sociedade em comum

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Seminário de Direito Empresarial
SOCIEDADE EM COMUM
ALEXANDRE BUENO CATEB
Doutor em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da Universidade
Federal de Minas Gerais; Professor dos cursos de graduação em Direito e
mestrado em Direito Empresarial das Faculdades Milton Campos, onde
coordena projeto de pesquisa intitulado “Análise econômica do direito de
empresa”; Co-fundador e diretor acadêmico da ABDE – Associação
Brasileira de Direito e Economia; Co-fundador e Presidente da AMDE –
Associação Mineira de Direito e Economia; Associado da ALACDE desde
2007; Advogado.
DA SOCIEDADE EM COMUM
Importante tema a ser discutido com o advento do novo Código Civil
Brasileiro é o que diz respeito à sociedade em comum. Os dispositivos
legais contidos nos arts. 986 a 990 induzem ao entendimento de que se
trata da regulamentação da sociedade irregular ou de fato, que a doutrina
muito estudou, com base nos antigos Códigos Civil e Comercial.
Reflexões sobre a matéria devem ser feitas sob o ponto de vista das
novas disposições legais. Se anteriormente, como trataremos a seguir,
discutia-se a personificação ou não de referidos organismos econômicos,
chegando alguns autores a defender que a sociedade irregular tem
personalidade jurídica, o novo Código lança novas luzes sobre as
discussões doutrinárias. Inova a legislação mercantil ao tratar da
sociedade em comum (assunto que era omisso nas legislações anteriores),
INSTITUTO DE PESQUISAS APLICADAS - INPA
Da Sociedade em Comum
2
incluindo referida forma societária no Subtítulo que trata das sociedades
não
personificadas,
juntamente
com
a
sociedade
em
conta
de
participação.
Sabemos que o assunto tem acendido debates ao longo do tempo.
Pretendemos,
nas
próximas
linhas,
discorrer
sobre
os
avanços
recentemente aprovados sobre referido tema do Direito, com especial
interesse para os estudiosos da matéria comercial.
1
EVOLUÇÃO HISTÓRICA
O Código Comercial Brasileiro não tratava das sociedades comerciais
irregulares ou de fato, deixando para a doutrina a responsabilidade pela
elaboração dos conceitos, efeitos e repercussões de ambas no mundo
empresarial.
Sabe-se, contudo, que o homem, desde tempos remotos, agrupavase e se organizava para atingir determinados objetivos sociais e
econômicos.
Primeiro
buscando
a
segurança
de
suas
famílias,
posteriormente o grupo vislumbrou a utilidade de reunir seus esforços
também para a obtenção de melhores resultados na produção.
Reunidos,
então,
em
pequenos
organismos,
os
primeiros
empreendedores utilizavam a união de seus esforços e não tinham a
preocupação de observar regras externas. O que lhes importava era a
distribuição interna de suas atribuições, respeitando-se mutuamente em
seus direitos e deveres por eles próprios delimitados.
Com
o incremento na
organização
dos grupamentos sociais,
verificou-se a necessidade de se regulamentar também essas incipientes
iniciativas empresariais de comércio e indústria. Daí surgiram os primeiros
diplomas legais relativos à atividade societária, nos diversos povos. Como
relata Waldemar Ferreira (1961), buscando subsídios nos autores italianos
do início do século passado, Scialoja noticiava, ainda no período medieval,
o surgimento das primeiras sociedades que depois se chamaram em nome
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coletivo. Florença, entendia também Ageo Arcangeli, pode ser considerada
a pátria natural
deste modelo societário. De
fato, os florentinos
emprestavam a suas companhias todas as suas forças e honestidade,
garantindo a terceiros que contratavam com a sociedade a máxima
garantia e segurança do crédito.
O direito romano se caracteriza, especialmente, pelo noção pessoal
das sociedades, instituídas em função de caracteres pessoais de seus
integrantes, como defende Eduardo Goulart Pimenta (2000). Devido a
essa orientação, os diversos ordenamentos que se inspiraram no Código
Napoleão trouxeram arraigado o caráter intuitu personae dessas primeiras
organizações
societárias
concebidas
pela
legislação.
Nosso
Código
Comercial de 1850 segue o exemplo da legislação francesa do início do
século XIX.
Na evolução do raciocínio jurídico, diversos autores iniciaram
discussões sobre a eventual personificação destas sociedades. Trazendo a
discussão para a perspectiva brasileira, a fim de evitar digressões
extensas e prolixas, podemos encontrar quem entendia que a sociedade
não gozava de personalidade jurídica, enquanto outros autores defendiam
a personificação do ente1.
