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“Três Picos, religiosidade popular e fé por meio
da educação patrimonial: uma ação de salvaguarda
para a Folia de Reis Estrela da Guia em Nova
Friburgo”
DAZZI, Camila
Historiadora da Arte, Profª Drª
CEFET/ RJ - Campus Nova Friburgo
DUTRA, Adriana da Rocha Silva
Turismóloga graduanda
CEFET/RJ - Campus Nova Friburgo
SANCHES, Diego Bonan
Turismólogo graduando
CEFET/RJ - Campus Nova Friburgo
RESUMO – O projeto é um desdobramento das ações empreendidas na produção de artigo
decorrente da implementação do projeto de pesquisa “Identidade Cultural e Turismo: uma
proposta para as Folias de Reis de Nova Friburgo”. O principal objetivo da proposta é
implementar a educação patrimonial por meio de oficina de luthieria na localidade dos Três
Picos, visando contribuir para a salvaguarda do Grupo de Folia de Reis Estrela da Guia. A
manifestação cultural está inserida em um espaço turístico e em área de preservação
ambiental, o Parque Estadual dos Três Picos, localizado em Nova Friburgo. Sendo assim,
acredita-se que através desta praxis e do viés do Turismo Cultural a proposta possa contribuir
para a salvaguarda a partir do uso destas ferramentas na construção do sentimento de
pertencimento junto aos autóctones no que tange a valorização da manifestação cultural.
PALAVRAS CHAVE – Folias de Reis. Educação Patrimonial. Luthieria. Turismo Cultural.
Nova Friburgo
ABSTRACT- This Project arises as a deployment of the undertaken actions for the
production of the article due to the implementation of the research project “Identidade
Cultural e Turismo: Uma proposta para as Folias de Reis de Nova Friburgo” . Its purpose is
to promote the heritage education through Luthieria’s workshop contributing to the safeguard
of Estrela da Guia -a Group of Folia de Reis. The cultural event is inserted at a touristic space
and at an area of environmental preservation, the State Park of Três Picos, located in Nova
Friburgo. Thus, it’s purposed through heritage education and the practice of the Cultural
Tourism in the district, contribute to the safeguard from the use of this tools in the building of
the sense of belonging associated to the autochthonous regarding the cultural event.
KEY-WORDS- Folias de Reis. Heritage education. Luthieria. Cultural Tourism. Nova
Friburgo
Introdução
O projeto de pesquisa “Três Picos, religiosidade popular e fé por meio da educação
patrimonial: uma ação de salvaguarda para o Grupo de Folia de Reis Estrela da Guia em Nova
Friburgo” está sendo proposto no município homônimo junto à comunidade localizada no
entorno do Parque Estadual dos Três Picos – PETP1, uma área de proteção ambiental da Bacia
do Rio São João (Via Rural on line)2. Sua delimitação geográfica concerne ao terceiro distrito,
denominado Campo do Coelho, localizado na zona rural. O projeto é de co-autoria da Profª.
Drª. Camila Dazzi juntamente com os alunos Adriana da Rocha Silva Dutra e Diego Bonan
Sanches do Curso Superior em Gestão de Turismo do CEFET/RJ - Campus Nova Friburgo
O projeto surge de um desdobramento das ações empreendidas para a produção de
artigo intitulado “Religiosidade popular e fé: Folias de Reis nos espaços urbano e rural em
Nova Friburgo” produzido para a submissão na revista do Centro de Patrimônio
Cultural/USP, ação outra decorrente da implementação do projeto de pesquisa “Identidade
“O PETP, que ostenta um dos mais extraordinários conjuntos de montanhas de todo o país, é considerado como
um verdadeiro paraíso na prática de esportes como caminhadas e escaladas em rocha [compreende nos]
municípios: Cachoeiras de Macacu, Nova Friburgo, Teresópolis, Guapimirim e Silva Jardim (na Região Serrana
do
Estado
do
Rio
de
Janeiro).
Disponível
em:
<http://www.inea.rj.gov.br/unidades/pqtrespicos_apresentacao.asp>. Acessado em 09 mar 2013.
2
Disponível em: <http://br.viarural.com/servicos/turismo/areas-de-protecao-ambiental/protecao-ambiental-riode-janeiro.htm>. Acessado em: 09 mar 2013.
