Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

Transcrição

Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil
ALMANAQUE HISTÓRICO
O
Projeto Memória — uma parceria
entre a Fundação Banco do Brasil e a
Odebrecht — vem, desde 1997,
resgatando, difundindo e preservando a
história de fatos e personalidades que,
nas mais diversas áreas, tenham
contribuído para formar a identidade
cultural do país.
S
ão iniciativas como exposições,
montadas em centenas de cidades;
edição de livros de arte e material
pedagógico, distribuídos em escolas,
bibliotecas e instituições culturais nos 26
estados brasileiros e no Distrito Federal;
produção de videodocumentários,
também exibidos em todo o país; e
edição de páginas na internet, que
reúnem todo o material pesquisado
sobre os personagens que já foram
tema do projeto: Castro Alves, Monteiro
Lobato, Rui Barbosa, Pedro Álvares
Cabral e Juscelino Kubitschek.
O
Almanaque histórico “Oswaldo
Cruz — o médico do Brasil”, elaborado
com base em pesquisa rigorosa e
ilustrado com imagens de época, faz
parte da edição 2003 do Projeto
Memória, que homenageia o grande
cientista.
A
lém de garantir leitura prazerosa e
informativa para quem deseje conhecer
melhor a vida e o tempo de Oswaldo
Cruz, este almanaque é uma fonte de
pesquisa segura para estudantes e
professores, pois foi concebido para ser
usado em sala de aula. Com ele, será
distribuído um guia de orientação
destinado a professores da quinta à
oitava séries do ensino fundamental,
para enriquecer o trabalho pedagógico
nas cerca de 17 mil escolas públicas em
que vai circular.
E
m 2003, o Projeto Memória conta
com a colaboração fundamental da
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz),
entidade centenária que o sanitarista pôs
de pé, e à qual dedicou seus mais
generosos esforços.
ODEBRECHT
FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL
O
swaldo Cruz está na memória da maioria dos brasileiros como o grande médico e sanitarista que enfrentou as epidemias da passagem do século XIX para o século XX no Brasil, momento crucial no processo de modernização do país. Poucos, no entanto, conhecem
seus reais feitos na área de saúde pública, os
embates políticos em que se engajou, as pressões que recebeu da imprensa e da sociedade
de seu tempo.
Por querer implantar uma política séria de
saúde e saneamento para o Rio de Janeiro, tomando a capital federal como modelo para o
resto do país, Oswaldo
foi duramente ironizado em charges, piadas
e críticas de todo tipo.
Enfrentou o Congresso
Nacional, os opositores do regime republicano e até mesmo a ira
do povo, que transbordou tragicamente na
Revolta da Vacina, em
1904.
A princípio, as
“ações de guerra” que
empreendeu contra a
febre amarela, a peste
bubônica e a varíola
não foram compreendidas pela população.
Seu espírito de homem
da ciência, porém, falou mais alto. Mesmo com os grandes reveses
que enfrentou, Oswaldo Cruz conseguiu se tornar “o médico do Brasil”, cuidando desse paciente com obstinada perseverança.
Percorreu o país em inéditas e custosas expedições sanitárias. Como um bandeirante da
modernidade, desvendou o Brasil sertanejo, tão
distante e desconhecido da numerosa e então
mais desenvolvida população da faixa litorânea.
Foi com base nesse trabalho que se iniciou
a desmistificação da idéia de que os problemas do Brasil poderiam ser explicados pela
composição racial do povo, pelo clima quente dos trópicos e até mesmo pela preguiça.
As conclusões tiradas do trabalho de Oswaldo
Cruz e sua equipe levaram os brasileiros a olhar
para o país com novos olhos. É nesse novo contexto que Monteiro Lobato, alguns anos mais
tarde, se sentirá obrigado a repensar uma de
suas criações mais conhecidas, o Jeca Tatu, caipira indolente e ignorante que simbolizaria o
espírito do homem do interior. “Ele não é assim porque é preguiçoso”, afirmará Lobato.
“Ele está assim porque está doente!”
O saldo do trabalho de Oswaldo e seus parceiros também foi extremamente positivo para
o desenvolvimento da ciência. À frente de um
instituto precário, localizado na distante Fazenda de Manguinhos,
nas imediações do Rio
de Janeiro, Oswaldo
Cruz transformou a escassez em abundância.
Construiu um grande
castelo, com o que havia de mais moderno
em termos de pesquisa
experimental, e deu à
ciência um merecido
templo, ainda hoje em
atividade. Contratou
grandes pesquisadores
brasileiros e estrangeiros, criou cursos de especialização e expandiu as fronteiras do conhecimento.
Infelizmente, Oswaldo Cruz não viveria para
ver os desdobramentos de suas iniciativas.
Morreu cedo, aos 44 anos — mas deixou em
seu lugar uma legião de cientistas e intelectuais que deram continuidade ao seu trabalho.
Neste almanaque, a vida do sanitarista pode
ser conhecida em detalhes, tanto do ponto de
vista científico como no plano pessoal. Pois
Oswaldo Cruz, além de se dedicar de maneira
irrestrita à ciência, o que lhe garantiria um
lugar especial na memória brasileira, fez de
sua vida uma extraordinária experiência humana, em que não faltaram afeto, coragem e
entusiasmo.
CARTA ENIGMÁTICA
– ão
+ or
–r
–m
+f
n+
– co
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+n
–c
–v
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–c
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Q
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+í
A
– de
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E
–b
– ia
+u
– bo
E
A
–l
+f
–L
+p
A
– le
–e
+i
Respostas na p.60
Efemérides da cidadania
JANEIRO
MAIO
01 Dia Mundial da Paz
11 Dia do Controle da Poluição
por Agrotóxicos
20 Dia do Farmacêutico
24 Dia da Constituição
01
13
05
12
27
31
FEVEREIRO
06 Dia do Agente de Defesa
Ambiental
11 Morte de Oswaldo Cruz (1917)
MARÇO
08
19
20
21
Dia Internacional da Mulher
Dia da Escola
Início do Outono
Dia Internacional Contra a
Discriminação Racial
22 Dia Internacional da Água
27 Dia da Inclusão Digital
ABRIL
08 Dia Mundial do Combate ao
Câncer
15 Dia da Conservação do Solo
18 Dia do Livro Infantil
19 Dia do Índio
21 Tiradentes
22 Dia do Descobrimento do
Brasil
Dia da Terra
24 Dia da Família na Escola
28 Dia da Educação
Dia
Dia
Dia
Dia
Dia
Dia
OUTUBRO
do Trabalho
da Abolição da Escravatura
do Campo
da Enfermagem
da Mata Atlântica
de Combate ao Fumo
JUNHO
04 Dia Mundial contra a Agressão
Infantil
05 Dia Mundial do Meio Ambiente
17 Dia Mundial da Luta Contra a
Desertificação
21 Início do Inverno
JULHO
01
02
17
20
Dia
Dia
Dia
Dia
da Vacina BCG
do Bombeiro
da Proteção às Florestas
Internacional da Amizade
NOVEMBRO
02
14
15
19
20
Dia de Finados
Dia da Alfabetização
Proclamação da República
Dia da Bandeira Nacional
Dia Nacional da Consciência
Negra
30 Dia do Estatuto da Terra
DEZEMBRO
AGOSTO
05 Dia da Saúde
Nascimento de Oswaldo Cruz
(1872)
22 Dia do Folclore
SETEMBRO
03
05
07
21
22
01 Dia Internacional das Pessoas
da Terceira Idade
04 Dia da Natureza
12 Dia de Nossa Senhora
Aparecida (padroeira do Brasil)
Dia da Criança
15 Dia do Professor
18 Dia do Desarmamento Infantil
Dia do Médico
29 Dia do Livro
Dia do Biólogo
Dia da Amazônia
Dia da Independência do Brasil
Dia da Árvore
Início da Primavera
OSWALDO CRUZ
2
01 Dia Mundial da Luta Contra a
Aids
08 Dia da Justiça
09 Dia da Criança Defeituosa
10 Dia Universal dos Direitos
Humanos
21 Início do Verão
25 Natal
31 Dia da Esperança
Sumário
Louros e glórias
40
Uma luta perdida
42
Caça aos ratos
24
O senhor do castelo
44
Em busca da
saúde dos portos
28
Tempo de formação
4
Encontro com a cidade-luz
8
Uma grande parceria
12
Abaixo a vacina obrigatória
30
Últimas ações
50
A Revolta da Vacina
32
O legado de Oswaldo Cruz
52
Página literária
36
O Rio no tempo de
Oswaldo Cruz
14
Saneamento:
palavra de ordem
18
Guerra aos mosquitos
20
Caricaturas
54
O novo Rio
38
O MÉDICO DO BRASIL
3
Cronologia
58
Tempo de formação
Nasce Oswaldo
Gonçalves Cruz
Era 5 de agosto de 1872
quando dona Amália Taborda
Bulhões deu à luz seu primeiro f ilho, Oswaldo, em São
Luís do Paraitinga, pequena
Oswaldo Cruz aos doze anos
de idade
cidade na Serra do Mar paulista. O pai, Bento Gonçalves
Cruz, começava a carreira de
médico. O casal se mudara da
cidade imperial do Rio de Janeiro para o interior de São
Paulo em busca de uma boa
clientela para o dr. Bento.
Desde a segunda metade do
século XIX, os agricultores de
São Luís do Paraitinga, em
vez de plantar o café que dominava as terras da região,
cultivavam feijão, milho e
mandioca. O “celeiro do Vale
do Paraíba” tornara-se um importante centro agrícola e já
abrigava uma das primeiras
fábricas de tecidos do Brasil.
O dr. Bento estabeleceu-se
como médico de prestígio na
cidade, guardou um bom dinheiro e cinco anos depois
voltou para o Rio de Janeiro,
com dona Amália e o garoto
Oswaldo.
Certo dia, o menino Oswaldo foi retirado
da aula e enviado às pressas para casa. Lá
chegando, encontrou o pai à sua espera: tinha
esquecido de arrumar a cama antes de sair.
PROBLEMA
DE
Oswaldo Cruz aos vinte anos
O jovem médico
Morando no bairro da Gávea, Oswaldo entrou na escola aos cinco anos, já alfabetizado pela mãe. Aos catorze,
ingressou na Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro.
Formou-se médico aos vinte,
horas antes da morte do pai,
a quem dedicou sua tese de
doutorado, “A veiculação microbiana pelas águas”. Nesse
trabalho, Oswaldo já mostra
interesse especial pela microbiologia, ramo da biologia que
estuda os microrganismos.
Aquela nova ciência ganhava
importância graças aos estudos feitos pelo francês Louis
Pasteur.
LÓGICA
Um marinheiro, cujo navio afundou, viu-se só em uma ilha, com febre altíssima. Do naufrágio
sobraram duas garrafas de remédio. Uma delas estava cheia até 3/4 do total, e a outra, vazia.
As instruções de como tomar o remédio prescreviam uma dose de metade da garrafa, nem
mais, nem menos. Como ele conseguiu resolver o problema?
Respostas na p.60
OSWALDO CRUZ
4
Museu Histórico-Pedagógico
Oswaldo Cruz
QUEM FOI?
Construída em taipa de pilão e pau-a-pique, a
casa onde Oswaldo Cruz nasceu e passou parte
da infância foi transformada em museu e centro
cultural, reunindo a biblioteca municipal, salas
para exposições e um auditório. No acervo, há
uma coleção de fotografias antigas de São Luís
do Paraitinga, porcelanas e objetos de arte sacra,
além de algumas pinturas.
uz
Bento Gonçalves CrRio
de
O pai de Oswaldo Cruz nasceu no
Janeiro, filho de um comerciante que
sua irmã
morreu prematuramente. Bento e
perdeu
logo
que
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um
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foram criados
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o.
irmã
pelo
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dificuldades, Bento entrou para a Facu
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estudos, para lutar como voluntár
ico e
Guerra do Paraguai, formou-se méd
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foi
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faziam muitos recém-formados. Caso
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teve
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Amá
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a-irm
prim
sua
com
morar
filhos. Cinco anos depois, voltou a
lou
insta
e
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fam
a
com
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no Rio de Jane
o um
entã
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Gáv
na
,
casa
em
rio
ultó
cons
bairro afastado do centro. Cultivou
numerosa clientela, formada
fábricas
principalmente por operários das
os
Tecid
a
o
com
o,
regiã
na
instaladas
Corcovado, onde trabalhava no
ambulatório.
Em 1886, dom Pedro II o nomeou
Pública.
membro da Junta Central de Higiene
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Repú
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já
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anos
Quatro
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e
Saúd
tornou-se inspetor-geral de
es:
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Ocupou esse carg
em
uma grave doença renal o mataria
nte no
8 de novembro de 1892, exatame
.
aldo
Osw
filho
do
a
atur
form
dia da
São Luís do Paraitinga
Fundada em 1769, São Luís do Paraitinga deve
seu nome ao padroeiro da localidade, São Luís, e
ao rio Paraitinga, em cujas margens havia um entreposto comercial utilizado pelos bandeirantes.
Seus habitantes – cerca de 10 mil – orgulhamse da cultura caipira e das festas tradicionais que
acontecem na região. A mais famosa é a do Divino, comemorada no dia de Pentecostes (cinqüenta
dias depois da Páscoa), quando se apresentam grupos de danças folclóricas como moçambique, jongo e congada, além de procissões, rezas e missas.
No centro histórico, antigos casarões compõem
um dos maiores conjuntos arquitetônicos dos séculos XVIII e XIX do estado de São Paulo. Lá
encontra-se preservada e transformada em museu a casa em que nasceu Oswaldo Cruz.
“O único progresso verdadeiro
é o progresso moral.
O resto é simplesmente ter mais
ou menos bens.”
José Saramago, escritor português
Casa onde nasceu Oswaldo Cruz, em São Luís
do Paraitinga
O MÉDICO DO BRASIL
5
Quando Oswaldo Cruz
freqüentou a escola...
Conta Gastão Pereira da
Silva, no livro Romance de
Oswaldo Cruz:
G
“Um dia o dr. Bento surpreendeu
Oswaldo fumando. Fez-lhe ver,
delicadamente (pois usava sempre
boas maneiras) que o fumo era prejudicial
à saúde. Narrou, em cores vivas, todos
os prejuízos do vício. Oswaldo ouviu-o
calado. Olhos baixos. Terminada a
advertência, disse-lhe a meia-voz o
menino:
— Mas se é assim, por que o senhor
fuma?
O argumento seria decisivo se o dr.
Bento continuasse a fumar. Entretanto,
nunca mais fumou. Nem Oswaldo!”
G
G
G
G
Crendices populares do
início do século XX
G
G
Se o galo cantar quando for para o
poleiro, é porque algo ruim vai acontecer
à família.
Os colégios secundários eram cursos
preparatórios para o ensino superior, para
que os filhos da classe dominante entrassem
na categoria dos “homens cultos”.
Havia 250 mil estudantes para uma
população de 14 milhões de habitantes (censo
de 1888), o que correspondia a menos de
2% do total da população brasileira.
Não havia freqüência mínima. Os alunos
podiam se inscrever em disciplinas, e não
em séries.
Naquela época, os pais que não enviassem
seus filhos à escola pagavam multa de 20 mil
a 100 mil réis. Na legislação federal, porém,
a instrução primária era livre, gratuita e
laica, mas não obrigatória. A obrigatoriedade
só aconteceu a partir de 1930.
A palmatória já era proibida, mas, na
prática, esse castigo ainda foi usado até o
início do século XX.
As escolas primárias eram chamadas de
“escolas de primeiras letras”.
A educação já era laica, isto é, o ensino
religioso não era mais praticado nas escolas
públicas.
Para evitar mordida de cachorro, virar
a roupa pelo avesso quando o
cachorro está se aproximando.
Para prevenir infecções, cortar o umbigo
ou cordão umbilical do recém-nascido
com uma tesoura virgem e enterrá-lo,
imediatamente, debaixo de uma moita,
onde ninguém passe.
Anedotas
Entre dois garotos:
— Estou indignado! A cada dose de óleo de
rícino que tomo, minha mãe coloca uma moeda
em meu cofre!
— E isso te dá raiva?
— Claro! Quando o cofre está cheio ela tira o
dinheiro e compra outra garrafa de óleo de rícino.
Não se põe galinha para chocar na
época das chuvas, pois os ovos
poderão gorar.
G
— Mamãe, por que é que o papai é careca?
— Ora, filhinho... Porque ele tem muitas
coisas para pensar e é muito inteligente!
— Então, por que é que você tem tanto cabelo?
— Cale a boca e tome a sopa, menino.
Para evitar que os ovos gorem quando
há trovoada, colocar três pedaços de
carvão no ninho da galinha ou fazer três
cruzes, com carvão, sobre cada ovo.
OSWALDO CRUZ
6
Oswaldo e Emília
Emília da Fonseca Cruz
Dois meses depois de formado, Oswaldo Cruz casouse com Emília da Fonseca, a
Miloca, com quem viveria até
morrer, em 1917. Ela era filha do comendador Manoel
José da Fonseca, um abastado
comerciante português que teria papel fundamental na carreira do genro. Oswaldo e Miloca tiveram seis filhos: Elisa,
Bento, Hercília, Oswaldo,
Zahra e Walter.
Todos eles (menos o quarto, que já tinha o nome do
pai), receberam o sobrenome
Oswaldo Cruz. A prática se
estende a toda a descendência
do sanitarista, desdobrada
hoje em treze netos e numerosos bisnetos e trinetos.
Os três filhos homens seguirão os passos do pai, formando-se em medicina. Dois
deles trabalharão na Fundação
Oswaldo Cruz, a Fiocruz —
que, como adiante se verá, foi
o grande legado do cientista.
Oswaldo Filho será diretor da
casa entre 1970 e 1972. O caçula, Walter, fará renome na
comunidade científica internacional. Bento, o mais velho,
não exercerá a profissão.
Mulher inteligente e espirituosa, avançada para o seu
tempo, Emília gostava de vestir-se bem, de passear e de
apostar nas corridas do Jockey Club do Rio de Janeiro.
Andava de tílburi, carro com dois assentos puxado por um
cavalo — a mesma condução que tomava para ir buscar o
marido no centro da cidade. No caminho de volta, enchia de
beijos e abraços o tímido Oswaldo.
“Pensar é mais
interessante do que
saber, mas não mais do
que olhar.”
Johann Wolfgang von Goethe,
escritor alemão
Sem ser exatamente uma virtuose, Miloca tocava piano.
Pour Élise, de Beethoven, era uma de suas peças prediletas.
Miloca viveu por quase oitenta anos.
Emília da Fonseca
com os filhos Ercília,
Walter e Elisa
(sentados), Bento e
Oswaldo (em pé)
Oswaldo Cruz manteve o hábito de
escrever cartas à esposa Miloca. Muitas
delas serviram aos historiadores como
documento de seus feitos em saúde e pesquisa. Entre elas,
porém, encontram-se exemplos de uma terna relação de
amor, como nesta, que ele, aos dezessete anos, escreve à
sua ainda noiva:
Minha querida Miloca
de
dão pela irreparável falta
Venho de joelhos pedir-te per
ça
ta, anjo meu, que é por for
não te ir visitar hoje; acredi
res de
do
com
,
do
estar muito resfria
maior, porque além de eu
ssar
pa
de
iria
aliás, não me imped
cabeça e de dentes (o que,
erec
pa
e
a;
e o estares só, em cas
um dia sem ver-te), acresc
ia
ser
je
que a minha visita ho
me que concordarás comigo
doado.
o, meu bem, que serei per
muito inconveniente. Esper
à
s passado e se vais amanhã
Manda-me dizer como ten
cidade.
res descer hoje porque o
Fizeste muito bem em quere
burro está aqui.
