O Islã - oooo ARRISSALA
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O Islã - oooo ARRISSALA
EZZEDDINE HUSSEIN BALBAKI O ISLÃ E O CHOQUE DE CIVILIZAÇÕES Revista Arrissala 2006 1 2 Agradecimentos A Deus Todo Poderoso, que guia todos os meus passos nesta vida. Aos meus colaboradores, com suas obras e traduções, em especial, ao Professor Helmi Nasser, diretor do Centro Brasileiro dos Estudos Árabes da U.S.P. ao Professor Samir El Hayek, tradutor do Islamismo e do Alcorão Sagrado, através de seus artigos no Jornal AlUrubat (de 1968 a 1975) e da Revista Arrisala (desde 1975), voz de toda a coletividade muçulmana no Brasil. E também, ao Professor Antônio Carlos de Souza Meirelles e à Professora Sandra Andrioli, pelo auxílio na redação e revisão do texto em português, tornando possível a edição deste livro. 3 4 SUMÁRIO Introdução................................................................17 A base moral do Islã.................................................21 Os ritos tradicionais do Islã......................................40 O Islã e os Livros Sagrados.....................................59 O Islã e os mensageiros de Deus............................67 O Islã e as outras religiões.......................................91 O Islã e os direitos humanos....................................99 O Islã e o aborto.....................................................110 O Islã e a escravidão..............................................119 O Islã e a mulher....................................................131 O Islã e os idosos...................................................156 O Islã e os não-muçulmanos..................................170 O Islã e as minorias................................................187 O Islã e a Palestina................................................204 5 O Islã e o imperialismo...........................................250 Considerações Finais.............................................266 Referências Bibliográficas......................................271 Nota sobre o Editor................................................279 6 PREFÁCIO O ISLÃ E O CHOQUE DE CIVILIZAÇÕES Jesus (AS)1 disse: “Não me foi impossível ressuscitar os mortos, mas me foi impossível curar os néscios”. (Hadice do Profeta Mohammad) O Islã, um enigma que desafia o Ocidente, precisa ser compreendido em sua essência, em sua natureza e razão de ser. Sem dúvida, uma religião emblemática, vigorosa, que desponta nesta virada de milênio com poder extraordinário, quatorze séculos após seu surgimento, em 622 d.C., na cidade de Meca, na Arábia Saudita. O Profeta Mohammad – também chamado Maomé no Brasil, que revelou a mensagem de Deus ao mundo, morreu em 632 e, em pouco tempo, menos de um século, a religião islâmica já havia conquistado terras longínquas, milhares de quilômetros rumo ao Ocidente. Em 711, os muçulmanos entraram na Península Ibérica, no continente europeu, de onde só sairiam oito séculos depois. Chegaram, inclusive, às portas da Europa Central, Roma e França, de onde foram repelidos. Quando Colombo descobriu a América, em 1492, eles deixaram Granada, na Espanha, último reduto da prolongada ocupação. Mas deixaram também um rastro de cultura que 1) Iniciais da expressão árabe: “Alaihis Salam”, que significa: “Que a paz esteja com ele”, utilizada após se citar o nome de qualquer profeta. 7 muito enriqueceu as ciências do Ocidente, nos campos da filosofia, da arquitetura, da música, da matemática, da geometria, da literatura, da medicina, da astronomia, da navegação, da química, da política e, principalmente, da religião. Também rumo ao Oriente, a expansão do Islã foi extraordinariamente rápida, alcançando, no período de 641 e 718, Jerusalém, Constantinopla, Pérsia, Armênia, Índia, China e África. Tradicionalmente, um país ou um povo que se torna muçulmano, assim continua. Todavia, na Península Ibérica o Islã não prosperou, devido à resistência dos cristãos, que não o aceitaram em seu meio. O Islã está presente, hoje, em todo o globo, do Oriente ao Ocidente, com perto de um bilhão e meio de pessoas. Calcula-se que nos próximos trinta anos será a maior religião do mundo, superando as igrejas cristãs. Assim, em se tratando de uma religião que mais adeptos atrai, hoje o Islã influencia – direta ou indiretamente – a vida de milhões de pessoas. No Brasil, o Islã experimenta, na atualidade, um forte crescimento. O credo muçulmano é classificado, entre as religiões, como monoteísmo semítico ou abrâmico (de Abraão), ao lado do Judaísmo e do Cristianismo: o Judaísmo, revelado por Deus a Moisés; o Cristianismo, revelado através de Jesus; e o Islã através de Mohammad. Convém notar que Abraão não era judeu, mas se tornou pai tanto dos judeus como dos árabes. Do seu filho primogênito Ismael, com Hagar, vieram os árabes; e do filho Isaac, com Sara, vieram os judeus. De forma que Abraão é o antepassado das três religiões monoteístas. Assim, o Jeová dos judeus, o Deus dos cristãos e Allah, dos muçulmanos são, na realidade, o único e mesmo Deus. 8 Julgamos conveniente destacar que, das chamadas religiões mundiais, só o Judaísmo é caracterizado como religião de um povo, pois sua mensagem está restrita praticamente aos judeus. Quanto ao Cristianismo e ao Islã, eles se enquadram na categoria das igrejas universais, cuja mensagem é dirigida a todos os povos. Cristianismo e Islã buscam, vigorosamente, conversos, daí o crescimento e a expansão dessas denominações em todo o mundo. Apesar das origens comuns, as três igrejas irmãs – Judaísmo, Cristianismo e Islã – protagonizaram ao longo da história, e ainda protagonizam, conflitos, contendas e guerras, muitas vezes instrumentalizadas como joguete nas mãos do imperialismo e da oligarquia do poder mundial. É o que acontece atualmente com os conflitos religiosos, armados, que se espalham pelo mundo. Em que pese esse quadro de violência, convém lembrar que tais distorções não podem ser levadas como regra, como fazem entender aqueles que as utilizam como elementos da propaganda difamatória contra o Islã. Nesse sentido, vale a pena reproduzir aqui um pequeno texto do britânico William Stoddart – médico, escritor e editor da revista inglesa Studies in Comparative Religions, onde está inserida uma advertência sobre esta questão: “O primeiro pré-requisito para entender a religião do Islã é separar inteiramente em nossas mentes a idéia transmitida pela cobertura da imprensa atual sobre os países islâmicos – ou mesmo pelo pronunciamento de alguns de seus líderes. É verdade que existem ainda muitos países e dirigentes islâmicos honrados no mundo, mas os líderes que mais aparecem nos meios de comunicação são, freqüentemente, tudo o que se quiser, menos autênticos muçulmanos. Alguns são modernos revolucionários revestidos de “literalismo” ou 9 de “fundamentalismo”... A política moderna lançou uma praga em muitas (de fato, em quase todas) partes do mundo, não apenas no campo islâmico. Algumas vezes, artigos de jornal e revista ou programas de televisão sobre países islâmicos são desonestos e parciais, e a pessoa tem de olhar pelo menos um pouco abaixo da superfície para descobrir a verdadeira situação.” E a campanha mundial contra o Islã, produzida para satisfazer as ambições de domínio da oligarquia, consiste principalmente na guerra de propaganda, que hoje atinge seu clímax. Fomentam e promovem os conflitos, que ceifam milhares de vidas na Palestina, no Iraque e no Afeganistão, assim como em outras partes do mundo, como aconteceu há poucos anos, quando da fragmentação da antiga Iugoslávia (Balcãs), onde milhares de muçulmanos foram massacrados, sendo suas mulheres violentadas e engravidadas intencionalmente pelos vândalos, naquilo que se convencionou chamar cinicamente de “limpeza étnica”. Sabemos que a base de operação anti-Islã, da guerra ideológica, situa-se nos Estados Unidos, nação que é dominada por políticos, além de outros “poderes”, que hoje falam abertamente da “Guerra Santa” e do “choque de civilizações”, para justificar a invasão do Iraque ou a “cruzada”, nas palavras do presidente norte-americano George W. Bush. Para tanto, a oligarquia aplica técnicas refinadas de psicologia de massa, que colocam em confronto as culturas dos povos, em especial do Oriente e do Ocidente. O médico e escritor francês, René Guénon, que se converteu ao Islã e morreu no Cairo em 1955, alertava em sua época, para esse conflito: “É de notar o desprezo e a repulsa que outros povos, o oriental em especial, experimentam em relação aos 10 ocidentais; que resulta em grande parte de que esses lhes parecem em geral homens sem tradição, sem religião, o que é a seus olhos uma verdadeira monstruosidade. Um oriental não pode admitir uma organização social que não repouse sobre os princípios tradicionais.” Por outro lado, numa inversão de posição, ele nos induz a um enfoque onde o ocidental, comparado ao oriental, aparece como um espectador atônito, diante de uma ordem de valores que foge ao seu alcance. E as ponderações de Guénon se cristalizam nos dias de hoje, no trágico episódio das charges blasfemas, com a imagem do Profeta Mohammad, publicadas de forma provocativa em jornais europeus, as quais geraram protestos em várias partes do mundo. Falando à imprensa de São Paulo sobre as charges, o xeque Jihad Hassan Hammadeh, tocou no nervo da questão: “O ocidente perdeu o valor do sagrado. Se os ocidentais não respeitam os seus valores, imagine os dos outros.” Temos, aqui, um enfoque do homem e da sociedade, no plano da cultura planetária, que nos induz a uma crítica à metodologia e logística do poder da oligarquia, na medida em que ela coloca em confronto as culturas dos povos para fazer prevalecer seus interesses. E, como já foi dito, é uma tática que norteia a política externa do governo norteamericano na atualidade. Tratam de valores que são objetos de ensaios em laboratórios, institutos, onde são dissecados à luz da sociologia, antropologia, psicologia, teologia e etnologia, entre outros. Esses laboratórios produzem estratégias de domínio e munição para a guerra de propaganda, pelo estímulo de conflitos entre as culturas, como é o caso do Instituto Tavistock de Relações Humanas, existente na 11 Inglaterra, que realiza pesquisas em conjunto com o governo norte-americano. Este instituto, que é diretamente ligado à casa real britânica, tem atuado como principal centro de desenvolvimento de técnicas de “engenharia social” para uso da oligarquia internacional, especializando-se no uso de diferentes meios de comunicação de massa para criar o que chamam de “um ambiente psicologicamente controlado”. Da forma como foi aqui explanado, tentar analisar e compreender o Islã, sob a óptica das aparências, daquilo que a propaganda impõe às pessoas, quase sempre desprevenidas, confiantes nas versões que são publicadas em certos veículos de comunicação, é no mínimo temerário. Pois, nada mais importante para o homem em sua existência neste mundo, que a busca da verdade, mesmo que para alguns, aparentemente, trate-se de coisas triviais e sem valor, como insinuam os propagandistas, a soldo da oligarquia em relação ao Islã. Desta forma, conhecer a essência do Islã, com a consciência livre, pode ser também um exercício profícuo e edificante de liberdade e saber, uma vez que a proposta deste livro nada mais é que a expressão da verdade, longe do proselitismo, sem a mínima intenção de ferir este ou aquele credo, esta ou aquela linha de pensamento. Antônio Carlos de Souza Meirelles 12 INTRODUÇÃO Nos dias de hoje, as novas gerações, especialmente as dos países ocidentais, vêem o Islã com certa dose de preconceito, diante da avalanche de notícias tendenciosas (contrárias ao credo muçulmano) a que são submetidas todos os dias, principalmente pela imprensa mundial, em quase todos os níveis. Inclusive a religiosidade dos povos muçulmanos é questionada e objeto de ofensas de toda espécie, não raro colocada em choque com as outras crenças, como o Judaísmo e o Cristianismo. Não é nossa intenção falar de maquinações ou conspirações contra o Islã, como fazem alguns, muitas vezes imbuídos da melhor das intenções. Ao contrário, o que pretendemos realmente, é oferecer um esclarecimento sobre o assunto, em especial ao leitor que almeja conhecer mais de perto os elementos históricos fundamentais que desencadearam esse conflito. Esclarecimento este que não quer se limitar às versões que lhe são apresentadas por aqueles que detêm nas mãos os meios de comunicação de massa, poderes que, apesar de serem parte do problema, fomentadores da discórdia que são, apresentam-se sempre como “guardiões” da ordem, da liberdade e da verdade. Para tanto, esmagam os povos a quem querem submeter, usando como pretexto, o conceito contido em palavras de efeito, como “radicalismo”, “terrorismo” e “totalitarismo”, muito usadas hoje em dia. Para justificar as ações e intervenções armadas que promovem em nações de credo muçulmano, os patroci13 nadores da propaganda anti-Islã de hoje, criaram jargões (palavras de efeito), como “conflito Oriente/Ocidente”, “guerra religiosa”, ou então, com certa dose de ironia, “choque de civilizações”. Procuram, inclusive, justificar suas ações como conseqüência natural do fim da Guerra Fria, que durante sete décadas castigou a humanidade, com o antagonismo protagonizado pelos modelos comunista (liderado pela antiga União Soviética) e capitalista (liderado pelos Estados Unidos). No entanto, o que temos a dizer é que a Guerra Fria, de certa forma, encobriu, escondeu do mundo as atrocidades cometidas contra os muçulmanos, em inúmeras frentes, inclusive na ex-União Soviética. Com o fim do conflito leste/ oeste, o véu se dissipou e o Islã quedou no foco da propaganda da oligarquia do poder mundial, que deixou de lado o repisado tema do conflito ideológico, que foi o motor que moveu as contendas na Guerra Fria, para dar lugar ao conflito religioso, um tema providencial, para justificar seu domínio em várias partes do mundo, como estamos acompanhando nos dias de hoje. Caminhando em direção oposta às guerras e contendas, o que pretendemos mostrar, através de elementos comparativos, referem-se a pontos de convergência entre o Islã, o Cristianismo e o Judaísmo, para que o leitor possa somar mais referenciais na hora de discernir, de ponderar e meditar sobre o assunto. E também dar uma contribuição, por mais modesta que ela seja, aos tantos movimentos existentes no planeta, que promovem a paz e pedem o fim do conflito entre árabes e judeus (incluindo os cristãos, como declarou o presidente George W. Bush, para justificar a invasão do Iraque, em 2003), que tanto penaliza – direta ou indiretamente – os povos de todo o mundo, há séculos. 14 É inevitável que, nesse sentido, façamos uma abordagem – mesmo que rápida – sobre a base moral e os fundamentos do Islamismo e do Profeta Mohammad (SAAS) sobre algumas das contribuições islâmicas nos diversos setores da vida humana, sobre certas considerações feitas por alguns sábios ocidentais quanto ao assunto em estudo e, principalmente, sobre os direitos e liberdades referentes aos muçulmanos e aos não-muçulmanos. Além disso, apresentamos um pequeno questionamento à política norte-americana, em especial ao Presidente G. W. Bush e à sua “guerra santa” ou à sua guerra contra o terror dos pequenos como Bin Laden, que foi criado pela própria América para expulsar os russos do Afeganistão e conquistar o Iraque e demais países produtores de petróleo, e ainda um outro questionamento quanto ao terror americano e israelense, o qual tem se justificado sob a bandeira do ideal de “democracia, liberdade e direitos”. Evidentemente, todas as considerações presentes neste trabalho dizem respeito a alguns questionamentos feitos por um homem do povo, para outros homens igualmente populares, deixando o julgamento para aqueles que sabem de tudo, às vezes muito mais que nós. 1) Iniciais da expressão árabe: “Salla Allahu Alaihi wa Sallam”, que significa: “Deus o abençoe e lhe dê paz”, utilizada após se citar o nome do Profeta Mohammad. 15 A Base Moral do Islã Como se sabe, a religião é uma lei que disciplina a vida, mostrando-nos o certo, o justo e o bom. Seu objetivo é fazer com que o homem, através do conhecimento e da prática do bem e, conseqüentemente, evitando o mal, alcance seu fim último, isto é, seu encontro com Deus. Por conseguinte, todos os deveres impostos ao homem pela religião, convergem para o amor a Deus e às Suas criaturas. Dessa maneira, temos que a relação do homem com o seu Criador efetua-se em sua consciência; em contrapartida, sua relação com as demais criaturas deve submeter-se a um critério estável, determinado pela religião. O Islã, como as demais religiões, prescreve um caminho que garante a prosperidade na vida e faz de cada indivíduo uma criatura exemplar. Além disso, prescreve orientações morais que ajudam o homem a alcançar Deus, conforme constatamos nos versículos abaixo, presentes na 17ª Surata do Alcorão: 23. O decreto de teu Senhor é que não adoreis senão a Ele; que sejais indulgentes com vossos pais; se a velhice alcançar um deles ou ambos, em vossa companhia, não lhes digais uffa, nem griteis com eles; outrossim, dirigi-lhes palavras honrosas. 24. E estende sobre eles as asas da humildade, e dize: Ó Senhor meu, tem misericórdia de ambos, como 16 eles tiveram misericórdia de mim, criando-me desde pequenino! 25. Vosso Senhor é mais sabedor do que ninguém do que há em vossos corações. Se sois virtuosos, sabei que Ele é Indulgente para com os penitentes. 26. Concede a teu parente o que lhe é devido, bem como ao necessitado e ao viajante, mas não sejas esbanjador, 27. Porque os esbanjadores são irmãos dos demônios, e o demônio foi ingrato para com o seu Senhor. 28. Porém, se te afastares deles, com o fim de alcançares a misericórdia de teu Senhor, a qual almejas, fala-lhes afetuosamente. 29. Não deixes a tua mão amarrada, nem a abras completamente, porque te verás censurado, arruinado. 30. Teu Senhor concede e provê, na medida exata, a Sua mercê a quem Lhe apraz, porque está bem inteirado e é Observador dos Seus servos. 31. Não mateis vossos filhos, por temor à necessidade, pois Nós os sustentaremos, bem como a vós. Sabei que o assassinato deles é um grave delito. 32. Evitai a fornicação, porque é uma obscenidade e um péssimo exemplo! 33. Não mateis o ser que Allah vedou matar, senão legitimamente; mas, se matardes alguém injustamente, facultamos ao parente do morto a represália; porém, que (o parente) não se exceda na vingança, pois ele está auxiliado (pela lei). 34. Não disponhais do patrimônio do órfão senão da melhor forma, até que ele chegue à maioridade, e cumpri o convencionado, porque o convencionado será reivindicado. 17 35. E quando instituirdes a medida, fazei-o corretamente; pesai na balança justa, porque isto é mais vantajoso e de melhor conseqüência. 36. Não sigas (ó humano) o que não conheces, porque pelo teu ouvido, pela tua vista, e pelo teu coração, por tudo isto serás responsável! 37. E não te conduzas com insolência na terra, porque jamais poderás fendê-la, nem te igualares, em altura, às montanhas. Estes são uma síntese da base moral trazida pelo Islã, que não é apenas uma crença, mas um complexo sistema de vida que se fundamenta no amor a Deus e aos homens; que exige que o crente seja justo, fiel, indulgente, bondoso, honesto, veraz, paciente, corajoso, generoso e trabalhador; que condena a covardia, a inveja, o ódio, a mentira, a calúnia, a agressividade, a corrupção e a traição. No entanto, a fim de que não houvesse qualquer dúvida quanto a seriedade de Seus preceitos, o Senhor cuidou para que Seus mensageiros dessem testemunhos acerca dos princípios morais que devem reger a vida de todo homem temente a Deus, como podemos perceber nos relatos que se seguem. Assim o Altíssimo Deus disse: “Conserva-te indulgente, recomenda o bem e afasta-te dos ignorantes” (ALA’RAF-7, 199). Numa outra situação, o Altíssimo Deus ordenou a seu Mensageiro (SAAS), orientar os bons comportamentos, isto é, lidar com o povo, em comodidade natural e simples. Iben Cacir disse: “O anjo Gabriel disse ao Mensageiro de Deus: ‘Deus te ordena perdoar quem te injustiçou... doar à quem te prejudicou, lidar com quem te largou..., recomendar o bem, com boas palavras e ações; afasta-te dos ignorantes, recebendo eles bem e com sabedoria’.” E em relação a isso, 18 Al-Curtubi disse: “Pode ser que as palavras são dirigidas ao Mensageiro de Deus, mas servem como educação para todo o universo.” (7/347). Num outro momento, o Altíssimo Deus disse: “Mas quando se esqueceram de toda a exortação, salvamos aqueles que pregavam contra o mal e infligimos aos iníquos um severo castigo, por sua transgressão.” (AL’AARAF-7, 165). Isto quer dizer que devemos salvar aqueles que proíbem o mal na sociedade e castigar aqueles desobedientes injustos que praticam o ilícito, pela falta de fé e responsabilidade social. O Alcorão apresenta muitos versículos neste sentido, como já tivemos oportunidade de destacar. Em outro relato, temos que Abu Said al Khudri (RAA)1 relatou que ouvira o Mensageiro de Deus (SAAS) dizer: “Quem dentre vós presenciar uma ação ilícita, que se oponha a ela com suas mãos; se não puder, que o faça com suas palavras; se também não puder, que o faça com o coração, sendo que este é o mínimo que se exige de sua fé.” (Muslim 49). Como se percebe, tratam-se de palavras dirigidas à toda a humanidade. Nesse sentido, Ibn Massud (RAA) contou que o Mensageiro de Deus (SAAS) disse: “Todo profeta anterior a mim, que foi enviado por Deus a uma nação, teve discípulos e devotados companheiros, que lhe seguiram o exemplo e puseram em prática as suas ordens. Porém, depois disso vieram gerações que incitavam ao mal, diziam o que não faziam, e faziam o que não lhes era mandado fazer. Pois 1) Iniciais da expressão árabe: “Radhiyal Láhu ‘Anhu”, que significa: “Que Deus esteja satisfeito com ele”, utilizada após se citar o nome dos companheiros do Profeta Mohammad. 19 bem, aquele que os combateu com suas próprias mãos foi um crente; aquele que os combateu com palavras foi também um crente, e aquele que os combateu com o coração foi também um crente. A partir daí não haverá uma mostra de fé, nem que seja com o peso de um grão de mostarda.” (Muslim).” (Muslim 50). O mesmo se verifica nesta outra situação, em que Abi Walid, Ubada Ibn al Sámet (RAA) narrou: “Comprometemonos junto ao Mensageiro de Deus (SAAS) a escutá-lo e a obedecer-lhe, tanto em tempos de escassez com de abundância, e em situações tanto favoráveis como adversas; e concordamos com que ele tenha prioridade sobre nós. Do mesmo modo, concordamos com que não disputaremos as ordens da autoridade legítima, a não ser que fique comprovada a sua evidente infidelidade, fruto de concludentes provas provenientes de Deus. Portanto, é preciso que disponhamos sempre com a verdade e a eqüidade, onde quer que estejamos, sem temor algum às críticas ou pressões.” (Al-Bukhári 7056 / Muslim 1709). No tocante a este aspecto, a mãe dos fiéis (Umm alHakam), Ummu al Muminin, Zainab Bint Jahch (RAA) relatou que o Profeta (SAAS) foi ter com ela, em um estado de medo, dizendo: “Não há outra divindade além de Deus. Ai dos árabes de um mal eminente. Uma brecha deste tamanho (e ele fez um círculo utilizando o polegar e o indicador) abrirse-á.” Disse-lhe: “Ó Profeta de Deus, seremos destruídos e assassinados mesmo tendo entre nós um número de pessoas virtuosas?” Ele disse: “Sim ! enquanto a maldade e a corrupção estiverem a se espalhar.” (Al-Bukhári 7135 / Muslim 288). Numa outra passagem, Abu Said al Khudri (RAA) relatou que o Profeta (SAAS) disse: “Evitai sentar-vos nas 20 ruas.” Os Companheiros disseram: “Ó Mensageiro de Deus, não podemos evitar isso, pois são os lugares onde nos reunimos para prosear.” O Mensageiro de Deus (SAAS) disse: “Se insistis em fazerdes aí as vossas reuniões, então dai à rua o que lhe é de direito.” Eles perguntaram: “E qual é o direito da rua, ó Mensageiro de Deus?” Respondeu: “É terdes os olhares recatados, evitardes causar qualquer dano às pessoas, retribuirdes as saudações, pregardes a prática do bem e combaterdes a prática do mal.” (Al-Bukhári 2465 / Muslim 2121). Poderíamos prosseguir com nossas citações, pois existem inúmeras passagens que corroboram com os preceitos morais em que se baseia o Islã. Mas preferimos encerrar esta breve análise com o seguinte relato de Abu Bakr Assiddik (RAA) disse: “Ó gente, vós recitais o seguinte versículo: ‘Povos anteriores a vós fizeram as mesmas perguntas. Por isso, tornaram-se incrédulos’ (5:102). Porém, também ouvi o Mensageiro de Deus (SAAS) dizer: ‘Quando as pessoas não fazem oposição à injustiça, Deus não tardará em generalizar o Seu castigo sobre elas.’” (Abu Daoud 4338 / Tirmazi 2169, Nissá’i 3059). A Base Moral do Profeta Mohammad Na remota e escaldante Arábia, habitada por povos nômades, sem laços de qualquer espécie que os ligasse uns aos outros, ignorando a sua própria força coletiva e continuando dispersos nos confins de desertos inóspitos, surgiu no século VII, Mohammad, um poderoso gênio que veio unificar os árabes, através do Islã que se tornara um elemento catalizador, permitindo a coexistência das várias etnias ali existentes. 21 Mohammad, cujo nome completo é Mohammad bin Abdul Mutalib bin Háchim, nasceu na cidade de Meca, na Arábia, em 570 d.C., pertencente a uma das famílias mais notáveis da região – o clã coraixita. Foi fundador da religião Islâmica ou muçulmana, atualmente professada por mais de um bil;hão e quinhentos milhões de pessoas em todo o mundo. Mohammad cedo se encontrou órfão e sem recursos, ficando deste modo, sob os cuidados de seu avô Abdul Mutalib. Depois do falecimento deste, ficou a cargo do seu tio Abu Tálib. Aos vinte anos de idade, foi dirigir as caravanas de camelos de Khadija, viúva com quem, mais tarde, veio a contrair matrimônio. Com a chegada aos 40 anos de idade, Mohammad começa a receber a mensagem da palavra de Deus, por intermédio do Arcanjo Gabriel, na cava de Hirá, perto de Meca. Mohammad, considerado no Islã como o último profeta enviado por Deus à humanidade, continuou a receber sucessivamente, durante o período de vinte e três anos (de 609 e 632 d.C.), as revelações divinas, que depois foram compiladas no Alcorão. À semelhança de quase todos os profetas que o antecederam, o Profeta Mohammad lutou brava e incansavelmente para realizar a sua missão, como arauto ou Mensageiro (ar. “Raçul “) da palavra de Deus. Durante os primeiros três anos, a missão de Mohammad conservou-se reservada a alguns íntimos: Khadija, seu primo ’Ali, seu filho adotivo Zaid, seu velho amigo Abu Bakr e seu genro Otman. E ao findar o terceiro ano, o Profeta recebeu a seguinte ordem: “Levanta-te e proclama!” Como era de se prever, a nova proclamada por Mohammad, da existência de um só Deus, suscitou o ódio 22 dos árabes que viviam dos rendimentos da Caaba, templo comum a todas as tribos da Arábia de então. A missão de Mohammad não constituiu fácil tarefa. Surgiram contra ele uma reação viva de seus conterrâneos e veemente protestos, mas continuou sempre a lutar em prol da fé que o animava, pregando-a sem cessar. Perseguiramno, atacaram-no, condenaram-no até a morte. Mohammad viu-se, então, forçado a organizar, com os seus discípulos, a célebre Fuga ou Emigração, de Meca a Medina, denominada Hégira (do árabe “Hijra“), a qual marca o primeiro dia da era muçulmana: 16 de julho de 622 (o primeiro dia do mês de “Moharram” do calendário islâmico, que foi uma sexta-feira). Mohammad é, sem dúvida, um profeta da estirpe bíblica semita. Lírico inspirado, alma ardente, coração intrépido, com as grandezas e as fraquezas humanas. Seus apelos, inicialmente, caíram na indiferença dos árabes, pois sua doutrina monoteísta não podia produzir eco, porque perturbava certos interesses. Mohammad afirmava que estava apenas encarregado de lembrar aos seus conterrâneos a palavra esquecida do patriarca Abraão, pai dos árabes, que outrora pregara em Meca o monoteísmo. A extraordinária personalidade de Mohammad revolucionou, indiscutivelmente, a vida na Arábia, como também em todo o Oriente. Com suas próprias mãos esmagou os antigos ídolos, no número de trezentos e sessenta (à razão de um para cada dia de ano), existentes na cidade de Meca e estabeleceu uma religião dedicada a um só Deus. Quando o profeta faleceu em Medina, cidade onde viveu os dez últimos anos da sua vida, no ano de 632 d.C., surgiu o problema do lugar onde deveria ser sepultado. Assim, os discípulos de Meca (os “mohajirins”) indicavam esta cidade, onde ele nascera; os habitantes de Medina (os “ansar” – os auxiliares do profeta) defendiam o 23 direito desta cidade, onde Mohammad se refugiara e vivera os derradeiros momentos; e um terceiro partido aconselhava que os restos mortais fossem transportados para Jerusalém, por ser esta a cidade onde estavam sepultados os profetas. No entanto, o primeiro Califa – que quer dizer “sucessor” ou “representante” do Profeta, Abu Bakr, declarou ter sido opinião expressa de Mohammad, que um profeta só podia ser enterrado no lugar onde morrera. Cabe sublinhar que, depois da morte do Profeta, alguns devotos fizeram várias tentativas para deificá-lo; porém, o califa Abu Bakr pôs fim a tal movimento num discurso, dos mais sublimes da história islâmica, salientando: “Se entre vós há alguém que adorava Mohammad, sabei que ele está morto. Todavia, se era a Deus que adoráveis, sabei que ele vive eternamente. Mohammad era apenas o Profeta de Deus, isto é, um homem e que teve o privilégio de receber a mensagem divina para difundir, e teve a mesma sorte dos mesnageriros e homens pios que viveram antes dele...” No Islã, Mohammad foi apenas o encarregado de redizer e explicar ao povo o único testemunho que culminava em Abraão. Ele é o último profeta e fecha o ciclo dos tempos, pois segundo os ensinamentos contidos no Alcorão, “depois dele não há lugar senão para o testemunho dos reunidos no dia da ressurreição e ele recapitula todos os profetas e os ensinamentos dirigem-se a todos os homens...” Nesta ordem de idéias, os adeptos da religião fundada por Mohammad, vulgarmente denominados “maometanos”, mais propriamente deveriam ser chamados “muçulmanos” ou “islamitas” por estas palavras significarem “crentes em Deus”, isto é, os que se submetem voluntariamente à vontade de Deus, enquanto que a palavra “maometanos” leva-nos a depreender veneradores de Mohammad. 24 Pode dizer-se que Mohammad conseguiu unificar, em volta de uma crença, os seus contemporâneos no séc. VII. E, dois séculos após a sua morte, essa mesma comunidade expande-se até os lugares mais recônditos do globo e aceita no seu seio indivíduos de todas as etnias e condições sociais, criando-se assim uma comunidade supra-nacional, que tem vindo a perpetuar-se até os nossos dias. No próprio mundo árabe atual, o Islã continua a ser a sua força anímica, “visto que todas as vezes que os árabes se afastam do Islã ou dos ensinamentos de Mohammad, conforme salientava recentemente um intelectual iraquiano do partido Baas, traem a si mesmos, pois a grandeza da civilização árabe no passado e a solidariedade atual entre os árabes, só é alcançada graças ao Islã”. Hoje, mais de um sexto da humanidade segue a religião fundada por Mohammad e, durante o domínio colonial, a que estiveram sujeitos quase todos os países muçulmanos no mundo até à Segunda Grande Guerra, foi graças a essa doutrina que as populações amordaçadas desses territórios conseguiram salvaguardar os seus valores morais e espirituais e encontraram forças necessárias para resistir ao duro jogo colonial e expulsar, finalmente, o invasor. O Caráter do Profeta Perfeito e completo em todas as suas ações, não tomava um trabalho em suas mãos, que não o levasse a termo. O mesmo hábito difundia-se em seus modos quanto às relações sociais. Se entabulasse conversação com um amigo, não o fazia parcialmente, mas com seu rosto pleno e todo o seu corpo. Nos apertos de mão, nunca era o primeiro 25 a retirar a sua; nem tampouco era o primeiro a interromper a conversa com estranhos, nem fazia ouvido mouco. Uma simplicidade de patriarca impregnava sua vida. Seu costume era fazer tudo para si mesmo. Se desse uma esmola, ele a colocava com sua própria mão na mão do pedinte. Ajudava suas esposas nos afazeres domésticos, remendava suas roupas, amarrava as cabras e até consertava suas sandálias. Sua vestimenta comum era feita de algodão branco e grosseiro, tal qual a dos seus vizinhos; contudo, em ocasiões especiais e festivas, usava vestimenta de fino linho com listras vermelhas, ou tingida de vermelho. Jamais se reclinou a refeições. Morava com suas esposas numa fileira de chalés baixos e domésticos, construídos com tijolos de argila crus, cujos compartimentos eram separados por paredes de troncos e tamareiras, rudemente revestidos com barro, enquanto cortinas de couro ou de tecido negro, substituíam os lugares de portas e janelas. Era de fácil abortamento para todos; todavia, mantinha um estado de dignidade e de régio poder. Nenhuma tentativa de familiaridade de ação ou de palavra era tolerada. As pessoas deveriam dirigir-se ao Profeta com linguagem moderada e de maneira bem reverenciosa. Sua palavra era absoluta; sua ordem, lei. As embaixadas e comitivas eram recebidas com a maior cortesia e consideração. Nas questões dos dispositivos que recaíam sobre seus representantes, ou em outros assuntos de estado, o Profeta mostrava todos os requisitos de um capacitado e de um experimentado governante. Uma notável norma de procedimento sua era a urbanidade e consideração com que Mohammad tratava mesmo o mais insignificante de seus seguidores. A modéstia 26 e a benevolência, a generosidade, a abnegação, a paciência e a cortesia impregnavam sua conduta, prendendo as afeições de todos em torno dele. Ele não gostava de dizer não. Se incapaz de responder afirmativamente ao pedinte, preferia guardar silêncio. “Ele era mais ‘tímido’ “, diz sua esposa Aicha, “do que uma virgem atrás do véu; se algo o desagradasse, era mais pelo seu semblante do que pelas suas palavras que nós descobríamos; nunca bateu em ninguém, a não ser a serviço de Deus, nem mesmo numa mulher ou num escravo”. Não é sabido que ele recusasse um convite para comparecer à casa, mesmo do mais pobrezinho, ou que declinasse um presente ofertado, por menor que fosse. Quando sentado perto de um amigo, ele não fazia avançarem arrogantemente os joelhos em direção ao afim. Possuía o raro dom de fazer com que cada indivíduo, numa companhia, pensasse que ele era o convidado de honra. Para os crentes e aflitos era ternamente solidário. Sendo gentil e indulgente para com as crianças, não negligenciava em se aproximar de um grupo delas, a brincarem, com sua saudação de paz. Repartia sua comida, mesmo em tempos de escassez, com os outros; e era assiduamente solícito quanto ao conforto pessoal de todos que o rodeavam. Uma disposição benigna e benévola impregna todas as ilustrações do seu caráter. No exercício de um poder absoluto, Mohammad era justo e moderado. O longo e obstinado combate a sua missão, encetado pelos habitantes de Meca, deveria ter induzido o conquistador a marcar sua indignação por meio de indeléveis traços de fogo e sangue. Porém, Mohammad, com exceção de uns poucos criminosos, concedeu o perdão universal e, nobremente pondo em esquecimento as 27 memórias do passado, com todas as suas zombarias, seus afrontos e perseguições, tratou até mesmo o pior de seus oponentes com consideração graciosa e amigável. Passando agora a considerar o caráter profético e religioso de Mohammad, o primeiro ponto que chama nossa atenção é seu constante e vívido sentido de uma providência especial e oni-impregnante. Tal convicção modelava seus pensamentos e desígnios, partindo das mais diminutas ações na vida privada e social, até a magnânima concepção, ou seja, de que ele estava destinado a ser “reformador” de seu povo e de toda a Arábia. Ele jamais entrou numa reunião, sentou-se ou levantou sem que mencionasse o Senhor. Quando os primeiros frutos da estação lhe eram mostrados, ele os beijava, colocava-os sobre os olhos e dizia: “Senhor, assim como tu nos mostraste os primeiros, mostra-nos igualmente os últimos!” Nas atribulações e aflições, bem como na prosperidade e alegria, ele sempre viu e humildemente tomou conhecimento da mão de Deus. Uma fixa persuasão de que cada incidente, pequeno ou grande, é ordenado pela vontade divina, levou às consistentes expressões de predestinação, tão abundantes no Alcorão. Para ele é o Senhor quem faz bater os corações dos homens e, igualmente, a fé do crente e a descrença do infiel são o resultado da ordem divina. A hora e o local da morte de todos, bem como de outros acontecimentos desta vida, estão estabelecidos no mesmo decreto; e o tímido crente em vão procurará evitar o desfecho, tentando esquivar-se do campo de batalha. Desde o primeiríssimo período de suas convicções religiosas, a Unidade, ou a idéia de ser um grande Ser guiando com onipotente poder e sapiência toda a criação, e ainda infinitamente acima disso, ganhou uma completa posse de sua mente. O politeísmo e a idolatria, em variação com 28 esse grande princípio, eram indignamente condenados, uma vez que nivelavam o Criador com a criatura. Uma vez que ele próprio estava sujeito a convicções tão sérias, profundas e poderosas, será prontamente concebível que suas exortações eram distinguidas por uma correspondente força e irrefutabilidade. Mestre em eloqüência, seu linguajar era proferido no mais puro e mais persuasivo estilo da oratória árabe. Seu magnífico gênio poético exauriu a imagem da natureza na ilustração das verdades espirituais e uma vívida imaginação tornou-o capaz de explicar, perante seu povo, a Ressurreição e o Dia do Julgamento, as alegrias (para os crentes) encontradas no Paraíso e as agonias dos espíritos perdidos no Inferno. Nas locuções comuns, sua fala era morosa, distinta e enfática; mas quando pregava, seus olhos avermelhavam, sua voz elevava-se, aguda e estridente, e toda a sua figura se agitava de paixão, como se estivesse prevenindo as pessoas quanto a um inimigo que estava pronto a lhes cair em cima na manhã seguinte ou na mesmíssima noite. Sua humildade era demonstrada por cavalgar no lombo de asnos, por aceitar convites até de escravos e, quando montado, por levar outro na garupa. Ele dizia: “Eu me sento, às refeições, igual a um servo, porque realmente eu sou um servo”, e se sentava como alguém prestes a se levantar. Ele desencorajava o jejum superrogativo e trabalhos de mortificação. Nada havia que ele odiasse mais que a mentira e sempre que tomava conhecimento de que quaisquer de seus seguidores haviam errado a este respeito, afastava-se deles, até que estivesse seguro de seu arrependimento. Mohammad foi um triplo fundador: de uma nação, de um império e de uma religião. Sendo, ele próprio, iletrado, 29 não sabendo quase ler ou escrever, foi, contudo, o autor de um livro que é um poema, um código de lei, um Livro de Oração em conjunto e uma Bíblia; e é reverenciado até os dias presentes por um sexto de toda a raça humana, como um milagre de pureza de estilo, de sabedoria e de verdade. Foi o único milagre reivindicado por Mohammad. Porém, olhando para as circunstâncias do tempo, para a ilimitada reverência de seus seguidores, e comparando-o com os pais da igreja ou com os santos medievais, o aspecto mais maravilhoso sobre Mohammad é que ele jamais reivindicou o poder de milagres atuantes. Fosse o que fosse ele dizia que não podia fazer, mas seus discípulos viam-no fazer. Eles não podiam deixar de lhe atribuir atos miraculosos que ele jamais praticou, os quais ele sempre negou que pudesse praticar. Mohammad, até o fim de sua vida, reivindicou para si apenas aquele título, com o qual começou e o qual um dia a mais elevada filosofia cristã concordará em lhe outorgar: de Profeta, um verdadeiro profeta de Deus. De qualquer maneira, para ilustrarmos o caráter do Profeta Mohammad, relatamos a seguinte história: “Ocorreu que um judeu, vizinho do Profeta, todos os dias, quando varria seu quintal, jogava sua sujeira em frente à porta da casa do Mensageiro de Deus. Os Companheiros, seguidores de Mohammad, por sua vez, ofereciam-se para revidar contra o judeu, agredindoo ou até matando-o, mas nessas ocasiões, o Profeta sempre os acalmava, não permitindo que ninguém maltratasse o judeu. Certa vez, o Profeta notou que durante três dias seguidos não era mais deixado lixo em sua porta e manifestou 30 sua preocupação pela ausência do judeu, cuja presença sempre era marcada pelo episódio diário da sujeira. Assim, Mohammad, preocupado em saber se o judeu estivera doente foi visitá-lo, para caso o judeu precisasse, oferecer-lhe médico ou remédios. O Profeta, dotado de generosidade própria de sua personalidade, adentrou a casa do judeu, cumprimentandoo e perguntando-lhe sobre sua saúde. O judeu surpreso disse: ‘Como soube que me encontro enfermo?’ O Profeta respondeu: ‘Sentimos falta de seu lixo em nossa porta durante três dias seguidos, razão pela qual imaginei que estivesse doente e precisaste de ajuda.’ O judeu imediatamente proferiu as seguintes palavras: ‘Testemunho que não há divindade a não ser Deus, único e absoluto e reconheço que você Mohammad é o Mensageiro de Deus.’ A seguir, o judeu explicou sua atitude diante da nobreza do vizinho: ‘Digo isto, porque seu comportamento perante mim é de um verdadeiro Profeta de Deus e não o de um ser humano comum.’ E foi assim que o judeu se converteu ao Islã por um gesto simples, humano e glorioso de Mohammad. Com tal ilustração, esperamos ter sido possível perceber a magnitude do mensageiro de Deus (SAAS), mesmo nas questões mais simples e triviais do dia-a-dia, demonstrando a íntima relação existente entre o seu caráter e a base moral do Islã transmitida fidedignamente por ele à humanidade. 