No 4.444/AsJConst/SAJ/PGR CONSTITUCIONAL. ESTATUTO DA

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No 4.444/AsJConst/SAJ/PGR CONSTITUCIONAL. ESTATUTO DA
No 4.444/AsJConst/SAJ/PGR
Ação originária 1.773/DF
Relator:
Ministro Luiz Fux
Autores:
DIMIS DA COSTA BRAGA, DURVAL CARNEIRO NETO, EDUARDO
MORAIS DA ROCHA, FÁBIO ROGÉRIO FRANÇA SOUZA, FAUSTO
MENDANHA GONZAGA, FRANCISCO NEVES DA CUNHA, GUILHERME
BACELAR PATRÍCIO DE ASSIS, GUILHERME JORGE DE RESENDE BRITO
Ré:
UNIÃO
CONSTITUCIONAL. ESTATUTO DA MAGISTRATURA.
AUXÍLIO-MORADIA. LOMAN, ART. 65, II. SIMETRIA DE
REGIMES ENTRE A MAGISTRATURA JUDICIAL E A
DO MINISTÉRIO PÚBLICO, PARTICULARMENTE
DESDE A EMENDA CONSTITUCIONAL 45/2004. NE­
CESSIDADE DE DISCIPLINA NACIONAL E UNIFORME
DO INSTITUTO PELO CONSELHO NACIONAL DE
JUSTIÇA.
1. Competência do Supremo Tribunal Federal para julgar ação
em que toda a magistratura judicial é interessada, que discute
vantagem funcional com regramento específico, cuja disciplina
demanda decisão uniformizadora do STF.
2. O auxílio-moradia é vantagem funcional expressamente pre­
vista no art. 65, II, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional
(Lei Complementar 35/1979), recepcionado pela Constituição
da República de 1988. Possui natureza indenizatória, devido
propter laborem a juízes que residam em localidade na qual não
haja residência oficial disponível.
3. A natureza indenizatória do auxílio-moradia torna-o compa­
tível com o regime constitucional de subsídio aplicável aos juí­
zes.
4. É juridicamente possível integração do art. 65, II, da LO­
MAN com outras normas, para o fim de concluir pela aplicabili­
dade imediata do auxílio-moradia, como já decidiu o Supremo
Tribunal Federal quanto a outros institutos do mesmo disposi­
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PGR
tivo. Particularmente a partir da Emenda Constitucional
45/2004, que alterou o art. 129, § 4o, da Constituição, o poder
constituinte densificou a simetria de regime jurídico entre juízes
e membros do Ministério Público, sendo lícito considerar que
atribuiu ao segundo a natureza de magistratura requerente, equi­
parada à judicial, a exemplo de países europeus de matriz jurí­
dica romano-germânica. Com isso, é legítima a aplicação
recíproca de normas legais de uma à outra carreira, no que cou­
ber. A disciplina do auxílio-moradia devido aos magistrados ju­
diciais pode extrair-se da inscrita na Lei Orgânica do Ministério
Público da União (Lei Complementar 75/1993).
5. Possui o Poder Judiciário caráter unitário e nacional, a de­
mandar disciplina uniforme das linhas mestras de seu regime ju­
rídico (art. 93 da Constituição da República). Precedentes do
Supremo Tribunal Federal. É inconstitucional e injusta a pletora
de leis e atos administrativos que hoje regulamentam de forma
fragmentada e divergente o auxílio-moradia para parcelas da ma­
gistratura judicial. Até que advenha lei nacional a respeito do
instituto, deve o Conselho Nacional de Justiça, por determina­
ção do Supremo Tribunal Federal, regular o pagamento do auxí­
lio-moradia aos juízes brasileiros, superando a variedade de leis
estaduais discrepantes sobre o tema. Para os membros do Su­
premo Tribunal Federal, caberá ao próprio órgão disciplinar o
instituto.
Parecer pelo reconhecimento da competência do Supremo Tri­
bunal Federal, pelo deferimento parcial da antecipação de tutela
jurisdicional e pela procedência parcial do pedido, ambos com
efeito ex nunc.
I. RELATÓRIO
Trata-se de ação originária proposta por DIMIS
BRAGA
E OUTROS,
DA
COSTA
juízes federais qualificados na petição inicial, em
face da UNIÃO, pela qual pedem declaração definitiva de que fazem
jus a recebimento de auxílio-moradia sempre que exerçam fun­
ções em localidades onde não exista residência oficial à disposição
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do magistrado. Invocam o art. 65, II, da Lei Orgânica da Magistra­
tura Nacional (LOMAN – Lei Complementar 35, de 14 de março
de 1979), vantagem a ser percebida no valor máximo estabelecido
pelo Conselho Nacional de Justiça ou, caso assim não se entenda,
no valor correspondente ao dispêndio efetuado com aluguéis ou
hospedagem.
Formulam pedido alternativo, com fundamento no mesmo
art. 65, II, da LOMAN, desta feita combinado com o art. 60-A da
Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e com o art. 52 da Lei
Orgânica da Justiça Federal (LOJF – Lei 5.010, de 30 de maio de
1966), de declaração definitiva do direito a recebimento de auxíli­
o-moradia pelos autores que paguem ou pagaram aluguel ou hos­
pedagem na localidade em que residam ou tenham residido para o
exercício jurisdicional. Na hipótese de provimento declaratório,
em relação ao primeiro ou ao segundo pedido, requerem conde­
nação da ré ao pagamento pretérito das verbas não pagas a título
de auxílio-moradia, ainda não alcançadas pelo prazo prescricional,
desde o exercício de cada um, atualizadas pelos índices reais de in­
flação, mais juros de mora.
A competência do Supremo Tribunal Federal para exame da
ação é sustentada pelos autores com fundamento no art. 102, in­
ciso I, n, da Constituição Federal, em razão de a causa veicular pre­
tensão de interesse de toda a magistratura judicial.
Alegam que o art. 65, II, da LOMAN prevê, entre as vanta­
gens devidas aos magistrados, ajuda de custo para moradia, tendo
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como única restrição previsão de que não deve haver na localidade
residência oficial disponível. Basta caracterização de ausência de
disponibilidade de residência oficial para tornar devido o paga­
mento do auxílio-moradia. Indicam como complemento e esteio
da previsão legal específica o art. 52 da Lei 5.010/1966, c/c o art.
60-A da Lei 8112/1990. Enquanto a LOJF prevê aplicação, no que
couber, das disposições do Estatuto dos Servidores da União aos
juízes e servidores da Justiça Federal, o art. 60-A do diploma esta­
tutário prevê pagamento de auxílio-moradia a título de ressarci­
mento de despesas comprovadas pelo servidor com aluguel ou
hospedagem em unidade hoteleira.
Sustentam que o Conselho da Justiça Federal e o Conselho
Nacional de Justiça estariam em mora no exame de pedidos admi­
nistrativos efetuados em face do não cumprimento do comando
normativo pelo Poder Judiciário federal. Indicam caráter indeniza­
tório do auxílio, reconhecido pelo CNJ (art. 8o, I, b, da Resolução
13, de 21 de março de 2006).1 Colacionam jurisprudência. Em le­
vantamento da situação de pagamento do auxílio-moradia à ma­
gistratura judicial, apontam quebra de isonomia, pois ministros do
Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, do Tri­
bunal Superior do Trabalho, conselheiros do CNJ e dez magistra­
turas estaduais perceberiam o auxílio-moradia. Além disso, todos
os magistrados convocados em auxílio aos tribunais superiores, ao
CNJ e ao CJF fazem jus a auxílio-moradia no período da convo­
cação.
1 Cf. peça 3 do processo eletrônico, folhas 13-17.
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Apontam que no Supremo Tribunal Federal o direito a auxí­
lio-moradia tem sido deferido em ampla extensão, mesmo aos ma­
gistrados que dispõem de residência própria, excetuados apenas os
que ocupam imóvel funcional. Citam voto do Ministro MARCO
AURÉLIO, relator do mandado de segurança 26.794/MS, cujo julga­
mento pende de conclusão. Invocam o processo de interiorização
da Justiça Federal, que leva o juiz federal substituto a tomar posse
em distantes subseções judiciárias, repetindo-se o ciclo na promo­
ção a juiz federal e na promoção a juiz de TRF. Estaria a ocorrer
perda de atratividade da carreira da magistratura judicial em rela­
ção a outras profissões jurídicas.
Houve requerimento de tutela de urgência, com fundamento
no art. 273, caput e § 7o, do Código de Processo Civil.2 Sublinham
a natureza alimentar do auxílio destinado a ressarcimento de des­
pesas com moradia do magistrado e de sua família. Consignam não
se tratar de extensão de vantagem, de modo que é inaplicável a ve­
dação legal de tutela antecipada do art. 1o da Lei 9.494, de 10 de
dezembro de 1997.3
2 “Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou
parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que,
existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto
propósito protelatório do réu. [...]
§ 7o. Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de
natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos
pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo
ajuizado.”
3 “Art. 1o. Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do
Código de Processo Civil o disposto nos arts. 5 o e seu parágrafo único e 7o
da Lei no 4.348, de 26 de junho de 1964, no art. 1 o e seu § 4o da Lei no
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A UNIÃO foi citada (peça 8) e apresentou contestação (peça
17). Aduz que os auxílios previstos na LOMAN, assim como aque­
les da legislação dos servidores públicos federais, são transitórios e
excepcionais. Em virtude disso, sustenta não ser devido auxíliomoradia a magistrado que desempenhe funções na cidade na qual
habitualmente o faça e onde tenha residência fixa. Aponta que o
dispositivo da LOMAN carece de regulamentação, de modo a não
fazerem jus os autores ao benefício. A respeito da aplicação subsi­
diária do art. 60-A da Lei 8.112/1990, faltaria aos magistrados o
requisito do art. 60-B,VIII, do mesmo diploma.4
Para a ré, a carreira da magistratura judicante se caracterizaria
por animus de permanência definitiva no local objeto de opção do
juiz. A natureza singular da carreira não comportaria percepção de
auxílio-moradia, salvo nos casos excepcionais de participação em
mutirões ou auxílio em comarca diversa da de lotação. Sustenta
que os autores pretendem atribuir-se vantagens adicionais, o que
configuraria inconstitucionalidade do auxílio, ante o art. 93, caput,
da Constituição da República. Disserta sobre taxatividade das van­
tagens abrangidas pelo art. 65 da LOMAN e impossibilidade de
extensão de suas disposições, até edição de nova lei complementar
que discipline o Estatuto da Magistratura. Colaciona precedentes
5.021, de 9 de junho de 1966, e nos arts. 1 o, 3o e 4o da Lei no 8.437, de 30
de junho de 1992.”
