PRÁTICA DOCENTE, ALUNOS E CONTEXTOS ESCOLARES

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PRÁTICA DOCENTE, ALUNOS E CONTEXTOS ESCOLARES
PRÁTICA DOCENTE, ALUNOS E CONTEXTOS ESCOLARES: Revisão Bibliográfica
Luciana Ponce Belldio GIRALDI, Estágio Pós-Doutoral Fundação Carlos Chagas FCC
Eixo 01: Formação inicial de professores da educação básica
[email protected]
1. Introdução
Atualmente, parece existir um consenso sobre a noção de que os contextos
escolares criariam diferenças entre os resultados apresentados por alunos no processo
de aprendizagem, já que se concebe que são estabelecidas relações díspares entre as
pessoas (sobretudo alunos e professores) e com o saber, conforme os diferenciais das
unidades de ensino e turmas a que pertencem. (CHARLOT, 1996; ŒUVARD, 2000;
POWER et al, 2003; VAN ZANTEN, 2010, DURU-BELLAT, 2011; BRESSOUX, 2011).
Duru-Bellat (2005), (2011) entende que, muitas vezes, as diferenças entre os
estabelecimentos de ensino são lidas, reduzidamentei, pelas distinções sociais dos
públicos atendidos, já que determinadas instituições recebem estudantes em condições
culturais mais, ou menos favoráveis ao sucesso escolar. Nas pesquisas francesas
observa-se que os arranjos dos grupos são a categoria mais intensamente associada às
desigualdades nos processos escolares.
Conforme Van Zanten (2001) e Duru-Bellat (2005), (2011), estas desigualdades
trariam impactos, dentre outros aspectos, às expectativas construídas pelos professores
sobre os alunos, as quais teriam influências sobre as práticas de ensino que acreditariam
ser mais viáveis de implementarem, ou não, em determinadas turmas.
[...] Os alunos, no contexto geográfico a que pertencem, submetem-se,
portanto, à oferta disponível, e esta é uma faceta das desigualdades
sociais.
Mas se os indivíduos se submetem ao contexto, este é também
“fabricado” pela reunião de indivíduos, uma vez que são as
características sociais e escolares dos alunos que, em interação com os
docentes, contribuem para compor um ambiente de qualidade desigual.
O contexto são os colegas com quem se encontra, o “recurso” que eles
constituem, o clima que deles decorre nos estabelecimentos e nas
classes, as práticas pedagógicas que vão ser consideradas possíveis ou,
ao contrário, mais difíceis de serem postas em ação. (DURU-BELLAT,
2005, p.25).
Por meio de um olhar histórico sobre os estudos que se preocuparam com as
práticas docentes, Altet (2011) afirma que elas seriam recorrentemente descritas a partir
das dificuldades, do mal-estar ou, em posição oposta, com base em discursos que
almejam evoluções e inovações. Além disso, segundo a referida estudiosa, existiram
alguns movimentos que privilegiaram determinadas maneiras de compreender a atuação
docente. Em meados de 1950, na América do Norte, grande parte das pesquisas que
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estiveram atentas ao processo de ensino se fundamentaram no paradigma behaviorista e
tinham o intuito de determinar a eficácia, baseadas no comportamento observado e
quantificado. Os trabalhos nos anos subsequentes se pautaram, majoritariamente, em um
paradigma cognitivista e prestaram especial atenção ao pensamento docente, quais
teorias e opções pessoais que os professores tinham ao executar ações.
Tendo como pressuposto uma perspectiva relacional entre a prática docente e a
constituição ativa dos estudantes no meio escolar, chegou-se a problematizações sobre
as práticas empregadas em diferentes turmas, enquanto um dos aspectos a serem
considerados ao refletir sobre a atuação do professor em cenários diversos.
Primeiramente, esclarece-se que pesquisas como o de Calarco (2011) e Streib
(2011) questionaram ideias pautadas na teoria da reprodução que, majoritariamente,
compreendeu os estudantes como “recipientes” de oportunidades criadas por adultos, no
caso, professores e familiares.
