Ensaio de Dramaturgia - Macarenando Dance Concept
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Ensaio de Dramaturgia - Macarenando Dance Concept
O COLECIONADOR DE MOVIMENTOS – “ CARNAVAL” Rela tóri o 01 | E nsa i os: 12 e 14 de nov embro 2 012 Ensaio de Dramaturgia ALAS: DRAMATURGIA? | NARRATIVA | MECÂNICA CELESTE | PARADOXALMENTE | AS PASSISTAS MACARENA NA AVENIDA | CHEFE-MANDA: ESCONDE-ESCONDE | PALAVRAS FROUXAS DRAMATURGIA? Fui convidado para redigir ensaios de dramaturgia referentes à pesquisa “O Colecionador de Movimentos – Carnaval” sob direção de Diego Mac. Foi um grande êxtase ser chamado a integrar um projeto artístico profissional, em especial pela função para a qual fui incumbido de realizar. Não se trata de assessorar jurídicoadministrativamente um projeto, ser encarregado de processos burocráticos. Desta vez serei o criador de uma obra de viés artístico, no caso, dos ensaios de dramaturgia. Estou ansioso e cheio de vontade! A proposta inicial do diretor é que eu escreva ensaios com a maior liberdade. Tenho como objetos a dança e o carnaval dos ensaios com os bailarinos. Meu meio, suporte e também material será a palavra. Porém, sempre me coloco poréns. Ao fazer minhas pesquisas preliminares, busquei me acercar do tema: carnaval, desfile, samba, marchinhas, aspectos sociológicos e culturais. Porém, uma palavra dentro da proposta começou a me incomodar: dramaturgia. Tinha uma ideia, ainda que não muito elaborada, do que era dramaturgia – afinal, como aluno já tinha escrito uma peça. Mas sabia que dramaturgia era algo maior, no mínimo polissêmico. Mais desconfortável que isso foi perceber que trataria de dramaturgia de dança, ou seja, pouco relacionada com a ideia de construir uma narrativa escrita. Fui atrás – li, pesquisei, refleti. E a partir disso a verdadeira confusão estava instaurada. Dramaturgia da dança parece ser um termo disputado, tanto em sua conceituação teórica, quanto em sua aplicação prática: ... a dramaturgia procura uma rota para estruturar todos os materiais que chegam. Observa como os materiais se comportam a partir do trabalho do coreógrafo ou diretor durante o processo, a fim de chegar a um conceito e a uma estrutura. ...percebemos a dramaturgia por toda a parte – é uma continuidade. ...a dramaturgia procura pesar o todo e as partes. Encontrar e definir as relações entre elementos. ...a dramaturgia retira da dança o papel central que deveria representar sempre. Sugere que a dança não se basta a ela mesma, como se houvesse coisas que a dança não poderá jamais dizer. Fiquei às voltas com fantasmas em forma de citação: “O movimento é expressivo em si mesmo” – Merce Cunninghan. “Por que querer fazer de um braço um caule de milho ou de uma mão, a chuva? A mão é uma coisa muito admirável para que seja reduzida a uma imitação” – Martha Graham. Fiquei desolado, buscando motivos para concordar ou discordar com qualquer afirmativa sobre dramaturgia da dança. Queria um ponto para me apoiar. Um indício de caminho. Um princípio. Vou escrever ensaios a respeito de algo que não tenho condições de conceituar ou definir. Ao discutir com o Diego sobre a minha indignação com a dita dramaturgia da dança, ouvi algo mais ou menos assim: “há tantos conceitos de dramaturgia, quanto dramaturgos ou dramaturgistas ou processos artísticos”. Tomei isso como verdadeiro e entendi um pouco mais sobre o que se quer dizer com liberdade no processo artístico. Tudo pode – que passa ao tudo posso. Melhor não encontrar apoios, do que viver em muletas. Meus pontos de partida, sou eu que escolho – se quiser. No decorrer do primeiro ensaio de dança, elaborei que meu ensaio de dramaturgia parte de uma posição de espectador, com um distanciamento diferenciado do que ocorre com o diretor e os bailarinos. Um espectador ativo e ativado pelos acontecimentos naquele espaço. Essa é minha premissa provisória: compor a partir da minha reatividade