O Islã - oooo ARRISSALA

Transcrição

O Islã - oooo ARRISSALA
EZZEDDINE HUSSEIN BALBAKI
O ISLÃ
E O CHOQUE DE
CIVILIZAÇÕES
Revista Arrissala
2006
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Agradecimentos
A Deus Todo Poderoso, que guia todos os meus passos
nesta vida.
Aos meus colaboradores, com suas obras e traduções,
em especial,
ao Professor Helmi Nasser, diretor do Centro Brasileiro
dos Estudos Árabes da U.S.P.
ao Professor Samir El Hayek, tradutor do Islamismo e
do Alcorão Sagrado, através de seus artigos no Jornal AlUrubat (de 1968 a 1975) e da Revista Arrisala (desde 1975),
voz de toda a coletividade muçulmana no Brasil.
E também, ao Professor Antônio Carlos de Souza
Meirelles e à Professora Sandra Andrioli, pelo auxílio na
redação e revisão do texto em português, tornando possível
a edição deste livro.
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SUMÁRIO
Introdução................................................................17
A base moral do Islã.................................................21
Os ritos tradicionais do Islã......................................40
O Islã e os Livros Sagrados.....................................59
O Islã e os mensageiros de Deus............................67
O Islã e as outras religiões.......................................91
O Islã e os direitos humanos....................................99
O Islã e o aborto.....................................................110
O Islã e a escravidão..............................................119
O Islã e a mulher....................................................131
O Islã e os idosos...................................................156
O Islã e os não-muçulmanos..................................170
O Islã e as minorias................................................187
O Islã e a Palestina................................................204
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O Islã e o imperialismo...........................................250
Considerações Finais.............................................266
Referências Bibliográficas......................................271
Nota sobre o Editor................................................279
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PREFÁCIO
O ISLÃ E O CHOQUE DE CIVILIZAÇÕES
Jesus (AS)1 disse: “Não me foi impossível
ressuscitar os mortos, mas me foi impossível curar
os néscios”. (Hadice do Profeta Mohammad)
O Islã, um enigma que desafia o Ocidente, precisa ser
compreendido em sua essência, em sua natureza e razão
de ser. Sem dúvida, uma religião emblemática, vigorosa, que
desponta nesta virada de milênio com poder extraordinário,
quatorze séculos após seu surgimento, em 622 d.C., na
cidade de Meca, na Arábia Saudita.
O Profeta Mohammad – também chamado Maomé no
Brasil, que revelou a mensagem de Deus ao mundo, morreu
em 632 e, em pouco tempo, menos de um século, a religião
islâmica já havia conquistado terras longínquas, milhares de
quilômetros rumo ao Ocidente.
Em 711, os muçulmanos entraram na Península Ibérica,
no continente europeu, de onde só sairiam oito séculos
depois. Chegaram, inclusive, às portas da Europa Central,
Roma e França, de onde foram repelidos.
Quando Colombo descobriu a América, em 1492, eles
deixaram Granada, na Espanha, último reduto da prolongada
ocupação. Mas deixaram também um rastro de cultura que
1) Iniciais da expressão árabe: “Alaihis Salam”, que significa: “Que a
paz esteja com ele”, utilizada após se citar o nome de qualquer profeta.
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muito enriqueceu as ciências do Ocidente, nos campos da
filosofia, da arquitetura, da música, da matemática, da
geometria, da literatura, da medicina, da astronomia, da
navegação, da química, da política e, principalmente, da
religião.
Também rumo ao Oriente, a expansão do Islã foi
extraordinariamente rápida, alcançando, no período de 641
e 718, Jerusalém, Constantinopla, Pérsia, Armênia, Índia,
China e África.
Tradicionalmente, um país ou um povo que se torna
muçulmano, assim continua. Todavia, na Península Ibérica
o Islã não prosperou, devido à resistência dos cristãos, que
não o aceitaram em seu meio.
O Islã está presente, hoje, em todo o globo, do Oriente
ao Ocidente, com perto de um bilhão e meio de pessoas.
Calcula-se que nos próximos trinta anos será a maior religião
do mundo, superando as igrejas cristãs. Assim, em se
tratando de uma religião que mais adeptos atrai, hoje o Islã
influencia – direta ou indiretamente – a vida de milhões de
pessoas. No Brasil, o Islã experimenta, na atualidade, um
forte crescimento.
O credo muçulmano é classificado, entre as religiões,
como monoteísmo semítico ou abrâmico (de Abraão), ao lado
do Judaísmo e do Cristianismo: o Judaísmo, revelado por
Deus a Moisés; o Cristianismo, revelado através de Jesus;
e o Islã através de Mohammad.
Convém notar que Abraão não era judeu, mas se tornou
pai tanto dos judeus como dos árabes. Do seu filho
primogênito Ismael, com Hagar, vieram os árabes; e do filho
Isaac, com Sara, vieram os judeus. De forma que Abraão é
o antepassado das três religiões monoteístas. Assim, o Jeová
dos judeus, o Deus dos cristãos e Allah, dos muçulmanos
são, na realidade, o único e mesmo Deus.
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Julgamos conveniente destacar que, das chamadas
religiões mundiais, só o Judaísmo é caracterizado como
religião de um povo, pois sua mensagem está restrita
praticamente aos judeus. Quanto ao Cristianismo e ao Islã,
eles se enquadram na categoria das igrejas universais, cuja
mensagem é dirigida a todos os povos. Cristianismo e Islã
buscam, vigorosamente, conversos, daí o crescimento e a
expansão dessas denominações em todo o mundo.
Apesar das origens comuns, as três igrejas irmãs –
Judaísmo, Cristianismo e Islã – protagonizaram ao longo da
história, e ainda protagonizam, conflitos, contendas e guerras,
muitas vezes instrumentalizadas como joguete nas mãos do
imperialismo e da oligarquia do poder mundial. É o que
acontece atualmente com os conflitos religiosos, armados,
que se espalham pelo mundo.
Em que pese esse quadro de violência, convém lembrar
que tais distorções não podem ser levadas como regra, como
fazem entender aqueles que as utilizam como elementos da
propaganda difamatória contra o Islã.
Nesse sentido, vale a pena reproduzir aqui um pequeno
texto do britânico William Stoddart – médico, escritor e editor da revista inglesa Studies in Comparative Religions, onde
está inserida uma advertência sobre esta questão: “O
primeiro pré-requisito para entender a religião do Islã é
separar inteiramente em nossas mentes a idéia transmitida
pela cobertura da imprensa atual sobre os países islâmicos
– ou mesmo pelo pronunciamento de alguns de seus líderes.
É verdade que existem ainda muitos países e dirigentes
islâmicos honrados no mundo, mas os líderes que mais
aparecem nos meios de comunicação são, freqüentemente,
tudo o que se quiser, menos autênticos muçulmanos. Alguns
são modernos revolucionários revestidos de “literalismo” ou
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de “fundamentalismo”... A política moderna lançou uma praga
em muitas (de fato, em quase todas) partes do mundo, não
apenas no campo islâmico. Algumas vezes, artigos de jornal
e revista ou programas de televisão sobre países islâmicos
são desonestos e parciais, e a pessoa tem de olhar pelo
menos um pouco abaixo da superfície para descobrir a
verdadeira situação.”
E a campanha mundial contra o Islã, produzida para
satisfazer as ambições de domínio da oligarquia, consiste
principalmente na guerra de propaganda, que hoje atinge
seu clímax. Fomentam e promovem os conflitos, que ceifam
milhares de vidas na Palestina, no Iraque e no Afeganistão,
assim como em outras partes do mundo, como aconteceu
há poucos anos, quando da fragmentação da antiga
Iugoslávia (Balcãs), onde milhares de muçulmanos foram
massacrados, sendo suas mulheres violentadas e
engravidadas intencionalmente pelos vândalos, naquilo que
se convencionou chamar cinicamente de “limpeza étnica”.
Sabemos que a base de operação anti-Islã, da guerra
ideológica, situa-se nos Estados Unidos, nação que é
dominada por políticos, além de outros “poderes”, que hoje
falam abertamente da “Guerra Santa” e do “choque de
civilizações”, para justificar a invasão do Iraque ou a
“cruzada”, nas palavras do presidente norte-americano
George W. Bush.
Para tanto, a oligarquia aplica técnicas refinadas de
psicologia de massa, que colocam em confronto as culturas
dos povos, em especial do Oriente e do Ocidente. O médico
e escritor francês, René Guénon, que se converteu ao Islã e
morreu no Cairo em 1955, alertava em sua época, para esse
conflito: “É de notar o desprezo e a repulsa que outros povos,
o oriental em especial, experimentam em relação aos
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ocidentais; que resulta em grande parte de que esses lhes
parecem em geral homens sem tradição, sem religião, o que
é a seus olhos uma verdadeira monstruosidade. Um oriental
não pode admitir uma organização social que não repouse
sobre os princípios tradicionais.”
Por outro lado, numa inversão de posição, ele nos induz
a um enfoque onde o ocidental, comparado ao oriental,
aparece como um espectador atônito, diante de uma ordem
de valores que foge ao seu alcance. E as ponderações de
Guénon se cristalizam nos dias de hoje, no trágico episódio
das charges blasfemas, com a imagem do Profeta
Mohammad, publicadas de forma provocativa em jornais
europeus, as quais geraram protestos em várias partes do
mundo.
Falando à imprensa de São Paulo sobre as charges, o
xeque Jihad Hassan Hammadeh, tocou no nervo da questão:
“O ocidente perdeu o valor do sagrado. Se os ocidentais
não respeitam os seus valores, imagine os dos outros.”
Temos, aqui, um enfoque do homem e da sociedade,
no plano da cultura planetária, que nos induz a uma crítica à
metodologia e logística do poder da oligarquia, na medida
em que ela coloca em confronto as culturas dos povos para
fazer prevalecer seus interesses. E, como já foi dito, é uma
tática que norteia a política externa do governo norteamericano na atualidade.
Tratam de valores que são objetos de ensaios em
laboratórios, institutos, onde são dissecados à luz da
sociologia, antropologia, psicologia, teologia e etnologia, entre outros. Esses laboratórios produzem estratégias de
domínio e munição para a guerra de propaganda, pelo
estímulo de conflitos entre as culturas, como é o caso do
Instituto Tavistock de Relações Humanas, existente na
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Inglaterra, que realiza pesquisas em conjunto com o governo
norte-americano. Este instituto, que é diretamente ligado à
casa real britânica, tem atuado como principal centro de
desenvolvimento de técnicas de “engenharia social” para uso
da oligarquia internacional, especializando-se no uso de
diferentes meios de comunicação de massa para criar o que
chamam de “um ambiente psicologicamente controlado”.
Da forma como foi aqui explanado, tentar analisar e
compreender o Islã, sob a óptica das aparências, daquilo
que a propaganda impõe às pessoas, quase sempre
desprevenidas, confiantes nas versões que são publicadas
em certos veículos de comunicação, é no mínimo temerário.
Pois, nada mais importante para o homem em sua existência
neste mundo, que a busca da verdade, mesmo que para
alguns, aparentemente, trate-se de coisas triviais e sem valor,
como insinuam os propagandistas, a soldo da oligarquia em
relação ao Islã.
Desta forma, conhecer a essência do Islã, com a
consciência livre, pode ser também um exercício profícuo e
edificante de liberdade e saber, uma vez que a proposta deste
livro nada mais é que a expressão da verdade, longe do
proselitismo, sem a mínima intenção de ferir este ou aquele
credo, esta ou aquela linha de pensamento.
Antônio Carlos de Souza Meirelles
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INTRODUÇÃO
Nos dias de hoje, as novas gerações, especialmente
as dos países ocidentais, vêem o Islã com certa dose de
preconceito, diante da avalanche de notícias tendenciosas
(contrárias ao credo muçulmano) a que são submetidas todos
os dias, principalmente pela imprensa mundial, em quase
todos os níveis. Inclusive a religiosidade dos povos
muçulmanos é questionada e objeto de ofensas de toda
espécie, não raro colocada em choque com as outras
crenças, como o Judaísmo e o Cristianismo.
Não é nossa intenção falar de maquinações ou
conspirações contra o Islã, como fazem alguns, muitas vezes
imbuídos da melhor das intenções. Ao contrário, o que
pretendemos realmente, é oferecer um esclarecimento sobre
o assunto, em especial ao leitor que almeja conhecer mais
de perto os elementos históricos fundamentais que
desencadearam esse conflito. Esclarecimento este que não
quer se limitar às versões que lhe são apresentadas por
aqueles que detêm nas mãos os meios de comunicação de
massa, poderes que, apesar de serem parte do problema,
fomentadores da discórdia que são, apresentam-se sempre
como “guardiões” da ordem, da liberdade e da verdade. Para
tanto, esmagam os povos a quem querem submeter, usando
como pretexto, o conceito contido em palavras de efeito,
como “radicalismo”, “terrorismo” e “totalitarismo”, muito
usadas hoje em dia.
Para justificar as ações e intervenções armadas que
promovem em nações de credo muçulmano, os patroci13
nadores da propaganda anti-Islã de hoje, criaram jargões
(palavras de efeito), como “conflito Oriente/Ocidente”, “guerra
religiosa”, ou então, com certa dose de ironia, “choque de
civilizações”. Procuram, inclusive, justificar suas ações como
conseqüência natural do fim da Guerra Fria, que durante
sete décadas castigou a humanidade, com o antagonismo
protagonizado pelos modelos comunista (liderado pela antiga
União Soviética) e capitalista (liderado pelos Estados Unidos).
No entanto, o que temos a dizer é que a Guerra Fria,
de certa forma, encobriu, escondeu do mundo as atrocidades
cometidas contra os muçulmanos, em inúmeras frentes, inclusive na ex-União Soviética. Com o fim do conflito leste/
oeste, o véu se dissipou e o Islã quedou no foco da propaganda da oligarquia do poder mundial, que deixou de lado o
repisado tema do conflito ideológico, que foi o motor que
moveu as contendas na Guerra Fria, para dar lugar ao conflito
religioso, um tema providencial, para justificar seu domínio
em várias partes do mundo, como estamos acompanhando
nos dias de hoje.
Caminhando em direção oposta às guerras e
contendas, o que pretendemos mostrar, através de
elementos comparativos, referem-se a pontos de convergência entre o Islã, o Cristianismo e o Judaísmo, para que o
leitor possa somar mais referenciais na hora de discernir, de
ponderar e meditar sobre o assunto. E também dar uma
contribuição, por mais modesta que ela seja, aos tantos
movimentos existentes no planeta, que promovem a paz e
pedem o fim do conflito entre árabes e judeus (incluindo os
cristãos, como declarou o presidente George W. Bush, para
justificar a invasão do Iraque, em 2003), que tanto penaliza
– direta ou indiretamente – os povos de todo o mundo, há
séculos.
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É inevitável que, nesse sentido, façamos uma
abordagem – mesmo que rápida – sobre a base moral e os
fundamentos do Islamismo e do Profeta Mohammad (SAAS)
sobre algumas das contribuições islâmicas nos diversos
setores da vida humana, sobre certas considerações feitas
por alguns sábios ocidentais quanto ao assunto em estudo
e, principalmente, sobre os direitos e liberdades referentes
aos muçulmanos e aos não-muçulmanos.
Além disso, apresentamos um pequeno questionamento à política norte-americana, em especial ao
Presidente G. W. Bush e à sua “guerra santa” ou à sua guerra
contra o terror dos pequenos como Bin Laden, que foi criado
pela própria América para expulsar os russos do Afeganistão
e conquistar o Iraque e demais países produtores de petróleo,
e ainda um outro questionamento quanto ao terror americano
e israelense, o qual tem se justificado sob a bandeira do
ideal de “democracia, liberdade e direitos”.
Evidentemente, todas as considerações presentes
neste trabalho dizem respeito a alguns questionamentos
feitos por um homem do povo, para outros homens
igualmente populares, deixando o julgamento para aqueles
que sabem de tudo, às vezes muito mais que nós.
1) Iniciais da expressão árabe: “Salla Allahu Alaihi wa Sallam”,
que significa: “Deus o abençoe e lhe dê paz”, utilizada após se citar o
nome do Profeta Mohammad.
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A Base Moral do Islã
Como se sabe, a religião é uma lei que disciplina a
vida, mostrando-nos o certo, o justo e o bom. Seu objetivo é
fazer com que o homem, através do conhecimento e da
prática do bem e, conseqüentemente, evitando o mal, alcance
seu fim último, isto é, seu encontro com Deus. Por
conseguinte, todos os deveres impostos ao homem pela
religião, convergem para o amor a Deus e às Suas criaturas.
Dessa maneira, temos que a relação do homem com o
seu Criador efetua-se em sua consciência; em contrapartida,
sua relação com as demais criaturas deve submeter-se a
um critério estável, determinado pela religião.
O Islã, como as demais religiões, prescreve um caminho
que garante a prosperidade na vida e faz de cada indivíduo
uma criatura exemplar. Além disso, prescreve orientações
morais que ajudam o homem a alcançar Deus, conforme
constatamos nos versículos abaixo, presentes na 17ª Surata
do Alcorão:
23. O decreto de teu Senhor é que não adoreis senão
a Ele; que sejais indulgentes com vossos pais; se a
velhice alcançar um deles ou ambos, em vossa
companhia, não lhes digais uffa, nem griteis com eles;
outrossim, dirigi-lhes palavras honrosas.
24. E estende sobre eles as asas da humildade, e
dize: Ó Senhor meu, tem misericórdia de ambos, como
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eles tiveram misericórdia de mim, criando-me desde
pequenino!
25. Vosso Senhor é mais sabedor do que ninguém
do que há em vossos corações. Se sois virtuosos, sabei
que Ele é Indulgente para com os penitentes.
26. Concede a teu parente o que lhe é devido, bem
como ao necessitado e ao viajante, mas não sejas
esbanjador,
27. Porque os esbanjadores são irmãos dos
demônios, e o demônio foi ingrato para com o seu
Senhor.
28. Porém, se te afastares deles, com o fim de
alcançares a misericórdia de teu Senhor, a qual almejas,
fala-lhes afetuosamente.
29. Não deixes a tua mão amarrada, nem a abras
completamente, porque te verás censurado, arruinado.
30. Teu Senhor concede e provê, na medida exata,
a Sua mercê a quem Lhe apraz, porque está bem inteirado
e é Observador dos Seus servos.
31. Não mateis vossos filhos, por temor à necessidade, pois Nós os sustentaremos, bem como a vós.
Sabei que o assassinato deles é um grave delito.
32. Evitai a fornicação, porque é uma obscenidade
e um péssimo exemplo!
33. Não mateis o ser que Allah vedou matar, senão
legitimamente; mas, se matardes alguém injustamente,
facultamos ao parente do morto a represália; porém, que
(o parente) não se exceda na vingança, pois ele está
auxiliado (pela lei).
34. Não disponhais do patrimônio do órfão senão
da melhor forma, até que ele chegue à maioridade, e
cumpri o convencionado, porque o convencionado será
reivindicado.
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35. E quando instituirdes a medida, fazei-o
corretamente; pesai na balança justa, porque isto é mais
vantajoso e de melhor conseqüência.
36. Não sigas (ó humano) o que não conheces,
porque pelo teu ouvido, pela tua vista, e pelo teu coração,
por tudo isto serás responsável!
37. E não te conduzas com insolência na terra,
porque jamais poderás fendê-la, nem te igualares, em
altura, às montanhas.
Estes são uma síntese da base moral trazida pelo Islã,
que não é apenas uma crença, mas um complexo sistema
de vida que se fundamenta no amor a Deus e aos homens;
que exige que o crente seja justo, fiel, indulgente, bondoso,
honesto, veraz, paciente, corajoso, generoso e trabalhador;
que condena a covardia, a inveja, o ódio, a mentira, a calúnia,
a agressividade, a corrupção e a traição.
No entanto, a fim de que não houvesse qualquer dúvida
quanto a seriedade de Seus preceitos, o Senhor cuidou para
que Seus mensageiros dessem testemunhos acerca dos
princípios morais que devem reger a vida de todo homem
temente a Deus, como podemos perceber nos relatos que
se seguem. Assim o Altíssimo Deus disse: “Conserva-te
indulgente, recomenda o bem e afasta-te dos ignorantes”
(ALA’RAF-7, 199).
Numa outra situação, o Altíssimo Deus ordenou a seu
Mensageiro (SAAS), orientar os bons comportamentos, isto
é, lidar com o povo, em comodidade natural e simples. Iben
Cacir disse: “O anjo Gabriel disse ao Mensageiro de Deus:
‘Deus te ordena perdoar quem te injustiçou... doar à quem
te prejudicou, lidar com quem te largou..., recomendar o bem,
com boas palavras e ações; afasta-te dos ignorantes,
recebendo eles bem e com sabedoria’.” E em relação a isso,
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Al-Curtubi disse: “Pode ser que as palavras são dirigidas ao
Mensageiro de Deus, mas servem como educação para todo
o universo.” (7/347).
Num outro momento, o Altíssimo Deus disse: “Mas
quando se esqueceram de toda a exortação, salvamos
aqueles que pregavam contra o mal e infligimos aos
iníquos um severo castigo, por sua transgressão.”
(AL’AARAF-7, 165).
Isto quer dizer que devemos salvar aqueles que
proíbem o mal na sociedade e castigar aqueles
desobedientes injustos que praticam o ilícito, pela falta
de fé e responsabilidade social. O Alcorão apresenta muitos
versículos neste sentido, como já tivemos oportunidade de
destacar.
Em outro relato, temos que Abu Said al Khudri (RAA)1
relatou que ouvira o Mensageiro de Deus (SAAS) dizer:
“Quem dentre vós presenciar uma ação ilícita, que se oponha
a ela com suas mãos; se não puder, que o faça com suas
palavras; se também não puder, que o faça com o coração,
sendo que este é o mínimo que se exige de sua fé.” (Muslim
49). Como se percebe, tratam-se de palavras dirigidas à toda
a humanidade.
Nesse sentido, Ibn Massud (RAA) contou que o
Mensageiro de Deus (SAAS) disse: “Todo profeta anterior a
mim, que foi enviado por Deus a uma nação, teve discípulos
e devotados companheiros, que lhe seguiram o exemplo e
puseram em prática as suas ordens. Porém, depois disso
vieram gerações que incitavam ao mal, diziam o que não
faziam, e faziam o que não lhes era mandado fazer. Pois
1) Iniciais da expressão árabe: “Radhiyal Láhu ‘Anhu”, que significa:
“Que Deus esteja satisfeito com ele”, utilizada após se citar o nome dos
companheiros do Profeta Mohammad.
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bem, aquele que os combateu com suas próprias mãos foi
um crente; aquele que os combateu com palavras foi também
um crente, e aquele que os combateu com o coração foi
também um crente. A partir daí não haverá uma mostra de
fé, nem que seja com o peso de um grão de mostarda.” (Muslim).” (Muslim 50).
O mesmo se verifica nesta outra situação, em que Abi
Walid, Ubada Ibn al Sámet (RAA) narrou: “Comprometemonos junto ao Mensageiro de Deus (SAAS) a escutá-lo e a
obedecer-lhe, tanto em tempos de escassez com de
abundância, e em situações tanto favoráveis como adversas;
e concordamos com que ele tenha prioridade sobre nós. Do
mesmo modo, concordamos com que não disputaremos as
ordens da autoridade legítima, a não ser que fique
comprovada a sua evidente infidelidade, fruto de
concludentes provas provenientes de Deus. Portanto, é
preciso que disponhamos sempre com a verdade e a
eqüidade, onde quer que estejamos, sem temor algum às
críticas ou pressões.” (Al-Bukhári 7056 / Muslim 1709).
No tocante a este aspecto, a mãe dos fiéis (Umm alHakam), Ummu al Muminin, Zainab Bint Jahch (RAA) relatou
que o Profeta (SAAS) foi ter com ela, em um estado de medo,
dizendo: “Não há outra divindade além de Deus. Ai dos
árabes de um mal eminente. Uma brecha deste tamanho (e
ele fez um círculo utilizando o polegar e o indicador) abrirse-á.” Disse-lhe: “Ó Profeta de Deus, seremos destruídos e
assassinados mesmo tendo entre nós um número de
pessoas virtuosas?” Ele disse: “Sim ! enquanto a maldade e
a corrupção estiverem a se espalhar.” (Al-Bukhári 7135 / Muslim 288).
Numa outra passagem, Abu Said al Khudri (RAA)
relatou que o Profeta (SAAS) disse: “Evitai sentar-vos nas
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ruas.” Os Companheiros disseram: “Ó Mensageiro de Deus,
não podemos evitar isso, pois são os lugares onde nos
reunimos para prosear.” O Mensageiro de Deus (SAAS)
disse: “Se insistis em fazerdes aí as vossas reuniões, então
dai à rua o que lhe é de direito.” Eles perguntaram: “E qual é
o direito da rua, ó Mensageiro de Deus?” Respondeu: “É
terdes os olhares recatados, evitardes causar qualquer dano
às pessoas, retribuirdes as saudações, pregardes a prática
do bem e combaterdes a prática do mal.” (Al-Bukhári 2465 /
Muslim 2121).
Poderíamos prosseguir com nossas citações, pois
existem inúmeras passagens que corroboram com os
preceitos morais em que se baseia o Islã. Mas preferimos
encerrar esta breve análise com o seguinte relato de Abu
Bakr Assiddik (RAA) disse: “Ó gente, vós recitais o seguinte
versículo: ‘Povos anteriores a vós fizeram as mesmas
perguntas. Por isso, tornaram-se incrédulos’ (5:102).
Porém, também ouvi o Mensageiro de Deus (SAAS) dizer:
‘Quando as pessoas não fazem oposição à injustiça, Deus
não tardará em generalizar o Seu castigo sobre elas.’” (Abu
Daoud 4338 / Tirmazi 2169, Nissá’i 3059).
A Base Moral do Profeta Mohammad
Na remota e escaldante Arábia, habitada por povos
nômades, sem laços de qualquer espécie que os ligasse
uns aos outros, ignorando a sua própria força coletiva e continuando dispersos nos confins de desertos inóspitos, surgiu
no século VII, Mohammad, um poderoso gênio que veio
unificar os árabes, através do Islã que se tornara um elemento
catalizador, permitindo a coexistência das várias etnias ali
existentes.
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Mohammad, cujo nome completo é Mohammad bin
Abdul Mutalib bin Háchim, nasceu na cidade de Meca, na
Arábia, em 570 d.C., pertencente a uma das famílias mais
notáveis da região – o clã coraixita. Foi fundador da religião
Islâmica ou muçulmana, atualmente professada por mais de
um bil;hão e quinhentos milhões de pessoas em todo o
mundo.
Mohammad cedo se encontrou órfão e sem recursos,
ficando deste modo, sob os cuidados de seu avô Abdul
Mutalib. Depois do falecimento deste, ficou a cargo do seu
tio Abu Tálib. Aos vinte anos de idade, foi dirigir as caravanas
de camelos de Khadija, viúva com quem, mais tarde, veio a
contrair matrimônio.
Com a chegada aos 40 anos de idade, Mohammad
começa a receber a mensagem da palavra de Deus, por
intermédio do Arcanjo Gabriel, na cava de Hirá, perto de
Meca.
Mohammad, considerado no Islã como o último profeta
enviado por Deus à humanidade, continuou a receber
sucessivamente, durante o período de vinte e três anos (de
609 e 632 d.C.), as revelações divinas, que depois foram
compiladas no Alcorão.
À semelhança de quase todos os profetas que o
antecederam, o Profeta Mohammad lutou brava e incansavelmente para realizar a sua missão, como arauto ou
Mensageiro (ar. “Raçul “) da palavra de Deus.
Durante os primeiros três anos, a missão de
Mohammad conservou-se reservada a alguns íntimos:
Khadija, seu primo ’Ali, seu filho adotivo Zaid, seu velho amigo
Abu Bakr e seu genro Otman. E ao findar o terceiro ano, o
Profeta recebeu a seguinte ordem: “Levanta-te e proclama!”
Como era de se prever, a nova proclamada por
Mohammad, da existência de um só Deus, suscitou o ódio
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dos árabes que viviam dos rendimentos da Caaba, templo
comum a todas as tribos da Arábia de então.
A missão de Mohammad não constituiu fácil tarefa.
Surgiram contra ele uma reação viva de seus conterrâneos
e veemente protestos, mas continuou sempre a lutar em prol
da fé que o animava, pregando-a sem cessar. Perseguiramno, atacaram-no, condenaram-no até a morte. Mohammad
viu-se, então, forçado a organizar, com os seus discípulos, a
célebre Fuga ou Emigração, de Meca a Medina, denominada
Hégira (do árabe “Hijra“), a qual marca o primeiro dia da era
muçulmana: 16 de julho de 622 (o primeiro dia do mês de
“Moharram” do calendário islâmico, que foi uma sexta-feira).
Mohammad é, sem dúvida, um profeta da estirpe bíblica
semita. Lírico inspirado, alma ardente, coração intrépido, com
as grandezas e as fraquezas humanas.
Seus apelos, inicialmente, caíram na indiferença dos
árabes, pois sua doutrina monoteísta não podia produzir eco,
porque perturbava certos interesses. Mohammad afirmava
que estava apenas encarregado de lembrar aos seus
conterrâneos a palavra esquecida do patriarca Abraão, pai
dos árabes, que outrora pregara em Meca o monoteísmo.
A extraordinária personalidade de Mohammad
revolucionou, indiscutivelmente, a vida na Arábia, como
também em todo o Oriente. Com suas próprias mãos
esmagou os antigos ídolos, no número de trezentos e
sessenta (à razão de um para cada dia de ano), existentes
na cidade de Meca e estabeleceu uma religião dedicada a
um só Deus. Quando o profeta faleceu em Medina, cidade
onde viveu os dez últimos anos da sua vida, no ano de 632
d.C., surgiu o problema do lugar onde deveria ser sepultado.
Assim, os discípulos de Meca (os “mohajirins”)
indicavam esta cidade, onde ele nascera; os habitantes de
Medina (os “ansar” – os auxiliares do profeta) defendiam o
23
direito desta cidade, onde Mohammad se refugiara e vivera
os derradeiros momentos; e um terceiro partido aconselhava
que os restos mortais fossem transportados para Jerusalém,
por ser esta a cidade onde estavam sepultados os profetas.
No entanto, o primeiro Califa – que quer dizer “sucessor”
ou “representante” do Profeta, Abu Bakr, declarou ter sido
opinião expressa de Mohammad, que um profeta só podia
ser enterrado no lugar onde morrera.
Cabe sublinhar que, depois da morte do Profeta, alguns
devotos fizeram várias tentativas para deificá-lo; porém, o
califa Abu Bakr pôs fim a tal movimento num discurso, dos
mais sublimes da história islâmica, salientando: “Se entre
vós há alguém que adorava Mohammad, sabei que ele está
morto. Todavia, se era a Deus que adoráveis, sabei que ele
vive eternamente. Mohammad era apenas o Profeta de Deus,
isto é, um homem e que teve o privilégio de receber a
mensagem divina para difundir, e teve a mesma sorte dos
mesnageriros e homens pios que viveram antes dele...”
No Islã, Mohammad foi apenas o encarregado de
redizer e explicar ao povo o único testemunho que culminava
em Abraão. Ele é o último profeta e fecha o ciclo dos tempos, pois segundo os ensinamentos contidos no Alcorão,
“depois dele não há lugar senão para o testemunho dos
reunidos no dia da ressurreição e ele recapitula todos os
profetas e os ensinamentos dirigem-se a todos os homens...”
Nesta ordem de idéias, os adeptos da religião fundada
por Mohammad, vulgarmente denominados “maometanos”,
mais propriamente deveriam ser chamados “muçulmanos”
ou “islamitas” por estas palavras significarem “crentes em
Deus”, isto é, os que se submetem voluntariamente à vontade
de Deus, enquanto que a palavra “maometanos” leva-nos a
depreender veneradores de Mohammad.
24
Pode dizer-se que Mohammad conseguiu unificar, em
volta de uma crença, os seus contemporâneos no séc. VII.
E, dois séculos após a sua morte, essa mesma comunidade
expande-se até os lugares mais recônditos do globo e aceita
no seu seio indivíduos de todas as etnias e condições sociais,
criando-se assim uma comunidade supra-nacional, que tem
vindo a perpetuar-se até os nossos dias.
No próprio mundo árabe atual, o Islã continua a ser a
sua força anímica, “visto que todas as vezes que os árabes
se afastam do Islã ou dos ensinamentos de Mohammad,
conforme salientava recentemente um intelectual iraquiano
do partido Baas, traem a si mesmos, pois a grandeza da
civilização árabe no passado e a solidariedade atual entre
os árabes, só é alcançada graças ao Islã”.
Hoje, mais de um sexto da humanidade segue a religião
fundada por Mohammad e, durante o domínio colonial, a
que estiveram sujeitos quase todos os países muçulmanos
no mundo até à Segunda Grande Guerra, foi graças a essa
doutrina que as populações amordaçadas desses territórios
conseguiram salvaguardar os seus valores morais e
espirituais e encontraram forças necessárias para resistir ao
duro jogo colonial e expulsar, finalmente, o invasor.
O Caráter do Profeta
Perfeito e completo em todas as suas ações, não
tomava um trabalho em suas mãos, que não o levasse a
termo. O mesmo hábito difundia-se em seus modos quanto
às relações sociais. Se entabulasse conversação com um
amigo, não o fazia parcialmente, mas com seu rosto pleno e
todo o seu corpo. Nos apertos de mão, nunca era o primeiro
25
a retirar a sua; nem tampouco era o primeiro a interromper a
conversa com estranhos, nem fazia ouvido mouco.
Uma simplicidade de patriarca impregnava sua vida.
Seu costume era fazer tudo para si mesmo. Se desse uma
esmola, ele a colocava com sua própria mão na mão do
pedinte. Ajudava suas esposas nos afazeres domésticos,
remendava suas roupas, amarrava as cabras e até consertava suas sandálias.
Sua vestimenta comum era feita de algodão branco e
grosseiro, tal qual a dos seus vizinhos; contudo, em ocasiões
especiais e festivas, usava vestimenta de fino linho com listras
vermelhas, ou tingida de vermelho. Jamais se reclinou a
refeições.
Morava com suas esposas numa fileira de chalés baixos
e domésticos, construídos com tijolos de argila crus, cujos
compartimentos eram separados por paredes de troncos e
tamareiras, rudemente revestidos com barro, enquanto
cortinas de couro ou de tecido negro, substituíam os lugares
de portas e janelas. Era de fácil abortamento para todos;
todavia, mantinha um estado de dignidade e de régio poder.
Nenhuma tentativa de familiaridade de ação ou de
palavra era tolerada. As pessoas deveriam dirigir-se ao
Profeta com linguagem moderada e de maneira bem
reverenciosa. Sua palavra era absoluta; sua ordem, lei. As
embaixadas e comitivas eram recebidas com a maior cortesia
e consideração. Nas questões dos dispositivos que recaíam
sobre seus representantes, ou em outros assuntos de estado,
o Profeta mostrava todos os requisitos de um capacitado e
de um experimentado governante.
Uma notável norma de procedimento sua era a
urbanidade e consideração com que Mohammad tratava
mesmo o mais insignificante de seus seguidores. A modéstia
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e a benevolência, a generosidade, a abnegação, a paciência
e a cortesia impregnavam sua conduta, prendendo as
afeições de todos em torno dele.
Ele não gostava de dizer não. Se incapaz de responder
afirmativamente ao pedinte, preferia guardar silêncio. “Ele
era mais ‘tímido’ “, diz sua esposa Aicha, “do que uma virgem
atrás do véu; se algo o desagradasse, era mais pelo seu
semblante do que pelas suas palavras que nós
descobríamos; nunca bateu em ninguém, a não ser a serviço
de Deus, nem mesmo numa mulher ou num escravo”.
Não é sabido que ele recusasse um convite para
comparecer à casa, mesmo do mais pobrezinho, ou que
declinasse um presente ofertado, por menor que fosse.
Quando sentado perto de um amigo, ele não fazia
avançarem arrogantemente os joelhos em direção ao afim.
Possuía o raro dom de fazer com que cada indivíduo, numa
companhia, pensasse que ele era o convidado de honra.
Para os crentes e aflitos era ternamente solidário. Sendo
gentil e indulgente para com as crianças, não negligenciava
em se aproximar de um grupo delas, a brincarem, com sua
saudação de paz.
Repartia sua comida, mesmo em tempos de escassez,
com os outros; e era assiduamente solícito quanto ao conforto
pessoal de todos que o rodeavam. Uma disposição benigna
e benévola impregna todas as ilustrações do seu caráter.
No exercício de um poder absoluto, Mohammad era
justo e moderado. O longo e obstinado combate a sua
missão, encetado pelos habitantes de Meca, deveria ter
induzido o conquistador a marcar sua indignação por meio
de indeléveis traços de fogo e sangue. Porém, Mohammad,
com exceção de uns poucos criminosos, concedeu o perdão
universal e, nobremente pondo em esquecimento as
27
memórias do passado, com todas as suas zombarias, seus
afrontos e perseguições, tratou até mesmo o pior de seus
oponentes com consideração graciosa e amigável.
Passando agora a considerar o caráter profético e
religioso de Mohammad, o primeiro ponto que chama nossa
atenção é seu constante e vívido sentido de uma providência
especial e oni-impregnante. Tal convicção modelava seus
pensamentos e desígnios, partindo das mais diminutas ações
na vida privada e social, até a magnânima concepção, ou
seja, de que ele estava destinado a ser “reformador” de
seu povo e de toda a Arábia.
Ele jamais entrou numa reunião, sentou-se ou levantou
sem que mencionasse o Senhor. Quando os primeiros frutos
da estação lhe eram mostrados, ele os beijava, colocava-os
sobre os olhos e dizia: “Senhor, assim como tu nos mostraste
os primeiros, mostra-nos igualmente os últimos!”
Nas atribulações e aflições, bem como na prosperidade
e alegria, ele sempre viu e humildemente tomou conhecimento da mão de Deus. Uma fixa persuasão de que cada
incidente, pequeno ou grande, é ordenado pela vontade
divina, levou às consistentes expressões de predestinação,
tão abundantes no Alcorão. Para ele é o Senhor quem faz
bater os corações dos homens e, igualmente, a fé do crente
e a descrença do infiel são o resultado da ordem divina. A
hora e o local da morte de todos, bem como de outros
acontecimentos desta vida, estão estabelecidos no mesmo
decreto; e o tímido crente em vão procurará evitar o desfecho,
tentando esquivar-se do campo de batalha.
Desde o primeiríssimo período de suas convicções
religiosas, a Unidade, ou a idéia de ser um grande Ser
guiando com onipotente poder e sapiência toda a criação, e
ainda infinitamente acima disso, ganhou uma completa posse
de sua mente. O politeísmo e a idolatria, em variação com
28
esse grande princípio, eram indignamente condenados, uma
vez que nivelavam o Criador com a criatura.
Uma vez que ele próprio estava sujeito a convicções
tão sérias, profundas e poderosas, será prontamente
concebível que suas exortações eram distinguidas por uma
correspondente força e irrefutabilidade. Mestre em
eloqüência, seu linguajar era proferido no mais puro e mais
persuasivo estilo da oratória árabe.
Seu magnífico gênio poético exauriu a imagem da
natureza na ilustração das verdades espirituais e uma vívida
imaginação tornou-o capaz de explicar, perante seu povo, a
Ressurreição e o Dia do Julgamento, as alegrias (para os
crentes) encontradas no Paraíso e as agonias dos espíritos
perdidos no Inferno. Nas locuções comuns, sua fala era
morosa, distinta e enfática; mas quando pregava, seus olhos
avermelhavam, sua voz elevava-se, aguda e estridente, e
toda a sua figura se agitava de paixão, como se estivesse
prevenindo as pessoas quanto a um inimigo que estava
pronto a lhes cair em cima na manhã seguinte ou na
mesmíssima noite.
Sua humildade era demonstrada por cavalgar no lombo
de asnos, por aceitar convites até de escravos e, quando
montado, por levar outro na garupa. Ele dizia: “Eu me sento,
às refeições, igual a um servo, porque realmente eu sou um
servo”, e se sentava como alguém prestes a se levantar. Ele
desencorajava o jejum superrogativo e trabalhos de mortificação. Nada havia que ele odiasse mais que a mentira e
sempre que tomava conhecimento de que quaisquer de seus
seguidores haviam errado a este respeito, afastava-se deles,
até que estivesse seguro de seu arrependimento.
Mohammad foi um triplo fundador: de uma nação, de
um império e de uma religião. Sendo, ele próprio, iletrado,
29
não sabendo quase ler ou escrever, foi, contudo, o autor de
um livro que é um poema, um código de lei, um Livro de
Oração em conjunto e uma Bíblia; e é reverenciado até os
dias presentes por um sexto de toda a raça humana, como
um milagre de pureza de estilo, de sabedoria e de verdade.
Foi o único milagre reivindicado por Mohammad.
Porém, olhando para as circunstâncias do tempo, para
a ilimitada reverência de seus seguidores, e comparando-o
com os pais da igreja ou com os santos medievais, o aspecto
mais maravilhoso sobre Mohammad é que ele jamais
reivindicou o poder de milagres atuantes. Fosse o que fosse
ele dizia que não podia fazer, mas seus discípulos viam-no
fazer. Eles não podiam deixar de lhe atribuir atos miraculosos
que ele jamais praticou, os quais ele sempre negou que
pudesse praticar.
Mohammad, até o fim de sua vida, reivindicou para si
apenas aquele título, com o qual começou e o qual um dia a
mais elevada filosofia cristã concordará em lhe outorgar: de
Profeta, um verdadeiro profeta de Deus.
De qualquer maneira, para ilustrarmos o caráter do
Profeta Mohammad, relatamos a seguinte história:
“Ocorreu que um judeu, vizinho do Profeta, todos os
dias, quando varria seu quintal, jogava sua sujeira em frente
à porta da casa do Mensageiro de Deus.
Os Companheiros, seguidores de Mohammad, por sua
vez, ofereciam-se para revidar contra o judeu, agredindoo ou até matando-o, mas nessas ocasiões, o Profeta sempre
os acalmava, não permitindo que ninguém maltratasse o
judeu.
Certa vez, o Profeta notou que durante três dias
seguidos não era mais deixado lixo em sua porta e manifestou
30
sua preocupação pela ausência do judeu, cuja presença
sempre era marcada pelo episódio diário da sujeira.
Assim, Mohammad, preocupado em saber se o judeu
estivera doente foi visitá-lo, para caso o judeu precisasse,
oferecer-lhe médico ou remédios.
O Profeta, dotado de generosidade própria de sua
personalidade, adentrou a casa do judeu, cumprimentandoo e perguntando-lhe sobre sua saúde.
O judeu surpreso disse: ‘Como soube que me encontro
enfermo?’ O Profeta respondeu: ‘Sentimos falta de seu lixo
em nossa porta durante três dias seguidos, razão pela qual
imaginei que estivesse doente e precisaste de ajuda.’
O judeu imediatamente proferiu as seguintes palavras:
‘Testemunho que não há divindade a não ser Deus, único e
absoluto e reconheço que você Mohammad é o Mensageiro
de Deus.’
A seguir, o judeu explicou sua atitude diante da nobreza
do vizinho: ‘Digo isto, porque seu comportamento perante
mim é de um verdadeiro Profeta de Deus e não o de um ser
humano comum.’
E foi assim que o judeu se converteu ao Islã por um
gesto simples, humano e glorioso de Mohammad.
Com tal ilustração, esperamos ter sido possível
perceber a magnitude do mensageiro de Deus (SAAS),
mesmo nas questões mais simples e triviais do dia-a-dia,
demonstrando a íntima relação existente entre o seu caráter
e a base moral do Islã transmitida fidedignamente por ele à
humanidade.
31
Os Ritos Tradicionais do Islã
Com o objetivo de preservar o espírito religioso, o Islã
prescreve alguns deveres práticos, sobre os quais repousa
toda a tradição islâmica, devendo ser observados e
respeitados pelos muçulmanos: o testemunho da unicidade
de Deus e de que Mohammad (SAAS) é o seu mensageiro,
a oração, o jejum, o tributo e a peregrinação.
Assim, pela importância que cada um desses deveres
representa no contexto da cultura islâmica, desenvolveremos
uma análise mais aprofundada sobre cada um deles, em se
tratando de seus aspectos fundamentais, a fim de que se
tenha uma maior compreensão quanto ao seu papel no Islã.
O Testemunho de Fé
O primeiro pilar, sobre o qual se assentam as leis
islâmicas, refere-se ao testemunho de todo muçulmano
quanto à unicidade de Deus, isto é, que Deus é único, que
não há nenhuma outra divindade a não ser Deus, o Clemente,
o Misericordioso, o Poderoso, o Sapientíssimo.
O Alcorão sagrado traz muitas passagens que
comprovam a necessidade deste testemunho, entre as quais,
destacamos: “Allah! Não há mais divindade além d’Ele,
Vivente, Auto-Subsistente, a Quem jamais alcança a
inatividade ou o sono; d’Ele é tudo quanto existe nos
céus e na terra. Quem poderá interceder junto a Ele, sem
32
o Seu consentimento? Ele conhece tanto o passado
como o futuro, e eles (humanos) nada conhecem da Sua
ciência, senão o que Ele permite. O Seu Trono abrange
os céus e a terra, cuja preservação não O abate, porque
é o Ingente, o Altíssimo.” (2ª Surata, versículo 255). Tais
palavras expressam os diferentes atributos de Deus, os quais
se diferem de qualquer coisa que nós, seres humanos,
podemos conhecer em nosso mundo presente.
Numa outra passagem, temos que: “Dize: Ele é Allah,
o Único!”, “Allah! O Eterno e Absoluto!”, “Jamais gerou
ou foi gerado!”, “E ninguém é comparável a Ele!” (112ª
Surata, versículos 01-04). Ora, nestas palavras nos é
ensinado que a natureza de Deus é tão sublime que está
além de nossa limitada concepção, de modo que devemos
compreendê-Lo, bem como Suas qualidades únicas.
Tendo sido testemunhado a unicidade de Deus, todo
muçulmano deve reconhecer Mohammad (SAAS) como Seu
Mensageiro, ou seja, como o Profeta encarregado de orientar
o povo quanto aos desígnios de Deus, como podemos
perceber neste trecho do Alcorão: “Dize: Ó humanos, sou
o Mensageiro de Allah, para todos vós; Seu é o reino
dos céus e da terra. Não há mais divindade além d’Ele.
Ele é Quem dá a vida e a morte! Crede, pois, em Allah e
em Seu Mensageiro, o Profeta iletrado, que crê em Allah
e nas Suas palavras; segui-o, para que vos
encaminheis.” (7ª Surata, versículo 158).
Com efeito, sabemos que o Profeta (SAAS) não era
versado nos conhecimentos humanos, todavia estava de
posse da mais elevada sapiência e tinha grandes
conhecimentos das escrituras anteriores. Desse modo, ele
soube – melhor do que ninguém – transmitir os ensinamentos
de Deus, honrando-O e glorificando-O, como estas
33
passagens destacam: “Em verdade, enviamos-te por
testemunha, alvissareiro e admoestador, para que creiais
(ó humanos) em Allah e no Seu Mensageiro, socorrendoo, honrando este e glorificando-O (Allah), pela manhã e
à tarde.” (48ª Surata, versículos 08-09); e ainda:
“Mohammad é o Mensageiro de Allah, e aqueles que
estão com ele são severos para com os incrédulos,
porém compassivos entre si...” (48ª Surata, versículo 29).
