XIV Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos
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XIV Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos
SÍNODO DOS BISPOS XIV ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA [4-25 de outubro de 2015] A vocação e a missão da família na Igreja e no mundo contemporâneo INSTRUMENTUM LABORIS SIGLAS AA AG CIC CiV DC DCE DeV GS EdE EG EN FC IL LF LG MV NA NMI RM Concílio Ecuménico Vaticano II, Decreto Apostolicam actuositatem (18 de novembro de 1965) Concílio Ecuménico Vaticano II, Decreto Ad gentes (7 de dezembro de 1965) Catecismo da Igreja Católica (15 de agosto de 1997) Bento XVI, Carta Encíclica Caritas in veritate (29 de junho de 2009) Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, Instrução Dignitas connibii (25 de janeiro de 2005) Bento XVI, Carta Encíclica Deus caritas est (25 de dezembro de 2005) São João Paulo II, Carta Encíclica Dominum et vivificantem (18 de maio de 1986) Concílio Ecuménico Vaticano II, Constituição Pastoral Gaudium et spes (7 de dezembro de 1965) São João Paulo II, Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia (17 de abril de 2003) Francisco, Exortação Apostólica Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013) Beato Paulo VI, Exortação Apostólica Evangelii nuntiandi (8 de dezembro de 1975) São João Paulo II, Exortação Apostólica Familiaris consortio (22 de novembro de 1981) III Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos, Os desafios pastorais sobre a família no contexto da evangelização (24 de junho de 2014) Francisco, Carta Encíclica Lumen fidei (29 de junho de 2013) Concílio Ecuménico Vaticano II, Constituição Dogmática Lumen gentium (21 de novembro de 1964) Francisco, Bula Misericordiar vultus (11 de abril de 2015) Concílio Ecuménico Vaticano II, Decreto Nostra aetate (28 de outubro de 1965) São João Paulo II, Carta Apostólica Novo millennio ineunte (6 de janeiro de 2001) São João Paulo II, Carta Encíclica Redemptoris missio (7 de dezembro de 1990) XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 1 APRESENTAÇÃO Está a terminar o período intersinodal, durante o qual foi confiada a toda a Igreja pelo Papa Francisco a tarefa de “amadurecer, com verdadeiro discernimento espiritual, as ideias propostas e encontrar soluções concretas para tantas dificuldades e os inúmeros desafios que as famílias devem enfrentar” (Discurso no encerramento da III Assembleia geral extraordinária do Sínodo dos Bispos, 18 de outubro de 2014). Depois de ter refletido, na III Assembleia geral extraordinária do Sínodo dos Bispos de outubro de 2014, sobre Os desafios pastorais sobre a família no contexto da evangelização, a XIV Assembleia geral ordinária, que decorrerá de 4 a 25 de outubro de 2015, tratará o tema A vocação e a missão da família na Igreja e no mundo contemporâneo. O longo caminho sinodal aparece assim marcado por três momentos intimamente ligados: a escuta dos desafios sobre a família, o discernimento da sua vocação, a reflexão sobre a sua missão. À Relatio Synodi, fruto amadurecido na última Assembleia, juntou-se uma série de perguntas para ver como o documento foi acolhido e pedir que fosse aprofundado. Constituiu isso os Lineamenta, que foram enviados aos Sínodos das Igrejas Orientais Católicas sui iuris, às Conferências Episcopais, aos Dicastérios da Cúria Romana e à União dos Superiores Gerais. Todo o Povo de Deus foi envolvido no processo de reflexão e aprofundamento, graças também à orientação semanal do Santo Padre, que com as suas catequeses sobre a família nas Audiências gerais, e em várias outras ocasiões, acompanhou o caminho comum. O renovado interesse pela família, suscitado pelo Sínodo, é confirmado pela ampla atenção que lhe foi dada não só nos ambientes eclesiais, mas também pela sociedade civil. Chegaram as Respostas dos sujeitos com direito, a que se juntaram ulteriores contributos, a que se deu o nome de Observações, provenientes de numerosos fiéis (indivíduos, famílias e grupos). Várias componentes das Igrejas particulares, organizações, agregações laicais e outras instâncias eclesiais deram importantes sugestões. Universidades, instituições académicas, centros de pesquisa e estudiosos particulares enriqueceram – continuando a fazêlo – o aprofundamento das temáticas sinodais com os seus Contributos – através de simpósios, reuniões e publicações –, realçando também aspetos novos, conforme foi pedido pela “pergunta prévia” dos Lineamenta. O presente Instrumentum Laboris é composto pelo texto definitivo da Relatio Synodi integrado pela síntese das Respostas, Observações e Contributos de estudo. Para facilitar a leitura, assinale-se que a numeração contém tanto o texto da Relatio como as integrações. O texto original da Relatio é identificado com o número dentro de parêntesis e com o tipo itálico. O documento articula-se em três partes, que mostram a continuidade entre as duas Assembleias: a escuta dos desafios sobre a família (I parte) evoca mais diretamente o primeiro momento sinodal; o discernimento da vocação familiar (II parte) e a missão da família hoje (III parte) introduzem o tema do segundo momento, com o propósito de oferecer à Igreja e ao mundo contemporâneo estímulos pastorais para uma renovada evangelização. Lorenzo Card. Baldisseri Secretário Geral do Sínodo dos Bispos Vaticano, 23 de junho de 2015 XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 2 INTRODUÇÃO 1. (1) O Sínodo dos Bispos reunido com o Papa dirige o seu pensamento a todas as famílias do mundo com as suas alegrias, as suas canseiras e as suas esperanças. De modo especial, sente o dever dar graças ao Senhor pela generosa fidelidade com que tantas famílias cristãs respondem à sua vocação e missão. E respondem com alegria e com fé, também quando o caminho familiar as põe diante de obstáculos, incompreensões e sofrimentos. A essas famílias vai o apreço, o agradecimento e o encorajamento de toda a Igreja e deste Sínodo. Na vigília de oração celebrada na Praça de São Pedro, sábado, 4 de outubro de 2014, em preparação do Sínodo sobre a família, o Papa Francisco evocou de maneira simples e concreta a centralidade da experiência familiar na vida de todos, exprimindo-se assim: “Já desce a noite sobre a nossa assembleia. É a hora em que de bom grado se regressa a casa para se reunir à mesma mesa na consistência dos afetos, do bem que se fez e se recebeu, dos encontros que aquecem o coração e o fazem dilatar, vinho bom que antecipa, nos dias do homem, a festa sem ocaso. Mas é também a hora mais pesada para quem se vê cara a cara com a própria solidão, no crepúsculo amargo de sonhos e projetos desfeitos. Quantas pessoas arrastam os seus dias no beco sem saída da resignação, do abandono, se não mesmo do rancor! Em quantas casas falta o vinho da alegria e, consequentemente, o sabor – a própria sabedoria – da vida! Nesta noite, com a nossa oração, tornemo-nos voz de uns e de outros: uma oração por todos”. 2. (2) Seio de alegrias e de provações, de afetos profundos e de relações por vezes feridas, a família é verdadeiramente “escola de humanidade” (cf. GS 52), de que se sente uma forte necessidade. Não obstante os muitos sinais de crise da instituição familiar nos vários contextos da “aldeia global”, o desejo de família continua vivo, sobretudo entre os jovens, e encoraja a Igreja, perita em humanidade e fiel à sua missão, a anunciar sem cessar e com profunda convicção o “Evangelho da família”, que lhe foi confiado com uma revelação do amor de Deus em Jesus Cristo e ininterruptamente ensinado pelos Padres, os Mestres da espiritualidade e o Magistério da Igreja. A família tem para a Igreja uma importância muito especial e, quando todos os crentes são convidados a sair de si mesmos, é necessário que a família se redescubra como sujeito imprescindível para a evangelização. O pensamento vai para o testemunho missionário de tantas famílias. 3. (3) Para refletir sobre a realidade da família, decisiva e preciosa, o Bispo de Roma convocou o Sínodo dos Bispos, na sua Assembleia geral extraordinária de outubro de 2014, reflexão a aprofundar, depois, na Assembleia geral ordinária, que terá lugar em outubro de 2015, bem como ao longo de todo o ano que medeia os dois eventos sinodais. “O reunir in unum à volta do Bispo de Roma já é evento de graça, onde a colegialidade se manifesta num caminho de discernimento espiritual e pastoral”: foi como o Papa Francisco descreveu a experiência sinodal, indicando as suas tarefas na dupla escuta dos sinais de Deus e da história dos homens, e na dupla e única fidelidade que daí deriva. 4. (4) À luz do mesmo discurso, recolhemos os resultados das nossas reflexões e dos nossos diálogos nas três partes seguintes: a escuta, para olhar a realidade da família hoje, na complexidade das suas luzes e das suas sombras; o olhar fixo em Cristo, para repensar com renovada frescura e entusiasmo o que a revelação, transmitida na fé da Igreja, nos diz sobre a beleza, a função e a dignidade da família; o confronto à luz do Senhor Jesus, para discernir os caminhos com que renovar a Igreja e a sociedade no seu compromisso em favor da família, fundada sobre o matrimónio entre homem e mulher. XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 3 5. Conservando o precioso fruto da Assembleia precedente, o novo passo que nos espera parte da escuta dos desafios sobre a família para dirigir o olhar para a sua vocação e missão na Igreja e no mundo contemporâneo. A família, além de ser convidada a responder às problemáticas atuais, é sobretudo chamada por Deus a tomar sempre uma nova consciência da própria identidade missionária de Igreja doméstica, também ela “em saída”. Num mundo muitas vezes marcado pela solidão e tristeza, o “Evangelho da família” é verdadeiramente uma boa notícia. XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 4 I PARTE A ESCUTA DOS DESAFIOS SOBRE A FAMÍLIA Capítulo I A família e o contexto antropológico-cultural O contexto sociocultural 6. (5) Fiéis ao ensinamento de Cristo, olhamos para a realidade da família de hoje em toda a sua complexidade, nas suas luzes e nas suas sombras. Pensamos nos pais, nos avós, nos irmãos e irmãs, nos parentes próximos e distantes, e na relação entre duas famílias que cada matrimónio cria. A mudança antropológico-cultural influencia hoje todos os aspetos da vida e exige uma abordagem analítica e diversificada. Sublinham-se em primeiro lugar os aspetos positivos: a maior liberdade de expressão e o melhor reconhecimento dos direitos da mulher e das crianças, pelo menos nalgumas regiões. Mas, por outro lado, há também a considerar o crescente perigo representado por um individualismo exasperado, que desnatura os laços familiares e acaba por considerar cada componente da família como uma ilha, fazendo prevalecer, em certos casos, a ideia de um sujeito que se constrói segundo os próprios desejos, tomados como um absoluto. A isso acrescente-se também a crise de fé, que atingiu tantos católicos e que muitas vezes está na origem das crises do matrimónio e da família. A mudança antropológica 7. Na sociedade hodierna constatam-se diferentes disposições. Só uma minoria vive, defende e propõe a doutrina da Igreja Católica sobre o matrimónio e a família, vendo nela a bondade do projeto criador de Deus. Os matrimónios, religiosos ou não, diminuem e cresce o número de separações e de divórcios. Vão-se difundindo o reconhecimento da dignidade de cada pessoa, homem, mulher e crianças, e a tomada de consciência da importância das diferentes etnias e das minorias; estes últimos aspetos – já difundidos em muitas sociedades, não só ocidentais – vão-se consolidando em vários outros Países. Constata-se, nos mais variados contextos culturais, o receio dos jovens de assumir compromissos definitivos, como o de constituir uma família. Mais em geral, nota-se o difundir-se de um individualismo extremo, que põe no centro a satisfação de desejos que não levam à realização plena da pessoa. O desenvolvimento da sociedade consumista separou sexualidade e procriação. Também esta é uma das causas da crescente quebra de natalidade. Nalguns contextos, está ligada à pobreza ou à impossibilidade de cuidar da prole; noutros, à dificuldade de querer assumir responsabilidades e à ideia de os filhos poderem limitar a livre expansão de si mesmo. As contradições culturais 8. Não são poucas as contradições culturais que incidem sobre a família. Esta continua a ser imaginada como o porto seguro dos afetos mais íntimos e gratificantes, mas as tensões provocadas por uma exacerbada cultura individualista da posse e do prazer geram, no seu seio, dinâmicas de intolerância e agressividade por vezes incontroláveis. Pode-se acenar XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 5 também a uma certa visão do feminismo, que considera a maternidade como pretexto para explorar a mulher e um obstáculo à sua plena realização. Regista-se, depois, a crescente tendência a conceber a geração de um filho como um instrumento de autoafirmação, a obter por qualquer meio. Podem-se, por fim, recordar as teorias, segundo as quais a identidade pessoal e a intimidade afetiva devem afirmar-se numa dimensão radicalmente desligada da diversidade biológica entre homem e mulher. Ao mesmo tempo, porém, pretende-se atribuir à estabilidade de um casal instituído, independentemente da diferença sexual, a mesma titularidade da relação matrimonial intrinsecamente ligada às funções paterna e materna, definidas a partir da biologia da geração. A confusão não ajuda a definir a especificidade social dessas uniões, ao passo que atribui à opção individualista a especial ligação entre diferença, geração e identidade humana. Impõese certamente um melhor aprofundamento humano e cultural, e não apenas biológico, da diferença sexual, na consciência de que “a remoção da diferença [...] é o problema, não a solução” (Francisco, Audiência geral, 15 de abril de 2015). As contradições sociais 9. Acontecimentos traumáticos como os conflitos bélicos, o esgotamento dos recursos, os processos migratórios, incidem cada vez mais na qualidade afetiva e espiritual da vida familiar e são um risco para as relações no seio da família. As suas energias materiais e espirituais são frequentemente levadas ao patamar da dissolução. Há que falar também, em geral, das graves contradições criadas pelo peso de políticas económicas irresponsáveis, bem como da insensibilidade de políticas sociais, inclusive nas chamadas sociedades do bem-estar. De modo especial, os acrescidos encargos da manutenção dos filhos, bem como o enorme agravamento das tarefas subsidiárias da assistência social dos doentes e idosos, delegadas de facto às famílias, constituem um verdadeiro peso que sobrecarrega a vida familiar. Se se juntarem os efeitos de uma conjuntura económica desfavorável, de natureza bastante ambígua, e o crescente fenómeno da acumulação de riqueza nas mãos de poucos e do desvio de recursos que deveriam ser destinados ao projeto familiar, o quadro de empobrecimento da família afigura-se ainda mais problemático. A dependência do álcool, das drogas ou do jogo é, por vezes, expressão dessas contradições sociais e do mal-estar que daí advém para a vida das famílias. Fragilidade e força da família 10. A família, comunidade humana fundamental, mostra, hoje mais do que nunca, precisamente através da sua crise cultural e social, quanto sofrimento provocam o seu enfraquecimento e fragilidade. E quanta força pode ela encontrar, em si mesma, para fazer face à insuficiência e à inação das instituições em relação à formação da pessoa, à qualidade do vínculo social, ao cuidado das pessoas mais vulneráveis. Portanto, é extremamente necessário valorizar de forma adequada a força da família, para poder apoiar as suas fragilidades. XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 6 Capítulo II A família e o contexto socioeconómico A família, bem insubstituível da sociedade 11. A família é ainda hoje, e será sempre, o pilar fundamental e irrenunciável do viver social. Nela, de facto, convivem múltiplas diferenças, através das quais se estreitam relações, crescese no confronto e no mútuo acolhimento das gerações. Precisamente por isso, a família representa um valor fundamental e uma riqueza insubstituível para o progresso harmonioso de toda a sociedade humana, como afirma o Concílio: “A família é uma escola do mais rico humanismo, [...] é o fundamento da sociedade” (GS 52). Nas relações familiares, conjugais, filiais e fraternas, todos os membros da família criam laços sólidos e gratuitos, na concórdia e no respeito mútuo, que permitem superar os riscos do isolamento e da solidão. Políticas em favor da família 12. Sublinha-se que, sendo a família protagonista da edificação da cidade comum, e não uma realidade privada, são necessárias políticas familiares adequadas, que a apoiem e promovam. Além disso, sugere-se que se tenha presente a relação entre a assistência social e a ação compensativa da família. Quanto às políticas familiares e aos sistemas de assistência social que se revelam inadequados, dita ação compensativa redistribui recursos e funções para o bem comum, contribuindo para reequilibrar os efeitos negativos da desigualdade social. O desafio da solidão e da precariedade 13. (6) Uma das maiores pobrezas da cultura atual é a solidão, fruto da ausência de Deus na vida das pessoas e da fragilidade das relações. Existe também uma