Terra da Gente

Transcrição

Terra da Gente
Um novo jeito de produzir
Um levantamento recente do Incra aponta que cerca de 20 mil famílias assen tadas da
reforma agrária, ocupantes de aproximadamente 700 mil hectares, promovem algum modelo de atividade agroecológica. Mais do que números, a pesquisa mostra a gradual transição de um modelo de produção tradicion al, baseado na utilização de agrotóxico, para um
modelo sustentável, ambientalmente responsável e gerador de renda para essas famílias.
O protagon ismo dos assentamentos na consolidação da agricultura ecológica está sintonizado com o
Plano Brasil Agroecológico, lançado pelo Governo Federal em outubro de 2013. O objetivo é articular
políticas e ações de incentivo ao cultivo de alimentos orgânicos e de base agroecológica no País aliadas
à conservação dos recursos naturais.
Nos assentamentos, a produção de alimentos agroecológicos tem por base a articulação entre famílias
assentadas e o Incra. Por meio de assistência técnica de qualidade, implantação de cursos voltados às
práticas agroecológicas e incentivo aos processos simplificados de comercialização, os agricultores da
reforma agrária contribuem para o aumento da produção de alimentos livres de agrotóxicos.
Um dos programas do Incra que incentivam a promoção da transição dos sistemas convencionais para os
agroecológicos é o Terra Sol. Desde sua criação, o programa beneficiou mais de 180 mil famílias assentadas em todas as regiões do País. Nos últimos cinco anos, foram aplicados mais de R$ 15 milhões em
projetos nos assentamentos, a maior parte de beneficiamento e comercialização de produtos orgânicos
e de base agroecológica.
Outra iniciativa acontece na região Nordeste, onde uma parceria entre Incra, Fundação Banco do Brasil e
Associação de Orientação às Cooperativas do Nordeste implantou 200 unidades de produção agroecológica em assen tamentos nos estados do Rio Grande do Norte, Ceará, Alagoas e Pernambuco. O Programa
de Produção Agroecológica Integrada e Sustentável (Pais) é uma tecnologia social que possibilitou a
produção de alimentos saudáveis tanto para consumo das famílias quanto para comercialização nas
comunidades onde os assentamentos estão localizados.
A consolidação das políticas e das ações de apoio à produção agroecológica também passa pelos bancos
das salas de aula. O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) atualmente atende
1.582 estudantes assentados ou que atuam em assentamentos. A parceria entre Incra e instituições de
ensino superior oferece 35 cursos de especialização em Residên cia Agrária destin ados a 358 assentamen tos em 334 municípios. Vinte e três dos cursos têm foco em agroecologia.
O resultado deste esforço conjun to entre Incra, organizações govern amentais e não governamentais e
trabalhadores assentados pode ser visto nesta publicação. Iniciativas em assentamentos de Norte a Sul
mostram, na prática, uma nova forma de produzir alimentos, com respeito à natureza e ampliação do
nível de renda das famílias.
{
SUMÁRIO
}
08
46
O fino
do chocolate
Boa terra de
futuro
22
Alimentos
com grife
54
Renovação pela
agroecologia
Incra/PB
incentiva
promoção de
Feiras da
Reforma
Agrária
O sonho por
alimentos mais
saudáveis
Políticas
públicas
30
64
Um grande lote
Convergência
de ações
Agricultura
saudável
76
36
Práticas diversificadas
garantem segurança
alimentar das famílias
Agroecologia
na sala de aula
82
106
Aliança pela saúde
Resistir
é orgânico
Minifloresta
Maravilhosa
88
116
Aprendendo
com a natureza
94
Agroecologia
a 100%
124
Cada um com
sua receita
100
Produção aliada
à sustentabilidade
Bendito fruto
[6 incra.gov.br
BAHIA
NÚMERO DE ASSENTAMENTOS: 674
FAMÍLIAS ASSENTADAS: 45.932
ÁREA EM HECTARES: 2.009.945.12
TE R R A D A GE N TE
[
BAHIA
]
O fino do
chocolate
Assentamento
Terra Vista produz
chocolate orgânico
fino de modo
artesanal
Reportagem e fotos: Cintia Melo
[8 incra.gov.br
O assentado Gilvan de
Almeida Santos tem
participado de feiras,
festivais e exposições
com o chocolate
Artesanal Terra Vista,
representando a área
de reforma agrá ria.
Uma delas foi a Feira
das Flores e Chocolates
do Sul da Bahia, que
ocorreu no primeiro
semestre de 2014.
Com 56% de cacau orgânico fino, o Chocolate Artesa-
comercializado no valor de R$ 15,00, e outro de 30
nal Terra Vista é o primeiro produzido num assenta-
gramas, por R$ 5,00. Com os chocolates prontos, eles
mento na Bahia e que leva o selo da reforma agrária.
são levados por assen tados para feiras, exposições e
Desde setembro, as famílias agroecologistas fabricam
festivais da região.
e embalam o chocolate no próprio assentamento.
“O investimento nessa máquina foi de R$ 15 mil”,
Antes, as amêndoas do cacau fino eram levadas para
informa Ferreira. Segundo o coordenador, os recursos
uma fábrica de chocolate, a 100 Km de distância,
obtidos com a comercialização dos chocolates arte-
para serem processadas e empacotadas.
sanais são reinvestidos na produção das embalagens
O chocolate resulta do esforço, estudo e dedicação à
e no pagamento aos assentados que produzem as
agroecologia e à produção de cacau orgânico das 55 fa-
amêndoas finas.
mílias do assentamento, situado no município de Arataca, no litoral Sul. Desde 2013, a área conquistou o selo do
Instituto Biodinâmico (IBD) para orgânicos.
De acordo com o coordenador da Cooperativa de Produção Agropecuária Construindo o Sul (Cooprasul),
Joelson Ferreira, do Terra Vista, a produção do chocolate está se consolidando com a aquisição da máquina que fabrica chocolate artesanal, em parceria com
o Instituto Cabruca, que tem sede em Ilhéus (BA).
Filha de
assentado, Vanessa
Garcez, 12 a nos,
revela que adora
viver no Terra Vista.
“Cultivamos orgânicos
para termos um futuro
melhor. Não é só
para o bem dos que
vivem aqui, mas de
todo o planeta”.
De acordo com Ferreira, a instalação da máquina artesanal está dentro das normas exigidas e o equipamento processa, a cada 36 horas, 17 quilos do produto.
O Chocolate Artesanal Terra Vista é embrulhado
em dois taman hos de caixin has, um de 90 gramas,
terra da gente 9]
[
BAHIA
]
Visão da chegada
ao assentamento
Terra Vista.
[10 incra.gov.br
O Terra Vista é destaque na produção de mudas ar-
Desde o ano 2000, cerca de 100 mil mudas de ma-
bóreas e frutíferas de matrizes da Mata Atlântica.
deiras de lei, como o Jequitibá, Jacarandá, Pau-Brasil
Tem capacidade produtiva de 200 mil mudas para
e Jatobá foram plan tadas no assentamento. A inicia-
reflorestamento, a cada 90 dias, em dois viveiros e
tiva visou ao reflorestamento das matas ciliares e
uma estufa.
dos passivos ambientais existentes desde a época da
Ainda se sobressai em educação com ênfase na
criação do assentamento, em 1995.
agroecologia. São 990 alunos matriculados em duas
Dos 913 hectares do Terra Vista, 35% da área é de
escolas no assentamento, além de uma especializa-
Reserva Legal, onde estão identificadas 400 matrizes
ção por meio do Programa Nacional de Educação na
arbóreas e frutíferas fornecedoras de sementes para
Reforma Agrária (Pronera).
a produção das mudas.
Cacau fino
produzindo ao menos 200 arrobas por lote de nove
O objetivo das pesquisas desenvolvidas no assen-
hectares, em três anos”, acrescenta. Cada arroba
tamento é melhorar a produtividade do cacau fino.
possui 15 quilos.
Trata-se de uma iniciativa em parceria com a Univer-
Por meio das pesquisas, o Terra Vista, em sua área
sidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), Instituto Fede-
experimental, já ultrapassou a produtividade de 13
ral Baiano (IF Baian o), Instituto Cabruca, situados em
arrobas por hectare para 83 arrobas do chamado ca-
Ilhéus, e o Centro Estadual de E ducação Profissional
cau orgânico fin o.
do Campo Milton Santos (Ceepc), que fica no próprio
O técnico em agroecologia e pesquisador da Fundação
Terra Vista.
de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb),
Joelson Ferreira enfatiza que agora as famílias se pre-
Salvio Oliveira dos Santos, que nasceu no assen ta-
param para a produção de uma maior quantidade do
men to e é filho de assentados, explica os passos para
cacau orgânico fino. “A expectativa é de que estejam
a produção desse tipo de fruto.
Mata ciliar recomposta
com mudas de plantas
nativas da Mata Atlântica.
terra da gente 11]
[
BAHIA
]
1) Enxertia: Salvio mostra muda com enxerto do cacau fino que
dura entre seis a oito meses para começar a se desenvolver.
“Primeiro são escolhidas as mudas resistentes aos
fun gos e às pragas, como a Vassoura de Bruxa”, ex-
3) Plantação: os assentados Derva l Bispo e José Carlos dos
Santos plantam muda de cacau orgânico fino com uma
compostagem feita com folhas seca s, matéria orgânica e
casca de cacau. A muda pode entrar em produção em quatro anos.
plica. As mudas recebem o que ele chama de “en-
“Após as mudas serem plantadas, entram em produ -
xertia” de clones especiais de cacau fino, essa etapa
ção em torno de quatro anos após o plantio. Com o
dura entre seis a oito meses. Quando a muda “pega”,
fruto, as amêndoas desses cacaueiros passarão por
fica cerca de um ano na estufa.
um processo de fermen tação durante oito dias”, continua Salvio. O passo seguinte é levar as amêndoas
para a barcaça (espécie de secador natural) por mais
sete dias. Então, esses grãos são denominados cacau
orgânico fino.
2) Mudas: Joelson Ferreira mostra muda s em desenvolvimento. Essa fase demora um ano.
4) Barcaça: agora é a vez do agricultor João Ribeiro
trabalhar com secagem das amêndoas do cacau fino,
processo que dura em torno de sete dias.
[12 incra.gov.br
Salvio:
agroecologia
é seu modo
de vida.
Quando Salvio Oliveira Santos nasceu, o assentamen-
o extrativismo de plantas medicinais e semen tes
to ainda era uma fazenda a ser desapropriada pelo
sem danificar o meio ambiente é meu objetivo de
Incra. Técnico em agroecologia e bolsista da Fapesb,
trabalho”, ressalta.
ele conta que participou ativamente da construção
Há mais d e dois anos, Salvio colhe d ad os para pes-
do Sistema Agroflorestal, da adoção da agroecologia
quisadore s da Uesc, IF Baiano e I nstitu to Cabruca
à produção orgânica no Terra Vista.
numa área exp erime ntal de um hectare. “ Planta-
Tímido, Salvio é um rapaz de 25 anos de poucas pa-
mos legumino sas, co mo fe ijão de p orco , gliricídia
lavras, mas se mostra enfático em seus posiciona-
e gu an du, e m b usca d e alcan çar u m alto n íve l de
men tos ambientalistas. “Conservar a mata e produzir
nitrogê nio n o solo. Reco lh o as amostras da terra e
orgânicos é a verdadeira interação entre o homem e
envio p ara en genh eiros agrônomos e florestais”,
a natureza. Por isso, produzir, extrair alimentos, fazer
explica o técnico.
terra da gente 13]
[
BAHIA
]
Aula dos alunos de química de
uma das turmas do Curso Técnico
em Segurança no Trabalho do
Colégio Milton Santos, que fica
no Terra Vista. A instituição
oferece outros cinco cursos
técnicos profissionalizantes
para estudantes do meio rural
e urbano.
Educação
No Terra Vista funciona o Centro Educacional Florestan Fernandes, onde estudam 270 crianças no Ensino Fundamental I e II. Já o Centro Educacional Milton
Santos foi implantado pelo governo do estado e oferece ensino profissionalizante para 720 estudan tes
do assentamento e das regiões rural e urbana de
Arataca e de outros municípios vizinhos.
O Florestan Fernandes também abriga a Especialização em Agroecologia Aplicada à Agricultura Familiar,
nos moldes do Residência Agrária, por meio do Pronera e em parceria com a Uesc e IF Baiano, onde
estudam 42 alunos. O Florestan ainda recepcionou
o curso superior do Pronera em Engenharia Agronômica, com ênfase em agroecologia, cuja turma se
formou em 2013.
O Centro Milton Santos dispõe de 25 turmas nos três
turnos com seis cursos profissionalizantes. São eles:
Agroecologia, Agroindústria, Agroextrativismo, Informática, Zootecnia e Segurança no Trabalho. Para o
diretor do Centro, Luciano Costa, o assentamento é
essencial para a formação dos estudantes. “E stamos
dentro da Mata Atlântica e os estudantes podem de senvolver estudos e pesquisa do que é aprendido em
sala de aula”, diz.
“Cacauada”
Leite, cacau orgânico fino e açúcar. É com essa mistura que a família do assentado Ailton Moreira Mendonça incrementa a renda. Levemente doce, a “cacauada” acompanha o Chocolate Artesanal no Terra
Vista nas feiras e exposições.
“É um produto orgânico e caseiro”, explica Moreira,
que produz a “cacauada” há 2 anos. A cada quantidade manufaturada, ele procura aprimorar o sabor.
O assentado conta que comercializa 200 gramas do
produto por R$ 6,00. “Em alguns meses, ch egamos
a obter até R$ 1,2 mil, mas desse custo temos que
retirar os gastos com gás, açúcar e leite”, contabiliza.
[14 incra.gov.br
A “cacauada
artesanal”, produzida
em casa, ajuda famílias
a melhorarem a renda,
como acontece
com o assentado
Ailton Mendonça.
Sistema Agroflorestal
garante respeito
à natureza e bons
rendimentos às
famílias baianas
Reportagem e fotos: Cintia Melo
Boa terra de futuro
Três gerações de mulheres e um só mantra: nenhuma árvore pode ser derrubada.
A matriarca Marivalda Soares dos Santos, 50 anos, criou os filhos, entre eles, Fernanda Santos
de Jesus, com esse ensinamento e o transmite para a neta Jenifer Santos, de 4 anos.
terra da gente 15]
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BAHIA
]
“Preservar a natureza para
nós é preparar um futuro
melhor para nossos filhos
e netos. Existem lugares
que não têm mais água,
pois desmataram. E aqui
estamos rodeados de
floresta”, ressalta Antonival
Alves dos Santos, que é
agricultor do Auxiliadora há
17 a nos. Ele acredita que
a borracha irá incrementar
a renda quando todas as
seringueiras plantadas há
cinco anos entrarem em
produção. Santos explica
ainda que o “sarnabi de
tigela” (como chamam
a borracha sangrada da
árvore) é comercializado a
R$ 2,20 o quilo.
[16 incra.gov.br
Enquanto ela e Fernanda colhem os grãos de café
presidente da associação dos assentados, Juarez Nas-
de início de safra, a pequena Jenifer brinca com os
cimento, estima uma renda média das famílias em
galhos, folhas e grãos caídos. “Por causa das árvo-
torno de R$ 1,5 mil ao mês. “Aqui todos têm sua
res, temos chuva, sombra e vento. Tudo que faz bem
moto ou seu carrinho”, revela.
para as plantações”, afirma a matriarca.
Ainda assim, a família de dona Marivalda deseja mais.
Dona Marivalda é um exemplo de como pensam e
Cada filho sonha em construir uma casa no assenta-
agem as 28 famílias que vivem no assentamento
mento. “Quero aumentar o nosso lucro com o projeto
Nossa Senhora Auxiliadora, criado em 1999 e situado
da piscicultura e com as seringueiras, quando entra-
no município de Camacan, no litoral Sul da Bahia.
rem em produção”, ressalta o agricultor Gilmar Soares
Os agricultores cultivam cafezais, cacaueiros, bananei-
de Jesus, 30 anos, filho da assentada.
ras e seringueiras dentro do remanescente da Mata
Além de uma nova moradia, Fernanda sonha em criar
Atlântica com um respeito nato a cada arbusto que
Jenifer no sossego do assentamento. “Quero que ela
compõe a mata. Ao todo, são 388 hectares de terras.
estude e aprenda para nos ajudar aqui no futuro”, al-
Trata-se de um sistema consorciado com a floresta
meja a mãe da pequena. Fernanda acrescenta ainda
que vem ren den do bons resultados, numa asserti-
que, quando assiste a alguma reportagem sobre a
va de que é possível obter bons lucros e, ao mesmo
preservação do meio ambiente, sente orgulho da sua
tempo, respeitar o meio ambiente. Meio cabreiro, o
família. “Fazemos nossa parte”, frisa.
O presidente
da associação do Nossa
Senhora Auxiliadora,
Juarez Nascimento,
aponta para onde estão
os lotes das família s no
Sistema Agroflorestal.
Mirando ao longe os altiplanos ou os baixios do
Auxiliadora, é difícil distin guir as espécies de madeira de lei como Jacarandá, Vinh ático, Pau-Brasil,
Maçaranduba , entre outras árvores nativas, das plantações de seringas, café, cacau e bananas.
Para conhecê-las é preciso caminhar na mata adentro pisando a terra escorregadia, úmida e forrada de
folhagem amarelada.
Dentro da mata, encontram-se bananeiras, alguns
seringueiras . A luta das famílias é grande, mas todos
metros depois, cacaueiros, e logo em seguida
concordam que o trabalho compensa.
O trabalhador rural
Adriano Bispo de Souza
(ao lado), como a maioria
dos a ssentados no Nossa
Senhora Auxiliadora, era
empregado do dono
da fazenda quando a área
foi desapropriada. Agora
Souza traba lha duro em
seu lote. Só numa semana
colheu 170 sacos de 60
quilos de café cereja.
“Trabalho para mim e as
condições de hoje são
100% melhores do que na
época anterior à cria ção do
assentamento”, frisa.
Café
A safra de 2014 surpreendeu as famílias do Auxiliadora ao atingir 2,2 mil sacas de 60 quilos de
café beneficiado, ou seja, secado e despolpado.
O preço do café beneficiado, do tipo conilon, cultiva-
Entretanto, Juarez Nascimento (alto da página) lembra que é preciso descon tar os gastos. “Esse an o
precisamos empregar 70 pessoas para ajudar nas
máquinas de secar e despolpar. Além disso, temos
custo do transporte e manutenção dos equipamentos”, contabiliza.
do pelas famílias, alcançou uma média de R$ 230,00
No total, o assentamento possui 205 mil pés de café
a saca, o que rendeu, aproximadamente, R$ 5 06 mil
produtivos do tipo conilon. Há ainda outros 50 mil pés
aos assentados.
de café que entrarão em produção nos próximos anos.
terra da gente 17]
17]
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]
O café colhido por
Adriano Souza dura nte
uma semana chega
para ser beneficiado no
secador e despolpador
(retirada da casca
do café).
[18 incra.gov.br
O secador e o despolpador foram conseguidos pela
R$ 45,00 a saca de 60 quilos.
associação, há seis anos, por meio da Companhia de
“Sabemos que se tivéssemos os cafezais em áreas mais
Desenvolvimento e Ação Regional (CAR), órgão do
abertas a produção seria maior, mas optamos por não
governo do estado. De acordo com o presidente da
danificar a mata”, frisa Nascimento. A lenha utilizada
associação, Juarez Nascimento, sem os equipamentos
no secador, segundo ele, vem das galhas e dos troncos
eles estariam comercializando o café “in natura” por
caídos, que se acumulam na floresta durante o ano.
Fontes de renda
Demonstrando o
funcionamento do
despolpador, o trabalhador
rural Orlando Santos
Figueiredo relata que só
depois de ter se tornado
assentado conseguiu
cumprir com “as
responsabilidades com
a família”. Figueiredo se
refere ao fa to de hoje
poder sustentá-la de
forma digna. “Já passei
dificuldade alimentar.