4 “Art. 60-B. Conceder-se-á auxílio-moradia ao servidor se atendidos os
seguintes requisitos: […]
VIII – o deslocamento não tenha sido por força de alteração de lotação ou
nomeação para cargo efetivo.”
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da corte. Agrega que além da inconstitucionalidade apontada have­
ria ofensa ao princípio da legalidade (art. 5o, II, da Constituição).
Entende que a alteração, em qualquer aspecto, da remunera­
ção de juízes depende de proposta ao Poder Legislativo, de inicia­
tiva do tribunal ao qual sejam vinculados, observado o art. 169 da
Constituição da República, no que tange aos aspectos orçamentá­
rios. Rejeita que haveria situação paradigmática entre juízes de
carreira e ministros de Tribunais Superiores, cuja mudança de resi­
dência constituiria imperativo de escolha política, para desempe­
nho de funções que reputa como sem comparação com as
atividades ordinárias de juiz de carreira.
Sustenta incompatibilidade entre auxílio-moradia indiscrimi­
nado (admitindo que houvesse previsão legal do benefício) com
regime remuneratório mediante subsídio. Os auxílios previstos na
LOMAN deveriam ser interpretados de acordo com a Constitui­
ção. Com o regime de subsídio, o pagamento de verbas extras
exige não apenas serem indenizatórias, mas serem excepcionais e
transitórias.
A ASSOCIAÇÃO
DOS
JUÍZES FEDERAIS
DO
BRASIL (AJUFE) requer
ingresso no feito na qualidade de interessada, tendo em vista que o
pleito dos autores é objeto de sua pretensão associativa, pois rei­
vindica direito à percepção das verbas indenizatórias legalmente
previstas para toda a magistratura judicial (peça 12). Agrega que,
nos termos do art. 5o de seu ato estatutário, é objetivo da AJUFE
patrocinar ou representar judicial e extrajudicialmente interesses
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ou direito individual de qualquer associado relacionado com a ati­
vidade profissional, consoante o art. 5o, XXI, da Constituição da
República, mediante deliberação da Diretoria.
Apresentada resposta da UNIÃO e pendentes de apreciação os
pedidos de antecipação de tutela e de admissão da assistente, vie­
ram os autos para manifestação da Procuradoria-Geral da Repú­
blica.
É o relatório.
II. PRELIMINARMENTE: COMPETÊNCIA
DO
S UPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Assiste razão aos autores, quando afirmam competência do
Supremo Tribunal Federal para julgamento da demanda. O art.
102, I, n, da Constituição da República prevê essa competência
para a Corte julgar a “ação em que todos os membros da magistra­
tura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que
mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam im­
pedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados”.
Mostra-se presente a primeira hipótese da alínea, uma vez
que o auxílio-moradia, objeto da demanda, foi previsto como di­
reito de toda a magistratura judicial, no art. 65, II, da Lei Orgânica
da Magistratura Nacional (Lei Complementar 35, de 14 de março
de 1979). Por outro lado, é notório que a concretização desse di­
reito é matéria polêmica e vem sendo regulamentada de forma
díspar por diferentes tribunais, tanto que o Conselho Nacional de
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Justiça já deferiu medidas cautelares em diversos procedimentos
administrativos para o fim de suspender as resoluções dessas cortes.
Na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,
cuida-se de interesse peculiar da magistratura judicial, uma vez que
a previsão do art. 65 da LOMAN lhe é aplicável exclusivamente.
Se bem que outras categorias funcionais sejam destinatárias de
vantagem semelhante,5 o fundamento jurídico da pretensão é ex­
clusivo de juízes (e, por força da simetria constitucional de que
adiante se tratará, do Ministério Público).
Ademais, pelas razões que se apontarão, há necessidade de
pronunciamento que somente o Supremo Tribunal Federal pode
editar, com o fito de uniformizar o tratamento do tema hoje dado
por normas estaduais, de maneira juridicamente fragmentada, con­
traditória e injusta para membros da carreira judiciária. Existe, em
torno do direito ao auxílio-moradia, verdadeira indefinição cole­
tiva em todo o Judiciário. No caso dos magistrados da União e dos
de alguns Estados, pelo fato de não terem concretizado seu direito
legal; no dos estaduais, pelas discrepâncias de valores e de requisitos
estipulados em normas locais.
Diante da presença de interesse peculiar de toda a magistra­
tura judicial e dos motivos acima, deve reconhecer-se competência
do Supremo Tribunal Federal para julgar este litígio, na forma da
Constituição da República.
5 Por essa razão (o fato de outras carreiras públicas fazerem jus a
auxílio-moradia), o Ministro CELSO DE MELLO extinguiu sem julgamento
de mérito a AO 1.774/DF, em tudo similar à destes autos, por decisão
monocrática de 15 de maio de 2013.
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Ação originária 1.773/DF
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III. DISCUSSÃO
III.1. FUNDAMENTO LEGAL
DO
AUXÍLIO -MORADIA
A verba indenizatória devida aos membros do Poder Judiciá­
rio e conhecida como auxílio-moradia, objeto desta demanda, en­
contra previsão expressa no artigo 65, inciso II, da Lei Orgânica da
Magistratura Nacional (LOMAN – Lei Complementar 35, de 14
de março de 1979), que o designa como “ajuda de custo para mo­
radia”, nestes termos:
Art. 65. Além dos vencimentos, poderão ser outorgadas aos
magistrados, nos termos da lei, as seguintes vantagens:
[...]
II – ajuda de custo, para moradia, nas localidades em que não
houver residência oficial à disposição do Magistrado.
[...].
A par da LOMAN, invocam os autores cabimento da conces­
são de auxílio-moradia em virtude de norma remissiva da Lei
Orgânica da Justiça Federal (Lei 5.010, de 30 de maio de 1966),
que dispõe: “Art. 52. Aos Juízes e servidores da Justiça Federal apli­
cam-se, no que couber, as disposições do Estatuto dos Funcioná­
rios Públicos Civis da União.” A fim de integrar o preceito, citam
os arts. 60-A e 60-B da Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990.6
6 “Art. 60-A. O auxílio-moradia consiste no ressarcimento das despesas
comprovadamente realizadas pelo servidor com aluguel de moradia ou com
meio de hospedagem administrado por empresa hoteleira, no prazo de um
mês após a comprovação da despesa pelo servidor. (Incluído pela Lei 11.355,
de 2006)
Art. 60-B. Conceder-se-á auxílio-moradia ao servidor se atendidos os
seguintes requisitos: (Incluído pela Lei 11.355, de 2006)
I – não exista imóvel funcional disponível para uso pelo servidor; (Incluído
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Para o Ministério Público da União, há previsão do auxí­
lio-moradia no art. 227, VIII, da Lei Orgânica do Ministério Pú­
blico da União (Lei Complementar 75, de 20 de maio de 1993),
nestes moldes:
Art. 227. Os membros do Ministério Público da União farão
jus, ainda, às seguintes vantagens:
[...]
VIII – auxílio-moradia, em caso de lotação em local cujas
condições de moradia sejam particularmente difíceis ou
onerosas, assim definido em ato do Procurador-Geral da Re­
pública;
[...].
pela Lei 11.355, de 2006)
II – o cônjuge ou companheiro do servidor não ocupe imóvel funcional;
(Incluído pela Lei 11.355, de 2006)
III – o servidor ou seu cônjuge ou companheiro não seja ou tenha sido
proprietário, promitente comprador, cessionário ou promitente cessionário de
imóvel no Município aonde for exercer o cargo, incluída a hipótese de lote
edificado sem averbação de construção, nos doze meses que antecederem a
sua nomeação; (Incluído pela Lei 11.355, de 2006)
IV – nenhuma outra pessoa que resida com o servidor receba
auxílio-moradia; (Incluído pela Lei 11.355, de 2006)
V – o servidor tenha se mudado do local de residência para ocupar cargo em
comissão ou função de confiança do Grupo-Direção e Assessoramento
Superiores – DAS, níveis 4, 5 e 6, de Natureza Especial, de Ministro de Estado
ou equivalentes; (Incluído pela Lei 11.355, de 2006)
VI – o Município no qual assuma o cargo em comissão ou função de
confiança não se enquadre nas hipóteses do art. 58, § 3o, em relação ao local
de residência ou domicílio do servidor; (Incluído pela Lei 11.355, de 2006)
VII – o servidor não tenha sido domiciliado ou tenha residido no Município,
nos últimos doze meses, aonde for exercer o cargo em comissão ou função de
confiança, desconsiderando-se prazo inferior a sessenta dias dentro desse
período; e (Incluído pela Lei 11.355, de 2006)
VIII – o deslocamento não tenha sido por força de alteração de lotação ou
nomeação para cargo efetivo. (Incluído pela Lei 11.355, de 2006)
IX – o deslocamento tenha ocorrido após 30 de junho de 2006. (Incluído
pela Lei 11.490, de 2007)
Parágrafo único. Para fins do inciso VII, não será considerado o prazo no qual
o servidor estava ocupando outro cargo em comissão relacionado no inciso V.
(Incluído pela Lei 11.355, de 2006)”.
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Ação originária 1.773/DF
PGR
Mais à frente se verá a relevância de citar aqui a disciplina do
instituto para o Ministério Público da União.
O auxílio-moradia possui caráter indenizatório, porquanto
não é vantagem destinada a remunerar todos os agentes públicos
de determinada carreira. No caso do Poder Judiciário, essa natu­
reza se reforça pelo fato de que o auxílio não é devido àqueles
membros que residam em localidade na qual exista residência ofi­
cial à sua disposição. Ademais, o instituto possui natureza propter la­
borem (ou pro labore facto), de maneira que não é devido a juízes e
membros do Ministério Público que se encontrem na inatividade.
A índole indenizatória do auxílio-moradia reconheceu-a a
Resolução 13, de 21 de março de 2006, do Conselho Nacional de
Justiça, art. 8o, I, b.7 Também o fez o Ministro MARCO AURÉLIO no
voto que proferiu no MS 26.794/MS.8
7 “Art. 8o. Ficam excluídas da incidência do teto remuneratório constitucional
as seguintes verbas:
I – de caráter indenizatório, previstas em lei:
a) ajuda de custo para mudança e transporte;
b) auxílio-moradia;
c) diárias;
d) auxílio-funeral;
e) indenização de férias não gozadas;(Revogada pela Resolução 27, de 18 de
dezembro de 2006)
f) indenização de transporte;
g) outras parcelas indenizatórias previstas na Lei Orgânica da Magistratura
Nacional de que trata o art. 93 da Constituição Federal. [...]”.
O julgamento do STF no procedimento administrativo, citado nos
“considerandos” da
Resolução
13/2006, está
disponível
em
< http://zip.net/bhpx5r > ou < http://stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?
idConteudo=62155&caixaBusca=N >; acesso em 13 set. 2014.
