No 4.444/AsJConst/SAJ/PGR CONSTITUCIONAL. ESTATUTO DA
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No 4.444/AsJConst/SAJ/PGR CONSTITUCIONAL. ESTATUTO DA
No 4.444/AsJConst/SAJ/PGR Ação originária 1.773/DF Relator: Ministro Luiz Fux Autores: DIMIS DA COSTA BRAGA, DURVAL CARNEIRO NETO, EDUARDO MORAIS DA ROCHA, FÁBIO ROGÉRIO FRANÇA SOUZA, FAUSTO MENDANHA GONZAGA, FRANCISCO NEVES DA CUNHA, GUILHERME BACELAR PATRÍCIO DE ASSIS, GUILHERME JORGE DE RESENDE BRITO Ré: UNIÃO CONSTITUCIONAL. ESTATUTO DA MAGISTRATURA. AUXÍLIO-MORADIA. LOMAN, ART. 65, II. SIMETRIA DE REGIMES ENTRE A MAGISTRATURA JUDICIAL E A DO MINISTÉRIO PÚBLICO, PARTICULARMENTE DESDE A EMENDA CONSTITUCIONAL 45/2004. NE CESSIDADE DE DISCIPLINA NACIONAL E UNIFORME DO INSTITUTO PELO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. 1. Competência do Supremo Tribunal Federal para julgar ação em que toda a magistratura judicial é interessada, que discute vantagem funcional com regramento específico, cuja disciplina demanda decisão uniformizadora do STF. 2. O auxílio-moradia é vantagem funcional expressamente pre vista no art. 65, II, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar 35/1979), recepcionado pela Constituição da República de 1988. Possui natureza indenizatória, devido propter laborem a juízes que residam em localidade na qual não haja residência oficial disponível. 3. A natureza indenizatória do auxílio-moradia torna-o compa tível com o regime constitucional de subsídio aplicável aos juí zes. 4. É juridicamente possível integração do art. 65, II, da LO MAN com outras normas, para o fim de concluir pela aplicabili dade imediata do auxílio-moradia, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal quanto a outros institutos do mesmo disposi Ação originária 1.773/DF PGR tivo. Particularmente a partir da Emenda Constitucional 45/2004, que alterou o art. 129, § 4o, da Constituição, o poder constituinte densificou a simetria de regime jurídico entre juízes e membros do Ministério Público, sendo lícito considerar que atribuiu ao segundo a natureza de magistratura requerente, equi parada à judicial, a exemplo de países europeus de matriz jurí dica romano-germânica. Com isso, é legítima a aplicação recíproca de normas legais de uma à outra carreira, no que cou ber. A disciplina do auxílio-moradia devido aos magistrados ju diciais pode extrair-se da inscrita na Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar 75/1993). 5. Possui o Poder Judiciário caráter unitário e nacional, a de mandar disciplina uniforme das linhas mestras de seu regime ju rídico (art. 93 da Constituição da República). Precedentes do Supremo Tribunal Federal. É inconstitucional e injusta a pletora de leis e atos administrativos que hoje regulamentam de forma fragmentada e divergente o auxílio-moradia para parcelas da ma gistratura judicial. Até que advenha lei nacional a respeito do instituto, deve o Conselho Nacional de Justiça, por determina ção do Supremo Tribunal Federal, regular o pagamento do auxí lio-moradia aos juízes brasileiros, superando a variedade de leis estaduais discrepantes sobre o tema. Para os membros do Su premo Tribunal Federal, caberá ao próprio órgão disciplinar o instituto. Parecer pelo reconhecimento da competência do Supremo Tri bunal Federal, pelo deferimento parcial da antecipação de tutela jurisdicional e pela procedência parcial do pedido, ambos com efeito ex nunc. I. RELATÓRIO Trata-se de ação originária proposta por DIMIS BRAGA E OUTROS, DA COSTA juízes federais qualificados na petição inicial, em face da UNIÃO, pela qual pedem declaração definitiva de que fazem jus a recebimento de auxílio-moradia sempre que exerçam fun ções em localidades onde não exista residência oficial à disposição 2 Ação originária 1.773/DF PGR do magistrado. Invocam o art. 65, II, da Lei Orgânica da Magistra tura Nacional (LOMAN – Lei Complementar 35, de 14 de março de 1979), vantagem a ser percebida no valor máximo estabelecido pelo Conselho Nacional de Justiça ou, caso assim não se entenda, no valor correspondente ao dispêndio efetuado com aluguéis ou hospedagem. Formulam pedido alternativo, com fundamento no mesmo art. 65, II, da LOMAN, desta feita combinado com o art. 60-A da Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e com o art. 52 da Lei Orgânica da Justiça Federal (LOJF – Lei 5.010, de 30 de maio de 1966), de declaração definitiva do direito a recebimento de auxíli o-moradia pelos autores que paguem ou pagaram aluguel ou hos pedagem na localidade em que residam ou tenham residido para o exercício jurisdicional. Na hipótese de provimento declaratório, em relação ao primeiro ou ao segundo pedido, requerem conde nação da ré ao pagamento pretérito das verbas não pagas a título de auxílio-moradia, ainda não alcançadas pelo prazo prescricional, desde o exercício de cada um, atualizadas pelos índices reais de in flação, mais juros de mora. A competência do Supremo Tribunal Federal para exame da ação é sustentada pelos autores com fundamento no art. 102, in ciso I, n, da Constituição Federal, em razão de a causa veicular pre tensão de interesse de toda a magistratura judicial. Alegam que o art. 65, II, da LOMAN prevê, entre as vanta gens devidas aos magistrados, ajuda de custo para moradia, tendo 3 Ação originária 1.773/DF PGR como única restrição previsão de que não deve haver na localidade residência oficial disponível. Basta caracterização de ausência de disponibilidade de residência oficial para tornar devido o paga mento do auxílio-moradia. Indicam como complemento e esteio da previsão legal específica o art. 52 da Lei 5.010/1966, c/c o art. 60-A da Lei 8112/1990. Enquanto a LOJF prevê aplicação, no que couber, das disposições do Estatuto dos Servidores da União aos juízes e servidores da Justiça Federal, o art. 60-A do diploma esta tutário prevê pagamento de auxílio-moradia a título de ressarci mento de despesas comprovadas pelo servidor com aluguel ou hospedagem em unidade hoteleira. Sustentam que o Conselho da Justiça Federal e o Conselho Nacional de Justiça estariam em mora no exame de pedidos admi nistrativos efetuados em face do não cumprimento do comando normativo pelo Poder Judiciário federal. Indicam caráter indeniza tório do auxílio, reconhecido pelo CNJ (art. 8o, I, b, da Resolução 13, de 21 de março de 2006).1 Colacionam jurisprudência. Em le vantamento da situação de pagamento do auxílio-moradia à ma gistratura judicial, apontam quebra de isonomia, pois ministros do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, do Tri bunal Superior do Trabalho, conselheiros do CNJ e dez magistra turas estaduais perceberiam o auxílio-moradia. Além disso, todos os magistrados convocados em auxílio aos tribunais superiores, ao CNJ e ao CJF fazem jus a auxílio-moradia no período da convo cação. 1 Cf. peça 3 do processo eletrônico, folhas 13-17. 4 Ação originária 1.773/DF PGR Apontam que no Supremo Tribunal Federal o direito a auxí lio-moradia tem sido deferido em ampla extensão, mesmo aos ma gistrados que dispõem de residência própria, excetuados apenas os que ocupam imóvel funcional. Citam voto do Ministro MARCO AURÉLIO, relator do mandado de segurança 26.794/MS, cujo julga mento pende de conclusão. Invocam o processo de interiorização da Justiça Federal, que leva o juiz federal substituto a tomar posse em distantes subseções judiciárias, repetindo-se o ciclo na promo ção a juiz federal e na promoção a juiz de TRF. Estaria a ocorrer perda de atratividade da carreira da magistratura judicial em rela ção a outras profissões jurídicas. Houve requerimento de tutela de urgência, com fundamento no art. 273, caput e § 7o, do Código de Processo Civil.2 Sublinham a natureza alimentar do auxílio destinado a ressarcimento de des pesas com moradia do magistrado e de sua família. Consignam não se tratar de extensão de vantagem, de modo que é inaplicável a ve dação legal de tutela antecipada do art. 1o da Lei 9.494, de 10 de dezembro de 1997.3 2 “Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. [...] § 7o. Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.” 3 “Art. 1o. Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil o disposto nos arts. 5 o e seu parágrafo único e 7o da Lei no 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1 o e seu § 4o da Lei no 5 Ação originária 1.773/DF PGR A UNIÃO foi citada (peça 8) e apresentou contestação (peça 17). Aduz que os auxílios previstos na LOMAN, assim como aque les da legislação dos servidores públicos federais, são transitórios e excepcionais. Em virtude disso, sustenta não ser devido auxíliomoradia a magistrado que desempenhe funções na cidade na qual habitualmente o faça e onde tenha residência fixa. Aponta que o dispositivo da LOMAN carece de regulamentação, de modo a não fazerem jus os autores ao benefício. A respeito da aplicação subsi diária do art. 60-A da Lei 8.112/1990, faltaria aos magistrados o requisito do art. 60-B,VIII, do mesmo diploma.4 Para a ré, a carreira da magistratura judicante se caracterizaria por animus de permanência definitiva no local objeto de opção do juiz. A natureza singular da carreira não comportaria percepção de auxílio-moradia, salvo nos casos excepcionais de participação em mutirões ou auxílio em comarca diversa da de lotação. Sustenta que os autores pretendem atribuir-se vantagens adicionais, o que configuraria inconstitucionalidade do auxílio, ante o art. 93, caput, da Constituição da República. Disserta sobre taxatividade das van tagens abrangidas pelo art. 65 da LOMAN e impossibilidade de extensão de suas disposições, até edição de nova lei complementar que discipline o Estatuto da Magistratura. Colaciona precedentes 5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1 o, 3o e 4o da Lei no 8.437, de 30 de junho de 1992.” 4 “Art. 60-B. Conceder-se-á auxílio-moradia ao servidor se atendidos os seguintes requisitos: […] VIII – o deslocamento não tenha sido por força de alteração de lotação ou nomeação para cargo efetivo.” 