Desse modo, evidencia-se o fato de que Mohammad
não é senão um Mensageiro de Deus, um Profeta (SAAS), a
quem outros mensageiros precederam, guardando seus
ensinamentos e sua especial importância à comunidade
islâmica mundial.
A Oração
Ao longo do tempo, no decorrer da história da
humanidade, sempre encontramos a prática da oração. De
fato, o homem ora, isto é, manifesta suas expressões de
fé, amor e glorificação, movido – essencialmente – pelas
seguintes razões: pela convicção de que existe uma força
superior, dominando o universo; pela consciência de sua
fragilidade frente à magnitude dessa força suprema; e, em
reconhecimento diante das graças que Deus lhe confere.
Desse modo, verifica-se a existência das orações em
todas as religiões, embora sob diferentes aspectos e
contextos. Assim, por exemplo, entre os brâmanes, a oração
compreende oferendas e sacrifícios, acompanhados de
súplicas e rezas, manifestando-se nos mais variados
momentos do dia. Vivendo, praticamente, numa atmosfera
34
de total oração, eles dirigem suas preces primeiramente a
Hurmuz, depois aos céus, à terra, às estrelas ou às árvores.
Entre os judeus, também se observa a prática da
oração, apesar de não haver uma determinação expressa
quanto a esse procedimento, sendo a prece muito mais fruto
da tradição. Já entre os cristãos, a oração é igualmente
adotada como prática religiosa, porém revestida de um
aspecto sagrado, o qual foi introduzido por Jesus Cristo.
Da mesma maneira, o Islã – surgido num momento em
que a base moral da sociedade se encontrava em profunda
crise – prescreve a oração como um modo de o homem
purificar sua alma, em contato com Deus. Numa certa
passagem do Alcorão, isso se evidencia: “Recita o que te
foi revelado do Livro e observa a oração, porque a oração
preserva (o homem) da obscenidade e do ilícito; mas,
na verdade, a recordação de Deus é a (coisa) mais
importante. Sabei que Deus está ciente de tudo quanto
fazeis.” (29ª Surata, versículo 45).
Percebe-se, então, que o alvo da oração se dirige à
glorificação de Deus, reverenciando-O e prosternando-se
perante Ele; à entrega da alma humana à Deus; à renovação
da fé do homem; e à solicitação da misericórdia divina.
Uma vez que não se verifica nenhuma hierarquia
religiosa dentro do Islã não se permite intermediários entre
Deus e os homens, de maneira que todos podem comunicarse diretamente com Ele. A esse respeito, o Alcorão nos
informa: “A virtude não consiste só em que orienteis
vossos rostos até ao levante ou ao poente. A verdadeira
virtude é a de quem crê em Deus, no Dia do Juízo Final,
nos anjos, no Livro e nos profetas; de quem distribui
seus bens em caridade, apesar de gostar deles, entre
parentes, órfãos, necessitados, viajantes, mendigos e
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em resgate de cativos (escravos). Aqueles que observam
a oração, pagam o zakat, cumprem os compromissos
contraídos, são pacientes na miséria e na adversidade,
ou durante os combates, esses são os verazes, e esses
são os tementes (a Allah).” (2ª Surata, versículo 177).
Como se sabe, segundo o Islã o muçulmano deve
guardar-se em oração cinco vezes ao dia: na aurora, ao meiodia, à tarde, ao pôr-do-sol e à noite. Tais orações, precedidas
de abluções, podem ser realizadas em qualquer lugar, não
necessitando de um local especial ou de se encontrar no
templo.
Em contrapartida, ressalta-se o imperativo de as
mesmas (orações) serem realizadas por todos,
independentemente das circunstâncias, ou seja, estandose em casa ou em viagem, sob boa saúde ou enfermo. Além
disso, tem-se uma outra exigência, a qual diz respeito às
abluções que as precedem, conforme nos indica o Alcorão:
“Ó crentes, sempre que vos dispuserdes a observar a
oração, lavai o rosto, as mãos e os braços até aos
cotovelos; esfregai a cabeça, com as mãos molhadas e
lavai os pés, até os tornozelos...” (5ª Surata, versículo 6).
Por fim, todas as orações devem ser realizadas com o
indivíduo posicionado em direção à Caaba, em Meca. O
objetivo dessa exigência é o de reavivar na memória de cada
muçulmano, a lembrança do local em que se deu o
surgimento do Islã e que se tornou o ponto de convergência
de todos os corações. Isto porque Meca representa, para
esse povo, as lembranças seculares, o berço de sua
religiosidade, a luta destemida entre o paganismo e o
monoteísmo e, finalmente, a conquista do bem sobre o mal.
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O Jejum
Do mesmo modo que a oração, o jejum também é uma
prática religiosa conhecida em todas as nações antigas.
Todavia, verificamos que no passado os povos o
consideravam muito mais uma forma de arrependimento ou
de expiação. Com o tempo, tal procedimento assumiu o
aspecto de um culto espiritual necessário à purificação da
alma, embora ainda exista o objetivo de expiação ou de
castigo voluntário.
Nesse sentido, enquanto os cristãos reconhecem a
prática do jejum como um ato religioso, tendo implícita a idéia
de expiação do pecado ou até mesmo a auto-punição (como
pensam os ascetas), os muçulmanos o reconhecem como
um instrumento prático de moderação das tendências do
homem, sem o prejuízo dos aspectos orgânicos e mentais.
Temos, então, que o jejum se apresenta como um ato
de devoção, cuja finalidade é afastar a alma dos apelos e
desejos carnais e elevá-la a Deus. Exatamente neste ponto,
destaca-se seu sentido espiritual, ou seja, o jejum aparece
como exemplo de uma vontade que domina o corpo e não o
inverso, onde um corpo domina a vontade. Dito de outra
maneira, ao mesmo tempo em que o jejum é uma abstenção,
é uma dominação da vontade, que se transforma em prática
duradoura.
De fato, o jejum nada mais é do que uma preparação
que torna o indivíduo apto a quebrar a sistemática do próprio
corpo, preparando-o para enfrentar os percalços que,
porventura, venham a se lhe deparar. Ele (o jejum) nos ensina
a sermos pacientes, fazendo com que tais situações sejam
encaradas com mais naturalidade. Isto porque, o jejuador
que permanece aproximadamente dezesseis horas sem
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comer nem beber, pode suportar quaisquer imprevistos, de
maneira sorridente, pois a necessidade lhe é familiar, ao
menos durante um mês em cada ano.
Dos benefícios espirituais do jejum, destacamos a
implantação da vigilância pessoal. Isto porque, apesar de
ser uma obrigação, há muitas situações em que se poderia
transgredir esse preceito sem que alguém descobrisse. Como
exemplo citamos o muçulmano que sente a sede apertar
nos dias de Ramadan e decide banhar-se. Ora, ele se
encontra cercado pela água por todos os lados, mas não a
toma, mesmo sabendo que ninguém o observa. Esse
dispositivo é uma espécie de auto-educação que o Islã
estimula no muçulmano, a fim de que ele viva ereto, não
temendo a lei, nem procurando caminhos para burlá-la.
Como se sabe, todos os muçulmanos devem praticar
o jejum durante trinta dias, que se encontram num
determinado período do ano, conhecido como o mês do
Ramadan, isto é, o mês em que foi iniciada a revelação do
Alcorão. Trata-se de um mês de misericórdia e da
benevolência, em que o jejum vem reforçar toda a simbologia
que o momento traz consigo. Sobre isso, o Alcorão nos
mostra: “Ó crentes, está-vos prescrito o jejum, tal como
foi prescrito a vossos antepassados, para que temais a
Allah. Jejuareis determinados dias; porém, quem de vós
não cumprir o jejum, por achar-se enfermo ou em viagem,
jejuará, depois, o mesmo número de dias... O mês de
Ramadan foi o mês em que foi revelado o Alcorão,
orientação para a humanidade e evidência de orientação
e Discernimento. Por conseguinte, quem de vós
presenciar o novilúnio deste mês deverá jejuar; porém,
quem se achar enfermo ou em viagem jejuará, depois, o
mesmo número de dias” (2ª Surata, versículos 183-185).
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Isto posto, tem-se que no jejum, a abstinência se inicia
ao amanhecer e se estende até o pôr-do-sol. Em relação a
isso, diz Deus Altíssimo em Seu Livro Sagrado: “Comei e
bebei até à alvorada, quando puderdes distinguir o fio
branco do fio negro. Retornai, então, ao jejum, até ao
anoitecer!”. Note-se que pelas expressões “fio branco” e
“fio preto”, deve-se entender a passagem da claridade do
dia para a escuridão da noite.
Um jejum perfeito requer que se abstenha não apenas
dos alimentos e líquidos, mas também da maledicência, das
palavras vãs, da mentira, da desonestidade e da ira, a fim
de que realmente se alcance o seu objetivo último, que é a
purificação. Desse modo, o homem que jejuar deve se abster
das relações carnais, da comida, da bebida e de atitudes
impuras, desde o instante em que a aurora apontar no
horizonte, até os últimos raios de sol.
Sobre isso, Abu Huraira (RAA) relatou que o Profeta
(SAAS) disse: “Quando qualquer um de vós estiver jejuando,
deverá abster-se de entabular conversa fiada, e evitar troca
de palavras agressivas e barulhentas. Se alguma pessoa
abusar desse um ou iniciar com ele uma discussão, ele
deverá dizer que está guardando o jejum.” Numa outra
passagem, Abu Huraira (RAA) relatou que o Profeta (SAAS)
disse: “Se uma pessoa não se abstém de mentir e de praticar
atividades indecentes, Deus não deseja que se abstenha de
comer e de beber.”
Assim, resta-nos a observação sobre em que condições
o jejum deve ser cumprido. Inicialmente, o jejum durante o
Ramadan é uma obrigação para todo muçulmano adulto,
sadio, de posse de suas faculdades mentais e que tenha
uma moradia fixa. Uma tradição relatada por Ahmad, Abu
Daud e Tirmizi diz que o Profeta (SAAS) disse: “o Calam ou
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Lei Divina foi suspensa (temporariamente) em três casos:
do homem louco ou insensato até voltar-lhe seu juízo perfeito;
do homem adormecido até recuperação dos sentidos; da
criança até alcançar a maturidade”.
Em relação às crianças o relato feito por Al-Bukhári e
Muslim nos diz que Ar-Rabí, filha de Ibn ‘Afra conta que: ‘...
continuávamos a jejuar naquele dia de Achurá, assim nós
como as nossas crianças. Quando íamos para a mesquita,
as crianças nos acompanhavam. Fazíamo-lhes brinquedos
de ihan ou quando algumas delas chorava de fome, dávamolhes comida na hora de comer’.
Dessa maneira, evidencia-se o fato de que só podem
ser dispensados da prática do jejum o doente, o viajante, a
mulher que deu à luz e a menstruada. No entanto, todos
devem jejuar proporcionalmente em outros meses – tão logo
seja possível – durante a mesma quantidade de dias. Diz
Deus Altíssimo: “...porém, quem se achar enfermo ou em
viagem jejuará, depois, o mesmo número de dias...” (2ª
Surata, versículo 185).
No caso do viajante, o desjejum é apenas uma licença,
que deve ser usada quando a prática do jejum se tornar
prejudicial a ele, não cometendo – nesse caso – nenhum
agravo. O desjejum é melhor quando os soldados
muçulmanos estão em guerra e perto do inimigo, para que
os homens tenham mais força na batalha, como nos confirma
o Profeta (SAAS): “Estamos à proximidade do inimigo. O
desjejum vos dará mais força!”. Por outro lado, se estiver
em jejum, quando em viagem, é lícito tanto prosseguir com
o jejum como deixá-lo durante o tempo de duração da
mesma.
No que se refere à mulher grávida e a que amamenta,
tem-se que elas não devem jejuar enquanto permanecerem
40
sob tais circunstâncias, devendo substituir os dias de jejum
por outros tantos, assim que estiverem aptas para isso,
valendo as mesmas considerações feitas em relação aos
viajantes. Nesse contexto, o relato de Bukhári e de Muslim
parece ser bem ilustrativo: “Aicha disse: Quando tínhamos
as nossas regras no tempo do Profeta, éramos obrigadas a
por fim ao jejum. E não éramos obrigadas a assistir as
orações”.
De qualquer modo, há que se ressaltar os dizeres de
Deus: “Deus não impõe a nenhuma alma senão segundo
sua capacidade”. Disso se conclui que os idosos não são
obrigados a jejuar, bem como aqueles que não se encontram
em condições físicas (adoentados) para enfrentar a
abstinência esperada, sendo prevista, nesse caso, a prática
do resgate.
No tocante a essa prática, temos posições diferenciadas. Alguns sábios dizem que os anciões não são
obrigados a darem alimento para um pobre pelos dias de
jejum não cumpridos, enquanto outros obrigam tal resgate
com base dos dizeres de Deus: “Para aqueles que não
suportarem (jejuar) devem o resgate por um alimento de um
dia dado a um pobre”.
Por outro lado, o jejum do mês do Ramadan pode ser
anulado, mediante algumas atitudes, tais como a própria
intenção ou propósito do homem de praticar ou fazer uma
coisa proibida pela lei divina. De fato, sabemos que todo
aquele que, propositadamente, come ou bebe depois do
apontar da aurora até o pôr-do-sol, e que ao mesmo tempo
se lembra que é dia de jejum, desfaz seu jejum e se torna
obrigado a substituir esse dia por outro, em igual proporção.
Além disso, tem de pedir perdão a Deus pelo pecado de têlo ofendido, acabando por desobedecê-Lo.
41
Um outro motivo para a anulação do jejum diz respeito
à prática do sexo, de modo que aquele que tiver o propósito
de manter relações sexuais, sabendo que é dia de jejum,
fica obrigado a se penitenciar, além de jejuar um dia, em
substituição ao dia por ele invalidado pelo ato carnal. Por
extensão, também anula-se o jejum quando o indivíduo
provocar o vômito de forma propositada, devendo substituílo por outro dia de jejum.
Só não se rompe ou se invalida o jejum quando se
comer por esquecimento. Abu Huraira relata que ‘o Profeta
de Deus (SAAS) disse que: “aquele que jejua e, por
esquecimento, come ou bebe, naquele dia, pode completar
seu dia de jejum sem invalidá-lo, porque foi Deus que lhe
deu a comer e a beber”.’ Por essa razão, costuma-se preferir
o adiantamento do desjejum e o atraso na refeição matinal,
como relata Abu Zarr: ‘o Mensageiro de Deus costumava
dizer: “Minha comunidade (ou minha nação) estará bem
enquanto ela atrasar o suhur e adiantar o desjejum”.’
Por fim, vale ressaltar os ensinamentos do Profeta
(SAAS) transcritos por Salman Alfárissi: “Oh, humanos!
Desponta um grande e abençoado mês... Um mês que possui
uma noite preferível a mil noites... Um mês que Deus
prescreveu o seu jejuamento e a sua vigília. Qualquer bem
que fizerdes nele, por mínimo que seja, será como se tivesses
cumprido uma prescrição de igual valor; e aquele que cumprir
uma prescrição nele será como se tivesse cumprido setenta
prescrições. Ele é o mês da resignação e a resignação é
retribuída com o Paraíso. É o mês das dificuldades; o mês
em que aumenta a graça dos crentes”. E disse: ”Pluralizai
nele quatro tipos de feitos: dois para a complacência de vosso
Senhor e dois indispensáveis. Os dois primeiros são: O
testemunho de que não há outra divindade além de Deus e
42
a remissão; os dois últimos são: Pedir a Deus o Paraíso e
refugiar-se n’Ele, do Inferno”. Depois, continuou dizendo:
“Quem jejuar o mês de Ramadan, quem fizer a vigília do
mês todo e quem fizer a vigília da Noite do Decreto, com
crença e consciência, Deus perdoar-lhe-á todos os pecados
cometidos até então”.
Transposto para os nossos dias, temos que o Ramadan
é o mês do jejum, do nosso balanço anual quanto aos
nossos atos positivos e negativos; é o mês de reforçarmos
o bem e de lutarmos contra o mal dentro de nós mesmos,
assim como no seio da sociedade, para concretizarmos a
paz e a segurança e realizarmos o plano “Fome Zero”
islâmico, que foi lançado há mil, quatrocentos e vinte e cinco
anos.
Se o ato de jejuar significa abster-se da comida e da
bebida, desde o raiar da aurora até o pôr-do-sol, temos por
decorrência duas premissas: a primeira, é que se trata de
uma prática que nos leva a sentir fome e sede, a partir do
que igualamo-nos em situação, a que se encontram os
pobres e necessitados; a segunda, é que diz respeito ao
pagamento dos direitos dos menos afortunados, conforme
obrigação religiosa prescrita por Allah, cuja finalidade é a
confraternização, a irmandade, a igualdade e a harmonia
entre os seres humanos, que são os valores básicos para a
paz e a felicidade de toda a humanidade.
Além de tudo o que já foi mencionado sobre o rito do
jejum, há ainda um outro aspecto de especial importância.
Trata-se do zakat ou taxa legal do desjejum pela lei divina.
Deduz-se esta obrigação do relato feito por Ibn Abbas: “O
Mensageiro de Deus institui o zakat do desjejum, para
purificar o jejuador das palavras vãs e de desonestidade”.
Quando se confirma a lua nova, todos os muçulmanos
devem romper o jejum do Ramadan, porque o Mensageiro
43
disse: “Jejuai desde a sua vista e desjejuais desde a sua
vista”. Assim, com cumprimento do desjejum do Ramadan,
a obrigação de se pagar a taxa de desjejum é uma
conseqüência necessária decorrente da própria natureza
desta instituição, considerada como corolário ao desjejum
e, por isso, chamada de zakat do desjejum.
A quantia que compõe o zakat ou taxa do desjejum se
refere a um quilo de arroz aproximadamente, devendo ser
paga para cada um dos membros da família, devendo o
mesmo ocorrer antes da saída dos homens para a oração.
Ou seja, o término de seu pagamento é a saída dos homens
para a oração da festa pelo Dia do Desjejum. Segundo relato
de Ibn Abbas: “Aquele que pagá-lo antes da oração é um
zakat bem recebido, e quem a pagar depois da oração é
uma esmola como as outras esmolas”.
O que se sabe é que o zakat do desjejum permanece
obrigatória para todos aqueles que estão sujeitos a ela,
abrangendo todos os muçulmanos – de ambos os sexos, de
todas as idades e de todas as condições sociais, devendo
ser paga no mesmo dia em que coincide com a data do
desjejum, isto é, a vista da lua nova. É permitido o pagamento
desta taxa ou zakat antes desta data, um ou dois dias,
conforme percebemos neste relato de Ibn Omar: ‘O
Mensageiro de Deus instituiu o zakat de Ramadan, dando
um saa ou medida de tâmaras e acrescenta “E os homens
davam isto em pagamento um ou dois dias antes do começo
do desjejum”.’
No entanto, o homem menos favorecido deve subtrair
o zakat do desjejum do que lhe sobra de sua alimentação
(ou de seu sustento), suficiente para um dia e uma noite,
porque todas as tradições relatadas não se referem aos
pobres. Conforme relatou Abu Daud: ‘O Mensageiro de Deus
44
disse: “Uma medida (ou sa’) de trigo, por cada um, seja
grande, seja pequeno, seja livre, seja escravo, seja do sexo
masculino ou feminino, rico ou pobre. O rico dentre vós, é
Deus que lhe dá a riqueza. Quanto ao pobre, Deus lhe
restituirá o dobro daquilo que ele deu. Quer dizer que Deus
lhe restituirá mais do que gastou no zakat, porque como
homem pobre ele vai receber mais saa daquilo que deu”.’
Assim, com o cumprimento desta obrigação de honra,
acostumam-se as almas, tanto dos ricos como dos pobres,
à prática da generosidade, à largueza, à mútua benevolência,
ou seja, todas as qualidades necessárias para a elevação
dos sentimentos sociais, para a solidariedade e a união entre
os homens.
O Tributo
Segundo o Islã, cada muçulmano deve contribuir com
uma parte determinada de seus bens, em benefício dos
necessitados e dos menos favorecidos. Essa quantia, que
corresponde a 2,5% das riquezas que extrapolam os limites
das necessidades de cada um, estando – pois – disponíveis,
durante um ano, é recolhida pelo governo, que a distribui
entre as oito categorias de necessitados, conforme nos instrui
o Alcorão: “As esmolas são tão-somente para os pobres,
para os necessitados, para os funcionários empregados
em sua administração, para aqueles cujos corações têm
de ser conquistados, para a redenção dos escravos, para
os endividados, para a causa de Deus e para o viajante...”
(9ª Surata, versículo 60).
O Islã não apenas prescreve a obrigação do tributo,
como também indica a maneira correta de fazê-lo, como
45
percebemos nesta passagem do Alcorão: “Se fizerdes
caridade abertamente, quão louvável será! Porém, se a
fizerdes, dando aos pobres dissimuladamente, será preferível
para vós, e isso vos absolverá de alguns dos vossos pecados,
porque Deus está inteirado de tudo quanto fazeis.” (2ª Surata,
versículo 271). Numa outra passagem, temos que: “Palavras
cordiais e perdão são preferíveis à caridade seguida de
injúria...” (2ª Surata, versículo 263). E mais adiante, vemos
que: “Ó crentes, não desmereçais as vossas caridades
com exprobação e injúria, como aquele que gasta os
seus bens, por ostentação, diante das pessoas, e não
crê em Deus, nem no Dia do Juízo Final...” (2ª Surata,
versículo 264).
Disso se conclui que de nada adianta cumprir-se com
o pagamento do tributo e apresentar atitudes desabonadoras
da boa conduta. Importante ressaltar, que o tributo, além de
consolidar a fraternidade social, dirime o ódio que os menos
favorecidos possam sentir em relação aos mais abastados,
contribuindo para que estes se sintam – pelo menos em parte
– responsáveis pelos desafortunados, já que a riqueza é uma
dádiva de Deus, que deve ser compartilhada.
A Peregrinação
Como já assinalamos, a tradição islâmica envolve cinco
procedimentos necessários: o testemunho, as orações, o
jejum, o tributo e a peregrinação. Em relação a esta última,
sabemos tratar-se de uma viagem à Meca, a fim de visitar a
Caaba e de rezar no Monte Arafat.
Trata-se de um procedimento recomendado a todos
os muçulmanos, pelo menos uma vez na vida, desde que
46
tenham possibilidade de fazê-la, tanto em se tratando de
condições físicas, como do ponto de vista financeiro.
Além de um culto religioso, a peregrinação se coloca
como uma espécie de congresso internacional, em que se
reúnem muçulmanos provenientes de todas as partes do
mundo, estabelecendo entre si, vínculos de amizade fraternal e intercâmbio geral.
Os peregrinos, trajando-se uniformemente, participam
coletivamente dos ritos que se realizam em louvor a Deus.
Os homens vestem-se com apenas duas toalhas brancas,
as quais se adaptam ao corpo, sem costura alguma – uma
na parte superior e a outra na parte inferior; enquanto as
mulheres vestem-se com mantos longos.
Todos os homens, unanimemente, em pé de igualdade,
esquecidos das coisas mundanas, das agressões, das
injúrias e, sobretudo, das diferenças que distinguem os
homens (isto é, o rei prostra-se ao lado do plebeu, o pobre
ao lado do rico, o negro ao lado do branco), rendem graças
ao Criador.
De qualquer modo, a recompensa destas práticas é a
conquista da promessa divina do Altíssimo Deus e do Profeta
Mohammad (SAAS), de longevidade e de uma espécie de
seguro contra as adversidades da vida. Tratam-se de
procedimentos que visam a reforma íntima, a busca da
humildade, o abandono da arrogância e do espírito de
grandeza, seja ele falso ou verdadeiro, desde que se tenha
por real intenção o amor a Deus.
47
O Islã e os Livros Sagrados
Para o Islã, o Alcorão é um Livro Sagrado, pois reúne a
verdadeira mensagem de Deus. De maneira semelhante, o
Judaísmo e o Cristianismo também possuem um livro
sagrado, em que se encontram reunidos os preceitos de cada
uma dessas religiões.
Vejamos, inicialmente, como o Islã se manifesta quanto
ao reconhecimento da Tora (Judaísmo) e da Bíblia
(Cristianismo), segundo o Alcorão: “Ele te revelou (Ó
Mohammad) o Livro (paulatinamente) com a verdade,
corroborante dos anteriores, assim como havia revelado
a Tora e o Evangelho”. (3ª Surata, versículo 3).
O ensino é muito claro, quando assinala que a Tora e o
Evangelho também foram revelados por Deus, assim se
referindo aos judeus e aos cristãos. Com efeito, muitos
evangélicos são fiéis e se converteram ao Islã que é entregarse a Deus Único e Todo Poderoso.
Historicamente, os judeus antecedem os cristãos, de
modo que há várias passagens do Alcorão nos informando
sobre alguns procedimentos típicos dos judeus, tais como o
que se segue: “Como apontam a ti por juiz, quando têm a
Tora que encerra o Juízo de Allah? E mesmo depois
disso, eles logo viram as costas. Estes em nada são
crentes”. (5ª Surata, versículo 43).
A pergunta implícita neste versículo é muito minuciosa
quanto às intenções dos judeus de levarem os seus casos,
para decisões, ao Mensageiro (SAAS). Eles iam ter com ele
para ridicularizar o que fosse que ele dissesse, ou para
48
enganá-lo quanto aos fatos, para se apegarem a uma decisão
favorável a eles e que estivesse contra a eqüidade. Se a
sua própria lei não se coadunasse com os seus interesses
egoísticos, eles muitas vezes a mudavam. Mohammad
(SAAS), porém, era sempre inflexível em sua justiça.
Ainda em relação a esse procedimento dos judeus, uma
outra passagem do Alcorão nos ilustra que: “Revelamos a
Tora, que encerra Orientação e Luz, com a qual os
profetas, submetidos a Allah, julgam os judeus, bem
como os rabinos e os doutos, aos quais estavam
recomendadas a observância e a custódia do Livro de
Allah. Não temais, pois, os homens, e temei a Mim, e
não negocieis as Minhas leis a preço ínfimo. Aqueles
que não julgarem conforme o que Allah tem revelado
serão incrédulos”. (5ª Surata, versículo 44).
Analisando esse trecho, podemos perceber que duas
acusações são feitas aos judeus: primeiro, que mesmo dos
livros que possuíam, eles distorciam o significado, segundo
os seus próprios interesses, porque temiam mais aos homens
do que a Allah; e, segundo, que o que eles possuíam nada
mais era do que fragmentos da Lei original, revelada a
Moisés, misturada com uma porção de assuntos semihistóricos e legendários, de alguma poesia elevada. Isto
porque a Tora, mencionada no Alcorão, não se trata do Antigo
Testamento como o conhecemos, nem tampouco se trata
do Pentateuco (os primeiros cinco livros do Antigo Testamento, contendo a Lei).
Já nesta outra passagem do Alcorão, temos a
confirmação do envio de Jesus e dos Profetas, bem como a
revelação do Evangelho para os cristãos: “E depois deles
(profetas), enviamos Jesus, filho de Maria, corroborando
a Tora que o precedeu; e lhe concedemos o Evangelho,
49
que encerra orientação e exortação para os tementes”.
(5ª Surata, versículo 46).
O Alcorão, a Luz e a Esperança Para o Mundo
O Alcorão foi revelado a Mohammad (SAAS) numa
época em que o mundo experimentava grandes agitações
com problemas religiosos, econômicos, políticos e sociais.
A Pérsia e o Império Bizantino eram as civilizações
dominantes e dividiam o poder entre si.
Em que pese as duas potências disporem de exércitos
poderosos, a guerra entre ambas fez com que suas forças
fossem minadas, principalmente por causa da dissensão
religiosa e da disputa política.
Por volta de 632 da era cristã, em apenas quatro anos
ocuparam o trono persa nada menos que dez imperadores.
O trono correu o risco de cair nas mãos de usurpadores
militares, em várias ocasiões, naquele período. E as
contendas entre os dois impérios se estenderam por
décadas, com o ódio ceifando vidas e despertando ressentimentos entre seus povos.
A religião persa era o masdaísmo. A vida social estava
num caos moral, submersa nos atrativos terrenos, havendo
uma predominância de classes. Além disso, também
imperava a anarquia religiosa de grupos contrários à religião
persa.
Em contrapartida, o império Bizantino sofria as conseqüências de guerras ininterruptas, com grandes perdas em
vidas humanas e também materiais. As diferenças sociais
se acentuavam cada vez mais; os impostos extorsivos
50
geravam revoltas, principalmente entre os agricultores, que
respondiam pela base da economia do império.
Também na Península Arábica, onde nasceu
Mohammad e foi revelado o Alcorão, havia uma divisão entre romanos e persas. As lutas e contendas proliferavam na
região, de modo que cada tribo ou facção cultuava um ídolo
ou um elemento da natureza. A idolatria era a religião
dominante entre os árabes de então.
Os cristãos nestorianos se espalhavam nas
proximidades da cidade de Alhtra, estendendo-se até o
Iêmen. Os católicos espalhavam-se pelo Sinai. Também os
judeus viviam na península e no sul da Arábia. Em sua
maioria, eram grupos de fanáticos, dividindo-se os judeus e
cristãos em várias seitas, aumentando a animosidade e a
tensão na região.
No plano moral, havia muita iniqüidade, com o
assassinato costumeiro de filhas, assim como a poligamia
e a poliandria, o tráfico de mulheres e a prática de
obscenidades. Faltava aos árabes algo que os aproximasse
e os aglutinasse, uma consciência nacional.
Havia, portanto, a necessidade premente de se
estabelecer a ordem dentro do caos, formando uma nação.
E a ordem veio de forma providencial, na pessoa de
Mohammad (SAAS), com o Alcorão, pregando a adoração a
um Deus Único, o respeito à liberdade e ao livre pensar,
revelando ao homem sua natureza divina.
Foi nos vinte e três anos de vida missionária que o
Profeta (SAAS) usou o Alcorão como um guia para os costumes, para o comportamento e para o caráter da sociedade,
dando a ela um norte religioso, político, social, econômico e
cultural, com respeito ao ser humano e valorizando a ética e
o pensamento.
51
Segundo o Profeta (SAAS), “... algo que, se o seguirdes,
nunca vos desviareis! É o Livro de Deus.” Assim, o Islã e o
Alcorão uniram os árabes para que eles constituíssem uma
nação, sustentada por valores divinos, de forma que a
doutrina se espalhou pelo mundo, levando luz e esperança
para milhões de criaturas, através dos séculos, chegando à
pujança dos dias atuais.
O Alcorão é a palavra de Deus, o Altíssimo, revelada a
Mohammad (SAAS), dada para que ele se tornasse o portavoz dos propósitos divinos para o homem.
Com efeito, Mohammad convocou o povo para o Islã,
para que o tomasse por religião, escolhida que foi por seu
Senhor: “... Hoje, completei a religião para vós; tenhovos agraciado generosamente, e vos aponto o Islã por
religião...” (5ª Surata, versículo 3).
O Alcorão não é um código e nem um discernimento
do Islã Ele esclarece, pelas tradições do Profeta (SAAS),
seus fundamentos, rituais e legislativos, de forma clara e
objetiva, orientando a conduta de todos os crentes.
O Alcorão foi documentado durante a vida do Profeta
(SAAS) por escribas, a quem ele o ditava. Os escribas
registravam suas palavras em pedaços de couro, em folhas
de tâmara e em pedras polidas. Ele permaneceu, por muito
tempo, escrito nesses objetos, bem como registrado na
memória de alguns homens até a morte do Profeta (SAAS).
No entanto, diante da adversidade vivida pelos
muçulmanos, com guerras e perseguições, os retentores do
conteúdo do Alcorão, para que ele não desaparecesse para
sempre, providenciaram uma cópia do mesmo, impressa em
material mais adequado. Coube à uma das esposas de
Mohammad, de nome Hafza, assumir a custódia da referida
cópia.
52
Os companheiros do Profeta, os retentores do Alcorão
e seus recitadores, espalharam-se pelo mundo, levando a
mensagem do Livro Sagrado, de forma que o Islã se expandiu
e conquistou os corações de milhões de criaturas.
É evidente que isso não viria sem a resistência daqueles
que pregavam (e ainda pregam) a liberdade religiosa e de
pensamento, bem como o princípio de igualdade dos
homens perante Deus, mas se contradiziam em suas ações,
ao perseguirem os fiéis de outros credos.
Desse modo, desde o surgimento do Islã até os dias
de hoje, aqueles que pregam a liberdade mas apresentam
uma conduta na contra-mão do que pregam, perseguem os
“apóstatas” e “gentios”, através das “cruzadas”, da propaganda insidiosa e da repressão pura e simples.
Todavia, o Islã continua mais vivo e atuante do que
nunca. A religião se expande a olhos vistos e a cada dia
mais povos são contemplados com a luz emanada pelo
Alcorão, onde está impressa a palavras de Deus, propagada
por milhares de missionários, que ensinam ao homem regras
de conduta, que visam proporcionar a paz e a concórdia,
para que ele possa viver em harmonia com os preceitos
divinos, a fim de alcançar sua felicidade suprema.
Reconhecimento dos Cristãos
Tendo sido evidenciado o respeito que se tem para com
os Livros Sagrados, seja o Alcorão, a Tora ou a Bíblia, temos
que o Islã reconhece os crentes em Deus, mas não impõe
sua fé a ninguém, como podemos comprovar nesta
passagem do Alcorão: “Entre os adeptos do Livro há
53
aqueles que crêem em Allah, no que vos foi revelado,
assim como no que lhes foi revelado, humilhando-se
perante Allah; não negociam os versículos de Allah a
preço irrisório. Terão sua recompensa ante o seu Senhor,
porque Allah é Destro em ajustar contas”. (3ª Surata,
versículo 199).
Temos, assim, que a fé é algo sublime, que não se
troca por nada, por mais que seja valioso. Por outro lado,
evidencia-se a justiça de Deus a todos os homens.
Já neste outro versículo, ressalta-se a liberdade de
crença, prevista como um direito de todos: “E se eles
discutirem contigo (Ò Mohammad), dize-lhes: Submetome a Allah, assim como aqueles que me seguem! Dize
aos adeptos do Livro e aos iletrados: Tornar-vos-eis
muçulmanos? Se se tornarem, encaminhar-se-ão; se
negarem, sabe que a ti só compete a proclamação da
Mensagem. E Allah é Observador dos Seus servos”. (3ª
Surata, versículo 20).
Percebe-se, então, que segundo o Alcorão não há
imposição de crença a ninguém. Todos têm direito a escolher
sua confissão religiosa, devendo ter liberdade para professála adequadamente e com respeito dos demais homens e
religiões.
O Islã e os Mensageiros de Deus
Muitas pessoas não sabem qual a posição da Virgem
Maria ou de Jesus Cristo no Alcorão Sagrado. As pessoas
podem não acreditar naquilo que foi dito pelo Alcorão
referente a Jesus e demais profetas, ou pela falta de
54
informação por parte dos muçulmanos, ou pelas informações
falsas e difamatórias contra o Islã difundidas por seus
adversários. Trata-se de uma questão para ser estudada,
precisando da leitura de muitos livros e de uma análise
bastante criteriosa.
Neste estudo, vamos apresentar algumas pequenas
passagens do Alcorão que abordam esse assunto,
apresentando alguns dos Mensageiros de Deus, bem como
alguns de seus ensinamentos.
Dessa maneira, nosso objetivo é apresentar alguns
valores morais e sociais, que muitas pessoas pensam serem
modernos, mas que o Islã já tinha apresentado há muito
tempo (1400 anos). O Islã revolucionou a sabedoria, a fé, os
pensamentos, as ciências e as artes na Europa, no mundo
oriental e africano.
Como veremos, a ideologia islâmica não entra em
confronto com o Cristianismo, com o Judaísmo, nem com
outras concepções religiosas. Em contrapartida, o
imperialismo tem inventado diversos motivos para dominar
os povos e se apropriar das riquezas internacionais, usando
métodos infernais e baseando-se em mentiras.
O livro “As mil e uma noites” traz uma história que ilustra
bem essa questão: “Certo dia, um lobo encontrou um carneiro
na beirada de um rio e disse: ‘Ó carneiro, por que está me
turvando a água?’ O carneiro respondeu: ‘A água vem de
teu lado ao meu!’ O lobo, então, falou: ‘Eu não estou falando
de agora, mas de há dois anos!’ O carneiro disse-lhe: ‘Eu
não tenho dois anos! Eu tenho apenas um ano e meio!’ O
lobo falou: ‘Eu não estou falando de você, mas do seu pai!’
Pois atirou-se sobre ele, avançando e o comendo.”
Essa história parece sempre se repetir entre o
imperialismo e as nações desejadas, por qualquer interesse
político ou econômico.
55
Então, vejamos agora como o Alcorão apresenta a
Virgem Maria, Jesus Cristo e os demais mensageiros de
Deus.
A Virgem Maria no Alcorão Sagrado
Como sabemos, Deus Todo Poderoso cede poderes e
as recompensas a quem quiser. E esse imperativo pode ser
constatado no seguinte trecho do Alcorão: “Dize: Ò Allah,
Soberano do poder! Tu concedes a soberania a quem Te
apraz e a retiras de quem desejas; exaltas quem queres
e humilhas a Teu bel prazer. Em Tuas mãos está todo
o Bem, porque só Tu és Onipotente”. (3ª Surata, versículo
26).
Trata-se de uma passagem gloriosa, plena de
significado – tanto patente como místico. A frase regente é
“Em Tuas mãos está todo o Bem”. Qual é o padrão pelo qual
devemos julgar o bem? É a vontade de Allah. Por
conseguinte, quando nos submetemos à vontade de Allah,
tendo o Islã a nos iluminar, vemos o bem como sublime.
Tem havido, e há, muita controvérsia, quanto ao que
seja o bem sublime. Para os muçulmanos não há dificuldade:
É a vontade de Allah. Eles devem sempre empenhar-se em
aprender e compreender tal vontade. E, uma vez nessa
fortaleza, eles estarão seguros. Não se angustiarão com a
natureza do Mal.
Diante desse bem sublime, que é a vontade de Deus,
coloca-se o papel da Virgem Maria, no entender do Alcorão.
Inicialmente, ele ressalta que o fruto do milagre de Deus
pertence a Deus e à Virgem Maria, que dedicou o fruto de
seu ventre à missão divina.
56
Assim, nesta passagem do Alcorão indica-se que Anna,
mãe de Maria, teria dedicado sua filha à obra do Senhor
desde o momento de sua concepção: “Recorda-te de
quando a mulher de Imran, disse: Ó Senhor meu, é certo
que consagrei a ti, integralmente, o fruto do meu ventre;
aceita-o, porque és o Oniouvinte, o Sapientíssimo”. (3ª
Surata, versículo 35).
Com efeito, Anna – esposa de Imran e mãe de Maria –
consagrara o fruto concebido (uma menina) ao serviço do
Senhor, como se comprova nesta outra passagem: “E
quando concebeu, disse: Ó Senhor meu, concebi uma
menina – e Allah sabia muito bem o que ela tinha
concebido, e um macho não é o mesmo que uma fêmea.
Eis que a chamo Maria; ponho-a, bem como a sua
descendência, sob a Tua proteção, contra o maldito
Satanás”. (3ª Surata, versículo 36).
Após o nascimento de Maria, comprova-se a graça do
Senhor, conforme se percebe neste outro trecho do Alcorão:
“Seu Senhor a aceitou benevolentemente e a educou
esmeradamente, confiando-a a Zacarias. Cada vez que
Zacarias a visitava, no oratório, encontrava-a provida de
alimentos, e lhe perguntava: Ó Maria, de onde te vem
isso? Ela respondia: De Allah! Porque Allah agracia sem
medida a quem Lhe apraz”. (3ª Surata, versículo 37).
Ora, estando no oratório, isto é, a sala em frente ao
templo ou o lugar mais nobre do templo de Jerusalém, Maria
estava sempre munida do essencial à sua sobrevivência,
por obra e graça de Deus.
Numa outra situação, tem-se que Maria é retirada do
seio de sua família, a fim de ser preparada para a tarefa
divina de tornar-se mãe: “E menciona Maria, no Livro, a
qual se separou de sua família, indo a um local no leste”.
(19ª Surata, versículo 16).
57
De fato, Maria foi enviada para um compartimento
privado ao leste, talvez num templo. Ela se separou das
pessoas de sua família, e das pessoas em geral, e foi para
a sua privacidade, por devoção, para orar. Foi nesse estado
de pureza que o anjo apareceu a ela na forma de um homem.
Ela pensou tratar-se realmente de um homem, ficou
assustada, e implorou-lhe que não invadisse a privacidade
dela.
Como se vê, um anjo lhe aparece na imagem perfeita
de um homem, assustando-a e levando-a a clamar a proteção
de Deus, segundo estes outros trechos do Alcorão: “E
colocou uma cortina para ocultar-se dela (de sua família),
e lhe enviamos o Nosso Espírito, que lhe apareceu
personificado, como um homem perfeito”. E continua:
“Disse-lhe ela: Guardo-me de ti no Clemente, se é que
temes a Allah”. (19ª Surata, versículos 17 e 18).
Dessa forma, sabemos que o anjo Gabriel tranqüilizaa com a notícia milagrosa de que ela teria um filho, como
vemos neste trecho: “Explicou-lhe: Sou tão somente o
mensageiro do teu Senhor, para agraciar-te com um filho
imaculado”. (19ª Surata, versículo 19).
Evidencia-se, assim, que o Profeta e mensageiro de
Deus trazia a boa nova, ou seja, que Allah havia destinado
Maria para ser a mãe do profeta Jesus Cristo, e então
chegara o tempo em que isso deveria ser anunciado a ela.
No entanto, a Virgem Maria não consegue compreender
como poderia ter um filho, sendo virgem e sem ter sido tocada
por homem algum. Em relação a isso, o Alcorão diz que Maria
expressa sua preocupação: “Disse-lhe: Como poderei ter
um filho, se nenhum homem me tocou e jamais deixei
de ser casta ?” A qual é explicada pelo mensageiro do
Senhor: ‘Disse-lhe: Assim será, porque teu Senhor disse:
58
Isso Me é fácil! E faremos disso um sinal para os homens,
e será uma prova de Nossa misericórdia”. (19ª Surata,
versículos 20 e 21).
Numa outra passagem, temos uma explicação mais
clara quanto à sua gravidez sem contato carnal: “Perguntou
(Maria): Ó Senhor meu, como poderei ter um filho, se
mortal algum jamais me tocou? Disse-lhe o anjo: Assim
será. Allah cria o que deseja, posto que quando decreta
algo, basta dizer: Seja! E é”. (3ª Surata, versículo 47).
Ora, pela ordem de Allah Todo Poderoso, Adão foi feito
de barro, sem pai nem mãe; Eva, da costela de Adão, do pai
sem mãe; e Jesus, de Mãe sem pai. Assim, Deus cria do
jeito que ele quer, não precisa de causas, porque é todo
poderoso.
De qualquer modo, tendo compreendido sua missão
divina, Maria levou uma vida reservada durante toda a
gravidez. Porém, diante da situação vigente na época,
afastou-se no momento de dar a luz, como percebemos neste
trecho do Alcorão: “E quando concebeu, retirou-se, com
ele, para um lugar afastado”. (19ª Surata, versículo 22).
A anunciação da concepção, podemos supor, teve lugar
em Nazaré (da Galiléia), localizada a uns 100 km ao norte
de Jerusalém. O parto deu-se em Belém, cerca de 10 km ao
sul de Jerusalém. Era um lugar longínquo, não apenas com
relação à distância, mas porque em Belém o nascimento
deu-se num local obscuro, sob uma palmeira, de onde talvez
a criança tenha sido depois removida para uma manjedoura,
em um estábulo.
Maria não foi poupada das dores do parto, como nos
indica esta passagem: “As dores do parto a constrangeram
a refugiar-se junto de uma tamareira. Disse: Oxalá eu
tivesse morrido antes disto, ficando completamente
esquecida”. (19ª Surata, versículo 23).
59
Ela era apenas humana e sofria as dores de uma mãe
que está esperando, sem ter ninguém para olhar por ela,
porque como a circunstância era peculiar, ela teve de ir para
longe de seu povo. No entanto, Deus cuidou para que ela
fosse assistida em suas necessidades, conforme
constatamos nos seguintes trechos: “Porém, chamou-a uma
voz, debaixo dela: Não te atormentes, porque teu Senhor
fez correr um riacho a teus pés!” E ainda: “E sacode o
tronco da tamareira, de onde cairão sobre ti tâmaras
maduras e frescas”. (19ª Surata, versículos 24 e 25).
Percebe-se, assim, que a Providência Invisível
determinou que ela não devesse sofrer sede e fome, pois
além do alimento (tâmaras), o poço abasteceu-a com água
também para sua higiene.
Prosseguindo em nossa análise, temos que há um outro
ponto importante no seguinte versículo: “Come, pois, bebe
e consola-te; e se vires algum humano, faze-o saber que
fizeste um voto de jejum ao Clemente, e que hoje não
poderás falar com pessoa alguma”. (19ª Surata, versículo
26).
Examinando-o sob o ponto de vista literal, temos a
expressão “Refresca teus olhos” como uma frase idiomática
vinculada a esta outra “consola-te”, cujo significado não deve
ser esquecido: ela teria de refrescar os seus olhos (talvez
marejados de lágrimas) com água fresca do regato, e
consolar-se com a notável criança que havia nascido dela.
Ela teria, também, de olhar ao seu redor e, se alguém se
aproximasse, teria de declinar qualquer conversa. Aquilo era
bem a verdade: ela se encontrava sob juramento e não podia conversar com ninguém. Ela teria de evitar toda conversa,
com homem ou mulher, com a justificativa de um juramento
a Allah.
60
Sabemos que o jejum, no original, não significa a
abstinência quanto ao comer e ao beber. Assim, foi-lhe
aconselhado que comesse tâmaras e que bebesse do regato.
Outrossim, significa abstinência das costumeiras refeições
caseiras e, de modo geral, das relações com os humanos.
Como quer que seja, após o nascimento, Maria retorna
à sua comunidade com seu filho abençoado: “Regressou
ao seu povo levando-o (o filho) nos braços. E lhe
disseram: Ó Maria, eis que trouxeste algo extraordinário!”
(19ª Surata, versículo 27).
Ora, o espanto das pessoas não tinha limites. De
qualquer maneira, as pessoas estavam propensas a pensar
o pior, uma vez que ela desaparecera do seio de seus
familiares por algum tempo. E agora, lá vinha ela,
desavergonhadamente desfilando com um filho no colo! E
como ela havia desgraçado a casa de Aarão, a fonte do
sacerdócio!
Podemos supor que a cena se desenrolou no Templo,
em Jerusalém ou em Nazaré, atraindo a atenção de todas
as pessoas quanto a atitude de Maria: “Ó irmã de Aarão,
teu pai jamais foi um homem do mal, nem tua mãe uma
(mulher) sem castidade!” (19ª Surata, versículo 28).