8 Processo ainda não julgado definitivamente. Divulgado no Informativo STF
558, 31 ago. 2009–11 set. 2009, e no Informativo STF 594, 2–6 ago. 2010.
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Diversamente do que pondera a União em sua resposta, o di­
reito dos juízes ao auxílio-moradia não é obstado pelo fato de se­
rem lotados em localidade diversa daquela em que antes residiam.
As carreiras da magistratura judicial e do Ministério Público são as
únicas às quais a Constituição da República atribuiu a garantia es­
pecial da inamovibilidade. Por essa razão, fora da hipótese de re­
moção compulsória, de caráter punitivo (arts. 42, III, e 45, I, da
LOMAN), os juízes (assim como os membros do Ministério Pú­
blico) somente podem mudar de lotação por meio de remoção
voluntária. Não cabe, em consequência, se lhes aplicar condições
que são próprias dos servidores públicos em geral, os quais não de­
têm idêntica garantia.
As vantagens asseguradas pela Constituição aos cargos de juiz
e de membro do Ministério Público constituem conjunto de prer­
rogativas destinadas a recrutar e manter nessas funções cidadãos
com os mais elevados atributos intelectuais, éticos e profissionais,
em vista da gravidade dos atos que praticam, reveladores de parce­
las relevantes do poder estatal. A natureza de magistratura dessas
duas carreiras (amplamente reconhecida nos países de sistema jurí­
dico mais próximo do brasileiro no plano internacional, como são
os da Europa Ocidental) justifica que se lhes dê tratamento jurí­
dico (inclusive remuneratório) particular, diverso do das demais
carreiras de Estado e equiparável apenas aos dos demais agentes
políticos. Os próprios concursos para provimento de cargos de juiz
e de membro do Ministério Público, em todas as esferas (federal,
trabalhista, estadual, militar), são muito semelhantes em termos de
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Ação originária 1.773/DF
PGR
abrangência e rigor, o que igualmente aproxima ambas as carreiras.
Isso de modo algum significa demérito ou capitis diminutio para
outras relevantes carreiras públicas, como as de advogado público,
consultor e defensor, apenas o reconhecimento da diferença de
atribuições e de regime que há entre estas, de um lado, e as da ma­
gistratura judicial e do Ministério Público, de outro.
Diversamente do que sustenta a ré, inexiste incompatibilidade
entre o auxílio-moradia devido aos juízes e o regime de subsídio.
O argumento é, aliás, contraditório com outras passagens da con­
testação, nas quais a UNIÃO defende aplicabilidade estrita do art. 65
da LOMAN. Tampouco procede a tese de que o art. 65 teria sido
derrogado.
O art. 39, § 4o, da Constituição da República,9 inserido pela
Emenda Constitucional 19, de 4 de junho de 1998, veda a con­
junção do subsídio de juízes e membros do Ministério Público
apenas com verbas de natureza remuneratória, não com aquelas de
índole indenizatória, como é o caso do auxílio-moradia, das diárias
por deslocamento a serviço e da indenização de transporte, por
exemplo.10
9 Ҥ 4o. O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de
Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados
exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo
de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação
ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto
no art. 37, X e XI. (Incluído pela Emenda Constitucional 19, de 1998)”.
10 Vide a já citada Resolução 13/2006, do Conselho Nacional de Justiça
(nota 1 supra).
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Ação originária 1.773/DF
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Em diferentes julgamentos posteriores à Constituição de
1988, citados adiante, essa Suprema Corte decidiu pela aplicabili­
dade do art. 65 da LOMAN e afastou o entendimento de que não
teria sido recepcionado pela vigente ordem constitucional.
III.2. EXIGÊNCIA
DO
ART. 65
DA
DE
MEDIAÇÃO LEGISLATIVA
LOMAN
PARA O
AUXÍLIO-MORADIA
A redação do art. 65 da LOMAN poderia, ao primeiro
exame, dar lugar a exegese no sentido de que a eficácia das vanta­
gens ali previstas dependeria de outra lei, que especificasse os ter­
mos nos quais devam ser concedidos. Com efeito, como se viu na
transcrição supra, o dispositivo estabelece que, “além dos vencimen­
tos, poderão ser outorgadas aos magistrados, nos termos da lei”, deter ­
minadas vantagens.
A literalidade do dispositivo comporta, com efeito, a conclu­
são de que, sem disciplina em lei em sentido formal, vantagens
como a ajuda de custo para mudança, as diárias e a gratificação de
magistério oficial não poderiam ser pagas. A LOMAN teria, no
art. 65, apenas delineado pauta legislativa de incremento da situa­
ção funcional dos magistrados judiciais.
Ainda que se adote essa conclusão, o mesmo rigor literal a
lhe dar respaldo impõe a compreensão de que o dispositivo, em­
bora exija disciplina legal dos termos da concessão das vantagens
nele prevista, não exige que essa disciplina seja veiculada em lei es­
pecífica, de escopo temático vinculado às vantagens dos membros
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Ação originária 1.773/DF
PGR
Poder Judiciário. É consabido que a técnica legislativa brasileira
adota, como regra, fórmulas de redação bastante explícitas para es­
tabelecer reserva de lei específica. Como a reserva legal do art. 65
da LOMAN é veiculada em redação inconspícua, não há vetor
hermenêutico que permita tratá-la como reserva de lei específica,
menos ainda de lei específica a tal ponto.
Essa pauta literalista de interpretação constitui ponto de par­
tida importante para compreensão originária da engrenagem de
eficácia do art. 65 da LOMAN anteriormente à entrada em vigor
da Emenda Constitucional 45/2004: na medida em que ele não
exigia lei específica para disciplinar a concessão das vantagens nele
previstas, seu escopo normativo evidente consistia em ampliar as
possibilidades de disciplina dessas vantagens, permitindo que elas
tivessem como standard mínimo, à falta de lei particular, o regime
geral aplicável aos servidores públicos.
A tese de que a LOMAN exigiria lei específica, de escopo
temático próprio, para disciplina das vantagens previstas no art. 65,
além de por si só desprovida de respaldo na literalidade do texto
legal, cai por terra quando testada em face de quaisquer daquelas
vantagens. Figure-se o exemplo das diárias: é elementar que o sen­
tido da LOMAN não pode ser o de o juiz que deva, em razão de
serviço, ausentar-se da sede de seu exercício funcional somente re­
ceber diárias se houver lei específica que discipline pagamento de
diárias a juízes.
16
Ação originária 1.773/DF
PGR
A finalidade do art. 65 da LOMAN consiste, portanto, preci­
puamente, em permitir disciplina legal, em caráter especial e mais
condizente com a estatura destacada da magistratura judicial, da
concessão das vantagens que prevê; mas também consiste em ad­
mitir que, à falta de disciplina especial dessas vantagens, sua con­
cessão se dê, quando menos, nos termos do regime geral dos
servidores públicos (como ocorre com o pagamento de diárias).
Não há sentido em extrair da LOMAN – quer por sua finalidade,
quer pela posição especial sempre reconhecida à magistratura –
exegese segundo a qual o regime jurídico dos magistrados judiciais
possa ser menos favorável que o do conjunto dos servidores públi­
cos.
Com a Emenda Constitucional 45/2004, advieram profundas
alterações na estrutura do Poder Judiciário e do Ministério Pú­
blico, as quais propiciam, inter alia, novas pautas exegéticas para a
engrenagem de eficácia do art. 65 da LOMAN. Por um lado, a
Emenda Constitucional 45/2004 reforçou o caráter nacional da
magistratura judicial ao instituir o Conselho Nacional de Justiça: a
criação de instância de composição nacional, dotada de poderes
normativos e disciplinares para todas as esferas do Poder Judiciário,
representa indiscutível adensamento normativo do princípio se­
gundo o qual a magistratura nacional, não obstante de organici­
dade simétrica ao desenho federativo do Estado brasileiro, perpassa,
em verdade, as esferas federativas e constitui, em sua arquitetura
normativa essencial, um todo unitário. Por outro lado, a Emenda
Constitucional 45/2004 engendrou importante reposicionamento
17
Ação originária 1.773/DF
PGR
do Ministério Público na ordem jurídica e consolidou o estatuto
de magistratura equiparada do órgão, o qual passou a também os­
tentar caráter nacional.
A instituição do Conselho Nacional de Justiça tem clara arti­
culação, em significado principiológico, com a prévia introdução
anterior, pela Emenda Constitucional 41, de 19 de dezembro de
2003, do regime do subsídio na retribuição de agentes políticos e
do escalonamento nacional da remuneração dos membros do Judi­
ciário. A magistratura assume, então, com a Emenda Constitucio­
nal 45/2004, mais do que caráter nacional, cabendo falar de
verdadeira estrutura nacional, em que os aspectos uniformes para
todo o país são a regra, e os diversos, exceção.
Por sua vez, o § 4o do art. 129 da Constituição da República,
introduzido pela Emenda 45/2004, manda aplicar ao Ministério
Público, no que couber, o art. 93 do texto constitucional. Como se
sabe, o art. 93 da Constituição da República estabelece nada me­
nos do que os princípios fundamentais do Estatuto da Magistra­
tura. Desse modo, a única interpretação razoável do § 4o do art.
129 consiste em entender que o constituinte reformador conferiu
ao Ministério Público a exemplo do que se verifica em virtual­
mente todo o constitucionalismo contemporâneo de matriz euro­
peia ocidental, fisionomia institucional cujos traços, somada a seus
atributos jurídicos já antes estabelecidos, impõem reconhecer a seu
corpo de membros o estatuto de magistratura.
18
Ação originária 1.773/DF
PGR
O conceito jurídico de magistratura, raramente aprofundado
no Brasil, não se relaciona com a noção de agentes públicos dota­
dos de poderes jurídicos mais ou menos amplos. Remete, antes, à
ideia de um corpo de agentes públicos vinculados a uma pauta de­
ontológica própria e distinta tanto da dos demais servidores públicos
quanto, até, dos demais agentes públicos de funções essenciais à
Justiça. Para evocar exemplo marcante, o Conselho Nacional da
Magistratura da França adotou, em 2010, uma Compilação dos
Deveres Deontológicos dos Magistrados (Reccueil des Dévoirs Déon­
tologiques des Magistrats),11 a qual, em apertada síntese, estrutura os
deveres de independência,12 de imparcialidade, de integridade, de
observância da legalidade, da atenção para com o outro e de dis­
crição e reserva na vida pública e privada.