6 Ação originária 1.773/DF PGR da corte. Agrega que além da inconstitucionalidade apontada have ria ofensa ao princípio da legalidade (art. 5o, II, da Constituição). Entende que a alteração, em qualquer aspecto, da remunera ção de juízes depende de proposta ao Poder Legislativo, de inicia tiva do tribunal ao qual sejam vinculados, observado o art. 169 da Constituição da República, no que tange aos aspectos orçamentá rios. Rejeita que haveria situação paradigmática entre juízes de carreira e ministros de Tribunais Superiores, cuja mudança de resi dência constituiria imperativo de escolha política, para desempe nho de funções que reputa como sem comparação com as atividades ordinárias de juiz de carreira. Sustenta incompatibilidade entre auxílio-moradia indiscrimi nado (admitindo que houvesse previsão legal do benefício) com regime remuneratório mediante subsídio. Os auxílios previstos na LOMAN deveriam ser interpretados de acordo com a Constitui ção. Com o regime de subsídio, o pagamento de verbas extras exige não apenas serem indenizatórias, mas serem excepcionais e transitórias. A ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO BRASIL (AJUFE) requer ingresso no feito na qualidade de interessada, tendo em vista que o pleito dos autores é objeto de sua pretensão associativa, pois rei vindica direito à percepção das verbas indenizatórias legalmente previstas para toda a magistratura judicial (peça 12). Agrega que, nos termos do art. 5o de seu ato estatutário, é objetivo da AJUFE patrocinar ou representar judicial e extrajudicialmente interesses 7 Ação originária 1.773/DF PGR ou direito individual de qualquer associado relacionado com a ati vidade profissional, consoante o art. 5o, XXI, da Constituição da República, mediante deliberação da Diretoria. Apresentada resposta da UNIÃO e pendentes de apreciação os pedidos de antecipação de tutela e de admissão da assistente, vie ram os autos para manifestação da Procuradoria-Geral da Repú blica. É o relatório. II. PRELIMINARMENTE: COMPETÊNCIA DO S UPREMO TRIBUNAL FEDERAL Assiste razão aos autores, quando afirmam competência do Supremo Tribunal Federal para julgamento da demanda. O art. 102, I, n, da Constituição da República prevê essa competência para a Corte julgar a “ação em que todos os membros da magistra tura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam im pedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados”. Mostra-se presente a primeira hipótese da alínea, uma vez que o auxílio-moradia, objeto da demanda, foi previsto como di reito de toda a magistratura judicial, no art. 65, II, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar 35, de 14 de março de 1979). Por outro lado, é notório que a concretização desse di reito é matéria polêmica e vem sendo regulamentada de forma díspar por diferentes tribunais, tanto que o Conselho Nacional de 8 Ação originária 1.773/DF PGR Justiça já deferiu medidas cautelares em diversos procedimentos administrativos para o fim de suspender as resoluções dessas cortes. Na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, cuida-se de interesse peculiar da magistratura judicial, uma vez que a previsão do art. 65 da LOMAN lhe é aplicável exclusivamente. Se bem que outras categorias funcionais sejam destinatárias de vantagem semelhante,5 o fundamento jurídico da pretensão é ex clusivo de juízes (e, por força da simetria constitucional de que adiante se tratará, do Ministério Público). Ademais, pelas razões que se apontarão, há necessidade de pronunciamento que somente o Supremo Tribunal Federal pode editar, com o fito de uniformizar o tratamento do tema hoje dado por normas estaduais, de maneira juridicamente fragmentada, con traditória e injusta para membros da carreira judiciária. Existe, em torno do direito ao auxílio-moradia, verdadeira indefinição cole tiva em todo o Judiciário. No caso dos magistrados da União e dos de alguns Estados, pelo fato de não terem concretizado seu direito legal; no dos estaduais, pelas discrepâncias de valores e de requisitos estipulados em normas locais. Diante da presença de interesse peculiar de toda a magistra tura judicial e dos motivos acima, deve reconhecer-se competência do Supremo Tribunal Federal para julgar este litígio, na forma da Constituição da República. 5 Por essa razão (o fato de outras carreiras públicas fazerem jus a auxílio-moradia), o Ministro CELSO DE MELLO extinguiu sem julgamento de mérito a AO 1.774/DF, em tudo similar à destes autos, por decisão monocrática de 15 de maio de 2013. 9 Ação originária 1.773/DF PGR III. DISCUSSÃO III.1. FUNDAMENTO LEGAL DO AUXÍLIO -MORADIA A verba indenizatória devida aos membros do Poder Judiciá rio e conhecida como auxílio-moradia, objeto desta demanda, en contra previsão expressa no artigo 65, inciso II, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN – Lei Complementar 35, de 14 de março de 1979), que o designa como “ajuda de custo para mo radia”, nestes termos: Art. 65. Além dos vencimentos, poderão ser outorgadas aos magistrados, nos termos da lei, as seguintes vantagens: [...] II – ajuda de custo, para moradia, nas localidades em que não houver residência oficial à disposição do Magistrado. [...]. A par da LOMAN, invocam os autores cabimento da conces são de auxílio-moradia em virtude de norma remissiva da Lei Orgânica da Justiça Federal (Lei 5.010, de 30 de maio de 1966), que dispõe: “Art. 52. Aos Juízes e servidores da Justiça Federal apli cam-se, no que couber, as disposições do Estatuto dos Funcioná rios Públicos Civis da União.” A fim de integrar o preceito, citam os arts. 60-A e 60-B da Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990.6 6 “Art. 60-A. O auxílio-moradia consiste no ressarcimento das despesas comprovadamente realizadas pelo servidor com aluguel de moradia ou com meio de hospedagem administrado por empresa hoteleira, no prazo de um mês após a comprovação da despesa pelo servidor. (Incluído pela Lei 11.355, de 2006) Art. 60-B. Conceder-se-á auxílio-moradia ao servidor se atendidos os seguintes requisitos: (Incluído pela Lei 11.355, de 2006) I – não exista imóvel funcional disponível para uso pelo servidor; (Incluído 10 Ação originária 1.773/DF PGR Para o Ministério Público da União, há previsão do auxí lio-moradia no art. 227, VIII, da Lei Orgânica do Ministério Pú blico da União (Lei Complementar 75, de 20 de maio de 1993), nestes moldes: Art. 227. Os membros do Ministério Público da União farão jus, ainda, às seguintes vantagens: [...] VIII – auxílio-moradia, em caso de lotação em local cujas condições de moradia sejam particularmente difíceis ou onerosas, assim definido em ato do Procurador-Geral da Re pública; [...]. pela Lei 11.355, de 2006) II – o cônjuge ou companheiro do servidor não ocupe imóvel funcional; (Incluído pela Lei 11.355, de 2006) III – o servidor ou seu cônjuge ou companheiro não seja ou tenha sido proprietário, promitente comprador, cessionário ou promitente cessionário de imóvel no Município aonde for exercer o cargo, incluída a hipótese de lote edificado sem averbação de construção, nos doze meses que antecederem a sua nomeação; (Incluído pela Lei 11.355, de 2006) IV – nenhuma outra pessoa que resida com o servidor receba auxílio-moradia; (Incluído pela Lei 11.355, de 2006) V – o servidor tenha se mudado do local de residência para ocupar cargo em comissão ou função de confiança do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores – DAS, níveis 4, 5 e 6, de Natureza Especial, de Ministro de Estado ou equivalentes; (Incluído pela Lei 11.355, de 2006) VI – o Município no qual assuma o cargo em comissão ou função de confiança não se enquadre nas hipóteses do art. 58, § 3o, em relação ao local de residência ou domicílio do servidor; (Incluído pela Lei 11.355, de 2006) VII – o servidor não tenha sido domiciliado ou tenha residido no Município, nos últimos doze meses, aonde for exercer o cargo em comissão ou função de confiança, desconsiderando-se prazo inferior a sessenta dias dentro desse período; e (Incluído pela Lei 11.355, de 2006) VIII – o deslocamento não tenha sido por força de alteração de lotação ou nomeação para cargo efetivo. (Incluído pela Lei 11.355, de 2006) IX – o deslocamento tenha ocorrido após 30 de junho de 2006. (Incluído pela Lei 11.490, de 2007) Parágrafo único. Para fins do inciso VII, não será considerado o prazo no qual o servidor estava ocupando outro cargo em comissão relacionado no inciso V. (Incluído pela Lei 11.355, de 2006)”. 11 Ação originária 1.773/DF PGR Mais à frente se verá a relevância de citar aqui a disciplina do instituto para o Ministério Público da União. O auxílio-moradia possui caráter indenizatório, porquanto não é vantagem destinada a remunerar todos os agentes públicos de determinada carreira. No caso do Poder Judiciário, essa natu reza se reforça pelo fato de que o auxílio não é devido àqueles membros que residam em localidade na qual exista residência ofi cial à sua disposição. Ademais, o instituto possui natureza propter la borem (ou pro labore facto), de maneira que não é devido a juízes e membros do Ministério Público que se encontrem na inatividade. A índole indenizatória do auxílio-moradia reconheceu-a a Resolução 13, de 21 de março de 2006, do Conselho Nacional de Justiça, art. 8o, I, b.7 Também o fez o Ministro MARCO AURÉLIO no voto que proferiu no MS 26.794/MS.8 7 “Art. 8o. Ficam excluídas da incidência do teto remuneratório constitucional as seguintes verbas: I – de caráter indenizatório, previstas em lei: a) ajuda de custo para mudança e transporte; b) auxílio-moradia; c) diárias; d) auxílio-funeral; e) indenização de férias não gozadas;(Revogada pela Resolução 27, de 18 de dezembro de 2006) f) indenização de transporte; g) outras parcelas indenizatórias previstas na Lei Orgânica da Magistratura Nacional de que trata o art. 93 da Constituição Federal. [...]”