150 os imperdoáveis, de clint eastwood - Veredas Favip
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OS IMPERDOÁVEIS, DE CLINT EASTWOOD: a programação de efeitos poéticos Jorge Cardoso Filho1 Resumo O artigo analisa os mecanismos de produção de efeitos de sentido no filme Os Imperdoáveis (The Unforgiven, 1992), do diretor Clint Eastwood, a partir da perspectiva da análise textual da obra. Partindo da noção de que uma narrativa fílmica funciona a partir da ativação textual, o artigo identifica os elementos que funcionam como chaves-hermenêuticas para a obra em questão. Palavras-chave: Narrativa fílmica, Poética, Drama, Western. Abstract This article analyses mechanisms of meaning production in the movie The Unforgiven (1992), by the director Clint Eastwood, from a perspective of textual analysis. Starting from the notion that a film narrative is based upon a textual activation paradigm, the article identifies the elements that act as hermeneutical keys for this particular film. Keywords: Filmic narrative, Poetics, Drama, Western. 1 Professor do Centro de Artes, Humanidades e Letras da UFRB e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas, UFBA. Endereço eletrônico: [email protected] Veredas Favip ano 10 | volume 7 | número 2 | 2014 150 INTRODUÇÃO Clint Eastwood iniciou sua carreira como diretor em 1971, com a obra Play Misty for Me (Perversa Paixão) que obteve boa aceitação da crítica e já indicava um talento especial do jovem Eastwood atrás das câmeras. Ao longo dos mais de trinta anos de experiência dirigindo, produzindo e atuando em filmes, ele conseguiu reunir um conjunto extenso de prêmios, boas atuações e construir uma marca estilística que permeia suas narrativas dramáticas, mesclando o já reconhecido repertório do gênero aos cuidados peculiares com a composição das cenas e construção dos personagens. Unforgiven (Os Imperdoáveis) rendeu a Eastwood prêmio de melhor filme e diretor no Oscar de 1992, constituindo-se como uma das obras de referência do moderno western e solidificando uma característica das narrativas do diretor – sua explícita inclinação ao drama. A proposta nesse pequeno artigo é analisar as estratégias empregadas numa obra cinematográfica para produção de efeitos específicos no espectador. A partir do enfoque da análise textual como método de investigação privilegiado, busca-se compreender de que maneira a narrativa cinematográfica articula seus elementos expressivos particulares (planos, trilhas sonoras, fotografias, etc.) para proporcionar uma determinada disposição anímica no espectador ou mesmo produzir uma sensação. Parece legítimo questionar o fenômeno por essa perspectiva porque parte das reflexões produzidas sobre a narrativa cinematográfica se debruça sobre a estrutura profunda da mesma, como se não houvesse uma experiência comum proveniente do efeito que os aspectos superficiais da obra produzissem sobre os espectadores. Esse recuo visa compreender de que modo uma obra consegue produzir efeitos naqueles que a interpretam, fundamentado nas formulações de Pareyson (1993), Eco (1986) e Iser (1996) sobre o caráter executivo dos materiais expressivos. Ele permite, ao mesmo tempo, um avanço significativo na investigação sobre a interpretação e crítica dos produtos culturais. Isso porque toda obra posta em contato com um leitor/espectador reclama para a relação determinados limites, instaura um certo regime no qual a recepção da obra deverá, necessariamente, ocorrer sob pena de não produzir os efeitos pretendidos pela instância produtiva. Esses limites e regimes Veredas Favip ano 10 | volume 7 | número 2 | 2014 151 interação devem servir de balizas para que os críticos e apreciadores das obras formulem juízos e experimentem os efeitos propostos pelas peças. O texto deixa os próprios conteúdos em estado virtual, esperando-se que a sua atualização definitiva se dê com o trabalho cooperativo do leitor, então se pode continuar falando de pressuposição, porque finalmente algo unifica sempre esses processos tão diversos, e é precisamente o fato de que um texto é sempre, de algum modo, reticente. (ECO, 1986, p. 12) Considerando que o conceito semiótico de texto é mais amplo que o exclusivamente lingüístico (ECO, 1984), é legítimo considerar que condição “reticente” a que o autor se refere implica uma série de espaços em branco e de informações previstas pelas obras expressivas que: a) contribuirão para a construção de suas elipses e para a manipulação das convenções estilísticas e b) oferecerão iniciativas interpretativas ao