brasileirinho - Jornalismo Cultural

Transcrição

brasileirinho - Jornalismo Cultural
BRASILEIRINHO: Samba e Choro em Porto Alegre
1
Fabio Gomes
BRASILEIRINHO
Samba e Choro
em Porto Alegre
2002-2006
Brasileirinho Produções
2007
www.brasileirinho.mus.br
Fabio Gomes
BRASILEIRINHO: Samba e Choro em Porto Alegre
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PREFÁCIO
Informação. Na ponta dos dedos. Para quê mesmo? Vivemos dias de intensa
movimentação recebendo diariamente notícias sobre os acontecimentos de nossas cidades
através do rádio, televisão, jornais, revistas e - mais recentemente - pela internet. A maior
parte desta informação é instantânea e descartável, até mesmo porque normalmente não
sabemos o que fazer com ela. Na área da cultura sofremos do mesmo mal: notícias de
shows, oficinas, painéis, exposições, espetáculos, enfim...tudo o que está acontecendo aqui,
no resto do estado, no país e no planeta. Mas para quê?
Nossa sociedade tende a privilegiar a velocidade da mídia e da notícia, características
desta nossa “revolução da informação”, enquanto decreta a morte lenta e vagarosa do
pensamento crítico, pois via de regra estamos muito ocupados nos informando sobre algo e
a reflexão sobre acontecimentos cotidianos vai sendo postergada para um segundo
momento que – no geral – não chega a acontecer. Isto faz com que a crítica de arte tenha se
ausentado dos meios de informação, onde pouco ou quase nada circula de reflexão acerca
dos eventos culturais que acontecem ao nosso redor. É o que o músico e professor do Curso
de Música da Universidade Federal de Pelotas, Márcio de Souza, chama de “a cultura do
release”.
Em 2002, quando da criação do site Brasileirinho, ganhamos um importante aliado no
dia-a-dia dos abnegados fazedores de cultura. A importante tarefa de documentar, ouvir,
escrever, refletir, enfim, criticar os acontecimentos do cotidiano musical da cidade
encontrou um porto seguro no site, tendo na pessoa do seu organizador e fundador - o
jornalista Fabio Gomes - um importante agente da cultura porto-alegrense. Através de
artigos, entrevistas e dicas - entre outros escritos - Fabio cumpre o importante papel de
crítico da cena musical da Porto Alegre dos últimos quatro anos.
Quando recebi o convite para escrever este prefácio solicitei-lhe o arquivo para ler.
Uma formalidade, pensei, até porque li os artigos a medida em que foram sendo escritos e
postados no site Brasileirinho. Fui surpreendido: descobri uma dimensão diferente,
provavelmente decorrente da leitura seqüencial dos textos “escolhidos”, onde deparei com
muitos nomes conhecidos que descortinaram um panorama rico da música em nossa cidade.
Estes “escolhidos” têm ainda o mérito de – em bom número deles – dedicarem-se a uma
vertente geralmente esquecida nos escaninhos: a música instrumental.
Sobre isso – música instrumental – conversávamos eu e Fabio Gomes, quando lhe
indaguei: “O título do livro - Brasileirinho – Choro & Samba de Raiz em Porto Alegre
(2002-2006) - não está limitando seu conteúdo?” Fiz esta pergunta baseado em minhas
leituras do conteúdo do site, onde podemos encontrar diversos artistas “não-chorões” e
“não-sambistas”, como Dante Santoro, Elis Regina, Heitor Villa-Lobos, Radamés Gnattali,
Nelson Coelho de Castro, Tom Zé, Geraldo Flach, Lô Borges, Vanessa da Mata, Wagner
Tiso, Victor Biglione, entre outros tantos, e ainda matérias sobre o Festival de Porto Alegre,
filmes, livros e poesias. Com toda esta pluralidade, porque o título traz em seu corpo
limitações estilísticas (Choro & Samba de Raiz) e geográficas (Porto Alegre)?
Pacientemente ele me esclareceu que a idéia era exatamente esta, traçar um panorama da
cultura destes segmentos - normalmente de menor visibilidade – em nossa cidade,
abrangendo o período entre os anos de 2002 e 2006. Grande sacada a dele, divirtam-se!
Moysés Lopes
Músico
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APRESENTAÇÃO
O lançamento do site Brasileirinho, em 17 de outubro de 2002, coincidiu com um
período de florescimento de grupos jovens de choro em Porto Alegre. Esses grupos tanto
ocuparam espaços então existentes como deram origem a novas iniciativas de valorização
do choro (a exemplo da série Na Roda do Choro) e também do samba de raiz (em especial
a idéia de reproduzir aqui o clima do Samba da Vela através do Bebendo do Samba). Os
jovens chorões porto-alegrenses também procuraram, sempre que tiveram oportunidade,
estar em contato direto com seus mestres - tanto os locais (o melhor exemplo é, sem dúvida,
Plauto Cruz), quanto do centro do país (como Izaías Bueno de Almeida) -, buscando ainda
compartilhar com o público esses momentos mágicos de respeito e homenagem.
Nesses quatro anos, é certo, registraram-se perdas: não existem mais os projetos Na
Roda do Choro, Chorinho na Godoy, Bebendo do Samba, Choro no Mercado e Noite do
Brasileirinho; o Dia Nacional do Choro já não teve comemoração na capital em 2006;
fecharam o Fellini Piano Bar, o Litterata e o Café dos Açorianos; Pedro Homero nos
deixou; a Orquestra Unisinos foi desativada.
Mas é importante ver também o saldo positivo: começam a circular com desenvoltura
pelo país, mantendo suas bases em Porto Alegre, artistas como Karine Cunha e a Camerata
Brasileira (esta, inclusive, gravando em Recife seu segundo CD, Noves Fora); outros
músicos, como Rafael Mallmith, Luís Barcelos e Ânderson Balbueno, optaram por mudarse para o Rio de Janeiro, seguindo os passos de Yamandú Costa e Henry Lentino; e, talvez
o mais importante, Luís Machado ministra desde 2004 Oficinas de Choro e Samba,
garantindo a renovação da música brasileira em Porto Alegre através do estímulo aos novos
talentos.
Boa parte dessa movimentação foi acompanhada diretamente por mim, em meu
trabalho de Jornalismo Cultural veiculado através do Brasileirinho. Até aqui, esse material
estava acessível apenas na internet. Sua edição em arquivo .pdf visa facilitar sua circulação
e difusão. Incluí comentários, críticas, reportagens e entrevistas feitas com artistas daqui
cujo trabalho valoriza a música brasileira, bem como matérias sobre ilustres visitantes que
os influenciam ou com eles desenvolvem um trabalho conjunto. Alguns textos foram
atualizados, mas no geral preferi deixá-los como foram veiculados originalmente no site
(em especial as notas do informativo Mistura e Manda), para que o leitor possa
acompanhar passo a passo a evolução de nossos talentos.
Agradeço a todos os artistas que fizeram os shows aqui comentados; às pessoas que,
trabalhando diretamente com eles ou em instituições culturais, oportunizaram que tais
apresentações acontecessem; a compositores, técnicos e instrumentistas; e a todos que de
um ou outro modo colaboraram com informações e dicas.
Agradeço ainda, em especial, a autorização do músico Moysés Lopes para a inclusão
de seus textos, relatando viagens da Camerata Brasileira que não tive como acompanhar.
O Autor
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PLAUTO CRUZ
PLAUTO CRUZ - O MAGO DA FLAUTA
O CD O Mago da Flauta já estava gravado quando, no dia 30 de setembro de 2002,
aconteceu um fato lamentável: o flautista Plauto Cruz (73 anos a completar em 15 de
novembro) foi atropelado por uma moto. O motoqueiro fugiu sem prestar socorro. Plauto
ficou vários dias no hospital e permaneceu alguns meses com a perna esquerda engessada,
circulando numa cadeira de rodas. O músico, que costumava ter uma agenda de
apresentações cheia (apenas em uma semana de junho, ele chegou a tocar cinco noites
seguidas), só voltou a tocar no espetáculo em sua homenagem no Theatro São Pedro, em 3
de novembro.
Mas falemos do CD. Em O Mago da Flauta, Plauto mostra-se um flautista
habilidosíssimo, capaz de variações na interpretação que causam surpresa (agradável, digase de passagem). O fôlego exibido em “Aquarela” (Toquinho – Vinicius – Maurizio
Fabrizio - Guido Morra) é espantoso, a flauta praticamente não pára a faixa inteira,
enriquecendo a harmonia original com mil floreios. Plauto também exercita a alternância de
andamento (começa lento, acelera, diminui, volta, sempre subindo o tom) com “Czardas”
(Vittorio Monti), originalmente do repertório de concerto para violino solista. Isso para
falar no seu lado de instrumentista. O lado compositor comparece com dois choros (“Ginga
no Samba” e “Choro para Ana”). Além disso, há que destacar o lado arranjador. Este é,
para dizer uma palavra só, ousado. Plauto escolheu um repertório que é, em maior ou
menor grau, conhecido do público: “Amargo” (Lupicínio Rodrigues - Piratini), “Mercedita
(S. Ríos)”, “Uno” (Mariano Mores – Enrique Santos Discépolo)... Como? Plauto não é um
chorão? Como pode juntar toada, chamamé e tango no mesmo disco?
Calma, pessoal. Plauto É um chorão. Choro é, antes de mais nada (no sentido
cronológico e de importância) uma forma de tocar. O tratamento dado por ele ao repertório
é choro puro. A simples leitura do nome das músicas sugeriria uma seleção tipo “salada-defrutas”. Mas é, com certeza, uma salada muito saborosa. Neste aspecto, o ponto alto do
disco é “Uno”. O tango inicia lento, com a flauta acompanhada por violão e gaita. De
repente, entram cavaquinho, pandeiro e bandolim... e o tango vira samba, até voltar o
andamento anterior, com gaita e flauta. Arremata-se a faixa com o clássico “plam-plam”
que encerra qualquer tango que se preze – e o “plam-plam” é feito na flauta, e não na gaita!
Outro grande momento do arranjador é na introdução criada para “Amargo”
(Lupicínio Rodrigues - Piratini), na qual o pontear do violão e a flauta, bem integrados,
lembram o galope apressado do amigo chegando a cavalo. Um arranjo citado com orgulho
pelo próprio Plauto é o de “Aquarela do Brasil” (Ary Barroso). A propósito, uma
historinha: conta David Nasser (no livro Parceiro da Glória, José Olympio, 1983) que
quem lançaria este samba seria Aracy de Almeida, mas o diretor da gravadora Victor, Mr.
Evans, não aceitou a exigência de Ary de usar orquestra e escalou um regional para
acompanhá-la. Ary e Aracy recusaram, e quem se deu bem foram Francisco Alves... e a
Odeon, que encarregou Radamés Gnattali de reger a gravação. Quem garante que Mr.
Evans não previu que o samba renderia um arranjo como este? Flauta e violão fazem a
introdução, quase atonal. Em seguida, comparecem pandeiro, bandolim, cavaquinho e
tamborim, fazendo um samba maravilhoso, que progride para um solo de violão cheio de
improvisos. Sim, solo de violão. Plauto demonstra sua generosidade reservando alguns dos
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bons momentos do disco para seus amigos instrumentistas (não creditados). Também em
“Choro para Ana” há um solo de outro instrumento, o bandolim. Esta composição tem um
caráter nostálgico. Na introdução, Plauto lembra de leve o jeito de tocar do gaúcho radicado
no Rio de Janeiro Dante Santoro (1904-1969). A gravação tem um clima das que Jacob do
Bandolim fazia com o Regional do Canhoto nos anos 50. Já em “Ginga no Samba”, Plauto
reservou para si a melhor parte. Num choro bem alegre, o regional mantém-se firme em
uma base para os vôos da flauta, com um fraseado muito colorido. A melodia lembra um
pouco Toquinho.
Nada é óbvio em O Mago da Flauta. Duas composições do cineasta Charles Chaplin,
“Luzes da Ribalta” e “Sorrir” (Chaplin – John Turner – Geoffrey Rarsons), compõem um
dos três pot-pourris do disco. “Luzes...”, originalmente uma canção, é puxada para valsa na
execução da flauta com dois violões. Ao passar para “Sorrir”, um tantã entra em cena e o
andamento passa a ser de bolero, mas um bolero alegre, “pra cima”.
Mais exemplos: em duas faixas, “O Cio da Terra” (Milton Nascimento – Chico
Buarque) e “Mercedita” (S. Ríos), sua flauta tem ares andinos. Já “La Barca”/“Reloj”
(Roberto Cantoral) começa com um belo uníssono de flauta e gaita e encerra com o violão
fazendo o tic-tac do relógio. Genial.
***
HOMENAGEM A PLAUTO CRUZ
O Clube do Choro de Porto Alegre está no palco do Theatro São Pedro. O grupo
inicia uma música e pára em seguida. Todos se olham. O violonista Ênio reclama de algum
problema no som. Novo início, nova parada. Algo não estaria bem. O músico Henrique
Mann, apresentador do espetáculo, preocupado, volta ao palco. Em seguida, tudo se
esclarece: o problema no som era a ausência do flautista Plauto Cruz, que então é
conduzido ao palco em uma cadeira de rodas. Emocionado, o público que lotava o TSP
aplaude de pé por alguns minutos.
Já na fila as pessoas se perguntavam se Plauto estaria no espetáculo feito em sua
homenagem no dia 3 de novembro de 2002, visando a arrecadação de recursos destinados
ao tratamento do músico, que sofreu um acidente há pouco tempo. Pois ele estava e tocou
quase uma hora!
Plauto demonstrou muita alegria em poder estar no seu lugar novamente – o palco.
Seu fraseado na flauta e seu fôlego estão idênticos. Ele iniciou sua participação com uma
música de sua autoria, seguindo com seu arranjo para “Carinhoso” (Pixinguinha – João de
Barro). Após “Vou Vivendo” (Pixinguinha) (no qual sua interpretação chegou a lembrar
Benedito Lacerda), o homenageado convocou Mann para acompanhá-lo ao violão
(emprestado por Sampaio do Clube do Choro) em “Berimbau” (Baden Powell – Vinicius de
Moraes). Violão devolvido, Plauto e o regional tocaram “Brasileirinho” (Waldir Azevedo).
O flautista destacou a alegria de poder estar com todos os amigos, muito satisfeito e feliz.
Um rapaz da platéia gritou: “O senhor merece!” Plauto, emocionado, chorou. Em seguida,
lágrimas enxugadas, agradeceu o atendimento recebido no Hospital São Lucas da PUC,
elogiando desde a dedicação dos profissionais até a limpeza – e novamente lhe vieram as
lágrimas.
A propósito do hospital, Plauto executou em primeira audição sua valsa “Ao São
Lucas”, que prometeu incluir no próximo disco que gravar. Depois do clássico “Flor
Amorosa” (Calado), o homenageado mencionou que tocaria “só mais uma”, mas um senhor
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pediu “Brejeiro” (Ernesto Nazareth) e Plauto não se fez de rogado, mandando ver com o
Clube do Choro.
Num momento de grande emoção, o músico, comovidíssimo, pediu a Deus que nos
acompanhasse e manifestou seu desejo de tocar para os amigos até seus últimos dias de
vida. Para encerrar, Plauto escolheu “Sempre no Meu Coração” (Ernesto Lecuona – Kim
Gannon). A esta altura, Mann retornou ao palco, preocupado porque o flautista estava
tocando havia mais de 45 minutos. Ficou acertado então que Plauto tocaria quanto tempo
quisesse, mas não haveria bis – até porque já se falava nos bastidores em realizar outro
show.
Pelo sim, pelo não, Plauto desta vez fez mesmo só mais uma: sua versão de “Amigos
para Sempre” (ou seja, “Friends for Life”, de Andrew Lloyd Webber e Don Black), que
começa lenta e depois vira samba. Novamente o público aplaude de pé, mas
compreensivelmente não pediu “Mais um! Mais um!”.
Na primeira parte do show, o destaque foi a dupla Humberto Gessinger (dos
Engenheiros do Havaí) no violão e Renato Borghetti na gaita-ponto apresentando o novo
arranjo xote-balada para “Toda Forma de Poder” (Humberto Gessinger). Uma surpresa foi
o número executado pela dupla Hique Gomez e Nico Nicolaiewsky, uma canção em
espanhol, incluída na temporada latino-americana de Tangos e Tragédias. A abertura ficou
a cargo do trio de Frank Solari (ele na guitarra, Roger Solari no baixo e Kiko Freitas à
bateria), com um choro elétrico. Também se apresentaram Jazz 6, Luís Carlos Borges &
Marcello Caminha, Neto Fagundes & Ernesto Fagundes, Bebeto Alves, Elton Saldanha e
Nenhum de Nós.
O espetáculo já vinha sendo articulado há algumas semanas, com muitos artistas
querendo se apresentar e homenagear Plauto, combinando-se então que cada um faria
apenas uma música, exceção feita ao Clube do Choro. Logo, já de saída os organizadores
perceberam que seria necessária grande movimentação de bastidores (troca de músicos,
afinação, ajustes) e haveria intervalos, por vezes longos, a cada apresentação. A solução
adotada foi muito habilidosa: Henrique Mann, presidente da Agadisc (Associação Gaúcha
do Disco Independente), faria a apresentação do evento, vindo à boca de cena enquanto no
palco, atrás da cortina, os ajustes eram feitos. Em suas intervenções, Mann buscou
conscientizar os músicos quanto à criação de um fundo de previdência para a categoria,
citando o exemplo do próprio Plauto, que toca há 58 anos e não tem aposentadoria. Os
órgãos de classe, como a Ordem dos Músicos, apenas fiscalizam o exercício da profissão.
Já o ECAD não quis abrir mão de 10% da bilheteria, mesmo sabendo o destino da renda e a
situação do homenageado. Segundo Mann, o ECAD se orgulha de não liberar direitos nem
para o Hospital do Câncer Infantil! Mann mencionou ainda que todos os artistas que se
apresentaram assinaram a liberação das músicas, visando não pagar nada ao ECAD. O
público aplaudiu em peso.
***
Mistura e Manda nº 1 (9/6/2003)
PENSÃO PARA PLAUTO
O músico Henrique Mann lamentava que o flautista Plauto Cruz não tivesse uma
aposentadoria, durante o espetáculo que marcou sua volta aos palcos. O fato era espantoso,
afinal ele toca profissionalmente há quase 60 anos! Felizmente, no dia 4 de junho, os
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vereadores de Porto Alegre aprovaram a concessão de uma pensão vitalícia de 2 salários
mínimos para Plauto.
***
ENCONTRABANDA COM PLAUTO CRUZ
O encontro da Banda Municipal de Porto Alegre com o flautista Plauto Cruz, atração
do Teatro Renascença (Porto Alegre) na noite de 18 de julho de 2006, iniciou em clima de
big band. Realmente lembravam muito o som do auge do jazz dixieland as interpretações
da "Abertura Açorianos", de autoria do regente da Banda, Marcelo Nadruz, e a excelente
"Seqüência de Sambas nº 4" (reunindo "Ai que Saudades da Amélia" e "Atire a Primeira
Pedra", ambas de Ataulfo Alves e Mário Lago, "Leva Meu Samba", de Ataulfo, e "A Voz
do Morro", de Zé Kéti). Dali por diante, alternaram-se momentos em que a atmosfera
predominante ora era de mambo, ora era de maxixe. Este deu deu o tom do surpreendente
arranjo de Nadruz para "Solfeggietto" (Philip Emanuel Bach), enquanto o antigo ritmo
caribenho, além de ser o esperado em "Novo Mambo" (Manoel Ferreira), foi ainda
utilizado para a releitura de "Kid Cavaquinho" (João Bosco - Aldir Blanc), cuja primeira
parte iniciava com um dueto fantástico entre o trompete de Jorge Alberto de Paula (mais
conhecido fora da Banda como Jorginho do Trumpete) e a bateria de Juarez Ferreira. Até
aqui, falo da parte em que a Banda se apresentou sozinha.
A participação de Plauto se iniciou com outro ritmo caribenho, na música de sua
autoria "Viajando na Rumba". Nesta, a flauta do solista estava quase inaudível, um pouco
prejudicada pelo arranjo, outro tanto pelo problema no som do seu microfone. Sem merecer
a devida atenção, este aspecto técnico impediu o público de ouvir o convidado com a
qualidade desejada: o som da flauta chegava à caixa de som com muito ruído, meio oco.
(Infelizmente não é a primeira vez que isso acontece: no lançamento do segundo CD do
Clube do Choro, em 23 de junho de 2005, durante boa parte da noite o microfone de Plauto
esteve simplesmente desligado!!!)
Problemas técnicos à parte, foi de muita emoção a participação de Plauto no show.
Tanto na hora do seu número solo (em que tocou divinamente "Carinhoso", de Pixinguinha
e João de Barro), quanto ao interpretar "Maremy", música dedicada a sua esposa, que
falecera poucos dias antes (ao bisar esta composição, Plauto chorou). Plauto e a Banda
dividiram ainda "Doce Maxixe" (olhaí!), "Disparada" (Geraldo Vandré - Théo) e "Maria
Fumaça" (Kleiton - Kledir), da qual o flautista fez o arranjo original para a dupla pelotense
cantar no festival da TV Tupi de 1979.
Nadruz comunicou ao público que, naquele mesmo dia, recebera a notícia de que a
Banda irá gravar em breve seu primeiro CD, com participação de todos os músicos que têm
participado da série Encontrabanda. Além da presença de Plauto já garantida neste projeto,
o maestro fez menção de realizar novo concerto, dessa vez unicamente com obras de
Plauto. Saudamos a idéia e fazemos votos de nessa próxima vez o som esteja melhor!
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NA RODA DO CHORO / BEBENDO DO SAMBA /
OFICINAS & SHOWS COLETIVOS DE CHORO E SAMBA
NA RODA DO CHORO COMEÇA BEM
Teve início na terça, 4 de novembro de 2002, a série Na Roda do Choro, que até 17 de
dezembro vai levar à Discoteca Pública Natho Henn da Casa de Cultura Mário Quintana os
grupos Alma Brasileira e Reminiscências, além de convidados. Em torno de 60 a 70
pessoas (como o espetáculo é grátis, houve muita renovação do público o tempo todo) de
idades bem variadas prestigiou a apresentação.
Os grupos estão de parabéns, primeiro, pela iniciativa. Em segundo lugar, por fugir à
tentação de tocar um repertório “fácil” (ou seja, apenas choros já conhecidos do grande
público, em versões parecidas com as dos discos). Em caso de peça conhecida, notava-se a
preocupação de fazer um arranjo original, como toques de sino na abertura de “Pedacinhos
do Céu” (Waldir Azevedo). Também “Bachianas Brasileiras nº 5” (o primeiro movimento)
teve um arranjo interessante, com bom solo de bandolim. Que dizer, então, da levada
flamenca de “Santa Morena” (Jacob do Bandolim)? Até aqui, falei do Alma Brasileira, mas
o mesmo se aplica ao Reminiscências. Não é todo dia que os amantes do choro em Porto
Alegre podem ouvir músicas de Anacleto de Medeiros e Geraldo Vespar. Mesmo quando se
trata de compositor conhecido, as escolhas do Reminiscências privilegiam peças não
“batidas”, como “Marilene” (Pixinguinha). As execuções dos dois grupos são muito boas.
No Alma, o bandolim de Rafael (ex-Chorando Cedo) se destaca, enquanto no
Reminiscências Tiago faz algo difícil de se encontrar hoje em dia: centro de cavaquinho, o
que dá uma sonoridade bem característica ao grupo.
Os convidados do primeiro dia, acompanhados pelo Reminiscências, foram os
flautistas Tito e João (este acompanhado ainda por Tiaraju no violão de 7 cordas e Jairo no
cavaquinho). Uma característica curiosa do Reminiscências é que, ao acompanhar um
convidado, este entra momentaneamente no lugar de alguém do grupo. Por exemplo,
quando tocaram com Tito, o bandolinista retirou-se do palco, permanecendo um total de 4
músicos.
Então, já sabem: terças, às 19h, é a hora do choro na CCMQ. Esperemos que os
percalços da estréia (zumbido constante na caixa de som e escolha de um local estranho
para os músicos atuarem, quando eles poderiam ficar junto à platéia) sejam logo superados.
E, óbvio: que o projeto não fique só nestas sete edições, possa prosseguir em 2003, 2004,
2005, 2006...
***
NA RODA DO CHORO CADA VEZ MELHOR
Os grupos Reminiscências e Alma Brasileira, no seu projeto Na Roda do Choro, cada
vez mais fogem do formato “show” para fazer mesmo uma roda. A apresentação de 26 de
novembro de 2002 estava, como diz o ditado gaúcho, “loca de especial”. Quem começou a
tocar foi o Reminiscências. Não demorava muito, um ou mais músicos eram substituídos,
com exceção do violonista Luís Machado.
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O momento alto foi quando Rafael Ferrari (bandolim) e Luís Barcelos (cavaquinho),
ambos do Alma Brasileira, acompanhados do pandeirista Sidnei, integraram-se ao
Reminiscências (detalhe: Luís, no Alma, toca violão de 7 cordas. Mas vai muito bem nos
dois instrumentos). Em meio a uma bela seqüência de choros compostos ou gravados por
Jacob do Bandolim (“Bonicrates de Muleta”, de Biliano de Oliveira, foi muito bem
executado), o grupo mandou ver no clássico “Odeon” (Ernesto Nazareth), apresentou
“Minha Vida” (Rafael Ferrari) e simplesmente arrasou no “Um a Zero” (Pixinguinha).
Rafael conseguiu a proeza de reproduzir, em seu bandolim, os floreios que Pixinguinha
fazia no saxofone!
No repertório da noite, rolou ainda Waldir Azevedo (“Cinema Mudo”, parceria com
Klécius Caldas, e “Moderado”), Fon-Fon (“Murmurando”) e Avendano Jr. (“Liberdade”),
entre outros. Esse, realmente, é um mérito do projeto: a variedade de repertório. Os
clássicos do choro aparecem, sim, mas sempre ao lado de músicas pouco ou nada
conhecidas do grande público.
Esta foi a segunda vez em que o evento foi realizada na Sala Luís Cosme, no 4º andar
da Casa de Cultura Mário Quintana. A mudança valoriza a iniciativa e mostra respeito com
o público, o que é altamente positivo. Na estréia no novo local, no dia 19, o Alma Brasileira
anunciou que estava com página na internet (www.almabrasileira.cjb.net). Ali se
encontravam perfil dos músicos, algumas músicas para ouvir e uma relação de páginas
sugeridas pelo conjunto, entre as quais o Brasileirinho (o primeiro link para o site que então
recém completara um mês).
***
NA RODA DO CHORO ARRANCA ELOGIOS DA PLATÉIA
Encerra 17 de dezembro a temporada 2002 do projeto Na Roda do Choro. É de se
lamentar que o público porto-alegrense ainda não tenha despertado para o ciclo de
apresentações, que sempre reservam surpresas da melhor qualidade.
No dia 3 de dezembro, o Alma Brasileira mostrou duas composições de seus
integrantes: “Deixa Assim” (Rafael Mallmith), no qual Rafael Ferrari imitou uma cuíca no
bandolim, e “Hamiltando” (Rafael Ferrari – Luís Barcelos – Rafael Mallmith), uma
homenagem ao bandolinista brasileiro Hamilton de Holanda, atualmente radicado na
França. Além disso, o arranjo do Alma para “Bachianas Brasileiras nº 5 – Ária” (Heitor
Villa-Lobos), que já destacamos, foi elogiado publicamente pelo flautista Tito, que estava
na platéia. Tito afirmou que até ali considerava o melhor arranjo popular para esta música o
feito por Radamés Gnattali para a gravação de Elizeth Cardoso em 1979, mas que o Alma o
superou, numa execução de alta qualidade, que poderia ser aplaudida em qualquer lugar do
mundo.
Luís Barcelos, violão de 7 do Alma, acompanhou o Grupo Reminiscências ao
cavaquinho em “Choro Negro” (Paulinho da Viola) e “Implicante” (Jacob do Bandolim),
este também com o percussionista Sidnei (ele não é apenas um pandeirista, toca caxeta,
castanholas, sino...). Uma hora, Sidnei surpreendeu tocando agê com vassourinhas de
bateria!
O cavaquinista Luís Arnaldo foi o convidado do Reminiscências, com uma boa
seqüência de choros de Waldir Azevedo (“Pedacinhos do Céu”, “Delicado”, “Minhas
Mãos, Meu Cavaquinho” e “Carioquinha”), além de Jacob (“Doce de Coco” e “Noites
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Cariocas”) e Pixinguinha (“Lamento”). Luís Arnaldo usou a primeira corda do cavaquinho
afinada em “mi”, como o Henrique Cazes.
***
LUÍS BARCELOS, DESTAQUE NA RODA DO CHORO
O jovem instrumentista Luís Barcelos destacou-se na penúltima edição de 2002 do
projeto Na Roda do Choro, no dia 10 de dezembro. É certo, foi uma noite que teve muitos
convidados (já chegamos lá), mas creio que, no todo do espetáculo, ele discretamente fez a
diferença, para usar uma expressão da moda.
No grupo que integra, o Alma Brasileira, Luís executou com segurança o violão de 7
cordas. Na parte que cabia ao Grupo Reminiscências, esteve presente quase todo o tempo,
com seu instrumento de origem, o cavaquinho. Tudo bem, isso ele já tem feito nas últimas
terças. Mas o grande momento de Luís foi como compositor, quando a Camerata executou
seu choro “Sol e Lua”. A música inicia lenta, quase uma valsa, alegre com um “quê” de
melancolia; o ritmo vai aumentando, a alegria domina a melodia, com a transição chorosamba-sambão. Após uma seqüência de compassos em oitavas nos violões, retomam-se os
trechos “choro” e “samba”. Uma grande página musical!
O Alma também interpretou, de seu bandolinista Rafael Ferrari, “Minha Vida”, um
choro cadenciado, cheio de breques, puxando para o samba, cujo estilo lembra um pouco o
de Jacob do Bandolim.
Luís Machado, violão de 7 do Reminiscências, tocou ao lado de Luís Barcelos e, em
algumas músicas, do pandeirista Soleno, acompanhando o pianista Giovani Porzio em
composições de Ernesto Nazareth, Paulinho da Viola, Pedro Galdino e Chiquinha Gonzaga.
Encerrada sua participação, Giovani não se conteve e foi novamente ao piano colaborar em
“Doce de Coco” (Jacob do Bandolim), em que Machado e Soleno, ao lado de Tiago Braga
(cavaquinho), acompanhavam o flautista Petrônio Marcus de Souza. Petrônio tocou ainda
“Naquele Tempo” (Pixinguinha), numa interpretação que agradou bastante os presentes.
Encerrando a noite, o cavaquinista Luís Arnaldo mais uma vez se apresentou, desta
feita acompanhando o violonista Tiago Piccoli em choros de João Pernambuco e Garoto – é
deste o “Lamento no Morro”, que foi demoradamente aplaudido pela platéia.
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GRANDE ENCERRAMENTO DO PROJETO NA RODA DO CHORO 2002
O bandolinista Rafael Ferrari informa que, no dia 17 de dezembro de 2002, quando
do encerramento da primeira temporada do projeto Na Roda do Choro, reuniram-se 5
cavaquinhos, 2 bandolins, 2 violões de 7 cordas, 2 de 6 e 2 percussionistas, improvisando
sobre “Noites Cariocas” (Jacob do Bandolim). O público esteve presente em grande
número, “só não superando o da estréia”, segundo Rafael.
O Grupo Reminiscências acompanhou Sérgio do Bandolim e Anão do Cavaco. Luís
Eduardo e Tiago Piccoli, ambos violonistas, tocaram de Villa-Lobos a Toquinho. Já o Alma
Brasileira estreou a nova formação, com Rafael Mallmith assumindo o violão 7 cordas,
permitindo que Luís Barcelos mostre todo seu virtuosismo no cavaquinho. Outra estréia na
Camerata foi o movimento “Ernesto Nazareth” da “Suíte Retratos” (Radamés Gnattali).
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Também se fez presente o fenomenal Grupo Vou Vivendo (Chico Pedroso – cavaquinho,
Guaraci Gomes – bandolim, Luiz Palmeira – violão 7 e Gilberto Gorga – pandeiro).
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INUSITADO NA RODA DO CHORO
Por essas coisas da vida, a estréia do novo formato da série (agora mensal, sempre na
primeira terça do mês) Na Roda do Choro, em 3 de junho de 2003, ficará marcada por dois
incidentes curiosos. Um deles não era musical: a Camerata Alma Brasileira recém
terminara de tocar seu primoroso arranjo para “Noites Cariocas” (Jacob do Bandolim),
quando entrou na Sala Luís Cosme uma mulher reclamando em alto e bom som que o
violonista Moysés Lopes a abandonara. Relatou que ligou para ele algumas vezes, deixara
recado e ele não telefonara de volta. Agora, ela, que se apaixonara pelo choro, ficava em
casa ouvindo discos e chorando (sério, o papinho da sujeita era esse aí mesmo!). Mas tudo
bem, Moysés ficou de ligar e ela nos deixou continuar ouvindo a Camerata em paz.
O arranjo para “Noites Cariocas” é primoroso, em primeiro lugar, por fugir do óbvio
– aquela tentação de tocar “igual ao disco” a que muitos músicos não resistem. Não é o
caso da Camerata. O violão de 7 cordas introduz o tema. Num segundo momento,
bandolim, cavaquinho e pandeiro entram, discretos. O violão de 6, mais discreto ainda.