Após o assentamento tudo
mudou na minha vida e de
minha família”, reconhece.
As famílias estão renovando contrato com o Programa
de Aquisição de Alimentos (PAA) da Companhia
Na cional de Abastecimento (Conab) para 2015 .
Esse ano, enviaram ban anas e hortaliças para h ospitais, creches e instituições de caridade de Camacan e
tiveram um contrato an tecipado de R$ 160 mil.
Outra fonte de renda das famílias é com a cacauicultura.
A safra foi iniciada em junho e alcançou 2,5 mil
arrobas. O cacau atualmente é comercializado por
cerca de R$ 110,00 a arroba (15 quilos). “No ano passado, devido às chuvas fracas, apanhamos 1,5 mil
arrobas”, relembra Nascimento.
As bananas do tipo da terra, prata, d´água, china e
pacovan somam 20 mil pés nos 28 lotes. As famílias
contam que saem seman al ou quinzenalmente entre
um e dois caminhões carregados do fruto. Há ainda
50 mil pés de seringueiras n o assentamento, alguns
com apenas cinco anos de plantados.
O agricultor Aberval Evangelista de
Souza mostra a produção de banana.
“Ainda estão verdes, aguardamos o
crescimento do fruto pa ra vender”.
Evangelista destaca que cada cacho
é comercializado por R$ 8,00.
“Já perdemos a conta da quantidade
de banana vendida. O caminhão sai
cheio”, enfatiza.
“Aqui temos saúde, a lavoura e nossa
renda”, explica o a gricultor Izaudo
Xavier dos Santos enquanto demonstra
o processo de seca gem do café do tipo
conilon, plantado no Auxiliadora.
Para ele, o mais importante é a
qualidade de vida. “Se temos dinheiro
ou não, ficamos bem do mesmo jeito,
diferente da cida de gra nde.
Isso aqui é um sossego e o café é nosso
maior ganha pão”, finaliza.
terra da gente 19]
ESPÍRITO SANTO
NÚMERO DE ASSENTAMENTOS: 94
FAMÍLIAS ASSENTADAS: 4.261
ÁREA EM HECTARES: 51.961.53
TE R R A D A GE N TE
[
ESPÍRITO SANTO
]
A agroecologia já
é realidade nos
assentamentos
capixabas e está
melhorando a renda
das famílias agricultoras
Reportagem: Johnny Cardoso
Fotos: Girley Vieira
O sonho por alimentos
mais saudáveis
[22 incra.gov.br
“Nós éramos meeiros. E hoje ter um lote da família
e produzir alimentos saudáveis é um sonho realizado. Trabalhar pela n ossa força, com humildade e
honestidade é o mais importante.” Esse depoimento
do agricultor familiar Elizeu Machado Falcão traduz
muito bem o sentimento daqueles que escolheram
produzir e preservar o meio ambiente como alternativa de exploração da terra.
O sítio da família recebeu o sugestivo nome de “Sonho realizado”, prática local de n ominar os lotes
como forma de humanizar e criar uma identidade
na relação do assentado com a terra. Em razão da
atividade agroecológica, o lote tornou-se referência
na região como Unidade Demonstrativa de Produção
Sustentável, conferida pelo projeto interinstitucional
Corredores Ecológicos – do qual participa o Governo
Federal – à visitação de estudantes e pesquisadores
até mesmo do exterior (México, Japão, Haiti).
Essa família foi assen tada há dez anos no projeto estadual (PE) Córrego Alegre (173 hectares
e 18 famílias), localizado a 3 Km da sede do município de Nova Venécia e distante 250 Km da capital do Espírito Santo, em um lote com 8,6 hectares. Nele, a produção de hortaliças e outros
alimentos orgânicos ocupa apenas 3,5 hectares.
A maior parte da área é formada por Mata Atlântica
que a família preferiu preservar como reserva legal
– e os frutos dessa preservação também começam
a parecer como fonte de renda. Elizeu é beneficiário do Programa Estadual de Ampliação da Cobertura
Florestal (Reflorestar), como estímulo ao desenvol-
a dominar os conceitos de agroecologia e as técnicas de man ejo de solo para esse tipo de atividade.
“Em 2004, iniciei uma horta com seis canteiros e,
vimento sustentável no meio rural capixaba, e no
de repente, eram 30. Na primeira vez que saí com
período 2014-2016 deve receber algo em torno de
algumas folhas para vender n a região, con segui
R$ 12 mil por conta das ações de reflorestamento e
R$ 20,00, o que empolgou meu pai e minha mãe a se
de preservação executadas em seu lote.
dedicarem à produção de hortaliças”, relata Eliveltro.
A ideia de produzir alimentos sem agrotóxicos sur-
Esse passo importante foi seguido de diversos cursos
giu ainda na chegada da família ao assentamento.
realizados na área e uma série de medidas adotadas
Proposta acolhida pela esposa Lucilene Maria Miran-
no sítio pela família rumo à certificação da atividade
da Falcão, o filho Eliveltro Miranda Falcão e, atual-
de produção orgânica de hortaliças. O resultado foi a
men te, também pela nora Rosilane Bispo Martins.
conquista da declaração obtida junto ao Ministério da
A participação do filho de Elizeu foi fundamental
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) como
nesse processo. Como ele havia realizado o ensino
organização de controle social, em 2010, e pelo Ins-
médio na Escola Agrotécnica de Vila Pavão, passou
tituto Chão Vivo, em 2013.
terra da gente 23]
[
ESPÍRITO SANTO
]
Produção orgânica
e fonte de renda
infestam as cultivares, e pelo pastejo e adubo pro-
A horta orgânica é atualmente a principal fonte de ren-
processo de erosão em uma área de encosta do lote
da da família Falcão, que aproveita a área útil do lote
que estava ameaçada.
também com o plantio de café sombreado no Sistema
O processo de produção de hortaliças na propriedade
Agroflorestal (SAF) em consórcio com outras culturas,
está baseado no sistema orgânico, sem a presença
como coco e banana, e a criação de galinhas caipiras no
de qualquer insumo químico ou agrotóxicos e otimi-
mesmo espaço das lavouras. Essa integração é justifi-
zado apenas pela utilização do adubo composto. Já a
cada pelo controle de insetos e pragas, que em geral
produção de café ainda é considerada agroecológica
porcionados por esses pequenos animais. Por sinal, o
SAF do cultivo do café em consórcio permitiu evitar o
por utilizar o adubo granulado, embora seu uso esteja sendo reduzido de forma gradual para que até
2016 o processo se adeque aos padrões do orgânico.
Em termos de hortaliças, legumes e frutas, a
produção no sítio “Sonho realizado” é bastan te
diversificada: couve, rúcula, alface, hortelã, taioba,
cebolinha, salsa, coentro, cenoura, brócolis, mostarda, açafrão, cacau, coco, n on i (fins medicinais),
fruta-pão, inhame, laranja, cajá, limão branco, açaí,
abacate, abacaxi , banana e cajá japonês.
Para manter uma certa escala e garantir a entrega
regular a seus clientes em feiras livres e lojas de orgânicos), a tarefa de produção de mudas – tanto para
o reflorestamento (Ipê e Imbaúba) e exploração de
atividade extrativista (Pupunha, Araçá e Açaí) quan to para o manejo de hortaliças – é considerada pela
família uma tarefa primordial.
Com o comércio na feira livre, realizada aos sábados no município, Elizeu obtém por mês cerca de
R$ 1 mil. A esse valor soma-se, em média, entre
R$ 900,00 e R$ 1,1 mil mensais referentes a en tregas de hortaliças que faz de duas a três vezes por
semana na loja da Associação Veneciana de Agroecologia - Universo Orgânico, da qual é um dos asso ciados. “União importante que faz a diferença em se
tratando de sustentabilidade e geração de renda aos
assentados e agricultores familiares do município”,
afirma. Os 7,5 mil pés de café existentes no lote dos
Falcão produziram, na safra 2013, 64 sacas – com
um retorno líquido de quase R$ 18 mil. Já o turismo
educativo proporciona um acréscimo de aproximadamen te R$ 2 mil na renda anual familiar.
[24 incra.gov.br
Visão de futuro
Os agricultores se preparam agora para novas ações
ligadas ao Programa Refloresta. Serão cultivadas mudas de uma série de espécies para melhorar ainda
mais as condições de produção e preservação do lote
do agricultor familiar Elizeu Falcão. As espécies que
serão plan tadas são Seringueira, Ipê, Cedro Mogno,
Cacau, Pupunha, Açaí, Citros e Abacate.
Para o futuro, ele projeta participar do Programa
Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e fornecer
seus produtos às escolas da região. Com esse intuito,
planeja aumentar a produção e garantir a excelência
na entrega das hortaliças. Outro projeto da família é
construir uma pousada, já que é grande a visitação de
estudantes e pesquisadores na propriedade.
Assistência técnica
tendência é de crescimento do número de produto-
A engenheira florestal Flávia Barreto Pinto, agente
res associados à loja de orgân icos, tendo em vista a
de extensão e desenvolvimento rural do Instituto Ca-
aceitação dos produtos pela população.
pixaba de Pesquisa e Extensão Rural (Incaper), expli-
Para incentivar os agricultores, ele diz que a prefeitu-
ca que sua atividade é transmitir informações sobre o
ra irá melhorar as condições de comercialização dos
modo de produção orgânica. Ela orienta os agriculto-
produtos agroecológicos. “A prefeitura disponibilizou
res do assen tamento quanto à conservação, ao ma-
um local para a loja de orgânicos no projeto de refor-
nejo do solo e as vantagen s do Sistema Agroflorestal.
mulação do Hortomercado e isso melhorará o acesso
“No caso específico do lote do senhor Elizeu Falcão,
do consumidor aos alimentos saudáveis”, informa.
é interessante destacar que, como unidade demonstrativa, ele desenvolve o projeto de turismo educati-
Histórico
vo e recebe estudantes da Escola Família Agrícola e
Constituída em 2008, a loja de orgânicos da Asso-
estagiários de cursos de meio ambiente. Isso facilita
ciação Vene cian a de Agroecolo gia - Universo Orgâ-
o apren dizado e a assimilação de todas as técnicas
nico - está sob a ge rê ncia de Sérgio Bin ow.
que são por nós transmitidas”, ressalta.
Ele organiza todo o recebimento das entregas d os
40 asso ciad os e a forma como os produtos são co-
Gestão municipal
locados nas gôn dolas. Solang e Furlan Pessin é uma
O vice prefeito e secretário municipal da Agricultura
das clientes da associação e reconhe ce a qu alid ade
de Nova Venécia, Theomir Basseti Filho, avalia que a
dos alimen to s fornecidos pelos agricultores.
terra da gente 25]
[
ESPÍRITO SANTO
]
Políticas públicas
[26 incra.gov.br
O primeiro crédito recebido pelos agricultores do
Projeto Estadual Córrego Alegre, já reconhecido pelo
Incra, foi em 2004 na modalidade Material de Construção - Recuperação, à época no valor de R$ 2,5
mil. Segundo Elizeu, “o crédito pago pelo Incra foi
muito importante, pois ajudou na colocação de um
novo telhado. Em 2014, essa família foi inscrita no
Programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV) do Governo Federal, e terá direito a R$ 36 mil (dos quais
R$ 8 mil como contrapartida do governo estadual,
que é parceiro no projeto) para construir uma nova
casa de 68m 2.
Pelo Programa Nacional de Fortalecimen to da
Agricultura Familiar (Pronaf), em 2010 a família
obteve crédito no valor de R$ 14,7 mil para financiamento de projeto de irrigação na propriedade
e aquisição de mudas de café conilon. No mesmo
programa, na modalidade Aquisição de Veículos,
foram financiados uma motocicleta, no valor de
R$ 9,9 mil – já quitada – e um automóvel, no valor de
R$ 30 mil.
Integrado ao Programa de Aquisição de Alimentos
(PAA) do Governo Federal no fornecimento de seus
produtos a diversas entidades beneficentes de Nova
Venécia, o trabalhador rural obteve, em 2013, uma
renda de R$ 4,5 mil. Este ano, o contrato deve atingir
a marca de R$ 6,5 mil. “É uma força a mais para agricultura familiar, um reforço em termos de renda e isso
estimula as famílias a trabalhar unidas, “comenta”.
terra da gente 27]
[28 incra.gov.br
GOIÁS
NÚMERO DE ASSENTAMENTOS: 298
FAMÍLIAS ASSENTADAS: 13.014
ÁREA EM HECTARES: 697.787,32
TE R R A D A GE N TE
[
GOIÁS
]
Assentados adotam nova relação
com a terra e abastecem supermercados
e restaurantes da histórica cidade
de Goiás, reconhecida pela Unesco como
patrimônio histórico da humanindade
Reportagem e fotos: Cristiane Santiago e Jucimeire Costa
[30 incra.gov.br
Agricultura saudável
Embora estivesse em silêncio, a terra estava dando
o seu recado. Na definição do agricultor José Osmar
Nunes Marques, morador do assentamento Serra
Dourada, no município de Goiás (GO), o solo demonstrava fraqueza, mesmo sendo alimentado com
agrotóxicos. A insatisfação de seu José era a queda
frequente na produção e na qualidade das hortaliças
e da mandioca.
Com dúvida sobre o que estava errado, ele procurou
auxílio profissional de um técnico da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e foi quando ouviu que a solução
para recuperar o solo seria a adoção de uma agricultura “limpa”, pautada nos princípios da agroecologia.
A orientação foi bem compreendida e, há sete an os,
ele e mais sete famílias do Serra Dourada passaram
a ter uma n ova relação com a terra.
Uma das mudanças implementadas foi a adição de
leguminosas na superfície do solo para enriquecê-lo
nutricionalmente com nitrogênio, isto é, fizeram a
chamada adubação verde, e utilizaram ainda esterco animal e vegetal para o preparo da terra, além
de introduzir a rotação de cultura. “ Essa prática repetida durante três anos renovou a terra, que nos
respondeu com produção farta e viçosa”, lembra o
agricultor.
De uma área de 2,5 hectares, hoje seu José colhe semanalmente 450 pés de alface, 200 de couve e 200
maços de cheiro verde. A lavoura de mandioca também passou a produzir com pujança, atingindo cinco
toneladas anuais. Toda a produção abastece supermercados, restaurantes da histórica Cidade de Goiás ,
escolas públicas, asilos e entidades assistenciais
atendidas por programas governamentais, como o
Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e de Aquisição de Alimentos (P AA).
terra da gente 31]
[
GOIÁS
]
Cooperativismo
No Serra Dourada, as famílias assentadas também
[32 incra.gov.br
A ideia é aproveitar os frutos do Cerrado, como cagaita, caju, cajazinho e araçá, para extrair a polpa.
se uniram para comercializar a produção. Oito delas
Clarice dos Reis Gonçalves da Cruz Sousa, que mora
integram a Cooperativa Mista de Agricultores Fami-
na parcela um do Serra Dourada, relata que as fa -
liares do Município de Goiás e Região (Coopar). Os
mílias estão entusiasmadas com a fábrica e com
cooperados en tregam 30% de sua produção para a
von tade de trabalhar. “É mais uma oportunidade
Coopar. Assim, eles atendem entes governamentais
de incrementar a renda”, afirma. Segundo ela, a
e in stituições assistenciais, fornecen do produtos para
possibilidade é aumentar em pelo menos um salário
o Pnae e PAA.
mínimo o rendimento familiar.
Recentemente, por meio da CPT, a Coopar conseguiu
A unidade de processamento de frutos, que aguar-
recursos da Oikos, organização internacional que traba-
da liberação dos órgãos de inspeção sanitária para
lha no desenvolvimento de soluções sustentáveis para
entrar em funcionamento, beneficiará mais de 70
a erradicação da pobreza, e construiu na área coletiva
agricultores familiares e assentados de Goiás e dos
do assentamento uma fábrica de polpa de frutas.
mun icípios de Itaberaí e Heitoraí ligados à Coopar.
Confiança do público
gera mais renda
Preservação ambiental
O assen tamento Serra Dourada é referência no muni-
dos canteiros de hortaliças agroecológicas. Os rios e
cípio e a propaganda positiva sobre as boas práticas
nascentes, que desde o século XVIII sofreram com o ci-
agrícolas atrai visitantes brasileiros e estrangeiros,
clo da mineração, passaram a ter a mata ciliar recons-
além de estudantes de escolas agrícolas da região
tituída com a flora do Cerrado. Entre 2000 e 2001, os
para troca de experiências produtivas. Toda essa pu-
assentados plantaram 10 mil mudas de árvores, como
blicidade contribui também para o aumento de clien-
Ipês, Perobas, Tarumãs, entre outras.
tes em busca de alimentos mais saudáveis, aumen-
Convicto de que sua comunidade está fazendo a me-
tando a renda das famílias assentadas.
lhor escolha, seu José diz que as mudanças no assen-
Seu José diz que a confiança do consumidor fez suas
tamento estão apenas começando. “O ser humano
ven das dispararem. “Antes de iniciar práticas agroe-
tem a missão de zelar pela saúde. A agroecologia é
cológicas, eu ganhava em torn o de R$ 1,5 mil. Ago-
o zelo pela saúde da terra onde moramos. Esta terra,
ra minhas vendas atingem até R$ 8 mil por mês”,
que nos consumiu luta, sacrifício e suor, não pode
comemora.
morrer por maus tratos”, frisa.
A consciência ambiental no Serra Dourada está além
terra da gente 33]
33]
MARANHÃO
NÚMERO DE ASSENTAMENTOS:1005
FAMÍLIAS ASSENTADAS:130.161
ÁREA EM HECTARES:4.696.454,70
TE R R A D A GE N TE
[
MARANHÃO
]
Práticas diversificadas
garantem segurança alimentar d
Dona Lió, seu esposo
Louro e o filho do casal
realizando a poda das
árvores do quintal
Reportagem e fotos: Flávia Almeida
A produção agroecológica ganha espaço nos assentamentos maranhenses situados na região dos Lençóis/Munim. Na medida em que
favorece o equilíbrio ambiental, a segurança alimentar, incentiva a
divisão social do trabalho e a diversificação da produção, a agroecologia abre novos mercados para a comercialização nas feiras e para
programas do Governo Federal.
A sustentabilidade dos recursos naturais é garantida pela não utilização de agrotóxicos, uso de defensivos orgânicos ao invés dos químicos, adubação verde e proteção das nascentes dos rios. Os assentados adotam vários cuidados para gerar uma produção harmonizada
com a fauna e a flora existentes.
Os assentamentos Rio Pirangi, no município de Morros, e São João do
Rosário, no município de Rosário, são exemplos da aceitação consciente das técnicas agroecológicas pelos assentados. Grande parte
dessa con sciên cia só foi possível graças aos serviços de Assistência
Técnica e Extensão Rural (Ater) oferecidos pelo Incra, e executados
por meio da Associação Agroecológica Tijupá.
[36 incra.gov.br
r das famílias assentadas
terra da gente 37]
[
MARANHÃO
]
Dona Lió se diz
satisfeita com a
transformação do solo.
Agora há plantação de
maracujá no quintal.
Quintal agroflorestal
As nove famílias residentes no povoado Patizal encontraram na agroecologia a solução para mudarem
[38 incra.gov.br
quintal de casa, foi implantado um Sistema Agroflorestal (SAF). A principal característica do SAF é o plantio consorciado de espécies frutíferas, madeiráveis,
radicalmente as características do solo nas áreas uti-
hortaliças e medicinais, aliado à criação de animais
lizadas para agricultura familiar. Pertencente ao as-
de pequeno porte.
sentamento Rio Pirangi, localizado no município de
“Passamos por várias capacitações, fizemos in ter-
Morros e situado no Território dos Lençóis/Munim, o
câmbios em outros estados e pesquisadores de vá-
solo do assentamento, constituído em sua maior par-
rios países, como França, Bolívia e Colômbia, vieram
te de areia quartzosa marinha (a mesma encontrada
conhecer nossa área. Seguindo as orientações que
em áreas de restinga e nas proximidades de praias),
recebemos sobre adubação orgânica, poda das árvo-
dificultava bastante a produção dos assentados.
res e utilização de defensivos naturais para controle
Foi em meados de 2004 que essa situação começou
de pragas, transformamos completamente o solo
a mudar, após as orientações recebidas da equipe da
que utilizávamos”, frisa o casal, feliz com a conquista
Associação Agroecológica Tijupá, entidade contrata-
que serviu de estímulo para que outras famílias do
da pelo Incra para prestar serviços de assistência téc-
povoado aderissem à produção agroecológica.
nica aos assentados da reforma agrária no Território
Dona Lió ressalta que o plantio de feijão guandu,
dos Lençóis/Munim.
uma espécie de leguminosa adubadeira, também foi
“Antes nós só plantávamos mandioca e criávamos
um gran de aliado para aumentar os nutrientes e fer-
porcos”, explica o casal Leontina dos Santos, conhe-
tilidade do solo, devido à fixação do oxigênio no solo
cida como Lió, e Lourival Pereira, chamado de Louro.
que o guandu proporcion a.
