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Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014
V Enebio e II Erebio Regional 1
A ABORDAGEM DOS TEMAS CONTROVERSOS EM LIVROS DIDÁTICOS E SUA
CONTRIBUIÇÃO PARA A PROMOÇÃO DA CIDADANIA NA EDUCAÇÃO
BÁSICA
Ataiz Colvero de Siqueira – Universidade Regional Integrada – URI
Neusa Maria John Scheid – Universidade Regional Integrada – URI
Resumo
O estudo da abordagem dos temas controversos em livros didáticos é uma tendência muito
bem vista internacionalmente. Uma das justificativas para estudar tal tema, está na sua
potencialidade de auxiliar no desenvolvimento sociopolítico dos estudantes. Os temas
controversos abordados nesse estudo, envolveram questões sobre ciência e o seu interesse
para a sociedade e também discussões éticas e morais. O objetivo desse artigo é verificar
como as abordagens de temas controversos apresentadas em livros didáticos de Ciências e de
Biologia, podem contribuir para a promoção da cidadania ativa desde a escola básica. Inferese que a discussão de temas controversos, oferece um leque de possibilidades para a
alfabetização científica e formação de uma cidadania ativa em nossas escolas básicas.
Palavras-chave: Temas controversos; Livros didáticos; Cidadania ativa
Abstract
The study of controversial themes approach in textbooks is a trend which is very well
regarded internationally. One of the reasons to study such a theme lies on its potential to
support the socio-political development of the students. The controversial themes approached
in this study involved relevant issues about the science and its interest for society as well as
ethical and moral discussions. The aim of the present article was to see how the approach to
controversial themes shown in Science and Biology school books, can contribute to the
promotion of active citizenship from basic education. It is inferred that the discussion of
controversial themes offers a wide range of possibilities to scientific literacy and the
formation of an active citizenship in schools of basic education.
Keywords: Controversial themes; textbooks; Active citizenship
1. INTRODUÇÃO
Os documentos oficiais brasileiros, como a Constituição Federal, a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, os Parâmetros Curriculares Nacionais e as Diretrizes
Curriculares Nacionais, destacam que a formação escolar deve propiciar o desenvolvimento
de capacidades que favoreçam a compreensão e a intervenção nos fenômenos sociais e
culturais. Para além da aprendizagem de conteúdos científicos, há uma explícita preocupação
no sentido de que todos os estudantes,
(...) desenvolvam suas capacidades e aprendam os conteúdos necessários para construir
instrumentos de compreensão da realidade e de participação em relações sociais,
políticas e culturais diversificadas e cada vez mais amplas, condições estas
fundamentais para o exercício da cidadania na construção de uma sociedade
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democrática e não excludente. (BRASIL, 1997, p. 33).
Em contexto internacional, igualmente, constata-se a tendência de considerar, como
afirma Hodson (2003), a importância da promoção de uma educação científica que deverá
politizar os estudantes, portanto, não devendo ser sobre a cidadania, mas para a cidadania.
Vários autores, entre eles, Almeida (2011); Galvão e Reis (2008); Hilário e Reis (2009);
Reis (1999, 2007) vem investigando e incentivando a pesquisa sobre os benefícios da
discussão de temas e/ou questões controversas 1 em salas de aula para a promoção da
cidadania ativa. Entre as potencialidades dessa prática, ressalta-se o desenvolvimento
cognitivo, social, político, moral e ético dos cidadãos (alunos) que estão envolvidos pela
discussão das questões polêmicas (REIS, 2013). Outro resultado positivo que se pode alcançar
com as discussões é a promoção, simultânea, das capacidades de raciocínio lógico e moral e
uma compreensão mais profunda de aspetos importantes da natureza da ciência (FANICA e
REIS, 2012).
No entanto, alerta Reis (2013), mesmo quando os temas controversos integram os
documentos curriculares, apenas alguns professores de Ciências implementam essas
atividades nas suas aulas. Uma das dificuldades enfrentadas pelos professores que executam
essa prática pode originar-se nas escolas, considerando que essas, em suas propostas
pedagógicas, não cumprem com o seu dever de promover o conhecimento de forma
questionadora e crítica através da comparação de ideias, propiciando aos alunos uma visão
mais global da origem do conhecimento referente aos conteúdos curriculares (DELAQUA e
BASSOLI, 2013). Dentre as dificuldades encontradas para uma abordagem mais ampla das
questões controversas, pode-se citar entre outros: i) a própria concepção dos professores sobre
ciência, sobre cidadania e sobre política; ii) conhecimento didático dos mesmos para as
práticas alternativas em sala de aula; iii) a forma de avaliação (REIS, 2013).