. O julgamento do STF no procedimento administrativo, citado nos “considerandos” da Resolução 13/2006, está disponível em < http://zip.net/bhpx5r > ou < http://stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp? idConteudo=62155&caixaBusca=N >; acesso em 13 set. 2014. 8 Processo ainda não julgado definitivamente. Divulgado no Informativo STF 558, 31 ago. 2009–11 set. 2009, e no Informativo STF 594, 2–6 ago. 2010. 12 Ação originária 1.773/DF PGR Diversamente do que pondera a União em sua resposta, o di reito dos juízes ao auxílio-moradia não é obstado pelo fato de se rem lotados em localidade diversa daquela em que antes residiam. As carreiras da magistratura judicial e do Ministério Público são as únicas às quais a Constituição da República atribuiu a garantia es pecial da inamovibilidade. Por essa razão, fora da hipótese de re moção compulsória, de caráter punitivo (arts. 42, III, e 45, I, da LOMAN), os juízes (assim como os membros do Ministério Pú blico) somente podem mudar de lotação por meio de remoção voluntária. Não cabe, em consequência, se lhes aplicar condições que são próprias dos servidores públicos em geral, os quais não de têm idêntica garantia. As vantagens asseguradas pela Constituição aos cargos de juiz e de membro do Ministério Público constituem conjunto de prer rogativas destinadas a recrutar e manter nessas funções cidadãos com os mais elevados atributos intelectuais, éticos e profissionais, em vista da gravidade dos atos que praticam, reveladores de parce las relevantes do poder estatal. A natureza de magistratura dessas duas carreiras (amplamente reconhecida nos países de sistema jurí dico mais próximo do brasileiro no plano internacional, como são os da Europa Ocidental) justifica que se lhes dê tratamento jurí dico (inclusive remuneratório) particular, diverso do das demais carreiras de Estado e equiparável apenas aos dos demais agentes políticos. Os próprios concursos para provimento de cargos de juiz e de membro do Ministério Público, em todas as esferas (federal, trabalhista, estadual, militar), são muito semelhantes em termos de 13 Ação originária 1.773/DF PGR abrangência e rigor, o que igualmente aproxima ambas as carreiras. Isso de modo algum significa demérito ou capitis diminutio para outras relevantes carreiras públicas, como as de advogado público, consultor e defensor, apenas o reconhecimento da diferença de atribuições e de regime que há entre estas, de um lado, e as da ma gistratura judicial e do Ministério Público, de outro. Diversamente do que sustenta a ré, inexiste incompatibilidade entre o auxílio-moradia devido aos juízes e o regime de subsídio. O argumento é, aliás, contraditório com outras passagens da con testação, nas quais a UNIÃO defende aplicabilidade estrita do art. 65 da LOMAN. Tampouco procede a tese de que o art. 65 teria sido derrogado. O art. 39, § 4o, da Constituição da República,9 inserido pela Emenda Constitucional 19, de 4 de junho de 1998, veda a con junção do subsídio de juízes e membros do Ministério Público apenas com verbas de natureza remuneratória, não com aquelas de índole indenizatória, como é o caso do auxílio-moradia, das diárias por deslocamento a serviço e da indenização de transporte, por exemplo.10 9 “§ 4o. O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI. (Incluído pela Emenda Constitucional 19, de 1998)”. 10 Vide a já citada Resolução 13/2006, do Conselho Nacional de Justiça (nota 1 supra). 14 Ação originária 1.773/DF PGR Em diferentes julgamentos posteriores à Constituição de 1988, citados adiante, essa Suprema Corte decidiu pela aplicabili dade do art. 65 da LOMAN e afastou o entendimento de que não teria sido recepcionado pela vigente ordem constitucional. III.2. EXIGÊNCIA DO ART. 65 DA DE MEDIAÇÃO LEGISLATIVA LOMAN PARA O AUXÍLIO-MORADIA A redação do art. 65 da LOMAN poderia, ao primeiro exame, dar lugar a exegese no sentido de que a eficácia das vanta gens ali previstas dependeria de outra lei, que especificasse os ter mos nos quais devam ser concedidos. Com efeito, como se viu na transcrição supra, o dispositivo estabelece que, “além dos vencimen tos, poderão ser outorgadas aos magistrados, nos termos da lei”, deter minadas vantagens. A literalidade do dispositivo comporta, com efeito, a conclu são de que, sem disciplina em lei em sentido formal, vantagens como a ajuda de custo para mudança, as diárias e a gratificação de magistério oficial não poderiam ser pagas. A LOMAN teria, no art. 65, apenas delineado pauta legislativa de incremento da situa ção funcional dos magistrados judiciais. Ainda que se adote essa conclusão, o mesmo rigor literal a lhe dar respaldo impõe a compreensão de que o dispositivo, em bora exija disciplina legal dos termos da concessão das vantagens nele prevista, não exige que essa disciplina seja veiculada em lei es pecífica, de escopo temático vinculado às vantagens dos membros 15 Ação originária 1.773/DF PGR Poder Judiciário. É consabido que a técnica legislativa brasileira adota, como regra, fórmulas de redação bastante explícitas para es tabelecer reserva de lei específica. Como a reserva legal do art. 65 da LOMAN é veiculada em redação inconspícua, não há vetor hermenêutico que permita tratá-la como reserva de lei específica, menos ainda de lei específica a tal ponto. Essa pauta literalista de interpretação constitui ponto de par tida importante para compreensão originária da engrenagem de eficácia do art. 65 da LOMAN anteriormente à entrada em vigor da Emenda Constitucional 45/2004: na medida em que ele não exigia lei específica para disciplinar a concessão das vantagens nele previstas, seu escopo normativo evidente consistia em ampliar as possibilidades de disciplina dessas vantagens, permitindo que elas tivessem como standard mínimo, à falta de lei particular, o regime geral aplicável aos servidores públicos. A tese de que a LOMAN exigiria lei específica, de escopo temático próprio, para disciplina das vantagens previstas no art. 65, além de por si só desprovida de respaldo na literalidade do texto legal, cai por terra quando testada em face de quaisquer daquelas vantagens. Figure-se o exemplo das diárias: é elementar que o sen tido da LOMAN não pode ser o de o juiz que deva, em razão de serviço, ausentar-se da sede de seu exercício funcional somente re ceber diárias se houver lei específica que discipline pagamento de diárias a juízes. 16 Ação originária 1.773/DF PGR A finalidade do art. 65 da LOMAN consiste, portanto, preci puamente, em permitir disciplina legal, em caráter especial e mais condizente com a estatura destacada da magistratura judicial, da concessão das vantagens que prevê; mas também consiste em ad mitir que, à falta de disciplina especial dessas vantagens, sua con cessão se dê, quando menos, nos termos do regime geral dos servidores públicos (como ocorre com o pagamento de diárias). Não há sentido em extrair da LOMAN – quer por sua finalidade, quer pela posição especial sempre reconhecida à magistratura – exegese segundo a qual o regime jurídico dos magistrados judiciais possa ser menos favorável que o do conjunto dos servidores públi cos. Com a Emenda Constitucional 45/2004, advieram profundas alterações na estrutura do Poder Judiciário e do Ministério Pú blico, as quais propiciam, inter alia, novas pautas exegéticas para a engrenagem de eficácia do art. 65 da LOMAN. Por um lado, a Emenda Constitucional 45/2004 reforçou o caráter nacional da magistratura judicial ao instituir o Conselho Nacional de Justiça: a criação de instância de composição nacional, dotada de poderes normativos e disciplinares para todas as esferas do Poder Judiciário, representa indiscutível adensamento normativo do princípio se gundo o qual a magistratura nacional, não obstante de organici dade simétrica ao desenho federativo do Estado brasileiro, perpassa, em verdade, as esferas federativas e constitui, em sua arquitetura normativa essencial, um todo unitário. Por outro lado, a Emenda Constitucional 45/2004 engendrou importante reposicionamento 17 Ação originária 1.773/DF PGR do Ministério Público na ordem jurídica e consolidou o estatuto de magistratura equiparada do órgão, o qual passou a também os tentar caráter nacional. A instituição do Conselho Nacional de Justiça tem clara arti culação, em significado principiológico, com a prévia introdução anterior, pela Emenda Constitucional 41, de 19 de dezembro de 2003, do regime do subsídio na retribuição de agentes políticos e do escalonamento nacional da remuneração dos membros do Judi ciário. A magistratura assume, então, com a Emenda Constitucio nal 45/2004, mais do que caráter nacional, cabendo falar de verdadeira estrutura nacional, em que os aspectos uniformes para todo o país são a regra, e os diversos, exceção. Por sua vez, o § 4o do art. 129 da Constituição da República, introduzido pela Emenda 45/2004, manda aplicar ao Ministério Público, no que couber, o art. 93 do texto constitucional. Como se sabe, o art. 93 da Constituição da República estabelece nada me nos do que os princípios fundamentais do Estatuto da Magistra tura. Desse modo, a única interpretação razoável do § 4o do art. 129 consiste em entender que o constituinte reformador conferiu ao Ministério Público a exemplo do que se verifica em virtual mente todo o constitucionalismo contemporâneo de matriz euro peia ocidental, fisionomia institucional cujos traços, somada a seus atributos jurídicos já antes estabelecidos, impõem reconhecer a seu corpo de membros o estatuto de magistratura. 