Partilhas Clínicas - Oficina de Psicologia

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Partilhas Clínicas - Oficina de Psicologia
I_2011
Partilhas Clínicas
Reflexões sobre e para a prática clínica
Reflexões clínicas dos Psicólogos da Oficina de Psicologia, com base na sua
experiência efectiva do acompanhamento de casos, tendo em conta a sua
aplicabilidade para uma maior eficácia do processo psicoterapêutico. Primeiro
trimestre 2011, 28 Março.
Oficina de Psicologia
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Partilhas Clínicas
Perturbação Borderline da Personalidade – Vinculação e trauma
10:00 – 10: 30
Francisco de Soure
INTRODUÇÃO
Escrever sobre uma perturbação de personalidade (PP) resulta, quase sempre, numa tarefa
difícil. Por vezes, quase tão difícil como trabalhar com clientes que dela sofrem em
consultório! Desde logo porque,ainda hoje, a definição de PP como categoria de diagnóstico
se mantém controversa. Como Fischer-Kern e outros (2010) citam, quer pela heterogeneidade
e ausência de estabilidade nos sintomas e traços que as compõem, quer pela dificuldade em
avaliar a sua severidade, particularmente por contraste com as perturbações do Eixo I do
DSM. Neste contexto, a investigação em psicoterapia tem desenvolvido um conjunto de
correntes de investigação paralela cujo âmbito é tornar mais clara a natureza das PP,
extraindo factores e desenvolvendo teorias etiológicas para cada uma delas. Uma breve
revisão da literatura nesta área permite constatar a emergência recorrente de uma
perturbação em específico por contraponto com as restantes. É aquela que surge mais
integrada nas suas manifestações, mais coerente na sua etiologia, com os correlatos mais
sólidos, e considerada um dos “Adamastores” da psicoterapia: a perturbação borderline da
personalidade (PBP) (Fonagy et. Al., 1996; Fischer-kern et. Al., 2010; Livesley, Jackson &
Schroeder, 1992). Se a generalidade das descrições sintomáticas de PP vêm a sua utilidade
questionada, a PBP vem-se solidificando enquanto construto. Não apenas pela investigação
que continua a gerar, mas também pelas dores de cabeça que provoca a terapeutas pelo
mundo fora. Procuremos, nas páginas que se seguem, passar em revista as hipóteses mais
investigadas quanto à sua etiologia, manutenção e sintomatologia, convidando à reflexão
acerca de algumas implicações e limitações à prática clínica no seu tratamento.
PERTURBAÇÃO BORDERLINE DA PERSONALIDADE: VINCULAÇÃO E TRAUMA
O diagnóstico de PBP é aquele que se atribui a indivíduos que exibem reduzidos níveis de
controlo de impulsos, apresentam elevados níveis de instabilidade interpessoal, com
oscilações repentinas e aparentemente inexplicáveis do humor, dados a explosões de fúria e
que, no limite, exibem de forma continuada comportamentos auto-destrutivos. São
geralmente descritos como pessoas com elevada sensibilidade a todo o comportamento do
outro que possa ser percebido como uma instância de rejeição ou abandono. Quando formam
um laço com um outro significativo, são movidos por um medo inabalável de ver esse laço
cortado. Exigem manifestações recorrentes de afecto e atenção. Na sua ausência, o afecto
que sentem como não correspondido transforma-se numa fúria avassaladora que dirigem,
primeiro, para o outro e depois para si. Frequentemente colocam-se em situações de risco
(p.e. consumos de substâncias, comportamento sexual promíscuo desprotegido), sendo
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frequente a presença de comportamentos de auto-mutilação. O risco de suicídio para
pacientes PBP é elevadíssimo. (Benjamin, 1996).
A utilização do termo PBP enquanto diagnóstico, por si só, manteve-se envolta em
controvérsia durante anos. De tal forma que, ainda hoje, é frequente ouvir relatos de
pacientes com diagnóstico de PBP com anteriores falsos diagnósticos de Perturbação Bipolar
(PB). Uma das hipóteses historicamente colocadas a este respeito passava pela inclusão da
PBP no espectro bipolar das perturbações do humor. A investigação vem desconfirmando esta
hipótese. Benjamin e Wonderlich (1994) demonstraram que pacientes diagnosticados com PBP
diferiam significativamente daqueles diagnosticados com PB e depressão unipolar em vários
aspectos das suas crenças e percepções relacionais. Mesmo na ausência de diferença na
severidade da sintomatologia depressiva, pacientes PBP tinham uma probabilidade
significativamente mais elevada de reportar as suas relações maternais como hostis e
altamente autónomas; de igual forma, estes pacientes reportavam de forma
significativamente superior a percepção da sua relação com pessoal médico e outros
pacientes internados como hostil. No mesmo estudo, os resultados apontaram para índices de
auto-controlo em pacientes PBP significativamente inferiores aos exibidos por pacientes PB ou
deprimidos, e significativamente superiores de auto-agressão quando comparados com os
pacientes PB.
Se formos além da sintomatologia e olharmos para a etiologia da PBP, o seu estudo é quase
tão antigo como a própria psicoterapia. Já em 1938, Stern (cit. por Paris, 1993) observava a
existência de um “grupo borderline de neuroses”, no qual pelo menos 75% dos pacientes
relatava uma história continuada, desde a primeira infância, de ausência de afecto maternal
espontâneo, de conflito paternal com explosões de raiva dirigidas à criança, de separação ou
abandono precoces e de crueldade, negligência e brutalidade prolongadas por parte dos pais.
Paris fornece uma revisão bibliográfica na qual os autores convergem: a PBP tem a sua
origem, tendencialmente, em trauma por mau-trato na infância.
Será relativamente a este ponto que o estudo da PBP reúne mais consenso. A mais forte
corrente de investigação acerca da etiologia da PBP e seu desenvolvimento foca-se na
vinculação e suas sequelas. Em 2001, Schore adoptou uma perspectiva neuropsicológica de
desenvolvimento para sublinhar a forma como interacções diádicas emocionalmente
carregadas com uma figura cuidadora essencialmente “moldam” o hemisfério direito da
criança, para o melhor ou para o pior. Com um cuidador responsivo, que eficazmente regule o
afecto da criança, que seja capaz de a securizar e acalmar, que facilite a comunicação
emocional num ambiente em que predomine a brincadeira e o afecto positivo, desenvolverse-à um padrão de vinculação seguro, que permite um desenvolvimento cognivito e emocional
adequado, marcado pela capacidade de auto-regulação. Relações precoces traumáticas, nas
quais o cuidador é percebido como assustador ou assustado, e marcados por comportamentos
de abuso passivo ou activo face às emoções da criança, dão origem a um padrão de
vinculação desorganizado, marcado pelo conflito entre a procura de proximidade e a fuga da
figura do cuidador, há muito considerado um fortíssimo preditor de BPD.
Depois de Bowlby, outros autores como Fonagy e Kernberg trabalharam sobre a forma como a
vinculação precoce influencia as expectativas formadas face ao outro, e seu impacto na autoregulação emocional. Fonagy com outros, em 1994, apresentou resultados que apontam os
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pacientes PBP sentiam os seus pais como menos carinhosos e mais negligentes que pacientes
não PBP, assim como significativamente mais instâncias de abuso na sua história de vida.
Revelavam, também, uma capacidade de mentalização reduzida. Entenda-se, por
mentalização, a capacidade de reflectir acerca dos seus estados mentais, bem como dos
outros em interacção. A explicação dos autores passa pela necessidade dos pacientes, em
criança, precisarem de se abster de pensar acerca das intenções dos seus cuidadores ao
agredi-los, como forma de manter o laço vinculativo e, assim, garantir a sua sobrevivência.
