Celia Fernandes - Universidade Anhembi Morumbi
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Celia Fernandes - Universidade Anhembi Morumbi
UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI CÉLIA AUXILIADORA FERNANDES PROTOTIPAGEM E MODELAGEM NO DESIGN DE TECNOLOGIAS VESTÍVEIS DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM DESIGN PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU São Paulo, março de 2013 UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI CÉLIA AUXILIADORA FERNANDES PROTOTIPAGEM E MODELAGEM NO DESIGN DE TECNOLOGIAS VESTÍVEIS DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Design – Mestrado, da Universidade Anhembi Morumbi, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Design Orientadora: Profª. Drª. Luisa Paraguai Donati São Paulo, março de 2013 Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da Universidade, do autor e do orientador. CÉLIA AUXILIADORA FERNANDES Mestre em Design pela Universidade Anhembi Morumbi (UAM - SP). Atua como docente no em cursos de graduação em Design de Moda. Ministra disciplinas nas áreas de Design, Computação Gráfica, Moulage e Modelagem Plana. Bacharel em Design de Moda pelo Centro Universitário Senac – SP. Possui experiência na área empresarial de design. Ficha Catalográfica F399p Fernandes, Célia Auxiliadora Prototipagem e modelagem no design de tecnologias vestíveis / Célia Auxiliadora Fernandes. – São Paulo, 2013. 163 f.; 27 cm. Orientador: Prfa. Dra. Luisa Paraguai Donati. Dissertação (Mestrado em Design) - Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2013. Bibliografia: f.145-152. 1. Design de moda. 2. Computação vestível. 3. Prototipagem. I. Título. CDD 741.6 UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI CÉLIA AUXILIADORA FERNANDES PROTOTIPAGEM E MODELAGEM NO DESIGN DE TECNOLOGIAS VESTÍVEIS Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Design – Mestrado, da Universidade Anhembi Morumbi, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Design. Aprovada pela seguinte Banca Examinadora: Profª. Drª. Luisa Paraguai Donati Orientadora Mestrado em Design Anhembi Morumbi Profª. Drª. Rosangella Leote (externo) Universidade Estadual Paulista Profª. Drª. Agda Regina de Carvalho (interno) Mestrado em Design Anhembi Morumbi Profª. Drª. Rachel Zuanon (coordenação) Mestrado em Design Anhembi Morumbi São Paulo, março de 2013. Aos meus pais A todos os meus bons amigos por mais esta caminhada. AGRADECIMENTOS À Profª. Drª. Luisa Angélica Paraguai Donati, pela confiança, pela oportunidade de trabalhar ao seu lado e por sua importante colaboração na superação de meus limites. À Profª. Drª. Rosangella Leote pela generosidade de sua sabedoria, pelo incentivo, atenção e respeito para com o meu trabalho. Por todos os preciosos apontamentos. À Profª. Drª. Agda Regina de Carvalho pelas críticas que contribuíram para meu trabalho. À secretária Antônia Costa da pós-graduação da Universidade Anhembi Morumbi, pela colaboração, disponibilidade e por ser sempre gentil alegre e presente. Agradeço a Coordenação do Mestrado em Design da Universidade Anhembi Morumbi, configurada na Profª. Drª. Rachel Zuanon e a todos os professores das disciplinas ministradas nestes dois anos. “A mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original.” Albert Einstein RESUMO Esta pesquisa discute a intersecção das tecnologias vestíveis no campo da moda e analisa como a implementação desses sistemas físico-digitais e microeletrônicos – popularizados pelas plataformas open source de prototipagem – tem permitido a designers desenvolver projetos interativos no design de moda. Palavras-chave: Design; Moda; Computação Vestível; Prototipagem; Compartilhamento. ABSTRACT This research discusses the intersection of wearable technologies in the fashion segment. It also analyzes the means to implement these physical-digital and microelectronic systems – more and more popular due to the open source prototyping platform – noting how they allow designers to develop interactive processes in fashion design. Keywords: Design; Fashion; Wearable computing; Prototyping; Sharing. SUMÁRIO INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 18 1 DESIGN DE MODA E TECNOLOGIAS DE PROTOTIPAGEM ................................. 25 1.1 Tecnologias eletrônicas digitais integradas em peças vestíveis ............. 36 1.2 Interações entre design e computadores vestíveis: aspectos estéticos e funcionais...............................................................................................43 1.3 Modos de integração: Prototipagem e Modelagem............................... 48 1.3.1 Prototipagem de baixa, de média e alta complexidade..................... 55 1.3.2 Configuração de novas estruturas: corpo e componentes eletromecânicos ......................................................................................................... 59 1.3.3 Cabeamento e estruturas mecânicas compondo com a modelagem .............................................................................................................64 2 ELEMENTOS PROJETUAIS DA PROTOTIPAGEM .................................................... 73 2.1 Sensores ............................................................................................................. 75 2.2 Atuadores .......................................................................................................... 85 3 MATERIAIS INTELIGENTES ..................................................................................... 95 4 PLATAFORMAS FÍSICO-DIGITAIS OPEN SOURCE E O DESIGN DE MODA ....... 115 4.1 As Plataformas open source e a documentação de projetos ............. 127 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 140 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................ 140 ANEXOS: Complemento da pesquisa sobre sensores e atuadores. .................. 153 LISTA DE FIGURAS Figure 1: Áreas de Intersecção entre design e tecnologias emergentes. ........... 19 Figure 2: Body Scanner - SENAI/Cetiqt. ....................................................................... 27 Figure 3 Desenvolvimento de modelagem e prototipagem virtual...................... 27 Figure 4: Peça da coleção A-Poc. .............................................................................. 31 Figure 5: Peças da coleção "132,5". ............................................................................ 31 Figure 6: Levine durante o show no desfile Outono/Inverno 2012 ......................... 34 Figure 7: Protótipo para “smart pants" (1980) ............................................................ 38 Figure 8: One Hundred and Eleven. ............................................................................ 42 Figure 9: Dupla de peças Living Pod. .......................................................................... 46 Figure 10: Living Pod, 2008. ............................................................................................ 47 Figure 11: Prototipagem com tecnologias eletrônica digital integrada. ............. 54 Figure 12: Modelagem convencional, moulage e protótipos em base de algodão. ........................................................................................................................... 54 Figure 13: A social networking garment ..................................................................... 56 Figure 14: Estudo de percursos – Técnica de Moulage. .......................................... 60 Figure 15: The Morphing Hood Coat – Coleção: Airborne...................................... 62 Figure 16: Corpo dinâmico e movimentos de rotação. .......................................... 63 Figure 17: Movimentos angulares dos componentes corporais. ........................... 63 Figure 18: Protótipo para One Hundred and Eleven 2007. Chalayan. ................. 65 Figure 19: Bases mecânicas e estruturas rígidas ....................................................... 67 Figure 20: Living Pod ....................................................................................................... 69 Figure 21: Daredroid. ...................................................................................................... 69 Figure 22: Protótipo com micromotores, microcontroladores integrados. .......... 70 Figure 23: Primeiros protótipos de smart clothing...................................................... 73 Figure 24: Vestido Climate Dress .................................................................................. 79 Figure 25: Sensor CO2. ................................................................................................... 80 Figure 26: LilyPad e microcontrolador ......................................................................... 80 Figure 27: "Vestis" – Luisa Paraguai ............................................................................... 81 Figure 28: Sensor de efeito Hall..................................................................................... 82 Figure 29: Living Pod ....................................................................................................... 84 Figure 30: Sensor fotoelétrico. ....................................................................................... 84 Figure 31: Video Dress. Airbourne OUTONO/INVERNO 2007 .................................. 86 Figure 33: Hussein Chalayan - Readings - S/S 2008 Paris .......................................... 91 Figure 34: Reforço de Epóxi em fios condutores ....................................................... 97 Figure 35: Tecidos de malha condutora..................................................................... 98 Figure 36: Teste de tecidos condutores. ..................................................................... 99 Figure 37: Multímetro ...................................................................................................... 99 Figure 38 Stretch Conductive, produzido pela empresa LessEM. ........................ 100 Figure 39: Tinta condutora...........................................................................................101 Figure 40: Bare Conductive.........................................................................................101 Figure 41: Projeto Animated Quilt. .............................................................................103 Figura 42: Células solares. ............................................................................................104 Figura 43: Placa com microcontrolador ...................................................................106 Figura 44: a) Peça Glutus. b) Peça Luttergill. c) Peça Slofa. d) Peça Eneleon. e) Peça Skwrath ...........................................................................................107 Figura 45: Costura manual com fio condutor sobre uma base têxtil.................. 108 Figura 46: Desenvolvimento do protótipo da peça Glutus. ................................. 109 Figura 47: Detalhe da modelagem e transmissão de dados. .............................. 109 Figura 48: Acionamento de microcontrolador. ......................................................110 Figura 49: Detalhe da peça Eneleon ........................................................................111 Figure 50: Esquema de implementação tecnológica para prototipagem em Fashion .....................................................................................................................119 Figura 51: Microcontrolador – LilyPad Arduino. Transmissão de dados - USB ... 131 Figura 52: Processo de prototipagem para interface Ruffletron ......................... 132 Figura 53: Estudos de extensões para integração de sensores ........................... 133 Figura 54: Projeto Ping – A social network garment ...............................................134 Figura 55: Partes da modelagem e fios condutores flexíveis costuráveis e laváveis. ..........................................................................................................................135 Figura 56: Croqui da peça e estudos da forma em moulage ............................. 136 Figura 57: Seleção de hardwares que farão parte da peça. .............................. 137 Figura 58: Teste de hardwares. ...................................................................................138 Figura 59: Os novos elementos projetuais ...........................................................143 18 INTRODUÇÃO O melhor modo de estimular a erudição como parte do aprendizado do design é buscar conhecimentos fora da área, em outros campos de interesse [...]. O designer que conhece um pouco de música ou cinema ou engenharia ou matemática ou qualquer outra atividade está bem posicionado para explorar interfaces e forjar novas interrelações (DENIS, 2011, p.252) Com o desenvolvimento de tecnologias eletrônicas e digitais, vestíveis e soft computing1, ampliam-se as possibilidades de implementação no campo do design de moda. Apesar do investimento em novas tecnologias, de modo geral, o conhecimento e a aplicação efetiva de recursos na prática projetual pelos designers ainda estão limitados ao uso de softwares para construção de imagens digitais, sejam elas apresentadas em monitor, impressas em papel ou em tecido – como no desenvolvimento de padronagens para estamparia digital. Contudo, desde 2000, quando Hussein Chalayan chegou a Paris e apresentou peças de sua coleção integradas com recursos mecânicos e eletrônicos, outros designers de moda apressaram-se na busca por conhecimento para integrar tecnologias eletrônicas digitais a suas criações. Segundo Seymour (2011), é a partir daí que a colaboração entre essas duas áreas tem se tornado cada vez mais evidente. 1 Este termo será abordado e explicado no decorrer do capítulo 02. 19 O resultado da integração de tecnologias emergentes envolvendo o design de moda tem sido chamado de Fashionable Technology por Sabine Seymour (2010, p.13). Este termo, de acordo com a autora, refere-se [...] a todas as tecnologias se refere a todas as tecnologias interligadas com o corpo, como biotecnologia, nanotecnologia, tecnologia digital, tecidos tecnológicos etc. Isso também se refere a ferramentas e aplicações de softwares associados com tecnologia têxtil e design de moda (idem, 2010, p.13). No contexto atual o esquema gráfico (Figure 1) mostra as principais áreas de intersecção entre design e tecnologias emergentes (SEYMOUR, 2010, p.12). Destaque-se que neste esquema gráfico não há hierarquia entre essas áreas de intersecção. As áreas assinaladas como ponto A, B e C grifadas no esquema apenas indicam o recorte eleito para dissertação desta pesquisa. Figure 1: Áreas de Intersecção entre design e tecnologias emergentes. Fonte: SEYMOUR, 2010, p.12. 20 Os pontos A, B e C correspondem à intersecção entre Design de Moda e Design de Interação associados à implementação tecnológica da Computação Física. Vale observar que, se por um lado, as pesquisas que se referem ao tema vestíveis e Fashionable Technology têm sido amplamente exploradas nos últimos anos, por outro, o investimento em pesquisas sobre implementações tecnológicas na prática projetual em design de moda ainda é quase inexistente. No entanto, num campo como o design, cada vez mais dirigido por iniciativas e empreendimentos inovadores, o assunto está se tornando mais relevante como foco de pesquisa, pois a intersecção entre desenvolvimento a de área de criação computadores e vestíveis as tecnologias em breve no poderá recontextualizar o design de moda e gerar um “novo conjunto de produtos de alta qualidade”, sob a forma de “produtos (para economia privada), obras de arte (para economia cultural) ou protótipos (para pesquisa)” (SEYMOUR, 2011, p.13). Esta pesquisa investiga a convergência das tecnologias eletrônica e digital, e as possibilidades de sua implementação no design de moda. Também introduz o assunto a partir da perspectiva da modelagem, compartilhando noções e discutindo com os designers questões essenciais ao tema. A pesquisa tem como objetivos específicos compreender os processos de prototipagem eletrônica digital com o uso de microcontroladores, sensores e atuadores, tomando por base o uso da Plataforma Open Source Arduino. Também busca investigar 21 como essas tecnologias de prototipagem e processos interativos podem rearticular e até inovar a prática projetual. Destaque-se que, para apresentar abordagens que façam melhor uso das informações e tecnologias disponíveis contidas nos processos de prototipagem e gerar requisitos que forneçam suporte teórico e prático direcionado aos designers de moda, a autora frequentou curso de eletrônica e aulas de computação física. A partir dessa perspectiva, a proposta da pesquisa organizou-se em torno de projetos e processos de prototipagens que integram tecnologias vestíveis ao design de moda. A fim de compreender como surgiram os primeiros estudos envolvendo prototipagem com tecnologias eletrônicas digitais acopladas junto ao corpo, investigou-se o trabalho pioneiro do pesquisador Steve Mann – decisão que se provou esclarecedora, em função do registro detalhado de seus primeiros experimentos e dos protótipos para aplicação do conceito de suas smart clothing. Para contextualizar e investigar as possíveis contribuições dessas pesquisas para a moda contemporânea analisou-se e discutiu-se o desenvolvimento de projetos e peças interativos propostos pelos designers Hussein Chalayan, Ying Gao e Anouk Wipprecht. Ainda para a fundamentação teórica, visando uma abordagem do design de moda com a convergência de tecnologias emergentes, a pesquisa apoiou-se nos conceitos utilizados por Galbraith (2003), Seymour (2010), Berzowska (2005), Sabrá (2010), Buechley (2008) e Denis (2011). 22 A pesquisa está organizada em três capítulos, sendo que o primeiro discute a relação entre designer de moda e tecnologias emergentes, e traz uma introdução à prototipagem com tecnologia eletrônica digital e seus procedimentos técnicos e modos de integração no processo de modelagem. O segundo capítulo é dedicado aos tipos de sensores e atuadores mais utilizados em projetos interativos que envolvem prototipagens com tecnologia eletrônica digital. Discute os elementos projetuais da prototipagem. E o terceiro capítulo discute a popularização das plataformas físico-digitais open source de prototipagem eletrônica e sua influência no compartilhamento de processos e documentação de projetos interativos e novos materiais. Nos processos de prototipagem, investigar materiais inteligentes e tecidos eletrônicos torna-se uma questão fundamental, pois pesquisar novos materiais é uma atitude inerente à profissão da maioria dos designers (DENIS, 2012). Nesse sentido, a presente pesquisa também inclui e esclarece o que são materiais inteligentes e as implicações de seu uso nas prototipagens que integram tecnologias eletrônicas digitais em peças vestíveis. É importante ressaltar que a fragmentação de conteúdo sobre o tema ainda é uma barreira a ser vencida, visto que, além da escassez de informações, a implementação costuma envolver conhecimentos básicos de eletrônica e programação computacional, assuntos ainda não explorados nos cursos de moda. Muitos dos projetos envolvendo moda e processos interativos, que podem trazer inovação ao design de moda, têm sido abortados pelos 23 próprios designers, pela dificuldade em acessar o conhecimento teórico e prático em pesquisas sobre o assunto. 24 #1 DESIGN DE MODA E TECNOLOGIAS DE 25 1 DESIGN DE MODA E TECNOLOGIAS DE PROTOTIPAGEM A busca por soluções viáveis para implementação das tecnologias eletrônica e digital no contexto do Design de Moda vem crescendo e se evidenciando nos últimos anos. Daí deriva a necessidade, por parte dos designers, de adquirir novas competências para ampliar as possibilidades de materializar ideias de projetos interativos a partir da compreensão dessa nova configuração projetual. O presente capítulo tem como objetivo apresentar dados sobre o assunto, visando ajudar a suprir a falta de tais informações em cursos de nível superior na área de Design de Moda. O capítulo se divide em três partes: a primeira apresenta uma explanação geral sobre a influência das novas tecnologias na relação entre o designer de moda e o uso do computador. A segunda discute a diferença entre prototipagem convencional com métodos tradicionais x prototipagem integrada com tecnologia eletrônica digital. A terceira traz uma introdução aos procedimentos técnicos para desenvolvimento de protótipos. De acordo com Cianfanelli e Kuenen (2010), o design de moda está se transformando rapidamente, assim como outras disciplinas que dão suporte aos projetos. Para esta autora, a transformação está ocorrendo devido à interferência que os avanços tecnológicos vêm causando nas fases projetuais do design – isso inclui, por exemplo, simulação, prototipagem, robótica em manufaturas e comunicação. 