Resultados e Discussão - Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do

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Resultados e Discussão - Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do
Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro
Escola Nacional de Botânica Tropical
Estudo etnobotânico de plantas de uso medicinal e místico na
comunidade da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de
Janeiro, RJ, Brasil
Rúbia Graciele Patzlaff
2007
Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro
Escola Nacional de Botânica Tropical
Estudo etnobotânico de plantas de uso medicinal e místico na
comunidade da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de
Janeiro, RJ, Brasil
Rúbia Graciele Patzlaff
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Botânica, Escola
Nacional de Botânica Tropical, do
Instituto de Pesquisas Jardim Botânico
do Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessários para a obtenção do
título de Mestre em Botânica.
Orientadora: Ariane Luna Peixoto
Rio de Janeiro
2007
ii
iii
P322e
Patzlaff, Rubia Graciele
Estudo etnobotânico de plantas de uso medicinal e místico na
comunidade da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro,
RJ, Brasil / Rubia Graciele Patzlaff . – Rio de Janeiro, 2007.
xiv, 124f. : il.
Dissertação (mestrado) – Instituto de Pesquisas Jardim Botânico
do Rio de Janeiro/Escola Nacional de Botânica Tropical, 2007.
Orientadora: Ariane Luna Peixoto
Bibliografia.
1. Etnobotânica. 2. Plantas Medicinais. 3. Pedra de Guaratiba (RJ)
4. Rio de Janeiro (Estado). I. Título. II. Escola Nacional de Botânica
Tropical.
CDD 581.63
iv
Dedico este trabalho à Serra da Capoeira
Grande e aos moradores de seu entorno. Que as
linhas escritas aqui, que mostram um pouco da
beleza e do potencial do conhecimento existente
na região, possam servir de inspiração e
sensibilização para que providências sejam
tomadas
em
relação
aos
problemas
ali
existentes.
v
“Todos
têm
direito
ao
meio
ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum
do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o
dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações”.
Artigo 225 da Constituição da República
Federativa
do Brasil, Capítulo VI - Do Meio Ambiente
vi
Ó garrafada das ervas maceradas do breu das brenhas
Se adonai de mim e do meu peito lacerado
Ó senhora dos remédios
ó doce dona
ó chá
ó unguento
ó destilado
ó camomila
ó belladonna
ó phármakon
Respingai grossas
gotas de vossos venenos
ó doce dona
ó camomila
ó belladonna
Serenais minhas irremediáveis pupilas dilatadas
Ó senhora dos sem remédios
Domai as minhas brutas ânsias acrobáticas
Que suspensas piruetam pânicas nas janelas do caos
Se desprendem dos trapézios
E, tontas, buscam o abraço fraterno e solidários dos espaços vácuos
Ó garrafada das maceradas ervas do breu das brenhas
Adonai-vos do peito lacerado e do lenho oco que ocupo.
FEITIO DE ORAÇÃO
(Poema de Wally Salomão/CD Cânticos
Preces e Súplicas à Senhora dos Jardins do
Céu, Maria Bethânia)
vii
AGRADECIMENTOS
Ao meu marido, Elielton Resende Coelho, por toda força e incentivo para recomeçar um
mestrado e por toda paciência durante este processo, até agora no final (que diga-se de
passagem, é a parte mais difícil de se aturar um mestrando!!), conseguiu manter o bom
humor me chamando “carinhosamente” de M.M. - Mulher Monografia!!!
À minha orientadora, Ariane Luna Peixoto, pela confiança e coragem em aceitar uma
“aspirante a parasitologista molecular” para fazer um trabalho em etnobotânica”!
Ao Giovanni Battista Antonio Lucente Gazzo e à Fernanda Fracalanza, pela amizade e
pelo apoio, sem os quais muito provavelmente este trabalho não teria tanto êxito;
Aos informantes, pessoas maravilhosas, a alma deste trabalho, pela confiança, pelo
carinho, e por toda contribuição!
À Inês Machline, doutoranda da Escola Nacional de Botânica Tropical e professora da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, pela grande ajuda e pela força em todos os
momentos;
Ao Grupo de Estudos de Etnobotânica, que está conseguindo reunir pessoas e profissionais
muito bons, pela troca de experiência que tem sido maravilhosa, Juliana Posse, Dra. Maria
Carmem Pirassinunga Reis, Paulo Henrique Oliveira Leda, Ivone Manzali e a todos do
grupo, obrigada!
Ao grupo do Módulo do Programa de Saúde da Família do Jardim Cinco Marias, em
especial à enfermeira Silvia Regina Maurílio Lima, pelo aprendizado e pela amizade;
Ao grupo da disciplina Etnobotânica do Museu Nacional, incluindo a professora Mara
Zélia de Almeida, da Universidade Federal da Bahia, pela imensa ajuda em todas as
minhas infindáveis dúvidas, e pelas sugestões e críticas, além claro da agradável
convivência;
viii
À professora Luci Vale Senna, do Museu Nacional, que além de ter coordenado a
disciplina acima que foi incrível, contribui muito também sendo revisora da prévia desta
dissertação;
Á professora Regina Helena Potsch Andreata, da Universidade Santa Úrsula, pela
contribuição tanto no meu projeto de mestrado quanto na finalização deste.
Aos especialistas em taxonomia do Jardim Botânico e a Carlos Henrique Reif de Paula
(Caíque), Universidade Santa Úrsula e Fátima Regina Gonçalves Salimena, Universidade
Federal de Juiz de fora, pelas identificações dos grupos Loranthaceae e Verbenaceae
respectivamente;
Aos companheiros de mestrado Maria Otávia Crepaldi, Rodrigo Borges, Felipe de Araújo
Pinto Sobrinho e Marcos Gonzales, pelas trocas de informações, pela companhia e pelos
desabafos;
Aos colegas de turma do mestrado pela convivência muito bacana nas disciplinas, pelos
almoços, conversas, trocas de desesperos e desabafos (rs...) e pelas sugestões no trabalho.
Este trabalho é dedicado a todos vocês, pessoas que acreditaram nele e deram todo
seu apoio.
O meu MUITO OBRIGADA a todos vocês!!!
ix
RESUMO
A Serra da Capoeira Grande, em Pedra de Guaratiba, é uma das duas áreas de proteção
ambiental (APA) desta localidade. Pedra de Guaratiba é o principal núcleo urbano do
bairro de Guaratiba, localizado na Zona Oeste do Município do Rio de Janeiro. A APA da
Serra da Capoeira Grande, em processo de regulamentação, é um importante remanescente
de floresta atlântica de baixada que possui espécies ameaçadas de extinção entre as quais o
pau-brasil. A expansão urbana em direção à Zona Oeste vem alterando o perfil dos
moradores do entorno da Serra da Capoeira Grande, antes predominantemente pequenos
agricultores, hoje convivendo com pessoas que optaram por sair dos grandes centros
urbanos em direção a áreas menos urbanizadas. Este trabalho objetivou conhecer e
registrar o saber sobre as plantas de uso medicinal e místico dos moradores do entorno da
APA da Serra da capoeira Grande e sua relação com o ambiente. A pesquisa de campo foi
realizada entre junho de 2005 e setembro de 2006 através de entrevistas abertas e
caminhadas pelos quintais de 10 moradores (seis homens e quatro mulheres). A escolha
dos informantes foi realizada através da técnica bola-de-neve, a partir de contato inicial
com a associação de moradores local. A idade dos informantes variou entre 40 e 77 anos e
todos eles concordaram em gravar as entrevistas. Foram indicadas como de uso medicinal
e/ou místico 114 espécies botânicas pertencentes a 42 famílias. Espécimes foram
coletados, identificados e depositados no herbário RB do Jardim Botânico do Rio de
Janeiro. As famílias que apresentaram o maior número de espécies foram Lamiaceae (13)
Asteraceae (9), Solanaceae e Leguminosae (6). Entre as espécies medicinais indicadas
encontram-se plantas nativas dos ecossistemas locais, subespontâneas e cultivadas. Entre
as primeiras destacam-se: aroeira (Schinus terebinthifolius Raddi), ipê-roxo (Tabebuia
impetiginosa (Mart.ex DC.) Standl. ), carobinha (Jacaranda puberula Cham.) e cincofolhas (Sparattosperma leucanthum (Vell.)Schum.); entre as subespontâneas a erva-desanta-maria (Chenopodium ambrosioides L.), picão (Bidens pilosa L.), parietária
(Acalypha comunis Mull. Arg.), quebra-pedra (Phyllanthus niruri L. e P. tenellus Roxb.); e
entre as exóticas, eucalipto (Eucaliptus citriodora Hook) e colônia (Alpinia zerumbet
(Pers.) B.L.Burtt & R.M.Sm.). As espécies mais citadas foram erva-cidreira (Lippia alba
(Mill.) N.E.Br. ex Britton & P.Wilson) e capim-limão (Cymbopogon citratus Stapf.). As
folhas e a decocção como forma de preparo foram as mais utilizadas. Os moradores
cultivam e incentivam plantas de uso medicinal e místico em seus quintais, utilizando-se
muito pouco de canteiros específicos para tal finalidade ou vasos. As plantas místicas
foram bem representadas pela família Lamiaceae. A espécie medicinal mais versátil e a de
maior importância relativa (IR=2) foi Schinus terebinthifolius e as doenças mais tratadas
com plantas foram as infecciosas e parasitárias. Lippia alba (CUP=85,7%;como calmante)
e Chenopodium ambrosioides (CUP=70%; contra vermes) foram as plantas com maior
Concordância de Uso Principal. Os resultados mostram que o conhecimento dos
informantes está bem consolidado e reforça a necessidade de conhecer e preservar o
conhecimento desta população, principalmente tendo em vista o fato de que a importância
dos quintais parece diminuir na comunidade, com a pressão de urbanização. Desta forma,
com o passar do tempo, poderá ser perdido um acervo de conhecimento valioso para a
nossa geração e para as gerações futuras, referente à relação homem-natureza.
Palavras-chave: Etnobotânica, plantas medicinais, conhecimento popular, quintais.
x
ABSTRACT
Serra da Capoeira Grande is one of two Environmental Protection Areas in Pedra de
Guaratiba, the main urban core of Guaratiba quarter, located in the western region of Rio
de Janeiro city. The Serra da Capoeira Grande Environmental Protection Area, under
regulamentation process, is an important remnant of the Lowlands Atlantic Rain Forest,
which presents extinction threatened species including brazilwood. Urban expansion
towards western region of the city is altering the profile of the population residing around
Serra da Capoeira Grande, which used to be mainly composed by small farmers, and
currently is cohabiting with people who decided to leave big urban centers towards less
urbanized areas. This work aims to experience and record the knowledge of the residents
around the Serra da Capoeira Grande Environmental Protection Area about medicinal and
mystic plants uses and their relantionship with the environment. The field research was
conducted from june/2005 to september/2006 through open interviews and walks in the
homegardens of 10 local inhabitants (six males and four females). The selection of the
informers was done through snowball technique, started in an inicial contact with the local
residents association. Informers age ranged from 40 to 77 years old and all of them agreed
to have their statements recorded in interviews. A total of 114 botanical species, belonging
to 42 families, were indicated as medicinal or mystic use. Specimens were collected,
identified and deposited in the RB herbarium. Families presenting the greater number of
species were Lamiaceae (13) Asteraceae (9), Solanaceae e Leguminosae (6). Among the
medicinal plants indicated, from local ecosystems natives, subspontaneous and cultivated
plants are encountered. The main native species were aroeira (Schinus terebinthifolius
Raddi), ipê-roxo (Tabebuia impetiginosa (Mart.ex DC.) Standl. ), carobinha (Jacaranda
puberula Cham.) and cinco-folhas (Sparattosperma leucanthum (Vell.)Schum.); the main
subspontaneous: erva-de-santa-maria (Chenopodium ambrosioides L.), picão (Bidens
pilosa L.), parietária (Acalypha comunis Mull. Arg.), quebra-pedra (Phyllanthus niruri L.
and P. tenellus Roxb.); and among the exotic plants, the main were: eucalipto (Eucaliptus
citriodora Hook) and colônia (Alpinia zerumbet (Pers.) B.L.Burtt & R.M.Sm.). The most
cited species were erva-cidreira (Lippia alba (Mill.) N.E.Br. ex Britton & P.Wilson) and
capim-limão (Cymbopogon citratus Stapf.).Leaves and the way of preparation by
decoction were the most used ones. Residents cultivate and encourage mystic and
medicinal useful plants in their homegardens, with little use of plots or vases for this
specific purpose. Mystic plants are well represented by the Lamiaceae family. The most
versatile and important (IR=2) medicinal species was Schinus terebinthifolius and the most
frequent illnesses treated with plants were the infectious and parasitic ones. Lippia alba
(CUP=85,7%; as tranquilizer) and Chenopodium ambrosioides (CUP=70%; against
worms) were the plants with the greater Principal Use Concordance Index. The results
show that informers knowledge is consolidated and reinforces the need of knowing and
preserving this population's knowledge, mainly considering the fact that homegardens
importance seems to decrease in the community, with the urbanization pressure. By this
way, as time goes by, a precious knowledge collection for us and future generations about
the relation human-nature may be lost.
Key-words: Ethnobotany, medicinal plants, popular knowledge, homegardens.
xi
Lista de Figuras
Figura 1 - Localização de Pedra de Guaratiba no Município do Rio de Janeiro e da
12
Comunidade da Capoeira Grande.
Figura 2 - APA da Serra da Capoeira Grande e entorno. Adaptado de Google Earth: 13
http:// earth.google.com. Acesso em 27/09/2006.
Figura 3. APA da Serra da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ.
13
Figura 4a,b - Prospecto de vendas de lotes no Jardim Garrido em 1955.
23/24
Figura 5. Partes das plantas empregadas na preparação de remédios caseiros ou de uso 38
místico, na comunidade do entorno da Serra da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba,
Rio de Janeiro, RJ.
Figura 6. Formas de emprego nas preparações de remédios caseiros, ou místicas na
38
comunidade do entorno da Serra da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de
Janeiro, RJ.
Figura 7 - Croqui de quintal da informante 1 do entorno da Serra da Capoeira Grande,
54
Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ.
Figura 8. Croqui do quintal da informante 2 do entorno da Serra da Capoeira Grande,
55
Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ.
Figura 9. Croqui do quintal da informante 3 do entorno da Serra da Capoeira Grande,
56
Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ.
Figura 10. Croqui do quintal do informante 4 do entorno da Serra da Capoeira Grande,
57
Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ.
Figura 11. Croqui do quintal da informante 5 do entorno da Serra da Capoeira Grande,
58
Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ.
Figura 12. Quintais dos informantes residentes no entorno da APA da Serra da 59
Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro: A. Cajueiro; B. Aroeira; C.
Plantas em vasos; D. Vista geral de um quintal; E. Mangueira e milharal;
F.Ornamentais; G.Ornamentais na entrada; H. Canteiro de boldo-do-chile.
Figura 13. Algumas plantas de uso medicinal e místico citadas pelos moradores do
60
entorno da APA da Serra da Capoeira Grande. A.Pinhão-roxo; B.Colônia; C.Ervamacaé; D. Algodão; E. Erva-de-santa-maria; F.Erva-cidreira; G.Vidros dona Zelinda;
H. Erva-doce; I.Cajueiro.
Figura 14. Categorias de doenças mais tratadas com plantas, citadas pelos informantes
98
da Capoeira Grande, Rio de Janeiro, segundo a décima revisão da Classificação
Internacional de Doenças, Injúrias e Causas de Morte (CID-10 2005). Ver códigos no
Tabela 1.
Lista de Tabelas
xii
Tabela 1. Classificação Internacional de doenças, injúrias e causas de morte 19
(WHO, 2003)
Tabela 2. Informantes e respectivas idades, níveis de escolaridade e tempo de 27
residência na comunidade da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de
Janeiro.
Tabela 3. Lista de espécies medicinais e místicas citadas por moradores do 39
entorno da Serra da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ
(me. medicinal, mi. mística, fo. folha, fl. flor, pl. planta inteira, muc. mucilagem,
ra. raiz, cas. casca, sem. sementes, fr. fruto, cas/fr. casca do fruto, br/fo. broto
das folhas; E. espontânea; C. cultivada; 1. comprada; 2. entorno do bairro; 3.
APA da Serra da Capoeira grande; 4. entorno da APA; 5. quintal).
Tabela 4. Plantas místicas citadas pelos informantes da Capoeira Grande, Pedra 71
de Guaratiba, Rio de Janeiro.
Tabela 5. Plantas de uso medicinal citadas pelos informantes do entorno da 85
APA da Serra da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ, em
ordem alfabética de nome popular e classificadas de acordo com a décima
revisão da Classificação Internacional de Doenças, Injúrias e Causas de Morte
(CID-10 2005).
Tabela 6. Importância Relativa das espécies citadas por mais de 2 informantes 101
da Serra da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ.
Tabela 7 - Concordância de uso principal para espécies medicinais e místicas 104
citadas por mais de 2 informantes da Capoeira Grande, por ordem crescente da
CUPc (CUP=concordância quanto ao uso principal; Fc= fator de correção;
CUPc=concordância de uso principal corrigida).
xiii
SUMÁRIO
Lista de Figuras
Lista de Tabelas
1. INTRODUÇÃO
1.1. A utilização das plantas pelo homem
1.2. A Etnobotânica
2. MATERIAIS E MÉTODOS
2.1. Área de Estudo
2.2. Metodologia de trabalho
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1. Caracterização da área de trabalho
3.1.1. Histórico
3.1.2 Caracterização dos informantes
3.1.2.1. Relação com o ambiente e com as plantas, e a transmissão do
xii
xiii
1
1
5
9
9
14
20
20
20
25
27
conhecimento
3.2. Plantas utilizadas e suas indicações
31
3.3.Caracterização e organização das plantas nos quintais dos informantes
50
residentes no entorno da APA da Serra da Capoeira Grande
3.4. As plantas nas crenças e religião: influências observadas na Capoeira Grande 61
3.5. Formas de Preparo de remédios caseiros na Capoeira Grande
74
3.6. Análises quantitativas
83
3.6.1. Importância relativa (IR)
99
3.6.2. Concordância de Uso Principal (CUP)
103
4. CONCLUSÕES
110
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
113
ANEXOS
125
xiv
1. INTRODUÇÃO
1.1 A utilização das plantas pelo homem
No curso de sua história, o ser humano acumulou informações sobre o ambiente
que o cerca e, sem dúvida, esse acervo baseou-se na observação dos fenômenos e
características da natureza e na experimentação empírica desses recursos. A preocupação
com a descoberta e resgate do conhecimento referente ao uso que outros povos fazem dos
elementos de seu ambiente natural, vem desde a Antigüidade. Neste, inserem-se os saberes
relativos ao mundo vegetal.
Com o avanço da ciência, principalmente da Arqueologia e Antropologia foram
possíveis descobertas de verdadeiras farmacopéias ligadas a uma determinada cultura ou
civilização.
Exemplos destes fatos são documentos escritos em placas de barro, atualmente
conservados no British Museum, onde se encontram registrados, em caracteres cuneiformes
por ordem do rei assírio Ashurbanipal, documentos suméricos e babilônicos, datando
alguns mais de 3000 anos antes da era Cristã. Destas placas várias receitas foram
traduzidas, como o uso da beladona, fonte de atropina, do cânhamo da índia, a Cannabis
sativa L. indicada para dores em geral, bronquite e insônia. Em uma destas placas há a
descrição da coleta do “Gil”, que significa prazer, em referência à coleta e uso ritual da
papoula, Papaver somniferum L. (Almeida 1993; Almeida 2003). No código de Hamurabi,
já se descreve o ópio, o gálbano, a assafétida, o meimendro e muitos outros produtos
vegetais (Cunha 2005).
Outro documento escrito, o papiro decifrado em 1873 pelo egiptólogo alemão
Georg Ébers, apresenta a seguinte frase introdutória: “Aqui começa o livro relativo à
preparação dos remédios para todas as partes do corpo humano”. Este papiro representa o
primeiro tratado médico egípcio conhecido, datado de aproximadamente 1500 anos antes
da era Cristã em que, parte de seu texto é destinado ao tratamento das doenças internas e o
restante dá indicações sobre a constituição dos medicamentos a serem empregados (Cunha
2005). Desta forma o mundo tomou ciência de uma farmacopéia egípcia contendo a
descrição de espécies vegetais como a mirra, de uso adstringente e antiinflamatório, o látex
do olíbano, para inflamações bucais, o sândalo como antidiarréico. A papoula, fonte do
ópio era chamada de “remédio para acabar com a choradeira”. Uma outra grande fonte
histórica é a Bíblia Sagrada (Almeida 1993; Almeida 2003; Cunha 2005).
1 xv
Nas culturas chinesa e indú, o conhecimento sobre as plantas também se estende
por milênios. Na China é célebre a obra denominada Pent Ts´ao, escrito pelo herborista
chinês Shen Nung, datado de 2800 antes da era Cristã. É constituída de vários volumes
onde existem referências a inúmeros fármacos, entre os quais a Ephedra, que só entrou na
terapêutica dos povos de cultura ocidental já no final do século XIX. A Índia foi
considerada por alguns autores como o “Eldorado dos Medicamentos Ativos”, pela riqueza
de sua flora medicinal. Comercializava drogas vegetais provavelmente desde 2500 anos
antes da era Cristã, seu maior legado está citado nos Vedas, principalmente em sua parte
“Athatva Veda”, e na tradição dos sábios “Vaidya”, no império do Vale do rio Indo, a
noroeste da Índia (Almeida 2003; Cunha 2005).
Em relação a civilizações mais recentes, clássicas, uma contribuição importante é
dada pelos povos helênicos, que ao receberem dos persas muitos produtos orientais,
tiveram grandes médicos como Hipócrates, o “pai da medicina”, Galeno que criou formas
farmacêuticas, sendo que algumas são precursoras das que ainda são usadas hoje e
Teofrasto que, com a sua “História das plantas”, deixa descrições botânicas muito precisas,
acompanhadas de indicações sobre efeitos tóxicos e propriedades curativas. Contudo,
quem posteriormente se destaca no campo das plantas medicinais é Dioscórides, que, ao
acompanhar os exércitos romanos na Península Ibérica, no Norte de África e na Síria,
recolhe abundante informação sobre plantas dessas regiões. Escreve o tratado “De Materia
Medica” que representa um marco histórico no conhecimento de numerosos fármacos,
muitos dos quais ainda hoje são usados. Nele, se descrevem cerca de 600 produtos de
origem vegetal, animal e mineral, com indicações sobre o seu uso médico. Foi tal a
projeção da obra de Dioscórides que, tendo sido escrita no ano 78 da nossa era, passa a ser
usada como guia de ensino no mundo romano e no árabe, continuando em vigor até final
da Idade Média, sendo feitas ainda no século XV cópias em latim dessa obra. Acredita-se
que a matéria-médica, transformada em disciplina didática, deu origem à moderna
Farmacognosia (Almeida 2003; Cunha 2005).
Com a queda do império Romano, a Europa atravessou um longo período de
obscurantismo científico entre os séculos V e XV, a chamada Idade Média. Neste mesmo
período, de forma paralela, o mundo árabe emergiu com grande atividade científica,
surgindo a “Medicina Árabe”. Estes, ao dominarem a partir do século VIII o comércio do
oceano Índico e os caminhos das caravanas provenientes da Índia e da África, tiveram
acesso a muitas plantas dessas regiões, tais como o ruibarbo, a cânfora, o sândalo, a noz
moscada, o tamarindo e o cravinho. Destaca-se, no século XIII, o médico árabe Ibn Al
2xvi
Baitar, de Granada, que na sua enciclopédia médico-botânica “Corpus simplicium
medicamentarium” incorpora os conhecimentos clássicos e a experiência árabe,
caracterizando mais de 2000 produtos, dos quais cerca de 1700 são de origem vegetal
(Almeida 2003; Cunha 2005).
Ibn Sina, conhecido como Avicena, considerado o maior filósofo do Islamismo e "o
Filósofo dos Árabes", também se destaca neste período. Atribui-se a Avicena cerca de
duzentas obras. Muitas destas, na área da medicina, foram utilizadas na Idade Média. O
Livro de cura é uma delas, enciclopédia composta de 18 volumes, abrange metafísica,
matemática, psicologia, física, astronomia e lógica. Outra obra foi o Cânon de Medicina,
em cinco volumes: o volume I trata dos princípios gerais da medicina; o volume II aborda
a maneira de determinar a natureza dos remédios e uma lista de 760 produtos
farmacêuticos; o volume III aborda a etiologia, sintomas, diagnósticos, prognósticos e o
tratamento sistemático das doenças; o volume IV trata das enfermidades em geral; e o
volume V é um formulário que contém prescrições para diversas doenças. O Cânon de
Medicina foi traduzido para o latim no final do século XII e foi estudado nas universidades
européias até o século XVII. Através da península Ibérica os conhecimentos árabes
ganharam toda a Europa, quando novas drogas foram introduzidas na terapêutica européia
(Iskandar 1999; Almeida 2003, Grandes Cientistas muçulmanos 2006).
Com o Renascimento, o charlatanismo e o empirismo da medicina e da farmácia da
Idade Média, cedem lugar, pouco a pouco à experimentação, ao mesmo tempo em que vão
sendo introduzidos na terapêutica novas drogas vegetais, com a chegada dos nossos
antepassados à África, à Índia e ao Brasil e, dos espanhóis, aos outros países da América
do Sul (Cunha 2005).
A medicina popular brasileira formou-se e desenvolveu-se devido à confluência de
três correntes básicas: a cultura negra africana, a indígena e a européia. Atualmente é muito
difícil identificar tais influências, já que o contato entre estas culturas tem sido uma
característica fundamental da formação social brasileira (Almeida 2003; Camargo 2000,
2005). No livro Medicinal Plants of Brazil (Mors et al. 2000) pode ser encontrado um
interessante histórico da herança cultural do uso das plantas medicinais pelos índios e
primeiros colonizadores, assim como uma compilação dos primeiros trabalhos realizados
com as plantas medicinais brasileiras.
Os negros africanos vieram como escravos para o Brasil, trazendo espécies vegetais
que se adaptaram bem neste país e tornaram-se espontâneas, como a mamona, o dendê, o
quiabo, o inhame, o tamarindo e a jaca. Os libertos e seus descendentes, que voltaram às
3xvii
terras de origem, levaram milho, guiné, pinhão branco, batata doce, fumo e algumas
espécies de Annona (pinha, fruta do conde, gravilola) (Almeida 2003).
Os primeiros colonizadores chegaram ao Brasil, no séulo XVI, trazendo com eles
as missões religiosas que desempenhavam trabalhos de catequese junto aos habitantes
nativos das terras conquistadas. Neste fato têm início as primeiras relações interculturais
(Camargo 1998).
Alguns naturalistas que acompanhavam as expedições exploratórias às terras do
Novo Mundo se referiam às plantas, sem, contudo, contextualizar seu manejo pelas
sociedades consideradas primitivas, tais como observado em Thevet (Pires 1984), outros,
entretanto, relatam alguns dados sobre o uso e manejo de plantas. Assim, comerciantes,
missionários, antropólogos e naturalistas registraram os usos de plantas por culturas
diferentes daquelas presentes no continente europeu (Davis 1995).
No Brasil, no período da colonização holandesa no Nordeste (no século XVII),
Wilhelm Piso e Georg Marggraf, coletaram plantas e registraram usos conhecidos pelos
habitantes locais; estes espécimes constituem as primeiras plantas herborizadas do país
(Moulin et al, 1986; Peixoto 1999). Os alemães J. B. von Spix e Carl F. P von Martius, no
início do século XIX, fizeram notas do uso de plantas pelos indígenas e outros grupos
humanos, este último dedicando-se especialmente a documentação da flora brasileira,
sendo farta a documentação em espécimes herborizados e publicações (Spix e Martius
1938; Martius 1979; Emmerich 1994).
Com o desenvolvimento da ciência médica, as plantas medicinais passam a ser
associadas a profissões, principalmente à farmacêutica. O impulso tecnológico gerado
pelos investimentos internacionais durante a Segunda Guerra Mundial, leva as indústrias
multinacionais a colocarem no mercado novos medicamentos que superam os fitoterápicos
em rapidez e eficiência de cura e também na agilidade de produção, e com isso, o mercado
de plantas medicinais tem seu declínio (Almeida 2003).
Porém, o uso das espécies vegetais com fins de tratamento/cura de
doenças/sintomas se perpetuou na história da civilização humana. Inicialmente através da
transmissão oral e posteriormente através de documentos manuscritos, o ser humano foi
acumulando informações sobre plantas com uso medicinal e descrevendo seus valores
terapêuticos através de muitos séculos, até chegar aos dias atuais. Hoje, vê-se um crescente
interesse pelo uso de plantas medicinais, sendo amplamente utilizadas por grande parte da
população mundial como eficaz fonte terapêutica. O estudo científico das plantas
medicinais constitui um dos programas prioritários da Organização Mundial da Saúde
4xviii
(OMS), como parte do programa “Saúde para Todos no Ano 2000”. Segundo a OMS, 80%
da população mundial se utiliza de plantas medicinais tradicionais para suprir suas
necessidade de assistência médica primária (WHO 1978; Almeida 2003).
1.2. A Etnobotânica
Em 1895 o americano J. W. Harshberger designou formalmente o termo
Etnobotânica, como sendo o estudo de plantas usadas por povos primitivos e aborígines e,
por força desta definição inicial, durante muito tempo foi entendida com base neste
conceito (Amorozo 1996). Porém, para Amorozo (1996), Harshberger só apontou maneiras
pelas quais a etnobotânica poderia servir à investigação científica.
Para Prance (1995) foi a partir dos trabalhos de Carl Linnaeus que se inicia a
história da etnobotânica, porque seus diários de viagens continham dados referentes às
culturas visitadas, os costumes de seus habitantes e o modo de utilização das plantas. Em
1886, Alphonse de Candolle publica “Origin of cultivated plants”, onde dados
etnobotânicos foram empregados nos estudos sobre a origem e distribuição de plantas
cultivadas (Albuquerque 2002).
Segundo Martin (1995), a Etnobotânica é a ciência que estuda as interações entre
populações humanas e as plantas, assim como investiga novos recursos vegetais.
Uma definição mais completa é dada por Alexiades (1996), onde diz que a
Etnobotânica compreende o estudo das sociedades humanas, passadas e presentes, e suas
interações ecológicas, genéticas, evolutivas, simbólicas e culturais com as plantas.
Atualmente, com base nos trabalhos já realizados, pode-se entender a Etnobotânica
como sendo o estudo das inter-relações (materiais ou simbólicas) entre o ser humano e as
plantas, devendo-se somar a este os fatores ambientais e culturais, bem como os conceitos
locais que são desenvolvidos com relação às plantas e ao uso que se faz delas (Ming et al.
2002).
A prática etnobotânica recebeu diferentes enfoques com o passar do tempo, cada
qual refletindo a formação acadêmica dos pesquisadores envolvidos. Sendo de natureza
interdisciplinar, permitiu e permite agregar colaboradores de diferentes ciências, com
enfoques diversos como o social, cultural, da agricultura, da paisagem, da taxonomia
popular, da conservação de recursos genéticos, da lingüística e outros (Ming et al. 2002).
5xix
Existem duas linhas filosóficas distintas dentro da etnobotânica: a escola dos países
do Norte e as do Sul. As escolas dos países do Norte possuem como principal objetivo
descobrir espécies que possibilitem novos mercados e/ou patenteamento de princípios
ativos. Já as do Sul, procuram o conhecimento da biodiversidade regional para a
manutenção do meio ambiente (Lima & Guedes-Bruni 1996).
A Etnobotânica hoje tem merecido destaque devido ao crescente interesse pelos
produtos naturais. No entanto, a degradação dos sistemas de vida tradicionais que
acompanha a devastação do ambiente e a intrusão de novos elementos culturais, ameaça
muito de perto um acervo de conhecimentos empíricos e um patrimônio genético de valor
inestimável para as gerações futuras (Amorozo & Gély 1988).