Este mecanismo tornar-se-á uma resposta característica ao longo da vida, como forma de
encontrar protecção do comportamento sentido como abusador, abandonante, ou rejeitante –
tornando os pacientes cronicamente incapazes de perceber e reflectir sobre os seus estados
mentais e emocionais, bem como daqueles com quem interajem. Ao mesmo tempo que,
infelizmente, os torna cronicamente incapazes de gerir relações abusivas e resolver as suas
experiências traumáticas precoces. Fischer-Kern e outros citam Kernberg e a sua teoria em
linha com a abordagem das relações de objecto. Este também aponta a confusão na distinção
e reflexão acerca dos seus estados emocionais e de outros significativos como um factor
presente nos pacientes PBP, como resultado do impacto negativo de relações de vinculação
traumáticas no desenvolvimento da representação interna de self. Uma autora cujo
contributo para a compreensão e tratamento da PBP é inestimável tem sido Lorna Benjamin.
Em 1994, com Wonderlich, propôs que “(...) a pessoa borderline internaliza relações de
abandono hostil de uma forma que resulta no aumento do auto-ataque e auto-abandono.”.
Em 1996, fornece uma explicação que se afasta da lógica psicodinâmica que impera no estudo
da vinculação, aproximando-se da psicologia da aprendizagem. Já Freyd (1996) propõe uma
Teoria de Trauma de Traição: de forma a manter o laço necessário à sobrevivência, a criança
“opta” por se manter cega à traição que o comportamento abusivo por parte do cuidador
representa. Com Este seria o molde futuro para comportamentos dissociativos, e para a
permanência em relações de abuso.
Independentemente da semântica que queiramos aplicar, ou da teoria que optemos por
seguir, algumas regularidades parecem ser passíveis de extracção:
- A PBP resulta, tendencialmente, da generalização de comportamentos, emoções e crenças
adquiridas no seio da vinculação;
- As relações precoces dos pacientes PBP são, geralmente, caracterizadas por abuso (físico,
sexual, ou verbal), instabilidade, negligência, e percepção de perigo iminente;
- Relações precoces da natureza acima descrita constituem uma instância de trauma, cujo
impacto é profundo e pervasivo ao longo da vida, com limitações severas na capacidade de
mentalização, auto-regulação e manutenção de relações adequadas.
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PAPEL DA EMOÇÃO EM PSICOTERAPIA
Quando falamos em PBP falamos, inevitavelmente, na ausência da capacidade de autoregulação emocional. Falar em PBP no contexto da psicoterapia implica, necessariamente,
reflexão acerca do papel da emoção neste processo, bem como da forma como esta pode ser
trabalhada. A neurociência vai-se aproximando da importância da emoção na saúde mental.
Corrigan (2004) debruça-se sobre a forma como a experiência e o reprocessamento
emocionais adquirem lugar de destaque no alívio sintomático, apontando o cortéx cingulado
anterior como o substrato neurobiológico deste processo. Whelton (2004) faz uma revisão
bibliográfica em torno da forma como diferentes abordagens em psicoterapia concebem o
papel e importância da emoção no exercício clínico. Neste estudo, sublinha o trabalho
emocional como fulcral para a maioria das abordagens psicoterapêuticas. Neste particular,
destaca a importância da experiência emocional como factor decisivo para o sucesso em
psicoterapia, a par da capacidade de auto-regulação. Cita autores (particularmente das
correntes CBT e EFT) que defendem que a eficácia da experiência emocional adequada está
dependente do seu acontecimento no contexto desats competências de auto-regulação. A
aquisição destas competências encontra a sua base na relação terapêutica, tomemos o
terapeuta como modelo de regulação emocional eficaz, quer o tomemos como figura de
vinculação de substituição. Martsolf e Draucker (2005) compararam a eficácia de diferentes
abordagens no tratamento de vítimas de abuso sexual na infância. Não conseguiram
demonstrar maior eficácia de uma abordagem específica em detrimento de outras. Vincaram,
isso sim, a eficácia geral de abordagens centradas no abuso.
A questão que se impõe é: se a mudança em psicoterapia vive da experiência e
reprocessamento emocional, como as implementarmos com uma população em que a única
certeza é a instabilidade?
As abordagens focadas na emoção destacam este factor, e o modelo EMDR constitui-se como
uma abordagem capaz de focar conteúdos traumáticos e reprocessá-los quer emocional, quer
mnesicamente. No entanto, uma leitura cuidada da investigação expõe uma importante
questão: a generalidade das medidas de eficácia existentes são obtidas com pacientes PBP
sem comportamentos de auto-mutilação ou consumos. Inclusivamente, os manuais de algumas
destas intervenções recomendam extrema cautela na sua utilização com clientes com
qualquer uma destas características. Qual será a percentagem destes pacientes na população
que reunam estes critério? A generalidade dos clientes PBP que chegam a psicoterapia, dizme a experiência, desmentem esta expectativa. Neste contexto, qual o papel do
psicoterapeuta? E quando dar lugar a intervenções eminentemente emocionais?
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10:30 – 11: 00
Reflexão sobre o Luto e o seu impacto
Ana Crespim
INTRODUÇÃO AO TEMA
O que é o luto?
“O que temos mais certo na vida é a morte”
Esta é a dura realidade da nossa existência. Sabemos que é inevitável, que tudo o que nasce,
mais cedo ou mais tarde, morre. No entanto, uma coisa é saber, outra é viver uma
experiência de perda ou aceitarmos que a nossa existência vai ter um dia um último sopro de
vida… Não, não é fácil de aceitar, nem tão pouco de conviver com esta amiga negra, cuja
sombra nos persegue e atormenta, mais a uns, menos a outros. E quando esta decide levar
alguém que amamos, aí sim esta noção fantasma toma forma, contornos e materializa-se em
nós sobre a forma de sentimentos e emoções que até ali desconhecíamos. Nesse momento,
parece que passam a comandar o curso da nossa vida, sem final anunciado.
O impacto que a perda de alguém tem em nós, caminha de mão dada com o grau de
vinculação que estabelecemos com aquela pessoa.
“A vinculação proporciona-nos a energia indispensável para saltar todos os obstáculos, pois
sabemos que não estamos sós na corrida pela felicidade”
(Rebelo, 2004)
Temas como a vinculação e outros factores que podem interferir na intensidade da vivência
do luto, as fases do luto, a dificuldade em definir luto patológico, bem como os desafios que
se levantam para o terapeuta que trabalha com esta temática, vão ser o alvo da nossa
reflexão.
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Com este trabalho não pretendemos fazer uma descrição do luto baseada na literatura.
Pretendemos falar-vos da nossa prática e do que, em conjunto, fomos concluindo enquanto
discutíamos o que se passava nas consultas, cujo pedido se relacionava com o luto, com a
perda de alguém querido.
Esperamos que esta análise e levantamento de questões vá ao encontro das vossas
inquietações face ao tema. Ao escrever este trabalho, ao pensar sobre o tema, encontramos
mais perguntas do que respostas. No entanto, deixamos-vos com as nossas considerações
pessoais, na esperança que desta partilha surjam novas ideias e reflexões.
“O mundo ficou mais pobre no dia em que partiste… Sinto raiva do sol por continuar a
brilhar; da lua que em nada mudou a sua beleza; das estrelas porque me parecem mais
próximas de ti do que eu alguma vez conseguirei voltar a estar… como é que tudo à minha
volta pode continuar igual? Será que o mundo ainda não percebeu que nada voltará a ser
como era? Tu partis-te, deixaste-me sozinha num jardim que era nosso… não o rego, não faz
sentido… quero que tudo à minha volta murche para reflectir o que eu sinto… Superar?
Como? E se o fizer, não estarei a esquecer-te? Não, não quero. Deixem-me simplesmente
estar e nada ser”
Anónimo
ASPECTOS QUE QUEREMOS PARTILHAR CONVOSCO
Fases do luto
“Mais se tira com amor do que com dor”
Apesar de não serem estanques, as fases do luto dão-nos algumas indicações de como se
desenrola a expressão de sentimentos e de determinadas reacções físicas e comportamentais.