É com base nessa ordem de conceitos que, nos ordenamentos
jurídicos europeus, bem como nos latino-americanos, asiáticos e
africanos cuja matriz seja europeia e não se vincule à Common Law,
o corpo de membros do Ministério Público é estatutariamente re­
conhecido, ao lado dos juízes, como magistratura. Com os aportes
conceituais do direito comparado, reforça-se o conteúdo jurídico
evidente do § 4o do art. 129 da Constituição da República: o Di­
11 Disponível em < http://zip.net/bmpxGm > ou < http://www.enmjustice.fr/_uses/lib/5779/recueil_obligations_deonto_magistrats.pdf >, acesso em
12 set. 2014.
12 A compilação estabelece as devidas ressalvas para os magistrados do Parquet
francês, ante a possibilidade de exercício de poder hierárquico no
Ministério Público francês. Mas reconhece, ainda assim, diversos aspectos
de independência aos magistrados ministeriais, tais como direito de
exigirem que quaisquer comandos hierárquicos sejam formulados por
escrito e encartados nos autos do processo.
19
Ação originária 1.773/DF
PGR
reito Constitucional brasileiro, em sua formulação contemporânea,
reconhece o Ministério Público como magistratura requerente,
equiparada à judicial.
A exemplo do que fez com a magistratura judicial, a Emenda
Constitucional 45/2004 também ao Ministério Público conferiu
evidente caráter nacional. A criação do Conselho Nacional do Mi­
nistério Público, com competências que perpassam a organicidade
federativa da instituição, e a aplicabilidade constitucional ao Minis­
tério Público dos princípios do Estatuto da Magistratura, que por
natureza é nacional, não deixam dúvida sobre o ponto.
Essas relevantes modificações introduzidas pela Emenda
Constitucional 45/2004 têm repercussão profunda na compreen­
são do subsistema do art. 65 da LOMAN. Com elas, deixa de fazer
sentido depreender desse dispositivo a possibilidade de disciplina
federativamente diversa das vantagens ali previstas: o reforço dos
elementos nacionais da magistratura impõe a conclusão de que as
vantagens da magistratura devem ter disciplina nacional, sob pena
de solapar aspecto dos mais sensíveis para a intenção de uniformi­
dade do constituinte reformador. Deixa, ademais, de fazer sentido
entender que o regime de reserva da disciplina de concessão das
vantagens do art. 65 da LOMAN deriva do regime geral dos servi­
dores públicos e não do regime jurídico do Ministério Público.
Mesmo nos ordenamentos jurídicos em que as magistraturas
judicial e do Ministério Público não integram um mesmo corpo
20
Ação originária 1.773/DF
PGR
orgânico, prevalece o princípio do paralelismo entre ambas, 13 de
modo que constitui imperativo lógico-jurídico aplicar a uma car­
reira, ao menos supletivamente, as regras destinadas a reger a outra
em aspecto de organicidade convergente. Dito de outro modo, o
gênero próximo da magistratura judicial brasileira é a magistratura
do Ministério Público, de forma que a exegese e a integração her­
menêutica do regramento orgânico da primeira deve dar-se, sem­
pre que possível, à luz do regramento orgânico da segunda.
De volta à matéria propriamente em discussão, a ajuda de
custo para moradia dos juízes, prevista no art. 65, II, da LOMAN,
deve tomar por base, à falta de lei específica, os termos da lei que
discipline essa mesma vantagem para a carreira do Ministério Pú­
blico. Trata-se da Lei Complementar 75/93, que constitui a Lei
Orgânica do Ministério Público da União (LOMPU).
A possibilidade de aplicação nacional da LOMPU é prevista
na própria Lei 8.625, de 12 de fevereiro de 1993 (Lei Orgânica
Nacional do Ministério Público – LONMP), cujo art. 80 dispõe,
em termos expressos, que se aplicam aos Ministérios Públicos dos
Estados, subsidiariamente, as normas da Lei Orgânica do Ministé­
rio Público da União. O significado principiológico latente desse
dispositivo é o de que a Lei Complementar 75/1993 se presta a
13 É o que ocorre na Espanha e em Portugal, em contrapartida aos modelos
da França e da Itália. Em Portugal, o princípio do paralelismo está expresso
no art. 75 da Lei 60/1998, de 27 de agosto, que dispõe sobre o Estatuto do
Ministério Público; na Espanha, nos arts. 33 e 34 da Lei 50/1981, de 30 de
dezembro, que estabelece o Estatuto Orgânico do Ministério Público
(Estatuto Orgánico del Ministerio Fiscal). Neste último país, o princípio do
paralelismo levou à adoção da Lei 15/2003, de 26 de maio, reguladora do
regime retributivo das carreiras judicial e do Ministério Público.
21
Ação originária 1.773/DF
PGR
prover regramento nacional das matérias nela tratadas. Essa possibi­
lidade, eventual até a Emenda Constitucional 45/2004, torna-se a
regra com a alteração do texto constitucional e a introdução de
novos e decisivos elementos de reforço do caráter nacional do Mi­
nistério Público, sobretudo na estruturação das carreiras de seus
membros, em que não há fundamento razoável para diversidade de
disciplina.
O regramento do auxílio-moradia no Ministério Público em
todo o Brasil segue, então, o seguinte plano normativo: (a) até a
Emenda Constitucional 45/2004, o auxílio-moradia, para cuja efi­
cácia o art. 50, II, da LONMP também exige mediação legislativa,
exatamente nos mesmos termos do art. 65, II, da LOMAN, podia
ser disciplinado, em cada ente federativo, por lei própria; (b) após a
Emenda Constitucional 45/2004, com a introdução de elementos,
para além da figura do Procurador-Geral da República, de reforço
do caráter nacional do Ministério Público, a disciplina legislativa
do auxílio-moradia é estabelecida pela LOMPU, ressalvado o as­
pecto de que o exercício de poder regulamentar necessário para
implementação da vantagem caberá, no nível estadual, ao Procura­
dor-Geral de Justiça.
Mesma ordem de ideias se aplica à magistratura judicial: au­
sente ou existente lei regulamentadora em nível estadual, a falta de
lei federal especificamente destinada a regulamentar a LOMAN
deve conduzir à aplicação, mutatis mutandis, da Lei Orgânica do
Ministério Público da União, que prevê, no art. 227, VIII, a vanta­
22
Ação originária 1.773/DF
PGR
gem do auxílio-moradia em caso de lotação em local cujas condi­
ções de moradia sejam particularmente difíceis ou onerosas, assim
definido em ato do Procurador-Geral da República.
Como é claro, o dispositivo da Lei Orgânica do Ministério
Público da União não exige mediação legislativa: a vantagem é de­
vida ipso iure com a lotação do membro em local cujas condições
de moradia sejam particularmente difíceis ou onerosas; a definição
desses locais faz-se por ato administrativo, o qual, no Ministério
Público da União, incumbe ao Procurador-Geral da República,
que paira administrativamente sobre os quatro ramos da instituição.
O órgão com maior equivalência funcional ao Procurador-Geral
da República, no Poder Judiciário e no aspecto administrativo, é o
Conselho Nacional de Justiça, que tem poderes normativos com
incidência abrangente de todos os ramos do Poder Judiciário.
Com a superveniência de lei federal que regulamente especi­
ficamente a LOMAN, a situação das vantagens nas duas magistra­
turas deverá ser reavaliada, podendo comportar alguma diversidade
em razão de peculiaridades de uma e outra carreira, mas obser­
vado, no arco mais amplo, o princípio da simetria – ou do parale­
lismo, como querem os portugueses – entre ambas.
É lícito e cabível, dessa maneira, entender que a ausência de
lei específica que regulamente a ajuda de custo para moradia, pre­
vista para os juízes no art. 65, II, da LOMAN, autoriza a exegese
de que a lei disciplinadora integrante é a LOMPU, em especial seu
23
Ação originária 1.773/DF
PGR
art. 227,VIII, com os ajustes exegéticos devidos, a serem feitos pelo
critério hermenêutico da equivalência funcional.
De resto, o Supremo Tribunal Federal já decidiu, na AO
1.656/DF, que a ajuda de custo na remoção de juiz pode ser paga
com base nas normas dos servidores públicos, ao mesmo tempo
em que reconheceu a ausência de lei para regulamentar a LO­
MAN. Assim como o auxílio-moradia, a ajuda de custo nas remo­
ções está prevista no mesmo art. 65 (no inc. I) da Lei
Complementar 35/1979, de modo que a remissão do caput a lei
regulamentadora não impede que o dispositivo receba integração
de outras espécies normativas.
III.3. U NIDADE
E
DA
MAGISTRATURA JUDICIAL
DISCIPLINA UNIFORME
DE SEU
ESTATUTO
Assentadas a vigência do art. 65 da LOMAN, a natureza in­
denizatória do auxílio-moradia e a possibilidade jurídica de inte­
gração do dispositivo com a LOMPU, em face da simetria
constitucional do regime jurídico da magistratura judicial com o
do Ministério Público, importa reafirmar a necessidade de disci­
plina homogênea dessa vantagem para todo o Poder Judiciário, em
face de seu caráter nacional.
A unidade da magistratura judicial brasileira não é absoluta,
pois, naturalmente, admitem-se normas legais e infralegais específi­
cas dos entes da Federação e dos tribunais para reger aspectos mais
particulares do regime jurídico dos juízes e do funcionamento dos
24
Ação originária 1.773/DF
PGR
órgãos judiciários. As grandes linhas desse estatuto, contudo, de­
mandam normatização uniforme, o que não é novidade alguma,
pois já é decorrência da própria edição da Lei Complementar
35/1979, como lei orgânica para toda a magistratura nacional. Isso
ficou ainda mais claro com a previsão do art. 93 da Constituição
da República, que exige lei complementar de iniciativa do Su­
premo Tribunal Federal para instituir o Estatuto da Magistratura.
Esse caráter predominantemente unitário foi bem destacado
por essa Corte no julgamento da ADI 3.367/DF, aforada contra a
Emenda Constitucional 45/2004, no que criou o Conselho Naci­
onal de Justiça. No ponto que ora interessa, registrou a ementa do
julgado:
[...]
3. PODER JUDICIÁRIO. Caráter nacional. Regime orgâ­
nico unitário. Controle administrativo, financeiro e discipli­
nar. Órgão interno ou externo. Conselho de Justiça. Criação
por Estado membro. Inadmissibilidade. Falta de competência
constitucional. Os Estados membros carecem de competên­
cia constitucional para instituir, como órgão interno ou ex­
terno do Judiciário, conselho destinado ao controle da
atividade administrativa, financeira ou disciplinar da respec­
tiva Justiça. [...]14
Por sua densidade e pertinência à discussão, vale invocar tre­
cho do voto do relator, o Ministro CEZAR PELUSO:
O pacto federativo não se desenha nem expressa, em relação
ao Poder Judiciário, de forma normativa idêntica à que atua
sobre os demais Poderes da República. Porque a Jurisdição,
14 Supremo Tribunal Federal-. Plenário. Ação direta de inconstitucionalidade
3.367/DF. Relator: Ministro CEZAR PELUSO. 13 abr. 2005, maioria. Diário
da Justiça, 17 mar. 2006, p. 4, republ. DJ 22 set. 2006, p. 29.