31 Os Ritos Tradicionais do Islã Com o objetivo de preservar o espírito religioso, o Islã prescreve alguns deveres práticos, sobre os quais repousa toda a tradição islâmica, devendo ser observados e respeitados pelos muçulmanos: o testemunho da unicidade de Deus e de que Mohammad (SAAS) é o seu mensageiro, a oração, o jejum, o tributo e a peregrinação. Assim, pela importância que cada um desses deveres representa no contexto da cultura islâmica, desenvolveremos uma análise mais aprofundada sobre cada um deles, em se tratando de seus aspectos fundamentais, a fim de que se tenha uma maior compreensão quanto ao seu papel no Islã. O Testemunho de Fé O primeiro pilar, sobre o qual se assentam as leis islâmicas, refere-se ao testemunho de todo muçulmano quanto à unicidade de Deus, isto é, que Deus é único, que não há nenhuma outra divindade a não ser Deus, o Clemente, o Misericordioso, o Poderoso, o Sapientíssimo. O Alcorão sagrado traz muitas passagens que comprovam a necessidade deste testemunho, entre as quais, destacamos: “Allah! Não há mais divindade além d’Ele, Vivente, Auto-Subsistente, a Quem jamais alcança a inatividade ou o sono; d’Ele é tudo quanto existe nos céus e na terra. Quem poderá interceder junto a Ele, sem 32 o Seu consentimento? Ele conhece tanto o passado como o futuro, e eles (humanos) nada conhecem da Sua ciência, senão o que Ele permite. O Seu Trono abrange os céus e a terra, cuja preservação não O abate, porque é o Ingente, o Altíssimo.” (2ª Surata, versículo 255). Tais palavras expressam os diferentes atributos de Deus, os quais se diferem de qualquer coisa que nós, seres humanos, podemos conhecer em nosso mundo presente. Numa outra passagem, temos que: “Dize: Ele é Allah, o Único!”, “Allah! O Eterno e Absoluto!”, “Jamais gerou ou foi gerado!”, “E ninguém é comparável a Ele!” (112ª Surata, versículos 01-04). Ora, nestas palavras nos é ensinado que a natureza de Deus é tão sublime que está além de nossa limitada concepção, de modo que devemos compreendê-Lo, bem como Suas qualidades únicas. Tendo sido testemunhado a unicidade de Deus, todo muçulmano deve reconhecer Mohammad (SAAS) como Seu Mensageiro, ou seja, como o Profeta encarregado de orientar o povo quanto aos desígnios de Deus, como podemos perceber neste trecho do Alcorão: “Dize: Ó humanos, sou o Mensageiro de Allah, para todos vós; Seu é o reino dos céus e da terra. Não há mais divindade além d’Ele. Ele é Quem dá a vida e a morte! Crede, pois, em Allah e em Seu Mensageiro, o Profeta iletrado, que crê em Allah e nas Suas palavras; segui-o, para que vos encaminheis.” (7ª Surata, versículo 158). Com efeito, sabemos que o Profeta (SAAS) não era versado nos conhecimentos humanos, todavia estava de posse da mais elevada sapiência e tinha grandes conhecimentos das escrituras anteriores. Desse modo, ele soube – melhor do que ninguém – transmitir os ensinamentos de Deus, honrando-O e glorificando-O, como estas 33 passagens destacam: “Em verdade, enviamos-te por testemunha, alvissareiro e admoestador, para que creiais (ó humanos) em Allah e no Seu Mensageiro, socorrendoo, honrando este e glorificando-O (Allah), pela manhã e à tarde.” (48ª Surata, versículos 08-09); e ainda: “Mohammad é o Mensageiro de Allah, e aqueles que estão com ele são severos para com os incrédulos, porém compassivos entre si...” (48ª Surata, versículo 29). Desse modo, evidencia-se o fato de que Mohammad não é senão um Mensageiro de Deus, um Profeta (SAAS), a quem outros mensageiros precederam, guardando seus ensinamentos e sua especial importância à comunidade islâmica mundial. A Oração Ao longo do tempo, no decorrer da história da humanidade, sempre encontramos a prática da oração. De fato, o homem ora, isto é, manifesta suas expressões de fé, amor e glorificação, movido – essencialmente – pelas seguintes razões: pela convicção de que existe uma força superior, dominando o universo; pela consciência de sua fragilidade frente à magnitude dessa força suprema; e, em reconhecimento diante das graças que Deus lhe confere. Desse modo, verifica-se a existência das orações em todas as religiões, embora sob diferentes aspectos e contextos. Assim, por exemplo, entre os brâmanes, a oração compreende oferendas e sacrifícios, acompanhados de súplicas e rezas, manifestando-se nos mais variados momentos do dia. Vivendo, praticamente, numa atmosfera 34 de total oração, eles dirigem suas preces primeiramente a Hurmuz, depois aos céus, à terra, às estrelas ou às árvores. Entre os judeus, também se observa a prática da oração, apesar de não haver uma determinação expressa quanto a esse procedimento, sendo a prece muito mais fruto da tradição. Já entre os cristãos, a oração é igualmente adotada como prática religiosa, porém revestida de um aspecto sagrado, o qual foi introduzido por Jesus Cristo. Da mesma maneira, o Islã – surgido num momento em que a base moral da sociedade se encontrava em profunda crise – prescreve a oração como um modo de o homem purificar sua alma, em contato com Deus. Numa certa passagem do Alcorão, isso se evidencia: “Recita o que te foi revelado do Livro e observa a oração, porque a oração preserva (o homem) da obscenidade e do ilícito; mas, na verdade, a recordação de Deus é a (coisa) mais importante. Sabei que Deus está ciente de tudo quanto fazeis.” (29ª Surata, versículo 45). Percebe-se, então, que o alvo da oração se dirige à glorificação de Deus, reverenciando-O e prosternando-se perante Ele; à entrega da alma humana à Deus; à renovação da fé do homem; e à solicitação da misericórdia divina. Uma vez que não se verifica nenhuma hierarquia religiosa dentro do Islã não se permite intermediários entre Deus e os homens, de maneira que todos podem comunicarse diretamente com Ele. A esse respeito, o Alcorão nos informa: “A virtude não consiste só em que orienteis vossos rostos até ao levante ou ao poente. A verdadeira virtude é a de quem crê em Deus, no Dia do Juízo Final, nos anjos, no Livro e nos profetas; de quem distribui seus bens em caridade, apesar de gostar deles, entre parentes, órfãos, necessitados, viajantes, mendigos e 35 em resgate de cativos (escravos). Aqueles que observam a oração, pagam o zakat, cumprem os compromissos contraídos, são pacientes na miséria e na adversidade, ou durante os combates, esses são os verazes, e esses são os tementes (a Allah).” (2ª Surata, versículo 177). Como se sabe, segundo o Islã o muçulmano deve guardar-se em oração cinco vezes ao dia: na aurora, ao meiodia, à tarde, ao pôr-do-sol e à noite. Tais orações, precedidas de abluções, podem ser realizadas em qualquer lugar, não necessitando de um local especial ou de se encontrar no templo. Em contrapartida, ressalta-se o imperativo de as mesmas (orações) serem realizadas por todos, independentemente das circunstâncias, ou seja, estandose em casa ou em viagem, sob boa saúde ou enfermo. Além disso, tem-se uma outra exigência, a qual diz respeito às abluções que as precedem, conforme nos indica o Alcorão: “Ó crentes, sempre que vos dispuserdes a observar a oração, lavai o rosto, as mãos e os braços até aos cotovelos; esfregai a cabeça, com as mãos molhadas e lavai os pés, até os tornozelos...” (5ª Surata, versículo 6). Por fim, todas as orações devem ser realizadas com o indivíduo posicionado em direção à Caaba, em Meca. O objetivo dessa exigência é o de reavivar na memória de cada muçulmano, a lembrança do local em que se deu o surgimento do Islã e que se tornou o ponto de convergência de todos os corações. Isto porque Meca representa, para esse povo, as lembranças seculares, o berço de sua religiosidade, a luta destemida entre o paganismo e o monoteísmo e, finalmente, a conquista do bem sobre o mal. 36 O Jejum Do mesmo modo que a oração, o jejum também é uma prática religiosa conhecida em todas as nações antigas. Todavia, verificamos que no passado os povos o consideravam muito mais uma forma de arrependimento ou de expiação. Com o tempo, tal procedimento assumiu o aspecto de um culto espiritual necessário à purificação da alma, embora ainda exista o objetivo de expiação ou de castigo voluntário. Nesse sentido, enquanto os cristãos reconhecem a prática do jejum como um ato religioso, tendo implícita a idéia de expiação do pecado ou até mesmo a auto-punição (como pensam os ascetas), os muçulmanos o reconhecem como um instrumento prático de moderação das tendências do homem, sem o prejuízo dos aspectos orgânicos e mentais. Temos, então, que o jejum se apresenta como um ato de devoção, cuja finalidade é afastar a alma dos apelos e desejos carnais e elevá-la a Deus. Exatamente neste ponto, destaca-se seu sentido espiritual, ou seja, o jejum aparece como exemplo de uma vontade que domina o corpo e não o inverso, onde um corpo domina a vontade. Dito de outra maneira, ao mesmo tempo em que o jejum é uma abstenção, é uma dominação da vontade, que se transforma em prática duradoura. De fato, o jejum nada mais é do que uma preparação que torna o indivíduo apto a quebrar a sistemática do próprio corpo, preparando-o para enfrentar os percalços que, porventura, venham a se lhe deparar. Ele (o jejum) nos ensina a sermos pacientes, fazendo com que tais situações sejam encaradas com mais naturalidade. Isto porque, o jejuador que permanece aproximadamente dezesseis horas sem 37 comer nem beber, pode suportar quaisquer imprevistos, de maneira sorridente, pois a necessidade lhe é familiar, ao menos durante um mês em cada ano. Dos benefícios espirituais do jejum, destacamos a implantação da vigilância pessoal. Isto porque, apesar de ser uma obrigação, há muitas situações em que se poderia transgredir esse preceito sem que alguém descobrisse. Como exemplo citamos o muçulmano que sente a sede apertar nos dias de Ramadan e decide banhar-se. Ora, ele se encontra cercado pela água por todos os lados, mas não a toma, mesmo sabendo que ninguém o observa. Esse dispositivo é uma espécie de auto-educação que o Islã estimula no muçulmano, a fim de que ele viva ereto, não temendo a lei, nem procurando caminhos para burlá-la. Como se sabe, todos os muçulmanos devem praticar o jejum durante trinta dias, que se encontram num determinado período do ano, conhecido como o mês do Ramadan, isto é, o mês em que foi iniciada a revelação do Alcorão. Trata-se de um mês de misericórdia e da benevolência, em que o jejum vem reforçar toda a simbologia que o momento traz consigo. Sobre isso, o Alcorão nos mostra: “Ó crentes, está-vos prescrito o jejum, tal como foi prescrito a vossos antepassados, para que temais a Allah. Jejuareis determinados dias; porém, quem de vós não cumprir o jejum, por achar-se enfermo ou em viagem, jejuará, depois, o mesmo número de dias... O mês de Ramadan foi o mês em que foi revelado o Alcorão, orientação para a humanidade e evidência de orientação e Discernimento. Por conseguinte, quem de vós presenciar o novilúnio deste mês deverá jejuar; porém, quem se achar enfermo ou em viagem jejuará, depois, o mesmo número de dias” (2ª Surata, versículos 183-185). 38 Isto posto, tem-se que no jejum, a abstinência se inicia ao amanhecer e se estende até o pôr-do-sol. Em relação a isso, diz Deus Altíssimo em Seu Livro Sagrado: “Comei e bebei até à alvorada, quando puderdes distinguir o fio branco do fio negro. Retornai, então, ao jejum, até ao anoitecer!”. Note-se que pelas expressões “fio branco” e “fio preto”, deve-se entender a passagem da claridade do dia para a escuridão da noite. Um jejum perfeito requer que se abstenha não apenas dos alimentos e líquidos, mas também da maledicência, das palavras vãs, da mentira, da desonestidade e da ira, a fim de que realmente se alcance o seu objetivo último, que é a purificação. Desse modo, o homem que jejuar deve se abster das relações carnais, da comida, da bebida e de atitudes impuras, desde o instante em que a aurora apontar no horizonte, até os últimos raios de sol. Sobre isso, Abu Huraira (RAA) relatou que o Profeta (SAAS) disse: “Quando qualquer um de vós estiver jejuando, deverá abster-se de entabular conversa fiada, e evitar troca de palavras agressivas e barulhentas. Se alguma pessoa abusar desse um ou iniciar com ele uma discussão, ele deverá dizer que está guardando o jejum.” Numa outra passagem, Abu Huraira (RAA) relatou que o Profeta (SAAS) disse: “Se uma pessoa não se abstém de mentir e de praticar atividades indecentes, Deus não deseja que se abstenha de comer e de beber.” Assim, resta-nos a observação sobre em que condições o jejum deve ser cumprido. Inicialmente, o jejum durante o Ramadan é uma obrigação para todo muçulmano adulto, sadio, de posse de suas faculdades mentais e que tenha uma moradia fixa. Uma tradição relatada por Ahmad, Abu Daud e Tirmizi diz que o Profeta (SAAS) disse: “o Calam ou 39 Lei Divina foi suspensa (temporariamente) em três casos: do homem louco ou insensato até voltar-lhe seu juízo perfeito; do homem adormecido até recuperação dos sentidos; da criança até alcançar a maturidade”. Em relação às crianças o relato feito por Al-Bukhári e Muslim nos diz que Ar-Rabí, filha de Ibn ‘Afra conta que: ‘... continuávamos a jejuar naquele dia de Achurá, assim nós como as nossas crianças. Quando íamos para a mesquita, as crianças nos acompanhavam. Fazíamo-lhes brinquedos de ihan ou quando algumas delas chorava de fome, dávamolhes comida na hora de comer’. Dessa maneira, evidencia-se o fato de que só podem ser dispensados da prática do jejum o doente, o viajante, a mulher que deu à luz e a menstruada. No entanto, todos devem jejuar proporcionalmente em outros meses – tão logo seja possível – durante a mesma quantidade de dias. Diz Deus Altíssimo: “...porém, quem se achar enfermo ou em viagem jejuará, depois, o mesmo número de dias...” (2ª Surata, versículo 185). No caso do viajante, o desjejum é apenas uma licença, que deve ser usada quando a prática do jejum se tornar prejudicial a ele, não cometendo – nesse caso – nenhum agravo. O desjejum é melhor quando os soldados muçulmanos estão em guerra e perto do inimigo, para que os homens tenham mais força na batalha, como nos confirma o Profeta (SAAS): “Estamos à proximidade do inimigo. O desjejum vos dará mais força!”. Por outro lado, se estiver em jejum, quando em viagem, é lícito tanto prosseguir com o jejum como deixá-lo durante o tempo de duração da mesma. No que se refere à mulher grávida e a que amamenta, tem-se que elas não devem jejuar enquanto permanecerem 40 sob tais circunstâncias, devendo substituir os dias de jejum por outros tantos, assim que estiverem aptas para isso, valendo as mesmas considerações feitas em relação aos viajantes. Nesse contexto, o relato de Bukhári e de Muslim parece ser bem ilustrativo: “Aicha disse: Quando tínhamos as nossas regras no tempo do Profeta, éramos obrigadas a por fim ao jejum. E não éramos obrigadas a assistir as orações”. De qualquer modo, há que se ressaltar os dizeres de Deus: “Deus não impõe a nenhuma alma senão segundo sua capacidade”. Disso se conclui que os idosos não são obrigados a jejuar, bem como aqueles que não se encontram em condições físicas (adoentados) para enfrentar a abstinência esperada, sendo prevista, nesse caso, a prática do resgate. No tocante a essa prática, temos posições diferenciadas. Alguns sábios dizem que os anciões não são obrigados a darem alimento para um pobre pelos dias de jejum não cumpridos, enquanto outros obrigam tal resgate com base dos dizeres de Deus: “Para aqueles que não suportarem (jejuar) devem o resgate por um alimento de um dia dado a um pobre”. Por outro lado, o jejum do mês do Ramadan pode ser anulado, mediante algumas atitudes, tais como a própria intenção ou propósito do homem de praticar ou fazer uma coisa proibida pela lei divina. De fato, sabemos que todo aquele que, propositadamente, come ou bebe depois do apontar da aurora até o pôr-do-sol, e que ao mesmo tempo se lembra que é dia de jejum, desfaz seu jejum e se torna obrigado a substituir esse dia por outro, em igual proporção. Além disso, tem de pedir perdão a Deus pelo pecado de têlo ofendido, acabando por desobedecê-Lo. 41 Um outro motivo para a anulação do jejum diz respeito à prática do sexo, de modo que aquele que tiver o propósito de manter relações sexuais, sabendo que é dia de jejum, fica obrigado a se penitenciar, além de jejuar um dia, em substituição ao dia por ele invalidado pelo ato carnal. Por extensão, também anula-se o jejum quando o indivíduo provocar o vômito de forma propositada, devendo substituílo por outro dia de jejum. Só não se rompe ou se invalida o jejum quando se comer por esquecimento. Abu Huraira relata que ‘o Profeta de Deus (SAAS) disse que: “aquele que jejua e, por esquecimento, come ou bebe, naquele dia, pode completar seu dia de jejum sem invalidá-lo, porque foi Deus que lhe deu a comer e a beber”.’ Por essa razão, costuma-se preferir o adiantamento do desjejum e o atraso na refeição matinal, como relata Abu Zarr: ‘o Mensageiro de Deus costumava dizer: “Minha comunidade (ou minha nação) estará bem enquanto ela atrasar o suhur e adiantar o desjejum”.’ Por fim, vale ressaltar os ensinamentos do Profeta (SAAS) transcritos por Salman Alfárissi: “Oh, humanos! Desponta um grande e abençoado mês... Um mês que possui uma noite preferível a mil noites... Um mês que Deus prescreveu o seu jejuamento e a sua vigília. Qualquer bem que fizerdes nele, por mínimo que seja, será como se tivesses cumprido uma prescrição de igual valor; e aquele que cumprir uma prescrição nele será como se tivesse cumprido setenta prescrições. Ele é o mês da resignação e a resignação é retribuída com o Paraíso. É o mês das dificuldades; o mês em que aumenta a graça dos crentes”. E disse: ”Pluralizai nele quatro tipos de feitos: dois para a complacência de vosso Senhor e dois indispensáveis. Os dois primeiros são: O testemunho de que não há outra divindade além de Deus e 42 a remissão; os dois últimos são: Pedir a Deus o Paraíso e refugiar-se n’Ele, do Inferno”. Depois, continuou dizendo: “Quem jejuar o mês de Ramadan, quem fizer a vigília do mês todo e quem fizer a vigília da Noite do Decreto, com crença e consciência, Deus perdoar-lhe-á todos os pecados cometidos até então”. Transposto para os nossos dias, temos que o Ramadan é o mês do jejum, do nosso balanço anual quanto aos nossos atos positivos e negativos; é o mês de reforçarmos o bem e de lutarmos contra o mal dentro de nós mesmos, assim como no seio da sociedade, para concretizarmos a paz e a segurança e realizarmos o plano “Fome Zero” islâmico, que foi lançado há mil, quatrocentos e vinte e cinco anos. Se o ato de jejuar significa abster-se da comida e da bebida, desde o raiar da aurora até o pôr-do-sol, temos por decorrência duas premissas: a primeira, é que se trata de uma prática que nos leva a sentir fome e sede, a partir do que igualamo-nos em situação, a que se encontram os pobres e necessitados; a segunda, é que diz respeito ao pagamento dos direitos dos menos afortunados, conforme obrigação religiosa prescrita por Allah, cuja finalidade é a confraternização, a irmandade, a igualdade e a harmonia entre os seres humanos, que são os valores básicos para a paz e a felicidade de toda a humanidade. Além de tudo o que já foi mencionado sobre o rito do jejum, há ainda um outro aspecto de especial importância. Trata-se do zakat ou taxa legal do desjejum pela lei divina. Deduz-se esta obrigação do relato feito por Ibn Abbas: “O Mensageiro de Deus institui o zakat do desjejum, para purificar o jejuador das palavras vãs e de desonestidade”. Quando se confirma a lua nova, todos os muçulmanos devem romper o jejum do Ramadan, porque o Mensageiro 43 disse: “Jejuai desde a sua vista e desjejuais desde a sua vista”. Assim, com cumprimento do desjejum do Ramadan, a obrigação de se pagar a taxa de desjejum é uma conseqüência necessária decorrente da própria natureza desta instituição, considerada como corolário ao desjejum e, por isso, chamada de zakat do desjejum. A quantia que compõe o zakat ou taxa do desjejum se refere a um quilo de arroz aproximadamente, devendo ser paga para cada um dos membros da família, devendo o mesmo ocorrer antes da saída dos homens para a oração. Ou seja, o término de seu pagamento é a saída dos homens para a oração da festa pelo Dia do Desjejum. Segundo relato de Ibn Abbas: “Aquele que pagá-lo antes da oração é um zakat bem recebido, e quem a pagar depois da oração é uma esmola como as outras esmolas”. O que se sabe é que o zakat do desjejum permanece obrigatória para todos aqueles que estão sujeitos a ela, abrangendo todos os muçulmanos – de ambos os sexos, de todas as idades e de todas as condições sociais, devendo ser paga no mesmo dia em que coincide com a data do desjejum, isto é, a vista da lua nova. É permitido o pagamento desta taxa ou zakat antes desta data, um ou dois dias, conforme percebemos neste relato de Ibn Omar: ‘O Mensageiro de Deus instituiu o zakat de Ramadan, dando um saa ou medida de tâmaras e acrescenta “E os homens davam isto em pagamento um ou dois dias antes do começo do desjejum”.’ No entanto, o homem menos favorecido deve subtrair o zakat do desjejum do que lhe sobra de sua alimentação (ou de seu sustento), suficiente para um dia e uma noite, porque todas as tradições relatadas não se referem aos pobres. Conforme relatou Abu Daud: ‘O Mensageiro de Deus 44 disse: “Uma medida (ou sa’) de trigo, por cada um, seja grande, seja pequeno, seja livre, seja escravo, seja do sexo masculino ou feminino, rico ou pobre. O rico dentre vós, é Deus que lhe dá a riqueza. Quanto ao pobre, Deus lhe restituirá o dobro daquilo que ele deu. Quer dizer que Deus lhe restituirá mais do que gastou no zakat, porque como homem pobre ele vai receber mais saa daquilo que deu”.’ Assim, com o cumprimento desta obrigação de honra, acostumam-se as almas, tanto dos ricos como dos pobres, à prática da generosidade, à largueza, à mútua benevolência, ou seja, todas as qualidades necessárias para a elevação dos sentimentos sociais, para a solidariedade e a união entre os homens. O Tributo Segundo o Islã, cada muçulmano deve contribuir com uma parte determinada de seus bens, em benefício dos necessitados e dos menos favorecidos. Essa quantia, que corresponde a 2,5% das riquezas que extrapolam os limites das necessidades de cada um, estando – pois – disponíveis, durante um ano, é recolhida pelo governo, que a distribui entre as oito categorias de necessitados, conforme nos instrui o Alcorão: “As esmolas são tão-somente para os pobres, para os necessitados, para os funcionários empregados em sua administração, para aqueles cujos corações têm de ser conquistados, para a redenção dos escravos, para os endividados, para a causa de Deus e para o viajante...” (9ª Surata, versículo 60). O Islã não apenas prescreve a obrigação do tributo, como também indica a maneira correta de fazê-lo, como 45 percebemos nesta passagem do Alcorão: “Se fizerdes caridade abertamente, quão louvável será! Porém, se a fizerdes, dando aos pobres dissimuladamente, será preferível para vós, e isso vos absolverá de alguns dos vossos pecados, porque Deus está inteirado de tudo quanto fazeis.” (2ª Surata, versículo 271). Numa outra passagem, temos que: “Palavras cordiais e perdão são preferíveis à caridade seguida de injúria...” (2ª Surata, versículo 263). E mais adiante, vemos que: “Ó crentes, não desmereçais as vossas caridades com exprobação e injúria, como aquele que gasta os seus bens, por ostentação, diante das pessoas, e não crê em Deus, nem no Dia do Juízo Final...” (2ª Surata, versículo 264). Disso se conclui que de nada adianta cumprir-se com o pagamento do tributo e apresentar atitudes desabonadoras da boa conduta. Importante ressaltar, que o tributo, além de consolidar a fraternidade social, dirime o ódio que os menos favorecidos possam sentir em relação aos mais abastados, contribuindo para que estes se sintam – pelo menos em parte – responsáveis pelos desafortunados, já que a riqueza é uma dádiva de Deus, que deve ser compartilhada. A Peregrinação Como já assinalamos, a tradição islâmica envolve cinco procedimentos necessários: o testemunho, as orações, o jejum, o tributo e a peregrinação. Em relação a esta última, sabemos tratar-se de uma viagem à Meca, a fim de visitar a Caaba e de rezar no Monte Arafat. Trata-se de um procedimento recomendado a todos os muçulmanos, pelo menos uma vez na vida, desde que 46 tenham possibilidade de fazê-la, tanto em se tratando de condições físicas, como do ponto de vista financeiro. Além de um culto religioso, a peregrinação se coloca como uma espécie de congresso internacional, em que se reúnem muçulmanos provenientes de todas as partes do mundo, estabelecendo entre si, vínculos de amizade fraternal e intercâmbio geral. Os peregrinos, trajando-se uniformemente, participam coletivamente dos ritos que se realizam em louvor a Deus. Os homens vestem-se com apenas duas toalhas brancas, as quais se adaptam ao corpo, sem costura alguma – uma na parte superior e a outra na parte inferior; enquanto as mulheres vestem-se com mantos longos. Todos os homens, unanimemente, em pé de igualdade, esquecidos das coisas mundanas, das agressões, das injúrias e, sobretudo, das diferenças que distinguem os homens (isto é, o rei prostra-se ao lado do plebeu, o pobre ao lado do rico, o negro ao lado do branco), rendem graças ao Criador. De qualquer modo, a recompensa destas práticas é a conquista da promessa divina do Altíssimo Deus e do Profeta Mohammad (SAAS), de longevidade e de uma espécie de seguro contra as adversidades da vida. Tratam-se de procedimentos que visam a reforma íntima, a busca da humildade, o abandono da arrogância e do espírito de grandeza, seja ele falso ou verdadeiro, desde que se tenha por real intenção o amor a Deus. 47 O Islã e os Livros Sagrados Para o Islã, o Alcorão é um Livro Sagrado, pois reúne a verdadeira mensagem de Deus. De maneira semelhante, o Judaísmo e o Cristianismo também possuem um livro sagrado, em que se encontram reunidos os preceitos de cada uma dessas religiões. Vejamos, inicialmente, como o Islã se manifesta quanto ao reconhecimento da Tora (Judaísmo) e da Bíblia (Cristianismo), segundo o Alcorão: “Ele te revelou (Ó Mohammad) o Livro (paulatinamente) com a verdade, corroborante dos anteriores, assim como havia revelado a Tora e o Evangelho”. (3ª Surata, versículo 3). O ensino é muito claro, quando assinala que a Tora e o Evangelho também foram revelados por Deus, assim se referindo aos judeus e aos cristãos. Com efeito, muitos evangélicos são fiéis e se converteram ao Islã que é entregarse a Deus Único e Todo Poderoso. Historicamente, os judeus antecedem os cristãos, de modo que há várias passagens do Alcorão nos informando sobre alguns procedimentos típicos dos judeus, tais como o que se segue: “Como apontam a ti por juiz, quando têm a Tora que encerra o Juízo de Allah? E mesmo depois disso, eles logo viram as costas. Estes em nada são crentes”. (5ª Surata, versículo 43). A pergunta implícita neste versículo é muito minuciosa quanto às intenções dos judeus de levarem os seus casos, para decisões, ao Mensageiro (SAAS). Eles iam ter com ele para ridicularizar o que fosse que ele dissesse, ou para 48 enganá-lo quanto aos fatos, para se apegarem a uma decisão favorável a eles e que estivesse contra a eqüidade. Se a sua própria lei não se coadunasse com os seus interesses egoísticos, eles muitas vezes a mudavam. Mohammad (SAAS), porém, era sempre inflexível em sua justiça. Ainda em relação a esse procedimento dos judeus, uma outra passagem do Alcorão nos ilustra que: “Revelamos a Tora, que encerra Orientação e Luz, com a qual os profetas, submetidos a Allah, julgam os judeus, bem como os rabinos e os doutos, aos quais estavam recomendadas a observância e a custódia do Livro de Allah. Não temais, pois, os homens, e temei a Mim, e não negocieis as Minhas leis a preço ínfimo. Aqueles que não julgarem conforme o que Allah tem revelado serão incrédulos”. (5ª Surata, versículo 44). Analisando esse trecho, podemos perceber que duas acusações são feitas aos judeus: primeiro, que mesmo dos livros que possuíam, eles distorciam o significado, segundo os seus próprios interesses, porque temiam mais aos homens do que a Allah; e, segundo, que o que eles possuíam nada mais era do que fragmentos da Lei original, revelada a Moisés, misturada com uma porção de assuntos semihistóricos e legendários, de alguma poesia elevada. Isto porque a Tora, mencionada no Alcorão, não se trata do Antigo Testamento como o conhecemos, nem tampouco se trata do Pentateuco (os primeiros cinco livros do Antigo Testamento, contendo a Lei). Já nesta outra passagem do Alcorão, temos a confirmação do envio de Jesus e dos Profetas, bem como a revelação do Evangelho para os cristãos: “E depois deles (profetas), enviamos Jesus, filho de Maria, corroborando a Tora que o precedeu; e lhe concedemos o Evangelho, 49 que encerra orientação e exortação para os tementes”. (5ª Surata, versículo 46). O Alcorão, a Luz e a Esperança Para o Mundo O Alcorão foi revelado a Mohammad (SAAS) numa época em que o mundo experimentava grandes agitações com problemas religiosos, econômicos, políticos e sociais. A Pérsia e o Império Bizantino eram as civilizações dominantes e dividiam o poder entre si. Em que pese as duas potências disporem de exércitos poderosos, a guerra entre ambas fez com que suas forças fossem minadas, principalmente por causa da dissensão religiosa e da disputa política. Por volta de 632 da era cristã, em apenas quatro anos ocuparam o trono persa nada menos que dez imperadores. O trono correu o risco de cair nas mãos de usurpadores militares, em várias ocasiões, naquele período. E as contendas entre os dois impérios se estenderam por décadas, com o ódio ceifando vidas e despertando ressentimentos entre seus povos. A religião persa era o masdaísmo. A vida social estava num caos moral, submersa nos atrativos terrenos, havendo uma predominância de classes. Além disso, também imperava a anarquia religiosa de grupos contrários à religião persa. Em contrapartida, o império Bizantino sofria as conseqüências de guerras ininterruptas, com grandes perdas em vidas humanas e também materiais. As diferenças sociais se acentuavam cada vez mais; os impostos extorsivos 50 geravam revoltas, principalmente entre os agricultores, que respondiam pela base da economia do império. Também na Península Arábica, onde nasceu Mohammad e foi revelado o Alcorão, havia uma divisão entre romanos e persas. As lutas e contendas proliferavam na região, de modo que cada tribo ou facção cultuava um ídolo ou um elemento da natureza. A idolatria era a religião dominante entre os árabes de então. Os cristãos nestorianos se espalhavam nas proximidades da cidade de Alhtra, estendendo-se até o Iêmen. Os católicos espalhavam-se pelo Sinai. Também os judeus viviam na península e no sul da Arábia. Em sua maioria, eram grupos de fanáticos, dividindo-se os judeus e cristãos em várias seitas, aumentando a animosidade e a tensão na região. No plano moral, havia muita iniqüidade, com o assassinato costumeiro de filhas, assim como a poligamia e a poliandria, o tráfico de mulheres e a prática de obscenidades. Faltava aos árabes algo que os aproximasse e os aglutinasse, uma consciência nacional. Havia, portanto, a necessidade premente de se estabelecer a ordem dentro do caos, formando uma nação. E a ordem veio de forma providencial, na pessoa de Mohammad (SAAS), com o Alcorão, pregando a adoração a um Deus Único, o respeito à liberdade e ao livre pensar, revelando ao homem sua natureza divina. Foi nos vinte e três anos de vida missionária que o Profeta (SAAS) usou o Alcorão como um guia para os costumes, para o comportamento e para o caráter da sociedade, dando a ela um norte religioso, político, social, econômico e cultural, com respeito ao ser humano e valorizando a ética e o pensamento. 51 Segundo o Profeta (SAAS), “... algo que, se o seguirdes, nunca vos desviareis! É o Livro de Deus.” Assim, o Islã e o Alcorão uniram os árabes para que eles constituíssem uma nação, sustentada por valores divinos, de forma que a doutrina se espalhou pelo mundo, levando luz e esperança para milhões de criaturas, através dos séculos, chegando à pujança dos dias atuais. O Alcorão é a palavra de Deus, o Altíssimo, revelada a Mohammad (SAAS), dada para que ele se tornasse o portavoz dos propósitos divinos para o homem. Com efeito, Mohammad convocou o povo para o Islã, para que o tomasse por religião, escolhida que foi por seu Senhor: “... Hoje, completei a religião para vós; tenhovos agraciado generosamente, e vos aponto o Islã por religião...” (5ª Surata, versículo 3). O Alcorão não é um código e nem um discernimento do Islã Ele esclarece, pelas tradições do Profeta (SAAS), seus fundamentos, rituais e legislativos, de forma clara e objetiva, orientando a conduta de todos os crentes. O Alcorão foi documentado durante a vida do Profeta (SAAS) por escribas, a quem ele o ditava. Os escribas registravam suas palavras em pedaços de couro, em folhas de tâmara e em pedras polidas. Ele permaneceu, por muito tempo, escrito nesses objetos, bem como registrado na memória de alguns homens até a morte do Profeta (SAAS). No entanto, diante da adversidade vivida pelos muçulmanos, com guerras e perseguições, os retentores do conteúdo do Alcorão, para que ele não desaparecesse para sempre, providenciaram uma cópia do mesmo, impressa em material mais adequado. Coube à uma das esposas de Mohammad, de nome Hafza, assumir a custódia da referida cópia. 52 Os companheiros do Profeta, os retentores do Alcorão e seus recitadores, espalharam-se pelo mundo, levando a mensagem do Livro Sagrado, de forma que o Islã se expandiu e conquistou os corações de milhões de criaturas. É evidente que isso não viria sem a resistência daqueles que pregavam (e ainda pregam) a liberdade religiosa e de pensamento, bem como o princípio de igualdade dos homens perante Deus, mas se contradiziam em suas ações, ao perseguirem os fiéis de outros credos. Desse modo, desde o surgimento do Islã até os dias de hoje, aqueles que pregam a liberdade mas apresentam uma conduta na contra-mão do que pregam, perseguem os “apóstatas” e “gentios”, através das “cruzadas”, da propaganda insidiosa e da repressão pura e simples. Todavia, o Islã continua mais vivo e atuante do que nunca. A religião se expande a olhos vistos e a cada dia mais povos são contemplados com a luz emanada pelo Alcorão, onde está impressa a palavras de Deus, propagada por milhares de missionários, que ensinam ao homem regras de conduta, que visam proporcionar a paz e a concórdia, para que ele possa viver em harmonia com os preceitos divinos, a fim de alcançar sua felicidade suprema. Reconhecimento dos Cristãos Tendo sido evidenciado o respeito que se tem para com os Livros Sagrados, seja o Alcorão, a Tora ou a Bíblia, temos que o Islã reconhece os crentes em Deus, mas não impõe sua fé a ninguém, como podemos comprovar nesta passagem do Alcorão: “Entre os adeptos do Livro há 53 aqueles que crêem em Allah, no que vos foi revelado, assim como no que lhes foi revelado, humilhando-se perante Allah; não negociam os versículos de Allah a preço irrisório. Terão sua recompensa ante o seu Senhor, porque Allah é Destro em ajustar contas”. (3ª Surata, versículo 199). Temos, assim, que a fé é algo sublime, que não se troca por nada, por mais que seja valioso. Por outro lado, evidencia-se a justiça de Deus a todos os homens. Já neste outro versículo, ressalta-se a liberdade de crença, prevista como um direito de todos: “E se eles discutirem contigo (Ò Mohammad), dize-lhes: Submetome a Allah, assim como aqueles que me seguem! Dize aos adeptos do Livro e aos iletrados: Tornar-vos-eis muçulmanos? Se se tornarem, encaminhar-se-ão; se negarem, sabe que a ti só compete a proclamação da Mensagem. E Allah é Observador dos Seus servos”. (3ª Surata, versículo 20). Percebe-se, então, que segundo o Alcorão não há imposição de crença a ninguém. Todos têm direito a escolher sua confissão religiosa, devendo ter liberdade para professála adequadamente e com respeito dos demais homens e religiões. O Islã e os Mensageiros de Deus Muitas pessoas não sabem qual a posição da Virgem Maria ou de Jesus Cristo no Alcorão Sagrado. As pessoas podem não acreditar naquilo que foi dito pelo Alcorão referente a Jesus e demais profetas, ou pela falta de 54 informação por parte dos muçulmanos, ou pelas informações falsas e difamatórias contra o Islã difundidas por seus adversários. Trata-se de uma questão para ser estudada, precisando da leitura de muitos livros e de uma análise bastante criteriosa. Neste estudo, vamos apresentar algumas pequenas passagens do Alcorão que abordam esse assunto, apresentando alguns dos Mensageiros de Deus, bem como alguns de seus ensinamentos. Dessa maneira, nosso objetivo é apresentar alguns valores morais e sociais, que muitas pessoas pensam serem modernos, mas que o Islã já tinha apresentado há muito tempo (1400 anos). O Islã revolucionou a sabedoria, a fé, os pensamentos, as ciências e as artes na Europa, no mundo oriental e africano. Como veremos, a ideologia islâmica não entra em confronto com o Cristianismo, com o Judaísmo, nem com outras concepções religiosas. Em contrapartida, o imperialismo tem inventado diversos motivos para dominar os povos e se apropriar das riquezas internacionais, usando métodos infernais e baseando-se em mentiras. O livro “As mil e uma noites” traz uma história que ilustra bem essa questão: “Certo dia, um lobo encontrou um carneiro na beirada de um rio e disse: ‘Ó carneiro, por que está me turvando a água?’ O carneiro respondeu: ‘A água vem de teu lado ao meu!’ O lobo, então, falou: ‘Eu não estou falando de agora, mas de há dois anos!’ O carneiro disse-lhe: ‘Eu não tenho dois anos! Eu tenho apenas um ano e meio!’ O lobo falou: ‘Eu não estou falando de você, mas do seu pai!’ Pois atirou-se sobre ele, avançando e o comendo.” Essa história parece sempre se repetir entre o imperialismo e as nações desejadas, por qualquer interesse político ou econômico. 55 Então, vejamos agora como o Alcorão apresenta a Virgem Maria, Jesus Cristo e os demais mensageiros de Deus. A Virgem Maria no Alcorão Sagrado Como sabemos, Deus Todo Poderoso cede poderes e as recompensas a quem quiser. E esse imperativo pode ser constatado no seguinte trecho do Alcorão: “Dize: Ò Allah, Soberano do poder! Tu concedes a soberania a quem Te apraz e a retiras de quem desejas; exaltas quem queres e humilhas a Teu bel prazer. Em Tuas mãos está todo o Bem, porque só Tu és Onipotente”. (3ª Surata, versículo 26). Trata-se de uma passagem gloriosa, plena de significado – tanto patente como místico. A frase regente é “Em Tuas mãos está todo o Bem”. Qual é o padrão pelo qual devemos julgar o bem? É a vontade de Allah. Por conseguinte, quando nos submetemos à vontade de Allah, tendo o Islã a nos iluminar, vemos o bem como sublime. Tem havido, e há, muita controvérsia, quanto ao que seja o bem sublime. Para os muçulmanos não há dificuldade: É a vontade de Allah. Eles devem sempre empenhar-se em aprender e compreender tal vontade. E, uma vez nessa fortaleza, eles estarão seguros. Não se angustiarão com a natureza do Mal. Diante desse bem sublime, que é a vontade de Deus, coloca-se o papel da Virgem Maria, no entender do Alcorão. Inicialmente, ele ressalta que o fruto do milagre de Deus pertence a Deus e à Virgem Maria, que dedicou o fruto de seu ventre à missão divina. 56 Assim, nesta passagem do Alcorão indica-se que Anna, mãe de Maria, teria dedicado sua filha à obra do Senhor desde o momento de sua concepção: “Recorda-te de quando a mulher de Imran, disse: Ó Senhor meu, é certo que consagrei a ti, integralmente, o fruto do meu ventre; aceita-o, porque és o Oniouvinte, o Sapientíssimo”. (3ª Surata, versículo 35). Com efeito, Anna – esposa de Imran e mãe de Maria – consagrara o fruto concebido (uma menina) ao serviço do Senhor, como se comprova nesta outra passagem: “E quando concebeu, disse: Ó Senhor meu, concebi uma menina – e Allah sabia muito bem o que ela tinha concebido, e um macho não é o mesmo que uma fêmea. Eis que a chamo Maria; ponho-a, bem como a sua descendência, sob a Tua proteção, contra o maldito Satanás”. (3ª Surata, versículo 36). Após o nascimento de Maria, comprova-se a graça do Senhor, conforme se percebe neste outro trecho do Alcorão: “Seu Senhor a aceitou benevolentemente e a educou esmeradamente, confiando-a a Zacarias. Cada vez que Zacarias a visitava, no oratório, encontrava-a provida de alimentos, e lhe perguntava: Ó Maria, de onde te vem isso? Ela respondia: De Allah! Porque Allah agracia sem medida a quem Lhe apraz”. (3ª Surata, versículo 37). Ora, estando no oratório, isto é, a sala em frente ao templo ou o lugar mais nobre do templo de Jerusalém, Maria estava sempre munida do essencial à sua sobrevivência, por obra e graça de Deus. Numa outra situação, tem-se que Maria é retirada do seio de sua família, a fim de ser preparada para a tarefa divina de tornar-se mãe: “E menciona Maria, no Livro, a qual se separou de sua família, indo a um local no leste”. (19ª Surata, versículo 16). 57 De fato, Maria foi enviada para um compartimento privado ao leste, talvez num templo. Ela se separou das pessoas de sua família, e das pessoas em geral, e foi para a sua privacidade, por devoção, para orar. Foi nesse estado de pureza que o anjo apareceu a ela na forma de um homem. Ela pensou tratar-se realmente de um homem, ficou assustada, e implorou-lhe que não invadisse a privacidade dela. Como se vê, um anjo lhe aparece na imagem perfeita de um homem, assustando-a e levando-a a clamar a proteção de Deus, segundo estes outros trechos do Alcorão: “E colocou uma cortina para ocultar-se dela (de sua família), e lhe enviamos o Nosso Espírito, que lhe apareceu personificado, como um homem perfeito”. E continua: “Disse-lhe ela: Guardo-me de ti no Clemente, se é que temes a Allah”. (19ª Surata, versículos 17 e 18). Dessa forma, sabemos que o anjo Gabriel tranqüilizaa com a notícia milagrosa de que ela teria um filho, como vemos neste trecho: “Explicou-lhe: Sou tão somente o mensageiro do teu Senhor, para agraciar-te com um filho imaculado”. (19ª Surata, versículo 19). Evidencia-se, assim, que o Profeta e mensageiro de Deus trazia a boa nova, ou seja, que Allah havia destinado Maria para ser a mãe do profeta Jesus Cristo, e então chegara o tempo em que isso deveria ser anunciado a ela. No entanto, a Virgem Maria não consegue compreender como poderia ter um filho, sendo virgem e sem ter sido tocada por homem algum. Em relação a isso, o Alcorão diz que Maria expressa sua preocupação: “Disse-lhe: Como poderei ter um filho, se nenhum homem me tocou e jamais deixei de ser casta ?” A qual é explicada pelo mensageiro do Senhor: ‘Disse-lhe: Assim será, porque teu Senhor disse: 58 Isso Me é fácil! E faremos disso um sinal para os homens, e será uma prova de Nossa misericórdia”. (19ª Surata, versículos 20 e 21). Numa outra passagem, temos uma explicação mais clara quanto à sua gravidez sem contato carnal: “Perguntou (Maria): Ó Senhor meu, como poderei ter um filho, se mortal algum jamais me tocou? Disse-lhe o anjo: Assim será. Allah cria o que deseja, posto que quando decreta algo, basta dizer: Seja! E é”. (3ª Surata, versículo 47). Ora, pela ordem de Allah Todo Poderoso, Adão foi feito de barro, sem pai nem mãe; Eva, da costela de Adão, do pai sem mãe; e Jesus, de Mãe sem pai. Assim, Deus cria do jeito que ele quer, não precisa de causas, porque é todo poderoso. De qualquer modo, tendo compreendido sua missão divina, Maria levou uma vida reservada durante toda a gravidez. Porém, diante da situação vigente na época, afastou-se no momento de dar a luz, como percebemos neste trecho do Alcorão: “E quando concebeu, retirou-se, com ele, para um lugar afastado”. (19ª Surata, versículo 22). A anunciação da concepção, podemos supor, teve lugar em Nazaré (da Galiléia), localizada a uns 100 km ao norte de Jerusalém. O parto deu-se em Belém, cerca de 10 km ao sul de Jerusalém. Era um lugar longínquo, não apenas com relação à distância, mas porque em Belém o nascimento deu-se num local obscuro, sob uma palmeira, de onde talvez a criança tenha sido depois removida para uma manjedoura, em um estábulo. Maria não foi poupada das dores do parto, como nos indica esta passagem: “As dores do parto a constrangeram a refugiar-se junto de uma tamareira. Disse: Oxalá eu tivesse morrido antes disto, ficando completamente esquecida”. (19ª Surata, versículo 23). 59 Ela era apenas humana e sofria as dores de uma mãe que está esperando, sem ter ninguém para olhar por ela, porque como a circunstância era peculiar, ela teve de ir para longe de seu povo. No entanto, Deus cuidou para que ela fosse assistida em suas necessidades, conforme constatamos nos seguintes trechos: “Porém, chamou-a uma voz, debaixo dela: Não te atormentes, porque teu Senhor fez correr um riacho a teus pés!” E ainda: “E sacode o tronco da tamareira, de onde cairão sobre ti tâmaras maduras e frescas”. (19ª Surata, versículos 24 e 25). Percebe-se, assim, que a Providência Invisível determinou que ela não devesse sofrer sede e fome, pois além do alimento (tâmaras), o poço abasteceu-a com água também para sua higiene. Prosseguindo em nossa análise, temos que há um outro ponto importante no seguinte versículo: “Come, pois, bebe e consola-te; e se vires algum humano, faze-o saber que fizeste um voto de jejum ao Clemente, e que hoje não poderás falar com pessoa alguma”. (19ª Surata, versículo 26). Examinando-o sob o ponto de vista literal, temos a expressão “Refresca teus olhos” como uma frase idiomática vinculada a esta outra “consola-te”, cujo significado não deve ser esquecido: ela teria de refrescar os seus olhos (talvez marejados de lágrimas) com água fresca do regato, e consolar-se com a notável criança que havia nascido dela. Ela teria, também, de olhar ao seu redor e, se alguém se aproximasse, teria de declinar qualquer conversa. Aquilo era bem a verdade: ela se encontrava sob juramento e não podia conversar com ninguém. Ela teria de evitar toda conversa, com homem ou mulher, com a justificativa de um juramento a Allah. 