A este nível, diferentes autores procedem a diferentes classificações. Pelo carácter vivencial
que quisemos atribuir a este trabalho, demos preferência à classificação de Rebelo (2008),
por ele próprio ter sentido na pele a brutalidade do luto:
Negação ou torpor – no senso comum, considera-se que uma perda pode ter um impacto
diferente dependendo de ter sido anunciada (por uma doença prolongada e, portanto, já
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esperada) ou de surpresa (morte súbita, acidente de viação, etc., em que nada fazia prever
que aquela pessoa nos ia deixar de forma tão súbita). No entanto, quer numa, quer noutra,
numa primeira fase, perante aquelas palavras tão dolorosas que nos tiram o chão,
“Lamento…”; “Fizemos tudo o que podíamos”; “O seu familiar não resistiu” ou um simples
abanar de cabeça que nos dilacera por dentro, a primeira reacção é de choque. Nunca
estamos verdadeiramente preparados para isto, e, por vezes, só nos damos conta de tal
quando a notícia bombástica nos caí no colo. O choque pode durar de horas a semanas,
podendo ser atravessado por explosões exacerbadas de raiva e/ou de aflição. Por outro lado,
o indivíduo pode ser assaltado por doses de energia, fruto da acção do sistema nervoso
simpático, que provoca alterações físicas como o aumento da tensão arterial e do ritmo
cardíaco. E quantas vezes não presenciamos isto com conhecidos, elementos da família ou até
em nós próprios? Parece que a pessoa está a funcionar em modo automático e ligada à
electricidade. Resolve tudo, toma as rédeas da situação, parece deixar de sentir certas
necessidades básicas como fome, sede, sono.
Outro cenário possível é o de apatia. A pessoa parece estar desligada da realidade. Pode ter
algumas explosões emocionais, muitas vezes sobre a forma de crises de choro, de gritos, mas
que em breve dão lugar a um estado de desligamento da realidade. Parece que se voltam
para dentro de si próprios, que se perdem lá dentro e que por vezes, por meio desses
caminhos que não conhecemos, tocam na dor e reagem com fervor. Daí que seja necessário
voltar a desligar de seguida, pois parece a única forma de se conseguir aguentar.
Ao choque, segue-se a negação emocional da perda. Apesar de racionalmente o indivíduo
perceber o que aconteceu, que se trata de uma realidade irreversível, ao nível emocional a
informação parece não entrar. Quando nos surge um cliente que está a passar por esta fase,
não é de espantar ouvir relatos emocionais que nada correspondem à realidade. Há quase que
uma necessidade de protecção interna, que se manifesta muitas vezes por atitudes
direccionadas para o retorno da pessoa amada. Os objectos pessoais, o espaço que a pessoa
ocupava em casa, permanecem intactos e surgem recordações constantes da pessoa perdida.
Frase retirada de um caso clínico:
Sic.: “Ao fim de muito tempo sem sair de perto da cama onde ela estava sem qualquer
reacção, o meu marido convenceu-me a ir até ao bar. Não queria sair de perto dela… parecia
que sabia, que estava a prever o que ia acontecer. Demorei cerca de 5 minutos, foi tão pouco
tempo… mas já cheguei tarde. Os médicos e enfermeiros estavam de volta dela. Eu abanei-a
com força, pedi-lhe para voltar, para não me deixar, chorava desesperadamente… mas ela
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não me ouviu” – motivo da consulta: luto - dificuldade em lidar/aceitar a perda da mãe.
Frase proferida numa fase inicial do processo terapêutico.
Reconhecimento ou desorganização emocional – aqui, o contacto com a emoção, com a dor
da perda, são a chave. Como consequência da tomada de consciência emocional, o mundo
surge ao sujeito como vazio e sem sentido. Afinal, se o vínculo que tínhamos com a pessoa
que partiu sofreu uma quebra irreparável, se tomamos consciência que a presença, a voz, o
cheiro e o toque daquela pessoa, são contactos irrecuperáveis, tudo parece vazio e
desprovido de sentido. Neste momento, parece surgir um turbilhão de emoções, onde o
medo, a tristeza, a agressividade, a culpa, a agitação interior, vão tendo uma palavra a dizer.
Ficamos desorientados, em relação ao presente, ao futuro, ao que fazer, ao que pensar, como
agir, como sentir tanta coisa tão forte ao mesmo tempo. Pelo referido, a irritabilidade e a
introversão tornam-se os meios de comunicação preferenciais. E é aqui que se deprime,
alimentando esta tristeza com a solidão imposta pelo afastamento de amigos e familiares,
pelo congelamento da vida.
Mais tarde ou mais cedo, dependendo do ritmo de cada um, da sua capacidade para gerir
emoções, do suporte percebido, todas estas emoções começam a ser assimiladas, dando
espaço a um gradual sentimento de libertação em relação à perda, em consonância com a
tomada de consciência da sua inevitabilidade. A serenidade sobe ao palco das emoções,
permitindo que nos apercebamos de outros vínculos estabelecidos e da sua importância para
nos agarrar à vida.
Frase retirada de um caso clínico:
Sic.: “Eu não sei explicar… estou diferente. Já não sinto aquela presença constante… é como
se a tivesse deixado ir, como se aceitasse. No entanto, isto entristece-me…” – motivo da
consulta: luto - dificuldade em lidar/aceitar a perda da mãe. Frase utilizada após várias
sessões.
Aceitação emocional da perda ou reorganização emocional – aqui, a dor da perda vai-se
dissipando, como um balão que liberta o ar lentamente. Começamos a perceber e a aceitar
que nada poderá ser como era, mas que dos novos ajustes, reorganizações e mudanças de
planos, podem resultar coisas positivas, pelo que não estamos condenados a uma vida vazia e
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infeliz. As memórias da pessoa perdida, que outrora eram sinal de sofrimento, dão lugar a
uma consciência saciada pelos momentos partilhados, pelas recordações divertidas. A dor de
não podermos voltar a estar com aquela pessoa, começa a dar lugar à alegria pelos momentos
que vivemos com ela e a vida volta ao seu curso normal.
Frase retirada de um caso clínico:
Sic.: “Lembro-me das brincadeiras. Ele tinha um sentido de humor fantástico. Era ele que
fazia as festas lá em casa serem mesmo festas. Agora vou-me apercebendo que assumi esse
papel. Aprendi tanto com ele que foi tão natural que nem dei conta. Percebi também que a
minha relação com o meu pai é bem mais forte e de que o que eu sinto, digo ou faço tem
importância para eles”. Frase utilizada por uma cliente após várias sessões, referindo-se ao
avô.
Ter estas fases como pano de fundo da nossa actuação enquanto trabalhamos, não só com
luto, mas com a perda de uma forma geral, pode ajudar-nos a atingir uma maior compreensão
dos processos internos do sujeito, bem como de determinados padrões na relação connosco e
com o outro. É preciso, no entanto, flexibilidade e abertura para perceber que as coisas não
são estanques e que raramente encontramos aqueles casos “by the book”. Ajuda saber bem
estas fases, procurando pontos de toque entre elas e o discurso do cliente. As reflexões de
sentimento podem resultar em mais próximas da realidade, do que o cliente está de facto a
sentir, e a nossa intervenção pode ser mais focada no que impera naquele momento
específico e, portanto, no que o cliente mais precisa de trabalhar/abordar.
O que é afinal um luto patológico?
“Existe remédio para tudo, menos para a morte…”
Aqui começam as dificuldades. Como saber se estamos perante um luto “saudável” ou
“patológico”? Melhor, quem somos nós para nos virarmos para um cliente e dizer-lhe se o que
ele está a sentir está dentro ou fora do que é considerado como “normal”? Cada ser humano é
único. Nenhuma experiência é vivida por duas pessoas da mesma forma. Porque é que nos
preocupamos tanto em classificar? É isso que nos vai ajudar a conseguir uma melhor prática
clínica, a acompanhar de forma mais competente quem está a passar por uma perda? E se nos
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deixássemos guiar por quem temos à nossa frente, pelos relatos do nosso cliente? Nesta
questão, talvez fosse mais produtivo deixarmos os diagnósticos de lado e trabalharmos com o
que nos vai sendo dado pelo cliente. Afinal, se cada ser humano experiencia cada evento de
forma única, se nos prendermos a diagnósticos e a intervenções estanques, não estamos a
respeitar esta premissa.