Pesquisas nesta área facilitam a determinação de práticas apropriadas ao manejo da
vegetação com finalidade utilitária, pois empregam os conhecimentos tradicionais obtidos
para solucionar problemas comunitários ou para fins conservacionistas (Beck & Ortiz
1997). Aplica-se o termo “conhecimento tradicional” para referir-se ao conhecimento que
o povo local, isto é residentes da região sob estudo, conhece sobre o ambiente natural
(Martin 1995). Podem ainda subsidiar trabalhos sobre o uso sustentável da biodiversidade
através da valorização e do aproveitamento do conhecimento empírico das sociedades
humanas, a partir da definição dos sistemas de manejo, incentivando a geração de
conhecimento científico e tecnológico voltados para o uso sustentável dos recursos naturais
(Fonseca-Kruel & Peixoto 2004).
Neste sentido, Schultes & Reis (1995) listam alguns aspectos de contribuição da
etnobotânica para o progresso da ciência: proteção de espécies vegetais em perigo de
extinção; registro do conhecimento sobre os vegetais das culturas que estão em perigo de
desaparecimento; domesticação de novas plantas úteis e conservação de germoplasma de
plantas de importância econômica.
Estudos etnobotânicos, especialmente os referentes à plantas de uso medicinal, são
importantes no Brasil uma vez que seu território abriga uma das floras mais ricas do globo,
da qual 99,6% é desconhecida quimicamente (Gottlieb et al. 1996). A forte pressão
antrópica que os ecossistemas vêm sofrendo tem levado à perda de extensas áreas verdes,
da cultura e de tradições das comunidades que habitam estas áreas, que dependem de
recursos do meio para sobreviver. Estes fatores demonstram a necessidade de continuar
desenvolvendo estudos sobre Etnobotânica e Botânica Econômica no Brasil (Fonseca & Sá
1997).
6
xx
Neste sentido, órgãos mundiais estão se mobilizando, como é o caso das “Diretrizes
sobre Conservação de Plantas Medicinais”, elaboradas pela OMS, IUCN e WWF,
objetivando estabelecer um marco para a conservação e o uso sustentável das plantas
medicinais (OMS, IUCN &WWF 1993)
Estudos desta natureza tornam-se ainda mais necessários na zona costeira brasileira,
onde os diversos ecossistemas que a compõem, como manguezal, restinga, mata atlântica e
estuários vêm sendo fortemente impactados devido às atividades de especulação
imobiliária e expansão urbana. Fonseca & Sá (1997) constataram que os trabalhos sobre
Etnobotânica e Botânica Econômica desenvolvidos entre 1985 e 1995 além de serem em
número reduzido, concentraram-se predominantemente no Estuário Amazônico e na região
Sudeste. Os recursos da biodiversidade são fundamentais para o desenvolvimento
econômico, social e cultural das sociedades humanas.
O homem faz uso das plantas, pela necessidade de sobrevivência, desde o início da
civilização, levando a descoberta de possíveis aplicações terapêuticas de determinadas
espécies (Ribeiro 1996). A transmissão oral do conhecimento sobre este uso por
sociedades humanas é praticada a gerações. Porém, o processo de aculturação, onde as
novas gerações buscam meios mais modernos de comunicação, causa a perda desta tão
valiosa transmissão oral. Outro fator que se soma a esta perda cultural é a destruição do
habitat natural onde estão inseridas estas sociedades (Brito & Brito 1996).
O Estado do Rio de Janeiro, anteriormente ao descobrimento, possuía uma área
florestada que cobria cerca de 97% de seu território. Em 500 anos de diferentes ciclos
econômicos, baseados essencialmente na exploração de recursos naturais, acarretaram
enormes perdas na área anteriormente coberta por mata atlântica. Hoje esta se resume a
fragmentos isolados que, somados, perfazem 7.346,29 km ², ou seja, cerca de 17,10% da
cobertura original (SEMA 2001). Estudos sobre a composição florística de fragmentos
florestas, vêm sendo realizados no Estado do Rio de Janeiro. Peixoto et al. (2004) citam 19
trechos de floresta inventariados. Além destes, outros trechos também foram objeto de
inventários. Estes estudos abrangem fragmentos de diferentes tamanhos, muitos deles
protegidos em unidades de conservação (UCs) já devidamente regulamentadas, outros,
porém, não protegidos ou em UCs ainda não regulamentadas, estando, portanto, sujeitas a
diferentes processos de devastação.
Pedra de Guaratiba, bairro da zona oeste do município do Rio de Janeiro, possui, na
Serra da Capoeira Grande um pequeno fragmento florestado, que foi objeto de inventário
7xxi
florístico e fitossociológico (Peixoto et al. 2004, 2005) cuja criação de uma APA ainda não
está regulamentada.
Antes área de predomínio de comunidades de pescadores artesanais, pequenos
agricultores e pequenos pecuaristas, hoje têm seu modo de vida em acelerado processo de
transformação devido à expansão urbana em direção à zona oeste. O presente estudo teve
como objetivo conhecer o saber popular sobre as plantas de uso medicinal e místico, e a
relação com o ambiente da comunidade residente no entorno da APA da Serra da Capoeira
Grande, parte mais rural do bairro, buscando testar a seguinte hipótese: os moradores da
Capoeira Grande, embora pressionados pela expansão urbana, com conseqüente perda de
suas características rurais, fazem uso ainda de um grande número de espécies medicinais
nativas da região e/ou cultivadas em seus quintais.
Para isso, objetivou-se, especificamente, fazer o levantamento das plantas
medicinais e místicas utilizadas pela população, detectando seu modo de uso terapêutico
e/ou místico; Verificar a identidade botânica das mesmas, coletando e herborizando
exemplares para documentação em herbário; Registrar os nomes vernáculos atribuídos pela
população;
Verificar se há um padrão de organização dos canteiros e/ou vasos mantidos nos quintais;
Verificar s
e há plantas nativas dos ecossistemas locais, encontradas nas áreas do bairro e/ou
cultivadas, utilizadas pelos moradores.
xxii
2. MATERIAL E MÉTODOS
2.1. Área de Estudo
Guaratiba é um bairro localizado na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro.
Abriga três núcleos urbanos – Pedra de Guaratiba, Barra de Guaratiba e Ilha de Guaratiba.
O primeiro abriga o principal núcleo urbano do bairro e tem duas Áreas de Proteção
Ambiental, uma regulamentada, a APA das Brisas, e outra em processo de regulamentação
já há alguns anos, a APA da Serra da Capoeira Grande.
É um bairro que embora venha sofrendo intenso e desordenado processo de
urbanização,
continua
mantendo,
em
parte
de
seu
território,
características
predominantemente rurais e reúne ainda parte da agricultura e pecuária praticadas no
município do Rio de Janeiro. Abriga trechos naturais de mata atlântica, manguezais e
restingas. A pesca e comercialização de pescados são o esteio de dezenas de famílias da
região. Suas características peculiares bastante diferenciadas de outras regiões da cidade, o
coloca como pólo turístico da zona oeste, com vocação, principalmente, para o turismo
ecológico e a gastronomia.
Pedra de Guaratiba está passando por significativas transformações espaciais,
ambientais e sócio-econômicas nas últimas décadas e as comunidades residentes têm sido
muito afetadas por estas mudanças. Hoje, pode-se reconhecer quatro atividades principais
que englobam grande parte da população local: a pesca e o comércio de pescados,
incluindo aqui os restaurantes; o comércio e atividades de serviços diversos no próprio
bairro e em bairros próximos; atividades rurais em pequenas propriedades, criação de gado
e cavalos; lazer de habitantes de fins de semana e veranistas.
Em Guaratiba a temperatura do ar média anual é de 23,6ºC, sendo o mês de
fevereiro o mais quente, com temperatura média de 26,7ºC, e junho, o mais frio, com
média de 21,0ºC. O total médio anual de precipitação é de 1.027,2 mm, sendo o mês de
agosto o mais seco, com 47,4 mm e março o mais chuvoso, com 140,6 mm (Menezes &
Araujo 1999). De acordo com o sistema de Köppen, o clima da região é do tipo Aw Clima Tropical Chuvoso, com chuvas abundantes no verão e escassas no inverno (Peixoto
et al. 2004).
O presente estudo foca o conhecimento e as mudanças ocorridas na comunidade
residente no entorno da Serra da Capoeira Grande que ainda mantém suas características
rurais (Fig. 1). Neste local uma Área de Proteção Ambiental (APA) foi requerida à
prefeitura do Rio de Janeiro pela população, sendo esta criada no dia 30 de Julho de 1999,
9xxiii
através da Lei nº. 2.835. Esta área era habitada predominantemente por pequenos
agricultores e pecuaristas. Nas últimas décadas o perfil dos moradores vem mudando e
convivem lado a lado os antigos moradores, pessoas que saíram de outras áreas do Rio de
Janeiro em busca de moradia a menor custo e com mais segurança e outros mais abastados
que optaram por morar fora dos grandes centros urbanos.
A Serra da Capoeira Grande (22º59’03”S e 43º38’59”W) (Fig. 2 e 3) embora
pertença ao Complexo Geológico do Maciço da Pedra Branca, não se insere nos limites do
Parque Estadual da Pedra Branca. Essa Serra se destaca na planície da região de Guaratiba
por alcançar altitude de até 159 m sustentando um pequeno remanescente da mata de
planície litorânea (Peixoto 1992) abundante no município no passado e hoje escassamente
representada. O solo muito raso e rochoso na porção médio-superior da serra cria ambiente
com limitações em oferta hídrica e de profundidade, restringindo maior desenvolvimento
das árvores (Peixoto et al. 2004).
A floresta da APA da Serra da Capoeira Grande (Fig. 3) representa importante
remanescente da Floresta Atlântica, com a presença de duas espécies arbóreas que estão na
lista oficial da flora brasileira ameaçada de extinção: Caesalpinia echinata Lam.,
Cariniana ianeirensis R.Knuth, e outras duas que estão na lista das espécies ameaçadas de
extinção no município do Rio de Janeiro: Acosmium lentiscifolium Schott e Machaerium
incorruptibile Benth (Peixoto et al. 2004).
Estudos sobre a composição florística e a estrutura fitossociológica da APA da
Serra da Capoeira Grande foram realizados por Peixoto et al. (2004, 2005). Estes autores
encontraram, utilizando a metodologia de quadrantes e considerando os indivíduos
amostrados nos quadrantes e os coletados fora da amostra, 69 espécies, pertencentes a 58
gêneros e 29 famílias. As famílias que apresentaram maior número de espécies foram
Leguminosae, com 13 espécies (Mimosoideae com sete, Papilionoideae com cinco e
Caesalpinioideae com uma), Myrtaceae com seis, Euphorbiaceae representada por cinco
espécies e Bignoniaceae, Bombacaceae, Celastraceae, Flacourtiaceae, Moraceae,
Rubiaceae e Solanaceae, representadas por três espécies cada uma. Segundos os autores, a
baixa representatividade de Lauraceae e Rubiaceae, ambas com muitas espécies tardias,
pode sugerir que a floresta da Serra da Capoeira Grande se encontra em processo de
sucessão secundária. Na distribuição das espécies em grupos sucessionais, a predominância
de espécies secundárias iniciais e tardias mostrou o avanço da sucessão no fragmento
estudado da APA da Serra da Capoeira Grande. Porém, quando avaliaram os grupos
sucessionais em relação ao número de indivíduos, notaram clara predominância de
10
xxiv
indivíduos pertencentes ao grupo das secundárias iniciais, o que indica que a área ainda
não alcançou seu desenvolvimento total, ou que existe algum fator que está impedindo o
pleno desenvolvimento esta floresta. Sugerem que, entre os fatores que podem estar
retardando o avanço sucessional neste trecho, estão a ocorrência de fogo e o corte seletivo
de algumas espécies, eventos que acontecem até os dias de hoje, principalmente por este
fragmento estar inserido em área residencial, fato este percebido também pelo grande
número de espécies frutíferas exóticas que ocorrem no local.
11
xxv
Figura 1 - Localização de Pedra de Guaratiba no município do Rio de Janeiro e da
Comunidade da Capoeira Grande em Pedra de Guaratiba.
xxvi
12
Figura 2 - APA da Serra da Capoeira Grande e entorno. Adaptado de Google Earth:
http:// earth.google.com. Acesso em 27/09/2006
Figura 3. APA da Serra da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ.
xxvii
13
2.2. Metodologia de trabalho
O trabalho de campo foi realizado no período de abril de 2005 a setembro de 2006.
As primeiras duas visitas à área de estudo tiveram a finalidade de estabelecer contato com
os moradores, conhecer seus hábitos e contactar a Associação de Moradores local. Após
estas visitas, foi realizada uma explanação da proposta de pesquisa, mediada pela
Associação de Moradores da Capoeira Grande. Terminadas estas etapas, iniciou-se visitas
a casa dos moradores, em companhia, a princípio, de um dos integrantes da Associação de
Moradores. A cada morador visitado, fez-se uma explanação dos objetivos da pesquisa,
questionando se teriam interesse em participar. Nesta primeira entrevista, empregou-se a
técnica Bola de Neve (Patton 1990), que consiste em perguntar à pessoa entrevistada se ela
conhece alguém que poderia contribuir para a pesquisa, aumentando a amostra e
direcionando para os especialistas locais, que foram o foco desta pesquisa. Especialistas
locais são aquelas pessoas reconhecidas em sua comunidade como conhecedoras de plantas
da região, e neste caso conhecedoras de plantas de uso medicinal (Albuquerque & Lucena
2004a).
Após terem sido selecionados os informantes e, estes concordado em participar da
pesquisa, foi redigido um termo de concordância que foi assinado pela Presidente da
Associação de Moradores, reconhecida por todos como representante da comunidade.
Entrevistas semi-estruturadas (Bernard 1988) foram realizadas, utilizando-se como
base um questionário adaptado de Cunningham (2000) e Camargo (2003), com perguntas
abertas e fechadas (Albuquerque & Lucena 2004b). O questionário utilizado encontra-se
no Anexo 1.
Também utilizou-se a técnica de História de Vida, onde a partir de uma pergunta
deixou-se o informante falar de sua história, privilegiando-se assim os relatos orais da
comunidade. Esta técnica tem a peculiaridade de focalizar a coleta sobre a reconstrução das
experiências vividas pelo informante (Minayo 1994; Albuquerque & Lucena 2004b). A
partir desta técnica podem-se encontrar explicações ou justificativas para problemas,
dúvidas, ou simplesmente resultados encontrados durante a pesquisa. Além de permitir
traçar o perfil dos informantes como moradores do bairro.
Após esta etapa, visitas mensais à comunidade foram realizadas, adaptadas à
disponibilidade dos informantes. Cada informante foi entrevistado individualmente e as
entrevistas gravadas em mini-fitas cassete, com prévia concordância dos entrevistados.
14
As espécies de uso medicinal e místico cultivadas pelos informantes em seus
quintais, e aquelas que provenientes de outros sítios, foram coletadas (com a autorização
dos mesmos) e registradas em fotografias e com informações referentes à nomenclatura
popular, indicação terapêutica, modo de preparo, dosagem de uso, parte utilizada,
procedência e outras questões relevantes. Os termos a seguir foram utilizados para
categorização de procedência: comprada - quando o informante compra a planta in natura
ou seca; entorno do bairro: quando a planta é encontrada pelo informante em locais como
beira de estradas, calçadas e terrenos baldios; APA da Serra da Capoeira Grande: quando a
planta é encontrada pelo informante dentro da APA; entorno da APA: quando a planta é
encontrada nos ambientes naturais no entorno da APA e quintal: quando a planta é
encontrada no quintal do informante. O termo “espontânea” foi utilizado para classificação
das plantas de ocorrência natural na área, tanto as nativas quanto as espontâneas
naturalizadas. As plantas que não puderam por algum motivo ser coletadas nos quintais,
foram coletadas em outras localidades ou compradas, no caso de plantas ritualísticas, e
levadas até os informantes para serem reconhecidas.
O material botânico coletado foi herborizado segundo Mori et al. (1985) e incluído
no herbário do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (RB).
A identificação do material coletado foi realizada utilizando bibliografia
especializada, comparação com acervo do herbário do Jardim Botânico do Rio de Janeiro
(RB), além de consultas a especialistas, quando necessário. As espécies estão classificadas
seguindo-se APG II (2003). A classificação para a família Leguminosae é aquela que a
subdivide em três subfamílias Caesalpinioidea, Mimosoideae e Papilonoidea.
A organização das plantas nos quintais foi avaliada visualmente através da
comparação de croquis dos quintais. Para a realização desta análise foram selecionados
aqueles quintais cujos donos (informantes) se dedicam com freqüência aos seus cuidados.
Alguns informantes possuem uma área em sua casa, no entanto esta não se caracteriza
como quintal, pois não há cuidado com o mesmo, nada é cultivado ou incentivado. Desta
forma, foram confeccionados croquis dos quintais de cinco informantes, com sua estrutura
horizontal, levando em consideração a posição das plantas em relação à casa. Os croquis
foram confeccionados pelo paisagista Leandro Martins com base em anotações e desenhos
feitos pela autora, in loco. Os informantes foram tratados neste tópico por números com o
objetivo de evitar exposição dos mesmos, embora esta solicitação não tenha sido feita.
15
Para determinar as espécies mais importantes na comunidade, foi calculada a Importância
Relativa (IR) para cada espécie medicinal, utilizando o número de propriedades
farmacológicas (NP) e o número de sistemas corporais (NSC) afetados, com base na
proposta de Bennett & Prance (2000). A importância relativa é uma medida de
versatilidade.
O cálculo da importância relativa foi realizado de acordo com a fórmula:
IR = NSC + NP
onde NSC = número de sistemas corporais tratados por uma determinada espécie (NSCE)
dividido pelo número total de sistemas corporais tratados pela espécie mais versátil
(NSCEV); NP = número de propriedades atribuídas a uma determinada espécie (NPE)
dividido pelo número total de propriedades atribuídas à espécie mais versátil (NPEV). A
espécie mais versátil é aquela que trata o maior número de sistemas corporais e a qual é
atribuído maior número de propriedades. As propriedades utilizadas neste índice são as
propriedades terapêuticas para cada planta de uso medicinal citadas pelos informantes.
Para categorização dos sistemas corporais, a partir dos dados obtidos com o
levantamento etnobotânico sobre as indicações terapêuticas das plantas, foi realizada a
decodificação das doenças/sintomas citadas pelos informantes de acordo com o sistema
biomédico convencional, seguindo a classificação adotada pela décima revisão da
Classificação Internacional de Doenças, Injúrias e Causas de Morte (CID-10 2005),
realizada pela Organização Mundial da Saúde em 2003 (WHO 2003). Ela agrupa as
doenças em 21 categorias como pode ser observado na Tabela 1. A partir desta
decodificação pode ser traçado o perfil epidemiológico da comunidade (Almeida 1997).
Segundo Novais et al. (2004), “as categorias terapêuticas mais citadas são aquelas que
mais afetam a população estudada” e, uma tentativa de definir este perfil para esta
comunidade foi realizada.
Para avaliar a concordância entre as respostas dos informantes sobre o uso
medicinal e místico das plantas, utilizou-se o cálculo de porcentagem de Concordância de
Uso Principal (CUP) descrito por Amorozo & Gely (1988) a partir de uma adaptação da
metodologia de Friedman et al. (1986). Este tipo de técnica quantitativa está assentada na
idéia de que cultura é conhecimento compartilhado. A partir deste cálculo podem-se
16
avaliar as condições da cultura desta área, em que nível os informantes compartilham seu
conhecimento, como o conhecimento sobre a planta se encontra distribuído entre eles.
A CUP, para cada espécie, é encontrada da seguinte forma:
CUP =
nº de informantes que citaram usos principais para a sp x 100
nº de informantes que citaram usos para a sp
O uso principal é aquele mais citado em comum pelos informantes. Para realização
deste cálculo utilizaram-se apenas aquelas plantas citadas por mais de dois informantes.
Para evitar distorções entre as plantas citadas por muitos informantes e as citadas
por poucos, o valor da CUP encontrado foi multiplicado por um fator de correção (FC),
que corresponde a:
FC =
nº de informantes que citaram a espécie
nº de informantes que citaram a espécie mais citada
Então, a CUP corrigida (CUPc) é dada pela fórmula:
CUPc = CUP x FC
Como meio de devolução do conhecimento de forma sistematizada à comunidade
da Capoeira Grande, foram realizadas algumas atividades abordando o tema da pesquisa,
conforme recomendação contida na Declaração de Belém (Campos 2002). Até o momento
foi realizada uma palestra na escola pública Emma Dávila Camillis, única escola dentro da
comunidade, no II Fórum de Meio Ambiente realizado lá (Anexo 3), sobre a importância
do conhecimento dos mais velhos e dos quintais. Na semana de Ciência e Tecnologia de
Guaratiba de 2005 (Anexo 2), foram elaborados folhetos com informações sobre oito
plantas que a comunidade da Capoeira Grande utiliza. Estes folhetos foram distribuídos e
discutidos com a população no dia de culminância do evento, realizado na praça Dr. Raul
17
Capelo Barroso da Pedra de Guaratiba. Em 2006, no mesmo evento, foi realizada uma
oficina de fabricação de xampu contra piolhos, em conjunto com o grupo de fitoterapia do
Módulo de Saúde do Programa de Saúde da Família (PSF) do Jardim Cinco Marias de
Pedra de Guaratiba (Anexo 4). Foram afixados na barraca onde a oficina foi realizada,
pôsteres com informações sobre plantas tóxicas, e com informações sobre o Programa de
Fitoterapia do Município do Rio de Janeiro, do qual este módulo de saúde faz parte, afim
de se discutir estas informações com os participantes. Também foram distribuídos
panfletos informativos sobre o Programa de Fitoterapia e a Coleção de Plantas Medicinais
do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Além disso, a horta de plantas medicinais da
Secretaria Municipal de Saúde, localizada na Fazenda Modelo em Guaratiba, cedeu para
esta oficina mudas de plantas medicinais, que foram utilizadas para a fabricação dos
xampus, reconhecimento e discussão com os participantes e, ao final do evento foram
sorteadas entre os participantes.
Ao final da pesquisa uma nova palestra será realizada na mesma escola, abordando
os resultados principais. Uma apresentação dos resultados do trabalho também será
realizada na Associação de Moradores do Bairro. Será elaborada uma cartilha com as
plantas citadas pelos informantes, seus nomes vernáculos e científicos e o uso indicado,
contendo orientações sobre comprovação científica, quando houver, e possíveis efeitos
tóxicos.
18
Tabela 1. Classificação Internacional de doenças, injúrias e causas de morte (WHO
2003)
I - Algumas doenças infecciosas e parasitárias
II - Neoplasias [tumores]
III - Doenças do sangue e dos órgãos hematopoéticos e alguns transtornos imunitários
IV - Doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas
V - Transtornos mentais e comportamentais
VI - Doenças do sistema nervoso
VII - Doenças do olho e anexos
VIII - Doenças do ouvido e da apófise mastóide
IX - Doenças do aparelho circulatório
X - Doenças do aparelho respiratório
XI - Doenças do aparelho digestivo
XII - Doenças da pele e do tecido subcutâneo
XIII - Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo
XIV - Doenças do aparelho geniturinário
XV - Gravidez, parto e puerpério
XVI - Algumas afecções originadas no período perinatal
XVII - Malformações congênitas, deformidades e anomalias cromossômicas
XVIII - Sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório, não
classificados em outra parte
XIX - Lesões, envenenamento e algumas outras conseqüências de causas externas
XX - Causas externas de morbidade e de mortalidade
XXI - Fatores que influenciam o estado de saúde e o contato com os serviços de saúde
.
19
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1. Caracterização da área de trabalho
3.1.1 Histórico
Este tópico objetiva inserir o estudo no contexto histórico da região de Guaratiba,
no entanto, cabe salientar que este relato constitui apenas uma parte da trajetória deste
bairro na história, sendo relatado apenas os fatos de interesse para a presente pesquisa.
Guaratiba possui uma história muito rica que não caberia no espaço aqui disponível, além
de não ser o foco do presente estudo.
Guaratiba se insere na história nacional em períodos de grande riqueza e também de
decadência. Sua área foi intensamente explorada nos grandes ciclos da agricultura. No
período colonial integrou a Fazenda Santa Cruz, a mais importante e próspera propriedade
dos Jesuítas no Brasil (Freitas 1985).
É parte do que foi conhecido como o Sertão Carioca. O Almanaque de Laemmert de
1900 informava que a circunscrição de Guaratiba, a outrora “mais rica e florescente” do
Distrito Federal, encontrava-se com seus cafezais destruídos, seus vastos campos de
criação em agonia, infestada por doenças. A única coisa que talvez destoasse desse
desalento era o desenvolvimento da pequena lavoura. Noronha Santos, escrito no mesmo
ano, é emblemático dessa visão calcada na idéia da decadência. Escrevia ele que em
Guaratiba, que pese o desenvolvimento da pequena lavoura e outras atividades como a
extração de madeira, “sua decadência é sensível devido às secas que têm consumido suas
plantações e importantes cafezais” (Santos 1965).
Já nas três primeiras décadas do século XX a região era vista como importante
centro de abastecimento da então capital federal. Delgado de Carvalho notava que em
Guaratiba, “o mais rico de todos os distritos agrícolas”, mais precisamente na “encosta
ocidental do maciço da Pedra Branca”, havia grandes pomares, plantações extensas de
bananeiras, de laranjeiras e de outras frutas. Segundo o censo de 1920, os distritos rurais
concentravam o maior número de cabeças de gado, tinham maior produção de arroz, feijão,
e outros, eram os únicos que produziam algodão e mamona, e que tinham a segunda maior
produção de café, milho e mandioca (Santos 1965). No entanto, estes mesmos distritos
começavam a ser alcançados pela ação de um mercado de terras orientado por uma lógica
não agrícola. Por ela, as terras comercializadas passavam a combinar usos agrícolas e
urbanos, eram os chamados terrenos de veraneio (Santos 2005).
20
Entretanto, as décadas de 30 e 40 testemunharam o desenvolvimento de um evento
que parecia justamente reforçar ainda mais a imagem da zona rural como uma espécie de
celeiro do Distrito Federal: a exemplo do que acontecia na Baixada Fluminense houve
grande disseminação da cultura da laranja por praticamente toda a região. As principais
regiões atingidas pelo “mar de laranjas” foram Campo Grande, Realengo, Santa Cruz,
Guaratiba e em menor escala Jacarepaguá (Musumeci 1987). As obras realizadas pela
Diretoria de Saneamento da Baixada Fluminense (DSBF) nas baixadas de Jacarepaguá e
Sepetiba foram outro importante acontecimento verificado na zona rural nesta época. Junto
com a “febre da laranja”, essas obras ajudaram a consolidar a imagem da zona rural como
uma região de “cinturão verde” capaz de promover o abastecimento quase completo do
Distrito Federal. Mas a importância daquelas obras reside também no fato de ter feito da
zona rural uma área de expansão não apenas para a agricultura. Com os melhoramentos da
DSBF a região estava definitivamente aberta para uma outra expansão, a dos negócios
imobiliários. Estes, por sua vez, eram cada vez mais regidos por uma nova modalidade: a
produção em massa de lotes urbanos (Santos 2005).
Tamanho era o crescimento dos negócios imobiliários na década de 50 que ela
ficaria conhecida como a época da “febre imobiliária” (Abreu 1988). Quarenta por cento
do total de loteamentos feitos durante o século XX nos distritos de Campo Grande,
Guaratiba e Santa Cruz - quase todo o Sertão Carioca - datam da década de 50, quando
ocorre uma significativa redução da área agricultável do Sertão Carioca. A imprensa
noticia o papel exercido pela expansão das loteamentos na retração da agricultura do
Distrito Federal. Mais que isso, a “febre imobiliária” estaria criando uma grave questão
social com a expulsão de centenas de lavradores de suas terras. Desta forma, os antigos
lavradores acabaram por assumir uma nova identidade, a de posseiros, travando uma árdua
luta pelo direito a terra (Pedroza 2003; Santos 2005).
Guaratiba hoje continua mantendo algumas características rurais e reúne ainda parte
da agricultura e floricultura praticada no município do Rio de Janeiro. Abriga trechos
naturais de mata atlântica, manguezais, apicuns e restingas. A pesca e comercialização de
pescados são o esteio de dezenas de famílias da região. Suas características peculiares
bastante diferenciadas de outras regiões da cidade, a coloca como pólo turístico da zona
oeste, com vocação, principalmente, para o turismo ecológico e a gastronomia. Este bairro
abriga três núcleos urbanos – Pedra de Guaratiba, Barra de Guaratiba e Ilha de Guaratiba.
O primeiro abriga o principal núcleo urbano do bairro e tem duas Áreas de Proteção
21
Ambiental, uma regulamentada, a APA das Brisas, e outra em processo de regulamentação,
a APA da Serra da Capoeira Grande.
Segundo o Censo 2000 (IBGE 2006), Pedra de Guaratiba possui 2.905 domicílios
com 9.656 moradores, sendo, em média, 3,32 moradores por domicílio. A Fundação Xuxa
Meneguel, localizada em Pedra de Guaratiba, estima que este número seja hoje de 15.000
habitantes (Fundação Xuxa Meneguel 2006). Segundo censo que está sendo realizado pela
Associação de Moradores e Amigos da Capoeira Grande - AMA Capoeira Grande, estimase que esta área, que possui trinta e seis ruas não asfaltadas, possua 500 domicílios com
3.000 moradores, sendo uma média de 6 habitantes por domicílio (Associação de
Moradores da Capoeira Grande, comunicação pessoal).
Em relação à meios de transporte, Pedra de Guaratiba é servida por poucas linhas
de ônibus que passam pelo bairro em direção a Santa Cruz e Campo Grande, e na direção
contrária, indo para a Barra da Tijuca e para o Castelo, centro do Rio de Janeiro. Os
transportes mais utilizados em Pedra de Guaratiba são combis e vãs, que aproveitam a falta
de transporte regulamentado e criam uma nova categoria de serviço. Além deste transporte
informal há transporte por moto, também informal, conhecido no bairro como mototaxi. A
Capoeira Grande não é servida por nenhuma linha de ônibus; o transporte mais utilizado é
o mototaxi ou, em alguns horários, combis. Além disso, na localidade existe apenas uma
escola, nenhuma farmácia, sendo a mais próxima, assim como o posto de saúde mais
próximo ficam no centro de Pedra de Guaratiba, relativamente distante para pessoas idosas
e crianças irem à pé, levando em consideração o problema de transporte.
Giovani, Diretor de Coordenadorias da AMA Capoeira Grande, conta como foi
quando começaram a vender os lotes nesta área, e fala do transporte:
“A Capoeira Grande que é mais conhecida como Capoeira Grande por
causa da Serra da Capoeira Grande, que eu sinto um orgulho do meu lugar
ser Capoeira Grande, mas na verdade o nome disso daqui é Jardim
Garrido. Na época que lotearam lá por 1955 eu tive com um prospecto da
época, então eles diziam, eles comentavam ali que era farta condução,
bonde, lotação e ônibus [Figuras 4a,b]. Quer dizer, hoje...bonde já não
existe mais no Rio desde 77, 78 por aí, lotação muito menos e ônibus
escasseou, em Pedra de Guaratiba toda, não é só na Capoeira. O que nós
temos é transporte alternativo, também não temos ruas que possam
transitar ônibus, no prospecto dizia que eram ruas pavimentadas, asfalto,
saneamento básico, água, tudo que falta pra gente”.
22
Figura 4a - Prospecto de vendas de lotes no Jardim Garrido em 1955. Capa e contra capa.
23
Figura 4b - Prospecto de vendas de lotes no Jardim Garrido em 1955. Interior.