Por outro lado, Júnior e Porpino (2010) destacam que, nos últimos anos, os livros
didáticos tornaram-se os direcionadores do conhecimento científico planejado, pelos
professores, aos seus alunos. Ao contextualizar a evolução do livro didático defronta-se que
durante muito tempo foram ferramentas de lucros para indústrias e editoras, nos quais a forma
como o conteúdo era exposto aos alunos e aos professores pouco importava. Em consequência
1
Segundo Reis (2013, p. 01), as questões sociocientíficas e socioambientais controversas consistem em questões
suscitadas por interações entre ciência, tecnologia, sociedade e ambiente que dividem a sociedade e
relativamente às quais diferentes grupos de cidadãos apresentam explicações e possíveis soluções que são
incompatíveis, baseadas em crenças, compreensões e valores incompatíveis (Oulton, Dillon & Grace, 2004;
Levinson, 2006). Estas questões não conduzem a conclusões simples e envolvem uma dimensão moral e ética
(Sadler & Zeidler, 2004).
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disso, surgiram lacunas dentro dos conteúdos e conceitos errôneos contribuindo para uma
educação fragmentada. Neste contexto, tornou-se necessário uma maior atuação do Programa
Nacional do Livro Didático (PNLD) juntamente com o Ministério da Educação e Cultura
(MEC) tendo como resultado a publicação dos Guias dos Livros Didáticos (GLD) 2 com o
objetivo de auxiliar os professores na escolha dos novos livros, e a retirada de circulação dos
livros não recomendados (BRASIL, 1998). Contudo, ainda hoje, algumas escolas têm em seu
acervo livros desse período (SANDRIN et. al., 2005).
Mesmo que, atualmente, a seleção dos livros didáticos seja mais criteriosa e acompanhada
de uma disponibilidade maior de recursos para uso dos professores, como o Guia do Livro
Didático - PNLD 2012 – 2014, que oferece conteúdos em multimídia para complementar o
conteúdo do livro impresso (BRASIL, 2013), é importante buscar a superação da postura
cientificista de ensino tradicional e descontextualizado (FLECK, 2010). Ou seja, é preciso
desenvolver uma educação que ultrapassa os limites dos métodos tradicionais (conhecimento
científico) e busca a construção do conhecimento pelos próprios alunos (conhecimento
exotérico). Em acordo com Demo (2011), o aluno precisa saber intervir na realidade de modo
alternativo, com base na capacidade questionadora que ele possui, e que nesses casos, pode
ser facilitado com a discussão dos temas controversos presentes nos livros didáticos.
No presente artigo, apresenta-se uma investigação realizada com o objetivo de verificar
como as abordagens de temas controversos apresentadas em livros didáticos de Ciências e de
Biologia, utilizados durante os estágios supervisionados dos licenciandos de um curso de
Ciências Biológicas, podem contribuir para a promoção da cidadania ativa desde a escola
básica.
2. PERCUSO METODOLOGICO
A investigação se caracteriza como qualitativa do tipo análise documental e teve como
amostra os livros didáticos de Ciências e de Biologia utilizados nos últimos cinco anos (20082012) pelos licenciandos do curso de Ciências Biológicas da Universidade Regional Integrada
do Alto Uruguai e das Missões – URI – campus de Santo Ângelo, ao realizar seus estágios
supervisionados. Foi realizada em duas etapas: uma primeira, para recolha de dados e uma
segunda, de análise de conteúdo buscando verificar o potencial dos temas sugeridos para a
promoção da cidadania ativa.
A primeira foi de recolhimento dos dados, iniciou-se após ter obtido o acesso ao acervo
digital (CD) dos relatórios de estágios dos últimos cinco anos, disponíveis no Laboratório de
2
Os manuais foram desenvolvidos a fim de nortear a escolha dos professores, estes possuem resenhas críticas
das obras que estão disponíveis. A primeira versão destes guias foi lançada em 1998.