Todos então tocam forte, subindo e descendo alguns tons, preparando o terreno para um
excelente diálogo entre bandolim e cavaquinho, improvisando até que se escute um toque
forte do pandeiro. É o sinal para o soluçar do bandolim e o estrilo do cavaquinho, seguido
por alternância entre todos tocando forte e paradinhas, marcadas pelo pandeiro. Após uma
base feita pelo bandolim para improvisos do cavaquinho, eis que de repente aparece com
força o violão de 6, firme na baixaria para que o bandolim conclua numa escala ascendente!
Uau!
O grupo passou por algumas mudanças no início do ano: o pandeirista Ânderson
Balbueno entrou no lugar do percussionista Sidnei, enquanto Luís Barcelos, que tocava
violão de 7 cordas, e Rafael Mallmith, responsável até então pelo cavaquinho, trocaram de
instrumentos. Esta segunda mudança foi excelente, pois era visível que Luís, um excelente
cavaquinista, sentia-se um pouco preso no violão de 7. Já o ingresso de Ânderson acentuou
a tendência do conjunto para o samba (afinal, não é por acaso que quatro dos cinco
integrantes da Camerata fazem parte também do grupo Samba de Fato).
Pode não parecer, mas essas modificações levaram o grupo a reensaiar todo o seu
repertório, e este processo trouxe mudanças nos arranjos – não há mais sino na introdução e
no final de “Pedacinhos do Céu” (Waldir Azevedo), por exemplo. Os dois violões iniciam a
música com arpejos lentos, seguidos da introdução do tema pelo cavaquinho. Sendo este
empunhado por Luís Barcelos, é natural que o tema seja apresentado livremente, com
repetições de acordes e improvisos. O pandeiro então convoca os outros instrumentos, que
fazem a base para o solo do cavaquinho, que não pára, agora conversando com o violão de
7. Quando o cavaquinho passa a fazer trêmolos, os violões (Mallmith e Moysés) se
destacam, para em seguida iniciar um trecho em que todos tocam forte, bem cadenciados. O
pandeiro está excelente nesses compassos. O final é um trêmolo uníssono de cavaquinho e
bandolim (Rafael Ferrari).
Um arranjo que mudou radicalmente foi o de “Um a Zero” (Pixinguinha). Se até 2002
a Camerata seguia a gravação original de Pixinguinha e Benedito Lacerda (1946), num
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estilo toque de bola, a inspiração para o atual arranjo só pode ter sido o Carrossel Holandês
de 1974. A execução é acelerada, todos tocando forte. As tabelinhas entre bandolim e
cavaquinho estão demais, e os violões estraçalham na baixaria. Por quatro vezes, durante a
segunda parte, os músicos chegam a comemorar o gol!
As tabelinhas entre Ferrari e Barcelos dominam outros choros apresentados
(“Cochichando”, de Pixinguinha; “Vê se Gostas”, de Waldir Azevedo e Otaviano Pitanga)
ora com solo de um, ora de outro, geralmente com improvisos. Mas há momentos para
brilhos individuais, como o belo solo de cavaco em “Beliscando” (Paulinho da Viola) e
“Cadência” (Juventino Maia) e o destaque ao bandolim em “Gostosinho” (Jacob). O violão
de 6 de Moysés cumpre bem a função de fazer a base, destacando-se aqui e ali num solo de
primas em “Murmurando” (Fon-Fon) e “Há um Tom” (Hamilton de Holanda) – onde o
violão de 7 e o cavaquinho dialogaram muito bem.
Constituíram uma agradável surpresa os acordes quadrados de Barcelos ao
cavaquinho na abertura de “Benzinho” (Jacob), lembrando a forma com que o próprio
Jacob tocou cavaco na gravação original de “Ai! Que Saudades da Amélia” (Ataulfo Alves
– Mário Lago), com Ataulfo Alves e Sua Academia de Samba (1941). Em seguida, um solo
de bandolim e arpejos do violão de 7 antecedem um momento de todos tocando forte,
abrindo para solo de cavaco com trêmolos no bandolim. Finalizando “Benzinho”, dois
diálogos: violão de 7 com bandolim e bandolim com cavaquinho.
Para o encerramento, o grupo reservara “Deixa Assim” (Rafael Mallmith). E, aqui, o
segundo incidente curioso: o próprio autor da música, tocando violão de 7, errou a
introdução! Em seguida, a habitual competência do grupo se fez sentir novamente, numa
execução alternando paradinhas e momentos fortes, com o bandolim imitando cuíca.
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CAMERATA ALMA BRASILEIRA: ENTROSADA E INQUIETA
A Camerata Alma Brasileira procurou valorizar a prata da casa na edição de julho de
2003 da série Na Roda do Choro, no dia 1º, na Casa de Cultura Mário Quintana. O grande
destaque da noite foram as composições de integrantes do próprio grupo: “Minha Vida”
(Rafael Ferrari), “Deixa Assim” (Rafael Mallmith), “Sol e Lua” (Luís Barcelos) e
“Hamiltando” (Rafael Ferrari - Luís Barcelos - Rafael Mallmith) - este, aliás, um curioso
caso de choro com três autores. Dois autores em choro já é raro, o que dirá três! É mais
uma prova do crescente entrosamento dos chorões.
Entrosados e inquietos: eles estão sempre mexendo nos arranjos. O “Um a Zero”
(Pixinguinha) já não está mais no estilo carrossel holandês. Agora (ao menos nesse dia, de
lá pra cá os cidadãos já podem ter mudado de novo!) o clássico inicia com um diálogo do
bandolim de Ferrari com o violão de 7 de Mallmith. Os dois entram no tema, seguidos
pelos outros. O pandeiro de Ânderson Balbueno marca forte cada breque, que assinala o
aumento da intensidade de todos, enquanto Ferrari volta a fazer com o bandolim as
voltinhas que Pixinguinha fazia no saxofone. Em seguida, Luís Barcelos sola no
cavaquinho em alta velocidade, modulando para cima, depois do que ocorrem várias
modulações para baixo, aceleradas e ralentandos. Ah, por algum motivo que desconheço, os
músicos pararam de comemorar o gol.
Já ouvir “Noites Cariocas” (Jacob do Bandolim) com a Camerata é sempre um prazer
renovado. Nesse dia, o grupo improvisou na terceira parte, com o violão de 7 fazendo uma
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base segura para o brilho do bandolim num tom altíssimo, fechando com uma modulação
que lembra muito a gravação de Jacob e o Conjunto Época de Ouro no histórico LP
Vibrações (1967).
O grupo a cada apresentação demonstra que está maduro para o primeiro CD – que,
por sinal, está a caminho. Além dos números citados, foram tocados os choros “Vê se
Gostas” (Waldir Azevedo - Otaviano Pitanga), “Pedacinhos do Céu” (Waldir Azevedo),
“Cadência” (Juventino Maciel), e, de Jacob do Bandolim, “Benzinho” e “Santa Morena”
(neste, Luís tocou com tanto entusiasmo que chegou a palhetar o tampo do cavaquinho!).
Só ficou um gostinho de “quero mais” em relação a algumas músicas de Tom Jobim que
rolaram antes do início “pra valer” da roda – além de “Luíza”, que já sabíamos que Moysés
Lopes toca maravilhosamente em seu violão de 6, surpreendeu a leveza e a saltitância que
Ferrari imprimiu ao “Samba de uma Nota Só” (Tom – Newton Mendonça). Fico esperando
a inclusão deste clássico da bossa nova no repertório “oficial” do grupo.
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CHORANDO PARA ZERAR A FOME
O programa Fome Zero tem gerado uma série de eventos de apoio, incluindo o Usina
Mobilização e Arte, realizado na Usina do Gasômetro no dia 3 de agosto de 2003,
envolvendo várias manifestações artísticas. Entre elas, uma roda de choro em que o grande
destaque foi a estréia mundial (os antigos diriam “primeira audição”) do arranjo de Rafael
Ferrari para “Carinhoso” (Pixinguinha – João de Barro). O bandolinista da Camerata Alma
Brasileira dedicou o arranjo a seu professor Luís Machado, do Grupo Reminiscências,
presente na platéia.
Ferrari misturou procedimentos tradicionais e modernos de interpretação no
“Carinhoso”. Chama a atenção o bom uso de escala em oitavas nos trêmolos dele ao
bandolim e de Luís Barcelos ao cavaquinho, com boa cadência, quando a melodia modula
(na parte “Ah, se tu soubesses...”) e, quase ao final, uma breve citação de “Rosa”
(Pixinguinha). Ferrari teve ainda atuação destacada nos melhores momentos desta
participação da Camerata: no “Um a Zero” (Pixinguinha)(em que o grupo esteve
primoroso, com ótimos improvisos), imitou uma cuíca ao bandolim, bem no início; já em
“Santa Morena” (Jacob do Bandolim)(com Olé! e tudo), esteve bem no solo de acordes
quadrados, em que tocou bandolim como se fosse banjo – sem contar que seu choro “Minha
Vida” também foi um dos pontos altos da tarde.
Na seqüência, o grupo Acordes e Cordas (ex-Vou Vivendo), formado por Luís
Palmeira (violão de 7), Guaraci Gomes (bandolim), Chico Pedroso (cavaquinho) e Valtinho
(pandeiro), veio comprovar a tese de que o choro, antes de ser um gênero de composição, é
uma forma de tocar, executando desde choros mesmo (“Ingênuo”, com bom desempenho
de Palmeira, e “Chorei”, ambos de Pixinguinha) até “O Lago dos Cisnes” (Piotr Ilich
Tchaikovski)/“Ave Maria” (Charles Gounod) – a mesma “Ave Maria” que Jorge Aragão
gravou, mas aqui com um arranjo mais tradicional. Também se destacou um arranjo para
músicas de The Beatles (“Yesterday”/“Here, Where, Anywhere”/“Till There Was You”/“If
I Feel”). Um momento muito divertido foi o pot-pourri nordestino (“Asa Branca” e “Qui
nem Jiló”, ambas de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, e “Só Quero um Xodó”, de
Dominguinhos e Anastácia), com Valtinho tocando triângulo e Palmeira fazendo o
resfolego da sanfona no violão de 7. Chico Pedroso, recuperando-se de uma torção no
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joelho, destacou-se também, com seus choros “Cavaco Amigo” e “Choro pro Telinho”,
além de fazer o que Guaraci denominou cavaco maluco no “Jura” (Sinhô) – música em que,
ao mesmo tempo em que Pedroso realmente fez um solo bastante livre, o grupo utilizou-se
da seqüência de acordes da gravação original de Mário Reis, em 1929.
A cantora Terezinha Dias e o violonista Fabrício apresentaram-se em seguida.
Cantaram juntos “Prece ao Vento” (Gilvan Chaves), em que Fabrício também declamou
alguns versos. Por sinal, o vento, que foi constante a tarde inteira, ficou mais intenso nessa
hora (deve ter ficado sensibilizado com a homenagem). Fabrício soltou o vozeirão em
“Balada Triste” (Dalton Vogeler - Esdras Silva), e mostrou, junto com a cantora, obras suas
como “Levanta o Estandarte”. As duas peças que Terezinha interpretou do repertório de
Carmen Miranda, “O Tic-Tac do Meu Coração” (Alcyr Pires Vermelho - Walfrido Silva) e
“Camisa Listada” (Assis Valente), deixaram a desejar, sendo cantadas de forma muito
acelerada e com problemas de afinação.
Para encerrar, compareceu o grupo Samba de Fato – para quem não sabe ainda, é a
identidade secreta da Camerata Alma Brasileira, sem o violonista Moysés Lopes e com a
inclusão da cantora Taíse Machado e dos percussionistas Edgar Araújo e Rodrigo Rocha,
além de apresentar Ânderson Balbueno tocando outros instrumentos que não apenas o
pandeiro. Aliás, os percussionistas também cantam no Samba de Fato: Ânderson dividiu os
vocais com Taíse em “Não é Assim” (Paulinho da Viola) e Edgar, em “Alguém me
Avisou” (Dona Ivone Lara – Délcio Carvalho). Basicamente, no Samba de Fato Ânderson
toca tantã, Edgar surdo e Rodrigo pandeiro, mas em algumas músicas eles alternam: em
“Acreditar” (Dona Ivone Lara – Délcio Carvalho), Edgar começou tocando pandeiro,
depois voltando ao surdo. O ambiente aberto do terraço da Usina fazia com que o público
não pudesse perceber todas essas sutilezas, até que Moysés Lopes se deu conta e ficou
regendo os microfones.
O ponto alto da apresentação do Samba de Fato foram as músicas de Paulinho da
Viola: um pot-pourri em que, além de “Não é Assim”, tocou-se “Coração Leviano”,
“Argumento” e “Minha Viola”; e, mais pro final, o estupendo “Foi um Rio que Passou em
Minha Vida”, com todo o andamento de samba-enredo a que temos direito, com excelentes
solos de Ferrari no bandolim (de novo!) e Luís Barcelos no cavaquinho (a dupla igualmente
mandou bem em “Se Acaso Você Chegasse”, de Lupicínio Rodrigues e Felisberto Martins).
Aliás, em boa parte do pot-pourri de Paulinho o cavaquinho foi Ferrari, pois Barcelos tinha
se retirado do palco, mas reassumiu suas funções no “Não é Assim”. Depois do rio que
passou, outro sambão, “O que é, o que é” (Gonzaguinha), encerrando com “Tristeza”
(Niltinho – Haroldo Lobo).
A diretoria da Usina estima em 500 quilos o volume de alimentos arrecadados,
destinados a crianças de até 6 anos com carência nutricional, moradoras da periferia de
Porto Alegre.
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TIAGO PICCOLI NA RODA DO CHORO
A edição de agosto de 2003 da série Na Roda do Choro, na terça, dia 5, contou com a
presença do violonista Tiago Piccoli na abertura. Ele apresentou peças do seu recital
anterior, na Casa Coletânea, em junho, como o “Estudo nº 5” (Radamés Gnattali) e duas de
Dilermando Reis, “Tempo de Criança” e “Uma Valsa e Dois Amores” (as duas de
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Dilermando, a meu ver, foram o ponto alto de sua participação nessa noite). Tiago
aproveitou para estrear também outros dois números: “Sinal dos Tempos” (Garoto) e, de
Radamés, o “Choro (3º movimento da Brasiliana nº 13)”. Choro é repertório bom.
Tiago demonstrou estar evoluindo como instrumentista, exibindo um desempenho
mais seguro, reforçando as qualidades que já são do conhecimento de nossos leitores.
Choro é estudo.
Na segunda parte, a Camerata Alma Brasileira apresentou-se com o repertório que
vem exibindo em suas apresentações mais recentes, com ênfase para choros de seus
integrantes. Choro é companheirismo.
O novo arranjo de Rafael Ferrari para “Carinhoso” (Pixinguinha – João de Barro),
estreado na Roda de Choro do Fome Zero, foi tocado pela primeira vez na Casa de Cultura,
impressionando a platéia por sua equilibrada mistura de tradição e modernidade (Tiago
classificou-o como “arranjo música contemporânea”). Choro é talento.
Aqui e ali, algumas surpresas, como a citação a “Isto Aqui o que É” (Ary Barroso) no
início de “Um a Zero” (Pixinguinha), com o qual o bandolinista Ferrari quase desnorteia o
grupo – em grande parte porque a citação era em outro tom. Choro é desafio.
Também chamou a atenção Luís Barcelos mexendo o ombro esquerdo ao compasso
de “Minha Vida” (Rafael Ferrari), no melhor estilo Yamandú Costa. Choro é expressão
corporal.
Já em “Santa Morena”, Ferrari iniciou com mais ênfase na melodia, numa
interpretação mais sutil, que aos poucos evoluiu para a levada flamenca habitual, com “olé”
e o bandolim tocado como banjo. Ferrari me assegurou que o arranjo é o mesmo. Choro é
forma de tocar.
Para a edição de 2 de setembro, devem se apresentar, além da Camerata, o violonista
Maurício Marques e os alunos de Rafael Mallmith. Choro é gente nova.
Após o espetáculo, os dois Rafaéis (Ferrari e Mallmith) ouviram um artesão tocando
“Carinhoso” numa flauta doce de madeira, em plena Praça da Alfândega. Ferrari aprovou o
flautista. O choro é livre.
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DIA NACIONAL DO SAMBA
Simplesmente fantástica foi a última apresentação da série Na Roda do Choro deste
ano, homenageando o Dia Nacional do Samba. O dia 2 de dezembro de 2003 já entrou para
a História como a maior lotação que a Roda já registrou, com todas as poltronas ocupadas,
gente sentada no chão, gente em pé, gente no corredor (a porta foi aberta em dado momento
para permitir que mais pessoas pudessem apreciar), gente escorada no piano, gente, gente,
gente. Foi a prova mais provada que, quando se faz um trabalho de qualidade e bem
divulgado, o público corresponde.
A celebração iniciou com o Grupo Reminiscências (Luís Machado - violão de 6,
Sérgio - bandolim, Luís Barcelos - cavaquinho e Soleno - pandeiro), que se destacou na
interpretação de “Prantos” (Izaías Bueno de Almeida), com um bom solo compassado de
bandolim, e o brilho de Barcelos nos acordes quadrados do solo de “Gingando no Choro”
(Jorge Cardoso). Aos poucos, o grupo foi se modificando, com o ingresso de Rafael
Mallmith (violão de 7), que fez uma excelente baixaria em “É do que Há” (Luís
Americano), choro com modulações ascendentes maravilhosas. Na seqüência, Sérgio se
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retirou, com Barcelos assumindo o bandolim e Rafael Ferrari reforçando o time ao
cavaquinho. Ouviu-se então “Sonho de um Bandolim” (Juventino Maciel), que iniciou com
excelentes oitavas de Mallmith, com Barcelos fazendo belos trêmolos no bandolim.
Barcelos e Ferrari fizeram um bom diálogo bandolim-cavaquinho no maxixe “Rasga”
(Pixinguinha) - o vasto repertório de Luís Machado sempre reserva surpresas agradáveis
como esta. Nova substituição, com Ânderson Balbueno assumindo o pandeiro com a saída
de Soleno, para a execução de “Chutando o Balde”, choro que Luís Barcelos compôs há
poucos dias, “numa linha tradicional”, segundo o próprio autor. O destaque neste choro fica
para o solo do cavaquinho.
As valsas “Confidências” (Ernesto Nazareth) e “Valsa-Concerto” (Luperce Miranda)
foram interpretadas apenas por Machado ao violão e Ferrari ao bandolim. Machado chegou
a cumprimentar o parceiro pela execução da valsa de Nazareth, defendendo depois a
importância do estudo para o músico:
- Saber ler é fundamental. Essa segunda parte da apresentação o pessoal nunca havia
tocado junto, mas pôde fazer isso por ler partituras.
Em seguida, Machado chamou Luís Barcelos para que o público aplaudisse o mais
jovem compositor de choro (16 anos!). Moysés Lopes aproveitou para agradecer a
Machado a idéia de promover as Rodas de Choro, desde 2002.
A programação original previa que, após o Reminiscências, tocaria o Samba de Fato,
mas no choro também vale o que não está escrito. Moysés, vendo “tanta gente bonita
reunida” (em suas palavras), pediu licença para a Camerata Brasileira tocar duas músicas:
“Santa Morena” (Jacob do Bandolim), com “Olé!” e tudo (a sugestão de levada flamenca
do original foi tão desenvolvida que uma senhora da platéia julgou tratar-se de um
chamamé) e a excelente “Czardas” (Vittorio Monti), que inicia com belo diálogo do violão
de 6 com o bandolim, seguido de trêmolo do cavaquinho; batidas fortes do pandeiro
chamam a conversa do bandolim com o cavaquinho; os violões voltam, num momento de
calma do arranjo, até que o cavaquinho reintroduz o tema e todos seguem cadenciando até o
final, conduzidos pelo bandolim. Uau!
O percussionista Ânderson, como forma de apresentação do Samba de Fato ao
público presente (que ouvia num silêncio absoluto, quase sem respirar), disse que o grupo é
formado por jovens que, em virtude de não ter acesso ao samba pelas rádios, dedica-se a
pesquisá-lo, pois sua idéia é preservar o samba de raiz.
O grupo iniciou sua participação cantando uma música intitulada justamente “Samba
de Fato” (Moacyr Luz - Paulo César Pinheiro). O grande momento dessa parte do
espetáculo foi quando a vocalista Taíse Machado, sem microfone, sentou-se junto aos
músicos para que todos cantassem “Novo Viver” (Magno - Maurílio), do Quinteto em
Branco e Preto. A voz de Ânderson chegou a se destacar em alguns momentos.
Depois disso o samba esquentou, chegando a quebrar uma corda do bandolim de
Ferrari, que precisou socorrer-se do instrumento de Sérgio para continuar.
O final foi sublime, com um pot-pourri de sambas-enredo homenageando três das
maiores escolas de samba do Rio de Janeiro: “Sempre Mangueira” (Nelson Cavaquinho Geraldo Queiroz)/“Verde que te Quero Rosa” (Cartola - Dalmo Castelo)/“Vila Isabel” (Neli
Miranda - Dunga)(emocionante!)/“Portela na Avenida” (Mauro Duarte - Paulo César
Pinheiro). Quando se imaginava que nada poderia ser melhor, eis que Ânderson chama
outros sambistas jovens, como Fábio Canalli, Dino, Fernandinho, e mais todos os
integrantes dos grupos que haviam tocado, para, a 20 vozes (não contando as do público,
né!) com acompanhamento de Ferrari ao bandolim, entoar “Aquarela Brasileira” (Silas de
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Oliveira). Coerente, afinal, quem duvida que essa apresentação fosse uma maravilha de
cenário?
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NA RODA DO CHORO HOMENAGEIA ERNESTO NAZARETH
A Sala Luís Cosme estava quase lotada na terça, 2 de março de 2004, em função do
início da temporada da série Na Roda do Choro. Fazendo a saudação inicial, o historiador
Luiz Roberto Lopez exaltou o choro como “o equivalente popular brasileiro da ária de
ópera”.
Em seguida, o Grupo Reminiscências abriu os trabalhos musicais, com Luís Machado
ao violão, Sérgio no bandolim, Soleno no pandeiro e apresentando um novo cavaquinista,
Maxwell, aluno de Luís Machado. O homenageado da noite foi Ernesto Nazareth, cujos 70
anos de falecimento foram completados em 4 de fevereiro. Dele, o Reminiscências tocou
“Atlântico”, “Perigoso”, “Fidalga” (valsa, só com Machado e Sérgio) e “Odeon” (esta já
com Luís Barcelos no lugar de Sérgio). Barcelos arrasou depois em “Tico-Tico no Fubá”
(Zequinha de Abreu), improvisando na repetição da segunda parte e fraseando no retorno à
primeira; depois disso, sentiu-se à vontade para improvisar sobre a melodia toda.
A Camerata Brasileira encerrou a noite, apresentando, pela primeira vez na Roda,
“Maxixado”, de Henry Lentino. Foi o número mais aplaudido e o único em que o
percussionista Ânderson Balbueno empunhou o tamborim por alguns compassos,
retomando o pandeiro em seguida. Do repertório que a Camerata já tem mostrado na
CCMQ, e que estará no CD Deixa Assim, destaco “Czardas” (Vittorio Monti), no qual o
grupo foi especialmente feliz nesse dia.
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Mistura e Manda nº 46 (26/4/2004)
SAMBA GAÚCHO: NOTA TRISTE
O grupo Samba de Fato encerrou suas atividades. De acordo com o percussionista
Ânderson Balbueno, a decisão é definitiva. Uma pena, pois as poucas apresentações que vi
do conjunto (principalmente a daquele memorável Dia Nacional do Samba) foram
entusiasmantes. Mas, com certeza, as múltiplas atividades dos seus integrantes (quatro
deles faziam parte também da Camerata Brasileira, além de a vocalista Taíse Machado
cantar com o Grupo Reminiscências) acabaram contribuindo para este desfecho.
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Mistura e Manda nº 46 (26/4/2004)
SAMBA GAÚCHO: NOTA ALEGRE
Mas não se preocupem: o mesmo Ânderson comunica que, a partir de maio, os
sambistas passarão a ter um novo ponto de encontro em Porto Alegre. O projeto Bebendo
do Samba quer abrir espaço para novos compositores gaúchos, inspirado na iniciativa
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vitoriosa do Samba da Vela em São Paulo. A estréia do Bebendo do Samba acontece em 25
de maio na Casa de Cultura Mário Quintana.
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BEBENDO DO SAMBA: A ESTRÉIA
Cerca de setenta pessoas circularam pela Sala Luís Cosme em 25 de maio de 2004,
acompanhando a apresentação inaugural do projeto Bebendo do Samba. A semelhança do
nome com o dos discos Bebadosamba e Bebadachama, de Paulinho da Viola, não é por
acaso, afirma um dos coordenadores do evento, o percussionista Ânderson Balbueno (da
Camerata Brasileira): a idéia é mesmo reproduzir aquele clima.
A idéia já tem seguramente mais de um ano. Lembro que em abril de 2003 o
cavaquinista Fábio Canalli comentou comigo que propusera à sua escola de samba, a União
da Vila do IAPI, um evento nos mesmos moldes - o Projeto Candeia. O tempo passou, a
proposta mudou de nome, mas Candeia não pode reclamar: só nesta apresentação inaugural,
foi homenageado com “Filosofia Brasileira” (Fábio Canalli - Ânderson Balbueno - Ilson
Júnior) e citado, junto com Silas de Oliveira e Cartola, em “Herança Brasileira” (Adriano
Martins “Dino” - Rodrigo Weber - Fernando Garcia “Fernandinho”). Silas apareceu ainda
com “Apoteose ao Samba”, cantada quase no final.
Além de Paulinho e Candeia, a inspiração dos jovens sambistas passa pelo Samba da
Vela, capitaneado em São Paulo por integrantes do Quinteto em Branco e Preto (inclusive a
primeira música apresentada nesse dia foi “Riqueza do Brasil”, de Oswaldinho da Cuíca,
Magno de Souza e Maurílio de Oliveira, faixa-título do primeiro CD do Quinteto), e pela
Portela (o encerramento foi o samba-enredo “Portela na Avenida”, de Mauro Duarte e
Paulo César Pinheiro). Tantas referências a cariocas e paulistas levaram um dos
espectadores a comentar que respeita muito os sambistas do centro do país, mas gostaria de
ver mais sambas falando do Rio Grande do Sul e das escolas de Porto Alegre. Bem, talvez
ele tenha chegado durante a apresentação (como disse no início, muita gente circulou pela
sala, nem todos acompanharam tudo) e não tenha ouvido “Nossa Aclamação”, em que
Ânderson Balbueno pede ao Brasil para acordar e ver o samba que se faz no Rio Grande, ou
“Meu Samba é Assim” (Alexandre - Luiz Barcelos), que declara: “Meu samba é assim/ Não
é Rio de Janeiro,/ Mas não perde no tempero”.
Junto às homenagens aos ídolos e ao Rio Grande, o tema dos sambas está bem dentro
da tradição do gênero: conflito do boêmio com a família (a ótima “Perdoa Quem te Faz
Feliz”, de Rafael Mallmith, Rafael Ferrari, Luiz Barcelos e Ânderson Balbueno, empolgou
o público) e a valorização das coisas boas e simples da vida (“Muito Mais que Sonhador”,
de Beto do Partido de Primeira). Beto estava presente e foi convidado pelos integrantes da
roda a cantar seu samba para o público.
Pode ser também que o espectador citado acima, mesmo estando presente, não tenha
conseguido entender a letra dos sambas, porque isso estava realmente difícil nas primeiras
músicas apresentadas. A idéia do pessoal era cantar o tempo todo com o instrumental
completo, mas a percussão estava cobrindo a harmonia e o canto. Não havendo microfones,
a solução foi passar a música nas primeiras vezes apenas com voz e cordas (Rafael
Mallmith - violão de 7, Maxwell - violão, Fábio Canalli e Luís Barcelos - cavaquinhos,
Rafael Ferrari - bandolim, Ilson Júnior - banjo), entrando depois a cozinha (Ânderson pandeiro, Fernandinho - tamborim, Dino e Rodrigo - repique, Edgar - repique com anel). A
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BRASILEIRINHO: Samba e Choro em Porto Alegre
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partir daí, a compreensão ficou sensivelmente melhor e a empolgação não sofreu maiores
prejuízos. Para os futuros encontros, a idéia é distribuir a letra impressa ao público. Não é
certo que se possa utilizar sonorização.
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Mistura e Manda nº 51 (31/5/2004)
CHORO NO COFRE
Tudo bem que o choro seja um gênero dos mais preciosos, mas desta vez o Santander
Cultural não quis deixar dúvidas: colocou-o no cofre! Expliquemos: agora tem roda de
choro no último sábado de cada mês no Café do Cofre, no Santander. Desta forma, o
público poderá conhecer os alunos da Oficina de Choro que o violonista Luís Machado (do
Grupo Reminiscências) vem ministrando desde o início do ano.
A estréia da roda, no sábado, 29, contou com Luís Barcelos (bandolim), Luís
Henrique (violão), Fernando Garcia (cavaquinho) e Adriano Martins (pandeiro). Barcelos
estava numa tarde inspirada, improvisando com categoria em “Naquele Tempo” e
“Cochichando” (ambas de Pixinguinha) e em “Tico-Tico no Fubá” (Zequnha de Abreu) nesta, ele nem chegou a fazer a segunda parte escrita por Zequinha, já começou a
improvisar logo depois de apresentar o tema. Também foram boas as execuções de músicas
de Jacob do Bandolim: “Vibrações” e “Doce de Coco” (esta, aliás, não foi boa: foi só
excelente!).
Nesta primeira edição, os músicos tocaram sem equipamento de som, para testar a
acústica do café. Acredito que já no próximo mês eles solicitem o equipamento, pois ele fez
falta.
***
EM TIME QUE TÁ GANHANDO NÃO SE MEXE
A segunda edição do projeto Bebendo do Samba lotou a Sala Luís Cosme na noite de
29 de junho de 2004.
Houve algumas modificações no time de músicos: reforçaram a percussão Rodrigo
Lucena e Rodrigo “Cupim” (ex-Samba de Fato), este alternando pandeiro e repique com
Dino. Rodrigo Weber tocou reco-reco e também trocou o repique com Dino em alguns
momentos. Ainda na percussão, Edgar Araújo tocou cuíca e Ilson Júnior tamborim. Na
harmonia, Rafael Mallmith continuou no violão de 7 e Luís Barcelos no cavaquinho.
Comandando a festa, Ânderson Balbueno, com o reforço de Fábio Canalli e Fernandinho
no vocal.
O que não mudou foi o repertório, basicamente o mesmo da primeira edição. O
pessoal preferiu repetir os sambas em virtude de pouca gente ter conseguido ouvi-los no
mês anterior. Desta vez, com a letra impressa e os músicos adotando o procedimento de
repetir o samba 3 vezes só com a harmonia, entrando depois a percussão, a compreensão e
mesmo o nível de participação do público já foram bem superiores.
A noite abriu com uma junção de sambas homenageando Vila Isabel, incluindo o
clássico “Vila Isabel” (Neli Miranda - Dunga). E o samba já começou a toda - Barcelos até
precisou trocar uma corda do cavaquinho, que quebrou durante esse número.
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BRASILEIRINHO: Samba e Choro em Porto Alegre
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Corda trocada, seguiram-se “Meu Samba é Assim”, “Filosofia Brasileira”, “Herança
Brasileira” e “Nossa Aclamação” (o único a manter a levada de samba-enredo, que em
maio era constante nas execuções). André Luís cantou seu samba “Pedras no Caminho”,
juntando-se depois ao coral. A destacar nesta música o belo solo de palmas e os efeitos de
Edgar na cuíca. O megasucesso de maio, “Perdoa Quem te Faz Feliz” (com excelente
presença do cavaco de Barcelos) novamente empolgou a platéia. Beto do Partido de
Primeira voltou a cantar “Muito Mais que Sonhador”.
Para o encerramento, uma junção em homenagem à dupla Bide-Marçal, com clássicos
como “Fui Louco” (Bide - Noel Rosa). Nesta, Rodrigo Weber começou tocando pandeiro,
passando-o durante o número para Ânderson.
***
NOVOS GRUPOS NA RODA DO CHORO
Luís Machado vem ministrando Oficinas de Choro no Santander Cultural desde o
verão. Alguns participantes destas oficinas já se apresentaram na roda que o Café do Cofre
promove no último sábado do mês, mas era indispensável que eles viessem a tocar num
ambiente em que as pessoas estivessem ali especificamente para ouvi-los. Esse momento
chegou na noite de 6 de julho de 2004, em mais uma edição da série Na Roda do Choro na
Sala Luís Cosme.
As formações que tocaram não são fixas, visam a dar oportunidade a que todos em
algum momento solem ou acompanhem. Integrantes do Reminiscências e da Camerata
Brasileira reforçaram alguns grupos. Foi assim já com o primeiro, que, ao lado dos
oficinandos Rui (cavaquinho) e Marcelo (bandolim), teve Luís Barcelos (da Camerata) no
violão de 7 e Soleno (do Reminiscências) no pandeiro. Curiosamente, o repertório era de
autoria dos bandolinistas Izaías (“Prantos”) e Jacob (“Falta-me Você” e “Migalhas de
Amor”), mas quem comandou as operações foi Rui no cavaco.
Soleno continuou no palco para acompanhar o segundo grupo, em que Maxwell
(violão) e Elias (cavaquinho)(já conhecidos dos freqüentadores da Roda) fizeram a base
para o flautista Matheus exibir um fôlego invejável em peças de Pixinguinha como
“Cochichando” e “Vou Vivendo” - esta, uma interpretação digna dos melhores elogios.
