volume5, n° 1

Transcrição

volume5, n° 1
ABENO
Associação Brasileira de Ensino Odontológico
Copyright © Associação Brasileira de Ensino Odontológico, 2005
Todos os direitos reservados.
Proibida a reprodução no todo ou em parte, por qualquer meio, sem autorização da
ABENO.
Catalogação-na-publicação
Serviço de Documentação Odontológica
Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo
Revista da ABENO/Associação Brasileira de Ensino Odontológico – vol. 1, n. 1, (2001).
– São Paulo : ABENO, 2001Semestral
ISSN# 1679-5954
A partir de 2005, vol. 5, n. 1 a publicação passa a ser semestral.
1. Odontologia – Periódicos I. Associação Brasileira de Ensino Superior (São Paulo)
II. ABENO
CDD 617.6
BLACK D05
ABENO
Associação Brasileira de
Ensino Odontológico
Presidente Antonio Cesar Perri de Carvalho
Universidade Católica de Brasília - Curso de Odontologia
Nova Sede QS 07 Lote 01 - CEP 72030-170
Águas Claras - Brasília - DF
Tel.: (61) 356-9611
E-mail: [email protected]
Editor Científico
José Luiz Lage-Marques
Produção editorial
Ricardo Borges Costa
IMC - Image Maker Comunicações
Rua Alice Macuco Alves, 148, cj. 2 - CEP 05453-010
São Paulo - SP
Tel.: (11) 3021-0163
Fax: (11) 3023-3165
Apoio para esta edição:
Centro de Pesquisas Odontológicas São Leopoldo Mandic
Editorial
A Revista da ABENO é uma
publicação oficial da
Associação Brasileira de Ensino
Odontológico
Presidente de Honra:
Edrízio Barbosa Pinto (PE)
Presidente:
Antonio Cesar Perri de Carvalho (DF)
Vice-presidente:
Eduardo Gomes Seabra (RN)
Editor Científico:
José Luiz Lage-Marques (FO-USP)
([email protected])
Editores Adjuntos:
Cléo Nunes de Souza (UFSC)
Luísa Isabel Taveira Rocha (UFG)
Nelson Rubens Mendes Loretto (UPE)
Vera Lúcia Silva Resende (UFMG)
Conselho Editorial:
Álvaro Della Bona (UPFundo)
Antonio Carlos Bombana (FO-USP)
Carlos de Paula Eduardo (FO-USP)
Carlos Eduardo Francischone (FOB-USP)
Carlos Estrela (FO-UFG)
Célia Marisa Rizzatti Barbosa (UNICAMP)
Cinthia Pereira M. Tabchoury (UNICAMP)
Cláudio Luiz Sendyk (FO-USP)
Denise Tostes Oliveira (FOB-USP)
Eduardo Batista Franco (FOB-USP)
Esther Goldenberg Birman (FO-USP)
Eduardo Dias de Andrade (FOP-UNICAMP)
Eduardo Saba Chujfi (UNICASTELO)
Elaine Bauer Veeck (PUC-RS)
Élito Araújo (UFSC)
Euloir Passanezi (FOB-USP)
Fernando Ricardo Xavier da Silveira (FO-USP)
Francisco José de Souza Filho (FOP-UNICAMP)
Izabel Cristina Froner (FORP-USP)
Jaime Aparecido Cury (FOP-UNICAMP)
Jesus Djalma Pécora (FORP-USP)
João Humberto Antoniazzi (FO-USP)
Jorge Abrão (FO-USP)
José Eduardo de Oliveira Lima (FOB-USP)
José Ranali (FOP-UNICAMP)
Liliane Soares Yurgel (PUC-RS)
Luiz Carlos Pardini (FORP-USP)
Luiz Clovis Cardoso Vieira (UFSC)
Manuel Damião de Sousa Neto (UNAERP)
Márcia Martins Marques (FO-USP)
Marcio Fernando de Moraes Grisi (FORP-USP)
Marco Antonio Bottino (FOSJC-UNESP)
Marco Antonio Campagnoni (FOAR)
Maria Aparecida de A. M. Machado (FOB-USP)
Maria Celeste Morita (UEL)
Maria da Graça Kfouri Lopes (UNICENP)
Maria José de Carvalho Rocha (UFSC)
Maria Regina Sposto (FOA-UNESP)
Neusa de Lima Moro (UFPar)
Nilza Pereira da Costa (PUC-RS)
Roberto Brandão Garcia (FOB-USP)
Roberto Miranda Esberard (FOAR-UNESP)
Rodney Garcia Rocha (FO-USP)
Rosemary Sadami Arai Shinkai
Simone Tetu Moysés (UFPar)
Sylvio Monteiro Júnior (UFSC)
Vania Ditzel Westphallen (PUC-PR)
Ação Docente
O
processo de ensino-aprendizagem fundamenta-se no
trabalho conjunto entre professor e alunos, no qual o
professor traça os objetivos que quer alcançar, conduzindo
os alunos, estimulando-os a participarem de tarefas e atividades que lhes permitam construir significados cada vez
mais próximos aos de habilidades e conteúdos do currículo.
O professor tem o papel de guia, mediador e deve saber
compartilhar experiência com os alunos; os alunos vão progressivamente sedimentando os sentidos e representações
que constroem de forma ininterrupta no decorrer das atividades planejadas para o curso.
Todavia, é praticamente geral que os professores de cursos de Odontologia não tiveram a oportunidade de uma
formação pedagógica e apresentam, como decorrência natural, dificuldades no exercício da ação docente, que requer
uma abordagem múltipla e complexa no desenvolvimento
do processo ensino-aprendizagem. Não basta ser bom profissional, é necessário também ser bom professor. Entendemos que a adequada atividade docente pressupõe a capacitação didática e o interesse continuado no aperfeiçoamento
do trabalho.
O docente consciente de suas responsabilidades pedagógicas também entende melhor a importância de sua atuação
vinculada a um projeto pedagógico do curso.
Com esse propósito, a Revista da ABENO reúne artigos
sobre ensino de Odontologia. É um espaço para a difusão
de reflexões, experiências e propostas que gerem intercâmbio, estímulo e apoio ao professor de Odontologia.
Antonio Cesar Perri de Carvalho
Presidente da ABENO
Indexação
A Revista da ABENO - Associação Brasileira de
Ensino Odontológico está indexada na seguinte
base de dados:
BBO - Bibliografia Brasileira de Odontologia.
Revista da ABENO • 5(1):3
3
Associação Brasileira
de Ensino Odontológico
DIRETORIA (2002 a 2006)
Presidente de Honra
Edrízio Barbosa Pinto (PE)
Presidente
Antonio Cesar Perri de Carvalho (DF)
Vice-Presidente
Eduardo Gomes Seabra (RN)
Secretária Geral
Luciane de Moura Brito (DF)
1ª Secretária
Ana Cristina Barreto Bezerra (DF)
Tesoureiro Geral
Sérgio de Freitas Pedrosa (DF)
1ª Tesoureira
Cresus Vinícius Depes de Gouveia (UFF-RJ)
Elaine Bauer Veeck (PUC-RS)
Ellen Marise de Oliveira Oleto (UFMG-MG)
Maria Celeste Morita (UNOPAR-PR)
Miguel Carlos Madeira (UMESP-SP)
Omar Zina (UNIVAG-MT)
Comissão de Especialização
Sigmar de Mello Rode (UNIB-SP)
Célio Percinoto (FOA-UNESP-SP)
Hilda Maria Montes R. de Souza (UERJ-RJ)
José Thadeu Pinheiro (UFPE-PE)
Kátia Regina Hostilho Cervantes Dias (UFRJ-RJ)
Luís Fernando Pegoraro (FOB-USP-SP)
Comissão de Pós-Graduação
Isabela Almeida Pordeus (UFMG-MG)
Adair Luiz Stefanello Busato (ULBRA-RS)
José Carlos Pereira (FOB-USP-SP)
Lino João da Costa (UFPB-PB)
Nicolau Tortamano (UNIP-SP)
Nilza Pereira da Costa (PUC-RS)
Lílian Marly de Paula (DF)
Conselho Fiscal
José Galba de Meneses Gomes (CE)
Geza Nemeth (DF)
José Aparecido Jam de Melo (SP)
Nelson José Fernandes Graça (RJ)
Reinaldo Brito e Dias (SP)
Assessores do Presidente
Alfredo Júlio Fernandes Neto (UFU-MG)
Bruno Frederico Muniz (Fundação Odontológica Presidente
Castello Branco-PE)
Carlos Alberto Conrado (UEM-PR)
José Dilson Vasconcelos de Menezes (UECE-CE)
Orlando Airton de Toledo (UnB-DF)
Roberto Schimer Wilhelm (UNESA-RJ)
Comissão de Ensino
Léo Kriger (UTP e PUC-PR)
Comissão de Ensino de Nível Médio e de
Formação de Pessoal Auxiliar
Vanderlei Luiz Gomes (UFU-MG)
Ângelo Giuseppe Roncalli da Costa Oliveira (UFRN-RN)
Luiza Nakama (UEL-PR)
Maria Beatriz Barreto de Souza Cabral (UFBA-BA)
Maria das Neves Correia (UPE-PE)
Sávio Marcelo Leite Moreira da Silva (UFPR-PR)
Vilma Azevedo da Silva Pereira (UFRJ-RJ)
Comissão de Comunicação
José Luiz Lage-Marques (USP-SP) - Editor da Revista da ABENO
Vera Lúcia Silva Resende (UFMG-MG) - Responsável pela
home page da ABENO
Cléo Nunes de Souza (UFSC-SC)
Daniel Rey de Carvalho (UCB-DF)
Luísa Isabel Taveira Rocha (UFG-GO)
Nelson Rubens Mendes Loretto (UPE-PE)
SUMÁRIO
v. 5, n. 1, janeiro/junho - 2005
Associação Brasileira de
Ensino Odontológico
EDITORIAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
ARTIGOS
O estudante de Odontologia e a educação
Aline Guerra Aquilante, Nilce Emy Tomita. . . . . . . . . . . . . . . 6
Clínicas Integradas antecipadas: limites e possibilidades
Patrícia Suguri Cristino . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
Kit radiográfico para ensino de técnicas radiográficas
Clovis Monteiro Bramante, Ivaldo Gomes de Moraes,
Norberti Bernadineli, Roberto Brandão Garcia,
Alexandre Silva Bramante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
Utilização da tecnologia de agentes para um ambiente
virtual de ensino/aprendizagem em Periodontia
Anita Maria da Rocha Fernandes, Ana Paula Soares Fernandes,
Raphael Luiz Nascimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
Vivência da realidade: o rumo da saúde para a Odontologia
Lucilene Dias Pelissari, Roberta Tarkany Basting,
Flávia Martão Flório . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
Propostas de mudança nos cursos presenciais com
a educação “on-line”
José Manuel Moran . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
A pesquisa nos critérios de avaliação da CAPES
e a formação do professor de Odontologia numa
dimensão crítica
Adriana de Castro Amédée Péret, Maria de Lourdes
Rocha de Lima . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
Modalidades educativas e novas demandas por educação
Ivônio Barros Nunes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
O ensino na Disciplina de Clínica Integrada
Fábio Petroucic, Rubens Ferreira Albuquerque Júnior . . . . . . . 60
Avaliação qualitativa e quantitativa em Endodontia
Rocio Anahí Zaragoza, Patrícia Helena Pereira Ferrari,
Marcelo dos Santos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
Saber pensar
Pedro Demo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
A implantação das Diretrizes Curriculares dos Cursos
de Graduação em Odontologia no Brasil: algumas reflexões
Cristiane Lopes Simão Lemos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80
ANAIS DA XXXIX REUNIÃO ANUAL - 2004 - Complemento
Relatório com base nos resultados dos Grupos de Discussão
reunidos na XXXIX Reunião Anual da ABENO, 2004 . . . . . . . 86
PROGRAMAÇÃO DA XXXX REUNIÃO ANUAL - 2005 . . . . . . . . . 95
APÊNDICE
Normas para apresentação de originais. . . . . . . . . . . . . . 96
O estudante de Odontologia e
a educação
O estudante de Odontologia participa da construção do saber
odontológico como aluno, enquanto as propostas curriculares vigentes
objetivam que o mesmo se torne um profissional de Saúde que atue
como educador.
Aline Guerra Aquilante*, Nilce Emy Tomita**
* Aluna do Curso de Mestrado em Saúde Coletiva do Departamento
de Odontopediatria, Ortodontia e Saúde Coletiva da Faculdade de
Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo.
E-mail: [email protected].
** Professora Doutora do Departamento de Odontopediatria,
Ortodontia e Saúde Coletiva da Faculdade de Odontologia de
Bauru da Universidade de São Paulo.
RESUMO
O objetivo deste estudo foi contribuir para a reflexão sobre as concepções de “educação” construídas
pelo graduando de Odontologia. O universo da pesquisa abrangeu 43 estudantes do 1º ano de graduação
em Odontologia de uma instituição de ensino superior do interior paulista. Foi realizada uma leitura
dramatizada do texto intitulado “Final in-feliz”, de
autor desconhecido, sendo proposto aos estudantes
que redigissem o final da estória. As redações foram
digitadas na íntegra e procedeu-se à análise qualitativa de seus conteúdos. As idéias centrais apontam para
dois caminhos: o final infeliz, como reflexo de uma
visão desesperançosa advinda de práticas educativas
tradicionais; e o final feliz, em que a educação é entendida como um processo cujo modo reflete no resultado do ensino, e educar apresenta-se como um
sinônimo de conduzir para a vida.
DESCRITORES
Educação em Saúde. Estudantes de Odontologia.
Pesquisa qualitativa.
A
pesar das recentes modificações no currículo de
Odontologia, iniciadas na década de 1990, observa-se ainda uma maior valorização dos procedimentos
técnicos, de forma apartada das necessidades epide-
6
miológicas e da realidade social da população brasileira. Provavelmente, esse fenômeno tem como reflexo o modo como os estudantes compreendem a
profissão odontológica desde o início da graduação,
reforçado pelo enfoque dado no interior das disciplinas do curso11.
A reestruturação do currículo odontológico é necessária para a formação de profissionais que voltem
a sua práxis às necessidades requeridas pelo quadro
epidemiológico, em meio à historicidade do processo
saúde-doença-cuidado10. Para tanto, é necessário repensar o processo ensino-aprendizagem, tanto sob o
aspecto dos conteúdos programáticos (“o que” ensinar) como dos processos de ensino (“como” ensinar).
O modelo de ensino tradicional – baseado na memorização de informações – tem mostrado algum esgotamento e, via de regra, mostra limitadas possibilidades na construção do conhecimento de maneira
crítica e participativa.
O Projeto Político-Pedagógico de uma instituição
de ensino superior do interior paulista refere a importância de “formar o cirurgião-dentista para atuar como
agente promotor da saúde, com ênfase na prevenção
e na manutenção da saúde bucal, promovendo a qualidade da assistência odontológica à comunidade”. A
indicação de competências deste Projeto Pedagógico
ressalta o “papel de educador junto ao paciente, a
Revista da ABENO • 5(1):6-11
O estudante de Odontologia e a educação • Aquilante AG, Tomita NE
comunidade e a equipe de saúde” 12.
Para Freire5 (1988), na educação tradicional
“baseada na narração, o educador é o sujeito que conduz
os educandos à memorização mecânica do conteúdo narrado. (...) Nesta distorcida visão da educação, não há criatividade, não há transformação, não há saber. Só existe
saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo,
com o mundo e com os outros.”
Segundo Niskier9 (1992),
“a educação pode ser um instrumento poderoso tanto de
emancipação individual como de subserviência a sistemas
de governo. Tanto é libertação como sujeição do indivíduo
ao poder e às normas do Estado. No primeiro caso, torna
o indivíduo reflexivo e crítico; no segundo, transforma-o
em parte da massa”.
Struchiner et al.11 (1999) realizaram uma análise
cognitiva com alunos de graduação em Odontologia
da Universidade Federal do Rio de Janeiro com o objetivo de diagnosticar o conhecimento em diversos
aspectos relevantes à formação científica e profissional. Os resultados apontaram que o processo educativo não estimula nem cobra a tomada de consciência
dos fundamentos da matéria estudada, o que pode
estar relacionado tanto à cultura e representação feita sobre o papel e função desse profissional, como às
estratégias de ensino-aprendizagem utilizadas em cursos de Odontologia.
As propostas de reformas curriculares no Brasil,
por meio da adoção de métodos alternativos, foram
descritas por Moreira8 (2000). Historicamente, o que
sempre se buscou foi a elaboração de currículos com
princípios mais integradores baseados em temas geradores ou complexos – que funcionam como eixos
transversais – com o objetivo de formar cidadãos conscientes, éticos, autônomos, críticos e transformadores. O ponto crucial das reformas foi a dificuldade de
rompimento com as limitações impostas pela divisão
dos conteúdos em disciplinas, pois os professores estão habituados à compartimentalização do ensino,
uma vez que foram formados desta maneira.
Dourado4 (2002) criticou as modificações advindas dos Decretos nº 2.306/97 e 3.860/2001, que permitiram que houvesse o rompimento da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão como
requisitos básicos à educação superior no Brasil. Devido a influências socioeconômicas de ordem mun-
dial, a educação superior ficou restrita à função de
ensino, modificando a identidade e a função social da
Universidade, sendo que esta passou a ser alocada no
setor de prestação de serviços.
O estudante de Odontologia vivencia, simultaneamente, dois papéis. Se, por um lado, participa da
construção do saber “odontológico” como aluno, por
outro, as propostas curriculares vigentes objetivam
que o mesmo se torne um profissional de Saúde que
atue como educador.
Sem que se vislumbre a qual “educação” os projetos pedagógicos de instituições de ensino superior
fazem referência, não é possível ter clareza das relações que o estudante venha a estabelecer como “educador” no campo da saúde.
A descrição de uma atividade proposta na Disciplina de Educação em Saúde visa contribuir para a reflexão sobre as concepções de “educação” que o graduando de Odontologia apresenta.
MÉTODO
A abordagem inicial do assunto filosofia da educação consistiu no desenvolvimento de uma dinâmica
visando estimular os alunos a perceberem como é (ou
pode ser) a educação.
Na primeira aula desta disciplina, três alunos procederam à leitura dramatizada do texto intitulado
“Final in-feliz”, de autor desconhecido. A estória era
projetada com o auxílio de um retroprojetor enquanto dois alunos e uma aluna, respectivamente, representavam os papéis de “narrador”, “menininho” e
“professora”.
Este texto relata a situação de uma criança que
estuda em uma escola onde a professora, ao realizar
uma atividade com os alunos, solicitava que todos fizessem juntos e da mesma maneira, mostrando como
desenhar: as flores deveriam ser vermelhas e com caule verde. O menino, inicialmente, fazia as atividades
à sua maneira; embora preferisse fazer do seu jeito,
ele copiava o que a professora fazia e, assim, passou a
não fazer mais as coisas por si próprio. Posteriormente, o menino teve que mudar de escola, onde a nova
professora propôs como atividade que os alunos desenhassem. O menino pensou e esperou que esta professora dissesse o que fazer, mas ela não disse. O menino a indagou sobre o que deveria ser feito e quais
cores deveriam ser utilizadas.
Ao final, a leitura foi interrompida quando da pergunta feita ao “menininho”:
“Se todo mundo fizer o mesmo desenho e usar as mesmas
Revista da ABENO • 5(1):6-11
7
O estudante de Odontologia e a educação • Aquilante AG, Tomita NE
cores, como eu posso saber qual o desenho de cada
um?”.
Foi solicitado aos estudantes que redigissem, de
maneira livre, o final da história.
Ao término da atividade, os alunos receberam a
versão original do texto na íntegra, que tinha por final:
se de 43 respostas.
Apenas 7 das redações apresentadas continham
finais “infelizes”.
Um final “infeliz” refere-se à mediocridade causada pela falta de criatividade advinda da forma como
a primeira professora havia agido no processo de ensino. Frente à pergunta:
“Se todo mundo fizer o mesmo desenho e usar as mesmas
“‘Eu não sei!’ E começou a desenhar uma flor vermelha
cores, como eu posso saber qual o desenho de cada
com um caule verde”.
um?”,
Assegurando-se o sigilo da autoria das respostas,
as redações foram digitadas na íntegra e procedeu-se
à análise de conteúdo, que parte de uma leitura flutuante, para posteriormente alcançar um nível mais
aprofundado que ultrapassa os significados que foram
manifestados. Para a análise das respostas, foi feita a
opção pelo método de análise qualitativa7. Esta análise procura relacionar as estruturas semânticas (significantes) às sociológicas (significados) dos enunciados, procurando determinar as variáveis psicossociais,
contexto cultural, e processo de produção da mensagem.
As idéias centrais presentes no texto foram evidenciadas, bem como a presença simultânea de dois ou
mais elementos semelhantes em discursos de indivíduos diferentes. Em seguida, realizou-se a análise do
discurso, com objetivo proceder a uma reflexão acerca das condições de produção e de assimilação do
significado dos textos produzidos dentro de contextos
variados, visando à compreensão do modo de funcionamento, princípios de organização e formas de produção social do sentido7.
A transcrição de algumas expressões é feita a seguir, com objetivo de subsidiar a discussão, utilizandose letras dispostas aleatoriamente para referenciar as
falas dos diferentes sujeitos.
Este protocolo foi submetido ao Comitê de Ética
em Pesquisa da Faculdade de Odontologia de Bauru
da Universidade de São Paulo, atendendo à Resolução
196/96 do Conselho Nacional de Saúde.
a resposta foi:
“– Ah, é só colocarmos nosso número de chamada na parte de trás da folha, professora. (...) E perpetuou-se a estupidezA.”
Alguns elementos do denominado modelo tradicional de ensino formal estão expressos nesta resposta. O “número de chamada” que corresponde a cada
aluno é apresentado como o fator de identificação,
em um processo que desconhece a individualidade, a
identidade e a originalidade. Esta visão “desesperançosa” da educação remete a uma idéia de mediocridade, sem possibilidade de transformação, em que se
vislumbra uma impotente perspectiva de continuidade.
Outros finais propostos para a estória referem a
falta de criatividade devido à insegurança do menino,
expressa pela repetição de antigos comportamentos,
em que o personagem vê-se impelido a fazer cópias.
“Então pensou: vou copiar do meu vizinho para não errar.
A partir daí, sua vida foi sempre estar na sombra de alguém
e sua criatividade foi ofuscada pelo medo de errarB. Mas
ele tinha medo de errar e isso o segurava. Naquela aula, o
menino não conseguiu desenharC.”
De modo análogo, Chauí3 (1999) considera que
“essa universidade não forma e não cria pensamento, despoja a linguagem de sentido, densidade e mistério, destrói
DISCUSSÃO
Entre os 44 alunos presentes à aula, em uma turma
de 50 alunos matriculados, observou-se ampla adesão
à atividade proposta, não havendo recusas, perdas ou
respostas em branco. Quando da apresentação da Carta de Informação e Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, houve uma recusa em assinar o referido
termo. As considerações a seguir baseiam-se na análi8
a curiosidade e a admiração que levam à descoberta do
novo, anula toda pretensão de transformação histórica
como ação consciente dos seres humanos em condições
materiais determinadas”.
Nos finais “infelizes”, a idéia central expressa a
inibição do personagem representado pelo “menininho”. Assim como o personagem, “menininhos” cres-
Revista da ABENO • 5(1):6-11
O estudante de Odontologia e a educação • Aquilante AG, Tomita NE
cem e ingressam em instituições de ensino superior,
vivendo um contexto cuja dimensão parece muito
superior àquela que a chamada “educação formal”
tem ajudado a construir.
“[O menino] aprendeu (...) que todos eram diferentes, (...)
pensavam e analisavam situações de formas diferentesG.
[Dessa maneira, percebeu que] era capaz de criar e devia
fazê-lo sempre que possívelH. A criatividade existe em cada
um de nós. Basta que se abram as portas para podermos
“Então, o menino não sabia mais fazer as coisas por si
mesmo, precisava sempre que alguém explicasse . O meD
nino cresceu, era um homem, mas continuava a se achar
pequeno diante do mundo. Não sabia decidir por si mesmo,
só sabia fazer o que lhe mandavam . [Assim, viu-se] limitaE
mostrar o que a gente pensa e sabe fazer. Ser criativo é ter
o seu próprio estilo, sair do comum, ser você mesmoI.”
Algumas respostas tendem a entender o individualismo como a
do diante dos fatos que o marcaram primeiramente e não
conseguiu mais realizar espontaneamente suas ações, esperando sempre a iniciativa de outros .”
F
“perspectiva segundo a qual o indivíduo é a unidade básica
da análise política, e os todos sociais são meras construções
lógicas, ou maneiras de falar acerca de um certo número
Houve também uma reflexão sobre o ensino que,
provavelmente, reflete uma experiência pessoal.
Como fruto de uma “moldagem” nas etapas do ensino
prévias ao ingresso na universidade, tem-se a “limitação” de uma criatividade que o respondente espera
ver resgatada durante a “vida universitária”. Posto
como desafio, cabe às instituições de ensino superior
desencadear uma reflexão sobre as possibilidades de
resposta a esta expectativa do alunado.
“Diante dessa narrativa, das atitudes da primeira professora e também da iniciativa da segunda professora, o menino,
(...) encontra-se confuso diante de antagônicas situações.
A primeira fez-se presente em sua vida limitando sua criatividade, porém dando uma uniformidade e detalhamento
de todos os passos a serem efetuados (semelhante ao 1º e
2º grau). A segunda abriu horizontes sem barreiras, porém
o mesmo poderia ver-se prejudicado para alçar livres e novos vôos, pois acostumou-se à uniformidade e não à inovação e iniciativa (semelhante à vida universitária)F.”
As estruturas curriculares que fogem da lógica disciplinar são mais freqüentes nos primeiros anos da
escola fundamental e no ensino superior. Neste último, o trabalho pautado na interdisciplinaridade ou
transversalidade, desenvolvido por meio de problemas, temas ou projetos é viável e conveniente, principalmente nos campos aplicados (Educação, Arquitetura e Ciências da Saúde), uma vez que a teoria
desvinculada da atividade social e da verificação prática é apenas teoria8.
Numericamente superiores, os finais considerados
“felizes” foram aqueles em que o personagem representado pelo menininho não surge conformado aos
moldes estabelecidos por uma educação pautada na
pedagogia “bancária” 5.
desses indivíduos e das relações entre eles” 2.
“Ele tinha sua própria personalidadeH e poderia, da mesma
forma, construir seu próprio caráter, escolher seus desejos
e ambições como também realizar seus sonhosJ, o que o fez
amadurecer e respeitar os seus próprios pensamentos a
respeito de tudoK.”
Diante do impasse gerado pela possibilidade de
livre expressão, o discurso mostra que o menino resolve demonstrar sua individualidade.
“Então o menino pensou: ‘Qual das professoras estava correta?’ Pela primeira vez faria algo que não teria um padrão,
seria ele desenhando ele próprio. O tempo passava e o
menino nada desenhava. E a professora perguntou: ‘Ainda
não desenhou? Temos pouco tempo’. Com estas palavras
da professora, veio a grande idéia do menino: ‘Desenharei
o contorno de minhas mãos. Em qualquer tempo, poderei
mostrar, através de gestos, as minhas idéias’L.”
“Nesta perspectiva, o processo de ensino/aprendizagem
não tem como finalidade a transmissão de conteúdos prontos, mas, sim, a formação de sujeitos capazes de construir,
de forma autônoma, seus sistemas e valores e, a partir deles,
atuarem criticamente na realidade que os cerca”1.
Vários relatos de finais “felizes” apontaram que o
processo de ensino contribuiu para que o “menininho” se construísse, a partir daquele momento, delineando positivamente a sua trajetória.
“Assim sendo, o menino pôde desenvolver todo seu potencial criativo e se transformou em um pintor muito famoso,
apreciado principalmente por sua originalidadeN.”
“O menino (...) se transformou em um engenheiro que,
Revista da ABENO • 5(1):6-11
9
O estudante de Odontologia e a educação • Aquilante AG, Tomita NE
com suas idéias, mudou a qualidade de vida de muitas cidades O.”
Quadro 1 - Idéias representativas da atividade acadêmica
e respectivas expressões. Bauru - SP, 2003.
Idéia central
“E assim o menininho cresceu e evoluiu até se transformar
em um renomado cirurgião-dentistaP.”
Paralela à construção de que uma importante mudança tinha acontecido naquele momento histórico
da vida do “menininho”, foi possível observar uma
idéia de felicidade completa, expressa como ideal de
sucesso em uma sociedade de consumo. O ser “inteligente, rico e feliz”, como resultado de uma boa educação, expressa inquietações que podem estar na gênese da busca de estudantes pela Universidade, tendo
o “diploma” como passaporte à ascensão social.
“Esse dia mudou sua vida para sempre. Ele cresceu, se tornou um rapaz muito inteligente e rico e felizQ.”
O ingresso em uma instituição de ensino superior,
não raro, vem acompanhado pela expectativa de desvendamento e produção de conhecimentos por meio
da pesquisa. Alguns estudantes vêem no processo ensino-aprendizagem uma porta que se abre para o universo da pesquisa, na contramão do movimento descrito por Dourado4 (2002), que vê no processo de
“massificação e privatização da educação superior no Brasil,
uma precarização e privatização da agenda científica, negligenciando o papel social da educação superior como
espaço de investigação, discussão e difusão de projetos e
modelos de organização da vida social, tendo por norte a
garantia dos direitos sociais”.
“A professora (...) explicou para o menininho (que) se todo
mundo só fizesse coisas iguais, não existiriam as descobertas, os cientistasR, era preciso idéias novas no mundo, pois
senão nós não evoluiríamosS. Afinal, como as grandes descobertas teriam sido feitas ou desenvolvidas se as pessoas
apenas esperassem as ordens do que teria de ser feito?N”
O “brainstorm” que resultou na livre expressão de
idéias e pensamentos, após finalizar esta atividade acadêmica, mostrou que o objetivo proposto pela Disciplina foi alcançado.
As expressões sucintamente descritas no Quadro 1
permitem verificar que o objetivo, métodos e os resultados foram apre(e)ndidos pelos estudantes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não raro, o ato de educar é referido como sinôni10
Expressão
Formato
• Metalinguagem.
• Apresentação da disciplina.
Proposta
• Momento de reflexão.
• Pensamento crítico.
• Discussão de valores.
Conteúdo
• Educar como sinônimo de conduzir
para a vida.
• O modo de educação reflete no resultado do ensino.
• Educação é um processo.
mo de “despertar as aptidões naturais do indivíduo e
orientá-las seguindo os padrões e ideais de determinada sociedade, aprimorando-lhes as faculdades intelectuais, físicas e morais”, mas também “domesticar,
amestrar, adestrar” 6.
Assim, as considerações emanadas pelos estudantes de graduação de Odontologia, a partir da atividade
proposta, evidenciam a importância de estimular reflexões no espaço da Universidade, um locus privilegiado para que questões centrais, o(s) como(s) e
porquê(s) da educação, venham a ser discutidas.
Esta construção do conhecimento, realizada coletivamente, aponta para uma caminhada esperançosa,
no sentido de possibilitar construções atuais e futuras.
Se o dicionário descreve práticas ancestrais tidas como
modelos de “educação”, antevê-se a possibilidade de
(re)escrever novas histórias que envolvam o ensinoaprendizado como um processo transformador e pleno em desafios.
ABSTRACT
Dental students and education
The purpose of this study was to contribute to an
important reflection on the dental student’s concepts
of “education”. The universe of this study was composed of 43 freshman students of a School of Dentistry in the state of São Paulo. An exercise composed
of a dramatic reading of a text called “Un-happy end”,
of unknown author, was proposed. Before the end of
the text, the reading was interrupted and the students
were asked to write another end to the story. The writings were typed integrally and qualitatively analyzed.
The central ideas pointed towards two ways: an unhappy end, as a reflection of poor expectations obtained from traditional educative practices, and a
happy end, with education being a process which reflects on the results of teaching and the act of educat-
Revista da ABENO • 5(1):6-11
O estudante de Odontologia e a educação • Aquilante AG, Tomita NE
ing being referred as a means of preparing for life.
da opressão: seus pressupostos, sua crítica. In: Freire P. Pedagogia
do oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1988. p. 57-75.
DESCRIPTORS
Health education. Students, dental. Qualitative
research. 
6. Koogan A, Houaiss A. Koogan/Houaiss: enciclopédia e dicio-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
8. Moreira AFB. Propostas alternativas: limites e avanços. Educ
1. Belo Horizonte. Secretaria Municipal de Educação. Escola Plural (1994) apud Moreira AFB. Propostas alternativas: limites e
avanços. Educ Soc 2000;21(1):109-38.
2. Blackburn S. Dicionário Oxford de Filosofia. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar; 1997.
3. Chauí MA. A universidade em ruínas. In: A universidade em
ruínas na república dos professores. Petrópolis: Vozes; Porto
Alegre: CIPEDES (1999) apud Dourado LF. Reforma do estado
e as políticas para a educação superior no Brasil nos anos 90.
Educ Soc 2002;23(80):234-52.
nário ilustrado. 4ª ed. Rio de Janeiro: Seifer; 2000.
7. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em
saúde. 4ª ed. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Abrasco; 1996.
Soc 2000;21(73):109-38.
9. Niskier A. Por que Filosofia da Educação? O homem como
medida de si mesmo. In: Niskier A. Filosofia da Educação: uma
visão crítica. Rio de Janeiro: Consultor; 1992. p. 12-27.
10. Paim JS, Almeida Filho N. Saúde coletiva: uma “nova saúde
pública” ou campo aberto a novos paradigmas? Rev Saúde Pública 1998;32(4):299-316.
11. Struchiner M, Vieira AR, Ricciardi RMV. Análise do conhecimento e das concepções sobre saúde oral de alunos de odontologia: avaliação por meio de mapas conceituais. Cad Saúde
Pública 1999;15(2):55-68.
4. Dourado LF. Reforma do estado e as políticas para a educação
12. Universidade de São Paulo. Faculdade de Odontologia de Bauru.
superior no Brasil nos anos 90. Educ Soc 2002;23(80):234-52.
Projeto político pedagógico: Odontologia [citado 2003 Set 10].
5. Freire P. A concepção “bancária” da educação como instrumento
Disponível em: URL:http://www.fob.usp.br/grad/projeto.htm.
Aceito para publicação em 12/2004
Reunião da ABENO
no Balneário Camboriú!
A 40ª Reunião da ABENO será
realizada no Balneário Camboriú, Santa Catarina.
O tema central para a próxima Reunião é:
"Universidade promotora de conhecimentos,
saúde e prestadora de serviços".
Inscreva já o seu trabalho!
Acesse o site http://www.abeno.org.br
para obter informações sobre prazos
para inscrição e apresentação de trabalhos.
Revista da ABENO • 5(1):6-11
11
Clínicas Integradas antecipadas:
limites e possibilidades
Nas Clínicas Integradas, existe a responsabilidade de organizar uma
dinâmica de trabalho que possa garantir a experiência clínica nos
vários procedimentos básicos da Odontologia.
Patrícia Suguri Cristino*
* Mestra em Dentística pela Faculdade de Odontologia de Ribeirão
Preto da Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected].
RESUMO
A introdução das Clínicas Integradas nos cursos
de Odontologia pode contribuir para o desenvolvimento de uma prática mais integral na atenção à saúde. Esse trabalho procura pontuar e discutir limites e
possibilidades encontrados a partir de um estudo reflexivo de dois anos e meio dessa experiência no curso de Odontologia do Univag Centro Universitário.
Integrada. O curso de Odontologia do Univag Centro
Universitário adotou esse caminho, e vem por meio
desse trabalho pontuar e discutir sobre limites e possibilidades, a partir da observação atenta e reflexiva
de dois anos e meio de experiência. Nosso curso é
composto por dez semestres, sendo a Clínica Integrada ministrada a partir do sexto semestre até a sua finalização.
DESCRITORES
Odontologia geral. Educação em Odontologia.
Ensino.
O CONCEITO DE INTEGRALIDADE
PRESENTE NAS DIRETRIZES
CURRICULARES NACIONAIS PARA
O ENSINO DA ODONTOLOGIA
As Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de
Graduação em Odontologia, aprovadas pelo CNE
(Parecer da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação3 – CNE/CES nº 1.300/01,
de 06/11/2001; Resolução CNE/CES nº 3, de
19/02/2002, publicadas no Diário Oficial da União
de 04/03/2002) traçam o perfil generalista do profissional a ser formado. Ao enunciarem as habilidades e
competências a serem desenvolvidas, apontam a necessidade de garantirmos a integralidade da assistência, “entendida como conjunto articulado e contínuo
das ações e serviços preventivos e curativos, individuais
e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis
de complexidade do sistema” – grifos nossos.
O processo de formação dos nossos alunos precisa,
portanto, dar conta desse “conjunto articulado e contínuo”. E isso se torna um grande desafio na medida
em que o ensino tradicional – segmentado e desarticulado – ainda constitui a matriz curricular na formação dos nossos docentes.
N
um país no qual a Odontologia ainda pode ser
descrita como “tecnicamente elogiável, cientificamente discutível e socialmente caótica” (Garrafa,
Moysés5, 1996), o ensino universitário também precisa tomar para si a responsabilidade na construção
de futuros mais fecundos, a partir da formação de um
novo perfil profissional: mais humano, mais solidário,
mais atuante politicamente.
A formação desse novo profissional demanda a
construção de novos Projetos Político-Pedagógicos
que possam prever ações transformadoras, entre outras, do próprio professor, para possibilitar aos ideais
teóricos lugares diferentes de miragens.
Imbuídos desse desejo, e também pressionados
por uma realidade de mercado na qual as especializações já não garantem o retorno de outros tempos, os
cursos de Odontologia vêm experimentando novas
configurações curriculares.
Dentre as várias propostas para essas reformas curriculares, tem-se a introdução antecipada da Clínica
12
Revista da ABENO • 5(1):12-8
Clínicas Integradas antecipadas: limites e possibilidades • Cristino PS
Convivemos numa realidade paradoxal e numa
conseqüente crise paradigmática na qual somos especialistas tendo que formar generalistas.
“A formação tradicional em saúde, baseada na organização
disciplinar e nas especialidades, conduz ao estudo fragmentado dos problemas de saúde das pessoas e das sociedades,
levando à formação de especialistas que não conseguem
DE ESPECIALISTAS A GENERALISTAS
Por que queremos formar generalistas?
Dificilmente entenderemos a dimensão dos desafios que temos pela frente se não nos sensibilizarmos
sobre o significado da nossa prática atual. Parece-nos
pertinente analisar, ainda que modestamente, o efeito de contextos políticos e econômicos sobre as práticas do Ensino e da Saúde e, conseqüentemente, no
ensino dos cursos da Saúde.
A década de 60 foi marcada por um período tecnocrata, a partir do governo militar, num projeto desenvolvimentista que buscava acelerar o crescimento
econômico e tecnológico, lançando sobre a Educação
um ideário de neutralidade científica, inspirada nos
princípios de racionalidade, eficiência e produtividade.
“Buscou-se a objetivação do trabalho pedagógico da mesma
maneira que ocorreu no trabalho fabril. Instalou-se na escola a divisão do trabalho sob a justificativa de produtividade, propiciando a fragmentação do processo e, com isso,
acentuando as distâncias entre quem planeja e quem executa” (Veiga10, 1991 – destaques nossos).
Se analisarmos criticamente as nossas posturas
diante do Ensino e da Pesquisa, podemos reconhecer
o quanto esse cenário ainda está impregnado nas nossas práticas. Basta olharmos para a fragmentação do
ensino da Odontologia nas nossas disciplinas clínicas
tradicionais de Periodontia, Prótese, Endodontia,
Dentística, Cirurgia etc.
Geralmente essas disciplinas são ministradas isoladamente, num nível de articulação à beira do inexistente, cuja contribuição para a qualidade de vida das
pessoas é, no mínimo, questionável. Falamos em tratar
o paciente como um todo, quando a nossa prática
ensina a lidar com partes de partes. Na melhor das
hipóteses, nosso ensino tradicional tem dado conta,
quando muito, “da boca como um todo”, como se esta
pudesse representar “algum todo” de alguém. É justamente em torno dessa questão que nasce (ou renasce?) a necessidade de uma prática mais integrada, a
qual chamamos hoje por Clínica Integrada.
mais lidar com as totalidades ou com realidades complexas.”*
A PESQUISA QUE AJUDA A FORMAR (OU
DEFORMAR) OS NOSSOS DOCENTES
Acreditando em neutralidade científica, podemos
nos dedicar a estudos que pouco (ou nada) contribuem para a solução dos problemas da nossa sociedade. Seduzidos pelo mundo da produção científica,
temos dificuldades para discernir que os resultados
das pesquisas de outros países nem sempre podem ser
aplicados no nosso contexto social. Somos vários mundos num mesmo planeta, num mesmo país, numa
mesma cidade, numa mesma sociedade, e muitas vezes
nos referimos aos seres humanos como ser único, o
ser apenas biológico, sem nome, sem origem e sem
história.
Essa abstração, associada ao perfil afunilado da
superespecialização, nos coloca facilmente num cientificismo cego, no qual o objeto de estudo é “pinçado”
do seu contexto. Entram nessa discussão as concepções do tratamento odontológico na Clínica Integrada, uma das nossas maiores dificuldades, principalmente se o nosso corpo docente estiver formado por
superespecialistas esforçados em implantar concepções de tratamento incompatíveis com a nossa realidade social.
E de onde vem essa “força” cientificista?
“O ensino, desde a implantação do domínio da ciência na
universidade, no século 18, quando a ciência expulsou a
Inquisição, baniu também o subjetivo. (...) a ciência ficou
com uma ética em função da verdade e do objetivo, e não
em função do humanismo...” (Byington1, 2004 – destaques
nossos).
A CONSEQÜENTE (DES)HUMANIZAÇÃO
DAS PRÁTICAS DE SAÚDE
Sá8 (2001) faz uma reflexão sobre a crescente banalização da dor e do sofrimento alheio no setor saúde, destacando algumas práticas facilitadoras para os
fenômenos de desvalorização da vida, tais como:
a) a fragmentação do relacionamento profissional/
paciente – as tarefas são divididas em etapas a se-
* Esta citação foi copiada do arquivo “Mudanças dos Cursos de Odontologia e sua interação com o SUS” disponível no site www.abeno.org.br
e pertence à “Política de Educação e Desenvolvimento para o SUS - Comissão Intergestores Tripartite, setembro de 2003”.
Revista da ABENO • 5(1):12-8
13
Clínicas Integradas antecipadas: limites e possibilidades • Cristino PS
rem executadas por diferentes profissionais, evitando o contato com o paciente como ser integral;
b) a despersonalização ou negação das diferenças
individuais – os pacientes são referidos não por
seus nomes, mas pelo nome da doença ou órgão
doente;
c) a obscuridade intencional na distribuição das
responsabilidades – a organização não define de
modo suficientemente claro quem é responsável
pelo quê e por quem;
d) a resistência a mudanças.
A necessidade de trabalharmos com ações e serviços articulados, dentro de uma prática mais humanizada, nos leva, inevitavelmente, a questionar o ensino
da atualidade. Podemos continuar acreditando que o
conhecimento compartimentado em disciplinas possibilite a visualização do todo? Que o ensino segmentado possa desenvolver habilidades para resolver problemas? Que os conteúdos científicos descolados dos
contextos possam dar conta do ser humano? Que a
questão da resolutividade na atenção à Saúde seja
preocupação apenas das disciplinas de Saúde Coletiva?
dos difíceis acordos para a seleção dos conteúdos a
serem ministrados ao longo dos semestres da Clínica
Integrada, ou dos encontros (por vezes conflitantes)
entre limas e curetas para saber por onde começaremos os planos de tratamento. Implica, entre outras
necessidades, o desenvolvimento de habilidades e
competências – inclusive do próprio professor – para
lidar com o todo, sem pretender o “tudo” das especialidades. Isso nos exige imenso desdobramento para
focalizar o essencial, o possível e o desejável e nem
todos temos a sensibilidade necessária para desenvolver essa competência. Entramos, aqui, no perfil do
professor de Clínica Integrada.
“JUNTAR” NÃO SIGNIFICA ARTICULAR,
NEM INTEGRAR
Discutindo sobre estratégias de integração disciplinar, Porto, Almeida7 (2002) nos falam sobre três
grandes formas de articulação de disciplinas na produção do conhecimento:
a) a multidisciplinaridade – como sendo “o conjunto
de disciplinas que se agrupam em torno de um
tema desenvolvendo investigações e análises isoladas por diferentes especialistas, sem que se estabeleçam relações conceituais ou metodológicas entre
elas”, correspondendo à estratégia mais limitada;
b) a interdisciplinaridade – como sendo “a reunião
de diferentes disciplinas articuladas em torno de
uma mesma temática com diferentes níveis de integração, desde uma cooperação de complementaridade sem articulações axiomáticas ou preponderância de uma disciplina sobre as demais”;
c) a transdisciplinaridade – “articulação de um amplo
conjunto de disciplinas em torno de um campo teórico e operacional particular, sobre a base de uma
axiomática comum (...) cuja aplicação é compartilhada por diferentes disciplinas e abordagens que
atuam num campo teórico e operacional” – destaques nossos.
Para nosso desencanto, o “juntar professores” não
nos garante, nem de longe, a integração almejada.
Ficaríamos, quando muito, no nível da multidisciplinaridade. A integração que queremos vai muito além
si na análise dos resultados. Almeida Filho (1997), por sua
14
A IMPORTÂNCIA DO PERFIL DOCENTE
NA CONSTRUÇÃO DE UM PROJETO
INTEGRADOR
“Minayo (1994) considera ser um pré-requisito para o sucesso de empreendimento interdisciplinar a reunião de
pesquisadores dispostos ao diálogo, competentes em suas
áreas disciplinares, que possam articular conceitos comuns
e realizar triangulações metodológicas, colaborando entre
vez, coloca a necessidade de ‘operadores transdisciplinares
da ciência’ com o perfil anfíbio de trans-passarem as fronteiras e facilitarem o diálogo entre as distintas disciplinas
científicas na construção de campos teóricos e operacionais
de caráter transdisciplinar” (Porto, Almeida7, 2002 – destaques nossos).
O movimento natural do especialista é o de se
aprofundar cada vez mais no comprido corredor da
sua especialidade, apegando-se a complexidades que
não atendem à formação generalista. Isso não quer
dizer que seja impossível construir uma Clínica Integrada com especialistas. Mas é preciso reconhecer o
desafio e, portanto, os investimentos necessários nessa empreitada. Se a clínica geral não é o universo natural do especialista, um árduo trabalho pedagógico
terá que ser realizado!
