As feridas e a cura na perda amorosa
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As feridas e a cura na perda amorosa
OFICINA DE PSICOLOGIA As feridas e a cura na perda amorosa Tânia da Cunha Oficina de Psicologia 2012 R. PINHEIRO CHAGAS, 48, 4º ANDAR Setembro 2012 AS FERIDAS E A CURA NA PERDA AMOROSA Artigo da 3ª Edição É com grande entusiasmo que lhe apresentamos este Caso da Revista Casos&Casos da Oficina de Psicologia. Temos trabalhado no sentido de ir ao encontro das necessidades de quem nos lê regularmente. Assim, isolámos agora os artigos da revista para que possa escolher apenas aqueles que realmente quer ler, sem ter de adquirir toda a revista. Naturalmente, se achar interessante a leitura deste artigo, poderá comprar a revista Casos&Casos na íntegra. Se nos tem acompanhado já sabe que esta publicação resulta de um intenso contributo dos terapeutas da Oficina de Psicologia, para levarem até ao leitor as suas reflexões clínicas a propósito de casos reais que acompanham. As características sócio-demográficas de cada caso foram cuidadosamente alterados para que não fosse possível identificar pessoas. O objectivo desta publicação é dar a conhecer, de uma forma resumida e fluida, as muitas formas de actuar em psicoterapia – os diferentes olhares que advêm de terapeutas com percursos académicos e de vida diferentes, as diversas correntes teóricas e, sobretudo, as variadas e infinitas interacções que se entretecem entre um cliente e um clínico – duas pessoas movidas pelo mesmo objectivo de mudança e de restabelecimento de bem-estar, equilíbrio e qualidade de vida. Sendo uma das missões mais importantes da Oficina de Psicologia a da divulgação de temas de Psicologia Clínica, desmitificando ideias desactualizadas e actuando ao nível da prevenção em saúde mental junto do grande público, e promovendo o conhecimento com áreas científicas mais recentes junto dos profissionais de saúde mental, esforçamo-nos por manter uma fórmula de escrita que possa continuar a ser do interesse tanto do profissional em saúde mental, como do leigo. É expressamente proibida a cópia ou publicação não autorizada da totalidade ou partes desta publicação, integralmente redigida por elementos da Oficina de Psicologia, e apenas existente em formato digital, de distribuição exclusiva pela Mindkiddo – Oficina de Psicologia, Lda. A sua reprodução não autorizada seria, acima de tudo, uma profunda falta de respeito para com o enorme esforço de toda uma equipa cujo único objectivo é fazer chegar até si o que de melhor a Psicologia Clínica tem para lhe oferecer. Setembro, 2012 AS FERIDAS E A CURA NA PERDA AMOROSA Setembro 2102 As feridas e a cura na perda amorosa Tânia da Cunha Resumo O presente artigo tem como objetivo primordial a partilha da vivência de dor e sofrimento no processo de separação/divórcio. A abraços com o sofrimento a procura da psicoterapia aparece como uma forma de facilitar a elaboração e a recuperação das feridas emocionais inerentes a todo o processo de perda. Palavras-Chave Amor, Dor, Divórcio, Dar-se conta 3 Mindkiddo –Oficina de Psicologia, Lda | Rua Pinheiro Chagas, nº 48, 4º andar, 1050-179 Lisboa www.oficinadepsicologia.com | [email protected] | 210 999 870 Setembro 2012 AS FERIDAS E A CURA NA PERDA AMOROSA Introdução O presente artigo pretende refletir sobre o trabalho psicoterapêutico desenvolvido com a temática da dor na separação amorosa. O interesse do tema resulta do facto de a separação amorosa despertar na maioria das vezes muita curiosidade, uma vez que grande parte dos seres humanos ter já vivenciado a experiência de perda amorosa. As experiências humanas de amar e ser amado são consideradas por muitos aquilo que dá à vida o seu principal significado. Para a maior parte das pessoas o amor é o que há de mais importante na vida. “O amor é um sentimento infeliz no caso de não ser recíproco e, quando partilhado e satisfeito na maior parte das suas expectativas, causa felicidade; este sentimento que uma pessoa dirige para uma outra pessoa específica e faz com que se deseje receber e se proporcionarem prazeres, ternura, admiração, cooperação, compreensão e proteção ou pelo menos alguma destas satisfações...” (Doron & Parot, 2001, p. 55). A vivência de uma situação de divórcio é uma experiência difícil, e por vezes arrasadora, preparados ou não, é uma situação que implica o sentimento