3.1.2. Caracterização dos informantes
24
O bairro de Pedra de Guaratiba atualmente está num processo de transformação, principalmente com a expansão urbana em direção à
zona oeste, com o crescimento do turismo e oferta de novas atividades e produtos. O confronto entre modos de pensar e agir mais comuns ao
meio rural e novas idéias e costumes trazidos com o contato intensificado, nas décadas recentes, com a sociedade mais urbanizada refletem-se
também nas questões ligadas a doença e saúde. Apesar desta expansão ainda se concentrar em outras áreas do bairro, a área da Capoeira
Grande também tem sido alvo destas transformações, com invasões de terrenos e especulação imobiliária. O resultado disso é a reunião de
pessoas de diversas regiões formando uma população mista, que hoje se encontra sob o mesmo contexto histórico, político e cultural. Nas
populações brasileiras esta característica é muito comum. Este fato é corroborado por Renan (1997), “Não existem grupos racialmente puros,
mas populações que esqueceram o fato de serem originárias de uma fusão”. Como já dito anteriormente, esta área ainda, apesar de se localizar
num centro urbano, acumula características rurais e, aliado ao fato de se localizar no entorno de uma Área de Proteção Ambiental, se
diferencia do restante do bairro.
Através da técnica bola de neve, chegou-se aos especialistas locais da comunidade, pessoas indicadas pela associação de moradores e
por outros moradores do bairro, como grandes conhecedores de plantas. Alguns destes especialistas, apesar de participarem de uma entrevista
prévia, onde os objetivos do trabalho foram explanados, não quiseram participar da pesquisa. Este foi o caso de um senhor, indicado por mais
de três pessoas como conhecedor da mata, suas ervas místicas e medicinais. O motivo para esta decisão foi certa insegurança, pois ficou
preocupado com as perguntas que lhe seriam feitas e, para onde seria levado seu conhecimento. Este caso faz pensar que, talvez, esta pessoa
possa ter sofrido algum tipo de preconceito relacionado com seu conhecimento sobre as plantas. Isto poderia explicar seu “medo” em falar
sobre este assunto para pessoas de fora da comunidade. Outro motivo pode ser o fato da pessoa interessada estar no papel de pesquisadora,
fazer parte de um instituto de pesquisas. Este rótulo muitas vezes atrapalha as pesquisas, principalmente quando a comunidade já possui uma
experiência não muito boa com pesquisadores, como relatado por Edwards et al. (2005).
Concordaram em participar mais de dez especialistas locais, no entanto, decidiu-se realizar o trabalho com dez deles, quatro mulheres e
seis homens. Na comunidade os homens indicados como especialistas locais foram maioria o que contraria alguns trabalhos, pois na maior
25
parte das vezes, as pessoas que mais têm intimidade com as plantas, especialmente em quintais, são as mulheres (Ceccolini 2002; Blanckaert
et al. 2004; Oakley 2004; Silva, 2004; Silva & Ribeiro 2004).
A idade varia entre 40 e 77 anos, sendo que apenas dois estão na faixa dos 40 anos, e os outros têm mais de 53 anos, confirmando a
informação de que normalmente as pessoas que conhecem as plantas são as mais velhas (Ribeiro 1996; Amorozo & Gely 1988; Begossi et al.
1993; Boscolo 2003;). Em relação ao nível de escolaridade, dois informantes não tiveram ensino formal, cinco cursaram o ensino
fundamental, dois o ensino médio e uma o ensino superior (Tabela 2). Amorozo (2002), Pinto et al. 2006 e Hanazaki et al. 2006 obteveram
resultados semelhantes em relação à idade em trabalho realizado com populações rurais no Mato Grosso, onde os entrevistados tinham idade
acima de 50 anos. No entanto, os resultados do presente trabalho diferem dos anteriores no que diz respeito ao grau de escolaridade. Em
Amorozo (2002) os informantes não ultrapassam as quatro primeiras séries do primeiro grau e 24% não têm nenhuma escolaridade ou são
analfabetos funcionais. Em Pinto et al. (2006) 42% dos informantes não tiveram ensino formal e 54% não completaram o ensino médio. No
presente trabalho encontrou-se dois informantes com ensino médio e um informante com nível superior. Este fato é interessante, pois mostra
que o nível de escolaridade não segrega os moradores conhecedores de plantas medicinais.
Grande parte dos informantes está ou esteve durante a maior parte de sua vida, ligada a atividades agrícolas. O mesmo foi encontrado
por Amorozo (2002), Pinto et al. 2006 e Hanazaki et al. 2006.
O tempo de moradia na comunidade variou muito. Apesar de alguns deles morarem há pouco tempo neste local, conhecem muito de
sua história e principalmente a APA e as plantas, pois residiam anteriormente em bairros próximos. Este é o caso do informante Antônio que
apesar de residir na Capoeira Grande há apenas três anos, morou desde os nove anos de idade num bairro próximo, e devido ao contato que
sempre teve com a área, a conhece muito. Portanto, o tempo de residência na comunidade não foi pré-requisito para a escolha dos informantes
e variou entre três e 48 anos (Tabela 2).
26
Alguns informantes, devido à idade avançada, têm problemas de saúde. Por este motivo, muitos deles não puderam ir à campo. Um
exemplo disso é o caso de algumas pessoas conhecerem a APA, por já terem feito uso das plantas no passado, mas não terem condições de ir
até lá para coletar plantas.
27
Tabela 2. Informantes e respectivas idades, níveis de escolaridade e tempo de
residência na comunidade da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro.
Informante
Idade
Dona Antônia
77
Nível de
escolaridade
Ensino
fundamental+
Seu Manoel
68
Não teve ensino
formal
Dona Zelinda
68
Ensino superior
Seu Antônio
66
Ensino fundamental
Seu Joaquim
64
Não teve ensino
formal
Dona Cremilda
59
Ensino fundamental
incompleto
Dona Lúcia
54
Ensino fundamental
Giovani
53
Ensino médio
Antônio
41
Ensino fundamental
incompleto
Fábio
40
Ensino médio
+ Refere-se ao ensino de primeira a oitava série.
Tempo de
residência na
Capoeira Grande
14 anos
Mais de 30 anos
10 anos
48 anos
8 anos
20 anos
27 anos
25 anos
3 anos
10 anos
3.1.2.1. Relação com o ambiente e com as plantas, e a transmissão do
conhecimento
Inicia-se este tópico com uma frase retirada de Boscolo (2003), se referindo ao
fato de que o conhecimento sobre as plantas está geralmente com os mais idosos: isso
ocorre “talvez porque essas gerações viveram em outras condições, em áreas rurais,
distantes de qualquer assistência médica e farmacêutica e mais próximos à natureza, o
que tornava mais fácil de achar a planta perto de casa ou plantada em seu quintal”. Essa
ainda é a realidade na comunidade da Capoeira Grande. Além das pessoas ainda terem
uma convivência próxima com a natureza, e este ser um dos motivos da expansão em
direção a esta área, estão também distantes de uma assistência médica eficaz. Porém, os
informantes já sentem falta de algumas plantas que, devido ao processo de loteamento e
transformações no bairro não são mais encontradas:
“Dava muito na areia [cânfora] agora não existe [...] mas esse não
tinha pra ninguém, ele curava tudo. Ele dava rasteiro pela areia[...]
acabou com minha sinusite”.
Dona Lúcia
25
“A folha dela é um santo remédio, erva-de-bicho, pra coceira né.
Essa sumiu tudo depois que o home aterro [dono do terreno que ele
cuida], só dá em brejo”.
“Seu” Manoel
“Tinha outro aí [assapeixe] também que era muito bom mas acabou
porque o homem aterrou”.
“Seu” Manoel
Mesmo com modo de vida ainda predominantemente rural a comunidade do
entorno da APA da Serra da Capoeira Grande, com a chegada do “progresso”, e a
“melhora” do sistema de saúde (entre aspas, pois esta melhora é em relação a alguns
anos atrás, quando eles precisavam se deslocar para o Campo Grande, Santa Cruz ou
centro do Rio para ter acesso à postos de saúde), aliada ao aparente desinteresse em
relação ao aprendizado sobre as plantas por parte dos mais jovens, as pessoas tendem
cada vez mais a depender dos postos de saúde e dos remédios que eles, por vezes,
oferecem. Na área em estudo, encontramos pessoas que praticam os antigos costumes e
entendem como este aprendizado pode ser útil no atendimento primário à saúde,
expressando a vontade que têm que as pessoas voltem a se interessar e continuem a
praticá-los, como é o caso de Seu Manoel.
“As pessoas não sabem o que eles recebem de bom. Não é verdade?
Aí cê fala pra uma pessoa, vamos dizer assim, que é ingnorante, que
você entrou ali dentro [na Capoeira Grande] você já fica bem já se
sente bem, porque ele não sabe o que é a natureza. Aqui a pessoa
consegue viver um pouco, dentro do mato, porque aqui cê só recebe
coisas boas [...]. Muitas pessoas num sabe disso né, fala até que a
gente é ingnorante”.
“Capim-limão com erva-cidreira misturada, é gostoso, te faz bem.
Mas tem gente que diz “ aaahh...isso aí num vale nada não, eu vou é
ali na farmácia”, vai lá...não vou dizer que a pessoa não vai na
farmácia né, cada um tem um jeito né, não vou obrigar ela a seguir o
que eu sigo né”.
“Seu” Manoel
Através destes comentários fica exposto a valorização deste conhecimento pelos
informantes e a vontade que eles têm de que as pessoas reconheçam o valor das plantas
para a saúde. No entanto, existe uma dificuldade de transmitirem seu conhecimento, e
em alguns casos percebe-se até uma desistência para cumprir este papel. Este trabalho
não abordou o conhecimento dos mais jovens, no entanto, segundo os informantes, os
26
mais jovens não têm interesse em ouvir suas histórias, ou aprender sobre as plantas.
Geralmente procuram estas pessoas pedindo uma planta pra tratar algum mal, mas não
se interessam por tê-la em casa, nem sobre o uso de outras plantas.
“ Já fui muito, já fui muito, [procurada por pessoas pra pedir plantas
ou remédios] mas de alguns anos pra cá eu me lacrei aqui dentro”.
Dona Lucia
“...mas a noitezinha o pessoal vai ali fora, nossa mãe do céu, é uma
garotada, uma meninada, não tem nada, cê não aproveita nada, cê vê
só imundiça, é...só imundiça...é um ambiente que só serve pra eles
né? [...] Aí as pessoas começa a me dizer assim: aaahh rapaz, cê num
ta gostando porque cê é do tempo antigo...eles fala...brincando eles
fala [...]. Eu até dou razão a eles, porque a minha criação era uma
civilidade muito muito bonita, muita bonita mesmo, era muito
brilhante, a educação da gente com os outros, respeito, então hoje em
dia hoje não tem mais nada disso”.
“Seu”
Manoel
falando
do
comportamento dos jovens de hoje na
Capoeira Grande.
“Pessoas da minha faixa de idade que já tiveram algum contato com
planta que já ouviram, ainda tem algum interesse, mas o pessoal mais
jovem...basta te dizer que esta menina aqui que a mãe tinha um
conhecimento grande, a filha nunca se interessou [falando de Dona
Maria, uma senhora que todos dizem que conhecia muito as plantas
medicinais,
que faleceu e a filha nunca se interessou pelo
conhecimento da mãe]”.
Dona Zelinda
Apesar da maioria dos comentários acenarem para o fato de que os jovens não se
interessam pelo conhecimento dos mais velhos, uma das informantes teve uma
experiência diferente:
“Tava até falando pro meus filhos, tem que catá [plantas] né, porque
a pessoa chega na maioridade e não entende nada, aí vai descartando
tudo, ah esse é mato [...] Não, não se interessam, não querem
aprender. Se interessam não. A mais velha se interessa, a única, os
outros mais ninguém. Ela pergunta, ela faz também, ela pega a erva,
ela conhece. Ela se interessa muito muito mesmo”.
Dona Cremilda falando sobre a tentativa
de ensinar aos filhos sobre a importância
das plantas.
27
Segundo Amorozo (2002), a “modernização” traz consigo novas opções de
cuidados com a saúde, e uma certa desvalorização da cultura local, à qual os jovens são
o grupo mais sensível, reforçando a tendência à perda ou abandono das práticas
tradicionais. Pode-se dizer que na comunidade da Capoeira Grande, além de alguns dos
mais velhos terem se decepcionado com os mais jovens, outros parecem não terem mais
oportunidades de transmitir seu conhecimento. Segundo Amorozo (1996), o
conhecimento em comunidades locais - o saber - aparece sempre ligado ao seu aspecto
prático - o fazer - ou seja, os saberes estão interligados a uma vivência, a uma
interferência real no ambiente que a comunidade ocupa, sendo muitas vezes esta ação o
fator de origem e surgimento de novos saberes. Desta forma, o saber local sofre
mudanças espaço-temporais e possui um modo de transmissão essencialmente oral e
gestual que se comunica através da família e da vizinhança.
Na Capoeira Grande os jovens parecem não demonstrar mais interesse em
aprender. Desta forma, os mais velhos têm poucas oportunidades de contar suas
histórias – o saber, coletar e preparar as plantas – o fazer. Este contato está muito
fragilizado atualmente e parece haver um rompimento de elos importantes nesta
corrente de transmissão do conhecimento. Para Amorozo (1996), não existe
discriminação entre saber teórico e prático, sendo ambos adquiridos ao mesmo tempo,
na medida em que as crianças participam das tarefas cotidianas da comunidade e
absorvem aos poucos explicações verbais e codificações sobre elas, enquanto aprendem
a fazê-las. O que se sabe deve ter sempre um objetivo e resultado prático.
Além disso, o problema é acentuado com a fragmentação e transformação da
paisagem. A pressão da urbanização acelerada somada a especulação imobiliária que
vem crescendo no local acaba por romper os elos interpessoais dentro da comunidade.
Não só dos mais velhos com os jovens, mas entre eles mesmos, acabando por afastar
famílias e amigos, grupos sociais onde o conhecimento era repassado. O papel do
narrador é delegado principalmente ao idoso, que tem o dom do conselho e seu talento
de narrar vem da experiência, como afirma Bosi (1979). Benjamim (1985) afirma que
“[...] a arte de narrar está em vias de extinção”. Este autor quando aborda o papel do
narrador afirma que a mudança social causa a perda do elo com o passado. A sociedade
industrial está provocando a perda desta tradição, da arte de narrar e de ouvir. E hoje as
comunidades que antes conseguiam manter esta tradição estão sendo ameaçadas pelo
crescimento da urbanização. O que vem acontecendo na Capoeira Grande é que os
informantes, na maioria idosos, por serem pouco ouvidos, têm pouca oportunidade de
28
passar a sua sabedoria adquirida ao longo dos anos. Desta forma, a mudança espacial,
dos lugares de convivência de alguns grupos, e a saída de outros prejudica o contato
entre as pessoas da mesma geração e de diferentes gerações.
Quando acontece de alguém se interessar por suas histórias, elas correm o risco
de estarem já fragmentadas pelo tempo. Um exemplo disso neste trabalho aconteceu
com a planta Physalis angulata (Camapú). Um dos informantes reconheceu a planta,
sabia que era utilizada para fazer remédio, mas não tinha segurança no nome nem para
qual finalidade era utilizada e o modo de preparo. Neste trabalho este foi um caso
isolado; no entanto, em relação à dosagem das plantas isso aconteceu muitas vezes.
Esta fragmentação, portanto, pode ter então algumas causas possíveis, às quais o
pesquisador deve estar atento para não fazer falsas inferências: uma delas é o fato de
realmente não se lembrarem porque perderam o contato com a planta, ou seja, esta não é
mais encontrada nos arredores; outra é o que já foi dito anteriormente, ainda têm contato
com a planta, mas não têm oportunidade de ensinar sobre sua utilidade; e por fim o fato
de, como explicado por Amorozo (2002), a tradição da transmissão do conhecimento
sempre ter sido ligada à prática, à vivência. O fato de se estar conversando (em uma
entrevista ou informalmente), e o informante não estar vivendo sua rotina, preparando o
remédio, ensinando na prática, e em alguns casos nem vendo a planta, pode funcionar
como um bloqueio de sua lembrança. Além disso, pode ser que estes fatores atuem em
conjunto.
Frases como: “Ah, é só fazer um chazinho, é só ferver a erva” relacionadas à
falta de um modo claro de preparo, ou “Não tem problema não, pode tomar a vontade”,
ou “Pode tomar quando tiver sede”, relacionadas à falta de preocupação com a dosagem
são comuns de serem ouvidas. Por outro lado, observa-se também na Capoeira Grande
uma série de formas de preparo de ervas detalhadas e complexas. Isso será abordado no
tópico “Formas de Preparo de remédios caseiros na Capoeira Grande”.
3.2. Plantas utilizadas e suas indicações
O conhecimento das plantas medicinais é geralmente familiar e passado a outras
gerações oralmente. No entanto, a Capoeira Grande possui atualmente influências “de
fora” que foram observadas, como é o caso dos nomes populares. O informante seu
Joaquim, mora há oito anos na comunidade mas veio do Estado de Minas Gerais,
citando muitas plantas utilizadas lá e com seus nomes locais, como quina-cruzeiro,
29
buta-preta, cana-de-macaco (outro nome para cana-do-brejo), poejinho-do-brejo, etc.
(Tabela 3). Esta variação pode causar alguns equívocos no uso das plantas em regiões
onde pessoas de diferentes lugares convivem, principalmente através da troca de
indicações e modos de preparo entre vizinhos, se estes não apresentam a planta.
Entretanto, este informante mostrou muitas vezes que tem conhecimento sobre os
diferentes nomes comuns regionais para a mesma espécie.
“Brincava quando criança de fazer guizadinho com a planta, e a vó
chamava de língua-de-vaca, em Juiz de Fora, mas aqui se chama
maria- gorda e língua-de-vaca é outra coisa. A maravilha, eu tenho
uma amiga do Ceará que disse que lá chama bonina, a mesma
planta”.
Dona Zelinda
“A única que tem aqui é cana-de-macaco, conhece? [...] É, igual, é a
mesma coisa, em Minas chama cana-da-macaco e aqui chama canado-brejo. Muito bom esse aí”.
“Seu” Joaquim
De modo geral, os informantes demonstraram conhecer os perigos de algumas
plantas e seus efeitos colaterais. Entretanto encontrou-se também situações opostas onde
a frase “se é natural, mal não faz” apareceu algumas vezes. Alguns informantes não
reconhecem os efeitos tóxicos das plantas. Frases como “Não tem problema, se não
fizer bem, mal não vai fazer” ou “Não, a planta só faz bem, não nada a ver não esse
negócio de fazer mal” também foram comuns de serem ouvidas.
“Tem uma variedade de plantas que não são venenos, mas ela passa
a ser, se por exemplo uma mulher gestante tomar”.
Antônio
“Uma coisa que eu acho mais complicada no uso da planta é a
dosagem, porque as vezes a planta até um certo limite é benéfica,
depois ela passa a ser tóxica. As vezes você compra aquela erva ali e
ali não tem nenhuma indicação de quanto que usa. Você lembra uma
época que falaram tanto em confrei, e depois passado algum tempo
que todo mundo tava com mania de tomar confrei eu também ouvi
uma entrevista dizendo que fazia mal.”
Dona Zelinda
“[...] mas mulher grávida não pode tomar um chá de cidreira assim
muito forte, senão pode abortar né, pode tomar assim um golinho de
coisa fraco né”.
Dona Antônia
30
“Você coloca num litro d´água uma folhinha de cana-do-brejo, uma
folhinha de abacateiro, faz um chazinho num litro d´água e toma duas
vezes ao dia só. Nunca durante a noite, ele é diurético. Se você não
seguir e usar mais de duas vezes por dia, pode dar um balanço na sua
pressão. Por que tudo que você usa que é diurético vai mexer com a
pressão”.
Dona Lúcia
“ Isso aí [falando da erva-de-santa-maria] a pessoa pode fazer uso
todo dia que não faz mal, só faz bem![...] O chá não tem muito
controle não, eu faço tomo um copo, dois, mas se fizer ela de modo a
espremer só o sumo não dá pra tomar um copo não. É muita reação,
a ação dele é muito forte. Eu abusei aí um dia, fui fazer um copo
duplo, fui obrigado a sentar e dar um tempo [...] Tive que sentar,
fiquei tonto, aquilo correu o corpo assim, fiquei tonto, aí tive que
diminuir a dose. Aí eu tomo assim pouco agora. O chá não, pode
tomar um dois copo. Mas o sumo se tomar já sabe que vai ter reação.
Principalmente de noite. É...ele é danado. Essas coisas a gente não
precisa ficar doente pra tomar não. O chá é bom. Mas eu até gostei
de sentir a reação, é, foi bom”.
Seu Manoel
Porém, nem sempre são entendidos os efeitos ‘colaterais’ ou ‘tóxicos’ das
plantas. Na fala acima nota-se que quando se perguntou se a planta fazia mal ou era
tóxica ele disse que não, que pode tomar que ela só faz bem. Mas depois diz que o sumo
faz “...muita reação, a ação dele é muito forte”, ele “é danado”. Ele sabe que o sumo é
mais concentrado, no entanto não acredita que a planta realmente faça mal, que ela é
tóxica, mas sim que ela é muito boa, que o efeito dela está ligado à quantidade que se
usa. Ou seja, a planta não prejudica, ele é que, num determinado momento, não a usou
corretamente. Esta percepção do “fazer mal”, “da reação” que a planta causa é
compartilhada por outros informantes. No entanto, até o momento, não se encontrou
referência na literatura que discuta esta percepção.
“Isso aí Rubia depende muito da necessidade, que ele tiver passando
né, sofrendo, uma dor. É, o certo é esse. Quando tiver precisando,
porque do contrário pode até fazer mal a ele, é verdade. Me atrapaio,
eu tava bem e fiquei mal. Isso que eu falo pra você, não dá certo, foi
mais uma que eu aprendi. Eu tomei tava bom, aí depois piorou tudo.
Eu senti tonteira, ele é muito forte. Só é bom quando você ta
precisando. Já sei o que eu to precisando, vou lá pego faço um chá e
tomo. Aí fico tranqüilo”.
“Seu” Manoel
31
“Tem que dizer uma coisa, a erva faz muito bem a saúde, ah erva faz
mal? Não, erva não faz mal, depende do jeito que você usar ela.”
Dona Cremilda
Matos (1989) ressalta os riscos da utilização indiscriminada de plantas
medicinais. Dentre os principais riscos estão o desconhecimento da toxicidade e a
utilização de plantas que contenham substâncias tóxicas de ação retardada. Drew &
Myers (1997) relatam a dificuldade que os profissionais da área da saúde têm para
identificar uma intoxicação por uso de plantas devido à falta de informações disponíveis
na literatura, e alertam para a importância de se registrar estes efeitos adversos.
Matos (op cit.) também ressalta os problemas que podem ocorrer com o uso de
plantas mofadas por terem sido mal preparadas e mantidas em recipientes e locais
impróprios, o uso das plantas indicadas ou adquiridas erroneamente e com plantas
adquiridas secas ou compradas em feiras. No entanto, estes não são problemas no caso
da comunidade em estudo, pois eles raramente compram plantas secas, justamente por
não confiarem no que tem dentro dos pacotes:
“Raramente eu compro. Na verdade eu prefiro colher, porque eu sei
quando estou colhendo, dá pra confiar mais porque estes pacotinhos
você nem sabe quando foi empacotado e ali você nem identifica a
erva, quer dizer, pode ser qualquer mato aí”.
Dona Zelinda
“Eu não gosto muito de comprar porque geralmente quando você
compra é seca e eu não sei, as vezes já vem muito seca e vem toda
quebrada, quase pó e eu não sei se aquilo é mesmo verdade ou não,
eu prefiro apanhar”.
Giovani
Fato importante também, e que nas falas abaixo se expressa bem, é a
constante preocupação com a limpeza das ervas por parte de todos os
informantes:
“[...] outra coisa, as ervas tem que ser muito bem lavadas, passa
bicho, tem poeira, aqui tem muita poeira”.
Dona Cremilda
“[...] não pode ser ervas danificadas, com fungos ou picotadas de
insetos. Não. Ela tem que estar intacta, o fruto também”.
Dona Lucia
32
Eles também raramente secam as plantas para estocarem, a utilização é sempre
realizada com a planta fresca, colhida no momento de fazer o preparado, com exceção
de Dona Zelinda que gosta de ter à disposição algumas plantas secas (Fig. 13G):
“Agora mesmo quando sair daqui vou levar umas folhas de capim
limão pra casa, pra fazer um chá pra mim tomar de noite, não to
sentindo nada mas eu gosto de vez em quando tomar um chá né, eu
sei que é bom, eu sinto que é bom...é bom, pra mim é bom”.
“Seu” Manoel
Observamos que a maiorias das plantas de uso medicinal e místico citadas pelos
informantes da Capoeira Grande são de plena concordância entre eles e de uso
consagrado pela população brasileira. São exemplos disso o alho, a babosa, o capimlimão e a erva-cidreira.
Foram identificadas 114 espécies pertencentes a 42 famílias. Destas famílias,
45% (19) são representadas por apenas uma espécie. As que apresentaram o maior
número de espécies foram Lamiaceae (13), Asteraceae (9), Solanaceae (6),
Leguminosae (6), Euphorbiaceae (5), Brassicaceae (5), Rutaceae (5) e Myrtaceae (5)
(Tabela 3). Asteraceae, Lamiaceae e Solanaceae estão também entre as famílias com
maior número de espécies citadas em diversos trabalhos, como Vargas & Rios (1990),
Waizel (1990), Stalcup (2000), Schardong & Cervi (2000), Di Stasi et al. (2002),
Medeiros et al. (2004) (Tabela 3). Segundo Schardong & Cervi (2000), a
representatividade da família Asteraceae se deve ao fato desta família apresentar um
grande número de espécies medicinais popularmente difundidas e, além disso, a maioria
delas são espécies ruderais de fácil acesso, podendo-se dizer o mesmo da família
Lamiacae.
A representatividade da família Solanaceae num primeiro momento pode ser
preocupante, pois as espécies do gênero Solanum, citadas pelos informantes, são
portadoras de um alcalóide, a solanina que, embora em sua forma natural não seja bem
absorvida, produz por hidrólise subseqüente à sua ingestão uma outra substância, esta
absorvível e responsável pelos fenômenos de intoxicação (Parente & Rosa 2001). No
entanto, nota-se na Tabela 3, que apenas uma espécie de Solanum (jurubeba) tem uso de
forma oral.
As espécies mais citadas são erva-cidreira (Lippia alba) e capim-limão
(Cymbopogon citratus), por 7 informantes; aroeira (Schinus terebinthifolius) citadas por
33
6 informantes; cajueiro (Anacardium occidentale) e erva-de-santa-maria (Chenopodium
ambrosioides), por 4 informantes; saião (Kalanchoe brasiliensis), picão (Bidens pilosa),
boldo
(Plectranthus
grandis),
pitanga
(Eugenia
uniflora),
erva-de-passarinho
(Struthanthus marginatus), eucalipto (Eucalyptus citriodora), colônia (Alpinia
zerumbet), laranja-da-terra (Citrus aurantium), assapeixe (Vernonia cognata) e ipê-roxo
(Tabebuia impetiginosa), todos citadas por 4 dos 10 informantes (Tabela 7). A colônia,
além de medicinal, é também utilizada como mística em banhos de descarrego (Tabela
4).
As espécies Lippia alba, Cymbopogon citratus e Chenopodium ambrosioides
também foram as mais citadas em Schardong & Cervi (2000) em Campo Grande, MS. E
as espécies Chenopodium ambrosioides, Alpinia zerumbet, Cymbopogon citratus foram
as mais citadas em Medeiros et al. (2004) na Reserva Rio das Pedras em Mangaratiba,
RJ. Di Stasi et al. (2002) também encontraram como mais citadas as espécies
Cymbopogon citratus, Lippia alba e Vernonia cognata, no Vale do Ribeira, SP.
Roveratti (1998) em sua análise comparativa de espécies medicinais utilizadas
em diferentes regiões do Brasil, refere-se a cinco espécies como sendo as de maior
freqüência em todos os levantamentos, dentre elas se encontram Cymbopogon citratus e
Vernonia condensata. Este mesmo autor ressalta o regionalismo relacionado à utilização
de Chenopodium ambrosioides, citada em 70% dos levantamentos realizados nas
comunidades das regiões Norte e Nordeste, enquanto que nos Estados do Sul e Sudeste
notou ser uma espécie pouco utilizada. Este fato não foi observado no presente trabalho,
já que 50% dos informantes a utilizam e a incentivam em seus quintais, já que é uma
espécie espontânea na região.
Chama atenção a utilização de espécies alimentícias com finalidades medicinais
pelos informantes. Além das frutas, encontrou-se no presente estudo alho (Allium
sativum), cebola (Allium cepa), serralha (Sonchus oleraceus), couve (Brassica
oleracea), agrião (Nasturtium officinale), abóbora (Cucurbita sp.), chuchu (Sechium
edule), quiabo (Abelmoschus esculentus), cana (Saccharum officinale), milho (Zea
mays), jiló (Solanum gilo) e tomate (Solanum lycopersicum), todas com uso medicinal.
Bennett & Prance (2000) afirmam que a dicotomia entre alimento e remédio é em
grande parte ausente entre populações indígenas e rurais. Segundo eles, no norte da
América do Sul as mais importantes plantas alimentícias introduzidas são avaliadas
também como medicinais.
34
Para todas as plantas empregadas, os informantes citaram 238 vezes as
partes/estruturas em diferentes preparações. As folhas foram as mais citadas, 166
citações (70 %); seguidas de casca, com 20 citações (8%); planta inteira com 10
citações (4%); sementes com 8 citações (3%); frutos, flores e “outros” com 7 citações
cada (3%); raiz e mucilagem com 5 citações cada (2%). Como “outros” incluiram-se as
partes utilizadas com duas ou menos citações. Nesta categoria incluem-se: pau de
canela, dentes de alho, casca de frutos com 2 citações cada um; látex com 1 citação. O
que é aqui denominado mucilagem é referente à babosa (Aloe vera), uma única planta
com representatividade de 2% (Fig. 5).
Foram citadas dez formas de preparo das espécies utilizadas. A decocção é a
forma mais utilizada com 133 citações (57,3 %), seguida de infusão com 27 citações
(11,7 %), ao natural com 17 citações (7,4 %), cataplasma com 15 citações (6,5 %),
sumo com 13 citações (5,7 %). Menos representativas foram as formas de xarope e
garrafada com 9 citações cada uma (3,9 %) e as formar classificadas como “outros” com
7 citações (3 %). A categoria “outros” inclui as formas menos representadas, com três
ou menos citações: defumação (1), pó (2), inalação (3), supositório (1) (Fig. 6).
Garrafada, neste trabalho, se refere à deixar as plantas imersas em álcool por alguns dias
em um recipiente de vidro e utilizar o álcool resultante da imersão topicamente (7), ou
ainda pingar gotas deste álcool em água para beber (1). Também se inclui em garrafada
deixar cascas imersas em água por alguns dias na geladeira, para beber a água depois
(1). A forma de preparo ao natural refere-se ao uso da planta em sucos, consumo de
frutos ou na alimentação. A maior utilização das folhas e como forma de preparo a
decocção é reportada em vários trabalhos, Coe & Anderson (1999) na Nicarágua,
Ribeiro (1996), Stalcup (2000), Medeiros et al. (2004) e Pilla et al. (2006), na região
Sudeste do Brasil; Amorozo (2002) no Mato Grosso e Pinto et al. (2006) na Bahia. A
maior utilização das folhas é um caráter de conservação do recurso vegetal, pois não
impede o desenvolvimento e a reprodução da planta, se a retirada da parte aérea não for
excessiva (Martin 1995).