sensação geral de impotência em relação à realidade socioeconómica que, muitas vezes, acaba por esmagar as famílias. Isso sucede pela crescente pobreza e precariedade do trabalho, por vezes vivida como um verdadeiro pesadelo, ou por uma fiscalidade demasiado pesada, que certamente não encoraja os jovens ao matrimónio. Não raramente, as famílias sentem-se abandonadas pelo desinteresse e a pouca atenção por parte das instituições. As consequências negativas do ponto de vista da organização social são evidentes: da crise demográfica às dificuldades educativas, da fadiga de acolher a vida nascente ao sentir a presença dos anciãos como um peso, até à difusão de um mal-estar afetivo, que, por vezes, termina em violência. É responsabilidade do Estado criar as condições legislativas e de trabalho, para garantir o futuro dos jovens e ajudá-los a realizar o seu projeto de fundar uma família. O desafio económico 14. A vida familiar concreta está estreitamente ligada à realidade económica. Muitos observam que, nos nossos dias, a família pode facilmente ser afetada por múltiplas vulnerabilidades. Do ponto de vista da economia, os problemas mais relevantes são os relacionados com salários insuficientes, desemprego, insegurança económica, falta de um trabalho digno e de segurança no lugar de trabalho, tráfico de seres humanos e escravatura. Na família reflete-se de modo particularmente agudo o efeito da insuficiência económica, que a impede de crescer: falta uma casa própria, não se geram filhos, os que existem têm dificuldades em estudar e tornar-se independentes, é-lhes negada a serena projeção do futuro. Para superar tal situação, impõe-se uma mudança estrutural de perspetiva da parte de toda a XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 7 sociedade, como nos recorda o Papa: “O crescimento equitativo exige algo mais do que o crescimento económico, embora o pressuponha; requer decisões, programas, mecanismos e processos especificamente orientados para uma melhor distribuição dos rendimentos, para a criação de oportunidades de trabalho, para uma promoção integral dos pobres que supere o mero assistencialismo” (EG 204). Uma renovada solidariedade intergeracional começa pela atenção aos pobres do presente, antes dos pobres do futuro, tendo em especial consideração as necessidades das famílias. O desafio da pobreza e a exclusão social 15. Um desafio de especial relevância vem dos grupos sociais, por vezes bastante numerosos, caracterizados por situações de pobreza, não só económica mas, muitas vezes, também cultural, capazes de impedir a realização de um projeto de vida familiar adequado à dignidade da pessoa. Há também que reconhecer que, apesar das enormes dificuldades, muitas famílias pobres procuram viver com dignidade o seu quotidiano, confiando em Deus, que não desilude nem abandona. Também foi observado que o atual sistema económico produz diversas formas de exclusão social. São várias as categorias de pessoas que se sentem excluídas. Uma característica comum é que, muitas vezes, os “excluídos” são “invisíveis” aos olhos da sociedade. A cultura dominante, os meios de comunicação social, as maiores instituições não raramente contribuem para manter – ou mesmo piorar – essa “invisibilidade” sistemática. A propósito, o Papa Francisco questiona-se: “Porque […] nos habituamos a ver como se destrói o trabalho digno, se despejam tantas famílias, se afastam os camponeses, se faz guerra e se abusa da natureza?”. E responde: “Porque neste sistema o homem, a pessoa humana foi deslocada do centro e substituída por outra coisa. Porque se presta um culto idolátrico ao dinheiro. Porque se globalizou a indiferença!” (Discurso aos participantes no Encontro mundial dos Movimentos populares, 28 de outubro de 2014). A exclusão social enfraquece a família e torna-se uma séria ameaça para a dignidade dos seus membros. Deveras preocupante é a condição dos filhos, que são como se a priori fossem punidos por causa da exclusão e, muitas vezes, tragicamente marcados para sempre por privações e sofrimentos. São verdadeiros “órfãos sociais”. O desafio ecológico 16. Do ponto de vista da ecologia, os problemas realçados derivam do acesso insuficiente à água por parte de muitas populações, da degradação ambiental, da fome e má nutrição, dos terrenos não cultivados ou devastados, da cultura do “usa e deita fora”. As situações descritas incidem, muitas vezes de forma pesada, nas dinâmicas da vida familiar e na sua serenidade. Por essas razões, também graças ao impulso do Papa Francisco, a Igreja deseja e colabora para que haja um profundo repensar da orientação do sistema mundial, através de uma cultura ecológica capaz de elaborar um pensamento, uma política, um programa educativo, um estilo de vida e uma espiritualidade. Uma vez que tudo está intimamente ligado, há que aprofundar os aspetos de uma “ecologia integral”, que inclua não apenas as dimensões ambientais, mas também as humanas, sociais e económicas, para o progresso sustentável e a salvaguarda da criação. XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 8 Capítulo III Família e inclusão A terceira idade 17. Muitos põem em evidência a condição das pessoas em idade avançada no seio das famílias. Nas sociedades evoluídas, o número dos idosos tende a aumentar, ao passo que diminui a natalidade. A riqueza que eles representam nem sempre é adequadamente valorizada. Como recordou o Papa Francisco: “O número dos idosos multiplicou-se, mas as nossas sociedades não se organizaram suficientemente para lhes deixar espaço, com o justo respeito e a concreta consideração pela sua fragilidade e a sua dignidade. Enquanto somos jovens, somos levados a ignorar a velhice, como se fosse uma enfermidade, da qual nos devemos manter à distância; depois, quando envelhecemos, especialmente se somos pobres, doentes e sós, experimentamos as lacunas de uma sociedade programada sobre a eficácia que, consequentemente, ignora os idosos. Mas os idosos são uma riqueza, não podem ser ignorados” (Audiência geral, 4 de março de 2015). 18. Especial atenção requer a condição dos avós na família. São o anel de ligação entre as gerações, assegurando a transmissão de tradições e usos, onde os mais novos podem descobrir as próprias raízes. Além disso, garantem, de forma discreta e gratuita, um precioso apoio económico aos jovens casais e tomam conta dos netos, transmitindo-lhes também a sua fé. Muitas pessoas, sobretudo nos nossos dias, podem reconhecer que é precisamente aos avós que devem a sua iniciação à vida cristã. Isso testemunha como, no seio da família, com o suceder-se das gerações, se comunica e se conserva a fé, tornando-se uma herança insubstituível para os novos núcleos familiares. Aos idosos é devido, portanto, um sincero tributo de gratidão, apreço e hospitalidade da parte dos jovens, das famílias e da sociedade. O desafio da viuvez 19. A viuvez é uma experiência bastante difícil para quem viveu a opção matrimonial e a vida familiar como dom no Senhor. Apresenta, porém, ao olhar da fé também algumas possibilidades que devem ser valorizadas. Assim, por exemplo, no momento em que se encontram a viver essa dolorosa experiência, alguns mostram que sabem canalizar as próprias energias ainda com maior dedicação para os filhos e netos, encontrando nessa experiência de amor uma nova missão educadora. O vazio deixado pelo cônjuge falecido é, de certa forma, preenchido pelo afeto dos familiares que valorizam as pessoas viúvas, permitindo-lhes conservar assim a preciosa memória do próprio matrimónio. Ao contrário, os que não podem contar com a presença de familiares a quem dedicar-se e de quem receber afeto e proximidade, devem ser apoiados pela comunidade cristã com especial atenção e disponibilidade, sobretudo se se encontram em condições de necessidade. A última fase da vida e o luto em família 20. As pessoas em idade avançada têm consciência de estar na última fase da existência. A sua condição repercute-se em toda a vida familiar. O confrontar-se com a doença, que, muitas vezes, acompanha o prolongar-se da velhice e, sobretudo, o enfrentar a morte, que se vê próxima e é vivenciada na perda das pessoas mais queridas (o cônjuge, os familiares, os amigos), constituem os aspetos críticos dessa idade, que levam a pessoa e toda a família a redefinir o próprio equilíbrio. XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 9 A valorização da fase conclusiva da vida é hoje tanto mais necessária, quanto, ao menos nos Países ricos, se procura de todas as formas afastar o momento da passagem. Perante uma visão negativa desse período – que considera apenas os aspetos do declínio e da progressiva perda de capacidade, autonomias e afetos –, podem enfrentar-se os últimos anos valorizando o sentido da finalização e integração de toda a existência. É também possível descobrir uma nova declinação generativa com a entrega de uma herança, sobretudo moral, às novas gerações. A dimensão da espiritualidade e da transcendência, unida à proximidade dos membros da família, constituem recursos essenciais para que também a velhice possa estar imbuída de um sentido de dignidade e de esperança. Especial cuidado requerem também as famílias que passam pela experiência do luto. Quando se perdem crianças e jovens, o impacto sobre a família é particularmente dilacerante. O desafio da deficiência 21. É preciso dedicar uma atenção especial às famílias das pessoas com deficiência que, surgindo de improviso na vida, gera um desafio, profundo e inesperado, e rompe os equilíbrios, os desejos e as expetativas. Tal situação provoca emoções contrastantes, que devem ser geridas e elaboradas, impondo, ao mesmo tempo, tarefas, urgências e necessidades novas, funções e responsabilidades diferentes. A imagem da família e todo o seu ciclo vital são profundamente alterados. Contudo, a família poderá descobrir, juntamente com a comunidade cristã a que pertence, diversas capacidades, competências imprevistas, novos gestos e linguagens, formas de compreensão e de identidade, no longo e difícil caminho de acolhimento e exercício do mistério da fragilidade. 22. Semelhante processo, já por si extremamente complexo, torna-se ainda mais árduo nas sociedades em que sobrevivem formas impiedosas de estigma e preconceito, que impedem o encontro fecundo com a deficiência e o emergir da solidariedade e do acompanhamento comunitário; um encontro que, na realidade, pode constituir, para cada um e para toda a comunidade, uma ocasião preciosa de crescimento na justiça, no amor e na defesa do valor de cada vida humana, a partir do reconhecimento de um profundo sentido de comunhão na vulnerabilidade. Deseja-se que, numa comunidade realmente acolhedora, a família e a pessoa com necessidades especiais não se sintam sós e descartadas, mas se lhes permita encontrar alívio e apoio, nomeadamente quando as energias e os recursos familiares venham a faltar. 23. A este propósito, tenha-se presente o desafio do chamado “depois de nós”: entendemos as situações familiares de pobreza e solidão, ou o recente fenómeno de, nas sociedades economicamente mais evoluídas, uma maior longevidade permitir às pessoas portadoras de necessidades especiais sobreviver, com grande probabilidade, aos próprios pais. Se a família conseguir aceitar com olhar de fé a presença no seu seio de pessoas com deficiência, poderá também ela ajudá-las a não viver essa sua necessidade apenas como um limite e a descobrir nela o seu valor diferente e original. Poderá ser assim garantida, defendida e valorizada a qualidade possível de cada vida, individual e familiar, com as suas necessidades, com o seu direito a iguais dignidade e oportunidade, a serviços e cuidados, a companhia e afetividade, a espiritualidade, beleza e plenitude de sentido, em todas as fases da vida, desde a conceção ao envelhecimento e fim natural. O desafio das migrações 24. Muitos se mostram preocupados com o impacto que tem sobre a família o fenómeno migratório, que envolve, em modalidades diferentes, populações inteiras em diversas partes XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 10 do mundo. O acompanhamento dos migrantes exige uma pastoral específica, dirigida às famílias em migração, mas também aos membros dos núcleos familiares que ficaram nos lugares de origem; isso deve ser concretizado no respeito das suas culturas, da formação religiosa e humana donde provêm. Hoje, o fenómeno migratório provoca feridas trágicas em massas de indivíduos e famílias “em excesso”, em diversas populações e territórios, que legitimamente procuram um futuro melhor, um “novo nascimento” quando, onde nasceram, não é possível viver. 25. As diversas situações de guerra, perseguição, pobreza, desigualdade, que geralmente são a causa da migração, aliadas às peripécias de uma viagem, que, muitas vezes, põe em risco a própria vida, marcam de forma traumática os indivíduos e os seus sistemas familiares. No processo migratório, de facto, as famílias dos migrantes encontram-se inevitavelmente dilaceradas por múltiplas experiências de abandono e divisão: em muitos casos, o corpo familiar é dramaticamente desmembrado entre os que partem para abrir caminho e os que ficam à espera de um regresso ou de um reajuntamento. Os que partem encontram-se afastados da própria terra e cultura, da própria língua, dos laços com a família alargada e com a comunidade, do passado e do tradicional evoluir do próprio percurso de vida. 26. O encontro com um novo País e com uma nova cultura torna-se ainda mais difícil quando não existem condições de autêntico acolhimento e aceitação, no respeito dos direitos de todos e de uma convivência pacífica e solidária. A sensação de estar fora do seu País, a saudade das origens perdidas e as dificuldades de uma autêntica integração – que passa através da criação de novos laços e do projeto de uma vida que ligue passado e presente, culturas e geografias, línguas e mentalidades diferentes – mostram-se hoje, em muitos contextos, ainda não superadas e denotam novos sofrimentos, inclusive na segunda e terceira geração de famílias migrantes, alimentando fenómenos de fundamentalismo e de recusa violenta da cultura de acolhimento. Uma ajuda preciosa para superar tais dificuldades vem precisamente do encontro de famílias, e um papel determinante nos processos de integração têm-no muitas vezes as mães, através da partilha da experiência de crescimento dos próprios filhos. 27. As experiências migratórias tornam-se também particularmente dramáticas e devastadoras, para as famílias e os indivíduos, quando feitas à margem da legalidade, quando promovidas por circuitos internacionais de tráfico de seres humanos, quando envolvem crianças não acompanhadas, quando obrigam a permanências prolongadas em lugares intermédios entre um País e outro, entre o passado e o futuro, e a estadias em campos de refugiados ou centros de acolhimento, onde não é possível iniciar um percurso de enraizamento nem delinear um novo futuro. Alguns desafios especiais 28. (7) Há contextos culturais e religiosos que apresentam desafios particulares. Nalgumas sociedades, ainda está em vigor a prática da poligamia e, nalguns contextos tradicionais, o costume do “matrimónio por etapas”. Noutros contextos, mantém-se a prática dos matrimónios combinados. Nos Países onde a presença da Igreja Católica é minoritária, são numerosos os matrimónios mistos e com disparidade de culto, com todas as dificuldades que comportam, em termos de configuração jurídica, de batismo e de educação dos filhos e no respeito recíproco do ponto de vista da diversidade da fé. Nestes matrimónios, pode correr-se o perigo do relativismo ou da indiferença, mas também pode existir a possibilidade de favorecer o espírito ecuménico e o diálogo inter-religioso, numa harmoniosa convivência de XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 11 comunidades que vivem no mesmo lugar. Em muitos contextos, não só ocidentais, vai-se difundindo amplamente a prática da convivência antes do matrimónio ou mesmo de convivências não orientadas para assumir a forma de um vínculo institucional. A isso juntase frequentemente uma legislação civil que compromete o matrimónio e a família. Devido à secularização, em muitas partes do mundo a referência a Deus diminuiu fortemente e a fé deixou de ser partilhada a nível social. A família e as crianças 29. (8) São muitas as crianças que nascem fora do matrimónio, sobretudo nalguns Países, e muitas as que, depois, crescem só com um dos pais ou num contexto familiar alargado ou reconstituído. O número dos divórcios cresce e não é raro o caso de escolhas feitas unicamente por fatores de ordem económica. As crianças são muitas vezes objeto de disputa entre os pais e os filhos são as verdadeiras vítimas das separações familiares. Os pais estão muitas vezes ausentes, não só por razões económicas, onde ao contrário se sente a necessidade de que eles assumam mais claramente a responsabilidade dos filhos e da família. A dignidade da mulher precisa ainda de ser defendida e promovida. De facto, hoje, em muitos contextos, o ser mulher é alvo de discriminação, e até o dom da maternidade é muitas vezes penalizado, em vez de ser apresentado como um valor. Não se devem esquecer também os crescentes fenómenos de violência, de que as mulheres são vítimas, muitas vezes e, infelizmente, também no seio das famílias, e a grave e difusa mutilação genital da mulher nalgumas culturas. A