Com efeito, Aarão, o irmão de Moisés, foi o primeiro na
linhagem do sacerdócio israelita. Maria e sua prima Isabel
(mãe de Yahia) vinham de uma família sacerdotal e, portanto,
eram “irmãs de Aarão” ou filhas de Imran (que era pai de
Aarão). Maria é conscientizada da sua alta linhagem e das
irrepreensíveis qualidades morais do seu pai e da sua mãe.
Assim, as pessoas não se conformavam de que ela se
perdera e desgraçara o nome dos seus progenitores, como
se pode notar nesta passagem: “Então ela lhes indicou
que interrogassem o menino. Disseram: Como falaremos
61
a uma criança que ainda está no berço?” (19ª Surata,
versículo 29).
No entanto, o que podia fazer Maria? Como poderia
ela explicar? Iriam as pessoas, com seus modos de censura,
aceitar a explicação dela? Tudo o que ela podia fazer era
apontar para a criança, a qual, ela sabia, não era uma criança
comum. E a criança viera para a salvação dela, pois por um
milagre, a criança falou e defendeu sua mãe, pregando a
um público incrédulo: “Ele lhes disse: Sou servo de Allah,
o Qual me concedeu o Livro e me designou como
profeta”. E prosseguiu: “Fez-me abençoado, onde quer
que eu esteja, e me encomendou a oração e ( a paga do)
zakat enquanto eu viver”. (19ª Surata, versículos 30 e 31).
Como se sabe, há um paralelismo por todo o relato da
história de Jesus e Yahia, com algumas variações. Por
exemplo, Jesus declara, desde o princípio, que era um servo
de Allah, negando desse modo, a falsa noção de que era
Allah ou filho de Allah. E mais, Ele alerta para o respeito que
se devia ter para com sua mãe: “E me fez gentil para com
a minha mãe, não permitindo que eu seja arrogante ou
rebelde”. (19ª Surata, versículo 32).
De fato, a violência arrogante não é apenas injuriosa e
danosa para a pessoa contra quem é praticada; ela é, talvez,
ainda mais danosa para a pessoa que a pratica, porque torna
sua alma turva, insegura, infeliz e arruinada – o estado das
almas que se encontram no Inferno.
Como se percebe, deste momento em diante, a atenção
volta-se para Jesus Cristo, ficando a Virgem Maria como
imagem da mãe providencial. Com as passagens que
acabamos de indicar, esperamos ter sido possível um
esclarecimento quanto ao papel que lhe foi reservado no
Alcorão sagrado, evitando interpretações errôneas ou
equivocadas de quem quer que seja.
62
A Posição de Jesus Cristo
A missão de Jesus é anunciada de duas maneiras: em
primeiro lugar, Ele seria um sinal para os homens, pois seu
maravilhoso nascimento e vida iriam trazer de volta Allah
(Deus) a um mundo ateu; e, em segundo lugar, sua missão
iria trazer consolo e salvação aos que se arrependessem.
De um modo ou de outro, isto é o que se passa com
todos os mensageiros de Allah, e foi, proeminentemente
assim, no caso do Mensageiro Mohammad (SAAS). Mas o
ponto principal aqui, é que os israelitas, para os quais Jesus
foi enviado, para quem a mensagem de Jesus era verdadeiramente um Evangelho de Misericórdia, eram de um povo
de coração duro.
Como sabemos, para qualquer coisa que Allah deseja
criar, Ele diz: “Seja! E é”. Não há intervalo algum entre o Seu
decreto e a consumação deste, exceto se Ele assim o
estipular, no próprio decreto. Pode ser que o tempo seja
apenas uma projeção de nossas mentes, neste mundo de
relatividade.
Assim foi que Ele escolheu Maria, a mais pura de todas
as mulheres, para gerar um de seus mais importantes servos
– Jesus Cristo, como se constata nesta passagem: “Recordate de quando os anjos disseram: Ò Maria, Allah te elegeu
e te purificou, e te preferiu a todas as mulheres da
humanidade!” (3ª Surata, versículo 42).
Aqui iniciamos a história de Jesus. Como prelúdio,
temos o nascimento de Maria e a narrativa paralela de João
Batista (Yahia), o filho de Zacarias. Isabel, mãe de Yahia,
era prima de Maria, mãe de Jesus. Isabel era uma das filhas
63
de Aarão, irmão de Moisés e filho de Imran. Seu marido,
Zacarias, era virtualmente um sacerdote, e sua prima Maria
era também presumidamente de família sacerdotal.
Pela tradição, a mãe de Maria chamava-se Hanna (em
latim Anna e em português Ana) e seu pai chamava-se Imran.
Hanna é, por conseguinte, tanto descendente da casa
sacerdotal de Imran como esposa de Imran – uma mulher
de Imran, num sentido duplo.
Ao saber de sua divina tarefa, Maria fica
extremamente agradecida e se entrega a ela, conforme os
seguintes versículos: “Ó Maria, consagra-te ao Senhor.
Prostra-te e ajoelha-te com os que se ajoelham!” E ainda:
“Estes são alguns relatos do desconhecido, que te
revelamos (ó mensageiro). Tu não estavas presente com
eles (os judeus) quando, com setas, tiravam a sorte para
decidir quem se encarregaria de Maria; tampouco
estavas presente quando estavam a discutir entre si”.
(3ª Surata, versículos 43 e 44).
Numa outra situação, Maria é esclarecida sobre
Aquele que ela abrigava em seu ventre: “E quando os anjos
disseram: Ó Maria, Allah te anuncia o Seu Verbo, cujo
nome será Messias, Jesus, filho de Maria, nobre neste
mundo e no outro, e que se contará entre os próximos
de Allah”. (3ª Surata, versículo 45).
Pelo que sabemos, Messias é a forma hebraica,
enquanto em árabe é Massih. Cristo (em grego, Christos)
que quer dizer “o ungido”. Os reis e os sacerdotes eram
ungidos para que a unção simbolizasse a consagração dos
seus destinos especiais.
Sem nos atermos às diferentes formas de
referência à Jesus, temos informações sobre Seus “milagres”
já desde a tenra idade: “Falará aos homens, ainda no
64
berço, bem como na maturidade, e se contará entre os
virtuosos”. (3ª Surata, versículo 46).
Ora, o apostolado de Jesus durou apenas cerca
de três anos, dos 30 aos 33, quando, ao ver dos seus
inimigos, ele foi crucificado. Porém, o Evangelho de Lucas
descreve-o parlamentando com os doutores do Templo, tendo
a idade de 12 anos ou menos, ainda uma criança: “Entretanto
o menino crescia, e se fortificava, estando cheio de sabedoria:
e a graça de Deus era com ele”. Alguns Evangelhos apócrifos
descrevem-no como “pregando desde a infância”.
E a história nos mostra que Jesus fez muitos
outros milagres: “E será um mensageiro para os israelitas
(e lhes dirá): Apresento-vos um sinal do vosso Senhor:
eis que plasmarei de barro a figura de um pássaro, no
qual assoprarei, e a figura se transformará em pássaro,
com o beneplácito de Allah; curarei o cego de nascença
e o leproso; ressuscitarei os mortos, pela vontade de
Allah; e vos revelarei o que consumis e o que entesourais
em vossas casas. Nisso há um sinal para vós, se sois
crentes”. (3ª Surata, versículo 49).
Esse milagre dos pássaros de barro é encontrado em
alguns Evangelhos apócrifos; o da cura dos cegos e dos
leprosos, e o da ressurreição dos mortos, encontram-se nos
Evangelhos canônicos. O Evangelho original (3ª Surata,
versículo 48) não se constituía das várias histórias escritas
mais tarde pelos discípulos, mas da verdadeira Mensagem,
ensinada diretamente por Jesus.
De qualquer modo, o Alcorão indica a importância
da vida de Jesus: “A paz está comigo, desde o dia em que
nasci; estará comigo no dia em que eu morrer, bem como
no dia em que eu for ressuscitado”. (19ª Surata, versículo
33).
65
Para nós, Cristo não foi crucificado. Contudo, aqueles
que crêem que ele jamais morreu, devem ponderar sobre
este versículo: “Este é Jesus, filho de Maria; é a pura
verdade, da qual duvidam”. (19ª Surata, versículo 34).
As discussões quanto à natureza de Jesus Cristo foram
em vão, mas persistentes e sanguinolentas. Os cristãos
modernos deixam-nas para trás; e fariam muito bem se,
juntamente com isso, abandonassem os dogmas tradicionais.
Os Outros Mensageiros
O Alcorão reconhece e cita outros vinte e quatro
mensageiros e profetas. Inicialmente, informa-nos sobre o
Pai Nosso e de todos os profetas, como vemos nesta
passagem: “E menciona no Livro (a história de) Abraão;
ele foi veraz, e um profeta”. (19ª Surata, versículo 41).
Depois, apresenta-nos os demais mensageiros e
profetas: “E quando os abandonou com tudo quanto
adoravam em vez de Allah, agraciamo-lo com Isaac e
Jacó, e designamos ambos como profetas”. (19ª Surata,
versículo 49).
Com efeito, Isaac e seu filho Jacó, são mencionados
por darem continuidade à linha de tradições de Abraão. Outra
linha foi continuada por Ismael, da mesma maneira que sua
linhagem é tratada com especial honraria quanto ao Profeta
do Islã. Eis porque a menção a ele vem depois de Moisés.
Abraão, seu filho Isaac e seu neto Jacó, em sua
linhagem, mantiveram o estandarte da verdade espiritual de
Allah por muitas gerações, e conseguiram, merecidamente,
ganhar louvor – o louvor da verdade – nas línguas dos
66
homens. Abraão orou para que fosse louvado pela língua da
verdade, entre os homens que viriam em eras posteriores.
O louvor vindo da boca sincera, é deveras louvor!
Abraão, o Pai de Todos
Nascido na Babilônia, atual Iraque, filho de um
carpinteiro de nome Ázar, cuja a principal ocupação era
esculpir ídolos para vendê-los aos pagãos, Abraão nunca
pode aceitar o ofício do pai, o qual considerava incompatível
com suas mais profundas crenças monoteístas. Já adulto,
movido por eternas indagações, jamais chegou a compreender como aqueles pedaços de madeira, apresentados sob
várias formas, podiam ser objeto de adoração de seu povo.
Acossado por inquietudes dessa natureza, questionava o
pai quanto a validade desses ídolos e tentava demonstrarlhe que coisas inertes não podem, absolutamente, suscitar
algo de bom ou de útil em seus adoradores.
No Alcorão, encontramos muitas passagens que dizem
respeito a esses fatos. Assim, destacamos o seguinte trecho:
“Sabei que entre aqueles que seguiram o seu exemplo
estava Abraão, que se consagrou ao seu Senhor, de
coração sincero. E disse ao seu pai e ao seu povo: Que
é isso que adorais? Preferis as falsas divindades, em
vez de Allah? Que pensais do Senhor do Universo? E
elevou seu olhar às estrelas, dizendo: Em verdade, sintome enfermo! Então eles se afastaram dele. Ele virou-se
para os ídolos deles e lhes perguntou: Não comeis (do
que vos foi oferecido)? Por que não falais? E pôs-se a
destruí-los com a mão direita. E (os idólatras)
67
regressaram, apressados, junto a ele. Disse-lhes:
Adorais o que esculpis, Apesar de Allah vos ter criado,
bem como o que elaborais? Disseram: Preparai para ele
uma fogueira e arrojai-o no fogo! E intentaram conspirar
contra ele; porém, fizemo-los os mais humilhados. E
disse (Abraão): Vou para o meu Senhor, Que me
encaminhará.” (37ª Surata, versículos 83-99).
Numa outra passagem do Alcorão, é mencionado que:
“E recita-lhes (ó Mensageiro) a história de Abraão,
quando perguntou ao seu pai e ao seu povo: O que
adorais? Responderam-lhe: Adoramos os ídolos, aos
quais estamos consagrados. Tornou a perguntar: Acaso
vos ouvem, quando os invocais? Ou, por outra, podem
beneficiar-vos ou prejudicar-vos? Responderam-lhe:
Não; porém, assim encontramos fazendo os nossos pais.
Disse-lhes: Porém, reparais, acaso, no que adorais, Vós
e os vossos antepassados? São inimigos para mim,
coisa que não acontece com o Senhor do Universo; Que
me criou e me ilumina; Que me dá de comer e de beber;
Que, se eu adoecer, me curará. Que me dará a morte e
então me ressuscitará. E Que, espero, perdoará as
minhas faltas, no Dia do Juízo. Ó Senhor meu, concedeme prudência e junta-me aos virtuosos! Concede-me boa
reputação na posteridade. Conta-me entre os herdeiros
do Jardim do Prazer. perdoa meu pai, porque foi um dos
extraviados.” (26ª Surata, versículos 69-86).
Encontramos, ainda, uma outra passagem: “Quando
Abraão disse a Ezra, seu pai: Tomas os ídolos por
deuses! eis que te vejo a ti e a teu povo em evidente
erro. E assim mostramos a Abraão o reino dos céus e da
terra, para que se contasse entre os persuadidos.
Quando a noite o envolveu, viu uma estrela e disse: Eis
68
aqui meu Senhor! Porém, quando esta desapareceu,
disse: Não adoro os que desaparecem. Quando viu
despontar a lua, disse: Eis aqui meu Senhor! Porém,
quando esta desapareceu, disse: Se meu Senhor não
me iluminar, contar-me-ei entre os extraviados. E quando
viu despontar o sol, exclamou: Eis aqui meu Senhor!
Este é maior! Porém, quando este se pôs, disse: Ó povo
meu, estou isento da vossa idolatria! Eu me consagro a
Quem criou os céus e a terra; sou monoteísta e não me
conto entre os idólatras. Seu povo o refutou, e ele disse
(às pessoas): Pretendeis refutar-me acerca de Allah, se
é Ele que me tem iluminado? Sabei que não temerei os
parceiros que Lhe atribuís, salvo se meu Senhor quiser
que algo me suceda, porque a onisciência do meu
Senhor abrange tudo. Não meditais?” (6ª Surata,
versículos 74-80).
Pelo que sabemos, como Abraão não conseguia
convencer seu povo a abandonar o paganismo, partiu com
sua mulher Sara e foi à Palestina. De lá viajou para o Egito,
dominado então pelos hicsos. Estes eram aguerridos bandos
de pastores asiáticos, que invadiram o Nilo, venceram os
exércitos faraônicos e dominaram toda a região. Somente
após certo tempo, uma revolução os expulsaria, e o governo
do Egito seria restituído a seu povo.
De qualquer modo, era costume, entre os reis hicsos,
apoderarem-se de mulheres belas e casadas e sendo Sara
de rara beleza, ela corria o risco de ser tomada por eles.
Astuto, Abraão fez com que ela passasse por sua irmã, o
que de nada lhe valeu. O rei dos hicsos, contudo,
pretendendo casar-se com Sara, viu em sonhos que ela
pertencia a Abraão. Após questionar com este, sobre a
veracidade do sonho, repreendeu-o pela atitude, devolveu69
lhe Sara, mas não se mostrou inimigo seu; ao contrário, deulhe presentes, entre os quais uma escrava egípcia, de nome
Hajar.
Assim, passou Abraão a viver com Sara e Hajar,
pacificamente, até que Sara, já avançada em anos e estéril,
sugeriu ao marido que estivesse com Hajar, para assegurar
sua descendência. Anuindo aos rogos de Sara, Abraão
esteve com Hajar e com ela teve um filho de nome Ismael.
Sobre esse tema, temos a seguinte passagem do Alcorão:
“Ele (Abraão) disse: Eu vou onde me ordena o Senhor,
que me há de guiar.” “Senhor meu, concede-me um filho
virtuoso.” “Nós, então, lhe alvissaramos um menino
clemente.” (37ª Surata, versículos 99-101).
Tempos depois, por revelação divina, Abraão foi avisado
de que Sara também lhe daria um filho, tendo com ela Isaac,
o que nos é apresentado pela seguinte passagem do Alcorão:
“E lhe alvissaramos Isaac, que será profeta, entre os virtuosos.” (37ª Surata, versículo 112).
Desse modo, podemos notar a proximidade existente
entre as linhagens dos árabes e dos judeus, através dos
filhos de Abraão. Além disso, sabemos que Ismael e Isaac
eram igualmente queridos pelo pai.
Mas, com o correr do tempo, Sara não pode suportar
essa igualdade e passou a hostilizar Hajar, com quem não
mais queria conviver. Tanto fez Sara contra Hajar e Ismael,
que Abraão teve de afastá-los. Levou-os ao sul da Península
Arábica, chegando ao vale de Meca, que na ocasião se
encontrava totalmente deserto, porque não era o tempo das
caravanas. Ali deixou Hajar e Ismael, com pouco de água e
víveres, retornando à Palestina.
Durante algum tempo, permaneceram Hajar e Ismael
no vale, vivendo de água e dos víveres, deixados por Abraão,
70
até que se esgotou a água. E, com a falta de chuva, a região
não apresentava sequer uma formação do precioso líquido.
Hajar, desesperada, passou a procurá-lo nas proximidades;
depois percorreu distâncias, escalando Al-Safá e Al- Marua,
duas colinas ao redor do vale. Escalou-as, sucessivamente,
sete vezes. Esgotada e sem esperanças, voltou junto ao filho,
a quem encontrou como um anjo, que escavava a terra, de
onde brotou abundante água.
Essa fonte, que existe até hoje, recebeu o nome de
Zamzam e, perto dela, permaneceram por muito tempo, Hajar
e Ismael. Com a chegada das caravanas, Hajar passou a
ganhar o sustento em troca de água que oferecia aos
viajantes. Zamzam, a única fonte de água em toda a região,
começou a atrair tribos nômades, que passaram a viver em
suas proximidades. Uma das primeiras que habitaram o vale
de Meca foi a Jurhum, à qual pertencia a mulher com quem
Ismael viria a se casar anos mais tarde. Ismael passou a
viver, então, com essa tribo, no mesmo lugar em que, tempos depois, ergueu-se o templo da Caaba, a partir da qual
se formou a cidade de Meca, propriamente dita.
Conta-se que um dia Abraão pediu à Sara que o
deixasse ver a seu filho Ismael e a Hajar, sua mulher. Partiu,
então, e ao chegar ao vale, recebeu a revelação de Deus,
que lhe ordenava construir um templo para sua adoração.
Abraão e Ismael iniciaram a construção da Caaba, o primeiro
templo sagrado do mundo e, com certeza, o primeiro
santuário consagrado a Deus pelos homens, que foi erigido
em Meca, em lugar abençoado, “como guia povos”. Sobre
esse aspecto, podemos ler no Alcorão: “Sem dúvida, o
primeiro santuário para os homens foi erigido em Bakka,
lugar abençoado e guia para os povos.” (3ª Surata,
versículo 96). E, ao levantarem as fundações do templo,
71
Abraão e Ismael oraram: “Ó Senhor nosso, aceita-a de nós
pois Tu és Oniouvinte, Sapientíssimo.” (2ª Surata,
vesículo127).
Moisés e Outros Profetas
Moisés foi especialmente escolhido, preparado e
instruído na sabedoria dos egípcios, para que pudesse
libertar o seu povo do cativeiro do Egito. Foi um profeta e
recebeu inspiração, tendo sido um mensageiro: “E menciona
Moisés, no Livro, porque foi leal e foi um mensageiro e
um profeta”. (19ª Surata, versículo 51). Ele possuía um livro
de revelação e uma comunidade organizada, na qual instituiu
as leis de Deus.
Com o tempo, Moisés foi agraciado com o auxílio de
seu irmão, Aarão, também tornado profeta: “E o agraciamos
com a Nossa misericórdia, com seu irmão Aarão, outro
profeta”. (19ª Surata, versículo 53).
De fato, Moisés estava desconfiado e relutante para ir
com o faraó, porque possuía uma deficiência em sua língua.
Assim sendo, ele pediu ao seu irmão, Aarão, que se
associasse a ele naquela missão.
Numa outra passagem, apresenta-se o profeta Ismael:
“E menciona, no Livro, (a história de) Ismael, porque foi
leal às suas promessas e foi um mensageiro e profeta”.
(19ª Surata, versículo 54).
Como se sabe, Ismael era o escolhido para o sacrifício
de Allah, na tradição muçulmana. Quando Abraão lhe contou
sobre o sacrifício, ele ofereceu-se voluntariamente para isso,
e jamais se furtou à promessa, até que o sacrifício foi redimido
por um carneiro, segundo as ordens de Allah.
72
Há, ainda, uma outra referência: “E menciona, no
Livro, (a história de) Idris, porque foi veraz, e um profeta”.
(19ª Surata, versículo 56).
Tudo quanto nos foi dito é que ele era um homem da
verdade, da piedade e da sinceridade no mais alto grau. Era
um profeta que desfrutava de uma elevada posição entre
seu povo. Este é o ponto que junta a uma série de homens
apenas mencionados; ele se conservou em contato com seu
povo e foi por ele honrado. O progresso espiritual não faz
com que nos afastemos das pessoas a nós achegadas;
outrossim, nós devemos ajudá-las e guiá-las. Ele se ateve a
verdade e a piedade no mais alto grau.
A Missão do Islã
Sabemos que todos os profetas de Deus são irmãos e
iguais, como se constata nestas palavras do Alcorão: “Dize:
Cremos em Allah, no que nos foi revelado, no que foi
revelado a Abraão, a Ismael, a Isaac, a Jacó e às tribos,
e no que foi concedido a Moisés, a Jesus e a seus
profetas, do seu Senhor; não fazemos distinção alguma
entre eles, porque somos, para Ele, muçulmanos”. (3ª
Surata, versículo 84).
Ora, o termo “muçulmano” é derivado da palavra Islã,
que quer dizer submissão à vontade de Allah.
A posição do muçulmano é clara. Ele não se ufana de
ter uma religião peculiar, só para si. O Islã não é uma seita
ou uma religião étnica. Em sua opinião, todas as religiões
são como uma única, pois que a verdade é uma só. Foi a
religião decantada por todos os profetas primevos. Foi a
73
verdade ensinada por todos os Livros inspirados. Em
essência, ela galga à conscientização da vontade e dos
desígnios de Allah e a uma jubilosa submissão a essas
características.
Todos sabem que Deus jamais quebra uma promessa.
Assim é que foi dito: “Ó Senhor nosso, concede-nos o que
prometeste por intermédio dos Teus mensageiros, e não
nos desonres no Dia da Ressurreição. Tu jamais quebras
a promessa”. (3ª Surata, versículo 194).
Deus nos prometeu proteção e auxílio em nossas
dificuldades através dos exemplos trazidos pelos seus
mensageiros. A nós resta-nos o cumprimento de cada um
desses ensinamentos, colocando-nos contra o terrorismo e
tudo quanto possa caracterizar o mal: “E que surja de vós
um grupo que recomende o bem, dite a retidão e proíba
o ilícito. Este será (um grupo) bem aventurado”. (3ª
Surata, versículo 104).
Desse modo, a missão da nação muçulmana é de paz
e de segurança: “Sois a melhor nação que surgiu na
humanidade, porque recomendais o bem, proibis o ilícito
e credes em Allah. Se os adeptos do Livro cressem,
melhor seria para eles. Entre eles há crentes”. (3ª Surata,
versículo 110).
A conclusão lógica da evolução histórica religiosa é o
surgimento de uma religião universal, não sectária, não racial e não doutrinária, à qual o Islã se arroga o direito, porque
o Islã é apenas a submissão à vontade de Allah.
Isto implica em fé, bom proceder, ser um exemplo para
os outros, a fazer o bem e ter o poder de fiscalizar, no sentido
de que o bem prevaleça; abster-se do erro, dando exemplo,
para que outros se abstenham dele, tendo poder de fiscalizar
no sentido de que a injustiça e o erro sejam erradicados.
74
Portanto, o Islã vive não em função de si mesmo, mas em
função de toda a humanidade.
O Islã e as Outras Religiões
Em momento algum na história, o Islã pregou a
destruição de outros credos. Pelo contrário, a liberdade de
culto é uma das pedras basilares do Islã. Mesmo porque o
Alcorão é repleto de referências nesse sentido.
Nos países de maioria muçulmana, a liberdade religiosa
é respeitada, podendo os crentes praticar livremente seus
cultos sem serem importunados. Trata-se de uma liberdade
que pode ser definida como o direito do indivíduo de escolher
uma doutrina religiosa, sem qualquer coação ou
constrangimento exterior.
O Alcorão prescreve em diversas passagens, reveladas
em Meca e Medina, que todo homem é livre para escolher a
religião e a doutrina que lhe convenha, pois trata-se de uma
convicção interior, de modo que o constrangimento não
poderá ter nenhum efeito sobre ela. E o Alcorão é categórico
nesse sentido, quando diz: “Não há imposição quanto à
religião, porque já se destacou a verdade do erro. Quem
renegar o sedutor e crer em Deus, ter-se-á apegado a um
firme e inquebrantável sustentáculo, porque Deus é
Oniouvinte, Sapientíssimo”. O Imam Mohamad Abdo
acrescenta ainda: “Certas religiões, notadamente a cristã,
possuíam o hábito de converter as pessoas por imposição,
contrariando sua própria convicção. Este expediente não
deveria ser aplicado, porque a fé, essência da religião, é a
submissão do espírito. Portanto, essa submissão não poderá
75
ser assegurada por constrangimento, mas por intermédio
de provas e da razão.”
Assim, temos que movimentos ditos radicais, na
verdade uma pequena minoria, de orientação políticoideológica – mas que ganham espaços generosos na mídia
mundial – agem à margem da doutrina muçulmana, a
exemplo do que ocorreu entre judeus e cristãos no passado,
como ficou consignado ao longo da história.
Durante os perto de oitocentos anos de ocupação da
Península Ibérica (hoje, Espanha e Portugal) pelos
muçulmanos, aqueles povos puderam praticar livremente
seus credos, sendo eles judeus ou cristãos. Ambos
progrediram e prosperaram à sombra do domínio mouro, sem
serem importunados em seus costumes e tradições.
Por séculos sem fim, judeus e cristãos conviveram
pacificamente com muçulmanos na Palestina, na Ásia e na
África, em nações árabes e em países como a Índia, a China,
a Indonésia, o Irã e o Afeganistão, entre outros.
Durante as dolorosas perseguições, que tanto
penalizaram o povo hebreu na Europa, na Idade Média –
pelo poder da “Santa Inquisição” da Igreja Católica Romana
– milhares de judeus fugiram para os países árabes do Islã,
onde foram recebidos com dignidade, sem ter que dispor de
nenhum bem para se organizarem social e economicamente.
Infelizmente, a partir do momento em que o Oriente
Médio revelou possui riquezas de valor incomensurável em
seu subsolo, tais como as imensas jazidas de petróleo – o
que aconteceu no final do século XIX – esse quadro foi se
alterando paulatinamente, e a ambição desmesurada de
alguns homens de negócio, principalmente de países
ocidentais (justamente aqueles que estão configurados
nestas páginas como “oligarquia”), fez com que conflitos
fossem se disseminando na região, progressivamente, em
76
sua maioria instigados e induzidos pela velha tática de “dividir
para dominar”, como está acontecendo hoje no Iraque, no
Afeganistão e em outras partes do mundo.
Mas foi a partir da criação do movimento sionista
internacional, em 1892, uma espécie de braço político do
Judaísmo, que começou um longo debate em países
europeus e americanos, sobre a necessidade de os judeus
terem uma “pátria”.
Na época falava-se de algum território africano – como
Uganda – ou latino-americano – como a Patagônia, na
Argentina – para os abrigar. Todavia, com o passar do tempo,
a Palestina passou a ser o alvo central dos sionistas, que
montaram uma estratégia de ocupação, a qual se iniciou
com os movimentos religiosos, a partir da década de 1920.
Inocentes, os palestinos dispensaram a eles, um
tratamento com naturalidade, atenção e respeito. Com o
tempo, os sionistas foram se infiltrando na região, contando
com agentes revolucionários munidos de muitas armas.
Em seguida, valeram-se das perseguições (do terror),
que redundaram na morte de dezenas de milhares de
palestinos (homens, mulheres e crianças), cristãos e
muçulmanos; e a remoção dos mesmos para terras distantes,
o que se convencionou chamar de “Diáspora Palestina”, com
milhões deles vivendo hoje no estrangeiro.
Como pano de fundo, a oligarquia internacional
monitorou a situação bem de perto, utilizando a ideologia a
seu favor, acompanhando o impasse gerado pelas ações
dos sionistas, e agiu politicamente, propondo e coordenando
a criação do Estado de Israel, em 1947, assim como seu
reconhecimento pela Organização Mundial das Nações
Unidas (ONU), dois anos depois.
A ocupação pura e simples da Palestina pelo sionismo,
um lugar sagrado para os muçulmanos de todo o mundo –
77
como é também para os cristãos – e a criação de um Estado
judeu, exclusivo, ficou consignado como uma desonra ao
Islã, uma vez que o princípio de liberdade religiosa que o
muçulmano tanto preza foi ferido.
Além disso, o espírito ecumênico que reinava na
pacífica Palestina foi, então, quebrado pelo sionismo, o que
gerou protestos e contendas que incendiaram todo o Oriente
Médio, estendendo-se até hoje.
Diante da expansão acelerada do Islã, assim como do
poder formidável que os judeus detêm nas economias e nas
culturas dos povos, o conflito religioso, que perdura há tanto
tempo, interfere negativamente no plano da política e da
economia mundial. Algo que, com certeza, o Deus dos
judeus, árabes e cristãos, não vê com bons olhos.
O Islã Visto Por Outros
O Islã veio como uma inundação de luz, isto é, surgiu
para iluminar todo o ambiente. Seu encanto cativou a tantos,
que muitos se enfileiraram junto a ele. Mesmo aqueles que,
por diversas razões, não adentraram às suas fileiras,
quedaram-se diante de seu fascínio, não podendo deixar de
admirar sua beleza, esplendor e grandiosidade.
Admitem-lhe a sublimidade e a ele pagam tributo. Suas
assertivas são importantes, porque vêm daqueles que não
lhe completam o rol. E, justamente por ser de especial
relevância, é que agora apresentaremos a apreciação de
vários escritores sobre o Islã.
Segundo Jean L’heurex, “O Islã tinha o poder de
conquistar pacificamente as almas, pela simplicidade de sua
78
teologia, pela clareza de seus dogmas e princípios e pelo
número definido de suas práticas. Em contraste com o
Cristianismo, que vem sofrendo contínuas transformações,
desde a sua origem, o Islã tem permanecido exatamente o
mesmo em sua estrutura”.
Para o major inglês Arthur Glyn Leonard, “Duas
características, no credo do Islã, sempre me atraíram em
particular: uma é a concepção quanto a Deus; a outra é a
sua inquestionável sinceridade – um fantástico predicado
nas relações humanas, principalmente em seu aspecto
religioso. Acima de tudo, a sinceridade é quase divina e, como
o amor, resguarda de uma infinidade de pecados”.
Por outro lado, no entender de Srojiini Naidu, “O senso
de justiça é um dos mais maravilhosos ideais do Islã porque,
como tenho lido no Alcorão, encontro aqueles dinâmicos
princípios da vida, aplicável a todo mundo”.
Com efeito, o advento do Islã é talvez o mais
surpreendente acontecimento da história humana. Surgido
de uma terra e de um povo outrora negligenciados, o Islã se
alastrou, no curto espaço de um século, pela metade do
globo, fragmentando impérios, fazendo ruir religiões há muito
instituídas, remodelando as almas das raças e erigindo todo
um novo mundo – o mundo do Islã.
Desse modo, quanto mais de perto examinamos este
desenvolvimento, tanto mais extraordinário ele se nos
apresenta. As outras grandes religiões conseguiram ganhar
prestígio mui vagarosamente, à custa de dolorosos esforços,
terminando por triunfar com a ajuda de monarcas poderosos,
convertidos à nova fé. Assim ocorreu no Cristianismo, com
Constantino; no Budismo, com Asoka; e no Zoroastrismo,
com Cyrus; cada um concorrendo com a força vigorosa da
autoridade secular ao culto escolhido. Porém, o mesmo não
79
aconteceu com o Islã. Surgido em uma terra desértica,
esparsamente habitada por uma raça nômade, anteriormente
indistinguível nos anais humanos, o Islã partiu para a sua
grande aventura, contando com o apoio do mais débil
elemento humano contra as mais cruciantes excentricidades
materiais.
Contudo, o Islã triunfou com facilidade e força
aparentemente miraculosa, e uns pares de gerações viram
o Crescente Fértil tornar-se vitorioso, desde os Pirineus até
o Himalaia, desde os desertos da Ásia Central até os desertos
da África Central.
Sem dúvida, Mohammad (SAAS), um árabe entre os
árabes, foi a própria encarnação da alma de tal raça.
Pregando um monoteísmo singelo e astuto, livre de
artimanhas prelatícias e das elaboradas pompas doutrinárias,
ele puncionou os mananciais do zelo religioso, tão
profundamente arraigados no coração semítico.
Esquecendo-se das rivalidades crônicas e dos feudos
sanguinários que haviam minado suas energias, em suas
contendas mútuo-destrutivas, e amalgamando-se em uma
florescente unidade com o fogo de sua recém adquirida fé,
os árabes se arremeteram deserto afora, para conquistar a
terra para Deus, o Único e Verdadeiro.
Segundo Dr. A. M. Lothrop, “Eles (os árabes) não eram
selvagens sanguinários, afeitos unicamente à pilhagem e à
destruição. Outrossim, constituíam uma raça inatamente
dotada, eram ávidos por aprender e apreciadores dos dotes
culturais que as civilizações mais velhas tinham para lhes
oferecer. Mesclando-se livremente e professando uma crença
comum, conquistadores e conquistados rapidamente se
fundiram e, dessa fusão surgiu uma nova civilização, a
sarracena, com a qual as velhas culturas de Grécia, de Roma
80
e da Pérsia foram revigoradas, contando para isso com o
gênio árabe e com o espírito Islâmico. Nos primeiros três
séculos de sua existência (aproximadamente 650-1000 d.C.),
o domínio do Islã foi a mais civilizada e progressista porção
do Mundo. Salpicada de esplendidas cidades, formosas
mesquitas e tranqüilas universidades, onde a cultura do
mundo antigo era apreciada, o mundo muçulmano oferecia
um surpreendente contraste com o ocidente cristão, então
mergulhado na noite da idade das Idade das Trevas.”
Para Sir William Muir, “...sem sombra de dúvidas, com
o seu monoteísmo puro e um código fundado principalmente
na justiça e no humanismo, o Islã consegue levantar, a um
nível mais alto, raças afundadas na idolatria e no fetichismo,
como as da África Central e aquelas que, em alguns aspectos
– notadamente no temperamento – ele melhora
materialmente a moralidade de tais povos”.
O Islã e os Direitos Humanos
Falar dos direitos do homem, diante da diversidade de
culturas existentes no mundo é uma tarefa complexa. Por
mais que o assunto venha sendo alvo de intensos debates,
hoje e no passado, para o Islã dificilmente a humanidade
alcançará êxito nesta tarefa, se deixar de lado a orientação
do espírito, da revelação divina.
Tanto é verdade, que nesse sentido, as leis criadas pelo
homem, por mais necessárias que sejam, ainda estão longe
de atingir seus objetivos, como pode ser visto no sofrimento
de milhões de criaturas, que amargam todo tipo de injustiça,
perseguições e privações, as mais adversas, inclusive com
81
a perda da própria vida, um direito fundamental, que vem de
Deus e que lhes é tirado por assassinatos (violência), pela
fome, assim como pelas guerras e contendas.
E um outro direito, também fundamental, é o de o
homem trabalhar, de ter um emprego digno para dar sustento,
conforto e educação para a família. Ao não se respeitar esse
valor, ele paga caro no plano social, com os desajustes de
conduta, com os vícios, com uma juventude sem perspectivas
de um futuro melhor, ou sequer com a possibilidade de
exercer o direito sagrado de edificar uma família (marido,
mulher e filhos), que também é um desígnio de Deus.
Em dez de dezembro de 1948, a Assembléia das
Nações Unidas publicou a “Declaração Universal dos Direitos
Humanos”, que é considerada como um ideal a ser
perseguido e conquistado por todos os povos e nações, no
intuito de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade se
esforce por promover o respeito a esses direitos e liberdades,
bem como – pela adoção de medidas progressivas de caráter
nacional e internacional – por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos.
Com efeito, o objetivo da maior parte desses direitos é
assegurar a liberdade, a justiça e a igualdade entre os
homens, destacando o reconhecimento da dignidade inata
de todos os membros da família humana e o reconhecimento
da igualdade de seus direitos, independentemente de
qualquer tipo de diferenciação que possa existir entre os
homens.
Todos esses princípios não podem jamais ser
rejeitados, para que a liberdade possa ser consolidada e a
justiça e paz sejam consagradas, de modo que a
consolidação desses valores resultará em um mundo onde
os homens terão liberdade de expressão e de crença, longe
do temor e da miséria.
82
É evidente, que a partir da manifestação da ONU, a
questão dos direitos humanos ganhou um novo desempenho
e os povos de todo o mundo passaram a tê-la como um
referencial de justiça e de valorização do homem, em seus
direitos e dignidade.
Para se entender a posição islâmica quanto aos
direitos humanos e para salientar sua autenticidade e
progresso neste domínio, desde há cerca de quatorze
séculos, é necessário que se conheça os principais artigos
da Declaração Universal, a fim de compará-los com os
princípios defendidos pelo Islã.
A religião islâmica nada mais é, em sua realidade, que
uma notificação divina destes direitos, de uma forma precisa,
real e profunda. Ela visa senão a fixação dos pilares da
liberdade, da justiça e da igualdade, rendendo homenagem
e dignidade ao homem em todo tempo e lugar.
Os princípios islâmicos são sublimes e devem ser
seguidos, pois constituem uma religião celestial, onde a
submissão se apóia na consciência, na crença e na fé, sob
a orientação divina. Eles constituem em si uma lei (Chari’a),
salvaguardada e aplicada pelos governantes e juristas
muçulmanos, que têm a função, no Islã, de preservar a
religião e orientar a política mundial. Seus comportamentos
dependem dos interesses dos governados e estão a eles
ligados em objetivo e propósito.
Assim, o principal objetivo da lei islâmica é libertar o
homem, elevar sua posição, assegurar-lhe a dignidade e a
honra, preconizados por Deus, que tem evidenciado Sua
homenagem e Sua preferência a todos os humanos,
indistintamente, no Alcorão: “Enobrecemos os filhos de Adão
e os conduzimos pela terra e pelo mar; agraciamo-los com
todo o bem e os preferimos enormemente sobre a maior
parte de quanto tenhamos criado”.
83
Dessa forma, percebe-se que o Islã, como lei divina
que é, foi criado para fazer a humanidade conhecer a senda
reta e sair dos labirintos da ignorância, da injustiça, do
fanatismo e da escravidão, para a luz da ciência, não devendo
ser conhecido através do comportamento de alguns poucos
muçulmanos, manifestado principalmente nos períodos da
ignorância, da fragilidade e da desunião. Ou ainda, quando
motivados pelas atitudes dos inimigos, que lhes fizeram
perder a razão e transgredir seus preceitos religiosos, tal
qual se tem visto hoje, quando os inimigos do Islã, no intuito
de fazer prevalecer seus interesses de domínio e de
conquista, fazem da regra a exceção, e da exceção, regra,
quando pintam todo muçulmano com as cores do fanatismo
e do terror, como se esses desvios, condenados por Deus,
não existissem também em outros credos.
A este propósito, o Imame Mohamad Abda diz: “Não
nos importamos se certos muçulmanos não aplicaram esses
princípios, quando a fragilidade começou a assolar suas
fileiras, pois o desespero é da natureza dos fracos, e isso
não se coaduna com a natureza do Islã e não faz parte de
sua essência”.
Desse modo, as disposições devem ser inspiradas nas
sagradas fontes islâmicas, tais como o Alcorão e a Sunna
do Profeta, que são merecedores de plena confiança quanto
à sã aplicação ao longo da história, desde o advento do Islã
até hoje. Por outro lado, todos os muçulmanos são falíveis,
com exceção do Mensageiro de Deus, o comunicador das
revelações de seu Senhor, que não fala por capricho, mas
apenas comunica a inspiração que lhe foi revelada.
Nesse sentido, Achokani diz: “Deus não enviou a esta
comunidade senão o Profeta Mohammad. Toda a
comunidade é exortada a seguir o Livro Sagrado e a Suna
84
do Profeta, não havendo distinção entre os companheiros e
seus sucessores.(...) Tudo o que está de acordo com os
princípios islâmicos, de palavras ou atos, é uma
correspondência a uma aplicação destes princípios. Tudo o
que estiver contra estes princípios será considerado fora da
lei islâmica. O Profeta disse: ‘Todo ato estranho à nossa
ordem é considerado uma apostasia’.”
Direito à Liberdade
Como ficou aqui patente, Deus quer que os homens
sejam livres, de modo que o direito à liberdade prevalece
sobre todos os outros, como está consignado no artigo 1º
da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que diz:
“Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e
direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir
em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.”
Do mesmo modo, o artigo 2º estipula que: “Todo homem
tem capacidade para gozar dos direitos e das liberdades
estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer
espécie, seja raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política
ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza,
nascimento, ou qualquer outra condição.”
Seria impossível descrever a liberdade em suas infinitas
nuanças. De acordo com o Dr. Zakaria El Berry (Ministro do
Estado para os Bens Religiosos e Presidente do Conselho
Supremo dos Assuntos Islâmicos), a liberdade divide-se em
quatro categorias: a religiosa, a de pensamento, a civil e a
política.
Todavia, por dizer mais respeito ao enfoque dado a este
trabalho, procuraremos examinar mais de perto a liberdade
85
religiosa, justamente pelo fato de o objetivo principal do Islã
relacionar-se à honra e libertação do homem, assegurandolhe a justiça, a prosperidade e a felicidade neste e no outro
mundo.
A Liberdade Religiosa
Trata-se da liberdade que pode ser definida como o
direito de o indivíduo escolher uma doutrina religiosa, sem
qualquer coação ou constrangimento exterior. “Deus não
vinculou a crença à imposição e ao domínio, mas à livre
escolha”, diz Azamkhchari.
O Alcorão prescreve em diversas Suratas, reveladas
em Meca e em Medina, bem como em certos versículos,
que todo homem é livre para escolher a religião e a doutrina
que lhe convenha, pois a doutrina é uma convicção interior,
e o constrangimento não poderá promover nenhum efeito
sobre ela.
De acordo com o Imame Mohamad Abda, “certas
religiões, notadamente a cristã, possuíam o hábito de converter as pessoas por imposição, contrariando a sua própria
convicção. Este expediente não deveria ser aplicado, porque
a fé, que é a essência da religião, é a submissão do espírito.
Portanto, esta submissão não poderá ser assegurada por
constrangimento, mas por intermédio de provas e da razão.”
Dessa maneira, os ensinamentos do Alcorão rejeitam
categoricamente a imposição religiosa, indicando que: “Não
há imposição quanto à religião, porque já se destacou a
verdade do erro. Quem renegar o sedutor e crer em Deus,
ter-se-á apegado a um firme e inquebrável sustentáculo,
porque Deus é Oniouvinte, Sapientíssimo”. (2ª: 256)
86
Examinando este versículo, Jalalud-din diz que ele
retrata o fato de não haver imposição para o ingresso na
religião, de modo que sua crença é considerada como
verdade, ao passo que o erro significa a decorrência de sua
descrença.
Ainda sobre este aspecto, o jurisprudente Al Malaky El
Sawy indica: “Pessoa nenhuma deve ser compelida a se
converter ao Islã, pois a verdade e o erro são pa-tentes a
qualquer um. A imposição é inútil, e os exemplos do TodoPoderoso são suficientes neste sentido. Deus diz: ‘Na criação
dos céus e da terra, na alternação do dia e da noite; nos
navios que singram o mar para o benefício do homem; na
água que Deus envia do céu, com a qual vivifica a terra,
depois de haver sido árida e onde disseminou toda a espécie
animal; na mudança dos ventos; nas nuvens submetidas
entre o céu e a terra, (nisso tudo) há sinais para os sensatos’.”
Como se vê, o Alcorão esclarece que a verdade de
Deus nada tem a ver com o constrangimento das pessoas e
a imposição da fé, constituindo-se sob o consentimento do
livre arbítrio. Assim, constatamos que a missão do Profeta
limita-se à notificação, ao esclarecimento e à admoestação
dos homens quanto as leis islâmicas, sem chegar ao ponto
de impor-lhes, coagir-lhes e dominar-lhes o direito de livre
escolha.
O Imame Mohamad Abda diz: “A religião é um elo entre o servo e seu Senhor, e a crença é um estágio do coração,
cujo imperativo está nas mãos do Conhecedor do
incognoscível; Ele é Quem a julga. Quanto ao servo, não
pode modificá-la. O que pode fazer, quando conhecedor da
verdade, é admoestar o negligente, instruir o ignorante,
aconselhar o seduzido e guiar o desencaminhado.”
87
Como quer que seja, uma das provas mais implícitas
da tolerância do Islã e da garantia à liberdade de crenças,
bem como da inexistência de imposição religiosa, é a
permissão do casamento de seus adeptos com mulher nãomuçulmana. Deus diz a este respeito: “Estão-vos permitidas
todas as coisas sadias, assim como vos é lícito o
alimento dos que receberam o Livro, da mesma forma
que o vosso é lícito para eles. Está-vos permitido
casardes com as castas, dentre as crentes, e com as
castas, dentre aquelas que receberam o Livro antes de
vós, contanto que as doteis e passeis a viver com elas
licitamente, não desatinadamente, nem as tomando
como companheiras secretas” (5ª Surata, versículo:5)
De fato, as palavras ditas acima fornecem o melhor
exemplo de tolerância e de liberdade religiosa, de modo que
o próprio Imame Mohamad Abda esclarece que “o Islã
permite o casamento do muçulmano com a mulher cristã ou
judia, concedendo-lhe o direito de continuar professando a
sua própria religião, cumprindo os seus preceitos e
freqüentando sua igreja ou sinagoga...”
Desta forma, evidencia-se – mais uma vez – o fato de
que o Islã não faz distinção alguma quanto aos direitos
conjugais entre a esposa muçulmana, cristã ou judia,
ressaltando a liberdade religiosa de cada um.
88
Liberdade de Culto e da Lei (Chari’a)
Como sabemos, em alguns países a liberdade de se
ter uma religião não é acompanhada também da liberdade
de culto, uma vez que as reuniões e cerimoniais religiosos
são proibidas.
O Islã vê isso como uma afronta a seus princípios,
porque a liberdade de culto é o corolário da liberdade religiosa
da prática dos ensinamentos religiosos. O adepto tem a total liberdade de praticar seus cultos e devoções, vivendo de
acordo com seus preceitos.
Quando Omar Ibn Alkhattab, o segundo Califa, foi com
um contingente de seu exército a Jerusalém para concluir
um tratado de paz com seus habitantes, ele viu ruínas de
uma construção quase soterrada. Quando inquiriu sobre
aquilo, foi-lhe dito que fora um templo judaico, destruído pelos
romanos.
Ele, então, começou a remover a terra e a transportála em seu manto para longe dali, gesto esse imitado por
seus soldados. Em pouco tempo, o templo estava limpo e
foi reaberto para o culto dos judeus. No tratado concluído
com os habitantes de Jerusalém, escreveu o Califa: “Eis que
o servo de Deus, Omar Ibn Alkhattab, Emir dos Crentes,
garante ao povo de Jerusalém paz e segurança, a proteção
deles e de suas propriedades, de suas igrejas e templos.
