outubro – dezembro 2010 / October

Transcrição

outubro – dezembro 2010 / October
A n o 1 8 N º 4 outubro a dezembro d e 2 0 10
Congresso é o primeiro
desafio de 2011
D
epois de um ano de muito trabalho e bons resultados, a Diretoria do ILSI Brasil se
reuniu para traçar as metas para os próximos doze meses e comemorou o saldo positivo dos eventos, publicações e outros projetos que envolveram a academia, indústria,
governo e novas parcerias que começam a se consolidar. É neste clima otimista que seus membros agradecem o apoio de todos e desejam que, em 2011, o caminho entre sonhos e realizações
seja ainda mais curto, para que os desafios se concretizem na construção de uma sociedade cada
vez mais dinâmica nas áreas da pesquisa, ciência, bem-estar e preservação do Planeta.
Nesta Edição:
EDITORIAL
Inovação e Pioneirismo 2
ARTIGO
Abordagem Nutrigenômica Aplicada aos
Estudos de Alimentos Funcionais
3
EVENTOS
Funcionais: discussão atual
7
EVENTOS
Alimentação: novos hábitos
7
ENTREVISTA
“Não existe atividade humana
sem risco!”
8
Foi nesta direção que se definiu
o enfoque do II Congresso Nacional do ILSI Brasil, que acontecerá nos dias 6, 7 e 8 de abril,
em Águas de São Pedro, interior
paulista e terá como Presidente
do Comitê Científico, Dr. Félix Reyes. Especialistas estarão
reunidos para debater o tema
“Avaliação do Risco: Ciência
e Decisão - Saúde, Nutrição e
Meio Ambiente”, assunto hoje
na pauta de amplas discussões
internacionais. O objetivo é uma
abordagem ampla, considerando
Ary Bucione, Alexandre Novachi, Mauro Fisberg, Flavio Zambrone, Ione
o impacto da questão impacto
Lemonica, Eugenio Ulian, Felix Reyes, Aldo Baccarin, Franco Lajolo.
Sentados: Georgia Castro, Jose Mauro Moraes.
em várias áreas e abrindo o debate para os aspectos científicos
ligados diretamente ao uso de produtos e substâncias, sem desconsiderar seus benefícios.
Desenvolvida nos últimos 30 anos, a Avaliação do Risco é atualmente uma importante ferramenta de gestão e quantificação dos riscos inerentes às atividades humanas e o desafio é fazer
com que todos os envolvidos a conheçam e possam fazer o melhor uso dela a favor da sociedade.
Afinal, nem todo o risco percebido é o risco calculado.
O evento é mais uma iniciativa nacional alinhada às ações do ILSI Internacional, que identificou a Avaliação do Risco como um dos quatro temas prioritários para os próximos anos, a partir
de necessidades apontadas globalmente. Acompanhe pelo site www.ilsi.org.br. Participem!
ILSI Brasil
Editorial
Diretoria/Conselho
Presidente
Aldo Baccarin
Diretoria
Alexandre Novachi – Danone Ltda
Ary Bucione – Danisco Brasil Ltda.
Eugenio Ulian – Monsanto do Brasil Ltda.
Felix G. Reyes – Fac. Eng. Alimentos/UNICAMP
Dr. Flávio A. D. Zambrone - Planitox
Dr. Franco Lajolo – Fac. Ciências Farmacêuticas/ USP
Geórgia Castro – Kraft Foods Brasil Ltda.
Dra. Ione Pellegatti Lemonica – UNESP Botucatu
José Mauro Moraes – Coca-Cola Industrias Ltda.
Dr. Mauro Fisberg – UNIFESP
Diretoria Executiva
Mariela Weingarten Berezovsky
Conselho Científico e de Administração
Aldo Baccarin
Alexandre Novachi – Danone Ltda
Ana Carolina Aguirre – Syngenta Proteção de Cultivos Ltda.
Antonio M. Mantoan – Mead Johnson Nutritional
Ary Bucione – Danisco Brasil Ltda.
Dra. Bernadette D. G. Franco – Fac. Ciências Farmacêuticas/ USP
Cláudia Araujo Fernandes – Support Prod. Nutricionais Ltda.