Nesta matéria, podemos ouvir de tudo. Desde os relatos mais emocionais, aos mais frios,
ausentes de sentimento, como que contados por uma terceira pessoa, em que o afastamento,
a falta de contacto com a emoção, são para nós gritantes. Será o primeiro mais patológico
que o segundo? Lamentamos, mas não sabemos responder a esta questão. O que sentimos e
constatamos com a nossa prática clínica é que, como em todo o trabalho de psicoterapia,
devemos atender ao impacto que aquela experiência detém no funcionamento do indivíduo,
às alterações comportamentais, sem nunca deixarmos de ter em atenção a importância de
validarmos o que quer que seja que o cliente está a sentir, transmitindo suporte e aceitação.
Crítica e juízos de valor é o que o cliente mais encontra da porta do consultório para fora.
Frases retiradas de casos clínicos:
- Sic.: “Não aceito. Não aceito que as pessoas tenham que morrer. Penso nele todos os dias.
Acho que devia ter sido eu a ir em vez dele… ele fazia mais falta.”
Esta frase foi proferida por uma cliente de 36 anos que perdeu o pai há sensivelmente 7 anos
– o motivo da consulta: sintomatologia depressiva, Perturbação de Pânico e presença de
alguns critérios de Perturbação Obsessivo-Compulsiva;
- Sic.: “Nunca quis falar muito nisso. Nem na altura com o meu marido. Tento sempre não
pensar no assunto”.
Frase utilizada por uma cliente que perdeu o filho há 14 anos. Sofre daquilo que chama
“crises depressivas” todos os anos por altura do aniversário da morte – motivo da consulta,
sic.: “Sinto que me faz falta falar”.
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Quais os factores que podem interferir na intensidade da vivência do luto?
“Quem tem amores, tem dores”
Cada um de nós vive o luto com intensidades diferentes. Não existe um padrão de sofrimento
idêntico para quem perde um progenitor, um filho ou outra pessoa que ama. Existem,
contudo, factores que podem determinar a forma como percorrermos o caminho do luto:
- O grau de vinculação que detínhamos com a pessoa que perdemos;
- A personalidade, sobretudo no que concerne à gestão das emoções;
- O suporte social disponível;
- A forma como as pessoas com quem convivemos reagem à manifestação da nossa dor, ou
seja, o grau de aceitação por nós percebido.
No que respeita à vinculação, e de acordo com o já referido, dela depende o impacto que
dada perda tem sobre nós. Apesar de ser frequente ouvirmos “Eu amo ambos os meus filhos
exactamente da mesma forma”, é perfeitamente natural que, em virtude de processos de
identificação e desenvolvimento da relação, possa resultar um aumento da proximidade e,
portanto, do vínculo afectivo estabelecido, ou, por outro lado, em algum afastamento na
relação (por uma pobre identificação). O mesmo se passa em relação aos nossos progenitores,
em que sentimos alguma diferenciação no grau de apego. Quando falamos em vinculação, a
segurança física e emocional, bem como os momentos partilhados com a pessoa amada, vão
ter um peso chave na forma como vivenciamos o processo de quebra a que o luto nos obriga.
Em relação à personalidade, bem sabemos que o seu tipo ou a possibilidade de o indivíduo
sofrer algum tipo de perturbação a este nível, podem determinar a forma mais ou menos
saudável como gere os seus afectos. Assim, não é para nós qualquer surpresa que alguém com
personalidade dependente sinta uma maior incapacidade para lidar com as ondas emocionais
agressivas trazidas pelo luto.
No que concerne ao apoio social, facilmente percebemos a sua importância. O poder expelir
as emoções negativas através da catarse que é o desabafo, trás algum bem-estar aliado ao
alívio de quilos e quilos que “despejamos” para fora da nossa alma. Mas, implica que
tenhamos com quem o fazer… e aqui, a situação pode ficar um pouco mais complicada (tema
desenvolvido no tópico seguinte). Por outro lado, como resultado do turbilhão de emoções
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alimentado pelas dúvidas, culpa, sensação de abandono, de desprotecção, de incapacidade
para assumir como verdade inegável e irreversível que já não podemos recuperar a presença
daquela pessoa, o luto provoca quase que uma surdez temporária. A necessidade de falar
sobre tudo o que se está a passar no nosso mundo interior, dificulta a entrada de informação
que possa vir de fora. Afinal, estamos tão cheios de tanta coisa, que parece que não cabe
mais nada. E como a comunicação implica falar, mas também ouvir, isto pode colocar em
causa a socialização e, como tal, comprometer o apoio social de que tanto necessitamos.
Vivenciar o luto torna-se mais fácil se a pessoa tiver na sua rede relacional elementos que
consigam compreender esta limitação, tendo a generosidade de dar sem esperar retorno, de
ouvir sem julgar ou criticar e até mesmo de relevar algumas palavras menos amistosas, alguns
gestos mais agressivos. Com tudo o que implica a dor da perda, muitas vezes o bom senso
parece deixar de habitar em nós. Para quem ouve, importa ter isto em linha de conta.
Problema: muitas vezes, as pessoas não têm consciência disto…
Que outras situações podem ter impacto no estado do cliente?
“O que não tem remédio, remediado está!”
Decidimos separar do ponto anterior, apesar de se poder incluir no suporte social, por
considerarmos pertinente abordar uma realidade que muitas vezes temos ouvido da boca dos
nossas clientes.
Aqui pode começar outro problema: a pressão que a sociedade faz para que se ultrapasse o
luto o mais rapidamente possível. Frases como: “Mas ainda estás assim?”; “Já passou tanto
tempo”; “Tens que seguir com a tua vida para a frente?”; “Tens que apoiar o teu marido e o
teu filho. A vida é mesmo assim”; “Já estava na hora dele”; “Tens que ser forte”; Ela está
melhor agora. Está em paz”, são muito usuais, mas em nada ajudam. Fazem pressão… pressão
para que se vivam os sentimentos que nos assombram o mais rapidamente possível. É como se
nos dissessem que é errado o que estamos a sentir, que não está certo estarmos triste,
deprimir quando perdemos alguém. De tanto as ouvir, muitas vezes elas entram e entranham-
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se, vão ganhando cada vez mais espaço e eco dentro de nós, até que começamos quase que a
assumi-las como verdadeiras, embora que inconscientemente.
Como podemos fazer frente a isto? Campanhas de sensibilização? Será que resulta? É que isto
é quase como dizer a alguém à beira de um ataque de nervos para ter calma… e nós sabemos
bem o efeito contrário que isso tem. Aqui, além de, como no exemplo, não ajudar nada ouvir
frases feitas, ainda podemos assistir à referida sensação de inadequação, que pode levar a
que a pessoa esconda o que sente, que se sinta revoltada com o mundo por girar da mesma
maneira e não respeitar o ritmo da sua dor. Ou então, por outro lado, que coloque uma
máscara de cada vez que está acompanhada, do tipo “Eu estou bem”; “Tenho que aceitar e
seguir em frente”, quando por dentro nada disto faz sentido. O que acontece depois? Algumas
pessoas desmoronam quando estão sozinhas, chorando todas as lágrimas que engoliram
durante o dia. Outras, esquecem-se de tirar a máscara e a catarse do choro, do desabafo, dá
lugar a um maremoto de dor, que transborda muitas vezes para fora sobre a forma de
somatização.
Será utópico fazer algo a este nível?
E NÓS TERAPEUTAS? COMO É TRABALHAR COM O LUTO?