Do teu, para sempre,
Oswaldo
12/7/1889
O MÉDICO DO BRASIL
7
Encontro com a cidade-luz
Oswaldo Cruz
em Paris
Apaixonado por
lentes
Com o apoio financeiro do
sogro, em 1897 Oswaldo Cruz
mudou-se para Paris com a família. Seu objetivo era aperfeiçoar-se em microbiologia
no Instituto Pasteur. Naquele
momento, cresciam as descobertas sobre doenças patogênicas (transmitidas por microrganismos) e sorologia (o
estudo de tratamento de doenças com anticorpos obtidos no
sangue de animais).
Em Paris, aproveitou para
especializar-se em urologia,
área cada vez mais importante
devido ao aumento das doenças venéreas, e estudar medicina legal.
Paris também apresentou a
Oswaldo um outro tipo de laboratório: o de fotografia. A
descoberta se tornaria uma
grande paixão em sua vida.
Seduzido pela possibilidade
de registrar em imagens tudo
o que estava vivendo, Oswaldo Cruz comprou uma câmera capaz de fazer fotos estereoscópicas. Vistas através de
um visor especial, elas davam
o efeito de três dimensões.
Surgiu então um entusiasmado fotógrafo amador, que
registraria fatos importantes de
sua atividade científica e da
vida familiar. Anos mais tarde,
em casa, no Rio de Janeiro,
montaria um pequeno laboratório fotográfico.
Oswaldo Cruz no Instituto
Pasteur
Ao voltar ao Brasil, em 1899,
trouxe na bagagem, além da experiência da modernidade européia, o conhecimento de microbiologia que será fundamental em sua atuação nas áreas de
saúde e saneamento.
Entre pipetas e
provetas
No destaque, Oswaldo Cruz com
sua turma do Instituto Pasteur
Em Paris, Oswaldo Cruz impressionou-se com os laboratórios do Instituto Pasteur, muito diferentes dos que havia no
Rio de Janeiro. Estagiou em
uma fábrica de vidros para laboratório, para conhecer a técnica de vidraria e trazê-la ao
Brasil. Aprendeu a confeccionar ampolas, provetas, pipetas
e outros instrumentos afins.
Anos depois, fabricaria as primeiras ampolas brasileiras,
além de ensinar a técnica aos
funcionários do Instituto Soroterápico Federal, no Rio de Janeiro, que viria a dirigir.
OSWALDO CRUZ
8
Ao saber
que um jovem
médico brasileiro
estava inscrito
como aluno, o
diretor do Instituto Pasteur,
Émile Roux, o presenteou
com uma bolsa de
estudos. Era uma forma
de homenagear o Brasil
e seu antigo imperador,
dom Pedro II, que fizera
doações e patrocinara
estudos no instituto.
QUEM FOI?
O microscópio é um dos instrumentos
mais importantes da história da medicina.
Ele revolucionou o estudo das doenças
contagiosas e permitiu os estudos em microbiologia, histologia e patologia.
Louis Pasteur
A invenção do microscópio composto, que utiliza
diversas lentes, é controvertida. A maioria dos historiadores acredita que o instrumento foi inventado na Holanda, em 1590, pelo fabricante de óculos Zacarias Jansen. Outros dão o crédito a Antonie van Leeuwenhoek,
o cientista holandês que difundiu seu uso no século
XVII. Ao longo do tempo, a tecnologia dos microscópios avançou muito. Os modernos microscópios eletrônicos ampliam um microrganismo até 1 milhão de
vezes, enquanto um microscópio óptico convencional consegue aumentá-lo apenas 2 mil vezes.
(1822-1895)
Cientista francês, estudou física e
química, fez pesquisas na área de
por suas
cristalografia e tornou-se célebre
nismos.
orga
micr
dos
do
mun
no
descobertas
ecido
conh
ia
ficar
que
esso
proc
o
orou
Elab
ina
elim
que
,
ação
como pasteuriz
alimentos
microrganismos que contaminam
uma
ou
caus
e bebidas. A pasteurização
ção.
enta
alim
da
stria
revolução na indú
oração
Seu maior feito, porém, foi a elab
seres
e
cães
para
raiva
de vacinas contra
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A
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repercussão levou à criação,
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Paris
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Instituto Past
la. Louis
produção de vacinas em grande esca
tuto
insti
O
or.
diret
Pasteur foi seu primeiro
mais
dos
num
aria
sform
tran
logo se
mundo.
importantes centros de pesquisa do
Dicas para
fazer uma boa foto
Segure a câmara com firmeza
Aproxime-se do assunto a ser fotografado
Escolha um fundo neutro e simples
Cuide para que a luz do sol não incida
diretamente sobre a lente
Componha um cenário
Procure um ângulo interessante
“Capture” sentimentos
Pasteurização
Processo químico simples, para eliminar
micróbios nocivos de bebidas, que consiste
em elevar sua temperatura a um nível não
muito alto (57oC para vinho e cerveja e 63oC
para leite) por alguns minutos e resfriá-los
rapidamente, sem alterar o gosto.
O hábito de andar com uma
enorme pasta, onde carregava
sua máquina fotográfica, fez com
que os alunos de Oswaldo Cruz lhe
dessem o apelido de “Dr. Fotógrafo”.
N
O imperador Pedro II foi um grande amante de
fotografia. Sua coleção é um dos maiores acervos
de fotos do século XIX, e está preservada na
Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro.
N
A máquina fotográfica é uma invenção francesa.
Nicéphore Niepce (1765-1833) foi o primeiro a
fixar uma imagem em um filme
rudimentar. Seu sócio, o
pintor Louis Jacques Mandé
Daguerre (1787-1851),
desenvolveu a primeira câmera
fotográfica e deu nome a
uma técnica primitiva de
fotografia: o daguerreótipo.
O MÉDICO DO BRASIL
9
A moda em Paris
Na época em que Oswaldo Cruz viveu em Paris — final do século XIX —, a França
já ditava a moda para mulheres e homens em todo o Ocidente. E a indústria
francesa de perfumes já era a mais avançada do mundo. Veja como passeavam as
belas moçoilas e os elegantes homens franceses naqueles tempos:
E aqui no
Brasil?
Como a moda vinha de Paris, por incrível que pareça as
mulheres e os homens da sociedade usavam esses mesmos
modelitos. A diferença é que,
no Brasil, o clima tropical tornava essas peças extremamente inadequadas em cidades
como Rio de Janeiro ou Salvador, por exemplo.
ICONOGRAPHIA
ICONOGRAPHIA
Cavalheiro — Veste ternos
pesados e sóbrios, sempre
acompanhados de chapéu e
bengala; cuida especialmente
da costeleta, da barba e do bigode. Para dormir, não dispensa o camisolão e a “máscara
de bigodes”, para torná-los
apontados e elegantes.
ICONOGRAPHIA
Dama — Enfeitada com
rendas, sedas e babados, para
deixar suaves os contornos da
roupa. Usa espartilhos e ligas.
Nos trajes de passeio, os quadris ganham enfeites drapeados de curvas fechadas e a
maioria leva chapéus e sombrinhas.
Interior de loja de tecidos, Rio de
Janeiro, início do século XX
Qual a origem da
“água-de-colônia”?
Conta-se que na Guerra dos Sete Anos, entre
França e Grã Bretanha (1756 a 1763),
durante a ocupação da cidade alemã de
Colônia pela França, alguns oficiais franceses
compravam uma água de cheiro agradável,
tipo loção, e mandavam para as parisienses.
Em Paris, o líquido foi batizado “eau de
Cologne” (água de Colônia).
O baralho foi criado no século XVI pelo
francês Grinconneur. As cartas eram pintadas
à mão. Copas (n) simbolizava o clero;
espadas (m), a nobreza; paus (p), o povo; e
ouros (o), o comércio.
OSWALDO CRUZ
10
Paris e seus sabores
Em Paris, Oswaldo Cruz pôde conhecer a
culinária francesa, diferenciada por seus molhos, suas misturas de pratos doces e salgados
e a cremosidade das mousses e cremes. A influência da cozinha francesa no Brasil se estende até os dias de hoje.
Omelete com tomate
à provençal
A Belle Époque teve início por volta de 1880,
estendendo-se até a Primeira Guerra Mundial, na
Europa, e até meados da década de 20, no Brasil.
Foi um período de intenso progresso material, sob
a égide da ciência e da evolução tecnológica.
Inovações revolucionaram de forma abrupta o
modo de ser do cidadão burguês, provocando um
clima de euforia e de confiança nos avanços
empreendidos pelo homem e nos benefícios que
proporcionavam. A emergente burguesia industrial
e a classe média gozavam de todos os prazeres
materiais que a vida poderia lhes oferecer. A Belle
Époque foi um período de intensa atividade
artística, principalmente em Paris e em Viena.
A pintura era marcada pelo predomínio da figura
humana. Em um clima leve, descontraído e de
exaltação à vida, pintavam-se cenas agradáveis,
mulheres e crianças belas exprimindo felicidade.
Abusava-se das cores e dos brilhos.
Ingredientes:
4 colheres (sopa) de manteiga
2 colheres (sopa) de óleo
1 colher (sopa) de salsa picada
6 ovos
4 tomates maduros, sem as
sementes, picados grosseiramente
2 rodelas de cebola picadas
1 dente de alho picado
sal e pimenta-do-reino a gosto
Modo de preparo
Aqueça o óleo e junte todos os ingredientes,
exceto os ovos e a manteiga, e refogue até que os
tomates estejam macios. Reserve. Numa tigela,
bata os ovos, tempere com sal e pimenta.
Numa frigideira, derreta duas colheres (sopa)
de manteiga e despeje metade da mistura de ovos.
Incline a frigideira de um lado para outro para
distribuir a massa uniformemente.
Levante as bordas com um garfo e tire do fogo
quando a omelete ficar cremosa. Ponha num
prato, recheie com metade do refogado de tomate
e dobre-a ao meio. Repita o procedimento com o
restante dos ingredientes.
CAÇA-PALAVRAS
Encontre no caça-palavras algumas expressões
de origem francesa que fazem parte da nossa
linguagem culinária: mousse, chantili, brioche,
omelete, crepe, vinagrete, filé mignon, quiche,
pavê, glacê, croissant, ovo pochê, cassoulet,
patê, consomê, molho rosé.
M
A
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J
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D
E
Rendimento
três porções
C onta-se, na França, que Napoleão, durante
uma viagem para o Sul com seus exércitos,
decidiu pernoitar numa pequena hospedaria da
cidade de Bessières. Para o jantar, o dono
preparou uma deliciosa omelete, que deixou o
imperador extasiado! Napoleão não teve dúvidas:
no dia seguinte, ordenou aos moradores que
juntassem todos os ovos da cidade e preparassem
uma grande omelete para seus soldados!
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Respostas na p.60
O MÉDICO DO BRASIL
11
ADAPTADO DE ALPHONSE MUCHA – WATER-LILY. PANNEAU DÉCORATIF. PARIS 1903
UMA RECEITA FRANCESA
Uma grande parceria
A peste aporta em
Santos
Em 1899, ano em que Oswaldo Cruz retornou de Paris,
houve uma grande mortandade de ratos no porto de Santos, litoral paulista, logo após
a chegada de um vapor da cidade portuguesa do Porto. Vital Brazil e Adolfo Lutz, pesquisadores do Instituto Bacteriológico do Estado de São
Paulo, diagnosticaram: peste
bubônica. A cidade foi posta
em quarentena e, a pedido do
governo federal, Oswaldo viajou a Santos. Cinco dias mais
tarde, telegrafava ao ministro
da Justiça, Epitácio Pessoa:
“Os critérios clínico, epidemiológico e bacteriológico
permitem afirmar categoricamente ser a peste bubônica a
moléstia reinante”.
Nascia uma importante parceria científica — e uma amizade duradoura — entre
Oswaldo Cruz, Vital Brazil e
Adolfo Lutz. Os três trocariam longa correspondência
sobre questões de saúde pública e pesquisas, além de comentários pessoais. No futuro, trabalhariam juntos em vários projetos científicos.
O soro à la
brésilienne
O soro contra a peste era
fabricado apenas na França,
pelo Instituto Pasteur, cuja
produção era insuf iciente
para a demanda mundial.
Para produzir o soro no Brasil, o governo criou o Instituto Soroterápico Federal, no
Rio de Janeiro, sob a direção
do barão de Pedro Affonso.
Instalado na Fazenda de Manguinhos, o instituto ficaria po- Barco equipado com aparelho
pularmente conhecido como Clayton espalha fumaça contra
“Instituto de Manguinhos”. A mosquitos no porto de Santos,
direção técnica foi entregue a por volta de 1905
Oswaldo Cruz.
Era o início do
QUEM FOI?
que viria a ser
um dos maiores
centros brasileiros de pesquisa, ensino e
produção de vacinas e medicamentos: a atual
Fundação Oswaldo Cruz (FioAdolfo Lutz
(1855-1940)
cruz).
O governo de
Nascido no Rio de Janeiro, cursou
ainda
medicina na Suíça, onde foi morar
São Paulo tamdiversos
em
u
alho
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e
dou
Estu
eno.
pequ
bém começou a
países, como a Alemanha, onde fez
produzir soro anpesquisas sobre o bacilo de Hansen,
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tipestoso no latransmissor da hanseníase (lepra),
ital
hosp
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Estados Unid
boratório do InsHavaí durante três anos.
no
tituto Bacteriolócriação
No Brasil, participou, em 1892, da
gico, dirigido por
do de
do Instituto Bacteriológico do Esta
Vital Brazil. Em
no ano
São Paulo, tornando-se seu diretor
Cruz
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1901, o laboratódo
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Após sua morte, em 6
Instituto SoroteráEstado
1940, o Instituto Bacteriológico do
pico do Estado de
de São Paulo foi rebatizado Instituto
centros
Adolfo Lutz, que até hoje é um dos
São Paulo — que
país.
do
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imp
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pesq
de
daria origem ao
Instituto Butantan.
OSWALDO CRUZ
12
No primeiro plano, dois jovens cientistas do
Instituto Soroterápico: Henrique da Rocha Lima
(à esquerda) e Ezequiel Dias
Instalações do Instituto Soroterápico Federal,
em 1903
QUEM FOI?
Em 1915, Vital Brazil já era bastante
conhecido no mundo científico por seu
trabalho no Instituto Butantan.
Durante uma viagem a Nova York,
foi chamado a socorrer um empregado
do Jardim Zoológico do Bronx Park,
que havia sido picado por uma
cobra “prima” da cascavel, a Crotalus
atrox, e já passara por vários
tratamentos, sem resultado.
Com o soro antiofídico, Vital Brazil o
salvou da morte.
Vital Brazil Mineiro
da Campanha
(1865-1950)
ha,
Nascido no município de Campan
em Minas Gerais, fez os estudos
a
preparatórios em São Paulo e cursou
iro.
Jane
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Rio
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Faculdade de
No Instituto Bacteriológico de São
Paulo, atual Instituto Adolfo Lutz,
os
pesquisou os soros antiofídicos e fez
no de
primeiros experimentos com vene
serpentes. Ajudou a criar o Instituto
uziria
Soroterápico de São Paulo, que prod
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diversas vacinas e soros. Com
e
pesquisas na Fazenda Butantan (ond
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(RJ),
em Niterói
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Brazil. Era diretor desse instituto qua
0.
195
morreu, em
Cúmulos
Da força: dobrar a esquina.
Da rapidez: fechar a gaveta, trancar e jogar
a chave dentro.
Da velocidade: dar a volta na mesa e
pegar a si mesmo.
Da revolta: morar sozinho e fugir de casa.
Da sorte: ser atropelado por uma
ambulância.
Do azar: ser atropelado por um carro
funerário.
Da lerdeza: cuidar de quatro tartarugas e
deixar uma delas escapar.
Da magreza: deitar na agulha e se cobrir
com a linha.
O MÉDICO DO BRASIL
13
O Rio no tempo de Oswaldo Cruz
O caos urbano
esse comércio intenso, alguns
quiosques de madeira e zinco
ajudavam a compor a paisagem caótica. O jogo do bicho
e o bilhete da loteria eram venda certa.
Na zona portuária, um outro tipo de atividade acontecia: aquele era o reduto dos
malandros, dos marinheiros,
das prostitutas, videntes e ciganas. Casas de ópio escondiam-se no beco do Ferreiro.
Um cenário de
contrastes
Emoldurado por uma natureza exuberante, o Rio de Janeiro era, no entanto, uma cidade suja e maltratada. A população convivia com lixo e sujeira nas ruas estreitas, que mal
davam vazão ao tráfego das
charretes, bondes e carrinhos,
puxados por carregadores apelidados de “burros-sem-rabo”.
Nas calçadas, igualmente
estreitas, vendedores ambulantes espalhavam suas mercadorias: cestos, verduras, panelas,
doces, leite, aves, empadinhas
de milho, bacalhau, sardinhas,
café, cachaça... Em meio a
O comércio dos
abastados
ICONOGRAPHIA
Com o fim da monarquia,
em 1889, o país entrou numa
fase de mudanças. A maioria
da população ainda se concentrava no campo, uma vez que
a agricultura dominava a economia brasileira; entretanto, a
abolição da escravatura e uma
indústria nascente ajudavam a
acelerar a urbanização caótica das cidades.
A capital federal sofreu de
forma acentuada as conseqüências dessa desorganização urbana, pois recebia trabalhadores braçais sem instrução nem
qualificação profissional, na
maioria negros e mulatos marginalizados pelo preconceito
racial e social.
Nos primeiros anos do século XX, a cidade era conhecida como “túmulo dos estrangeiros”. Navios de outras
bandeiras evitavam atracar no
porto do Rio, temendo a morte
de seus tripulantes por febre
amarela, peste bubônica, varíola, malária ou outras doenças.
Praia de Botafogo, Rio de Janeiro, início do século XX
OSWALDO CRUZ
14
Nas ruas do centro, o burburinho vinha do comércio da
aristocracia. Lojas, confeitarias, cafés e prédios de escritórios eram freqüentados por
elegantes cavalheiros que, nos
finais de tarde, reuniam-se nas
calçadas. Lá ficavam à espera das senhoritas que voltavam
das compras, com suas blusas
rendadas, saias compridas e
armadas, ostentando cinturas
afinadas por espartilhos. Elas
usavam graciosos chapeuzinhos que lhes enfeitavam o
rosto, na esperança de compensar, acreditavam, a falta da
maquiagem tão usada pelas
francesas, aqui considerada
pecado. Afinal, Nossa Senhora não se pintava! Ignorando
os gracejos dos rapazes, entravam em suas charretes para
voltar às mansões dos bairros
de Botafogo e Laranjeiras.
Aos pobres,
os morros
Além de ocupar os cortiços,
abundantes no centro, os pobres se espalhavam pelos bairros da Saúde, Gamboa e de
Santo Cristo, região que num
passado ainda recente sediara
o mercado de escravos da cidade. Uma legião de desempregados e de trabalhadores
pouco qualificados da indústria nascente vivia em precárias condições de moradia.
Muitos iam para as favelas,
que já começavam a surgir nas
encostas dos morros. Ali também foram morar escravos alfor riados que lutaram na
Guerra do Paraguai e soldados vindos da campanha de
Canudos.
A ocupação desordenada
dos morros e cortiços, sem
nenhuma forma de saneamento, e a convivência com
lixo, esgoto e água contaminada favoreceram as sucessivas epidemias de febre amarela, varíola, peste bubônica,
cólera e outras doenças que
vitimavam milhares de pessoas. Naquele tempo, no Rio,
a taxa de mortalidade era tragicamente ascendente.
Impressionante!
!
Entre 1872 e 1890, a
população do Rio passou
de 274 mil para 502 mil
almas, como se dizia na
época. Em 1906, chegaria
a mais de 800 mil
habitantes!
Cabeça-deporco
Cortiço no Rio de Janeiro, no início do
século XX
Fato trágico
Em 1895, o navio italiano
Lombardia atracou no porto do
Rio para uma visita de cortesia.
A tripulação foi recebida pelo
presidente da República,
Prudente de Morais, numa
grande festividade. A visita
terminaria em tragédia. Dos 340
tripulantes, 333 pegaram febre
amarela. Morreram 234 doentes.