Eles foram a primeira família do povoado a expe-
As espécies frutíferas encontradas no quintal de Lió e
rimentar técnicas agroecológicas de produção. No
Louro são muitas: maracujá, carambola, limão, coco,
bacuri, abacaxi, ata, melancia, açafrão, gengibre,
a segurança alimentar das famílias e gera uma ren-
gergelim, araruta, entre outras. E ntre as espécies
da maior a partir da comercialização nas feiras e por
mad eireiras, estão o Pau D’árco , Janaú ba, Peroba
meio da venda para o Programa Nacional de Alimen-
e Pitomb eira. As espécies medicin ais, como boldo,
tação Escolar (Pnae)”, ressalta.
alfavaca, artemísia e pariri, também são culti-
Desde 2 012, Lió e Louro comercializam a p rodu-
vad as no quintal agroflorestal, que p ossui ainda
ção na F eira Agroecoló gica do município de Mor-
galinha caipira.
ros, q ue acon tece três vezes por mês, e também
De acordo com a técnica em agroindústria da As-
fornecem produ to s p ara merend a n as escolas da
sociação Tijupá, Lucineide Gonçalves Pinho, o SAF
zona rural. “Duas vezes por semana en trego p ro-
proporciona às famílias diversificação de culturas,
dutos na escola do povoado. Além do fran go e
garantin do assim que em todas as épocas do ano
verduras, també m levo polpa de fru tas e bolos de
seja colhido algum tipo de fruta, legume ou grão.
massa p uba, macaxe ira e tapioca. E m 201 3, receb i
“O modelo de produção agroecológica proporciona
R$ 2.1 25,00 ”, co nta.
Dona Lió comercia lizando
a produção do seu
lote na Feira Agroecológica
de Morros
terra da gente 39]
[
MARANHÃO
]
Cultivo em Aléias
Adepto à produção agroecológica, o assentado Eugênio Nascimento, mais con hecido como Dotôr, é um
dos moradores do povoado Cajazal, que pertence
ao assentamento São João do Rosário, localizado no
O assentado Dotôr
em meio à plantação
de feijão de porco,
leguminosa utilizada
como adubo verde.
Essa técnica con stitui no cultivo racional de árvores
em fileiras (ruas) com espaçamento entre elas, onde
é feito o plantio das culturas agrícolas consorciadas
com espécies adubadeiras. Esse é um sistema bastante eficaz para melhoria de solos pobres, evitando
mun icípio de Rosário. Em Cajazal, moram 11 famílias
a roça migratória.
que desenvolvem atividades produtivas baseadas na
As duas principais vantagens elencadas por Dotôr nes-
agroecologia. Entre outras experiências, Dotôr está
se tipo de cultivo são: conseguir produzir sempre na
trabalhando, desde 2008, com o sistema de cultivo
mesma área, não necessitando mudar o local de cultivo
em Aléias.
por conta do empobrecimento do solo ao final do ciclo
produtivo; e utilização do método de queimada para
realizar a limpeza da área e dar início ao novo plantio.
A queimada é somente uma vez, não sendo preciso
queimar novamente para iniciar outro plantio, pois o
sistema conta com a rotação de culturas que tem diferentes necessidades e contribuições ao sistema.
“A área é dividida em ruas, sempre alternando uma
rua para produção e outra para adubação. Assim,
enquanto nas ruas de produção eu estou colhendo,
na rua de adubação estou preparando a terra para o
próximo plantio”, explica Dotôr.
A preservação dos nutrientes no solo é feita a partir da adubação verde com a utilização de cobertura
morta (galhos, folhas, matéria orgân ica) espalhada
sobre o solo e que irá passar por decomposição.
Esse processo serve também para controlar e evitar
que as ervas danin has ataquem a produção.
Nas ruas de produção, Dotôr tem um cultivo diversificado: abacaxi, mamão, maxixe, mandioca, pepino, milho, arroz, batata-doce e quiabo. Nas ruas de
adubação, ele planta leguminosas de grande porte
(ingá, nim, leucen a e palheteira) e leguminosas de
pequeno porte (crotalária, olho de boi e mucuna).
“A diversificação da minha produção garante a ali men tação da minha família, respeitando a sazonalidade de cada cultura. Como também implantei um
quintal agroflorestal na minha casa, cultivo lá outras
espécies e, assim, consigo alimentar minha família,
ven der nas feiras agroecológicas e fornecer para as
escolas por meio do Pnae”, conta Dotôr, que também
é o secretário-geral da Associação de Trabalhadores
e Trabalhadoras Rurais do Povoado Cajazal.
[40 incra.gov.br
Meliponicultura
A criação de abelhas, de uma forma bem gen eralista, pode ser praticada de duas maneiras: apicultura,
caracterizada pela criação de abelhas do tipo
(que se defendem com ferroadas venenosas) e meliponicultura, criação de abelhas do tipo
(que têm o ferrão atrofiado e por isso n ão
ferroam).
Tanto a apicultura como a meliponicultura podem
ser realizadas dentro dos princípios agroecológicos.
Para isso, a criação das abelhas deve ser feita den tro
de caixas racionais, não sendo necessário o corte de
árvores para derrubada das colmeias (retirada predatória do mel) e, consequentemente, a morte das
abelhas, como é feito no sistema extrativista mais
tradicional.
A meliponicultura, com a criação de abelhas Tiúba,
foi o modelo escolhido pela assentada Ivanilce Silva
dos Santos, conhecida como Nicota. Moradora do po-
dando suporte a meliponicultura é a melhoria da
voado Timbó, pertencente ao assentamento Rio Pi-
qualidade da polinização, já que as abelhas vão se
rangi, no município de Morros, ela se encantou pelas
alimentar de plantas que são livres de agrotóxicos.
abelhas após participar de uma capacitação realizada
A coleta do mel é feita com seringas e em seguida
pela Associação Agroecológica Tijupá, no final do ano
há o processo de higienização, o que não é realizado
de 2005.
no sistema de meleiro (modo extrativista que não
“Cuido como se elas fossem minhas filhas. Todo
dia venho ao meliponário. A gente vai se apaixonando”, conta.
Durante o processo de capacitação, Nicota recebeu
duas caixas povoadas e duas caixas vazias. Cada caixa tem entre 400 a 800 abelh as, que formam uma
colônia. Esse foi o ponta-pé para iniciar em 2006 a
criação de abelhas Tiúbas.
segue princípios agroecológicos).
Hoje, no meliponário de Nicota existem 13 caixa s, totalizando aproximadamente 5,2 mil abelhas. Em 2013,
ela coletou 13 litros de mel e comercializou cada litro
por R$ 25,00, em média. A expectativa é que em
2014 ela consiga coletar 20 litros de mel.
“Toda minha produção é vendida rapidamente, não
Dona Nicota relata que passou três anos sem coletar
dá pra quem quer. Ano passado, apurei R$ 325,00
o mel e fazendo apenas a divisão das caixas, pro-
ven den do na porta da minha casa, sem custo algum
cesso que consiste em pegar uma filiação de uma
de transporte. Isso é uma complementação para mi-
caixa-mãe e transportá-la para a caixa-filh a com o
nha renda, pois também pratico a agricultura fami-
objetivo de formar outra colônia. “Quis deixar a pro-
liar”, explica.
dução de mel dos três primeiros anos para alimentação das abelhas, que ainda estavam se adaptando
ao clima da região, pois vieram de outro município”,
explica, informando que a primeira coleta foi realizada em 2009 e rendeu apenas 1,5 litro.
Outra vantagem da utilizaçãodetécnicas agroecológicas
A assentada Nicota
visita todos os dias
o meliponário para
acompanhar a
produção de mel.
No assentamento Rio Pirangi, existem 12 famílias
trabalhando com meliponicultura e sete com apicultura. Já no assentamento São João do Rosário,
são três famílias trabalhando com meliponicultura
e cin co com apicultura.
terra da gente 41]
[
MARANHÃO
]
risoto temperado, sopas semi-prontas e almôndegas.
“Agora estamos recebendo produtos mais naturais,
como frutas, verduras, polpa de frutas, frango, bolos”, conta Gina Mara.
A mudança na alimentação, entre outros fatores, é
apontada pela diretora da escola, Mirabel dos Santos
Salgado, como um fator motivador para o aumento
da frequência do aluno na escola. “Em 201 1, tínhamos 120 alunos, agora estamos com 263”, contabiliza a diretora.
Para Edilangela Estefane Martins, 11 anos e aluna do
7º ano, a merenda escolar melhorou bastante. “Gosto mais da bananada, suco de goiaba e dos bolos de
milho e tapioca”, comentou.
Mas não só as escolas estão sendo beneficiadas, os
assentados também estão felizes em poder avançar
para um novo mercado consumidor por meio do ProAlunos da Unidade
Integrada Nossa Senhora
do Rosário já estão
desfrutando
de uma alimentaçã o
escolar balanceada.
Alimentação saudável
nas escolas
Os alunos da rede pública municipal de Rosário e
Morros estão há dois anos comendo alimentos mais
saudáveis produzidos nos assentamentos São João do
Rosário e Rio Pirangi. Essa mudança nos hábitos alimen tares foi percebida pelos alunos, diretores, professores e merendeiras da Unidade Integrada Nossa
[42 incra.gov.br
grama Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). Quem
explica isso é o secretário-Geral da Associação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do Povoado Cajazal, Eugênio Nascimento, conhecido com Dotôr.
“Já trabalhamos com o Programa de Aquisição de
Alimento (P AA), mas hoje estamos mais voltados
para comercialização via Pnae. Nos três últimos me ses de 2013, a Associação forneceu produtos sema nalmente para 15 escolas da zona rural e faturou
R$ 84.612,50”, relata Dotôr, ressaltando que 16 for-
Senhora do Rosário, escola que atende do maternal
necedores estão envolvidos nesse processo com a
ao 9º ano, localizada na zona rural do município
utilização de técnicas agroecológicas.
de Rosário.
Para 2014, a Associação dos Trabalhadores e Traba-
As merendeiras Gina Mara Souza Cabral e Chyleam
lhadoras Rurais do Povoado Cajazal já apresentou
Silva Costa são as responsáveis por preparar a ali-
proposta no valor de R$ 100.965,00. V ale ressaltar
men tação dos alunos desde 2005. Ambas relataram
que a venda para o Pnae pode ser feita por meio de
que antes a escola recebia muitos produtos industria-
grupos formais (associações) e grupos informais (os
lizados e enlatados para a merenda dos alunos, como
agricultores individualmente).
Números do Pnae
R$ 157.948,00 com a participação de 28 famílias. Já
O assentamento São João do Rosário comercializou
o PA Rio Pirangi alcançou, em 2013, R$ 53.311,50
em 2013, por meio do Pnae, R$ 107.101,50 em
com o envolvimento de 34 famílias. Para 2014, há a
alimentos para merenda escolar, envolvendo 22 fa-
expectativa de participação de 76 famílias, aumen-
mílias. Em 2014, já aprovou o projeto no valor de
tando a comercialização para R$ 83.000,00.
Assentadas do
Rio Pirangi comercializam
a produção na Feira
Agroecológica de Morros.
Feiras agroecológicas
A realização de feiras agroecológicas nos municípios
tem se tornado uma grande aliada no processo de
comercialização dos produtos oriundos da agricultura
familiar e reforma agrária. Famílias dos assentamentos São João do Rosário e Rio Pirangi, localizados nos
mun icípios de Rosário e Morros, respectivamente,
apontam a participação nesses eventos como mais
uma oportunidade de garantir renda semanal.
A lógica das feiras é baseada nos princípios da agroecologia e da economia solidária. “A base é a comercialização a preços justos e solidários, a gestão
participativa e a tomada de decisão coletiva”, explica
Regilma de Santana, técnica da Associação Agroecológica Tijupá, entidade contratada pelo Incra e que
presta serviços de assessoria técnica para os assentados da região.
A Feira Agroecológica do Município de Morros é a mais
antiga da região dos Lençóis/Munim. Teve início em
2010 e conta com a participação de cerca de 20 famílias do assentamento Rio Pirangi. Já a Feira Agroecológica do Município de Rosário foi iniciada no segundo
semestre de 2013 e tem cerca de 15 famílias do assentamento São João do Rosário.
A qualidade dos produtos, sempre frescos e sem agro tóxicos, é a principal vantagem apontada pelos clientes. “Compro aqui desde a primeira edição. Não penso
só no preço, levo em conta a segurança de ter um
produto saudável e que sai diretamente da roça para a
nossa mesa”, destaca a consumidora Dagmar Moraes,
que frequenta a Feira Agroecológica de Rosário.
Principais ítens comercia lizados nas feiras agroecológicas são legumes, verduras, produtos do agroextrativismo, polpa de frutas, frutas, aves vivas e comida
caseira.
terra da gente 43]
MINAS GERAIS
NÚMERO DE ASSENTAMENTOS: 328
FAMÍLIAS ASSENTADAS: 15.866
ÁREA EM HECTARES: 879.897,90
TE R R A D A GE N TE
[
MINAS GERAIS
[46 incra.gov.br
]
Há sete anos, professores da escola Balão Vermelho,
na capital mineira, descobriram, em visita ao assentamento Pastorinhas, no município de Brumadinh o, a
51 km da capital, a qualidade dos hortifrutigranjeiros
produzidos sem agrotóxicos. O contato com os produtores fez somar ao projeto pedagógico da instituição
de ensino in fantil e fundamental o conhecimento
tradicional do campo.
Do con tato inicial, veio a proposta para a venda direta dos alimentos na escola para os pais dos alunos.
O sucesso foi imediato. Mas todo sucesso incomoda.
O mercado de hortaliças do outro lado da avenida
Bandeirantes, que corta quatro bairros nobres de
Belo Horizonte, iniciou uma série de denúncias para
tentar impedir a venda. Os motivos eram os mais banais, como o estacionamento irregular.
Dado o impasse, os produtores, professores e pais se
uniram e solicitaram autorização da prefeitura para o
comércio das hortaliças. Com a autorização concedida,
começou a venda oficial dos produtos agroecológicos do
Pastorinhas na calçada em frente à escola e logo se tornaram alimentos de uma “grife” saudável.
“A gente comprava dentro do colégio com o intuito de
Alimentos
com grife
ajudar o Pastorinhas. Com as denúncias do sacolão e a
autorização da prefeitura, quem ganhou foi a comunidade, que agora tem uma feira externa”, diz Patrícia
Aranha, jornalista e mãe de aluno da escola Balão.
O proprietário do mercado iniciou um processo de
concorrência, vendendo os produtos abaixo do preço
Produção de assentamento
recebe elogios pela qualidade e
dribla concorrência em bairros de
classe média de Belo Horizonte
no dia da feira dos assentados. Mesmo assim, o mercado não prosperou e logo foi comprado por uma
rede de drogarias.
“O comerciante achava que estava fazendo vantagem, mas perdeu muitos clientes por causa disso ”,
lembra Ascendino Padilha de Araújo, um dos mem-
Reportagem: Daniel Fleming e Dôra Guimarães
Fotos: Daniel Fleming e Rodrigo Barbosa
bros das oito famílias assentadas que praticam a
agroecologia no Pastorinhas.
terra da gente 47]
[
MINAS GERAIS
]
Turismo rural
A visita ao assentamento passou a ser um atrativo
a mais ao consumo dos alimentos saudáveis, pois o
contato com os produtores e o conhecimento local
da produção aumentaram o interesse dos clientes.
“Se esses pais e mães começaram a visitar o assentamento e a comprar aqui instigados pelos filhos é
porque comprovaram que os produtos são bons”, diz
Patrícia Aranha.
O que sobra da venda não é desperdiçado como
em muitas feiras tradicionais. Toda semana, as 425
crianças e adolescentes do Educandário e Creche Menino Jesus, no bairro Concórdia, n a capital, recebem
os produtos saudáveis produzidos no assentamento.
“É espetacular. A gente tem o que outras instituições
não conseguem comprar, o que vem direto do campo. A quantidade é sign ificativa e as crianças aprenderam a comer verdura e a se alimentar bem com
alimentos sem agrotóxicos”, comemora a irmã Fátima Gonçalves, diretora da Instituição.
Além do ponto em frente ao colégio às segundas-feiras,
os produtos agroecológicos do Pastorinhas são vendidos em outros locais definidos no Programa Direto da
Roça, da prefeitura de Belo Horizonte.
No domingo, estão na Rua Grão Mogol, ao lado da
Igreja do Carmo. Às terças e sextas-feiras, na esquina das avenidas Assis Chateubriand com a Francisco
Sales. Ainda na sexta-feira, a banca de produtos saudáveis do assentamento é montada na Praça Afon so Arinos, no centro da capital. Ao todo, são cinco
pontos de venda que fun cionam das 6h às 14h ou
enquanto houver produto.
[48 incra.gov.br
Satisfação e saúde
da faculdade de Engenharia de Produção da PUC e os
Para o ecólogo preservacionista Cléber Vasconcelos, a
outros dois no ensino médio.
qualidade dos produtos é visível e pode ser constata-
Ele ressalta que a esco lh a dos assen tados pela pro-
da na saúde dos mais de 400 pássaros exóticos que
dução agroecológica foi, por tradição e opção de
se alimentam com as três dúzias de couve que com-
vida, em defesa da saúde das pesso as e da preser-
pra semanalmente dos agricultores do Pastorinhas.
vação do meio amb iente. “Eu não conheço um apa-
“Nunca tive nenhum caso de morte por intoxicação
relho que me ça a qu alidade de vida. Durma uma
ou por infecção e, por isso, só compro aqui. Eu verifi-
noite aqu i, coma uma g alin ha caip ira n a hora, uma
quei primeiro onde eles são plantados, o carinho com
verdura d o q uintal e você perceberá as diferenças”,
a plantação e a colheita. Os pássaros são pequenos e
qualquer presença de agrotóxico mataria todos eles.
O trabalho agroecológico dos agricultores favorece
minha criação preservacionista”, reconhece o cliente.
Para o agricultor Márcio José da Silva, o contato direto com os clientes é fundamental para a produção.
“Temos a oportunidade de colocar o produto direto
convida.
Grupos de estudantes e turistas já estão conh ecendo
o assentamento em programas que incluem almoço
tradicional com os alimentos agroecológicos e visitação ao plantio, à capela e a outras atrações locais.
O Pastorinhas está localizado em umas das regiões
para o consumidor com preço melhor porque não há
com maior potencial turístico do centro de Minas,
intermediação de atravessadores. Você trabalha mui-
ao lado da reserva remanescente da Mata Atlântica.
to, mas pode aumentar sua renda em mais da me-
Fica a apenas algun s quilômetros do Museu de Arte
tade e também planejar seus dias de lazer”, avalia.
Contemporânea In hotim e tem se tornado polo gas-
Márcio tem três filhos, um deles está no terceiro ano
tronômico min eiro.
terra da gente 49]
49]
[
MINAS GERAIS
]
O assentamento
O assentamento Pastorinhas foi criado em julho de
2006. A capacidade é para 22 famílias e a área to tal 156,44 hectares. Destes, 43,06 hectares ou pouco
mais de 27% da área total são constituídos por vegetação de Mata Atlântica. O assentamento está numa
região de relevo ondulado a montanhoso, a cerca de
1.500 metros de altitude e temperatura média anual de 20 graus Celsius. As famílias assentadas foram
selecionadas entre agricultores da região que tradicionalmente já trabalh avam com horticultura em
sistema de exploração coletiva.