25
Ação originária 1.773/DF
PGR
enquanto manifestação da unidade do poder soberano do
Estado, tampouco pode deixar de ser una e indivisível, é
doutrina assente que o Poder Judiciário tem caráter nacional,
não existindo, senão por metáforas e metonímias, “Judiciários
estaduais” ao lado de um “Judiciário federal”.
A divisão da estrutura judiciária brasileira, sob tradicional,
mas equívoca denominação, em Justiças, é só o resultado da
repartição racional do trabalho da mesma natureza entre dis­
tintos órgãos jurisdicionais. O fenômeno é corriqueiro, de
distribuição de competências pela malha de órgãos especiali­
zados, que, não obstante portadores de esferas próprias de
atribuições jurisdicionais e administrativas, integram um
único e mesmo Poder. Nesse sentido fala-se em Justiça Fede­
ral e Estadual, tal como se fala em Justiça Comum, Militar, Tra­
balhista, Eleitoral, etc., sem que com essa nomenclatura
ambígua se enganem hoje os operadores jurídicos.
Na verdade, desde JOÃO MENDES JÚNIOR, cuja opinião foi re­
cordada por CASTRO NUNES,15 sabe-se que:
“O Poder Judiciário, delegação da soberania nacional,
implica a idéia de unidade e totalidade da fôrça, que
são as notas características da idéia de soberania. O Po­
der Judiciário, em suma, quer pelos juízes da União,
quer pelos juízes dos Estados, aplica leis nacionais para
garantir os direitos individuais; o Poder Judiciário não
é federal, nem estadual, é eminentemente nacional,
quer se manifestando nas jurisdições estaduais, quer se
aplicando ao cível, quer se aplicando ao crime, quer
decidindo em superior, quer decidindo em inferior
instância.16 (grifos no original)
Desenvolvendo a idéia, asseveram ANTONIO CARLOS DE
ARAÚJO CINTRA, ADA PELLEGRINI GRINOVER e CÂNDIDO
RANGEL DINAMARCO:
“O Poder Judiciário é uno, assim como uma é a sua
função precípua – a jurisdição – por apresentar sempre
o mesmo conteúdo e a mesma finalidade. Por outro
lado, a eficácia espacial da lei a ser aplicada pelo Judici­
15 Nota 59 do original (sic): “Teoria e prática do poder judiciário. Rio de Janeiro:
Forense, 1943, p. 77.”
16 Nota 60 do original: “ALMEIDA JÚNIOR, JOÃO MENDES DE. Direito judiciário
brasileiro, 5a ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1960, p. 47.”
26
Ação originária 1.773/DF
PGR
ário deve coincidir em princípio com os limites espa­
ciais da competência deste, em obediência ao princípio
una lex, una jurisdictio. Daí decorre a unidade funcional
do Poder Judiciário.
É tradicional a assertiva, na doutrina pátria, de que o
Poder Judiciário não é federal nem estadual, mas naci­
onal. É um único e mesmo poder que se positiva atra­
vés de vários órgãos estatais – estes, sim, federais e
estaduais.
(...)
(...) fala a Constituição das diversas Justiças, através das
quais se exercerá a função jurisdicional. A jurisdição é
uma só, ela não é nem federal nem estadual: como ex­
pressão do poder estatal, que é uno, ela é eminente­
mente nacional e não comporta divisões. No entanto,
para a divisão racional do trabalho é conveniente que
se instituam organismos distintos, outorgando-se a cada
um deles um setor da grande ‘massa de causas’ que pre­
cisam ser processadas no país. Atende-se, para essa dis­
tribuição de competência, a critérios de diversas
ordens: às vezes, é a natureza da relação jurídica mate­
rial controvertida que irá determinar a atribuição de­
dados processos a dada Justiça; outras, é a qualidade das
pessoas figurantes como partes; mas é invariavelmente
o interesse público que inspira tudo isso (o Estado faz a
divisão das Justiças, com vistas à melhor atuação da
função jurisdicional)”.17
Negar a unicidade do Poder Judiciário importaria desconhe­
cer o unitário tratamento orgânico que, em termos gerais,
lhe dá a Constituição da República. Uma única lei nacional,
um único estatuto, rege todos os membros da magistratura,
independentemente da qualidade e denominação da Justiça
em que exerçam a função (Lei Complementar no 35, de
14.03.1979; art. 93, caput, da CF). A todos aplicam-se as mes­
mas garantias e restrições, concebidas em defesa da indepen­
dência e da imparcialidade. Códigos nacionais disciplinam o
método de exercício da atividade jurisdicional, em substitui­
ção aos códigos de processo estaduais. Por força do sistema
17 Nota 61 do original: “Ob. cit., pp. 166 e 184. Grifos no original.” A obra
citada é a Teoria geral do processo. 21. ed. São Paulo: Malheiros.
27
Ação originária 1.773/DF
PGR
recursal, u’a mesma causa pode tramitar da mais longínqua
comarca do interior do país, até os tribunais de superposição,
passando por órgãos judiciários das várias unidades federadas.
E, para não alargar a enumeração de coisas tão conhecidas,
relembre-se que a União retém a competência privativa para
legislar sobre direito processual (art. 22, inc. I).
[...]
Não se quer com isso afirmar que o princípio federativo não
tenha repercussão na fisionomia constitucional do Judiciário.
Sua consideração mais evidente parece estar à raiz da norma
que delega aos Estados-membros competência exclusiva para
organizar sua Justiça, responsável pelo julgamento das causas
respeitantes a cada unidade federada (art. 125). Toca-lhes, as­
sim, definir a competência residual de seus tribunais, distri­
buí-la entre os vários órgãos de grau inferior, bem como
administrá-la na forma prevista no art. 96, coisa que revela
que a estrutura judiciária tem um dos braços situados nas
Justiças estaduais. [...]
O Ministro EROS GRAU, nesse julgamento, em apoio às suas
considerações, cita em nota valioso escólio do Ministro NÉRI
SILVEIRA:
A Constituição do Brasil confere distintos tratamentos aos
três Poderes. Quanto ao Legislativo e ao Executivo, cogita
exclusivamente do que respeita à esfera federal, o Congresso
Nacional (arts. 44 e seguintes) e a Presidência da República
(arts. 76 e seguintes). Ja no que concerne ao Poder Judiciário,
no entanto, ela abarca todas as esferas e áreas de jurisdição.
Daí a unidade do Judiciário, que há de ser concebido como
Judiciário Nacional, excepcionando algumas exigências da
Federação.
[Nota 21 do voto:] Esse caráter, nacional, do Poder Judiciá­
rio, tem sido afirmado pelo Supremo Tribunal Federal. JOSÉ
NÉRI DA SILVEIRA, em palestra proferida nesta Corte (“Aspec­
tos institucionais e estruturais do Poder Judiciário brasileiro”,
in SALVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA [coord.]. O Judiciário e a
Constituição, São Paulo, Saraiva, 1994, págs. 3 e 9), tomando o
“...poder judiciário como a pedra angular do edifício fede­
28
DA
Ação originária 1.773/DF
PGR
ral”, afirma que “Na guarda desse princípio, contido no art.
99 da Lei Maior, que respeita à independência do Poder Ju­
diciário e afirma seu caráter nacional, o Supremo Tribunal
Federal tem adotado providências concretas no que respeita
à fixação de vencimentos da magistratura federal (o que se
estende também à esfera dos Estados-Membros) (...) Bem de
reconhecer, assim, é, nessa importante competência, que se
proclama não apenas o caráter nacional do Poder Judiciário, mas
a atribuição a seu órgão de cúpula de iniciativa privativa, em
nome do Poder a que se destina a normatividade prevista,
para que, em lei complementar, se tracem disciplinas condu­
centes, inequivocamente, à uniformidade de tratamento da
magistratura nacional e à unidade do Poder Judiciário, em
torno de princípios e valores fundamentais, na busca dos in­
teresses maiores da instituição judiciária” (negritei). [...]
Por essas características e pelo mandamento constitucional do
art. 93, caput, da Constituição do Brasil, consideradas ainda as pe­
culiaridades sociopolíticas do Federalismo pátrio, deve haver uni­
formidade para que haja equilíbrio na disciplina funcional dos
membros do Poder Judiciário e do Ministério Público, notada­
mente no que tange ao regramento dos direitos, vantagens e prer­
rogativas funcionais.
Com isso se evita a discrepância injustificada de vantagens
que algumas legislaturas têm deferido, quiçá com excesso de libe­
ralidade e de maneira pouco crítica, a juízes e membros do MP.
Essa disparidade de regimes, sabe-se, tem sido fonte permanente
de inquietude e desalento em não poucos membros dessas carrei­
ras, que desempenham idêntico papel e não se veem merecedores
do mesmo tratamento legal, em situação que já objeto da preocu­
29
Ação originária 1.773/DF
PGR
pação do Supremo Tribunal Federal no julgamento da medida
cautelar na ação direta de inconstitucionalidade 3.854/DF.18
A necessidade de disciplina unitária de determinados aspectos
do regime da magistratura judicial foi reconhecida pelo Supremo
Tribunal Federal também no julgamento da medida cautelar na
ação direta de inconstitucionalidade 4.638/DF.19 Na ocasião, o Tri­
bunal manteve a eficácia dos dispositivos mais relevantes da Reso­
lução 135, de 13 de julho de 2011, do Conselho Nacional de
Justiça, a qual “dispõe sobre a uniformização de normas relativas
ao procedimento administrativo disciplinar aplicável aos magistra­
dos, acerca do rito e das penalidades, e dá outras providências”.
A convalidação pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal
da estrutura normativa básica da Resolução 135/2011 é relevante,
por se tratar de conjunto de preceitos que regulamenta direta­
mente as normas e o processo disciplinares da LOMAN. Assim
18 STF Plenário. MC/ADI 3.854/DF. Rel.: Min. CEZAR PELUSO. 28 fev. 2007,
maioria. DJ, 29 jun. 2007, p. 22. Trecho da ementa que resume esse aspecto
registra: “MAGISTRATURA. Remuneração. Limite ou teto
remuneratório constitucional. Fixação diferenciada para os membros da
magistratura federal e estadual. Inadmissibilidade. Caráter nacional do
Poder Judiciário. Distinção arbitrária. Ofensa à regra constitucional da
igualdade ou isonomia. Interpretação conforme dada ao art. 37, inc. XI, e
§ 12, da CF. Aparência de inconstitucionalidade do art. 2o da Resolução no
13/2006 e do art. 1o, § único, da Resolução no 14/2006, ambas do
Conselho Nacional de Justiça. [...]”. O caráter nacional da magistratura
judicial foi aspecto central do voto condutor.