2
AS SOCIEDADES REGULARES
Quanto às sociedades regulares, é hoje pacífica a doutrina que lhes
confere personalidade jurídica. O Código Comercial de 1850 não tratou do
assunto, mas a lei civil de 1916 veio acabar com as dúvidas acerca do
tema, dispondo no art. 16 sobre a personificação da pessoa jurídica. O
ordenamento codificado, apesar de não tratar expressamente de matéria
comercial, inclui as sociedades mercantis no rol das pessoas jurídicas de
direito privado, ao lado das sociedades civis, religiosas, pias, morais,
científicas ou literárias, associações, fundações e partidos políticos.
1
Carvalho de Mendonça nos relata a pulsante divergência doutrinária acerca da personalização jurídica das sociedades comerciais, no seu
Tratado, 1958, v. III, p. 77 e ss.
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Manteve contudo o regramento especial das sociedades comerciais,
dispondo que estas continuam regidas pelas leis comerciais. Adiante, no
art. 18, estabelece que a existência legal das pessoas jurídicas de direito
privado se inicia com a inscrição de seus contratos, atos constitutivos,
estatutos ou compromissos no registro peculiar ou com autorização
governamental, quando necessária.
Regra semelhante é reproduzida no Código Civil de 2002, que
dispõe no art. 44 serem pessoas jurídicas de direito privado as
associações, as sociedades e as fundações, sendo sua existência legal
verificada no momento de sua inscrição no registro competente, através
de registro do respectivo ato constitutivo, precedida, quando necessária,
de autorização ou aprovação do Poder Executivo. A sociedade se
diferencia das associações e fundações em virtude de seus fins.
Como ensina Giuseppe Ferri (1996) a sociedade é uma organização
ativa, que se propõe à realização de um objetivo. Não se contenta com a
obtenção de frutos. Busca, através de sua atividade produtiva, atingir a
coletividade para obtenção de resultados econômicos. Sua atividade
produtiva não é um fim em si mesma; é, ao contrário, elemento da
atividade especulativa que busca no seu mercado específico. Esse já era o
objetivo perseguido pela sociedade, no panorama dos antigos Códigos
Civil e Comercial.
A diferença do novo ordenamento está na indissociação das
sociedades de caráter civil das mercantis. Mantendo a coerência sobre o
tema, o novel Código Civil não propõe qualquer dicotomia na matéria
societária, pondo fim, pelo menos em termos legislativos, à discussão
doutrinária sobre a classificação das sociedades em civis e comerciais.
Adiante, o legislador, inspirado no projeto de Sylvio Marcondes, incluiu o
Livro II – Do Direito de Empresa, para tratar da matéria empresarial e
societária sem distinção do objeto civil ou mercantil do empreendimento.
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5
SOCIEDADES IRREGULARES E SOCIEDADES DE FATO
A mesma simplificação legislativa, entretanto, não foi estendida à
sociedade irregular. Nas codificações anteriores, seja a comercial de 1850,
seja a civil do início do século XX, evitou-se tratar das sociedades
irregulares ou de fato. Desta omissão legislativa surgiram discussões
inclusive sobre a semelhança ou diferença entre ambas.
Carvalho
de
Mendonça
(1958)
defende
que
as
sociedades
irregulares se diferenciam das de fato porque as primeiras “funcionam
durante certo tempo sem o cumprimento das solenidades legais da
constituição, registro e publicidade”, enquanto as últimas são “afetadas
por vícios que a inquinam de nulidade”, apesar de ter vivido, contratado,
participado de fatos consumados e imutáveis. A responsabilidade dos
sócios em ambas é solidária e ilimitada para com terceiros, sanção
destinada a desestimular a existência de sociedades irregulares ou de
fato.
Por outro caminho traça sua doutrina Waldemar Ferreira (1961),
que entende que a sociedade de fato:
“Formada por mero ajuste verbal, sem contrato escrito, não
tem, nem poderá ter existência legal como pessoa jurídica
de Direito Privado”.
Esta sociedade “vive, funciona e prospera. Mas vive de fato. Como
sociedade de fato se considera”. Já a sociedade irregular se caracteriza
por ter sido:
“Constituída por escrito não levado a arquivamento no
Registro do Comércio”.
Nesta
escritura
particular
são
previstos
os
direitos,
ônus
e
obrigações sociais, porém enquanto não levados seus atos constitutivos
ou alterações a arquivamento no Registro de Comércio funcionam
irregularmente. Enquanto não houver o arquivamento de seus atos
constitutivos, a sociedade não adquire personalidade jurídica, sendo,
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portanto, um patrimônio em comum dos sócios. Conclui no mesmo
sentido de Carvalho de Mendonça em relação aos credores, pois ambas
não se diferenciam perante estes, respondendo os sócios (do patrimônio
ou sociedade em comum) solidária e ilimitadamente pelas obrigações
contraídas. É, no entanto, o primeiro autor nacional a chamar as
sociedades despersonalizadas de sociedades em comum.
