubro 2011
as artes entre as letras
22
Ana Lídia Rouxinol Sampaio Dias
estudante
A República,
o meu discurso
Q
uando há cem anos, precisamente no dia 5 de
Outubro, um punhado de portugueses corajosos, bem intencionados e movidos pelos ideais
políticos republicanos e por uma força indómita de pôr
o seu país no rumo do progresso social e económico, implantou a República Portuguesa, quis mudar o regime
político e colocar o poder na soberana vontade do povo a
que pertenciam. Esses homens generosos, na sua maioria intelectuais e livres-pensadores, tinham consciência
que não bastava derrubar um regime que há muito estava moribundo e ridicularizado aos olhos das outras
nações, ferindo o orgulho nacional. Eles sabiam que era
necessário operar uma mudança cultural
que só seria viável através da implementação de uma reforma política estrutural
muito profunda cujos frutos só se poderiam
colher, uma ou duas gerações após o seu
início. Refiro-me obviamente à educação
e ao ensino primário gratuito e obrigatório
para todos, dos 7 aos 10 anos de idade.
João de Barros e João de Deus foram duas
das figuras da primeira República que mais
se destacaram na prossecução deste ideal,
na consideração de que só um povo instruído era verdadeiramente livre. O sonho
dos ideólogos da revolução de 1910 fazia-os
acreditar na utopia de que a escola única,
independentemente das mudanças políticas e económicas, garantiria inequivocamente a fraternidade e felicidade universais.
A História tem-nos revelado muitas das dificuldades
pelas quais passou esta nossa República, jovem de um
século, se olharmos positivamente para tudo quanto foi
possível realizar, graças à concretização da idealizada
mudança cultural, ou talvez um pouco velha demais, se
olharmos para as oportunidades perdidas de cumprir
a parte do ideário republicano e os desígnios nacionais
que não ousamos realizar, quiçá, por não termos sido
capazes de nos unirmos em torno do essencial, perdendo-nos nas nossas diferenças, nos detalhes e pormenores, sem conseguir enxergar a grandeza do nosso dever
colectivo e bem comum.
Nunca será demais revisitar o pensamento das mais notáveis figuras que estiveram na génese da nossa República para, desse modo, inculcarmos melhor os valores
da ética e da cidadania republicana.
Correndo o risco de deixar de fora algumas das figuras de proa, não resisto a recomendar a indagação do
pensamento e acção de Teófilo Braga, António José de
Almeida, António Sérgio, José Relvas e Guerra Junquei-
Apelo à chamada classe política, aos homens e mulheres de Ciência, aos intelectuais, aos académicos, aos
professores, às instituições de ensino de todos os graus,
às associações de pais e encarregados de educação e aos
estudantes para que, em conjunto, repensem o modelo
de escola e de universidade que temos actualmente em
Portugal e se mantenha tudo quanto não carece nem
deve ser posto em causa, mas que ponderem o que pode
ro, homens cujo pensamento e intervenção pública me
ser melhorado e aprofundado, para que se aprenda tudo
merece o maior respeito e admiração, pelo desapego às
quanto se deve saber, valorizando até ao limite o potenmordomias, pela coerência das ideias e da acção e, princial de energia criativa que existe em todas as pessoas
cipalmente, pelo alto sentido de Estado, pelo uso correcem idade e/ou com vontade de aprender.
to e honesto da coisa pública e do bem comum.
A escola que temos não é tão má como por vezes a queEsse exercício de permanente recuperação das ideias
rem pintar, mas se reflectirmos melhor, sem medo da
originais daqueles republicanos que se bateram por
crítica e assumindo uma atitude construtiva, a escola
um Portugal melhor, socialmente mais justo e solidáe a universidade podem ser ainda melhores, enquanto
rio, por um Estado que estivesse sempre ao serviço do
espaços de formação e qualificação dos cidadãos, perbem público e comum e por um regime político, em
mitindo-lhes adquirir para a sua vida pessoal e colectiva
que a Liberdade de expressão e de escolha, bem como
conhecimentos e ferramentas de trabalho que lhes daa Democracia eram valores inalienáveis, devia ser pratirão as melhores garantias de inclusão e integração social
e profissional.
Luís Filipe Catarino/Presidência da República
O trabalho, a responsabilidade e a honra
são igualmente valores republicanos que se
fundem numa consciência ética aguda, interiorizada por alguns dos vultos mais destacados da primeira República que levaram
a prossecução desse ideário até às últimas
consequências.
Seria bom que a comunidade nacional pusesse os olhos na vida e obra de homens
como os pioneiros do movimento republicano e não receasse adoptar o seu exemplo
de vida e pensamento como modelo, cuja
coerência, consistência e validade se mantêm inteiramente actuais.