Há grande número de citações de plantas associadas a práticas místicas ou
mágico-religiosas, utilizadas na forma de banhos, na maioria, “banhos de descarrego”.
Isto se dá devido à influência de religiões de matriz africana como a Umbanda e o
Candomblé na área de estudo, e também da tradição das rezadeiras. Este assunto será
abordado no tópico “As plantas nas crenças e religião: influências observadas na
35
Capoeira Grande”. Esta informação não aparece na Figura 6 por se tratar o banho de
uma forma de administração.
36
3%
3%
2%
4%
Folhas
2%
Flores
3%
Cas ca
8%
Fruto
Mucilagem
3%
Raiz
Planta inteira
70%
Sem entes
Outros
Figura 5. Partes das plantas empregadas na preparação de remédios caseiros ou de uso
místico, na comunidade do entorno da Serra da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba,
Rio de Janeiro, RJ.
(%)
60
55
50
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
Decocção
Infus ão
Ao natural
Cataplas m a
Sum o
Xarope
Garrafadas
Outros
Figura 6. Formas de emprego nas preparações de remédios caseiros, ou místicas na
comunidade do entorno da Serra da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de
Janeiro, RJ.
37
Tabela 3. Lista de espécies medicinais e místicas citadas por moradores do entorno da
Serra da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ (me. medicinal, mi.
mística, fo. folha, fl. flor, pl. planta inteira, muc. mucilagem, ra. raiz, cas. casca, sem.
sementes, fr. fruto, cas/fr. casca do fruto, br/fo. broto das folhas; E. espontânea; C.
cultivada; 1. comprada; 2. entorno do bairro; 3. APA da Serra da Capoeira grande; 4.
entorno da APA; 5. quintal).
Família/Espécies/Nome popular
Usos
Indicações de uso
Parte
Preparo e
usada
uso
Dose (quantidade)
Procedência
C/E
ALISMATACEAE
Echinodorus grandiflorus
(Cham. & Schltdl.) Micheli
me
rins; reumatismo; torcecolo
fo
me
má digestão: "arrotando azedo".
cas
(chapéu-de-couro)
decocção
2
cataplasma
(alagados)
decocção
1
E
ALLIACEAE
Allium cepa L.
(cebola)
decocção
Allium sativum L.
me/
resfriado e tosse; banho de
(alho, alho-roxo)
mi
descarrego
“dentes”
infusão
1
banho
xarope
AMARANTHACEAE
calmante; contra vermes; para
Chenopodium ambrosioides L.
(erva-da-santa-maria)
me
tuberculose; contra pulgas; dores
de cabeça; dores no peito;
fo
sem
pancadas; destroncados; cabelos
sumo
sumo: um copo por dia,
ao natural
em jejum, fdecocto -
cataplasma
dois copos
5
E
5
E
5
E
2,3
E
ANACARDIACEAE
Anacardium occidentale L.
(cajueiro, cajueiro-roxo)
Mangifera indica L.
(mangueira)
decocção
cicatrizante; hemorroidas;
me
diabetes; afordisíaco; inflamação
cas/fr
vaginal, inflamação no útero.
me
bronquite asmática
banho
Toma durante o dia todo;
infusão
faz o banho até curar.
ao natural
cas/fr
xarope
2, 3 vezes ao dia, "2
dedinhos"
inchaço, irisipela; limpa o
sangue: coceiras; hemorroidas,
Schinus terebinthifolius Raddi
(aroeira, aroeira-vermelha,
aroeira-banca)
me/
mi
estômago; antiinflamatório,
cas
cicatrizante, pra machucado
fo
infeccionado. Reposição
sem
hormonal - menopausa.
decocção
banho
pó
xarope
Inflamação vaginal; sangramento
Cont. Tabela 3...
na gengiva; pulmão: gripe e tosse
Família/Espécies/Nome popular
Usos
Indicações de uso
Parte
Preparo e
usada
uso
Dose (quantidade)
Procedência
38
C/E
ANNONACEAE
Annona muricata L.
me
diabetes
Pimpinella anisum L.
me/
irritação das mucosas; calmante;
(erva-doce)
mi
gases; pra rezar criança
me/
“lavar as vistas” no candomblé,
mi
problemas de visão
me
urina presa (diurético)
(graviola)
fr
fo
Infusão
5
C
5
C
APIACEAE
sem
infusão
decocção
ARACEAE
Pistia stratiotes L.
(erva-de-santa-luzia)
fo
banho
5
C
pl
decocção
2,4
E
5
E
ASTERACEAE
Acanthospermum hispidum DC.
(amor-do-campo, carrapichinhodo-campo,carrapichinho)
Ageratum conyzoides L.
(erva-de-são-joão, catinga-debode)
me
Arnica montana L.
(arnica-montana)
me
(da farmácia)
Baccharis dracunculifolia DC.
(alecrim-do-campo, alecrim-domato)
me/
mi
Bidens pilosa L.
me/
(picão)
mi?
antidepressivo; problemas renais;
abortiva; circulação
cólicas, gases, diarréia e
estômago
fo
fl
afasta proga; utilizado pra fazer
própolis verde; antibiótico
fo
natural; afasta “o mal” de casa.
hepatoprotetor, problemas renais;
hepatite; cirrose
infusão
decocção
tintura
30 gotas em 1 copo de
alcoólica
água
decocção
quando está em crise
defumação
1
2, 3, 5
E
5,2,4
E
2,4,5
E
5
C
5
E
fo
pl
decocção
(exceto
banho
ra)
Eupatorium maximiliani Schrad.
ex DC.
me
(arnica, arnica-do-campo)
inchaços; torçoes, quebraduras;
reumatismo
decocção fo
banho
garrafada
sumo
Mikania laevigata Sch.Bip. ex
Baker
xarope
me
tosse
fo
reumatismo; dores de contusão e
fo
de coluna
fl
decocto
(guaco)
Solidago microglossa DC.
(arnica)
me
garrafada
3 xícaras (ou 3 copos
americanos) por dia
39
Cont. Tabela 3...
Família/Espécies/Nome popular
Usos
Indicações de uso
Parte
Preparo e
usada
uso
Dose (quantidade)
Procedência
C/E
2,4,5
E
4,5
E
2,3
E
3
E
3
E
2,4,5
E
C
ASTERACEAE (cont.)
Sonchus oleraceus L.
(serralha)
Vernonia cognata Less.
(assapeixe, assapeixe-roxo)
me
me
depurativo do sangue: para
vitiligo
pneumonia, para os bronquios;
pulmão, tosse
decocção
fo
salada
refogada
fo
decocção
sumo
xarope
BIGNONIACEAE
decocção
Infecções de pele: sangue ruim,
Jacaranda puberula Cham.
(carobinha)
me
coceira, irritação.
Antiinflamatório, pra banhar
fo
banho
Vinho e chá: 2 vezes por
infusão
dia
vinho
machucados
Sparattosperma leucanthum
(Vell.)Schum.
(cinco-folhas, cinco-chagas,
me
antiinflamatório; erisipela
fo
fortalece o sistema imunológico;
fo
hepatite; depurativo do sangue;
cas
trevo-de-cinco-folhas, sete-
decoção
3 xícaras (ou 3 copos
banho
americanos) por dia
chagas)
Tabebuia impetiginosa ( Mart.ex
DC.) Standl.
me
(ipê)
decocção
cancer
BORAGINACEAE
Cordia verbenacea DC.
(erva-baleeira)
Symphytum officinale L.
me
estimula o sistema imunológico;
antibiótico natural
fo
decocção
3 xícaras (ou 3 copos
americanos) por dia
me
para os cabelos
fo
xampu
5
me
estômago:úlcera
fo
ao natural
1
me
para dores nas costas
pl
garrafada
5
E
para dores musculares,
pl
garrafada
5
E
fo
decocção
5
C
(confrei)
BRASSICACEAE
Brassica oleracea L.
(couve)
Cleome aculeata L.
(erva-de-macaco)
Cleome diffusa Banks ex DC.
(erva-gambá)
me
principalmente nas costas
Lepidium pseudo-didymus Thell.
ex Druce
me
pnemonia: para os bronquios
Usa-se quando se sente
dor.
(mastruço)
40
Cont. Tabela 3...
Família/Espécies/Nome popular
Usos
Indicações de uso
Parte
Preparo e
usada
uso
Dose (quantidade)
Procedência
C/E
5
E
2,4
E
BRASSICACEAE (cont.)
esfregar no
Lepidium virginicum L.
(vassourinha-de-pulga)
me
contra pulgas
pl
cachorro ou
varrer o
terreno
Lepidium cf.ruderale L.
me
(agrião-do-mato)
Nasturtium officinale R.Br.
(agrião)
me
pneumonia
fo
pulmão; tosse, gripe
fo
ao natural
comer as folhas como
salada
ao natural
1
sumo
xarope
CARICACEAE
Carica papaya. L.
(mamão-macho)
me
Gripe; tira manchas de roupa
fl
decocção
fo
ao natural
5
C
CLUSIACEAE
Garcinia cola Heckel
(orobô)
sem
mi
"fava"
banho
1
COSTACEAE
Costus spicatus (Jacq.) Sw.
me/
infecção renal; cistite - diurético;
(cana-do-brejo, cana-de-macaco)
mi
folha de Nanã
fo
infusão
decocção
2 vezes ao dia
2,5
(alagados)
E
CRASSULACEAE
Kalanchoe brasiliensis Cambess.
(saião)
Kalanchoe pinnata (Lam.) Pers.
(folha-da-fortuna)
contusão;pulmão:resfriado, tosse,
me
tosse coqueluxe; furúnculo;
cataplasma
fo
destroncado; estômago.
mi
sorte; banho de descarrego
Pulmão: Tomar 2 copos
xarope
uma vez ao dia por no
ao natural
máximo uma semana.
fo
C
5
(vas
os)
4
E
CUCURBITACEAE
Cucurbita sp. L.
(abóbora)
Momordica charantia L.
(melão-de-são-caetano)
Sechium edule (Jacq.) Sw.
(chuchu)
me
vermes
sem
ao natural
reumatismo; tira mancha de
fo
roupas; febre
pl
me
baixa a pressão
fr
me
infecção urinária.
fo
me
rins
pl
decocção
Parte
Preparo e
usada
uso
me
1
garrafada
2,3,4
decocção
1
cozido
5
E
C
EUPHOBIACEAE
Acalypha comunis Müll.Arg.
(parietária)
Euphorbia prostrata Aiton
(quebra-pedra)
Família/Espécies/Nome popular
infusão
decocção
5
E
2
E
Cont. Tabela 3...
Usos
Indicações de uso
Dose (quantidade)
Procedência
EUPHORBIACEAE (cont.)
41
C/E
Jatropha gossypiifolia L.
(pinhão-roxo)
Phylanthus niruri L.
mi
banho de descarrego
fo
me
para os ins
pl
me
para os ris
pl
me
bronquite
fr
(erva-pombinha, quebra-pedra)
Phylanthus tenellus Roxb.
(falso-quebra-pedra, ervapombinha, quebra-pedra, quebra
banho
infusão
decocção
decocção
infusão
1,2,5
E
2,4,5
E
2,4,5
E
3
E
5
E
5
C
1,5
C
5
C
2
E
-edra-do-norte)
LAMIACEAE
Leonotis nepetifolia (L.) R. Br.
(cordão-de-frade)
Leonurus sibiricus L.
(erva-macaé, macaé)
Mentha pulegium L.
me
pneumonia;febre;estômago;
fígado
me
pra criança
me/
Diarréia de criança; estômago;
mi
vermes; pra rezar criança; rins
decocção
decocção
fo
sumo
ao natural
fo
infusão
(poejo)
Mentha x piperita var. citrata
(Ehrh.) Briq.
(hortelã, elevante)
decocção
fo
sumo
2, 3 vezes por dia
ao natural
decocção
Ocimum cf. basilicum L.
(manjericão, alfavaca)
me/
mi/
temp
expectorante para infecção
pulmonar; tuberculose crônica;
mal olhado; banho de
infusão
fo
descarrego; coração; proteção de
xarope
decocção
banho.
Oxalá.
Ocimum officinalis L.
(alfavacão)
Origanum vulgare L.
(orégano)
me
tosse de coqueluxe
fo
xarope
me
"pra ficar de bem com a vida"
fo
decocção
vermes; dor de cabeça
fo
Plectranthus amboinicus (Lour.)
me/
Spreng.
temp
duas xícaras por dia
ao natural
Infusão
1
5
E
5
E
(hortelã-pimenta)
Plectrantus grandis (Cramer)
R.H.Willemse
(boldo)
me
problemas digestivos;estômago;
ressaca.
fo
decocção
sumo
um copo quando não se
sente bem, ou antes de
beber.
42
Cont. Tabela 3...
Família/Espécies/Nome popular
Usos
Indicações de uso
Parte
Preparo e
usada
uso
Dose (quantidade)
Procedência
C/E
5
C
5
C
5
C
LAMIACEAE (cont.)
Plectrantus neochilus Schltr.
me
má digestão; pro fígado, ressaca
fo
(boldo-do-chile)
Rosmarinus officinalis L.
(alecrim, alecrim-de-casa,
alecrim-da-horta)
me/
mi
sumo
decocção
"pra ficar de bem com a
vida";para os
decocção
fo
banho
xampu
cabelos;reumatismo; banho de
duas xícaras por dia
passar nas juntas
descarrego
Salvia officinalis L.
(salvia)
me/
temp
Asma: expectorante
fo
infusão
LAURACEAE
Cinnamomum zeylanicum Breyn.
(canela)
Laurus nobilis L.
"pra ficar de bem com a vida";
me
Menstruação atrasada quando
chá de cidreira não adiantou.
me
má digestão "rotando azedo"
decocção
“pau”
decocção
cas
com vinho
2 xícaras por dia
1
tinto
fo
decocção
fo
decocção
1
C
5
C
5
C
(louro)
Persea americana Mill.
(abacateiro)
diurético; baixa a pressão;
me
expectorante; corta gases
acumulados
2 vezes ao dia. Nunca
durante a noite.
LEGUMINOSAE
CAESALPINIOIDEAE
Bauhinia variegata L.
(pata-de-vaca, pé-de-vaca)
Hymenaea sp.
(Jatobá)
me
infecção renal.
fo
decocção
me
para os ossos
cas
garrafada
me
dor de dente
ra
me
Hemorragia menstrual
fo
pl
2 copos por dia
busca fora do
bairro
MIMOSOIDEAE
Mimosa pudica L.
(dormideira)
decocção -
2,4,5
E
decocção
3
E
decocção
2,4,5
E
bochecho
PAPILIONOIDEAE
Cajanus flavus DC.
(Guando)
Desmodium barbatum (L.) Benth.
in Miq.
(amor-do-campo, carrapichinho)
me
antiinflamatório, diurético, para
pedr anos rins
43
Cont. Tabela 3...
Família/Espécies/Nome popular
Usos
Indicações de uso
Parte
Preparo e
usada
uso
Dose (quantidade)
Procedência
C/E
tomar durante o dia todo
5
E
5
C
5
C
5
C
2,5
E
PAPILIONOIDEAE (cont.)
Desmodium purpureum Hook. &
decocção
Arn.
(amor-do-campo, carrapichinho-
me
corrimentos vaginais.
fo
do-campo, carrapicho,
-banho
decocção chá
carrapichinho)
LILIACEAE
Aloe vera (L.) Burm.f.
(babosa)
me
hemorróidas; cicatrizante; para
os cabelos; cancer; estômago
supositórios
muc
cataplasma
ao natural
Dracaena fragrans Ker Gawl.
(peregun-de-oxum, peregum-de-
mi
folhas de Oxum e Oxalá
fo
quinadas
oxalá)
ter plantada em
ambientes de
Sansevieria trifasciata Prain
(espada-de-são-jorge)
mi
afasta más influências, olho
gordo, mal olhado
grande
fo
circulação de
pessoas, como
entrada de
casas
LORANTHACEAE
Struthanthus marginatus (Desr.)
Blume
para desinchar torção;
me
(erva-de-passarinho)
pneumonia: para os bronquios;
tosse de resfriado; pulmão
fo
pl
cataplasma
decocção
sumo
LYTHRACEAE
Cuphea balsamona Cham. &
Schltdl.
(sete-sangrias)
me/
mi?
glicemia alta; desentope vasos.
Diarréia de sangue.dor de
barriga.
fo
decocção
ra
banho
2,4,5
C-5
E-4
MALPIGHIACEAE
Malpighia punicifolia L.
(acerola)
me
gripes e resfriados
me
para furunculos
fo
fr
decocção
5
C
cataplasma
1,5
C
banho
1
MALVACEAE
Abelmoschus esculentus (L.)
Moench
fr
(quiabo)
Cola acuminata Schott & Endl.
sem
mi
"fava"
(obi)
Gossypium arboreum L.
(algodão)
me
aumentar as contrações e
dilatação uterina durante o parto
fo
decocção
5
banho
Cont. Tabela 3...
(parteiras); infecções uterinas
Família/Espécies/Nome popular
Usos
Indicações de uso
C
Parte
Preparo e
usada
uso
Dose (quantidade)
Procedência
MARSILEACEAE
44
C/E
folha seca
Marsilea sp.
mi
(trevo-de-quatro-folhas)
Boa sorte
fo
sempre junto
5
C
à pessoa
MELIACEAE
Melia azedarach L.
me/
Para dores na coluna; planta de
fr
(para-raio, para-raio-de-xango)
mi
Xangô e Yansã
fo
garrafada
4,5
C
E
MORACEAE
garganta inflamada com pus, no
Morus nigra L.
me/
candomblé usa-se os galhos para
(amoreira)
mi
fazer varinhas "trabalhadas" para
fo
decocção
5
-bochechos
C
espantar os Eguns.
MYRTACEAE
Blepharocalyx salicifolius
(Kunth) O. Berg
me
(murta)
pra secar umbigo de criança
(parteiras)
fl
não sabe
5
C
E
decocção inalação
Eucalyptus citriodora Hook.
(eucalipto)
me
resfriado, sinusite; estômago
fo
decocção chá
3 vezes ao dia
2,3
C
4 vezes por dia
5
E
ao natural
xarope.
decocção
Eugenia uniflora L.
me
(pitanga)
tosse, refriado, febre
fo
xarope
infusão
Myrciaria sp.
me.
diarréia de sangue em adultos
cas
5
decocção
(vizinhos)
(jabuticabeira)
br/foPsidium guajava L.
me
(goiabeira)
para diarréia em adultos
confecção dos Atoris, varas para
tocar atabaques.
adultos
fr
decocção
5
E
5
E
3
E
5
E
verdescrianças
NYCTAGINACEAE
Mirabilis jalapa L.
me
(maravilha)
Para furúnculos; feridas
infeccionadas; infecções de pele.
fo
cataplasmas
sem
pó
fo
para fazer
Aplica-se até o furúnculo
estourar.
PHYTOLACACEAE
Galesia
integrifolia
Harms.
(Spreng.)
decocção
me
queda de cabelos
(pau-d´alho)
Petiveria alliacea L.
me/
(guiné, guiné-pipiu)
mi
xampu
decocção
dente inchado; mal olhado;
banho de descarrego
fo
-bochecho
Banho
45
Cont. Tabela 3...
Família/Espécies/Nome popular
Usos
Indicações de uso
Parte
Preparo e
usada
uso
folhas
banho
“contas”
infusão
Dose (quantidade)
Procedência
C/E
PIPERACEAE
Peperomia pellucida (L.) Kunth
(oriri, língua-de-sapo)
mi
planta de Oxum
me
tônico para os músculos
3, 4 (locais
úmidos)
E
POACEAE
Coix lacryma-jobi L.
(lágrima-de-nossa-senhora, conta-
5
E
5
C
de-nossa-senhora)
Cymbopogon citratus Stapf.
(capim-limão, capim-santo,
calmante;pra dormir bem e
me
capim-cidreira)
acordar disposto no outro dia;
fo
digestiva; tosse e resfriado;
decocção
xarope
5 vezes por dia 1 colher
vômito; diarréia
Saccharum officinale Salisb.
me
rins
fo
decocção
1
(cana)
fl
Zea mays L.
(cabelo-de-milho)
me
problemas renais; para a urina
(diurético)
“cabelo
do
1,5
decocção
(vizinhos)
milho”
PLANTAGINACEAE
Plantago major L.
(transagem)
me
bronquite; antiinflamatório;
antibiótico natural
fo
decocção
cas
decocção
fl
infusão
fo
decocção
5
E
5
C
PUNICACEAE
Punica granatum L.
(romãzeira)
me
infecção na garganta; resfriados
me
"pra ficar de bem com a vida"
ROSACEAE
Fragaria vesca L.
(morango)
Rosa sp. L.
(rosa-branca)
me/
mi
prisão de ventre; mal-olhado.
fl
(pétalas)
2 xícaras por dia
1
infuso
decocção
1,5
C
5
E
Banho
RUBIACEAE
quebraduras não expostas;
Genipa americana L.
(jenipapo)
me
"repõe tudo que o organismo
fo
sumo
necessita"; expectorante:para
fr
ao natural
cas
decocção
tuberculose crônica.
Simira glaziovii (K.Schum.)
Steyerm.
(quina-rosa)
me
depurativo do sangue
busca fora do
bairro
46
Cont. Tabela 3...
Família/Espécies/Nome popular
Usos
Indicações de uso
Parte
Preparo e
usada
uso
Dose (quantidade)
Procedência
C/E
RUTACEAE
Citrus aurantifolia Sw.
(lima-da-pérsia)
fo
me
Diabetes; resfriado, gripe.
fr
decocção
cas
decocção
fo
xarope
fr
ao natural
1
RUTACEAE (cont.)
Citrus aurantium L.
(laranja-da-terra)
Citrus limon (L.) Burm. F.
(limão)
Citrus sinensis (Osbeck)
me
me
me
(laranja)
resfriado, tosse. Fonte de
vitamina C.
Resfriado, fonte de vitamina C.
fo
Tosse, gripe, resfriado, fonte de
fo
vitamina C.
fr
Ruta graveolens L.
me/
ventre virado; cólicas; banho de
(arruda)
mi
descarrego.
fo
decocção
infuso
decocção
banho
infuso
5
C
1,5
C
1,5
C
1,5
C
3,5
C
5
C
E
SCHIZAEACEAE
Lygodium volubile Sw.
(abre-caminho)
mi
banho de descarrego; folha de
Ogum
fo
banho
fo
sumo
fr
ao natural
SOLANACEAE
Capsicum frutescens L.
me/
(pimenta-malagueta)
temp
Physalis angulata L.
me
para furunculos
(camapú)
Solanum americanum Mill.
me
tira verrugas e cravos nos pés
fo
sumo
2,4,5
me
dente inchado
fr
decocção
1
me
Inchaços
(rrva-moura)
Solanum gilo Raddi
(jiló)
Solanum lycopersicum L.
br/fo
(tomateiro)
Solanum paniculatum L.
(jurubeba)
me
obesidade, baixa o colesterol,
cura hepatite C; problemas no
fígado. Anemia.
decocção
5
-banho.
fr
elixir
fo
decocção
ra
vinho
Vinho: 2 vezes por dia
5
(vizinho)
47
C
E
Cont. Tabela 3...
Família/Espécies/Nome popular
Usos
Indicações de uso
Parte
Preparo e
usada
uso
Dose (quantidade)
Procedência
C/E
URTICACEAE
Cecropia cf. lyratiloba Miq.
(embaúba)
Urera caracasana (Jacq.)
Gaudich. ex Griseb.
me
pulmão: tosse, gripe.
me
diabetes; purificação do sangue
"bananinh
a"
fo
C
xarope
5
decocção
5
C
5
E
5
E
5
C
5
C
E
(urtiga-branca)
VERBENACEAE
1 ou 2 copos depois do
Lippia alba (Mill.) N.E.Br. ex
Britton & P.Wilson
(erva-cidreira, cidreira, capim-
me
baixa pressão; calmante;
digestiva; menstruação atrasada
decocção
fo
limão)
almoço ou quando se
infusão
sente mal, antes de
refresco
dormir ou quando está
muito nervoso.
Stachytarpheta cayennensis
(Rich.) J.Vahl
me/
(gervão-roxo)
mi
mastite; furunculose. Problemas
no estômago: gastrite, úlcera,
fo
dores. Folha de oxalá
cataplasma
infusão
ZINGIBERACEAE
Alpinia zerumbet (Pers.)
B.L.Burtt & R.M.Sm.
(colônia)
Zingiber officinale Roscoe
(gengibre)
acalma, antidepressiva. Diabetes.
me/
Rins. Angina, broncodilatador.
fo
mi
Coração; pressão; banho de
fl
descarrego
me
antibiótico natural
ra
infusão
decocção
quando sentir sede
banho
decocção
48
3.3. Caracterização e organização das plantas nos quintais dos
informantes residentes no entorno da APA da Serra da Capoeira
Grande
Esta análise objetivou saber quais plantas os informantes cultivam ou incentivam
em seus quintais e se estes possuem algum tipo de organização sistemática das plantas
em torno da casa, de acordo com a classificação destas, medicinais, ornamentais,
místicas, alimentícias ou outra. Não foi objetivo analisar a diversidade florística dos
quintais.
Seguindo Vogl et al. (2004) definiu-se como quintal -homegarden, o espaço
adjacente à casa da(s) pessoa(s) que os cultiva ou mantém-gardener(s). Ou seja,
quintais são uma extensão da casa, fazendo parte desta. Eles podem ser urbanos,
privados e adjacentes à uma casa na cidade; ou rurais, quintais adjacentes a uma casa na
zona rural. Nos quintais estudados por etnobotânicos geralmente se cultivam frutas,
vegetais, ervas e plantas ornamentais, primariamente para subsistência e para sua
própria satisfação. Mas os usos dos quintais variam, alguns os utilizam também para
produção comercial de vegetais, enquanto outros têm somente um gramado e plantas
ornamentais.
Os quintais dos informantes residentes no entorno da APA da Serra da Capoeira
Grande se dividem e se mesclam entre quintais urbanos e rurais. Isto porque a área de
estudo é ainda predominantemente rural em um grande centro urbano. Encontramos
quintais onde existem plantas ornamentais e aqueles onde alimentos ainda são
cultivados para o consumo dos moradores (Fig. 7-12). Os quintais variam em tamanho,
mas em geral circundam toda a casa. Os terrenos dos informantes têm em média 400m 2
e as plantas estão, em geral, dispostas no entorno da casa, com exceção dos quintais
representados nas Figuras 7 e 10, onde as plantas ficam respectivamente na frente e nos
fundos das casas, e são retangulares. Estes dois quintais possuem aproximadamente
150m2. O quintal da Figura 8 é uma exceção em relação à extensão, pois se localiza
num terreno de 15000m2. O informante 2 é caseiro deste terreno cujo dono raramente
vai ao local e permanece por pouco tempo. Este informante mora num terreno ao lado,
onde também cultiva algumas plantas. Devido à criação de galinhas que tem em sua
casa, ele cultiva tudo que precisa no terreno onde é caseiro. Apesar de ser muito maior
que os demais terrenos, neste estudo considera-se como um quintal, pois é a extensão da
49
casa do informante, nele ele cultiva frutas e vegetais para sua própria subsistência, e
incentiva plantas medicinais, que usa como remédio.
As plantas destacadas em negrito nas legendas são aquelas utilizadas pelos
informantes como medicinais e/ou místicas. Notamos que estas são muito
representativas nos quintais, sendo, em geral, representadas por mais da metade das
plantas existentes. Em geral, observam-se nos croquis que as herbáceas e os arbustos
são predominantes nos quintais dos informantes, sendo as árvores e arvoretas menos
representadas: aroeira (Fig. 12B), embaúba, abacateiro, acerola, amoreira, goiabeira,
jenipapo, caju (Fig. 12A; 13I), mangueira (Fig. 12E), romãzeira, laranjeira, limoeiro,
louro, pitanga, eucalipto, graviola, jabuticabeira utilizadas como medicinais; macieira,
tangerina, coqueiros, caqui, sapoti, carambola, fruta-do-conde, jamelão, jambo, ameixa,
frutíferas e para sombrear; cravo-da-índia, sabugueiro, pata-de-elefante, flamboyant,
paineira, amendoeira, castanheira como ornamentais, temperos e para sombrear.
As ervas mais bem representadas nos quintais são: manjericão ou alfavaca
(Ocimum basilicum) e acerola (Malpighia punicifolia) encontradas em todos os quintais
analisados; abacateiro (Persea americana), cajueiro (Anacardium occidentale) (Fig.
12A; 13I), quebra-pedra (Phylanthus tenellus e P. niruri), goiabaeira (Psidium
guajava), erva-cidreira (Lippia alba) (Fig. 13F) e aroeira (Schinus terebinthifolius) (Fig.
12B), encontradas em 3 quintais; hortelã (Mentha x piperita var. citrata), boldo
(Plectranthus grandis), transagem (Plantago major), elevante (Mentha piperita),
mangueira (Mangifera indica), pimenta-malagueta (Capsicum frutescens), limão
(Citrus limon) e pitanga (Eugenia uniflora) encontradas em 2 dos quintais analisados.
Vale salientar que estas plantas são muito sensíveis às variações ambientais por se
tratarem de pequenas ervas. Erva-de-santa-maria (Chenopodium ambrosioides) (Fig.
13E), por exemplo, analisando os croquis, é encontrada somente em um dos quintais, no
entanto, esta espécie está presente em todos os quintais, dependendo da época do ano.
A maioria dos informantes não possui uma horta, não cultiva vegetais para sua
subsistência com exceção do informante 2 (Fig. 8) que produz alguns alimentos para si
próprio e do informante 4 (Fig. 10) que possui uma horta de couve. Entretanto esta não
é uma atividade prioritária para os informantes, e isso pode se explicar pelo fato de
residirem próximo a centro urbano, e relativa facilidade de encontrarem “sacolão” e
supermercados onde podem comprar alimentos. Por outro lado, observando as figuras
vê-se que a maioria das espécies presentes nos quintais são de uso medicinal.
50
A maioria das plantas de uso medicinal presentes nos quintais não são
cultivadas. Elas são espontâneas na região, e os moradores tendo conhecimento de suas
propriedades medicinais às incentivam em seus quintais, ou seja, não as considerando
ervas-daninhas e sendo estas na sua maioria pequenas ervas, têm o cuidado de protegêlas quando limpam os quintais. As árvores na sua maioria foram plantadas, com exceção
da aroeira que segundo todos os informantes que a têm no quintal, ela é espontânea na
área. Algumas herbáceas e arbustivas exóticas são cultivadas, como é o caso daquelas já
consagradas como medicinais na população brasileira: erva-cidreira (Fig. 13F), alecrim,
manjericão e hortelãs.
Das plantas de uso místico foram encontradas nos quintais, pereguns,
manjericão, rosa-branca, espada-de-são-jorge, colônia (Fig. 13B) e trevo-de-quatrofolhas que são plantadas e da guiné que é espontânea na área. As demais utilizadas por
eles são adquiridas em lojas especializadas em religiões de matriz-africana.
A organização das plantas em relação às casas não segue o padrão de canteiros,
mas são espalhadas em torno da casa, com exceção do informante 1 (Fig. 7), que separa
temperos de plantas medicinais em canteiros diferentes (Fig. 12 H). Como a maioria é
incentivada e não cultivada, elas permanecem onde nascem. O local escolhido para as
poucas que são plantadas é selecionado de acordo com a preferência da planta por sol,
por água, próximo a muros ou algum lugar para que as trepadeiras se apóiem.
É pouco comum a utilização de vasos para as plantas, como pode ser observado
nos quintais, todas as plantas estão no solo, exceto nas figuras 11 e 12C, onde
observam-se alguns vasos. Este é o quintal do informante 5, que divide o terreno com
um filho. Este começou uma criação de galinhas que comeram todas as plantas do
informante 5. Desta forma ele se viu obrigado a colocar as plantas em vasos. Vê-se que
num mesmo vaso possuem muitas plantas. No entanto, o fato de ter suas plantas em
vasos não o agrada, pois como ele as utiliza muito, sempre precisa ficar plantando mais.