exploração sexual da infância constitui, outrossim, uma das realidades mais escandalosas e perversas da sociedade atual. Também as sociedades atravessadas pela violência resultante da guerra, do terrorismo ou da presença da criminalidade organizada conhecem situações familiares deterioradas e, sobretudo nas grandes metrópoles e suas periferias, cresce o chamado fenómeno dos meninos da rua. E as migrações são um outro sinal dos tempos, que se deve enfrentar e compreender, com todo o peso de consequências sobre a vida familiar. O papel das mulheres 30. De várias partes assinalou-se que os processos de emancipação da mulher puseram em grande evidência o seu papel determinante no crescimento da família e da sociedade. Porém, é verdade que a condição feminina no mundo está sujeita a grandes diferenças resultantes sobretudo de fatores culturais. Não se pode pensar que situações problemáticas se resolvam simplesmente com o fim da emergência económica e o advento de uma cultura moderna, como provam as difíceis condições das mulheres em diversos Países de desenvolvimento recente. Nos Países ocidentais, a emancipação da mulher requer um repensar das funções dos cônjuges na sua reciprocidade e na comum responsabilidade pela vida familiar. Nos Países em vias de desenvolvimento, à exploração e violência praticadas sobre o corpo das mulheres e ao trabalho que se lhes impõe também durante a gravidez, acrescentam-se muitas vezes abortos e esterilizações forçadas, bem como as consequências extremamente negativas de práticas ligadas à procriação (por exemplo, aluguer do útero ou mercado dos gâmetas embrionários). Nos Países avançados, o desejo do filho “a todo o custo” não levou a relações familiares mais felizes e sólidas, mas em muitos casos agravou de facto a desigualdade entre mulheres e homens. A esterilidade da mulher representa, segundo os preconceitos presentes em várias culturas, uma condição socialmente discriminatória. Pode contribuir para o reconhecimento do papel determinante das mulheres uma maior valorização da sua responsabilidade na Igreja: a sua intervenção nos processos de decisão; a XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 12 sua participação, não só formal, no governo de algumas instituições; o seu envolvimento na formação dos ministros ordenados. Capítulo IV Família, afetividade e vida A importância da vida afetiva 31. (9) Neste quadro social que foi delineado, encontra-se em muitas partes do mundo, nos indivíduos, uma maior necessidade de cuidar da própria pessoa, de se conhecer interiormente, de viver melhor em sintonia com as próprias emoções e os próprios sentimentos, de procurar relações afetivas de qualidade; essa justa aspiração pode abrir ao desejo de se empenhar na construção de relações de doação e reciprocidade criativas, responsabilizadoras e solidárias como as familiares. O perigo individualista e o risco de viver em chave egoística são relevantes. O desafio que se põe à Igreja é ajudar os casais no amadurecimento da dimensão emocional e no desenvolvimento afetivo, através da promoção do diálogo, da virtude e da confiança no amor misericordioso de Deus. O compromisso total, que o matrimónio cristão exige, pode ser um forte antídoto à tentação de um individualismo egoísta. A formação da afetividade 32. Pede-se que as famílias se sintam diretamente responsáveis pela formação afetiva das jovens gerações. A velocidade com que se dão as mudanças da sociedade contemporânea torna mais difícil o acompanhamento na formação da afetividade para o amadurecimento de toda a pessoa. Isso requer também agentes pastorais devidamente formados, não só com um conhecimento profundo das Escrituras e da doutrina católica, mas também dotados de adequados instrumentos pedagógicos, psicológicos e médicos. Um conhecimento da psicologia da família ajudará a transmitir com eficácia a visão cristã: tal esforço educativo deve começar já na catequese da iniciação cristã. Fragilidade e imaturidade afetivas 33. (10) No mundo atual, não faltam tendências culturais que parecem impor uma afetividade sem limites, de que se querem explorar todos os meandros, mesmo os mais complexos. De facto, a questão da fragilidade afetiva é de grande atualidade: uma afetividade narcisista, instável e mutável, que nem sempre ajuda os sujeitos a alcançar uma maior maturidade. É preocupante uma certa difusão da pornografia e da comercialização do corpo, favorecida por um uso distorcido da internet, e há que denunciar a situação das pessoas que são obrigadas a praticar a prostituição. Neste contexto, os casais ficam, por vezes, incertos, hesitantes, e a custo encontram os modos para crescer. São muitos os que tendem a ficar nas fases primárias da vida emocional e sexual. A crise do casal desestabiliza a família e pode acarretar, através das separações e dos divórcios, sérias consequências para os adultos, os filhos e a sociedade, enfraquecendo o indivíduo e os laços sociais. Também a quebra demográfica, resultante de uma mentalidade anti-natalista e promovida pelas políticas mundiais de saúde reprodutiva, não só determina uma situação, em que o revezar das gerações já não é assegurado, mas corre o risco de levar, com o tempo, a um XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 13 empobrecimento económico e a uma perda de esperança no futuro. O progresso das biotecnologias teve também um forte impacto sobre a natalidade. O desafio bioético 34. De várias partes se sublinha que a chamada revolução biotecnológica no campo da procriação humana introduziu a possibilidade técnica de manipular o ato gerador, tornando-o independente da relação sexual entre homem e mulher. Assim, a vida humana e a genitorialidade tornaram-se realidades componíveis e decomponíveis, sujeitas predominantemente aos desejos do indivíduo ou de casais, não necessariamente heterossexuais e regularmente casados. Tal fenómeno apareceu nos últimos tempos como uma novidade absoluta na cena da humanidade, e está a ter uma difusão cada vez maior. Tudo isso tem profunda repercussão na dinâmica das relações, na estrutura da vida social e nos ordenamentos jurídicos, que intervêm para procurar regulamentar práticas já em ato e situações diferenciadas. O desafio para a pastoral 35. (11) Neste contexto, a Igreja sente a necessidade de dizer uma palavra de verdade e de esperança. Há que partir da convicção de que o homem vem de Deus e que, portanto, uma reflexão capaz de repropor as grandes interrogações sobre o significado do ser homem pode encontrar um terreno fértil nas expetativas mais profundas da humanidade. Os grandes valores do matrimónio e da família cristã correspondem à procura que atravessa a existência humana, mesmo num tempo marcado pelo individualismo e pelo hedonismo. Há que acolher as pessoas com a sua existência concreta, saber apoiar essa procura, encorajar o desejo de Deus e a vontade de sentir-se plenamente parte da Igreja, também em quem fez experiência do fracasso ou se encontra nas situações mais diversificadas. A mensagem cristã traz sempre em si a realidade e a dinâmica da misericórdia e da verdade, que em Cristo convergem. 36. Na formação para a vida conjugal familiar, os agentes pastorais deverão ter presente a pluralidade das situações concretas. Se, por um lado, há que promover realidades que assegurem a formação dos jovens para o matrimónio, por outro, há que acompanhar os que vivem sem constituir um novo núcleo familiar, muitas vezes permanecendo ligados à família de origem. Também os casais que não podem ter filhos devem ser objeto de uma especial atenção pastoral da parte da Igreja, que os ajude a descobrir o plano de Deus sobre a sua situação, ao serviço de toda a comunidade. Há uma ampla solicitação de que seja esclarecido que com a categoria de "afastados" não deve ser entendida uma realidade de excluídos ou de afastados: são pessoas que Deus ama e que são alvo da ação pastoral da Igreja. Deve haver para todos um olhar de compreensão, tendo presente que as situações de afastamento da vida eclesial nem sempre são desejadas; muitas vezes a elas se é levado e às vezes são até suportadas por causa de comportamentos de terceiros. XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 14 II PARTE O DISCERNIMENTO DA VOCAÇÃO FAMILIAR Capítulo I Família e pedagogia divina O olhar para Jesus e a pedagogia divina na história da salvação 37. (12) Para “verificar o nosso passo no terreno dos desafios contemporâneos, a condição decisiva é manter o olhar fixo em Jesus Cristo, deter-se na contemplação e adoração do seu rosto [...]. Na verdade, todas as vezes que voltamos à fonte da experiência cristã, abrem-se novas estradas e possibilidades inimagináveis” (Papa Francisco, Discurso por ocasião da Vigília de oração em preparação para o Sínodo sobre a família, 4 de outubro de 2014). Jesus olhou com amor e ternura para os homens e mulheres que encontrou, acompanhando os seus passos com verdade, paciência e misericórdia, ao anunciar as exigências do Reino de Deus. A Palavra de Deus em família 38. Olhar para Cristo significa, antes de mais, pôr-se à escuta da sua Palavra: a leitura da Sagrada Escritura, não só nas comunidades, mas também nas casas, permite evidenciar a centralidade do casal e da família no projeto de Deus, e leva a reconhecer como Deus entra no concreto da vida familiar, tornando-a mais bela e vital. Não obstante as diversas iniciativas, ainda se encontra nas famílias católicas a falta de um contato mais direto com a Bíblia. Na pastoral da família há que evidenciar sempre o valor central do encontro com Cristo, que emerge naturalmente quando se está radicado na Sagrada Escritura. Assim, recomenda-se sobretudo que nas famílias se encoraje uma relação vital com a Palavra de Deus, capaz de orientar para um verdadeiro encontro pessoal com Jesus Cristo. Como modalidade de aproximação às Escrituras aconselha-se a “lectio divina”, que representa uma leitura orante da Palavra de Deus e uma fonte de inspiração para o agir quotidiano. A pedagogia divina 39. (13) Dado que a ordem da criação é determinada pela orientação a Cristo, é necessário distinguir, sem os separar, os diversos gaus, através dos quais Deus comunica à humanidade a graça da aliança. Em razão da pedagogia divina, segundo a qual a ordem da criação evolui para a da redenção por etapas sucessivas, há que compreender a novidade do sacramento nupcial cristão em continuidade com o matrimónio natural das origens. Entendese, portanto, aqui o modo de agir salvífico de Deus, tanto na criação como na vida cristã. Na criação: porque tudo foi feito por meio de Cristo e em vista d’Ele (cf. Col 1,16), os cristãos têm “a alegria de descobrir e estão prontos a respeitar as sementes do Verbo que aí se encontram escondidas; devem seguir atentamente a transformação profunda que se verifica entre os povos” (AG 11). Na vida cristã: enquanto, com o batismo, o crente é inserido na Igreja mediante a Igreja doméstica, que é a sua família, realiza o “processo dinâmico, que avança gradualmente com a progressiva integração dos dons de Deus” (FC 9), mediante a constante conversão ao amor, que salva do pecado e dá plenitude de vida. XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 15 Matrimónio natural e plenitude sacramental 40. Tendo presente que as realidades naturais devem ser compreendidas à luz da graça, não se pode esquecer que a ordem da redenção ilumina e realiza a da criação. O matrimónio natural, portanto, compreende-se plenamente à luz da sua realização sacramental; só fixando o olhar em Cristo se conhece em plenitude a verdade das relações humanas. “Na realidade, o mistério do homem só se esclarece verdadeiramente no mistério do Verbo Incarnado. […] Cristo, novo Adão, na mesma revelação do mistério do Pai e do seu amor, manifesta perfeitamente o homem ao próprio homem e descobre-lhe a dignidade da sua vocação” (GS 22). Em tal perspetiva, é particularmente oportuno compreender em chave cristocêntrica as propriedades naturais do matrimónio, que são ricas e múltiplas. Jesus e a família 41. (14) O próprio Jesus, referindo-se ao plano primigénio sobre o casal humano, reafirma a união indissolúvel entre o homem e a mulher, embora dizendo que “pela dureza do vosso coração Moisés permitiu-vos repudiar as vossas mulheres, mas no princípio não era assim” (Mt 19,8). A indissolubilidade do matrimónio (“Não separe, portanto, o homem o que Deus uniu” Mt 19,6) não deve ser entendida antes de mais como “jugo” imposto aos homens, mas como um “dom” feito às pessoas unidas em matrimónio. Dessa maneira, Jesus mostra como a condescendência divina acompanha sempre o caminho humano, cura e transforma o coração endurecido com a sua graça, orientando-o para o seu princípio, através do caminho da cruz. Dos Evangelhos emerge claramente o exemplo de Jesus, que é paradigmático para a Igreja. Jesus, de facto, assumiu uma família, deu início aos sinais na festa nupcial de Caná, anunciou a mensagem sobre o significado do matrimónio como plenitude da revelação que recupera o projeto originário de Deus (Mt 19,3). Mas, ao mesmo tempo, pôs em prática a doutrina ensinada, manifestando assim o verdadeiro significado da misericórdia. É o que aparece claramente nos encontros com a samaritana (Jo 4,1-30) e com a adúltera (Jo 8,111), em que Jesus, com uma atitude de amor para com a pessoa pecadora, leva ao arrependimento e à conversão (“vai e não voltes a pecar”), condição para o perdão. A indissolubilidade, dom e tarefa 42. O testemunho de casais que vivem em plenitude o matrimónio cristão destaca o valor desta união indissolúvel e suscita o desejo de realizar sempre novos caminhos de fidelidade conjugal. A indissolubilidade representa a resposta do homem ao desejo profundo de amor recíproco e duradouro: um amor “para sempre”, que se torna escolha e dom de si, de cada um dos cônjuges entre si, do casal em relação ao próprio Deus e aos que Deus lhes confia. Nessa perspetiva, é importante celebrar na comunidade cristã os aniversários de matrimónio para recordar que em Cristo é possível e belo viver juntos para sempre. O Evangelho da família oferece um ideal de vida que deve ter em conta a sensibilidade do nosso tempo e as reais dificuldades em manter os compromissos para sempre. Requer-se aqui um anúncio que dê esperança e que não esmague: cada família saiba que a Igreja nunca a abandona, em virtude do “vínculo indissolúvel da história de Cristo e da Igreja com a história do matrimónio e da família humana” (Papa Francisco, Audiência geral, 6 de maio de 2015). O estilo da vida familiar 43. Emerge de várias partes o convite a promover uma moral da graça que leve a descobrir e a florescer a beleza das virtudes próprias da vida matrimonial, entre as quais: respeito e XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 16 confiança recíprocos, acolhimento e gratidão mútuos, paciência e perdão. Na porta de entrada da vida da família – afirma o Papa Francisco – “estão escritas três palavras […]: ‘com licença’, ‘obrigado’, ‘desculpa’. Estas palavras abrem realmente o caminho para viver bem na família, para viver em paz. Trata-se de palavras simples, mas não tão fáceis de pôr em prática! Elas encerram em si uma grande força: o vigor de proteger o lar, até no meio de inúmeras dificuldades e provações; ao contrário, a sua falta gradualmente abre fendas, que até o podem fazer ruir” (Francisco, Audiência geral, 13 de maio de 2015). Em suma, o sacramento do matrimónio abre um dinamismo que inclui e sustém os tempos e as provas do amor, que exigem um gradual amadurecimento alimentado pela graça. A família no plano salvífico de Deus 44. (15) As palavras de vida eterna que Jesus deixou aos seus discípulos incluíam o ensinamento sobre o matrimónio e a família. Esse ensinamento de Jesus permite distinguir, em três etapas fundamentais, o projeto de Deus sobre o matrimónio e a família. No início, há a família das origens, quando Deus criador instituiu o matrimónio primordial entre Adão e Eva, como sólido fundamento da família. Deus não só criou o ser humano homem e mulher (Gen 1,27), mas também os abençoou para que fossem fecundos e se multiplicassem (Gen 1,28). Por isso, “o homem deixará o seu pai e a sua mãe e se unirá à sua mulher, e os dois serão uma só carne” (Gen 2,24). Esta união foi danificada pelo pecado e tornou-se a forma histórica de matrimónio no Povo de Deus, a quem Moisés concedeu a possibilidade de passar um atestado de divórcio (cf. Dt 24, 1ss). Era a forma que prevalecia nos tempos de Jesus. Com a sua vinda e a reconciliação do mundo decaído graças à redenção por Ele operada, terminou a era inaugurada com Moisés. União e fecundidade dos cônjuges 45. Foi afirmado que a valorização do ensinamento contido na Sagrada Escritura poderá servir de ajuda para mostrar como, desde o Génesis, Deus imprimiu no casal a própria imagem e semelhança. Nesta linha, o Papa Francisco recordou que “não apenas o homem em si mesmo é imagem de Deus, não só a mulher em si mesma é imagem de Deus, mas também o homem e a mulher, como casal, são imagem de Deus. A diferença entre homem e mulher não é para a contraposição, nem para a subordinação, mas para a comunhão e a geração, sempre à imagem e semelhança de Deus” (Audiência geral, 15 de abril de 2015). Alguns evidenciam que no plano da criação está inscrita a complementaridade do carácter unitivo do matrimónio com o procriador: o unitivo, fruto de um livre consenso consciente