de perda, mudança e consequentemente uma reestruturação significativa na vida. Quando há uma rutura nessa relação de amor, por uma das partes, é provocado no outro uma dor que talvez se inclua entre as mais difíceis de suportar. Segundo Isolina Ricci (2004), a separação e o divórcio são um furacão, independentemente de toda a cautela, é grande a probabilidade de ser atingido pelo impacto. Ignorar os períodos de crise ou fazer o mínimo possível para atravessar a separação ou o divórcio não dá resultado. Terminar uma relação íntima pode despoletar feridas emocionais, identificar capacidades e recursos que facilitem a sarar as feridas provocadas pela crise da separação ou divórcio é muito importante. AS FERIDAS E A CURA NA PERDA AMOROSA Setembro 2102 Ao longo da vida, vamos nos deparando com a necessidade de elaborar repetidamente determinadas situações da vida esperando ter a capacidade de superar situações difíceis e desta forma poder crescer e avançar no processo de maturidade, com menor vulnerabilidade aos efeitos prejudiciais e com maior flexibilidade a encontrar o caminho adequado. Nesta linha de raciocínio, a Terapia Gestalt tem muito a contribuir. Ela possibilita que a pessoa olhe para o que acontece com ela e descubra o melhor caminho a tomar para que o sofrimento diminua. De acordo com Polster & Polster (2001), uma das principais ênfases da Terapia Gestalt é a importância de entrar em contacto com aquilo que existe, e este é também um dos meios básicos para lidar com o sentimento. Processo Terapêutico A Susana de 36 anos, em processo psicoterapêutico há aproximadamente um ano, com uma regularidade quinzenal atualmente, chegou à terapia relatando que a sua vida só tinha um propósito, recuperar a vida que tinha perdido. Passados 2 meses após a separação, referiu que não faltou um único dia ao trabalho, mas movia-se como um autómato, levantava-se porque tinha de ser, fazia a sua higiene pessoal porque era estritamente necessário, raramente se alimentava, apenas porque tinha consciência que tinha de o fazer, não porque sentisse fome ou qualquer outro estímulo e emagreceu 10 quilos. Clinicamente deprimida, referia que a noite era o “Cabo das Tormentas” deitava a filha de 9 anos, arrumava a casa e chorava, sentada numa cadeira da cozinha, até se sentir suficientemente cansada para ir para a cama dormir. Segundo Isolina Ricci (2004), a dinâmica da ferida e da cura está intimamente relacionada com o facto de a ideia da separação constituir ou não uma surpresa. Uma decisão de surpresa pode testemunhar desconsideração e é muito doloroso. Por este motivo, os mais 5 Mindkiddo –Oficina de Psicologia, Lda | Rua Pinheiro Chagas, nº 48, 4º andar, 1050-179 Lisboa www.oficinadepsicologia.com | [email protected] | 210 999 870 Setembro 2012 AS FERIDAS E A CURA NA PERDA AMOROSA afetados são aqueles que nunca desconfiaram de nada. Não estão prevenidos, e neste sentido ficam muitas vezes atordoados e o seu mundo parece desmoronar-se. “Há 2 meses que a minha vida mudou de um dia para o outro... Apanhou-me completamente de surpresa... Ele disse-me: Foste fantástica ao longo dos anos, foste a melhor amiga, a melhor esposa, a melhor mãe que alguém pode ter, mas não sinto por ti o mesmo que sentia e vou sair de casa. Quero a guarda partilhada, pago o colégio da Sofia e se concordares dizemos-lhe no próximo Sábado. Hoje vou dormir em casa do Eduardo, depois vou ficar numa pensão ou hotel até arranjar uma casa”. No adeus a uma relação amorosa, as pessoas esperam que uma relação em que existe um compromisso queira dizer alguma coisa. Consideram que merecem uma oportunidade para ver se funciona ou não. Habitualmente esta tentativa é percecionada como uma forma de dignificar o compromisso e pode ser considerada como um indício de respeito para com o seu parceiro e para explicar a sua vida em comum. Um parceiro que planeia tranquilamente a separação pode ser erradamente levado a pensar que ele ou ela só tem de dizer “Acabou. Vou sair de casa”. “Como é possível que ele estivesse a terminar 15 anos de casamento, de projetos (alguns a meio…), a comprometer a qualidade de vida da nossa filha, a deixar-me sozinha, quando nessa manhã, tinha dito, como sempre que me amava... Quando no Natal passado nos tinha oferecido uma viagem de sonho (para usufruirmos dali a uns meses), como era possível que todo o meu