18 Ação originária 1.773/DF PGR O conceito jurídico de magistratura, raramente aprofundado no Brasil, não se relaciona com a noção de agentes públicos dota dos de poderes jurídicos mais ou menos amplos. Remete, antes, à ideia de um corpo de agentes públicos vinculados a uma pauta de ontológica própria e distinta tanto da dos demais servidores públicos quanto, até, dos demais agentes públicos de funções essenciais à Justiça. Para evocar exemplo marcante, o Conselho Nacional da Magistratura da França adotou, em 2010, uma Compilação dos Deveres Deontológicos dos Magistrados (Reccueil des Dévoirs Déon tologiques des Magistrats),11 a qual, em apertada síntese, estrutura os deveres de independência,12 de imparcialidade, de integridade, de observância da legalidade, da atenção para com o outro e de dis crição e reserva na vida pública e privada. É com base nessa ordem de conceitos que, nos ordenamentos jurídicos europeus, bem como nos latino-americanos, asiáticos e africanos cuja matriz seja europeia e não se vincule à Common Law, o corpo de membros do Ministério Público é estatutariamente re conhecido, ao lado dos juízes, como magistratura. Com os aportes conceituais do direito comparado, reforça-se o conteúdo jurídico evidente do § 4o do art. 129 da Constituição da República: o Di 11 Disponível em < http://zip.net/bmpxGm > ou < http://www.enmjustice.fr/_uses/lib/5779/recueil_obligations_deonto_magistrats.pdf >, acesso em 12 set. 2014. 12 A compilação estabelece as devidas ressalvas para os magistrados do Parquet francês, ante a possibilidade de exercício de poder hierárquico no Ministério Público francês. Mas reconhece, ainda assim, diversos aspectos de independência aos magistrados ministeriais, tais como direito de exigirem que quaisquer comandos hierárquicos sejam formulados por escrito e encartados nos autos do processo. 19 Ação originária 1.773/DF PGR reito Constitucional brasileiro, em sua formulação contemporânea, reconhece o Ministério Público como magistratura requerente, equiparada à judicial. A exemplo do que fez com a magistratura judicial, a Emenda Constitucional 45/2004 também ao Ministério Público conferiu evidente caráter nacional. A criação do Conselho Nacional do Mi nistério Público, com competências que perpassam a organicidade federativa da instituição, e a aplicabilidade constitucional ao Minis tério Público dos princípios do Estatuto da Magistratura, que por natureza é nacional, não deixam dúvida sobre o ponto. Essas relevantes modificações introduzidas pela Emenda Constitucional 45/2004 têm repercussão profunda na compreen são do subsistema do art. 65 da LOMAN. Com elas, deixa de fazer sentido depreender desse dispositivo a possibilidade de disciplina federativamente diversa das vantagens ali previstas: o reforço dos elementos nacionais da magistratura impõe a conclusão de que as vantagens da magistratura devem ter disciplina nacional, sob pena de solapar aspecto dos mais sensíveis para a intenção de uniformi dade do constituinte reformador. Deixa, ademais, de fazer sentido entender que o regime de reserva da disciplina de concessão das vantagens do art. 65 da LOMAN deriva do regime geral dos servi dores públicos e não do regime jurídico do Ministério Público. Mesmo nos ordenamentos jurídicos em que as magistraturas judicial e do Ministério Público não integram um mesmo corpo 20 Ação originária 1.773/DF PGR orgânico, prevalece o princípio do paralelismo entre ambas, 13 de modo que constitui imperativo lógico-jurídico aplicar a uma car reira, ao menos supletivamente, as regras destinadas a reger a outra em aspecto de organicidade convergente. Dito de outro modo, o gênero próximo da magistratura judicial brasileira é a magistratura do Ministério Público, de forma que a exegese e a integração her menêutica do regramento orgânico da primeira deve dar-se, sem pre que possível, à luz do regramento orgânico da segunda. De volta à matéria propriamente em discussão, a ajuda de custo para moradia dos juízes, prevista no art. 65, II, da LOMAN, deve tomar por base, à falta de lei específica, os termos da lei que discipline essa mesma vantagem para a carreira do Ministério Pú blico. Trata-se da Lei Complementar 75/93, que constitui a Lei Orgânica do Ministério Público da União (LOMPU). A possibilidade de aplicação nacional da LOMPU é prevista na própria Lei 8.625, de 12 de fevereiro de 1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público – LONMP), cujo art. 80 dispõe, em termos expressos, que se aplicam aos Ministérios Públicos dos Estados, subsidiariamente, as normas da Lei Orgânica do Ministé rio Público da União. O significado principiológico latente desse dispositivo é o de que a Lei Complementar 75/1993 se presta a 13 É o que ocorre na Espanha e em Portugal, em contrapartida aos modelos da França e da Itália. Em Portugal, o princípio do paralelismo está expresso no art. 75 da Lei 60/1998, de 27 de agosto, que dispõe sobre o Estatuto do Ministério Público; na Espanha, nos arts. 33 e 34 da Lei 50/1981, de 30 de dezembro, que estabelece o Estatuto Orgânico do Ministério Público (Estatuto Orgánico del Ministerio Fiscal). Neste último país, o princípio do paralelismo levou à adoção da Lei 15/2003, de 26 de maio, reguladora do regime retributivo das carreiras judicial e do Ministério Público. 21 Ação originária 1.773/DF PGR prover regramento nacional das matérias nela tratadas. Essa possibi lidade, eventual até a Emenda Constitucional 45/2004, torna-se a regra com a alteração do texto constitucional e a introdução de novos e decisivos elementos de reforço do caráter nacional do Mi nistério Público, sobretudo na estruturação das carreiras de seus membros, em que não há fundamento razoável para diversidade de disciplina. O regramento do auxílio-moradia no Ministério Público em todo o Brasil segue, então, o seguinte plano normativo: (a) até a Emenda Constitucional 45/2004, o auxílio-moradia, para cuja efi cácia o art. 50, II, da LONMP também exige mediação legislativa, exatamente nos mesmos termos do art. 65, II, da LOMAN, podia ser disciplinado, em cada ente federativo, por lei própria; (b) após a Emenda Constitucional 45/2004, com a introdução de elementos, para além da figura do Procurador-Geral da República, de reforço do caráter nacional do Ministério Público, a disciplina legislativa do auxílio-moradia é estabelecida pela LOMPU, ressalvado o as pecto de que o exercício de poder regulamentar necessário para implementação da vantagem caberá, no nível estadual, ao Procura dor-Geral de Justiça. Mesma ordem de ideias se aplica à magistratura judicial: au sente ou existente lei regulamentadora em nível estadual, a falta de lei federal especificamente destinada a regulamentar a LOMAN deve conduzir à aplicação, mutatis mutandis, da Lei Orgânica do Ministério Público da União, que prevê, no art. 227, VIII, a vanta 22 Ação originária 1.773/DF PGR gem do auxílio-moradia em caso de lotação em local cujas condi ções de moradia sejam particularmente difíceis ou onerosas, assim definido em ato do Procurador-Geral da República. Como é claro, o dispositivo da Lei Orgânica do Ministério Público da União não exige mediação legislativa: a vantagem é de vida ipso iure com a lotação do membro em local cujas condições de moradia sejam particularmente difíceis ou onerosas; a definição desses locais faz-se por ato administrativo, o qual, no Ministério Público da União, incumbe ao Procurador-Geral da República, que paira administrativamente sobre os quatro ramos da instituição. O órgão com maior equivalência funcional ao Procurador-Geral da República, no Poder Judiciário e no aspecto administrativo, é o Conselho Nacional de Justiça, que tem poderes normativos com incidência abrangente de todos os ramos do Poder Judiciário. Com a superveniência de lei federal que regulamente especi ficamente a LOMAN, a situação das vantagens nas duas magistra turas deverá ser reavaliada, podendo comportar alguma diversidade em razão de peculiaridades de uma e outra carreira, mas obser vado, no arco mais amplo, o princípio da simetria – ou do parale lismo, como querem os portugueses – entre ambas. É lícito e cabível, dessa maneira, entender que a ausência de lei específica que regulamente a ajuda de custo para moradia, pre vista para os juízes no art. 65, II, da LOMAN, autoriza a exegese de que a lei disciplinadora integrante é a LOMPU, em especial seu 23 Ação originária 1.773/DF PGR art. 227,VIII, com os ajustes exegéticos devidos, a serem feitos pelo critério hermenêutico da equivalência funcional. De resto, o Supremo Tribunal Federal já decidiu, na AO 1.656/DF, que a ajuda de custo na remoção de juiz pode ser paga com base nas normas dos servidores públicos, ao mesmo tempo em que reconheceu a ausência de lei para regulamentar a LO MAN. Assim como o auxílio-moradia, a ajuda de custo nas remo ções está prevista no mesmo art. 65 (no inc. I) da Lei Complementar 35/1979, de modo que a remissão do caput a lei regulamentadora não impede que o dispositivo receba integração de outras espécies normativas. III.3. U NIDADE E DA MAGISTRATURA JUDICIAL DISCIPLINA UNIFORME DE SEU ESTATUTO Assentadas a vigência do art. 65 da LOMAN, a natureza in denizatória do auxílio-moradia e a possibilidade jurídica de inte gração do dispositivo com a LOMPU, em face da simetria constitucional do regime jurídico da magistratura judicial com o do Ministério Público, importa reafirmar a necessidade de disci plina homogênea dessa vantagem para todo o Poder Judiciário, em face de seu caráter nacional. A unidade da magistratura judicial brasileira não é absoluta, pois, naturalmente, admitem-se normas legais e infralegais específi cas dos entes da Federação e dos tribunais para reger aspectos mais particulares do regime jurídico dos juízes e do funcionamento dos 24 Ação originária 1.773/DF PGR órgãos judiciários. As grandes linhas desse estatuto, contudo, de mandam normatização uniforme, o que não é novidade alguma, pois já é decorrência da própria edição da Lei Complementar 35/1979, como lei orgânica para toda a magistratura nacional. Isso ficou ainda mais claro com a previsão do art. 93 da Constituição da República, que exige lei complementar de iniciativa do Su premo Tribunal Federal para instituir o Estatuto da Magistratura. Esse caráter predominantemente unitário foi bem destacado por essa Corte no julgamento da ADI 3.367/DF, aforada contra a Emenda Constitucional 45/2004, no que criou o Conselho Naci onal de Justiça. No ponto que ora interessa, registrou a ementa do julgado: [...] 