Se soubermos e quisermos ser exigentes, se
cado frequentemente por todos, mas especialmente por
não prescindirmos de participar na vida da comunidade
aqueles a quem são entregues responsabilidades transilocal em que vivemos e na comunidade nacional a que
tórias de conduzir os destinos das instituições públicas,
pertencemos, se formos responsavelmente críticos e
da governação política nas comunidades locais e da coconstrutivos, se não temermos o trabalho e se não tivermunidade nacional.
mos medo de sentir orgulho de Portugal, da sua História
Dos meus 17 anos de idade, porventura timbrados pela
e da nossa herança cultural e se não tivermos medo de
ténue experiência de vida e visão do Mundo apenas
existir, porque havemos de temer o futuro?...
suportada nos livros e demais fontes de informação ao
Abracemos com confiança e determinação os ideais remeu alcance, exorto todos os meus concidadãos, em
publicanos e o Portugal do futuro será um Portugal de
particular aqueles que estão, como eu, na flor da idade,
esperança...
a abraçar o ideal republicano, fazendo dele um ideal de
Termino dando graças a Deus, pela família e pelo país
vida pública, pautado pelos valores de uma cidadania
onde nasci!...
participativa que encara a Justiça, a Igualdade, a FraterViva PORTUGAL!...
nidade, a Solidariedade Social e a Acção Política como
uma missão cívica cuja finalidade última é o Bem CoNOTA:
mum.
Discurso proferido nas comemorações do 5 de Outubro,
em Lisboa. A jovem maiata foi a vencedora do concurso
Para que este desiderato republicano seja alcançado
nacional «A REPÚBLICA, O MEU DISCURSO EM 2010»,
na sua plenitude, o caminho é só um – Educação e um
promovido pela Comissão Nacional para as Comemorações
do Centenário da República.
Ensino de qualidade para todos preferencialmente graFoi a primeira vez que um cidadão sem responsabilidades
tuito, obrigatoriamente rigoroso e exigente, para profespolíticas fez parte das comemorações oficiais do Dia da
sores e estudantes, tornando-se assim mais estimulante
Implantação da República Portuguesa.
e fonte de desenvolvimento humano e social.
república
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as artes entre as letras
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Paulo Ferreira da Cunha
[email protected]
Republicanos ou Publicanos?
A Constituição de 1911 e a Concretização da II República
H
averá ainda alguma coisa a dizer sobre a República?
As comemorações oficiais, e as anti-comemorações monárquicas, com direito a troca de bandeira em edifícios públicos e outras acções de propaganda
(graves, mas redimidas pelo bom humor), não esgotaram já o tema?
Que interesse pode ainda ter essa questão de regime,
quando pesa sobre nós o permanente espectro não se
sabe bem do quê (mas nada de bom) decorrente de,
aparentemente, alguns terem gasto o que não era deles, tendo nós agora que pagar, não se sabe bem como?
A verdade é que, como muito argutamente observou
Chesterton, mesmo quando Roma arde é preciso estudar hidráulica. É o que se passa com a República.
Temos de continuar a reflectir sobre a nossa II República (não III República, porque o Estado Novo não
foi República, mas ditadura), e só reflectindo é que se
poderá agir para, renovando-a, a concretizar. Porque
ninguém creia que ela foi concretizada – basta ler a
Constituição e comparar com a realidade.
Só concretizando a Constituição se poderá então julgar
a II República. Alguns pretendem uma IV República
(curiosamente não pedem uma III). Mas para quê
mudar de figurino se este ainda não foi devidamente
estreado? Ao mesmo tempo que alguns clamam por
nova República (ou uma restauração) na verdade visase impedir que a II República seja ela mesma: com o
retrato que dela está na Constituição.
Cem anos se celebraram da implantação da I República, que, como foi abundantemente dito, não pôde
obviamente ser um regime perfeito, mas foi incomensuravelmente mais justa e livre, e até mesmo financeiramente eficiente (chegou a ter o tão invejável superavit), que as nossas monarquias.
A sua promessa social não conseguiu, é certo, efectivarse, mas progrediu-se imenso na educação, e deram-se
alguns passos noutros domínios (por exemplo no domínio da família), conforme o agonismo social, a conjuntura internacional e as disponibilidades do tesouro
foram permitindo.