O fato teve péssima repercussão
no exterior, e o Rio de Janeiro
ganhou o apelido de “túmulo de
estrangeiros”.
Para os cariocas, o
termo “cabeça-deporco” é sinônimo
de “cortiço”. O
nome foi
emprestado da
maior casa de
cômodos de aluguel
da capital.
Construída pelo
conde d’Eu, marido
da princesa Isabel,
seus enormes
aposentos eram
subdivididos por
placas de madeira;
2 mil pessoas
moravam ali! Sobre
os portões, em vez
das habituais
estátuas de leões,
havia uma enorme
cabeça de porco.
PROPAGANDA DE UMA COMPANHIA DE VIAGEM EUROPÉIA
DO INÍCIO DO SÉCULO XX
“Viaje direto para a Argentina
sem passar pelos perigosos focos
de epidemias do Brasil.”
ORIGEM DA PALAVRA “CARIOCA”
A palavra “carioca” surgiu quando o português
Gonçalo Coelho, que foi morar no Rio de Janeiro em
1503, vindo de uma expedição com Américo Vespúcio,
construiu uma casa quadrada — forma bem curiosa
para o padrão dos índios. A casa de Gonçalo, às margens do rio
Maracanã, foi chamada por eles de carioca, união de branco
(cari) e casa (oca), em tupi.
O MÉDICO DO BRASIL
15
O
JORNALISTA
LUÍS EDMUNDO,
AUTOR DE SABOROSAS CRÔNICAS,
FEZ O SEGUINTE RELATO SOBRE
A VIDA URBANA DO
RIO DE SUA ÉPOCA
E
m 1900, a cidade ainda guarda o
cunho desolador dos velhos tempos do
rei, dos vice-reis e dos governadores, com
ruas estreitas, vielas sujíssimas, becos
onde se avoluma o lixo. O novo regime
não teve ainda tempo para modernizar
o Rio. Mesmo as artérias principais (Ouvidor, Ourives, Uruguaiana, Gonçalves
Dias, 1o de Março) são muito pouco espaçosas. E as outras ruas, mais distantes do centro, como as que cercam o largo da Misericórdia, não passam de vielas curvas e malcheirosas.
Nas praças mais amplas, quase não
existem árvores, permitindo que o sol
torne abrasador o calçamento de paralelepípedos e os passeios de lajes altas.
Pavimento e calçada apresentam-se esburacados.
Dentro dos sobrados centenários, remanescentes ou cópias dos tempos coloniais, as senzalas do rés-do-chão se
transformam em bares, lojas e oficinas.
Sem esgoto e sem janelas nos quartos,
os outros andares dos sobrados do centro da cidade são um “dédalo de corredores e alcovas”.
Por ruas de muito movimento, que ligam bairros, esticando-se para as Laranjeiras ou São Cristóvão, um par de
trilhos cruza o calçamento. São os bondinhos. Alguns são elétricos, que desde
1892 fazem a linha entre o Flamengo e
a Carioca. A imprensa afirma: os “nossos elétricos, que, sem o menor favor,
são os melhores do mundo...”. Mas a
maioria dos veículos, chacoalhando fer-
Rua do Ouvidor, Rio de Jan
eiro,
início do século XX
ragens, velhos e incômodos, ainda é puxada pelo tradicional par de burrinhos.
Afora os bondes, o tráfego da cidade
constitui-se de raros caleches e charretes, e mais freqüentes carroças puxadas
por um ou dois cavalos. Mais comuns
ainda são os carros puxados por braços humanos. As ruas estão cheias de
vendedores; alguns puxam pela calçada carroças, com mercadorias: são os
“burros-sem-rabo”. Nas carroças, no
lombo dos animais, nas costas ou nos
braços, homens e mulheres, antigos escravos, imigrantes portugueses, alemães, turcos vão trazendo suas mercadorias. Passa o leiteiro conduzindo
atrás de si uma vaca tuberculosa e um
bezerro faminto. E o vendedor de aves,
as galinhas presas em cestos atados a
um burro: cabo de vassoura às costas
para equilibrar a carga, vêm o cesteiro, o ceboleiro, o papeleiro, o verdureiro; um oferece mocotó, o outro doces; um
negro traz carvão, ou sorvete; as mulheres vendem doces ou miudezas.
A cidade é uma imensa feira.
OSWALDO CRUZ
16
A saborosa feijoada carioca tem sua origem nas senzalas. Os escravos
cozinhavam, junto com feijão preto, as carnes desprezadas pelos senhores. Ao comer,
espalhavam farinha de mandioca por cima. O prato tornou-se o símbolo da
culinária brasileira, sempre acompanhado da tradicional caipirinha.
FEIJOADA COMPLETA
Chico Buarque de Hollanda
Mulher
Você vai gostar
Tô levando uns amigos pra conversar
Eles vão com uma fome que nem me contem
Eles vão com uma sede de anteontem
Salta cerveja estupidamente gelada prum batalhão
E vamos botar água no feijão
Mulher
Você vai fritar
Um montão de torresmo pra acompanhar
Arroz branco, farofa e a malagueta
A laranja-baía ou da seleta
Joga o paio, carne-seca, toucinho no caldeirão
E vamos botar água no feijão
Mulher
Não vá se afobar
Não tem que pôr a mesa, nem dá lugar
Ponha os pratos no chão, e o chão tá posto
E prepare as lingüiças pro tira-gosto
Uca, açúcar, cumbuca de gelo, limão
E vamos botar água no feijão
Mulher
Depois de salgar
Faça um bom refogado, que é pra engrossar
Aproveite a gordura da frigideira
Pra melhor temperar a couve mineira
Diz que tá dura, pendura a fatura no nosso irmão
E vamos botar água no feijão
PALAVRAS CRUZADAS
Preencha o diagrama com os ingredientes e acompanhamentos e
encontre o nome de um típico prato da culinária brasileira, que teve sua origem
nas senzalas das antigas fazendas.
1. principal ingrediente da receita
2. couro de porco frito
3. tripa recheada com carne moída e temperos
4. fruta descascada, cortada em pedaços
5. verdura refogada em tiras finas
6. cereal em grão, principal acompanhamento do prato
7. tipo de farinha usada para a farofa
8. tradicional bebida brasileira servida com a feijoada
9. carne salgada e exposta ao sol para secar
10. tempero, usado em folha seca
11. condimento picante, típico da culinária brasileira
12. carne de porco ensacada em tripa seca
13. pedaço de carne da região lombar do porco
14. parte cartilaginosa da cabeça do animal
15. gordura do porco subjacente à pele, com o respectivo couro
16. carne da parte traseira, cauda
Respostas na p.60
O MÉDICO DO BRASIL
17
Saneamento: palavra de ordem
Pereira Passos:
o Haussmann
brasileiro
O plano de
saneamento de
Oswaldo Cruz
Quando assumiu a presidência do Brasil, em 1902,
sucedendo Campos Sales,
Rodrigues Alves mudou-se
para o Rio de Janeiro. Levava na bagagem um audacioso plano de modernização
urbana, que consistia em sanear a cidade, pôr fim às doenças, alargar as ruas, construir novas e amplas avenidas,
remodelar o porto e derrubar
os incontáveis cortiços.
O presidente nomeou o
amigo e engenheiro Pereira
Passos para a prefeitura, e
Oswaldo Cruz para a Direção
Geral de Saúde Pública.
Pereira Passos, o prefeito
escolhido por Rodrigues Alves
para implantar a remodelação
urbana, transformou o Rio num
imenso canteiro de obras. O
projeto teve como parâmetro as
obras promovidas por Georges
Eugène Haussmann, prefeito
de Paris no período de 1853 a
1870. Quando morou na capital francesa, Pereira Passos
pôde assistir a uma das fases
mais difíceis dessa reforma,
em que bairros populares foram arrasados, construindo-se
um novo padrão de metrópole
moderna, modelo para várias
cidades do mundo.
Em 1903, acumulando a
função de diretor do Instituto
Soroterápico Federal, Oswaldo Cruz foi empossado na Direção Geral de Saúde Pública
com uma missão gigantesca:
promover campanhas sanitárias para erradicar três das
principais doenças que periodicamente atingiam a população, de forma epidêmica: a
febre amarela, a peste bubônica e a varíola.
Seu plano de ação começou
com a reforma da legislação
vigente para os serviços de
Saúde Pública, que continha
contradições entre os planos
ARQUIVO GERAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
ARQUIVO GERAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
O início
das
reformas
A rua da Carioca em reforma
“Não basta ter um espírito bom,
é essencial aplicá-lo bem.”
René Descartes, filósofo francês
A avenida Central (hoje Rio Branco) em obras
OSWALDO CRUZ
18
federal e municipal. Escreveu
um novo código sanitário, que
incluía um artigo sobre a vacinação obrigatória contra a
varíola. Iniciou-se, então, uma
longa negociação no Congresso para aprovar o código, o
que só aconteceria em novembro de 1904. Para a imprensa,
o povo e os adversários políticos, esse código sanitário ficou conhecido como “Código
de torturas”.
O Bota-Abaixo
Apelidada de Bota-Abaixo
pelo povo, a reforma da cidade começou com a remoção
da população dos cortiços,
considerados focos de proliferação das doenças. No entanto, nenhuma política de habitação foi pensada para os desalojados. Acostumados a viver no centro, esses moradores se recusavam a mudar para
os subúrbios, preferindo subir
os morros e formar inúmeras
favelas.
Enquanto os engenheiros
mudavam a paisagem urbana,
alargando ruas e derrubando
prédios, as brigadas sanitárias
invadiam casas para espalhar
inseticida à base de petróleo e
demoliam as que não obedeciam aos preceitos higiênicos
exigidos. Mais de cem cortiços foram destruídos.
OLAVO BILAC,
1904, ESCREVE
SOBRE A REFORMA DO RIO DE JANEIRO NO
PRIMEIRO NÚMERO DA REVISTA KÓSMOS
AS
EM MARÇO DE
PICARETAS REGENERADORAS
H
á poucos dias as picaretas, entoando um hino
jubiloso, iniciaram os trabalhos da construção da
Avenida Central, pondo abaixo as primeiras casas condenadas. Bem andou o governo, dando um
caráter solene e festivo à inauguração desses trabalhos. Nem se compreendia que não fosse um dia
de regozijo o dia em que começamos a caminhar
para a reabilitação.
No aluir das paredes, no ruir das pedras, no esfarelar do barro, havia um longo gemido. Era o
gemido lamentoso do Passado, do Atraso, do Opróbrio. A cidade colonial, imunda, retrógrada, emperrada nas suas velhas tradições, estava soluçando no soluçar daqueles apodrecidos materiais que
desabavam. Mas o hino claro das picaretas abafava esse protesto impotente.
Com que alegria cantavam elas — as picaretas
regeneradoras! E como as almas dos que ali estavam compreendiam bem o que elas diziam, no seu
clamor incessante e rítmico, celebrando a vitória
da higiene, do bom gosto e da arte!
“Tudo quanto puderes fazer ou creres poder,
começa. A ousadia tem gênio, poder e magia.”
Johann Wolfgang von Goethe, escritor alemão
CÉLEBRE ANÚNCIO AFIXADO NO INTERIOR DOS BONDES DO RIO DE
JANEIRO, NO INÍCIO DO SÉCULO XX
“Veja ilustre passageiro o belo tipo faceiro que o senhor tem a seu lado.
No entanto, acredite, quase morreu de bronquite. Salvou-o o Rum Creosotado.”
O MÉDICO DO BRASIL
19
Guerra aos mosquitos
A teoria dos
miasmas
O plano de modernização
do Rio levava em conta a teoria dos miasmas, defendida
por muitos médicos da época.
Essa teoria sustentava que as
doenças vinham dos “maus
ares” provenientes das águas
paradas e dos focos de lixo putrefatos. Acreditava-se que a
inalação dos miasmas era a
causa das doenças epidêmicas.
Segundo os defensores da
teoria, para dar fim às epidemias bastava acabar com os
cenários de sujeira, construções pouco arejadas e ruas
estreitas, onde não havia circulação de vento e sol. A
construção de largas avenidas
e outras obras de porte, além
de facilitar o acesso, visavam
combater os miasmas.
A teoria cubana
Só no ano de 1902 a febre
amarela matou 984 pessoas na
cidade do Rio de Janeiro.
Oswaldo Cruz, opondo-se à
teoria dos miasmas, traçou um
plano de trabalho que buscava
acabar com o mosquito transmissor. Ele se baseava na teoria cubana formulada em 1881
por Carlos Juan Finlay (18331915), que combatera a doença em Cuba exterminando o
mosquito Stegomyia fasciata e
isolando os doentes.
O mosquito era o vilão do Rio
Tendo corrido a notícia de que Oswaldo Cruz iria a
Havana para conhecer de perto os métodos do
dr. Juan Carlos Finlay no combate ao mosquito
transmissor da febre amarela, surgiu e fez sucesso no
Rio esta canção, cujo autor, diziam os gozadores,
era o próprio mosquito:
ESPERE UM POUCO...
EU VOU A CUBA
Letra de Culicídio Exógeno
Música de Stegomyia fasciata
Para desengasgar com espinha
de peixe, chamar São Brás
três vezes, dizendo:
“São Brás do altar, me faz
desengasgar”. Pronunciada a
frase, jogar um punhado
de farinha na boca e engolir
sem mastigar.
Embora moço, eu sou sabido,
Muito talento em mim se incuba,
Os livros todos tenho lido...
Espere um pouco... eu vou a Cuba.
Verão meu nome celebrado,
Por mim soar da fama a tuba,
E até então, ó povo amado,
Espere um pouco... eu vou a Cuba.
Desta cidade malfadada
Quero que o nome cresça e suba,
Sem febres, vai ficar amada:
Espere um pouco... eu vou a Cuba.
Parto, mas quero à minha volta
Palmas ganhar... de carnaúba,
Ter de micróbios uma escolta,
Ao meu regresso lá de Cuba.
Quando estiver saneada e limpa
Há de ostentar, airosa, a juba,
E levantar bem alto a grimpa;
Espere um pouco... eu vou a Cuba.
Ser em triunfo recebido
Entre ovações que o gênio aduba;
Mostra-te, povo, agradecido,
Quando eu regresse ali... de Cuba.
OSWALDO CRUZ
20
Os mata-mosquitos
Para levar a cabo a empreitada, Oswaldo Cruz precisaria
de 1200 homens para compor
as brigadas de mata-mosquitos. Mas a burocracia e a pouca verba limitaram a ação a
apenas 85 homens. Em um trabalho abnegado, os mata-mosquitos percor riam jardins,
quintais, porões e telhados,
desinfetando alagados, ralos e
bueiros, limpando calhas, lavando caixas-d’água e removendo depósitos de larvas de
mosquito. Dentro das casas localizadas nas zonas dos focos,
queimavam piretro de enxofre
para desinfecção. Os doentes
eram isolados com telas e
mosquiteiros ou removidos
para o Hospital de Isolamento São Sebastião.
Ao retornar das inspeções,
os mata-mosquitos relatavam
todas as ocorrências de moléstias. Assim Oswaldo Cruz
pôde mapear a febre amarela
na cidade e atualizar as estatísticas epidemiológicas. Recebeu, no entanto, duras críticas da imprensa, do povo e da
comunidade médica, insufladas pelos adversários políticos
do presidente, que chamavam
o cientista de “czar dos mosquitos”.
Os “Conselhos
ao povo”
Oswaldo Cruz lançou mão
de todas as alternativas de que
dispunha para esclarecer o
povo e convencê-lo a prevenir as epidemias: folhetos educativos para a população em
geral, outros dirigidos aos profissionais de saúde, e até mesmo medidas de coerção, como
a notificação compulsória dos
casos de doença. Publicou na
imprensa seus famosos “Conselhos ao povo”, textos que
explicavam à população como
eram os mosquitos transmissores da febre amarela, os cuidados que cada cidadão devia
tomar para acabar com os criadouros, como se proteger das
picadas e evitar o contágio, e
como os doentes deviam ser
tratados.
Mesmo com toda a resistência e as dificuldades técnicas,
em 1907 a epidemia de febre
amarela foi considerada erradicada do Rio de Janeiro. Oswaldo Cruz finalmente ganhara a
guerra contra os mosquitos.
Mata-mosquitos vedam residências
para aplicação de veneno contra
o transmissor da febre amarela
Brigadas de mata-mosquitos
O Stegomyia fasciata daquele tempo,
perseguido sem trégua por Oswaldo Cruz, é muito
conhecido por todos os brasileiros. Trata-se do
Aedes aegypti, o mosquito da dengue. Mudou de
nome, mas continua a nos causar problemas.
O MÉDICO DO BRASIL
21
A tabela abaixo, publicada em 28 de dezembro de 1908 no jornal The Times,
de Nova York, faz parte do artigo “The sanitation of Rio”, em que Oswaldo Cruz expõe o
sucesso do trabalho que empreendeu na capital brasileira.
MORTALIDADE POR FEBRE AMARELA NO RIO DE JANEIRO
1903-1909
ano
1903
janeiro
fevereiro
março
abril
maio
junho
julho
agosto
setembro
outubro
133
142
151
99
24
10
9
4
4
2
novembro dezembro
2
4
total
584
1904
2
7
7
8
10
4
4
1
1
-
3
1
48
1905
3
13
23
59
64
61
26
9
6
5
8
12
289
1906
6
9
6
8
2
1
2
-
1
3
1
3
42
1907
1
1
6
14
6
4
4
1
1
-
1
-
39
1908
-
-
1
-
-
3
-
-
-
-
-
-
4
1909
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
A FEBRE AMARELA
HOJE
Dengue, uma doença tropical
O número de casos
registrados no Brasil
atualmente indica que a
febre amarela está
controlada. A vacina usada
nos nossos dias, que
imuniza a pessoa por dez
anos, não é mais
obrigatória. Devem ser
vacinados apenas os
habitantes das regiões onde
ainda há casos — os estados
do Acre, Amapá, Amazonas,
Goiás, Maranhão, Mato
Grosso, Mato Grosso do
Sul, Pará, Rondônia,
Roraima, Tocantins, e o
Distrito Federal — e quem
viaja para lá.
Desde 1986 o Brasil vem enfrentando surtos epidêmicos de
dengue, que atingiram, em 2002, o patamar de epidemia.
O mosquito transmissor, a fêmea do Aedes aegypti, encontra
no clima tropical as condições ambientais favoráveis para
proliferar-se, o que acontece em tempo de chuva e em lugares
que tenham água limpa e temperatura ambiental entre 24° e
26°C.
O Aedes só ataca durante o dia e pode picar por volta de
trezentas pessoas antes de morrer. A dengue clássica é benigna.
A forma hemorrágica, porém, pode causar a morte.
Mas existe a
possibilidade de que a
febre amarela volte em
forma de epidemia. Isso
porque o Aedes aegypti,
que a transmite, é também
o transmissor da dengue,
doença para a qual ainda
não existe vacina e que é
epidêmica no país.
A única forma de acabar com a epidemia da dengue
é evitar a proliferação dos mosquitos, combatendo
seus focos. Alguns cuidados fundamentais:
Sintomas
Febre alta, dores musculares, nas juntas, na cabeça
e atrás dos olhos, manchas avermelhadas na pele,
fraqueza, enjôo e falta de apetite.
Tratamento
Como não há vacina para a moléstia, o melhor é
fazer repouso, beber muita água e tomar medicamentos
para dor e febre, sempre receitados por um médico.
Prevenção
G
G
G
G
G
Lavar sempre com bucha e sabão as vasilhas de água dos animais.
Colocar areia nos pratinhos das plantas e xaxins.
Tampar bem caixas d’água, latões de lixo e nunca conservar água
parada, como em pneus velhos, latas abertas etc.
Manter as folhas das bromélias secas ou cobertas com pó de café.
Usar repelente no corpo quando estiver em lugar onde haja
muito mato ou que seja conhecido como foco do mosquito.