Suas igrejas não poderão ser ocupadas por outros, nem
podem ser demolidas ou reduzidas, e as propriedades das
igrejas não poderão ser violadas. Eles não poderão ser
89
oprimidos por causa da sua religião e nenhum deles poderá
ser injuriado.”
Numa outra passagem, quando Omar Ibn Alkhattab
estava dentro da Igreja do Santo Sepulcro, e a hora da oração
muçulmana chegou, ele foi orar fora da igreja. Quando lhe
foi perguntado a respeito, respondeu: “Temi que se tivesse
orado dentro da igreja, poderiam os muçulmanos, em tempo
futuro, reivindicá-la para suas próprias orações, sob o
pretexto de que Omar orou dentro dela, e a transformariam
em mesquita”. Assim, uma mesquita foi erigida no local onde
Omar orou, existindo até hoje como evidente testemunho
da tolerância e da justiça do Islã e de sua garantia à liberdade
religiosa, de credo e de culto.
Ainda em relação à liberdade de culto, Omar Ibn Abdel
Aziz (o mais justo dos califas da Dinastia Omíade), escreveu
ao renomado Al Hassan Al Basri, perguntando-lhe: “Por que
os (quatro) Califas Sensatos permitiram que os nãomuçulmanos permanecessem praticando o que é ilícito no
Islã?” Al Hassan Al Basri respondeu: “O Islã ordenou que
fossem deixados livres como são. Tu és apenas um seguidor
e não um inovador”.
De fato, temos observado que tal postura tem se
perpetuado até hoje, como o jurisprudente Al Hanafi
Assrkhassi diz: “Os governadores e os juízes agem desta
forma até os nossos dias, sem se imiscuírem no assunto,
apesar de saberem que estão tratando com assuntos
proibidos pela religião islâmica”.
Percebe-se, então, a importância atribuída pelo Islã à
liberdade e ao direito de cada criatura quanto à sua crença
religiosa. No entanto, outros aspectos também merecem
nossa atenção, haja visto tratar-se igualmente de direitos
humanos, principalmente no que se refere à vida (aborto), à
90
própria liberdade de viver (escravidão), às mulheres e aos
idosos, entre outros, como destacaremos a partir de agora.
O Islã e o Aborto
Como sabemos, a vida do ser humano não lhe pertence
nem pertence a ninguém; portanto, é proibido a qualquer
um exterminá-la. Assim como a Terra e tudo quanto nela
existe – o céu, os mares, o ar, os seres animados e
inanimados – vem de Deus, também Deus Glorioso nada
criou em vão, pois tudo que há entre o céu e a terra existe
por motivo divino. Há uma razão divina em cada coisa,
conhecida ou não por nós; o ser humano não só desconhece
grande parte do que o circunda, mas também ignora muito
de si mesmo.
No Alcorão, temos: “Em verdade, cada coisa foi criada
por Nós, criteriosamente”. (54ª Surata, versículo 49). E,
mais adiante, temos: “E dilatamos a terra, em que fixamos
firmes montanhas, fazendo germinar (nela) tudo,
comedidamente. E nela vos proporcionamos meios de
subsistência, tanto para vós como para aqueles por cujo
sustento sois responsáveis. E não existe coisa alguma
cujos tesouros não estejam em Nosso poder, e não vola enviamos, senão proporcionalmente. E enviamos os
ventos fecundantes e, então, fazemos descer água do
céu, da qual vos damos de beber e que não podeis
armazenar (por muito tempo). Somos Aquele que dá a
vida e a morte, e somos o Único Herdeiro de tudo.” (15ª
Surata, versículos 19-23).
Com efeito, uma das maiores dádivas é a da existência
e, como já dissemos, a dádiva da vida humana não
91
pertencente ao ser humano, apenas ao Criador, que criou a
vida ofertando-a à criatura. Portanto, Deus é o único que
pode dispor dessa dádiva, quando e como quiser, ficando
vedado ao homem eliminar a vida do próximo, sem razão
legítima, tanto como exterminar a sua própria existência. A
vida, pois, não pertence a ninguém a não ser a seu Criador.
Desde que Deus intente criar algo, sem que seja
necessário passar por etapas, Ele assim o faz. Mas, por uma
razão absolutamente divina, toda Sua criação (seres
animados e inanimados), passa por diferentes etapas, de
modo que cada uma delas é a continuação da precedente.
Daí que a eliminação de qualquer criatura, durante qualquer
de suas etapas, provoca a criação incompleta ou a destruição
total desta.
Da mesma maneira, no caso da espécie humana, temos
que o feto, antes de sair do útero materno, passa por várias
etapas, que podemos assim dividir:
1. Antes da fecundação – Para esclarecer melhor,
façamos a seguinte comparação: ao querer construir uma
casa, é preciso determinar os materiais com os quais
podemos construí-la (tijolos, terra, cimento, areia, pedra,
água, etc.). Estes materiais, mesmo que venham a compor
a casa, mais tarde não poderão ser denominados “casa”,
nem em sua totalidade nem em partes. Assim também, após
a construção da casa, esses materiais não podem ser
chamados por suas partes, em separado (tijolo, terra,
cimento, etc.), mas deve-se dizer, simplesmente, “casa”.
O mesmo acontece com o feto, pois não podemos
considerá-lo como existência, senão a partir da fecundação,
ou seja, do encontro do espermatozóide com o óvulo, em
condições propícias. Destarte, não o chamamos de feto nem
ao espermatozóide nem ao óvulo, mesmo sabendo que do
encontro destes depende a existência do feto.
92
2. O início da criação – Esta etapa se inicia com a
fecundação do óvulo pelo espermatozóide. Nessa fase, o
ser passa por diferentes evoluções. Assim, após a
fecundação, forma-se um coágulo, ou seja, como que um
pouco de sangue coagulado, conforme a passagem do
Alcorão, que diz: “Ele foi Quem vos criou do pó, depois
do sêmen, depois de algo que se agarra (coágulo)”. (40ª
Surata, versículo 67).
A segunda evolução consiste na transformação do
coágulo sangüíneo em um bocadinho de carne, conforme
nos indica o Alcorão: ”Ó humanos, se estais em dúvida
sobre a ressurreição, reparai em que vos criamos da
terra, depois do esperma e, logo, vos convertemos em
coágulo de sangue, depois em bocadilho de carne, com
forma ou amorfo”. (22ª Surata, versículo 5).
A revolução seguinte deste estágio consiste na
formação do esqueleto para, finalmente, ser o corpo revestido
de carne.
3. A animação do ser – Durante este estágio, o feto
se torna nova criatura, uma vez que, após o revestimento do
esqueleto pela carne, ocorre o aparecimento da alma, lá pelos
fins do quarto mês de gestação. O Alcorão assim o explica:
“Criamos o homem da essência do barro. Em seguida,
fizemo-lo uma gota de esperma, que inserimos em um
lugar seguro. Então, convertemos a gota de esperma em
algo que se agarra (coágulo), transformamos esse algo
em pequeno pedaço de carne e convertemos o pequeno
pedaço de carne em ossos; depois, revestimos os ossos
de carne; então o desenvolvemos em outra criatura.
Bendito seja Allah, Criador por excelência.” (23ª Surata,
versículo 12-14).
93
O Aborto
Antes de abordarmos a opinião do Islã sobre o aborto,
convém primeiro, saber o que se entende por aborto, a fim
de que possamos julgá-lo convenientemente.
Do ponto de vista etimológico, o aborto é a expulsão
do feto de dentro do útero, antes do quarto mês de geração.
Assim, também, é comum dizer-se “a mãe fez aborto”,
quando esta tenha retirado o filho antes de concluída sua
gestação. Portanto, podemos dizer que o aborto é a expulsão
do feto, intencionalmente, antes de completar a gestação,
tanto antes quanto depois do quarto mês, fazendo-se
exceção aos casos de nascimento prematuro.
Já sabemos que o feto passa por diferentes etapas de
evolução, e cada etapa tem suas diversas fases de
desenvolvimento. Vamos agora, saber o que pensa o Islã
sobre o aborto, em cada uma dessas etapas.
A primeira etapa nada tem a ver com o aborto. Apenas
fazemos menção a ela, porque sem a mesma o feto não
pode ser formado; em síntese, não se deve confundir o
impedimento da chegada do espermatozóide ao óvulo, como
tipo de aborto. Citamos a opinião do célebre jurisprudente,
al Qurtubi, expressa em sua exegese: “O espermatozóide,
se expulso pela mulher antes do encontro com o óvulo, nada
significa. É como se estivesse, ainda nas virilhas do homem.
No entanto, se foi expulso no início da segunda fase (quando,
ainda, é um coágulo), estaremos então, certos de que o
espermatozóide já fecundou o óvulo e se tornou o início da
94
criatura. Neste caso, a expulsão do coágulo ou do bocadilho
de carne constitui aborto.” (pág. 4400).
A segunda etapa, quando se dá o início da formação,
encetada com a fecundação do óvulo pelo espermatozóide,
aparecimento do coágulo, ossos e revestimento de carne –
o que ocorre antes da animação, ou seja, antes do término
do quarto mês – tem como critério básico a animação do
ser; tanto faz se antes ou ao cabo do quarto mês, ou depois
deste. Se a mulher expulsar o que existe em seu ventre,
seja coágulo ou bocadilho de carne, esta expulsão deve ser
considerada aborto e, em conseqüência, ato ilícito. Assim
pensa a maioria dos jurisprudentes, sendo que alguns já o
consideram verdadeiro crime de homicídio. À guisa de
elucidação, citemos o que o jurisprudente Gazali diz: “O
princípio das fases da existência começa com a chegada do
espermatozóide ao útero e a fecundação do óvulo que,
imediatamente, fica prestes a receber vida. Eliminar esta fase
é crime; eliminar a seguinte, a do coágulo ou do bocadilho
de carne, é crime ainda maior”.
De acordo com a opinião da maioria dos jurisprudentes,
o aborto ocorrido nesta etapa, além de ilícito, deve acarretar
multas, em bens ou em dinheiro, espécie de indenização
baseada em uma quantia determinada (segundo o costume
antigo, valor igual a 5 camelos), não importando se o aborto
é intencional ou não, causado pela própria mulher, pelo
marido ou por estranhos; resultado de casamento legítimo
ou de situação adúltera (nota-se aí, o alto valor dado a vida
do feto).
A terceira etapa, quando ocorre a animação do ser, já
apresenta o feto completamente formado, e o aborto, nesta
ocasião, não só é absolutamente ilícito, mas é mais
recriminável que na etapa precedente. Se a própria mulher
95
praticar o aborto e o feto morrer antes de sair do ventre ou
sair morto, pela ilegalidade do ato, a lei obriga o causador a
pagar uma indenização de 5 camelos ou o equivalente. Caso
o feto saia vivo e morra em seguida, a indenização aumenta
para 100 camelos, pois é como se tratasse de uma pessoa
morta por crime.
Assim sendo, podemos observar que a legislação não
somente considera ato abominável e ilícito, mas ainda exige
uma espécie de pena, através de multa, para impedir o abuso
de toda e qualquer pessoa, como se fosse uma barreira para
a prática de tão execrável ato. Além disso, a legislação vai
mais longe, ao privar o culpado do aborto do direito de
herança, caso seja herdeiro.
O Islã, é muito cauteloso e zeloso com a vida do feto,
mas também o é em relação a vida da mãe. O cuidado com
a vida de ambos se evidencia no fato de a mãe estar isenta
de praticar certos deveres religiosos (tais como o jejum de
Ramadan), que podem ser adiados até depois do nascimento
do filho, para que a mãe e filho se isentem de qualquer perigo
e tenham sua saúde poupada ao máximo.
Entretanto, se é certo que a gestação pode trazer perigo
para a saúde materna, neste caso, a legislação põe em
comparação às duas situações e escolhe a menos prejudicial, isto é, sacrificar o filho e salvar a vida mãe, porque esta
já tem a sua vida estabelecida, com direitos e deveres, e
constitui a base da família, com maridos e filhos para cuidar.
Seria, assim, inconcebível e ilógico sacrificá-la, para salvar
o filho, que não possui vida independente, nem direitos e
deveres, sendo mais um encargo à inexperiência do resto
da família, em termos de cuidados.
De qualquer modo, nada mais insensato que as mães
que praticam aborto com a justificativa de que o filho venha
96
a sofrer na vida. De fato, num ambiente corrupto, onde
domina o egoísmo enraizado, o ódio e o individualismo, onde
a exploração do fraco pelo forte faz com que o rico se alegre
com a privação do pobre, o poderoso escarneça do humilde,
verificamos que há escassez de amor, carinho e afeto.
Enquanto o materialismo dominar a sociedade, a mãe
poderá sentir-se enfraquecida diante das possibilidades de
sobrevivência de seu filho. Inclusive poderá colocar em risco
a própria dignidade de viver, perdendo-se o sentido da
colaboração mútua e enveredando-se pelos caminhos da
violência, do ódio de classes e da opressão.
Geralmente em ambientes assim, a mulher tem uma
visão muito diferente da vida. Ela vê através de seu
sofrimento, de sua angústia, da injustiça e da humilhação;
trata-se de uma visão tão amarga da vida e das coisas, que
a leva a negar sua própria natureza, como mãe, que é um
desígnio de Deus. Isto faz com que ela recorra ao aborto,
como meio de poupar seu filho dos sofrimentos que o mundo
apresenta e pelos quais ela e todos passam.
O cuidado com o novo ser não requer que se lhe tire a
vida, seu direito de existir e de compartilhar esse maravilhoso
mundo que Deus fez para o homem, incluindo aqui o
nascituro, para que ele possa progredir e se aperfeiçoar,
saber discernir sobre as coisas, exercer seu livre arbítrio,
procriar e constituir uma família, valores que podem ter sido
negados à mãe, mas que ela poderá resgatar através do
filho. Porque se a vida do filho não pertence à mãe, também
ela não pode tirá-la, já que é exatamente não lhe dando a
oportunidade de nascer que ela comete o erro maior.
Há ainda, mães que receiam o aumento de encargos e
de despesas com a chegada de um filho. Para evitar outros
transtornos, causa um maior, que é o aborto. Ela precisa
97
saber que o Criador do filho é Deus e que, antes de criálo, já proporcionou tudo para o novo ser, desde a existência
no ventre materno, até a vida na Terra, bem antes de seu
nascimento, como constatamos nesta passagem do Alcorão:
“Temo-vos enraizado na terra, na qual vos
proporcionamos subsistência. Quão pouco no-lo
agradeceis!” (6ª Surata, versículo 10).
Como quer que seja, há que se destacar o fato
de que na Declaração Universal dos Direitos Humanos,
editada pelas Nações Unidas em 1948, não se verifica
nenhuma menção quanto aos direitos do nascituro. Na época,
apesar de o assunto estar afeto ao direito à vida, ele não
ganhava relevo como nos dias atuais, quando se verifica o
surgimento de inúmeros grupos organizados contrários e a
favor ao aborto, os quais têm se multiplicado pelo mundo
todo.
Os defensores do aborto justificam sua posição, sob a
alegação de que a mulher tem o direito de legislar sobre seu
próprio corpo, sendo que em alguns países, o próprio Estado
estimula sua prática, por questões de ordem social.
Os que são contrários a tal prática, dizem que o
nascituro goza do direito à vida, na mesma medida do homem
livre, em pleno desfrute de sua existência.
Desse modo, como procuramos demonstrar até o
momento, no Islã esta questão é analisada de forma límpida
e clara, para que não haja nenhuma dúvida, porque a vida
do ser humano não lhe pertence e não pertence a ninguém.
Portanto, é proibido a qualquer um exterminá-la.
98
O Islã e a Escravidão
A primeira manifestação anti-escravagista no Islã se
deu no século VII, a partir de quando empenhou-se firme e
claramente em libertar os escravos, pois estes – antes do
Islã – existiam não só dentro das leis sociais, mas também
dentro das leis religiosas.
Nessa época, havia toda a espécie de escravidão, como
os escravos de guerra, os de assaltos entre tribos, os da
compra e venda e, adveio disso, um outro tipo de escravidão,
que era aquela das pessoas endividadas com alguém e que
precisavam resgatar essa dívida.
Fazendo-se um paralelo com outras religiões, é fácil
se perceber em duas grandes delas (o Judaísmo e o
Cristianismo) o consentimento natural da escravidão,
chegando até mesmo a promovê-la. Assim, essas duas
religiões não só não a proibiam, como também incentivavam
bastante o sistema escravagista.
Podemos constatar tal fato no quinto livro do Velho
Testamento onde observamos uma posição nitidamente
favorável à escravidão, ao indicar a atitude para com os
escravos, de uma maneira muito rígida, severa e peremptória,
principalmente quando se refere aos escravos oriundos de
batalhas: “Quando te aproximares, para combater uma
cidade, primeiramente lhe oferecerás a paz. Se ela aceitar e
te abrir as portas, todo o povo, que houver nela, será salvo e
te ficará sujeito, pagando o tributo. Mas, se não quiser aceitar
as condições e começar a guerra contra ti, cercá-la-ás. E,
quando o Senhor teu Deus te houver entregado nas mãos,
99
passarás ao fio da espada todos os varões, que nela há;
poupando as mulheres, e os meninos, e os animais e tudo o
mais que houver na cidade. Distribuirás toda a presa pelo
exército, e comerás os despojos de teus inimigos, que o
Senhor teu Deus te tiver dado. Farás assim a todas as
cidades, que estão muito longe de ti, e não são do número
daquelas que hás de receber em possessão. Quanto àquelas
cidades, porém, que te não hão de ser dadas, não permitirás
que alguém fique vivo”. (Deuteronômio, cap. 20, vers. 1016).
Isso também está bem claro na Epístola do Apóstolo
São Paulo aos Efésios, especialmente quanto aos preceitos
de submissão do escravo a seus senhores, de forma
semelhante com que se deve submeter ao Senhor Jesus
Cristo: “Servos, obedecei a vossos senhores temporais com
reverência e solicitude, na sinceridade de vosso coração,
como a Cristo; não os servindo só quando sob suas vistas,
como por aguardar os homens, mas como servos de Cristo,
fazendo de coração a vontade de Deus; servindo-os com
boa vontade como (se servissem) o Senhor, e não os
homens; sabendo que cada um receberá do Senhor a paga
do bem, que tiver feito, quer seja escravo, quer livre”. (Aos
Efésios, cap. 6, vers. 5 a 8).
E, igualmente, o Apóstolo São Pedro aconselhou aos
escravos que sempre fossem obedientes: “Servos, sede
obedientes aos vossos senhores com todo o temor, não só
aos bons e moderados, mas também aos díscolos “. (I
Epístola, cap. 2, vers. 18).
Percebe-se, então, que os chefes da Igreja propuseram
a escravidão, pois segundo eles, era uma maneira pela qual
os escravos poderiam expiar-se de seus pecados, livrandose do castigo divino.
100
O filosófico São Tomás de Aquino concordou veemente
com a opinião dos chefes eclesiásticos, sendo favorável à
manutenção de escravos, uma vez que ele acatava a opinião
de seu mestre, Aristóteles, que dizia ser a escravatura um
estado natural entre algumas pessoas. De acordo com esta
teoria, uma parte das pessoas é criada só para servir, pois
trabalham como as máquinas, dirigida segundo a vontade
dos outros, que são livres e possuem inteligência e vontade.
Essas máquinas vivas rendem igualmente às máquinas
materiais e sempre se encontrarão em estado de
subserviência. Entretanto, os senhores que se servem
dessas máquinas, merecerão gratidão e elogio se,
percebendo nelas a possibilidade de se erguerem de sua
situação passiva e servil, por apresentarem inteligência capaz
e raciocínio, eles se propuserem a ajudá-las.
Já o mestre de Aristóteles, Platão, em sua República
Utópica, julga dever ser privado aos escravos o direito de
serem cidadãos dela, obrigando-os a obedecerem e a se
submeterem aos senhores, estrangeiros ou não. E, se um
deles foge a esta obrigação, o governo o entrega a seu
senhor, para que o castigue convenientemente.
Desse modo, fica evidente que a civilização grega
admitia a escravatura genérica, isto é, admitia que os
escravos tanto servissem nas casas oficiais quanto nas
particulares. Assim, os templos da Ásia Menor tinham seus
escravos, cujo dever era, tão somente, fazer o serviço do
templo e sua vigia; nunca, porém, o ofício religioso.
Portanto, o mundo atravessou séculos após séculos.
Em todos os cantos, em todos os povos, nos três continentes
– Ásia, África, e Europa – foi sendo desenvolvida a
escravatura. Todavia, foi entre os povos mais civilizados que
ela foi mais divulgada, enquanto os povos agrícolas dos vales
101
de grandes rios, como o Nilo (no Egito) e outro na Índia,
abstiveram-se quase totalmente da prática escravista. Por
outro lado, entre os hindus, havia uma classe social, a dos
párias, que quase não se diferenciava da dos escravos de
outros povos, no que diz respeito ao nível social e aos direitos
humanos.
Desta forma, existia no mundo inteiro, ao tempo do
surgimento do Islã, a prática da escravatura. E ela foi
existindo, porque ninguém sentia necessidade de modificar
a situação, uma vez que, mormente entre os povos em que
ela foi mantida de maneira mais deliberada, eles encontravam
ligação direta entre as condições sociais, econômicas e o
trabalho dos escravos. Desta feita, não foi possível pensar
em mudar esta condição e, mesmo que fosse possível,
não seria fácil realizá-lo de um dia para o outro.
E, quanto aos povos, em que a escravatura não tomou
amplo desenvolvimento, o problema em si não foi tão
importante, a ponto de se congregarem pessoas para que
pensassem nele.
Como quer que seja, bem no meio de tudo isso, surge
o Islã. O número de escravos na Península Arábica era muito
pequeno, comparado ao de outros povos civilizados. O Islã,
contudo, percebendo a gravidade do problema do escravo e
suas conseqüências, não o negligenciou, nem adiou sua
solução, mas logo, ao encará-lo como doença social,
remediou-se convenientemente, garantindo o equilíbrio da
sociedade, através dos tempos.
Para se ter uma noção do que o Alcorão fez quanto ao
problema escravagista, há catorze séculos, podemos
observar que, inicialmente, o Islã proibiu todas as espécies
escravistas, fazendo exceção àquelas, existentes até hoje
no mundo inteiro, relacionadas aos prisioneiros de guerra.
102
Entre as nações civilizadas, só a partir de um acordo,
feito no século XVIII, ficou estabelecida a abolição da
escravatura, excetuando-se também, aquela relativa aos
prisioneiros bélicos, que deveriam ser isolados, até que se
realizasse a paz entre os adversários, quando então, haveria
a troca de prisioneiros ou o resgate.
Entretanto, uma diferença se faz notar entre a posição
islâmica, de catorze séculos atrás e a atual, efetuada há dois
séculos: tradicionalmente, os prisioneiros eram permutados
ou resgatados, ao passo que nos termos do Islã, eram os
próprios prisioneiros que realizavam sua libertação, ou
trabalhando junto ao povo vitorioso, ou pagando seu próprio
resgate. Mesmo assim, o Alcorão não se contentou com
essas modificações e acrescentou outras, que podem ser
consideradas inéditas dentro das leis humanas.
Com efeito, ele encarregou a própria nação de ajudar
os prisioneiros a se libertarem, obrigando todos os seus
cidadãos a usarem uma parte de seus impostos anuais na
libertação destes. Aliás, o fato de remeterem os prisioneiros
não era obrigatório em todas as guerras, pois muito se aplicou
o Alcorão em atenuar as atitudes de captura, mostrando que
a libertação imediata é preferível à manutenção, junto a eles,
desses prisioneiros, conforme percebemos nessa passagem:
“E quando vos enfrentardes com os incrédulos (em
batalha), golpeai-lhes os pescoços. E quando os tiverdes
dominado, amarrai-os firmemente (os sobreviventes).
Libertai-os, então, por generosidade ou mediante
resgate, para que o peso da guerra amaine“ (47ª Surata,
versículo 4).
Várias outras passagens do Alcorão acusam
preferências do resgate à escravidão: “Quanto àqueles,
dentre vossos escravos e escravas, que vos peçam por
escrito a emanicipação deles, concedei-lhes, desde que
103
os considereis dignos dela, e concedei-lhes uma parte
dos bens com que Allah vos agraciou.“ (24ª Surata,
versículo 33).
Da mesma forma, os conselhos do Profeta (SAAS) se
multiplicaram no que diz respeito aos escravos: “O anjo
Gabriel tanto me recomendou sobre os escravos que, até
pensei ser impossível que alguém se torne um deles”. Ele
proibiu, terminantemente, que os muçulmanos, dirigindo-se
a seus escravos, dissessem “meu escravo” ou “minha
escrava”, devendo dizer ”meu rapaz” ou “minha moça”, como
se fossem seus filhos.
Uma das notáveis características do Alcorão foi a de
apresentar as vantagens da libertação dos escravos. Assim,
ele considerava propício a expiação de um crime ocidental,
de um juramento não cumprido, que se outorgasse a
liberdade a um servo: “Quem, por engano, matar um
crente, deverá libertar um escravo crente e pagar
compensação à família do morto.” (4ª Surata, versículo
92); “Allah não vos reprova por vossos inintencionais
juramentos fúteis; porém, recrimina-vos por vossos
deliberados juramentos, cuja expiação consistirá em
alimentardes dez necessitados da maneira como
alimentais a vossa família, ou em os vestir, ou em
libertardes um escravo.” (5ª Surata, versículo 89). Além
disso, observa que constitui pecado grave não libertar um
escravo, podendo fazê-lo: “Que criamos o homem em uma
atmosfera de aflição... Porém, ele não tentou vencer as
vicissitudes. E o que te fará entender o que é vencer as
vicissitudes? É libertar um cativo”. (90ª Surata, versículos
4, 11-13).
A libertação é, pois, a base do Alcorão, quando se refere
ao problema do escravo, proibindo a escravidão em todas
suas modalidades vigentes, salvo, como já vimos, aquela
104
dos prisioneiros. No entanto, encarregou a nação de ajudar
a libertá-los, criando condições para a expiação dos pecados,
baseadas no ato de libertar os capturados.
Não podemos afirmar exatamente o valor de tal
legislação no caminho da escravatura, mas podemos
adiantar que ela encerra um esforço ímpar, que visa remediar
a escravidão, esforço este que a humanidade, até agora,
não superou com melhores soluções. É interessante
mencionar, entretanto, que em algumas épocas, as
recomendações islâmicas sobre a escravatura foram violadas
até pelos próprios muçulmanos. Mas, devemos eximir o Livro
Sagrado de qualquer responsabilidade por estes deslizes,
pois, até o momento, seus versículos são os mesmos, bem
claros e diretos, cabendo a culpa exclusivamente àquele que
se desvia da observância, sempre enfaticamente pregada.
Dessa forma, é lamentável, então, o que ocorreu e vem
ocorrendo entre os povos ocidentais, no que se refere ao
problema do homem escravo.
Desde que a comunicação marítima facilitou o acesso
entre o Velho Mundo e o Novo, quase quinze milhões de
pessoas da África Negra, num ato cruel e ominoso, foram
sendo transportadas para a América, além de para lá
seguirem, também, as vítimas de repressão e perseguição.
Até hoje, podemos observar, nas duas Américas – a do Sul
e a do Norte – vestígios fatídicos dessa escravidão, em que
o direito do negro, na porção sul-americana chega a ser
quase assegurado, enquanto na porção norte-americana
quase inexiste.
Sabemos que se neste terreno fossem aplicados pelo
menos alguns dos ensinamentos do Alcorão, possivelmente,
não teríamos, hoje em dia, tal injustiça, que tanto tem pesado
no coração do homem moderno.
105
Fraternidade Islâmica – Todos São Iguais
Como já foi assinalado, sabemos que o Islã não
conhece nenhuma “linha de cor”. Mas julgamos ser de grande
interesse a observação do seguinte episódio: “Tirai daqui
este negro! Nada tenho a discutir com ele“, exclamou o
arcebispo cristão, Cirus, quando os árabes conquistadores
enviaram uma delegação de seus mais hábeis homens, para
discutir os termos da rendição da capital do Egito,
encabeçada pelo negro Ubada, tido com o mais hábil de
todos eles.
Para a estupefação do sagrado arcebispo, este ficou
sabendo que aquele homem havia sido missionado pelo
General Amr e que os muçulmanos tinham os negros e os
brancos em igual consideração, julgando o homem pelo seu
caráter e não pela sua cor. “Muito bem, já que o negro lidera,
ele deve falar brandamente”, ordenou o prelado, “para que
não assuste os interlocutores brancos”.
“Há milhares de pretos, tão pretos como eu, entre
nossos companheiros. E eles estarão prontos para se
deparar e lutar com uma centena de inimigos juntos. Nós
vivemos tão somente para lutar pela causa de Deus e para
seguir Sua vontade. Não nos importamos com a riqueza,
conquanto tenhamos o essencial para mitigar a nossa fome
e cobrir os nossos corpos. Este mundo nada é para nós, o
outro é tudo”.
Percebe-se, assim que este espírito de distinção de
classe é, certamente, o maior estorvo ao trabalho missionário
no Ocidente, como todos os observadores imparciais têm
106
notado. Como pode, por exemplo, outro encontro compararse ao do muçulmano que, ao abordar um pagão, lhe diz –
não importando quão escuro ou degradado este possa ser –
“Abraça a fé e, de pronto, será um igual e um irmão”.
Com efeito, a fraternidade islâmica é uma coisa
inteiramente nova entre as nações ocidentais. Tanto, que é
duvidoso saber se os sírios cristãos sentiram o mesmo senso
de fraternidade com os cristãos persas, que os sírios
muçulmanos tiveram para com os muçulmanos persas.
Certamente, o Islã ainda tem proeminentes serviços a
prestar pela causa da humanidade, haja vista nenhuma outra
sociedade possuir registro de sucesso em sua proposição
de unir, em igualdade de condições e de oportunidades, e
de englobar tantas e variadíssimas raças da humanidade.
Na verdade, as grandes comunidades muçulmanas
localizadas na África, na Índia, na Indonésia, e, talvez ainda,
a pequena comunidade muçulmana existente no Japão,
mostram que o Islã ainda possui o poder de reconciliar
elementos de raça e de tradição, aparentemente irreconciliáveis. Há até quem diga, que se o antagonismo das
grandes sociedades do Oriente e do Ocidente tivesse que
ser substituído pela cooperação, a mediação do Islã haveria
de ser uma condição indispensável.
Porém, acima de tudo – e aqui está a suma importância
da história muçulmana – o Islã ordena o ajustamento anual
dos crentes, de todas as nações e línguas, trazidas de todas
as partes do mundo, para orar naquele sagrado lugar, em
direção ao qual seus rostos se voltam em cada hora da
oração privada, em seus lares distantes. Realmente, nenhum
manto de gênio religioso poderia ter concebido um
expediente melhor, para impressionar, nas mentes dos infiéis,
um senso de vida comum a uma irmandade nos limites da
fé.
107
Assim, sob um supremo ato de adoração comum, um
negro da costa ocidental da África depara-se com um chinês
do extremo Oriente; o otomano cortez e polido reconhece
seu irmão muçulmano e um rústico ilhéu do longínquo Mar
da Malaia. Ao mesmo tempo, através de todo o mundo
“muçulmano”, os corações dos crentes são estimulados
numa simpatia com seus mais afortunados irmãos, reunidos
na cidade sagrada, como em seus próprios lares eles
celebram o festival do “Id-aladha”, ou como o é chamado na
Turquia e no Egito, a festa de Bairam.
Além disso, a instituição da peregrinação e o
pagamento do tributo são outros deveres que continuamente
lembram os muçulmanos que “os crentes são irmãos” (49ª
Surata, versículo 10). É uma teoria religiosa, notavelmente
realizada na sociedade “muçulmana”, que raramente falha
ao se apresentar em atos de benevolência para com o novo
convertido. Seja qual for a sua raça, cor ou antecedentes,
ele é recebido, no seio da irmandade dos crentes, e toma
seu lugar como um igual entre os iguais.
De qualquer modo, foi a primeira religião a pregar e a
praticar a democracia, porque, na mesquita, quando o
chamado de muezzin, do alto do minarete, soa e os oradores
se reúnem, a democracia do Islã se evidencia cinco vezes
ao dia, quando o roceiro e o rei se ajoelham, lado a lado e,
juntos, proclamam que somente Deus é magnânimo.
É, inquestionavelmente, de se impressionar quanto a
essa unidade indivisível do Islã, que considera o homem,
indistintamente, um irmão.
De fato, a extinção da consciência racista, como é feita
entre os muçulmanos é um dos empreendimentos mais
salientes e importantes do Islã, e no mundo contemporâneo
há de acontecer a propagação de tal virtude islâmica.
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Como quer que seja, a lei muçulmana, aplicada a todos,
desde os reis até o mais insignificante vassalo, é entrelaçada
com um sistema da mais sábia, culta e mais ilustrativa
jurisprudência que jamais existiu no mundo, devendo ser
respeitada e valorizada enquanto tal.
109
O Islã e a Mulher
Muitas pessoas parecem ter um pensamento errôneo
e equivocada quanto à posição da mulher no mundo islâmico,
por interpretarem de maneira inadequada os ensinamentos
que o Alcorão nos traz em relação aos sexos.
Desse modo, a fim de se esclarecer a lastimável
deturpação que se tem feito quanto ao status feminino,
especialmente entre os povos não muçulmanos,
desenvolveremos algumas reflexões e considerações
elucidativas acerca desse assunto.
A Posição da Mulher
Como poderemos observar, através das informações
que apresentamos, o Islã elevou a mulher a um plano superior, jamais atingido em nenhuma das civilizações da
Antigüidade, nas quais foi obrigada a suportar humilhações
terríveis e um tratamento indigno de sua natureza humana.
Numa breve análise sobre o status feminino nessas
civilizações, temos que entre os romanos, por exemplo, ela
era dependente e vivia sob a tutela do homem, sem a
possibilidade de alcançar sua independência.
Na Índia, a mulher era considerada como uma espécie
de obstáculo à salvação do homem, de forma que para ser
110
salvo o homem deveria separar-se da mulher. Além disso, o
direito de vida da mulher se encerrava com a morte do
marido, restando-lhe duas alternativas: ou ser queimada junto
ao cadáver de seu esposo, ou resignar-se à maldição eterna
e ao afastamento de seus familiares e conhecidos.
No Egito Antigo, a mulher tinha certa dignidade, sendolhe permitido chefiar um governo e dirigir uma família. No
entanto, os egípcios acreditavam no pecado original e no
fato de a mulher ser sua causa principal, considerando-a
uma aliada do diabo e uma armadilha da tentação, o que
tornava imperativo ao homem afastar a mulher de seu
caminho, a fim de alcançar a salvação.
Na civilização judaica tradicional, uma mulher solteira
era considerada uma espécie de escrava na casa de seu
pai, podendo ser vendida em tenra idade. Após a morte de
seu pai, seus irmãos tinham o direito de dispor dela como
bem entendessem. Além disso, uma mulher judia não tinha
direito à herança, exceto nos casos de não haver herdeiros
homens.
Entre as civilizações cristãs primitivas, apesar de se
cultuar uma mulher – a Virgem Maria – as mulheres eram
severamente condenadas pela igreja, não lhes sendo
permitido cumprir os deveres religiosos, nem participar de
festas e banquetes. Os sacerdotes apontavam suas más
tendências, acusando-as de cumplicidade com o diabo,
sendo consideradas as causadoras do desvio da lei divina.
Com o passar do tempo, na medida em que as
civilizações humanas foram se desenvolvendo, o cristianismo
esforçou-se para minorar a situação da mulher, principalmente quando se deu o surgimento das doutrinas
protestantes. E assim, foram estabelecidos critérios que
asseguravam às mulheres o direito de viver em nível de
111
igualdade ao homem. Todavia, ainda hoje se sabe que em
alguns países a mulher continua impedida de assumir
responsabilidades, sem que tenha o consentimento de seu
marido.
Já entre os povos árabes, antes do Islã, sabemos que
a mulher gozava de certa liberdade, pois era um elemento
ativo na vida cotidiana. Ela abastecia a casa de água,
pastoreava os animais, tecia, preparava os alimentos, etc.
No entanto, os pais preferiam filhos homens, sobretudo
porque eles eram considerados os protetores das tribos e
seus defensores na guerra. Por isso, o nascimento de uma
filha era um acontecimento funesto, principalmente para o
pai – fosse rico ou pobre – a ponto de ser um costume enterrar
a filha recém-nascida, a fim de se evitar uma possível desonra
aos pais no futuro, como podemos perceber nesta passagem
do Alcorão: “Quando a algum deles é anunciado o
nascimento de uma filha, o seu semblante se entristece
e fica angustiado. Oculta-se do seu povo, pela má notícia
que lhe foi anunciada: deixá-la-á viver, envergonhado,
ou a enterrará viva? Que péssimo é o que julgam!” (16ª
Surata, versículos 58-59).
Desse modo, constata-se que antes do Profeta
Mohammad (SAAS), a mulher não ocupava um lugar
desejável, nem possuía direitos respeitados na sociedade
beduína. Graças aos seus ensinamentos, foi possível a
renovação dos conceitos religiosos, morais e sociais da
época em toda a Península Arábica, especialmente quanto
à salvação da mulher da condição humilhante em que
permanecera durante longos séculos, uma vez que a partir
de então teve a elevação de seus direitos conjugais em bases
sólidas, permanentes e em igualdade perante os homens,
como se observa nestas passagens do Alcorão: “... Elas têm
112
direitos equivalentes aos seus deveres, de forma justa,
embora os homens tenham um grau a mais sobre elas...”
(2ª Surata, versículo 228); “... acercai-vos de vossas
mulheres, porque elas são vossas vestimentas e vós o
sois delas...” (2ª Surata, versículo 187).
Assim, ao analisar a idéia contida nestes versículos,
constatamos, primeiramente o respeito pelos direitos de
homens e mulheres em consonância e harmonia; e, em
segundo lugar, percebemos uma analogia estabelecida entre a vestimenta, o conforto e a proteção advindos de uma
relação matrimonial entre o homem e a mulher. Ora, o termo
“vestimenta” se refere ao conforto, apoio e proteção que a
mulher encontra em seu marido, da mesma maneira que ele
seria confortado e apoiado por sua esposa, além de ser
agraciado com a beleza que ela lhe dispensa.
Todavia, apesar de se prescrever uma igualdade de
direitos e de respeito entre os homens e mulheres, há – da
mesma maneira – uma certa diferenciação entre os sexos,
o que tem sido inadequadamente interpretado pela maioria
das pessoas. Por essa razão, julgamos ser conveniente o
exame de alguns ensinamentos do Alcorão, para que
tenhamos um esclarecimento sobre esse assunto.
Assim, observando uma das passagens do Alcorão,
temos que: “Os homens são os protetores das mulheres,
porque Deus dotou uns com mais (força) do que as
outras, e porque as sustentam do seu pecúlio. As boas
esposas são as devotas, que guardam, na ausência (do
marido), o que Deus ordenou que fosse guardado...” (4ª
Surata, versículo 34). Apesar de indicar uma diferenciação
entre o homem e a mulher, o sentido deste ensinamento é
um só, ou seja, de que o homem deve tratar sua esposa
com amor e afeição, provendo-lhe com sua abundância, da
113
mesma maneira que a mulher deve tê-lo como um amigo,
filósofo e guia.
Engana-se aquele que acredita estar-se depreciando
a mulher ou colocando-a sob a tirania arbitrária de seu
esposo; muito menos que se esteja afirmando que ela não
possui liberdade de escolha ou de opinião, devendo ser uma
escrava dos desejos de seu marido. O versículo apenas
descreve com naturalidade como deve ser uma relação entre
homem e mulher, indicando que a mulher nem deve ser o
laço escravizador de seu marido, nem tampouco ser livre a
ponto de transpassar seus próprios limites, invadindo a esfera
de seu marido. Confirma-se, então, a idéia implícita de que
a cada um tem seu lugar natural dentro da relação conjugal.
Evidentemente, este versículo também pode sugerir
uma possibilidade de o homem sentir-se no direito de exercer
um certo controle sobre sua esposa, assim como ter um
grande dever de cuidar de sua segurança e de prover o seu
sustento. Isso decorre de uma real superioridade do homem
em relação à mulher, por conta de o homem possuir certas
qualidades inatas (com respeito ao conhecimento e ao
poder), geralmente em maior proporção do que na mulher.
É inegável que, em se tratando de poder de resistência,
audácia e coragem, o homem apresenta vantagens sobre
as mulheres. Fisicamente falando, sabe-se que o vigor
masculino se contrapõe à beleza, graça e fragilidade da
mulher. Quanto ao intelecto, constatamos que todos os
principais postos de comando e de produção de
conhecimento – seja ele científico, filosófico, técnico, artístico
ou literário – têm sido ocupados por homens. Em
contrapartida, no aspecto moral, a superioridade geral da
mulher sobre o homem é inquestionável.
Moralmente, o Alcorão colocou a mulher em posição
melhor e mais confortável, considerando as dores e o
114
sacrifício da gravidez e da amamentação. Nesse sentido,
Deus diz: “E recomendamos ao homem a benevolência
para com os seus pais. Sua mãe o carrega, entre dores
e dores, e a sua desmama é aos dois anos. (E lhe
dizemos): Agradece a Mim e aos teus pais, porque o retorno será a Mim.” (31ª Surata, versículo 14). Nota-se que
este ensinamento aconselha não apenas os bons tratos para
com os pais, mas ressalta o valor moral da mulher, em função
de todo o seu sofrimento durante a gravidez, parto e
amamentação dos filhos.
Como quer que seja, admitindo-se a superioridade física
e intelectual do homem sobre a mulher, passa a ser inegável
que ela tenha o direito de aproveitar das vantagens que o
vigor e os conhecimentos de seu esposo possam lhe
oferecer. E é quanto a este aspecto que notamos a maior
crítica dos exegetas muçulmanos.
O Profeta (SAAS) disse: “Tratai as mulheres com
benevolência, pois a mulher foi feita de uma costela que é
curva na parte de cima; se tentardes endireitá-la, quebrá-laeis; se a deixardes como está, ela assim ficará.” Com essa
afirmação, pretendeu chamar a atenção dos homens,
estimulando-lhes o bom senso e a ternura quanto à
fragilidade natural e peculiar das mulheres, ressaltando que
não se deve esperar de uma mulher coisas que estejam além
de suas possibilidades, de sua capacidade e de seus talentos,
já que do contrário poder-se-ia desapontar-se e vir a tratá-la
com aspereza.
Assim, o Profeta (SAAS) confirma a necessidade de
um tratamento mais generoso e indulgente para com as
mulheres, tendo em vista seus atributos serem aquém dos
do homem. E continua, dizendo: “Fazei-lhes o bem; e não
fiqueis agastados com elas se agirem de maneira não
115
aceitável a vós, a menos, certamente, se o feito envolver
algum pecado manifesto.” Dessa forma, reforça-se a idéia
de que o homem não deve se ater aos segredos, escândalos
ou faltas nas atitudes das mulheres, porque isso pode levar
a desentendimentos conjugais e até mesmo a uma ruptura
definitiva do laço matrimonial.
Quanto à divisão do trabalho, o Islã designa a cada um
– homem e mulher – uma condição de trabalho, de cujo fiel
desempenho depende a felicidade da casa e do lar. A mulher,
com sua capacidade de ser boa mãe e esposa devotada, é
a rainha do lar, enquanto o marido deve protegê-la de todo o
perigo e tentação, cuidando para a obtenção dos proventos
necessários ao seu sustento e à manutenção da família.
Em relação a essa distribuição das esferas de trabalho,
com respeito à natureza, à constituição, à habilidade mental
e à posição das pessoas envolvidas, o Profeta (SAAS) afirma:
“Todos vós sois de certo modo pastores, e todos vós sereis
chamados a prestar contas quanto às pessoas ou coisas
que estiverem sob a vossa obrigação. Assim, o chefe, que é
pastor de seus subalternos, será questionado sobre o
tratamento que dispensou aos homens sob seu controle; o
chefe de família é o pastor da casa, sendo que será
questionado com respeito aos membros da casa; e a mulher
é a pastora na casa de seu marido, dirigindo a seus filhos, e
será questionada acerca destes; e o servo é o pastor dos
pertences de seu amo, e será questionado acerca deles.”
Sabe-se, por outro lado, que o Islã é um sistema de
vida, baseado num rígido código moral, filosófico e religioso,
que busca a elevação dos valores do bem pessoal em
consonância com Deus, garantindo a retidão da vida humana
e a proteção da sociedade contra o mal. Dessa forma, por
condenar qualquer tipo de sedução ou incitamento que
116
estimule a proliferação dos instintos e das depravações, o
Islã desaconselha a mistura dos sexos sem motivo de
adoração, ensino e jihad, nos limites de decoro e de
precaução quanto às leis preventivas.
E, nesse contexto, apesar de o Islã ordenar tanto ao
homem quanto à mulher que cubram todas as partes de seus
corpos que atraem o outro sexo, sabemos que a mulher tem
uma responsabilidade maior, haja vista a graça e a beleza
que lhe são peculiares. Diz o mensageiro de Deus: “Toda
vez que um homem e uma mulher ficarem sozinhos, o
demônio estará entre eles.”
Por esse motivo, o Islã aconselha que a mulher use
vestimentas adequadas, com a intenção de mostrar seu
recato e não sua vaidade, cobrindo o seu corpo e os seus
atrativos, a fim de que sejam afastadas todas e quaisquer
formas de sedução e de imoralidade, que possam gerar
constrangimentos a todos os membros da comunidade.
Um outro aspecto que tem gerado interpretações
inadequadas diz respeito à posse de bens. As leis islâmicas
têm reconhecido as mulheres como livres e responsáveis
membros da sociedade, assinalando-lhes uma posição bem
conveniente. Dessa forma, ainda que a proporção do
patrimônio seja diferenciada com base numa justa apreciação
da posição relativa de irmão e irmã, uma muçulmana tem
direito a tomar parte no patrimônio, juntamente com seus
irmãos. Nenhum membro masculino da família, nem seu
marido, pode manipular sua propriedade, a qual – mesmo
durante o casamento – permanece absolutamente sua e à
sua disposição.
Constata-se, então, que a propriedade de uma mulher
é dela e, zelosamente guardada de todos os laços, sendo
117
que restrição alguma é colocada quanto ao direito individual
que ela tem sobre seus pertences. Ela possui o direito de
dividir e alienar a sua propriedade, e esse direito diz respeito
a qualquer pessoa, inclusive seu marido. Vê-se, que a mulher
é independente quanto à gerência de seus bens e riqueza,
tendo o direito de conservar o que possuía antes do
casamento, do mesmo modo que o marido, a respeito de
seus bens, podendo dispor deles da maneira como entender,
sem a intervenção ou anuência do mesmo. Além disso, tem
o direito de processar um adversário, em seu nome, sem a
procuração do pai ou do marido.