A troca de mudas entre vizinhos é muito comum. Em trabalho realizado no Rio
Grande do Sul, Somavilla & Canto-Dorow (1996) citam que 76% das plantas utilizadas
como medicinais são obtidas através de amigos e também pelo hábito de cultivo caseiro.
Alguns moradores como é o caso do informante 4, fazem mudas de todas as suas
plantas para o caso de alguém solicitar (Fig. 10).
A tentativa de trazer algumas plantas espontâneas da região para os quintais
também foi observada, como por exemplo, o chapéu-de-couro, que nasce em alguns
locais alagados do entorno da APA. No entanto, como a maioria dos lotes foi aterrado,
51
as tentativas de cultivá-lo são frequentemente frustradas. Desta forma, quando precisam
desta planta eles a procuram nos terrenos alagados. Este é um fato importante, pois
ainda hoje a especulação imobiliária na área de estudo é muito forte, e mais lotes estão
sendo cercados e aterrados, acabando, principalmente com as plantas herbáceas
utilizadas pela comunidade. A erva-de-bicho (Fig. 8), também era uma planta freqüente
no terreno do informante 2 e hoje não é mais encontrada. O informante justifica o
desaparecimento desta planta devido aos vários aterros que foram feitos no terreno.
Foram citadas tentativas de trazer para os quintais algumas plantas da APA da
Serra da Capoeira Grande utilizadas por eles, como é o caso da unha-de-gato. No
entanto, por vários motivos não foi possível, principalmente devido às características
das plantas, que segundo eles são de mata fechada e quando retiradas da mata não se
desenvolvem nos quintais. As diferenças nas características do solo também foram
responsáveis. No entanto, esta é uma preocupação recente, pois no passado a mata era o
quintal das pessoas que residiam na Capoeira Grande, e havia uma certa tranqüilidade
de que se precisassem, as plantas estariam lá. É o que conta Dona Antônia:
“Nasci e fui criada na Capoeira Grande. [...] antigamente tudo ali
era chácara, agora é eucalipto. Lá não tinha médico, minha mãe era
parteira e ela curava aquele pessoal todo com ervas. [...] Minha mãe
tinha tudo isso no litro [garrafadas]. Quando chegava gente assim ela
dava”.
Embora pesquisadores tenham procurado padrões para a estrutura dos quintais
em vários locais, a conclusão geral a que eles chegaram é que esta estrutura é
extremamente variável (Barrera 1980; Vara 1980; Rico-Gray et al. 1990; Caballero
1992, 1994; Albuquerque et al. 2005). Também, os quintais dos informantes do entorno
da APA da Serra da Capoeira Grande não seguem um padrão definido de canteiros ou
separação das plantas de acordo com seu uso. No entanto, pode-se identificar um padrão
próprio nestes, com as seguintes características: incentivar ervas medicinais
espontâneas, escolher o local para plantar, plantar segundo as exigências das plantas, de
modo geral não usam vasos, não há divisão de canteiros com espécies medicinais,
alimentícias ou temperos e as árvores são espalhadas beirando o muro ou distribuídas no
quintal em forma de pomar.
Há plantas para vários usos nos quintais estudados, o que mostra a importância
destes na conservação, principalmente, das plantas medicinais e místicas, e do
conhecimento sobre seus usos, não só para a área de estudo, mas para todo o bairro de
Pedra de Guaratiba.
52
53
Estrada da
Capoeira Grande
Entrada
Legenda
(Escala 1: 200)
1.Abacateiro
10. Uva Rubi
19. Coqueiro
27. Lágrima-de-nossa-
2.Hortelã-pimenta
11.Cravo-da-india
20.Guiné
senhora
3. Boldo-do-chile
12. Sabugueiro
21. Erva de Macaco
28. Goiabeira
4. Manjericão
13. Mamão
22. Transagem
29. Jenipapo
5. Macieira
14. Erva doce
23. Alfavacão
30. Algodão
6. Cará
15. Tangerina
24. Elevante
31.Chapéu-de-couro
7. Rosa branca
16. Canapú
25.Roseira
32.Erva cidreira
8. Uva
17.Erva pombinha
26. Trevo de 4 folhas
33. Uva Itália
9. Uva Moscatel
18.Acerola
34. Uva rosada
54
Figura 7 - Croqui de quintal da informante 1 do entorno da Serra da Capoeira Grande,
Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ.
Frente da casa
Entrada
Legenda
(Escala 1: 200)
1.
Caju
10.
Cajá
19. Laranja
2.
Caqui
11.
Embu
20. Tangerina
3.
Sapoti
12.
Pimenta
21. Quebra-
4.
Mangueira
4´.
Malagueta
13.
Mangueira com
erva-de-
5.
Abacateiro
6.
Carambola
22. Pitanga
elefante
23. Taioba
14.
Romã
24. Alfavaca
15.
Erva-de-
25. Goaibeira
santa-maria
26. Cambota
Erva-
27. Coité
cidreira
7.
Mamão
28. Azaléia
8.
Banana
Fruta-do-
29. Colônia
conde
9.
Acerola
30. Flamboyant
Limão
31. Paineira
16.
17.
18.
identificação
pedra
Pata-de-
passarinho
32. Árvore sem
55
Figura 8. Croqui do quintal da informante 2 do entorno da Serra da Capoeira Grande,
Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ.
Frente da casa
Entrada
Estrada da
Capoeira
Grande
Legenda
Permanentes
9.
(Escala 1: 200)
Erva-
17. Aroeira
Amor-do-campo
cidreira
1.
Amora
18. Carambola
Erva-tostão
2.
Erva-de-
10. Alfavaca
19. Eucalipto
Covinha-de-macaco
são-joão
11. Capim-
20. Jamelão
Parietária
21. Amêndoa
Quebra-pedra
22. Erva-
Tanchagem
3.
?
limão
4.
Limão
12. Cana-do-
5.
Acerola
brejo
6.
Babosa
13. Jasmim
23. Coqueiro
Picão
7.
Romã
14. Caju
Temporárias
Melão-de-são-
8.
Boldo
15. Coqueiro
Erva-de-
caetano
16. ?
passarinho
Gervão-roxo
baleeira
Tiririca
56
Figura 9. Croqui do quintal da informante 3 do entorno da Serra da Capoeira Grande,
Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ.
Entrada casa
da filha
Entrada
Entrada
principal casa
de “Seu” A.
Estrada da
Capoeira
Grande
Legenda
1.
Castanha
14.
Graviola
2.
Bananeira
15.
Quiabo
3.
Castanha
16.
Mangueira
4.
Capim-
17.
Mamão
limão
macho
(Escala 1: 200)
26. Mudas de
eucalipto
27. Jaboticabeir
a
28. Ornamentais
5.
Limão
18/19. Cajueiro
29. Ameixa
6.
Erva-gambá
20.
Mamão
30. Roseira
7.
Aroeira
21.
Jambo
31. Babosa
8.
Castanha
22.
Cajueiro-
32. Saião
9.
Boldo
roxo
33. “Flor
10.
Coqueiro
23.
Abacateiro
11.
Acerola
24.
Pitanga
35. Cana
12.
Goiabeira
25.
Pata-de-
36. Pimenta-
13.
Abacaxi
vaca
malagueta
37. Arnica
38. Pimenta-dedo-demoça
39. Laranja-da-terra
40. Hibiscus
japonesa”
Figura 10. Croqui do quintal do informante 4 do entorno da Serra da Capoeira Grande,
Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ.
57
5
Frente da
casa
Entrada
principal
Estrada da Capoeira
Grande
Legenda
(Escala 1: 200)
. Vasinhos: manjericão, elevante, hortelã,
1.
Espada-de-são-jorge
2.
Boldo
hortelã-pimenta, alecrim e ornamentais.
3.
Aroeira
Várias plantas num mesmo vaso.
4.
Peregum-de-oxalá
5.
Peregum-de-oxum
6.
Embaúba
7.
Acerola
Figura 11. Croqui do quintal da informante 5 do entorno da Serra da Capoeira Grande,
Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ.
58
A
B
C
D
E
F
Figura 12. Quintais dos informantes residentes no entorno da APA da Serra da Capoeira Grande, Pedra de
Guaratiba, Rio de Janeiro: A. Cajueiro; B. Aroeira; C. Plantas em vasos; D. Vista geral de um quintal; E.
Mangueira e milharal; F.Ornamentais; G.Ornamentais na entrada; H. Canteiro de boldo-do-chile.
G
H
59
A
C
B
D
E
F
H
G
I
Figura 13. Algumas plantas de uso medicinal e místico citadas pelos moradores do entorno da
APA da Serra da Capoeira Grande. A.Pinhão-roxo; B.Colônia; C.Erva-macaé; D. Algodão; E.
Erva-de-santa-maria; F.Erva-cidreira; G.Vidros dona Zelinda; H. Erva-doce; I.Cajueiro
60
3.4. As plantas nas crenças e religião: influências observadas na Capoeira
Grande
Na Capoeira Grande foram encontradas 30 espécies de uso místico (Tabela 4).
Destas, Jatropha gossypifolia, Lygodium volubile, Petiveria alliaceae e Sansevieria
trifasciata são citadas em trabalhos de Albuquerque & Chiapetta (1994; 1995 e 1996)
sobre rituais afro-brasileiros e em Parente & Rosa (2001) que listam plantas místicas
comercializadas em Barra do Piraí, RJ; Momordica charantia e Ruta graveolens foram
encontradas por Schardong & Cervi (2000) no Mato Grosso do Sul.
No Brasil, há forte aproximação do uso de plantas para tratamento caseiro de
doenças com os mais diferentes sistemas de crenças. Entre as formas adotadas para a
realização das curas, estão os procedimentos de caráter mágico religioso, a fim de
reforçarem as terapias adotadas. Nesses casos, são comuns os passes, orações, medalhas,
patuás, crucifixos, etc. Essa religiosidade presente na medicina popular deve-se em parte à
herança portuguesa dos primórdios do Brasil, a qual trouxe a crença nas curas milagrosas
através da intercessão de santos católicos junto aos poderes de Deus (Camargo 2000).
Santos (1992) fala sobre a medicina em Portugal do século das luzes, que estava
incrivelmente agarrada a práticas e superstições ancestrais, algumas bem obscurantistas e,
segundo o autor, se o século XVIII foi uma época de luzes, tentando impor a razão, foi ao
mesmo tempo a época das trevas, confundindo-se religião com ciência, conforme mostram
receitas médicas indicadas para as doenças correntes.
A colonização portuguesa nos séculos XVI e XVII deixou profundas marcas nas
práticas médicas populares do Brasil de hoje. A medicina era exercida pelos físicos,
cirurgiões e barbeiros, como eram denominados aqueles que sabiam curar e sangrar.
Exerciam também essa tarefa os padres da Companhia de Jesus, pois tinham noções de
primeiros socorros médicos e conheciam botânica, embora tivessem vindo com a
incumbência principal de desempenhar o trabalho de catequese junto aos indígenas. Esses
profissionais praticavam uma medicina impregnada de espírito de religiosidade marcada
pela fé cristã, tal como era em Portugal, onde a medicina era ensinada nos conventos e
onde, também, os livros médicos eram escritos. Nesta época discutia-se quanto o homem
tem o direito de intervir na doença, visto que a Igreja admitia ser castigo de Deus, por seus
pecados. Antes de se iniciar qualquer tratamento era necessário ouvir um conselho
eclesiástico. Se o doente até o terceiro dia não se confessasse a um padre, o médico era
61
obrigado a interromper o tratamento sob pena de castigo de perder o direito de exercer a
medicina (Camargo 1998, 2000).
Era uma medicina que recorria aos santos advogados e estes eram tantos que havia
no século XVIII em Portugal um catálogo elucidativo com os males do corpo e do espírito
e os santos advogados, em número de 80 (Camargo 2000).
A medicina popular de hoje continua a se apoiar fortemente na fé religiosa que
reforça o sentimento de culpa e do castigo divino, quando diante de problemas de saúde.
As terapias adotadas são sempre acompanhadas de orações, penitências, promessas visando
o merecimento da graça da cura.
Dessa tradição portuguesa herdou-se a crença em santos cujas orações a eles
dedicadas são comuns no Brasil, a exemplo: Santa Luzia catalogada em Portugal no século
XVIII protetora dos olhos está, também no Brasil presente em rezas tal como relata
Langowiski (1973):
Santa Luzia passai por aqui,
com seu cavalinho comendo capím,
sangue de Cristo, pingai aqui.
E, ainda, registrada por Campos (1955):
Corre, corre, cavaleiro
Pela porta de São Pedro
Vai dizer a Santa Luzia
Que me mande o lenço branco
Pra tirar esse argueiro
Na Capoeira Grande encontraram-se dois “rezadores” que benzem e rezam
utilizando plantas, práticas essas ligadas a um catolicismo que se popularizou através das
crenças nas forças protetoras de santos católicos. É o caso de uma erva aquática batizada
com o nome de Santa Luzia (Pistia stratiotes), conhecida dos moradores da Capoeira
Grande, utilizada para problemas de visão.
Segundo Camargo (2000) os “benzimentos”, que geralmente acompanham as
orações, transformaram algumas plantas introduzidas no Brasil pelos portugueses em
instrumentos de valores mágicos. Alguns “rezadores” acompanham a reza com um
raminho verde de preferência arruda ou alecrim.
As plantas desempenhavam importante papel na preparação dos remédios. Os
jesuítas as conheciam muito bem, visto que mantinham boticas onde atendiam aos doentes
e forneciam-lhes as plantas, quase todas vindas de Portugal. Dentre essas plantas estavam:
manjericão, salsa, arruda, bredo, hortelã, coentro, berinjela, alho, ervilha, lentilha, pepino,
62
melão (França 1926). Com as dificuldades que tinham para receber tais plantas, visto que
as viagens através dos mares levavam muito tempo, eles passaram a substituí-las por
plantas indígenas, pois seu contato com os indígenas lhes proporcionou oportunidades de
aprenderem, e assim muitas plantas nativas foram incorporadas às coleções mantidas nas
boticas (Camargo 2000). “Dos índios aprenderam o emprego de infinitas ervas medicinais,
cujas virtudes ensinaram, aos outros jesuítas dos 180 colégios, dos 90 seminários, das 160
residências, quantos haviam espalhados pelo mundo no fim do século XVII” (Calmon
1935).
Dois dos informantes que contribuíram para este trabalho, Dona Antônia e Seu
Joaquim, se intitulavam “rezadores”.
“Toninha, sou rezadeira. Já rezei muita criança e muito adulto.
Minha vó rezava, minha mãe rezava e eu rezo. Sou católica, gosto
de ir a missa, de ir a procissão, mas sei também banho de
descarga”.
Dona Antônia
“Sou católico [...] faço benzeção também, graças a Deus. Aprendi
com minha avó. É. Ela morreu com 125 anos de idade, é por causa
dela que eu to vivo aqui hoje”.
Seu Joaquim
Pode-se notar que nem todo católico é “rezador”. Desta forma, possuir esta
característica é considerado uma dádiva. Também nas frases acima fica marcado que eles
são rezadores e pertencem à religião de matriz católica.
Além dos santos para quais as rezas são direcionadas, existem certas doenças que,
popularmente, somente as rezas curam. É o caso do “ventre virado”, doença que
geralmente dá em crianças, e a “espinhela caída”. Segundo Camargo (2000), trata-se de
dor na região epigástrica decorrente de uma deformação do apêndice xifóide, provocando
dores de estômago, vômitos, além de problemas respiratórios. Estes realmente foram os
sintomas citados pelos informantes. As plantas místicas e seus usos podem ser observadas
nas Tabelas 3 e 4.
“Uma vez uma menina tava internada no hospital, já tavam procurando
o pesinho porque não achavam mais veia da menina, aí a mãe passou
aqui chorando e eu disse, que foi Maria? Ai Tonia, minha filha tá nas
últimas! Já furou até a solinha do pé que não acham mais veia. Mas o
que ela tem? Eu perguntei. Ah tá vomitando, com uma diarréia de
sangue, que só sai água de sangue. Olha a maluquice que eu fiz, parece
intuição da gente né, eu disse, tira sua filha de lá, e traz aqui porque é
63
ventre virado. Ela trouxe, eu rezei com azeite a barriguinha dela,
mandei ela dá banho de sete-sangrias que eu tinha aqui, chá de hortelã e
a menina ficou boa. Era ventre virado, e médico não cura não, ventre
virado é tombo ou susto que faz isso”.
Dona Antônia
“Esse aqui é muito bom pra banho, é bom pra quando ta com espinhela
caída sabe, com aquela dor de estômago de espinhela caída toma chá de
elevante. Toma banho também é bom, elevante é bom pra levantar o
astral, é menina [risos]”.
Dona Cremilda
“Eu curo qualquer criança, com o ventre virado, eu boto aqui no colo,
agora mesmo tá bom, viu. Uma folha de arrudazinha, eu boto num
leitinho de uma menina, de uma dona aí, boto numa canequinha, num
copinho, né, o leitinho dela. Vô molhando a arruda no leitinho, batendo
nas anquinha dele e falando as palavra, daqui a três dias o menino ta
bom, disvira. É, disvira. É, o ventre virado a gente acabou de benze ele
virou ele assim de cabeça pra baixo, ele torna a vira, o ventrinho”.
Seu Joaquim
As ervas usadas pra banho também são muito comuns entre eles, o banho é sempre
destinado ao “descarrego”, que pra eles é limpeza e proteção contra coisas ruins como o
“mal-olhado” e “olho-gordo” (Tabela 4). Não só os que se definem como “rezadores”
utilizam e recomendam estes banhos, mas outros informantes também os utilizam, como é
o caso de Dona Lúcia e Dona Cremilda.
“Aí pode tomar banho de arruda prá olho grande. Quando está com o
corpo esquisito assim, o corpo meio doendo assim, mal humorado, aí
toma um banho de arruda, toma um banho de sabão primeiro, depois
pega arruda assim passa ela no corpo. Você pega assim um balde com
água, com água morna e esfrega ela no corpo”.
Dona Cremilda
“Na parte espiritual as pessoas usam [o elevante] pra quebrar mau
olhado nas crianças, dando banho”.
Dona Lucia
“E esse aqui serve pra tomar banho também, pra olho grande, é bom em
criança. Às vezes ta enjoadinho, pequeninho, enjoadinho, que nem a
gente mesmo né. Aí pega as folhas do manjericão, esfrega assim na
água, bota um pouquinho e água quente e esfrega no corpo”.
Dona Cremilda
“Pega a folha [de cana-do-brejo] e vai num balde e quina, esfrega né,
deixa ela que nem um bagaço né, de tanto esfregar, aí depois de quinada
né, bota num meio balde com água, aí cê pega a folha que cê quinou e
64
aferventa de água, aí cê pega um pouco de água morna, pra lavar da
cabeça aos pés, pra botar os pés, mas não enxuga não, só as partes né,
assim né, aí veste uma roupa clara né, pra dormir, uma camisa limpinha
né. É muito bom. Porque a gente ta vivendo num mundo muito assim
ambicioso, muito invejoso, muito negativo sabe, as pessoas tem inveja de
você, inveja de tudo. Aí é bom sabe, você tomar um banho assim”.
Dona Cremilda
“Abre-caminho, é pra descarrego. Aquilo quando você trabalha com
espírito, cê toma um banho dele, acabo de toma o banho você já recebe
o santo. Ferve a folha. Banha do pescoço pra baixo, a cabeça não”.
Seu Joaquim
Segundo Camargo (1988) as ervas nos banhos são destinadas a induzir o bem-estar
e segundo seus informantes, têm o poder de afastar os maus-espíritos, mau-olhado,
quebranto, etc. Autores como Camargo (op. cit), Verger (1995) entre outros
desenvolveram trabalhos relacionados a esta forma de utilização, destacando a importância
de uma investigação de caráter farmacobotânico das plantas em função dos princípios
ativos, responsáveis pelos efeitos que causam àqueles que delas se utilizam.
Percebe-se que as crenças se fundem, o ser católico, faz “rezação”, e trabalha com
espíritos. Estas são características dos informantes neste trabalho. Seu Joaquim conta como
são os espíritos que o ajudam a trabalhar com as plantas:
“Tem vez aqui ó, eu sozinho aqui, faço minha jantinha, ponho ali, tomo
um banhinho ali, visto minha ropinha branca, viu, coloco uns colarzinho
aqui, e eu vejo quando ele encosta pertinho de mim, o velhozinho né,
encosta pertinho de mim, ele encosta porque não tem ninguém pra
atender ele! Quando ele tem alguém pra atender, ele abaixa, ele gosta,
ele adora. Ele fica aqui, pertinho, a gente fica vendo aquela sombra né,
Graças a Deus, é por isso que eu curo quase todo mundo, viu, graças a
Deus. [E esse velho que ajuda o senhor tem nome?] Tem. [Pode falar?]
Pode, Seu Maravilha. É um velho que tem 365 anos de idade, já fez
muita barbaridade. Agora que Deus ta botando ele no caminho, de tanta
barbaridade que ele fez. Ele já matou muita gente, ele me conta. Agora
ele ta ajudando pra mode ele ganhá a salvação, Deus ta botando ele no
lugarzinho dele. O congo-monjolo também é muito bom, viu, o congo
monjolo de tão velho que ele é quando ele arria na gente, precisa de
gente pra ajudar aqui senão eu caio aí”.
Seu Joaquim
Santa Bárbara é um dos santos católicos que aparecem nas citações:
65
“A erva-de-santa-bárbara também, é muito boa. Pra banho de
descarrego também. Cê desculpa de eu te falar viu, cê é filha de Santa
Bárbara, eu conheço, cê é filha de Santa Bárbara. Cê tomá um
banhozinho dela cê recebe ela na hora, ii, na hora. Ce não me engana
viu! [...] É uma velha, uma velha muito boa que trabalha muito bem, dá
remédio muito bem, ela só baixa pra dá remédio, mal não. A erva de
santa bárbara é uma árvore assim, em cima é verdinha, embaixo é
branquiiinha, é uma coisa tão linda menina. É duas cor, coisa mais
linda que tem e dá no mato”.
Seu Joaquim
Os banhos também são associados a rezas e à administração de chás para cura de
doenças em crianças:
“Pra diarréia ela [sua mãe] dava hortelã e banho de sete-sangrias
quando a criança tava com diarréia de sangue”.
Dona Antônia
Além dos banhos, as plantas são utilizadas também de outras formas mágicoreligiosas, como por exemplo, para espantar o mal de casa, através de defumação:
“O alecrim-do-campo é pra defumação de dentro de casa. Cê apanha
ele, deixa ele secar um pouquinho, uns dois ou três dias, põe ele no
defumador, bota um foguinho nele com uma palha de alho, vai lá e
defuma a casa toda. Ali nada mal fica”.
Seu Joaquim
Segundo Camargo (2000), as plantas originárias da Europa, principalmente da
Região Mediterrânea, introduzidas no Brasil pelos portugueses, ganham tal aceitação a
ponto de hoje fazerem parte do universo mágico-religioso dos sistemas de crenças de
origem e influência africana, onde desempenham papel litúrgico e terapêutico, além de
terem seu espaço garantido no panteão das divindades que regem as religiões afrobrasileiras. Dentre essas plantas estão o alecrim, arruda, alfazema, manjericão, entre muitas
outras. São plantas que em Portugal, além de desempenharem seu papel terapêutico,
faziam parte do universo mágico da feitiçaria européia do século XVI e que hoje no Brasil
transformaram-se em símbolos de valor litúrgico junto às divindades das religiões afrobrasileiras Foram os negros, evidentemente, que influenciaram tais transformações, pois
sendo grandes conhecedores das plantas rituais e de poderes mágicos, facilmente
absorveram os conhecimentos sobre as plantas trazidas pelos portugueses e as
incorporaram em seu universo mágico-religioso.
66
Desta forma, do ponto de vista religioso, está nas religiões de origem e influência
africana como candomblé e umbanda a maior incidência quanto ao uso de plantas, tanto
nas cerimônias religiosas como nos rituais de cura (Camargo 1998; Almeida 2003).
Com a chegada ao Brasil dos primeiros africanos de origem banto, oriundos de
regiões localizadas abaixo do Equador, começaram os contatos destes com os indígenas,
que foram passando seus conhecimentos sobre as plantas nativas e os papéis que as
mesmas desempenhavam em seus rituais religiosos e de cura. A partir dai os negros
passaram a usá-las, também, em suas reuniões religiosas. É tal a importância das plantas
nesses sistemas de crenças, que sem elas, certamente tais religiões não existiriam
(Camargo 1998).
Dentre os informantes deste trabalho, dois afirmaram ter religiões de matriz
africana.
“Sou espírita, da Umbanda”.
Dona Cremilda
“Minha profissão atual é pai-de-santo. Eu com 13 anos de idade eu
tinha tido uma manifestação espírita [...] 20 anos depois... em meio ao
meu desespero emocional, físico, sei lá, eu pedi pelo amor de deus a ele
[um pai de santo conhecido] que ele abrisse um jogo, jogo de búzios, pra
ver o que tava acontecendo comigo porque eu não sabia. [...] resolvi me
iniciar [...]. Aí, na iniciação você já aprende o uso litúrgico mesmo das
ervas.”
Fábio
Por ser pai-de-santo, Fábio foi o informante principal para plantas de uso
místico. Ele confirma a afirmação feita por Camargo (op. cit.):
“É praticamente impossível você não conhecer, porque você não faz
nada dentro da religião sem as plantas. Porque sem as plantas você não
consegue a ligação com o orixá, você não consegue a cura de
determinadas doenças causadas por alguns orixás”.
Camargo (1998) informa que as plantas nestas religiões estão presentes nas
preparações de banhos de defesa, de limpeza, de purificação; nas preparações de comidas,
bebidas e remédios; nas cremações em incensórios, cachimbos, charutos e cigarros.
Segundo Albuquerque (1994) o uso ritual de plantas no combate às doenças e no
restabelecimento da saúde constitui prática comum nos cultos afro-brasileiros, revelando
acentuado hábito cultural, com grande rede de influencia social.
Nas falas abaixo de Fábio, percebemos que no candomblé as plantas são utilizadas
tanto com efeito mágico-religioso como com efeito terapêutico, e muitas vezes estes dois
conceitos se fundem:
67
“Eu tenho uma filha minha, que por um acaso é de Yemanjá, ela tava
com uma inflamação vaginal que não curava, aí eu fui e arranquei a
casca da aroeira-vermelha e preparei”.
“O gervão-roxo, além de ser uma folha de Oxalá, determinado Deus
nosso, como ela é usada da mesma maneira, quinada, etc, ele também
tem o uso terapêutico que me curou de uma úlcera gástrica que eu tive”.
Nas práticas místico-religiosas existentes na Capoeira Grande, as folhas são as
partes mais utilizadas, mas se utilizam também as sementes, que são denominadas de
favas. A forma de preparo é sempre o sumo das folhas “quinadas”. Este sumo é na maioria
das vezes utilizadas para diversos banhos (Tabela 4). Segundo Fábio e Dona Cremilda,
quinar é um processo pelo qual o sumo é retirado das folhas, através do ato de esfregar,
macerar.
“A folha é mais usada, mas o caule também é utilizado porque tem muito
sumo nele. A semente é utilizada naquilo que a gente chama de fava, que
nada mais é do que a semente. A gente usa pra determinados banhos e
uma fava que a gente chama de obi, que é africana e que foi plantada
aqui no Brasil, que eu acho que vem da época da escravidão mesmo em
que os sacerdotes vieram pro Brasil, porque a maioria dos escravos que
foram comercializados eram sacerdotes e eles trouxeram muitas coisas
de lá inclusive o obi que é a noz-de-cola. E o obi pra gente é
imprescindível, você não raspa sem o obi, não tem como. A gente só usa
as coisas da natureza”.
Fábio
“ [...] o grande poder da planta ta exatamente no sumo dela. No
candomblé a gente tem uma coisa, as plantas da gente são sempre
arrancadas a luz do dia, por que? Porque ela é mais forte, ela tem mais
poder energético, então como a gente quina as folhas, que esse é o
processo de você tirar o sumo. É macerado, como se você tivesse
lavando roupa, você esfrega bastante. Hoje algumas casas ainda deixam
as folhas. A gente não, a gente côa, a gente aproveita aquele sumo,
acrescenta um pouco mais de água e aquele banho, ou pode ser pra
limpeza, normalmente é pra limpeza do seu corpo, agora há outros
banhos relacionados com perebas, relacionados com feridas”.
Fábio
“As plantas são usadas como banho, ou você deita sobre elas pra pegar
a energia, e geralmente são processadas, maceradas, até ficar com o
sumo bem escuro”.
Fábio
68
“Vou explicar o seguinte, digamos que você seja de Yemanjá, então você
vai se iniciar no culto do candomblé, você raspar o orixá. Todas as
folhas relacionadas com o seu Orixá vão estar dentro de uma palha,
devidamente quinada, porque você vai tomar banho diariamente com
aquilo. Porque ali ta o encantamento, aquelas folhas foram cantadas,
foram encantadas. E as folhas, também as mesmas que foram pro
“abo”, as vezes podem ser as mesmas que vão pra um determinado local
em que vai estar recolhida. Por que? Exatamente porque estas são as
folhas que representam este orixá”.
Fábio
Existe uma divindade responsável pelas plantas:
“Ossain é o Deus das folhas, o grande feiticeiro das matas. Ossain é o
grande feiticeiro das folhas, é ele que detém o poder das folhas, é ele
que sabe o que vai ser usado”.
Fábio
Segundo Verger (1981) Ossain é a divindade das plantas medicinais e litúrgicas.
Sua importância é fundamental, pois nenhuma cerimônia pode ser feita sem a sua presença,
sendo ele o detentor do àse (poder), imprescindível até mesmo aos próprios deuses. O
nome das plantas e sua utilização e as palavras (ofò), cuja força desperta seus poderes, são
os elementos mais secretos do ritual no culto dos deuses iorubás.
As folhas para serem utilizadas precisam passar por um processo que eles chamam
de “cantar” ou “encantar”. Este processo tem o objetivo de multiplicar o poder da folha, e o
responsável por isso é Ossain:
“A gente tem os encantamentos que são chamadas “sassain”, que no
popular eles falam sassanha. Que é um encantamento, Ossain é o Deus
das folhas, é o responsável por isso, e você pra encantar uma folha, pra
chamar a energia do orixá, você precisa cantar esta folha, então você
canta determinadas folhas, pra encantar, o poder da erva multiplica
assim a quinta potência, décima potência”.
Fábio
Camargo (1998) afirma que com relação aos rituais afro-brasileiros atuais é
possível verificar que, além das plantas exóticas muitas plantas nativas brasileiras fazem
parte destes rituais, deixando evidenciar certo distanciamento com relação à mãe África
Verger (1995) demonstra isso em seu trabalho quando divulga grande número de receitas
para as mais variadas finalidades, ditadas por religiosos na África, quando nelas
predominam plantas africanas, não usadas no Brasil em receitas para fins semelhantes.
Segundo Almeida (2003), com a vinda dos africanos para o Brasil, muitas foram as
espécies trazidas, as substituídas por outras de morfologia externa semelhante e muitas
69
foram também as levadas daqui para o continente africano. Os negros introjetaram as
plantas nativas do Brasil na sua cultura, através de seu efeito médico-simbólico.
Plantas psicoativas utilizadas, por exemplo, em transes, não foram mencionadas
pelos informantes da Capoeira Grande, o que não quer dizer que elas não sejam utilizadas.
Alguns ritos do Candomblé e da Umbanda não puderam ser revelados:
“Usamos o sumo da folha, a folha vai dentro de alguns rituais que é
dentro daí do quarto ritualístico, que eu não posso revelar o que é, mas
é usada pra um encantamento de orixá, pra trazer o orixá”.