Concede-se que os governos se sucederam rapidamente, mas tal não é tão grave quanto o querem fazer crer
os incensadores da pretensa estabilidade salazarista,
esquecendo por um lado que, na época, as coisas não
dependiam tanto do governo (e disso havia então plena
consciência, ao ponto de ser afirmado na imprensa), e,
por outro, que o próprio Salazar, exemplo magno de
estabilidade, abatia os seus ministros, despedindo-os
frequentemente, e por via de um simples cartão.
Micro-Bibliografia
CLEMENTE, Manuel, 1810-1910-2010. Datas e
Desafios, Lisboa, Assírio & Alvim, 2009.
FERREIRA DA CUNHA, Paulo, O Essencial sobre
a I República e a Constituição de 1911, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2011.
____, Para uma Ética Republicana, Lisboa, Coisas
de Ler, 2010.
RIBEIRO, Renato Janine, A República, 2.ª ed., São
Paulo, Publifolha, 2008.
SALGADO DE MATOS, Luís, Tudo o que Sempre
Quis Saber sobre a Primeira República. Em 37 mil
palavras, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais,
2010.
____, A Separação do Estado e da Igreja, Lisboa,
Dom Quixote, 2011.
Outra das grandes críticas à I República é a que deriva da questão religiosa. Estudos novos, e olhares mais
tolerantes de parte a parte já compreenderam que o
fanatismo anticlerical foi localizadamente de certos
grupos, que os governos rapidamente procuraram as
pazes com a Igreja e que, afinal de contas, esta viria a
ganhar com a sua separação do Estado, porque se encontrava, afinal, sob tutela da coroa durante o período
monárquico. Acresce que a separação das coisas de
César das de Deus é lição original do evangelho cristão,
curiosamente esquecida por alguns. Claro que houve
abusos, vexames a membros do clero, e alguns perpetrados à sombra da lei. Mas a História viria a provar
que os herdeiros da República aprenderam a lição. E
nos tempos difíceis de 1975, muitos republicanos e católicos estiveram de mãos dadas pelas liberdades. Esses momentos fundariam afinal a nossa II República.
Laica, certamente, e exemplo de boa convivência entre
duas entidades que jamais tiveram existência pacífica ao longo de toda a monarquia – alguns reis foram
mesmo excomungados, e pelo menos um foi-o duas
vezes...
A I República e a Constituição de 1911, pela sua prática,
legaram assim lições que fomos aprendendo.
Não temos hoje nada a temer em instabilidade governativa, porque, precisamente a lição da que ocorreria
na I República (fruto de uma elaboração apressada
do texto e da mudança brusca e não consequente
de modelo: do presidencialismo para o parlamentarismo) já permitiu que a vigente Constituição, de
1976, tenha encontrado mecanismos correctivos de
governabilidade. E podemos afirmar sem vergonha o
nosso Parlamentarismo moderno: não precisamos de
lhe chamar, à francesa, “semi-presidencialismo”.
Nada igualmente há a temer de radicalismos ideológicos, nem intolerâncias, porque também essas lições já
foram também aprendidas.
Contudo um perigo subsiste. A I República caiu pela
falta de élan, pela descrença, pelo abatimento, pela
apagada e vil tristeza em que se afundam os regimes
que perdem a alma, porque alguns (nunca todos!) a
vendem ao diabo.
Os Estados precisam, obviamente, de finanças sólidas. É tão óbvio que não se entende a monomania
financista que ameaça secar em seu torno qualquer
outra temática pública. Mas as Repúblicas em especial
não podem contentar-se com o valor seguro da moeda. Precisam do mais fundante valor dos valores: de
uma ética que, antes de mais pelos políticos, difunda o
exemplo das virtudes cívicas.
Não são estas, mais uma vez, recordações da casa dos
mortos da Antiga Roma. São necessidades momentosas e vitais para a nossa República, e para a grande Res
Publica europeia. Casa comum ainda com algumas cabeças coroadas, é certo, mas que constitucionalmente
já adoptaram o princípio republicano de governo. E
isso é, na verdade, o mais importante: embora poucos
o queiram entender.
O esforço a fazer, se queremos ser mesmo republicanos, é muito exigente: antes de mais, educarmo-nos e
às novas gerações para a exigência, o rigor, o sacrifício,
mas também para o júbilo do serviço à Coisa Pública.
A alternativa é hoje muito simples: queremos um Estado republicano ou um Estado meramente publicano?
NOTA:
Texto que reflecte a intervenção final nos colóquios
que decorreram nos passados dias 6 e 7 de Outubro, na
Faculdade de Direito da Universidade do Porto.
em notícia
Lídia Jorge na
biblioteca de Valongo
O VI Ciclo de Escritores encerra sexta-feira (14 de
Outubro), pelas 21h30, com Lídia Jorge que apresenta o livro «A noite das mulheres cantoras».