Dra. Elizabeth Nascimento – Fac. Ciências Farmacêuticas/ USP
Eugenio Ulian – Monsanto do Brasil Ltda.
Felix G. Reyes – Fac. Eng. Alimentos/UNICAMP
Dr. Flávio A. D. Zambrone - Planitox
Dr. Franco Lajolo – Fac. Ciências Farmacêuticas/ USP
Geórgia Castro – Kraft Foods Brasil Ltda.
Dr. Hélio Vannucchi – Fac. Medicina USP Rib. Preto
Dra. Ione Pellegatti Lemonica – UNESP Botucatu
João Alberto Bordignon – Nutrimental S/A Ind. e Com. de
Alimentos
João Alegro – Milenia Agro Ciências S/A
Dr. João Lauro Viana de Camargo – UNESP Botucatu
José Mauro Moraes – Coca-Cola Industrias Ltda.
Kathia Schmider - Nestlé Brasil Ltda.
Dra. Lígia Martini – Fac. Saúde Pública/USP
Dra. Maria Cecília Toledo – Fac. Eng. Alimentos/UNICAMP
Dr. Mauro Fisberg – UNIFESP
Dr. Paulo Cesar Stringheta – Univ. Federal de Viçosa
Steven Rumsey – Bunge Alimentos
Expediente
Publicação do:
International Life Sciences Institute ILSI Brasil
Rua Hungria, 664 Cj. 113 – 01455-904 – São Paulo-SP
tel.: (11) 3035-5585 – e-mail: [email protected]
Conselho Editorial: Clarice Tonato, Felix G. Reyes e
Mariela Weingarten Berezovsky
Editora Executiva: Mariela Weingarten Berezovsky
Redação: Edna Vairoletti
Produção: DPI Studio e Editora
Tel./Fax: (11) 3207-1617 – [email protected]
Circulação externa – Tiragem de 4.500 exemplares
Direitos reservados ao ILSI Brasil
2 ILSI Brasil
N O T Í C I A S
INOVAÇÃO E PIONEIRISMO
S
ão raras as pessoas que não
reservam um tempinho para
fazer um balanço de tudo de
bom, ou nem tanto, que aconteceu ao
longo do ano. Nós do ILSI Brasil não
somos exceção. Dezembro é mês de
balanço não só financeiro, mas de realizações e um check-list. Começamos
2010 com uma grande expectativa
pelos 20 anos de atividades no País e resolvemos
comemorar trabalhando. Posso dizer que não
nos arrependemos.
O ano não foi dos
mais fáceis, diante de
fusões de empresas ligadas ao ILSI, redução de
investimentos, mas nada
nos desanimou. A equipe deu “duro” e
conseguimos cumprir nosso cronograma porque não dizer, com louvor. O
evento de Funcionais, em outubro, foi
um dos destaques, pelo alto nível dos
participantes, pela repercussão positiva
e o primeiro a ter transmissão mundial
via internet.
Às Publicações também se somaram novos títulos e a procura tem
crescido. Para focar ainda mais nossas
ações foram criados Grupos de Trabalho, com objetivos de intensificar
projetos nas áreas de Probióticos e
Resíduos de Substâncias Químicas,
dois temas que têm chamado a atenção
de pesquisadores, da indústria e da
sociedade.
Entre os novos membros ficamos
felizes com o retorno da Sadia e
esperamos contar com outros sócios
sempre, contribuindo nos nossos planos
de crescimento em 2011. Também
queremos intensificar as parcerias com
universidades, institutos de pesquisa e
órgãos governamentais.
Dentro do próprio ILSI
a ideia é aumentar a
proximidade com outros
branches e assim estimular a criação de projetos
em comum, como o Projeto Latino Americano
de Alinhamento dos Valores de Referência para
Rotulagem Nutricional.
Enfim, mais uma vez fomos à
luta para concretizar nossos objetivos
e agradecemos o apoio de todos. E já
estamos organizando nosso II Congresso
e Reunião Anual, em abril, em Águas
de São Pedro, e que terá como tema
Avaliação do Risco, uma preocupação
mundial. Esperamos que, em 2011, o
ILSI Brasil possa consolidar, mais uma
vez, projetos que tenham a marca da
inovação e pioneirismo. Este desafio é
nosso maior estímulo a cada novo ano.