26 Os recursos eletrônicos e digitais estão cada vez mais presentes no processo de criação e desenvolvimento de projetos. Jones (2005) já havia declarado que Os avanços na qualidade, facilidade ao usuário, preços mais acessíveis e o desenvolvimento de programas e softwares especiais estava mudando a relação entre criador de moda e o computador [...]. (JONES, 2005, p. 96). No mesmo sentido, Cianfanelli e Kuenen (2010) declaram que técnicas manuais convencionais, como desenhos, estudos, modelagens e manufaturas com processos manuais, os quais dão suporte ao processo de criação do designer, começam a se associar cada vez mais aos meios eletrônico e digital, como é o caso das tecnologias de prototipagem rápida e da fabricação digital. Enquanto o escaneamento em 3D como, por exemplo, o Body Scanner (Figure 2) converte o mundo físico em vetores no contexto digital, novas tecnologias open source 2, como aquela utilizada, por exemplo, em impressoras 3D Maker Bot permitem aos designers ver imediatamente o resultado dos seus trabalhos no contexto físico. (CIANFANELLI; KUENEN, 2010). 2 O conceito de open source será discutido em detalhes no Capítulo 4. 27 Figure 2: Body Scanner utilizado em pesquisa antropométrica no SENAI/Cetiqt. Fonte: http://padronagens.wordpress.com O uso do computador permite que designers desenvolvam prototipagem virtual com simulações em 2D e 3D, que pode mediar processos criativos e executar tarefas. Protótipos virtuais referem-se àqueles intangíveis, ou seja, não representados na forma física, mas digital (CHUA et al., 2003). Como exemplo, apresenta-se a Figure 3. Figure 3 Desenvolvimento de modelagem e prototipagem virtual. Fonte: http://www.optitex.com/en/products/main_modules/pattern_design. 28 A criação de uma prototipagem virtual com sistema CAD/CAM 3 tem a capacidade de prever e simular o resultado final de um modelo a ser desenvolvido (BESANT, 1986). No computador, o software recebe dados enviados pelo usuário a partir de um menu de opções, as quais possibilitam operações para criar modelos e executar a modelagem. Janelas de comunicação indicam a função que está sendo manipulada. Determinadas funções, quando acionadas, abrem o menu na janela de trabalho, “onde aparecem os campos DX e DY, que são os eixos horizontal e vertical”, mais utilizados na construção dos moldes (BORBAS; BRUSCAGIM, 2007, p.162). O usuário define os parâmetros de ângulos e distâncias das partes que irão compor a modelagem. Sobre um avatar 3D, é possível criar e editar modelos com simulação de tecidos, aviamentos, para depois desenvolver uma modelagem digital compatível com sistemas de produção automatizada. As medidas utilizadas para a construção desses protótipos virtuais podem derivar de sistemas implementados em equipamentos do tipo Body Scanner, os quais chegam a fornecer cerca de 150 medidas antropométricas em até 10 segundos (SABRÁ, 2009). No futuro – dentro do primeiro quarto do século XXI –, de acordo com Sabrá (2009), a modelagem das roupas não será mais construída sobre corpos humanos, de forma concreta, mas sim sobre avatares virtuais que representarão cópias perfeitas dos corpos dos usuários. De 3 CAD / CAM – CAD – (Computer Aided Design) – Sistema computacional que auxilia na criação, modificação ou otimização da modelagem/ CAM (Computer Aided Manufacturing) Sistema de automatização de produção. FONTE: BESANT, 1986. 29 acordo com o autor, todo o desenvolvimento do projeto de produto e seu compartilhamento com o mercado deverão ocorrer por meio de ambiente “absolutamente virtual” (ibid., p. 19). Para alguns designers de moda, o uso de novas tecnologias 3D, eletrônicas e digitais, bem como a escolha de materiais inteligentes já fazem parte de sua atuação e funcionam como elementos de criação e desenvolvimento das coleções. Desde o final dos anos noventa, designers como o japonês Issey Miyake e o cipriota Hussein Chalayan investem em pesquisas de novas tecnologias para materializar suas ideias e projetos, em parceria com artistas, fotógrafos, cientistas e engenheiros. Suas pesquisas relacionando moda e tecnologia tem aberto caminho e influenciado jovens designers no desenvolvimento de novas experiências. Segundo Sabrá (2009), para poder atuar em face das revoluções da sistematização tecnológica, é preciso construir novas competências. Os designers de moda devem expandir suas áreas de atividades para projetar. Com vistas a esse objetivo, Miyake, por exemplo, combina técnicas tradicionais com tecnologia de ponta, como ocorre com os padrões impressos a laser, para trabalhar temas como natureza, origami, arte etc. Outros processos envolvendo tecnologia para o desenvolvimento de suas criações foram exaustivamente apresentados junto às coleções em várias partes do mundo, como nos Estados Unidos e Europa. É o caso da coleção A-POC (A Piece of Cloth) de 1998, que se encontra em exposição permanente desde 2006 no MOMA (Museu de Arte Moderna de Nova Iorque). O conceito de modelagens a partir 30 de um único pedaço de tecido já havia sido apresentado por Miyake em 1969, em sua coleção Constructible Cloth. A alteração dos modelos acontecia por meio de abotoamentos, embora o processo e métodos de manufatura fossem convencionais. A mesma base de conceito foi utilizada para criar o A-POC – projeto realizado em 1998, depois de cinco anos de pesquisa – quando, a pedido de Miyake, os métodos de fabricação com teares mecânicos utilizados para tecer quimonos japoneses foram combinados com sistemas de tecnologias eletrônicas digitais (SCANLON, 2004). É importante destacar que, com esse processo, Miyake influenciou novas metodologias e a engenharia de confecção (ibid.). E hoje, com a evolução desse tipo de sistema, tornou-se possível desenvolver peças de malharia retilínea em até 45 minutos, sem costura, com golas e bolsos (SABRÁ, 2009). No caso do A-POC, a partir de instruções computadorizadas, as roupas passaram a ser produzidas em malhas tubulares, sem costura, com inúmeras variações de modelos que podiam ser cortadas com tesouras em qualquer altura, sem desfiar (EVANS, 2003). A ideia consistia em permitir aos usuários interagir com as peças. E eles passaram a poder redesenhar decotes, mangas e punhos propostos originalmente. A ideia de Miyake permitiu movimento e novas dimensões com uma única peça de tecido. Porém, o tipo de modelagem automatizada gerada pelo sistema sem costura da A-POC favoreceu as formas tubulares que, de modo geral, eram justas ao corpo (Figure 4). 31 Figure 4: Peça da coleção A-Poc. Fonte: <http://www.wired.com/wired/arc hive/12. 04/miyake.html>. Em 2010, para realizar a coleção "132 5" (Figure 5), um novo software foi desenvolvido a pedido de Miyake, apto a gerar modelos por meio de um programa matemático capaz de criar formas com princípios geométricos em 3D. Figure 5: Peças da coleção "132,5". Fonte: http://changeobserver.designobserver.com/feature/132-5issey-miyake/15558/. 32 Com o novo processo, os volumes e a estrutura da peça passaram a derivar de um só corte de tecido plano 4 composto por poliéster de PET 5, prensado de acordo com as formas geradas pelo programa. A partir desta etapa, uma série de dobraduras rebatidas dá origem a volumes e silhuetas inusitados, que se afastam e redesenham o corpo. Mais uma vez, técnicas tradicionais de construção – neste caso, de origami – combinadas com sistemas computacionais, resultaram em uma nova metodologia de construção das roupas. O nome da coleção “132 5” refere-se às etapas desse processo de construção e tem o seguinte significado: “1” é igual à peça única, ou seja, a modelagem é constituída de um único tecido, o “3” é a forma tridimensional, “2” é a forma tridimensional achatada e “5” a quinta dimensão, o momento em que a roupa atua sobre o corpo dos usuários. De acordo com Sabrá (2009), as intersecções que envolvem meios eletrônicos digitais e processos de modelagem estão apenas em seu nascedouro. Contudo, torna-se cada vez mais evidente a potencialidade desses meios para criar variáveis de comportamentos físicos, estéticos, materiais e formais dos objetos (SABRÁ, 2009). No caso de 132 5, as dobras das formas geométricas para gerar o volume das peças podem ser eletronicamente espelhadas ou repetidas com uma série de diferenças sutis e infinitas combinações para compor novas silhuetas. 4 Tecidos planos: são aqueles obtidos pelo entrelaçamento de dois conjuntos de fios (urdume e trama) formando ângulo de 90°. Por exemplo, tricoline, cetim etc. (CHATAIGNIER, 2010, p. 43). 5 PET – Poli (Tereftalato de Etileno) - Poliéster, polímero termoplástico. 33 Denis (2000) já havia declarado que os avanços da eletrônica e o uso de softwares influenciariam o modo de agir do designer, e mudariam definitivamente a relação entre forma, função, técnicas e materiais no design. Para o autor, Na era da eletrônica, objeto já não pode mais ser considerado uma unidade integral, nem do ponto de vista técnico e muito menos estético, mas antes, deve ser entendido como uma compilação de códigos especializados superpostos de maneira mais ou menos livre. (ibid, p.237) Um exemplo de como esses meios eletrônicos e digitais estão influenciando o trabalho de jovens designers de moda pode ser observado na atitude de Asher Levine, o fashion designer americano nascido e criado em Port Charlotte, na Flórida. É conhecido por combinar em seus trabalhos a praticidade utilitária com tendências experimentais e remixar tecidos e diferentes materiais para criar formas e silhuetas inusitadas. Em março de 2012, durante a apresentação de sua coleção de Inverno na Semana de Moda de Nova Iorque, Levine criou e imprimiu acessórios em uma impressora 3D (Figure 6), enquanto os modelos desfilavam com os óculos criados durante o show. 34 Figure 6: Levine durante o show no desfile Outono/Inverno 2012 Fonte: http://www.asherlevine.com. Com este processo de prototipagem rápida, a partir de um código computacional, a forma dos acessórios foi impressa em 3D em camadas de liga plástica similares ao material utilizado em blocos de Lego. Após o desfile, o código computacional desenvolvido para impressão do modelo foi disponibilizado no website Thingiverse 6. Segundo o website, a atitude de Levine questiona o compartilhamento com o público de parte de sua coleção por download de código computacional open source. O sistema open source permite livre acesso ao código-fonte de softwares e implica na sua redistribuição livre. Visando esclarecer o conceito, Laurent (2009, p. 9) declara que, para que um software seja considerado open source, sua licença não deve restringir a venda ou doação de nenhuma de suas partes. Sendo componente de uma distribuição agregada de software e contendo 6 Fonte: <http://www.Thingiverse.com>. Acesso em: 04 ago. 2012 35 programas de várias fontes diferentes, a licença não deve exigir royalty ou outra taxa para tal venda. Destaque-se que o conceito de open source, plataformas físico-digitais relacionados ao design de moda serão discutidos em mais profundidade no Capítulo 4. Até a década passada, o uso das tecnologias emergentes para criação e fabricação de produtos de design de moda era um processo limitado a grandes empresas, laboratórios e grupos de pesquisa. No entanto, esse quadro está mudando. Por exemplo, novas tecnologias emergentes para projetar em ambientes digitais e imprimir objetos em impressoras 3D estão se tornando cada vez mais rápidas e mais acessíveis. Produzidos com sistemas open hardware, a estrutura do produto, o layout e os sistemas de configuração de chip, são livres para serem modificados e redistribuídos (LAURENT, 2009). Como consequência, vê-se o aumento da replicação e da popularização dessas tecnologias. Segundo Anderson (2012), o potencial oculto por trás dessas tecnologias irá mudar o mundo ainda mais rápido do que o microprocessador fez uma geração atrás. Segundo o autor, as mudanças trazidas pela popularização dessas tecnologias influenciarão significativamente a criação de novos produtos com potencial aumento de criatividade e inovação. 36 1.1 Tecnologias eletrônicas digitais integradas em peças vestíveis O avanço das tecnologias de prototipagem e fabricação digital anteriormente apresentado está mudando a relação entre designer e meios eletrônicos digitais, na medida em que permite novas possibilidades de criação e materialização de ideias. Existem definições, tecnologias e objetivos diversos para o desenvolvimento de prototipagens, como por exemplo, as virtuais, as prototipagens impressas em impressoras 3D etc. Contudo, para o design de moda, as prototipagens que envolvem tecnologia eletrônica digital integrada em peças vestíveis são provavelmente as que guardam maior potencial de inovação. Neste caso, softwares e hardwares são partes integrantes de peças vestíveis que podem ter comportamentos programados por meio de códigos computacionais. Inovar a partir da possibilidade de programar o comportamento de uma peça vestível para que reaja de diferentes modos em relação aos mais diversos ambientes é a principal diferença de potencial entre estas e outros tipos de prototipagem, os quais se limitam a processos de produção de peças convencionais. A partir de tal contexto, nesta pesquisa, o termo “prototipagem com tecnologia eletrônica digital integrada às peças vestíveis” refere-se a um conjunto de procedimentos envolvendo dispositivos, interfaces físico-digitais e métodos tradicionais de construção de roupas. Ressaltese que as prototipagens aqui investigadas podem ter finalidade de pesquisa ou desenvolvimento de projetos interativos para design de 37 moda e abarcam questões estéticas funcionais, experimentais, conceituais, artísticas etc. Ressalte-se que os trabalhos de designers, pesquisadores e artistas selecionados e apresentados nesta parte têm servido de motivação e alicerce para o desenvolvimento da presente pesquisa. Portanto, é importante destacar que tanto pesquisadores como artistas vêm contribuindo para a produção prática e a pesquisa de tecnologias vestíveis, evocando reflexões e introduzindo inovações técnicas. Para compreender como surgiram os primeiros computadores vestíveis, é imprescindível o estudo sobre as pesquisas pioneiras e os primeiros protótipos desenvolvidos pelo pesquisador e engenheiro Steve Mann. As experiências de Mann não focam a moda, mas ampliam a discussão sobre as questões funcionais que envolvem o uso de computadores, como a troca de dados e sensores 7 junto ao corpo. Observar os primeiros protótipos criados por Mann é compreender como os avanços da miniaturização podem influenciar na inserção e uso das tecnologias vestíveis de forma vinculada ao design de moda. De acordo com Mann (1996), sua motivação para iniciar essa pesquisa surgiu ao observar que a interação homem-computador (pessoal de mesa) limitava as atividades do usuário ao espaço de uma sala e ao conforto de uma cadeira (MANN, 1998). 7 O uso dos sensores em peças vestíveis será discutido em detalhes no Capítulo 2. 38 Acoplando e interligando uma série de dispositivos (Figure 7) sobre o corpo, Mann (1996) dá início a um trabalho pioneiro em desenvolvimento de tecnologias vestíveis. E apresenta o conceito de smart clothing. Entre os anos oitenta e noventa, o volume dos dispositivos eletrônicos e digitais ainda não permitia a integração dessas tecnologias em roupas. A solução encontrada para as prototipagens foi o uso de suportes como capacetes de ciclista com cintos e câmeras coletes adaptadas, prendendo os Figure 7 Protótipo para “smart pants" (1980) Fonte: http://wearcam.org/ equipamentos. Na época, o autor declarou: É claramente de natureza experimental, com o conhecimento que visa à miniaturização, e novas tecnologias como fios condutores, [...] etc., estes dispositivos brevemente serão integrados às roupas comuns (ibid., p.167). 39 Conforme Mann (1996) havia previsto, o desenvolvimento da tecnologia e a miniaturização dos componentes eletrônicos permitiram que essas tecnologias vestíveis, a princípio, fossem integradas às roupas esportivas, hospitalares, militares etc. e desenvolvidas principalmente por grandes companhias, como Phillips, Motorola e Nike. Nesse sentido, destacam-se as contribuições das áreas médica e militar e das grandes companhias para o desenvolvimento das tecnologias vestíveis. Todavia, por uma questão de recorte, esses temas não são aprofundados na presente pesquisa. Quanto à integração das tecnologias vestíveis no design de moda, Seymour (2010) e Quinn (2012) declaram pioneira a atitude de Hussein Chalayan. De acordo com os autores, é a partir de 2000 – ano em que o designer inclui o Remote Control Dress 8 no desfile de sua coleção Before Minus Now – que a potencialidade da colaboração entre as áreas de tecnologias vestíveis e design de moda se revela cada vez mais vigorosa. O Remote Control Dress, um modelo evasé 9 com recortes que foi construído com o mesmo tipo de material utilizado para construção de aeronaves, por exemplo, recebeu micromotores que emitiam sons de aceleração e desaceleração enquanto suas formas eram modificadas eletronicamente. Com movimentos programados por códigos computacionais, micromotores e circuitos elétricos podiam ser ativados Remote Control Dress. Coleção Before Minus Now - Primavera/Verão 2000. Disponível em: <http://husseinchalayan.com/#/past_collections.2000.2000_s_s_before_minus_now.14/> Acesso em: 10 nov. 2012. 9 Evasé é o modelo que apresenta silhueta em A, ajustado na linha da cintura e amplo na parte inferior. 8 40 por interruptores pela própria modelo, enquanto outros eram acionados por controle remoto. Para materializar suas ideias, Chalayan usou como referência forças intangível como a gravidade, as forças de expansão, o tempo. Nos vestidos, os movimentos dos recortes que se abrem e se fecham quando acionados por controle remoto lembram o movimento das asas dos aviões no momento da decolagem (EVANS, 2003). Chalayan é reconhecido pelas ideias que materializa e apresenta em peças construídas com métodos convencionais, técnicas de alta costura, artesanais etc. Mas pode-se afirmar que sua singularidade na história se deve ao fato de ele inovar como designer de moda, na medida em que emprega tecnologia como meio de criação, expressão e representação de seu estilo. Destaque-se que desde meados dos anos noventa, pesquisadores desenvolvem roupas com sistemas computacionais capazes de monitorar movimentos do usuário, calibrar frequência cardíaca, transmissão de dados etc. É o caso, por exemplo, da camiseta Smart Shirt desenvolvida em 1996 por Sundaresan Jayaraman, professor e pesquisador do Georgia Institute of Technology. É importante ressaltar que o know-how tecnológico dos pesquisadores contribuiu para o surgimento das chamadas “roupas inteligentes”. Contudo, vale observar que na década de noventa, as primeiras peças vestíveis integradas com tecnologia eletrônica digital desenvolvida por pesquisadores e engenheiros ainda estavam longe 41 das estéticas funcionais do design, tendências ou estilos diferenciados (QUINN, 2012, p.19). Chalayan usa tecnologia digital e microeletrônica como elemento de criação em peças com design de moda. Os protótipos conceituais que desenvolve “apresentam caráter performático” e evidenciam a “necessidade de inovação em design e fantasia na criação, a fim de gerar novas experiências aos usuários” (SEYMOUR, 2010, p.16). Ao investigar os meios e os resultados de integração das tecnologias eletrônicas digitais em sua produção até o momento, é possível destacar três coleções influentes desenvolvidas por Chalayan nos anos de 2007 e 2008, sendo a primeira intitulada One Hundred and Eleven (Figure 8) - Primavera/Verão 2007, a segunda (Outono/Inverno 2007) intitulada Airborne e a terceira – Readings (Primavera/Verão 2008). Detalhes sobre a integração da tecnologia na construção dessas coleções serão discutidos no decorrer deste capítulo. 42 Figure 8: One Hundred and Eleven. Fonte: http://interfacefa09.pbworks.com/w/page/20055326/Artist%20 Presentations. Os protótipos conceituais concebidos por Chalayan para One Hundred and Eleven e Airborne são exemplos que impulsionaram centros de pesquisas, como o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), faculdades de moda e jovens designers a questionar como a tecnologia pode ser incorporada ao vestuário e como podem ser operados meios eletrônicos para criar peças interativas. O trabalho de Chalayan como designer estendeu a soft computing, um campo até então aparentemente dominado pela computação e engenharia, para a área de moda. Portanto, conclui-se que refletir sobre design de moda e a integração de tecnologias eletrônicas digitais implica ponderar a contribuição de Hussein Chalayan. 43 Atualmente, há uma nova geração de designers que inovam com seus trabalhos, integrando tecnologias eletrônicas digitais em peças de coleções. É o caso, por exemplo, da designer de moda holandesa Anouk Wipprecht 10 e a chinesa Ying Gao 11 radicada em Montreal no Canadá – São designers que desenvolvem protótipos inovadores e não seguem o rígido calendário da moda. A cada avanço, as criações desses designers ajudam a estabelecer conexões que embaçam ainda mais as fronteiras entre design de interação, ciência, design de moda, tecnologias eletrônicas digitais com hardwares e softwares open-source. 