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Práticas de Ensino do curso de Ciências Biológicas da URI – campus de Santo Ângelo-RS. A
seguir, descrevem-se os procedimentos para a análise:
a) A escolha dos livros didáticos deu-se pela consulta nos relatórios de estágios
supervisionados em Ciências (Ensino Fundamental) e em Biologia (Ensino Médio)
realizados pelos acadêmicos do curso de licenciatura em Ciências Biológicas da URI –
campus de Santo Ângelo, nos últimos cinco anos (2008-2012);
b) Nesses relatórios foram identificados os livros didáticos de Ciências e de Biologia que
foram utilizados/referenciados pela escola ou pelo acadêmico durante o estágio;
c) Após a identificação, os livros foram referenciados em duas tabelas, uma para o
Ensino Fundamental e a outra para o Ensino Médio;
d) Posterior à ação ‘c’, foi feita a busca pelos exemplares dos livros no acervo da
biblioteca da universidade, e nas escolas onde foram realizados os estágios
supervisionados.
Em sequência a primeira etapa, a segunda envolveu a identificação e seleção dos sete
livros do Ensino Fundamental e dos sete livros do Ensino Médio mais utilizados/referenciados
nos relatórios dos estágios supervisionados nos últimos cinco anos pelos licenciandos do
curso de Ciências Biológicas. Assim que se teve acesso aos exemplares, deu-se início ao
processo de leitura exploratória, fichamento, análise e classificação quanto a abordagem dos
temas controversos. A classificação desses temas foi adaptada a partir de Almeida (2011), a
saber: Sustentabilidade e temas emergentes na ciência; História da Terra e Evolução; Relação
ser humano e meio ambiente; Problemas ambientais; Estilo de vida; Ciência e Tecnologia.
Já os critérios para a análise da amplitude da abordagem tiveram como referência a
proposta/metodologia de Beneti; Pereira; Gioppo (2009) utilizada para classificar a
abordagem de conteúdos em livros didáticos de Ciências. Esses autores classificam a
abordagem como “escassa” quando sua menção não ultrapassa pequenos trechos;
consideram-na como “boa” quando está inserida dentro de uma sessão/capítulo e “muito
boa” quando há uma sessão/capítulo só para determinado tema.
Dentre os temas abordados com mais frequência e amplitude, foram selecionados para o
presente estudo, a partir desses 14 livros didáticos, quatro: História da Terra e Evolução,
Relação ser humano e Meio, Estilo de vida e Ciência e Tecnologia.
Assim, tendo como base essas quatro categorias de temas controversos, no próximo item a
análise discorrerá sobre a contribuição/importância dos mesmos para a promoção da cidadania
ativa dos estudantes da região de Santo Ângelo, RS.
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3. ANÁLISE DOS RESULTADOS E DISCUSSÃO
Como resultados da análise dos 14 (catorze) livros didáticos (07 nível fundamental e 07
nível médio) obteve-se os seguintes temas controversos com maior representatividade, a
saber:
•
Ensino Fundamental: história da terra e evolução, estilo de vida, e ciência e
tecnologia.
•
Ensino Médio: história da terra e evolução, estilo de vida, e ser humano e meio.
Inserido nesses temas podemos considerar para análise alguns subtemas, conforme
descrito no quadro 01:
ÁREA DE
ABRANGÊNCIA
História da
Terra e
Evolução
Sustentabilidade
Relação ser
e temas
Humano e
emergentes na
Meio
ciência
SUBÁREAS
CATEGORIA DOS TEMAS CONTROVERSOS
Seleção
natural;
Evolução
Humana;
Constituição
interna da
Terra.
Impacto das
barragens;
Alimentos
geneticamente
modificados;
Biocombustíveis;
Energia nuclear.
Utilização de
animais em
ciência,
jardins
zoológicos e
afins;
Produção
animal.
Problemas
Ambientais
Estilo de
Vida
Ciência e
Tecnologia
Poluição; Perda
de
biodiversidade;
Aquecimento
global;
Exploração de
recursos em
áreas
protegidas.
Consumo de
produtos
ecológicos,
tabaco,
álcool e
outras
drogas.
Clonagem;
Nanotecnologia;
Genoma
Humano;
Biotecnologia,
Engenharia
Genética.