A ORGANIZAÇÃO DO CONTEÚDO
PROGRAMÁTICO
Adotamos a definição dos graus de complexidade
do tratamento odontológico como ponto de partida
para delinear o corpo teórico. Procuramos responder
à seguinte pergunta: quais competências e habilidades
o aluno deverá desenvolver em cada semestre? A partir daí os conteúdos podem ser selecionados e distribuídos.
Revista da ABENO • 5(1):12-8
Clínicas Integradas antecipadas: limites e possibilidades • Cristino PS
Isso demanda discussões coletivas para tentar delimitar as competências do clínico geral, na tentativa
de se definir o grau máximo de complexidade. Quando sabemos “até onde vamos” na atenção à Saúde, no
nível da graduação, podemos definir a base teórica de
suporte, diminuindo as opções por conteúdos inadequados. Estamos falando da busca da relação teoria e
prática. Neste caso, delineando o corpo teórico a partir das demandas da prática. Sem isso, caímos no delírio de despejar conteúdos desnecessários. Quando
isso acontece, nos desviamos do Projeto Político-Pedagógico, e o resultado pode ser desastroso: no desejo de ensinar “tudo”, o que se aprende pode ser muito aquém do que se precisa!
A delimitação dos conteúdos pelos semestres não
deve se configurar num enquadramento intransponível. O ritmo de cada turma pode mostrar a necessidade de voltarmos ao que já foi trabalhado, ou de avançarmos, e isso precisa ser sinalizado pelos processos
de avaliação.
“A desconsideração da subjetividade e da experiência de
vida do paciente implica também uma série de conseqüências negativas para o relacionamento profissional-paciente/cliente. De fato, esta relação está quase sempre alicerçada na crença de que é somente o profissional de Saúde,
e não (ou também) o próprio usuário, que sabe a respeito
do seu estado de saúde ou doença” (Traverso-Yépez, Morais9, 2004 – destaques nossos).
A proposta de um tratamento negociado até nos
agrada – pelo tom democrático do discurso – mas não
nos convence facilmente, na medida em que olhamos
com certa desconfiança para o tratamento desviante
do caminho por nós idealizado. Talvez, por nos julgarmos sabedores incontestáveis diante de tantos anos
de estudo. Muitos destes, porém, provavelmente nos
impeliram para tentativas reducionistas, no sentido
de definir o “comportamento das doenças” e a ignorar
o comportamento das pessoas... Cientificismo cego!
“A principal conseqüência verificada em virtude do distanciamento observado na relação entre profissional e pacien-
OS PLANOS DE TRATAMENTO
A discussão sobre como devemos construir os planos de tratamento demanda lidar com as diferenças
conceituais acerca dos processos de saúde e doença,
bem como sobre as noções dos atores a respeito do
mal conhecido e distorcido conceito de promoção de
saúde, para além da diversidade das correntes científicas presente no coletivo dos professores.
Não podemos negar a grande riqueza existente
nessa diversidade, mas também não podemos omitir
a grande confusão que isso gera, quando a tônica passa a ser: quem está certo e quem está errado? E isso é
muito comum entre os superespecialistas!
“Um projeto comum significa a existência de um sistema
de valores compartilhado e suficientemente interiorizado
pelo grupo. Este sistema de valores deve estar apoiado num
imaginário social comum, isto é, uma forma de representação coletiva sobre o que é o grupo, o que deseja ser, o
te é o denominado ‘baixo comprometimento’ do paciente
com o seu tratamento, imposto, na maioria das vezes, de
forma verticalizada. (...) A comprovação de que esse modelo de atendimento possui limitações pode ser percebido,
tanto pelas constantes críticas e reclamações dos usuários,
como por sua baixa resolutividade (...) Esse reconhecimento vem implicando a necessidade crescente do resgate da
subjetividade e da relação dialógica entre o profissional e
o usuário do serviço” (Traverso-Yépez, Morais9, 2004 – destaques nossos).
Nossa clínica-escola também precisa trabalhar
pela resolutividade, respeitando as necessidades e as
possibilidades do paciente, para além das nossas exigências típicas de superespecialistas, sob pena de não
desenvolvermos junto aos nossos alunos o senso crítico para resolver os problemas dentro dos limites que
as mais diversas realidades nos impõem.
“O tratamento odontológico, seja em consultório, seja em
que quer fazer, e em que tipo de sociedade ou organização
clínicas de instituições de ensino, configura uma prestação
deseja intervir” (Sá8, 2001 – destaques nossos).
se serviços e como tal é regida pelo Código Civil Brasileiro
Os esforços para construir os planos de tratamento costumam deixar de lado o ator principal: a própria
pessoa a ser atendida! Essa postura, herdada do modelo biomédico, é mais um ranço que costuma atrasar
nossas ações na direção de uma atenção mais humanizada.
e pelo Código de Defesa do Consumidor. (...) o plano de
tratamento deve, obrigatoriamente, incluir as várias opções
de tratamento possíveis àquele determinado caso e não
apenas o tratamento ideal no entender da disciplina. Não
se deve esquecer que, embora o paciente seja atendido por
alunos em fase de aprendizado, ele não perde a sua condição de paciente com direitos e deveres, portanto ele tem o
Revista da ABENO • 5(1):12-8
15
Clínicas Integradas antecipadas: limites e possibilidades • Cristino PS
direito de saber todas as opções de tratamento e escolher
aquela que quer realizar, respeitando-se a autonomia do
paciente e tendo em mente a beneficência, princípios fundamentais da Bioética” (Németh et al.6, 2001 – destaques
nossos).
Diante disso, nos parece clara a impossibilidade
de “prescrevermos” a receita única e para todos de
como se deve construir os planos de tratamento. A
tentativa apenas nossa, de professores e alunos, de
estabelecer uma ordem fixa de prioridades, perde o
sentido quando nos pautamos pela relação dialógica
com as pessoas que atendemos. Isso não invalida nem
diminui a importância dos nossos diagnósticos clínicos. Pelo contrário, a partir deles, e numa linguagem
acessível e de negociações e trocas, é que podemos
realizar, realmente, um trabalho na direção da promoção de saúde, no lugar de um tratamento doutrinador, autoritário e de baixa resolutividade.
Na base de tudo isso está o vínculo profissional/
paciente modulando uma prática, que também por
isso, poderá dar conta do conceito de integralidade
(Campos2, 2003), no sentido de considerar o paciente/usuário, de fato, e não apenas no discurso, como
pessoa integral que é.
O TRABALHO DE ORIENTAÇÃO DOS
ALUNOS NA CLÍNICA
Se a maioria dos nossos professores é de especialistas, logo vem a pergunta: quem vai orientar o quê?
O primeiro e mais evidente desejo de um professor
especialista, numa Clínica Integrada, é o de se restringir a orientar os procedimentos concernentes à sua
área específica de formação. Seguindo este desejo,
professores de Endodontia orientariam apenas os tratamentos de canal, os professores de Dentística ficariam com as restaurações, e assim sucessivamente.
Vale aqui relembrar o significado da divisão do trabalho:
“A organização parcelar do trabalho fixa os trabalhadores
em uma determinada etapa do processo terapêutico. A
superespecialização, o trabalho fracionado, fazem com que
o profissional de Saúde se aliene do próprio objeto de trabalho. Desta forma, ficam os trabalhadores sem interação
com o produto final da sua atividade laboral, mesmo que
tenham dele participado, pontualmente. Como não há
interação, não haverá compromisso com o resultado final
do seu trabalho” (Franco et al. apud Campos2, 2003 – destaques nossos).
16
No nosso curso, cada professor deve orientar integralmente o tratamento dos pacientes dos seus respectivos alunos. Estamos hoje numa proporção de oito
alunos por professor. E todos orientam tudo? Isso é
possível?
Como somos na maioria especialistas, enfrentamos algumas dificuldades. Na medida do possível todos devem orientar todos os tipos de procedimentos,
dentro da complexidade definida para o semestre em
questão. Como nem sempre isso é possível... as trocas
de experiências entre os professores no interior da
clínica se tornam fundamentais!
Voltando ao “perfil anfíbio”, precisamos de pessoas dispostas a transitar em terrenos diferentes, de professores com a mente aberta para aprender com seus
pares, e mesmo com seus alunos e pacientes, para
muito além de ensinar.
A PRODUÇÃO CLÍNICA DO ALUNO AO
LONGO DAS CLÍNICAS INTEGRADAS
A opção por uma Clínica Integrada antecipada
requer uma cuidadosa organização do trabalho, sob
vários aspectos. Tendo em vista que o aluno atende os
pacientes na intenção de concluir os tratamentos
(dentro do possível e negociado) e uma vez não existindo as disciplinas clínicas específicas, temos a responsabilidade de organizar uma dinâmica de trabalho
que possa garantir a experiência clínica nos vários
procedimentos básicos da Odontologia.
O primeiro cuidado está na triagem. Cada semestre da Clínica Integrada trabalha num nível de complexidade. Ou seja, precisamos de pacientes com determinadas necessidades de tratamento, ou que
estejam numa fase de tratamento compatível com as
habilidades e competências eleitas para o semestre em
questão. Dessa forma, tentamos o quanto possível,
fazer com que os nossos alunos atendam em níveis
crescentes de dificuldades.
Além de uma cuidadosa triagem, os professores
precisam acompanhar, de perto, o fluxo dos pacientes
a serem atendidos pelos alunos ao longo de todos os
semestres da Clínica Integrada. Mesmo respeitando a
uma fila de espera dos pacientes para o atendimento,
cada aluno terá que atender aqueles cuja complexidade do tratamento seja compatível ao seu estágio de
desenvolvimento e à sua necessidade de aprendizagem.
Esse fluxo de pacientes, para cada aluno, durante
todos os semestres de Clínica Integrada, precisa ser
acompanhado atentamente, sob pena de um fracasso
curricular por falta de organização. A dinâmica de
Revista da ABENO • 5(1):12-8
Clínicas Integradas antecipadas: limites e possibilidades • Cristino PS
trabalho da Clínica Integrada não deve permitir que
um aluno conclua o curso sem ter realizado todos os
procedimentos básicos necessários para sua formação
de clínico geral. Isso envolve a articulação entre o
corpo docente, os alunos e o corpo técnico-administrativo.
pronto, ao corpo docente, pode ser um grande risco!
“Hoje, o (re)conhecimento de que a dimensão humana
presente nos processos organizacionais é também, ou principalmente, a dimensão do desejo, da pulsão, do afeto, do
imaginário e do simbólico me obriga a questionar a crença
na possibilidade de construção de projetos coletivos pau-
A GESTÃO ACADÊMICA
tados no fluir de um processo comunicativo (Riviera, 1995),
concebido como um processo que dependa exclusivamen-
“Importante destacar que, na fase de criação coletiva, três
perguntas básicas orientam o processo: a) que tipo de homem se quer formar e com que meios; b) que tipo de sociedade se deseja; e c) o que a instituição educacional pode
e deve fazer, considerando a realidade em que está inserida” (Freitas4, 1994 – destaques nossos).
A proposta de antecipação da Clínica Integrada,
dentro de uma prática mais humanizada, tende a encher os olhos dos apaixonados pela docência. E não
é para menos: ela delineia uma atenção mais integral
e menos recortada. Se bem conduzida, ela pode ter
um alcance maior na direção da melhoria da qualidade de vida das pessoas e, conseqüentemente, na direção de um ensino mais humanista e comprometido
com a realidade social.
Comparando-a ao ensino tradicional das disciplinas especializadas, não temos, por exemplo, aquelas
situações em que um dente tratado endodonticamente vira elemento a ser extraído por falta de tratamento restaurador ou protético. Ao permitirmos situações
como esta, acabamos por ensinar o descaso com o
paciente. Paciente no seu sentido mais passivo e indefeso, de quem não tem ao menos a informação para
escolher seu tratamento. Quanto sofrimento para se
perder um dente! Como já citado... “uma ética em
função do objetivo.... e não do humanismo.”
Encampar o sonho de propostas como a antecipação da Clínica Integrada requer a prudência de se
estudar cuidadosamente os meios para conquistá-lo.
“Não se supera a atual didática postulando, teoricamente,
outra didática, mas a partir das contradições presentes nas
nossas escolas concretas. (...) É impossível continuar a refletir sobre a didática sem levar em conta a organização do
trabalho escolar, como um todo, simultaneamente. Talvez
esta seja uma das deficiências mais gritantes dos estudos no
campo da didática” (Freitas4, 1994 – destaques nossos).
A construção coletiva do Projeto Político-Pedagógico é a condição da sua legitimidade. Prescrevê-lo,
te da consciência e da vontade” (Sá8, 2001).
Quanto ao apoio institucional, parece prudente
considerar que projetos mais avançados, que fogem
do compartimentado ensino tradicional, requerem o
diálogo como base de um trabalho compartilhado. E
esse diálogo precisa acontecer num tempo e num espaço para além da hora-aula da sala de aula. Estamos
falando do investimento institucional necessário para
o planejamento coletivo e cuidadoso diante de projetos que dependem da ação coletiva.
O preparo do professor, ao que parece diante desses dois anos e meio de experiência do nosso curso,
está na competência dentro da sua especialidade, aliada à sua capacidade de desenvolver o citado “perfil
anfíbio”, com a imprescindível abertura ao diálogo e
o respeito às decisões coletivas. Quanto ao seu envolvimento, este parece depender das motivações internas (próprias do idealismo dos que abraçam a carreira docente como parte da realização da vida) como
também das condições de trabalho oferecidas pela IES
(instituição de ensino superior) e da capacidade aglutinadora da Gestão Acadêmica na organização do trabalho pedagógico e no estímulo ao desenvolvimento
de cada docente para uma condição de sujeito nesse
processo.
Diante da multiplicidade de desejos e de um desafio comum, a Gestão Acadêmica precisa se colocar
como articuladora e facilitadora do trabalho coletivo,
para que possa ampliar suas condições de governabilidade.
CONCLUSÕES
Os limites e as possibilidades da antecipação da
Clínica Integrada parecem estar intimamente ligados
à nossa capacidade de conviver em grupo, a partir de
condições mínimas de trabalho, como a existência de
um corpo docente com perfil adequado para participar de projetos integradores (para além da competência na área específica), e uma organização do trabalho pedagógico que permita a construção coletiva
e sua própria transformação e crescimento a partir de
Revista da ABENO • 5(1):12-8
17
Clínicas Integradas antecipadas: limites e possibilidades • Cristino PS
uma postura de permanente auto-avaliação.
Psicologia 2004;(134):8-11.
2. Campos CEA. O desafio da integralidade segundo as perspec-
AGRADECIMENTOS
Agradeço, imensamente, ao Magnífico Reitor, Dr.
Dráuzio Medeiros, pelo incentivo na divulgação desse
trabalho na 39ª Reunião da ABENO, ao Coordenador
do Curso de Odontologia, Prof. Ms. Omar Zina, pelo
grande apoio na sua construção, ao Prof. Ms. Narciso
Santana da Silva por sua inestimável ajuda na compreensão de alguns conceitos essenciais presentes
nesse estudo, e a todos os colegas professores, funcionários, alunos e pacientes, que constituem a história
do nosso curso. Agradeço, também, aos Profs. Dr. Dionísio Vinha (FORP-USP) e Profa. Dra. Anna Maria
Lunardi Padilha (UNIMEP), preciosos Educadores e
meus queridos Mestres!
tivas da vigilância da saúde e da saúde da família. Ciênc Saúde
Coletiva 2003;8(2):569-84.
3. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES 3/2002, de 19 de fevereiro de 2002.
Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Odontologia. Diário Oficial da União, Brasília, 04
de março de 2002. Seção 1, p. 10.
4. Freitas LC. Crítica da organização do trabalho pedagógico e da
didática [Tese de Livre-Docência]. Campinas: Faculdade de
Educação da UNICAMP; 1994.
5. Garrafa V, Moysés SJ. Odontologia brasileira: tecnicamente
elogiável, cientificamente discutível, socialmente caótica. Divulgação em Saúde para Debate 1996;(13):6-16.
6. Németh G, De Paula LM, Varella MA, Angeletti P. Prontuário
ABSTRACT
Anticipated Integrated Clinics: limits and
possibilities
The introduction of anticipated Integrated Clinics
in the dentistry program can contribute to the development of a more complete health care practice. This
paper aims to highlight and discuss the limits and
possibilities found in a reflective two-and-a-half-year
study regarding this experience in the dentistry program at the University Center of Várzea Grande (Univag).
DESCRIPTORS
General practice, dental. Education, dental.
Teaching. 
odontológico na clínica de cursos de Odontologia. Rev ABENO
2001;1(1):77-81.
7. Porto MFS, Almeida GES. Significados e limites das estratégias
de integração interdisciplinar: uma reflexão sobre as contribuições da saúde do trabalhador. Ciênc Saúde Coletiva 2002;
7(2):335-47.
8. Sá MC. Subjetividade e projetos coletivos: mal-estar e governabilidade nas organizações de saúde. Ciência e Saúde Coletiva
2001;6(1):151-64.
9. Traverso-Yépez M, Morais NA. Reivindicando a subjetividade
dos usuários na Rede Básica de Saúde: para uma humanização
do atendimento. Cad Saúde Pública 2004;20(1):80-8.
10. Veiga IPA. Didática: uma retrospectiva histórica. In: Repensando a didática. Veiga IPA, coordenadora. 5ª ed. Campinas: Papirus; 1991. p. 25-40.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Byington CAB. Emocionar para ensinar. Entrevista. Rev Viver
18
Revista da ABENO • 5(1):12-8
Aceito para publicação em 12/2004
Kit radiográfico para ensino de
técnicas radiográficas
O kit radiográfico é um recurso que permite demonstrar, de modo
bastante objetivo, os fundamentos e a interpretação das técnicas
radiográficas de Clark e de Bramante, Berbert, facilitando o
aprendizado do aluno.
Clovis Monteiro Bramante*, Ivaldo Gomes de Moraes*, Norberti Bernadineli*, Roberto
Brandão Garcia*, Alexandre Silva Bramante**
* Professores de Endodontia da Faculdade de Odontologia de Bauru
da Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected].
** Doutor em Endodontia pela Faculdade de Odontologia de Bauru da
Universidade de São Paulo.
RESUMO
Entre os sistemas de aprendizado é muito importante que o aluno se familiarize com as técnicas radiográficas das quais fará uso na clínica, principalmente
na Endodontia.
Neste trabalho é apresentado um kit radiográfico
com o qual o aluno pode aprender melhor as técnicas
radiográficas de Clark e de Bramante, Berbert. Esse
kit é de fácil confecção, baixo custo e fácil de transportar.
DESCRITORES
Radiologia, educação. Ensino. Radiografia dentária.
sendo bem assimilado pelo aluno.
O objetivo deste trabalho é apresentar um kit radiográfico que permite demonstrar, de modo bastante objetivo, os fundamentos e interpretação das técnicas radiográficas de Clark e de Bramante, Berbert3.
CONSTITUIÇÃO DO KIT
O kit é constituído de uma caixa plástica, placa
plástica simulando as posições das raízes/canais, raízes artificiais e mini lanterna (Figura 1).
A caixa plástica tem as dimensões de 10,0 cm x
7,0 cm x 2,5 cm, a qual, além de servir para acondicionamento das peças do kit, tem uma tampa desli-
A
Odontologia, em suas diversas especialidades,
tem procurado meios de ensino pré-clínico, de
modo a permitir ao aluno aprender mais facilmente
técnicas para serem aplicadas aos pacientes. Desse
modo, manequins e modelos para o ensino da Endodontia, Dentística, Periodontia, Ortodontia, Cirurgia
têm sido preconizados1,2,4-7. A busca de novos modelos
de ensino tem sido uma constante por parte dos professores.
Na Endodontia a utilização das técnicas radiográficas, principalmente a de Clark e de Bramante, Berbert é de extrema importância3. Seu ensinamento por
meio de slides, multimídia, apesar dos inúmeros recursos disponíveis nos dias atuais, nem sempre acaba
Figura 1 - Kit com seus diversos componentes.
Revista da ABENO • 5(1):19-22
19
Kit radiográfico para ensino de técnicas radiográficas • Bramante CM, Moraes IG, Bernadineli N, Garcia RB, Bramante AS
3
4
Figuras 3 e 4 - Placa com as perfurações para a técnica
de Clark(3). Placa com o esquema da técnica de Bramante, Berbert (4).
Figura 2 - Componentes do kit dentro da caixa.
Figura 7 - Mini lanterna.
5
6
Figuras 5 e 6 - Raízes simuladas (5). Raiz simulada com
perfuração (6).
Figura 8 - Simulação da posição das raízes do pré-molar
superior.
zante que é utilizada para a projeção das imagens
(Figura 2).
A placa mede 6,5 cm x 6,5 cm x 2,5 cm e nela, de
um lado, são confeccionadas perfurações que permitem posicionar as diferentes raízes para a aplicação da
técnica radiográfica de Clark (Figura 3) e do outro
lado tem-se um gráfico para a interpretação da técni20
ca radiográfica de Bramante, Berbert (Figura 4).
As raízes simuladas são confeccionadas a partir de
um pino de metal ao redor do qual é aplicada resina
acrílica dando-lhe uma forma de raiz (Figura 5). Essas
raízes são em número de 5 e que serão utilizadas nas
diferentes posições correspondentes às raízes do dente que se pretende analisar. Uma outra raiz simulada
é confeccionada do mesmo modo, porém um outro
pino é nela introduzido, simulando uma perfuração
e que será utilizada na técnica de Bramante, Berbert
(Figura 6).
Uma mini lanterna com luz LED é empregada simulando a projeção dos feixes dos raios X (Figura 7).
UTILIZAÇÃO DO KIT
Uma vez aberta a caixa e colocada a tampa na parte de trás, monta-se a placa com o esquema para a
técnica radiográfica de Clark ou de Bramante, Berbert. Se a primeira for a escolhida, dispõe-se as raízes
de acordo com o dente no qual se realizará a análise.
Assim por exemplo, se a interpretação for para o prémolar superior se coloca duas raízes correspondentes
a vestibular e palatina (Figura 8); se for molar inferior
coloca-se as três raízes correspondentes as raízes mesiovestibular, mesiolingual e distal (Figura 9) e assim
sucessivamente dependendo do dente a ser analisado.
Revista da ABENO • 5(1):19-22
Kit radiográfico para ensino de técnicas radiográficas • Bramante CM, Moraes IG, Bernadineli N, Garcia RB, Bramante AS
Figura 9 - Simulação da posição das raízes do molar in-
ferior.
Figura 10 - Raiz com perfuração simulada para a interpretação da técnica de Bramante, Berbert.
Figura 11 - Imagem das sombras para interpretação da
Figura 12 - Imagem das sombras para interpretação da
técnica radiográfica de Clark em pré-molar superior.
técnica radiográfica de Clark em molar inferior.
Se a técnica a ser analisada for a de Bramante,
Berbert, o dente com a perfuração simulada é colocado sobre a placa que contém o gráfico, colocando-se
a perfuração para o lado em que se deseja fazer a
análise (Figura 10).
Em ambos os casos, com o auxílio da mini lanterna se efetuará a iluminação pela frente, do lado direito ou do lado esquerdo, simulando uma radiografia
orto, mésio e distorradial (Figuras 11 e 12).
Com as sombras projetadas é possível transmitir
ao aluno o sistema de interpretação para as duas técnicas.
dos problemas para o aluno, apesar dos recursos audiovisuais disponíveis no dia atual, é assimilar o ensinamento de algumas técnicas radiográficas, principalmente a de Clark e a de Bramante, Berbert.
A utilização do kit radiográfico como ora proposto tem propiciado esse tipo de ensinamento, uma vez
que o aluno pode acompanhar com maior detalhe o
que está ocorrendo e conseqüentemente facilitar sua
compreensão.
Trata-se de um dispositivo fácil de ser confeccionado, leve, fácil de se transportar e que de um modo
bastante objetivo facilita o ensinamento ao aluno.
DISCUSSÃO
Os professores tem procurado alternativas de ensino in vitro, daquilo que o aluno realizará in vivo, de
tal modo a diminuir as suas dificuldades práticas. Um
CONCLUSÃO
O uso do kit radiográfico propicia maior facilidade
de aprendizado por parte dos alunos no que diz respeito a ensino de técnica radiográfica. Outras adapta-
Revista da ABENO • 5(1):19-22
21
Kit radiográfico para ensino de técnicas radiográficas • Bramante CM, Moraes IG, Bernadineli N, Garcia RB, Bramante AS
ções poderão ser feitas para facilidade de ensino de
outras técnicas.
para o ensino da técnica endodôntica. Estomatol Cult 1971;
5(1):94-100.
2. Bramante CM, Berbert A, Mondelli J. The use of bovine
ABSTRACT
Radiographic kit for teaching
radiographic techniques
It is important that students become acquainted
with the radiographic techniques that will be used in
clinic, especially in endodontics. This paper presents
a radiographic kit – a model for teaching radiographic techniques – which is easy to make and transport,
and enables students to learn radiographic techniques.
DESCRIPTORS
Radiology, education. Teaching. Radiography,
dental. 
mandibles for teaching endodontic surgical skills. J Endod
1981;7(6):282-3.
3. Bramante CM, Berbert A. Recursos radiográficos no diagnóstico e tratamento endodôntico. 3ª ed. São Paulo: Pancast; 2002.
4. Carvalho DR, Lema Júnior N, Macedo SB, Carvalho ACP. Laboratório pré-clínico de Cirurgia Bucomaxilofacial. Rev ABENO 2004;4(1):29.
5. Mondelli J, Gomes GS, Bramante CM, Berbert A. Contribuição
ao ensino da Endodontia. Rev Bras Odontol 1967;24(148):5839.
6. Mondelli J, Gomes GS, Bramante CM, Piccino AC, Galan Júnior
J, Aquira I. Contribuição ao ensino da Dentística em laboratório. Rev Bras Odontol 1968;25(150):78-81.
7. Perri de Carvalho AC, Saad Neto M. Contribuição às atividades
pré-clínicas no ensino da Cirurgia Bucal. Rev Bras Odontol
1977;34(1/2):49-53.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Aceito para publicação em 12/2004
1. Bramante CM, Mondelli J, Berbert A. Confecção de manequim
REUNIÃO
DA SBPqO
Você, professor/pesquisador, participe
da apresentação da categoria PesquisaEnsino na 22ª Reunião da Sociedade
Brasileira de Pesquisa Odontológica.
Informações no site: www.sbpqo.org.br
22
Revista da ABENO • 5(1):19-22
Utilização da tecnologia de agentes
para um ambiente virtual de ensino/
aprendizagem em Periodontia
Na busca por novas abordagens para capacitação de professores,
é proposto um modelo para ambiente de ensino, treinamento e/ou
educação continuada, a baixo custo e de maneira eficiente.
Anita Maria da Rocha Fernandes*, Ana Paula Soares Fernandes**, Raphael
Luiz Nascimento***
* Doutora em Engenharia de Produção, área de concentração Ciência
da Computação, pela Universidade do Vale do Itajaí.
E-mail: [email protected].
** Professora da Disciplina de Periodontia do Departamento de
Estomatologia da Universidade Federal de Santa Catarina.
*** Graduado em Ciência da Computação pelo Centro de Ciências
Tecnológicas da Terra e do Mar da Universidade do Vale do Itajaí.
RESUMO
O sistema educacional, responsável pela formação
mais ampla do indivíduo, não está preparado para
avançar no ritmo das trocas tecnológicas que ocorrem
na sociedade. É necessário buscar novas abordagens
para a capacitação de professores, que seja interessante, estimulante e que possa propiciar resultados satisfatórios dentro da nova visão tecnológica. Como forma de amenizar as dificuldades encontradas na
formação do cirurgião-dentista, bem como disponibilizar aos profissionais da Odontologia um modelo
para um ambiente de ensino, treinamento e/ou educação continuada, a baixo custo e de maneira eficiente, foi proposto um modelo para um ambiente virtual
de ensino/aprendizagem via “web”, tendo como estudo de caso a Periodontia. Tal modelo baseia-se na
tecnologia de agentes.
DESCRITORES
Educação a distância. Tecnologia educacional.
Programas de auto-instrução por computador.
A
globalização dos mercados e das indústrias de
comunicação está conduzindo a uma rápida
evolução da alta performance dos computadores e
comunicações. As infra-estruturas de informação regional, nacional e global, estão desenvolvendo a
melhoria das habilidades para sentir, atuar, e aprender no processo de aprendizagem, ultrapassando as
barreiras de tempo e distância. A maneira como a
informação é criada, deliberada e usada nos negócios,
no governo e sociedade está mudando rapidamente2.
Os educadores têm, continuamente, desenvolvido
e aplicado novos tratamentos instrucionais para melhorar os resultados da aprendizagem. A utilização da
tecnologia da informação, para aplicação dos princípios pedagógicos, tem sido centrada na criação de
ferramentas computacionais em que os estudantes
possam manipular para completar a sua memória e
inteligência na construção de modelos mentais mais
exatos4.
O uso da tecnologia vem se difundindo de forma
muito rápida na educação e na área da saúde. Nesta
área, a educação é demorada e continua através de
anos de prática. Com o uso intensivo de tecnologias,
tem-se procurado propiciar melhores condições e facilidades para o apoio do processo de ensino/aprendizagem e aquisição de habilidades, atendendo, desta
forma, às crescentes demandas por profissionais capa-
Revista da ABENO • 5(1):23-31
23
Utilização da tecnologia de agentes para um ambiente virtual de ensino/aprendizagem em Periodontia • Fernandes AMR,
Fernandes APS, Nascimento RL
citados5.
Em relação ao aprendizado e treinamento de profissionais da área da saúde, principalmente cirurgiões,
normalmente são requeridos cerca de cinco a sete
anos, o que, na área odontológica especificamente,
acontece na maioria das vezes dentro do próprio consultório, após a conclusão do curso, sem um acompanhamento especializado.
Durante o curso de graduação, o aluno passa por
várias disciplinas correspondentes a clínicas. Porém,
a carga horária destas disciplinas varia de universidade
para universidade, bem como o tema abordado nas
mesmas. Assim, em alguns cursos os alunos ficam restritos a uma área específica da Odontologia, necessitando, assim, de um aperfeiçoamento ou atualização
em outras áreas após a conclusão do curso.
Mesmo com as disciplinas relativas a clínicas, sejam
elas tendenciosas ou não, durante a graduação e cursos de especialização, nem sempre é possível fornecer
ao aluno situações complexas e/ou os mais variados
tipos de casos clínicos. Isto ocorre porque os pacientes
que são triados e atendidos nas clínicas universitárias
e/ou de cursos de especialização podem não apresentar, e na maioria das vezes não apresentam, todos os
casos ideais para o treinamento dos alunos.
Como forma de amenizar as dificuldades encontradas na formação do cirurgião-dentista, no que diz
respeito à prática dos conceitos, bem como disponibilizar aos profissionais da Odontologia, este artigo
apresenta um modelo para um ambiente de ensino,
treinamento e/ou educação continuada via “web”, a
baixo custo e de maneira eficiente, baseado em inteligência artificial, mais especificamente na tecnologia
de agentes.
Como a área de Odontologia é muito ampla, o
estudo de caso para a elaboração deste modelo foi a
área de Periodontia. A escolha pela disciplina de Periodontia foi feita devido a sua importância dentro da
Odontologia, bem como a grande variação de currículos entre as universidades brasileiras para esta disciplina. Em algumas é considerada como uma disciplina específica e em outras aparece associada a outras
disciplinas de uma forma integrada. O atendimento
do paciente com quadro clínico de doença periodontal pode se tornar um agravante, se o clínico geral não
estiver apto a lhe proporcionar um adequado atendimento. Nota-se que é muito adequado o ensino da
Periodontia quando esta é uma matéria específica,
sendo lecionada em aulas teóricas e práticas, onde o
aluno participa da clínica realizando procedimentos
exclusivamente periodontais.
24
Para elaborar este modelo, as seguintes etapas foram cumpridas:
• selecionou-se os conteúdos a serem abordados
pelo ambiente, bem como foi elaborada uma estratégia para nivelamento dos alunos;
• realizou-se a modelagem dos componentes centrais utilizando uma arquitetura multiagente;
• projetou-se as interfaces;
• estabeleceu-se os recursos de hardware, software e
os recursos humanos necessários;
• avaliou-se o grau de treinamento a ser fornecido
aos usuários finais.
MATERIAIS E MÉTODOS
O ensino da Odontologia ao redor do mundo ainda é bastante complexo. Alguns países adotam as Universidades de Medicina Dentária e conferem o grau
de Doutor em Medicina Dentária enquanto outros
países como os EUA oferecem as duas opções. As diferenças entre as duas graduações se alicerçam na
estrutura curricular, que é de essencial importância
para a formação profissional, dificultando a globalização do ensino da Odontologia.
A estrutura curricular dos cursos de Odontologia
no Brasil apresenta uma certa variabilidade. Enquanto em algumas universidades certas disciplinas são
oferecidas de forma específica, em outras, a mesma
disciplina está inserida de uma forma integrada com
outras disciplinas. Pode-se exemplificar a disciplina
de Periodontia I, Periodontia II e Periodontia III. Em
outras universidades se apresenta na forma de Clínica
Integrada ou ainda pode-se encontrar a disciplina de
Periodontia específica em um semestre e no semestre
seguinte de forma integrada.
Segundo Fernandes4 (2001), esta variedade de
currículos leva a uma grande diferença no processo
de ensino/aprendizagem. Sendo assim, a formação
continuada não presencial de cirurgiões-dentistas surge como uma solução bem interessante. Para isto, alguns fatores imprescindíveis sobre o ensino de Odontologia devem ser analisados:
• muitos dos cirurgiões-dentistas graduados não
buscam os cursos de especialização devido aos altos custos e/ou ausência deste tipo de curso em
suas regiões e/ou estados;
• durante o curso de especialização, o aluno passa
por várias disciplinas correspondentes a prática
clínica, porém a abordagem destas disciplinas varia de universidade para universidade, fazendo
com que os alunos fiquem tendenciosos a uma
área específica da Odontologia, necessitando as-
Revista da ABENO • 5(1):23-31
Utilização da tecnologia de agentes para um ambiente virtual de ensino/aprendizagem em Periodontia • Fernandes AMR,
Fernandes APS, Nascimento RL
Tabela 1 - Relação problemas versus carências da educação continuada em Odontologia.
Problemas
Carências
Cirurgiões-dentistas sem especialização
Cursos nas regiões e/ou locais fora dos grandes centros com custo
reduzido
Ausência de padronização dos currículos
das universidades brasileiras
Nivelamento dos alunos
Atividades práticas com pouca variedade
Situações complexas e/ou os mais variados tipos de casos clínicos
Aprendizagem e treinamento a longo prazo
Falta de acompanhamento especializado a longo prazo para o cirurgião-dentista recém-formado
Software importado que não se adequa a
realidade curricular brasileira
Ausência de software e ambientes computacionais que contemplem
a realidade curricular brasileira
sim, de um aperfeiçoamento após a conclusão do
curso;
• apesar das disciplinas relativas às atividades práticas nas clínicas, nem sempre é possível fornecer
ao aluno situações complexas e/ou os mais variados tipos de casos clínicos, porque os pacientes
que são triados e atendidos nas clínicas universitárias e/ou cursos de especialização podem não
apresentar todos os casos ideais para o treinamento dos alunos;
• o aprendizado e treinamento de profissionais da
área da saúde, normalmente requerem cerca de
cinco a sete anos para se consolidar, o que na área
odontológica ocorre na maioria das vezes no diaa-dia no consultório, após a conclusão do curso,
sem um acompanhamento especializado;
• apesar de existir software de apoio ao aprendizado
na área odontológica, bem como ambientes que
disponibilizam vídeos e material didático, estes
foram feitos em países diversos, principalmente
nos Estados Unidos, Inglaterra e Suécia, onde o
conteúdo curricular não é semelhante ao das universidades brasileiras.
Tendo em vista as dificuldades encontradas no
processo de educação continuada em Odontologia,
enumerou-se os problemas e carências deste processo,
conforme mostra a Tabela 1.
Como proposta para solucionar estes problemas e
diminuir as carências descritas, um modelo de educação a distância via “web” foi proposto baseado nas
seguintes soluções: ambiente “web”; lógica difusa;
agentes inteligentes.
Ambiente “web”
Cada vez mais o computador permite a utilização
de recursos poderosos para pesquisar, simular situações, testar conhecimentos específicos, descobrir novos conceitos, lugares, idéias, produzir novos textos,
avaliações, experiências. Através da “web”, pode-se
modificar a forma de ensinar e aprender mais facilmente tanto em cursos presenciais quanto em cursos
a distância.
Um computador conectado à internet oferece
uma nova visão da função da Informática na educação,
como uma nova mídia educacional, de complementação, de aperfeiçoamento e de possível mudança na
qualidade do ensino11.
De acordo com Klering8 (2000), a utilização da
Internet na educação facilita muito processo de ensino/aprendizagem e apresenta as seguintes vantagens:
• possibilidade de criar ambientes virtuais de aprendizagem, onde o aluno encontra a matéria a ser
estudada e as tarefas a serem feitas;
• o processo de aprendizagem pode ocorrer em diferentes locais e não só na sala de aula tradicional;
• alunos podem estabelecer seus horários de estudo
de acordo com suas necessidades, podendo gastar
mais ou menos tempo que o habitual no aprendizado de determinadas matérias;
• possibilidade dos alunos criarem seus programas
individuais de estudos e poderem assistir “aulas”
ou “palestras” em qualquer escola, não havendo
distâncias;
• o processo de aprendizado deixa de ter um caráter
passivo e passa a ser mais dinâmico e motivador,
permitindo que o aprendiz desenvolva mais seu
raciocínio, sua autonomia e até a sua capacidade
de aprender a aprender e faz com que essas qualidades reflitam tanto no seu futuro pessoal quanto no profissional;
• utilização de uma “gigantesca” biblioteca onde é
encontrada uma infinita variedade de assuntos;
• permite a troca de conhecimentos com outras pessoas, as quais podem estar até do outro lado do
Revista da ABENO • 5(1):23-31
25
Utilização da tecnologia de agentes para um ambiente virtual de ensino/aprendizagem em Periodontia • Fernandes AMR,
Fernandes APS, Nascimento RL
mundo. Nesse caso, a aprendizagem cooperativa
é possível através da troca de mensagens eletrônicas (“e-mail”), vídeo-conferências e salas de batepapo (“chats”);
• maior conhecimento sobre a cultura de outros
lugares falando com os próprios habitantes do local, podendo-se discutir soluções de problemas
com pessoas de escolas ou universidades diferentes, entre outras vantagens.
Agentes inteligentes
Uma promissora aplicação de software de aprendizagem é o uso da tecnologia de agência, os chamados agentes. Segundo Fernandes4 (2001), um agente
é uma entidade real ou virtual, imersa num ambiente
sobre o qual ela é capaz de agir, que dispõe de uma
capacidade de percepção e de representação parcial
deste ambiente, que pode se comunicar com outros
agentes, e que possui um comportamento autônomo,
conseqüência de suas observações, de seu conhecimento e de suas intenções com outros agentes.
No caso de agentes inteligentes voltados para educação e treinamento, eles são chamados “agentes pedagógicos”, os quais interagem com educadores e
educandos, de maneira a facilitar o aprendizado7. Os
agentes pedagógicos podem adaptar suas interações
instrucionais às necessidades dos estudantes e ao estado atual do ambiente de aprendizagem, ajudando
os estudantes na superação de suas dificuldades e no
aproveitamento das oportunidades de aprendizagem.
Eles podem colaborar com os estudantes e com outros
agentes integrando ação com instrução. São capazes
também de fornecer “feedback”.
Raciocínio baseado em casos
Watson (apud Koslosly9, 1999) define raciocínio
baseado em casos como “um paradigma de resolução
de problemas que envolvem uma aproximação entre
o problema atual e um problema resolvido sem sucesso no passado”.
Lee10 (1996) coloca que a filosofia básica de raciocínio baseado em casos é tentar encontrar a solução
para uma situação atual baseando-se, como comparativo, com uma experiência passada semelhante. Seu
processo consiste em identificar a situação atual, buscar na memória a experiência mais semelhante e aplicar seu conhecimento na situação atual.
Lógica difusa
A lógica difusa tem habilidade em criar conclusões
e gerar respostas baseadas em informações vagas, am26
bíguas e qualitativamente incompletas ou imprecisas.
Neste aspecto, sistemas de base difusa têm a habilidade de raciocinar de forma semelhante a dos humanos.
Seu comportamento é representado de uma maneira
muito mais simples e natural, levando à construção de
sistemas compreensíveis e de fácil manutenção.
Segundo Bezdec1 (1993), a teoria dos conjuntos
difusos é uma ampliação da teoria tradicional para
resolver paradoxos gerados a partir da classificação
“tudo ou nada” da lógica clássica. Através da incorporação deste conceito de “graus de verdade”, a lógica
difusa estende a lógica clássica em dois caminhos. Primeiro, os grupos são rotulados qualitativamente (utilizando termos lingüísticos, tais como: alto, morno,
ativo, perto, etc.) e os elementos deste grupo são caracterizados variando o grau de pertinência. Por
exemplo, um homem com 1,80 de altura e um homem
com 1,75 de altura são membros do grupo “alto”, embora o homem de 1,80 tenha um grau de pertinência
maior neste grupo.
RESULTADOS
O modelo proposto apresenta um ambiente que
consta basicamente de três módulos: módulo de informações do aluno; módulo de material instrucional;
módulo de casos virtuais.
A pessoa que deseja utilizar o ambiente irá acessálo pela primeira vez fornecendo dados sobre o seu
perfil e o seu “suposto” grau de conhecimento sobre
Odontologia. No caso em estudo o conhecimento será
em Periodontia. Após o cadastro, o ambiente fornece
um nivelamento para verificar o “real” grau de conhecimento do usuário. Através dos recursos da lógica
difusa, o ambiente avalia o conteúdo curricular que o
usuário irá seguir. Por exemplo, caso o usuário já tenha parado de estudar há mais de dez anos, e o seu
nivelamento detectou que o seu conhecimento ficou
estagnado, o conteúdo curricular a ser seguido por
ele será bem diferente do conteúdo a ser seguido por
um usuário que está terminando a graduação agora e
deseja se aprofundar em Periodontia.
O ambiente gerencia o perfil do usuário, o conteúdo instrucional a ele fornecido, bem como os casos
do banco de casos virtuais através de três agentes inteligentes.
Os agentes inteligentes implementados neste ambiente têm como função a administração do ambiente, realizando tarefas tais como: avaliação do perfil do
aluno para estabelecimento das estratégias pedagógicas; avaliação das tarefas do usuário; avaliação do grau
de conhecimento do usuário e seleção do conteúdo
Revista da ABENO • 5(1):23-31
Utilização da tecnologia de agentes para um ambiente virtual de ensino/aprendizagem em Periodontia • Fernandes AMR,
Fernandes APS, Nascimento RL
instrucional.
Um dos agentes avalia as informações do aluno,
descobrindo as características peculiares de cada um
a fim de estabelecer as estratégias pedagógicas a serem
utilizadas – agente de investigação do aluno. Este
agente tem a sua estrutura baseada em raciocínio baseado em casos e lógica difusa.
Outro agente fica encarregado da avaliação do
conteúdo instrucional que o aluno deve acessar, com
base nas informações repassadas pelo Agente de Investigação do Aluno. Este agente – agente de conteúdo instrucional – recebe o perfil e o desempenho do
aluno durante cada etapa do curso e utilizando uma
estrutura de sistemas especialistas (sistema baseado
em regras3) estabelece o próximo conteúdo que pode
ser acessado pelo aluno de acordo com o seu nível de
conhecimento atual. Este conteúdo refere-se a aulas,
vídeos e testes.
Há ainda um agente encarregado de gerenciar o
banco de casos virtuais, interagindo com os outros
dois agentes. É o agente de casos virtuais. O aluno não
tem acesso irrestrito ao banco de casos. Seu acesso
depende das informações sobre o seu perfil e sobre o
conteúdo que está estudando. Dependendo de sua
graduação ele pode ter tido mais ou menos tempo de
clínica (prática), sendo assim, este é o ponto chave
para estipular os tipos de casos a estudar. De acordo
com o perfil do aluno, este agente cria grupos de trabalho para a solução dos casos.
O ambiente aqui descrito utilizou o método do
vizinho mais próximo3 para recuperação do ano de
conclusão do curso e idade do aluno, e o método de
contagem de característica3 para a recuperação dos
seguintes dados pertinentes ao aluno: universidade
de origem e as disciplinas cursadas (Anatomia do Periodonto; Etiologia das doenças periodontais; Preparo inicial; Laboratório de Raspagem; Lesões agudas
do periodonto; Clínica I, Exame clínico e periodontal;
Cirurgias de cunhas distal e interproximal, Cirurgias
de aumento de coroa clínica; Técnicas segmentativas,
Cirurgias Mucogengivais, Clínica II e Clínica III).
O ambiente já tem pré-definidos os pesos de recuperação de cada característica do novo caso a ser consultado.
Através do cálculo de similaridade pode-se estabelecer qual o perfil mais aproximado do aluno, pois o
perfil final é dado após a avaliação do “suposto” grau
de conhecimento do aluno sobre o conteúdo. Com o
perfil parcial o aluno é submetido a um nivelamento
e após o resultado deste nivelamento, ele é enquadrado em um currículo específico.
A nota que o aluno pode alcançar varia em uma
variável difusa nota, como sendo péssima, ruim, boa,
satisfatória e excelente, ou seja, cinco conjuntos difusos mapeados por funções de pertinência triangulares3.
Uma vez detectado o real grau de conhecimento
do aluno sobre o conteúdo em questão, tem-se então
estabelecido o conteúdo instrucional que o mesmo
irá acessar.
Para a definição do conteúdo instrucional, vários
“sites” foram avaliados por professores e alunos; cursos
já consagrados pela equipe do CEPID – Centro de
Estudos em Periodontia e Implantodontia – foram
remodelados de maneira a servir como roteiro de estudo para o aluno. Os cursos foram organizados em
forma de arquivos do tipo doc. e ppt., vídeos e ainda
disponibilizou-se um fórum de discussões e um chat.
O banco de casos virtuais é composto de casos variados de pacientes (foto, anamnese, discussão, diagnóstico, radiografias, etc.) onde o usuário poderá
acompanhar experimentos e treinamentos. Aqui temse implementado um gerador de cenários de treinamento, onde, de acordo com o conteúdo estudado
pelo aluno, o sistema fornecerá estudos de casos, vídeos, radiografias, de maneira a simular situações que
possam enriquecer o aprendizado do aluno.