1.2 Interações entre design e computadores vestíveis: aspectos estéticos e funcionais Ao aprofundar o estudo sobre procedimentos técnicos, vale indicar que uma peça de design com implementações tecnológicas não tem as mesmas funções de um computador vestível, embora possa vir a ter. Segundo Galbraith (2003), pensar, por exemplo, que um design de moda com sistemas computacionais é sinônimo de computador vestível é um equívoco comum. De outro lado, Seymour e Beloff (2008) declaram que o investimento em design com valores estéticos funcionais está reduzindo as fronteiras entre a nova geração de computadores vestíveis e o design de moda. Biografia de Anouk Wippretcht. Disponível em: <http://www.anoukwipprecht.nl/BIOGRAPHY_Anouk_newsite_January2013_MV.html>. Acesso em 10 out. 2012. 11 Designer de Moda, chinesa radicada em Montreal, Canadá. GAO, Y, PERFIL. Disponível em: < http://file.org.br/artist/ying-gao/?lang=pt>. Acesso em 10 out. 2012. 10 44 Para Galbraith (2003), os campos se sobrepõem e, em muitos aspectos, dependem um do outro. Ainda assim, têm finalidades diferentes cujas características e especificidades devem ser esclarecidas. No caso dos vestíveis, o foco se volta para a funcionalidade e a usabilidade da tecnologia nos espaços sobre os quais o corpo habita. Segundo Paraguai, para ser considerado vestível, um computador deve: [...] estar incorporado ao espaço pessoal do wearer (usuário), potencializando um uso mais integrado, sem limitar os movimentos corporais ou impedir a mobilidade. Está sempre ligado e acessível com uma performance computacional que permite auxiliar o usuário em atividades motoras e/ou cognitivas, sem, no entanto, ser considerado como uma simples ferramenta. (PARAGUAI, 2004, p. 94). Computadores vestíveis são desenvolvidos para ser reconfiguráveis e programáveis pelo usuário, enquanto que roupas com sistemas computacionais criadas por designers não são desenvolvidas para ser reprogramáveis, ainda que possam ser (GALBRAITH, 2003). Porém, um projeto de moda integrado com sensores capazes de prever o deslocamento do usuário, “[...] sinais vitais, reconhecer a presença de objetos/pessoas em torno, também as condições do ambiente como temperatura e luminosidade [...]” (PARAGUAI, 2004, p.94), pode resultar em uma peça com características funcionais de computador vestível. Em relação ao design de moda, Galbraith (2003) afirma que a estética pode ser reforçada pela tecnologia ou por materiais 45 inovadores com propriedades reativas. O importante é refletir sobre “as interações únicas e os comportamentos interessantes que surgem como resultado dessa integração.” (Ibid., p.22). Observa-se que Galbraith (2003) e Seymour (2010) apresentam posicionamento semelhante no que se refere à importância de design e estilo no desenvolvimento de peças que integram tecnologias vestíveis. Seymour (2010) ressalta que a integração dessas tecnologias está permitindo que as roupas e os acessórios passem a atuar como elemento mediador entre o corpo e o ambiente em torno. Enquanto Galbraith (2003) ressalta que as roupas integradas com tecnologias vestíveis, além de proporcionar novas formas de interagir com as pessoas e espaços, fornecem pistas sobre a identidade, sistemas de crenças, sexualidade ou economia. (GALBRAITH, 2004). Para o autor, no design de moda, a integração da tecnologia pode ser considerada parte material de sua construção e um meio de expressão criativa; todavia, suas funções não devem se sobrepor a outros elementos importantes, como estilo, identidade e personalidade (ibid.). Segundo o autor, as qualidades dos comportamentos gerados pela integração da tecnologia computacional em uma peça vestível podem variar, como: Estática/ Dinâmica, Reativa/ Negligente, Descartável/ Permanente, Mutante/ Conservadora, Comunicativa/ Reservada, Informativa/ Misteriosa, Cômica/ Solene (Ibid., p.25). 46 As variações desses comportamentos dependerão da escolha das propriedades das tecnologias, em conjunto com outros elementos, tais como forma, materiais têxteis, silhueta, texturas etc. No contexto atual, por exemplo, a designer Ying Gao, depois de utilizar o ar como elemento monitorado no projeto Walking City (2006) 12, traz a luz como dado de input para as peças do Living Pod(2008). Living Pod– consiste em duas peças interativas e sensíveis à luz – desenvolvido pela designer de moda Ying Gao, pode ser inserido nas categorias estática e dinâmica, conservadora e mutante, informativa e misteriosa. Segundo a designer (2008), o projeto explora a ideia de confronto e mimetismo, onipresente no sistema da moda atual. Nele, percebem-se a organicidade quase artesanal das formas e os contrastes de texturas (Figure 9) e (Figure 10). Figure 9: Dupla de peças Living Pod. Fonte: http://yinggao.ca/eng/interactifs/living-pod/. 12 Disponível em:<http://yinggao.ca/interactifs/walking-city/>. 47 A da tecnologia está oculta, só revelada pelo movimento e pelas modificações formais que ocorrem nas peças quando são iluminadas. Figure 10: Living Pod, 2008. Fonte: http://yinggao.ca/eng/interactifs/living-pod/. A peça B repete as transformações eventuais da outra peça – ambas são sujeitas a modificações estruturais geradas pelas variações do ar na peça e por variações da luminosidade nos sensores fotoelétricos (fotossensíveis) (SANTOS, 2011), os quais podem ser usados como sensores de presença. As alterações físicas nas peças do vestuário são alcançadas por uma combinação de cortes planos e permitem que elas assumam diversas formas. Equipadas também com micromotores e atuadores (conforme figuras 8 e 9), as peças se movimentam quando seu sensor é acionado por uma fonte de luz. A peça B imita os movimentos de uma água-viva, sendo que a velocidade de seus movimentos varia conforme a intensidade da luz 48 que incide sobre o sensor. Ao ser iluminada pelo usuário com alguma fonte de luz, uma das peças sobrepostas se abre e mostra uma nova peça com formas arredondadas e assimétricas que se movimentam, se contorcem e se reconfiguram delicadamente. Esse movimento estimula as percepções visuais do usuário e o convida a interagir com as mãos. O usuário interage [...] “intuitivamente e, assim, novas associações, novas descobertas decorrem deste processo.” (PLAZA; TAVARES, 1998, p. 105). Destaque-se aqui outro elemento importante que a integração da tecnologia traz ao usuário: a possibilidade de ampliar a experiência e interação. Tal questão será abordada mais adiante, no terceiro capítulo. 1.3 Modos de integração: Prototipagem e Modelagem Ao iniciar a discussão sobre prototipagem e tecnologias vestíveis, é importante destacar que, segundo Gould (2003), a tendência das tecnologias vestíveis é desaparecer até que sejam incorporadas às estruturas dos tecidos eletrônicos. Com o avanço da miniaturização dos componentes eletrônicos, a criação de recursos tecnológicos para realização de qualquer projeto, embora o alto custo possa restringir o acesso a esses materiais (idem, 2003). Todavia, os registros a seguir têm como base o contexto atual. As pesquisas sobre processos envolvendo prototipagens com tecnologias vestíveis ainda são incipientes. E os estudos mais significativos sobre o tema estão concentrados em países como Áustria, Bélgica, Alemanha, Suécia e Estados Unidos. Contudo, parte desses 49 processos começa a se popularizar por influência das plataformas de softwares e hardwares open source. Como, por exemplo, os microcontroladores costuráveis desenvolvidos em 2008 por Leah Buechley – diretora do grupo High-Low Tech no MIT Media Lab 13. Todavia, o papel dessas plataformas será discutido com mais profundidade no decorrer do capítulo 4. Antes de iniciar e aprofundar a discussão sobre a integração das tecnologias eletrônica e digital na construção de uma peça vestível, algumas questões importantes devem ser pontuadas, pois surge a necessidade de incluir novos termos ao vocabulário do design de moda. Cianfanelli e Kuenen (2010), Jones (2005) e Galbraith (2003) declaram que, apesar do crescente interesse na tecnologia como meio de expressão, particularmente na área de design de moda, pouca ou nenhuma discussão tem havido sobre o vocabulário usado para expressar as mudanças que a tecnologia traz à construção de silhuetas e/ou às transformações do corpo. Todos esses autores apontam que a influência dos avanços tecnológicos no design de moda evoca reflexões sobre a necessidade de ampliar e incluir novos termos. As transformações técnicas de prototipagem eletrônica integrada ao processo de modelagem, por exemplo, podem exigir que novas linhas de ação e comunicação sejam incorporadas ao design de moda. Para atuar com esses meios, o designer deve contar com uma compreensão abrangente sobre as propostas de interação em relação às aspirações do usuário e 13 High-Low Tech. Disponível em: <http://hlt.media.mit.edu/>. Acesso em: 21 mar. 2013. 50 desenvolver relacionados habilidades ao únicas que desenvolvimento combinam de conhecimentos produtos, processos de manufaturas e novas tecnologias disponíveis. (SEYMOUR, 2010). Cianfanelli e Kuenen (2010, p.33) afirmam que a integração de tecnologias à “[...] manufatura tradicional do saper fare 14 age como um elemento de transformação, de execução, de performance [...] e também traz inovação no modo de se comunicar.” O desenvolvimento do design de roupas “inteligentes” exige conhecimento, comunicação e colaboração entre diversas disciplinas. Não obstante, há barreiras importantes a ser superadas, pois as diferenças entre as áreas refletem na comunicação. Ao abordar tecnologias vestíveis, por exemplo, engenheiros, programadores de softwares, hardwares, de modo geral, apresentam um discurso teórico voltado à funcionalidade técnica, enquanto que designers e pesquisadores da área da moda muitas vezes priorizam o discurso com ênfase em questões conceituais. Proporcionando uma visão específica sobre o tema, Seymour (2010, p.17) declara que “um vocabulário comum vem evoluindo para permitir uma eficiente e frutífera colaboração entre as áreas da computação física, design de moda, design, redes wireless, engenharia de software e gráfico”. Além disso, ainda há a questão da velocidade de propagação de novos termos relacionados ao desenvolvimento de tecnologias emergentes. Na medida do possível, termos básicos usados nas áreas 14 Saper fare é a expressão italiana equivalente a know-how em inglês, ou “saber fazer”. (CIANFANELLI; KUENEN, 2010) 51 de tecnologias vestíveis serão detalhados ou citados em notas de rodapé ao longo deste texto. Tecidos condutores, códigos computacionais, circuitos, sensores, atuadores etc. serão necessários para discutir os processos de integração das tecnologias vestíveis nas prototipagens que serão analisadas nos capítulos sobre prototipagem e no capítulo sobre materiais. Atualmente, em métodos convencionais, entre a fase de criação e desenvolvimento de uma peça-piloto 15, o uso da computação, por exemplo, ainda se concentra na edição de imagens, desenhos vetoriais e o desenvolvimento de protótipos virtuais, já comentados anteriormente. Porém, quando se integram meios eletrônicos e tecnologias vestíveis ao processo de construção de uma peça, o uso de softwares e hardwares é expandido para além da criação de imagens virtuais, atuando como partes do objeto. Pelos métodos tradicionais, o designer percorre uma série de etapas consideradas importantes para realizar ideias. A fase inicial está ligada à definição dos conceitos a ser trabalhados, como os tipos de silhuetas, formas, volumes, linhas, proporções e depois as cores, texturas e materiais apropriados ao projeto (BORBAS; BRUSCAGIM, 2007). Após a apresentação de suas ideias em forma de croqui ou desenho técnico, iniciam-se os testes de modelagens. Entre a fase inicial de criação e os testes de modelagem, é possível o uso do computador 15 Peça-piloto refere-se às bases de tecidos para produção industrial. O uso do termo também é referido como “toile no Brasil e no Reino Unido, como muslin nos Estados Unidos, e como musselina na Espanha” (JONES, 2005, p.148). 52 para a produção de imagens, croquis, desenhos técnicos, edição de imagens, diagramação de moldes ou modelos virtuais. Os testes de modelagem em tecidos costumam ser executados após a definição do conceito e a interpretação das ideias do designer em croquis bidimensionais, a partir do que se desenvolve a modelagem plana traçada sobre papel. Para esse processo, utilizam-se tabelas 16 e cálculos geométricos. No entanto, nessa sequência, observa-se que nem sempre as peças idealizadas correspondem de fato à tridimensionalidade do corpo. Contudo, dependendo do processo criativo, o designer pode inverter a sequência que parte do croqui para modelagem plana e iniciar sua criação diretamente sobre o busto de manequim, ou mesmo sobre o corpo de uma pessoa, utilizando outras técnicas, como a moulage 17, para testar e realizar suas ideias. Nessa fase do processo criativo, ele pode alterar sua criação de forma imprevisível, seja mudando de método, incorporando ou combinando técnicas de moulage com modelagem plana. É o momento de analisar as formas, os pontos de sustentação na parte estrutural e a reação dos materiais sobre o corpo. Destaque-se aqui a importância dos estudos de moulage de ergonomia para a realização de projetos mais elaborados. 16 As tabelas servem como referência para a construção das bases de modelagem, reproduzem em duas dimensões as curvas do corpo humano. 17 Jones (2005, p.149), define moulage como o ato de “esculpir com tecido” diretamente sobre um manequim ou sobre o corpo de uma pessoa. A técnica é desenvolvida à mão e significa moldagem em francês. Também é conhecida como modelagem 3D (termo que não deve ser confundido com a modelagem 3D de sistemas CAD/CAM). 53 É importante lembrar que, neste capítulo, busca-se compreender as diferenças entre estudos para produção de modelagem de protótipos convencionais e as prototipagens com tecnlogias eletrônicas digitais integradas às peças vestíveis. Diferente da construção de uma base de modelagem convencional, normalmente feita em algodão cru (Figure 12), um protótipo com tecnologia eletrônica digital integrada (Figure 11) pode contar com três partes elementares: uma base de material têxtil condutor e não condutor de energia, um microcontrolador e códigos computacionais reprogramados conforme determinações do designer. Destaque-se que materiais condutores e não condutores serão discutidos com detalhes no decorrer do capítulo. É importante ressaltar que essa integração de softwares e hardwares traz outras possibilidades de realização de novas criações, na medida em que eles podem operar como elementos que viabilizam a materialização dos modelos e comportamentos idealizados pelo designer. Neste caso, a possibilidade e a liberdade de criar a partir de códigos computacionais sem limites de menus pré-definidos modifica a relação entre designer e computador e permite um novo campo de atuação. Tal questão será desdobrada em trabalhos futuros. 54 Figure 12: Modelagem convencional, moulage e protótipos em base de algodão. Fonte: acervo pessoal. Figure 11: Prototipagem com tecnologias eletrônica digital integrada. Fonte: http://v2.nl/archive/works/ daredroid/. Assim como elementos do design de moda – como cor, silhueta, formas e texturas – o uso dessas tecnologias pode ser considerado um elemento de expressão, e sua escolha faz parte do processo criativo do designer. Nesse processo de criação e desenvolvimento de ideias, o uso da eletrônica, de softwares e de hardwares deixa de se limitar à produção de imagens gráficas em monitores ou impressas, papel etc. e passa a mediar processos criativos integrados diretamente à 55 materialidade das formas e estruturas das peças. É importante destacar que as maneiras de distribuir ou remodelar esses elementos podem combinar um ou mais princípios do design como, por exemplo, repetição, ritmo, gradação, radiação, contraste, harmonia, equilíbrio e proporção (TREPTOW, 2007). 1.3.1 Prototipagem de baixa, de média e alta complexidade. O grau de complexidade para implementação de sistemas e integração de tecnologias em peças vestíveis pode variar de baixa, média a alta complexidade de acordo com a proposta do projeto (GOULD, 2003). Obviamente, pode haver outras variantes relacionadas aos níveis de complexidade: uma prototipagem pode abarcar partes de sistemas analógicos, digitais ou híbridos, além das variações formais da modelagem. De modo geral, por exemplo, uma prototipagem de baixa complexidade, pode ser “desenvolvida com tecido padrão de vestuário, circuitos simples, fontes de energia, aparelhos eletrônicos e sensores”. Um exemplo são as roupas “inteligentes” que “visam os benefícios funcionais sem muita preocupação estética” (Ibid, p., 39). Considerado de média complexidade sob o ponto de vista da integração da tecnologia, Ping: a social networking garment 18 demonstra esta ideia. No caso, a prototipagem envolve tecidos-padrão de vestuário em composição 18 http://www.electricfoxy.com/ping/ com fios e tecidos condutores, 56 microcontrolador, sensores, atuadores e comunicação de dados via WiFi que foram especificados em vermelho pela autora desta dissertação na Figure 13. É importante lembrar que tecidos condutores normalmente são compostos por fios de prata, apenas conduzindo baixa energia elétrica. Tecido padrão Tecido condutor Suporte para baterias Microcontrolador Figure 13: A social networking garment Fonte: http://www.electricfoxy.com/ping/. Enquanto isso, protótipos de alta complexidade são desenvolvidos com tecidos eletrônicos constituídos de microinterruptores, circuitos e sensores finamente incorporados direto em suas tramas. Contam com materiais como fios metálicos revestidos de polímeros condutores. Além da possibilidade de modificar fatores estéticos funcionais do objeto, a integração das tecnologias em peças vestíveis tem como foco gerar processos interativos e criar novas experiências ao usuário. Seymour (2010) ressalta que a integração dessas tecnologias está permitindo que as roupas e os acessórios passem a atuar como 57 elementos mediadores entre o corpo e o ambiente em torno. Integradas com tecnologias que compartilham dados via wireless, as roupas se tornam interfaces com as quais é possível experimentar e interagir com outras pessoas, com objetos e com ambientes externos. Partindo da perspectiva do desenvolvimento de interfaces digitais, esses protótipos poderão ser do tipo exploratório, experimental ou evolutivo. Exploratório, quando incluir a interação de usuários e o objeto criado para garantir o funcionamento ou parecer do sistema em questão; experimental, quando previr e testar eficiências estéticas funcionais de diferentes tecnologias para avaliar suas aplicações no projeto; e evolutivo, quando a cada teste se somarem novas implementações até o resultado final idealizado (AGUIAR et al., 2007). Destaque-se que o objetivo da prototipagem com tecnologia eletrônica digital integrada deve abarcar aspectos de conceito e funcionalidade, pois, no design de moda, conceito e função devem coexistir na realização de um projeto. Comparando o processo e o conceito derivado de arquitetura inteligente, a autora declara que a integração dessas tecnologias vestíveis permite a extensão da arquitetura dos objetos 19 (Ibid., p.13). Abarcando 19 a posição de Seymour (2010) e adicionando as Seymour (2010) emprega o termo “extensão da arquitetura” dos objetos, para se referir à interatividade resultante das trocas de dados via wi-fi entre a peça e o ambiente circundante. No entanto, para autores como Mello (2008), a analogia entre design de moda e arquitetura justifica-se pelo fato de que designers de moda e arquitetos desenvolvem estudos para resolver questões como, por exemplo, espacialidade, ergonomia, forma, funcionalidade e estilo ao transformar desenhos bidimensionais em objetos tridimensionais. Levando isso em consideração, dependendo do caso a “extensão da arquitetura” dos objetos também pode se referir à extensão das estruturas formais da modelagem. 