e meditado, predispõe à atuação do procriador. Além disso, a ação geradora deve ser compreendida na ótica da procriação responsável e, a nível de projeto, do compromisso de cuidar dos filhos com fidelidade. A família, imagem da Trindade 46. (16) Jesus, que reconciliou todas as coisas em Si, levou o matrimónio e a família à sua forma original (cf. Mc 10,1-12). A família e o matrimónio foram remidos por Cristo (cf. Ef 5,21-32), restaurados à imagem da Santíssima Trindade, mistério donde provém todo o verdadeiro amor. A aliança esponsal, inaugurada na criação e revelada na história da salvação, recebe a plena revelação do seu significado em Cristo e na sua Igreja. De Cristo, através da Igreja, o matrimónio e a família recebem a graça necessária para testemunhar o amor de Deus e viver a vida de comunhão. O Evangelho da família atravessa a história do mundo, desde a criação do homem à imagem e semelhança de Deus (cf. Gen 1, 26-27) até à XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 17 realização do mistério da Aliança em Cristo no fim dos séculos com as núpcias do Cordeiro (cf. Ap 19,9; São João Paulo II, Catequeses sobre o amor humano). Capítulo II Família e vida da Igreja A família nos documentos da Igreja 47. (17) “Com o decorrer dos séculos, a Igreja não deixou faltar o seu constante ensinamento sobre matrimónio e família. Uma das expressões mais altas deste Magistério foi proposta pelo Concílio Ecuménico Vaticano II, na Constituição pastoral Gaudium et spes, que dedica um capítulo inteiro à promoção da dignidade do matrimónio e da família (cf. GS 47-52). Ele definiu o matrimónio como comunidade de vida e de amor (cf. GS 48), colocando o amor no centro da família, mostrando, ao mesmo tempo, a verdade deste amor face às diversas formas de reducionismo presentes na cultura contemporânea. O ‘verdadeiro amor entre marido e esposa’ (GS 49) implica a doação recíproca de si, inclui e integra a dimensão sexual e a afetividade, correspondendo ao desígnio divino (cf. GS 48-49). Além disso, a Gaudium et spes, no número 48, frisa a radicação dos esposos em Cristo: Cristo Senhor ‘vem ao encontro dos cônjuges cristãos no sacramento do matrimónio’, e com eles permanece. Na encarnação, Ele assume o amor humano, purifica-o, leva-o à plenitude, e doa aos esposos, com o seu Espírito, a capacidade de o viver, permeando toda a sua vida de fé, esperança e caridade. Deste modo os esposos são como que consagrados e, mediante uma graça própria, edificam o Corpo de Cristo e constituem uma Igreja doméstica (cf. LG 11), de modo que a Igreja, para compreender plenamente o seu mistério, olha para a família cristã, que o manifesta de modo genuíno” (IL 4). A dimensão missionária da família 48. À luz do ensinamento do Concílio e do Magistério pós-conciliar, sugere-se que se aprofunde a dimensão missionária da família como Igreja doméstica, que se radica no sacramento do Batismo e se realiza exercendo a própria ministerialidade no seio da comunidade cristã. A família é por sua natureza missionária e aumenta a sua fé no ato de a transmitir aos outros. Para realizar percursos que valorizem o papel missionário que lhes foi confiado, é urgente que as famílias cristãs redescubram o chamamento a testemunhar o Evangelho com a vida sem esconder aquilo em que creem. O próprio facto de viver a comunhão familiar é uma forma de anúncio missionário. Deste ponto de vista, há que promover a família como sujeito da ação pastoral mediante algumas formas de testemunho, entre as quais: a solidariedade com os pobres, a abertura à diversidade das pessoas, a salvaguarda da criação, o compromisso na promoção do bem comum a partir do território onde vive. A família, caminho da Igreja 49. (18) “Em continuidade com o Concílio Vaticano II, o Magistério pontifício aprofundou a doutrina sobre o matrimónio e sobre a família. Em particular o Beato Paulo VI, com a Encíclica Humanae vitae, evidenciou o vínculo íntimo entre amor conjugal e geração da vida. São João Paulo II dedicou à família uma atenção especial através das suas catequeses sobre o amor humano, da Carta às famílias (Gratissimam sane) e sobretudo com a Exortação XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 18 Apostólica Familiaris consortio. Nestes documentos, o Pontífice definiu a família ‘caminho da Igreja’; ofereceu uma visão de conjunto sobre a vocação do homem e da mulher para o amor; propôs as linhas fundamentais para a pastoral da família e para a presença da família na sociedade. Em particular, ao tratar a caridade conjugal (cf. FC 13), descreveu o modo como os cônjuges, no seu amor recíproco, recebem o dom do Espírito de Cristo e vivem o seu chamamento à santidade” (IL 5). A medida divina do amor 50. (19) “Bento XVI, na Encíclica Deus caritas est, retomou o tema da verdade do amor entre homem e mulher, que só se ilumina plenamente à luz do amor de Cristo crucificado (cf. DCE 2). Ele reafirma como ‘o matrimónio baseado num amor exclusivo e definitivo torna-se o ícone do relacionamento de Deus com o seu povo e, vice-versa, o modo de Deus amar tornase a medida do amor humano’ (DCE 11). Além disso, na Encíclica Caritas in veritate, ele evidencia a importância do amor como princípio de vida na sociedade (cf. CV 44), lugar no qual se aprende a experiência do bem comum” (IL 6). A família em oração 51. O ensinamento dos Pontífices convida a aprofundar a dimensão espiritual da vida familiar a partir da redescoberta da oração em família e da escuta em comum da Palavra de Deus, da qual brota o compromisso de caridade. Para a vida da família é de fundamental importância a redescoberta do dia do Senhor, qual sinal do seu profundo radicar-se na comunidade eclesial. Além disso, proponha-se um acompanhamento pastoral adequado que faça crescer uma espiritualidade familiar encarnada, como resposta às perguntas que nascem do viver quotidiano. Considera-se útil que a espiritualidade da família seja alimentada por fortes experiências de fé e, de modo especial, pela fiel participação na Eucaristia, “fonte e cume de toda a vida cristã” (LG 11). Família e fé 52. (20) “O Papa Francisco, na Encíclica Lumen fidei, ao tratar o vínculo entre a família e a fé, escreve: ‘o encontro com Cristo, o deixar-se conquistar e guiar pelo seu amor alarga o horizonte da existência, dá-lhe uma esperança firme que não desilude. A fé não é um refúgio para gente sem coragem, mas a dilatação da vida: faz descobrir um grande chamamento – a vocação ao amor – e assegura que este amor é fiável, que vale a pena entregar-se a ele, porque o seu fundamento se encontra na fidelidade de Deus, que é mais forte do que toda a nossa fragilidade’ (LF 53)” (IL 7). Catequese e família 53. Muitos consideram necessária uma renovação dos percursos catequéticos para a família. A esse respeito, procure-se valorizar os casais como sujeitos ativos da catequese, sobretudo em relação aos próprios filhos, em colaboração com sacerdotes, diáconos e pessoas consagradas. Tal colaboração ajuda a considerar a vocação ao matrimónio como uma realidade importante, para a qual há que preparar-se adequadamente durante um conveniente período de tempo. A integração de famílias cristãs sólidas e ministros de confiança dá credibilidade ao testemunho de uma comunidade que se dirige aos jovens a caminho das grandes opções da vida. XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 19 A comunidade cristã renuncie a ser uma agência de serviços, para se tornar o lugar onde as famílias nascem, se encontram e juntas se confrontam, caminhando na fé e partilhando percursos de crescimento e de intercâmbio recíproco. A indissolubilidade do matrimónio e a alegria de viver juntos 54. (21) O dom recíproco, constitutivo do matrimónio sacramental, está radicado na graça do batismo, que estabelece a aliança fundamental de cada pessoa com Cristo na Igreja. No acolhimento recíproco e com a graça de Cristo, os nubentes prometem um ao outro dom total, fidelidade e abertura à vida, reconhecem como elementos constitutivos do matrimónio os dons que Deus lhes oferece, levam a sério o seu mútuo compromisso, no seu nome e perante a Igreja. Assim, na fé é possível assumir os bens do matrimónio como compromissos reforçados pela ajuda da graça do sacramento. Deus consagra o amor dos esposos e confirma a sua indissolubilidade, dando-lhes ajuda para viverem a fidelidade, a integração recíproca e a abertura à vida. Portanto, o olhar da Igreja dirige-se aos esposos como ao coração de toda a família, que, também ela, fixa o próprio olhar em Jesus. 55. A alegria do homem é expressão da realização plena da própria pessoa. Para propor a unicidade da alegria que brota da união dos cônjuges e da constituição de um novo núcleo familiar, é oportuno apresentar a família como um lugar de relações pessoais e gratuitas, o que não acontece assim noutros grupos sociais. O dom recíproco e gratuito, a vida que nasce e o cuidar de todos os seus membros, das crianças aos anciãos, são apenas alguns aspetos que tornam a família única na sua beleza. É importante fazer amadurecer a ideia de que o matrimónio é uma escolha para toda a vida, que não limita a nossa existência, mas torna-a mais rica e plena, também nas dificuldades. Através desta escolha de vida, a família constrói a sociedade não como a soma dos habitantes de um território, nem como o conjunto dos cidadãos de um Estado, mas como autêntica experiência de povo, e de Povo de Deus. Capítulo III Família e caminho para a sua plenitude O mistério criatural do matrimónio 56. (22) Na mesma perspetiva, fazendo nosso o ensinamento do Apóstolo segundo o qual toda a criação foi pensada em Cristo e em vista d’Ele (cf. Col 1,16), o Concílio Vaticano II quis manifestar apreço pelo matrimónio natural e pelos elementos válidos presentes nas outras religiões (cf. NA 2) e nas culturas, não obstante os seus limites e carências (cf. RM 55). A presença dos semina Verbi nas culturas (cf. AG 11) poderia ser aplicada, de certa maneira, também à realidade matrimonial e familiar de tantas culturas e pessoas não cristãs. Há, portanto, elementos válidos também nalgumas formas fora do matrimónio cristão – sempre fundado sobre a relação estável e verdadeira de um homem e uma mulher –, que, em todo o caso, consideramos estarem a ele orientadas. Com o olhar posto na sabedoria humana dos povos e das culturas, a Igreja reconhece também essa família como a célula basilar necessária e fecunda da convivência humana. 57. A Igreja tem consciência do alto perfil do mistério criatural do matrimónio entre homem e mulher. Daí que procure valorizar a originária graça criatural que envolve a experiência de XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 20 uma aliança conjugal sinceramente intencionada a corresponder a essa vocação originária, e a praticar a sua justiça. A seriedade da adesão a esse projeto e a coragem que o mesmo exige são apreciadas sobretudo hoje, em que o valor dessa inspiração, que atinge todos os laços criados pela família, é posto em causa ou até criticado e eliminado. Por isso, também no caso de o amadurecimento da decisão de chegar ao matrimónio sacramental da parte de conviventes ou casados civilmente esteja ainda num estado virtual, incipiente ou de gradual aproximação, pede-se à Igreja para não abdicar do dever de encorajar e apoiar tal processo. Ao mesmo tempo, será bom mostrar apreço e amizade por esse compromiaao já assumido, reconhecendo os elementos de coerência do mesmo com o plano criatural de Deus. Em relação às famílias formadas por uniões conjugais com disparidade de culto, cujo número está a aumentar não só nos territórios de missão, mas também nos Países de longa tradição cristã, sublinha-se a importância de desenvolver um adequado cuidado pastoral. Verdade e beleza da família e misericórdia para com as famílias feridas e frágeis 58. (23) Com íntima alegria e profunda consolação, a Igreja olha para as famílias que se mantêm fiéis aos ensinamentos do Evangelho, agradecendo e encorajando o testemunho que dão. Pois é graças a elas que se torna credível a beleza do matrimónio indissolúvel e fiel para sempre. Na família, “que poderia chamar-se Igreja doméstica” (LG 11), amadurece a primeira experiência eclesial da comunhão entre pessoas, em que se reflete, pela graça, o mistério da Santíssima Trindade. “É aqui que se aprende a fadiga e a alegria do trabalho, o amor fraterno, o perdão generoso e sempre renovado e, sobretudo, o culto divino, pela oração e o oferecimento da própria vida” (CIC 1657). A Sagrada Família de Nazaré é o seu admirável modelo, em cuja escola “se compreende a necessidade de ter uma disciplina espiritual, se queremos seguir os ensinamentos do Evangelho e sermos discípulos de Cristo” (Beato Paulo VI, Alocução em Nazaré, 5 de janeiro de 1964). O Evangelho da família nutre também as sementes que ainda esperam para amadurecer, e deve cuidar das árvores que secaram e que precisam que não sejam negligenciadas. A íntima ligação entre Igreja e família 59. A bênção e a responsabilidade de uma nova família, selada com o sacramento eclesial, comporta a disponibilidade de se tornar apoiantes e promotores, no seio da comunidade cristã, da qualidade geral da aliança entre homem e mulher: no âmbito do vínculo social, da geração dos filhos, da proteção dos mais fracos, da vida comum. Tal disponibilidade exige uma responsabilidade que tem direito a ser apoiada, reconhecida e apreciada. Em virtude do sacramento cristão, toda a família torna-se, para todos os efeitos, um bem para a Igreja, que, por sua vez, pede que seja considerada um bem para a própria família que nasce. Nessa perspetiva, será certamente um dom precioso, para o hoje da Igreja, a humilde disposição a considerar de modo mais equitativo essa reciprocidade do “bonum ecclesiae”: a Igreja é um bem para a família e a família é um bem para a Igreja. A defesa do dom sacramental do Senhor envolve a responsabilidade do casal cristão, por um lado, e a da comunidade cristã, por outro, cada qual na forma que lhe compete. Perante o surgir da dificuldade, também grave, de proteger a união matrimonial, o discernimento dos respetivos deveres e das relativas falhas deverá ser lealmente aprofundado pelo casal com a ajuda da comunidade, para se compreender, avaliar e reparar o que tenha sido omitido ou descuidado por ambas as partes. XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 21 60. (24) A Igreja, como mestra segura e mãe solícita, embora admita que para os batizados não há outro vínculo nupcial além do sacramental, e que toda a rutura deste é contra a vontade de Deus, também é consciente da fragilidade de muitos dos seus filhos, que sentem dificuldade no caminho da fé. “Portanto, sem diminuir o valor do ideal evangélico, é preciso acompanhar, com misericórdia e paciência, as possíveis etapas de crescimento das pessoas, que se vão construindo dia após dia. […] Um pequeno passo, no meio de grandes limitações humanas, pode ser mais agradável a Deus do que a vida externamente correta de quem passa os seus dias sem enfrentar grandes dificuldades. A todos deve chegar a consolação e o estímulo do amor salvífico de Deus, que age misteriosamente em cada pessoa, para além dos seus defeitos e das suas quedas” (EG 44). A família, dom e tarefa 61. A atitude dos fiéis para com as pessoas que ainda não chegaram à compreensão da importância do sacramento nupcial seja expressa sobretudo através de uma relação de amizade pessoal, acolhendo o outro como ele é, sem o julgar, respondendo às suas necessidades fundamentais e, ao mesmo tempo, testemunhando o amor e a misericórdia de Deus. É importante ter consciência de que todos são fracos, pecadores como os outros, mesmo sem deixar de afirmar os bens e valores do matrimónio cristão. Além disso, há que adquirir a consciência de que a família no plano de Deus não é um dever, mas um dom, e que hoje a decisão de receber o sacramento não é algo já decidido desde o início, mas um passo a amadurecer e uma meta a atingir. Ajudar a alcançar a plenitude 62. (25) Para uma abordagem pastoral às pessoas que contraíram um matrimónio civil, que estão divorciadas e voltaram a casar ou que simplesmente convivem, compete à Igreja revelar-lhes a pedagogia divina da graça nas suas vidas e ajudá-las a alcançar a plenitude do plano de Deus para elas. Seguindo o olhar de Cristo, cuja luz ilumina todo o homem (cf. Jo 1,9; GS 22), a Igreja dirige-se com amor aos que participam na sua vida de forma incompleta, reconhecendo que a graça de Deus age também nas suas vidas, encorajando-as a praticar o bem, a cuidarem um do outro com amor e a estarem ao serviço da comunidade em que vivem e trabalham. 63. A comunidade cristã mostre-se acolhedora com os casais que se encontram em dificuldade, também através da proximidade de famílias que vivem o matrimónio cristão. A Igreja põe-se ao lado dos cônjuges em risco de separação, para que redescubram a beleza e a força da sua vida conjugal. No caso de se vir a consumar um doloroso fim da relação, a Igreja sente o dever de acompanhar esse momento de sofrimento, para que não se acendam ruinosas contraposições entre os cônjuges, e sobretudo os filhos venham a sofrer o menos possível. É de desejar que nas dioceses se promovam percursos de participação progressiva para as pessoas conviventes ou unidas civilmente. Partindo do matrimónio civil, chegue-se ao matrimónio cristão, depois de um período de discernimento, que acabe por levar a uma opção verdadeiramente consciente. 