Mariela Weingarten Berezovsky
Diretoria Executiva
ILSI no mundo e no Brasil
A manutenção de um fórum permanente de atualização de conhecimentos técnico-científicos que contribuem para a saúde da população e são de interesse comum
às empresas, governos, universidades e institutos de pesquisa. Este é o principal
objetivo do International Life Sciences Institute (ILSI), associação sem fins lucrativos, com sede em Washington, D.C., nos Estados Unidos, e seções regionais na
América do Norte, Argentina, Austrália, Brasil, Europa, Japão, México e Sudeste
Asiático. É afiliado à Organização Mundial da Saúde (OMS), como entidade não-governamental e órgão consultivo da ONU para Alimentação e Agricultura (FAO).
No Brasil, o ILSI colabora para o melhor entendimento de assuntos ligados à nutrição, segurança alimentar, toxicologia e meio ambiente, reunindo cientistas do meio acadêmico, do governo e da indústria.
outubro – dezembro 2010
Artigo
Abordagem Nutrigenômica
Aplicada aos Estudos de
Alimentos Funcionais
Renata Nascimento Freitas
Professora Associado da Escola de Nutrição da Universidade Federal de Ouro Preto
O
desenvolvimento de habilidades para obter do meio
os nutrientes necessários para a manutenção da vida e
garantia da reprodução é aceito como um dos fatores
determinantes da evolução das espécies. É plausível pensar que
a dieta ou os alimentos influenciaram a evolução biológica tanto
quanto a evolução social e tecnológica do homem. Indivíduos
que conseguiam obter dos alimentos disponíveis a melhor
performance física e capacidade de sobrevivência e reprodução,
possivelmente foram selecionados durante a ocupação do planeta.
É possível que assim os nutrientes presentes na dieta humana
tenham influenciado a programação metabólica da espécie.
Podemos citar como exemplo a melhor adaptação de indivíduos
apresentando menor pigmentação da pele à medida que o Homo
sapiens migrou da África para regiões menos ensolaradas do
planeta, já que esta característica favorecia a síntese de vitamina
D em condições de baixa exposição à luz solar.
Civilizações antigas já demonstravam conhecimento sobre as
relações dos alimentos ou dieta não apenas como garantia da própria
vida, mas também como capazes de melhorar a performance física
e auxiliar na cura de doenças. Hipócrates (460-377 a.C.) e seu
discípulo Galeno (129-201 a.C.), considerados os pais da medicina
moderna, reconheciam o papel fundamental da seleção adequada de
alimentos para garantir menor ocorrência de doenças.
Os estudos de Gregor J Mendel (1822-1884) contribuíram
para que o conceito de “determinismo genético” como causa
de doenças prevalecesse até as primeiras décadas do século
passado. A partir da segunda metade do século XX, o conceito
de individualidade bioquímica e a influência dos nutrientes
sobre o metabolismo e, logo, sobre a ocorrência de doenças
passou a ser mais amplamente aceito. Em seu livro Biochemical
Individuality: The Basis for the Genetotrophic Concept, Roger
J Williams (1) reconhecia o microambiente nutricional celular
como crucialmente importante para a saúde e que deficiências
neste ambiente constituíam a principal causa de doenças.
Williams cunhou o termo doenças genetotróficas que se referiam
a doenças que ocorriam em função de necessidades nutricionais
geneticamente determinadas que, por não serem supridas,
levavam a uma expressão gênica precária. Em 1976, publicou um
artigo instigante no qual já propunha que características como
consumo voluntário de alimentos e consumo de açúcar podiam
ser decorrentes da influência nutricional sobre a expressão
de genes e não ocorriam apenas como consequência do mau
funcionamento metabólico geneticamente determinado (2).
Ao final do século passado o conceito de genoma, anteriormente
considerado uma entidade rígida e estática, formada pela coleção
de genes de um organismo, evoluiu para um conceito mais amplo
que considerava a intricada relação entre genes, proteínas e sinais
intra e extracelulares que coletivamente afetavam a função da célula
(3). O conceito de “susceptibilidade genética” passou a ser mais
valorizado na patogênese de diversas doenças. De acordo com este
conceito, a presença de genes aberrantes por si só não é suficiente
para que as doenças ocorram. A interação entre genes e a exposição
a fatores ambientais passou a ser considerada como determinante
na ocorrência de importantes doenças que afetam a humanidade
como os cânceres, diversas doenças inflamatórias e metabólicas e as
doenças cardiovasculares.