Compre direto
dos produtores
e visite o assentamento:
Ascendino de Araújo (31) 9824-6539
Márcio da Silva (31) 8545-4010
Valéria Carneiro (31) 9601 – 0277
[email protected]
Pontos de Venda
(das 6h às 14h)
Domingo – Rua Grão Mogol – ao lado da Igreja do
Carmo;
Segunda-feira – Aven ida Bandeirantes nº 800 – em
frente ao colégio Balão Vermelho;
Terça e sexta-feira - Esquina das avenidas Assis Chateubriand e Francisco Sales;
Sexta-feira - Praça Afon so Arinos, Centro de Belo Horizonte.
[50 incra.gov.br
terra da gente 51]
PARAÍBA
NÚMERO DE ASSENTAMENTOS: 307
FAMÍLIAS ASSENTADAS: 14.460
ÁREA EM HECTARES: 288.210,76
TE R R A D A GE N TE
[
PARAÍBA
]
Renovação pela
agroecologia
Espaços para comercialização
de alimentos produzidos sem
agrotóxicos garantem renda e
elevam autoestima dos assentados
Reportagem e fotos: Kalyandra Vaz
[54 incra.gov.br
“Tirando a agroecologia estou morto”. A frase do
agricultor José Maria Batista, con hecido como Marola, do assentamento Santa Helena, em Sapé (PB),
reflete a mudança na vida do assentado que, após
dez an os trabalhando com vários tipos de agrotóxicos, deixou-se convencer pela equipe da assistência
técnica de que era possível produzir sem veneno.
A transição para a agroecologia foi iniciada há quatro
anos. “Fui teimoso porque achava que não ia dar certo”, afirma seu Marola, um dos centenas de assentados da Paraíba que estão se dedicando à produção
agroecológica.
Espalhadas por todo o estado, cerca de 40 feiras permanentes comercializam a produção de agricultores
familiares e assentados da reforma agrária paraibanos. Destas, 14 são reconhecidas pelo Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) como
agroecológicas. A maioria surgiu por iniciativa dos próprios assentados com o apoio de movimentos sociais,
responsáveis, muitas vezes, pela mobilização dos feirantes e pela aquisição das barracas padronizadas.
A possibilidade de ampliar os canais de comercialização, driblar atravessadores, dar mais visibilidade
à produção da reforma agrária, promover a autonomia econômica e elevar a autoestima das famílias
assentadas levou o Incra/PB a, mais do que apoiar
a realização de feiras, determinar que as entidades
contratadas para prestar assistência técnica nos assentamentos implantem e mantenham Feiras da Reforma Agrária nas regiões onde atuam.
terra da gente 55]
[
PARAÍBA
]
Assentado José Maria
Batista, conhecido
como Marola, do
assentamento Santa
Helena, em Sapé (PB).
“É um orgulho produzir
sem agrotóxicos
e vale a pena.
É mais barato e basta
seguir a orientação
dos técnicos”.
[56 incra.gov.br
“Foram três meses para me convencer. Agora, ve-
sistema de irrigação na horta, comprou um automó -
neno nunca mais”, contou o assentado Marola, que
vel utilitário e aumentou a produção.
comercializa a produção na Feira de Sapé, inaugura-
A Feira Agroecológica de Sapé reúne 12 famílias de oito
da há pouco mais de 1 ano e distante 55 Km de João
assentamentos da Zona da Mata Norte e tem como
Pessoa.
principal diferencial o horário de funcionamento, das
Até 2010, o assen tado utilizava agrotóxicos na plan-
17h às 19h30. Alguns dos feirantes também comercia-
tação de alface, cebolinha e coentro, mas a chegada
lizam na Feira Agroecológica realizada no Campus da
da assistên cia técnica ao assentamento mudou tudo.
Universidade Federal da Paraíba (UF PB), em João Pes-
Após uma década trabalhando com agrotóxicos e se
soa, e cerca de 90% deles fornecem alimentos para o
dedicando a apenas três culturas, os técnicos o con-
Programa de Alimentação Escolar de Sapé.
ven ceram a iniciar a transição para a agroecologia.
Em João Pessoa, os assen tados da reforma agrária
Hoje o assen tado também planta macaxeira e é dono
contam com quatro feiras agroecológicas permanen-
de uma horta variada.
tes: às sextas-feiras, na UFPB; aos sábados, no Bairro
“É um orgulho, me sinto muito valorizado em traba-
do Bessa e no Departamento Nacional de Obras Con-
lhar sem veneno porque os clientes compram e veêm
tra as Secas (Dnocs), no Bairro dos Estados; e toda
que o produto é diferente. Quem leva para casa sabe
primeira terça-feira do mês na praça de eventos Pon-
que dura muito na geladeira”, disse seu Marola.
to de Cem Réis, no centro da capital.
Muitos clientes vão ao assentamento Santa Hele-
Embora as equipes de assistência técnica acompa-
na para comprar os produtos do assentado, que se
nhem a produção dos assentados que trabalham de
transformou em um multiplicador agroecológico e
forma agroecológica para garantir a qualidade dos
fez de sua horta um espaço de aprendizagem para
produtos comercializados nas feiras, na Paraíba, ain-
outras famílias.
da são poucas as famílias assentadas que possuem
Os benefícios, segundo o assentado, vão além do au-
o Cadastro Social de Vendas Diretas das Unidades de
men to da ren da familiar, que chegou a 60%. “Che-
Produções Agroecológicas do Ministério da Agricul-
guei a ficar tonto com o cheiro do veneno que eu
tura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Várias delas
usava para fazer a semente germinar”, disse seu
estão em processo de obtenção, em parceria com o
Marola, que vendeu as 12 cabeças de gado da famí-
Sebrae, e outras ainda estão em transição da agricul-
lia para apostar na agroecologia. Ele implantou um
tura convencional para a agroecologia.
Feira pioneira
“Adorei a novidade.
Aqui eu encontrei coisas
que não acho nas outras
feiras”, diz Rosa Maria da
Silva ao compora r quatro
quilos de umbu na Feira de
Barra de Santa Rosa.
A primeira feira agroecológica criada para comercializar a produção da reforma agrária na Paraíba foi
idealizada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e
fun ciona há 13 anos no Campus da (UFPB) em João
Pessoa. Toda sexta-feira, das 5h às 12h, estudantes,
professores e funcionários da universidade compram
aproximadamente seis toneladas de alimentos produzidos em seis assentamen tos e em um acampamen to da Zona da Mata.
O técnico agropecuário Luiz Sena integra a Comissão
sem agrotóxicos. “Elas contribuem para a melh oria
de Produção Orgânica (CPOrg) do Mapa/PB e é um
da saúde do agricultor e da população, para a pre-
dos pioneiros na organização das feiras agroecoló-
servação da natureza, são parte importante da renda
gicas no estado. Segundo ele, as vantagens da feira
das famílias assentadas e fortalecem a economia so-
vão muito além do estímulo à produção de alimen tos
lidária”, afirma.
Feira do Ponto
de Cem Réis
oito assentamentos e de dois acampamentos do Agres-
A mais recente feira da reforma agrária permanente em
Sousa, da Coordenação da CPT em João Pessoa, a venda
João Pessoa é uma iniciativa da CPT, com apoio do In-
de cerca de 12 toneladas de produtos a cada feira.
cra/PB e da prefeitura. Criada em novembro de 2013, a
“Houve uma ótima recepção da população. Muita
Feira Agroecológica da Reforma Agrária é realizada toda
gente pede que a feira continue e elogia o horário
primeira terça-feira do mês, no centro da capital, das
em que ela é realizada, que favorece quem está
14h às 18h, e comercializa a produção de 30 famílias de
saindo do trabalho”, afirma Tânia.
te, do Vale do Mamanguape e do Litoral Sul da Paraíba.
A clientela diversificada garante, segundo Tânia Maria de
terra da gente 57]
57]
[
PARAÍBA
]
Feira Agroecológica da
Reforma Agrária dos
assentamentos da Zona
da Mata Sul, em Pedras
de Fogo (PB).
[58 incra.gov.br
Incra/PB incentiva promoção de
Feiras da Reforma Agrária
Para estimular a transição da agricultura convencio-
mia solidária e da gestão social de políticas públicas.
nal para a agroecológica nos assentamentos, o In-
A nota também dispõe sobre orientação e procedimen-
cra/PB determinou, em Nota Técnica de novembro
tos públicos para prorrogação dos contatos de Chamada
de 2013, que as entidades prestadoras de assistência
Pública do Programa de Assistência Técnica (Ates).
técnica incluam em seu plano de trabalho a implan-
Cabe às entidades produzir relatórios sobre a deman -
tação e manutenção de Feiras da Reforma Agrária.
da de venda direta da produção dos assentamen tos,
A Nota Técnica, formulada com a participação do Insti-
organizar os grupos de produção, estudar a viabilida-
tuto de Assessoria à Cidadania e ao Desenvolvimento
de econômica das feiras, elaborar plan o de negócios
Local Sustentável (IDS), que atua como articulador en-
e de marketing e propaganda das atividades produ-
tre as prestadoras de Ates e o Incra/PB, define as dire-
tivas e, caso constatada a viabilidade e interesse dos
trizes a serem adotadas pelas entidades para repensar
assentados, implan tar a feira.
as dinâmicas produtivas nos assentamentos segundo
O trabalho das equipes de Ates começa ainda
os princípios e práticas da agroecologia, da econo-
nos assentamen tos, onde as famílias recebem
orientações técnicas sobre o manejo agroecológico
elétrica, montagem das barracas e local para armaze-
do solo, a produção de mudas e o controle de pragas
ná-las.
e doenças com defensivos naturais.
Estu da-se ainda o fortalecimen to d a feira que fu n-
Os equipamentos n ecessários ao funcionamen to das
ciona às sextas-feiras em Cajazeiras, no Alto Sertão
feiras, como barracas, aventais, bonés, caixas plásti-
paraibano, a cerca de 460 Km de João Pessoa.
cas para transporte de mercadorias, balanças e sacolas plásticas, são adquiridos pelas entidades prestadoras de Ates. “Os assentados não precisam comprar
nada para participar das feiras. Na primeira feira ele
já tem lucro com o que vender”, afirma a assistente
social Liana Rocha, do Setor de Ates do Incra/PB.
A proposta é que a gestão das feiras seja feita pelos
próprios assentado s com o apo io d a autarq uia e das
entidades prestadoras de assistência técnica. Para
isto, é necessário a criação de um fundo rotativo
com con tribuições dos assentados e a elaboração
de um regimento interno com os dire itos e d everes
dos feirantes.
Feiras da
Reforma Agrária
Duas feiras criadas com recursos da Ates estão em
fun cionamento na Paraíba: em Barra de Santa Rosa,
a 200 Km de João Pessoa, no Curimataú, e em Pedras
de Fogo, na Zona da Mata Sul, a 54 Km de distância.
Outras duas estão em implantação no Brejo paraiba-
Barra de Santa Rosa
A primeira feira da reforma agrária implantada com
recursos da Ates na Paraíba é a de Barra de Santa
Rosa, inaugurada em julho de 2013. A Feira dos Assentados da Reforma Agrária do Curimataú comercializa a produção de dez assentamen tos localizados em
Barra de Santa Rosa, Sossego e Damião, onde vivem
534 famílias.
Apesar da prolongada estiagem na região, cerca de
meia tonelada de produtos são comercializados a
cada edição da feira, realizada às quartas-feiras, a
partir das 6h. Promovida através da Cooperativa de
Prestação de Serviços Técnicos da Reforma Agrária
(Cooptera), que presta assistência técnica aos assentamentos da região, com o apoio das prefeituras
dos três municípios, a feira conta com cerca de 24
famílias, que comercializam hortaliças, feijão, raízes,
frutas, doces, queijos, carn e bovina, peixes, ovos e
aves caipiras vivas e abatidas.
no, em Banan eiras, distante 141 Km de João Pessoa,
Pedras de Fogo
e em Alagoa Grande, a 107 Km da capital, pela en-
A Feira Agroecológica da Reforma Agrária dos
tidade prestadora de assistência técnica Assessoria
Assentamentos da Zona da Mata Sul, em Pedras de
de Grupo Multidisciplinar em Tecnologia e Extensão
Fogo, foi inaugurada em março de 2014 e reúne, às
(Agemte).
segun das-feiras, a produção agroecológica de quatro
A feira de Ban an eiras foi in aug urada no primeiro se-
assentamentos dos municípios de Pedras de Fogo e
mestre de 20 14 e acontece às quartas-feiras, a par-
Caaporã, onde estão assentadas 455 famílias. Cerca
tir das 6 h, com 20 assentados de dez assentamen-
de uma tonelada de produtos diversificados são co-
tos. Dez das 20 barracas da feira foram adquiridas
mercializados semanalmente na feira, que é promo-
pela prefeitura de Bananeiras, que é resp onsável
vida pela entidade prestadora de assistência técnica
pela limp eza d o local e transporte das mercadorias.
Consultoria e Planejamento de Projetos Agropecuá-
Em Alagoa Grande, a feira foi in augu rada em no-
rios (Consplan).
vembro de 2014. Ela é realizada às sextas-fe iras,
A barraca de Severino do Ramo da Silva, (foto página
a partir d as 6h , e reúne a produção de cerca de
60) do assentamento Campo Verde, tem de tudo um
dez assen tamentos da reg ião. A prefeitura de Ala-
pouco: feijão verde, cocos verde e seco, maracujá,
goa Grande garante a infraestrutura da feira – energia
limão, alface e maxixe.
terra da gente 59]
[
PARAÍBA
]
Segundo ele, que há cerca de dois anos possui o Ca-
participa da feira do Dnocs em João Pessoa, onde che-
dastro Social de Vendas Diretas das Unidades de Pro-
ga a faturar R$ 1 mil por semana. “Comprei moto e
duções Agroecológicas concedido pelo Mapa, produzir
motor de irrigação com o dinheiro das feiras”, disse.
de forma agroecológica é mais difícil para o agricultor,
Para Severino, trabalhar de forma agroecológica possi-
mas vale a pena. “O produto é fácil de vender e, prin-
bilitou, além do aumento da renda familiar, uma mu-
cipalmente, garante a saúde da família que produz
dança radical na vida da família, que passou a ter uma
e dos clientes”, constata o assentado, que também
dieta mais saudável e variada. “Agora temos fartura!”.
Projeto Feira-Modelo da Reforma Agrária
beneficiará mil famílias no Nordeste
“Nossa alimentação
melhorou 100%.
Hoje escolhemos o que
queremos comer
e é difícil até pegar uma
gripe”, diz Severino
do Ramo da Silva, do
assentamento Campo
Verde, em Pedras
de Fogo.
[60 incra.gov.br
Cerca de mil famílias assentadas do Nordeste serão be-
dos em feiras livres, o Incra fortalece a Rede de Fei-
neficiadas com a primeira etapa do projeto Feira Mode-
ras de Abastecimento Popular da Reforma Agrária,
lo da Reforma Agrária na região. Para discutir a padro-
dá mais visibilidade aos assentados e, principalmen-
nização desses espaços e a aquisição de kits que com-
te, resgata a dignidade e a autoestima das famílias”,
põem cada banca, o Incra reuniu em Campina Grande
afirma o técnico Gerson Beuter, do Setor do Terra Sol
(PB), no período de 26 a 28 de março de 2014, técnicos
no Incra/RS, autor do projeto Feiras de Abastecimen-
da Divisão de Desenvolvimento de Assentamentos das
to Popular da Reforma Agrária.
superintendências regionais nordestinas.
Os kits devem ser compostos por barraca padroniza-
Esta primeira oficina no Nordeste teve como princi-
da, lonas plásticas, saia ou tapadeira em lona com a
pal objetivo elaborar o edital para aquisição dos kits
logomarca da feira, sacolas plásticas biodegradáveis,
para os assentados feirantes da região, através do
bonés, aventais, caixas plásticas para o transporte e
programa Terra Sol, priorizando os que comerciali-
acondicionamento de produtos, caixa térmica, placas
zam em espaços já existentes nos municípios.
de iden tificação com o nome do assentamento, sua
“Ao padron izar as barracas e equipamentos utiliza-
localização e a quantidade de famílias assentadas.
terra da gente 61]
PARANÁ
NÚMERO DE ASSENTAMENTOS: 325
FAMÍLIAS ASSENTADAS: 18.659
ÁREA EM HECTARES: 426.612,19
TE R R A D A GE N TE
[
PARANÁ
]
Assentados no Paraná formam
cooperativa de autogestão rural
baseada em um modelo de
desenvolvimento sustentável com
participação social
Reportagem e fotos: Rodrigo Asturian
Um grande lote
[64 incra.gov.br
Localizado junto à Rodovia PR-464, o assentamento
Santa Maria, em Paranacity, no Paraná (a 497 Km
da capital, Curitiba), tem uma organização social
peculiar. Ao contrário da maioria dos assentamentos do Incra, que dividem os espaços de produção
e moradia em lotes, o que se vê, logo na entrada,
é uma estrutura similar à uma agrovila atuante no
entorno da Cooperativa de Produção Agropecuária
Vitória Ltda (Copavi). Na vizinhança, formada por 22
famílias, pastagen s e fazendas com monocultura de
cana de açúcar em uma região bastante sensível à
erosão, denominada de Arenito Caiuá.
A Copavi completou 21 anos de existência em 2014
e é referência em todo o País e n o mundo (exporta
para Europa, em especial França e Itália) na produção de açúcar mascavo orgânico, cachaça e melado,
além de panificados e derivados de leite.
terra da gente 65]
[
PARANÁ
]
explica. Conforme Gumieiro, o cultivo tradicional da
cana de açúcar precisava vir acompanhado de técnicas
de produção sem a utilização de defensivos agrícolas
justamente para aumentar a fertilidade do solo, ainda
mais em uma região sensível ao processo de erosão.
O que se vê no assentamento é uma diversidade vegetal e animal que destoa de todas as propriedades
monocultoras. A cana de açúcar tradicional cresce em
um imenso “mosaico” formado por pessoas, áreas
de proteção ambiental, hortas, pequenas pastagens
de gado leiteiro, estufas para plantio de mudas, espécies florestais como Mogno–Africano (
e
) e Pau–Rei (
). “Assim, aumentamos a eficiên cia econômica, com maior produtividade da cana e a diversificação da produção”, conclui Gumieiro.
Produtos da Copavi são
vendidos no mercado
interno e também
exportados: melado,
cachaça e açúca r mascavo.
[66 incra.gov.br
Em um modelo de desenvolvimento sustentável por
meio de cooperativa de autogestão rural, as moradias dos assentados ficam muito próximas das outras. Os espaços de uso comunitário (refeitório, es-
Certificação
participativa
Os produtos feitos na Copavi têm certificação orgâ-
critório) e de produção (usina de beneficiamento
nica com o selo “Orgânico Brasil”, em um processo
da cana, laticínio e plantações) são bem definidos.
participativo realizado por meio da Rede Ecovida,
O mesmo assentado que cuida do escritório pode
conforme a lei federal nº 10.831. Para se chegar a
também estar escalado para cuidar da alimentação
esse nível de excelência, houve um trabalho de cons-
das aves e irrigação da horta orgânica. As refeições
cientização junto aos assentados do assen tamento.
são feitas em um espaço comum, tal como um re-
“Nesse processo, não é você que muda o ambiente.
feitório de uma empresa urbana. A diferença é que
A mudança ocorre dentro de você. Todo o ambiente
a comida vem quase toda do próprio assentamento.