Licenciada em Filologia Românica, a escritora
publicou 19 obras, entre romances, antologias
de contos, ensaios, literatura infantil e teatro.
Hoje, pelas 10 horas, será José Carlos Moutinho
a apresentar o livro de poesia «Cais da Alma», da
Editora Edium, e amanhã (13) é a vez de «Angola: um amor impossível», da Editora Fronteira do
Caos, da autoria de António Passos Coelho. Pelas
21h30, o professor Sérgio Veludo Carvalho apresenta a obra editada este ano do médico pneumologista, natural de Vila Real, com percurso pela
vida política e literária, publicou trabalhos sobre
pneumologia, colaborou em revistas, conferências e comunicações. Publicou dois livros de contos «Gente da minha terra» em 1960, e «Histórias
selvagens» em 1963, um livro de poesia «Material
Humano» em 1997 e «Caramulo» em 2006.
Moita Flores, António Lobo Antunes, Luandino
Vieira, Rosa Lobato Faria, Júlio Magalhães, Mia
Couto foram apenas alguns dos nomes que já
participaram nas anteriores edições d’ «Os Escritores visitam a Biblioteca”, uma iniciativa que visa
a promoção do livro e da leitura, dinamizada pela
Biblioteca Municipal de Valongo.
«Dar de caras com…»
em Espinho
A sala polivalente da Biblioteca Municipal José
Marmelo e Silva, Espinho, recebe amanhã, às
21h30, a Companhia de Teatro e Marionetas de
Mandrágora para uma noite de conversa onde
será possível conhecer melhor este grupo profissional de teatro, que agora é residente em Espinho. A sessão «dar de caras com…» é uma iniciativa do pelouro da Cultura da Câmara Municipal.
Encontros
de Piano do Porto
Francisco Reis e Alberto Menjón tocarão a Sonata op. 27 n.º 2, de Beethoven, Suite 1933, op.
26, de Hindemith, Prelúdio e Fuga em Si Maior,
2.º volume, de Bach, e Sonata n.º 3 op. 58, em
Si menor, de Chopin, amanhã (13 de Outubro),
às 21h30. Com direcção artística de Maria José
Souza Guedes e Luís Meireles, o concerto insere-se nos Encontros de Piano do Porto, oferecidos pela Fundação Eng. António de Almeida,
no Porto.
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Eugénio Lisboa:
vário, intrépido e fecundo
Atenta à excepcional trajectória académica e científica de Eugénio Lisboa, a Universidade de Aveiro
(UA) presta-lhe homenagem com o lançamento de
um livro intitulado «Eugénio Lisboa: Vário, Intrépido
e Fecundo – Uma Homenagem», em sessão aberta
ao público, a realizar no dia 22 de Outubro, pelas 16
horas, no auditório da reitoria. A UA homenageia
Eugénio Lisboa, engenheiro, diplomata, poeta, crítico, ensaísta que, no termo de uma longa e activa itinerância repartida por vários países, ocupou, entre
1996 e 2002, a convite de Júlio Pedrosa, então reitor
da UA, o lugar de professor catedrático visitante, leccionando Literatura Portuguesa e Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa, no Departamento de
Línguas e Culturas.
O encontro decisivo, em 1954, com a figura tutelar
de José Régio, e uma irrepressível paixão pelas Humanidades levam este engenheiro de formação, a
enveredar definitivamente, pelo domínio da Literatura (nas suas diversas vertentes: criação literária, crítica e ensaio) e da cultura, desempenhando,
durante 17 anos, o cargo de conselheiro cultural na
Embaixada de Portugal em Londres, entre 1978 e
1995. A docência em várias universidades nacionais
e estrangeiras será, a par da sua missão de diplomata, uma constante da sua actividade profissional.
Eugénio Lisboa, nas palavras da professora Otília
Martins, “do conjunto das actividades do engenheiro, com alma de poeta e defensor de uma
cultura humanista e universal, ressalta a impressão
de diversidade, totalidade, complexidade, tendo,
no domínio da crítica literária, participado mesmo
de uma verdadeira ‘inovação’, para não dizer ‘revolução’”. A docente da UA acrescenta ainda que “de
um envolvimento inicial nas diversas ‘ciências duras’
até à paixão pelas ciências humanas, o percurso de
Eugénio Lisboa foi profundamente marcado pelo
modo como soube conciliar o ‘uno e o diverso’. Enfim, como o descreve Ernesto Rodrigues, Eugénio
Lisboa é ‘vário, intrépido e fecundo’”.
A sessão, que abrirá com uma alocução do reitor
«O que é a
América hoje»
«Como se constrói uma identidade» é próxima
conferência do ciclo «O que é a América hoje».