leitor, na medida em que os textos requerem ajuda para o próprio funcionamento. Nesse ponto, a metáfora da “ativação textual” (similar ao acionamento de uma máquina) adquire sentido pleno, na medida em que o texto é um mecanismo preguiçoso que pede que o leitor faça parte do seu trabalho. Ativar um texto é, desse modo, ajudá-lo a funcionar. Significa cooperar interpretativamente com a obra, realizando as ações previstas e sofrendo os “efeitos” programados em seu dispositivo. Wilson Gomes (1996), ao analisar o alcance dos conceitos formulados por Aristóteles, na Poética, aos materiais expressivos contemporâneos, conclui que três tipos de efeitos podem ser produzidos: os efeitos cognitivos, que se relacionam com as mensagens transmitidas pela obra ao público (as obras consideradas “panfletárias”, por exemplo), os efeitos estésicos, que apelam para a estrutura sensível da percepção e produzem sensações sobre os apreciadores (como rugosidade, suavidade, peso ou leveza) e efeitos emocionais, que se relacionam com as disposições anímicas que a obra suscita no apreciador (melancolia, raiva, temor etc.). Ante uma narrativa como Unforgiven, uma atitude bastante provável do espectador é sofrer de tal modo com a estória de William Munny – ex-assassino impiedoso do Missouri – que o peso da tradição western sequer será notada pelo não apreciador desse gênero cinematográfico. Isso implica que a exploração dos elementos dramáticos tende a ampliar o leitor-modelo dessa obra, possibilitando a extração de prazer de ambos os eixos que se desenvolvem durante essa narrativa. Veredas Favip ano 10 | volume 7 | número 2 | 2014 152 “Borramentos” do western e do drama em Os Imperdoáveis O acento dramático da obra em questão será apresentado logo na primeira seqüência (de fotografia excelente, por sinal), na qual o espectador vê uma pequena cabana, ao pôr-do-sol, uma pequena árvore seca ao seu lado e um homem cortando lenha. Uma legenda apresenta o personagem William Munny e explica sua atual condição de vida (um viúvo, que cuida dos seus dois filhos e foi regenerado da bebida e da vida sanguinária pela dedicada esposa Claudia). Preenchendo essa seqüência com uma trilha sonora característica dos filmes western, entretanto, a instância narrativa sugere uma estória de “bang-bang”, que se desenvolverá com todos os elementos envolvidos na equação (cowboys, chineses, índios, prostitutas, um xerife durão e muito tiroteio). Já nos seus cinco minutos iniciais, a obra se apresenta ao espectador “dizendo a que veio”, mostra que tipo de efeito pretende produzir neste que se envolve com a narrativa. E o faz de uma maneira bastante direta, explorando rapidamente os recursos expressivos visuais e sonoros disponíveis. Unforgiven possui uma fotografia primorosa que concede uma sofisticação plástica importante para o efeito total da obra. A composição dos planos e seus enquadramentos concedem importância significativa ao rosto e as expressões dos personagens, o que permite perceber o acionamento de uma gramática visual recorrente nas grandes obras dramáticas do cinema. Os planos abertos também são bastante utilizados visando apresentar ao espectador todo o ambiente no qual a trama se desenvolve, bem como as texturas das cenas. A câmera de Eastwood, muito simples, focaliza elementos visuais significativos para o desenvolvimento da trama, sem promover grande desperdício narrativo ou valorização demasiada de um objeto específico. É uma câmera econômica que guia o espectador até o elemento no qual ele deve depositar sua atenção. Toda essa preocupação plástica na dimensão visual da obra expande ainda mais o tipo de espectador para o qual o filme foi feito. Não é apenas um western (com o mocinho, a dama e os vilões) ou um drama (no qual alguém virtuoso sofre uma terrível perda), mas uma obra que investe na sedução do olhar do espectador através de elementos muito específicos da visualidade (paleta de cores, textura, composição dos planos) – o que permite a leitura do filme em níveis diferenciados. Tal particularidade favorece uma identificação entre essa obra e um espectador Veredas Favip ano 10 | volume 7 | número 2 | 2014 153 preocupado com as questões “artísticas” e ligadas à linguagem cinematográfica. Ou seja, além de uma trama bem elaborada, há uma preocupação formal na manipulação dos recursos dessa linguagem. O resultado desse investimento é um efeito de “espetacularização” do Velho Oeste, um faroeste com requintes de lirismo. Contrapondo-se ao apuro formal presente em grande parte do filme, são inseridas