cotidiano da economia

Transcrição

cotidiano da economia
Gerson
Gomes
da
Silva
COTIDIANO DA ECONOMIA
1
NOTA DO AUTOR
O livro “Cotidiano da Economia” é uma coletânea de artigos publicados
nos jornais A Gazeta e Folha do Estado, de Cuiabá. São textos que refletem o
período em que o governo Fernando Henrique (1994-2002) utilizava-se dos
mecanismos da paridade cambial para sustentar sua política econômica. Nessa
época, muitas crises financeiras eram causadas pela contaminação dos mercados
globalizados, pelas quedas das bolsas.
O Brasil conviveu durante muito tempo com altas taxas de inflação,
logo, os textos evidenciam os obstáculos enfrentados e os esforços empreendidos
pelo governo em consolidar o Plano Real e, por extensão, a estabilidade econômica.
2
SUMÁRIO
Meus Caros Amigos
04
Mundo Cor-de-Rosa
06
Ilha de Ostras
09
A Bola, digo, as Bolsas Rolam
11
As Saídas Laterais
13
Circuit Breaker
15
O Turismo Doméstico e suas Mazelas
17
O Príncipe e a Sopa de Papelão
19
Crise Financeira Mundial – A Batalha Nossa de Cada Dia
22
Mato Grosso: Perspectivas Sempre
25
Na Corda Bamba
28
E o Vento Levou
31
No País dos Dinossauros
33
Os Aviões e a Fome
35
O Cão Morde o Rabo
38
Depois da Tempestade, Vem a Tempestade
40
Os Esqueletos
43
Do Outro Lado do Mundo
45
Alô Trabalho
47
Os Muros de Wall Street
50
Notícias de Rodapé
52
Os Desvalidos
55
Na Solidão da Crise
57
Meu Reino por um Cavalo
59
Encontros Cucarachas
61
Mudando de Conversa
63
Que tal um Peixe Doido?
65
Sob as Ondas
68
3
Olhos nos Olhos
70
Distante do Cais?
72
Herói Melancia
74
A Difícil Arte de Conjugar o Verbo Desenvolver
76
Laranja para Todos
78
Às Margens do Rio Sena
80
Maquiados
82
A Arte de Ganhar Dinheiro Fácil
84
Não Chorem por Nós
86
Balada dos Dez Anos
88
Afinal, quem somos nós?
90
4
MEUS CAROS AMIGOS
Comenta-se por aí com certa dose de ironia e desdém, essa quase
unanimidade da fina flor da sociedade brasileira, leia-se políticos e intelectuais, para
com o neoliberalismo e o seu modelo de livre mercado, em que o Estado bate em
retirada, deixando por conta da selvageria dos investidores e da concorrência
comercial salutar.
Os mais cépticos com o tal raciocínio neoliberal muito em moda,
chegam a ressuscitar as empoeiradas idéias estatizantes de John Maynard Keynes
que, em contra-senso com a constelação estrelar dos economistas que estão na
berlinda, de Harvard a Massachussets Institute Tecnology, não afina com seu
pragmatismo monetarista.
Esse mundo de papelada, conseqüência (como um papel carbono) do
modelo engendrado pelos governos Tatcher e Reagan, ruiu o castelo de areia de
muita gente. Abertura de mercado, privatizações, desregulamentações e etc. Tudo
em nome da internacionalização comercial e financeira. Essas coisas que mais se
falam: títulos da dívida, bônus do tesouro, pregões das bolsas de valores e blá, blá,
blá, patati, patatá. Fazendo rima: mas deixa pra lá.
No Brasil, essas coisas nunca tiveram o encanto das flores, para não
dizer outra coisa. Mas que sempre houve uma lacuna imensurável entre esse povo e
a cúpula governamental, remotas à época do regime militar, não se discute. Só que
naquela época, enquanto o pau comia, pelo menos os artistas, políticos e
intelectuais, os chamados dissidentes, ocupavam esse espaço entre o povo e o
governo. Os artistas, de forma destacada, formavam um dique de resistência.
Com a repetição de uma história que todos conhecem, após tantos
planos econômicos fracassados e uma Década Perdida, o governo deve fechar um
acordo com o FMI, depois de fazer os principais pontos do receituário mercadológico
e que não deu certo. Por causa da crise internacional, dizem. Os artistas parecem
que também se cansaram de nadar contra a correnteza. Sobra ao povo os reboleiros
do É o Tchan. Resta também uma platéia sozinha "procurando uma vaga no vai e
vem dos seus quadris", como dia Cazuza.
Ia dizer que Chico Buarque andava muito sumido e lembrar um
daqueles discos, ainda em vinil, que ele mandava recado aos caros amigos, se
5
desculpando das visitas escassas e denunciando que a coisa tava preta. Mas Chico
Buarque acaba de lançar um cd novo, Cidades. Ia falar de um autêntico não alinhado, Fidel Castro. Ele passou pela Bahia, comeu vatapá junto com ACM e, de
repente, aparece em Portugal tascando elogios em Fernando Henrique. Mas deixa
pra lá.
O mundo tá mudando, caros amigos desconectados. É o lado diet,
como o desemprego que desfaz os laços que o indivíduo tem com a sociedade, nas
palavras do ex-ministro Rubens Ricupero. De resto, falta-nos ser mais conectivo com
o rumo traçado. Venceu a unanimidade.
Deixa pra lá.
6
O MUNDO COR-DE-ROSA
"O mundo apresenta duas faces ao terminar o
século
20:
uma
de
crescimento
e
desenvolvimento em uma escala sem
precedentes na História; mas também uma de
sombras pelo medo da incerteza econômica e
da instabilidade”. - Flávio Cotti, presidente da
Confederação Suíça.
Jacob Bazarian, meu professor de filosofia, gostava de ler textos de
diversos autores com uma visão extremamente pessimista em relação ao mundo, às
instituições e às pessoas. Fazia parte de a sua didática perguntar aos alunos de que
época eram aqueles textos. Não precisava nem dizer, que ninguém acertava, pois
eram geralmente muito antigos, alguns antes de Cristo. Mas como se mantinham
atuais! Falavam da perdição da juventude, corrupção, violência e imoralidades.
Como se o mundo estivesse nos seus últimos dias. Queria o professor, nos
desvendar alguns mistérios da natureza humana, que pouco muda com o tempo.
Pois bem. Ultimamente, com o fenômeno da globalização provocando
mudanças radicais no comportamento das pessoas, tenho lembrado muito daqueles
textos antigos e daquelas visões proféticas que se mantiveram atuais, reduzindo
mais de dois mil anos a poucos passos além da próxima esquina. O mundo, que,
para compreendê-lo melhor, a didática dividiu-o em Idade Antiga, Média, Moderna e
Contemporânea; esteve cheio de manifestações que traduziam as incertezas da
população diante de grandes mudanças movidas pelos inventos, descobertas e
revoluções, como foi, aliás, a revolução industrial. Na transição, mais do que em
outros momentos, o futuro se mostra incerto.
A chegada do Terceiro Milênio tem trazido uma expectativa maior, em
virtude da nossa formação religiosa, às vezes esbarrando nos novos valores e
conceitos de uma sociedade que se desenvolve aquém das conquistas tecnológicas.
O acelerado crescimento populacional do planeta aumenta a incógnita quanto à
exclusão social. Tempos atrás, a imprensa mostrou a fome no Sudão.
Na
história
da
humanidade
muitos
exemplos
demonstram
a
necessidade de se chegar ao fundo do poço para que a capacidade criativa do ser
humano seja exigida e, assim, possa acender a luz no fim do túnel. Por conta disso,
7
talvez ainda seja cedo para julgarmos a globalização e as conseqüências "liberais"
do livre comércio. Analistas internacionais têm apontado evidências entre o crash de
29 e a crise financeira atual. Preocupados com o Capitalismo, ou antes, com o
capital especulativo sem fronteiras.
O andar da carruagem ainda não exigiu a intervenção mais drástica do
FMI, do Grupo dos Sete países mais ricos e do Federal Reserve (o Banco Central
dos Estados Unidos). Na década de oitenta, o Banco Central norte-americano
liberou o crédito para que a crise não tomasse conta do país. Na última semana, a
mesma instituição, através do seu presidente, mandou um recado, dizendo que os
juros poderiam baixar caso necessário.
No mundo contemporâneo, antes das grandes catástrofes ou até para
evitá-las, as autoridades governamentais reúnem-se periodicamente para dar
suporte à manutenção da ordem estabelecida ou para procurar novas regras para
uma nova ordem. E como o mundo vem carecendo urgentemente! Os abalos nas
finanças, corroendo a economia e envolvendo a política antes do caos social.
Não entendo muito a relação que existe entre fatos, pessoas, política,
meio ambiente, economia e coisas. As grandes questões que causam maior impacto
envolvem o meio ambiente, o fundamentalismo religioso e as etnias. Apareceu mais
um, na última hora. (Desde o ano passado descobriu-se o bug do milênio, uma pane
nos chips dos computadores que fará retroagir a data do ano 2000 para 1900,
criando uma confusão planetária para tomar o século inesquecível).
Pairam dúvidas se teremos água para beber e ar para respirar. Já
nascem sapos pernetas em regiões dos Estados Unidos e ovelhas cegas, na
Patagônia, Argentina. Nos seres humanos, por enquanto, o câncer de pele é o
primeiro aviso que precisamos cuidar da saúde do planeta. Outra questão
preocupante é se o radicalismo religioso e as etnias não envolverão as nações numa
guerra fratricida minada por tantos ataques terroristas.
Entretanto, pelo visto, existem mais certezas do que temores. Eis
algumas dessas certezas: o ser humano é a grande riqueza, para o qual os avanços
tecnológicos de educação terão que capacitá-lo para promover as grandes
transformações do mundo; o capitalismo é o único sistema que tem provado ser
ainda o ideal; o comércio se movimentará através de blocos, num mercado comum,
moeda única. E novas regras tomando lugar da soberania dos países. Aliás, quais
8
serão os países periféricos? Aqueles que não conseguirem reservar lugar no bloco
dos iluminados.
Eu não navego pela Internet para saber as últimas notícias do mundo.
Nem me interessa muito saber para onde caminha a humanidade. Porém, a despeito
daqueles textos do meu professor, este mundo globalizado tem sido pintado mais
para cor-de-rosa do que possam imaginar os anunciantes do apocalipse. A
internacionalização neste final de século é o grande combustível para fomentar a
esperança das pessoas.
Estamos pouco distante da virada do século para nos omitirmos das
mudanças que estão sendo efetuadas em todos os sentidos. Como, por exemplo,
quando as empresas fundem-se umas às outras ou são adquiridas pelas grandes
corporações; não estão apenas reduzindo custos e aumentando lucro e patrimônio,
mas, na busca da eficiência, tentam se aproximar do consumidor, com produtos e
serviços de qualidade, estimulando a competição e moldando as novas regras
comerciais.
O mundo, antes dividido entre Estados Unidos e União Soviética,
perdeu seu lado mau, e, nessa visão maniqueísta, que desde que o mundo é
mundo, precisa ter o bem e o mal, lá vamos nós em busca do paraíso. Ele parece
estar próximo.
É fato. Produziram-se axiomas que fez florescer na cabeça das
pessoas, muito mais esperanças do que temeridade frente à inexorabilidade do
mundo globalizado que se descortina cheio de certezas, como é certa a exaustão da
capacidade do planeta de produzir água para matar a sede das pessoas.
A maior ameaça ao mundo cor-de-rosa seria o volume de ativos irreais,
a Bolha do Século explodir, como vem sendo pressentida, caso a crise financeira
queira chegar a Wall Street. Mas a nossa capacidade de sonhar tem provado ser
maior do que a habilidade do homem em resolver seus problemas domésticos.
9
ILHA DE OSTRAS
Para um mundo até então imensurável, os recursos high tec
eliminaram as fronteiras e o colocou numa caixinha de surpresas (quem diria!). Num
ambiente em que nem todos têm lugar para assento, quê diria os mais de cem
milhões de internautas conectados? Eles devem obter respostas às quantas andam
as perspectivas hoje, para as suposições uns tanto evidentes para o futuro. Pois
nunca se sabe além da ponta do nariz o que se pode ocorrer amanhã. Contudo, na
era da comunicação virtual, nasce o filhote de um animal em extinção, no Alaska,
enquanto uma criança é jogada, pela mãe, no saco de lixo, nos bolsões de miséria,
da periferia das metrópoles. É o mundo.
Um pouco de tudo isto - os mercados financeiros interligados-foi
proposto na nova química elaborada pelo Consenso de Washington. O capital volátil
em excesso é como parasitas que abandonam o cadáver logo após o sangue
exaurir. Correm o mundo como se este fosse leito de moribundos.
É claro, alguém fica fora da festança. A essa massa de gente que não
se adaptou ao "admirável mundo novo", a palavra "da hora" é exclusão. Perguntase: afastamento ou eliminação? Se for afastamento, ao menos dá uma vaga idéia de
temporalidade; ou seja, haverá vagas para eles, um dia, talvez. Quanto à
eliminação, parece um pouco xenófobo e, ao contrário; retira, de forma abrupta, a
idéia de continuidade. Cá entre nós, estamos mais acostumados a marginalizados,
sem-terra, sem-teto, sem - isto, sem - aquilo. Coisas de periferia mundial.
Essa riqueza que corre pelos terminais dos computadores, mudando
de um ponto ao outro do planeta, não disponibiliza o tempo suficiente para gerar
algo útil como empregos, alimentos, empreendimentos que vão fomentar o
desenvolvimento. Em síntese, não há como manter a corrente da riqueza,
distribuindo-a, mesmo que não seja lá tão igualitária assim.
Não sei em qual travesseiro repousa a cabeça dos homens incumbidos
de distribuir as cartas desse jogo, bem ao estilo "jogo de cartas marcadas". O
megainvestidor húngaro George Soros, conhecido como o maior investidor deste
mundo de dinheiro esvoaçante reclamou também da falta de uma regra, pois até ele,
que lucra movimentando bilhões de dólares, também acredita que os países mais
10
pobres podem ir à débâcle. O que ele quis dizer é algo como: ponham limites nisso
tudo.
É, fica difícil dormir com o barulho que faz lá fora. Aos do lado de fora,
uma pausa, talvez o retiro ou a cessão aos vencedores. Num poema de Michel
Quoist, um sacerdote queixa-se a Deus por não ter a quem desabafar e ter de ouvir
as súplicas dos fiéis. Não se pode deixar extinguir a crença no possível. Manuel
Bandeira imortalizou Pasárgada, baseado no encantamento com "esse nome de
uma cidadezinha fundada por Ciro, o Antigo, nas montanhas do sul da Pérsia, para
lá passar os verões”. No fundo, o poeta buscava a fuga para um paraíso, a evasão
do mundo indesejado. Cabe aos mandatários e aos seus comandados o exílio
voluntário.
Nos moldes contemporâneos, os dirigentes mundiais têm os seus
refúgios, onde despencam sua carga e se refazem para enfrentar a jornada: Camp
Davis, nos Estados Unidos; Castel Gandolf, no Vaticano; Ilha Martinica ou os
campos verdes da Escócia, pela Família Real Britânica. Porém, como os membros
da Família Imperial Japonesa até hoje se recusam a desculpar-se formalmente pelas
atrocidades contra chineses e coreanos, não sei onde descarregam seus pesados
fardos. Ora, a Granja do Torto, já foi esconderijo do governo militar do Brasil, mas, o
nosso presidente civil refugia-se na sua fazenda, em Rio Claro ou numa área da
Marinha, no Rio de Janeiro.
11
A BOLA, digo, AS BOLSAS ROLAM
Recomenda a prudência médica não antecipar sofrimento. A ansiedade
faz um mal danado ao coração. Não sofra antes, principalmente quando o assunto
trata de equilíbrio econômico financeiro mundial e a palavra crash nas bolsas de
valores - o termômetro para tudo isso - é uma temeridade cada vez mais presente. O
seu corolário nos chamados países emergentes obriga aos arreglos nem sempre
assimilados pela população. Não dá nem pra arriscar palpites como para os jogos do
selecionado nacional. É esperar pra ver.
No caso brasileiro, cada dia surge uma nova armadilha para ser
desarmada e, agora, especificamente na ciranda dos capitais especulativos de curto
prazo. Aquele que se esvai que nem fumaça. No Japão, o caráter do seu povo com
padrões morais rígidos não suporta os efeitos da crise com sua quebradeira. Lá,
houve um aumento de suicídios em 5,6% em relação ao ano passado. Do lado de cá
se recomenda esquecer os números mefíticos e acompanhar as peripécias da
seleção de Zagallo.
Enquanto a bola rola nos gramados da França, as bolsas asiáticas,
com a desvalorização do yen, começaram a semana despencando ladeira abaixo.
Nesse ambiente desestimulador o governo lançou o preço mínimo para
a privatização do sistema Telebrás. A metade do valor pretendido pelo ex-ministro
Sérgio Moita. Em números exatos R$ 13,47 bilhões. Taí uma questão que eu não
consigo protelar, como qualquer brasileiro preocupado com o futuro dos seus filhos.
É o seguinte: quando expirar o prazo estipulado para o processo de desestatização
em 2001, para onde correremos em busca de recursos? É uma montanha de
dinheiro obtido com a venda de um patrimônio que não existirá mais.
Nesse exercício da equipe econômica para segurar dinheiro externo
tem uma nova modalidade. A volta do overnigth e juros pós fixados empreendido
pelo governo recentemente, demonstrou que o mercado não está mais engolindo os
títulos de 90 dias oferecidos a juros de 22% ao ano.
Para a política econômica de Fernando Henrique, em meio a tantas
críticas ouvem-se poucas soluções. Nas propostas (até que enfim!) apresentadas
pelo candidato Luiz Inácio Lula da Silva tem uma alternativa, copiada do Chile, para
o problema do capital especulativo, qual seja, a de fixar um prazo de quarenta dias,
12
pelo menos, antes de bater asas e desaparecer. Por lá tem o Reserve Requiriment
que é um depósito prévio de fluxo de capitais de curtíssimo prazo. A nossa cantilena
de não vá embora pelo amor de Deus ao capital especulativo, nem precisa dizer,
está amparada nos maiores juros de captação.
Esse jeito claudicante como se comporta a economia brasileira está
relacionada à falta de mecanismos que possam regular a economia internacional
sem intervir na soberania de cada país. Desde a realização do Fórum Econômico
Mundial, na Suíça, não há notícias sobre aquelas organizações criadas para cuidar
da saúde da economia mundial. Comentou-se acerca de uma contribuição do
Congresso Americano ao FMI (Fundo Monetário Internacional) de US$ 18 bilhões
por conta do susto da crise asiática.
Comenta-se muito das causas e dos efeitos da crise monetária
internacional, mas não se fala nas soluções que envolvem a atuação dos
megainvestidores numa nova ordem financeira. O Bank of International Settlementes
(BIS), uma espécie de banco central dos bancos centrais, bem como o Acordo
Multilateral
de
Investimentos
(MAI)
e
a
Organização
de
Cooperação
e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) foram criados com essa finalidade que inclui a
extinção do FMI ou um outro órgão com poder mais fiscalizador das contas públicas
dos países envolvidos.
Enquanto não houver estardalhaços em Wall Street as tentativas nesse
sentido parece não caminhar mais apressadamente. Se fosse no futebol, os Estados
Unidos, centro do capitalismo, estaria pisando na bola.
13
AS SAÍDAS LATERAIS
Sempre que alguma autoridade de organismos internacionais resolve
emitir suas opiniões no mercado livre das idéias, não tem dado outra. Seus
pensamentos são assimilados como placas de trânsito sinalizando para uma direção
nem sempre favoráveis à saúde financeira mundial. Aí congestiona tudo, embora
nem sempre estejam eles certos. Dá bola fora igual à bicicleta de Roberto Carlos, no
fatídico jogo da Copa. Que horror!