“Raramente nos arrependemos daquilo que não dizemos”
E nós? Como é para nós trabalhar com casos de luto? Tem impacto? É um caso como outro
qualquer?
Uma coisa sabemos: que é transversal a qualquer outro caso, mas que neste contexto tem
uma importância ainda maior: temos de ter muito cuidado com as palavras usadas. O cliente
está avassalado por um misto de emoções, difíceis de gerir, ainda mais de integrar. Estão
mais sensíveis e susceptíveis a tudo o que ouvem, que muitas vezes encaram como
hostilidade. Como referido acima, a capacidade de ouvir, de captar o verdadeiro significado
da mensagem, está alterado. Pelo que, numa primeira fase pode ser de muito maior eficácia
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e ajuda ouvir de forma apoiante e validante o que eles têm para nos dizer, do que nos
precipitarmos para intervenções de qualquer natureza. Nesta fase, os exercícios de regulação
emocional podem ser de grande ajuda, simultaneamente dando algum espaço ao cliente, uma
bolsa de ar, em vez de estarmos preocupados em fazer com que o cliente se comprometa com
a terapia.
No entanto não basta ouvir, validar e prover o cliente de técnicas de regulação emocional, é
preciso intervir a outros níveis. Deixamos algumas sugestões e possíveis objectivos
terapêuticos a desenvolver com o cliente, que podem ser um fio condutor para o processo
terapêutico que se segue:
Identificar e resolver os conflitos causados pela separação, pela falta, pela
ausência do ente querido. A resolução dos conflitos exige a vivência de
sentimentos e pensamentos que o cliente evita;
Permitir a readaptação. O enlutado passa a desempenhar papéis que antes
não desempenhava e isso é um desafio;
Identificar e descrever as situações problema, compreender as contingências
e desenvolver e treinar novo repertório comportamental;
Validar os bons momentos e sustentar a alegria quando ela vier;
Prevenir situações de perdas secundárias ao luto. A separação conjugal, no
caso de pais que perdem filhos, tem uma alta probabilidade durante o
primeiro ano após a morte;
Estimular e orientar a retoma do cuidado com aqueles que ficam;
Prevenir situações de desequilíbrio familiar após a perda de um membro da
família, mantendo a união e o partilhar da dor com transparência, evitando o
pacto de silêncio.
Como complemento à terapia individual ou como opção a esta, a terapia de grupo pode
constituir-se como uma mais-valia pela troca de experiências e sentimento de pertença a um
grupo, em que o cliente sabe que os restantes elementos também estão a passar por uma
perda, tendendo a percepcioná-los como mais aptos a compreender o que está a sentir. De
um modo geral, a combinação das duas resulta num acompanhamento mais eficaz, por
permitir, por um lado, a partilha de experiências, e, por outro, ter um espaço só seu onde
possam ser abordadas temáticas de natureza mais íntima e pessoal.
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Apesar de a forma de intervir depender do estilo de cada terapeuta e da sua escola de
referência, o referido constitui-se apenas como uma sugestão, que pode ser adaptada à
abordagem de cada um. Falamos apenas da nossa experiência, sem o querer impor ou
defender como mais eficaz.
Outro aspecto que importa ainda abordar neste tópico, muito mais do nosso lado, refere-se
ao impacto que pode ter em nós trabalhar com o luto. Todos nós temos a nossa vida privada,
somos de carne e osso como os clientes que temos à frente e, surpreendentemente e apesar
de puderem não acreditar, não é que temos sentimentos? Pois… os quais por vezes podem
atrapalhar o trabalho que estamos a fazer com o nosso cliente. E aqui, estar alerta é frase de
ordem. Se nós próprios estivermos a passar por um processo de luto, será que conseguimos
que isso não se reflicta no nosso trabalho? Estaremos isentos nas nossas intervenções? A salvo
de processos de identificação, que podem conduzir a processos de transferência e contratransferência? Este é um terreno minado. Quantos de nós passa um caso destes por sentir que
os seus próprios processos internos estão a interferir na terapia? Até que ponto conseguimos
separar as coisas?
É difícil. Apesar de sabermos que nenhum ser humano vive a mesma experiência da mesma
maneira, por vezes surgem no nosso consultório pessoas que fazem um relato fiel do que
estamos a sentir… O que é que vocês sentem quando isto acontece? Activam? Conseguem
racionalizar e fechar a janela? Pedem ajuda, trabalham este tema com desenvolvimento
pessoal ou fazem terapia?
Nem sempre é fácil gerir estes temas da melhor maneira para nós, nem da forma mais ética e
correcta para quem acompanhamos. Importa que, por mais questões que isto possa levantar,
pensemos sobre estes temas e suas implicações, visando o nosso bem-estar enquanto
terapeutas e pessoas, que precisam primeiro de estar para poder ser e fazer o que quer que
seja.
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11:30 – 12:00
Intervenção com adolescentes: (des)controlo parental vs
(des)controlo terapêutico
Inês Marques / Inês Mota
RESUMO
Este trabalho procura reflectir curiosidades suscitadas no trabalho clínico individual com
adolescentes, especificamente na relação com os pais dos mesmos.
Com frequência, apercebemo-nos de uma (des)articulação face aos pais de certos
adolescentes, quer ao nível da relação, quer ao nível do processo terapêutico.
Percebemos também que, recorrentemente, para estes mesmos pais, o motivo associado ao
pedido da consulta não coincide com as queixas valorizadas pelos jovens.
Verificamos ainda que, para estes pais e estes jovens, os tipos de problemática apresentados
se relacionam directamente com um estilo parental específico.
A presente reflexão pretende responder à seguinte questão: Que impacto, que exigências e
que particularidades acarretam estas constatações para a nossa prática clínica?
Palavras-chave:
adolescência,
estilos
parentais,
controlo
psicológico,
controlo
comportamental, processo terapêutico
INTRODUÇÃO
A adolescência é um período turbulento, de densas e efervescentes rebentações de emoções,
um espaço de ambiguidades concorrentes.
Da relativa estabilidade do mundo da criança e dos adultos, encontramos de permeio a
instabilidade do adolescer. De facto, das crianças espera-se dependência e vulnerabilidade e
dos adultos responsabilidade e autonomia. (Gammer & Cabié, 1999). Mas o caminho do
adolescente é este espaço do porvir, do “para onde ir”?!
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Os desafios traduzidos na pergunta dos pais dos adolescentes “como reagir?”, desdobram-se
em diferentes tarefas de desenvolvimento referidas na literatura: a facilitação do equilíbrio
entre a liberdade e a responsabilidade e a partilha desta tarefa com a comunidade, bem
como o estabelecimento de interesses pós-parentais (Duvall, citado por Relvas, 2000); a
expansão relacional e a abertura ao exterior (Alarcão, 2002); a socialização, de forma a que a
criança se adapte às exigências do exterior, enquanto mantém um sentido de integridade
pessoal (Baumrind citada por Darling & Steinberg, 1993).
Os pais encaram estes desafios de distintas formas, sendo que as próprias crenças,
estereótipos e imagens transmitidas socialmente acerca da adolescência (ex: rebeldia,
questionamento de valores instituídos, comportamentos de risco, violência) influenciam o
modo como os pais interagem com os filhos, acabando também por determinar a escolha de
comportamentos, práticas educativas e estilos parentais.
Vários são os factores determinantes para as práticas parentais adoptadas, nomeadamente os
valores defendidos pelos pais, os objectivos de socialização que definem para os seus filhos,
os recursos emocionais e materiais dos pais e a personalidade dos pais e da criança (Belsky,
1984).
É relevante um olhar atento sobre as práticas educativas na adolescência, pois os estudos
apontam no sentido das influências parentais no desenvolvimento da personalidade dos
adolescentes serem mais profundas e duradouras que a influência dos pares (Brown, citado
por Collins, Maccoby, Steinberg, Hetherington e Bornstein, 2000).