Em raciocínio próximo se encontram os argumentos de Rubens
Requião (2000), para quem tanto as sociedades de fato quanto as
irregulares não possuem personalidade jurídica, pois lhes falta a inscrição
no Registro Público de Empresas Mercantis. Para o autor paranaense, no
entanto, a responsabilidade dos sócios é ilimitada, porém subsidiária e,
por isso, “o credor da sociedade deve primeiro, pelas dívidas sociais,
executar a sociedade, para, na falta de bens, realizar a responsabilidade
ilimitada do sócio, que por isso é subsidiária”. Theóphilo de Azeredo
Santos (1958) também conclui na sua tese de doutoramento que, apesar
de não possuir personalidade jurídica, a sociedade irregular está sujeita ao
regime jurídico a que está ligada.
Para João Eunápio Borges (1959), a diferenciação que Carvalho de
Mendonça e Waldemar Ferreira propunham (e seguida, entre vários, por
Rubens Requião) entre a sociedade de fato e a sociedade irregular é
totalmente irrelevante, sendo certo que não se verificam resultados
práticos naquela diferenciação, posto que em ambas a responsabilidade
dos sócios será a mesma, solidária e ilimitada. José Maria Rocha Filho
(1994) e Fábio Ulhôa Coelho (2002) acompanham o mestre mineiro,
sendo que o último insiste em que as expressões devem tomar-se como
sinônimas.
Fran Martins (1998) é de opinião que a sociedade será irregular
quando:
“Se organiza legalmente, arquiva os seus atos constitutivos
no Registro do Comércio, mas, posteriormente, pratica atos
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7
que desnaturam o tipo social”.
A sociedade passa, então, a funcionar irregularmente, tornando-se
os sócios ilimitadamente responsáveis. Já a sociedade, quer tenha os atos
constitutivos escritos e não arquivados, quer resulte apenas de atividade
comercial em comum, com ânimo societário, será considerada uma
sociedade de fato. Esta sequer possui personalidade jurídica, pois não
teve seus atos constitutivos inscritos no Registro do Comércio. A
existência ou não de contrato escrito será apenas meio de prova bastante
entre os sócios, nenhum reflexo tendo em relação a terceiros, pois é um
contrato particular que faz lei apenas entre as partes nele envolvidas. A
doutrina do professor cearense, parece, serviu de suporte ao legislador de
2002, que aprovou a regulamentação da sociedade em comum naqueles
termos, como veremos adiante.
4
SOCIEDADE EM COMUM
O novel Código Civil prevê o início da existência legal das pessoas
jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no
respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou
aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as
alterações por que passar o ato constitutivo. Sendo as sociedades espécie
do gênero pessoas jurídicas de direito privado, segundo a sistemática
adotada em 2002 e seguindo a orientação do Código Civil anterior, é com
o registro de seus atos constitutivos que se inicia legalmente a vida da
sociedade.
Adiante, o novo Código prevê expressamente a existência da
sociedade em comum, entendida como aquela sociedade cujos atos
constitutivos não estejam ainda inscritos no registro próprio. Só com o
advento desse registro é que a sociedade adquirirá personalidade jurídica,
deixando fora de dúvidas as hipóteses aventadas na doutrina anterior
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sobre uma possível personificação da sociedade sem prévio registro2.
Fábio Ulhôa Coelho (2002), atualizando seu Curso de Direito
Comercial segundo o novo Código Civil, resume as lições aplicáveis à
sociedade irregular ou de fato para concluir que a nova legislação as trata
sob um mesmo signo, como “sociedades em comum”.
Prevendo
o
Código
Civil
a
existência
de
uma
sociedade
despersonificada (por isso, sociedade em comum, ou sociedade cujo
patrimônio é comum aos sócios) enquanto não inscritos os atos
constitutivos no registro próprio, seus sócios, nas relações entre si ou com
terceiros, só por escrito poderão provar a existência da sociedade. Os
terceiros, no entanto, poderão prová-la de qualquer modo.
A lei civil não estabelece meios para a citada prova, razão porque
poderemos tomar emprestados os termos do antigo Código Comercial
Brasileiro. Assim dispõe o art. 304 do Código Comercial de 1850 que “a
existência da sciedade pode provar-se por todos os gêneros de prova
admitidos em comércio (art. 122), e até por presunções fundadas em
fatos de que existe ou existiu sociedade”. Continua o art. 305 aduzindo
que a existência da sociedade é presumida sempre que alguém exercita
atos próprios de sociedade, e que regularmente se não costumam praticar
sem a qualidade social, dentre os quais exemplifica:
1.