De qualquer modo, com um conhecimento maior dos
ensinamentos do Islã, percebemos que o Profeta (SAAS)
não pode ser acusado de ter degradado a posição feminina
em nossa sociedade. Ao contrário, analisando suas
orientações, fica claro que sua intenção foi destacar tanto
os pontos fortes como os aspectos fracos do caráter da
mulher, para que o homem soubesse compreendê-la,
protegê-la e dispensar-lhe o tratamento correto como sua
esposa, como fica evidente nestas palavras: “Que nenhum
muçulmano seja áspero em seu tratamento à esposa; porque
se certos aspectos de sua conduta desagradam ao marido,
certos outros lhe dão prazer.” Assim, se a mulher foi
considerada, de um modo geral, inferior física e intelectualmente ao homem, por outro lado, se fez questão de
destacar a nobreza de suas emoções, a riqueza de seu
coração, a sua superioridade moral, a ternura e a delicadeza
de seus sentimentos.
Enfim, o ensinamento que precisamos ter em mente,
de acordo com o Islã, é que o homem e a mulher enquanto
indivíduos, devem se completar um ao outro, conjugando as
distintas excelências de seus respectivos caracteres e
esforçando-se para buscar a felicidade mútua, a qual o
casamento pode lhes proporcionar.
118
A Mulher e o Casamento
Como se sabe, o casamento é uma instituição civil,
sancionada pela maioria das sociedades humanas, da qual
resulta a família, isto é, a unidade básica do nosso sistema
social. Desse modo, o casamento passa a ser considerado
como o fundamento de toda a sociedade humana, em
qualquer sistema jurídico existente.
Sabe-se, também, que o casamento resulta da união
de pessoas de sexos opostos, cujo objetivo principal é a
continuidade da espécie, estabelecendo relações de
parentesco e conservando o vínculo sagrado entre pais e
filhos. Trata-se, ainda, de um fator fundamental para a
segurança e estabilidade da comunidade, contra a anarquia
e a corrupção.
Em nossa sociedade, mesmo nas mais modernas, as
famílias são regidas por códigos morais, os quais possibilitam
– dependendo de cada sociedade – o estabelecimento de
casamentos baseados em relações monogâmicas ou
poligâmicas.
De acordo com os ensinamentos de Deus, todo
casamento deve basear-se, primordialmente, no amor, tal
como constatamos nesta passagem do Alcorão: “Entre os
Seus sinais está o de haver-vos criado companheiras
da vossa mesma espécie, para encontrardes repouso
nelas; e colocou amor e piedade entre vós. Por certo
que nisto há sinais para os sensatos.” (30ª Surata,
versículo 21). Diante disso, a sociedade conjugal não terá
sentido quando não houver, por princípio, o amor e a afeição
119
unindo o homem e a mulher, dos quais resultam a satisfação
da entrega, as responsabilidades pelo amparo recíproco
(moral e material), a paz que alivia os conflitos da vida e a
prosperidade do lar.
Encontramos no Alcorão, além desta, várias referências
ao casamento, que se manifesta como um bem para a
preservação da dignidade e para o encontro da paz, devendo
se buscar a convivência harmoniosa necessária para sua
conservação, conforme observamos nesta passagem:
“Jovens, aquele, dentre vós, que puder se sustentar, deverá
casar-se, pois o casamento protege do adultério e resguarda
o olhar; se não, que jejue, pois o jejum o protegerá.”
Dessa maneira, evidencia-se o fato de que o objetivo
do casamento jamais significou um meio de se satisfazer o
apetite sexual, tendo sido instituído, em primeiro lugar, como
uma salvaguarda contra a lascívia e a impudícia, e, em
segundo lugar, como um meio de procriação. Foi baseandose nesses aspectos que o Profeta (SAAS) encorajou a vida
matrimonial, no lugar do celibato, enfatizando a religiosidade
e a frutificação da mulher, como notamos neste ensinamento:
“Àquele que se casa com uma mulher tão-somente por causa
da riqueza dela, Deus apenas lhe aumenta a pobreza; àquele
que se casa com uma mulher tão-somente por causa da
beleza dela, Deus apenas lhe aumenta a feiúra; porém,
àquele que se casa com uma mulher para refrear os olhos,
observar a continência e ser gentil em suas relações, Deus
dispensa uma bênção nela para ele, e nele para ela.”
Evidencia-se, assim, a religiosidade e a continência
como as qualidades máximas e motivos primordiais para o
casamento, segundo o Islã. Além disso, o fato de o
casamento ser voltado para a procriação e não para a
satisfação dos desejos sexuais está reforçado em diferentes
ensinamentos do Profeta (SAAS), tais como: “Casai-vos e
120
gerai”, ou ainda: “Casa-te com uma mulher que extrema e
encarecidamente se apegue a seu marido, e que seja
ricamente fértil”.
De qualquer modo, a idéia dominante quanto à posição
da mulher no casamento, bem como a do homem, é que
ambos devem completar-se um ao outro, aproveitando a
distinção natural de seus respectivos traços e características,
com o objetivo de, em mútua confidência, alcançarem a sua
felicidade unificada. Nesse sentido, a mulher deve exercer a
sua influência benéfica e humanizadora sobre o homem,
abrandando sua natureza áspera e aplainando a rigidez de
seu caráter. Enquanto isso, o homem, por sua vez, deve
educar a mente da mulher, ajudando-a a compreender as
qualidades femininas que ela sobrepuja por sua própria
natureza.
O Casamento Islâmico
De acordo com o Islã, o casamento é um ato civil, que
dispensa a presença do sacerdote ou mesmo a cerimônia
religiosa, realizada no templo. Nada mais é do que um
contrato que se realiza com o pedido do homem e a anuência
da mulher, na presença de duas testemunhas (preferencialmente, dois homens muçulmanos gozando de perfeita
sanidade mental, ou ainda, de um homem e duas mulheres
em iguais condições), não conferindo ao homem nenhum
outro direito além dos que a religião islâmica lhe outorga.
Nessa perspectiva, o casamento baseia-se na filosofia
moral, prevista pelo Islã, a qual diz respeito à adaptação e
conjugação de todos os instintos, bem como à organização
das relações e comportamentos do homem e da mulher, em
121
consonância com a crença islâmica e com os aspectos dela
decorrentes.
Apesar de sabermos que o Islã vê a humanidade por
inteiro, isto é, reconhecendo suas necessidades e caracteres
instintivos, físicos, psicológicos, sexuais, sensoriais, entre
outros, bem como a existência da potência sexual no ser
humano e dos desejos dela decorrentes, o casamento não
deve ser visto exclusivamente como um meio para satisfazer
tais desejos, como já assinalamos anteriormente.
Evidentemente, temos que o casamento – no Islã – é o
único caminho moral que pode conduzir o indivíduo à sua
satisfação sexual, sem causar danos à sociedade, proporcionando ao homem e à mulher a tranqüilidade moral e sentimental necessária para que outros laços sociais sejam
gerados e se desenvolvam. Isto porque, é no seio da família
e do matrimônio que toda a potência sexual se desenvolverá
racional e naturalmente, sem qualquer implicação negativa
para os demais membros de seu convívio.
Segundo o Profeta (SAAS), o homem deve se casar
com uma mulher por quatro razões: “... ou por consideração
à sua riqueza, ou à sua nobre parentela, à sua beleza, ou à
sua religiosidade. Fazei então por conseguir por esposa uma
mulher de religiosidade, porque ela constituirá para seu
marido um ajutório consistente, e se contentará com pouco.”
Segundo as leis islâmicas, o homem muçulmano pode
se casar com uma mulher cristã ou judia, como vemos nesta
passagem do Alcorão: “... Está-vos permitido casardes
com as castas, dentre as crentes, e com as castas, dentre
aquelas que receberam o Livro antes de vós, contanto
que as doteis e passeis a viver com elas licitamente...”
(5ª Surata, versículo 5). No entanto, o muçulmano não deve
contrair matrimônio com uma mulher atéia ou idólatra, como
122
verificamos nesta outra passagem: “Não desposareis as
idólatras até que elas se convertam, porque uma escrava
crente é preferível a uma idólatra, ainda que esta vos
apraza...” (2ª Surata, versículo 221).
No que se refere à mulher muçulmana, sabe-se que
ela não pode se casar com um homem não muçulmano, ou
seja, um cristão ou judeu, pois segundo a tradição islâmica,
a mulher não deve se submeter a um homem que não seja
muçulmano, pois como o homem é considerado o chefe da
família, este certamente não dará ao filho a orientação
religiosa exigida pelo Islã.
De acordo com as leis islâmicas, a capacidade da
mulher adulta e de mente sã, de se contratar em casamento,
é absoluta. Mas, embora se reconheça o consentimento da
mulher como sendo um elemento indispensável para a
validade de um casamento, recomenda-se que também seja
dado o consentimento de seu pai. Assim, o casamento de
uma mulher maior de idade só se realiza com o seu
consentimento, de tal forma que, caso seu pai a obrigue a
se casar contra a sua vontade, o casamento deverá ser
anulado, desde que a mulher assim solicite. Quanto aos
menores de idade, permite-se o casamento conforme a
escolha do tutor: se este for o pai ou o avô, o casamento
deverá ser mantido mesmo depois de alcançada a
maturidade; se o tutor, porém, for outra pessoa, o casamento
poderá ser mantido ou anulado após a maioridade, de acordo
com a opção dos cônjuges.
Sob as leis muçulmanas, sabe-se que um elemento
necessário e obrigatório ao casamento é o mahr, ou seja, o
dote que o homem deve pagar ou prometer à mulher, no ato
do contrato matrimonial, como um sinal de respeito pela
esposa. Em relação a este aspecto, caso a quantia relativa
ao mahr não seja estabelecida oportunamente, o cônjuge
123
será obrigado a pagar um mahr conveniente no futuro, o
qual será calculado conforme o nível social da mulher. Disso
se conclui que uma condição fundamental para o casamento,
diz respeito à equivalência do homem e da mulher escolhida
em três aspectos: a família, a religião e a situação financeira
(relacionada às condições de sustento do lar e de pagamento
do mahr). Assim, se a mulher se casar desconsiderando
qualquer um destes requisitos, seu pai terá todo o direito de
anular o casamento, pois a concordância nas formas de vida
é essencial para a segurança e viabilidade de um matrimônio.
Desse modo, podemos perceber muitas vantagens que
o casamento proporciona, tanto para o indivíduo como para
a sociedade, entre as quais destacamos: a possibilidade de
procriação (finalidade máxima da união conjugal, que
assegura a continuidade da espécie humana, segundo os
desígnios de Deus), a proteção contra as tentações e o
adultério (que corrompem a vida do indivíduo e da
comunidade em que está inserido), a sensação de paz de
espírito, de alegria e de felicidade (decorrentes da própria
natureza do matrimônio), bem como a responsabilidade
necessária na luta pela vida em família.
Por estas e outras razões, o Islã considera apropriado
e conveniente que os homens e mulheres se enveredem
pelo caminho do casamento, ressaltando quais os atributos
devem ser buscados numa mulher por um homem que deseja
contrair-lhe em casamento. Assim, a tradição islâmica sugere
que a mulher seja crente (isto é, que siga as diretrizes da
religião muçulmana), educada, bonita (a fim de afastar o
homem das tentações), fértil, virgem, de boa família, que
não tenha parentesco próximo (a fim de se evitar filhos
imperfeitos) e cujo mahr seja razoável.
124
Casamento e Família
Evidentemente, que todas as orientações expostas até
o momento, sobretudo quanto à posição da mulher na
sociedade islâmica e no que se refere ao casamento,
objetivam – em última análise – a formação de uma família
bem constituída, harmoniosa, feliz, capaz de se ampliar e
de propagar a espécie humana.
E temos verificado que este objetivo é alcançado graças
a dois aspectos fundamentais: primeiro, a proibição do
casamento entre parentes próximos; e, em segundo lugar, a
definição do sistema de herança.
Em relação à proibição do casamento entre parentes
próximos, o Alcorão nos esclarece que: “Está-vos vedado
casar com: vossas mães, vossas filhas, vossas irmãs,
vossas tias paternas e maternas, vossas sobrinhas,
vossas nutrizes, vossas irmãs de leite, vossas sogras,
vossas enteadas que estão sob vossa tutela – filhas das
mulheres com quem tenhais coabitado; porém, se não
houverdes tido relações com as mães, não sereis
recriminados por desposá-las. Também vos está vedado
casar com as vossas noras, esposas de vossos filhos
carnais, bem como unir-vos, em matrimônio, com duas
irmãs...” (4ª Surata, versículo 23). Com isso, percebemos a
intenção de se ampliar a família para além dos membros
consangüíneos, protegendo-a de possíveis desavenças ou
hostilidades, além de consolidar as relações entre famílias
distantes.
Por outro lado, em relação ao sistema de herança,
observamos tratar-se de um expediente baseado em
125
interesses sociais, uma vez que os filhos herdam os pais, e
a sociedade se interessa por essa vinculação, para que
sobrevivam os descendentes e a própria sociedade.
Isso nos comprova a importância atribuída ao
casamento, enquanto gerador das relações familiares, de
modo que as leis islâmicas determinam aos cônjuges
procedimentos que estejam relacionados à justiça e à
igualdade de direitos e de deveres.
Nesse sentido, um dos aspectos que tem gerado muita
controvérsia no mundo ocidental, diz respeito à poligamia.
O povo árabe, em sua grande maioria, adotou essa
modalidade conjugal há vários séculos, com base nos
seguintes fatores: primeiro, o fato de o homem ser, por
natureza, poligâmico, desde os tempos primitivos; segundo,
por se constatar uma mortalidade maior do sexo masculino,
em função de guerras, de sua fragilidade biológica, etc.;
terceiro, pelo repúdio árabe à prostituição.
Assim, o Islã admite a poligamia, mas estabelece três
condições para sua adoção pelo homem muçulmano: que
não seja ultrapassado o limite de quatro esposas; que não
se pratique injustiças com nenhuma delas; e que se tenha
capacidade e recursos para sustentá-las eqüitativamente.
Com isso, pretendeu-se salvaguardar a sociedade de
problemas que pudessem surgir de uma anarquia conjugal.
Certamente, ainda hoje se observam incongruências
atribuídas à poligamia. Todavia, se as examinarmos melhor,
veremos que estão relacionadas a uma questão emocional,
sentimental. Desde que esclarecidas, elas terão menor
importância que os problemas gerados pela liberação sexual
e, conseqüentemente, pela infidelidade conjugal, que
resultam em prostituição, abortos, doenças venéreas, filhos
bastardos e uma grande intranqüilidade social.
126
Sem dúvida, a poligamia não é uma modalidade conjugal desejável, perfeita e absoluta, até porque ela tem seus
inconvenientes e embaraços, principalmente quanto ao
ciúme das mulheres, a rivalidade entre as esposas e seus
respectivos filhos, fatos estes que também podem surgir num
casamento monogâmico, em que se tenha ocorrido
infidelidade conjugal. No entanto, ela apresenta algumas
vantagens, em certos casos (esposas estéreis, frígidas,
doentes, etc.), que podem superá-los e, até mesmo, justificar
a opção pela vida poligâmica.
Casamento e Divórcio
Segundo o Islã, o casamento nada mais é do que um
contrato social. Ele não é considerado um sacramento, diante
do qual aqueles que se unem em matrimônio não possam
ser separados. Visto como mero contrato, reconhece-se
naturalmente os direitos, tanto do homem como da mulher,
no tocante a dissolução contratual, sob certas circunstâncias
apresentadas.
Por essa óptica, o divórcio é um natural corolário à
concepção do casamento como contrato. No entanto, as leis
que regem o casamento e o divórcio foram de tal maneira
idealizadas pelo Profeta (SAAS), que elas podem assegurar
a permanência das relações matrimoniais, sem contudo
diminuírem a liberdade individual.
Na formulação das leis que regem o casamento e o
divórcio, os extremos foram evitados em favor de um
significado maior. Assim, se verificamos a permissão da
poligamia ou a dissolução do casamento, sob certas
circunstâncias, isso se deve ao funcionamento do mesmo
127
princípio de flexibilidade que governa todo o conjunto das
leis islâmicas.
Nesse sentido, sabe-se que um muçulmano não é livre
para exercer o direito de divórcio “ao menor aborrecimento”
que sua esposa lhe causar. A lei impôs muitas limitações a
esse direito, de maneira que é permitido a ele recorrer ao
divórcio, desde que haja uma real e efetiva justificativa para
essa medida extrema. Todo o Alcorão proíbe expressamente
que o homem procure pretextos para se divorciar de sua
esposa, enquanto ela lhe permaneça fiel e obediente, como
constatamos nesta passagem: “... porém, se vos
obedecerem, não procureis meios (escusos) contra
elas...” (4ª Surata, versículo 34).
De qualquer modo, a lei confere primeiramente ao
homem a faculdade de solicitar e dissolução do casamento,
caso sua esposa seja indócil ou apresente mal caráter, a
ponto de tornar a vida conjugal um fardo ou motivo de
infelicidade. Porém, na ausência de razões válidas e sérias,
nenhum muçulmano pode justificar um divórcio, tanto aos
olhos da religião, como aos olhos da lei. Assim, se ele
abandonar a esposa, ou repudiá-la por simples capricho,
atrairá para si a ira divina, como assinalou o Profeta (SAAS):
“A maldição de Deus recai sobre aquele que, caprichosamente, repudia a sua esposa”.
Disso decorre o pensamento de que o divórcio é um
mal, devendo ser considerado como tal sempre que houver
o menor respeito a Lei de Deus e aos preceitos do Profeta
(SAAS). Há no Alcorão, inclusive, uma passagem bem
reveladora : “... E harmonizai-vos com elas, pois se vos
antipatizardes com elas, podereis estar antipatizando
com algo que Deus dotou de muitas virtudes.” (4ª Surata,
versículo 19).
128
Assim, vemos que se prescreve a tolerância e a
indulgência dos maridos para com suas mulheres, mesmo
que se trate de uma esposa de quem o marido já não guarda
tanto apreço, bem como a recíproca também é verdadeira,
pois como indicou o Profeta (SAAS): “O homem que é
tolerante quanto aos maus modos de sua esposa receberá
de Deus recompensas equivalentes às que o Senhor deu
para Jó quando ele passava por aflição. E para a mulher
que é tolerante quanto aos maus modos de seu marido, Deus
concederá recompensas equivalentes às que concedeu a
Assía, a esposa do Faraó.”
Temos, por conseqüência, que antes de se partir para
o divórcio, é expressamente imperativo que todas as
maneiras de conciliação tenham sido buscadas, o que pode
ser comprovado nestas passagens: “Se uma mulher notar
indiferença ou menosprezo por parte de seu marido, não
haverá mal em se reconciliarem amigavelmente, porque
a concórdia é o melhor...” (4ª Surata, versículo 128); “E se
temerdes desacordo entre ambos (esposo e esposa),
apelai para um árbitro da família dele e outro da dela. Se
ambos desejarem reconciliar-se, Deus os reconciliará,
porque é Sapiente, Inteiradíssimo.” (4ª Surata, versículo
35).
Claro está, portanto, que o Islã – a princípio –
desencoraja o divórcio e o permite somente quando exista
uma razão extremamente válida para tal, que impeça que
as partes continuem vivendo juntas, em paz e harmonia. Isto
porque, sob as leis islâmicas que uma divorciada, adquire o
direito de se casar novamente, a partir do momento em que
a separação se torna reconhecida pela lei. Enquanto o
homem não precisa divorciar-se para ter o direito a um novo
casamento, haja vista a prática da poligamia, já esclarecida
anteriormente.
129
Papel da Mulher
Como pudemos notar ao longo de nossa exposição, o
Islã conferiu à mulher um status superior, se comparado com
a posição degradante que lhe foi atribuída pela civilização
ocidental.
Quando analisamos o quadro populacional brasileiro,
por exemplo, vemos que a maioria é composta por mulheres,
as quais possuem formação superior, trabalham
formalmente, tendo renda fixa e sucesso econômico. Estas
mesmas mulheres, em sua maioria, são mães e esposas,
que saem para o mercado de trabalho deixando os serviços
domésticos e a educação de seus filhos relegados a um
segundo plano, via de regra desenvolvidos por outras
mulheres a quem chamamos de “secretárias do lar” ou
“empregadas domésticas”.
Tais profissionais só aceitam essas ocupações porque,
provavelmente, não tiveram a mesma sorte diante das
possibilidades de estudo, de vida ou de emprego. De
qualquer maneira, elas também deixam seus lares à margem,
enquanto cuidam das tarefas femininas de suas patroas.
Tem-se, então, um ciclo vicioso, onde as grandes
vítimas são os filhos, que ressentem pela ausência de suas
mães como as responsáveis por sua educação e cuidado.
Estes poderão buscar na rua o preenchimento para o vazio
que trazem em seus corações.
Não podemos nos esquecer que essas crianças
“abandonadas” por suas mães, recorrem às ruas, onde elas
130
terão contato com tudo e todos, engrossando as estatísticas
da criminalidade e violência em nosso país, porque acabam
sendo criadas sem a presença de suas mães e, consequentemente, sem amor, carinho e orientação.
Isso significa que, mais do que nunca, as mulheres
precisam atentar para os ensinamentos do Islã, devendo
permanecer no ambiente doméstico, cuidando de seus filhos,
educando-os, administrando as tarefas do lar, convivendo
em harmonia com seu marido, proporcionando felicidade e
tranqüilidade para sua família. Devem cumprir com suas
responsabilidades de esposa dedicada, mãe carinhosa e
zelosa pela educação de seus filhos, participando da vida
da família.
O papel da mulher está onde sempre deveria estar:
isto é, ao lado do homem, com igual importância, na construção da sociedade e da civilização islâmica, participando
com ele, estudando, ensinando, se especializando na lei e
legislando, colaborando com suas possibilidades para uma
vida que os encaminhe – a ambos – a Deus.
131
O Islã e os Idosos
Como já vimos, a religião é uma lei que disciplina a
vida, mostrando-nos o certo, o justo e o bom. Seu objetivo é
fazer com que o homem, através do conhecimento do bem,
seja capaz de evitar o mal e alcance seu fim último, que é
seu encontro com Deus.
Por conseguinte, todos os deveres impostos ao homem
pela religião, convergem para o amor a Deus e às Suas
criaturas. Assim, observando dois versículos da 17ª Surata
do Alcorão, perceberemos qual o dever moral de todos para
com os pais, ressaltando como deve ser nossa conduta para
com eles e, por extensão, para com os idosos.
“O decreto de teu Senhor é que não adoreis senão
a Ele; que sejais indulgentes com vossos pais; se a
velhice alcançar um deles ou ambos, em vossa
companhia, não lhes digais uffa, nem griteis com eles;
outrossim, dirigi-lhes palavras honrosas. E estende
sobre eles as asas da humildade, e dize: Ó Senhor meu,
tem misericórdia de ambos, como eles tiveram
misericórdia de mim, criando-me desde pequenino!” (17ª
Surata, versículos 23-24).
Cuidados Para Com os Idosos
Sabemos que a juventude, pelo menos a corporal, não
é eterna. O tempo passa para todos e, cedo ou tarde, todos
nós chegamos à velhice.
132
Evidentemente, cada um encara a velhice de uma
maneira. Uns a vêem como uma etapa natural da vida, outros
a sentem como um fim em si mesma, enquanto outros, ainda,
podem até maldizê-la. Então, como devemos encarar a
velhice de acordo com as crenças muçulmanas? E ainda,
como devemos tratar dos idosos sob a luz do Alcorão?
Como se sabe, no mundo islâmico não há asilo para
os idosos. Isto porque a incumbência de se cuidar dos pais
na velhice, que não deixa de ser um período difícil da vida, é
considerada uma honra e uma bênção para os filhos, além
de representar uma oportunidade de elevação espiritual.
Deus não só ordena que oremos por nossos pais, como
também que passemos a agir com compaixão ilimitada,
lembrando-nos que, quando éramos crianças indefesas, eles
nos preferiram a eles próprios. Especial atenção, cuidado e
respeito devemos dedicar às mães, pois como ensinou o
Profeta (SAAS): “O Paraíso jaz aos pés das mães”.
Assim, quando alcançarem a velhice, os pais
muçulmanos deverão ser tratados com piedade; com a
mesma bondade e generosidade com que eles nos trataram
durante nossa infância.
O Mensageiro de Deus, Mohammad (SAAS),
respondeu a seguinte pergunta: “Qual a obra (o fato) que
o Altíssimo Deus mais gosta?”. “A oração em seu tempo certo,
depois servir aos pais com amor, carinho e dedicação, depois
o empenho na causa de Deus”.
Como se percebe nesta singela passagem, no Islã,
servir aos pais é um dever apenas sobrepujado pelas
orações, sendo um direito deles aguardarem isso. Assim, o
Alcorão nos indica: “E gentil com seus pais, e jamais seja
arrogante ou rebelde”. “E me fez gentil para com minha
mãe, não permitindo que eu seja arrogante ou rebelde”.
(19ª Surata, versículos 14 e 32).
133
Apesar de sabermos que os idosos se tornam difíceis,
exigindo todo o tipo de cuidados, considera-se um ato
deplorável expressarmos qualquer irritação, ainda que haja
culpa deles próprios.
Em relação a isso, o Alcorão é claro quando diz: “O
decreto de teu Senhor é que não adoreis senão a Ele;
que sejais indulgentes com vossos pais; se a velhice
alcançar um deles ou ambos, em vossa companhia, não
lhes digais uffa, nem griteis com eles; outrossim, dirigilhes palavras honrosas. E estende sobre eles as asas
da humildade, e dize: Ó Senhor meu, tem misericórdia
de ambos, como eles tiveram misericórdia de mim,
criando-me desde pequenino!” (17ª Surata, versículos 2324).
Há ainda uma outra situação, em que o Profeta (SAAS)
teria dito que um filho estaria perdido se estivesse com os
pais, um ou dois deles e não tivesse aproveitado sua vida
para servi-los com amor e dedicação, pois não entraria no
paraíso do céu.
Desobedecer aos Pais: um Pecado Gravíssimo
É um direito dos pais que os seus filhos os tratem
com bondade, obediência e dignidade. Os direitos da mãe
são ainda mais destacados, em virtude do sofrimento que
ela passou durante a gravidez e o parto, com a amamentação
da criança e pelo seu papel em sua educação. Sem dúvida,
a devoção aos pais é um instinto natural que deve ser
fortalecido por atos deliberados.
Nas palavras de Deus, o Altíssimo: “E recomendamos
ao homem benevolência com seus pais. Com dores sua
134
mãe o carrega durante sua gestação e, posteriormente,
sofre as dores de seu parto. E de sua concepção até a
sua ablactação (desmame) há um espaço de trinta
meses.” (46ª Surata, versículo 15).
Existe uma passagem que ilustra o ensinamento. Certa
vez chegou à presença do Profeta (SAAS) um homem que
lhe perguntou: “Quem é o mais merecedor do meu bom
companheirismo?”. “Sua mãe”, respondeu o Profeta. “E
depois quem mais?” perguntou o homem. “Sua mãe”,
respondeu o Profeta. “E depois?” perguntou o homem. “Seu
pai”, respondeu o Profeta. (Relatado por Bukhári e por
Musslim).
Numa outra situação, muito semelhante a esta, certo
homem veio ao Profeta Mohammad (SAAS) e lhe perguntou
várias vezes: “Mensageiro de Deus, quem merece mais a
minha serventia calorosa e piedosa?”. Ele disse: “Sua mãe!”.
O homem perguntou de novo: “Quem mais?”. Ele respondeu:
“Sua mãe! Sua mãe! Sua mãe!”. E na quarta vez disse: “Seu
pai, louvado seja Deus o quanto recomendou a favor da mãe
mais de que a do pai”.
Como se sabe, o Profeta (SAAS) denunciava como
pecado gravíssimo a desobediência aos pais, a qual só era
menos grave do que atribuir parceiros a Deus, como foi
afirmado pelo Alcorão.
Com efeito, Bukhári e Musslim relatam ter ele dito:
“Quereis que vos informe sobre os três maiores pecados?”
Os que estavam presentes responderam: “Sim, ó Mensageiro
de Deus”. E ele disse: “Atribuir semelhantes a Deus e a
desobediência aos pais!” E sentando-se ereto da posição
em que reclinava, ele continuou: “E contar mentiras e dar
falso testemunho, cuidado com eles!” E ele disse também:
“Três pessoas não entrarão no Paraíso; aquele que for
desobediente para com seus pais, o gigolô e a mulher que
135
procura imitar os homens.” (Relatado por Nissái, Al Bazaz
tendo excelentes fontes, e por Al Hákim).
Numa outra passagem, o Profeta disse ainda: “Deus
adia (a punição de) todos os pecados para o Dia do Juízo
Final, exceto o da desobediência para com os pais, pelo que
Deus pune o pecador nesta vida, antes da sua morte.”
(Relatado por Al Hákim, tendo fontes firmes de transmissões).
Além disso, o Islã ressalta o tratamento bondoso que
se deve ter aos pais, especialmente quando eles já são
idosos. À medida com que se tornam mais fracos, eles
necessitam de mais atenção e cuidado e maior consideração
para com os seus sentimentos, que se tornam cada vez mais
sensíveis.
A esse respeito, o Alcorão (17ª Surata, versículos 2324) nos ensina sobre a indulgência que devemos dedicar
aos nossos pais, bem como o cuidado em nossas atitudes
para com eles. O que foi explicado por certo exegeta, que
disse: “Se uma coisa ainda menos desagradável do que dizer
‘Ufa!’ aos pais fosse conhecida, Deus teria proibido também
(a ela)”.
Insultar aos Pais: Outro Pecado Gravíssimo
Além do que já descrevemos, o Profeta (SAAS.)
não somente proibia o insulto ou xingamento aos pais, como
também denunciava-os como um pecado grave. Dizia ele:
“Entre os pecados mais graves está o de um homem
amaldiçoar aos seus pais!”
Numa certa ocasião, as pessoas que se achavam
reunidas não conseguiam compreender como um indivíduo
tão bom, equilibrado e crédulo seria capaz de amaldiçoar
136
aos próprios pais e perguntaram: “Como é possível para um
homem amaldiçoar aos próprios pais?” O Profeta (SAAS)
respondeu: “Ele insulta o pai de um outro homem e então o
outro insulta o pai dele, e ele insulta a mãe do outro e o outro
devolve o insulto à mãe dele.” (Relatado por Bukhári e por
Musslim).
Com essa passagem, pode se perceber a gravidade
de nossas ações tanto para com nossos pais, quanto para
com os idosos em geral, pois um insulto ou injúria poderão
ser devolvidos à nossa própria família.
O Consentimento dos Pais Para o Jihad
Agradar aos pais é considerado tão importante
no Islã, que se proíbe ao filho oferecer-se voluntariamente
para o jihad, sem o consentimento dos seus pais, apesar de
a luta pela causa de Deus (jihad fi sabil Allah) ter tanto mérito
no Islã. Sabe-se que o mérito de uma pessoa que passa as
noites orando e seus dias jejuando não chega nem perto, do
valor de uma que se oferece ao jihad.
Em relação a isso, Abdullah Ibn Amr Ibn al ‘Ass
narrou: “Certo homem foi ter com o Profeta (SAAS.) e pediu
permissão para empreender o jihad. O Profeta (SAAS.)
perguntou: ‘Seus pais estão vivos?’. ‘Sim!’, ele respondeu.
O Profeta (SAAS) então disse: ‘Então, dedique-se a serviço
deles’ (relatado por Al-Bukhári e por Musslim), querendo dizer
que cuidar dos pais é uma obrigação ainda maior que o jihad
pela causa de Deus”.
Noutra situação, Abdullah contou que: “Certo homem
foi ter com o Profeta (SAAS) e disse: ‘Eu juro fidelidade a ti
137
para a hijra (emigração para Madina) e para o jihad,
almejando recompensa de Deus!’. O Profeta (SAAS)
perguntou se um dos pais dele estava vivo. Ao responder
ele que ambos estavam vivos, o Profeta (SAAS) disse: ‘Você
realmente está almejando a recompensa de Deus?’. ‘Sim!’,
respondeu o homem. O Profeta (SAAS) então disse: ‘Volte
para os seus pais e seja um bom companheiro para eles.”
(Relatado por Musslim).
Numa outra ocasião, Abdullah contou mais: “Certo
homem foi à presença do Profeta (SAAS) e disse: ‘Eu vim
jurar-lhe fidelidade para a hijra e deixei meus pais chorando!’.
O Profeta (SAAS) disse a ele: ‘Volta para eles e faça-os rir,
do mesmo modo como os fez chorar’.” (Relatado por Bukhári
e por outros). Num outro relato, Abu Sa’id contou que: “Certo
homem do Iêmen migrou para Madina, para estar junto do
Profeta (SAAS). O Profeta perguntou a ele: ‘Você tem algum
parente no Iêmen?’. Ele respondeu: ‘Meus pais!’. ‘Você
obteve a permissão deles?’, perguntou o Profeta. Ao
responder que não, o Profeta disse a ele: ‘Volte a eles e
peça-lhes permissão. Se eles a derem, então parta para o
jihad. Caso contrário, fique e cuide deles’.” (Relatado por
Abu Daoud).
Percebe-se, a partir de todos estes relatos, quão
importante é a permissão e o consentimento dos pais para a
participação de seus filhos no jihad.
Tratamento aos Pais Não-Muçulmanos
Um dos portentos do Islã é que, com respeito ao
tratamento aos pais, ele proíbe o muçulmano de desrespeitálos mesmo que eles sejam não-muçulmanos, ou sejam
138
fanáticos a ponto de discutirem com ele e pressioná-lo a
renunciar ao Islã.
Como diz Deus, o Altíssimo: “E recomendamos ao
homem benevolência para com seus pais. Sua mãe o
suporta entre dores e dores, e sua desmama é aos dois
anos. (E lhe dizemos): Agradece a Mim e aos teus pais,
porque o retorno será a Mim. Porém, se te constrangerem
a associar-Me o que tu ignoras, não lhes obedeças;
comporta-te com eles com benevolência neste mundo,
e segue a senda de quem se voltou contrito a Mim. Logo
o retorno de todos vós será a Mim, e, então, inteirarvos-ei de tudo quanto tiverdes feito.” (31ª Surata,
versículos 14-15).
Como se percebe nestes dois versículos, é ordenado
ao muçulmano não obedecer aos pais naquilo que eles lhe
disserem a esse respeito, uma vez que não pode haver
obediência a uma criatura que desacredita no Criador – e
que pecado pode ser maior que o de atribuir parceiros a
Deus?
Ao mesmo tempo, é-lhe ordenado que os trate com
benevolência neste mundo, sem se deixar afetar pela posição
deles contrária à sua fé, e que prossigam no caminho dos
crentes probos que se dirigem para Deus, deixando o
julgamento entre si mesmo e seus pais para o Mais Justo
dos juízes, para um dia em que os pais não terão mais como
beneficiar a criança nem serem beneficiados por esta.
Em verdade, ensinamentos tão tolerantes e benéficos
como esses, não são encontrados em nenhuma outra
religião.
139
O Respeito aos Idosos
Não podemos nos esquecer de uma recomendação
deixada pelo Profeta Mohamad (SAAS), a qual acabou se
tornando uma das leis de guerra: “Não matem crianças,
mulheres, idosos, nem gente alguma em oração em igrejas,
sinagogas ou qualquer outro lugar de oração.”
Numa outra ocasião, o mensageiro de Deus (SAAS)
disse: “Não é de nós quem não tem piedade de nossas
crianças e não respeita e honra nossos idosos; Não
recomendem o bem e nem proíbam o ilícito.” (Al Baihaqui
Livro 6, página 448).
Por estas simples palavras podemos perceber o
respeito que devemos para os idosos, estejam onde
estiverem. Mas não se trata apenas de respeito. É preciso
também levar em consideração a fragilidade física que os
idosos apresentam.
Com efeito, na 28ª Surata, há o relato de duas meninas
que não tinham a obrigação de buscar água de um poço
fundo, no Deserto de Sinai, nem a força física propícia para
tal função. Porém, como tinham um pai idoso e fraco,
respeitaram-lhe a idade e foram buscar a água, sendo
barradas por um grupo de pastores.
Em relação a esta passagem, o Alcorão relata o
seguinte: “E quando chegou Moisés à aguada de Midian,
achou nela um grupo de pessoas que dava de beber (ao
rebanho), e viu duas moças que aguardavam, afastadas,
por seu turno. Perguntou-lhes: ‘Que vos ocorre?’
Responderam-lhe: ‘Não podemos dar de beber (ao nosso
140
rebanho), até que os pastores se tenham retirado, (e
temos nós de fazer isso) porque o nosso pai é demasiado
idoso’.” (28ª Surata, versículo 23).
Tal situação nos ensina que, apesar de a água estar
muito baixa, no fundo do poço, de haver muitos rebanhos e
de as moças não terem condições de enfrentá-los em meio
ao deserto ensolarado, o sacrifício era feito pela sobrevivência, por falta de irmãos homens, mas especialmente em
respeito ao pai fraco e idoso.
Um outro relato ilustra o respeito aos idosos. Asmá,
filha de Abu Bakr disse: “Quando o mensageiro de Deus
(SAAS) entrou na Mesquita em Meca, Abu Bakr trouxe seu
pai de mãos dadas, que era velho e não tinha se convertido
ao Islã. O Mensageiro questionou: ‘Abu Bakr, por que não
deixou seu pai em casa até que eu pudesse ir até ele?’. Abu
Bakr disse: ‘Ele tem que vir até aqui e não o Profeta ir até
ele.’ Assim era a conversão ao Islã. (Arrawd Al Unf. Livro 4).
Numa outra passagem, recomenda-se ao califa temer
a Deus e dedicar cuidados em honrar com piedade a
sociedade muçulmana, especialmente em relação aos sábios
e idosos. “Honrar e respeitar o idoso e ter piedade de nossas
crianças, respeitar os sábios e não os agredir, nem os
humilhar, nem cortar os laços e os abandonar, nem os operar
para perder sua reprodução (castração obrigatória).” (Livro
Al-MUHAJAB, capítulo 6, página 3265).
141
Ajudas Caridosas Para Com os Idosos
A história islâmica registra fatos brilhantes onde se
demonstra o fornecimento desse direito aos nãomuçulmanos, por parte dos califas governantes.
Foi relatado pelo Imam Abu Youssuf (RAA), que o líder
dos crentes, “Al Fáruk”1, Omar Ibn Al Khattab (RAA) passou
por uma porta onde havia pessoas, dentre elas um pedinte
ancião e cego. Omar bateu em seu ombro por trás e
perguntou: “De qual dos povos do Livro você é?”. Ele
respondeu: “Peço para pagar a jízia (imposto), além de ter
necessidade e idade.” Omar o pegou pela mão e levou-o
até sua casa, dando-lhe alguma coisa e mandando chamar
o responsável pela casa da moeda. Disse então: “Olhe para
este e seus iguais. Por Deus, não somos justos com eles.
Desfrutamos de sua juventude e depois os desprezamos na
sua velhice!? E os pobres são dos muçulmanos e esse é
dos miseráveis do povo do Livro.” E isentou-o, assim como
a seus companheiros, do pagamento da jízia (imposto). Disse
Abu Bakr: “Eu testemunhei isso de Omar e vi aquele ancião”.
Sobre este tema, o Alcorão nos esclarece: “As
caridades são tão-somente para os pobres, para os
necessitados, para os funcionários encarregados em sua
administração, para aqueles cujos corações têm de ser
conquistados, para a redenção dos escravos, para os
endividados, para a causa de Allah e para o viajante;
1. Al Faruk – apelido de Ômar, que significa “aquele que sabe distinguir
entre a verdade e a falsidade”.
142
isso é um preceito emanado de Allah, porque é Sapiente,
Prudentíssimo.” (9ª Surata, versículo 60).
De um modo geral, o Alcorão recomenda cerca de 84
vezes os bons atos e tratos para com os idosos. O fiscal e o
supervisor sempre é Deus, Todo-Poderoso, Que vê e lê os
pensamentos de cada um de nós, Que grava e Que faz os
julgamentos no Dia do Juízo Final, Que tanto castiga como
dá a recompensa, nesta e na outro vida. Assim, se não
temermos a Deus, muito menos temeremos aos seres
humanos, corruptos, que usam as leis, as administrações e
o dinheiro público em seu próprio benefício e interesse.
Sabemos que os próprios filhos dos idosos não os
tratam como deveriam. O que pensar do tratamento
dispensado aos idosos pelos filhos de outros? Por outro lado,
muitos idosos, na pior fase da velhice, já apresentam a vida
feita, precisando apenas serem acompanhados e servidos
com o respeito e amor que eles merecem, bem como com o
carinho e o afeto que só os filhos têm.
Nesse sentido, há que se ressaltar os trabalhos que a
Secretaria Especial dos Direitos Humanos e o Conselho
Nacional dos Direitos do Idoso vêm realizando quanto à
legislação e o desenvolvimento de obras de assistência social e de saúde para com os idosos em nosso país. Suas
representações têm-se mostrado atuantes, com especial
destaque para o evento ocorrido em maio de 2006, em
Brasília, o qual significou um grande marco para os idosos,
na medida em que reconheceram suas necessidades,
reunindo-as num estatuto que deverá ser aprovado pelo
Congresso Nacional, em breve, como sinal da nobreza
humana, principalmente para aqueles que não têm filhos ou
cujos filhos não apresentam condições morais ou financeiras
para lhes garantir uma vida mais digna, tranqüila e
confortável.
143
Poderíamos prosseguir com nossa análise acerca das
recomendações dadas pelo Islã no que se refere à dedicação,
cuidado e respeito para com os idosos, visto tratar-se de um
tema tão imperativo. Por hora, encerramos nossas singelas
palavras esperando termos contribuído para o bem de todos.
O Islã e os Não-Muçulmanos
Até o momento, procuramos demonstrar os direitos e
liberdades de que gozam os crentes, o nascituro, os
escravos, a mulher e os idosos. Resta-nos, agora, examinarmos os direitos e liberdades prescritos para os nãomuçulmanos.
Como sabemos, o Cheikh Al-Karadhawi é considerado
um dos mais notáveis sábios muçulmanos contemporâneos,
o qual tem-se importado com o respeito para com os direitos
dos não-mulçumanos na sociedade islâmica.
Na verdade, o valor e a importância do posicionamento
de Al-Karadhawi se deve, principalmente, ao fato de ele ser
um sábio original em sua sabedoria, e também por se basear
em fundamentos religiosos legais do Alcorão e na sunna
[ditos e atos do Profeta Mohammad (SAAS)].
Segundo suas considerações, os direitos mais
importantes de que gozam os não-muçulmanos, os quais
ele concluiu a partir dos antigos sábios, além das principais
fontes legais do Islã, são: a proteção contra agressões, a
proteção ao sangue e ao corpo, a proteção dos bens, a
proteção à honra das mulheres, a proteção aos idosos, a
liberdade religiosa, o direito ao trabalho e à sobrevivência, e
o direito ao funcionalismo público.
144
Direito de Proteção Contra Agressões
O primeiro direito dos cristãos na sociedade islâmica é
a proteção de qualquer agressão externa. Nesta situação o
Estado muçulmano deve defendê-los e protegê-los.
Al-Karadhawi tirou provas dos livros de ciências
religiosas, principalmente os de autoria do sábio Ibn Taimiya
(que Deus tenha misericórdia de sua alma), e dos de posição
contrária, que são os de autoria de Catlocha, líder dos
tártaros.
Sobre o tema da agressão exterior, no tocante aos nãomuçulmanos, exemplifiquemos este fato: quando se trata da
libertação de reféns, a opinião de Catlocha indicava que
deveria se soltar apenas os reféns muçulmanos; já Ibn
Taimiya, insistia em se libertar também os cristãos, de modo
que Catlocha acabou por aceitar. Este ato de Ibn Taimiya
representa a teoria de proteção ao não-mulçumano da
agressão externa.
É dever também do Estado Islâmico proteger a minoria
não-islâmica da injustiça e da agressão interna. Nos
versículos do Alcorão e nas recomendações do profeta
Mohammad (SAAS), são muitos os pontos encontrados que
proíbem a agressão e a injustiça aos não-mulçumanos
cristãos.
Como exemplo disto, citamos os relatos de Abou Daoud
e Al-Baihaqui: “Aquele que pratica a injustiça, ou agride o
cristão, ou pede mais do que suporta, ou tira dele algo que
gosta, serei contra ele no dia do Juízo Final.”
E Tabaráni relatou mais: “Aquele que prejudica o nãomulçumano, me prejudica e prejudica Deus.” Esta é tradição
145
do Profeta Mohammad (SAAS) e de seus companheiros
califas, pois estes e outros relatos de Omar e ‘Ali indicam os
tipos de proteção que se deve aos não-muçulmanos.
Direito de Proteção ao Sangue e ao Corpo
Al-Kardhawi conta que os sábios muçulmanos
chegaram a um acordo: o sangue do não-muçulmano é
protegido e qualquer agressão contra ele será pecado.
A isto se chegou, levando em consideração a
recomendação do Profeta (SAAS): “Quem mata o nãomulçumano não sentirá o cheiro o Paraíso! Ficará longe dele
uma distância equivalente a andar 40 anos.”, segundo os
relatos de Ahmad e Al-Bukhári.
Os sábios muçulmanos debateram sobre a questão dos
muçulmanos que matam não-muçulmanos, mas a opinião
de Al-Kardhawi é a favor de punir com a morte os
muçulmanos que matarem não-muçulmanos, assim como
foi durante o domínio Otomano em todo o império e suas
regiões, através dos séculos de domínio até a queda do
Califato, na Primeira Guerra Mundial do século passado, em
1916.
Direito de Proteção dos Bens
Os muçulmanos acordaram entre todas as seitas
islâmicas, através de toda história, quanto a proteção dos
bens dos não-muçulmanos. O respeito do Islã aos bens e
propriedades dos não-muçulmanos é exercido de acordo com
146
a religião deles, mesmo aqueles bens não reconhecidos pela
religião muçulmana como lícitos, e isto pode-se notar ainda
hoje.
Como exemplo disto, citamos a carne de porco e as
bebidas alcoólicas. Estes bens não podem ser considerados
bens para os muçulmanos. Assim, se um muçulmano destruir
estes ‘bens’ de outro muçulmano nada fica devendo; porém,
se o muçulmano destrói estes bens de um não-muçulmano
terá que pagá-los, conforme a opinião do sábio Abu Hanifa.
Direito de Proteção à Honra das Mulheres
A proteção à mulher não-muçulmana e à sua dignidade
(harim) é preservada no Islã, igualmente como a proteção
dedicada à mulher muçulmana. Assim, o sábio Imam AlCorafi, da seita do Maliki, disse: “Quem fala mal, na presença
ou na ausência, de alguém, perde a confiança de Deus, de
seu Mensageiro e de sua religião islâmica.” (Al-Furuk Z.G.),
e ainda muitos ditos confirmam o mesmo.
Direito do Idoso
O Islã garante para o não-muçulmano uma pensão ou
aposentadoria no patamar adequado às suas necessidades
e suficiente para sustentá-lo quando idoso, a si e seus
dependentes, porque para o Estado são considerados seus
cidadãos. O Estado Islâmico se posiciona como responsável
por seus habitantes, que constituem seu povo como um todo
sem discriminações.
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O Mensageiro de Deus (SAAS) disse: “Todos vocês
são pastores e cada [astor é responsável por seu rebanho.”
Desta forma, todos os sábios concordam com esta lei,
conforme o relato de Ibn Omar. Esta é a tradição dos quatro
Califas Arrachidin (Abu Bakr, Omar, Otman e ‘Ali) e seus
sucessores.