1
Cultural e Turismo: uma proposta para as Folias de Reis de Nova Friburgo” promovido pelo
DIREX/CEFET/RJ ao qual os autores foram membros da equipe pesquisadora.
Foram definidos os seguintes objetivos para o projeto: levantar junto às comunidades
contempladas a história, as práticas, saberes e especificidades da Folia e propor ações de
salvaguarda para a manifestação cultural por meio da educação patrimonial através de oficina
de luthieria3 junto aos alunos do Instituto Bélgica-Nova Friburgo – IBELGA. O Instituto
possui parceria com organismos nacionais e estrangeiros privados e públicos.
As ações do Instituto estão pautadas no “desenvolvimento educacional e técnico, a
elevação da qualidade de vida dos habitantes do município que lhe serve de sede, bem como
de municípios vizinhos, sobretudo dos moradores do meio rural e que daí obtenham sua
manutenção” (IBELGA apud Circuito Tere-FRI)4. Portanto, se apropriando da missão
norteadora da instituição no sentido pedagógico e de sustentabilidade envolvendo a
comunidade, acredita-se que a proposta do projeto venha a ser mais um braço condutor no
alcance de melhores resultados na qualidade de vida na localidade.
Ressalta-se também que a manifestação cultural está inserida em uma das regiões
turísticas do município, onde sua rede de ofertas inclui pousadas, albergues, restaurantes além
da prática do ecoturismo. Compreende-se dessa forma que esta ação de salvaguarda voltada
ao patrimônio cultural imaterial também pode ser um dos meios para fortalecer a identidade
cultural local.
O que é Folia?
Atemporal, a Folia de Reis, sinônimo de “religiosidade popular”, está presente em
terras brasileiras desde o período colonial, tendo aqui chegado via colonizadores portugueses:
Trazida no século 18, pelos portugueses, as Folias remontam aos tempos medievais,
as mais antigas menções a elas em língua portuguesa aparecem em autos do
dramaturgo Gil Vicente, no início do século 16, como assinala Neide Gomes. ‘A
Folia de Reis conta os cinco passos do nascimento de Jesus: a anunciação do anjo
Gabriel à Virgem Maria, a revolta de José com a gravidez da mulher, a chegada do
casal a Belém da Judeia para o censo dos romanos, a visita dos três reis do Oriente,
3
Refere-se a luthieria como a arte da construção e da manutenção de instrumentos musicais (ANGELUCC e
SCOPINHO, 2010, p. 7). Disponível em: < http://www.alasru.org/wp-content/uploads/2011/07/GT5-Thalita-CamargoAngelucci.pdf>. Acessado em 09 mar 2013.
“O Circuito TERE-FRI são 68 Km de lugares encantadores e aconchegantes dentro da Mata Atlântica. No
coração da região serrana do Estado do Rio de janeiro, você encontra o cenário ideal para passeios, aventuras,
esportes e descobertas. O Circuito Tere-Fri oferece os mais diversos atrativos para os visitantes, além dos mais
charmosos hotéis e pousadas da região. Em todo o percurso da estrada, o clima da montanha convida a
magníficos passeios e caminhadas em meio a belas paisagens, cercadas de muito verde e riachos de águas
cristalinas. Irresistível para um mergulho nos dias de calor. E mais: os adeptos de escaladas encontram no
Circuito Tere-Fri algumas das vias mais altas do país, como o conjunto de Três Picos, localizado em Salinas.”
Disponível em: http://www.terefri.com.br/index.php. Acessado em: 08 jan de 2013.
4
confirmando a chegada do Messias, e a ida da família para o Egito, fugindo dos
soldados de Herodes, que mandara matar os recém-nascidos’, diz a professora,
explicando o enredo inspirado no Evangelho de São Mateus. No Brasil, tambores e
outras contribuições africanas ampliaram a força da manifestação da religiosidade
popular. (NOEL, 2010)
Caracterizada como a representação do caminho percorrido pelos Reis Magos até a
manjedoura do recém-nascido Menino Jesus, a encenação feita é e sempre foi, uma das
histórias bíblicas mais emblemáticas do Ciclo Natalino, tendo como um dos símbolos quase
mágico, a Bandeira, sinônimo de fé e devoção.