OSWALDO CRUZ
22
JOGO
DOS
SETE ERROS
O original do caricaturista Raul (desenho de cima),
publicado no Jornal do Brasil em 13 de agosto de 1904,
serviu de inspiração para o jogo. Encontre as diferenças.
Anedotas
Na escola:
— Joãozinho, você pode
me explicar como a sua
redação está absolutamente
igual à que seu irmão fez no
ano passado?
— Posso sim: temos a
mesma irmã.
G
Zezinho está visitando o
Museu Imperial, quando um
guarda bronqueia:
— Não pode sentar aí,
moleque! É a cadeira do dom
Pedro!
— Quando ele chegar eu
saio!
G
Respostas na p.60
O MÉDICO DO BRASIL
23
O caipira ganhava todas as
apostas das brigas de galos
daquele vilarejo, quando um
sujeito da cidade, cansado de
perder, chega para ele e
pergunta:
— Meu amigo, vejo que o
senhor é um grande entendido
em brigas de galos.
— É... – responde
timidamente o caipira.
— Pois eu já perdi quase
todo meu dinheiro. Não
acertei uma aposta... pode me
ajudar e dizer qual é o galo
bom da próxima luta?
— O bom é o galo branco –
responde o caipira.
O sujeito da cidade,
rapidamente, aposta todo o
resto do seu dinheiro no galo.
Quando acaba a luta, ao ver o
galo branco derrotado, ele vai
ter novamente com o caipira:
— Você não me disse que o
galo branco é que era o bom?
— Pois entonce... o branco
era o bom... o preto é que era
o marvado!
Caça aos ratos
A campanha contra
a peste bubônica
piadas, caricaturas, crônicas e
músicas satíricas, Oswaldo
Cruz conduziu com firmeza
seu plano de vacinação da população, e não desistiu da luta
contra os ratos.
Organizar uma campanha
para erradicar a peste bubônica foi outra missão que coube a Oswaldo Cruz como diretor geral de Saúde Pública.
Esse combate foi mais fácil
que a luta contra a febre amarela: todos reconheciam que
os transmissores da doença
eram as pulgas dos ratos.
Oswaldo Cruz já enfrentara
um surto em Santos, e o Instituto Soroterápico Federal já
produzia o soro antipestoso.
Ainda assim, a imprensa
criticava duramente a campanha. Mesmo achincalhado em
Os compradores
de ratos
A campanha contra a peste
aconteceu ao mesmo tempo
em que se combatia a febre
amarela. Para a nova tarefa,
Oswaldo Cruz criou um esquadrão de cinqüenta homens
vacinados que saíam à caça de
ratazanas em armazéns, casas,
cortiços, becos, hospedarias e
onde mais pudessem encon-
Peste bubônica
MORTALIDADE POR PESTE BUBÔNICA
NO RIO DE JANEIRO
por 100 mil habitantes
MORTALIDADE
A peste bubônica é uma doença infecciosa
de roedores selvagens, causada pela bactéria
Yersinia pestis. Transmitida ao homem pela
picada da pulga do roedor, ou por gotículas
de saliva de pessoas contaminadas que
tenham contraído a forma pneumônica da
doença, apresenta como sintoma o aumento
dos gânglios linfáticos, provocando ínguas
ou bubões, de onde vem o adjetivo
“bubônica”. Atualmente, o tratamento é
feito com antibióticos específicos.
Está vendo, seu Amaral, como são as
coisas?! Ontem eu, hoje você! É a sorte!
trá-las. Espalhavam raticida e
removiam o lixo. O médico
chegou a criar a f igura do
“comprador de ratos”: um
funcionário público que passava pelas ruas pagando até
trezentos réis por rato apanhado pela população. Não demorou para que espertinhos começassem a se dedicar a uma
atividade inusitada: criar ratos
e vendê-los à Saúde Pública.
Os índices da doença demoraram a cair. Mesmo assim, quando Oswaldo Cruz
deixou a Diretoria Geral de
Saúde Pública, em 1909, os
casos de infecção já eram
muito baixos.
ANO
Fonte: Fontenele, J.P. Relatório do Serviço de Saúde Pública do Distrito
Federal, 1939
O suspeito sr. Amaral – O caso mais famoso desses novos
criadores de rato é o do sr. Amaral, que pôs seus empregados nas ruas,
avisando que compravam ratos da população. Em pouco tempo tinha
direito a receber quase dez mil contos de réis, o que não era pouco!
O fato levantou suspeitas das autoridades, e o sr. Amaral foi preso.
Em seu depoimento, porém, deixou claro que comprava apenas os
legítimos ratos da terra, nenhum deles “importado” de outros lugares.
OSWALDO CRUZ
24
JOÃO DO RIO E OS “RATOEIROS”
O JORNALISTA JOÃO DO RIO (PSEUDÔNIMO DE PAULO
BARRETO), QUE DESCREVEU A CIDADE DO RIO DE
JANEIRO EM DELICIOSAS CRÔNICAS, REGISTROU NA
GAZETA DE NOTÍCIAS “AS PEQUENAS PROFISSÕES” QUE
EXISTIAM NA CIDADE, COMO A DOS TRAPACEIROS
(CATADORES DE TRAPOS), SELISTAS, APANHADORES DE
GATOS ETC. É ASSIM QUE ELE DESCREVE OS “RATOEIROS”:
A
[...]
mais nova, porém, dessas profissões, que
saltam dos ralos, dos buracos, do cisco da grande cidade, é a dos ratoeiros, o agente de ratos, o entreposto
entre as ratoeiras das estalagens e a Diretoria de Saúde. Ratoeiro não é um cavador — é um negociante.
Passeia pela Gamboa, pelas estalagens da Cidade
Nova, pelos cortiços e bibocas da parte velha da urbes, vai até o subúrbio, tocando uma cornetinha com
a lata na mão. Quando está muito cansado, senta-se
na calçada e espera tranqüilamente a freguesia, soprando de espaço no cornetim.
Não espera muito. Das rótulas há quem os chame; à
porta das estalagens afluem mulheres e crianças.
— Ó ratoeiro, aqui tem dez ratos!
— Quanto quer?
— Meia pataca.
— Até logo!
— Mas, ó diabo, olhe que você recebe mais do que
isso por um só lá na higiene.
— E o meu trabalho?
— Uma figa! Eu cá não vou na história de micróbio no pêlo do rato.
— Nem eu. Dou dez tostões por tudo. Serve?
— Hein?
— Serve?
— Rua!
— Mais fica!
E quando o ratoeiro volta, traz seu dia fartamente
ganho...
A PESTE BUBÔNICA
HOJE
As doenças provocadas
pelos ratos ainda causam
muitos problemas para a
população e a saúde pública.
A peste continua presente no
Brasil, nos Andes e nos
Estados Unidos, além de
diversos países africanos e
alguns asiáticos. Segundo a
Fundação Nacional de Saúde
(Funasa), há focos naturais de
peste bubônica em áreas dos
estados de Pernambuco,
Piauí, Ceará, Rio Grande do
Norte, Paraíba, Alagoas,
Bahia, Minas Gerais e Rio de
Janeiro. O controle desses
focos é fundamental para
manter a população a salvo
de novas epidemias.
Entre 1980 e 1993, foram
notificados 736 casos de
peste humana no país.
O maior número de casos
(151) foi registrado em 1982,
e o menor (dez) em 1991.
A peste, quando não é
tratada, chega a matar 50%
dos infectados.
FATO CURIOSO
Por incrível que pareça, comprar ratos para combater doenças ainda é um recurso usado pelas
autoridades em campanhas sanitárias. Em novembro de 2001, a imprensa noticiou um programa
da prefeitura de Nova Iguaçu, na baixada Fluminense, que pagava cinco reais por quilo de ratos.
O objetivo era diminuir a superpopulação de roedores e dar fim à leptospirose na cidade.
O MÉDICO DO BRASIL
25
O saneamento promovido por Oswaldo Cruz foi tema de muitas músicas que
animavam os salões de baile da época. Uma das mais conhecidas é “Rato, rato”,
cujo título foi inspirado nos gritos dos compradores de ratos nas ruas. Lançada no
Carnaval de 1904, a letra demonstra a ojeriza do povo pelo animal,
e ainda traz uma triste marca da época: o preconceito contra os judeus.
Vale apenas pelo registro histórico da manifestação popular.
RATO, RATO
Casimiro G. Rocha e Claudino M. da Costa
A
A6
A
Bm
Rato, rato, rato,
Foi a vingança, penso eu.
A#º
E7/B
D/F#
E7
Por que motivo tu roeste meu baú?
E7(9)
E7
E7(9)
F #7
B7
A
A7
Emissário do judeu
A
D
Audacioso e malfazejo gabiru.
Quando a ratoeira te pegar,
F #7
A
D#º
Rato, rato, rato,
Monstro covarde, não me venhas
D7/F#
Bm
E7
Eu hei de ver ainda o teu dia final
Fº
A/E
E7
Rato, rato, rato,
A6
Fº
Rato, rato, rato, rato,
F #7
A/E
A gritar, por favor.
B7
A7
A ratoeira te persiga e consiga
E7
Rato velho, descarado roedor
A...
D
Satisfazer meu ideal.
Rato velho, como tu faz horror!
...A
Quem te inventou?
A#º
Nada valerá o teu cui-cui.
E7/B
D#º E7
E7
Foi o diabo, não foi outro, podes crer.
Tu morrerás e não terás quem chore por ti.
G#º
E7(9)
Quem te gerou?
D/A
Vou provar-te que sou mau
A
B7
Foi uma sogra pouco antes de morrer.
E7
Meu tostão é garantido,
F#7
A7
Quem te criou?
D
Não te solto nem a pau.
Dicas para cantar bem
Se você gosta de soltar a voz e cantar, como a
maioria dos brasileiros, ou se pretende cultivar um
belo timbre vocal para falar em público, fazer um
discurso ou dar aulas, preste atenção nestes
conselhos, da fonoaudióloga Ana Paula D. Pellosini,
para preservar e embelezar sua voz:
G Só cante quando estiver com a saúde em dia.
G Tome muita água e evite ambientes com arcondicionado ligado ou com fumaça.
G Na apresentação, use roupas confortáveis.
G Jamais consuma bebidas alcoólicas antes de cantar:
apenas água em temperatura ambiente e chás leves.
G
G
G
G
G
Evite leite e seus derivados. Restos de
gordura costumam se depositar nas cordas
vocais, influindo no som da sua voz.
Abuse de alimentos como maçã e gengibre,
ótimos adstringentes para as cordas vocais.
Durma bem e tenha uma alimentação
balanceada.
Acostume-se a preservar seu aparelho vocal:
não grite, fale em tom de voz baixo, tenha
cuidado até na forma de tossir.
Não fume e só tome remédios indicados por
um médico.
OSWALDO CRUZ
26
O
COMÉRCIO DE RATOS,
NA ÉPOCA UMA HABITUAL CENA
DE RUA, TAMBÉM FOI CONTADO
POR
BAÚ
PEDRO NAVA,
EM
DE OSSOS
L
ogo depois passava gritando outro verdugo. Rato, rato, rato! Corria
de dentro das casas o tropel das mulatas, meninos, patroas e crioulas com
suas ratoeiras e todos despejavam o
conteúdo das armadilhas dentro de
uma espécie de sorveteira enorme que
continha um líquido que dava fumaça sem ferver. Os bichos mortos iam
logo para o fundo e os vivos ficavam
nadando, em círculo, até que a potassa os descascasse. O homem, em vez
de receber, pagava. Duzentos réis a ratazana, um tostão por camundongo.
Pagava, tampava, punha na cabeça e
seguia soltando o pregão que virou
música de rato, rato, rato, / camundongo, percevejo, carrapato — que ficamos devendo ao empresário da compra que era o dr. Oswaldo Gonçalves
Cruz. Infelizmente a providência, em
vez de acabar com a bicharia, industrializou sua criação. Havia especialistas que os tinham em viveiros e que
só os vendiam adultos e gordos, porque assim eram mais bem cotados.
Duzentão.
A convivência entre homens e roedores é
antiga. Onde existe gente, existem ratos para
buscar restos de comida. Extremamente
adaptáveis aos ambientes mais diversos, se
proliferam mesmo sob condições
desfavoráveis. Provocam grandes perdas de
alimentos, pois além de comê-los, deixam
urina, fezes, pêlos e pulgas em grãos,
rações e farelos. A peste bubônica é apenas
uma das doenças trazidas pelos ratos.
Estima-se que os roedores sejam
responsáveis pela perda de um quinto da
produção mundial de alimentos.
O uso de microrganismos como armas
biológicas é registrado desde os primórdios
da humanidade. Gregos, romanos e persas
contaminavam o campo inimigo com
cadáveres infectados. Na Idade Média,
os mortos por peste bubônica eram
arremessados por catapultas contra os
adversários. Eles
desconheciam o
princípio da
transmissão da
doença, que não se
dá de pessoa para
pessoa, mas passa
por vetores, como
a pulga do rato.
“Se os teus projetos forem para um ano, semeia
o grão. Se forem para dez anos, planta uma árvore.
Se forem para cem anos, instrui o povo.”
Provérbio chinês
a em Paris,
Charge publicad
em 1911
O MÉDICO DO BRASIL
27
Em busca da saúde dos portos
A viagem de inspeção
Durante as campanhas de
saneamento e de modernização do Rio de Janeiro, Oswaldo Cruz ainda planejou uma
política nacional de defesa sanitária dos portos marítimos e
fluviais de todo o país. Para
isso, precisava conhecer as
condições de cada porto.
Entre setembro de 1905 e
fevereiro de 1906, acompanhado pelo secretário João Pedroso, Oswaldo Cruz participou de uma expedição a trinta portos, de Norte a Sul do
país. Em todos os lugares em
que atracava, era recebido
com homenagens e jantares.
Durante a expedição, coletou rico material de pesqui-
sa, principalmente sangue de
enfermos e mosquitos de diferentes procedências. Pela
primeira vez, Manguinhos
recebia elementos para mapear a saúde nos sertões brasileiros. Alguns anos mais
tarde, Oswaldo e outros cientistas do instituto fariam
mais viagens para completar a
tarefa.
NOTA PUBLICADA EM 30 DE
SETEMBRO DE 1905, NO JORNAL
A TRIBUNA, DO RIO DE JANEIRO,
SOBRE A CHEGADA DE OSWALDO
CRUZ AO PORTO DE SANTOS
“O jovem e dedicado funcionário acaba de dar um exemplo
proveitoso: pela primeira vez,
desde que o Brasil possui um serviço regular de higiene, o diretor
da repartição competente empreende uma viagem aos portos
da República, para verificar de
visu as necessidades sanitárias
dos estados. Ninguém, certamente, deixará de aplaudir um
funcionário que assim rompe
com os hábitos burocráticos, e
procura desempenhar conscienciosamente o importante cargo
que lhe foi confiado, em vez de
satisfazer-se com apresentar brilhantes e palavrosos relatórios.”
Durante a expedição aos
portos era comum
Oswaldo Cruz reclamar
dos enjôos que sentia por causa do balanço
do navio. Ele chegou a dizer à esposa
Miloca, numa carta:
“Há dois dias que o terrível enjôo não me
tem absolutamente permitido de te escrever.
Ainda agora estou-o fazendo na iminência
de ser por ele assenhorado”.
Em outro trecho, ele conta os maus
bocados por que passava:
“O navio inteiramente à mercê dos
vagalhões fazia as maiores diabruras. Este
mar infame tivemo-lo durante perto de oito
horas seguidas até Cabo Frio. Para cúmulo
de caiporismo enjoei atrozmente, vomitando
tudo quanto sem poder mover-me”.
OSWALDO CRUZ
28
CHARADINHAS
1. Em uma casa moram duas mães e
duas filhas e cada uma delas está
acompanhada de duas pessoas.
Quantas pessoas há na casa?
A náusea marítima é um mal que acomete
quatro em cada cinco pessoas. Os navios
modernos contam com médicos e medicação
apropriada para aliviar essa sensação
desagradável, capaz de tirar o prazer da
viagem. Os sintomas mais comuns são
palidez, suor frio, dores de cabeça, tontura,
náusea e vômito. A palavra “náusea” é
derivada do grego naus, “navios”.
2. O que tem orelhas mas não escuta
nada do que você diz?
3. O que é que quando se mata, todos
ficam contentes?
4. Qual a cidade mais explosiva do mundo?
5. Qual a palavra com cinco letras que,
tirando duas, fica uma?
Quem for desbravar os mares pode se
prevenir observando algumas dicas:
G Evite ingerir alimentos gordurosos e
bebidas alcoólicas dois a três dias antes de
viajar.
G Durma bem, relaxe, e não vá a festas na
noite anterior.
G Raiz de gengibre pode prevenir enjôo e
seus efeitos colaterais.
G Para maior segurança, antes de viajar
consulte um médico, que lhe indicará o
melhor princípio ativo para seu caso.
6. O que é menor do que a boca
de uma formiga?
7. O que tem debaixo do tapete do hospício?
8. O que o livro de matemática disse para o
livro de português?
9. O que é ave mas não voa, tem lã mas não
é carneiro?
10. Quando foi que 1/4 da população da
Terra foi morto de uma vez?
11. Uma mulher que dirigia e lia um livro
ao mesmo tempo bateu o carro e
morreu. Qual era o seu nome?
Se o enjôo vier:
G Sente-se num assento firme, num lugar
bem arejado e olhe para um ponto fixo no
horizonte.
G Tome água ou bebida que contenha um
pouco de açúcar, mas sem gás, como
isotônicos e sucos, para não se desidratar.
G Evite ficar na cabine.
Respostas na p.60
Galinhas, cavalos, cachorros e gatos
também podem sentir enjôo
com o movimento dos barcos.
!
O francês Jacques Cousteau,
grande explorador do universo
submarino, por não saber qual a melhor
solução para o enjôo, recomendava
que, se o problema for grave,
é melhor ficar em terra firme mesmo.
Diz-se que a jararaca gosta de leite materno.
Por isso, quando uma mulher tem criança
pequena, deve, antes de dormir, olhar debaixo da
cama e dos travesseiros, para verificar se a cobra
não está lá. Embora ela não faça mal à criança,
pode roubar-lhe o leite, mamando na mãe.
O MÉDICO DO BRASIL
29
Abaixo a vacina obrigatória
Entre uma epidemia Prós e contras
e uma lei
Os defensores da vacina
Em 1904, mais uma epidemia de varíola assolou o Rio
de Janeiro. As campanhas
contra a febre amarela e a
peste bubônica empreendidas
por Oswaldo Cruz estavam
em pleno curso. Mata-mosquitos e brigadas de desratização cruzavam a cidade. Era
necessário que o combate à
varíola se fizesse ao mesmo
tempo, para que o saneamento da cidade se completasse.
Uma lei de 1837 já instituíra a obrigatoriedade da vacina antivariólica, mas nunca fora cumprida. Oswaldo
Cruz mandou ao Congresso
um projeto de lei que reforçava a obrigatoriedade com
mais rigidez.
O projeto provocou um debate fervoroso sobre o assunto. Enquanto isso, o cientista
enfrentava 1706 casos de internações por varíola no Hospital de Isolamento de São
Sebastião. Tomou medidas
profiláticas, isolando os infectados, fazendo desinfecções e vacinando aqueles que,
voluntariamente, aceitavam a
imunização.
Os voluntários diminuíam
à medida que o debate tomava conta da imprensa. As 23
mil aplicações em julho baixaram para 6 mil em agosto.
obrigatória e do Código Sanitário, batizado pelo povo de
“Código de torturas”, argumentavam que a vacinação
havia sido implantada anteriormente em países como Alemanha (1875), Itália (1888) e
França (1902), com sucesso.
Já os opositores argumentavam que os métodos de
aplicação da vacina eram
truculentos e seus aplicadores
demonstravam brutalidade no
trato das pessoas. Além disso,
não confiavam na qualidade
da vacina. A maioria não era
exatamente contra a vacinação, mas contra a sua obrigatoriedade. Defendia que cada
um optasse por tomar ou não
a vacina.
