VOO GOL 1907

Transcrição

VOO GOL 1907
VOO GOL 1907
Veículo: Site Revista Isto É
Seção: *****
Coluna: *****
Jornalista: Ivan Martins e Márcio Kroehn
Data: 20 de março de 2010
Cm/col: 40
farsa do vôo 1907
Por Ivan Martins e por Marcio Kroehn
Imagine, leitor, o seguinte cenário: dois pilotos brasileiros conduzem um jatinho
executivo sobre o vasto deserto do Arizona, nos Estados Unidos. Por uma razão
qualquer, seu aparelho invade espaço aéreo proibido e permanece surdo às advertências
do controle local de tráfego aéreo. Na contramão do céu, o pior acontece: a aeronave
choca-se com um avião comercial americano e provoca a sua queda, matando 154
pessoas. O jatinho e sua tripulação escapam milagrosamente ilesos, apesar de pequenas
avarias que forçam a nave a um pouso de emergência.
Esse acidente hipotético ajuda a dimensionar a farsa em que se tenta transformar uma
tragédia real, a do vôo 1907 da Gol. O Boeing caiu sobre a Amazônia no dia 29, sextafeira, atingido por um jato Legacy da Embraer pilotado por Joseph Lepore e Jean Paul
Palladino, cidadãos americanos.
Há 154 famílias em luto desesperado, as autoridades aeronáuticas e a polícia federal se
empenham em desvendar as causas do acidente, mas existe, do lado americano, um
esforço deliberado em proteger de antemão os dois pilotos, transferindo o ônus das
mortes a supostas falhas técnicas dos sistemas de vôo brasileiros. Se o acidente tivesse
ocorrido nos Estados Unidos não haveria a menor chance dessa manobra ter sucesso.
Aqui, pode funcionar.
O que deveria ser a sóbria e isenta coleta de fatos está sutilmente dando lugar a um
debate no qual os pilotos americanos são apresentados por seus compatriotas e
advogados brasileiros como vítimas. Insinua-se falsidade e incompetência das
autoridades brasileiras. Não falta nesse episódio o flagelo da repúblicas pobres, que vira
e mexe são ameaçadas em sua soberania. O que se faz quando dois cidadãos americanos
começam a agitar seu passaporte e gritar ao embaixador que estão sendo alvo de
injustiça?
Nesta semana, os jornais brasileiros devem informar que Lepore e Palladino respondem
“aos berros” quando se pergunta se desligaram o aparelho que impediria o acidente,
chamado de transponder. Ocorre que essa é uma pergunta perfeitamente pertinente, uma
vez que há dois aparelhos de comunicação desse tipo a bordo do Legacy e até minutos
depois do acidente nenhum deles havia funcionado ou estavam ligados. Como falha
técnica é inaudita. Imagine-se os dois pilotos brasileiros fictícios berrando no escritório
do FBI em Washington...
Essa atmosfera de intriga pode piorar nos próximos dias, quando emergir de novo o
conteúdo da caixa preta do Legacy. Ela deixa claro o que os pilotos fizeram ou não
fizeram. Circula a hipótese grotesca de que eles teriam desligado o transponder e o rádio
para fazer manobras desautorizadas com seu novo brinquedo, recém apanhado nos
angares da Embraer, em São José dos Campos. Estariam, nessa hipótese assombrosa,
agindo sobre a vastidão amazônica como um adolescente faria com o carro novo da
família numa estrada deserta: estrepolias, nas palavras do advogado dos pilotos, o exministro José Carlos Dias.
Dias foi à televisão, à época, avisar que a suposição de “estropolias” era absurda.
Alegava que por formação essas pessoas não fazem esse tipo de coisa. Se referia a
pilotos treinados ou cidadãos americanos? Estranho argumento, mas que pode, afinal,
ser verdadeiro. Por outro lado, pode ser também o início de uma manobra para
desqualificar previamente as informações da caixa-preta. Não há limites para o que um
bom advogado é capaz de fazer em defesa de seus clientes.
Mas desta vez o advogado não é o principal vilão da história. Um jornalista americano,
que viajava à bordo do Legacy tomou para si o papel de canalha. Joe Sharkey, colunista
de aviação do The New York Times, disse à polícia brasileira que não tinha visto nada.
Afirmou que durante a viagem ficara sentado lá no fundo do jatinho, ouvindo música.
Liberado para viajar, voltou aos EUA e tem dado repetidas declarações à imprensa de
que os pilotos voavam na altitude certa e de que “corriam risco naquele País”. Nem uma
palavra de condolências pelas 154 pessoas que perderam suas vidas.
Nos próximos dias o leitor nacionalista vai precisar de paciência. Se os americanos
forem descaradamente inocentes, a paz voltará a reinar. Se houver dúvidas – e quase
certamente haverá – o jogo de pressões vai aumentar. Não faltará quem sugira que é
melhor para o País esquecer o episódio porque, afinal, não há como retornar à vida os
que se foram.
A única resposta a esse tipo de pusilanimidade é a análise minuciosa das evidências
técnicas. Se for descoberto que o controle de vôo brasileiro falhou, aplique-se a lei aos
nacionais. Se houver indícios de que os americanos foram negligentes, que enfrentem os
juizes brasileiros. Enquanto isso, deviam ter permanecido no Brasil, como convidados.

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