3. PODER JUDICIÁRIO. Caráter nacional. Regime orgâ nico unitário. Controle administrativo, financeiro e discipli nar. Órgão interno ou externo. Conselho de Justiça. Criação por Estado membro. Inadmissibilidade. Falta de competência constitucional. Os Estados membros carecem de competên cia constitucional para instituir, como órgão interno ou ex terno do Judiciário, conselho destinado ao controle da atividade administrativa, financeira ou disciplinar da respec tiva Justiça. [...]14 Por sua densidade e pertinência à discussão, vale invocar tre cho do voto do relator, o Ministro CEZAR PELUSO: O pacto federativo não se desenha nem expressa, em relação ao Poder Judiciário, de forma normativa idêntica à que atua sobre os demais Poderes da República. Porque a Jurisdição, 14 Supremo Tribunal Federal-. Plenário. Ação direta de inconstitucionalidade 3.367/DF. Relator: Ministro CEZAR PELUSO. 13 abr. 2005, maioria. Diário da Justiça, 17 mar. 2006, p. 4, republ. DJ 22 set. 2006, p. 29. 25 Ação originária 1.773/DF PGR enquanto manifestação da unidade do poder soberano do Estado, tampouco pode deixar de ser una e indivisível, é doutrina assente que o Poder Judiciário tem caráter nacional, não existindo, senão por metáforas e metonímias, “Judiciários estaduais” ao lado de um “Judiciário federal”. A divisão da estrutura judiciária brasileira, sob tradicional, mas equívoca denominação, em Justiças, é só o resultado da repartição racional do trabalho da mesma natureza entre dis tintos órgãos jurisdicionais. O fenômeno é corriqueiro, de distribuição de competências pela malha de órgãos especiali zados, que, não obstante portadores de esferas próprias de atribuições jurisdicionais e administrativas, integram um único e mesmo Poder. Nesse sentido fala-se em Justiça Fede ral e Estadual, tal como se fala em Justiça Comum, Militar, Tra balhista, Eleitoral, etc., sem que com essa nomenclatura ambígua se enganem hoje os operadores jurídicos. Na verdade, desde JOÃO MENDES JÚNIOR, cuja opinião foi re cordada por CASTRO NUNES,15 sabe-se que: “O Poder Judiciário, delegação da soberania nacional, implica a idéia de unidade e totalidade da fôrça, que são as notas características da idéia de soberania. O Po der Judiciário, em suma, quer pelos juízes da União, quer pelos juízes dos Estados, aplica leis nacionais para garantir os direitos individuais; o Poder Judiciário não é federal, nem estadual, é eminentemente nacional, quer se manifestando nas jurisdições estaduais, quer se aplicando ao cível, quer se aplicando ao crime, quer decidindo em superior, quer decidindo em inferior instância.16 (grifos no original) Desenvolvendo a idéia, asseveram ANTONIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, ADA PELLEGRINI GRINOVER e CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO: “O Poder Judiciário é uno, assim como uma é a sua função precípua – a jurisdição – por apresentar sempre o mesmo conteúdo e a mesma finalidade. Por outro lado, a eficácia espacial da lei a ser aplicada pelo Judici 15 Nota 59 do original (sic): “Teoria e prática do poder judiciário. Rio de Janeiro: Forense, 1943, p. 77.” 16 Nota 60 do original: “ALMEIDA JÚNIOR, JOÃO MENDES DE. Direito judiciário brasileiro, 5a ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1960, p. 47.” 26 Ação originária 1.773/DF PGR ário deve coincidir em princípio com os limites espa ciais da competência deste, em obediência ao princípio una lex, una jurisdictio. Daí decorre a unidade funcional do Poder Judiciário. É tradicional a assertiva, na doutrina pátria, de que o Poder Judiciário não é federal nem estadual, mas naci onal. É um único e mesmo poder que se positiva atra vés de vários órgãos estatais – estes, sim, federais e estaduais. (...) (...) fala a Constituição das diversas Justiças, através das quais se exercerá a função jurisdicional. A jurisdição é uma só, ela não é nem federal nem estadual: como ex pressão do poder estatal, que é uno, ela é eminente mente nacional e não comporta divisões. No entanto, para a divisão racional do trabalho é conveniente que se instituam organismos distintos, outorgando-se a cada um deles um setor da grande ‘massa de causas’ que pre cisam ser processadas no país. Atende-se, para essa dis tribuição de competência, a critérios de diversas ordens: às vezes, é a natureza da relação jurídica mate rial controvertida que irá determinar a atribuição de dados processos a dada Justiça; outras, é a qualidade das pessoas figurantes como partes; mas é invariavelmente o interesse público que inspira tudo isso (o Estado faz a divisão das Justiças, com vistas à melhor atuação da função jurisdicional)”.17 Negar a unicidade do Poder Judiciário importaria desconhe cer o unitário tratamento orgânico que, em termos gerais, lhe dá a Constituição da República. Uma única lei nacional, um único estatuto, rege todos os membros da magistratura, independentemente da qualidade e denominação da Justiça em que exerçam a função (Lei Complementar no 35, de 14.03.1979; art. 93, caput, da CF). A todos aplicam-se as mes mas garantias e restrições, concebidas em defesa da indepen dência e da imparcialidade. Códigos nacionais disciplinam o método de exercício da atividade jurisdicional, em substitui ção aos códigos de processo estaduais. Por força do sistema 17 Nota 61 do original: “Ob. cit., pp. 166 e 184. Grifos no original.” A obra citada é a Teoria geral do processo. 21. ed. São Paulo: Malheiros. 27 Ação originária 1.773/DF PGR recursal, u’a mesma causa pode tramitar da mais longínqua comarca do interior do país, até os tribunais de superposição, passando por órgãos judiciários das várias unidades federadas. E, para não alargar a enumeração de coisas tão conhecidas, relembre-se que a União retém a competência privativa para legislar sobre direito processual (art. 22, inc. I). [...] Não se quer com isso afirmar que o princípio federativo não tenha repercussão na fisionomia constitucional do Judiciário. Sua consideração mais evidente parece estar à raiz da norma que delega aos Estados-membros competência exclusiva para organizar sua Justiça, responsável pelo julgamento das causas respeitantes a cada unidade federada (art. 125). Toca-lhes, as sim, definir a competência residual de seus tribunais, distri buí-la entre os vários órgãos de grau inferior, bem como administrá-la na forma prevista no art. 96, coisa que revela que a estrutura judiciária tem um dos braços situados nas Justiças estaduais. [...] O Ministro EROS GRAU, nesse julgamento, em apoio às suas considerações, cita em nota valioso escólio do Ministro NÉRI SILVEIRA: A Constituição do Brasil confere distintos tratamentos aos três Poderes. Quanto ao Legislativo e ao Executivo, cogita exclusivamente do que respeita à esfera federal, o Congresso Nacional (arts. 44 e seguintes) e a Presidência da República (arts. 76 e seguintes). Ja no que concerne ao Poder Judiciário, no entanto, ela abarca todas as esferas e áreas de jurisdição. Daí a unidade do Judiciário, que há de ser concebido como Judiciário Nacional, excepcionando algumas exigências da Federação. [Nota 21 do voto:] Esse caráter, nacional, do Poder Judiciá rio, tem sido afirmado pelo Supremo Tribunal Federal. JOSÉ NÉRI DA SILVEIRA, em palestra proferida nesta Corte (“Aspec tos institucionais e estruturais do Poder Judiciário brasileiro”, in SALVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA [coord.]. O Judiciário e a Constituição, São Paulo, Saraiva, 1994, págs. 3 e 9), tomando o “...poder judiciário como a pedra angular do edifício fede 28 DA Ação originária 1.773/DF PGR ral”, afirma que “Na guarda desse princípio, contido no art. 99 da Lei Maior, que respeita à independência do Poder Ju diciário e afirma seu caráter nacional, o Supremo Tribunal Federal tem adotado providências concretas no que respeita à fixação de vencimentos da magistratura federal (o que se estende também à esfera dos Estados-Membros) (...) Bem de reconhecer, assim, é, nessa importante competência, que se proclama não apenas o caráter nacional do Poder Judiciário, mas a atribuição a seu órgão de cúpula de iniciativa privativa, em nome do Poder a que se destina a normatividade prevista, para que, em lei complementar, se tracem disciplinas condu centes, inequivocamente, à uniformidade de tratamento da magistratura nacional e à unidade do Poder Judiciário, em torno de princípios e valores fundamentais, na busca dos in teresses maiores da instituição judiciária” (negritei). [...] Por essas características e pelo mandamento constitucional do art. 93, caput, da Constituição do Brasil, consideradas ainda as pe culiaridades sociopolíticas do Federalismo pátrio, deve haver uni formidade para que haja equilíbrio na disciplina funcional dos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público, notada mente no que tange ao regramento dos direitos, vantagens e prer rogativas funcionais. Com isso se evita a discrepância injustificada de vantagens que algumas legislaturas têm deferido, quiçá com excesso de libe ralidade e de maneira pouco crítica, a juízes e membros do MP. Essa disparidade de regimes, sabe-se, tem sido fonte permanente de inquietude e desalento em não poucos membros dessas carrei ras, que desempenham idêntico papel e não se veem merecedores do mesmo tratamento legal, em situação que já objeto da preocu 29 Ação originária 1.773/DF PGR pação do Supremo Tribunal Federal no julgamento da medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade 3.854/DF.18 A necessidade de disciplina unitária de determinados aspectos do regime da magistratura judicial foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal também no julgamento da medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade 4.638/DF.19 Na ocasião, o Tri bunal manteve a eficácia dos dispositivos mais relevantes da Reso lução 135, de 13 de julho de 2011, do Conselho Nacional de Justiça, a qual “dispõe sobre a uniformização de normas relativas ao procedimento administrativo disciplinar aplicável aos magistra dos, acerca do rito e das penalidades, e dá outras providências”. A convalidação pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal da estrutura normativa básica da Resolução 135/2011 é relevante, por se tratar de conjunto de preceitos que regulamenta direta mente as normas e o processo disciplinares da LOMAN. Assim 18 STF Plenário. MC/ADI 3.854/DF. Rel.: Min. CEZAR PELUSO. 