O decreto impunha que as
brigadas sanitárias entrassem
nas casas e vacinassem as pessoas à força. A reação da po-
pulação foi imediata. Os pais
de família não admitiam que
suas esposas e filhas mostrassem as coxas ou os braços aos
funcionários da saúde. Além
disso, temiam-se os eventuais
efeitos negativos do líquido
injetado.
Fato complicador
Em julho de 1904, em meio
a essa discussão, uma mulher
morreu pouco depois de ter
sido vacinada contra a varíola. O médico-legista, adepto
da resistência à vacina, relatou infecção generalizada decorrente da imunização como
causa mortis. O fato teve ampla repercussão nos jornais. A
opinião pública voltou-se contra o governo e sua política sanitária. Em 5 de novembro, representantes dos diferentes
segmentos sociais instituíram
a Liga Contra a Vacina Obrigatória.
toriedade da vacina
Charge ironizando a obriga
OSWALDO CRUZ
30
A VACINA
OBRIGATÓRIA
Autor desconhecido
Varíola
O que é
Hoje extinta em todo o mundo, a varíola é uma doença
infectocontagiosa causada pelo vírus Orthopoxvírus variolae.
Exclusiva dos seres humanos, foi uma das enfermidades mais
antigas e devastadoras da história. Acredita-se que tenha surgido
há mais de 3 mil anos, provavelmente na Índia ou no Egito.
Transmissão
Ocorria de uma pessoa para outra, pelas vias respiratórias.
O vírus ficava incubado no organismo de sete a dezessete dias.
Sintomas
Ao se alojar nas fossas nasais e na garganta, os vírus causavam
febre alta, mal-estar, dor de cabeça, dor nas costas e abatimento.
Após alguns dias, a doença ficava mais violenta: a febre
abaixava e erupções vermelhas surgiam na boca, garganta
e no rosto, espalhando-se depois por todo o corpo.
Antes de a vacina ser descoberta, o máximo
que se fazia era torcer para que o corpo
conseguisse reagir ao vírus e vencer a
moléstia. Os que sobreviviam ficavam
com cicatrizes no rosto e corpo.
Anda o povo acelerado
Com horror à palmatória
Por causa dessa lambança
Da vacina obrigatória
Os panatas da sabença
Estão teimando dessa vez
Querem meter o ferro a pulso
Bem no braço do freguês.
E os doutores da higiene
Vão deitando logo a mão
Sem saberem se o sujeito
Quer levar o ferro ou não
Seja moço ou seja velho
Ou mulatinha que tem visgo
Homem sério, tudo, tudo,
Leva ferro que é servido.
Bem no braço do Zé do Povo
Chega o tipo e logo vai
Enfiando aquele troço
A lanceta e tudo mais
Mas a lei manda que o povo
E o coitado do freguês
Vá gemendo na vacina
Ou então vá pro xadrez.
[...]
Eu não vou nesse arrastão
Sem fazer o meu barulho
Os doutores da ciência
Terão mesmo que ir no embrulho
Não embarco na canoa
Que a vacina me persegue
Vão meter ferro no boi
Ou no diabo que os carregue.
Fonte: Memória da Pharmácia,
disco Emi/Odeon, Roche.
Crendices acerca da vacina antivariólica
Acreditava-se que o sangue dos ratos comprados para o combate
à peste bubônica serviria de matéria-prima para a vacina.
Como a vacina era fabricada com líquidos extraídos de
vacas doentes — pústulas da varíola do gado —,
quem a tomasse correria o risco de ficar com cara de vaca.
Em vez de imunizar as pessoas, a vacina provocaria a varíola.
Os médicos não sabiam nada a respeito da doença.
A medicina não devia interferir na doença, deixando-a seguir seu curso normal.
O MÉDICO DO BRASIL
31
A Revolta da Vacina
perdido o controle da manifestação popular, decidiram não
aparecer. Gestos solitários,
discursos espontâneos e gritos
de revolta surgiram da multidão descontrolada. O tumulto
tomou o Rio de Janeiro, e o
governo ordenou a intervenção policial.
A publicação do plano que
regulamentou a aplicação da
vacina obrigatória, denominada pelo Congresso de “Humana Lei”, em 9 de novembro de 1904, foi o pretexto
que faltava para uma grande
revolta popular.
No dia seguinte, o
povo tomou as ruas; as
multidões se agitavam
na rua do Ouvidor, no
largo São Francisco e
na praça Tiradentes.
Os integrantes da Liga
Contra a Vacina Obrigatória, que tanto insuflaram a multidão a
se rebelar, marcaram
um comício para a Bonde virado na praça da República,
manhã seguinte. Ao no Rio de Janeiro, durante a Revolta da
perceber que haviam Vacina, em novembro de 1904
A descoberta
da vacina
No dia 14 de maio de 1796 o médico
inglês Edward Jenner inoculou, num
menino de oito anos, uma pequena
quantidade de sangue de uma
camponesa que fora infectada
anteriormente pela varíola bovina.
O menino adquiriu imunidade
contra a varíola humana. Jenner já
observara que os camponeses que se
infectavam primeiro pela varíola
bovina, mais branda, nunca
desenvolviam a forma humana da
doença. Estava descoberta a vacina,
que mudou a história da
imunologia no mundo.
A reação popular
A reação à chegada da polícia veio na forma de pedradas
e confrontos generalizados.
Car roças e bondes foram
tombados e incendiados, lojas foram saqueadas, postes
de iluminação destruídos.
Pelotões policiais disparavam contra a multidão; eram muitos os
mortos e feridos. Durante uma semana, o
centro da cidade virou uma praça de
guerra.
Os manifestantes
enfrentavam a polícia
armados com o que
viam pela frente —
em geral, o próprio
material usado na reforma das avenidas:
ICONOGRAPHIA
O povo se agita
E HOJE, A VARÍOLA EXISTE NO
BRASIL? E NO RESTO DO MUNDO?
Em 1973, o Brasil recebeu a certificação
internacional de erradicação da varíola.
A vacinação foi suspensa no país em janeiro de
1980, ano em que a Organização Mundial de
Saúde declarou a doença erradicada em todo o
planeta. Isso significa que poucas pessoas nascidas
após essa data são imunes à moléstia.
Há, no entanto, amostras do vírus em
laboratórios nos Estados Unidos e na Rússia.
Especialistas acreditam que elas também existam
no Iraque e na Coréia do Norte. Teme-se que esses
vírus, contagiosos e fatais, venham a ser utilizados
como armas biológicas. Depois dos ataques
terroristas de 11 de setembro de 2001, a ameaça
cresceu e os laboratórios americanos voltaram
a produzir a vacina.
OSWALDO CRUZ
32
pedras, vigas, ferros e ferramentas. Entre gritos de pânico e dor, a massa entoava palavras de ordem contra o governo, a vacina obrigatória e
a polícia.
Um outro
movimento acontece
O motim popular criara as
condições ideais para um movimento de outra natureza —
um levante militar —, com o
objetivo de depor o presidente Rodrigues Alves. Partindo
da Escola Militar da Praia Vermelha, sob a liderança do general Travassos, comandantes
de alta patente aliaram-se aos
revoltosos e armaram um golpe de Estado.
O encontro com as forças
federais, enviadas às pressas
pelo governo, aconteceu na
rua da Passagem, onde o general Travassos foi atingido
e morto. Em pouco tempo os
alunos da Escola Militar estariam rendidos. Atracado na
ponte do Catete, um barco
aguardava o presidente, que
devia embarcar num navio
de guerra. Rodrigues Alves
recusou-se a fugir, alegando
que não sairia da capital,
nem deixaria o comando do
país.
A revolta popular continuava intensa pelas ruas. Bancos,
comércio e repartições públicas fecharam suas portas. A
polícia não conseguiu assumir o controle da situação. O
povo pedia a demissão do diretor geral de Saúde Pública.
O presidente não cedeu: confiava no trabalho de Oswaldo Cruz e sabia que a vacina
obrigatória era um pretexto
para o povo expressar seu
descontentamento com o governo e a situação social da
cidade.
O CENÁRIO DA REVOLTA
DESCRITO PELO JORNAL
O PAIZ, EM NOVEMBRO
DE
1904
“[...] os combustores de
iluminação partidos, com
os postes vergados, estavam imprestáveis; os vidros quebrados brilhavam na calçada; paralelepípedos revolvidos, que serviam de
projéteis para essas depredações, coalhavam a via pública; em todos os
pontos, destroços de bondes incendiados, portas arrancadas, colchões,
latas, montes de pedras, mostravam
os vestígios das barricadas feitas pelas multidões agitadas.”
O Rio em estado
de sítio
Em 17 de novembro foi decretado estado de sítio no Rio
de Janeiro. A Escola Militar
foi fechada. Rodrigues Alves
revogou a lei que tornava a vacina obrigatória e autorizou
que os institutos de vacinação
imunizassem apenas os que
desejassem.
O saldo da revolta foi de
23 mortos, 67 feridos e 945
presos. Quase a metade dos
prisioneiros foi submetida a
trabalhos forçados no Acre.
Oswaldo Cruz continuou
em seu cargo, gozando da
confiança do presidente, mas
perdeu a batalha contra a varíola. Em 1908, um novo surto acometeria mais de 9 mil
pessoas na cidade. Mesmo
com esses números preocupantes, a não-obrigatoriedade
foi mantida.
Introduzido na América do Norte pelos
europeus, o vírus da varíola teve efeitos trágicos.
Matou 90% dos astecas e vários nativos do
nordeste do continente. Também foi usado como
arma biológica no século XVIII, durante
a conquista das novas terras americanas,
disputadas entre franceses e ingleses. Ao saber
que os índios tinham se unido aos franceses, os
ingleses distribuíram lençóis que haviam sido
usados por doentes de varíola, provocando uma
violenta epidemia naquelas tribos, o que minou
o apoio indígena aos franceses.
A palavra “vacina” vem do latim vaccinus, “de vaca”.
!
Cicatrizes de varíola foram encontradas no rosto
mumificado do faraó Ramsés II.
Em algumas culturas antigas, as crianças só
recebiam nome se sobrevivessem à doença.
O MÉDICO DO BRASIL
33
Prata Preta: líder da resistência negra à vacina
Estivador e capoeirista, Prata Preta combateu as forças policiais fazendo uma barricada
que ficou conhecida como Porto Artur, na praça da Harmonia, bairro da Saúde. Liderou a
resistência por vários dias. Aquele seria o último foco de revolta popular a ser rendido.
No fim do conflito, Prata Preta esteve entre os presos mandados para o Acre.
Sua valentia e coragem lhe deram fama nos noticiários, na literatura e nas caricaturas de
jornal, em que ele era retratado dando golpes de capoeira.
Por que os negros
eram tão
contrários à vacina?
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a prisão de Prata Preta
Prata Preta e seus companheiros do bairro da
Saúde, onde moravam muitos dos negros vindos
da Bahia em busca de trabalho na capital, tinham
motivações específicas para se revoltar contra o
governo.
Adepta do candomblé, a população negra
recusava-se a tomar a vacina por princípios
religiosos. Esse culto, na época, estava proibido
pelo governo, sob acusação de “feitiçaria”. Os
praticantes da religião acreditavam que
determinadas divindades tinham poder sobre
algumas doenças. Entre esses deuses, está Omolu
ou Obaluaiê, que seria o orixá responsável pela
varíola. Os poderes de Omolu não se resumiriam
a causar a varíola: podiam também atenuar seus
efeitos. Cultos e sacrifícios rituais eram oferecidos
ao orixá, pedindo proteção contra o mal.
Assim, era difícil que a vacina vinda dos médicos
tivesse credibilidade entre os seguidores do
candomblé. E era preciso resistir a ela.
Jeitinho brasileiro…
FATO CURIOSO
Mais de cinqüenta anos
depois da revolta, em 1960,
equipes da Organização
Mundial de Saúde,
trabalhando na erradicação
mundial da varíola,
encontraram essa mesma
resistência contra a vacina.
Isso aconteceu na África
Ocidental, onde algumas
tribos praticavam um culto
fetichista de varíola, o
Vodu-Sakpate ou Sopona.
Durante a Revolta da Vacina, no Rio de Janeiro, um dos
lampiões arrancados das ruas serviu para enganar a polícia,
no bairro da Saúde. Disposto estrategicamente em cima de
uma carroça, entre escombros e barricadas, afugentava as
tropas do Exército, que de longe pensavam tratar-se de um
canhão pronto para atirar!
O orixá dos iorubas, vindos da África, chama-se
Sapona. Tinha o poder tanto de espalhar a varíola
como de proteger seus devotos contra os males da
doença. O orixá foi trazido ao Brasil pelos escravos,
que aqui passaram a chamá-lo de Omolu ou Obaluaiê.
OSWALDO CRUZ
34
A capoeira
Disseminada pelos congoleses que chegaram ao Brasil como escravos, a capoeira era,
originalmente, uma dança da guerra. Aperfeiçoada como prática de defesa pessoal,
passou a ser ensinada entre os que haviam fugido para os quilombos. Quando recapturados,
esses capoeiristas passavam adiante o seu conhecimento.
Os movimentos da luta foram associados às cantorias
e músicas africanas para que parecesse uma dança,
e assim não levantar suspeitas dos feitores sobre seu
caráter belicoso. Mesmo assim, durante o regime
escravo, o jogo da capoeira foi perseguido e proibido.
Com o fim da escravidão, a capoeira continuou a ser
objeto de perseguição. No início da República,
o marechal Hermes da Fonseca proíbiu essa prática
em todo o território nacional. O código penal de 1890
previa penas severas aos capoeiristas.
A proibição só fez aumentar a resistência entre os negros
— para eles, a capoeira era sinônimo de liberdade.
A capoeira hoje
da como uma
A capoeira é reconheci
cultural e
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Hoje em dia, muitas doenças podem ser evitadas pela vacinação. No Brasil, algumas vacinas
são obrigatórias (em todo o país ou em algumas regiões) e constam do calendário
estabelecido pelo Ministério da Saúde. Existem ainda outras, não obrigatórias, mas muito úteis
como medidas profiláticas. A seguir, as principais doenças prevenidas com vacinas:
Caxumba Coqueluche Difteria Febre amarela Gripe Hepatite B Meningite
Pneumonia Poliomielite Rubéola Sarampo Tétano Tuberculose
ICONOGRAPHIA
Anedotas
A professora tenta ensinar
matemática para o Joãozinho.
— Se eu te der quatro
chocolates hoje e mais três amanhã,
você vai ficar com... com... com...
E o garoto:
— Contente!
G
Joãozinho chega em casa e
entrega ao pai o recibo da
mensalidade escolar.
— Meu Deus! Como é caro
estudar nesse colégio.
E o menino:
— E olhe, pai, eu sou o que
menos estuda na minha classe!
do início do século XX
Anúncio da Casa Granado
O MÉDICO DO BRASIL
35
Página literária
TESTEMUNHA OCULAR DOS ACONTECIMENTOS QUE PUSERAM O
RIO DE JANEIRO DE PERNAS PARA O AR POR UMA SEMANA,
QUANDO O POVO SE OPÔS À VACINAÇÃO OBRIGATÓRIA, LIMA
BARRETO RELATOU DETALHES DA REVOLTA DA VACINA EM SEU
LIVRO RECORDAÇÕES DO ESCRIVÃO ISAÍAS CAMINHA, DE 1909.
A
O
QUEBRA-LAMPIÃO
cial a cavalo percorria a praça, intimando o
povo a retirar-se. Obedeci e, antes de entrar
na Rua do Ouvidor, a cavalaria, com os
grandes sabres reluzindo ao sol, varria o
largo com estrépito. Os curiosos encostavamse às portas das casas fechadas, mas aí mesmo os soldados iam surrá-los com vontade e
sem pena. Era o motim.
As vociferações da minha gazeta tinham
produzido o necessário resultado. Aquele repetir diário em longos artigos solenes de que
o governo era desonesto e desejava oprimir o
povo, que aquele projeto visava enriquecer
um sindicato de fabricantes de calçado, que
atentava contra a liberdade individual, que
se devia correr a chicote tais administradores, tudo isso tinha-se encrostado nos espíritos e a irritação alastrava com a violência
de uma epidemia.
Durante três dias a agitação manteve-se.
Iluminação quase não havia. Na rua do Ouvidor armavam-se barricadas, cobria-se o
pavimento de rolhas para impedir as cargas de cavalaria. As forças eram recebidas
a bala e respondiam. Plínio de Andrade, com
quem há muito não me encontrava, veio a
morrer num desses combates. Da sacada do
jornal, eu pude ver os amotinados. Havia a
poeira de garotos e moleques; havia o vagabundo, o desordeiro profissional, o pequenoburguês, empregado, caixeiro e estudante;
havia emissários de políticos descontentes.
Todos se misturavam, afrontavam as balas,
unidos pela mesma irritação e pelo mesmo
ódio à polícia, onde uns viam o seu inimigo
natural e outros o Estado, que não dava a
felicidade, a riqueza e a abundância.
O motim não tem fisionomia, não tem forma, é improvisado. Propaga-se, espalha-se,
mas não se liga. O grupo que opera aqui não
fisionomia das ruas era
de expectativa. As patrulhas
subiam e desciam; nas janelas
havia muita gente espiando e
esperando qualquer coisa. Tínhamos deixado a estação do
Mangue, quando de todos os lados, das esquinas, das portas e
do próprio bonde partiam gritos: Vira! Vira! Salta! Salta!
Queima! Queima!
O cocheiro parou. Os passageiros saltaram. Num momento o bonde estava cercado por
um grande magote de populares à frente do qual se movia um
bando multicor de moleques, espécie de poeira humana que os motins levantam alto e dão heroicidade. Num ápice,
o veículo foi retirado das linhas, untado de
querosene e ardeu. Continuei a pé. Pelo caminho a mesma atmosfera de terror e expectativa. Uma força de cavalaria de polícia,
de sabre desembainhado, corria em direção
ao bonde incendiado. Logo que ela se afastou um pouco, de um grupo partiu uma tremenda assuada. Os assobios eram estridentes e longos; havia muito da força e da
fraqueza do populacho naquela ingênua
arma. E por todo o caminho, este cenário
se repetia.
Uma força passava, era vaiada; se carregava sobre o povo, este dispersava-se, fragmentava-se, pulverizava-se, ficando um ou
outro a receber lambadas num canto ou num
portal fechado. O largo de São Francisco era
mesmo uma praça de guerra. Por detrás da
Escola Politécnica, havia uma força e os toques da ordenança sucediam-se conforme as
regras e preceitos militares. Parei. Um ofi-
OSWALDO CRUZ
36
tem ligação alguma com o que tiroteia acolá. São independentes; não há um chefe geral nem um plano estabelecido. Numa esquina, numa travessa, forma-se um grupo,
seis, dez, vinte pessoas diferentes, de profissão, inteligência, e moralidade. Começa-se
a discutir, ataca-se o governo; passa o bonde e alguém lembra: vamos queimá-lo. Os
outros não refletem, nada objetam e correm
a incendiar o bonde.
O apagamento momentâneo da honestidade e a revolta contra pessoas inacessíveis
levam os melhores a esses atentados brutais
contra a propriedade particular e pública.
Concorre também muito a nossa perversidade natural, o nosso desejo de destruir,
que, adormecido no fundo de nós mesmos,
surge nesses momentos, quando a lei foi esquecida e a opinião não nos vigia.
No jornal exultava-se. As vitórias do povo
tinham hinos de vitórias da pátria. Exagerava-se, mentia-se, para se exaltar a população. Em tal lugar, a polícia foi repelida;
em tal outro, recusou-se a atirar sobre o povo.
Eu não fui para casa, dormi pelos cantos da
redação e assisti à tiragem do jornal: tinha
aumentado cinco mil exemplares. Parecia
que a multidão o procurava como estimulante para a sua atitude belicosa. O serviço
normal da folha fazia-se com atividade. Os
repórteres iam aos lugares perigosos, aos pontos mais castigados pela polícia, corriam a
cidade em tílburis. Nem os revisores nem os
seus suplentes faltavam à chamada; outro
tanto sucedia com os tipógrafos e os outros
operários.