A carta de Khálid Ibn al Walid ao povo do Irã, no Iraque,
no tempo do Califa Abu Bakr As-Siddik, confirma isto, tendo
sido relatada, na presença de vários companheiros do
Profeta, que concordaram plenamente com o teor.
Outro fato relacionado ao assunto, ocorreu quando
Omar Ibn Alkhattab viu um judeu, que por motivo de sua
velhice pedia ajuda aos outros, esmolando. Então, o idoso
judeu foi levado ao órgão público competente, na época
equivalente a Casa da Moeda Nacional, Secretaria das
Finanças ou da Fazenda Pública Nacional, que por ordem
de Omar, registrou-o e fez para o judeu e seus semelhantes,
mais dois idosos necessitados, um benefício de pensão como
uma aposentadoria.
Justificando seu ato, Omar disse: ”Injustiçamos o
homem, pagou-nos os impostos quando era jovem, pois o
esquecemos nesta idade.” A partir disso, o Califa Omar criou
a lei de seguro social para os muçulmanos e não
muçulmanos, o que foi seguido por todas as seitas
muçulmanas.
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O Direito de Liberdade Religiosa
O Islã não aceita a imposição de religião. O Islã não
obrigou os não muçulmanos a se converterem ao Islã. Aquele
que tinha uma seita ou religião, não sofreu pressões para se
tornar muçulmano.
Na base legislativa do Islã, nos versículos do Alcorão
Sagrado, nas palavras de Deus reveladas pelo anjo Gabriel
a seu Mensageiro, Mohammad (SAAS), temos: “Não há
imposição quanto à religião porque já se destacou a
verdade do erro.” (2ª Surata, versículo 256).
Assim, para o Islã a imposição é incompatível com a
religião, porque a religião depende da fé e do livre arbítrio, e
estes perderiam sua consistência e validade se induzidos à
força.
A verdade e o erro têm sido tão claramente mostrados
pela mercê de Allah, que não deverá haver dúvidas na mente
de qualquer homem de boa vontade, quanto aos
fundamentos da fé. A proteção de Allah é contínua e os seus
planos hão de sempre guiar-nos, tirando-nos das trevas e
conduzindo-nos à clareza da luz.
Deus disse também, em Yunis: “Porém se teu Senhor
tivesse querido, aqueles que estão na terra teriam
acreditado unanimemente. Poderias, oh Mohammad,
compelir os humanos a que fossem crentes?”. (10ª
Surata, versículo 99).
Além disso, como já assinalamos anteriormente, o Islã
protege os templos religiosos dos não-mulçumanos,
respeitando seus símbolos, de acordo com o pacto que o
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Mensageiro de Deus fez com o povo de Najran, assegurando
a proteção e a liberdade de seus bens, seus comércios e
seus movimentos religiosos, o trato de Omar com o povo de
Jliaa quanto à liberdade de crença religiosa e suas práticas
e o trato correlato de Khálid Ibn al Walid com o povo do Ánit.
Dentro dessa liberdade de crença religiosa, muitos
sábios muçulmanos deram a permissão plena aos
evangélicos, para que os mesmos pudessem construir igrejas
nas aldeias e cidades com a população de maioria islâmica.
Uma passagem da história antiga conta que há muito tempo
foram construídas diversas igrejas no Egito no primeiro século
da Hijra, a exemplo da igreja do Sueif na Alexandria, entre
os anos 39 e 56 da Hijra, como também a construção da
primeira igreja em Fustat, bairro Arrum no Cairo, entre os
anos 47 e 68. Vale notar que estas datas se referem ao ano
lunar muçulmano, cujo marco inicial se deu em
aproximadamente 610 d.C., quando ocorreu a Hijra, que foi
a imigração forçada do Profeta Mohammad (SAAS), de Meca
– cidade de seu nascimento – para Medina, onde fundou o
Estado Islâmico e institui a legislação muçulmana.
Também Abdel Aziz Ben Makrizi declarou: “Todas as
igrejas que foram construídas no Cairo, foram construídas
no governo islâmico e muitas foram contruídas em outras
cidades e aldeias, onde a maioria não-islâmica estava livre
para cumprir os seus cultos e construír e reformr as suas
igrejas.” Com efeito, sabemos que esse tipo de compreensão,
em reconhecer e aceitar o outro aparece com o surgimento
do Islã, o que não existia antes.
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O Direito ao Trabalho e à Sobrevivência
O Islã garante aos não-muçulmanos o direito ao
trabalho e à sobrevivência. Eles têm todos os direitos dos
muçulmanos, de se estabelecer comercial e profissionalmente, como comprar, vender, alugar, gerenciar, etc.,
tendo como únicas vedações as atividades de agiotagem e
o comércio de bebidas alcoólicas e de carne de porco.
Com referência a estas exceções, citamos o que o
Mensageiro de Deus (SAAS) havia escrito para Majous
Hager: “Se vocês não deixarem o sistema de agiotagem
podem esperar nossa guerra contra.” Mais ainda, prossegue,
indicando o que deveria ser evitado: “... o comércio de
bebidas alcoólicas e a carne de porco, entre os muçulmanos,
o restante estarão livres para negociar ou trabalhar.”
Sobre este importante direito aos não-muçulmanos,
ainda Adam Mitz disse: “a vigência da legislação islâmica
nunca fechou porta alguma de qualquer não-muçulmano que
trabalhe em comércio ou indústria, nunca vedou quaisquer
atividades profissionais, com as quais muitos até
enriqueceram em solo islâmico, tornando-se até proprietários
de sítios, aldeias e povoados. Entre estes citamos médicos
e joalheiros.”
Destas atividades bastante lucrativas, vale lembrar que
a maioria dos proprietários das joalherias mais importantes
e das casas de câmbio em Damasco eram judeus. A maioria
dos cartórios pertenciam aos cristãos. Os médicos no palácio
do Califa, autoridade máxima muçulmana, em Bagdá, eram
também, predominantemente, chefes de cristãos e líderes
judaicos.
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O Direito ao Funcionalismo Público
O Islã não proibiu aos não-muçulmanos o seu ingresso
e nomeação nas funções públicas, por considerá-las
corporativas do Estado muçulmano e, portanto, exclusivas
de muçulmanos; pelo contrário, não é aceito este tipo de
discriminação.
No entanto, há exceções a cargos de máxima
responsabilidade, poder e influência no estado, como é o
caso dos xeques de mesquitas, juizes de direito, Califas e
comandantes do exército nacional, que não podem ser
ocupados por não-muçulmanos. Mas, ainda assim,
considerando essas exceções, o Estado concede dentre
estes cargos importantes, o direito aos não-muçulmanos de
serem ministros de seus Ministérios Nacionais.
Com efeito, na época dos Abássidas, alguns cristãos
foram nomeados para Ministérios Nacionais, até mais de uma
vez. Entre eles foram nomeados ministros Nasr Ibn Haroun,
no ano 369 h (Hijra) e Issa Ibn Nastore no ano 380 h (Hijra).
Mesmo antes, no funcionalismo público, o Califa de
Damasco, Muáwiya, teve como escrivão um cristão de nome
Serjão.
Assim, a história nos mostra a concessão e garantia
dos direitos aos não-muçulmanos, pois constatamos que até
Califas de altas lideranças facilitaram e incentivaram
acentuadamente o ingresso dos não-muçulmanos em cargos públicos. Isso, em certa época, chegou até mesmo a
ser ressentido pelos próprios muçulmanos, que reclamaram
sobre tanto apreço dado aos não-muçulmanos, sentindo seus
152
direitos prejudicados enquanto o Estado islâmico os nomeava
para seus cargos de autoridade.
Relações Entre Muçulmanos e Não-Muçulmanos
As leis do Islã são aplicadas exclusivamente aos
muçulmanos, cabendo aos fiéis de outros credos, que vivem
em países onde a fé muçulmana é predominante, a liberdade
de culto, de forma que os mesmos possam viver de acordo
com suas convenções religiosas.
Há momentos em que a doutrina religiosa estende seus
valores ao meio social, com leis que integram a constituição
do país, no tocante a fatores como segurança, economia,
civismo e padrão moral e de conduta. Se um não-muçulmano,
por exemplo, comete uma transgressão ou um crime
qualquer, é evidente que será punido pela lei vigente na
constituição do país em que ele vive ou se encontra quando
do delito.
Às vezes, as sociedades ocidentais se escandalizam
com notícias veiculadas pela imprensa de castigos aplicados
a criminosos, de outros países, em território de nações de
predominância muçulmana, como foi o caso de um jovem
norte-americano que foi condenado a receber chibatadas
como punição por ter pichado automóveis em uma cidade
de um país asiático, cuja Constituição se inspira no Alcorão.
Houve mesmo a interferência do governo norte-americano
que, na época, foi pressionado pela opinião pública de seu
país.
Fatos como este têm sido alvo constante de crítica dos
ocidentais, o que faz com que as leis muçulmanas sejam
vistas como opressoras e “primitivas”. Da mesma forma, a
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morte do condenado na cadeira elétrica, ou com injeção letal,
que é vista com naturalidade no Ocidente, para os povos do
Islã soa como uma monstruosidade, um suplício cruel,
perverso.
Assim, não se pode olhar esta questão, ou ensaiar uma
análise comparada das religiões, bem como dos direitos e
liberdades do homem nesse campo, sem levar em conta as
diferenças de cultura. Porém, para todos aqueles que agem
intencionalmente, com objetivo de estimular e incrementar o
conflito, tais diferenças se tornam um prato cheio.
O muçulmano acredita que o altíssimo Deus é o único
e absoluto criador e administrador do universo. Deus de todos
os humanos e não de um povo ou uma tribo e, nem,
tampouco, de uma raça. Pois ele é o Deus inclusive daqueles
que o negam, os ateus. E esta definição está em todo o
Alcorão Sagrado, do início ao fim. Na primeira Surata, no
primeiro versículo, o Deus Altíssimo nos ensina como nos
dirigirmos a Ele, para com Ele podermos conversar: “Louvado
seja Deus, Senhor do Universo”. Ele não disse senhor deste
globo, ou deste mundo! Mas do Universo, e de tudo que
nele existe, sinalizando o céu e a terra, assim como os reinos
mineral, vegetal e animal, além dos homens, anjos, e de
tantas outras coisas visíveis e invisíveis.
Esta doutrina, o monoteísmo, é a base principal da
união dos povos, pois não há criador, nem divindade, a não
ser o Altíssimo Deus, por mais que certas ideologias e
filosofias criadas pelo homem tentem negar esta realidade.
Não cabe ao Islã condenar a incredulidade, e nem
tampouco perseguir os adeptos de outros credos. Pelo
contrário, é através da conduta de cada um, em consonância
com os preceitos do Alcorão, que o muçulmano pode se
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tornar um exemplo para eles, um referencial que inspire
respeito mútuo, e torne a convivência entre ambos mais
pacífica e ordeira, o que é bom aos olhos de Deus. De modo
que gentileza e equidade são os referenciais desse convívio,
pois o Altíssimo disse: “Deus nada proíbe quanto àqueles
que não vos combateram pela causa da religião e não
vos expulsaram de vossos lares, nem que lideis com
eles com gentileza e equidade, porque Deus aprecia os
eqüitativos. Deus vos proíbe tão-somente entrar em
privacidade com aqueles que vos combatem na religião,
vos expulsaram de vossos lares; os que entrarem em
privacidade com eles serão iníquos” (Al Mumtahana – 60,
8 – 9).
O muçulmano crê que Deus enviou muitos mensageiros
e profetas, para todas as nações, em todas as épocas,
convocando todos a orar e a Ele obedecer: “Em verdade
enviamos para cada povo um mensageiro. Adorai a Deus
e afastai-vos do sedutor! Porém, houve entre eles quem
Deus encaminhou e houve àqueles que mereceram ser
desviados. Percorrei pois a terra e observai qual foi a
sorte dos desmentidores.” (Annahal – 16, 36). Numa outra
passagem, esclarece: “Certamente te enviamos com a
verdade e como alvissareiro e admoestador, e não houve
povo algum que não tivesse tido um admoestador” (Fater
– 35, 24).
Os mensageiros de Deus são irmãos, e sua missão
principal é uma só; a fonte da doutrina é única: o Altíssimo
Deus. Razão pela qual a semelhança de seus ensinamentos
é quase sempre a mesma, tanto nas questões específicas
da doutrina, como nas generalidades. Não é à-toa que a fé
nos mensageiros seja uma parte da crença do muçulmano.
O Altíssimo Deus disse: “O mensageiro crê no que foi
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revelado por seu Senhor e todos os fiéis crêem em Deus,
em Seus anjos, em Seus livros e em seus mensageiros.
Nós não fizemos distorção em Seus mensageiros.
Disseram: Escutamos e obedecemos. Só anelamos a Tua
indulgência, ó Senhor nosso! A ti será o retorno!”
(Albácara – 2, 285).
Mais que isso, o Alcorão Sagrado considerou que
acreditar em seus mensageiros e desacreditar em outros é
contrário à fé em Deus, sendo isso ateísmo. “Àqueles que
não crêem em Deus e em Seus mensageiros, pretendo
cortar o vínculo entre eles e Deus, e Seus mensageiros;
e dizem: “Cremos em alguns e negamos outros”;
intentando com isso achar uma saída” (Annissá – 4, 150).
“Estes são os verdadeiros incrédulos; porém,
preparamos para eles um castigo ignominioso. Quanto
àqueles que acreditam em Deus e Seus mensageiros, e
não fazem distinção entre nenhum deles, Deus lhes
concederá as suas devidas recompensas, porque Deus
é Indulgente, Misericordiosíssimo” (Annissá – 4, 152).
Como sabemos, a gentileza e piedade para com os
não-muçulmanos em geral, encontra-se presente em muitos
versículos no Alcorão. Muitas passagens confirmam as
relações do Islã com os cristãos (evangélicos, protestantes
e católicos) e judeus: “Admoesta, pois, porque és tãosomente um admoestador! Não és, de maneira alguma,
guardião deles” (Al Gháxia – 88, 21-22). “Porém, se
desdenharem, fique sabendo que não te enviamos para
seu guardião, uma vez que tão-somente te incumbe a
proclamação (da mensagem). Certamente, se fizermos
o homem provar nossa misericórdia, regozijar-se-á com
ela; por outra, se o açoitar o infortúnio, por causa do
que suas mãos cometeram, eis que se tornará ingrato!”
(Ax Xura – 42, 48).
156
O Alcorão convoca a proteger lugares de adoração,
mencionando primeiramente os não-muçulmanos, antes de
se referir às mesquitas dos muçulmanos: “São aqueles que
foram expulsos injustamente dos seus lares, só porque
disseram: Nosso Senhor é Deus! E se Deus não tivesse
refreado os instintos malignos de uns em relação aos
outros, teriam sido destruídos mosteiros, igrejas,
sinagogas e mesquitas, onde o nome de Deus é
freqüentemente celebrado. Sabe o que Deus secundará
quem O secunde, em Sua causa, porque é Forte,
Poderosíssimo” (Al Hajj – 22, 40).
A exaltação da vida e das relações entre Deus e o
homem são extremamente valorizadas no Alcorão, sem
distinção de culturas ou povos: “Enobrecemos os filhos
de Adão e os conduzimos pela terra e pelo mar;
agraciamo-los com todo o bem, e os preferimos
enormemente sobre a maior parte de tudo quanto
criamos” (Alisrá – 17, 70).
Também o direito de igualdade perante as leis e juizes
entre muçulmanos e não-muçulmanos é um valor perene no
Islã, que não admite qualquer espécie de discriminação ou
perseguição.
De certa forma, o não muçulmano, dependendo das
circunstâncias, tem o direito de pagar “Al-Jizia” para ser
isentado de determinados deveres, consignados em Lei, em
nações dominadas pela legislação islâmica, como é o caso
por exemplo, do serviço militar obrigatório ou do estado de
guerra. Também ele pode conquistar ou pagar, por direitos
sociais e serviços gerais que o Estado oferece à população.
Errado é pensar que “Al-Jizia” é um castigo para o nãomuçulmano, porque ele recusa a se converter ao Islã. Isto
157
porque, se o não-muçulmano se tornar muçulmano, ou seja,
se ele se converter, ele não mais pagará “Al-Jizia”, mas sim
o “Az-Zakat”, cujo valor, às vezes, é muito maior que o
primeiro.
Também certas regras religiosas são aplicadas somente
ao muçulmano, como é o caso daquele que destruir um bem
ilícito, como bebidas alcoólicas, carne de porco, etc., de um
cidadão da mesma religião. Este não merece ter recompensa,
nem ser gratificado. Mas, se for um muçulmano que destruir
ou se apropriar desses bens ilícitos, de um não-muçulmano,
será obrigado a pagar.
O muçulmano deve assumir as leis islâmicas da nação
muçulmana, principalmente aquelas que estabelecem
regulamentos familiares, como o casamento, o divórcio, a
herança, etc.; enquanto nesses casos, é permitido aos nãomuçulmanos usar suas próprias leis e regulamentos, sem
que transgridam a legislação vigente no país em que vivem.
Esses exemplos servem para ilustrar a questão dos direitos
dos não-muçulmanos nos países islâmicos, cujas leis se
inspiram no Alcorão, mas que somente são aplicadas aos
fiéis do credo muçulmano
Geralmente, a forma de tratar os não-muçulmanos entre seus conterrâneos do mesmo Estado islâmico, pode ser
assim definida: “Que tenham o que nós temos e que devam
o que nós devemos”. Pois eles, que são chamados na
legislação islâmica “Ahl Az-Zimma”, têm o direito de proteção,
equidade e igualdade, direitos garantidos por Deus, seu
mensageiro e fiéis.”
Há aqui uma questão de ordem cultural, onde as
diferenças entre as leis islâmicas e de países laicos (cujas
constituições não foram elaboradas dentro de princípios
religiosos) se sobressaem. Nas democracias contem158
porâneas os direitos podem ser mudados, porque a “maioria
absoluta” toma as decisões, por interesses ou não. Os direitos
do Islã são perenes, fixos, não podendo eles ser abolidos ou
agredidos, seja qual for o número de votos a favor ou contra, ao contrário dos direitos das “minorias” que, nas
constituições modernas em que se admite constitucionalmente mudança (emenda) ou substituição, desde que as
condições exigidas legalmente sejam atendidas .
O Islã e as Minorias
Antigamente, no início da fundação da sociedade
humana, as bases legislativas e os fundamentos dos direitos
do homem, eram reconhecidos pela tradição e respeitados
por todos, de modo que aquilo que se convencionou chamar
“direito consuetudinário”, baseava-se nas tradições - usos e
costumes - não escritos, não determinados, mas herdados.
A relação entre o indivíduo e a autoridade obedecia
essas leis tradicionais, que se tornaram leis populares, pois
elas nasciam do comportamento dos próprios indivíduos na
sociedade em que viviam. Pois a sociedade assumia essas
leis, sem saber como começaram, nem de onde vieram, e
nem quem as legislou.
Eram tempos de muitas desgraças e tantas injustiças,
uma vez que não havia nada escrito e nada preciso, de modo
que as portas ficavam abertas para a interpretação que
melhor convinha às autoridades. As liberdades e os direitos
humanos não eram protegidos e o homem sofria agressões
e escravidão, castigos severos, e prisões sem julgamento;
os prisioneiros de guerra eram assassinados ou vendidos
como escravos.
159
Mesmo na Grécia, que se tornara um exemplo
grandioso de democracia, os direitos humanos eram
seletivos, restritos a uma minoria aristocrática, sendo as
camadas menos favorecidas discriminadas, assim como o
estrangeiro e os escravos, e também as mulheres, que não
exerciam seus direitos políticos. Para se ter uma idéia dessa
situação, basta-se lembrar que o número de habitantes em
Atenas era de 400 mil, mas os que gozavam dos direitos
civis não passava de 40 mil (dez por cento da população).
Também os gregos não conheciam a liberdade de
crença religiosa, todos acreditavam em uma religião que era
a religião do Estado. A base mais importante da democracia
grega era a igualdade dos homens perante a lei; porém, a
realidade era outra: não havia igualdade social, mas quatro
classes de acordo com a riqueza de cada uma.
Com o avanço da civilização, o Estado se formou e
centralizou os poderes de legislar diretamente, através de
constituições escritas – denominadas leis. As leis simbólicas
daquela fase começaram pelo código de Hamurabi (1694
a.C.), dos Solam, dos Doze Tablóides, de modo que a relação
entre o indivíduo e a autoridade saiu do campo público e
aberto, onde imperava a vontade de reis e de líderes
religiosos, e passou a ter bases jurídicas.
Justiniano legislou contra os judeus, acusando-os de
extraviar suas crenças religiosas, porque não acreditavam
na ressurreição de Jesus Cristo. Na época, a pena era de
expulsão do país. Ele mandou fechar a Universidade de
Atenas, o centro platônico de ensino, em 529 da Era Cristã
e também ordenou aos missionários evangelizar os
habitantes da Ásia Menor, Síria e Egito, com ordem para
matar os que não aceitassem se converter ao cristianismo.
Enquanto, na Idade Média, o Islã se expandia, levando
luz e alento para o mundo, reservando a todos, sem distinção
160
alguma, o direito de adorar o Deus Altíssimo, Senhor de todos
os povos, na Europa, especialmente na Inglaterra e na
França, o negro era proibido de ser ordenado padre. Inclusive o escravo não tinha direito algum, porque a escravidão,
como a Igreja entendia, era resultado natural do pecado de
Adão. Por isso, eles passaram a ser instrumentos
econômicos, usados pelos seus senhores para o trabalho
doméstico ou na agricultura, de modo que, quem não era
europeu, podia ser escravizado e ter seus bens confiscados.
Assim os europeus fizeram quando conquistaram a
América do Norte e América do Sul, África e Ásia, onde
fundaram empresas para realizar seus interesses, num
movimento conhecido historicamente como Imperialismo. Os
direitos humanos na Europa continuaram ignorados até o
fim do século XVIII. As leis discriminatórias para o nãoeuropeu eram rígidas, e a punição aos infratores era cruel,
com castigos rigorosos e severos, mesmo por pequenas
infrações, ou sequer por desconfiança. Usavam de
penalidades como mutilação, cortando membros do corpo
(mãos, nariz), furando os olhos, crucificando, provocando
queimaduras, deixando marcas para simbolizar o castigo,
de acordo com o crime cometido. Os castigos eram
praticados de acordo com as leis contidas nos códigos
civil e criminal. E foram os tribunais da Igreja que
condenaram muito mais ferozmente, porque as punições se
estendiam aos familiares, parentes, e até amigos do
criminoso.
Quando começou a aparecer a legislação islâmica na
Europa, vinda de Andaluzia, Península Ibérica, Cecília e sul
da França, regiões de civilização muçulmana avançada, os
normandos criaram e introduziram legislações na Inglaterra,
as quais eram fruto da revolução dos nobres (senhores
161
feudais), que se sentiam prejudicados em seus interesses
pelo poder dos reis.
Com efeito, a Carta Magna criada continha uma
legislação básica sobre os direitos humanos, principalmente
no tocante a liberdade pessoal, do indivíduo, indiferente de
sua classe social. Esta Carta teve muita influência, não
somente na Inglaterra, mas em toda a Europa, razão pela
qual os reis a consideram uma invenção perigosa, ou uma
manifestação ameaçadora aos poderes reais.
Por outro lado, o papa considerou-a a causa da
deterioração de seus interesses e de seus poderes, passando
a considerá-la ilegal, contra os ensinamentos religiosos e as
legislações eclesiásticas, de modo que seus defensores
colocados na condição de “hereges”.
O próprio Rei João, conhecido como João “Sem Terra”
(Lackland), seu signatário, foi perseguido pela igreja,
chegando mesmo a declarar sua intenção de se converter
ao credo muçulmano para ficar livre das imposições do papa.
Convém lembrar que João foi considerado pelos nobres
ingleses um ditador, usurpador, ignorante, que concordou
em assinar a Carta mediante coerção. Somente assim ele
cedeu os direitos aos nobres de colaborar no orçamento de
taxas e impostos e de nunca mais acionar criminalmente
alguém sem provas.
De fato, a Carta Magna transportava uma influência
legislativa muçulmana, pois ela propagava justiça, igualdade,
irmandade, assim como civilização e humanidade, valores
que não eram cultivados com equidade pelos reis e pelo
papa, com seus poderes absolutos, motivo pelo qual eles a
combateram com veemência.
Sem dúvida, a Carta Magna, junto com outras
legislações que nela se inspiraram, serviu principalmente de
proteção e defesa dos direitos individuais e gerais. Ela
162
exerceu forte influência nas constituições de países de todo
o mundo, em especial da América do Norte, tornando-se fundamental na formulação das leis americanas.
Os direitos e as liberdades na legislação islâmica, são
bem mais amplamente expostos do que os legisladores
atuais imaginam. O Islã reconhece no indivíduo seus direitos
de não ser agredido física, mental, moral ou espiritualmente;
seus direitos quanto aos seus bens materiais e seus
familiares. Severos castigos estão prescritos contra os
transgressores na legislação muçulmana.
Também a liberdade ao não-muçulmano é garantida
pelo Islã. Ao contrário do que fez a Europa, no passado com
os não-cristãos, para os quais havia uma legislação
discriminatória. Assim, a legislação muçulmana antecipou
em séculos as legislações que cuidam dos direitos das
minorias não-islâmicas: “Eles têm o que nós temos, de
direitos; e devem o que nós devemos, de deveres.” Portanto,
fica patente aqui que o não-muçulmano, em países de
predominância islâmica, tem todos direitos de um nãomuçulmano.
Em determinadas condições, o não-muçulmano pode
obedecer suas leis particulares, que regulamentam assuntos
familiares e religiosos, gozando dos mesmos direitos de um
muçulmano, sem discriminação. Fica aqui patente, que a
legislação muçulmana antecipou em séculos as outras
legislações, no que se refere a organização e integração
das minorias religiosas, étnicas ou sociais, na nação islâmica,
com base no princípio de que tais minorias mereciam ter
seus direitos reconhecidos e defendidos, demonstrando o
alto nível de civilização que havia chegado em épocas onde
imperava ainda a bestialidade, a repressão e a tirania.
Um exemplo na história que confirma tais princípios de
civilidade e humanidade, pode ser retratado no episódio onde
163
o Iman Abi Youssef escreveu ao Califa Haroun Ar Rachid,
dizendo: “Ó príncipe (líder) dos muçulmanos, que Deus te
abençoe, que tenha sempre clemência e piedade por (Ahal
Azzima) cristãos e não-muçulmanos, recomendação esta
legada por Seus profetas e o mensageiros, para que não
sejam injustiçados. Ou que sejam obrigados a assumir mais
do que eles suportam; ou a serem cobrados mais do que
devem.” Outros relatos dizem que o Mensageiro de Deus
disse: “Quem injustiça o não-muçulmano, ou pede a ele mais
do que pode, serei seu advogado de acusação.”
O sábio inglês, Sir Thomas Arnold, especialista em
estudos orientais, disse, em seu estudo comparado entre
muçulmanos e cristãos: “Nunca ouvimos falar de uma
conspiração para impor o Islaã aos cristãos, ou qualquer
pressão organizada contra a religião cristã. Se os califados
muçulmanos tivesse escolhido estes métodos, não sobraria
crença cristã como as tantas preservadas pela liberdade de
culto; quando se sabe que na Europa, Luiz XIV perseguiu os
protestantes, colocando-os na condição de transgressores
da Lei, podendo castigar seus fiéis. Lembrando que os
judeus, ficaram 350 anos sem poderem entrar na Grã
Bretanha. Dizemos isso como prova de que se os califas
tivessem usado os métodos europeus, contra a minoria
religiosa, não sobraria nenhuma igreja ou organização
religiosa não muçulmana, no Oriente muçulmano. A
sobrevivência de igrejas e credos não-muçulmanos indica
que a política de governos islâmicos, através da história,
num período de mil e quatrocentos anos, sempre reconheceu
a liberdade das minorias religiosas, sem impor a elas
qualquer restrição. A existência da Igreja Cristã Árabe
Nacional, há mais de oito séculos, é a grande prova do
espírito de liberdade existente nas comunidades muçulmanas
dos países de predominância religiosa islâmica.”
164
E foi no período das cruzadas, conflito que durou três
séculos (do XI ao XIV), quando os cristãos tentaram
conquistar Jerusalém, que a civilização ocidental pôde
constatar a tolerância dos muçulmanos com as outras
crenças. Inclusive, muitos líderes das cruzadas, assim como
soldados e religiosos cristãos se deram conta da consistência
da doutrina do Islã e, após aprenderem os princípios
religiosos que a inspiram, converteram-se. Muitos deles
preferiram ficar no Oriente e não mais retornar para a Europa,
de onde eram originários. Isto aconteceu em todas as
cruzadas. Eles admiraram a simplicidade, coragem e
humildade dos líderes muçulmanos, especialmente de
Salaheddine Al-Ayoubi, que comandou as forças de
resistência muçulmanas, diante das investidas dos cristãos
contra Jerusalém. Houve inclusive um contato frutuoso dos
europeus cristãos que, a cada cruzada, a cada investida contra o Islã, aprendiam muito com a cultura “sarracena”, em
vários níveis do conhecimento, inclusive em questões de
legislação.
Segundo Thomas Arnold, esses contatos vieram a
influenciar decisivamente a cultura européia, inclusive na
questão dos direitos humanos, o que ficou patente na criação
da Carta Magna, pela Inglaterra, como já assinalamos
anteriormente, de maneira que a legislação muçulmana
serviu de modelo e acabou por inspirar também muitas outras
culturas e revoluções, como a francesa, a americana e, por
fim, a própria ONU.
Na verdade, esta Carta Magna é considerada a mais
importante base constitucional de muitas instituições políticas
modernas, porque contém bases importantes sobre os
direitos humanos e as liberdades individuais dos povos, sem
discriminação de classe, inclusive por seu conteúdo espiritual,
de justiça e de irmandade.
165
O Islã e as Minorias Não-Muçulmanas
Durante o auge do governo muçulmano, no século XI,
os judeus eram representados em 250 profissões e 100
funções, ao contrário do que ocorria na Europa cristã, em
que eles eram discriminados e eram reconhecidos apenas
em funções inexpressivas e ridículas.
De fato, cristãos, judeus e muçulmanos habitavam em
bairros comuns, não existindo separação entre eles. Ao
contrário do que ocorria na Europa, em que eles eram
confinados em “guetos” e bairros, de modo que ficassem
isolados da sociedade cristã, sendo que muitos desses
bairros ainda existem até hoje.
A obrigação de reconhecer o enobrecimento do ser
humano foi assinalada pelo Altíssimo: “Enobrecemos os
filhos de Adão e os conduzimos pela terra e pelo mar;
agraciamo-los com todo o bem, e os preferimos
enormemente sobre a maior parte de tudo quanto
criamos.” (Alisrá – 17, 70). No sermão de despedida de
Arafat, ocasião da peregrinação, o Mensageiro de Deus
dirigiu suas palavras a todo o mundo: “Ó gente, vosso Deus
é um só, vosso pai é um só, todos vós sois filhos de Adão, e
Adão é do pó (da terra), o melhor perante Deus, o que mais
O teme. Não há distinção do árabe sobre o não árabe,
nem do branco sobre o negro, a não ser pela piedade.”
Percebe-se, nitidamente, que este discurso pode ser
qualificado com a primeira declaração dos direitos humanos
da história.
A propósito, convém lembrar que a minoria nãomuçulmana, que vive em uma nação do Islã, tem todos os
166
direitos dos muçulmanos, não podendo seus membros serem
considerados estrangeiros.
Como sabemos, o Islã nasceu na Península Arábica,
no início do século VII da era cristã e se tornou uma revolução
real nas relações sociais e políticas que dominavam a região
na época, em função de suas virtudes, simplicidade, conduta,
respeito ao homem e sua dignificação, além de industriosidade, devoção à ciência, à cultura e à pesquisa. Seus
líderes, que foram educados diretamente por Deus, deixaram
uma mensagem de entusiasmo, fé, sabedoria e mansidão,
o que encorajou outros povos a se converterem à nova
religião.
Assim, o Islã ordenou aos muçulmanos crerem em
todas as outras religiões divinas, e em todos os outros
profetas e mensageiros de Deus. “O Mensageiro crê no
que foi revelado por seu Senhor e todos os crentes crêem
em Deus, em Seus anjos, em Seus Livros e em Seus
mensageiros. Nós não fizemos distinção entre Seus
mensageiros. Disseram: Escutamos e obedecemos. Só
anelamos a Tua indulgência, ó Senhor nosso! A Ti será
o retorno!” (Albácara – 2, 285).
Percebe-se, então, que o Islã ordenou o bom trato e
boas relações com quem convive junto na sociedade – com
as minorias religiosas – cristãos e judeus, considerando-os
(Ahl-azzimma), isto é: os protegidos. Ordenou também que
não fossem injustiçados, nem agredidos, enquanto eles em
confiança, pois o Islã os convocou ao debate franco em torno
da religião: “E não disputeis com os adeptos do Livro,
senão da melhor forma, exceto com os iníquos, dentre
eles. Dizei-lhes: Cremos no que foi revelado antes; nosso
Deus e o vosso são Um e a Ele nos submetemos.” (Al
Ankabut – 29, 46).
167
O Islã baseou-se nos relacionamentos com a sociedade
que não é muçulmana e o Mensageiro de Deus disse em
proibição de maus tratos aos não muçulmanos: “Quem
prejudica um não-muçulmano, eu serei seu adversário no
dia do Juízo Final; e quem prejudica o muçulmano, serei
seu adversário: será julgado e castigado.”
O Imam Abu Hanifa vê que os não-muçulmanos podem
beber álcool na nação muçulmana, sem serem molestados,
pois as leis religiosas do Islã são aplicadas somente aos
muçulmanos. No caso dos adeptos de outros credos, querer
aplicar tais leis seria intrometer-se na sua liberdade de culto,
em contradição com os preceitos do Alcorão. “Não temos o
direito de nos intrometermos nas questões dos Mongóis, nem
dos cristãos e nem dos judeus”, comenta o Imam. Mesmo
em questões que ferem a moral muçulmana, o Islã não se
intromete, como se constata no episódio em que o Califa
Omar ibn Abdel Aziz mandou perguntar a Hassan Al Basri:
“Por que você deixa os cristãos comerem carne de porco,
beberem álcool e os mongóis casarem-se com as próprias
filhas?“ E Hassan Al Basri respondeu: “Por isso eles pagaram
Al-Jizia, o imposto a não-muçulmano. Assim nossos líderes
anteriores fizeram. Fique sabendo que você tem que seguir
os anteriores e não inovar.”
O bom relacionamento entre o Islã e as outras religiões
divinas admite que o muçulmano se case com nãomuçulmana, cristã ou judia. O Mensageiro de Deus casou
com Safia, filha de Huyai, de família judia, assim como com
a egípcia Maria, (copta) cristã.
O professor e advogado constitucional, Dr. Edmond
Rabbat, árabe cristão, em sua nota referente ao versículo
do Alcorão que diz “Não há imposição na religião”, comenta:
“Podemos dizer sem exagero que a idéia que levou a praticar
essa política humana (o liberalismo) foi uma invenção genial,
168
porque pela primeira vez na história um estado religioso, em
sua conduta básica, foi claro na questão das liberdades de
crença e de culto entre os povos, respeitando suas tradições,
modo de vida, sem impor às populações a religião de seus
reis.” Estes conceitos são definidos na expressão latina “Ejus
Regis cujus Rilio.”
Tal política, cujas bases estão impressas no Alcorão,
levou a dois resultados decisivos no que diz respeito à
convivência dos muçulmanos com adeptos de outras
religiões: de um lado, a proliferação de seitas religiosas
cristãs entre os povos do Islã; e de outro lado, a conversão
de povos de outras nações ao Islã. Com isso, os habitantes
da Síria, Egito e Iraque, nações muito populosas que eram
de predominância cristã, converteram-se em grande número
ao Islã desde o primeiro ano da Hégira, com plena liberdade
e vontade; enquanto aqueles que não se converteram,
permaneceram em sua fé sem serem incomodados.
Estes são princípios de justiça e liberdade, valores
protegidos e concretizados no Islã, os quais se traduzem
em testemunhas de que o Islã é uma religião universal.
Também o sábio espanhol, Augusto Wlaghi, especialista
em assuntos orientais, disse: “O Islã foi propagado e
divulgado no Oeste Europeu através de uma revolução cultural que os sábios muçulmanos pregaram entre as
populações e não pela imposição de marchas militares,
ordenadas e lideradas por comandantes e generais.”
Quando os muçulmanos entraram na Espanha, a
população do país era composta de quinze milhões de
habitantes. O mesmo sábio e historiador espanhol, disse que
o número de muçulmanos na Espanha, no século dez,
chegou a trinta milhões. O historiador turco, Dióca Bacha
disse que o número de muçulmanos de Córdoba, capital do
169
Estado Islâmico, passou de um milhão, durante o governo
do Islã. Já o historiador suíço, Rougiê Dauba Squiê, afirmou
que a religião muçulmana, por volta do século XIV exercia
uma forte atração sobre os cristãos, numa época em que a
população de Granada era de 200 mil habitantes, todos de
credo muçulmano.
É bom lembrar que nas regiões européias, em áreas
onde o Islã se propagou livremente, como Espanha, sul da
França, Sicília, sul e norte da Itália, formaram-se centros de
estudos e universidades de civilização islâmica, que muito
atraiam sábios e estudiosos de todo o continente, que para
lá viajavam à procura de conhecimento e sabedoria. Na
maioria das vezes os estudos corriam por conta das finanças
públicas do Islã.
É bom lembrar que o Estado Islâmico foi o primeiro
que assumiu basicamente que a autoridade que prevalece
na cultura e na propagação do conhecimento, do saber, é a
Lei (Siadat Al-Canoun), 14 séculos antes que o mundo
ocidental adotasse tais valores. Assim, prevalece o princípio
de que todas as ordens administrativas têm que ser de acordo
com a Lei, isto é, na base legislativa islâmica, pois não há
obediência a nenhuma criatura, se for em contradição com
as ordens do Criador. O Mensageiro de Deus disse: “O
muçulmano deve ouvir e obedecer, gostando ou não, a não
ser quando induzido ao pecado, ou para contrariar uma
legislação islâmica. Ele não deve ouvir nem aceitar quando
a obediência não esteja ligada à prática da Lei Alcorânica,
ou da As-Sunna, consideradas atualmente as leis
constitucionais.”
O primeiro Califa, Abu Bakr Assidik, declarou seus
princípios de governo na mesquita, após o recebimento de
apoio ou de votos de confiança (Al-Mubaya’a) do califado:
"Ó povo, fui eleito vosso líder, embora eu não seja melhor
170
do que qualquer um de vós. Se eu fizer algum bem, dai-me
o vosso apoio; se eu errar, corrigi-me. Obedecei-me, desde
que eu obedeça a Allah e ao Seu Mensageiro! Se eu
desobedecer a Allah e ao Seu Mensageiro, sereis livres para
me desobedecerem!"
Fica, assim, evidente que a legislação islâmica é
baseada na misericórdia e na piedade do líder e dos
liderados, porque a autoridade muçulmana não é autoritária,
mas ordenada e aplicada de forma a estabelecer a ordem e
a justiça entre os povos de todo o mundo, sem discriminação
de raça, cor, religião e seita, pois é a fé que leva ao equilíbrio,
na equidade interior do líder e dos administradores, dentro
da sociedade e em todas as nações. As obras e as administrações consideradas legais têm a força suprema, que não
pode ser desobedecida.
A legislação muçulmana desconhece a teoria inventada
pelas autoridades governamentaiss do Ocidente, para fugir
da fiscalização dos juizes. Em outras palavras, para deixar
de cumprir as leis, razão pela qual foram criados fóruns
administrativos na França, para proteger a administração dos
fóruns civis, enquanto no mundo islâmico eram para proteger
o indivíduo da injustiça administrativa, temendo que a justiça
comum fosse incapaz de obrigar as autoridades governantes
e donos de poder de respeitar e aplicar a legislação islâmica.
Por essas razões, durante o governo islâmico, os sábios
muçulmanos representaram o papel de fiscais para assegurarem a aplicação perfeita das leis do Islã, e qualquer
governante que tentasse se desviar dessa base, enfrentava
todos os sábios que defendiam os direitos da população.
Um dispositivo legal fez com que as minorias não-islâmicas,
que viviam em Estado islâmico, gozassem de plena liberdade
de crença religiosa, dentro de países de fé muçulmana, das
171
fronteiras da China, no Oriente, passando pela África, até
as fronteiras da França, na Europa. Exemplos históricos
nesse campo são aqueles relacionados aos dois sábios: AlImam El Awzá-i, em Beirute e o Imam Al-Laice Ibn Saad, no
Cairo, que defenderam as minorias não-islâmicas, que a
legislação muçulmana admitia em seu meio, com plena
liberdade de culto, e sem molestá-las.
Assim, qualquer cidadão não-muçulmano, no Estado
muçulmano, podia entrar em juízo, com ação em defesa de
seus direitos, inclusive se fosse adversário do próprio califa,
poder máximo muçulmano.
A história dos fóruns islâmicos tem páginas e páginas
de luz e justiça, em defesa da igualdade entre os credos
religiosos. O estudioso norte-americano, L. Stoddard relata
que se um dos administradores regionaiss quisesse tratar
mal uma minoria não-muçulmana, em um Estado
muçulmano, estaria criando uma situação semelhante à
ocorrida com o Sultão turco Salim I, quando todos os
muçulmanos e os sábios falaram-lhe: “O senhor não tem
direito nenhum de prejudicar, atrapalhar ou incomodar os
cristãos, ou judeus, na própria terra deles!” O Sultão voltou
atrás para não ferir a legislação de Deus; a legislação do
Islã.
De qualquer forma, continuamos a ter entre nós, no
Oriente Médio, minorias não-islâmicas, nas cidades, nas
aldeias e em todas as regiões, o que prova a liberdade e
comodidade que todas elas desfrutam. São judeus, cristãos,
mongóis (os ateus) que gozam do princípio religioso que
diz: “Tem o que nós temos e deve o que nós devemos.“ Ao
contrário dos acontecimentos vivenciados na Europa, que
demonstraram a não tolerância quanto a existência das
minorias não-cristãs, e que não deixou nenhum muçulmano
172
ou qualquer outro, uma vez que foram expulsos ou
assassinados, por não concordarem a se converter ao
cristianismo. E é nas palavras do Dr. Abdel Mun’im Ahmad,
que tais assertivas podem ser melhor simbolizadas: “Viajei
por toda Espanha e não achei nenhum túmulo conhecido de
um muçulmano.”
173
O Islã e a Palestina
Desde o surgimento do Movimento Sionista
Internacional, em 1892, quando os judeus nacionalistas, do
Oriente e da Europa Central, optaram pela criação de um
Estado nacional exclusivo, a Palestina passou a ser alvo
das ambições sionistas e das oligarquias internacionais,
então dedicadas ao domínio e à exploração colonialista. Tais
ambições evoluíram para uma ação política em larga escala,
respaldada, no plano do Judaísmo, por uma ideologia
messiânica, de conteúdo fortemente belicoso.
Assim, da política passaram para a ação, armada,
extremada: o terror. Destacou-se, nesse empreendimento,
a figura legendária, para os judeus, do terrorista Menahen
Begin (1913 – 1992), que se tornou ativista da organização
sionista Betar que, em 1942, se ligou ao grupo também
extremista Irgun, o qual vinha desenvolvendo atividades na
Palestina.
Como estratégia guerrilheira, eles invadiam as aldeias
habitadas por palestinos e os massacravam, usando desses
atos para propagar o terror e o pânico entre os habitantes
daquelas terras, que aos milhares fugiram para outras
regiões. Quando os palestinos esboçavam resistência, eles
aplicavam castigos coletivos, tendo sido registradas, pela
imprensa européia da época, inúmeras chacinas contra
velhos, mulheres e crianças, perpetradas principalmente nos
idos das décadas de 1940 e 50, pelo próprio Begin e também
pelo sargento e futuro general, Ariel Sharon. Ambos, viriam
a ocupar o cargo de primeiro-ministro de Israel.
174
Lembramos que Begin, através de um golpe de marketing das oligarquias internacionais, viria a receber o Prêmio
Nobel da Paz, em 1978. Ele foi responsável pelo atentado a
bomba contra o Hotel King David, em 1946, onde morreram
92 pessoas, na maioria ingleses das forças militares
britânicas, que tinham o controle da região.
Para se ter uma idéia da amplitude histórica da
ocupação das terras palestinas pelos judeus, e para se
conhecer as raízes do impasse permanente decorrente das
ações sionistas na região, temos aqui um comentário feito
por Gandhi acerca desta questão: “O que está acontecendo
na Palestina, não é justificável por nenhuma moralidade ou
código de ética. Certamente, seria um crime contra a
humanidade reduzir o orgulho árabe para que a Palestina
fosse entregue aos judeus parcialmente ou totalmente como
o lar nacional judaico”.
Palestina – Sua Origem e História1
Ghando disse: “O que está acontecendo na Palestina
não é justificável por nenhuma moralidade ou código de ética.
Certamente, seria um crime contra a humanidade reduzir o
orgulho árabe para que a Palestina fosse netregue aos judeus
parcialmente ou totalmente como o lar nacional judaico.”
Palestina é o nome do território situado entre o Mar
Mediterrâneo a oeste, o rio Jordão e o Mar Morto a este, a
chamada Escada de Tiro ao norte (Ras en-Naqura / Roch
ha-Niqra, fronteira com o Líbano) e o Wadi el-Ariche a sul
Texto extraído do site: andora.indymedia.org: Palestina, um
genocídio vergonhozo de toda a humanidade, da Comissão Justiça
e Paz de Portugal, 2002
175
(fronteira com o Sinai, tradicionalmente egípcio). Com 27.000
km2, a Palestina é formada, de um modo geral, por uma
planície costeira, uma faixa de colinas e uma cadeia de baixas
montanhas, cuja vertente oriental é mais ou menos desértica.
A Palestina foi habitada desde os tempos pré-históricos mais
remotos. A sua história esteve geralmente ligada à história
da Fenícia, da Síria e da Transjordânia, limítrofes entre si.
Talvez por causa da sua situação geográfica – faz parte
do corredor entre a África e a Ásia, ao mesmo tempo em
que fica às portas da Europa – a Palestina nunca foi sede de
um poder que se estendesse para além das suas fronteiras.
Pelo contrário, esteve quase sempre submetida a poderes
estrangeiros, sediados na África, na Ásia ou na Europa.
Em regra geral, foi só sob as potências estrangeiras
que ela teve alguma unidade política. Para melhor
compreender a situação atual da Palestina, convém fazer
um esboço da sua história a partir do II milênio a.C. . Pelo
que sabemos, a região da Palestina esteve organizada em
cidades-Estado sob a hegemonia egípcia durante uma boa
parte do II milênio a.C. . Todavia, a situação mudou nos
últimos séculos desse milênio.
Chegaram então à Palestina sucessivas ondas de
imigrantes ou invasores vindos do norte e do noroeste, das
ilhas ou do outro lado do Mediterrâneo. Os historiadores
costumam designá-los com a expressão “Povos do Mar”.
Esses povos parecem ter-se fixado sobretudo ao longo da
costa. Os mais conhecidos entre eles são os filisteus, que
se fixaram sobretudo no sudoeste (costa oeste de Neguev e
Chefela). Aí fundaram vários pequenos reinos (Gaza, Asdod,
Ascalão, Gat e Ekron).