O terceiro grupo mostrou ao público os talentos de Luís Henrique (que tocou na roda
inaugural do Café do Cofre) ao violão, Calzari no bandolim e Rocha no cavaquinho. O
pandeiro? Soleno, que chegou a fazer menção de sair mas foi chamado de volta. O quarteto
tocou “Poético” (Juventino Maciel) e “Chorando com Wilson Maria” (Rossini Ferreira).
Soleno saiu aplaudido quando, enfim, o quarto grupo trouxe outro pandeirista: Dino.
Este, junto a dois companheiros seus de Bebendo do Samba - o cavaquinista Fernandinho e
o violonista Rafael Mallmith – formou o quarteto que acompanhou dois solistas de
instrumentos de sopro, fato raro no choro gaúcho: Patrick (flauta) e Gabriel Fischer
(clarinete). Os dois alternaram solos numa bela execução de “Chorando Baixinho” (Abel
Ferreira), outro grande momento da noite. Gabriel saiu-se muito bem ainda em “Doce de
Coco” (Jacob) e “Eu Quero é Sossego” (K-Ximbinho). A dupla de sopristas voltou a somar
forças em “Choro Clássico” (Plauto Cruz) e “Proezas do Solon” (Pixinguinha). Para
encerrar, voltaram ao palco Rui e... Soleno! Eles, ao lado de Mallmith e de Rafael Ferrari
(bandolim), interpretaram “Labirinto” (Juventino Maciel) e uma versão inspirada de
“Noites Cariocas” (Jacob), com muito improviso.
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BRASILEIRINHO: Samba e Choro em Porto Alegre
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ACABA O BEBENDO DO SAMBA
A pouca presença de público na Sala Luís Cosme na noite de 28 de setembro de 2004
(provavelmente em função da chuva que caiu durante todo o dia em Porto Alegre) deu um
toque melancólico a mais à quinta e última edição do projeto Bebendo do Samba.
Dois motivos foram citados para justificar o encerramento: o percussionista Ânderson
Balbueno, um dos idealizadores, citou a falta de tempo - todos os participantes têm muitas
atividades paralelas (como ele, que toca também na Camerata Brasileira e no Macambira);
já o violonista Moysés Lopes (seu colega na Camerata) citou a falta de interesse dos
compositores convidados a participar, acrescentando:
- Fico triste porque daqui a um mês vou ouvir: Pô, não tem nenhum projeto de samba
em Porto Alegre. O músico não ocupou o lugar que poderia. O projeto foi morto por
aqueles para os quais ele foi criado.
Era compreensível que os músicos demonstrassem um certo abatimento no início da
apresentação. Posicionados Rafael Mallmith (violão 7), Luís Barcelos (cavaquinho),
Rodrigo Weber (repique de mão), Dino (repique), Ânderson (pandeiro), mais Rodrigo
Lucena e Fernandinho nas palmas, passou-se à apresentação dos melhores sambas da
primeira edição: “Herança Brasileira”, “Filosofia Brasileira” e “Pedras no Caminho”.
“Perdoa Quem te Faz Feliz” foi muito aplaudida. Já durante a execução de “Nossa
Aclamação”, arrebentou uma corda do cavaco de Barcelos - o que já era uma tradição do
projeto (aliás, ele já começou a tocar tendo um jogo completo de cordas a seu lado para
qualquer emergência...). Outros sambas não foram incluídos em função dos próprios
autores não lembrarem da letra toda, o que deve ser creditado ao clima de forte emoção.
Corda trocada, seguiu-se com os sambas lançados em julho: de André Luís, “Herança
de um Bamba” (Lucena assumiu o pandeiro); na seqüência, “Você nem Quis Saber
(Ingrata)” (Luís Barcelos - Rafael Ferrari - Edgar Araújo)(bom samba) e “Doce Encanto”
(Barcelos - Ânderson). Nessa hora, chega Beto do Partido de Primeira, que é informado que
o projeto encerrava naquele dia. Visivelmente decepcionado (todos estávamos), Beto
cantou “Muito Mais que Sonhador” (definido pelo público como “totalmente excelente”).
Nesse, Ânderson assumiu o repique e Dino o repique de mão; Weber reforçou as palmas,
assim como Beto. O “Hino do Bebendo do Samba” (Ânderson - Ilson Júnior) teve como
surpresa o apito de Weber ao final.
Para finalizar, Ânderson sugeriu uma roda de samba, com cada músico lembrando um
clássico. A junção acabou sendo o grande momento da noite, com destaques como “Não
Diga a Minha Residência” (Bide - Marçal), “O Sol Nascerá” (Cartola - Elton Medeiros),
“Feitiço da Vila” (Vadico - Noel Rosa), “O Orvalho Vem Caindo” (Noel Rosa - Kid Pepe),
“Força da Imaginação” (Dona Ivone Lara – Caetano Veloso) e outros, encerrando em alto
estilo com “Aquarela Brasileira” (Silas de Oliveira).
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CHORO NO MERCADO
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BRASILEIRINHO: Samba e Choro em Porto Alegre
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Entre agosto e dezembro de 2004, o choro pôde ocupar um novo espaço em Porto
Alegre: o Mercado Público Central. O projeto Choro no Mercado iniciou em 8 de
setembro, em grande estilo: Plauto Cruz (flauta) e Paulo Pinheiro (piano) fizeram a abertura
para o Clube do Choro de Porto Alegre.
Esta série de apresentações proporcionou ao menos uma agradável surpresa: permitiu
conhecermos o lado saxofonista de Darcy Alves, consagrado violonista e cantor. Em 6 de
outubro, Darcy interpretou ao sax “Choro em Ré Menor” e “Amigo Batista”, músicas do
falecido Maestro Macedinho. No restante do espetáculo, Darcy tocou violão, sendo
acompanhado por Luís Palmeira (violão 7), Cebolinha (cavaquinho) e Valtinho (pandeiro).
Foram muito aplaudidas as canções “A Flor e o Espinho” (Nelson Cavaquinho - Guilherme
de Brito) e “Choro Chorado para Paulinho Nogueira” (Paulinho Nogueira - Toquinho Vinicius). Ao final, Cebolinha brilhou no solo de “Minhas Mãos, Meu Cavaquinho”
(Waldir Azevedo).
A primeira parte desta noite esteve a cargo da Camerata Brasileira, que tocou o
repertório do recém-lançado CD Deixa Assim..., com direito a citação do “Hino Nacional
Brasileiro” no choro “Deixa Assim” e uma surpresa: uma junção de “Só Quero um Xodó”
(Dominguinhos - Anastácia) e “Isso Aqui Tá Bom Demais” (Dominguinhos - Nando
Cordel).
***
NOITE DO BRASILEIRINHO
A Noite do Brasileirinho foi uma série de 10 shows que eu produzi de 22 de
novembro de 2004 a 14 de fevereiro de 2005 no Kant Bar, procurando levar aos
apreciadores de música brasileira na capital gaúcha o melhor do choro, samba e MPB
porto-alegrenses. A programação incluía artistas cujo trabalho apresenta as mesmas
características do site Brasileirinho: sintonia com a tradição, cabeça aberta a informações
novas, preocupação com a qualidade e profundo respeito ao público. Também fazia parte
da idéia aproveitar uma noite – a de segunda-feira -, na qual tradicionalmente o público tem
poucas opções.
Na estréia, contamos com o Clube do Choro de Porto Alegre, no dia exato dos seus 15
anos de fundação. A repercussão na imprensa porto-alegrense e de outros estados foi
simplesmente incrível. Marcado para o dia 22 de novembro, o evento mereceu comentários
e citações desde a quinta, 18, até a terça, 23.
Também tocaram na Noite do Brasileirinho:
•
MACAMBIRA (29 de novembro e 24 de janeiro) - Grupo criado em 2004 por
integrantes da Camerata Brasileira - Rafael Ferrari (bandolim), Luís Barcelos
(bandolim e cavaquinho), Rafael Mallmith (violão 7 cordas) e Ânderson Balbueno
(percussão). Seu repertório ia do choro de Pixinguinha e Jacob do Bandolim a
melodias de Tom Jobim, João Bosco, Djavan, Milton Nascimento e Dominguinhos,
além de composições próprias. Tudo isto com misturas de influências do choro ao
jazz, passando pelo rock e pela música erudita. O grupo se desfez em meados de
2005.
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BRASILEIRINHO: Samba e Choro em Porto Alegre
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•
FLOR DE ÉBANO (6 de dezembro) – Sem dúvida a melhor opção para
comemorar o Dia Nacional do Samba (2 de dezembro). Criado em 1993, o grupo já
acompanhou Almir Guinéto, Sombrinha, Neguinho da Beija-Flor, Dominguinhos do
Estácio e abriu show para Zeca Pagodinho. Composto atualmente por Silfarnei,
Alemão Charles, Gatiado, Tuta, Reloginho, Marcelinho e Guga, já lançou dois CDs
- um deles, Ebaneo, recebeu o Prêmio Açorianos de Melhor Disco de Samba de
2002 – e participou de duas coletâneas em vinil.
•
DUDU SPERB E TONECO DA COSTA (13 de dezembro) – O cantor e o
violonista fizeram no Kant o show Choro Bandido, no qual interpretaram pérolas de
Chico Buarque, de “Tem Mais Samba” (1964) a “Cecília” (1998). Dudu Sperb canta
na noite de Porto Alegre desde 1988, já tendo se apresentado na Casa de Cultura
Mário Quintana e no Theatro São Pedro, ao lado de Paulo Dorfman e Adão
Pinheiro. Integrou ainda o Dindi Qu4rtet, formado por brasileiros e holandeses, no
período em que morou na França (2000-2001). Lançou, com produção da Aliança
Francesa de Porto Alegre, o CD Comptines à jouer, com canções tradicionais
francesas para crianças. Toneco da Costa, violonista e compositor, já recebeu três
Prêmios Açorianos de Melhor Arranjador. Tem atuação destacada como autor de
trilhas para teatro, dança, publicidade e vídeos institucionais e educativos. É diretor
musical do Grupo Vocal Muito Prazer, com o qual tem se apresentado em todo o
estado do Rio Grande do Sul.
•
CAMERATA BRASILEIRA (20 de dezembro) – Para encerrar o ano de 2004
com chave de ouro, este era o grupo ideal. No repertório, músicas do CD Deixa
Assim...
•
DAISY FOLLY – A cantora foi a única a participar duas vezes da Noite, com
propostas totalmente diferentes em cada uma delas. Na primeira (3 de janeiro), com
o show Variações Românticas, interpretou releituras românticas de clássicos da
MPB e da bossa nova, acompanhando-se ao violão. Ela surpreendeu pela unidade de
espetáculo obtida combinando influências tão marcantes e diferentes entre si quanto
Gilberto Gil, Paralamas do Sucesso, Lobão e Ivete Sangalo. Na segunda (14 de
fevereiro), contou com a parceria da percussionista Cristina Leipnitz para reler
clássicos da bossa nova e da MPB como “Garota de Ipanema” (Tom Jobim –
Vinicius de Moraes), “Sonho Meu” (Dona Ivone Lara - Délcio Carvalho) e “Lá
Vem o Brasil Descendo a Ladeira” (Moraes Moreira – Pepeu Gomes).
•
TIAGO PICCOLI (17 de janeiro) - O violonista tocou músicas dos principais
autores brasileiros para violão - Dilermando Reis, Garoto, João Pernambuco e
Baden Powell -, além de interpretar uma peça para violão escrita por um pianista: a
“Brasiliana nº 13” de Radamés Gnattali.
•
LUÍZA CASPARY E IANES GIL COELHO (31 de janeiro) - Aos 15 anos de
idade, a cantora Luíza fez na Noite do Brasileirinho seu primeiro espetáculo solo
(em 2003, ela havia participado de shows de Neto Schaeffer e Broder Bastos),
acompanhada do violonista Ianes Gil Coelho, de 18 anos. Integrante da banda Fato
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Consumado, que se classificara pouco tempo antes como finalista do Festival SESI
Descobrindo Talentos e do Festival de Música de Porto Alegre, Ianes começou
naquele semestre o curso superior de Música na UFRGS. No show, a dupla passeou
pelas várias fases e tendências da música brasileira, indo de Pixinguinha a Maria
Rita, passando por Tom Jobim, Caetano Veloso, Djavan, Marisa Monte e Skank,
além de apresentar composições próprias.
Em meados de fevereiro de 2005, continuar mostrou-se inviável. Mesmo com o apoio
que a imprensa sempre dispensou à iniciativa, e com o valor acessível do ingresso (R$
5,00), o público não compareceu no volume que precisávamos para manter a idéia, se não
lucrativa, ao menos autofinanciável. E isso que em algumas noites – como a da estréia, com
o Clube do Choro, e as duas últimas (Luíza Caspary & Gil Ianes Coelho e Daisy Folly &
Cristina Leipnitz) – o bar praticamente lotou. Podem ter influído nisso a localização do
Kant (no bairro Medianeira, distante da Cidade Baixa, onde se concentram os principais
bares de Porto Alegre), e mesmo o dia escolhido – afinal, se as pessoas já estão
acostumadas a não ir a espetáculos em segundas, não deverá ser muito simples mudar esse
hábito.
De todo modo, a todos os artistas citados, ao público que se fez presente, à imprensa e
aos que colaboraram na produção, na divulgação, na parte técnica e no etc. e tal, o meu
MUITO OBRIGADO!
***
MARATONA DE CHORO: IZAÍAS E OS NOVOS
A Oficina de Choro ministrada pelo violonista Luís Machado no Santander Cultural
encerrou suas atividades de 2004 com uma Maratona de Choro nos dias 11 e 12 de
dezembro. No sábado, 11, os grupos formados na oficina apresentaram-se na Sala Leste em
dois momentos (às 14h e às 18h30) e na Roda de Choro do Café do Cofre (às 17h, com
direito a canja do bandolinista paulista Izaías Bueno de Almeida). No domingo, 12, Izaías
encerrou a maratona, tocando ao lado de músicos gaúchos no Átrio.
A oficina começou em janeiro, através de convite de Carlos Branco, da Branco
Produções, responsável pela programação musical do Santander, a Luís Machado.
Inicialmente, era uma atividade pensada para o verão porto-alegrense, sobre o qual paira
uma lenda de não oferecer opções culturais à população (lenda que vem sendo desmentida
ao longo dos últimos anos através de belas iniciativas como esta). A oficina proporcionou a
cerca de 60 pessoas de todas as idades o contato com a teoria e a prática musical do choro.
Os novos
Machado escolheu dois grupos para a apresentação do sábado, às 18h30. Os
integrantes desses conjuntos, além de freqüentarem a oficina, ensaiaram na escola do
violonista durante várias sextas-feiras, para aprofundarem seu domínio dos respectivos
instrumentos. O resultado foi excelente. O primeiro grupo, formado por Vinicius Ferrão
(bandolim), Daniela Fracasso (flautas), Diogo Jackle (violão) e Guilherme Sanches
(percussão), tocou um repertório que ia da pioneira Chiquinha Gonzaga (“Tamoio”) ao
contemporâneo Paulinho da Viola (“Inesquecível”). Por algum motivo, Daniela tocou sem
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amplificação do som da flauta, o que impediu que esta fosse ouvida nas duas primeiras
músicas (“Inesquecível” e “Evocação a Jacob”, esta de Avena de Castro). Talvez fosse uma
questão de arranjo, ou mesmo da flauta, pois nas quatro músicas seguintes, com uma flauta
menor, quase um piccolo, a questão foi resolvida. O grupo esteve esplêndido na modinha
“Até Pensei” (Chico Buarque).
Já o outro grupo, formado por Pedro Franco (cavaquinho), Caoan Goulart e Maxwell
dos Santos (violões), Pedro Amaral (cavaquinho base) e Tatiane Lentino (pandeiro), foi
uma grata surpresa. O solista Pedro Franco tem 13 anos e entrou na oficina nos últimos dois
meses - antes disso, tocava sozinho. A oficina foi importante para que ele exercitasse a
execução em grupo. Foi o único dos solistas a tocar sem ler (ou seja, sem partitura à frente).
Mesmo com um repertório só de composições de Waldir Azevedo, Pedro Franco
demonstrou ter estilo próprio, sem imitar o mestre - fato inclusive saudado por Izaías no
domingo, durante o show. Uma inovação sua, por exemplo, foi já iniciar o choro “Minhas
Mãos, Meu Cavaquinho” com trêmolos. Também é importante destacar a excelente base
proporcionada pelos violonistas Caoan e Maxwell (este fazia seu violão de 6 cordas soar
como um de 7), muito bem integrados.
Outros quatro grupos tocaram na primeira parte da maratona, com as seguintes
formações: o 1º - Laura Saraiva (bandolim), Luís Henrique (violão), Jaime (trumpete), Rui
(cavaquinho) e Tatiane Lentino (pandeiro); o 2º - Leandro (bandolim), Maxwell dos Santos
(violão), Elias (cavaquinho) e Ânderson Balbueno (pandeiro); o 3º - José Carlos e Cristiano
(cavaquinhos), Gordiano (violão de 7) e Soleno (pandeiro); e o 4º - Rui e Pedro Amaral
(cavaquinhos), Marcos (violão) e César (pandeiro). Muitos deles estiveram na edição de
julho da série Na Roda do Choro, na Casa de Cultura Mário Quintana. Assim como naquela
ocasião, boa parte dessas formações não constituem de fato grupos fixos, e sim têm a
função de permitir que todos os oficinandos tenham a oportunidade de solar ou
acompanhar.
Roda e canja
Já a roda no café contou com dois conjuntos. O primeiro, que tocou músicas de Jacob
do Bandolim e Luciana Rabello, era integrado por Elias (cavaquinho), Gerson (violão de 7),
Luís Barcelos (cavaquinho) e Soleno (pandeiro). Seguiu-se o bandolinista Marcelo,
acompanhado por Rafael Ferrari (bandolim), Luís Barcelos (violão de 7) e Ânderson
Balbueno (pandeiro). Foi Marcelo o responsável pela canja de Izaías, ao convidar o mestre
a assumir seu lugar no palco do café.
Izaías aceitou e tocou com os jovens chorões gaúchos cinco músicas, das quais a
melhor, disparada, foi “Murmurando” (Fon-Fon), em que o mestre improvisou com toda a
categoria. Também se destacaram os clássicos de Jacob “Doce de Coco” e “Noites
Cariocas”. Em todas, Ferrari procurou tocar seu bandolim um pouco como banjo, para não
embolar com o solista. Já na última, “Arranca Toco” (Meira), Izaías tocou com tanta
velocidade que chegou a dar uma canseira na gurizada...
Izaías
Em sua primeira apresentação em Porto Alegre, aos 67 anos, o mestre paulista do
choro tocou no domingo, acompanhado por um grupo de músicos gaúchos: Luís Machado
(violão), João Vicente (violão de 7), Luís Barcelos (cavaquinho) e Ânderson Balbueno
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(pandeiro). O melhor momento da apresentação foi no bis, com “Murmurando”, que se
iniciou com um diálogo do bandolim com o cavaquinho, seguido de solos do violão de
Machado (com comentários do bandolim) e do pandeiro (os solos foram aplaudidos durante
a execução). Izaías dá palhetadas muito claras (principalmente se considerarmos que o som
do bandolim era captado por microfone e não em linha), emprega abundantemente o
trêmolo e alterna força e suavidade a toda hora - o que no início do show estava derrubando
o acompanhamento. Além disso, ele parece ter especial apreço pela execução
aceleradíssima, como em “Gostosinho” (Jacob), e nos aplaudidíssimos “Agüenta, seu
Fulgêncio” (Lourenço Lamartine) e “Arranca Toco”.
No decorrer do espetáculo, o grupo foi se integrando mais, obtendo um excelente
resultado já na quarta música, “Sofres porque Queres” (Pixinguinha). Aliás, dois dos
momentos inesquecíveis do domingo foram resultados coletivos. O primeiro foi
“Pedacinhos do Céu” (Waldir Azevedo). Barcelos iniciou fazendo toda a melodia no
cavaco (como no CD Deixa Assim..., da Camerata Brasileira, embora no show ele tenha
fraseado mais). Após uma cadência dos bordões dos violões, o grupo todo ataca; após um
ótimo solo de Izaías em trêmolos seguido de ponteios, a execução se concluiu com a
baixaria cadenciada dos violões. O segundo foi “Nostalgia” (Jacob). João Vicente começou
na baixaria, seguindo-se Izaías, pianíssimo. Todos entram, cadenciando - os violões, com
certo destaque para Machado, na baixaria, o bandolim em trêmolos. O solo de Izaías é
precedido de uma suavizada e tem o pandeiro sinalizando seu fim, chamando para um
crescendo geral. O bandolim segue em trêmolos, enquanto os outros vão progressivamente
diminuindo o volume de sua execução, para destacar a cadência dos ponteios do bandolim.
***
DIA NACIONAL DO CHORO 2005
Todo evento relativo ao Dia Nacional do Choro (23 de abril) se constitui numa
homenagem natural a Pixinguinha. É comum que as comemorações aproveitem para
celebrar outros chorões, seja de forma oficial - como em 2004 em Curitiba, quando os
festejos da data foram denominados Semana Jacob do Bandolim -, seja informalmente,
como aconteceu na edição 2005 do Dia Nacional do Choro em Porto Alegre, em que Plauto
Cruz foi o grande homenageado.
Na roda de choro que encerrou a festa, ocorrida no Mercado Público em 22 de abril e
que durou quatro horas, um dos momentos de maior emoção foi quando o grupo Choro
Negro executou uma bela versão de “Choro Clássico”, de Plauto. O autor, comovidíssimo,
levantou de sua mesa e foi até perto do grupo. Alguém levou a flauta até Plauto, fazendo
menção para que ele tocasse. Humildemente, ele recusou, puxando uma salva de palmas
para os jovens chorões. Pouco antes, a apresentação de Plauto já havia balançado os
corações de todos os presentes. Também se chama Plauto Cruz o troféu recebido pelos
vencedores do Concurso de Choro de Porto Alegre. O organizador do evento, Moysés
Lopes, teve a feliz lembrança de conceder um troféu ao próprio Plauto.
- Uma felicidade imensa (...) a emocionante homenagem que todos nós que estávamos
presentes prestamos ao Plauto. O homem é divino, e fico feliz que tenhamos tido a
oportunidade de demonstrar nosso carinho por ele. (Moysés Lopes)
Ao receber o troféu, Plauto assim agradeceu:
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BRASILEIRINHO: Samba e Choro em Porto Alegre
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- Me sinto feliz, este evento é uma maravilha. Tomara que dure muitos anos, para a
gente curtir o choro, música autêntica brasileira. Cheguei dia 9 de São Paulo, onde toquei
no SESC Ipiranga, num projeto semelhante. Também ganhei troféu e chorei de emoção.
Que este evento continue e saúde pra todos vocês!
(O mestre se referia a sua participação na série Temperos do Choro, onde se
apresentou junto com os Chorões Gaúchos no dia 8 de abril)
Na sua parte do espetáculo, Plauto deu preferência a temas de sua autoria, sendo
acompanhado de Maxwell dos Santos e Rafael Silva (violões), Rafael Ferrari (cavaquinho)
e Demetrius Câmara (pandeiro). Músicas de outros compositores entraram no bis, quando o
grupo foi reforçado por outro pandeirista, Ânderson Balbueno. Espero nunca deixar de me
impressionar com o domínio completo do instrumento - incluo aí o fôlego - sempre
demonstrado por este jovem de 75 anos chamado Plauto Cruz. De sua apresentação destaco
um maravilhoso tema saltitante, “Choro para o Agnaldo”, com o qual Plauto ganhou um
festival em Diadema (SP) há alguns anos. Agnaldo, um amigo paulista, batizou outro choro
como “Gaivota”, por identificar semelhanças na linha melódica da composição com o vôo
da ave. Da produção recente, o mestre tocou o inédito “Aos Amigos”, contando que a
música “agradou em São Paulo” (agradou em Porto Alegre também, Plauto, e agradará
onde for tocada neste mundo, com toda a certeza!). Das mais antigas, fomos brindados com
“Tema de Amor” e “Provocante”, “uma das minhas primeiras músicas”. Ao final, o
homenageado Plauto resolveu também prestar seu tributo, apresentando de Lupicínio
Rodrigues (“toquei em três LPs dele”), “Nervos de Aço” e “Se Acaso Você Chegasse”
(Lupicínio - Felisberto Martins). Em meio a esta excelente interpretação, Ferrari sugeriu
que emendassem com “Ai! Que Saudades da Amélia” (Ataulfo Alves - Mario Lago). Por
ironia, foi bem nesta hora que estourou uma corda do seu cavaco. (Daqui a pouco, mais
Plauto Cruz. Não sai daí!)
Concurso de Choro de Porto Alegre
Não foi fácil para os jurados Luis Machado (Grupo Reminiscências), Kim Ribeiro
(flautista), Marcos Kröning Corrêa (violonista e professor da Universidade Federal de Santa
Maria), Rafael Ferrari (Camerata Brasileira), Luis Barcelos e Rafael Mallmith (ambos do
trio Tiro de Brazuca) selecionarem os seis choros vencedores, devido à qualidade das mais
de 20 composições inscritas. Cada selecionado recebeu o Troféu Plauto Cruz e R$ 500, não
havendo a usual classificação em 1º lugar, 2º... Moysés Lopes fala do certame:
- Na minha opinião, foi um êxito. Conseguimos não só injetar ânimo e um pouco de
dinheiro na música instrumental brasileira feita no Rio Grande do Sul, mas realizamos um
mapeamento muito importante, dando visibilidade a compositores que nem sabíamos que
compunham (choro). Outro ponto muito positivo do concurso foi a modernidade do
material apresentado, e isto me deixou muito satisfeito, pois mostra que o pessoal está
procurando uma expressão própria, pessoal, individual, exclusiva até.
A seguir, menciono os choros na ordem em que eles foram apresentados no Mercado
no dia 22.
•
“Choro pro Xará”, de Maurício Marques, foi executado apenas pelo autor, ao violão
de 8. É uma homenagem a Maurício Carrilho, com quem Marques estudou e
responsável por seu interesse pelo choro. “O choro me fez ver a música de uma
forma diferente”, declarou Marques, que já mostrara esta música em seu show no
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Teatro Dante Barone, em 27 de abril de 2004. Na ocasião, a música me soou como
um “choro-bossa’n’roll”, sendo o caráter ’roll acentuado então pelo
acompanhamento do guitarrista Júlio “Chumbinho” Herrlein.
•
“Casa de Asas”, de Fausto Prado, foi apresentado pelo próprio ao violão,
acompanhado de Rafael Ferrari (bandolim) e Ânderson Balbueno (pandeiro).
•
“Choro pro Raul”, também de Maurício Marques, foi interpretado por ele no violão
de 8, Rafael Ferrari no violão de 6 e Demetrius Câmara no pandeiro. É uma
composição de caráter mais tradicional e que me pareceu a melhor das 6. (Em
tempo: durante a fase de julgamento, as músicas eram identificadas por números, só
depois do resultado definido é que se soube que duas músicas selecionadas eram de
um mesmo autor)
•
Chorinho pra Dê”, de Luciano Padilha, teve o autor à gaita, Rafael Ferrari ao
bandolim, Rafael Mallmith ao violão de 7 e Demetrius Câmara ao pandeiro.
Luciano e Ferrari conduziram a curiosa melodia, que parece flutuar por não
apresentar nenhuma escala descendente.
•
“A Clarineta do Moysés”, de Roberto Valliatti, foi interpretada pelo compositor
(flauta), Rafael Ferrari e Luciano Padilha (violões) e Paulo Taffarel (cavaquinho). O
Moysés homenageado é o tio de Valliatti (nada tendo a ver com o Lopes, portanto).
É a mais seresteira das selecionadas.
•
“Choro Pampeano”, de Dúnia Elias, contou com a autora no teclado e Artur Elias
Carneiro na flauta. Dúnia comentou o “sotaque de milonga” da composição e
desculpou-se pela ausência de um pandeirista. Não havia real necessidade de
percussão nesta obra, onde a flauta conduzia a melodia, solta, e o teclado, na base,
emprestava um caráter solene.
Roda de choro
O mesmo clima de “Choro Pampeano” se fez presente nas músicas que Dúnia
executou ao lado do flautista Kim Ribeiro, como “Diário” (nesta, o teclado floreou um
pouco a linha melódica) e “Traça Coco” (ambas de Kim). Em “Soluços” (Pixinguinha), a
flauta esteve bem solta, enquanto o teclado cadenciava o acompanhamento. O teclado se
destacou mais no solo de “Choro Bugio” (Dúnia) e na valsa romântica “Ternura” (KXimbinho).
Também de K-Ximbinho era uma das músicas tocadas pelo grupo Bem Brasil, “Eu
Quero é Sossego”, que contou com a participação do clarinetista Gabriel Fischer. No
restante do repertório, com exceção de um clássico de Waldir Azevedo (“Carioquinha”), só
deu Hamilton de Holanda (“Aquarela na Quixaba”, “Daqui a Pouco Eu Volto” e
“Destroçando a Macaxeira”) no repertório apresentado por Andres Costa (bandolim), Luis
Arnaldo (cavaquinho), Cristiano Fischer (violão de 7) e Reloginho (pandeiro).
Outro grupo, formado por instrumentistas revelados na oficina de choro de Luís
Machado - Vinicius Ferrão (bandolim), Daniela Fracasso (flautas), Diogo Jackle (violão) e
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Guilherme Sanches (percussão) -, apresentou duas modificações importantes em relação à
sua participação na Maratona de Choro do Santander Cultural (dezembro de 2004): adotou
o nome de Choro Negro e promoveu a entrada de um novo percussionista, Tiago Coelho. É
versátil o Tiago: tocou tamborim em “Cochichando” (Pixinguinha), agogô em “É Por Aí”
(Avendano Jr.) e pandeiro em “Três Estrelinhas” (Anacleto de Medeiros). A outra música
executada pelo Choro Negro foi comentada no início do texto: “Choro Clássico”, que
emocionou o autor, Plauto Cruz, e as aproximadamente 1.500 pessoas presentes.
Como já referimos, Plauto não quis interferir na apresentação do Choro Negro,
aceitando em seguida tocar duas músicas (seu arranjo para “Jesus Alegria dos Homens”, de
Johann Sebastian Bach, e “Fascinação”, de F. D. Marchetti), sem acompanhamento,
durante a preparação para a entrada do grupo seguinte, o trio Tiro de Brazuca.
O trio é formado por Luis Barcelos (bandolim), Rafael Mallmith (violão de 7) e
Ânderson Balbueno (pandeiro). É a um só tempo um dos mais novos grupos de choro de
Porto Alegre (surgiu em março e foi batizado em abril) e um dos mais experientes (pois
seus integrantes atuavam juntos na Camerata Brasileira desde fevereiro de 2003). Antes da
estréia do grupo, ainda sem nome, na roda de choro do Café do Cofre, o trio BarcelosMallmith-Ânderson já vinha se apresentando, seja representando a Camerata Brasileira
(como na Noite do Brasileirinho de 20 de dezembro de 2004 ou na roda do Charla Bar em
31 de janeiro), seja com o nome de Macambira (Noite do Brasileirinho de 24 de janeiro).
No grupo, Mallmith sola mais do que na Camerata, o que ficou audível já na primeira
música, “Samambaia” (César Camargo Mariano). Em todas as outras, o grupo foi aplaudido
em meio à execução: “Taquito Militar” (Mariano Mores), “Caminhando” (Nelson
Cavaquinho) e “Risadas do Figura” (Luis Barcelos) - esta, dedicada a Mallmith, que chama
todo mundo de... “figura”. Destaco especialmente “Caminhando”, com um excelente solo
de violão com as cordas abafadas, enquanto o bandolim soava como cavaco. Ah, o figura,
digo, o Mallmith aniversaria no mesmo dia que Pixinguinha: 23 de abril.
Ânderson se emocionou quando foi ao microfone agradecer o apoio que sempre
recebeu de seus ex-colegas de Camerata, Moysés Lopes e Rafael Ferrari. Perto dele, Ferrari
começou a chorar, enquanto Moysés se dirigiu até Ânderson e o abraçou, fazendo o mesmo
em seguida com Barcelos e Mallmith.
Camerata Versão 2
A última apresentação de Moysés, Mallmith, Ferrari, Barcelos e Ânderson como
Camerata foi em 6 de janeiro, no foyer do Theatro São Pedro. Ainda fariam uma roda de
choro na Cia. Sanduíches, em 12 de janeiro, só voltando a se reunir especialmente para
gravar o programa da TVE-RS Sonora Tribo em 12 de março (que foi ao ar em 23 de abril).
Antes disso, porém, os cinco resolveram de forma plenamente satisfatória a questão
levantada por Barcelos, Mallmith e Ânderson, que manifestaram vontade de se transferir
para o Rio de Janeiro. Os três formaram o Tiro de Brazuca, enquanto Moysés convidou
Rodrigo Siervo (saxofone) e Demetrius Câmara (percussão) para fazerem parte do que ele
mesmo chama, informalmente, de “Camerata Versão 2”. A nova formação (ainda sem
Demetrius) tocou em Cajamar (SP), a 16 de março, no lançamento do projeto Natura
Musical (do qual esta edição do Dia Nacional do Choro faz parte). A respeito, Moysés me
relatou:
- Na verdade, eu ainda nem conhecia o Demetrius, pois estive fora quase todo o mês
de fevereiro. Quando voltei, tínhamos pouco mais de 10 dias para montar um pocket show
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com 3 ou 4 músicas, e optamos por trabalhar em 3. Seria mais simples tocarmos alguns
“standards”, mas tu bem sabes que não tocamos assim. Desta forma, ensaiamos durante
todos os dias que antecederam o evento, e nos apresentamos em Cajamar. Fora esta
apresentação, não tocamos em nenhum outro lugar mais.