Nas últimas décadas, em decorrência do aumento dos
conhecimentos do efeito dos nutrientes sobre a saúde humana
ILSI Brasil
N O T Í C I A S
3
Artigo
e do desenvolvimento de novas tecnologias, o foco das pesquisas
nutricionais mudou drasticamente da prevenção de deficiências
nutricionais para a promoção da saúde e prevenção de doenças
crônicas não transmissíveis. Doenças como o câncer, doenças
cardiovasculares e diabetes, têm se tornado globalmente
importantes no contexto da saúde pública e fatores dietéticos têm
sido consistentemente relacionados entre os fatores ambientais
relevantes. Paralelamente, nas duas últimas décadas, as revelações
da genômica funcional criaram as bases para a proposição de que
constituintes dos alimentos (nutrientes ou não) seriam capazes
de, através da modulação metabólica e da regulação da expressão
gênica, causar, prevenir ou auxiliar na cura de doenças.
O termo nutrigenômica ou genômica nutricional tem
sido usado para descrever estudos na interface da bioquímica,
fisiologia, genômica e nutrição que buscam esclarecer as
interações recíprocas que existem entre nutrientes e o genoma de
um indivíduo em níveis moleculares e genômicos. O termo foi
usado pela primeira vez por DellaPenna(4) no final do século XX
e as bases conceituais desta nova fronteira da ciência da nutrição
foram desenvolvidas por diferentes autores nos primeiros anos
deste século(5-9). Kaput & Rodriguez (7) propuseram em
2004 as seguintes premissas como base para os estudos em
nutrigenômica e prevenção de doenças:
Constituintes dietéticos agem no genoma humano de
maneira direta ou indireta, alterando a expressão ou a
estrutura gênica;
l Sob certas circunstâncias e em alguns indivíduos (dependendo
do seu perfil genético), a dieta pode ser um importante fator
de risco para alguns cânceres, doenças cardiovasculares e
outras doenças relacionadas à nutrição;
l Alguns genes regulados pela dieta têm papel na patogênese
ou progressão de doenças crônicas;
l Intervenções dietéticas baseadas no conhecimento das
necessidades nutricionais, no estado nutricional e no
l
Figura 1- As ciências “ômicas” no entendimento das relações entre nutrição e saúde/doença.
4 ILSI Brasil
N O T Í C I A S
outubro – dezembro 2010
Artigo
genótipo, podem ser usadas para prevenir, diminuir ou tratar
doenças crônicas.
Inegavelmente os genes podem influenciar a absorção, o
metabolismo e transporte de um componente alimentar bioativo ou
o seu sítio de ação e então influenciar a resposta geral a dieta (efeitos
nutrigenéticos). De maneira similar, componentes alimentares
bioativos podem alterar a estrutura e função (efeitos nutricionais
epigenéticos) ou a expressão (efeitos nutricionais transcriptômicos)
de genes e assim influenciar a ocorrência de doenças relacionadas
à nutrição. Uma abordagem da biologia de sistemas que examine
simultaneamente o perfil genético e polimorfismos associados com
a resposta a dieta; alterações de cromatina e de padrões de metilação
de DNA; modificações na expressão gênica (nutrigenômica);
alterações na formação e/ou bioativação de proteinas (proteômica)
e produtos do metabolismo (metabolômica), podem permitir que
as pesquisas na área da nutrição, alimentos e prevenção de doenças
avancem de uma abordagem observacional para uma abordagem
molecular (Figura 1).
A genômica nutricional oferece assim oportunidades
para credenciar compostos alimentares de maneira específica,
determinando as modificações genéticas e epigenéticas que
provocam mudanças no fenótipo que podem influenciar o risco
de doenças, com o propósito de estabelecer quais interações são
importantes e sob que circunstâncias (8). Este conhecimento
pode levar à proposição de orientações nutricionais e prescrições
dietéticas específicas, dirigidas tanto ao indivíduo quanto a
populações, além de permitir o desenho de alimentos com
propriedades funcionais mais eficazes tanto para a prevenção
quanto para o tratamento de doenças.