O agente de casos virtuais solicita ao agente de
conteúdo instrucional qual o currículo que o aluno
deverá cursar e quais os tópicos do currículo que devem ter uma atenção reforçada. Com base nestas informações, o agente estabelece uma quantidade específica de casos virtuais a serem estudados.
O banco de casos virtuais armazena como caso os
dados relativos a anamnese dos pacientes. Um sistema
especialista se encarrega de avaliar os dados que o
aluno fornece sobre a anamnese e elabora um diagnóstico que é comparado com o diagnóstico correto.
O estudo de cada caso é revertido em notas para o
aluno. Esta nota é comunicada ao agente de investigação do aluno.
O projeto das interfaces do ambiente foi baseado
nas diretrizes para o desenvolvimento de software educacional para Odontologia, proposto por Johnson,
Schleyer6 (2003). As Figuras 1 a 5 mostram as telas
principais do ambiente.
Ao receber um “e-mail” confirmando a sua aceitação no curso, o aluno acessa a tela de “login”, com o
“login” e senha fornecidos pelo administrador do ambiente. Ao preencher os campos o aluno clica na opção “enviar” e o agente de investigação do aluno informa em que nível do ambiente o aluno pode ter
Revista da ABENO • 5(1):23-31
27
Utilização da tecnologia de agentes para um ambiente virtual de ensino/aprendizagem em Periodontia • Fernandes AMR,
Fernandes APS, Nascimento RL
Figura 1 - Tela de abertura do ambiente.
Figura 2 - Tela referente ao módulo de professores.
Figura 4 - Tela referente ao módulo administrador.
Figura 3 - Tela referente aos links disponíveis no sistema.
Figura 5 - Tela referente à inscrição do candidato a aluno
do curso.
acesso (Figura 6). No ambiente, não somente os alunos têm que se logar. Os professores, o administrador
e o fornecedor também se logam e como estão cadastrados no banco de dados, o agente informa que tipo
de acesso eles podem ter.
O aluno tem acesso às funções de alteração do seu
28
cadastro geral e consulta ao seu desempenho durante
o curso. Esta avaliação do seu desempenho visa mostrar a evolução do aluno ao longo do conteúdo; seu
desempenho em relação a todo o grupo de alunos,
bem como uma avaliação por categorias: faixa etária;
ano de conclusão de curso; universidade; dentre outras.
Na opção “sala de aula”, o aluno pode ter as seguintes opções: aula; negatoscópio e prova. Na opção
“aula”, ele terá acesso ao conteúdo relativo ao currículo onde ele foi enquadrado. Na opção “negatoscópio”, ele terá acesso a várias radiografias de casos clínicos para que ele se familiarize com cada caso. E na
opção “prova” ele fará uma prova abordando o conteúdo estudado nesta aula.
As Figuras 7 e 8 ilustram o módulo de aula e os
casos virtuais.
DISCUSSÃO
A avaliação preliminar do modelo/ambiente foi
feita em duas etapas. A primeira enfocou a apresentação do ambiente ao usuário e a segunda enfocou a
eficácia do ambiente. Foram entrevistados 114 alunos
de três turmas distintas: recém-formados de 2001/1
Revista da ABENO • 5(1):23-31
Utilização da tecnologia de agentes para um ambiente virtual de ensino/aprendizagem em Periodontia • Fernandes AMR,
Fernandes APS, Nascimento RL
Figura 6 - Teste para estabelecer as disciplinas a serem cursadas.
Figura 7 - Tela da aula de Anatomia e Histologia do Peri-
odonto.
da UFSC; turma de 2001 da Especialização em Periodontia e turma de 2001 da Especialização em Implantodontia do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
A avaliação do modelo por estas turmas foi realizada através de três instrumentos: um questionário,
composto de duas partes, uma relativa ao perfil do
aluno e outra relativa ao ambiente avaliado; conversas
informais feitas com os grupos de alunos durante
quinze dias – estas conversas ocorreram para que os
alunos pudessem expor seus anseios e expectativas de
maneira clara e objetiva; e avaliação dos resultados de
uma prova aplicada aos alunos que utilizaram o treinamento com o ambiente e aos alunos que estudaram
de maneira tradicional.
Além dos alunos, foram entrevistados em um segundo momento, os professores de Odontologia da
UFSC que utilizaram o sistema.
Figura 8 - Tela de um caso virtual.
Dos entrevistados, 86,8% estava abaixo dos 25 anos
e 96% possui computador em casa, porém nem todos
sabem utilizá-lo. Considerando os que possuem computador e sabem manuseá-lo, 75% são alunos que se
graduaram na UFSC e tiveram a disciplina de Informática Aplicada à Odontologia. Os demais 25% fizeram cursos de computação básica.
Quanto a utilização da Internet, 83,33% dos alunos que têm computador têm acesso à Internet. Sobre
a utilização da Internet como ferramenta de pesquisa
científica, 28,98% dos entrevistados não sabem fazer
uso da Internet para esta finalidade. Quanto a serem
incentivados pelos professores para utilizarem a Internet como fonte de pesquisa, 62,13% afirma que já
foram incentivados, porém perceberam que a maioria
dos professores não tinham segurança no uso da Internet para esta finalidade.
O maior receio dos alunos que não têm um maior
Revista da ABENO • 5(1):23-31
29
Utilização da tecnologia de agentes para um ambiente virtual de ensino/aprendizagem em Periodontia • Fernandes AMR,
Fernandes APS, Nascimento RL
convívio com o computador é que teriam que fazer
um curso à parte para poderem utilizar o computador
como ferramenta de aprendizagem.
Com relação ao ambiente, 94,2% considerou o
“layout” do ambiente atraente e 86,96% considerou
o conteúdo disponibilizado de leitura fácil e interessante. Em relação à maneira de disponibilizar os “slides”, 82,61% acham explicativa, porém 17,39% disseram que prefeririam alguma forma mais direta de
acesso ao próximo slide. Uma das sugestões oferecidas
pelos alunos foi disponibilizar a opção de impressão
dos slides.
Quanto às informações que os alunos esperavam
encontrar no “site”, eles responderam: informações
sobre congressos na área; informações sobre outros
cursos presenciais e a distância; biblioteca virtual de
artigos científicos; possibilidade de impressão dos
conteúdos e das provas.
Quanto às vantagens que eles apontaram sobre a
utilização deste ambiente, a unanimidade foi a redução de custos de deslocamento e diárias em relação a
pessoas que tem de ir a outra cidade para pós-graduação, pois poderiam diminuir as aulas teóricas e
somente as práticas seriam presenciais.
Quanto às desvantagens, eles apontaram: redução
do contato físico com os colegas; necessidade de domínio da máquina; necessidade de ter uma conexão
eficiente e demora para descarregar os slides.
A avaliação teórica foi aplicada a dois grupos de
12 alunos candidatos a vagas nas Especializações em
Periodontia e Implantodontia da UFSC. Todos os alunos receberam a lista de tópicos a serem abordados e
tiveram três meses para se prepararem. O grupo que
utilizou o ambiente passou por um treinamento sobre
o seu uso e cada um recebeu uma senha para acessar
o ambiente de casa.
A avaliação constou de doze questões discursivas,
sendo que sete estavam relacionadas diretamente aos
tópicos abordados no ambiente. Os alunos tiveram
duas horas para responderem as questões da prova, a
qual foi aplicada em uma sala de aula convencional
no Departamento de Estomatologia da UFSC.
O resultado das avaliações mostrou que os alunos
que utilizaram o ambiente, mais precisamente o banco de casos virtuais, conseguiram compreender melhor os conceitos e definições, e as aulas em formato
ppt. tornaram o conteúdo mais sintético para os alunos que utilizaram o ambiente e eles puderam concentrar seus estudos nos conteúdos mais relevantes.
Quanto aos dez professores envolvidos no processo, percebeu-se que os mesmos têm vontade de utilizar
30
o ambiente para suas aulas, porém necessitam passar
por um treinamento no que diz respeito a confecção
do material (utilização do Power Point e do Word),
aprender a utilizar um “chat” e um fórum de discussões, bem como aprender como tratar as imagens que
serão utilizadas no banco de casos virtuais. Ou seja,
deve-se primeiramente investir em capacitação para
os professores.
CONCLUSÕES
Através deste trabalho pôde-se observar que um
ambiente padronizado, oferecendo opções de nivelamento, vem a ser um diferencial nos cursos de pósgraduação em Odontologia. Porém há de se considerar que um ambiente informatizado requer um corpo
docente e discente preparado para utilizar os recursos
computacionais. O que não é ainda uma realidade no
Brasil. A maioria dos cursos de Odontologia não apresenta uma disciplina que capacite os alunos a utilizar
os recursos computacionais, nem possuem infra-estrutura em termos de laboratório e equipamentos para
esta capacitação. Por outro lado os professores também ainda desconhecem a potencialidade das ferramentas computacionais, necessitando serem preparados a fim de que possam incentivar seus alunos a
fazerem uso do computador como ferramenta de ensino/aprendizado.
A maior vantagem deste ambiente considerada
pelos alunos e professores é relativa a possibilidade de
redução de custos. Atualmente, um curso de pós-graduação em Odontologia tem um custo mensal de
aproximadamente um mil reais, além das despesas
com o deslocamento (viagem, estadia, alimentação),
uma vez que a maioria dos alunos é de outra localidade. Vale ressaltar a importância das aulas presenciais
(práticas) e aulas a distância (teóricas). A utilização
de “vídeochats”, radiografias “on-line”, fórum de discussão permitiu uma maior integração dos alunos com
o professor e trocas de experiências de maneira interativa.
ABSTRACT
Use of agent technology in a teaching/learning
virtual environment in periodontology
The educational system, responsible for the greatest education of an individual, is not prepared to advance concomitantly with the technological changes
that occur in society. It is necessary to search for new
approaches for the capacitation of teachers. These
approaches must be interesting, stimulating, and may
lead to satisfactory results concerning the new tech-
Revista da ABENO • 5(1):23-31
Utilização da tecnologia de agentes para um ambiente virtual de ensino/aprendizagem em Periodontia • Fernandes AMR,
Fernandes APS, Nascimento RL
nological view. In order to ease the difficulties found
in the education of dental surgeons as well as to provide dental professionals with a model for a teaching,
training and/or continuing education environment,
with low cost and efficiently, a model was proposed
for a virtual environment of teaching/learning
through the web, being periodontology the branch
studied. Such model is based on agent technology.
DESCRIPTORS
Education, distance. Educational technology. Selfinstruction programs, computerized. 
Catarina; 2001.
5. Ferreira LF, Bercht M. A realidade virtual na educação médica:
usando agentes pedagógicos como apoio à avaliação de competência técnica em Cirurgia. In: Congresso Brasileiro de Informática em Saúde: 2000; São Paulo. Anais. São Paulo; 2000.
6. Johnson LA, Schleyer TK. Developing high-quality educational
software. J Dent Educ 2003;67(11):1209-20.
7. Johnson LW. Tools for technology assisted learning: teaching
problem-solving skills with patient simulations. In: Dental informatics: integrating technology into dental environment.
New York: Springer-Verlag; 1992.
8. Klering R. Internet ou professor: quem será o educador do
século XXI? Disponível em: URL: http://www.ucs.br/ccet/deme/
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Bezdec J. Fuzzy models – what are they, and why? IEEE - Transactions on fuzzy systems 1993;1(1):1-6.
2. Casas LA. Contribuição para modelagem de um ambiente in-
emsoares/inipes/ensino.html.
9. Koslosky MAN. Aprendizagem baseada em casos: um ambiente
para ensino de lógica de programação [Dissertação de Mestrado].
teligente de educação baseado em realidade virtual [Tese de
Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 1999.
Doutorado]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Ca-
10. Lee RW. CBR Course home page. 1996 [citado 1999 Abril 26].
Disponível em: URL: http://www.eps.ufsc.br/~martins/fuzzy/cbr/
tarina; 1999.
3. Fernandes AMR. Inteligência artificial: noções gerais. Florianó-
html.
11. Moran JM. Novos caminhos do ensino à distância. SENAI
polis: Visual Books; 2003.
4. Fernandes APS. Modelo de um ambiente educacional via web
1994;1(5):1-3.
para Odontologia – um estudo de caso em Periodontia [Tese
de Doutorado]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa
A Revista da ABENO - Associação Brasileira de Ensino
Odontológico - tem como missão primordial contribuir
para a obtenção de indicadores de qualidade do
ensino odontológico respeitando os desejos
de formação discente e capacitação
docente, com vistas a assegurar
o contínuo progresso da
formação profissional e
DA
REVISTA
produzir benefícios
O
ABEN
diretamente voltados para
a coletividade.
Visa também produzir
junto aos especialistas a
reflexão e análise crítica
dos assuntos da área em
O
ABEN
nível local, regional, nacional
e internacional.
-5954
ISSN 1679
!
Aceito para publicação em 12/2004
5
volume 1
número ezembro
janeiro/d
Envie seu artigo!
Veja as normas
para a submissão
de originais na
página 96.
asileira
ção Br
Associa
tológico
o Odon
de Ensin
2005
ógico
Odontol
Ensino
leira de
ão Brasi
Associaç
Revista da ABENO • 5(1):23-31
31
Vivência da realidade: o rumo da saúde
para a Odontologia
Para a adequação da formação dos profissionais à atual realidade
do mercado, traça-se um panorama e delineiam-se tendências do
mercado de trabalho odontológico.
Lucilene Dias Pelissari*, Roberta Tarkany Basting**, Flávia Martão Flório***
* Cirurgiã-Dentista formada pelo Centro Universitário Hermínio
Ometto de Araras (UNIARARAS).
** Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Dentística do Centro
de Pesquisas Odontológicas São Leopoldo Mandic.
*** Professora Responsável pela Disciplina de Ciências Sociais do Curso
de Odontologia do Centro Universitário Hermínio Ometto de
Araras (UNIARARAS). E-mail: [email protected].
RESUMO
O conhecimento que vem sendo adquirido e acumulado desde os primórdios da Odontologia possibilitou uma importante mudança relacionada às maneiras de lidar com as enfermidades que acometem os
tecidos orais. Este trabalho tem o objetivo de traçar
um panorama e delinear tendências do mercado de
trabalho odontológico além de apontar caminhos
para a adequação da formação dos profissionais a atual
realidade do mercado. Os recursos humanos odontológicos que existem no país são resultantes de um
processo evolutivo da profissão, em constante transformação, sempre no sentido ascendente de se ter um
profissional mais capacitado. Uma prática educativa
humanizada na área da Saúde coloca o homem como
centro do processo de construção da cidadania, comprometida e integrada à realidade social e epidemiológica, às políticas sociais e de saúde, oportunizando
a formação profissional contextualizada e transformadora. O compromisso em realizar uma auto-análise
do ensino ministrado a cada um de seus alunos é uma
responsabilidade de cada uma das Instituições de Ensino Odontológico que deve refletir sobre o quê, por
quê e em favor de quem quer a formação universitária,
buscando assim a formação de cidadãos trabalhadores
para a sociedade e não para o mercado.
DESCRITORES
Recursos humanos em Saúde, tendências. Odon32
tologia comunitária.
O
conhecimento que vem sendo adquirido e acumulado desde os primórdios da Odontologia
possibilitou uma importante mudança relacionada às
maneiras de lidar com as enfermidades que acometem
os tecidos orais. Até meados da década de 1960 os
tratamentos caracterizavam-se pela exclusiva mutilação de estruturas bucais, na década de 1970, passou-se
a realizar a mutilação de tecidos bucais, com o auge
da Odontologia curativa e desenvolvimento de materiais restauradores. À semelhança de qualquer trabalho humano, o odontológico surgiu e se desenvolveu
para satisfazer necessidades humanas23; no século XXI
vem dando-se crescente ênfase aos aspectos preventivos e a uma maior preocupação com a saúde bucal e
sua relação com a saúde geral e com o ambiente e
qualidade de vida, tanto em nível individual quanto
coletivo15.
A interligação entre os quadros bucais com enfermidades sistêmicas tem sido evidenciada em inúmeras
investigações conduzidas nos últimos anos35, indicando que as doenças bucais possuem suficiente potencial
para gerar desequilíbrios na homeostasia do organismo, integrando inclusive o elenco das causas relacionadas a quadros mórbidos gerais28. A qualidade de
vida também é afetada pelas doenças da cavidade bucal e o impacto por elas produzido. Estado gengival,
bem estar dos dentes e tecidos de suporte, quantidade
Revista da ABENO • 5(1):32-9
Vivência da realidade: o rumo da saúde para a Odontologia • Pelissari LD, Basting RT, Flório FM
e qualidade de saliva, grau de sensibilidade do paladar
e quadros dolorosos podem afetar a qualidade da dieta e a ingestão adequada de nutrientes, de forma a
aumentar potencialmente o risco a diversas doenças
sistêmicas19. A saúde bucal também influencia na autoestima e nos relacionamentos sociais pois, como já
definiu Narvai23 (2003), “é um conjunto de condições
objetivas (biológicas) e subjetivas (psicológicas), que
possibilita ao ser humano exercer funções como mastigação, deglutição e fonação e também pela dimensão estética inerente à região anatômica, exercitar a
auto-estima e relacionar-se socialmente sem inibição
e constrangimentos. Essas condições devem corresponder à ausência de doença ativa em níveis tais que
permitam ao indivíduo exercer as mencionadas funções de modo que lhe pareçam adequadas e lhe permitam sentir-se bem, contribuindo desta forma para
a saúde geral”.
A saúde e a doença não são portanto estados ou
condições estáveis, mas sim conceitos vitais, sujeitos a
diversas gradações e constantes mudanças1. A saúde,
em seu conceito ampliado11 tem como fatores determinantes e condicionantes os meios físico, sócio-econômico e cultural, os fatores biológicos e inclusive a
oportunidade de acesso aos diferentes níveis de serviços4. Segundo Carneiro7 (1998), a ação de cuidar da
saúde em âmbito social só será efetivada se as outras
dimensões da sociedade, como a economia, a habitação, o trabalho, a educação, enfim, as políticas sociais
se voltarem para a questão da saúde.
A prática odontológica resulta de uma complexa
articulação de fatores externos e internos ao processo
de trabalho, dentre os quais destaca-se o conhecimento científico disponível em cada momento, as tecnologias, os instrumentos e materiais utilizados, além dos
recursos humanos23. Atualmente, a filosofia da Promoção de Saúde vem favorecendo a relação profissional-paciente pelo aprimoramento da terapêutica e
pela preocupação com a saúde bucal15, levando a necessidade de adequação dos profissionais da área ao
mercado de trabalho.
A definição de mercado refere-se ao contexto dentro do qual se forma livremente o preço de um produto, bem ou serviço, pelo adequado ajustamento de
suas oferta e demanda, onde se realiza um intercâmbio de caráter livre e voluntário entre diferentes pessoas ou entidades. Esta definição aplica-se ao mercado
de trabalho odontológico através do inter-relacionamento de cuidados de saúde, demanda de pacientes
e oferta de serviços profissionais do setor2.
Segundo Zanetti36 (1999), a Odontologia brasilei-
ra está em franca, acelerada e irreversível reorganização, e, por falta de uma adequação da formação
acadêmica a esta reorganização, a massa de cirurgiõesdentistas colocada no mercado semestralmente, nunca estimulada a refletir criticamente sobre a sucessão
de fatos inerentes a estas mudanças, encontra-se completamente perdida e marginalizada no processo de
inclusão no mercado odontológico.
Este trabalho tem o objetivo de traçar um panorama e delinear tendências do mercado de trabalho
odontológico além de apontar caminhos para a adequação da formação dos profissionais à atual realidade do mercado.
MERCADO DE TRABALHO – DE ONDE
VIEMOS, PARA ONDE VAMOS?
Os recursos humanos odontológicos que existem
no país são resultantes de um processo evolutivo da
profissão, em constante transformação, sempre no
sentido ascendente de se ter um profissional mais capacitado26. A capacitação profissional significou, no
processo evolutivo da profissão, uma forma de concorrência no mercado. O surgimento dos mestres de
ofício, no interior da prática profissional artesanal e
pré-científica, pode ser considerado o primeiro dos
mecanismos concorrenciais. Em seqüência, decorrente do desenvolvimento do capitalismo, que multiplicou as possibilidades de oferta e consumo de serviços
de saúde, o exercício da profissão mediante a formação universitária pode ser considerado o segundo dos
mecanismos de concorrência, objetivando a organização do sólido mercado recém-surgido, que estimulou
a formação de novos profissionais e a valorização da
Odontologia enquanto prática social36.
A estratégia de reestruturação via “diplomação
universitária” foi percebida e enunciada para todas as
“ciências médicas”, em um relatório publicado em
1910, conhecido como Relatório Flexner, orientando
uma prática voltada à cura ou alívio das doenças, sendo o indivíduo encarado em uma lógica mecanicista,
compartimentalizada e individualizada, condizente
com os conhecimentos e atitudes de saúde da época.
Neste contexto, a cárie dentária sempre foi o objeto fundante para a organização da formação, das
práticas e da transformação da maior parte dos atos
odontológicos em mercadorias passíveis de compra e
venda no mercado36, já que as seqüelas decorrentes
de sua “história natural” possibilitavam mais e mais
procedimentos, cada vez mais e mais complexos, sinônimos de maior e melhor remuneração.
Revista da ABENO • 5(1):32-9
33
Vivência da realidade: o rumo da saúde para a Odontologia • Pelissari LD, Basting RT, Flório FM
Toda essa situação descrita gerou no Brasil um
quadro de pletora profissional sem precedentes mundiais, percebida, no entanto, apenas à partir do início
dos anos 1980, com a inversão da equação oferta/procura, decorrente da grande recessão econômica de
1981 que resultou na concorrência da Odontologia
com a venda de outros bens e serviços. Além disso, o
desenvolvimento das tecnologias preventivo-promocionais em saúde bucal, representadas pela massificação do acesso às tecnologias de flúor e de auto-cuidado, resultou num novo perfil epidemiológico,
especialmente para a população consumidora dos
serviços curativos particulares36, a mais bem informada e exigente quanto às possibilidades de cuidados
precoces. As necessidades e objetivos da população
potencialmente consumidora de serviços odontológicos particulares reduziram-se drasticamente.
Segundo dados do Conselho Federal de Odontologia (CFO), o Brasil contava em 2003 com 161 faculdades de Odontologia. Dados mais recentes12 (2004)
indicam que 194.016 é o número de cirurgiões-dentistas cadastrados no CFO, dos quais 61,3% estão inscritos nos conselhos da região Sudeste, perfazendo
um total de 118.948 profissionais. O Gráfico 1 aponta
o número de dentistas inscritos nos conselhos regionais, de acordo com as macro-regiões.
A proporção cirurgião-dentista por habitantes
chegou, em 2002, a 1 CD para aproximadamente
1.008 habitantes12, o que está aquém do que Chaves9
(1977) considerou como bastante boa (1 CD: 2.000
habitantes). Segundo Narvai23 (2003), a situação brasileira apresenta um desequilíbrio quantitativo, especialmente quando considerada a distribuição de cirurgiões-dentistas, não somente em relação à área
geográfica, mas também com relação ao poder aquisitivo das populações residentes nas macro e microregiões brasileiras.
No início dos anos 1990, o país concentrava cerca
de 11% dos dentistas em atividade em todo o mundo,
proporção esta inalterada também no começo do século XXI23. Apesar da grande expansão do número
de cursos de Odontologia no Brasil e de cirurgiõesdentistas em atividade, o percentual de brasileiros
com acesso a cuidados odontológicos regulares é pequeno, havendo consenso entre pesquisadores que
não há associação entre o número de profissionais e
melhores condições de saúde bucal.
As melhorias nas condições de saúde das comunidades se dão por mudanças nas condições ambientais
e sócio-econômicas, antecedendo a ação profissional.
O papel do atendimento odontológico tradicional no
34
15.802 (8%)
6.019 (3%)
24.624 (13%)
118.948 (61%)
29.343 (15%)
Centro-oeste
Norte
Nordeste
Sul
Sudeste
Gráfico 1 - Número de cirurgiões-dentistas por macro-
região. CFO - Brasil, 2004.
padrão de saúde bucal de uma população foi questionado por Nadanovsky, Sheiham21 (1995), através da
verificação de que os aspectos sócio-econômicos têm
um papel relevante na redução observada na prevalência de cárie dentária. O estudo realizado com base
em dados de 18 países industrializados demonstrou
que os serviços odontológicos, medidos pela proporção dentista/população, explicaram 3% da redução
observada na prevalência média de cárie das crianças
de 12 anos, durante os anos 1970 e meados dos 1980,
enquanto que os fatores sociais explicaram 65% da
redução observada. Observaram também que a disponibilidade de serviços odontológicos não foi importante para explicar as diferenças nas variações observadas em indivíduos de 12 anos nos países estudados.
Para Baldani et al.3 (2004), países com relações dentista/população e sistemas de atenção diferentes apresentaram variação de valores de prevalência de cárie
muito similares até a metade da década de 1980, quando a condição social passou a ser muito enfatizada
como importante determinante da situação de saúde
bucal.
No Brasil, esta relação, discutida por Weyne 35
(2003), pode ser recentemente confirmada com a divulgação em massa, no Jornal Folha de São Paulo16,
dos resultados referentes ao último levantamento epidemiológico realizado no Brasil, intitulado SB-Brasil,
demonstrando que mesmo o país sendo rico no número de cirurgiões-dentistas23, a estratégia de saúde
bucal oferecida à população permitiu que, em média,
o país tenha cumprido apenas uma das cinco metas
preconizadas pela Organização Mundial de Saúde
(OMS) relacionadas à prevalência de cárie dentária.
Com relação às demais ocorrências relacionadas à
saúde bucal (ou melhor... falta de saúde bucal), menos
de 22% da população adulta e menos de 8% dos idosos apresentam saúde periodontal.
Revista da ABENO • 5(1):32-9
Vivência da realidade: o rumo da saúde para a Odontologia • Pelissari LD, Basting RT, Flório FM
Estas observações apontam uma realidade alarmante, os recursos humanos estão sendo graduados
com falta de adequação do currículo e nem sempre
estão aptos para diagnosticar e planejar de maneira
adequada um plano de tratamento e realizar a promoção e preservação da saúde bucal condizente com
a realidade sócio-econômica e cultural da comunidade adstrita. A Odontologia de alta complexidade,
onde se utilizam técnicas e materiais de última geração, aliada a uma habilidade manual que levaria ao
sucesso profissional e ao retorno financeiro, está sendo revista, pois este modelo cirúrgico-restaurador não
alterou o perfil epidemiológico da cárie dental e das
demais doenças prevalentes da cavidade bucal2. O país
mais rico em dentistas, apresenta 17% de sua população adulta completamente edêntula16.
Mas, dado o papel do cirurgião-dentista na diminuição da incapacidade bucal, não restam dúvidas
quanto à importância da ampliação do acesso da população aos serviços odontológicos, até torná-lo universal23. Importante neste caso seria que a universalidade do acesso fosse condizente com o tipo de
profissional que a sociedade necessita.
A FORMAÇÃO ODONTOLÓGICA
Deve-se, neste momento, descrever com mais detalhes os efeitos do paradigma flexneriano no ensino
odontológico. O Relatório Flexner, preparado a pedido da Fundação Carnegie dos EUA pelo educador
Abraham Flexner e publicado em 1910, versava sobre
a situação de diversas escolas médicas dos EUA. Com
base na qualidade técnica da escola médica européia,
especialmente a Alemã, Flexner deu ênfase à formação de uma elite profissional e recomendou o fechamento de 124 das 155 escolas existentes nos EUA. O
modelo flexneriano procurou implantar no ensino
médico as exigências do paradigma científico que influenciou todas as áreas do conhecimento nos EUA
no fim do século XIX: os problemas de origem social
que exigiam soluções políticas foram transformados
em problemas de ciência, exigindo soluções técnicas;
difundiu-se a idéia de que a ciência poderia resolver
qualquer problema, e negou-se a idéia de causalidade
da doença. Os aspectos preventivos e de promoção de
saúde foram relegados a segundo plano, o corpo humano foi considerado como uma máquina, em que
qualquer parte poderia ser tratada individualmente,
e o paciente abstraído da coletividade da qual fazia
parte e do contexto social em que se inseria17.
No caso do Brasil, a Odontologia absorveu também o paradigma flexneriano, passando a defender
o corpo humano como uma máquina, a natureza exclusivamente biológica da doença, a atenção centrada
sobre o indivíduo e sobre práticas curativas, a fragmentação do objeto em função da especialização, a
tecnificação do ato odontológico, a exclusão de práticas alternativas, além do desinteresse pelas ações de
promoção e prevenção das doenças. Com esses pressupostos, os cursos de Odontologia no país assumiram
as características do modelo do ensino flexneriano:
separação entre a docência, prestação de serviços e
pesquisa; ciclo básico separado do ciclo clínico e concentrado nos primeiros anos do curso; ênfase na
doença ou lesão e nas ações curativas e de reabilitação;
estruturação de microdisciplinas por especialidades
odontológicas; ensino centrado na difusão de tecnologia sofisticada; ensino exclusivo nos serviços das
escolas, desconhecendo os serviços externos; pessoal
docente especializado por microdisciplinas; relação
professor/aluno autoritária e paternalista; ênfase na
pesquisa biológica18.
Os questionamentos relacionados à atuação do
cirurgião-dentista no nível de saúde da população3,21,
a dependência de fatores sócio-econômico-culturais e
ambientais para o equilíbrio do binômio saúde-doença1,4,7,11, e a compreensão de que a filosofia da promoção de saúde, quando bem aplicada, pode resultar em
importantes melhorias no padrão de saúde da população beneficiada refletiram na necessidade da instalação de mudanças no tratamento odontológico tradicional.
Graças a essa revisão de valores, conseqüência da
necessidade de mudanças em todos os níveis, um novo
perfil de formação profissional faz-se necessário, cuja
prática deve pautar-se na realidade econômica e social
do país2. Neste sentido, o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE), a ser realizado, neste formato, pela primeira vez como uma das iniciativas
do Ministério da Educação para traçar um panorama
da qualidade dos cursos e instituições de ensino superior no país, tem como um de seus três principais objetivos avaliar o nível de atualização dos estudantes,
com referência à realidade brasileira e mundial, confirmando que esta necessidade de sintonia com as
singularidades do país é inerente a todas as profissões,
inclusive à odontológica.
Embora avanços importantes tenham ocorrido nas
últimas décadas, a formação em Odontologia no Brasil está minimamente adequada às necessidades da
população22, o “ensino odontológico flexneriano” é
ainda praticado na grande maioria dos cursos de graduação do país. Narvai22 (2004) afirma que há poucos
Revista da ABENO • 5(1):32-9
35
Vivência da realidade: o rumo da saúde para a Odontologia • Pelissari LD, Basting RT, Flório FM
cursos onde se verifica um compromisso evidente para
fazer valer princípios de modificação neste paradigma, com criação de espaço para a ousadia da renovação e da invenção.
Grande ênfase tem sido dada às questões que cercam o processo de ensino-aprendizagem em decorrência das constantes mudanças ocorridas na sociedade e, conseqüentemente, na área do ensino superior,
o que certamente se reflete nos cursos de graduação
e pós-graduação de Odontologia27. O ensino odontológico tem sido apontado como comprometido pelo
lastro do academismo, divorciado do interesse clínico
e das necessidades da comunidade30,31,33.
Segundo o professor Paulo Capel Narvai22 em entrevista ao Jornal da Federação Interestadual dos
Odontologistas (FIO) em maio de 2004, a formação
em Odontologia ainda deixa muito a desejar em se
tratando da saúde bucal coletiva, uma vez que a abordagem preventiva ainda é restrita à dimensão biológica e clínica da prevenção e os currículos ainda continuam fragmentados, com funcionamento isolado das
disciplinas.
Esta dessintonia entre o ensino odontológico e a
atuação clínica do dentista tem muitas razões, mas,
certamente, a preponderante é que não se desenvolveu uma interação entre o profissional e a escola no
sentido de se determinar ou predispor um preparo
universitário condizente com as tendências atuais e
sensíveis às mudanças futuras 13. Segundo Pinto25
(2000), a maior parte da população não tem acesso a
cuidados clínicos e preventivos essenciais de maneira
adequada. O levantamento do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) feito em 1999 com base
na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(PNAD) e divulgado no primeiro semestre de 2000,
mostra que por volta de 20 milhões de brasileiros (cerca de 12% da população), do total existente de 160
milhões de habitantes, nunca consultaram um cirurgião-dentista. Na zona rural, a situação apresentava-se
mais grave, com uma taxa de 32%. Apenas 6% da população brasileira relatou freqüentar periodicamente
o dentista, sendo que destes, 30% só em situações de
muita dor. Dados do SB-Brasil apontam que 13% dos
adolescentes, 3% dos adultos e 6% da população idosa nunca visitaram um cirurgião-dentista16.
Cerca de 70% do tempo e do dinheiro gastos com
saúde bucal no Brasil pertencem ao setor privado23, o
que demonstra a precariedade de recursos destinados
à Odontologia e a deficiência do sistema público em
promover saúde bucal à população34.
Em palestra realizada durante o Seminário Apren36
der SUS, em julho de 2004, representando o Conselho
Nacional de Saúde, Solange Belchior concluiu que a
universidade tem que incorporar o SUS, para que se
deixe de formar profissionais voltados ao atendimento de apenas 30% da população que usam normalmente a saúde privada32.
PROPOSTAS DE MUDANÇAS
Uma prática educativa humanizada na área da
Saúde coloca o homem como centro do processo de
construção da cidadania, comprometida e integrada
à realidade social e epidemiológica, às políticas sociais
e de saúde, oportunizando a formação profissional
contextualizada e transformadora. A universidade,
portanto, como espaço para formação profissional,
coloca-se como o contexto onde práticas educativas
agregam conhecimento, tecnologias, informação e
comunicação como recursos estratégicos para a aprendizagem20.
A humanização de práticas pedagógicas pressupõe
a criação de processos educativos socialmente relevantes, além da crítica ao modelo de formação mecanicista e de tecnificação da prática profissional, voltado
exclusivamente para atender às demandas de mercado20. Há indícios de significativas alterações no mercado de trabalho para o cirurgião-dentista, tendo em
vista a implantação de serviços odontológicos em órgãos governamentais, empresas, associações e sindicatos, com diminuição de sua atuação como profissional
liberal8, o que é claro visto que a grande maioria da
população brasileira depende dos serviços públicos
para a obtenção de qualquer cuidado em Saúde.
Em função da expansão do processo de municipalização, verificou-se a partir do final da década de
1980, um sensível crescimento dos postos de trabalho
no setor público (60% entre 1987 e 1992) em comparação ao setor privado (18% no mesmo período), o
que fez com que, paulatinamente, o setor público que
antes era visto com ressalvas pela categoria odontológica do ponto de vista das perspectivas de emprego,
seja atualmente o maior empregador29.
O avanço na descentralização do SUS trouxe a
necessidade de formar milhares de profissionais para
dar conta dos múltiplos aspectos da gestão. A expansão das equipes de Saúde da Família deixou evidentes
as limitações do perfil atual de formação, como um
ponto de estrangulamento na implementação do
SUS10.
Neste sentido, com relação à necessidade de focalização do ensino nas faculdades para o atendimento
no serviço público, a diferença marcante existente
Revista da ABENO • 5(1):32-9
Vivência da realidade: o rumo da saúde para a Odontologia • Pelissari LD, Basting RT, Flório FM
entre o ensino odontológico e o de outras profissões
de saúde, refere-se ao papel que têm os serviços públicos de saúde nesses cursos. Nos de Odontologia, ao
contrário dos demais, os órgãos e serviços do SUS são
pouco utilizados como locais de ensino-aprendizagem, impedindo ao aluno a vivência da realidade dos
serviços públicos de saúde da sua região, a interação
com profissionais de outras áreas, além de o mesmo
não entrar em contato com a precariedade dos serviços e com as coisas boas que muitos serviços públicos
fazem22.
Como resultado desta intersecção entre a falta de
vivência e as crescentes oportunidades do mercado de
trabalho em serviço público, o aluno de Odontologia
fica vulnerável, pois após a sua formação universitária,
a realidade se mostra e, em geral, ele está despreparado para lidar com o que encontra por não dispor
dos instrumentos teóricos e vivências que a prática no
âmbito do SUS haveria lhe proporcionado22.
A conseqüente necessidade de redefinição do perfil do profissional a ser formado não têm sido adequadamente considerada pelas faculdades para o delineamento do currículo de seus cursos de graduação.
Assim, o cirurgião-dentista tem sido formado quase
que exclusivamente para o exercício profissional liberal e, muitas vezes, sem uma visão global para a atuação
como profissional na área da Saúde24, componente de
uma equipe multiprofissional de Saúde.
O Conselho Nacional de Educação (CNE) instituiu as “diretrizes curriculares nacionais do curso de
graduação em Odontologia” que definiu o seguinte
perfil de egresso para o cirurgião-dentista dos cursos
brasileiros: “profissional com formação generalista,
humanista, crítica e reflexiva, para atuar em todos os
níveis de atenção à saúde, com base no rigor técnico
e científico. Capacitado do exercício de atividades
referentes à saúde bucal da população, pautado em
princípios éticos, legais e na compreensão da realidade social, cultural e na economia do seu meio, dirigindo sua atuação na transformação da realidade em
benefício da sociedade”5. Neste mesmo documento a
CNE afirma (art. 4º) que a formação do cirurgiãodentista tem por objetivo “dotar o profissional dos
conhecimentos requeridos para o exercício da atenção à saúde (tanto em nível individual quanto coletivo), tomada de decisões, comunicação, liderança,
administração e gerenciamento e educação permanente”23.
A necessidade de se equiparar o texto do perfil
esperado ao efetivo perfil do egresso da universidade
é notória. Narvai22 (2004) conclui que “ou os cursos
rompem as barreiras academicistas e se abrem, tomando o sistema de saúde como sala de aula, ou a formação continuará preparando mal os futuros profissionais, pois se continuará reduzindo o rico e complexo
processo de formação de cidadãos à mera capacitação
técnica de pessoas...”. São poucas as iniciativas onde
é evidente o esforço para fazer valer os princípios e
valores apontados nas novas diretrizes curriculares,
através da renovação e da invenção.
Como estímulo à mudança na graduação para que
a implantação e o cumprimento das diretrizes constitucionais do Sistema Único de Saúde e as diretrizes
curriculares nacionais caminhem juntas, MEC e Ministério da Saúde propuseram uma política conjunta
de estímulo à graduação. O Aprender SUS é um movimento que pretende aproximar o sistema de saúde
e as instituições de ensino superior (IES) do país, além
de promover a qualidade da atenção à saúde para
orientar as 14 graduações do setor, com o objetivo de
estimular os compromissos da graduação com o sistema de saúde, conforme a política de educação permanente. O Ministério da Saúde tem por objetivo engendrar relações de compromisso e responsabilidade
entre o MEC, as IES e o SUS, que incluem: implementação das diretrizes curriculares nacionais; participação ativa das IES em projetos locorregionais de educação permanente em saúde; estabelecimento de
projetos de cooperação técnica com o SUS para o
desenvolvimento de capacidades de competências locais; produção de conhecimento relevante para a consolidação e o avanço do SUS; construção do ensino
de saúde de maneira articulada e negociada com o
SUS6.
Neste turbilhão de críticas à formação profissional
na área da saúde, os graduandos também estão sensibilizados pela inadequação de sua formação. O projeto VER-SUS, cuja sigla quer dizer Vivência e Estágio
na Realidade do Sistema Único de Saúde, elaborado
e implementando pelo Movimento Estudantil da Área
da Saúde em parceria com o Ministério da Saúde
(MS), é um estágio de vivência que se assemelha aos
projetos de extensão universitária, por ser uma proposta onde o estudante sai dos muros da academia e
vai conhecer/vivenciar alguma situação/organização
da comunidade/sociedade. Na saúde, a área da Medicina foi a primeira a levar estudantes para vivenciar
a saúde da população através do conhecimento da
organização do Sistema Único de Saúde (SUS), ora
dando ênfase à gestão desse sistema, ora acompanhando e conhecendo como a assistência tem se dado em
diversas regiões brasileiras. O objetivo do movimento
Revista da ABENO • 5(1):32-9
37
Vivência da realidade: o rumo da saúde para a Odontologia • Pelissari LD, Basting RT, Flório FM
estudantil com esses projetos é permitir que o estudante reflita, a princípio, sobre situações e temas importantes, pertinentes à sua formação profissional,
através do conhecimento prático. Mas, muito além
disso, o movimento acredita que inserindo o estudante na realidade, de forma que ele olhe de “dentro para
fora”, seja mais fácil perceber as muitas contradições
e as complexas relações de nossa sociedade, facilitando a formulação e o entendimento do seu papel enquanto estudante e futuro profissional, mostrando
assim o grande potencial que ele tem para agir nas
condições vivenciadas14.
analyze what they want, why they want it and who shall
benefit from dental education, which must be democratic, not produce differences, and form creative,
critical and diligent citizens to work for society, and
not for the market.
DESCRIPTORS
Health manpower, trends. Community dentistry. 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Albuquerque CMS, Oliveira CPF. Saúde e doença: significações
e perspectivas em mudança. Millenium - Revista do ISPV 2002;
25(1) [citado 2004 Maio 12]. Disponível em: URL: http://www.
CONCLUSÃO
A necessidade de adequação das profissões de Saúde à realidade econômico-social e cultural do povo
brasileiro é notória. O compromisso em realizar uma
auto-análise do ensino ministrado a cada um de seus
alunos é uma responsabilidade das Instituições de Ensino Odontológico, que devem refletir o quê, por quê
e em favor de quem querem a educação, visando a
competência em formar cidadãos trabalhadores para
a sociedade, e não para o mercado. Assim, bem mais
do que competência nos domínios de aspectos biológicos envolvidos na prática profissional, deve-se preparar o cirurgião-dentista para que desenvolva competência também quanto às dimensões ética e social
do seu trabalho.
ipv.pt/millenium/Millenium25/25_27.htm.
2. Araújo IC. Mercado de trabalho odontológico [citado 2004
Maio 12]. Disponível em: URL: http://www.odonto.com.br/coluna.asp?cod= 27.
3. Baldani MH, Vasconcelos AGG, Antunes JLF. Associação do
índice CPO-D com indicadores sócio-econômicos e de provisão
de serviços odontológicos no Estado do Paraná, Brasil. Cad
Saúde Pública 2004;20(1):143-52.
4. Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília:
Centro Gráfico do Senado Federal; 1988.
5. Brasil. Ministério da Educação e do Desporto. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução
CNE-CES 3, de 19/02/2002 [citado 2004 Set 29]. Disponível
em: URL: http://www.mec.gov.br/cne/.
6. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de gestão do trabalho e
da educação na Saúde. Departamento de gestão da educação
ABSTRACT
Reality experience: the development of oral health
The knowledge which has been acquired and accumulated since the beginning of dentistry has made
possible an important change related to the ways of
dealing with diseases that attack the oral tissues. The
aim of this work is to trace a panorama and delineate
the trends of the dental work market, as well as to point
out ways for the adequacy of professional formation
to the current market situation. The dental labor force
existing in the country is the result of a developing
process of the profession, which is in constant transformation, always leading to the formation of more
qualified professionals. A humanized educative practice in health places man as the center of the citizenship construction process, committed to and integrated with the social and epidemiological reality, and the
social and health policies, allowing for a transforming
and directed professional formation. The commitment to carry through a self-analysis of the education
given to each student is the responsibility of every
higher education institution. These institutions must
38
na Saúde. Nota técnica sobre a iniciativa do Ministério da Saúde para estimular a mudança na graduação das profissões da
saúde, conforme a política de educação para o SUS; 2004 [citado 2004 Out 6]. Disponível em: URL: http://www.ccs.ufpb.br/
nesc/APRENDERSUS.doc.
7. Carneiro SMM. Saúde e educação - um direito do cidadão. A
página da Educação; 1998 [citado 2004 Maio 23]. Disponível
em: URL: http://www.apagina.pt/arquivo/Artigo.asp?ID= 256.
8. Carvalho DR, Carvalho ACP, Sampaio H. Motivações e expectativas para o curso e para o exercício da Odontologia. Rev
Assoc Paul Cir Dent 1997;51(4):345-9.
9. Chaves MM. Odontologia Social. 2ª ed. Rio de Janeiro: Labor;
1977.
10. Conferência Nacional de Saúde Bucal. Relatório final da 3ª
Conferência Nacional de Saúde Bucal. Brasília: Ministério da
Saúde; 2004.
11. Conferência Nacional de Saúde. Relatório final da 8ª Conferência Nacional de Saúde. In: Conferência Nacional de Saúde,
8ª. Anais. Brasília: Centro de Documentação do Ministério da
Saúde; 1987.
12. Conselho Federal de Odontologia. Dados sobre profissionais
de Odontologia inscritos no CFO [citado 2002 Dez 26 e 2004
Revista da ABENO • 5(1):32-9
Vivência da realidade: o rumo da saúde para a Odontologia • Pelissari LD, Basting RT, Flório FM
Set 27]. Disponível em: URL: http://www.cfo.org.br.
24. Perri de Carvalho AC. Formação do cirurgião-dentista. Ensino
13. Costa B, Stegun RC, Todescan R. Do ensino à prática odonto-
e profissionalização. Série documentos de trabalho, 04/96. São
lógica: um levantamento da realidade na Grande São Paulo.
Paulo: Núcleo de Pesquisas sobre Ensino Superior/USP;
Rev Assoc Paul Cir Dent 1992;46(6):909-13.
1996.
14. Duarte CC, Leal MB. VER-SUS, 2004 [citado 2004 Out 6]. Disponível em: URL: http://www.enf.ufmg.br/damar/Arquivos/VER-
25. Pinto VG. Saúde Bucal Coletiva. 4a ed. São Paulo: Santos;
2000.
26. Queluz DP. Recursos humanos na área odontológica - colabo-
SUS%20texto.doc.
15. Gushi LL, Wada RS, Sousa MLR. Perfil profissional dos CDs
rando com a saúde bucal da população. In: Pereira AC. Odon-
formados pela FOP no período de 1960-1997. Rev Assoc Paul
tologia em Saúde Coletiva: planejando ações e promovendo
Cir Dent 2004;58(1):19-23.
saúde. Porto Alegre: Artmed; 2003. p. 140-59.
16. Leite F. Odontologia. País atinge apenas um dos cinco objetivos
27. Raldi DP, Malheiros CF, Fróis IM, Lage-Marques JL. O papel
acertados com a OMS; pesquisa avaliou quase 109 mil pessoas.
do professor no contexto educacional sob o ponto de vista dos
Brasil descumpre metas de Saúde Bucal. Folha de São Paulo.
Cotidiano. São Paulo; 27 jul 2004.
alunos. Rev ABENO 2003;3(1):15-23.