As ideias mais difundidas da teoria da reprodução se localizaram nos estudos de
Bourdieu e Passeron (1982), os quais anunciaram, dentre outros aspectos, o conceito de
capital cultural, que, segundo Nogueira (2011) foi criado para romper com a percepção
das aptidões intelectuais como inatas e esclarecer as maneiras como as crianças de
classes sociais favorecidas receberiam, de suas famílias, recursos culturais diversos, os
quais se transformariam em vantagens no “mercado escolar”, reproduzindo assim, por
meio da escola, condições de classes sociaisii.
Sem negar as contribuições trazidas pela teoria da reprodução, ao prestar
atenção às ações dos alunos sobre seu próprio processo de escolarização, Calarco
(2011) e Streib (2011) perceberam que os estudantes de classes sociais favorecidas
costumavam pedir mais ajuda aos professores, se comunicando com maior recorrência e,
consequentemente, acabando por ter mais oportunidades para desenvolverem
habilidades linguísticas. Com isso, eram capazes de realizar um número maior de
atividades escolares. Desse modo, certas desigualdades e vantagens sociais foram
mantidas em sala de aula, sendo os estudantes ativos nesse processo.
As indicações trazidas pelas pesquisas, localizadas até o momento, mostram que
as escolas contam com distinções de ordens variadas, sendo que a composição de
turmas com determinados alunos, vistos de modo conjunto como mais ou menos
favoráveis aos sucessos escolares, seria um dos fatores intervenientes nessas
distinções. Todavia, indo além de uma perspectiva “reprodutora”, compreende-se que os
estudantes não se submetem apenas ao ensino oferecido, eles, em interação com os
professores, contribuem, de forma ativa, para constituir ambientes desiguais, conforme os
autores acima citados.
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De tal modo, este texto se propôs a realizar revisões bibliográficas, em algumas
bases de dados brasileiras, para identificar e analisar pesquisas que possam ter
problematizado práticas docentes em diferentes contextos de instituições de Ensino
Fundamental.
2. Fundamentação teórica
O texto proposto aqui partiu de inquietações trazidas após a realizações de
pesquisas no mestrado e no doutorado (Giraldi, 2010 e Giraldi 2014) sobre as
percepções e expectativas de trajetórias escolares de estudantes, matriculados em
escolas de Ensino Fundamental, de uma cidade do interior do Estado de São Paulo.
Especificamente durante o doutorado, Giraldi (2014), por meio da observações de aulas
nas escolas, foi possível notar que determinadas práticas docentes apareceram com
frequência em salas de aulas e disciplinas curriculares distintas, evidenciando um padrão
em determinadas situações. Ou seja, neste estudo, as práticas docentes não foram tão
diferenciadas entre os contextos quanto era pressuposto inicialmente. Ciente dos estudos
que anunciam existir diferenças entre escolas (Bressoux, 2011), era esperado encontrar
variações significativas entre práticas observadas em salas de aula com características
diversas. Todavia, em geral, existiram alguns padrões de práticas que se mostraram
independentes das singularidades dos envolvidos e dos contextos.
Esses dados expuseram semelhantes aos encontrados em outras pesquisas.
Clarke et al (2007), por meio observações de sequências didáticas praticadas por
professores responsáveis pela disciplina de matemática em alguns países asiáticos,
encontraram a existência de repetições nos comportamentos de professores em
situações particulares de atividades pedagógicas nas diferentes salas de aulas
analisadas. Assim, apesar de terem registrado uma significativa variação na sequência de
atividades que os professores organizavam, os pesquisadores observaram similaridades
em reações e práticas responsivas.
Para Gimeno Sacristán (2000, p.209) as unidades de ensino contam com um fluxo
mutante de acontecimentos, porém, ao mesmo tempo, se faz presente a noção de
estabilidade nos estilos docentes. “[...] Se é certo que não há dois professores iguais,
nem duas situações pedagógicas ou duas aulas idênticas, também é verdade que não há
nada mais parecido entre si.”