esforço, dedicação e altruísmo em prole da nossa família não valesse nada, não contasse nada nessa hora? O que me surpreendeu foi o plano minuciosamente detalhado que ele me apresentou. Palavras de alguém que maturou a ideia durante muito, muito tempo...” Numa fase inicial do processo psicoterapêutico a Susana deparou-se com uma lembrança constante da relação, das perguntas não respondidas, das expectativas que não se concretizaram, com um passado não resolvido. Testemunhei uma tristeza profunda, uma culpa atroz, por não ter sabido dar valor ao que tinha, uma inércia total para agarrar as rédeas da sua vida e fazer fosse o que fosse para resgatar o amor perdido. AS FERIDAS E A CURA NA PERDA AMOROSA Setembro 2102 “Escondo os meus sentimentos dos outros, afinal tenho de fazer jus ao meu estatuto de “forte” nunca peço ajuda, limito-me a “agendar” o meu sofrimento para a noite, para o encontro diário marcado com a minha cadeira da cozinha…deito a Sofia e então choro, grito, sofro até me doer o corpo…é uma maneira de ir para a cama suficientemente cansada. Sinto dor física, como se me tivesse passado um camião por cima e o meu peito estivesse completamente destroçado, Doí-me o peito, os olhos a cabeça, não tenho forças para levantar um braço sequer….Mas tenho esperança…tenho a plena convicção que dentro de pouco tempo ele voltará para casa, para mim e para a família…não me passa pela cabeça que assim não seja…”. O processo psicoterapêutico permitiu aceder e gerir os sentimentos: dor, raiva, confusão, fracasso e culpa. Estes sentimentos eram muitas vezes acompanhados de pensamentos de como poderia ter tido atuado de forma diferente, caso lhe fosse dada uma nova oportunidade. “Sinto-me profundamente deprimida, sem vontade para rigorosamente nada, sem sentir prazer em rigorosamente nada, sinto-me absolutamente vitimizada e com pena de mim pelo que me está a acontecer…porquê eu? Porquê a mim, quando o feedback que tenho das pessoas que estão próximo de mim é que seria o último casal a quem pensariam que tal pudesse acontecer”. Mas o tempo foi passando, mês após mês e o seu amado não voltou, bem pelo contrário a Susana ia seguindo “pistas” que a faziam acreditar que este estaria envolvido emocionalmente com uma terceira pessoa. “O estado letárgico em que me encontrava toldava-me o raciocínio…dificilmente conseguia fazer deduções lógicas dos acontecimentos, mas o fantasma da 3ª pessoa vinha-me ocasionalmente à cabeça… E como quem procura, encontra, quem quer ver, vê, eu vi e encontrei o que procurava… Neste momento sinto-me absolutamente traída, enganada, mal tratada, usada, exposta... Esta nova dor provoca-me revolta, dá-me energia, sinto-me eufórica, como se tivesse acabado de receber uma injeção de adrenalina... , Aqui tenho um motivo para acabar com o estado catatónico em que me encontrava e finalmente dar um passo em frente... Quero vêlo bem longe da minha vida”. 7 Mindkiddo –Oficina de Psicologia, Lda | Rua Pinheiro Chagas, nº 48, 4º andar, 1050-179 Lisboa www.oficinadepsicologia.com | [email protected] | 210 999 870 Setembro 2012 AS FERIDAS E A CURA NA PERDA AMOROSA Numa fase posterior à remissão da sintomatologia depressiva, foi fundamental trabalhar a resistência no processo de despedida, facilitando a tomada de consciência da sua resistência e de como a estava a usar. O dar-se conta é a capacidade que cada ser humano tem para perceber o que está a acontecer dentro de si mesmo e do mundo que o rodeia. Por outras palavras, a capacidade de compreender e entender aspetos de si mesmo e situações ou qualquer outra circunstância ou acontecimento que suceda no seu mundo. O percurso desta caminhada (o processo de divórcio), pode abraçar trajetórias mais ou menos tranquilas, no entanto nesta fase de terapia a cliente encontrava-se em turbulência. Já mais estável a nível da sintomatologia depressiva e em contacto com uma nova emoção, a agressividade, urge a necessidade de a preparar para recomeçar a vida de outra forma. Se por um lado, a experiencia de separação envolve dor e sofrimento, por outro lado, implica também crescimento e renovação, pois é uma experiencia que remexe em todos os sentimentos. “No início da terapia ficava ansiosa por cada sessão, como se fosse o momento de descarregar toda a pressão acumulada, como se fosse o momento em que eu me encontrava comigo própria sem reservas, em que eu