28. Rams TE, Slots J. Systemic manifestions of oral infections. In:
17. Marsiglia RMG. Perspectivas para o ensino das Ciências Sociais
na graduação odontológica. In: Botazzo C, Freitas SFT. Ciências
Sociais e Saúde Bucal - questões e perspectivas. São Paulo:
Contemporary Oral Microbiology and Immunology. Slots J,
Taubman MA. Sant Louis: Mosby; 1992. p. 500-10.
29. Roncalli AG. A organização da demanda em serviços públicos
de saúde bucal: universalidade, eqüidade e integralidade em
UNESP; 1998.
18. Mendes EV, Marcos B. Odontologia integral: bases teóricas e
suas implicações no ensino e na pesquisa odontológica (1984)
apud Marsiglia RMG. Perspectivas para o ensino das Ciências
Sociais na graduação odontológica. In: Botazzo C, Freitas SFT.
Ciências Sociais e Saúde Bucal - questões e perspectivas. São
Paulo: UNESP; 1998.
Saúde Bucal Coletiva [Tese de Doutorado]. Araçatuba: Faculdade de Odontologia de Araçatuba da UNESP; 2000.
30. Rovin S, Magraw RM. Dental education and public policy: a
research agenda. J Dent Educ 1979;43(2):96-100.
31. Santangelo M. Workshop synopsis: verification of new knowledge – when is the time to incorporate it into a curriculum? J
19. Moyninhan PJ. The scientific basis for diet, nutrition and the
prevention of dental diseases. In: World Health Organization/
Dent Educ 1986;50(2):131-2.
32. Seminário Aprender SUS. Atores discutem mudança na gra-
Food and Agriculture Organization of the United Nations. Con-
duação com foco na integralidade [citado 2004 Out 6]. Dispo-
sultation diet, nutrition and the prevention of dental diseases.
nível em: URL: <http://www.lappis.org.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.
Geneve; 2002.
htm?tpl=home>.
20. Moysés ST, Moysés SJ, Kriger L, Schmitt EJ. Humanizando a
educação em Odontologia. Rev ABENO 2003;3(1):58-64.
21. Nadanovsky P, Sheiham A. Relative contribution of dental services to the changes in caries levels of 12-year-old children in
18 industrialized countries in the 1970s and early 1980s. Community Dent Oral Epidemiol 1995;23:331-9.
33. Simonetti EL. A crise no atendimento odontológico. Rev Paul
Odontol 1980;3(2):34-9.
34. Suliano AA. Programa Saúde da Família: uma proposta benéfica
à saúde bucal brasileira. Rev Medicina Social 2001;15(172):8.
35. Weyne SC. A construção do paradigma de promoção de saúde – um desafio para as novas gerações. In: Kriger L, coorde-
22. Narvai PC. A formação em Odontologia, no Brasil, não está
adequada às necessidades da população. Órgão oficial de informação da Federação Interestadual dos Odontologistas;
abril/maio 2004.
nador. ABOPREV. Promoção de Saúde Bucal. 3ª ed. São Paulo:
Artes Médicas; 2003. p. 1-23.
36. Zanetti CHG. A crise da Odontologia brasileira: as mudanças
estruturais do mercado de serviços e o esgotamento do modo
23. Narvai PC. Recursos humanos para a promoção da Saúde Bucal:
de regulação. Curativo de Massa 1999 [citado 2003 Fev]. Dis-
um olhar no início do século XXI. In: Kriger L, coordenador.
ponível em: URL: http://planeta.terra.com.br/saude/angelonline/
ABOPREV. Promoção de Saúde Bucal. 3ª ed. São Paulo: Artes
artigos/art_saucol/mercado.pdf.
Médicas; 2003. p. 448-63.
Aceito para publicação em 12/2004
Revista da ABENO • 5(1):32-9
39
Propostas de mudança nos cursos
presenciais com a educação “on-line”
É importante introduzir na educação presencial muitas
das soluções e tecnologias utilizadas na educação
a distância e na educação “on-line”.
José Manuel Moran*
* Professor Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade
de São Paulo. E-mail: [email protected].
RESUMO
Uma das tarefas mais importantes das universidades e escolas é tornar mais flexível o currículo de cada
curso, com atividades presenciais e a distância integradas e inovadoras. O sistema bimodal – parte presencial
e parte a distância – se mostra o mais promissor para
o ensino nos diversos níveis, principalmente no superior. As universidades poderiam flexibilizar seus currículos até chegar a uma carga horária média de cinqüenta por cento presencial e cinqüenta por cento a
distância. Algumas áreas de conhecimento e disciplinas teriam menos atividades a distância e outras poderiam ter mais. A implantação pode ser progressiva,
para fazer uma transição suave do totalmente presencial para o semipresencial. Do ponto de vista didático,
podemos organizar atividades inovadoras na sala de
aula, no laboratório com acesso à Internet, integradas
com atividades a distância e as de inserção profissional
ou experimental. Em alguns momentos o professor
pode levar seus alunos ao laboratório conectado à
Internet para desenvolver atividades de pesquisa e de
domínio das tecnologias. Estas atividades se ampliam
a distância, nos ambientes virtuais de aprendizagem
conectados à Internet, o que permite diminuir o número de aulas e continuar aprendendo juntos a distância. Os cursos precisam prever espaços e tempos
de contato com a realidade, de experimentação e de
inserção em ambientes profissionais e informais em
todas as matérias e ao longo de todos os anos.
DESCRITORES
Tecnologia educacional. Aprendizagem. Educação a distância. Currículo, educação.
U
ma das reclamações generalizadas de escolas e
universidades é de que os alunos não agüentam
mais nossa forma de dar aula. Os alunos reclamam do
40
tédio de ficar ouvindo um professor falando na frente
por horas, da rigidez dos horários, da distância entre
o conteúdo das aulas e a vida.
Passando pelos corredores das salas de aula, o que
se vê é quase sempre uma pessoa falando e uma classe
cheia de alunos semi-atentos (na melhor das hipóteses). A infra-estrutura é deprimente. Salas barulhentas, a voz do professor mal chega aos que estão mais
distantes. Conseguir um “datashow” na maioria delas
é uma tarefa inglória. Muitas vezes existe um único
equipamento para um prédio inteiro.
A educação está tão defasada em todos os níveis,
que não bastam medidas paliativas. Obrigar alunos a
ficar confinados horas seguidas de aula numa mesma
sala, quando temos outras possibilidades, torna-se
cada dia mais contraproducente. Para alunos que têm
acesso à Internet, à multimídia, as universidades e
escolas têm que repensar esse modelo engessado de
currículo, de aulas em série, de considerar a sala de
aula como único espaço em que pode ocorrer a aprendizagem.
A Internet, as redes, o celular, a multimídia estão
revolucionando nossa vida no cotidiano. Cada vez resolvemos mais problemas conectados, a distância. Na
educação, porém, sempre colocamos dificuldades
para a mudança, sempre achamos justificativas para a
inércia ou vamos mudando mais os equipamentos do
que os procedimentos. A educação de milhões de pessoas não pode ser mantida na prisão, na asfixia e na
monotonia em que se encontra. Está muito engessada,
previsível, cansativa.
As tecnologias são só apoio, meios. Mas elas nos
permitem realizar atividades de aprendizagem de formas diferentes às de antes. Podemos aprender estando
juntos em lugares distantes, sem precisarmos estar
sempre juntos numa sala para que isso aconteça. Podemos planejar mudanças graduais, flexibilizando o
currículo, diminuindo o número de aulas presenciais,
Revista da ABENO • 5(1):40-5
Propostas de mudança nos cursos presenciais com a educação “on-line” • Moran JM
combinando-as com atividades em laboratórios conectados à Internet e com atividades a distância.
A resposta dada até agora ainda é muito tímida,
deixada a critério de cada professor, sem uma política
institucional mais ousada, corajosa, incentivadora de
mudanças. Está mais do que na hora de evoluir, modificar nossas propostas, aprender fazendo.
Nos colégios e na maioria das universidades, as
atividades a distância não implicam até agora nenhuma diminuição das aulas presenciais. Duplica-se, na
prática, o tempo de atendimento, as atividades de professores e alunos com o mesmo salário. O sistema bimodal – parte presencial e parte a distância – se mostra o mais promissor para o ensino nos diversos níveis,
a partir da quinta série. E essa proporção entre presença e distância pode ser aumentada gradualmente
na medida em que os alunos são mais adultos. No
ensino superior o governo permite vinte por cento a
distância. Isso é uma primeira etapa de experimentação que nos levará a novas etapas de maiores porcentagens de espaços e tempos virtuais de aprendizagem.
As crianças precisam ficar muito mais tempo juntas
do que conectadas. Mas à medida que vão crescendo,
o nível de interação a distância deve aumentar progressivamente*.
A GESTÃO DE DIFERENTES ESPAÇOS NOS
CURSOS PRESENCIAIS
O professor, em qualquer curso presencial, precisa hoje aprender a gerenciar vários espaços e a integrálos de forma aberta, equilibrada e inovadora. O primeiro espaço é o de uma nova sala de aula equipada
e com atividades diferentes, que se integra com a ida
ao laboratório para desenvolver atividades de pesquisa e de domínio técnico-pedagógico. Estas atividades
se ampliam e complementam a distância, nos ambientes virtuais de aprendizagem e se complementam com
espaços e tempos de experimentação, de conhecimento da realidade, de inserção em ambientes profissionais e informais.
Antes o professor só se preocupava com o aluno
em sala de aula. Agora, continua com o aluno no laboratório (organizando a pesquisa), na Internet (atividades a distância) e no acompanhamento das práticas, dos projetos, das experiências que ligam o aluno
à realidade, à sua profissão (ponto entre a teoria e a
prática).
Antes o professor se restringia ao espaço da sala
de aula. Agora precisa aprender a gerenciar também
atividades a distância, visitas técnicas, orientação de
projetos e tudo isso fazendo parte da carga horária da
sua disciplina, estando visível na grade curricular, fle-
xibilizando o tempo de estada em aula e incrementando outros espaços e tempos de aprendizagem.
Educar com qualidade implica ter acesso e competência para organizar e gerenciar as atividades didáticas em, pelo menos, quatro espaços:
1. Uma nova sala de aula
A sala de aula será, cada vez mais, um ponto de
partida e de chegada, um espaço importante, mas que
se combina com outros espaços para ampliar as possibilidades de atividades de aprendizagem.
O que deve ter uma sala de aula para uma educação de qualidade?
Precisa fundamentalmente de professores bem
preparados, motivados, e bem remunerados e com
formação pedagógica atualizada. Isso é incontestável.
Precisa também de salas confortáveis, com boa
acústica e tecnologias, das simples até as sofisticadas.
Uma sala de aula hoje precisa ter acesso fácil ao vídeo,
DVD e, no mínimo, um ponto de Internet, para acesso a sites em tempo real pelo professor ou pelos alunos,
quando necessário.
Um computador em sala com projetor multimídia
são recursos necessários, embora ainda caros, para
oferecer condições dignas de pesquisa e apresentação
de trabalhos a professores e alunos. São poucos os
cursos até agora bem equipados, mas, se queremos
educação de qualidade, uma boa infra-estrutura torna-se cada vez mais necessária.
Um projetor multimídia com acesso à Internet
permite que professores e alunos mostrem simulações
virtuais, vídeos, jogos, materiais em CD, DVD, páginas
“web” ao vivo. Serve como apoio ao professor, mas
também para a visualização de trabalhos dos alunos,
de pesquisas, de atividades realizadas no ambiente
virtual de aprendizagem (um fórum previamente
realizado, por exemplo). Podem ser mostrados jornais
“on-line”, com notícias relacionadas com o assunto
que está sendo tratado em classe. Os alunos podem
contribuir com suas próprias pesquisas “on-line”. Há
um campo de possibilidades didáticas até agora pouco
desenvolvidas, mesmo nas salas que detêm esses equipamentos.
Essa infra-estrutura deve estar a serviço de mudanças na postura do professor, passando de ser uma
“babá”, de dar tudo pronto, mastigado, para ajudá-lo,
de um lado, na organização do caos informativo, na
gestão das contradições dos valores e visões de mundo,
enquanto, do outro lado, o professor provoca o aluno,
o “desorganiza”, o desinstala, o estimula a mudanças,
a não permanecer acomodado na primeira síntese.
*O artigo toma como base as experiências na implantação dos vinte por cento a distância nas Faculdades Sumaré - SP e as que acontecem
na Universidade Anhembi-Morumbi e em outras instituições brasileiras.
Revista da ABENO • 5(1):40-5
41
Propostas de mudança nos cursos presenciais com a educação “on-line” • Moran JM
2. O espaço do laboratório conectado
Um dia todas as salas de aula estarão conectadas
às redes de comunicação instantânea. Como isso ainda está distante, é importante que cada professor programe em uma de suas primeiras aulas uma visita com
os alunos ao “laboratório de informática”, a uma sala
de aula com micros suficientes conectados à Internet.
Nessa aula (uma ou duas) o professor pode orientá-los
a fazer pesquisa na Internet, a encontrar os materiais
mais significativos para a área de conhecimento que
ele vai trabalhar com os alunos, a que aprendam a
distinguir informações relevantes de informações sem
referência. Ensinar a pesquisar na “web” ajuda muito
aos alunos na realização de atividades virtuais; depois,
a sentir-se seguros na pesquisa individual e grupal.
Uma outra atividade importante nesse momento
é a capacitação para o uso das tecnologias necessárias
para acompanhar o curso em seus momentos virtuais:
conhecer a plataforma virtual, as ferramentas, como
se coloca material, como se enviam atividades, como
se participa num fórum, num “chat”, tirar dúvidas
técnicas. Esse contato com o laboratório é fundamental porque há alunos pouco familiarizados com essas
novas tecnologias e para que todos tenham uma informação comum sobre as ferramentas, sobre como
pesquisar e sobre os materiais virtuais do curso.
Tudo isto pressupõe que os professores foram capacitados antes para fazer esse trabalho didático com
os alunos no laboratório e nos ambientes virtuais de
aprendizagem (o que muitas vezes não acontece).
Quando temos um curso parcialmente presencial
podemos organizar os encontros ao vivo como pontuadores de momentos marcantes. Primeiro, nos encontramos fisicamente para facilitar o conhecimento
mútuo de professores e alunos. Ao vivo é muito mais
fácil que a distância e confiamos mais rapidamente ao
estar ao lado da pessoa como um todo, ao vê-la, ouvila, senti-la. Depois, é mais fácil explicar e organizar o
processo de aprendizagem, esclarecer, tirar dúvidas,
organizar grupos, discutir propostas. É muito mais
fácil também aprender a utilizar os ambientes tecnológicos da educação “on-line”. Podemos ir a um laboratório e nivelar os alunos, os que sabem se sentam
junto com os que sabem menos e todos aprendem
juntos. No presencial também é mais fácil motivar os
alunos, atender às demandas específicas, fazer os ajustes necessários no programa.
O foco do curso deve ser o desenvolvimento de
pesquisa, fazer do aluno um parceiro-pesquisador.
Pesquisar de todas as formas, utilizando todas as mídias, todas as fontes, todas as formas de interação.
Pesquisar às vezes todos juntos, outras em pequenos
grupos, outras individualmente. Pesquisar às vezes na
escola; outras, em outros espaços e tempos. Combinar
pesquisa presencial e virtual. Comunicar os resultados
da pesquisa para todos e para o professor. Relacionar
os resultados, compará-los, contextualizá-los, aprofundá-los, sintetizá-los.
Mais tarde, depois de uma primeira etapa de
aprendizagem “on-line”, a volta ao presencial adquire
uma outra dimensão. É um reencontro tanto intelectual como afetivo. Já nos conhecemos, mas fortalecemos esses vínculos; trocamos experiências, vivências,
pesquisas. Aprendemos juntos, tiramos dúvidas coletivas, avaliamos o processo virtual. Fazemos novos
ajustes. Explicamos o que acontecerá na próxima etapa e motivamos os alunos para que continuem pesquisando, se encontrando virtualmente, contribuindo.
Os próximos encontros presenciais já trazem
maiores contribuições dos alunos, dos resultados de
pesquisas, de projetos, de solução de problemas, entre
outras formas de avaliação.
3. A utilização de ambientes virtuais
de aprendizagem
Os alunos já se conhecem, já tem as informações
básicas de como pesquisar e de como utilizar os ambientes virtuais de aprendizagem. Agora já podem
iniciar a parte a distância do curso, combinando momentos em sala de aula com atividades de pesquisa,
comunicação e produção a distância, individuais, em
pequenos grupos e todos juntos**.
O professor precisa hoje adquirir a competência
da gestão dos tempos a distância combinados com o
presencial. O que vale a pena fazer pela Internet que
ajuda a melhorar a aprendizagem, que mantém a motivação, que traz novas experiências para a classe, que
enriquece o repertório do grupo.
Os ambientes virtuais aqui complementam o que
fazemos em sala de aula. O professor e os alunos são
“liberados” de algumas aulas presenciais e precisam
aprender a gerenciar classes virtuais, a organizar atividades que se encaixem em cada momento do processo e que dialoguem e complementem o que estamos fazendo na sala de aula e no laboratório.
Começamos algumas atividades na sala de aula: informações básicas de um tema, organização de grupos,
explicitar os objetivos da pesquisa, tirar as dúvidas
iniciais. Depois vamos para a Internet e orientamos e
acompanhamos as pesquisas que os alunos realizam
individualmente ou em pequenos grupos. Pedimos
que os alunos coloquem os resultados em uma página,
um portfólio ou que nos enviem virtualmente, dependendo da orientação dada. Colocamos um tema rele-
**É interessante o trabalho de Chrysos2 (2004).
42
Revista da ABENO • 5(1):40-5
Propostas de mudança nos cursos presenciais com a educação “on-line” • Moran JM
vante para discussão no fórum ou numa lista e procuramos acompanhá-la sem sermos centralizadores nem
omissos. Os alunos se posicionam primeiro e, depois,
fazemos alguns comentários mais gerais, incentivamos, reorientamos algum tema que pareça prioritário,
fazemos sínteses provisórias do andamento das discussões ou pedimos que alguns alunos o façam.
Podemos convidar um colega, um pesquisador ou
um especialista para um debate com os alunos num
“chat”, realizando uma entrevista a distância, atuando
como mediadores. Os alunos gostam de participar
deste tipo de atividade.
Nós mesmos, professores, podemos marcar alguns
tempos de atendimento semanais, se o acharmos conveniente, para tirar dúvidas “on-line”, para atender
grupos, acompanhar o que está sendo feito pelos alunos. Sempre que possível incentivaremos os alunos a
que criem seu portfólio, seu espaço virtual de aprendizagem próprio e que disponibilizem o acesso aos
colegas, como forma de aprender colaborativamente.
Dependendo do número de horas virtuais, a integração com o presencial é mais fácil. Um tópico discutido no fórum pode ser aprofundado na volta à sala
de aula, tornando mais claros os pontos de divergência que havia no virtual.
Creio que há três campos importantes para as atividades virtuais: o da pesquisa, o da comunicação e o
da produção. Pesquisa individual de temas, experiências, projetos, textos. Comunicação, realizando debates “off” e “on-line” sobre esses temas e experiências
pesquisados. Produção, divulgando os resultados no
formato multimídia, hipertextual, “linkada” e publicando os resultados para os colegas e, eventualmente,
para a comunidade externa ao curso9.
A Internet favorece a construção colaborativa, o
trabalho conjunto entre professores e alunos, próximos física ou virtualmente. Podemos participar de
uma pesquisa em tempo real, de um projeto entre
vários grupos, de uma investigação sobre um problema de atualidade. O importante é combinar o que
podemos fazer melhor em sala de aula – conhecer-nos,
motivar-nos, reencontrar-nos, com o que podemos
fazer a distância pela lista, fórum ou “chat” – pesquisar, comunicar-nos e divulgar as produções dos professores e dos alunos.
É fundamental hoje pensar o currículo de cada
curso como um todo, e planejar o tempo de presença
física em sala de aula e o tempo de aprendizagem
virtual. A maior parte das disciplinas pode utilizar parcialmente atividades a distância. Algumas que exigem
menos laboratório ou estar juntos fisicamente podem
ter uma carga maior de atividades e tempo virtuais. A
flexibilização de gestão de tempo, espaços e atividades
é necessária, principalmente no ensino superior ainda
tão engessado, burocratizado e confinado à monotonia da fala do professor num único espaço que é o da
sala de aula.
4. Inserção em ambientes experimentais
e profissionais (prática/teoria/prática)
Os cursos de formação, os de longa duração, como
os de graduação, precisam ampliar o conceito de integração de reflexão e ação, teoria e prática, sem confinar essa integração somente ao estágio, no fim do
curso. Todo o currículo pode ser pensando em inserir
os alunos em ambientes próximos da realidade que
ele estuda, para que possam sentir na prática o que
aprendem na teoria e trazer experiências, casos, projetos do cotidiano para a sala de aula. Em algumas
áreas, como Administração, Engenharia, parece mais
fácil e evidente essa relação, mas é importante que
aconteça em todos os cursos e em todas as etapas do
processo de aprendizagem, levando em consideração
as peculiaridades de cada um.
Se os alunos fazem pontes entre o que aprendem
intelectualmente e as situações reais, experimentais,
profissionais ligadas aos seus estudos, a aprendizagem
será mais significativa, viva, enriquecedora. As universidades e os professores precisam organizar nos seus
currículos e cursos atividades integradoras da prática
com a teoria, do compreender com o vivenciar, o fazer
e o refletir, de forma sistemática, presencial e virtualmente, em todas as áreas e ao longo de todo o curso.
O currículo pode ser flexibilizado, segundo a Portaria 2.253 do MEC, em 20% da carga total. Algumas
disciplinas podem ser oferecidas total ou parcialmente a distância. O vinte por cento é uma etapa inicial
de criação de cultura “on-line”. Mais tarde, cada universidade irá definir qual é o ponto de equilíbrio entre
o presencial e o virtual em cada área do conhecimento. Não podemos definir a priori uma porcentagem
aplicável de forma generalizada a todas as situações.
Algumas disciplinas necessitam de maior presença
física, como as que utilizam laboratório, as que precisam de interação corporal (dança, teatro...). O importante é experimentar diversas soluções para diversos
cursos. Todos estamos aprendendo. Nenhuma instituição está muito na frente na educação inovadora
“on-line”.
Podemos começar com algumas disciplinas,
apoiando os professores mais familiarizados com as
tecnologias e que se dispõem a experimentar e ir
criando a cultura do virtual, o conhecimento dentro
de cada instituição para avançar para propostas curriculares mais complexas, integradas e flexíveis, até encontrar em cada área de conhecimento e em cada
instituição qual é o ponto de equilíbrio entre o presencial e o virtual.
Revista da ABENO • 5(1):40-5
43
Propostas de mudança nos cursos presenciais com a educação “on-line” • Moran JM
Dentro de poucos anos esta discussão do presencial e a distância terá muito menos importância. Caminhamos para uma integração dos núcleos de educação a distância com os atuais núcleos ou coordenações pedagógicas dos cursos presenciais. A maioria dos cursos de graduação e de pós-graduação será
semipresencial e os cursos a distância terão muitas
formas de aproximação presencial-virtual (maior contato audiovisual entre os participantes).
REORGANIZAÇÃO DOS CURRÍCULOS
Com todas as cautelas e problemas que este tema
tem por trás, é importante que as universidades reorganizem seus currículos e projetos pedagógicos. As
universidades, que têm mais autonomia, poderiam
flexibilizar os currículos até chegar a uma carga horária, na média, de cinqüenta por cento presencial e
cinqüenta por cento a distância. Na média, significa
que algumas disciplinas teriam menos atividades a
distância e outras poderiam ter mais. A implantação
poderia ser progressiva, para fazer uma transição progressiva do totalmente presencial para o real semipresencial.
A idéia não é aligeirar os cursos, nem pagar menos
aos professores, mas realizar um planejamento de atividades muito mais racional, atraente, interessante e
motivador para professores e alunos e para as instituições. Estar em aula vale a pena, mas durante menos
tempo e com mais intensidade. Hoje aproveitamos
efetivamente, em média, menos da metade do tempo
nela, pela percepção que um curso é muito longo e
de que muitas das informações que acontecem na sala
de aula podem ser acessadas ou recuperadas em outro
momento.
Estar menos tempo em sala de aula permite que
haja uma maior rotatividade de alunos nos mesmos
espaços, necessitando construir menos prédios e otimizando melhor os já existentes. Com 25 por cento
de um curso feito de modo não presencial é possível
organizar horários de aula de três horas diárias por
turma, o que permite organizar duas turmas diferentes por período, duplicando o uso de cada sala. Isso,
visto numa escala de muitas turmas, poderia baratear
o custo final da mensalidade do aluno sem perder
qualidade.
NOVOS MODELOS DE CURSOS
Com a Internet podemos reorganizar o tempo de
sala de aula, o tempo de pesquisa juntos (laboratório)
e o tempo de atividades a distância.
Com a evolução da comunicação audiovisual em
tempo real, via tele-aula, videoconferência ou pela
Internet banda larga, podemos pensar em professores
atendendo a várias turmas/salas ao mesmo tempo,
interagindo com elas ao vivo e organizando atividades
44
a distância, com ajuda de assistentes. Alguns dos modelos atuais de educação a distância poderiam ser
introduzidos na educação presencial. O que proponho é introduzir no presencial muitas das soluções e
tecnologias utilizadas na educação a distância ou na
educação “on-line”.
Concordo que é um desafio, que há inúmeros problemas nestas propostas, que podem ser utilizadas
para banalizar o ensino. Sei que algumas instituições
verão nestas propostas só enxugamento de custos, assim como muitos professores só enxergarão a diminuição possível de aulas e de postos de trabalho. Mas
é também verdade que até agora só tentamos paliativos para resolver os problemas de falta de motivação
de alunos e professores no ensino presencial. As tecnologias não são a solução mágica, mas permitem
pensar em alternativas que otimizem o melhor do
presencial e o melhor do virtual.
Sei também que muitas instituições não estão
prontas para atender a alunos carentes e que precisam
ser encontradas soluções de facilitação do acesso dos
alunos ao computador e à Internet. Não podemos
permanecer imobilizados, no entanto, porque educação de qualidade hoje se faz com soluções inovadoras
pedagógicas, gerenciais e tecnológicas.
CONCLUSÃO
Com as tecnologias cada vez mais rápidas e integradas, o conceito de presença e distância se altera
profundamente e as formas de ensinar e aprender
também. Estamos caminhando para uma aproximação sem precedentes entre os cursos presenciais (cada
vez mais semipresenciais) e os a distância. Os presenciais terão disciplinas parcialmente a distância e outras
totalmente a distância. E os mesmos professores que
estão no presencial-virtual começam a atuar também
na educação a distância. Teremos inúmeras possibilidades de aprendizagem que combinarão o melhor do
presencial (quando possível) com as facilidades do
virtual.
Em poucos anos dificilmente teremos um curso
totalmente presencial. Por isso caminhamos para muitas fórmulas de organização de processos de ensinoaprendizagem. Vale a pena inovar, testar, experimentar, porque avançaremos mais rapidamente e com
segurança na busca destes novos modelos que estejam
de acordo com as mudanças rápidas que experimentamos em todos os campos e com a necessidade de
aprender continuamente.
Todas as universidades e organizações educacionais, em todos os níveis, precisam experimentar como
integrar o presencial e o virtual, garantindo a aprendizagem significativa. Precisamos vivenciar uma nova
pedagogia da comunicação e gestão do presencial e
do virtual. É importante que os núcleos de educação
Revista da ABENO • 5(1):40-5
Propostas de mudança nos cursos presenciais com a educação “on-line” • Moran JM
a distância das universidades saiam do seu isolamento
e se aproximem dos departamentos e grupos de professores interessados em flexibilizar suas aulas, que
facilitem o trânsito entre o presencial e o virtual.
ABSTRACT
Suggestions of changes in classroom programs with
on-line education
One of the most important tasks of schools and
universities is to make their curriculums more flexible,
with integrated and innovative activities for classroom
instruction and distance education. The bimodal system – classroom instruction and distance education –
is the most promising teaching system at different
education levels, particularly at higher education.
Universities should make their curriculums more flexible to have 50% of classroom instruction and 50%
of distance education. Some areas of knowledge and
disciplines could have fewer distance education activities than others. Implementation of this program
could be progressive, for a gradual transition from
classroom instruction to partial classroom instruction.
In a pedagogic view, innovative activities could be carried out in the classroom and in the laboratory with
on-line computers, and would be combined with distance activities and activities for professional and experimental insertion. Teachers could take their students to the laboratory, sometimes, to promote
activities of research and of mastering of technologies.
These activities have broader limits when the Internet
is used, which enables reduction of classroom time
and continuous distance education. The courses
should be organized to allow contact with reality, experimentation and insertion in professional and informal environments in all areas studied and throughout the years studied.
DESCRIPTORS
Education technology. Learning. Education, distance. Curriculum, education. 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Belloni ML. Educação a distância. Campinas: Autores Associados; 1999.
2. Chrysos A. La universidad semi-presencial: una experiencia de
colaboración internacional [citado 2004 Abr 05]. Disponível
em: URL: http://www.unrc.edu.ar/publicar/cde/Chrysos.htm.
3. Litwin E, organizador. Educação a distância; temas para o debate de uma nova agenda educativa. Porto Alegre: Artmed;
2000.
4. Lucena C, Fuks H. A educação na era da Internet. Rio de Janeiro: Clube do Futuro; 2000.
5. Moran JM, Masetto M, Behrens M. Novas tecnologias e mediação pedagógica. 7ª ed. São Paulo: Papirus; 2003.
6. Moran JM. Textos sobre Tecnologias e Comunicação. Disponível em: URL: http://www.eca.usp.br/prof/moran.
7. Palloff RM, Pratt K. Construindo comunidades de aprendizagem no ciberespaço – estratégias eficientes para salas de aula
on-line. Porto Alegre: Artmed Editora; 2002.
8. Peters O. Didática do ensino a distância. São Leopoldo: Unisinos; 2001.
9. Scagnoli N. El aula virtual: usos y elementos que la componen.
Urbana, Universidad de Illinois, USA; 2001 [citado 2004 Abr
23]. Disponível em: URL: http://www.edudistan.com/ponencias/
Norma%20Scagnoli.htm.
10. Silva M, organizador. Educação online: teorias, práticas, legislação, formação corporativa. São Paulo: Loyola; 2003.
11. Silva M. Sala de aula interativa. Rio de Janeiro: Quartet; 2000.
12. Vieira AT, organizador. Gestão educacional e tecnologia. São
Paulo: Avercamp; 2003.
Aceito para publicação em 12/2004
Revista da ABENO • 5(1):40-5
45
A pesquisa nos critérios de avaliação
da CAPES e a formação do professor
de Odontologia numa dimensão crítica†
A abordagem social das pesquisas e das produções científicas e a
abordagem tecnológica com enfoque para a melhoria do campo social
contribuem para uma formação crítica do professor de Odontologia.
Adriana de Castro Amédée Péret*, Maria de Lourdes Rocha de Lima**
* Doutoranda pela Faculdade de Educação da Universidade Federal
de Minas Gerais. E-mail: [email protected].
** Professora Titular da Faculdade de Educação da Universidade
Federal de Minas Gerais.
RESUMO
O presente estudo tem como objetivo analisar nos
critérios de avaliação da CAPES (Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) para
a área de Odontologia as diretrizes referentes à pesquisa e sua influência na formação do docente em
Odontologia, buscando identificar os limites e as possibilidades para o desenvolvimento de uma formação
docente crítica e voltada para o social. Formação essa
que contribua para a constituição do docente em
Odontologia capaz de formar cidadãos críticos, que
lutem por uma Odontologia Social. Para o desenvolvimento desta investigação utilizamos como recurso
metodológico o estudo de documentos mediante a
análise de conteúdo2. A análise realizada apontou para
a existência de barreiras para o desenvolvimento da
formação do professor de Odontologia comprometida com as questões sociais e, conseqüentemente na
perspectiva crítica. Isso pode ocorrer, visto que os critérios de avaliação da CAPES apresentam uma forte
tendência produtivista, devido à valorização do afastamento do Estado do financiamento das pesquisas e
da tendência da internacionalização. Por outro lado,
pode-se encontrar nos critérios de avaliação a possibilidade de transpor estes obstáculos mediante a incorporação da pesquisa educativa (pedagógica), por
meio da articulação ensino e pesquisa e, assim desen-
volver competências como a crítica e a reflexão que
podem contribuir para uma formação docente numa
dimensão crítica.
DESCRITORES
Pesquisa em Odontologia. Docentes de Odontologia. Educação em Odontologia.
A
introdução da pesquisa na formação docente
apresenta-se como elemento importante para
que o professor desenvolva competências e habilidades que o capacitem à geração de novos conhecimentos, de novas tecnologias e do desenvolvimento
do espírito crítico e reflexivo. Nesse sentido, a pesquisa deve ser trabalhada tanto no princípio científico
quanto no educativo12-14.
No tocante à incorporação da pesquisa na formação do professor de Odontologia, de uma maneira
geral, essa tem sido realizada por meio da perspectiva
científica. Os programas de pós-graduação stricto sensu, local onde se dá a formação do docente em Odontologia, estão voltados para a pesquisa tecnológica e
para a especialidade. Poucos são os programas que
incluem a pesquisa educativa (pedagógica) em seus
currículos17. Quando essa é incluída, muitas vezes, tem
ficado restrita à disciplina de Didática de Ensino Superior, como se a disciplina por si só preenchesse a
� Este estudo foi apresentado como painel científico do XII Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino - ENDIPE, 2004, realizado
em Curitiba, Paraná.
46
Revista da ABENO • 5(1):46-51
A pesquisa nos critérios de avaliação da CAPES e a formação do professor de Odontologia numa dimensão crítica • Péret ACA, Lima MLR
formação pedagógica do futuro docente.
A introdução da pesquisa educativa na formação
do professor de Odontologia é um aspecto importante a se buscar, pois permite o desenvolvimento da crítica e da reflexão, competências importantes quando
se deseja a formação de futuros odontólogos com enfoque crítico, reflexivo e humanístico, como é destacado no perfil do profissional de Odontologia preconizado nas Novas Diretrizes Curriculares Nacionais
para os Cursos de Graduação em Odontologia4 (Parecer CNE/CES nº 1.300, de 06/11/2001). Esse novo
perfil tem sido apontado como elemento necessário
para alcançar uma prática odontológica que leve à
melhoria da saúde bucal da população, visto que a
prática vigente tem sido ineficaz, sendo as doenças
bucais problemas que afligem grande parte das pessoas16.
Nesse sentido, torna-se importante, não só a incorporação da pesquisa educativa na formação do professor de Odontologia, mas também que a pesquisa
científica seja trabalhada para o benefício social, ou
seja, que o conhecimento que gera tecnologia gere
também qualidade de vida20.
Portanto, a incorporação da pesquisa educativa e
o desenvolvimento da pesquisa científica com enfoque social, são aspectos que podem colaborar para a
formação do professor de Odontologia numa dimensão crítica. Formação essa que contribui para a constituição do docente em Odontologia capaz de formar
cidadãos críticos, que lutem por uma Odontologia
Social. Tendo em mente que os professores como intelectuais, na concepção de Gramsci, podem ser agentes orgânicos “difusores de determinadas concepções
do mundo, que expressam interesses e projetos das
classes sociais fundamentais, promovem uma ‘reforma intelectual e moral’ na sociedade”21.
A partir dessa perspectiva, o estudo aqui apresentado buscou analisar nos critérios de avaliação da
CAPES para a área de Odontologia as diretrizes referentes à pesquisa e sua influência na formação do
docente em Odontologia. A análise dessa política educacional foi realizada visto que o currículo dos cursos
de pós-graduação, que formam os docentes em Odontologia, são muito influenciados pelos critérios de
avaliação determinados pela CAPES.
TRAJETÓRIA METODOLÓGICA
Para a realização deste estudo, foi desenvolvida
uma pesquisa baseada na análise dos documentos de
avaliação da CAPES que estão relacionados com a área
de Odontologia. Os documentos analisados fo-
ram5,6,8:
a) quesitos, indicadores e critérios para avaliação trienal da grande área de Ciências da Saúde – 19982000;
b) quesitos, indicadores e critérios para avaliação trienal da grande área de Ciências da Saúde – 20012003;
c) documento de área/Odontologia – 1998-2000;
d) critérios de avaliação/Odontologia – 1998-2000;
e) documento de área/Odontologia – 2001-2003;
f) critérios de avaliação/Odontologia – 2001-2003.
Para o desenvolvimento deste trabalho, foram formuladas questões e proposições orientadoras do estudo. Situamos a investigação nas questões referentes
ao desenvolvimento da pesquisa e da tecnologia e na
relação ensino e pesquisa, tendo por proposição que,
a abordagem social dada à pesquisa e à geração de
tecnologia, bem como a articulação ensino e pesquisa
podem contribuir para a formação crítica do docente
em Odontologia.
A pesquisa documental foi realizada utilizando a
análise de conteúdo2. Para o desenvolvimento dessa
análise, foram selecionadas categorias, para serem
identificadas nos documentos, discutidas e contextualizadas de acordo com as questões e objetivo desta
investigação. Dois tipos de categorias, classificadas
como categoria pedagógica e categoria política foram
utilizadas.
A categoria pedagógica, é apresentada neste trabalho, como o conjunto de proposições que podem
estar relacionadas com a visão de pesquisa como elemento importante para o desenvolvimento da crítica,
da reflexão e da interpretação dos processos sociais
de saúde bucal. Esses significados tornam-se importantes para que o professor de Odontologia possa
desenvolver habilidades e competências que reflitam
o papel dele como agente capaz de contribuir para o
desenvolvimento de uma Odontologia voltada para o
campo social.
A categoria política, por sua vez, é apresentada
neste estudo, como o conjunto de proposições relacionadas com a dimensão social das políticas educacionais, voltadas para a inserção social da saúde bucal.
Essa dimensão torna-se importante para que a formação do professor seja trabalhada considerando-se a
perspectiva social. Acreditamos que essa direção possibilitará o desenvolvimento de uma consciência crítica, capaz de levar o professor a praticar uma Odontologia para as maiorias sociais e construtora de uma
práxis política.
Com efeito, as categorias pedagógica e política
Revista da ABENO • 5(1):46-51
47
A pesquisa nos critérios de avaliação da CAPES e a formação do professor de Odontologia numa dimensão crítica • Péret ACA, Lima MLR
foram utilizadas, como parâmetro para avaliar a formação docente. Assim, procuramos identificar o tipo
de modelo odontológico que vem sendo fortalecido:
se é o tradicional, que visa à acumulação de conhecimentos e tecnologia, ou o crítico, que implica o compromisso ético com a saúde coletiva da população
brasileira.
A PESQUISA NOS CRITÉRIOS DE
AVALIAÇÃO DA CAPES PARA OS
PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO
EM ODONTOLOGIA
Com relação ao enfoque dado à produção científica e tecnológica, encontramos nos documentos estudados alguns aspectos que podem afastar a perspectiva social da pesquisa e da tecnologia, são eles: a
tendência do Estado para afastar-se do financiamento
das pesquisas e a tendência da internacionalização.
Isso pode levar o conhecimento científico e a tecnologia gerada pelas pesquisas desenvolvidas na pós-graduação stricto sensu na área odontológica não serem
desenvolvidos para a melhoria da qualidade de vida.
Em relação à tendência do afastamento do Estado
do financiamento das pesquisas, pudemos observá-la
nos critérios referentes à atividade de pesquisa quando, então, é valorizada a captação de recursos financeiros de outras fontes nacionais e internacionais. A
diversificação da fonte de financiamento abre espaço
para que o setor privado financie as pesquisas. Isso
pode pôr em risco a autonomia universitária no que
tange ao tipo e ao sentido das pesquisas desenvolvidas,
podendo elas se voltarem para o interesse privado das
indústrias nacionais e internacionais e do mercado.
Para Chauí9 (2001), a submissão aos padrões neoliberais, que vem ocorrendo com o afastamento do Estado
da responsabilidade pela pesquisa nas instituições públicas, subordina a geração de conhecimentos à lógica do mercado. Essa lógica, por sua vez, implica ausência do princípio democrático de autonomia e
liberdade no que se refere à responsabilidade da utilização dos resultados científicos, pois a pesquisa não
é determinada pelos pesquisadores nem pelo poder
público, e sim pelo mercado. Entretanto, é importante relatar que a lógica do mercado já vem pautando a
pesquisa odontológica, mesmo quando essa recebe
financiamento público. Isso pode ser observado no
estudo desenvolvido por Cormack, Silva Filho11 (2000)
sobre os trabalhos apresentados na XIV Reunião
Anual da Sociedade Brasileira de Pesquisa Odontológica (SBPqO) em 1997. Esses autores, após analisarem os anais desse evento, constataram que a maioria
48
dos trabalhos recebeu financiamento público e, mesmo assim, poucos trabalhos apresentaram a temática
social. A maioria deles privilegiava o estudo de desenvolvimento de materiais odontológicos que, muitas
vezes acabaram beneficiando as indústrias.
A lógica empresarial que vem sendo incorporada
na pesquisa, além de afastá-la do campo social também
tem levado à valorização da quantidade em detrimento da qualidade das pesquisas. Nesse sentido, Coêlho10
(2003) ressalta que a lógica empresarial pela qual vêm
se pautando os critérios de avaliação tem levado ao
culto da quantidade de produção intelectual em detrimento da autonomia e da qualidade, ou seja, o trabalho intelectual tem sido desenvolvido com visão
reducionista. A perspectiva de quantidade, segundo
Santos19 (1996), pode incidir-se na avaliação de produtos mais facilmente mensuráveis, “como a produção de conhecimentos científicos (medida pelo número de publicações) em detrimento da formação do
caráter dos estudantes”.
Outro aspecto que merece ser analisado é a tendência para a internacionalização, expressa nos critérios de avaliação. Nesse sentido, valorizam-se o intercâmbio do desenvolvimento de projetos de pesquisa
com centros de excelência do exterior, a apresentação
de trabalhos em eventos internacionais, a publicação
de artigos em revistas Qualis A ou B internacional, a
necessidade de os resultados das teses e dissertações
serem publicados em revistas nacionais ou internacionais Qualis A ou B.
Tudo isso nos leva a refletir a respeito da direção
dada ao conhecimento científico e tecnológico gerado pelas pesquisas, pois o enfoque regional e local
delas pode estar sendo afastado e, conseqüentemente,
o desenvolvimento de estudos voltados para problemas brasileiros. Preocupa-nos, ainda, se essa internacionalização tem ocorrido para a realização de estudos
para o desenvolvimento de técnicas e materiais odontológicos reproduzindo o interesse das grandes indústrias internacionais que não condizem com a necessidade brasileira.
Além desses aspectos apresentados que podem
afastar a perspectiva social da pesquisa científica e
assim dificultar o desenvolvimento de uma dimensão
crítica na formação do professor de Odontologia, há
outro ponto que pode reforçar essa tendência. Nos
critérios de avaliação é enfatizada a necessidade das
linhas de pesquisa manterem coerência com a tradição acadêmica e/ou profissional da área de conhecimento. O ensino e a prática odontológica têm sido
marcados pelo modelo flexneriano, com ênfase ao
Revista da ABENO • 5(1):46-51
A pesquisa nos critérios de avaliação da CAPES e a formação do professor de Odontologia numa dimensão crítica • Péret ACA, Lima MLR
tecnicismo e na valorização de tecnologias, sem se
preocupar com o benefício social gerado pela pesquisa15. Portanto, essa coerência deve ser vista com cautela, pois poderá impedir o desenvolvimento de outros
modelos com ênfase no campo social. Historicamente, a Odontologia tem sido desenvolvida desconectada
das questões sociais e, as pesquisas odontológicas também têm acompanhado o perfil tecnicista e biologicista da profissão. Esse enfoque tecnicista da produção
de conhecimento foi constatado por Cormack, Silva
Filho11 (2000), quando analisaram o perfil dos trabalhos contidos nos anais da XIV Reunião Anual da
SBPqO em 1997. Os autores observaram que 88,3%
dos 382 trabalhos apresentados relacionavam-se com
áreas biológicas, com desenvolvimento de materiais e
técnicas odontológicas, e poucos eram os que se relacionavam com a área social. Esse achado foi apresentado pelos autores como um alerta para a necessidade
da inserção da temática social nos trabalhos científicos
comprometidos com a melhoria das condições de saúde bucal da população. Essa mesma tendência é verificada nos trabalhos apresentados na XX Reunião
Anual da SBPqO18, realizada em 2003, pois dos 1.905
trabalhos apresentados, apenas 21 foram catalogados
como pesquisa de ação coletiva.
Partindo desses pressupostos, existe, então, o risco
de não podermos trabalhar a pesquisa e a tecnologia
de acordo com a proposição deste estudo, ou seja, a
abordagem social dada à pesquisa e à geração de tecnologia pode contribuir para a formação crítica do
professor de Odontologia.
Apesar da pesquisa estar sendo enfocada para a
perspectiva cientificista afastada do campo social, há
nos critérios de avaliação um importante aspecto que
deve ser destacado que pode transpor essa tendência.
Embora os critérios de avaliação apresentem eixos que
favoreçam a produção de pesquisas com enfoque técnico, há outros pontos com esses critérios que podem
ser analisados na perspectiva do desenvolvimento do
conhecimento científico e tecnológico voltados para
a qualidade de vida e não apenas para o tecnicismo.
Com efeito, nos critérios relacionados às atividades de
formação, consta que se devem incluir disciplinas e
atividades de formação tanto científica como didáticopedagógica. A formação, como se vê, não está vinculada apenas à perspectiva científica. O enfoque pedagógico possibilitará desenvolver competências que
dêem, ao futuro mestre, condições para o desenvolvimento da crítica e da reflexão. Essas competências são
importantes para que a formação voltada para os avanços da área possa ser trabalhada não só para fins tec-
nicistas, mas para o aproveitamento do desenvolvimento científico e tecnológico em prol das maiorias
sociais. Este é um ponto importante. A propósito, segundo Sobrinho22 (2003), a avaliação deve não só observar se a universidade é útil ao desenvolvimento da
indústria e da vida econômica, mas, principalmente,
se a instituição pratica a justiça social.
Além desse aspecto encontrado que pode possibilitar o desenvolvimento da pesquisa pedagógica, há
também nos documentos analisados outro eixo que
permite que ela seja trabalhada no princípio educativo: a articulação do ensino com a pesquisa.