No dia 13 (amanhã), às 21h30, a sala 2 da Casa
da Música recebe os oradores Clara Ferreira
Alves e Michael Biberstein, com moderação
de Ricardo Alexandre. A organização diz que
“a ideia estrutural deste ciclo de conferências
é interrogar a que é que corresponde no mundo contemporâneo um país que, para muitos,
é um mito, um modelo, o futuro, o que resta
ainda desse ADN original, dessa primeira ideia
do que significa ser americano”.
da UA, Manuel António Assunção, conta com a
intervenção de individualidades convidadas e do
próprio homenageado. Haverá ainda um espaço
dedicado à música clássica (a cargo do DECA) e à
poesia de Eugénio Lisboa interpretada pelo poeta
e ensaísta Carlos Carranca e pela cantora Amélia
Muge. A apresentação da obra que, sob a forma de
Festschrift, reúne 73 textos de autores diversos (ensaios, poemas, cartas, testemunhos), estará a cargo
da professora Otília Martins e do professor Onésimo
Teotónio Almeida, da Brown University, coordenadores do volume, que tem a chancela da editora
Opera Omnia. A sessão de convívio com Eugénio
Lisboa, colaborador de, entre outras publicações,
do jornal As Artes entre As Letras, que lhe prestou
uma evocação em 2010 (ano em que completou
80anos), contará ainda com um vídeo, a intervenção do próprio, terminado com um jantar/convívio.
Inscrições
para a OfiCena2
Estão abertas as inscrições até 28 de Outubro para a OfiCena2 – Oficina teatral
para jovens que o Teatro Municipal da
Guarda promove, através do seu Serviço Educativo. Destinada a jovens entre
os 14 e 18 anos, a iniciativa realiza-se de
Novembro a Maio de 2012 numa periodicidade semanal. A OfiCena2 será orientada por Élia Fernandes e Victor Afonso,
ambos do Serviço Educativo do TMG.
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em notícia
Prémio Nobel da Literatura de 2011
O poeta sueco Tomas Transtroemer mostrouse muito emocionado com a atribuição do
Prémio Nobel da Literatura: “Não acredita
que pudesse viver para assistir a isto”, afirmou à imprensa sueca a mulher do escritor,
Monica Transtromer, revelando que o marido
ficou muito “feliz” e “emocionado” com a distinção. A reacção à atribuição do prémio foi
avançada à imprensa pela mulher de Tomas
Transtromer, que, devido a um AVC (acidente
vascular cerebral) sofrido em 1990, ficou paralisado em metade do corpo e sem fala. Monica Transtromer acrescentou que o poeta se
sentiu “à vontade com todas as pessoas que
o foram felicitar e fotografar”, embora não escondesse a surpresa de ter sido condecorado.
Com esta distinção, Tomas Tranströmer, de 80
anos, torna-se o sétimo autor sueco a ser premiado pela Academia do Nobel.
Tomas Transtroemer é o mais conhecido dos poetas
escandinavos vivos, cuja obra explora a relação entre a nossa intimidade e o mundo que nos rodeia.
Estreia de «Não se
Brinca com o Amor»
No próximo sábado, 14 de Outubro, os Artistas Unidos sobem ao palco do Centro
Cultural Vila Flor, em Guimarães, com uma
peça escrita em 1834 por Alfred de Musset e nunca apresentada em Portugal. O
autor tem 24 anos quando escreve «On ne
badine pas avec l’amour», onde brinca e é
o seu maior encanto, a marca de um novo
teatro, assim como se diz uma nouvelle
vague. Humilhado, magoado, o jovem poeta regressa de uma estadia em Veneza,
em que julgou morrer de amor. A verdade
é que sobreviveu e vingou-se literariamente. «Não se Brinca com o Amor», com
encenação de Jorge Silva Melo, conta a
história daquela morte parcial.
«Estocolmo»
até ao dia 16
«Estocolmo», peça com texto original do poeta
Daniel Jonas e encenação, cenografia e figurinos
de Ana Luena, ainda está em cena no Teatro Carlos
Alberto, Porto, até 16 de Outubro. Esta peça finaliza um ciclo de cinco espectáculos, iniciado há dois
anos pelo Teatro Bruto, centrado no mito de Prometeu e nas figurações do monstro, que conduziu
incursões ao imaginário de figuras como Frankenstein. Esta é a mais recente co-produção entre o Teatro Bruto e o Teatro Nacional de São João.
dr
Psicólogo de formação, Transtroemer sugere que
a análise poética da natureza permite mergulhar
nas profundezas da identidade humanas e da sua
dimensão espiritual. “A existência de um ser
humano não acaba onde os seus dedos terminam”, declarou um crítico sueco sobre
alguns poemas de Transtroemer, que classificou como “orações laicas”. O prestígio de
Transtroemer no mundo anglófono deve-se
sobretudo à sua amizade com o poeta norteamericano Robert Bly, que traduziu para inglês uma boa parte da sua obra. Tomas Transtroemer está traduzido em 60 línguas, entre
as quais o português, numa antologia de
poesia sueca editada pela Vega, com coordenação de Vasco Graça Moura e Ana Hatherly,
e intitulada «21 Poetas Suecos».