De uma circunstância aparentemente desfavorável (a saída de mais da metade dos
componentes do grupo), Moysés partiu para uma reinvenção da concepção musical da
Camerata. Nesta primeira apresentação no Rio Grande do Sul da nova Camerata, a
impressão foi a melhor possível. O violão de Moysés aparece mais no arranjo, como em
“Brasileiro” (Hamilton de Holanda), com nítida influência do jazz. Rodrigo, além do sax,
também reforça a percussão, quando necessário - tocou triângulo, enquanto Demetrius dava
conta da zabumba em “Pra Vocês” (Rafael Ferrari), música que começa lenta, quase
nostálgica, e passa a animada. Os músicos estão com nova postura de palco, inclusive
reforçando significativas alterações do clima da música com brincadeiras cênicas, como em
“Chorinho pra Ele” (Hermeto Paschoal). A música iniciou tranqüila, bem cadenciada, com
o sax fazendo floreios e seguido de perto por violão e bandolim, este com grande destaque,
enquanto o pandeiro segurava a base. De repente, bandolim e sax explodem em acordes
estridentes, enquanto Ferrari e Moysés fazem um jogo de cena como se discutissem; em
seguida, o arranjo evolui para um sambão.
Mesmo em peças que há muito a Camerata interpretava, como “Cochichando”
(Pixinguinha), tudo mudou. O bandolim inicia lento, em seguida o violão surge grave; o
bandolim passa a tocar em compasso quaternário, enquanto todos vão entrando forte (o sax
bem solto); na bateria, Demetrius utiliza a vassourinha (em geral usada para passagens
suaves) batendo forte com o cabo no aro de metal e acionando o bumbo com intensidade.
Após uma passagem um tanto circense, todos vão acelerando até o bandolim ter seu
momento de glória, dando lugar a um solo da percussão, seguido de uma ralentada geral
que evolui para a entrada forte de bandolim, percussão e triângulo (novamente Rodrigo).
Após uma citação de “Ó Abre Alas” (Chiquinha Gonzaga) quase como frevo, o sax
comanda a volta ao começo. O final é caribenho.
Para encerrar com chave de ouro sua estréia, a Camerata apresentou uma junção de
músicas de Baden Powell e Vinicius de Moraes. Violão e percussão iniciaram com sons
aleatórios, remetendo à África, para introduzir “Berimbau”, na qual sax e violão ora faziam
variações, ora tangenciavam o tema; uma parte bem livre, com vários improvisos, conduzia
a uma versão suave de “O Astronauta”; em seguida, bandolim e caixa lembravam o som de
berimbau, enquanto o sax surgia rascante para comandar o carnaval em “Formosa”.
Afinidade
Outra seleção de Baden fora o ponto alto da apresentação do violonista Marco Pereira
(violão) e Gabriel Grossi (gaita de boca) no Teatro Dante Barone, no dia 21 de abril, que
abriu as comemorações do Dia Nacional do Choro. Na única parte do show em que atuou
sozinho, Marco juntou “Violão Vadio” (Baden - Paulo César Pinheiro), “Canto de
Ossanha” (Baden - Vinicius)(na qual começou forte, valorizou a pausa, ralentou e pisou no
acelerador de novo), “Consolação” (Baden - Vinicius)(forte) e fechou com “Berimbau”. Foi
um dos momentos merecidamente mais aplaudidos do show.
Não vá aqui algum reparo à atuação de Gabriel. Ao lado de Marco, ele foi responsável
por momentos memoráveis como “Mulher Rendeira” (Zé do Norte), em que o violão
começou floreando uma variação do tema, passando a desenvolvê-lo em oitavas; em
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seguida, enquanto a gaita sustentava o tema, o violão alternava tema e variações em
andamentos cadenciado e acelerado, até que ambos desembestaram sertão afora. Que dizer
então do medley que reuniu músicas de Dorival Caymmi (“Maracangalha” e “Você Já Foi à
Bahia?”) com temas de Ernesto Nazareth? Foram aplaudidíssimas as variações incríveis
que Gabriel desenvolveu, principalmente suingando com as células melódicas de
“Maracangalha”. Para o bis, a dupla reservou uma versão suave de “As Rosas não Falam”
(Cartola). A gaita conduziu o tema majestaticamente, com os comentários do violão em
belos improvisos.
Fala, Moysés:
- Sem palavras. Um dos shows mais emocionantes que já vi em toda minha vida.
Simplesmente fantástico. Dois grandes músicos (e duas pessoas maravilhosas também) e
um público caloroso transformaram aquela noite em um momento mágico.
Pode parecer incrível, mas assim como a “Camerata Versão 2”, a dupla MarcoGabriel também atua junto há pouco tempo. Os dois se conheceram durante os ensaios da
gravação do CD Eu Me Transformo em Outras, de Zélia Duncan (2004), tocaram em todas
as faixas e assinaram também os arranjos, ao lado de Bia Paes Leme, Hamilton de Holanda
e Marcio Bahia. Deve sair em breve o CD da dupla, batizado Afinidade por Marco por
analogia ao LP Afinity (1979), do pianista americano Bill Evans, que contou com a
participação do gaitista sueco Toots Thielemans.
Na maioria das composições apresentadas no Dante Barone, o violão iniciou,
passando a emoldurar o tema quando a gaita assumia o lugar central até que os dois
terminassem a música juntos. Foram assim as interpretações de “Coisa nº 8” (Moacir
Santos), “Choro pro Waldir” (Cristóvão Bastos), “Foi a Noite” (Tom Jobim - Newton
Mendonça) e das composições de Marco Pereira “Ponto de Luz” e “Sombra da Lu”. Houve
poucos solos, como o de violão em “Nos Horizontes do Mundo” (Paulinho da Viola) e o de
gaita em “Modinha” (Tom Jobim - Vinicius de Moraes).
Balanço
A relação dos eventos do Dia Nacional do Choro não ficaria completa sem a menção
à exposição de banners reproduzindo partituras manuscritas, fotos, documentos, recortes de
jornal e selos de disco relacionados a Pixinguinha. A exposição transcende o evento:
- Fico feliz em oportunizar às pessoas um pouco mais de esclarecimento sobre este
grande gênio que foi Pixinguinha. A idéia é de que a exposição fique no Mercado Público
até o dia 29 de abril e depois passe a fazer parte do acervo da Discoteca Pública Natho
Henn. (Moysés Lopes)
Projetos para 2006, Moysés?
- Fazer uma semana de programação em Porto Alegre e ampliar o público atingido.
Na verdade, estamos trabalhando no projeto de 2006 desde dezembro de 2004.
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ADRIANA DEFFENTI
Cinco Perguntas para... ADRIANA DEFFENTI
BRASILEIRINHO - Adriana, estás lançando em dezembro de 2002 o teu primeiro
CD, Peças de Pessoas. Já lançaste um “CD demo” em 1999, Quem te Ensinou a Dançar?,
com repertório de MPB e predominância de compositores gaúchos. Teu novo trabalho
mantém esta linha ou apresenta mudanças?
ADRIANA - O repertório continua praticamente o mesmo e se eu tivesse que
escolher um estilo determinado não poderia dizer outra coisa senão MPB. Existem
diferenças muito grandes quanto à concepção dos arranjos. Misturas de acústicos e
eletrônicos, mudanças nos andamentos das canções... Isso também gerou novas
interpretações da minha parte. Eu não poderia cantar as músicas da mesma forma que antes.
B - Tens participado recentemente de projetos de circo-teatro como Circo Girassol Pão e Circo ou de dança como Alma Tonta e Lixo, Lixo Severino. Como vês esta interação
do teu trabalho como cantora com outras formas de expressão, e como foi que chegaste a
estes projetos?
A - Eu me divirto muito usando as coisas que sei fazer em detrimento de toda e
qualquer expressão artística. Acho que é uma questão de personalidade mesmo. Falam de
“artista de palco”... Acho que eu sou uma “artista de palco” mesmo, porque expressar,
trocar com o público de cima de um palco cantando, interpretando, dançando, é o que me
deixa mais feliz como artista. Além disso, um ponto importantíssimo destes trabalhos é o
quanto eu aprendo. Eu tive muita sorte de trabalhar com profissionais sérios. O Eduardo
Severino, por exemplo, é um artista de uma capacidade incrível. Tem uma visão plural,
muito ampla do exercício da dança. A experiência que tive no Circo Girassol é inestimável
e o processo que estou passando em As Sete Caras da Verdade, com o Nico (Nicolaiewsky)
tem me ensinado horrores. Cheguei nestes projetos como convidada por pessoas que já
conheciam o meu trabalho e também por afinidade artística, idéias em comum com amigos.
B - Quatro anos depois de resolveres assumir a carreira de cantora, como relembras os
receios que sentias no início? Acreditas hoje que eles tinham fundamento?
A - Todo fruto da intuição tem fundamento. Tudo em que se pensa demais não tem
nenhum fundamento. É sempre assim.
B - Ao lado de teu trabalho na música popular, desenvolves um estudo de repertório
clássico e chegaste a cursar um semestre de Música no Instituto de Artes da UFRGS. Tens
algum projeto específico que pretendas desenvolver na área erudita?
A - No momento participo das gravações da ópera cômica As Sete Caras da Verdade,
de Nico Nicolaiewsky. É um trabalho que exige habilidades de atriz e cantora lírica. Em
Alma Tonta eu também utilizo a técnica do canto clássico, subvertendo-a em muitos
momentos. Gosto de usar o conhecimento e a técnica com essa liberdade. No momento,
naquilo que se pode chamar de música erudita, não tenho nenhum trabalho.
B - Planejas detalhadamente tua carreira ou preferes deixar acontecer?
A - Um pouco das duas coisas.
***
PEÇAS DE PESSOAS: FRUTO MADURO
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O CD de estréia de Adriana Deffenti, Peças de Pessoas (Barulhinho), é um fruto
maduro. A cantora reuniu nele um repertório com o qual vem trabalhando há um bom
tempo - basta dizer que TODAS as músicas do disco, bem como as do espetáculo de
lançamento (realizado em 17 de dezembro de 2002 no Theatro São Pedro), faziam parte do
show de Adriana dentro do projeto Blue Jazz, em 15 de junho de 2001 (no foyer do mesmo
TSP). Algumas das canções dos dois espetáculos (“Sapatos em Copacabana”, de Vitor
Ramil, “Pô, Amar é Importante”, de Hermelino Neder e “Samba Tango”, de Otávio Santos,
as 3 no CD, além de “Berlim, Bom Fim”, hino dos anos 80 escrito por Hique Gomez e Nei
Lisboa), Adriana interpreta desde 1999, pelo menos.
Não vá alguém pensar que se trata de acomodação de Adriana. A manutenção do
repertório sugere, antes, um cuidado de ourives. É visível (ou melhor, audível!) que
Adriana está cantando cada vez melhor - usando bem o vibrato e valorizando as pausas, por
exemplo. Em “Berlim, Bom Fim”, em dado momento uma vocalização lírica (Adriana é
mezzo-soprano) é finalizada num grito, coerente com o clima punk da música. Já em “Cha
Cha Cha Moderno”, sua forma de cantar chega a lembrar a do autor da canção, Nei Lisboa.
Também cenicamente notam-se diferenças. A cantora que pouco se movimentava no palco
em 1999 deu lugar a uma artista mais completa, que incorpora expressão facial, dança,
Libras (linguagem brasileira de sinais) e toque de castanholas para reforço da mensagem,
resultado provavelmente de sua participação em projetos de teatro e de circo. Adriana
revela-se também compositora com “Menina do Jornal” (ela apresentou no show outra
música sua, em parceria com Otávio Santos, que a acompanhou ao teclado).
Algumas músicas estão de roupa nova. A introdução à la Toquinho que Marcelo
Corsetti fazia para “Pô, Amar é Importante” foi substituída por um riff de guitarra
distorcida, aliás, do mesmo Corsetti. Muito boa a sacada de transformar “Querendo
Chorar”, canção regionalista de Teixeirinha, em samba (faixa-bônus das mil primeiras
cópias do disco). Como surpresa, ainda, uma versão bem acústica de “Going to California”
(Jimi Page - Robert Plant, do Led Zeppelin).
***
Mistura e Manda nº 44 (12/4/2004)
SEMPRE O CELULAR...
Durante uma apresentação de Adriana Deffenti no foyer do Theatro São Pedro, em 15
de junho de 2001, quando os músicos faziam a introdução de “Pô, Amar é Importante”, de
Hermelino Neder, ouviu-se o tilintar do celular de um espectador sentado nas primeiras
filas. Sem se perturbar, a cantora iniciou improvisando: “Pô, desligar o celular é
importante...”.
***
ADRIANA DEFFENTI DE REPERTÓRIO NOVO
O foyer do Theatro São Pedro lotou de gente ansiosa para assistir o espetáculo da
cantora Adriana Deffenti com o pianista Michel Dorfman, em 23 de julho de 2004. A
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ansiedade era plenamente justificada (Adriana estava estreando um novo repertório) e foi
completamente recompensada (a dupla estava numa tarde inspiradíssima).
Adriana é uma artista em permanente evolução. Sempre afinadíssima, ela atingiu um
completo domínio do volume de sua voz – dotada de grande extensão vocal, ela demonstra
plena consciência do momento certo de usar esse recurso. Esse domínio, aliado ao emprego
de gestos e expressões faciais reforçando o clima da letra interpretada, faz com que seja
uma delícia ouvi-la cantar “Aonde Você For” (Chico Saraiva - Fausto Nilo), “Um Beijo
Meu” (Herbert Vianna) e o clássico do Boca Livre, “Toada” (Zé Renato - Claudio Nucci Juca Filho) - para mim o grande momento do fim de tarde. Ela declamou ainda o início da
letra de “Pequeno Circo Íntimo” (Ivan Lins - Aldir Blanc) e tocou flauta em “Tem Tainha”
(Raul Ellwanger) e “He Loves and She Loves” (dos irmãos George & Ira Gershwin). No
solo de “He Loves...”, aliás, Adriana citou discretamente na flauta “Perfidia” (Alberto
Dominguez), que retornou assumidamente no “shá-lá-lá” ao final da música. Os recursos de
interpretação só deixaram a desejar em “Iracema Voou” (Chico Buarque), em que a
simpatia pela personagem que a gravação de Chico transpira foi substituída por um
sentimento de pena na versão de Adriana.
A cantora surpreendeu ainda ao revelar um sotaque portenho na interpretação de duas
músicas de Fito Paez, “Tres Agujas” e “Tengo una Muñeca que Regala Besos” (houve
outro “momento sotaque”, desta vez lisboeta, durante a apresentação de “O Recado Delas”,
de Maria João e Mário Laginha). No bis, Dorfman sugeriu e Adriana topou: brindaram a
platéia com “Chovendo na Roseira” (Tom Jobim).
É importante o público estar atento a esse show da Deffenti, porque foi exatamente
este o caminho seguido por ela com o repertório do CD Peças de Pessoas: apresentação do
repertório no foyer do TSP em 15 de junho de 2001 e lançamento do CD no palco principal
em 17 de dezembro de 2002.
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CAMERATA BRASILEIRA
Mistura e Manda nº 12 (25/08/2003)
CAMERATA ALMA BRASILEIRA PREPARA O 1º CD
O violonista Moysés Lopes, da Camerata Alma Brasileira, acompanhou nesta semana
a mixagem de 7 das 13 faixas que vão integrar o CD de estréia do grupo, intitulado Deixa
Assim, gravado em Porto Alegre. Em breve, deve começar a masterização do trabalho,
ainda sem data confirmada para lançamento. Para diminuir a ansiedade dos fãs, a Camerata
anuncia que apresentará novos arranjos e fará algumas surpresas na edição de setembro da
série Na Roda do Choro, na Casa de Cultura Mário Quintana, no próximo dia 2.
***
ENTREVISTA: CAMERATA BRASILEIRA
O grupo fala da preparação de seu primeiro CD, da necessidade de mudar de nome,
da concepção dos arranjos e dos planos para o futuro
Entrevista gravada em 27 de novembro de 2003 no Mercado Público de Porto
Alegre. OBS: Na ocasião, o grupo ainda usava o nome Camerata Alma Brasileira,
passando a se denominar apenas Camerata Brasileira no início de dezembro.
FABIO GOMES - Estamos conversando com o pessoal da Camerata Alma
Brasileira, que terminou de gravar esta semana o seu primeiro CD. Continua o nome Deixa
Assim?
MOYSÉS LOPES - Continua Deixa Assim. Não mudamos nada ainda.
FABIO - O repertório é basicamente o que vocês vêm apresentando nos recitais e nas
rodas de vocês ao longo desse ano?
MOYSÉS - É, na verdade toda essa série de recitais que a gente fez no segundo
semestre foi em função de preparar esse repertório pro estúdio. Ao sairmos da primeira
etapa de gravação, nós já tínhamos os arranjos. E aí a gente começou a ensaiar aquilo e
estudar. Depois a gente correu atrás para fazer essas pequenas temporadinhas no interior,
que era pra poder amadurecer o repertório em cima do palco antes de entrar no estúdio.
Bah, cara, foi um processo muito bom. Mudamos, botamos coisas... (Quando) a gente foi
viajar, levamos nosso técnico de som, Fernando Vier. Levamos um MD e gravamos o MD
direto da mesa. Claro, a equalização era feita pro local, mas tudo bem. A gente só queria
era ouvir e, realmente, a gente constatou que algumas partes dos arranjos não estavam
soando exatamente como a gente imaginava. Aí tivemos uma segunda temporada, que foi
na região de Caxias (do Sul), ali já com os arranjos alterados e dali veio a versão final e que
ensebou o dedo da gurizada pra entrar no estúdio.
FABIO - Tem algumas músicas que vocês tocam desde o ano passado, tipo “Um a
Zero” (de Pixinguinha) que vocês já mexeram, que eu contei, umas cinco, seis vezes no
arranjo. Isso vocês estudam antes, ou rola muito na hora?
RAFAEL FERRARI - Acho que esse exemplo que tu deu do “Um a Zero” não é
muito bom, que é a única música que não tem arranjo das que a gente costuma tocar.
RAFAEL MALLMITH - Sim, por isso que a gente muda tanto. (risos)
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FERRARI - Vai do clima que tá na hora, acho que esse é o arranjo. O clima que tá na
hora, ela sai.
FABIO - Vocês comemoravam o gol, aliás, 4 vezes, tanto que eu ia pedir pra mudar o
nome da música pra “Quatro a Zero”, depois vocês pararam de comemorar, não sei...
FERRARI - O estádio tá meio vazio, a galera não grita tão alto. Tem tudo isso.
FABIO - No início do projeto Na Roda do Choro, no ano passado, vocês tinham um
repertório mais variado e também recebiam bem mais convidados. A partir do momento
que vocês focaram na preparação do CD, vocês passaram a ter um repertório mais definido
e passou a ter uma cara mais de show do que de roda de choro. Vocês pretendem continuar
com o formato atual ou voltar a fazer como era antes?
FERRARI - Bom, a questão do repertório era essa intenção mesmo, firmar o
repertório, como o Moysés falou, para entrar no estúdio a ponto de bala. A questão dos
convidados... a gente sempre procura ter um convidado, como teve o Batuque de Cordas,
como teve o Tiago Piccoli, às vezes o Reminiscências - aí varia, a gente faz outras
formações, com o Luís Machado, pra diversificar o repertório. A gente sempre procura
convidar quem a gente sabe que está disponível pra tocar num projeto que existe pra formar
público praquele gênero musical. Então o que tem ocorrido é que o pessoal que toca choro
em Porto Alegre não se faz presente, não vem assistir, não entra em contato.
LUÍS BARCELOS - Quanto ao repertório, temos 4 arranjos novos, que tão bem
legais, até.
FABIO - Quais são?
LUÍS - “Czardas”, do Vittorio Monti, “Maxixado”, do Henry Lentino... Ajuda aí.
MALLMITH - “Carinhoso” (de Pixinguinha e João de Barro).
FERRARI - “Diário”.
LUÍS - “Diário”, do Kim Ribeiro, e o “Carinhoso”.
MALLMITH - E o primeiro movimento (“Pixinguinha”) da (suíte) “Retratos” (de
Radamés Gnattali).
FABIO - O primeiro movimento da “Retratos” vocês já faziam no ano passado.
FERRARI - Não, é que nós fizemos um arranjo. A gente pegou o arranjo (de
Radamés Gnattali) para a Camerata Carioca, que é uma redução (do arranjo original) pra
um grupo - 3 violões, bandolim e cavaquinho - que a gente no primeiro momento adaptou
para os 2 violões, onde os 2 violões faziam alguma coisa do 2º violão que tinha no arranjo
de 3 violões. Aí eles misturaram, mesclaram, um fazia uma parte, outro fazia outra. Depois
a gente modificou de novo, distribuindo as melodias por todos os instrumentos, coisa que
não existe (no arranjo original) - é um concerto pra bandolim, né? É sempre o bandolim
que está em destaque lá na frente. Nos 2 movimentos que a gente gravou, o 1º e o 2º, tá
distribuído nessa concepção.
FABIO - Estão incluindo no CD então apenas os dois primeiros movimentos?
MOYSÉS - A gente não sabe. Até porque nós só fizemos contato com a viúva do
Radamés, Nelly Martins, pra gravação do 2º (“Ernesto Nazareth”). Quando nós távamos
no estúdio agora, na terça-feira (25/11), (dissemos) “Vamos gravar (o 1º movimento)”,
“Não vamos gravar”, (eu disse): “Olha, cara, de qualquer maneira vai ser legal a gente
gravar, ainda que não vá pro CD. Porque afinal de contas tamos num estúdio bom, os
timbres foram bem feitos pelo técnico e tudo, vamos gravar”. E aí a gente sentou e gravou.
Se vai pro CD eu não sei. A gente vai ter que ver se vai caber dentro do nosso orçamento,
que esse CD tá todo ele bancado, financiado por nós mesmos, não pegamos Fumproarte,
nada. Ainda não escolhemos as tomadas que vão ser mixadas, tudo isso também tem uma
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BRASILEIRINHO: Samba e Choro em Porto Alegre
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morosidade própria da questão financeira. Nós vamos fazer o lançamento do CD em Porto
Alegre em 1º de junho, comemorando o aniversário de 2º ano (do grupo) e lançando o CD.
FABIO - Bom, a gravação do CD terminou nessa terça-feira. Vocês já têm previsão
do ritmo industrial da coisa agora...
MALLMITH - Fala pra ele.
FABIO - ...tipo mixar, masterizar, prensar... Por que até 1º de junho, dia que vocês
vão lançar em Porto Alegre...
FERRARI - É, ele não tá sabendo.
FABIO - ... muita água vai rolar, e pelo jeito tem coisa que eu não tô sabendo aí.
MOYSÉS - É, tem coisa que tu não tá sabendo, uma coisa bem importante. Nós
vamos ter que trocar de nome. Nós não podemos mais ser Camerata Alma Brasileira.
FABIO - Existe um grupo em Brasília com esse nome.
MOYSÉS - É, o Alma Brasileira Trio. Eles têm essa formação de trio desde 96 e
entraram em contato conosco. Foi num momento que nós estávamos revendo, realinhando a
nossa imagem por causa do nosso logotipo. A designer que tava encarregada da parte
gráfica do CD achou que o logotipo não fechava com a música que a gente tocava.
FABIO - Aquele violão.
MOYSÉS - É. E aí, conversando, o Ferrari disse: “Ah, eu também acho”.
FERRARI - Eu já falei antes (que a designer).
MOYSÉS - É, ele já tinha inclusive falado: “Olha, eu acho nosso logotipo infantil”.
Tá, nós tamos questionando isso, vem uma mensagem deles - muito educada, muito polida:
“Temos um problema, também estamos lançando um CD que já tá pronto”. Ainda não
chegou na mão deles mas tá pronto. Aí passamos a conversar entre nós e também com essa
profissional a esse respeito. E nós resolvemos fazer um total realinhamento de identidade,
passando inclusive pela troca do nome. Mudança de postura de grupo... Que bom que
aconteceu agora. Eu acho que a questão do CD vai passar por esse realinhamento. Nós
tivemos muita sorte que isso aconteceu agora. Complicado ia ser se a gente tá com o CD
pronto, tá com um monte de coisa armada e descobrir que ia ter que trocar de nome. Até
mesmo porque, Fabio, esse pessoal de Brasília, tchê, tá construindo o nome Alma Brasileira
desde 96, nós não temos o direito de virar uma pedra no sapato deles agora. Inclusive eles
responderam hoje o nosso e-mail. Cara, a resposta deles foi maravilhosa, eles nos
agradeceram. Acima de tudo, nós somos todos músicos e conseguimos resolver um
problema desse dentro duma total civilidade. Tomara todo mundo se espelhe nesse tipo de
coisa. Nós podíamos estar nos lamentando, mas eu acho que tá sendo um processo muito
bom, nós tamos redefinindo o caráter do grupo, pra procurar um nome em função disso e aí
refazer tudo, voltar com a questão gráfica do CD, mas eu acredito que até junho a coisa já
esteja tranqüila. A idéia é procurar estar com o CD na mão em abril. Inclusive é bem
provável que a gente lance em Santa Catarina antes. Nós tamos com planos de ir pra Santa
Catarina em maio, pra fazer o lançamento do CD lá. Já tenho contato com alguns
produtores locais, é fundamental a presença de um produtor local porque nós não
conhecemos a cultura local. Então a gente corre o risco de tocar no lugar errado. Em
outubro nós temos uma turnê em 8 cidades do interior, fora isso tem convites pra voltar em
Santa Maria, em Pelotas, provavelmente nós vamos ao Paraná, tá pintando alguma coisinha
em São Paulo. Planos tem aos montes, promessas tem bastante, (mas) só acredito na hora
do preto no branco, negócio concretizado, né? Com calma a gente vai construindo esse
2004 da mesma maneira que a gente construiu 2003. Mesmo assim, 2003 foi muito bom,
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nós vamos fechar o ano com quase 50 apresentações, quer dizer, pra um grupo novo de
praticamente um ano de mercado eu acho que foi muito bom.
FABIO - Quando vocês iniciaram, (o grupo) já era um quinteto, só que houve nesse
período uma mudança de um componente.
FERRARI - Quando a gente iniciou a intenção era de ser um quinteto, mas era um
quarteto, na verdade. Não tinha o percussionista. Aí nessas buscas por um percussionista a
gente acabou convidando o Sidney (Lentino), pai do Henry (Lentino, do grupo Tira
Poeira)...
MOYSÉS - Nós ficamos um tempão sem...
FERRARI - Sem percussionista.
MOYSÉS - Ficamos meses, cara, ah, uns dois, três meses. Aí nós tínhamos
compromisso, o Chorinho na Godoy, e o Sidney veio tocar conosco.
FERRARI - Ele disse desde o início que ele não queria compromisso, não queria
entrar em nenhum grupo, que ele mesmo ia ver se ele conhecia alguém pra tocar. Dizia pra
gente: “Ó, tem que arrumar alguém da idade de vocês”, a gente dizia: “Não, isso é
besteira”.
MALLMITH - É, na verdade ele já tinha passado por muita coisa em termos de
viajar com o Henry e já não queria mais se envolver tanto na correria com tocar. Então ele
(disse) que talvez chegasse um certo momento ele podia não querer mais e nos deixar
empenhados. Então sugeriu que a gente já começasse a procurar outro percussionista, foi
bem numa época de férias, dezembro, janeiro e fevereiro. Tu vê, ele foi bem legal nessa
questão.
FABIO - E aí então surgiu no grupo o Ânderson Balbueno.
ÂNDERSON BALBUENO - É, aí apareci... (risos)
FABIO - Como foi que eles te convidaram?
ÂNDERSON - Bom, eu já conhecia o Luís já há uns dois anos. Só que eu não tocava
choro, não conhecia ainda o gênero, era mais do samba.
FABIO - É, a tua forma de tocar pandeiro deu um molho mais de samba para o grupo.
ÂNDERSON - Mas é que o choro e o samba são muito próximos. Em fevereiro de
2003, o Luís me convidou pra eu tocar com o grupo. Aí eu comecei a escutar o básico que
todo músico que toca choro tem que escutar, que é Pixinguinha, Jacob, Waldir Azevedo... E
bom, comecei a tocar choro, comecei a tocar com o Alma Brasileira, final de fevereiro pra
março.
FABIO - Aquele pessoal que tocou com vocês ali nas rodas no ano passado, vocês
chegaram a sondar alguém: “Olha, tamos precisando de um percussionista?”
MOYSÉS - Não, das rodas não...
FERRARI - Não apareceu nenhum! O único que apareceu era o Soleno, que já toca
com o Reminiscências.
MOYSÉS - O que a gente fez foi conversar com o Fernando do Ó e pedir pra ele que
nos indicasse alguém. Ele nos indicou um baita percussionista, o Binho (Terra). Muito
bom. O Binho foi muito legal, ele tocou conosco e ele disse assim: “Cara, vocês precisam
um percussionista de plantão, sempre com vocês”. A gente precisa ter alguém que vá lá,
que vá nos ensaios...
FERRARI - Que ajude nos arranjos...
MOYSÉS - Isso a maioria dos percussionistas não quer. Querem ser free (freelancer). E pra nós o perfil do free não servia. Pela natureza dos arranjos que a gente toca...
nosso repertório é muito arranjado, com muito cuidado, tem muito detalhe, não é “vamos
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lá, vamos ver no que vai dá”. Tchê, a gente sua sangue nos ensaios! E foi o que o Ânderson
topou fazer. Entre nós (de harmonia), beleza, a gente distribui a partitura e vamos ver o que
que vai dar. Mas aí entre pegar e ouvir e decorar a entrada e saída e resposta de pandeiro...
Pandeiro não é um acompanhamento. Ele é exatamente um integrante mais, tem tanta
importância, tanto peso quanto qualquer outro. Por isso que a expressão “bater um
pandeirinho” pra nós não serve. Ou vai tocar, ou não vai fazer nada.
MALLMITH - Tem grupos que tocam de uma forma mais tradicional, com arranjos
que o pandeiro realmente acompanha, que não é bem a nossa proposta.
ÂNDERSON - Hoje em dia, aquela idéia que a percussão é um instrumento de base,
de dar o pulso da música, isso aí é ultrapassado. Tem arranjos em que em vez do pandeiro
dar o pulso, (quem dá) é a harmonia, o violão de 7 cordas... É o caso da bateria no jazz, um
instrumento de solo.
FERRARI - A nossa concepção de grupo, o trabalho que a gente faz é totalmente
diferente de grupo de choro tradicional. Não quer dizer que seja melhor nem pior, é
diferente, só isso. Onde todos os instrumentos têm o mesmo peso, o mesmo valor e a
mesma responsabilidade dentro dos arranjos, tanto na hora de tocar, quanto na hora de fazer
os arranjos, na hora de debater, de mudar o que tem que ser mudado, é sempre assim. Se
não tiver aquela frase, aquele trecho onde o violão vai fazer tal resposta não sei onde, já dá
um problema. Eu não sou o solista, ou o violão é o solista, não, mesmo quando o violão de
6 tá solando, fazendo a melodia principal, tem todo um trabalho de contraponto, de
fraseado por trás, aonde a percussão também se encaixa pra completar.
LUÍS - Coisa legal também, por exemplo, tem arranjos em que o violão de 7 sola.
Assim como o pandeiro sola também. Tem um arranjo em que o Ferrari faz contraponto de
contrabaixo que nem o 7 cordas tava fazendo antes. Então é muito legal isso, de inverter os
papéis, entende? Isso é legal, o cavaquinho tanto solar, quanto fazer contraponto como
fazer harmonia. Todos os instrumentos assim. Isso é muito legal. Experimentar.
MALLMITH - Se um tem algum problema particular e não pode comparecer no
ensaio, o ensaio é desmarcado; se um não consegue ir tocar, não tem como ter alguém pra
substituir. Não é que nem num (outro tipo de) grupo, “Ah, chama o Fulano”, “Ele faz o
pandeiro, eu faço o 7, tu faz o cavaquinho”. Pra nós, não, porque todo mundo tem uma
função...
FERRARI - Pré-determinada.
MALLMITH - ...e sem aquela pessoa a coisa não anda. É bem a cara do grupo.
FABIO - Vocês ensaiam 2 vezes por semana?
MOYSÉS - 2 vezes é o normal. Na proximidade de compromisso, são 3 vezes...
FERRARI - O ano todo a gente ensaiou 3 vezes.
MOYSÉS - É que o ano inteiro era compromisso. São 15 horas, mais ou menos, por
semana, de ensaio, fora o que a gente faz sozinho em casa.
FABIO - E essa mesma preocupação vocês transpuseram pro grupo paralelo Samba
de Fato.
FERRARI - É, também é um grupo, não é um ajuntamento. Faz o quê, uns nove
meses que a gente tá junto (no Samba de Fato), teve alguns compromissos já, já tocou por
aí, fez algumas apresentações, no âmbito mais de ensaiar, definir algumas coisas,
repertório, se conhecer, como a gente fez no Alma Brasileira.