60 Sabemos que o jejum, no original, não significa a abstinência quanto ao comer e ao beber. Assim, foi-lhe aconselhado que comesse tâmaras e que bebesse do regato. Outrossim, significa abstinência das costumeiras refeições caseiras e, de modo geral, das relações com os humanos. Como quer que seja, após o nascimento, Maria retorna à sua comunidade com seu filho abençoado: “Regressou ao seu povo levando-o (o filho) nos braços. E lhe disseram: Ó Maria, eis que trouxeste algo extraordinário!” (19ª Surata, versículo 27). Ora, o espanto das pessoas não tinha limites. De qualquer maneira, as pessoas estavam propensas a pensar o pior, uma vez que ela desaparecera do seio de seus familiares por algum tempo. E agora, lá vinha ela, desavergonhadamente desfilando com um filho no colo! E como ela havia desgraçado a casa de Aarão, a fonte do sacerdócio! Podemos supor que a cena se desenrolou no Templo, em Jerusalém ou em Nazaré, atraindo a atenção de todas as pessoas quanto a atitude de Maria: “Ó irmã de Aarão, teu pai jamais foi um homem do mal, nem tua mãe uma (mulher) sem castidade!” (19ª Surata, versículo 28). Com efeito, Aarão, o irmão de Moisés, foi o primeiro na linhagem do sacerdócio israelita. Maria e sua prima Isabel (mãe de Yahia) vinham de uma família sacerdotal e, portanto, eram “irmãs de Aarão” ou filhas de Imran (que era pai de Aarão). Maria é conscientizada da sua alta linhagem e das irrepreensíveis qualidades morais do seu pai e da sua mãe. Assim, as pessoas não se conformavam de que ela se perdera e desgraçara o nome dos seus progenitores, como se pode notar nesta passagem: “Então ela lhes indicou que interrogassem o menino. Disseram: Como falaremos 61 a uma criança que ainda está no berço?” (19ª Surata, versículo 29). No entanto, o que podia fazer Maria? Como poderia ela explicar? Iriam as pessoas, com seus modos de censura, aceitar a explicação dela? Tudo o que ela podia fazer era apontar para a criança, a qual, ela sabia, não era uma criança comum. E a criança viera para a salvação dela, pois por um milagre, a criança falou e defendeu sua mãe, pregando a um público incrédulo: “Ele lhes disse: Sou servo de Allah, o Qual me concedeu o Livro e me designou como profeta”. E prosseguiu: “Fez-me abençoado, onde quer que eu esteja, e me encomendou a oração e ( a paga do) zakat enquanto eu viver”. (19ª Surata, versículos 30 e 31). Como se sabe, há um paralelismo por todo o relato da história de Jesus e Yahia, com algumas variações. Por exemplo, Jesus declara, desde o princípio, que era um servo de Allah, negando desse modo, a falsa noção de que era Allah ou filho de Allah. E mais, Ele alerta para o respeito que se devia ter para com sua mãe: “E me fez gentil para com a minha mãe, não permitindo que eu seja arrogante ou rebelde”. (19ª Surata, versículo 32). De fato, a violência arrogante não é apenas injuriosa e danosa para a pessoa contra quem é praticada; ela é, talvez, ainda mais danosa para a pessoa que a pratica, porque torna sua alma turva, insegura, infeliz e arruinada – o estado das almas que se encontram no Inferno. Como se percebe, deste momento em diante, a atenção volta-se para Jesus Cristo, ficando a Virgem Maria como imagem da mãe providencial. Com as passagens que acabamos de indicar, esperamos ter sido possível um esclarecimento quanto ao papel que lhe foi reservado no Alcorão sagrado, evitando interpretações errôneas ou equivocadas de quem quer que seja. 62 A Posição de Jesus Cristo A missão de Jesus é anunciada de duas maneiras: em primeiro lugar, Ele seria um sinal para os homens, pois seu maravilhoso nascimento e vida iriam trazer de volta Allah (Deus) a um mundo ateu; e, em segundo lugar, sua missão iria trazer consolo e salvação aos que se arrependessem. De um modo ou de outro, isto é o que se passa com todos os mensageiros de Allah, e foi, proeminentemente assim, no caso do Mensageiro Mohammad (SAAS). Mas o ponto principal aqui, é que os israelitas, para os quais Jesus foi enviado, para quem a mensagem de Jesus era verdadeiramente um Evangelho de Misericórdia, eram de um povo de coração duro. Como sabemos, para qualquer coisa que Allah deseja criar, Ele diz: “Seja! E é”. Não há intervalo algum entre o Seu decreto e a consumação deste, exceto se Ele assim o estipular, no próprio decreto. Pode ser que o tempo seja apenas uma projeção de nossas mentes, neste mundo de relatividade. Assim foi que Ele escolheu Maria, a mais pura de todas as mulheres, para gerar um de seus mais importantes servos – Jesus Cristo, como se constata nesta passagem: “Recordate de quando os anjos disseram: Ò Maria, Allah te elegeu e te purificou, e te preferiu a todas as mulheres da humanidade!” (3ª Surata, versículo 42). Aqui iniciamos a história de Jesus. Como prelúdio, temos o nascimento de Maria e a narrativa paralela de João Batista (Yahia), o filho de Zacarias. Isabel, mãe de Yahia, era prima de Maria, mãe de Jesus. Isabel era uma das filhas 63 de Aarão, irmão de Moisés e filho de Imran. Seu marido, Zacarias, era virtualmente um sacerdote, e sua prima Maria era também presumidamente de família sacerdotal. Pela tradição, a mãe de Maria chamava-se Hanna (em latim Anna e em português Ana) e seu pai chamava-se Imran. Hanna é, por conseguinte, tanto descendente da casa sacerdotal de Imran como esposa de Imran – uma mulher de Imran, num sentido duplo. Ao saber de sua divina tarefa, Maria fica extremamente agradecida e se entrega a ela, conforme os seguintes versículos: “Ó Maria, consagra-te ao Senhor. Prostra-te e ajoelha-te com os que se ajoelham!” E ainda: “Estes são alguns relatos do desconhecido, que te revelamos (ó mensageiro). Tu não estavas presente com eles (os judeus) quando, com setas, tiravam a sorte para decidir quem se encarregaria de Maria; tampouco estavas presente quando estavam a discutir entre si”. (3ª Surata, versículos 43 e 44). Numa outra situação, Maria é esclarecida sobre Aquele que ela abrigava em seu ventre: “E quando os anjos disseram: Ó Maria, Allah te anuncia o Seu Verbo, cujo nome será Messias, Jesus, filho de Maria, nobre neste mundo e no outro, e que se contará entre os próximos de Allah”. (3ª Surata, versículo 45). Pelo que sabemos, Messias é a forma hebraica, enquanto em árabe é Massih. Cristo (em grego, Christos) que quer dizer “o ungido”. Os reis e os sacerdotes eram ungidos para que a unção simbolizasse a consagração dos seus destinos especiais. Sem nos atermos às diferentes formas de referência à Jesus, temos informações sobre Seus “milagres” já desde a tenra idade: “Falará aos homens, ainda no 64 berço, bem como na maturidade, e se contará entre os virtuosos”. (3ª Surata, versículo 46). Ora, o apostolado de Jesus durou apenas cerca de três anos, dos 30 aos 33, quando, ao ver dos seus inimigos, ele foi crucificado. Porém, o Evangelho de Lucas descreve-o parlamentando com os doutores do Templo, tendo a idade de 12 anos ou menos, ainda uma criança: “Entretanto o menino crescia, e se fortificava, estando cheio de sabedoria: e a graça de Deus era com ele”. Alguns Evangelhos apócrifos descrevem-no como “pregando desde a infância”. E a história nos mostra que Jesus fez muitos outros milagres: “E será um mensageiro para os israelitas (e lhes dirá): Apresento-vos um sinal do vosso Senhor: eis que plasmarei de barro a figura de um pássaro, no qual assoprarei, e a figura se transformará em pássaro, com o beneplácito de Allah; curarei o cego de nascença e o leproso; ressuscitarei os mortos, pela vontade de Allah; e vos revelarei o que consumis e o que entesourais em vossas casas. Nisso há um sinal para vós, se sois crentes”. (3ª Surata, versículo 49). Esse milagre dos pássaros de barro é encontrado em alguns Evangelhos apócrifos; o da cura dos cegos e dos leprosos, e o da ressurreição dos mortos, encontram-se nos Evangelhos canônicos. O Evangelho original (3ª Surata, versículo 48) não se constituía das várias histórias escritas mais tarde pelos discípulos, mas da verdadeira Mensagem, ensinada diretamente por Jesus. De qualquer modo, o Alcorão indica a importância da vida de Jesus: “A paz está comigo, desde o dia em que nasci; estará comigo no dia em que eu morrer, bem como no dia em que eu for ressuscitado”. (19ª Surata, versículo 33). 65 Para nós, Cristo não foi crucificado. Contudo, aqueles que crêem que ele jamais morreu, devem ponderar sobre este versículo: “Este é Jesus, filho de Maria; é a pura verdade, da qual duvidam”. (19ª Surata, versículo 34). As discussões quanto à natureza de Jesus Cristo foram em vão, mas persistentes e sanguinolentas. Os cristãos modernos deixam-nas para trás; e fariam muito bem se, juntamente com isso, abandonassem os dogmas tradicionais. Os Outros Mensageiros O Alcorão reconhece e cita outros vinte e quatro mensageiros e profetas. Inicialmente, informa-nos sobre o Pai Nosso e de todos os profetas, como vemos nesta passagem: “E menciona no Livro (a história de) Abraão; ele foi veraz, e um profeta”. (19ª Surata, versículo 41). Depois, apresenta-nos os demais mensageiros e profetas: “E quando os abandonou com tudo quanto adoravam em vez de Allah, agraciamo-lo com Isaac e Jacó, e designamos ambos como profetas”. (19ª Surata, versículo 49). Com efeito, Isaac e seu filho Jacó, são mencionados por darem continuidade à linha de tradições de Abraão. Outra linha foi continuada por Ismael, da mesma maneira que sua linhagem é tratada com especial honraria quanto ao Profeta do Islã. Eis porque a menção a ele vem depois de Moisés. Abraão, seu filho Isaac e seu neto Jacó, em sua linhagem, mantiveram o estandarte da verdade espiritual de Allah por muitas gerações, e conseguiram, merecidamente, ganhar louvor – o louvor da verdade – nas línguas dos 66 homens. Abraão orou para que fosse louvado pela língua da verdade, entre os homens que viriam em eras posteriores. O louvor vindo da boca sincera, é deveras louvor! Abraão, o Pai de Todos Nascido na Babilônia, atual Iraque, filho de um carpinteiro de nome Ázar, cuja a principal ocupação era esculpir ídolos para vendê-los aos pagãos, Abraão nunca pode aceitar o ofício do pai, o qual considerava incompatível com suas mais profundas crenças monoteístas. Já adulto, movido por eternas indagações, jamais chegou a compreender como aqueles pedaços de madeira, apresentados sob várias formas, podiam ser objeto de adoração de seu povo. Acossado por inquietudes dessa natureza, questionava o pai quanto a validade desses ídolos e tentava demonstrarlhe que coisas inertes não podem, absolutamente, suscitar algo de bom ou de útil em seus adoradores. No Alcorão, encontramos muitas passagens que dizem respeito a esses fatos. Assim, destacamos o seguinte trecho: “Sabei que entre aqueles que seguiram o seu exemplo estava Abraão, que se consagrou ao seu Senhor, de coração sincero. E disse ao seu pai e ao seu povo: Que é isso que adorais? Preferis as falsas divindades, em vez de Allah? Que pensais do Senhor do Universo? E elevou seu olhar às estrelas, dizendo: Em verdade, sintome enfermo! Então eles se afastaram dele. Ele virou-se para os ídolos deles e lhes perguntou: Não comeis (do que vos foi oferecido)? Por que não falais? E pôs-se a destruí-los com a mão direita. E (os idólatras) 67 regressaram, apressados, junto a ele. Disse-lhes: Adorais o que esculpis, Apesar de Allah vos ter criado, bem como o que elaborais? Disseram: Preparai para ele uma fogueira e arrojai-o no fogo! E intentaram conspirar contra ele; porém, fizemo-los os mais humilhados. E disse (Abraão): Vou para o meu Senhor, Que me encaminhará.” (37ª Surata, versículos 83-99). Numa outra passagem do Alcorão, é mencionado que: “E recita-lhes (ó Mensageiro) a história de Abraão, quando perguntou ao seu pai e ao seu povo: O que adorais? Responderam-lhe: Adoramos os ídolos, aos quais estamos consagrados. Tornou a perguntar: Acaso vos ouvem, quando os invocais? Ou, por outra, podem beneficiar-vos ou prejudicar-vos? Responderam-lhe: Não; porém, assim encontramos fazendo os nossos pais. Disse-lhes: Porém, reparais, acaso, no que adorais, Vós e os vossos antepassados? São inimigos para mim, coisa que não acontece com o Senhor do Universo; Que me criou e me ilumina; Que me dá de comer e de beber; Que, se eu adoecer, me curará. Que me dará a morte e então me ressuscitará. E Que, espero, perdoará as minhas faltas, no Dia do Juízo. Ó Senhor meu, concedeme prudência e junta-me aos virtuosos! Concede-me boa reputação na posteridade. Conta-me entre os herdeiros do Jardim do Prazer. perdoa meu pai, porque foi um dos extraviados.” (26ª Surata, versículos 69-86). Encontramos, ainda, uma outra passagem: “Quando Abraão disse a Ezra, seu pai: Tomas os ídolos por deuses! eis que te vejo a ti e a teu povo em evidente erro. E assim mostramos a Abraão o reino dos céus e da terra, para que se contasse entre os persuadidos. Quando a noite o envolveu, viu uma estrela e disse: Eis 68 aqui meu Senhor! Porém, quando esta desapareceu, disse: Não adoro os que desaparecem. Quando viu despontar a lua, disse: Eis aqui meu Senhor! Porém, quando esta desapareceu, disse: Se meu Senhor não me iluminar, contar-me-ei entre os extraviados. E quando viu despontar o sol, exclamou: Eis aqui meu Senhor! Este é maior! Porém, quando este se pôs, disse: Ó povo meu, estou isento da vossa idolatria! Eu me consagro a Quem criou os céus e a terra; sou monoteísta e não me conto entre os idólatras. Seu povo o refutou, e ele disse (às pessoas): Pretendeis refutar-me acerca de Allah, se é Ele que me tem iluminado? Sabei que não temerei os parceiros que Lhe atribuís, salvo se meu Senhor quiser que algo me suceda, porque a onisciência do meu Senhor abrange tudo. Não meditais?” (6ª Surata, versículos 74-80). Pelo que sabemos, como Abraão não conseguia convencer seu povo a abandonar o paganismo, partiu com sua mulher Sara e foi à Palestina. De lá viajou para o Egito, dominado então pelos hicsos. Estes eram aguerridos bandos de pastores asiáticos, que invadiram o Nilo, venceram os exércitos faraônicos e dominaram toda a região. Somente após certo tempo, uma revolução os expulsaria, e o governo do Egito seria restituído a seu povo. De qualquer modo, era costume, entre os reis hicsos, apoderarem-se de mulheres belas e casadas e sendo Sara de rara beleza, ela corria o risco de ser tomada por eles. Astuto, Abraão fez com que ela passasse por sua irmã, o que de nada lhe valeu. O rei dos hicsos, contudo, pretendendo casar-se com Sara, viu em sonhos que ela pertencia a Abraão. Após questionar com este, sobre a veracidade do sonho, repreendeu-o pela atitude, devolveu69 lhe Sara, mas não se mostrou inimigo seu; ao contrário, deulhe presentes, entre os quais uma escrava egípcia, de nome Hajar. Assim, passou Abraão a viver com Sara e Hajar, pacificamente, até que Sara, já avançada em anos e estéril, sugeriu ao marido que estivesse com Hajar, para assegurar sua descendência. Anuindo aos rogos de Sara, Abraão esteve com Hajar e com ela teve um filho de nome Ismael. Sobre esse tema, temos a seguinte passagem do Alcorão: “Ele (Abraão) disse: Eu vou onde me ordena o Senhor, que me há de guiar.” “Senhor meu, concede-me um filho virtuoso.” “Nós, então, lhe alvissaramos um menino clemente.” (37ª Surata, versículos 99-101). Tempos depois, por revelação divina, Abraão foi avisado de que Sara também lhe daria um filho, tendo com ela Isaac, o que nos é apresentado pela seguinte passagem do Alcorão: “E lhe alvissaramos Isaac, que será profeta, entre os virtuosos.” (37ª Surata, versículo 112). Desse modo, podemos notar a proximidade existente entre as linhagens dos árabes e dos judeus, através dos filhos de Abraão. Além disso, sabemos que Ismael e Isaac eram igualmente queridos pelo pai. Mas, com o correr do tempo, Sara não pode suportar essa igualdade e passou a hostilizar Hajar, com quem não mais queria conviver. Tanto fez Sara contra Hajar e Ismael, que Abraão teve de afastá-los. Levou-os ao sul da Península Arábica, chegando ao vale de Meca, que na ocasião se encontrava totalmente deserto, porque não era o tempo das caravanas. Ali deixou Hajar e Ismael, com pouco de água e víveres, retornando à Palestina. Durante algum tempo, permaneceram Hajar e Ismael no vale, vivendo de água e dos víveres, deixados por Abraão, 70 até que se esgotou a água. E, com a falta de chuva, a região não apresentava sequer uma formação do precioso líquido. Hajar, desesperada, passou a procurá-lo nas proximidades; depois percorreu distâncias, escalando Al-Safá e Al- Marua, duas colinas ao redor do vale. Escalou-as, sucessivamente, sete vezes. Esgotada e sem esperanças, voltou junto ao filho, a quem encontrou como um anjo, que escavava a terra, de onde brotou abundante água. Essa fonte, que existe até hoje, recebeu o nome de Zamzam e, perto dela, permaneceram por muito tempo, Hajar e Ismael. Com a chegada das caravanas, Hajar passou a ganhar o sustento em troca de água que oferecia aos viajantes. Zamzam, a única fonte de água em toda a região, começou a atrair tribos nômades, que passaram a viver em suas proximidades. Uma das primeiras que habitaram o vale de Meca foi a Jurhum, à qual pertencia a mulher com quem Ismael viria a se casar anos mais tarde. Ismael passou a viver, então, com essa tribo, no mesmo lugar em que, tempos depois, ergueu-se o templo da Caaba, a partir da qual se formou a cidade de Meca, propriamente dita. Conta-se que um dia Abraão pediu à Sara que o deixasse ver a seu filho Ismael e a Hajar, sua mulher. Partiu, então, e ao chegar ao vale, recebeu a revelação de Deus, que lhe ordenava construir um templo para sua adoração. Abraão e Ismael iniciaram a construção da Caaba, o primeiro templo sagrado do mundo e, com certeza, o primeiro santuário consagrado a Deus pelos homens, que foi erigido em Meca, em lugar abençoado, “como guia povos”. Sobre esse aspecto, podemos ler no Alcorão: “Sem dúvida, o primeiro santuário para os homens foi erigido em Bakka, lugar abençoado e guia para os povos.” (3ª Surata, versículo 96). E, ao levantarem as fundações do templo, 71 Abraão e Ismael oraram: “Ó Senhor nosso, aceita-a de nós pois Tu és Oniouvinte, Sapientíssimo.” (2ª Surata, vesículo127). Moisés e Outros Profetas Moisés foi especialmente escolhido, preparado e instruído na sabedoria dos egípcios, para que pudesse libertar o seu povo do cativeiro do Egito. Foi um profeta e recebeu inspiração, tendo sido um mensageiro: “E menciona Moisés, no Livro, porque foi leal e foi um mensageiro e um profeta”. (19ª Surata, versículo 51). Ele possuía um livro de revelação e uma comunidade organizada, na qual instituiu as leis de Deus. Com o tempo, Moisés foi agraciado com o auxílio de seu irmão, Aarão, também tornado profeta: “E o agraciamos com a Nossa misericórdia, com seu irmão Aarão, outro profeta”. (19ª Surata, versículo 53). De fato, Moisés estava desconfiado e relutante para ir com o faraó, porque possuía uma deficiência em sua língua. Assim sendo, ele pediu ao seu irmão, Aarão, que se associasse a ele naquela missão. Numa outra passagem, apresenta-se o profeta Ismael: “E menciona, no Livro, (a história de) Ismael, porque foi leal às suas promessas e foi um mensageiro e profeta”. (19ª Surata, versículo 54). Como se sabe, Ismael era o escolhido para o sacrifício de Allah, na tradição muçulmana. Quando Abraão lhe contou sobre o sacrifício, ele ofereceu-se voluntariamente para isso, e jamais se furtou à promessa, até que o sacrifício foi redimido por um carneiro, segundo as ordens de Allah. 72 Há, ainda, uma outra referência: “E menciona, no Livro, (a história de) Idris, porque foi veraz, e um profeta”. (19ª Surata, versículo 56). Tudo quanto nos foi dito é que ele era um homem da verdade, da piedade e da sinceridade no mais alto grau. Era um profeta que desfrutava de uma elevada posição entre seu povo. Este é o ponto que junta a uma série de homens apenas mencionados; ele se conservou em contato com seu povo e foi por ele honrado. O progresso espiritual não faz com que nos afastemos das pessoas a nós achegadas; outrossim, nós devemos ajudá-las e guiá-las. Ele se ateve a verdade e a piedade no mais alto grau. A Missão do Islã Sabemos que todos os profetas de Deus são irmãos e iguais, como se constata nestas palavras do Alcorão: “Dize: Cremos em Allah, no que nos foi revelado, no que foi revelado a Abraão, a Ismael, a Isaac, a Jacó e às tribos, e no que foi concedido a Moisés, a Jesus e a seus profetas, do seu Senhor; não fazemos distinção alguma entre eles, porque somos, para Ele, muçulmanos”. (3ª Surata, versículo 84). Ora, o termo “muçulmano” é derivado da palavra Islã, que quer dizer submissão à vontade de Allah. A posição do muçulmano é clara. Ele não se ufana de ter uma religião peculiar, só para si. O Islã não é uma seita ou uma religião étnica. Em sua opinião, todas as religiões são como uma única, pois que a verdade é uma só. Foi a religião decantada por todos os profetas primevos. Foi a 73 verdade ensinada por todos os Livros inspirados. Em essência, ela galga à conscientização da vontade e dos desígnios de Allah e a uma jubilosa submissão a essas características. Todos sabem que Deus jamais quebra uma promessa. Assim é que foi dito: “Ó Senhor nosso, concede-nos o que prometeste por intermédio dos Teus mensageiros, e não nos desonres no Dia da Ressurreição. Tu jamais quebras a promessa”. (3ª Surata, versículo 194). Deus nos prometeu proteção e auxílio em nossas dificuldades através dos exemplos trazidos pelos seus mensageiros. A nós resta-nos o cumprimento de cada um desses ensinamentos, colocando-nos contra o terrorismo e tudo quanto possa caracterizar o mal: “E que surja de vós um grupo que recomende o bem, dite a retidão e proíba o ilícito. Este será (um grupo) bem aventurado”. (3ª Surata, versículo 104). Desse modo, a missão da nação muçulmana é de paz e de segurança: “Sois a melhor nação que surgiu na humanidade, porque recomendais o bem, proibis o ilícito e credes em Allah. Se os adeptos do Livro cressem, melhor seria para eles. Entre eles há crentes”. (3ª Surata, versículo 110). A conclusão lógica da evolução histórica religiosa é o surgimento de uma religião universal, não sectária, não racial e não doutrinária, à qual o Islã se arroga o direito, porque o Islã é apenas a submissão à vontade de Allah. Isto implica em fé, bom proceder, ser um exemplo para os outros, a fazer o bem e ter o poder de fiscalizar, no sentido de que o bem prevaleça; abster-se do erro, dando exemplo, para que outros se abstenham dele, tendo poder de fiscalizar no sentido de que a injustiça e o erro sejam erradicados. 74 Portanto, o Islã vive não em função de si mesmo, mas em função de toda a humanidade. O Islã e as Outras Religiões Em momento algum na história, o Islã pregou a destruição de outros credos. Pelo contrário, a liberdade de culto é uma das pedras basilares do Islã. Mesmo porque o Alcorão é repleto de referências nesse sentido. Nos países de maioria muçulmana, a liberdade religiosa é respeitada, podendo os crentes praticar livremente seus cultos sem serem importunados. Trata-se de uma liberdade que pode ser definida como o direito do indivíduo de escolher uma doutrina religiosa, sem qualquer coação ou constrangimento exterior. O Alcorão prescreve em diversas passagens, reveladas em Meca e Medina, que todo homem é livre para escolher a religião e a doutrina que lhe convenha, pois trata-se de uma convicção interior, de modo que o constrangimento não poderá ter nenhum efeito sobre ela. E o Alcorão é categórico nesse sentido, quando diz: “Não há imposição quanto à religião, porque já se destacou a verdade do erro. Quem renegar o sedutor e crer em Deus, ter-se-á apegado a um firme e inquebrantável sustentáculo, porque Deus é Oniouvinte, Sapientíssimo”. O Imam Mohamad Abdo acrescenta ainda: “Certas religiões, notadamente a cristã, possuíam o hábito de converter as pessoas por imposição, contrariando sua própria convicção. Este expediente não deveria ser aplicado, porque a fé, essência da religião, é a submissão do espírito. Portanto, essa submissão não poderá 75 ser assegurada por constrangimento, mas por intermédio de provas e da razão.” Assim, temos que movimentos ditos radicais, na verdade uma pequena minoria, de orientação políticoideológica – mas que ganham espaços generosos na mídia mundial – agem à margem da doutrina muçulmana, a exemplo do que ocorreu entre judeus e cristãos no passado, como ficou consignado ao longo da história. Durante os perto de oitocentos anos de ocupação da Península Ibérica (hoje, Espanha e Portugal) pelos muçulmanos, aqueles povos puderam praticar livremente seus credos, sendo eles judeus ou cristãos. Ambos progrediram e prosperaram à sombra do domínio mouro, sem serem importunados em seus costumes e tradições. Por séculos sem fim, judeus e cristãos conviveram pacificamente com muçulmanos na Palestina, na Ásia e na África, em nações árabes e em países como a Índia, a China, a Indonésia, o Irã e o Afeganistão, entre outros. Durante as dolorosas perseguições, que tanto penalizaram o povo hebreu na Europa, na Idade Média – pelo poder da “Santa Inquisição” da Igreja Católica Romana – milhares de judeus fugiram para os países árabes do Islã, onde foram recebidos com dignidade, sem ter que dispor de nenhum bem para se organizarem social e economicamente. Infelizmente, a partir do momento em que o Oriente Médio revelou possui riquezas de valor incomensurável em seu subsolo, tais como as imensas jazidas de petróleo – o que aconteceu no final do século XIX – esse quadro foi se alterando paulatinamente, e a ambição desmesurada de alguns homens de negócio, principalmente de países ocidentais (justamente aqueles que estão configurados nestas páginas como “oligarquia”), fez com que conflitos fossem se disseminando na região, progressivamente, em 76 sua maioria instigados e induzidos pela velha tática de “dividir para dominar”, como está acontecendo hoje no Iraque, no Afeganistão e em outras partes do mundo. Mas foi a partir da criação do movimento sionista internacional, em 1892, uma espécie de braço político do Judaísmo, que começou um longo debate em países europeus e americanos, sobre a necessidade de os judeus terem uma “pátria”. Na época falava-se de algum território africano – como Uganda – ou latino-americano – como a Patagônia, na Argentina – para os abrigar. Todavia, com o passar do tempo, a Palestina passou a ser o alvo central dos sionistas, que montaram uma estratégia de ocupação, a qual se iniciou com os movimentos religiosos, a partir da década de 1920. Inocentes, os palestinos dispensaram a eles, um tratamento com naturalidade, atenção e respeito. Com o tempo, os sionistas foram se infiltrando na região, contando com agentes revolucionários munidos de muitas armas. Em seguida, valeram-se das perseguições (do terror), que redundaram na morte de dezenas de milhares de palestinos (homens, mulheres e crianças), cristãos e muçulmanos; e a remoção dos mesmos para terras distantes, o que se convencionou chamar de “Diáspora Palestina”, com milhões deles vivendo hoje no estrangeiro. Como pano de fundo, a oligarquia internacional monitorou a situação bem de perto, utilizando a ideologia a seu favor, acompanhando o impasse gerado pelas ações dos sionistas, e agiu politicamente, propondo e coordenando a criação do Estado de Israel, em 1947, assim como seu reconhecimento pela Organização Mundial das Nações Unidas (ONU), dois anos depois. A ocupação pura e simples da Palestina pelo sionismo, um lugar sagrado para os muçulmanos de todo o mundo – 77 como é também para os cristãos – e a criação de um Estado judeu, exclusivo, ficou consignado como uma desonra ao Islã, uma vez que o princípio de liberdade religiosa que o muçulmano tanto preza foi ferido. Além disso, o espírito ecumênico que reinava na pacífica Palestina foi, então, quebrado pelo sionismo, o que gerou protestos e contendas que incendiaram todo o Oriente Médio, estendendo-se até hoje. Diante da expansão acelerada do Islã, assim como do poder formidável que os judeus detêm nas economias e nas culturas dos povos, o conflito religioso, que perdura há tanto tempo, interfere negativamente no plano da política e da economia mundial. Algo que, com certeza, o Deus dos judeus, árabes e cristãos, não vê com bons olhos. O Islã Visto Por Outros O Islã veio como uma inundação de luz, isto é, surgiu para iluminar todo o ambiente. Seu encanto cativou a tantos, que muitos se enfileiraram junto a ele. Mesmo aqueles que, por diversas razões, não adentraram às suas fileiras, quedaram-se diante de seu fascínio, não podendo deixar de admirar sua beleza, esplendor e grandiosidade. Admitem-lhe a sublimidade e a ele pagam tributo. Suas assertivas são importantes, porque vêm daqueles que não lhe completam o rol. E, justamente por ser de especial relevância, é que agora apresentaremos a apreciação de vários escritores sobre o Islã. Segundo Jean L’heurex, “O Islã tinha o poder de conquistar pacificamente as almas, pela simplicidade de sua 78 teologia, pela clareza de seus dogmas e princípios e pelo número definido de suas práticas. Em contraste com o Cristianismo, que vem sofrendo contínuas transformações, desde a sua origem, o Islã tem permanecido exatamente o mesmo em sua estrutura”. Para o major inglês Arthur Glyn Leonard, “Duas características, no credo do Islã, sempre me atraíram em particular: uma é a concepção quanto a Deus; a outra é a sua inquestionável sinceridade – um fantástico predicado nas relações humanas, principalmente em seu aspecto religioso. Acima de tudo, a sinceridade é quase divina e, como o amor, resguarda de uma infinidade de pecados”. Por outro lado, no entender de Srojiini Naidu, “O senso de justiça é um dos mais maravilhosos ideais do Islã porque, como tenho lido no Alcorão, encontro aqueles dinâmicos princípios da vida, aplicável a todo mundo”. Com efeito, o advento do Islã é talvez o mais surpreendente acontecimento da história humana. Surgido de uma terra e de um povo outrora negligenciados, o Islã se alastrou, no curto espaço de um século, pela metade do globo, fragmentando impérios, fazendo ruir religiões há muito instituídas, remodelando as almas das raças e erigindo todo um novo mundo – o mundo do Islã. Desse modo, quanto mais de perto examinamos este desenvolvimento, tanto mais extraordinário ele se nos apresenta. As outras grandes religiões conseguiram ganhar prestígio mui vagarosamente, à custa de dolorosos esforços, terminando por triunfar com a ajuda de monarcas poderosos, convertidos à nova fé. Assim ocorreu no Cristianismo, com Constantino; no Budismo, com Asoka; e no Zoroastrismo, com Cyrus; cada um concorrendo com a força vigorosa da autoridade secular ao culto escolhido. Porém, o mesmo não 79 aconteceu com o Islã. Surgido em uma terra desértica, esparsamente habitada por uma raça nômade, anteriormente indistinguível nos anais humanos, o Islã partiu para a sua grande aventura, contando com o apoio do mais débil elemento humano contra as mais cruciantes excentricidades materiais. Contudo, o Islã triunfou com facilidade e força aparentemente miraculosa, e uns pares de gerações viram o Crescente Fértil tornar-se vitorioso, desde os Pirineus até o Himalaia, desde os desertos da Ásia Central até os desertos da África Central. Sem dúvida, Mohammad (SAAS), um árabe entre os árabes, foi a própria encarnação da alma de tal raça. Pregando um monoteísmo singelo e astuto, livre de artimanhas prelatícias e das elaboradas pompas doutrinárias, ele puncionou os mananciais do zelo religioso, tão profundamente arraigados no coração semítico. Esquecendo-se das rivalidades crônicas e dos feudos sanguinários que haviam minado suas energias, em suas contendas mútuo-destrutivas, e amalgamando-se em uma florescente unidade com o fogo de sua recém adquirida fé, os árabes se arremeteram deserto afora, para conquistar a terra para Deus, o Único e Verdadeiro. Segundo Dr. A. M. Lothrop, “Eles (os árabes) não eram selvagens sanguinários, afeitos unicamente à pilhagem e à destruição. Outrossim, constituíam uma raça inatamente dotada, eram ávidos por aprender e apreciadores dos dotes culturais que as civilizações mais velhas tinham para lhes oferecer. Mesclando-se livremente e professando uma crença comum, conquistadores e conquistados rapidamente se fundiram e, dessa fusão surgiu uma nova civilização, a sarracena, com a qual as velhas culturas de Grécia, de Roma 80 e da Pérsia foram revigoradas, contando para isso com o gênio árabe e com o espírito Islâmico. Nos primeiros três séculos de sua existência (aproximadamente 650-1000 d.C.), o domínio do Islã foi a mais civilizada e progressista porção do Mundo. Salpicada de esplendidas cidades, formosas mesquitas e tranqüilas universidades, onde a cultura do mundo antigo era apreciada, o mundo muçulmano oferecia um surpreendente contraste com o ocidente cristão, então mergulhado na noite da idade das Idade das Trevas.” Para Sir William Muir, “...sem sombra de dúvidas, com o seu monoteísmo puro e um código fundado principalmente na justiça e no humanismo, o Islã consegue levantar, a um nível mais alto, raças afundadas na idolatria e no fetichismo, como as da África Central e aquelas que, em alguns aspectos – notadamente no temperamento – ele melhora materialmente a moralidade de tais povos”. O Islã e os Direitos Humanos Falar dos direitos do homem, diante da diversidade de culturas existentes no mundo é uma tarefa complexa. Por mais que o assunto venha sendo alvo de intensos debates, hoje e no passado, para o Islã dificilmente a humanidade alcançará êxito nesta tarefa, se deixar de lado a orientação do espírito, da revelação divina. Tanto é verdade, que nesse sentido, as leis criadas pelo homem, por mais necessárias que sejam, ainda estão longe de atingir seus objetivos, como pode ser visto no sofrimento de milhões de criaturas, que amargam todo tipo de injustiça, perseguições e privações, as mais adversas, inclusive com 81 a perda da própria vida, um direito fundamental, que vem de Deus e que lhes é tirado por assassinatos (violência), pela fome, assim como pelas guerras e contendas. E um outro direito, também fundamental, é o de o homem trabalhar, de ter um emprego digno para dar sustento, conforto e educação para a família. Ao não se respeitar esse valor, ele paga caro no plano social, com os desajustes de conduta, com os vícios, com uma juventude sem perspectivas de um futuro melhor, ou sequer com a possibilidade de exercer o direito sagrado de edificar uma família (marido, mulher e filhos), que também é um desígnio de Deus. Em dez de dezembro de 1948, a Assembléia das Nações Unidas publicou a “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, que é considerada como um ideal a ser perseguido e conquistado por todos os povos e nações, no intuito de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade se esforce por promover o respeito a esses direitos e liberdades, bem como – pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional – por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos. Com efeito, o objetivo da maior parte desses direitos é assegurar a liberdade, a justiça e a igualdade entre os homens, destacando o reconhecimento da dignidade inata de todos os membros da família humana e o reconhecimento da igualdade de seus direitos, independentemente de qualquer tipo de diferenciação que possa existir entre os homens. Todos esses princípios não podem jamais ser rejeitados, para que a liberdade possa ser consolidada e a justiça e paz sejam consagradas, de modo que a consolidação desses valores resultará em um mundo onde os homens terão liberdade de expressão e de crença, longe do temor e da miséria. 82 É evidente, que a partir da manifestação da ONU, a questão dos direitos humanos ganhou um novo desempenho e os povos de todo o mundo passaram a tê-la como um referencial de justiça e de valorização do homem, em seus direitos e dignidade. Para se entender a posição islâmica quanto aos direitos humanos e para salientar sua autenticidade e progresso neste domínio, desde há cerca de quatorze séculos, é necessário que se conheça os principais artigos da Declaração Universal, a fim de compará-los com os princípios defendidos pelo Islã. A religião islâmica nada mais é, em sua realidade, que uma notificação divina destes direitos, de uma forma precisa, real e profunda. Ela visa senão a fixação dos pilares da liberdade, da justiça e da igualdade, rendendo homenagem e dignidade ao homem em todo tempo e lugar. Os princípios islâmicos são sublimes e devem ser seguidos, pois constituem uma religião celestial, onde a submissão se apóia na consciência, na crença e na fé, sob a orientação divina. Eles constituem em si uma lei (Chari’a), salvaguardada e aplicada pelos governantes e juristas muçulmanos, que têm a função, no Islã, de preservar a religião e orientar a política mundial. Seus comportamentos dependem dos interesses dos governados e estão a eles ligados em objetivo e propósito. Assim, o principal objetivo da lei islâmica é libertar o homem, elevar sua posição, assegurar-lhe a dignidade e a honra, preconizados por Deus, que tem evidenciado Sua homenagem e Sua preferência a todos os humanos, indistintamente, no Alcorão: “Enobrecemos os filhos de Adão e os conduzimos pela terra e pelo mar; agraciamo-los com todo o bem e os preferimos enormemente sobre a maior parte de quanto tenhamos criado”. 83 Dessa forma, percebe-se que o Islã, como lei divina que é, foi criado para fazer a humanidade conhecer a senda reta e sair dos labirintos da ignorância, da injustiça, do fanatismo e da escravidão, para a luz da ciência, não devendo ser conhecido através do comportamento de alguns poucos muçulmanos, manifestado principalmente nos períodos da ignorância, da fragilidade e da desunião. Ou ainda, quando motivados pelas atitudes dos inimigos, que lhes fizeram perder a razão e transgredir seus preceitos religiosos, tal qual se tem visto hoje, quando os inimigos do Islã, no intuito de fazer prevalecer seus interesses de domínio e de conquista, fazem da regra a exceção, e da exceção, regra, quando pintam todo muçulmano com as cores do fanatismo e do terror, como se esses desvios, condenados por Deus, não existissem também em outros credos. A este propósito, o Imame Mohamad Abda diz: “Não nos importamos se certos muçulmanos não aplicaram esses princípios, quando a fragilidade começou a assolar suas fileiras, pois o desespero é da natureza dos fracos, e isso não se coaduna com a natureza do Islã e não faz parte de sua essência”. Desse modo, as disposições devem ser inspiradas nas sagradas fontes islâmicas, tais como o Alcorão e a Sunna do Profeta, que são merecedores de plena confiança quanto à sã aplicação ao longo da história, desde o advento do Islã até hoje. Por outro lado, todos os muçulmanos são falíveis, com exceção do Mensageiro de Deus, o comunicador das revelações de seu Senhor, que não fala por capricho, mas apenas comunica a inspiração que lhe foi revelada. Nesse sentido, Achokani diz: “Deus não enviou a esta comunidade senão o Profeta Mohammad. Toda a comunidade é exortada a seguir o Livro Sagrado e a Suna 84 do Profeta, não havendo distinção entre os companheiros e seus sucessores.(...) Tudo o que está de acordo com os princípios islâmicos, de palavras ou atos, é uma correspondência a uma aplicação destes princípios. Tudo o que estiver contra estes princípios será considerado fora da lei islâmica. O Profeta disse: ‘Todo ato estranho à nossa ordem é considerado uma apostasia’.” Direito à Liberdade Como ficou aqui patente, Deus quer que os homens sejam livres, de modo que o direito à liberdade prevalece sobre todos os outros, como está consignado no artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que diz: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.” Do mesmo modo, o artigo 2º estipula que: “Todo homem tem capacidade para gozar dos direitos e das liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.” Seria impossível descrever a liberdade em suas infinitas nuanças. De acordo com o Dr. Zakaria El Berry (Ministro do Estado para os Bens Religiosos e Presidente do Conselho Supremo dos Assuntos Islâmicos), a liberdade divide-se em quatro categorias: a religiosa, a de pensamento, a civil e a política. Todavia, por dizer mais respeito ao enfoque dado a este trabalho, procuraremos examinar mais de perto a liberdade 85 religiosa, justamente pelo fato de o objetivo principal do Islã relacionar-se à honra e libertação do homem, assegurandolhe a justiça, a prosperidade e a felicidade neste e no outro mundo. A Liberdade Religiosa Trata-se da liberdade que pode ser definida como o direito de o indivíduo escolher uma doutrina religiosa, sem qualquer coação ou constrangimento exterior. “Deus não vinculou a crença à imposição e ao domínio, mas à livre escolha”, diz Azamkhchari. O Alcorão prescreve em diversas Suratas, reveladas em Meca e em Medina, bem como em certos versículos, que todo homem é livre para escolher a religião e a doutrina que lhe convenha, pois a doutrina é uma convicção interior, e o constrangimento não poderá promover nenhum efeito sobre ela. De acordo com o Imame Mohamad Abda, “certas religiões, notadamente a cristã, possuíam o hábito de converter as pessoas por imposição, contrariando a sua própria convicção. Este expediente não deveria ser aplicado, porque a fé, que é a essência da religião, é a submissão do espírito. Portanto, esta submissão não poderá ser assegurada por constrangimento, mas por intermédio de provas e da razão.” Dessa maneira, os ensinamentos do Alcorão rejeitam categoricamente a imposição religiosa, indicando que: “Não há imposição quanto à religião, porque já se destacou a verdade do erro. Quem renegar o sedutor e crer em Deus, ter-se-á apegado a um firme e inquebrável sustentáculo, porque Deus é Oniouvinte, Sapientíssimo”. (2ª: 256) 86 Examinando este versículo, Jalalud-din diz que ele retrata o fato de não haver imposição para o ingresso na religião, de modo que sua crença é considerada como verdade, ao passo que o erro significa a decorrência de sua descrença. Ainda sobre este aspecto, o jurisprudente Al Malaky El Sawy indica: “Pessoa nenhuma deve ser compelida a se converter ao Islã, pois a verdade e o erro são pa-tentes a qualquer um. A imposição é inútil, e os exemplos do TodoPoderoso são suficientes neste sentido. Deus diz: ‘Na criação dos céus e da terra, na alternação do dia e da noite; nos navios que singram o mar para o benefício do homem; na água que Deus envia do céu, com a qual vivifica a terra, depois de haver sido árida e onde disseminou toda a espécie animal; na mudança dos ventos; nas nuvens submetidas entre o céu e a terra, (nisso tudo) há sinais para os sensatos’.” Como se vê, o Alcorão esclarece que a verdade de Deus nada tem a ver com o constrangimento das pessoas e a imposição da fé, constituindo-se sob o consentimento do livre arbítrio. Assim, constatamos que a missão do Profeta limita-se à notificação, ao esclarecimento e à admoestação dos homens quanto as leis islâmicas, sem chegar ao ponto de impor-lhes, coagir-lhes e dominar-lhes o direito de livre escolha. O Imame Mohamad Abda diz: “A religião é um elo entre o servo e seu Senhor, e a crença é um estágio do coração, cujo imperativo está nas mãos do Conhecedor do incognoscível; Ele é Quem a julga. Quanto ao servo, não pode modificá-la. O que pode fazer, quando conhecedor da verdade, é admoestar o negligente, instruir o ignorante, aconselhar o seduzido e guiar o desencaminhado.” 87 Como quer que seja, uma das provas mais implícitas da tolerância do Islã e da garantia à liberdade de crenças, bem como da inexistência de imposição religiosa, é a permissão do casamento de seus adeptos com mulher nãomuçulmana. Deus diz a este respeito: “Estão-vos permitidas todas as coisas sadias, assim como vos é lícito o alimento dos que receberam o Livro, da mesma forma que o vosso é lícito para eles. Está-vos permitido casardes com as castas, dentre as crentes, e com as castas, dentre aquelas que receberam o Livro antes de vós, contanto que as doteis e passeis a viver com elas licitamente, não desatinadamente, nem as tomando como companheiras secretas” (5ª Surata, versículo:5) De fato, as palavras ditas acima fornecem o melhor exemplo de tolerância e de liberdade religiosa, de modo que o próprio Imame Mohamad Abda esclarece que “o Islã permite o casamento do muçulmano com a mulher cristã ou judia, concedendo-lhe o direito de continuar professando a sua própria religião, cumprindo os seus preceitos e freqüentando sua igreja ou sinagoga...” Desta forma, evidencia-se – mais uma vez – o fato de que o Islã não faz distinção alguma quanto aos direitos conjugais entre a esposa muçulmana, cristã ou judia, ressaltando a liberdade religiosa de cada um. 88 Liberdade de Culto e da Lei (Chari’a) Como sabemos, em alguns países a liberdade de se ter uma religião não é acompanhada também da liberdade de culto, uma vez que as reuniões e cerimoniais religiosos são proibidas. O Islã vê isso como uma afronta a seus princípios, porque a liberdade de culto é o corolário da liberdade religiosa da prática dos ensinamentos religiosos. O adepto tem a total liberdade de praticar seus cultos e devoções, vivendo de acordo com seus preceitos. Quando Omar Ibn Alkhattab, o segundo Califa, foi com um contingente de seu exército a Jerusalém para concluir um tratado de paz com seus habitantes, ele viu ruínas de uma construção quase soterrada. Quando inquiriu sobre aquilo, foi-lhe dito que fora um templo judaico, destruído pelos romanos. Ele, então, começou a remover a terra e a transportála em seu manto para longe dali, gesto esse imitado por seus soldados. Em pouco tempo, o templo estava limpo e foi reaberto para o culto dos judeus. No tratado concluído com os habitantes de Jerusalém, escreveu o Califa: “Eis que o servo de Deus, Omar Ibn Alkhattab, Emir dos Crentes, garante ao povo de Jerusalém paz e segurança, a proteção deles e de suas propriedades, de suas igrejas e templos. Suas igrejas não poderão ser ocupadas por outros, nem podem ser demolidas ou reduzidas, e as propriedades das igrejas não poderão ser violadas. Eles não poderão ser 89 oprimidos por causa da sua religião e nenhum deles poderá ser injuriado.” Numa outra passagem, quando Omar Ibn Alkhattab estava dentro da Igreja do Santo Sepulcro, e a hora da oração muçulmana chegou, ele foi orar fora da igreja. Quando lhe foi perguntado a respeito, respondeu: “Temi que se tivesse orado dentro da igreja, poderiam os muçulmanos, em tempo futuro, reivindicá-la para suas próprias orações, sob o pretexto de que Omar orou dentro dela, e a transformariam em mesquita”. Assim, uma mesquita foi erigida no local onde Omar orou, existindo até hoje como evidente testemunho da tolerância e da justiça do Islã e de sua garantia à liberdade religiosa, de credo e de culto. Ainda em relação à liberdade de culto, Omar Ibn Abdel Aziz (o mais justo dos califas da Dinastia Omíade), escreveu ao renomado Al Hassan Al Basri, perguntando-lhe: “Por que os (quatro) Califas Sensatos permitiram que os nãomuçulmanos permanecessem praticando o que é ilícito no Islã?” Al Hassan Al Basri respondeu: “O Islã ordenou que fossem deixados livres como são. Tu és apenas um seguidor e não um inovador”. De fato, temos observado que tal postura tem se perpetuado até hoje, como o jurisprudente Al Hanafi Assrkhassi diz: “Os governadores e os juízes agem desta forma até os nossos dias, sem se imiscuírem no assunto, apesar de saberem que estão tratando com assuntos proibidos pela religião islâmica”. Percebe-se, então, a importância atribuída pelo Islã à liberdade e ao direito de cada criatura quanto à sua crença religiosa. No entanto, outros aspectos também merecem nossa atenção, haja visto tratar-se igualmente de direitos humanos, principalmente no que se refere à vida (aborto), à 90 própria liberdade de viver (escravidão), às mulheres e aos idosos, entre outros, como destacaremos a partir de agora. O Islã e o Aborto Como sabemos, a vida do ser humano não lhe pertence nem pertence a ninguém; portanto, é proibido a qualquer um exterminá-la. Assim como a Terra e tudo quanto nela existe – o céu, os mares, o ar, os seres animados e inanimados – vem de Deus, também Deus Glorioso nada criou em vão, pois tudo que há entre o céu e a terra existe por motivo divino. Há uma razão divina em cada coisa, conhecida ou não por nós; o ser humano não só desconhece grande parte do que o circunda, mas também ignora muito de si mesmo. No Alcorão, temos: “Em verdade, cada coisa foi criada por Nós, criteriosamente”. (54ª Surata, versículo 49). E, mais adiante, temos: “E dilatamos a terra, em que fixamos firmes montanhas, fazendo germinar (nela) tudo, comedidamente. E nela vos proporcionamos meios de subsistência, tanto para vós como para aqueles por cujo sustento sois responsáveis. E não existe coisa alguma cujos tesouros não estejam em Nosso poder, e não vola enviamos, senão proporcionalmente. E enviamos os ventos fecundantes e, então, fazemos descer água do céu, da qual vos damos de beber e que não podeis armazenar (por muito tempo). Somos Aquele que dá a vida e a morte, e somos o Único Herdeiro de tudo.” (15ª Surata, versículos 19-23). Com efeito, uma das maiores dádivas é a da existência e, como já dissemos, a dádiva da vida humana não 91 pertencente ao ser humano, apenas ao Criador, que criou a vida ofertando-a à criatura. Portanto, Deus é o único que pode dispor dessa dádiva, quando e como quiser, ficando vedado ao homem eliminar a vida do próximo, sem razão legítima, tanto como exterminar a sua própria existência. A vida, pois, não pertence a ninguém a não ser a seu Criador. Desde que Deus intente criar algo, sem que seja necessário passar por etapas, Ele assim o faz. Mas, por uma razão absolutamente divina, toda Sua criação (seres animados e inanimados), passa por diferentes etapas, de modo que cada uma delas é a continuação da precedente. Daí que a eliminação de qualquer criatura, durante qualquer de suas etapas, provoca a criação incompleta ou a destruição total desta. Da mesma maneira, no caso da espécie humana, temos que o feto, antes de sair do útero materno, passa por várias etapas, que podemos assim dividir: 1. Antes da fecundação – Para esclarecer melhor, façamos a seguinte comparação: ao querer construir uma casa, é preciso determinar os materiais com os quais podemos construí-la (tijolos, terra, cimento, areia, pedra, água, etc.). Estes materiais, mesmo que venham a compor a casa, mais tarde não poderão ser denominados “casa”, nem em sua totalidade nem em partes. Assim também, após a construção da casa, esses materiais não podem ser chamados por suas partes, em separado (tijolo, terra, cimento, etc.), mas deve-se dizer, simplesmente, “casa”. O mesmo acontece com o feto, pois não podemos considerá-lo como existência, senão a partir da fecundação, ou seja, do encontro do espermatozóide com o óvulo, em condições propícias. Destarte, não o chamamos de feto nem ao espermatozóide nem ao óvulo, mesmo sabendo que do encontro destes depende a existência do feto. 92 2. O início da criação – Esta etapa se inicia com a fecundação do óvulo pelo espermatozóide. Nessa fase, o ser passa por diferentes evoluções. Assim, após a fecundação, forma-se um coágulo, ou seja, como que um pouco de sangue coagulado, conforme a passagem do Alcorão, que diz: “Ele foi Quem vos criou do pó, depois do sêmen, depois de algo que se agarra (coágulo)”. (40ª Surata, versículo 67). A segunda evolução consiste na transformação do coágulo sangüíneo em um bocadinho de carne, conforme nos indica o Alcorão: ”Ó humanos, se estais em dúvida sobre a ressurreição, reparai em que vos criamos da terra, depois do esperma e, logo, vos convertemos em coágulo de sangue, depois em bocadilho de carne, com forma ou amorfo”. (22ª Surata, versículo 5). A revolução seguinte deste estágio consiste na formação do esqueleto para, finalmente, ser o corpo revestido de carne. 