A articulação dessas funções educacionais, de acordo com André1 (2001), permite o desenvolvimento da
crítica e da reflexão. A busca do desenvolvimento dessas competências por meio dessa articulação, como já
mencionamos anteriormente, é um importante fator
para formação do professor de Odontologia pois, elas
contribuem para a introdução de uma perspectiva
pedagógica na formação desse docente. A falta de uma
formação pedagógica vem marcando a formação desse professor ao longo da história da Odontologia. Isso
pode ser observado desde os cursos pioneiros de
Odontologia. Nesses, os professores eram os profissionais bem-sucedidos e disponíveis para ensinar17. Hoje,
apesar da formação se estruturar a partir de um curso
de pós-graduação, ainda persiste a falta da perspectiva
pedagógica, ficando a formação do docente em Odontologia voltada para as especificidades da profissão.
Isso pode ser confirmado no relatório do seminário
“Pós-graduação: enfrentando novos desafios” promovido pela CAPES7, que conclui que nos “programas de
pós-graduação em Odontologia, ainda persiste a idéia
de fragmentação do conhecimento com a proposta
de novos programas em áreas específicas, principalmente em novas especialidades”. Aponta, ainda, esse
relatório, a necessidade de fortalecer a formação acadêmica nesses programas.
Nos documentos analisados, observamos a existência de alguns critérios que favorecem a articulação do
ensino e da pesquisa. Nesse sentido, apontamos: a
valorização da atuação dos docentes em atividade de
ensino e pesquisa, a integração da graduação com a
pós-graduação, o desenvolvimento de projetos de pesquisa interinstitucional e a inclusão da formação acadêmica.
Partindo, então, de todos esses aspectos levantados, podemos, assim, buscar a contribuição dessa integração para propiciar uma formação crítica do professor de Odontologia, conforme a proposição deste
estudo: a articulação entre o ensino e a pesquisa con-
Revista da ABENO • 5(1):46-51
49
A pesquisa nos critérios de avaliação da CAPES e a formação do professor de Odontologia numa dimensão crítica • Péret ACA, Lima MLR
tribui para a formação crítica do professor de Odontologia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os cursos de pós-graduação, local onde se dá a
formação do professor de Odontologia, recebem forte influência dos critérios de avaliação propostos pela
CAPES. O modelo de avaliação proposto, apresentase, então, como um fator de extrema importância na
definição do modelo de formação do docente em
Odontologia.
Nesse sentido, é oportuno relembrar que o modelo de avaliação coloca-se a serviço de um pretendido
modelo de educação. Por sua vez, um modelo de educação serve a uma concepção da sociedade. Assim,
todo segmento hegemônico de uma sociedade e de
um Estado cria instrumentos adequados para manter
sua ideologia22. Na atualidade, o modelo de sociedade
está fundamentado no ideário neoliberal, sob a lógica
da eficiência, da produtividade, ou seja, do mercado.
Esta lógica é a que tem fundamentado o modelo de
avaliação.
Dentro da perspectiva neoliberal, o Estado tem se
afastado cada vez mais das políticas públicas, e no caso
da educação superior vem reduzindo o financiamento para as universidades. Isto tem ocorrido apesar da
Lei de Diretrizes e Bases 9.394/963 contemplar que a
União deve prover os recursos para as universidades.
Além disso, também tem sido estimulada a diversificação de fontes de financiamento, tendência que encontra-se em consonância com as diretrizes do Banco
Mundial para a educação superior23,24. Desta forma, o
setor privado tem financiado essas instituições e direcionado as atividades nelas para o interesse do mercado.
Nos critérios de avaliação da CAPES para os programas de pós-graduação em Odontologia, podemos
encontrar de forma marcante a valorização da busca
de outras fontes de financiamento. Como conseqüência, a lógica do processo de avaliação proposto, tem
se pautado, também, no interesse do mercado. Nesse
sentido, as pesquisas têm sido desenvolvidas descomprometidas com as questões sociais. Além disso, ocorre também a valorização da produção de conhecimentos científicos medida pelo número de publicações
em detrimento da formação do caráter dos estudantes, conforme aponta Santos20 (1987).
Partindo desses pressupostos, existe, então, o risco
de não podermos trabalhar a pesquisa e a tecnologia
de acordo com a proposição deste estudo, ou seja, a
abordagem social dada à pesquisa e à geração de tec50
nologia pode contribuir para a formação crítica do
professor de Odontologia.
Nesse sentido, os critérios de avaliação da CAPES
podem impor barreiras para o desenvolvimento de
uma formação docente comprometida com as questões sociais e numa dimensão crítica. Ressaltamos, no
entanto, a existência da possibilidade de transpor esses obstáculos mediante a possibilidade da articulação
do ensino com a pesquisa em prover o desenvolvimento do espírito crítico e reflexivo do docente em Odontologia. O desenvolvimento da crítica e da reflexão
por meio da articulação do ensino e pesquisa, torna-se
importante para que o professor de Odontologia desenvolva habilidades e competências que o levem a
refletir o seu papel como agente capaz de contribuir
para o desenvolvimento de uma Odontologia voltada
para o campo social, como aponto na categoria pedagógica deste estudo.
Como pudemos apresentar, a análise dos documentos estudados aponta para a existência de barreiras para o desenvolvimento da formação do professor
de Odontologia comprometida com as questões sociais e, conseqüentemente na perspectiva crítica. Isso
pode ocorrer, visto que a pós-graduação tem sido influenciada pelo modelo produtivista de avaliação.
Ressaltamos, no entanto, a existência da possibilidade
de transpor estes obstáculos mediante a incorporação
da pesquisa educativa (pedagógica), por meio da articulação entre ensino e pesquisa.
ABSTRACT
Research of the CAPES evaluation criteria and the
dental faculty formation in a critical dimension
This study was designed to analyze among the
CAPES (Coordination of Improvement of Personnel
of Superior Level) evaluation criteria the directives
concerning research and their influence on the dental faculty formation, aiming at identifying the limits
and possibilities for the formation of critical faculty
members. This formation may contribute to the creation of faculty members capable of educating critical
citizens interested in the social aspects of dentistry. To
achieve these objectives, a content analysis was carried
out2. The analysis showed obstacles for the formation
of a dental faculty committed to the social aspects of
dentistry, and, consequently, with a critical perspective. This occurred because there is a tendency towards
productivism in the CAPES evaluation criteria, related
to reduced research financed by the government and
internationalization tendencies. On the other hand,
some of the CAPES evaluation criteria can be modified
Revista da ABENO • 5(1):46-51
A pesquisa nos critérios de avaliação da CAPES e a formação do professor de Odontologia numa dimensão crítica • Péret ACA, Lima MLR
in order to overcome these obstacles through the incorporation of educational (pedagogical) research,
and the combination of research and teaching.
10. Coêlho IM. Educação superior: por uma outra avaliação. In:
Dourado LF, Catani AM, Oliveira JF, organizadores. Políticas e
gestão da educação superior: transformações recentes e debates atuais. Goiânia: Alternativa; 2003. Parte II. p. 117-35.
DESCRIPTORS
Dental research. Faculty, dental. Education, dental. 
11. Cormack EF, Silva Filho CF. A pesquisa científica odontológica
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
13. Demo P. Educar pela pesquisa. Campinas: Autores Associados;
1. André MEDA. Pesquisa, formação e prática docente. In: André
MEDA, organizador. O papel da pesquisa na formação e na
prática de professores. Campinas: Papirus; 2001. p. 55-69.
2. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Persona; 1977.
3. Brasil. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: Subsecretaria de
no Brasil. Rev Assoc Paul Cir Dent 2000;54(3):242-7.
12. Demo P. Desafios modernos da educação. Petrópolis: Vozes;
1993.
1996a.
14. Demo P. Pesquisa princípio científico e educativo. São Paulo:
Cortez; 1996b.
15. Marcos B. Pontos de Epidemiologia. Belo Horizonte: ABOMG;
1984.
16. Narvai PC. Odontologia e Saúde Bucal Coletiva. 2ª ed. São
Paulo: Santos; 2002.
Edições Técnicas; 1997. 48 p.
4. Brasil. Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação
Superior. Parecer nº 1.300, de 06 de novembro de 2001. Institui
as diretrizes curriculares nacionais dos cursos de graduação em
Odontologia. Diário Oficial da União, n. 233, seção 1, p. 25.
17. Perri de Carvalho AC. Ensino de Odontologia em tempos de
LDB. Canoas: ULBRA; 2001.
18. Pesquisa Odontológica Brasileira (Brazilian Oral Research).
2003;17(Supl 2).
5. CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de En-
19. Santos BS. Da idéia da universidade à universidade de idéias.
sino Superior. Documento de área de Odontologia/critérios
In: Santos BS. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-
de avaliação. Brasília: CAPES; 2003b [citado 2003 Mai 01]. Dis-
modernidade. 2ª ed. São Paulo: Cortez; 1996. Pt. 3, p. 187-
ponível em: URL: http://www.capes.org.br/.
233.
6. CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior. Perfil da pós-graduação. Brasília: CAPES; 2002
20. Santos BS. Um discurso sobre as ciências. Porto: Afrontamento;
1987.
[citado 2002 Out 01]. Disponível em: URL: http://www.capes.
21. Soares RD. Gramsci, o estado e a escola. Ijuí: Unijuí; 2000.
org.br/.
22. Sobrinho JD. Educação superior: flexibilização e regulação ou
7. CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de En-
avaliação e sentido público. In: Dourado LF, Catani AM, Oli-
sino Superior. Pós-graduação: enfrentando novos desafios.
veira JF, organizadores. Políticas e gestão da educação superior:
INFOCAPES 2001;9(2-3):5-112.
transformações recentes e debates atuais. Goiânia: Alternativa;
8. CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior. Quesitos, indicadores e critérios para avaliação
trienal da grande área de Saúde. Brasília: CAPES; 2003a [citado
2003 Out 01]. Disponível em: URL: http://www.capes.org.br/.
9. Chauí M. Escritos sobre a universidade. São Paulo: UNESP;
2003. p. 179-89.
23. World Bank. Higher education: the lessons of experience.
Washington D.C.: World Bank; 1994.
24. World Bank. Higher education in developing countries: peril
and promise. Washington D.C.: World Bank; 2000.
2001.
Aceito para publicação em 12/2004
Revista da ABENO • 5(1):46-51
51
Modalidades educativas e novas
demandas por educação�
A educação a distância apresenta notáveis vantagens sob o ponto
de vista da eficiência e qualidade.
Ivônio Barros Nunes*
* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Tecnologia Educacional.
E-mail: [email protected].
A
principal inovação das últimas décadas na área
da Educação foi a criação, a implantação e o aperfeiçoamento de uma nova geração de sistemas de educação a distância, que começaram a abrir possibilidades de se promover oportunidades educacionais para
grandes contingentes populacionais não mais tão somente a partir de critérios quantitativos, mas principalmente a partir de noções de qualidade9, flexibilidade, liberdade e crítica.
Os primeiros modelos dessa nova geração se desenvolveram simultaneamente em muitos lugares,
mas de forma muito exitosa na Inglaterra, na década
de 1970, por isso essa iniciativa passou a ser referência
mundial. Mais de dois milhões de pessoas até hoje já
estudaram na Open University, sendo que atualmente estão matriculados cerca de 160 mil alunos regulares, com 40 mil alunos em cursos de pós-graduação,
e 60 mil em cursos extracurriculares. Êxito similar
alcançaram também as universidades abertas da Espanha e da Venezuela, que oferecem igual número de
cursos e atendem a maior número de alunos.
Além da democratização, a educação a distância
apresenta notáveis vantagens sob o ponto de vista da
eficiência e qualidade, mesmo quando há grandes
volumes de alunos ou se observa, em prazos curtos, o
crescimento vertiginoso da demanda por matrículas,
um calcanhar de Aquiles do ensino presencial.
A educação a distância é voltada especialmente
(mas não tão somente) para adultos que, em geral, já
estão no mundo do trabalho e não dispõem de tempo
suficiente para estudar, a fim de completar sua formação básica ou mesmo fazer um novo curso. Esse tipo
de aluno, tendo em mãos um material didático de alta
qualidade, pode estudar do princípio ao fim toda a
matéria de cada programa, realizando sucessivas autoavaliações, até sentir-se em condições de se apresentar
para exames de proficiência.
Para maximizar as vantagens da educação a distância, há necessidade de utilizar-se um arsenal específico (meios de comunicação, técnicas de ensino, metodologias de aprendizagem, processos de tutoria etc.),
obedecendo a certos princípios básicos de qualidade.
Sua clientela tende a ser não convencional, incluindo
adultos que trabalham; pessoas que, por vários motivos, não podem deixar a casa; pessoas com deficiências
físicas e populações de áreas de povoamento disperso
ou que, simplesmente, se encontram distantes de instituições de ensino.
UM POUCO DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
A DISTÂNCIA
Provavelmente a primeira notícia que se registrou
da introdução desse novo método de ensinar a distância foi o anúncio das aulas por correspondência ministradas por Caleb Philips (20 de março de 1728, na
Gazzete de Boston, EUA), que enviava suas lições todas as semanas para os alunos inscritos. Depois, em
1840, na Grã-Bretanha, Isaac Pitman oferece um curso de taquigrafia por correspondência. Em 1880, o
Skerry’s College oferece cursos preparatórios para
concursos públicos. Em 1884, o Foulkes Lynch Correspondence Tuition Service oferece cursos de contabilidade. Novamente nos EUA, em 1891, aparece a
oferta de curso sobre segurança de minas, organizado
por Thomas J. Foster. Em meados do século XIX as
Universidades de Oxford e Cambridge, na Grã-Breta-
�Editado por José Luiz Lage-Marques.
52
Revista da ABENO • 5(1):52-9
Modalidades educativas e novas demandas por educação • Nunes IB
nha, oferecem cursos de extensão. Depois vieram a
Universidade de Chicago e Wisconsin. Em 1924, Fritz
Reinhadt cria a Escola Alemã por Correspondência
de Negócios6. Em 1910, a Universidade de Queensland, na Austrália, inicia programas de ensino por
correspondência. Logo em 1928, a British Broadcasting Corporation (BBC) começa a promover cursos
para educação de adultos usando o rádio. Essa tecnologia de comunicação é usada em vários países com
os mesmos propósitos, inclusive, desde a década de
1930, no Brasil.
Do início do século XX até a Segunda Guerra
Mundial, várias experiências foram adotadas desenvolvendo-se melhor as metodologias aplicadas ao ensino por correspondência que, depois, foram fortemente influenciadas pela introdução de novos meios
de comunicação de massa14.
A necessidade de capacitação rápida de recrutas
norte-americanos durante a Segunda Guerra Mundial
faz aparecerem novos métodos (entre eles se destacam
as experiências de Fred Keller para o ensino da recepção do Código Morse10) que logo foram utilizados, em
tempos de paz, para a integração social dos atingidos
pela guerra e para o desenvolvimento de capacidades
laborais novas nas populações que migram em grande
quantidade do campo para as cidades na Europa em
reconstrução.
Mas, o verdadeiro impulso se dá a partir de meados
dos anos 60 com a institucionalização de várias ações
nos campos da educação secundária e superior, começando pela Europa (França e Inglaterra) e se expandindo aos demais continentes15. Programas nãoformais de ensino têm sido utilizados em larga escala
para adultos nas áreas de Saúde, Agricultura e Previdência Social, tanto pela iniciativa privada como pela
governamental. Hoje é crescente o número de instituições e empresas que desenvolvem programas de
treinamento de recursos humanos através da modalidade da educação a distância. Na Europa, de forma
acelerada se investe em educação a distância para o
treinamento de pessoal na área financeira e demais
áreas do Setor de Serviços, representando esse investimento em treinamento maior produtividade e redução de custos na ponta13.
NO BRASIL TAMBÉM TEM EDUCAÇÃO
A DISTÂNCIA
No Brasil, em 1923, foi criada a Rádio Sociedade
do Rio de Janeiro, “por um grupo liderado por Henrique Morize e Roquete Pinto”1, um dos objetivos centrais da emissora era promover a educação pelo rádio.
Em 1937 foi criado o Serviço de Radiodifusão Educativa do Ministério da Educação.
Desde a fundação do Instituto Rádio-Técnico Monitor, em 1939, e depois do Instituto Universal Brasileiro, em 1941, várias experiências foram levadas a
termo com relativo sucesso8. Porém, por muitos anos
as empresas que promoveram cursos por correspondência (além das duas anteriormente citadas também
se destacaram: Escolas por Correspondência Dom
Bosco, Cursos Guanabara de Ensino Livre, Escola
Mundial de Cultura Técnica, e Escolas Internacionais) foram as únicas oportunidades de ensino de
muitos habitantes do interior do país.
Em 1946, “o SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – iniciou em 1946 suas atividades
e desenvolveu, no Rio de Janeiro e São Paulo, a Universidade do Ar, que em 1950 já atingia 318 localidades”1.
MEB
Já em 1958, a diocese de Natal, tendo como referência a experiência da Rádio Sutatenza, da Colômbia, deu início a experiências de educação popular
com a utilização do rádio, organizando o Serviço de
Assistência Rural (SAR), que, depois, se transformou
no nascedouro do Movimento de Educação de Base21
(MEB). Em 1959, a diocese de Aracaju firmou convênio com o Sistema de Rádio Educativo Nacional (SIRENA), do Ministério da Educação e Cultura, para
estabelecer um sistema de rádio educativo regional.
Em fins de 1960 essa experiência foi avaliada no 1º
Encontro de Educação de Base, realizado em Aracaju,
e no ano seguinte a Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil firmou um acordo com a Presidência da
República, que deu condições financeiras para a operacionalização e instituição do MEB, que organizou
as escolas radiofônicas no Nordeste, Norte e CentroOeste do País3. Essa experiência foi uma das mais ricas
que se tem notícia no Brasil. Envolveu o uso de metodologias de educação por rádio, preparação de materiais impressos e, principalmente, a mobilização de
animadores culturais e educativos, realização de encontros, congressos, festas populares e assessorias diversas.
Após o Golpe Militar de 1964, o MEB sofreu dura
repressão e a experiência de educação popular foi
interrompida. O MEB existe até hoje, mas jamais conseguiu recuperar a paixão educativa e a motivação
política daqueles primeiros anos da década de 1960.
Muitos de seus dirigentes e animadores culturais fo-
Revista da ABENO • 5(1):52-9
53
Modalidades educativas e novas demandas por educação • Nunes IB
ram perseguidos, vários foram obrigados a deixar o
país.
de Moral e Cívica, além de uma série de programas
de informação e atualização4.
FEPLAM
A Fundação Educacional e Cultural Padre Landell
de Moura (FEPLAM), de Porto Alegre, foi criada em
1967 e tem origem no desenvolvimento dos movimentos de educação não-formal da América Latina, onde
também se inscrevia o MEB, “que buscavam melhorar
as condições de vida das populações carentes”11. “O
início da FEPLAM foi através de programas de rádio
(Colégio do Ar) e a série Aprenda pela TV (cursos
profissionalizantes). As bases comunitárias são o ponto de partida e chegada da sua prática educacional”11.
Suas áreas de atuação são: Educação Geral, Educação
Cívico-Social, Educação Rural e Iniciação Profissional.
Até o início dos anos 90, na área de Educação Geral, onde há cursos de alfabetização, educação básica,
pré-escola e educação supletiva, a FEPLAM já havia
beneficiado 110.703 alunos. Na área de Educação Cívico-Social, com programas de educação comunitária
e de reforço de currículos escolares, outras 53.000
pessoas foram beneficiadas. Já na área de Educação
Rural, composta de cursos de capacitação rural e outros de cunho informativo, já haviam recebido cursos
da FEPLAM, 391.509 agricultores, com uma média de
16.313 por ano. Além disso, a entidade mantém cursos
no campo da Iniciação Profissional (mecânica de automóveis, consertos de aparelhos eletrodomésticos,
programação de computadores etc.) e na área de Saúde.
SENAI
O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
(SENAI), de São Paulo, criou experimentalmente em
1978, com operação regular a partir de 1980, o programa Auto-Instrução com Monitoria (AIM), caracterizando-o como “um esquema operacional de ensino
a distância, que envolve uma série de programações
auto-instrutivas”18. Desde então, mantém um curso de
Leitura e Interpretação de Desenho Técnico Mecânico, cursos de Matemática Básica e cursos de Eletrônica, estando em fase de preparação cursos de Tecnologia Mecânica, Usinagem, Elementos de Máquinas,
Resistência dos Materiais, Eletrotécnica Básica e Formação de Microempresários. A partir dessa experiência, o SENAI tem ampliado sua base geográfica de ação
e, com as novas perspectivas abertas com a regulamentação do ensino técnico a distância, certamente irá
multiplicar esses esforços, diversificando seus cursos
e parceiros.
Projeto Minerva
Em outubro de 1970, o governo federal, através de
um acordo entre o Ministério da Educação e o Ministério das Comunicações, iniciou o Projeto Minerva
com o objetivo de “propor uma alternativa ao sistema
tradicional de ensino como formação suplementária
à educação continuada”2. A Fundação Padre Landell
de Moura preparou os materiais do curso de Capacitação ao Ginasial (100 aulas: Português, 30; História,
15; Geografia, 15; Ciências, 10, entre outras). O curso
de Madureza Ginasial era composto de 450 aulas, sendo precedido de um curso preparatório de 50 aulas.
O curso de Moral e Civismo era formado de 15 programas de 15 minutos cada, e o Curso Primário Dinâmico, elaborado pela Fundação Padre Anchieta, foi
organizado com 72 aulas de Linguagem, 72 aulas de
Matemática, 72 aulas sobre Trabalho, 36 de Ciências,
36 de Estudos Sociais, 36 de Educação Sanitária e 36
54
CETEB
A Petróleo Brasileiro S.A. (PETROBRAS) desenvolveu, a partir de 1975, o Projeto ACESSO, com a
finalidade de proporcionar a escolarização em nível
de 1º e 2º graus a seus funcionários e de oferecer profissionalização específica para a área de petróleo. Esse
projeto foi desenvolvido pelo Centro de Ensino Técnico de Brasília (CETEB), que desenvolveu a metodologia, elaborou os módulos e tem acompanhado todo
o processo de implantação e desenvolvimento dos
cursos. Para uma clientela adulta, na faixa de 20 a 40
anos de idade, com interrupção de estudos há mais
de cinco anos, foi levado um curso de educação geral,
de acordo com os currículos do ensino supletivo, e
profissionalização específica para a indústria petrolífera.
Entre 1989 e 1996, em Brasília, esteve em gestão a
primeira fase do Instituto Nacional de Educação a
Distância (INED), uma organização não governamental dedicada à pesquisa e à difusão de conhecimentos
na área de educação a distância. Essa entidade editou
e publicou a segunda revista brasileira exclusivamente dedicada ao tema da educação a distância (a primeira provavelmente é a revista Tecnologia Educacional, até hoje publicada pela Associação Brasileira de
Tecnologia Educacional - ABT). Além disso, foi responsável pela elaboração e acompanhamento de um
curso sobre a elaboração das leis orgânicas munici-
Revista da ABENO • 5(1):52-9
Modalidades educativas e novas demandas por educação • Nunes IB
pais, com mais de 200.000 participantes, promovido
pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Realizou um curso sobre cidadania para o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Educação
para a Cidadania) e desenvolveu uma série de estudos
visando a implantação de programas de educação a
distância para a Escola de Administração Fazendária
(ESAF) e a Prefeitura de Curitiba, entre outros.
Atualmente o INED, agora denominado Instituto Nacional de Educação para o Desenvolvimento, se organiza para desenvolver programas variados de educação a distância e de pesquisa em novas tecnologias
para a educação e para o desenvolvimento sustentável
com foco nas relações sociais, econômicas e políticas
das comunidades locais.
A Fundação Brasileira para o Desenvolvimento do
Ensino de Ciências (FUNBEC) desenvolveu, em 1990
e 1991, com o apoio do Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos (INEP), o Curso de Matemática por Correspondência, dirigido a professores de 1º grau. O
curso foi veiculado pelo Jornal do Professor, editado
pelo INEP.
O Centro de Ensino Tecnológico de Brasília (CETEB), unidade da Fundação Brasileira de Educação
(FUBRAE), desde 1973 tem desenvolvido projetos de
educação semidireta, notadamente para a formação
e aperfeiçoamento de professores em serviço. Foi responsável pela execução do Projeto LOGOS II17, do
Ministério da Educação, para a qualificação de professores leigos, iniciado em 1976 em 19 estados brasileiros. Esse programa de formação de professores foi
organizado com base em materiais impressos (módulos) entregues aos professores (alunos), que recebiam
supervisão de um orientador de aprendizagem local
e podiam tirar dúvidas também através de cartas, telefonemas ou diretamente, quando recebiam as visitas
de professores do CETEB. A partir de 1982 esse curso
foi operacionalizado de forma descentralizada, cabendo a cada estado definir o modo de execução do mesmo. Em 1977, o CETEB firmou convênio com o Serviço Nacional de Formação Profissional Rural
(SENAR), para a operacionalização do Curso de Aperfeiçoamento a Distância para Instrutores de Formação
Profissional Rural, destinado especialmente a funcionários de empresas públicas estaduais de extensão e
assistência técnica rural. Na República de Moçambique, em 1993, o CETEB iniciou um programa de consultoria e apoio técnico para a criação do Núcleo de
Educação a Distância do Ministério da Educação daquele país africano7. Outra entidade da mesma FUBRAE, o Centro Educacional de Niterói (CEN), tam-
bém teve atuação pioneira. Entre 1983 e 1987 foi o
responsável pela elaboração e execução de um programa de educação a distância para a especialização
e aperfeiçoamento de professores da Secretaria de
Educação do Estado de Goiás22.
ABEAS
A Associação Brasileira de Educação Agrícola Superior (ABEAS) é uma das pioneiras de programas de
formação superior a distância. Mantém desde 1982
um Curso de Especialização por Tutoria à Distância
(pós-graduação lato sensu), provavelmente o primeiro
curso a distância em nível produzido no Brasil. Esse
programa contou inicialmente com o apoio experimental da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES), do Ministério da
Educação, sendo avaliado como de excelente qualidade e indicada sua continuidade.
ABT
Ainda neste campo, é importante fazer referência
às ações promovidas pela Associação Brasileira de Tecnologia Educacional (ABT) que, a partir de 1980,
iniciou o Programa de Aperfeiçoamento do Magistério de 1º e 3º graus a distância, integrado por cursos
nas áreas de Alfabetização, Metodologia Geral, Língua
Portuguesa, Matemática, Ciências Sociais e Ciências
Físicas e Biológicas, para docentes que atuam no 1º
grau e o Curso de Especialização em Tecnologia Educacional Tutoria a Distância, para aqueles que desenvolvem atividades no 3º grau. A ABT foi criada em
1971 e, desde então, promove anualmente um importante seminário de tecnologia educacional, que reúne
profissionais da área de Educação a Distância de todo
o país, e mantém a publicação periódica da revista
Tecnologia Educacional, o mais importante periódico
técnico da área. O Programa de Pós-Graduação Tutorial a Distância (POSGRAD), desenvolvimento, entre
1979 e 1983, como projeto piloto da Coordenação de
Aperfeiçoamento do Pessoal de Ensino Superior (CAPES), do Ministério da Educação, foi operacionalizado pela ABT. A partir do final dos anos 1980 a ABT
começou a enfrentar problemas de ordem financeira
e também técnica, que reduziram muito sua atuação.
Novos projetos e novos apoios estão sinalizando que
a ABT poderá retormar sua importância no cenário
da educação no Brasil.
Ceará
A Fundação de Teleducação do Ceará (FUNTELC), também conhecida como TVE do Ceará, cria-
Revista da ABENO • 5(1):52-9
55
Modalidades educativas e novas demandas por educação • Nunes IB
da no processo de implantação das televisões educativas na década de 1970, se distinguiu das demais por
preservar um projeto de educação a distância como
elemento central da instituição. Desde 1974 essa instituição, seguindo o modelo da Televisão Educativa
do Maranhão, vem desenvolvendo ensino regular de
5ª à 8ª séries do 1º grau, com a implantação de telessalas em grande parte dos municípios do estado e
caminha para atingir a marca de 100.000 alunos regulares em seu sistema. No ano de sua implantação contava com 4.139 telealunos, na 5ª e 6ª séries, distribuídos
em 8 municípios. Em 1992 já contava com 60.822 telealunos cursando da 5ª à 8ª séries, distribuídos em 94
municípios, 400 distritos, 725 escolas e 2.300 telessalas. Em 1993, a matrícula passou a 102.170 alunos,
atingindo 150 municípios.
“A proposta político-pedagógica do Sistema de
Teleducação, embora tenha surgido em pleno regime
militar, se propôs a romper com os mecanismos autoritários e tecnicistas que imperavam à época, lançar-se
como uma modalidade de educação voltada para o
humanismo pedagógico, capaz de superar o parcelamento do saber e corrigir as falhas do individualismo
e do academicismo. Foi gerado um método de ensino
nascido das sérias discussões, estudos e debates de
renomado e competente grupo de educadores, que
buscou a melhor utilização possível de um sistema de
multimeios e a mais interessante aplicação da televisão, tomada como elemento essencial, como veículo
de democratização do saber.”12
UnB
Uma das primeiras experiências universitárias de
educação a distância no Brasil foi iniciada pela Universidade de Brasília (UnB) em meados da década de
1970. Na época, motivada pelo sucesso da iniciativa
britânica, com a Open University, a UnB pretendia
ser a Universidade Aberta do Brasil. Adquiriu todos
os direitos de tradução e publicação dos materiais
daquela universidade e começou a produzir também
alguns cursos, na área de Ciência Política.
Apesar do pioneirismo da UnB, esta não logrou
constitutir-se na primeira universidade aberta brasileira, como se pretendia à época, principalmente porque o discurso de sua direção se apresentou muito
inadequado e fora de contexto já que apresentava a
educação a distância como substituto da educação
presencial e um meio de resolver os conflitos políticos
existentes à época. Se difundia a educação superior a
distância como a possibilidade de se alcançar a tran56
qüilidade da vida universitária em instituições sem
alunos rebeldes e professores contestadores.
Esse e outros fatores de ordem interna e âmbito
conjuntural fizeram com que se manifestassem inúmeros focos de resistência, que acabaram por inviabilizar a implantação do projeto, apesar do sucesso de
alguns cursos que se organizaram àquela época, entre
eles o Pensamento Político Brasileiro.
É importante destacar, à luz desse exemplo, que
quando se pretende desenvolver um programa de
educação a distância em uma instituição presencial,
não se pode conduzi-lo em conflito com a cultura
existente, ao contrário, deve-se procurar estabelecer
sintonias, procurando criar mecanismos de cooperação e convívio entre as duas modalidades de ensino,
possibilitando, com isso, que a educação a distância
possa, inclusive, contribuir para melhorar os processos de ensino presenciais, adotando, no mínimo, os
materiais produzidos pela educação a distância, como
acontece em várias outras universidades a exemplo da
Universidade Autônoma de Honduras, que tem um
centro de educação a distância dentro da universidade presencial e cujos materiais são amplamente utilizados nas disciplinas presenciais.
MEC
A Fundação Roquette Pinto (TVE-RJ) produziu no
final da década de 1980 e início da de 1990 uma série
de programas de televisão para o aperfeiçoamento de
professores em serviço, provavelmente essa programação inspirou o Ministério da Educação, em 1991, a
desenvolver o Projeto Piloto de Utilização do Satélite
na Educação, “para a capacitação de recursos humanos, envolvendo 600 cursistas (docentes e alunos da
3ª série dos cursos de magistério) de seis estados brasileiros, através da veiculação de programas educativos
de televisão, via satélite, com recepção organizada em
telepostos, e a utilização de televisor, fax, canal de voz,
complementados por material impresso de apoio. O
programa teve o nome de ‘Jornal da Educação: Edição
do Professor’, obteve 96% de aprovação dos cursistas”5. No ano seguinte, tendo sido avaliada como extremamente positiva a experiência desse projeto-piloto, foi criado o programa Um Salto para o Futuro,
como um programa de capacitação e atualização de
professores em serviço, utilizando prioritariamente a
televisão como meio de comunicação e transmissão
de conhecimentos. Um grande mérito do programa
Um Salto para o Futuro, para os padrões brasileiros,
é sua permanência. Por estar no ar há mais de uma
década, teve a chance de ir melhorando, criando vín-
Revista da ABENO • 5(1):52-9
Modalidades educativas e novas demandas por educação • Nunes IB
culos com a comunidade docente e servindo de campo para a experimentação.
Curitiba
Em 1994, a Secretaria da Educação da Prefeitura
de Curitiba iniciou a montagem de uma equipe de
educação a distância em sua Gerência de Capacitação.
No ano seguinte, em 1995, começaram a ser capacitadas as integrantes da equipe e em 1996 o projeto estava suficientemente amadurecido e com o primeiro
produto concluído. Essa experiência foi batizada
como Programa de Educação a Distância – Curitiba:
Lições de Modernidade e Cidadania. O curso, Alfabetização – princípios básicos, foi organizado em unidades didáticas impressas, fartamente ilustradas e escritas de forma muito acessível, e, também, contou com
o acompanhamento de professores que respondiam
cartas e telefonemas. A primeira edição foi impressa
na própria Secretaria da Educação, em uma máquina
copiadora colorida. Já para a segunda edição foi obtido apoio do Banco Bamerindus, que se encarregou
da impressão de todos os materiais, em troca, se permitiu uma publicidade daquele banco na última página. Mesmo antes da implantação do curso sobre
Alfabetização, a equipe da Secretaria da Educação já
estava produzindo cursos sobre as demais áreas temáticas abrangidas pelo ensino fundamental. Os cursos
seguintes foram o de Geografia – princípios básicos,
Ensino de Arte e Matemática. Outros cursos devem
estar sendo concluídos. Esses cursos são dirigidos para
os professores da rede municipal de ensino, com o
intuito de servir de base a um sistema de capacitação
permanente desses professores.
FE/UnB
Em 1994, um convênio firmado entre o Ministério
da Educação e do Desporto e a Universidade de Brasília deu início ao desenvolvimento do Curso de PósGraduação Lato Sensu em “Educação Continuada e a
Distância”, realizado pela Faculdade de Educação daquela Universidade. A primeira turma foi oferecida
em 1994 e a segunda em 1997. Profissionais de todas
as secretarias estaduais de educação e do próprio Ministério fizeram parte da primeira turma. Já na segunda a clientela se ampliou um pouco mais e a Faculdade
de Educação da UnB está aproveitando a oportunidade para realizar uma série de pesquisas e investigações
sobre o comportamento dos alunos, o custo dos programas etc.
Mato Grosso
Também em 1995, o Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso instituiu o Núcleo
de Educação Aberta e a Distância (NEAD), desenvolvendo dois programas: “o curso de Licenciatura Plena
em Educação Básica: 1ª a 4ª séries do 1º grau, dirigido
a quase 10.000 professores que atuam nas primeiras
quatro séries do 1º grau da rede pública sem qualificação de terceiro grau e o curso de Especialização para
a Formação de Orientadores Acadêmicos (tutores)
em EAD”16. A experiência da Universidade Federal de
Mato Grosso é uma das mais importantes que se conhece no Brasil, especialmente em função do rigor
acadêmico e pedagógico de seu programa, da avaliação constante, como também em razão da forma participativa e integrada com que se desenvolveu tanto a
elaboração dos materiais didáticos quanto sua aplicação.
Universidade Católica de Brasília
Em 1996, a Universidade Católica de Brasília criou
o Centro de Educação a Distância que já produziu dois
cursos superiores: Especialização em Filosofia e Existência e Especialização em Educação a Distância. Em
fins de 1998 várias universidades católicas, entre elas
a de Brasília, do Rio Grande do Sul, de Goiás, de Minas
Gerais, de Pernambuco e a Universidade Vale dos
Sinos, iniciaram a organização de uma rede com o
objetivo de oferecer cursos de pós-graduação de qualidade usando os procedimentos modernos da educação a distância.
A Universidade Católica de Brasília está desenvolvendo uma série de cursos de pós-graduação a distância, alguns utilizando material impresso e tutorial,
outros já estão sendo realizados através da Internet.
Com outras universidades católicas está sendo criada
uma rede de educação a distância.
ENSP
Em 1997, a Escola Nacional de Saúde Pública
(ENSP), da Fundação Oswaldo Cruz, com o apoio
editorial do Centro de Educação Aberta, Continuada
e a Distância (UnB), elaborou e começou a veicular
um curso de educação a distância (pós-graduação)
para dirigentes e gestores municipais na área de Saúde. Esse curso foi dividido em três unidades com cinco módulos cada, distribuídos através de materiais
impressos e tendo o processo de aprendizagem sido
acompanhado por tutoria oferecida pela ENSP. Esse
programa também conta com apoio científico do La-
Revista da ABENO • 5(1):52-9
57
Modalidades educativas e novas demandas por educação • Nunes IB
boratório de Tecnologias Cognitivas, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (NUTES-UFRJ).
IME
Também em 1997, o Instituto Militar de Engenharia (IME) implantou o projeto chamado Universidade
Virtual, com o objetivo de desenvolver cursos de graduação e pós-graduação, avaliar os programas de educação a distância existentes e pesquisar novas tecnologias. Entre os experimentos que tem realizado
destaca-se um Sistema de Videoconferência Seguro
(SVS) para uso em programas de educação a distância
que tenham como um de seus meios a teleconferência.
Há várias outras experiências importantes que poderiam ser citadas, como: da Universidade da Força
Aérea, do Banco Itaú19, do Banco do Brasil, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (notadamente
no acompanhamento das constituintes 1987-1991),
da Fundação Roberto Marinho (Telecurso 2000), da
Universidade Aberta do Nordeste (Fundação Demócrito Rocha), da Universidade Federal de Santa Maria,
Universidade Salgado de Oliveira, Universidade do
Vale dos Sinos, Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, Universidade Estadual do Ceará, Universidade
de São Paulo, Seminário Teológico Presbiteriano do
Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisas Avançadas em
Educação – J.R. Alves e muitas outras instituições.
CREAD
Em 1993 foi criada a Rede Brasileira de Educação
à Distância READ/BR, sob os auspícios da Organização dos Estados Americanos e cuja secretaria ficou ao
encargo da Associação Brasileira de Tecnologia Educacional (ABT). Logo depois, em 1996, a ABT passou
também a ser referência do Consórcio Rede Interamericano de Educação a Distância - CREAD, animado
pela Penn State University, dos Estados Unidos. Idéias
similares estão em franco processo de desenvolvimento em vários países; no Brasil a idéia de intercâmbio
entre entidades diferenciadas ainda está engatinhando.
ABED
A Associação Brasileira de Educação a Distância
(ABED) foi criada em 1995, a partir da ação articulada do Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação
(que criou a Revista Brasileira de Educação a Distância), da Escola do Futuro, da Universidade de São
Paulo, e da Fundação Roberto Marinho, tendo em
vista que a ABT não estava se modernizando ou am58
pliando seu espaço de atuação e a comunidade da
educação a distância estava amadurecendo no Brasil
e demandando novos espaços de reflexão, de trabalho, de experimentação e de formação.
A idéia da criação de uma associação de educação
a distância surgiu entre os participantes brasileiros da
XV Conferência Mundial do Conselho Internacional
de Educação a Distância (ICDE), realizada em Caracas
em 1989. Sem dúvida alguma, pelo esforço de seus
dirigentes e colaboradores, a ABED é hoje uma referência singular no campo da educação a distância e
tem ajudado muito a difundir essa modalidade no
Brasil. “É uma entidade sem fins lucrativos que tem
como finalidades o estudo, pesquisa, promoção e desenvolvimento de projetos na área de Educação a Distância”. Tem realizado várias atividades, encontros,
seminários, congressos internacionais e conferências.
Com a ampliação de seu quadro associativo começou
a publicar um boletim informativo trimestral chamado “Galáxia da Educação a Distância”.
Mas não fica por aqui, há uma série de outras experiências, programas e cursos. Nem todos são de
conhecimento público porque ainda se encontram
em fase muito experimental, outros acabaram, por
um motivo ou outro, não logrando sucesso.
No mesmo sentido do processo internacional de
valorização da estratégia da educação a distância e do
crescente uso de tecnologias educacionais como indutoras de melhor aproveitamento escolar, o Brasil
modernizou sua legislação, incluindo na nova Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional vários dispositivos que facilitam o desenvolvimento da educação
a distância; em 10 de fevereiro de 1998 foi apresentada a primeira regulamentação geral da matéria (Decreto 2.494/98).
Na estrutura funcional do Ministério da Educação,
foi instituída a Secretaria de Educação a Distância,
fato que demonstra a relevância que ganhou a educação a distância no Brasil e que o governo federal passou a conferir importância estratégica a programas
que têm como objetivo a organização de novas alternativas de apoio ao ensino, capacitação de professores
em serviço e criação de bases tecnológicas nas escolas20, os principais programas com essas características
são a TV Escola e o Programa de Informática Educativa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É provável, em vista da pouca experiência que se
tem no campo da educação a distância, que nos próximos anos a Administração Pública apresente dificul-
Revista da ABENO • 5(1):52-9
Modalidades educativas e novas demandas por educação • Nunes IB
dade em regulamentar e supervisionar os programas
formais de educação a distância, ainda mais se não
conseguir romper com os padrões tradicionais e comportamentos do ensino presencial. Apesar disso, o que
se observa é a manifestação de um volume crescente
e significativo de projetos, experiência, propostas e
cursos sendo desenvolvidos por instituições as mais
diferentes, governamentais, comerciais, não governamentais, nacionais e internacionais, envolvendo universidades, escolas, empresas de informática e centros
de pesquisa. Esse grande movimento em direção à
educação a distância irá, certamente, provocar mudanças institucionais profundas em várias áreas. 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
9. Juste RP. La calidad de la educación universitaria, peculiaridades del modelo a distancia. RIED 1998;1(1):13-37.
10. Keller F. Estudos sobre o Código Morse Internacional: um novo
método para ensinar a recepção do código. In: Kerbaury RR,
organizadora. Keller. Coleção Grandes Cientistas Sociais, 41.
São Paulo: Ática; 1983. p. 59-68.
11. Malheiros RM. FEPLAM: uma escola sem paredes. In: O Comunitário. 29ª ed. FEPLAM; 1992. p. 5.
12. Mesquita ME de S, Lúcio ME. Televisão Educativa do Ceará - 18
anos: uma experiência que vem dando certo. Educação a Distância 1992;1. Brasília: INED.
13. Nunes IB. Educação à distância e o mundo do trabalho. Tecnologia Educacional 1992;21(107).
14. Nunes IB. Pequena introdução à educação a distância. Educação a Distância 1992;1. Brasília: INED.
1. Alves JRM. Educação a distância e as novas tecnologias de informação e aprendizagem. Disponível em: URL: http://www.
15. Perry W, Rumble G. A short guide to distance education. Cambridge: International Extension College; 1987. p. 4.
16. Preti O. Educação a distância: uma prática educativa mediado-
engenheiro2001.org.br/programas/980201a1.htm.
2. Alonso KM. Educação a distância no Brasil: a busca de identi-
ra e mediatizada. In: Preti O, organizador. Educação a distância:
dade. In: Preti O, organizador. Educação a distância: inícios e
inícios e indícios de um percurso. Cuiabá: NEAD/IE-UFMT;
indícios de um percurso. Cuiabá: NEAD/IE-UFMT; 1996.
1996. p. 23.
17. Scala SBN. Ensino a distância para o professor do ensino fun-
p. 60.
3. Brasil. Instituto de Planejamento Econômico e Social. Rádio
damental em exercício [Tese de Doutoramento]. São Paulo:
Educativo no Brasil: um estudo. Brasília: IPEA/IPLAN; 1976.
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo; 1995.
p. 38. [mimeo].
p. 24-5.
4. Brasil. Instituto de Planejamento Econômico e Social. Rádio
Educativo no Brasil: um estudo. Brasília: IPEA/IPLAN; 1976.
18. SENAI. Auto-instrução com monitoria. São Paulo: SENAI, Divisão de Material Didático; s/d.
19. Sidney IE. Política de educação à distância no desenvolvimen-
p. 127-9.
5. Brasil. Ministério da Educação. Secretaria Nacional de Educa-
to social brasileiro – uma experiência empresarial: o Banco Itaú
ção Básica. Programa Nacional de Educação à Distância ou
e a educação à distância. In: Ballalai R. Educação à Distância.
Teleducação – Um Salto para o Futuro. Brasília: agosto de 1992
p. 147-50.
20. Toffler A, Toffler H. Ensinar o século XXI. Folha de São Paulo,
[mimeo].
6. Bytwert RL, Diehl GE. Public speaking via correspondence in
the Third Reich. Am J Distance Educ 1989;3(1):30.
7. Centro de Ensino Técnico de Brasília. 25 Anos. Brasília: FU-
Caderno Mais!, 8 de março de 1998, p. 5.
21. Wanderley LEW. Educar para transformar. Educação popular,
Igreja Católica e política no Movimento de Educação de Base.
Petrópolis: Vozes; 1984. p. 48
BRAE; s/d.
8. Guaranys LR dos, Castro CM. O ensino por correspondência:
22. Zentgraf MC. O projeto Educando o Educador: uma política
uma estratégia de desenvolvimento educacional no Brasil. Bra-
de utilização de ensino à distância. In: Ballalai R, organizador.
sília: IPEA; 1979. p. 18.
Educação à Distância.
Aceito para a publicação em 12/2004
Revista da ABENO • 5(1):52-9
59
O ensino na Disciplina de Clínica
Integrada
Construção de um conteúdo programático teórico para a Disciplina
de Clínica Integrada através da análise dos planos de aula das
faculdades públicas de Odontologia do estado de São Paulo.
Fábio Petroucic*, Rubens Ferreira Albuquerque Júnior**
* Doutor em Dentística Restauradora pela Faculdade de Odontologia
de Araraquara da Universidade Estadual Paulista.
E-mail: [email protected].
** Professor Doutor da Disciplina de Clínica Integrada da Faculdade
de Odontologia de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
RESUMO
Com o objetivo de estimar qual o conteúdo programático teórico mais abordado pelas disciplinas de
Clínica Integrada nas faculdades públicas de Odontologia do estado de São Paulo que possuem corpo docente próprio de professores (total = 5 faculdades),
os autores examinaram os planos de aula obtidos através de entrevistas com os responsáveis pela Disciplina
de Clínica Integrada no ano de 2004, e após análise
de conteúdo concluíram que os assuntos teóricos mais
abordados foram cronologicamente: introdução à
Disciplina de Clínica Integrada; exame clínico integrado; planejamento de casos clínicos; inter-relação
de procedimentos clínicos e seminários apresentados
pelos alunos.
DESCRITORES
Ensino, tendências. Currículo.