A manifestação se constitui de música, dança, alegorias transitoriamente
materializadas nos cânticos entoados e no malabarismo do palhaço descrita assim por Mello
Moraes Filho:
Dessa noite em diante, os cantadores de reis percorrem a cidade cantando versos de
memória e de longa data. Esses ranchos compõem-se de moças e rapazes de
distinção; de negros e pardos que se extremam, às vezes, e se confundem
comumente. Os trajes são simples e iguais: calça, paletó e colete branco, chapéu de
palha ornado de fitas estreitas e compridas, muitas flores em torno etc.; as moças, de
vestidos bem feitos e alvos, de chapéus de pastoras; precedendo-os na excursão,
habilíssimos tocadores de serenatas. (FILHO apud Noel, 2010).
Sua atividade é intensa durante o Ciclo Natalino, quando sai em um período cíclico
que se inicia com ensaios em novembro, passa pelas jornadas normalmente no mês de
dezembro e início de janeiro e finaliza com a festa de arremate, evento que marca o fim da
jornada/giro em datas distintas. No município de Nova Friburgo, os encontros se estendem até
o dia 20 de janeiro, dia de São Sebastião, padroeiro do Estado do Rio de Janeiro, quando é
realizado o principal encontro de Grupos de Folia de Reis.
Desta forma, a Folia de Reis é uma manifestação cultural de grande complexidade,
que pela importância que assume em diferentes comunidades, merece ser compreendida como
um Patrimônio Cultural do Brasil.
Fundamentação Teórica
Com vistas na fundamentação da concepção teórica do projeto, detém-se no conceito
mais significativo deles: o multíplice e largamente estudado conceito de Cultura. Dentre os
muitos teóricos que se debruçam sobre o tema, optou-se por compreender as manifestações
culturais brasileiras conforme sugere o sociólogo Vianna, como partes de uma rede sem
limites:
Para ser mais preciso, e talvez compreensível: existe um "espaço da brincadeira" no
Brasil. Esse espaço, como o ciberespaço, tem a estrutura de uma rede, uma rede
interbrincadeiras. Cada brincadeira é um nó da rede, estando assim interligada a
todas as outras brincadeiras. O erro de muito preservacionista bem-intencionado é
achar que, para salvar um folguedo da ameaça de desaparecimento, é necessário
isolá-lo do resto do mundo, mantendo à força sua "verdade" ou "autenticidade" (uma
ideia avessa à mistura e à "circulação"). Como os militares estrategistas que
inventaram a Internet perceberam, o que é preciso "preservar" é a rede, a capacidade
de as informações circularem dentro da rede, e não um nó específico. Numa rede
"saudável", a destruição de um nó não é ameaça para o todo: as informações
encontram logo outros caminhos para fazer novas parcerias, novas ciberbrincadeiras”. (VIANNA, 1999, p.7)
Complementarmente as colocações de Vianna, entende-se que essas tradições
necessitam de um “incentivo à maior participação da juventude [...] com liberdade para recriar
e adaptar suas tradições com base nas necessidades do presente”. (PEDRO, F. C. & DIAS, R.,
2008, p. 51)
Mediante a complexidade acerca dos debates que orbitam o termo cultura,
compreende-se que o processo de levantamento das especificidades do grupo investigado
demanda da utilização não apenas de pesquisa em fontes primárias e secundárias, mas
também a aplicação de questionários quali-quantitativo, fichas segmentadas para o folião,
mestre, comunidade, alunos e Instituito IBELGA, bem como um levantamento das
especificidades das políticas de apoio das possíveis entidades parceiras, além de registro
audiovisual. Propõe-se pensar a Folia de Reis como uma manifestação cultural complexa e
não como folclore.
Estrela da Guia
Para que se tenha um norte acerca do patrimônio imaterial em questão, registra-se que,
segundo o mestre do Grupo de Folia de Reis Cézar Tardem (TARDEM, 2012), somente no
terceiro distrito de Campo do Coelho, há cerca de 15 anos havia aproximadamente 14 Folias
de Reis no local. Atualmente existe apenas o Grupo de Folia de Reis Estrela da Guia
(Fotografia nº1), resultado da fusão de dois grupos das localidades de Baixada de Salinas e
Três Picos. Conclui-se que seus apontamentos sugestionam o risco gradual de inatividade ao
qual o Grupo está exposto.
O grupo é composto por 15 integrantes do sexo masculino e não possui a figura do
palhaço por entender que a mesma representa uma figura demoníaca.