Assim, as últimas declarações de Alan Greenspan, presidente do
banco central americano, o FED, FEDeu. Da mesma forma como a opinião de
Joseph E. Stiglitz, vice-presidente do Banco Mundial, a respeito de uma nova receita
econômica, um tal de "consenso de Washington" ainda produz farpas até hoje. E
olha, o assunto vem desde janeiro. Virão outros, até que a lanterna ilumine a porta
da saída. É claro, da crise asiática.
Porém, restrito a área doméstica, Peter Mandelson, do Partido
Trabalhista britânico, em visita ao Brasil, ressuscitou a chamada Terceira Via, um
meio termo de fazer inveja ao bom costume mineiro. Uma linha política do
neoliberalismo que não fica nem na direita tradicional e nem na esquerda
centralizadora. Muito pelo contrário.
Não deixa de ser uma alternativa, como essa retomada da emenda do
parlamentarismo. O terceiro mandato para Fernando Henrique (de tão certa a sua
reeleição) começa a ser costurado pelo PSDB. FHC, entretanto procura uma brecha
para se esquivar da crise dos palanques. Simplesmente deixar de visitar o Estado
onde a disputa do candidato do seu partido esbarra com os candidatos aliados, pode
ser uma saída... Com um muro bem na frente.
Mas voltando a Greenspan. As bolsas passaram a semana na
gangorra, num sobe e desce de causar enjôo. A crise asiática já promoveu um déficit
de US$ 15,57 bilhões nos EUA, não obstante a sua economia se encontrar numa
posição privilegiada como nunca, nos últimos 50anos. Então tá. O problema, no
entanto, é a eminência de ocorrer alta nas taxas de juros para frear a possibilidade
de um aumento da inflação; esta, causada pela crescente oferta de empregos que
elevam os salários.
14
Uma saída? Uma luz iluminou pelos lados da China, quando da visita
do presidente Bill Clinton naquele país. Mesmo porque o informe do presidente do
Banco Central japonês, Masaru Hayami expôs ainda mais a estagnação da
economia nipônica. Ainda é preciso reduzir impostos e resolver os problemas dos
bancos. O PROER está fazendo o maior sucesso na terra do sol nascente.
No Brasil, Greenspan provocou queda na Bovespa em 1.07%. Também
o título negociado da dívida brasileira, o C-Bonds caiu 0,94%. Até a minibanda teve
a faixa de variação cambial ampliada em 0,001. Sabemos lá para onde sinalizarão
as novas idéias dos experts do Instituto de Tecnologia de Massachussets, do Banco
Interamericano de Desenvolvimento, do Fundo Monetário Internacional ou, do
púlpito de um congresso ou banco central de alguma grande potência. Algo e Ou
são palavras que entre as vírgulas ajudam a escrever um texto cheio de dúvidas e
indagações.
Se não acontecer nenhum acidente de percurso, o boom de
entusiasmo ninguém tira das 76 empresas que disputam a privatização do Sistema
Telebrás, o maior da América Latina, avaliado preliminarmente num lance mínimo de
R$ 13,47 bilhões. Ninguém tasca a euforia em adquirir essa verdadeira mina de ouro
das telecomunicações. Nem Greenspan.
15
CIRCUIT BREAKER!
Todo mundo está careca de saber. A crise financeira venha de onde
vier; Ásia, Japão ou Rússia tem estacionamento gratuito e sem limite de tempo nos
países emergentes. E que, o Brasil, como não poderia deixar de ser, pela fragilidade
de sua economia, aponta, vira e mexe, como a próxima vítima.
Mais careca de saber estamos todos nós: até as eleições, nada de
mudança na política cambial e muito menos nas reformas que se fazem
imprescindíveis. Os motivos: esta crise é diferente da de outubro de 97; o País
possui reservas de mais de setenta bilhões de reais; contam-se inúmeras empresas
para serem privatizadas e começa a entrar o volume de dinheiro obtido com as
últimas privatizações. Isso compensaria os valores que estão saindo do país, por
títulos não renovados, que o país emprestou para utilizar na agricultura.
Nuvens dissipadas, o que enxergamos no céu azul? A Rússia
quebrada. Novamente a história da "bola da vez" e o que determina o "Risco Brasil",
os títulos da dívida externa brasileira renegociada sofrem deságio maior do que de
outubro de 97, ou seja, a desconfiança é maior que a confiança dos investidores
internacionais, na possibilidade de o governo brasileiro saldar a dívida com
vencimento em 2014. Afinal, o C-bond não tem garantia alguma.
Risco eminente voltamos a refazer a situação das contas públicas:
déficit primário, déficit nominal, déficit público. Seja ela considerada com juros ou
sem os juros, nem mesmo uma nova fórmula criada pelo governo com a intenção de
aproximá-lo do padrão internacional, o que, na verdade, tenta esconder um número
impróprio em época de eleição. Ele estaria nos 8%. Ficou nos 6,5%.
Não precisa ser nenhum Paul Krugman, economista do MIT ou ter
estudado em Harvard. Nem ser doutor honoris causa na Souboume. E um déficit
respeitável que não consegue esconder a matemática dos gastos acima da receita
do governo, que é o principal devedor do mercado. A desconfiança nasce nos
números do déficit público em relação ao PIB. O governo já mandou um recado: a
ficha só vai cair depois das eleições. Enquanto isso se faz de conta que se está
tentando resolver o problema com medidas paliativas. O país precisa de superávit.
Esses arreglos de última hora parecem maquiagem, ou, o mais atual, remédio
falsificado. Não vai curar a doença.
16
Reforma administrativa, tributária e da previdência. Pelo menos. E de
forma consistente, sem ter que estar agradando aqui e ali. Uma verdade que dói no
bolso foi divulgada na semana passada. É que a nossa carga tributária (algo em
tomo de 30% do PIB), bem pesadinha, deve continuar assim, bem pesadinha, por
mais dez anos. Se quiser obter equilíbrio nas contas públicas. O governo gasta e
gasta mal. Estudos do IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada,
concluíram também que, a carga tributária máxima para esse PIB seria de no
máximo 36%. Alerta máximo. São padrões de primeiro mundo, onde a letra i de
imposto é a letra i de investimento. Retoma em serviços como educação, saúde,
segurança, trabalho.
Mas aqui abaixo da linha do Equador, não é o caos social que
determina a ação do governo. O circuit breaker, mecanismo de proteção que a Bolsa
de Valores de São Paulo utiliza para interromper o pregão, desperta mais atenção
das autoridades que a fome e o desemprego. Nem parece que estamos em época
de eleição. Ou parece?
17
O TURISMO DOMÉSTICO E SUAS MAZELAS
Dia desses, nosso Presidente FHC, queixava-se do turista brasileiro
que vai gastar lá fora, quase dez vezes mais que o visitante estrangeiro em nossa
Pátria. O brasileiro é conhecido pelos atendentes de lojas e vendedores de
bagulheiras no exterior, como comprador excepcional. Nosso Presidente está muito
bem inserido no contexto, como diria o inesquecível Chacrinha, no que se refere à
busca de divisas, influência dessa tal internacionalização da economia. A máxima
conhecida e aprimorada, em época de tigres combalidos, nesse meio, é: o dinheiro
não tem pátria nem bandeira.
A par dos problemas que envolvem o nosso turismo interno, o Brasil
em Ação constrói e moderniza os principais aeroportos para atender a demanda. As
passagens aéreas tiveram um decréscimo em tomo de 40% para esta alta
temporada. Na televisão, as propagandas estatais conclamam: Conheça o Brasil.
"Arri Égua!”
Pude comprovar, pessoalmente, a maqueta do novo aeroporto de
Natal-RN, exposto no saguão do atual, bastante acanhado. O engenheiro Anísio
(aliás, um cuiabano), um dos responsáveis pela obra em andamento, também falou
de Fortaleza e São Luiz. Estão quase prontos, revelou. E o nosso Marechal Rondon
deve ser ampliado em breve, completou, saudoso e eufórico, como a mandar
abraços para a "torrinha" quente.
Foi, também, em Natal que começou uma série de acontecimentos que
comprovam que o nosso turismo carece de algo mais para podermos competir com
cidades da América Latina, como Buenos Aires e Montevidéu, com movimento
proporcionalmente maior que o nosso. Um avião retomou para o Rio de Janeiro com
turistas brasileiros e estrangeiros, por falta de acomodação hoteleira. FHC, naquele
dia, havia solicitado empenho nas construções de hotéis três estrelas, específicos
para atender essa classe de visitantes.
O Brasil, que já tem a miséria, a violência e os menores abandonados
como principal postal, logo depois de Pelé e o Corcovado, é claro; começa, agora, a
ser conhecido como o país das especulações financeiras internacionais, devido a
essas mexidas na economia para atrair investimentos estrangeiros. Poderia (e
como!) ser o paraíso do turismo internacional. Nosso país é bonito demais. Nossa
18
riqueza de fauna e flora. Somos os campeões da biodiversidade. E a pujança deste
povo, essa cultura, essa imensidão de terras, esse falar. É para deixar qualquer
gringo arretado.
Mas, voltando ao assunto, um jornal inglês divulgou as cidades mais
caras do mundo: Londres, Osaka, Tóquio e Moscou. Dessa, parece que escapamos.
Que nada! Na América Latina, adivinhem qual a cidade mais cara? O Rio de Janeiro.
Violenta, não precisa nem falar, "taí" um fato: o bondinho que faz a linha Cosme
Velho - Corcovado foi assaltado, quebrando um jejum de cento e quatorze anos.
Foram levados todos os pertences dos turistas estrangeiros, como jóias, relógios,
dinheiro. Esses mesmos turistas tiveram o ônibus assaltado, em frente ao hotel.
Azar deles? Azar nosso. Esses nunca mais aparecerão por aqui, a despeito da
desculpa gastronômica do prefeito Conde.
Ainda estamos nessa fase de desculpas.
Bem, Cuiabá não tem bondinho e eu desconheço turistas voltando por
falta de acomodações na nossa rede hoteleira. Também não temos tantos visitantes
assim. Mas essa prorrogação da piracema para o dia 20 de fevereiro não pegou
legal para os pescadores que procuram nossos rios no período de férias escolares.
Antes de desculpas "à lá Conde", mereciam um pouco mais de respeito. Eles são a
propaganda viva que faz nosso Estado ser conhecido tanto no país quanto no
exterior. Nenhum cartão-postal de agências de viagens consegue substituir.
Paralelamente,
um
significativo
esforço
do
setor
local
busca
alternativas em conjunto com Mato Grosso do Sul, Paraná e Amazonas, tentando
baratear o transporte aéreo para trazer mais visitantes ao turismo ecológico.
A indústria do turismo não pode esperar somente de investimentos de
infra-estrutura. Depois que ONGs são postas na parede, escondendo interesses
nada nacionalistas, certas atitudes dos órgãos de defesa do meio ambiente não
ficam bem claras. O turismo de hobby está se desenvolvendo na Argentina com
muita gente do Brasil. Tudo regulamentado.
Portanto, bom atendimento, educação e respeito a regras pré-estabelecidas fazem
parte do ingrediente básico dessa área com tanto espaço para crescer. E é claro,
transportes mais baratos, hotéis três estrelas,...
19
O PRÍNCIPE E A SOPA DE PAPELÃO
As recentes pesquisas do Vox Populi e do jornal Última Hora, de Porto
Alegre, agitaram os meios políticos o suficiente para a imprensa voltar a apontar a
mira de sua metralhadora pragmática contra o governo. Mas os resultados das
pesquisas foram apenas pretextos, já que a idéia solta não admite concorrente num
segundo turno, e parece não levar em conta os sete percentuais de rejeição para o
presidente e a confirmação do crescimento em favor do candidato Luiz Inácio Lula
da Silva, no Rio Grande do Sul.
O alvo predileto da imprensa ainda é o descaso do governo para com
os problemas como o incêndio de Rondônia, o desemprego e a seca do nordeste.
Por essas e outras a sua imagem cada vez mais se aproxima com a de um príncipe.
Na última entrevista coletiva em estilo Clinton só faltou escrever Whithe
House em torno do brasão do púlpito, porque os cabelos grisalhos e a empáfia
podiam muito bem incluir o país no grupo dos nove países mais ricos do mundo. O
marketing político pode até conseguir reverter a queda nas pesquisas e aproximá-lo
mais do povo, afinal ainda é a melhor performance a passeios de jet ski. Mas, no
entanto, dificilmente conseguirá reverter a imagem de monarca que ele mesmo fixou
com sua postura soberba.
Se FHC não tivesse chamado todos os aposentados de vagabundos,
nem discriminado uma ala do seu stablishment como banda podre na sua assepsia
política, nem deixasse para Deus resolver o problema da seca no nordeste, talvez a
imprensa o esquecesse e os problemas da Nação passassem incólumes nas
brancas nuvens da nossa memória curta. Declarações infelizes em momento
inoportuno acontecem. Às vezes viram marca de um governo, como o de João
Baptista Figueiredo que "preferia o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo".
Mas o comportamento de monarca que os cronistas políticos dos
principais jornais brasileiros têm-lhe aplicado, arrisco a dizer, está associado ao furor
com que se dedica somente a consolidação do plano real e as tendências
inexoráveis de internacionalização. Na verdade, a agenda do receituário financeiro e
econômico internacional absorveu os planos do presidente.
Nos cinco artigos publicados nesta Gazeta, o sociólogo Fernando
Henrique Cardoso tentou esclarecer as conseqüências sociais da globalização,
20
porque "esta tendência irreversível toma improvável que o êxito dos países do sul
derive exclusivamente da mão-de-obra barata e dos recursos naturais”.
Assim, pois, a transformação do Estado tem a necessidade intrínseca
de modernização que exigem privatizações, concessões, aumento de arrecadação,
contenção de despesas e reformas em todos os aspectos. Tudo isso, mais a
sustentação do plano real neste período de transição, na verdade, consome sua
consideração em detrimento de outros problemas que passam a ser conseqüências
exclusivas da globalização. Problemas já enfrentados, inclusive por outros países.
Este é o refrão mais usado para justificar a exclusão social.
Em outras palavras, atravessamos um paradoxo, se o Brasil será
apenas um país periférico à hegemonia comercial dos Estados Unidos, fornecedor
de mão-de-obra barata e produtos primários, ou conseguiremos avançar em blocos
de países emergentes para desempenhar um papel mais justo, como se procura
impor nas regras do Mercosul, liderado pelo Brasil. Ficaram para 2004 questões
polêmicas da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) liderada pelos Estados
Unidos, enquanto na chamada Rodada do Milênio, as barreiras protecionistas aos
produtos agrícolas, principalmente com a Comunidade Econômica Européia têm
colocado o Brasil e os Estados Unidos a falarem a mesma língua. Mas as
perspectivas não se resumem apenas nisso.
Primeiro evidencia-se que o país necessita vencer a crise de
identidade, às vezes colocada de forma cômica pelo mesmo receituário dos
organismos financeiros internacionais, conforme o jornal Folha de São Paulo
divulgou "o Brasil que não era o México, depois que não era a Tailândia e, agora,
que não é a Rússia”, com respeito à declaração de FHC de que o "Brasil não tem
fragilidades". Não tem, mas está constantemente como a bola da vez.
A preocupação da imprensa com o autismo do presidente e com a
empáfia do seu comportamento logo conseguirá rotular-lhe de Príncipe. Quando
morreu a princesa Diana e a comoção tomou conta da Inglaterra, os jornais e
tablóides sensacionalistas britânicos perguntavam: onde está a nossa rainha? A
rainha Elisabeth demorou em compartilhar a dor de seus súditos. Logo uma
manchete perguntará também pelo nosso príncipe.
Como se vê, o presidente está conseguindo despertar esse sentimento
dinástico. Quem sabe os três degraus que separam o mundo britânico do nosso
mundo tupiniquim não abriguem diferenças abissais como imaginamos; nem
21
distâncias imensuráveis entre mendigos que recusam alimentos porque querem
dormir em paz e mães que dão sopa de papelão para iludir a fome dos filhos.
Para um mundo globalizado com data marcada para acontecer, fica
óbvio quem chegará por último nessa corrida em que a renda do país concentra-se
numa minoria. Com greves na educação e índices altos de desemprego fica a
incógnita se as pessoas conseguirão estar preparadas para acompanhar as
conquistas tecnológicas. Há muito por se fazer para se evitar a exclusão social, do
nosso quadro já bastante desolador.
22
CRISE FINANCEIRA MUNDIAL
A batalha nossa de cada dia
A crise financeira mundial, desencadeada com a queda das Bolsas de Valores nos
países do sudeste asiático, foi anunciada pela televisão, da mesma forma
espetacular quando do início da guerra do Golfo Pérsico, no momento em que a
cidade de Bagdá, no Iraque, começava a ser bombardeada.
Causou
semelhante
sensação
inesperada
de
apreensão.
Não
precisava ser nenhum expert em assuntos econômicos para entender a gravidade
da situação. Algo estava mal. E continua mal. O último sobressalto ocorreu no dia
24, quando foi oficializada a falência, anunciada em prantos pelo presidente da
Yamaichi Securities, quarta maior instituição financeira do Japão, o que não ocorria
desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Em meio à turbulência, os presidentes
Fernando Henrique Cardoso e Jacques Chirac, da França, encontram-se em Saint
George de L’Oyapock, na Guiana e defendem uma reorganização financeira no
cenário internacional. A APEC (Cooperação Econômica Ásia-Pacífico) já elabora um
plano de auxílio para o setor.
No Brasil, a resposta veio rápida. Desde o dia 10, cinqüenta e uma
medidas contidas no Pacote de Ajuste Fiscal, procuram conter a saída de dólares e
proteger o Plano Real.
No corre-corre dos meios políticos, a afirmação do Ministro da
Fazenda, Pedro Malan, merece análise mais profunda: o Brasil resolve sozinho os
seus problemas. Será? Estávamos nos esquecendo das visitas periódicas da equipe
do FMI (Fundo Monetário Internacional). Na época, o nome de Michel Camdessus
era constante nos jornais.
Com o sentimento nacionalista mais arrefecido e o processo de
globalização batendo à nossa porta, não podemos desprezar a influência externa
como não podemos nos esquecer que o problema é nosso e as criticas, dependendo
do remetente e destinatário, não auxiliam em nada.
As medidas contidas no Pacote de Ajuste Fiscal mexem com todos os
segmentos da sociedade. A tese está em dividir responsabilidades para não
sobrecarregar uma parcela da população, o que freqüentemente ocorre cada vez em
que o governo resolve alterar as regras do jogo.
23
O Custo Brasil, composto de juros e tributação, principalmente, com o
pacotaço, atingirá de forma mais violenta a nossa indústria. O que se ouviu dos
representantes setoriais dá a medida exata do que está acontecendo. A alíquota do
IPI (Imposto para Produtos Industrializados) saltou de zero a 5%, em alguns casos
8%, para a aquisição de máquinas e equipamentos.
Mas o governo, concedendo incentivos para a fabricação de carros
com motor a injeção eletrônica, impediu estragos mais contundentes na indústria
automobilística. Já os mesmos incentivos cortados da ZFM (Zona Franca de
Manaus), através do FINAM e na região do nordeste pelo FINOR tem efeito
avassalador, pois, alteram-se regras que foram fundamentais quando da captação
de empresas estrangeiras instaladas nessas regiões.
De todos os setores, o da agricultura, não sentiu o mesmo impacto,
conforme o depoimento de um destacado produtor do norte paranaense, por causa
da soja possuir muita liquidez no mercado internacional e pela safra ter sido
plantada antes do pacote. Daqui pra frente a estória é outra.
Pelo noticiário soube-se mais.
Somente as empresas do setor financeiro parecem estar imunes,
alegam os representantes setoriais mais afetados. Os bancos pagam alíquotas de
Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL) de 18% enquanto os outros
pagam 8%. Mas a Receita Federal tem constatado manobras fiscais, utilizadas pelos
bancos para reduzir o lucro e assim, a base de incidência do imposto. Para corrigir
essa distorção, estuda-se a unificação das contribuições ou, de pelo menos, de
alíquotas.