seqüências de nítida influência realista, sobretudo nas cenas de tiroteio (em que Eastwood enfatiza a morte de personagens com tomadas próximas ao rosto). Esse realismo – que não poupa o espectador dos detalhes de uma ação – empregado pelo diretor em certas ocasiões favoreceu a produção de um efeito de “violência gráfica”, criticado pelo público na ocasião de lançamento da obra. Os cortes na prostituta Delilah, o morto Ned Logan, ou a tocaia para Davey, exemplificam esse efeito. Alguns críticos chegaram a afirmar que Unforgiven seria um filme sobre a violência, suas repercussões e o efeito que provoca naqueles a quem atinge. Não há argumentos na obra que sustentem uma tese desse porte, embora a violência, sem dúvida, se constitua como um dos elementos de composição dessa narrativa. Embora essa contraposição entre um discurso visual de lirismo e realismo pareça “incoerente” e em certos momentos do filme ela realmente confunda o espectador, é extremamente condizente com estilo que Eastwood construiu no decorrer de sua carreira como diretor (visando agradar a um público variado e extremamente amplo). Muitas vezes, numa seqüência de fotografia belíssima, os personagens falam de coisas rudes, como masturbação ou assassinatos que cometeram, com todos os detalhes do evento (como quando Munny conta que viu o defunto Hendershot com a cabeça quebrada e cheia de vermes no rosto). A trilha sonora de Unforgiven é outro elemento que cumpre papel importante na atualização dos efeitos programados na obra. Como já dito anteriormente, a primeira seqüência do filme – em que Eastwood apresenta quem é Will Munny – é preenchida com uma trilha sonora muito peculiar. Trata-se do som de um piano em primeiro plano, com arcos ao fundo, fazendo uma base melódica melancólica. Embora a timbre do piano seja freqüentemente explorado em filmes western, esse andamento concedido à peça aliado ao plano imagético da cena sugere um estado afetivo de tristeza e solidão, disposições impróprias para um gênero cinematográfico que investe na violência e aventura. Acontece que essa trilha sonora mais trágica empregada pelo diretor vai servir para retirar o peso da violência que permeia a obra Veredas Favip ano 10 | volume 7 | número 2 | 2014 154 e acentuar o desenvolvimento do drama pessoal de Will, constituindo-se como um tema musical do personagem. Há, ainda no âmbito sonoro, uma preocupação em apresentar ao espectador o timbre das esporas que batem ao chão, dos tiros das diferentes armas disparadas etc.. O som das tempestades se aproximando e dos trovões, de maneira similar, servem para criar uma atmosfera assustadora em determinados momentos da obra, sobretudo, quando Will e seus companheiros chegam até a cidade de Big Whiskey a procura das prostitutas. De uma maneira geral, o som é empregado nessa obra com uma função de reiterar uma informação visual já oferecida. Quando estão chegando na cidade, Eastwood apresenta imagens mais sombrias, explorando o jogo de “claro e escuro” como se estivesse preparando o espectador para algum acontecimento horripilante. Daí que a inserção dos raios e trovões, fenômenos tradicionalmente utilizados nas narrativas para a produção do medo, reitera essa proposta inicial feita pelo diretor. Numa outra importante cena do filme (seqüência na qual os cowboys tentam se redimir com as prostitutas oferecendo um potro a moça machucada), uma música em acordes menores reitera o tom misericordioso do acontecimento, enquanto as imagens focam, em plano fechado, a expressão frágil de Delilah ante o pedido de perdão dos homens. A narrativa é construída de maneira a posicionar o espectador com Will Munny. Não que o diretor tente construir uma “identificação” entre Munny e o espectador, mas que o modo como esse personagem é caracterizado favorece a construção de uma relação de simpatia. Em primeiro lugar, porque ele foi um homem ruim que se regenerou através do amor de uma mulher (amor de sacrifício é característico da obra dramática e produz o sentimento de compaixão). Depois, porque a decisão de partir para a matança é tomada para garantir o futuro de seus filhos (praticamente desamparados após a morte da mãe) e para vingar o sofrimento pelo qual a prostituta passou, elemento que concede uma certa nobreza a este homem. Finalmente, porque o xerife e seus homens mataram seu amigo Ned Logan (que sequer teve coragem de atirar nos cowboys), o que torna a sua vingança pessoal uma atitude legitima. Sobre os outros personagens, Eastwood oferece poucas informações – Little Bill, xerife de Big