FOTOGRAFIA nº 1: Grupo de Folia Estrela da Guia em jornada nos Três Picos . Iconografia do
projeto de pesquisa: “Identidade Cultural e Turismo: uma proposta para as Folias de Reis de Nova Friburgo”.
Foto: Adriana Rocha
Outro fator que se ressalta é com relação a participação irrisória da população jovem,
pois mais de 50% dos integrantes são pessoas acima de 60 anos de idade. Tendo apenas a
participação de um único integrante de 14 anos de idade (Fotografia nº2), filho de um dos
músicos.
% de participação por Idade
7%
7%
0%
29%
05 à 15
16 à 25
26 à 45
46 à 65
57%
Ac de 66
Gráfico nº 1: Grupo de Folia Estrela da Guia – percentual de participação de integrantes por idade.
Observa-se que 57% dos integrantes possuem até 65 anos. Parte integrante do projeto de pesquisa: “Identidade
Cultural e Turismo: uma proposta para as Folias de Reis de Nova Friburgo”.
Produzido por: Adriana Rocha
FOTOGRAFIA nº 2: Grupo de Folia Estrela da Guia. A esquerda o integrante mais novo, Rafael, 14
anos, ao lado do pai. Iconografia do projeto de pesquisa: “Identidade Cultural e Turismo: uma proposta para as
Folias de Reis de Nova Friburgo”.
Foto: Adriana Rocha
Diante de levantamento das peculiaridades do Grupo de Folia de Reis Estrela da Guia,
foco do estudo, observa-se as singularidades sustentadas conforme aborda Noel (2010):
A ausência do personagem [palhaço], também chamado de mascarado e bastião,
caracteriza as formações conhecidas como ternos de reis, em estados como Espírito
Santo e Minas Gerais. “O terno não tem palhaço porque, embora conte também a
viagem dos reis, não canta a perseguição ao Menino Jesus”, explica a pesquisadora
capixaba Joelma Consuêlo Fonseca e Silva, observando que os 12 grupos de terno
de reis do estado têm origem italiana, diferenciando-se também por cantar em estilo
coral. Em Minas, assinala o professor Domingos Diniz, há vários grupos de folia que
não usam a figura saltitante e irreverente do palhaço, em municípios das regiões do
alto e médio São Francisco e do alto Paranaíba.
A Folia em questão não possui a figura do palhaço, canta em estilo coral, utiliza
instrumentos basicamente de cordas (Fotografia nº3), corroborando com as afirmativas de
Noel, uma vez que, mediante depoimento colhido junto ao mestre da Folia5, o mesmo informa
que a comunidade é constituída basicamente de imigrantes italianos.
5
Entrevista realizada com o mestre do Grupo de Folia de Reis Estrela da Guia, Sr.Cézar Tarden, no dia
20/01/2013, durante a jornada realizada na comunidade de Três Picos, Campo do Coelho, 3º distrito de Nova
Friburgo/RJ.
FOTOGRAFIA nº 3: Parte do instrumental utilizado pelo Grupo de Folia Estrela da Guia. Momento de
intervalo feito para que os músicos possam se alimentar entre as encenações que ocorrem durante a jornada.
Iconografia do projeto de pesquisa: “Identidade Cultural e Turismo: uma proposta para as Folias de Reis de
Nova Friburgo”.
Foto: Adriana Rocha
No que tange a prática da manifestação no espaço rural, Tremura (2004, p.3) faz um
parâmetro entre a música caipira e as Folias de Reis em relação as “melodias de caráter
melancólico, progressões harmônicas, e a maneira e forma de cantar e tocar os instrumentos
musicais como a viola e o violão”.
Também se identifica a permissão da presença feminina, entretanto, devido aos
afazeres domésticos, não há a presença da mesma no Grupo. Certifica-se assim, a constituição
do conceito de “Folia Invisível”, onde a “grande maioria é de mulheres [...] responsáveis pela
organização, preparação, mas não aparecem nos lugares públicos da festa.” (FONTOURA
apud Gonçalves, 2010, p. 11)
Além disso, a Folia em estudo revela uma tradição “estritamente católica”6
(TARDEM,2012) afirma o mestre, representante do Grupo, sobre a opção religiosa de todos.
Outro dado interessante é com relação ao lugar de reunião que é escolhido de forma
6
Entrevista concedida a Carolinne de Medeiros e Neuzely Padilha, Projeto Identidade Cultural e Turismo nas Áreas de
Proteção Ambiental de Nova Friburgo, no dia 26/09/2012.
democrática e alternada, durante o seu período de atividade. Todos os integrantes cedem suas
residências para os encontros.