Foram mais de duzentas propostas de emendas no Congresso
Nacional, sendo que as de maior número destinaram-se à medida provisória que
trata do aumento do Imposto de Renda Pessoa Física. Apesar desse aumento de
imposto acarretar um dano muito maior ao trabalhador, pois vem descontado na
fonte, ele é o menos injusto; cabe ao governo mecanismos para fazer com que todos
paguem.
A frase do Ministro Pedro Malan, portanto, serve para conclamar a
participação de toda a sociedade. Os problemas venham de onde vierem, precisam
ser resolvidos. Não podemos esquecer de seguir em frente, retomando a Reforma
Administrativa, agora com novo impulso concedido ao governo, permitindo demitir
funcionários. A queda da estabilidade, num país em que municípios e estados
24
chegam a comprometer mais de 100% da arrecadação com o quadro de
funcionários, reveste-se de suma importância. A Reforma Administrativa em
conjunto com o Programa de Privatização necessitam de continuidade. Precisa
haver viabilidade econômica no Brasil.
Assim que vencermos mais esta batalha.
25
MATO GROSSO: PERSPECTIVAS SEMPRE
Enquanto o mês de janeiro não finda, mantêm-se o clima de esperança
e incerteza matizando o quadro social nacional. Faltam muitas pinceladas para se
vislumbrarem as cores. O último retoque partiu de uma revista de grande circulação
territorial, em pesquisa por amostragem em dez das principais capitais do país,
revelando que uma massa de 65% da população brasileira continua contando com
uma vida melhor.
Esperança e incerteza. Motivos todos têm para pender para qualquer
dos dois lados. Confiança excessiva no futuro e um temor quase doentio do retomo
ao passado. O desemprego estimado para 7% em 98 e a crise financeira ainda não
totalmente debelada causam maior desespero aos cépticos.
As notícias vindas do epicentro da crise não são dos gatos asiáticos,
agora são dos frangos... Constipados! Os corolários dos seus espirros por aqui
ainda não foram revelados. Essa famigerada globalização derruba uma porção de
cancelas entre as nações e alguns problemas e soluções aproximam-se um dos
outros.
Não é que a Coréia está pedindo jóias, ouro e tudo o mais da sua
população? Tudo isso para resolver seu déficit financeiro. Esse recurso já foi
utilizado pelo Brasil. Nosso plano de ajuda aos bancos, quem diria, foi copiado pelo
Japão.
Ainda sob a influência dos resquícios do fim de ano, os menos céticos
e alarmistas da boa-venturança pulam sobre pacotes, crises, corte de R$ 6,3 bilhões
do orçamento de 98 e a necessidade de entrar mais US$ 46 bilhões de capitais
estrangeiros. Apesar dos números, ainda olham firmes para um futuro que só eles
enxergam. É a confiança nos próprios meios. Nós aqui em Mato Grosso podemos
ficar com estes últimos. Basta dar uma espiada para trás e perceber que sobraram
menos problemas e mais soluções para o Estado.
Quando uma leva de contingentes migrantes, principalmente do sul,
deslocou para o centro-oeste em busca da divulgada Fronteira Agrícola, e embora
vultosos investimentos governamentais tenham sido alceados para isso, sabemos
que não foram somente os investimentos de um lado e um período de estagnação
26
com uma terra já cansada de suas regiões do outro lado; mas, principalmente, a
vontade intrínseca de produzir e vencer que possibilitaram a este Estado chegaria
condição a que se encontra atualmente.
A
exemplo
das demais
unidades
da federação,
temos uma
amostragem de problemas muito semelhantes, destoando apenas pela vocação
própria de cada região. O desemprego, a dívida interna, atraso no pagamento de
funcionários públicos, falta de recursos próprios, má vontade política e uma
perniciosa dependência do erário público para movimentar a economia. Este último
parece-me apresentar-se como o mais sério e mais carente de solução.
Temos também nossos números, alguns desoladores, mas como
propusemo-nos a seguir os otimistas de plantão, afinal, estamos numa democracia e
na democracia segue-se a maioria, vamos lá. As demissões e as privatizações têm
ocupado um espaço maior na mídia, demonstrando, assim, um delineamento do
quadro futuro.
A agonia do BEMAT, cujo custo de transformação totalizou R$ 174
milhões, deu tempo para que os 869 funcionários demitidos buscassem alternativas
para onde seriam absorvidos, além de terem sido costurados acordos com o
sindicato para que houvesse condições de proteção aos futuros desempregados. A
saída dos funcionários despeja R$ 40 milhões na praça, valor estimado em
indenizações. Aquelas viradas bruscas de mesa, com direito a diminuição de
salários, ficam mais para os centros industrializados.
Para a nossa indústria de carne suína, palmito em conserva, biscoito,
açúcar, laminados de aço, cimento e couro wet blue, o setor energético dará ênfase,
mudando de importador para exportador de energia, possibilitando que a indústria
mude a produção commodities para valores agregados. No setor energético
encontra-se a oportunidade de alterar a vocação para a dependência do setor
público, dando condições reais à iniciativa privada. O Mercosul, iniciado em 96,
catapultou um aumento de 100%. Atingiu a cifra de US$ 12,80 milhões de negócios
com os nossos vizinhos sul-americanos.
No campo, a soja, que foi o sustentáculo da balança comercial
brasileira em 97, teve na liquidez o principal fator que impediu que a agricultura
fosse atingida pelo pacote do governo. Para 98, a abertura de mercado com a
globalização põe à prova seus recursos de revitalização. Em Mato Grosso,
acrescenta-se a isso tudo o endividamento do setor.
27
Se o PRONAF (Programa Nacional de Fomento a Agricultura Familiar)
corresponder às expectativas mais otimistas, temos a chance de manter o pequeno
produtor na propriedade, o que, na altura das circunstâncias, tem na cultura de
subsistência a melhor opção para tempos difíceis.
As privatizações levadas a efeito a nível nacional para equilibrar a
receita não mudam muito do quadro agreste. A Cemat foi para outras mãos e junto
com ela os déficits. A Sanemat, municipalizada, pode ter o mesmo destino. Gritos à
parte, o Estado está sendo saneado. Resta saber a consistência das agências de
fomento, criadas a partir da dissolução do banco estadual. Seja como for, as
medidas tomadas preparam a região para um outro caminho. Torcemos para que
seja o caminho da consolidação da integração sul-americana: essa é a nossa saída.
Os governos estadual e municipal correm atrás do equilíbrio financeiro.
Cada qual segura o seu abacaxi distribuído pelos ajustes federais. No fim, acaba
caindo em cima do povo. Pelo menos por enquanto, não estão nos pedindo ouro.
Esta região que ainda não experimentou a estagnação que as
metrópoles enfrentam, tem na pujança desses milhares de migrantes que, juntos
com o povo deste Estado formaram uma certeza: a de encontrar perspectivas
sempre, pois foi sempre assim desde o começo.
28
NA CORDA BAMBA
O chamado "risco sistêmico" podemos nos conformar, prevalecerá
durante o ano todo, de acordo com as previsões lógicas do Ministro Malan. Talvez o
pernosticismo desse jargão utilizado para designar o estado mundial pós crash
asiático de outubro, consiga esmiuçar o que se encontra por trás da manchete do
New York Times, do último dia 5 de fevereiro: "Brasil paga para proteger a moeda e
os pobres ficam com o verdadeiro custo”.
Desde a participação de FHC, no Fórum Econômico Mundial, realizado
recentemente na Suíça, a opinião acética dos economistas que cunham o
pensamento econômico mundial, coloca o Brasil como o próximo país a ser atingido
pela febre da Ásia. Uma alternativa para se evitar a indesejada locatária, até então
apátrida seria primeiramente a desvalorização da moeda. Como isso não aconteceu,
a nossa vulnerabilidade está latente.
Afinal, estamos ou não no caminho certo?
Em
países
terceiro-mundistas,
o
degradante
aspecto
social
impossibilita distinguir a diferença entre atividade econômica, com sua produção e
distribuição de riquezas e as finanças, com seus investimentos e variações da
moeda. Quando o país possui um potencial como o Brasil, esgotam-se a
compreensão e a paciência para um desemprego crescente, como o que vem
ocorrendo atualmente.
No entanto, preocupações dos polemistas internacionais de um lado,
proliferam boas novas no noticiário nacional: estamos arrecadando mais, o crédito
no exterior foi restabelecido, a safra de grãos supera as expectativas, o mercado
consumidor continua aquecido e as reformas, fundamentais para tirar o País do
atraso continuam... A socos e gravatadas, mas continuam.
Nunca é demais citar. A Receita conseguiu a terceira melhor
arrecadação da história, com um aumento de 29% em janeiro deste ano. Somente a
Contribuição Provisória (ou permanente) sobre Movimentação Financeira, alcançou
R$ 740 milhões. Claro, graças ao lançamento do Pacote Fiscal, em novembro
passado,
comprovando
que
havia
realmente
necessidade
da
intervenção
governamental. Mas também as vendas da indústria para o comércio, que
colocaram quase 10% acima, em relação ao ano anterior, sinalizam boas
perspectivas.
29
Lá fora, foi restituído o crédito brasileiro, com a emissão de 500
milhões em moeda escritural européia (ecus), valores que a equipe econômica
pretende, além de criar um clima mais otimista no exterior, diminuir a dívida interna e
saldar a perda do Banco Central, no Pacote, que ficou em quase R$ 10 bilhões. Este
dado ilustra as pegadas do caminho, de início de ano: até o dia 10 de fevereiro já
havia entrado US$ 1,5 bilhão de investimentos externos, através de consistentes
entradas de capitais de curto prazo. Finalmente, para não ser prolixo, o mercado
consumidor continua firme.
E ainda mais! As medidas adotadas em resposta ao pandemônio
econômico de outubro, precisavam ser completadas com aumento na arrecadação e
diminuição de despesas, de acordo com prognósticos do Ministro. Para ser
repetitivo: foi a terceira maior da história. A aprovação da Reforma da Previdência, a
toque de privilégios, que desperta a ira de muitos, pretende-se desvencilhar de um
déficit anual de mais de R$ 4 bilhões, que obriga injeções diárias de R$ 15 milhões,
para equilibrar a receita. Então, as despesas tende-se a diminuir.
Outra boa nova foi dada pelo Ministro da Agricultura, Arlindo Porto, em
Lucas do Rio Verde, MT: a produção de grãos deste ano deve ultrapassar (e bem)
as expectativas de 80,7 milhões de toneladas. Se chegar a 82 milhões de toneladas,
será também a maior da história.
Mesmo assim, os plantonistas da economia mundial sopram nossos
ventos alísios para o caos. "Peraí", algumas verdades escondidas por trás das
notícias começam a ser endossadas pelos nossos indicadores. Nada mais é
surpresa.
Está comprovado o aumento do endividamento pelos cartões de crédito
e cheque especial pessoa física. "TW" o aquecimento ilusório da economia. Em São
Paulo, Estado mais rico do país, o número de cheques sem fundos dobrou para 2,2
milhões contra l milhão do mês de dezembro de 96. Os carnês em atraso já chegam
aos 4 milhões. Nossa Pequena Empresa Grandes Negócios vai sendo compelida
para a economia informal pelo aumento da inadimplência.
Pior mesmo é o desemprego, que desmonta os últimos fios de
esperança do cidadão, desestruturando o que ele tem de melhor: a dignidade.
Estados, como o Mato Grosso, um pouco mais dependente das ações do executivo
estadual, terá dificuldades em assentar a quantidade de desempregados resultantes
30
das privatizações, porquanto o impulso energético, que como já foi dito, mudará o
perfil desta região, levará tempo para surtir os primeiros efeitos.
Outras medidas, como o Contrato Temporário de Trabalho, já chegam
ao campo, sedimentando de vez as tentativas de organização trabalhista que
assegure seus direitos. Antes de desembocar na marginalidade e na violência
urbana, o desemprego precisa ser contido.
Na época do Milagre Brasileiro, as coisas pareciam bonitas: a
economia crescia a uma taxa média anual superior a 11%. Depois, quando o povo
pôde escolher o seu mandatário, tivemos, de chofre, o caçador de marajá
modernizador. O povo está só - disse a Ministra Zélia, toda chorosa, depois do "obaoba" que confiscou nossa poupança. Outro dia, o neoliberal Gustavo Franco,
presidente do Banco Central, fez lembrar aqueles tempos afoitos, quando investiu
palavras ásperas contra certo jornalista de SP que criticava a economia brasileira.
Na Argentina, país que aprendeu a acompanhar o Brasil no caminho
rumo ao Primeiro Mundo, talvez encontremos algumas respostas para estas regras
maniqueístas que já derrubaram muros e constroem agora blocos: Mercosul, Alca,
MCE. Lá também. Os indicadores mostram um quadro animador: crescimento da
economia foi de 8%, a inflação foi eliminada antes do Brasil, investimentos
estrangeiros totalizaram mais de US$ 7 bilhões, desde 93. Assim mesmo, como no
nosso País, a situação não está controlada. As províncias estão falidas, o
desemprego e a pobreza se ampliaram. Em relação à pobreza, ela está maior que
na década de 80, em toda a América Latina.
Já existe gente perguntando-se se o preço da crise, como
desvalorização da moeda, não seria um mal menor que o peso dos juros, que reduz
o poder de compra e aumenta a falência de empresas, o chamado efeito dominó,
recaindo sobre a massa de desempregados. O Ministro acha que não: "seria pior" diz ele.
Num outro extremo, o técnico Mário Lobo Zagallo, da Seleção
Brasileira de Futebol, depois de uma participação pífia na Copa Ouro, mais
acostumado às leis da sorte que a lógica dos números, disse:
-
Às vezes, a gente vai por um caminho, achando que ele é o
certo...
O Brasil que quer vencer a Copa também quer chegar ao Primeiro
Mundo.
31
E O VENTO NÃO LEVOU
Se os índices das taxas de juros baixarem para um patamar entre 24%
e 22% ou, como deseja eleitoralmente FHC, aos 18%, o país terá desviado de vez
da ameaça de tempestade na economia, empurrando-a para os rumos do Japão ou
Rússia. Depende do resultado da reunião desta quarta-feira, 15, em Brasília, pelo
Comitê de Política Monetária (COPOM) do Banco Central.
Seja qual for a decisão da equipe de Gustavo Franco, o ambiente
externo, pelo menos, está bastante propício, depois da visita de três dias do
economista Paul Krugman, do Instituto de Tecnologia de Massachusets, que
endossou todos os mecanismos utilizados até então pela equipe econômica
brasileira para proteger a moeda. Como conferencista internacional, festejado no
mundo inteiro, não há notícia melhor.
Aparentemente, o Brasil e por extensão toda a América Latina, estão
respirando aliviados desde meados de março, depois que o efeito da crise das
bolsas dos países asiáticos esmoreceu a nossa vulnerabilidade. Isso porque, em
virtude do afastamento dos investidores do mercado asiático, carrearam-se recursos
para os chamados países previsíveis como o Brasil, Argentina, Chile e México. A
emissão de bônus internacional latino-americano chegou aos US$ 10, 2 bilhões, já
considerados o maior da história.
No Brasil, todos nós sabemos o que foi feito para se evitar o perigo.
Um antibiótico com o nome de "pacote de outubro" elaborado pelo Laboratório
Malan & Cia. Também estamos descobrindo, aos poucos, os seus efeitos colaterais.
O mais doloroso chama-se desemprego. Ultimamente até epidemias veio rondar
algumas regiões, tirando o sono dos integrantes do governo, ainda participando da
"dança dos ministérios".
Terá chegado a hora de olharmos para o umbigo? Tudo indica que sim.
O déficit público e externo está na mesa do Ministro da Economia. Ele passou o
abacaxi da dívida pública para os Estados. Se existe alguma relação entre dois
fatos, não se sabe, na verdade a União limitou a emissão de títulos estaduais.
Estados com» SP, RJ e RS só poderão emitir papéis em 2008. Goiás, por exemplo,
tem uma dívida 234% maior que a receita líquida anual.
32
Realmente, os esforços para ultrapassar as reservas de US$ 62
bilhões disponíveis antes da crise de outubro de 97, foram notáveis. Mas, a última
emissão de bônus da República para captar US$ 1,25 bilhão, com prazo de dez
anos, teve um custo de 3,75 percentuais acima das taxas similares e é o terceiro
deste ano. Além dos custos, discutíveis por alguns economistas, existe a dificuldade
em lidar com a abundância de dinheiro no mercado. A entrada de títulos de curto
prazo com finalidades puramente especulativas força a equipe econômica a intervir
constantemente no mercado. Até agora, a equipe de Malan tem levado sorte.
33
NO PAÍS DOS DINOSSAUROS
Quase que diariamente, as páginas reservadas para os assuntos
financeiros dos principais jornais do País, divulgam as peripécias da equipe
econômica
em
buscar
alternativas
para
equilibrar
as
contas
públicas,
imprescindíveis para a estabilização econômica. Mais destaque tem sido dado ao
déficit público de R$ 5,9 bilhões que nem mesmo a CPMF, disfarçada de
contribuição, com seus quase R$ 6 bilhões arrecadados em 97, conseguiu impedir
que as comportas escancarassem em outros R$ 6 bilhões de dívidas.
Para se entender o dinamismo da economia, que anoitece falando uma
coisa e amanhece dizendo outra, o Produto Interno Bruto (PIB) serve como
referência para elucidar dúvidas, e demonstra que o governo está deixando passar a
hora de atacar seriamente esse problema.
O rombo nos cofres da Nação deixa uma fragilidade que, qualquer
aumento irrisório de R$ 10,00 do salário mínimo, por exemplo, com reflexos nos
gastos dos Estados e Municípios, gera um déficit na Previdência de quase R$ 7
bilhões, equivalente a quase 1% do PIB. O déficit fiscal em 6,18%. O PIB brasileiro
está comprometido em 6%. Para se ter uma idéia, o México, em 94 teve 8% e a
Malásia, em 96, 10% do comprometimento do PIB. Foi um corre-corre nos meios
econômicos internacionais.
Numa outra ponta (onde estão os funcionários públicos, empregados
privados, empresários e os desempregados) tem as garras da Receita Federal, cuja
arrecadação de impostos chegou a um patamar superior aos 28%, nos últimos
quatro anos. Neste ano, estima-se atingir em tomo de R$ 140 bilhões. Quer dizer,
não fosse a Receita Federal, como estaria a situação? Ademais, por incrível que
possa parecer, esses números mostram o crescimento do intervencionismo estatal
que, contradizendo a retórica da política neoliberal, ainda está longe de ceder
espaço "das minas de ouro" para que o setor possa produzir.
É a mesma cantilena de sempre, o país perdulário para uma
arrecadação insuficiente. Não se pode deduzir de onde mais tirar dinheiro, dinheiro,
dinheiro. Porventura, as reformas tributárias e administrativas consigam diminuir o
tamanho do Estado, dando-lhe condições de cobrar de forma mais justa e equânime
34
e, principalmente, retomando os impostos em prestação de serviço de melhor
qualidade.
O LEÃO MODERNO - depois de implantado novo sistema de
informatização, Everardo Maciel - secretário da Receita Federal -, disse que além do
Brasil, somente o Canadá possui sistema tão avançado para arrecadar impostos. O
leão está com as garras cada vez mais afiadas. Eis alguns exemplos: a) aumento de
50% do pessoal habilitado na fiscalização, b) correção na tributação em alguns
setores como clubes, faculdades, igrejas e instituições financeiras, c) investigação
sobre operações financeiras e de comércio realizadas em "paraísos fiscais", pondo
em prática a Lei de Transferências, d) cadastro nacional de pessoas jurídicas e, e)
eliminação da Nota Fiscal manual.
