Nada segura a tecnologia – Automação e sustentabilidade

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Nada segura a tecnologia – Automação e sustentabilidade
Caderno de Eletricidade
Em pauta
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Automação
Quebra de paradigmas
Nada segura a
tecnologia – Automação
e sustentabilidade
Por José Juarez Guerra
N
ada segura a tecnologia. Esta é uma frase de efeito
e abrangência. Quando usamos a palavra tecnologia,
sempre nos vêm à mente produtos novos, desempenhando funções que não se pensava executar até bem
pouco tempo atrás, de forma simples, cômoda e móvel.
Comece a observar a seu redor as tecnologias que se acercam,
e verá que muitas delas, você nem mesmo percebeu que está
usufruindo. Note que não se vive mais sem a internet nem sem
e-mails. Perceba que a conectividade e a mobilidade já fazem
parte de seu cotidiano. Hoje, não se fala somente “conectado à
internet”, mas também da “internet das coisas”, ou seja, em uma
sala de conferências ou em um seminário, um congresso, pessoas
reunidas com seus aparelhos – smartphones ou tablets, que estão
conectados uns aos outros automaticamente pela internet com
conexão extremamente fácil, sincronizando as agendas e compromissos previamente estabelecidos, enquanto se desenvolve
o assunto do qual se está tomando parte.
Hoje em dia, já se pode pagar a fruta comprada no semáforo
da esquina com cartão de crédito, e muitas outras coisas pela
internet. A evolução é tão rápida que quando se percebe, já se
está usando uma Smart TV, um Smartphone, um iPad, uma AppleTV, para as mais variadas funções, dentre elas, controlar o
uso da energia de sua casa ou escritório. O advento da internet
tornou o mundo pequeno, aumentou a velocidade das informações, disponibilizou e facilitou o acesso à informação, e pode
e vem ajudando a contribuir para reduzir as diferenças sociais,
derrubar governos (as mais fechadas ditaduras que se pode imaginar, como aconteceu recentemente com a “primavera árabe”).
Responda rapidamente: Quantos por cento de informação
você pode acessar de qualquer coisa que você pretende pesquisar ou saber? Há mais de 90% de tudo o que você quer
saber disponível, e em tempo real!
Paradigmas vêm sendo quebrados...
Hoje, o Facebook já se acerca de mais de um bilhão de usuários, o que corresponde, praticamente, à população da Índia. As
redes sociais estão no dia a dia das empresas, entre os jovens,
adultos, e também pessoas de terceira idade que estão usando o
“Face” para se comunicar e compartilhar experiências. As
crianças, que começam cada vez mais cedo a entender e utilizar
das tecnologias disponíveis, se familiarizam com os aparelhos
e com sua utilização rapidamente. Pais já bloqueiam o acesso
a compras de aplicativos, pois os filhos, embora com quatro ou
cinco anos, já sabem chegar facilmente ao ponto de aquisição
de um aplicativo, por exemplo, no smartphone.
Pesquisa recente nos EUA aponta que jovens entre 19 e 25 anos
enviam cerca de 3.500 SMS por mês e conseguem digitar sem olhar
para o teclado. Imagine um aluno que, supostamente, está prestando atenção à aula, mas que, na verdade, está digitando algo
para seu colega que está em outra sala ou outra parte do mundo!
O que tudo isto tem a ver com o assunto automação residencial e sustentabilidade? Tem tudo a ver, pois é por aí que estão
caminhando muitos temas, entre eles, a automação predial e
residencial. Temos, porém, que agregar algo a mais para poder
entender melhor o que está acontecendo.
As gerações mais jovens estão totalmente inseridas e conectadas fortemente à internet. Por exemplo, os jovens da geração
Y, na empresa, trabalham conectados, executam tarefas simultâneas, querem mais velocidade de resposta às suas demandas,
são ansiosos, manejam e armazenam um volume enorme de
informações, desejam crescer rapidamente na carreira e ganhar
bem, quase sem tempo para adquirir experiência e colocando-se em conflito, quase sem perceber, com os funcionários da
mesma empresa de gerações anteriores. Tudo isto se deve ao
contexto em que estão inseridos, pois em seu local de trabalho
há a disponibilidade de todas as tecnologias possíveis para que
se execute as tarefas com rapidez.
Dessa forma, começa um dilema, pois ao chegar em casa,
essa mesma pessoa quer obter as mesmas condições que
possui em seu trabalho, agregando, então, o tema conforto
e segurança de acordo com seu perfil.
Imagine que somente no Brasil, recentemente, mais de 40
milhões de pessoas começaram a ter acesso a novos produtos,
dentre os de alta tecnologia, disponíveis no mercado. Atualmente, o
número de celulares no País já é maior que a população brasileira!