Quadro 1. Representatividade dos subtemas envolvidos nesta análise.
A primeira categoria dos temas controversos, dentre os mais frequentemente abordados
nos livros didáticos analisados, “História da Terra e Evolução”, permite a discussão de
temáticas controversas que estimulam o questionamento das concepções de ciência presentes
entre os estudantes e professores. Atualmente não se aceita mais a visão de que o
conhecimento científico é racional, sistemático, exato e verificável da realidade, estando sua
origem nos procedimentos de verificação baseados na metodologia científica. Tampouco, se
pode dizer que o conhecimento científico é: objetivo; atém-se aos fatos; transcende aos fatos;
é analítico; requer exatidão e clareza; é comunicável; é verificável; depende de investigação
metódica; busca e aplica leis; é explicativo; pode fazer predições; é aberto; é útil. Nesse
aspecto de questionamento da natureza da ciência, os tópicos que podem ser discutidos nessa
categoria de temas controversos serão muito úteis.
Segundo Petrucci e Dibar Ure (2001), um dos fins básicos da educação científica é
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garantir que os estudantes adquiram uma compreensão adequada da natureza da ciência.
Pesquisas realizadas no Brasil indicam que os estudantes não possuem a imagem de ciência
que a educação científica deveria proporcionar (BORGES, 1991; QUEIROZ, 2003;
GASTAL; REZENDE, 2004; SCHEID, 2006; entre outros).
É de suma importância que o estudante e o professor percebam que a ciência não significa
somente a reunião de fatos verdadeiros em relação ao mundo, mas também de alegações e
teorias sobre esse mundo, observadas por pessoas chamadas cientistas. As afirmações desses
cientistas são relevantes para entender o mundo e formar atitudes (LEWONTIN, 2000), e por
isso a adequada visão da concepção de ciência e de cientista que os estudantes apresentam é
um forte aliado, devendo ser este um dos objetivos básicos da educação científica.
Porém, Hodson (2003) recomenda que essa adequada compreensão da natureza da ciência
não seja o fim em si da educação científica, mas seja utilizada para politizar os estudantes.
Igualmente, Reis e Galvão (2004), afirmam que a compreensão adequada da natureza da
ciência é essencial para permitir aos alunos participarem em debates e em processos de
tomada de decisão, contribuindo para a construção de uma sociedade mais democrática onde
todos podem ter uma voz. Outrossim, o que se almeja é que os estudantes passem da
sensibilização para a ação fundamentada, ou seja, que se transformem em produtores ativos de
conhecimento, por meio da investigação e da tentativa de mudar situações e comportamentos
– a ação sociopolítica (REIS, 2013).
Em síntese, para Hodson (1994) a educação científica deverá ser realizada de forma a
alcançar o nível mais elaborado da alfabetização científica que corresponde à capacidade dos
cidadãos se envolverem em ação sociopolítica.
Uma possibilidade vislumbrada a partir da discussão de temas controversos na categoria
“História da Terra e Evolução” para politizar os alunos é encaminhar projetos que visem
resgatar as diferentes explicações para a Evolução Humana. Em relação a essa questão, ouvir
e respeitar as mais diferentes posições em relação à aceitação ou não das teorias da evolução e
do criacionismo, por exemplo, poderá ser muito educativo. Entender que, a ciência é “uma
das formas de se entender o mundo – não a única”, certamente contribuirá para termos
cidadãos mais tolerantes e abertos para novas aprendizagens.
A segunda categoria abrange o tema: “Sustentabilidade e Temas Emergentes na Ciência”,
que está sendo discutido mundialmente, e não é um fato recente. Em meados da década de 70
deu-se início às discussões sobre a sustentabilidade com a publicação do Relatório do Clube
de Roma informando sobre os riscos globais do uso demasiado dos recursos naturais e, nos
anos 80, foi criada, pela ONU, a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente, a qual
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desenvolveu o paradigma de desenvolvimento sustentável. No início dos anos 90,
precisamente, em 1992, na Conferência das Nações Unidas foi criado o documento Agenda
21 Global – o qual propôs uma interligação do econômico/social e ambiental. Os anos
seguintes, e até o momento, foram/são de adaptações e tentativas de se pôr em prática o que a
Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente propunha (BACHA, SANTOS e SCHAUN,
2010). No momento em que se apresenta este contexto histórico, está (in)diretamente
estabelecendo uma conexão com um problema local/regional/nacional e mundial, ao
expandir-se para o ambiente escolar, estará aprimorando a concepção de realidade e de tempo
dos alunos, ou seja, localizando o estudante num período de tempo e de espaço.