Uma coisa é certa: as instituições que formam o aparelho estatal, e que
servem para prestação de serviços ao cidadão, continuam no tempo do "onça", ou
melhor, dos dinossauros, confirmando o despreparo do país para o Terceiro Milênio.
Moderno mesmo, por enquanto, só o leão da Receita Federal.
35
OS AVIÕES E A FOME
A estiagem no nordeste brasileiro já era secular nos milagrosos anos
70. Lembro-me de quando os aviões da FAB - a Força Aérea Brasileira - faziam
acrobacias nas nuvens, na tentativa de provocar chuvas e com isso amenizar a dor
dos flagelados pela seca. Não sei bem porque, mas vinha logo a lembrança da
figura de Don Quixote de La Mancha, lutando inutilmente contra os moinhos de
vento.
Foi ainda sob a censura do regime militar que, tanto a literatura quanto
o cinema e a música panfletavam, (como aquele avião da FAB) o mote que persiste
até os dias de hoje acerca desse problema que se arrasta governos após governos
e expõe nossas mazelas no exterior, como no incêndio em Roraima. Sempre
utilizado repetidas vezes para justificar o injustificável que é a falta de prioridade
para problemas crônicos como a seca, o chavão era e ainda é o desvio do dinheiro
público e o clientelismo.
De lá até o governo Fernando Henrique, muitos governantes desceram
das nuvens à terra inóspita nordestina, como na última grande estiagem de quinze
anos atrás. Mas quase nada mudou no discurso. Ou melhor, veio acrescentar aos
vícios da política, uma letargia hipócrita que aumenta MAIS! A distância que separa
a ação do governo para com a fome, espaço suficiente para que a estiagem devaste
as plantações e ponha na miséria pouco menos de 10 milhões de flagelados,
espalhados nos 1200, dos 1800 municípios que formam o nordeste, onde vivem
quase 30 milhões de brasileiros. Só no Ceará, são mais de 2,5 mil pessoas expostas
à crueldade da miséria, conforme os alardes da imprensa nacional.
Nesta semana, numa edição mais moderna e democrática em relação
há quase trinta anos atrás, mais dois aviões baixaram das nuvens que não
derramam água e muito menos alimentos, para fazer outras acrobacias. Desta vez,
políticas. Em terras áridas dos municípios de Acoplara e Quixeramobim, no Ceará,
aterrissaram respectivamente, o presidente Fernando Henrique e o presidente de
honra do Partido dos Trabalhadores, pré-candidato Luiz Inácio Lula da Silva.
Lula criticou as medidas paliativas do governo, pois o "povo não pode
viver eternamente de solidariedade", enquanto FHC dispensou as criticas, pedindo
36
para "unirmo-nos em busca de soluções". Pouco importa as farpas para quem já
está saqueando os depósitos de alimentos das prefeituras.
É muito triste saber que um país que caminha em passos
simuladamente firmes para a modernidade, acrescente mais esse flagelo no fardo
pesado de injustiças sociais, como o menor abandonado e a prostituição infantil. E
olha, no caso da seca, as autoridades meteorológicas haviam alertado, desde final
do ano de 97, sobre os efeitos do El Niño. Seria até exigir muito de um governo, cuja
idiossincrasia se expressa na morosidade com que busca soluções para o
desemprego e epidemias que vão e voltam como bumerangue. É de fazer inveja
para bicho preguiça.
Ainda assim, como entender a contabilidade da fome? Por exemplo, na
última seca, foram gastos cerca de US$ 2 bilhões em programas assistencialistas,
leiam-se programas paliativos com fins demagógicos. Desta vez, para deter o
aumento dos saques, foram liberados R$ 180 milhões que muito mal darão para
beneficiar a metade dos flagelados.
Entretanto, para a obra de transposição do Rio São Francisco, que
criaria um leito perene de 2,1 mil km, abastecendo 220 municípios e irrigando 110
mil hectare de terra, resolvendo de maneira definitiva a questão, estima-se metade
desses recursos, ou seja, com U$ l bilhão sanaria pelo menos por uns trinta anos o
problema de quase seis milhões de habitantes.
Neste caso, a imprensa vem atribuindo aos parlamentares baianos o
impedimento na execução da obra, porque faltaria água para projetos energéticos e
de irrigação, de fundamentais importâncias para o Estado da Bahia. Se conseguirem
chegar a um entendimento que beneficie todas as partes interessadas - e nisto FHC
é mestre - um projeto dessa envergadura, com resultados eficazes, juntar-se-ia a
outra muito bem-sucedida, que foi a implantação da fruticultura em Petrolina e
Juazeiro, que levaram longos 25 anos. Existem até mesmo soluções com menos
dispêndio, se se levar em conta o veio de água correndo furtivamente a alguns
metros abaixo do solo.
CÉU DE BRIGADEIRO - Enquanto as cestas básicas do governo não
chegam a todos os atingidos pela calamidade (a previsão é de 20 dias), uma outra
previsão, a dos meteorologistas (os mesmos que informaram os efeitos do El Niño)
revela uma boa notícia: deve chover nos próximos dias! Bem, até lá, os aviões
37
emergenciais conduzindo Fernando Henrique e Luiz Inácio Lula da Silva, já estarão
sobrevoando outras nuvens, quiçá, encharcadas de água, finalmente.
38
O CÃO MORDE O RABO
A equipe econômica do governo ainda não conseguiu desvencilhar-se
do círculo vicioso em que se meteu. Desde setembro de 95, data em que o déficit
primário (aquele que não leva em conta os juros da dívida pública) e o déficit
nominal (aquele que leva em conta, sim, os valores expressos em títulos)
começaram a avariar uma performance anterior superavitária em relação ao PIB
(conjunto de riquezas produzidas pelo país durante certo período) ou Produto
Interno Bruto, como queiram.
Evidentemente, que o mundo não vai acabar com o anúncio recente do
crescimento negativo que já chega ao quase 1% nos prejuízos primários e 6,53%
nos prejuízos nominais. Afinal, a alternância entre superavitário e deficitário, nesse
período de 95 a fevereiro de 98, foi estimado como normal pelos experts que
acompanham as idas e vindas da economia brasileira.
Cada vez mais, porém, não somente expõe a diferença que foi a
mudança de rumo imprescindível para a implantação do real, com sua conseqüente
paralisia no crescimento da Nação como, da mesma forma, acentua-se a dificuldade
latente do governo em dirigir uma política social, com problemas em grande parte
inerentes à política econômica pela qual optou.
Enquanto persistir o imbróglio pulverizado por esse tripé: 1. Reduzir o
déficit público; 2. Recuperar o crescimento e; 3. Impedir a fuga dos capitais
estrangeiros fica demonstrado a incapacidade do governo em conseguir encontrar
uma fórmula para sair dessa roda-viva.
Uma notícia dada no final de abril, após a expectativa criada com a
redução do TBC (a taxa básica dos juros) teve repercussão semelhante a uma
vitória decisiva da seleção brasileira de futebol, numa quartas de final, caso já
estivéssemos disputando a Copa do Mundo na França, e o sonho plausível do
pentacampeonato estivesse mais palpável.
Pois é. A notícia da mexida na minibanda, a faixa estipulada pelo
Banco Central, para que a cotação do dólar possa oscilar livremente, deu sinal de
39
SEGURANÇA para aqueles que convivem no dia-a-dia dos números da economia,
como os investidores e exportadores.
Embora a equipe econômica tenha divulgado ser "uma mudança lenta
e gradual", dando números de 2% a 3% nos intervalos (correspondentes ao piso e
teto da minibanda) para dois a três anos, nas entrelinhas, onde o movimento
econômico toma vulto, a senha foi outra: LIBERDADE para o mercado. Uma
pequena janela é claro. Do outro lado, porém, vinha um consistente sinal sob as
causas dessa medida, dizendo que "as coisas" estavam sob controle.
Explica-se: num ambiente onde vigora uma política de âncora cambial,
com persistentes intervenções do governo, qualquer alteração em direção às leis
selvagens da oferta e da procura demonstra, por menor que seja, uma forte
confiança nos destinos da política econômica. A obrigação do governo em comprar
dólar quando a cotação aproxima-se do piso e ofertar dólares quando ocorre o
mesmo na faixa do teto da minibanda, é apenas uma faceta do exercício da equipe
econômica em manter o controle cambial.
A rigor, não devemos nos preocupar com índices econômicos de um
período restrito como o que trata este artigo. Estes indicadores são como ondas de
freqüência modulada das emissoras de rádio FM, que ao contrário das ondas
médias e curtas, não batem na atmosfera e voltam e, por isso, restritas mais ao
perímetro urbano. Como a Rádio Cidade FM, por exemplo.
Desde que o governo mantenha a forma de controlar e as coisas não
descambe, tudo bem. A votação da reforma da previdência é uma dessas formas e,
esse círculo vicioso que pode ser comparado a um cão mordendo o próprio rabo,
precisa ser quebrado, porque as dentadas são na pele do povo, reproduzidas no
desemprego, na fome dos flagelados, nas epidemias,...
40
DEPOIS DA TEMPESTADE, VEM A TEMPESTADE
Após o segundo turno das eleições em que o quadro político nacional
se desenhou, o Pacote Fiscal proposto pelo governo federal e a prevista liberação
de U$ 45 bilhões pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) são considerados
fundamentais para equacionar, ou, pelo menos, começar a trilhar o caminho de
equilíbrio das contas públicas.
Os holofotes se voltam para os acontecimentos internos que promete
demorar, com previsível desencadeamento de ações judiciais contra as medidas do
governo. Entretanto, uma outra interrogação procura resposta nos chamados
mercados internacionais. A solução dos problemas monetários e econômicos
brasileiros que pareciam ser domésticos, de repente, inclina-se para as perspectivas
do ambiente externo.
Antes das negociações com FMI, falou-se muito em fazer o dever de
casa. Agora, já é de consenso de que de nada valerão os esforços na execução do
Pacote Fiscal, mesmo contando com a sua aprovação na íntegra, se não houver,
paralelamente, um ambiente externo propício.
Do outro lado, a queda dos juros nos Estados Unidos e na Europa e o
saneamento no sistema bancário japonês, vem sendo apontados como os principais
motivos para uma indisfarçável euforia na comunidade econômica nacional e
internacional, preocupada com a posição do País, fincado na rota da crise financeira
internacional.
Essa perspectiva otimista tem um lastro. Foram injetados 90 bilhões de
dólares no Fundo Monetário Internacional, pelo Grupo dos 7 e o Parlamento japonês
ofereceu 500 bilhões de dólares ao sistema bancário. Os Estados Unidos cresceram
3,3%, acima dos 2% esperados por Wall Street. As bolsas responderam em alta nas
últimas semanas.
A turbulência passou? Teria passado se não houvesse um pessoal
acompanhando a trajetória da dinheirama no mundo, para daí emitir suas
premonições. Paul Krugman, professor do Massachussets Institute, insiste para que
o governo japonês provoque a inflação, sem a qual, nada de boas notícias no front
externo.
41
Li num desses inúmeros artigos sobre economia, uma previsão nada
otimista de David Roche, analista de investimentos de uma financeira britânica, a
Independem Strategy. Ele diz que deve haver uma contração potencial no crédito de
4 trilhões de dólares. Clóvis Rossi, da Folha de São Paulo, lembrou que esse valor
equivale ao tamanho da economia do Japão, simplesmente a segunda maior do
mundo.
Definitivamente, a crise externa não se resume na simples queda de
juros nos Estados Unidos e na Europa e no esforço do governo japonês. O fantasma
da crise de 1929 ainda atormenta as mentes mais brilhantes da economia mundial.
E quando o facho do holofote se dirige para o enfrentamento,
justamente desses problemas externos, mais se fala em currency board, que nada
mais é do que a conversão rígida utilizada por alguns países, no qual desaparece a
interferência do banco central. Essas idéias são puxadas por aqueles que defendem
as exportações como a alternativa, se não a única, para sair do labirinto cambial que
a equipe econômica se meteu, como Delfim Neto, por exemplo. Mas isso, desde que
haja uma desvalorização do real em, pelo menos 25%. O assunto se arrasta e só
pára quando alguém lembra a experiência semelhante feita no México que amargas
conseqüências funestas até hoje.
O ex-ministro da economia da Argentina (91-96) e atual candidato à
presidência daquele país em 99, Domingo Cavallo, em entrevista ao jornal Gazeta
Mercantil, em 26 de outubro, combateram o número excessivo de moedas e políticas
monetárias soberanas, receitando também a conversibilidade rígida, o currency
board feito em seu país, como antídoto à crise financeira internacional, porque,
segundo ele, fica mais adequado economia globalizada. Oferecer alternativas em
reais e em dólares aos financistas brasileiros que colocaram dinheiro em títulos
públicos, pode baixar mais rapidamente as taxas de juros. Esta é a sugestão do exministro para o pacote fiscal brasileiro.
Analisando outros fatos, como os depoimentos de Alan Greenspan, do
Fed, o banco central americano e de Bill Clinton, no mês de setembro, não fica difícil
relacionar com as medidas que logo vieram. O Fed tomou iniciativa em relação aos
juros, ao receber o recado sinistro, quando foi feito o salvamento do LTCM, o fundo
de investimentos inquebrável, um tipo de titanic dos títulos; e depois o presidente
dos Estados Unidos, preocupado com o mercado interno invadido por produtos
asiáticos e os seus clientes latino-americanos, do qual o Brasil corresponde com
42
mais de 40% do PIB, correndo o risco de ser mais um empecilho ao escoamento dos
produtos americanos.
Nesse panorama externo destaca-se, a meu ver, uma seqüência lógica
nas atitudes dos mandatários em relação à crise financeira. Foi assim com Clinton e
Greenspan nos Estados Unidos e também foi assim, na Comunidade Européia, logo
após a eleição de Gerhard Schroder, na Alemanha.
E no Brasil? Resta-nos a apreensão às atitudes claudicantes do
governo em negociar com a sociedade, sempre confiante (taí FHC reeleito), mas
que pode cansar de tanto sacrifício. Se em outras partes depois da tempestade vem
a bonança; aqui, de repente vem outra tempestade.
43
OS ESQUELETOS
Entendemos melhor o presente quando olhamos para o passado,
dizem. E a partir daí podemos construir o futuro, não é verdade? Sempre achei isso
tudo muito bonito. E olha, tem gente perdendo o bonde da história, à procura de
respostas para os problemas econômicos, financeiros e monetários do Brasil. Viajam
longe, de Cabral a Marechal Deodoro.
Outros chegam até a década de sessenta e já trazem muita luz para
iluminar o fundo do poço. Tenho dado mais atenção para essa turma de sessenta.
O País quebrou mesmo, o que podemos fazer? Se o governo optará
pela redução dos juros, flexibilização do real ou incentivará a produção, ainda é uma
incógnita. Talvez possamos mesmo aprender com o passado e evitar surpresas
desagradáveis no futuro.
Com a estabilização da moeda ficou para trás a inflação e muito do que ela
encobria, no hábito pernóstico político e na interpretação equivocada da prática das
leis. Chamam de retirar os esqueletos do armário, as conseqüências do período em
que o País emitia moeda toda vez que fosse necessário e o custo ficava zero;
método muito utilizado na fase inflacionária. Pois é, os efeitos da senhoriagem um
dia ressuscitariam, como ressuscitou.
Mas a praticidade numérica dos economistas rouba-lhes a imaginação,
pois esqueletos subentendem-se um passo antes do pó. Assombração e fantasma
não, eles perseguem. O que tem assombrado muito da lassidão como ficaram as
nossas contas públicas, são essas coisas.
Na ocasião em que se engendraram muitos dos males de hoje, as leis
considerava o dinheiro obtido com o endividamento público como receita, portanto, a
inflação não entrava na contabilidade e o equilíbrio orçamentário era na marra. Aliás,
se por um lado a interpretação da lei encobriu um rombo devastador, por outro, o
nosso conceito de déficit público é muito mais abrangente que muitos países,
inclusive da Europa, que não consideram Estados e Municípios.
Não é um consolo, mas eles já tiveram seus esqueletos também, mas,
creio, já devem ter retirado do armário há mais tempo que nós. Por isso é que
grande parte da elite governamental considera o nosso fundo do poço como um
divisor de águas.
44
O pacote fiscal se for realmente aplicado, poderá arremessar este País
a uma condição de igualdade perante as nações desenvolvidas. O conjunto de
medidas forma uma espécie de circuit breaker, como o presidente Fernando
Henrique chamou, num dos seus discursos, antes do anúncio do pacote.
No conjunto de medidas destaca-se muito o rombo da Previdência,
mas no equacionamento da dívida dos Estados e Municípios e a aplicação da Lei
Camata, que restringe os gastos do orçamento com o salário do servidor em 60% talvez esteja o principal parâmetro para que as medidas propostas pelo governo
tenham amparo e sejam exeqüíveis. Estados como Alagoas, por exemplo,
consomem toda a receita com gastos com salário do funcionalismo.
Essa má fase da história brasileira pode construir um País melhor ou
pior para as gerações futuras. E isso depende em grande parte do próprio País. Que
a deflação não se prolongue tanto e vire recessão e esta não se aprofunde,
transformando-se em depressão. E que as condições internacionais se acomodem.
Na jogatina mundial o Brasil foi mau jogador. Errou o arremesso dos
dados e, como demonstrou desconhecer as regras (se é que existem) dessa farra
financeira, estamos numa situação de bêbedo desamparado. Mas o problema é
nosso. Não será nenhum crupiê que virá retirar nossos esqueletos do armário.
45
DO OUTRO LADO DO MUNDO
É bem assim. As diferenças abissais entre os chamados países do
terceiro mundo e os do primeiro mundo, às vezes assustam. Não fosse a mídia
divulgar a cultura primeiro-mundista desde que nos sentimos gente, cairíamos da
cadeira. Um pouco preparados, nem tanto. Somos emergentes. Emergentes do que,
não sei.
Essas coisas que mostram que estamos longe de sentir, pelo menos, o
aroma deixado pelo caminho por onde passa o cidadão desenvolvido, a gente
acompanha no dia a dia, via satélite. Como a televisão brasileira é dominada pela
programação americana, o padrão de parâmetro que nos baseamos para com a
turma do lado de lá, segue o que os filmes e noticiários das grandes redes dos EUA
nos mostram.
A singularidade da democracia, a distribuição da riqueza abundante, o
patriotismo e o caráter coletivo e eficaz como enfrentam seus maiores problemas,
como as catástrofes (que, por causa disso, nunca chegam a ser grandes
catástrofes).
A perturbável comparação ciosa desponta no interior de quem enfrenta
momentos de auto - estima como estes que nós brasileiros passamos com o
exaustivo exercício de nadar, nadar e morrer na praia. Ainda bem que este colosso
não é feito somente da simetria dos indicadores econômicos. Come pelas beiradas a
alegre turma da produção.
O Sol Nascente - De uns tempos para cá, todos esses problemas que
tanto tem afligido a economia mundial nos trouxe um parceiro inesperado, da turma
dos ricos, o Japão.
Embora a crise japonesa seja atribuída aos bancos, com trilhões em títulos podres, o
problema parece estar mais relacionado ao cidadão japonês que detesta gastar,
criando a crise de demanda - sobram produtos no mercado, os preços caem e,
mesmo assim não há consumo e vem a estagnação.
O primeiro-ministro japonês Keizo Obuchi vem tentando tirar o seu país
da crise, desde que assumiu o lugar de Ryutaro Hashimoto. Na contabilidade de
pacotes, somam-se oito e US$ 150 bilhões. Foi anunciado o nono pacote de US$
197 bilhões, divididos entre incremento de obras públicas, cortes de impostos e
financiamentos de empresas.
46
E como grande potência, o Japão está ajudando o Brasil com US$ 1,2
bilhão, diretamente do seu Ministério das Finanças, sem passar pelo BIS (Banco de
Compensações Internacionais), no pacote de ajuda juntamente com o FMI, Grupo
dos 10, BID e BIRD.