3. A animação do ser – Durante este estágio, o feto se torna nova criatura, uma vez que, após o revestimento do esqueleto pela carne, ocorre o aparecimento da alma, lá pelos fins do quarto mês de gestação. O Alcorão assim o explica: “Criamos o homem da essência do barro. Em seguida, fizemo-lo uma gota de esperma, que inserimos em um lugar seguro. Então, convertemos a gota de esperma em algo que se agarra (coágulo), transformamos esse algo em pequeno pedaço de carne e convertemos o pequeno pedaço de carne em ossos; depois, revestimos os ossos de carne; então o desenvolvemos em outra criatura. Bendito seja Allah, Criador por excelência.” (23ª Surata, versículo 12-14). 93 O Aborto Antes de abordarmos a opinião do Islã sobre o aborto, convém primeiro, saber o que se entende por aborto, a fim de que possamos julgá-lo convenientemente. Do ponto de vista etimológico, o aborto é a expulsão do feto de dentro do útero, antes do quarto mês de geração. Assim, também, é comum dizer-se “a mãe fez aborto”, quando esta tenha retirado o filho antes de concluída sua gestação. Portanto, podemos dizer que o aborto é a expulsão do feto, intencionalmente, antes de completar a gestação, tanto antes quanto depois do quarto mês, fazendo-se exceção aos casos de nascimento prematuro. Já sabemos que o feto passa por diferentes etapas de evolução, e cada etapa tem suas diversas fases de desenvolvimento. Vamos agora, saber o que pensa o Islã sobre o aborto, em cada uma dessas etapas. A primeira etapa nada tem a ver com o aborto. Apenas fazemos menção a ela, porque sem a mesma o feto não pode ser formado; em síntese, não se deve confundir o impedimento da chegada do espermatozóide ao óvulo, como tipo de aborto. Citamos a opinião do célebre jurisprudente, al Qurtubi, expressa em sua exegese: “O espermatozóide, se expulso pela mulher antes do encontro com o óvulo, nada significa. É como se estivesse, ainda nas virilhas do homem. No entanto, se foi expulso no início da segunda fase (quando, ainda, é um coágulo), estaremos então, certos de que o espermatozóide já fecundou o óvulo e se tornou o início da 94 criatura. Neste caso, a expulsão do coágulo ou do bocadilho de carne constitui aborto.” (pág. 4400). A segunda etapa, quando se dá o início da formação, encetada com a fecundação do óvulo pelo espermatozóide, aparecimento do coágulo, ossos e revestimento de carne – o que ocorre antes da animação, ou seja, antes do término do quarto mês – tem como critério básico a animação do ser; tanto faz se antes ou ao cabo do quarto mês, ou depois deste. Se a mulher expulsar o que existe em seu ventre, seja coágulo ou bocadilho de carne, esta expulsão deve ser considerada aborto e, em conseqüência, ato ilícito. Assim pensa a maioria dos jurisprudentes, sendo que alguns já o consideram verdadeiro crime de homicídio. À guisa de elucidação, citemos o que o jurisprudente Gazali diz: “O princípio das fases da existência começa com a chegada do espermatozóide ao útero e a fecundação do óvulo que, imediatamente, fica prestes a receber vida. Eliminar esta fase é crime; eliminar a seguinte, a do coágulo ou do bocadilho de carne, é crime ainda maior”. De acordo com a opinião da maioria dos jurisprudentes, o aborto ocorrido nesta etapa, além de ilícito, deve acarretar multas, em bens ou em dinheiro, espécie de indenização baseada em uma quantia determinada (segundo o costume antigo, valor igual a 5 camelos), não importando se o aborto é intencional ou não, causado pela própria mulher, pelo marido ou por estranhos; resultado de casamento legítimo ou de situação adúltera (nota-se aí, o alto valor dado a vida do feto). A terceira etapa, quando ocorre a animação do ser, já apresenta o feto completamente formado, e o aborto, nesta ocasião, não só é absolutamente ilícito, mas é mais recriminável que na etapa precedente. Se a própria mulher 95 praticar o aborto e o feto morrer antes de sair do ventre ou sair morto, pela ilegalidade do ato, a lei obriga o causador a pagar uma indenização de 5 camelos ou o equivalente. Caso o feto saia vivo e morra em seguida, a indenização aumenta para 100 camelos, pois é como se tratasse de uma pessoa morta por crime. Assim sendo, podemos observar que a legislação não somente considera ato abominável e ilícito, mas ainda exige uma espécie de pena, através de multa, para impedir o abuso de toda e qualquer pessoa, como se fosse uma barreira para a prática de tão execrável ato. Além disso, a legislação vai mais longe, ao privar o culpado do aborto do direito de herança, caso seja herdeiro. O Islã, é muito cauteloso e zeloso com a vida do feto, mas também o é em relação a vida da mãe. O cuidado com a vida de ambos se evidencia no fato de a mãe estar isenta de praticar certos deveres religiosos (tais como o jejum de Ramadan), que podem ser adiados até depois do nascimento do filho, para que a mãe e filho se isentem de qualquer perigo e tenham sua saúde poupada ao máximo. Entretanto, se é certo que a gestação pode trazer perigo para a saúde materna, neste caso, a legislação põe em comparação às duas situações e escolhe a menos prejudicial, isto é, sacrificar o filho e salvar a vida mãe, porque esta já tem a sua vida estabelecida, com direitos e deveres, e constitui a base da família, com maridos e filhos para cuidar. Seria, assim, inconcebível e ilógico sacrificá-la, para salvar o filho, que não possui vida independente, nem direitos e deveres, sendo mais um encargo à inexperiência do resto da família, em termos de cuidados. De qualquer modo, nada mais insensato que as mães que praticam aborto com a justificativa de que o filho venha 96 a sofrer na vida. De fato, num ambiente corrupto, onde domina o egoísmo enraizado, o ódio e o individualismo, onde a exploração do fraco pelo forte faz com que o rico se alegre com a privação do pobre, o poderoso escarneça do humilde, verificamos que há escassez de amor, carinho e afeto. Enquanto o materialismo dominar a sociedade, a mãe poderá sentir-se enfraquecida diante das possibilidades de sobrevivência de seu filho. Inclusive poderá colocar em risco a própria dignidade de viver, perdendo-se o sentido da colaboração mútua e enveredando-se pelos caminhos da violência, do ódio de classes e da opressão. Geralmente em ambientes assim, a mulher tem uma visão muito diferente da vida. Ela vê através de seu sofrimento, de sua angústia, da injustiça e da humilhação; trata-se de uma visão tão amarga da vida e das coisas, que a leva a negar sua própria natureza, como mãe, que é um desígnio de Deus. Isto faz com que ela recorra ao aborto, como meio de poupar seu filho dos sofrimentos que o mundo apresenta e pelos quais ela e todos passam. O cuidado com o novo ser não requer que se lhe tire a vida, seu direito de existir e de compartilhar esse maravilhoso mundo que Deus fez para o homem, incluindo aqui o nascituro, para que ele possa progredir e se aperfeiçoar, saber discernir sobre as coisas, exercer seu livre arbítrio, procriar e constituir uma família, valores que podem ter sido negados à mãe, mas que ela poderá resgatar através do filho. Porque se a vida do filho não pertence à mãe, também ela não pode tirá-la, já que é exatamente não lhe dando a oportunidade de nascer que ela comete o erro maior. Há ainda, mães que receiam o aumento de encargos e de despesas com a chegada de um filho. Para evitar outros transtornos, causa um maior, que é o aborto. Ela precisa 97 saber que o Criador do filho é Deus e que, antes de criálo, já proporcionou tudo para o novo ser, desde a existência no ventre materno, até a vida na Terra, bem antes de seu nascimento, como constatamos nesta passagem do Alcorão: “Temo-vos enraizado na terra, na qual vos proporcionamos subsistência. Quão pouco no-lo agradeceis!” (6ª Surata, versículo 10). Como quer que seja, há que se destacar o fato de que na Declaração Universal dos Direitos Humanos, editada pelas Nações Unidas em 1948, não se verifica nenhuma menção quanto aos direitos do nascituro. Na época, apesar de o assunto estar afeto ao direito à vida, ele não ganhava relevo como nos dias atuais, quando se verifica o surgimento de inúmeros grupos organizados contrários e a favor ao aborto, os quais têm se multiplicado pelo mundo todo. Os defensores do aborto justificam sua posição, sob a alegação de que a mulher tem o direito de legislar sobre seu próprio corpo, sendo que em alguns países, o próprio Estado estimula sua prática, por questões de ordem social. Os que são contrários a tal prática, dizem que o nascituro goza do direito à vida, na mesma medida do homem livre, em pleno desfrute de sua existência. Desse modo, como procuramos demonstrar até o momento, no Islã esta questão é analisada de forma límpida e clara, para que não haja nenhuma dúvida, porque a vida do ser humano não lhe pertence e não pertence a ninguém. Portanto, é proibido a qualquer um exterminá-la. 98 O Islã e a Escravidão A primeira manifestação anti-escravagista no Islã se deu no século VII, a partir de quando empenhou-se firme e claramente em libertar os escravos, pois estes – antes do Islã – existiam não só dentro das leis sociais, mas também dentro das leis religiosas. Nessa época, havia toda a espécie de escravidão, como os escravos de guerra, os de assaltos entre tribos, os da compra e venda e, adveio disso, um outro tipo de escravidão, que era aquela das pessoas endividadas com alguém e que precisavam resgatar essa dívida. Fazendo-se um paralelo com outras religiões, é fácil se perceber em duas grandes delas (o Judaísmo e o Cristianismo) o consentimento natural da escravidão, chegando até mesmo a promovê-la. Assim, essas duas religiões não só não a proibiam, como também incentivavam bastante o sistema escravagista. Podemos constatar tal fato no quinto livro do Velho Testamento onde observamos uma posição nitidamente favorável à escravidão, ao indicar a atitude para com os escravos, de uma maneira muito rígida, severa e peremptória, principalmente quando se refere aos escravos oriundos de batalhas: “Quando te aproximares, para combater uma cidade, primeiramente lhe oferecerás a paz. Se ela aceitar e te abrir as portas, todo o povo, que houver nela, será salvo e te ficará sujeito, pagando o tributo. Mas, se não quiser aceitar as condições e começar a guerra contra ti, cercá-la-ás. E, quando o Senhor teu Deus te houver entregado nas mãos, 99 passarás ao fio da espada todos os varões, que nela há; poupando as mulheres, e os meninos, e os animais e tudo o mais que houver na cidade. Distribuirás toda a presa pelo exército, e comerás os despojos de teus inimigos, que o Senhor teu Deus te tiver dado. Farás assim a todas as cidades, que estão muito longe de ti, e não são do número daquelas que hás de receber em possessão. Quanto àquelas cidades, porém, que te não hão de ser dadas, não permitirás que alguém fique vivo”. (Deuteronômio, cap. 20, vers. 1016). Isso também está bem claro na Epístola do Apóstolo São Paulo aos Efésios, especialmente quanto aos preceitos de submissão do escravo a seus senhores, de forma semelhante com que se deve submeter ao Senhor Jesus Cristo: “Servos, obedecei a vossos senhores temporais com reverência e solicitude, na sinceridade de vosso coração, como a Cristo; não os servindo só quando sob suas vistas, como por aguardar os homens, mas como servos de Cristo, fazendo de coração a vontade de Deus; servindo-os com boa vontade como (se servissem) o Senhor, e não os homens; sabendo que cada um receberá do Senhor a paga do bem, que tiver feito, quer seja escravo, quer livre”. (Aos Efésios, cap. 6, vers. 5 a 8). E, igualmente, o Apóstolo São Pedro aconselhou aos escravos que sempre fossem obedientes: “Servos, sede obedientes aos vossos senhores com todo o temor, não só aos bons e moderados, mas também aos díscolos “. (I Epístola, cap. 2, vers. 18). Percebe-se, então, que os chefes da Igreja propuseram a escravidão, pois segundo eles, era uma maneira pela qual os escravos poderiam expiar-se de seus pecados, livrandose do castigo divino. 100 O filosófico São Tomás de Aquino concordou veemente com a opinião dos chefes eclesiásticos, sendo favorável à manutenção de escravos, uma vez que ele acatava a opinião de seu mestre, Aristóteles, que dizia ser a escravatura um estado natural entre algumas pessoas. De acordo com esta teoria, uma parte das pessoas é criada só para servir, pois trabalham como as máquinas, dirigida segundo a vontade dos outros, que são livres e possuem inteligência e vontade. Essas máquinas vivas rendem igualmente às máquinas materiais e sempre se encontrarão em estado de subserviência. Entretanto, os senhores que se servem dessas máquinas, merecerão gratidão e elogio se, percebendo nelas a possibilidade de se erguerem de sua situação passiva e servil, por apresentarem inteligência capaz e raciocínio, eles se propuserem a ajudá-las. Já o mestre de Aristóteles, Platão, em sua República Utópica, julga dever ser privado aos escravos o direito de serem cidadãos dela, obrigando-os a obedecerem e a se submeterem aos senhores, estrangeiros ou não. E, se um deles foge a esta obrigação, o governo o entrega a seu senhor, para que o castigue convenientemente. Desse modo, fica evidente que a civilização grega admitia a escravatura genérica, isto é, admitia que os escravos tanto servissem nas casas oficiais quanto nas particulares. Assim, os templos da Ásia Menor tinham seus escravos, cujo dever era, tão somente, fazer o serviço do templo e sua vigia; nunca, porém, o ofício religioso. Portanto, o mundo atravessou séculos após séculos. Em todos os cantos, em todos os povos, nos três continentes – Ásia, África, e Europa – foi sendo desenvolvida a escravatura. Todavia, foi entre os povos mais civilizados que ela foi mais divulgada, enquanto os povos agrícolas dos vales 101 de grandes rios, como o Nilo (no Egito) e outro na Índia, abstiveram-se quase totalmente da prática escravista. Por outro lado, entre os hindus, havia uma classe social, a dos párias, que quase não se diferenciava da dos escravos de outros povos, no que diz respeito ao nível social e aos direitos humanos. Desta forma, existia no mundo inteiro, ao tempo do surgimento do Islã, a prática da escravatura. E ela foi existindo, porque ninguém sentia necessidade de modificar a situação, uma vez que, mormente entre os povos em que ela foi mantida de maneira mais deliberada, eles encontravam ligação direta entre as condições sociais, econômicas e o trabalho dos escravos. Desta feita, não foi possível pensar em mudar esta condição e, mesmo que fosse possível, não seria fácil realizá-lo de um dia para o outro. E, quanto aos povos, em que a escravatura não tomou amplo desenvolvimento, o problema em si não foi tão importante, a ponto de se congregarem pessoas para que pensassem nele. Como quer que seja, bem no meio de tudo isso, surge o Islã. O número de escravos na Península Arábica era muito pequeno, comparado ao de outros povos civilizados. O Islã, contudo, percebendo a gravidade do problema do escravo e suas conseqüências, não o negligenciou, nem adiou sua solução, mas logo, ao encará-lo como doença social, remediou-se convenientemente, garantindo o equilíbrio da sociedade, através dos tempos. Para se ter uma noção do que o Alcorão fez quanto ao problema escravagista, há catorze séculos, podemos observar que, inicialmente, o Islã proibiu todas as espécies escravistas, fazendo exceção àquelas, existentes até hoje no mundo inteiro, relacionadas aos prisioneiros de guerra. 102 Entre as nações civilizadas, só a partir de um acordo, feito no século XVIII, ficou estabelecida a abolição da escravatura, excetuando-se também, aquela relativa aos prisioneiros bélicos, que deveriam ser isolados, até que se realizasse a paz entre os adversários, quando então, haveria a troca de prisioneiros ou o resgate. Entretanto, uma diferença se faz notar entre a posição islâmica, de catorze séculos atrás e a atual, efetuada há dois séculos: tradicionalmente, os prisioneiros eram permutados ou resgatados, ao passo que nos termos do Islã, eram os próprios prisioneiros que realizavam sua libertação, ou trabalhando junto ao povo vitorioso, ou pagando seu próprio resgate. Mesmo assim, o Alcorão não se contentou com essas modificações e acrescentou outras, que podem ser consideradas inéditas dentro das leis humanas. Com efeito, ele encarregou a própria nação de ajudar os prisioneiros a se libertarem, obrigando todos os seus cidadãos a usarem uma parte de seus impostos anuais na libertação destes. Aliás, o fato de remeterem os prisioneiros não era obrigatório em todas as guerras, pois muito se aplicou o Alcorão em atenuar as atitudes de captura, mostrando que a libertação imediata é preferível à manutenção, junto a eles, desses prisioneiros, conforme percebemos nessa passagem: “E quando vos enfrentardes com os incrédulos (em batalha), golpeai-lhes os pescoços. E quando os tiverdes dominado, amarrai-os firmemente (os sobreviventes). Libertai-os, então, por generosidade ou mediante resgate, para que o peso da guerra amaine“ (47ª Surata, versículo 4). Várias outras passagens do Alcorão acusam preferências do resgate à escravidão: “Quanto àqueles, dentre vossos escravos e escravas, que vos peçam por escrito a emanicipação deles, concedei-lhes, desde que 103 os considereis dignos dela, e concedei-lhes uma parte dos bens com que Allah vos agraciou.“ (24ª Surata, versículo 33). Da mesma forma, os conselhos do Profeta (SAAS) se multiplicaram no que diz respeito aos escravos: “O anjo Gabriel tanto me recomendou sobre os escravos que, até pensei ser impossível que alguém se torne um deles”. Ele proibiu, terminantemente, que os muçulmanos, dirigindo-se a seus escravos, dissessem “meu escravo” ou “minha escrava”, devendo dizer ”meu rapaz” ou “minha moça”, como se fossem seus filhos. Uma das notáveis características do Alcorão foi a de apresentar as vantagens da libertação dos escravos. Assim, ele considerava propício a expiação de um crime ocidental, de um juramento não cumprido, que se outorgasse a liberdade a um servo: “Quem, por engano, matar um crente, deverá libertar um escravo crente e pagar compensação à família do morto.” (4ª Surata, versículo 92); “Allah não vos reprova por vossos inintencionais juramentos fúteis; porém, recrimina-vos por vossos deliberados juramentos, cuja expiação consistirá em alimentardes dez necessitados da maneira como alimentais a vossa família, ou em os vestir, ou em libertardes um escravo.” (5ª Surata, versículo 89). Além disso, observa que constitui pecado grave não libertar um escravo, podendo fazê-lo: “Que criamos o homem em uma atmosfera de aflição... Porém, ele não tentou vencer as vicissitudes. E o que te fará entender o que é vencer as vicissitudes? É libertar um cativo”. (90ª Surata, versículos 4, 11-13). A libertação é, pois, a base do Alcorão, quando se refere ao problema do escravo, proibindo a escravidão em todas suas modalidades vigentes, salvo, como já vimos, aquela 104 dos prisioneiros. No entanto, encarregou a nação de ajudar a libertá-los, criando condições para a expiação dos pecados, baseadas no ato de libertar os capturados. Não podemos afirmar exatamente o valor de tal legislação no caminho da escravatura, mas podemos adiantar que ela encerra um esforço ímpar, que visa remediar a escravidão, esforço este que a humanidade, até agora, não superou com melhores soluções. É interessante mencionar, entretanto, que em algumas épocas, as recomendações islâmicas sobre a escravatura foram violadas até pelos próprios muçulmanos. Mas, devemos eximir o Livro Sagrado de qualquer responsabilidade por estes deslizes, pois, até o momento, seus versículos são os mesmos, bem claros e diretos, cabendo a culpa exclusivamente àquele que se desvia da observância, sempre enfaticamente pregada. Dessa forma, é lamentável, então, o que ocorreu e vem ocorrendo entre os povos ocidentais, no que se refere ao problema do homem escravo. Desde que a comunicação marítima facilitou o acesso entre o Velho Mundo e o Novo, quase quinze milhões de pessoas da África Negra, num ato cruel e ominoso, foram sendo transportadas para a América, além de para lá seguirem, também, as vítimas de repressão e perseguição. Até hoje, podemos observar, nas duas Américas – a do Sul e a do Norte – vestígios fatídicos dessa escravidão, em que o direito do negro, na porção sul-americana chega a ser quase assegurado, enquanto na porção norte-americana quase inexiste. Sabemos que se neste terreno fossem aplicados pelo menos alguns dos ensinamentos do Alcorão, possivelmente, não teríamos, hoje em dia, tal injustiça, que tanto tem pesado no coração do homem moderno. 105 Fraternidade Islâmica – Todos São Iguais Como já foi assinalado, sabemos que o Islã não conhece nenhuma “linha de cor”. Mas julgamos ser de grande interesse a observação do seguinte episódio: “Tirai daqui este negro! Nada tenho a discutir com ele“, exclamou o arcebispo cristão, Cirus, quando os árabes conquistadores enviaram uma delegação de seus mais hábeis homens, para discutir os termos da rendição da capital do Egito, encabeçada pelo negro Ubada, tido com o mais hábil de todos eles. Para a estupefação do sagrado arcebispo, este ficou sabendo que aquele homem havia sido missionado pelo General Amr e que os muçulmanos tinham os negros e os brancos em igual consideração, julgando o homem pelo seu caráter e não pela sua cor. “Muito bem, já que o negro lidera, ele deve falar brandamente”, ordenou o prelado, “para que não assuste os interlocutores brancos”. “Há milhares de pretos, tão pretos como eu, entre nossos companheiros. E eles estarão prontos para se deparar e lutar com uma centena de inimigos juntos. Nós vivemos tão somente para lutar pela causa de Deus e para seguir Sua vontade. Não nos importamos com a riqueza, conquanto tenhamos o essencial para mitigar a nossa fome e cobrir os nossos corpos. Este mundo nada é para nós, o outro é tudo”. Percebe-se, assim que este espírito de distinção de classe é, certamente, o maior estorvo ao trabalho missionário no Ocidente, como todos os observadores imparciais têm 106 notado. Como pode, por exemplo, outro encontro compararse ao do muçulmano que, ao abordar um pagão, lhe diz – não importando quão escuro ou degradado este possa ser – “Abraça a fé e, de pronto, será um igual e um irmão”. Com efeito, a fraternidade islâmica é uma coisa inteiramente nova entre as nações ocidentais. Tanto, que é duvidoso saber se os sírios cristãos sentiram o mesmo senso de fraternidade com os cristãos persas, que os sírios muçulmanos tiveram para com os muçulmanos persas. Certamente, o Islã ainda tem proeminentes serviços a prestar pela causa da humanidade, haja vista nenhuma outra sociedade possuir registro de sucesso em sua proposição de unir, em igualdade de condições e de oportunidades, e de englobar tantas e variadíssimas raças da humanidade. Na verdade, as grandes comunidades muçulmanas localizadas na África, na Índia, na Indonésia, e, talvez ainda, a pequena comunidade muçulmana existente no Japão, mostram que o Islã ainda possui o poder de reconciliar elementos de raça e de tradição, aparentemente irreconciliáveis. Há até quem diga, que se o antagonismo das grandes sociedades do Oriente e do Ocidente tivesse que ser substituído pela cooperação, a mediação do Islã haveria de ser uma condição indispensável. Porém, acima de tudo – e aqui está a suma importância da história muçulmana – o Islã ordena o ajustamento anual dos crentes, de todas as nações e línguas, trazidas de todas as partes do mundo, para orar naquele sagrado lugar, em direção ao qual seus rostos se voltam em cada hora da oração privada, em seus lares distantes. Realmente, nenhum manto de gênio religioso poderia ter concebido um expediente melhor, para impressionar, nas mentes dos infiéis, um senso de vida comum a uma irmandade nos limites da fé. 107 Assim, sob um supremo ato de adoração comum, um negro da costa ocidental da África depara-se com um chinês do extremo Oriente; o otomano cortez e polido reconhece seu irmão muçulmano e um rústico ilhéu do longínquo Mar da Malaia. Ao mesmo tempo, através de todo o mundo “muçulmano”, os corações dos crentes são estimulados numa simpatia com seus mais afortunados irmãos, reunidos na cidade sagrada, como em seus próprios lares eles celebram o festival do “Id-aladha”, ou como o é chamado na Turquia e no Egito, a festa de Bairam. Além disso, a instituição da peregrinação e o pagamento do tributo são outros deveres que continuamente lembram os muçulmanos que “os crentes são irmãos” (49ª Surata, versículo 10). É uma teoria religiosa, notavelmente realizada na sociedade “muçulmana”, que raramente falha ao se apresentar em atos de benevolência para com o novo convertido. Seja qual for a sua raça, cor ou antecedentes, ele é recebido, no seio da irmandade dos crentes, e toma seu lugar como um igual entre os iguais. De qualquer modo, foi a primeira religião a pregar e a praticar a democracia, porque, na mesquita, quando o chamado de muezzin, do alto do minarete, soa e os oradores se reúnem, a democracia do Islã se evidencia cinco vezes ao dia, quando o roceiro e o rei se ajoelham, lado a lado e, juntos, proclamam que somente Deus é magnânimo. É, inquestionavelmente, de se impressionar quanto a essa unidade indivisível do Islã, que considera o homem, indistintamente, um irmão. De fato, a extinção da consciência racista, como é feita entre os muçulmanos é um dos empreendimentos mais salientes e importantes do Islã, e no mundo contemporâneo há de acontecer a propagação de tal virtude islâmica. 108 Como quer que seja, a lei muçulmana, aplicada a todos, desde os reis até o mais insignificante vassalo, é entrelaçada com um sistema da mais sábia, culta e mais ilustrativa jurisprudência que jamais existiu no mundo, devendo ser respeitada e valorizada enquanto tal. 109 O Islã e a Mulher Muitas pessoas parecem ter um pensamento errôneo e equivocada quanto à posição da mulher no mundo islâmico, por interpretarem de maneira inadequada os ensinamentos que o Alcorão nos traz em relação aos sexos. Desse modo, a fim de se esclarecer a lastimável deturpação que se tem feito quanto ao status feminino, especialmente entre os povos não muçulmanos, desenvolveremos algumas reflexões e considerações elucidativas acerca desse assunto. A Posição da Mulher Como poderemos observar, através das informações que apresentamos, o Islã elevou a mulher a um plano superior, jamais atingido em nenhuma das civilizações da Antigüidade, nas quais foi obrigada a suportar humilhações terríveis e um tratamento indigno de sua natureza humana. Numa breve análise sobre o status feminino nessas civilizações, temos que entre os romanos, por exemplo, ela era dependente e vivia sob a tutela do homem, sem a possibilidade de alcançar sua independência. Na Índia, a mulher era considerada como uma espécie de obstáculo à salvação do homem, de forma que para ser 110 salvo o homem deveria separar-se da mulher. Além disso, o direito de vida da mulher se encerrava com a morte do marido, restando-lhe duas alternativas: ou ser queimada junto ao cadáver de seu esposo, ou resignar-se à maldição eterna e ao afastamento de seus familiares e conhecidos. No Egito Antigo, a mulher tinha certa dignidade, sendolhe permitido chefiar um governo e dirigir uma família. No entanto, os egípcios acreditavam no pecado original e no fato de a mulher ser sua causa principal, considerando-a uma aliada do diabo e uma armadilha da tentação, o que tornava imperativo ao homem afastar a mulher de seu caminho, a fim de alcançar a salvação. Na civilização judaica tradicional, uma mulher solteira era considerada uma espécie de escrava na casa de seu pai, podendo ser vendida em tenra idade. Após a morte de seu pai, seus irmãos tinham o direito de dispor dela como bem entendessem. Além disso, uma mulher judia não tinha direito à herança, exceto nos casos de não haver herdeiros homens. Entre as civilizações cristãs primitivas, apesar de se cultuar uma mulher – a Virgem Maria – as mulheres eram severamente condenadas pela igreja, não lhes sendo permitido cumprir os deveres religiosos, nem participar de festas e banquetes. Os sacerdotes apontavam suas más tendências, acusando-as de cumplicidade com o diabo, sendo consideradas as causadoras do desvio da lei divina. Com o passar do tempo, na medida em que as civilizações humanas foram se desenvolvendo, o cristianismo esforçou-se para minorar a situação da mulher, principalmente quando se deu o surgimento das doutrinas protestantes. E assim, foram estabelecidos critérios que asseguravam às mulheres o direito de viver em nível de 111 igualdade ao homem. Todavia, ainda hoje se sabe que em alguns países a mulher continua impedida de assumir responsabilidades, sem que tenha o consentimento de seu marido. Já entre os povos árabes, antes do Islã, sabemos que a mulher gozava de certa liberdade, pois era um elemento ativo na vida cotidiana. Ela abastecia a casa de água, pastoreava os animais, tecia, preparava os alimentos, etc. No entanto, os pais preferiam filhos homens, sobretudo porque eles eram considerados os protetores das tribos e seus defensores na guerra. Por isso, o nascimento de uma filha era um acontecimento funesto, principalmente para o pai – fosse rico ou pobre – a ponto de ser um costume enterrar a filha recém-nascida, a fim de se evitar uma possível desonra aos pais no futuro, como podemos perceber nesta passagem do Alcorão: “Quando a algum deles é anunciado o nascimento de uma filha, o seu semblante se entristece e fica angustiado. Oculta-se do seu povo, pela má notícia que lhe foi anunciada: deixá-la-á viver, envergonhado, ou a enterrará viva? Que péssimo é o que julgam!” (16ª Surata, versículos 58-59). Desse modo, constata-se que antes do Profeta Mohammad (SAAS), a mulher não ocupava um lugar desejável, nem possuía direitos respeitados na sociedade beduína. Graças aos seus ensinamentos, foi possível a renovação dos conceitos religiosos, morais e sociais da época em toda a Península Arábica, especialmente quanto à salvação da mulher da condição humilhante em que permanecera durante longos séculos, uma vez que a partir de então teve a elevação de seus direitos conjugais em bases sólidas, permanentes e em igualdade perante os homens, como se observa nestas passagens do Alcorão: “... Elas têm 112 direitos equivalentes aos seus deveres, de forma justa, embora os homens tenham um grau a mais sobre elas...” (2ª Surata, versículo 228); “... acercai-vos de vossas mulheres, porque elas são vossas vestimentas e vós o sois delas...” (2ª Surata, versículo 187). Assim, ao analisar a idéia contida nestes versículos, constatamos, primeiramente o respeito pelos direitos de homens e mulheres em consonância e harmonia; e, em segundo lugar, percebemos uma analogia estabelecida entre a vestimenta, o conforto e a proteção advindos de uma relação matrimonial entre o homem e a mulher. Ora, o termo “vestimenta” se refere ao conforto, apoio e proteção que a mulher encontra em seu marido, da mesma maneira que ele seria confortado e apoiado por sua esposa, além de ser agraciado com a beleza que ela lhe dispensa. Todavia, apesar de se prescrever uma igualdade de direitos e de respeito entre os homens e mulheres, há – da mesma maneira – uma certa diferenciação entre os sexos, o que tem sido inadequadamente interpretado pela maioria das pessoas. Por essa razão, julgamos ser conveniente o exame de alguns ensinamentos do Alcorão, para que tenhamos um esclarecimento sobre esse assunto. Assim, observando uma das passagens do Alcorão, temos que: “Os homens são os protetores das mulheres, porque Deus dotou uns com mais (força) do que as outras, e porque as sustentam do seu pecúlio. As boas esposas são as devotas, que guardam, na ausência (do marido), o que Deus ordenou que fosse guardado...” (4ª Surata, versículo 34). Apesar de indicar uma diferenciação entre o homem e a mulher, o sentido deste ensinamento é um só, ou seja, de que o homem deve tratar sua esposa com amor e afeição, provendo-lhe com sua abundância, da 113 mesma maneira que a mulher deve tê-lo como um amigo, filósofo e guia. Engana-se aquele que acredita estar-se depreciando a mulher ou colocando-a sob a tirania arbitrária de seu esposo; muito menos que se esteja afirmando que ela não possui liberdade de escolha ou de opinião, devendo ser uma escrava dos desejos de seu marido. O versículo apenas descreve com naturalidade como deve ser uma relação entre homem e mulher, indicando que a mulher nem deve ser o laço escravizador de seu marido, nem tampouco ser livre a ponto de transpassar seus próprios limites, invadindo a esfera de seu marido. Confirma-se, então, a idéia implícita de que a cada um tem seu lugar natural dentro da relação conjugal. Evidentemente, este versículo também pode sugerir uma possibilidade de o homem sentir-se no direito de exercer um certo controle sobre sua esposa, assim como ter um grande dever de cuidar de sua segurança e de prover o seu sustento. Isso decorre de uma real superioridade do homem em relação à mulher, por conta de o homem possuir certas qualidades inatas (com respeito ao conhecimento e ao poder), geralmente em maior proporção do que na mulher. É inegável que, em se tratando de poder de resistência, audácia e coragem, o homem apresenta vantagens sobre as mulheres. Fisicamente falando, sabe-se que o vigor masculino se contrapõe à beleza, graça e fragilidade da mulher. Quanto ao intelecto, constatamos que todos os principais postos de comando e de produção de conhecimento – seja ele científico, filosófico, técnico, artístico ou literário – têm sido ocupados por homens. Em contrapartida, no aspecto moral, a superioridade geral da mulher sobre o homem é inquestionável. Moralmente, o Alcorão colocou a mulher em posição melhor e mais confortável, considerando as dores e o 114 sacrifício da gravidez e da amamentação. Nesse sentido, Deus diz: “E recomendamos ao homem a benevolência para com os seus pais. Sua mãe o carrega, entre dores e dores, e a sua desmama é aos dois anos. (E lhe dizemos): Agradece a Mim e aos teus pais, porque o retorno será a Mim.” (31ª Surata, versículo 14). Nota-se que este ensinamento aconselha não apenas os bons tratos para com os pais, mas ressalta o valor moral da mulher, em função de todo o seu sofrimento durante a gravidez, parto e amamentação dos filhos. Como quer que seja, admitindo-se a superioridade física e intelectual do homem sobre a mulher, passa a ser inegável que ela tenha o direito de aproveitar das vantagens que o vigor e os conhecimentos de seu esposo possam lhe oferecer. E é quanto a este aspecto que notamos a maior crítica dos exegetas muçulmanos. O Profeta (SAAS) disse: “Tratai as mulheres com benevolência, pois a mulher foi feita de uma costela que é curva na parte de cima; se tentardes endireitá-la, quebrá-laeis; se a deixardes como está, ela assim ficará.” Com essa afirmação, pretendeu chamar a atenção dos homens, estimulando-lhes o bom senso e a ternura quanto à fragilidade natural e peculiar das mulheres, ressaltando que não se deve esperar de uma mulher coisas que estejam além de suas possibilidades, de sua capacidade e de seus talentos, já que do contrário poder-se-ia desapontar-se e vir a tratá-la com aspereza. Assim, o Profeta (SAAS) confirma a necessidade de um tratamento mais generoso e indulgente para com as mulheres, tendo em vista seus atributos serem aquém dos do homem. E continua, dizendo: “Fazei-lhes o bem; e não fiqueis agastados com elas se agirem de maneira não 115 aceitável a vós, a menos, certamente, se o feito envolver algum pecado manifesto.” Dessa forma, reforça-se a idéia de que o homem não deve se ater aos segredos, escândalos ou faltas nas atitudes das mulheres, porque isso pode levar a desentendimentos conjugais e até mesmo a uma ruptura definitiva do laço matrimonial. Quanto à divisão do trabalho, o Islã designa a cada um – homem e mulher – uma condição de trabalho, de cujo fiel desempenho depende a felicidade da casa e do lar. A mulher, com sua capacidade de ser boa mãe e esposa devotada, é a rainha do lar, enquanto o marido deve protegê-la de todo o perigo e tentação, cuidando para a obtenção dos proventos necessários ao seu sustento e à manutenção da família. Em relação a essa distribuição das esferas de trabalho, com respeito à natureza, à constituição, à habilidade mental e à posição das pessoas envolvidas, o Profeta (SAAS) afirma: “Todos vós sois de certo modo pastores, e todos vós sereis chamados a prestar contas quanto às pessoas ou coisas que estiverem sob a vossa obrigação. Assim, o chefe, que é pastor de seus subalternos, será questionado sobre o tratamento que dispensou aos homens sob seu controle; o chefe de família é o pastor da casa, sendo que será questionado com respeito aos membros da casa; e a mulher é a pastora na casa de seu marido, dirigindo a seus filhos, e será questionada acerca destes; e o servo é o pastor dos pertences de seu amo, e será questionado acerca deles.” Sabe-se, por outro lado, que o Islã é um sistema de vida, baseado num rígido código moral, filosófico e religioso, que busca a elevação dos valores do bem pessoal em consonância com Deus, garantindo a retidão da vida humana e a proteção da sociedade contra o mal. Dessa forma, por condenar qualquer tipo de sedução ou incitamento que 116 estimule a proliferação dos instintos e das depravações, o Islã desaconselha a mistura dos sexos sem motivo de adoração, ensino e jihad, nos limites de decoro e de precaução quanto às leis preventivas. E, nesse contexto, apesar de o Islã ordenar tanto ao homem quanto à mulher que cubram todas as partes de seus corpos que atraem o outro sexo, sabemos que a mulher tem uma responsabilidade maior, haja vista a graça e a beleza que lhe são peculiares. Diz o mensageiro de Deus: “Toda vez que um homem e uma mulher ficarem sozinhos, o demônio estará entre eles.” Por esse motivo, o Islã aconselha que a mulher use vestimentas adequadas, com a intenção de mostrar seu recato e não sua vaidade, cobrindo o seu corpo e os seus atrativos, a fim de que sejam afastadas todas e quaisquer formas de sedução e de imoralidade, que possam gerar constrangimentos a todos os membros da comunidade. Um outro aspecto que tem gerado interpretações inadequadas diz respeito à posse de bens. As leis islâmicas têm reconhecido as mulheres como livres e responsáveis membros da sociedade, assinalando-lhes uma posição bem conveniente. Dessa forma, ainda que a proporção do patrimônio seja diferenciada com base numa justa apreciação da posição relativa de irmão e irmã, uma muçulmana tem direito a tomar parte no patrimônio, juntamente com seus irmãos. Nenhum membro masculino da família, nem seu marido, pode manipular sua propriedade, a qual – mesmo durante o casamento – permanece absolutamente sua e à sua disposição. Constata-se, então, que a propriedade de uma mulher é dela e, zelosamente guardada de todos os laços, sendo 117 que restrição alguma é colocada quanto ao direito individual que ela tem sobre seus pertences. Ela possui o direito de dividir e alienar a sua propriedade, e esse direito diz respeito a qualquer pessoa, inclusive seu marido. Vê-se, que a mulher é independente quanto à gerência de seus bens e riqueza, tendo o direito de conservar o que possuía antes do casamento, do mesmo modo que o marido, a respeito de seus bens, podendo dispor deles da maneira como entender, sem a intervenção ou anuência do mesmo. Além disso, tem o direito de processar um adversário, em seu nome, sem a procuração do pai ou do marido. De qualquer modo, com um conhecimento maior dos ensinamentos do Islã, percebemos que o Profeta (SAAS) não pode ser acusado de ter degradado a posição feminina em nossa sociedade. Ao contrário, analisando suas orientações, fica claro que sua intenção foi destacar tanto os pontos fortes como os aspectos fracos do caráter da mulher, para que o homem soubesse compreendê-la, protegê-la e dispensar-lhe o tratamento correto como sua esposa, como fica evidente nestas palavras: “Que nenhum muçulmano seja áspero em seu tratamento à esposa; porque se certos aspectos de sua conduta desagradam ao marido, certos outros lhe dão prazer.” Assim, se a mulher foi considerada, de um modo geral, inferior física e intelectualmente ao homem, por outro lado, se fez questão de destacar a nobreza de suas emoções, a riqueza de seu coração, a sua superioridade moral, a ternura e a delicadeza de seus sentimentos. Enfim, o ensinamento que precisamos ter em mente, de acordo com o Islã, é que o homem e a mulher enquanto indivíduos, devem se completar um ao outro, conjugando as distintas excelências de seus respectivos caracteres e esforçando-se para buscar a felicidade mútua, a qual o casamento pode lhes proporcionar. 