As relações dos alimentos e nutrição são abordadas de uma
maneira mais holística considerando não o indivíduo médio,
mas a individualidade genética e metabólica que determina
a resposta individual à exposição ambiental. Desta maneira,
considera-se que indivíduos ou populações específicas, quando
expostos a diferentes concentrações ou doses de constituintes
alimentares apresentam diferentes respostas. Assim, os estudos
nutrigenômicos objetivam analisar os efeitos da dieta na
atividade gênica e na saúde dos indivíduos ou de populações que
compartilham genótipos ou haplótipos específicos assim como
avaliar os efeitos dos genes sobre os componentes dietéticos. Estes
estudos compreendem necessariamente conhecimentos de várias
disciplinas como Ciências de Alimentos e Nutricionais, Biologia
Molecular, Genética e Genômica, Fisiologia, Bioquímica, além
de Estatística e Bioinformática, constituindo-se em uma Ciência
Multidisciplinar.
Em resumo, os estudos nutrigenômicos compõem a
abordagem da biologia de sistemas nutricionais complementados
por estudos proteômicos e metabolômicos. Nesta abordagem, não
interessa apenas saber como componentes da dieta afetam, por
exemplo, mecanismos epigenômicos, mas como estas alterações
se refletem na expressão proteica e na produção de metabólitos
e, em última análise, no fenótipo manifestado pelo indivíduo.
Busca-se então esclarecer como os processos moleculares
envolvidos na manutenção da saúde podem ser precocemente
afetados ou influenciados por componentes da dieta antes que a
doença se manifeste com objetivo de prevenir o surgimento das
doenças, mitigar seus efeitos ou reduzir os processos relacionados
ao envelhecimento.
Diversos modelos e tecnologias mais ou menos sofisticados
estão disponíveis e são utilizados para os diferentes estudos. Os
modelos variam de microorganismos unicelulares geralmente
utilizados para esclarecimento de estrutura e função de genes
isolados ou famílias de genes, até organismos multicelulares como
D. melanogaster e C. elegans que apresentam vias metabólicas
razoavelmente similares aos humanos, mas um sistema menos
complexo, facilitando a realização de experimentos numa
abordagem de sistemas. Organismos como os roedores e mesmo
humanos, mais complexos, dificultam o estudo do sistema como
um todo e ainda são mais usados na investigação de vias ou
componentes isolados. As tecnologias utilizadas nos estudos de
genômica funcional estão atualmente altamente automatizadas
permitindo alta produção de dados nutrigenômicos que se
relacionam e interagem, cuja análise só tem sido possível
com o desenvolvimento de métodos estatísticos e recursos de
bioinformática específicos, que permitem a interpretação da
complexa diversidade.
Embora as bases conceituais da nutrigenômica, não sejam
novas, estudos recentes têm permitido esclarecer alguns destes
conceitos na perspectiva nutrigenômica. Por exemplo, vários
estudos têm focado a ativação ou desativação de fatores de
transcrição que regulam a transcrição gênica, que é o principal
mecanismo através do qual componentes alimentares ou seus
metabólitos podem alterar diretamente a expressão de genes.
De fato, fatores de transcrição de naturezas bastantes diversas
envolvidos na regulação de uma variedade de genes relacionados
a metabolismo, crescimento, resposta ao estresse e resposta
inflamatória, são ativados por macro e micronutrientes além
de outros componentes alimentares (9). De maneira indireta,
os componentes alimentares ou produtos do seu metabolismo
podem agir sobre a atividade de receptores de membrana ou sobre
componentes de vias de sinalização intracelular, interferindo
ILSI Brasil
N O T Í C I A S
5
Artigo
também com a transcrição e resposta biológica. Componentes
dietéticos podem ainda influenciar mecanismos epigenéticos
envolvidos em alterações herdáveis no padrão de expressão
gênica como a metilação de DNA e o modelamento de histonas.
O ácido fólico, por exemplo, de uma maneira dependente de
vitamina B6 e B12 compõe o principal doador de grupos metila
para reações de metilação de macromoléculas. A metilação de
DNA e de histonas constitui importante mecanismo epigenético
de regulação da transcrição.