às composições observadas, dos meus sentidos e sentimentos, da minha percepção. Pouco importa se eu enxergar um caule no lugar de um braço. Narrativa, abstração, imitação, símbolo. Não preciso fugir de nenhum lugar. No carnaval todo mundo pode todo mundo pode todo mundo pode pode tudo. NARRATIVA duas mulheres paralelas passam vão vêm voltam descem sobem a avenida não se enxergam desafia lentamente o equilíbrio abre salta fecha confunde mostra busca músculos não finge encontra sorrir tudo é pesado ponto de atração convergência referência gravidade translação encontro rotação conjunta leve frouxo alegre separação duas parelelas amadurecidas mulheres transformadas vão voltam descem sobem a avenida não se enxergam MECÂNICA CELESTE Sob às informações da mecânica celeste, as estrelas se movem. Muitos diriam: dançam. Planetas translacionam suas estrelas enquanto giram sob o próprio eixo – eixo que muda de direção em movimentos de pião: a precessão. Sistemas estelares, binários ou maiores, descrevem órbitas de submissão ou de equivalência, pretendendo um equilíbrio dinâmico. Gravidade. Os corpos celestes, isolados anos-luz uns dos outros, se relacionam no espaço pela atração mútua e irresistível que se exercem. Gravidade é atração que cria o movimento. É distorção no tempo-espaço. Aglomera partículas de poeira em estrelas. Gera buracos-negros dos quais nem a luz consegue resistir e escapar. Cria o peso. Acelera o suicida. Não deixa que o Sol nos abandone. . Nos encurta. Circulação de ciclos. Fim do mundo. Marés, eclipses, estações, calendários, tempo. Movimento que faz descobrir o tempo. Olhar os movimentos dos corpos celestes é inventar mitos, é acompanhar os ciclos. Fugir da realidade, desprender do comum, sonhar alto. Construir divindades. É prever o destino: “Como será o amanhã?”. É olhar para o que muito já foi olhado e visto – e que nunca cansa. Olhar os movimentos dos corpos carnavalescos é tudo isso também. Mais que metáfora, essa hipótese se concretiza nos movimentos do mestre-sala e da portabandeira. Orbitam-se, rotacionam juntos ou separados, adotam um centro de gravidade comum. Ainda que apartados, relacionam-se pela atração, pelo desejo entre espaços, pela a gravidade. Um casal descrito como nobre, descreve as trajetórias do chamado astro-rei. E a bandeira da escola não ilumina toda a avenida? Corpos humanos que se comportam à maneira dos corpos celestes. Anônimos tornamse estrelas no carnaval – seja pelo brilho, seja pelo movimento. Encerram em si, forma e conteúdo estelares. Movimentos rotação, translação, precessão. Forças gravidade, peso, inércia, velocidades, equilíbrio, desequilíbrio. Elementos eixo, órbita, sistema, arranjo, centro de gravidade, referencial, distância, massa. Relações atração, repulsão, impulsão, colisão, implosão, inclusão, exclusão. Indícios universalidade, unidade, conexões, mito, ciclo, organização, brilho, destino. Quero ver no céu minha estrela brilhar Escrever meus versos à luz do luar Vou fazer todo o universo sambar! Até os astros irradiam mais fulgor A própria vida de alegria se enfeitou Está em festa o espaço sideral Vibra o universo hoje é carnaval Quero ser a pioneira A erguer minha bandeira PARADOXALMENTE Gente chorou. Amor acabou. Filho morreu. Barraco queimou. Político roubou. Patrão explorou. Pé sangra. Garganta grita. Percussão espanca. Corpo desidrata. Quebra quadril. Explode coração. Pé samba. Garganta canta. Percussão alegra. Corpo dança. Compartilha quadril. Explode coração. Todo carnaval traz um pouco de esperança. Esperança que o mundo mude, ou que a quarta-feira jamais chegue. Traz também a resignação: ao menos hoje dá pra ser feliz. “Eu sei, eu sei Que a vida devia ser Bem melhor e será Mas isso não impede Que eu repita É bonita, é bonita E é bonita” AS PASSISTAS “Desce do trono, rainha Desce do seu pedestal De que te vale a riqueza sozinha Enquanto é carnaval” A passista não