Como desafio último desta tarefa recíproca entre pais e adolescentes nas palavras de Satir
(citada por Alarcão, 2002), o adolescente tem êxito no seu processo maturativo quando sabe
ser dependente, independente e interdependente, quando demonstra uma elevada autoestima e quando consegue ser congruente. Acrescentamos nós que os pais também têm êxito
quando estes desafios são cumpridos.
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DOS ESTILOS PARENTAIS AOS TIPOS DE CONTROLO
ESTILOS PARENTAIS, INSTÂNCIAS DE CONTROLO
Os pais autoritários demonstram um alto grau de controlo e exigência, centrando-se mais em
si próprios do que nas crianças. Estes pais valorizam principalmente a obediência. São rígidos,
afirmando o poder através de práticas disciplinares punitivas, proibições e restrições à
autonomia da criança. São pais que não respondem às necessidades e limitações das crianças,
fixando-lhes responsabilidades específicas e, eventualmente, inadequadas. Normalmente, não
encorajam as negociações que ponham em causa as diferenças tradicionais de estatuto entre
pais e filhos. Os pais autoritários tipificam um padrão educacional física e emocionalmente
abusivo.
Os pais permissivos embora se centrem na criança, evitam exercer muito controlo sobre os
filhos, não encorajando a que obedeçam a regras definidas pelo exterior, permitindo-lhes
assim elevados níveis de autonomia e auto-regulação. Estes pais não consideram ter um papel
activo e de responsabilidade em relação ao comportamento dos filhos. Por norma, consultam
e aceitam os seus pontos de vista, oferecendo frequentemente explicações diversas.
Os pais negligentes/indulgentes focam-se principalmente nas suas próprias necessidades e, ao
não exercerem controlo, exageram no grau de autonomia e auto-regulação incutido na
criança. Estes pais minimizam o tempo e o esforço de interacção com a criança, e quando os
filhos são adolescentes, não supervisionam as suas actividades, não sabem onde e com quem
estão, nem o que estão a fazer. São pais pouco exigentes e estruturantes, tipificando o estilo
de pais menos envolvente.
Os pais autoritativos apesar de exercem um nível elevado de controlo e de exigência,
centram-se, simultaneamente, na criança respondendo às suas necessidades. Estes pais
valorizam o controlo e a disciplina através de restrições moderadas e pela imposição de
limites razoáveis, implementados de forma firme e consistente. Na comunicação pais-filhos
existe reciprocidade, as regras são explicadas abertamente, procurando-se proporcionar um
ambiente estimulante. Os pais autoritativos reconhecem a autonomia da criança, tomando
em consideração as suas opiniões, interesses e idiossincrasias. Nesse sentido, não são
intrusivos e dão aos filhos liberdade de forma razoável, não recorrendo à coerção para as
crianças responderem às suas exigências.
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TIPOS DE CONTROLO: CONTROVÉRSIAS
CONTROLO PSICOLÓGICO VS CONTROLO COMPORTAMENTAL
O controlo psicológico refere-se às tentativas de controlo que influenciam o desenvolvimento
psicológico e emocional dos adolescentes (ex: processos de pensamento, expressão pessoal,
emoções e vinculação aos pais), enquanto o controlo comportamental se refere às acções que
pretendem intervir directamente no comportamento dos mesmos (Barber, 1996).
Sabatelli e Mazor (citados por Barber, Olsen & Shagle, 1994) definem o controlo psicológico
como os padrões de interacção familiar que são intrusivos ou impeditivos ao processo de
individualização da criança, ou grau relativo de distanciamento psicológico que a criança
experiencia relativamente aos seus pais e família.
Barber, Olsen e Shagle (1994) definem o controlo comportamental como as interacções
familiares desligadas e que fornecem regulação parental insuficiente em relação ao
comportamento da criança, como por exemplo quando é concedida excessiva autonomia,
quando não existem regras ou restrições ou quando há desconhecimento dos comportamentos
quotidianos da criança.
Os resultados de um estudo realizado por Barber, Olsen e Shagle (1994) apoiam a tese de que
controlo psicológico e controlo comportamental são dimensões empiricamente independentes
com efeitos específicos nas características dos jovens.
O controlo psicológico tem sido relacionado com padrões de sentimentos de culpa, autoresponsabilização, agressividade directa ou não expressa, dependência, alienação e
percepção de retirada de amor, recursos frágeis, dificuldade em realizar escolhas
conscientes, baixa auto-estima, passividade, inibição e humor depressivo (Barber, 1996).
Em contraste, o controlo comportamental está mais directamente relacionado com problemas
(queixas) de externalização, impulsividade, agressividade, delinquência, uso de drogas e
precocidade nas relações sexuais (Baumrind, 1991 citada por Barber, 1996).
Esta diferenciação de estilos de controlo e a forma como os mesmos se inter-relacionam e
doseiam através dos estilos parentais é importante para a explicação da diferença observada
em adolescentes filhos de pais autoritários, ora extremamente submissos ora completamente
“fora de controlo”(Barber, 1996).
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Os estudos mostram também que o tipo de controlo psicológico é particularmente relevante
na adolescência, dada a orientação para a autonomização que ocorre na formação do
desenvolvimento da identidade e nas transformações das relações familiares e com os pares
(Barber, 1996).
A INTERVENÇÃO COM ADOLESCENTES
(DES)CONTROLO PARENTAL VS (DES)CONTROLO TERAPÊUTICO
É comum na nossa prática clínica confrontarmo-nos com a dificuldade de envolver os
pais/cuidadores no processo terapêutico, muito embora sejam eles que na maior parte das
vezes realizam o primeiro contacto. Tal não ocorre pela falta de vontade ou motivação dos
pais em fazê-lo, mas devido a estes acreditarem que o “problema” reside, de facto,
exclusivamente no adolescente, percepcionando-o assim como “o” alvo da intervenção.
É também comum assistirmos a visões completamente discordantes relativamente ao motivo
do pedido de consulta entre pais e adolescentes. Num estudo realizado por Yeh & Weisz
(2001) verificou-se que 63% das famílias (criança/adolescente - pais) não estava de acordo em
relação a nenhum dos problemas que os havia levado à consulta.
Assim, quando os pedidos entre pais e adolescentes não são concordantes, o terapeuta tem
como desafio, relacioná-los, e mantendo ambos os pedidos sob perspectiva, trabalhar com o
adolescente como cliente e os pais como partes necessárias à manutenção do adolescente em
terapia.
Independentemente do estilo de controlo e nível de queixas apresentadas - internalização vs
externalização - mesmo que diferentes por pais e adolescentes, é possível que quando os
familiares e os adolescentes apresentam mais problemas, tenham maior tendência a
percepcionar o trabalho terapêutico como relevante para a situação (Robbins et al, 2006), o
que até certo ponto pode facilitar o processo terapêutico.
A literatura refere ser também mais fácil conseguir que os pais de adolescentes que
apresentam queixas de externalização adiram mais facilmente ao processo. (Robbins et al,
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2006). Acreditamos que este facto se deva ao desgaste psicológico, associado às dificuldades
sentidas que estes pais revelam.
No entanto, quando este não é o caso, os desafios adensam-se. Os estudos sugerem que, no
trabalho individual, as intervenções dirigidas a crianças e adolescentes serão pouco
eficientes, a não ser que se dirijam às práticas parentais e as modifiquem (Dishion &
Stormshak, 2007), o que acrescenta um novo nível de intervenção.
O sucesso das intervenções familiares é, em parte, resultado da capacidade de manter tanto
os adolescentes como os pais em adesão ao processo terapêutico (Stanton & Shadish, citado
por Robbins et al, 2006)
Criar uma aliança com os pais é crucial, por duas razões. Primeiro, porque uma aliança forte
com os pais aumenta a probabilidade destes aderirem e participarem positivamente no
processo. Segundo, porque aumenta a possibilidade de “re-attachement” entre pais e filhos,
isto é, a probabilidade dos pais responderem à dor, mágoa e raiva dos adolescentes com
empatia e interesse é maior se estes se sentirem apoiados e compreendidos pelos terapeutas.