Logo, ressalta-se que assumir a concepção de que as práticas de ensino e
reações docentes apresentam formas aproximadas, não significa afirmar que elas são as
mesmas, mas sim, que mantêm um pano de fundo comum oriundo de um projeto de
organização escolar macrossocial.
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Diante disso, seria viável concluir que há indicações teóricas que entendem os
alunos como atuantes no processo escolar e influentes nas práticas docentes, porém
também se faz presente a percepção de padrões nas práticas e reações docentes,
mesmo em contextos distintos, o que traz uma complexidade maior à compreensão das
mesmas.
Altet (2011) afirmou que cada docente agrega características próprias de ensino.
Na referida pesquisa de doutoramento também se tornou evidente que havia
ajustamentos coerentes às singularidades pessoais (professores) e de cada ambiente.
Porém, a recorrência no emprego de determinadas formas no ensinar e relacionar-se se
fez presente com mais frequência em turmas analisadas de maneira positiva pelos
professores. Já em contextos intensamente permeados por casos de indisciplina ou com
outras demandas advindas
da composição do grupo de alunos,
verificou-se
diferenciações, ou seja, se mostrou necessário encontrar caminhos distintos para a
atuação, o que se coaduna com as indicações de Van Zanten (2001) e Duru-Bellat (2005;
2011), sobre a existência de práticas mais ou menos viáveis de serem efetivadas em
determinados contextos.
Análises como as de Bru (1997), Bru, Altet e Blanchard-Laville (2004) e Altet
(2011), por meio de estudos realizados sobre práticas docentes de vários professores,
concluíram que um mesmo professor utiliza procedimentos em salas de aulas que podem
variar no tempo, em função das circunstâncias e situações. Estas variações seriam mais
recorrentes “intra-mestre” em condições de trabalho diferentes do que “inter-mestres” em
condições aproximadas, o que remete ao reconhecimento das implicações dos distintos
ambientes e dos grupos de alunos atendidos sobre as práticas empregadas. Nesse
sentido, tais pesquisas reconheceram um caráter dinâmico e contextualizado das práticas
de ensino.
Assim, compreender tais práticas remete à noção da existência de padrões que
correspondem à ação profissional, porém também abarca o caráter relacional, contextual
e pessoal, os quais, muitas vezes, podem romper com arquétipos.
Portanto, a prática docente seria entendida, nesta perspectiva, como uma
articulação mais ampla das percepções dos alunos nos vários nichos escolares, do
funcionamento das classes e das demandas e expectativas dos professores. (BRU,
1997). Assim, a prática não se resume a aplicação de métodos, mas ela seria constituída
por processos e dinâmicas. (ALTET, 2011).
[...] A prática docente geralmente é definida como a maneira singular do
fazer de uma pessoa, sua forma própria de executar uma atividade
profissional numa instituição de ensino. A prática não é somente um
conjunto de atos observáveis, de ações e interações ligadas às múltiplas
tarefas da atividade profissional visível; ela inclui os procedimentos feitos
pela atividade numa dada situação, por uma pessoa em interação com
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as outras, com as reações, interações, opções e decisões tomadas. [...].
(ALTET, 2011, p.652).
Conforme Bru (1997), há a proposição de um “novo olhar” para as práticas no
ensino pautado por alguns pressupostos principais: 1. Ruptura com uma tipologia fixa de
análise
que
opõe
categorias
de
práticas
pedagógicas
(tradicionais/inovadoras,
diretivas/não-diretivas, impositivas/ativas, etc.); 2. Ruptura com a ideia de que somente o
professor seria responsável pela tomada de decisões e faria isso de forma soberana,
sempre metódica; 3. Ruptura com a idealização dos objetivos de que a prática no ensino
seria inteiramente consagrada ao pleno sucesso de todos os alunos; 4. Ruptura com a
orientação direta, prescritiva, que busca delinear o que deveriam ser as práticas dos
professores, antes de descobrir o saber que a organização pretende sistematizar, o
funcionamento da instituição, a viabilidade de certas práticas, o contexto em que
ocorrem, dentre outros.