Assim, começamos a traçar um paralelo com as necessidades das
pessoas e o que se está oferecendo no tema automação predial.
A automação predial ganhou força em especial no Brasil com o
advento do home theater. Os últimos 10 anos têm sido de muito apren-
dizado, relacionado a novos conceitos, compreensão das necessidades
das pessoas e entendimento de que não se trata apenas de conforto.
Empresas globais, reconhecendo o potencial de mercado brasileiro, estão desembarcando em nosso País trazendo suas soluções
e produtos, ao passo que as nacionais concentram-se na criação,
desenvolvimento e fabricação de soluções.
Redes de integradores e distribuidores de produtos específicos
para a automação crescem a cada dia! A cada dia também é maior o
interesse sobre o assunto em todos os níveis. As entidades ligadas a
Building Automation no mundo todo estão trabalhando para disseminar os conceitos de automação, com ou sem fio, pré-automação etc.,
ajudando, assim, a formar pessoas, grupos e congregar empresas
para levar o tema à frente, como é o caso da Associação Brasileira
de Automação Residencial (Aureside) aqui no Brasil.
As universidades, escolas técnicas e profissionalizantes, de formação de mão de obra qualificada, como o Senai, oferecem cursos
por todo o País na busca de capacitar seus alunos para esse fim.
Um ponto importante é destacar que as empresas que oferecem a automação predial residencial já entenderam que é
preciso escutar o usuário final, suas necessidades, identificar
o grau de conforto, segurança, que ele espera obter com a
automação, para se oferecer soluções de acordo com o seu
perfil, não oferecendo algo “engessado”, pronto para uso, que
muitas vezes está além ou não atende o que o cliente almeja.
Muitas empresas, pelo fato de não oferecerem alternativas
para deixar preparado o empreendimento para receber interfaces e novas tecnologias, ou até mesmo, a pré-automação,
deixaram de executar os projetos no passado, perdendo suas
receitas quase que definitivamente, pois, devido ao custo, o
usuário ou construtora optavam por executar as instalações
da forma tradicional, dificultando (embora não bloqueando)
a aplicação de tecnologias sem fio, ou com cabeamento dedicado. Preparando o empreendimento, as portas ficam abertas
para aplicação de qualquer tecnologia que esteja disponível.
Entramos agora por outro caminho, que vem a cada dia
ganhando força no mundo, seja a nível empresarial, governamental ou pessoal: a sustentabilidade.
Os temas Smart City, Smart Grid, economia de energia e sustentabilidade estão ganhando cada vez mais espaço na mente de
todos. Hoje, existem muito mais pessoas conscientes e preocupadas com o meio ambiente, não somente com a cidade em que
vivem, mas com seu estado, país e mundo. Assim, essa massa
de pessoas que está chegando exigirá muito rapidamente que
sua casa seja mais que inteligente; que seja também eficiente.
O mundo se desenvolveu através do uso das diversas
energias, mas ganhou impulso no século XXI com a energia
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elétrica. Até o ano de 2030, o mundo dobrará a necessidade
do uso de energia para residências e comércio, e se inserirmos indústrias, transportes etc., essa necessidade tende a
dobrar até 2050. Aí vem um dilema: como gerar toda essa
energia sem prejudicar o planeta? Cientistas afirmam que até
2050 poderemos, no máximo, emitir a metade de carbono
que se emite hoje. O mundo deverá ter, até 2030, cerca de
oito bilhões de pessoas, ou seja, um bilhão a mais do que
há hoje. Somente a Índia cresce um Brasil por ano!
Traçando esse cenário, começamos a compreender melhor a necessidade de economizarmos energia, que está relacionada diretamente
à sustentabilidade. Economizar somente é diferente de gerenciar o
uso, pois gerenciar significa, em poucas palavras, usar a energia
com inteligência. Assim sendo, a residência de uso individual, ou o
condomínio, ou a indústria, já mostram sinais claros do uso racional
da energia, gás e também o controle do consumo da água.
Então, os edifícios, casas e condomínios industriais terão de
ser construídos ou adaptados para esse fim. A quantidade de
construções de edifícios verdes chamados de Green Buildings está
sendo cada vez maior, assim como a busca do selo verde para
edificações já construídas. Sistemas de certificação para edifícios
ganham cada vez mais espaço, entre eles, o LEED, AQUA, Procel,
Procel Edifica, Casa Clima, entre outros.
O desempenho de máxima eficiência na automação não está
garantido simplesmente pelos sistemas e conceitos, projetos
arquitetônicos, luminotécnicos, elétricos ou conectividade aplicados em um empreendimento, seja autônomo ou coletivo, caso
não haja uso correto e gerenciamento dos projetos integrados.