podia ver-me sob uma lente muito autêntica, sem imagens fabricadas, sem qualquer dependência da opinião dos outros. Onde eu podia ser a Susana ainda frágil que embora estivesse a fazer um caminho para se edificar sozinha, aquilo que mais queria da vida continuava a ser o regresso do meu amado a casa... à vida de antes…” Esta foi uma etapa crucial da terapia, aprender a lidar conscientemente com as emoções que iam surgindo momento a momento. Resolver a questão consigo mesma foi um passo fundamental para a aceitação, que, por sua vez, é um pré-requisito básico da superação. Esta foi uma preparação que requereu tempo, o tempo necessário ao reequilíbrio emocional. Em terapia a Susana era incentivada à expressão das emoções, muitas vezes através da análise de questões práticas. A Susana apresenta um perfil com um lado analítico, com tendência à racionalização e intelectualização. Face a isto, existiriam diferentes formas de intervir com o que podemos designar de mecanismos de defesa, foi AS FERIDAS E A CURA NA PERDA AMOROSA Setembro 2102 escolhido o respeito pelo que a cliente apresentava e usado em proveito do seu crescimento e elaboração do luto. O foco no contacto com o seu mundo interior foi uma constante como podemos perceber pelas palavras de Susana. “...colocavam-se agora algumas questões que ao início me passaram completamente ao lado…Qual foi a minha contribuição para o fim da nossa relação? Era feliz? Verdadeiramente assim como eu fazia crer? Em que momento eu deixei de viver o meu EU para passar a viver o Eu da família, dele? Eu gostaria verdadeiramente de viver comigo? Qual era o meu valor? O que eu esperava verdadeiramente de mim, e o que teria feito ou investido verdadeiramente em mim de forma a sentir-me feliz ou realizada? Queria efetivamente que ele voltasse? Ou seria apenas a satisfação de um capricho de alguém que não suporta perder na vida? Porque me senti tão abandonada? Porque não conseguia suportar viver comigo mesma sozinha?” Mesmo quando a vida a dois se torna inevitável, o divórcio não é uma solução fácil. O processo pode ser longo e como já vimos implica muitas mudanças, quase sempre dolorosas e complicadas. A separação também implica divorciar-se de muitos sonhos. A compreensão desta situação é simultaneamente ir dando contornos mais definidos ao seu conflito interno, possibilitando a aceitação. Este trabalho de compreensão, bem como conter todo o sofrimento desta tomada de consciência tem constituído um pilar basilar em todo o seu processo no caminho da maturidade emocional, ainda assim parece pertinente salientar um outro aspeto, o da relação terapêutica enquanto modo de reestabelecer um vínculo emocional. “Todos os dias comparecia religiosamente ao meu encontro marcado com a cadeira da cozinha para chorar e sofrer…em muitos desses momentos pensei em suicídio, pensei em por termo à minha vida, carrego esta frustração comigo…procuro bem dentro de mim, um motivo para este facto me causar tanto desconforto e assumo o compromisso comigo de ultrapassá-lo com todo o empenho que conseguir… por algum motivo ainda não me senti verdadeiramente impulsionada a fazê-lo…como se este desconforto, fosse a minha zona de 9 Mindkiddo –Oficina de Psicologia, Lda | Rua Pinheiro Chagas, nº 48, 4º andar, 1050-179 Lisboa www.oficinadepsicologia.com | [email protected] | 210 999 870 Setembro 2012 AS FERIDAS E A CURA NA PERDA AMOROSA conforto, como se ele seja o meu pretexto para sofrer…. como se fosse a desculpa perfeita para não assumir a responsabilidade do meu caminho… Foi essencial acolher calorosamente a Susana numa atmosfera de confiança, e aqui não existiram técnicas mas atitudes como o interesse genuíno de conhecer as suas vivências e experiências. Uma atmosfera calorosa e permissiva onde a Susana se tem sentido livre, podendo atrever-se a ser o que é, sem medo de ser rejeitada, nem julgada, nem invalidada. Uma separação acarreta perdas que nem sempre são contadas logo desde o início: saúde, auto-estima, esperança e equilíbrio emocional, fazem parte desta experiencia. “ Hoje paro muitas vezes para pensar em mim, na minha vida, para onde quero ir, o que eu quero fazer, quem eu quero ser…pela primeira vez na minha vida tenho tempo e motivação para isso, escrevo muito, defino prioridades de atuação nos vários aspetos da minha vida…sinto-me motivada… faço o que me apetece, mesmo