Os poemas de Tomas Transtroemer são ricos
em metáforas e imagens e retratam cenas
simples, retiradas do quotidiano e da natureza. O seu estilo introspectivo, descrito pela revista «Publishers Weekly» como “místico, versátil e triste”, destoa da vida do poeta activamente
empenhado numa luta por um mundo melhor – e
não apenas através de poemas.
Teatro, dança e Matemática
Criados por Pedro Carvalho, da Companhia Instável,
para três intérpretes/bailarinos, «30por1linha» – destinado a alunos do 1.º e 2.º ciclos – e «O homem que
só pensava em números» – para alunos do 3.º ciclo
e do ensino secundário – são espectáculos sobre o
movimento e sobre as suas interligações com a Matemática nas mais diversas formas. A criação teve em
conta os parâmetros curriculares de cada grau de
«Os mestres: que
saberes a partilhar?»
O Teatro Nacional D. Maria II e a DirecçãoGeral das Artes organizam, no dia 18 de Outubro, a jornada «Os mestres: que saberes a
partilhar?», dedicada a debater a importância
da formação avançada do actor nos moldes
em que é realizada por La Nouvelle École dês
Maîtres. Após a morte do seu fundador, Franco Quadri, os parceiros da École des Maîtres
decidiram abrir um tempo de reflexão, balanço e debate sobre este projecto, a ter lugar
em quatro cidades: Lisboa, Bruxelas, Reims e
Roma. A jornada de Lisboa inaugura esta série
de encontros e pretende promover um debate em torno da aprendizagem do actor e da
sua relação com um mestre, questão considerada fundamental para o futuro desta escola
de actores. A iniciativa realiza-se entre as 10 e
as 19 horas, no Salão Nobre do TNDM II.
ensino para o qual se destina, num trabalho de experimentação, na construção de um objecto artísticocientífico. As duas obras, co-produção da Fundação
Ciência e Desenvolvimento/Câmara Municipal do
Porto e Companhia Instável, sobem ao palco do Teatro do Campo Alegre hoje, 13 e 14 de Outubro. Às
10h30 pode ser visto «30por1linha» e «O homem que
só pensava em números» terá lugar às 15 horas.
4.º encontro de
ilustração dedicado
ao chapéu
O 4.º Encontro Nacional de Ilustração de
S. João da Madeira, este ano dedicado
ao chapéu, reúne 43 ilustradores num programa mais alargado. A realizar-se entre 14
de Outubro e 30 de Novembro, a organização espera ultrapassar os quatro mil participantes. O evento é promovido pela Junta
de Freguesia local que, embora tendo deixado de contar com o apoio “já diminuto”
do antigo Ministério da Cultura, continua
a encarar a iniciativa como uma prioridade
do seu orçamento para as áreas da educação e cultura. Segundo Carlos Coelho,
presidente da Junta, o evento tem “vindo
a crescer de ano para ano, em termos de
participantes e da qualidade das obras
apresentadas, e o público valoriza muito
as oficinas e workshops” que são realizados
nas escolas.
em notícia
Parabéns,
Agustina!
A autora de «Sibila» celebra, no próximo dia 15 de Outubro, 89 anos. Estreou-se como romancista em 1948,
com a novela «Mundo Fechado», tendo desde então
mantido um ritmo de publicação pouco usual nas
letras portuguesas. Tem representado as letras portuguesas em numerosos colóquios e encontros internacionais e realizado conferências em universidades um
pouco por todo o mundo. A autora recebeu o mais
importante prémio literário da língua portuguesa: o
Prémio Camões, em 2004.
Congresso luso-brasileiro
em Coimbra
O Congresso Luso-Brasileiro da História das Ciências
decorre de 26 a 29 de Outubro e assinala os 100 anos
da criação da Faculdade de Ciências da Universidade
de Coimbra (UC), que resultou da fusão das Faculdades de Filosofia e Matemática, criadas pela Reforma
Pombalina. Este encontro, na Universidade, visa ainda
promover a História da Ciência na UC desde a edificação do colégio jesuíta em 1547, no tempo de D. João
III, até 1933, quando começa o Estado Novo.