Mas o motivo que me levou a escrever esta breve história está no
projeto do governo japonês. Ele pretende distribuir nada menos que US$ 164 a
aproximadamente
35
milhões
de
pessoas,
entre
adolescentes,
velhos
e
aposentados para que se gaste da maneira que bem entender.
Deste lado de onde o sol morre a gente não aprendeu ainda a distinguir
produto supérfluo de gêneros de primeira necessidade. Nem o governo federal,
agora já se pode perceber, soube se adaptar com um período pós-inflacionário.
Então, distribuir dinheiro para a população é mesmo coisa do outro mundo.
ALÔ TRABALHO
Numa visão globalizada, as causas do desemprego são atribuídas a
fatores
distintos;
como
os
problemas
estruturais
devido
ao
excesso
de
regulamentação em alguns países europeus; o efeito sazonal, como o que baixou o
índice de 7,65 % para os festejados 7,45%, no Brasil; a filosofia do downsizing, com
os aportes tecnológicos inovadores; e a própria internacionalização dos agentes
transformadores da produção. Entretanto, seja nos países emergentes ou nos
desenvolvidos, a crise externa recente tem colocado mais combustível ao problema
do desemprego, considerado como um dos maiores males que aflige o mundo neste
final de século.
De fato, menos possíveis ficam as soluções enquanto os prognósticos
indicarem para uma recessão planetária. Quanto a essa recessão planetária, ela já
fez aniversário, pois foi depois dos problemas na Ásia que se alardeou aos quatro
cantos de um possível crash global. Há, portanto, que se ressalvar o pânico
generalizado que afugenta os investidores, sejam de capitais especulativos ou
diretos. O pânico ocupa a vaga do empregado na outra ponta do efeito dominó,
contagiando desde o operário mais humilde até as mais influentes autoridades de
certo mundo globalizado.
Por conta dos problemas financeiros, um considerável número de
estudiosos da crise internacional continua receitando o incremento no setor
produtivo, como uma panacéia no meio desses problemas difusos entre a produção
e o comércio. De acordo com a opinião generalizada que se encontra nos editoriais
da mídia categorizada, houve alguma disposição nesse sentido, quando a queda
dos juros na Europa ensaiava optar por essa direção, depois das eleições na
Alemanha. Porém, tanto na Alemanha quanto no Japão, os governos estão revendo
suas políticas sociais e, portanto, distanciando-se do foco do problema.
Artigos do The Economist e Financial Times, transcritos no jornal
Gazeta Mercantil, no final de novembro, revelam situações semelhantes no que
tange ao enfrentamento do desemprego. E, assim como a legislação trabalhista
brasileira foi taxada como protecionista por aqueles que defendiam (e ainda
defendem) a abertura imediata do nosso mercado, e de resto, outras nações do
Mercosul; em países como o Japão e a Alemanha (do Primeiro Mundo, pois), essas
48
questões estão sendo colocadas à frente da mesa de negociações, com o
enfrentamento direto dos impedimentos legais.
Notícia econômica: "A globalização e a recessão estão dando o tiro de
misericórdia na ideologia japonesa do emprego vitalício". O governo de Keizo
Obuchi vem promovendo uma desregulamentação no setor e a adoção do trabalho
temporário em sua plenitude é uma questão de tempo. De repente, uma surpresa: é
que uma agência de emprego estatal japonesa tem o mesmo nome chamativo como
o governo brasileiro procura divulgar sua propaganda contra a falta de trabalho
(ligue para 0800-610101). Também se chama Alo Trabalho: Haro Waku.
E na Alemanha? Os analistas concluem que a população deve perder
um pouco dos principais fundamentos do seu Estado do Bem Estar Social.
"Schroder muda projeto", diz a nota, revelando que o governo recém - eleito vai
mudar seu projeto inicial para com a questão do desemprego. Estima-se em seis
milhões, o número de alemães empregados com salário inicial pouco abaixo de US$
370. Como o governo isenta das contribuições previdenciárias o trabalho de baixa
remuneração, os empregadores acharam uma "brecha" para fugir das tributações,
enfatizando as admissões desses funcionários. Resultado: o governo vai generalizar
o ônus com uma lei a ser aprovada em abril.
No Brasil, as leis são empecilhos removíveis, mormente quando o
assunto recorrente trata de globalização. Nesse caso, diminui-se o tempo com
edições de medidas provisórias. Enquanto se aguarda um arrocho no poder
aquisitivo da classe trabalhadora com o novo pacote, os ministros do trabalho do
Mercosul, em recente reunião, reafirmaram o compromisso com treinamento e
capacitação profissional. Mas o corte de 50% para o Orçamento de 99 desestabiliza
o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e deve inviabilizar o financiamento de
projetos sociais voltados para o preparo e alocação nos postos de trabalho, pois
canaliza recursos para o Codefat e este dirige para o Planfor e Proger.
Em seguida, vem a medida provisória n 1.726, de 3/11/98, Mas já
houve outras; como a de n 9.601, de 21/1/98 e a de n 1.709/3, de 29/10/98. Com a
possibilidade de suspensão do contrato de trabalho, o governo espera atenuar o
desemprego, pois; a medida, num período de dois a cinco meses o empregado
participará de treinamentos de qualificação profissional, recebendo os proventos e
esses, livres de tributação para o empregador.
49
Como o desemprego é um flagelo de dimensão mundial, as medidas
adotadas pelo governo confirmam um acompanhamento não muito distante de
receitas exóticas. Quem arriscaria previsões animadoras para 99?
50
OS MUROS DE WALL STREET
Entender o mercado de capitais não é tarefa fácil. Bem mais simples
são os "chavões" que procuram encerrar nossas dúvidas, como este: "a bolsa sobe
na expectativa e desce quando os fatos se concretizam". Já é alguma luz nesse jogo
cheio de lances inusitados, nas quais as empresas tomam dinheiro dos investidores
através da venda das ações, e os lucros passam a ser um moto - contínuo naquela
frenética loucura dos pregões.
Tudo repercute nas Bolsas - desde crises externas, planos econômicos
e investimentos estrangeiros até inofensivas fofocas, como as das estripulias
sexuais de Clinton e Monica Lewinsky. Só nessas horas, quando alguém vai mexer
no nosso bolso é que nós, os mais simples dos mortais, despertamos para a
importância dos indicadores econômicos. Uns exemplos mais à mão, são os índices
que medem o desempenho médio das cotações do mercado acionário.
Quem gosta de navegar pela internet, vai surfar por uma penca deles, com seus
respectivos nomes esdrúxulos: Daw Jones, FT-100, Nikkey, Merval, IBV, IPC, AllOrdinaires... Que os indicadores aglutinam em blocos, das Américas, Europa e Ásia
- Pacífico.
Observe a tendência de alta. Por três vezes consecutivas na última
semana o mais importante indicador norte-americano, o índice industrial Daw Jones
rompeu a barreira imaginável de 10 mil pontos. E daí? Bem mais fácil seria entender
índices de mortalidade infantil e crescimento da pobreza. Mas enquanto capitalistas,
a pujança da economia americana influencia a vida do mais simples cidadão.
Todo mundo sabe que as cotações acionárias e cambiais conferem
minuto a minuto a saúde econômica planetária. O referencial é e sempre será (até
que ocorra algo pior), o colapso ocorrido na Bolsa de New York em 1929, desatando
um efeito dominó que contagiou outros segmentos da economia mundial. Quem não
ouviu falar na Grande Depressão, da década de 30?
A partir daqueles acontecimentos, convencionou-se em estipular uma
barreira no crescimento econômico, da inflação, do desemprego; entre outros. Essa
tal de Inflation Targeting (meta de inflação), importada pelo atual presidente do
Banco Central, Armínio Fraga, e utilizada já por outros países, foi destacada desse
contexto para fins domésticos. É uma parede de temeridade erguida por Waïl Street.
51
Por outro lado, esses 10 mil pontos alcançados pelo índice Daw Jones
é um marco, pois, os livros - textos (O Colapso da Bolsa, John Kenneth Galbraith)
não explicam a quebra nas bolsas pela simples e suposta falta de regulamentação
do mercado. E o consenso acaba se generalizando pelo mote: excesso de otimismo
e "quando isso tudo vai parar”. "O Dow Jones Industrial precisou de 77 anos para
chegar dos 100 aos 1000 pontos, e apenas de 15 para saltar dos 1000 aos 10 mil
pontos" - escreveu Mário Zamarian, da Gazeta Mercantil, em 19.03.99. Quer dizer, a
corrida está bem mais rápida.
Excesso de otimismo, como se dizia antes, e irracionalidade, como
Banco Central americano classifica o momento atual da economia americana,
parece dizer a mesma coisa, embora mais de sessenta anos os separem. "A
economia do país está esticada, o que pode significar uma economia de riscos",
disse Greenspan, presidente do FED, o Banco Central americano (Gazeta
Mercantil). No jornal Folha de São Paulo, de 17.03, diz: o país não deve alterar a
taxa básica de juros (atualmente fixadas em 4,75% a. a.), porém o Departamento de
Tesouro deverá alterar sua previsão de expansão, de cerca de 2,5%, para um
crescimento superior a 3%.
Robert J. Samuelson, em Cartas de Washington, Revista Exame,
edição 684, revela que o PIB americano cresceu ao ritmo espantoso de 5,6%,
superando de longe a previsão feita pela maioria dos economistas. Embora o
assunto deste articulista fosse a poupança dos americanos, ou seja, numa outra
ponta, ele alerta quanto a uma estagnação da economia americana, quando diz que
“o abalo resultante atingirá mais profundamente a Ásia e a América Latina, porque
um quarto e dois terços, respectivamente, das exportações dessas regiões
destinam-se aos Estados Unidos”.
Os reguladores da "mão (nem tanto) invisível do mercado" estão
conectados com as bolsas. Ora, a rua onde se localiza a Bolsa de Valores de New
York, não esconde o que sugere o seu nome. Um dia os muros de Wall Street irão
desabar.
52
NOTICIAS DE RODAPÉ
O termômetro utilizado para medir o aprofundamento da crise brasileira
não é mais as cotações das bolsas de valores. Agora é a ascensão do dólar que
mede a expectativa quanto aos sinais que direciona a política econômica do
governo. O dólar já ultrapassa R$ 2,00. Por conta desse nó cambial que parecia
desatado com a desvalorização do real, surge um outro nó na cabeça de todo
mundo que flutua, como a nossa moeda.
A imaginação flutua. O pessimismo vem de todos os lados, tanto
externos quanto internos. Pesquisas sondam o grau de auto-estima do cidadão
brasileiro. O Presidente da República baixa o facho da sua característica empáfia e
cede a um temperamento mais comedido para conversar com os governadores da
oposição. Por outro lado, aqueles que acompanham o projeto desenvolvimentista da
nação, o fazem como se fossem um técnico de futebol numa partida com seus dois
tempos cronometrados e sem direito a acréscimo. Para estes, foi-se uma década
perdida.
José
Alexandre
Scheikman,
economista
brasileiro,
reconhecido
internacionalmente, adiantou que já são duas décadas perdidas. Traduzindo: não dá
mais para se chegar lá (lá, no caso, é esse mundinho globalizado, cujos
compartimentos não alojam todo mundo). Lester Thurow, americano, economista do
MIT, não entende nosso vigor em querer se se instalar no patamar dos países
desenvolvidos sem antes investir em educação. E aponta os países africanos que
não estão nem aí com esse negócio de mundo globalizado. Eles assumiram a
exclusão e ponto.
Esse negócio de década(s) perdidas(s) se prende mais aos anos
oitentas para cá. Mas se formos analisar sob o ponto de vista de plano de
desenvolvimento do país, a política se incumbiu disso um pouco mais para trás. Nos
anos quarentas, com Getúlio Vargas tirando a base econômica do café e
transferindo-a para as indústrias; os anos cinqüenta persistiram esse mesmo projeto
de proteção às indústrias, com Juscelino Kubitschek e a indústria de base nos anos
setentas, com Ernesto Geisel, parecendo que o ciclo de importações havia chegado
ao fim. Mas o que brilha aos olhos dessa elite é o sonho mais recente de se
promover o crescimento, ao mesmo tempo em que se reduziria a diferença social no
53
Brasil e o país pudesse, assim, ter a cara limpa para entrar na sala dos primeiro
mundistas.
Apesar de tantos projetos, tudo foi construído em cima de uma legião
de miseráveis. E nisso, ponha décadas. A elaboração complicada como se compõe
o PIB - a quantidade de mercadorias e serviços produzidos no país durante um
determinado período - não afere bens intangíveis, como o caráter, a criatividade,
empenho e determinação de um povo. Mas se for buscar no passado, minha carta
se chama Barão de Mauá, que foi dono do Banco do Brasil, estaleiros, fazendas,
títulos, etc. e etc. que, no meu ponto de vista, é um exemplo de espírito
empreendedor do brasileiro. E até você, caro leitor, sacará da sua memória o vigor
empreendedor e criativo de algum membro familiar, que sempre labutou e
engrandeceu esta nação, porque todos os projetos sustentaram-se no sacrifício e
disposição dos nossos antepassados como agora se sustenta sobre os menos
favorecidos.
Por isso que não dá para concordar com esse pessimismo, embora
discordando das insistentes políticas econômicas dos nossos governos e atitudes
claudicantes, como deste governo atual que escuta o marulho da cachoeira bem
próxima, mas não é capaz de desviar o barco do rumo trágico. Neste caso, o nosso
problema diferencia de outros países arrasados por guerras e pela fúria da natureza,
como no ano passado, na América Central, que arremeteu aquelas nações há, pelo
menos, quarenta anos de atraso, o tempo para reconstruir o país arrasado.
Nossa Cidade Verde tem registrado na sua história uma epidemia de
varíola que dizimou sua população. São Paulo e Rio recebem todo ano a visita
indefectível das chuvas que, pela própria rotina de visita já demonstra a
incompetência dos serviços públicos. Celso Pitta (prefeito de São Paulo) ainda tem a
cara de pau de culpar os moradores que jogam lixo nas ruas e entopem os bueiros.
Fora os efeitos do El Niño e, agora a La Niña, nada mais nos importuna. É o país
abençoado que tanto se alardeia.
Por tudo isso e até pelo respeito aos que tanto lutaram pelo
engrandecimento deste país é que não dá para engolir a choramingueira. Como a
história é feita pelos vencedores pode ser que no futuro a nossa história seja
contada pelos capitais que atravessaram o mundo de um ponto ao outro. Mas o
custo de se construir a história de um país se encontra no rodapé dos livros, jornais,
54
revistas e afins. Neste momento, sobra, no máximo, a gritaria para que o seu líder
ouça o clamor destes que, verdadeiramente constroem este país.
55
OS DESVALIDOS
Muitas cidades deste imenso país incorporam à sua massa
populacional um outro tipo de gente que perambulam pelas ruas, dormem sob as
pontes e viadutos. É todo o tipo de gente, de dementes a abandonados pelas
famílias e os esfomeados, mas, principalmente crianças. Crianças esfomeadas. O
mundo se espanta com um cenário cada vez mais agregado ao nosso cotidiano.
Cotidiano esse muito parecido com um quadro de Vincent Van Gogh
que não consegue esconder a angústia do autor, neste caso, a própria hipocrisia da
sociedade. Entretanto, alguns personagens desse quadro dão um matiz de humor
negro. Mas, como eu dizia, o mundo se espanta. O Banco Interamericano de
Desenvolvimento, também espantado, impõe condições para liberar recursos
financeiros para o Brasil.
Ou o Brasil aplica os recursos de maneira eficaz no combate a essa
degradação social ou nada feito. Por causa disso, o governo federal repassa esse
corte de 30% ao Programa de Erradicação do Trabalho Infantil. Também o Plano de
Geração de Renda Mínima foi cortado em seus recursos em 66%. Esses planos não
são muita coisa em relação crescente escalada da pobreza que infesta o meio
urbano. Betinho deve estar se revolvendo no túmulo, pois, se é uma gota no oceano,
essa gota é um rio para essa gente sem representatividade, e por isso, sem ter
como brigar pela sobrevivência. Que saudades de Betinho.
Embora certas práticas divulgadas atualmente pela mídia já existiam há
alguns verões, queimam-se mendigos, expulsam andarilhos, como fez a Prefeitura
de Corumbá, querendo pintar um mundo utópico. No interior de São Paulo era muito
comum transferência dessas pessoas de um ponto ao outro em vagões reservados
dos demais passageiros.
Como muito mal colocamos o pé dentro da recessão que promete ser
doída para a classe média, o que imaginar para esse tipo de população
desclassificada? Talvez desapareça aos poucos enquanto a mão pesada da
recessão empurre de cima da pirâmide estratificadora das camadas sociais mais
uma classe que o desemprego deve formar.
56
Não é querer ser incendiário. Até porque incêndio e panfletos já foram
gastos para decompor um cenário que assusta mais aos turistas estrangeiros. Afinal
existem saídas e talvez até essa não fosse a ideal. Mas era a única.
57
NA SOLIDÃO DA CRISE
Qual o momento certo de o Brasil enfrentar seus problemas sem que
estes estejam aliados a fatores externos? Uma boa pergunta que vinha
incomodando - embora inconscientemente- a memória da maioria dos brasileiros. É
por isso que agora, com a poeira baixando ao nível do entendimento se descubra: a
moratória do governo de Minas provocou algo além da evasão dos dólares do país a
culminar na desvalorização real.
Estamos, pelo menos, encarando as nossas próprias fraquezas. De
repente, o emaranhado de termos do jargão econômico que maquiavam a situação
brasileira, sempre atribuída a fatores externos mostrou nossos problemas internos
mais de perto, bem simples, aliás: os gastos do governo sempre maiores do que
arrecada. E isso, qualquer brasileiro sabe. E como sabe. Afinal, a inflação foi sua
melhor escola na mágica de fazer o salário cobrir as despesas domésticas e os
exercícios de remarcações quase diárias lhe deu know how, e, por isso mesmo todo
esse temor, enquanto a moeda americana flutua livre sem achar ainda um ponto de
equilíbrio.
Como disse a respeito o mato-grossense Roberto Campos antes de
deixar a função parlamentar na semana passada: “... se a economia de um país é
saudável, mesmo o capital meramente especulativo acaba se tomando permanente”.
O Brasil relutou. A economia em constante transformação nunca foi um axioma,
porém, essa opinião é apenas uma entre tantas que ocupam os jornais. Das mais
acéticas, como de Jefrey Sachs e Rudiger Dornsbuch às mais brandas (por motivos
óbvios) de autoria de Stanley Fischer, do FMI.
Grosso modo, a comunidade econômica internacional é unânime em
apontar a teimosia da equipe brasileira que demorou em desvalorizar a moeda e,
seguindo os mesmos erros do México, em 94, corre o risco do overshooting (a
maxdesvalorização) num desses "chutes para cima" acabar enroscando num
patamar muito alto e não descer mais.
Se ainda é cedo para tais considerações não se sabe. O que se %abe
é que é um caminho que já vem sendo trilhado por alguns dos países emergentes,
com algumas similaridades e esse argumento de que o Brasil não é o México, perde
fundamentação. Fica claro o aproveitamento político com a reeleição presidencial e
58
os interesses do FMI em proteger os investidores estrangeiros que não podiam
perder mais, depois da moratória russa que Jefrey Sachs chama de "o lobby de Wall
Street".
Na verdade a "lição de casa" necessária para adentrar no mundo
globalizado precisa, também, ser mais bem analisada, pois, na macroeconomia
muito se questiona o novo capitalismo com a derrocada do comunismo. O premier
japonês propôs recentemente um capitalismo mais forte, amparado no dólar, euro e
iene. Os fundamentos do tratado de Breton Woods, de 1944, quando foi
abandonado o padrão ouro, volta e meia vira tema de algum artigo nos indicadores
econômicos. O Fundo Monetário Internacional está sendo muito criticado e os
fracassos nos países asiáticos lhes são atribuídos.