Ao lado dos reinos filisteus, constituíram-se primeiro o
reino de Israel no norte da Palestina e depois o reino de
176
Judá, menor, na zona de baixas montanhas do sul. Durante
a maior parte da sua existência, Israel teve como capital
Samaria. Hebron foi a primeira capital de Judá, mas depressa
cedeu o lugar a Jerusalém.
Entre os antigos povos da Palestina, os filisteus foram
talvez os que maior influência exerceram até aos últimos
séculos da era pré-cristã. Com efeito, não deve ter sido por
acaso que o seu nome foi dado a toda a região, a Palestina,
isto é, o país dos Philisteus. Com o sentido que se tornou
habitual, o nome já está documentado nas histórias de
Heródoto em meados do séc. V a.C. .
Apesar da sua importância na Antigüidade,
conhecemos muito pouco sobre os filisteus e a história de
seus reinos. A razão óbvia dessa ignorância é a inexistência
de uma biblioteca ou de bibliotecas filistéias comparáveis
ao Antigo Testamento. Praticamente tudo o que se sabe ou
se pensa saber sobre os filisteus se baseia nos escritos
bíblicos.
Por conseguinte, a posteridade só conhece os filisteus
na medida em que eles estão em relação com Israel, com
Judá, ou com os judeus. Além disso, são vistos através dos
olhos daqueles que foram os seus concorrentes e, não
raro, seus inimigos declarados. De fato, a posteridade, de
maneira geral, não se interessa pelos filisteus nem os estuda
por si mesmos, mas só por causa da sua relação com a
história bíblica. Tudo isso deformou a visão que se tem deles,
do lugar que ocuparam e do papel que desempenharam,
aparecendo os filisteus como um elemento marginal na
história da Palestina antiga.
Esse erro de perspectiva influencia, sem dúvida alguma,
a visão corrente que se tem da atual Palestina, da sua
composição étnica e da sua situação política. Isto porque,
177
os vários reinos palestinenses, filisteus e hebraicos,
coexistiram durante séculos. Ora guerrearam entre si, ora
se aliaram para sacudir o jugo de alguma grande potência
do momento.
A primeira vítima desse jogo foi Israel, conquistado e
anexado pela Assíria em 722 a.C. . Desde então até 1948
não houve nenhuma entidade política chamada Israel. Os
reinos filisteus e o reino de Judá continuaram a existir sob a
dependência da Assíria, a grande potência regional entre o
séc. IX e fins do séc. VII a.C., cujo território nacional se situava
no norte da Mesopotâmia, no atual Iraque.
No fim do séc. VII a.C., o Egito e a Babilônia, a outra
grande potência mesopotâmica, com sede no sul do Iraque
atual, disputaram os despojos do Império Assírio. Tendo a
Babilônia levado a melhor, a Palestina ficou-lhe submetida
durante cerca de oito décadas.
De um modo geral, as histórias, focadas como estão
em Judá, falam só da conquista desse reino por
Nabucodonosor, da deportação para a Babilônia de parte
da sua população, da destruição de várias das suas cidades,
nomeadamente de Jerusalém com o templo de Iavé (597 e
587 a.C.). Deve-se, no entanto, reparar que os reinos filisteus
de Ascalão e de Ekron, conquistados por Nabucodonosor,
respectivamente em 804 e em 803, tiveram um destino
semelhante.
Em 539 a.C., a Palestina passou, com o resto do império
babilônico, para as mãos dos persas. Sabe-se que estes
entregaram a administração do território de Judá, pelo menos
de parte dele, a membros da comunidade judaica da
Babilônia.
Em 331 a.C., a Palestina foi conquistada pelo
macedônio Alexandre Magno. Após sua morte, ficou primeiro
sob o domínio dos Lágidas ou Ptolomeus que tinham a capi178
tal em Alexandria, no Egito (320-220 a.C.); depois passou
para a posse dos Selêucidas sediados em Antioquia, na Síria
(220-142 a.C.).
Entre 142 e 63 a.C., os Asmoneus, uma dinastia judaica,
que tinha Jerusalém como capital, conseguiu não só libertarse do poder selêucida, mas até impor o seu domínio
praticamente em toda a Palestina, e também nos territórios
filisteus. Nessa altura, a grande maioria dos judeus já vivia
fora da Palestina, encontrando-se dispersos em todo o
Oriente Próximo. A dispersão deveu-se, sobretudo, à
emigração e, numa medida muito menor, às deportações de
597 a 587. Os principais centros judaicos fora da Palestina
eram então Alexandria e Babilônia.
Profundamente helenizados, os judeus de Alexandria
liam as suas escrituras em grego, e a eles deve-se a
coletânea de escritos que se tornou o Antigo Testamento
cristão.
Em 63 a.C., a Palestina passou a fazer parte do Império
Romano, dentro do qual não teve sempre o mesmo estatuto.
Por volta de meados do século I da era cristã, os judeus da
Palestina tentaram libertar-se do domínio romano. Houve,
primeiro, várias sublevações locais. Em 66 a revolta
generalizou-se. Em 70 os Romanos conquistaram Jerusalém
e destruíram o templo judaico. Os judeus da Palestina
voltaram a revoltar-se em 131. Após ter esmagado a revolta,
em 135, o imperador Adriano fez de Jerusalém uma colônia
romana – Colônia Aelia Capitolina – da qual os judeus
estiveram excluídos durante algum tempo.
Com a ruína do templo e o fim da autonomia judaica
na Palestina desapareceu a maioria dos grupos políticoreligiosos nos quais o Judaísmo, sobretudo o Judaísmo
palestinense, estava então dividido. Praticamente só ficaram
179
em campo dois grupos: o farisaísmo e o cristianismo, recémformado. Os dois grupos acabaram por separar-se e
evoluíram de maneira independente, em concorrência e, não
raro, em conflito. O farisaísmo deu origem ao Judaísmo
rabínico, isto é, o Judaísmo atual.
Graças à cristianização do império romano, a Palestina,
palco dos acontecimentos fundadores do Cristianismo,
adquiriu uma grande importância para o mundo cristão,
sobretudo para os cristãos que se encontravam dentro do
império romano. Por isso, durante o período bizantino (324638) a Palestina conheceu uma prosperidade e um
crescimento demográfico notáveis. Durante esse período a
esmagadora maioria da sua população tornou-se cristã.
Em 614 os Persas Sassânidas invadiram a Palestina,
onde causaram grandes estragos. Ocuparam-na até 628,
ano em que os bizantinos a reconquistaram, mas por pouco
tempo. Com efeito, dez anos mais tarde, em 638 toda a
Palestina passou para o domínio arábico-muçulmano. Este
exerceu-se através de uma sucessão de dinastias, de
origens, de etnias e com capitais diferentes.
A primeira dessas dinastias, a dos Omíades (660-750),
com a capital em Damasco, foi uma das que mais marcou a
Palestina, nomeadamente com a construção do Haram Achcharife (o Nobre Santuário / Esplanada das Mesquitas),
tornando Jerusalém a terceira cidade santa do Islã.
Seguiram-se os Abássidas (750-974) e os Fatimidas
(975-1071), tendo como suas capitais respectivamente
Bagdá e Cairo. Entre 1072 e 1092, a Palestina esteve sob o
domíno dos Turcos Seldjúcidas, que então tinham a sede
do governo em Bagdá.
Embora não tenha dado origem a uma imigração popular e, por conseguinte, não tenha mudado a composição
180
étnica e a demografia de maneira apreciável, o regime árabemuçulmano teve como conseqüência a arabização e a
islamização da Palestina.
A arabização, nomeadamente da população cristã de
língua aramaica, língua aparentada com o árabe, deu-se
muito depressa. Não se pode dizer o mesmo da islamização.
Apesar de o Islã se apresentar como o acabamento da
tradição bíblica, partilhada pelo Cristianismo, pelo Judaísmo
e pelo Samaritanismo, o processo de islamização da
população palestinense (cristã, judaica e samaritana) parece
ter sido muito lento.
Em 985, após três séculos e meio de regime islâmico,
o geógrafo árabe-muçulmano de Jerusalém, conhecido pelo
nome árabe de el-Maqdisi (“o jerosolimitano”), lamentavase de que os cristãos e os judeus eram maioria na sua cidade
natal.
Organizada com o intuito declarado de arrancar o
túmulo de Cristo das mãos dos “infiéis”, a primeira cruzada
terminou em 1099, com a conquista de Jerusalém e, no ano
seguinte, com a criação do Reino Latino de Jerusalém. Este
manteve-se até 1187, tendo sido então conquistado pelo
curdo Saladino, o fundador da dinastia ayúbida.
Aos Ayúbidas seguiram-se os Mamelucos, primeiro
turcos (1250-1382) e depois circassianos (1382-1516). Os
Ayúbidas e os Mamelucos tiveram a capital no Cairo.
Segundo a maioria dos especialistas da questão, foi durante
o período mameluco que teve lugar a grande leva da
islamização popular da Palestina. Desde então até à segunda
metade do século XX, os muçulmanos constituíram a
esmagadora maioria da população.
Do ponto de vista numérico, o segundo grupo era
constituído pelos cristãos, seguidos, de muito longe, pelos
181
grupos dos judeus e dos samaritanos. Em 1517 a Palestina
passou para o poder dos Turcos Otomanos, cuja capital era
Istambul.
A Escalada Sionista
O judaísmo conserva a esperança de que um dia todo
o povo judaico disperso “regressará” ao que chama “a Terra/
País de Israel”, onde se reunirá e viverá como nação,
observando rigorosa e integralmente a Lei divina. A nação
judaica será assim, “inteiramente liberta da servidão” das
outras nações. A “redenção de Israel” transbordará,
estendendo-se a todos os seres humanos e ao mundo inteiro.
Tudo isso será obra de Deus, não do povo.
Com efeito, a tradição religiosa vê na dispersão
(diáspora) ou no exílio (termo mais corrente, embora
historicamente inadequado) o castigo divino pelos pecados
do povo, ao qual por conseguinte, só o próprio Deus pode
pôr fim. Durante muitos séculos a utopia da “redenção de
Israel” não transbordou do âmbito religioso, que é a sua
matriz.
Esta situação deu origem a peregrinações e a
imigrações individuais ou de pequenos grupos, que não
modificaram o estatuto político da Palestina nem a sua
composição étnica, a qual, apesar das numerosas mudanças
políticas e religioso-culturais, parece ter permanecido
relativamente estável desde fins do II milênio a.C. até fins
do II milênio da era cristã.
A situação começou a mudar no século XIX. No
contexto do triunfo das ideologias nacionalistas e da idéia
182
do Estado nacional, surgiu entre os judeus laicos da Europa
central e oriental um movimento nacionalista secular, cujo
objetivo era a criação de um Estado dos judeus, sendo este
considerado como o único meio de assegurar a identidade e
a sobrevivência da nação judaica, assim como de lhe garantir
um lugar ao sol entre as demais nações.
Para os seus partidários, o dito Estado tomou de certo
modo, sob uma forma secularizada, o lugar que a utopia da
“redenção de Israel” ocupa na tradição religiosa.
Contrariamente à reunião de “Israel” na utopia religiosa, o
Estado projetado pelos nacionalistas judeus não tinha
necessariamente a Palestina por cenário. Com efeito, o seu
principal promotor, Teodoro Herzl (1860-1904), encarou a
possibilidade de o criar na Argentina. Falou-se também de
Chipre, da África oriental e do Congo.
Diga-se de passagem, que a liberdade na escolha do
futuro “território nacional”, de que deram mostras os
nacionalistas judaicos, explica-se pelo fato de se viver então
na Europa no apogeu do sonho colonialista. Consideravamse colonizáveis todos os territórios situados fora da Europa.
Colonizá-los era tido por uma obra benemérita, pois era
“civilizá-los”.
Os nacionalistas judaicos não tardaram a optar pela
Palestina. Essa escolha, embora não fosse necessária, era
muito natural e particularmente mobilizadora, por causa da
ligação do Judaísmo à Palestina e da atração que ela exerce
mesmo sobre muitos judeus que não são religiosos ou
originários desse país.
O nacionalismo judaico tomou, assim, o nome de
sionismo, palavra que deriva de Sião, um dos nomes de
Jerusalém na Bíblia. Repare-se também que a escolha da
Palestina se enquadrava nos projetos coloniais das potências
européias, sobretudo da Grã-Bretanha e da França, que
183
preparavam a partilha dos despojos do império otomano
decadente. Foi sem dúvida por isso que o projeto sionista
vingou.
Durante décadas o sionismo foi um movimento de
intelectuais askenazes laicos, sem base popular. Houve
componentes do Judaísmo, nomeadamente as grandes
comunidades sefarditas da África do norte, que estiveram
praticamente à margem desse movimento até à década de
1930, ou ainda mais tarde.
No entanto, o sionismo acabou por provocar profundas
divisões nos diferentes componentes do Judaísmo, religioso
e secular, askenaze, sefardita e pertencente a outros grupos.
Embora se tenham atenuado ou transformado, essas
divisões subsistem ainda hoje.
Para a maioria esmagadora dos rabinos da Europa
central e oriental que se encontraram confrontados com ele,
o projeto dos sionistas de criar o Estado dos judeus,
apoiando-se para isso nos seus próprios meios políticos,
diplomáticos e econômicos, era a negação da esperança na
“redenção de Israel” por iniciativa e obra exclusivas de
Deus. Por isso, condenaram o sionismo como uma
manifestação de orgulho, o pecado por excelência.
O partido Agudat Israel (União/Associação de Israel)
fundado em Kattowitz (Silésia, Polônia) em 1912, encarnou
essa posição. O dito partido propunha-se reunir todos os
judeus fiéis à Lei para se oporem ao nacionalismo sionista
considerado como uma ameaça mortal para o “autêntico
Judaísmo”. No entanto, na década de 1930, o Agudat Israel
mitigou, por pragmatismo, a sua oposição ao sionismo,
aceitando que a Palestina se tornasse o refúgio para os
judeus europeus perseguidos.
Em 1948 reconheceu de fato as instituições do Estado
de Israel. Participou em todas as eleições legislativas
184
israelitas e em vários governos. No entanto, algumas facções
minoritárias não aceitaram a mudança de orientação. Além
de persistirem na negação da legitimidade religiosa do Estado
de Israel e na recusa de qualquer colaboração com ele,
tornaram-se críticos acérrimos da sua política. Entre os
pequenos grupos representantes dessa tendência, o dos
Neturei Karta (Guardiães da Cidade) é atualmente o mais
conhecido.
Em contrapartida, uma minoria entre os judeus
religiosos da Europa central e oriental aceitou desde cedo
colaborar com os sionistas. Um dos primeiros expoentes
desta posição foi o rabino Isaac Jacob Reines (1839-1915),
nascido em Karolin, na Bielorússia. Na origem, essa posição
tinha por objetivo não deixar aos seculares o monopólio do
socorro prestado aos judeus pobres e perseguidos.
Encarnou-a o Mizrahi (Centro Espiritual) fundado em
Vilnius (Lituânia) em 1902.
Segundo essa corrente do Judaísmo religioso, nada
impede a colaboração com o sionismo, pois este não é
incompatível com a tradição. A razão que ela dá fundava-se,
paradoxalmente, no caráter inteiramente materialista e
político do sionismo. Dado o seu teor, o sionismo não podia
fazer concorrência à esperança messiânica, que se situava
num plano totalmente diferente.
Assim, a idéia da coexistência pacífica do Judaísmo
religioso e do sionismo depressa cedeu o lugar a uma
integração da ideologia sionista dentro do sistema religioso
tradicional. O autor dessa integração foi o rabino Abraão Isaac
Hacohen Kook (1865-1935) nascido em Griva na Letônia,
primeiro Rabino-Mor askenaze da Palestina (1921-1935).
Contrariamente aos seus homólogos do Agudat Israel, o
rabino Kook via no sionismo um instrumento de que Deus
185
se servira para dar início à “redenção de Israel”, e no Estado
dos judeus a aurora da redenção ou do reino de Deus.
Os principais herdeiros atuais desta concepção do
sionismo são o Partido Nacional Religioso e o Guch Emunim
(Bloco da Fé), que reúne os opositores mais irredutíveis à
devolução de qualquer parcela da Cisjordânia e da Faixa de
Gaza conquistadas por Israel em 1967, assim como os
colonizadores mais zelosos desses territórios.
O sionismo provocou também clivagens entre os judeus
secularizados. Uns abraçaram-no com mais ou menos
entusiasmo e agiram ou não em conformidade; outros
serviram-se dele para diferentes fins; outros olharam-no com
indiferença; e outros ainda, rejeitaram-no terminantemente,
por razões políticas, morais, culturais ou sociais.
Além dos anti-sionistas religiosos, os autênticos
adversários do sionismo são, ainda hoje, os judeus seculares,
o que é natural, na medida em que a questão diz diretamente
respeito a uns e a outros.
De qualquer modo, o sionismo tornou-se popular entre
os judeus, sobretudo entre os judeus seculares, da Europa
oriental e central, a partir de 1881, por causa dos numerosos
ataques e pilhagens (pogroms, em russo) de que aí foram
vítimas entre esse ano e 1921.
De fato, foi a Europa oriental que forneceu os
contingentes de emigrantes judeus que então foram instalarse na Palestina. As duas primeiras ondas da emigração
coincidiram, aliás, com as duas primeiras ocorrências de
pogroms, que tiveram lugar respectivamente nos períodos
de 1881-1884 e de 1903-1906.
A esmagadora maioria dos emigrantes era gente pobre
e perseguida. Dirigiam-na intelectuais das classes médias.
Estes fizeram financiar a operação por membros da
burguesia judaica ocidental, européia e norte-americana,
186
ansiosa por desviar da sua porta, uma imigração popular
judaica que iria contrariar os seus desígnios de “assimilação”
nos países respectivos.
A Primeira Guerra Mundial e a Palestina
A Primeira Guerra Mundial teve conseqüências
decisivas para a Palestina. As potências aliadas não
esperaram pelo fim da guerra para preparar o
desmantelamento e a liquidação do império turco, aliado da
Alemanha. Procurando aproveitar-se do nacionalismo árabe,
a Grã-Bretanha prometeu ao cherife Hussein de Meca o seu
apoio para a criação de um Estado árabe independente,
tendo por fronteira ocidental os Mares Vermelho e
Mediterrâneo, em troca da revolta árabe contra a Turquia.
De fato, a Palestina, que faz parte do território do
anunciado Estado árabe, era cobiçada ao mesmo tempo pela
Grã-Bretanha e pela França, mas as duas potências
admitiram o princípio da sua internacionalização nos acordos
secretos de Sykes-Picot, de 16 de maio de 1916. Esse fato
não impediu a Grã-Bretanha de prometer no ano seguinte,
na chamada Declaração Balfour, à Federação Sionista que
faria todo o possível para o estabelecimento de “um lar
nacional para o povo judaico” na Palestina.
Para os sionistas, o circunlóquio “um lar nacional para
o povo judaico” designava um Estado judaico ou um Estado
dos judeus. O movimento sionista evitava o termo “Estado”,
falando antes de “lar nacional” ou de “pátria”, para não
exacerbar a oposição turca ao projeto.
De fato, as forças britânicas, às quais se renderam as
forças turcas em Jerusalém, em 9 de dezembro de 1917,
187
terminaram a ocupação da Palestina em setembro de 1918.
A Palestina ficou então sob administração militar britânica, a
qual foi substituída por uma administração civil a 1 de julho
de 1920.
Entretanto, na Conferência da Paz reunida em Paris,
em janeiro de 1919, as Potências Aliadas decidiram que os
territórios da Síria, do Líbano, da Palestina - Transjordânia e
da Mesopotâmia não seriam devolvidos à Turquia, mas
passariam a formar entidades distintas, administradas
segundo o sistema dos mandatos.
Criado pelo artigo 22 do Pacto da Liga das Nações, a
28 de junho de 1919, o sistema dos mandatos destinava-se
a determinar o estatuto das colônias e dos territórios que se
encontravam sob o domínio das nações vencidas. O dito
documento declarava que “algumas comunidades outrora
pertencentes ao Império Turco atingiram um estado de
desenvolvimento” que permitiria reconhecê-las
provisoriamente como nações independentes. Em relação a
essas nações, o papel das potências mandatárias seria
ajudá-las a instalar a sua administração nacional
independente. O mesmo documento estipula ainda que os
desejos dessas nações deveriam ser uma consideração principal na escolha da potência mandatária.
Na conferência de San Remo, a 25 de abril de 1920, o
Conselho Supremo Aliado repartiu os mandatos para as
nações árabes entre a França (Líbano e Síria) e a GrãBretanha (Mesopotâmia, Palestina – Transjordânia). Já o
mandato para a Palestina, que incorporava a Declaração
Balfour sobre o estabelecimento do “lar nacional para o povo
judaico”, foi aprovado pelo Conselho da Liga das Nações, a
24 de julho de 1922, tornando-se efetivo a 29 de setembro
do mesmo ano. Ao abrigo do disposto no artigo 25 do
188
mandato para a Palestina, o Conselho da Liga das Nações
decidiu, a 16 de setembro de 1922, excluir a Transjordânia
de todas as cláusulas relativas ao lar nacional judaico, e dotála com uma administração própria.
De fato, o território que os sionistas pretendiam, para
nele estabelecer o seu Estado, era bem mais vasto do que a
Palestina. Abarcava também toda a parte oeste da
Transjordânia, o planalto do Golã e a parte do Líbano ao sul
de Sidão.
Como previsto, todas essas nações se tornaram
efetivamente independentes no curso das três décadas
seguintes: O Iraque (Mesopotâmia), a 3 de outubro de 1932;
o Líbano, a 22 de novembro de 1943; a Síria, a 1º de janeiro
de 1944; e, finalmente, a Transjordânia, a 22 de março de
1946. A única exceção foi a Palestina.
O obstáculo que fez descarrilar o processo da
independência da Palestina foi a adoção, pela Liga das
Nações, seguindo as pegadas da Grã-Bretanha, do projeto
sionista da criação do “lar nacional para o povo judaico” nesse
país. A Organização Sionista Mundial tinha, entretanto,
amadurecido esse projeto e tinha-lhe granjeado apoios muito
sólidos, vindos principalmente da Grã-Bretanha. Esta
expressou o seu patrocínio ao projeto sionista na já referida
Declaração Balfour. Tratava-se de uma carta que A. J.
Balfour, Ministro dos Negócios Estrangeiros, escreveu, a 2
de Novembro de 1917, ao Lorde L. W. Rothschild,
representante dos judeus britânicos, e, por seu intermédio,
à Federação Sionista. Numa altura em que a Palestina ainda
era oficialmente território turco, o Governo de Sua Majestade
Britânica declarava à Federação Sionista ver com bons olhos
o estabelecimento de “um lar nacional para o povo judaico”
nesse país e comprometia-se a fazer todo o possível para
189
facilitar a realização desse projeto. A carta acrescentava uma
ressalva, segundo a qual “nada deveria ser feito que
prejudicasse os direitos cívicos e religiosos das comunidades
não-judias que existiam na Palestina”. As ditas “comunidades
não-judias” constituíam, então, um pouco mais de 90 % da
população. De fato, em 1918, a Palestina tinha 700.000
habitantes: 644.000 árabes (574.000 muçulmanos e 70.000
cristãos) e 56.000 judeus.
A Declaração Balfour era originalmente um
compromisso que a Grã-Bretanha assumia, por razões que
lhe eram próprias, para com a Federação Sionista.
Entretanto, ela recebeu o aval das principais potências
aliadas e foi incorporada ao mandato para a Palestina,
aprovado pela Liga das Nações, a 24 de Julho de 1922.
Com efeito, dos vinte e oito artigos do texto do mandato,
seis têm por objeto o estabelecimento do lar nacional judaico
ou de medidas com ele relacionadas. Outros cinco artigos
tratam de medidas destinadas a realizar esse programa.
Essas medidas dizem respeito: ao papel de conselheira
de uma “Agência Judaica apropriada” nos diferentes
domínios de governo; às facilidades que devem ser
concedidas aos judeus nas questões relativas à imigração,
assim como no que respeita à sua instalação no país, inclusive nas terras do Estado ou nos baldios; às facilidades que
devem ser concedidas aos judeus na obtenção da
nacionalidade; à concessão de obras e serviços públicos à
Agência Judaica; e à imposição do hebraico como língua
oficial ao lado do inglês e do árabe, embora os judeus fossem
então só um pouco mais de 11 % da população.
A Palestina tinha nessa altura 757.182 habitantes, dos
quais 83.794 eram judeus. Sem excluir formalmente o
objetivo normal do tipo de mandato aplicado aos países
árabes do império otomano, que era levar à plena
190
independência a população que então os habitava, o
mandato para a Palestina tinha outro objetivo, que lhe era
próprio, isto é, promover a criação de um lar nacional judaico
– subentendendo-se a criação de um Estado judaico – com
gente que, na sua maioria esmagadora, estava ainda
espalhada pelo mundo e, por conseguinte, deveria ser trazida
de fora.
O seu documento fundante não deixa dúvidas de que
o objetivo prioritário do mandato para a Palestina – para não
dizer o seu verdadeiro objetivo – era criar o lar nacional
judaico. É verdade que o documento também mencionava
as comunidades não-judaicas então existentes na Palestina
e os seus direitos cívicos e religiosos – não referindo-se aos
seus direitos políticos – mas as suas menções vinham
em segundo lugar e se expressavam sob a forma de
ressalvas feitas às medidas destinadas a implementar o
projeto sionista.
Graças ao mandato para a Palestina, o patrocínio do
projeto sionista, que era um elemento da política britânica,
tornou-se política oficial da Liga das Nações. Esta não só
deu ao projeto sionista a caução internacional, mas forneceulhe também os meios para a sua realização. A Grã-Bretanha,
a quem o Conselho Supremo Aliado (isto é, os vencedores
da guerra) confiara o mandato da Palestina, era sem dúvida
alguma, a potência mais indicada para implantar a política
da Liga das Nações em relação a esse país.
De fato, a administração britânica procurou cumprir
fielmente enquanto pôde a missão que lhe fora confiada.
Por seu lado, as organizações sionistas aproveitaram as infra-estruturas administrativas e econômicas que o mandato
pôs à sua disposição, para acelerar a realização do projeto
de criação do Estado judaico na Palestina. Para isso
191
intensificaram a imigração dos judeus da Europa oriental e
central, em três levas principais: em 1919-1923, 1924-1928
e 1932-1940.
Em 1931, os judeus eram 174.610 de um total de
1.035.821 habitantes da Palestina. Em 1939, já eram mais
de 445.000 e em 1946 atingiram o número de 808.230 de
um total de habitantes da Palestina respectivamente de
1.500.000 e de 1.972.560.
Por outro lado, o Fundo Nacional Judaico, isto é, o fundo
da Organização Sionista Mundial para a compra e o
desenvolvimento da terra, intensificou a aquisição de terras.
Estas tornavam-se “propriedade eterna do povo judaico”,
inalienável, só podendo ser arrendada a judeus. No caso
das explorações agrícolas, até a mão-de-obra devia ser
exclusivamente judaica. Por fim, os sionistas criaram, em
pouco tempo, as principais estruturas do futuro Estado,
especialmente um exército clandestino (a Haganá).
A maneira como os vencedores da Primeira Guerra
Mundial decidiram o destino da Palestina, servindo-se para
isso da Liga das Nações, é quase uma caricatura da
duplicidade e da prepotência que não raro caracterizam as
relações internacionais. De fato, há especialistas do Direito
Internacional que questionam a legalidade das decisões da
Liga das Nações em relação à Palestina, em nome das regras
que ela própria fixara.
Assim, apesar de ter classificado a Palestina num grupo
de nações às quais reconhecia imediatamente a
independência formal e prometia a independência efetiva a
curto prazo, a Liga das Nações impôs-lhe um mandato cujo
objetivo prioritário não era a instalação da administração
palestina nacional, como previa o documento que instituiu o
sistema dos mandatos, mas sim, a criação do “lar nacional
judaico”, com gente que ainda estava espalhada pelo mundo.
192
Ora, este objetivo não só contrariava o processo de
transição para a independência política efetiva da Palestina,
mas era incompatível com o próprio princípio da sua
independência com a população que ela então tinha,
princípio esse que a Liga das Nações admitira previamente.
Por outro lado, tendo nomeado a Grã-Bretanha para potência
mandatária sem ter consultado os palestinos, o Supremo
Conselho Aliado não respeitou a regra fixada pelo Pacto da
Liga das Nações, segundo a qual os desejos das
comunidades submetidas a esse tipo de mandato deviam
ser uma consideração principal na escolha da potência
mandatária.
Mandato Britânico (1922-1948)
Os palestinos viram no patrocínio que deram, primeiro
a Grã-Bretanha e depois a Liga das Nações, ao projeto
sionista de criação do lar nacional judaico na Palestina, a
negação do seu direito à independência. Ora, tanto a GrãBretanha como a Liga das Nações, explícita ou
implicitamente, não só lhes tinham reconhecido esse direito,
como também lhes tinham prometido o seu gozo pleno a
curto prazo. Por isso, além do mais, os palestinos sentiramse fraudados. Naturalmente, opuseram-se ao projeto da
criação do lar nacional judaico na Palestina desde o primeiro
instante – logo que tiveram conhecimento da Declaração
Balfour – e tentaram, por todos os meios, impedir a sua
realização, pois temiam que dela resultasse a sua submissão,
não só política mas também econômica, aos sionistas,
passando assim do domínio turco para o domínio judaico,
com um intervalo britânico.
193
Apresentaram protestos contra a Declaração Balfour à
Conferência de Paz de Paris e ao governo Britânico. A
primeira manifestação popular contra o projeto sionista teve
lugar a 2 de novembro de 1918, primeiro aniversário da
Declaração Balfour. Essa manifestação foi pacífica, mas a
resistência depressa se tornou violenta, expressando-se em
ataques contra os judeus que degeneravam em confrontos
sangrentos. Houve motins em 1920, durante a Conferência
de San Remo, que distribuiu os mandatos, em 1921, 1929 e
1933.
De um modo geral, as erupções de violência eram cada
vez mais graves à medida que o mandato se prolongava e a
colonização sionista se estendia e fortalecia. Os
acontecimentos desenrolavam-se segundo uma seqüência
que se tornou habitual. A potência mandatária respondia aos
motins, nomeando uma comissão real de inquérito, cujas
recomendações reconheciam a legitimidade das
reivindicações palestinas e levavam a anunciar ou a esboçar
tímidas medidas tendentes a satisfaze-las. Mas, dado que
contrariavam o objetivo primordial do mandato, essas
medidas ficavam letra morta ou eram depressa esquecidas.
E o ciclo recomeçava.
A resistência palestina culminou na revolta de 19361939. Em Abril de 1936, distúrbios locais entre árabes e
judeus degeneraram numa revolta generalizada dos
palestinos. A revolta já não visava só a colonização sionista.
Dirigia-se, sobretudo, às autoridades britânicas e ao poder
estrangeiro, de quem os palestinos exigiam a constituição
de um governo nacional. A isso, as autoridades britânicas
responderam com uma repressão violenta e os sionistas com
represálias.
Os palestinos começaram uma greve geral a 8 de maio
de 1936, coordenada pelo Alto Comitê Árabe, que era
194
composto por representantes dos principais partidos.
Terminaram-na em outubro do mesmo ano como resposta
ao anúncio de mais uma Comissão Real de Inquérito. A
trégua foi por pouco tempo e a revolta não tardou a
recomeçar.
Tendo chegado à conclusão de que os palestinos não
renunciariam à independência, os britânicos encararam, em
1937, a hipótese de dividir a Palestina em dois Estados, um
árabe e o outro judaico. Essa solução não satisfazia nenhuma
das partes. Os palestinos não renunciavam a uma parte do
seu território. Os sionistas, que viam com razão nesse plano
um desvio da política oficial, não só britânica mas também
internacional, ainda não aceitavam a idéia de criar o Estado
judaico só numa parte da Palestina, o que aparentemente
significaria renunciar à reivindicação da totalidade do país.
A revolta palestina continuou e durou até 1939.
Considerando inviável o plano de divisão da Palestina, os
britânicos voltaram atrás e propuseram no “Livro Branco” de
1939 a criação de um só Estado para árabes e judeus, no
prazo de dez anos. O mesmo documento propunha o fim da
imigração judaica dentro de cinco anos e limitava a 75.000 o
número de imigrantes durante esse prazo de tempo. Além
disso, previa uma regulamentação estrita da compra de terras
pelas organizações judaicas.
Esse conjunto de medidas implicava que os árabes
constituiriam um pouco mais de dois terços dos cidadãos do
Estado da Palestina. O peso dos dois povos na administração
do Estado seria proporcional à sua importância numérica.
As autoridades mandatárias tentaram executar as
recomendações do “Livro Branco” de 1939, mas sem
verdadeiro êxito.
Como quer que seja, o “Livro Branco” de 1939 confirmou
a virada na política britânica já esboçada dois anos antes.
195
Ao abandonar a idéia da criação de um Estado judaico, as
autoridades mandatárias romperam com a política seguida
até então. Isso representava um sério revés para os sionistas.
Estes tiveram que adotar uma nova estratégia, a qual
comportava três elementos principais. Promoveram a
imigração ilegal, tarefa essa facilitada pelo genocídio judaico
que a Alemanha nazista estava então a perpetrar na Europa
central e oriental. Nessas circunstâncias a Palestina aparecia
como o lugar de refúgio para os judeus europeus, sobretudo
do centro e do leste. Além disso, os sionistas procuraram
obter o apoio dos Estados Unidos para substituir o apoio
britânico. Alguns grupos armados lançaram-se numa
campanha de guerrilha contra as autoridades britânicas e
os árabes.
Nessa altura, o Haganá não era o único grupo armado
judaico. Havia também o Irgun e o Stern, que se destacaram
na guerrilha pela sua violência. Entre as numerosas ações
realizadas pelo Irgun contra as autoridades britânicas, a mais
conhecida se refere ao atentado contra o Hotel King David
em Jerusalém, onde estava instalada a administração
governamental. A explosão de uma ala do edifício, no dia 22
de julho de 1946, custou a vida a 91 pessoas, das quais 86
funcionários (britânicos, árabes e judeus).
Declarando-o inviável por ter duas missões
inconciliáveis, a Grã-Bretanha renunciou ao mandato e
remeteu a questão da Palestina para a sucessora da Liga
das Nações, a Organização das Nações Unidas (ONU), em
fevereiro de 1947. A 29 de novembro de 1947 a assembléia
Geral da ONU, retomando uma idéia que já tinha sido
proposta dez anos antes, aprovou a resolução 181 que
recomendava a divisão da Palestina em dois Estados, um
judaico e o outro árabe. Os dois Estados estariam unidos do
196
ponto de vista econômico. Jerusalém (incluindo Belém) não
pertenceria a nenhum dos Estados, mas formaria um “corpus separatum” sob a jurisdição da ONU. Passados dez anos
haveria um referendo entre os habitantes da cidade sobre o
seu regime. O plano deveria entrar em vigor dois meses
depois do fim do mandato que a Grã-Bretanha havia fixado
para o dia 15 de maio de 1948.
A Criação do Estado de Israel e Suas
Conseqüências Para o Povo Palestino
Como já o tinham feito em 1937 e pelas mesmas razões,
os palestinos opuseram uma recusa formal ao plano de
divisão. De fato, a ONU mostrou-se incapaz de o aplicar.
Não se tendo previsto nada para substituir as forças
britânicas, a sua retirada deixou os árabes e os judeus frente
a frente. Os judeus asseguraram as posições dentro dos
territórios que o plano da ONU lhes concedia e procuraram
ocupar outros.
A 14 de maio de 1948, véspera do fim do mandato e da
retirada das últimas forças britânicas, os judeus proclamaram
o Estado de Israel. A partir do dia 15 a guerra alargou-se
com a entrada na Palestina de uma coligação de forças
regulares transjordanianas, egípcias e sírias, ajudadas por
contingentes libaneses e iraquianos. Israel tinha já em 1948
uma enorme vantagem sobre a coligação árabe. O seu
exército era mais numeroso, estava melhor treinado e melhor
equipado. Além disso, Israel tinha o apoio das grandes
potências e a simpatia da opinião pública ocidental.
Os combates cessaram praticamente no dia 7 de janeiro
de 1949, graças à intervenção da ONU. Entre 23 de fevereiro
197
e 20 de julho desse mesmo ano, os países árabes implicados
na guerra, exceto o Iraque, assinaram armistícios com Israel. Em 14 de novembro de 1948, Calouste Gulbenkian,
exigiu dos chairmans das grandes companhias do petróleo
— “convidados” a seu apartamento no Hotel Avis, em Lisboa
— a inclusão de um item de última hora nos acordos com
alguns governos e banqueiros.
Os territórios ocupados por Israel no fim da guerra
constituíam cerca de 78% da Palestina. Tornaram-se, de fato,
o território do Estado de Israel. Ficaram fora dele a cadeia
de baixas montanhas do centro e do sul da Palestina, a
chamada Cisjordânia, assim como a Faixa de Gaza.
Jerusalém ficou dividida: a parte oeste da cidade extra-muros
ficou do lado de Israel; a cidade antiga e o bairro extramuros
ao norte, ficaram do lado árabe.
Israel declarou Jerusalém sua capital, decisão essa
ignorada pela comunidade internacional, pois ia contra a
resolução 181 da Assembléia Geral da ONU de 1947, que
recomendava a internacionalização da cidade. No dia 11 de
maio de 1949, o Estado de Israel foi admitido na ONU. A 24
de abril de 1950, a Cisjordânia, com a parte de Jerusalém
sob domínio árabe, foi anexada à Transjordânia, que passou
a chamar-se Reino Hachemita da Jordânia. A Faixa de Gaza
ficou sob administração militar egípcia.
Entre setecentos a novecentos mil palestinos do que
se tornou o território de Israel, isto é, a esmagadora maioria
da sua população autóctone, encontraram-se na situação
de refugiados. Muitos fugiram de suas casas, aterrorizados
com a aproximação das forças judaicas. O pânico que se
abateu sobre a população palestina foi criado, em boa parte,
pelos massacres cometidos pelas forças judaicas em vários
pontos do país. O mais conhecido foi o de Der Yassin, que
era então uma aldeia na vizinhança de Jerusalém. As suas
198
terras estão hoje ocupadas por Giveat Chaul, um bairro da
cidade. A 9 de abril de 1948, um comando do Irgun e do
Stern entrou em Der Yassin e massacrou mais de cem
pessoas, entre homens, mulheres e crianças. A notícia desse
massacre provocou a fuga de cerca de 100.000 pessoas da
região de Jerusalém.
Outros palestinos foram expulsos à força. Entre os
vários casos conhecidos, os de maiores proporções tiveram
lugar em Lida (a atual cidade de Lod) e Ramlé. Uma
escaramuça com tropas árabes, ocorrida no dia 12 de julho
de 1948, serviu de pretexto ao exército de Israel para uma
violenta repressão que custou a vida de 250 pessoas,
algumas das quais eram prisioneiros desarmados, assim
como para a expulsão de cerca de 70.000 pessoas, algumas
das quais já eram refugiadas. A ordem de expulsão foi dada
pelo próprio Primeiro-Ministro, David ben Gurion. Os seus
executores foram Igal Alon e Isaac Rabin.
A Galiléia foi a região do território de Israel onde ficaram
mais palestinos. As zonas de maior densidade populacional
palestina ficaram sob administração militar até 8 de dezembro
de 1966. A 11 de dezembro de 1948, a ONU aprovou a
resolução 194 que reconhecia aos refugiados palestinos o
direito de regressarem aos seus lares ou de serem
indenizados, se assim o preferirem. Apesar de o preâmbulo
da resolução que o admitiu na ONU mencionar explicitamente
a aplicação desta resolução, Israel recusou-se e continua a
recusar-se a aplicá-la.
Apressando-se a arrasar as aldeias palestinas que
tinham sido esvaziadas dos seus habitantes (cerca de 500
localidades) e distribuindo as suas terras aos imigrantes
judeus, Israel tornou impossível o regresso de uma boa parte
dos refugiados aos seus lares. A esmagadora maioria dos
199
refugiados amontoou-se em acampamentos na Faixa de
Gaza, na Cisjordânia, na Jordânia, na Síria e no Líbano.
No dia 1º de Maio de 1950 a ONU criou a UNRWA, a
agência internacional que se ocupa deles. Desde a criação
do Estado de Israel, o conflito que o opõe aos palestinos
tem sido o epicentro de um conflito entre Israel e o conjunto
dos países árabes, com fortes repercussões mundiais. Esse
conflito foi, em particular, a causa, ou pelo menos a ocasião,
da emigração da maioria esmagadora dos judeus dos países
árabes para a Palestina/Israel a partir dos últimos anos da
década de 1940. As circunstâncias variaram ligeiramente
segundo os países. De um modo geral, pode dizer-se que
uns emigraram por causa da hostilidade de que o conflito os
tornou, alvos nos seus respectivos países, enquanto outros
foram “puxados” ou “empurrados” por Israel, desejoso de
multiplicar o mais rapidamente possível a sua população
judaica por razões nacionalistas, militares e econômicas,
repovoando assim o território que havia sido praticamente
esvaziado da sua população palestina.
De fato, os “judeus orientais” depressa se tornaram
maioria em Israel, mas o aparelho de Estado e o poder
econômico ficaram bem firmes nas mãos dos askenazes. A
importância numérica entre os dois grupos mudou,
entretanto, a favor dos askenazes com os numerosos
imigrantes vindos, nas últimas décadas, das repúblicas
soviéticas, antes e depois da dissolução da União Soviética.
200
A Crescente Mancha da Invasão Judia
Sobre a Palestina
Desde o fim da Guerra de Suez, em 1956, forças
internacionais separavam os exércitos de Israel e do Egito,
garantindo a liberdade de navegação no Golfo de ‘Akaba. A
19 de maio de 1967, o Secretário-Geral da ONU decidiu
retirá-las, a pedido do Presidente do Egito Gamal Abdel
Nasser. No dia 22 de maio, Nasser fechou o Golfo de Akabá
aos barcos israelitas.
Israel respondeu no dia 5 de junho com uma guerrarelâmpago durante a qual ocupou toda a Península do Sinai
(egípcia), a Faixa de Gaza (sob administração militar egípcia),
a Cisjordânia, juntamente com Jerusalém Oriental (anexadas
pela Jordânia em 1950) e o Planalto do Golã (sírio), anexando
a parte de Jerusalém recém-ocupada.
A chamada “Guerra dos Seis Dias” fez mais refugiados
palestinos, da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, alguns dos
quais o eram pela segunda vez. Calcula-se que o seu número
foi superior a 50.000. A maioria foi para a Jordânia. O restante
foi para o Egito, a Síria e outros países.
No dia 22 de novembro de 1967, o Conselho de
Segurança da ONU aprovou a resolução 242, o qual se
propunha a formular os termos para uma paz justa e
duradoura no Oriente Médio, baseando-se no respeito pelos
princípios existentes na Carta da ONU e na inadmissibilidade
da aquisição de territórios pela via da guerra. Assim, essa
resolução ordenava a retirada das forças armadas israelitas
dos territórios ocupados no recente conflito, em troca do
201
reconhecimento pelos Estados árabes do Estado de Israel
dentro das linhas do armistício de 1949. Além disso, a
resolução ressaltava a necessidade de se garantir a liberdade
de navegação através das águas internacionais da área e
de dar uma solução justa ao problema dos refugiados.
Longe de se retirar dos territórios recentemente
ocupados, como exigia a resolução 242 do Conselho de
Segurança da ONU, Israel começou logo a colonizá-los com
cidadãos seus.
Tentativas Fracassadas de Paz
A história do conflito israelo-palestino desde 1967 é um
rosário de planos de paz abortados, de esperanças frustradas
e, como nos períodos anteriores, de violência, sangue,
destruição e lágrimas. Referiremos só, rapidamente, os fatos,
os acontecimentos e as datas que nos parecem mais
marcantes e susceptíveis de ajudar a compreender a situação
atual. Começaremos por assinalar uma mudança nos papéis
desempenhados pelos intervenientes no conflito. A anexação
da Cisjordânia pela Jordânia em 1950 e a passagem da Faixa
de Gaza para a tutela do Egito, levaram a uma espécie de
eclipse do povo palestino. A situação mudou a partir de 1967.
O povo palestino voltou a tomar em mãos o seu destino.
Por mais que se tenha esforçado por negar a sua existência,
Israel teve finalmente que reconhecer o povo palestino não
só como povo, mas também como “interlocutor/inimigo”
inevitável.
Encarnou as aspirações nacionais palestinas a
Organização de Libertação da Palestina (OLP), uma coliga202
ção de partidos ou grupos que havia sido criada em
Jerusalém, em 1964. Tal como foi formulada em 1968, a Carta
da OLP, na linha do que sempre fora a política palestina,
propunha-se como objetivo a criação do Estado da Palestina
em todo o território nacional. Isso implicava o desaparecimento do Estado de Israel. A carta da OLP considerava
os judeus que viviam na Palestina antes da “invasão sionista”
como palestinos com plenos direitos à cidadania, como os
demais habitantes muçulmanos, cristãos e de outras religiões
ou etnias.
A chefia da OLP esteve na Jordânia até 1971. Derrotada
no conflito armado que a opôs ao governo Jordaniano
(fevereiro e setembro de 1970), a OLP foi expulsa desse
país em 1971, instalando-se então no Líbano. Na seqüência
desses acontecimentos, alguns grupos palestinos, que se
apelidaram “Setembro Negro”, lançaram-se numa campanha
de guerrilha internacional, cujas ações mais espetaculares
foram os numerosos desvios de aviões comerciais e o
atentado contra os atletas israelitas que participavam nos
Jogos Olímpicos de Munique em setembro de 1972.
No dia 6 de outubro de 1973, o Egito e a Síria tentaram,
em vão, reconquistar militarmente cada qual os territórios
conquistados por Israel em 1967. No dia 22 do mesmo
mês, o Conselho de Segurança da ONU aprovou a resolução
338 que reafirmava a validade da resolução 242 e apelava
para um cessar-fogo e para negociações com vistas a
“instaurar uma paz justa e duradoura no Oriente Médio”. Os
combates cessaram três dias mais tarde. No mês seguinte,
a Liga Árabe, reunida na Cimeira de Argel (26 a 28 de
novembro de 1973) declarou a OLP único representante do
povo palestino.
Desde 1970 a assembléia geral da ONU afirmava
regularmente o direito do povo palestino à auto203
determinação. No dia 13 de novembro de 1974, Yasser Arafat
fez um discurso na assembléia geral da ONU e esta
reconheceu aos palestinos o direito à independência e
concedeu à OLP o estatuto de observador. A idéia da criação
do Estado da Palestina só em parte do território nacional, já
abordada em junho de 1974, foi aceita no 13º Conselho
Nacional Palestino, de 12 a 20 de março de 1977.
No dia 17 de setembro de 1978, foram assinados os
acordos de Camp David entre o Egito, Israel e os Estados
Unidos. Israel devolveu o Sinai ao Egito. Paralelamente à
retirada do Sinai, que terminou a 25 de abril de 1982, Israel
intensificou a colonização da Cisjordânia e do Golã. Em
conformidade com os acordos de Camp David, o Egito e
Israel começaram, a 25 de maio de 1979, negociações sobre
um estatuto de autonomia para os palestinos da Cisjordânia
e de Gaza, não escondendo Israel a intenção de anexar
esses territórios no termo dos cinco anos previstos para a
autonomia.