«Encontros Derivas»
A coreógrafa, professora e programadora Madalena Victorino é a convidada da próxima sessão
dos «Encontros Derivas», dia 14 de Outubro, às
22horas, no Centro de Memória, em Vila do Conde. O trabalho de Madalena Victorino destaca-se
pela criação de muitos projectos culturais e artísticos de dimensão comunitária, que sempre se
vocacionam para a aproximação entre discurso e
prática artística e a sociedade em geral e é reconhecido pela sua carga humanística.
«Gente Pobre» no Museu
Dostoievski
A última edição brasileira do romance «Gente Pobre», de Fiodor Dostoievski (1821-1881), publicado
em Março de 2011 pela Associação Cultural Letra
Selvagem, com tradução de Luís Avelima, ganhou
lugar de destaque no Museu Dostoievski, em São
Petersburgo, na Rússia. Um exemplar do livro, oferecido pelo editor Nicodemos Sena, foi entregue em
mãos pelo professor Vadim Kopyl, director do Centro
Lusófono Camões, da Universidade Estatal Pedagógica Hertezen, ao vice-director do Museu Dostoievski, Boris Tikhomirov. Kopyl entregou também um
exemplar da edição brasileira do livro para a Casa de
Pushkin, de São Petersburgo.
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as artes entre as letras
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«Emoções»
apresentado
a 22 de Outubro
O livro de Poesia «Emoções»,
de Maria Antónia de Carvalho
Mendes Ribeiro, é lançado no
próximo dia 22 de Outubro. A
sessão decorrerá no Palacete
Visconde Balsemão (Praça Carlos Alberto, Porto), às 17h30.
A autora, natural da cidade do
Porto, licenciou-se em Ciências
Biológicas pela Universidade
de Coimbra. É autora de diversos livros de poemas, e faz parte dos poetas que preenchem a
antologia «O Porto em Poesia».
Dedica-se também à fotografia
e tem realizado algumas exposições em variadas cidades portuguesas.
Apoio à edição em DVD
A Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) lançou um projecto de apoio à edição em DVD
(ou Blu-Ray) de filmes portugueses, no âmbito
do Fundo Cultural da AGECOP, através de um
concurso anual de financiamento da digitalização de longas-metragens (ficção ou documentário). O prazo para a entrega de candidaturas termina no dia 30 de Outubro, devendo
ser entregues, em carta fechada, nos Serviços
de Atendimento da SPA. “Em Portugal, onde o
mercado é escasso, há imensos títulos que não
têm conseguido ver a luz do dia. Há cineastas
cuja obra está quase ou mesmo integralmente
fora da edição em DVD. Uma das razões para
isso é o custo referente à digitalização”, explica
a Sociedade Portuguesa de Autores.
TRAMA entre 13 e 16 de Outubro
A 6.ª edição do festival de artes performativas TRAMA decorre entre os dias 13 e 16 de
Outubro e percorre vários espaços da cidade do Porto. Ao todo, vão ser apresentados
37 projectos artísticos que envolvem 92 artistas, nacionais e internacionais. Com cinema,
arte sonora, dança ou teatro, é um festival
que se articula em vários espaços públicos
do Porto e que, “com cada edição, conhece
cada vez melhor a cidade”, garante João Fer-
nandes, director do Museu de Serralves. Para
Cristina Grande, programadora do certame, há
uma “vontade de que o público conviva com
a cidade, com os espaços e com os artistas ao
longo do festival”. Desde Serralves ao Museu
Militar, do Centro Português de Fotografia até
ao Coreto da Cordoaria e ao Parque de Estacionamento Silo-Auto, são inúmeros os espaços
da cidade Invicta que vão acolher os espectáculos do festival.
Encontro de Museus do Vinho
O 2.º Encontro de Museus do Vinho em
Portugal, Arquitectura e Museus, organizado pelo Museu do Douro, decorrerá no dia
21 de Outubro, no wine-bar do Museu, em
Peso da Régua. O objectivo da iniciativa é
dar continuidade ao desenvolvimento de
parcerias e potenciar a troca de conhecimentos entre os diferentes museus e estruturas museológicas nacionais dedicadas
à cultura do vinho. O tema escolhido é a
arquitectura, elemento fundamental de um
museu. “As opções arquitectónicas para as
exposições permanentes e temporárias,
bem como para os edifícios, construídos de
raiz ou readaptados, constituem muitas vezes a própria imagem de marca da estrutura
museológica e um ponto de atracção para o
visitante”, refere a organização.
em notícia
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dr
Perfil
Escritaria, 15 e 16 de Outubro, homenageia escritor moçambicano
Penafiel cidade
de Mia Couto por dois dias
Paulo Francisco Carvalho
O
festival literário Escritaria abre-se este ano à
Lusofonia e vai prestar homenagem à vida e
obra do escritor moçambicano Mia Couto.