é um único corpo vivo”, diz o assentado Elson Borges
De acordo com o engenheiro agrônomo (e assenta-
dos Santos, conhecido como Zumbi.
do) da Copavi, Adilson Gumieiro, o modelo de socie-
Zumbi é membro da Comissão Nacional de Agroecolo-
dade atual no assentamento Santa Maria foi resulta-
gia e Produção Orgânica (Cnapo), originada da Política
do de uma construção coletiva que considerou a ori-
Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Plana-
gem dos então acampados e a realidade encontrada
po). O objetivo é integrar e articular um conjunto de
na nova terra a ser desbravada no entorno de uma re-
políticas, programas e ações capazes de estimular a
gião até então desconhecida por todos. “Viemos, na
produção orgânica, e a produção de base agroecológi-
maior parte, do Sudoeste do Paraná, onde prevalece
ca, como uma forma de se contribuir para o desenvol-
a bovinocultura do leite e produção, em pequena
vimento sustentável.
escala, de milho, feijão e hortaliças. É uma lógica
“No âmbito do Planapo, vamos encaminhar para o
totalmente diferente aqui. Por isso, tratamos desde
Programa de Fortalecimento e Ampliação das Redes
o princípio de conhecer o entorno do Arenito para
de Agroecologia, Extrativismo e Produção Orgânica
que pudéssemos experimentar até chegar à matriz
(Ecoforte) um projeto de estruturação de grupos para
agroecológica de produção por meio da cooperação”,
fomento e certificação no Arenito Caiuá, fazendo da
Copavi uma unidade de referência para assentamentos, unidades da agricultura familiar e até para empreendedores urbanos”, diz Zumbi. O objetivo, segundo
ele, é ampliar o processo de diversificação produtiva
na região, como ocorreu com os assentados do Santa
Maria, com um manejo correto do solo, considerando
o risco altíssimo de desertificação da região do Arenito.
O resultado está ali mesmo: um oásis de biodiversidade no meio do “deserto verde” formado por pastagens
e plantações de cana de açúcar.
Uma “ilha” de biodiversidade no Arenito Caiuá
O Santa Maria fica dentro da área denomina-
cultu ra do café e, mais recentemente, à cana de
da Arenito Caiuá, na região Noroeste do Paran á.
açúcar e pastagens de gado de corte . De acordo
A denominação “ Arenito” indica um amb ien te al-
com o In stituto Agronômico do Paraná (Iap ar), o
tamente suscetível à erosão, uma vez que há uma
Arenito ocupa 16% (3,2 milhões de h ectares) da
acentuad a presença de areia na composição do
área total do estad o de 20 milhões de hectares.
solo da região. P ara agravar a situação, a cobe rtu-
As práticas agroecológicas ad otadas no assenta-
ra florestal foi quase toda derrubada. Atualmente,
mento melhoram a fertilidade do solo, conservam
a estimativa d a Universidade Federal do Paraná
a b iod iversid ade e, consequentemente, en riquecem
(UFPR) é de que 18% da região ten ha cobertu ra
o ecossistema com a reaproximação d e aves nativas
florestal. O restante da áre a deu lug ar à mon o-
(araras e p apagaios) e animais silvestres.
A cooperativa mantém,
ainda, um laticínio para
produção de leite.
Família, férias e lazer
O assentado Francisco Strozak vive com a filha Janaí-
onde conheceu o marido Alfonso, engenheiro eletri-
na, o genro Alfonso e o neto João no assentamento.
cista que agora cuida da manutenção das máquinas
Francisco e Janaína fazem parte do grupo de 16 famí-
na agroindústria de cana instalada no assentamento.
lias que vieram de diversas regiões do Paraná (Sudes-
“Fiquei impressionado com a riqueza da biodiversida-
te, Centro-Sul e Sudoeste) e ficaram um ano acam-
de do assentamento. Isso aqui é uma escola de vida
padas na então fazenda Santa Maria até a criação do
para mim em todos os sentidos, tanto na produção
assentamento, em 12 de novembro de 1992. A área,
como no modo de viver”, diz o espanhol. Para a his-
de 256 hectares, foi desapropriada pelo Incra por ser
toriadora, ainda é preciso avançar em alguns segmen-
improdutiva. “Desde a época do acampamento, o
tos, como cultura e lazer no meio rural. “Precisamos
nosso grupo é formado por pessoas que trabalham
superar a ideia que a vida no campo é apenas trabalho
de forma indistinta. Os mesmos que planejam as
penoso, físico. As pessoas do campo têm direito ao
ações são os que executam as tarefas”, diz Francisco.
lazer, descanso, férias, acesso à informação, dentre
A filha Janaína é formada em História, com mestra-
outros itens”, diz Janaína. No Santa Maria, todos os
do na Universidade Autônoma de Madri (Espanha),
assentados têm 30 dias de férias por ano.
terra da gente 67]
[
PARANÁ
]
Adubações verdes melhoram produtividade
De acordo com o en genh eiro florestal Allan Francisco
Ferreira, que presta serviço de assistência técnica a
partir da chamada pública de Ater, realizada pelo In cra em 2013, o plantio da cana é feito após o cultivo
de adubações verdes. “Para a reforma dos canaviais,
usamos a
(planta de cor amarela
que ilustra a págin a 64). Esta planta eleva o nível
de matéria orgânica, ajuda no controle da nematóide
do solo, aumenta a disponibilidade de n utrien tes importantes à cultura e, consequentemente, melhora a
fertilidade do solo”, explica. “Com o correto manejo
da cana de açúcar, houve uma melhora de 20% na
produtividade e otimizamos a conservação do canavial. Atualmen te, a média de produção é de 65 a 70
toneladas por hectare, atingindo até cinco cortes por
plantio”, explica Ferreira.
Equipe trabalha na
agroindústria que
processa a cana de
açúcar plantada
no assentamento
Santa Maria.
Indicadores de produção
em pacotes de meio quilo.
de açúcar, manejados de forma agroecológica.
sal de 6,5 mil kg) é dividido da seguinte forma:
cana de açúcar: açúcar mascavo, cachaça e melado.
50% para atacadistas (fábrica de bolachas), 30%
A produção de açúcar mascavo é de 30 toneladas
para lojistas e 20% ao mercado institucional.
por mês (85% é para o mercado institucional e
15% vendidos aos lojistas).
ses (exportação) é estimada em 15 mil litros/ano.
nadas aos atacadistas em sacas de 25 quilos. Os
que acontece em Paranacity/PR semanalmente,
outros 16,6% são ven didos para lojas de produtos
além da venda direta realizada ao consumidor três
naturais, supermercados e direto ao consumidor,
vezes por semana.
COPAVI
Cooperativa de Produção Agropecuária Vitória Ltda.
Assentamento Santa Maria: PR-464, km 01, s/nº, Paranacity-PR
CE P: 87.660-000
[68 incra.gov.br
Consciência ecológica, capacitação
e assistência técnica contribuem
para mudar a realidade
de assentamentos no Centro-Oeste
do Paraná
Reportagem e fotos: Marina Oliveira
Convergência
de ações
terra da gente 69]
[
PARANÁ
]
O empenho e a predisposição para cultivar uma pro-
produção de forma sustentável.
dução totalmente livre de agrotóxicos têm ganhado
A maioria das famílias ainda está em fase de tran -
cada dia mais adeptos nos assentamentos Oito de
sição do cultivo conven cional para o orgânico, mas
Junho, em Laranjeiras do Sul (a 368 km de distância
algumas delas já conseguiram obter a certificação de
da capital, Curitiba), e Ireno Alves, município de Rio
seus lotes. São duas certificações na produção de lei-
Bonito do Iguaçu (a 382 km de Curitiba). Assentados
no Centro-Oeste do Paraná, a maioria dos trabalhadores tem compartilhado um senso comum: o uso da
agroecologia nas suas rotinas produtivas.
O carro-chefe da região, localizada no Território da Cidadania Cantuquiriguaçu, é a produção do leite, mas
as hortas orgânicas também têm se fortalecido com
Cooperativa
foi cria da há
sete anos por
um grupo de
mulheres
te no assentamento Ireno Alves e oito lotes certificados na horta orgân ica no Oito de Junh o. A certificação
agroecológica é obtida de forma participativa, por
meio da Rede Ecovida, conforme a Lei 10.831/2003.
Na produção dessas famílias não é utilizado qualquer
tipo de agrotóxico. A adubação é orgânica com o uso
a contribuição do serviço de Assistência Técnica e Ex-
de biofertilizantes e caldas, que são defensivos n atu-
tensão Rural (Ater) contratado pelo Incra. O objetivo
rais. Além disso, os produtores estão começando a se
é melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores
valer da homeopatia para tratar pragas nas plantas e
rurais por meio do aperfeiçoamento dos sistemas de
doenças nos animais.
Cooperativa
A produção é escoada através da Cooperativa Agroin dustrial do assentamento Oito de Junho (Cooperju nho), que atende não só o assentamento de Laran jeiras do Sul, mas também os demais produtores
assentados em Rio Bonito do Iguaçu. São 51 sócios,
envolvendo cerca de 40 famílias.
A Cooperjunho foi criada em 2007, a partir da iniciativa
de um grupo de mulheres que deu início ao trabalho
com panifício. O empreendimento cresceu e gerou a
necessidade de criação da cooperativa para fomentar
a entrada no mercado de alimentos da região.
Parte dos produtos utilizados no panifício é oriunda
da produção orgânica. São fabricados 13 tipos de biscoito, dez tipos de cuques, pão branco e integral, macarrão caseiro, roscas, pão de frutas, geleias e doce
de leite. Além disso, a cooperativa está em fase de
testes para a produção de queijo colonial orgânico,
experiência recém implementada que deverá ser
lançada em breve n o mercado.
Seiscentos quilos de produtos do panifício, em média,
são comercializados por semana para o Programa de
Aquisição de Alimentos (PAA). São vendidos também
1,5 mil kg de hortaliças e frutas semanalmente para
o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pane).
Outra parte da produção da cooperativa é levada para
cantinas, eventos e feiras de municípios da região.
[70 incra.gov.br
Educação
O sucesso da Cooperjunho se deve em grande parte
ao
de quem está à frente da administra-
ção do negócio. São filhos de assentados formados
pelo Programa Nacional de Educação n a Reforma
Agrária (Pronera) que colocam em prática o conhecimento adquirido nos cursos. É o caso de Ivandro
Amorim, que em 2004 se formou em técnico em
agropecuária e hoje é o presidente da cooperativa.
“O curso foi pensado para discutir a produção do leite
orgânico e mudar a matriz tecnológica”, conta. Segundo ele, ainda h á entraves e desafios na produção,
mas também o empenho técnico na resolução.
Ivete Foss, uma das admin istradoras da Cooperjunh o, teve toda a formação educacional e a profissionalizante adq uirid as pelo P ro nera. “Foi p or
estar n o assentamento que tive oportunidade de
Leite Agroecológico. Todos os cursos são resultado de
estudar. Eu tin ha o so nho, mas n ão tinha o acesso.
parcerias do Incra através do Pronera.
O Pronera tornou tudo isso possível”, lembra.
A predisposição e organização dos trabalhadores,
Ela diz que é gratificante poder con tribuir no próprio
aliadas à convergência de programas do Incra e do
assentamento e ajudar as famílias a conseguir de-
Governo Federal, mostram que é possível expandir
senvolver a produção orgânica. Ivete concluiu o curso
com eficiência uma rede de ações que visa melhorar
de Técnico em Gestão de Assentamentos em 2005,
a qualidade de vida e aumentar a renda das famílias
formou-se em Tecnólogo em Agroecologia em 2009
rurais, contribuindo efetivamente para o desenvolvi-
e, em 2014, cursou a pós-graduação em Produção de
men to do campo.
Queijo colonial
orgânico chegará
ao mercado nos
próximos meses.
Os pioneiros do leite orgânico na região
Seu Darcy Lira e dona Teresinha Lira criaram três filhos
O leite produzido pela família recebe todos os anos notas
com a renda adquirida através da comercialização do
positivas na análise aplicada pela Cooperativa Central de
leite. Pioneiros na produção orgânica na região, aca-
Captação do Leite (Coopleite), de Londrina/PR, conforme
baram por se tornar exemplo para os agricultores vizi-
a Instrução Normativa 62/2011 do Ministério da Agricul-
nhos. O lote de 18 hectares, totalmente certificado pela
tura, que regula as técnicas de produção do leite.
Rede Ecovida, é uma unidade demonstrativa de pique-
“Cuidados como a h igiene na ordenha e em todo
teamento no assentamento Ireno Alves (Rio Bonito).
o processo de manejo somam para que nossa ava-
“Produzimos alimento orgânico em defesa da vida.
liação na contagem bacteriana e no percentual de
Nessa caminhada de mais de dez anos, foram mui-
gordura seja sempre favorável”, afirma Teresinha,
tas dificuldades, mas o benefício do agroecológico é
que sonha em ver o leite beneficiado e transforma-
maior e compensa as possíveis perdas”, declara seu
do em outros alimentos, como iogurtes e queijos.
Darcy. Na propriedade, são 36 cabeças de gado produ-
“Os próprios leiteiros ficam admirados com a quali-
zindo uma média de 1,8 mil litros de leite orgânico por
dade do leite, já me falaram que até o cheiro é dife-
mês, com processamento realizado pela Cooperjunho.
rente quando ferve”, con ta, orgulhosa.
terra da gente 71]
[
PARANÁ
]
Homeopatia contribui na saúde
da cadeia produtiva
Seu Francisco
cria 200 a ves
sem utilização de
insumos químicos.
Em 2012, a Cooperjunho foi a vencedora do Prêmio
Agricultura ”, conta Eduardo Silva, veterinário e res-
Nestlé de Criação de Valor Compartilhado com um pro-
ponsável técnico pelo laboratório.
jeto de produção sustentável de leite a partir da agri-
São 400 tipos d e medicamentos que deverão se r
cultura familiar. O prêmio possibilitou a implantação
utilizados nas hortas e pastagens e para o trata-
de um laboratório de homeopatia, cujo espaço físico
mento de bovino s. As sub stân cias manipuladas
também abrigará um laboratório para análise de leite.
são 100 % naturais, extraídas das próprias plantas
“O objetivo principal do laboratório é viabilizar a pro-
e do s an imais. O laboratório atend erá 107 famí-
dução do leite orgânico. Estamos em fase de con -
lias nos dez municípios da região, cu ja p ro dução
clusão, só faltando a liberação pelo Ministério da
enco ntra- se em fase de transição agroecoló gica.
Galinha caipira orgânica incrementa
renda familiar
A sustentabilidad e ecológica, através da varie-
agroecoló gico. Segu indo esse exemplo , o casal de
dade na p ro dução, é um do s pilares do sistema
agricultores Francisco d e And rad e e Zofia d e And ra de, assentado s no Ire no Alves, estão in creme ntando
a produção no lote com a criação de galinh a caipira
orgânica.
Os produtores já fornecem uma variedade de produtos da horta orgânica para o PAA e Pnae, além
de comercializar cerca de 2.800 litros de leite para
uma indústria de laticínios. A criação das galinhas,
ainda em fase inicial e em processo de certificação
orgânica, contribui para tornar o ecossistema mais
equilibrado, preservando a saúde das plantas e animais. “Decidimos adotar o cultivo orgânico n ão só
pelo lado econômico, mas principalmen te pela questão da saúde e da conservação do meio ambiente”,
afirma seu Francisco.
São cerca d e 200 aves e todas con somem milho orgânico em pasto com barreiras de taquara, bananeira
e e ucalipto, en tre outras espécies vegetais. No lote
foi instalada uma unidade demon strativa de galinha
caip ira que de verá receber, em breve, uma máquina chocadeira. A previsão do agricultor é que as primeiras galinhas comecem a ser comercializadas em
de 2015.
[72 incra.gov.br
Transformação de vida
com a agroecologia
Após verem a filha ainda criança adoecer seriamen te
em decorrência de sua mãe ter trabalhado em colheita de fumo durante a gravidez, o casal de assentados Sadi Amorim e Delci Welter, do assentamento
Oito de Junho, decidiu adotar um estilo de vida mais
saudável. Há 18 an os passaram a cultivar plan tas
medicinais para o tratamento de enfermidades e,
com o tempo, a priorizar a produção agroecológica.
“Nossa filha não respondeu bem ao tratamento
químico e fomos vendo que para melhorar a nossa
saúde seria necessário que tudo passasse a ser to-
variedades de banana, mexerica e laranja. A maioria
talmente natural”, lembra Sadi. Logo substituíram a
é repassada para o Pnae e a outra parte é comercia-
produção convencional pela orgânica e, hoje, todo o
lizada para feiras no município de Laranjeiras do Sul.
lote é livre de agrotóxicos.
A renda é complementada com a ven da dos mais
Certificados desde 2011 pela Rede Ecovida, a famí-
de cem tipos de ervas medicinais que o casal ainda
lia produz cerca de 18 tipos de hortaliças, além de
cultiva na propriedade.
Casal produz 18
tipos de hortaliças
certificada s.
Profissionalização gera multiplicadores
Ronaldo da Siliva,
formado pelo Pronera,
leva conhecimento
aos assentados.
Nos assentamentos da região, é comum encontrar
prestadores de assistência técnica cujos conhecimentos ten ham sido adquiridos por meio do Pronera.
Na maioria, filhos de assentados que retornam com
o objetivo de contribuir para o desenvolvimento das
suas regiões de origem.
É o caso de Ron aldo da Silva. Ele é morador do assentamento Marcos Freire e trabalha com 294 famílias
no Ireno Alves, ambos no município de Rio Bonito.
“Me sinto honrado de ter a oportunidade de poder
discutir agroecologia com os assentados, resgatando práticas que eles já tinham mas n ão conseguiam
utilizar ”, conta.
Capacitação em Agroecologia (Ceagro).
Formado no ano de 2010 como técnico em agroeco-
Embora já se sinta realizado com as atividades que
logia pelo Pronera através de uma parceria entre o
desempenha, o jovem entende que está apenas ini-
Incra e a Universidade Federal do Paraná (UFPR), Ro-
ciando a “peleja”. “É uma experiência muito gratifi-
naldo presta assistência técnica aos assentamentos
cante trazer a agroecologia para a subsistência dos
atendidos pelo núcleo operacional de Rio Bon ito do
assentados, con tribuindo para o uso respon sável dos
Iguaçu, do Centro de Desen volvimento Sustentável e
recursos naturais”, afirma.
terra da gente 73]
RESIDÊNCIA AGRÁRIA
CURSOS: 35
ALUNOS ATENDIDOS: 1582
ASSENTAMENTOS: 358
MUNICÍPIOS: 334
TE R R A D A GE N TE
[
RES IDÊNCIA AGRÁRIA
]
Agroecologia
na sala de aula
A consolidação de uma agricultura voltada à produção de alimentos, através de práticas ambientalmente sustentáveis e livres de agrotóxicos, passa também pelos bancos da sala de aula.
O Incra, por meio do seu Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), atualmente
atende 1582 estudantes assentados ou que atuam
em seus assentamentos. Essa formação é feita pelos
cursos de especialização em Residência Agrária (lato
senso) executados por Instituições de Ensino Superior
(IES) que firmaram parcerias com a autarquia.
Em todo o Brasil, são 35 cursos que atendem estudantes de 358 assentamentos e 334 municípios.
No total, 30 instituições de en sino superior oferecem
23 cursos com foco em agroecologia e 10 em educação do campo.
[76 incra.gov.br
Incra investe R$ 55 milhões no
Programa Nacional de Educação
na Reforma Agrária (Pronera)
para qualificação de estudantes
assentados em todo o País.
terra da gente 77]
[
RES IDÊNCIA AGRÁRIA
Estudantes da
especialização em
Residência Agrária
debatem as vantagens
das técnicas
agroecológicas para a
produção agrícola familiar.
[78 incra.gov.br
]
Um dos exemplos deste esforço acontece no Sul e
Uma turma fica no campus da universidade em Ma-
Sudeste do Pará. A região, segundo o professor da
rabá e a outra tem aula n o assentamento Palmares II
Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Uni-
(município de Parauapebas), na sede do IALA Ama-
fesspa), Fernando Michelotti, possui 500 projetos de
zônico – Instituto de Agroecologia Latino Americano.
assentamentos com mais de 70 mil famílias assen-
“Reforçamos nas duas turmas a ideia de que a escola
tadas. “Nosso desafio é consolidar uma produção
e a assistência técnica precisam se aproximar dos as-
camponesa de base agroecológica nesses assenta-
sentamentos trabalh ando as temáticas da agroeco-
men tos, contribuin do para uma reforma agrária sus-
logia e da educação do campo”, ressalta Michelotti.
tentável na Amazônia”, diz o professor.