A
Disciplina de Clínica Integrada (D.C.I.) tem por
objetivo somar aos conhecimentos já adquiridos
pelo aluno nas disciplinas já cursadas condições para
que possa examinar, prevenir e diagnosticar lesões
bucais e orofaciais, dentais e periodontais; planejar
um tratamento para as tais lesões quando adquiridas,
seguindo uma cronologia baseada nas seqüências de
prioridades biológicas; executar esta seqüência de
tratamentos de uma forma plena através de tratamentos clínicos e cirúrgicos, restauradores e reabilitadores, de acordo com a necessidade do paciente e, finalment, cabe a D.C.I. dar proservação ao tratamento
60
depois de finalizado, através de consultas de retorno
e manutenção.
No Brasil, a D.C.I. na quase totalidade das faculdades de Odontologia apresenta corpo clínico próprio, fazendo com que os professores que compõem
estas equipes determinem o perfil dos alunos que estão se formando. Assim, de acordo com a formação
didática e pedagógica destes professores, a D.C.I. vem
sendo ministrada de forma diferente entre as várias
faculdades de Odontologia, favorecendo mais a Prótese ou a Dentística ou a Periodontia ou a Cirurgia
entre outras disciplinas clínicas, e assim prejudicando
uma formação global para que o futuro cirurgiãodentista se torne um generalista ou mesmo que cumpra uma reciclagem de todas as matérias clínicas, o
que caracteriza a finalidade da D.C.I.
Baseado nesta realidade, o nosso objetivo foi analisar os planos de ensino teórico das D.C.I. das faculdades públicas de Odontologia do estado de São Paulo, para elaborar um modelo com o que de mais
comum elas oferecem, e assim fornecer embasamento para que as faculdades de Odontologia interessadas
possam se nortear.
MATERIAL E MÉTODOS
Para fazer o levantamento do plano de aula das
D.C.I. das faculdades públicas de Odontologia do estado de São Paulo: USP (Universidade de São Paulo) São Paulo, Bauru e Ribeirão Preto; UNESP (Universidade Estadual Paulista) - Araraquara, Araçatuba e
São José dos Campos; UNICAMP (Universidade Esta-
Revista da ABENO • 5(1):60-4
O ensino na Disciplina de Clínica Integrada • Petroucic F , Albuquerque Júnior RF
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Colaborar na formação de um profissional capaz
de prevenir e diagnosticar lesões bucais, elaborar e
executar um plano de tratamento integrado, utilizando-se de técnicas atualizadas preventivas e curativas
em casos clínicos, e adaptando-se às situações socioeconômicas do paciente vem sendo a unanimidade das
opiniões dos chefes das D.C.I. avaliadas neste trabalho
(n = 5 faculdades).
O plano de ensino ou plano de aula, segundo Harris, Hodges7 (1999), se trata de um relatório dos objetivos contendo procedimentos e materiais que serão
usados para determinada atividade de aprendizado.
Nos planos de ensino do ano de 2004 obtidos, geralmente continham:
• departamento a que pertencia a D.C.I. da Instituição avaliada;
• número de professores da equipe e os responsáveis;
• carga horária prática e teórica;
• dia(s) da semana em que era ministrada a disciplina e o horário;
•
•
•
•
definição dos objetivos (gerais e específicos);
metodologia de ensino;
conteúdo programático teórico e prático;
forma de avaliação da aprendizagem e a bibliografia básica utilizada pela disciplina.
Após a análise de todos os planos de aula teóricos
(Gráfico 1), observou-se que de comum em todas as
faculdades (n = 5 faculdades) houve uma aula de introdução à D.C.I.
Todas as aulas teóricas eram ministradas de forma
magistral ou com auxílio de recursos audiovisuais e
nessa introdução ou fundamentação, uma faculdade
interessava-se em mostrar o histórico e a evolução da
D.C.I. em sua Instituição, o que é importante para o
aluno saber por que nessa faculdade a D.C.I. funciona
dessa maneira1. Todas as faculdades complementam
a aula de introdução com a filosofia da disciplina, os
objetivos (examinar, diagnosticar, elaborar planos de
tratamento, ordenar seqüências de tratamento e realizar o tratamento proposto), a finalidade de atuação,
que seria a de transmitir as habilidades (elaborar planos de tratamento adequado, realizar a promoção e
a manutenção da saúde, trabalhar em equipes interdisciplinares atuando como promotor de saúde e
acompanhar, propor e incorporar inovações técnicocientíficas no exercício da profissão) e, finalmente, os
professores discutem os critérios de avaliação do aluno, trabalhos extramuros, formação das duplas e tra6
5
4
Faculdades
dual de Campinas) - Piracicaba (n = 7 faculdades),
foram confeccionados questionários pré-estruturados
em que os dados eram obtidos mediante respostas
colhidas por um único autor deste trabalho e que
foram feitas aos chefes das D.C.I. durante os meses de
abril e maio de 2004, período este em que foram visitadas todas as faculdades e também obtidos os planos
de aulas teóricas para posterior levantamento estatístico.
Algumas faculdades não entregaram o plano de
aula por escrito (n = 2 faculdades) no dia da entrevista que era previamente agendada com o professor
responsável pela D.C.I., fazendo com que chegasse
posteriormente por “e-mail” ou por sedex. Em duas
(n = 2 faculdades), o plano de aula foi obtido através
do “site” da faculdade. Foram excluídas após a coleta
dos dados a Faculdade de Odontologia de PiracicabaUNICAMP e a Faculdade de Odontologia de BauruUSP, pois tais faculdades não apresentavam uma
D.C.I. constituída por um corpo docente próprio de
professores.
De posse dos assuntos teóricos ministrados durante o ano de 2004, contidos nos planos de ensino das
5 faculdades de Odontologia que caracterizaram o
universo deste trabalho, realizou-se teste estatístico
através da análise de conteúdo, para se determinar
quais os assuntos teóricos mais abordados pelas D.C.I.
avaliadas.
3
2
1
0
5
5
4
4
3
2
1
1
2
3
4
5
6
7
Conteúdos teóricos abordados em aulas específicas
1. Introdução à D.C.I.
2. Exame clínico integrado.
3. Planejamento de casos clínicos.
4. Inter-relação de procedimentos clínicos.
5. Seminários apresentados pelos alunos.
6. Implantes, terapêutica medicamentosa, princípios de ergonomia,
urgências no consultório, pequenos movimentos dentais, atualização
em materiais restauradores, manutenção dos resultados.
7. Traumatismo dental, uso do flúor, sucessos e fracassos em Endodontia,
técnicas e interpretação radiográfica, Odontogeriatria.
Gráfico 1 - Relação do número de faculdades analisadas
com os conteúdos programáticos teóricos.
Revista da ABENO • 5(1):60-4
61
O ensino na Disciplina de Clínica Integrada • Petroucic F , Albuquerque Júnior RF
balho clínico etc.
O assunto mais abordado no segundo dia de aula
teórica, foi o exame clínico integrado (n = 4 faculdades) e que, ao parecer de Edwards et al.5 (1982), representa um momento oportuno para adquirir conceitos e revisar aqueles já adquiridos. Através do
diagnóstico e da prevenção de doenças o aluno saberá como tratá-las e relacioná-las em um futuro planejamento, obedecendo uma seqüência lógica de tratamento, definindo prioridades terapêuticas
baseando-se na situação socioeconômica do paciente
e, assim poderá desenvolver a sua capacidade de relação humana e conscientizar-se da sua responsabilidade social, além de aprender a comunicar-se com os
profissionais de outras áreas de Saúde (médicos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas entre outros) almejando um correto diagnóstico, tratamento e proservação
da saúde do paciente como um todo8,9.
A seqüência mais indicada para o exame clínico
integrado seria a identificação do paciente, anamnese
e o motivo da consulta, o exame clínico propriamente dito (intra-oral e extra-oral), moldagem, radiografias e fotografias, orientação sobre higiene oral e exames complementares. Radiografias panorâmicas
complementam a visão do caso a ser planejado e são
importantes nos casos de extrações complexas, grandes reabilitações orais, colocação de implantes osseointegrados, assimetria facial ou mesmo por uma
queixa do paciente; são seguidas por radiografias interproximais das regiões de molares e pré-molares do
lado direito e do lado esquerdo, assim como radiografias periapicais nos casos de dente com dor, dente
fraturado ou com uma grande restauração, dente pilar
de uma prótese fixa, dentes com bolsa periodontal
maiores do que 3 mm, problemas de calcificação
dental e também locais onde existem um implante
osseointegrado. Esse protocolo obedece as diretrizes
propostas pelo FDA americano (1989) para a correta
quantidade de radiografia visando um diagnóstico,
segundo White et al.10 (1995).
A montagem de modelos de estudo em articulador
semi-ajustável (ASA), além de reproduzir em gesso a
situação dental do paciente, também auxilia para uma
futura análise da oclusão, reproduz presença de irregularidades, facilita a confecção de provisórios, moldeiras individuais, enceramento de diagnóstico e reproduz os antagonistas para as próteses a serem
confeccionadas, além de ser uma excelente técnica
para demonstrar o planejamento e convencer o paciente da necessidade do tratamento. (Acorde Colares, Pinkham3 (2001) e vivenciado em todas as 5 facul62
dades avaliadas por este trabalho.)
Às vezes são necessários exames laboratoriais para
concluir o exame clínico, e os mais abordados são os
exames de sangue onde se verifica o tempo de sangria,
o tempo de coagulação sangüínea, a dosagem de glicose e o hemograma, principalmente quando após a
anamnese observa-se problemas de saúde geral no
paciente. Outro exame laboratorial muito solicitado
é o histopatológico; destacam-se as biópsias incisional
e excisional nos locais onde lesões observadas visualmente relacionam-se com aspectos de malignidade, e
finalmente exames microbiológicos como a citologia
esfoliativa merecem destaque neste contexto.
Relembrar uma sistemática de exames complementares: radiografias, montagem dos modelos em
ASA e exames laboratoriais, faz com que o tempo de
aula teórica destinada ao exame clínico varie em média de 4 a 8 horas/aula conforme a faculdade analisada.
O próximo assunto mais abordado por ordem cronológica é o planejamento clínico integrado (n = 4
faculdades). É neste momento que o aluno começa a
assimilar uma cronologia para os procedimentos clínicos. Um planejamento visando um plano de tratamento pode ser feito de forma global ou parcial e está
diretamente relacionado com a condição financeira
do paciente, do tempo de duração do tratamento, em
casos de planejamentos duvidosos ou mesmo pela própria opção do paciente. Assuntos como montagem de
bandejas com materiais cirúrgicos/restauradores, tomam boa parte da aula das faculdades tentando organizar o tratamento futuro, e os materiais necessários
para um planejamento são os instrumentais clínicos,
fichas devidamente preenchidas, modelos de estudo,
transluminador, radiografias necessários, negatoscópio, ficha para a elaboração do orçamento. Orientação de higiene bucal, evidenciação de placa bacteriana, técnica de escovação, dieta e motivação são
procedimentos obrigatórios nas primeiras clínicas até
se obter uma confiança do paciente, fato este também
observado por Gorzoni, Rocha6 (2002).
Ênfase na Periodontia para a adequação do meio
bucal, realizada através de procedimentos básicos de
RAR são enfatizados e preconizados após o tratamento expectante das lesões cariosas ativas. Seguem-se as
extrações dentais necessárias com exceção dos dentes
inclusos, visto que na maioria dos casos necessita-se
de um tempo para a cicatrização, visando uma possível
prótese no local. As exodontias que aparecem em caráter de urgência são executadas somente nas faculdades onde paralelamente à D.C.I. funcione uma
Revista da ABENO • 5(1):60-4
O ensino na Disciplina de Clínica Integrada • Petroucic F , Albuquerque Júnior RF
clínica de urgência, todavia, na maioria das vezes, o
paciente já chega triado das outras disciplinas, pois o
paciente que ingressa na Clínica Integrada deve ser
um paciente bem motivado, com poucas endodontias,
restaurações e próteses para serem executados, pois
muitas faltas ao tratamento, imprevistos ou desistência
interferem no aproveitamento do aluno durante o
curso, visto que a parte prática representa uma grande
carga horária nesta disciplina.
Outro assunto abordado em todas as faculdades
avaliadas foi a inter-relação de procedimentos clínicos, abordando procedimentos cirúrgicos, restauradores e reabilitadores através da inter-relação Periodontia/Dentística e Periodontia/Prótese Dental.
Noções de cirurgias periodontais e tratamentos
restauradores ou reabilitadores alicerçam os planejamentos para a finalização dos casos clínicos dos pacientes, que geralmente terminam com uma pequena
reabilitação oral. Orienta-se, para tanto, mesma seqüência ordenada de fases de execução do tratamento, que é dividido em fase preparatória, onde são executadas as exodontias, endodontias, periodontias
básicas e cirúrgicas, a ortodontia e a colocação de
implantes osseointegrados; segue-se a fase restauradora, onde são feitas as dentísticas e as próteses; e a terceira e última fase é a da manutenção, onde através
de retornos periódicos, examinam-se as condições das
restaurações, a adaptação das próteses, a regressão de
lesões periapicais, as condições periodontais e finalmente reforça-se a motivação sobre higiene oral.
Seminários, no entender de Cunha4 (1999) e Candau, Oswald2 (1995) são uma excelente forma de adquirir atualizações de conhecimentos visto que muitas
das dúvidas e metodologias utilizadas ficam esclarecidas e definidas para todos da equipe.
Vários outros assuntos teóricos (n = 2 faculdades),
foram citados nos conteúdos programáticos, como:
• princípios de ergonomia;
• implante osseointegrado;
• terapêutica medicamentosa;
• urgências no consultório odontológico;
• pequenos movimentos dentais;
• atualização em materiais restauradores;
• manutenção dos resultados após reabilitação oral.
Apesar de esses serem assuntos de interesse para
a D.C.I., não foram citados por mais de duas faculdades de Odontologia avaliadas.
Foram assuntos teóricos ministrados em aulas específicas somente em uma única faculdade de Odontologia analisada pelo presente trabalho:
• traumatismo dental;
•
•
•
•
o uso do flúor;
sucessos e fracassos em Endodontia;
técnicas e interpretação radiográfica;
Odontogeriatria.
CONCLUSÃO
De acordo com o nosso trabalho, foi possível concluir que os conteúdos programáticos teóricos das
D.C.I. mais comuns nas faculdades públicas do estado
de São Paulo e que possuem corpo docente próprio
seguem a seguinte ordem cronológica:
• introdução à Disciplina de Clínica Integrada;
• exame clínico integrado;
• planejamento de casos clínicos;
• inter-relação de procedimentos clínicos;
• seminários apresentados pelos alunos.
ABSTRACT
Teaching in the discipline of integrated clinics
The objective of this study was to assess the classroom instruction contents of the discipline of integrated clinics of public dental schools in the state of
São Paulo. Based on interviews with the heads of the
discipline of integrated clinics of 5 dental schools during the year of 2004, the planning course contents
were evaluated. It was concluded that the theoretical
contents most frequently discussed, in chronological
order, were: introduction to integrated clinics; integrated clinical examination; planning of clinical cases;
relationship among clinical procedures; and students’
seminars.
DESCRIPTORS
Teaching, trends. Curriculum. 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Almeida AMF. Avaliação da aprendizagem e seus desdobramentos. Avaliação 1997;2(2):37-50.
2. Candau VM, Oswald MLM. Avaliação no Brasil: uma revisão
bibliográfica. Cad Pesq 1995;95:25-36.
3. Colares V, Pinkham J. “Domínio Lingüístico”: uma nova perspectiva na abordagem do paciente infantil. J Bras Odontol
2001;4(22):497-500.
4. Cunha MI. Avaliação da aprendizagem no ensino superior.
Avaliação 1999;4(4):7-13.
5. Edwards WS, Morse PK, Mitchell RJ. A practical evaluation
system for preclinical restorative dentistry. J Dent Educ
1982;46(12):693-6.
6. Gorzoni ML, Rocha SM. Tratado de Geriatria e Gerontologia.
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002.
7. Harris TL, Hodges RE. Dicionário de alfabetização. Porto Ale-
Revista da ABENO • 5(1):60-4
63
O ensino na Disciplina de Clínica Integrada • Petroucic F , Albuquerque Júnior RF
gre: Artes Médicas Sul; 1999.
ABENO 2004;4(1):38-41.
8. Lombardo I. Reflexão sobre o planejamento do ensino de
Odontologia. Rev ABENO 2001;1(1):17-24.
10. White SC, Atchison KA, Hewlett ER, Flack VF. Clinical and
historical predictors of dental caries on radiographs. Dento-
9. Peres AS, Olympio KPK, Cunha LSC, Bardal PAP. Odontologia
maxillofac Radiol 1995;24(2):121-7.
do Trabalho e Sistema Único de Saúde – uma reflexão. Rev
Aceito para publicação em 12/2004
Proponha, discuta,
participe!
A
Associação
Filie-se à
Brasileira de
Ensino Odontológico
ABENO
tem como OBJETIVOS:
Congregar todas as instituições de ensino odontológico no Brasil
Atuar objetivando a melhoria do ensino odontológico no País
Adotar medidas que objetivem a formação e o aperfeiçoamento
do pessoal docente e dos profissionais de Odontologia
Estimular as atividades de pesquisa na ciência odontológica
Incentivar as atividades de extensão e de educação em Saúde
junto às comunidades
Defender os interesses das instituições de ensino que a integram
Constituir-se fator de integração entre o ensino e a cultura nacional
Manter relações com as entidades representativas da categoria odontológica
Manter intercâmbio com entidades estrangeiras representativas da docência odontológica
Filiação e mais informações no site: www.abeno.org.br/novo_socio.html
64
Revista da ABENO • 5(1):60-4
Avaliação qualitativa e quantitativa
em Endodontia
A informatização de prontuários clínicos, por meio
do armazenamento de dados em disco rígido, possibilita
uma avaliação qualitativa e quantitativa em Endodontia.
Rocio Anahí Zaragoza*, Patrícia Helena Pereira Ferrari**, Marcelo dos Santos***
* Assistente do Curso de Aperfeiçoamento Básico em Endodontia
da Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico da
Odontologia da Faculdade de Odontologia da Universidade de São
Paulo. E-mail: [email protected].
** Doutora em Endodontia pela Faculdade de Odontologia da
Universidade de São Paulo.
*** Livre-Docente em Endodontia pela Faculdade de Odontologia da
Universidade de São Paulo.
RESUMO
Este trabalho se propôs a criar um banco de dados
eletrônico para armazenar informações de natureza
quantitativa e qualitativa relacionadas à clínica de Endodontia, em nível de graduação ou pós-graduação.
Na plataforma Microsoft Visual Basic® foram criadas
fichas clínicas que satisfizessem as necessidades da
clínica endodôntica: exame clínico, procedimentos
diários e obturações, além do arquivo de imagens. O
acesso do aluno ao aplicativo era feito por meio de
senha. Assim, ele preenchia todas as fichas clínicas
relacionadas ao caso clínico em tratamento num terminal de computador. Todas as imagens eram digitalizadas, o retorno do paciente para controle era agendado e o tratamento qualificado pelo professor. Com
base nas informações, é possível filtrar, classificar e
emitir relatórios clínicos, de imagens ou gráficos. Assim, o acompanhamento dos alunos de um curso de
graduação ou mesmo em cursos de extensão em Endodontia pode ser mais facilmente realizado e a evolução do aluno avaliada. Os resultados obtidos com
52 alunos no atendimento de 587 pacientes nos permitiram concluir que o banco de dados eletrônico
ampliou as possibilidades de avaliação do ensino de
Endodontia.
DESCRITORES
Informática médica. Tecnologia educacional. Va-
lidação de programas de computador. Ensino.
N
o contexto atual do ensino superior, as novas
tecnologias constituem um dos principais pilares
de sustentação para seu constante desenvolvimento.
A informática como facilitadora de acesso a informações é, sem dúvida, fator preponderante nessa
evolução. Ela, além de se tornar instrumental essencial
ao ensino, oferece novas e fascinantes ferramentas
para a educação na sua mais ampla abrangência e para
tudo que se refere à comunicação.
Cada vez mais a informatização dos processos de
busca de informações mostra-se em crescimento progressivo. A popularização do computador em todas as
faixas etárias e a disponibilização de recursos e ferramentas em diversas áreas e níveis contribuem positivamente para a formação e atualização do indivíduo1.
No processo ensino-aprendizagem uma das primeiras experiências ocorreu em 1988, na Universidade de Utah, em Salt Lake City, quando Stensaas e
Sorenson desenvolveram um programa de educação
médica assistido por computador, o “Hyperbrain”,
destinado à educação médica em diversos níveis: graduação, residência, pós-graduação e educação médica
continuada17.
Na Odontologia, os recursos multimídia também
vêm sendo empregados com seriedade. Exemplo dis-
Revista da ABENO • 5(1):65-74
65
Avaliação qualitativa e quantitativa em Endodontia • Zaragoza RA, Ferrari PHP, Santos M
so é o Departamento de Estomatologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), mais especificamente na Disciplina de Periodontia, que utiliza o
CBT (“Computer Based Training”), sistema de tutoria
multimídia baseado em recursos computacionais para
auxiliar o treinamento de pessoas.
No entanto, a linguagem informatizada não se resume a treinamento de recursos humanos, mas também deve ampliar a visibilidade metodológica e avaliativa na educação. Portanto, quer seja nas estratégias
utilizadas pelos docentes ou pelo método de avaliação
que será aplicado aos alunos, as inovações precisam
estar presentes de modo a alcançar os objetivos propostos, estimulando a autocrítica, evitando a dispersão e exigindo mais atenção dos próprios assistentes
de ensino2.
Ao discorrer sobre avaliação qualitativa e quantitativa de um grupo de alunos, poucas são as propostas
realmente inovadoras e eficazes. Os modelos, mesmo
que informatizados, remetem-nos às avaliações tradicionais.
Assim, o processo de avaliação na clínica de Endodontia, por exemplo, é realizado de modo geral, por
meio da determinação de trabalho mínimo a ser realizado durante o curso, ou seja, número de dentes
obturados. A avaliação qualitativa é traduzida pela
análise subjetiva do professor sobre aquele aluno.
Certamente, muitos professores que compreendem de fato que um processo de avaliação bem conduzido é fundamental, imprescindível e essencial para
o processo de aprendizagem vêem-se dentro das limitações dos processos arcaicos de avaliação. Porém,
para as atividades práticas, podem encontrar nos dias
atuais novas tecnologias em educação, utilizando inclusive métodos de ensino à distância, e, com a informática, buscar meios mais rápidos e efetivos de avaliar
seu aluno, auto-avaliar-se e contribuir assim para cumprir mais efetivamente seu papel7.
Devido às características da área de atuação odontológica, o controle das atividades clínicas em cursos
de Odontologia, que incorporam anamnese, exame
clínico, histórico dos atendimentos, elaboração dos
respectivos planos de tratamento, controles clínicos
e, além de tudo, a avaliação dos meios e métodos de
ensino, pode ser facilitado pela utilização de programas odontológicos específicos.
Baseado nesses aspectos, o presente estudo objetivou informatizar prontuários clínicos endodônticos,
armazenando os dados em disco rígido, possibilitando
avaliar qualitativa e quantitativamente alunos e assistentes.
66
MATERIAL E MÉTODOS
Como um projeto-piloto que possa ser ampliado
para outras especialidades e escolas, foram eleitos alunos de cursos de aperfeiçoamento e especialização em
Endodontia, num total de 57 alunos.
A plataforma Microsoft Visual Basic® foi selecionada em função da flexibilidade na criação de ferramentas ou programas personalizados.
Dessa forma, ao início do curso todos os alunos
eram fotografados e seus telefones e informações relevantes armazenados no cadastro de alunos. Os pacientes também foram fotografados no momento do
exame clínico quando tinham seus dados pessoais cadastrados em planilha adequada. Pacientes e alunos
eram vinculados a um número, que tornava-se o link
para os dados referentes aos procedimentos executados.
As fichas eletrônicas que contemplassem dados do
exame clínico-radiográfico, procedimentos diários de
cada profissional e sua evolução representavam exatamente as fichas tradicionais, que habitualmente
eram preenchidas pelos alunos (Figuras 1 a 3).
Os dados do exame clínico eram preenchidos primeiramente na folha impressa, sendo sempre uma
para cada elemento dental examinado. Consideravase concluído o exame clínico quando determinado o
diagnóstico e tratamento. Nessa ocasião, o paciente
também assinava um termo de consentimento livre e
esclarecido, no qual concordava com a utilização de
suas informações clínicas e radiográficas para fins
científicos e estatísticos conforme resolução CNS
nº 196, de 10 de outubro de 1996. Na seqüência, as
informações eram repassadas ao sistema, em terminal
de computador, processo este extremamente rápido.
A cada consulta, o aluno executava os procedimentos e anotava, baseado em códigos abreviados, tanto
na ficha impressa como no formulário eletrônico.
Na última sessão, ao concluir o procedimento de
obturação o aluno preenchia manualmente sua ficha
de evolução junto ao assistente, a quem entregava a
cartela de radiografias devidamente etiquetada com
os dados referentes ao caso (Figura 4).
O professor digitalizava todas as imagens relevantes e transportava ao sistema digital as imagens e a
conclusão do caso, fazendo neste momento avaliação
pertinente à qualidade do tratamento executado em
diferentes quesitos:
a) Grau de aproveitamento do aluno – avaliando freqüência e aproveitamento do tempo em clínica.
b) Controle de qualidade dos procedimentos clíni-
Revista da ABENO • 5(1):65-74
Avaliação qualitativa e quantitativa em Endodontia • Zaragoza RA, Ferrari PHP, Santos M
Figura 1 - Exame clínico.
Figura 2 - Procedimentos diários.
cos – avaliando visualmente as imagens radiográficas produzidas: processamento, posicionamento e qualidade dos procedimentos propriamente
ditos.
c) Responsabilidade e organização de prontuários – avaliando o preenchimento de formulários
clínicos, seja pela ausência de informações como
coerência das mesmas.
d) Evolução do aluno – avaliação periódica bimestral
do aumento de produção e do incremento da qualidade do seu trabalho.
Oportunamente em reunião de equipe o último
quesito de avaliação qualitativa do processo ensinoaprendizagem era discutido:
e) Responsabilidade do docente com seu grupo de
alunos – avaliando-se a percepção do professor
às dificuldades desse grupo, sua capacidade de
corrigi-lo em tempo hábil, a organização de seus
relatórios e envolvimento com a equipe.
Mensalmente, a partir dos dados armazenados e
com a ajuda de outra plataforma eletrônica, o Microsoft Access 97®, emitiam-se relatórios quantitativos,
permitindo acompanhar minuciosamente a evolução
de cada aluno com relação à sua turma e a turmas
anteriores com as seguintes informações:
a) Quantificação de casos por diagnóstico.
b) Quantificação de pós-operatórios pós-preparo químico-cirúrgico (PQC).
c) Quantidade de casos por tipo de tratamento.
d) Número médio de sessões dispensadas a cada dente – avaliando-se com cuidado os casos em que esse
valor estivesse fora da média, já que a dificuldade
de um caso ou outro poderia prejudicar a avaliação
de um determinado aluno ou grupo.
e) Número de dentes concluídos por aluno e por
turma.
No caso das avaliações quantitativas, inúmeros relatórios podem ser solicitados ao sistema. Para as análises acima descritas, foram criadas macros, uma solicitação de filtro automático pré-programado ao
sistema através de um botão.
Assim, a cada trimestre, foram realizadas reuniões
com o grupo de professores e posteriormente com a
turma. De posse das imagens clínicas e dos relatórios
estabeleciam-se discussões no sentido de contribuir
Revista da ABENO • 5(1):65-74
67
Avaliação qualitativa e quantitativa em Endodontia • Zaragoza RA, Ferrari PHP, Santos M
Figura 3 - Imagens.
Figura 4 - Cartela de radiografias devidamente identificada.
para a melhoria das atividades de ambas as partes.
DISCUSSÃO
RESULTADOS
Os resultados qualitativos estão no Quadro 1.
Os resultados quantitativos em relação ao diagnóstico estão na Tabela 1.
Os resultados quantitativos em relação aos pósoperatórios do PQC estão na Tabela 2.
Os resultados quantitativos em relação a tipo de
tratamento, número médio de sessões por dente, número de dentes por aluno (superiores e inferiores)
podem ser vistos, respectivamente, nos Gráficos 1, 2,
3 e 4.
“O advento da informática transformou os padrões de
68
transmissão de informações na cultura humana. Após séculos de registros realizados em papel ou pergaminhos, o
surgimento do registro em meio magnético, com toda sua
sofisticação e durabilidade, permitiu o desenvolvimento de
novos conceitos e possibilidades.” (Santiago, 1993 apud
Sigulem16, 1997).
A invasão da tecnologia em nossa vida é inevitável.
A tecnologia da informação, além de ser produto do
ambiente sociocultural dentro do qual se desenvolve,
Revista da ABENO • 5(1):65-74
Avaliação qualitativa e quantitativa em Endodontia • Zaragoza RA, Ferrari PHP, Santos M
Quadro 1 - Resultados qualitativos.
Resultados qualitativos
a) Freqüência e
procedimentos
Quantificação da freqüência do aluno às atividades clínicas
Média da turma:
84% de presença
Quantificação do número de procedimentos executados
Média da turma: 320 procedimentos em 18 meses
Processamento radiográfico
Adequado: 69%
Posicionamento das tomadas radiográficas
Adequado: 57%
Qualidade dos procedimentos propriamente ditos
Adequado: 68%
c) Organização
de prontuários
Quanto ao preenchimento
Adequado: 80%
Quanto à coerência
Adequado: 90%
d) Evolução
Correspondia à reavaliação bimestral dos quesitos anteriores. É de caráter individual e
gera variáveis as quais não cabe aqui o detalhamento.
e) Responsabilidade
docente
Correspondia à discussão em equipe dos resultados referentes aos itens anteriores.
b) Controle de
qualidade dos
procedimentos
clínicos
Tabela 1 - Resultados quantitativos em relação ao diag-
Tabela 2 - Resultados quantitativos em relação aos pós-
nóstico.
operatórios do procedimento químico-cirúrgico.
Diagnóstico
%
MIC
Ótimo
Bom
Regular
Péssimo
(MAS)
Ca(OH)2
68%
3%
2%
23%
37,89%
NDP
84%
4%
5%
7%
21,77%
PRP
78%
3%
3%
16%
Polpa normal
3,74%
Inflamação pulpar reversível
7,36%
Inflamação pulpar irreversível
Pericementite crônica
Abscesso dento-alveolar agudo
8,28%
Abscesso dento-alveolar crônico
20,52%
Pericementite secundária
0,44%
compreende toda a tecnologia concernente à coleta,
armazenamento, processamento, uso, comunicação,
transmissão e atualização de qualquer forma e tipo de
informação, independentemente de suas técnicas de
suporte.
Desse modo, ela inclui todas as tecnologias relacionadas à documentação, processamento de dados,
ciência da informação, tecnologias de computação,
robótica, inteligência artificial, comunicação, tecnologias espaciais, bem como todas as tecnologias relacionadas ao processamento de sinais gráficos e audiovisuais.
Todos os estudiosos da evolução do ensino em
qualquer nível têm, hoje em dia, a oportunidade de
lançar mão de novas tecnologias para otimizar o processo ensino-aprendizagem. Nesse contexto, a Odontologia passa a compreender que tais tecnologias podem beneficiar sobremaneira a evolução qualitativa e
quantitativa daqueles que a ela se dedicam.
A utilização de prontuários eletrônicos passa a ser
uma ferramenta bastante interessante na medida em
que pode maximizar o aprendizado. Inúmeras vanta-
MIC: medicação intracanal. MAS: uso de medicação sistêmica adicional.
gens advindas da utilização do prontuário eletrônico,
tais como localização imediata do registro do paciente, possibilidade de pesquisas e de relatórios estatísticos relativos aos atendimentos realizados, principais
doenças diagnosticadas, tratamentos ou procedimentos realizados e análise da evolução das atividades
realizadas.
A Sociedade Brasileira de Informática em Saúde
(SBIS) sediada em São Paulo, anexa à Escola Paulista
de Medicina (UNIFESP), desenvolve intenso trabalho
na implementação de padrões de registros médicos
no país, compatíveis com os determinados por organismos congêneres internacionais18.
Segundo o Parecer nº 38/97 do Conselho Federal
de Medicina (CFM) inexiste exigência de manter arquivo escrito no Código de Ética Médica e mesmo que
houvesse exigência assim formulada, esta não especificaria que os arquivos deveriam estar registrados em
papel, deixando claro, portanto, que poderiam ser
registrados em qualquer outro meio, inclusive eletrônico3.
Definitivamente, o que importa, é o sigilo das informações registradas e a sua recuperabilidade. Acreditamos portanto, que passo importante é estabelecer
o consenso de aceitar e buscar a viabilidade de utili-
Revista da ABENO • 5(1):65-74
69
Avaliação qualitativa e quantitativa em Endodontia • Zaragoza RA, Ferrari PHP, Santos M
200
194
180
160
Número de dentes
38%
30%
10%
22%
Retratamento
51
25
23
13
24
23
17
11
14 16 14
1
2
3
4
5
6
ro médio de sessões por dente. Obs.: o número total não
corresponde ao total avaliado, porque foram excluídos do
gráfico os casos nos quais foram necessárias mais de 6 sessões clínicas para concluir.
30
32
31
14
32
Número de sessões
28
25
20
9
11 12 13 14 15 16 17 18 21 22 23 24 25 26 27 28
Grupo dental
Gráfico 3 - Resultados quantitativos em relação ao número de dentes por aluno (superiores).
Número de dentes
Número de dentes
0
87
60
Gráfico 2 - Resultados quantitativos em relação ao núme-
38
40
10
80
0
60
20
131
116
100
20
Gráfico 1 - Resultados quantitativos em relação ao tipo
de tratamento.
30
120
40
Pulpectomia
Penetração
desinfetante
Conservador
50
140
22
22
24
20
15
10
12
14 13
11
10 9
4
5
0
14
13
11
13
6
31 32 33 34 35 36 37 38 41 42 43 44 45 46 47 48
Grupo dental
zarmos prontuários clínicos informatizados.
Para tanto, é fundamental utilizarmos um sistema
de backup confiável, o que, por si só, exclui o Microsoft Backup®, que acompanha o Windows®, por não
apresentar confiabilidade. Os sistemas ideais de backup são o CD-ROM, o ZIP Drive ou um disco rígido
escravo (“slave”). Outra questão importante é a segurança das informações, principalmente para computadores ligados em rede.
Na medida em que se desenvolvem os prontuários
eletrônicos dos pacientes, surgem novas perspectivas
na utilização das informações armazenadas pelo sistema, que possibilitam a adoção da inteligência artificial. Esta baseia-se num sistema capaz de emitir alertas
(com relação a anamnese por exemplo), lembretes
(sobre o controle clínico-radiográfico), definir “guidelines” (orientações de decisão), entre outros recursos, se aproximando da prática comum existente na
Medicina baseada em evidências.
Divagando na situação ideal, poderíamos sem pretensões pensar em recuperar toda a informação relativa à saúde de uma pessoa, independente da institui70
Gráfico 4 - Resultados quantitativos em relação ao número de dentes por aluno (inferiores).
ção onde o serviço tenha sido prestado. Este é ainda
um cenário futurista porém para que um dia se consiga efetuar a troca eletrônica de informações do prontuário do paciente há necessidade de se possuir um
conjunto mínimo de dados e serviços padronizados.
Esta é a meta da SBIS, que visa criar um cadastro único informatizado com toda a história clínica do indivíduo usuário dos serviços de saúde, interligando estes
dados, através da internet, a qualquer profissional da
Saúde que venha a atendê-lo18.
Informática médica é uma ciência e uma disciplina
científica que, a exemplo de outras disciplinas, como
a biologia molecular ou a neurociência, tem raízes na
história e nas idéias da teoria da informação. Caracteriza-se por seu objeto (Medicina) e seus métodos (os
de gerenciamento de informação). Informática médica evoca outras disciplinas, como a Matemática, a Estatística, a Lingüística e a Ciência da Cognição ou Filosofia, sendo adequada à abordagem experimental7.
Revista da ABENO • 5(1):65-74
Avaliação qualitativa e quantitativa em Endodontia • Zaragoza RA, Ferrari PHP, Santos M
Um dos impactos mais imediatos do acesso eletrônico às informações sobre o paciente ou aluno é o
aumento de segurança na obtenção da informação,
uma vez que a informação necessária está disponível
de imediato ou pode ser impressa de forma resumida
ou graficamente, a partir do programa de computador.
A formação do aluno deve ser progressiva e processual permitindo alcançar o grau de domínio e conhecimento de acordo com os objetivos do curso,
identificar as lacunas ou fragilidades em tempo hábil
de serem corrigidas durante o período de formação
e manter ou aumentar o controle da qualidade do
ensino pela instituição.
Os educadores devem portanto, iniciar já a evolução na tecnologia da informação em saúde, de tal
forma que se possa, gradativamente, aperfeiçoar programas existentes, procurando atingir a qualidade
máxima, qualidade ao menos compatível com a imensidão de informação que a comunicação eletrônica
nos permitirá.
Alguns dos resultados nos pareceram bastante interessantes por não termos feito anteriormente nenhum tipo de análise semelhante, como a avaliação
do processamento e posicionamento radiográfico de
cada aluno, o que permitiu verificar realmente quais
são os alunos negligentes ou aquele que, de fato, tem
dificuldade em Radiologia na clínica endodôntica.
Os resultados da avaliação da introdução de um
sistema de informação na área médica, denominado
COSTAR (1986), mostraram que o sistema disponibilizou as informações necessárias em 99% das vezes
contra os 72% avaliados quando a informação era
registrada em papel (1977). Outro estudo4, em contexto distinto mas sobre o mesmo sistema, verificou
que em 30% das vezes os prontuários em papel estavam disponíveis, contra 98% da disponibilidade no
sistema15.
O profissional da Saúde tem de ser cuidadosamente preparado para o exercício de sua profissão. Faz
parte disso a compreensão do que é a informação, do
significado que tem no contexto da sua atividade e de
como ela altera seu processo cognitivo, bem como de
onde buscá-la, como buscá-la e qual o impacto da sua
utilização na solução de dúvidas e problemas sobre os
quais se esteja atuando11.
Além disso, provavelmente a tranqüilidade do paciente aumentaria ao saber que, ao necessitar de uma
intervenção endodôntica, a equipe seria alertada sobre sua hipertensão ou diabetes. Isso certamente aproximaria esse atendimento da excelência buscada e
melhoraria sua avaliação.
Ao avaliarmos através de sistemas de informações,
devemos refletir sobre as seguintes vantagens16:
1. Comunicação: permite o acesso a fontes de informação por outros profissionais.
2. Recuperação e gerenciamento da informação: permite a pesquisa rápida e fácil, a recuperação e a
organização da informação a partir de uma extensa
variedade de fontes.
3. Aprendizado baseado no computador: permite
a seleção e o uso de aplicativos de ensino para o
auto-aprendizado.
4. Gerenciamento do paciente: informática biomédica: uso de bases de dados e aplicativos estatísticos para o gerenciamento de pacientes e apoio
à decisão: uso de sistemas especialistas e bases de
conhecimento na assistência aos pacientes.
5. Gerenciamento do curso: entendimento dos conceitos relacionados com o gerenciamento prático
do curso e o uso da informática para direcionar
metas.
“Por que se tornar um educador?”, pergunta Rubem Alves. E comenta:
“Esta pergunta parece, de saída, impertinente. Não há coisa mais nobre que educar. Sou educador porque sou apaixonado pelo homem. Desejo criar condições para que cada
indivíduo atualize todas as suas potencialidades. A educação é a base de uma sociedade democrática. Vocês poderiam multiplicar afirmações semelhantes a estas indefinidamente. Embalados por estas doces canções acerca dos
elevados propósitos da sua profissão, o educador pode continuar a educar sem maiores problemas. Mas será isto mesmo? A afirmação de que a educação é a base de uma sociedade democrática não pode ser usada ideologicamente
para justificar proibição do voto aos analfabetos? O mundo
do educador não divide as pessoas em educadas e não educadas, superiores e inferiores? Será verdade que a educação
é um processo para fazer com que o indivíduo atualize as
suas potencialidades ou exatamente o inverso, um processo pelo qual a sociedade leva o indivíduo a domesticar estas
mesmas potencialidades, canalizando-as de sorte a transformá-las em pensamentos e comportamentos socialmente
aceitos? A educação transforma ou reproduz a sociedade?”
(Rubem Alves, 1993 apud Sigulem16, 1997).
Nos anos 60, ficou claro que um real avanço na
educação não poderia ser obtido quando se cuidava
de cada parte do sistema de forma isolada e independente. Seria impossível substituir os métodos instrucionais ou as formas de apresentação dos conteúdos
curriculares por máquinas ou métodos atuais sem mu-
Revista da ABENO • 5(1):65-74
71
Avaliação qualitativa e quantitativa em Endodontia • Zaragoza RA, Ferrari PHP, Santos M
danças reais na configuração do processo de educação. Materiais curriculares (incluindo todos os tipos
de mídias), estratégias de ensino e filosofia de ensino
são tão inter-relacionados e interconectados que uns
não podem mudar sem que se considerem mudanças
nos outros. Inspirada pelo desenvolvimento de outras
disciplinas, como a Engenharia e a Ciência do Gerenciamento, por exemplo, uma abordagem holística foi
sendo gradualmente desenvolvida, de modo a garantir que um problema e sua análise não fossem isolados
de seu contexto ou ambientes.
Não é evidente que cada problema de educação
ou treinamento deva ser solucionado pela utilização
de novas mídias ou diferentes estratégias educacionais: a abordagem holística sugere que se fique alerta
para a presença de um problema e para a descoberta
de sua solução. Isso resultou na expressão “tecnologia
da educação”, cuja definição foi formulada nos Estados Unidos pela Associação para a Comunicação e a
Tecnologia Educacional (AECT): tecnologia da educação é um processo complexo e integrado que envolve pessoas, procedimentos, idéias, dispositivos e
organização para analisar problemas e projetar, implementar, avaliar e gerenciar soluções, envolvendo
todos os aspectos do aprendizado humano.
Todo este repensar da educação tem ocorrido pela
verificação da ineficiência dos sistemas atuais de ensino. Recente decisão do Ministério da Educação e do
Desporto (MEC) recomendou que todos os alunos
passem por uma reavaliação ao final de seus cursos.
Os resultados da primeira avaliação são catastróficos
e assustadores: apenas 71 faculdades (11% do total)
de Direito, Engenharia Civil e Administração obtiveram a nota máxima no Exame Nacional de Cursos.
Isso torna mandatório que se reflita sobre o que está
sendo ensinado, como está sendo ensinado e por
quem está sendo ensinado8.
Nas nossas avaliações bimestrais, pudemos identificar e quantificar, por exemplo, os alunos com abstenções freqüentes, correlacionar com atrasos na conclusão dos casos e eventuais negligências do professor
com relação a este aluno. Obviamente, este pode tratar-se da bola de neve que culmina na péssima formação profissional e nos índices alarmantes de reclamações contra cirurgiões-dentistas.
A partir da percepção das mudanças, das tarefas
dos educadores, dos avanços tecnológicos, da massa
de novas ferramentas desenvolvidas, não era mais possível continuar educando da maneira como vinha
acontecendo há anos.
Nos Estados Unidos, a National Library of Medici72
ne (NLM) começou em 1982 a apoiar programas de
graduação em Informática Médica e hoje utiliza dois
mecanismos de prêmios para incentivá-los: “Institutional Training Grants” e “Individual Fellowships”. Dez
programas em quatorze instituições oferecem estes
prêmios. A Universidade de Harvard, a partir de um
subsídio institucional recebido da Hewlett Packard,
em 1984, iniciou o desenvolvimento de aulas com auxílio de computador e instituiu, em 1985, um programa denominado “New Pathway”, que faz extensivo uso
de métodos educacionais ativos, como o “Problem
Based Learning” (PBL), com gerenciamento de informações, escolha cuidadosa de conteúdo e discussões
em pequenos grupos de alunos. O elemento-chave do
currículo do “New Pathway” foi a extensiva utilização
da tecnologia da computação em todas as formas possíveis12,13.
Não se trata de uma cobrança intensa nem ditatorial do aluno, esses programas visam auxiliar o corpo
docente a identificar as dificuldades do aluno, seja na
sua organização ou técnica, mais do que isso, permite
explicar com números e gráficos suas falhas, dandolhe a oportunidade de buscar melhorar.
Em muitos casos, tivemos a oportunidade, fazendo
uso da avaliação qualitativa de preenchimento e coerência, de mostrar ao aluno que ao fazer ou preencher
um exame clínico inadequado, ele pode ter atrasado
um tratamento e eventualmente até provocado dor
num paciente. Assim, o próprio aluno pode identificar
se foi negligente no preenchimento dos dados, ou se
lhe faltam informações teóricas para solucionar o problema.
No Brasil, apesar de não existirem linhas específicas de financiamento para o desenvolvimento de aplicativos educacionais, muitos projetos de pesquisa foram submetidos, aprovados e financiados.
Assim, começaram a ser desenvolvidos os aplicativos educacionais nacionais. Inicialmente, utilizando
a pouca tecnologia então disponível, esses programas
educacionais eram apenas livros eletrônicos. No entanto, eles permitiam que os alunos estudassem nos
horários mais convenientes, que as aulas fossem repassadas tantas vezes quanto fosse necessário, que se explorassem animações e figuras; e, finalmente, proporcionavam a realização de uma avaliação do aluno
sobre o assunto, com sugestões de leitura complementar e de reforço no caso de erros nas respostas às questões14.
A seguir, com a introdução da multimídia, esses
programas passaram a permitir que o usuário “navegasse” pelo seu conteúdo, através de links, em função
Revista da ABENO • 5(1):65-74
Avaliação qualitativa e quantitativa em Endodontia • Zaragoza RA, Ferrari PHP, Santos M
do seu interesse no momento. Além de todas as vantagens da multimídia na integração de textos, sons e
imagens, os programas incorporaram a interatividade, permitindo a troca de informações entre eles e
seus usuários.
O que acontecerá no futuro? Ainda existem problemas com a educação em todo o mundo; no entanto, as chamadas para uma “solução imediata” estão
pressionando para que as novas tecnologias sejam
adotadas. As estruturas básicas da educação ainda são
as mesmas, e a maior parte do ensino continua sendo
oferecido em salas de aula, com grupos de estudantes
que são orientados por um único professor. Essa prática antiga é, provavelmente, o maior impedimento
para a melhoria do aprendizado.
Até que os pedagogos acreditem que novos tempos
exigem novas configurações para ensinar e aprender,
continuaremos encontrando apenas bolsões de inovação que podem fazer ou não fazer muita diferença
no que concerne ao avanço global da aprendizagem.