Assim, a necessidade da biologia de sistemas nutricionais
de conectar diferentes níveis de dados biológicos e ambientais
torna necessária a integração de dados em larga escala. Com este
objetivo diferentes iniciativas têm levado ao desenvolvimento
de sites e portais interativos (10-12) nos quais bancos de
dados são alimentados com diferentes aspectos relacionados às
diferentes vias metabólicas, possibilitando a integração de dados
genômicos, proteômicos e metabolômicos e a construção de redes
metabólicas que facilitam o entendimento das intricadas relações
existentes. Paralelamente, os conhecimentos gerados a partir
dos dados obtidos pelo Projeto Genoma Humano permitiram
estabelecer que doenças complexas que se desenvolvem a partir
da interação de diversos fatores, mais frequentemente ocorrem
devido à presença de variações comuns presentes em diferentes
genes, cada uma contribuindo para uma parcela do fenótipo
observado e para a diversidade de manifestações fenotípicas e
evolução destas doenças. Estas alterações na sequência ou na
estrutura genética podem afetar a regulação da expressão ou a
atividade de biomoléculas ocasionando uma variação na resposta
individual aos fatores dietéticos e na resposta ao ambiente. Dada
a importância de se estabelecer relações entre variantes genéticas
e fenótipos relevantes, foi iniciado em junho de 2006 o Projeto
Varioma Humano com enfoque nas variações associadas a doenças
(13). O projeto inclui a descoberta de mutações e seus efeitos e
a disponibilização instantânea dos dados para profissionais como
auxílio na tomada de decisões clínicas e em pesquisas.
Embora as novas fronteiras das disciplinas “ômicas” aplicadas
à pesquisa de alimentos funcionais estejam ainda em fase inicial de
desbravamento, os resultados dos estudos realizados demonstram
o grande potencial para a descoberta de novos biomarcadores
do efeito dos compostos dietéticos sobre a saúde humana de
uma maneira sistêmica apenas imaginada até o século passado.
Estes estudos podem auxiliar a revelar indicadores precoces
de predisposição a doenças; ajudar a definir a homeostase, o
metabolismo e o fenótipo “saudáveis”; ajudar a diferenciar entre
indivíduos “responsivos” dos “não responsivos” às intervenções
dietéticas; e por último, mas não menos importante, descobrir
6 ILSI Brasil
N O T Í C I A S
novos compostos dietéticos bioativos ou funcionais. Uma questão
fundamental na utilização das tecnologias “ômicas” para elucidar
o papel de compostos dietéticos funcionais nas pesquisas sobre
prevenção e tratamento de doenças ainda é determinar quais
marcadores biológicos ou fenótipos são preditivos da resposta ao
composto funcional no tecido alvo.
Assim, à medida que a era da nutrição molecular se
desenvolver, os conhecimentos adquiridos, utilizados com
responsabilidade e bioética, serão críticos para o desenvolvimento
de abordagens efetivas na redução da morbidade e mortalidade e
melhoria da qualidade de vida da população.
Referências
1. Williams RJ. Biochemical Individuality: The Basis for the
Genetotrophic Concept, 1 ed. New York: Wiley & Sons, 1956.
2. Davis DR, Williams RJ. (1976) Potentially useful criteria for
judging nutritional adequacy. American Journal of Clinical
Nutrition, 29:710-715.
3. Bishop JE, Waldholz M. Genome: The Story of the Most
Astonishing Scientific Adventure of Our Time - the Attempt to
Map All the Genes in the Human Body. New York: Simon &
Schuster, 1990.
4. DellaPenna D. (1999) Nutritional genomics: manipulating
plant micronutrients to improve human health, Science, 285:
375-379.
5. Davis CD. (2004) Frontiers in nutrigenomics, proteomics,
metabolomics and cancer prevention, Mutation Research, 551:
51-64.
6. Kaput J. (2004) Nutritional genomics: the next frontier in the
postgenomic era, Physiology Genomics, 16: 166-177.
7. Maillet JO. (2002) Dietetics in 2017: What does the Future
Hold? Journal of the American Dietetic Association, 102: 14041406.
8. Milner JA. (2001) Molecular targets for nutrients involved with
cancer prevention, Nutrition Cancer, 41:1-16.