Nessa perspectiva socioambiental é possível discutir-se várias questões controversas que
são pertinentes a este tema. Entre elas, podem-se exemplificar as ações de âmbito Estadual
que preveem ações sustentáveis em todos os níveis sociais. Porém, são nas comunidades que,
de fato, elas ocorrem; principalmente com práticas que buscam soluções ecológicas, por
exemplo, centros de reciclagem (GUERREIRO, 2012).
Nesse contexto, um aluno oriundo de família que tem sua renda gerada a partir da
reciclagem terá uma concepção de meio sustentável diferente do aluno que vê sua família
apenas consumindo itens novos. Nessa controvérsia estão envolvidas as desigualdades sociais,
tornando-se necessária a aplicação de práticas políticas e econômicas mais justas para os
diferentes níveis sociais, pois a classe social que o indivíduo está inserido atuará diretamente
nas suas concepções e ações sustentáveis (GUERREIRO, 2012). Diante dessa realidade, temse o potencial de desenvolver as questões suscitadas por Reis (2013) ligadas as concepções
culturais, sociais, econômicas e também éticas.
Ao analisarem-se tais temas, as potencialidades desejadas pela discussão das questões
pertinentes à sustentabilidade destacam-se, em acordo com o Ruscheinsky (2010): i) as
relações entre sustentabilidade ambiental e social; ii) entre a (in)sustentabilidade e as relações
sociais capitalistas; iii) entre as dimensões da materialidade ambiental e as simbólicas e, iiii)
entre as desigualdades sociais.
Procura-se assim, a plena ligação entre cidadania ativa (englobando suas potencialidades)
e as questões ambientais. Para tanto, torna-se imprescindível a compreensão das finalidades
dos atos científicos e políticos, pois, dessa forma, a população conseguirá maior mobilização
para buscar as conquistas (GUERREIRO, 2012; FARIA et al, 2014).
As próximas categorias analisadas (Relação ser humano e meio, Problemas ambientais e
Estilo de vida) estão inter-relacionadas. E, de certa forma, relacionadas com o tema
anteriormente descrito, que abordou a forma de como o homem relaciona-se com o meio em
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que vive. Nessas categorias podem-se fazer reflexões do local (dentro da sua casa) até o
global (de onde vem o que consumimos, por exemplo). Parte-se do pressuposto que as
atitudes ambientais consistem do modo que vemos o mundo (BRASIL. 1997), sendo
necessário que essa visão de mundo seja a mais coerente possível.
Tanto para essa categoria, como para a anterior, é importante que se busque o diálogo
entre as ciências e, no contexto escolar, entre as diversas disciplinas. Tal diálogo têm
resultados na concepção menos fragmentada dos cidadãos/estudantes a respeito do mundo.
Isso se torna fundamental, pois em tempos de transição pragmática, e que as verdades
absolutas (tanto no campo da ciência como no social) tem sido questionadas; a concepção
coerente sobre essa realidade desponta como um saber promovedor de conhecimentos e
práticas capazes de mudar a realidade (RODRIGUES, 2014).
Considerando essa realidade, que as verdades absolutas são questionadas, volta-se a
afirmação já suscitada por Fleck (2010) e, novamente, salientada por Morris (2014) de que a
classe dominante (detentora do conhecimento) tem criado barreiras para as classes menos
informadas. Essas barreiras estão em vários contextos, social, cultural, político, ético e muito
influenciado pela mídia.
Nesse sentido, é fundamental dentro do ambiente escolar preparar/desenvolver as
capacidades críticas dos alunos para esta realidade. O desenvolvimento dessas capacidades é
forte aliado na progressão das potencialidades politizadoras dos alunos, para tanto é
necessário que se ultrapasse as barreiras impostas pelo atual desenho social, que podem ser
facilitadas quando discutidas criticamente.
Em 2011, Demo, já ponderava sobre uma educação que apenas instruía e treinava os
alunos, salientado que a escola ou aula que apenas repassa conhecimento, que somente se
define como socializadora do conhecimento, na prática, atrapalha o aluno, porque o deixa
como objeto de ensino e instrução.