Whiskey, ambiciona construir uma casa e viver em paz. Ned Logan é um ex-parceiro de matança de Will Munny. English Bob, um famoso assassino de chineses que trabalha nas ferrovias do oeste. Essas são as características sobre os Veredas Favip ano 10 | volume 7 | número 2 | 2014 155 personagens secundários que o diretor considera importante para o espectador no desenvolvimento da narrativa, sobretudo para mantê-los envolvidos com o universo do western. Desse modo, ele mantém um nicho narrativo vinculado às convenções desse gênero cinematográfico específico e não transforma Unforgiven num melodrama ambientado no Velho Oeste. Dois outros personagens, entretanto, parecem possuir importância significativa na acentuação do drama do protagonista: Scholfield Kid e Claudia. Kid se apresenta como um assassino cruel, embora ainda jovem, que convida Munny para ser seu parceiro na chacina dos dois cowboys que retalharam a prostituta. Na sua primeira cena, ele é rude e aparenta realmente ser um homem perigoso. Paulatinamente, Eastwood explora esse personagem e mostra suas fragilidades (sua cegueira, sua inexperiência em assassinatos, sua ingenuidade e covardia) produzindo no espectador um sentimento de pena – ele seria apenas um pobre coitado que se considerava grande coisa. Na verdade, Kid é um personagem que se desenvolve em contraposição a Munny. Este se apresenta como um homem regenerado e pacífico, que já deixou para trás seu passado sanguinário, no entanto, os eventos da trama acabam por trazer esse passado de volta, revelado-o como um assassino de mulheres e crianças até. Do mesmo modo, ao ver um homem regenerado cair novamente em desgraça o sentimento de piedade é produzido no espectador. A trajetória pessoal de Munny é partir da condição de um homem regenerado para a de um assassino cruel. As seqüências iniciais demonstram sua dedicação à família, sua falta de habilidade na montaria, sua negação às bebidas e até mesmo seus tormentos, pouco a pouco, Will recupera o gosto pela briga, pelos tiros e pelo whisky, tornando-se outra vez o perverso bandido do Missouri (na emblemática cena em que fica sabendo da morte de Ned Logan). Kid faz a trajetória inversa, um homem que se julga cruel e revela-se frágil após matar um homem (na verdade, Kid nunca havia matado alguém). Essa contraposição feita por Eastwood entre “homem regenerado” e “assassino” contribui para a produção do efeito dramático da obra, portanto. Claudia, a falecida esposa de Will Munny, é uma personagem que só pode ser vista numa fotografia (de maneira muita rápida). Ainda assim, as referências a seu temperamento e as ações que se desenvolvem na narrativa caracterizarão uma função sistemática dessa personagem na trama: ela serve para lembrar a Munny que ele não é mais um assassino bêbado. Funciona como uma espécie de “segunda consciência do personagem”, impedindo que ele cometa atos maldosos ou impensados. É o próprio Veredas Favip ano 10 | volume 7 | número 2 | 2014 156 William Munny quem afirma a importância de sua mulher quando se apresenta na narrativa (ela me tirou da bebida e da matança) e paulatinamente outros o fazem. Ned Logan diz “você não iria para a matança se Claudia estivesse viva” e Will chega até mesmo a afirmar que não vai a cidade procurar outras mulheres porque “minha finada esposa não iria achar certo”. Eastwood dá poucas informações sobre a finada Claudia. Ela morreu três anos antes dos episódios em Big Whiskey e era uma mulher bonita, com muitos pretendentes para casamento. Essas informações são oferecidas pelas legendas que preenchem a seqüência inicial de abertura do filme (cabana, ao pôr-do-sol e Munny cortando lenha ao lado) e revelam, em boa medida, o espaço dramático concedido para esta personagem. Ao fim da obra, esse mesmo plano imagético e trilha sonora são utilizados (no entanto, há um varal de roupas no lugar do homem cortando lenha) para esclarecer ao espectador o destino do protagonista e questionar o por quê de uma boa moça como Claudia ter casado com um conhecido assassino de temperamento cruel como William Munny. Ao espectador são apresentados dois problemas, portanto, nos minutos iniciais de Unforgiven a) o drama pessoal de Will Munny, que perdeu a esposa a poucos anos e não sabe se conseguirá cuidar dos filhos sozinho e b) vingar a prostituta retalhada matando os dois cowboys e receber a recompensa de mil dólares. O modo como Eastwood vai concatenar esses dois problemas é que concede um “sabor” todo especial à obra. Contrapondo situações específicas relativas ao primeiro