No dia 6 de junho de 1982, Israel invadiu o Líbano com
a intenção declarada de expulsar de lá a OLP. Nos termos
de um cessar-fogo negociado sob a égide dos Estados
Unidos, as forças da OLP foram evacuadas do Líbano entre
10 e 13 de setembro desse ano, mudando-se a sua chefia
para Tunísia. Foi então que se deram os massacres de Sabra
e de Chatila. Entre os dias 15 e 16, o exército de Israel ocupou
a parte ocidental de Beirute.
No dia 16, forças libanesas (milícias cristãs aliadas de
Israel - embora se utilizem da palavra “cristã”, essas
organizações israelitas chamadas de “milícias cristãs”, não
têm o aval, nem a mais remota participação da Igreja Católica
ou das outras Igrejas Cristãs) entraram nos campos de
refugiados palestinos de Sabra e de Chatila e mataram
204
homens, mulheres e crianças. Os soldados israelitas que
cercavam os campos assistiram aos massacres sem intervir.
Segundo a comissão de inquérito oficial israelita houve 800
mortos; segundo a OLP, teria havido 1500. A dita comissão
israelita concluiu que Ariel Sharon, então Ministro da Defesa,
foi indiretamente responsável pelo massacre.
No dia 9 de dezembro de 1987 rebentou a primeira
Intifada (insurreição) em Gaza e na Cisjordânia contra a
ocupação. No dia 31 de julho de 1988, o rei Hussein da
Jordânia anunciou oficialmente que rompia “os vínculos
legais e administrativos” do seu país com a Cisjordânia,
renunciando à pretensão de soberania sobre esse território
que havia sido anexado pelo seu avô em 1950. No 19º
Conselho Nacional Palestino, reunido em Argel, a OLP
proclamava o Estado da Palestina no dia 15 de novembro
de 1988, aceitando as resoluções do Conselho de Segurança
da ONU 181, 242 e 338 e reafirmando a condenação do
terrorismo.
Na seqüência da chamada “Guerra do Golfo”, houve a
Conferência Internacional de Madrid (inaugurada no dia 30
de outubro de 1991) e as primeiras negociações bilaterais
entre Israel e três dos seus vizinhos árabes (Jordânia, Síria
e Líbano). Os palestinos ainda não tiveram a sua delegação
própria. Fizeram parte da delegação jordaniana.
Negociações secretas entre israelitas e palestinos tidas
em Oslo, no inverno de 1992-1993, levaram finalmente ao
reconhecimento entre Israel e a OLP, em 9 de setembro de
1993. Em 13 do mesmo mês Yasser Arafat e Isaac Rabin
assinaram em Washington a “Declaração de Princípios sobre
as Disposições Interinas de Auto-Governo”. A dita declaração
determinava a entrega de parte da Cisjordânia e da Faixa
de Gaza aos palestinos, entrega essa concebida como a
205
primeira etapa de um processo que deveria desembocar, no
prazo de cinco anos, na solução do conflito que opunha os
palestinos e os sionistas/israelitas desde há quase um século.
De fato, Yasser Arafat entrou em Gaza no dia 1º de
julho de 1994 e o exército de Israel terminou a retirada das
cidades palestinas, exceto de Hebron, em dezembro de
1995. Os palestinos viram nesse fato o começo da
realização do sonho de um Estado independente, embora
só em cerca de um quinto da sua pátria e dividido em duas
partes (Cisjordânia e Faixa de Gaza) separadas pelo território
de Israel. Incluindo Jerusalém Oriental, a Cisjordânia tem
uns 5.850 km2 enquanto a Faixa de Gaza tem uns 365 km2.
Novos Acordos Não Cumpridos
No dia 23 de outubro de 1998, Israel e a Autoridade
Palestina assinaram o memorando de Wye River que previa
a entrega à Autoridade Palestina de mais 13% do território
da Cisjordânia no prazo de três meses. Mas passados menos
de dois meses, a 18 de dezembro, Israel suspendeu a sua
aplicação. Em 4 de maio de 1999 terminou o período da
autonomia palestina previsto na “Declaração de Princípios”.
Sob a instigação do presidente dos Estados Unidos, Bill
Clinton, Yasser Arafat e Ehud Barak assinaram, no dia 4 de
setembro do mesmo ano, o memorando de Charm echCheikh, que redefinia o calendário para a aplicação do
memorando de Wye River e, além disso, estipulava a
abertura de dois corredores seguros entre a Cisjordânia e a
Faixa de Gaza, a libertação de mais um grupo de prisioneiros
palestinos e o começo das negociações sobre todas as
questões ainda em suspenso.
206
Tudo isso ficou letra morta. Bill Clinton convocou de
novo Yasser Arafat e Ehud Barak com os quais se reuniu em
Camp David de 11 a 24 de julho. As negociações avançaram,
mas não se chegou a um acordo. Seguiram-se ainda outras
tentativas de negociações instigadas igualmente por Bill
Clinton, prestes a terminar o seu mandato. A última dessas
tentativas teve lugar em Taba (Egito) de 21 a 27 de janeiro
de 2001, dias antes de os israelitas escolherem Ariel Sharon
para seu primeiro-ministro em vez de Ehud Barak.
Todavia, os acordos de Oslo não criaram a dinâmica
de paz que deles se esperava. Praticamente não se foi além
da aplicação daquilo que seria só a sua primeira fase. É
verdade que Israel se retirou das oito zonas urbanas da
Cisjordânia e de cerca de 80% da Faixa de Gaza, deixando
assim a maioria esmagadora dos palestinos sob a jurisdição
exclusiva da Autoridade Palestina. Repare-se, no entanto,
que as oito zonas urbanas da Cisjordânia são ilhas num mar
israelita. Não havendo contigüidade territorial entre elas,
estão isoladas umas das outras. Em condições “normais”,
essa situação obstrui seriamente a circulação de pessoas e
de bens e, por conseguinte, todas as atividades,
especialmente a econômica, dos palestinos. Em situações
de “crise”, ela permite ao exército israelita reocupar em
poucos minutos, e com poucos meios as cidades palestinas
ou sitiá-las, encarcerando nelas os seus habitantes.
Pelo contrário, os colonos israelitas continuaram a
evoluir à vontade num espaço aberto, dispondo para isso
de uma moderna rede rodoviária própria, que não só lhes
permite circular na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, mas
também os liga ao território de Israel. Longe de parar a
colonização, como deveria ter acontecido em conformidade
com o espírito do “Processo de Oslo”, sobretudo da
207
Cisjordânia, intensificou-se. Cresceram os vários
assentamentos de colonos já existentes e criaram-se outros
novos. Para esse efeito, confiscaram-se mais terras.
Isto e o não-cumprimento por parte de Israel de outros
acordos, levaram os palestinos a perder a confiança no
“Processo de Oslo”. A frustração, à altura da imensa
esperança que o dito processo havia suscitado, levou os
palestinos à beira da explosão. A visita de Ariel Sharon, então
chefe da oposição israelita, à Esplanada das Mesquitas em
Jerusalém, no dia 28 de setembro de 2000, serviu de rastilho.
O horror do que desde então se passa na Palestina tem
ecoado ruidosamente em todo o mundo dia após dial.
Conclusões e Reflexões
A título de reflexão, começaremos por um apanhado
dos pontos de divergência fundamentais que existem
atualmente entre a Autoridade Palestina e Israel. Em primeiro
lugar, a questão dos refugiados: Israel recusa-se a aplicar a
resolução 194, aprovada pela assembléia geral da ONU a
11 de dezembro de 1948 e reafirmada todos os anos, que
reconhece aos refugiados o direito de regressarem aos seus
lares ou de serem indenizados, se assim o preferirem.
Israel nega-se até a reconhecer a sua responsabilidade
moral e legal pela existência dos refugiados. Durante
décadas “legitimou” essa recusa dizendo que os palestinos
abandonaram as suas casas por ordem dos países árabes,
que lhes teriam prometido o regresso dentro de pouco tempo.
Ora, os estudos dos chamados “novos historiadores”
israelitas da última década, confirmaram o que os historiado208
res palestinos sempre disseram e os bons conhecedores da
questão sabiam há muito, para não falar das vítimas. Essa
versão da origem do problema dos refugiados palestinos é
uma invenção da propaganda israelita. Por isso, Israel assume agora abertamente a recusa do regresso dos
refugiados no que é, e sempre foi, a verdadeira razão: O
regresso dos refugiados mudaria a composição étnica de
Israel, que se “arriscaria” a deixar de ser um Estado
majoritariamente judaico. Assim, foi precisamente para evitar
esse “perigo” que Israel expulsou muitos dos refugiados de
suas casas.
Os refugiados palestinos são, de fato, muito numerosos.
A 30 de junho de 1999, a UNRWA recenseava 3.600.000.
Não entraram nesse número os que se tornaram refugiados
em 1967 (mais de 50.000) e os seus descendentes. Sabese que existem centenas de milhares de palestinos que foram
deslocados e não constam nas listas da ONU.
Por outro lado, a parte oriental de Jerusalém que foi
conquistada em 1967 teve seu plano de internacionalização
aparentemente abandonado; a parte oriental da cidade é um
dos territórios que a resolução 242 do Conselho de
Segurança ordena devolver. O fato de Israel a ter anexado e
de lhe ter alargado as fronteiras não muda de forma alguma
o seu estatuto do ponto de vista da legalidade internacional.
Essas medidas foram, aliás, declaradas nulas repetidas
vezes pelas instâncias da ONU.
No que se pode considerar um gesto de boa vontade,
a Autoridade Palestina aceita ceder a Israel a soberania sobre
partes de Jerusalém Oriental, em especial o “Muro das
Lamentações”, o único vestígio das construções ligadas ao
templo judaico que se conhece. Por ser o lugar do antigo
templo judaico, do qual nada é visível, Israel opõe-se à
209
soberania palestina sobre a Esplanada das Mesquitas, a qual
com o santuário do Domo do Rochedo e a Mesquita de ElAqsa, bem visíveis, é o terceiro lugar santo do Islã.
No decurso dos 35 anos de ocupação da Cisjordânia e
da Faixa de Gaza, Israel criou mais de duas centenas de
assentamentos de colonos, sobretudo na Cisjordânia. Para
esse efeito, apoderou-se de todos os recursos hídricos e da
maioria das terras da Cisjordânia: umas declarou-as baldias
e outras, especialmente as que pertenciam aos refugiados
ou a outras pessoas ausentes em 1967, foram confiscadas.
Calcula-se que haja, hoje, 200 mil israelitas a viver na
Cisjordânia e outros tantos em Jerusalém Oriental, ao lado
de cerca de 2 milhões de palestinos. Na Faixa de Gaza há
6.900 israelitas, que dispõem de cerca de 20% do território,
ao lado de cerca de 1 milhão e 200 mil palestinos, dos quais
cerca de 70% são refugiados. 33% dos palestinos da Faixa
de Gaza vivem nos campos de refugiados administrados pela
ONU.
Superpovoada, a Faixa de Gaza é um dos territórios
do mundo com maior densidade demográfica. A instalação
de cidadãos civis do Estado ocupante num território ocupado
foi explicitamente proibida pela IV Convenção de Genebra,
relativa à Proteção das Pessoas Civis em Tempo de Guerra,
que Israel assinou. Por isso, a colonização israelita de
Jerusalém Oriental e dos demais territórios ocupados foi,
muitas vezes, declarada ilegal pelas instâncias da ONU
(Conselho de Segurança e assembléia Geral). Nas mesmas
ocasiões as ditas instâncias internacionais exortaram Israel
a anular todas as medidas tomadas no sentido da
colonização dos territórios ocupados.
Ainda é preciso assinalar algumas imagens correntes
do conflito israelo-palestino que deformam completamente
210
a realidade. Embora haja uma imensa admiração pelas
proezas de Israel, notadamente pelas suas façanhas
militares, tende-se não raro a pensar que as partes envolvidas
no conflito israelo-palestino têm forças mais ou menos iguais.
Ora, isso é inteiramente falso. Israel é uma grande potência
militar não só regional, mas também mundial. Tem um dos
exércitos mais poderosos do mundo, bem como um poder
econômico apreciável (com fartura de recursos de todo o
mundo).
Além disso, seja qual for o seu governo ou a política
seguida, tem disposto e continua a dispor, incondicionalmente, do apoio econômico diplomático e político dos
Estados Unidos, seja qual for o partido da sua administração.
Como se sabe, os Estados Unidos são atualmente a única
superpotência, e agem como donos incontestados do mundo.
Pelo contrário, os palestinos são na sua maioria, um
povo de refugiados sem nada que se compare, nem de muito
longe, com os trunfos de Israel. Aliás, a incipiente infraestrutura econômica palestina foi em grande parte destruída
por Israel nos últimos meses. Dada a imensa desigualdade
de forças, é quase impossível que haja autênticas
negociações entre as duas partes.
De fato, Israel tem agido e continua a agir como quem
quer, pode e manda, com a certeza de que os palestinos
terão de acabar mais uma vez por vergar a espinha e aceitar
as suas condições, apanhar as migalhas que eles se dignam
atirar-lhes. Longe de reconhecer a imensa injustiça que
cometeu e continua a cometer para com os palestinos, Israel tem agido e age para com eles com uma prepotência e
uma arrogância imensas, particularmente chocantes, porque
vindas de pessoas que sabem, ou deviam saber, melhor do
que ninguém o que é ser vítima da injustiça.
211
Esse comportamento tem provocado e provoca cada
vez mais uma humilhação indizível nos palestinos. Do ponto
de vista humano, é porventura isso o que mais
profundamente os fere. A desproporção abissal entre as
forças em confronto explica a diferença na natureza das
armas usadas e nas formas de combate adotadas pelas
partes, deitando cada uma mãos dos meios de que dispõe.
À desproporção nas forças corresponde naturalmente a
desproporção na grandeza da violência e do terror semeados
pelas partes, no número de vidas destruídas e na dimensão
dos danos materiais causados.
Não é raro que os meios de comunicação social
apresentem os palestinos como os iniciadores do conflito
que os opõe a Israel, isto é, os agressores. Ora, isso é pôr a
realidade do avesso. Na melhor das hipóteses, os meios de
comunicação social apresentam as duas partes como se
estivessem num pé de igualdade do ponto de vista jurídico e
moral, o que é falso. Dêem as voltas que quiserem, mas o
fato insofismável é que Israel é o ocupante e os palestinos
são os ocupados. Israel é o opressor e os palestinos os
oprimidos. Os palestinos lutam para se libertar da ocupação
e da opressão. Israel luta para perpetuar a ocupação e a
opressão.
Os palestinos, autóctones da Palestina, não invadiram
a terra de ninguém, não colonizaram ninguém. Foram, sim,
as vítimas de um processo de colonização clássico, do qual,
em última análise, as potências européias vencedoras da
Primeira Guerra Mundial – a Grã-Bretanha, em primeiro lugar
– assim como os Estados Unidos são em grande parte os
responsáveis.
Como costuma repetir o Patriarca Latino de Jerusalém,
Monsenhor Michel Sabbah, “a ocupação israelita é, no caso
212
presente, a violência fundamental. É ela que engendra as
outras violências de que tanto se tem falado nestes últimos
tempos. Ao reconhecerem o Estado de Israel, quando dos
acordos de Oslo, os palestinos renunciaram aos cerca de
78% da sua pátria de que o dito Estado os despojou em
1948-1949. A única coisa que reclamam é a devolução dos
cerca de 22% da Palestina que Israel conquistou em 1967
para neles criarem o seu Estado, ao lado do Estado de Israel. Assiste-os em toda a linha a legalidade internacional,
cuja aplicação não fazem senão exigir”.
O Islã e o Imperialismo
“Guerra Santa” ou Caça ao Terrorismo?
Qual a Verdadeira Posição de Bush?
Após os terríveis incidentes ocorridos em 11 de
Setembro, o Presidente norte-americano G. W. Bush (George
Walker Bush) declarou ao mundo o início de uma verdadeira
“Guerra Santa” contra os muçulmanos, responsáveis pelo
horror sofrido por seu país – o que levantou ondas de ódio
entre os islamitas espalhados por todos os países do mundo.
Aparentemente, seus motivos para tal atitude seriam
uma espécie de “troco” contra o ataque ao centro comercial
internacional, baseando-se no aspecto religioso que poderia
ter incitado os momentos de terror, pois os muçulmanos
guerreiam por Deus e por seus direitos e liberdades.
Sabendo que Osama Bin Laden monta camelo, cavalo,
jegue, etc., mas nunca soube dirigir aviões e tanques, por
que não imaginar que foi o serviço de informações americano
213
que bombardeou o centro comercial, em 11 de setembro, a
fim de provocar o mundo inteiro contra os muçulmanos e,
principalmente, contra o Al Kaeda?! Quem de nós que não
sabe que Bin Laden e seus irmãos são sócios dos Bush,
pai e filho, em uma grande exploradora de petróleo da
América?!
Será que G. W. Bush não matou ainda Bin Laden por
fracasso das forças militares americanas, mesmo tendo
dinamitado tantas cavernas no Afeganistão, além de suas
montanhas?! Ou será que não eliminou Bin Laden porque
antes precisa encontrar outro “bode expiatório” para poder
continuar a explorar o petróleo do mundo islâmico?!
No mesmo sentido destas proposições, citamos a seguir
outras opiniões que reafirmam e convergem com nossos
questionamentos sobre o assunto. Inicialmente,
acompanhemos alguns trechos da entrevista dada por
Lyndon LaRouche à Jack Stockwell da Rádio KTKK-AM, de
Salt Lake City, Utah, EUA, na manhã de 11 de setembro de
2001, ao mesmo tempo em que ocorriam os ataques a New
York e Washington:
“LL: Sim. Há um processo global. Veja, o sistema
financeiro está quebrando. Isto é sempre perigoso, porque,
quando o sistema inteiro está sendo sacudido da forma atual
pelo colapso financeiro, eventos políticos acontecem, porque
várias pessoas tentam interferir e orquestrá-los com
intervenções espetaculares, que mudarão, digamos, tirarão
a atenção pública de algo e a dirigirão para outro.(...)
JS: (...) o FBI está dizendo agora que os aviões foram
possivelmente sequestrados para o ataque. Se alguém pode
fazer isso com o WTC, o que não fará com a Casa Branca?
LL: Certamente. Estou muito preocupado com isto.
Sabe, não tenho muita simpatia para algumas dessas
214
agências. Mas estou preocupado, não como pré-candidato
presidencial, e sim com a segurança dos Estados Unidos da
América e a paz no mundo. Isso não é bom para a saúde da
nação ou do mundo. Essas coisas não deveriam acontecer.
Podemos preveni-las. Mas não o fazemos, porque, eu não
sei. Alguém deixou isso acontecer.
JS: Como você preveniria as atividades terroristas?
LL: Bem, se não... se deixarmos de lado o mito de que
há um bando de desconhecidos saindo da neblina, e que
ninguém sabe de onde vieram, então vocês perguntariam:
“como podemos parar as ações terroristas?” Se você souber
como o mundo é organizado atualmente, saberá que não se
pode organizar e sustentar a preparação de ações terroristas
em nenhum país sem o apoio de um Governo poderoso, ou
governos. Se você souber que a ação é...eu diria, “sabe, eu
venho avisando contra as ações de Teddy Goldsmith, porque
sei com quem ele está ligado politicamente - é extremamente
perigoso”. Se eu fosse presidente, ou estivesse numa posição
similar agora, teria uma completa, muito discreta, mas muito
completa e efetiva discussão com alguns governos do mundo
e, juntos, tomaríamos medidas adequadas para neutralizar
esse tipo de perigo. Naturalmente, não há 100% de certeza
nesse tipo de coisa, mas podem-se fazer muitas coisas
adequadas. Dois aviões, é um caso bem grande...um avião,
poderia não ser detido, mas dois...Não, não é um caso
desprezível.
JS: Não, é muito sério. Espere um pouco, La Rouche.
Tenho uma atualização que devo dar aos ouvintes. Obrigado,
Don. Lyndon, há alguma razão para que isso não seja coisa
de Bin Laden?
LL: Sim, há várias. Osama Bin Laden é controlado, não
é uma força independente. Lembre-se como ele surgiu. Era
um saudita rico. Nos anos 70, no Governo (Jimmy) Carter,
215
ou melhor, no Governo (Zbigniew) Brzezinski, a idéia de
deflagrar uma guerra afegã na fronteira com o território
soviético foi imaginada por Brzezinski como uma ação
geopolítica. Ele foi o responsável. Ele não necessariamente
a planejou, é certo, mas a coisa começou e uma unidade
anglo-americana, junto com um certo grupo de militares
paquistaneses “espertinhos”, a conduziram. O Governo
estadunidense, o britânico e outros – isto é, os nossos
“espertinhos” – recrutaram um bando de islâmicos para lutar
contra o comunismo e defenderem o Sagrado Islã, etc., em
vários países, e os despacharam. Depois, mataram alguns
deles, sabe, eram descartáveis, não fizeram um seguro,
quando foram recrutados.
Mas eles foram recrutados. Bin Laden era um dos
grandes financiadores, um conduto de dinheiro usado por
gente como o então vice (-presidente) George Bush. Era o
(caso) Irã-Contras, o chamado Irã-Contras, que prefiro
chamar por outros nomes que não posso dizer no ar. Isto
ficou para trás. Subitamente, reencontramos Bin Laden
como o nome do dia. Ele não duraria muito, da forma como
anda por aí, se não tivesse muita proteção. E não só de uma
seção dos governos paquistanês ou afegão, mas de outros
governos que gostariam de ver os efeitos que ele produz.
Agora, ele é o culpado. Em algum momento, será morto e
dirão que o problema está resolvido. Mas nunca se considera
quem o mobilizou, quem o criou, quem o protegeu, quem
despachou seus comandados e para que propósito. (...) Num
caso assim, não creia que nomes famosos que todos
conhecem, ou que o FBI cita etc., são o problema. Podem
ser parte do problema.
JS: Estamos...se uma guerra maciça estourar no
Oriente Médio a qualquer momento, ninguém se
surpreenderia. Se (Vladimir) Putin for assassinado, se
216
(Yasser) Arafat for assassinado, se (Ariel) Sharon for
assassinado, ninguém se surpreenderia. Isto é, estamos
sobre o maior de todos os barris de pólvora. Com todas as
provocações que poderiam ocorrer pelo mundo, para
obstaculizar a unidade econômica e o desenvolvimento que
começam a ganhar velocidade entre as grandes potências
do outro lado do planeta, porque lançar um jato no WTC?
LL: É para provocar os EUA, é a única razão. Como
você provavelmente sabe – por exemplo, surgirão histórias
de que isto foi feito por algum grupo árabe protestando contra a simpatia dos EUA por Sharon, ou pelas Forças de
Defesa de Israel. Não sei se elas matarão Sharon amanhã,
quer dizer, porque há um conflito real por lá. E esses sujeitos
tendem a atirar primeiro e pensar depois. Alguma história
assim. Estamos numa época em que a palavra não é
terrorismo. O terrorismo é parte da situação. A palavra é
“desestabilização”. O problema, do meu ponto de vista, é o
nosso próprio Governo. Ainda somos, em certo sentido, uma
espécie de superpotência. Acho que o termo não é apropriado
para o nosso estado atual, mas éramos uma superpotência
e ainda temos uma posição dominante no mundo. Mas, que
tipo de Governo temos? Bem, o (presidente George W.) Bush.
Tudo está desmoronando, e vejam o pobre secretário (do
Tesouro, Paul) O’Neil balbuciando; vejam (o secretário de
Defesa, Donald) Rumsfeld, que virou piada em seu próprio
Departamento de Defesa.”
Como sabemos, Lyndon H. LaRouche Jr, é economista
e fundador da revista Executive Intelligence Review (EIR).
Tem se destacado internacionalmente por suas precisas
análises da crise econômico-financeira mundial. Autor de
vários livros já publicados no Brasil, LaRouche foi também
pré-candidato registrado à indicação para as eleições
217
presidenciais estadunienses de 2004, pelo Partido
Democrata.
Entre suas obras, destacamos o livro “Terror Contra o
Estado Nacional”, que trata os ataques desfechados em Nova
York e Washington, em 11 de setembro de 2001, retratandoos não como ações terroristas convencionais, mas, como
tem insistido desde o primeiro momento, uma operação especial clandestina contra o governo dos EUA, operação esta
que, mesmo envolvendo elementos de organizações radicais
islâmicas, não poderia ter sido executada sem uma
cumplicidade ativa e passiva de elementos situados nos altos escalões do Establishment de segurança dos próprios
EUA.
Além desses trechos da entrevista de LaRouche,
concedida em 11 de setembro, apresentamos outra de suas
entrevistas sobre o tema e mais um artigo escrito pelo
jornalista Umberto Pascali, que foi publicado anteriormente
ao livro, na Executive Intelligence Review, em 02 de
novembro de 2001, para corroborar a seriedade do que
dissemos neste capítulo.
Assim, vejamos alguns trechos da entrevista dada por
Lyndon LaRouche à Rádio Radicale da Itália, a qual foi
conduzida pelo jornalista Andrea Billau, em 20 de setembro
de 2001:
“AB: Eu quero começar por um artigo que li, em que o
sr. insiste em que o que aconteceu na semana passada nos
Estados Unidos foi um ataque genocida perpetrado por forças
renegadas, coordenadas de dentro dos Estados Unidos,
porque nenhuma força estrangeira tem a capacidade para
fazer o que foi feito na terça-feira. Bem, o sr. pode explicarnos esta afirmativa tão séria e importante?
LL: O que aconteceu não poderia ter sido feito pelas
assim chamadas organizações terroristas internacionais. E,
218
tecnicamente, não poderia ter sido feita pelos Estados Unidos
à União Soviética nos dias da velha Guerra Fria. Isto foi uma
operação altamente profissional, de alto nível militar. E isto
envolve enormes recursos e coordenação, que ainda não
existem fora dos Estados Unidos da América. Envolve
elementos que foram recrutados pelos Estados Unidos da
América e outros serviços de inteligência da Europa e
Israel, durante os dias da assim chamada operação IrãContras.
AB: Portanto, no seu ponto de vista, Osama Bin Laden
não é responsável por este ataque terrorista?
LL: Não. Osama Bin Laden é um ruído, que foi criado
pelo esforço conjunto dos serviços de inteligência britânico,
dos EUA e Israel, durante os dias da Guerra do Afeganistão.
Neste interim, ele se tornou um ruído para a Rússia e para
outros países, de modo que aqueles que estão tentando
desviar o assunto estão tentando colocar nele o foco do
problema. Ele é um problema, mas não é o problema que
está por trás da crise nos Estados Unidos.”
Notamos que as considerações feitas por La Rouche
tratam de dados muito importantes, aos quais se
acrescentam as interessantes afirmações apresentadas por
Umberto Pascali, como vemos nestes trechos do artigo “EUA
protegem terroristas da AL-Qaeda em Kosovo”:
“Enquanto os EUA estavam bombardeando
incansavelmente o Afeganistão, com o objetivo oficial de
pegar Osama Bin Laden, um dos principais colaboradores
de Bin Laden estava dirigindo um campo de treinamento de
terroristas em uma área de Kosovo que está sob controle
dos EUA. Esta chocante revelação foi confirmada por
diversas fontes: agências de inteligência da Macedônia, como
relatado na imprensa macedônica, inclusive no jornal
219
Dnevnik, um dos principais do país; agências de imprensa
russas, inclusive a Novosti e a Itar Tass; e o jornal londrino
The Independent.
(...) Mas quem é o DR. Ayman al- Zawahiri, cujo irmão
Zaiman está dirigindo campos terroristas em Kosovo sob a
proteção da OTAN, na zona controlada pelos militares dos
EUA? Como escreveu recentemente o jornal londrino The
Guardian, “até mesmo dizer que ele é o braço direito de Bin
Laden é subestimar a sua importância”. Muitos observadores
o consideram o verdadeiro cabeça do que é conhecido como
a organização de Bin Laden. “Alguns analistas acreditam
que, em seu papel atual no Afeganistão, Al-Zawahiri assumiu
o controle de grande parte das finanças, operações, planos
e recursos de Bin Laden”, disse o jornal. A sua carreira
terrorista conhecida começou não após 1981, com o seu
envolvimento no assassinato do presidente egípcio Anwar
el-Sadat, e incluiu a tentativa de assassinato do presidente
egípcio Hosni Mubarak, em 1995, e o massacre de 70 turistas
em Luxor, Egito, em 1997.”
Retornando ao nosso ponto de partida, vamos
prosseguir com nossa análise acerca dos motivos de G. W.
Bush. O Presidente foi aconselhado por seus auxiliares
diplomáticos quanto às interpretações errôneas que sua
afirmação sobre o início uma “Guerra Santa”, poderia causar
nas relações diplomáticas com o mundo muçulmano, de
modo que ordenou aos diplomatas norte-americanos a visita
aos centros islâmicos do mundo inteiro, esclarecendo sua
posição e ressaltando que sua ofensiva se dirigia ao
terrorismo e não ao Islã.
Isto dito, nossa Comunidade Islâmica de São Bernardo
do Campo recebeu a visita do Cônsul norte-americano,
220
que concedeu-nos um diálogo bastante interessante acerca
das questões que teriam qualquer espécie de vínculo aos
acontecimentos de “11 de setembro”, os quais abalaram o
mundo.
Com permissão do Cônsul, desenvolvi minha linha de
raciocínio, questionando-o sobre o fato dele se considerar
um cristão, assim como o próprio Bush, tendo uma afirmativa
como resposta a essas questões.
Diante disso, direcionei meu questionamento para a
crucificação de Jesus Cristo, de modo que ficasse evidente
o fato de que foram os judeus os responsáveis pela
crucificação.
Procurei, ainda, demonstrar que há “interesses”
envolvidos na guerra, seja esta de que tipo for, e que sempre
há quem procure obter vantagens destes momentos de
conflito.
Assim, se foram os judeus que fizeram a crucificação
de Jesus Cristo, e se o presidente Bush se considera um
cristão, como pode defendê-los contra os muçulmanos?
E aqui julgamos conveniente fazer-se um parênteses
acerca do que nos relata o Alcorão quanto à crucificação de
Jesus. De fato, o Alcorão não nega a crucificação em si,
mas nega que tenha sido Jesus Cristo o crucificado,
afirmando que Jesus foi levado para o céu por Deus, e em
seu lugar teria sido crucificado um judeu, que foi por Deus
tornado a imagem de Jesus.
Por outro lado, conforme a história nos conta, os judeus
foram aqueles que acusaram a Virgem Maria de não ser
imaculada ao ter um relacionamento com José, o carpinteiro.
Já o Alcorão, livro sagrado dos muçulmanos, inocenta a
Virgem Maria, registrando sua história como sendo pura, filha
de puros, afirmando que era imaculada, como nós
destacamos em momento apropriado.
221
Assim, se a história ocidental nos conta que os judeus
assassinaram Jesus Cristo, a pergunta que surge é a
seguinte: como é que esses assassinos conseguiram firmar
relações tão amistosas e de irmandade com os seguidores
de Jesus, crendo em parte num mesmo livro sagrado? E
ainda, como esses assassinos podem ter sido ‘inocentados’
pela autoridade do Papa João XXIII? Os judeus de hoje nada
tem a ver com os judeus dessa história passada?
Desse modo, constatamos que o Presidente G. W. Bush
procura sempre apoiar os judeus de Israel contra os
palestinos de maioria muçulmana, às custas de mentiras,
tais como, por exemplo a acusação não comprovada de que
o Iraque teria armas nucleares armazenadas, quando na
verdade tal atitude objetiva exclusivamente o enriquecimento
da nação norte-americana com o petróleo Iraquiano.
Enquanto isso, o Presidente Bush fecha olhos e ouvidos
sobre a existência de armas nucleares em Israel (dos judeus),
apertando cada vez mais, o cerco aos iranianos
(muçulmanos), mesmo quando se sabe que o uso dessa
energia nuclear destina-se para fins pacíficos e científicos!!
Ora, sabe-se que a região do Oriente Médio é o
coração do mundo por apresentar as maiores reservas
de petróleo, o ouro negro da humanidade. O controle políticoeconômico dessa região representa um poder sem
comparação.
Assim, como cogitar a hipótese de que sendo um cristão
e conhecendo a verdadeira história sobre a crucificação de
Jesus Cristo, um presidente poderia se opor aos árabes em
favor dos judeus?
Será que Bush sabe desses fatos ou não? Caso saiba,
quais são, então, suas verdadeiras razões? Estaria ele
disposto a iniciar uma “Guerra Santa”, ou seria tudo isto
222
apenas uma “desculpa” de que ele se utilizou como motivo
para poder apropriar-se das terras petrolíferas?
Todas essas e outras questões não têm o interesse de
levantar polêmicas quanto à fé, mesmo porque fé não se
questiona, é um direito universal de cada cidadão do mundo.
A minha intenção é refletir sobre o mundo Islâmico e a sua
influência na vida de todos nós.
Os judeus alegam que Israel é a terra prometida e que
eles estiveram lá há três mil anos e por isso teriam seus
direitos. Então, perguntamos o seguinte: E os direitos de
quem esteve e está lá há mais de três mil anos?
Traçando um paralelo com o que vigora no Direito Civil
Brasileiro sobre o Usucapião, quanto aos direitos de
propriedade estes últimos (os palestinos) não deveriam ter
seus direitos sobre essa terra prevalecidos, bem como têlos garantidos?
Será que os palestinos vieram do exterior para invadir
Israel e usar métodos terroristas, ou os judeus que foram à
Palestina, a partir da promessa de Balfour e do auxílio
britânico, desde 1917, usando as forças britânicas e depois
as armas americanas, para massacrar e expulsar os
palestinos para os territórios vizinhos?
A partir de 1948, os palestinos e os árabes estão
“pagando o pato” pelos massacres ocorridos com os judeus
na Alemanha e em outros países da Europa. Ressaltamos
que os judeus nunca sofreram maus tratos nos países árabes
e muçulmanos.
A história mostra e a realidade atual confirma as tantas
liberdades e direitos consagrados e reconhecidos a todos
os seres humanos, como nós já ilustramos pelas passagens
do Alcorão Sagrado, pelos relatos do nosso profeta
Mohammad (SAAS) e ainda pelo comportamento de nossas
lideranças até a presente data.
223
Percebe-se, então, que todos os problemas existentes
no Oriente Médio, tão tristes, vêm sendo causados pelas
atitudes de reis e de presidentes, que levaram-nos a tal
situação, sem precedentes em nossa história.
Falar o que não se fala
Há um ditado inglês que diz: “Minta, minta e minta!!!
Quem sabe alguém acredita em alguma coisa!...” O
Presidente Bush diz que entrou no Iraque para salvar o
mundo de armas químicas... Armas que não foram
encontradas... Bush não pediu desculpas pela invasão à
nação iraquiana... Bush continuou mentindo...
Bush declara que a resistência no Iraque é do Al Kaeda
e dos estrangeiros, mas ele reconhece que a luta é dos
próprios iraquianos. Ele tem procurado os revolucionários
para um acordo. Assim, a América enviou cento e cinqüenta
mil soldados ao Iraque, sendo homens jovens em sua
maioria. Esses jovens querem mulheres e estão de armas
nas mãos.
Espalhados pelas ruas, invadem casas e suas festas
não têm mais fim, estuprando as mulheres iraquianas.
Milhares já foram e estão ainda sendo estupradas pelos
soldados norte-americanos, para saciar o prazer pervertido.
Para os árabes, isso que ocorre com suas mulheres é
uma grande desonra. É uma sujeira nojenta que, para lavar,
só com sangue. Razão pela qual, todos os iraquianos estão
lutando contra os americanos: cristãos, sunitas, curdos e
outros.
Os americanos estão iludidos, são interesseiros, só
vêem nas outras nações o que podem delas obter de valor
224
econômico. Quando vão criar um juízo e uma consciência a
respeito das outras nações, ou entender e valorizar outras
culturas? Chegam a se atolar na lama e apagar o charme
que a América tinha! O estupro não é ato de amor, é um
crime abominável e condenado por todas as legislações do
mundo!!!
Todos os crimes, até a prisão de Abou Gharib, estão
sendo investigados, mas quanto a resultados nada!!! Bush
tem como um grande apelo a democracia, a liberdade e
a justiça, da mesma maneira que o povo palestino, que
realizou uma grande eleição, sob fiscalização internacional.
Foram eleições limpas e livres.
Mas Bush castiga o povo palestino porque elegeu
“Hamás”, cortando a ajuda econômica e proibindo outros
países de ajudar o povo palestino. Bush quer reinar, quer
que todos respeitem suas ordens, mas ele não respeita as
liberdades e direitos próprios de ninguém. Que moralidade
é essa de Bush e dos americanos?!
Bush dirige centenas de milhares em seus exércitos,
com as mais sofisticadas armas para destruir o Afeganistão
e o Iraque. Enquanto explora o petróleo desses países, ele
arma Israel, dando poder para assassinar civis palestinos,
entre eles, mulheres, crianças, velhos, jovens... Enquanto
isso, continua falando a todos os outros povos sobre
democracia e liberdade...!?
Os muçulmanos, povos do Afeganistão e do Iraque,
são gente também!! Só poucos palestinos ou iraquianos se
levantam para defender a pátria, a família e a honra (ALARD e AL-ARDH) e são terroristas?! Que justiça, que
democracia e que liberdade são essas Presidente Bush???
Se existe terrorismo, ele se manifesta sob o terror dos
americanos e israelistas que usam todas as armas, as mais
modernas e sofisticadas, para a destruição e matança
225
sumária, e não sob a ação daqueles que usam facões e
fuzis simplesmente para se defenderem.
Foi a América que armou Bin Laden, para expulsar os
russos do Afeganistão. Bush não poderia ter matado Bin
Laden? Ou ele só quer protegê-lo?... Afinal, trata-se de um
sócio na exploração de petróleo com Bush e de um aliado
nesta guerra injusta...
Se Bin Laden morre, a América tem que pôr outro no
lugar ou desocupar o Afeganistão e o Iraque, por ausência
do motivo que usam para justificar e manter sua presença
nessa região.
Como se sabe, em Guantãnamo, Bush fez prisões
secretas de centenas de pessoas sem julgamento, defensor, direito de defesa, repetindo as jogadas injustas, de
autoritarismo e hoje classificadas como crimes, do Rei
George da Bretanha e do Papa de Roma, antes de 1215 e
da 1º Carta Magna.
Em última análise, percebemos que Bush apela para
valores falsos, que lhe permitem usar a guerra como
instrumento e desculpa para apropriar-se de regiões
estratégicas no mundo, oprimindo-as como agora faz com o
mundo muçulmano, onde o petróleo é a alma e o corpo de
tudo e de todos.
226
Considerações Finais
Através deste singelo trabalho, procuramos apresentar
o Islã em sua base moral, bem como o moral do Profeta
Mohammad (SAAS), que sempre foi um anti-terrorista e
ferrenho defensor da paz. Aliás, procuramos ressaltar, em
todo o desenrolar deste estudo, que a missão islâmica é a
conciliação entre as religiões e filosofias, num movimento
pacificador dos seres humanos, a fim de realizar a
aproximação entre as partes, promovendo o bem-estar, a
felicidade, a boa convivência e, principalmente, a utilidade
para com o próximo.
Tivemos o cuidado de destacar que o Islã, ao
reconhecer os direitos e as liberdades de todos os seres
humanos indistintamente, coloca-se contra toda e qualquer
tipo de discriminação, seja de cor, raça, crença, posicionamento ou de sexo.
Mostramos, também, que o Islã não discrimina sequer
os mensageiros de Deus, pregando que todos são irmãos
perante o Senhor e que suas missões são divinas,
reconhecendo os direitos e as liberdades de todas as crenças
contra a agressão e a ocupação de seus templos, criando
leis e regulamentos morais até mesmo para as situações de
disputas e de contendas políticas. Além disso, ressaltamos
o respeito necessário para com todas as minorias, em
especial para com os idosos, crianças e mulheres, poupandoos de qualquer forma de desrespeito ou agressão.
227
Por outro lado, tivemos a intenção de demonstrar que
o Alcorão Sagrado destina dois capítulos para o relato sobre
a linhagem e vida de Al-Imran (família da Virgem Maria e de
Jesus Cristo), enquanto não apresenta nenhum capítulo que
relate sobre a família e a vida das esposas ou filhas do Profeta
(SAAS), o que denota o grande valor e importância dedicados
a Virgem Maria e a Jesus.
Além disso, ressalta-se a pureza da Virgem Maria,
inocentando-a de qualquer acusação feita por judeus ou por
quem quer que seja quanto à sua reputação ilibada. E, por
fim, destaca-se mais um milagre relacionado a Jesus Cristo
que, com o apoio de Deus Todo Poderoso, não foi crucificado,
tendo sido salvo e levado para o céu, de onde um dia irá
ressuscitar e voltar ao mundo.
Tudo isso vem negar as desculpas dadas pelas
cruzadas feitas ao longo de nossa história, uma vez que –
como tivemos a intenção de reforçar inúmeras vezes – a
oligarquia “inventa para dominar”, desenvolvendo um preparo
psicológico em laboratórios que possibilite a formação de
um ambiente internacional, que aceite a barbaridade humana,
como se fosse uma floresta dominada pelo leão e pelo tigre.
Nesse sentido, essa oligarquia se utiliza de inúmeros
mecanismos para dominar e explorar o globo terrestre,
mesmo valendo-se das mais ferozes armas químicas
existentes, como é o caso da bomba atômica. Infelizmente,
o presidente Bush se esquece de que o único país no mundo
a utilizar a bomba atômica e causar a morte de milhões de
pessoas foi o próprio Estado norte-americano, que tem se
valido da ideologia defensora dos direitos, liberdades e
democracia, para justificar sua atuação em todas as partes
do planeta, mostrando que tem uma fala totalmente diferente
de sua ação.
228
É preciso reconhecer que os Estados Unidos são os
primeiros a pregar a defesa da liberdade e da democracia
no Ocidente, ao mesmo tempo em que vão conquistando
outros povos, tirando deles suas próprias liberdades e
garantias individuais. Isso significa que não demorará muito
para que os norte-americanos percebam que estão sendo
usados argumentos falsos, provocando a perda de valores
morais e do respeito para com os direitos dos outros, graças
à política empreendida por Bush e seus seguidores.
Com efeito, a invasão do Iraque, segundo a escola
imperialista, é apenas um elo da corrente de apropriação do
petróleo existente no Oriente Médio, da mesma forma como
já ocorreu no Kuwait e no Afeganistão. Os norte-americanos
fomentam as facções divergentes para que lutem entre si,
forçando-as e ajudando-as na medida de seus próprios
interesses, como podemos ver hoje em dia no Iraque. Assim,
como a luta desagradava ao governo árabe sunita, foi pedido
que se eliminasse o partido “Hizbollah” no Líbano, de modo
que Israel foi encarregado de resolver o problema
deflagrando outro conflito na região.
A questão da Palestina é outro ponto nevrálgico em
nosso estudo. Baseada na alegação sionista de ser a terra
prometida aos judeus, foi analisada por uma comissão de
justiça, representada por uma entidade católica. Todavia,
sabemos que historicamente, cristãos e muçulmanos, árabes
ou não, estão lado a lado contra as mentiras dos agressores.
Desse modo, julgamos que o mundo humano, quando
comparado ao mundo animal, também quem manda é o mais
forte. Porém, acreditamos que a solução seja – como sempre
foi – voltar a Deus, temer a Deus, o Sapientíssimo, o
Clemente e o Todo-Poderoso, que fará o juízo no Dia Final,
229
dando o Inferno como troco ou recompensando com o
Paraíso.
E nesse sentido, não acreditamos que a ONU seja
capaz de resolver os conflitos na Palestina, uma vez que
sua política se manifesta com “dois pesos e duas medidas”.
E aqui fazemos analogia à história da raposa, muito peculiar
para este contexto.
“Certa vez, uma raposa queria dividir um queijo entre
dois ratos, de modo que cada um recebesse uma parte igual
à do outro. Diante da primeira divisão, um dos pedaços
acabou ficando maior que o outro. Então, a raposa mordeu
o pedaço maior a fim de que ficasse igual ao menor. Todavia,
após sua mordida o pedaço ficara menor que o outro.
Percebendo que a raposa acabaria por comer todo o
queijo sem conseguir deixar os pedaços em tamanhos iguais,
os ratos disseram a ela que não se importavam com a
diferença dos pedaços, aceitando-os de qualquer jeito.
No entanto, a raposa disse-lhes que eles até poderiam
aceitar a diferença, mas que a justiça não. E, então, foi
comendo as partes do queijo até acabar com ele.”
A maior prova disso é a sétima invasão do Líbano por
Israel, com alegações insensatas e injustificáveis. O Primeiro
Ministro israelense, Brak, disse que a captura de dois
soldados isralenses, que estavam em território libanês, pela
milícia de Hizbollah ,era uma declaração de guerra. Porém,
o sequestro de milhares de inocentes que lotam as prisões
israelenses, sem direito a julgamento, há dezenas de anos,
sequestrados da Palestina e do Líbano, não constitui
declaração de guerra!! Só Israel tem direirto de se defender,
ninguém mais!!
Assim é a Palestina: uma terra dividida em duas partes
independentes, sendo um Estado para os israelenses e outro
Estado para os Palestinos. Acontece, que a cada dia Israel
230
apropria-se de um novo pedaço do território palestino e a
“raposa americana” atua para que seja garantida a
independência de cada parte, em nome da democracia e de
Jesus Cristo.
Assim, gostaríamos de ressaltar que tanto Jesus Cristo
como a democracia são inocentes e não devem ser acusados
pelas atrocidades e barbaridades que os israelenses e norteamericanos vêm cometendo dia após dia.
Por essa razão, nunca é demais falar sobre os direitos
e as liberdades, pois a humanidade precisa restabelecer
muitos dos valores morais, sociais e até mesmo religiosos
que foram se perdendo por conta da propaganda ideológica
praticada pela oligarquia internacional. E desse modo,
esperamos que o nosso trabalho tenha contribuído para o
esclarecimento das pessoas quanto a todos os aspectos aqui
discutidos.
231
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Ocidente.
233
Nota sobre o editor
Ezzeddine Hussein Balbaki. Nascido
em 1940, no Líbano. Formado em Ciências
Econômicas e Políticas pela Faculdade
Nacional de Beirute, foi professor de 1960
a 1966.
Chegou ao Brasil em 1966, tendo sido
mascate até 1969; de 1969 até 1971, foi
fabricante têxtil; atualmente, desenvolve o
comércio de móveis.
No Brasil, cursou a faculdade de
Comunicação Social, com o objetivo de
tornar-se editor de um jornal voltado à
coletividade árabe e muçulmana. Assim, de
1967 a 1975, foi editor do jornal Al-Urubt.
No período de 1975 a 1986, foi editor
da Revista Arrissala, cuja missão centravase em publicações periódicas de artigos
sobre os preceitos islâmicos.
Atualmente, tem se dedicado à
divulgação dos ensinamentos próprios da
doutrina islâmica, destacando os desafios
e as preocupações que a minoria
muçulmana enfrenta no Brasil.
Admirador fiel da doutrina, tem
empenhado seus esforços a serviço do Islã
e em benefício da cultura árabe e
muçulmana.