58 observações de Sabrá (2009), é possível destacar pontos importantes que devem ser observados antes de integrar tecnologias na construção de uma peça vestível. Segundo este autor, “antes de se ter uma interface com qualquer coisa que esteja no entorno dos usuários, as pessoas se relacionam com as suas vestimentas” (ibid., p. 44). Vê-se hoje uma série de reflexões e publicações sobre a tecnologia eletrônica digital e sua aplicação na construção das roupas, em publicações diárias em tutoriais, workshops etc. Trata-se de processos para as prototipagens que integram tecnologias vestíveis, hardwares, sensores, atuadores, circuitos maleáveis etc. É evidente que esse compartilhamento colaborativo de informações é importante, principalmente pelo fato de haver poucas publicações acadêmicas sobre o assunto. Em contrapartida, pouco se fala sobre a relação entre essas prototipagens e a dinâmica do corpo. Sem a pretensão de buscar a definição do processo ideal para o desenvolvimento de uma peça vestível, a sequência a seguir dialoga com as concepções de Sabrá (2009). Aponta fundamentos de sua teoria sobre a importância da observação do corpo para o desenvolvimento de modelagem convencional e transpõe essas questões para o desenvolvimento de prototipagem com tecnologia integrada. Em vez de iniciar a prototipagem pensando em modelagem e métodos para integrar tecnologias, o correto seria iniciar o desenvolvimento dos protótipos a partir da observação do corpo, seus pontos anatômicos, articulações etc. Segundo o autor, para o 59 desenvolvimento de uma peça vestível de qualidade, a importância dos estudos que envolvem anatomia, “[...] ergonomia e antropometria surge menos como suporte e mais como campo de conhecimento fundamental, [...]” (SABRÁ, 2009, p.44). Para o autor, na indústria do vestuário e especificamente na área do design de moda, é imprescindível analisar as formas do corpo antes de elaborar qualquer proposta. 1.3.2 Configuração de novas estruturas: corpo e componentes eletromecânicos Além das questões ergonômicas, a integração de componentes eletrônicos ou de outros dispositivos rígidos junto ao corpo exige uma conjugação de conhecimentos relacionados à modelagem. De acordo com Quinn (2012, p.19) Os designers de moda têm habilidades que podem tornar os computadores ainda mais amigáveis: compartilhando seus conhecimentos sobre as proporções do corpo e posturas, bem como a sua visão sobre os papéis de tato e toque, eles podem sugerir maneiras pelas quais todo o corpo pode ser envolvido em interação com o computador. Como, por exemplo, incluir folgas que permitam movimentos e determinem percursos (Figure 14) viáveis para estruturas maleáveis ou rígidas sobre bases, respeitando a tridimensionalidade do corpo. 60 Figure 14: Estudo de percursos – Técnica de Moulage. Fonte: FISCHER, 2009. Enquanto Quinn (2012) ressalta a importância de conhecer as proporções e posturas do corpo para criar novas formas de interação entre corpo e computador, Sabrá (2009) adverte que antes do desenvolvimento de uma peça vestível, é preciso analisar a atividade para a qual essa roupa se destina. Para desenvolver um protótipo com tecnologia integrada, justifica-se incluir, além do proposto por Sabrá (ibid.), o cruzamento de informações sobre a dinâmica do corpo, a estrutura da peça e funções e comportamentos gerados pelos softwares e hardwares. E, depois, identificar locais apropriados e os processos para integrá-los à modelagem, pois são essas conexões que vão determinar como uma base têxtil de tecido convencional ou condutor, integradas com placas 61 de circuitos, sensores e atuadores, ajusta-se em harmonia ou em desacordo com o corpo. Se ela for usada por uma pessoa que realiza poucos movimentos no dia a dia, como caminhar, sentar etc., as medidas antropométricas podem ser verificadas com o indivíduo parado (medidas estáticas). Contudo, nos casos de usuários que precisam realizar movimentos corporais, estendendo braços, pernas e cabeça, as medidas devem ser indicadas conforme o tipo de movimento (medidas dinâmicas). Ao transpor as declarações de Sabrá (ibid.) para o desenvolvimento de uma prototipagem com tecnologia integrada, é importante acrescentar que os protótipos podem ser acionados eletrônica e mecanicamente. Partes da peça podem movimentar-se em várias direções ou em um só sentido, como no movimento do capuz da peça Morphing Hood Coat (Figure 15). De acordo com Galbraith (2004), as peças podem ser projetadas com distintos objetivos, como a comunicação entre usuários, a transformação ou a mudança de forma etc. 62 Figure 15: The Morphing Hood Coat – Coleção: Airborne. Outono/Inverno 2007. Fonte: http://husseinchalayan.com. No caso de protótipos que mudam de forma por comando eletrônico ou interagem com o ambiente através de sensores, deve-se observar a conjugação de movimentos corporais em relação aos movimentos das peças. Dependendo do caso, além das medidas estáticas e dinâmicas apresentadas, seria interessante incluir algo como as medidas funcionais propostas por Ida (2005). Medidas funcionais são indicadas quando há necessidade de um ajuste mais preciso, e devem ser verificadas quando os movimentos do corpo e da peça são executados simultaneamente e em interação, modificando os alcances em relação aos valores da antropometria dinâmica. Quando houver extensão da arquitetura da peça ou do objeto, é interessante observar os movimentos de rotação e movimentos 63 angulares dos componentes corporais (Figure 16) e (Figure 17). A mesma observação é válida para decidir quanto aos locais e regiões adequados para atuação e integração de sensores, evitando os principais pontos de articulações, os quais foram destacados na cor rosa na figura 16. Figure 16: Corpo dinâmico e movimentos de rotação. Fonte: Dreyfuss e Tilley, 2005. Figure 17: Movimentos angulares dos componentes corporais. Fonte: Dreyfuss e Tilley, 2005. 64 Mesmo com a miniaturização eletrônica, dependendo do projeto proposto, os mecanismos de ligação de fios e componentes eletrônicos adequados à estrutura do vestuário ainda podem ser um processo desafiador. De modo geral, devem-se evitar os pontos de apoio do corpo, como a parte posterior das coxas e omoplatas. Assim sendo, explorar, por exemplo, rigidez, maleabilidade ou volumes dos componentes em locais já familiares ao usuário consiste em uma iniciativa que contribui para resolver questões básicas de conforto, segurança e mobilidade na maior parte dos projetos que incluem o uso de hardware, como os sensores e atuadores. 1.3.3 Cabeamento e estruturas mecânicas compondo com a modelagem Antes de aprofundar e levantar questionamentos sobre usabilidade é importante ressaltar que a prototipagem pode ser desenvolvida com diferentes finalidades, tais como pesquisas conceituais e artísticas, entre outras. Bellof (2009), ao comparar moda e arte, aponta as diferenças entre os protótipos práticos funcionais e os conceituais, os quais podem, propositadamente, conter exagero no apelo visual e provocar desconforto. É importante notar que, no caso do design de moda, o desconforto e o exagero visual também podem ocorrer, quando a intenção do designer for evocar reflexão e questionamentos a respeito dos modos tradicionais de concepção, desenvolvimento e uso dos objetos de design de moda. Sendo assim, tanto no caso de protótipos 65 conceituais como em casos de pesquisas experimentais, conforto e ergonomia passam a ser relativos à função do projeto do designer. Por exemplo, no caso das peças criadas para One Hundred and Eleven, o objetivo de Chalayan foi usar a tecnologia retraçando um século de moda. Para explorar o potencial das transformações mecânicas em diferentes contextos de décadas passadas, cada um dos vestidos foi projetado e programado para ter sua estrutura formal modificada eletrônica e mecanicamente. As bases de cada vestido podem se expandir e contrair para gerar três silhuetas diferentes sequencialmente. Assim sendo, com a integração da tecnologia eletrônica digital, ele recriou uma série de silhuetas icônicas que marcaram o último século de Moda. O exemplo de um dos protótipos pode ser observado a seguir (Figure 18) Figure 18: Protótipo para One Hundred and Eleven 2007. Chalayan. Fonte: http://www.technologyreview.com/news/406705/transformingclothes/. 66 Um dos protótipos da coleção recebeu um corsete de material rígido para o encaixe de hardware e cabos de filamentos sintéticos. A construção de estruturas para alterar a silhueta do corpo da roupa, como as anquinhas, crinolinas e corsetes fazem parte da história do vestuário e da moda. Contudo, muitas das peças cuja forma sofre alterações por meio de tecnologias eletrônicas digitais são desenvolvidas com micromotores sobre bases mecânicas e estruturas sólidas no processo de construção (GALBRAITH, 2004). Em casos de prototipagem com tecnologias vestíveis, a junção de partes rígidas pode, por exemplo, ser envolvida com materiais maleáveis e resistentes, como neoprene 20. Esta solução melhora a mobilidade do protótipo e o caimento da modelagem. Como se apontou anteriormente, de modo geral, os trabalhos desenvolvidos por designers de moda unem conceito, funcionalidade e usabilidade. Porém, para ressaltar o conceito de determinadas coleções, podem se concentrar em processos que permitam realçar a importância da inovação e da experimentação sem limitar o projeto à questão da usabilidade. Portanto, como advertiu Sabrá (2009), as aplicações dos conceitos de ergonomia podem variar de acordo com a atividade para a qual a roupa se destina. 20 Neoprene é um material composto por policloropreno, uma borracha sintética extremamente versátil. Material com alta resiliência, sob pressão se alonga em todas as direções. Livre de pressão retorna ao seu estado inicial sem deformação de seu estado inicial. Podem ser leves, isotérmicos, com baixo coeficiente de atrito. Por ser um material superflexível pode ser utilizado em pontos de articulação para maior liberdade de movimento em, por exemplo, roupas esportivas. Fonte: <http://www.truzz.com.br/index.php?id_conteudo=35&tmpl=truzz&uid=6532632882> Acesso em: 25 out. 2012. 67 Peças conceituais compostas com elementos rígidos e integradas com tecnologias, especialmente criadas para o desfile em passarela, exigem alto nível de conhecimento no design da modelagem para que se tornem vestíveis. Por exemplo, para que os protótipos de One Hundred and Eleven 2007, apresentassem caimento perfeito e permitindo a mobilidade do corpo da modelo durante o desfile, o designer Hussein Chalayan propôs uma solução interessante para posicionar o sistema de cabeamento, conforme observado na (Figure 19). A integração de pequenos tubos permitiu que finos cabos movimentassem placas metálicas que constituíam a camada externa do modelo. Na modelagem, a sustentação de formas ajustadas ao corpo, de modo geral, necessita de reforço a partir de uma combinação de tecidos de algodão e entretelas de “tecido não tecido” com resinas termocolantes e barbatanas de metal ou material plástico (FISCHER, 2009). No caso tecnologias das prototipagens integradas, a com colocação estratégica de cabeamentos na posição do recorte de ombro e recortes laterais pode apresentar soluções para duas questões importantes; evitar que a posição aleatória de cabos e fios altere formas e Figure 19: Bases mecânicas e estruturas rígidas Fonte:http://www.technologyre view.com/ news/406705/transformingclothes. 68 volumes e, ao mesmo tempo, servir de material de apoio e reforço para a estrutura da peça. Contudo, as tecnologias podem ser integradas à modelagem por diferentes meios. O volume do cabeamento, de circuitos e outros dispositivos eletrônicos podem acompanhar a silhueta da peça e o contorno do corpo, assim como podem alterá-lo. Com a aceleração nas técnicas de miniaturização tecnológica, alguém poderia pressupor que os designers passariam a ocultar definitivamente os cabeamentos e dispositivos no interior das peças. Mas isso nem sempre ocorre. Para conferir esta afirmação, basta que se averiguem os protótipos produzidos pela designer Ying Gao (Figure 20 ) no qual a tecnologia se apresenta totalmente oculta e integrada na parte interna da estrutura da peça, e só é percebida quando as peças se movimentam eletronicamente. Diferente de Ying Gao, Anouk Wipprecht (Figure 21) costuma externar a tecnologia, sendo que o cabeamento é acomodado na parte interna e externa da estrutura da peça. No caso de Daredroid de Wipprecht, cabos, fios e dispositivos são propositadamente integrados tanto na parte interna quanto na parte externa da modelagem, exercendo funções estéticas e funcionais no design. 69 Figure 20: Living Pod. Fonte: http://yinggao.ca/. Figure 21: Daredroid. Fonte: http://v2.nl/archive/works/daredroid. A partir deste contexto, fica evidente que a simples colocação de uma placa de circuito ligada a sensores sobre uma peça de roupa não responde às necessidades de projetos mais complexos. Atualmente são publicados exemplos de prototipagens de tecnologias vestíveis com componentes eletrônicos dispostos de forma aleatória sobre peças de vestuários ou acessórios. Percebe-se que o foco De tais prototipagens é voltado para as descobertas de novas funções e tarefas dessas tecnologias e não contempla questões de design ou usabilidade, pois boa parte delas consiste em testes de hardware e software. Formas e silhuetas de peças vestíveis estão sendo alteradas a partir de comandos enviados por microcontroladores aos micromotores integrados na parte estrutural da modelagem, como demonstra o 70 protótipo experimental na (Figure 20). Nesta prototipagem, as faixas sintéticas apresentam um recurso interessante e maleável para modificação da silhueta coberta por tecido drapeado. O microcontrolador foi costurado com fios condutores e diminui o volume de cabeamentos; porém, percebe-se a falta de estrutura na base de construção da modelagem. Figure 20: Protótipo com micromotores, microcontroladores integrados. Fonte: <http://kerryjiayilin.wordpress.com/category/structure/>. Nestes casos, a estrutura da modelagem poderia ser composta de materiais condutores e não condutores. Um recorte vertical para o encaixe das fitas plásticas poderia servir de acabamento e reforço da estrutura. Percebe-se que o suporte de baterias convencionais (indicados por setas) está mal localizado. Poderiam ser incluídas entretelas e bases 71 de tipo neoprene para proteger o corpo nos locais que abrigam cabeamento e componentes eletrônicos do tipo Sensores e Atuadores. Destaque-se que os principais itens que compõem esses grupos – LEDs, sensores de movimento, micromotores e baterias etc. – serão descritos no capítulo 2 dedicado a sensores e atuadores, acompanhados de relato de suas funções e exemplos de aplicação. 72 #2 ELEMENTOS PROJETUAIS DA 73 2 ELEMENTOS PROJETUAIS DA PROTOTIPAGEM Na prototipagem, a integração de dispositivos eletrônicos para sensoriamento caracteriza os projetos interativos que envolvem tecnologias vestíveis. No design de moda, a experimentação com esses dispositivos abre a possibilidade de explorar novas funções, além de formas de modelar e de comunicar conceitos e emoções por meio de roupas. Portanto, o objetivo deste capítulo é averiguar como esses dispositivos, podem viabilizar a criação de interfaces interativas, movimentos e alterações na estrutura formal do design das modelagens. Em primeiro lugar, para que se compreendam as possibilidades resultantes da integração de dispositivos como sensores em peças vestíveis, há que se averiguar o conceito e os primeiros protótipos (Figure 21) de smart clothing concebidos por Steve Mann (1996). Figure 21: Primeiros protótipos de smart clothing Fonte: http://wearcam.org/. 74 De acordo com Mann (1996), uma smart clothing deveria dispor de comunicação sem fio, sempre ligada à internet, para ser usada a qualquer momento, combinada com câmeras e sensores capazes de monitorar estados emocionais e decodificá-los em dados computacionais, além de outras funções como a comunicação de voz, captação de som, imagem, vídeos, monitoração de movimentos. Segundo o pesquisador, isso possibilitaria novas formas de interagir com outras pessoas e outros processos como, por exemplo, reconhecimento de face, criação de mapas parciais de ambiente e espaços visuais compartilhados. (MANN, 1996). Mann (1996) também desenvolveu protótipos de smart clothing underwear com biossensores, capazes trocar dados com um aquecedor ou o ar condicionado do quarto. Nos protótipos dos smart shoes, abarcou sensores capazes de informar a força da pegada, a velocidade etc. Nos protótipos de undergarments, para medir movimentos de respiração e frequência cardíaca, utilizou sensores analógicos conectados a um conversor digital para o registro destas informações on-line. Sobre o uso de outros sensores, o pesquisador descreveu suas experiências da seguinte forma: “outros sensores como radar e infravermelho estendem e melhoram as capacidades sensoriais” (ibid., p. 166). Após colocar suas ideias em prática, afirmou: Ao construir mais formas meio de nossas roupas, tornamos “smart people” com processos externos de interagir diretamente por nós, em certo sentido, nos com potencial para interagir (computadores, programas, 75 coisas, outras pessoas etc.) de uma forma muito mais natural. Explorando o conceito de roupa “inteligente”, da ponta da antena de meu chapéu até meus sapatos elétricos, no meu dia a dia, eu descobri que uma forma muito mais natural de interação com processos externos emergiu [...] (MANN, 1996, p.166). Pode-se afirmar que pensar o design com base nas ideias de Mann (1996) leva a reflexões quanto à função dos objetos e aos novos modos de operar que a integração dessas tecnologias vestíveis poderá trazer ao campo do design de moda. Ao averiguar os protótipos desenvolvidos pelo pesquisador sob o ponto de vista de integração da tecnologia, é possível perceber o quanto o avanço no processo de miniaturização tem influenciado na articulação entre as tecnologias vestíveis e o design de moda. Basta verificar o nível de dificuldade que havia para ocultar e integrar os hardwares, fios, antenas e baterias sob os materiais têxteis junto ao corpo, e comparar com dispositivos leves e costuráveis apresentados no decorrer deste capítulo. 2.1 Sensores Atualmente, as roupas podem ser integradas com sistemas wireless e atuar como uma interface 21 tecnológica interativa, na medida em que De acordo com Lévy (1993, p.176) “[...] a palavra 'interface' designa um dispositivo que garante a comunicação entre dois sistemas informáticos distintos ou um sistema informático e uma rede de comunicação. Nesta acepção do termo, a interface efetua essencialmente operações de transcodificação e de administração dos fluxos de informação”. Fonte: LÉVY, 1993. 21 76 realiza trocas de dados entre usuário e ambiente, incorporando qualidades sensoriais capazes de produzir vários estímulos por meio de sensores e atuadores. Os sensores 22 são dispositivos que têm a função de monitorar movimentos, posições ou presença etc. e informar dados a respeito de um evento, para que atuadores efetuem uma determinada ação (THOMAZINI; ALBUQUERQUE, 2005). Diferentes dos sensores, os atuadores são dispositivos que modificam uma variável controlada a partir do sinal recebido de um controlador, agindo sobre o sistema controlado (ibid.). Sensores são capazes, por exemplo, de detectar os sinais da pele, enquanto “[...] atuadores emitem efeitos sonoros ou luminosos e evocam outros receptores sensoriais. A epiderme atua como elemento comunicador de estados físicos e emocionais” (SEYMOUR, 2010, p.138). Enquanto as roupas incorporadas com biossensores23, em contato com a epiderme, permitem a troca de dados entre os dois sistemas – biológico e digital – esta perspectiva de Seymour e Bellof (2008) pode ser comparada ao pensamento de McLuhan (1974), no início da era da eletricidade: [...] a roupa é uma extensão da pele [...]. Depois de séculos de roupa até os dentes e de contenção num espaço visual uniforme, a era da eletricidade nos introduz Destaque-se que sensores podem ser analógicos ou digitais. Sensores analógicos podem assumir valores aleatórios no sinal de saída ao longo do tempo. São interessantes para captar algumas grandezas físicas, como pressão e temperatura, que podem assumir qualquer valor ao longo do tempo, enquanto que sensores digitais podem assumir apenas dois valores no seu sinal de saída ao longo do tempo – zero ou um (código binário). Fonte: THOMAZINI; ALBUQUERQUE, 2005. 23 Os biossensores têm diversas aplicações que variam desde a medição de componentes nos fluidos biológicos e a detecção de doenças até o monitoramento ambiental, etc. 22 77 num mundo em que vivemos, respiramos e ouvimos com toda a epiderme. (MCLUHAN, 1974, p.143) A ideia de “respirarmos e ouvirmos com toda a epiderme” evoca reflexões sobre as futuras atuações do designer, pois, ao investigar o uso desses dispositivos acoplados junto ao corpo na história dos computadores vestíveis e na história da moda contemporânea, é possível perceber como estes dois campos estão sendo cada vez mais interligados (SEYMOUR, 2010; GALBRAITH, 2003). Por meio dessas interfaces que abarcam tecidos condutores, sensores e atuadores, os campos de atuação do designer de moda e também do usuário estão sendo ampliados. Considere que a troca de dados entre pele e biossensores integrados às roupas permite o estímulo de novas percepções, sensações e estados emocionais capazes de evidenciar cada vez mais “[...] intenções, qualidades e sentimentos” (AVELAR, 2009, p.110). Assim sendo, a integração dessas tecnologias abre possibilidades para a criação de peças potencialmente comunicativas, que proporcionem aos usuários novos modos de transmitir sensações e emoções, estendendo suas experiências multissensoriais. Quinn (2012, p. 36) afirma que a moda “dotada com a capacidade sensorial para identificar e transmitir emoções aumenta a capacidade das roupas para dizer algo sobre os usuários” e o meio ambiente. 