Nos dias 15 e 16 de Outubro, Penafiel acolhe teatro,
arte de rua, dança, cinema e colóquios, sempre com a
obra literária de Mia Couto em destaque. “O Escritaria
é um evento multidisciplinar de estudo e fruição da
obra de um escritor, que nunca se repete, e por isso
quase tudo será novidade. Neste ano, como nos anteriores, a arte de rua – «contaminação» – será absolutamente original, o colóquio terá convidados que nunca estiveram nos escritarias anteriores e haverá uma
série de realizações ainda não vistas que animarão as
principais artérias de Penafiel. A grande novidade é a
abertura do Escritaria a toda a Lusofonia, com a presença de várias embaixadas, da CPLP e do
Espaço Moçambique, entre outros”, explica Manuel
Andrade, administrador das Edições Cão Menor, uma
das entidades organizadoras do festival.
“Com a Escritaria aberta a partir desta edição à Lusofonia, vão passar por Penafiel convidados cujos nomes estão intimamente ligados a Mia Couto, ou à língua e literatura lusófona, de que são exemplo o artista
plástico Roberto Chichorro, o escritor angolano José
Eduardo Agualusa, o músico João Afonso, o jornalista António Loja Neves e o director artístico José Rui
Martins”, aponta, por seu lado, a Câmara de Penafiel,
promotora do «Escritaria».
Os homenageados nas anteriores edições também
vão ser recordados no festival. Urbano Tavares Rodrigues será representado através da leitura do texto
que enviou para a Escritaria, José Saramago por um
texto de Pilar del Rio e Agustina Bessa-Luís através de
um texto da sua filha e também escritora e ilustradora
Mónica Baldaque.
Manuel Andrade explicou ao As Artes entre As Letras que “este era o momento de o «Escritaria» dar o
seu modesto contributo para aproximar os povos e
escritores que falam e escrevem nesta nossa mesma
língua”, acrescentando que “este que sempre foi um
evento de afectos, passará agora a ser também de
afectivas proximidades linguísticas”.
Sobre a escolha do homenageado deste ano, o administrador das Edições Cão Menor explicou que o festival literário procura sempre homenagear um escritor
que se tenha afirmado em diversos géneros literários,
que tenha uma obra extensa e que tenha uma vida
prenhe de valores e de intervenções cívicas. Nesse espaço cabe Mia Couto, que, “para além de ser o escritor
moçambicano mais traduzido em todo o mundo, e
apesar da sua relativa juventude, tem já perto de três
dezenas de títulos editados e uma vida intensa do
ponto de vista cívico e ambiental. Depois, tem aquela
particular riqueza de usar o léxico de várias regiões de
Mia Couto nasceu na Beira, Moçambique,
em 1955. Foi jornalista. É professor, biólogo,
escritor. Está traduzido em diversas línguas.
Entre outros prémios e distinções (de que se
destaca a nomeação, por um júri criado para
o efeito pela Feira Internacional do Livro do
Zimbabwe, de «Terra Sonâmbula» como um
dos doze melhores livros africanos do século XX), foi galardoado, pelo conjunto da sua
já vasta obra, com o Prémio Vergílio Ferreira
1999 e com o Prémio União Latina de Literaturas Românicas 2007. Ainda em 2007, Mia foi
distinguido com o Prémio Passo Fundo Zaffari
& Bourbon de Literatura pelo seu romance «O
Outro Pé da Sereia».
Moçambique para remoçar e reinventar a língua
portuguesa, com um cuidado «sotaque» africano,
onde cabem os mitos e as lendas”.
A organização promete que durante dois dias
Penafiel vai transforma-se na cidade de Mia Couto. Iniciativas como palavrário, post-its gigantes,
escritaria nas paredes, escritaria no caminho, infoBOX, escritamia, avenida em obras, escritor na
cidade, montras de livros e documentários da
CPLP vão permitir um contacto constante com a
escrita e a língua portuguesa.
O responsável das Edições Cão Menor garante
que o objectivo “é que quem visite o Escritaria no
Museu Municipal de Penafiel ou pelas principais
artérias da cidade, se deixe envolver pelo universo mágico do escritor homenageado e salpicar
por excertos do seu trabalho”.
12 outubro 2011
as artes entre as letras
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