19 STF. Plenário. MC/ADI 4.638/DF. Rel.: Min. MARCO AURÉLIO. 8 fev. 2012,
maioria. Acórdão da medida cautelar ainda não publicado. Ata de
julgamento publ. no DJe 32, 14 fev. 2012. Disponível em:
< http://zip.net/brpxZp >
ou
< http://www.stf.jus.br/portal/diarioJustica/listarDiarioJustica.asp?
tipoPesquisaDJ=AP&numero=4638&classe=ADI >, acesso em 12 set. 2014.
30
Ação originária 1.773/DF
PGR
como a Corte reputou válida essa normatização para integrar a Lei
Complementar 35/1979, do mesmo modo deve admitir a possibi­
lidade de o Conselho Nacional de Justiça regulamentar e unificar a
disciplina do auxílio-moradia para todo o Judiciário brasileiro.
O caráter nacional das magistraturas judicial e do Ministério
Público foi reforçado pela Emenda Constitucional 45/2004, ao fi­
xar regime nacional de subsídios para os membros dessas carreiras.
Antes dela, em tese havia limites máximos de remuneração (“tetos
remuneratórios”) estaduais e fixação dela por leis estaduais. Com a
emenda constitucional, a Constituição da República fixou o valor
dos subsídios para ambas as carreiras, reduziu o âmbito material de
validade das leis estaduais e caminhou para a definição de parâme­
tros na órbita federal, adaptados para menor, conforme o caso, pe­
los Estados.
Não cabe afirmar que essa tendência à federalização impacta­
ria financeiramente os Estados, menos sólidos nesse aspecto do que
a União. Atualmente é amplamente sabido que os Judiciários e
Ministérios Públicos estaduais têm remunerado seus membros em
valores por vezes sensivelmente superiores àqueles pagos ao Judici­
ário e ao Ministério Público da União, mediante miríades de gra­
tificações, auxílios e outras vantagens, em um modelo caótico e
injusto, na medida em que remunera de forma desigual funções
essencialmente semelhantes, se não idênticas.
Está na competência do Supremo Tribunal Federal pôr cobro
a esse indesejável estado de coisas, pois pode reconhecer o conflito
31
Ação originária 1.773/DF
PGR
das leis estaduais e federais sensivelmente divergentes com a natu­
reza nacional do Poder Judiciário e com a similitude de trata­
mento que a seus componentes se deve aplicar.
III.4. O ROL TAXATIVO
DO
ART. 65
DA
LOMAN
EA
SIMETRIA PODER JUDICIÁRIO –MINISTÉRIO PÚBLICO
É encontradiça a afirmação de que o rol de vantagens da ma­
gistratura judicial constitui rol exaustivo, ou seja, em numerus clau­
sus. Conquanto esse aspecto restrito das vantagens da magistratura
judicial tenha sido reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal no
julgamento do mandado de segurança 23.557/DF20 e do agravo
regimental na AO 820/MG,21 por exemplo, parece razoável sus­
tentar que, com mudanças sofridas pela Constituição da Repú­
blica, esse escólio atualmente mereça algum temperamento.
20 STF. Plenário. MS 23.557/DF. Rel.: Min. MOREIRA ALVES. 1o mar. 2001, un.
DJ 1, 4 maio 2001, p. 6. Nele se disse: “O Pleno desta Corte, ao julgar a
ação originária 155, de que foi relator o eminente Ministro OCTÁVIO
GALLOTTI, concluiu que A Lei Orgânica da Magistratura (Lei
Complementar n. 35/79), que, no ponto, foi recebida pela Constituição de
1988 e que é insusceptível de modificação por meio de legislação estadual
de qualquer hierarquia e de lei ordinária federal, estabeleceu um regime
taxativo de direitos e vantagens dos magistrados, no qual não se inclui o
direito a licença prêmio ou especial, razão por que não se aplicam aos
magistrados as normas que confiram esse mesmo direito aos servidores
públicos em geral.”
21 STF. Plenário. AgR/AO 820/MG. Rel.: Min. CELSO DE MELLO. 7 out. 2003,
un. DJ, 5 dez. 2003, p. 24. A ementa registrou, a esse respeito: “O Supremo
Tribunal Federal, presente esse contexto normativo, tem proclamado que o
rol inscrito no art. 65 da LOMAN reveste-se de taxatividade, encerrando,
por isso mesmo, no que se refere às vantagens pecuniárias titularizáveis por
quaisquer magistrados, verdadeiro numerus clausus, a significar, desse modo,
que não se legitima a percepção, pelos juízes, de qualquer outra vantagem
pecuniária que não se ache expressamente relacionada na norma legal em
questão.”
32
Ação originária 1.773/DF
PGR
Com efeito, diante das mudanças na Constituição da Repú­
blica impostas pela Emenda Constitucional 45, de 30 de dezembro
de 2004, cresceu em densidade no Direito Positivo a simetria de
regimes entre o Judiciário e o Ministério Público, a qual preexistia
à emenda, dada a similitude de regime jurídico de cada uma das
carreiras. A Emenda Constitucional 45/2004 formalizou esse para­
lelismo institucional, quando alterou a redação do § 4o do art. 129,
que passou a dispor: “§ 4o. Aplica-se ao Ministério Público, no que
couber, o disposto no art. 93.”22
O art. 93 é a espinha dorsal do Estatuto Constitucional da
Magistratura Judicial e sua aplicabilidade ao Ministério Público,
como dito, aproxima inegavelmente o regime jurídico das duas
carreiras. Isso tem consequências jurídicas relevantes, inclusive no
campo das vantagens e prerrogativas dos cargos.
A prática institucional e legislativa vem há anos reconhe­
cendo tal simetria. Basta lembrar que a remuneração dos ministros
do Supremo Tribunal Federal e a do Procurador-Geral da Repú­
blica (e, por via de consequência, a dos membros do Poder Judiciá­
rio da União e a do Ministério Público da União) vêm sendo
fixadas por leis resultantes de projetos enviados pelo STF e pelo
PGR simultaneamente e que caminham pari passu no Congresso
Nacional. Deve mesmo ser assim, pois nada justifica que uma des­
sas carreiras tenha vantagens ou prerrogativas inferiores à outra.
22 Antes o art. 129, § 4o, já dispunha na direção dessa simetria, pois
preceituava: “§ 4o. Aplica-se ao Ministério Público, no que couber, o
disposto no art. 93, II e VI.”
33
Ação originária 1.773/DF
PGR
O paralelismo do regime jurídico de vantagens entre ambas
as carreiras foi – corretamente – reconhecido pelo Conselho Na­
cional de Justiça em importante julgamento, no qual aprovou a
Resolução 133, de 21 de junho de 2011, promulgada pelo então
Presidente CEZAR PELUSO.23 Por seu conteúdo elucidativo, vale
transcrever a ementa do julgado administrativo que originou a re­
solução:24
PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. ASSOCIAÇÃO DE MA­
GISTRADOS. REMUNERAÇÃO DA MAGISTRA­
TURA. SIMETRIA CONSTITUCIONAL COM O
MINISTÉRIO PÚBLICO (ART. 129, § 4o, DA CONSTI­
TUIÇÃO). RECONHECIMENTO DA EXTENSÃO
DAS VANTAGENS PREVISTAS NO ESTATUTO DO
MINISTÉRIO PÚBLICO (LC 73, de 1993, e LEI 8.625,
de 1993). INADEQUAÇÃO DA LOMAN FRENTE À
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. REVOGAÇÃO
DO ARTIGO 62 DA LEI ORGÂNICA DA MAGISTRA­
TURA FACE AO NOVO REGIME REMUNERATÓ­
RIO
INSTITUÍDO
PELA
EMENDA
CONSTITUCIONAL No 19. APLICAÇÃO DIRETA
DAS REGRAS CONSTITUCIONAIS RELATIVAS AOS
VENCIMENTOS, JÁ RECONHECIDA PELO SU­
23 Disponível em < http://zip.net/brpx0F > ou < http://www.cnj.jus.br/atosadministrativos/atos-da-presidencia/resolucoespresidencia/14845-resolucao-n133-de-21-de-junho-de-2011 >, acesso em 12 set. 2014. A Resolução
133/2011 é objeto da ADI 4.822/DF, rel. Min. MARCO AURÉLIO,
distribuída em 26 de julho de 2012. Na sessão de 2 de outubro de 2013, o
relator votou pela procedência do pedido, por inconstitucionalidade
formal da norma, e o Min. TEORI ZAVASCKI, pela improcedência. Na
continuação do julgamento, em 20 de novembro de 2013, o Min. LUIZ
FUX votou pela improcedência, e o julgamento foi suspenso por pedido de
vista do Min. DIAS TOFFOLI.
24 CNJ. Plenário. Pedido de providências 0002043-22.2009.2.00.0000
(antigo 2009.10.00.002043-4). Rel.: Cons. JOSÉ ADONIS CALLOU DE SÁ.
Redator para acórdão: Cons. FELIPE LOCKE CAVALCANTI. 17 ago. 2010,
maioria. O processo e o acórdão podem ser localizados mediante pesquisa
em < https://www.cnj.jus.br/ecnj/ >.
34
Ação originária 1.773/DF
PGR
PREMO TRIBUNAL FEDERAL. INVIABILIDADE DA
APLICAÇÃO DA SÚMULA 339 DO SUPREMO TRI­
BUNAL FEDERAL. PEDIDO JULGADO PROCE­
DENTE PARA QUE SEJA EDITADA RESOLUÇÃO DA
QUAL CONSTE A COMUNICAÇÃO DAS VANTA­
GENS FUNCIONAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL À MAGISTRATURA NACIONAL, COMO
DECORRÊNCIA DA APLICAÇÃO DIRETA DE DIS­
POSITIVO CONSTITUCIONAL QUE GARANTE A
SIMETRIA ÀS DUAS CARREIRAS DE ESTADO.
I – A Lei Orgânica da Magistratura, editada em 1979, em
pleno regime de exceção, não está de acordo com os princí­
pios republicanos e democráticos consagrados pela Consti­
tuição Federal de 1988.
II – A Constituição de 1988, em seu texto originário, cons­
tituiu-se no marco regulatório da mudança de nosso sistema
jurídico para a adoção da simetria entre as carreiras da ma­
gistratura e do Ministério Público, obra complementada por
meio da Emenda Constitucional n o 45, de 2004, mediante a
dicção normativa emprestada ao § 4o do art. 129.