Fábio
Camargo (1998) diz que muitas plantas usadas nos rituais religiosos e de cura são
também de uso medicinal, pois de certa forma, fazem parte da formação cultural do
brasileiro, transmitida pelos antepassados e que hoje permanecem na memória daqueles
que, em sua medicina caseira, as utilizam. Este fato pode ser observado nas falas dos
moradores da Capoeira Grande.
Dentro deste contexto, é importante destacar na história de utilização de plantas
para tratamento de doenças/sintomas no Brasil, os procedimentos terapêuticos de caráter
mágico-religioso nas práticas de cura trazem em seu bojo certos traços da feitiçaria
européia que remontam ao período medieval. Certamente, com as perseguições impostas
pela Inquisição as fugas para o Brasil propiciaram a introdução de práticas de feitiçaria,
então em voga na Europa do século XVI, fazendo com que tais práticas passassem a ser
conhecidas das populações das localidades para onde os fugitivos passavam a residir
(Camargo 1998).
Como dito anteriormente, a própria utilização de plantas medicinais voltada a
práticas religiosas ditadas pelo cristianismo do século XVI, presente em Portugal na época
do descobrimento do Brasil, que invocava santos protetores a fim de intercederem nas
curas das mais diversas doenças, se mantém ainda viva entre os brasileiros de hoje (com os
“rezadores”), mantendo também vivo o ato de recorrer aos intercessores terrestres. Santos
(1992) expõe como era a utilização de plantas medicinais voltada a estas práticas religiosas
definindo estes intercessores terrestres - "os feiticeiros, os bruxos, os próprios curandeiros que ao uso de certos produtos naturais, manipulados com maior ou menor dose de perícia,
juntavam benzeduras, orações, gestos exóticos que constituíam o ritual indispensável à
libertação do mal, físico ou psíquico”.
70
Vale a pena salientar que para que possamos compreender o uso de plantas
envolvendo curas de males físicos e espirituais, é importante que as atenções se voltem
para todos os elementos de que compõem os processos de cura e tentar compreender a rede
de inter-relações e os processos interativos que se estabelecem em perfeita coerência com a
cosmovisão dos integrantes. O ideal seria ter uma visão holística desta realidade.
As plantas citadas pelos informantes da Capoeira Grande como místicas podem ser
observadas na Tabela 4.
Tabela 4. Plantas místicas citadas pelos informantes da Capoeira Grande, Pedra de
Guaratiba, Rio de Janeiro.
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Nomes populares
Nomes científicos
Usos
Abre-caminho
Lygodium volubile Sw.
“banhos de descarrego”; banho
para receber espíritos.
Alecrim
Rosmarinus officinalis L.
indicado por um pai de santo
para paralisia da perna.
Alecrim-do-mato
Baccharis dracunculifolia DC.
defumação de casa, para afastar
os maus espíritos.
Amoreira
Morus nigra L.
utilizada no candomblé na
confecção de varinhas
“trabalhadas” que servem para
manter o Eguns afastados. “Os
Eguns são espíritos ancestrais
ligados à morte”.
Aroeira
Schinus terebinthifolius Raddi
“banho de descarrego”.
Arruda
Ruta graveolens L.
“rezar” ventre virado; banho
para “olho grande”.
Cana-do-brejo
Costus spicatus (Jacq.) Sw.
banho contra “olho gordo”;
planta da orixá Nanã.
Capeba
não coletada
encantamentos de orixás no
candomblé
Colônia
Alpinia zerumbet (Pers.) B.L.
Burtt & R.M. Sm.
Elevante
Mentha piperita var. citrata
(Ehrh.) Briq.
Outra sp. não coletada
Erva-de-santa-bárbara
não coletada
utilizada para banho de
descarrego na Umbanda e
Candomblé.
Banho “quebrar mau-olhado”
em criança; banho pra
“espinhela caída” e para
“levantar o astral”.
banho para receber espíritos e
ajuda de Santa Bárbara
Cont. Tabela 4...
Nomes populares
Nomes científicos
Usos
Erva-de-santa-luzia
Pistia stratiotes L.
para “lavar as vistas” antes de
jogar búzios.
Erva-doce
Pimpinella anisum L.
pra “rezar criança”
Espada-de-são-jorge
Sansevieria trifasciata Prain
afasta más influências, olho
gordo, mal olhado
Folha-da-fortuna
Kalanchoe
Pers.
atrair dinheiro e sorte; “banho
de descarrego”
Gervão-roxo
Stachytarpheta cayennensis
(Rich.) J.Vahl
folha de Oxalá
Psidium guajava L.
confecção dos Atoris ou
Aquidauis, varinhas que se usa
para tocar atabaque no
candomblé.
Goiabeira
pinnata
(Lam.)
72
A maioria das plantas utilizadas como místicas também é utilizada como medicinal,
semelhante ao encontrado por Camargo (1998). A maioria já está aclimatada no Brasil,
como erva-doce, colônia, manjericão, outras são nativas, como a aroeira, e a guiné.
Algumas delas ainda têm que ser compradas, como é o caso das “favas” Obi e Orobô.
Segundo Almeida (2003), o Obi e o Orobô estão entre as espécies que foram trazidas da
África e aqui permaneceram. E a guiné está entre as que foram levadas para a África, após
a abolição, durante o chamado refluxo migratório.
Algumas plantas não foram coletadas, tanto místicas quanto medicinais, pois os
informantes não as têm mais em casa ou porque quando precisam compram em pequenas
lojas de produtos religiosos localizadas na região, ou nos grandes mercados distribuidores
do Rio de Janeiro como Mercadão de Madureira, por exemplo. As indicações terapêuticas
destas plantas e outras informações podem ser observadas na Tabela 3.
O diagnóstico das doenças, na maioria das vezes, é realizado através de consulta
aos oráculos, que determinam os sintomas, identificam males e orientam os procedimentos
de cura. Segundo Almeida (2003) pode-se observar nas religiões de matriz africana duas
grandes categorias de doenças: os distúrbios que se apresentam sob a forma de desordem
física, que podem ocorrer ou não no iniciado e que são relacionados com a atuação das
divindades principais do indivíduo.
A segunda categoria compreende as doenças
endêmicas em geral como varíola, gripe, resultante da ação genérica dos orixás Obaluaê e
Omolú, considerados “os senhores da vida e da morte”.
Segundo o informante Fábio, em se tratando de iniciados, a sintomatologia pode
exprimir a “marca” ou sinal de sua divindade principal ou de um orixá que faça parte de
seu “carrego de santo”. Esta informação é corroborada por Almeida (2003).
Neste estudo, um exemplo desta relação pode ser realizada para Costus spicatus,
planta do Orixá Nanã, utilizada para problemas renais. Segunda Almeida (2003) as
doenças renais, assim como o reumatismo são vistos como “males de velhos”, sendo
atribuídos a Oxalá e Nanã, orixás primordiais da criação.
73
3.5. Formas de Preparo de remédios caseiros na Capoeira Grande
Alguns informantes utilizam compostos de plantas, com algumas formas de preparo
detalhadas, informações muito longas para constarem em uma tabela. Neste tópico serão
descritas estas formas de preparo. As transcrições em itálico correspondem às informações
gravadas. As demais correspondem às anotações em diário de campo.
Para torção
“Você vê como o troço é abençoado esta tal de erva-de-passarinho:
uma vez eu subi aí pra pegar uns galho seco desta planta aí, a
seriguela. Aí eu subi, o galho quebrou comigo, caí, torci este braço, o
braço incho, aí tinha um rapaz aqui que perguntou o que tinha
acontecido. E me perguntou se eu não sabia o que era bom pra isso, eu
disse não sei não...eu sei o saião, não moço, cê não vai fazer só com
saião não...faz com erva-de-passarinho, soca tudo junto, faz aquele
emplasto, bota num pano e amarra no braço, depois se pega um vinagre
e dá um banho de vinagre em cima. Menina, mas foi uma benção do
céu. Quando foi de noite eu deitei, ainda tava doendo, mas eu senti o
braço fazendo assim [mostrando o braço destorcendo], parecia que
tinha uma pessoa mexendo nele pra botar o osso no lugar, no outro dia
eu já tava varrendo aí as folha com a vassoura, com três dia eu fiquei
bonzinho. Mas o osso chegou a sair do lugar mesmo legal, mas fiquei
bom, o saião socado com erva-de-passarinho e sal grosso. Parece
mentira mas é bom mesmo”.
Seu Manoel
Algodão para contrações uterinas
“Ele era muito usado pelos antepassados né. Usado num banho pra
aumentar as contrações na hora de nascer o bebê, pelas parteiras. Chá da
folha pra qualquer tipo de infecção uterina. Pro banho também as folhas,
botava a água e as folhas pra pessoa sentar e se banhar, pra ajudar nas
contrações uterinas”.
Dona Lucia
Para fraturas que não sejam expostas
“Você conhece o Genipapo? É esta árvore. Os frutos e as folhas. Se você
tem uma quebradura que não seja exposta, você soca ele e côa ele bem e
bota a raspa, junta os ossos no lugar. E o fruto maduro o suco dele é rico
em tudo, repõe tudo que o ser humano necessita no seu organismo”.
Dona Lúcia
Elixir que combate a obesidade e o colesterol
“...composto de jurubeba, alcachofra, espinheir-santa, chapéu-de-couro.
É a mesma coisa só que estas outras passam por laboratório, por química
né. Então você tem ela dentro de casa, ce tem o elixir. Combate a
74
obesidade, o colesterol. Combate também, é uma cura total contra a
hepatite C... Eu uso só o fruto, eu faço um elixir do fruto aí, normalmente
se eu tenho a folha do chapéu de couro eu uso né, porque ajuda a
combater o colesterol. Eu trituro ele todo [o fruto da jurubeba], deixo em
infusão por uma hora numa panela de ágata bem limpinha que não solta
resíduo de alumínio né, aí depois eu trabalho ele num processo que eu
também posso fazer ele com o álcool, álcool natural só pra garrafadas. Aí
faço, cozinho, e, é uma coisa como se tivesse passado por um laboratório.
É trabalhoso. Tem que esterilizar ele todo, fruto por fruto, cada coisa que
eu vou por junto. [E como a senhora estereliza?] Eu tenho as bacias das
minhas ervas, só pra isso. Aí eu coloco tudo lavo bem em água corrente a
jurubeba eu tiro todas aquelas bolinha por bolinha, daqueles cachinhos e
lavo muito bem lavado em água corrente, depois eu coloco uma colher de
água sanitária dentro da bacia com água deixo em torno de umas duas
horas, depois eu lavo, lavo em água corrente novamente, boto numa
peneira pra escoar, e depois que ela escoa bem escoadinha aí é que eu
vou fazer, triturar ela”.
Dona Lúcia
Contra vermes
“Isso [erva-de-santa-maria] aí antigamente no interior. De manhã a gente
levantava né, aí a mãe da gente falava, hoje não vâmo tomar café, vâmo
tomar remédio de verme, tomava com leite, leite de cabrito. Aí fazia e nóis
tomava. Socava aquilo no pilão, tirava aquele sumo e misturava no leite
de cabrito. E a gente chama no peito. Nunca ninguém sofria nada, ficava
amarelo por causa de verme nem por causa de nada não. Só se usava isso
pra verme”.
Seu Manoel
Xarope pra tosse
“Eu uso o capim-limão pra fazer um xarope. Quer vê, anota aí: capim
limão, pitanga, laranja-da-terra e...um dentinho de alho. Você bota umas
folhinha de laranja da terra, pitanga, capim limão e um dentinho de alho
numa panela com um pouquinho de água e o resto põe açúcar. Faz aquele
caldo grosso e tá pronto”.
Seu Antônio
Garrafada para dores musculares, principalmente nas costas, na coluna
“Essa é aquela que quando você dá uma pancada né, ou uma dor na
coluna, você tira com raiz e tudo [erva-gambá], bota numa garrafa né,
junta arnica, cobre com álcool, aí daqui dois dia, três dia, e passa. Ela
tem um cheirinho, você conhece gambá conhece? Olha aqui
ó...[esmagando uma folhinha pra eu cheirar] parece o cheiro da defesa do
gambá né, por isso o nome de erva-gambá”.
Seu Antônio
75
Garrafada pro homem se sentir mais jovem
“Aqui o caju-roxo, a casca, o pessoal tira, de vez em quando eu tiro pra
um senhor aqui...tira pra fazer garrafada né. Só do roxo, outro não tem.
Aí bota numa garrafa com água, bota na geladeira, pra beber. Diz né...o
senhor que vem pegá aí que diz...vâmo dizer assim...um rapaz de 60 anos
fica igual um de 40”.
Seu Antônio
Pra tirar furúnculos
“Esquenta [a folha do saião] no fogo com um pouquinho de azeite, pra
ficar bem quente, ai coloca em cima do olho né, aí sai aquele carnegão. É
só espremer que sai o carnegão. Pode amarrar um pano pra segurar um
pouco né”.
Seu Antônio
Supositórios para tratar hemorróidas
“ Uma senhora tava me contanto que gastou dinheiro pra caramba com
hemorróide, aí uma mulher falou pra ela...ué, você não tem babosa, tenho,
você faz assim como se fosse um supositório né...aí você coloca no
congelador, da geladeira né, não no freezer, aí tira e usa. Tira um pedaço
da folha aqui assim, faz assim um palitinho [com a mucilagem] né, e bota
no congelador. Ela usou e curou”.
Seu Antônio
Contra vermes
“Eu uso hortelã-pimenta é bom pra verme. Aí bota hortelã-pimenta e
hortelã-de-horta, bota os dois e bate no liquidificador com leite e toma de
manhã em jejum, é muito bom pra verme”.
Dona Cremilda
Para dor de cabeça
“É bom pra dor de cabeça também o hortelã-pimenta. Esse pra dor de
cabeça a gente faz o chá, pega o hortelã faz chá e toma. Lava bem as
folhinhas, bota água pra ferver, bota dentro e abafa e deixa abafado lá.
Depois, deixa esfriar e bebe. Bebe frio. Bebe umas duas, três vezes no dia. É
bom pra dor de cabeça”.
Dona Cremilda
Para sangramento na gengiva
“O meu escape da periodontite foi a casca da aroeira. Você faz, ferve, ela
tem muita cica, é horrível. Bochecha. Assim, se você tiver sangramento na
gengiva, acaba”.
Fábio
76
Para furúculo
Pega-se um punhado de folhas de maravilha, coloca-se para aquecer na
frigideira com um pouco de azeite. Quando estiver quente, no limite
suportado pela pessoa, colocar em cima do furúnculo com um algodão.
Quando esfriar, esquentar novamente e aplicar denovo. Aplica-se até o
furúnculo estourar. Se depois de um dia de aplicação ou dois o furúnculo não
estourar, parar o tratamento porque possivelmente não é furúnculo e pode
precisar ser lancetado.
Dona Zelinda
Para fortalecer o sistema imunológico
Utiliza um galho de eva-baleeira pra 1 litro de água para fazer o chá. Mas
ainda tem dúvidas sobre esta medida, por ela não ser exata. Toma-se 3
xícaras (ou 3 copos americanos) por dia - café da manhã, almoço e jantar.
Dona Zelinda
Para problemas renais
Picão: a preparação do chá segue o mesmo processo de preparo da ervabaleeira. Usa a planta toda exceto a raiz. Para uma planta de uns 20cm de
altura meio litro de água.
Dona Zelinda
Para resfriados, tosse, tuberculoses, pneumonia
Saião com leite – meio litro de leite para 6 folhas. Bate tudo no
liquidificador. Tomar 2 copos uma vez ao dia por no máximo uma semana.
Esta receita foi indicada pelo médico para o filho da empregada. A
informação que o médico passou pra ela foi que se esta dose for maior pode
ser tóxica, formando água na pleura.
Dona Zelinda
Para contusão
Socar as folhas do saião e usar como cataplasma num tecido ou algodão. O
número de folhas socadas depende da extensão do machucado.
Dona Zelinda
Contra pulgas
Amassar as folhas de erva-de-santa-maria e espalhar pelo quintal. Pode-se
amassar a folha e esfregar no corpo do cachorro.
Dona Zelinda
Para corrimentos vaginais
Um punhado de folhas de carrapicho, sem o carrapicho para um litro de água.
Toma durante o dia todo.
Dona Zelinda
77
Para relaxar e digestivo
Usa-se para fazer o chá 7 folhas de erva-cidreira para um copo de água.
Toma-se depois do almoço, ou quando se sente mal do estômago, ou ainda
antes de dormir ou quando se está muito nervoso.
Dona Zelinda
Digestivo
Uma touceira de capim-limão com oito folhas usa-se somente quatro em
meio litro de água. Mas se tomar muito se tornar laxante.
Dona Zelinda
Para sinusite
Um galho de eucalipto de mais ou menos 30 cm para meio litro de água,
arranca as folhas e ferve. Inala e toma como chá 3 vezes por dia.
Dona Zelinda
Para dores no estômago, ou para “quando se bebe demais”
“Pega as folhas [do boldo], bota num copo soca bem, bota uma água gelada,
coa e bebe. Mas é gostoso”!
Seu Antônio
Para dor de dente
“A raiz da dormideira, só a raiz que é a parte ativa dela, pra inflamação
dentária. Ferve ela, ela quente ainda faz um bochecho”.
Antônio
Para lavar machucados inflamados
“O chá das folhas da carobinha, o próprio banho, banho que eu falo é um
pouco de água que vai banhar aquela perna, se tiver uma ferida crônica,
uma inflamação. Então, ele pode beber um pouquinho daquela água antes da
banhar, e o que sobrou ele vai usar pro banho. Ferve [as folhas], por cinco
minutos deixa um pouco, bebe e consumir este banho logo no período de 24
horas. [...] o trevo de cinco folhas, conhecido também como sete chagas. Ai
no morro tem bastante. É pra banho também, antiinflamatório, faz da mesma
forma”.
Antônio
Para cicatrizar machucados
“Uma outra árvore que é remédio também é a aroeira. Ela é
antiinflamatório também, pra banho também, pra cicatrizar machucado.
Pode beber também. Pra machucado infeccionado. Ferve [as folhas], por
cinco minutos deixa um pouco, bebe e consumir o banho logo no período de
24 horas também”.
Antônio
78
Depurativo do sangue
“O ipê roxo também é bom, depurativo do sangue. Ferve as folhas por cinco
minutos para fazer o chá”.
Antônio
Para cravos e verrugas
“Usa o sumo da folha da erva-moura, coloca em cima da verruga. Pro cravo
também, a pessoa corta a pele do cravo até ficar bem fininho e coloca o
sumo. Ela tem que ser usada sempre verde né”.
Antônio
Para anemia
“Minha mãe fazia raiz da jurubeba no vinho moscatel. Raspava a raiz,
botava de molho uns 3 dias, depois dava um cado no almoço e outro na
janta”.
Dona Antônia
Para diarréia
“A casca da jaboticabeira é boa pra diarréia, aquela diarréia braba, a
casca da jaboticabeira com broto de goiaba, juntos, ferve tudo”.
Dona Antônia
Para menstruação atrasada
“A erva cidreira, quando a pessoa não quer menstruar, minha mãe dava chá
de cidreira, ou então vinho tinto fervido com canela. As vezes a pessoa tava
com a menstruação atrasada bebia o chá de cidreira, mas se não resolvesse,
bebia vinho tinto com canela fervido”.
Dona Antônia
Para resfriado com febre
“O limão com folha de laranja da terra, um dente de alho é bom pra
resfriado, cozinha a folha da laranja, com um pedaço de limão e um dente de
alho, mas não soca o dente de alho, só descasca e cozinha. Quando tem
febre bota folha de pitanga junto”.
Dona Antônia
Para má digestão, “arrotando azedo”
“O louro também, casca de cebola com folha de louro é bom pra quando a
pessoa ta rotando azedo. Toma uma vez ou duas. Ta com a barriga inchada,
rotando azedo, casca de cebola com folha de loro, para na hora”.
Dona Antônia
Para os rins
“Pra rins é parietária, quebra pedra e folha de cana, é melhor do que cana
de brejo. Folha da cana que a gente chupa a urina sai fresca, a cana do
brejo sai com aquele cheiro ativo. Ferve tudo junto”.
79
Dona Antônia
Para erisipela
“Pra erisipela é bom folha de cinco chagas pra lavar [ferve a folha] e passar
azeite doce”.
Dona Antônia
Para dente inchado
“O guiné serve até pra buchechar o dente, quando o dente ta inchado, pode
buchechar com folha de guiné, ou então cortar o jiló, cozinhar o jiló e
aquela água buchechar com sal, mas a água do jiló com um pouquinho de
sal serve pra desinchar o dente”.
Dona Antônia
Garrafada para dores na coluna
“A fruta do para raio, bota sete caroço dentro de um litro de álcool, serve
pra dor na coluna”.
Dona Antônia
Para úlcera
“A folha da couve em jejum pro estômago, pra ulcera, bate no liquidificador
e tomar aquele suco”.
Dona Antônia
Para bronquite asmática
“Qualquer manga, se for um litro de água, pega 3 manga, tira a casca, pode
comer a manga, cozinha ela, bate no liquidificador, côa e leva no fogo com
açúcar, faz aquele xarope. Não pode botar álcool, tem que levar na
geladeira. Aí, vai bebendo umas duas vezes ao dia, pode beber até 3 vezes ao
dia. Assim uns dois dedinhos, quando acabar aquele litro tem mais
bronquite”.
Dona Antônia
Contra vermes
“Hortelã e santa-maria. Chá, ou então o sumo, bate no liquidificador
hortelã e santa-maria. Caroço de abóbora pode bater junto, descasca e bota
junto e bebe, bota verme”.
Dona Antônia
Para destroncados
“Santa-maria com saião pra destroncado, pode botar em cima, soca e bota em
cima”.
Dona Antônia
Contra pulgas
“Esfrega a planta inteira [vassourinha-de-pulga] no cachorro, ou se tem
pulga na casa varre a casa com ela”.
Dona Antônia
80
Para reumatismo
“Melão-de-são-caetano serve pra reumatismo, bota a folha no álcool e
passa”.
Dona Antônia
Para diabetes
“A casca do cajueiro é bom pra diabetes. Faz um chá da casca do cajueiro.
se você tirar uma lasca de casca ele se regenera. Vai tomando durante o
dia”.
“A graviola é também pra diabetes, a própria fruta ou o chá da folha. Uma
folha daquela dá pra fazer um chá pra dois litros. Todos os chá que eu faço
eu deixo ferver a água e depois é que eu ponho a folha e tampo. O ideal
mesmo é nem deixar a água ferver, quando tiver próximo de ferver eu
desligo, quando tiver fazendo aquelas bolinhas pequenininhas”.
Giovani
Para tirar o mal da casa
“O alecrim-do-campo é pra defumação de dentro de casa. Se panha ele,
deixa ele seca um pouquinho, uns dois ou três dias, pões ele no defumador,
bota um foguinho nele com uma palha de alho, vai lá e defuma a casa toda.
Ali nada mal fica”.
Seu Joaquim
Para dores nas juntas
“O alecrim-de-casa é pra ponha nas juntas, viu, fez um chazinho ali né,
bebeu um poquinho, passa na junta as junta amolece todinha, não fica dura
não. [E como o senhor faz chá?] Ferve a plantinha. Boto a planta dentro da
água e bota ferve”.
Seu Joaquim
Para o fígado
“Mastiga uma folhinha dele [erva-macaé] bota uma água gelada pra engolir
aquele cardinho margano, quando bateu lá no fígado, fica bonzinho”.
Seu Joaquim
Para febre
“O melão-de-são-caetano é pra febre. Usa o lacinho dele todo. Panhô ele,
lavo ele, boto no fogo ferve e bebe, ah não tem febre que resista”.
Seu Joaquim
Para torcicolo
“Faz chá, ferve na água. E depois esquenta a folha dele no fogo e bota no
pescoço, o torcecolo não volta mais”.
Seu Joaquim
81
Para diarréia
“Ah, sete sangrias. É pra dor de barriga, viu. As vezes ce ta desandado que
num para nada no estomago, num para nada na barriga, aí ce tomo ela
acabo. Põe ela ferve e bebe o chá”.
Seu Joaquim
82
3.6. Análises quantitativas
Segundo Almeida (1997), a partir da decodificação das doenças/sintomas citadas
pelos informantes de acordo com o sistema biomédico convencional, seguindo a
classificação adotada pela décima revisão da Classificação Internacional de Doenças,
Injúrias e Causas de Morte (CID-10 2005), pode-se traçar o perfil epidemiológico da
comunidade. Esta classificação agrupa as doenças em 21 categorias (Tabela 1), e através
dela foi feita a decodificação para as doenças/sintomas citadas pelos informantes da
Capoeira Grande (Tabela 5).
Após a decodificação dos usos das plantas citados pelos informantes para as
categorias da CID, foram encontradas 18 categorias, somando um total de 352 citações
(Tabela 5, Fig. 12). Destas, 75 (22%) foram referentes à categoria I que corresponde a
doenças infecciosas e parasitárias, seguida de 46 citações (13%) na categoria X, doenças
do aparelho respiratório. A categoria XI, doenças do sistema digestivo, aparece em terceiro
lugar com 42 citações (11%), juntamente com a categoria XIV, doenças do sistema
genitourinário com 41 citações (11%). Dentre todas as citações, 31 (8%) estão na categoria
XVIII, que corresponde a sintomas e sinais não classificados em outra parte. Nesta
categoria se encaixam os sintomas que podem ser devidos a diversas doenças, como por
exemplo, febre ou dor de cabeça. As demais categorias encontradas foram: IX e XIX com
16 citações (4,5%); XII com 15 citações (4,2%); XX e V com 14 citações (3,9%); XIII
com 11 citações (3%); IV e VI com 9 citações (2,5%); XV com 6 citações (1,2%); as
categorias III, II , VII e XVI somam juntas 7 citações (1,9%) (Fig.12).
De acordo com Novais et al. (2004), “as categorias terapêuticas mais citadas são
aquelas que mais afetam a população estudada”. No caso deste trabalho, é mais correto
dizer que as categorias mais citadas são aquelas que são mais tratadas utilizando-se plantas.
As entrevistas foram realizadas com questões sobre as plantas que tratam doenças, e não
doenças que são tratadas com plantas, o que pode causar uma diferença nas respostas,
fazendo com que o informante se lembre de usos relacionados às plantas que eram feitos
há tempos atrás, e não necessariamente refletindo tratamentos realizados no presente.
Desta forma, os dados obtidos podem apenas servir de base para trabalhos futuros que
tenham como objetivo traçar o provável perfil epidemiológico da comunidade.
83
Estes resultados são semelhantes aos de estudos realizados em áreas urbanas e
rurais localizadas dentro ou no entorno de fragmentos de Mata Atlântica, como o de Di
Stasi et al. (2002) e Pinto et al.(2006), onde os sistemas corporais mais afetados são em
geral o respiratório, o digestivo (gastrointestinal) e doenças infecciosas e parasitárias. Di
Stasi et al.(op. cit.) explica este fato devido às condições sócio-econômicas encontradas
nas populações por eles estudadas, onde as condições de saúde e alimentação são muito
precárias. Sendo assim, a predominância de doenças infecciosas e parasitárias, aliadas a
doenças dos sistemas respiratório e digestivo são indicadas por este autor como problemas
que podem ser vinculados às condições sanitárias deficitárias. Na comunidade em estudo
embora as condições sanitárias e de alimentação sejam melhores do que aquelas citadas
por Di Stasi, elas não são ideais.
Em geral, doenças do sistema digestivo, aliado às doenças infecciosas e parasitárias
são predominantes em regiões tropicais e subtropicais. Nos trabalhos de Amoroso & Gely
(1988), Ming (1995), Schardong & Cervi (2000), Bennett & Prance (2000) e Medeiros et
al. (2004); Pilla et al.(2006) também são citadas as doenças do aparelho respiratório como
tendo maior número de plantas indicadas. Almeida & Albuquerque (2002) também relatam
a predominância de doenças dos sistemas digestivo e respiratório entre as predominantes
em sua área de estudo. Os resultados de Johns et al. (1994) vêm confirmar a importância
do conhecimento de plantas para tratar problemas gastrointestinais e respiratórios em
diversas culturas. No estudo que realizaram junto aos Batemi, na Tanzânia, estas duas
categorias concentraram, juntas, o total de 62 registros de remédios. Segundo Troter &
Logan (1986), Ugarte (1997), Heinrich et al.(1998), Bennett & Prance (2000) e Almeida &
Albuquerque (2002) o tratamento de doenças do sistema gastrointestinal e do sistema
respiratório, juntamente com o de problemas de pele são os mais frequentemente relatados
através do mundo.
No presente estudo, doenças do sistema genitourinário aparecem em terceiro lugar
com 11% das citações, juntamente com as doenças do sistema digestivo. Esta categoria de
doenças é citada entre as predominantes em Silva (1997), pelos índios Xucuru
(Pesqueira/PE) e Nicholson & Arzeni (1993) em mercado no México e em Pilla et al.
(2006) em São Paulo.
84
Tabela 5. Plantas de uso medicinal citadas pelos informantes do entorno da APA da Serra da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de
Janeiro, RJ, em ordem alfabética de nome popular e classificadas de acordo com a décima revisão da Classificação Internacional de Doenças,
Injúrias e Causas de Morte (CID-10 2005).
Nome popular
Nome cientìfico
Abacateiro
Persea americana
Abóbora
Acerola
Cucurbita sp.
Malpighia punicifolia
Agrião
Nasturtium officinale
Agrião-do-mato
Alecrim
Alecrim-do-campo
Alfavaca-da-horta
Alfavacão
Lepidium cf. ruderale
Rosmarinus officinalis
Baccharis dracunculifolia
Não coletada
Ocimum officinalis
Algodão
Gossypium arboreum
Alho
Allium sativum
Informantes
S. Antônio
D. Lúcia
D. Antônia
D. Antônia
D. Lúcia
D. Cremilda
D. Antônia
Giovani
Seu Joaquim
Antônio
D. Antônia
D. Lúcia
S. Antôno
D. Antônia
Giovani
Propriedades Terapêuticas
Diurético
Diurético; expectorante; corta gases
acumulados
Para urina, baixar a pressão
Vermes
Gripes, resfriados
Pulmão: Tosse, gripe
Pulmão: pnemonia
Reumatismo
Antibiótico natural
Coração
Tosse coqueluche
Aumentar contrações e dilatação no
parto; infecção uterina
Resfriados e tosse
CID10
XIV
XIV; X; XI
XIV
I
X
X
X
X
XIII
I
IX
I
XV; XIV
X
X
X
85
Cont. Tabela 5...
Nome popular
Amor-do-campo; carrapicho;
carrapichinho-do-campo
Amoreira
Arnica; Arnica-montana;
Arnica-do-campo
Arnica; Arnica-montana
Arnica-montana
Aroeira; Aroeira-branca;
Aroeira-vermelha
Nome cientìfico
Desmodium purpureum
Morus nigra
Eupatorium maximiliani
Solidago microglossa
Informantes
D. Zelinda
D. Antônia
D. Zelinda
S. Antônia
S. Manoel
Antônio
D. Atnônia
S. Antônio
D. Lúcia
Arnica montana (da farmácia) D. Antônia
S. Manoel
D. Antônia
Schinus terebinthifolius
D. Cremilda
Antônio
Arruda
Ruta graveolens
Usos medicinais
Corrimentos vaginais
Corrimentos vaginais
Reposição hormonal - menopausa
Garganta inflamada
Inchaços por pancadas, torções.
Quebraduras, torções
Joelho inchado, reumatismo
Contusão; dores musculares; dores de
pancada.
Dores musculares, Reumatismo
Cólicas, gases, diarréia, estômago
Inchaços; cortes abertos; “eripsela”.