9. Muller M. (2003) Nutrigenomics: goals and strategies, Nature
Review Genetics, 4:315-322.
10.http://wiki.nugo.org/index.php
11.http://www.eurreca.org
12.http://www.wikipathways.org
13.www.humanvariomeproject.org
outubro – dezembro 2010
Eventos
Funcionais: discussão atual
O
IV Simpósio Internacional ILSI
Brasil sobre Alimentos Funcionais, realizado em outubro, em
São Paulo, marcou um momento especial
no calendário do ILSI Brasil. Vários fatores
contribuíram para o sucesso do evento, que
teve 180 inscritos. O alto nível dos palestrantes
trouxe para discussão temas atuais e com um
amplo conteúdo científico atualizado e faltou
tempo para mais perguntas, devido o grande
interesse da plateia em explorar ainda mais as
questões apresentadas. Outro diferencial foi o
pioneirismo. Pela primeira vez, num evento do
ILSI ocorreu a transmissão simultânea, via internet, o que abriu espaço para uma participação
on-line e em tempo real.
Durante dois dias, os conferencistas estrangeiros e brasileiros mostraram estudos
e projetos focados nas últimas tendências e
pesquisas numa programação de temas transversais e atuais, sinalizando os avanços recentes
em biomarcadores, nutrigenética, probióticos,
prebióticos, ácidos graxos, polifenóis, envelhecimento cutâneo, questões regulatórias, entre
outros assuntos, traçando um panorama de
informações apresentadas por especialistas da
Holanda, Alemanha, Japão, Suíça, Estados Unidos, Espanha, Uruguai e Brasil. Este intercâm-
bio, de ideias e propostas, mostrou a relevância
do assunto em todo o mundo, com ênfase na
busca por uma alimentação mais saudável e, ao
mesmo tempo, os cuidados da área regulatória
para liberar alimentos com alegações funcionais
e/ou de saúde, exigindo das áreas de pesquisa
e indústria maior atenção e investimentos. As
palestras podem ser acessadas no site www.ilsi.
org/brasil. l
Alimentação: novos hábitos
A
té que ponto os hábitos alimentares
dos Brasileiros estão mudando? Res­
ponder esta questão foi um dos principais desafios no Seminário “Sustentabilidade,
Alimentação e Saúde”, que aconteceu em São
Paulo, nos dias 25 e 26 de novembro, resultado
da parceria inédita entre o ILSI Brasil e a ESPM.
O debate sobre as atuais tendências da alimentação saudável e seus impactos na vida do
brasileiro analisou os novos hábitos e consumo,
quando cada vez mais as pessoas comem na
rua. Segundo o consultor Enzo Donna, em
2009, 31% das despesas de alimentação foi
fora de casa, quando a projeção era que se atingisse entre 28 e 30%, somente em 2011. Esta
demanda tem impulsionado o setor de Food
Service, que já registra um faturamento de R$
500 milhões/dia.
As mudanças de hábitos também acontecem nas escolas, onde as crianças passam boa
parte do tempo e têm sua dieta dividida entre
a merenda escolar, as cantinas ou lanchinho
que leva de casa. Dr. Mauro Fisberg, pediatra
e nutrólogo da UNIFESP, observou que as
crianças vão para escola cada vez mais cedo,
mas a mãe não está isenta da sua responsabilidade de acompanhar a alimentação do
filho, em suas várias fases de crescimento,
evitando riscos de deficiências nutricionais,
que podem causar sérios problemas para sua
saúde. Alertou, ainda, para o
problema do sobrepeso e obesidade infantil que já se detecta
entre alunos da pré-escola.
A influência da comunicação – por meio da embalagem
ou publicidade- na hora da
decisão de compra foi avaliada,
entre outros aspectos, sob o
ponto de vista da exigência legal
da grande quantidade de informação na rotulagem, que pode
confundir o consumidor, e qual a melhor forma
de veicular as campanhas sobre alimentos, em
particular quando a mensagem é dirigida para
o público infantil. No encerramento, ficou
acordada uma reunião de representantes das
diversas áreas para traçar um projeto em conjunto e uma agenda para nortear as próximas
ações. As palestras podem ser acessadas no site
www.ilsi.org/brasil. l
ILSI Brasil
N O T Í C I A S
7
Entrevista
“Não existe atividade humana sem risco!”