III – A determinação contida no art. 129, § 4o, da Constitui­
ção, que estabelece a necessidade da simetria da carreira do
Ministério Público com a carreira da Magistratura é
auto-aplicável, sendo necessária a comunicação das vantagens
funcionais do Ministério Público, previstas na Lei Comple­
mentar 75, de 1993, e na Lei n o 8.625, de 1993, à Magistra­
tura e vice-versa sempre que se verificar qualquer
desequilíbrio entre as carreiras de Estado. Por coerência sis­
têmica, a aplicação recíproca dos estatutos das carreiras da
magistratura e do Ministério Público se auto define e é auto
suficiente, não necessitando de lei de hierarquia inferior para
complementar o seu comando.
IV – Não é possível admitir a configuração do esdrúxulo pa­
norama segundo o qual, a despeito de serem regidos pela
mesma Carta Fundamental e de terem disciplina constituci­
onal idêntica, os membros da Magistratura e do Ministério
Público brasileiros passaram a viver realidades bem diferen­
tes, do ponto de vista de direitos e vantagens.
V – A manutenção da realidade fática minimiza a dignidade
da judicatura porque a independência econômica constitui
um dos elementos centrais da sua atuação. A independência
35
Ação originária 1.773/DF
PGR
do juiz representa viga mestra do processo político de legiti­
mação da função jurisdicional.
VI – Não existe instituição livre, se livres não forem seus ta­
lentos humanos. A magistratura livre é dever institucional
atribuído ao Conselho Nacional de Justiça que vela diutur­
namente pela sua autonomia e a independência, nos exatos
ditames da Constituição Federal.
VII – No caso dos Magistrados e membros do Ministério
Público a independência é uma garantia qualificada, institu­
ída pro societatis, dada a gravidade do exercício de suas fun­
ções que, aliadas à vitaliciedade e à inamovibilidade formam
os pilares e alicerces de seu regime jurídico peculiar.
VIII – Os subsídios da magistratura, mais especificamente os
percebidos pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal,
por força da Emenda Constitucional n o 19, de 1998, repre­
sentam o teto remuneratório do serviço público nacional, aí
incluída a remuneração e o subsídio dos ocupantes de car­
gos, funções e empregos públicos da administração direta,
autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Po­
deres (art. 37, XI), portanto, ao editar a norma do art. 129,
§ 4o (EC 45, de 2004), o constituinte partiu do pressuposto
de que a remuneração real dos membros do Ministério Pú­
blico deveria ser simétrica à da magistratura.
IX – Pedido julgado procedente para que seja editada reso­
lução que contenha o reconhecimento e a comunicação das
vantagens funcionais do Ministério Público Federal à Magis­
tratura Nacional, como decorrência da aplicação direta do
dispositivo constitucional (art. 129, § 4o) que garante a sime­
tria às duas carreiras de Estado.
Todos os fatores supra apontam para a necessidade de inter­
pretação adaptativa da LOMAN à nova realidade constitucional e
sociológica. Até pelo fato de remontar a 1979, a Lei Complemen­
tar 35 já não mais atende às necessidades institucionais do Poder
Judiciário e carece de urgente atualização.
O regime jurídico do Ministério Público é hoje marcada­
mente mais consentâneo com a realidade, pelo fato de repousar
36
Ação originária 1.773/DF
PGR
em normas muito mais recentes: a Lei Complementar 75, de 20 de
maio de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público da União), e a
Lei 8.625, de 12 de fevereiro de 1993 (Lei Orgânica Nacional do
Ministério Público).
Essas relevantes circunstâncias reforçam a necessidade de re­
conhecer verdadeira mutação nas normas aplicáveis à magistratura
judicial, a qual tem imposto a necessidade de interpretação evolu­
tiva e sistemática com a nova ordem constitucional, 25 com prece­
dentes jurisprudenciais, notadamente do Supremo Tribunal
Federal, com resoluções do Conselho Nacional de Justiça e com
normas análogas, tais como as aplicáveis ao Ministério Público,
acima indicadas.
Precedentes dessa Suprema Corte que reiteram a taxatividade
dos direitos dos juízes previstos no art. 65 da LOMAN (como os
citados MS 23.557/DF e AgR/AO 820/MG) geralmente consi­
deraram paradigmas mais distantes do regime jurídico da magistra­
tura judicial, tais como o dos servidores públicos em geral e dos
parlamentares. Bem distinta é a situação no que respeita à aplicabi­
lidade do regime jurídico do Ministério Público, em face da sime­
tria constitucional a que se aludiu.
25 A Constituição de 1988 prevê no art. 7o, por exemplo, direitos sociais
aplicáveis aos trabalhadores em geral não inscritos no rol do art. 65 da
LOMAN, como o terço constitucional de férias (inc. XVII), a licença à
gestante (inc. XVIII) e a licença-paternidade (inc. XIX), para citar apenas
alguns deles. Esses direitos, sem embargo de sua ausência do rol do art. 65,
têm sido pacificamente reconhecidos a magistrados judiciais e do
Ministério Público. Foram desse modo citados na manifestação da
Procuradoria-Geral da República na proposta de súmula vinculante (PSV)
71/DF, em trâmite no Supremo Tribunal Federal (peça 30 da PSV 71/DF).
37
Ação originária 1.773/DF
PGR
Por outro lado, a aplicabilidade dos direitos indenizatórios do
Ministério Público aos membros do Poder Judiciário em nada co­
lide com o entendimento dessa Corte acerca da recepção da LO­
MAN e, em particular, de seu art. 65 pela Constituição de 1988,
em julgados que a resposta da UNIÃO apontou. Tampouco se choca
com o princípio constitucional da legalidade, uma vez que se está
precisamente a aplicar outra norma constitucional, a da simetria,
de modo que não há ofensa à normatividade da Constituição da
República.
III.5. O PAPEL
DO
DO
CNJ
ESTATUTO
NA
MANUTENÇÃO
DA
DA
UNIDADE
MAGISTRATURA
Corretamente salientaram os autores a necessidade de unifi­
car o regime normativo do auxílio-moradia, que apontam já haver
sido concedido a dez magistraturas judiciais estaduais, 26 aos minis­
tros do Supremo Tribunal Federal (sessão administrativa de 18 de
junho de 2003), aos ministros do Superior Tribunal de Justiça
(reunião ordinária do Conselho de Administração de 29 de maio
de 2003, no procedimento administrativo 1306/03 [peça 3, fls. 3334]) e aos do Tribunal Superior do Trabalho, estendido ainda aos
juízes auxiliares que atuam perante o STF (Resolução 413, de 1 o
de outubro de 2009 [peça 3, fls. 27-32]), o STJ (Resolução 10, de
19 de março de 2013)27 e o CNJ (Portaria 251, de 19 de maio de
26 Nos Estados de Santa Catarina, Ceará, Sergipe, Amapá, Rondônia, Mato
Grosso do Sul, Mato Grosso, Pará, Maranhão e Goiás.
27 Disponível em < http://dj.stj.jus.br/20130321.pdf >, acesso em 13 set.
2014.
38
Ação originária 1.773/DF
PGR
2008 [peça 3, fls. 18-26], Instrução Normativa 35, de 5 de feve­
reiro de 2010 [peça 3], e IN 9, de 8 de agosto de 201228).
Como acertadamente assevera a petição inicial, o regime ju­
rídico funcional dos ministros do Supremo Tribunal Federal e do
Superior Tribunal de Justiça, particularmente no que concerne a
direitos e vantagens, é o mesmo dos juízes federais e dos tribunais
da União. Por esse motivo, não se justifica tratamento díspar entre
os exercentes dessas funções, salvante naquilo que decorrer especi­
ficamente do cargo que cada magistrado ocupe.
Obviamente, não se pretende afirmar identidade de funções
entre ministros de cortes superiores e juízes de primeiro grau,
conquanto todos exerçam, a seu modo, a jurisdição, e com isso de­
cidam sobre a vida, a liberdade e o patrimônio de seus compatrio­
tas. Consideradas essas diferenças, todavia, nada justifica que apenas
os ministros percebam o auxílio-moradia e não os juízes de pri­
meiro e segundo graus, uma vez que a base normativa desse di­
reito é absolutamente a mesma.
Fato é que, como se mencionou, diferentes tratamentos se
instalaram, com o pagamento, por diversos tribunais, do auxí­
lio-moradia a seus magistrados, em valores e com requisitos díspa­
res. Essa circunstância aponta para a necessidade de regulação
uniforme do instituto, por todas as razões já expostas.
Obviamente sem embargo de a matéria vir a ser objeto de lei
em sentido estrito, até que ela advenha se afigura o Conselho Na­
28 Disponível em < http://zip.net/blpxk0 > ou < http://www.cnj.jus.br/atosnormativos?documento=1357 >, acesso em 13 set. 2014.
39
Ação originária 1.773/DF
PGR
cional de Justiça como canal apropriado para discipliná-la, no pre­
sente panorama jurídico-institucional. A Emenda Constitucional
45/2004 instituiu esse conselho, ao lado do Conselho Nacional do
Ministério Público, para o planejamento superior da atuação do
Poder Judiciário, para aperfeiçoar a observância da deontologia ju­
dicial e, igualmente importante, para zelar pela autonomia desse
poder e “pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo
expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou re­
comendar providências”, consoante autoriza já o inc. I do art.
103-B, § 4o, da Constituição do Brasil, introduzido pela emenda.