O que é pesquisado e debatido em sala de aula co-
Atualmen te, em parceria com a Unifesspa, o Incra
meça a ganhar forma nos assentamentos. Um projeto
mantém duas turmas da especialização em Residên-
que está em elaboração é a implantação de uma hor-
cia Agrária com 25 alunos em cada.
ta educativa na escola do assentamento Palmares II.
A experiência busca envolver os estudantes do cur-
cia e investirá outros 15 milhões entre 2014 e 2015
so e os moradores da localidade onde eles atuarão.
para uma nova ação na modalidade Residência Agrá-
O resultado é a discussão coletiva dos problemas e a
ria. Será o Residência Agrária Jovem - nível médio,
implantação de um modelo de produção econômica
que con ta com a parceria da Secretaria Nacional da
e ambientalmente sustentável. “Estamos trabalhando
Juventude, além do Conselho Nacional de Desen vol-
para que a experiência acumulada com essas turmas
vimento Científico e Tecnológico. Este último selecio-
do Residência Agrária possa subsidiar projetos peda-
nará projetos para formação de jovens do meio rural
gógicos dos novos cursos e fortalecer uma perspectiva
em agroecologia.
da universidade de voltar-se para a solução dos graves
O objetivo é formar e certificar em nível médio e/ou
problemas agrários da região Sul e Sudeste do Pará”,
profissionalizante esses jovens para que desenvolvam
afirma Fernando Michelotti.
novas experiências em agroecologia e atuem em suas
O Incra investiu R$ 40 milhões na parceria com o
próprias unidades de produção, comunidades tradicio-
CNPq para viabilizar os projetos que estão em vigên-
nais, na agricultura familiar e nas escolas do campo.
Consolidar as práticas agroecológicas
Coorden adora Geral de Educação do Campo e Cida-
Segundo dados da II Pesquisa Nacional sobre Educação
dania, Clarice dos Santos sustenta que os cursos de
na Reforma Agrária, entre o final de 2014 e início de
especialização em agroecologia precisam ir além de
2015 estarão formados cerca de 8 mil estudantes. A pes-
produzir conhecimento. Ela ressalta, ainda, que a for-
quisa sistematizou dados desde 1998. ”Temos um qua-
mação em agroecologia também é ofertada em cur-
dro de profissionais formados capazes de implementar
sos de nível médio, superior e n as especializações.
as ações previstas no Plano Nacional de Agroecologia e
“É preciso avançar na consolidação de práticas que
Produção Orgânica (Planapo) porque estamos há mais
transformem as áreas em que o projeto estiver in-
de uma década formando e capacitando os próprios tra-
serido”, diz.
balhadores com esta finalidade”, frisa Clarice dos Santos.
A realidade muda também no Semiárido
Em Campina Grande, na Paraíba, 60 alunos foram
Semiárido brasileiro era uma área inóspita, imprópria
aprovados no curso de especialização em agroecolo-
à vida humana. Para ele, realizar uma revisão crítica
gia pelo Residência Agrária. O curso é realizado por
dessa forma de enxergar a região é fundamen tal.
meio de uma parceria entre a Universidade Federal
“Os estudantes começam a assimilar o protagonismo de
da Paraíba e o Instituto Nacional do Semiárido.
uma reforma agrária popular e de característica agroe-
As ativid ad es dos estudantes são desenvolvidas
cológica capaz de fazer frente à lógica do agronegócio”,
em 16 comunidades/assentamentos da refo rma
diz. Segundo o professor, o conhecimento traz uma
agrária em seis estad os do Semiárido Brasileiro.
nova perspectiva para o futuro de cada trabalhador .
O trabalho é acomp anhado pelos mon itores e pro-
“A partir do momento que se produz e se absorve novo
fessores d o curso.
conhecimento convivendo com o Semiárido, isso refle-
O professor José Jonas Duarte da Costa avalia que ao
te positivamente nos indivíduos e possibilita o cresci-
longo dos anos foi construída uma visão de que o
mento coletivo da comunidade” observa.
terra da gente 79]
RIO DE JANEIRO
NÚMERO DE ASSENTAMENTOS: 78
FAMÍLIAS ASSENTADAS: 5.950
ÁREA EM HECTARES: 178.696,40
TE R R A D A GE N TE
[
RIO DE JANEIRO
]
Produtos da reforma agrária
são destaque em feira
orgânica carioca
Minifloresta
Maravilhosa
Com vista para dois importantes cartões postais do
Rio de Janeiro, o Pão de Açúcar e o Outeiro da Glória,
a Feira Orgânica da Glória se incorporou ao circuito de
feiras cariocas. Semanalmente passam por ela centenas de visitantes em busca de alimentos sem agrotóxico. Nesse cenário bucólico, a barraca do agricultor
Erenildo da Silva é o exemplo da reforma agrária que
dá certo e oferece frutos.
[82 incra.gov.br
terra da gente 83]
[
RIO DE JANEIRO
]
Morador do assentamento Casas Altas, em Seropé-
dona Aldeni, conseguiram criar suas três filhas, hoje
dica, distante 75 Km da capital carioca, o agricultor
casadas, e m um sítio que mais parece uma mini-
oferece aos fregueses uma variedade de alimen tos
floresta. Da diversidade de árvores encontradas,
resultantes de sua produção diversificada. Palmito,
acerola, manga, feijão, abóbora, abacaxi, can a de
açúcar, banana, inhame, cebola, abacate, fruta do
conde, carambola, jabuticaba, goiaba, milho, quiabo,
pepino, caju, cajá, limão e aipim são apenas alguns
[84 incra.gov.br
destacam-se o Ipê, o Jatob á, o Jequitibá, a Sapucaia,
o Pau-brasil e a Palmeira Imperial. Quase não há
espaço vazio para circular no lote.
“Aqui não tinha nada, era tudo pasto e a gen te sofria
dos exemplos de comidas saudáveis que chegam à
muito com o fogo. Eu que plantei tudo e, depois que
mesa do carioca.
a mata começou a fechar, nunca mais entrou fogo”,
Somente com a ren da da feira, Erenildo e a esposa,
orgulha-se o assen tado.
Dificuldades
viver no campo junto com sua família. No início, nada
Erenildo nasceu em Presidente Kennedy, no E spírito
foi fácil. A paisagem do assentamento era formada por
Santo, onde aprendeu a trabalhar na lavoura. Seus
pastagens degradadas e o local sofria com constantes
pais eram meeiros em uma pequena propriedade de
incêndios, o que deixava as condições do solo bastante
arroz e café e precisavam que os oito filhos ajudas-
desfavoráveis para a prática da agricultura.
sem na roça. Com a morte dos pais no início dos anos
“Por conta do solo ruim, eu não conseguia implantar
1980, Erenildo foi tentar a sorte no Rio de Janeiro.
o sistema que aprendi no Espírito Santo, porque lá eu
Chegou a trabalhar num supermercado, mas nunca
não botava veneno, seguia as fases da lua. Mas aqui
perdeu a vontade de voltar à agricultura.
nada pegava, eu tive praga de lesma que quase aca-
A criação do assentamento Casas Altas, em 1993, foi
bou com a plantação, também dava muito besouro,
a oportunidade que Erenildo encontrou para voltar a
era tudo bem difícil”, relembra.
Sistemas
agroflorestais
A saída encontrada por Erenildo diante das adversidades foi abrir as portas de seu sítio para a universidade.
Próximo ao assentamento funciona o campus da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e a
sede da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
– Agrobiologia (Embrapa Agrobiologia). Foi a partir do
contato com o Grupo de Agricultura Ecológica (GAE)
da Universidade Federal do Rio de Janeiro - realizador de atividades de ensino, pesquisa e extensão na
temática agroecológica - que o assentado iniciou as
experiências agroflorestais em seu sítio.
Ele fez diversos cursos n a universidade e, com pesquisadores da Embrapa, iniciou o plantio de frutas,
madeira de lei, lavoura branca (milho, arroz e feijão)
e olericultura (folhosas, raízes, bulbos, tubérculos e
frutos diversos). Com a adubação verde oriunda de
podas e quedas de folhas das árvores, percebeu a
melhora do solo e passou a usar esse sistema como
trunfo para recuperar a fertilidade de suas terras.
“Eu cultivo aqui a gliricídia, que fixa o oxigênio na
terra, planto minhas mudas no solo, e não na estufa,
e não roço e nem capino para fazer o plantio”, explica Erenildo, que afirma ter também utilizado a criação de minhocas para melhorar o solo.
A partir do contato com a equipe da UFRRJ, o assentado se aproximou da Associação dos Agricultores
Biológicos do Estado do Rio de Janeiro (Abio), uma
Garantia (SPG), pelo qual os componentes da rede de
produção orgânica realizam visitas nas propriedades
para avaliar se os produtores cumprem de fato as
exigências da produção orgânica. “Essa é a garantia
de que levamos para a feira produtos comprovadamen te sem agrotóxicos”, afirma Erenildo.
O assentado participa todo sábado da Feira Orgânica
da Glória. “O alimento orgânico está tendo uma boa
saída. Ele não precisa ser bonito, pois a sua maior propaganda é ser saudável”, comenta. Para aqueles que
reclamam do preço mais alto dos produtos orgânicos,
ele justifica: “a perda do produtor é muito grande com
o orgânico. A gente planta 100%, mas colhe em torno
de 30%, por isso o preço sobe”, explica.
organização sem fins lucrativos que coordena o Circuito Carioca de Feiras Orgânicas em parceria com
Serviço
a Secretaria Especial de Desen volvimento Econômico
Solidário da prefeitura do Rio de Janeiro.
Associação dos Agricultores Biológicos do Estado
do Rio de Janeiro (Abio)
Certificação
Rua Dr. Júlio Otoni, 3 57/01
Santa Teresa - Rio de Janeiro - RJ
Telefones: (21) 3495-2898 - de segunda à sexta,
O sítio de Erenildo recebeu o Certificado de Conformidade Orgânica, emitido pelo Organismo Participativo
de Avaliação da Conformidade (Opac), credenciado
pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e responsável legal pelo processo
perante os órgãos oficiais e a sociedade. O agricultor
também se in corporou ao Sistema Participativo de
das 9h às 13h (exceto às quintas-feiras)
Endereço eletrônico: [email protected]
Feira Orgânica da Glória
Todo sábado, das 7h às 13h, na rua do Russel, em
frente ao número 300, ao lado da estátua de São
Sebastião e do Memorial Getúlio Vargas.
terra da gente 85]
RIO GRANDE DO SUL
NÚMERO DE ASSENTAMENTOS: 343
FAMÍLIAS ASSENTADAS: 12.571
ÁREA EM HECTARES: 293.090,26
TE R R A D A GE N TE
[
RIO GRANDE DO SUL
]
Aprendendo
com a natureza
Hortigranjeiros de qualidade
produzidos no assentamento
Integração Gaúcha conquistam
frequentadores de feira
em Porto Alegre
Reportagem e fotos: Keila Reis
[88 incra.gov.br
Banca do grupo na
Feira Agroecológica da
Redenção: qualidade
e variedade fidelizam
o público consumidor.
Produzir alimentos saudáveis, livres de agrotóxicos
e em sintonia com a natureza é o objetivo de um
grupo de assentados de Eldorado do Sul, na região
metropolitana de Porto Alegre (RS). Há 22 anos eles
se dedicam à horticultura totalmente orgânica e estão entre os pioneiros deste segmento na tradicional
Feira Agroecológica da Redenção, realizada semanalmen te em um dos parques mais famosos da capital
gaúcha.
O grupo é formado por oito famílias do assentamento estadual Integração Gaúcha, que cultivam juntas
cerca de quatro hectares de hortas. Elas produzem 42
espécies de verduras, temperos e h ortaliças, desde
alface dos tipos comuns a outras mais finas – como a
frisée (parecida com a escarola, mas com folhas mais
crespas e crocantes) ou a italiana (a primeira muda
foi trazida da Itália) – e raízes e plantas aromáticas
não convencionais, utilizadas na culinária oriental,
tailandesa e indiana, como o manjericão roxo, a bertalha e o sichô.
terra da gente 89]
[
RIO GRANDE DO SUL
]
Os assentados também preservam culturas tradicio-
Segun do e la, o re sgate das espécies con tribui para
nais que desapareceram do mercado. A azedinha (da
o equilíbrio ambiental. “Trabalhamos com respeito
família das folhosas) é uma das mais procuradas na
à natureza, interferimos o me nos possível na vida
Feira da Redenção, assim como o alho nirá, ambos
do meio ambiente. Por isso, produzimos de acor-
produzidos somente pelo grupo. “A gente trouxe as
do com a época de cada produto. O tomate, por
primeiras mudas da casa da minh a mãe, que, por
exemp lo, é d e verão, não adianta forçar para ter no
sua vez, trouxe da casa da mãe dela. Iniciamos o cul-
inverno, p orque a natureza nos d á no verão devi-
tivo ainda no acampamento e mantivemos até hoje
do às propriedades que precisamos ne ste período ”,
porque quase nem existe mais”, conta Marines Riva.
explica Marines.
Opção de vida
é cuidadosamente natural desde o preparo da terra,
Famílias do
assentamento e a
produção orgânica:
renda e saúde.
Junto com o marido, José Mariano Matias, Marines
[90 incra.gov.br
passando pelo plantio, a colheita e a comercialização.
lembra que iniciaram a horta para o autossusten-
O trabalh o é inteiramente braçal, de “domingo a do-
to logo que chegaram ao assentamento. Após dois
mingo”, e envolve, além das oito famílias assenta-
anos, receberam assistência de uma organização não
das, outros dois diaristas, conforme a necessidade.
governamental e intensificaram a produção, sempre
O cuidado é tanto que os maços de temperos são
orgânica.
amarrados com cordão de algodão, evitando o uso
No início, a opção pela agroecologia também foi feita
de materiais sintéticos ou plásticos para não conta-
em função da redução de custos com adubação (uti-
minar as folhas. As sementes e as mudas também
lizavam restos de alimentos, plantas, entre outros) e
são produzidas pelos próprios assentados, com o de-
maquinário. Agora, Matias afirma que todo o processo
vido tratamento ecológico.
“A gente aprende com a natureza, vai observando
possuem consumidores fiéis, que chegam antes da
e tem prazer no que faz. Optamos pela agroecolo-
abertura da feira, por volta das 7h. “ Temos clientes
gia porque nós vamos ter saúde, a natureza fica em
antigos, principalmente os orientais ou donos de res-
equilíbrio e os nossos consumidores ganham saúde
taurantes vegetarianos. Eles nos procuram porque sa-
também. Nosso remédio é o que a gente come”,
bem que a gente tem o produto e é de qualidade.
destaca Marines.
Até mesmo nos fazem pedidos específicos de iguarias
que a gente procura e tenta cultivar”, conta o assentado.
Mercado garantido
Cada família recebe entre R$ 2 mil a R$ 5 mil, já
descontados os custos com diaristas, frete e manu-
Os assentados produzem em torno de 300 caixas por
tenção. O grupo abastece, ainda, dois mercados da
semana de h ortigranjeiros. Além da Redenção, eles
região e entrega couve, alface, temperos, beterraba
comercializam os produtos também no bairro Meni-
e espinafre para o Programa Nacional de Alimenta-
no Deus, em Porto Alegre, em feira que ocorre às
ção Escolar (Pnae) e o excedente da produção para o
quartas-feiras e aos sábados.
Programa de Aquisição de Alimentos (P AA).
“Começamos aos poucos, a cada 15 dias na Reden-
Também fazem parte, junto com outras nove famí-
ção. Vendíamos na calçada, na saída da missa”, re-
lias, da Cooperativa de Produtos Orgânicos Pão da
corda Matias. Hoje, com uma estrutura própria, eles
Terra, que produz panifícios integrais e orgânicos.
Quatro hectares de
horta são cultivados
pelas famílias no
Integração Gaúcha.
O assentamento
O assentamento Integração Gaúcha – localizado
a 53 Km de Porto Alegre – foi criado pelo governo
estadual em 1992 e, seis anos depois, reconhecido
pelo Incra, passando a integrar as políticas nacionais
de reforma agrária.
Uma delas é a assistência técnica, social e ambiental
às famílias, prestada há cinco an os por equipes contratadas pelo Incra/RS. O investimento total chega a
aproximadamente R$ 250 mil. Atualmen te, o acompanhamento é feito pela Cooperativa de Prestação
de Serviços Técnicos (Coptec), que também cuida da
certificação orgânica dos produtos. Conforme o técnico Artêmio Marques, as hortas são certificadas pelo
Organismo de Controle Social da Cooperativa Central
de Assentamentos (OCS-Coceargs).
A fim de incentivar a participação feminin a, o
Incra/RS também liberou, entre 2013 e início de
2014, R$ 117 mil para 39 mulh eres assentadas que
desen volvem projetos coletivos de panificação, horticultura e produção animal.
tamanho médio de 17 hectares cada. Além da horti-
Com capacidade para 74 famílias, a área total do as-
cultura, também há produção de arroz irrigado (maior
sentamento é de 1.256 hectares. Os lotes possuem
parte agroecológico) e pomares para autoconsumo.
terra da gente 91]
RONDÔNIA
NÚMERO DE ASSENTAMENTOS: 217
FAMÍLIAS ASSENTADAS: 38.773
ÁREA EM HECTARES: 6.183.754,72
TE R R A D A GE N TE
[
RONDÔNIA
]
Cada um com
sua receita
A alimentação da família e a comercialização dos
produtos são os dois pilares do trabalho agroecológico em hortas e pomares iniciado em 2013 pelo
programa de Assistência Técnica do Incra (Ater).
O trabalho começou com a adoção da adubação e
fun gicidas n aturais pelos agricultores dos assentamen tos Flor do Amazonas I, II III e IV e Paraíso das
Acácias, no município de Candeias do Jamari (RO),
distante 24 Km da capital do estado.
[94 incra.gov.br
Hortas e pomares em Rondônia
utilizam adubação e fungicidas
agroecológicos e a capacitação dos
assentados incluirá até orientação
postural com fisioterapeutas
Reportagem e fotos: Jeanne Margaretha Machado
terra da gente 95]
[
RONDÔNIA
]
Agrônomo Francis
Ra phael (foto acima)
Cidade ensina como
utilizar fungicida
natural na horta.
[96 incra.gov.br
“Trabalhamos com horta doméstica com 74 famílias
incluindo jiló, quiabo, maxixe, pepino e outros ali-
e horta comercial com 12. Iniciamos com os cursos
mentos”, disse Edvanete. A ampliação, segundo ela,
ensinando as técnicas agroecológicas na preparação
depende de investimentos, especialmente para cons-
da terra e agora estamos na etapa de orientações in-
trução de poço artesiano e aquisição de maquinários.
dividuais”, explica o agrônomo Francis Raphael Bar-
O casal teve problemas com ataque de pulgões na
bosa de Oliveira Cidade, que ministrou os cursos de
plantação de couve e a alternativa discutida com o
Composto Laminar e Compostagem.
agrônomo foi utilizar calda de cebola e alho, já que
Após a realização dos cursos, algumas famílias ime-
o cheiro forte repele a praga. A alta umidade e o
diatamente iniciaram o cultivo com as novas técnicas
calor da região favorecem o ataque de determinados
e já comercializam os produtos. O casal de assenta-
insetos e fungos.
dos Edvanete Moreira da Silva Cruz e Cléberson do
“Não existe uma fórmula pronta na agroecologia.
Império Rodrigues, que está plantando cebolinha,
Cada um tem a sua receita, então, vamos testando e
couve e coentro, é um exemplo.
aproveitando o conhecimento individual. A troca de
“Hoje temos uma renda média mensal de R$ 1 mil
informações é fundamental para o sucesso”, explica
com nossa horta e queremos ampliar o plantio
o agrônomo.