78 De acordo com o autor, integradas com uma ampla variedade de sensores detectores e atuadores e outros dispositivos, em breve, as roupas poderão ser redefinidas como ambientes de rede móveis que transformam a esfera íntima do ser humano em um meio de acesso a redes de ideias situadas no tempo e no espaço. Embora hoje peças sejam concebidas como estruturas individuais, no futuro, as interfaces tecnológicas que as caracterizam, irão torná-las parte de sistemas globais. (QUINN, 2012, p. 19). A combinação de biossensores e outros dispositivos em uma peça vestível, por exemplo, permite que eventos da natureza ou ações do homem sejam decodificados e convertidos em códigos binários. Uma vez convertidas, essas ações podem ser remixadas, compartilhadas ou recodificadas para atuar como novos eventos. Portanto é possível afirmar que as integrações desses dispositivos eletrônicos digitais no design de moda revelam um potencial [...] para fazer mais do que simplesmente decorar as roupas que cobrem, pois estão se tornando centros de informação capazes de coletar dados do ambiente ao seu redor, e capazes de trocar dados de outros sistemas tecnológicos (QUINN, 2012, p.42, tradução nossa). A integração da tecnologia no The climate dress 24 (2009) Figure 22, por exemplo, permite que a troca de dados ocorra entre a peça e o meio ambiente. Desenvolvida na Dinamarca por Tine Jensen, a peça 24 De acordo com Tine Jensen, The climate dress é uma peça que une moda e tecnologia para chamar a atenção para as questões ambientais através da representação estética de dados ambientais. Disponível em <http://www.diffus.dk/pollutiondress/intro.htm> Acesso em 20 nov. 2012. 79 capta a variação de concentração de CO2 no ar e converte os dados em padronagens. Esse sistema permite uma redefinição de formas estáticas e pré-definidas em padrões configuráveis iluminados e pulsantes. Os dados captados pelos sensores são convertidos em impulsos elétricos e as pulsações desses padrões variam entre movimentos curtos e agitados, longos e lentos, dependendo da quantidade de CO2 no ambiente. Figure 22: Vestido Climate Dress Fonte: http://www.diffus.dk/pollutiondress/intro.htm. Nas figuras abaixo, além do sensor de CO2 (Figure 24), é possível observar de forma detalhada como microcontroladores (Figure 23) costuráveis com linhas condutoras são conectados a pequenas luzes de LED. Linhas condutoras, de modo geral, são compostas por filamentos de prata e têm capacidade para conduzir baixas correntes elétricas. 80 Figure 24: Sensor CO2. Fonte: http://www.futurlec.com. Figure 23: LilyPad e microcontrolador Fonte: http://www.diffus.dk/pollutiondress/. Embora tenham funções diferentes, é interessante comparar a integração da tecnologia em The climate dress (2009) com os fios metálicos e cabos utilizados para a prototipagem das peças de One Hundred and Eleven 25 (2007), a fim de verificar como as tecnologias estão se tornando cada vez mais leves, costuráveis e usáveis. De qualquer forma, para projetar peças interativas, é fundamental conhecer as possibilidades de posicionamento, tipos e campo de atuação dos sensores, antes de planejar e decidir onde esses circuitos e detectores devem ser integrados à peça. A integração de sensores e atuadores, além da troca de dados entre usuários e meio ambiente, permite a reconfiguração de elementos projetuais como silhuetas, texturas, cores etc. 25 Coleção One Hundred and Eleven (2009) Hussein Chalayan. Disponível em: <http://husseinchalayan.com/#/past_collections.2007.2007_s_s_one_hundred_and_eleven/ > Acesso em: 10 mai. 2012. 81 Um exemplo conceitual desse processo pode ser observado em “Vestis”. Desenvolvido no Brasil em 2004 pela pesquisadora e artista Luisa Paraguai Donati, “Vestis” (Figure 25) se apresenta como uma interface específica que formaliza “esteticamente os limites pessoais do indivíduo como um processo fluido de contração e expansão de espaços corpóreos” (PARAGUAI, 2004, p.97). Figure 25: Vestis (2004) – Luisa Paraguai Fonte: http://www.gutorequena.com.br/artigos_amigos/_luisa.htm. Para dar visibilidade à interação entre o usuário que usa “Vestis” e os participantes no entorno, sensores do tipo Hall (Figure 26) detectam a presença dos participantes no espaço remoto, e enviam imput para mircromotores que transformam os diâmetros dos aros; estes atuam como interface de mediação da presença entre “wearer” e o entorno. 82 Os sensores de efeito Hall 26 são classificados como magnéticos, pois adotam ação de a um campo magnético para seu funcionamento e podem ser utilizados para detectar a posição da parte de um mecanismo Figure 26: Sensor de efeito Hall. Fonte: http://www.adafruit.com. pela posição de um pequeno ímã na peça onde ele seja afixado. Além de sensores, o protótipo dispõe de sistema de fusos flexíveis e rosca interna, é acionado por micromotores e tem um micromotor que define e controla todos os movimentos. Um software tem como inputs as medidas realizadas pelos sensores; ele monitora a presença dos participantes em torno do usuário com medidas de distância. O posicionamento de tubos móveis coincide com as linhas de medidas horizontais do corpo, posicionadas nos ombros, cintura, busto, cintura e quadril. A estrutura vazada de “vestis” permite que se visualize o espaço entre o corpo e a extensão da arquitetura da peça. Dessa forma, é possível verificar e compreender a relação dos movimentos corporais do wearer, conjugados aos movimentos dinâmicos de uma peça integrada com tecnologias vestíveis. 26 Em outras palavras “prendendo-se um imã em qualquer peça móvel, podemos detectar o movimento desta peça, medir a sua rotação ou ainda verificar a sua posição com a utilização de sensores magnéticos”. A variação do posicionamento do sensor em relação ao campo magnético será a função do movimento da peça a ser monitorada e determinará a forma de sinal obtido na saída de um sensor de Efeito Hall. Texto Disponível em <http://www.newtoncbraga.com.br/index.php/como funciona/6640como-funcionam-os-sensores-de-efeito-hall-art1050> Acesso em 22 nov. 2012. 83 De acordo com a interação dos usuários, os aros de “Vestis” se expandem e se contraem independentemente, e propõem novas atribuições para o significado de distância/proximidade e tatibilidade. Estas características tornam “Vestis” especialmente interessante, pois, por meio das interações dos usuários, é constantemente re(desenhado) e sua forma transformada de forma dinâmica, sendo que o resultado desse processo dá origem a uma série de silhuetas inusitadas que evocam reflexões sobre a integração da tecnologia em peças vestíveis. Além do efeito Hall, outros tipos de sensores têm sido integrados em peças que se movimentam e têm suas estruturas formais alteradas. No caso do LivingPod (Figure 27) desenvolvido pela designer de moda Ying Gao, a captação de luz é feita por sensores fotoelétricos 27 (Figure 28) que aqueles sensíveis à luz (fotossensíveis) e podem eventualmente atuar como sensores de presença (SANTOS, 2011). 27 O efeito fotoelétrico se refere à emissão de elétrons por um material, geralmente metálico, quando exposto a uma radiação eletromagnética como, por exemplo, a luz. 84 Figure 27 Living Pod Fonte: http://yinggao.ca/interactifs/living-pod/. Figure 28 Sensor fotoelétrico. Fonte: http://www.adafruit.com. As peças interativas respondem às flutuações de energia do ambiente e, de uma forma poética, brincam com a percepção dos usuários, movimentando-se aleatoriamente ou abrindo e fechando parte das peças. Quanto mais luz captada pelos sensores, mais ativos os movimentos que alteram a estrutura formal da silhueta das peças. 85 Neste caso, a variação da intensidade de luz captada pelos sensores se representa fisicamente pelos movimentos das formas circulares que compõem a modelagem da peça. 2.2 Atuadores Como se destacou anteriormente, em prototipagens integradas com tecnologias vestíveis, de modo geral, utilizam-se dois grupos de componentes: os sensores e os atuadores. Micro e servomotores, LEDs 28, diodos de laser 29, buzzers etc. são exemplos de atuadores. Micro e servomotores são importantes, principalmente para o desenvolvimento de peças que mudam de forma com movimentos de rotação, vibração, expansão/contração, enquanto que o uso de um atuador, como o LED, pode ter funções bem mais simples, como indicar quando um circuito elétrico integrado em uma peça vestível está sendo alimentado por uma fonte de energia. Contudo, quando integrado em grandes quantidades em uma peça vestível, o uso desse atuador resulta em texturas iluminadas. Em 2007, com a colaboração do designer alemão Moritz Waldemeyer 30, Hussein Chalayan desenvolveu a peça Video Dress (Figure 29). A peça 28 29 30 LED é acrônimo para Light Emitting Diodes, ou diodos emissores de luz. Nas prototipagens de tecnologias vestíveis, o uso de dispositivos LED é cada vez mais comum, em razão do baixo custo e fácil manuseio. LASER é acrônimo para Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation, traduzido significa Amplificação da Luz por Emissão Estimulada de Radiação Moritz Waldemeyer nasceu na Alemanha Oriental em 1974. Em 1995, em Londres, estudou engenharia no King’s College. Seu trabalho é uma fusão de tecnologia, arte, moda e design. Moritz Waldemeyer. Disponível em: <http://www.waldemeyer.com/hussein-chalayan-airbornevideo-dresses>. 86 foi integrada com mais de 15.600 LEDs, além de cristais Swarovski 31 e fios eletroluminescentes, e contou com um sistema com interconexões de sensores, microcontroladores e tecnologia de vídeo (QUINN, 2010, p.64). Figure 29: Video Dress. Airbourne OUTONO/INVERNO 2007 Fonte: http://husseinchalayan.com/. O Video Dress na figura 9 mostra uma sequência de vídeos inspirados em nebulosas e tubarões. Como o tecido sob os LEDs é branco, o efeito luminoso dos painéis faz com que as imagens pareçam pulsar. O processo de eletroluminescência (emissão de luz) ocorre 31 Nome dado a pequenos e delicados cristais de efeito luminescente, produzidos pela companhia Swarovski, AG, detentora da marca que está situada em Wattens, na Áustria. A companhia foi fundada por Daniel Swarovski no final do século XIX, em 1895. 87 quando o LED é polarizado, fazendo a corrente elétrica fluir em uma única direção (MOTTIER, 2009). Este processo faz com que elétrons liberem energia na forma de calor ou luz; neste caso, a emissão da luz é mais intensa. De acordo com Quinn (2010, p.63), o Airbourne Video Dress é um dos exemplos mais visionários em termos de superfície de uma peça vestível. Segundo o autor, [...] tais superfícies são capazes de organizar a informação através de hiperlinks e torná-los visíveis em um ambiente espectral. Sua capacidade de ser adaptativa e continuamente recalibrada transcende o desempenho de superfícies comutáveis, que são normalmente projetadas com apenas alguns modos de comportamento (QUINN, 2012, p.64, tradução nossa). A comparação do autor se refere às superfícies programadas eletronicamente para ser dinâmicas e mudar constantemente de comportamento, e as superfícies com imagens que se alternam de forma limitada, como as que apresentam padrões por meio de pigmentos termocromáticos. Entretanto, é importante saber que, atualmente, as peças que se movimentam sofrem alterações formais por meio de tecnologias eletrônicas digitais, e ainda podem exigir estruturas sólidas ou bases mecânicas (GALBRAITH, 2004). As alterações que a integração desse tipo de tecnologia pode trazer às superfícies das peças podem ser apreendidas a partir das declarações de Quinn (2012, p. 47 tradução nossa) “[...] As peças tecnologicamente melhoradas desenvolvidas hoje têm superfícies 88 complexas, contando com textura, adornos e superfícies reativas, superfícies para ocultar a mecânica e os dispositivos embarcados”. Embora não seja citado por Quinn, o fator de complexidade dessas superfícies, volumes ou silhuetas varia de acordo com o design da peça, além da quantidade e da função dos dispositivos que são integrados à peça. Nos dias atuais, designers como Ying Gao, Hussein Chalayan e Anouk Wipprecht integram atuadores, como micromotores e microsservomotores (Figure 30), além dos sensores, para produzir peças interativas que se movimentam e mudam de forma. As prototipagens para as coleções One Hundred in Eleven de Chalayan e LivingPod de Ying Gao são apenas alguns exemplos de peças integradas com micromotores. Figure 30: Micromotor (à direita) e Micro servomotor (à esquerda). Fonte: https://www.sparkfun.com/products/10333. 89 O servomotor é uma combinação entre um motor comum e a associação entre engrenagens de redução e eletrônica (PLATT, 2012). Esse atuador difere dos motores comuns por apresentar um movimento proporcional ao comando que recebe, verificando a posição atual e alternando para a posição imposta pelo controle. Seu sistema atuador consiste em engrenagens e o motor elétrico que o faz girar. Destaque-se que, “em comparação com os motores que giram continuamente, o servo tem liberdade de 180° para giro” (ibid., p.201). Possui sensores de resistências variáveis, que servem para medir desvios angulares laterais de acordo com a posição do motor; tudo isso interpretando comandos de um controlador externo. Através do uso de microcontroladores, pode-se controlar o servo pela simples conexão direta via USB. Criar e modelar peças interativas obviamente não é um processo simples. Com exceção de casos conceituais para estudo ou desfiles performáticos, o designer ou modelista precisará investir em pesquisas e testes de prototipagem para que se possa materializar silhuetas [...] capazes de se transformar em novas formas e, em seguida, recuperar o seu perfil original, mas que são ao mesmo tempo fortes o suficiente para suavizar rígidos contornos geométricos e marcantes o suficiente para agradar os usuários (QUINN, 2012, p.64, tradução nossa). Partindo da perspectiva da modelagem e considerando que os sensores, os atuadores ou outros tipos de hardware implicam em volumes, funções e efeitos diversos, fica evidente que integrar tecnologias em uma peça vestível implica na alteração de sua base 90 estrutural. No entanto, é importante lembrar que estas alterações variam de acordo com a proposta de cada projeto. Como se pode averiguar, essas experimentações implicam tipos específicos de sensores e atuadores. No design, a integração da tecnologia eletrônica digital tem possibilitado a extensão da arquitetura do objeto: como movimentos de rotação, vibração, expansão/contração, da estrutura formal das peças. A extensão da arquitetura do objeto, em muitos casos, formaliza a representação física da estética de elementos imateriais32, como por exemplo, a luz, o ar, ondas eletromagnéticas etc. No caso da interface tecnológica criada para as peças da Coleção Readings 33 (Figure 31) por Waldemeyer, em colaboração com Chalayan em 2008, a extensão da arquitetura do objeto advém de uma extrusão formal. 32 É interessante destacar que designers da Interação também estão usando a tecnologia para formalizar esteticamente elementos imateriais como material de design. É o caso, por exemplo, do projeto Immaterials: light painting wifi de Timo Arnall, Jorn Knutsen Einar Sneve Martinussen. Disponível em: <http://www.designboom.com> Acesso em 22 mar. 2013. 33 Coleção Primavera/Verão 2008 de Hussein Chalayan. 91 Figure 31: Hussein Chalayan - Readings - S/S 2008 Paris Fonte: http://husseinchalayan.com/#/home/. . As peças foram integradas com diodos de Laser 34 (atuador) incrustados em pequenas e móveis dobradiças metálicas e cristais Swarovski. De um lado, a movimentação dos diodos de Laser em direção aos cristais gera o efeito de incandescência. Por outro lado, quando a luz se dirige do interior das peças para o exterior, as luzes pulsantes de centenas de diodos de Laser revelam, alteram e reconfiguram formas de silhuetas híbridas no espaço circundante. Dar forma a uma peça implica promover [...] um tipo de apropriação e intervenção do espaço que está em relação ao estabelecimento de certos hábitos. Assim, para dar exemplos extremos, a forma pode ser estática, definida e encerrada, ou ao contrário, móvel, mutante e vital (SALTZMAN, 2009, p.30). 34 Laser: sigla em inglês que significa Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation. 92 No caso das peças de Readings, as silhuetas redesenhadas pelos traços de Laser se afastam do corpo, mudam de amplitude e de assimetria. Com a movimentação dos feixes de raios Laser, as silhuetas se tornam dinâmicas e efêmeras e criam um contexto “cambiante que será, por sua vez, modificado pela intervenção da forma projetada” (ibid., p. 307). Cabem ao designer a pesquisa, a percepção e a tomada de decisões para combinar os tipos de tecnologias com o design das modelagens. É importante lembrar que, além da pesquisa sobre sensores e atuadores, esse processo de experimentação requer que o designer observe outras questões importantes, [...] do ponto de vista morfológico, é necessário pesquisar no conhecimento anatômico do corpo e suas possibilidades cinéticas, na capacidade do têxtil de criar formas com e sobre ele, nas qualidades estruturais do material e nos recursos construtivos para conseguir os efeitos desejados (ibid., p. 307). Para apreender como a função e os efeitos dessas tecnologias têm influenciado na estrutura formal, que se analisem a modelagem integrada com LEDs na peça Video Dress 35 e a modelagem integrada com Laser das peças de Readings 36. No Airbourne Video Dress, a forma da modelagem é praticamente a de um retângulo plano que contorna o corpo; não há recorte algum na modelagem que interfira na integração de LEDs que 35 http://husseinchalayan.com/#/past_collections.2007.2007_a_w_airborne.39/ 36 http://husseinchalayan.com/#/past_collections.2008.2008_s_s_readings.38/ 93 reproduzem imagens de vídeo, pois o tipo de luz de um atuador como o LED não se propaga como o Laser. Atuadores como os LEDs têm largura espectral maior e velocidade menor em relação à propagação de luz de um diodo de Laser, que produz luz fortemente monocromática, com polarização e direção bem definidas. Portanto, é possível afirmar que, para o designer pesquisar o tipo, a função e os efeitos das tecnologias que pretende integrar à peça, é igualmente importante definir o tipo de silhueta que a modelagem deverá apresentar como resultado final. No caso de Readings, para ressaltar o efeito concentrado, a velocidade e a linearidade dos traços ‘desenhados’ pelos feixes de Laser, as silhuetas assimétricas possuem formas específicas. Criaram-se sobreposições de recortes vazados e formas que lembram basques 37 assimétricas, além de chapéus que remetem a cúpulas e luminárias. Ao considerar, neste contexto, que “quando a luz está ligada, há um mundo sensório que desaparece quando a luz está desligada” (MCLUHAN, 2007, p150), é possível afirmar que a extensão das silhuetas por meio da luz é apenas o estágio inicial de como essas extensões poderão redefinir as práticas projetuais e estimular novas percepções por meio das roupas no futuro. 37 Palavra de origem francesa (Era Vitoriana) designa uma parte do vestuário que cobre os quadris a partir da cintura, no formato de um saiote, funcionando como extensão do corpete franzido ou pregueado. 94 #3 MATERIAIS INTELIGENTES 95 3 MATERIAIS INTELIGENTES Atualmente, viabilizar a integração da tecnologia na indústria têxtil tradicional e no design de moda tornou-se importante foco de pesquisa, tanto para pesquisadores como para engenheiros têxteis. Quinn (2012, p. 94) reflete que as áreas da ciência dos materiais e da moda e estão se fundindo cada vez mais. No entanto, para o autor, os têxteis eletrônicos, materiais eletroluminescentes que propagam eletricidade em fibras condutoras de alta tecnologia, materiais com memória de forma, [...] “revestimentos reativos, fibras de bioengenharia, estão abrindo novos horizontes. Muitas vezes, alinhando as roupas mais para perto da tecnologia do que para a moda tradicional “(Ibid, p.94). Mesmo com a miniaturização da tecnologia, a integração de componentes eletrônicos na base estrutural da modelagem ainda é um processo desafiador para o designer. O conceito de Soft Computing desenvolvido pela pesquisadora Joana Berzowska se destaca e propõe colaboração fundamental para que designers de moda integrem tecnologia eletrônica digital em peças vestíveis. Esse conceito se refere ao design de tecnologia digital e eletrônica composto por materiais macios, como têxteis e fios, integrados com os métodos de construções têxteis tradicionais para criar projetos físicos interativos (BERZOWSKA, 2005, p. 11). Em outras palavras, ele se refere à integração de componentes eletrônicos por meio de substratos moles, fios e tecidos condutores em tecidos convencionais. 