118 A Mulher e o Casamento Como se sabe, o casamento é uma instituição civil, sancionada pela maioria das sociedades humanas, da qual resulta a família, isto é, a unidade básica do nosso sistema social. Desse modo, o casamento passa a ser considerado como o fundamento de toda a sociedade humana, em qualquer sistema jurídico existente. Sabe-se, também, que o casamento resulta da união de pessoas de sexos opostos, cujo objetivo principal é a continuidade da espécie, estabelecendo relações de parentesco e conservando o vínculo sagrado entre pais e filhos. Trata-se, ainda, de um fator fundamental para a segurança e estabilidade da comunidade, contra a anarquia e a corrupção. Em nossa sociedade, mesmo nas mais modernas, as famílias são regidas por códigos morais, os quais possibilitam – dependendo de cada sociedade – o estabelecimento de casamentos baseados em relações monogâmicas ou poligâmicas. De acordo com os ensinamentos de Deus, todo casamento deve basear-se, primordialmente, no amor, tal como constatamos nesta passagem do Alcorão: “Entre os Seus sinais está o de haver-vos criado companheiras da vossa mesma espécie, para encontrardes repouso nelas; e colocou amor e piedade entre vós. Por certo que nisto há sinais para os sensatos.” (30ª Surata, versículo 21). Diante disso, a sociedade conjugal não terá sentido quando não houver, por princípio, o amor e a afeição 119 unindo o homem e a mulher, dos quais resultam a satisfação da entrega, as responsabilidades pelo amparo recíproco (moral e material), a paz que alivia os conflitos da vida e a prosperidade do lar. Encontramos no Alcorão, além desta, várias referências ao casamento, que se manifesta como um bem para a preservação da dignidade e para o encontro da paz, devendo se buscar a convivência harmoniosa necessária para sua conservação, conforme observamos nesta passagem: “Jovens, aquele, dentre vós, que puder se sustentar, deverá casar-se, pois o casamento protege do adultério e resguarda o olhar; se não, que jejue, pois o jejum o protegerá.” Dessa maneira, evidencia-se o fato de que o objetivo do casamento jamais significou um meio de se satisfazer o apetite sexual, tendo sido instituído, em primeiro lugar, como uma salvaguarda contra a lascívia e a impudícia, e, em segundo lugar, como um meio de procriação. Foi baseandose nesses aspectos que o Profeta (SAAS) encorajou a vida matrimonial, no lugar do celibato, enfatizando a religiosidade e a frutificação da mulher, como notamos neste ensinamento: “Àquele que se casa com uma mulher tão-somente por causa da riqueza dela, Deus apenas lhe aumenta a pobreza; àquele que se casa com uma mulher tão-somente por causa da beleza dela, Deus apenas lhe aumenta a feiúra; porém, àquele que se casa com uma mulher para refrear os olhos, observar a continência e ser gentil em suas relações, Deus dispensa uma bênção nela para ele, e nele para ela.” Evidencia-se, assim, a religiosidade e a continência como as qualidades máximas e motivos primordiais para o casamento, segundo o Islã. Além disso, o fato de o casamento ser voltado para a procriação e não para a satisfação dos desejos sexuais está reforçado em diferentes ensinamentos do Profeta (SAAS), tais como: “Casai-vos e 120 gerai”, ou ainda: “Casa-te com uma mulher que extrema e encarecidamente se apegue a seu marido, e que seja ricamente fértil”. De qualquer modo, a idéia dominante quanto à posição da mulher no casamento, bem como a do homem, é que ambos devem completar-se um ao outro, aproveitando a distinção natural de seus respectivos traços e características, com o objetivo de, em mútua confidência, alcançarem a sua felicidade unificada. Nesse sentido, a mulher deve exercer a sua influência benéfica e humanizadora sobre o homem, abrandando sua natureza áspera e aplainando a rigidez de seu caráter. Enquanto isso, o homem, por sua vez, deve educar a mente da mulher, ajudando-a a compreender as qualidades femininas que ela sobrepuja por sua própria natureza. O Casamento Islâmico De acordo com o Islã, o casamento é um ato civil, que dispensa a presença do sacerdote ou mesmo a cerimônia religiosa, realizada no templo. Nada mais é do que um contrato que se realiza com o pedido do homem e a anuência da mulher, na presença de duas testemunhas (preferencialmente, dois homens muçulmanos gozando de perfeita sanidade mental, ou ainda, de um homem e duas mulheres em iguais condições), não conferindo ao homem nenhum outro direito além dos que a religião islâmica lhe outorga. Nessa perspectiva, o casamento baseia-se na filosofia moral, prevista pelo Islã, a qual diz respeito à adaptação e conjugação de todos os instintos, bem como à organização das relações e comportamentos do homem e da mulher, em 121 consonância com a crença islâmica e com os aspectos dela decorrentes. Apesar de sabermos que o Islã vê a humanidade por inteiro, isto é, reconhecendo suas necessidades e caracteres instintivos, físicos, psicológicos, sexuais, sensoriais, entre outros, bem como a existência da potência sexual no ser humano e dos desejos dela decorrentes, o casamento não deve ser visto exclusivamente como um meio para satisfazer tais desejos, como já assinalamos anteriormente. Evidentemente, temos que o casamento – no Islã – é o único caminho moral que pode conduzir o indivíduo à sua satisfação sexual, sem causar danos à sociedade, proporcionando ao homem e à mulher a tranqüilidade moral e sentimental necessária para que outros laços sociais sejam gerados e se desenvolvam. Isto porque, é no seio da família e do matrimônio que toda a potência sexual se desenvolverá racional e naturalmente, sem qualquer implicação negativa para os demais membros de seu convívio. Segundo o Profeta (SAAS), o homem deve se casar com uma mulher por quatro razões: “... ou por consideração à sua riqueza, ou à sua nobre parentela, à sua beleza, ou à sua religiosidade. Fazei então por conseguir por esposa uma mulher de religiosidade, porque ela constituirá para seu marido um ajutório consistente, e se contentará com pouco.” Segundo as leis islâmicas, o homem muçulmano pode se casar com uma mulher cristã ou judia, como vemos nesta passagem do Alcorão: “... Está-vos permitido casardes com as castas, dentre as crentes, e com as castas, dentre aquelas que receberam o Livro antes de vós, contanto que as doteis e passeis a viver com elas licitamente...” (5ª Surata, versículo 5). No entanto, o muçulmano não deve contrair matrimônio com uma mulher atéia ou idólatra, como 122 verificamos nesta outra passagem: “Não desposareis as idólatras até que elas se convertam, porque uma escrava crente é preferível a uma idólatra, ainda que esta vos apraza...” (2ª Surata, versículo 221). No que se refere à mulher muçulmana, sabe-se que ela não pode se casar com um homem não muçulmano, ou seja, um cristão ou judeu, pois segundo a tradição islâmica, a mulher não deve se submeter a um homem que não seja muçulmano, pois como o homem é considerado o chefe da família, este certamente não dará ao filho a orientação religiosa exigida pelo Islã. De acordo com as leis islâmicas, a capacidade da mulher adulta e de mente sã, de se contratar em casamento, é absoluta. Mas, embora se reconheça o consentimento da mulher como sendo um elemento indispensável para a validade de um casamento, recomenda-se que também seja dado o consentimento de seu pai. Assim, o casamento de uma mulher maior de idade só se realiza com o seu consentimento, de tal forma que, caso seu pai a obrigue a se casar contra a sua vontade, o casamento deverá ser anulado, desde que a mulher assim solicite. Quanto aos menores de idade, permite-se o casamento conforme a escolha do tutor: se este for o pai ou o avô, o casamento deverá ser mantido mesmo depois de alcançada a maturidade; se o tutor, porém, for outra pessoa, o casamento poderá ser mantido ou anulado após a maioridade, de acordo com a opção dos cônjuges. Sob as leis muçulmanas, sabe-se que um elemento necessário e obrigatório ao casamento é o mahr, ou seja, o dote que o homem deve pagar ou prometer à mulher, no ato do contrato matrimonial, como um sinal de respeito pela esposa. Em relação a este aspecto, caso a quantia relativa ao mahr não seja estabelecida oportunamente, o cônjuge 123 será obrigado a pagar um mahr conveniente no futuro, o qual será calculado conforme o nível social da mulher. Disso se conclui que uma condição fundamental para o casamento, diz respeito à equivalência do homem e da mulher escolhida em três aspectos: a família, a religião e a situação financeira (relacionada às condições de sustento do lar e de pagamento do mahr). Assim, se a mulher se casar desconsiderando qualquer um destes requisitos, seu pai terá todo o direito de anular o casamento, pois a concordância nas formas de vida é essencial para a segurança e viabilidade de um matrimônio. Desse modo, podemos perceber muitas vantagens que o casamento proporciona, tanto para o indivíduo como para a sociedade, entre as quais destacamos: a possibilidade de procriação (finalidade máxima da união conjugal, que assegura a continuidade da espécie humana, segundo os desígnios de Deus), a proteção contra as tentações e o adultério (que corrompem a vida do indivíduo e da comunidade em que está inserido), a sensação de paz de espírito, de alegria e de felicidade (decorrentes da própria natureza do matrimônio), bem como a responsabilidade necessária na luta pela vida em família. Por estas e outras razões, o Islã considera apropriado e conveniente que os homens e mulheres se enveredem pelo caminho do casamento, ressaltando quais os atributos devem ser buscados numa mulher por um homem que deseja contrair-lhe em casamento. Assim, a tradição islâmica sugere que a mulher seja crente (isto é, que siga as diretrizes da religião muçulmana), educada, bonita (a fim de afastar o homem das tentações), fértil, virgem, de boa família, que não tenha parentesco próximo (a fim de se evitar filhos imperfeitos) e cujo mahr seja razoável. 124 Casamento e Família Evidentemente, que todas as orientações expostas até o momento, sobretudo quanto à posição da mulher na sociedade islâmica e no que se refere ao casamento, objetivam – em última análise – a formação de uma família bem constituída, harmoniosa, feliz, capaz de se ampliar e de propagar a espécie humana. E temos verificado que este objetivo é alcançado graças a dois aspectos fundamentais: primeiro, a proibição do casamento entre parentes próximos; e, em segundo lugar, a definição do sistema de herança. Em relação à proibição do casamento entre parentes próximos, o Alcorão nos esclarece que: “Está-vos vedado casar com: vossas mães, vossas filhas, vossas irmãs, vossas tias paternas e maternas, vossas sobrinhas, vossas nutrizes, vossas irmãs de leite, vossas sogras, vossas enteadas que estão sob vossa tutela – filhas das mulheres com quem tenhais coabitado; porém, se não houverdes tido relações com as mães, não sereis recriminados por desposá-las. Também vos está vedado casar com as vossas noras, esposas de vossos filhos carnais, bem como unir-vos, em matrimônio, com duas irmãs...” (4ª Surata, versículo 23). Com isso, percebemos a intenção de se ampliar a família para além dos membros consangüíneos, protegendo-a de possíveis desavenças ou hostilidades, além de consolidar as relações entre famílias distantes. Por outro lado, em relação ao sistema de herança, observamos tratar-se de um expediente baseado em 125 interesses sociais, uma vez que os filhos herdam os pais, e a sociedade se interessa por essa vinculação, para que sobrevivam os descendentes e a própria sociedade. Isso nos comprova a importância atribuída ao casamento, enquanto gerador das relações familiares, de modo que as leis islâmicas determinam aos cônjuges procedimentos que estejam relacionados à justiça e à igualdade de direitos e de deveres. Nesse sentido, um dos aspectos que tem gerado muita controvérsia no mundo ocidental, diz respeito à poligamia. O povo árabe, em sua grande maioria, adotou essa modalidade conjugal há vários séculos, com base nos seguintes fatores: primeiro, o fato de o homem ser, por natureza, poligâmico, desde os tempos primitivos; segundo, por se constatar uma mortalidade maior do sexo masculino, em função de guerras, de sua fragilidade biológica, etc.; terceiro, pelo repúdio árabe à prostituição. Assim, o Islã admite a poligamia, mas estabelece três condições para sua adoção pelo homem muçulmano: que não seja ultrapassado o limite de quatro esposas; que não se pratique injustiças com nenhuma delas; e que se tenha capacidade e recursos para sustentá-las eqüitativamente. Com isso, pretendeu-se salvaguardar a sociedade de problemas que pudessem surgir de uma anarquia conjugal. Certamente, ainda hoje se observam incongruências atribuídas à poligamia. Todavia, se as examinarmos melhor, veremos que estão relacionadas a uma questão emocional, sentimental. Desde que esclarecidas, elas terão menor importância que os problemas gerados pela liberação sexual e, conseqüentemente, pela infidelidade conjugal, que resultam em prostituição, abortos, doenças venéreas, filhos bastardos e uma grande intranqüilidade social. 126 Sem dúvida, a poligamia não é uma modalidade conjugal desejável, perfeita e absoluta, até porque ela tem seus inconvenientes e embaraços, principalmente quanto ao ciúme das mulheres, a rivalidade entre as esposas e seus respectivos filhos, fatos estes que também podem surgir num casamento monogâmico, em que se tenha ocorrido infidelidade conjugal. No entanto, ela apresenta algumas vantagens, em certos casos (esposas estéreis, frígidas, doentes, etc.), que podem superá-los e, até mesmo, justificar a opção pela vida poligâmica. Casamento e Divórcio Segundo o Islã, o casamento nada mais é do que um contrato social. Ele não é considerado um sacramento, diante do qual aqueles que se unem em matrimônio não possam ser separados. Visto como mero contrato, reconhece-se naturalmente os direitos, tanto do homem como da mulher, no tocante a dissolução contratual, sob certas circunstâncias apresentadas. Por essa óptica, o divórcio é um natural corolário à concepção do casamento como contrato. No entanto, as leis que regem o casamento e o divórcio foram de tal maneira idealizadas pelo Profeta (SAAS), que elas podem assegurar a permanência das relações matrimoniais, sem contudo diminuírem a liberdade individual. Na formulação das leis que regem o casamento e o divórcio, os extremos foram evitados em favor de um significado maior. Assim, se verificamos a permissão da poligamia ou a dissolução do casamento, sob certas circunstâncias, isso se deve ao funcionamento do mesmo 127 princípio de flexibilidade que governa todo o conjunto das leis islâmicas. Nesse sentido, sabe-se que um muçulmano não é livre para exercer o direito de divórcio “ao menor aborrecimento” que sua esposa lhe causar. A lei impôs muitas limitações a esse direito, de maneira que é permitido a ele recorrer ao divórcio, desde que haja uma real e efetiva justificativa para essa medida extrema. Todo o Alcorão proíbe expressamente que o homem procure pretextos para se divorciar de sua esposa, enquanto ela lhe permaneça fiel e obediente, como constatamos nesta passagem: “... porém, se vos obedecerem, não procureis meios (escusos) contra elas...” (4ª Surata, versículo 34). De qualquer modo, a lei confere primeiramente ao homem a faculdade de solicitar e dissolução do casamento, caso sua esposa seja indócil ou apresente mal caráter, a ponto de tornar a vida conjugal um fardo ou motivo de infelicidade. Porém, na ausência de razões válidas e sérias, nenhum muçulmano pode justificar um divórcio, tanto aos olhos da religião, como aos olhos da lei. Assim, se ele abandonar a esposa, ou repudiá-la por simples capricho, atrairá para si a ira divina, como assinalou o Profeta (SAAS): “A maldição de Deus recai sobre aquele que, caprichosamente, repudia a sua esposa”. Disso decorre o pensamento de que o divórcio é um mal, devendo ser considerado como tal sempre que houver o menor respeito a Lei de Deus e aos preceitos do Profeta (SAAS). Há no Alcorão, inclusive, uma passagem bem reveladora : “... E harmonizai-vos com elas, pois se vos antipatizardes com elas, podereis estar antipatizando com algo que Deus dotou de muitas virtudes.” (4ª Surata, versículo 19). 128 Assim, vemos que se prescreve a tolerância e a indulgência dos maridos para com suas mulheres, mesmo que se trate de uma esposa de quem o marido já não guarda tanto apreço, bem como a recíproca também é verdadeira, pois como indicou o Profeta (SAAS): “O homem que é tolerante quanto aos maus modos de sua esposa receberá de Deus recompensas equivalentes às que o Senhor deu para Jó quando ele passava por aflição. E para a mulher que é tolerante quanto aos maus modos de seu marido, Deus concederá recompensas equivalentes às que concedeu a Assía, a esposa do Faraó.” Temos, por conseqüência, que antes de se partir para o divórcio, é expressamente imperativo que todas as maneiras de conciliação tenham sido buscadas, o que pode ser comprovado nestas passagens: “Se uma mulher notar indiferença ou menosprezo por parte de seu marido, não haverá mal em se reconciliarem amigavelmente, porque a concórdia é o melhor...” (4ª Surata, versículo 128); “E se temerdes desacordo entre ambos (esposo e esposa), apelai para um árbitro da família dele e outro da dela. Se ambos desejarem reconciliar-se, Deus os reconciliará, porque é Sapiente, Inteiradíssimo.” (4ª Surata, versículo 35). Claro está, portanto, que o Islã – a princípio – desencoraja o divórcio e o permite somente quando exista uma razão extremamente válida para tal, que impeça que as partes continuem vivendo juntas, em paz e harmonia. Isto porque, sob as leis islâmicas que uma divorciada, adquire o direito de se casar novamente, a partir do momento em que a separação se torna reconhecida pela lei. Enquanto o homem não precisa divorciar-se para ter o direito a um novo casamento, haja vista a prática da poligamia, já esclarecida anteriormente. 129 Papel da Mulher Como pudemos notar ao longo de nossa exposição, o Islã conferiu à mulher um status superior, se comparado com a posição degradante que lhe foi atribuída pela civilização ocidental. Quando analisamos o quadro populacional brasileiro, por exemplo, vemos que a maioria é composta por mulheres, as quais possuem formação superior, trabalham formalmente, tendo renda fixa e sucesso econômico. Estas mesmas mulheres, em sua maioria, são mães e esposas, que saem para o mercado de trabalho deixando os serviços domésticos e a educação de seus filhos relegados a um segundo plano, via de regra desenvolvidos por outras mulheres a quem chamamos de “secretárias do lar” ou “empregadas domésticas”. Tais profissionais só aceitam essas ocupações porque, provavelmente, não tiveram a mesma sorte diante das possibilidades de estudo, de vida ou de emprego. De qualquer maneira, elas também deixam seus lares à margem, enquanto cuidam das tarefas femininas de suas patroas. Tem-se, então, um ciclo vicioso, onde as grandes vítimas são os filhos, que ressentem pela ausência de suas mães como as responsáveis por sua educação e cuidado. Estes poderão buscar na rua o preenchimento para o vazio que trazem em seus corações. Não podemos nos esquecer que essas crianças “abandonadas” por suas mães, recorrem às ruas, onde elas 130 terão contato com tudo e todos, engrossando as estatísticas da criminalidade e violência em nosso país, porque acabam sendo criadas sem a presença de suas mães e, consequentemente, sem amor, carinho e orientação. Isso significa que, mais do que nunca, as mulheres precisam atentar para os ensinamentos do Islã, devendo permanecer no ambiente doméstico, cuidando de seus filhos, educando-os, administrando as tarefas do lar, convivendo em harmonia com seu marido, proporcionando felicidade e tranqüilidade para sua família. Devem cumprir com suas responsabilidades de esposa dedicada, mãe carinhosa e zelosa pela educação de seus filhos, participando da vida da família. O papel da mulher está onde sempre deveria estar: isto é, ao lado do homem, com igual importância, na construção da sociedade e da civilização islâmica, participando com ele, estudando, ensinando, se especializando na lei e legislando, colaborando com suas possibilidades para uma vida que os encaminhe – a ambos – a Deus. 131 O Islã e os Idosos Como já vimos, a religião é uma lei que disciplina a vida, mostrando-nos o certo, o justo e o bom. Seu objetivo é fazer com que o homem, através do conhecimento do bem, seja capaz de evitar o mal e alcance seu fim último, que é seu encontro com Deus. Por conseguinte, todos os deveres impostos ao homem pela religião, convergem para o amor a Deus e às Suas criaturas. Assim, observando dois versículos da 17ª Surata do Alcorão, perceberemos qual o dever moral de todos para com os pais, ressaltando como deve ser nossa conduta para com eles e, por extensão, para com os idosos. “O decreto de teu Senhor é que não adoreis senão a Ele; que sejais indulgentes com vossos pais; se a velhice alcançar um deles ou ambos, em vossa companhia, não lhes digais uffa, nem griteis com eles; outrossim, dirigi-lhes palavras honrosas. E estende sobre eles as asas da humildade, e dize: Ó Senhor meu, tem misericórdia de ambos, como eles tiveram misericórdia de mim, criando-me desde pequenino!” (17ª Surata, versículos 23-24). Cuidados Para Com os Idosos Sabemos que a juventude, pelo menos a corporal, não é eterna. O tempo passa para todos e, cedo ou tarde, todos nós chegamos à velhice. 132 Evidentemente, cada um encara a velhice de uma maneira. Uns a vêem como uma etapa natural da vida, outros a sentem como um fim em si mesma, enquanto outros, ainda, podem até maldizê-la. Então, como devemos encarar a velhice de acordo com as crenças muçulmanas? E ainda, como devemos tratar dos idosos sob a luz do Alcorão? Como se sabe, no mundo islâmico não há asilo para os idosos. Isto porque a incumbência de se cuidar dos pais na velhice, que não deixa de ser um período difícil da vida, é considerada uma honra e uma bênção para os filhos, além de representar uma oportunidade de elevação espiritual. Deus não só ordena que oremos por nossos pais, como também que passemos a agir com compaixão ilimitada, lembrando-nos que, quando éramos crianças indefesas, eles nos preferiram a eles próprios. Especial atenção, cuidado e respeito devemos dedicar às mães, pois como ensinou o Profeta (SAAS): “O Paraíso jaz aos pés das mães”. Assim, quando alcançarem a velhice, os pais muçulmanos deverão ser tratados com piedade; com a mesma bondade e generosidade com que eles nos trataram durante nossa infância. O Mensageiro de Deus, Mohammad (SAAS), respondeu a seguinte pergunta: “Qual a obra (o fato) que o Altíssimo Deus mais gosta?”. “A oração em seu tempo certo, depois servir aos pais com amor, carinho e dedicação, depois o empenho na causa de Deus”. Como se percebe nesta singela passagem, no Islã, servir aos pais é um dever apenas sobrepujado pelas orações, sendo um direito deles aguardarem isso. Assim, o Alcorão nos indica: “E gentil com seus pais, e jamais seja arrogante ou rebelde”. “E me fez gentil para com minha mãe, não permitindo que eu seja arrogante ou rebelde”. (19ª Surata, versículos 14 e 32). 133 Apesar de sabermos que os idosos se tornam difíceis, exigindo todo o tipo de cuidados, considera-se um ato deplorável expressarmos qualquer irritação, ainda que haja culpa deles próprios. Em relação a isso, o Alcorão é claro quando diz: “O decreto de teu Senhor é que não adoreis senão a Ele; que sejais indulgentes com vossos pais; se a velhice alcançar um deles ou ambos, em vossa companhia, não lhes digais uffa, nem griteis com eles; outrossim, dirigilhes palavras honrosas. E estende sobre eles as asas da humildade, e dize: Ó Senhor meu, tem misericórdia de ambos, como eles tiveram misericórdia de mim, criando-me desde pequenino!” (17ª Surata, versículos 2324). Há ainda uma outra situação, em que o Profeta (SAAS) teria dito que um filho estaria perdido se estivesse com os pais, um ou dois deles e não tivesse aproveitado sua vida para servi-los com amor e dedicação, pois não entraria no paraíso do céu. Desobedecer aos Pais: um Pecado Gravíssimo É um direito dos pais que os seus filhos os tratem com bondade, obediência e dignidade. Os direitos da mãe são ainda mais destacados, em virtude do sofrimento que ela passou durante a gravidez e o parto, com a amamentação da criança e pelo seu papel em sua educação. Sem dúvida, a devoção aos pais é um instinto natural que deve ser fortalecido por atos deliberados. Nas palavras de Deus, o Altíssimo: “E recomendamos ao homem benevolência com seus pais. Com dores sua 134 mãe o carrega durante sua gestação e, posteriormente, sofre as dores de seu parto. E de sua concepção até a sua ablactação (desmame) há um espaço de trinta meses.” (46ª Surata, versículo 15). Existe uma passagem que ilustra o ensinamento. Certa vez chegou à presença do Profeta (SAAS) um homem que lhe perguntou: “Quem é o mais merecedor do meu bom companheirismo?”. “Sua mãe”, respondeu o Profeta. “E depois quem mais?” perguntou o homem. “Sua mãe”, respondeu o Profeta. “E depois?” perguntou o homem. “Seu pai”, respondeu o Profeta. (Relatado por Bukhári e por Musslim). Numa outra situação, muito semelhante a esta, certo homem veio ao Profeta Mohammad (SAAS) e lhe perguntou várias vezes: “Mensageiro de Deus, quem merece mais a minha serventia calorosa e piedosa?”. Ele disse: “Sua mãe!”. O homem perguntou de novo: “Quem mais?”. Ele respondeu: “Sua mãe! Sua mãe! Sua mãe!”. E na quarta vez disse: “Seu pai, louvado seja Deus o quanto recomendou a favor da mãe mais de que a do pai”. Como se sabe, o Profeta (SAAS) denunciava como pecado gravíssimo a desobediência aos pais, a qual só era menos grave do que atribuir parceiros a Deus, como foi afirmado pelo Alcorão. Com efeito, Bukhári e Musslim relatam ter ele dito: “Quereis que vos informe sobre os três maiores pecados?” Os que estavam presentes responderam: “Sim, ó Mensageiro de Deus”. E ele disse: “Atribuir semelhantes a Deus e a desobediência aos pais!” E sentando-se ereto da posição em que reclinava, ele continuou: “E contar mentiras e dar falso testemunho, cuidado com eles!” E ele disse também: “Três pessoas não entrarão no Paraíso; aquele que for desobediente para com seus pais, o gigolô e a mulher que 135 procura imitar os homens.” (Relatado por Nissái, Al Bazaz tendo excelentes fontes, e por Al Hákim). Numa outra passagem, o Profeta disse ainda: “Deus adia (a punição de) todos os pecados para o Dia do Juízo Final, exceto o da desobediência para com os pais, pelo que Deus pune o pecador nesta vida, antes da sua morte.” (Relatado por Al Hákim, tendo fontes firmes de transmissões). Além disso, o Islã ressalta o tratamento bondoso que se deve ter aos pais, especialmente quando eles já são idosos. À medida com que se tornam mais fracos, eles necessitam de mais atenção e cuidado e maior consideração para com os seus sentimentos, que se tornam cada vez mais sensíveis. A esse respeito, o Alcorão (17ª Surata, versículos 2324) nos ensina sobre a indulgência que devemos dedicar aos nossos pais, bem como o cuidado em nossas atitudes para com eles. O que foi explicado por certo exegeta, que disse: “Se uma coisa ainda menos desagradável do que dizer ‘Ufa!’ aos pais fosse conhecida, Deus teria proibido também (a ela)”. Insultar aos Pais: Outro Pecado Gravíssimo Além do que já descrevemos, o Profeta (SAAS.) não somente proibia o insulto ou xingamento aos pais, como também denunciava-os como um pecado grave. Dizia ele: “Entre os pecados mais graves está o de um homem amaldiçoar aos seus pais!” Numa certa ocasião, as pessoas que se achavam reunidas não conseguiam compreender como um indivíduo tão bom, equilibrado e crédulo seria capaz de amaldiçoar 136 aos próprios pais e perguntaram: “Como é possível para um homem amaldiçoar aos próprios pais?” O Profeta (SAAS) respondeu: “Ele insulta o pai de um outro homem e então o outro insulta o pai dele, e ele insulta a mãe do outro e o outro devolve o insulto à mãe dele.” (Relatado por Bukhári e por Musslim). Com essa passagem, pode se perceber a gravidade de nossas ações tanto para com nossos pais, quanto para com os idosos em geral, pois um insulto ou injúria poderão ser devolvidos à nossa própria família. O Consentimento dos Pais Para o Jihad Agradar aos pais é considerado tão importante no Islã, que se proíbe ao filho oferecer-se voluntariamente para o jihad, sem o consentimento dos seus pais, apesar de a luta pela causa de Deus (jihad fi sabil Allah) ter tanto mérito no Islã. Sabe-se que o mérito de uma pessoa que passa as noites orando e seus dias jejuando não chega nem perto, do valor de uma que se oferece ao jihad. Em relação a isso, Abdullah Ibn Amr Ibn al ‘Ass narrou: “Certo homem foi ter com o Profeta (SAAS.) e pediu permissão para empreender o jihad. O Profeta (SAAS.) perguntou: ‘Seus pais estão vivos?’. ‘Sim!’, ele respondeu. O Profeta (SAAS) então disse: ‘Então, dedique-se a serviço deles’ (relatado por Al-Bukhári e por Musslim), querendo dizer que cuidar dos pais é uma obrigação ainda maior que o jihad pela causa de Deus”. Noutra situação, Abdullah contou que: “Certo homem foi ter com o Profeta (SAAS) e disse: ‘Eu juro fidelidade a ti 137 para a hijra (emigração para Madina) e para o jihad, almejando recompensa de Deus!’. O Profeta (SAAS) perguntou se um dos pais dele estava vivo. Ao responder ele que ambos estavam vivos, o Profeta (SAAS) disse: ‘Você realmente está almejando a recompensa de Deus?’. ‘Sim!’, respondeu o homem. O Profeta (SAAS) então disse: ‘Volte para os seus pais e seja um bom companheiro para eles.” (Relatado por Musslim). Numa outra ocasião, Abdullah contou mais: “Certo homem foi à presença do Profeta (SAAS) e disse: ‘Eu vim jurar-lhe fidelidade para a hijra e deixei meus pais chorando!’. O Profeta (SAAS) disse a ele: ‘Volta para eles e faça-os rir, do mesmo modo como os fez chorar’.” (Relatado por Bukhári e por outros). Num outro relato, Abu Sa’id contou que: “Certo homem do Iêmen migrou para Madina, para estar junto do Profeta (SAAS). O Profeta perguntou a ele: ‘Você tem algum parente no Iêmen?’. Ele respondeu: ‘Meus pais!’. ‘Você obteve a permissão deles?’, perguntou o Profeta. Ao responder que não, o Profeta disse a ele: ‘Volte a eles e peça-lhes permissão. Se eles a derem, então parta para o jihad. Caso contrário, fique e cuide deles’.” (Relatado por Abu Daoud). Percebe-se, a partir de todos estes relatos, quão importante é a permissão e o consentimento dos pais para a participação de seus filhos no jihad. Tratamento aos Pais Não-Muçulmanos Um dos portentos do Islã é que, com respeito ao tratamento aos pais, ele proíbe o muçulmano de desrespeitálos mesmo que eles sejam não-muçulmanos, ou sejam 138 fanáticos a ponto de discutirem com ele e pressioná-lo a renunciar ao Islã. Como diz Deus, o Altíssimo: “E recomendamos ao homem benevolência para com seus pais. Sua mãe o suporta entre dores e dores, e sua desmama é aos dois anos. (E lhe dizemos): Agradece a Mim e aos teus pais, porque o retorno será a Mim. Porém, se te constrangerem a associar-Me o que tu ignoras, não lhes obedeças; comporta-te com eles com benevolência neste mundo, e segue a senda de quem se voltou contrito a Mim. Logo o retorno de todos vós será a Mim, e, então, inteirarvos-ei de tudo quanto tiverdes feito.” (31ª Surata, versículos 14-15). Como se percebe nestes dois versículos, é ordenado ao muçulmano não obedecer aos pais naquilo que eles lhe disserem a esse respeito, uma vez que não pode haver obediência a uma criatura que desacredita no Criador – e que pecado pode ser maior que o de atribuir parceiros a Deus? Ao mesmo tempo, é-lhe ordenado que os trate com benevolência neste mundo, sem se deixar afetar pela posição deles contrária à sua fé, e que prossigam no caminho dos crentes probos que se dirigem para Deus, deixando o julgamento entre si mesmo e seus pais para o Mais Justo dos juízes, para um dia em que os pais não terão mais como beneficiar a criança nem serem beneficiados por esta. Em verdade, ensinamentos tão tolerantes e benéficos como esses, não são encontrados em nenhuma outra religião. 139 O Respeito aos Idosos Não podemos nos esquecer de uma recomendação deixada pelo Profeta Mohamad (SAAS), a qual acabou se tornando uma das leis de guerra: “Não matem crianças, mulheres, idosos, nem gente alguma em oração em igrejas, sinagogas ou qualquer outro lugar de oração.” Numa outra ocasião, o mensageiro de Deus (SAAS) disse: “Não é de nós quem não tem piedade de nossas crianças e não respeita e honra nossos idosos; Não recomendem o bem e nem proíbam o ilícito.” (Al Baihaqui Livro 6, página 448). Por estas simples palavras podemos perceber o respeito que devemos para os idosos, estejam onde estiverem. Mas não se trata apenas de respeito. É preciso também levar em consideração a fragilidade física que os idosos apresentam. Com efeito, na 28ª Surata, há o relato de duas meninas que não tinham a obrigação de buscar água de um poço fundo, no Deserto de Sinai, nem a força física propícia para tal função. Porém, como tinham um pai idoso e fraco, respeitaram-lhe a idade e foram buscar a água, sendo barradas por um grupo de pastores. Em relação a esta passagem, o Alcorão relata o seguinte: “E quando chegou Moisés à aguada de Midian, achou nela um grupo de pessoas que dava de beber (ao rebanho), e viu duas moças que aguardavam, afastadas, por seu turno. Perguntou-lhes: ‘Que vos ocorre?’ Responderam-lhe: ‘Não podemos dar de beber (ao nosso 140 rebanho), até que os pastores se tenham retirado, (e temos nós de fazer isso) porque o nosso pai é demasiado idoso’.” (28ª Surata, versículo 23). Tal situação nos ensina que, apesar de a água estar muito baixa, no fundo do poço, de haver muitos rebanhos e de as moças não terem condições de enfrentá-los em meio ao deserto ensolarado, o sacrifício era feito pela sobrevivência, por falta de irmãos homens, mas especialmente em respeito ao pai fraco e idoso. Um outro relato ilustra o respeito aos idosos. Asmá, filha de Abu Bakr disse: “Quando o mensageiro de Deus (SAAS) entrou na Mesquita em Meca, Abu Bakr trouxe seu pai de mãos dadas, que era velho e não tinha se convertido ao Islã. O Mensageiro questionou: ‘Abu Bakr, por que não deixou seu pai em casa até que eu pudesse ir até ele?’. Abu Bakr disse: ‘Ele tem que vir até aqui e não o Profeta ir até ele.’ Assim era a conversão ao Islã. (Arrawd Al Unf. Livro 4). Numa outra passagem, recomenda-se ao califa temer a Deus e dedicar cuidados em honrar com piedade a sociedade muçulmana, especialmente em relação aos sábios e idosos. “Honrar e respeitar o idoso e ter piedade de nossas crianças, respeitar os sábios e não os agredir, nem os humilhar, nem cortar os laços e os abandonar, nem os operar para perder sua reprodução (castração obrigatória).” (Livro Al-MUHAJAB, capítulo 6, página 3265). 141 Ajudas Caridosas Para Com os Idosos A história islâmica registra fatos brilhantes onde se demonstra o fornecimento desse direito aos nãomuçulmanos, por parte dos califas governantes. Foi relatado pelo Imam Abu Youssuf (RAA), que o líder dos crentes, “Al Fáruk”1, Omar Ibn Al Khattab (RAA) passou por uma porta onde havia pessoas, dentre elas um pedinte ancião e cego. Omar bateu em seu ombro por trás e perguntou: “De qual dos povos do Livro você é?”. Ele respondeu: “Peço para pagar a jízia (imposto), além de ter necessidade e idade.” Omar o pegou pela mão e levou-o até sua casa, dando-lhe alguma coisa e mandando chamar o responsável pela casa da moeda. Disse então: “Olhe para este e seus iguais. Por Deus, não somos justos com eles. Desfrutamos de sua juventude e depois os desprezamos na sua velhice!? E os pobres são dos muçulmanos e esse é dos miseráveis do povo do Livro.” E isentou-o, assim como a seus companheiros, do pagamento da jízia (imposto). Disse Abu Bakr: “Eu testemunhei isso de Omar e vi aquele ancião”. Sobre este tema, o Alcorão nos esclarece: “As caridades são tão-somente para os pobres, para os necessitados, para os funcionários encarregados em sua administração, para aqueles cujos corações têm de ser conquistados, para a redenção dos escravos, para os endividados, para a causa de Allah e para o viajante; 1. Al Faruk – apelido de Ômar, que significa “aquele que sabe distinguir entre a verdade e a falsidade”. 142 isso é um preceito emanado de Allah, porque é Sapiente, Prudentíssimo.” (9ª Surata, versículo 60). De um modo geral, o Alcorão recomenda cerca de 84 vezes os bons atos e tratos para com os idosos. O fiscal e o supervisor sempre é Deus, Todo-Poderoso, Que vê e lê os pensamentos de cada um de nós, Que grava e Que faz os julgamentos no Dia do Juízo Final, Que tanto castiga como dá a recompensa, nesta e na outro vida. Assim, se não temermos a Deus, muito menos temeremos aos seres humanos, corruptos, que usam as leis, as administrações e o dinheiro público em seu próprio benefício e interesse. Sabemos que os próprios filhos dos idosos não os tratam como deveriam. O que pensar do tratamento dispensado aos idosos pelos filhos de outros? Por outro lado, muitos idosos, na pior fase da velhice, já apresentam a vida feita, precisando apenas serem acompanhados e servidos com o respeito e amor que eles merecem, bem como com o carinho e o afeto que só os filhos têm. Nesse sentido, há que se ressaltar os trabalhos que a Secretaria Especial dos Direitos Humanos e o Conselho Nacional dos Direitos do Idoso vêm realizando quanto à legislação e o desenvolvimento de obras de assistência social e de saúde para com os idosos em nosso país. Suas representações têm-se mostrado atuantes, com especial destaque para o evento ocorrido em maio de 2006, em Brasília, o qual significou um grande marco para os idosos, na medida em que reconheceram suas necessidades, reunindo-as num estatuto que deverá ser aprovado pelo Congresso Nacional, em breve, como sinal da nobreza humana, principalmente para aqueles que não têm filhos ou cujos filhos não apresentam condições morais ou financeiras para lhes garantir uma vida mais digna, tranqüila e confortável. 143 Poderíamos prosseguir com nossa análise acerca das recomendações dadas pelo Islã no que se refere à dedicação, cuidado e respeito para com os idosos, visto tratar-se de um tema tão imperativo. Por hora, encerramos nossas singelas palavras esperando termos contribuído para o bem de todos. O Islã e os Não-Muçulmanos Até o momento, procuramos demonstrar os direitos e liberdades de que gozam os crentes, o nascituro, os escravos, a mulher e os idosos. Resta-nos, agora, examinarmos os direitos e liberdades prescritos para os nãomuçulmanos. Como sabemos, o Cheikh Al-Karadhawi é considerado um dos mais notáveis sábios muçulmanos contemporâneos, o qual tem-se importado com o respeito para com os direitos dos não-mulçumanos na sociedade islâmica. Na verdade, o valor e a importância do posicionamento de Al-Karadhawi se deve, principalmente, ao fato de ele ser um sábio original em sua sabedoria, e também por se basear em fundamentos religiosos legais do Alcorão e na sunna [ditos e atos do Profeta Mohammad (SAAS)]. Segundo suas considerações, os direitos mais importantes de que gozam os não-muçulmanos, os quais ele concluiu a partir dos antigos sábios, além das principais fontes legais do Islã, são: a proteção contra agressões, a proteção ao sangue e ao corpo, a proteção dos bens, a proteção à honra das mulheres, a proteção aos idosos, a liberdade religiosa, o direito ao trabalho e à sobrevivência, e o direito ao funcionalismo público. 144 Direito de Proteção Contra Agressões O primeiro direito dos cristãos na sociedade islâmica é a proteção de qualquer agressão externa. Nesta situação o Estado muçulmano deve defendê-los e protegê-los. Al-Karadhawi tirou provas dos livros de ciências religiosas, principalmente os de autoria do sábio Ibn Taimiya (que Deus tenha misericórdia de sua alma), e dos de posição contrária, que são os de autoria de Catlocha, líder dos tártaros. Sobre o tema da agressão exterior, no tocante aos nãomuçulmanos, exemplifiquemos este fato: quando se trata da libertação de reféns, a opinião de Catlocha indicava que deveria se soltar apenas os reféns muçulmanos; já Ibn Taimiya, insistia em se libertar também os cristãos, de modo que Catlocha acabou por aceitar. Este ato de Ibn Taimiya representa a teoria de proteção ao não-mulçumano da agressão externa. É dever também do Estado Islâmico proteger a minoria não-islâmica da injustiça e da agressão interna. Nos versículos do Alcorão e nas recomendações do profeta Mohammad (SAAS), são muitos os pontos encontrados que proíbem a agressão e a injustiça aos não-mulçumanos cristãos. Como exemplo disto, citamos os relatos de Abou Daoud e Al-Baihaqui: “Aquele que pratica a injustiça, ou agride o cristão, ou pede mais do que suporta, ou tira dele algo que gosta, serei contra ele no dia do Juízo Final.” E Tabaráni relatou mais: “Aquele que prejudica o nãomulçumano, me prejudica e prejudica Deus.” Esta é tradição 145 do Profeta Mohammad (SAAS) e de seus companheiros califas, pois estes e outros relatos de Omar e ‘Ali indicam os tipos de proteção que se deve aos não-muçulmanos. Direito de Proteção ao Sangue e ao Corpo Al-Kardhawi conta que os sábios muçulmanos chegaram a um acordo: o sangue do não-muçulmano é protegido e qualquer agressão contra ele será pecado. A isto se chegou, levando em consideração a recomendação do Profeta (SAAS): “Quem mata o nãomulçumano não sentirá o cheiro o Paraíso! Ficará longe dele uma distância equivalente a andar 40 anos.”, segundo os relatos de Ahmad e Al-Bukhári. Os sábios muçulmanos debateram sobre a questão dos muçulmanos que matam não-muçulmanos, mas a opinião de Al-Kardhawi é a favor de punir com a morte os muçulmanos que matarem não-muçulmanos, assim como foi durante o domínio Otomano em todo o império e suas regiões, através dos séculos de domínio até a queda do Califato, na Primeira Guerra Mundial do século passado, em 1916. Direito de Proteção dos Bens Os muçulmanos acordaram entre todas as seitas islâmicas, através de toda história, quanto a proteção dos bens dos não-muçulmanos. O respeito do Islã aos bens e propriedades dos não-muçulmanos é exercido de acordo com 146 a religião deles, mesmo aqueles bens não reconhecidos pela religião muçulmana como lícitos, e isto pode-se notar ainda hoje. Como exemplo disto, citamos a carne de porco e as bebidas alcoólicas. Estes bens não podem ser considerados bens para os muçulmanos. Assim, se um muçulmano destruir estes ‘bens’ de outro muçulmano nada fica devendo; porém, se o muçulmano destrói estes bens de um não-muçulmano terá que pagá-los, conforme a opinião do sábio Abu Hanifa. Direito de Proteção à Honra das Mulheres A proteção à mulher não-muçulmana e à sua dignidade (harim) é preservada no Islã, igualmente como a proteção dedicada à mulher muçulmana. Assim, o sábio Imam AlCorafi, da seita do Maliki, disse: “Quem fala mal, na presença ou na ausência, de alguém, perde a confiança de Deus, de seu Mensageiro e de sua religião islâmica.” (Al-Furuk Z.G.), e ainda muitos ditos confirmam o mesmo. Direito do Idoso O Islã garante para o não-muçulmano uma pensão ou aposentadoria no patamar adequado às suas necessidades e suficiente para sustentá-lo quando idoso, a si e seus dependentes, porque para o Estado são considerados seus cidadãos. O Estado Islâmico se posiciona como responsável por seus habitantes, que constituem seu povo como um todo sem discriminações. 147 O Mensageiro de Deus (SAAS) disse: “Todos vocês são pastores e cada [astor é responsável por seu rebanho.” Desta forma, todos os sábios concordam com esta lei, conforme o relato de Ibn Omar. Esta é a tradição dos quatro Califas Arrachidin (Abu Bakr, Omar, Otman e ‘Ali) e seus sucessores. A carta de Khálid Ibn al Walid ao povo do Irã, no Iraque, no tempo do Califa Abu Bakr As-Siddik, confirma isto, tendo sido relatada, na presença de vários companheiros do Profeta, que concordaram plenamente com o teor. Outro fato relacionado ao assunto, ocorreu quando Omar Ibn Alkhattab viu um judeu, que por motivo de sua velhice pedia ajuda aos outros, esmolando. Então, o idoso judeu foi levado ao órgão público competente, na época equivalente a Casa da Moeda Nacional, Secretaria das Finanças ou da Fazenda Pública Nacional, que por ordem de Omar, registrou-o e fez para o judeu e seus semelhantes, mais dois idosos necessitados, um benefício de pensão como uma aposentadoria. Justificando seu ato, Omar disse: ”Injustiçamos o homem, pagou-nos os impostos quando era jovem, pois o esquecemos nesta idade.” A partir disso, o Califa Omar criou a lei de seguro social para os muçulmanos e não muçulmanos, o que foi seguido por todas as seitas muçulmanas. 148 O Direito de Liberdade Religiosa O Islã não aceita a imposição de religião. O Islã não obrigou os não muçulmanos a se converterem ao Islã. Aquele que tinha uma seita ou religião, não sofreu pressões para se tornar muçulmano. Na base legislativa do Islã, nos versículos do Alcorão Sagrado, nas palavras de Deus reveladas pelo anjo Gabriel a seu Mensageiro, Mohammad (SAAS), temos: “Não há imposição quanto à religião porque já se destacou a verdade do erro.” (2ª Surata, versículo 256). Assim, para o Islã a imposição é incompatível com a religião, porque a religião depende da fé e do livre arbítrio, e estes perderiam sua consistência e validade se induzidos à força. A verdade e o erro têm sido tão claramente mostrados pela mercê de Allah, que não deverá haver dúvidas na mente de qualquer homem de boa vontade, quanto aos fundamentos da fé. A proteção de Allah é contínua e os seus planos hão de sempre guiar-nos, tirando-nos das trevas e conduzindo-nos à clareza da luz. Deus disse também, em Yunis: “Porém se teu Senhor tivesse querido, aqueles que estão na terra teriam acreditado unanimemente. Poderias, oh Mohammad, compelir os humanos a que fossem crentes?”