Pensamos que resultados conseguidos ao nível da Terapia Familiar possam ser também
utilizados no contexto da intervenção com adolescentes, ou seja, a força da aliança
terapêutica com os diferentes elementos familiares é informativa quanto ao risco de drop
out. Desta forma, realçamos a importância do terapeuta manter sob perspectiva o nível de
aliança com jovens e pais nas sessões iniciais. Desta forma é sugerido que o terapeuta ajuste
as suas intervenções de forma a influenciar a formação de alianças. (Robins et al, 2006)
Diamond, Diamond e Liddle (2000) realçam a fase de formação de tarefas, que envolve
ensinar aos pais competências que os ajudarão a facilitar a revelação de importantes
pensamentos e sentimentos, até então não abordados, por parte do jovem. As competências
transmitidas visam aumentar a capacidade de ouvir as histórias dos adolescentes sem fazer
julgamentos, de demonstrar curiosidade e respeito sinceros, e de resistir ao desejo de se
defenderem a si próprios.
Segundo Dishion e Stormshak (2007), existem seis práticas parentais particularmente
importantes e que poderão ser foco de atenção em terapia – a comunicação eficaz, a
estruturação dos contextos, o desenvolvimento de uma relação interpessoal positiva, a
monitorização do comportamento da criança, o reforço positivo e o estabelecimento de
limites.
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Acreditamos que o modelo das três fases de desenvolvimento da aliança terapêutica proposto
por Bordin (citado por Diamond, Diamond & Liddle, 2000) nos sugere um importante guia para
a prática clínica com adolescentes. Assim, importa, desde a primeira sessão, estabelecer um
laço com a família, identificar objectivos terapêuticos significativos para todos e acordar
como atingir os objectivos traçados. Para cada um destes três objectivos o terapeuta procura
resultados específicos. A título de exemplo, ao estabelecer laços com a família, o terapeuta
procura identificar forças e recursos dos pais, identificar stressores e ajudar os pais a olhar de
forma empática e articulada para as suas próprias experiências de vinculação, nas suas
famílias de origem.
EM JEITO DE CONCLUSÃO…
Acreditamos que, desde a primeira sessão, o terapeuta tem um desafio didáctico para com os
pais – o desafio de lhes ensinar “novas formas de controlo”. Formas de controlo mais
ajustadas e conducentes a práticas parentais cujo impacto é positivo tanto para os pais, como
para os filhos adolescentes. Formas de controlo que os ajudem a vivenciar as tarefas de
desenvolvimento como etapas de (re)definição de dinâmicas familiares e individuais mais
funcionais. Formas de controlo que contribuam para uma partilha construtiva de dificuldades
e, desse modo, promovam padrões de resiliência geradores de níveis mais elevados de bemestar.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Belsky, J. (1984). The determinants of parenting: a process model. Child Development, 55,
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Diamond, G., Diamond, G., & Liddle, H. (2000). The therapist-parent alliance in family-based
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Relvas, A. P. (2000). O ciclo vital da família. Perspectiva sistémica (2ª ed.). Porto: Edições
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12:00 – 12:30
Perturbações do comportamento alimentar – Propósitos escondidos
Joana Florindo
PERTURBAÇÕES DO COMPORTAMENTO ALIMENTAR
Mais do que uma moda, uma mania ou uma escolha de vida, as perturbações do
comportamento alimentar são um inquietante problema de saúde, cada vez mais presente nas
sociedades modernas. Tratam-se de perturbações psíquicas que acarretam com elas um
intenso e prolongado sofrimento, com sérias consequências psicológicas, físicas e sociais para
quem delas sofre (NEDA, 2010).
Resultantes de uma interacção entre factores biológicos, psicológicos e socioculturais,
são mais do que hábitos de dieta pouco saudáveis ou caprichos alimentares. Caracterizam-se
por uma atitude rígida e obsessiva, de controlo da alimentação, do peso e da forma corporal,
conduzindo a alterações dos hábitos alimentares, como a redução, a recusa, ou a ingestão
excessiva de alimentos, bem como a possível prática de comportamentos compensatórios
(APA, 2002). Com o tempo, essas atitudes e obsessões acerca da alimentação, do peso e da
forma corporal tomam conta do funcionamento diário da pessoa, e em alguns casos, chegam
mesmo a tomar conta da sua própria vida.
São perturbações que se verificam maioritariamente no sexo feminino, e que na sua
generalidade tendem a surgir na adolescência ou no início da idade adulta, embora possam
também emergir na infância ou numa idade mais avançada (NIMH, 2001).
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ANOREXIA NERVOSA
Embora revelem corpos perigosamente magros, as pessoas com anorexia sentem-se
insatisfeitas com a sua imagem corporal e tendem a ver-se sempre com excesso de peso. Na
realidade, embora consigam ver as suas formas corporais de modo autêntico e objectivo,
sentem-nas e interpretam-nas distorcidamente (APA, 2001; Sampaio, Bouça, Carmo & Jorge,
1999).
A perda de peso é o grande objectivo e rapidamente é transformada numa obsessão.
Jejuar ou limitar os alimentos ingeridos, controlando obsessivamente todas as calorias,
assumem-se como tarefas dominantes e podem ser acompanhadas por períodos de exercício
físico intenso (APA, 2001; Sampaio, Bouça, Carmo & Jorge, 1999). O recurso ao vómito e a
utilização de laxantes ou diuréticos para acentuar o emagrecimento, pode também ocorrer
(APA, 2001).
Toda a perda de peso é percebida como um triunfo, sinal de adequada disciplina e
sensação de controlo, e o percurso continua a ser dirigido no sentido do emagrecimento.
Assim, tendem a apresentar um peso inferior ao nível normal mínimo para a sua idade e
altura, e por vezes, chegam mesmo a atingir valores tão baixos, que põem em risco a sua
própria vida (APA, 2001; Sampaio, Bouça, Carmo Jorge, 1999).
A evolução da anorexia tende a ser variável de pessoa para pessoa. Algumas podem
apresentar um padrão de flutuação de perda e ganho de peso, enquanto outras podem
experienciar uma agravamento crónico da doença (NIMH, 2001).
Sintomas:
Recusa em manter um peso corporal igual ou superior ao normal para a sua
idade, altura, tipo de corpo e nível de actividade;
Medo intenso de ganhar peso ou engordar, mesmo quando o peso é baixo;
Perturbação na apreciação do peso e forma corporal; Sentir-se gorda ou
com excesso de peso, apesar de uma perda de peso dramática;
Nas raparigas após a menarca, amenorreia, isto é, inexistência de pelo
menos três ciclos menstruais sucessivos;
(APA, 2002)
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BULIMIA NERVOSA
Por detrás de uma imagem aparentemente normal esconde-se um corpo insatisfeito,
que deambula continuadamente entre ingestões excessivas de comida e comportamentos
compensatórios, para dela se tentar libertar.
Nessas ingestões, são consumidas compulsivamente, num curto espaço de tempo e a
um ritmo acelerado, quantidades de comida consideradas exageradas pela maioria das
pessoas, estando sempre presente uma sensação de falta de controlo sobre o que está a
acontecer (APA, 2002; Sampaio, Bouça, Carmo Jorge, 1999). O que é ingerido parece ser
variável, mas tende a verificar-se uma propensão para comida altamente calórica e de fácil
preparação e deglutição, como os gelados, os pudins ou as papas.