Entretanto, ao que parece, não são os países emergentes que fazem
os experts da economia internacional esmiuçarem as regras cambiais e financeiras.
Mas o Japão, por ser a segunda maior potência do mundo, dói no calcanhar de
muitos. É como se lá do lado dos ricos, o Japão fosse uma espécie de Itamar,
versão Primeiro Mundo, sugerindo que as coisas não são assim tão lindas. Ou será
que ricos e pobres não estão precisando olhar para o umbigo para questionar e
procurar novas regras, um new deal.
59
MEU REINO POR UM CAVALLO
Os brasileiros não conseguem dissociar a Argentina do eterno rival,
notadamente no futebol e que se estende, ao que parece, a outras modalidades,
conforme podemos constatar no futebol de areia, de salão, vôlei, basquete... A lista
é extensa, deixa pra lá. Até porque, fica restrito mesmo aos esportes.
Em outras frentes, como a economia, por exemplo, nós brasileiros, ou
melhor, os macaquitos como eles nos chamam, estamos atrelados. Como
namorados apaixonados, de mãos dadas que inclui encontros e muxoxos. O atual
super-ministro Domingo Cavallo, esteve em Brasília, para avisar de algumas
medidas que implicam infringir alguns regulamentos do Mercosul.
Vale dizer, a paridade do peso ao dólar foi criado por Cavallo. Como
em todos os planos econômicos abaixo da linha do Equador ele vem desatar um nó
que ninguém conseguiu. No Brasil foi menos rígido por causa das famosas
minibandas que equilibrava a lei da oferta e da procura pela moeda americana e
antes do plano desabar, Armínio Fraga substituiu Gustavo Franco e fez a moeda
flutuar. A Argentina enfrenta algo semelhante, sendo a questão principal se ela vai
ou não acabar com a paridade.
Temos de torcer por ela. Incrível, mas é verdade. De acordo com os
experts no assunto, não seria nada bom ao Brasil se a Argentina quebrasse. Tanto
isso é verdade que a taxa Selic subiu de 15,5% para 15,75%, contendo um viés de
baixa, como chamam a tendência depreciativa.
Como as nossas reservas não passam muito além dos US$ 30 bilhões
e, embora o contexto seja um pouco diferente, a verdade é que a nossa situação
não é o que aparentava. Qualquer sopro e o nosso castelo de sonhos vêm abaixo.
Aos olhos dos investidores, somos todos países emergentes e o tira-e-põem dos
seus dólares segue o termômetro das crises. Somos todos Zés Manés, Juans,
Pablos. Noutras palavras: farinha do mesmo saco. Pero no mucho? Si señior. Mais
globalizados que nunca.
Mas são nas externalidades dos blocos econômicos, como o Mercosul,
a Alca e Comunidade Européia que surgem as interrogações. O atual ministro cogita
a criação de uma cesta de moedas, mas, como alguns países da América Latina já
se converteram ao dólar. Sabe-se que, ao contrário dos brasileiros, a moeda
60
americana sempre possuiu mais trânsito entre os argentinos, tendo uma base mais
abrangente na sua economia. A última pesquisa divulgada aponta 70% de
argentinos preferindo o regime de conversibilidade.
Se a Argentina fizer o mesmo, da minha parte, fico duvidando - assim
como se duvida da masculinidade de outrem - da propagada garra Argentina, aquele
sangue espanhol, regado a vinho, dos quais tememos e admiramos ao mesmo
tempo, quando as seleções de futebol dos dois países se defrontam. O nacionalismo
argentino é digno de admiração.
O ministro argentino está frente a frente com essa questão da
conversibilidade. Caso a Argentina opte em abandonar a sua moeda em favor da
moeda norte americana estará dando um passo atrás no nacionalismo que os levam
às lágrimas quando entoam o hino nacional e erguem a bandeira celeste no mastro.
É através da política fiscal e monetária que o Estado exerce a sua
função estabilizadora, portanto a moeda nacional é bem mais que um papel pintado
e não precisa ser expert nesses assuntos para saber o que representa a moeda de
um país à sua soberania. Não vou me estender. Naquela célebre história de William
Shakespeare, o herói da hora precisava apenas de um cavalo para derrotar os
franceses e gritou: "Meu reino por um cavalo". E venceu.
O ministro Domingo Cavallo tem se desdobrado em intermináveis
viagens enquanto o presidente De la Rua visita o Papa. Todos os esforços para
tentar solucionar uma crise de um plano por ele criado. Nesse amálgama de blocos
econômicos, para não virarmos farinha do mesmo saco é preciso que Domingo
Cavallo vença.
61
ENCONTROS CUCARACHAS
Escrevo este artigo, sexta-feira. O assunto da hora são os jogos
olímpicos. Se bem que, pelo visto e espaço dado até o momento, a mídia só
desviará, um pouco, a atenção dos Jogos Olímpicos de Sydney, se for para mostrar
as manifestações de grupos de ecologistas, religiosos, sindicalistas, socialistas,
anarquistas, neonazistas (e outros istas) em Praga, na República Theca e Eslovaca,
onde começa a reunião do FMI e Banco Mundial, nesta segunda-feira, 18. Estão
conseguindo o que pretendiam: virar notícia.
São aguardados, além, é claro, dos promotores do evento, mais de 20
mil manifestantes para protestarem contra a falta de política dos países mais ricos
para com as crianças que morrem de fome por causa da dívida de países do terceiro
mundo; pelo poder irrestrito das grandes marcas que dominam a economia e por
problemas ecológicos; mas, principalmente, pelos rumos da globalização.
Essas manifestações de protesto estão ficando comuns tanto quanto
as reuniões dos principais órgãos mundiais. Foram os mesmos quebra-quebras nos
últimos eventos, como o Fórum Econômico Mundial, em Melbourne, Austrália e, a
Cúpula do Milênio, em Nova Iorque, Estados Unidos, que tratou do crescimento da
pobreza e o avanço da aids. Todos acompanhados de protestos das entidades não
governamentais.
Os motivos para tantos protestos são, basicamente, os mesmos, assim
como, os pontos convergentes também são os mesmos. Nem um lado nem o outro
apresentam soluções, apenas alternativas que, ao que parece, não surtiram bons
êxitos.
Se atentarmos sob o ponto de vista ecológico, a resposta parte da atual
constatação de que a camada de ozônio está cada vez maior; e no que tange a uma
melhor distribuição de riquezas, razão dos maiores problemas sociais, não se revela
benefícios para os mais pobres, de acordo com relatório recente do próprio Banco
Mundial; e as marcas, centro de fogo e ódio dos manifestantes, crescem pelo mundo
afora, através de fusões e aquisições, ameaçando a soberania das nações.
Vejam senhores, que, apesar de não aparecer (pelo menos eu não vi)
nenhum manifestante com cara de terceiro-mundista, com bocas desdentadas e
coisas desse gênero, aqueles alegres farristas arianos travestidos de ciclopes (o
62
monstro de um olho só, no meio da testa), com exceção de alguns religiosos e
neonazistas, esses grupos estão protestando por problemas mais nossos do que
deles. Logo, conclui-se que, eles aviam as receitas e reclamam do gosto. Mas os
encontros e manifestações poderiam ser nossos.
Embora quem polua o ambiente sejam os países ricos, o efeito estufa
tende a afetar mais os países pobres, pela sua falta de estrutura; são as crianças
dos países do terceiro mundo que morrem de fome por causa da pesada dívida
externa a ser paga, assim como os efeitos da globalização só poderão afetar os
países recentemente aceitos na nova arquitetura, depois de fazerem a lição de casa.
Aliás, essa história de marcas, os ícones do capitalismo, motivo de
fúria de grande parte de ongs promotoras dessas manifestações, pela sua influência
nos ditames dos modismos, são os pontos congruentes da discrepância dessa má
distribuição de rendas. Valores elementares são mudados em favor das imposições
do mercado. Cito algo considerado pelo “O Estado de São Paulo” como surrealista.
Em junho deste ano, autoridades do governo fluminense e representantes de
comunidades de favelados do Rio de Janeiro e Belo Horizonte reuniram-se com o
objetivo de discutir medidas que servissem ao plano antiviolência, na época, em
elaboração pelo governo.
Saiu-se com essa. O líder comunitário Celso Peres, do Morro da
Mangueira, sugeriu que se instituísse uma espécie de bolsa para que os jovens
favelados pudessem comprar os produtos da moda. “É por cobiçá-los que eles se
envolvem com o crime” - disse. Notório como o mundo consumista fica bem aí, basta
os nativos esticarem os beiços. As baratas, sem tardança, se rendem.
63
MUDANDO DE CONVERSA
Fica difícil evitar o velho chavão encontrado aqui e ali, nas notas
econômicas, rezando que o modelo adotado pelo Consenso de Washington,
principal mentor do neoliberalismo em moda, notadamente no nosso país, produziu –
perdoem-me a redundância - um consenso: o de que ele necessita de alguns
ajustes. Pelo menos é o que dá para perceber ao ler nas entrelinhas dos relatórios
fornecidos pelos principais organismos internacionais, divulgados e interpretados
pela mídia, a cada encerramento de megaencontros e fóruns.
Há uma clara tendência à reavaliação disso tudo em marcha e não é
de hoje. No ano passado, por exemplo, foi um indiano quem recebeu o prêmio Nobel
de economia por oferecer um trabalho com novo foco na pobreza. Colocava alguns
índices para serem avaliados à luz do neoliberalismo. Neste ano, mudou um pouco o
tom da conversa, após dois americanos serem laureados com o mesmo prêmio. São
eles: James Heckman e Daniel McFaden que “desenvolveram métodos estatísticos
para rastrear tendência das decisões individuais que servirão para identificar como
as pessoas analisam qualquer coisa que afeta a escolha”.
O trabalho deles escapa da crítica por si só ao tema sobre o modelo
neoliberal.
Interessa-nos,
sobretudo
as
declarações
de
James
Heckman,
especializado em economia do trabalho que, participando de um seminário sobre
pobreza e desigualdade, no Rio, revelou que menos regulamentação no trabalho
pode elevar renda, acrescentando que o excesso de regulamentação é o
responsável pelo elevado índice de informalidade no mercado de trabalho latinoamericano. Ele também aprecia a abertura econômica trazida pela globalização.
Trocando idéias com muitas pessoas, antes ortodoxas neste assunto,
descobre-se que já aceitam uma desregulamentação no nosso mercado de trabalho.
Olhando as nossas leis trabalhistas, não seria exagero afirmar que elas impedem um
azeitamento desse setor. Evidentemente que não são responsáveis por todos os
males que nos penalizam. Mas, tem lá sua parcela de contribuição. E, visto por esse
lado, as declarações do economista nem precisam de espaço e tempo para se
encaixar com os últimos relatórios dos principais órgãos internacionais que atestam
64
o crescimento da pobreza no mundo e a distância entre os países ricos e os países
pobres. Os países ricos estão ficando mais ricos e os mais pobres, mais pobres.
Antes, se as dívidas de curto prazo não pesassem tanto sobre as
receitas. Todavia, se o remédio escolhido foi esse, é nesse panorama que todos
precisam ter acesso ao trabalho. Entretanto, os índices de desenvolvimento humano
(IDH) que levam em conta a distribuição da riqueza somada às incessantes
manifestações de protesto de militantes de Ongs, que pregam um redirecionamento
do processo de globalização não deixam alterar o tema da conversa.
Ainda bem que produziu alguns bons frutos. O mais notável trata do
perdão da dívida de alguns países da África. Pelo visto, ainda é pouco para tentar
diminuir as diferenças entre os países ricos e os pobres, pois, apesar da retórica,
eles caminham em sentidos antagônicos, aumentando suas diferenças sociais.
Não vamos longe. Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA), do Ministério do Planejamento, aponta novo crescimento da
pobreza no Brasil. O combate à fome e a miséria foi a principal bandeira de
campanha, empunhada pelo atual presidente, optante da extinta Terceira Via (saída
lateral para o neoliberalismo).
Oportuna foi a sua declaração, no retorno da viagem que fez à
Alemanha e Holanda, referindo-se ao outro Fernando, o Collor de Mello, que
exagerara na abertura da economia do país. Abertura que não pára. A última partiu
do setor de energia que precisa construir mais termelétricas e usinas hidrelétricas.
Os investidores no setor colocaram uma condição: somente com a dolarização das
contas de luz. Dessa forma, enquanto não se muda de assunto, o consumidor vai
pagando pelas receitas.
65
QUE TAL UM PEIXE DOIDO?
O mote da internacionalização dos mercados e tudo o mais dão conta
do desaparecimento das fronteiras. Processo sem volta, dizem, apesar dos protestos
de Seatle e Porto Alegre. O que poderia relacionar esse processo com a
encefalopatia espongofame bovina (BSE), nome técnico da famigerada vaca louca?
Aparentemente nada.
Seus passos lentos e sem más intenções abriram as porteiras para dar
passagem à vaca louca que virou bode expiat..., Ou melhor, uma vaca expiatória
dentro das leis comerciais mundiais. Será bem-vinda. A dose repentina de
nacionalismo esperneando diante das retaliações do Canadá pouco altera a nossa
índole, muito mais para a assimilação de receituários. O próprio Itamaraty,
incumbido de nossas relações diplomáticas, jamais esboçou muita atitude refratária.
Ainda estamos no meio da seqüência dos mercados integrados, onde
se destacam empresas de energia e telecomunicações, enquanto nas prateleiras
dos supermercados vemos os produtos feitos especialmente para o mercosur, con
los peso neto, cremma e cepillo dental.
A atitude do Canadá parece um símbolo do recado padronizado do
primeiro mundo. O que temos nós de nos metermos a fabricar aviões? Na abertura
comercial tudo é one way – para eles. Há males que vem para o bem, e, nestas
ocasiões seria oportuno atentarmos onde esse dito processo de globalização
comercial se impõe de forma mais velada, como aquelas empresas de fachada, que
se dizem nacionais, mas não as são.
Tiro um exemplo de uma pequena nota da Folha de São Paulo. A
empresa Cadadia do Brasil, responsável pela publicação do jornal “Metro”
distribuídos no metropolitano de São Paulo, na verdade é comandada pelo grupo
sueco MTG (Modern Times Group) e pela sócia holandesa Clarita BV. A
Constituição Federal proíbe a participação de grupos estrangeiros em empresas
jornalísticas no país. Por esse motivo o deputado federal Antônio Carlos Biscaia (PTRJ) entrou com uma representação no Ministério Público contra essa empresa.
Tomara que toda essa história da integração comercial acabe num final
feliz, sem amputar muito da formação intrínseca nacional. Num romance de José de
Alencar, um dos primeiros escritores a revelar a autêntica cena nacional, há a
descrição de uma enchente, na qual as águas vão subindo traiçoeira e lentamente
66
até tragarem os dois personagens Peri e Ceci.
Não posso afirmar se a vaca louca é um dos expoentes dessas águas
turvas da internacionalização, pois tudo se apresenta de forma ingênua, quando se
fala num processo bem orquestrado pelo Consenso de Washington. Mas pode
repetir situações cômicas como a tal vaca doida.
A intensificação dessa abertura comercial deve mesmo alterar
costumes, gostos, prazeres, mexendo com muita coisa da nossa identidade. Um
amigo comentou certa vez sobre a comida cuiabana e a relação com os produtos
que caem tão bem ao nosso paladar. Exemplificando (sic), dizia que, num velório,
uma das filhas lastimava a morte da mãe:
- Nunca mais vou comer carne com arroz de mamãe.
Com essa história de vaca louca que já envolveu o Brasil num episódio
cômico com o Canadá, acho que esse assunto apetitoso está mais globalizado do
que se imagina. Quando chegará a vez de nossa carne-com-arroz, com pequi, Maria
Isabel e as apetitosas peixadas?
Há algumas semanas, o noticiário mostrou um quebra-quebra dos
italianos, numa manifestação contra o governo que pretende (ia) proibir o comércio
da bisteca, porque se suspeita que possa transmitir a doença da vaca louca. A
italianada enfurecida saiu às ruas, bradando palavras de guerra contra o governo.
Nossa proximidade com a língua-mãe, o latim, dava para distinguir algumas
palavras.
Um italiano, muito parecido com a nossa personagem órfã que
lastimava de não poder mais comer a carne com arroz de mamãe, também gritava
aos quatro ventos:
- La bisteca! La bisteca!
Não sei no que deu essa história. Imagine-se o Estado de Mato Grosso
realizando seu velho sonho de comercializar com outros países através da saída
pelo Pacífico. O churrasco, a feijoada e a caipirinha brasileiros são produtos
exportáveis há algum tempo. Por que não o pacu também não ser o maior produto
de exportação da nossa região, levando a mojica, o pirão e a nossa pimentinha às
mesas de outros países?
Oh my Got! E se aparece um tipo de doença no nosso peixe,
proveniente
da
infestação
de
peixe
japonês,
os
toroços,
jogados
indiscriminadamente pelas redes de esgoto e entrando numa reação química com
67
uma boa dose de mercúrio escorrido dos garimpos? Ouvi no mercado do Porto essa
resposta: Deus não há de deixar.
68
SOB AS ONDAS
Na crise fiscal e aumento significativo da dívida pública que
caracterizou a década de 90, a venda de ativos foi (e ainda é) uma opção de se
resolver um problema de escassez de recursos que promovera uma tensão entre as
esferas do governo quanto às transferências financeiras.
Os Estados se apoderavam dos recursos dos bancos estaduais e,
quando estes, sangrados até a morte, tinham de ser privatizados, os Estados então
deixavam de pagar, por exemplo, as contas de energia elétrica fornecida pelo órgão
federal. Em contrapartida, o governo federal deixava de repassar aos Estados e
Municípios os valores do imposto de renda dos funcionários...
São picuinhas, apenas exemplos ilustrativos que espelham todo o
processo de privatização no país. Embrionou-se no governo Geisel, tomou forma no
de João Batista Figueiredo - com restrição ao capital estrangeiro - para depois, no de
José Sarney abrir completamente, sem ressalvas. Se não me falha a memória, a
estatal Petrobrás foi uma das poucas a resistir durante todo o processo de
desestatização empreendido pelo governo. Apesar da abertura irrestrita do seu
capital, inclusive às minorias, para os quais foi dada a opção de utilizar a conta do
FGTS, ela continua a merecer dos nativos o merecido apreço, embora aquém do
bordão “o petróleo é nosso”, ícone do nacionalismo da era Getulista.
Durante esse período, o governo foi surfando por cima das ondas
modernizadoras do neoliberalismo. Agora com a plataforma P-36 indo a pique, cuja
operação
de
seguridade
impedirá
prejuízos
estratosféricos,
permite
uma
comparação com um surf ao contrário, onde repousam além de US$ 1 milhão, mais
nove corpos dos operários da brigada de incêndio.
Andei lendo em sites do Rio e São Paulo, além dos periódicos que me
chegam diariamente e o que mais se destaca é a analogia da Petrobrás com esse
sentimento nacionalista. Mais um pouco e alguém lembraria a frase do presidente
Fernando Henrique, classificando aqueles pessimistas diante das vicissitudes
nativas, como “fracassomaníacos”. Se estava esquecida, taí.
A estatal Petrobrás anda desamparada de bons fluidos, pois os
inúmeros acidentes ambientais causados por ela dão margem a desconfiar ser tudo
uma sabotagem empreendida por interesses alheios ao nosso brio patriótico. É fácil
de entender o relacionamento emocional. Vou citar exemplos da nossa terrinha
69
quente. Quem, ao contar uma história aos filhos, poderá deixar de citar o Lanches
Havaí, lá da Getúlio Vargas, o Chuá, o ônibus Baleia, as Casas Pernambucanas, da
Treze de Junho. Numa história aos netinhos, certamente teria de ser citada a Usina
Flexas, do memorável ciclo da cana-de-açúcar.