64. (26) A Igreja olha com apreensão para a desconfiança que tantos jovens têm no compromisso conjugal, sofre pela precipitação com que tantos fiéis decidem pôr fim ao vínculo assumido, criando um outro. Estes fiéis, que fazem parte da Igreja, precisam de uma atenção pastoral misericordiosa e encorajadora, distinguindo de forma adequada as situações. Os jovens batizados devem ser encorajados a não hesitar perante a riqueza que o XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 22 sacramento do matrimónio dá aos seus projetos de amor, fortes do apoio que recebem da graça de Cristo e da possibilidade de participar plenamente na vida da Igreja. Os jovens e o receio de casar 65. Muitos jovens têm hoje receio de vir a fracassar perante a perspetiva matrimonial, até pelos muitos casos de fracasso matrimonial. Daí a necessidade de discernir mais atentamente as motivações profundas dessa renúncia e desânimo. Pense-se que, de facto, em muitos casos, tais motivações têm a ver precisamente com a consciência de um objetivo que – embora também apreciado e até desejado – se afigura desproporcionado num razoável cálculo das próprias forças, ou na dúvida insuperável de perseverar nos próprios sentimentos. Mais do que a incapacidade da fidelidade e estabilidade do amor, que permanecem objeto de desejo, muitas vezes é a ânsia – ou mesmo angústia – de não poder assegurá-las que leva à recusa. Utiliza-se a dificuldade, por si superável, como prova da impossibilidade radical. Além disso e por vezes, aspetos de conveniência social e problemas económicos ligados à celebração das núpcias influem na decisão de não casar. 66. (27) Nesse sentido, uma dimensão nova da pastoral familiar hodierna consiste em prestar atenção à realidade dos matrimónios civis entre homem e mulher, aos matrimónios tradicionais e, com as devidas diferenças, também às convivências. Quando a união atinge uma notável estabilidade através de um vínculo público e é caraterizada por um afeto profundo, pela responsabilidade para com a prole e pela capacidade de superar as dificuldades, pode ser vista como uma ocasião a acompanhar em ordem ao sacramento do matrimónio. Muitas vezes, porém, a convivência estabelece-se sem haver em vista um possível futuro matrimónio e sem intenção alguma de estabelecer uma relação institucional. 67. (28) Imitando o olhar misericordioso de Jesus, a Igreja deve acompanhar com atenção e solicitude os seus filhos mais frágeis, marcados pelo amor ferido e perdido, restituindo-lhes confiança e esperança, como a luz do farol de um porto ou de um archote trazido para o meio das pessoas, para iluminar os que perderam a rota ou se encontram no meio da tempestade. Conscientes de que a maior misericórdia é dizer a verdade com amor, temos que ir além da compaixão. O amor misericordioso, como atrai e une, também transforma e eleva; convida à conversão. É assim que entendemos a atitude do Senhor, que não condena a mulher adúltera, mas pede-lhe para não voltar a pecar (cf. Jo 8,1-11). A misericórdia é verdade revelada 68. Para a Igreja, trata-se de partir das situações concretas das famílias de hoje, todas necessitadas de misericórdia, a começar pelas que mais sofrem. Na misericórdia, de facto, brilha a soberania de Deus, com que Ele é fiel sempre de novo ao seu ser, que é amor (cf. 1Jo 4, 8), e ao seu pacto. A misericórdia é a revelação da fidelidade e da identidade de Deus consigo mesmo e, assim e ao mesmo tempo, demostração da identidade cristã. Por isso, a misericórdia nada tira à verdade. Ela mesma é verdade revelada, e está intimamente ligada às verdades fundamentais da fé – encarnação, morte e ressurreição do Senhor – e sem elas cairia no nada. A misericórdia é “o centro da revelação de Jesus Cristo” (MV 25). XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 23 III PARTE A MISSÃO DA FAMÍLIA HOJE Capítulo I Família e evangelização Anunciar o Evangelho da família hoje, nos vários contextos 69. (29) O diálogo sinodal deteve-se sobre algumas instâncias pastorais mais urgentes, cuja concretização confia a cada Igreja local, em comunhão “cum Petro et sub Petro”. O anúncio do Evangelho da família é uma urgência para a nova evangelização. A Igreja é chamada a fazê-lo com ternura de mãe e clareza de mestra (cf. Ef 4,15), na fidelidade à kénose misericordiosa de Cristo. A verdade encarna-se na fragilidade humana, não para a condenar, mas para salvá-la (cf. Jo 3,16 -17). Ternura em família – ternura de Deus 70. Ternura significa dar com alegria e provocar no outro a alegria de sentir-se amado. Exprime-se de modo particular no dirigir-se com especial atenção às limitações do outro, sobretudo quando estas emergem de forma evidente. Tratar com delicadeza e respeito significa curar as feridas e restituir esperança, de modo a reavivar no outro a confiança. A ternura nas relações familiares é a virtude quotidiana que ajuda a superar os conflitos interiores e relacionais. A propósito, o Papa Francisco convida-nos a refletir: “Temos a coragem de acolher, com ternura, as situações difíceis e os problemas de quem vive ao nosso lado, ou preferimos as soluções impessoais, talvez eficientes mas desprovidas do calor do Evangelho? Quão grande é a necessidade que o mundo tem hoje da ternura! Paciência de Deus, proximidade de Deus, ternura de Deus” (Homilia da Missa da Noite na Solenidade do Natal do Senhor, 24 de dezembro de 2014). 71. (30) Evangelizar é uma responsabilidade de todo o povo de Deus, cada um segundo o seu ministério e carisma. Sem o testemunho alegre dos cônjuges e das famílias, Igrejas domésticas, o anúncio, mesmo se correto, corre o risco de não ser compreendido ou de se afogar no mar de palavras que carateriza a nossa sociedade (cf. NMI 50). Os Padres sinodais sublinharam repetidas vezes que as famílias católicas, em força da graça do sacramento nupcial, são chamadas a ser, elas mesmas, sujeitos ativos da pastoral familiar. A família, sujeito da pastoral 72. A Igreja deve infundir nas famílias um sentido de pertença eclesial, um sentido do “nós”, onde nenhum membro é esquecido. Todos sejam encorajados a desenvolver as próprias capacidades e a realizar o projeto da própria vida ao serviço do Reino de Deus. Toda a família, inserida no contexto eclesial, redescubra a alegria da comunhão com outras famílias para servir o bem comum da sociedade, promovendo uma política, uma economia e uma cultura ao serviço da família, também através do uso das redes sociais e dos meios de comunicação social. XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 24 Recomenda-se a criação de pequenas comunidades de famílias que sejam testemunhos vivos dos valores evangélicos. Nota-se a necessidade de preparar, formar e responsabilizar algumas famílias que possam acompanhar outras a viver cristãmente. Há igualmente que recordar e encorajar as famílias que se tornam disponíveis para viver a missão “ad gentes”. Por fim, assinala-se a importância de ligar a pastoral juvenil à pastoral familiar. A liturgia nupcial 73. A preparação das núpcias ocupa a atenção dos nubentes durante muito tempo. Deverá prestar-se a devida atenção à celebração do matrimónio, a realizar preferencialmente na comunidade de pertença de um ou ambos os nubentes, realçando sobretudo o seu carácter propriamente espiritual e eclesial. Com uma participação cordial e festiva, a comunidade cristã, invocando o Espírito Santo, acolhe no seu seio a nova família para que, como Igreja doméstica, se sinta parte da mais vasta família eclesial. Muitas vezes, o celebrante tem aí a oportunidade de se dirigir a uma assembleia formada de pessoas que raramente participam na vida eclesial ou que pertencem a outra confissão cristã ou comunidade religiosa. É, portanto, uma preciosa ocasião para anunciar o Evangelho da família, que seja capaz de suscitar, inclusive nas famílias presentes, a redescoberta da fé e do amor que vêm de Deus. A celebração do matrimónio é também ocasião propícia para convidar muitos à celebração do sacramento da Reconciliação. A família, obra de Deus 74. (31) Será decisivo realçar o primado da graça e, portanto, as possibilidades que o Espírito dá no sacramento. Trata-se de fazer experimentar que o Evangelho da família é alegria que “enche o coração e a vida inteira”, porque em Cristo somos “libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento” (EG 1). À luz da parábola do semeador (cf. Mt 13,3), a nossa função é cooperar no semear: o resto é obra de Deus. Não se esqueça, por outro lado, que a Igreja, que prega sobre a família, é sinal de contradição. 75. O primado da graça manifesta-se em plenitude quando a família dá razão da própria fé e os cônjuges vivem o seu matrimónio como uma vocação. A esse respeito, sugere-se que se apoie e encoraje o testemunho crente dos cônjuges cristãos; se ativem sólidos percursos de crescimento da graça batismal, sobretudo na fase juvenil; se adotem, na pregação e na catequese, uma linguagem simbólica, experiencial e significativa, inclusive através de encontros e cursos específicos para os agentes pastorais, de modo a atingir efetivamente os destinatários e educá-los a invocar e a reconhecer a presença de Deus entre os cônjuges unidos no sacramento, num estado de constante conversão. Conversão missionária e linguagem renovada 76. (32) Por isso, pede-se a toda a Igreja uma conversão missionária: é necessário não ficar num anúncio meramente teórico e desligado dos problemas reais das pessoas. Nunca se deve esquecer que a crise da fé trouxe uma crise do matrimónio e da família e, como consequência, interrompeu-se a transmissão da mesma fé de pais para filhos. Perante uma fé forte, a imposição de certas perspetivas culturais que enfraquecem a família e o matrimónio não tem incidência. 77. (33) A conversão deve fazer-se também na linguagem, para que esta seja efetivamente significativa. O anúncio deve levar à experiência de que o Evangelho da família é uma XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 25 resposta às expetativas mais profundas da pessoa humana: à sua dignidade e à realização plena na reciprocidade, na comunhão e na fecundidade. Não se trata apenas de apresentar uma legislação, mas de propor valores, respondendo à necessidade que se sente deles, hoje constatada também nos Países mais secularizados. 78. A mensagem cristã deve ser anunciada privilegiando uma linguagem que dê esperança. Há que usar uma comunicação clara e convidativa, aberta, que não moralize, julgue ou controle; que dê testemunho do ensinamento moral da Igreja e seja, ao mesmo tempo, sensível às condições de cada pessoa. Como muitos já não compreendem o Magistério eclesial sobre diversos temas, sente-se a urgência de uma linguagem que seja entendida por todos, nomeadamente pelos jovens, que possa transmitir a beleza do amor familiar e fazer compreender o significado de termos como doação, amor conjugal, fecundidade e procriação. A mediação cultural 79. Para uma transmissão mais apropriada da fé, sente-se a necessidade de uma mediação cultural, capaz de exprimir com coerência a dupla fidelidade ao Evangelho de Jesus e ao homem contemporâneo. Como ensinava o Beato Paulo VI: “A nós especialmente, Pastores da Igreja, incumbe o cuidado de recriar com ousadia e prudência, e numa fidelidade total ao seu conteúdo, os modos mais adaptados e eficazes de comunicar a mensagem evangélica aos homens do nosso tempo” (EN 40). Hoje, de modo especial, é necessário pôr o acento na importância do anúncio alegre e otimista das verdades da fé sobre a família, recorrendo inclusive a equipas especializadas, peritas na comunicação, que saibam ter na devida conta as problemáticas resultantes dos estilos de vida de hoje. A Palavra de Deus, fonte de vida espiritual para a família 80. (34) A Palavra de Deus é fonte de vida e espiritualidade para a família. Toda a pastoral familiar deverá deixar-se modelar interiormente e formar os membros da Igreja doméstica através da leitura orante e eclesial da Sagrada Escritura. A Palavra de Deus não é só uma boa nova para a vida privada das pessoas, mas é também um critério de juízo e uma luz para o discernimento dos diversos desafios com que se confrontam os cônjuges e as famílias. 81. À luz da Palavra de Deus, que pede discernimento nas situações mais diversificadas, a pastoral deve ter em conta que uma comunicação aberta ao diálogo e livre de preconceitos é necessária sobretudo em relação aos católicos que, em matéria de matrimónio e família, não vivem ou não estão em condições de viver em plena sintonia com o ensinamento da Igreja. A sinfonia das diferenças 82. (35) Ao mesmo tempo, muitos Padres sinodais insistiram sobre uma atitude mais positiva em relação às diversas experiências religiosas, sem omitir as suas dificuldades. Nestas diversas realidades religiosas e na grande diversidade cultural que carateriza as Nações, é oportuno começar por apreciar as suas possibilidades positivas e, à luz das mesmas, avaliar limites e carências. 83. A partir da constatação da pluralidade religiosa e cultural, deseja-se que o Sínodo conserve e valorize a imagem de “sinfonia das diferenças”. É posto em evidência como, no XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 26 seu complexo, a pastoral matrimonial e familiar deva estimar os elementos positivos que se encontram nas diversas experiências religiosas e culturais, que representam uma “praeparatio evangelica”. Através do encontro com as pessoas que iniciaram um caminho de consciência e responsabilidade com os autênticos bens do matrimónio, poder-se-á estabelecer uma efetiva colaboração para a promoção e a defesa da família. Capítulo II Família e formação A preparação para o matrimónio 84. (36) O matrimónio cristão é uma vocação que se acolhe com uma adequada preparação num itinerário de fé, com um discernimento maduro, e não deve ser considerado apenas como uma tradição cultural ou uma exigência social ou jurídica. Por isso, é necessário realizar percursos que acompanhem a pessoa e o casal, de modo que à comunicação dos conteúdos da fé se una a experiência de vida oferecida por toda a comunidade eclesial. 85. Para fazer compreender a vocação ao matrimónio cristão, é indispensável melhorar a preparação para o sacramento e, sobretudo, a catequese pré-matrimonial – por vezes pobre de conteúdos –, que é parte integrante da pastoral ordinária. É importante que os esposos cultivem responsavelmente a sua fé, baseada no ensinamento da Igreja apresentado de forma clara e compreensível. Também a pastoral dos nubentes deve inserir-se no compromisso geral da comunidade cristã, apresentando de modo adequado e convincente a mensagem evangélica sobre a dignidade da pessoa, a sua liberdade e o respeito pelos direitos humanos. 86. Na mudança cultural em curso, são muitas vezes apresentados, se não impostos, modelos que contradizem a visão cristã da família. Daí que os percursos formativos devam oferecer itinerários de educação que ajudem as pessoas a exprimir de forma adequada o próprio desejo de amor na linguagem da sexualidade. No atual contexto cultural e social, em que a sexualidade muitas vezes é desligada de um projeto de amor autêntico, a família, embora permanecendo como espaço pedagógico privilegiado, não pode ser o único lugar de educação à sexualidade. É necessário, por isso, estruturar verdadeiros percursos pastorais de apoio às famílias, destinados tanto aos indivíduos como aos casais, com especial atenção à idade da puberdade e da adolescência, onde se ajude a descobrir a beleza da sexualidade no amor. É assinalada nalguns Países a presença de projetos formativos impostos pela autoridade pública, que apresentam conteúdos contrários à visão propriamente humana e cristã: em relação a eles, deve afirmar-se decididamente o direito à objeção de consciência da parte dos educadores. A formação dos futuros presbíteros 87. (37) Foi repetidamente lembrada a necessidade de uma radical renovação da prática pastoral à luz do Evangelho da família, superando as óticas individualistas que ainda a caracterizam. Para isso, várias vezes se insistiu sobre a renovação da formação dos presbíteros, dos diáconos, dos catequistas e dos outros agentes pastorais, mediante um maior envolvimento das próprias famílias. XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 27 88. A família de origem é o seio da vocação sacerdotal, que se nutre do seu testemunho. É amplamente constatada uma necessidade crescente de integrar as famílias, nomeadamente a presença feminina, na formação sacerdotal. Sugere-se que os seminaristas, no decurso da sua formação, vivam convenientes períodos na própria família e sejam guiados na realização de experiências de pastoral familiar e na aquisição de um adequado conhecimento da situação atual das famílias. Tenha-se também presente que alguns seminaristas provêm de contextos familiares difíceis. A presença dos leigos e das famílias, também nas realidades do Seminário, é considerada benéfica, para que os candidatos ao sacerdócio compreendam o valor da comunhão entre as diversas vocações. Na formação para o ministério ordenado não se pode descurar o desenvolvimento afetivo e psicológico, mesmo participando diretamente em percursos adequados. A formação do clero e dos agentes pastorais 89. Na formação permanente do clero e dos agentes pastorais é recomendável que se continue a cuidar, com instrumentos apropriados, da maturidade da dimensão afetiva e psicológica, que ser-lhes-á indispensável para o acompanhamento pastoral das famílias. Recomenda-se que o serviço diocesano para a família e os demais serviços pastorais intensifiquem a sua colaboração em ordem a uma mais eficaz ação pastoral. Família e instituições públicas 90. (38) Foi igualmente sublinhada a necessidade de uma evangelização que denuncie com franqueza os condicionamentos culturais, sociais, políticos e económicos, como o excessivo espaço dado à lógica do mercado, que impedem uma autêntica vida familiar, criando discriminações, pobreza, exclusões, violência. Daí que se desenvolva um diálogo e uma cooperação com as estruturas sociais, e se encorajem e se apoiem os leigos a se comprometerem, como cristãos, nos âmbitos cultural e sociopolítico. 