Negociação promíscua e comum;
2.
Aquisição, alheação, permutação, ou pagamento comum;
3.
Se um dos associados se confessa sócio, e os outros o não
contradizem por uma forma pública;
4.
Se duas ou mais pessoas propõem um administrador ou gerente
comum;
2
Sobre a personificação das sociedades irregulares, o trabalho de Eduardo Goulart Pimenta, publicado na Revista da Faculdade Mineira de
Direito, tece excelentes comentários.
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5.
A dissolução da associação como sociedade;
6.
O
emprego
do
pronome
nós
ou
nosso
nas
cartas
de
correspondência, livros, faturas, contas e mais papéis comerciais;
7.
O fato de receber ou responder cartas endereçadas ao nome ou
firma social;
8.
O uso de marca comum nas fazendas ou volumes;
9.
O uso de nome com a adição – e companhia.
Os meios de prova da existência da sociedade, previstos no anterior
Código Comercial, estão enumerados em artigos revogados pela lei de
2002. Os critérios, no entanto, são admitidos pela doutrina pátria3 como
mera exemplificação de indícios que provam a existência da sociedade.
Nada obsta a que continuem sendo utilizados, apesar da omissão do novo
Código Civil.
Os bens e dívidas da sociedade em comum constituem um
patrimônio especial, sendo titulares, em comunhão, os sócios. Esses
ativos respondem por obrigações sociais contraídas com terceiros,
independentemente da alegação de prática de atos com excesso de
poderes por qualquer dos sócios. Não estando a sociedade regularmente
constituída, ou seja, não estando seus atos constitutivos regularmente
inscritos no registro próprio, não se pode exigir de terceiros que
conheçam
as
restrições
de
poderes
conferidas
a
cada
um
dos
componentes da sociedade. Entretanto, terceiros que conheciam ou
poderiam conhecer tais restrições contratuais ficam sujeitos às condições
previstas no estatuto societário.
Finalmente, conclui o legislador de 2002 que a responsabilidade dos
3
João Eunápio Borges (1959), Waldemar Ferreira (1961) e Carvalho de Mendonça (1958), dentre outros, consideram os critérios adotados
pelo Código Comercial para identificação e prova da sociedade irregular como enumeração exemplificativa do legislador, podendo o terceiro
interessado se valer de outros métodos para consecução de seu objetivo. Se os indícios de prova foram meramente relacionados na lei
revogada, nada obsta a que continuem valendo os critérios, em especial porque a lei nova não traçou novos critérios para o operador do
direito utilizar.
Da Sociedade em Comum
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sócios é solidária e ilimitada perante terceiros, para o cumprimento de
obrigações sociais. Com o art. 990, exclui-se qualquer dúvida acerca da
solidariedade ou subsidiariedade da obrigação dos sócios. O entendimento
de Rubens Requião sobre a matéria torna-se obsoleto, ante a expressa
disposição legal expressa. Para dirimir quaisquer dúvidas, o legislador
dispõe que o sócio que, em nome da sociedade, contratou e assumiu
obrigações, não poderá exigir sequer que primeiro se executem os bens
comuns. Tendo participado do negócio jurídico, o benefício de ordem fica
terminantemente excluído ao sócio.
Deixou a entender o legislador, entretanto, que a sociedade em
comum será entendida enquanto não regularmente constituída a pessoa
jurídica. Faz parecer que só houve preocupação com a sociedade que Fran
Martins considera de fato. Entendemos não ser esta, no entanto, a melhor
exegese.
O legislador de 2002, aparentemente, em nenhum ponto discorreu
sobre uma possível irregularidade da sociedade. Como ensinava o mestre
nordestino, diante do disposto na legislação revogada, será irregular a
sociedade “que se organiza legalmente, arquiva os seus atos constitutivos
no
Registro
do
Comércio, mas,
posteriormente,
pratica
atos
que
desnaturam o tipo social (por exemplo: uma sociedade em comandita
simples por prazo determinado ultrapassa esse prazo sem renovar o
contrato
social;
continua
a
sociedade
a
funcionar
irregularmente,
perdendo os sócios que limitaram sua responsabilidade, ou seja, os sócios
comanditários, esse benefício, tornando-se ilimitadamente responsáveis);
ou que funciona sem cumprir as obrigações impostas por lei (não possui
livros obrigatócios, não levanta o balanço anual)” (Fran Martins, 1998,
p.237). A lição é inteiramente aplicável às disposições do novo Código
Civil.