São
apegos
compreensíveis
que
poderiam
ser
classificados
contabilmente no ativo diferido do coração. Pegue-se a nova investida do governo
federal na LBV, Legião da Boa Vontade que pode desembocar nessa mesma
frustração. Somente o salário do presidente da entidade, José Paiva Neto, divulgado
pelo Jornal Nacional, como sendo de mais de R$ 13.000,00, além das propriedades
da entidade – dá para sentir certo desconsolo.
Certo ou errado, as pessoas vivem em cima de tais expectativas.
Alguns passos atrás, a atitude do procurador da república, Luiz Francisco, aquele
que gravou a conversa de Antônio Carlos Magalhães, sobre denúncias a Jader
Barbalho, o presidente do Senado, joga água fria na torcida por essa massa
renovadora e explícita de jovens juizes adentrando nossos tribunais.
Seria o mesmo o que vem ocorrendo recentemente no país vizinho, o
Paraguai. Os novos procuradores de lá estão indo fundo nas investigações sobre os
roubos de carros brasileiros, inclusive o do próprio presidente do país.
70
OLHOS NOS OLHOS
Quanto mais se avança esse processo de internacionalização de tudo,
num verdadeiro x-bagunça, naturalmente, mais se misturam alhos com bugalhos,
retrocedendo a atos e costumes bem antigos – pelo menos na intenção. Lá se vai
uma pá de séculos entre os alhos e os bugalhos. Antes de inventarem a moeda, o
comércio foi uma das primeiras atividades econômicas da humanidade, onde se
destacaram os fenícios, cartagineses, gregos e árabes, ainda sob a forma de
escambo.
Imagine esta cena jurássica: algumas tribos deixavam mercadorias
num certo local e voltavam no dia seguinte para checar o que outras tribos tinham
deixado no mesmo lugar. Já era um flerte comercial.
Num salto de muitos séculos, com o desenvolvimento das relações
comerciais chegou-se ao mercantilismo e a esse comércio internacional de hoje,
com todo o jogo de protecionismo que inclui alíquotas, tarifas alfandegárias, cotas de
importação, (incluindo a terminologia incompreensível do economês), vaca louca e
muita sacanagem por parte das grandes nações.
Agora, observe a cena moderninha: na hora de se fechar um negócio,
os alhos ainda não se misturaram aos bugalhos, representados assim com os Silvas
& Rockfellers & Bills Gates ou Smiths & Matarazzos. Apesar da influência das
poderosas multinacionais tem de restar um pouco da idiossincrasia de cada qual.
Mas há a possibilidade do fast track, um mecanismo que permite ao presidente
norte-americano negociar antes do jamegão do Congresso.
Por essas e outras, cabe invocar tradições antigas. Com tanto
protecionismo, temos de recorrer ao fio de bigode, ou, à lá George W. Bush, com os
olhos nos olhos - desde que não pinte um clima ô George, é que assédio por aqui tá
dando cadeia.
Com a recente inauguração do Hipermercado Ideal em nossa cidade,
lembrei-me da Rede de Supermercados Jumbo, do Grupo Pão de Açúcar, que, aliás,
deve ampliar a lista de empreendedores aportando novamente por aqui. De boas
lembranças a figura do senhor José Augusto, um exímio negociador que deve estar
encabulado com essa estória de “olhos nos olhos”.
Ele nutria tal desdém pelas máquinas calculadoras e era partidário dos
olhos nos olhos, do fio de bigode e da palavra, este, sim, acima de tudo. Quando o
71
fechamento de um negócio chegava naquela encruzilhada do dar e receber, no meio
a tantas listas de preços, tratados que, às vezes não se consubstanciavam, ele
sacava de uma caneta enroscada no vão da orelha para fazer contas, mais corretas,
mais justas e mais simples do que as inúmeras equações produzidas pelo
computador.
Óbvio, tudo apenas serve de ilustração. Concebe-se por outro prisma
as empresas, grandes corporações multinacionais e blocos econômicos, como o
nosso Mercosul que entra em conflito com as pretensões da Alca – Área de Livre
Comércio das Américas.
A disputa pela sua uma antecipação proposta pelo Chile e referendada
pelos Estados Unidos para 2003, que o Brasil insiste para 2005, atiça conjeturas
agora com a aterrissagem em Brasília, do primeiro ministro francês Lionel Jospin.
Ele e mais uma comitiva que só perde para componentes de escolas de samba
sinalizam para uma importância estratégica do Brasil, como líder de uma região que
interessa aos americanos e, agora, à União Européia.
Depois do fiasco da visita de FH a Washington, atrapalhado por causa
de um comunicado do Departamento de Estado americano aos demais membros do
Mercosul, revelando segredos, os “olhos nos olhos” desviaram-se encabulados. Sem
alongar, cá para nós, ou Alca ou União Européia, consiste sabermos que faltam ao
Brasil algumas reformas, principalmente a tributária. Usar o termo proteger causa
furor aos modernistas, mas um pouco de atenção à nossa indústria e a nossa
consagrada vocação à criatividade deve ser ponderada. Um pouco de auto-estima
não fará mal ao Brasil.
72
DISTANTE DO CAIS?
Bastaria citar a Embraer, classificada entre as quatro maiores
empresas mundiais do setor ou o Programa de Combate a Aids, destaques
internacionais mais recentes e nem precisaria trazer à luz dos meios científicos
poucos divulgados as pesquisas do genoma brasileiro, muito elogiado pelos
organismos internacionais - para, definitivamente arrancar os arrebites que prendem
o País a rapa do tacho primeiro-mundista.
Porém, em contradição ao imenso e inesgotável potencial, que nem o
período colonial logrou estancar, são os números frios e rígidos dos indicadores
sócio-econômicos, como estes divulgados recentemente pela ONU, o tal do IDH
(Índice de Desenvolvimento Humano) que acrescenta aos já triviais números
econômicos – que cuidam da administração da escassez de recursos – os dados
relevantes sob a ótica social.
São demonstrativos mais doloridos, a mexer com os brios do mais
insensato dos brasileiros. Uma analogia entre os recursos gastos com políticas
econômicas forasteiras e os recursos necessários para elucidar problemas
domésticos, ficam, obviamente inevitável.
A cada divulgação desses índices, descobrem-se poucas mudanças no
nosso maior flagelo, que é a miséria com a conseqüente estúpida exclusão social
que perdura ano após ano, mandatos após mandatos. Os percentuais de diferença
de renda da população continuam entre os maiores do mundo.
Dói, ao olhar essas planilhas, por se saber dos recursos que se
esvaem como polens de flores ao sopro da brisa, em pagamentos de juros da dívida
ou uma “simples” operação da nossa política monetária, como vem fazendo o Banco
Central para segurar a alta do dólar, o que não impede a desvalorização do real que
já chega aos 25%. Essa jogatina dos mercados já levou a se classificar uma década,
como Década Perdida, quando os esforços conseguidos são simplesmente jogados
fora.
Na classificação latino-americana, pois afinal, nosso parâmetro deve
começar pelos nossos vizinhos, revela um País que fica a desejar perante a
Colômbia e o Paraguai, por exemplo, sem recorrer à Argentina, que ficou bem
melhor classificada que o Brasil. Mas, sem olhar para os outros vizinhos latinoamericanos que deixam os nossos índices ainda mais vergonhosos, e olhando para
73
o nosso próprio umbigo, porque, afinal, aqui está o problema, a coisa não parece tão
complicada como se tenta pintar.
É uma questão de prioridade. Assim como na nossa vida doméstica,
optamos pela saúde, educação, alimentação, família etc. o nosso dever de casa,
visto grosso modo, leva em conta a cartilha dos mercados internacionais. Mas
estudos dos organismos oficiais brasileiros demonstram os problemas e as soluções,
bem menos heterodoxas como essas levadas a cabo pela política econômica.
Os jornais divulgaram quase simultaneamente aos dados da ONU um
estudo da FGV (Fundação Getúlio Vargas) que deu números precisos dos recursos
necessários para erradicar a pobreza no País. O IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística) complementa com mais informações fundamentais que,
juntas, formam uma ferramenta elementar para direcionar qualquer projeto rumo ao
nosso umbigo, que é o que interessa.
Não obstante, o cenário continua sendo como o de um barco,
exatamente assim se apresenta o País. Nosso potencial nos deixa agarrados a um
mundo moderno; o porto ao qual todas as nações se destinam. Mas com essas
disparidades que ainda não conseguimos nos livrar, somos impelidos às agruras do
oceano aberto. Sujeitos às intempéries. Um temor fica sempre rondando feito um
fantasma, a de que as amarras se soltem e sejamos soprados à rapa do tacho
terceiro-mundista.
74
HERÓI MELANCIA
A
reunião
dos
sete
países
mais
industrializados
do mundo,
acrescentando-se a Rússia, o G-8, terminou neste domingo, em meio a pancadarias.
Uma rotina, após Seatle, EUA. Mas foi na reunião do Banco mundial e o FMI, que
aconteceu em Praga, República Checo e Eslovaca, simultaneamente aos Jogos
Olímpicos de Sidney, que tratei desse assunto neste mesmo espaço da Folha.
Chamei-os de “Encontros Cucarachas”.
Os cucarachas são as baratas americanas... Ou os latinos, pois, seria a
mesma coisa. O que me intrigava, na ocasião, era o tema dos manifestantes. Aliás,
compunham-se de ecologistas, religiosos, sindicalistas, entre outros. Bem, entre
outros, aqui vão: anarquistas e neonazistas. Nada contra. Mas que são bem
reacionários, isso eles são.
Apenas lembrei que na Europa, não faz muito tempo, chamavam os
ecologistas, que se abrigavam sob o manto do Partido Verde, de ecologistas
melancias, pois, eram verdes por fora e vermelhos por dentro. Assim como o
bipartidarismo político no Brasil abrigou diversas correntes de pensamento.
Porém, vendo as imagens dos manifestantes depredando lojas,
armando barricadas e ateando fogo em tudo, chamou-me a atenção para o tema,
pois defendiam questões bem aqui do nosso quintal, como a miséria, a má
distribuição de renda, a fome, o endividamento.
É claro que numa sociedade altamente politizada, o teor dos protestos
dava mais destaque a países africanos. Mas estávamos nós, tupiniquins, também,
no meio daquelas faixas de protestos. E quem protestava? Uns arianos, ora de
cabelos raspados, ora muito cabeludos, piercings pendurados das orelhas aos pés,
punks com aquela linda crista de galo no meio da cabeça.
Cadê alguém da nossa turminha? Faltava no meio deles, algum tipo
aqui das nossas bandas, com aquele lindo rosto de subnutrido, geralmente com um
dente faltando na boca; porque, brasileiro lá fora, vê uma câmara e já escancara um
sorriso. Daí veio aquela inquietação. Ué, por que esse povo tá protestando por nós?
Para essa pergunta nunca obtive resposta.
E fui assistindo eventos após eventos os protestos dos tais
manifestantes antiglobalização, preocupadíssimos com os problemas dos países
pobres.
75
Sei não.
Tem um outro lado que não faz se acreditar muito nisso. A
discriminação por sul-americanos e asiáticos, principalmente na Europa, é fato
corriqueiro.
Daí porque fiquei decepcionado com a morte de um jovem de vinte e
três anos, Carlos Di Liani. Seus pais devem estar se perguntando, por que e por
quem ele morreu? O que ele sabia sobre o outro lado do Atlântico, ou do escuro
interior do continente africano? Teria ele a mesma interpretação acerca de nação de
excluídos? Talvez nem soubesse o que estava fazendo no meio daqueles
manifestantes, empunhando faixas de com mensagens de um problema distante.
A mídia disse que Carlo é a primeira vítima dos confrontos
antiglobalização.
Assim
como,
às
vezes,
esse
famigerado
processo
de
internacionalização que se dá em todos os níveis, fica um pouco sem sentido, a
morte desse garoto deixa um cadáver à beira de uma estrada, para onde certas
causas caminham, assim meio sem sentido.
76
A DIFÍCIL ARTE DE CONJUGAR O VERBO DESENVOLVER
Partindo deste que lhes escreve, fica um tanto suspicaz. Sou daqueles
cuiabanos só de tchapa. Longe da terrinha quente chegava às lágrimas ao abrir as
caixas de pacu frito trazido por algum visitante saudoso. Depois, nas páginas
engorduradas de “O Estado de Mato Grosso” ou de a “Tribuna Cuiabana” que
envolviam aquelas caixas apetitosas, procurava por notícias. Vibrei com a
construção da rodoviária e a implantação da UFMT. Com este álibi, peço-lhes que
não me levem no embalo deste período eleitoral. Os homens públicos passam, mas
os seus feitos têm de ficar.
De uns tempos para cá – seria nas duas gestões de Dante de Oliveira?
- as perspectivas de Mato Grosso estão enfeitadas de boas notícias a infestar os
jornais que, para colecioná-las, precisaria apurar muito bem os sentidos para não
ferir os ouvidos. Caberia aquela máxima do otimismo: se melhorar estraga. Evidente
que não é bem assim. Existirá sempre algo a somar, fazer, engendrar.
A cada dia surgem novas histórias dando conta dessa fase, na
agricultura teve a vez da uva, mas, agora, o algodão está na berlinda. Sem dúvida, a
industrialização toma maior espaço na agenda do governo estadual. Pintam com
verniz colorido o quadro que estampará a nova sociedade desta terra de Pascoal
Moreira Cabral.
Espera-se, por conta disso, “um novo tipo de migrante, aquele que se
instalará na cidade e exigirá melhor qualidade de vida e que ocupará o espaço da
alta tecnologia, prevendo-se uma cidade voltada para a industrialização”, de acordo
com a opinião de um estudioso do assunto, que me foge, agora, da memória.
Existem notícias boas ou ruins. Notícias que tratam da administração da cidade são,
efetivamente, bem caracterizadas.
Quando se pensava que o governo dirigia-se somente aos grandes
parceiros estrangeiros na implementação da industrialização com o seu programa
“Hora de Investir”, porque se noticiaram vários encontros com empresários nacionais
e internacionais, eis que a administração anuncia o “Fácil”, sistema em que,
empresas que faturam anualmente até R$ 25.600,00 estarão isentas de pagar
ICMS. Bem na hora. Crescimento nunca foi desenvolvimento. Na distância entre eles
faltam os investimentos sociais que garantirão melhor qualidade de vida. Essa
77
alternância é interessante. Lembram daquela indagação do comercial: são gostosos
por que são fresquinhos ou são fresquinhos por que são gostosos? Naturalmente,
quanto mais se faz, mais aparece o que se tem por fazer. Haja ajustes. E são
muitos.
A recente inauguração do Centro de Eventos do Pantanal dispensa
comentários com os benefícios que trará à cidade. Veio preencher uma lacuna que
colocava empecilhos a vários setores empresariais há muito tempo. Este é um lado.
Logo no primeiro evento, apareceu o despreparo da cidade para o aumento
repentino da população flutuante. A falta de acomodações na rede hoteleira para
abrigar a todos os participantes é outro lado. Não existem leitos suficientes para
demanda. Se puxarmos esta linha, aparecerão tantos outros problemas. Ainda mais
para quem quer se especializar no turismo ecológico. Planejar no presente é
imperioso quando o futuro se apresenta desta maneira.
78
LARANJAS PARA TODOS
Vão aparecendo as crises financeiras, econômicas, políticas e outras
escambas indecifráveis e começam as conjecturas filosóficas tratando do nosso
futuro, invocando o passado. Esse negócio do apagão traz o romantismo das velas
candentes. Na época do inesquecível Plano Cruzado o tema muito difundido nas
esquinas, como a “do Pecado” onde duas avenidas de coronéis muito
romanticamente se encontram: a Escolástico e a Duarte, popular Prainha – a
conversa era ter dinheiro e não ter com o que gastar. Sinal dos novos tempos...
Mas vamos ao que interessa. Uma das frutas mais apreciadas seja
naturalmente ou em forma de doces e sucos, é a nossa laranja. Em forma de sucos,
é um dos nossos melhores produtos de exportação. Que frutinha deliciosa. A laranjada-baía que é da Bahia (lógico!), a laranja-azeda que é azeda (lógico) e a laranjalima (que não sei porque tem esse nome ilógico), mas tem uma casca fina que
costuma facilitar que a faca corte a mão da gente (ui, ui, ui). Tudo bem. Por quem
diabos, me respondam, resolveram adotar o nome dessa apreciada fruta para
designar aquelas pessoas que substituem outras em operações ilegais?
A prática, pelo visto, vem dos primórdios da terra brasilis, mas tornouse pública por intermédio de quem? Ele mesmo, PC Farias, figura recorrente na
memória quando se trata de falcatruas. Cá entre nós, ele próprio é um laranja
também no meio de tanta safadeza que rola por aí. Uma matéria da Folha de São
Paulo (caderno A9, 18.06.01) diz que a Receita Federal quebra sigilos bancários e
descobre mil “laranjas”.
Foi durante as investigações da CPI do PC. Encontraram tantos nomes
falsos que virou um marco, um bench mark, como dizem os marketerios, na
elaboração de falcatruas. Isso dura até hoje e “até de forma mais ousada”, conforme
o jornal. Deve ser interessante o perito fazer o rastreamento dessas contas, pois o
obriga a uma viagem por “mares nunca dantes navegados” com um retorno
inesperado depositado na conta de algum figurão. No mês passado, quando
averiguavam a ex-SUDAM surgiu um desses aqui do Mato Grosso.
Na
montagem
dessas
empresas
fantasmas
utilizam-se
dos
mecanismos das factorings que compram cheques de lojistas e empresas
contratadas pelos bancos para facilitarem a compensação de cheques, o que é
legal. Mas, de posse desses dados, a imaginação dos contraventores cria negócios
79
da China.
Por isso que as coisas precisam sempre caminhar para que sejam às
claras, com quebras de sigilos bancários e, neste particular, que sejam para
esclarecer os verdadeiros fraudadores e não pessoas simples que muitas vezes se
perdem no meio da burocracia e acabam sendo utilizadas. Numa outra modalidade,
os pensionistas foram as vítimas mais visadas. A maioria esmagadora da população
é formada de pessoas assim, o que deixa uma oferta considerável de laranja para os
aproveitadores de plantão.
80
ÀS MARGENS DO RIO SENA
Calma lá, navegantes!
Escrevo daqui mesmo da nossa puída Cuiabá e bocejante Várzea
Grande, por isso, não há motivo para aranzel, apenas mais um espasmo primeiromundista. Que está muito na moda, não é mesmo?
Pra sair um pouco da trela do nosso dia-a-dia, afinal, Roberto França
nunca foi inteiramente um tucano. Em minha opinião sempre se virou feito um anum.
Um solitário anum se equilibrando no fio de luz. Fio de luz de alta tensão, bem
explicado. Seu destino estava traçado.
Ademais, o FHC dando prosseguimento aos ditames de seu marketing
autoriza a liberação do FGTS, que alguns economistas chamam de esqueletos, para
aidéticos e septuagenários, ou, com todo o respeito, mas... Para uma parcela que já
está no bico do corvo. Um assunto bestialógico que os marketeiros julgam entender
estar falando a língua do povo.
De outra, vem essa. O Ministério dos Transportes anda preocupado
com a diminuição de usuários de transportes coletivos no Brasil. De acordo com
noticiário de A Gazeta, de ontem, o Ministério fez uma pesquisa (e precisava
descobrir o óbvio?) em várias capitais, inclusive a de Mato Grosso e concluiu que na
Cidade Verde 38% das pessoas andam a pé. Vôte! A pé? Com esse bafão
cozinhando as entranhas e as sombras das árvores sendo relegadas apenas na
arribalta, os andarilhos são, antes de tudo, uns heróis.