28 fev. 2007, maioria. DJ, 29 jun. 2007, p. 22. Trecho da ementa que resume esse aspecto registra: “MAGISTRATURA. Remuneração. Limite ou teto remuneratório constitucional. Fixação diferenciada para os membros da magistratura federal e estadual. Inadmissibilidade. Caráter nacional do Poder Judiciário. Distinção arbitrária. Ofensa à regra constitucional da igualdade ou isonomia. Interpretação conforme dada ao art. 37, inc. XI, e § 12, da CF. Aparência de inconstitucionalidade do art. 2o da Resolução no 13/2006 e do art. 1o, § único, da Resolução no 14/2006, ambas do Conselho Nacional de Justiça. [...]”. O caráter nacional da magistratura judicial foi aspecto central do voto condutor. 19 STF. Plenário. MC/ADI 4.638/DF. Rel.: Min. MARCO AURÉLIO. 8 fev. 2012, maioria. Acórdão da medida cautelar ainda não publicado. Ata de julgamento publ. no DJe 32, 14 fev. 2012. Disponível em: < http://zip.net/brpxZp > ou < http://www.stf.jus.br/portal/diarioJustica/listarDiarioJustica.asp? tipoPesquisaDJ=AP&numero=4638&classe=ADI >, acesso em 12 set. 2014. 30 Ação originária 1.773/DF PGR como a Corte reputou válida essa normatização para integrar a Lei Complementar 35/1979, do mesmo modo deve admitir a possibi lidade de o Conselho Nacional de Justiça regulamentar e unificar a disciplina do auxílio-moradia para todo o Judiciário brasileiro. O caráter nacional das magistraturas judicial e do Ministério Público foi reforçado pela Emenda Constitucional 45/2004, ao fi xar regime nacional de subsídios para os membros dessas carreiras. Antes dela, em tese havia limites máximos de remuneração (“tetos remuneratórios”) estaduais e fixação dela por leis estaduais. Com a emenda constitucional, a Constituição da República fixou o valor dos subsídios para ambas as carreiras, reduziu o âmbito material de validade das leis estaduais e caminhou para a definição de parâme tros na órbita federal, adaptados para menor, conforme o caso, pe los Estados. Não cabe afirmar que essa tendência à federalização impacta ria financeiramente os Estados, menos sólidos nesse aspecto do que a União. Atualmente é amplamente sabido que os Judiciários e Ministérios Públicos estaduais têm remunerado seus membros em valores por vezes sensivelmente superiores àqueles pagos ao Judici ário e ao Ministério Público da União, mediante miríades de gra tificações, auxílios e outras vantagens, em um modelo caótico e injusto, na medida em que remunera de forma desigual funções essencialmente semelhantes, se não idênticas. Está na competência do Supremo Tribunal Federal pôr cobro a esse indesejável estado de coisas, pois pode reconhecer o conflito 31 Ação originária 1.773/DF PGR das leis estaduais e federais sensivelmente divergentes com a natu reza nacional do Poder Judiciário e com a similitude de trata mento que a seus componentes se deve aplicar. III.4. O ROL TAXATIVO DO ART. 65 DA LOMAN EA SIMETRIA PODER JUDICIÁRIO –MINISTÉRIO PÚBLICO É encontradiça a afirmação de que o rol de vantagens da ma gistratura judicial constitui rol exaustivo, ou seja, em numerus clau sus. Conquanto esse aspecto restrito das vantagens da magistratura judicial tenha sido reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do mandado de segurança 23.557/DF20 e do agravo regimental na AO 820/MG,21 por exemplo, parece razoável sus tentar que, com mudanças sofridas pela Constituição da Repú blica, esse escólio atualmente mereça algum temperamento. 20 STF. Plenário. MS 23.557/DF. Rel.: Min. MOREIRA ALVES. 1o mar. 2001, un. DJ 1, 4 maio 2001, p. 6. Nele se disse: “O Pleno desta Corte, ao julgar a ação originária 155, de que foi relator o eminente Ministro OCTÁVIO GALLOTTI, concluiu que A Lei Orgânica da Magistratura (Lei Complementar n. 35/79), que, no ponto, foi recebida pela Constituição de 1988 e que é insusceptível de modificação por meio de legislação estadual de qualquer hierarquia e de lei ordinária federal, estabeleceu um regime taxativo de direitos e vantagens dos magistrados, no qual não se inclui o direito a licença prêmio ou especial, razão por que não se aplicam aos magistrados as normas que confiram esse mesmo direito aos servidores públicos em geral.” 21 STF. Plenário. AgR/AO 820/MG. Rel.: Min. CELSO DE MELLO. 7 out. 2003, un. DJ, 5 dez. 2003, p. 24. A ementa registrou, a esse respeito: “O Supremo Tribunal Federal, presente esse contexto normativo, tem proclamado que o rol inscrito no art. 65 da LOMAN reveste-se de taxatividade, encerrando, por isso mesmo, no que se refere às vantagens pecuniárias titularizáveis por quaisquer magistrados, verdadeiro numerus clausus, a significar, desse modo, que não se legitima a percepção, pelos juízes, de qualquer outra vantagem pecuniária que não se ache expressamente relacionada na norma legal em questão.” 32 Ação originária 1.773/DF PGR Com efeito, diante das mudanças na Constituição da Repú blica impostas pela Emenda Constitucional 45, de 30 de dezembro de 2004, cresceu em densidade no Direito Positivo a simetria de regimes entre o Judiciário e o Ministério Público, a qual preexistia à emenda, dada a similitude de regime jurídico de cada uma das carreiras. A Emenda Constitucional 45/2004 formalizou esse para lelismo institucional, quando alterou a redação do § 4o do art. 129, que passou a dispor: “§ 4o. Aplica-se ao Ministério Público, no que couber, o disposto no art. 93.”22 O art. 93 é a espinha dorsal do Estatuto Constitucional da Magistratura Judicial e sua aplicabilidade ao Ministério Público, como dito, aproxima inegavelmente o regime jurídico das duas carreiras. Isso tem consequências jurídicas relevantes, inclusive no campo das vantagens e prerrogativas dos cargos. A prática institucional e legislativa vem há anos reconhe cendo tal simetria. Basta lembrar que a remuneração dos ministros do Supremo Tribunal Federal e a do Procurador-Geral da Repú blica (e, por via de consequência, a dos membros do Poder Judiciá rio da União e a do Ministério Público da União) vêm sendo fixadas por leis resultantes de projetos enviados pelo STF e pelo PGR simultaneamente e que caminham pari passu no Congresso Nacional. Deve mesmo ser assim, pois nada justifica que uma des sas carreiras tenha vantagens ou prerrogativas inferiores à outra. 22 Antes o art. 129, § 4o, já dispunha na direção dessa simetria, pois preceituava: “§ 4o. Aplica-se ao Ministério Público, no que couber, o disposto no art. 93, II e VI.” 33 Ação originária 1.773/DF PGR O paralelismo do regime jurídico de vantagens entre ambas as carreiras foi – corretamente – reconhecido pelo Conselho Na cional de Justiça em importante julgamento, no qual aprovou a Resolução 133, de 21 de junho de 2011, promulgada pelo então Presidente CEZAR PELUSO.23 Por seu conteúdo elucidativo, vale transcrever a ementa do julgado administrativo que originou a re solução:24 PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. ASSOCIAÇÃO DE MA GISTRADOS. REMUNERAÇÃO DA MAGISTRA TURA. SIMETRIA CONSTITUCIONAL COM O MINISTÉRIO PÚBLICO (ART. 129, § 4o, DA CONSTI TUIÇÃO). RECONHECIMENTO DA EXTENSÃO DAS VANTAGENS PREVISTAS NO ESTATUTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO (LC 73, de 1993, e LEI 8.625, de 1993). INADEQUAÇÃO DA LOMAN FRENTE À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. REVOGAÇÃO DO ARTIGO 62 DA LEI ORGÂNICA DA MAGISTRA TURA FACE AO NOVO REGIME REMUNERATÓ RIO INSTITUÍDO PELA EMENDA CONSTITUCIONAL No 19. APLICAÇÃO DIRETA DAS REGRAS CONSTITUCIONAIS RELATIVAS AOS VENCIMENTOS, JÁ RECONHECIDA PELO SU 23 Disponível em < http://zip.net/brpx0F > ou < http://www.cnj.jus.br/atosadministrativos/atos-da-presidencia/resolucoespresidencia/14845-resolucao-n133-de-21-de-junho-de-2011 >, acesso em 12 set. 2014. A Resolução 133/2011 é objeto da ADI 4.822/DF, rel. Min. MARCO AURÉLIO, distribuída em 26 de julho de 2012. Na sessão de 2 de outubro de 2013, o relator votou pela procedência do pedido, por inconstitucionalidade formal da norma, e o Min. TEORI ZAVASCKI, pela improcedência. Na continuação do julgamento, em 20 de novembro de 2013, o Min. LUIZ FUX votou pela improcedência, e o julgamento foi suspenso por pedido de vista do Min. DIAS TOFFOLI. 24 CNJ. Plenário. Pedido de providências 0002043-22.2009.2.00.0000 (antigo 2009.10.00.002043-4). Rel.: Cons. JOSÉ ADONIS CALLOU DE SÁ. Redator para acórdão: Cons. FELIPE LOCKE CAVALCANTI. 17 ago. 2010, maioria. O processo e o acórdão podem ser localizados mediante pesquisa em < https://www.cnj.jus.br/ecnj/ >. 