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POR QUE A CAMERATA BRASILEIRA MUDOU DE NOME
O grupo porto-alegrense conhecido até final de novembro de 2003 como Camerata
Alma Brasileira (que vamos chamar nesse texto de Camerata), de Porto Alegre, vem
trabalhando já há algum tempo em seu primeiro CD, Deixa Assim. Seu líder, Moysés
Lopes, procura focar todos os aspectos que envolvem a carreira de um grupo, e não apenas
o musical. No início do mês, a designer contratada para cuidar da parte gráfica do CD
sugeriu a mudança do logotipo do conjunto - o logo atual deixaria a Camerata “mal
identificada”, considerou ela após assistir algumas apresentações. Em meio a esse processo,
em 13 de novembro Moysés recebeu um e-mail do produtor Kiko Sales, do Alma Brasileira
Trio (que será chamado aqui de Trio), de Brasília. Kiko informava a Moysés que o Trio
existe desde 1996 e acrescentava:
- Só agora tomei conhecimento do grupo de vocês, e lamento profundamente a infeliz
coincidência de existirem dois grupos com praticamente o mesmo nome, já que o Alma
Brasileira Trio também é conhecido como Grupo Alma Brasileira. Gostaria, antes de mais
nada, de saber qual o posicionamento da Camerata em relação ao ocorrido.
Moysés ouviu as amostras de áudio do Trio (disponíveis em
www.almabrasileira.com) e em sua resposta, em 14 de novembro, ao lado de elogios ao
trabalho do grupo brasiliense, deixou claro que não compartilhava com Kiko seu pesar:
- Não acho que a existência de dois grupos que possuem a expressão “Alma
Brasileira” em seu nome seja uma infeliz coincidência. Talvez, até pelo contrário,
possamos explorar juntos esta questão. Quando iniciamos o grupo havíamos adotado o
nome “Alma Brasileira”, mas de tanto nos chamarem de “Regional Alma Brasileira” (pois
nossa formação instrumental lembra a formação dos regionais de choro) resolvemos
adotar a palavra “Camerata” na frente. Isto ocorreu logo no início da formação do grupo,
e com o tempo a coisa pegou mesmo, tanto que aqui no sul chegamos a receber o apelido
carinhoso de “Camerata”, pois nosso público - e, por vezes, a imprensa - se refere a nós
desta maneira.
A sugestão de Moysés era colocar, em www.almabrasileira.mus.br (domínio
registrada pela Camerata), uma página com links para sites dos dois grupos, a atual do Trio
e uma com o novo domínio que a Camerata se propunha a registrar.
Paralelamente, a Camerata seguia com a designer o processo de mudança de logotipo,
já agora ampliado para realinhamento de identidade do grupo.
A resposta de Kiko, em 21 de novembro, reforçava a tese da semelhança de nomes ser
“uma infeliz coincidência, já que o principal elemento que caracteriza os dois grupos é,
sem dúvida, ‘Alma Brasileira’, e não ‘Camerata’ ou ‘Trio’, que são apenas designações de
formações instrumentais associadas ao nome Alma Brasileira.” Kiko acrescentava que,
numa busca na internet por “Alma Brasileira”, os primeiros links apontam para a Camerata.
O produtor finalizava propondo, “da forma mais amigável e civilizada possível, resolver
essa delicada questão.”
Em reunião no dia 22, a Camerata expôs à designer a situação de conflito de nome
com o Trio, informando-a o que já era consenso do grupo: a mudança de nome, pois, como
disse Moysés a Kiko na resposta enviada dia 26, “se vamos trocar de logo e temos
problemas com o nome, o melhor é trocar tudo de uma vez, para evitarmos problemas
futuros. Até mesmo porque vocês vêm investindo e construindo este nome desde 1996, e nós
estamos presentes no mercado há apenas um ano.” Apenas a Camerata comunicava ao Trio
que, por motivos contratuais, precisa manter ativo por algum tempo o domínio
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www.almabrasileira.mus.br - pois, informava Moysés, “Como ainda não temos um novo
nome, não podemos registrar um novo site.” Mas a definição não deve demorar, “até
mesmo porque precisamos de um novo nome para botar nosso CD na rua” .
A resposta a Moysés, no dia 27, foi enviada por um dos músicos do Trio, Celso
Bastos, manifestando que ele e seus colegas ficaram “muito felizes por tudo ter sido
resolvido amigavelmente, e isso se deu graças à hombridade de vocês.”
No início de dezembro, os músicos da Camerata, após uma consulta jurídica, optaram
por adotar a denominação Camerata Brasileira. O registro de um novo site
(www.cameratabrasileira.mus.br) já foi providenciado.
***
Mistura e Manda nº 36 (16/2/2004)
BANDOLIM NOVO
O músico Rafael Ferrari estreou seu novo bandolim de 10 cordas na apresentação da
Camerata Brasileira no Moinhos Shopping em 12 de fevereiro. Ele recebera o instrumento
na véspera, diretamente de Campinas.
A respeito do show, o cavaquinista Luís Barcelos comemorou o grau de atenção que o
público dedicou ao grupo, algo não muito comum em praças de alimentação de shoppings.
Entre os presentes, Runi Corrêa, presidente do Clube do Choro de Porto Alegre, elogiava a
modernidade que os jovens da Camerata imprimem ao choro que tocam, ao lado da
preservação de aspectos tradicionais.
A Camerata continua com muita seriedade a preparação de seu CD Deixa Assim. No
momento, está sendo feita a parte gráfica do disco.
***
Mistura e Manda nº 93 (21/3/2005)
MUDANÇAS NA CAMERATA BRASILEIRA
Ânderson Balbueno, Rafael Mallmith e Luís Barcelos acertaram sua saída da
Camerata Brasileira no início deste mês. Os três pretendem deixar Porto Alegre em breve,
fixando residência no Rio de Janeiro. Como as transferências devem ocorrer em datas
diferentes, é pouco provável que eles formem um trio na Cidade Maravilhosa - mas a idéia
também não está descartada. Afinal, tocando juntos há mais de dois anos, eles têm um
excelente entrosamento, o que ficou cabalmente demonstrado na roda de choro que os três
fizeram no Café do Cofre no sábado, 19.
O trio já tem presença confirmada nas comemorações do Dia Nacional do Choro
(Mercado Público), em 22 de abril, participando do show coletivo e também integrando o
júri do Concurso de Choro de Porto Alegre. Aliás, o prazo de inscrições foi prorrogado até
o dia 31.
A atual formação da Camerata Brasileira é a seguinte: Moysés Lopes (violão), Rafael
Ferrari (bandolim), Rodrigo Siervo (saxofone) e Demetrius Câmara (percussão).
***
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A REINVENÇÃO DA CAMERATA BRASILEIRA
Afinal, a Camerata Brasileira comemorava 3 ou 4 anos no dia 8 de junho de 2005,
quando tocou no Teatro de Câmara Túlio Piva? A dúvida é pertinente, pois em junho de
2004 o grupo festejara seu segundo aniversário. Bom, realmente eram 3 anos do início do
grupo Alma Brasileira (reunindo Moysés Lopes, Rafael Ferrari, Rafael Mallmith e Luís
Barcelos, entrando Ânderson Balbueno no começo de 2003). Anunciar a comemoração
como sendo de 4º aniversário dá ao grupo Chorando Cedo (que durou de abril de 2001 a
junho de 2002 e cujos integrantes eram Rafael Ferrari, Rafael Mallmith e Luís Eduardo
Rodrigues) o status de embrião da trajetória de qualidade da atual Camerata, formada por
Moysés Lopes (violão), Rafael Ferrari (bandolim), Rodrigo Siervo (saxofone) e Demetrius
Câmara (percussão).
O show do dia 8 - um dos melhores que assisti ultimamente - foi o primeiro da nova
formação depois da roda do Dia Nacional do Choro 2005. É quase um novo grupo, pois a
entrada de Rodrigo e Demetrius em março levou a Camerata a se reinventar. Os quatro
estão tratando o repertório com extrema liberdade - por exemplo, a citação de “Ó Abre
Alas” (Chiquinha Gonzaga) na execução de “Cochichando” (Pixinguinha) foi feita através
de um ringtone do celular de Moysés. Muitas músicas tiveram a duração sensivelmente
estendida, recheadas que foram de improvisos e efeitos cênicos (como a engraçada “briga
ensaiada” em “Chorinho pra Ele”, de Hermeto Paschoal, que agora envolve os quatro). No
mais radical efeito cênico, todos os músicos deixaram o palco durante a execução de “O
Radar” (Arthur de Faria) - foram saindo Rodrigo, Demetrius e Rafael, quando Moysés se
deu conta estava sozinho e saiu também. Parte da platéia, julgando que era o final do show
(que recém passara da metade), chegou a pedir bis ao aplaudir. Esses fatores contribuíram
para que a duração do espetáculo chegasse a duas horas, algo raro em shows de grupos
porto-alegrenses na própria cidade.
Uma peculiaridade interessante, da qual gostei muito, foi a variação do número de
músicos em cena no desenrolar do espetáculo, tornando a apresentação bem dinâmica.
“Menino Hamilton” (Rafael Ferrari - Rafael Mallmith), uma homenagem a Hamilton de
Holanda, foi executada por Ferrari e Moysés. Outra música da mesma dupla, “Indiada
Jonibus”, ficou a cargo de Ferrari e Rodrigo. A letra de “Alfonsina y el Mar” (Ariel
Ramirez - Felix Luna) foi recitada por Moysés e em seguida cantada por Rodrigo,
acompanhado ao violão por Moysés. Rodrigo no sax e Demetrius no pandeiro mandaram
ver numa seleção de temas de Hermeto Paschoal. Ferrari também teve seu momento solo,
com “Gente Humilde” (Garoto).
O grande final foi, como no Dia do Choro, a junção de músicas de Baden Powell e
Vinicius de Moraes (“Berimbau”/“O Astronauta”/“Formosa”). Os sons aleatórios
remetendo à África na abertura de “Berimbau” receberam o reforço de grunhidos de
Rodrigo, enquanto a luz do palco era reduzida a um mínimo. “Formosa” teve algumas
passagens mais suaves nesse momento, voltando como sambão ao ser executada como
número extra depois do verdadeiro fim do show.
A registrar, ainda, a inovação de Demetrius ao tocar com o pedal um atabaque
estendido no chão. O percussionista buscava um som bem grave para reforçar determinadas
passagens, mas não estava satisfeito com o oferecido pelo bombo geralmente usado na
bateria. O resultado agradou plenamente e deve ser mantido por ele nas próximas
apresentações.
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CLUBE DO CHORO DE PORTO ALEGRE
CLUBE DO CHORO TOTALMENTE ACÚSTICO NO SANTANDER
O Clube do Choro de Porto Alegre fez um excelente espetáculo dentro da série Seis e
Meia no Sábado do Santander Cultural, no dia 27 de setembro de 2003. Apresentando-se
com uma formação reduzida (Arthur Sampaio – violão, Ênio Casanova – bandolim,
cavaquinho e 2ª voz na seresta “Última Estrofe”, de Cândido das Neves, Cebolinha –
cavaquinho, Runi Corrêa – surdo e André Rocha – pandeiro, além de Myriam Sampaio –
voz, na seresta citada), o grupo surpreendeu pelo bom resultado sonoro obtido sem usar
nenhum microfone.
Já a qualidade musical do grupo não é surpresa para ninguém. Cebolinha conseguiu
lembrar, tocando cavaquinho, o que Jacob do Bandolim fazia no bandolim (perdão pela
redundância), em “Noites Cariocas”, num arranjo que ficava sempre mais acelerado. O
violão de Sampaio fez uma ótima base aqui, aliás, foi uma presença marcante em todo o
espetáculo, destacando-se novamente em “Flamengo” (Bonfiglio de Oliveira). Também foi
muito aplaudido o solo de Cebolinha em “Minhas Mãos, Meu Cavaquinho” (Waldir
Azevedo) que só pode merecer um adjetivo: sublime. Nesse número, todos os outros
músicos limitaram-se a fazer a base para o brilho dos trêmolos do cavaquinista. Cebolinha
solou muito bem ainda no número de bis, “Pedacinhos do Céu” (Waldir Azevedo),
novamente com boa presença de Sampaio. Este choro foi tocado atendendo a pedido de um
espectador.
Marcante também a atuação de Ênio, ora no cavaquinho (como em “Brasileirinho”, de
Waldir Azevedo, outra excelente execução, ou em “Samba de Morro”, de Altamiro
Carrilho), ora no bandolim (ótimo no “Flor Amorosa”, de Callado). Neste, seu solo foi
sustentado por um bom diálogo entre o cavaquinho e a baixaria do violão. Em
“Murmurando” (Fon-Fon), a receita inverteu-se um pouco, ali o violão e o bandolim
conversaram sobre a base do cavaquinho – me impressionou bastante a ralentada da 3ª
parte. Ênio brilhou ainda no solo de “Curare” (Bororó), tocado de mansinho pelo Clube do
Choro.
O arranjo do grupo para “Wave” (Tom Jobim) também chamou a atenção: Ênio
começou de leve no cavaco, seguido por Sampaio, mansinho no violão, e o pandeiro de
André, só marcando; na seqüência Ênio apresenta o tema, nesse momento o surdo de Runi
e o cavaco de Cebolinha somam-se aos outros, fazendo todos uma levada de samba. Ênio e
André sustentam o solo de Sampaio, findo o qual Cebolinha executa trêmolos, o ritmo de
todos os músicos vai num crescendo, até ralentar para o final. Lindo!
O público manifestou-se muito ainda após a execução de “Alvorada” (Jacob do
Bandolim).
***
Mistura e Manda nº 21 (27/10/2003)
O ANIVERSÁRIO DO BRASILEIRINHO FOI SHOW!
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BRASILEIRINHO: Samba e Choro em Porto Alegre
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Quem esteve na Cia. de Arte na quarta, dia 22, pôde apreciar um espetáculo de
altíssimo nível, com o Clube do Choro de Porto Alegre e o flautista Plauto Cruz, que
apresentou seu arranjo para “Carinhoso” (Pixinguinha - João de Barro) e brilhou em
“Wave” (Tom Jobim). O grupo apresentou-se novamente acústico, como no Santander em
setembro, mas desta vez não por escolha própria, e sim porque a direção do teatro não
providenciou a aparelhagem solicitada por nós.
Ao final da apresentação, Plauto não se cansava de repetir, pelos bastidores: “Eu
gostei!”, fazendo coro ao que disse uma senhora na platéia: “Esse show lavou minha alma”.
Queremos agradecer pelo apoio: aos músicos que abrilhantaram o evento, ao Clube do
Assinante ZH, à atriz e pesquisadora de teatro Viviane Juguero e ao produtor Alê Barreto.
***
Mistura e Manda nº 27 (15/12/2003)
CLUBE DO CHORO GRAVA JORNAL DO ALMOÇO
O Clube do Choro de Porto Alegre - representado por Myriam Sampaio (voz),
Sampaio (violão), Cebolinha e Madruga (cavaquinhos), Barbosa (gaita), Runi Corrêa
(surdo), André (pandeiro) e Paulo Platt (caixeta) - gravou “Boas Festas” (Assis Valente) na
terça, dia 9, nos estúdios da RBS TV. O clip será levado ao ar no Jornal do Almoço
Especial de Natal, no dia 25, junto com outras músicas natalinas gravadas por diversas
bandas de Porto Alegre.
Os músicos providenciaram uma segunda voz, ressaltando trechos do refrão, e se
saíram muito bem. Inclusive Barbosa, que comentou jamais ter tocado aquela música antes.
***
Mistura e Manda nº 56 (5/7/2004)
NOVO CD DO CLUBE DO CHORO
Quem deve entrar em estúdio em breve é o Clube do Choro de Porto Alegre. Na
quarta, 30, o grupo recebeu a notícia de que fôra contemplado no edital do Fumproarte. Já
não era sem tempo: o primeiro CD do Clube saiu há seis anos!
A boa nova foi devidamente comemorada ao som de muito Jacob do Bandolim e
Waldir Azevedo na quinta, 1, no Clube Ypiranga. Nesta noite, o excelente Duo Retrato
Brasileiro participou da série Clube do Choro Convida..., que pretende levar ao público
novos grupos de choro. O duo interpretou com muita categoria clássicos de Octávio Dutra e
João Pernambuco.
O segundo CD do Clube do Choro, assim como o primeiro, é uma produção Márcio
Gobatto.
***
Mistura e Manda nº 62 (16/8/2004)
CLUBE DO CHORO NO ESTÚDIO
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Fabio Gomes
BRASILEIRINHO: Samba e Choro em Porto Alegre
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O Clube do Choro de Porto Alegre já deu início às gravações de seu segundo CD. O
grupo tem se preparado da seguinte forma: ensaia três músicas, gravando-as quando sente
que já estão “no ponto”. Depois, começa a ensaiar outras três, e assim por diante. O
presidente do Clube, Runi Viegas Corrêa, ressalta que esse método está deixando um clima
de “ao vivo” no que é gravado. Quanto ao repertório, por enquanto é segredo.
***
CLUBE DO CHORO DE PORTO ALEGRE LANÇA SEGUNDO CD
O Clube do Choro de Porto Alegre realizou em 23 de junho de 2005, no lotadíssimo
Teatro Renascença, show de lançamento do seu segundo CD e do seu novo site:
www.clubedochoro.com. O grande momento do espetáculo foi quando Vanderlei Mello
cantou “Gente da Noite” (Túlio Piva), com acompanhamento do regional do Clube. O
flautista Plauto Cruz tocou em praticamente todo o show, apresentando seus choros “Para
João Loyo”, “Gaivota”, “Sarau da Comadre” e “Bole Bole”. Este já foi o bis, no qual os
dançarinos da Cia. Brazil Estrangeiro saíram do palco e foram tirar a platéia para dançar.
Antes, os dançarinos-mirins Ramon Fortunato e Rosana Liberti haviam acrescentado muita
graça à interpretação de “Carinhoso” (Pixinguinha - João de Barro) por Myriam Sampaio.
Dois ex-presidentes do Clube passaram pelo palco: Darcy Alves cantando com
Cristiano Velásquez “Amigo é pra Essas Coisas” (Sílvio da Silva - Aldir Blanc); e Ernani
Kurtz, que entregou ao atual presidente Runi Corrêa uma placa alusiva aos 15 anos que o
Clube completou em novembro passado. Kurtz está radicado em Florianópolis e atua no
Clube do Choro da capital catarinense.
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KARINE CUNHA
Mistura e Manda nº 56 (5/7/2004)
KARINE CUNHA NO ESTÚDIO
Karine Cunha está gravando seu primeiro CD, baseado no repertório que compôs para
seu espetáculo Fluida, que já foi apresentado em várias casas de Porto Alegre. Fiquem
ligados que vêm por aí sambas como “Amado”, que trata com muito humor as comparações
que se fazem do ser amado com um doce, e canções como “Fogueira”, que remetem a um
Brasil interiorano do qual nem sempre lembramos mas que continua existindo.
É difícil dizer em que Karine é melhor, se compondo ou cantando. Na dúvida, marque
um palpite duplo.
***
KARINE CUNHA EM GRANDE MOMENTO NO SANTANDER
A cantora e compositora Karine Cunha aproveitou sua apresentação no Santander
Cultural, em 10 de julho de 2004, para mostrar uma nova composição, o reggae
“Imensurável”, cuja linda letra diz que “Ninguém sabe o tamanho que o amor tem/ Mas
todo mundo sabe dizer quando ele vem”. Na platéia, um espectador comentou: “Fazia
tempo que eu não escutava uma coisa tão boa!”.
Comedida na inclusão de obras de outros autores (chegou a se perguntar se Tim Maia
aprovaria a versão baião de “Descobridor dos Sete Mares”), Karine esteve perfeita ao
cantar temas tão diversos musicalmente como as canções “Fogueira” e “Pitié de Moi!”
(esta, em francês, com direito a declamação em português de parte da letra), a balada “Água
e Fogo” e os sambas “Amado” e “Autoanálise”. Nos sambas, acompanhou-se ao
cavaquinho. A integração com a banda que a acompanha (Marcus Bonilla - violão e
chocalho, Alexandre Vieira - baixo, Binho Terra - percussão) com certeza ajuda na
obtenção de um belo resultado sonoro. A banda também contribui com um bom vocal em
“Pedalload”, cujo arranjo enfim me parece ter atingido o ponto ideal (em outras vezes que o
escutei, Karine fazia alguns malabarismos vocais que comprometiam o resultado final).
Ressalte-se ainda o bom humor e a capacidade de improviso de Karine. Quando
alguém da platéia fez uma brincadeira com “Corcovado” (Tom Jobim), cantando “Um
banquinho, um violão...”, a propósito dela ter pedido, além do violão, o banquinho de
Marcus para que pudesse tocar “Batucada”, ela acrescentou: “...e o Binho Terra na
percussão/ Eu vou ser feliz a vida inteira...”
***
Mistura e Manda nº 92 (14/3/2005)
KARINE A MIL
A cantora e compositora Karine Cunha anda a mil. Na semana que passou, fez duas
apresentações de seu novo show, Yá-Lé (“mulher favorita”, em iorubá), terça, 8, em Novo
Hamburgo e sexta, 11, em Porto Alegre. Já no sábado, estreou a peça infantil O Rei Leão,
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na qual ela fez a preparação vocal do elenco, com maioria de atores não-profissionais. Tudo
isso em meio aos preparativos para o lançamento de seu primeiro CD, que deve acontecer
em junho.
***
KARINE CUNHA: FLUIDA
A cantora e compositora Karine Cunha comemorou o final das gravações do seu
primeiro CD, Fluida, com nova apresentação do show de mesmo nome na Livraria Cultura
de Porto Alegre, em 30 de abril de 2005. Neste caso, é melhor mesmo dizer nova em vez de
mais uma, pois toda vez que vai realizá-lo Karine promove mudanças (para melhor). A
mudança mais perceptível foi a estréia, nesse dia, do baterista Nenê, completando a banda
que já contava com Marcus Bonilla (violão), Alexandre Vieira (baixo), Alexsandra Amaral
(percussão) e a própria Karine alternando violão e cavaquinho.
Outra mudança que se nota com facilidade é no repertório. Quem, como eu, tem a
felicidade de poder acompanhar a carreira de Karine sabe que pode ir tranqüilamente a
vários shows dela num curto espaço de tempo, pois a possibilidade de ouvir exatamente as
mesmas músicas é quase nula. Para se ter uma idéia: apenas 6 das músicas apresentadas na
Cultura faziam parte do show de 14 de março de 2004, no Teatro de Arena. É fato, a
produção da compositora Karine é espantosa, não só em quantidade (há quem diga que ela
compõe uma música nova por dia!), mas também em qualidade - e diversidade. Do samba
ao rock, passando por baião, pop e outras milongas mais (literalmente). (Tem outro tipo de
mudança que será abordada oportunamente.)
Pois foi justamente com uma milonga recém-composta que Karine abriu o show da
Cultura, acompanhando-se ao violão em “Milonga do Chegar”, na qual empregou o recurso
de bocca chiusa. Em seguida, emendou com a única música de outro autor que cantou
nesse dia, “Joanna Francesa” (Chico Buarque)(tá certo, já que era pra abrir uma exceção,
havia mesmo que escolher bem!). A letra, que alterna português e francês, encerra com o
verso “Acorda, acorda, acorda, acorda, acorda”, que Karine valorizou cenicamente
bocejando no último “acorda” e reclinando a cabeça para o lado.
Sem dormir no ponto, apresentou em seguida a bela “Cunhãs”, em que consegue
enumerar dezenas e dezenas (ou talvez mais de uma centena) de nomes de mulher de forma
muito agradável e totalmente integrada à melodia. Boa parte dos nomes citados são em
acordes de preparação, o que ajuda a criar uma expectativa pelo desenvolvimento da
canção. Acredito que também seja uma forma da autora valorizar a condição feminina, pois
está colocando todas essas mulheres citadas para cima. (Sim, “Karine” é um dos nomes
incluídos.)
(Um parêntese: outra música de Karine, “É o Peixe”, também tem enumeração,
apresentada porém numa parte falada em meio à música. A solução em “Cunhãs” me
agrada mais.)
Chamando a percussionista Alexsandra ao palco, Karine apresentou dois sambas. O
primeiro, “Expresso”, é uma espécie de “jingle” de café. O violão em geral foi mais
percussivo que o agogô, que se limitou a dar um colorido discreto no som. Em determinado
momento, Karine imitou uma cafeteira. O segundo, “Não Tem pra Ninguém”, é um
sambão-declaração-de-amor, que contou no Karine ao cavaquinho e Alexsandra ao
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pandeiro. O final das estrofes contava com um suspiro da cantora, valorizado por pausa do
pandeiro.
Voltando ao violão, Karine convocou Marcus e Alexandre ao palco e o show
prosseguiu com o baião-rock “Biju, Balangandã”. Mesmo as passagens “rock” mantinham
uma sonoridade nordestina. Marcus tocou triângulo e Alexsandra cajón, enquanto Karine
puxou palmas de capoeira do público ao final da música.
Chegou o momento de falar do outro tipo de mudança: as modificações sutis nos
arranjos. A bela canção “Fogueira” recebeu umas pitadinhas de pop no andamento. Karine
interpretou esta que é uma de suas mais belas composições com voz clara e bem projetada,
enquanto Marcus passava a empunhar o violão e Alexsandra alternou-se no molho de
chaves, cajón e pandeiro (este, a maior parte do tempo). Curiosamente o pandeiro manteve
um ritmo constante, não acompanhando a aceleração do andamento no final, quando Karine
chegou a bater no tampo do violão.
Em “Canção Aportada”, Karine não tocou violão. Ela iniciou cantando mais contida,
tendo apenas Marcus no acompanhamento; quando soltou a voz, entrou Alexandre, e dali a
pouco Alexsandra no cajón. O solo de Marcus teve um belo contraponto dos outros
instrumentistas. Na segunda parte, Karine soltou ainda mais a voz e fraseou lindamente.
Karine voltou a empunhar o violão em “Cereja” (outra letra com aparência de
“jingle”), que encerrou esse segmento de canções. Marcus começou tocando triângulo e
passou depois ao violão, fazendo um bom diálogo no solo com Karine e Alexandre, além
de realizar belos floreios no final.
Já com a presença de Nenê no palco, teve início o segmento mais pop do show, no
qual Karine não tocou violão. Ela e o grupo estiveram muito bem no rock irado “Tec Tec”
(se liga, “tec” de “tecnologia”). Violão, bateria e baixo sustentaram a composição, enquanto
Alexsandra interveio em meio à música com sons espaciais, produzidos a partir do girar de
uma mangueira. O efeito pretendido não foi atingido, talvez pela mangueira ser curta ou
pelo pouco espaço para girá-la. Nada que comprometesse, porém.
Quem acompanha a carreira de Karine já sabe: quando ouve a campainha de uma
bicicleta, é hora de... “Pedalload”! Esta música com cara de festival dos anos 1960 também
já passou por várias mexidas no arranjo. A voz no começo foi sustentada apenas por baixo
e bateria, com intervenção rápida do molho de chaves. Um ar bem mais pop foi conferido
pela entrada do violão, que em dado momento soou como guitarra. Isso no
acompanhamento da voz, pois no solo Marcus chegou a lembrar Toquinho. Ao final,
Karine dançou um pouco ao som do pandeiro.
Se o segmento era pop, isso quer dizer que não tem mais samba? Tem sim senhor!
Karine nunca deixa de cantar “Amado”. Desta vez estava com a voz bem sooolta no sambasambão, contando com Alexsandra tocando tamborim com o dedo (bem pouquinho tempo,
pra não doer) e depois pandeiro, e Nenê fazendo a bateria soar discretíssima.
Em “Na Subida do Morro”, Karine utilizou-se do canto-falado em algumas passagens
da composição, que contou com intervenções de pandeiro meia-lua ao lado dos constantes
violão, bateria e baixo. Essa música com toda pinta de rock tropicalista dos anos 60 para
mim foi o melhor momento do espetáculo.
Encerrando, “Ano Bom”, música que foi feita para o fim de ano mas serve pra
qualquer época. Violão, baixo, bateria e pandeiro meia-lua fizeram uma base pop para
Karine soooooooltar a voz e puxar o final soul: “New year! New year!”.
Ei, não teve nenhuma canção chamada “Fluida”? Não. Karine não tem nenhuma
música com esse nome. A palavra aparece numa composição que não foi cantada nesse
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show e cuja melodia lembra o Caetano Veloso dos anos 1980: “Água de Cheiro”. Com
certeza é daí que Karine tirou o nome do show e do disco. Eu arrisco outra interpretação:
sendo ela uma artista de tão grande musicalidade, pode-se dizer que a música flui da Karine
Cunha.
***
Mistura e Manda nº 108 (4/7/2005)
KARINE CUNHA LANÇA CD FLUIDA
A cantora-compositora Karine Cunha lançou seu primeiro CD solo, Fluida, de uma
forma pouco comum. Ela realizou 3 shows no espaço de 5 dias em diversos locais em Porto
Alegre (quinta, 23 de junho, no Dado Tambor; sábado, 25, Centro Cultural CEEE Erico
Veríssimo; e segunda, 27, Mercado Público). O circuito, que iniciara com o pré-lançamento
no Festival de Inverno Ceart/UDESC (Florianópolis), dia 13, encerrou na terça, 28, com
coquetel na Livraria Cultura, no qual estreou o videoclipe de “Pedalload”. Não é toda hora
que um CD independente é lançado assim.
Menos comum ainda é a qualidade do trabalho de Karine. As 12 faixas são
excelentes. Na compositora, louvo as melodias bem construídas, ritmos variados e letras
sempre no clima da música e com sacadas ótimas; na cantora, a voz com timbre
agradabilíssimo e sempre bem colocada. O CD permite apreciarmos também o lado
instrumentista de Karine - além do violão base em boa parte do disco, é dela o cavaquinho
em “Amado (Nham, nham)” e o maravilhoso violão em “Expresso” - faixa que ainda conta
com o fantástico “contracanto” de sopro feito por Jorginho do Trumpete.
***
KARINE CUNHA: PRIMEIROS ACORDES
Na frase que encerra o texto de apresentação de seu primeiro CD, Fluida (2005), a
cantora-compositora Karine Cunha escreveu:
“E dedico também in memorian a meus avós João e Ênio pelo gene musical.”
Devido à natural diferença de idade, Karine não chegou a acompanhar o trabalho
musical dos dois, que tocavam como amadores. João, o avô materno, gaiteiro em bailes de
CTGs (Centros de Tradições Gaúchas), nem mesmo tinha sua própria gaita. Já ao avô
paterno, Ênio, ela atribui uma influência maior:
- Ele me dizia que tocava violino no coreto da praça. Tocava de ouvido, não sabia ler,
né? Ele tinha uma guitarra também (numa foto do encarte do CD, Karine aparece
empunhando a guitarra do avô). Um tio meu pegou essa guitarra e começou a aprender
sozinho. O meu pai aprendeu também alguma coisa de violão, tocou bateria também. Esse
meu tio que me deu meu primeiro violão.
Desta forma, já aos 10 anos, logo após aprender os dois primeiros acordes do violão,
Karine começou a compor.
- Eu fazia música pro sol, pra lua, pro meu cachorro, eu me lembro que tinha um
caderninho vermelho e anotava... e eram musiquinhas assim, tinha lá tipo 5 ou 6 linhas.
Depois na pré-adolescência comecei a ter pilhas e pilhas de cadernos, muitas coisas eram só
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poesia, que eu só escrevia, e outras eu musicava. Só que eu nunca tive muito apoio, da
família ou das pessoas que escutavam, ninguém me incentivava. Muito pelo contrário.
A mesma dificuldade ela enfrentou ao se decidir pela carreira musical:
- Na verdade eu nunca disse que era o que eu queria fazer, mas eles já viram e se
apavoraram. A família sempre acha bonito tu (cantares) ali no churrasco, no aniversário,
tal. Agora quando tu tens que sair de noite pra tocar... E eles que pagavam a aula de música,
até que não precisou mais pagar, no caso. Eles tinham esse papel de estimular e deixar
aquilo ali acontecer e na verdade foram deixando não querendo...
A família não precisou mais pagar as aulas a partir de 1997, quando Karine começou
o Curso de Licenciatura em Educação Artística - Habilitação Música do Instituto de Artes
da UFRGS, onde se formou em 2002 como violonista. Ainda em 1997, montou um
repertório de MPB e pop rock, passando a se apresentar em locais como a Casa de Cultura
Mário Quintana e o Centro Municipal de Cultura e a participar de projetos como o Roda
Som e o Arte nos Trilhos. No segundo semestre da faculdade, recebeu um convite de um
colega, Aurélio Edler, para fazer parte da Orquestra de Mantras Rudraksha.
- O Rudraksha foi o primeiro grupo que eu participei, então tinha toda essa questão de
trabalhar em grupo, e era uma coisa diferente do que eu tava acostumada a fazer: pegar
mantras e fazer música com aquilo. Era uma coisa nova pra todo mundo e no início era
assim uma viagem, por quê? Porque um dia ele (Aurélio) dava aquele tema e todo mundo
improvisava, modificava tudo ali, os ensaios eram a tarde inteira assim. Então tinha essa
coisa que não era profissional mas estava buscando alguma coisa. Até porque era a primeira
coisa que ele tava fazendo também. Então teve essa experiência no começo, de pegar uma
proposta e trabalhar nela, até chegar no disco.