Toda essa abnegação era para garantir
os seus mesquinhos empregos. Um pobre tipógrafo, que morava para a Saúde, onde o
trânsito se fazia com os maiores perigos, ficou todos os três dias no jornal. Temia ser
morto por uma bala pedida. Houvera muitas mortes assim, mas os jornais não as noticiavam. Todos eles procuravam lisonjear
a multidão, mantê-la naquelas refregas sangrentas, que lhes aumentava a venda. Não
queriam abater a coragem do povo com a
imagem aterradora da morte. A polícia atirava e não matava; os populares atiravam e
não matavam. Parecia um torneio... Entretanto eu vi morrer quase em frente ao jornal
um popular. Era de tarde. O pequeno italiano, na esquina, apregoava os jornais da tarde: Notícia! Tribuna! Despacho!
De há muito que a rua parecia retomar a
sua vida normal. Durante todo o dia os passeios se fizeram como nos dias comuns; repetidamente, porém, uns grupos que paravam
no canto do largo de São Francisco vaiaram
a polícia. O esquadrão, com o alferes na frente, partiu como uma flecha e foi descendo a
rua do Ouvidor, distribuindo cutiladas para
todos os lados. O pequeno vendedor de jornais não teve tempo de fugir e foi derrubado
pelos primeiros cavalos e envolvido nas patas dos seguintes, que o atiraram de um lado
para outro como se fosse um bocado de lama.
QUEM FOI?
Afonso Henriques de
Lima Barreto
(1881-1922)
eto
Nascido no Rio de Janeiro, Lima Barr
e
re
pob
tiço,
era filho de tipógrafo. Mes
rezo
desp
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once
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alcoólatra, sofreu
crítica
da elite da época e foi ignorado pela
s.
obra
quando lançou suas primeiras
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concorreu dua
Letras.
cadeira na Academia Brasileira de
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Internado duas vezes em
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O MÉDICO DO BRASIL
37
O novo Rio
Renasce o orgulho
carioca
Apesar do alto preço — demolições, populações desabrigadas, proliferação de favelas
e uma revolta popular sem
precedentes — o Rio de Janeiro passou por uma metamorfose. Seu aspecto provinciano
deu lugar a construções suntuosas, estrategicamente localizadas nas novas avenidas do
centro. A valorização dessa cidade burguesa e moderna es-
tava entre os ideais do início
do século XX: o Rio de Janeiro queria parecer Paris.
O sentimento de orgulho
aumentava, nutrido por artigos
de jornais e destaques nos discursos políticos. Assim, quando Afonso Pena assumiu a
presidência da República, em
novembro de 1906, sucedendo Rodrigues Alves, o Rio de
Janeiro já era conhecido como
a cidade mais linda do mundo, a “Cidade Maravilhosa”.
O apelido “Cidade
Maravilhosa” foi dado ao
Rio de Janeiro pelo
jornalista e escritor Coelho
Neto, em artigos que
publicava no jornal
A Notícia, em 1908. Foi,
porém, a marchinha “Cidade
maravilhosa”, lançada no
carnaval de 1934 pelo
compositor baiano André
Filho, que imortalizou a
expressão e se transformou
no hino da cidade do
Rio de Janeiro.
CIDADE
MARAVILHOSA
(HINO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO)
André Filho
Cidade maravilhosa, cheia de encantos mil
Cidade maravilhosa, coração do meu Brasil
Berço do samba e das lindas canções,
Que vivem n’alma da gente
És o altar dos nossos corações
Que cantam alegremente
Cidade maravilhosa, cheia de encantos mil
Cidade maravilhosa, coração do meu Brasil
Jardim florido de amor e saudade,
Terra que a todos seduz
Que Deus te cubra de felicidade,
Ninho de sonho e de luz
Cidade maravilhosa, cheia de encantos mil
Cidade maravilhosa, coração do meu Brasil
Oswaldo Cruz em postal de
J. Pinto, 24/12/1915
CIDADE SAUDÁVEL
O conceito de cidade saudável serve como
parâmetro para nortear as políticas de saúde
pública em diversos países do mundo, desde
que foi adotado pela Organização Mundial de
Saúde, em 1995. As condições que uma cidade
saudável deve ter são as seguintes: ambiente
limpo, sem poluição e seguro, e acesso a
educação, cultura, saúde, assistência social e
trabalho para toda a população. A comunidade
deve ser forte e solidária, consciente da justiça
social e do bem comum, e deve participar das
decisões do poder público.
Lei no 5, de 25/8/1960; Lei no 488, de 27/10/1964
“O grande segredo para a plenitude
é muito simples: compartilhar.”
Parece impossível? Até 2002, só na Europa
1100 cidades foram consideradas saudáveis
pela Organização Mundial de Saúde.
Sócrates, filósofo grego
OSWALDO CRUZ
38
ICONOGRAPHIA
TRECHO DO ARTIGO
DE OLAVO BILAC NA
GAZETA DE NOTÍCIAS
DE 19 DE NOVEMBRO
DE 1905, SOBRE A
INAUGURAÇÃO DA
AVENIDA
CENTRAL
(ATUAL AVENIDA
BRANCO)
RIO
Inauguração da avenida Central, novembro de 1905
J
o borralho, sem esperança e sem revolta, como
quem sabe que só veio ao mundo para trabalhar e sofrer… Assim o povo carioca, resignado, ia vivendo a sua vida triste, habituado ao
vasto persigal* que lhe davam por morada,
sem outro ideal que o de comer duas vezes e
trabalhar dez horas por dia, com só divertimento de politicar um bocadinho e a só comoção de arriscar todos os dias dez tostões na
cobra ou no peru…
E eis que, de repente, alguém lhe tapa os
olhos, e leva-o assim vendado a um certo lugar, e retira-lhe a venda, e mostra-lhe uma
avenida esplêndida, bordada de palácios, e
cheia de ar e de luz — e diz-lhe: “Recebe isto,
que é teu! folga e regala-te! Teve um fim o teu
aviltamento, e começa a ter o que todos os outros povos já têm: um pouco de decência na
tua casa, e um pouco de aventura na tua vida!”.
á vistes alguma vez uma criança pobre,
dessas que raras vezes têm a sorte grande de
uma verdadeira alegria, receber um brinquedo caro, um boneco ricamente vestido, um
dixe* de preciosa beleza? A criança, a princípio, tem medo de aceitar o presente inesperado; estende as mãos, retrai-as — como quem
receia uma cilada do destino mau… Animase por fim, apanha o brinquedo com mil precauções, com as mãos trêmulas; apalpa-o de
leve, de manso; toma-lhe o peso, mede-o com
os olhos ávidos; e fica a mirar o tesouro, tonta,
aparvalhada, sem falar, sem rir, sem chorar…
O meu bom povo está como essa criança.
Que é que lhe haviam dado os governos até
agora? Impostos e pau; ruas tortas e sujas,
casas imundadas… E às vezes atravessadas
por balázios*; estados de sítio e bernardas*;
febre amarela e tédio …
Ele, o deserdado, não se queixava. Lá diz
Perrault, no seu conto imortal, que a Gata
Borralheira passava as noites olhando para
* Dixe: ornamento, jóia, enfeite
Balázio: tiros, balas
Bernardas: revolta popular, motim, desordem pública
Persigal: curral de porcos, chiqueiro, pocilga
A “AGENDA 21”
A “Agenda 21 Global” foi lançada como modelo para o desenvolvimento sustentável na Conferência
das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano, a ECO-92, realizada em 1992 no
Rio de Janeiro. A agenda é uma pauta de ações para satisfazer as necessidades atuais dos habitantes do
planeta, sem comprometer os recursos ambientais necessários às próximas gerações. Sugere atividades
que estejam em harmonia com a natureza, promovendo a qualidade de vida de toda a sociedade.
O documento serviu como base para cada país elaborar e implementar sua própria
“Agenda 21”, nacional e regional. Dos 180 países presentes na Conferência, 179 assinaram a agenda.
Os Estados Unidos foram o único país a não assinar o documento.
O MÉDICO DO BRASIL
39
Louros e glórias
Oswaldo Cruz e o
Instituto
Soroterápico
O Instituto Soroterápico
Federal foi beneficiado pelo
fato de seu diretor, Oswaldo
Cruz, estar também no comando da Saúde Pública. As
pesquisas científicas, concentradas no combate à varíola, à
febre amarela e à peste bubônica no Rio de Janeiro, foram
expandidas e diversificadas.
Nele iniciaram-se pesquisas e produção de imunobiológicos contra tuberculose,
cólera, malária e outras doenças parasitárias. Também foram desenvolvidos produtos
para as epizootias, que causavam prejuízo à agropecuária.
Essas medidas consolidaram a
importância do instituto na
área de saúde social.
Oswaldo Cruz estimulou
ainda o setor de ensino. Os cur-
sos de Aplicação se destinavam
aos doutorandos, que pesquisavam nos laboratórios do instituto, e a médicos já formados,
que queriam se aperfeiçoar.
Oswaldo Cruz é recebido como herói nacional no Rio de Janeiro, ao
voltar de Berlim, em 1908
As novas tecnologias na época de Oswaldo Cruz
Um grande avanço tecnológico ocorreu no final do século XIX e no início do século XX,
quando novas fontes de produção de energia foram usadas nos processos produtivos, surgindo
o automóvel, a telefonia, o fonógrafo, a fotografia, o cinematógrafo, entre outros inventos que
sinalizavam o ingresso da humanidade nos tempos modernos.
A eletricidade foi uma das formas de manifestação da modernidade. No Brasil foram
instaladas durante o Império as primeiras usinas hidrelétricas e termelétricas. No Rio de Janeiro,
capital do Império, a inauguração da rede de energia elétrica foi a iluminação da Estação
Central da Estrada de Ferro dom Pedro II, em 1879, atual Central do Brasil.
Nos primeiros anos da República, a energia elétrica passou a ser usada como força motriz
na indústria, na iluminação pública e nos transportes. Uma nova e dinâmica paisagem deu à
cidade do Rio uma moderna vida cotidiana.
A figura do acendedor de lampiões a gás deixou de fazer parte deste cenário. Os bondes,
antes puxados por tração animal, ficaram mais rápidos e cobriam distâncias maiores.
A malha ferroviária ligando as zonas norte e oeste da cidade, e as linhas de bonde até a zona sul
promoveram o crescimento urbano dessas áreas.
Acabaram-se a fuligem, o mau cheiro e os iminentes riscos de incêndio pelo uso
constante do gás. Apareceram os eletrodomésticos: ventiladores, ferros de passar roupa,
máquinas de lavar, geladeiras e máquinas de costura. As pessoas subiam e desciam em
elevadores e escadas rolantes. As lâmpadas elétricas iluminavam melhor
a vida noturna, criando novos hábitos domésticos e sociais.
OSWALDO CRUZ
40
Premiação brasileira
em Berlim
Em 1907, o Brasil participou da exposição de Higiene
do XIV Congresso de Higiene e Demografia de Berlim.
Chefiada por Oswaldo Cruz,
a equipe brasileira — a única
da América do Sul presente à
exposição — apresentou os
trabalhos do Instituto Soroterápico Federal: soros, vacinas
e fotos de insetos tropicais,
entre outros.
Tanto a exposição como os
estudos divulgados pelos cientistas brasileiros durante o
congresso garantiram o primeiro prêmio à delegação: a
medalha de ouro. A repercussão na imprensa brasileira
não poderia ter sido melhor.
Um périplo
internacional
De Berlim, Oswaldo Cruz
viajou a Paris, onde visitou o
Instituto Pasteur. Em seguida,
O fascínio de Oswaldo Cruz pela
modernidade nova-iorquina transparece
neste trecho da carta que escreveu à
esposa em 10 de novembro de 1907*:
icos e andão com uma
Os bondes são todos electr
alem dos bondes, que se
velocidade de aterrar. Ha
a
s, formando quase que um
succedem todos os segundo
de
,
eos
terraneo e varios aer
fila contínua, um trem sub
um
a rua tem sobre a cabeça
maneira que quem passa pel
a a rapidez e sob os pés um
camboio a desfilar com tod
ão
e ha uma verdadeira agitaç
outro. O barulho é infernal
disposição dos hospedes: o
na colmeia. No hotel ha a
ncia
o, o telephone urbano, age
telephone por “todo o mund
e
ro
fer
atros, caminhos de
de bilhetes prá todos os the
e escrevem sob dictados em
vapores ha empregados qu
machinas de escrever. [...]
res:
aqui estende pelos elevado
Interessante é o culto que
ra
dei
da
o enorme dessa ver
o americano tem um orgulh
ao
leva em menos de 1 minuto
instituição naocional, que os
ossaes casas, que eles
20o ou ao 30 andar das col
á
do céu”. Queria ver-te ou
denominam “arranhadores
s,
elle
e
qu
ra,
ent
se
dores: apenas
tua mãe num desses eleva
ase
qu
e
qu
reira vertiginosa
sobem ou descem numa car
im
ou 5 elevadores que, por ass
tonteia! E cada casa tem 4
ça
pra
de
mo já te disse os carros
dizer, nunca páram — Co
são
e
denominados “cab” qu
aqui são carissimos e são os
nte
e o cocheiro vai sentado, fre
pequenas victorias, em qu
á tolda e por traz do carro.
original
* Texto em ortografia
foi a Nova York, onde, em
nome de Rodrigues Alves, levou a boa notícia da erradicação da febre amarela do
Rio de Janeiro ao presidente
Theodore Roosevelt.
No México, assumiu, com
representantes de governos de
países da América Central, o
compromisso de criar uma legislação sanitária para erradicar a febre amarela de seus
territórios. Ao retornar ao Brasil, no início de 1908, uma
multidão o esperava no porto,
ansiosa para saudar o mais
novo herói nacional. O Rio de
Janeiro, que se transformara
na “Paris das Américas”, tinha
agora o seu “Pasteur”.
“Os volts, watts,
ampères, hertz,
roentgen, mach.
É já o mundo moderno
no qual vivemos.”
Machado de Assis
Anúncio do início do século XX
O MÉDICO DO BRASIL
41
Uma luta perdida
O plano frustrado
No governo Afonso Pena,
que sucedeu o de Rodrigues
Alves, Oswaldo Cruz manteve-se à frente da Diretoria
Geral de Saúde Pública. No
entanto, o cargo já não lhe garantia o mesmo poder de decisão e de persuasão política
junto à presidência. Muitos de
seus planos para a saúde pública não sairiam do papel.
Um deles — talvez o mais importante para a população —
era o combate à tuberculose
ou peste branca, como a doença era conhecida.
Os números revelavam uma
situação aguda no Rio de Janeiro. De 1901 a 1907, foram
16 690 mortes, sete vezes mais
que a mortandade por febre
amarela: 2 256. O combate ao
mal, que ainda não tinha cura,
dependia de medidas profiláticas, como o isolamento dos
doentes em locais adequados
— os sanatórios de cura — e
a educação da população. Até
aquela época, cabia ao governo dar assistência aos doentes
sem recursos. Os sanatórios
eram particulares, caros, e localizados em regiões montanhosas, consideradas saudáveis para os doentes.
O objetivo de Oswaldo Cruz
era justamente o de dar a todos os doentes aquilo que só
os mais ricos podiam ter. Além
de propor medidas de controle, tratamento e isolamento,
seu projeto contra a tuberculose previa uma aposentadoria
para os trabalhadores, pelo
tempo que durasse a doença.
Uma das demandas do plano dizia respeito ao controle
dos animais. Todo o gado leiteiro deveria ser submetido ao
teste de Koch, feito com a tuberculina produzida em Manguinhos. Essa medida irritou
os produtores.
Charges alusivas à luta de Oswaldo Cruz contra a tuberculose
OSWALDO CRUZ
42
Oswaldo Cruz joga
a toalha
Ao contrário da febre amarela, que atingia a todos, a tuberculose vitimava sobretudo
pessoas pobres, moradoras de
locais insalubres e rústicos.
Por isso, o governo não a classificou como calamidade pública e não liberou a verba necessária para combatê-la.
Oswaldo Cruz estava desgostoso com a falta de empenho do novo presidente nas
questões da tuberculose, entre
outras medidas sanitárias barradas. Em novembro de 1909,
com a entrada em vigor de
uma lei que proibia a acumulação de cargos no serviço público federal, optou por deixar
a Diretoria Geral de Saúde Pública e permanecer à frente de
Manguinhos, já então transformado em Instituto Oswaldo Cruz.
Tuberculose
PARA A SORTE DO DIA-A-DIA
O que é
Trevo-de-quatro-folhas
Encontrar um trevo-de-quatro-folhas,
raríssimo, é sinal de boa sorte e confirmação
de que seus desejos irão se realizar. Mas só
vale para os encontrados na natureza; os que
forem comprados não têm efeito.
Doença infectocontagiosa provocada pelo
bacilo de Koch, cujo nome científico é
Mycobacterium tuberculosis. Acomete
geralmente os pulmões e pode se espalhar
pelas juntas e outras partes do corpo,
levando a um quadro grave.
Transmissão
Estrela cadente
Ter a sorte de ver uma estrela cadente no céu
é sinal de bons presságios. Ao vê-la, faça um
pedido e ele se realizará.
O bacilo é transmitido de uma pessoa a
outra por beijo, perdigotos, respiração,
espirro, tosse e também por partículas
suspensas no ar. Atinge mais as pessoas mal
nutridas ou com baixa resistência.
Joaninha na mão
Se uma joaninha pousar em seu dedo, é sinal
de que você foi escolhido para fazer um
pedido. Preste atenção à direção em que ela
voar; daquele lado virá sua sorte!
Sintomas
Perda de peso, suores noturnos, dores no
peito, febre (geralmente à tarde), catarro
com sangue e tosse com ou sem catarro, de
duração prolongada, por mais de um mês.
Dinheiro na rua
Encontrar dinheiro na rua significa sorte para o
felizardo. Se for uma moeda ou uma nota
dobrada, é sinal de que algo será transformado
para melhor! Esse dinheiro não poderá ser
gasto. Deve ficar guardado como um talismã,
garantia de abundância a seu portador.
Prevenção
Vacina BCG em crianças no primeiro
mês de vida, imunizando contra um tipo
específico de tuberculose que atinge as
meninges. Hoje, defende-se a revacinação,
principalmente dos profissionais de saúde.
Beija-flor
Símbolo de alegria e prazer, o beija-flor é
considerado pelos índios um pássaro fiel, que
representa beleza e alegria. Se um deles voar
sobre sua cabeça, estará anunciando a
chegada de alguma boa notícia.
Você sabia?
N
Um terço da população mundial está infectado
com o bacilo da tuberculose. Entre as vítimas,
há 45 milhões de brasileiros.
N
5% a 10% dos infectados desenvolvem a doença.
N
Cerca de 30 milhões de pessoas no mundo
podem morrer da doença nos próximos dez anos.
N
Cerca de 6 mil brasileiros morrem de tuberculose
por ano.
O osso maior da forquilha
Depois de saborear uma galinha, duas
pessoas pegam o osso em forma de Y do
peito, seguram em suas pontas, fazendo um
pedido oculto, e as puxam. Quem ficar com a
parte maior terá o desejo realizado.
Duvida sempre de ti mesmo,
até que os dados não deixem lugar
para dúvidas.
Grilos e lagartixas
Esses pequenos animais significam boa sorte
ao lar. O canto do grilo dentro da morada
anuncia dinheiro à vista. A lagartixa, símbolo
da resistência, ao grudar na parede da casa,
deixa a sorte colada na superfície.
(Louis Pasteur, sobre a importância das pesquisas)
O MÉDICO DO BRASIL
43
O senhor do castelo
A ciência ganha seu
templo
Durante seus primeiros
anos, o Instituto Soroterápico Federal funcionou em precárias instalações, na Fazenda Manguinhos. Em 1905,
Oswaldo Cruz encomendou
ao arquiteto português Luís
de Moraes Júnior a construção de um imponente castelo
em estilo neomourisco, que
seria o centro do conjunto arquitetônico de Manguinhos.