A jurisprudência dessa Corte tem corretamente reputado que
as resoluções do Conselho Nacional de Justiça ostentam condição
de ato normativo primário, assim como o regimento interno do
CNJ. Essa interpretação foi afirmada no julgamento da medida
cautelar na ação declaratória de constitucionalidade 12/DF, cuja
ementa, ao tratar da força normativa de uma das resoluções do ór­
gão, consignou:
[...] A Resolução no 07/05 do CNJ reveste-se dos atributos
da generalidade (os dispositivos dela constantes veiculam
normas proibitivas de ações administrativas de logo padroni­
zadas), impessoalidade (ausência de indicação nominal ou
patronímica de quem quer que seja) e abstratividade (trata-se
de um modelo normativo com âmbito temporal de vigência
em aberto, pois claramente vocacionado para renovar de
forma contínua o liame que prende suas hipóteses de inci­
dência aos respectivos mandamentos). A Resolução no 07/05
se dota, ainda, de caráter normativo primário, dado que ar­
ranca diretamente do § 4o do art. 103-B da Carta-cidadã e
tem como finalidade debulhar os próprios conteúdos lógicos
dos princípios constitucionais de centrada regência de toda a
40
Ação originária 1.773/DF
PGR
atividade administrativa do Estado, especialmente o da im­
pessoalidade, o da eficiência, o da igualdade e o da morali­
dade. [...]29
O relator da ADC, Ministro AYRES BRITTO, cuidou longa­
mente da qualificação das resoluções do CNJ como atos normati­
vos primários. A fim de não estender demasiado esta manifestação,
extraem-se trechos mais significativos de seu voto (acórdão da
MC/ADC, fls. 19-32):
20. Já no plano da autoqualificação do ato do CNJ como
entidade jurídica primária, permito-me apenas lembrar,
ainda nesta mesma passagem, que o Estado-legislador é de­
tentor de duas caracterizadas vontades normativas: uma é
primária, outra é derivada. A vontade primária é assim desig­
nada por se seguir imediatamente à vontade da própria
Constituição, sem outra base de validade que não seja a
Constituição mesma. Por isso que imediatamente inovadora
do Ordenamento Jurídico, sabido que a Constituição não é
diploma normativo destinado a tal inovação, mas à própria
fundação desse Ordenamento. Já a segunda tipologia de von­
tade estatal-normativa, vontade tão-somente secundária, ela
é assim chamada pelo fato de buscar o seu fundamento de
validade em norma intercalar; ou seja, vontade que adota
como esteio de validade um diploma jurídico já editado, este
sim, com base na Constituição. Logo, vontade que não tem
aquela força de inovar o Ordenamento com imediatidade.
[...]
28. Agora vem a pergunta que tenho como a de maior valia
para o julgamento desta ADC: o Conselho Nacional de Jus­
tiça foi aquinhoado com essa modalidade primária de com­
petência? Mais exatamente: foi o Conselho Nacional de
Justiça contemplado com o poder de expedir normas primá­
29 STF. Plenário. MC/ADC 12/DF. Relator: Ministro AYRES BRITTO. 16 fev.
2006, maioria (vencido o Min. MARCO AURÉLIO). DJ, seção 1, 1o set. 2006,
p. 15; Revista Trimestral de Jurisprudência, vol. 199(2), p. 427. Disponível em:
< http://migre.me/c4p7J > ou < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pa­
ginador.jsp?docTP=AC&docID=372910 >.
41
Ação originária 1.773/DF
PGR
rias sobre as matérias que servem de recheio fático ao inciso
II do § 4o do art. 103-B da Constituição?
[...]
32. Dá-se que duas outras coordenadas interpretativas pare­
cem reforçar esta compreensão das coisas. A primeira é esta:
a Constituição, por efeito da Emenda 45/04, tratou de fixar
o regime jurídico de três conselhos judiciários: a) o Conse­
lho da Justiça Federal (inciso II do parágrafo único do art.
105); b) o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (inciso
II do § 2o do art. 111-A); e c) o Conselho Nacional de Jus­
tiça (art. 103-B). Ao cuidar dos dois primeiros Conselhos,
ela, Constituição, falou expressamente que as respectivas
competências – todas elas, enfatize-se – seriam exercidas “na
forma da lei”. Esse inequívoco fraseado “na forma da lei” a
anteceder, portanto, o rol das competências de cada qual das
duas instâncias. Ora, assim não aconteceu com o tratamento
normativo dispensado ao Conselho Nacional de Justiça.
Aqui, a Magna Carta inventariou as competências que
houve por bem deferir ao CNJ, quedando silente quanto a
um tipo de atuação necessariamente precedida de lei.
33. O segundo reforço argumentativo está na interpretação
panorâmica ou sistemática ou imbricada que se possa fazer
dos dispositivos que se integram na compostura vernacular
de todo o art. 103-B da Constituição. É que tais dispositivos
são tão ciosos da importância do CNJ em ambos os planos
da composição e do funcionamento; tão logicamente conca­
tenados para fazer do Conselho um órgão de planejamento
estratégico do Poder Judiciário, assim no campo orçamentá­
rio como no da celeridade, transparência, segurança, demo­
cratização e aparelhamento tecnológico da função
jurisdicional do Estado; tão explicitamente assumidos como
estrutura normativa de contínua densificação dos estelares
princípios do art. 37 da Lei Republicana; tão claramente re­
grados para tornar o CNJ uma genuína instância do Poder
Judiciário, e não uma instituição estranha a esse Poder ele­
mentar do Estado, enfim, que negar a esse Conselho o poder
de aplicar imediatamente a Constituição-cidadã, tanto em con­
creto como em abstrato, seria concluir que a Emenda 45 ho­
miziou o novo órgão numa fortaleza de paredes
intransponíveis, porém fechada, afinal, com a mais larga porta
de papelão. Metáfora de que muito se valia o gênio ético-li­
42
Ação originária 1.773/DF
PGR
bertário de GERALDO ATALIBA para ensinar como não se deve
interpretar o Direito, notadamente o de estirpe constitucio­
nal.
Ao também reconhecer a validade da resolução atacada na­
quela ADC, o Ministro EROS GRAU lembrou que “[...] é a própria
Constituição, no inciso I do § 4o do seu artigo 103-B, que atribui
ao Conselho Nacional de Justiça o exercício da função normativa
regulamentar” (idem, fl. 49). O Ministro CEZAR PELUSO, também a
esse respeito, ponderou (idem, fl. 56):
Retiro ainda do artigo 103, b, § 4o, inc. I [da Constituição], o
poder jurídico, agora explícito, do Conselho, de expedir atos
regulamentares, que não me parecem restritos à hipótese ini­
cial do inc. I. Esse poder de expedir atos regulamentares diz
respeito a todas as atribuições outorgadas ao Conselho e que
dependem, para sua execução efetiva, dessa regulamentação
prevista no § 4o, inc. I.
A capacidade normativa do CNJ com base na teoria dos po­
deres implícitos (implied powers ou inherent powers), aliás, foi igual­
mente reconhecida, de maneira expressa, pelo STF, nesse julgado.
O tema da competência de o CNJ produzir atos normativos
com força primária de regulamentar a Constituição e a incidência
do princípio da legalidade foram largamente enfrentados pelo Su­
premo Tribunal Federal naquele julgamento. O Ministro GILMAR
MENDES sustentou, a certa altura (idem, fl. 71):
A idéia da submissão da Administração [Pública] à lei é, hoje,
quase óbvia. No entanto, como ensina GARCÍA DE ENTERRÍA,
é preciso ter cuidado para não entender como lei apenas a
lei em sentido formal. O conceito de legalidade não faz refe­
rência a um tipo de norma específica, mas ao ordenamento
43
Ação originária 1.773/DF
PGR
jurídico como um todo, o que [MAURICE] HAURIOU chamava
de “bloco de legalidade”.
Portanto, quando a Constituição, em seu art. 5o, II, prescreve
que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer al­
guma coisa senão em virtude de lei”, por “lei” deve-se en­
tender o conjunto do ordenamento jurídico, cujo
fundamento de validade formal e material encontra-se pre­
cisamente na própria Constituição. Traduzindo em outros
termos, a Constituição diz que ninguém será obrigado a fa­
zer ou deixar de fazer alguma coisa que não esteja previa­
mente estabelecido [sic] na própria Constituição e nas
normas dela derivadas.
A competência de o Conselho Nacional de Justiça produzir
normas aplicáveis a todo o Poder Judiciário, em tema tão sensível e
relevante quanto o das vantagens funcionais, foi reconhecida tam­
bém no julgamento da já mencionada medida cautelar na ADI
4.638/DF, a qual tem como objeto a Resolução 135/2011,30 refe­
rente ao processo disciplinar aplicável à magistratura judicial. Essa
natureza das resoluções do CNJ – decorrente da interpretação sis­
temática do art. 5o, § 2o, da Emenda Constitucional 45/2004,31 e
do art. 103-B, § 4o, da Constituição – aponta para a importância de
o Conselho disciplinar de modo uniforme a concessão de auxí­
lio-moradia para todo o Judiciário nacional, superando a legislação
estadual pertinente, salvo para o Supremo Tribunal Federal, cuja
normatização deve partir do próprio.
Com isso, sana-se a inegável quebra de unidade do regime da
magistratura judicial que hoje campeia em relação ao instituto.
30 Referência na nota 18.
31 “§ 2o. Até que entre em vigor o Estatuto da Magistratura, o Conselho
Nacional de Justiça, mediante resolução, disciplinará seu funcionamento e
definirá as atribuições do Ministro-Corregedor.”
44
Ação originária 1.773/DF
PGR
IV. CONCLUSÃO
Ante o exposto, o Procurador-Geral da República opina:
a)
preliminarmente, pelo reconhecimento da competência do
Supremo Tribunal Federal para julgar a demanda;
b)
pela admissão da ASSOCIAÇÃO
DOS
JUÍZES FEDERAIS
DO
BRASIL
(AJUFE) como assistente dos autores (petição de 10 de junho de
2014);
c)
quanto à antecipação de tutela jurisdicional, pela concessão,
com efeito ex nunc, a partir de regulamentação do auxílio-moradia
a ser determinada pelo Supremo Tribunal Federal ao Conselho
Nacional de Justiça; nesse caso, no sentido de que se determine ao
CNJ a fixação de valores máximos a serem pagos pelos tribunais
(considerados fatores como a limitação ao valor pago aos ministros
do Supremo Tribunal Federal e a realidade das finanças locais, por
exemplo), condicionados à ausência de oferta de residência oficial,
consoante prevê a LOMAN;
d)
ainda no que respeita à antecipação de tutela jurisdicional,
subsidiariamente, pela concessão, com efeito ex nunc e por aplica­
ção das normas do Ministério Público Federal, previstas na Lei
Complementar 75/1993, no valor atualmente definido para os juí­
zes auxiliares do Supremo Tribunal Federal;
e)
no mérito, pela procedência parcial do pedido, nos termos
acima indicados para o provimento liminar (improcedente, por­
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Ação originária 1.773/DF
PGR
tanto, o pedido do item b.3, folha 20 da petição inicial), inclusive
no que se refere à hipótese subsidiária da letra anterior.
Desde já requer nova vista para se manifestar, caso se juntem
aos autos novas petições e documentos, na forma do art. 83, I, do
Código de Processo Civil.32
Brasília (DF), 13 de setembro de 2014.
Rodrigo Janot Monteiro de Barros
Procurador-Geral da República
RJMB/WS/JCCR/UC/MPOM/EP/LPCN-Par. PGR/WS/1.851/2014
32 “Art. 83. Intervindo como fiscal da lei, o Ministério Público:
I – terá vista dos autos depois das partes, sendo intimado de todos os atos
do processo;
II – poderá juntar documentos e certidões, produzir prova em audiência e
requerer medidas ou diligências necessárias ao descobrimento da verdade.”
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