A proposta artística do Rudraksha era bastante inovadora, até fica difícil comparar
com outro grupo. A princípio, Karine pensou que seria música para meditação, algo na
linha new age de Enya. O som do Rudraksha, no entanto, acabou sendo uma mistura da
contribuição de cada integrante: Karlo Kulpa trouxe a liberdade jazzística do improviso,
Mário Falcão entrou com elementos de música brasileira... Karine, após participar da
gravação do CD do grupo, em 1998, buscou novos rumos:
- Eu comecei a ver que não era bem aquele caminho que eu queria, eu queria ter
autonomia, cantar música brasileira, e lá pelas tantas não deu mais pra conciliar.
No mesmo ano, ela viu no mural da faculdade um anúncio: o Vocal D’Quina pra Lua
buscava uma mezzo-soprano. Uma das pessoas escolhidas para integrar o grupo não
conseguira conciliar os horários e abriu a vaga. Karine então ligou e marcou um horário:
- Fui fazer uma entrevista, na verdade na entrevista já tinha que sair cantando. Me
botaram uma partitura na minha frente e eu tinha que sair cantando, e era um arranjo
superdifícil, eu fiquei apavorada. Saí deprimida de lá, achei: “Bom, né, nunca mais ninguém
vai me chamar pra fazer nada”. Mas claro, depois elas se deram conta que foi demais.
Cada um tem um ritmo de aprender. A Cláudia (Braga) e a Regina (Machado) vinham do
(Vocal) Mandrialis, elas tinham um outro pique.
Mesmo se tratando de um grupo vocal, havia poucos pontos em comum entre a
proposta do D’Quina e os corais de que ela já havia participado:
- Era completamente diferente o que elas propunham, eram linhas que tinham que ser
trabalhadas, como “Maria, Maria” (Milton Nascimento - Fernando Brant), um arranjo
supercomplicado, que não era de grupo, era uma coisa meio de solista. São cinco solistas,
naquele arranjo é assim, né? Eu achava que eu nunca ia conseguir. Mas aí eu vi que não,
que estudando eu podia. E elas decerto viram que eu tinha potencial.
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A forma de trabalhar o repertório no D’Quina também era novidade para Karine:
- Eu nunca tinha feito um trabalho daquela maneira. O Rudraksha era um outro
processo, completamente diferente. As músicas do Rudraksha a gente é que tava fazendo,
elas não existiam.
Sua participação no grupo, que foi até maio de 2002 e incluiu a participação na
gravação do CD Maria Vai com as Outras, despertou-lhe a atenção para duas questões
fundamentais. A primeira, o arranjo:
- Eu me apaixonei pela questão do arranjo, até fiz alguns, porque antes do espetáculo
a gente fez várias apresentações, pra pegar o pique já do palco, né? Então a gente pegou um
repertório que tinha Noel Rosa, várias coisas, e alguns arranjos fui eu que fiz. Então eu
adorei fazer aquilo, porque eu fazia já pensando que aquela voz era tal colega que ia cantar,
isso foi uma coisa que eu fiz que até então eu nunca tinha feito. Quando eu tava gravando o
Fluida, eu não usava os termos técnicos, nem sabia, mas eu tinha já aquele arranjo na
minha cabeça. Eu tenho até vontade de fazer um curso de arranjo, por que não? Então de
repente eu podia ter ido por um outro lado, mas tendo em vista o que eu já tinha feito na
composição. Hoje eu consigo ver que é uma coisa muito forte em mim, sempre foi. E
quando eu vi que isso era um diferencial, eu comecei a me ver assim como intérprete.
Pois é, a segunda descoberta de Karine no D’Quina foi de sua própria voz:
- Eu acho que todo mundo passa por isso, fazer um monte de coisa até encontrar. Eu
nunca tinha tido um trabalho assim. Tinha cantado em coral, mas nunca tinha feito aula de
canto, ou preparado a voz pro trabalho. O contato que eu tinha com a voz era do início,
quando eu comecei a estudar violão. Eu cantava nas aulas, mas não tinha nenhuma
orientação. Cantava nas apresentações da escola, depois cantei em alguns corais. O
Rudraksha não tinha uma preparação vocal, a gente simplesmente cantava, né? Então o
D’Quina me deu muito isso, de ouvir minha voz, de ver que eu tinha um potencial como
cantora. Depois eu fiz aula com algumas pessoas, agora fiz com a Adriana Deffenti, ela me
indicou uma fonoaudióloga, então a gente vai conhecendo as pessoas, vai amadurecendo,
enfim vai vendo o que existe e por aí vai. Tem muita gente na cidade, no país, que vai ter
aquele repertório que tu tens que cantar senão tu não és cantor, e isso me incomoda. Porque
eu acho que as pessoas têm que ser o que elas são. Eu sei que tem muita gente que acha que
eu não sou uma boa cantora, mas eu não tô nem aí, porque eu decidi ir pelos caminhos
dessa composição e de mostrar isso que eu sei que ninguém vai fazer igual.
***
ENTREVISTA: KARINE CUNHA
A cantora-compositora fala do CD Fluida e de seu processo de criação
Entrevista gravada em Porto Alegre em 11 de julho de 2005
FABIO GOMES - Tu compões tanto, quase todo show tem uma música nova... Eu
queria saber como é teu processo de composição. Vem a idéia já pronta, ou vem a música e
depois vem a letra, como é que funciona?
KARINE CUNHA - Pensando nas músicas que estão aqui (no CD), posso dizer que
cada uma teve um processo diferente. Por exemplo, “Expresso” foi pela letra. Eu quis fazer
uma música sobre o café. Então comecei a listar os tipos de café. Isso aconteceu (também)
com “É o Peixe!”. O Marcus (Bonilla, compositor e violonista, marido de Karine) me deu
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todos aqueles nomes de peixe e aí eu pensei: “Tá, como é que eu vou chegar nos peixes?
Vou contar a história dum pescador!” Aí comecei a imaginar, porque eu não conheço
nenhum pescador, só pelas músicas do Dorival Caymmi, né? E aí aquela lista apareceu
daquela forma. Eu escrevi os nomes e comecei a ver uma rima, mas que tivesse sonoridade.
“Cereja” também foi assim, eu queria falar daquelas coisas, cereja, damasco, carambola,
que eu achava interessante, e comecei a viajar na idéia. “Valsa de Harém” também foi pela
letra. Se tu observares bem a letra, eu uso as mesmas palavras em frases diferentes.
F - É, tem uma estrutura na letra que tu reproduzes nas estrofes (estrutura conhecida
como “variações tensivas”).
K - Então, acho que na maioria das músicas, é pela letra. Mas aconteceu, por
exemplo, “Água de Cheiro” foi junto a letra e a música, soprada. Ou (vêm) as primeiras
frases e eu caminhando e desenvolvendo, cantando na rua... “Pedalload” foi assim, eu tava
andando de bicicleta, atrás do Marcus e... (canta) “Pedalando menino, pássaro em duas
rodas...” Então a gente fez toda uma volta, assim, pedalando, quando chegou em casa já
tinha essa parte... Eu fiquei com a idéia, fui pro violão e continuei desenvolvendo.
Geralmente vem alguma coisa, mas aí tem que desenvolver. E às vezes fica encalhado. Fica
no papel, eu deixo guardado pra uma hora que eu tô a fim, com tempo... Não tenho uma
disciplina “ah, todo dia, tal hora”, não. Até porque na verdade, não é uma coisa totalmente
racional, pelo menos pra mim não é assim. Tem gente que condena, acha (que) compositor
é aquele que faz tudo racional, e já tem gente que gosta de Dorival Caymmi e sabe que ali
só tem Deus, não tem um estudo, né? É uma coisa divina. Então acho que o que vale é a tua
proposta. Vai depender do que aquela música tá pedindo. Às vezes ela tem uma idéia legal,
mas aí falta uma harmonia legal, ou o ritmo não é ainda bem aquilo. Então tem um monte
de coisa guardada, que ainda não tá legal.
F - Uma coisa que me chamou a atenção nessas músicas do CD: a única que é triste
mesmo, de dor-de-cotovelo, é em francês (“Pitiê de Moi!”). E as outras músicas, a maioria
passa uma alegria...
K - Que bom! (risos) “Pitiê de Moi!” veio só a melodia e aí eu achei que ela tinha
esse clima francês, triste, melancólico, então inventei essa história desse amor impossível.
F – Superimpossível!
K - Eu fiz agora com a Ivete (Brandalise) o (programa) As Músicas que Fizeram sua
Cabeça (na FM Cultura) e ela me perguntou se eu tinha dor-de-cotovelo. Eu disse a ela que
eu não tinha, mas eu inventava. Que às vezes eu precisava ter a dor-de-cotovelo pra
encaixar em alguma idéia. Aí eu pego o exemplo de um amigo, ou uma novela que eu vi,
sei lá. Eu sou uma artista, e o artista cria coisas.
F - Nem tudo é autobiográfico, né?
K - Não.
F - Além do “Pitiê de Moi!”, (só localizei nas músicas do CD) tristeza em outros,
outras pessoas ou outros seres: a triste Janaína de “Chuva no Mar” e a tristeza das partidas
de “Canção Aportada”, o que me parece uma relação do rio com as lágrimas e a tristeza...
K - Pode ser uma tristeza minha ou essa coisa da criação mesmo. No caso de “Chuva
no Mar”, eu tava tomando banho de mar e começou a chover. Então aquela imagem das
gotas no mar parecia o choro mesmo. E exatamente naquele dia, não sei se era 2 de
fevereiro... bem pertinho de onde a gente tava tinha um altar pra Iemanjá, uma estátua e
tal... Foi uma coisa bem instintiva, tava ali tomando banho e começou a vir essa idéia:
“Quando a chuva cai no mar...”. Até no primeiro momento eu achei muito didática a letra,
mas por outro lado achei bonito ser uma coisa bem o que eu tava vendo acontecer. Resolvi
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deixar assim, as estrofes eu fiz naquela hora, só o refrão eu acho que fiz depois, e aí veio
essa idéia de choro da Janaína. Depois eu fui pro violão, queria fazer um maçambique. Só
que eu não sabia como é que era. Então ficou uma coisa parecida, mas não é, né? E ficou
bem do jeito que ficou.
F - Ficou!
K - Cada vez mais eu tô demorando mais pra fazer, vem essa idéia e eu tô deixando
cada vez mais passar mais tempo pra descobrir aquilo ali. Quando vem só um pedaço, se já
tem algo da música, eu gravo, senão escrevo, e deixo guardado. Não necessito assim, sabe,
ficar forçando, não, deixo que o tempo ou algo lá em cima decida o que é...
F - Conhecendo o teu processo de composição, me parece que, pra ti, a exposição da
música ao público nos shows faz parte do processo de criação. A partir disso, podes não
alterar a composição, mas modificar alguma coisa de arranjo...
K - Eu acredito muito no amadurecimento. De tudo. Acho que a música só vai ficar
pronta na medida que eu cantar, tocar ela, que uma coisa é eu tocar voz e violão, se tem
algum outro músico junto, sempre vem alguma coisa, dá uma (outra) cara, porque o arranjo
é uma roupa, né? Outra coisa que eu tenho feito é de tentar gravar a música, mesmo que
seja voz e violão, pra ouvir, porque quando eu vou gravar é que eu percebo - “ah, essa frase
não tá legal, ah, não tá fechando aqui a métrica”, enfim, tu tens que fazer, sentir, conviver
com aquela música, pra poder terminar. E o show acaba contribuindo nisso. E isso também
(ajuda) até na escolha do repertório (do CD), teve música que a gente apresentou e é como
se ela não existisse, nunca ninguém comentou nada. Então isso é um sinal: ou ela não tá
fechando no repertório, ou aquele arranjo no momento não é ainda (o melhor).
F - Dentro do circuito independente, tem poucos artistas que quando lançam o
primeiro CD as pessoas podem pegar e dizer: “Que pena que não tem essa (música), não
tem aquela...” Me chama a atenção “Água de Cheiro” não ter sido incluída, em função do
título do CD - Fluida - ser uma palavra que consta nessa música.
K - Acho que a questão do título foi mais no início mesmo pra dar o nome do show,
pra dar um mote pra coisa. Mas com o tempo foi se diluindo... (risos)
F - Foi fluidificando... (risos)
K - É, foi evaporando... (risos) Então lá pelas tantas, essa palavra na minha cabeça foi
tendo outros sentidos. Não tanto essa coisa fixa da “Água”. Até pode ver que a gente não
teve um cenário, figurino, coisas concretas com água, nem tem esse lado ecológico poderia ter, né?
F - Tem alguma coisa. “É o Peixe!”... Até “Pedalload”.
K - É, se a gente for olhar até tem, mas não é uma coisa escancarada. Com o tempo
entraram outras coisas, a própria “Cereja”, “Na Subida do Morro”, que não têm a ver com o
tema. Mas a questão da “Água de Cheiro” foi isso: o Marcus, que é o produtor musical,
achou que “Água de Cheiro” tava um pouco aquém, na questão do arranjo, ou até da
composição, das outras músicas. Então acabou tirando. Eu, claro, tinha um carinho por ela,
como por qualquer outra, gostava, mas é essa mesmo a função de qualquer produtor,
entender o CD como um todo, sem ter carinho ou sentimento pelas músicas. Foi a opinião
dele e eu respeitei, porque ele se propôs a fazer o trabalho. Mantive o agradecimento pro
Luizinho Santos, que na gravação do meu CD demo fez o solo de flauta. No “Amado”, eu
tinha vontade de gravar com um grupo de choro. A Camerata Brasileira fez um arranjo
maravilhoso, só que instrumental. A cantora não cabia ali dentro. Acho que é uma coisa que
acontece, tanto que eu ouvi o arranjo, ensaiei com eles, e o Marcus achou que tava bem.
Depois que eles gravaram foi que a gente se deu conta que era impossível. Era outra
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música. A gente até pensou em botar uma faixa bônus instrumental, mas aí era uma coisa
tão diferente, talvez pra eles até nem interessasse, então ficou o agradecimento, porque eles
foram superlegais e entenderam. Acho que é legal ter um diálogo, assim, ainda mais
quando os dois tão crescendo, tão buscando coisas, né?
F - Geralmente as pessoas lançam o primeiro CD com um repertório que já vêm
trabalhando nos shows, então show e CD ficam muito parecidos - o que não quer dizer que
não seja bom, mas enfim, não tem essa efervescência do teu trabalho.
K - Bom, na verdade isso não é nenhuma mágica, muito pelo contrário, muito
trabalho, né... O que talvez assim seja um diferencial meu é que desde o início eu tracei um
plano pra chegar aqui. Eu tive uma oportunidade de ter uma música gravada e arranjada
pelo Arte nos Trilhos, um projeto da Trensurb com a Apcergs. Eram apresentações nas
estações de trem, eu participei dois anos desse projeto e eles quiseram fazer um CD (2001).
Só que eles queriam composições autorais, pra não ter que pagar direitos autorais, e até pra
dar uma oportunidade. Eles me perguntaram: “Tu não tens composições tuas?” Aí eu na
época dei o “Amado” e o “Moreno”, outro samba. Então escolheram o “Moreno”, fizeram
um arranjo, aí fui lá e só cantei. Achei legal, uma boa oportunidade de poder gravar uma
música minha e um estímulo pra pensar: “Por que eu não pego as minhas próprias músicas
e arranjo, chamo alguns músicos...” Minha idéia era essa, montar um show, apresentar esse
show, amadurecer, tornar (o projeto) conhecido. Porque eu vejo que muitas vezes a pessoa
lança um CD mas nunca ninguém ouviu falar daquela pessoa, porque ela fez um show uma
vez, se enfiou no estúdio e foi gravar e dali a 8 meses ela vem com um CD. Só que ela
desapareceu naquele tempo. E a gente sabe que a mídia é ingrata nesse sentido. Hoje a
gente vai no programa de TV, mês que vem mudou o produtor, ninguém mais sabe que tu
foste lá um mês antes. Na verdade, fazendo isso ou não, é difícil a gente se colocar na
cabeça das pessoas como uma nova cantora, nova compositora. A pessoa já tem lá na
estante o artista que ela gosta, que tá toda hora na TV, no rádio, e eu vou ser mais uma e
ainda uma novidade, com um monte de coisas novas.
F - Sim, tem que batalhar um espaço.
K - Não é assim que eu seja alguma coisa fora do comum, não. Eu tive esse cuidado e
deu certo - poderia não ter funcionado, né? Então acho que a gente cresceu com isso e as
pessoas se abriram pra essa nova idéia. E claro que essas pessoas comentaram com amigos,
e aí um vai chamando o outro. Na verdade foi isso. O projeto Fluida incluiu tudo isso,
desde o momento de juntar os músicos, fazer aquele primeiro show, uma temporada de 8
apresentações, 4 fins de semana, no Basttidores Bar (de 21 de março a 12 de abril de 2003,
sextas e sábados), pra pegar esse pique, pra acostumar as pessoas... Quando a gente faz um
show, sempre vai ter um monte de gente que não podia ir naquele dia, então a gente tem
que dar opções. Eu pensei nisso. Aquela temporada foi estratégica pra nós, músicos. Foi
uma idéia da gente aprender. Eram músicos com quem eu nunca tinha tocado, a gente
também precisa de tempo pra se afinar. Esse plano, também, acho que tem mérito
principalmente com a coisa da mídia. Tem muitas pessoas que nunca foram no show, mas
sabem que eu existo. O trabalho do músico independente é assim - infelizmente, por um
lado, porque a gente se desgasta muito, porque além de cuidar das músicas, toda a questão
de produção, vender show, e tudo mais, tem que estar pensando nisso: “Bah, daqui a 1 ou 2
meses vou ter que fazer um show, né? E vou ter que conseguir uma materiazinha no jornal,
porque senão ninguém vai!”. E aí tu tens que saber lidar também com essa questão da
mídia, porque na verdade tu estás fazendo um trabalho que não é o teu. Claro que assim aos
poucos eu tô conseguindo achar parceiros. É o caso da (jornalista) Luciana Vicente, que foi
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minha aluna, é minha amiga hoje e se ofereceu pra fazer esse trabalho junto à mídia que foi
maravilhoso, porque ela soube limpar o texto que eu fiz, ligou pros jornalistas, me
representou, né?
F - É, já era uma coisa que tu não precisavas estar fazendo pessoalmente.
K - Eu acho que o músico independente tem esse mérito de batalhar muito até
conseguir um produtor, um empresário... Porque a gente é um em sei lá quantos milhões.
Mas acho assim: eu decidi fazer isso, ninguém me obrigou, né? Eu não reclamo, muito pelo
contrário, dou graças a Deus que esse CD tá aqui, que tem pessoas que tão curtindo, que tão
procurando... Eu espero que esse CD agrade outras pessoas, possa me levar pra outros
projetos, além dos planos dos outros CDs, que estão na gaveta. Idéias eu tenho muitas,
músicas eu tenho muitas, mas minha produção é muito além do que eu posso fazer, dentro
dos recursos e das condições que eu tenho. Então por um tempo eu tenho que me frear e ir à
luta pra vender esse disco, enfim, ele é um produto que tem que ser vendido, não pode ficar
parado, né? E aí tenho que ter uma visão de empresário, saber vender, produzir o material.
Então tô na fase de inventar coisas pra promover esse produto, e esse trabalho não tem nada
a ver com música. Mas eu tenho que fazer isso, porque eu não posso me dar ao luxo de
pagar uma propaganda na TV. Vou ter que me mexer pra vender, inventar formas, e claro,
buscar o diferencial, porque esse CD é diferente de tudo o que existe. Eu sei que eu tenho
muito que aprender, mas eu acho assim: se tem pessoas que gostam, pessoas que vão no
show, que compram o disco, é porque tem alguma coisa boa. Porque ninguém tem
obrigação de fazer isso! (risos) O que eu vou buscar agora é ter uma outra visão, não ter só
essa visão artística, mas também uma visão comercial, se eu quiser que o CD vá adiante. O
trabalho tem um valor artístico e eu tenho que saber dizer isso, eu tenho que acreditar nisso
e ter uma argumentação comercial. Claro, junto com isso, eu quero vender esse show de
lançamento, que é uma oportunidade de estar ali divulgando o disco, antes até de eu mesma
promover outros shows.
F - Fizeste três shows de lançamento e um coquetel. Nesse circuito de lançamento tu
conseguiste atingir o que esperavas de resposta do público e exposição na mídia?
K - Acho que na mídia foi maravilhoso. Na verdade, não foi nenhuma mágica. Em
todos os shows, eu fiz a mesma coisa que agora pra esse. Claro, nunca tive uma assessoria
de imprensa. Mas acho que em termos de material foi o mesmo. A única coisa que teve foi
a intervenção de uma pessoa do meio. E, claro, o mote de uma notícia. Além de divulgação
específica, porque a gente não pode ficar contando que vai sair no jornal, tem que mandar
e-mails, material... Eu acho que o que vale é muito isso, esse boca-a-boca. O público que
vinha vindo nos shows, praticamente todas as pessoas que me apoiaram foram. Então achei
que pessoas novas não teve muito. O mais legal foi rever pessoas, sabe, amigas da minha
mãe, de anos, que nunca mais eu tinha visto... Minha mãe ligou pra todo mundo, teve uma
caravana, ela ia até contratar uma van pra levar... Em termos de vendas, o Fluida foi o CD
que mais vendeu na Livraria Cultura em sessões de autógrafos. Vendeu o triplo da média.
Então isso foi uma coisa que eu fiquei muito contente, né? Claro que a maioria - sei lá, 70%
- das pessoas que compraram eram conhecidos, mas também tiveram algumas pessoas que
ouviram falar, queriam muito mas não puderam ir no show, aí acabaram indo lá (no
coquetel). Então foi muito legal. E aquela coisa, né, os shows deram muito mais trabalho,
foi muito mais estressante, claro que foi superlegal fazer esses shows, mas o coquetel, pra
mim, acho que foi o que teve mais sucesso, fora, claro, a questão do glamour. A Livraria
Cultura hoje tem um destaque, é muito legal que eles te dão a oportunidade de o teu CD
estar à disposição do público deles.
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***
Mistura e Manda nº 136 (21/4/2006)
KARINE FAZ A FESTA NOS 65 ANOS DO REI
Porto Alegre não deixou passar em branco o aniversário de Roberto Carlos, que
comemorou 65 anos na quarta, 19. Nesse dia, foi aberta uma exposição de fotos do cantor
na Casa de Cultura Mário Quintana, que contou com uma apresentação da cantora Karine
Cunha com seleção do repertório do Rei, na eterna parceria com Erasmo Carlos.
Depois de um ano em que interpretou basicamente suas próprias músicas - o que,
lógico, foi importante no processo de amadurecimento do repertório, preparação e
divulgação do CD Fluida -, Karine tem se permitido ocasiões em que valoriza composições
alheias. Foi assim no aniversário de 61 anos de Elis Regina, e voltou a ser na quarta.
Acompanhando-se ao violão, Karine mandou bem em “Quero que Vá Tudo pro Inferno”,
“As Curvas da Estrada de Santos” e “Emoções” (esta, da primeira vez; ao repeti-la, no bis,
colocou uma imitação de trompete que, provocando o riso, destoava do clima romântico da
composição), inovou com uma nordestinização de “Se Você Pensa” (à qual acrescentou
uma citação de “Berimbau”, de Baden Powell e Vinicius de Moraes, no final) e foi
simplesmente fantástica em “Você”.
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TIAGO PICCOLI
TIAGO PICCOLI: SOLOS DE VIOLÃO BRASILEIRO
O jovem violonista Tiago Piccoli apresentou seu recital Solos de Violão Brasileiro na
Casa Coletânea, em 22 de junho de 2003. O programa foi dividido em três partes, a
primeira homenageando compositores-violonistas (Baden Powell, João Pernambuco e
Dilermando Reis), a segunda compositores-pianistas (Ernesto Nazareth, Chiquinha
Gonzaga e Francis Hime), enquanto na terceira, segundo o próprio artista, se reverenciavam
“dois músicos absolutamente talentosos e fundamentais na música brasileira: Garoto e
Radamés Gnattali”.
O grande momento do recital foi, sem dúvida, “Lamentos do Morro” (Garoto), uma
das predileções de Tiago. No bis, ele chegou a improvisar sobre o tema. Outro desempenho
marcante foi com as obras de Dilermando Reis: “Tempo de Criança”, em que Tiago
demonstrou grande maestria no difícil arpejado central, e “Uma Valsa e Dois Amores”, em
que conseguiu criar um excelente clima nostálgico.
O intérprete fez questão de apresentar seu lado de arranjador em duas peças. No
clássico “Gaúcho (Corta-Jaca)” (Chiquinha Gonzaga), ele seguiu basicamente a idéia
melódica original, enquanto no choro “Meu Caro Amigo” (Francis Hime – Chico Buarque),
Tiago acrescentou dois compassos ao início, reforçando o tema da introdução, usando este
mesmo recurso reiterativo em outros momentos da composição; a execução deste choro
mostrou-se mais acelerada do que a da gravação original. Este foi o segundo número mais
aplaudido, só perdendo na preferência da platéia para “Lamentos do Morro”.
Por sinal, após tocar a primeira vez sua música preferida, Tiago mostrou ter ao menos
uma influência estrangeira. Agradeceu os aplausos erguendo-se da cadeira e, ao mesmo
tempo em que se curvava levemente, segurou o violão com as duas mãos, como se o
oferecesse ao público, esclarecendo em seguida:
- Isso eu aprendi com os Beatles.
Tiago toca preciso e limpo. Dificilmente se ouve o deslizar dos dedos sobre as cordas.
Ele dá bastante destaque à melodia, a qual consegue aliar bem com o ritmo. Em “Estudo nº
5” (Radamés Gnattali), Tiago chegou a dar algumas batidas no tampo do violão, dando um
reforço percussivo.
Enquanto ensaia os primeiros passos na composição, o violonista com formação em
Jornalismo já tem agendadas outras apresentações em Porto Alegre – uma delas com a
Camerata Alma Brasileira, em 5 de agosto, na série Na Roda do Choro, na Casa de Cultura
Mário Quintana.
***
Mistura e Manda nº 60 (2/8/2004)
TIAGO MEDIEVAL
O violonista Tiago Piccoli vem se dedicando a um repertório bem diferente do que
costuma apresentar em seus recitais solo. Integrante da nova formação do Conjunto de
Câmara de Porto Alegre, ele toca ao alaúde laude spirituali (preces espirituais, ou seja,
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músicas religiosas não-litúrgicas), compostas entre os séculos 13 e 14 em alemão, francês,
latim e italiano. Tiago conseguiu transpor para o alaúde a apurada técnica com que trabalha
o violão, principalmente a pureza do som obtido.
O Conjunto de Câmara estreou nesse sábado, 31 de julho, o espetáculo Os Sete
Pecados (e Outros Mais...), no Teatro de Arena. A temporada segue até 15 de agosto,
sempre aos sábados e domingos, às 20h. Um dos destaques da apresentação é a inclusão de
poemas de Gregório de Mattos, o baiano que se celebrizou no século 17 como o Boca do
Inferno, por sua constante sátira à devassidão dos costumes e à tirania portuguesa no Brasil.
O arranjo vocal do grupo para “Die Mynne Füget Nyemand” (do alemão Oswald
von Wolkenstein, 1377-1445), é simplesmente primoroso.
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OUTROS ARTISTAS
CHORO NEGRO NO MARGS
O grupo Choro Negro, formado há menos de um ano, foi a atração do projeto Música
no Museu, no Museu de Arte do Rio Grande do Sul, em 26 de agosto de 2005.
É de se comemorar a oportunidade rara para um grupo surgido há tão pouco tempo, e
de se lamentar que a produção não tenha providenciado amplificação para os músicos nem
para o violonista Luís Machado, mestre de cerimônias do show. O MARGS é um museu,
não uma casa de shows. Existem no prédio locais que até poderiam proporcionar uma
acústica melhor, mas quem optou pelo uso da pinacoteca central, com seu enorme pédireito, deveria também ter se preocupado com equipamento adequado. Com isso, ouvir a
primeira metade da apresentação ficou bastante difícil.
Do meio pro fim, ou porque o ouvido foi se ajustando, ou pelo natural
“esquentamento” que o músico vai imprimindo progressivamente à interpretação, já foi
possível apreciar bem obras como “Choro Negro” (Paulinho da Viola), “Choro Clássico”
(Plauto Cruz) e “Até Pensei” (Chico Buarque), bem como a maravilhosa canja do
bandolinista Pedro Franco, que se somou ao grupo nos choros de Jacob do Bandolim
“Noites Cariocas” e “Assanhado” (este simplesmente fantástico!). A canja também
funcionou como uma espécie de “cenas dos próximos capítulos”, pois Pedro será a atração
da edição seguinte do Música no Museu, em 30 de outubro.
Na seqüência, Pedro, o Choro Negro e outros músicos, como as bandolinistas Daniela
e Laura Saraiva, foram tocar no McDonald’s da Praça da Alfândega, colaborando com uma
campanha de apoio ao Instituto do Câncer Infantil.
***
DUDU SPERB: SAMBAS, CHOROS & AFINS
Dudu Sperb lotou o foyer do Theatro São Pedro no dia 6 de dezembro de 2002 com
seu espetáculo Sambas, Choros & Afins. Acompanhado por Cau Karam (violão e
cavaquinho) e De Santana (percussão), apresentou um repertório com clássicos da música
brasileira compostos nos últimos 70 anos.
O grande momento do fim de tarde foi “Adeus Batucada” (Sinval Silva). Esta música
foi lançada por Carmen Miranda em 1935. A Pequena Notável, em sua interpretação, qual
uma prima-dona, prolongava artificialmente os “aa” tônicos do estribilho (“Aaaadeus”,
madrugaaaada”, “batucaaada”), deixando assim uma armadilha para os futuros intérpretes
do samba. Mesmo o autor, Sinval Silva, ou um grande cantor como Ney Matogrosso não
superaram o “buraco” que Carmen criou. Pois bem: Dudu conseguiu! E em grande estilo,
cantando hiperbem, com Cau num grande desempenho ao violão e De Santana tocando
surdo como se fosse bombo legüero.
Também se destacaram “Coração Leviano” (Paulinho da Viola), em que o início de
voz e violão era quase atonal, com a entrada do tamborim dando uma nova dinâmica ao
samba, e “Doce de Coco” (Jacob do Bandolim – Hermínio Bello de Carvalho). Muito
aplaudidas foram “Amor Até o Fim” (Gilberto Gil), dedicada a Elis Regina, “uma das
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maiores cantoras do mundo”, segundo Dudu (concordo!), e “Só Tinha de Ser com Você”
(Tom Jobim – Aloysio de Oliveira).
Bons efeitos ocorreram através da mudança de andamento no meio da música, como
em “Último Desejo” (Noel Rosa), em que De Santana iniciou marcando o ritmo com o
chocalho de arroz, passando para o surdo, emprestando um clima algo carnavalesco ao
samba-canção, e em “Vai Passar” (Francis Hime - Chico Buarque), em que Dudu iniciou
cantando e se acompanhando ao pandeiro, tendo o tamborim de De Santana e o violão de
Cau na parceria; em dado momento, Dudu baixou o tom de voz e De Santana assumiu a
marcação no surdo, por vezes lembrando um agogô, noutras novamente o bombo legüero.
Dudu tem um timbre de voz agradável, alternando sua interpretação entre o dolente e
o doce. Uma característica sua é a tendência a ligar as notas, por vezes emendando versos e
versos (tudo bem, Roberto Carlos também faz isso). Mas noto que Dudu, em trechos de
algumas músicas, poderia ganhar uma força expressiva maior com uma divisão rítmica
mais acentuada (como no final de “Amor Até o Fim”). Cau Karam apresentou um violão
firme, bom na parte melódica e nas baixarias (calma, é apenas ênfase nas notas graves!),
mas demonstrando alguma dificuldade no acompanhamento dos trechos mais rápidos. De
Santana esteve sempre correto.
A lamentar, apenas o pedido da direção do Theatro, que solicitou ao cantor um
espetáculo mais curto (sic!) por causa da atração posterior – a saber, o Nenhum de Nós, que
se apresentaria no palco principal do São Pedro (e não no foyer) quase uma hora e meia
depois do final da apresentação de que falamos. Com isso, a platéia perdeu a oportunidade
de conhecer o lado compositor de Dudu, que pretendia estrear sua canção “Cúpido” em
Sambas, Choros & Afins.
***
Cinco Perguntas para... JOÃO 7 CORDAS
João 7 Cordas, líder do grupo Puro Samba, recebeu uma missão das mais agradáveis
no dia 17 de julho de 2003: organizar uma roda de samba em Porto Alegre a pedido de
Zeca Pagodinho. A festa aconteceu, em plena tarde de quinta, no Bar do Ricardo, no bairro
Santo Antônio.
BRASILEIRINHO – Como foi que surgiu a idéia da roda de samba com o Zeca
Pagodinho aqui em Porto Alegre?
JOÃO 7 CORDAS – Eu e o Zeca somos amigos há muitos anos. Morei três anos no
Rio de Janeiro e conheço o Jessé (Jessé Gomes da Silva é o nome de batismo de Zeca)
desde 1984. Ele passou uns dias em Gramado com a família e me ligou, disse que tava com
saudade, falou: “Vamos organizar uma roda de samba?”. E nos reunimos, eu e o Darcy
Alves no violão, Paulinho do Banjo, King... Tinha mais gente, mas fica difícil lembrar todo
mundo. Foi uma coisa boa!
B - A escolha do Bar do Ricardo também foi sua?
J - É, o Zeca queria fazer uma coisa mais solta, em outro lugar podia ficar um pouco
mais complicado. Mesmo assim, começamos tocando só nós cinco, quando vimos já tinha
500 pessoas!
B – E o repertório? Coisas do Zeca, clássicos...