96 De acordo com a autora, o método de fabricação tradicional de projetos eletrônicos gera componentes rígidos envoltos, na maioria das vezes, em pequenas caixas rígidas e quadradas, enquanto que as estruturas dos têxteis tradicionais são maleáveis para envolver o corpo. Ao fundir os métodos, é possível criar circuitos macios e flexíveis que permitem a transmissão de energia e dados. Portanto, a soft computing abre novas possibilidades para que designers materializem suas ideias em protótipos que vão além da função utilitária e viabilizam novas formas de integrar a tecnologia para que as peças se tornem mais leves e usáveis. Ao trabalhar no desenvolvimento e design de hardwares em tecidos eletrônicos, interfaces moles e roupas reativas, Berzowska (2005) considera a construção de significados por meio da interação com o ambiente social, histórico e cultural. Segundo a autora, a integração da tecnologia ao design da peça pode funcionar como um elemento que potencializa a estética e a comunicação da expressão pessoal. Barthes (2009) já havia declarado Pode-se esperar que o vestuário constitua um excelente objeto poético; em primeiro lugar, porque mobiliza com muita variedade todas as qualidades da matéria: substância, forma, cor, tactibilidade, movimento, porte, luminosidade; em segundo lugar, referindo-se ao corpo e funcionando ao mesmo tempo como substituto e máscara dele [...] (BARTHES, 2009, p.350). É possível descobrir caminhos para a criação de protótipos expressivos, lúdicos e poéticos. Contudo, é preciso desenvolver habilidades técnicas e pesquisar para, em experimentações, apreender 97 como atuam as tecnologias e os materiais emergentes, pois as peças dinâmicas que têm a capacidade de mudar de cor, forma ou textura ao longo do tempo ou peças reativas que respondem à entrada de som, animação ou qualquer outra mudança de estado, têm seu comportamento determinado pelas tecnologias que são integradas na estrutura da peça. Exemplos de preparação de tecidos convencionais para abrigar placas e componentes eletrônicos estão representados na Figure 32. No exemplo abaixo, substratos condutores são utilizados para reforçar conexões e camadas de organza de seda pura transparentes, isolando e protegendo os circuitos (BERZOWSKA, 2005). Figure 32: Reforço de Epóxi em fios condutores para conectar microcontroladores ao tecido. Fonte: http://www.xslabs.net/papers/iffti07-berzowska-AQ.pdf. É importante destacar que há vários tipos de têxteis condutores de fabricação industrial aptos a facilitar o processo de integração das tecnologias vestíveis nas prototipagens. Com a função de tornar a integração da tecnologia cada vez mais leve, os exemplos na Figure 33 98 mostram tecidos altamente condutores, com elasticidade em uma ou duas direções, que podem ser combinados com tecidos convencionais e costurados em máquinas de costura comum. Figure 33: Tecidos de malha condutora. Fonte: http://www.sparkfun.com/. Neste caso, é importante destacar que não se deve levar em conta apenas o peso ou maleabilidade dos materiais, pois os tecidos planos ou elásticos condutores diferem dos convencionais, na medida em que conduzem energia. No caso dos fios, por exemplo, a composição de tecidos convencionais e tecidos condutores pode reduzir o sistema de cabeamento necessário para conectar o fluxo de eletricidade entre os dispositivos distribuídos na estrutura da peça. Destaque-se que tecidos eletrônicos têm, em sua trama, dispositivos eletrônicos integrados. Nesse caso, o corte, o manuseio e suas aplicações se tornam muito mais complexos. Enquanto tecidos condutores geralmente têm filamentos de prata e servem para substituir parte dos fios de um circuito eletrônico, eles são relativamente simples se comparados com tecidos eletrônicos. Todavia, é preciso obter 99 informações quanto à capacidade condutiva e o grau de resistência desses tecidos. Se houver necessidade, um engenheiro ou técnico em eletrônica poderá ser consultado ou chamado em parceria no projeto. Caso contrário, o sistema implementado pode não funcionar. Com dimensões diferenciadas, tecidos condutores (Figure 34) podem viabilizar a criação de circuitos flexíveis e maleáveis, compondo sistemas de sensoriamento para detecção de pressão e de posição, além de permitir que partes dos circuitos eletrônicos sejam modeladas em formato 3D, como se faz na técnica de moulage, por exemplo. (PAKHCHYAN, 2008). Em tecidos e fios têxteis condutores, os níveis de resistência e a condutividade de corrente elétrica são medidos com aparelhos chamados multímetros (Figure 35). Figure 34: Teste de tecidos condutores. Fonte: http://v2.nl/lab. Figure 35: Multímetro Fonte: PAKHCHYAN, 2008. Um exemplo é o Stretch Conductive (Figure 36), produzido pela empresa LessEM. Ele é composto de prata, nylon e elastano, e sua 100 potência e condutividade podem variar de acordo com a direção, posição e estiramento do tecido. Figure 36: Stretch Conductive, produzido pela empresa LessEM. Fonte: http://www.kobakant.at/DIY/. Ao trabalhar com fatores de elasticidade, devem-se conferir as variações de condutividade, tendo o tecido estirado diretamente sobre o modelo de base usado para construção da peça. Outros materiais, como as tintas condutoras, também podem viabilizar a condução de corrente elétrica. Em tais situações, o desenho do circuito é feito diretamente sobre um tecido de malha ou tecido plano, constituído de tramas de fios sintéticos ou naturais com ou sem elasticidade. 101 Figure 37: Tinta condutora Fonte: http://www.bareconductive.com/. A Bare Conductive (Figure 38) é exemplo de uma tinta condutora que pode ser também aplicada diretamente sobre a pele. Este efeito permite que uma pessoa controle e desencadeie eventos elétricos, tais como sons e iluminação. Figure 38: Bare Conductive Fonte: http://creativeindustriesktn.org/beacons/cx/view#252858. 102 A modelo da esquerda apresenta um desenho esquemático de circuito elétrico pintado diretamente sobre a pele, enquanto a modelo da direita tem a pintura de um padrão que pode ser comparado ao de uma renda ou a um rapport de estamparia. Ao encostar a mão no ombro da modelo à esquerda, os desenhos e o circuito elétrico são fechados e o resultado é visto na mão da modelo à direita – a lâmpada acesa. Os têxteis eletrônicos, de modo geral, podem ser empregados como recursos de sensoriamento biométrico ou externo como, por exemplo, em sistemas de comunicação (normalmente sem fios), transmissão de energia, interconexão de dispositivos computacionais com sensores integrados ao tecido, em conjunto com microcontroladores e sistemas embarcados (Wi-Fi, RFID, Bluetooth). Os têxteis eletrônicos podem ser incluídos no grupo de materiais inteligentes: O adjetivo “inteligente” implica que esses materiais são capazes de sentir mudanças nos seus ambientes e, assim, responder a essas mudanças de maneira predeterminada, como também ocorre com os organismos vivos. Os componentes de um material (ou sistema) inteligente incluem algum tipo de sensor (que detecta um sinal de entrada) e um atuador (que executa uma função de resposta e adaptação (CALLISTER, 2007, p.9) Uma proposta experimental de tecido envolvendo fios condutores e circuitos eletrônicos foram apresentados por Berzowska em 2007, no projeto Animated Quilt. O tecido Animated Quilt Figure 39 pode alterar 103 cores e padronagens por meio de microcontroladores e o design proposto permite a criação de padrões dinâmicos e diversificados em um tecido (BERZOWSKA, 2007, p.11). Figure 39: Projeto Animated Quilt. Fonte: http://xslabs.net/quilt/index.htm. É importante lembrar que o processo de prototipagem é uma fase importante e apropriada para testar tecnicamente a viabilidade de ideias, pois é quando a peça apresentada em croquis manuais ou desenhos vetoriais se torna real e ganha vida. Desde os primeiros protótipos das smart clothing desenvolvidas por Mann na década de noventa, o volume e o peso das baterias têm sido apontados como uma das barreiras à integração das tecnologias na 104 construção de uma peça vestível. Embora as baterias estejam cada vez mais finas e maleáveis, tal questão ainda é um desafio. Portanto, antes de desenvolver projetos, a escolha do tipo de bateria deve ser uma das primeiras preocupações para evitar trocas e recargas com frequência desnecessária (PAKHCHYAN, 2008). Diferentes tipos de baterias podem ser utilizados em prototipagens, como as recarregáveis de Lítio, utilizadas em celulares e câmeras, e apropriadas para vestíveis de médio porte com grande consumo de energia. É importante destacar que as baterias liberam calor. Isso posto, é preciso observar e respeitar normas e especificações de uso. As baterias do tipo botão de Lítio ou Alcalinas, comuns em relógios e calculadoras, são compactas e apropriadas para vestíveis leves; todavia, apresentam menor capacidade de armazenar energia. Exemplo interessante de fonte de energia renovável que vem sendo desenvolvido e já começa a estar disponível consiste nas células solares (Figura 40) para projetos de pequeno porte. Figura 40: Células solares. Fonte: http://institute.unileoben.ac.at/physik/Photovoltaische%20Solarzellen/MaterialstodayJune2006-p42-flexible%20solar%20cells%20for%20clothing.pdf. 105 Estas células finas podem ser flexíveis e funcionam como sensores que captam e transformam a luz do sol em energia elétrica. Embora possam armazenar energia, são indicadas para projetos que funcionam em ambientes externos. Segundo Sabrá (2009, p.73), o cuidado na “seleção de materiais constitui uma fase importante da criação e condiciona diretamente o comportamento físico do produto”. Portanto, tanto na prototipagem com tecnologia integrada quanto na modelagem, o resultado final das formas, volumes e comportamentos deverá variar de acordo com as escolhas e propriedades dos materiais utilizados. Da mesma forma, Jones (2005, p.109) ressalta a importância de se analisar os materiais antes de iniciar qualquer projeto. Para a autora, “a roupa não é só uma experiência visual, mas também tátil e sensorial [...] é essencial manusear os tecidos e testar suas sensações, propriedades e usos no corpo”. No entanto, como destacado anteriormente, a questão da usabilidade poderá variar de acordo com o objetivo do projeto. Contudo, ressalte-se que a apresentação de processos de desenvolvimento e soluções viáveis para integrar tecnologias eletrônicas digitais em peças que sejam vestíveis faz parte dos objetivos desta pesquisa, na medida em que procura compor modelagem e prototipagem. Uma solução razoavelmente simples para integrar hardwares como placas de circuitos (Figura 41) é a fixação de botões de pressão, sendo uma das partes desses botões fixada na placa, e a outra 106 costurada à peça. Tal procedimento facilita a retirada do hardware, quando necessário. Figura 41: Placa com microcontrolador Fonte: http//xslabs.net/Scorpions/. A integração de hardwares, como circuitos e microcontroladores, atuadores mecânicos e magnéticos, em silhuetas de formas esculturais ou arquitetônicas, podem ser acondicionados em dobras e drapeados. É importante lembrar que o uso de tecidos convencionais em composição com tecidos e fios condutores facilitará o desenvolvimento de circuitos moles. Um exemplo de integração da tecnologia em peças vestíveis pode ser averiguado em Skorpions (2008). Nesse projeto, as peças foram idealizadas pela pesquisadora Joana Berzowska. Embora não sejam diretamente criadas por um designer, as peças evocam reflexões sobre a importância da pesquisa experimental para gerar inovação e desenvolvimento de projetos interativos no design de moda. 107 A ideia de analisar o projeto Skorpions tem o intuito de apresentar protótipos que utilizam o Nitinol em vez de micromotores para alterar a estrutura formal do design. O Nitinol é uma liga metálica de níquel de titânio – da classe dos metais SMA (Shape Memory Alloys). É um tipo de arame com a capacidade de modificação da forma quando é acionado por uma fonte de calor. É importante ressaltar que, para o controle automatizado de variáveis de tempo e geração de calor por meio de atuadores, a ativação do nitinol poderá requerer programação computacional e o uso de circuito elétrico. Como ocorre, por exemplo, nas peças do Skorpions. Skorpions (2008) (Figura 42) é composto por um conjunto de cinco peças cinéticas com movimentos lentos e orgânicos. Apelidadas de Glutus, Luttergill, Slofa, Eneleon e Skwrath, possuem qualidades antropomórficas e podem ser imaginadas como parasitas que habitam a pele de um hospedeiro. a b c d e Figura 42: a) Peça Glutus. b) Peça Luttergill. c) Peça Slofa. d) Peça Eneleon. e) Peça Skwrath Fonte: http://xslabs.net/skorpions/. 108 A peça Glutus é composta por materiais convencionais como seda, couro e feltro. Uma extensão em formato de folha na parte superior da peça está programada para enrolar para baixo ao redor da cabeça, atuando como uma planta carnívora a consumir a face do usuário, numa metáfora canibalista das implicações referentes à atual indústria da moda. Com possibilidade de ser integrado na modelagem, esse atuador é resistente e permite sua integração em tecidos macios. No caso da peça Glutus (2007) (Figura 43), os filamentos com memória de forma foram integrados à parte superior e à parte inferior da modelagem, que corresponde ao formato de folha. Figura 43: Costura manual com fio condutor sobre uma base têxtil. Fonte: http//xslabs.net/Scorpions/. Observa-se a importância de competências específicas como conhecimento de moulage, modelagem plana e costuras manuais, acabamentos e outros detalhes de construção da estrutura formal do design para a perfeita integração das tecnologias eletrônicas digitais na 109 realização do projeto. Neste caso, partes da modelagem integradas com fios condutores são praticamente moldadas e passadas a ferro individualmente, conforme demonstra a (Figura 44). Figura 44: Desenvolvimento do protótipo da peça Glutus. Fonte: http//xslabs.net/Scorpions/. Os dados são enviados via USB ao microcontrolador abrigado em um dos recortes na parte inferior da peça, como mostra a (Figura 45). Figura 45: Detalhe da modelagem e transmissão de dados. Fonte: http//xslabs.net/Scorpions/. 110 No caso do Skorpions, as peças foram idealizadas para mudar e modular o espaço pessoal e social através das restrições físicas impostas ao corpo. Elas alteram seu comportamento, escondendo ou revelando camadas ocultas, convidando as pessoas a interagirem. Vale observar que os recortes estratégicos podem atuar como compartimentos para abrigar os microcontroladores. É o caso da peça Luttergill, construída em algodão acolchoado e macio, lentamente revelando e escondendo partes de cores iridescentes, com movimentos ativados por filamentos de liga de memória (SMA) enquanto é controlada por uma placa eletrônica personalizada (Figura 46). Figura 46: Acionamento de microcontrolador. Fonte: http//xslabs.net/Scorpions/. A peça Eneleon evoca reflexões lúdicas a respeito de sensações de medo, segurança e desejo. A silhueta em forma de casulo confeccionada a mão é construída em feltro e couro, e tem forro em tecido reflexivo. A modelagem é dividida em duas partes simétricas. Como complemento, uma máscara cobre o rosto do usuário. 111 Pequenas perfurações garantem fluxos de ar em torno do corpo, enquanto outros orifícios cobertos por pequenas partes móveis revelam revestimento espelhado quando são ativadas pela liga de memória, controladas por bobinas através do microcontrolador que está alojado no centro da peça (Figura 47). Figura 47: Detalhe da peça Eneleon Fonte: http://www.xslabs.net/skorpions/. As peças simulam movimentos respiratórios em um sistema controlado por programação computacional. Segundo Berzowska e Coelho (2012), por terem sido idealizadas como esculturas cinéticas, as peças não respondem reativamente às pessoas ou ambientes por meio de sensores, mas pretendem explorar e simular características comportamentais de organismos vivos, diante de situações de ansiedade e imprevisibilidade. As peças do projeto Skorpions, de Berzowska (2008), como se destacou, não são peças de design de moda, embora possam vir a ser. O importante é refletir sobre a integração da tecnologia como elemento de transformação nos modos convencionais de execução, 112 atuação e comunicação de uma peça vestível (CIANFANELLI; KUENEN, 2010). Partindo do exposto, é possível afirmar que as possibilidades de atribuir comportamentos específicos ou aleatórios às peças vestíveis, por meio da tecnologia eletrônica digital e do domínio de conhecimentos sobre os materiais emergentes oferecem ao designer de moda um convite e a possibilidade de inovação na criação. 113 #4 PLATAFORMAS FÍSICO-DIGITAIS OPEN SOURCE E O DESIGN DE MODA 114 115 4 PLATAFORMAS FÍSICO-DIGITAIS OPEN SOURCE E O DESIGN DE MODA Atualmente, cresce o interesse em envolver design de moda e interatividade em entretenimento, segurança, saúde, sustentabilidade, esporte, marketing etc. No capítulo 1, que tratava da prototipagem de peças interativas integradas com tecnologias eletrônicas digitais no processo de modelagem, além do uso de softwares e hardwares, destacou-se a colaboração das plataformas open source. Neste capítulo, pretende-se aprofundar o assunto, compreendendo o funcionamento dessas plataformas. Vale ressaltar que plataformas open source para prototipagem eletrônica digital averiguadas nesta dissertação foram criadas por designers da interação, para que outros designers e artistas não especialistas em programação materializem ideias de projetos interativos. Parte das pesquisas desenvolvidas pelas plataformas tem sido dedicada a viabilizar a integração de tecnologias vestíveis ao design de moda – fato que contribuiu para o desenvolvimento desta pesquisa e a escolha dessas plataformas open source. As plataformas open source para prototipagem eletrônica digital em peças vestíveis têm sido inseridas no currículo de cursos superiores de Moda desde meados de 2005. É o caso do Curso Superior de Moda Corpo e Tecnologia da Escola de Comunicação e Arte da Universidade de Malmo, na Suécia. 116 Há três pontos importantes a considerar sobre a colaboração das plataformas: a simplificação dos códigos de linguagem computacional; softwares e hardwares open source e o compartilhamento de processos documentados de projetos nas comunidades on-line. Entre as plataformas open source de prototipagem eletrônica digital, três se destacam por serem as primeiras plataformas criadas para artistas e designers que não são programadores: Processing38, Arduino39 e LilyPad Arduino. A criação das plataformas surgiu com a ideia de gerar linguagens simplificadas de programação. O objetivo era reduzir a dificuldade que artistas e designers encontravam na aprendizagem de códigos computacionais para desenvolver projetos de design interativo e linguagem visual nas artes eletrônicas. É interessante destacar que uma pesquisa desenvolvida por Lev Manovich em 2008 confirma resultados positivos em relação às plataformas. Por exemplo, que de 1999 a 2008, “houve um aumento substancial no número de alunos de artes midiáticas, design, arquitetura e ciências humanas que aplicaram o uso de programação” em seus trabalhos (MANOVICH, 2008, p.8). O autor afirma que a simplificação nas linguagens de programação está permitindo que um número cada vez maior de pessoas dentro e fora da Academia tenha autonomia para escrever em softwares. Plataforma sem fins lucrativos administrada pela Processing Foundation. Disponível em: <http://www.processing.org/>. Acesso em: 19 novembro, 2012. 39 Disponível em: <http://arduino.cc/en/>. Acesso em 18 novembro, 2012. 38 117 A plataforma Processing foi desenvolvida por Ben Fry e Casey Reas em 2001 – ambos ex-alunos de John Maeda40 e influenciados por seu trabalho no MIT Media Lab. A plataforma Arduino foi criada em 2005 e seus principais cofundadores são os italianos pesquisadores e designers da interação – Massimo Banzi e David Cuartielles. Processing e Arduino derivam de projetos acadêmicos do curso de pós-graduação do Interaction Design Institute Ivrea, na Itália. Por outro lado, a plataforma LilyPad Arduino é um projeto derivado da plataforma Arduino desenvolvido no MIT Media Lab pela pesquisadora Lea Buechley (2007). A Arduino é uma plataforma de prototipagem eletrônica que tem como base uma placa com microcontrolador open source de baixo custo, implementada com software open source relativamente fácil de usar. Enquanto a Processing é dirigida as prototipagens de animações interativas para artes visuais, mas pode ser utilizada em conjunto com a plataforma Arduino para orientar objetos ou outras interfaces gráficas. Ressalta-se que as plataformas mantêm suas comunidades on-line aberta para designers, artistas etc. interessados em criar objetos e ambientes interativos. Antes de prosseguir, é importante lembrar que a prototipagem das peças interativas averiguadas e discutidas nesta dissertação abarca sistemas computacionais constituídos de softwares e hardwares integrados às modelagens. É o caso, por exemplo, das peças 40 John Maeda foi professor de Media Arts & Sciences do MIT – Massachusetts Institute of Technology. Designer e artista premiado mundialmente. Autor de livros sobre a intersecção de arte, design e tecnologia, como Design by Numbers (2001) e Creative Code (2004). 