. (10ª Surata, versículo 99). Além disso, como já assinalamos anteriormente, o Islã protege os templos religiosos dos não-mulçumanos, respeitando seus símbolos, de acordo com o pacto que o 149 Mensageiro de Deus fez com o povo de Najran, assegurando a proteção e a liberdade de seus bens, seus comércios e seus movimentos religiosos, o trato de Omar com o povo de Jliaa quanto à liberdade de crença religiosa e suas práticas e o trato correlato de Khálid Ibn al Walid com o povo do Ánit. Dentro dessa liberdade de crença religiosa, muitos sábios muçulmanos deram a permissão plena aos evangélicos, para que os mesmos pudessem construir igrejas nas aldeias e cidades com a população de maioria islâmica. Uma passagem da história antiga conta que há muito tempo foram construídas diversas igrejas no Egito no primeiro século da Hijra, a exemplo da igreja do Sueif na Alexandria, entre os anos 39 e 56 da Hijra, como também a construção da primeira igreja em Fustat, bairro Arrum no Cairo, entre os anos 47 e 68. Vale notar que estas datas se referem ao ano lunar muçulmano, cujo marco inicial se deu em aproximadamente 610 d.C., quando ocorreu a Hijra, que foi a imigração forçada do Profeta Mohammad (SAAS), de Meca – cidade de seu nascimento – para Medina, onde fundou o Estado Islâmico e institui a legislação muçulmana. Também Abdel Aziz Ben Makrizi declarou: “Todas as igrejas que foram construídas no Cairo, foram construídas no governo islâmico e muitas foram contruídas em outras cidades e aldeias, onde a maioria não-islâmica estava livre para cumprir os seus cultos e construír e reformr as suas igrejas.” Com efeito, sabemos que esse tipo de compreensão, em reconhecer e aceitar o outro aparece com o surgimento do Islã, o que não existia antes. 150 O Direito ao Trabalho e à Sobrevivência O Islã garante aos não-muçulmanos o direito ao trabalho e à sobrevivência. Eles têm todos os direitos dos muçulmanos, de se estabelecer comercial e profissionalmente, como comprar, vender, alugar, gerenciar, etc., tendo como únicas vedações as atividades de agiotagem e o comércio de bebidas alcoólicas e de carne de porco. Com referência a estas exceções, citamos o que o Mensageiro de Deus (SAAS) havia escrito para Majous Hager: “Se vocês não deixarem o sistema de agiotagem podem esperar nossa guerra contra.” Mais ainda, prossegue, indicando o que deveria ser evitado: “... o comércio de bebidas alcoólicas e a carne de porco, entre os muçulmanos, o restante estarão livres para negociar ou trabalhar.” Sobre este importante direito aos não-muçulmanos, ainda Adam Mitz disse: “a vigência da legislação islâmica nunca fechou porta alguma de qualquer não-muçulmano que trabalhe em comércio ou indústria, nunca vedou quaisquer atividades profissionais, com as quais muitos até enriqueceram em solo islâmico, tornando-se até proprietários de sítios, aldeias e povoados. Entre estes citamos médicos e joalheiros.” Destas atividades bastante lucrativas, vale lembrar que a maioria dos proprietários das joalherias mais importantes e das casas de câmbio em Damasco eram judeus. A maioria dos cartórios pertenciam aos cristãos. Os médicos no palácio do Califa, autoridade máxima muçulmana, em Bagdá, eram também, predominantemente, chefes de cristãos e líderes judaicos. 151 O Direito ao Funcionalismo Público O Islã não proibiu aos não-muçulmanos o seu ingresso e nomeação nas funções públicas, por considerá-las corporativas do Estado muçulmano e, portanto, exclusivas de muçulmanos; pelo contrário, não é aceito este tipo de discriminação. No entanto, há exceções a cargos de máxima responsabilidade, poder e influência no estado, como é o caso dos xeques de mesquitas, juizes de direito, Califas e comandantes do exército nacional, que não podem ser ocupados por não-muçulmanos. Mas, ainda assim, considerando essas exceções, o Estado concede dentre estes cargos importantes, o direito aos não-muçulmanos de serem ministros de seus Ministérios Nacionais. Com efeito, na época dos Abássidas, alguns cristãos foram nomeados para Ministérios Nacionais, até mais de uma vez. Entre eles foram nomeados ministros Nasr Ibn Haroun, no ano 369 h (Hijra) e Issa Ibn Nastore no ano 380 h (Hijra). Mesmo antes, no funcionalismo público, o Califa de Damasco, Muáwiya, teve como escrivão um cristão de nome Serjão. Assim, a história nos mostra a concessão e garantia dos direitos aos não-muçulmanos, pois constatamos que até Califas de altas lideranças facilitaram e incentivaram acentuadamente o ingresso dos não-muçulmanos em cargos públicos. Isso, em certa época, chegou até mesmo a ser ressentido pelos próprios muçulmanos, que reclamaram sobre tanto apreço dado aos não-muçulmanos, sentindo seus 152 direitos prejudicados enquanto o Estado islâmico os nomeava para seus cargos de autoridade. Relações Entre Muçulmanos e Não-Muçulmanos As leis do Islã são aplicadas exclusivamente aos muçulmanos, cabendo aos fiéis de outros credos, que vivem em países onde a fé muçulmana é predominante, a liberdade de culto, de forma que os mesmos possam viver de acordo com suas convenções religiosas. Há momentos em que a doutrina religiosa estende seus valores ao meio social, com leis que integram a constituição do país, no tocante a fatores como segurança, economia, civismo e padrão moral e de conduta. Se um não-muçulmano, por exemplo, comete uma transgressão ou um crime qualquer, é evidente que será punido pela lei vigente na constituição do país em que ele vive ou se encontra quando do delito. Às vezes, as sociedades ocidentais se escandalizam com notícias veiculadas pela imprensa de castigos aplicados a criminosos, de outros países, em território de nações de predominância muçulmana, como foi o caso de um jovem norte-americano que foi condenado a receber chibatadas como punição por ter pichado automóveis em uma cidade de um país asiático, cuja Constituição se inspira no Alcorão. Houve mesmo a interferência do governo norte-americano que, na época, foi pressionado pela opinião pública de seu país. Fatos como este têm sido alvo constante de crítica dos ocidentais, o que faz com que as leis muçulmanas sejam vistas como opressoras e “primitivas”. Da mesma forma, a 153 morte do condenado na cadeira elétrica, ou com injeção letal, que é vista com naturalidade no Ocidente, para os povos do Islã soa como uma monstruosidade, um suplício cruel, perverso. Assim, não se pode olhar esta questão, ou ensaiar uma análise comparada das religiões, bem como dos direitos e liberdades do homem nesse campo, sem levar em conta as diferenças de cultura. Porém, para todos aqueles que agem intencionalmente, com objetivo de estimular e incrementar o conflito, tais diferenças se tornam um prato cheio. O muçulmano acredita que o altíssimo Deus é o único e absoluto criador e administrador do universo. Deus de todos os humanos e não de um povo ou uma tribo e, nem, tampouco, de uma raça. Pois ele é o Deus inclusive daqueles que o negam, os ateus. E esta definição está em todo o Alcorão Sagrado, do início ao fim. Na primeira Surata, no primeiro versículo, o Deus Altíssimo nos ensina como nos dirigirmos a Ele, para com Ele podermos conversar: “Louvado seja Deus, Senhor do Universo”. Ele não disse senhor deste globo, ou deste mundo! Mas do Universo, e de tudo que nele existe, sinalizando o céu e a terra, assim como os reinos mineral, vegetal e animal, além dos homens, anjos, e de tantas outras coisas visíveis e invisíveis. Esta doutrina, o monoteísmo, é a base principal da união dos povos, pois não há criador, nem divindade, a não ser o Altíssimo Deus, por mais que certas ideologias e filosofias criadas pelo homem tentem negar esta realidade. Não cabe ao Islã condenar a incredulidade, e nem tampouco perseguir os adeptos de outros credos. Pelo contrário, é através da conduta de cada um, em consonância com os preceitos do Alcorão, que o muçulmano pode se 154 tornar um exemplo para eles, um referencial que inspire respeito mútuo, e torne a convivência entre ambos mais pacífica e ordeira, o que é bom aos olhos de Deus. De modo que gentileza e equidade são os referenciais desse convívio, pois o Altíssimo disse: “Deus nada proíbe quanto àqueles que não vos combateram pela causa da religião e não vos expulsaram de vossos lares, nem que lideis com eles com gentileza e equidade, porque Deus aprecia os eqüitativos. Deus vos proíbe tão-somente entrar em privacidade com aqueles que vos combatem na religião, vos expulsaram de vossos lares; os que entrarem em privacidade com eles serão iníquos” (Al Mumtahana – 60, 8 – 9). O muçulmano crê que Deus enviou muitos mensageiros e profetas, para todas as nações, em todas as épocas, convocando todos a orar e a Ele obedecer: “Em verdade enviamos para cada povo um mensageiro. Adorai a Deus e afastai-vos do sedutor! Porém, houve entre eles quem Deus encaminhou e houve àqueles que mereceram ser desviados. Percorrei pois a terra e observai qual foi a sorte dos desmentidores.” (Annahal – 16, 36). Numa outra passagem, esclarece: “Certamente te enviamos com a verdade e como alvissareiro e admoestador, e não houve povo algum que não tivesse tido um admoestador” (Fater – 35, 24). Os mensageiros de Deus são irmãos, e sua missão principal é uma só; a fonte da doutrina é única: o Altíssimo Deus. Razão pela qual a semelhança de seus ensinamentos é quase sempre a mesma, tanto nas questões específicas da doutrina, como nas generalidades. Não é à-toa que a fé nos mensageiros seja uma parte da crença do muçulmano. O Altíssimo Deus disse: “O mensageiro crê no que foi 155 revelado por seu Senhor e todos os fiéis crêem em Deus, em Seus anjos, em Seus livros e em seus mensageiros. Nós não fizemos distorção em Seus mensageiros. Disseram: Escutamos e obedecemos. Só anelamos a Tua indulgência, ó Senhor nosso! A ti será o retorno!” (Albácara – 2, 285). Mais que isso, o Alcorão Sagrado considerou que acreditar em seus mensageiros e desacreditar em outros é contrário à fé em Deus, sendo isso ateísmo. “Àqueles que não crêem em Deus e em Seus mensageiros, pretendo cortar o vínculo entre eles e Deus, e Seus mensageiros; e dizem: “Cremos em alguns e negamos outros”; intentando com isso achar uma saída” (Annissá – 4, 150). “Estes são os verdadeiros incrédulos; porém, preparamos para eles um castigo ignominioso. Quanto àqueles que acreditam em Deus e Seus mensageiros, e não fazem distinção entre nenhum deles, Deus lhes concederá as suas devidas recompensas, porque Deus é Indulgente, Misericordiosíssimo” (Annissá – 4, 152). Como sabemos, a gentileza e piedade para com os não-muçulmanos em geral, encontra-se presente em muitos versículos no Alcorão. Muitas passagens confirmam as relações do Islã com os cristãos (evangélicos, protestantes e católicos) e judeus: “Admoesta, pois, porque és tãosomente um admoestador! Não és, de maneira alguma, guardião deles” (Al Gháxia – 88, 21-22). “Porém, se desdenharem, fique sabendo que não te enviamos para seu guardião, uma vez que tão-somente te incumbe a proclamação (da mensagem). Certamente, se fizermos o homem provar nossa misericórdia, regozijar-se-á com ela; por outra, se o açoitar o infortúnio, por causa do que suas mãos cometeram, eis que se tornará ingrato!” (Ax Xura – 42, 48). 156 O Alcorão convoca a proteger lugares de adoração, mencionando primeiramente os não-muçulmanos, antes de se referir às mesquitas dos muçulmanos: “São aqueles que foram expulsos injustamente dos seus lares, só porque disseram: Nosso Senhor é Deus! E se Deus não tivesse refreado os instintos malignos de uns em relação aos outros, teriam sido destruídos mosteiros, igrejas, sinagogas e mesquitas, onde o nome de Deus é freqüentemente celebrado. Sabe o que Deus secundará quem O secunde, em Sua causa, porque é Forte, Poderosíssimo” (Al Hajj – 22, 40). A exaltação da vida e das relações entre Deus e o homem são extremamente valorizadas no Alcorão, sem distinção de culturas ou povos: “Enobrecemos os filhos de Adão e os conduzimos pela terra e pelo mar; agraciamo-los com todo o bem, e os preferimos enormemente sobre a maior parte de tudo quanto criamos” (Alisrá – 17, 70). Também o direito de igualdade perante as leis e juizes entre muçulmanos e não-muçulmanos é um valor perene no Islã, que não admite qualquer espécie de discriminação ou perseguição. De certa forma, o não muçulmano, dependendo das circunstâncias, tem o direito de pagar “Al-Jizia” para ser isentado de determinados deveres, consignados em Lei, em nações dominadas pela legislação islâmica, como é o caso por exemplo, do serviço militar obrigatório ou do estado de guerra. Também ele pode conquistar ou pagar, por direitos sociais e serviços gerais que o Estado oferece à população. Errado é pensar que “Al-Jizia” é um castigo para o nãomuçulmano, porque ele recusa a se converter ao Islã. Isto 157 porque, se o não-muçulmano se tornar muçulmano, ou seja, se ele se converter, ele não mais pagará “Al-Jizia”, mas sim o “Az-Zakat”, cujo valor, às vezes, é muito maior que o primeiro. Também certas regras religiosas são aplicadas somente ao muçulmano, como é o caso daquele que destruir um bem ilícito, como bebidas alcoólicas, carne de porco, etc., de um cidadão da mesma religião. Este não merece ter recompensa, nem ser gratificado. Mas, se for um muçulmano que destruir ou se apropriar desses bens ilícitos, de um não-muçulmano, será obrigado a pagar. O muçulmano deve assumir as leis islâmicas da nação muçulmana, principalmente aquelas que estabelecem regulamentos familiares, como o casamento, o divórcio, a herança, etc.; enquanto nesses casos, é permitido aos nãomuçulmanos usar suas próprias leis e regulamentos, sem que transgridam a legislação vigente no país em que vivem. Esses exemplos servem para ilustrar a questão dos direitos dos não-muçulmanos nos países islâmicos, cujas leis se inspiram no Alcorão, mas que somente são aplicadas aos fiéis do credo muçulmano Geralmente, a forma de tratar os não-muçulmanos entre seus conterrâneos do mesmo Estado islâmico, pode ser assim definida: “Que tenham o que nós temos e que devam o que nós devemos”. Pois eles, que são chamados na legislação islâmica “Ahl Az-Zimma”, têm o direito de proteção, equidade e igualdade, direitos garantidos por Deus, seu mensageiro e fiéis.” Há aqui uma questão de ordem cultural, onde as diferenças entre as leis islâmicas e de países laicos (cujas constituições não foram elaboradas dentro de princípios religiosos) se sobressaem. Nas democracias contem158 porâneas os direitos podem ser mudados, porque a “maioria absoluta” toma as decisões, por interesses ou não. Os direitos do Islã são perenes, fixos, não podendo eles ser abolidos ou agredidos, seja qual for o número de votos a favor ou contra, ao contrário dos direitos das “minorias” que, nas constituições modernas em que se admite constitucionalmente mudança (emenda) ou substituição, desde que as condições exigidas legalmente sejam atendidas . O Islã e as Minorias Antigamente, no início da fundação da sociedade humana, as bases legislativas e os fundamentos dos direitos do homem, eram reconhecidos pela tradição e respeitados por todos, de modo que aquilo que se convencionou chamar “direito consuetudinário”, baseava-se nas tradições - usos e costumes - não escritos, não determinados, mas herdados. A relação entre o indivíduo e a autoridade obedecia essas leis tradicionais, que se tornaram leis populares, pois elas nasciam do comportamento dos próprios indivíduos na sociedade em que viviam. Pois a sociedade assumia essas leis, sem saber como começaram, nem de onde vieram, e nem quem as legislou. Eram tempos de muitas desgraças e tantas injustiças, uma vez que não havia nada escrito e nada preciso, de modo que as portas ficavam abertas para a interpretação que melhor convinha às autoridades. As liberdades e os direitos humanos não eram protegidos e o homem sofria agressões e escravidão, castigos severos, e prisões sem julgamento; os prisioneiros de guerra eram assassinados ou vendidos como escravos. 159 Mesmo na Grécia, que se tornara um exemplo grandioso de democracia, os direitos humanos eram seletivos, restritos a uma minoria aristocrática, sendo as camadas menos favorecidas discriminadas, assim como o estrangeiro e os escravos, e também as mulheres, que não exerciam seus direitos políticos. Para se ter uma idéia dessa situação, basta-se lembrar que o número de habitantes em Atenas era de 400 mil, mas os que gozavam dos direitos civis não passava de 40 mil (dez por cento da população). Também os gregos não conheciam a liberdade de crença religiosa, todos acreditavam em uma religião que era a religião do Estado. A base mais importante da democracia grega era a igualdade dos homens perante a lei; porém, a realidade era outra: não havia igualdade social, mas quatro classes de acordo com a riqueza de cada uma. Com o avanço da civilização, o Estado se formou e centralizou os poderes de legislar diretamente, através de constituições escritas – denominadas leis. As leis simbólicas daquela fase começaram pelo código de Hamurabi (1694 a.C.), dos Solam, dos Doze Tablóides, de modo que a relação entre o indivíduo e a autoridade saiu do campo público e aberto, onde imperava a vontade de reis e de líderes religiosos, e passou a ter bases jurídicas. Justiniano legislou contra os judeus, acusando-os de extraviar suas crenças religiosas, porque não acreditavam na ressurreição de Jesus Cristo. Na época, a pena era de expulsão do país. Ele mandou fechar a Universidade de Atenas, o centro platônico de ensino, em 529 da Era Cristã e também ordenou aos missionários evangelizar os habitantes da Ásia Menor, Síria e Egito, com ordem para matar os que não aceitassem se converter ao cristianismo. Enquanto, na Idade Média, o Islã se expandia, levando luz e alento para o mundo, reservando a todos, sem distinção 160 alguma, o direito de adorar o Deus Altíssimo, Senhor de todos os povos, na Europa, especialmente na Inglaterra e na França, o negro era proibido de ser ordenado padre. Inclusive o escravo não tinha direito algum, porque a escravidão, como a Igreja entendia, era resultado natural do pecado de Adão. Por isso, eles passaram a ser instrumentos econômicos, usados pelos seus senhores para o trabalho doméstico ou na agricultura, de modo que, quem não era europeu, podia ser escravizado e ter seus bens confiscados. Assim os europeus fizeram quando conquistaram a América do Norte e América do Sul, África e Ásia, onde fundaram empresas para realizar seus interesses, num movimento conhecido historicamente como Imperialismo. Os direitos humanos na Europa continuaram ignorados até o fim do século XVIII. As leis discriminatórias para o nãoeuropeu eram rígidas, e a punição aos infratores era cruel, com castigos rigorosos e severos, mesmo por pequenas infrações, ou sequer por desconfiança. Usavam de penalidades como mutilação, cortando membros do corpo (mãos, nariz), furando os olhos, crucificando, provocando queimaduras, deixando marcas para simbolizar o castigo, de acordo com o crime cometido. Os castigos eram praticados de acordo com as leis contidas nos códigos civil e criminal. E foram os tribunais da Igreja que condenaram muito mais ferozmente, porque as punições se estendiam aos familiares, parentes, e até amigos do criminoso. Quando começou a aparecer a legislação islâmica na Europa, vinda de Andaluzia, Península Ibérica, Cecília e sul da França, regiões de civilização muçulmana avançada, os normandos criaram e introduziram legislações na Inglaterra, as quais eram fruto da revolução dos nobres (senhores 161 feudais), que se sentiam prejudicados em seus interesses pelo poder dos reis. Com efeito, a Carta Magna criada continha uma legislação básica sobre os direitos humanos, principalmente no tocante a liberdade pessoal, do indivíduo, indiferente de sua classe social. Esta Carta teve muita influência, não somente na Inglaterra, mas em toda a Europa, razão pela qual os reis a consideram uma invenção perigosa, ou uma manifestação ameaçadora aos poderes reais. Por outro lado, o papa considerou-a a causa da deterioração de seus interesses e de seus poderes, passando a considerá-la ilegal, contra os ensinamentos religiosos e as legislações eclesiásticas, de modo que seus defensores colocados na condição de “hereges”. O próprio Rei João, conhecido como João “Sem Terra” (Lackland), seu signatário, foi perseguido pela igreja, chegando mesmo a declarar sua intenção de se converter ao credo muçulmano para ficar livre das imposições do papa. Convém lembrar que João foi considerado pelos nobres ingleses um ditador, usurpador, ignorante, que concordou em assinar a Carta mediante coerção. Somente assim ele cedeu os direitos aos nobres de colaborar no orçamento de taxas e impostos e de nunca mais acionar criminalmente alguém sem provas. De fato, a Carta Magna transportava uma influência legislativa muçulmana, pois ela propagava justiça, igualdade, irmandade, assim como civilização e humanidade, valores que não eram cultivados com equidade pelos reis e pelo papa, com seus poderes absolutos, motivo pelo qual eles a combateram com veemência. Sem dúvida, a Carta Magna, junto com outras legislações que nela se inspiraram, serviu principalmente de proteção e defesa dos direitos individuais e gerais. Ela 162 exerceu forte influência nas constituições de países de todo o mundo, em especial da América do Norte, tornando-se fundamental na formulação das leis americanas. Os direitos e as liberdades na legislação islâmica, são bem mais amplamente expostos do que os legisladores atuais imaginam. O Islã reconhece no indivíduo seus direitos de não ser agredido física, mental, moral ou espiritualmente; seus direitos quanto aos seus bens materiais e seus familiares. Severos castigos estão prescritos contra os transgressores na legislação muçulmana. Também a liberdade ao não-muçulmano é garantida pelo Islã. Ao contrário do que fez a Europa, no passado com os não-cristãos, para os quais havia uma legislação discriminatória. Assim, a legislação muçulmana antecipou em séculos as legislações que cuidam dos direitos das minorias não-islâmicas: “Eles têm o que nós temos, de direitos; e devem o que nós devemos, de deveres.” Portanto, fica patente aqui que o não-muçulmano, em países de predominância islâmica, tem todos direitos de um nãomuçulmano. Em determinadas condições, o não-muçulmano pode obedecer suas leis particulares, que regulamentam assuntos familiares e religiosos, gozando dos mesmos direitos de um muçulmano, sem discriminação. Fica aqui patente, que a legislação muçulmana antecipou em séculos as outras legislações, no que se refere a organização e integração das minorias religiosas, étnicas ou sociais, na nação islâmica, com base no princípio de que tais minorias mereciam ter seus direitos reconhecidos e defendidos, demonstrando o alto nível de civilização que havia chegado em épocas onde imperava ainda a bestialidade, a repressão e a tirania. Um exemplo na história que confirma tais princípios de civilidade e humanidade, pode ser retratado no episódio onde 163 o Iman Abi Youssef escreveu ao Califa Haroun Ar Rachid, dizendo: “Ó príncipe (líder) dos muçulmanos, que Deus te abençoe, que tenha sempre clemência e piedade por (Ahal Azzima) cristãos e não-muçulmanos, recomendação esta legada por Seus profetas e o mensageiros, para que não sejam injustiçados. Ou que sejam obrigados a assumir mais do que eles suportam; ou a serem cobrados mais do que devem.” Outros relatos dizem que o Mensageiro de Deus disse: “Quem injustiça o não-muçulmano, ou pede a ele mais do que pode, serei seu advogado de acusação.” O sábio inglês, Sir Thomas Arnold, especialista em estudos orientais, disse, em seu estudo comparado entre muçulmanos e cristãos: “Nunca ouvimos falar de uma conspiração para impor o Islaã aos cristãos, ou qualquer pressão organizada contra a religião cristã. Se os califados muçulmanos tivesse escolhido estes métodos, não sobraria crença cristã como as tantas preservadas pela liberdade de culto; quando se sabe que na Europa, Luiz XIV perseguiu os protestantes, colocando-os na condição de transgressores da Lei, podendo castigar seus fiéis. Lembrando que os judeus, ficaram 350 anos sem poderem entrar na Grã Bretanha. Dizemos isso como prova de que se os califas tivessem usado os métodos europeus, contra a minoria religiosa, não sobraria nenhuma igreja ou organização religiosa não muçulmana, no Oriente muçulmano. A sobrevivência de igrejas e credos não-muçulmanos indica que a política de governos islâmicos, através da história, num período de mil e quatrocentos anos, sempre reconheceu a liberdade das minorias religiosas, sem impor a elas qualquer restrição. A existência da Igreja Cristã Árabe Nacional, há mais de oito séculos, é a grande prova do espírito de liberdade existente nas comunidades muçulmanas dos países de predominância religiosa islâmica.” 164 E foi no período das cruzadas, conflito que durou três séculos (do XI ao XIV), quando os cristãos tentaram conquistar Jerusalém, que a civilização ocidental pôde constatar a tolerância dos muçulmanos com as outras crenças. Inclusive, muitos líderes das cruzadas, assim como soldados e religiosos cristãos se deram conta da consistência da doutrina do Islã e, após aprenderem os princípios religiosos que a inspiram, converteram-se. Muitos deles preferiram ficar no Oriente e não mais retornar para a Europa, de onde eram originários. Isto aconteceu em todas as cruzadas. Eles admiraram a simplicidade, coragem e humildade dos líderes muçulmanos, especialmente de Salaheddine Al-Ayoubi, que comandou as forças de resistência muçulmanas, diante das investidas dos cristãos contra Jerusalém. Houve inclusive um contato frutuoso dos europeus cristãos que, a cada cruzada, a cada investida contra o Islã, aprendiam muito com a cultura “sarracena”, em vários níveis do conhecimento, inclusive em questões de legislação. Segundo Thomas Arnold, esses contatos vieram a influenciar decisivamente a cultura européia, inclusive na questão dos direitos humanos, o que ficou patente na criação da Carta Magna, pela Inglaterra, como já assinalamos anteriormente, de maneira que a legislação muçulmana serviu de modelo e acabou por inspirar também muitas outras culturas e revoluções, como a francesa, a americana e, por fim, a própria ONU. Na verdade, esta Carta Magna é considerada a mais importante base constitucional de muitas instituições políticas modernas, porque contém bases importantes sobre os direitos humanos e as liberdades individuais dos povos, sem discriminação de classe, inclusive por seu conteúdo espiritual, de justiça e de irmandade. 165 O Islã e as Minorias Não-Muçulmanas Durante o auge do governo muçulmano, no século XI, os judeus eram representados em 250 profissões e 100 funções, ao contrário do que ocorria na Europa cristã, em que eles eram discriminados e eram reconhecidos apenas em funções inexpressivas e ridículas. De fato, cristãos, judeus e muçulmanos habitavam em bairros comuns, não existindo separação entre eles. Ao contrário do que ocorria na Europa, em que eles eram confinados em “guetos” e bairros, de modo que ficassem isolados da sociedade cristã, sendo que muitos desses bairros ainda existem até hoje. A obrigação de reconhecer o enobrecimento do ser humano foi assinalada pelo Altíssimo: “Enobrecemos os filhos de Adão e os conduzimos pela terra e pelo mar; agraciamo-los com todo o bem, e os preferimos enormemente sobre a maior parte de tudo quanto criamos.” (Alisrá – 17, 70). No sermão de despedida de Arafat, ocasião da peregrinação, o Mensageiro de Deus dirigiu suas palavras a todo o mundo: “Ó gente, vosso Deus é um só, vosso pai é um só, todos vós sois filhos de Adão, e Adão é do pó (da terra), o melhor perante Deus, o que mais O teme. Não há distinção do árabe sobre o não árabe, nem do branco sobre o negro, a não ser pela piedade.” Percebe-se, nitidamente, que este discurso pode ser qualificado com a primeira declaração dos direitos humanos da história. A propósito, convém lembrar que a minoria nãomuçulmana, que vive em uma nação do Islã, tem todos os 166 direitos dos muçulmanos, não podendo seus membros serem considerados estrangeiros. Como sabemos, o Islã nasceu na Península Arábica, no início do século VII da era cristã e se tornou uma revolução real nas relações sociais e políticas que dominavam a região na época, em função de suas virtudes, simplicidade, conduta, respeito ao homem e sua dignificação, além de industriosidade, devoção à ciência, à cultura e à pesquisa. Seus líderes, que foram educados diretamente por Deus, deixaram uma mensagem de entusiasmo, fé, sabedoria e mansidão, o que encorajou outros povos a se converterem à nova religião. Assim, o Islã ordenou aos muçulmanos crerem em todas as outras religiões divinas, e em todos os outros profetas e mensageiros de Deus. “O Mensageiro crê no que foi revelado por seu Senhor e todos os crentes crêem em Deus, em Seus anjos, em Seus Livros e em Seus mensageiros. Nós não fizemos distinção entre Seus mensageiros. Disseram: Escutamos e obedecemos. Só anelamos a Tua indulgência, ó Senhor nosso! A Ti será o retorno!” (Albácara – 2, 285). Percebe-se, então, que o Islã ordenou o bom trato e boas relações com quem convive junto na sociedade – com as minorias religiosas – cristãos e judeus, considerando-os (Ahl-azzimma), isto é: os protegidos. Ordenou também que não fossem injustiçados, nem agredidos, enquanto eles em confiança, pois o Islã os convocou ao debate franco em torno da religião: “E não disputeis com os adeptos do Livro, senão da melhor forma, exceto com os iníquos, dentre eles. Dizei-lhes: Cremos no que foi revelado antes; nosso Deus e o vosso são Um e a Ele nos submetemos.” (Al Ankabut – 29, 46). 167 O Islã baseou-se nos relacionamentos com a sociedade que não é muçulmana e o Mensageiro de Deus disse em proibição de maus tratos aos não muçulmanos: “Quem prejudica um não-muçulmano, eu serei seu adversário no dia do Juízo Final; e quem prejudica o muçulmano, serei seu adversário: será julgado e castigado.” O Imam Abu Hanifa vê que os não-muçulmanos podem beber álcool na nação muçulmana, sem serem molestados, pois as leis religiosas do Islã são aplicadas somente aos muçulmanos. No caso dos adeptos de outros credos, querer aplicar tais leis seria intrometer-se na sua liberdade de culto, em contradição com os preceitos do Alcorão. “Não temos o direito de nos intrometermos nas questões dos Mongóis, nem dos cristãos e nem dos judeus”, comenta o Imam. Mesmo em questões que ferem a moral muçulmana, o Islã não se intromete, como se constata no episódio em que o Califa Omar ibn Abdel Aziz mandou perguntar a Hassan Al Basri: “Por que você deixa os cristãos comerem carne de porco, beberem álcool e os mongóis casarem-se com as próprias filhas?“ E Hassan Al Basri respondeu: “Por isso eles pagaram Al-Jizia, o imposto a não-muçulmano. Assim nossos líderes anteriores fizeram. Fique sabendo que você tem que seguir os anteriores e não inovar.” O bom relacionamento entre o Islã e as outras religiões divinas admite que o muçulmano se case com nãomuçulmana, cristã ou judia. O Mensageiro de Deus casou com Safia, filha de Huyai, de família judia, assim como com a egípcia Maria, (copta) cristã. O professor e advogado constitucional, Dr. Edmond Rabbat, árabe cristão, em sua nota referente ao versículo do Alcorão que diz “Não há imposição na religião”, comenta: “Podemos dizer sem exagero que a idéia que levou a praticar essa política humana (o liberalismo) foi uma invenção genial, 168 porque pela primeira vez na história um estado religioso, em sua conduta básica, foi claro na questão das liberdades de crença e de culto entre os povos, respeitando suas tradições, modo de vida, sem impor às populações a religião de seus reis.” Estes conceitos são definidos na expressão latina “Ejus Regis cujus Rilio.” Tal política, cujas bases estão impressas no Alcorão, levou a dois resultados decisivos no que diz respeito à convivência dos muçulmanos com adeptos de outras religiões: de um lado, a proliferação de seitas religiosas cristãs entre os povos do Islã; e de outro lado, a conversão de povos de outras nações ao Islã. Com isso, os habitantes da Síria, Egito e Iraque, nações muito populosas que eram de predominância cristã, converteram-se em grande número ao Islã desde o primeiro ano da Hégira, com plena liberdade e vontade; enquanto aqueles que não se converteram, permaneceram em sua fé sem serem incomodados. Estes são princípios de justiça e liberdade, valores protegidos e concretizados no Islã, os quais se traduzem em testemunhas de que o Islã é uma religião universal. Também o sábio espanhol, Augusto Wlaghi, especialista em assuntos orientais, disse: “O Islã foi propagado e divulgado no Oeste Europeu através de uma revolução cultural que os sábios muçulmanos pregaram entre as populações e não pela imposição de marchas militares, ordenadas e lideradas por comandantes e generais.” Quando os muçulmanos entraram na Espanha, a população do país era composta de quinze milhões de habitantes. O mesmo sábio e historiador espanhol, disse que o número de muçulmanos na Espanha, no século dez, chegou a trinta milhões. O historiador turco, Dióca Bacha disse que o número de muçulmanos de Córdoba, capital do 169 Estado Islâmico, passou de um milhão, durante o governo do Islã. Já o historiador suíço, Rougiê Dauba Squiê, afirmou que a religião muçulmana, por volta do século XIV exercia uma forte atração sobre os cristãos, numa época em que a população de Granada era de 200 mil habitantes, todos de credo muçulmano. É bom lembrar que nas regiões européias, em áreas onde o Islã se propagou livremente, como Espanha, sul da França, Sicília, sul e norte da Itália, formaram-se centros de estudos e universidades de civilização islâmica, que muito atraiam sábios e estudiosos de todo o continente, que para lá viajavam à procura de conhecimento e sabedoria. Na maioria das vezes os estudos corriam por conta das finanças públicas do Islã. É bom lembrar que o Estado Islâmico foi o primeiro que assumiu basicamente que a autoridade que prevalece na cultura e na propagação do conhecimento, do saber, é a Lei (Siadat Al-Canoun), 14 séculos antes que o mundo ocidental adotasse tais valores. Assim, prevalece o princípio de que todas as ordens administrativas têm que ser de acordo com a Lei, isto é, na base legislativa islâmica, pois não há obediência a nenhuma criatura, se for em contradição com as ordens do Criador. O Mensageiro de Deus disse: “O muçulmano deve ouvir e obedecer, gostando ou não, a não ser quando induzido ao pecado, ou para contrariar uma legislação islâmica. Ele não deve ouvir nem aceitar quando a obediência não esteja ligada à prática da Lei Alcorânica, ou da As-Sunna, consideradas atualmente as leis constitucionais.” O primeiro Califa, Abu Bakr Assidik, declarou seus princípios de governo na mesquita, após o recebimento de apoio ou de votos de confiança (Al-Mubaya’a) do califado: "Ó povo, fui eleito vosso líder, embora eu não seja melhor 170 do que qualquer um de vós. Se eu fizer algum bem, dai-me o vosso apoio; se eu errar, corrigi-me. Obedecei-me, desde que eu obedeça a Allah e ao Seu Mensageiro! Se eu desobedecer a Allah e ao Seu Mensageiro, sereis livres para me desobedecerem!" Fica, assim, evidente que a legislação islâmica é baseada na misericórdia e na piedade do líder e dos liderados, porque a autoridade muçulmana não é autoritária, mas ordenada e aplicada de forma a estabelecer a ordem e a justiça entre os povos de todo o mundo, sem discriminação de raça, cor, religião e seita, pois é a fé que leva ao equilíbrio, na equidade interior do líder e dos administradores, dentro da sociedade e em todas as nações. As obras e as administrações consideradas legais têm a força suprema, que não pode ser desobedecida. A legislação muçulmana desconhece a teoria inventada pelas autoridades governamentaiss do Ocidente, para fugir da fiscalização dos juizes. Em outras palavras, para deixar de cumprir as leis, razão pela qual foram criados fóruns administrativos na França, para proteger a administração dos fóruns civis, enquanto no mundo islâmico eram para proteger o indivíduo da injustiça administrativa, temendo que a justiça comum fosse incapaz de obrigar as autoridades governantes e donos de poder de respeitar e aplicar a legislação islâmica. Por essas razões, durante o governo islâmico, os sábios muçulmanos representaram o papel de fiscais para assegurarem a aplicação perfeita das leis do Islã, e qualquer governante que tentasse se desviar dessa base, enfrentava todos os sábios que defendiam os direitos da população. Um dispositivo legal fez com que as minorias não-islâmicas, que viviam em Estado islâmico, gozassem de plena liberdade de crença religiosa, dentro de países de fé muçulmana, das 171 fronteiras da China, no Oriente, passando pela África, até as fronteiras da França, na Europa. Exemplos históricos nesse campo são aqueles relacionados aos dois sábios: AlImam El Awzá-i, em Beirute e o Imam Al-Laice Ibn Saad, no Cairo, que defenderam as minorias não-islâmicas, que a legislação muçulmana admitia em seu meio, com plena liberdade de culto, e sem molestá-las. Assim, qualquer cidadão não-muçulmano, no Estado muçulmano, podia entrar em juízo, com ação em defesa de seus direitos, inclusive se fosse adversário do próprio califa, poder máximo muçulmano. A história dos fóruns islâmicos tem páginas e páginas de luz e justiça, em defesa da igualdade entre os credos religiosos. O estudioso norte-americano, L. Stoddard relata que se um dos administradores regionaiss quisesse tratar mal uma minoria não-muçulmana, em um Estado muçulmano, estaria criando uma situação semelhante à ocorrida com o Sultão turco Salim I, quando todos os muçulmanos e os sábios falaram-lhe: “O senhor não tem direito nenhum de prejudicar, atrapalhar ou incomodar os cristãos, ou judeus, na própria terra deles!” O Sultão voltou atrás para não ferir a legislação de Deus; a legislação do Islã. De qualquer forma, continuamos a ter entre nós, no Oriente Médio, minorias não-islâmicas, nas cidades, nas aldeias e em todas as regiões, o que prova a liberdade e comodidade que todas elas desfrutam. São judeus, cristãos, mongóis (os ateus) que gozam do princípio religioso que diz: “Tem o que nós temos e deve o que nós devemos.“ Ao contrário dos acontecimentos vivenciados na Europa, que demonstraram a não tolerância quanto a existência das minorias não-cristãs, e que não deixou nenhum muçulmano 172 ou qualquer outro, uma vez que foram expulsos ou assassinados, por não concordarem a se converter ao cristianismo. E é nas palavras do Dr. Abdel Mun’im Ahmad, que tais assertivas podem ser melhor simbolizadas: “Viajei por toda Espanha e não achei nenhum túmulo conhecido de um muçulmano.” 173 O Islã e a Palestina Desde o surgimento do Movimento Sionista Internacional, em 1892, quando os judeus nacionalistas, do Oriente e da Europa Central, optaram pela criação de um Estado nacional exclusivo, a Palestina passou a ser alvo das ambições sionistas e das oligarquias internacionais, então dedicadas ao domínio e à exploração colonialista. Tais ambições evoluíram para uma ação política em larga escala, respaldada, no plano do Judaísmo, por uma ideologia messiânica, de conteúdo fortemente belicoso. Assim, da política passaram para a ação, armada, extremada: o terror. Destacou-se, nesse empreendimento, a figura legendária, para os judeus, do terrorista Menahen Begin (1913 – 1992), que se tornou ativista da organização sionista Betar que, em 1942, se ligou ao grupo também extremista Irgun, o qual vinha desenvolvendo atividades na Palestina. Como estratégia guerrilheira, eles invadiam as aldeias habitadas por palestinos e os massacravam, usando desses atos para propagar o terror e o pânico entre os habitantes daquelas terras, que aos milhares fugiram para outras regiões. Quando os palestinos esboçavam resistência, eles aplicavam castigos coletivos, tendo sido registradas, pela imprensa européia da época, inúmeras chacinas contra velhos, mulheres e crianças, perpetradas principalmente nos idos das décadas de 1940 e 50, pelo próprio Begin e também pelo sargento e futuro general, Ariel Sharon. Ambos, viriam a ocupar o cargo de primeiro-ministro de Israel. 