O objetivo era dar à ciência
brasileira um “templo”, para
que fosse reconhecida e preservada, e garantir que esse
templo fosse visível, em toda
a sua majestade, pelos tripulantes e passageiros dos navios estrangeiros que passassem pelo Rio de Janeiro.
O projeto, inspirado no palácio árabe de Alhambra, em
Granada, na Espanha, teve
como base um desenho do
próprio Oswaldo. A construção contou com ricos materiais
trazidos de longe: maçanetas
de ouro dos Estados Unidos,
vitrais da Alemanha, escadas
de mármore de Car rara e
louças de banheiro da Inglaterra.
Quando ficou pronto, em
1918, o Castelo de Manguinhos — chamado também de
Pavilhão Mourisco — tinha,
além de muito luxo, instalações que igualavam seus laboratórios de pesquisa aos
mais modernos do mundo.
Desenho de Oswaldo Cruz que
serviu de base para o projeto do
pavilhão Mourisco
Em 1981, o prédio seria tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional.
Uma equipe
de peso
Oswaldo Cruz privilegiava
o intercâmbio científico, enviando pesquisadores para
estágios e cursos de aperfeiçoamento em laboratórios na
Europa e nos Estados Unidos,
e contratando cientistas europeus de renome para trabalhar no instituto.
Para compor sua equipe,
trouxe Carlos Chagas e, de
São Paulo, Adolfo Lutz. Entre os muitos cientistas importantes do instituto, constavam
nomes como Gaspar Viana e
José Gomes de Faria — que,
em 1910, publicaria a descoberta do parasita Ancylostoma braziliens, causador do
amarelão.
Oswaldo Cruz e cientistas no antigo refeitório de
Manguinhos
Castelo de Manguinhos
OSWALDO CRUZ
44
Os cientistas
viajantes
por doenças como a malária,
a febre amarela ou a varíola.
Empresas particulares e governamentais
procuraram o
No início do século XX, as
doenças representavam um sé- Instituto Oswaldo Cruz para
rio empecilho às obras de en- organizar expedições científigenharia, às exportações e ao cas a vários cantos do país, na
desenvolvimento da agricultu- tentativa de solucionar casos
ra. Grande parte dos trabalha- de doenças endêmicas e banir
dores dos portos, estradas de as epidemias. O primeiro inferro e lavoura era atingida ventário moderno sobre saúde e condições de
vida das populações
rurais resultou do
QUEM FOI?
trabalho dessas
equipes. Levavam
fotógrafos e até
mesmo cinegrafistas para documentar os procedimentos e registrar em
imagens a situação dos habitantes.
o
eir
Carlos Rib
Pouco se sabia
Justiniano Chagas
sobre o que não
(1878-1934)
estava na faixa lide
Mineiro de Oliveira, nasceu em 9
torânea do país,
e de
julho de 1878. Cursou a Faculdad
mais populosa e
Medicina do Rio de Janeiro. Recebeu
por
onal
naci
desenvolvida.
reconhecimento na ciência inter
abatia
ter descoberto, em 1908, o mal que
e
aço
cans
de
mas
sinto
com
s
nejo
os serta
u
tifico
iden
aceleração cardíaca. Chagas
ro
todo o ciclo da doença: o hospedei
al
caus
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o
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eiro)
barb
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inse
(o
oma
(o protozoário denominado Trypanos
,
Cruz
aldo
Osw
a
em
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cruzi, em hom
rio
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cien
eiro
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seu
a doença,
doméstico do parasita; e, por fim,
as.
Chag
de
ça
doen
de
ada
que foi cham
de
de
cida
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A descoberta aconteceu
o
diçã
expe
uma
iava
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Lassance, quando
e
nort
no
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malá
a
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bate
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para
sanitária
,
Cruz
aldo
Osw
de Minas. Com a morte de
do
ão
direç
a
miu
assu
em 1917, Chagas
aneceria
Instituto Oswaldo Cruz, onde perm
4.
193
em
até o fim da vida,
Como diretor do Instituto,
Oswaldo Cruz supervisionou
inúmeras expedições e participou pessoalmente de algumas delas.
A Ferrovia do Diabo
Entre julho e setembro de
1910, Oswaldo Cruz, acompanhado de Belisário Pena, comandou uma expedição a Porto Velho (RO), onde estava sendo construída a ferrovia Madeira–Mamoré. Por apresentar
um alto índice de mortalidade
de trabalhadores, por causa de
doenças como beribéri, pneumonia e principalmente malária, a estrada era conhecida
como Ferrovia do Diabo.
Oswaldo levou aos trabalhadores medidas profiláticas e uma
dura campanha sanitária: doses maciças de quinino e, no
pôr-do-sol, recolhimento obrigatório nos alojamentos sob
proteção de mosquiteiros. O
descumprimento das regras
acarretaria descontos salariais.
Madeira–Mamoré – a Ferrovia
do Diabo
G
A construção da estrada foi uma verdadeira torre
de Babel. No seu auge, havia trabalhadores
brasileiros, espanhóis, italianos, dinamarqueses,
gregos, poloneses, indianos, húngaros e até da
ilha de Barbados, nas Antilhas.
G
O número exato de mortos durante a construção
não é conhecido. Há depoimentos que falam em
33 mil. Talvez por isso ainda hoje as histórias e
lendas sobre a ferrovia sejam tão presentes nos
confins do Brasil. Uma delas diz que, para cada
dormente colocado, uma vida foi perdida.
G
A Madeira–Mamoré foi desativada em 1979.
O MÉDICO DO BRASIL
45
A experiência
carioca no Pará
Chamado pelo governo do
Pará para erradicar a febre amarela do porto de Belém, Oswaldo Cruz levou do Rio de Janeiro uma das antigas brigadas de
mata-mosquitos e alguns médicos que trabalharam no saneamento da capital. Implantou um
plano de combate à epidemia e
convocou João Pedroso para comandar a campanha, nos moldes da que havia levado a cabo
no Rio: caça aos mosquitos, isolamento dos doentes, expurgos
e desinfecções. A erradicação
da epidemia foi alcançada em
seis meses.
As campanhas
supervisionadas por
Oswaldo Cruz
As expedições mais significativas ocorreram entre 1911
e 1913. Sempre sob a liderança de importantes pesquisadores, penetravam regiões distantes da capital: Astrogildo Machado e Antônio Martins foram
aos vales do São Francisco e
do Tocantins; Artur Neiva e
Belisário Pena estiveram em
Goiás, Pernambuco, Piauí e
Bahia; João Pedro de Albuquerque e José Gomes de Faria, no Ceará e Piauí; novamente Astrogildo Machado, desta
vez com Adolfo Lutz, visitou
os povoados ribeirinhos ao longo do rio São Francisco; e Carlos Chagas, Pacheco Leão e
João Pedroso trabalharam na
bacia Amazônica.
Mata-mosquitos em frente a uma casa coberta para desinfecção,
em Belém
Dicas para uma
expedição na mata
G
G
G
G
G
G
G
G
G
G
G
G
G
G
Antes de sair, identifique-se
no posto de controle da região.
Anote o número do telefone
do resgate ou do Corpo de Bombeiros.
Siga pelas trilhas principais e pelas já
abertas, de preferência com um guia.
Não grite, para não assustar os bichos.
Não acaricie nem alimente animais,
mesmo os pequenos ou inofensivos.
Seja cuidadoso ao entrar em cavernas;
além de servir de abrigo para espécies
perigosas, elas têm passagens estreitas,
lagos submersos e galerias.
Não ponha as mãos em buracos na
terra ou sob pedras, que podem ser
refúgio de animais.
Não deixe seu lixo no caminho.
Guarde-o para ser jogado na cidade.
Nunca queime nem enterre qualquer
tipo de resíduo não-orgânico.
Previna-se contra picadas de insetos.
Procure saber quais doenças são
comuns na região e previna-se com
vacinas, se necessário.
Use roupas e calçados adequados para
um longo período de caminhada.
Beba água a cada meia hora, para
garantir sua hidratação.
Alimente-se várias vezes ao dia, em
pequenas quantidades.
OSWALDO CRUZ
46
O QUE NÃO
PODE FALTAR NA
MOCHILA
Protetor solar,
antialérgicos, pomada
para picadas de insetos,
soro fisiológico, kit de
primeiros socorros,
repelente, telefone
celular com bateria
reserva, lanterna e pilhas
reserva, bússola, apito de
emergência, canivete,
fósforos, cantil com água,
frutas in natura ou
cristalizadas, sanduíches
(feitos no dia, sem
maionese ou requeijão),
biscoitos, barras de
cereais e chocolates,
boné, óculos escuros,
mapa da região,
documentos com
identificação de tipo
sangüíneo e aviso sobre
possíveis reações
alérgicas.
ureza,
Ao conviver com a nat
fotos,
de
m
alé
a
nad
não tire
de pegadas,
não deixe nada além
do tempo.
não mate nada além
Você sabia?
N
Por atingir pessoas que
geralmente moram em regiões
pantanosas, a malária
também é conhecida como
impaludismo ou febre palustre
(dos pântanos).
N
A cada ano são registrados
cerca de 500 milhões de casos
no mundo, entre infectados e
doentes. Em cada cem,
noventa ocorrem na África.
N
Antigamente acreditava-se que
as doenças eram transmitidas
pelos “maus ares” de locais
insalubres e pantanosos. Em
italiano, “maus ares” é malaria
— daí o nome da doença.
Astrogildo Machado e Antônio Martins - 1911
Belisário Pena e Artur Neiva - 1912
João P. de Albuquerque e José G. de Faria - 1912
Adolfo Lutz e Astrogildo Machado - 1912
Carlos Chagas, Pacheco Leão e João P. de Albuquerque - 1912-1913
Mapa com a rota de cinco expedições sanitárias supervisionadas
por Oswaldo Cruz
A MALÁRIA NO
BRASIL
Malária
O que é
Doença comum no mundo inteiro, causada pelo
microrganismo plasmódio, cujo agente transmissor é a fêmea
do mosquito Anopheles.
Sintomas
Febre intermitente, calafrios, suor, dor de cabeça, enjôos,
vômitos, fraqueza. Pode levar à morte.
Tratamento e prevenção
Não existe vacina contra a doença. O ideal é evitar as
picadas dos mosquitos. Quem mora ou circula em áreas de
risco deve proteger-se com repelente, usar calças e camisas de
manga comprida, colocar telas em portas e janelas, cobrir
camas e redes com mosquiteiros e usar inseticida nos locais
onde dorme.
O tratamento deve ser iniciado assim que a doença for
confirmada por exame de sangue. Hoje já existem algumas
terapias eficazes, com cloroquina.
O MÉDICO DO BRASIL
47
Em 1999, o país
registrou mais de 600 mil
casos de malária. Em 2001,
foram tomadas novas
medidas de controle.
O índice caiu para 390 mil,
mas o número ainda é
muito alto. O Brasil está
atrás apenas dos países
africanos e da Índia no
número de doentes.
O combate à malária
representa um grande
desafio para a saúde
pública, já que a doença
causa mortes e internações,
afastando pessoas do
trabalho e crianças da
escola por longos períodos.
O Movimento
Sanitarista
À medida que os relatos das
expedições chegavam à capital, crescia a discussão sobre
as condições sociais do interior do país. Começava a cair
por terra a concepção de que
os problemas do Brasil se explicavam pela composição racial do povo e pelo clima
quente dos trópicos, propício
a doenças e até mesmo à preguiça. Nascia o Movimento
Sanitarista, que defendia a
idéia de que não haveria desenvolvimento nacional se as
moléstias endêmicas não fossem satisfatoriamente combatidas. Representantes de vários
segmentos da sociedade se engajaram em uma campanha
pelo saneamento dos sertões.
Em 1918, surgiu a Liga Pró
Saneamento do Brasil, presidida por Belisário Pena. O objetivo era instituir uma política nacional de saneamento.
Em janeiro de 1920 foi criado
o Departamento Nacional de
Saúde Pública. Seu diretor,
Carlos Chagas, em pouco tempo organizaria os serviços
sanitários e ampliaria a responsabilidade da União na promoção e regulação da saúde
pública em todo o país.
Infelizmente Oswaldo Cruz
não viveria para ver os resultados de sua política expedicionária de saúde.
O Jeca Tatu é
redimido
Monteiro Lobato foi um
dos líderes do Movimento
Sanitarista. Crítico da sociedade brasileira, Lobato criou
o personagem Jeca Tatu, que
simbolizava o caipira preguiçoso e sem vontade de vencer, de pouca ambição e visão curta para o progresso e
o bem comum. O escritor integrou-se ao movimento em
1918, após refazer a imagem que traçara do Jeca
Tatu. Lobato mostrou o espírito da campanha quando
afirmou que “O Jeca não é
assim; ele está assim porque
está doente”.
Carlos Chagas (no centro da foto) às
margens do rio Negro, em São Gabriel da
Cachoeira (AM), 1913
Acampamento em Bebe Mijo (PI), junho de 1912
PROVÉRBIOS
A água silenciosa é a mais perigosa.
Conhece-se o marinheiro no meio da
tempestade.
A calúnia é como carvão, quando não queima,
suja a mão.
De mau grão, nunca bom pão.
A sorte faz parentes, a escolha faz amigos.
Mais vale cuidar do nosso de longe do que
do alheio de perto.
Casa onde falta pão, todos brigam e ninguém
tem razão.
Conforme é o passarinho, assim é o ninho.
Na boca do discreto, o público se torna secreto.
Quem hesita perde a chance.
Tempestade no mar, gaivotas em terra.
Na boca do mentiroso, o certo se faz duvidoso.
OSWALDO CRUZ
48
JECA TATUZINHO
N
uma casa de sapé
Lá na beira do caminho
com dois filhos e a “muié”
Mora o Jeca Tatuzinho
No terreiro uma galinha
um galo velho e um leitão
e o quintal sem plantação
Jeca vive descansando
Nunca tem disposição
Passa o dia se espreguiçando
Diz que pro trabalho
Não tem vocação
Numa tarde que chovia
Um doutor por lá passou
Vendo Jeca que sofria
Um remédio receitou
E lhe disse: meu amigo,
Não ande mais de pé no chão:
Sua doença é amarelão
Jeca comprou sapato
Prá família e prá a toda a criação
Dava gosto a gente “vê” galinha
de botina e galo de botinão.
Quem passar pelo caminho
Fica logo admirado
Já não tem mais o ranchinho
No lugar tem um sobrado
Hoje em dia, o Tatuzinho
É o maior dos “fazendeiros”
Tem saúde e tem dinheiro
Sua história é uma lição
Prá quem anda de pé no chão
Sapato no pé prá não “entrá” os “bichinho”
É a receita do Jeca Tatuzinho.
Fonte: “O velho almanaque vai fazer 50 anos”, in O Estado de S. Paulo,
21/5/1969.
Quem é Jeca Tatu
Sinônimo e símbolo de caboclo do interior, segundo o Dicionário Aurélio,
o personagem Jeca Tatu aparece pela primeira vez em dois artigos de Monteiro Lobato
(“Velha Praga” e “Urupês”, de 1914). Caipira preguiçoso, que a qualquer tarefa
responde “não paga a pena”, tem sua origem no interior de São Paulo, onde Lobato
era fazendeiro. Na época, o autor o compara a um urupê – parasita que suga a planta
saudável. Lobato, porém, reveria a imagem pejorativa do personagem sob influência
do Movimento Sanitarista e popularizaria sua nova opinião num folheto de
propaganda farmacêutica onde o herói é o Jeca Tatuzinho.
Curado, Jeca torna-se um modelo saudável, exemplo de amor ao trabalho, e vai ser
o garoto-propaganda do Biotônico Fontoura no almanaque de mesmo nome – a peça
publicitária de maior sucesso na história da propaganda brasileira.
“Está provado que tens no sangue e nas tripas um jardim zoológico
da pior espécie. É essa bicharia cruel que te faz papudo, feio, molenga, inerte.
Tens culpa disso? Claro que não”
Monteiro Lobato, Urupês, prefácio à 4a edição, 1919
O MÉDICO DO BRASIL
49
Últimas ações
A doença avança
Oswaldo Cruz estava em
Paris, em 1907, quando soube
que sofria de nefrite, a mesma enfermidade que matara
seu pai; ao saber do diagnóstico, sua reação foi, no mínimo, excêntrica: traçou um plano detalhado de como e onde
deveria ser seu jazigo, na encosta do Vidigal, na chácara
do sogro.
Voltou ao Brasil e continuou
seu trabalho obstinado na área
de saneamento, exercendo as
funções de diretor geral de
Saúde Pública e diretor do Instituto de Manguinhos. Após
optar por permanecer apenas
à frente do instituto, em 1909,
continuou sua luta supervisionando e liderando expedições
sanitárias por todo o país e di-
Oswaldo Cruz em óleo do pintor
fluminense Batista da Costa
rigindo o grande centro de
pesquisa.
Foi nesse período que
Oswaldo começou a sentir a
gravidade de seu quadro: passava seus dias acompanhando
as pesquisas e os experimen-
tos no instituto, mas preferia
ficar só, durante horas, em sua
sala. Lia com muita dificuldade; a doença, que castigava
seus rins, também atacava a
visão e o deixava abatido.
Bento, o filho mais velho,
pediu ao governador do Rio,
Nilo Peçanha, que nomeasse
o pai para a recém-criada prefeitura da cidade de Petrópolis, vizinha da capital. Oswaldo
Cruz não só aceitou o desafio,
como se entregou inteiramente ao novo cargo, que ocupou
em 17 de agosto de 1916.
Como era de seu feitio, elaborou um audacioso plano de
desenvolvimento social e urbano para a cidade, mas não
teve tempo de pôr seus projetos em prática. A doença se
agravava e ele só ficou no cargo por seis meses.
Alguns pontos do programa para a administração de Petrópolis
elaborado por Oswaldo Cruz
G
G
G
G
G
G
G
G
Organização do serviço sanitário
Rede de esgotos
Regulamentação e fiscalização da venda do
leite
Organização do ensino primário
Parque para ginástica das escolas e educação
física obrigatória em todos os colégios
Imposto (2$000 por metro) sobre terrenos
devolutos
Preparo de gás pobre com lixo e produção de
energia elétrica para os britadores e oficinas
Substituição na prefeitura das carroças de
tração animal por automóveis
G
G
G
G
G
G
G
Barragem dos rios e plantio de flores em
suas margens
Construção de um edifício de diversões
Bondes – linha circular Castelania-Alto
da Serra
Museu Histórico do Império e Jardim
Botânico, no Palácio Imperial
Calçamento de macadame asfaltado e
interlinha dos bondes e paralelepípedos
Repressão da mendicância e criação de
asilos para mendigos
Estatística da população e índice de
analfabetismo
OSWALDO CRUZ
50
O combate a saúva
Apesar dos crescentes problemas de saúde, Oswaldo
Cruz trabalhava com entusiasmo. Antes de assumir a prefeitura de Petrópolis, dedicouse ao estudo da erradicação
da saúva, a pedido do então
governador do estado do Rio,
o ex-presidente da República
Nilo Peçanha, preocupado
com a devastação que elas
promoviam nas plantações.
Para combatê-las, o sanitarista elaborou um plano tão
interessante quanto polêmico,
que consistia em disseminar
nos formigueiros uma doença fulminante. Mandou fazer,
em barro, uma réplica de formigueiro, na qual uma parede de vidro permitia observar
os hábitos das saúvas.
Um descolamento da retina, infelizmente, forçou-o a
interromper esses estudos.
A SAÚVA
Uma grande formiga
A saúva é uma formiga cortadeira, ou
seja, corta material vegetal como folhas e
flores e o carrega até o interior do
formigueiro.
As operárias alimentam-se da seiva que
as plantas liberam quando são cortadas
e dividem-se em jardineiras, cortadeiras
e soldados. Todas são fêmeas estéreis.