118 desenvolvidas pelos designers Ying Gao, Hussein Chalayan, Anouk Wipprecht, lara Grant (2012) e Jennifer Darmour (2010). Atualmente, parte dessas novas tecnologias das plataformas open source que possibilitam a integração de dispositivos eletrônicos digitais em peças vestíveis vem dos avanços da computação física. De acordo com Olsson et al., (2008), o termo Computação Física refere-se a um campo no Design da Interação. É neste campo, por exemplo, que a plataforma Arduino está envolvida. Em tal contexto, as prototipagens são caracterizadas pelo uso de meios eletrônicos com sensores e atuadores regidos por um microcontrolador – pequeno computador em um único chip implementado por software. Para Banzi (2009), a Computação Física diz respeito a prototipagens e design de objetos interativos que trocam dados com o ambiente, com outros objetos e com usuários. Nos processos de ouvir, pensar e falar entre dois ou mais participantes, em uma ação envolvendo humanos e artefatos, esses objetos interativos promovem um diálogo entre o mundo físico e o digital (CRAWFORD apud SULLIVAN; IGOE, 2005). A integração das tecnologias vestíveis no design de moda para desenvolvimento de projetos interativos pode ser considerada resultado de um processo que inclui Computação Física e materiais inteligentes. Com base na fundamentação teórica de Olsson et al., (2008), Banzi (2009), Buechley (2007) e Berzowska (2005), a autora desta dissertação desenvolveu uma representação gráfica (Figure 48) para indicar os 119 principais elementos de implementação tecnológica hoje propostos pelas plataformas open source físico-digitais. Figure 48: Base para implementação tecnológica no processo de prototipagem eletrônica digital em Fashion Design. Fonte: do autor. Com a computação física e o uso de microcontroladores, podem-se gerar sistemas digitais e sistemas analógicos. Se, por um lado, sistemas digitais podem ser mais objetivos para projetar, por trabalharem com sistemas chaveados (”Alto” ou “Baixo”, “Ligado” ou “Desligado”), ou seja, (I/O) do código binário, no sistema analógico, os valores podem variar de zero ao seu limite máximo. Um exemplo prático se apresenta na comparação entre o uso de um sensor que só reage a dois estados de temperatura (quente ou frio, por exemplo – sistema digital) e outro (analógico), que reage conforme as infinitas variações das temperaturas ao ar livre (SULLIVAN; IGOE, 120 2004). As placas com microcontroladores open source costuráveis desenvolvidas pela plataforma LilyPad Arduino possuem portas digitais e analógicas. Portanto, quando integradas em uma peça vestível, podem operar com sistemas híbridos. Como explicado anteriormente, com as prototipagens, é possível trabalhar com sistemas digitais e sistemas analógicos, além de materiais inteligentes que podem se dividir basicamente entre e-textiles e tecidos condutores. A diferença entre os dois tipos de materiais têxteis é que os e-textiles podem ser mais sofisticados, com partes da eletrônica e da computação em sua estrutura. De outro lado, tecidos condutores costumam ser compostos por fios de prata integrados a materiais têxteis como a Lycra, por exemplo, para conduzir corrente elétrica. Desta forma, podem ser utilizados para integrar componentes eletrônicos, como sensores e atuadores (já descritos anteriormente no Capítulo 2), além de viabilizar a construção de circuitos mais macios e flexíveis (BERZOWSKA, 2005). Entretanto, para que o designer possa criar a partir de meios eletrônicos digitais, autores como Banzi (2008), Olsson et al. (2008), e Gibb (2010) destacam a importância do domínio sobre essas tecnologias. Obviamente, isso não quer dizer que um designer deva ser especialista em programação, embora ele possa vir a ser. Para Reas e Fry (2007), por exemplo, a importância da “alfabetização” em softwares concentra-se no fato de o designer desenvolver autonomia para tomar decisões e criar ferramentas específicas para suas necessidades. Os autores declaram que 121 A capacidade de “ler” um meio significa que você pode acessar materiais e ferramentas criados por outros. A capacidade de “escrever” em um meio significa que você pode gerar materiais e ferramentas para outros. E você deve ter as duas para ser “alfabetizado”. (REAS; FRY, 2007, p.3). Os autores afirmam que o software é um meio com qualidades únicas que permite a reconfiguração e a expressão de emoções e conceitos que não são possíveis de expressar em outros meios de comunicação. Por meio de objetos e interfaces interativas, por exemplo, que reagem a [...] “processos, gestos, definição de comportamento, simulação de sistemas naturais e interação de outras mídias, incluindo som, imagem e texto” (ibid., p.3). É importante lembrar que, no processo de desenvolvimento de peças vestíveis convencionais, o uso dos softwares e hardwares, como se destacou no Capítulo I, está relacionado aos desenhos gráficos e aos processos automatizados de produção. No entanto, quando se trata de prototipagem para o desenvolvimento de peças interativas, os softwares e os hardwares são importantes elementos que se integram à modelagem. Nas rotinas dos programas é que se concentram todos os comandos de comportamentos que permitem a interatividade das peças com o usuário e com seu ambiente. Tecnicamente falando, os softwares são constituídos por linhas de instruções encadeadas que compõem o código-fonte e determinam o que o computador ou o microcontrolador deve fazer. 122 Nos softwares, as ideias estão codificadas em linguagem computacional. No caso das prototipagens integradas com tecnologias vestíveis, o software carrega a parte intangível da criação do designer. Na medida em que elementos da criação estão em linguagem computacional, podem ser facilmente manipulados, remixados, transformados, inovados e distribuídos. Entretanto, ao selecionar elementos projetuais para prototipagens integradas com tecnologias vestíveis, o designer de moda em geral desconhece as implicações das escolhas que faz no que tange os diferentes tipos de softwares. Silveira (2004, p.6) aponta que, entre os diversos tipos, há dois grupos principais de softwares: software proprietário e software livre das plataformas open source. Portanto, antes de iniciar qualquer projeto de prototipagem que envolva tecnologia eletrônica digital em peças vestíveis, deve-se entender a diferença entre os dois. Segundo o autor, Em geral, o usuário do software proprietário, quando o adquire, não sabe que não comprou um produto, mas uma licença de uso. [...] As pessoas que usam software proprietário na verdade são como locatárias de um imóvel que nunca será seu (ibid., p.10). Ou seja, um software proprietário continua a pertencer à empresa que o produziu, e não ao usuário que o comprou. Sua distribuição e uso são controlados por licenças restritivas impostas por grandes companhias – sua modificação ou redistribuição demanda permissões. Illustrator e Audaces são exemplos de softwares proprietários utilizados por designers para o desenvolvimento de projetos de design de moda. 123 Outro equívoco muito comum, de acordo com o autor, é acreditar que software livre e software open source têm o mesmo significado. É importante ressaltar que o simples fato de um software possuir um código aberto não o torna necessariamente livre: neste caso, o desenvolvedor ainda pode determinar suas condições de uso. Por outro lado, um software livre deve obrigatoriamente ser open source, free download e disponibilizar seu código-fonte para modificações. De acordo com a Free Software Foundation 41, as quatro liberdades que caracterizam o software livre são as de uso, cópia, modificações e redistribuição. A única restrição em relação ao software livre é a torná-lo software proprietário. Dessa forma, o usuário “também tem o direito de ser desenvolvedor, caso queira. Quem o adquire pode usá-lo para todo e qualquer fim, inclusive tem a permissão de alterá-lo completamente” (SILVEIRA, 2004, p.11). Em seu artigo sobre Ciberativismo, cultura hacker e individualismo colaborativo, Silveira (2010) aponta conexões entre as ações colaborativas de movimentos de softwares livres e cultura hacker. É importante destacar que, neste texto, o termo hacker não deve ser confundido com cracker. De acordo com Silveira (2004), hacker é alguém que tem profundo conhecimento teórico e prático em sistemas computacionais e os compartilha com suas comunidades, enquanto crackers são pessoas que invadem sistemas e praticam crimes eletrônicos. 41 Disponível em: <http://www.gnu.org/philosophy/free-sw.html>. Acesso em 22 novembro, 2012. 124 Obviamente, cultura hacker não é o foco desta dissertação; no entanto, é interessante observar que há conexões com as ideias fundamentais que consolidam o pensamento das comunidades das plataformas open source eletrônicas digitais. Por exemplo, partindo da perspectiva do pensamento hacker, que prega a emancipação das pessoas pelo acesso à informação, Silveira (2010) declara que, Todo processo de bloqueio ao conhecimento dos códigos é injustificável, pois impede que outras pessoas ganhem autonomia e possam elas próprias criar a partir da recombinação e reconfiguração dos códigos (SILVEIRA, 2010, p.38). No caso das plataformas open source, os softwares são livres para ser usados, copiados, estudados, remixados, melhorados e distribuídos de acordo com as necessidades do usuário. São softwares do tipo Floss (free libre open source software), ou seja, ao mesmo tempo de código aberto e livre. No caso da plataforma Arduino, por exemplo, software e hardware open source são liberados sob licença do Creative Commons 42. A licença garante que tanto softwares como hardwares podem ser copiados, adaptados e remixados; inclusive produzidos e comercializados. Contudo, os projetos derivados dessas plataformas deverão ser registrados sob a mesma licença de código aberto. É importante ressaltar que durante décadas, processos envolvendo o conhecimento, softwares e hardwares para construir 42 Creative Commons é uma organização não governamental sem fins lucrativos localizada em Mountain View, na Califórnia. As licenças Creative Commons têm sido utilizadas por artistas e criadores de conteúdos para determinar permissões ou restrições para compartilhamento de propriedade intelectual. Disponível em: <http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/2. 5/br/>. Acesso em 28 de novembro, 2012. 125 dispositivos com tecnologias vestíveis e e-textile estiveram relegados a grupos de pesquisadores profissionais, especialistas e engenheiros (BUECHLEY; HILL, 2010). Entretanto, a troca de conhecimentos sobre prototipagem eletrônica de sistemas interativos vem se popularizando de forma significativa por meio das comunidades open source em países como Estados Unidos e China, entre outros. Especialistas como Chris Anderson acreditam que a criação de plataformas com softwares e hardwares open source está promovendo uma revolução silenciosa nos modos de criar, projetar e desenvolver protótipos interativos de forma mais autônoma (ANDERSON, 2011). Gibb (2010) vai além, ressaltando a importância da colaboração das comunidades on-line das plataformas open source para o cruzamento e troca de dados como forma de difusão do conhecimento das tecnologias eletrônicas digitais. Até alguns anos atrás, era praticamente inviável materializar peças interativas com tecnologia eletrônica digital integrada a modelagem, pois “havia poucas possibilidades de transferir a tecnologia de uma forma ‘softer’ e flexível para o contexto da moda” (OLSSON et al., 2008, p.20). Isso derivava de dois fatores predominantes: o primeiro era a utilização de metodologias muito complexas, que exigiam conhecimentos específicos de física, engenharia e programação. O segundo fator consistia na dificuldade em inserir hardwares, como circuitos, baterias, sensores, atuadores e LEDs aos tecidos, por serem muito grandes e pesados, incompatíveis com a flexibilidade e leveza dos materiais têxteis. 126 No entanto, uma pesquisa sobre as comunidades da plataforma open source LilyPad Arduino realizada em 2010 por Buechley e Hill no MIT Media Lab revela que esta realidade vem mudando nos últimos anos. Pois, a intersecção da computação e materiais físicos está desencadeando novos processos de manufaturas, artesanato tradicional e design de moda e interação. O estudo também revelou que, devido à troca de dados dentro das comunidades on-line, novos dispositivos muito diferentes dos normalmente construídos por engenheiros estão sendo criados para facilitar a integração de tecnologias em peças vestíveis. No desenvolvimento de peças interativas, designers consideram a importância de aspectos subjetivos, qualitativos e interativos do design (MOGGRIDGE, 2006). Com as iniciativas open source, designers e artistas estão recriando e adaptando os softwares e hardwares, com liberdade para atender as necessidades específicas de protótipos para suas criações. Nesse processo, cada vez que há uma mudança no Arduino para utilização num projeto específico, existe a possibilidade de que tal alteração seja repassada de volta à comunidade para que ela possa ser incorporada em outro projeto (WADDINGTON; TAYLOR, 2007). Esta dinâmica revela que a forma como estas plataformas open source foram concebidas e os resultados do apoio de suas comunidades na troca de conhecimento e de dados se destacam como o diferencial entre elas e outras plataformas semelhantes. 127 4.1 As Plataformas open source e a documentação de projetos A colaboração das plataformas open source para prototipagem e suas comunidades tem possibilitado que designers criem novos campos de ação, principalmente aqueles interessados em projetos interativos que integram tecnologias eletrônicas digitais. Autores como Gibb (2010) e Anderson (2012) acreditam que o compartilhamento do conhecimento por meio das iniciativas open source poderá, em breve, redirecionar as áreas de criação, desenvolvimento projetual e manufaturas para novos modos de produção, como os novos métodos de prototipagem eletrônica digital e impressões em 3D. Quinn (2012) declara que as novas iniciativas e sistemas open source estão permitindo a realização de projetos de microproduções (coleções) sem a necessidade de grandes investimentos iniciais e de grandes equipes. Com as iniciativas das comunidades open source, parte dos conteúdos criativos para o desenvolvimento de uma ampla gama de itens de moda e produtos de design passará a ser disponibilizado on-line em formatos digital para free download. Os arquivos para download permitirão que as pessoas passem a fabricar objetos, e também modificá-los para personalizar o resultado. As pessoas, em seguida, poderão fazer upload de sua versão modificada para que outros possam usar. (ibid., p.144, tradução nossa). A troca de dados, o compartilhamento de documentações por meio das comunidades open source se apresenta como um modo alternativo de aprender e ensinar os novos processos que integram tecnologias eletrônicas 128 digitais a peças vestíveis. O acesso a processos é importante, principalmente porque devido à pressão do mercado atual, “muitos criadores não dispõem mais da liberdade para explorar suas ideias de maneira mais experimental” (AVELAR, 2009, p. 172). Obviamente, nem todas as informações publicadas nessas comunidades são relevantes, muito menos são fundamentadas todas as informações sobre processos interativos para prototipagens físicodigitais, envolvendo roupas e acessórios, como se discutiu no Capítulo I. Todavia, pessoas compartilhando experiências processos e metodologias nas comunidades dessas plataformas open source e em seus blogs são “uma força criativa e uma forma de disseminação viral de conhecimento que não pode ser ignorada.” (BOLLIER; RACINE, 2005, p. 29). Essas plataformas de prototipagem se mantêm ativas e seguem uma dinâmica própria, pois o cruzamento de uma quantidade de dados funciona como uma “rede [...] poderosa para a difusão viral de informações” (ibid., 2005). As motivações para o compartilhamento de informações, processos e a documentação de projetos muitas vezes seguem sistemas parecidos aos sistemas das comunidades hackers. Por exemplo, os hackers, [...] quando superam desafios, compartilham o seu aprendizado com sua comunidade. Desse modo, os hackers adquirem reputação, disseminando seus conhecimentos e combinando paixão com liberdade para superar desafios complexos (HIMANEN, apud SILVEIRA, 2010, p. 34). 129 Da mesma forma, os membros das comunidades das plataformas open source que envolve tecnologia eletrônica digital ganham evidência quando compartilham soluções que contribuem direta e indiretamente para que outras pessoas possam desenvolver novos projetos interativos. Os usuários são encorajados a seguir o “espírito da comunidade”, que significa compartilhar parte do know-how de suas eficiências e inovações para o domínio público em sites e redes sociais. Destaque-se que neste contexto, o compartilhamento de experimentações para integrar as tecnologias eletrônicas digitais em têxteis tem se acelerado de modo significativo e se popularizado por meio de outros sites como, por exemplo, Instructables e Make Faire. São siites de compartilhamento de projetos independentes do tipo DIY 43. Ressalte-se que, nas dinâmicas próprias dessas comunidades open source, jovens designers, artistas, engenheiros, hackers, estudantes etc. atuam de forma colaborativa, compartilhando informações. No entanto, Buechley (2010) declara que há grupos que se destacam, publicando a construção de novos artefatos, novas versões de microcontroladores costuráveis, sensores flexíveis etc., enquanto outros postam a documentação de projetos on-line, discutem processos e A sigla DIY em inglês significa do it youself em português significa faça você mesmo. Refere-se à prática de fabricar por conta própria. Estas práticas atualmente se referem a diversas áreas como, por exemplo, design, eletrônica, publicação, etc. 43 130 desenvolvem tutoriais para compartilhar conhecimentos com os demais membros da comunidade. Em geral, nos processos de desenvolvimento das peças interativas, os designers trabalham em “contextos artificiais que envolvem bits, pixels, inputs, outputs, usuários e modelos conceituais” (MOGGRIDGE, 2007). Com o advento das plataformas open source, designers da interação, designers de moda e artistas se adaptam cada vez mais ao uso de microcontroladores – um instrumento tradicionalmente utilizado por engenheiros. Por outro lado, engenheiros começam a encontrar novas maneiras de usar sua criatividade, expandindo seu campo de atuação para as artes e para o design Gibb (2010). Atualmente, versões derivadas de pequenas placas com microcontroladores costuráveis com dispositivo para transmissão de dados via USB da plataforma open source LilyPad Arduino (Figura 49) estão entre as principais ferramentas emergentes para integrar a tecnologia em peças vestíveis. Entretanto, é importante lembrar que a incorporação das tecnologias eletrônicas digitais ao design de moda implica na pesquisa de criação de novas formas de representação do objeto e de experiências interativas e sensoriais por parte dos usuários. 131 Figura 49 Microcontrolador – LilyPad Arduino. Transmissão de dados via USB. Fonte: https://www.sparkfun.com. Exemplos de processos envolvendo estudos da forma para o desenvolvimento das prototipagens de peças interativas têm sido compartilhados por designers de moda como, Ing Gao, Anouk Wipprecht, Jennifer Darmour e Lara Grant. Um exemplo de processo documentado é a interface musical Ruffletron, desenvolvida em 2012 pela designer de moda lara Grant em parceria com o americano Cullen Miller, designer de som. Ruffletron é um protótipo de interface musical wearable, é uma experiência de interação performativa integrada com microcontroladores plataforma open source LilyPad Arduino (Figura 50). da 132 Figura 50: Processo de desenvolvimento para interface Ruffletron, Lara Grant (2012). Fonte: http://blog.arduino.cc/2012/10/11/ wear-your-musical-interface/. Em geral, o compartilhamento da documentação de projetos desenvolvidos por designers registra os estudos de formas para integração de tecnologias e considerações sobre os aspectos do design de moda e o uso da eletrônica digital como parte da criação. No caso da documentação do desenvolvimento da interface Ruffleton, constam, por exemplo, os estudos (Figura 51) de extensões que na versão final tomam a forma de rufos drapeados nas partes laterais da modelagem para acondicionar os sensores de curva desenvolvidos com dispositivos e tecidos condutores. 