Os educadores têm um papel a desempenhar neste
novo cenário: usar a tecnologia da educação.
Quanto à aceitação jurídica desses documentos,
sabe-se que as leis ainda ficam aquém dos avanços
tecnológicos, como os dicionários, por exemplo, mas
é inútil e improdutivo tentar estagnar a ciência acomodando-a a leis desatualizadas6,9.
A leis atuais (MP 2.200-2, de agosto de 2001) determinam que os arquivos referentes aos prontuários
clínicos odontológicos devem ser guardados por 20
anos. Permitem que os arquivos sejam eletrônicos desde que validados juridicamente através de certificado
digital, que por sua vez, é emitido por autoridades
certificadoras, já existentes no Conselho Federal de
Medicina, por exemplo5,19.
Assim, em 2003, foi realizado pelo Conselho Regional de Odontologia do Rio Grande do Sul (CRORS) o Fórum da Legalidade dos Arquivos Digitais na
Odontologia, que esclareceu a validade jurídica, agora inquestionável. Sugeriu-se a aquisição dos certificados digitais em autoridade certificadora, credenciada
pelo ICP-Brasil (Instituto de Chaves Públicas), a fim
de resguardarem-se, garantindo a identidade, integridade e o não-repúdio de seus documentos digitais, e
assim armazená-los, dispensando o suporte em meio
físico. A autenticação com fé pública dos documentos
devidamente assinados poderia então ser feita pela
internet ou através do CRO-RS, servindo como intermediário5.
O primeiro serviço a desenvolver ferramentas de
certificação digital foi o 8º Cartório de Belo Horizon-
te-MG. O uso dos arquivos digitais pelo CRO-SP ainda
está em estudo pela Comissão de Normatização de
Novos Procedimentos e Biomateriais em Odontologia – categoria Legislação dos Documentos Óticos e
Magnéticos na Odontologia, formada especialmente
para tratar do assunto.
Os últimos 50 anos possibilitaram mudanças e melhorias no processo de aprendizagem, tornando-o
mais vibrante. Os problemas críticos de números e
espaço, especialmente em nações em desenvolvimento, podem ser evitados por configurações novas e sistemáticas de ambientes de aprendizado em que os
professores, a tecnologia e os métodos darão sua melhor contribuição para o processo de ensino e aprendizado.
Fazer menos é negar os avanços dos últimos 50
anos. Fazer mais é lançar a educação em direção ao
século XXI (Ely, Plomp, 1989 apud Sigulem16, 1997).
CONCLUSÕES
A investigação científica, criação do método, sua
aplicação durante dezoito meses e a avaliação periódica dos resultados qualitativos e quantitativos permitiram-nos concluir que:
1. A informática deve ser aceita e validada como importante e, talvez, fundamental para o enriquecimento do processo ensino-aprendizagem.
2. O banco de dados eletrônico não só aprimorou os
métodos de avaliação e organização na clínica endodôntica, como estimulou positivamente alunos
e professores.
3. O sistema informatizado pode ser utilizado para
armazenagem de dados e avaliações qualitativa e
quantitativa dos cursos.
AGRADECIMENTOS
Elaine Cristina Denadai.
ABSTRACT
Qualitative and quantitative evaluation
in endodontics
This study proposes the creation of an electronic
data bank to store quantitative and qualitative information related to endodontics at both undergraduate
and graduate levels. Clinical registers were made on
the Microsoft Visual Basic® platform to fulfill the needs
of the practice of endodontics: clinical examination,
daily procedures and root filling, as well as the image
file. Students’ access to the application was possible
by means of passwords. Thus, they were able to fill in
all clinical registers related to the clinical case under
treatment in a workstation. All images were digital-
Revista da ABENO • 5(1):65-74
73
Avaliação qualitativa e quantitativa em Endodontia • Zaragoza RA, Ferrari PHP, Santos M
ized, the patient’s return was scheduled for control
purposes and the treatment was qualified by the teacher. Based on this information, it is possible to filter,
classify and issue clinical reports, as well as images or
graphs. Therefore, to attend to undergraduate or
graduate students of endodontics may become easier,
as well as to evaluate the student’s progress. The results
obtained with 52 students who treated 587 patients
led to the conclusion that the electronic data bank has
increased possibilities for evaluation in endodontics
teaching.
8. Lemos EM. Desenvolvimento de aplicativo computacional, valendo-se da hipermídia como recurso de ensino-aprendizagem
em Endodontia [Dissertação de Mestrado]. São Paulo: Faculdade de Odontologia da USP; 2001.
9. Meister M, Masella R, Jerrold L. Litigation, legislation and ethics. An ethical dilemma. Am J Orthod Dentofacial Orthop
1998;114(3):358-60.
10. Organización Panamericana de la Salud. La informática y la
telemática en el campo de la salud - usos actuales y potenciales.
Washington: OPS; 1990.
11. Pereira CB. Introdução à informática na Odontologia. São Paulo: Pancaste; 1996.
DESCRIPTORS
Medical informatics. Educational technology.
Software validation. Teaching. 
12. Sanchez J, Donado-Campos J. A multimedia learning system to
teach epidemiology. In: Proceedings of First European Conference on Health Telematic Education: 1996; Corfu Island.
13. Sanderink GC. Imaging: new versus traditional technological
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
aids. Int Dent J 1993;43(4):335-42.
1. A informática nos consultórios. Rev Assoc Paul Cir Dent
14. Santos N. Multimídia na Educação: da teoria a prática. In: XV
Congresso da Sociedade Brasileira de Computação - XVI Jor-
1998;52(6):423-30.
2. Abordagem pedagógica - informática. Universidade Estácio de
Sá 2004. Disponível em: URL: http://www.estacio.br/graduacao/
nada de Atualização em Informática: 1995; Canela.
15. Schank RC. Active learning through multimedia. IEEE MultiMedia 1994;1(1):69-78.
odontologia/pedagogica.asp.
3. Arquivos digitais. Manifestações do Conselho Federal de Medi-
16. Sigulem D. Um novo paradigma de aprendizado na prática
cina. Disponível em: URL: http://www.cleber.com.br/cfmdigita.
médica da UNIFESP/EPM [Tese de Livre-Docência]. São Pau-
html.
lo: Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Me-
4. Bronzino JD. The Biomedical Engineering Handbook. 2nd ed.
Florida: CRC Press and IEEE Press; 1995.
dicina; 1997.
17. Sigulem D, Anção MS, Ramos MP, Leão BF. Sistemas de apoio à
5. Conselho Regional de Odontologia de São Paulo. Conselhos
decisão em Medicina. In: Atualização terapêutica - manual prá-
Regionais de todo o país discutem legalidade dos arquivos di-
tico de diagnóstico e tratamento”. Disponível em: URL: http://
gitais. Jornal do CROSP 2003; jun-ago. p. 18.
www.virtual.epm.br/material/tis/curr-med/sad_html/sistema.htm.
6. Jerrold L. Litigation, legislation, and ethics. The problem, electronic data transmition and the law. Am J Orthod Dentofacial
Orthop 1998;113(4):478-9.
18. Sociedade Brasileira de Informática em Saúde – SIBIS. Disponível em: URL: http://www.sbis.org.br.
19. Wenzel A, Grondahl HG. Direct digital radiography in the den-
7. Lage-Marques JLS. Tecnologia e Informática – Odontologia na
era digital (Debate). Opinion makers: tecnologia e informática.
tal office. Int Dent J 1995;45(1):27-34. Review. Erratum in: Int
Dent J 1995;45(6):391.
Coord. científica de Carlos Alberto Dotto, João Humberto Antoniazzi. São Paulo: VM Comunicações; 2002.
74
Aceito para a publicação em 12/2004
Revista da ABENO • 5(1):65-74
Saber pensar
Saber pensar desdobra duplo horizonte combinado: de um lado, exige
habilidade metodológica; de outro, habilidade política.
Pedro Demo*
* Professor Titular do Departamento de Sociologia da Universidade
de Brasília. E-mail: [email protected].
S
aber pensar é a teoria mais prática que existe, ou
a prática mais teórica que existe. Já não cabe separar pensar de intervir, ainda que as duas atividades
tenham sua tessitura própria. Pensar é atividade tipicamente mental e intervir é atividade eminentemente
prática, mas ambas se entrelaçam e fazem um todo
só12. Há outra face interessante do saber pensar que é
a possível confluência entre epistemologia e política
social. Do ponto de vista epistemológico, saber pensar
supõe traquejo metódico para lidar de maneira adequada com o conhecimento e seu processo de construção, desconstrução e reconstrução, enquanto, do
ponto de vista da política social, saber pensar é pilastra
crucial da cidadania ativa, para saber melhor intervir.
Dito de outro modo, saber pensar é o emblema da
cidadania inteligente. Relembrando Paulo Freire, saber “ler” a realidade, para a desconstruir criticamente
e para nela intervir alternativamente. Com isto dizemos também que saber pensar não se restringe ao lado
técnico, metódico (métodos e técnicas de pesquisa,
por exemplo), mas abarca a politicidade do conhecimento11. Se definirmos politicidade como habilidade
humana de fazer, em parte, seu destino (deixando a
condição de objeto, para assumir a de sujeito participativo e criativo), saber pensar é ferramenta das mais
decisivas. Está na base da autonomia possível16. Não
somos seres completamente autônomos, porque dependemos sempre dos outros (os outros também nos
constituem), não sendo viável historicamente autonomia absoluta (destruiria, ademais, a autonomia dos
outros). Mas podemos alargar enormemente, indefinidamente, a autonomia, se soubermos pensar, conhecer, aprender6. Faz parte do saber pensar não só
conquistar espaço próprio, mas saber conviver com o
espaço dos outros.
SABER PENSAR E COMPLEXIDADE
Nosso cérebro é máquina complexa, não linear,
de estilo autopoiético26, que funciona do ponto de
vista do observador, interpretativamente, não passivamente como se fosse máquina de fotografia ou copiador xérox. Nada que está fora entra diretamente na
mente, porque é mediado pelos sentidos e pelo cérebro, que constroem, desconstroem e reconstroem a
imagem interpretativa, de dentro para fora. Mesmo
que quiséssemos copiar, somos incapazes a rigor, porque não reproduzimos, mas reconstruímos a cópia.
Entretanto, é sempre possível reduzir o aluno a objeto de cópia, quando o condenamos a ouvir, tomar nota
e fazer prova, tudo de maneira reprodutiva. Na prática, porém, assim como nenhum povo copia a cultura
dos outros, mas “acultura” a cultura dos outros, somos
seres hermenêuticos no sentido de que não nos bastamos com a estrutura sintática recorrente, mas nos
embrenhamos sempre na semântica dos significados
inevitavelmente subjetivos15. O computador, por ser
linear, não consegue fazer isso (ainda)13 e por isso
apenas copia, processa, armazena informação, sendo
nisto, porém, de utilidade fantástica. Procede por algoritmo (seqüências lógicas recorrentes), não por
desconstrução e reconstrução autopoiética.
O nível da sintaxe é o da gramática – de toda dinâmica complexa pode-se fazer uma gramática, como
ocorre com qualquer língua. Tem uma estrutura recorrente, apesar de parecer, para quem não a fala,
algo particularmente caótico. O nível da semântica é
o da subjetividade irrepetível que, escorando-se nos
padrões da gramática, com ela brinca, atribuindo sentidos variados conforme a ocasião, entonação, relação, espaço e tempo. Pode tomar o silêncio ou a ausência como informação e presença, apreender lógica
na falta de lógica e vice-versa, vislumbrar em indícios
mínimos pista decisiva, criar novidades e refazer tudo
sempre. Esta complexidade do saber pensar, que não
Revista da ABENO • 5(1):75-9
75
Saber pensar • Demo P
se encerra no manejo lógico, pode ser observada na
redefinição de inteligência, como propõe, por exemplo, Hofstadter23 (2001), ao discutir diferenças cruciais entre a inteligência humana e a assim dita “artificial”:
“Ninguém sabe por onde passa a linha divisória entre o
comportamento não inteligente e o comportamento inteligente; na verdade, admitir a existência de uma linha divisória nítida é provavelmente uma tolice. Mas, certamente,
são capacidades essenciais para a inteligência: responder a
situações de maneira muito flexível; tirar vantagens de circunstâncias fortuitas; dar sentido a mensagens ambíguas
ou contraditórias; reconhecer a importância relativa de
elementos de uma situação; encontrar similaridades entre
nada possui contornos estritamente lógicos e definidos, as expectativas são também conflitantes em quem
comunica e em quem recebe a comunicação, já que
o ambiente humano é sempre naturalmente estratégico, polarizado. Quando nos comunicamos também
influenciamos e muitas vezes predomina a influência
sobre a comunicação, à revelia do entendimento de
Habermas21 (1989), que nega o caráter estratégico da
ação comunicativa32. Sobretudo os sociólogos não
conseguem aceitar que a ação comunicativa possa darse neste limbo angélico, porque a politicidade invade
todas as entranhas2,3,27,33. Quando pessoas inteligentes
se comunicam, também se confrontam e estabelecem
entre elas relações de enorme complexidade não linear.
situações, apesar das diferenças que possam separá-las; encontrar diferenças entre situações, apesar das que possam
uni-las; sintetizar novos conceitos, tomando conceitos anteriores e reordená-los de maneiras novas; formular idéias
que constituem novidades. Aqui nos encontramos diante
de um aparente paradoxo. Por sua própria natureza, os
computadores são as criaturas mais inflexíveis, incapazes
de desejar e obedientes às regras. Por mais rápidos que
possam ser, são também, ao mesmo tempo, a síntese da
inconsciência”23.
Estamos aqui bem longe do tradicional QI (quociente de inteligência), tendencialmente restrito ao
manejo lógico-matemático e ao domínio de conteúdos repetitivos. Não se descarta o manejo lógico-matemático, porque é habilidade importante da mente,
mas inteligência não pode ser vista apenas como traquejo linear, por mais que possa ser “virtuoso” (por
exemplo, um violinista virtuoso: enquanto apenas reproduzir a peça permanece medíocre, sem falar que
a figura mais fundamental é o compositor que criou
a peça). Na definição de Hofstadter, nota-se claramente a tessitura complexa não linear da inteligência humana, tipicamente interpretativa, criativa, questionadora, potencialmente disruptiva. Não se satisfaz em
apenas afirmar, confirmar, verificar, mas lança-se a
desbravar horizontes pela via do questionamento sistemático. Ser inteligente não é apenas surpreender o
traçado lógico do cenário, suas linhas recorrentes,
mas descobrir o que nele se esconde, o que está submerso, o que poderia significar, que tipo de mensagem propõe, como ocorre com o fotógrafo inteligente. Não se contenta em “retratar”, mas busca impor a
toda foto um fundo interpretativo surpreendente. Podemos entender mensagens confusas, bem como confundir mensagens, porque na comunicação humana,
76
SABER PENSAR E PADRONIZAÇÃO
MENTAL
Como toda dinâmica complexa possui traços
lineares (códigos), a mente também utiliza, para
apreender a realidade, estratégias lineares. É o que
ocorre em particular no conhecimento dito científico,
mormente em sua versão modernista7, devotada a descobrir leis na realidade e embalada pela expectativa
de, um dia, poder reduzir tudo o que existe a alguma
fórmula matemática absolutamente simples
(“everything theory”)1,19. Imaginava-se que a realidade
seria complexa na aparência, na superfície. Pela via
da análise (decomposição da realidade em partes cada
vez menores) seria viável chegar ao fundo da realidade e lá embaixo encontraríamos estrutura simples,
lógico-experimental, matemática. O padrão predominaria sobre a dinâmica. Toda teoria científica tende
a acreditar nisso, porque reduz o complexo a estruturas mais simples, à medida que traça regularidades,
que não só seriam mais facilmente manejáveis pelo
método científico (positivista, neste caso)20, como
principalmente seriam a essência do fenômeno (coincidência entre epistemologia e ontologia)10. Esta expectativa desmoronou com o advento de posições não
só críticas, mas principalmente autocríticas do conhecimento científico no assim chamado “pós-modernismo”29,31, capazes de perceber seus limites perante a
realidade indevassável pela via das padronizações recorrentes. Tais padronizações metódicas não captam
a dinâmica, mas apenas a regularidade da dinâmica.
Mesmo assim, este procedimento obteve resultados e glórias incontáveis e decisivas, como se observa
no rol das tecnologias inventadas através dos tempos,
em especial nas tecnologias bélicas conhecidas e informáticas atuais. A mente possui este lado também.
Revista da ABENO • 5(1):75-9
Saber pensar • Demo P
Perante o desconhecido, tende a proceder em três
lances mais ou menos típicos: primeiro, procura no
desconhecido o que haveria de conhecido, familiar;
segundo, procura o que se repete; terceiro, se nada
disso funciona, impõe uma ordem mental e damos a
isto o nome de teoria. Nesta trajetória, entretanto,
aparece o reverso da medalha intrinsecamente, à medida que o esforço por padronizar é reconstrutivo da
realidade, não reprodutivo. Não temos na mente a
realidade como tal, mas imagem reconstruída dela,
de dentro para fora, autopoiética. Trai o lado interventor deste procedimento, porque tentamos prender a dinâmica em estruturas que condizem muito
mais com a expectativa do método, do que com a
dinâmica não-linear. Para entender o não-linear recorremos ao truque sempre em parte bisonho de o
linearizar. Na teoria está um esforço de estruturação
metódica da realidade, não a realidade como tal, que
sempre acaba nos escapando. Não adianta procurar
um fundo do que não tem fundo.
Temos, assim, que reconhecer a face padronizadora da mente e seus êxitos monumentais, por mais
que hoje isto não nos satisfaça. Pesquisar não é reproduzir a realidade, mas construir interpretações inteligentes. Por não refletirem estas diretamente a realidade, pois são interpretações subjetivas, ainda que
metodicamente reguladas, as explicações são apenas
aproximações possíveis e sempre frágeis, cuja finalidade não é encerrar, mas animar a discussão infinda.
Observando nossas tecnologias mais sofisticadas, apesar de serem artefatos lineares, revelam criatividade
considerável, porque no fundo do conhecimento não
emergem apenas procedimentos lógicos recorrentes,
mas a rebeldia contestatória. Inventamos tecnologias
porque o que estava dado não era tudo que desejávamos. A realidade que se nos apresenta não é o limite
de atuação, mas o palco infindo de desbravamentos
irrequietos. Por trás do que se mede, observa, cerca,
há dinâmicas indomáveis inscritas na própria tessitura
dialética da natureza. Esta é unidade de contrários,
não apenas superfícies lisas e tranqüilas. Por exemplo,
entender o que não se diz no que se diz, tomar o silêncio como mensagem, falar muito para não dizer
nada implicam o manejo criativo da semântica da linguagem, tipicamente complexa não linear. Mas pode
contribuir muito para sua compreensão o esforço de
padronização de tais dinâmicas, desde que não se reduza o complexo ao simples, mas tomemos truques
simplificadores como portas de entrada para um mundo sem fundo. Assim, perceber num instante, por obra
do bom senso, em dado cenário muito complicado
qual seria a solução mais adequada, é expressão de
criatividade acentuada, mas igualmente da capacidade de padronização. Quem vê tudo, não vê nada. Trata-se de ver, num emaranhado de fatores, aquele ou
aqueles que seriam os mais estratégicos e ficar com
eles. Há nisto muito de criatividade tipicamente não
linear, mas também a argúcia padronizadora que é
capaz de perceber linhas na falta de linhas. Ao final,
em ambos os casos temos intervenções interpretativas,
porque, mesmo padronizando, a mente o faz para
interpretar, não para reproduzir.
POLITICIDADE DO SABER PENSAR
Conhecimento é a habilidade de questionamento.
Enquanto não se questiona, não se conhece. Apenas
se reproduz. É o que sempre alegou a “teoria crítica”17 – a qualidade da teoria está em sua habilidade
crítica, porque, ao tentar compreender a realidade,
não a retrata, mas a desconstrói e reconstrói. Conhecimento possui potencialidade disruptiva, no sentido
de que seu signo é rebeldia, confronto, contestação.
Porque não aceitamos a realidade dada ou não a tomamos como horizonte final, nos pomos a contestar,
para interferir, superar. Há 40 mil anos ainda morávamos em cavernas. Hoje moramos em Nova Iorque.
Se compararmos uma caverna com Nova Iorque, temos uma idéia do progresso que inventamos, a preço
do conhecimento disruptivo, por mais que esta trajetória esconda incontáveis problemas éticos7. Conhecimento é dinâmica ambígua: o mesmo conhecimento que esclarece, emancipa, é o mesmo que
imbeciliza, convive com censura, coloniza22. Esta condição apenas escancara ainda mais a politicidade intrínseca do conhecimento: com ele não só “pensamos”, “conhecemos”, sobretudo interferimos. Ao
contrário do que o positivismo prega, o ambiente político não é espúrio, enfiado artificialmente de fora,
mas mora dentro da mente humana, porque não sabemos pensar sem compromisso subjetivo e social,
sem falar da localização multicultural. Neste sentido,
ideologia não é excrescência, mas contraluz. Método
não é apenas procedimento formal, é interferência.
Precisamente é procedimento de interferência, cuja
vantagem é de ser metódico, sistemático, testável.
Os termos não podem ser embaralhados logicamente. Lógica é procedimento formal, faz parte do
mundo da forma. Não prova, por isso, a existência de
nada, apenas possível dedução/indução formal. Existência não se reduz à lógica, porque na forma não
mora ninguém. Temos forma, mas não somos apenas
forma. Existir é modo de ser e de vir a ser9 – há nele
Revista da ABENO • 5(1):75-9
77
Saber pensar • Demo P
“modo”, forma, mas há sobretudo história irreversível.
Esta é tipicamente complexa, não linear. Existência
implica existências anteriores, por origem histórica e
evolucionária, mas a elas não se reduz, nem a elas
poderia voltar. Por isso, qualidade formal e política,
logicamente horizontes diversos, se entrelaçam no
existir. Uma está dentro da outra, sendo uma da ordem dos meios (qualidade formal), e a outra dos fins
(qualidade política). Facilmente separamos as coisas – procuramos qualidade política fora, em situações
marcadas não tanto pela politicidade, quanto por estereótipos da “política”. Na universidade, extensão
está separada do currículo, o que insinua que a formação política não seria curricular. Outros vão procurar a formação política do aluno no “centro acadêmico”, sem perceber que este lugar é importante, mas
nem de longe o mais profundo. O mais profundo está
no próprio exercício da qualidade formal. À medida
que abandonamos o argumento de autoridade em
favor da autoridade do argumento, aprendemos a argumentar, fundamentar, não a impor, aceitamos escutar os outros com atenção e responder civilizadamente com contra-argumentos, partilhamos o saber
pensar em nome de consensos frágeis e democráticos,
não estamos apenas realizando a qualidade formal,
mas intrinsecamente a qualidade política.
Reconhecemos hoje mais facilmente que pesquisa
é princípio educativo. Com ela não só exercitamos
método, forjamos sobretudo autonomia4. O aluno
constitui-se sujeito mais visivelmente, à medida que
descobre o lado disruptivo do conhecimento, é chamado a tornar-se autor, maneja conhecimento com
elegância e habilidade18,28. “Educar pela pesquisa”8
tornou-se, aos poucos, referência fundamental da formação do aluno, porque expressa atividade autopoiética, reconstrutiva e política. Por isso, saber pensar desdobra duplo horizonte combinado: de um
lado, exige habilidade metodológica; de outro, habilidade política. Para saber mudar a história nada é
mais útil que saber pensar14,25,30.
Quando desconstruímos e reconstruímos a realidade e respectivas teorias, não estamos apenas praticando traquejo metodológico, estamos, acima de
tudo, interferindo de modo inteligente na realidade,
realizando um dos horizontes mais fundamentais da
cidadania: saber pensar para saber intervir. Cidadania
supõe procedimentos democráticos, em nome do
bem comum. Primeiro, não pode ser cidadania que
destrói a cidadania dos outros. Postula a convivência
possível, dentro de consensos alimentados pela autoridade do argumento5. Segundo, exige a comunidade
78
capaz de convencer sem vencer. Trata-se do apreço
por esfera pública da discussão aberta, na qual melhor
se resolvem os problemas, sem recurso a truculências.
Cabe argumentar, não impor. Terceiro, pede consensos relativos (não relativistas), porque somente consensos relativos são discutíveis, tão profundos, quanto
frágeis. Entre muitos problemas solúveis através de
consensos comuns, há outros insolúveis, tendo em
vista que somos problema apenas em parte solúvel. O
poder sempre tem a tentação de traçar na sociedade
linhas retas, como dizem autores da “lógica difusa”24,
porque, em vez de consensos democráticos relativos,
prefere a força. Quem sabe pensar não usa a força,
mas o argumento. Ao mesmo tempo, quem sabe argumentar, promove o contra-argumento. Jamais fecha a discussão, porque o sentido da discussão não é
fechar, mas abrir para novas e infindáveis discussões.
Esta é a dinâmica não linear do conhecimento:
desconstrói e reconstrói de maneira permanente – o
que desconstrói, reconstrói; o que reconstrói, volta a
desconstruir. Trata-se de dinâmica irreversível, como
são evolução e história. Se a evolução começasse de
novo (se é que começou), não teria a menor condição
de resultar no mesmo processo atual, bem como se a
história começasse de novo, não seria cabível repetir
o mesmo trajeto histórico conhecido. Somos todos em
certo sentido, iguais. Em outro sentido, diferentes.
Esta combinação não linear de igualdade e diferença
perfaz nosso modo de ser e de vir a ser. Somos iguais,
porque somos diferentes e vice-versa. Quando olho
uma foto da infância, reconheço-me como sendo ainda eu, mas em outro momento. Mantemo-nos os mesmos, porque mudamos. Há na natureza um horizonte
complexo não linear que se recusa a repetir-se. Reconstrói-se indefinidamente. Ser inteligente não
pode, por isso, reduzir-se a truques repetitivos. Sua
elegância maior está na habilidade semântica capaz
de perceber o erro em toda verdade e a verdade em
todo erro. 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Barrow JD. Teorias de tudo – a busca da explicação final. Rio
de Janeiro: J. Zahar; 1994.
2. Bourdieu P. A economia das trocas lingüísticas. São Paulo:
EDUSP; 1996a.
3. Bourdieu P. Razões práticas – sobre a teoria da ação. Campinas:
Papirus; 1996b.
4. Calazans J, organizador. Iniciação científica: construindo o
pensamento crítico. São Paulo: Cortez; 1999.
5. Connolly WE. Neuropolitics – thinking, culture, speed (theory
out of bounds). Minneapolis: University of Minnesota Press;
Revista da ABENO • 5(1):75-9
Saber pensar • Demo P
2002.
20. Haack S. Defending science within reason – between scientism
and cynicism. New York: Prometheus Books; 2003.
6. Demo P. Complexidade e aprendizagem – a dinâmica não li-
21. Habermas J. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de
near do conhecimento. São Paulo: Atlas; 2002a.
Janeiro: Tempo Brasileiro; 1989.
7. Demo P. Conhecimento moderno – sobre ética e intervenção
22. Harding S. Is Science multicultural? Postcolonialisms, femi-
do conhecimento. Petrópolis: Vozes; 1999.
nisms, and epistemologies. Bloomington and Indianapolis:
8. Demo P. Educar pela pesquisa. Campinas: Autores Associados;
Indiana University Press; 1998.
1996.
9. Demo P. Introdução à Sociologia – complexidade, interdisci-
23. Hofstadter DR. Gödel, Escher, Bach – um entrelaçamento de
gênios brilhantes. Brasília: UnB; 2001.
plinaridade e desigualdade social. São Paulo: Atlas; 2002b.
10. Demo P. Metodologia do conhecimento científico. São Paulo:
24. Kosko B. The fuzzy future – from society and science to heaven
in a chip. New York: Harmony Books; 1999.
Atlas; 2000a.
11. Demo P. Politicidade – razão humana. Campinas: Papirus;
25. Leão EC. Aprendendo a pensar. Petrópolis: Vozes; 1977.
26. Maturana H. Cognição, ciência e vida cotidiana. Organização
2002.
de Magro C e Paredes V. Belo Horizonte: Humanitas/UFMG;
12. Demo P. Saber pensar. São Paulo: Cortez; 2000.
2001.
13. Dreyfus HL. What computers still can’t do – a critique of arti-
27. Mészáros I. O poder da ideologia. São Paulo: Boitempo;
ficial reason. Cambridge: The MIT Press; 1997.
2004.
14. Fonseca V. Aprender a aprender – a educabilidade cognitiva.
28. Moraes R, Lima VMR, organizadores. Pesquisa em sala de
Porto Alegre: Artmed; 1998.
aula – tendências para a educação em novos tempos. Porto
15. Foucault M. A hermenêutica do sujeito. São Paulo: Martins
Alegre: EDIPUCRS; 2002.
Fontes; 2004.
16. Freire P. Pedagogia da autonomia – saberes necessários à prá-
29. Morin E. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil; 1996.
tica educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1997.
17. Freitag B. A teoria crítica – ontem e hoje. São Paulo: Brasilien-
30. Novak JD, Gowin DB. Aprender a aprender. Porto: Plátano;
1995.
se; 1986.
18. Galiazzi MC. Educar pela pesquisa – ambiente de formação de
31. Prigogine I. O fim das certezas – tempo, caos e as leis da natureza. São Paulo: UNESP; 1996.
professores de ciências. Ijuí: Unijuí; 2003.
19. Gribbin J. The search for superstrings, symmetry, and the the-
32. Rivera FJU. Agir comunicativo e planejamento social (uma
crítica ao enfoque estratégico). Rio de Janeiro: Fiocruz; 1995.
ory of everything. New York: Little, Brown and Company;
33. Sfez L. Crítica da comunicação. São Paulo: Loyola; 1994.
1998.
Aceito para publicação em 12/2004
Filie-se à ABENO!
Você poderá receber a
Revista ou acessá-la
“on-line” para conhecer
os artigos mais
importantes da área de
ensino odontológico.
Revista da ABENO • 5(1):75-9
79
A implantação das Diretrizes
Curriculares dos Cursos de Graduação
em Odontologia no Brasil: algumas
reflexões
A universidade deve estar fundada na investigação livre e
desinteressada, sendo o local por excelência da convivência
com o saber.
Cristiane Lopes Simão Lemos*
* Docente da Faculdade de Odontologia do Centro Universitário
UniEvangélica. E-mail: [email protected].
RESUMO
Esse texto problematiza a passagem do modelo
rígido do currículo mínimo para a proposta mais flexível das Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação de Odontologia. Esta passagem pode ser considerada um avanço, mas de todo modo não é
garantia substancial de mudança. Isso porque muitas
propostas curriculares inovadoras acontecem apenas
no papel, tornando-se letras mortas que em nada mudam a realidade do ensino. Um novo currículo na
Odontologia exige mudança das concepções e práticas e o repensar sobre o verdadeiro sentido do ensino
superior.
DESCRITORES
Currículo, tendências. Educação em Odontologia.
Ensino superior.
“Retomando meu ponto de partida, eu ousaria dizer que
não somos produtores de cultura somente porque somos
economicamente ‘dependentes’, ou porque a tecnocracia
devorou o humanismo, ou porque não dispomos de verbas
suficientes para transmitir conhecimentos, mas sim porque
a universidade está estruturada de tal forma que sua função
seja: dar a conhecer para que não se possa pensar. Adquirir
e reproduzir para não criar. Consumir em lugar de realizar
o trabalho de reflexão. Porque conhecemos para não pensar, tudo quando atravessa as portas da universidade só tem
direito à entrada e à permanência se for reduzido a um
conhecimento, isto é, uma representação controlada e ma-
80
nipulada intelectualmente. É preciso que o real se converta em coisa morta para adquirir cidadania universitária.”5
A
s Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de
Graduação de Odontologia, aprovadas em 6 de
novembro de 2001, apontam novas orientações que
devem ser necessariamente adotadas por todas as
instituições do ensino superior do país. A última reforma curricular no curso de graduação em Odontologia aconteceu em 1982 e a possibilidade de mudanças curriculares vem ao encontro dos anseios de
professores, alunos e dirigentes1,2.
A passagem de uma política curricular que delimitava o número de disciplinas e conteúdos para um
modelo mais flexível, com mais liberdade para as instituições organizarem os currículos, pode ser considerada um avanço, mas de todo modo não é garantia
substancial de mudanças.
A reflexão sobre as reformas curriculares do curso
de graduação de Odontologia deve ser encarada com
seriedade, para não corrermos o risco de elas se tornarem apenas letras mortas, que em nada mudam a
realidade do ensino. A preocupação deve ir além da
reorganização de conteúdos, disciplinas, cargas horárias e tempo de duração dos cursos. É necessário repensar o verdadeiro sentido dos cursos de Odontologia dentro do projeto universitário.
Nessa perspectiva é preciso resgatar o debate sobre
o sentido do ensino universitário. Para que serve a
Revista da ABENO • 5(1):80-5
A implantação das Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação em Odontologia no Brasil: algumas reflexões • Lemos CLS
universidade? Kant11 (1993), já no século XVIII, discutia o sentido da existência da universidade como
espaço do cultivo da mais lúcida consciência e de busca incondicional da verdade, que para isso necessita
da autonomia do pensamento e conseqüentemente
da busca da razão. A compreensão do mundo físico e
social e a produção de novas formas de existência coletiva devem ser sua principal preocupação. “Sendo
uma instituição social, [...] afirma, torna real e expressa tudo isso pela mediação da razão, do acadêmico.
Essa é sua forma de ser e operar.”8
A universidade a priori deve estar fundada na investigação livre e desinteressada, sendo o local por
excelência de convivência com o saber. Entretanto
historicamente ela tem servido a vários papéis. Em
1987, por exemplo, o relatório da OCDE* (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico)
atribuía 10 funções principais à instituição universitária: educação geral pós-secundária, investigação, fornecimento de mão-de-obra qualificada, educação e
treinamento altamente especializado, fortalecimento
da competitividade da economia, mecanismo de seleção para empregos de alto nível através da credencialização, mobilidade social para os filhos e filhas das
famílias operárias, prestação de serviços à região e à
comunidade local, paradigmas de aplicação de políticas nacionais, preparação para os papéis de liderança
social15.
Com fins tão contraditórios, a lógica da universidade como local do pensamento autônomo tem sido
historicamente colocada em questão. As exigências
do mercado e da sociedade muitas vezes têm prevalecido colocando em risco a razão de ser e de existir da
universidade. Os cursos de graduação, e entre eles o
de Odontologia, têm servido mais como profissionalização, treinamento de técnicas e repasses das últimas
novidades da tecnologia do que propriamente momentos de construção do saber.
A REALIDADE DOS CURSOS DE
GRADUAÇÃO DE ODONTOLOGIA
No Parecer 840/70 de 11 de novembro de 1970,
que aprovou o currículo mínimo do curso de Odontologia, já se colocava o caráter do ensino odontológico como eminentemente técnico e se alertava sobre
a necessidade de uma formação acadêmica mais ampla:
“Sendo o ensino da Odontologia eminentemente técnico,
seria de toda a conveniência que as escolas, ao compor o
currículo pleno, incluíssem matérias de cultura geral, do
domínio das ciências humanas, destinadas a alargar os horizontes intelectuais do profissional, integrá-lo melhor no
contexto sócio-cultural do país e do mundo e prepará-lo
para a liderança social que compete a todo universitário.”3
Passados 31 anos, a recente Lei de Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação de
Odontologia (Parecer CNE/CES nº 1.300/01, aprovado em 06/11/2001) reafirma a necessidade de uma
formação mais ampla, generalista, humanista, crítica
e reflexiva. O perfil do formando egresso apontado
pela nova lei é o seguinte:
“Cirurgião-dentista, com formação generalista, humanista,
crítica e reflexiva para atuar em todos os níveis de atenção
à saúde, com base no rigor técnico e científico. Capacitado
ao exercício de atividades referentes à saúde bucal da população, pautado em princípios éticos, legais e na compreensão da realidade social, cultural e econômica do seu
meio, dirigindo sua atuação para a transformação da realidade em benefício da sociedade.”1
O discurso oficial, desde a década de 1970, está
bastante coerente com as atuais idéias pedagógicas e
aparece como uma proposta potencialmente renovadora e sintonizada com os objetivos reais do ensino
superior. Mas tais proclamações, entretanto, se não
estiverem articuladas com uma política de graduação,
construída por professores, alunos e administradores
comprometidos com idéias e práticas realmente novas, que superem as velhas lógicas prevalentes no ensino superior, não passarão de retórica fácil e encantadora, muito comum nas normas oficiais.
Não basta estabelecer e difundir um determinado
discurso ideológico. É necessário ir além de modificações quantitativas, acréscimos e deslocamentos de
disciplinas e horas aulas, determinações de carga horária e elenco de matérias, comumente chamadas de
reformas curriculares.
O currículo deve ser visto como uma práxis, uma
realidade dialética, construída e superada continuamente por seus diferentes atores: alunos, professores,
coordenadores. Sua natureza social e dinâmica implica que é uma realidade passível de verdadeiras mu-
* A OCDE é uma instituição intergovernamental, com sede em Paris, composta atualmente por 29 países (entre os quais Portugal, membro
fundador), que comungam, como valores essenciais, a democracia política, o respeito pelos direitos do homem e a economia de mercado14.
Revista da ABENO • 5(1):80-5
81
A implantação das Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação em Odontologia no Brasil: algumas reflexões • Lemos CLS
danças dando-nos a possibilidade real de pensar e
construir currículos diferentes dos existentes.
Mais importante que discussões sobre mudanças
de conteúdos e carga horária, é compreender qual a
relação que alunos e professores constroem em relação ao saber e inventar caminhos para a realização do
projeto universitário como cultivo do pensamento, da
crítica, da imaginação, da sensibilidade. Nesse sentido
o ensino superior deve ensinar o aluno a pensar, a
criar. Em um mundo marcado pelas diferenças urge
a necessidade da formação de cidadãos que questionem a realidade instituída e pensem e criem novas
formas de existência coletiva.
Nessa perspectiva há de se repensar as lógicas prevalentes atualmente no ensino de graduação da Odontologia. Muitos currículos propõem uma carga horária tão pesada que não há nem tempo para o estudo.
Por outro lado, os conteúdos são dados como prontos
e acabados, não há espaço para argumentação e para
a dúvida. As aulas tornam-se espaços estéreis de idéias,
marcadas pela repetição de informações a serem copiadas, memorizadas e repetidas por alunos. O professor privilegia o conhecimento dos modernos recursos tecnológicos (técnicas ou materiais de trabalho),
buscando os “melhores” tratamentos para os pacientes e ignoram uma compreensão mais rigorosa dos
saberes e práticas da Odontologia inseridos no projeto universitário.
O repasse de informações toma o lugar da reflexão
e da produção do pensamento. A memorização é preferida ao debate e às discussões. A xerocópia dos cadernos dos alunos que retratam mais fielmente as falas
dos professores durante as aulas torna-se o principal
referencial teórico para os exames. Há uma desqualificação da teoria, pautada no princípio que o bom
cirurgião-dentista é aquele que sabe fazer e domina
uma boa técnica.
Um exemplo, que aqui será tomado como estudo
de caso é a Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Uberlândia (FOUFU)**, no estado de
Minas Gerais. A carga horária do curso é de 4.110
horas, dividida em 2.745 horas de conteúdos práticos
(66,78%) e 1.365 horas (33,21%) de conteúdos teóricos. Tais estimativas dão uma proporção de dois para
um, ou seja, há quase duas vezes mais conteúdos práticos do que conteúdos teóricos. O impressionante é
que somente a disciplina de Clínica Integrada concentra uma carga de 1.020 horas exclusivamente prática,
o que leva os alunos nos últimos anos de graduação a
se dedicarem quase que exclusivamente à prática clínica.
Por outro lado, a distribuição semanal de aulas por
período é a seguinte: 1) 28 aulas, 2) 33 aulas, 3) 33
aulas, 4) 39 aulas, 5) 40 aulas, 6) 40 aulas, 7) 40 aulas,
8) 34 aulas. Essa organização temporal, acrescida das
diversas atividades de cada disciplina impõe os alunos
à uma corrida frenética para cumprir todas as exigências do curso. São quatro anos corridos, onde não há
tempo para a pesquisa, leitura, cultura, lazer. Na dissertação de mestrado de Lemos12 (2003), um professor dessa faculdade diz:
“Outro fator que acontece na FOUFU é a falta de tempo
para estudar. O aluno assiste aula, aula, aula... E não tem
tempo para estudar... (Daí a necessidade de uma reforma
curricular). Desse modo o aluno não se envolve com outras
atividades como ir numa biblioteca, desenvolver outros
trabalhos dentro da disciplina, fazer um levantamento bibliográfico, fazer um seminário ou mesmo estudar os assuntos relacionados com a disciplina no momento em que
elas estão sendo oferecidas. Com isto o aluno assiste aula,
ouve o que o professor fala e não estuda mais; pode ser que
ele estude na véspera da prova, para conseguir os sessenta
por cento da aprovação e só. (...). Acredito que a formação
não esteja voltada somente para aprendizagem de técnicas,
mas o fato da carga horária ser muito pesada favorece demais a questão da técnica.”
A ênfase nas atividades práticas aliadas à pesada
carga horária semanal privilegia o tecnicismo do curso de graduação. Se não há tempo para o estudo, também não há para: a dúvida, a crítica, reflexão e mudança. Há espaço apenas para a reprodução de idéias
e de técnicas. As aulas se tornam lócus de disseminação
de resultados obtidos, informações e verdades a serem
repassadas, socializadas e consumidas. A dimensão do
trabalho intelectual perde-se e torna-se difícil alcançar
o perfil do egresso proposto pelas Diretrizes Curriculares do curso de graduação: profissional crítico, reflexivo e transformador.
Por outro lado, os alunos também resistem às atividades do pensamento. Ficam muito mais satisfeitos
com aulas que levam os conteúdos selecionados e repassados pelos professores, com modernos recursos
educativos, sem muitos questionamentos. Sentem-se
gratos com as disciplinas que disponibilizam aulas
** O currículo vigente da FOUFU foi aprovado em 1986 e encontra-se atualmente em fase de reformulação. A FOUFU foi objeto de estudo
da dissertação de mestrado da autora.
82
Revista da ABENO • 5(1):80-5
A implantação das Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação em Odontologia no Brasil: algumas reflexões • Lemos CLS
para xerocópias. O exercício da vida intelectual não
é fácil e exige o enfrentamento de dificuldades, de
riscos, de frustrações, próprios da existência humana.
Os alunos mais do que de problematizações e questionamentos estão à procura de verdades que afastem
suas dúvidas e perplexidades. Para Coêlho6 (1998), os
alunos:
“Esperam encontrar em seus cursos mestres que lhes transmitam certezas; que lhes ofereçam verdades a serem consumidas; que sejam complacentes com seu desejo infantil
de conservar a posição privilegiada de centro das atenções;
e, não exijam que, duvidando de suas certezas e rompendo
com a imediatez do aqui e do agora, abracem o plano do
universal, das idéias, e das articulações teóricas.”
Por que a negação da intelectualidade no ensino
superior, por parte de professores e alunos? Para
Chauí5 (2001),o ensino superior está voltado mais
para conhecer do que para pensar***, porque a universidade está estruturada sobre o modelo da grande
empresa capitalista, “tem o rendimento como fim, a
burocracia como meio e as leis do mercado como
condição”. Para essa autora, “a universidade, exatamente como a empresa, está encarregada de produzir
incompetentes sociais, presas fáceis de dominação e
da rede de autoridades”.
Nos cursos de graduação de Odontologia brasileiros esta realidade se expressa pela formação tecnicista, elitista e descontextualizada do contexto socioeconômico. Prepara-se o futuro cirurgião-dentista para
ser um profissional com boa competência técnica e
para atender o mercado privado caracterizado por
pequena demanda de pacientes e superoferta de profissionais e ignora-se que a maioria dos brasileiros não
têm acesso aos cuidados de Odontologia.
As estimativas atuais evidenciam que somente cerca de 30% população brasileira tem acesso regular,
anual, a serviços odontológicos, públicos ou privados,
mas apenas o contingente de renda acima de 10 salários mínimos poderia sustentar o custo da atenção
odontológica privada de forma regular10,13.
As políticas de expansão do ensino superior no
país possibilitaram um crescimento explosivo dos cursos de Odontologia, que saltou de 90 cursos em 1996
para 165 cursos em 2003, resultando em uma superoferta de cirurgiões-dentistas4.
Por outro lado o mercado de trabalho tradicional
da Odontologia tem sofrido mudanças radicais. Córdon9 (1997) afirma que as mudanças atuais no mundo
do trabalho trazem efeitos desestruturantes na cultura tradicional da Odontologia, seja por efeito das próprias leis da oferta e procura, da publicidade ou propaganda (o “marketing”), seja pelo aparecimento das
empresas de grande porte – as empresas de Saúde
Bucal, que na verdade respondem a uma forma explícita de reproduzir o capital no interior de uma prática liberal ainda “artesanal” e de pouca eficiência gerencial.
A pequena demanda de pacientes, o grande número de profissionais, as mudanças no mundo do
trabalho do cirurgião-dentista geram a denominada
crise do mercado profissional da prática liberal da
Odontologia, na qual o cirurgião-dentista com formação estritamente técnica terá muitas dificuldades de
sobreviver.
Além disso, outro grande problema é a inserção
dos 70% da população que nunca foram ao cirurgiãodentista ou tem acesso irregular à atenção odontológica. O grande número de profissionais não causa
impacto na melhora da saúde bucal no Brasil, pois sua
formação acadêmica não está estruturada de forma a
coletivizar o atendimento à saúde. Atenção odontológica à população de baixa renda é considerada por
muitos acadêmicos e profissionais da Odontologia
como caridade e filantropismo.
Para Moysés13 (2004) a Odontologia está caminhando para rápido esgotamento do modelo que alimentou o ensino e prática para gerações de dentistas/professores até meados dos anos 1990. São
milhares de profissionais da nova geração vivendo o
efeito arrasador da ocupação precária, que favorece
uma crescente “canibalização” profissional, fora mesmo dos regramentos de mercado (por exemplo, com
graves desvios de ética corporativa). Do ponto de vista da ética maior, de inclusão social e sanitária, são
milhões de brasileiros sem respostas aos seus problemas de saúde bucal. A mutilação bucal ou a falta de
acesso aos serviços de qualidade é um sintoma da sociedade de exclusão e barbárie. O modelo de Odontologia ainda dominante, sob a lógica da competência
técnica para o mercado privado e para ação “curadora”, não produz sujeitos políticos capazes de protagonizar novas aberturas para a sociedade e para a pro-
*** Chauí5 (2001) aponta as diferenças entre conhecer e pensar. Conhecer é apropriar-se intelectualmente de um campo dado de fatos ou
de idéias que constituem o saber estabelecido. Pensar é enfrentar pela reflexão a opacidade de uma experiência nova cujo sentido ainda
precisa ser formulado e que não está dado em parte alguma, mas precisa ser formulado pelo trabalho reflexivo, sem outra garantia senão
o contato com a própria experiência. O conhecimento se move na região do instituído; o pensamento, na do instituinte.
