encontro com a poesia - interlúdio (ii)

Transcrição

encontro com a poesia - interlúdio (ii)
ENCONTRO COM A POESIA - INTERLÚDIO (II)
(Por Horácio Paiva)
TRÊS JÓIAS DO ROMANTISMO
Neste intervalo contemplativo, ainda sob o domínio da emoção romântica,
estampo três caros poemas, lidos e relidos no tempo que me coube: O INFINITO, do
italiano Leopardi; TRISTEZA, do francês Musset; e ODE SOBRE UMA URNA GREGA, do
inglês Keats. Os seus tradutores são, pela ordem: Vinicius de Moraes, Guilherme de
Almeida e Augusto de Campos. No final, introduzo uma nota sobre o genial poeta
romeno Eminesco, acompanhada de uma de suas poesias, um soneto traduzido por
Nelson Vainer. Há uma segunda nota em que apresento a tradução d’O INFINITO feita
por Ivo Barroso. Muito boa também. Mas dei preferência a de Vinicius por amá-la há
muito tempo e sabê-la de cor. Vejamos então:
GIACOMO LEOPARDI (1798-1837)
O INFINITO
Sempre cara me foi esta colina
Erma, e esta sebe, que de tanta parte
Do último horizonte o olhar exclui.
Mas sentado a mirar, intermináveis
Espaços além dela, e sobre-humanos
Silêncios, e uma calma profundíssima
Eu crio em pensamentos, onde por pouco
Não treme o coração. E como o vento
Ouço fremir entre essas folhas, eu
O infinito silêncio àquela voz
Vou comparando; e vem-me a eternidade
E as mortas estações, e esta, presente
E viva, e o seu ruído. Em meio a essa
Imensidão meu pensamento imerge
E é doce o naufragar-me nesse mar.
ALFRED DE MUSSET (1810-1857)
TRISTEZA
Eu perdi minha vida, e o alento
E os amigos, e a intrepidez,
E até mesmo aquela altivez
Que me fez crer no meu talento.
Vi na Verdade, certa vez,
A amiga do meu pensamento;
Mas, ao senti-la, num momento
O seu encanto se desfez.
Entretanto, ela é eterna, e aqueles
Que a desprezaram - pobres deles! Ignoraram tudo talvez.
Por ela Deus se manifesta.
O único bem que ainda me resta
É ter chorado uma ou outra vez.
JOHN KEATS (1795-1821)
ODE SOBRE UMA URNA GREGA
I
Inviolada noiva de quietude e paz,
Filha do tempo lento e da muda harmonia,
Silvestre historiadora que em silêncio dás
Uma lição floral mais doce que a poesia:
Que lenda flor-franjada envolve tua imagem
De homens ou divindades, para sempre errantes,
Na Arcádia a percorrer o vale extenso e ermo?
Que deuses ou mortais? Que virgens vacilantes?
Que louca fuga? Que perseguição sem termo?
Que flautas ou tambores? Que êxtase selvagem?
II
A música seduz. Mas ainda é mais cara
Se não se ouve. Dai-nos, flautas, vosso tom;
Não para o ouvido. Dai-nos a canção mais rara,
O supremo saber da música sem som:
Jovem cantor, não há como parar a dança,
A flor não murcha, a árvore não se desnuda;
Amante afoito, e o teu beijo não alcança
A amada meta, não sou eu quem te lamente:
Se não chegas ao fim, ela também não muda,
É sempre jovem e a amarás eternamente.
III
Ah! folhagem feliz que nunca perde a cor
Das folhas e não teme a fuga da estação;
Ah! feliz melodista, pródigo cantor
Capaz de renovar para sempre a canção;
Ah! amor feliz! Mais que feliz! Feliz amante!
Para sempre a querer fruir, em pleno hausto,
Para sempre a estuar de vida palpitante,
Acima da paixão humana e sua lida
Que deixa o coração desconsolado e exausto,
A fronte incendiada e a língua ressequida.
IV
Quem são esses chegando para o sacrifício?
Para que verde altar o sacerdote impele
A rês a caminhar para o solene ofício,
De grinaldas vestida a cetinosa pele?