133 Figura 51: Estudos de extensões para integração de sensores Fonte: http://blog.arduino.cc/2012/10/11/wear-your-musical-interface/. Cada uma das oito dobras dos rufos se conecta com o som de uma nota musical. Desta forma, os sons musicais se propagam pela movimentação dos rufos para cima e para baixo, acompanhando a interação do usuário nas dez centrais digitais embutidas na saia e nos três sensores de dobra incorporados ao colar de feltro feito a mão. Destaque-se que a miniaturização dos componentes eletrônicos e os tecidos condutores são elementos fundamentais para integração dessas tecnologias aos materiais têxteis das prototipagens. Nos processos de prototipagem, os designers integram às peças uma variedade de sensores e fios condutores flexíveis, costuráveis e laváveis. Executam movimentos como forma de testar detectores de gestos para ativação de sensores e sistemas de comunicação sem fio, entre outros. Desenvolvendo formas com as novas tecnologias e sistemas que permitem trocas de dados com tecnologia wireless, os designers de moda ampliam as possibilidades de criação. Contudo, ao 134 averiguar as prototipagens publicadas, é possível verificar que nem todos os processos relatam estudos de formas X novas tecnologias. Por exemplo, no caso de Ping – A social network garment, criado pela designer Jennifer Darmour (2010), os processos de integração das tecnologias se voltam para questões específicas, como movimentos habituais de usuários X comunicação com redes sociais. Esses movimentos permitem, por exemplo, que ao fechar um zíper ou vestir o capuz de uma jaqueta, o usuário passe a interagir com sua rede social. Com esse tipo de sistema implementado, o usuário poderia, por exemplo, medir a qualidade do ar que está respirando enquanto caminha (Figura 52). Figura 52: Projeto Ping – A social network garment Fonte: http://www.electricfoxy.com/ping/. Ping – A social network garment é outro caso de implementação de tecnologia open source Lilypad Arduino. A peça foi projetada para permitir conexão do Lilypad e a interface do Facebook, com comunicação nos dois sentidos. Um microcontrolador Xbee permite a 135 comunicação por Wi-Fi. Em relação à modelagem, destaca-se a ausência de registros para suportes rígidos em sua estrutura (Figura 53). Figura 53: Partes da modelagem e fios condutores flexíveis costuráveis e laváveis. Fonte: http://www.electricfoxy.com/ping/. As padronagens de fios condutores costurados diretamente sobre bases de tecidos convencionais criam uma alternativa interessante para substituir os fios metálicos dos circuitos eletrônicos e, ao mesmo tempo, tornar-se parte do design da peça. Os processos e prototipagens compartilhados por designers costumam partir de discussões conceituais. A designer holandesa Anouk Wipprecht, por exemplo, trabalha com temas como espaço pessoal, hipersensibilidade, transformação e reação. Para materializar suas ideias e projetos interativos, ela cria peças reativas e mutantes que interagem com os usuários por meio de elementos líquidos, fumaça, sons, luzes e movimento. 136 No caso do Pseudomorphs (2010) de Wipprecht, o processo e a documentação do projeto foram registrados pelo V2_Lab Centro Interdisciplinar de Arte e Tecnologia de Rotterdam, na Holanda. V2_Lab é um laboratório que registra processos de O artistas internacionais, cientistas, técnicos e designers envolvidos em projetos de tecnologias vestíveis, como arte eletrônica, novas mídias, softwares e hardwares open source. Ressalte-se que o resultado final deste projeto foi apresentado com destaque no Vienna Fashion Week, em 2010. Por essa via, são documentados a concepção da peça e o processo de prototipagem, croquis, estudos de moulage, técnicas de alfaiataria e implementação tecnológica com softwares, hardwares. O processo inclui testes de dispositivos eletrônicos e testes com modelo de prova (Figura 54). Figura 54: Croqui da peça e estudos da forma em moulage Fonte: http://v2.nl/lab. 137 A Figura 55 demonstra o tipo de tecnologia eletrônica digital integrada às peças. Softwares e hardwares como placas de circuitos, sensores, microcontroladores e válvulas pneumáticas são testados. Figura 55: Seleção de hardwares que farão parte da peça. Fonte: http://v2.nl/lab. Em processos de prototipagens que integram tecnologias vestíveis, os designers de moda podem integrar ou desenvolver tecnologias das mais variadas formas, criando novas modalidades ou se apropriando daquelas desenvolvidas para outros propósitos. É o que ocorre com objetos inicialmente destinados à tecnologia espacial, à telemática, à biotecnologia e à técnica esportiva (AVELAR, 2009, p.148). Na prototipagem Pseudomorphs (2010), por exemplo, a designer incluiu o desenvolvimento de uma peça em forma de gola integrada com tubos oriundos de reaproveitamento de equipamentos médicos. Acionada por circuitos eletrônicos, a gola com válvulas pneumáticas 138 libera tinta fluida que escorre de forma aleatória sobre uma peça totalmente branca (Figura 56). Figura 56 Teste de hardwares. Fonte: http://v2.nl/lab. Sobre a silhueta propositadamente ampliada da peça formas orgânicas se espalham, escorrem e não se repetem evocando ações do tipo handmade 44. No entanto, Pseudomorphs são peças resultantes de um processo em que a tecnologia atua como cocriadora do trabalho da designer. Os processos aqui estudados representam apenas algumas implicações dos processos de prototipagens que integram tecnologias eletrônicas digitais às peças vestíveis. Assim sendo, ressalte-se que a criatividade, a experimentação e a inovação são fundamentais para gerar novas metodologias de aprendizado e aplicações destes processos no design de moda. 44 Termo usado para definir trabalhos que envolvem processos artesanais. Feito à mão. 139 Partindo do exposto, fica evidente que integração das tecnologias vestíveis abre possibilidades para que o designer de moda crie, desenvolva ou gerencie processos interativos. Pode-se afirmar que o desenvolvimento de peças interativas implica em modificações no estudo da forma. A tecnologia eletrônica digital já não se implica somente em funcionalidade, mas se insere como um elemento potencial para gerar novas formas e novos produtos de design. Neste contexto, as possibilidades das plataformas open source, o compartilhamento de processos, os materiais e as ferramentas emergentes colaboram como novos instrumentos para a inovação na área do design de moda. 140 CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta pesquisa teve por objetivo discutir a intersecção entre as novas tecnologias vestíveis e o design de moda. Investigou prototipagens que integram as novas tecnologias físico-digitais, sensores e atuadores no processo de prototipagem e modelagem. Destaque-se que nesta dissertação, o termo prototipagem, quando direcionado ao design de moda refere-se a um conjunto de procedimentos que envolvem tecnologias eletrônicas digitais que inclui tecido e fios condutores, softwares, hardwares e métodos tradicionais de construção de roupas, com a finalidade de estudo, pesquisa ou desenvolvimento e produção de projetos interativos. Ressalte-se que este é um campo novo e que ainda carece de muita pesquisa e reflexão. Nesse sentido, esta pesquisa busca contribuir para suprir a lacuna dessas informações em cursos de nível superior, principalmente na área de Design de Moda. Para compreender os novos processos de prototipagem com eletrônica digital e tecnologias open source disponíveis, tomou-se por base o estudo das plataformas Open Source para prototipagem eletrônica, em especial a plataforma de LilyPad Arduino e suas comunidades on-line. Nesta pesquisa a decisão de estudar projetos de diferentes designers em vez de focar em um único caso permitiu análises e comparações do modo como às tecnologias eletrônicas digitais vêm 141 sendo integradas ao vestuário, e facilitou a compreensão das diferentes possibilidades de integração no processo de modelagem. Para aplicar fundamentos do design ao integrar tecnologia eletrônica digital em uma peça vestível, as considerações deste estudo apontam para importância da observação do corpo e ergonomia antes de iniciar qualquer proposta de trabalho. No entanto, essas questões deverão ser consideradas proporcionais e relativas às propostas dos projetos. Pois como se averiguou mesmo nos casos das prototipagens de peças conceituais, como nos trabalhos de Hussein Chalayan, verifica-se a necessidade de ergonomia na parte estrutural da modelagem. Caso contrário, o ato de portar a peça e desfilar com desenvoltura na passarela, seria inviável para a usuária, neste caso a modelo. Os processos de prototipagem estudados no capítulo 2 desta pesquisa confirmam que possibilidades trazidas pela popularização de novos processos e materiais têm diminuído as barreiras para implementação das tecnologias vestíveis no design de moda. Como Mann (1996) havia previsto, as linhas condutoras atualmente podem, em determinados casos, eliminar a necessidade de pesados fios de metal. Ao mesmo tempo, podem substituir as linhas de algodão no desenvolvimento de peças em design de moda. Os resultados desta investigação demonstram que a integração das tecnologias pode ocorrer de diferentes modos e em diferentes estágios do desenvolvimento da modelagem. As implementações tecnológicas podem incluir sistemas analógicos, digitais ou híbridos ao 142 serem integradas em partes específicas da moulage ou da modelagem plana, por meio de tecidos e fios condutores. Ressalte-se que neste contexto, a integração da microeletrônica nos processos de prototipagem, com a soft computing, por exemplo, é possível tornar os dispositivos eletrônicos ainda mais maleáveis na estrutura formal das modelagens. O estudo revelou que de acordo com tipo de interação entre peça/usuário/ambiente a forma e função das novas tecnologias podem influenciar diretamente no desenvolvimento estrutural e formal da modelagem. Como ocorre, por exemplo, no caso dos Lasers Dresses da Coleção Readings 45 (2008) de Chalayan e suas basques assimétricas que lembram formas de luminárias, nos recortes vazados que abrem e fecham das peças do projeto Skorpions 46 (2008) e nas extensões da modelagem para abrigar os sensores de curva que enviam dados para acionar os sons da interface Ruffleton (2012) 47. Em outros casos, sensores e atuadores podem ser integrados em camadas superficiais de têxteis condutores ou não condutores atuando como texturas e bordados diferenciados e interativos como ocorre, por exemplo, na peça Climate Dress 48 (2009). Estes processos podem ou não envolver alteração e influenciar na parte estrutural da modelagem como se averiguou, por exemplo, no caso do Vídeo Dress (2007). 45 Readings (2008).Chalayan. p.91 Skorpions (2008). Berzowska. p.107 47 Ruffleton (2012). lara Grant p.132 48 Climate Dress. (2009). p.79 46 143 Pela observação dos aspectos investigados nesta pesquisa, as prototipagens que integram tecnologias eletrônicas digitais resultam em peças interativas e cinéticas, evocando novas práticas projetuais que compõe novos elementos como apresentados na Figura 57 abaixo. Figura 57: Novos Elementos projetuais e formais. Fonte: Do autor. Com relação às ações colaborativas entre as comunidades das plataformas e o design de moda, destacam-se principalmente a criação de novas tecnologias open source para implementação em 144 peças vestíveis e o compartilhamento de informações e processos dedicados a designers e artistas que não são programadores, mas que manifestam interesse em desenvolver projetos interativos. No decorrer da pesquisa, tornou-se evidente e confirmou-se que compartilhamento de informações dos novos processos de prototipagem eletrônica digital acaba por acelerar, ampliar e democratizar o conhecimento sobre a integração das tecnologias no desenvolvimento de peças vestíveis. O investimento em pesquisas experimentais sobre as implementações, nesse sentido, pode gerar importantes inovações nas práticas projetuais, visto que, ao possibilitar a prototipagem da "prova de conceito", estimula a investigação, a análise de resultados e a abertura de um campo frutífero para o desenvolvimento de novas pesquisas sobre design de moda e interatividade. Possibilidades de desdobramento dessa pesquisa em trabalhos futuros consideram a investigação da capacidade de maleabilidade, de resistência e de durabilidade dos materiais tecnológicos que atualmente podem ser integrados ao processo de modelagem. Neste contexto é fundamental articular a sustentabilidade social e ambiental para estruturar formas de reaproveitamento das peças produzidas. 145 BIBLIOGRAFIA AGUIAR, Y. et al. Uso de Protótipos no Processo de Concepção de Interfaces do Usuário. In: II Congresso de Pesquisa e Inovação da Rede Norte Nordeste de Educação Tecnológica. 2007. p. 453-469. ANDERSON, C. Ask an engineer. Wired, Nova Iorque, v.1904, pp. 94-97. apr. 2011 ______. Makers: the new industrial revolutions. Nova Iorque: Random House, 2012. AVELAR, Suzana. Moda: globalização e novas tecnologias. São Paulo: Estação das letras e cores editora, 2009. BANZI, Massimo. Getting Started with arduino. O'Reilly Media, Inc., 2009. BARTHES, Roland. O sistema da moda. São Paulo: Martins Fontes, 2009. BELOFF, L. The Hybronaut and Other Unexpected Approaches to Wearable Technology. In: International Conference on the Histories of Media Art, Science and Technology, 3, 2009, Melbourne. Mediaarthistory.org, 2012. ______. 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O Flex Sensor Patenteado pela empresa spectrasymbol®, o Flex Sensor é construído com base em elementos resistivos de carbono. Funcionando como um resistor variável, o Flex Sensor engloba altas tecnologias de fabricação para produzir substratos finos e flexíveis. A Figure 58 ilustra este tipo de sensor. Figure 58: Sensor Flex Sensor. Fonte: http://www.adafruit.com/products/1070 Quando este substrato é dobrado ou arqueado, o sensor produz um sinal em sua saída proporcional a uma resistência; isto é: quanto 154 maior a flexão aplicada, maior será o valor da resistência. O Flex Sensor possui vasta aplicação, como: controles automotivos, dispositivos médicos, periféricos de computadores etc., sendo que a aplicação mais conhecida foi a Nintendo Power Glove (Figure 59), que é um dispositivo para controlar a Nintendo Power System através de uma interface periférica, recriando movimentos da mão humana em tempo real, em uma tela de TV ou de computador. Figure 59: Nintendo Power Glove. Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:NES-Power-Glove.jpg Sensores do tipo switch De acordo com Santos (2006), existem vários tipos de sensores. A seguir, alguns exemplos dos mais utilizados em tecnologias vestíveis. Os mecânicos sensoriam movimentos, posições ou presença através de recursos mecânicos, como as chaves ou switches 49. É o que mostra a (Figure 60). 49 Sensor tátil mecânico que serve para ligar ou desligar um sistema. 155 Figure 60: Sensores do tipo switch. Fonte: http://www.adafruit.com. Como o nome sugere, estes tipos de sensores funcionam como interruptores, ligando ou desligando uma ação mecânica no seu elemento atuador. Ainda na categoria dos sensores mecânicos, encontram-se: os sensores de distância – modificam um sistema pela proximidade de objeto ou pessoa; sensores extensores elásticos – funcionam de acordo com variação da elasticidade; sensores de força pressão – monitoram diferenças de pressão e força sob sua superfície; além dos sensores de movimento. A (Figure ) ilustra estes sensores. a) c) b) d) Figure 62: a) Sensor de distância. b) Sensor de extensão elástica. c) Sensores de força e pressão. d) Sensor de movimento. Fonte: http://www.adafruit.com. 156 Uma aplicação destes sensores mecânicos está no projeto dos pesquisadores Jill Sherman e Sara Hendren. Por meio de sensores extensores elásticos, a peça Breathe (2011) visa tornar visíveis os padrões de respiração da pessoa que o veste, determinando padrões luminosos distribuídos ao longo da peça (HENDREN, 2011). A (Figure 61) ilustra a peça finalizada com o sistema em funcionamento. Figure 61: Breathe em funcionamento. Fonte: http://material.media.mit.edu/?p=1289. Acesso em 20 jun. 2012. 157 Para o desenvolvimento de Breathe sensores extensores elásticos foram integrados à peça em forma de espartilho (Figure 62). Figure 62: Sensores de extensão elástica em forma de espartilho. Fonte: http://material.media.mit.edu/?p=1289. Sensores de temperatura Funcionam através de resistores termicamente sensíveis, denominados por Albuquerque e Thomazini (2011) como termistores. Os elementos resistivos utilizados na fabricação destes sensores são metais. Os termistores se subdividem em duas categorias básicas: No primeiro caso a resistência aumenta com a temperatura, e no segundo ocorre o inverso, a temperatura diminui. Estes sensores podem operar de temperaturas negativas até 125C°. A Figure 63 ilustra os diversos tipos. 158 Figure 63 a) Sensor digital de temperatura (LilyPad). b) Sensor de temperatura. C) Sensor digital de temperatura (Dallas). d) Sensor digital de temperatura a prova d’água. Fonte: http://www.sparkfun.com Ainda segundo Braga (2012), estes sensores do tipo CI 50, como o, por exemplo, o sensor digital de temperatura (LilyPad), incluem recursos de aquisição de dados e operação sincronizada com outros tipos de sensores, como o de umidade. Um exemplo de aplicação desse tipo de sensor vem do projeto de pesquisadores da University of Colorado Boulder, a Heating and Cooling Jacket. 50 Vem da sigla Circuito Integrado – um circuito eletrônico em miniatura. 159 Figure 64: The Heating and Cooling Jacket. Fonte: http://www.instructables.com/id/How-to-make-a-Heating-and-Cooling-Jacket/. A peça contém sensores de temperatura e microcontroladores que mantêm o corpo de quem o veste em temperatura estável conforme a temperatura ambiente. Sensores de umidade Sensores que medem temperatura podem também medir a umidade relativa do ar. Thomazini e Albuquerque (2005) definem umidade como o estado atmosférico determinado pelo conteúdo de vapor de água no ar. A capacidade 51 (capacitância) varia de acordo com a umidade relativa do ambiente. O instrumento faz a conversão do valor da variação da capacitância eletronicamente indicando o 51 Propriedade que os corpos possuem de armazenar carga elétrica. Fonte: GASPAR, A. Física, 3. Áttica, 2000. 160 nível de umidade. A Figure ilustra alguns tipos de sensores que medem temperatura e umidade. b) a) c) Figure 67: Sensor de temperatura e umidade (RHT22). b) Sensor de temperatura e pressão (SHT11). c) Microssensor de temperatura e umidade (SHT15)5. Fonte: <www.Sparkfun.com> De acordo com Albuquerque e Tomazini (2011), atuadores são dispositivos que modificam uma variável controlada, a partir do sinal recebido de um controlador agindo sobre o sistema controlado. Existe uma grande variedade de atuadores, dentre os quais os LEDs, displays de LCD, buzzers, alto-falantes e os micro e servo motores. 161 Buzzers Segundo Shamieh e McComb (2009), os buzzers (Figure 65) são como pequenos alto-falantes ou campainhas, mas com som mais estridente, gerando apenas um ruído. Da classe dos materiais piezolétricos 52, eles são, em última instância, alarmes sonoros. Figure 65: Campainha do tipo buzzer Fonte: http://www.adafruit.com. Ao incluir os buzzers para um projeto, de acordo com Shamieh e McComb (2009), deve-se atentar para importantes aspectos. Como, por exemplo, a frequência de som que esse dispositivo emite. A maioria das campainhas emite som a uma frequência na faixa de 2 a 4 kHz. Sobre a faixa de tensão de operação deve certificar-se de que o dispositivo trabalha com tensão contínua para abastecimento de energia do projeto. Em relação à quantidade de decibéis gerada pelo dispositivo, 52 Materiais piezoelétricos são aqueles que possuem a propriedade de produzir uma voltagem quando sujeitos a um esforço mecânico ou produzem uma resposta mecânica quando submetidos a uma voltagem. Fonte: NUSSENZVEIG, H. M. Curso de Física Básica. São Paulo, Blucher, 1983. 162 quanto mais alto o som, mais incômodo para o ouvido humano. Quanto maior a tensão contínua aplicada, maior será o nível sonoro. Alto-falantes Os alto-falantes estão na categoria de transdutores 53, fazendo a conversão de sinais elétricos em energia sonora. De acordo com Shamieh e McComb (2009), os alto-falantes consistem de um ímã permanente, um eletroímã 54 e um cone vibratório. A Figure ilustra um tipo de micro alto-falante. Figure 69: Micro alto-falante. Fonte: https://www.sparkfun.com/products/10722. 53 Transdutores são dispositivos que convertem uma forma de energia em outra. Dispositivo que utiliza corrente elétrica para gerar um campo magnético. . Fonte: NUSSENZVEIG, H. M. Curso de Física Básica. São Paulo, Blucher, 1983. 54 163 Um exemplo de aplicação destes atuadores é a peça é a interface musical Ruffletron, desenvolvida em 2012 pela designer de moda lara Grant já discutido no capítulo 4.