34 Ação originária 1.773/DF PGR PREMO TRIBUNAL FEDERAL. INVIABILIDADE DA APLICAÇÃO DA SÚMULA 339 DO SUPREMO TRI BUNAL FEDERAL. PEDIDO JULGADO PROCE DENTE PARA QUE SEJA EDITADA RESOLUÇÃO DA QUAL CONSTE A COMUNICAÇÃO DAS VANTA GENS FUNCIONAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL À MAGISTRATURA NACIONAL, COMO DECORRÊNCIA DA APLICAÇÃO DIRETA DE DIS POSITIVO CONSTITUCIONAL QUE GARANTE A SIMETRIA ÀS DUAS CARREIRAS DE ESTADO. I – A Lei Orgânica da Magistratura, editada em 1979, em pleno regime de exceção, não está de acordo com os princí pios republicanos e democráticos consagrados pela Consti tuição Federal de 1988. II – A Constituição de 1988, em seu texto originário, cons tituiu-se no marco regulatório da mudança de nosso sistema jurídico para a adoção da simetria entre as carreiras da ma gistratura e do Ministério Público, obra complementada por meio da Emenda Constitucional n o 45, de 2004, mediante a dicção normativa emprestada ao § 4o do art. 129. III – A determinação contida no art. 129, § 4o, da Constitui ção, que estabelece a necessidade da simetria da carreira do Ministério Público com a carreira da Magistratura é auto-aplicável, sendo necessária a comunicação das vantagens funcionais do Ministério Público, previstas na Lei Comple mentar 75, de 1993, e na Lei n o 8.625, de 1993, à Magistra tura e vice-versa sempre que se verificar qualquer desequilíbrio entre as carreiras de Estado. Por coerência sis têmica, a aplicação recíproca dos estatutos das carreiras da magistratura e do Ministério Público se auto define e é auto suficiente, não necessitando de lei de hierarquia inferior para complementar o seu comando. IV – Não é possível admitir a configuração do esdrúxulo pa norama segundo o qual, a despeito de serem regidos pela mesma Carta Fundamental e de terem disciplina constituci onal idêntica, os membros da Magistratura e do Ministério Público brasileiros passaram a viver realidades bem diferen tes, do ponto de vista de direitos e vantagens. V – A manutenção da realidade fática minimiza a dignidade da judicatura porque a independência econômica constitui um dos elementos centrais da sua atuação. A independência 35 Ação originária 1.773/DF PGR do juiz representa viga mestra do processo político de legiti mação da função jurisdicional. VI – Não existe instituição livre, se livres não forem seus ta lentos humanos. A magistratura livre é dever institucional atribuído ao Conselho Nacional de Justiça que vela diutur namente pela sua autonomia e a independência, nos exatos ditames da Constituição Federal. VII – No caso dos Magistrados e membros do Ministério Público a independência é uma garantia qualificada, institu ída pro societatis, dada a gravidade do exercício de suas fun ções que, aliadas à vitaliciedade e à inamovibilidade formam os pilares e alicerces de seu regime jurídico peculiar. VIII – Os subsídios da magistratura, mais especificamente os percebidos pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal, por força da Emenda Constitucional n o 19, de 1998, repre sentam o teto remuneratório do serviço público nacional, aí incluída a remuneração e o subsídio dos ocupantes de car gos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Po deres (art. 37, XI), portanto, ao editar a norma do art. 129, § 4o (EC 45, de 2004), o constituinte partiu do pressuposto de que a remuneração real dos membros do Ministério Pú blico deveria ser simétrica à da magistratura. IX – Pedido julgado procedente para que seja editada reso lução que contenha o reconhecimento e a comunicação das vantagens funcionais do Ministério Público Federal à Magis tratura Nacional, como decorrência da aplicação direta do dispositivo constitucional (art. 129, § 4o) que garante a sime tria às duas carreiras de Estado. Todos os fatores supra apontam para a necessidade de inter pretação adaptativa da LOMAN à nova realidade constitucional e sociológica. Até pelo fato de remontar a 1979, a Lei Complemen tar 35 já não mais atende às necessidades institucionais do Poder Judiciário e carece de urgente atualização. O regime jurídico do Ministério Público é hoje marcada mente mais consentâneo com a realidade, pelo fato de repousar 36 Ação originária 1.773/DF PGR em normas muito mais recentes: a Lei Complementar 75, de 20 de maio de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público da União), e a Lei 8.625, de 12 de fevereiro de 1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público). Essas relevantes circunstâncias reforçam a necessidade de re conhecer verdadeira mutação nas normas aplicáveis à magistratura judicial, a qual tem imposto a necessidade de interpretação evolu tiva e sistemática com a nova ordem constitucional, 25 com prece dentes jurisprudenciais, notadamente do Supremo Tribunal Federal, com resoluções do Conselho Nacional de Justiça e com normas análogas, tais como as aplicáveis ao Ministério Público, acima indicadas. Precedentes dessa Suprema Corte que reiteram a taxatividade dos direitos dos juízes previstos no art. 65 da LOMAN (como os citados MS 23.557/DF e AgR/AO 820/MG) geralmente consi deraram paradigmas mais distantes do regime jurídico da magistra tura judicial, tais como o dos servidores públicos em geral e dos parlamentares. Bem distinta é a situação no que respeita à aplicabi lidade do regime jurídico do Ministério Público, em face da sime tria constitucional a que se aludiu. 25 A Constituição de 1988 prevê no art. 7o, por exemplo, direitos sociais aplicáveis aos trabalhadores em geral não inscritos no rol do art. 65 da LOMAN, como o terço constitucional de férias (inc. XVII), a licença à gestante (inc. XVIII) e a licença-paternidade (inc. XIX), para citar apenas alguns deles. Esses direitos, sem embargo de sua ausência do rol do art. 65, têm sido pacificamente reconhecidos a magistrados judiciais e do Ministério Público. Foram desse modo citados na manifestação da Procuradoria-Geral da República na proposta de súmula vinculante (PSV) 71/DF, em trâmite no Supremo Tribunal Federal (peça 30 da PSV 71/DF). 37 Ação originária 1.773/DF PGR Por outro lado, a aplicabilidade dos direitos indenizatórios do Ministério Público aos membros do Poder Judiciário em nada co lide com o entendimento dessa Corte acerca da recepção da LO MAN e, em particular, de seu art. 65 pela Constituição de 1988, em julgados que a resposta da UNIÃO apontou. Tampouco se choca com o princípio constitucional da legalidade, uma vez que se está precisamente a aplicar outra norma constitucional, a da simetria, de modo que não há ofensa à normatividade da Constituição da República. III.5. O PAPEL DO DO CNJ ESTATUTO NA MANUTENÇÃO DA DA UNIDADE MAGISTRATURA Corretamente salientaram os autores a necessidade de unifi car o regime normativo do auxílio-moradia, que apontam já haver sido concedido a dez magistraturas judiciais estaduais, 26 aos minis tros do Supremo Tribunal Federal (sessão administrativa de 18 de junho de 2003), aos ministros do Superior Tribunal de Justiça (reunião ordinária do Conselho de Administração de 29 de maio de 2003, no procedimento administrativo 1306/03 [peça 3, fls. 3334]) e aos do Tribunal Superior do Trabalho, estendido ainda aos juízes auxiliares que atuam perante o STF (Resolução 413, de 1 o de outubro de 2009 [peça 3, fls. 27-32]), o STJ (Resolução 10, de 19 de março de 2013)27 e o CNJ (Portaria 251, de 19 de maio de 26 Nos Estados de Santa Catarina, Ceará, Sergipe, Amapá, Rondônia, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pará, Maranhão e Goiás. 27 Disponível em < http://dj.stj.jus.br/20130321.pdf >, acesso em 13 set. 2014. 38 Ação originária 1.773/DF PGR 2008 [peça 3, fls. 18-26], Instrução Normativa 35, de 5 de feve reiro de 2010 [peça 3], e IN 9, de 8 de agosto de 201228). Como acertadamente assevera a petição inicial, o regime ju rídico funcional dos ministros do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, particularmente no que concerne a direitos e vantagens, é o mesmo dos juízes federais e dos tribunais da União. Por esse motivo, não se justifica tratamento díspar entre os exercentes dessas funções, salvante naquilo que decorrer especi ficamente do cargo que cada magistrado ocupe. Obviamente, não se pretende afirmar identidade de funções entre ministros de cortes superiores e juízes de primeiro grau, conquanto todos exerçam, a seu modo, a jurisdição, e com isso de cidam sobre a vida, a liberdade e o patrimônio de seus compatrio tas. Consideradas essas diferenças, todavia, nada justifica que apenas os ministros percebam o auxílio-moradia e não os juízes de pri meiro e segundo graus, uma vez que a base normativa desse di reito é absolutamente a mesma. Fato é que, como se mencionou, diferentes tratamentos se instalaram, com o pagamento, por diversos tribunais, do auxí lio-moradia a seus magistrados, em valores e com requisitos díspa res. Essa circunstância aponta para a necessidade de regulação uniforme do instituto, por todas as razões já expostas. Obviamente sem embargo de a matéria vir a ser objeto de lei em sentido estrito, até que ela advenha se afigura o Conselho Na 28 Disponível em < http://zip.net/blpxk0 > ou < http://www.cnj.jus.br/atosnormativos?documento=1357 >, acesso em 13 set. 2014. 39 Ação originária 1.773/DF PGR cional de Justiça como canal apropriado para discipliná-la, no pre sente panorama jurídico-institucional. A Emenda Constitucional 45/2004 instituiu esse conselho, ao lado do Conselho Nacional do Ministério Público, para o planejamento superior da atuação do Poder Judiciário, para aperfeiçoar a observância da deontologia ju dicial e, igualmente importante, para zelar pela autonomia desse poder e “pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou re comendar providências”, consoante autoriza já o inc. I do art. 103-B, § 4o, da Constituição do Brasil, introduzido pela emenda. A jurisprudência dessa Corte tem corretamente reputado que as resoluções do Conselho Nacional de Justiça ostentam condição de ato normativo primário, assim como o regimento interno do CNJ. Essa interpretação foi afirmada no julgamento da medida cautelar na ação declaratória de constitucionalidade 12/DF, cuja ementa, ao tratar da força normativa de uma das resoluções do ór gão, consignou: [...] A Resolução no 07/05 do CNJ reveste-se dos atributos da generalidade (os dispositivos dela constantes veiculam normas proibitivas de ações administrativas de logo padroni zadas), impessoalidade (ausência de indicação nominal ou patronímica de quem quer que seja) e abstratividade (trata-se de um modelo normativo com âmbito temporal de vigência em aberto, pois claramente vocacionado para renovar de forma contínua o liame que prende suas hipóteses de inci dência aos respectivos mandamentos). A Resolução no 07/05 se dota, ainda, de caráter normativo primário, dado que ar ranca diretamente do § 4o do art. 103-B da Carta-cidadã e tem como finalidade debulhar os próprios conteúdos lógicos dos princípios constitucionais de centrada regência de toda a 40 Ação originária 1.773/DF PGR atividade administrativa do Estado, especialmente o da im pessoalidade, o da eficiência, o da igualdade e o da morali dade. [...]29 O relator da ADC, Ministro AYRES BRITTO, cuidou longa mente da qualificação das resoluções do CNJ como atos normati vos primários. A fim de não estender demasiado esta manifestação, extraem-se trechos mais significativos de seu voto (acórdão da MC/ADC, fls. 19-32): 20. Já no plano da autoqualificação do ato do CNJ como entidade jurídica primária, permito-me apenas lembrar, ainda nesta mesma passagem, que o Estado-legislador é de tentor de duas caracterizadas vontades normativas: uma é primária, outra é derivada. A vontade primária é assim desig nada por se seguir imediatamente à vontade da própria Constituição, sem outra base de validade que não seja a Constituição mesma. Por isso que imediatamente inovadora do Ordenamento Jurídico, sabido que a Constituição não é diploma normativo destinado a tal inovação, mas à própria fundação desse Ordenamento. Já a segunda tipologia de von tade estatal-normativa, vontade tão-somente secundária, ela é assim chamada pelo fato de buscar o seu fundamento de validade em norma intercalar; ou seja, vontade que adota como esteio de validade um diploma jurídico já editado, este sim, com base na Constituição. Logo, vontade que não tem aquela força de inovar o Ordenamento com imediatidade. [...] 