Fungicida natural
e aplicação de calda bo rd olesa, u m fungicida na-
O agricultor Sebastião F élix dos Santos p ossui um
tural, nos locais do corte para evitar a e ntrad a do
pomar com cerca de 80 0 pés de laran ja, limão e me-
fungo .
xerica, recen teme nte atacado também p or pu lgões
“É bom trabalhar assim, mas é muito difícil tam-
e fumag ina, uma d oença provenien te d e fun gos.
bém”, afirma o agricultor ao relembrar as diversas
O trab alho realizad o em con junto com o agrôn o-
tentativas feitas para conter naturalmente as pragas.
mo envolveu u ma po da oste nsiva p ara arejar os
Seu projeto agora é montar uma agroindústria agro-
pés, já que a praga g osta de ambientes abafados,
ecológica para produção de polpa de frutas.
Como as vantagens da agroecologia são inúmeras,
passando pelo respeito a todos os seres, ao solo e sua
Fisioterapia
O agrônomo Francis Raphael conta que já registrou vá-
recuperação, prevenção de doenças nos agricultores e
rios casos de agricultores que trabalhava com horta e
consumidores, não agressão à natureza, baixo custo e
pararam a produção por problemas na coluna vertebral
trabalho coletivo, o esforço do grupo continua e diver-
e joelhos. Por isso, ele pretende agregar profissionais
sas famílias permanecem utilizando as técnicas apren-
de Fisioterapia às oficinas de agroecologia para orientar
didas nos cursos.
sobre a postura correta durante o manejo com a terra.
Do acampamento ao assentamento
com produção agroecológica
Shirley Francisco de Paula está no assentamento
Flor do Amazonas II há nove anos, desde a época
em que a área ainda era um acampamento de trabalhadores rurais na então fazenda Urupá.
Retomada pelo Incra, a fazenda foi transformada
em 2008 nos assentamentos Flor do Amazonas I a
IV, com 375 famílias.
Com o marido, Amarildo Salvador Alves, e o auxílio da assistência técnica, a agricultora cultivou sua
horta agroecológica em 2013. Plantaram cebolinha,
chicória, coentro, jambu e pepino, chegando a obter uma renda de R$ 800,00 por semana.
“Usamos cama de frango, esterco do curral e o mato
cortado na adubação. Chegamos a ter oito canteiros
de cebolinha com 70 metros cada”, conta Shirley.
Na ún ica vez que ela foi testar adubo químico, enfrentou problemas. “Matei canteiros de chicória e
coentro porque o produto natural usamos à vontade, já o químico é muito forte”, disse.
Shirley faz um balanço da sua trajetória n as terras da antiga fazenda, local de grandes conflitos,
muito boa que o Incra fez para nós. Hoje, com meus
como in cêndios crimin osos em 2007, até o resul-
dois filhos, posso comer bem, comprar uma televisão,
tado de sua produção agroecológica. “Estou aqui
uma máquina de lavar roupa, minha casa está arru-
desde 2005 e nunca tive uma vida tão estabilizada
mada e vivo bem. Muitos pais de família foram embo-
como tenho agora. Nosso assentamento começou
ra e moram mal nas periferias urbanas. Eles podiam
a andar com a assistência técnica. Foi uma coisa
estar aqui produzindo seu próprio alimento”.
Assistência Técnica
e produção agroecológica
deram estabilidade
à Shirley para viver
no assentamento.
terra da gente 97]
RORAIMA
NÚMERO DE ASSENTAMENTOS: 67
FAMÍLIAS ASSENTADAS:16.537
ÁREA EM HECTARES:1.445.926,55
TE R R A D A GE N TE
[
RORAIMA
]
Produção aliada
à sustentabilidade
[100 incra.gov.br
Em Roraima, assentados fazem
curso de tecnólogo para produzir
com sustentabilidade, sem o uso de
agrotóxicos
Reportagem e fotos: Loide Gomes
Expedito Carlos da Silva
caminha pela horta
e lavoura de feijão
cultivados sem o uso
de agrotóxicos.
O agricultor Francisco das Chagas Batista, mais conhecido por Martinho da Vila, se enche de orgulho quando
troca a lida no campo por uma imersão de vinte dias
de estudos em tempo integral na Escola Agrotécnica
da Universidade Federal de Roraima (UFRR). Ele é um
dos 52 alunos que estão no curso de tecnólogo em
agroecologia oferecido pelo Incra em Roraima, por
meio do Programa Nacional de Educação na Reforma
Agrária (Pronera).
terra da gente 101]
[
RORAIMA
]
Graças aos ensinamentos obtidos em sala de aula, a
assentamento Nova Amazônia, na zona rural de Boa
produção no seu lote agora é sustentável. “Antes, ate-
Vista. Ele vive no lote dos tios que o adotaram com
ava fogo para limpar o terreno e plantar. Hoje, junto
mais dois irmãos que se formaram técnicos em agro-
tudo e faço adubo orgânico”, narra. A mudança trou-
pecuária n a mesma unidade de ensino.
xe ganhos para a saúde da família, reduziu custos e
A família cria aves e produz hortaliças, tu do sem
melhorou a produtividade. “Crio frango de corte e a
o uso d e agrotóxicos ou adu bos químicos. Bem es-
perda era de 50%. Agora, com o manejo adequado,
truturado, o lote tem e nergia elé trica, poço artesia-
caiu para 10%”, comemora.
no, sistema de irrigação e abatedouro. “Mas faltam
Mais velho da turma, Francisco das Chagas, 64, é o lí-
recursos para custeio e investimentos”, comenta o
der do grupo e se contagia com o entusiasmo dos mais
pai, Clério Andrade Laus, 40, que tem um galpão
jovens. Kléber Araújo Santos de Sousa, 22 anos, sonha
vazio pronto para criar mil p in tos em sistema de
com um mestrado em agroecologia. “Não fosse esse
confin amento.
curso do Incra, jamais teria condições de ingressar no
Toda semana eles montam barracas em duas feiras
ensino superior ou sonhar com o mestrado. Quero me
de Boa Vista para comercializar a produção direta-
especializar e trabalhar aqui. Meu objetivo é mudar
men te aos consumidores. Aos sábados, levam cheiro
a mentalidade das pessoas para uma produção mais
verde, couve, rúcula, quiabo, pimenta e frango para
barata e saudável, sem o uso de agrotóxicos”, diz.
a feira agroecológica montada pelo Sebrae, no bairro
Kléber mora a 1 Km da Escola Agrotécnica - que fica
Caranã. O excedente é vendido aos domingos no Ga-
no campus Murupu da UFRR, encravado no meio do
rimpeiro, a maior feira livre do estado.
(UFPB), Jandiê Araújo da Silva. “A UFRR quer colocá-lo
na grade regular da Escola Agrotécnica”, revela.
Todos os alunos são assentados. A metodologia de
ensino é dividida pelo tempo-escola (de vinte dias
de aulas em tempo integral, inclusive aos sábados)
- e pelo tempo-comunidade (quando os agricultores
voltam para seus lotes para trabalhar durante trinta
dias). Neste período, devem fazer relatórios sobre a
produção e recebem a visita de professores.
No tempo-escola, recebem hospedagem e alimentação gratuitas. Também têm acesso a biblioteca, laboratórios e internet. O convênio com a Universidade
Federal de Roraima cobre todos os custos dos alunos.
“Sem esse apoio, os assentados não têm condições
Professor Jandiê
Araújo, coordenador
do curso: “assentados
querem o diploma de
nível superior”.
[102 incra.gov.br
Curso deve entrar
para a grade da UFRR
de dar continuidade à educação formal”, explica a coordenadora do Pronera em Roraima, Derocilde Pinto.
A grade curricular é ampla para abranger ao máximo
o potencial dos assentados. Há desde disciplinas bá-
O curso de tecnólogo em agroecologia já é uma expe-
sicas, como olericultura, mecanização agrícola, irriga-
riência exitosa, embora ainda esteja na metade das
ção e drenagem, manejo de pastagem, até as mais
aulas, segundo seu coordenador, o professor doutor
complexas, como sanidade animal, melhoramento
em Agronomia pela Universidade Federal da Paraíba
genético e economia solidária.
A maioria já produz dentro da técnica agroecológi-
média das universidades. “A evasão não chega a 5%.
ca e o resultado é a melhoria da qualidade de vida
Eles querem obter o diploma de nível superior”, ob-
dos assentados e de seus familiares, além da oferta
serva Jandiê.
de produtos mais saudáveis para os consumidores.
O Pronera tem a missão de ampliar os níveis de esco-
“Esses lotes servem de espelho para a comunidade,
larização formal dos trabalhadores rurais assentados.
que passa a assimilar os conceitos da agroecologia”,
Em Roraima, 9.497 assentados já foram beneficia-
constata o professor, que visitou os lotes de todos
dos, investimento que ultrapassa R$ 1 9,7 milhões.
os alunos.
Atualmen te, 1.785 alunos estão matriculados em
A busca dos assentados pelo con hecimento e o com-
cursos de alfabetização, ensino fundamental, médio,
prometimento com o curso também estão acima da
superior e na especialização em Residência Agrária.
Os produtos com selo
agroecológico atraem
consumidores que
buscam um estilo de
vida mais saudável.
Produtos com selo agroecológico
são vendidos em feira
Produzir durante a semana e trabalhar em feiras aos
produz mais p or falta de mercado.
sábados e domingos é a rotina de muitos agriculto-
Rosilene Santos de Sousa e a nora, Carolina Oliveira,
res do assentamento Nova Amazônia, localizado na
produzem e comercializam maxixe, quiabo, limão,
zona rural de Boa Vista. Hortaliças, legumes, frutas e
feijão, rúcula, cebolin ha, coentro e couve. Depois que
pequenos animais são os principais produtos levados
deixou de usar agrotóxico na plantação, diz que nun-
à mesa do roraimense.
ca mais gripou. “ Minha saúde melhorou”, constata.
O cearense Exp edito Carlos da Silva (foto página
Estes agricultores fazem parte do programa Produção
101) planta feijão, cebola, cebolinha, coentro, ma-
Agroecológica Integrada e Sustentável (Pais), desen -
caxeira e couve no lote de 11 h ectares da vicinal
volvido pelo Sebrae em parceria com a Fundação
2. Ele fatura, em média, R$ 2 mil por mês e só não
Banco do Brasil.
terra da gente 103]
SANTA CATARINA
NÚMERO DE ASSENTAMENTOS: 160
FAMÍLIAS ASSENTADAS: 5.097
ÁREA EM HECTARES: 104.426.59
TE R R A D A GE N TE
[
SANTA CATARINA
]
No meio-oeste catarinense,
agricultores e consumidores se unem
em busca de uma alimentação livre
de agrotóxicos
Reportagem e Fotos: Vanessa Ibrahim
Aliança pela saúde
[106 incra.gov.br
“Meu pai tinha muita ânsia, então era eu
quem passava o veneno no fumo. Ficava
com a respiração ofegante e dor de cabeça.
Era um trabalho que tomava todo o tempo e
tínhamos que comprar do vizinho o feijão para
comer. Vinha carregado de veneno. Foi aí que
passamos para o orgânico, para cuidar do que
comemos e do que os outros comem”.
O relato é de Fabio Chagas, filho de assentados do projeto Dandara, localizado em Fraiburgo, no meio-oeste catarinense.
“Acho que grande parte das
doenças de hoje vem do veneno,
dos antibióticos e dos hormônios
usados no campo. Não quero mais
isso para minha família nem pra
ninguém”, diz Vitelsso Carlesso,
do assentamento Faxinal dos
Domingues I “ (foto ao lado).
terra da gente 107]
[
SANTA CATARINA
]
Ariel Stefaniak, Ariel
Bonadiman, Fabio Alípio
e Fabio Chagas: nova
geração acredita na
dissemina ção
dos orgânicos.
[108 incra.gov.br
Como muitas famílias do estado, a dele também ti-
para a agroecologia e agora repassa sua experiência
nha a renda baseada no cultivo do fumo, que além
como técnico da Assistência Técnica e Extensão Rural
de requerer a utilização de agrotóxico em larga escala,
(Ater). Sentado à mesa com os colegas de sua geração
é base para a fabricação de cigarros responsáveis por
na sede da Cooperativa de Assentados da Região do
muitos tipos de câncer. Chagas acompanhou a trans-
Contestado (Coopercontestado), ele conversa sobre a
formação do lote para a lavoura orgânica de hortaliças
venda do feijão orgânico cultivado nos assentamentos
e criação de gado de leite, que hoje rendem cerca de
e comercializado ali. Todos são unânimes na crença de
R$ 5 mil por mês. Teve formação educacional voltada
que o caminho agroecológico é o futuro.
Entrega em domicílio
consumidores, que acabaram criando vín culo com os
E o futuro já está sendo plantado em Fraiburgo.
produtores”, conta Alípio.
Do lote de Fabio Chagas, do vizinho Fabio Alípio e de
O projeto nasceu no curso de especialização do téc-
mais duas famílias saem hortaliças orgânicas certifi-
nico de Ater e também filho de assentados Ariel
cadas que abastecem escolas e órgãos públicos pelos
Bonadiman. “Pesquisei a demanda na cidade e ide-
programas de Aquisição de Alimentos (PAA) e de Ali-
alizei o projeto que, por não ter intermediários, ga-
men tação Escolar (Pnae). Desde o segundo semestre
rante o mesmo preço do produto convencional para
de 2013, a produção das famílias chega diretamente
quem compra e mais lucro para quem vende”, conta.
a várias casas da cidade em cestas orgânicas. “Entre-
“Recebo o produtor em casa, tiro as dúvidas e até
gamos toda sexta-feira vin te cestas diretamente aos
já troquei receita quando veio uma verdura que eu
nunca tinha comido. Assim eu confio que o produto é
orgânico mesmo, acredito mais nele do que no supermercado”, afirma Daniel Steinhauser, um dos clientes
O cabeleireiro Daniel
Steinhauser a posta nos
orgânicos para cuidar
da saúde e evitar o
desperdício em casa.
do grupo. Daniel ainda cita como vantagem a durabilidade dos alimentos que, por serem orgânicos e colhidos na véspera da entrega, demoram mais a estragar.
Feijão preto orgânico
é comercializado com
a marca que reúne
produtos da reforma
agrária catarinense e
selo da Rede Ecovida
de agroecologia.
Origem nos grãos
A agroecologia nos assentamentos de Fraiburgo e
região teve início com o cultivo de feijão. Famílias
que plantavam o grão convencional migraram para
o agroecológico e hoje fazem o cultivo associado a
outras culturas e às criações, mantendo todo o lote
orgânico. A certificação é feita de forma participativa.
Agricultores, técn icos e consumidores se reúnem no
núcleo denominado Alto Vale do Rio do Peixe, que
tem 35 produtores certificados divididos em seis
grupos. “Em comissões de ética, os próprios grupos
verificam se as regras da agroecologia estão sendo
cumpridas e eles também recebem visitas da Rede
a umidade dos grãos, dado polimento, separados
Ecovida e do Ministério da Agricultura, Pecuária e
os subtipos, feita a embalagem e encaminhada a
Abastecimento (Mapa)”, explica Ariel Stefaniak, téc-
distribuição . Na média, são comercializadas 50 tone-
nico de Ater.
ladas de feijão orgânico por safra. O preço varia com
As sacas de feijão saem dos assentamentos certifi-
o mercado e é calculado em 30% a mais sobre o
cadas e chegam à agroindústria da Coopercontesta-
valor da saca convencional. Em 2014, cada saca de
do, que também passa por certificação. Lá é retirada
60 kg rendeu de R$ 170,00 a R$ 210 ao produtor.
Sabedoria antiquímica
Trabalhando com agrotóxico perto de casa, veio o
“O agrotóxico abala até os nervos”, diz Vitelsso Antônio
“estalo” de que algo precisava mudar. A família cul-
Carlesso (foto página 107) buscando expressar toda a
tivava pêssego e a orientação na época era ter as
rejeição que atualmente nutre pelos químicos. Assen-
árvores perto de casa para colher mais fácil e passar
tado no projeto Faxinal dos Domingues I desde 1990,
agrotóxico em tudo. “A gente se cobria para passar o
há dez anos começou a converter a produção para a
veneno com a máquina costal, depois tirava e ficava
agroecologia. Iniciou com o feijão, veio o caqui e agora
conversando ali, na varanda, como se ele não ficasse
o projeto é certificar o leite e vender como orgânico.
no ar, não estivesse em tudo o que a gente tocava”,
A consciência foi crescendo na conversa com os téc-
conta Carlesso. Desde então, ele eliminou os agrotóxi-
nicos, na observação das doenças que surgiam e
cos, parou de ser vítima em sua própria terra e passou
nas sensações que o veneno trazia ao próprio corpo.
a ser sujeito de sua transformação orgânica.
terra da gente 109]
[
SANTA CATARINA
]
Antenor, Luciane, Luana e Rafael
Ehrenbrink: família aposta no
modelo de cultivo que garante
saúde ao produtor
e ao consumidor.
Contra a força da soja e a
contaminação dos agrotóxicos,
família ergueu seu pequeno universo
agroecológico e produtivo
Reportagem e fotos: Vanessa Ibrahim
Resistir
é orgânico
Erguendo barreiras de árvores contra os ventos que
trazem agrotóxicos e cavando valetas para desviar a
chuva venenosa que escorre da lavoura vizinh a, encontram-se os catarinenses Ehrenbrink. Há oito anos,
a família deixou um barraco de lona para se tornar
beneficiária da reforma agrária no assentamento Pátria Livre, em Correia Pinto/SC, e encarou o desafio
da agroecologia. E assim, do lote foi brotando milho,
feijão, batata, moranga, cebola, alface, melancia e
ainda h ouve espaço para a criação de galin ha, porco
e gado.
“Se fosse no convencional, não íamos fazer
tudo o que estamos fazendo”, comemora
Antenor Aloísio Ehrenbrink.
[110 incra.gov.br
terra da gente 111]
[
SANTA CATARINA
]
Cercar o lote
das ameaças de
contaminação
é preocupação
da família.
[112 incra.gov.br
Para subsistência e comercialização, tudo é cultiva-
dos Santos, técnico da assistência técnica contratada
do sem adubos químicos, agrotóxicos e hormônios.
pelo Incra para atender o assentamento.
Uma diversidade que garante o sucesso do empreen-
Segundo Santos, a opção pelo modo de produção
dimento familiar e a certeza de que a opção pelo culti-
orgânico requer paciência no início, em que o solo
vo agroecológico não só é possível como vale a pena.
ainda está tóxico devido à adubação química, e pode
“Cultivar orgânicos é mais trabalhoso, mas dá mais di-
levar de dois a quatro anos para render bem com
nheiro, além de fazer bem para todo mundo. Hoje, se
o adubo orgânico. Entretanto, após esse período, a
fosse no convencional, não íamos fazer tudo o que es-
economia com agroquímicos e o maior preço alcan-
tamos fazendo”, comemora Antenor Aloisio Ehrenbrink.
çado pelo produto compensam.
“Esse agricultor sempre buscou o cultivo orgânico
Ainda que a produtividade seja menor, as 18 tonela-
por pensar que o alimento com agrotóxico que não
das de cebola colhidas pelos Ehrenbrink nesse ano, por
deseja para sua família não deveria também chegar
exemplo, se aproximam das 21,6 toneladas por hecta-
a uma criança, a outra família. Por isso enfrentou
re, que é a média estadual para o cultivo convencional
as dificuldades do começo, insistiu e hoje tem um
de cebola, segundo a Empresa de Pesquisa Agropecuá-
bom mercado de venda”, conta Everson Rodrigues
ria e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri).
Crédito e
associativismo
impulsionam
produção
Para garantir uma boa comercialização, os Ehrenbrink certificam anualmente a produção e associaram-se a outros produtores agroecológicos da região.
Juntos, enviam a produção para uma grande rede de
supermercados com sede em São Paulo e também
ven dem para marcas regionais e para o Programa de
Aquisição de Alimentos (PAA). “Vender junto ajuda
bastante, mas ainda não temos marca própria, a intenção é lutar para isso”, planeja Antenor Ehrenbrink.
