a inclusão da dança de salão nas aulas de

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a inclusão da dança de salão nas aulas de
Revista Interfaces: ensino,pesquisa e extensão
A INCLUSÃO DA DANÇA DE SALÃO NAS
AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA NO ENSINO FUNDAMENTAL II
Adriana Nunes de Sá Domiciano
Flávia Puerta Ramos Marcelli
Faculdade Unida de Suzano - UNISUZ
Resumo
O presente estudo teve por objetivo investigar os motivos pelos quais a maioria dos adolescentes mostra desinteresse em aprender qualquer tipo de dança de salão, e proporcionar a vivência das danças de salão como instrumento de
sociabilidade entre os alunos, ampliando também os conhecimentos sobre os repertórios existentes. Foi realizada uma
pesquisa com 81 adolescentes de 5ª a 7ª séries, dentro do “Projeto Dançando na Escola”, onde os resultados mostram
que a maioria dos adolescentes gosta de dançar, e que há uma relação direta com a influência familiar. As razões mais
apontadas para se gostar de dança, foram o divertimento e/ou prazer. No início do projeto, o hip-hop apareceu como preferência entre a maior parte do grupo, porém, no final, as opiniões se dividiram: uma parte do grupo gostaria de aprender
valsa, e outra, de aprender todos os tipos de dança. A experiência fez com que houvesse uma ampliação do repertório
musical e do vocabulário corporal dos alunos, além de ajudá-los a vencer a inibição, tão presente em muitos adolescentes
nessa idade. Portanto, a dança de salão, como também outros tipos de dança nas aulas de Educação Física, podem ser
instrumentos valiosos para o desenvolvimento de princípios como inclusão, diversidade e sociabilidade.
Introdução
Todo ser humano, desde o ventre materno, tem contato com sons e ritmos, através dos batimentos cardíacos, dos
sons digestivos, e das vibrações da voz da mãe (JEANDOT apud ARTAXO et al, 2000). Ao nascerem, são embalados
por ela com cantigas de ninar. Durante a infância, desde bebê, ao ouvirem qualquer tipo de música, balançam o corpo
intuitivamente e espontaneamente, sem nenhum tipo de inibição (ARTAXO et al, 2000). Na adolescência, uma onda de
inibição começa a tomar conta da maioria das pessoas. Quando adultas, essa inibição se cristaliza, criando um grande
bloqueio corporal, e o máximo que conseguem fazer, ao ouvirem uma música que lhes agrade, é tamborilar os dedos
numa mesa, mexer a cabeça ou os pés discretamente para acompanhar o ritmo, pois, apesar de tal inibição, “a marcação
do pulso de uma música surge naturalmente” (ARTAXO et al, 2000, p. 19). Dançar, que na infância era um movimento
espontâneo, passa a ser um grande desafio na vida adulta. O ser humano foi feito para se movimentar, e dançar faz com
que a pessoa movimente todas as articulações do corpo. Se a dança for uma atividade presente desde a infância até a
idade adulta, será um esforço preservado durante toda a vida (LABAN, 1990).
A dança, como todas as outras formas de arte (arquitetura, pintura, escultura, música, poesia), reflete comportamentos sociais e hábitos de trabalho de uma determinada época (LABAN, 1990). O balé clássico, por exemplo, através de
movimentos corporais rígidos e controlados, ainda reflete marcas de uma sociedade castigada pelo pensamento da Idade
Média, onde o corpo era visto como “veículo do pecado” (COIMBRA, 2004:38). É nessa época que surgem as danças da
corte, realizada em pares, dando origem ao que conhecemos hoje como dança de salão (WISSMANN, 2008).
O objetivo deste trabalho é investigar os motivos pelos quais a maioria dos adolescentes mostra certo preconceito em
relação à dança de salão, e desenvolver formas e métodos de aplicação durante as aulas de Educação Física.
O adolescente e a dança hoje
As músicas e as danças refletem os valores de uma determinada época e sociedade (LABAN, 1990). Cardoso apud
Pauli et al (2003, p. 62), afirma que “o adolescente sofre a influência dos fatores da época em que vive”. Atualmente, as
indústrias fonográficas e a mídia têm produzido músicas e danças direcionadas à massa popular, fazendo com que as
pessoas fiquem “à margem de sua própria cultura” (BERTONI, 2001, p. 76).