O
II Congresso do ILSI Brasil
traz para discussão a Avaliação do Risco. Neste batepapo Dr. Flavio Zambrone, médico e
professor de Saúde Pública e Toxicologia, conta um pouco porque o assunto
tem chamado tanta a atenção nos últimos anos.
Por que a Avaliação do Risco tem estado
em evidência nos debates internacionais?
A Avaliação do Risco foi desenvolvida
nos últimos 30 anos, como ferramenta de gestão e quantificação dos riscos inerentes às atividades humanas.
Não existe atividade humana sem
risco! O objetivo é calcular a probabilidade de um evento acontecer e
estabelecer critérios de aceitabilidade,
além de apontar os caminhos para
seu gerenciamento. Apesar de não
ser um procedimento novo, só mais
recentemente tem sido usado como
ferramenta de regulamentação, para
estabelecer se o risco de uma atividade ou produto é aceitável ou não.
Reforçando, toda atividade humana é
de risco. O crescimento social implica
em aceitar riscos. Sociedades que não
aceitam o risco se atrofiam.
Qual o maior desafio hoje na discussão do
tema?
É fazer com que os envolvidos conheçam as ferramentas para realização
da Avaliação do Risco. Nem sempre
o risco percebido é o risco calculado.
Este fato leva a incompreensões e discussões, quase sempre desprovidas de
embasamento científico.
Como o ILSI tem tratado este assunto no
mundo? Há algum projeto especial?
O ILSI tem uma preocupação especial com esta questão. O Instituto
identifi­cou quatro temas prioritários
8 ILSI Brasil
N O T Í C I A S
para os próximos anos,
a partir de necessidades
apontadas globalmente, e
a Avaliação do Risco é um
deles. O HESI (Health and
Environmental
Sciences
Institute) elaborou um projeto especial com este foco,
denominado RISK21, que
vem se desenvolvendo. O
ILSI Internacional tem um
interessante documento a respeito em sua página. http://
www.ilsi.org/Documents/
RA%20FINAL%20(2).pdf
O tema é complexo e amplo, pois
envolve aspectos de Nutrição,
Biotecnologia, Segurança Alimentar. Qual destas áreas merece maior atenção no momento e por quê?
Em minha opinião todas merecem a
mesma atenção, pois guardam uma
íntima relação entre si. Certamente a
Avaliação do Risco deve contemplar os
aspectos científicos ligados diretamente
ao uso de produtos e subs­tâncias, entretanto, não deve colocar de lado os
seus “benefícios”. Não há razão para se
avaliar o risco de substâncias ou produtos que não apresentem vantagens e
benefícios, sejam eles tecnológicos, nutricionais, sociais, dentre outros.
Como o risco pode implicar num potencial
impacto sobre os consumidores diante da
ampla diversidade de alimentos industrializados?
Não há diferença do risco para o consumidor, entre alimentos industria­
lizados e os denominados naturais.
O risco para o consumidor de um
alimento natural contaminado com
um fungo, por exemplo, pode ser
significativamente maior do que o de
um alimento industrializado. Todos
os alimentos, naturais ou industria­
lizados, podem ser seguros ou não.
O que deve ser avaliado é o risco
de cada um, com base em critérios
científicos e não em percepções individuais.
6. Como podemos distinguir o perigo versus a exposição ao risco?
O perigo é uma característica ou propriedade de um alimento ou substância. Não há risco se não houver exposição a este perigo. Ou seja, o risco
é uma função dependente de duas
variáveis, perigo e exposição. Não é
correto, portanto, neste caso, dizer
“exposição ao risco”.
7. Qual a perspectiva em relação ao tema
ser foco do II Congresso do ILSI Brasil?
Este é uma discussão atual e necessária
e que certamente despertará o interesse de diversos segmentos da sociedade, em especial, regulamentadores,
academia e indústria. Não podemos
deixar de lado os consumidores. Estes
sim são os grandes interessados em segurança. l
outubro – dezembro 2010

Documentos relacionados

EM 3352.vp - ILSI Europe

EM 3352.vp - ILSI Europe DIVERSOS CAMINHOS PARA MELHORAS NA SAÚDE

Leia mais