174 Lembramos que Begin, através de um golpe de marketing das oligarquias internacionais, viria a receber o Prêmio Nobel da Paz, em 1978. Ele foi responsável pelo atentado a bomba contra o Hotel King David, em 1946, onde morreram 92 pessoas, na maioria ingleses das forças militares britânicas, que tinham o controle da região. Para se ter uma idéia da amplitude histórica da ocupação das terras palestinas pelos judeus, e para se conhecer as raízes do impasse permanente decorrente das ações sionistas na região, temos aqui um comentário feito por Gandhi acerca desta questão: “O que está acontecendo na Palestina, não é justificável por nenhuma moralidade ou código de ética. Certamente, seria um crime contra a humanidade reduzir o orgulho árabe para que a Palestina fosse entregue aos judeus parcialmente ou totalmente como o lar nacional judaico”. Palestina – Sua Origem e História1 Ghando disse: “O que está acontecendo na Palestina não é justificável por nenhuma moralidade ou código de ética. Certamente, seria um crime contra a humanidade reduzir o orgulho árabe para que a Palestina fosse netregue aos judeus parcialmente ou totalmente como o lar nacional judaico.” Palestina é o nome do território situado entre o Mar Mediterrâneo a oeste, o rio Jordão e o Mar Morto a este, a chamada Escada de Tiro ao norte (Ras en-Naqura / Roch ha-Niqra, fronteira com o Líbano) e o Wadi el-Ariche a sul Texto extraído do site: andora.indymedia.org: Palestina, um genocídio vergonhozo de toda a humanidade, da Comissão Justiça e Paz de Portugal, 2002 175 (fronteira com o Sinai, tradicionalmente egípcio). Com 27.000 km2, a Palestina é formada, de um modo geral, por uma planície costeira, uma faixa de colinas e uma cadeia de baixas montanhas, cuja vertente oriental é mais ou menos desértica. A Palestina foi habitada desde os tempos pré-históricos mais remotos. A sua história esteve geralmente ligada à história da Fenícia, da Síria e da Transjordânia, limítrofes entre si. Talvez por causa da sua situação geográfica – faz parte do corredor entre a África e a Ásia, ao mesmo tempo em que fica às portas da Europa – a Palestina nunca foi sede de um poder que se estendesse para além das suas fronteiras. Pelo contrário, esteve quase sempre submetida a poderes estrangeiros, sediados na África, na Ásia ou na Europa. Em regra geral, foi só sob as potências estrangeiras que ela teve alguma unidade política. Para melhor compreender a situação atual da Palestina, convém fazer um esboço da sua história a partir do II milênio a.C. . Pelo que sabemos, a região da Palestina esteve organizada em cidades-Estado sob a hegemonia egípcia durante uma boa parte do II milênio a.C. . Todavia, a situação mudou nos últimos séculos desse milênio. Chegaram então à Palestina sucessivas ondas de imigrantes ou invasores vindos do norte e do noroeste, das ilhas ou do outro lado do Mediterrâneo. Os historiadores costumam designá-los com a expressão “Povos do Mar”. Esses povos parecem ter-se fixado sobretudo ao longo da costa. Os mais conhecidos entre eles são os filisteus, que se fixaram sobretudo no sudoeste (costa oeste de Neguev e Chefela). Aí fundaram vários pequenos reinos (Gaza, Asdod, Ascalão, Gat e Ekron). Ao lado dos reinos filisteus, constituíram-se primeiro o reino de Israel no norte da Palestina e depois o reino de 176 Judá, menor, na zona de baixas montanhas do sul. Durante a maior parte da sua existência, Israel teve como capital Samaria. Hebron foi a primeira capital de Judá, mas depressa cedeu o lugar a Jerusalém. Entre os antigos povos da Palestina, os filisteus foram talvez os que maior influência exerceram até aos últimos séculos da era pré-cristã. Com efeito, não deve ter sido por acaso que o seu nome foi dado a toda a região, a Palestina, isto é, o país dos Philisteus. Com o sentido que se tornou habitual, o nome já está documentado nas histórias de Heródoto em meados do séc. V a.C. . Apesar da sua importância na Antigüidade, conhecemos muito pouco sobre os filisteus e a história de seus reinos. A razão óbvia dessa ignorância é a inexistência de uma biblioteca ou de bibliotecas filistéias comparáveis ao Antigo Testamento. Praticamente tudo o que se sabe ou se pensa saber sobre os filisteus se baseia nos escritos bíblicos. Por conseguinte, a posteridade só conhece os filisteus na medida em que eles estão em relação com Israel, com Judá, ou com os judeus. Além disso, são vistos através dos olhos daqueles que foram os seus concorrentes e, não raro, seus inimigos declarados. De fato, a posteridade, de maneira geral, não se interessa pelos filisteus nem os estuda por si mesmos, mas só por causa da sua relação com a história bíblica. Tudo isso deformou a visão que se tem deles, do lugar que ocuparam e do papel que desempenharam, aparecendo os filisteus como um elemento marginal na história da Palestina antiga. Esse erro de perspectiva influencia, sem dúvida alguma, a visão corrente que se tem da atual Palestina, da sua composição étnica e da sua situação política. Isto porque, 177 os vários reinos palestinenses, filisteus e hebraicos, coexistiram durante séculos. Ora guerrearam entre si, ora se aliaram para sacudir o jugo de alguma grande potência do momento. A primeira vítima desse jogo foi Israel, conquistado e anexado pela Assíria em 722 a.C. . Desde então até 1948 não houve nenhuma entidade política chamada Israel. Os reinos filisteus e o reino de Judá continuaram a existir sob a dependência da Assíria, a grande potência regional entre o séc. IX e fins do séc. VII a.C., cujo território nacional se situava no norte da Mesopotâmia, no atual Iraque. No fim do séc. VII a.C., o Egito e a Babilônia, a outra grande potência mesopotâmica, com sede no sul do Iraque atual, disputaram os despojos do Império Assírio. Tendo a Babilônia levado a melhor, a Palestina ficou-lhe submetida durante cerca de oito décadas. De um modo geral, as histórias, focadas como estão em Judá, falam só da conquista desse reino por Nabucodonosor, da deportação para a Babilônia de parte da sua população, da destruição de várias das suas cidades, nomeadamente de Jerusalém com o templo de Iavé (597 e 587 a.C.). Deve-se, no entanto, reparar que os reinos filisteus de Ascalão e de Ekron, conquistados por Nabucodonosor, respectivamente em 804 e em 803, tiveram um destino semelhante. Em 539 a.C., a Palestina passou, com o resto do império babilônico, para as mãos dos persas. Sabe-se que estes entregaram a administração do território de Judá, pelo menos de parte dele, a membros da comunidade judaica da Babilônia. Em 331 a.C., a Palestina foi conquistada pelo macedônio Alexandre Magno. Após sua morte, ficou primeiro sob o domínio dos Lágidas ou Ptolomeus que tinham a capi178 tal em Alexandria, no Egito (320-220 a.C.); depois passou para a posse dos Selêucidas sediados em Antioquia, na Síria (220-142 a.C.). Entre 142 e 63 a.C., os Asmoneus, uma dinastia judaica, que tinha Jerusalém como capital, conseguiu não só libertarse do poder selêucida, mas até impor o seu domínio praticamente em toda a Palestina, e também nos territórios filisteus. Nessa altura, a grande maioria dos judeus já vivia fora da Palestina, encontrando-se dispersos em todo o Oriente Próximo. A dispersão deveu-se, sobretudo, à emigração e, numa medida muito menor, às deportações de 597 a 587. Os principais centros judaicos fora da Palestina eram então Alexandria e Babilônia. Profundamente helenizados, os judeus de Alexandria liam as suas escrituras em grego, e a eles deve-se a coletânea de escritos que se tornou o Antigo Testamento cristão. Em 63 a.C., a Palestina passou a fazer parte do Império Romano, dentro do qual não teve sempre o mesmo estatuto. Por volta de meados do século I da era cristã, os judeus da Palestina tentaram libertar-se do domínio romano. Houve, primeiro, várias sublevações locais. Em 66 a revolta generalizou-se. Em 70 os Romanos conquistaram Jerusalém e destruíram o templo judaico. Os judeus da Palestina voltaram a revoltar-se em 131. Após ter esmagado a revolta, em 135, o imperador Adriano fez de Jerusalém uma colônia romana – Colônia Aelia Capitolina – da qual os judeus estiveram excluídos durante algum tempo. Com a ruína do templo e o fim da autonomia judaica na Palestina desapareceu a maioria dos grupos políticoreligiosos nos quais o Judaísmo, sobretudo o Judaísmo palestinense, estava então dividido. Praticamente só ficaram 179 em campo dois grupos: o farisaísmo e o cristianismo, recémformado. Os dois grupos acabaram por separar-se e evoluíram de maneira independente, em concorrência e, não raro, em conflito. O farisaísmo deu origem ao Judaísmo rabínico, isto é, o Judaísmo atual. Graças à cristianização do império romano, a Palestina, palco dos acontecimentos fundadores do Cristianismo, adquiriu uma grande importância para o mundo cristão, sobretudo para os cristãos que se encontravam dentro do império romano. Por isso, durante o período bizantino (324638) a Palestina conheceu uma prosperidade e um crescimento demográfico notáveis. Durante esse período a esmagadora maioria da sua população tornou-se cristã. Em 614 os Persas Sassânidas invadiram a Palestina, onde causaram grandes estragos. Ocuparam-na até 628, ano em que os bizantinos a reconquistaram, mas por pouco tempo. Com efeito, dez anos mais tarde, em 638 toda a Palestina passou para o domínio arábico-muçulmano. Este exerceu-se através de uma sucessão de dinastias, de origens, de etnias e com capitais diferentes. A primeira dessas dinastias, a dos Omíades (660-750), com a capital em Damasco, foi uma das que mais marcou a Palestina, nomeadamente com a construção do Haram Achcharife (o Nobre Santuário / Esplanada das Mesquitas), tornando Jerusalém a terceira cidade santa do Islã. Seguiram-se os Abássidas (750-974) e os Fatimidas (975-1071), tendo como suas capitais respectivamente Bagdá e Cairo. Entre 1072 e 1092, a Palestina esteve sob o domíno dos Turcos Seldjúcidas, que então tinham a sede do governo em Bagdá. Embora não tenha dado origem a uma imigração popular e, por conseguinte, não tenha mudado a composição 180 étnica e a demografia de maneira apreciável, o regime árabemuçulmano teve como conseqüência a arabização e a islamização da Palestina. A arabização, nomeadamente da população cristã de língua aramaica, língua aparentada com o árabe, deu-se muito depressa. Não se pode dizer o mesmo da islamização. Apesar de o Islã se apresentar como o acabamento da tradição bíblica, partilhada pelo Cristianismo, pelo Judaísmo e pelo Samaritanismo, o processo de islamização da população palestinense (cristã, judaica e samaritana) parece ter sido muito lento. Em 985, após três séculos e meio de regime islâmico, o geógrafo árabe-muçulmano de Jerusalém, conhecido pelo nome árabe de el-Maqdisi (“o jerosolimitano”), lamentavase de que os cristãos e os judeus eram maioria na sua cidade natal. Organizada com o intuito declarado de arrancar o túmulo de Cristo das mãos dos “infiéis”, a primeira cruzada terminou em 1099, com a conquista de Jerusalém e, no ano seguinte, com a criação do Reino Latino de Jerusalém. Este manteve-se até 1187, tendo sido então conquistado pelo curdo Saladino, o fundador da dinastia ayúbida. Aos Ayúbidas seguiram-se os Mamelucos, primeiro turcos (1250-1382) e depois circassianos (1382-1516). Os Ayúbidas e os Mamelucos tiveram a capital no Cairo. Segundo a maioria dos especialistas da questão, foi durante o período mameluco que teve lugar a grande leva da islamização popular da Palestina. Desde então até à segunda metade do século XX, os muçulmanos constituíram a esmagadora maioria da população. Do ponto de vista numérico, o segundo grupo era constituído pelos cristãos, seguidos, de muito longe, pelos 181 grupos dos judeus e dos samaritanos. Em 1517 a Palestina passou para o poder dos Turcos Otomanos, cuja capital era Istambul. A Escalada Sionista O judaísmo conserva a esperança de que um dia todo o povo judaico disperso “regressará” ao que chama “a Terra/ País de Israel”, onde se reunirá e viverá como nação, observando rigorosa e integralmente a Lei divina. A nação judaica será assim, “inteiramente liberta da servidão” das outras nações. A “redenção de Israel” transbordará, estendendo-se a todos os seres humanos e ao mundo inteiro. Tudo isso será obra de Deus, não do povo. Com efeito, a tradição religiosa vê na dispersão (diáspora) ou no exílio (termo mais corrente, embora historicamente inadequado) o castigo divino pelos pecados do povo, ao qual por conseguinte, só o próprio Deus pode pôr fim. Durante muitos séculos a utopia da “redenção de Israel” não transbordou do âmbito religioso, que é a sua matriz. Esta situação deu origem a peregrinações e a imigrações individuais ou de pequenos grupos, que não modificaram o estatuto político da Palestina nem a sua composição étnica, a qual, apesar das numerosas mudanças políticas e religioso-culturais, parece ter permanecido relativamente estável desde fins do II milênio a.C. até fins do II milênio da era cristã. A situação começou a mudar no século XIX. No contexto do triunfo das ideologias nacionalistas e da idéia 182 do Estado nacional, surgiu entre os judeus laicos da Europa central e oriental um movimento nacionalista secular, cujo objetivo era a criação de um Estado dos judeus, sendo este considerado como o único meio de assegurar a identidade e a sobrevivência da nação judaica, assim como de lhe garantir um lugar ao sol entre as demais nações. Para os seus partidários, o dito Estado tomou de certo modo, sob uma forma secularizada, o lugar que a utopia da “redenção de Israel” ocupa na tradição religiosa. Contrariamente à reunião de “Israel” na utopia religiosa, o Estado projetado pelos nacionalistas judeus não tinha necessariamente a Palestina por cenário. Com efeito, o seu principal promotor, Teodoro Herzl (1860-1904), encarou a possibilidade de o criar na Argentina. Falou-se também de Chipre, da África oriental e do Congo. Diga-se de passagem, que a liberdade na escolha do futuro “território nacional”, de que deram mostras os nacionalistas judaicos, explica-se pelo fato de se viver então na Europa no apogeu do sonho colonialista. Consideravamse colonizáveis todos os territórios situados fora da Europa. Colonizá-los era tido por uma obra benemérita, pois era “civilizá-los”. Os nacionalistas judaicos não tardaram a optar pela Palestina. Essa escolha, embora não fosse necessária, era muito natural e particularmente mobilizadora, por causa da ligação do Judaísmo à Palestina e da atração que ela exerce mesmo sobre muitos judeus que não são religiosos ou originários desse país. O nacionalismo judaico tomou, assim, o nome de sionismo, palavra que deriva de Sião, um dos nomes de Jerusalém na Bíblia. Repare-se também que a escolha da Palestina se enquadrava nos projetos coloniais das potências européias, sobretudo da Grã-Bretanha e da França, que 183 preparavam a partilha dos despojos do império otomano decadente. Foi sem dúvida por isso que o projeto sionista vingou. Durante décadas o sionismo foi um movimento de intelectuais askenazes laicos, sem base popular. Houve componentes do Judaísmo, nomeadamente as grandes comunidades sefarditas da África do norte, que estiveram praticamente à margem desse movimento até à década de 1930, ou ainda mais tarde. No entanto, o sionismo acabou por provocar profundas divisões nos diferentes componentes do Judaísmo, religioso e secular, askenaze, sefardita e pertencente a outros grupos. Embora se tenham atenuado ou transformado, essas divisões subsistem ainda hoje. Para a maioria esmagadora dos rabinos da Europa central e oriental que se encontraram confrontados com ele, o projeto dos sionistas de criar o Estado dos judeus, apoiando-se para isso nos seus próprios meios políticos, diplomáticos e econômicos, era a negação da esperança na “redenção de Israel” por iniciativa e obra exclusivas de Deus. Por isso, condenaram o sionismo como uma manifestação de orgulho, o pecado por excelência. O partido Agudat Israel (União/Associação de Israel) fundado em Kattowitz (Silésia, Polônia) em 1912, encarnou essa posição. O dito partido propunha-se reunir todos os judeus fiéis à Lei para se oporem ao nacionalismo sionista considerado como uma ameaça mortal para o “autêntico Judaísmo”. No entanto, na década de 1930, o Agudat Israel mitigou, por pragmatismo, a sua oposição ao sionismo, aceitando que a Palestina se tornasse o refúgio para os judeus europeus perseguidos. Em 1948 reconheceu de fato as instituições do Estado de Israel. Participou em todas as eleições legislativas 184 israelitas e em vários governos. No entanto, algumas facções minoritárias não aceitaram a mudança de orientação. Além de persistirem na negação da legitimidade religiosa do Estado de Israel e na recusa de qualquer colaboração com ele, tornaram-se críticos acérrimos da sua política. Entre os pequenos grupos representantes dessa tendência, o dos Neturei Karta (Guardiães da Cidade) é atualmente o mais conhecido. Em contrapartida, uma minoria entre os judeus religiosos da Europa central e oriental aceitou desde cedo colaborar com os sionistas. Um dos primeiros expoentes desta posição foi o rabino Isaac Jacob Reines (1839-1915), nascido em Karolin, na Bielorússia. Na origem, essa posição tinha por objetivo não deixar aos seculares o monopólio do socorro prestado aos judeus pobres e perseguidos. Encarnou-a o Mizrahi (Centro Espiritual) fundado em Vilnius (Lituânia) em 1902. Segundo essa corrente do Judaísmo religioso, nada impede a colaboração com o sionismo, pois este não é incompatível com a tradição. A razão que ela dá fundava-se, paradoxalmente, no caráter inteiramente materialista e político do sionismo. Dado o seu teor, o sionismo não podia fazer concorrência à esperança messiânica, que se situava num plano totalmente diferente. Assim, a idéia da coexistência pacífica do Judaísmo religioso e do sionismo depressa cedeu o lugar a uma integração da ideologia sionista dentro do sistema religioso tradicional. O autor dessa integração foi o rabino Abraão Isaac Hacohen Kook (1865-1935) nascido em Griva na Letônia, primeiro Rabino-Mor askenaze da Palestina (1921-1935). Contrariamente aos seus homólogos do Agudat Israel, o rabino Kook via no sionismo um instrumento de que Deus 185 se servira para dar início à “redenção de Israel”, e no Estado dos judeus a aurora da redenção ou do reino de Deus. Os principais herdeiros atuais desta concepção do sionismo são o Partido Nacional Religioso e o Guch Emunim (Bloco da Fé), que reúne os opositores mais irredutíveis à devolução de qualquer parcela da Cisjordânia e da Faixa de Gaza conquistadas por Israel em 1967, assim como os colonizadores mais zelosos desses territórios. O sionismo provocou também clivagens entre os judeus secularizados. Uns abraçaram-no com mais ou menos entusiasmo e agiram ou não em conformidade; outros serviram-se dele para diferentes fins; outros olharam-no com indiferença; e outros ainda, rejeitaram-no terminantemente, por razões políticas, morais, culturais ou sociais. Além dos anti-sionistas religiosos, os autênticos adversários do sionismo são, ainda hoje, os judeus seculares, o que é natural, na medida em que a questão diz diretamente respeito a uns e a outros. De qualquer modo, o sionismo tornou-se popular entre os judeus, sobretudo entre os judeus seculares, da Europa oriental e central, a partir de 1881, por causa dos numerosos ataques e pilhagens (pogroms, em russo) de que aí foram vítimas entre esse ano e 1921. De fato, foi a Europa oriental que forneceu os contingentes de emigrantes judeus que então foram instalarse na Palestina. As duas primeiras ondas da emigração coincidiram, aliás, com as duas primeiras ocorrências de pogroms, que tiveram lugar respectivamente nos períodos de 1881-1884 e de 1903-1906. A esmagadora maioria dos emigrantes era gente pobre e perseguida. Dirigiam-na intelectuais das classes médias. Estes fizeram financiar a operação por membros da burguesia judaica ocidental, européia e norte-americana, 186 ansiosa por desviar da sua porta, uma imigração popular judaica que iria contrariar os seus desígnios de “assimilação” nos países respectivos. A Primeira Guerra Mundial e a Palestina A Primeira Guerra Mundial teve conseqüências decisivas para a Palestina. As potências aliadas não esperaram pelo fim da guerra para preparar o desmantelamento e a liquidação do império turco, aliado da Alemanha. Procurando aproveitar-se do nacionalismo árabe, a Grã-Bretanha prometeu ao cherife Hussein de Meca o seu apoio para a criação de um Estado árabe independente, tendo por fronteira ocidental os Mares Vermelho e Mediterrâneo, em troca da revolta árabe contra a Turquia. De fato, a Palestina, que faz parte do território do anunciado Estado árabe, era cobiçada ao mesmo tempo pela Grã-Bretanha e pela França, mas as duas potências admitiram o princípio da sua internacionalização nos acordos secretos de Sykes-Picot, de 16 de maio de 1916. Esse fato não impediu a Grã-Bretanha de prometer no ano seguinte, na chamada Declaração Balfour, à Federação Sionista que faria todo o possível para o estabelecimento de “um lar nacional para o povo judaico” na Palestina. Para os sionistas, o circunlóquio “um lar nacional para o povo judaico” designava um Estado judaico ou um Estado dos judeus. O movimento sionista evitava o termo “Estado”, falando antes de “lar nacional” ou de “pátria”, para não exacerbar a oposição turca ao projeto. De fato, as forças britânicas, às quais se renderam as forças turcas em Jerusalém, em 9 de dezembro de 1917, 187 terminaram a ocupação da Palestina em setembro de 1918. A Palestina ficou então sob administração militar britânica, a qual foi substituída por uma administração civil a 1 de julho de 1920. Entretanto, na Conferência da Paz reunida em Paris, em janeiro de 1919, as Potências Aliadas decidiram que os territórios da Síria, do Líbano, da Palestina - Transjordânia e da Mesopotâmia não seriam devolvidos à Turquia, mas passariam a formar entidades distintas, administradas segundo o sistema dos mandatos. Criado pelo artigo 22 do Pacto da Liga das Nações, a 28 de junho de 1919, o sistema dos mandatos destinava-se a determinar o estatuto das colônias e dos territórios que se encontravam sob o domínio das nações vencidas. O dito documento declarava que “algumas comunidades outrora pertencentes ao Império Turco atingiram um estado de desenvolvimento” que permitiria reconhecê-las provisoriamente como nações independentes. Em relação a essas nações, o papel das potências mandatárias seria ajudá-las a instalar a sua administração nacional independente. O mesmo documento estipula ainda que os desejos dessas nações deveriam ser uma consideração principal na escolha da potência mandatária. Na conferência de San Remo, a 25 de abril de 1920, o Conselho Supremo Aliado repartiu os mandatos para as nações árabes entre a França (Líbano e Síria) e a GrãBretanha (Mesopotâmia, Palestina – Transjordânia). Já o mandato para a Palestina, que incorporava a Declaração Balfour sobre o estabelecimento do “lar nacional para o povo judaico”, foi aprovado pelo Conselho da Liga das Nações, a 24 de julho de 1922, tornando-se efetivo a 29 de setembro do mesmo ano. Ao abrigo do disposto no artigo 25 do 188 mandato para a Palestina, o Conselho da Liga das Nações decidiu, a 16 de setembro de 1922, excluir a Transjordânia de todas as cláusulas relativas ao lar nacional judaico, e dotála com uma administração própria. De fato, o território que os sionistas pretendiam, para nele estabelecer o seu Estado, era bem mais vasto do que a Palestina. Abarcava também toda a parte oeste da Transjordânia, o planalto do Golã e a parte do Líbano ao sul de Sidão. Como previsto, todas essas nações se tornaram efetivamente independentes no curso das três décadas seguintes: O Iraque (Mesopotâmia), a 3 de outubro de 1932; o Líbano, a 22 de novembro de 1943; a Síria, a 1º de janeiro de 1944; e, finalmente, a Transjordânia, a 22 de março de 1946. A única exceção foi a Palestina. O obstáculo que fez descarrilar o processo da independência da Palestina foi a adoção, pela Liga das Nações, seguindo as pegadas da Grã-Bretanha, do projeto sionista da criação do “lar nacional para o povo judaico” nesse país. A Organização Sionista Mundial tinha, entretanto, amadurecido esse projeto e tinha-lhe granjeado apoios muito sólidos, vindos principalmente da Grã-Bretanha. Esta expressou o seu patrocínio ao projeto sionista na já referida Declaração Balfour. Tratava-se de uma carta que A. J. Balfour, Ministro dos Negócios Estrangeiros, escreveu, a 2 de Novembro de 1917, ao Lorde L. W. Rothschild, representante dos judeus britânicos, e, por seu intermédio, à Federação Sionista. Numa altura em que a Palestina ainda era oficialmente território turco, o Governo de Sua Majestade Britânica declarava à Federação Sionista ver com bons olhos o estabelecimento de “um lar nacional para o povo judaico” nesse país e comprometia-se a fazer todo o possível para 189 facilitar a realização desse projeto. A carta acrescentava uma ressalva, segundo a qual “nada deveria ser feito que prejudicasse os direitos cívicos e religiosos das comunidades não-judias que existiam na Palestina”. As ditas “comunidades não-judias” constituíam, então, um pouco mais de 90 % da população. De fato, em 1918, a Palestina tinha 700.000 habitantes: 644.000 árabes (574.000 muçulmanos e 70.000 cristãos) e 56.000 judeus. A Declaração Balfour era originalmente um compromisso que a Grã-Bretanha assumia, por razões que lhe eram próprias, para com a Federação Sionista. Entretanto, ela recebeu o aval das principais potências aliadas e foi incorporada ao mandato para a Palestina, aprovado pela Liga das Nações, a 24 de Julho de 1922. Com efeito, dos vinte e oito artigos do texto do mandato, seis têm por objeto o estabelecimento do lar nacional judaico ou de medidas com ele relacionadas. Outros cinco artigos tratam de medidas destinadas a realizar esse programa. Essas medidas dizem respeito: ao papel de conselheira de uma “Agência Judaica apropriada” nos diferentes domínios de governo; às facilidades que devem ser concedidas aos judeus nas questões relativas à imigração, assim como no que respeita à sua instalação no país, inclusive nas terras do Estado ou nos baldios; às facilidades que devem ser concedidas aos judeus na obtenção da nacionalidade; à concessão de obras e serviços públicos à Agência Judaica; e à imposição do hebraico como língua oficial ao lado do inglês e do árabe, embora os judeus fossem então só um pouco mais de 11 % da população. A Palestina tinha nessa altura 757.182 habitantes, dos quais 83.794 eram judeus. Sem excluir formalmente o objetivo normal do tipo de mandato aplicado aos países árabes do império otomano, que era levar à plena 190 independência a população que então os habitava, o mandato para a Palestina tinha outro objetivo, que lhe era próprio, isto é, promover a criação de um lar nacional judaico – subentendendo-se a criação de um Estado judaico – com gente que, na sua maioria esmagadora, estava ainda espalhada pelo mundo e, por conseguinte, deveria ser trazida de fora. O seu documento fundante não deixa dúvidas de que o objetivo prioritário do mandato para a Palestina – para não dizer o seu verdadeiro objetivo – era criar o lar nacional judaico. É verdade que o documento também mencionava as comunidades não-judaicas então existentes na Palestina e os seus direitos cívicos e religiosos – não referindo-se aos seus direitos políticos – mas as suas menções vinham em segundo lugar e se expressavam sob a forma de ressalvas feitas às medidas destinadas a implementar o projeto sionista. Graças ao mandato para a Palestina, o patrocínio do projeto sionista, que era um elemento da política britânica, tornou-se política oficial da Liga das Nações. Esta não só deu ao projeto sionista a caução internacional, mas forneceulhe também os meios para a sua realização. A Grã-Bretanha, a quem o Conselho Supremo Aliado (isto é, os vencedores da guerra) confiara o mandato da Palestina, era sem dúvida alguma, a potência mais indicada para implantar a política da Liga das Nações em relação a esse país. De fato, a administração britânica procurou cumprir fielmente enquanto pôde a missão que lhe fora confiada. Por seu lado, as organizações sionistas aproveitaram as infra-estruturas administrativas e econômicas que o mandato pôs à sua disposição, para acelerar a realização do projeto de criação do Estado judaico na Palestina. Para isso 191 intensificaram a imigração dos judeus da Europa oriental e central, em três levas principais: em 1919-1923, 1924-1928 e 1932-1940. Em 1931, os judeus eram 174.610 de um total de 1.035.821 habitantes da Palestina. Em 1939, já eram mais de 445.000 e em 1946 atingiram o número de 808.230 de um total de habitantes da Palestina respectivamente de 1.500.000 e de 1.972.560. Por outro lado, o Fundo Nacional Judaico, isto é, o fundo da Organização Sionista Mundial para a compra e o desenvolvimento da terra, intensificou a aquisição de terras. Estas tornavam-se “propriedade eterna do povo judaico”, inalienável, só podendo ser arrendada a judeus. No caso das explorações agrícolas, até a mão-de-obra devia ser exclusivamente judaica. Por fim, os sionistas criaram, em pouco tempo, as principais estruturas do futuro Estado, especialmente um exército clandestino (a Haganá). A maneira como os vencedores da Primeira Guerra Mundial decidiram o destino da Palestina, servindo-se para isso da Liga das Nações, é quase uma caricatura da duplicidade e da prepotência que não raro caracterizam as relações internacionais. De fato, há especialistas do Direito Internacional que questionam a legalidade das decisões da Liga das Nações em relação à Palestina, em nome das regras que ela própria fixara. Assim, apesar de ter classificado a Palestina num grupo de nações às quais reconhecia imediatamente a independência formal e prometia a independência efetiva a curto prazo, a Liga das Nações impôs-lhe um mandato cujo objetivo prioritário não era a instalação da administração palestina nacional, como previa o documento que instituiu o sistema dos mandatos, mas sim, a criação do “lar nacional judaico”, com gente que ainda estava espalhada pelo mundo. 192 Ora, este objetivo não só contrariava o processo de transição para a independência política efetiva da Palestina, mas era incompatível com o próprio princípio da sua independência com a população que ela então tinha, princípio esse que a Liga das Nações admitira previamente. Por outro lado, tendo nomeado a Grã-Bretanha para potência mandatária sem ter consultado os palestinos, o Supremo Conselho Aliado não respeitou a regra fixada pelo Pacto da Liga das Nações, segundo a qual os desejos das comunidades submetidas a esse tipo de mandato deviam ser uma consideração principal na escolha da potência mandatária. Mandato Britânico (1922-1948) Os palestinos viram no patrocínio que deram, primeiro a Grã-Bretanha e depois a Liga das Nações, ao projeto sionista de criação do lar nacional judaico na Palestina, a negação do seu direito à independência. Ora, tanto a GrãBretanha como a Liga das Nações, explícita ou implicitamente, não só lhes tinham reconhecido esse direito, como também lhes tinham prometido o seu gozo pleno a curto prazo. Por isso, além do mais, os palestinos sentiramse fraudados. Naturalmente, opuseram-se ao projeto da criação do lar nacional judaico na Palestina desde o primeiro instante – logo que tiveram conhecimento da Declaração Balfour – e tentaram, por todos os meios, impedir a sua realização, pois temiam que dela resultasse a sua submissão, não só política mas também econômica, aos sionistas, passando assim do domínio turco para o domínio judaico, com um intervalo britânico. 193 Apresentaram protestos contra a Declaração Balfour à Conferência de Paz de Paris e ao governo Britânico. A primeira manifestação popular contra o projeto sionista teve lugar a 2 de novembro de 1918, primeiro aniversário da Declaração Balfour. Essa manifestação foi pacífica, mas a resistência depressa se tornou violenta, expressando-se em ataques contra os judeus que degeneravam em confrontos sangrentos. Houve motins em 1920, durante a Conferência de San Remo, que distribuiu os mandatos, em 1921, 1929 e 1933. De um modo geral, as erupções de violência eram cada vez mais graves à medida que o mandato se prolongava e a colonização sionista se estendia e fortalecia. Os acontecimentos desenrolavam-se segundo uma seqüência que se tornou habitual. A potência mandatária respondia aos motins, nomeando uma comissão real de inquérito, cujas recomendações reconheciam a legitimidade das reivindicações palestinas e levavam a anunciar ou a esboçar tímidas medidas tendentes a satisfaze-las. Mas, dado que contrariavam o objetivo primordial do mandato, essas medidas ficavam letra morta ou eram depressa esquecidas. E o ciclo recomeçava. A resistência palestina culminou na revolta de 19361939. Em Abril de 1936, distúrbios locais entre árabes e judeus degeneraram numa revolta generalizada dos palestinos. A revolta já não visava só a colonização sionista. Dirigia-se, sobretudo, às autoridades britânicas e ao poder estrangeiro, de quem os palestinos exigiam a constituição de um governo nacional. A isso, as autoridades britânicas responderam com uma repressão violenta e os sionistas com represálias. Os palestinos começaram uma greve geral a 8 de maio de 1936, coordenada pelo Alto Comitê Árabe, que era 194 composto por representantes dos principais partidos. Terminaram-na em outubro do mesmo ano como resposta ao anúncio de mais uma Comissão Real de Inquérito. A trégua foi por pouco tempo e a revolta não tardou a recomeçar. Tendo chegado à conclusão de que os palestinos não renunciariam à independência, os britânicos encararam, em 1937, a hipótese de dividir a Palestina em dois Estados, um árabe e o outro judaico. Essa solução não satisfazia nenhuma das partes. Os palestinos não renunciavam a uma parte do seu território. Os sionistas, que viam com razão nesse plano um desvio da política oficial, não só britânica mas também internacional, ainda não aceitavam a idéia de criar o Estado judaico só numa parte da Palestina, o que aparentemente significaria renunciar à reivindicação da totalidade do país. A revolta palestina continuou e durou até 1939. Considerando inviável o plano de divisão da Palestina, os britânicos voltaram atrás e propuseram no “Livro Branco” de 1939 a criação de um só Estado para árabes e judeus, no prazo de dez anos. O mesmo documento propunha o fim da imigração judaica dentro de cinco anos e limitava a 75.000 o número de imigrantes durante esse prazo de tempo. Além disso, previa uma regulamentação estrita da compra de terras pelas organizações judaicas. Esse conjunto de medidas implicava que os árabes constituiriam um pouco mais de dois terços dos cidadãos do Estado da Palestina. O peso dos dois povos na administração do Estado seria proporcional à sua importância numérica. As autoridades mandatárias tentaram executar as recomendações do “Livro Branco” de 1939, mas sem verdadeiro êxito. Como quer que seja, o “Livro Branco” de 1939 confirmou a virada na política britânica já esboçada dois anos antes. 195 Ao abandonar a idéia da criação de um Estado judaico, as autoridades mandatárias romperam com a política seguida até então. Isso representava um sério revés para os sionistas. Estes tiveram que adotar uma nova estratégia, a qual comportava três elementos principais. Promoveram a imigração ilegal, tarefa essa facilitada pelo genocídio judaico que a Alemanha nazista estava então a perpetrar na Europa central e oriental. Nessas circunstâncias a Palestina aparecia como o lugar de refúgio para os judeus europeus, sobretudo do centro e do leste. Além disso, os sionistas procuraram obter o apoio dos Estados Unidos para substituir o apoio britânico. Alguns grupos armados lançaram-se numa campanha de guerrilha contra as autoridades britânicas e os árabes. Nessa altura, o Haganá não era o único grupo armado judaico. Havia também o Irgun e o Stern, que se destacaram na guerrilha pela sua violência. Entre as numerosas ações realizadas pelo Irgun contra as autoridades britânicas, a mais conhecida se refere ao atentado contra o Hotel King David em Jerusalém, onde estava instalada a administração governamental. A explosão de uma ala do edifício, no dia 22 de julho de 1946, custou a vida a 91 pessoas, das quais 86 funcionários (britânicos, árabes e judeus). Declarando-o inviável por ter duas missões inconciliáveis, a Grã-Bretanha renunciou ao mandato e remeteu a questão da Palestina para a sucessora da Liga das Nações, a Organização das Nações Unidas (ONU), em fevereiro de 1947. A 29 de novembro de 1947 a assembléia Geral da ONU, retomando uma idéia que já tinha sido proposta dez anos antes, aprovou a resolução 181 que recomendava a divisão da Palestina em dois Estados, um judaico e o outro árabe. Os dois Estados estariam unidos do 196 ponto de vista econômico. Jerusalém (incluindo Belém) não pertenceria a nenhum dos Estados, mas formaria um “corpus separatum” sob a jurisdição da ONU. Passados dez anos haveria um referendo entre os habitantes da cidade sobre o seu regime. O plano deveria entrar em vigor dois meses depois do fim do mandato que a Grã-Bretanha havia fixado para o dia 15 de maio de 1948. A Criação do Estado de Israel e Suas Conseqüências Para o Povo Palestino Como já o tinham feito em 1937 e pelas mesmas razões, os palestinos opuseram uma recusa formal ao plano de divisão. De fato, a ONU mostrou-se incapaz de o aplicar. Não se tendo previsto nada para substituir as forças britânicas, a sua retirada deixou os árabes e os judeus frente a frente. Os judeus asseguraram as posições dentro dos territórios que o plano da ONU lhes concedia e procuraram ocupar outros. A 14 de maio de 1948, véspera do fim do mandato e da retirada das últimas forças britânicas, os judeus proclamaram o Estado de Israel. A partir do dia 15 a guerra alargou-se com a entrada na Palestina de uma coligação de forças regulares transjordanianas, egípcias e sírias, ajudadas por contingentes libaneses e iraquianos. Israel tinha já em 1948 uma enorme vantagem sobre a coligação árabe. O seu exército era mais numeroso, estava melhor treinado e melhor equipado. Além disso, Israel tinha o apoio das grandes potências e a simpatia da opinião pública ocidental. Os combates cessaram praticamente no dia 7 de janeiro de 1949, graças à intervenção da ONU. Entre 23 de fevereiro 197 e 20 de julho desse mesmo ano, os países árabes implicados na guerra, exceto o Iraque, assinaram armistícios com Israel. Em 14 de novembro de 1948, Calouste Gulbenkian, exigiu dos chairmans das grandes companhias do petróleo — “convidados” a seu apartamento no Hotel Avis, em Lisboa — a inclusão de um item de última hora nos acordos com alguns governos e banqueiros. Os territórios ocupados por Israel no fim da guerra constituíam cerca de 78% da Palestina. Tornaram-se, de fato, o território do Estado de Israel. Ficaram fora dele a cadeia de baixas montanhas do centro e do sul da Palestina, a chamada Cisjordânia, assim como a Faixa de Gaza. Jerusalém ficou dividida: a parte oeste da cidade extra-muros ficou do lado de Israel; a cidade antiga e o bairro extramuros ao norte, ficaram do lado árabe. Israel declarou Jerusalém sua capital, decisão essa ignorada pela comunidade internacional, pois ia contra a resolução 181 da Assembléia Geral da ONU de 1947, que recomendava a internacionalização da cidade. No dia 11 de maio de 1949, o Estado de Israel foi admitido na ONU. A 24 de abril de 1950, a Cisjordânia, com a parte de Jerusalém sob domínio árabe, foi anexada à Transjordânia, que passou a chamar-se Reino Hachemita da Jordânia. A Faixa de Gaza ficou sob administração militar egípcia. Entre setecentos a novecentos mil palestinos do que se tornou o território de Israel, isto é, a esmagadora maioria da sua população autóctone, encontraram-se na situação de refugiados. Muitos fugiram de suas casas, aterrorizados com a aproximação das forças judaicas. O pânico que se abateu sobre a população palestina foi criado, em boa parte, pelos massacres cometidos pelas forças judaicas em vários pontos do país. O mais conhecido foi o de Der Yassin, que era então uma aldeia na vizinhança de Jerusalém. As suas 198 terras estão hoje ocupadas por Giveat Chaul, um bairro da cidade. A 9 de abril de 1948, um comando do Irgun e do Stern entrou em Der Yassin e massacrou mais de cem pessoas, entre homens, mulheres e crianças. A notícia desse massacre provocou a fuga de cerca de 100.000 pessoas da região de Jerusalém. Outros palestinos foram expulsos à força. Entre os vários casos conhecidos, os de maiores proporções tiveram lugar em Lida (a atual cidade de Lod) e Ramlé. Uma escaramuça com tropas árabes, ocorrida no dia 12 de julho de 1948, serviu de pretexto ao exército de Israel para uma violenta repressão que custou a vida de 250 pessoas, algumas das quais eram prisioneiros desarmados, assim como para a expulsão de cerca de 70.000 pessoas, algumas das quais já eram refugiadas. A ordem de expulsão foi dada pelo próprio Primeiro-Ministro, David ben Gurion. Os seus executores foram Igal Alon e Isaac Rabin. A Galiléia foi a região do território de Israel onde ficaram mais palestinos. As zonas de maior densidade populacional palestina ficaram sob administração militar até 8 de dezembro de 1966. A 11 de dezembro de 1948, a ONU aprovou a resolução 194 que reconhecia aos refugiados palestinos o direito de regressarem aos seus lares ou de serem indenizados, se assim o preferirem. Apesar de o preâmbulo da resolução que o admitiu na ONU mencionar explicitamente a aplicação desta resolução, Israel recusou-se e continua a recusar-se a aplicá-la. Apressando-se a arrasar as aldeias palestinas que tinham sido esvaziadas dos seus habitantes (cerca de 500 localidades) e distribuindo as suas terras aos imigrantes judeus, Israel tornou impossível o regresso de uma boa parte dos refugiados aos seus lares. A esmagadora maioria dos 199 refugiados amontoou-se em acampamentos na Faixa de Gaza, na Cisjordânia, na Jordânia, na Síria e no Líbano. No dia 1º de Maio de 1950 a ONU criou a UNRWA, a agência internacional que se ocupa deles. Desde a criação do Estado de Israel, o conflito que o opõe aos palestinos tem sido o epicentro de um conflito entre Israel e o conjunto dos países árabes, com fortes repercussões mundiais. Esse conflito foi, em particular, a causa, ou pelo menos a ocasião, da emigração da maioria esmagadora dos judeus dos países árabes para a Palestina/Israel a partir dos últimos anos da década de 1940. As circunstâncias variaram ligeiramente segundo os países. De um modo geral, pode dizer-se que uns emigraram por causa da hostilidade de que o conflito os tornou, alvos nos seus respectivos países, enquanto outros foram “puxados” ou “empurrados” por Israel, desejoso de multiplicar o mais rapidamente possível a sua população judaica por razões nacionalistas, militares e econômicas, repovoando assim o território que havia sido praticamente esvaziado da sua população palestina. De fato, os “judeus orientais” depressa se tornaram maioria em Israel, mas o aparelho de Estado e o poder econômico ficaram bem firmes nas mãos dos askenazes. A importância numérica entre os dois grupos mudou, entretanto, a favor dos askenazes com os numerosos imigrantes vindos, nas últimas décadas, das repúblicas soviéticas, antes e depois da dissolução da União Soviética. 200 A Crescente Mancha da Invasão Judia Sobre a Palestina Desde o fim da Guerra de Suez, em 1956, forças internacionais separavam os exércitos de Israel e do Egito, garantindo a liberdade de navegação no Golfo de ‘Akaba. A 19 de maio de 1967, o Secretário-Geral da ONU decidiu retirá-las, a pedido do Presidente do Egito Gamal Abdel Nasser. No dia 22 de maio, Nasser fechou o Golfo de Akabá aos barcos israelitas. Israel respondeu no dia 5 de junho com uma guerrarelâmpago durante a qual ocupou toda a Península do Sinai (egípcia), a Faixa de Gaza (sob administração militar egípcia), a Cisjordânia, juntamente com Jerusalém Oriental (anexadas pela Jordânia em 1950) e o Planalto do Golã (sírio), anexando a parte de Jerusalém recém-ocupada. A chamada “Guerra dos Seis Dias” fez mais refugiados palestinos, da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, alguns dos quais o eram pela segunda vez. Calcula-se que o seu número foi superior a 50.000. A maioria foi para a Jordânia. O restante foi para o Egito, a Síria e outros países. No dia 22 de novembro de 1967, o Conselho de Segurança da ONU aprovou a resolução 242, o qual se propunha a formular os termos para uma paz justa e duradoura no Oriente Médio, baseando-se no respeito pelos princípios existentes na Carta da ONU e na inadmissibilidade da aquisição de territórios pela via da guerra. Assim, essa resolução ordenava a retirada das forças armadas israelitas dos territórios ocupados no recente conflito, em troca do 201 reconhecimento pelos Estados árabes do Estado de Israel dentro das linhas do armistício de 1949. Além disso, a resolução ressaltava a necessidade de se garantir a liberdade de navegação através das águas internacionais da área e de dar uma solução justa ao problema dos refugiados. Longe de se retirar dos territórios recentemente ocupados, como exigia a resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU, Israel começou logo a colonizá-los com cidadãos seus. Tentativas Fracassadas de Paz A história do conflito israelo-palestino desde 1967 é um rosário de planos de paz abortados, de esperanças frustradas e, como nos períodos anteriores, de violência, sangue, destruição e lágrimas. Referiremos só, rapidamente, os fatos, os acontecimentos e as datas que nos parecem mais marcantes e susceptíveis de ajudar a compreender a situação atual. Começaremos por assinalar uma mudança nos papéis desempenhados pelos intervenientes no conflito. A anexação da Cisjordânia pela Jordânia em 1950 e a passagem da Faixa de Gaza para a tutela do Egito, levaram a uma espécie de eclipse do povo palestino. A situação mudou a partir de 1967. O povo palestino voltou a tomar em mãos o seu destino. Por mais que se tenha esforçado por negar a sua existência, Israel teve finalmente que reconhecer o povo palestino não só como povo, mas também como “interlocutor/inimigo” inevitável. Encarnou as aspirações nacionais palestinas a Organização de Libertação da Palestina (OLP), uma coliga202 ção de partidos ou grupos que havia sido criada em Jerusalém, em 1964. Tal como foi formulada em 1968, a Carta da OLP, na linha do que sempre fora a política palestina, propunha-se como objetivo a criação do Estado da Palestina em todo o território nacional. Isso implicava o desaparecimento do Estado de Israel. A carta da OLP considerava os judeus que viviam na Palestina antes da “invasão sionista” como palestinos com plenos direitos à cidadania, como os demais habitantes muçulmanos, cristãos e de outras religiões ou etnias. A chefia da OLP esteve na Jordânia até 1971. Derrotada no conflito armado que a opôs ao governo Jordaniano (fevereiro e setembro de 1970), a OLP foi expulsa desse país em 1971, instalando-se então no Líbano. Na seqüência desses acontecimentos, alguns grupos palestinos, que se apelidaram “Setembro Negro”, lançaram-se numa campanha de guerrilha internacional, cujas ações mais espetaculares foram os numerosos desvios de aviões comerciais e o atentado contra os atletas israelitas que participavam nos Jogos Olímpicos de Munique em setembro de 1972. No dia 6 de outubro de 1973, o Egito e a Síria tentaram, em vão, reconquistar militarmente cada qual os territórios conquistados por Israel em 1967. No dia 22 do mesmo mês, o Conselho de Segurança da ONU aprovou a resolução 338 que reafirmava a validade da resolução 242 e apelava para um cessar-fogo e para negociações com vistas a “instaurar uma paz justa e duradoura no Oriente Médio”. Os combates cessaram três dias mais tarde. No mês seguinte, a Liga Árabe, reunida na Cimeira de Argel (26 a 28 de novembro de 1973) declarou a OLP único representante do povo palestino. Desde 1970 a assembléia geral da ONU afirmava regularmente o direito do povo palestino à auto203 determinação. No dia 13 de novembro de 1974, Yasser Arafat fez um discurso na assembléia geral da ONU e esta reconheceu aos palestinos o direito à independência e concedeu à OLP o estatuto de observador. A idéia da criação do Estado da Palestina só em parte do território nacional, já abordada em junho de 1974, foi aceita no 13º Conselho Nacional Palestino, de 12 a 20 de março de 1977. No dia 17 de setembro de 1978, foram assinados os acordos de Camp David entre o Egito, Israel e os Estados Unidos. Israel devolveu o Sinai ao Egito. Paralelamente à retirada do Sinai, que terminou a 25 de abril de 1982, Israel intensificou a colonização da Cisjordânia e do Golã. Em conformidade com os acordos de Camp David, o Egito e Israel começaram, a 25 de maio de 1979, negociações sobre um estatuto de autonomia para os palestinos da Cisjordânia e de Gaza, não escondendo Israel a intenção de anexar esses territórios no termo dos cinco anos previstos para a autonomia. No dia 6 de junho de 1982, Israel invadiu o Líbano com a intenção declarada de expulsar de lá a OLP. Nos termos de um cessar-fogo negociado sob a égide dos Estados Unidos, as forças da OLP foram evacuadas do Líbano entre 10 e 13 de setembro desse ano, mudando-se a sua chefia para Tunísia. Foi então que se deram os massacres de Sabra e de Chatila. Entre os dias 15 e 16, o exército de Israel ocupou a parte ocidental de Beirute. No dia 16, forças libanesas (milícias cristãs aliadas de Israel - embora se utilizem da palavra “cristã”, essas organizações israelitas chamadas de “milícias cristãs”, não têm o aval, nem a mais remota participação da Igreja Católica ou das outras Igrejas Cristãs) entraram nos campos de refugiados palestinos de Sabra e de Chatila e mataram 204 homens, mulheres e crianças. Os soldados israelitas que cercavam os campos assistiram aos massacres sem intervir. Segundo a comissão de inquérito oficial israelita houve 800 mortos; segundo a OLP, teria havido 1500. A dita comissão israelita concluiu que Ariel Sharon, então Ministro da Defesa, foi indiretamente responsável pelo massacre. No dia 9 de dezembro de 1987 rebentou a primeira Intifada (insurreição) em Gaza e na Cisjordânia contra a ocupação. No dia 31 de julho de 1988, o rei Hussein da Jordânia anunciou oficialmente que rompia “os vínculos legais e administrativos” do seu país com a Cisjordânia, renunciando à pretensão de soberania sobre esse território que havia sido anexado pelo seu avô em 1950. No 19º Conselho Nacional Palestino, reunido em Argel, a OLP proclamava o Estado da Palestina no dia 15 de novembro de 1988, aceitando as resoluções do Conselho de Segurança da ONU 181, 242 e 338 e reafirmando a condenação do terrorismo. Na seqüência da chamada “Guerra do Golfo”, houve a Conferência Internacional de Madrid (inaugurada no dia 30 de outubro de 1991) e as primeiras negociações bilaterais entre Israel e três dos seus vizinhos árabes (Jordânia, Síria e Líbano). Os palestinos ainda não tiveram a sua delegação própria. Fizeram parte da delegação jordaniana. Negociações secretas entre israelitas e palestinos tidas em Oslo, no inverno de 1992-1993, levaram finalmente ao reconhecimento entre Israel e a OLP, em 9 de setembro de 1993. Em 13 do mesmo mês Yasser Arafat e Isaac Rabin assinaram em Washington a “Declaração de Princípios sobre as Disposições Interinas de Auto-Governo”. A dita declaração determinava a entrega de parte da Cisjordânia e da Faixa de Gaza aos palestinos, entrega essa concebida como a 205 primeira etapa de um processo que deveria desembocar, no prazo de cinco anos, na solução do conflito que opunha os palestinos e os sionistas/israelitas desde há quase um século. De fato, Yasser Arafat entrou em Gaza no dia 1º de julho de 1994 e o exército de Israel terminou a retirada das cidades palestinas, exceto de Hebron, em dezembro de 1995. Os palestinos viram nesse fato o começo da realização do sonho de um Estado independente, embora só em cerca de um quinto da sua pátria e dividido em duas partes (Cisjordânia e Faixa de Gaza) separadas pelo território de Israel. Incluindo Jerusalém Oriental, a Cisjordânia tem uns 5.850 km2 enquanto a Faixa de Gaza tem uns 365 km2. Novos Acordos Não Cumpridos No dia 23 de outubro de 1998, Israel e a Autoridade Palestina assinaram o memorando de Wye River que previa a entrega à Autoridade Palestina de mais 13% do território da Cisjordânia no prazo de três meses. Mas passados menos de dois meses, a 18 de dezembro, Israel suspendeu a sua aplicação. Em 4 de maio de 1999 terminou o período da autonomia palestina previsto na “Declaração de Princípios”. Sob a instigação do presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, Yasser Arafat e Ehud Barak assinaram, no dia 4 de setembro do mesmo ano, o memorando de Charm echCheikh, que redefinia o calendário para a aplicação do memorando de Wye River e, além disso, estipulava a abertura de dois corredores seguros entre a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, a libertação de mais um grupo de prisioneiros palestinos e o começo das negociações sobre todas as questões ainda em suspenso. 