Revista da ABENO • 5(1):80-5
83
A implantação das Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação em Odontologia no Brasil: algumas reflexões • Lemos CLS
fissão.
Por isso, é de extrema relevância repensar o ensino
superior de Odontologia. Não podemos continuar
formando nem “presas fáceis” para um mercado “canibalizado” e nem “canibais” para sobreviverem nele.
Devemos vislumbrar um horizonte diferente, como
nos diz Coêlho7 (1999):
“Com efeito, o desafio maior, que justifica a existência das
instituições de ensino superior e confere dignidade ao trabalho de professores e estudantes, é a construção dos currículos, do ensino-aprendizagem, como formação humana
e intelectual, formação de homens e mulheres capazes de
enfrentar o trabalho intelectual, o mundo do fazer, da práxis, sem abandonar a dimensão do pensamento, da crítica,
da liberdade, da democracia, da igualdade, da justiça, da
solidariedade, da fraternidade, da ética, da criação do novo,
do sonho, da utopia.”
Um novo amanhã no ensino superior está nas
mãos de todos os atores que fazem parte do projeto
universitário. Professores, alunos, coordenadores, servidores necessitam abrir suas mentes para as possibilidades reais das Diretrizes Curriculares se tornarem
um projeto de ensino novo e comprometido com a
sociedade. Mais do que as reformas tradicionais de
currículo que na verdade nada mudam na prática,
precisamos entender que: pensar e reformar um currículo implica em pensar e recriar o curso, a graduação, a universidade, a política educacional concreta,
em suas idéias, opções e práticas. O currículo necessita ser repensado em sua construção histórica, como
uma realidade dialética e contraditória, construída e
reconstruída continuamente. Ações que envolvam
toda a comunidade acadêmica devem ser articuladas,
superando a preocupação com os meios em benefício
dos fins da educação superior.
CONCLUSÕES
Mais importante que discutir o currículo do ponto
de vista burocrático e legal, é repensar o real sentido
da vida acadêmica, que professores e alunos constroem em relação ao saber e à vida cotidiana. Como o
espaço curricular é contraditório e não é uma realidade estática é possível construí-lo de maneira diferente do hoje. Para isso são necessários novas concepções, novas idéias, novos professores, novos alunos,
que acreditem no novo, que estejam abertos às transformações e ao inesperado, que imaginem uma realidade diferente da que existe hoje, pois
84
“ao contrário do que a filosofia e as ciências nos levaram a
crer, em sua histórica desconfiança e desprezo para com a
imaginação, o irreal também é uma dimensão do real. Produzindo o imaginário, o homem se afirma e se constrói
como ser livre.”8
ABSTRACT
The implementation of National Curricular
Guidelines for Undergraduate Courses of
dentistry in Brazil: some thoughts
The change of the rigid model of the minimum
curriculum in undergraduate programs of dentistry
to the more flexible proposal of the National Curricular Guidelines for Dentistry Undergraduate Courses
can be considered an advance. Still, it is not a substantial guarantee of changes. This is mostly because many
innovative curricular proposals happen only in theory,
not in reality. Some of them become written promises
which do not change the reality of the educational
process. A new curriculum in undergraduate programs of dentistry demands changes of practices and
concepts, and a true rethinking about the meaning of
higher education.
DESCRIPTORS
Curriculum, trends. Education, dental. Education, higher. 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Brasil. Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Farmácia e Odontologia. Parecer CNE/CES
nº 1.300/01, aprovado em 6 de novembro de 2001. [citado 2002
Jan 03]. Disponível em: URL: www.mec.gov.br.
2. Brasil. Proposta do novo Currículo Mínimo para o Curso de
Graduação em Odontologia. Parecer nº 370/82, aprovado em
9 de julho de 1982. Brasília: Documenta 1982;260:46-54.
3. Brasil. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Superior. Currículo Mínimo do Curso de Graduação em
Odontologia. Parecer nº 840/70, aprovado em 11 de novembro
de 1970. Brasília: Documenta 1970;120:191-7.
4. CFO, Conselho Federal de Odontologia [citado 2003 Nov 02].
Disponível em: URL: http://www.cfo.org.br.
5. Chauí MS. Escritos sobre a universidade. São Paulo: UNESP;
2001.
6. Coêlho IM. Diretrizes Curriculares e ensino de graduação. Estudos 1998;16(22):7-20.
7. Coêlho IM. Do currículo mínimo às diretrizes curriculares: a
mudança necessária. Estudos 1999;17(25):7-16.
8. Coêlho IM. Ensino de graduação: a lógica de organização do
currículo. Educação Brasileira 1994;16(33):43-75.
9. Córdon J. A transformação do paradigma giesiano, até hoje
Revista da ABENO • 5(1):80-5
A implantação das Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação em Odontologia no Brasil: algumas reflexões • Lemos CLS
hegemônico na formação e organização da prática odontoló-
so de Odontologia da Universidade Federal de Uberlândia
gica através de uma avaliação inovadora, crítica e científica.
[Dissertação de Mestrado em Educação]. Uberlândia. Univer-
Jornal do Conselho Federal de Odontologia 1997;4-5.
sidade Federal de Uberlândia; 2003.
10. IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [citado 2003
Out 29]. Disponível em: URL: http://www.ibge.go.br/home/estatistica/populacao/trabalhorendimento/pnad98/saude/sb11.shtm.
11. Kant I. O conflito das faculdades. Trad. Artur Mourão. Lisboa:
Edições 70; 1993.
13. Moysés SJ. Políticas de saúde e formação da força de trabalho
em Odontologia. Rev ABENO 2004;4(1):30-7.
14. OCDE. Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico [citado 2004 Mai 09]. Disponível em: URL: http:// www.
dgrei.pt/OCDE.htm.
12. Lemos CLS. Saberes e práticas curriculares: um estudo do cur-
15. Santos BS. Pelas mãos de Alice. São Paulo: Cortez; 1994.
Aceito para publicação em 12/2004
Atenção,
autores!
Revista da ABENO • 5(1):80-5
85
Relatório com base nos resultados
dos Grupos de Discussão reunidos
na XXXIX Reunião Anual da ABENO
Belo Horizonte - MG - 29 a 31 de julho de 2004
docente, acreditou-se dificuldades poderiam ser miGRUPO 1
nimizadas, tendo em vista que esta composição estaria
1) Como a integração do ensino poderá
adequada ao perfil desejado. Entretanto, de acordo
contribuir para a formação do aluno e
com as solicitações do Ministério da Educação, estes
a atenção à saúde?
professores deverão ser portadores de títulos de DouReferindo-se a primeira questão as discussões centores, Mestres ou Especialistas divergindo do modelo
traram em torno da formação dos núcleos temáticos
como forma facilitadora para se alcançar a integração
desejado. Sugeriu-se a sintonização desses processos
aluno-professor desde o início da
formativos harmonizando não só
formação acadêmica nas atividaos domínios cognitivos e psicomoA aplicação das diretrizes
tores, mas também os afetivos.
des profissionais. Foram também
curriculares com a visão
referenciadas experiências posiA partir do corpo docente forintegrativa trouxe
tivas em relação a aplicabilidade
mado, sugeriu-se a conscientização
resultados positivos tanto
deste para a incorporação das atidas diretrizes curriculares já com
no sentido técnico-acadêmico
a nova visão. A integração foi bastudes. Esta conscientização deveria
quanto humano.
relacionar-se com aspecto evolutitante discutida como forma para
atingir a integralidade. Neste convo contínuo e não necessariamente
texto, a necessidade da formação pedagógica assume
mudanças drásticas.
papel relevante no perfil do docente.
As atitudes integradas, independentemente da esA interação com o discente, desde o seu ingresso
pecialidade, possibilitam a integralização facilitando
no ciclo básico ao clínico, permite ao mesmo a coma atuação profissional nos pólos de saúde.
preensão do processo interativo da saúde como resulA sintonia entre a formação do professor, o aprentado final da incorporação do processo ensino-aprendizado do aluno e a prática das ações integradas de
saúde capacita à inserção do profissional no mercado
dizagem.
Experiências relatadas por membros deste grupo
de trabalho.
ressaltaram resultados positivos, quando das atuações
3) Na visão das universidades, como deve
interativas tanto no sentido técnico-acadêmico quanser a parceria com o SUS?
to humano, com equipes multidisciplinares tanto no
Após a discussão sobre a questão acima se optou
âmbito público como privado.
pela formulação de uma seqüência de itens observanNo que se referiu a atenção integral, sediado nas
do pontos positivos e negativos. Os itens relacionados
discussões, pôde-se observar que as atitudes multidisem seqüência deverão ser levados em consideração
ciplinares e/ou multiprofissionais e a realização do
para a construção de uma proposta consistente com
planejamento adequado em conjunto com a formareferência a viabilização da parceria.
ção acadêmica resultariam na atenção integral a saúSão eles:
de.
1. Do ponto de vista do ensino:
2) Em um curriculum integrado como con-
tornar a problemática do professor especialista?
Com relação a questão do problema do professor
especialista, na condição de formação atual do corpo
86
• Ensino como prioridade.
• Formação de alunos preparados para o mercado
de trabalho.
2. Capacitação profissional:
• Condições de oferta do corpo docente na atuali-
Revista da ABENO • 5(1):86-94
Relatório com base nos resultados dos Grupos de Discussão reunidos na XXXIX Reunião Anual da ABENO, 2004
zação de profissionais, incluindo os da rede pública.
3. Prestação de serviço:
A prestação de serviço deve ser entendida como
um acordo bilateral entre a universidade e o SUS.
4. Pesquisa:
A universidade é dotada de condições favoráveis à
realização da pesquisa direcionada à produção de benefícios à coletividade.
5. Tipos de procedimentos a serem realizados:
Tendo em vista o desejo da atenção integral, os
pacientes serão portadores dos mais diferentes graus
de complexidade. A inserção desses pacientes deverá
respeitar o projeto de ensino em seu momento, sendo
que qualquer parceria deverá obedecer a integralidade do ensino e atenção à saúde. Além disso deverá ser
respeitada a questão ética quando da avaliação de pacientes não inseridos no projeto de assistência integral.
6. Área geográfica de atendimento:
Em função da especificidade de cada região, faz-se
necessária a organização da área de ação definida pelo
convênio.
7. Viabilização da parceria:
• Estudo para definição de uma tabela representada
pelo tipo e valores de procedimentos (custo/procedimento).
• Estudo para a definição de valor unitário (custo/
paciente).
• Estudo para adequação e inserção de procedimentos técnicos e educacionais.
• Estudo para instalação de convênios multiprofissionais.
• Estudo da relação custo-benefício do convênio.
• Qualquer convênio que estabelecido por normas
contratuais deverá respeitar humanização na atenção à saúde.
GRUPO 2
1) Como a integração do ensino poderá
contribuir para a formação do aluno e
a atenção à saúde?
Tradicionalmente a integração do ensino em
Odontologia era realizada somente nos dois últimos
períodos. Verifica-se que a dificuldade em antecipar
este processo, é o fato de a maioria dos cursos apresentarem o ensino departamentalizado. A sugestão de
mudança é a de integrar desde os períodos anteriores,
com atenção ao paciente, que deve ser assistido por
uma equipe de alunos com uma única entrada (Se-
miologia, por exemplo) ou via triagem onde será estabelecido um plano de tratamento e não um atendimento fragmentado, isto é, por procedimento.
Foram relatadas experiências neste sentido onde
um docente é responsável pela coordenação de uma
equipe de professores, onde a integração já começa
no terceiro ano. A equipe de alunos do terceiro ao
quinto ano é capitaniada por um aluno do quinto ano.
É elaborado um plano de tratamento que é discutido
na forma de seminário.
Considera-se que os currículos estão passando por
muitas mudanças, sendo a Clínica Integrada a mais
desafiada. Embora a Odontologia esteja muito bem
no cenário das profissões, a grande questão é a formação generalista direcionada para o atendimento integral do paciente, devendo este ser esclarecido dos
procedimentos que serão realizados.
Outro aspecto é o aprofundamento dos conteúdos
das disciplinas, não havendo espaço para o que
realmente necessita ser informado dentro de uma
realidade. No modelo atual o aluno não pensa e nem
planeja, executa o que lhe é determinado. Na nova
proposta haverá um planejamento inicial de tratamento onde o aluno saberá o “porquê” e “para
quê”.
Foi discutida a dificuldade de reunir os professores
e fazer com que compreendam a mudança de modelo, sendo uma das estratégias o comprometimento do
aluno. Este desempenharia um papel integrador e de
ligação do professor com a direção.
O aluno deve ser preparado para as políticas de
saúde bucal integrando-se no contexto do SUS.
Temos um compromisso de passar ao aluno o conceito de integralidade formando não só cirurgiõesdentistas mas verdadeiros cidadãos, profissionais de
saúde.
2) Em um curriculum integrado como con-
•
•
•
•
tornar a problemática do professor especialista?
O professor deve vir da sua disciplina especializada, mas agindo de forma generalista na Clínica
Integrada.
Definir os objetivos da Clínica Integrada.
Fazer seminários para reciclagem dos professores
com temas diversos daqueles de suas especialidades.
A problemática da equipe de professores generalistas na faculdades particulares (onde só se pode
ter um professor para cada cinco alunos) – como
formar a equipe?
Revista da ABENO • 5(1):86-94
87
Relatório com base nos resultados dos Grupos de Discussão reunidos na XXXIX Reunião Anual da ABENO, 2004
• Grande número de especialidades e o aprofundamento das disciplinas na graduação.
• Formar profissionais para a prática com Clínica
Integrada.
• Pensar no tipo de atuação na clínica a partir dos
dados epidemiológicos.
• A universidade não faz extensão, com isso não conhece a realidade do município.
• É o papel social da faculdade que vai formar um
profissional com inserção social.
• A universidade está descontextualizada socialmente.
A população que hoje procura a faculdade de
Odontologia, não tem o mesmo perfil socioeconômico que antigamente. Hoje seu perfil é mais alto pois
as classes mais baixas não têm condição nem mesmo
de arcar com este tipo de tratamento.
3)
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
88
especializados. O SUS paga o atendimento primário, o tratamento restaurador tende a diminuir.
• A universidade será requisitada para procedimentos mais especializados.
• Parceria – estagiário de Odontologia.
• Descer do pedestal dos professores, o professor
tem que saber da realidade do SUS.
• O aluno tem que ter outro impacto.
• Não é o perfil do professor de Saúde Coletiva.
• Perfil de pensador.
• Preciso ensinar meus alunos a fazer diagnóstico.
• Colocar o nosso aluno no SUS.
• O próprio dentista do sistema acha que o aluno é
uma ameaça, que o sistema abra as portas para o
aluno entrar.
• Reciclar duas vezes por ano o profissional do
SUS.
• Só se aprende o que é bom intramuros: o aluno
Na visão das universidades, como deve
tem que ser formado para todas as realidades.
ser a parceria com o SUS?
• A universidade tem que garantir a sua indepenReservar vagas para recém-formado.
dência. A produção de conhecimento, buscar alO profissional que está sendo admitido tem que
ter um perfil para aquele serviço.
ternativas para respostas. A universidade tem que
colaborar na produção de coA seleção tem que ser feita emnhecimento e além do serviço
basada naquele perfil da necesA Saúde Coletiva na
clínico.
sidade. Esta é a crítica da acaOdontologia como um modelo
• A questão da produtividade, perdemia.
norteador da ação integral
de-se autonomia. FinanciamenA pareceria do SUS está sendo
à saúde poderá ser um eixo
to direto para não ser uma mera
evocada com muita veemência,
aglutinador na formação
prestadora de serviços para os
a partir do Ministério da Saúde
do
cidadão
do
curso
SUS.
ter assumido o SUS.
de graduação.
• Não convênio de procedimenO perfil do profissional do SUS
tos.
é o que nós formamos. Tem
• A universidade como referência de segundo nível
que estar apto a trabalhar tanto no público como
no privado.
e de terceiro nível. A universidade vai gerir este
Trabalho em equipe.
financiamento.
Sensibilização aos problemas brasileiros, etc.
• Parceria – ensino, pesquisa, capacitação de recurNós docentes temos que mudar.
sos humanos e extensão.
Trabalhar por objetivos, o aluno pode cobrar por
• Preocupação da exclusividade ao SUS.
objetivos.
• A faculdade é formadora de recursos humanos.
Trabalhar no serviço que futuramente será o SUS,
• Equilíbrio, sem radicalismos de mudança.
treinamento dentro da situação real.
• Possibilidade do professor atender paciente partiO professor ir no serviço e ver a realidade, o cenácular na universidade.
rio diferente.
• Imposição da faculdade sobre as condições dos
Sobre objetivo: quais o conteúdos, o que precisa
convênios.
incorporar, ou o que precisa só conhecer.
GRUPO 3
Capacitação docente – ironizado – especializado
1) Como a integração do ensino poderá
em SUS (EU sou susista!).
contribuir para a formação do aluno e
Parceria – a atenção primária fora da universidaa atenção à saúde?
de, dentro da universidade, atendimento mais
Revista da ABENO • 5(1):86-94
Relatório com base nos resultados dos Grupos de Discussão reunidos na XXXIX Reunião Anual da ABENO, 2004
A abordagem da questão da integração do ensino
odontológico não é uma questão nova, haja vista o
conceito de Clínica Integrada e o plano piloto de ensino integrado de Diamantina, que foi uma primeira
tentativa de resolver os problemas do ensino de Odontologia. Entretanto, o ensino dos cursos de graduação
continua fragmentado, o que dificulta a atenção integral à saúde levando a uma angústia que se reflete no
corpo discente como um todo.
É de suma importância a integração do ensino
devido a sua complexidade e uma discussão detalhada
deve ser levada a efeito. Assim, é possível construir um
ensino integrado, porém se não houver uma mudança de conceitos e atitudes nem sempre esse tipo de
ensino levará ou resultará em uma ação de prática
integralizada.
É preciso questionar os porquês: definir a prática
que queremos e que conceito político-pedagógico
vamos adotar para formar o profissional necessário
para a nossa sociedade.
A Saúde Coletiva na Odontologia como um modelo norteador da ação integral à saúde poderá ser
um eixo aglutinador na formação do cidadão do curso de graduação, não deixando de lado uma adequada integração com os cursos de pós-graduação lato e
stricto sensu.
2) Em um curriculum integrado como con-
tornar a problemática do professor especialista?
O professor é o elo fraco do sistema, pois a fraca
formação pedagógica, perfil inadequado para a prática de Clínica Integrada e a dificuldade de ultrapassar
a barreira da fragmentação, por ter sido formado no
mesmo paradigma, dificultam uma prática de ensino
integrado.
Uma das maneiras de se conseguir a integração
seria unir o professor e o aluno numa proposta de
construção do conhecimento para atingir a ação integral.
O fato de o professor ter uma formação especializada não limita o conhecimento geral e não impede
que ele tenha uma prática integrada desde que haja
motivação e sejam superadas as dificuldades já citadas.
Na formação do professor não esquecer do papel
dos cursos de mestrado, onde muitas vezes o recémformado inicia sua formação acadêmica sem ter a vivência do todo, dificultando, no futuro, uma referência de atuação integralizada. O mestrado pode formar
o superespecialista desde que construa também um
profissional consciente do papel do docente, com visão humanística e ética e com a mentalidade de trabalho em equipe.
Os programas de pós-graduação têm como tarefa
a formação do professor, do especialista e do pesquisador. A sua mensuração, pelos órgãos competentes,
é feita a partir da produção científica através de publicações, gerando dificuldades de conseguir uma
identidade da formação do professor, que possa atender às exigências da avaliação e esquecendo da avaliação da formação pedagógica e, conseqüentemente,
dificultando a prática da graduação.
3) Na visão das universidades, como deve
ser a parceria com o SUS?
Deveria ser estabelecida uma parceria no sentido
amplo da palavra, ou seja, onde o espaço e as especificidades dos dois lados fossem bem definidos e respeitados pelas partes.
A universidade teria três papéis principais:
1. Prestador de serviços: a universidade precisa estabelecer que tipo de serviço pode e é do seu interesse
prestar, dentro do projeto pedagógico, e através
de diálogo estabelecer com o SUS a definição de
que tipo de serviço lhe interessa dentro de uma
hierarquização.
Existe a visão por parte de alguns gestores do SUS,
de que a universidade já presta o serviço, portanto não
há necessidade de um novo convênio. Além disso,
existe setorialmente uma dificuldade político-partidária no estabelecimento do protocolo de convênio, que
geralmente tem que ser rediscutido a cada nova gestão.
2. Formação de recursos: as diretrizes curriculares
apontam para uma formação profissional vinculada
às necessidades do SUS, até como alternativa ao
mercado de trabalho. Assim, a universidade pode
formar pessoal de apoio, como THDs, e ao mesmo tempo é também seu papel contribuir para a
educação continuada, capacitando os profissionais
que já atuam ou que pretendem atuar na rede de
serviços para que possam se ajustar ao modelo de
atenção proposto pelo SUS.
3. Formação de conhecimento: há a necessidade de
uma capacitação mínima de ambos os lados. O aluno indo ao SUS vai trazer uma retroalimentação de
novas informações que serão absorvidas e aplicadas
no projeto pedagógico do curso. Por outro lado, os
profissionais do SUS terão que adquirir os conhecimentos necessários para receber adequadamente
alunos e estagiários.
Revista da ABENO • 5(1):86-94
89
Relatório com base nos resultados dos Grupos de Discussão reunidos na XXXIX Reunião Anual da ABENO, 2004
Formar o aluno para o SUS é uma conseqüência
natural, que sem dúvida irá ampliar o conhecimento
integrado a ser ensinado em Odontologia, pois terá
que saber integrar, criticar, ouvir, reivindicar e debater.
Independentemente do fato da universidade ter
base de financiamento com recursos de origem pública ou privada, ela é um bem público, pois desenvolve
conhecimento, tecnologia e visa à formação de profissionais para atenção a população. A educação é uma
concessão governamental e, portanto, deve ser regulamentada e fiscalizada pelo Estado. Entretanto, o
crescimento desordenado de cursos pode dificultar,
em algumas regiões, a capacidade de absorção de alunos e/ou profissionais pela rede de serviços, o que
pode vir a ser um fator limitante para a abertura de
novos cursos.
verdade. Deve-se ver o que o outro faz, para ver se
é melhor do que o que estamos fazendo, e se podemos adotar ou não o melhor.”
2) Em um curriculum integrado como con-
tornar a problemática do professor especialista?
O professor de Clínica Integrada tem que:
• ter competência profissional para trabalhar as diferentes fases de formação do aluno;
• ser polivalente e conhecer os fundamentos de todas as especialidades;
• não necessita ser um especialista;
• ter visão generalista;
• ser responsável junto ao aluno pelo tratamento do
paciente.
A Clínica Integrada deve:
• ter como meta ensinar o aluno a ver a Odontologia
como um todo no diagnóstico, planejamento e
GRUPO 4
tratamento;
1) Como a integração do ensino poderá
• quebrar o paradigma do aprendizado fragmentacontribuir para a formação do aluno e
do.
Algumas faculdades têm Clínicas Integradas fora atenção à saúde?
• Enfatizar a Saúde Coletiva nos
madas apenas por especialistas e
isto não está correto.
currículos, possibilitando viA fragmentação do ensino
vências do aluno com a comuO referencial que nos dá inforna graduação dificulta a
nidade, possibilitando maior
mações sobre a importância da
atenção integral à saúde.
compromisso social e uma viClínica Integrada é o egresso dos
Por isso, o professor de
são mais humanística. Desse
cursos de Odontologia. Se a clínica
Clínica Integrada deve ser
modo, estaremos também prefor realmente integrada, o profispolivalente e conhecer os
parando melhor nosso aluno
sional será generalista, crítico e
fundamentos de todas
reflexivo.
para enfrentar as necessidades
as
especialidades.
do PSF.
Quanto mais qualificado é o
• Deve incorporar o lado humaprofessor mais difícil se torna ennístico com a técnica, não menosprezando a habicaixá-lo no perfil da Clínica Integrada (por exemplo,
o professor que acaba de concluir o Doutorado no
lidade.
• Flexibilização do projeto político-pedagógico do
exterior).
Casos clínicos mais complexos devem ser encamicurso, possibilitando assim mudá-lo de acordo
com as necessidades do mercado de trabalho.
nhados para clínicas de referência.
A Clínica Integrada deve ser iniciada precocemenCada curso deverá ser capaz de formar pessoas com
capacidade de resolutividade.
te no currículo e não no final do mesmo.
• Conhecer o perfil epidemiológico da nação brasiA resposta do grupo se deu na realidade da Faculleira e especialmente da região de cada curso,
dade Unimontes. A Unimontes tem Clínica Integrada
atendendo melhor às necessidades da populado 4º ao 9º período e Saúde Coletiva em todas as etapas. A superação das diferenças entre os professores
ção.
• Muito mais do que a integração técnica, tem que
se deu através do estudo. Os professores se reunem
para discutir o planejamento e estudar (para ser um
inserir a capacidade diagnóstica, melhorar a fundamentação científica, aguçar o senso crítico do
profissional integral), sendo que no final de cada semestre sempre sai um trabalho a ser publicado baaluno para atender a adversidade.
• “Nessa reunião da ABENO ninguém é dono da
seado neste estudo. A resposta-chave está então na
90
Revista da ABENO • 5(1):86-94
Relatório com base nos resultados dos Grupos de Discussão reunidos na XXXIX Reunião Anual da ABENO, 2004
educação permanente dos professores, quer sejam
especialistas ou não.
Finalizando, questionou-se a dificuldade encontrada nas escolas particulares, no sentido de se fazer
reuniões com os docentes, pois os mesmos vão querer
receber pelo comparecimento para estes estudos de
reciclagem.
3) Na visão das universidades, como deve
ser a parceria com o SUS?
O grupo por unanimidade teve o entendimento
que a parceria entre a universidade e o SUS se faz
necessária, ressaltando as seguintes considerações:
• Respeito à autonomia universitária em relação ao
posicionamento científico das instituições de ensino.
• O SUS deverá aproveitar o conhecimento gerado
pela universidade e por outro lado esta deverá absorver a experiência acumulada pelo SUS.
• Deverá haver um entendimento entre as partes
para que os projetos efetivamente se realizem.
• As universidades deverão mobilizar-se no sentido
de participar efetivamente nos conselhos estadual
e municipal de Saúde.
• O SUS deverá estar na busca da atualização das
nomenclaturas nas diversas especialidades de
atuação, observando também o processo de atualização dos valores aplicados aos procedimentos.
GRUPO 5
1) Como a integração do ensino poderá
contribuir para a formação do aluno e
a atenção à saúde?
A integração do ensino vai contribuir para a formação do aluno:
1. Atuando em um modelo integrado, (diferente da
atuação da Clínica Integrada) desde o início da
formação do aluno.
2. Permitindo que haja uma uniformização, onde o
aluno cresce a partir das diversidades encontradas.
3. Otimizando a atuação do profissional.
4. Permitindo uma atenção integral do paciente.
5. Concorrendo para a consolidação dos elementos
para o estabelecimento de um diagnóstico que
considere o sujeito em todas as suas relações.
6. Aprendendo a trabalhar paciente/comunidade,
facilitando o compromisso com o trabalho comunitário.
7. Permitindo que o aluno tenha uma visão holística
do paciente, ou seja, permitindo a humanização
da Odontologia.
Frases citadas:
• “Antigamente o TODO era junção de partes, hoje
não necessariamente o TODO é uma junção de
partes.”
• “Não podemos trabalhar mais em feudos.”
• “Temos que MUDAR, trabalhar na visão humanista: UM OLHAR PARA O PACIENTE.”
• “Poucos professores viveram um modelo integrado e portanto precisam ser preparados – trabalho
emocional – sociometria.”
• “Professores têm que resgatar o processo pedagógico.”
• “Para mudar é preciso tempo, dedicação e persistência.”
• “A questão de mudança é uma questão cultural e
não é tão simples assim.”
• “Tem que destruir o curriculum antigo, nada de
ajustes, tem que começar um novo.”
• “A grande dificuldade é a grade curricular que o
próprio MEC deixou para ser trabalhada.”
• “Este modelo:
- tem que reconhecer a competência do docente;
- tem que estar discutindo mecanismos de integração;
- tem que rever as matrizes curriculares.”
• Entidades como a ABENO devem estar abertas
para discussões como esta e possibilitar a divulgação das mesmas.
2) Em um curriculum integrado como con-
tornar a problemática do professor especialista?
O grupo ressalta a importância do professor especialista no processo de formação profissional e entende que a questão que foi discutida refere-se ao aproveitamento do especialista no modelo integrado. E fez
as seguintes considerações:
1. O primeiro ponto a ser destacado é que deve haver
vontade política de mudança originada no curso e
respaldada pela Instituição.
2. Paralelamente à vontade política deve acontecer
uma mudança na cultura organizacional de disciplinas/departamentos.
3. No modelo integrado, o professor deve ter conhecimento abrangente de todas as áreas da Odontologia voltadas para o diagnóstico e planejamento do
tratamento. Para isso, sugere-se a realização de seminários de capacitação, assim como de discussão
sobre o Projeto Pedagógico e Matriz Curricular.
Revista da ABENO • 5(1):86-94
91
Relatório com base nos resultados dos Grupos de Discussão reunidos na XXXIX Reunião Anual da ABENO, 2004
4. Há necessidade da discussão, dentro das especialidades, sobre a responsabilidade de ensino de cada
área e da definição das competências e habilidades
de cada especialidade, visando a formação do profissional generalista, evitando alta complexidade
de procedimentos em cada especialidade. Faz-se
necessário definir os limites do generalista.
5. Dentro do currículo integrado, cada professor especialista deve participar com o que tem de melhor. Entretanto, todos devem ter conhecimento
e capacidade de atuar no diagnóstico e plano de
tratamento, além da sua especialidade.
efetiva nos colegiados que tratam da questão SUS
nas diferentes esferas (municipal, estadual e federal).
4. A ABENO precisa intermediar junto aos órgãos
governamentais e não-governamentais espaços regionais para discussão dessa integração.
GRUPO 6
1) Como a integração do ensino poderá
contribuir para a formação do aluno e
a atenção à saúde?
Houve consenso do grupo de que a integração está
na ordem do dia e que o CD é um profissional que
3) Na visão das universidades, como deve
deve ser visto como agente de saúde que muita vezes,
ser a parceria com o SUS?
em sua prática diária, diagnostica doenças não idenA aproximação SUS/universidade requer mecatificadas por outros profissionais da área.
nismos de reconhecimento, de estudo dos marcos
A interdisciplinaridade deve ser exercida para que
regulatórios, de assimilação do referencial filosóficose transforme o conceito do paciente como objeto
doutrinário e de reconfiguração da percepção acerca
para paciente como sujeito, com necessidades básicas
do sistema.
Concebido como modelo assispara sua sobrevivência: condições
tencial que privilegia a atenção
de moradia, alimentação, educaFormar o aluno para o SUS,
integral, o sistema por vezes desção, etc., até porque, o contexto
sem dúvida, irá ampliar o
perta reação negativa a partir do
social exige hoje a formação de proconhecimento integrado a ser
pouco conhecimento sobre o mesfissionais generalistas para dar conensinado em Odontologia.
mo.
ta das necessidades do sujeito, asO
entendimento
do
sistema
O SUS, portanto, precisa ser
sim, um profissional apto para
exige um esforço individual
melhor conhecido pela universiintegrar as equipes do PSF. Um proque
“ultrapasse
os
limites
do
dade, para superar, inclusive, a
fissional capaz de integrar e se cocéu da boca”.
idéia de que as faculdades serão
municar com profissionais de outras áreas de saúde.
transformadas em postos de atendimento do SUS.
Para tanto, o grupo acha recomendável:
• Nas escolas particulares, as freqüentes mudanças
Toda parceria pressupõe que ambas as partes deno corpo docente serem combatidas.
vem ganhar e, para tanto, sentar-se a mesa para
• As disciplinas do ciclo básico, que o grupo reco(re)conhecer-se é o primeiro passo.
menda serem chamados de fundamentais, não
Enquanto filosofia de trabalho o SUS exige uma
devem ser desvinculadas da prática clínica e se
reconfiguração do modo de perceber a atenção à saúpossível ser ministradas por CD. O aluno deve ende. A operacionalização requer um estudo de médio
xergar a integração a partir do ciclo fundamene longo prazos, uma vez que não fomos formados para
tal.
atuar nessa filosofia.
• Os projetos pedagógicos serem construídos e exeEntender o SUS exige um esforço individual que
cutados com a finalidade de formar o profissional
“ultrapasse os limites do céu da boca”.
integral para evitar o desejo de especialização pelo
No grupo há consenso quanto aos seguintes aspecaluno já nos primeiros anos de curso. Esta idéia é
tos:
reforçada pelos próprios professores, que são, na
1. Respeitadas as limitações de cada parte, não será
totalidade, especialistas que exercem seu poder
possível abrir mão da autonomia de gestão do encoercitivo sobre os alunos e, invariavelmente solisino por parte da universidade.
citaram orientação de especialistas. Sugestão do
2. Não é possível acreditar que o PSF é a “tábua de
grupo para este problema é de que os cursos de
salvação” da empregabilidade na Odontologia.
especialização e mestrado não aceitem alunos re3. A universidade precisa ter uma presença mais
cém-formados. É necessário que se tenha um tem92
Revista da ABENO • 5(1):86-94
Relatório com base nos resultados dos Grupos de Discussão reunidos na XXXIX Reunião Anual da ABENO, 2004
po mínimo de prática clínica generalista.
• Devem ser incentivadas as discussões com o grupo
de professores sobre integração vertical e horizontal e reuniões por eixos de conteúdo. Estes conteúdos devem ser readequados para que se atinja
o objetivo que é formar o profissional com o novo
perfil: o do profissional que extrapola a boca e o
corpo.
• O bom planejamento de casos clínicos é fundamental para solucionar a compartimentalização
da Clínica Integrada. Independente de quem
orienta, se bem planejado o caso, o aluno poderá
ter a visão integral do mesmo. A maior aproximação com a realidade social durante a formação do
aluno deve ser incentivada. Ainda, há que se quebrar paradigmas tais como a acomodação do corpo docente, principalmente das públicas.
• Mudança da mentalidade sobre o mercado de trabalho, pois hoje o maior empregador formal é o
SUS. Esta questão é reforçada pela lei 80/80 e pelas diretrizes curriculares que apontam para a formação do generalista adequado as estratégias das
políticas públicas de saúde, pois a atual destinação
de verbas para a saúde bucal é fato jamais visto na
política de saúde do país.
2) Em um curriculum integrado como con-
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
tornar a problemática do professor especialista?
Integração das disciplinas básicas e profissionalizantes.
Clínica Integrada antecipada.
Problematização de casos na Clínica Integrada.
Nortear eixos para integração. Ex.: propedêutica.
Reforçar a questão do planejamento para os casos
clínicos a serem tratados.
Filosofia de trabalho continuado desde a pré-clínica.
Criar a idéia do paciente vinculado ao aluno; o
tratamento é de responsabilidade do aluno do início ao fim.
No projeto político-pedagógico deve se adequar a
ação docente do especialista ao perfil do profissional a ser formado.
Oficinas didático-pedagógicas. Apoio da direção
para que os docentes sejam adequados à filosofia
da integração.
Formação dos professores dentro da própria instituição, pelos próprios colegas.
O especialista ainda é importante pois em casos
especiais em termos de complexidade a solução
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
cabe a eles. Por outro lado, são casos que não devem ser objeto de graduação.
Promover reuniões de calibração, mas evitar que
sejam um momento de reafirmação de conhecimentos superespecializados.
A CAPES deve ter uma ação conjugada com as
diretrizes curriculares.
Estágio docente em Clínica Integrada deve ser
adotado pelos programas de mestrado.
Discussões entre professores de várias especialidades para estabelecer condutas comuns na clínica.
O professor de clínica deve ser eclético, mas totalmente parece ser impossível.
Reflexão – será que o professor generalista sobrevive no mercado de trabalho da docência, já que
exigem-se dele qualidade e quantidade de publicações?
A formação de docentes não está em consonância
com a graduação.
A graduação já está se adequando, falta adequar a
pós-graduação.
Os professores não têm bagagem clínica suficiente.
A formação dos dirigentes da CAPES é, na maioria,
nas áreas básicas.
Conseqüentemente, não há sensibilidade para a
vivência clínica.
Os trabalhos de teor integrado não são aceitos para
a publicação.
Alunos com mais publicações são preferidos, nos
programas de mestrado, a profissionais com vivência clínica.
Os mestrados não preconizam a prática, portanto
os mestres não podem ser considerados especialistas.
Quem levou à superespecialização da graduação
foram os programas de pós-graduação stricto sensu.
Há que se rever o papel dos programas de mestrado, que deve ser a formação de professores de
Odontologia.
3) Na visão das universidades, como deve
ser a parceria com o SUS?
A necessidade da parceria entre universidade e
SUS é indiscutível e deve acontecer de forma a não
ferir as individualidades ou particularidades dos envolvidos, dos parceiros.
Para as Instituições que ainda não têm convênio
com o SUS, para que ocorra interesse delas, precisarse-ia de uma avaliação da remuneração paga pelos
serviços prestados, bem como, reavaliação do teto de
Revista da ABENO • 5(1):86-94
93
Relatório com base nos resultados dos Grupos de Discussão reunidos na XXXIX Reunião Anual da ABENO, 2004
repasse da verba para incentivo à realização do atendimento às Instituições já credenciadas.
No relacionamento, o respeito às ações das universidades, quanto aos seus objetivos como centro de
formação de idéias e ações, representa não interferir
no Ensino, na Extensão e na Pesquisa Institucional.
Para melhor aproveitar a relação/parceria, a universidade deve conhecer melhor a política do SUS: o
que é o SUS e a quem beneficia, para, somente assim,
poder formar profissionais que possam atender a demanda do serviço de forma satisfatória.
O repasse financeiro, embora importante, é fator
secundário. O importante é não tornar o repasse/pagamento prioritário, uma vez que o serviço já é realizado.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos
da área de Saúde contemplam a formação de profissionais para atuar no Sistema de Saúde vigente, o que
representa formar profissionais qualificados e habilitados à assistência integral à Saúde. Como universidade, devemos mostrar o quão importante é a valoriza-
ção desse profissional pelo SUS, para que se persista
na formação dos alunos dentro da filosofia do Sistema
Único de Saúde.
A participação das universidades nos Pólos de Educação Permanente é mais uma das maneiras para viabilizar essa parceria.
Através da parceria, a universidade deve agir de
forma a melhorar a qualidade e quantidade dos serviços oferecidos dentro de condições físicas adequadas.
A mobilização das universidades é importante para
melhorar os serviços prestados e até para a inclusão
de outros procedimentos; para que ocorra a efetivação
da parceria também é importante a reestruturação
curricular, usando a preparação para a realidade de
saúde do país, podendo a Odontologia ser valorizada
como são as demais áreas de Saúde. Com isso, são
satisfeitas as necessidades da comunidade e forma-se
o profissional com capacidade de desenvolver melhor
seu papel e exigir melhores condições. 
Edição: José Luiz Lage-Marques
Visite o site da ABENO
e saiba tudo
sobre o ensino
odontológico
no Brasil
!
www.abeno.org.br
94
Revista da ABENO • 5(1):86-94
40ª Reunião Anual da Associação
Brasileira de Ensino Odontológico e
XXXI Encontro Nacional dos Dirigentes
de Faculdades de Odontologia
Tema central: “Universidade promotora de conhecimentos,
saúde e prestadora de serviços”
Balneário Camboriú - SC - 17 a 21 de agosto de 2005
Dia 16
Durante o dia: Credenciamento dos participantes.
Dia 17
Manhã e tarde: Seminário do INEP (ENADE e avaliação das condições de ensino).
Dia 18
Manhã: Encerramento do Seminário do INEP.
Tarde:
• Mesa 1: “A Universidade como produtora de serviço sob a ótica dos gestores estaduais e municipais
de saúde”.
• Mesa 2: “A intervenção mínima como conhecimento gerado na Universidade e aplicado em todos os níveis de atenção à saúde”.
Manhã e tarde: Sessões de pôsteres sobre ensino.
Noite: Cerimônia de abertura da Reunião.
Dia 19
Manhã: Mesa: “A pós-graduação como indutora da
transformação do processo interno das instituições de
ensino superior”.
Tarde:
• 14 às 17 horas - Trabalho em grupos sobre os temas
das Mesas.
• 17 às 19 horas - Reuniões das Comissões da ABENO
e de Seções Estaduais.
Manhã e tarde: Sessões de pôsteres sobre ensino.
Dia 20
Manhã:
• Plenária para a apresentação dos relatórios dos
grupos.
• Assembléia Geral da ABENO.
Tarde:
• Oficina sobre tema pedagógico.
• Seminário “Ensinando e Aprendendo”.
Dia 21
Passeios e/ou retorno.
Informações:
Prazo para inscrição de trabalhos sobre ensino: 16 de maio de 2005.
• Inscrições para a 40ª Reunião da ABENO e de trabalhos - consulte a página eletrônica:www.abeno.org.br.
www.abeno.org.br
www.abeno.org.br.
Informações gerais: e-mail: [email protected] ou fone: (61) 356-9611.
• Viagem para a 40ª Reunião da ABENO, translado do aeroporto, hospedagem e passeios - consulte a
página eletrônica: www.acatur.tur.br.
www.acatur.tur.br
Revista da ABENO • 5(1):95
95
Normas para apresentação
de originais
I. Originais - Os originais deverão ser redigidos em
português ou inglês e digitados na fonte Arial tamanho 12
em folhas de papel tamanho A4, com espaço 1,5 e margem
de 3 cm de cada um dos lados, perfazendo o total de no
máximo 17 páginas, incluindo as ilustrações (gráficos,
tabelas, fotografias etc.) ou no máximo 25.000 caracteres
contando os espaços.
II. Ilustrações - As ilustrações (tabelas, quadros,
gráficos, desenhos e fotos) deverão ser limitadas ao mínimo
indispensável, apresentadas em folhas separadas (papel)
e numeradas consecutivamente em algarismos arábicos.
As fotografias deverão ser fornecidas em mídia digital em
no mínimo 300 dpi. As respectivas legendas deverão ser
concisas e localizadas abaixo e precedidas da numeração
correspondente. Deverão ser indicados os locais no texto
para inserção das imagens. Nas tabelas e quadros a legenda
deverá ser colocada na parte superior.
III. Encaminhamento - Encaminhar para o endereço
apresentado no item VI três vias do original de no máximo
17 páginas no total (incluindo ilustrações) e CD-ROM com
dois arquivos, um arquivo com texto completo e outro
arquivo contendo as ilustrações. Essa tarefa é facilitada pela
documentação padronizada disponível no endereço: www.
abeno.org.br (formulários para os autores).
IV. A estrutura do original
1. Cabeçalho: Quando os artigos forem em português,
colocar título e subtítulo em português e inglês; quando
os artigos forem em inglês, colocar título e subtítulo em
inglês e português. O título deve ser breve e indicativo
da exata finalidade do trabalho.
2. Autores: Indicação em nota de rodapé de apenas
um título universitário ou cargo que indique a sua
autoridade em relação ao assunto.
3. Resumo: Representa a condensação do conteúdo,
expondo metodologia, resultados e conclusões, não
excedendo 250 palavras e em um único parágrafo. O
resumo em inglês, deve, dentro do possível, acompanhar
a apresentação do resumo em português. Deve ser
centralizado e não há necessidade de colocar o título
“Resumo”.
4. Descritores: Palavras ou expressões que identifiquem
o conteúdo do artigo. Para sua determinação, consultar
a lista de “Descritores em Ciências da Saúde - DeCS”
(http://decs.bvs.br) (no máximo 5).
5. Texto: Deverá seguir, dentro do possível, a seguinte
estrutura:
a) Introdução: deve apresentar com clareza o objetivo
do trabalho e sua relação com os outros trabalhos na
mesma linha ou área. Extensas revisões de literatura
96
devem ser evitadas e quando possível substituídas
por referências aos trabalhos bibliográficos mais
recentes, onde certos aspectos e revisões já tenham
sido apresentados. Lembre-se que trabalhos e resumos de teses devem sofrer modificações de forma
a se apresentarem adequadamente, não só na forma
mas como no texto, alterado na nova formatação, no
número de páginas e em outras exigências de uma
revista, em relação ao número de tabelas, fotos etc.
b) Material e métodos: a descrição dos métodos usados
deve ser suficientemente clara para possibilitar a
perfeita compreensão e repetição do trabalho, não
sendo extensa. Técnicas já publicadas, a menos que
tenham sido modificadas, devem ser apenas citadas
(obrigatoriamente).
c) Resultados: deverão ser apresentados com o mínimo
possível de discussão ou interpretação pessoal,
acompanhados de tabelas e/ou material ilustrativo
adequado, quando necessário. Dados estatísticos
devem ser submetidos a análises apropriadas.
d) Discussão: deve estar (ser) restrita ao significado dos
dados obtidos, resultados alcançados, relação do
conhecimento já existente, sendo evitadas hipóteses
não fundamentadas nos resultados.
e) Conclusões: devem estar baseadas no próprio
texto.
f) Agradecimentos (quando houver).
6. Abstract: Resumo do texto em inglês.
7. Descriptors: Versão dos descritores para o inglês.
8. Referências bibliográficas: Devem ser ordenadas
alfabeticamente, numeradas e normatizadas de acordo
com o Estilo Vancouver, conforme orientações do
“Uniform Requirements for Manuscripts Submitted
to Biomedical Journals” (http://www.icmje.org). As
abreviaturas dos títulos dos periódicos citados deverão
estar de acordo com o “List of Journals Indexed in Index
Medicus”.
V. Endereço - E-mail, fone e fax de todos os autores.
VI. Encaminhamento de originais:
1. Pelo site: www.abeno.org.br
2. Pelo correio:
REVISTA DA ABENO - Associação Brasileira de Ensino
Odontológico
Universidade Católica de Brasília
Curso de Odontologia
Nova Sede QS 07 Lote 01 - Bairro Águas Claras
CEP: 72030-170 - Brasília - DF. 
Revista da ABENO • 5(1):96

Documentos relacionados