Há alguns anos, os Estados Unidos têm se utilizado do Hip-Hop, apresentando-o através de vídeo-clipes com imagens
sensuais de pop-stars norte-americanas, atingindo um número considerável de adolescentes (STRAZZACAPPA, 2001,
p. 71). Strasburger (1999, p. 19), afirma que “a televisão é uma mídia poderosa, e as pessoas jovens são singularmente
suscetíveis a ela”, e que possui a “capacidade de transmitir informações e moldar atitudes sociais”. No Brasil, passamos
pelas dançarinas do Tchan (STRAZZACAPPA, 2001), através da onda do Axé Music na década de 90, e hoje vemos a
invasão do funk carioca, muito diferente do ritmo funk criado por James Brown na década de 60. Marques (2007, p. 157)
afirma que “o medo que sentimos hoje das ninjas do funk assemelha-se ao pavor que nossos avós sentiram da minisaia e
do rock and roll”. Esse interesse imediato dos adolescentes em relação a esses ritmos pode ser explicado quando Levisky
apud Pauli et al (2003, p. 1), afirma que “os adolescentes possuem uma tendência ao ato, isto é, a descarregar seus
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impulsos agressivos e sexuais de uma forma direta, através de vias de expressão rápida, que tragam satisfação imediata
aos seus desejos”.
Atualmente, as danças e letras de músicas que a indústria cultural tem oferecido aos adolescentes e às crianças,
ditam padrões de comportamento mais preocupantes do que em qualquer outro período da história. Segundo Bertoni
(2001, p. 78), “as implicações da chamada música de mercado influenciam, tanto no aspecto cultural como no social, a
formação das crianças”. A autora acrescenta ainda que a pobreza de vocabulário e a sensualidade expressas nas letras
das músicas, juntamente com as danças, podem aflorar uma sexualidade precoce, interferindo no processo do desenvolvimento afetivo e cognitivo da criança e do adolescente. É nesse ponto que a Educação Física pode contribuir, oferecendo
novas possibilidades de vivências corporais, e, ao mesmo tempo, gerando uma criticidade em seus alunos.
A dança de salão como prática escolar
Quando se pensa em dança nas escolas, vemos sua utilização apenas em festas ou datas comemorativas. Marques
(1997, p. 21), afirma que “a dança ainda parece apresentar um risco muito grande a ser tomado pela educação formal,
pois ela ainda é uma desconhecida para a escola”. Brasil (1999) sugere uma Educação Física voltada ao lúdico, à diversidade, à valorização de culturas, trazendo, entre outras possibilidades de movimentação corporal, a dança como um
dos conteúdos a serem trabalhados na escola. Mas, apesar de a maioria dos cursos de licenciatura em Educação Física
oferecer, em sua grade curricular, dança ou atividades rítmicas, poucos são os professores preparados para ensinar os
passos básicos de uma determinada dança (STRAZZACAPPA, 2001).
As vantagens de se incluir a dança de salão na escola, além de ampliar o conhecimento que os alunos têm sobre
dança e música, é a de ser uma atividade acessível a ambos os sexos, ser uma dança que promove a sociabilidade, o
respeito e a disciplina, e se adaptar às habilidades individuais de qualquer pessoa (VOLP et al , 1995). TOLOCKA et col
(2006, p. 57) afirma que “os dançarinos estão sempre próximos uns dos outros, em situação de contato corporal” e que
“cada um dá suporte ao outro”. O dançar junto, portanto, consiste em dois corpos desenhando formas e movimentos no
espaço como se fossem um, pois “a dança de salão é a união de dois corpos dançando como um só” (FRIEDLANDER,
2006).
Alguns jovens dizem que dança de salão é muito difícil de aprender. Outros, ainda, dizem que é “dança de gente velha” (DOMICIANO et al, 2008, p.2). Há uma certa verdade quando dizem isso, pois, como afirma Volp et al (1995), ritmos
como o bolero, o tango, a valsa, o chá-chá-chá, o foxtrot, a rumba, que são tidos como ritmos típicos dessa modalidade,
são dançados em bailes da 3ª idade (com exceção da valsa, que ainda é dançada em formaturas, casamentos e bailes de
debutantes). Mas danças como forró, samba, lambada-zouk, samba-rock, “também conquistaram os espaços dos cursos
de dança de salão ao lado das imortais valsa, tango e bolero” (STRAZZACAPPA, 2001, p. 73). Por serem danças alegres
e tipicamente brasileiras, vale a pena serem proporcionadas como vivências aos alunos de nossas escolas.