É torcer para que, dessas reuniões para discutir os problemas do
transporte coletivo em Cuiabá, saia alguma coisa de concreto, já que de cidade
verde resta-nos pouco, portanto, não dá pra contar com uma providencial sombra. O
tal do Aglomerado Urbano que pode incluir Cuiabá e Várzea Grande num mesmo
sistema integrado de transporte podia sair das pranchetas dos técnicos e servir de
alento para os 38% que andam sob o nosso estatelado sol.
Mas pelo jeito ainda vai rolar muito rococó. Tranqüilos estão os
franceses, à beira do rio Sena. O prefeito de Paris (Folha de SP, Caderno A13,
1º/08/01) pretender transformar em praia as margens do rio, para servir de lazer aos
parisienses.
Não
tenho bola de
cristal e
previsível mesmo
somente os
engarrafamentos de ônibus, nos horários de rush, nos cruzamentos da Prainha com
81
a Generoso Ponce. Fora isso, só posso imaginar como ficará a obra que recuperará
as margens do nosso querido RioquasesecoCuiabá. Ainda estão na construção do
emissário de esgoto. Vem ainda muitas desapropriações e talvez ações judiciais dos
proprietários. Aguardemos.
Mas, cá entre nós, meu Bom Jesus, como é triste passar pela ponte e
ver aquele pessoal pescando sobre as pedras. Quem te viu e quem te vê, ó Rio
Cuiabá, sabe do que estou falando. Imaginemos, então. Deverá haver uma
passarela em toda a extensão do rio, do bairro do Porto até a ponte do Coxipó, na
Avenida Fernando Corrêa. Se se levar em conta a experiência de cidades
interioranas do Estado de São Paulo, como Sorocaba, por exemplo, que iniciaram a
recuperação plantando árvores nas margens dos rios, imagino alguma coisa muito
bonita que se aproxima do que pretendem lá no rio Sena, em Paris. Lá, é coisa de
primeiro mundo.
Aqui é em primeiro lugar, um resgate. E por que não?
82
MAQUIADOS
Esse negócio de direitos do consumidor é coisa recente no vocabulário
dos nativos, não faz muito tempo, exigir direitos do consumidor era igual a certas
mercadorias: supérfluo. Compravam-se automóveis do ano anterior com um friso
lateral, um farolzinho na frente e pronto, lá se ia mais cruzeiros (era a nossa moeda)
no preço final. Isso se arrastava a outros itens, como óleo comestível, sempre com
quantidade a menor do que a anunciada na embalagem.
Daí vem a ameaça de um apagãozinho e a coisa volta. Os tempos são
outros, no entanto. A economia forçada e produção reduzida nas indústrias, alguns
produtos, como biscoitos, latas de cervejas e o providencial das horas difíceis, o
papel higiênico, tradicionalmente composto de 40 metros, são drasticamente
reduzidos no tamanho, quantidade e medida. O papel higiênico caiu para 30 metros.
Mais interessante: não existe nada de ilegal. Assim como em matéria
de tributação, a elisão fiscal é um recurso para se evitar muitos tributos, diminuir o
tamanho, medida e quantidade dos produtos como os fabricantes estão fazendo
nada tem de errado, até porque vem informado na embalagem.
A questão é mais do hábito do consumidor que só percebe a diferença
na hora de utilizar o produto. Justamente neste momento, uma indústria localizada
na Fazenda Aricá, em Santo Antônio do Leverger, pretende exportar o nosso
conhecido licor de pequi. Com apagão e tudo, nossa bebida vai ganhar o paladar
dos gringos. Só nos resta desejar boa sorte aos empreendedores, pois coragem eles
têm.
De resto, a vida contemporânea está mais sintonizada com as
maquiagens de produtos e até de pessoas, inclusive de caráter maquiado, muito em
moda. Neste último domingo, o Fantástico apresentou uma penca de produtos que
têm ganhado a preferência de muita gente preocupada com a estética. Muito desses
produtos, como bem mostrou o programa, são um perigo à saúde.
Enquanto as diferenças nos produtos maquiados, como latas de
cerveja e bolachas, são pequenos detalhes informados nas embalagens, o mesmo
não acontece com os visuais das grandes celebridades. Anda veiculando pela
internet o novo visual do Michael Jakson, o fenômeno musical dos oitentas, que se já
havia deixado para bem longe aquele menino do Jakson’s Five, agora, ele vem
aparecendo numa nova produção com o rosto envolto num lenço, estilo Durango
83
Kid, Zorro e outros heróis de capa e espada, na intenção de esconder uma pretensa
doença contagiosa.
Nunca se sabe o que está por trás de produtos e pessoas.
O Festival de Inverno da Chapada mostrou uma coisa interessante...
Quase não teve a divulgação e o foguetório de outros anos, entretanto, de acordo
com a opinião de muitos chapadeiros convictos, foi um excelente festival, arriscando
um amigo a dizer que foi um dos melhores dos últimos anos. A propaganda divulga,
mas, muitas vezes, apenas maquia a realidade. Nisso, minha vizinha lá do bairro,
tira de letra: antes de subir a serra, enrola a cabeleira em bobs de nylon e veste um
vestido hindu sempre à espreita e se transforma numa autêntica chapadeira.
Os chapadenses autênticos são assim. Falando nisso, não estive na
Chapada nas noites do show, mas, na praça central, todo muito sabe daqueles
hippies que ficam por lá perambulando, fazendo trancinhas, tatuagens e etc... Lasco
uma pergunta: Quantos xampus e quantas Véus de Noivas seriam necessários para
trazer aquilo ao normal? Fica a resposta por conta de vocês.
PS: A história de hoje está meio devagar. Assim como cruzar com
temerosos automóveis de limpador de pára-brisas acionados, retirando pingos de
chuva que cai no centro da cidade, e não nos bairros ou vice versa. Assim como as
trovoadas anunciam tempestades que não vêm. Bem típico dessa época seca,
quente e empoeirada. Mas que não impede de se enxergar a beleza que é as flores
dos cajueiros e mangueiras brotando à superfície da estiagem. Até Quinta.
84
A ARTE DE GANHAR DINHEIRO FÁCIL
Ganhar dinheiro nunca foi tarefa fácil. Logo, todos os atalhos
imagináveis são tentados. Alguns até perfeitamente compreensíveis. Porém, de uns
tempos para cá, com a alta taxa de desemprego e a crise que todo mundo sabe,
parece
que
ganhar
dinheiro
honestamente
vem
passando
por
algumas
modificações, fazendo o desonesto parecer honesto, mascarando-o, ou, para ficar
numa palavra mais na moda, “maquiando-o”.
Atualmente batem às nossas portas e portões vendedores disfarçados
de representantes de entidades filantrópicas que vão contando umas histórias até
apresentar o produto que realmente querem vender, que nada tem de fins
filantrópicos. Vez por outra aparecem uns representantes de tal empresa de
pesquisa com as mesmas argumentações que desembocam na mesma oferta de
algum produto novo.
Quando não é na porta e portões da nossa casa é no nosso telefone.
Por trás do trimmmm... Aparecem todos os tipos de bugigangas. Não vou falar dos
pedidos para ser sócio de alguma sociedade beneficente que te encurralam na
parede com argumentações humanitárias, tomando-lhe o tempo precioso. Ficamos
com os outros, de fins lucrativos que vendem de tudo, de consórcio, sacos para lixo,
cartões de crédito, automóveis e assinaturas de revistas.
As vendas via telefone já não são novidades e já se incorporaram ao
cotidiano doméstico. Nesse corre-corre, prestam um bom serviço tanto para o
vendedor quanto para o comprador se considerarmos o tempo despendido para tal,
pois fica fácil dizer sim, como também para dizer não. No entanto, para as negativas,
os vendedores vão criando saídas para empurrar o produto goela abaixo do
comprador, neste caso, um cidadão (ã) consumidor, que tem um Código para
ampará-lo.
As concessionárias de telecomunicações usaram e abusaram desses
expedientes induzindo os usuários a se utilizarem de caixas-postais para guardar os
recados. Depois de algumas interpelações judiciais foram obrigadas a mudar de
tática. A transparência nunca é demais.
Por fim, de todas as modalidades, a venda de assinaturas de revistas
vem trazendo mais problemas para o PROCON resolver, mais especificamente da
85
Editora Três, responsável pela assinatura da Revista Isto É, diga-se de passagem,
uma das mais conceituadas revistas do Brasil.
Quem me enviou um e-mail para registrar a sua reclamação e solicitar
a publicação foi uma senhora moradora do CPA II, dona Deunice, que relatou esta
história.
Certo dia a Editora Três, de São Paulo, Capital, telefonou para oferecer
a assinatura de uma revista em promoção, assina uma e ganha a outra como brinde.
Ela, no entanto, não aceitou. O que de nada adiantou, pois passaram a lhe enviar as
revistas e, claro, a fatura de R$ 245,00. Ela, imediatamente pagou a tal fatura de R$
245,00. Ué, por que pagou? Esta é a pergunta imediata dos menos atentos. Ocorre
que as pessoas honestas são assim mesmo, querem se livrar de possíveis débitos.
Já as pessoas ou empresas más intencionadas se aproveitam do caráter honesto do
brasileiro comum.
Após muitas reclamações, a empresa cancelou a remessa das revistas,
mas não devolveu o valor pago. Para finalizar a história, a dona Deunice teve de
procurar a Justiça comum se quisesse resolver o seu problema. Esse é outro
raciocínio dos maus intencionados que contam com a desistência daqueles que são
feridos em seus direitos pelos transtornos que lhe causam para reaver seu dinheiro.
Não é o caso de dona Deunice e, parece que de muitos outros consumidores, pois
são muitos, que estão indo atrás, sim, dos seus direitos.
É estranho que uma empresa como a Editora Três que edita e distribui
a revista Isto É recorra a esse tipo de atitude. Fica aqui o mesmo espaço para
alguma réplica da parte da conceituada revista.
86
NÃO CHOREM POR NÓS
A bola da vez ou a próxima vítima, tanto faz. O Brasil já está sendo
incluído como o primeiro país a ser atingido pela crise da Argentina, caso ela venha
a acontecer. Essa probabilidade não é remota como se deseja. Se valermos dos
inúmeros exemplos quando o assunto trata de economia e finanças internacionais, a
Argentina e o Brasil fazem uma tabelinha como se estivessem conectados via
premonição. Porque têm as mesmas características de serem emergentes, um a pós
o outro, como coelhinhos saltitantes, seguem a mesma trilha. Aliás, já houve um
termo para classificar essa situação, um tal de “efeito orlof” - eu sou você amanhã.
Depois de passarem por maus momentos com o peso atrelado ao
dólar, eles abandonaram esse tipo de regime cambial, mas agora se fala em volta ao
câmbio fixo, com o dólar valendo entre 2,50 a 3,50 pesos.
Pelo que se ouve nos noticiários da tv e nas opiniões dos analistas
econômicos dos jornais, a alternativa pretendida pelo governo Duhalde não tem
sustentação para se manter e há quem diga que é mais uma atitude de desespero
do governo argentino. Se for contar com as reservas do Banco Central Argentino,
pelo que li, são muito poucas essas reservas e devem evaporar-se no primeiro
solavanco dos investidores internacionais.
Enquanto assistimos ao povo argentino sucumbir-se aos problemas
econômicos, com feriados bancários para providenciar remendos e mais remendos e
esforços diplomáticos do Brasil pedindo para que olhem para a Argentina, pois, só
com o apoio internacional o país vizinho teria condições de sair dos problemas, seguimos menos mal em relação a eles, mas com a pulga atrás da orelha.
Uma missão do FMI está, atualmente, no Brasil, revendo acordos e
aproveitando a ocasião para informar que a dívida brasileira representa 10% de toda
a dívida mundial. É muito grande, mas, de acordo com Armínio Fraga, o presidente
do Banco Central, “somos um país grande”. Essa história de país grande, tenho
minhas dúvidas, porque os problemas acompanham sua dimensão geográfica.
Mas, esperamos que ele esteja certo sobre o sentido que está tentando
transmitir com essas palavras. Desde que aceitou o comando do Banco Central
suas atitudes tem sido de muita coerência, procurando antecipar-se aos problemas,
como raposa velha que é. Ainda nesta semana estreou um novo sistema de
87
pagamentos nas compensações interbancárias que, mesmo para quem não sabe
acerca dos fundamentos econômicos, pode perceber a intenção de transferir
responsabilidades aos próprios bancos, nas entrelinhas, o Banco Central fica
apenas olhando e, se for necessário, intervém.
Essa característica de antecipar-se aos problemas, sendo às vezes
considerado como exagerado, nessas ocasiões, como o da crise Argentina, deve se
manifestar. O que deve se evitar é o tal do “efeito orlof”, o que os platinos estão
passando hoje, nós tivermos de passar amanhã. A comunidade internacional não
aceitou as lágrimas da Argentina sozinha. Aceitaria as nossas?
88
BALADA DOS DEZ ANOS
Depois de uma semana do feriado de 1º de maio, muita gente segue
sua vida na ociosidade e sem muitas perspectivas. O desemprego tomou dimensões
preocupantes em diversos pontos do globo, haja vista as costumeiras manifestações
de protesto por toda parte do mundo por ocasião do “Dia do Trabalho”, o que
comprova que o problema aflige não somente o Brasil, mas, a toda a humanidade.
No Brasil, país sempre citado pelos economistas por ter uma legislação
trabalhista muito rígida, necessitando de uma maior flexibilidade para que os
problemas desse setor sejam minimizados, sabe-se que há algum tempo o trabalho
escapuliu do cotidiano do brasileiro. Evidentemente que estou me referindo àquele
trabalho regularizado, com carteira assinada e, conseqüentemente com os seus
direitos garantidos: férias, 13º salário, etc.
O espaço desse trabalho regularizado foi preenchido pelo emprego
informal. É uma questão de sobrevivência para a qual se criam novas relações entre
patrões e empregados, um perde-ganha de ambas as partes. Podemos entendê-lo
como os tais biscates, o jeito que cada qual procura se virar para poder sobreviver, e
nisso, graças a Deus, somos bastante criativos. São os pais de família que precisam
sustentar a sua prole, mas também são os jovens que precisam conquistar seu
espaço, estudar, produzir, ajudar no orçamento familiar, participar da construção e
da melhoria do seu país.
Os tempos são outros e, à primeira vista, as causas do desemprego
são associadas à globalização econômica, financeira e comercial ou simplesmente
às crises que vez por outra aporta no Brasil. Pelo aspecto internacional, os
imigrantes são apontados como causas principais do desemprego nos países que os
recebem, competindo como oferta de mão-de-obra de baixo custo em relação aos
operários locais.
Para os nossos problemas visando fomentar a geração de emprego e
renda percebe-se a preocupação do governo no momento em que adota várias
medidas. Entre essas medidas a contratação de aprendiz, o PAT – Programa de
Alimentação do Trabalhador, condomínios de empregadores, no intuito de
regularizar o trabalhador rural, a fruição de benefícios previdenciários para
89
trabalhadores eventuais, o que não deixa de ser uma forma de combater a
informalidade.
De todas essas medidas destaco a contratação de aprendiz, na forma
da lei, e, a mais brilhante de todas, os incentivos para empresas contratarem
trabalhadores acima de 40 anos, sendo esse último, se não me engano, iniciativas
de Celso Russomano (SP) e Emanuel Pinheiro (MT).
No Brasil, quando o assunto é trabalho, existe uma regra bem clara:
até os vinte e cinco anos de idade, somos muito novos para trabalhar, pois, não
temos experiência; acima dos trinta e cinco anos, somos muito velhos, e já não
servimos para produzir, ou, se produzimos, deixamos a desejar.
Fazendo as contas, sobram apenas dez anos destinados ao labor. É
muito pouco para um país com potencial de crescimento inesgotável como o nosso,
demonstrando, no mínimo, um desperdício que deve refletir na elaboração do PIB
(Produto Interno Bruto) que mede as riquezas produzidas no País num certo
período.
Portanto, deve-se acrescer às medidas do governo, outras ações da
sociedade organizada que vise coibir o preconceito por parte do setor de
recrutamento das empresas, recheadas de teorias da era da globalização que alijam
dos seus quadros essa parcela de trabalhadores que muito tem a oferecer, mesmo
considerando os atuais padrões de produtividade. Senão, seguiremos nessa
cantilena das ninfas em que o trabalhador forma-se no período intermediário dos
vinte e cinco aos trinta e cinco anos de idade.
Quem é que quer dançar essa música?
90
AFINAL, QUEM SOMOS NÓS?
Pelas leis de mercado, não há dúvida: os mais de cento e setenta
milhões de brasileiros podem muito bem ser chamados de Um, dois, três, da Silva,
quatro. Desde que o mercado tornou-se proeminente na vida dos mortais, mortais
emergentes, é claro, é que viramos uma montanha de números, na verdade uma
montanha russa feita de números, por onde tais bolsas de valores sobem e descem
num frenesi maior que nos dias de carnaval.
À margem da capacidade de o governo efetuar suas intervenções, no
sentido de estabilizar a economia, as bolsas de valores sobem e descem porque
quem investe nesse tipo de negócio teme alguma coisa relacionada à confiança de
retorno de seus investimentos, como a de ações de empresas serem abruptamente
desvalorizadas.
As bolsas de valores, pelo que se percebe no noticiário, são os
primeiros sintomas do termômetro da economia. É como apalpar um bebê para
sentir se está quentinho, se está com febre, se fez xixi, cocô....
Êpa! Se for cocô mole, taí um sintoma de alguma infecção. No caso
que nos interessa, resta saber se a infecção é generalizada, quando a coisa fica
mais séria, caso contrário, dá para intervir com algum antibiótico. É por isso que,
quando o noticiário insiste em falar que as bolsas caíram é bom nos precavermos. E
os motivos são os mais insuspeitos, uma declaração equivocada de uma autoridade
provoca estardalhaços irreversíveis. Aliás, como fez nesses últimos dias, o
secretário do tesouro dos Estados Unidos, Paul O’Neill, ao referir-se a uma possível
ajuda financeira ao Brasil, dizendo que precisa assegurar de que “o dinheiro que
recebem seja bem aproveitado, e não saia do país para uma conta na Suíça”. Mas
um grande acontecimento como aquele de onze de setembro, quando desabaram as
torres gêmeas de New York também causam os mesmos danos.
Para o Brasil, a declaração do secretário de tesouro americano jogou o
dólar nas alturas, porém, tudo começou com as notícias que antes tinham derrubado
as bolsas de valores de todo mundo ao referirem-se às empresas americanas, cuja
contabilidade não revelava o que realmente elas eram.
91
E aí, meu caro amigo Um, dois, três da Silva, Quatro, pode me
perguntar: o que temos nós a ver com isso? Tudo, pelo visto. Senão, por que
estaríamos com o dólar nas alturas?
Nesse momento, quando as coisas vão ficando um pouco mais sérias,
entram em cena outros investidores, que existem para outros tipos de investimentos,
alguns voláteis, alguns mais consistentes, os chamados investimentos diretos,
normalmente utilizados para construção de indústrias, obras, etc.
Se os temores começam com as bolsas de valores, espalham-se e
contagiam a todos. Surgem logo, os ricos. Uma deles é o tal risco Brasil, mais ou
menos como se fosse uma tabela que apontasse um limite quando os investidores
põem em dúvida a capacidade de o país honrar os seus compromissos.
Mas quem fica com aquele frio na barriga, embora não estejamos
trepados em nenhuma montanha russa, somos nós. Em meio à torre de Babel, só
tem um ingrediente que me causa diarréia nisso tudo: é esse componente político
atribuído à sucessão presidencial. Um tanto suspicaz. Dá uma impressão de acordo,
de conivência, de alguma coisa forjada em surdina para beneficiar um candidato
específico.
Se for isso, é uma brincadeira cara. O ex-ministro da economia, Delfim
Neto, disse que, para arejar as contas nacionais, é necessário algo em torno de U$
20 bilhões. Então, para sabermos se somos um país da África ou a Argentina, o
melhor é esperar.