Educação Patrimonial aliada ao Turismo cultural
Mediante este quadro relatado pelo mestre e constatado pelos pesquisadores, são
consideráveis as perspectivas que colocam em risco o processo de salvaguarda da
manifestação cultural. Parte-se do princípio instituído pela Lei de Diretrizes e Bases da
Educação – 9.394/1996 onde o artigo 1º, onde prevê que:
a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar,
na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos
movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.
(MEC, 2010 p.9)
Acredita-se que o uso da educação patrimonial possa contribuir para com a captação
de novos integrantes, em especial os jovens, promovendo uma maior interação com as
famílias por meio dos participantes do projeto ampliando as possibilidades de renovação da
Folia de Reis Estrela da Guia, além de outros possíveis desdobramentos, sendo capaz de unir:
o conhecimento oferecido pelo programa curricular com o conhecimento tradicional
das nossas comunidades. Esta proposta pode ser trabalhada nos diferentes níveis de
ensino, e também no âmbito da educação não-formal, centrando as ações nos
espaços de vida representados pelos territórios educativos. (MEC 2010 p.9)
Com a formação profissional dos adolescentes brasileiros, sobretudo daqueles que
tendem a procurar atividades produtivas e geradoras de renda antes mesmo de
completar 18 anos. E interessará também a todos àqueles que sonham com um Brasil
que respeita os direitos e a cidadania de todas suas crianças, sejam elas meninos ou
meninas, com deficiência ou não, pobres ou ricos, negros, índios ou brancos, no
norte ou do sul, da cidade ou do campo. (GOMES, 2004, p.4).
Noel (2010) destaca como a produção de instrumentos de corda é realizada em vários
municípios do Estado de Minas Gerais. Seus apontamentos fazem correlação com os
princípios da educação patrimonial no que tange a manutenção de técnicas tradicionais.
Segundo o autor o estado de Minas preserva:
a confecção artesanal de instrumentos usados na folia de reis e em manifestações
como as festas do Divino e do Bom Jesus ou a dança de São Gonçalo. Uma das
produções de destaque está em São Francisco, norte do estado, por conta de violas,
rabecas, caixas e pandeiros criados pelas mãos de mestres artesãos com materiais e
técnicas tradicionais. (NOEL, 2010 on line).
O próprio Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico nacional entende a educação
patrimonial como sendo:
os processos educativos formais e não-formais que têm como foco o patrimônio
cultural apropriado socialmente como recurso para a compreensão sóciohistórica das
referências culturais em todas as suas manifestações, com o objetivo de colaborar
para o seu reconhecimento, valorização e preservação. [...] [primando pela]
construção coletiva e democrática do conhecimento, por meio do diálogo
permanente entre os agentes culturais e sociais e pela participação efetiva das
comunidades detentoras das referências culturais onde convivem diversas noções de
patrimônio cultural. (IPHAN apud MEC, 2010 p.5)
Para que se tenha uma compreensão sóciohistória da prática da luthieria7, segundo
Roque apud Almeida e Pires (2012, p. 70) “[...] data do século 7 a partir do surgimento da
monodia (uma única linha melódica) usada no território sacro pelo canto gregoriano como
veículo de purificação e elevação espiritual” sendo definida como a “arte de elaborar
instrumentos musicais acústicos de madeira construídos minuciosamente a mão” (ROQUE
apud Almeida e Pires, 2012, p. 70).
Acredita-se que a arte poderá corroborar com resultados significativos no projeto, uma
vez que os depoimentos do mestre indicam a colonização italiana se aproximando do que
declara Roque como ser:
[...] mister tributar aos imigrantes italianos a entrada oficial – vamos dizer assim –
dessa intrincada profissão no espaço geográfico de nosso país. Foi, portanto, ao
longo dos primeiros anos do século XX que a luteria – atividade inter-relacionada
com física, acústica, mecânica e escultura – incorporou-se na então etérea, rarefeita e
difusa atmosfera cultural/musical do Brasil – principalmente no Rio de Janeiro e em
São Paulo (ROQUE, 2003, p. 17).