Outro suporte importan te são os créditos. “Tivemos
créditos do Incra na instalação do assentamento e
recentemente pegamos R$ 20 mil pelo Pronaf A”,
revela a esposa de Antenor, Luciane. O recurso viabilizou o investimento em adubo, maquinário e calcário. E os projetos n ão acabam. “ Agora eu quero
fazer dois açudes para criar peixes”, conta o patriarca
dos Ehrenbrink, já mostrando o local reservado para
a atividade.
“Nosso trabalho é de formiguinha”, resume Luciane,
ao explicar o esforço que fazem durante todo um
ano para garantir somente uma ou duas colheitas,
como é o caso do feijão, da cebola e da moranga.
Pequenas como formigas, também são as proporções de suas terras e poderia ser a força da família
perante a grandeza das fazendas de soja dos arredo-
carregando muito mais do que o seu peso para er-
res e o peso econômico dos agrotóxicos usados na
guer mon umentais formigueiros, sabe o quão surpre-
vizinhança. Mas quem já foi criança e leu fábulas ou
endente é a capacidade de uma formiga. E essa é a
se pegou admirado com um desses singelos insetos
moral de toda a história do Ehrenbrink.
Em 2014, a família colheu
Identificação
do Assentamento
de melancia, 18
O assentamento Pátria Livre está localizado a 8 Km
Números
3,5 toneladas
toneladas de cebola
e 20 toneladas de moranga .
do centro urbano de Correia Pinto, às margens da
Somente com a cebola, que tem melhor preço e
rodovia BR-116, em Santa Catarina. Contatos com
mercado, o ganho foi de mais de R$ 30 mil.
a família Ehrebrink podem ser feitos pelo telefone:
(49) 8857-9277.
terra da gente 113]
SÃO PAULO
NÚMERO DE ASSENTAMENTOS: 267
FAMÍLIAS ASSENTADAS: 16.999
ÁREA EM HECTARES: 337.969,68
TE R R A D A GE N TE
[
SÃO PAULO
]
[116 incra.gov.br
Assentamento localizado no Vale
do Ribeira, em São Paulo, tem toda
a sua produção agroecológica em
meio à Mata Atlântica
Reportagem e fotos: Marina Koçouski
Agroecologia
a 100%
A caminho de Apiaí, na região do Vale do Ribeira
(SP), pode-se observar a beleza da Mata Atlântica
– um dos biomas mais ricos em biodiversidade do
mun do, sendo cortada pela SP-250, rodovia que liga
os municípios de Capão Bonito a Apiaí. Dos dois lados
da rodovia, por volta do Km 310, avistam-se estradinhas de acesso às chamadas “ilhas”, áreas verdes
isoladas entre si – ao todo doze – que compõem o
Projeto de Assentamento Sustentável (PDS) Professor Luiz Antonio David de Macedo.
terra da gente 117]
[
SÃO PAULO
]
[118 incra.gov.br
Em virtude de sua localização contígua a remanes-
em qualidade de vida: “Plantei tomate convencional
centes de Mata Atlântica, o assentamento foi conce-
quase a minha vida toda. Resolvi mudar porque es-
bido no modelo de PDS. Criado em 2006, o assenta-
tava estragando minha saúde. Aqui no assentamen to
men to tem capacidade para 80 famílias, mas apenas
aposto na diversidade de cultivos, inclusive de toma-
13% de sua área de 7.626 hectares é agricultável,
te orgânico durante o verão”, diz ele, que também
descontando-se matas, nascentes e Áreas de Pre-
planta arroz, pimenta cambuci, mandioca e inhame.
servação Permanente (APPs). Assim, desde o início,
Outra vantagem da produção agroecológica, confor-
seu principal diferencial foi a adoção de cultivo 100%
me destaca a assentada Vanda Monteiro Prado, pro-
agroecológicos por parte dos assentados.
dutora de melancia e mel, é o sabor e a textura di-
A adesão dos assentados à agroecologia não foi difí-
ferenciada dos alimentos, além de sua durabilidade .
cil, já que são frequentes os relatos de intoxicação e
“Os produtos agroecológicos conservam-se por mais
de surgimento de doenças graves em agricultores de
tempo em relação aos convencionais. A abóbora co -
Apiaí e municípios vizinhos, região conhecida como
lhida chega a durar seis meses. Temos menos perda
“terras do tomate”, onde é predo minante o cultivo
de produtos destinados à venda, além de fornecer-
convencional – monocultura e uso extensivo de agro-
mos alimentos totalmente saudáveis para o consu-
tóxicos. Para Jessé Jacob Gonçalves, a transferência
midor”, afirma.
para o plantio agroecológico representou um salto
A diversidade produtiva é uma característica em todo
o assentamento, mas o maior desafio ainda é agre-
produção dos assentados como orgânica.
gar valor ao produto orgânico. Essa é a avaliação de
A certificação garante aos assentados comercializar
agricultores assentados como Valdir Souza de Oliveira,
seus produtos com a tarja orgânico, mas apenas por
que planta hortaliças, tubérculos e frutas, e Luiz Apa-
meio de feiras livres, na venda direta ao consumi-
recido Aguiar, que trabalha com hortaliças e legumes.
dor, ou ainda em programas do Governo Federal,
Um passo nesse sentido foi dado, há dois anos, quan-
como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA),
do a Associação de Produtores Agroecológicos da Mata
que paga um preço 30% superior para orgânicos se
Atlântica do Vale do Ribeira (Ecoovalle), que represen-
comparado aos produtos convencionais. Apenas a
ta os assentados, obteve a certificação Organização
conquista do Selo Orgânico possibilita a venda a mer-
de Controle Social (OCS), do Ministério da Agricultura,
cados varejistas e via internet, o que ainda é uma
Pecuária e Abastecimento (Mapa), caracterizando a
meta a ser alcançada pelos assentados.
A caminho do Selo
Orgânico
(SPG), no qual grupos formados por produtores, téc-
De olho no mercado varejista de produtos orgânicos,
certificarmos nossos próprios produtos, poderemos
o diretor da Ecoovalle, que representa os assentados
certificar outros produtores da região”, argumenta. Se-
do PDS Luiz e Osvaldo Calodiano Leite, acredita que no
gundo ele, a obtenção do Selo terá um custo mínimo
prazo de um ano a associação obterá o Selo Orgânico.
ao produtor, em torno de R$ 50,00 a R$ 80,00 por ano.
De acordo com o diretor, a associação já passou por
“Se conseguirmos o Selo Orgânico, vamos poder vender
oficinas de orientação do Mapa. O objetivo da Ecooval-
para diversos mercados varejistas, incluindo os dos mu-
le é fazer parte do Sistema Participativo de Garantia
nicípios de Curitiba, Itapeva e São Paulo”, conclui.
nicos e pesquisadores se autocertificam. “Para isso,
precisamos contratar um técnico agrícola. Além de
terra da gente 119]
[
SÃO PAULO
]
Produção orgânica de tomate do
assentamento custa 80% menos do que
a convencional, aponta pesquisa de mestrado
[120 incra.gov.br
No P DS Luiz David de Macedo, a preservação da
apontam o aumento no surgimento da incidência de
Mata Atlântica forma uma barreira natural contra
pragas no cultivo conven cional de tomates. Esse fa -
a incidência de pragas no cultivo de tomates or-
tor tem obrigado os produtores a investirem, cada
gânicos e reduz os custos de sua produção em até
vez mais, recursos financeiros e humanos para man-
84%, se comparados aos de lavouras convencionais.
ter sua produtividade.
É o que afirma a pesquisa de mestrado do engenheiro
Segundo Tomas, no município de Apiaí, um dos prin-
agrônomo Fábio Leonardo Tomas, defendida na Escola
cipais centros de produção de tomate de mesa do
Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Uni-
estado, a lavoura é submetida em média a 36 pul-
versidade de São Paulo (USP).
verizações de produtos químicos em conjunto por ci-
A pesquisa “A influência da biodiversidade florestal
clo, o que torna o cultivo do tomate um dos sistemas
na ocorrência de insetos-praga e doenças em cultivos
agrícolas mais caros e contaminantes, tanto para
de tomate no município de Apiaí-SP”, orientada pelo
as pessoas envolvidas na sua produção quanto no
professor Fabio Poggiani, embasa-se em estudos que
seu con sumo. Já a produção agroecológica tem um
caminho totalmente inverso. “Nossos experimentos
desmatamen tos na região não h avia tantas pragas”,
revelaram que a porção de Mata Atlântica conserva-
revela o pesquisador. Além disso, conforme Tomas,
da agiu como um regulador, dispensando o uso de
Apiaí e redondezas apresentam recordes em uso de
agrotóxicos, que en carecem consideravelmente o
agrotóxicos e de contaminação de trabalhadores.
produto final”, considera.
Os agrotóxicos também encarecem o preço do toma-
Como método de pesquisa, foram instalados cinco ex-
te que é comercializado. “O cultivo tradicion al tem
perimentos agroecológicos no assentamento, compa-
variação de custo na média de R$ 5,00 por pé de
rando-os a cinco cultivos convencionais, no período de
tomate, já o experimental sai a R$ 0,80”, con clui.
2008 a 2010. O uso de módulos experimentais baseia-se no experimento do professor Paulo Yoshio Kageyama, da Usp, para o plantio de seringueiras no Acre, denominado Ilhas de Alta Produtividade (IAPs). Os cultivos
são espalhados em clareiras abertas na mata, um recurso que se apresenta como substituto ao desmatamento
da cobertura natural do terreno.
“Os produtores mais antigos apontam que antes dos
PDS Professor Luiz
Antonio David
de Macedo
Endereço: Rodovia Sebastião Ferraz de Camargo
Penteado (SP-250), km 313. Fazenda Vitória –
Caixa Postal 03 – CEP: 18.320-000. Apiaí – São Paulo.
terra da gente 121]
SERGIPE
NÚMERO DE ASSENTAMENTOS: 233
FAMÍLIAS ASSENTADAS: 10271
ÁREA EM HECTARES: 194.181,23
TE R R A D A GE N TE
[
SERGIPE
]
Bendito
fruto
Sob o calor quase desértico do Sertão Ocidental,
mãos cuidadosas revolvem a terra e ajeitam pequenos montes de palha de milho, esterco e restos do
plantio de feijão. O material, que recobre e protege
o solo, recebe a sombra tímida de pequenas espaldeiras, que guardam a nova menina dos olhos de
agricultores assentados no projeto Jacurici, em Poço
Verde (distante cerca de 150 Km de Aracaju), no in terior sergipano.
[124 incra.gov.br
Protagonistas em experiência
produtiva, assentados descobrem
benefícios do maracujá agroecológico
no Sertão Sergipano
Reportagem e fotos: Daniel Pereira
terra da gente 125]
[
SERGIPE
]
Regada diariamente por três meses, durante o pe-
de estiagem que atingem a região”, explica a enge-
ríodo de estiagem que atinge a região Semiárida,
nheira agrônoma Neirivane Santos do Nascimento,
a pequena plantação, cultivada no quintal do agri-
do Programa de Assessoria Técnica, Social e Ambien -
cultor Carlos Ferreira da Silva, começa a revelar no-
tal (Ates) do Incra, que presta assistência produtiva
vos frutos, que alimentam a esperança dele e dos
aos agricultores assen tados.
demais companheiros do assentamento. “A gen-
Consolidado a partir do modelo agroecológico, o pro -
te tem se dedicado e vê que o trabalho está dan-
jeto, iniciado em maio de 2013 e estruturado sob a
do certo. Quem sabe, mais para frente, isso não
orientação da equipe de Ates, ganhou rapidamente
ajude a gente a melhorar nossa renda”, analisa
a adesão dos agricultores, transformando o pequeno
o agricultor.
quintal em uma unidade demonstrativa de produção
As esperanças dele e de outros dez vizinhos de as-
do fruto. “Eles manifestaram interesse no cultivo do
sentamento estão depositadas em um projeto agroe-
maracujá agroecológico, participaram de oficinas so-
cológico experimental que tem no maracujá seu car-
bre o assunto e compraram a ideia. Todas as 11 fa-
ro chefe. “É uma cultura que, se bem desenvolvida,
mílias do assentamento se engajaram, cuidaram da
no futuro poderá servir como uma boa opção para
estrutura, do cultivo, e hoje estão animadas com os
o convívio dessas famílias com os lon gos períodos
primeiros resultados”, comenta Neirivane.
Projeto agroecológico
A partir da experiência dele, os demais assentados
Filho de agricultores familiares que cultivavam o maracujá em Lagarto, cidade próxima a Poço Verde, o
Seu Nildo (foto abaixo):
“com adubo químico, o
solo fica mais fraco e a
planta dura bem menos.
Com o natural, a gente
gasta menos, o plantio fica
melhor e dura bem mais”.
assentado José de Oliveira Santos, o seu Nildo, foi o
primeiro morador de Jacurici a confirmar a viabilidade da fruta no solo árido do assentamento. “Resolvi
testar, plan tei o maracujá no meu quintal e deu muito certo. A terra daqui é boa e a fruta cresceu bem”,
lembra o agricultor.
se interessaram pelo cultivo do maracujá e decidiram aceitar a sugestão técnica pela adoção do modelo agroecológico para a sua produção. “Fizemos a
proposta de implantarmos um plantio agroecológico
de maracujá, consorciado com alguns tipos de feijão.
O feijão fixa o nitrogênio no solo e ajuda o maracujá
a se desenvolver melhor. É um modelo que barateia
a produção e gera alimentos de melhor qualidade”,
explica Neirivane.
Sem o uso de agrotóxicos e com a aplicação de adubos naturais, elaborados a partir do esterco bovino
e de restos de matéria orgânica, a produção dos feijões e do maracujá se desenvolveu, aumentando a
confiança dos agricultores no modelo agroecológico.
“Com adubo químico, o solo fica mais fraco e a planta
dura bem menos. Com o natural, a gen te gasta me nos, o plantio fica melhor e dura bem mais”, analisa
seu Nildo.
Com o desenvolvimento do trabalho, os primeiros
bons resultados começaram a aparecer. À espera
da segunda colh eita do maracujá, os benefícios do
cultivo já estão na ponta do lápis. “É um projeto experimental e, por isso, não apresenta grandes lucros,
mas as vantagens são evidentes. Foram investidos
R$ 400,00 para estruturar a produção, que rendeu
[126 incra.gov.br
400 quilos de maracujá. Com o preço atual da fruta,
agricultores, que se impressionam também com a
o projeto daria um retorno de R$ 1.200,00, ou seja,
qualidade das frutas. “O maracujá daqui tem mais
um ganho cerca de três vezes maior do que o custo
polpa e é bem mais saboroso”, comentou a assen-
de produção”, afirma Neirivane.
tada Josefa Martins Santana, que também participa
A quantidade e os ganhos potenciais animam os
do projeto.
Futuro do projeto
Iniciado a partir do plantio de sementes adquiridas
junto aos assentamentos Karl Marx, em Lagarto, e
Carlos Marighella e Nossa Senhora Aparecida II, em
Itapicuru, na Bahia, o projeto conta com um trabalho
paralelo para assegurar sua manutenção. “Estamos
estruturando com eles um banco de semen tes crioulas, que irá subsidiar os novos plantios no assentamen to”, conta Neirivane.
Cultivadas naturalmente, sem produto químicos, as
sementes crioulas apresentam vantagens já conhe-
de maracujá para áreas fora da unidade demons-
cidas pelos agricultores do assentamento. “Essas se-
trativa, os trabalhadores do assentamento esperam
men tes não têm veneno e são muito melhores. Se
ter acesso, em breve, a recursos destinados à pro-
você usa a semente com adubo químico, ela só dura
dução, como os oferecidos pela linha A do Programa
uma safra. Depois disso, a produção já começa a cair.
Nacional de Fortalecimen to da Agricultura Familiar
Já a semente crioula dá para gente usar uma vida
(Pronaf) e pelo Programa de Fomento às Atividades
toda”, explica seu Nildo.
Produtivas Rurais, integrado às ações do Plano Bra-
O projeto do banco, já em fase de implantação, conta
sil Sem Miséria, do Governo Federal. “O cultivo do
com sementes de maracujá, milho (utilizado em outras
maracujá é dispendioso, mas a gente viu que vale
áreas do assentamento e na produção do adubo natu-
a pena. Quando conseguirmos acesso aos créditos,
ral) e dos feijões carioquinha, branco, praia e de corda.
vamos tentar aumentar a produção, para, se Deus
Para ampliar a experiência e expandir a produção
quiser, alcançarmos mais renda”, planeja seu Nildo.
Filha da reforma agrária
a própria vida e passou a usar sua experiência para
Membro do Núcleo de Simão Dias do Programa Ates
contribuir com o desenvolvimento de centenas de fa-
e uma das responsáveis pela orientação das famílias
mílias assentadas em Sergipe.
do projeto Jacurici e de outros assentamen tos da re-
Mestre em “Agroecologia e Desenvolvimen to Sus-
gião, Neirivane Santos do Nascimento já esteve “do
tentável” pela Universid ad e Agrária de Havan a
outro lado da história”.
(Unah), em Cuba, ela é uma das difusoras d e pro-
Filha de assentados do projeto Antonio Conselheiro, im-
jetos baseados na matriz agroecológica de pro-
plantado pelo Incra no município de Lagarto, a jovem
dução pelas áreas de refo rma agrária de Sergipe.
agricultora teve sua vida transformada a partir de 2008.
“A ag ro ecologia casa muito b em com a ag ricultura
Formada na primeira turma do curso de Engenharia
familiar e pode fazer a d iferença, com a produção
Agronômica realizado pela Universidade Federal de
de alimentos mais saudáveis e a melhoria da renda
Sergipe (UFS), por meio do Programa Nacional de Edu-
dos trabalhadores asse ntad os”, comenta a en ge-
cação na Reforma Agrária (Pronera), Neirivane mudou
nhe ira agrôn oma.
Agricultora mostra
produção da unidade
demonstrativa
implantada no
assentamento.
terra da gente 127]
127]
EXPEDIENTE
Presidenta da República | Dilma Vana Rousseff
Ministro do Desenvolvimento Agrário | Miguel Soldatelli Rossetto
Presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária | Carlos Mário Guedes de Guedes
Diretora de Programa | Érika Galvani Borges
Diretor de Obtenção de Terras e Implantação de Assentamentos (DT) | Marcelo Afonso Silva
Diretor de Desenvolvimento de Projetos de Assentamentos (DD) | César Fernando Schiavon Aldrighi
Diretor de Ordenamento da Estrutura Fundiária (DF) | Richard Martins Torsiano
Diretor de Gestão Administrativa (DA) | Juliano Flávio dos Reis Rezende
Diretora de Gestão Estratégica (DE) | Maria Jeigiane Portela da Silva
Procurador Chefe da Procuradoria Federal Especializada (PFE) | Sérgio de Britto Cunha Filho
Coordenação da Assessoria de Comunicação Social | Ivonete Pereira Motta | Registro Profissional 615/GO
Jorna lista responsável César Oliveira | Registro Profissional 7596/RS
Revisão | Telma Peixoto, Jucimeire Costa e Gilson Afonseca
Textos e fotos
Bahia | Cíntia Melo
Espírito Santo | Johnny Cardoso e Girley Vieira
Goiás | Cristiane Santiago e Jucimeire Costa
Maranhão | Flávia Almeida
Minas Gerais | Daniel Fleming, Dôra Guimarães e Rodrigo Barbosa
Paraíba | Kalyandra Vaz e Jaimaci Andrade
Paraná | Marina Oliveira, Rodrigo Asturian e Cássia Morgana Faxina
Rio de Janeiro | Sarita Coelho
Rio Grande do Sul | Keila Reis
Rondônia | Jeanne Margaretha Machado
Roraima | Loide Gomes
Santa Catarina | Vanessa Ibrahim
São Paulo | Marina Koçouski
Sergipe | Daniel Pereira
Projeto gráfico e editoração eletrônica | Alessandro Mendes

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