Hemorróidas; estômago
Limpa o sangue, coceira. “Inflamação
de barriga” - lavagem vaginal.
Machucados inflamados. Pulmão:
gripe, tosse
Antiinflamatório; cicatrizante; para
Fábio
machucado inflamado
Corrimentos vaginais
D. Clemilda
Cólicas menstruais
CID10
I; XIV
I; XIV
IV
X; XVIII
XIX; XX
XIX; XX
XIII
XIX; XX; XIII
XIII
XI
XIX; XX; I; XII
IX; XI
I; XIV;X
XVIII; XII; I
I; XIV
XIV
86
Cont. Tabela 5...
Nome popular
Assapeixe; assapeixe-roxo
Artemísia
Babosa
Nome cientìfico
Vernonia cognata
Sem coleta
Aloe vera
Informantes
S. Manoel
S. Lúcia
Buta-preta
Sem coleta
I; X
I; X
Seu Joaquim
Pulmão
I; X
D. Antônia
Má circulação e manchas na pele
S. Antônio
cura hemorróidas
Giovani
Cicatrizante; câncer.
D. Antônia
estômago
XI
S. Antônio
Para ressacas e problemas no estômago
XI
D. cremilda
Plectrantus neochilus
tosse.
I; X
Pulmão, gripe, tosse
Plectrantus grandis
Boldo-do-chile
Para os brônquios, infecção pulmonar,
CID10
D. Cremilda
D. Zelinda
Boldo
Usos medicinais
Pneumonia.
Digestivo, neutraliza acidez do
estômago.
Digestivo, problemas do fígado,
IX; XII
IX
XII; II
XI
XI
Fábio
ressaca: dor de barriga, dor de cabeça
Ressaca
D. Lucia
Estômago, má digestão
XI
D. Antônia
Estômago, má digestão
XI
Antônio
Seu Joaquim
Fígado, depois do porre
Dor de cabeça
XI
XVIII
XI
87
Cont. Tabela 5...
Nome popular
Nome cientìfico
Cabelo-de-milho
Zea mays
Cajueiro
Cajueiro-roxo
Cana
Cana-crioula
Cana-do-brejo; cana demacaco
Canela
Cânfora
Anacardium occidentale
Saccharus officinale
Sem coleta
Costus spicatus
Cinnamomum zeylanicum
Sem coleta
Sem coleta
Capim-limão; cidreira; ervacidreira; capim-cidreira;
Cymbopogon citratus
Capim-santo
Cardo-santo
Sem coleta
Informantes
D. Zelinda
D. Antônia
S. Manoel
Giovani
D. Cremilda
D. Antônia
S. Antonio
D. Antônia
D. Antônia
Fábio
D. Lucia
Seu Joaquim
D. Antônia
D. Lúcia
Seu Joaquim
S. Manoel
D. Zelinda
S. Antonio
Fábio
Giovani
D. Antônia
D. Lucia
Seu Joaquim
Usos medicinais
Problemas renais
Para urina
Cicatrizante, diabetes
Diabetes
“Inflamação de barriga” - lavagem
vaginal
Hemorróidas
Tônico sexual
rins
Corrimento vaginal
Infecção Renal
Cistite; diurética
rins
Menstruação atrasada
Dor de cabeça de sinusite.
Pras juntas
Calmante. Tranqüilizante.
Digestiva
Tosse e resfriados
Sistema nervoso, histerismo.
calmante
Vômito; diarréia
Calmante; digestivo
Dor de cabeça
CID10
I; XIV
I; XIV
XII; IV
IV
I; XIV
IX
XVIII
I; XIV
XIV
I; XIV
I; XIV
I; XIV
XIV; XV
X
XIII
V; VI; XVIII
XI
X
V; VI
V; VI
I; XI; XVIII
V; VI; XVIII; XI
XVIII
88
Cont. Tabela 5...
Nome popular
Nome cientìfico
Carobinha
Jacaranda puberula
Informantes
S. Antônio
D. Cremilda
Antônio
Carrapichinho; amor-docampo
Carrapichinho; amor-docampo
Catuaba
Cebola
Desmodium barbatum
Acanthospermum hispidum
Sem coleta
Allium cepa
Chapéu-de-couro
Echinodorus grandifolius
Chuchu
Sechium edule
Cinco-chagas; trevo-de-cincofolhas; sete-chagas
Cinco-chagas
Cipó-chumbo
Sparattosperma leucanthum
Colônia
Alpinia zerumbet
Sem coleta
Antonio
Seu Joaquim
D. Antônia
S. Manoel
D. Lúcia
Seu Joaquim
D. Antônia
Usos medicinais
Para infecções de pele: sangue ruim,
coceira, irritação.
Antiinflamatório, pra banhar
machucados
Antiinflamatório; diurético; para pedra
nos rins
Urina presa
estômago
Má digestão “rotando azedo”.
Para os rins
Combate o colesterol
Ossos, torcicolo
Para urina e baixar a pressão
Antônio
(diurético)
Antiinflamatório
D. Antonia
Erisipela
D. Antônia
S. Manoel
Fábio
D. Cremilda
Giovani
Gripe, rouquidão
Diabetes; problemas renais
Acalma, antidepressiva
Pro coração, pressão
Angina, broncodilatador
CID10
XII
XII
XVIII; XIX
XVIII; XIV
XIV
XI
X
I; XIV
IX
XIII
XIV
XVIII
I
X
IV; I; XIV
V; VI; XVIII
IX
IX; X?
89
Cont. Tabela 5...
Nome popular
Cordão-de-frade
Couve
Curvim
Nome cientìfico
Leonotis nepetifolia
Brassica oleracea
Sem coleta
Mimosa pudica
Sem coleta
Sem coleta
Informantes
Seu Joaquim
Mentha x piperita var. citrata
D. Cremilda
Embaúba
Cecropia cf. lyratiloba
Erva-baleeira
Cordia verbenacea
D. Cremilda
D. Zelinda
Antônio
S. Manoel
S. Antônio
Giovani
Antônio
D.Zelinda
Fábio
D. Antônia
S. Manoel
Antônio
D. Antônia
D. Lúcia
Dormideira
Elevante
Erva-cidreira; Cidreira;
Capim-limão
Erva-de-bicho
Erva-de-bicho; cambará
Erva-de-macaco
Lippia alba
Sem coleta
Sem coleta
Sem coleta
Cleome aculeata
D. Antônia
Antônio
S. Antônio
D. Lúcia
Usos medicinais
Bronquite
Estômago, úlcera
“grão grande”
Pra dor de dente
Calmante, sedativo, para dormir.
Para resfriado, renite, corisa
Dor no peito, dor no estômago de
espinhela caída
Pulmão: gripe, tosse
Estimulador do sistema imunológico
Antibiótico natural
Para pressão; calmante
Calmante
Digestiva. Relaxante.
Sistema nervoso, histerismo.
Menstruação atrasada
Coceira
Micose, frieira
sarna
Dores musculares
CID10
X
XI
?
I; XI
V; VI; XVIII
X
XVIII
X
III
I
IX; V; XVIII
V; XVIII
V; XVIII
V; XVIII
XI
V; VI
XV; XIV
XII
I
I
XIII; XIX; XX
90
Cont. Tabela 5...
Nome popular
Nome científico
Erva-de-passarinho
Struthanthus marginatus
Erva-de-lanta-luzia
Pistia stratiotes
Informantes
S. Manoel
Erva-de-santa-maria
Erva-de-são-joão; catinga-debode
D. Lucia
Seu Joaquim
Fábio
pneumonia.
Para os brônquios, resfriado, tosse.
Pulmão
Para problemas de visão
Para verme; calmante; tosse em
S. Manoel
criança; contra pulgas; para dores no
D. Zelinda
peito (cardíaca).
Contra pulgas; Vermes.
Para dores de cabeça; dores e inchaços
S. Antônio
de pancadas; contra vermes; contra
D. Lúcia
D. Antônia
D. Zelinda
Antônio
D. Lúcia
pulgas.
Para verme; Tuberculose
Vermes; destroncado
Problemas renais. Circulação.
Abortiva
Antidepressivo
Infecção das mucosas; para acalmar;
Chenopodium ambrosioides
Ageratum conyzoides
Erva-doce
Pimpinella anisum
Erva-gambá
Cleome diffusa
Erva-moura
Solanum americanum
Usos medicinais
Para torção, inchaços por contusões;
D. Lúcia
S. Antônio
Antônio
para gases.
Dores musculares, especialmente nas
costas (coluna) ou pancadas.
Tira Verrugas e cravos nos pés.
CID10
XIX; XX; I;X
X
X
VII
I; V; VI; X; IX
I
XVIII; XIX; XX; I
I
I; XIX; XX
I; XIV; IX
XV
V
I; V; VI; XI
XIII; XIX; XX
I
91
Cont. Tabela 5...
Nome popular
Nome científico
Erva-pombinha; quebra-pedra
Phylanthus niruri
Erva-tostão
Sem coleta
Sem coleta
Sem coleta
Espinheira-santa
Verbenaceae
Eucalipto
Eucalyptus citriodora
Gengibre
Zingiber officinalis
Gervão-roxo
Stachytarpheta cayennensis
Goiabeira
Psidium guajava
Grama-listrada
Sem coleta
Graviola
Annona muricata
Guaco
Guando
Guiné; guiné-pipiu
Nome popular
Mikania laevigata
Cajanus flavos
Petiveria alliaceae
Nome científico
Hortelã
Mentha x piperita var. citrata
Mentha villosa
Informantes
D. Lúcia
Antônio
D. Zelinda
D. Lúcia
D. Antônia
Antônio
D. Lucia
S. Antonio
D. Zelinda
Antônio
D. Antônia
D. Lúcia
D.Lúcia
Fábio
S. Manoel
D. Antônia
Fábio
D. Antônia
S. Antônio
Giovani
Seu Manoel
D. Antônia
Informantes
D. Antônia
D. Clemilda
S. Manoel
Usos medicinais
Para os rins
Para os rins
Infecções do sistema genito-urinário
Baixar o colesterol
Hepatite
Ulcera no estomago
Sinusite e resfriados
Sinusite e resfriados
Sinusite e resfriados
Estômago
Antibiótico natural
Mastite; furunculose
Problemas no estômago: gastrite,
úlcera, dores.
Diarréia
Diarréia em adulto
Diarréia
Hemorragias (Menstrual)
Diabetes
Para tosse
Hemorragias (menstrual)
Dente inchado
Usos medicinais
Diarréia em criança; verme; estômago
Vermes. Rins.
Para criança
CID10
I; XIV
I; XIV
XIV
IX
I
XI
XI
X
X
X
XI
I
XIV; XV; XVI; XII
XI
I; XI
I; XI
I; XI
XIV
IV
IV
X
XIV
Cont. Tabela 5...
I; XI
CID10
I; XI
I; XIV
92
Hortelã-pimenta
Ipê-roxo
Plectranthus amboinicus
Tabebuia impetiginosa
Jabuticabeira
Jatobá
Myrsiaria sp.
Hymeneia sp.
Jenipapo
Genipa americana
Jiló
Solanum gilo
Jurubeba
Solanum paniculatum
Lágrima-de-nossa-senhora;
conta-de-nossa-senhora
Coix lacryma-jobi
Laranja
Citrus sinensis
Nome popular
Nome científico
Laranja-da-terra
Citrus aurantium
Lima-da-persia, Lima
Citrus aurantifolia
D. Cremilda
Vermes; dor de cabeça
D. Antônia
Hepatite
Fundamental para o sistema
D. Lúcia
Antônio
Seu Joaquim
D. Antônia
Seu Joaquim
D. Lúcia
D. Antônia
D. Lúcia
imunológico
Deputativo do sangue
Câncer
Diarréia de sangue
ossos
Quebradura que não seja exposta; suco
do fruto repões o que o organismo
necessita; expectorante - cura
tuberculose crônica
Dente inchado
Obesidade; baixar o colesterol;
D. Antônia
problemas no fígado, hepatite C.
anemia
D. Lucia
Tônico para os músculos
D. Cremilda
D. Lúcia
Informantes
S. Antônio
D Antônia
S. Manoel
D. Lúcia
D. Antônia
D. Lúcia
Pro pulmão: tosse, gripe
Resfriado
Usos medicinais
Resfriado, gripe e tosse.
diabetes
Resfriado, gripe
I; XVIII
XI
III
XII
II
I; XI
XIII
I; X; XIX
I; XI
IV; IX; XI; I
III
XIII
X
X
CID10
X
X
X
X
IV
X
Cont. Tabela 5...
93
Limão
Citrus limon
Losna
Louro
Sem coleta
Laurus nobilis
Macaé, erva-macaé
Leonurus sibiricus
Mamão-macho
Mangueira
Carica papaya
Mangifera indica
Manjericão
Manjericão-branco
D. Antônia
D. Lucia
Giovani
D. Antônia
D. Antônia
Seu Manoel
Seu Joaquim
S. Antônio
D. Antônia
Febre
Má digestão “rotando azedo”.
Pneumonia; Febre
Estômago, fígado
Gripe
Bronquite asmatica
D. Cremilda
Para o coração
Tuberculose, expectorante para
Ocimum cf. basilicum
D. Lúcia
Manjericão-roxo
Maravilha
Mirabilis jalapa
Maria-da-glória
Maricá
Nome popular
Mastruço
Sem coleta
Sem coleta
Nome científico
Lepidium pseudo-didymus
Melão-de-são-caetano
Momordica charantia
Murta
Novalgina
Oriri
Para-raio-de-xangô
Blepharocalyx salicifolius
Sem coleta
Sem coleta
Melia azedarach
Parietária
Acalypha comunis
Pata-de-vaca
Pau d´alho
Bahunia variegata
Galesia integrifolia
Resfriado, gripe
D. Zelinda
D. Antonia
D. Cremilda
Informantes
D. Lúcia
D. Antônia
Seu Joaquim
Giovani
Fábio
D. Antônia
D. Antônia
D. Lúcia
S. Manoel
D. Antônia
infecção pulmonar; resfriado
Para o coração
Furúnculos, feridas infeccionadas e
infecções de pele. Espinhas.
Erisipela
Pro pulmão: Tosse, gripe.
Usos medicinais
Para os brônquios, pneumonia
reumatismo
febre
Secar umbigo de criança
Dor e mal-estar
Infecção renal
coluna
Infecção urinária
rins
Infecção renal
Queda de cabelos
X
X
X
XVIII
X
I; XVIII
XI
X
X
IX
I; X
IX
I; XII
I
X
CID10
I; X
XIII
XVIII
XV
XVIII
I; XIV
XIII
I; XIV
I; XIV
I; XIV
XII
Cont. Tabela 5...
94
Pau-pereira
Pé-de-galinha
Sem coleta
Sem coleta
Picão
Bidens pilosa
Pimenta-malagueta
Capsicum frutescens
Pitanga
Eugenia uniflora
Quebra-pedra
Euphorbia prostrata
Seu Joaquim
D. Antônia
D. Zelinda
D. Lúcia
D. Antônia
Antônio
S. Manoel
S. Manoel
S. Antonio
Giovani
D. Antônia
D. Antônia
Febre; estômago
Desinchar dentes
Hepatoprotetor; rins
Hepatoprotetor
Hepatite
Fígado, hepatite, cirrose
Furunculo
Para tosse
Para tosse, resfriados, gripe
Febre, resfriado
Febre
Para os rins
XVIII; XI
I; XI
I; XI; XIV
I; XI
I; XI
I; XI
XII
X
X
XVIII; X
XVIII
I; XIV
95
Cont. Tabela 5...
Nome popular
Nome científico
Quebra-pedra; erva-pombinha
Phylanthus tenellus
Quiabo
Quina-cruzeiro
Quina-rosa
Rabo-de-macaco
Romã
Rosa-branca
Abelmoschus esculentus
Sem coleta
Simira glaziovii
Sem coleta
Punica granatum
Rosa sp.
Informantes
D. Cremilda
D. Antônia
S. Manoel
Seu Joaquim
Antônio
Fábio
D. Lúcia
S. Antônio
Saião
Kalanchoe brasiliensis
Sálvia
Serralha
Salvia officinalis
Sonchus oleraceus
S. Manoel
D. Zelinda
D. Cremilda
D. Antônia
D. Lúcia
Antônio
D. Lúcia
Sete-sangrias
Cuphea balsamona
Tomateiro
Transagem
Urtiga-branca
Nome popular
Vassourinha-de-pulga
Velame
Solanum lycopersicum
Plantago major
Urera caracasana
Nome científico
Lepidium virginicum
Sem coleta
D. Antônia
Seu Joaquim
S. Manoel
D. Lúcia
Informantes
D. Antônia
D. Zelinda
Usos medicinais
Para os rins
Para os rins
Para furúnculos.
Febre
Depurativo do sangue
Queima e tira verrugas.
Infecção de garganta, resfriados
Prisão de ventre
Contusão; resfriados e tosse;
furunculos
Contusão
Contusão; Pulmão
Pulmão: gripe, tosse. Estômago.
Tosse coqueluxe; destroncado
Expectorante, para asma.
Depurativo do sangue, vitiligo
Glicemia alta; desentope vasos
sanguíneos
Diarréia de sangue
Dor de barriga
Inchaços por pancadas, torções.
Bronquite; antiinflamatório; antibiótico
Diabetes; purificação do sangue
Usos medicinais
Para matar pulgas
Problemas renais
CID10
I; XIV
I; XIV
XII
XVIII
XII
I
X;XVIII
XI
XIX; XX; X; XII
XIX, XX
XIX; XX; X
X; XI
I; XIX; XX
X
XII
XVIII; IX
I; XI
XI; I
XIX; XX
X; I; XVIII
IV;Cont.
XIITabela 5...
CID10
I
I; XIV
96
3.6.1. Importância relativa (IR)
Na Tabela 6 observa-se que a espécie de maior IR é Schinus terebinthifolius, a
aroeira, atingindo o valor máximo para este índice que é IR=2. Esta espécie é também a
mais versátil, tendo dez propriedades atribuídas, e indicada para o tratamento de nove
sistemas corporais. Esta informação torna-se mais importante quando se leva em
consideração que esta é uma espécie nativa na região. Esta árvore atualmente não está
em perigo de extinção (IBAMA 1992), porém a região de Guaratiba está sofrendo
profundas transformações, com redução das áreas de florestas naturais, o que é
percebido pelos informantes através da redução de populações de algumas espécies, e a
aroeira é uma delas. Entretanto a espécie é incentivada em alguns quintais:
“Isso aí [a aroeira] tá tão em extinção né, aqui tinha muito, cada uma
enorme. Isso aí tem mil e uma utilidade. Eu plantei essa aí”.
Dona Cremilda
À Chenopodium ambrosioides e Alpinia zerumbet foram atribuídas sete
propriedades e ambas tratam oito sistemas corporais. C. ambrosioides é uma espécie
espontânea na região e A. zerumbet é cultivada.
Outras espécies naturais de ecossistemas da área, ou que também ocorrem
espontâneamente que recebem destaque no IR são Lippia alba, Cymbopogon citratus,
Anacardium occidentale, Kalanchoe brasiliensis, Tabebuia impetiginosa, Ageratum
conyzoides e Starchytarpheta cayennensis. Nota-se a importância para os informantes
de espécies medicinais naturais da área de estudo. As propriedades terapêuticas
atribuídas e os sistemas corporais tratados podem ser observados na Tabela 5.
Cymbopogon citratus, Kalanchoe brasiliensis e Mentha villosa estão entre as
espécies mais versáteis encontradas por Medeiros et al. (2004) com três propriedades
cada, em Mangaratiba, RJ. As propriedades citadas por estas autoras para C. citratus
(calmante e para gripe) e K. brasiliensis (bronquite, gripe, machucado), também foram
encontrados no presente estudo (Tabela 5). Já para M. villosa apenas a propriedade
“contra vermes” coincide com os encontrados neste estudo.
Bennett & Prance (2000), em trabalho com plantas introduzidas no norte da
América do Sul, que incluiu os índios Tikuna e Yanomamis do Brasil, encontraram
muitas espécies também utilizadas pelos informantes da Capoeira Grande. No entanto,
eles encontraram plantas com 15 ou mais propriedades atribuídas, como é o caso de
99
Rosmarinus officinalis, segunda planta mais versátil com 17 propriedades atribuídas,
sendo a espécie mais importante encontrada por estes autores, com IR=1,83. No
presente estudo esta planta apresentou baixo índice de importância relativa, apenas 0,31.
O mesmo aconteceu com Aloe vera que teve IR=1,58 no trabalho acima e IR=0,84 no
presente trabalho. Cymbopogon citratus o índice encontrado pelos autores supracitados
foi IR= 1,37 e neste trabalho IR= 1,16. Citrus limon aparece com IR=0,28 neste mesmo
estudo e IR= 0,21 no presente trabalho. Citrus sinensis aparece em ambos os trabalhos
com IR=0,2 (Tabela 6).
Almeida & Albuquerque (2002) também utilizaram o cálculo de IR em trabalho
realizado em Pernambuco. A espécie mais versátil encontrada por eles, Sideroxylon
obtusifolia, foi indicada para oito sistemas corporais. Neste mesmo trabalho,
Anacardium occidentale apresentou IR=1,16, muito próximo do encontrado no presente
estudo (IR=1,19); o mesmo acontece com Aloe vera (IR=0,93 no trabalho citado e no
presente estudo IR=0,84). Ao contrário, Lippia alba (IR=0,74) e Chenopodium
ambrosioides (IR=0,52) apresentaram baixa importância, sendo que no presente estudo
ambas as plantas possuem alto IR (IR=1,17 e IR=1,58), sendo C. ambrosioides a
segunda planta em importância para os informantes da Capoeira Grande (Tabela 6).
100
Tabela 6. Importância Relativa das espécies citadas por mais de 2 informantes da Serra
da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ.
Espécie
Schinus terebinthifolius
Chenopodium ambrosioides
Alpinia zerumbet
Lippia alba
Cymbopogon citratus
Anacardium occidentale
Kalanchoe brasiliensis
Tabebuia impetiginosa
Ageratum conyzoides
Starchytarpheta cayennensis
Aloe vera
Cuphea balsamona
Echinodorus grandiflorus
Leonurus sibiricus
Strutanthus marginatus
Mentha villosa
Mentha x piperita var. citrata
Eugenia uniflora
Eupatorium maximiliani
Persea americana
Solidago microglossa
Ocimum cj. basilicum
Solanum paniculatum
Bidens pilosa
Jacaranda puberula
Morus nigra
Vernonia cognata
Costus spicatus
Espécie
Citrus aurantifolia
Eucaliptus citriodora
Acalypha communis
Cordia verbenacea
Momordica charantia
Sparattosperma leucanthum
Plectranthus grandis
Nº.
Nº. Sistemas
Propriedades
corporais
IR
atribuídas
10
7
7
4
5
5
5
4
4
3
4
4
4
4
3
4
4
3
3
3
3
3
4
2
2
2
3
3
Nº.
tratados
9
8
8
7
6
6
6
5
5
5
4
4
4
4
4
3
3
3
3
3
3
3
2
3
3
3
2
2
Nº. Sistemas
2
1,58
1,58
1,17
1,16
1,16
1,16
0,95
0,95
0,85
0,84
0,84
0,84
0,84
0,74
0,73
0,73
0,63
0,63
0,63
0,63
0,63
0,62
0,53
0,53
0,53
0,52
0,52
Propriedades
corporais
IR
atribuídas
2
2
2
2
2
2
3
tratados
2
2
2
2
2
2
1
0,42
0,42
0,42
0,42
0,42
0,42
0,41
101
Psidium guajava
Phyllanthus niruri
Phyllanthus tenellus
Desmodium purpureum
Zea mays
Plectranthus neochilus
Baccharis dracunculifolia
Rosmarinus officinalis
Citrus limon
Citrus aurantium
Citrus sinensis
Nasturtium officinale
Anona muricato
Allium sativum
1
1
1
1
1
2
2
2
1
1
1
1
1
1
2
2
2
2
2
1
1
1
1
1
1
1
1
1
0,32
0,32
0,32
0,32
0,32
0,31
0,31
0,31
0,21
0,21
0,21
0,21
0,21
0,21
102
3.6.2. Concordância de Uso Principal (CUP)
Através do cálculo de porcentagem de Concordância de Uso Principal (CUP)
descrito por Amorozo & Gely (1988) a partir de uma adaptação da metodologia de
Friedman et al. (1986), pode-se avaliar o nível de compartilhamento do saber sobre o
uso referente às plantas. Vários pesquisadores vêm adotando esta mesma metodologia
(Dias 1999; Souza 2000; Gonçalves 2002; Silva 2006).
Pode-se notar que a concordância entre os informantes da Capoeira Grande
(Tabela 7) é maior para aquelas plantas de uso já apontadas em vários estudos como de
uso medicinal, caracterizando assim uma planta de uso “consolidado” entre diferentes
comunidades brasileiras, como é o caso de Lippia alba com 85,7% de concordância
para o uso como calmante, Chenopodium ambrosioides com 70% de concordância para
uso contra vermes, Citrus aurantium com 60% de concordância para uso contra
resfriados e gripe. Bidens pilosa (para o fígado), Vernonia cognata (para o pulmão),
Plectranthus grandis (problemas no estômago) e Kalanchoe brasiliensis (para
contusões) tiveram 50% de concordância dos informantes para seus usos. Psidium
guajava teve CUP=40% para seu uso contra diarréia. Para o limão obteve-se CUP=
40% de concordância para resfriados (Tabela 7). A aroeira (Schinus terebinthifolius) a
espécie mais versátil e com maior número de propriedades atribuídas (Tabela 5), chama
atenção ao CUP apenas para machucados inflamados e cortes (40%). Silva (2006)
aponta CUP=43% para o uso desta espécie para “inflamação de mulher”. Na Capoeira
Grande esta espécie também foi citada para este uso (inflamações, corrimentos vaginais)
por dois informantes, mas não foi o uso principal na comunidade (Tabelas 4 e 5).
Outros trabalhos mostram que CUPs mais elevados foram encontrados para
espécies já bem conhecidas na nossa cultura, como é o caso de Schardong & Cervi
(2000), em trabalho no Mato Grosso do Sul, onde o boldo (Plectranthus barbatus) teve
CUP=85% para problemas de estômago e o capim-limão (Cymbopogon citratus) para
pressão alta CUP=81,3% em Silva (op. cit.) em trabalho realizado na Bahia. É
interessante destacar que em Schardong & Cervi (op.cit.), a goiaba (Psidium guajava)
teve CUP=54% em seu uso para diarréia e em Silva (op. cit.) CUP=25% para o mesmo
uso. O limão (Citrus limon) aparece em Schardong & Cervi (op. cit.) com 30% de
concordância para os problemas respiratórios e infarte, e com 25% de concordância para
uso de gripe em Silva (2006).
103
Tabela 7 - Concordância de uso principal para espécies medicinais e misticas citadas por mais de 2 informantes da Capoeira Grande, por ordem
crescente da CUPc (CUP=concordância quanto ao uso principal; Fc= fator de correção; CUPc=concordância de uso principal corrigida).
Nº.
Nº.
Informantes
Usos
7
4
Calmante,
tranquilizante
5
7
4
Biden pilosa
Picão
Informantes/U
CUP
Fc
CUPc
6
85,7
1
85,7
Contra vermes
5
100
0,7
70
1
Resfriado, gripe
4
100
0,6
60
4
2
Para o fígado
4
100
0,5
50
Vernonia cognata
Assapeixe
4
3
Para o pulmão
4
100
0,5
50
Plectranthus grandis
Boldo
4
3
Problemas no
estômago
4
100
0,5
50
Kalanchoe brasiliensis
Saião
4
5
Contusão
4
100
0,5
50
Cymbopogon citratus
Capim-limão
7
5
Calmante,
tranquilizante
3
42,8
1
42,8
Espécie/Nome popular
Lippia alba
Erva-cidreira
Chenopodium ambrosioides
Erva-de-santa-maria
Citrus aurantium
Laranja-da-terra
Uso principal
so principal
104
Nº.
Nº.
Informantes
Usos
Schinus terebinthifolius
Aroeira
6
10
Machucado inflamado,
corte
Citrus limon
Limão
3
1
3
Psidium guajava
Goiabeira
Informantes/U
CUP
Fc
CUPc
3
50
0,8
40
Resfriado, gripe
3
100
0,4
40
2
Problemas no
estômago
3
100
0,4
40
3
1
Diarréia
3
100
0,4
40
Costus spicatus
Cana-do-brejo
3
3
Para os rins
3
100
0,4
40
Struthanthus marginatus
Erva-de-passarinho
3
3
Para os pulmões
3
100
0,4
40
Persea americana
Abacateiro
3
3
Diurético
3
100
0,4
40
Eucalyptus citriodora
Eucalipto
4
2
Resfriado e sinusite
3
75
0,5
37,5
2
1
Resfriado, gripe
2
100
0,3
30
Espécie/Nome popular
Plectranthus neochilus
Boldo-do-chile
Citrus sinensis
Laranja
Uso principal
so principal
105
Nº.
Nº.
Informantes
Usos
5
5
Diabetes
Eupatorium maximiliani
Arnica-do-campo
3
3
Cuphea balsamona
Sete-sangrias
3
Mentha villosa
Hortelã
Mentha x piperita var. citrata
Hortelã
Informantes/U
CUP
Fc
CUPc
2
40
0,7
28
Inchaços por torções
ou pandacas
2
66,6
0,4
26,6
4
Diarréia
2
66,6
0,4
26,6
3
4
Contra vermes
2
66,6
0,4
26,64
3
4
Contra vermes
2
66,6
0,4
26,64
Eugenia uniflora
Pitanga
4
3
Gripe com febre
2
50
0,5
25
Alpinia zerumbet
Colônia
4
7
Para o coração
2
50
0,5
25
Solidago microglossa
Arnica
2
3
Dores musculares
2
100
0,2
20
Ocimum cf. basilicum
Manjericão
2
3
Para o coração
2
100
0,2
20
Acalypha communis
Parietária
2
2
para os rins
2
100
0,2
20
Espécie/Nome popular
Anacardium occidentale
Cajueiro
Uso principal
so principal
106
Nº.
Nº.
Informantes
Usos
2
1
para os rins
2
1
2
Nasturtium officinale
Agrião
Informantes/U
CUP
Fc
CUPc
2
100
0,2
20
para os rins
2
100
0,2
20
1
corrimentos vaginais
2
100
0,2
20
2
1
para os pulmões
2
100
0,2
20
Annona muricata
Graviola
2
1
diabetes
2
100
0,2
20
Allium sativum
Alho
2
1
Resfriado e tosse
2
100
0,2
20
Zea mays
Cabelo-de-milho
2
1
para os rins
2
100
0,2
20
2
2
sem uso principal
0
0
0
0
Tabebuia impetiginosa
Ipê-roxo
4
4
sem uso principal
0
0
0,5
0
Ageratum conyzoides
Erva-de-são-joão
3
4
sem uso principal
0
0
0,4
0
Espécie/Nome popular
Phyllanthus niruri
Quebra-pedra
Phyllanthus tenellus
Quebra-pedra
Desmodium purpureum
Amor-docampo/carrapicho
Citrus aurantifolia
Lima-da-persia, lima
Uso principal
so principal
107
Nº.
Nº.
Informantes
Usos
3
4
sem uso principal
Jacaranda puberula
Carobinha
3
2
Echinodorus grandiflorus
Chapéu-de-couro
3
Baccharis dracunculifolia
Alecrim-do-campo
Informantes/U
CUP
Fc
CUPc
0
0
0,4
0
sem uso principal
0
0
0,4
0
4
sem uso principal
0
0
0,4
0
2
2
sem uso principal
0
0
0,2
0
Rosmarinus officinalis
Alecrim
2
2
sem uso principal
0
0
0,2
0
Leonurus sibiricus
Macaé
2
4
sem uso principal
0
0
0,2
0
Stachytarpheta cayennensis
Gervão-roxo
2
3
sem uso principal
0
0
0,2
0
Solanum paniculatum
Jurubeba
2
4
sem uso principal
0
0
0,2
0
Cordia verbenacea
Erva-baleeira
2
2
sem uso principal
0
0
0,2
0
Morus nigra
Amoreira
Espécie/Nome popular
2
2
sem uso principal
0
0
0,2
0
Nº.