Que aldeia à beira-mar ou junto da nascente
Ou no alto da colina foi despovoar
Nesta manhã de sol a piedosa gente?
Ah, pobre aldeia, só silêncio agora existe
Em tuas ruas, e ninguém virá contar
Por que razão estás abandonada e triste.
V
Ática forma! Altivo porte! em tua trama
Homens de mármore e mulheres emolduras
Com galhos de floresta e palmilhada grama:
Tu, forma silenciosa, a mente nos torturas
Tal como a eternidade: Fria Pastoral!
Quando a idade apagar toda a atual grandeza,
Tu ficarás, em meio às dores dos demais,
Amiga, a redizer o dístico imortal:
“A beleza é a verdade, a verdade a beleza”
- É tudo o que há para saber, e nada mais.
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NOTAS:
(1)
Dentre tais expoentes europeus - e outros de igual magnitude - uma estrela
brilha na Romênia e seu brilho aquece o ocidente, embora pouco notado entre nós:
MIHAIL EMINESCO, aquele que disse o seu epitáfio nesses versos:
“Tenho ainda um desejo:
Na tarde silente
Me permitais morrer
Na beira do mar.”
Conheço-o graças à ANTOLOGIA DA POESIA ROMENA, traduzida e organizada
por Nelson Vainer, editada em 1966 (pela Editora Civilização Brasileira), e que tenho a
subida honra de possuir desde então, como presente do hermano Hermano.
Dele faz rasgados elogios Giuseppe Ungaretti: “Raramente se encontra na
literatura dos últimos dois séculos uma figura de escritor e poeta mais complexa e mais
completa que a de Mihail Eminesco.” “(...) poeta de sentimento torturado e ardente até
à conquista do mais alto esplendor, que faz dele um dos maiores poetas do seu tempo
e de todos os tempos, através da humanidade, Eminesco permanece para sempre um
dos mestres da palavra poética profundamente inspirado.”
Bernard Shaw, em carta dirigida à escritora Sylvia Pankhurst que, em 1930,
publicara, em Londres - e pela primeira vez em inglês -, uma coletânea de poemas de
Eminesco, situa o poeta entre os maiores poetas românticos do século XIX.
O meu amigo e poeta, o norte-rio-grandense Jarbas Martins, que acolhe e
coleciona sonetos, certamente gostará deste, romântico. Não é a obra-prima de
Eminesco, geralmente assim considerado o seu poema LÚCIFER (Estrela da Manhã),
um longo de 46 quadras, ou seja, 184 versos. Mas o soneto escolhido é belo e traz,
bem talhada, a medida do romantismo:
SONETO
Quando a própria voz dos pensamentos se cala,
e em mim ressoa um canto doce e piedoso
então, te invoco; ouvirás o meu apelo?
Das brumas frias em que nadas, irás libertar-te?
Irão iluminar a noite profunda
os teus olhos grandes, portadores de paz?
Ressurges da sombra dos tempos idos,
Para ver-te voltar - como em sonho, assim, viva!
Desces devagar... perto, mais perto,
aconchegas-te novamente sorrindo à minha face,
oh, teu amor com um suspiro mostra-o,
com tuas pestanas tocas as minhas pálpebras,
que eu sinta a vibração do teu abraço
perdida para sempre, eterna adorada.
(2)
E, novamente, O INFINITO de Leopardi, agora na tradução de Ivo Barroso:
O INFINITO
Sempre cara me foi esta colina
Erma e esta sebe, que de extensa parte
Dos confins do horizonte o olhar me oculta.
Mas, se me sento a olhar, intermináveis
Espaços para além, e sobre-humanos
Silêncios e quietudes profundíssimas,
Na mente vou sonhando, de tal forma
Que quase o coração me aflige. E, ouvindo
O vento sussurrar por entre as plantas,
O silêncio infinito à sua voz
Comparo: é quando me visita o eterno
E as estações já mortas e a presente
E viva com seus cantos. Assim, nessa
Imensidão se afoga o pensamento:
E doce é naufragar-me nesses mares.
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