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J – Rolou de tudo. Repertório dele, coisas do Cartola, Nelson Cavaquinho, Leci
Brandão... Umas músicas inéditas que ele passou pra Beth Carvalho e ela ainda não
gravou.... Mas cantamos de tudo, de samba-canção a marcha de carnaval.
B – O Zeca passa a imagem de ser uma pessoa muito simples, né? Só isso de fazer
essa roda já demonstra.
J – Ah, o Zeca é fora de série. Ele até nem queria deixar o Vaz (Luiz Armando Vaz,
fotógrafo do Diário Gaúcho) bater foto, por causa da gravadora, que podia se incomodar.
Ele mantém aquela escola lá em Xerém que começou com três alunos, hoje tem 360, tudo
com material, alimento e calçado pago por ele. E os filhos dele mandaram ver na roda: a
Elisa (11 anos) canta muito, tá se criando. O Eduardo (16 anos), no violão, mandou bem. O
outro filho, o Luisinho (14 anos) chegou a estudar, mas largou. Depois o Zeca ainda ficou
aqui até domingo.
B - E o Puro Samba, sempre em atividade?
J – Eu e meus companheiros do Puro Samba (Fábio do Cavaco, Buiu no tantã e Nenê
no pandeiro) estamos tocando bastante. Até o fim do ano queremos entrar em estúdio para
começar a gravar nosso CD.
***
LOURDES RODRIGUES E FRANK SOLARI
A vida da gente hoje é muito corrida e projetos como o Encontros são uma boa
ocasião para os artistas trocarem experiências. Foi assim, não exatamente com essas
palavras, que o guitarrista Frank Solari, em 31 de outubro de 2002, saudou a iniciativa que
a Coordenação de Música da Secretaria Municipal da Cultura de Porto Alegre promoveu
nas quintas-feiras desse mês no Teatro Renascença. Concordo com Frank.
Das cinco duplas reunidas pela primeira vez (esperemos que não pela única), a que
mais atiçava a minha curiosidade era justamente a formada por Frank e pela cantora
Lourdes Rodrigues. Que caminhos musicais trilhariam em comum o guitarrista cultor do
rock instrumental e a Dama da Canção?
A resposta veio já na abertura do espetáculo. Lourdes e Frank iniciaram com “Eu Sei
que Vou te Amar” (Tom Jobim - Vinicius de Moraes). Em seguida, Frank fez sua parte
solo, executando, com acompanhamento de bases pré-gravadas, temas de seus dois
primeiros discos e já dando uma amostra do terceiro, a sair em breve (no qual terá a
participação especial de Pepeu Gomes). De repente, uma surpresa: o guitarrista toca o
choro “Rabo de Foguete” (Ricardo Silveira), com base pré-gravada, e, na seqüência, o
dificílimo “Espinha de Bacalhau” (Severino Araújo). Este, num desafio feito a si próprio,
Frank tocou sem acompanhamento algum - o que, se dá maior liberdade de improviso,
também tira a segurança proporcionada pela marcação da percussão gravada. O desafio foi
vencido brilhantemente.
Na volta de Lourdes ao palco, Frank acompanhou o trio da cantora (Zê- guitarra,
Alexandre - baixo e Carlito - bateria) em “Sozinho” (Peninha). Lourdes seguiu com o trio,
apresentando clássicos de Lupicínio Rodrigues, Chico Buarque, João Bosco & Aldir Blanc,
Gonzaguinha e Ary Barroso. Sempre afinada e colocando muito bem a voz, Lourdes é
incansável no incentivo aos compositores brasileiros - em suas palavras, “nossa música,
nossa terra, nossa gente”. Um bom motivo para que ela convocasse o baixista Alexandre
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para cantar seu grande sucesso, “Negra Ângela”, consagrado na voz de Neguinho da BeijaFlor.
Lourdes, Frank e o trio encerraram com “Brasileirinho” (Waldir Azevedo). Os quatro
músicos já iniciaram o choro com boa dose de improviso, seguindo mais a melodia original
ao acompanhar Lourdes. No momento do solo, Frank improvisou pra valer, com Zê,
Alexandre e Carlito mantendo um andamento bem rítmico para o clássico. Só cabia ao
público que quase lotou o Renascença pedir mais um. E o pedido foi atendido em alto
estilo: “As Rosas Não Falam” (Cartola).
Da mesma importância da integração entre os artistas proporcionada pelo Encontros,
que Frank ressaltou, é, acrescento, a integração entre públicos. Explico. O mercado cada
vez mais aposta na segmentação. O público de Frank Solari não é o mesmo público de
Lourdes Rodrigues, e é natural que seja assim. O Encontros conseguiu reuni-los (os
públicos) lado a lado, numa convivência que podemos definir como democrática.
Além do novo CD, Frank Solari alinhava um projeto de choro. Já Lourdes Rodrigues
deve receber em breve o Prêmio Lupicínio Rodrigues que a Câmara Municipal lhe
concedeu por seus 50 anos de carreira. E o Encontros? No momento, não há previsão de
novas edições. Ficaremos no aguardo, desde já decretando como históricas essas cinco
noites da primavera porto-alegrense.
***
MARISA ROTENBERG: A ARTE-FINAL DA NOVA MPB
A cantora fala do CD Na Batida e das parcerias com Nei Lisboa e Mônica Tomasi
Entrevista gravada em 2 de outubro de 2003 no Bourbon Shopping Country
BRASILERINHO - Marisa Rotenberg, teu CD Na Batida completou em setembro
um ano de lançamento. Quais são os planos imediatos e futuros na tua carreira?
MARISA ROTENBERG - Estou absolutamente feliz com este um ano de carreira
do meu CD. Tive a felicidade de ganhar dois prêmios Açorianos este ano, melhor CD de
MPB e melhor espetáculo. O disco independente tem um processo bem mais lento de as
coisas acontecerem, até por falta de verba. Meu disco foi financiado pelo Fumproarte. A
gente, quando cria esses projetos, planeja a produção do CD e o show de lançamento. Só
que não se fez até hoje um (fundo semelhante ao) Fumproarte pra administração da carreira
desse trabalho. Antigamente se dizia: “Pô, é difícil gravar um disco”. Hoje não, (se) tu faz
um bom projeto, tu faz um disco. Só que, hoje, que que se diz? Hoje é difícil se levar um
disco adiante.
B - Bom, a questão então seria: gravei e lancei o CD, e agora? Como vou divulgá-lo?
Como vou vendê-lo?
M - As viagens que eu fiz pro interior foram todas participando de Feiras do Livro,
que são oportunidades que a gente tem de poder ter um transporte, um cachê para realizar o
espetáculo. É difícil tu planejar uma turnê pelo interior do Estado por bilheteria. As rádios
vão começando a tocar porque gostam do teu trabalho - as rádios que não têm jabá. Rádios
que têm jabá é inviável, absolutamente inviável tu rodar. Eu não posso me queixar de
mídia, porque aqui em Porto Alegre eu rodo direto na FM Cultura e na 102.3 - Gaúcha FM.
Tô rodando também desde que lancei meu disco na Itapema FM, uma das melhores FMs de
Florianópolis. Enfim, as rádios que não têm jabá e que acreditam verdadeiramente na
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qualidade artística do trabalho, elas rodam. Pelas rádios do interior isso também não é
muito diferente, têm as que cobram jabá e outras que não cobram. Nessas que não cobram
tu tem a oportunidade de mandar o disco, os caras começarem a rodar e aí tu chegar lá e
alguém já ouviu falar em ti, né? Minha idéia é nesse ano, na medida do possível, me
colocar como artista dentro da minha cidade, fazer meu nome em Porto Alegre e no interior
do Estado. Agora pra 2004, eu tenho planos de levar meu trabalho pro Rio de Janeiro, São
Paulo, Recife, Belo Horizonte... Ah, inclusive Belo Horizonte a gente mandou material e já
está rodando em algumas rádios de lá, dei entrevista recentemente na rádio Mania de MPB.
Eu fico muito feliz porque o trabalho é reconhecido, ele não passa despercebido na mão das
pessoas. Quando chega e as pessoas ouvem, vêem que é um trabalho de qualidade, pela
própria produção do Totonho Villeroy, que é um músico e compositor de primeira linha. É
um cara que tá extremamente bem relacionado em todo o Brasil com diversos
compositores. Graças a ele eu cheguei a composições inéditas do Pedro Luís (“Um Desejo
Só”), do Lenine, do Dudu Falcão (“Lua de Dezembro”). Tive oportunidade de conhecer
pessoalmente essas pessoas, são pessoas geniais, incríveis mesmo! O próprio convívio com
Totonho, já enraizado no Rio de Janeiro, com todas essas pessoas, pra mim gerou um
crescimento profissional maravilhoso, de não ser “mais uma” cantora independente, e sim
uma cantora produzida pelo Totonho, que canta Lenine inédito (“Tá Tudo Bem”, parceria
com Dudu Falcão), que canta Pedro Luís inédito. Esse ano pra mim foi muito gratificante
também a parceria que tenho feito com a cantora e compositora Mônica Tomasi. Eu já
conhecia ela de nome, não conhecia pessoalmente. Em (9 e 10 de) abril, quando fiz o show
de comemoração aos dois prêmios no Abbey Road (Studio Pub), ela compareceu, se
identificou com o meu trabalho e a gente ficou de conversar. Ela me convidou pra
participar do show Varal, que ela fez no Teatro de Arena (1 a 3 de agosto de 2003) e ficou
uma delícia. As vozes timbram, a gente tem o mesmo gosto por música brasileira, os
(nossos) estilos soam muito parecidos. Eu acho a coisa mais legal que tem (é) tu te juntar às
pessoas bacanas e fazer um trabalho junto, né? Não ficar aquela coisa de concorrência. Se
existe uma identificação, tanto de vida quanto de gosto musical, eu acho mais é que a gente
tem que dar as mãos, um falar bem do outro e o público identificar isso, reconhecer isso,
valorizar isso e consumir a nossa música.
B - Eu assisti a apresentação da Mônica Tomasi na Casa de Cultura (Casa de Cultura
Mário Quintana, 30 de setembro de 2003) e, realmente, ela trabalha bastante com o samba
e também tem uma raiz pop. Isso a gente identifica também no teu trabalho. Inclusive o teu
CD, ele é quase dividido em blocos, ele abre com um bloco de música pop, depois tem um
bloco mais MPB e no final vai alternando um pouquinho. Isso é uma coisa proposital ou é o
natural da tua trajetória? Como tu te sentiu quando teu CD recebeu o prêmio de melhor
disco de MPB? Ele não é um disco apenas de MPB. Ou é, na tua visão?
M - Eu classificaria hoje (como) a nova MPB. Se a gente for classificar MPB clássica,
eu colocaria Chico Buarque, Milton Nascimento, Elis Regina, João Bosco, João Gilberto,
Gilberto Gil, esse povo todo dessa geração, esses grandes talentos como a nata da MPB, a
MPB clássica. Eu posso dizer que a minha música se encaixa na nova MPB, que é a MPB
que o Lenine faz, que o Zeca Baleiro faz, esse pessoal da nova geração que mistura a MPB
com o pop. Seria um MPopB, porque eu não posso dizer que meu CD é puramente pop ou
puramente MPB. Ele é a nova MPB. Por isso essa leitura que às vezes te soa mais pop, às
vezes te soa mais MPB, acho que isso aí é a cara da nova MPB.
B - A inclusão de músicas do Lenine, Dudu Falcão, Eugênio Dale (“De Perto” e
“Lápis”) e outros compositores, digamos, não-gaúchos, se deu ao natural pelo fato de
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BRASILEIRINHO: Samba e Choro em Porto Alegre
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estares trabalhando com o Totonho Villeroy ou foi uma idéia tua? Porque é muito comum
os artistas gaúchos gravarem apenas autores gaúchos no primeiro CD...
M - Isso se deve muito à minha admiração por esses compositores. Eu não escondo
nem um pouco a minha origem, eu sou porto-alegrense nata, mas eu sou também brasileira.
Desde o início, quando me reuni com o Totonho, eu disse: “Olha, Totonho, eu não quero
que as pessoas saiam dizendo que é um CD de cantora ‘gaúcha’, eu quero que as pessoas
digam que é um CD de uma cantora brasileira que nasceu em Porto Alegre”. Eu não quero
carregar a bandeira do Rio Grande do Sul pelo mundo afora. Eu carrego no sentido de dizer
de onde eu sou, mas eu quero fazer da minha música uma música brasileira, uma música
pro Brasil e pro mundo curtir. Nesse disco também tem duas parcerias minhas como
compositora, eu ainda iniciei nesse primeiro disco meio tímida, eu tô experimentando o
meu jeito de compor. Eu acabei explorando mais a Marisa intérprete do que a compositora.
Eu pretendo no meu próximo disco inverter a coisa, puxar mais a Marisa compositora e
cantar menos outros autores.
B - Nas tuas parcerias, uma com o Gelson Oliveira (“Teu Silêncio não é Mudo”), a
outra com o Totonho Villeroy (“F. Valentine’s Day”), tu fizeste a música, a letra, foi meio
a meio, como é que foi?
M - Nessas canções eu fiz a letra. No caso da música com Totonho, eu fiz uma
parceria com a letra também, ele fez a música e toda a idéia da música é dele. Eu entrei
com sugestões de letra pra finalizar a canção, digamos que eu fiz o acabamento da música
na parte da letra.
B - A arte-final.
M - A arte-final, exatamente. No caso da parceria com o Gelson, não, eu fiz a letra
toda e o Gelson musicou a canção.
B - Gostaríamos que tu falasse um pouco da tua colaboração com o Nei Lisboa. Tem
música dele (“Por Aí”) no Na Batida, ele participa cantando junto contigo (em “F.
Valentine’s Day”)... mas essa história já tem alguns anos de parceria, não é uma coisa de
agora.
M - Teve um show da banda Venerável (Venerável Lama), do Alex Alano e do
Fausto Prado, que eu participei, lá no Ocidente (12 de abril de 2000). Fui dar uma canja
junto com eles e fui apresentada pessoalmente pro Nei Lisboa por uma amiga minha e ele
disse que já tinha escutado falar de mim, que tava louco pra conhecer meu trabalho e coisa
e tal. Depois desse show, em abril de 2000 se fez uma festa-ato no Zelig para angariar
fundos pra ajudar um jornalista da Zero Hora que sofreu um acidente supersério e tava
tendo uma despesa enorme com hospital. E nesse show eu me encontrei com o Nei e ele
chegou e me disse:
- Eu vou subir no palco agora, vou cantar. Tu sabe alguma música minha de cor?
- Ah, eu sei, eu sei “Rima Rica, Frase Feita”.
- Vamos fazer?
- Vamos.
Nem ensaiamos nada. No palco, tava o Paulinho Fagundes, o guitarrista Paulinho
Superkóvia, não me lembro se tinha mais um baixista também tocando, o Nei, e aí tá, eles
começaram a cantar algumas músicas e aí o Nei me chamou pra cantar “Rima Rica, Frase
Feita” e foi um arraso. Fui ovacionada lá no Zelig, foi muito legal! O Nei se arrepiou,
quando a gente desceu do palco ele disse: “Meu Deus, que maravilha, vamos conversar,
vamos conversar!”. Em setembro de 2000, fui convidada pra cantar na (Sala) Radamés
Gnattali (no Auditório Araújo Vianna) e o embrião do Na Batida surgiu com (esse) show.
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Eu pensei: “Bah, agora tá na hora de eu começar a experimentar músicas inéditas de
outros compositores pra sair meu disco”. É o conceito, só músicas inéditas. Então eu tive a
felicidade de ganhar as músicas do Fausto Prado (“Vaso de Flor”), Alex Alano (“O Amor
não Erra”), tinha feito uma parceria com o Gelson, e eu pedi pro Nei Lisboa uma música
inédita. Na época ele tava compondo (as músicas do CD) Cena Beatnik e me apresentou:
“Olha, eu tenho 4 músicas que eu fiz aqui, eu quero que tu escolha uma delas, é tua”.
Quando eu ouvi “Por Aí” eu me apaixonei de cara pela letra, pela melodia, por tudo, foi
uma música que me tocou demais, disse “Quero essa aqui”. Aí em outubro de 2000, o Nei
Lisboa fez o primeiro show de Cena Beatnik, antes de lançar o disco, ele começou a
apresentar as músicas. Aí ele me disse:
- Olha, vou fazer uma temporada no (Theatro) São Pedro, tu não quer cantar “Por Aí”
e “Rima Rica, Frase Feita”?
- Pô! Com certeza!
Então pra mim foi uma super-honra participar das quatro noites (5 a 8 de outubro de
2000). Também fui ovacionada no Theatro São Pedro! Muito, muito emocionante, porque
eu tava cantando pro público do Nei, e eu me vi naquela platéia, porque eu também sou fã
do Nei. Então foi um encontro de emoção e de alegria. Até o Renato Mendonça (jornalista
de Zero Hora) elogiou, publicou que uma das coisas mais legais do show era a minha
participação. O Nei fez uma nova temporada em (8 a 10 de) fevereiro de 2001 e me
chamou de novo. Foi legal. Fiz também com ele show em Novo Hamburgo, quer dizer, ele
começou a botar meu nome na roda, através do trabalho dele. Até que em 2001, no
primeiro semestre, ele gravou (o CD) Cena Beatnik. Aí ele me disse:
- Olha, tu me desculpa, vou gravar a canção (“Por Aí”).
- Não, não tem problema, mas eu também vou gravar essa canção!
Eu ganhei o Fumproarte no meio do ano, em agosto de 2001, e ele já tinha lançado o
Cena Beatnik em junho. Então, na real, “Por Aí” é a única canção que não era inédita, só
que acabou ficando uma nova leitura, completamente diferente. A gente selou uma amizade
muito legal, eu e o Nei.
B - Então aí tu convidaste o Nei pra fazer uma participação vocal no Na Batida.
M - É, exatamente, já que ele me deu esse presente de participar de 2 temporadas do
Cena Beatnik, eu convidei ele pra cantar no CD, ele prontamente aceitou e não só aceitou
gravar a canção como também fez o show de lançamento do CD comigo, ele também
cantou essa música lá no Theatro São Pedro.
B - Além de cantora e compositora, tu também tens um envolvimento com o teatro
bastante forte, inclusive atualmente com o projeto do Theatro do Abelardo. Gostaria que tu
falasses sobre isso.
M - Antes de me dedicar à carreira de cantora, eu desenvolvi uma carreira no teatro,
como atriz. O último trabalho adulto que eu fiz foi um musical. Fiz a Jacobina (na peça)
Jacobina, Uma Balada para o Cristo Mulher, com direção do Camilo de Lélis. Fiz muitos
espetáculos infantis também com o Zé Adão Barbosa. Hoje eu tenho uma produtora, sou
associada ao Alexandre Fávero, diretor do espetáculo Saci Pererê, A Lenda da Meia-Noite,
que é um espetáculo de teatro de sombras. A gente tem a Carta Zero Produtora de Arte, há
7 anos, com foco pra teatro pra empresas. Eu sou associada agora (também) ao Mário de
Balenti, diretor do Theatro do Abelardo e do espetáculo O Cavaleiro da Mão de Fogo, que
tá em cartaz no Bourbon Shopping Country no 2º piso. É um espetáculo de marionetes de
fio e sombras no qual eu também tenho uma participação artística. Eu faço a voz da
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princesa Tranças de Ouro e canto dois solos da trilha musical composta pelo Celau
Moreira.
***
DO ESPETÁCULO DO DISCO DA PESSOA
NELSON COELHO DE CASTRO
Do Espetáculo
Nelson Coelho de Castro (doravante denominado NCC) apresentou um espetáculo de
altíssimo nível artístico no Theatro São Pedro em 13 de dezembro de 2002. Oficialmente,
ocorria o lançamento do CD Da Pessoa, que já circula nas lojas desde, pelo menos, julho.
O conjunto de NCC (ele – voz e violão, Edílson Ávila – guitarra e violão, Mário Carvalho –
baixo, Michel Dorfman – teclados e Fernando do Ó e Giovani Berti – percussão) apresenta
uma união muito grande, passando ao público a alegria que sente por estar no palco
tocando.
NCC iniciou cantando sozinho, acompanhando-se ao violão em várias músicas, entre
elas a homenagem a Porto Alegre “Povoado das Águas”, além de dedicar um número a seus
filhos Mariana e Nicolas. Chamou a atenção também a inclusão de um fado.
Sim, NCC cultiva gêneros que não são facilmente encontrados nas redondezas. Um
exemplo é a marcha-rancho “Colombina”, que o público cantou em peso. Afinal, nada
melhor que este ritmo pausado para respirar após o empolgante samba-enredo “Mestre
Neri”, em homenagem a Neri Caveira, durante anos mestre da bateria da escola
Imperadores do Samba. Nesta hora, todos os músicos deixam seus respectivos instrumentos
e empunham peças da bateria, fazendo o momento mais belo da apresentação. É de tirar o
fôlego.
NCC brindou a platéia com sucessos seus que não estão em Da Pessoa, como “Vim
Vadiá” (que foi o bis), além de interpretar “Tem que Ter Pandeiro” (Túlio Piva). Incluiu no
clássico uma introdução reiterativa e imitou os trejeitos e muxoxos de João Gilberto,
fechando com referências rápidas a músicas de carnaval, como “A Jardineira” (Benedito
Lacerda – Humberto Porto). Os arranjos em geral são muito semelhantes aos do disco, pois
no palco estavam os mesmos músicos que participaram da gravação. Mas há nuances, como
um destaque maior à percussão (onde reinou absoluto, em toda a noite, o surdo de Fernando
do Ó, indicando o rumo) nos sambas “Pérola no Veludo” e “No Braço com a Vida”. Neste,
aliás, em dado momento, Giovani Berti, à esquerda do palco, tocava pandeiro com a mão
direita, enquanto Fernando do Ó, à direita, fazia o mesmo com a mão esquerda. A produção
é caprichada e inteligente, tirando belos efeitos de procedimentos simples como projetar
uma bola branca (na verdade, um refletor sem filtro colorido) quando da menção à lua em
“Serra Geral”. Um grande espetáculo.
Do Disco
O CD Da Pessoa (Fumproarte), gravado em 2001, tem 15 músicas, todas de autoria
de NCC (apenas uma, “Pérola no Veludo”, é em parceria com Cezar Ulysses Coelho de
Castro). Várias delas têm menos de um minuto, podendo até ser definidas como vinhetas.
Mas é importante notar que elas não são brincadeirinhas, como geralmente as vinhetas são.
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Parece-me que NCC identificou que eram músicas que, embora boas, não renderiam mais
do que aquilo – que já estava bom, por sinal. Nestas vinhetas, em geral, NCC acompanhase ao violão ou conta com o piano de Michel – criando um clima que lembra um pouco o
LP Uns, de Caetano Veloso (1983).
Um dos destaques do disco é “Futebol”, música com a qual NCC venceu o prêmio de
originalidade no festival Musi-PUC em 1977. Na faixa, a instrumentação típica do samba é
usada sem que se configure o ritmo de samba, enquanto na letra o compositor fala de
dribles e impedimentos – metáforas à ditadura, pra enganar a censura dos militares.
O grande momento do espetáculo, “Mestre Neri”, deixa um pouco a desejar no CD.
NCC inicia acompanhando-se ao violão, depois segue cantando apenas com a percussão
dos ritmistas Sandro Gravador, Tiago, Leonardo, Wagner, Sandro Brinco e Darci Caju. A
percussão começa um pouco pausada e em seguida fica bem acentuada, batendo forte até o
final, onde há, é certo, o bom efeito da voz sumindo, encoberta pelo que seria o recuo da
bateria. Creio que um arranjo semelhante ao usado no show, em que a percussão vai se
intensificando aos poucos, seria de melhor efeito.
É um CD predominantemente de samba, que contém algumas canções (como as
vinhetas “Teu Nome” e “Guia” – esta, um primor nos seus “ão” subindo, até fechar num
“não, não” mais grave), reggae (“Outro Mar”) e choro-canção (a ótima “Serra Geral”, com
Edílson muito bem no violão de 7). Um grande CD.
Da Pessoa
NCC é um compositor-cantor-violonista que está na batalha de ser um branco gaúcho
fazendo samba desde 1974, pelo menos (sem contar sua atividade em coral, desde 1965).
Lançou até hoje apenas cinco discos: Juntos (1981), Nelson Coelho de Castro (1983),
Força d’Água (1985), Verniz da Madrugada (1996) e este, além de participações em discos
de parceiros ou obras coletivas. Modesto, ele costuma perguntar se alguém da sua geração
conseguirá deixar um legado semelhante ao de Lupicínio Rodrigues, ou pelo menos criar
algo da importância de “A Jardineira”. É difícil responder, mas é fato que muitas das pouco
mais de 200 pessoas presentes no TSP cantaram TODAS as músicas junto com Nelson e
aplaudiram sinceramente um artista muito criativo e que realiza uma apresentação de
altíssima qualidade. Uma grande pessoa.
***
ROBERTO PORCHER E FERNANDA RAMOS
Os vencedores do 6º Festival de Música de Porto Alegre, integrantes da banda
Viramundel, falam da vitória e de sua carreira
Entrevista realizada em 12 de dezembro de 2003
BRASILEIRINHO - Roberto, como tu começaste a compor?
ROBERTO PORCHER - Eu me lembro que eu tava no 3º ano do 2º grau. Eu tinha
um amigo que trabalhava no colégio (Santa Rosa de Lima), era porteiro, e ele chegou, bateu
na minha porta e disse: “Pô, cara, taí, tá pintando um festival novo, é o Festival de Porto
Alegre, vamos escrever uma música, tem um prêmio legal, de repente a gente consegue
divulgação”. E eu: “Tá, mas eu nunca compus, como é que nós vamos fazer isso?” E ele:
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“Não, é fácil, tu vai ver, tu toca teclado tribem” - ele tocava trumpete - “vamos fazer uma
letra e vamos mandar”. E eu: “Tá”, aí eu entrei nas pilhas dele, né? Nos juntamos, fizemos
uma letra. Depois ele não teve mais muito tempo, eu dei uma melhorada na letra sozinho.
Eu comecei a pegar gosto pela coisa, né? Eu escrevia e mudava: “ah, isso aqui não ficou
bom, vamos botar outra coisa”. Aí depois nós gravamos a música com a ajuda de uns
amigos, que eram professores de música no colégio e mandamos pro Festival. Não
classificou mas a alegria de ter gravado uma música minha foi muito grande. Então isso
com certeza deu um empurrão inicial pra mim começar a compor e começar com essas
histórias de banda, porque eu tocava teclado, estudava teclado, mas era eu sozinho no meu
quarto. Isso me abriu uma janela pro mundo. Eu comecei (a pensar): “Vamos montar uma
banda, vamos compor, vai ter o Festival no ano que vem de novo”. O início da minha
carreira de compositor foi através do 1º Festival de Música (de Porto Alegre, em 1998).
BRASILEIRINHO - Depois teve um momento marcante, no 4º Festival (em 2001),
que tu participavas da banda Daniel e a Cova dos Leões.
ROBERTO - Isso aí. O Daniel (Hoeltz), excelente compositor, tem várias músicas
boas. Ele já vinha fazendo um trabalho de arranjo das músicas dele pro Festival, passou pra
2ª fase, ele e mais dois colegas meus, o César Queirós e o Titeu Moraes. Os dois tavam
acompanhando ele no violão e quando ele passou pra final, aí pintou o convite: “Vamos
engordar a música, vamos fazer um arranjo mais elaborado pra impressionar na final”. Me
chamaram, curiosamente pra tocar violão, porque até então eu dominava mais o teclado.
Preparamos a música, eu achei muito interessante porque ele fazia uma mistura de capoeira
com pandeiro e ele usava os violões de uma forma percussiva. Isso acho que foi muito
importante também no nosso arranjo, a gente abafava as cordas e fazia percussão no violão.
Então eu acho que me acrescentou muito aquela experiência, porque me deixou assim:
“Bah, eu ganhei! Mas eu não sou o compositor. Mas eu ganhei também! Afinal, o que que é
isso? Não, mas eu quero ganhar como compositor, né?” Aí no Festival passado (5º Festival,
2002), eu já me juntei com a Fernanda Ramos, a gente fez algumas músicas, e ela
classificou duas músicas só dela. Normalmente é uma só que passa. Mandamos as duas e
não conseguimos nos classificar. Pôxa, eu tinha ganho como músico no Festival passado, aí
no 5º Festival a gente chegou quase na última fase assim com duas músicas, e eu: “Não,
não é possível, neste (6º Festival) vai ter que dar!” Então a gente se juntou, fez essa música
(“Minha Parte”) em parceria. Juntou as energias dos dois e mandamos ver, aí deu certo!
(risos)
BRASILEIRINHO - Fernanda, queria que tu falasse de como é que tu começaste a
compor.
FERNANDA RAMOS - A minha história com a música vem desde criança. Eu fazia
coral na escola, daí um tempo eu parei, voltei a cantar em barzinho, com uns amigos da
minha mãe. Eu era bem novinha e eles já eram músicos profissionais, mas sempre (atuei)
como intérprete. Quando eu conheci o Roberto, ele até me incentivou: “Vamos compor
junto, vamos ver o que que dá”. E eu gostava muito de escrever poemas. Então eu comecei
a pegar os meus poemas e dar um outro formato pra eles, formato de música, o Roberto
colocava as melodias pra mim, às vezes... Aí a gente começou. A gente teve uma química
legal pra trabalhar com composição, por gostar dos mesmos estilos de música, ter as
mesmas preferências musicais. O ano passado foi onde a gente mais compôs junto e
trabalhou junto, tanto que eu classifiquei duas músicas minhas (no Festival) e chamei o
Roberto pra gente montar uma banda praquela etapa. Apesar da gente não ter classificado
pra final, foi quando a gente viu que a gente dava certo. A gente montou a Viramundel e a
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partir dali, de um ano pra cá, a gente trabalhou junto e eu sempre digo que o trabalho
aparece quando o trabalhador tá pronto, né? Eu acho que o Festival do ano passado serviu
pra gente ver que a gente tinha capacidade, que a gente gostava do que a gente fazia, a
gente se dava bem trabalhando juntos, não só eu e o Roberto como toda a Viramundel, e de
um ano pra cá a gente veio se esforçando bastante nos arranjos das outras músicas próprias
que a gente tem. Quando surgiu essa oportunidade de ir pra final do Festival foi muito bom,
a gente fez um arranjo aí com a cara do Festival, aquilo que a gente achava que seria
necessário pra ter o diferencial num festival de música. Tanto que essa música difere um
pouquinho do estilo próprio das outras músicas da banda. E foi, aconteceu, uma alegria
enorme, depois de anos, o Roberto que vem desde o 1º Festival, eu venho desde o 5º, é
fantástico no 6º Festival tu poder dizer: “Conseguimos!”.
BRASILEIRINHO - Qual é o estilo predominante das músicas que vocês fazem e
são interpretadas pela banda Viramundel?
ROBERTO - Olha, o estilo predominante é a mistura dos estilos, eu acho! (risos)
FERNANDA - Ah, o predominante é pop.
ROBERTO - É pop, com certeza. É uma música com apelo popular. Uma música que
não é pra ti tocar pra músicos ouvirem, tá, que o pessoal costuma fazer isso. Não é
experimentalismo direto, apesar de eu ter como ídolo o Hermeto Paschoal, entendeu, eu não
busco aquela escola, completamente. Eu busco uma música popular, que vai tocar no rádio,
a pessoa vai ouvir, vai gostar...
FERNANDA - A gente pega aquela fórmula que a gente tem uma idéia que vai ter
uma boa repercussão pra quem tá ouvindo e não entende de música. A gente pega aquela
fórmula e coloca um elemento aqui, um elemento ali, diferente daquele padrão, daquele
pacote que tá na grande mídia. Alguma coisa a gente tenta inovar de uma forma bem... não
como o mestre Hermeto, né (risos), a gente vem muito mais suave. A gente tenta dar um
toque diferencial, mas dentro do formato pop.
ROBERTO - Até porque eu acho que, além dessa coisa, desse cuidado com os
arranjos, de fugir um pouco do jargão as próprias letras, as composições, eu vejo algo de
muito especial assim, não só nas minhas, mas principalmente as do Felipe Vargas, que é o
outro compositor da banda. Ele, não sei se tem que ver com o que ele faz, que ele cursa
Psicologia, mas ele traz todo um outro lado de ver o mundo, usando figuras de linguagem, e
eu acho que isso aí traz uma dimensão pra banda que tu não encontra em qualquer banda,
né? É algo que a pessoa tá escutando a música, tá vendo a cena, mais ou menos isso.
BRASILEIRINHO - É uma coisa interessante também que tenha mais de uma
pessoa compondo na banda, porque muitas bandas são extensões da personalidade do
vocalista-compositor-guitarrista, que é a pessoa que acaba concentrando todas as atenções.
É legal que existam bandas assim em que, digamos, o poder é repartido mais
democraticamente.
ROBERTO - Não, com certeza, é uma preocupação a gente não ter cada um a sua
função. Todo mundo trabalha junto, decide junto as coisas, tanto é que eu toco teclado e
violão; a Fernanda canta e toca teclado; o Felipe toca...
FERNANDA - Guitarra.
ROBERTO - Violão, guitarra e canta; aí o Daniel, ele toca bateria, percussão, faz uns
backing vocals; o Leonardo, que é baixista, também manda guitarra, então a gente tenta
fazer essas misturas, pra não deixar padrão. Todo mundo é Viramundel.