28. Agora vem a pergunta que tenho como a de maior valia para o julgamento desta ADC: o Conselho Nacional de Jus tiça foi aquinhoado com essa modalidade primária de com petência? Mais exatamente: foi o Conselho Nacional de Justiça contemplado com o poder de expedir normas primá 29 STF. Plenário. MC/ADC 12/DF. Relator: Ministro AYRES BRITTO. 16 fev. 2006, maioria (vencido o Min. MARCO AURÉLIO). DJ, seção 1, 1o set. 2006, p. 15; Revista Trimestral de Jurisprudência, vol. 199(2), p. 427. Disponível em: < http://migre.me/c4p7J > ou < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pa ginador.jsp?docTP=AC&docID=372910 >. 41 Ação originária 1.773/DF PGR rias sobre as matérias que servem de recheio fático ao inciso II do § 4o do art. 103-B da Constituição? [...] 32. Dá-se que duas outras coordenadas interpretativas pare cem reforçar esta compreensão das coisas. A primeira é esta: a Constituição, por efeito da Emenda 45/04, tratou de fixar o regime jurídico de três conselhos judiciários: a) o Conse lho da Justiça Federal (inciso II do parágrafo único do art. 105); b) o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (inciso II do § 2o do art. 111-A); e c) o Conselho Nacional de Jus tiça (art. 103-B). Ao cuidar dos dois primeiros Conselhos, ela, Constituição, falou expressamente que as respectivas competências – todas elas, enfatize-se – seriam exercidas “na forma da lei”. Esse inequívoco fraseado “na forma da lei” a anteceder, portanto, o rol das competências de cada qual das duas instâncias. Ora, assim não aconteceu com o tratamento normativo dispensado ao Conselho Nacional de Justiça. Aqui, a Magna Carta inventariou as competências que houve por bem deferir ao CNJ, quedando silente quanto a um tipo de atuação necessariamente precedida de lei. 33. O segundo reforço argumentativo está na interpretação panorâmica ou sistemática ou imbricada que se possa fazer dos dispositivos que se integram na compostura vernacular de todo o art. 103-B da Constituição. É que tais dispositivos são tão ciosos da importância do CNJ em ambos os planos da composição e do funcionamento; tão logicamente conca tenados para fazer do Conselho um órgão de planejamento estratégico do Poder Judiciário, assim no campo orçamentá rio como no da celeridade, transparência, segurança, demo cratização e aparelhamento tecnológico da função jurisdicional do Estado; tão explicitamente assumidos como estrutura normativa de contínua densificação dos estelares princípios do art. 37 da Lei Republicana; tão claramente re grados para tornar o CNJ uma genuína instância do Poder Judiciário, e não uma instituição estranha a esse Poder ele mentar do Estado, enfim, que negar a esse Conselho o poder de aplicar imediatamente a Constituição-cidadã, tanto em con creto como em abstrato, seria concluir que a Emenda 45 ho miziou o novo órgão numa fortaleza de paredes intransponíveis, porém fechada, afinal, com a mais larga porta de papelão. Metáfora de que muito se valia o gênio ético-li 42 Ação originária 1.773/DF PGR bertário de GERALDO ATALIBA para ensinar como não se deve interpretar o Direito, notadamente o de estirpe constitucio nal. Ao também reconhecer a validade da resolução atacada na quela ADC, o Ministro EROS GRAU lembrou que “[...] é a própria Constituição, no inciso I do § 4o do seu artigo 103-B, que atribui ao Conselho Nacional de Justiça o exercício da função normativa regulamentar” (idem, fl. 49). O Ministro CEZAR PELUSO, também a esse respeito, ponderou (idem, fl. 56): Retiro ainda do artigo 103, b, § 4o, inc. I [da Constituição], o poder jurídico, agora explícito, do Conselho, de expedir atos regulamentares, que não me parecem restritos à hipótese ini cial do inc. I. Esse poder de expedir atos regulamentares diz respeito a todas as atribuições outorgadas ao Conselho e que dependem, para sua execução efetiva, dessa regulamentação prevista no § 4o, inc. I. A capacidade normativa do CNJ com base na teoria dos po deres implícitos (implied powers ou inherent powers), aliás, foi igual mente reconhecida, de maneira expressa, pelo STF, nesse julgado. O tema da competência de o CNJ produzir atos normativos com força primária de regulamentar a Constituição e a incidência do princípio da legalidade foram largamente enfrentados pelo Su premo Tribunal Federal naquele julgamento. O Ministro GILMAR MENDES sustentou, a certa altura (idem, fl. 71): A idéia da submissão da Administração [Pública] à lei é, hoje, quase óbvia. No entanto, como ensina GARCÍA DE ENTERRÍA, é preciso ter cuidado para não entender como lei apenas a lei em sentido formal. O conceito de legalidade não faz refe rência a um tipo de norma específica, mas ao ordenamento 43 Ação originária 1.773/DF PGR jurídico como um todo, o que [MAURICE] HAURIOU chamava de “bloco de legalidade”. Portanto, quando a Constituição, em seu art. 5o, II, prescreve que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer al guma coisa senão em virtude de lei”, por “lei” deve-se en tender o conjunto do ordenamento jurídico, cujo fundamento de validade formal e material encontra-se pre cisamente na própria Constituição. Traduzindo em outros termos, a Constituição diz que ninguém será obrigado a fa zer ou deixar de fazer alguma coisa que não esteja previa mente estabelecido [sic] na própria Constituição e nas normas dela derivadas. A competência de o Conselho Nacional de Justiça produzir normas aplicáveis a todo o Poder Judiciário, em tema tão sensível e relevante quanto o das vantagens funcionais, foi reconhecida tam bém no julgamento da já mencionada medida cautelar na ADI 4.638/DF, a qual tem como objeto a Resolução 135/2011,30 refe rente ao processo disciplinar aplicável à magistratura judicial. Essa natureza das resoluções do CNJ – decorrente da interpretação sis temática do art. 5o, § 2o, da Emenda Constitucional 45/2004,31 e do art. 103-B, § 4o, da Constituição – aponta para a importância de o Conselho disciplinar de modo uniforme a concessão de auxí lio-moradia para todo o Judiciário nacional, superando a legislação estadual pertinente, salvo para o Supremo Tribunal Federal, cuja normatização deve partir do próprio. Com isso, sana-se a inegável quebra de unidade do regime da magistratura judicial que hoje campeia em relação ao instituto. 30 Referência na nota 18. 31 “§ 2o. Até que entre em vigor o Estatuto da Magistratura, o Conselho Nacional de Justiça, mediante resolução, disciplinará seu funcionamento e definirá as atribuições do Ministro-Corregedor.” 44 Ação originária 1.773/DF PGR IV. CONCLUSÃO Ante o exposto, o Procurador-Geral da República opina: a) preliminarmente, pelo reconhecimento da competência do Supremo Tribunal Federal para julgar a demanda; b) pela admissão da ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO BRASIL (AJUFE) como assistente dos autores (petição de 10 de junho de 2014); c) quanto à antecipação de tutela jurisdicional, pela concessão, com efeito ex nunc, a partir de regulamentação do auxílio-moradia a ser determinada pelo Supremo Tribunal Federal ao Conselho Nacional de Justiça; nesse caso, no sentido de que se determine ao CNJ a fixação de valores máximos a serem pagos pelos tribunais (considerados fatores como a limitação ao valor pago aos ministros do Supremo Tribunal Federal e a realidade das finanças locais, por exemplo), condicionados à ausência de oferta de residência oficial, consoante prevê a LOMAN; d) ainda no que respeita à antecipação de tutela jurisdicional, subsidiariamente, pela concessão, com efeito ex nunc e por aplica ção das normas do Ministério Público Federal, previstas na Lei Complementar 75/1993, no valor atualmente definido para os juí zes auxiliares do Supremo Tribunal Federal; e) no mérito, pela procedência parcial do pedido, nos termos acima indicados para o provimento liminar (improcedente, por 45 Ação originária 1.773/DF PGR tanto, o pedido do item b.3, folha 20 da petição inicial), inclusive no que se refere à hipótese subsidiária da letra anterior. Desde já requer nova vista para se manifestar, caso se juntem aos autos novas petições e documentos, na forma do art. 83, I, do Código de Processo Civil.32 Brasília (DF), 13 de setembro de 2014. Rodrigo Janot Monteiro de Barros Procurador-Geral da República RJMB/WS/JCCR/UC/MPOM/EP/LPCN-Par. PGR/WS/1.851/2014 32 “Art. 83. Intervindo como fiscal da lei, o Ministério Público: I – terá vista dos autos depois das partes, sendo intimado de todos os atos do processo; II – poderá juntar documentos e certidões, produzir prova em audiência e requerer medidas ou diligências necessárias ao descobrimento da verdade.” 46