91. Considerando que a família é “a célula primeira e vital da sociedade” (AA 11), ela deve redescobrir a sua vocação de apoio à vivência social em todos os seus aspetos. É indispensável que as famílias, através da sua agregação, encontrem as modalidades para interagir com as instituições políticas, económicas e culturais, para se construir uma sociedade mais justa. A colaboração com as instituições públicas nem sempre é fácil em todos os contextos. De facto, o conceito que muitas instituições têm da família não coincide com o cristão ou com o seu sentido natural. Os fiéis vivem em contacto com diferentes modelos antropológicos, que não raramente influem e modificam de forma radical a sua maneira de pensar. As associações familiares e os movimentos católicos deveriam trabalhar em conjunto, a fim de chamar a atenção das instituições sociais e políticas para as reais instâncias da família e denunciar as práticas que comprometem a sua estabilidade. O compromisso sociopolítico em favor da família 92. Os cristãos devem comprometer-se diretamente no contexto sociopolítico, participando de forma ativa nos processos de decisão e levando para o debate institucional as instâncias da doutrina social da Igreja. Tal compromisso favoreceria a elaboração de programas adequados para ajudar os jovens e as famílias carenciadas, em risco de isolamento social e de exclusão. XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 28 Nos diversos contextos nacionais e internacionais é útil repropor a “Carta dos direitos da família”, pondo em evidência a sua ligação com a “Declaração universal dos direitos do homem”. Indigência e risco de usura 93. Nas diversas famílias que vivem em condições de indigência económica, devido ao desemprego ou à precariedade laboral, ao elevado número de filhos ou à falta de assistência socio-sanitária, não raramente acontece que alguns, não podendo ter acesso ao crédito, se tornem vítimas da usura. A esse respeito, sugere-se a criação de estruturas económicas de adequado apoio para ajudar tais famílias. Guiar os nubentes no caminho de preparação para o matrimónio 94. (39) A complexa realidade social e os desafios que a família hoje é chamada a enfrentar exigem um maior compromisso de toda a comunidade cristã na preparação dos nubentes para o matrimónio. Há que recordar a importância das virtudes. Entre elas, a castidade é condição preciosa para o crescimento genuíno do amor interpessoal. Sobre esta necessidade, os Padres sinodais são unânimes em sublinhar a exigência de um maior envolvimento de toda a comunidade, privilegiando o testemunho das próprias famílias, além de uma inserção da preparação ao matrimónio no caminho de iniciação cristã, sublinhando a ligação do matrimónio com o batismo e os outros sacramentos. Foi, ao mesmo tempo, posta em evidência a necessidade de programas específicos para a preparação próxima do matrimónio, que sejam uma verdadeira experiência de participação na vida eclesial e aprofundam os diversos aspetos da vida familiar. 95. Recomenda-se um alargamento dos temas formativos nos itinerários pré-matrimoniais, de modo que estes se tornem percursos de educação à fé e ao amor. Deveriam ter a fisionomia de um caminho orientado para o discernimento vocacional pessoal e de casal. Para o efeito, impõe-se a criação de uma melhor sinergia entre os vários âmbitos pastorais – juvenil, familiar, catequese, movimentos e associações –, capaz de qualificar o itinerário formativo em sentido mais eclesial. São várias as vozes que insistem na exigência de uma renovação da pastoral da família no quadro de uma pastoral de conjunto, capaz de abraçar todas as fases da vida com uma formação completa, que inclua a experiência e o valor do testemunho. Os percursos de preparação para o matrimónio sejam propostos também a casados, de modo a acompanhar os nubentes antes das núpcias e nos primeiros anos de vida matrimonial, valorizando assim a ministerialidade conjugal. Acompanhar os primeiros anos da vida matrimonial 96. (40) Os primeiros anos de matrimónio são um período vital e delicado, no qual os casais crescem conscientes dos desafios e do significado do matrimónio. Daí a exigência de um acompanhamento pastoral que continue depois da celebração do sacramento (cf. FC, parte III). É de grande importância nesta pastoral a presença de casais de esposos com experiência. A paróquia é considerada o lugar onde casais experientes podem ser postos à disposição dos mais jovens, com o eventual contributo de associações, movimentos eclesiais e novas comunidades. Há que encorajar os esposos a uma atitude fundamental de acolhimento do grande dom dos filhos. Deve sublinhar-se a importância da espiritualidade familiar, da oração e da participação na Eucaristia dominical, encorajando os casais a se reunirem XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 29 regularmente para promover o crescimento da vida espiritual e a solidariedade nas exigências concretas da vida. Liturgias, práticas devocionais e Eucaristias celebradas para as famílias, sobretudo no aniversário do matrimónio, foram indicadas como sendo vitais para favorecer a evangelização através da família. 97. Não raramente, nos primeiros anos de vida conjugal, dá-se uma certa introversão do casal, com o consequente isolamento do contexto social. Daí que seja necessário fazer sentir a proximidade da comunidade aos jovens esposos. É unânime a convicção de que a partilha de experiências de vida matrimonial ajuda as novas famílias a amadurecer uma maior tomada de consciência da beleza e dos desafios do matrimónio. A consolidação da rede relacional entre os casais e a criação de laços significativos são necessárias para o amadurecimento da dimensão familiar. Já que, muitas vezes, são sobretudo os movimentos e grupos eclesiais a oferecer e garantir tais momentos de crescimento e formação, deseja-se que, sobretudo a nível diocesano, se multipliquem os esforços para acompanhar de forma constante os jovens esposos. Capítulo III Família e acompanhamento eclesial Cuidado pastoral dos que vivem em matrimónio civil ou em convivências 98. (41) Continuando a anunciar e a promover o matrimónio cristão, o Sínodo encoraja também o discernimento pastoral das situações de muitos que já não vivem esta realidade. É importante entrar em diálogo pastoral com essas pessoas, a fim de evidenciar os elementos da sua vida, que possam levar a uma maior abertura ao Evangelho do matrimónio na sua plenitude. Os pastores devem identificar elementos que possam favorecer a evangelização e o crescimento humano e espiritual. Uma sensibilidade nova da pastoral atual consiste em colher os elementos positivos presentes nos matrimónios civis e, feitas as devidas diferenças, nas convivências. É necessário que, na proposta eclesial, embora afirmando com clareza a mensagem cristã, se indiquem também elementos construtivos nas situações que a ela não correspondem ou já não correspondem. 99. O sacramento do matrimónio, como união fiel e indissolúvel entre um homem e uma mulher chamados a se acolherem reciprocamente e a acolher a vida, é uma grande graça para a família humana. A Igreja tem o dever e a missão de anunciar essa graça a toda a pessoa e em todo o contexto. Deve também ser capaz de acompanhar os que vivem no matrimónio civil ou em convivência na descoberta gradual das sementes do Verbo que aí se encontram escondidas, para as valorizar até à plenitude da união sacramental. A caminho do sacramento nupcial 100. (42) Notou-se também que, em muitos Países, um “número crescente de casais convive ad experimentum, sem um matrimónio nem canónico nem civil” (IL 81). Nalguns Países, isso verifica-se sobretudo no matrimónio tradicional, concertado entre famílias e, muitas vezes, celebrado em várias etapas. Noutros Países, porém, cresce o número dos que, depois de terem vivido juntos por um longo período de tempo, pedem a celebração do matrimónio na Igreja. A simples convivência é, muitas vezes, preferida por causa da mentalidade geral contrária às instituições e aos compromissos definitivos, mas também pela espera de uma XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 30 segurança existencial (trabalho e salário fixo). Noutros Países, por fim, as uniões de facto são muito numerosas, não só pela recusa dos valores da família e do matrimónio, mas sobretudo pelo facto de que casar-se é considerado um luxo, pelas condições sociais, levando a miséria material a viver em união de facto. 101. (43) Todas estas situações devem ser enfrentadas de forma construtiva, procurando transformá-las em oportunidades de caminho para a plenitude do matrimónio e da família à luz do Evangelho. Trata-se de acolhê-las e acompanhá-las com paciência e delicadeza. Para esse fim, é importante o testemunho atraente de autênticas famílias cristãs, quais sujeitos da evangelização da família. 102. A opção pelo matrimónio civil ou, em diversos casos, pela convivência muitas vezes não é motivada por preconceitos ou resistências em relação à união sacramental, mas por situações culturais ou contingentes. Em muitas circunstâncias, a decisão de viver juntos é sinal de uma relação que se quer estruturar e abrir a uma perspetiva de plenitude. Essa vontade, que se traduz num laço duradouro, sério e aberto à vida, pode ser considerada uma condição para encetar um caminho de crescimento aberto à possibilidade do matrimónio sacramental: um bem possível a anunciar como dom que enriquece e fortifica a vida conjugal e familiar, mais do que como ideal de difícil realização. 103. Para ir ao encontro dessa necessidade pastoral, a comunidade cristã, sobretudo a nível local, deve empenhar-se em reforçar o estilo de acolhimento que lhe é próprio. Através da dinâmica pastoral das relações pessoais, é possível tornar concreta uma sã pedagogia, que, animada pela graça e de forma respeitosa, favoreça a abertura gradual das mentes e dos corações à plenitude do plano de Deus. Nesse âmbito, tem papel importante a família cristã que testemunha com a vida a verdade do Evangelho. Cuidar das famílias feridas (separados, divorciados não recasados, divorciados recasados, famílias monoparentais) 104. (44) Quando os esposos têm problemas nas suas relações, devem poder contar com a ajuda e o acompanhamento da Igreja. A pastoral da caridade e a misericórdia tendem a recuperar as pessoas e as relações. A experiência mostra que, com uma ajuda adequada e com a ação de reconciliação da graça, uma grande percentagem de crises matrimoniais é superada de forma satisfatória. Saber perdoar e sentir-se perdoados é uma experiência fundamental na vida familiar. O perdão entre os esposos permite viver um amor, que é para sempre e nunca passa (cf. 1 Cor 13,8). Por vezes, porém, torna-se difícil para quem recebeu o perdão de Deus ter a força de dar um perdão autêntico que regenere a pessoa. O perdão em família 105. No âmbito das relações familiares, a necessidade da reconciliação é praticamente quotidiana, por várias razões. As incompreensões provocadas pelas relações com as famílias de origem, o conflito entre diferentes costumes enraizados, a divergência sobre a educação dos filhos, a ânsia causada pelos problemas económicos, a tensão que surge pela perca do emprego: eis alguns dos motivos correntes que geram conflitos, para a superação dos quais é necessária uma constante disponibilidade para compreender as razões do outro e perdoar-se reciprocamente. A árdua arte da recomposição da relação necessita não só do apoio da graça, mas também da disponibilidade para pedir ajuda externa. Neste campo, a comunidade cristã deve mostrar-se verdadeiramente pronta. XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 31 Nos casos mais dolorosos, como o da infidelidade conjugal, é necessária uma verdadeira obra de reparação, para a qual é preciso estar disponível. Um pacto quebrado pode ser restabelecido: há que educar-se para essa esperança desde a preparação para o matrimónio. Recordam-se aqui a importância da ação do Espírito Santo no cuidado das pessoas e das famílias feridas e a necessidade de caminhos espirituais acompanhados por ministros experientes. É verdade, de facto, que o Espírito, “que é chamado pela Igreja ‘luz das consciências’, penetra e enche ‘as profundezas dos corações’ humanos. Mediante esta conversão no Espírito Santo, o homem abre-se ao perdão” (DeV 45). “O grande rio da misericórdia” 106. (45) No Sínodo ecoou com clareza a necessidade de escolhas pastorais corajosas. Reconfirmando com vigor a fidelidade ao Evangelho da família e reconhecendo que a separação e o divórcio são sempre feridas, que provocam profundos sofrimentos nos cônjuges que os vivem e nos filhos, os Padres sinodais aperceberam-se da urgência de caminhos pastorais novos, que partam da efetiva realidade das fragilidades familiares, sabendo que estas, muitas vezes, são mais “recebidas” com sofrimento do que escolhidas em plena liberdade. Trata-se de situações diversas por fatores tanto pessoais como culturais e socioeconómicos. É necessário um olhar diferenciado, como sugeria São João Paulo II (cf. FC 84). 107. Cuidar das famílias feridas e fazer-lhes experimentar a infinita misericórdia de Deus é considerado por todos um princípio fundamental. A atitude a ter com as pessoas envolvidas é, porém, diversificada. Por um lado, há quem considere necessário encorajar os que vivem uniões não matrimoniais a percorrer a estrada do regresso. Por outro lado, há quem apoie tais pessoas, convidando-as a olhar para a frente, a sair da prisão da raiva, da desilusão, do sofrimento e da solidão, para se pôr de novo em caminho. Certamente, afirmam outros, é uma arte de acompanhamento, que exige um discernimento prudente e misericordioso, bem como a capacidade de colher no concreto a diversidade de cada situação. 108. Não se esqueça que a experiência do fracasso matrimonial é sempre uma derrota, para todos. Por isso, depois da tomada de consciência das próprias responsabilidades, cada um tem necessidade de reencontrar confiança e esperança. Todos têm necessidade de dar e receber misericórdia. Há que promover, todavia, a justiça em relação a todas as partes envolvidas no fracasso do matrimónio (cônjuges e filhos). A Igreja tem o dever de pedir aos cônjuges separados e divorciados que se tratem com respeito e misericórdia, sobretudo para o bem dos filhos, aos quais não se deve causar ulteriores sofrimentos. Alguns pedem que também a Igreja mostre uma atitude análoga em relação aos que tenham quebrado a união. “Do coração da Trindade, do íntimo mais profundo do mistério de Deus, brota e flui incessantemente a grande torrente da misericórdia. Esta fonte nunca poderá esgotar-se, por maior que seja o número daqueles que dela se abeirem. Sempre que alguém tiver necessidade, poderá aceder a ela, porque a misericórdia de Deus não tem fim” (MV 25). A arte do acompanhamento 109. (46) Cada família deve ser, antes de mais, escutada com respeito e amor, tornando-se companheiros de viagem como Cristo com os discípulos no caminho de Emaús. Aplicam-se de modo especial a estas situações as palavras do Papa Francisco: “A Igreja deverá iniciar os seus membros – sacerdotes, religiosos e leigos – nesta ‘arte do acompanhamento’, para XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 32 que todos aprendam a descalçar sempre as sandálias diante da terra sagrada do outro (cf. Ex 3,5). Devemos dar ao nosso caminhar o ritmo salutar da proximidade, com um olhar respeitoso e cheio de compaixão, mas que ao mesmo tempo cure, liberte e anime a amadurecer na vida cristã” (EG 169). 110. Muitos apreciaram a referência dos Padres sinodais à imagem de Jesus que acompanha os discípulos de Emaús. Estar próximo da família como companheira de caminho significa, para a Igreja, assumir uma atitude sábia e diferenciada. Por vezes, há que permanecer ao lado e escutar em silêncio; outras vezes, ir à frente para indicar o caminho por onde prosseguir; outras vezes ainda, pôr-se atrás para apoiar e encorajar. Numa afetuosa partilha, a Igreja faz suas as alegrias e esperanças, os sofrimentos e angústias de cada família. 