aquelas coisas erradas que outrora os meus padrões morais, os meus limites jamais me teriam permitido. Porque não arriscar? Porque não ousar nas roupas, no verniz das unhas? Na maneira de andar, novamente hirta e algo provocante?” “Quanto tempo vai demorar para me sentir melhor?” perguntou-me a Susana na primeira sessão. Respondi-lhe que não sabia. É difícil definir um prazo, num calendário pessoal, cada qual tem um ritmo e conta com o seu potencial de sobrevivência. Mas o desafio foi lançado, entrar numa etapa nova e diferente ajustando-se a cada momento. É muito gratificante testemunhar a forma como a Susana conseguiu resgatar a sua vida. “Esvaziou” a cabeça e começa agora a permitir-se a fazer o que quer, de vez em quanto dá-se ao luxo de ser um pouco irresponsável, sem horários, regras e as inúmeras obrigações de mãe e esposa. Conheceu novas pessoas, novos amigos, e um dia destes porque não um namorado? “Muitas questões foram levantadas na psicoterapia... as sugestões da terapeuta, pareciamme ao inicio verdadeiros desafios que eu a cada semana tinha de transpor, desde tentar sentir prazer nas coisas mais simples que me rodeavam, como sentir o sol na cara, como passear sozinha num parque por exemplo até desafios mais elaborados como arriscar! Eu que sempre fora tão contida, que sempre assentei, ou procurei assentar a minha vida em planeamento, eu que sempre procurei ter um plano B e a minha vida planeada por pelo AS FERIDAS E A CURA NA PERDA AMOROSA Setembro 2102 menos uma década, arriscar, era um verdadeiro desafio, arriscar, só a palavra era assustadora…fazer algo sem ter garantias e ter com isso de suportar o resultado mesmo que não me fosse favorável… e depois ter a capacidade de gerir a frustração decorrente! Não era fácil…mas foi gratificante! Não que o resultado tivesse sido sempre favorável, mas porque ganhava consciência de mim, consciência das minhas escolhas, do caminho que eu seguia…daquilo que estava dentro da minha zona de controle e do que não estava, que por mais que eu planeasse cenários e opções o resultado não dependia de mim, fizesse eu o que fizesse…” Recordo esta última citação de Susana, bem como o desassossego que foi reconstruir a sua vida sem o marido. É verdade que viver numa etapa nova e diferente, implica um ajustamento a muitos níveis. Um dos primeiros desafios que enfrentou foi sair sozinha, sem o marido e, sem a filha. No incentivo deste tipo de tarefas foi fundamental escolher um cenário que combinasse com o que a Susana estava à procura. Desfrutar de momentos sozinha ajudou-a a entrar em contacto e lidar com a intensa transformação que estava a viver. A família e as amigas, também foram companhias importantes, e é bom poder contar com esse apoio numa situação desta natureza, ainda assim é interessante arriscar-se sozinha em situações triviais, como um passeio pelo jardim, uma ida à praia, ao cinema ou ao teatro. “Quando olho para trás, sinto-me tão orgulhosa do que fiz por mim mesma, e fiz tanta coisa neste ultimo ano… Sou uma pessoa muito diferente do que era, e preferia um milhão de vezes que não tivesse de ter passado pelo que eu passei, nem que tivesse de ter experimentado os níveis de sofrimento que eu experimentei, mas gostaria muito, em qualquer circunstância de saber o que eu sei hoje, de ser mais como eu sou hoje do que como eu era…” 11 Mindkiddo –Oficina de Psicologia, Lda | Rua Pinheiro Chagas, nº 48, 4º andar, 1050-179 Lisboa www.oficinadepsicologia.com | [email protected] | 210 999 870 Setembro 2012 AS FERIDAS E A CURA NA PERDA AMOROSA Conclusão Em jeito de conclusão provisória, acredito que a missão enquanto terapeuta foi a de ajudar a Susana a superar os obstáculos que bloqueavam a sua tomada de consciência e facilitar que a natureza da sua essência seguisse o seu percurso de modo a permitir-lhe o pleno uso das suas capacidades. Deste modo, o processo psicoterapêutico contribuiu para o restabelecimento das condições necessárias da cliente fazer um uso mais adequado da sua própria capacidade para a resolução de problemas. Referências Bibliográficas Doron, R. & Parot, F. (2001). Dicionário de Psicologia. Lisboa: Climepsi Editores. Polster, E. & Polster M. (2001). Gestalt-terapia integrada. São Paulo: Summus. Ricci, I. (2004). Casa da Mãe, Casa do Pai - Um Guia Para pais Separados, Divorciados ou que Voltaram a Casar. Lisboa: Edições Silabo.