Logo, com o intuito de explicar a complexidade que envolve as práticas docentes
e não dicotomizar as ações dos professores versus alunos, as práticas docentes seriam
lidas, com base nessas pesquisas, por meio dos professores, mas, também, por suas
relações institucionais e com os alunos e o contexto, de modo interdependente.
3. Método
Este texto é parte de uma pesquisa de estágio de pós-doutoramento, em
andamento, que pretendeu acompanhar práticas pedagógicas dos mesmos professores
em contextos diferentes. Para isso, mostrou-se necessário reconhecer outros estudos
que possam ter se dedicado a compreensão da mesma temática ou que tenha alguns
objetivos aproximados ao proposto enquanto estágio.
Por isso, em meados de 2014 foram realizadas pesquisas no Bancos de Teses –
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) iii, Scieloiv e em
trabalhos apresentados no Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - Endipe
(2012), utilizando o descritor prática docente. Neste primeiro momento, foi possível
encontrar, respectivamente, 587 pesquisas, 98 artigos e 23 trabalhos.
No início de 2016 nova busca foi realizada, fazendo uso do mesmo descritor e das
mesmas bases, com o objetivo de aprofundar a primeira revisão bibliográfica e verificar
outros textos, não encontrados inicialmente ou inseridos após aquele momento.
No entanto, no Banco de teses da CAPES ainda constavam os textos defendidos
até 2012, assim não foi viável atualizar a procura. O e-book do Endipe (2014), em
meados de janeiro de 2016, não estava disponível para consulta. E, por fim, o Scielo
identificou 33 artigos, porém, em nenhum destes as práticas dos mesmos docentes foram
estudadas em contextos diferentes. Portanto, a segunda revisão bibliográfica não
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agregou outros estudos aos encontrados em 2014. Entretanto, ressalta-se que as
revisões bibliográficas ainda serão ampliadas para outras bases de dados no Brasil. No
exterior, os estudos do grupo OPEN (Observation des Pratiques Enseignantes), tais como
Bru (1997), Bru, Altet e Blanchard-Laville (2004) e Altet (2011), se dedicam, dentre outros,
a pensar nas práticas docentes em diferentes contextos.
Até o momento, todos os títulos foram lidos, excluindo os que se referiam aos
temas: formação continuada, ensino profissional, médio e superior, educação de jovens e
adultos, práticas alfabetizadoras, o uso de mídias, inclusão, violência, gênero. Justifica-se
que estas temáticas foram excluídas por não serem aderentes ao tema central desta
investigação, o qual norteou a presente revisão.
Assim, foram lidas na íntegra 17 pesquisas, entre teses e dissertações; sete
artigos (Scielo) e um trabalho de pesquisa apresentado no Endipe (2012).
Após um olhar mais ampliado sobre a prática docente, atentos a aproximações e
distinções entre os estudos encontrados, houve um cuidado principal com vistas a
localização de pesquisas que se dedicassem ao tema que norteou este estudo: as
práticas dos mesmos professores em diferentes contextos escolares. Buscou-se saber se
haveria investigações atentas a esta temática? Em caso positivo, como elas foram
organizadas? A quais resultados chegaram?
De tal modo, os textos foram analisados e algumas contribuições deles, sobretudo
ao estudo de práticas docentes em diferentes contextos escolares, serão expostas na
sequência.
4. Discussão dos resultados
Refletir sobre práticas docentes, com base em situações de sala de aula e dos
contextos escolares, tem-se mostrado uma necessidade às pesquisas atentas aos
processo de ensino e à formação de professores.