Assim, os usuários devem estar conscientes das tecnologias e
suas ferramentas para esse gerenciamento.
As construtoras têm solicitado projetos diferenciados buscando
sustentabilidade como forma de marketing e vendas; já os arquitetos
vêm cada vez mais buscando a sustentabilidade, aplicando conceitos
aos seus projetos na redução de energia, otimizando a utilização
da luz natural, melhorando os sistemas de ventilação, aplicando
produtos e conceitos de isolação térmica e acústica, proporcionando
maior conforto e redução do uso dos aparelhos de ar condicionado
e, consequentemente, a redução do consumo de energia elétrica.
Empresas de projetos elétricos e luminotécnicos têm adotado
produtos de baixo consumo e alto rendimento, e também de
aplicação e manutenção simples, como sensores de movimento
e presença, programadores de horário, dimmers, contatores para
iluminação com bobinas de baixo consumo, relés de impulso para
comando e seleção simples de circuitos elétricos, entre tantos outros.
Já os integradores executam papel importante, fazendo o uso sinérgico de tudo que se apresenta em termos de projetos, conceitos,
necessidades individuais e coletivas do empreendimento como um todo,
observando o futuro para aplicação e uso das tecnologias que estão
se apresentando, como as energias renováveis aplicadas aos edifícios.
Os dois vilões do consumo de energia são o ar condicionado e a
iluminação. No caso da iluminação, note o crescimento da aplicação
das lâmpadas econômicas e lâmpadas LEDs, agora com alto rendimento luminotécnico. Imagine que existem lâmpadas LEDs que duram
cerca de 25 anos! Assim, alguns dos que estão lendo este artigo,
instalarão lâmpadas LEDs em suas casas e não chegarão a vê-las
substituídas por novas, por questões óbvias de longevidade humana.
Hoje em dia, diversos fabricantes e fornecedores de auto-
mação predial oferecem ferramentas de gerenciamento através da web, mostrando gráficos, módulos interativos, com
atualizações periódicas, cumulativas, onde se pode interagir
e selecionar cargas para redução do uso de energia elétrica,
gás, ou ainda, bloquear ou liberar sensores ou controladores
de vazão de água. Tudo isto é possível através de interfaces
que recebem e tratam os sinais auferidos e registrados em
seu medidor específico, enviando-os e armazenando-os na
web. Essas interfaces estão instaladas em salas técnicas dos
condomínios ou dos painéis de automação das unidades
autônomas, proporcionando a cada usuário gerenciar suas
contas, buscando a sustentabilidade.
O Smart Grid é conhecido, basicamente, como a forma
inteligente de gerar, transmitir, distribuir e utilizar a energia
elétrica. O uso racional da energia elétrica contribuirá muito
para a sustentabilidade. Números indicam que 36,6 bilhões
serão aplicados em Smart Grids até 2022.
Sabemos que está em curso a substituição de cerca de 65
milhões de medidores de energia elétrica em todo o País.
Esses medidores devem ser inteligentes, entre várias funções;
devem ser bidirecional (você pode gerar energia e devolver à
rede – vamos abordar este assunto mais adiante), pré-pago,
ter dados de qualidade de energia (o usuário poderá ter um
relatório de perda de energia, horários etc.), e o principal, que
é a tarifa branca, assim chamada para o controle de horário
do uso de energia, onde nos horários de pico – dependendo
da região do País, – entre 17h e 21h, a energia tem custos
diferenciados, possibilitando, assim, que o usuário economize energia, evitando pagar mais por ela ao mesmo tempo.
O quebra-cabeça começa a se formar quando se fala em cogeração.
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou, em 17 de
abril de 2012, regras destinadas a reduzir barreiras para instalação
de geração distribuída de pequeno porte, que incluem a microgeração, com até 100KW de potência, e a minigeração de 100kW a 1mW.
Em outras palavras, o usuário poderá gerar energia e vendê-la
à concessionária conforme a regulamentação de hoje, um para
um. Ou seja, no final de um período, verifica-se a quantidade
total de quilowatts gerados e injetados na rede da concessionária distribuidora de energia elétrica e, para cada 1kW gerado,
desconta-se um consumido, pagando-se, assim, a diferença – daí
a necessidade de os medidores serem bidirecionais e inteligentes.
Dentre as energias renováveis disponíveis, as que melhor se adaptam
são a eólica, e em especial a fotovoltaica para o uso em edifícios e casas.
A energia eólica já tomou seu lugar com os parques instalados e sendo construídos em vários Estados do país. A energia
fotovoltaica está tendo uma expansão forte no mundo. Imagine
na Europa, em especial a Alemanha, Itália, Espanha e nos EUA,
particularmente na Califórnia, Japão, Coreia do Sul e China, estão
muito adiantados, não somente na regulamentação e uso da
energia solar em residências, mas na produção de itens e componentes para instalação, entre estes, as placas fotovoltaicas,
inversores, cabos etc., gerando emprego e renda nestes países.