111. Sublinha-se que, neste âmbito da pastoral familiar, o maior apoio é dado pelos movimentos e associações eclesiais, nos quais a dimensão comunitária é mais afirmada e vivida. Ao mesmo tempo, também é importante preparar especificamente os sacerdotes para esse ministério da consolação e da cura. De várias partes vem o convite a criar centros especializados, onde sacerdotes e/ou religiosos aprendam a cuidar das famílias, sobretudo das feridas, e se comprometam em acompanhar o seu caminho na comunidade cristã, que nem sempre está preparada para desempenhar adequadamente semelhante tarefa. Os separados e os divorciados fiéis ao vínculo 112. (47) Um discernimento especial é indispensável para acompanhar pastoralmente os separados, os divorciados, os que foram abandonados. Há que acolher e valorizar, sobretudo, o sofrimento dos que sofreram injustamente a separação, o divórcio ou o abandono, ou que foram obrigados pelos maus tratos do cônjuge a romper a convivência. O perdão pela injustiça sofrida não é fácil, mas é um caminho que a graça torna possível. Daí a necessidade de uma pastoral da reconciliação e da mediação através também de centros de escuta especializados a instituir nas dioceses. Do mesmo modo, deve sempre sublinhar-se que é indispensável assumir de forma leal e construtiva as consequências que a separação ou o divórcio têm sobre os filhos, sempre vítimas inocentes da situação. Eles não podem ser um “objeto” a disputar, e devem procurar-se as melhores formas para que possam superar o trauma da separação familiar e crescer o mais serenamente possível. Em todo o caso, a Igreja deverá sempre pôr em relevo a injustiça que deriva, muitas vezes, da situação de divórcio. Deve dar-se especial atenção ao acompanhamento das famílias monoparentais e, sobretudo, há que ajudar as mulheres que tenham de arcar sozinhas com a responsabilidade da casa e a educação dos filhos. Deus nunca abandona 113. De várias partes faz-se notar que a atitude misericordiosa com aqueles cuja relação matrimonial se rompeu exige que se dê atenção aos diferentes aspetos objetivos e subjetivos que provocaram a sua rutura. Muitas vozes evidenciam que o drama da separação dá-se muitas vezes ao cabo de longos períodos de conflitualidade que, no caso de haver filhos, causaram ainda maiores sofrimentos. A isso segue-se a ulterior prova da solidão, na qual vem a encontrar-se o cônjuge que foi abandonado ou que teve a força de interromper uma convivência caracterizada por contínuos e graves maus tratos sofridos. Trata-se de situações para as quais se espera uma especial assistência da parte da comunidade cristã, sobretudo em relação às famílias monoparentais, onde, por vezes, surgem problemas económicos resultantes de um trabalho precário, da dificuldade de manter os filhos, da falta de uma casa. XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 33 A condição dos que não enveredam por uma nova união, mantendo-se fiéis ao vínculo, merece todo o apreço e apoio da Igreja, que tem o dever de lhes mostrar o rosto de um Deus que nunca abandona e é sempre capaz de restituir força e esperança. A simplificação dos processos e a relevância da fé nas causas de nulidade 114. (48) Um grande número de Padres sublinhou a necessidade de tornar mais acessíveis e ágeis, se possível totalmente gratuitos, os processos para o reconhecimento dos casos de nulidade. Entre as propostas foram indicadas: a superação da necessidade da dupla sentença conforme; a possibilidade de estabelecer uma via administrativa, sob a responsabilidade do bispo diocesano; um processo sumário, a realizar nos casos de nulidade notória. Alguns Padres, porém, mostram-se contrários a essas propostas, porque não garantiriam um juízo confiável. Há que insistir que, em todos estes casos, trata-se do apuramento da verdade sobre a validade do vínculo. Segundo outras propostas, deveria também considerar-se a possibilidade de dar relevo ao papel da fé dos nubentes em ordem à validade do sacramento do matrimónio, tendo como ponto firme que, entre batizados, todos os matrimónios válidos são sacramento. 115. Há um vasto consenso sobre a oportunidade de tornar mais acessíveis e ágeis, possivelmente gratuitos, os processos de reconhecimento dos casos de nulidade matrimonial. Quanto à gratuidade, alguns sugerem que se crie nas dioceses um serviço estável de aconselhamento gratuito. Quanto à dupla sentença conforme, é vasta a convergência no sentido de a superar, ressalvada a possibilidade de recurso por parte do Defensor do vínculo ou de uma das partes. Por sua vez, não encontra consenso unânime a possibilidade de um processo administrativo sob a responsabilidade do bispo diocesano, com alguns a realçar os seus aspetos problemáticos. Regista-se, ao invés, uma maior concordância sobre a possibilidade de um processo canónico sumário nos casos de nulidade notória. Quanto à importância da fé pessoal dos nubentes para a validade do consenso, nota-se uma convergência sobre a importância da questão e uma variedade de posições no seu aprofundamento. A preparação dos agentes e o incremento dos tribunais 116. (49) Sobre as causas matrimoniais, a simplificação do procedimento, pedida por muitos, para além da preparação de suficientes agentes, clérigos e leigos com dedicação prioritária, exige que se sublinhe a responsabilidade do bispo diocesano, que na sua diocese poderia encarregar consultores, devidamente preparados, que pudessem aconselhar gratuitamente as partes sobre a validade do seu matrimónio. Essa função poderia ser desempenhada por um secretariado ou por pessoas qualificadas (cf. DC, art. 113, 1). 117. Apresenta-se a proposta de, em cada diocese, garantir gratuitamente os serviços de informação, aconselhamento e mediação, ligados à pastoral familiar, à disposição sobretudo de pessoas separadas ou de casais em crise. Um serviço assim qualificado ajudaria as pessoas a percorrer o percurso judicial, que na história da Igreja resulta ser o caminho de discernimento mais acreditado para verificar a real validade do matrimónio. Além disso, de diversas partes pedem-se um incremento e uma maior descentralização dos tribunais eclesiásticos, dotando-os de pessoal qualificado e competente. XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 34 Linhas pastorais comuns 118. (50) As pessoas divorciadas, mas que não voltaram a casar, e que muitas vezes são testemunhas de fidelidade matrimonial, devem ser encorajadas a encontrar na Eucaristia o alimento que as sustente no seu estado. A comunidade local e os Pastores devem acompanhar essas pessoas com solicitude, sobretudo quando há filhos ou é grave a sua situação de pobreza. 119. Segundo diversas vozes, a atenção aos casos concretos deve ser conjugada com a necessidade de promover linhas pastorais comuns. A sua falta contribui para aumentar a confusão e divisão, causa um doloroso sofrimento nos que vivem o fracasso do matrimónio e que, por vezes, se sentem injustamente julgados. Por exemplo, constata-se que alguns fiéis separados, que não vivem numa nova união, consideram pecaminosa a própria separação, abstendo-se assim de receber os sacramentos. Há também casos de divorciados recasados civilmente, que, encontrando-se, por diversas razões, a viver em continência, não sabem que podem receber os sacramentos num lugar onde a sua condição não é conhecida. Há também situações de uniões irregulares de pessoas que, no foro interno, optaram pelo caminho da continência e podem, portanto, receber os sacramentos, procurando não provocar escândalo. São exemplos que confirmam a necessidade de dar indicações claras da parte da Igreja, para que os seus filhos, que se encontram em situações particulares, não se sintam discriminados. A integração dos divorciados recasados civilmente na comunidade cristã 120. (51) Também as situações dos divorciados que voltaram a casar exigem um atento discernimento e um acompanhamento de grande respeito, evitando toda a linguagem e atitude que os faça sentir discriminados, e promovendo a sua participação na vida da comunidade. Cuidar deles não é para a comunidade cristã um enfraquecimento da sua fé e do seu testemunho sobre a indissolubilidade matrimonial, mas, ao contrário, precisamente nessa atenção, se exprime a sua caridade. 121. De muitas partes pede-se que a atenção e o acompanhamento em relação aos divorciados recasados civilmente se orientem para uma sua integração cada vez maior na vida da comunidade cristã, tendo presente a diversidade das situações na sua origem. Mantendo-se válidas as sugestões do n.º 84 da Familiaris consortio, devem ser repensadas as formas de exclusão atualmente praticadas no campo litúrgico-pastoral, no educativo e no caritativo. Uma vez que esses fiéis não estão fora da Igreja, propõe-se que se reflita sobre a oportunidade de eliminar tais exclusões. Além disso, e sempre para favorecer uma sua maior integração na comunidade cristã, há que prestar uma atenção específica aos seus filhos, dado o insubstituível papel educativo dos pais, em nome do proeminente interesse do menor. Seria bom que esses caminhos de integração pastoral dos divorciados recasados civilmente fossem precedidos de um oportuno discernimento da parte dos pastores sobre a irreversibilidade da situação e a vida de fé do casal em nova união; fossem acompanhados de uma sensibilização da comunidade cristã em ordem ao acolhimento das pessoas interessadas e se realizassem segundo uma lei de gradualidade (cf. FC, 34), respeitadora do amadurecimento das consciências. O caminho penitencial 122. (52) Refletiu-se sobre a possibilidade de os divorciados e recasados terem acesso aos sacramentos da Penitência e da Eucaristia. Diversos Padres sinodais insistiram em favor da XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 35 disciplina atual, pela relação constitutiva entre a participação na Eucaristia e a comunhão com a Igreja e com o seu ensinamento sobre o matrimónio indissolúvel. Outros exprimiramse em favor de um acolhimento não generalizado à mesa eucarística, nalgumas situações particulares e com condições bem definidas, sobretudo tratando-se de casos irreversíveis e ligados a obrigações morais para com os filhos, que viriam a sofrer injustamente. O eventual acesso aos sacramentos deveria ser precedido de um caminho penitencial, sob a responsabilidade do bispo diocesano. A questão precisa de ser aprofundada, tendo bem presente a distinção entre situação objetiva de pecado e circunstâncias atenuantes, dado que “a imputabilidade e a responsabilidade de um ato podem ser diminuídas ou anuladas” por diversos “fatores psíquicos ou de carácter social” (CIC 1735). 123. Relativamente à referida problemática, existe uma concordância sobre a hipótese de um itinerário de reconciliação ou via penitencial, sob a autoridade do bispo, para os fiéis divorciados recasados civilmente, que se encontram em situação de convivência irreversível. Em referência ao n.º 84 da Familiaris consortio, sugere-se um percurso de tomada de consciência do fracasso e das feridas por ele provocadas, com arrependimento, verificação da eventual nulidade do matrimónio, empenho de comungar espiritualmente e propósito de viver em continência. Outros entendem a via penitencial como um processo de clarificação e de nova orientação, depois do fracasso vivido, acompanhado por um presbítero designado para o efeito. Tal processo deveria conduzir o interessado a uma honesta avaliação da própria condição, em que também o mesmo presbítero pudesse amadurecer uma sua avaliação para poder exercer o poder de ligar e desligar de modo adequado à situação. Em vista do aprofundamento sobre a situação objetiva de pecado e a imputabilidade moral, alguns sugerem que se tenha em consideração a Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre a receção da Comunhão Eucarística da parte de fiéis divorciados recasados da Congregação para a Doutrina da Fé (14 de setembro de 1994) e a Declaração sobre a admissão à Sagrada Comunhão dos divorciados recasados do Conselho Pontifício para os Textos Legislativos (24 de junho de 2000). A participação espiritual na comunhão eclesial 124. (53) Alguns Padres defenderam que as pessoas divorciadas e recasadas ou conviventes possam recorrer frutuosamente à comunhão espiritual. Outros Padres perguntaram porque não podem aceder à sacramental. Pede-se, portanto, um aprofundamento desta temática capaz de fazer emergir a peculiaridade das duas formas e a sua relação com a teologia do matrimónio. 125. O caminho eclesial de incorporação a Cristo, iniciado com o Batismo, inclusive para os fiéis divorciados e recasados civilmente realiza-se por graus através de uma conversão contínua. Nesse percurso, são várias as modalidades de os convidar a conformar a sua vida com o Senhor Jesus, que, com a sua graça, os mantém na comunhão eclesial. Como sugere ainda o n.º 84 da Familiaris consortio, entre essas formas de participação recomendam-se a escuta da Palavra de Deus, a participação na celebração eucarística, a perseverança na oração, as obras de caridade, as iniciativas comunitárias em favor da justiça, a educação dos filhos na fé, o espírito de penitência, tudo apoiado pela oração e testemunho acolhedor da Igreja. Fruto dessa participação é a comunhão do crente com toda a comunidade, expressão da real inserção no Corpo eclesial de Cristo. No que se refere à comunhão espiritual, há que recordar que esta pressupõe a conversão e o estado de graça e está ligada à comunhão sacramental. XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 36 Matrimónios mistos e com disparidade de culto 126. (54) As problemáticas relativas aos matrimónios mistos reapareceram com frequência nas intervenções dos Padres sinodais. Nalguns contextos, a diversidade da disciplina matrimonial das Igrejas ortodoxas levanta problemas, sobre o que se impõe uma reflexão no âmbito ecuménico. Analogamente, para os matrimónios inter-religiosos será importante o contributo do diálogo com as religiões. 127. Os matrimónios mistos e os matrimónios com disparidade de culto apresentam múltiplos aspetos de criticidade e de difícil solução, não tanto a nível normativo como no lano pastoral. Indicam-se, por exemplo, a problemática da educação religiosa dos filhos; a participação na vida litúrgica do cônjuge, tratando-se de matrimónios mistos com batizados de outras confissões cristãs; a partilha de experiências espirituais com o cônjuge que pertence a outra religião ou também não crente em procura. Deveria, portanto, elaborar-se um código de bom comportamento, de modo que um cônjuge não ponha obstáculo ao caminho de fé do outro. Daí que, no intuito de enfrentar de forma construtiva as diversidades em matéria de fé, se deva prestar especial atenção às pessoas que se unem nesses matrimónios, e não apenas no período que precede as núpcias. 128. Alguns sugerem que os matrimónios mistos sejam incluídos nos casos de “grave necessidade”, em que é dada a possibilidade a batizados fora da comunhão plena com a Igreja Católica, mas que partilham a sua fé sobre a Eucaristia, de serem admitidos à receção desse sacramento na falta dos seus pastores (cf. EdE 45-46; Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, Diretório para a Aplicação dos Princípios e Normas para o Ecumenismo, 25 de março de 1993, 122-128), tendo em conta também os critérios próprios da comunidade eclesial a que pertencem. A peculiaridade da tradição ortodoxa 129. A referência que alguns fazem à prática matrimonial das Igrejas ortodoxas deve ter presente a diversidade do conceito teológico de núpcias. Na Ortodoxia, há a tendência a inserir a prática de abençoar as segundas uniões na noção de “economia” (oikonomia), entendida como condescendência pastoral em relação aos matrimónios fracassados, sem pôr em discussão o ideal da monogamia absoluta, ou seja, da unicidade do matrimónio. Essa bênção é, em si mesma, uma celebração penitencial para invocar a graça do Espírito Santo, a fim de curar a fraqueza humana e levar os penitentes à comunhão com a Igreja. A atenção pastoral às pessoas com tendência homossexual 130. (55) Algumas famílias vivem a experiência de ter no seu seio pessoas com tendência homossexual. A tal propósito, interrogámo-nos sobre qual devia ser a atenção pastoral oportuna perante essa situação, tendo presente o que a Igreja ensina: “Não existe nenhum fundamento para equiparar ou estabelecer analogias, mesmo remotas, entre as uniões homossexuais e o plano de Deus sobre o matrimónio e a família”. E, do mesmo modo, os homens e as mulheres com tendências homossexuais devem ser acolhidos com respeito e delicadeza. “Deve evitar-se para com eles qualquer atitude de injusta discriminação” (Congregação para a Doutrina da Fé, Considerações sobre os projetos de reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais, 4). XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 37 131. Sublinha-se que toda a pessoa, independentemente da sua orientação sexual, deve ser respeitada na sua dignidade e acolhida com sensibilidade e delicadeza, tanto na Igreja como na sociedade. Deseja-se que os projetos pastorais diocesanos dediquem uma atenção específica ao acompanhamento das famílias em que vivam pessoas com tendência homossexual bem como a essas mesmas pessoas. 132. (56) É absolutamente inaceitável que os Pastores da Igreja recebam pressões nesta matéria e que os organismos internacionais condicionem as ajudas financeiras aos Países pobres à introdução de leis que instituam o “matrimónio” entre pessoas do mesmo sexo. Capítulo IV Família, geração, educação A transmissão da vida e o desafio da quebra da natalidade 133. (57) Não é difícil constatar o difundir-se de uma mentalidade que reduz a geração da vida a uma variável da projeção individual ou de casal. Os fatores de ordem económica têm um peso, por vezes, determinante, contribuindo para a forte quebra da natalidade, que enfraquece o tecido social, compromete a relação entre as gerações e torna mais incerto o olhar sobre o futuro. A abertura à vida é exigência intrínseca do amor conjugal. Nesta perspetiva, a Igreja apoia as famílias que acolhem, educam e circundam de afeto os filhos portadores de deficiência. 