Nesse sentido é interessante partir do entendimento de que as oficinas de luthieria
propostas por este projeto aos alunos do colégio IBELGA tem a ver com “ a formação de
cidadania, identidade cultural, memória e tantas outras que fazem parte da nossa vida mas,
muitas vezes, não nos damos conta do quão importante elas são” (MEC, 2010 p.4). Além
disso, há a constatação, como dito anteriormente, do uso exclusivo de instrumentos de corda
por parte do Grupo de Folia de Reis em visitas realizadas a encontro, jornada e festa de
“Embora a arte da construção de instrumentos musicais feitos à mão remonte a milênios, o lento salto da
lutherie [...] ocorreu na Idade Média (início do século 5 até meados do século 15) e no Renascimento (séculos 15
e 16). A música tocada e cantada no continente europeu pelos bardos menestréis medievais no século 11 e depois
pelos trovadores [...] deu significativo impulso para que os artesãos buscassem um nível de aprimoramento cada
vez mais esmerado – tanto em termos de beleza plástica como em tentativas, nem sempre frutuosas, de
aperfeiçoamento sonoro” (ROQUE apud Almeida e Pires, 2012, p. 71). Já no Brasil, Roque diz que
“Provavelmente, a luteria chegou ao Brasil há pouco mais de 500 anos, a partir da chegada dos jesuítas nas
caravelas que aportaram no país. Ao longo desse processo de colonização, alguns artesãos foram trazidos com o
intuito de restaurar instrumentos utilizados em missas católicas. No entanto, devido à escassez de registros de
luthiers nesse período, não se pode afirmar, precisamente, se houve ou não a presença desses profissionais
durante a colonização. [...] Registros afirmam que ela foi trazida por italianos e alemães, o que não surpreende,
haja vista a história desse ofício ser enraizada em terras europeias. (ROQUE apud Almeida e Pires, 2012, p. 72)
7
arremate. Acredita-se nesta oficina como uma oportunidade de compartilhar novos ofícios na
região através de parceria com organismos locais.
Portanto, desponta também como uma opção profissional sustentável através desta
capacitação com o uso aplicado do conceito de material de reflorestamento, visto que, a
manifestação cultural está inserida em uma área de proteção ambiental e a qualidade não está
relacionada ao uso de madeira alternativa quando pode ser constatado nas palavras de Roque
quando considera que:
No universo da luteria, a maioria dos artesãos davam importância e crédito dos
instrumentos nas madeiras utilizadas, porém, alguns luthiers minimizaram essa
importância, como Giuseppe Del Gesu (1698-1744), que, suspeito de assassinato, foi
preso e, no cárcere, passou a trabalhar com madeiras levadas por seus familiares
para a construção de violinos. Ao construir um violino apelidado de “o canhão”,
mostrou que a qualidade da madeira não era fundamental para o resultado final da
construção, pois a potência sonora do instrumento era muito superior. (ROQUE
apud Almeida e Pires, 2012, p. 70).
Além do projeto chamado Luthier – Arte Ofício Cidadania, que é desenvolvido em
Minas Gerais com a comunidade Barão de Cocais. Esse projeto é realizado pelo
luthier Pedro Alexandrino, que se doou à comunidade para dar uma oportunidade a
vários jovens de enriquecer seus conhecimentos musicais aprendendo o ofício da
luteria com madeiras de reflorestamento. (ROQUE apud Almeida e Pires, 2012, p.
74).
Como se acredita que o Turismo pode ser um viés colaborador para as ações de
salvaguarda da manifestação cultural, desde que ações adequadas e sustentáveis sejam
implementadas, propõe-se uma visão da prática da atividade por meio do Turismo Cultural.
Mesmo que ainda muito incipiente no município, acredita-se nas oportunidades que esse
“braço” da atividade pode favorecer região. Quando guardadas as devidas proporções,
considera-se que:
O Turismo Cultural [irá] implicar em experiências positivas do visitante com o
patrimônio histórico e cultural e determinados eventos culturais, de modo a
favorecer a percepção de seus sentidos e contribuir para sua preservação. Vivenciar
significa sentir, captar a essência, e isso se concretiza em duas formas de relação do
turista com a cultura ou algum aspecto cultural: a primeira refere-se às formas de
interação para conhecer, interpretar, compreender e valorizar aquilo que é o objeto
da visita; a segunda corresponde às atividades que propiciam experiências
participativas, contemplativas e de entretenimento, que ocorrem em função do
atrativo motivador da visita. (MTUR, 2010 p.16)
Logo como o próprio Caderno de Turismo cultural do Ministério do Turismo - MTur
diz:
O Turismo Cultural envolve ações de vários setores e instituições, em especial os
que possuem atuação na área de cultura. Seu desenvolvimento exige amplas medidas
de apoio e fomento, dentre outras ações, possíveis por meio da identificação de
recursos e incentivos para a implantação, adequação e melhoria de infraestrutura,
produtos e serviços relacionados ao segmento, estimulando a criação e
fortalecimento de atividades e negócios que dinamizem o Turismo Cultural.