A China é hoje o maior produtor de placas solares do mundo,
tomando a posição da Alemanha, e mais recentemente, dos EUA.
O sol está presente, dependendo da latitude e longitude,
basicamente das 6h às 18h, com sua condição máxima de
geração às 12h, justamente quando a maioria das pessoas
não está em casa. Assim, saber usar racionalmente a energia no fim do dia,
quando as tarifas forem mais caras, será primordial.
Hoje, as concessionárias de energia estão se preparando para isto. Existem vários
projetos-piloto em diversas capitais, onde já se instalaram medidores inteligentes
e onde em uma delas o usuário verifica através de sinalização colorida, se está
consumindo, dentro dos parâmetros, ou se está gastando muito para seu perfil,
ainda mais com as concessionárias disponibilizando, via internet, acesso ao usuário
para que saiba de seu consumo. Daí para o gerenciamento das cargas é um passo!
Assim, os projetistas elétricos e os integradores ajudarão o usuário final a decidir de quais funções ele necessitará no medidor de energia. Vai, então, separar
as cargas e possibilitar, através da habilitação ou não daquela carga no horário
que for mais conveniente ao cliente, de acordo com o perfil de sua família. As
concessionárias disponibilizarão uma série de serviços praticamente como é feito
hoje nas telecomunicações, pelas concessionárias de telefonia. Em resumo, poderemos, mais adiante, pagar por banho tomado!
Junte-se a isto os automóveis elétricos (híbridos ou não), as bicicletas elétricas que
se espalham por várias cidades do mundo de forma vertiginosa e o fato de que você
poderá carregar a bateria do seu automóvel ou bicicleta no estacionamento do supermercado, ou ainda, no escritório enquanto trabalha, e depois, ao chegar em sua casa,
conectar o carro ou bicicleta e devolver a energia armazenada para a rede elétrica.
Sabemos que os governos do mundo todo estão buscando soluções e novas
fontes de energia. Embora nosso País tenha uma matriz limpa, aproveitando o
enorme potencial hídrico, nossa energia elétrica é uma das mais caras do mundo.
Vide recente reivindicação da classe empresarial na redução das tarifas elétricas,
buscando melhor competitividade. Tanto que o Governo acaba de sinalizar a redução para 2013, tanto a nível residencial como industrial.
Recentes dados do Governo, em especial, Ministério de Minas e Energia, indicam
que o Brasil apresentou em Matriz Energética um consumo em 2010 de 53% para
combustíveis fósseis, com previsão de redução para 51% em 2020. Já em energias
renováveis, em 2010, apresentava 45% e está previsto aumentar para 48% em 2020.
Enormes investimentos do governo a nível federal e estadual estão previstos
para os próximos anos, na busca pela redução de energia e fontes renováveis.
Assim, a automação predial está diante de mais um paradigma a ser quebrado: Inteligente e eficiente agregando a sustentabilidade. O tempo em que
se pensava somente em conforto com o home theater já passou. As pessoas
hoje estão mais engajadas, por isto, todos os envolvidos, como construtoras,
engenheiros, arquitetos, projetistas, integradores e instaladores devem estar
atentos às mudanças e a novas tecnologias para preparar, adaptar, projetar
e/ou construir a residência de acordo com as necessidades do usuário na
questão conforto/segurança, mas, em especial, a sustentabilidade, no controle e gestão do consumo de energia elétrica, gás e água.
As construtoras devem se atentar para esse diferencial a ser oferecido, indo além
dos requisitos básicos e oferecer a cogeração, a possibilidade de alimentação de
carros elétricos, gerenciamento de energia elétrica, gás e água de uso coletivo.
Isso possibilitará a redução do custo do condomínio aliado à sustentabilidade.
Seria um diferencial de marketing e vendas para a construtora, mas oferecendo
algo para contribuir com o futuro das novas gerações.
Nada segura a tecnologia.
>> José Juarez Guerra é engenheiro eletricista, formado pela Faculdade de Engenharia
de Mogi das Cruzes. Após 18 anos na filial brasileira da Sprecher & Schuh, implantou
no Brasil e, posteriormente, na Argentina, uma filial da fabricante italiana de relés e
temporizadores Finder. É membro ativo do Conselho de Desenvolvimento Econômico
de São Caetano do Sul (Condec) e diretor adjunto da Federação das Indústrias do Estado
de São Paulo (Fiesp). Realiza trabalhos como consultor palestrante em congressos,
fóruns e palestras em instituições de ensino, tendo sua trajetória profissional nas
áreas de automação e energia.