206 Tudo isso ficou letra morta. Bill Clinton convocou de novo Yasser Arafat e Ehud Barak com os quais se reuniu em Camp David de 11 a 24 de julho. As negociações avançaram, mas não se chegou a um acordo. Seguiram-se ainda outras tentativas de negociações instigadas igualmente por Bill Clinton, prestes a terminar o seu mandato. A última dessas tentativas teve lugar em Taba (Egito) de 21 a 27 de janeiro de 2001, dias antes de os israelitas escolherem Ariel Sharon para seu primeiro-ministro em vez de Ehud Barak. Todavia, os acordos de Oslo não criaram a dinâmica de paz que deles se esperava. Praticamente não se foi além da aplicação daquilo que seria só a sua primeira fase. É verdade que Israel se retirou das oito zonas urbanas da Cisjordânia e de cerca de 80% da Faixa de Gaza, deixando assim a maioria esmagadora dos palestinos sob a jurisdição exclusiva da Autoridade Palestina. Repare-se, no entanto, que as oito zonas urbanas da Cisjordânia são ilhas num mar israelita. Não havendo contigüidade territorial entre elas, estão isoladas umas das outras. Em condições “normais”, essa situação obstrui seriamente a circulação de pessoas e de bens e, por conseguinte, todas as atividades, especialmente a econômica, dos palestinos. Em situações de “crise”, ela permite ao exército israelita reocupar em poucos minutos, e com poucos meios as cidades palestinas ou sitiá-las, encarcerando nelas os seus habitantes. Pelo contrário, os colonos israelitas continuaram a evoluir à vontade num espaço aberto, dispondo para isso de uma moderna rede rodoviária própria, que não só lhes permite circular na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, mas também os liga ao território de Israel. Longe de parar a colonização, como deveria ter acontecido em conformidade com o espírito do “Processo de Oslo”, sobretudo da 207 Cisjordânia, intensificou-se. Cresceram os vários assentamentos de colonos já existentes e criaram-se outros novos. Para esse efeito, confiscaram-se mais terras. Isto e o não-cumprimento por parte de Israel de outros acordos, levaram os palestinos a perder a confiança no “Processo de Oslo”. A frustração, à altura da imensa esperança que o dito processo havia suscitado, levou os palestinos à beira da explosão. A visita de Ariel Sharon, então chefe da oposição israelita, à Esplanada das Mesquitas em Jerusalém, no dia 28 de setembro de 2000, serviu de rastilho. O horror do que desde então se passa na Palestina tem ecoado ruidosamente em todo o mundo dia após dial. Conclusões e Reflexões A título de reflexão, começaremos por um apanhado dos pontos de divergência fundamentais que existem atualmente entre a Autoridade Palestina e Israel. Em primeiro lugar, a questão dos refugiados: Israel recusa-se a aplicar a resolução 194, aprovada pela assembléia geral da ONU a 11 de dezembro de 1948 e reafirmada todos os anos, que reconhece aos refugiados o direito de regressarem aos seus lares ou de serem indenizados, se assim o preferirem. Israel nega-se até a reconhecer a sua responsabilidade moral e legal pela existência dos refugiados. Durante décadas “legitimou” essa recusa dizendo que os palestinos abandonaram as suas casas por ordem dos países árabes, que lhes teriam prometido o regresso dentro de pouco tempo. Ora, os estudos dos chamados “novos historiadores” israelitas da última década, confirmaram o que os historiado208 res palestinos sempre disseram e os bons conhecedores da questão sabiam há muito, para não falar das vítimas. Essa versão da origem do problema dos refugiados palestinos é uma invenção da propaganda israelita. Por isso, Israel assume agora abertamente a recusa do regresso dos refugiados no que é, e sempre foi, a verdadeira razão: O regresso dos refugiados mudaria a composição étnica de Israel, que se “arriscaria” a deixar de ser um Estado majoritariamente judaico. Assim, foi precisamente para evitar esse “perigo” que Israel expulsou muitos dos refugiados de suas casas. Os refugiados palestinos são, de fato, muito numerosos. A 30 de junho de 1999, a UNRWA recenseava 3.600.000. Não entraram nesse número os que se tornaram refugiados em 1967 (mais de 50.000) e os seus descendentes. Sabese que existem centenas de milhares de palestinos que foram deslocados e não constam nas listas da ONU. Por outro lado, a parte oriental de Jerusalém que foi conquistada em 1967 teve seu plano de internacionalização aparentemente abandonado; a parte oriental da cidade é um dos territórios que a resolução 242 do Conselho de Segurança ordena devolver. O fato de Israel a ter anexado e de lhe ter alargado as fronteiras não muda de forma alguma o seu estatuto do ponto de vista da legalidade internacional. Essas medidas foram, aliás, declaradas nulas repetidas vezes pelas instâncias da ONU. No que se pode considerar um gesto de boa vontade, a Autoridade Palestina aceita ceder a Israel a soberania sobre partes de Jerusalém Oriental, em especial o “Muro das Lamentações”, o único vestígio das construções ligadas ao templo judaico que se conhece. Por ser o lugar do antigo templo judaico, do qual nada é visível, Israel opõe-se à 209 soberania palestina sobre a Esplanada das Mesquitas, a qual com o santuário do Domo do Rochedo e a Mesquita de ElAqsa, bem visíveis, é o terceiro lugar santo do Islã. No decurso dos 35 anos de ocupação da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, Israel criou mais de duas centenas de assentamentos de colonos, sobretudo na Cisjordânia. Para esse efeito, apoderou-se de todos os recursos hídricos e da maioria das terras da Cisjordânia: umas declarou-as baldias e outras, especialmente as que pertenciam aos refugiados ou a outras pessoas ausentes em 1967, foram confiscadas. Calcula-se que haja, hoje, 200 mil israelitas a viver na Cisjordânia e outros tantos em Jerusalém Oriental, ao lado de cerca de 2 milhões de palestinos. Na Faixa de Gaza há 6.900 israelitas, que dispõem de cerca de 20% do território, ao lado de cerca de 1 milhão e 200 mil palestinos, dos quais cerca de 70% são refugiados. 33% dos palestinos da Faixa de Gaza vivem nos campos de refugiados administrados pela ONU. Superpovoada, a Faixa de Gaza é um dos territórios do mundo com maior densidade demográfica. A instalação de cidadãos civis do Estado ocupante num território ocupado foi explicitamente proibida pela IV Convenção de Genebra, relativa à Proteção das Pessoas Civis em Tempo de Guerra, que Israel assinou. Por isso, a colonização israelita de Jerusalém Oriental e dos demais territórios ocupados foi, muitas vezes, declarada ilegal pelas instâncias da ONU (Conselho de Segurança e assembléia Geral). Nas mesmas ocasiões as ditas instâncias internacionais exortaram Israel a anular todas as medidas tomadas no sentido da colonização dos territórios ocupados. Ainda é preciso assinalar algumas imagens correntes do conflito israelo-palestino que deformam completamente 210 a realidade. Embora haja uma imensa admiração pelas proezas de Israel, notadamente pelas suas façanhas militares, tende-se não raro a pensar que as partes envolvidas no conflito israelo-palestino têm forças mais ou menos iguais. Ora, isso é inteiramente falso. Israel é uma grande potência militar não só regional, mas também mundial. Tem um dos exércitos mais poderosos do mundo, bem como um poder econômico apreciável (com fartura de recursos de todo o mundo). Além disso, seja qual for o seu governo ou a política seguida, tem disposto e continua a dispor, incondicionalmente, do apoio econômico diplomático e político dos Estados Unidos, seja qual for o partido da sua administração. Como se sabe, os Estados Unidos são atualmente a única superpotência, e agem como donos incontestados do mundo. Pelo contrário, os palestinos são na sua maioria, um povo de refugiados sem nada que se compare, nem de muito longe, com os trunfos de Israel. Aliás, a incipiente infraestrutura econômica palestina foi em grande parte destruída por Israel nos últimos meses. Dada a imensa desigualdade de forças, é quase impossível que haja autênticas negociações entre as duas partes. De fato, Israel tem agido e continua a agir como quem quer, pode e manda, com a certeza de que os palestinos terão de acabar mais uma vez por vergar a espinha e aceitar as suas condições, apanhar as migalhas que eles se dignam atirar-lhes. Longe de reconhecer a imensa injustiça que cometeu e continua a cometer para com os palestinos, Israel tem agido e age para com eles com uma prepotência e uma arrogância imensas, particularmente chocantes, porque vindas de pessoas que sabem, ou deviam saber, melhor do que ninguém o que é ser vítima da injustiça. 211 Esse comportamento tem provocado e provoca cada vez mais uma humilhação indizível nos palestinos. Do ponto de vista humano, é porventura isso o que mais profundamente os fere. A desproporção abissal entre as forças em confronto explica a diferença na natureza das armas usadas e nas formas de combate adotadas pelas partes, deitando cada uma mãos dos meios de que dispõe. À desproporção nas forças corresponde naturalmente a desproporção na grandeza da violência e do terror semeados pelas partes, no número de vidas destruídas e na dimensão dos danos materiais causados. Não é raro que os meios de comunicação social apresentem os palestinos como os iniciadores do conflito que os opõe a Israel, isto é, os agressores. Ora, isso é pôr a realidade do avesso. Na melhor das hipóteses, os meios de comunicação social apresentam as duas partes como se estivessem num pé de igualdade do ponto de vista jurídico e moral, o que é falso. Dêem as voltas que quiserem, mas o fato insofismável é que Israel é o ocupante e os palestinos são os ocupados. Israel é o opressor e os palestinos os oprimidos. Os palestinos lutam para se libertar da ocupação e da opressão. Israel luta para perpetuar a ocupação e a opressão. Os palestinos, autóctones da Palestina, não invadiram a terra de ninguém, não colonizaram ninguém. Foram, sim, as vítimas de um processo de colonização clássico, do qual, em última análise, as potências européias vencedoras da Primeira Guerra Mundial – a Grã-Bretanha, em primeiro lugar – assim como os Estados Unidos são em grande parte os responsáveis. Como costuma repetir o Patriarca Latino de Jerusalém, Monsenhor Michel Sabbah, “a ocupação israelita é, no caso 212 presente, a violência fundamental. É ela que engendra as outras violências de que tanto se tem falado nestes últimos tempos. Ao reconhecerem o Estado de Israel, quando dos acordos de Oslo, os palestinos renunciaram aos cerca de 78% da sua pátria de que o dito Estado os despojou em 1948-1949. A única coisa que reclamam é a devolução dos cerca de 22% da Palestina que Israel conquistou em 1967 para neles criarem o seu Estado, ao lado do Estado de Israel. Assiste-os em toda a linha a legalidade internacional, cuja aplicação não fazem senão exigir”. O Islã e o Imperialismo “Guerra Santa” ou Caça ao Terrorismo? Qual a Verdadeira Posição de Bush? Após os terríveis incidentes ocorridos em 11 de Setembro, o Presidente norte-americano G. W. Bush (George Walker Bush) declarou ao mundo o início de uma verdadeira “Guerra Santa” contra os muçulmanos, responsáveis pelo horror sofrido por seu país – o que levantou ondas de ódio entre os islamitas espalhados por todos os países do mundo. Aparentemente, seus motivos para tal atitude seriam uma espécie de “troco” contra o ataque ao centro comercial internacional, baseando-se no aspecto religioso que poderia ter incitado os momentos de terror, pois os muçulmanos guerreiam por Deus e por seus direitos e liberdades. Sabendo que Osama Bin Laden monta camelo, cavalo, jegue, etc., mas nunca soube dirigir aviões e tanques, por que não imaginar que foi o serviço de informações americano 213 que bombardeou o centro comercial, em 11 de setembro, a fim de provocar o mundo inteiro contra os muçulmanos e, principalmente, contra o Al Kaeda?! Quem de nós que não sabe que Bin Laden e seus irmãos são sócios dos Bush, pai e filho, em uma grande exploradora de petróleo da América?! Será que G. W. Bush não matou ainda Bin Laden por fracasso das forças militares americanas, mesmo tendo dinamitado tantas cavernas no Afeganistão, além de suas montanhas?! Ou será que não eliminou Bin Laden porque antes precisa encontrar outro “bode expiatório” para poder continuar a explorar o petróleo do mundo islâmico?! No mesmo sentido destas proposições, citamos a seguir outras opiniões que reafirmam e convergem com nossos questionamentos sobre o assunto. Inicialmente, acompanhemos alguns trechos da entrevista dada por Lyndon LaRouche à Jack Stockwell da Rádio KTKK-AM, de Salt Lake City, Utah, EUA, na manhã de 11 de setembro de 2001, ao mesmo tempo em que ocorriam os ataques a New York e Washington: “LL: Sim. Há um processo global. Veja, o sistema financeiro está quebrando. Isto é sempre perigoso, porque, quando o sistema inteiro está sendo sacudido da forma atual pelo colapso financeiro, eventos políticos acontecem, porque várias pessoas tentam interferir e orquestrá-los com intervenções espetaculares, que mudarão, digamos, tirarão a atenção pública de algo e a dirigirão para outro.(...) JS: (...) o FBI está dizendo agora que os aviões foram possivelmente sequestrados para o ataque. Se alguém pode fazer isso com o WTC, o que não fará com a Casa Branca? LL: Certamente. Estou muito preocupado com isto. Sabe, não tenho muita simpatia para algumas dessas 214 agências. Mas estou preocupado, não como pré-candidato presidencial, e sim com a segurança dos Estados Unidos da América e a paz no mundo. Isso não é bom para a saúde da nação ou do mundo. Essas coisas não deveriam acontecer. Podemos preveni-las. Mas não o fazemos, porque, eu não sei. Alguém deixou isso acontecer. JS: Como você preveniria as atividades terroristas? LL: Bem, se não... se deixarmos de lado o mito de que há um bando de desconhecidos saindo da neblina, e que ninguém sabe de onde vieram, então vocês perguntariam: “como podemos parar as ações terroristas?” Se você souber como o mundo é organizado atualmente, saberá que não se pode organizar e sustentar a preparação de ações terroristas em nenhum país sem o apoio de um Governo poderoso, ou governos. Se você souber que a ação é...eu diria, “sabe, eu venho avisando contra as ações de Teddy Goldsmith, porque sei com quem ele está ligado politicamente - é extremamente perigoso”. Se eu fosse presidente, ou estivesse numa posição similar agora, teria uma completa, muito discreta, mas muito completa e efetiva discussão com alguns governos do mundo e, juntos, tomaríamos medidas adequadas para neutralizar esse tipo de perigo. Naturalmente, não há 100% de certeza nesse tipo de coisa, mas podem-se fazer muitas coisas adequadas. Dois aviões, é um caso bem grande...um avião, poderia não ser detido, mas dois...Não, não é um caso desprezível. JS: Não, é muito sério. Espere um pouco, La Rouche. Tenho uma atualização que devo dar aos ouvintes. Obrigado, Don. Lyndon, há alguma razão para que isso não seja coisa de Bin Laden? LL: Sim, há várias. Osama Bin Laden é controlado, não é uma força independente. Lembre-se como ele surgiu. Era um saudita rico. Nos anos 70, no Governo (Jimmy) Carter, 215 ou melhor, no Governo (Zbigniew) Brzezinski, a idéia de deflagrar uma guerra afegã na fronteira com o território soviético foi imaginada por Brzezinski como uma ação geopolítica. Ele foi o responsável. Ele não necessariamente a planejou, é certo, mas a coisa começou e uma unidade anglo-americana, junto com um certo grupo de militares paquistaneses “espertinhos”, a conduziram. O Governo estadunidense, o britânico e outros – isto é, os nossos “espertinhos” – recrutaram um bando de islâmicos para lutar contra o comunismo e defenderem o Sagrado Islã, etc., em vários países, e os despacharam. Depois, mataram alguns deles, sabe, eram descartáveis, não fizeram um seguro, quando foram recrutados. Mas eles foram recrutados. Bin Laden era um dos grandes financiadores, um conduto de dinheiro usado por gente como o então vice (-presidente) George Bush. Era o (caso) Irã-Contras, o chamado Irã-Contras, que prefiro chamar por outros nomes que não posso dizer no ar. Isto ficou para trás. Subitamente, reencontramos Bin Laden como o nome do dia. Ele não duraria muito, da forma como anda por aí, se não tivesse muita proteção. E não só de uma seção dos governos paquistanês ou afegão, mas de outros governos que gostariam de ver os efeitos que ele produz. Agora, ele é o culpado. Em algum momento, será morto e dirão que o problema está resolvido. Mas nunca se considera quem o mobilizou, quem o criou, quem o protegeu, quem despachou seus comandados e para que propósito. (...) Num caso assim, não creia que nomes famosos que todos conhecem, ou que o FBI cita etc., são o problema. Podem ser parte do problema. JS: Estamos...se uma guerra maciça estourar no Oriente Médio a qualquer momento, ninguém se surpreenderia. Se (Vladimir) Putin for assassinado, se 216 (Yasser) Arafat for assassinado, se (Ariel) Sharon for assassinado, ninguém se surpreenderia. Isto é, estamos sobre o maior de todos os barris de pólvora. Com todas as provocações que poderiam ocorrer pelo mundo, para obstaculizar a unidade econômica e o desenvolvimento que começam a ganhar velocidade entre as grandes potências do outro lado do planeta, porque lançar um jato no WTC? LL: É para provocar os EUA, é a única razão. Como você provavelmente sabe – por exemplo, surgirão histórias de que isto foi feito por algum grupo árabe protestando contra a simpatia dos EUA por Sharon, ou pelas Forças de Defesa de Israel. Não sei se elas matarão Sharon amanhã, quer dizer, porque há um conflito real por lá. E esses sujeitos tendem a atirar primeiro e pensar depois. Alguma história assim. Estamos numa época em que a palavra não é terrorismo. O terrorismo é parte da situação. A palavra é “desestabilização”. O problema, do meu ponto de vista, é o nosso próprio Governo. Ainda somos, em certo sentido, uma espécie de superpotência. Acho que o termo não é apropriado para o nosso estado atual, mas éramos uma superpotência e ainda temos uma posição dominante no mundo. Mas, que tipo de Governo temos? Bem, o (presidente George W.) Bush. Tudo está desmoronando, e vejam o pobre secretário (do Tesouro, Paul) O’Neil balbuciando; vejam (o secretário de Defesa, Donald) Rumsfeld, que virou piada em seu próprio Departamento de Defesa.” Como sabemos, Lyndon H. LaRouche Jr, é economista e fundador da revista Executive Intelligence Review (EIR). Tem se destacado internacionalmente por suas precisas análises da crise econômico-financeira mundial. Autor de vários livros já publicados no Brasil, LaRouche foi também pré-candidato registrado à indicação para as eleições 217 presidenciais estadunienses de 2004, pelo Partido Democrata. Entre suas obras, destacamos o livro “Terror Contra o Estado Nacional”, que trata os ataques desfechados em Nova York e Washington, em 11 de setembro de 2001, retratandoos não como ações terroristas convencionais, mas, como tem insistido desde o primeiro momento, uma operação especial clandestina contra o governo dos EUA, operação esta que, mesmo envolvendo elementos de organizações radicais islâmicas, não poderia ter sido executada sem uma cumplicidade ativa e passiva de elementos situados nos altos escalões do Establishment de segurança dos próprios EUA. Além desses trechos da entrevista de LaRouche, concedida em 11 de setembro, apresentamos outra de suas entrevistas sobre o tema e mais um artigo escrito pelo jornalista Umberto Pascali, que foi publicado anteriormente ao livro, na Executive Intelligence Review, em 02 de novembro de 2001, para corroborar a seriedade do que dissemos neste capítulo. Assim, vejamos alguns trechos da entrevista dada por Lyndon LaRouche à Rádio Radicale da Itália, a qual foi conduzida pelo jornalista Andrea Billau, em 20 de setembro de 2001: “AB: Eu quero começar por um artigo que li, em que o sr. insiste em que o que aconteceu na semana passada nos Estados Unidos foi um ataque genocida perpetrado por forças renegadas, coordenadas de dentro dos Estados Unidos, porque nenhuma força estrangeira tem a capacidade para fazer o que foi feito na terça-feira. Bem, o sr. pode explicarnos esta afirmativa tão séria e importante? LL: O que aconteceu não poderia ter sido feito pelas assim chamadas organizações terroristas internacionais. E, 218 tecnicamente, não poderia ter sido feita pelos Estados Unidos à União Soviética nos dias da velha Guerra Fria. Isto foi uma operação altamente profissional, de alto nível militar. E isto envolve enormes recursos e coordenação, que ainda não existem fora dos Estados Unidos da América. Envolve elementos que foram recrutados pelos Estados Unidos da América e outros serviços de inteligência da Europa e Israel, durante os dias da assim chamada operação IrãContras. AB: Portanto, no seu ponto de vista, Osama Bin Laden não é responsável por este ataque terrorista? LL: Não. Osama Bin Laden é um ruído, que foi criado pelo esforço conjunto dos serviços de inteligência britânico, dos EUA e Israel, durante os dias da Guerra do Afeganistão. Neste interim, ele se tornou um ruído para a Rússia e para outros países, de modo que aqueles que estão tentando desviar o assunto estão tentando colocar nele o foco do problema. Ele é um problema, mas não é o problema que está por trás da crise nos Estados Unidos.” Notamos que as considerações feitas por La Rouche tratam de dados muito importantes, aos quais se acrescentam as interessantes afirmações apresentadas por Umberto Pascali, como vemos nestes trechos do artigo “EUA protegem terroristas da AL-Qaeda em Kosovo”: “Enquanto os EUA estavam bombardeando incansavelmente o Afeganistão, com o objetivo oficial de pegar Osama Bin Laden, um dos principais colaboradores de Bin Laden estava dirigindo um campo de treinamento de terroristas em uma área de Kosovo que está sob controle dos EUA. Esta chocante revelação foi confirmada por diversas fontes: agências de inteligência da Macedônia, como relatado na imprensa macedônica, inclusive no jornal 219 Dnevnik, um dos principais do país; agências de imprensa russas, inclusive a Novosti e a Itar Tass; e o jornal londrino The Independent. (...) Mas quem é o DR. Ayman al- Zawahiri, cujo irmão Zaiman está dirigindo campos terroristas em Kosovo sob a proteção da OTAN, na zona controlada pelos militares dos EUA? Como escreveu recentemente o jornal londrino The Guardian, “até mesmo dizer que ele é o braço direito de Bin Laden é subestimar a sua importância”. Muitos observadores o consideram o verdadeiro cabeça do que é conhecido como a organização de Bin Laden. “Alguns analistas acreditam que, em seu papel atual no Afeganistão, Al-Zawahiri assumiu o controle de grande parte das finanças, operações, planos e recursos de Bin Laden”, disse o jornal. A sua carreira terrorista conhecida começou não após 1981, com o seu envolvimento no assassinato do presidente egípcio Anwar el-Sadat, e incluiu a tentativa de assassinato do presidente egípcio Hosni Mubarak, em 1995, e o massacre de 70 turistas em Luxor, Egito, em 1997.” Retornando ao nosso ponto de partida, vamos prosseguir com nossa análise acerca dos motivos de G. W. Bush. O Presidente foi aconselhado por seus auxiliares diplomáticos quanto às interpretações errôneas que sua afirmação sobre o início uma “Guerra Santa”, poderia causar nas relações diplomáticas com o mundo muçulmano, de modo que ordenou aos diplomatas norte-americanos a visita aos centros islâmicos do mundo inteiro, esclarecendo sua posição e ressaltando que sua ofensiva se dirigia ao terrorismo e não ao Islã. Isto dito, nossa Comunidade Islâmica de São Bernardo do Campo recebeu a visita do Cônsul norte-americano, 220 que concedeu-nos um diálogo bastante interessante acerca das questões que teriam qualquer espécie de vínculo aos acontecimentos de “11 de setembro”, os quais abalaram o mundo. Com permissão do Cônsul, desenvolvi minha linha de raciocínio, questionando-o sobre o fato dele se considerar um cristão, assim como o próprio Bush, tendo uma afirmativa como resposta a essas questões. Diante disso, direcionei meu questionamento para a crucificação de Jesus Cristo, de modo que ficasse evidente o fato de que foram os judeus os responsáveis pela crucificação. Procurei, ainda, demonstrar que há “interesses” envolvidos na guerra, seja esta de que tipo for, e que sempre há quem procure obter vantagens destes momentos de conflito. Assim, se foram os judeus que fizeram a crucificação de Jesus Cristo, e se o presidente Bush se considera um cristão, como pode defendê-los contra os muçulmanos? E aqui julgamos conveniente fazer-se um parênteses acerca do que nos relata o Alcorão quanto à crucificação de Jesus. De fato, o Alcorão não nega a crucificação em si, mas nega que tenha sido Jesus Cristo o crucificado, afirmando que Jesus foi levado para o céu por Deus, e em seu lugar teria sido crucificado um judeu, que foi por Deus tornado a imagem de Jesus. Por outro lado, conforme a história nos conta, os judeus foram aqueles que acusaram a Virgem Maria de não ser imaculada ao ter um relacionamento com José, o carpinteiro. Já o Alcorão, livro sagrado dos muçulmanos, inocenta a Virgem Maria, registrando sua história como sendo pura, filha de puros, afirmando que era imaculada, como nós destacamos em momento apropriado. 221 Assim, se a história ocidental nos conta que os judeus assassinaram Jesus Cristo, a pergunta que surge é a seguinte: como é que esses assassinos conseguiram firmar relações tão amistosas e de irmandade com os seguidores de Jesus, crendo em parte num mesmo livro sagrado? E ainda, como esses assassinos podem ter sido ‘inocentados’ pela autoridade do Papa João XXIII? Os judeus de hoje nada tem a ver com os judeus dessa história passada? Desse modo, constatamos que o Presidente G. W. Bush procura sempre apoiar os judeus de Israel contra os palestinos de maioria muçulmana, às custas de mentiras, tais como, por exemplo a acusação não comprovada de que o Iraque teria armas nucleares armazenadas, quando na verdade tal atitude objetiva exclusivamente o enriquecimento da nação norte-americana com o petróleo Iraquiano. Enquanto isso, o Presidente Bush fecha olhos e ouvidos sobre a existência de armas nucleares em Israel (dos judeus), apertando cada vez mais, o cerco aos iranianos (muçulmanos), mesmo quando se sabe que o uso dessa energia nuclear destina-se para fins pacíficos e científicos!! Ora, sabe-se que a região do Oriente Médio é o coração do mundo por apresentar as maiores reservas de petróleo, o ouro negro da humanidade. O controle políticoeconômico dessa região representa um poder sem comparação. Assim, como cogitar a hipótese de que sendo um cristão e conhecendo a verdadeira história sobre a crucificação de Jesus Cristo, um presidente poderia se opor aos árabes em favor dos judeus? Será que Bush sabe desses fatos ou não? Caso saiba, quais são, então, suas verdadeiras razões? Estaria ele disposto a iniciar uma “Guerra Santa”, ou seria tudo isto 222 apenas uma “desculpa” de que ele se utilizou como motivo para poder apropriar-se das terras petrolíferas? Todas essas e outras questões não têm o interesse de levantar polêmicas quanto à fé, mesmo porque fé não se questiona, é um direito universal de cada cidadão do mundo. A minha intenção é refletir sobre o mundo Islâmico e a sua influência na vida de todos nós. Os judeus alegam que Israel é a terra prometida e que eles estiveram lá há três mil anos e por isso teriam seus direitos. Então, perguntamos o seguinte: E os direitos de quem esteve e está lá há mais de três mil anos? Traçando um paralelo com o que vigora no Direito Civil Brasileiro sobre o Usucapião, quanto aos direitos de propriedade estes últimos (os palestinos) não deveriam ter seus direitos sobre essa terra prevalecidos, bem como têlos garantidos? Será que os palestinos vieram do exterior para invadir Israel e usar métodos terroristas, ou os judeus que foram à Palestina, a partir da promessa de Balfour e do auxílio britânico, desde 1917, usando as forças britânicas e depois as armas americanas, para massacrar e expulsar os palestinos para os territórios vizinhos? A partir de 1948, os palestinos e os árabes estão “pagando o pato” pelos massacres ocorridos com os judeus na Alemanha e em outros países da Europa. Ressaltamos que os judeus nunca sofreram maus tratos nos países árabes e muçulmanos. A história mostra e a realidade atual confirma as tantas liberdades e direitos consagrados e reconhecidos a todos os seres humanos, como nós já ilustramos pelas passagens do Alcorão Sagrado, pelos relatos do nosso profeta Mohammad (SAAS) e ainda pelo comportamento de nossas lideranças até a presente data. 223 Percebe-se, então, que todos os problemas existentes no Oriente Médio, tão tristes, vêm sendo causados pelas atitudes de reis e de presidentes, que levaram-nos a tal situação, sem precedentes em nossa história. Falar o que não se fala Há um ditado inglês que diz: “Minta, minta e minta!!! Quem sabe alguém acredita em alguma coisa!...” O Presidente Bush diz que entrou no Iraque para salvar o mundo de armas químicas... Armas que não foram encontradas... Bush não pediu desculpas pela invasão à nação iraquiana... Bush continuou mentindo... Bush declara que a resistência no Iraque é do Al Kaeda e dos estrangeiros, mas ele reconhece que a luta é dos próprios iraquianos. Ele tem procurado os revolucionários para um acordo. Assim, a América enviou cento e cinqüenta mil soldados ao Iraque, sendo homens jovens em sua maioria. Esses jovens querem mulheres e estão de armas nas mãos. Espalhados pelas ruas, invadem casas e suas festas não têm mais fim, estuprando as mulheres iraquianas. Milhares já foram e estão ainda sendo estupradas pelos soldados norte-americanos, para saciar o prazer pervertido. Para os árabes, isso que ocorre com suas mulheres é uma grande desonra. É uma sujeira nojenta que, para lavar, só com sangue. Razão pela qual, todos os iraquianos estão lutando contra os americanos: cristãos, sunitas, curdos e outros. Os americanos estão iludidos, são interesseiros, só vêem nas outras nações o que podem delas obter de valor 224 econômico. Quando vão criar um juízo e uma consciência a respeito das outras nações, ou entender e valorizar outras culturas? Chegam a se atolar na lama e apagar o charme que a América tinha! O estupro não é ato de amor, é um crime abominável e condenado por todas as legislações do mundo!!! Todos os crimes, até a prisão de Abou Gharib, estão sendo investigados, mas quanto a resultados nada!!! Bush tem como um grande apelo a democracia, a liberdade e a justiça, da mesma maneira que o povo palestino, que realizou uma grande eleição, sob fiscalização internacional. Foram eleições limpas e livres. Mas Bush castiga o povo palestino porque elegeu “Hamás”, cortando a ajuda econômica e proibindo outros países de ajudar o povo palestino. Bush quer reinar, quer que todos respeitem suas ordens, mas ele não respeita as liberdades e direitos próprios de ninguém. Que moralidade é essa de Bush e dos americanos?! Bush dirige centenas de milhares em seus exércitos, com as mais sofisticadas armas para destruir o Afeganistão e o Iraque. Enquanto explora o petróleo desses países, ele arma Israel, dando poder para assassinar civis palestinos, entre eles, mulheres, crianças, velhos, jovens... Enquanto isso, continua falando a todos os outros povos sobre democracia e liberdade...!? Os muçulmanos, povos do Afeganistão e do Iraque, são gente também!! Só poucos palestinos ou iraquianos se levantam para defender a pátria, a família e a honra (ALARD e AL-ARDH) e são terroristas?! Que justiça, que democracia e que liberdade são essas Presidente Bush??? Se existe terrorismo, ele se manifesta sob o terror dos americanos e israelistas que usam todas as armas, as mais modernas e sofisticadas, para a destruição e matança 225 sumária, e não sob a ação daqueles que usam facões e fuzis simplesmente para se defenderem. Foi a América que armou Bin Laden, para expulsar os russos do Afeganistão. Bush não poderia ter matado Bin Laden? Ou ele só quer protegê-lo?... Afinal, trata-se de um sócio na exploração de petróleo com Bush e de um aliado nesta guerra injusta... Se Bin Laden morre, a América tem que pôr outro no lugar ou desocupar o Afeganistão e o Iraque, por ausência do motivo que usam para justificar e manter sua presença nessa região. Como se sabe, em Guantãnamo, Bush fez prisões secretas de centenas de pessoas sem julgamento, defensor, direito de defesa, repetindo as jogadas injustas, de autoritarismo e hoje classificadas como crimes, do Rei George da Bretanha e do Papa de Roma, antes de 1215 e da 1º Carta Magna. Em última análise, percebemos que Bush apela para valores falsos, que lhe permitem usar a guerra como instrumento e desculpa para apropriar-se de regiões estratégicas no mundo, oprimindo-as como agora faz com o mundo muçulmano, onde o petróleo é a alma e o corpo de tudo e de todos. 226 Considerações Finais Através deste singelo trabalho, procuramos apresentar o Islã em sua base moral, bem como o moral do Profeta Mohammad (SAAS), que sempre foi um anti-terrorista e ferrenho defensor da paz. Aliás, procuramos ressaltar, em todo o desenrolar deste estudo, que a missão islâmica é a conciliação entre as religiões e filosofias, num movimento pacificador dos seres humanos, a fim de realizar a aproximação entre as partes, promovendo o bem-estar, a felicidade, a boa convivência e, principalmente, a utilidade para com o próximo. Tivemos o cuidado de destacar que o Islã, ao reconhecer os direitos e as liberdades de todos os seres humanos indistintamente, coloca-se contra toda e qualquer tipo de discriminação, seja de cor, raça, crença, posicionamento ou de sexo. Mostramos, também, que o Islã não discrimina sequer os mensageiros de Deus, pregando que todos são irmãos perante o Senhor e que suas missões são divinas, reconhecendo os direitos e as liberdades de todas as crenças contra a agressão e a ocupação de seus templos, criando leis e regulamentos morais até mesmo para as situações de disputas e de contendas políticas. Além disso, ressaltamos o respeito necessário para com todas as minorias, em especial para com os idosos, crianças e mulheres, poupandoos de qualquer forma de desrespeito ou agressão. 227 Por outro lado, tivemos a intenção de demonstrar que o Alcorão Sagrado destina dois capítulos para o relato sobre a linhagem e vida de Al-Imran (família da Virgem Maria e de Jesus Cristo), enquanto não apresenta nenhum capítulo que relate sobre a família e a vida das esposas ou filhas do Profeta (SAAS), o que denota o grande valor e importância dedicados a Virgem Maria e a Jesus. Além disso, ressalta-se a pureza da Virgem Maria, inocentando-a de qualquer acusação feita por judeus ou por quem quer que seja quanto à sua reputação ilibada. E, por fim, destaca-se mais um milagre relacionado a Jesus Cristo que, com o apoio de Deus Todo Poderoso, não foi crucificado, tendo sido salvo e levado para o céu, de onde um dia irá ressuscitar e voltar ao mundo. Tudo isso vem negar as desculpas dadas pelas cruzadas feitas ao longo de nossa história, uma vez que – como tivemos a intenção de reforçar inúmeras vezes – a oligarquia “inventa para dominar”, desenvolvendo um preparo psicológico em laboratórios que possibilite a formação de um ambiente internacional, que aceite a barbaridade humana, como se fosse uma floresta dominada pelo leão e pelo tigre. Nesse sentido, essa oligarquia se utiliza de inúmeros mecanismos para dominar e explorar o globo terrestre, mesmo valendo-se das mais ferozes armas químicas existentes, como é o caso da bomba atômica. Infelizmente, o presidente Bush se esquece de que o único país no mundo a utilizar a bomba atômica e causar a morte de milhões de pessoas foi o próprio Estado norte-americano, que tem se valido da ideologia defensora dos direitos, liberdades e democracia, para justificar sua atuação em todas as partes do planeta, mostrando que tem uma fala totalmente diferente de sua ação. 228 É preciso reconhecer que os Estados Unidos são os primeiros a pregar a defesa da liberdade e da democracia no Ocidente, ao mesmo tempo em que vão conquistando outros povos, tirando deles suas próprias liberdades e garantias individuais. Isso significa que não demorará muito para que os norte-americanos percebam que estão sendo usados argumentos falsos, provocando a perda de valores morais e do respeito para com os direitos dos outros, graças à política empreendida por Bush e seus seguidores. Com efeito, a invasão do Iraque, segundo a escola imperialista, é apenas um elo da corrente de apropriação do petróleo existente no Oriente Médio, da mesma forma como já ocorreu no Kuwait e no Afeganistão. Os norte-americanos fomentam as facções divergentes para que lutem entre si, forçando-as e ajudando-as na medida de seus próprios interesses, como podemos ver hoje em dia no Iraque. Assim, como a luta desagradava ao governo árabe sunita, foi pedido que se eliminasse o partido “Hizbollah” no Líbano, de modo que Israel foi encarregado de resolver o problema deflagrando outro conflito na região. A questão da Palestina é outro ponto nevrálgico em nosso estudo. Baseada na alegação sionista de ser a terra prometida aos judeus, foi analisada por uma comissão de justiça, representada por uma entidade católica. Todavia, sabemos que historicamente, cristãos e muçulmanos, árabes ou não, estão lado a lado contra as mentiras dos agressores. Desse modo, julgamos que o mundo humano, quando comparado ao mundo animal, também quem manda é o mais forte. Porém, acreditamos que a solução seja – como sempre foi – voltar a Deus, temer a Deus, o Sapientíssimo, o Clemente e o Todo-Poderoso, que fará o juízo no Dia Final, 229 dando o Inferno como troco ou recompensando com o Paraíso. E nesse sentido, não acreditamos que a ONU seja capaz de resolver os conflitos na Palestina, uma vez que sua política se manifesta com “dois pesos e duas medidas”. E aqui fazemos analogia à história da raposa, muito peculiar para este contexto. “Certa vez, uma raposa queria dividir um queijo entre dois ratos, de modo que cada um recebesse uma parte igual à do outro. Diante da primeira divisão, um dos pedaços acabou ficando maior que o outro. Então, a raposa mordeu o pedaço maior a fim de que ficasse igual ao menor. Todavia, após sua mordida o pedaço ficara menor que o outro. Percebendo que a raposa acabaria por comer todo o queijo sem conseguir deixar os pedaços em tamanhos iguais, os ratos disseram a ela que não se importavam com a diferença dos pedaços, aceitando-os de qualquer jeito. No entanto, a raposa disse-lhes que eles até poderiam aceitar a diferença, mas que a justiça não. E, então, foi comendo as partes do queijo até acabar com ele.” A maior prova disso é a sétima invasão do Líbano por Israel, com alegações insensatas e injustificáveis. O Primeiro Ministro israelense, Brak, disse que a captura de dois soldados isralenses, que estavam em território libanês, pela milícia de Hizbollah ,era uma declaração de guerra. Porém, o sequestro de milhares de inocentes que lotam as prisões israelenses, sem direito a julgamento, há dezenas de anos, sequestrados da Palestina e do Líbano, não constitui declaração de guerra!! Só Israel tem direirto de se defender, ninguém mais!! Assim é a Palestina: uma terra dividida em duas partes independentes, sendo um Estado para os israelenses e outro Estado para os Palestinos. Acontece, que a cada dia Israel 230 apropria-se de um novo pedaço do território palestino e a “raposa americana” atua para que seja garantida a independência de cada parte, em nome da democracia e de Jesus Cristo. Assim, gostaríamos de ressaltar que tanto Jesus Cristo como a democracia são inocentes e não devem ser acusados pelas atrocidades e barbaridades que os israelenses e norteamericanos vêm cometendo dia após dia. Por essa razão, nunca é demais falar sobre os direitos e as liberdades, pois a humanidade precisa restabelecer muitos dos valores morais, sociais e até mesmo religiosos que foram se perdendo por conta da propaganda ideológica praticada pela oligarquia internacional. E desse modo, esperamos que o nosso trabalho tenha contribuído para o esclarecimento das pessoas quanto a todos os aspectos aqui discutidos. 231 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABDO, Subhi Said. O Governador e as Bases do Governo no Islã. ABU HASSAN, Mohammad, Membro do Suprior Tribunal da Justiça - Amã, Jordânia. Palestra Proferida no Congresso das Entidades Isliamicas da América Latina e do Caribe, 1998 AD-DIFAÍ, Abdel Hamid. O Fórum Administrativo Entre a Legislação Muçulmana e as Leis Comuns. ARNOLD, Thomas. A Convocação Para o Islã BACHA, Dióca. Al-Andaluzia Perdida. BARAKE, Abdel Munem Ahmad. A Igualdade Entre Muçulmanos e Não-Muçulmanos. BECK, Ahamad Rida. A Frustração Literária da Política Ocidental. DAKDOUKI, Helui. Fiscalização dos Juizes na Legalidade Interna. GUÉNON, René. Símbolos da Ciência Sagrada. LAROUCHE, Lyndon H. Terror Contra o Estado Nacional. LEONARD, Glyn Arthur. Islam: Her Moral and Spiritual Value. L’HEUREX, Jean. Etude sur l’islamisme. LOTHROP, A. M. . 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Formado em Ciências Econômicas e Políticas pela Faculdade Nacional de Beirute, foi professor de 1960 a 1966. Chegou ao Brasil em 1966, tendo sido mascate até 1969; de 1969 até 1971, foi fabricante têxtil; atualmente, desenvolve o comércio de móveis. No Brasil, cursou a faculdade de Comunicação Social, com o objetivo de tornar-se editor de um jornal voltado à coletividade árabe e muçulmana. Assim, de 1967 a 1975, foi editor do jornal Al-Urubt. No período de 1975 a 1986, foi editor da Revista Arrissala, cuja missão centravase em publicações periódicas de artigos sobre os preceitos islâmicos. Atualmente, tem se dedicado à divulgação dos ensinamentos próprios da doutrina islâmica, destacando os desafios e as preocupações que a minoria muçulmana enfrenta no Brasil. Admirador fiel da doutrina, tem empenhado seus esforços a serviço do Islã e em benefício da cultura árabe e muçulmana.