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FERNANDA - É, nós temos 3 compositores e 5 arranjadores. Na hora de arranjar
todos participam. Então acho que isso ajuda também a ter aquele pouquinho de hibridismo,
que o Felipe tanto gosta dessa palavra, a banda híbrida.
BRASILEIRINHO - E a banda híbrida tá com planos pós-festival, já pensando em
2004?
ROBERTO - Bah! Eu costumo comentar e brincar com o pessoal assim: “Será que
nós vamos entrar no Festival 2004?” Que eu tenho dúvidas, se eu tiver lá, por acaso, na
final, se eu vou ganhar o prêmio duas vezes consecutivas. Então a gente tá pensando em
focar outros lances agora, tentar fazer mais uma estratégia de divulgação, buscando outros
espaços. Vamos nos informar que que precisa pra concorrer ao Açorianos, vamos trabalhar
shows em teatro. Agora a gente tá com contato com uma produtora que gostou da banda, tá
investindo um monte, então a gente vai buscar um selo pra gravar um CD. São projetos
mais externos, mas nunca deixando de lado o pessoal do Festival. Até por eu ter participado
da história do 4º Festival com o Daniel Hoeltz, eu tô em contato com ele direto, a gente
quer movimentar aí o pessoal da Prefeitura e dos festivais. A gente tá até combinando de os
seis vencedores que tiveram até agora formarem uma equipe legal. Vamos agitar, vamos
tentar fazer shows dos vencedores, vamos dar um suporte pra quem constrói o festival, de
repente dar idéias. A gente que já ganhou tem várias opiniões pra passar que podem
melhorar o formato, né?
FERNANDA - O Festival, a gente acha que é uma boa porta de entrada,
principalmente pra quem ainda não teve oportunidade de mostrar o seu trabalho. Então
acho que quem já conseguiu chegar, ser vencedor do Festival, tem que se unir e dar suporte
pras novas produções que vão vir. Roberto falou dos nossos projetos a médio prazo, a longo
prazo. A curto prazo, eu diria que é a gente estar na rua fazendo show pra ter contato com o
público, porque é o que move a gente, né?
BRASILEIRINHO - E esses projetos a curto, médio e longo prazo da Viramundel
são compatíveis com a tua continuidade n’ A Falha de Santo André?
ROBERTO - Com certeza (risos). Assim, ó: eu tenho mais 4 bandas além da
Viramundel. Eu, às vezes, acordo e penso: “Quem sou eu? Como é que eu faço tanta
coisa?” Porque eu tenho uma rotina muito louca, cara, eu dou aula todos os dias de manhã,
entende, eu tenho aula todos os dias de tarde na faculdade, eu faço Direito, tem aulas
particulares que eu dou de noite e daí sobram ainda algumas noites pra trabalhar com mais
4 bandas além da Viramundel, pra namorar (risos), pra descansar e pra estudar pras provas
da faculdade. Então, às vezes, tem épocas do ano que o pessoal me liga, não posso falar,
porque é uma loucura. Mas com certeza, cara, a gente tenta dar o melhor em cada espaço
que a gente tá ocupando. Então eu, com o Jorge Herrmann, o pessoal d’A Falha de Santo
André, tenho um compromisso de compor junto, de arranjar as músicas, de fazer todo um
trabalho de teatro. É uma banda (que) tem um som bem do Sul. Nós usamos tambores,
coisas tribais. O Jorge tem uma forte escola do minimalismo, ele usa poucos elementos,
sons mântricos, assim, de absorver toda a atmosfera do ambiente e eu acho isso muito legal.
Não pretendo largar a Falha - a menos que nós façamos muito sucesso (risos). Se a gente
virar um Titãs da vida, bom, aí eu consigo um tecladista até melhor que eu pra eles, e eu
vou fazer meu sucesso, mas por enquanto vamos tentar conciliar tudo, né?
BRASILEIRINHO - Roberto, um dos integrantes atuais da Viramundel, o Felipe, ele
já é um parceiro teu de mais tempo, né?
ROBERTO - É, o Felipe... eu falei antes que eu tive um conhecido que me
propulsionou a começar a compor, e teve os conhecidos que me propulsionaram a começar
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a tocar com banda. Foi na mesma época, do 1º Festival também. E um deles foi o Felipe. A
gente estudou no mesmo colégio. Resolvemos montar uma banda ali de ex-alunos do
colégio, alguns ainda estudavam ali. Essa banda foi coordenada pelo Clóvis, que era o
professor de música. A gente teve essa banda por um longo período, mais de 3 anos de
coisas boas e coisas ruins acontecendo, e essa convivência ajudou muito no que é hoje a
Viramundel, a gente passou a se conhecer, porque pra ti ter um colega de profissão tu não
pode só (dizer): “bom dia”, “vamos trabalhar”, “tchau”. É uma coisa que acaba envolvendo
um pouco mais. O Felipe se tornou um parceiro tanto nas horas em cima do palco quanto
fora do palco, então acho que com certeza tudo que a gente acumula de experiência na vida
vai nos ajudar algum dia.
***
TERROR DOS FACÕES HOMENAGEIA RADAMÉS E QUINTANA
Em 2006, completaram 100 anos de nascimento dois ilustres gaúchos: o compositor e
maestro Radamés Gnattali e o poeta Mário Quintana. Prestar esta dupla homenagem foi a
proposta da Seresta na Casa, que aconteceu em 12 de julho na Sala Luís Cosme (Casa de
Cultura Mário Quintana - Porto Alegre) - lotada, como nos bons tempos do projeto Na
Roda do Choro.
Floreny Ribeiro declamou poemas de Quintana, enquanto a parte musical esteve a
cargo do grupo Terror dos Facões: Diogo Jackle e Caoan Goulart (violões), Pedro Franco
(bandolim), Vinicius Ferrão (cavaquinho) e Guilherme Sanches (percussão). Diogo,
Vinicius e Guilherme integram o grupo Choro Negro, formado a partir das oficinas de
choro de Luís Machado no Santander Cultural, onde também se revelaram Pedro e Caoan.
O batismo desta formação como "Terror dos Facões" foi dado por Luciana Rabello, quando
os jovens chorões porto-alegrenses participaram do festival de Mendes (RJ), em janeiro. Ao
ouvi-los, Luciana associou a qualidade de sua execução ao que se comenta do grupo de
mesmo nome liderado por Octávio Dutra, na Porto Alegre do começo do século 20 (ei,
justamente a época em que nasceram Radamés e Quintana!).
O Terror deixou a desejar naquela que ousadamente foi escolhida para a abertura dos
trabalhos: a suíte "Retratos". O que não deixa de ser compreensível, afinal trata-se de uma
composição escrita por Radamés para bandolim e orquestra - aliás, a bem da verdade, para
Jacob do Bandolim e orquestra regida por Radamés. É uma música muito difícil!
Individualmente, os instrumentistas estiveram bem nesta peça, o que talvez tenha faltado
tenha sido mais ensaio de conjunto; ficou sensível uma falta de fluidez na execução, que se
ressentiu de várias "paradinhas" não previstas na pauta. A interpretação do grupo esteve
melhor nos choros "Serenata no Joá", "Papo de Anjo", "Tristonho" e "Remexendo" e caiu
um pouco na valsa "Caminho da Saudade". Todas as músicas apresentadas eram da autoria
de Radamés.
Dos integrantes do grupo, quero chamar a atenção para Pedro. Ele surgiu nas oficinas
de Machado como cavaquinho solista; agora ao bandolim, toca de forma que seu
instrumento acaba por se destacar, estando porém perfeitamente integrado ao som do grupo.
***
TRIO BRASIL BEM SOADO
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O Trio Brasil Bem Soado (Eldade Chapper – clarinete, Johannes Doll – saxofone
soprano, Pedro Homero – violão), que se dedica ao resgate da produção instrumental da
primeira metade do século passado, apresentou-se três noites seguidas no Fellini Piano Bar
– 21, 22 e 23 de novembro de 2002.
Na noite de 23, o trio iniciou seu espetáculo com músicas de Octávio Dutra (18841937), o compositor porto-alegrense mais importante das décadas de 1910 e 1920 (para
saber mais sobre o criador do Terror dos Facões, recomendamos o livro Octávio Dutra na
História da Música de Porto Alegre, de Hardy Vedana, Porto Alegre: edição do autor,
2000). Através de choros, polcas e maxixes como “Mulher Fingida” e “Celina”, o público
pôde conhecer o que se ouvia na capital gaúcha há 80 anos, antes do advento do rádio. A
propósito, Eldade desfia uma tese interessante: Octávio Dutra foi genial pela quantidade de
músicas que compôs, não pela qualidade delas (embora haja muitas realmente muito boas).
A primeira parte do espetáculo se encerrou com músicas de um aluno aplicado de Octávio,
o flautista Dante Santoro: “Gilka” e “Quando Minha Flauta Chora”.
Na seqüência, o trio brindou a platéia com clássicos do repertório de choro, como
“Odeon” (Ernesto Nazareth), “Pedacinhos do Céu” (Waldir Azevedo) e “Ingênuo”
(Pixinguinha), no qual o clarinete de Eldade imita uma cuíca nos últimos compassos.
De modo geral, a interpretação do Brasil Bem Soado equilibra-se entre o dolente e o
alegre. O clarinete e o sax, muitas vezes, unem seus timbres em belos uníssonos. Quem
julga que faltaria um instrumento de percussão para “fechar” o som do grupo, engana-se:
Pedro Homero, no violão, dá conta tanto da parte harmônica quanto da rítmica. Como, por
sinal, demonstrou após o final da apresentação do trio, quando solou vários temas
flamencos ao lado de arranjos originais para “Luar do Sertão” (João Pernambuco – Catulo
da Paixão Cearense) e “O Barquinho” (Roberto Menescal – Ronaldo Bôscoli).
***
Mistura e Manda nº 113 (8/8/2005)
PEDRO HOMERO (1936-2005)
O músico e artista plástico Pedro Homero faleceu em Porto Alegre na segunda, 1. Seu
trabalho na pintura deu-lhe projeção internacional, com a edição de cinco obras suas como
cartões-postais na França em 2004. Antes disso, integrou a Frente Negra de Arte, pois
sempre batalhou pela igualdade racial e pela liberdade religiosa dos cultos afro-brasileiros.
Foi na música, porém, que seu trabalho foi mais diversificado. Ele conseguia ter bom
trânsito em áreas geralmente restritas como os festivais nativistas (compondo e tocando) e o
carnaval porto-alegrense, sendo autor de diversos sambas-enredo. Também se dedicou ao
choro, integrando, ao lado de Eldade Chapper e Johannes Doll o Trio Brasil Bem Soado.
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FESTIVAIS / SHOWS COLETIVOS
FESTIVAL DE PORTO ALEGRE:
CAMINHOS PERCORRIDOS, RUMOS POSSÍVEIS
O Festival de Música de Porto Alegre foi criado pela Prefeitura em 1998, a partir de
solicitação da comunidade no Orçamento Participativo (OP). O evento adotou um modelo
peculiar, em que se parte da divisão da cidade em 16 regiões pelo OP para efeitos de
inscrição no Festival. Até 2002, cada região fazia sua eliminatória, escolhendo a música
representante para a finalíssima, realizada em duas noites no Auditório Araújo Vianna. O
show de intervalo das eliminatórias geralmente contava com um artista profissional da
cidade - o que se repetia nas noites da final, com exceção da primeira edição, em 1998,
quando os shows ficaram a cargo de Edu Lobo e Bezerra da Silva. Em 2003, a crise
financeira atravessada pelo município levou ao corte ou à redução de uma série de itens do
orçamento da Secretaria Municipal da Cultura (SMC), e isso se refletiu no Festival. Este
ano não se realizaram as Eliminatórias, mantendo-se as duas noites de final (na contramão
da maioria dos festivais do Rio Grande do Sul, em que são feitas duas noites de
apresentação das concorrentes e uma de final, com as melhores das duas primeiras noites).
No debate sobre o Festival realizado na noite de 5 de dezembro de 2003, em que se
fez uma avaliação da trajetória do certame e se buscou apontar rumos para o futuro, o
coordenador de Música da SMC, Álvaro Santi, apresentou as estatísticas sobre as cinco
primeiras edições. O gasto total da Prefeitura com o Festival até hoje totaliza R$ 1, 2
milhão - em média, R$ 200 mil por ano. Ano a ano, o investimento foi de R$ 162 mil (em
1998), R$ 260 mil (o maior, em 1999), R$ 183 mil (2000), R$ 231 mil (2001) e R$ 204 mil
(2002). Em 2003, o valor está entre R$ 110 mil (segundo Santi) e R$ 160 mil (para fechar
os R$ 1,2 milhão apresentados pela SMC como total) - o menor da história, de qualquer
forma. Santi acrescentou que os custos são diluídos “porque a organização do Festival
utiliza a estrutura da SMC, um produtor privado certamente gastaria mais”.
O número de músicas inscritas no Festival está em queda livre. No primeiro ano
(1998), foram 882; em 1999, 1.210 (o recorde); em 2000, 793; em 2001, 935; em 2002,
580; e em 2003, 566 (o menor número), totalizando 4.966, com média anual de 827
composições. A afluência de público também vem caindo: no primeiro ano, 1998, já se
estabeleceu o recorde: 28.000; em 1999, foram 18.700; em 2000, 24.000; em 2001, 26.100;
e em 2002, 11.400 (o mais baixo até então), num total de 108.200 espectadores, com
21.640 de média anual. Como a lotação atual do Araújo, depois da reforma de 1996, é de
3.000 lugares (conforme Santi me informou via e-mail em 5 de maio de 2004), estes dados
incluem o público das Eliminatórias. Logo, o próprio formato da 6ª edição já estabelecia
implicitamente que ela registraria o menor público da história do evento.
É importante observar que, no debate, a maioria dos participantes sem vínculo com a
SMC defendeu, em primeiro lugar, a manutenção da realização do Festival (a hipótese de
cancelá-lo, a bem da verdade, não chegou a ser ventilada por nenhum representante da
Prefeitura, embora estivesse implícita nos números apresentados e no formato deste ano), e
em segundo lugar, a volta do formato anterior - embora seja visível que ele já não fosse
mais capaz de mobilizar músicos e público como nos primeiros anos.
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Uma forte reivindicação é para que o Festival ou mesmo a Prefeitura ajude a carreira
dos vencedores. Amaro, da banda Anahata, sugeriu que o Festival assegure a gravação de
um CD inteiro para o vencedor (em cada Festival até 2002, era gravado um CD com os
campeões de cada região, num total de 16 faixas; em 2003, foi feita uma seleção com as 17
músicas da finalíssima que receberam mais pontos do júri). Daniel Hoeltz, da banda Daniel
& A Cova dos Leões, vencedora do 4º Festival, solicitou novos espaços para que a banda
vencedora e outras reveladas nas Eliminatórias possam se apresentar, até como forma da
cidade se preparar para o Festival seguinte. “Após o Festival, fiquei decepcionado, o espaço
é difícil”, comentou. Xandeli, vencedor do 1º Festival, lamentou que nunca tenha sido
chamado para entregar um prêmio nos Festivais seguintes, além de solicitar uma
remuneração para os músicos que defendem as músicas na final, “isso nunca rolou”. De
qualquer forma, Daniel, Xandeli, Leandro Maia (ex-integrante da extinta banda Café
Acústico), Rodrigo (da banda Arauak) e a cantora Bianca Fachel lembraram que suas
bandas tiveram um bom impulso na carreira após a vitória ou mesmo a participação no
Festival.
Bianca destacou o papel do Festival para que ela resolvesse encarar com seriedade a
carreira musical. O compositor Roberto Porcher (que dias depois se sagraria vencedor da 6ª
edição) concordou, lembrando que um amigo seu o convenceu a começar a compor por
ocasião do 1º Festival. Leandro revelou ter feito o mesmo com Alexandre Fisch, que
escreveu “Retirantes”, 1º lugar no 2º Festival, defendida pela Café Acústico.
Gilmar Eitelvein, diretor da Usina do Gasômetro, defendeu a idéia da Prefeitura
ajudar os vencedores a circularem melhor pela cidade, como acontecia no extinto projeto
Cultura Por Aqui, e se posicionou pela volta das Eliminatórias. Noé Corrêa, das Oficinas
de Música da SMC, também se manifestou pelo retorno do formato anterior, e lembrou que
o Cultura Por Aqui garantia apresentações em várias regiões da cidade ao 2º colocado no
Festival, mas muitas vezes era difícil localizar a banda, que se formava só para o certame e
depois se dissolvia. Leandro afirmou: “Sinto falta de equipamentos culturais, teatros,
auditórios nos bairros, para apresentação de quem tocou no Festival, aos domingos. A
descentralização se dá no dia-a-dia, não seria questão de muitos recursos.” Porcher
destacou que “a gente quer é mostrar o trabalho, sem se importar se tá ganhando ou não”.
Com a possível volta das Eliminatórias, como ficaria o show de intervalo em cada
uma? Vanderlei (da banda Indigentes) acha interessante que o vencedor de uma região num
ano toque em outra no ano seguinte, “é legal o vencedor da região Navegantes tocar na
Centro”. Noé prefere que o show caiba ao vencedor da própria região do ano anterior.
Vanderlei gostaria ainda que o vencedor do Festival fosse impedido pelo regulamento de
concorrer no ano seguinte.
Vanderlei questionou o processo de seleção dos jurados: “Só em um Festival minha
opinião coincidiu com a do júri”. Santi esclareceu que, nas eliminatórias regionais, o júri é
escolhido pela Comissão de Cultura da região, a partir de uma lista preliminar de 60 nomes
elaborada pela SMC, que se reserva a seleção dos 7 jurados da finalíssima.
Rodrigo levantou a hipótese de a letra da música vencedora de cada região passar a
integrar o projeto Poemas no Ônibus. Vanderlei pediu que as letras das músicas não
classificadas para a final possam concorrer também na categoria Melhor Letra.
Beto Souza, da banda Zero Cinco Um, sugeriu que a Prefeitura abra uma rádio para
rodar as músicas vencedoras do Festival. Luiz Mauro, da SMC, descartou a idéia, sugerindo
que os músicos das bandas vencedoras se organizem numa cooperativa para comprar
espaço nas rádios comerciais a fim de fazer um programa. Vanderlei também defendeu a
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união dos vencedores, para fazer divulgação conjunta e para negociar com a Prefeitura.
Santi e Sílvia Abreu, jornalista e divulgadora do 6º Festival, destacaram que a prática do
jabá inviabiliza que os CDs do Festival e os financiados pelo Fumproarte rodem nas rádios
comerciais. Luiz Mauro e Rodrigo lembraram que as rádios comunitárias são um
importante canal para furar o bloqueio das rádios comerciais. Santi elogiou o trabalho das
comunitárias e colocou à disposição delas pacotes com 20 CDs editados pela Prefeitura,
que podem ser retirados na Coordenação de Música pelos responsáveis pelas emissoras ou
mesmo enviados a rádios do interior do Estado sem custo.
Leandro sugeriu a criação de um arquivo histórico com todas as músicas inscritas para
o Festival. Santi descartou a idéia, pois o regulamento obriga à destruição das fitas
utilizadas na inscrição, segundo ele, por questão de direitos autorais, já que a guarda das
músicas caberia à Prefeitura.
Alguns dos participantes, como Bianca, Vanderlei, Sílvia e o baixista Alexandre
Vieira, exortaram os músicos a batalhar por conta própria, sem esperar que a Prefeitura abra
espaços.
Luiz Mauro lembrou aos músicos que procurem outros festivais, no Rio Grande do
Sul através do IGTF (Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore) e no país pelo site
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Bianca apresentou duas sugestões: mais debates (Amaro e Rodrigo concordaram) e a
criação de novas categorias, como a instrumental.
A presença de Nei Lisboa no show da última noite do festival foi também objeto de
controvérsia. Porcher, ressalvando que considera o artista “trilegal”, preferia ver o vencedor
do ano passado, ou algum ganhador do prêmio Açorianos. Alexandre Vieira considerou
importante a presença de Nei, “patrimônio nosso”, para atrair público. Vanderlei
concordou. Santi foi pelo mesmo caminho, assinalando que é importante para o participante
do Festival ter contato com um profissional de renome e também para que o público que
venha ouvir Nei Lisboa conheça os novos talentos das regiões da cidade. Nesse sentido,
Santi defendeu ainda a presença de “medalhão” nacional - uma pretensão para este ano que
a falta de recursos podou -, para que conheça a força da música local e saia falando bem de
Porto Alegre. Foi justamente o que aconteceu, segundo Noé, com Bezerra da Silva, que
seguidamente comentava sua participação no encerramento do 1º Festival.
Leandro advertiu para o perigo de músicos profissionais tirarem espaço dos amadores
no certame. Paulo Nascimento, vencedor do 3º Festival, acredita que isso cabe aos jurados.
Alexandre Vieira julga que a estrutura do Festival resolve essa questão, principalmente pelo
valor baixo de premiação (neste ano, R$ 2 mil para o primeiro lugar). Santi esclareceu que
a intenção do valor de premiação nesta faixa é justamente para diminuir a possibilidade de
que um profissional “tire espaço” de um amador, ressaltando que “não há como impedir o
profissional de participar”.
Para quem esteja achando que houve muitas reclamações no debate, deixo a frase de
Rodrigo que, de certa forma, resumiu as diversas manifestações: “Sempre vai ter
reclamação a fazer, a gente sempre cria expectativas maiores que o que acontece”.
A partir desta reunião e da edição 2003 do Festival, a idéia da SMC é retomar o
debate em março de 2004 para definir, em fóruns regionais, o novo formato para o 7º
Festival, de acordo com Adroaldo Corrêa, coordenador da Descentralização.
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SANATÓRIO GERAL
Foi um grande sucesso a homenagem aos 60 anos de Chico Buarque ocorrida em 9 de
julho de 2004 no Cia. de Arte Café, com apoio do Jornal Vaia e do Brasileirinho. O evento
foi batizado como Sanatório Geral, aludindo à escola de samba cujo desfile Chico e
Francis Hime descrevem em “Vai Passar”.
Coube-me falar na abertura, abordando alguns aspectos da obra de Chico; aproveitei
para contar passagens pouco conhecidas de sua vida, como seu primeiro encontro com Elis
Regina.
Na seqüência, vários grupos se apresentaram, interpretando pérolas da obra
buarquiana. O Macambira (formado por integrantes da Camerata Brasileira) atacou de
“Feijoada Completa”. Os dois bandolinistas do grupo tiveram seu momento solo: Rafael
Ferrari tocou “Gente Humilde” (Garoto - Vinicius de Moraes - Chico), enfrentando alguns
percalços em relação ao som, e Luís Barcelos apresentou uma versão irreconhecível de “O
Que Será (À Flor da Terra)”. Muito aplaudidas também as atuações da cantora Luciana
Pauli (da banda Anahata), que foi acompanhada João Mayer ao violão, e da atriz Daniela
Aquino, que esteve soberba no trecho que apresentou da peça Gota d’Água, de Chico e
Paulo Pontes. Outra atriz, Rosaura Costa, leu dramaticamente as letras de “Cálice”
(Gilberto Gil - Chico) e “Milagre Brasileiro” (esta, assinada por Chico como Julinho da
Adelaide).
Também tocaram Sil, Zé da Terreira, Coca Barbosa & Siboney, Otávio Santos &
Carolina, Edu Saffi, Márcio Sobrosa, Rogério Lauda, Leonel Schardong, Mozart Dutra,
Giovani Mesquita e Maria Carmen, entre outros.
Ao final, o DJ Fred colocou todo mundo pra chacoalhar o esqueleto com uma seleção
de Chico, Alcione, Paulinho da Viola, Martinho da Vila, Tim Maia, Jair Rodrigues, Elza
Soares, Jorge Ben e outros grandes benfeitores da Humanidade.
***
A MOBILIZAÇÃO DOS MÚSICOS GAÚCHOS
Durou mais de quatro horas o ato-show no Salão de Atos da UFRGS que marcou a
participação dos músicos gaúchos em 10 de julho de 2005, escolhido pela categoria como
Dia Nacional de Mobilização. A idéia do movimento foi apresentada pelo compositor
Cláudio Levitan numa das reuniões do Fórum Permanente de Música do RS. O ponto alto
do show foi a execução do Acorde Nacional, que iniciou em Belém do Pará e teria seu final
justamente em Porto Alegre, com a emissão de um si bemol agudo. Pouco depois das 17h,
Levitan recebia o sinal pelo celular e coube a Leandro Maia reger a platéia, com o apoio de
Airton Pimentel e Luiz Mauro (violões), Rodrigo Siervo (sax) e Marcelo Lehmann (piano).
Também se destacaram: a primeira audição da música “Em Si”, de Dúnia Elias, com a
autora ao piano e cantando (o que raramente acontece); a canja do pianista uruguaio Hugo
Fatoruso, que havia tocado no Santander Cultural na mesma tarde e fez questão de apoiar
os colegas; a defesa que Adriana Marques (da Rádio Esmeralda) fez de que espaços que em
geral ficam ociosos aos domingos (como o Salão de Atos) possam abrir para que os
músicos toquem de graça, ajudando na formação de platéias.
O pequeno público presente pôde acompanhar ainda Adriana Deffenti, Álvaro Santi
& André Márcio, Arthur de Faria, Bleque, Cláudio Levitan & Os Tripulantes, Cláudio Vera
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Cruz, Ernesto Fagundes, Izabel L’Aryan & Airton Pimentel, Jotaagá & Chico Neto (do
Fróide Explica), Leonardo Ribeiro, Loma & Daniel Pereira (numa excelente versão de
“Mucuripe”, de Fagner e Belchior), Lúcia Helena & Gelson Oliveira, Luizinho Santos
Quarteto, Marcelo Delacroix, Mário Falcão, Nelson Coelho de Castro, Pata de Elefante, Os
PoETs, Rádio Esmeralda (cuja versão de “Chatanooga Choo Choo”, de Mack Gordon e
Harry Warren, está cada vez melhor), Rafael Ferrari (bandolim) & Rafael Silva (violão),
Sil, e Zilah Machado.
***
COMEMORANDO OS 61 ANOS DE ELIS
Se viva estivesse, a cantora Elis Regina completaria 61 anos em 17 de março de 2006.
Completaria? Ela está mais viva do que nunca, ao menos para seus admiradores. Foi o que
disse o diretor da Casa de Cultura Mário Quintana, Sérgio Napp, ao falar no evento
comemorativo promovido pelo Acervo Elis Regina, mantido pela CCMQ.
Inaugurado em setembro de 2005, pela primeira vez o Acervo promoveu um evento
valorizando a imagem de sua homenageada. Além da fala de Napp (à qual voltaremos), os
presentes puderam ouvir Tribo Brasil, Karine Cunha, Darcy Alves e Luciano Fortes
interpretando músicas consagradas na voz de Elis (ah, ia esquecendo, os funcionários do
Acervo também quiseram homenagear Elis, cantando).
A Tribo Brasil trouxe versões muito boas de “Upa, Neguinho” (Edu Lobo Gianfrancesco Guarnieri) e “Canto de Ossanha” (Baden Powell - Vinicius de Moraes),
seguindo a linha melódica dos arranjos originais, mas colocando pitadas bem-humoradas de
inovação - como transformar o vocalise final de “Upa, Neguinho” em “tri-pra-cantar”
(observação pra quem não é gaúcho: “tri” é uma gíria local pra definir uma coisa que
impressiona bem, que é muito boa... enfim, que é muito tri!) No caso, parece uma redução
de “tri a fim”, ou seja, o grupo manifestava que estava muito empolgado com a idéia de
cantar no aniversário de Elis (a empolgação se transmitiu ao público ao ouvi-los!).
Karine repetiu, em voz e violão, a sua bela versão de “Essa Mulher” (de Joyce, faixatítulo do LP de Elis de 1979), que cantara na véspera no foyer do Theatro São Pedro,
acompanhada pelo piano de Bethy Krieger. Karine consegue uma proeza, mantendo a voz
segura num trecho em que a própria Elis tinha dificuldade, no verso “Seca o bar”.
Darcy Alves, com seu vozeirão característico, interpretou corretamente clássicos de
Lupicínio Rodrigues (apenas um dos quais efetivamente gravado por Elis, “Cadeira Vazia”,
parceria com Alcides Gonçalves), acompanhando-se ao violão. Já Luciano não esteve
muito bem nas suas versões de “Águas de Março” (Tom Jobim), da qual apenas lembrou a
primeira parte, e “As Curvas da Estrada de Santos” (Roberto Carlos - Erasmo Carlos) - tudo
bem que seja uma música difícil, afinal as únicas gravações dela que entraram para o
inconsciente coletivo são de Elis e do próprio Roberto, inegavelmente dois dos (para mim
os dois) maiores intérpretes que este país já produziu, mas a dificuldade do trajeto deve ser
avaliada antes de se tomar a estrada...
Em seu pronunciamento, Napp contou aspectos pouco conhecidos da trajetória de
Elis, de quem foi amigo. Eles se conheceram em 1963 quando, ainda estudante de
Engenharia, ele já compunha e foi à casa dela no IAPI levar-lhe algumas músicas (uma
delas, “Meus Olhos”, entrou no LP O Bem do Amor, que Elis gravou em 1963 na CBS). No
ano seguinte, com Elis já instalada no Rio de Janeiro, Napp, ao visitá-la, presenciou sua
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negociação com a Odeon, que disputava com a RCA Victor o novo contrato de Elis, que
não queria seguir na CBS. Poucos dias depois, ao retornar a Porto Alegre, Napp soube que
ela fechara com a Philips. (A versão da biografia Furacão Elis, de Regina Echeverria, para
o fato é de que Elis já teria viajado ao Rio com convite da Philips, embora ainda devesse
um disco à CBS.)
O diretor da Casa também relatou a dificuldade que é ampliar o acervo. Os filhos de
Elis não chegaram a doar nenhum material ou objeto da artista. Ainda sobre família: corre
na CCMQ a lenda de que dona Ercy Carvalho Costa, a mãe de Elis, teria visitado o Acervo
incógnita, só se descobrindo o fato devido à sua assinatura (ou uma assinatura muito
parecida com a sua) no livro de visitas do espaço (livro que tenho o orgulho de ter
inaugurado!). Já o acesso a material de TV é restrito. Como nenhuma afiliada gaúcha de
rede nacional de TV pode ceder material gerado pela emissora líder (ou seja, a RBS TV não
pode disponibilizar nada que tenha sido produzido pela Rede Globo), o que se tem nesse
sentido é muito pouco, com destaque para algumas entrevistas que Elis concedeu ao Jornal
do Almoço.
Depois dos shows e da fala de Napp, a festa seguiu com a exibição de vídeos de Elis,
incluindo uma raríssima relíquia dos arquivos tantas vezes incendiados da TV Record: a
premiação de Elis como vencedora da Bienal do Samba (1968) cantando “Lapinha” (Baden
Powell - Paulo César Pinheiro), acompanhada dos Originais do Samba e do próprio Baden
ao violão - ao final, outros artistas, como Ciro Monteiro, engrossaram o coro.
A lamentar mesmo, apenas a grave falha da Comunicação da Casa, que incluiu no
release, não se sabe como & por quê, um debate entre Napp e o jornalista Juarez Fonseca o convite a Fonseca nem chegou a acontecer, revelou Napp.
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O AUTOR
Fabio Gomes (Porto Alegre, RS, 1971-) é jornalista, escritor e cartunista. Produziu e
apresentou o programa MPB Especial na Rádio Revista (Bento Gonçalves, 1991-92). Criou
em 2002 o site Brasileirinho – A Sua Página de Música Brasileira
(www.brasileirinho.mus.br), selecionado em 2004 pela Comissão Regional do IPHAN
(Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) para representar o Rio Grande do
Sul na categoria Divulgação da Cultura Brasileira do Prêmio Rodrigo Melo Franco.
Colaborou em 2004 com o programa Samba da Minha Terra (Rádio América, São Paulo).
Ministrou o curso Panorama Histórico da Música Brasileira na Universidade de
Passo Fundo (RS)(2004) e na Fundação dos Administradores do Rio Grande do Sul (Porto
Alegre, 2005). Apresentou comunicação sobre O Trabalho na Música Popular Brasileira
no 2º Colóquio Internacional Cátedra Unesco-Unisinos/5º Encontro de Estudos sobre o
Mundo do Trabalho (Unisinos, São Leopoldo, RS, 2005), destacando em especial o ciclo
de sambas sobre malandragem e trabalho compostos na época do Estado Novo, Com tema
semelhante, realizou a palestra A Música Popular nas Ditaduras Brasileiras do Século XX
na Feevale (Novo Hamburgo, RS, 2004).
Palestrou sobre O Samba Indígena no Seminário Os Sambas Brasileiros:
Diversidade, Apropriações e Salvaguarda (Santo Amaro, BA, 2007), que marcou a
inauguração da Casa do Samba de Santo Amaro - Centro de Referência do Samba de Roda.
Criou em 2005 novo site, o Jornalismo Cultural (www.jornalismocultural.com.br).
Ministrou curso de Jornalismo Cultural em diversas entidades, como a Fundação Getúlio
Vargas, Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo e SESC de Santa
Catarina. Neste, realizou também seu curso Divulgação de Eventos Culturais (2006).
Debateu Perspectivas do Jornalismo Cultural com a jornalista Angélica de Moraes na
Semana Acadêmica de Comunicação Social da UFSM (Santa Maria, RS, 2006).
Publicou os livros de contos Zás-Trás-Puf (1985) e A Garota no Bar (1990) e o livro
A Voz dos Distritos (1992), com depoimentos sobre imigração italiana na serra gaúcha.
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