Nº.
Uso principal
Informantes/U
CUP
Fc
CUPc
Espécie/Nome popular
Aloe vera
Babosa
Uso principal
so principal
108
Momordica charantia
Melão-de-são-caetano
Sparattosperma leucanthum
Cinco-chagas
Informantes
Usos
2
2
2
2
so principal
sem uso principal
sem uso principal
0
0
0,2
0
0
0
0
0
109
4. CONCLUSÕES
Os informantes da Capoeira Grande, mesmo com as influências de um centro urbano,
devido a sua longa tradição rural aliada à prática da manutenção de quintais, são
detentores de um conhecimento consolidado sobre plantas medicinais que deve ser
conservado. Há reconhecimento e valorização deste saber por parte dos próprios
informantes e pela comunidade.
A pressão da urbanização acelerada somada a especulação imobiliária que vem
crescendo no local, parecem propiciar o rompimento de elos interpessoais dentro da
comunidade. Não só dos mais velhos com os jovens, mas entre os mais velhos. Não foi
possível detectar se os jovens valorizam o saber sobre as plantas medicinais e místicas,
embora algumas informações nos ofereçam indícios de que não há muito interesse
neste assunto por parte deles.
Os informantes têm uma grande preocupação com o trato e a limpeza das plantas que
utilizam como medicinais e místicas, e também, mostram preocupação com a dosagem
e com a toxicidade na utilização das plantas.
Grande parte das plantas citadas pelos informantes da Capoeira Grande são de uso
consagrado pela população em outras comunidades no Brasil. As famílias que
apresentam o maior número de espécies indicadas como de uso medicinal e místico
são: Lamiaceae (13) e Asteraceae (9), sendo as espécies mais citadas erva-cidreira
(Lippia alba), capim-limão (Cymbopogon citratus) e aroeira (Schinus terebinthifolis).
Folha é a parte das plantas mais empregadas nas preparações, e a decocção a forma de
preparo mais utilizada.
Os informantes fazem uso de plantas nativas dos ecossistemas da região, especialmente
daquelas encontradas na APA da Serra da Capoeira Grande e no seu entorno.
Entretanto, esse uso parece não causar qualquer distúrbio aos ecossistemas locais.
Porém a maioria dos informantes cultiva e/ou incentiva plantas de uso medicinal e
110
místico sejam arbóreas ou herbáceas. Nos quintais o predomínio é de plantas
herbáceas, medicinais que são distribuídas aleatoriamente no entorno das casas.
O conhecimento em relação às plantas de uso místico-religioso é bem difundido entre
os informantes. São utilizadas por católicos “benzedores”, em religiões de matrizafricana (umbanda e candomblé) e por pessoas de matriz religiosa não definida.
As plantas medicinais são o principal instrumento na atenção primária à saúde dos
informantes. As doenças que são tratadas com plantas, mais citadas pelos informantes,
são as infecciosas e parasitárias, do aparelho respiratório, doenças do sistema digestivo
e do sistema genitourinário.
A aroeira, Schinus terebinthifolius é a planta de maior importância relativa para os
informantes, sendo também a espécie mais versátil, possuindo maior número de
indicações e tratando mais sistemas corporais. Entretanto, a concordância de uso
principal entre os informantes é maior para Lippia alba como calmante, Chenopodium
ambrosioides contra vermes e Citrus aurantium contra resfriados e gripes. Estas três
espécies e seus usos principais são de modo geral de uso consagrado em várias
comunidades brasileiras.
As alterações ocasionadas por mudanças nos padrões de uso local do ambiente natural
(crescimento urbano, perda de habitats, etc), ocorridas no entorno da Serra da Capoeira
Grande, onde crescem muitas espécies medicinais, poderão futuramente acarretar a
diminuição da disponibilidade e uso de plantas nativas e espontâneas para fins
terapêuticos.
Os dados levantados no presente estudo, somados àqueles oriundos dos trabalhos de
Peixoto et al. (2004; 2005) realizados na APA da Serra da Capoeira Grande, darão
subsídios aos moradores do bairro para, junto à prefeitura, reivindicarem a delimitação
e a implantação definitiva da APA através de sua regulamentação.
Estudos sobre o uso de plantas medicinais e místicas em comunidades como a Capoeira
Grande, ainda com características rurais, tendo seus moradores relação de proximidade
diária com a natureza, demonstram grande importância para que valiosas informações
111
não se percam e continuem sendo transmitidas. Devido ao número de informantes
entrevistados neste trabalho, muitas informações não podem ser inferidas à toda
população. Por este motivo, sugere-se que novos estudos sejam realizados, abrangendo
um número maior de informantes, principalmente jovens e crianças, além de detentores
de conhecimento sobre as plantas místicas.
112
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124
ANEXOS
125
Anexo 1 – Questionário preliminar para obtenção de dados etnobotânicos. (Adaptado de
Cunningham, 2000 e Camargo, 2003).
1 -Dados do Entrevistado:
Data entrevista:
Nome do entrevistado:
Apelido:
Sexo / idade: ( ) masculino ( ) feminino / ____ anos.
Grau de instrução:
Quantas pessoas têm na família?
Qual seu trabalho?
Onde nasceu e foi criado ?:
Há quantos anos vive na comunidade ?: ____ anos.
Religião:
Conhece outras pessoas que possam contribuir para este trabalho? Quem?
Dados da Etnobotânicos
2- Questões gerais:
Utiliza plantas no seu dia-a dia?
Para que finalidade?
Como e com quem aprendeu a utilizá-las?
Onde você as encontra?
Historia do jardim: origem (construído ou sempre esteve aí?)
Organiza as plantas ou elas simplesmente crescem? Seleciona as plantas?
Você sabe que tem uma mata aqui perto? Vai até lá buscar?
Alguém traz de outro lugar?
Quais são as mais utilizadas?
3- Questões específicas para cada planta utilizada
Quais são os nomes pelos quais a planta é conhecida?
Você a utiliza?
Qual foi a ultima vez que utilizou?
126
Onde consegue?Compra (de quem ?) / Vende (para quem ?) Cultiva?
Se cultiva, como cultiva?
Como coleta? Em que épocas?
Facilidade com que é encontrada:
De onde veio? Como veio parar no quintal?
Para que se usa?
Parte usada: (casca /raiz /caule /folha /flor /fruto /semente /planta inteira / outra)
Seca ou fresca?
Como se prepara? Quantidades.
Associação com outras plantas?
Como se armazena?
Como se utiliza? Doses.
Receita a alguém?
Em que ocasiões usa?
Quando não é usada?
Como e com quem aprendeu a usar a planta?
Cuidados especiais com as plantas?
Já passou mal utilizando a planta ou soube de alguém que tenha passado mal depois de
utilizá-la?
127
Anexo 2. Semana de C&T em Guaratiba, Pedra de guaratiba, Rio de Janeiro, 2005.
Moradora do bairro conversando sobre o folheto explicativo a esquerda e à direita os
folhetos.
Anexo 3. II Fórum de Meio Ambiente, Colégio Emma D´ávila Camillis, Pedra de
Guaratiba, Rio de Janeiro, 2006. À esquerda o tema do fórum e à direita alunos em
uma das oficinas e a Serra da Capoeira Grande ao fundo.
Anexo 4. Semana de C&T em Guaratiba, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, 2006.
Oficina de xampu contra piolhos. À esquerda a enfermeira Silvia Regina do Módulo
de Saúde PSF Jardim Cinco Marias fazendo o xampu e à direita mudas de plantas
medicinais cedidas pela horta de plantas medicinais do Programa de Fitoterapia –
SMS, Fazenda Modelo, Pedra de Guaratiba.
128
B
A
D
C
E
F
Anexo 5. Informantes residentes no entorno da APA da Serra da Capoeira
Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro. A. Antônio; B. Dona Antônia; C.
Giovani; D.Seu Antônio; E. Seu Joaquim; F. Seu Manoel
129
Anexo 6 - Artigo
A Pesquisa em Etnobotânica e o Retorno do Conhecimento Sistematizado à
Comunidade - Um Assunto Complexo
Rúbia Graciele Patzlaff1 & Ariane Luna Peixoto2.
1,2
Escola Nacional de Botânica Tropical do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio
de Janeiro, Rua Pacheco Leão, 2040. CEP 22460-038, Rio de Janeiro, RJ.
E-mail: [email protected], [email protected].
Resumo
Como retornar o saber investigado em pesquisa etnobotânica ao o meio social no qual ele
foi gerado? O que deve ser levado à comunidade? Estas perguntas motivaram o
acompanhamento de três pesquisas etnobotânicas e suas respectivas propostas de como
retornar à comunidade o conhecimento associado às plantas, sistematizado pelo cientista. É
usual a devolução dos dados da pesquisa à comunidade na forma de manuais ou cartilhas,
listas ilustradas de plantas, palestras e cursos. Entretanto, têm-se elaborado juntamente com
a comunidade outras formas que caracterizam troca de saberes entre o cientista e a
comunidade, com ganhos mútuos. A presente pesquisa corrobora com estas alternativas, e
sugere que a definição das atividades de retorno do conhecimento sistematizado à
comunidade, mesmo proposto e acordado no início da pesquisa, seja flexível,
possibilitando a inclusão de novas demandas nascidas durante a execução da pesquisa.
PALAVRAS-CHAVE: Etnobotânica, Conhecimento tradicional, Retorno, Devolução,
Plantas Medicinais.
Introdução
Etnobotânica é o estudo das relações (materiais ou simbólicas) entre o ser humano e
as plantas, incluindo os fatores ambientais, culturais e os conceitos locais que são
desenvolvidos com relação a estas e ao seu uso (Jorge e Morais, 2003). A etnobotânica
aplicada ao estudo de plantas medicinais trabalha em estreita cumplicidade com outras
disciplinas correlatas como, por exemplo, a etnofarmacologia. Segundo Bruhn e Holmstedt
(1980) a etnofarmacologia consiste “na exploração científica interdisciplinar de agentes
biologicamente ativos, tradicionalmente empregados ou observados pelo homem”. No
contexto da investigação etnobotânica, o pesquisador procura conhecer a cultura e o dia-a-
130
dia da comunidade pesquisada, os conceitos locais de doença/saúde, o modo como a
comunidade se vale dos recursos naturais para a “cura” de seus males, atrair ou afastar
animais, construir habitações mais adequadas ao local e outros. Ele procura repassar o
conhecimento apreendido para o meio científico sem incorrer em erros de interpretação. É
recomendado que a relação do pesquisador com a comunidade não entre no campo do
envolvimento
pessoal, entretanto, freqüentemente ela ultrapassa a barreira de
pesquisador/pesquisado e vínculos afetivos são criados, sobretudo com os indivíduos que
mais freqüentemente acompanham e guiam o pesquisador no contato com a comunidade e,
quando necessário, nas florestas, hortas ou quintais onde se encontram as plantas
utilizadas. Surgem laços de amizade e a troca de conhecimentos, que é inerente ao
trabalho, freqüentemente vem acompanhada de trocas de vivências, de presentes.
O pesquisador olha a comunidade como um espaço de aprendizagem e, de modo
geral, procura mostrar que está aí para aprender e trocar conhecimentos. No momento em
que se insere no cotidiano local e atende aos preceitos anteriormente assinalados, o
pesquisador, passa a contar com o respeito da comunidade e é neste espaço de respeito
mútuo que o saber local pode ser melhor apreendido, entendido e posteriormente relatado
em crônicas e textos científicos (Amorozo, 1996). No Brasil, a literatura é farta de relatos
de viajantes e cientistas que desde os primeiros séculos após o descobrimento e até hoje,
mostraram o quanto comunidades locais conhecem sobre as plantas e seus usos. Entretanto,
também há riscos nestas atividades. Há relatos de viajantes e pesquisadores que se
apaixonaram pela comunidade estudada, por sua cultura, se identificando de tal forma a
abandonar a vida construída até então e inserir-se definitivamente na comunidade. Por
outro lado, há também alguns relatos de dificuldades de relacionamento entre
pesquisador/comunidade ou na definição de estratégias ou produtos que retornam à
comunidade pesquisada (Rodrigues, Assimakopoulos e Carlini, 2005).
Há muitos indicativos de que no contexto da pesquisa etnobotânica, retribuir a
comunidade pelo acolhimento, respeito e a ajuda na pesquisa, mas especialmente pelo
compartilhamento do saber sobre as plantas foi sempre uma preocupação dos cientistas.
Nos últimos dez anos a discussão do tema tem predominantemente como foco a sua
regulamentação. O presente texto não tem como foco este aspecto. Tomando como base
três estudos etnobotânicos realizados, focará o retorno do conhecimento apreendido pelo
pesquisador na comunidade pesquisada, de forma sistematizada, e a troca de saberes entre
pesquisador/comunidade, numa relação de parceria.
131
Um pouco de história
A preocupação em buscar formas de valorizar o saber das comunidades
tradicionais 1 sobre os recursos naturais ou de retornar às comunidades o conhecimento
sistematizado, visando predominantemente a permanência deste conhecimento tradicional,
está presente em textos científicos e crônicas de cientistas que desenvolveram pesquisas no
Brasil em diferentes épocas (e.g. Martius, (1844) 1939). À medida que a pesquisa
etnobotânica passou a ser desenvolvida por cientistas que tinham a possibilidade de voltar
às comunidades pesquisadas essa preocupação tornou-se mais evidente, tornando-se
mesmo um compromisso. Mas, qual seria a melhor maneira de levar os resultados das
investigações para o meio social no qual elas se iniciaram? Embora uma questão antiga, ela
ainda hoje é discutida e toma força acompanhando a evolução da sociedade brasileira e,
principalmente diante dos compromissos desta sociedade com conservação, uso sustentável
e repartição de benefícios derivados da utilização da biodiversidade em um país
megadiverso 2.
Caballero (1983) sugere que a Etnobotânica deixe de ser um exercício acadêmico e
coloque-se a serviço das comunidades fonte das informações. Neste sentido Martin (1986)
enfatiza que a própria comunidade deve participar do desenvolvimento da pesquisa, pois o
fazer etnobotânico promoverá a conservação e o desenvolvimento dos recursos naturais, o
desenvolvimento cultural e a execução de tarefas derivadas da investigação, como por
exemplo, a formação de hortas medicinais empregadas pela própria comunidade. Formas
de retorno das informações às comunidades usuárias e conhecedoras de plantas medicinais
foram discutidas também por Elisabetsky (1987), Martin (1995) e Alexiades (1996) que
afirmam que o estudo deve beneficiar, de alguma forma as pessoas envolvidas,
individualmente ou em comunidade, ou ambos. De La Cruz Mota (1997) afirma que a
devolução elaborada dos dados oriundos da pesquisa etnobotânica às populações de origem
pode contribuir para que estes conhecimentos, seus informantes, suas comunidades e as
espécies por eles utilizadas sejam melhor compreendidas e valorizadas. Em artigo que
discute ética na pesquisa científica, predominantemente em Antropologia, elaborado por
Debert (2003), encontra-se a mesma preocupação, “...ganha centralidade nos debates que a
disciplina [Antropologia] atualmente vem promovendo, o tema dos modos de restituição
132
aos sujeitos pesquisados do saber que construímos a partir deles. Devem eles ter acesso em
primeira mão à obra produzida?”.
Então, como retornar o conhecimento?
Em etnobotânica, a forma mais usual de retorno do saber construído pelo cientista a
partir das informações obtidas na comunidade tem sido a devolução dos dados
sistematizados, ou seja, a devolução dos dados da pesquisa na forma de manuais, cartilhas,
painéis expositivos e similares, além da entrega de cópias de artigos formalmente
publicados, dissertações e teses. Entretanto, outras formas têm sido propostas em projetos
ou praticadas, tais como o registro das histórias que estavam quase esquecidas ou que são
do domínio de poucos (Soler, 2005), a confecção de material didático para escolas da
região a partir dos resultados da pesquisa (Jorge e Morais, 2003), mapas georefenciados
apontando os pontos de importância histórica local (Fonseca-Kruel, 2002), ou apontando
as florestas e cursos d’água utilizados pela comunidade (Soler, 2005), fotografias de
famílias, da vegetação e das plantas locais (Blanckaert et al., 2004;
Soler, 2005),
implantação de hortas medicinais (Boscolo, 2003), entre outras.
A fim de fomentar discussões em busca das respostas a esta questão, podem-se
considerar as seguintes perguntas: O que retornar à comunidade e qual a melhor forma de
fazê-lo? A elaboração da proposta de restituição do conhecimento à comunidade deve
partir de quem? A proposta do retorno deve estar clara já na elaboração do projeto? Deve
ser elaborado durante a convivência com a comunidade? Os interesses da pesquisa devem
preceder os interesses do grupo pesquisado?
As perguntas motivaram o acompanhamento e a discussão de três pesquisas
etnobotânicas e suas respectivas propostas/execuções de retorno do conhecimento às
comunidades, que serão apresentadas abaixo. O objetivo não é impor regras de como esta
atividade deva ser conduzido, mas estimular o debate, levando estudantes e pesquisadores
a refletir sobre o tema de modo a aprimorar mecanismos que sejam proveitosos e benéficos
às comunidades de onde se originaram os conhecimentos, aos informantes e colaboradores,
individualmente ou em grupo, e aos cientistas.
133
Estudo de casos
Caso 1
Patzlaff, em seu trabalho “Estudos Etnobotânicos de plantas de uso medicinal e
místico na comunidade da Capoeira Grande, Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, RJ,
Brasil”, ainda em desenvolvimento na zona oeste do Rio de Janeiro, explicitou em seu
projeto de pesquisa que após a realização do trabalho, juntamente com a comunidade,
elaboraria uma forma de retorno da pesquisa. Iniciado o trabalho de campo, e após alguns
meses em contato com a Associação de Moradores e com a comunidade local, foi-lhe
solicitado colaborar na elaboração de um projeto de horto, incluindo neste um jardim de
plantas medicinais. Ainda na mesma pesquisa, uma comunidade vizinha (Jardim Cinco
Marias, Pedra de Guaratiba) que através do Programa de Fitoterapia do município do Rio
de Janeiro está implementando um grupo de estudos sediado no Módulo do Programa de
Saúde da Família (PSF), solicitou a colaboração da pesquisadora na identificação das
plantas que a comunidade utiliza. Essa colaboração levou à participação em reuniões na
comunidade e o estabelecimento de um jardim de plantas medicinais. O convite se
estendeu à sua participação em um curso sobre identificação e utilização de plantas
medicinais. Um fato a ser destacado é que, quem ministra o curso é uma senhora da própria
comunidade, considerada por eles uma autoridade no assunto, uma das pessoas mais
respeitadas, e dele participam os agentes de saúde e uma enfermeira do módulo citado
acima, além de outras pessoas da comunidade (Figura 1).
Verifica-se então que: 1) o retorno foi requerido antes mesmo de a pesquisadora sugerilo ou ter a oportunidade de consultar os líderes e as pessoas da comunidade sobre o
assunto. Quando ocorre fato como este, o trabalho do pesquisador é facilitado. Da mesma
forma, mostra que o tempo da pesquisadora na comunidade foi suficiente para criar um
vínculo de confiança e de intimidade, que permitiu à comunidade tomar esta iniciativa; 2)
o trabalho realizado pela pesquisadora na comunidade vizinha foi suficiente para sua
aceitação que se desdobrou na solicitação de colaboração com o grupo de estudos de
fitoterapia; 3) a comunidade demonstra ter aceito a pesquisadora como igual, como um dos
seus, pois a convida para um curso com pessoas locais ou parceiros definidos com uma
finalidade estabelecida, ministrado por uma pessoa respeitada localmente.
134
Caso 2
Machline desenvolve a pesquisa “Etnobotânica e comercialização de plantas
medicinais e de uso religioso no município do Rio de Janeiro”. Trata-se de um trabalho de
etnobotânica que visa entender a dinâmica de comercialização de espécies vegetais entre
dois grandes mercados fornecedores e as feiras-livres da cidade (Figura 2). Durante o
processo de implantação do projeto, foi idealizada a organização de um evento com palestras
e cursos no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, nos quais os erveiros seriam o público alvo.
A idéia inicial era definir, juntamente com eles, quais seriam os temas de interesse a serem
abordados no evento e como trabalhar pesquisadores e erveiros de modo mais estreito,
trocando conhecimentos. Ao iniciar a discussão do tema, para estabelecimento de um
primeiro evento com palestras e/ou cursos, a pesquisadora foi surpreendida com a
manifestação de uma informante: “Gostei muito da idéia. Eu posso ir ensinar pra eles, eu
posso ir dar o curso”. E ainda acrescentou “Você não pode conseguir uma apresentação no
programa da Ana Maria Braga? Eu posso ensinar muita coisa”. Com o prosseguimento do
trabalho a pesquisadora percebeu que, de modo geral, à exceção desta senhora e de outra
erveira (entre 15 entrevistados), os demais não estão estimulados a participar de cursos e/ou
palestras. O que de fato foi solicitado pela maioria, foi a organização de uma visita ao Jardim
Botânico, para passeio, juntamente com os familiares. Apenas uma erveira verbalizou o
interesse em adquirir informações sobre as espécies por ela comercializadas (Machline,
comunicação pessoal).
Esta situação compartilhada entre pesquisador/pesquisado evidencia a autoconfiança dos erveiros nas informações veiculadas no mercado em relação às propriedades
etnofarmacológicas das espécies. Situações similares que ocorrem durante a pesquisa de
campo são interessantes de serem relatadas, pois mostram comunidades ou grupos de
pessoas que se auto-reconhecem como detentores de conhecimentos. Entretanto, a pesquisa
mostra a necessidade de compartilhar com os erveiros envolvidos na pesquisa uma lista de
espécies identificadas com acurácia, associada a informações e/ou imagens que
possibilitem o seu fácil reconhecimento.
Em duas situações distintas a pesquisadora sentiu-se útil por poder atendê-los: na
doação, para dois erveiros, de sementes por eles requeridas, e na identificação para uma
erveira, de uma espécie até então desconhecida que havia sido encaminhada, por um
fornecedor, na tentativa de introdução da mesma no mercado. Isso mais uma vez mostra a
importância da convivência do pesquisador com a comunidade, o contato com suas
135
experiências e a atenção a seus interesses e necessidades. Destaca-se também a percepção e
a maturidade do pesquisador que vem aprimorando seu planejamento inicial, adaptando-o à
realidade.
Caso 3
Soler (2005), ao planejar a sua pesquisa “Levantamento florístico e etnobotânico
em um hectare de floresta de terra firme na região do Médio Rio Negro, Roraima, Brasil”
optou pela elaboração de uma listagem de espécies da floresta, ordenadas por nomes
comuns e dados sobre o uso informado pela comunidade, para ser distribuído na
comunidade pesquisada. Essa listagem foi entregue à comunidade ao final da pesquisa. No
entanto, na percepção do pesquisador, suas maiores contribuições à comunidade e que
aparentemente foram assim também avaliadas pela própria comunidade foram 1) jogar
capoeira com as crianças e adolescentes, ao final do dia de campo, durante os três meses
vividos na comunidade, usando as músicas e os movimentos como oportunidade para
compartilhar vivências sobre conservação de espécies e de conhecimento local; 2) um
mapa colorido da região, copiado em papel e plastificado, com a localização da
comunidade e assinalando os cursos d’água e a floresta, acompanhando uma legenda
descritiva; 3) diversas fotografias de moradores da vila em suas atividades do cotidiano
(trabalho artesanal, lavar roupa no rio, fazer farinha, etc.) e do conjunto de crianças da
escola local (Figura 3); 4) aulas de inglês ministradas para alguns caboclos que desejavam
ter mais facilidade de comunicação com turistas que algumas vezes visitam a região. Por
outro lado, a convivência prolongada e diária do pesquisador e o compartilhamento do diaa-dia, desde a pesca para a própria alimentação à pesquisa de campo, tornou mais visível
para a comunidade que há um saber local sobre as plantas e seu uso que é valorizado
também fora da comunidade (Soler, comunicação pessoal).
O pesquisador elaborou sua forma de retorno idealizando uma situação que
acreditava ser valiosa para a comunidade. Entretanto, durante a pesquisa, ao ter um contato
mais próximo com as pessoas, dividir suas experiência e ouvir as deles, reconheceu suas
necessidades e seus interesses mais imediatos, e percebeu que estes eram distintos daqueles
que havia idealizado. Usou o seu lastro de “cultura formal” que lhe possibilitou jogar
capoeira com crianças e adolescentes e dividir outros conhecimentos que possuía. Atendeu
às solicitações da comunidade, sem, entretanto, abrir mão do seu planejamento inicial. Em
136
argüições feitas para apresentar no presente texto, o pesquisador assim se manifestou: “eu
apresentei para comunidade todo o resultado da pesquisa feita e deixei a listagem
comentada, além de mapas e fotografias. Senti, na apresentação feita em forma de palestra,
que havia pessoas que não entendiam e pareciam não interessadas pelo assunto. Estavam
presentes àquele encontro pelos laços e compromissos que se havia estabelecido desde o
início da pesquisa. Hoje, analisando aquele momento, reconheço que deveria ter utilizado
uma linguagem mais simples. Porém considero a apresentação dos resultados à
comunidade um ato importante. Afirmo ainda que a comunidade local pode não perceber
de imediato a importância dos resultados que se obtém em trabalho com etnobotânica.
Entretanto ele deve ser deixado e exposto localmente, pois no futuro podem se tornar
documentos valiosos para a comunidade. É importante deixar os documentos com vários
líderes locais, pois eles podem compartilhá-los com lideranças de outras comunidades. Os
resultados podem ser úteis também para outras comunidades que estejam vivenciando
outro momento em seu desenvolvimento e estejam interessados na conservação de recursos
biológicos e do saber local. O desenvolvimento dos projetos e seus resultados podem ser
úteis desde a obtenção de seus resultados ou a longo prazo” (Soler, comunicação pessoal).
Discussão e Considerações
Os casos descritos mostram que algumas vezes as demandas e solicitações da
comunidade se tornam, de imediato, mais importantes do que o compromisso
anteriormente assumido de repassar o conhecimento. Entretanto para os cientistas
envolvidos nestas pesquisas as solicitações de curto prazo atendidas total ou parcialmente
não substituíram e nem comprometeram a atividade planejada no início da pesquisa.
A valorização do conhecimento dos informantes e da comunidade pelo pesquisador foi
importante nas três situações para a aceitação e reconhecimento do saber dos pesquisadores
pela comunidade. Estimular o auto-reconhecimento dos informantes e o reconhecimento
por pares é importante para a auto-estima (dos informantes e da comunidade) e fortalece a
unidade da comunidade. Além disso, a participação na pesquisa propicia o resgate de
conhecimentos pouco ou não valorizados, e em algumas situações, “esquecidos" pelo
próprio informante, mas que estavam na memória de algumas pessoas. Este complexo de
situações é mediado pelo pesquisador, que, nos dias atuais, se torna um ator importante na
manutenção do conhecimento da comunidade na própria comunidade.
137
Nota-se também que nem sempre o retorno do conhecimento esperado pela
comunidade está inteiramente ligado ao tema da pesquisa. O pesquisador está coletando
informações, ouvindo e aprendendo com eles. Sobre este tema a vida já os tornou
especialistas e eles querem ser respeitados como tal. Isso fica claro em dois dos casos
descritos. Devido ao fato de que o retorno esperado pela comunidade pode não estar ligado
ao tema da pesquisa o pesquisador deve ter percepção e maturidade para aprimorar seu
planejamento inicial, sem fugir deste, adaptando-o à realidade. Posey em 1986, já alerta:
“...os informantes podem ser especialistas de uma determinada área de conhecimento
dentro de sua própria cultura e, portanto, devem ser tratados com o mesmo respeito que
dispensamos aos especialistas em nossa própria cultura”.
Alexiades (1996) salienta que uma compensação precisa ser feita quando há um uso
extensivo do tempo e da experiência das pessoas locais. No entanto, o tipo de compensação
irá variar em forma, de área para área e também dependendo do tipo da pesquisa. Afirma
ainda que é interessante discutir o que seria um bom retorno com as contra-partes locais,
sua liderança e com organizações de pesquisa. Chama a atenção para outro tipo de retorno
que o pesquisador pode dar para a comunidade em estudo - o reconhecimento intelectual.
Este reconhecimento pode ser vantajoso e/ou desejado pela comunidade. Em alguns casos,
um informante ou toda a comunidade pode requerer este reconhecimento como ocorrido
em Baker e Mutitjulu Community (1992); em outros, dependendo da pesquisa, o
anonimato é requerido e preferido em relação ao reconhecimento público. Quando e como
este reconhecimento deve ser feito, ou ainda se é desejável, também deve ser discutido
com a comunidade e sua liderança, e o pesquisador deve estar preparado para esta situação.
A menos que o anonimato seja requerido, este reconhecimento deve ser realizado de forma
apropriada, e inclusive é sugerido pelo acordo de Melaka (ASOMPS, 1994), onde consta,
além de outras sugestões, que editores de periódicos e revisores de artigos devem garantir
que o devido reconhecimento seja realizado pelos pesquisadores em seus artigos.
As experiências resumidas nestes três casos, cotejados com extensa literatura,
corroboram com alternativas de retorno do conhecimento sistematizado à comunidade
levantadas por alguns pesquisadores, levando-nos a acreditar que a convivência com a
comunidade é de extrema importância para o reconhecimento de suas necessidades e seus
interesses devem prevalecer no momento da elaboração do retorno sem, entretanto, se
perder de vista uma perspectiva futura do uso dos resultados formais da pesquisa realizada.
138
Mostram também que cada comunidade estudada é única, com suas próprias
características que devem ser levadas em consideração no momento de elaboração do
retorno. Este fato evidencia que tal atividade não pode ser padronizado para toda e
qualquer comunidade, sendo, portanto, difícil estabelecer-se a priori uma metodologia. É
indispensável, entretanto, apontar-se, no planejamento, possíveis caminhos a serem
buscados para que a comunidade também aprenda com a pesquisa realizada. Reafirmam
também a importância de se elaborar este retorno à comunidade pesquisada como uma das
formas de reconhecimento pela ajuda e pelo tempo despendido, e, principalmente, pelo
compartilhamento do saber.
Sugere-se que a proposta de retorno do conhecimento sistematizado à comunidade
apresentada no início da pesquisa não tenha predomínio sobre outras formas surgidas
durante a pesquisa e a convivência com a comunidade, enfatizando que esta convivência é
de vital importância num trabalho em Etnobotânica e disciplinas relacionadas.
Agradecimentos
Agradecemos a Juan Gabriel Soler Alarcon e a Inês Machline Silva pela discussão
de diferentes etapas de suas pesquisas, compartilhando as experiências vividas e pela
leitura crítica do manuscrito.
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Notas
Comunidade tradicional é aqui considerada segundo Diegues e Arruda (2001) em estudo
realizada após a Convenção sobre Diversidade Biológica-CDB, buscando implementar
aspectos relevantes da convenção.
2
O Brasil é o mais rico entre os países megadiversos. Detém cerca de 20% do número total
de espécies do planeta. Detém a flora mais rica, com cerca de 56 mil espécies de
fanerógamos (plantas superiores) descritas, ou 22% do total mundial (Mittermeier et al,
1999). Os 12 países que compõem o grupo dos megadiversos são: Brasil, China, México,
Índia, Colômbia, Venezuela, Peru, Costa Rica, Equador, África do Sul, Quênia e
Indonésia. Estes países possuem cerca de 70% da biodiversidade mundial.
142

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