134. Recordou-se que é necessário continuar a divulgar os documentos do Magistério da Igreja que promovem a cultura da vida, perante a crescente difusão da cultura de morte. Sublinha-se a importância de alguns centros que investigam sobre a fertilidade e a infertilidade humana, e que favorecem o diálogo entre bioeticistas católicos e cientistas das tecnologias biomédicas. A pastoral familiar deveria envolver mais os especialistas católicos em matéria biomédica nos percursos de preparação para o matrimónio e no acompanhamento dos cônjuges. 135. É urgente que os cristãos comprometidos na política promovam opções legislativas adequadas e responsáveis em ordem à promoção e defesa da vida. Como a voz da Igreja se faz escutar a nível sociopolítico sobre esses temas, assim é necessário que se multipliquem os esforços para entrar em acordo com os organismos internacionais e nas instâncias de decisão política, a fim de promover o respeito pela vida humana desde a conceção à morte natural, com especial atenção para com as famílias com filhos portadores de deficiência. A responsabilidade geradora 136. (58) Também neste âmbito, é necessário partir da escuta das pessoas e explicar a beleza e a verdade de uma abertura incondicional à vida como algo de que o amor humano precisa, para vivê-lo em plenitude. É sobre esta base que pode assentar um adequado ensinamento sobre os métodos naturais para a procriação responsável. Isso ajuda a viver de forma harmoniosa e consciente a comunhão entre os cônjuges, em todas as suas dimensões, inclusive na responsabilidade geradora. Há que redescobrir a mensagem da Encíclica Humanae vitae do Beato Paulo VI, que sublinha a necessidade de respeitar a dignidade da pessoa, na avaliação moral dos métodos de regulação da natalidade. A adoção de crianças, XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 38 órfãs e abandonadas, acolhidas como próprios filhos, é uma forma específica de apostolado familiar (cf. AA, III,11), várias vezes lembrada e encorajada pelo magistério (cf. FC, III,II; EV, IV,93). A escolha da adoção e da entrega exprime uma fecundidade especial da experiência conjugal, não só quando esta é marcada pela esterilidade. Essa escolha é sinal eloquente do amor familiar, ocasião para testemunhar a própria fé e restituir dignidade filial a quem dela foi privado. 137. Tendo presente a riqueza de sabedoria contida na Humanae vitae em relação às questões que a mesma aborda, emergem dois polos que requerem uma constante conjugação. Por um lado, o papel da consciência entendida como voz de Deus que ecoa no coração humano educado a escutá-la; por outro, a indicação moral objetiva, que impede que se considere a geração como uma realidade em que arbitrariamente se decide, prescindindo do plano divino sobre a procriação humana. Quando prevalece a referência ao polo subjetivo, facilmente se corre o risco de escolhas egoístas; no outro caso, a norma moral é vista como um peso insuportável, não correspondendo às exigências e possibilidades da pessoa. A conjugação dos dois aspetos, vivida com o acompanhamento de um guia espiritual competente, poderá ajudar os cônjuges a fazer escolhas plenamente humanizadoras e conformes à vontade do Senhor. Adoção e acolhimento 138. Para dar uma família a tantas crianças abandonadas, muitos pediram que se desse maior ênfase à importância da adoção e do acolhimento. A esse respeito, foi evidenciada a necessidade de afirmar que a educação de um filho se deve basear na diferença sexual, aliás como a procriação. Portanto, também aquela tem o seu fundamento no amor conjugal entre um homem e uma mulher, que constitui a base indispensável para a formação integral da criança. Perante as situações, em que o filho por vezes é querido “para nós mesmos” e de qualquer maneira – como se fosse um prolongamento dos próprios desejos –, a adoção e o acolhimento, retamente entendidas, revelam um aspeto importante da genitorialidade e da filiação, uma vez que ajudam a reconhecer que os filhos, tanto naturais como adotivos ou confiados, são “diversos de nós” e há que acolhê-los, amá-los, cuidar deles, e não apenas “pô-los no mundo”. Partindo desses pressupostos, a realidade da adoção e do acolhimento deve ser valorizada e aprofundada, inclusive dentro da teologia do matrimónio e da família. A vida humana, mistério intocável 139. (59) Deve-se ajudar a viver a afetividade, inclusive na ligação conjugal, como um caminho de amadurecimento, no cada vez mais profundo acolhimento do outro e numa doação cada vez mais plena. Nesse sentido, há que insistir sobre a necessidade de oferecer caminhos formativos que alimentem a vida conjugal e sobre a importância de um laicado que ofereça um acompanhamento feito de testemunho vivo. É de grande ajuda o exemplo de um amor fiel e profundo, feito de ternura e respeito, capaz de crescer no tempo e que, no seu concreto abrir-se à geração da vida, faz a experiência de um mistério que nos transcende. 140. A vida é dom de Deus e mistério que nos transcende. Daí que não se devam de maneira nenhuma “descartar” os inícios e a fase terminal. Ao contrário, é necessário assegurar a essas fases uma especial atenção. Hoje, demasiado facilmente “o ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de consumo, que se pode usar e depois deitar fora. Assim teve início a cultura do ‘descartável’ que, aliás, chega a ser promovida” (EG, 53). A esse respeito, é função da família, apoiada por toda a sociedade, acolher a vida nascente e cuidar da sua fase última. XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 39 141. Quanto ao drama do aborto, a Igreja afirma, antes de mais, o carácter sagrado e inviolável da vida humana e empenha-se concretamente em favor da mesma. Graças às suas instituições, oferece aconselhamento às grávidas, apoia as raparigas-mães, presta assistência às crianças abandonadas, está próxima dos que sofreram com o aborto. Aos que trabalham nas estruturas de saúde recorda-se a obrigação moral da objeção de consciência. Do mesmo modo, a Igreja não só sente a urgência de afirmar o direito à morte natural, evitando o excesso terapêutico e a eutanásia, mas também cuida dos idosos, protege as pessoas portadoras de deficiência, assiste os doentes terminais e conforta os moribundos. O desafio da educação e o papel da família na evangelização 142. (60) Um dos desafios fundamentais, que hoje se põe às famílias, é certamente o da educação, que se torna mais exigente e complexa pela realidade cultural atual e pela grande influência dos meios de comunicação social. Devem ser tidas na devida conta as exigências e as expetativas das famílias, que são capazes de ser, na vida quotidiana, lugares de crescimento, de concreta e essencial transmissão das virtudes, que dão forma à existência. Isso significa que os pais podem escolher livremente o tipo de educação a dar aos filhos, segundo as suas convicções. 143. Há consenso unânime em afirmar que a primeira escola de educação é a família e que a comunidade cristã serve de apoio e integração nesse papel formativo insubstituível. De várias partes, considera-se necessário encontrar espaços e momentos de encontro para encorajar a formação dos pais e a partilha de experiências entre famílias. É importante que os pais sejam envolvidos de forma ativa nos caminhos de preparação para os sacramentos da iniciação cristã, na qualidade de primeiros educadores e testemunhas de fé para os seus filhos. 144. Nas diferentes culturas, os adultos da família conservam uma função educativa insubstituível. Porém, em muitos contextos assiste-se a um progressivo enfraquecimento do papel educativo dos pais, devido a uma presença invasiva dos meios de comunicação social no seio da esfera familiar, para além da tendência a delegar esse compromisso a outros sujeitos. Pede-se que a Igreja encoraje e apoie as famílias na sua obra de participação vigilante e responsável em relação aos programas escolares e educativos que envolvem os seus filhos. 145. (61) A Igreja desempenha um papel precioso de apoio às famílias, partindo da iniciação cristã, através de comunidades acolhedoras. Pede-se-lhe, hoje mais do que ontem, tanto nas situações complexas como nas ordinárias, que apoie os pais no seu compromisso educativo, acompanhando as crianças, os adolescentes e os jovens no seu crescimento, através de caminhos personalizados capazes de os introduzir no sentido pleno da vida e de provocar escolhas e responsabilidades vividas à luz do Evangelho. Maria, na sua ternura, misericórdia e sensibilidade materna, pode saciar a fome de humanidade e de vida, pelo que é invocada pelas famílias e pelo povo cristão. A pastoral e uma devoção mariana são um ponto de partida oportuno para anunciar o Evangelho da família. 146. Cabe à família cristã o dever de transmitir a fé aos filhos, fundado no compromisso assumido na celebração do matrimónio. Ele deve ser desempenhado ao longo da vida familiar, com o apoio da comunidade cristã. De modo especial, as circunstâncias da preparação dos filhos para os sacramentos da iniciação cristã são ocasiões preciosas de XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 40 redescoberta da fé da parte dos pais, que voltam ao fundamento da sua vocação cristã, vendo em Deus a fonte do seu amor, que Ele consagrou com o sacramento nupcial. O papel dos avós na transmissão da fé e das práticas religiosas não deve ser esquecido: são apóstolos insubstituíveis nas famílias, com o conselho sábio, a oração e o bom exemplo. A participação na liturgia dominical, a escuta da Palavra de Deus, a frequência dos sacramentos e a caridade vivida farão com que os pais deem aos próprios filhos um testemunho claro e credível de Cristo. XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 41 CONCLUSÃO 147. O presente “Instrumentum Laboris” é fruto do caminho intersinodal nascido da criatividade pastoral do Papa Francisco, que, em coincidência com o quinquagésimo aniversário do encerramento do Concílio Vaticano II e da instituição do Sínodo dos Bispos por parte do Beato Paulo VI, convocou, à distância de um ano, duas Assembleias sinodais diferentes sobre o mesmo tema. Se a III Assembleia geral extraordinária do outono de 2014 ajudou toda a Igreja a focalizar “Os desafios pastorais sobre a família no contexto da evangelização”, a XIV Assembleia geral ordinária, programada para outubro de 2015, será chamada a refletir sobre “A vocação e a missão da família na Igreja e no mundo contemporâneo”. Não se pode também esquecer que a celebração do próximo Sínodo se situa à luz do Jubileu extraordinário da Misericórdia proclamado pelo Papa Francisco, que terá início a 8 de dezembro de 2015. Também neste caso, o grande número de contributos chegados à Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos mostrou o extraordinário interesse e a ativa participação de todos os componentes do Povo de Deus. Embora a síntese que se apresenta não possa dar uma ideia plena da riqueza do material enviado por todos os Continentes, o texto está em condições de espelhar de forma fiável a perceção e as expetativas de toda a Igreja sobre o tema crucial da família. Confiamos os trabalhos da próxima Assembleia sinodal à Sagrada Família de Nazaré, que “nos compromete a redescobrir a vocação e a missão da família” (Francisco, Audiència geral, 17 de dezembro de 2014). Oração à Sagrada Família Jesus, Maria e José, em Vós contemplamos o esplendor do verdadeiro amor; a Vós, com confiança, nos dirigimos. Sagrada Família de Nazaré, tornai também as nossas famílias lugares de comunhão e cenáculos de oração, escolas autênticas do Evangelho e pequenas Igrejas domésticas. Sagrada Família de Nazaré, que nunca mais se faça nas famílias experiência de violência, egoísmo e divisão: quem ficou ferido ou escandalizado depressa conheça consolação e cura. Sagrada Família de Nazaré, que o próximo Sínodo dos Bispos possa despertar, em todos, a consciência do carácter sagrado e inviolável da família, a sua beleza no projeto de Deus. XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 42 Jesus, Maria e José, escutai, atendei a nossa súplica. Ámen. © Copyright 2015 – Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos e Libreria Editrice Vaticana. Este texto pode ser reproduzido pelos Organismos Episcopais ou com sua autorização, sob condição de não alterar o seu conteúdo e que dois exemplares da publicação sejam enviados à Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos, 00120 Cidade do Vaticano. XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 43 ÍNDICE APRESENTAÇÃO INTRODUÇÃO [1-5] I PARTE A ESCUTA DOS DESAFIOS SOBRE A FAMÍLIA Capítulo I - A família e o contexto antropológico-cultural O contexto sociocultural [6] A mudança antropológica [7] As contradições culturais [8] As contradições sociais [9] Fragilidade e força da família [10] Capítulo II - A família e o contexto socioeconómico A família, bem insubstituível da sociedade [11] Políticas em favor da família [12] O desafio da solidão e da precariedade [13] O desafio económico [14] O desafio da pobreza e a exclusão social O desafio ecológico [16] Capítulo III - Família e inclusão A terceira idade [17] O desafio da viuvez [18-19] A última fase da vida e o luto em família [20] O desafio da deficiência [21-23] O desafio das migrações [24-27] Alguns desafios especiais [28] A família e as crianças [29] O papel das mulheres [30] Capítulo IV - Família, afetividade e vida A importância da vida afetiva [31] A formação da afetividade [32] Fragilidade e imaturidade afetivas [33] O desafio bioético [34] O desafio para a pastoral [35-36] XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 44 II PARTE O DISCERNIMENTO DA VOCAÇÃO FAMILIAR Capítulo I - Família e pedagogia divina O olhar para Jesus e a pedagogia divina na história da salvação [37] A Palavra de Deus em família [38] A pedagogia divina [39] Matrimónio natural e plenitude sacramental [40] Jesus e a família [41] A indissolubilidade, dom e tarefa [42] O estilo da vida familiar [43] A família no plano salvífico de Deus [44] União e fecundidade dos cônjuges [45] A família, imagem da Trindade [46] Capítulo II - Família e vida da Igreja A família nos documentos da Igreja [47] A dimensão missionária da família [48] A família, caminho da Igreja [49] A medida divina do amor [50] A família em oração [51] Família e fé [52] Catequese e família [53] A indissolubilidade do matrimónio e a alegria de viver juntos [54-55] Capítulo III - Família e caminho para a sua plenitude O mistério criatural do matrimónio [56-57] Verdade e beleza da família e misericórdia para com as famílias feridas e frágeis [58] A íntima ligação entre Igreja e família [59-60] A família, dom e tarefa [61] Ajudar a alcançar a plenitude [62-64] Os jovens e o receio de casar [65-67] A misericórdia é verdade revelada [68] III PARTE A MISSÃO DA FAMÍLIA HOJE Capítulo I - Família e evangelização Anunciar o Evangelho da família hoje, nos vários contextos [69] Ternura em família – ternura de Deus [70-71] A família, sujeito da pastoral [72] A liturgia nupcial [73] A família, obra de Deus [74-75] Conversão missionária e linguagem renovada [76-78] A mediação cultural [79] XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 45 A Palavra de Deus, fonte de vida espiritual para a família [80-81] A sinfonia das diferenças [82-83] Capítulo II - Família e formação A preparação para o matrimónio [84-86] A formação dos futuros presbíteros [87-88] A formação do clero e dos agentes pastorais [89] Família e instituições públicas [90-91] O compromisso sociopolítico em favor da família [92] Indigência e risco de usura [93] Guiar os nubentes no caminho de preparação para o matrimónio [94-95] Acompanhar os primeiros anos da vida matrimonial [96-97] Capítulo III - Família e acompanhamento eclesial Cuidado pastoral dos que vivem em matrimónio civil ou em convivências [98-99] A caminho do sacramento nupcial [100-103] Cuidar das famílias feridas (separados, divorciados não recasados, divorciados recasados, famílias monoparentais) [104] O perdão em família [105] “O grande rio da misericórdia” [106-108] A arte do acompanhamento [109-111] Os separados e os divorciados fiéis ao vínculo [112] Deus nunca abandona [113] A simplificação dos processos e a relevância da fé nas causas de nulidade [114-115] A preparação dos agentes e o incremento dos tribunais [116-117] Linhas pastorais comuns [118-119] A integração dos divorciados recasados civilmente na comunidade cristã [120-121] O caminho penitencial [122-123] A participação espiritual na comunhão eclesial [124-125] Matrimónios mistos e com disparidade de culto [126-128] A peculiaridade da tradição ortodoxa [129-] A atenção pastoral às pessoas com tendência homossexual [130-132] Capítulo IV - Família, geração, educação A transmissão da vida e o desafio da quebra da natalidade [133-135] A responsabilidade geradora [136-137] Adoção e acolhimento [138] A vida humana, mistério intocável [139-141] O desafio da educação e o papel da família na evangelização [142-146] CONCLUSÃO [147] Oração à Sagrada Família XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos [Roma, 4-25 de outubro de 2015] - Instrumentum Laboris 46
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