Ressalta-se que tais investimentos devem contribuir para a criação de condições que
resultem na preservação e valorização do patrimônio cultural do destino. (MTUR,
2010 p. 79)
O próprio MTur salienta que “novos arranjos de governança entre o setor público,
privado e sociedade civil pode se constituir em uma forma de estabelecer mecanismos e
instrumentos de incentivos que beneficiem o Turismo Cultural [e as manifestações que a
compõem].” (MTUR, 2010, p.79).
Portanto, lembra-se que na contemporaneidade se faz necessário a implementação de
parcerias por meio da gestão compartilhada, com envolvimento das comunidades acerca das
ações de salvaguarda de seus patrimônios culturais. Sua adequada implementação com base
na sustentabilidade podem através do Turismo Cultural, obter a contribuição necessária,
consciente.
A realização deste projeto está sendo pensada em parceria com o poder público e
privado. Desta forma, pode-se contribuir para que se alcance resultados ainda melhores a
partir do momento em que a própria comunidade se vê apoiada pelos organismos locais e
externos. Empresas como Gerdau, Petrobrás, Natura entre outras, podem ser parceiros de
grande relevância para que a implementação desta ação se concretize por meio de leis de
incentivo constituídas pela política pública nacional. Angelucc e Scopinho (2010) preveem
que práticas socioculturais politizadas são “capazes de fortalecer identidades sociais em prol
de sua sobrevivência enquanto sujeitos coletivos ativos da própria história”.
Logo, a atividade turística pode ser um modo privilegiado de promover a valorização
das “cerimônias preservando seu conteúdo religioso” (JURKEVICS, 2007 p.78) gerando
riquezas graduais e cada vez mais equitativas estimulando a inclusão social e práticas cidadãs
nas localidades.
Conclusão
Compreende-se que essas ações complementares para a salvaguarda da manifestação
cultural sejam empreendidas na comunidade supracitada o mais breve possível. Outro sim, se
entende que por meio da educação patrimonial na comunidade envolvida estimulará a
apropriação da cultura por parte do autóctone e, mediante ao sentimento de pertencimento,
intensifique as ações e resultados positivos ao que tange a manutenção do Grupo de Folia de
Reis Estrela da Guia, bem como, abrindo novos leques sócio-culturais e econômicos na
região.
Além de um gerador de renda e autoestima para os envolvidos diretamente na
manifestação, é reafirmado um novo “leque de possibilidades” que o Turismo Cultural pode
fornecer ao município. Esse “leque de possibilidades” pode contribuir para a salvaguarda dos
Grupos de Folias de Reis e de outras manifestações culturais da região e um meio pelo qual
eles se sustentem através da atividade. Entende-se que este patrimônio cultural pode ser um
aporte ao Turismo Cultural, uma vez que a Folia de Reis deve ser considerada também como
matéria-prima na prática da atividade turística na localidade.
A cultura pode e deve ser compreendida como um “recurso econômico”, tal como
preconizado nas Normas de Quito: “Trata-se de incorporar a um potencial econômico um
valor atual, de por em produtividade uma riqueza inexplorada, mediante um processo de
revalorização que, longe de diminuir sua significação, puramente, histórica ou artística, a
enriquece [...]”. (OEA, 2000, p.111).
Por conseguinte, o projeto torna-se mais um aliado na valorização e dissiminação
também do ofício de luthieria, tão importante culturalmente e pouco difundido em nosso país.
Sendo assim, identifica-se ser pertinente a inventariação e implementação de ações proposta
por meio da educação patrimonial com viés na luthieria que contribuam para permanência dos
Grupos de Folia de Reis, intensificando a apropriação por parte dos locais desta manifestação
cultural, envolvendo a comunidade, escola e representantes da cultura local, corroborando
com os conceitos de sustentabilidade emergentes da contemporaneidade.
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