problema (o drama de Munny) com seqüências que narram a vida no condado de Big Whiskey, inclusive das prostitutas e das autoridades locais, Eastwood consegue manter a atenção do espectador presa aos dois nichos da trama e indicar que as estórias se entrelaçarão afinal, para matar os cowboys e conseguir sua recompensa ele precisa enfrentar o hábil xerife Little Bill, que não está interessado em assassinos mercenários rondando o condado. Perguntas que se insinuam na narrativa, de maneira constante, são “será que William voltará a beber e assassinar pessoas de maneira cruel? O que ele fará com o xerife Little Bill e seus ajudantes? Será que o amor pela mulher não o curou dessa vida?”. As respostas são oferecidas paulatinamente: Will já não consegue acertar um tiro numa lata a cinco metros de distância. Também não consegue se manter firme sobre um cavalo e recusa toda oferta de bebida feita pelos seus parceiros Kid e Ned, bem como a possibilidade de Veredas Favip ano 10 | volume 7 | número 2 | 2014 157 tirar um “adiantamento” da recompensa com as prostitutas. Ou seja, Will já não é mais aquele homem ruim que matava mulheres e crianças no Missouri. Entretanto, o destino dos personagens é irônico. Ned Logan, o antigo parceiro de Will, desiste de matar os cowboys e prefere voltar para casa para ajudar os filhos do amigo no trato com os porcos. No regresso, os homens do xerife capturam Ned e ele é de tal modo torturado, a fim de dar informações sobre onde estão os outros dois companheiros, que acaba morrendo. Quando Will recebe essa informação, Eastwood emprega um plano fechado no personagem, focando seu olhar e buscando dramatizar a cena (sugerindo que esse era o estopim necessário para despertar o assassino cruel por anos adormecido, graças ao amor de Claudia). O plano se amplia e o espectador pode ver Will tomar a garrafa de whishy de Kid e beber o primeiro gole (como se estivesse se entregando novamente ao passado). Essa cena ocorre nos minutos finais da obra (cerca de 110 minutos), constituindo-se as anteriores como uma longa preparação para o acontecimento de desenlace final. Após tantos questionamentos sobre a possibilidade do protagonista voltar a sua vida pregressa o espectador finalmente obtém uma resposta, que é de tal modo construída que a ação de Munny é não só justificável, como também legítima. Considerações finais Na medida em que um texto exerce sua plena função apenas quando ativado, a análise textual da narrativa fílmica requer a ativação dos efeitos programados nas obras como condição matricial para seu desenvolvimento. Toda interpretação e juízo do investigador dependerão dessa cooperação inicial que se estabelece durante a relação com as obras sendo imprescindível, portanto, avaliá-las apenas pelos efeitos que pretendem produzir. Esse percurso também contribui para uma interpretação mais segura das peças, uma vez que a obra é o parâmetro para a avaliação do analista. Pode-se afirmar que a economia da informação empregada por Eastwood, nessa obra, é bastante generosa. Todos os elementos já são oferecidos nos minutos iniciais, cabendo ao diretor apenas administrá-los no desenrolar da narrativa. Não há grande surpresa ou expectativas frustradas, mas a satisfação de uma promessa feita desde a apresentação da obra e cumprida integralmente ao final. Há um desfecho tanto para a trama de vingança quanto para o drama de Munny, através de uma legenda que vai explicar seu destino junto com os seus filhos, em São Francisco. Essa mesma legenda, Veredas Favip ano 10 | volume 7 | número 2 | 2014 158 ao som do mesmo piano melancólico e da fotografia do início da narrativa, volta questionar os motivos que levaram uma boa moça como Claudia a casar com um sujeito de temperamento ruim como Will, fazendo predominar um efeito trágico em Unforgiven. Referências: ANDREW, James D. As principais teorias do cinema: uma introdução. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1989. AUMONT, Jacques et al. Estética do filme. Campinas: Papirus, 1995. BARTHES, Roland. Elementos de Semiologia. 16 ed. São Paulo: Cultrix, 2006 ______. Mitologias. 9 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1993. BRAUDY, L. & COHEN, M. (org.). Film Theory and Criticism. Introductory Readings, New York, 1999. BORDWELL, David. Narration in the Fiction Film, Madison 1985. BORDWELL, D. & THOMPSON, K. Film Art: An Introduction, New York 2008. CARROL, Noel. Narration / Narrative Closure / Style. In: Livingston, P. / Plantinga, C. (org.). 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