consegue descer do pedestal. Tentar é engraçado. Mesmo que dance “Florentina”, sua pose continua de rainha. MACARENA NA AVENIDA Carnaval e Macarena e Samba. Tudo me soava um pouco estranho de início. Lembro que antes de assistir “Abobrinhas Recheadas”, nascimento da macarena do Diego, havia ficado com um pé atrás. Mas saí de lá maravilhado. Um bom tempo depois, fui começar a compreender e reconhecer um pouco do que são os estudos de macarena. Estou convencido da relevância de trazer a macarena para o processo “O Colecionador de Movimentos - Carnaval”. Para além de uma continuidade à pesquisa poética do diretor, os primeiros ensaios revelaram um pouco do que ainda há para nascer dela. Por razões que ainda um pouco obscuras para mim, quando a macarena aparece no ensaio quase tudo vai bem. A macarena é parideira e promíscua. Além disso, há inúmeros pontos de contato da macarena e do carnaval/samba: origens populares, danças em bloco, experiência de dança coletiva. Mais importante: são danças que as pessoas em geral realmente dançam e não apenas observam. Mesmo com um pouco de dúvida a respeito dos termos, eu também vejo no samba de avenida um conjunto de matrizes de movimento, repetidos/reprocessados ciclicamente durante o desfile. Uma das incursões mais divertidas durante os ensaios foi ver – com os olhos do corpo e da imaginação – um grande carnaval de macarenas. Macarenas enquanto máscaras de movimento do carnaval. Ou as máscaras do carnaval nos movimentos da macarena. Algumas ideias surgiram entre tantas possibilidades... desfile das macarenas escola de macarenas porta-macarena mestre-macarena fantasia de macarena bateria de macarenas CHEFE-MANDA: ESCONDE-ESCONDE Brincadeiras e divertimentos e jogos. Há algo de lúdico no carnaval. Ser lúdico também é deixar a fantasia tomar o lugar da realidade. Um convite a deixar a seriedade de lado. A proposta do chefe-manda me transportou pela primeira vez no processo para fora da avenida: direto aos bailes de carnaval. O trenzinho de carnaval ganhou novos contornos e nova espacialidade. Em vez de apenas dançar atrás do comandante, passa-se a dançar como o comandante. A proposta que chamo de esconde-esconde se trata da escolha de uma parte do corpo para sambar, enquanto as outras permanecem/parecem imóveis. Nesse caso, também adentro os bailes de carnaval. Desta vez enxergo as máscaras – os artifícios para ocultar uma parte e deixar extravasar outra. Máscara que permite ser outro, ou outra parte de si. Máscara que gera a vontade de descobrir, que faz os outros sentidos tentarem enxergar também. Mais do que a própria máscara de arlequim, bauta, columbina, importa-me qual é o mistério que está escondido sob ela? O que o carnaval esconde? O que o samba esconde? O que cada parte esconde? O que o movimento esconde? E quando escondem, o que revelam? As máscaras escondem no carnaval o rosto que se mostra no cotidiano. As pessoas escondem no cotidiano o que apenas revelam no carnaval. A máscara é uma das faces do paradoxo do carnaval. Brincadeiras e divertimentos estão no tema e podem instaurar procedimentos para desvelar esse tema. PALAVRAS FROUXAS Carnaval é encontro: não pode um só. Como é o carnaval de um só? O abraço é o ápice da órbita: uma explosão galáctica, um colapso estelar. Os abraços unem órbita, macarena e carnaval. Uma configuração em cruz: a estreita rua do cotidiano mesquinho é cortada pelo longa avenida do desejo. Uma encruzilhada. Lei da atração universal: os corpos se desejam desde o início. Condução da direção: dramaturgia musical, diálogo pelos estados do corpo, propostas de jogo, seleção e composição dos materiais trazidos pelos bailarinos. Um videoclipe pop do carnaval. Ensaio de dramaturgia da dança e fotografia: relações a pensar. O fotografar, a imagem, a coleção e o reprocessamento: possibilidade. Os mitos do céu e os mitos do carnaval contam as histórias do povo, que contam o povo.