No entanto, sistematizar pesquisas sobre práticas docentes remetem a imensidão
de temas a elas relacionados, como avaliação, planejamento, metodologias, técnicas de
ensino, formação de professores, relações professor-alunos, alunos-alunos, currículo,
etc, o que aponta para a necessidade de tentativas de compreensão de tais estudos e
sintetização dos dados, nunca completas, mas que possam trazer algumas indicações
sobre como uma dada temática tem sido estudada, assim como o que é conhecido sobre
o assunto e quais contribuições seria viáveis fomentar a partir daí.
Diante disso, é possível afirmar que nas produções lidas, a abordagem
colaborativa foi um referencial citado com recorrência como base dos estudos, prezando
pela autorreflexão dos professores sobre a prática pedagógica. (NASCIMENTO, 2011;
SOUZA, 2011-A).
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Além disso, dentre os estudos localizados, foi possível encontrar diferentes
temáticas, entre as mais recorrentes tem-se: os saberes docentes mobilizados para a
prática (Nascimento, 2011; Souza, 2011; Philippot, 2013); estudos, como o de Teixeira
(2012), preocupado com os estilos e/ou as tendências empregadas por cada professor
para ensinar, as baseadas nos métodos utilizados para ensinar: tradicional, dialogado,
tecnicista, etc; trabalho de Palma (2011), que para além dos métodos usados para
ensinar, se inquietou com os fatores que mobilizaram os professores a inovarem suas
práticas de ensino; estudos de Neves (2011) e de Silva (2011) que tiveram o objetivo de
analisar práticas educativas de escolas que conseguiram resultados positivos em
avaliações externas.
Duas pesquisas, preocuparam-se em identificar características distintivas na
atuação dos professores em diferentes contextos escolares, no caso, escolas bem
avaliadas ou não (em avaliação externa), Brito e Costa (2010); ou pensar somente nas
práticas tidas pelos professores em escolas bem avaliadas, tanto públicas como
particulares em Marafelli (2011).
Na investigação organizada por Brito e Costa (2010) havia o objetivo de identificar,
em instituições de ensino e nas interações dos professores com elas, fatores que
permitissem melhor compreender as dinâmicas educativas, sobretudo na rede pública de
ensino do Rio de Janeiro. Pautando-se nas noções de clima e prestígio escolar,
almejaram investigar em que medida as características do ambiente poderiam influenciar
a prática docente. Para isso, houve uma busca por professores que trabalhavam, ao
mesmo tempo, em uma escola que estava entre as cem mais bem colocadas nos
resultados da avaliação da Prova brasil (2007) nas turmas de 9º ano, na cidade do Rio de
Janeiro, e as que estavam entre as cem com a mais baixa classificação nesta mesma
avaliação. Por meio da secretária municipal de Educação do Rio de Janeiro, chegou-se a
60 professores que se enquadravam no critério de atuarem, ao mesmo tempo, em duas
escolas avaliadas de forma distintas. Destes, 20 professores foram entrevistados. Os
docentes, que participaram da pesquisa, relataram que precisavam modificar suas ações
em decorrência das características de cada escola em que exerciam suas profissões,
adaptando assim as práticas conforme as unidades de ensino em que atuavam. Houve
uma tendência a atribuir as diferenças entre instituições, ao perfil dos alunos, associado
às características familiares e aos fatores socioeconômicos, aspectos postos como
centrais pelos docentes. No entanto, eles também referenciaram distinções entre as
instituições geradas, por exemplo, pela gestão, abordagem de conteúdos, avaliação,
relações com os familiares, seleção e manutenção de alunos na escola.