Não houve, entretanto, omissão legislativa quanto à sociedade
irregular. Ao contrário. Enquanto regularmente constituída, a sociedade
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tem seus negócios expressamente regulamentados. Deixando, porém, de
promover o registro de seus atos modificativos ou de praticar qualquer
obrigação para permanecer regular, a sociedade deixa de estar legalmente
constituída, regularmente formada. Esta sociedade, não observando os
preceitos legais que lhe são impostos, deverá sofrer uma sanção. E a mais
severa, em nosso entendimento, é a extensão à sociedade irregular dos
efeitos contidos em relação à sociedade em comum.
A expressão contida no art. 986 – “enquanto não inscritos os atos
constitutivos” – deve ser interpretada como “se não inscritos os atos
constitutivos ou não registradas as modificações posteriores”. Assim,
deixando o sócio de descumprir preceitos legais relativos à regularidade
da sociedade de que participa, sofrerá o ônus da responsabilização pessoal
por dívidas da pessoa jurídica, de forma solidária e ilimitada. Se a
ninguém é lícito descumprir a lei sob o argumento que não a conhece,
menos ainda podem deixar de observar preceitos legais aqueles que
constituem uma sociedade para contrair direitos e obrigações em nome da
pessoa jurídica, que é personificada graças à ficção legal que a equipara à
pessoa natural. Como ensina Vivante (1932) “la sociedad mercantil
constituye un sujeto de derecho distinto de las personas de los socios que
están interesados en la misma: ella es el verdadero titular de los derechos
y las obligaciones que se crean por su actividad”.
A sociedade irregular não perderá contudo sua personalidade
jurídica. Tendo-a adquirido com a inscrição de seus atos no registro
público competente, a teor do art. 985, só nas hipóteses previstas na lei
civil para cada um dos modelos societários regulamentados é que perderá
sua personificação. Assim, terminará a existência da sociedade simples na
forma prevista nos arts. 1033 e seguintes. A sociedade em nome coletivo
se dissolve de pleno direito na forma do art. 1033 e, também, pela
decretação da falência (se sociedade empresária). Da mesma forma,
dissolvem-se a sociedade em comandita simples e a sociedade por quotas
de responsabilidade limitada. A sociedade anônima, segundo os critérios
Da Sociedade em Comum
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estabelecidos no art. 219 da Lei 6404/76.
Continua existindo a sociedade, com personalidade jurídica e
patrimônios próprios. Porém, a responsabilidade dos sócios, em cada um
dos
modelos
societários
admitidos na legislação, independente
de
qualquer dispositivo contratual ou estatutário que a limite, passa a ser
solidária e ilimitada, como na sociedade em comum, desde que violados
dispositivos legais relativos à constituição e funcionamento sociais,
tornando-a, por isso, uma sociedade irregular.
Promovendo a regularização, contudo, deixam os sócios de ser
solidários entre si e com a
sociedade pelas dívidas sociais, voltando à
limitação da responsabilidade da forma contratada nos respectivos
estatutos sociais. Entretanto, mesmo sanada a irregularidade, permanece
a responsabilidade solidária dos sócios pelos atos praticados enquanto era
irregular a sociedade, posto que aqueles que contrataram com a
sociedade irregular foram conduzidos à celebração do contrato com base
na situação que lhes era apresentada. Uma posterior regularização da
sociedade não muda negócios jurídicos anteriormente pactuados e não
exclui a responsabilização solidária e ilimitada dos sócios.
5
Com
CONCLUSÃO
o
novo
Código
Civil,
não
restam
dúvidas
acerca
da
responsabilidade dos sócios na sociedade em comum ou de fato. Esta é,
irremediavelmente, solidária e ilimitada, em
vista dos
dispositivos
expressos que regulam a sociedade em comum.
O mesmo tratamento deve ser emprestado à sociedade irregular,
que surge quando o sócios deixam de observar, criteriosamente, os
dispositivos legais para seu funcionamento. Esta, independentemente da
estrutura
societária
escolhida,
será
equiparada,
para
fins
de
responsabilização, à sociedade em comum, estendendo-se ao patrimônio
dos sócios a responsabilidade pelo pagamento das obrigações sociais, de
Da Sociedade em Comum
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forma ilimitada e solidária. O benefício de ordem previsto no art. 1024
também não é aplicável a esta sociedade, em função da sua equiparação
à sociedade em comum.
Esse agravamento da responsabilidade, tanto num quanto noutro
modelo, permanece para todos os atos jurídicos praticados enquanto
durou a irregularidade societária.
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