As jardineiras são as menores e têm como função
triturar pedaços de vegetal e inseri-los no meio de um
fungo cultivado no formigueiro, para alimentar as larvas
que lá se encontram. As cortadeiras, de tamanho
médio, cortam e carregam os vegetais para dentro do
formigueiro. Os soldados são as maiores e têm a
cabeça grande. Cortam as folhas auxiliando as
cortadeiras, mas sua principal função é a de proteger a
colônia de inimigos naturais.
A rainha é chamada popularmente içá ou tanajura.
Muito maior que as operárias, distingue-se facilmente
do resto da colônia. Os machos, chamados bitus,
possuem cabeça e mandíbulas bem menores que as da
rainha, o que facilita sua identificação.
A fundação de novas colônias se faz pelo vôo
nupcial que ocorre nos meses de outubro a dezembro.
É fácil reconhecer ninhos de saúvas. Encontram-se
sempre no solo e são formados por montes de terra
solta, com vários buraquinhos, os “olheiros” por onde as
formigas entram e saem.
Dentro do formigueiro as saúvas escavam várias
câmaras que são interligadas por galerias. Nelas
podem ser encontradas câmaras com fungo, com lixo e
com formigas mortas. A rainha fica na câmara real.
Em algumas regiões do Brasil o povo utiliza a içá –
ou tanajura – para preparar petiscos. Podem ser
torradas, assadas, em paçoca com farinha de mandioca
ou de milho etc.
“Muita saúva e pouca saúde,
os males do Brasil são.”
Última foto de Oswaldo Cruz,
feita no jardim de sua casa, em
Petrópolis
Mario de Andrade, Macunaíma
O MÉDICO DO BRASIL
51
O legado de Oswaldo Cruz
Oswaldo Gonçalves Cruz morreu em 11 de fevereiro de 1917, durante o Carnaval,
aos 44 anos de idade, ao lado da família e dos amigos Belisário Pena, Carlos Chagas e
Salles Guerra. Em homenagem cívica, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, no dia 23
de maio, Rui Barbosa dirá: “Como viveu, morreu, superior ao seu tempo e ao seu país”.
A memória de Oswaldo Cruz permanece viva — em seu castelo, templo da ciência
e marco do Rio de Janeiro; na Fiocruz, referência em saúde; em nomes de ruas, praças e
avenidas, até mesmo em Paris; e junto à população, que
repetidamente o escolhe como o mais conhecido
cientista brasileiro.
Medalha de prêmio de mérito científico
que recebeu o nome de Oswaldo Cruz
Sinete de Oswaldo Cruz
o
O nome de Oswald
tá
es
m
bé
Cruz tam
ação
presente na classific
s:
vo
vi
de alguns seres
Trypanosoma cruzi:
or da
protozoário causad
doença de Chagas
Anopheles oswaldoi:
um dos mosquitos
alária
transmissores da m
cruzi:
Oswaldostrongylus
aves
s
da
verme parasita
ovici:
Oswaldotrema nacin
es
av
verme parasita de
Selos e cédula em homenagem ao cientista
OSWALDO CRUZ
52
A Fundação Oswaldo Cruz
(SARS), que no final de 2002 se espalhou pelo
mundo a partir da Ásia.
A Fiocruz não opera apenas nos 800 mil metros quadrados que ocupa na antiga Fazenda de
Manguinhos, na zona Norte do Rio de Janeiro,
onde se ergue o conjunto arquitetônico, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 1981. Atua também por intermédio de suas unidades que possui em Salvador (Centro de Pesquisa Gonçalo
Muniz), em Belo Horizonte (Centro de Pesquisa René Rachou), Recife (Centro de Pesquisa
Aggeu Magalhães) e Manaus (Centro de Pesquisa Leônidas e Maria Deane).
Uma das unidades que a compõem é a Casa
de Oswaldo Cruz, que desenvolve pesquisas em
história, sociologia e filosofia da ciência e da
saúde pública, além de atividades nas áreas de
arquivo, documentação e preservação do patrimônio arquitetônico da instituição. O mais recente departamento da Casa de Oswaldo Cruz é
o Museu da Vida, que explicita o engajamento
da Fiocruz com a educação e a divulgação da
ciência e da saúde.
Para saber mais, visite
o site <www.fiocruz.br>
Um século depois de nascer como Instituto
Soroterápico Federal, a Fundação Oswaldo Cruz
ultrapassou seu objetivo inicial — a produção
de soro e vacina contra a peste bubônica que
então ameaçava entrar pelos portos brasileiros.
A Fiocruz é hoje o mais importante centro brasileiro de pesquisa na área da ciência e tecnologia em saúde. Foi em suas instalações que pela
primeira vez no país se isolaram os vírus da aids,
da dengue e da hepatite A — e, pela primeira
vez no mundo, os vírus picobirna e picotrirna,
ligados a diarréias no homem e nos animais.
As atividades da Fiocruz, que é vinculada ao
Ministério da Saúde, incluem pesquisa, ensino,
assistência hospitalar e ambulatorial de referência, informação em ciência e saúde, educação e
divulgação científica, formação de recursos humanos, produção de vacinas, medicamentos, kits
de diagnóstico e reagentes, controle de qualidade em saúde e desenvolvimento de tecnologias
para a saúde.
Presente na vida de cada brasileiro, a Fundação Oswaldo Cruz é responsável por 60% da
produção nacional de vacinas, fabrica setenta
medicamentos básicos para o Sistema Único de
Saúde, fornecidos à população carente, e sete
dos doze remédios do coquetel contra
aids. A ela se devem, também, iniciativas e estratégias para enfrentar
novas doenças, como a pneumonia conhecida como síndrome respiratória aguda severa
Castelo de Manguinhos
O MÉDICO DO BRASIL
53
Caricaturas
POUCOS
BRASILEIROS FORAM TÃO CARICATURADOS QUANTO
OSWALDO CRUZ
XX. ENQUANTO TENTAVA IMPETRAR COM FIRMEZA AS
AÇÕES DE COMBATE À FEBRE AMARELA, À PESTE BUBÔNICA E À VARÍOLA, ERA
DURAMENTE ESPEZINHADO PELA TINTA DOS CARICATURISTAS. A IRONIA DA
NO INÍCIO DO SÉCULO
IMPRENSA TRADUZIA O SENTIMENTO POPULAR
Provocação na capa da revista Tagarela, em novembro de
1904: com um trocadilho — “VÁ, ASSINA” —, um Oswaldo
Cruz caracterizado de demônio força o presidente Rodrigues
Alves a sancionar a lei da vacina obrigatória. Poucos dias
mais tarde, a revolta ganhava as ruas
“DE VOLTA O TERROR DOS RATOS E MOSQUITOS”,
ironizava o caricaturista Bambino numa revista carioca, ao
falar das campanhas sanitárias de Oswaldo Cruz
A AUTENTICIDADE DOS RATOS
— Prove que o rato
nasceu, viveu e morreu
nesta capital e terá
300 réis por ele.
—?
— Por meio de uma
justificação com três
testemunhas de vista.
Charge de P. Isasi,
Jornal do Brasil, 11/8/1904
Se a vacina era obrigatória, a resistência a ela também
deveria ser — opinião do autor deste desenho e de muitos
outros cariocas em 1904
OSWALDO CRUZ
54
Versos sarcásticos atribuídos a
Oswaldo Cruz pela revista Avenida,
em setembro de 1904, em charge
de Vasco:
“Nessa perfuração arteriana
É o másculo doutor de altas ciências.
Parece ver na natureza humana
Um campo vivo para experiências”
QUEM PERGUNTA
QUER SABER
A PRAGA DOS CULICÍDIOS
Rodrigues Alves — Por aqui!... Que é
que o senhor quer?
Zé Povo — Não se assuste, por ora ...
Eu quero saber se este negócio da
Higiene é brincadeira ou é sério. Se é
brincadeira, o sr. Oswaldo Cruz que se
deixe de graças que lhe podem trazer
muito pau. Se é sério, se eu tenho de
cuidar de mosquitos, de lavar a casa
com drogas, de andar a denunciar as
doenças de meus vizinhos – quando é
que eu hei de ir trabalhar para ganhar o
pão de cada dia?
— Que, seu Oswaldo? É esse o bicho
que causa tanto mal à saúde?
— Em carne e osso; em carne e osso é
um modo de dizer; é como quem diz:
em pessoa. E para exterminar o maldito
são precisos cinco mil e tantos contos.
— Homem, eu tenho visto matar o
bicho muito mais baratinho ...
Charge de Kalixto, em 1903
Charge de Dudu, O Malho, 6/8/1904
Charge profética de Leônidas na revista O Malho, em 29 de outubro de 1904, dias antes de estourar a Revolta da Vacina:
“GUERRA VACCINO-OBRIGATEZA!... Espetáculo para breve nas ruas”.
O MÉDICO DO BRASIL
55
À
MEDIDA QUE O TRABALHO DE
OSWALDO CRUZ
IA SENDO RECONHECIDO,
O TRAÇO DOS CARICATURISTAS IA SE TORNANDO CADA VEZ MAIS FAVORÁVEL.
OS
BONS RESULTADOS DE SUAS CAMPANHAS FORAM DEFINITIVAMENTE
APROVADOS PELA IMPRENSA QUANDO
BERLIM
PREMIOU, COM MEDALHA DE
OURO, A ERRADICAÇÃO DA FEBRE AMARELA NO
RIO
DE
JANEIRO
NO PARÁ: PRAGA DE MOSQUITO
NÃO MATA COELHO
À vista dos últimos boletins
sanitários pode ser declarada extinta
a febre amarela na capital do Pará
(Telegrama de Belém)
João Coelho, governador — Foi a sua ciência que fez o
milagre, doutor!
Oswaldo Cruz — Não duvido: mas foi a sua presciência, o
seu amor ao Pará e o seu patriotismo, que tornaram possível
esse milagre...
O mosquito — Se tudo aqui em Belém continuasse como
dantes, entregue aos monopólios do velho Lemos, eu não
teria de azular, deixando de transmitir a febre amarela. Vou
me embora com o amigo Lemos, mas – diabos carreguem os
que livraram o Pará de semelhante peste!...
1907:
Revista da Semana em
Charge de Bambino na
de Oswaldo Cruz,
am
lam
rec
S”
MIA
DE
indignadas, “AS EPI
-las
que conseguira derrotá
Charge de Loureiro, O Malho, 17/6/1911
Outra charge alusiva aos trabalhos de saneamento do Pará:
Oswaldo — Comigo é isto, hein? Você há de sair por esse
UMARIZAL até VER O PESO da minha força... Comigo
ninguém pode!...
Lemos e Zé — Aí, seu Oswaldo! Faça azular essa Amarela
por esses verdes afora...
Ela — Cruzes, Oswaldo!... Cruzes...
Charge de Leônidas, em O Malho, em 1910, homenageia
Oswaldo Cruz e o governador do Pará, João Coelho, pelo
triunfo obtido na campanha contra a febre amarela, e prevê
uma nova era de engrandecimento para a região em
decorrência da abertura do porto do Pará ao comércio
estrangeiro
OSWALDO CRUZ
56
esso
Cruz obteve grande suc
e o nosso dr. Oswaldo
a meter o chanfalho
osto
disp
Notícias da Europa, ond
vem
ta
enis
que o ilustre higi
para o Brasil, asseguram
1908
sem tempo ...
em 15 de fevereiro de
Charge de O Malho,
na tuberculose. Não é
Charge de Kalixto na revista Fon-Fon!,
em 11 de janeiro de 1908
TROCADILHO
HIGIÊNICO
— Hei de ser um
vencedor de serum.
Publicado na revista Fon-Fon!,
de 7/3/1908
EM BERLIM
O Brasil ganhou o primeiro prêmio na
Exposição de Higiene
Alemão — Oh! Eu lembra muido to zenhor quando zeu povo
chamava zenhor de mada-mosguido... Agora zenhor tira 1o
prêmio e prova que zeu baís é mais limbo... Bergunto: zeus
badricios ainda chamará zenhor de mada-mosguidos?...
Oswaldo Cruz — Não sei. Meu país só reconhecerá o mérito
dos seus homens de ciência, quando abandonar a
politicagem de campanário...
Alemão — Não greio, zenhor!
Oswaldo Cruz – Ou então... quando eles morrerem, o que é
mais certo...
— Coroa de louros!... De louros!... Se há coisa mais
monótona! As que eu fazia espalhar pelos cemitérios eram,
pelo menos, mais vistosas!...
Charge de Julião Machado impressa em O Paiz, 13/2/1908
Publicada em O Malho, 12/10/1907
O MÉDICO DO BRASIL
57
Cronologia
1872
5 de agosto — Nasce, em São Luís
do Paraitinga (SP), Oswaldo
Gonçalves Cruz, filho do médico
Bento Gonçalves Cruz e de Amália
Taborda Bulhões Cruz.
1877
A família se muda para o Rio de
Janeiro, terra dos pais de Oswaldo.
Bento, Hercília, Oswaldo, Zahra
(que viverá apenas um ano) e
Walter.
1897
Muda-se com a família para Paris,
em busca de especialização em
microbiologia e soroterapia no
Instituto Pasteur.
1887
Retorna ao Brasil. Trabalha no
consultório e na Fábrica de Tecidos
Corcovado, onde ocupa o cargo
que era de seu pai. Abre o primeiro
laboratório de análises clínicas do
Rio de Janeiro.
1893
Casa-se com Emília da Fonseca,
com quem terá seis filhos: Elisa,
1903
Nomeado diretor geral de Saúde
Pública pelo presidente Rodrigues
Alves, tem a difícil missão de
sanear a capital dos três males que
assolam a população: febre
amarela, peste bubônica e varíola.
Por sua iniciativa, é aprovada a lei
que torna obrigatória a vacinação
contra a varíola. A medida provoca,
no Rio, a Revolta da Vacina. A
obrigatoriedade é revogada.
1899
Forma-se médico. Morre o
dr. Bento.
Assume a direção geral do Instituto
Soroterápico Federal.
1904
Ingressa na Faculdade de Medicina
do Rio de Janeiro.
1892
1902
Integra a equipe que vai combater
a peste bubônica em Santos (SP).
Inicia relações científicas e
pessoais com Adolfo Lutz e Vital
Brazil.
1900
É chamado para a direção técnica
do recém-criado Instituto
Soroterápico Federal, dirigido pelo
barão de Pedro Affonso, na
Fazenda de Manguinhos (RJ).
OSWALDO CRUZ
58
1905
Tem início a construção, na
Fazenda de Manguinhos, do
Pavilhão Mourisco, ou Castelo de
Manguinhos, que estará concluído
em 1918. Centro de imponente
conjunto arquitetônico, será a sede
de um trabalho de pesquisa em
saúde pública internacionalmente
conhecido e respeitado.
Setembro — Parte em expedições
sanitárias pelos portos brasileiros de
Norte a Sul, inspecionando, em duas
viagens, trinta portos em 111 dias.
1910
1914
Lidera expedições a Belém e à
região onde se constrói a ferrovia
Madeira–Mamoré.
Viaja a Paris com a família. Vive o
clima do início da Primeira Guerra
Mundial.
1915
Retorna ao Brasil. Sua doença se
agrava. A pedido do presidente Nilo
Peçanha, trabalha num estudo de
combate à formiga-saúva,
causadora de grandes prejuízos
agrícolas.
1907
A febre amarela é erradicada do
Rio de Janeiro. Oswaldo Cruz
recebe a medalha de ouro no XIV
Congresso de Higiene e Demografia
de Berlim. Em missão diplomática,
assegura ao presidente americano
Theodore Roosevelt as boas
condições sanitárias da capital
federal. Sente os primeiros
sintomas de sua doença renal.
1916
Por motivo de saúde, encerra suas
atividades no Instituto Oswaldo
Cruz e vai viver em Petrópolis (RJ).
É nomeado prefeito da cidade.
1908
1911
Volta ao Brasil. É recebido como
herói nacional.
O Instituto Oswaldo Cruz recebe
diploma de honra na Exposição
Internacional de Higiene de
Dresden, na Alemanha.
1913
Toma posse na Academia Brasileira
de Letras.
1909
Exonera-se do cargo de diretor
geral de Saúde Pública. Dedica-se
apenas à direção do Instituto de
Manguinhos, o antigo Instituto
Soroterápico Federal, que agora
passa a se chamar Instituto
Oswaldo Cruz.
O MÉDICO DO BRASIL
59
1917
11 de fevereiro — Morre em sua
residência, em Petrópolis, cercado
pela família e pelos amigos.
Enterrado no cemitério carioca de
São João Batista, tem funerais
consagradores. Sua memória se
perpetuará em livros, cédulas,
moedas, selos postais e medalhas,
além de ruas, praças e avenidas
em todo o Brasil – e até em sua
amada Paris.
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ
CASA DE OSWALDO CRUZ
Respostas dos passatempos
Curadoria de conteúdos científicos
e sobre Oswaldo Cruz
Ana Luce Girão
Luciana Sepúlveda
Carta Enigmática (p.2):
Pesquisa de fontes documentais
Adriana Assumpção
Cláudio Arcoverde
Jacqueline Girão
Verônica Velloso
Pesquisa de Imagens
Verônica Velloso
Cláudio Arcoverde
Jacqueline Girão
Caro leitor,
Nosso almanaque fala do grande médico e sanitarista brasileiro que
combateu a febre amarela, a varíola e a peste bubônica.
Problema de Lógica (p.4):
O marinheiro apanhou uma certa quantidade de pedrinhas na praia, de
vários tamanhos e jogou-as uma a uma dentro da garrafa de remédio, até o
liquido atingir a boca da garrafa. Isso significa que 1/4 do volume estava
tomado pelas pedras. Derramou então na garrafa vazia o liquido até que o
nível fosse o mesmo nas duas garrafas. Conseqüentemente, ambas as
garrafas ficaram com a metade cheia. Ele então tomou a dose que necessitava.
Caça-Palavras (p.11):
M C T M O L H O R O S E A Q
Colaboração
Paulo Colonese - Museu da Vida COC - Fiocruz
Alexandre Medeiros - Biblioteca do CICT
- Fiocruz
A C O N S O M E H C N P E U
Z A N T O V O P O C H E V
I S O E G B U L N R E R
J S N T N A S S
I O R C N H
T O G E H N S R R
Imagens
Acervo da Casa de Oswaldo Cruz e
Coordenadoria da Comunicação Social Fiocruz
N U
I
I C
I P L A E
I L J S E V A P R
I G O
N L M E A S T E H C O I R B
C E E M A
I C M T C H R E N
A T L O C A L R O A S S T V
D F
Apoio
Sociedade de Promoção da
Casa de Oswaldo Cruz
I T L A T N I M P C E I
E R F G C H A N T
I L
I B R
Palavras Cruzadas (p.17):
Agradecimentos especiais à
Biblioteca de Manguinhos - Centro de
Informação Científica e Tecnológica CICT
Coordenação geral
REMINISCÊNCIAS PESQUISA E
PRODUÇÃO CULTURAL
Coordenação de edição e produção
Carmen Lucia de Azevedo
Ana Laura Moura
Concepção, coordenação pedagógica,
conteúdos extras e textos
(almanaque e guia do professor)
Tania Regina Bueno
Jogo dos Sete Erros (p.23):
Preparação e revisão de textos
Paulo Werneck
Apoio editorial
Thiago de Azevedo
Edição de arte e
tratamento de imagens
Eva Paraguassú de Arruda Câmara
José Ramos Néto
Camilo de Arruda Câmara Ramos
Ilustração
Michele Iacocca
Editoração do guia do professor
Karyn Mathuiy
Produção gráfica
Malu Tavares
CTP e Impressão
Pancrom
Charadinhas (p.29):
1. Três: avó, mãe e filha; 2. O livro; 3. A fome; 4. Granada; 5. Pluma; 6. O que
ela come; 7. Um louco varrido; 8. Pare de contar historinhas que eu já estou cheio de
problemas; 9. Avelã; 10. Quando Caim matou Abel; 11. Lia Aguiar.
60

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