Marafelli (2011) partiu de um contexto de pesquisas atentas as diferenças entre os
resultados obtidos em avaliações externas e visou mapear as características que
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configurariam o bom professor, tomando como base um referencial teórico atento ao
efeito-professor, para assim reconhecer diferenças ou aproximações entre os perfis
docentes dos setores públicos e privados de escolas com resultados positivos em
avaliações externas na cidade do Rio de Janeiro. Como instrumentos de coleta de dados
foram aplicados três questionários distintos junto aos professores, alunos e pais de dez
escolas (quatro mantidas com recursos municipais e seis de origem privada) com os
melhores resultados em avaliações. A autora concluiu que houve grande semelhança
entre as respostas dadas por professores dos dois perfis institucionais, o que indicaria
similaridades no trabalho desenvolvido em ambos os ambientes, sendo possível perceber
a existência de um projeto escolar e o apoio da equipe gestora, como comuns às
instituições.
Os dados das pesquisas de Brito e Costa (2010) e Marafelli (2011) corroboram
com os identificados no contexto internacional pelo grupo OPEN, Bru (1997), Bru, Altet e
Blanchard-Laville (2004) e Altet (2011), ao afirmarem que haveria maior proximidade
entre as práticas docentes (mesmo que de professores distintos) em contextos
aproximados e mais diferenças entre tais práticas em contextos escolares com perfis
diferentes.
No entanto, ainda não foi possível localizar um número ampliado de pesquisas
atentas às variações ou manutenções de práticas docentes em diferentes contextos no
Brasil. No entanto, parece ser comum a identificação de influências dos contextos
escolares à construção das práticas docentes, prevalecendo na fala dos professores
elementos referenciados pelas pesquisas francesas, Duru-Bellat (2005), (2011), ao
entenderam que os arranjos dos grupos são a categoria mais intensamente associada às
desigualdades nos processos escolares.
Há ciência sobre a existência de um processo interativo entre as práticas
docentes, atuação dos alunos e contextos escolares, entretanto, ainda resta
compreender os mecanismos pelos quais tais relações são estabelecidas, sem perder de
vista o caráter dinâmico e complexo que as envolvem.
5. Conclusões
Por meio da presente revisão bibliográfica em algumas bases de dados nacionais,
que ainda precisam ser expandidas, notou-se que até o momento não foi identificada a
realização de pesquisas, sobre padrões e/ou variações de práticas docentes, que
observassem diretamente práticas de ensino dos mesmos professores em diferentes
contextos escolares.
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Além disso, com base nos estudos localizados, as práticas docentes não foram
compreendidas de maneira dinâmica, nas relações vividas com os alunos nos cotidianos
escolares, considerando os estudantes como sujeitos ativos.
Assim, mostra-se relevante sobressair o caráter dinâmico e complexo da prática
docente, colocando em destaque a ideia de movimento dialético nas relações
pedagógicas criadas pelas práticas docentes.
Esta perspectiva já se faz presente no âmbito internacional, sendo proposta como
um modelo que agrega diversos tipos de variáveis pessoais, processuais e contextuais
em interação. Inclusive, mantém o objetivo de entender melhor e explicar o
funcionamento da prática docente em sua complexidade. (ALTET, 2011).
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v
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i
Vale a pena pontuar que existem outros fatores que perpassam as diferenças identificadas entre
instituições de ensino ou turmas. Assim como Bressoux (2011), concebe-se que a organização escolar pode
reservar uma margem de manobra e de decisões sutis que impactariam nos resultados das aprendizagens
dos alunos, para além da composição dos grupos atendidos, porém não deixa de ser considerado que estes
também trariam implicações na constituição de cada contexto.
ii
Ball (2011) afirmou que em sociologia da educação o conceito de classe social é fundamental, porém
também é visto de forma polêmica e contraditória. Após uma revisão de alguns constructos teóricos que
perpassam o tema, o autor concluiu que, atualmente, se faz presente uma grande diferenciação social que
atravessa classes sociais. O presente projeto entende, com base em Lahire (1997), que as classes sociais
não são homogêneas, havendo práticas diversificadas entre os membros que compõe determinada classe.
iii
Produzidos entre os anos de 2010 a 2012.
iv
Produzidos entre os anos de 2000 a 2016.
v
6823

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