Considerando os problemas suscitados pelos autores Fleck (2010); Demo (2011);
Guerreiro (2012); Faria et al, (2014) Morris (2014); Rodrigues, (2014), o desenvolvimento
das questões controversas nos livros didáticos, que são, no Brasil, de uso da grande maioria
dos estudantes, torna-se um grande aliado para a emancipação política e social dos estudantes.
Afirma-se isso, pois existe a constatação de que a maioria dos professores orienta-se pelo
conteúdo apresentado nos livros didáticos ao organizar suas aulas.
A quarta categoria de temas controversos presentes nos livros didáticos analisados
relaciona-se a “Ciência e Tecnologia”. Para Hodson (1998), o desenvolvimento da
alfabetização científica envolve três dimensões: (i) aprender Ciência (aquisição e
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desenvolvimento de conhecimento conceptual e teórico); (ii) aprender sobre Ciência
(compreensão da natureza e métodos da ciência, da história do seu desenvolvimento e da
relação Ciência Tecnologia e Sociedade); (iii) aprender a fazer Ciência (desenvolvimento de
competências ao nível da pesquisa e da resolução de problemas). Em vista disso, a discussão
de temas controversos relacionados a essa categoria, tais como clonagem, nanotecnologia,
genoma humano, biotecnologia e engenharia genética, dentre outros, poderá trazer grandes
contribuições na promoção da alfabetização científica. Essa, por sua vez, é crucial na
educação para a cidadania ativa, pois os alunos devem compreender as questões culturais e
sociais relacionadas com a ciência e com a tecnologia e ter um comportamento ético na sua
utilização.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao propor a abordagem de temas controversos em ambiente escolar, Reis (2013) salienta
que estas questões não conduzem a simples conclusões e que envolvem questões morais e
éticas. Reafirmando esse ponto (moral e ético) outros autores como Galvão e Reis (2008);
Hilário (2009); Silva e Krasilchik (2013) corroboram a afirmação de Reis. Essa, muito
provavelmente, é a maior dificuldade encontrada pelos professores na condução de discussões
desse nível. Na maioria das vezes, os professores se omitem em abordá-las, não porque não as
considerem importantes, mas porque não se sentem capacitados para tal empreendimento
educativo. Isso, segundo Levinson (2001), se deve devido à complexidade das questões e, em
vista disso, estimula a aproximação dos professores de Ciências com os das humanidades,
mais acostumados a debates dessa natureza.
Para Reis (2006), o conhecimento e o estudo dos múltiplos fatores que contribuem para
que os professores não realizem a abordagem de questões sociocientíficas controversas e
passem à ação sociopolítica em aulas são essenciais para que os processos de intervenção,
com a intenção de apoiar os professores, sejam bem sucedidos.
A colaboração entre as diferentes áreas do conhecimento poderá contribuir para a
alfabetização científica cidadã se levar em conta que:
Uma educação tecnocientífica que permita aos indivíduos conhecer os processos e lidar
com os artefatos do mundo que os rodeia não formará realmente cidadãos capazes de
participar democraticamente se não integrar, além dos conhecimentos para analisar a
realidade e as habilidades para nela agir, estratégias para o desenvolvimento de
habilidades e atitudes participativas e abertas ao diálogo, à negociação e à tomada de
decisões em relação aos problemas associados ao desenvolvimento científico e
tecnológico (MARTÍN; OSÓRIO, 2003, p. 175).
Em síntese, percebe-se que a discussão de temas controversos, como os mais
frequentemente encontrados em livros didáticos brasileiros, oferece um leque de
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possibilidades para a alfabetização científica e formação de uma cidadania ativa em nossas
escolas básicas. Como afirma Reis (2007), a pesquisa e seleção de informação, a detecção de
incoerências, a avaliação da idoneidade das fontes, a comunicação de informação recolhida e
ou pontos de vista, a fundamentação de opiniões, o poder de argumentação e o trabalho
cooperativo são exemplos de capacidades que podem ser desenvolvidas através da discussão
dessas controvérsias. Urge que tenhamos presente a importância dessas discussões e que
sejam dadas aos professores as condições de tempo/espaço adequadas para o
desenvolvimento.
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