Metodologia
Foi feita uma pesquisa de campo na Escola Estadual Mário Manoel Dantas de Aquino, em Ferraz de Vasconcelos –
SP, entre os meses de maio a julho de 2008, envolvendo 81 crianças e adolescentes de 10 a 14 anos de idade, sendo
duas salas de 5ª séries, uma 6ª e uma 7ª série. Foi feita uma pesquisa comparativa, através de técnica de questionário
misto. As perguntas basearam-se no modelo de questionário utilizado no Projeto Terpsichore (MARQUES, 2007). Foram
aplicados dois questionários: um no início do projeto, e outro no final. A análise dos dados foi feita através da tabulação
das respostas, com cálculos de porcentagem, representados através de gráficos, sendo depois analisados e interpretados.
No início do projeto os alunos assistiram ao filme “Vem Dançar” (FRIEDLANDER, 2006), que mostra como o dançarino
Pierre Dulaine conseguiu implantar a dança de salão como conteúdo obrigatório em 120 escolas públicas de Nova Iorque.
Foi feito um sorteio com cada representante de sala para saber quais ritmos seriam vivenciados por eles (Samba-rock,
Rock anos 60, Salsa e Forró, respectivamente), juntamente com o Hip-Hop (que, no questionário inicial aparece como
preferência da maioria dos alunos).
Resultados
Com essa pesquisa verificou-se que:
• A criança gosta de vivenciar fisicamente a música;
• O gosto pela dança relaciona-se diretamente com os hábitos familiares;
• A dança está ligada ao lúdico e ao prazer;
• A mídia tem uma forte influência sobre as preferências musicais dos jovens;
• A movimentação através de ritmos musicais diversos traz uma ampliação do vocabulário corporal.
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Considerações finais
A dança, de uma forma geral, é motivo de prazer, convivência em grupo e traz a sensação de liberdade, tão relevantes
na fase da adolescência. O desinteresse que o adolescente demonstra em relação à dança de salão se deve ao fato de
não tê-la vivenciado corporalmente, e pela necessidade de aceitação no grupo, onde uma das coisas mais importantes,
para ser aceito, é estar na moda.
Embora seja um grande desafio incluir a dança de salão nas aulas de Educação Física nessa faixa etária, devido às
várias alterações ocorridas, e à pressão exercida constantemente pela mídia e pelos grupos sociais, cabe ao professor
a tarefa de oportunizar aos alunos o conhecimento de outros tipos de danças, de culturas e épocas diversificadas, promovendo vivências corporais significativas. Essa experiência pode proporcionar uma aprendizagem mútua, onde alunos
e professor, além de ampliarem seus conhecimentos sobre as várias possibilidades de movimentação corporal, podem
passar a ter um novo olhar em relação ao que é diferente de sua própria cultura, entendendo que se deve respeitar os
gostos musicais e as movimentações corporais de outras pessoas. Não existe uma cultura “melhor” do que outra, e, nesse
sentido, a Educação Física pode contribuir mostrando, através da dança, a diversidade cultural entre os povos, que é uma
das grandes riquezas da humanidade.
Referências Bibliográficas
ARTAXO, Inês ; MONTEIRO, Gizele de Assis. Ritmo e Movimento. São Paulo: Phorte, 2000.
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COIMBRA, Isabel. Louvai a Deus com Danças. Belo Horizonte: Diante do Trono, 2003.
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FRIEDLANDER, Liz. Vem Dançar. PlayArte, 2006.
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PAULI, Liane T. Schuh.; PEREIRA, Luciana Cristina.; KOEPP, Janine. Conhecendo o perfil dos adolescentes que
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STRASBURGER, Victor C. Os Adolescentes e a Mídia – Impacto Psicológico. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.
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TOLOCKA, Rute Estanislava; VERLENGIA, Rozangela (Orgs). Dança e Diversidade Humana. Campinas, SP: Papirus, 2006.
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