A fugaz sensação de prazer que pode ser inicialmente sentida, rapidamente dá lugar a
uma sensação de ineficácia, bem como a sentimentos de angústia, vergonha e culpa. E tudo
isto, associado ao mal-estar e ao medo intenso de ganhar peso, conduzem à urgência da
libertação do que foi ingerido. Surge a necessidade gritante de “limpar o corpo”, de remediar
o que foi feito e sentir algum controlo na situação. Então, é comum serem praticadas algumas
das seguintes estratégias: vómito auto-induzido, tomada de laxantes ou diuréticos, uso de
clisteres, actividade física exagerada ou períodos de jejum prolongados. A vergonha associada
aos comportamentos de ingestão/compensação, leva a que sejam na sua grande maioria
praticados secretamente, longe dos olhares e críticas dos outros (APA, 2002; Sampaio, Bouça,
Carmo Jorge, 1999).
Estes comportamentos compensatórios acabam por estimular a fome e conduzir a
novas ingestões compulsivas, facilitando a perpetuação do ciclo vicioso da bulimia.
Com o tempo, o impulso para comer tende a tornar-se cada vez mais intenso, levando
ao aumento da frequência e duração das ingestões, bem como ao da quantidade de alimentos
ingeridos. Consequentemente, o medo de engordar também se vai intensificando, podendo
surgir como resposta extrema, a tentativa de eliminação imediata de tudo o que é ingerido.
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Sintomas:
Episódios repetidos de ingestão compulsiva/compensação;
Sentir perda de controlo durante um episódio de ingestão compulsiva e
comer para além do ponto de satisfação e conforto;
Compensação,
depois
de
um
episódio
de
ingestão
compulsiva
-
Tipicamente por vómito auto-induzido, abuso de laxantes, clisteres,
medicamentos de emagrecimento, e/ou diuréticos, exercício físico
excessivo ou jejuns;
Extrema preocupação com o peso e a forma corporal afectando a avaliação
da sua imagem;
(APA, 2002)
INGESTÃO COMPULSIVA
Também conhecida por “Binge Eating”, caracteriza-se por um comer descontrolado,
impulsivo e continuado, de uma quantidade de alimentos considerada exagerada pela maioria
das pessoas, que só termina quando um intenso mal-estar ou a exaustão física são atingidos.
A ingestão é feita aceleradamente, num curto período de tempo, e acontece
normalmente quando a pessoa se encontra sozinha ou em locais mais isolados, onde a
possibilidade de se confrontar com os outros é muito reduzida. E se os primeiros momentos
podem ser referidos como agradáveis, sendo até possível saborear-se a comida, depressa se
transformam em momentos de angústia e desespero, que se intensificam com o aumento do
consumo alimentar (NEDA, 2005a; NEDA, 2005b; NIMH, 2001). Ai, surgem habitualmente
sentimentos de tristeza e fracasso, culpa e raiva, e enfartadas de comida, sentem-se vazias.
Apesar de não se registarem comportamentos de compensação, as pessoas com
ingestão compulsiva tendem a fazer dietas rápidas e esporádicas, como tentativa de resposta
ao evidente aumento de peso, ainda que não consigam obter o sucesso desejado (NEDA,
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2005a). Quanto mais peso ganham, mais se esforçam por cumprir as dietas, mas quanto mais
se esforçam por cumpri-las, mais se vêem envolvidas em ingestões excessivas, num ciclo que
parece não ter fim.
Embora não seja ainda reconhecida nos manuais de diagnóstico psiquiátrico como
uma Perturbação do Comportamento Alimentar, há indicações de que é assim identificada
desde a década de 90, pelos clínicos que trabalham nesta área. E prevê-se que será
reconhecida como uma perturbação independente, na próxima edição dos manuais de
diagnóstico.
Sintomas:
Episódios repetidos de ingestão compulsiva;
Perda de controlo durante o episódio de ingestão compulsiva e comer para
além do ponto de satisfação e conforto;
Sem comportamentos de compensação – embora possam iniciar dietas em
resposta ao evidente aumento de peso;
(NEDA, 2005a; NEDA, 2005b)
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O SEU DESENVOLVIMENTO
Para a grande maioria das pessoas, especialmente para quem não está familiarizado
com esta problemática, as perturbações alimentares assumem-se como uma questão de
moda, que se centra exclusivamente num grande objectivo: “querer ser magra(o)”. Pois,
convém esclarecer que esse não é de todo, o centro deste universo.
Independentemente do que acontecer ao peso, a perturbação alimentar permanece
(NEDA, 2004). Sempre que a pessoa perder peso, vai querer perder mais, e mais,
abandonando rapidamente todos os objectivos que vai estabelecendo. Entenda-se que a
questão não está no peso, ou no querer ser magro, ainda que pareça esconder-se atrás disso,
ela vai bastante além, e encontra-se no interior de cada pessoa com perturbação alimentar.
Embora resultem de uma complexa interacção entre factores biológicos, psicológicos
e socioculturais, a probabilidade de uma pessoa desenvolver estas perturbações, depende em
muito da forma como o seu corpo funciona biologicamente, de como vive emocionalmente as
experiências, e de como integra e processa as inúmeras mensagens dos diversos sistemas onde
está inserida.
Vejamos, no quadro seguinte, alguns dos factores que podem contribuir para o
desenvolvimento de uma perturbação alimentar:
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ALGUNS FACTORES DE VULNERABILIDADE
BIOLÓGICOS:
Genética;
Funcionamento neurotransmissores cerebrais;
Traços físicos particulares à fisiologia individual;
PSICOLÓGICOS:
Comorbilidade (Depressão, Ansiedade, PTSD, POC, Abuso Substâncias);
Baixa auto-estima; - Perfeccionismo; - Rigidez no funcionamento;
Sentimentos de solidão, inadequação ou falta de controlo;
Estabelecimento de relações interpessoais problemáticas;
Dificuldade em expressar e lidar com emoções e sentimentos;
Experiências de ridicularização face ao seu tamanho, forma corporal ou peso;
Experiências de abuso físico ou sexual;
SOCIAIS:
Envolvem a interacção com a família, amigos e cultura ocidental de um modo
geral;
Pressão cultural – “glorificação da magreza” e valorização do “corpo perfeito”;
Ser magra(o) = Ser poderosa(o) / amada(o) / valorizada(o) VS Não ser magra(o) =
Ser fraca(o) / feia(o) / desvalorizada(o);
Definições de beleza limitativas - Incluem apenas mulheres e homens dentro de
um peso e forma específicos;
(NEDA, 2004)
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Curiosamente, a própria perturbação acaba por se alimentar dela mesma, e estimular
a sua manutenção ao longo do tempo. Ao provocar visíveis alterações na forma corporal, bem
como alterações ao nível da química cerebral, desencadeia distorções cognitivas, que
impedem que a pessoa se aperceba claramente o que se está a passar consigo, e minimizam
ainda a sua capacidade de auto-controlo.
FORMAS DE LIDAR COM O MUNDO
A relação que desenvolvem com a comida, numa tentativa de compensar sentimentos
e emoções avassaladoras, que parecem impossíveis de gerir, é o movimento automatizado nas
pessoas com perturbações alimentares. A procura impulsiva ou a restrição dos alimentos, bem
como os movimentos de compensação, cumprem para estas pessoas, funções de
apaziguamento e regulação emocional relevantes, embora falaciosas e vãs.
Embora a grande maioria das pessoas com estes problemas, compreendam as
consequências negativas que eles provocam, experimentando na pele os danos ao nível da
saúde física e emocional, a verdade é que abdicar de uma perturbação alimentar, é lhes
bastante difícil. É ter de abdicar dos comportamentos de resposta que conhecem, perante
situações problemáticas, e que de alguma forma lhes garante uma sensação de segurança e
controlo (Dolhanty, 1998). É ter de abdicar da forma como lidam como o “Mundo”, o que é
para elas assustador.
E isto verifica-se com frequência na prática clínica. Embora estas pessoas explicitem
um enorme desejo de se libertarem destes problemas, e se mostrem motivadas nesse sentido,
vêem-se fortemente agarradas a eles, revelando uma grande resistência. E é curioso verificar,
nestas situações, que tal resistência não se baseia unicamente no medo do desconhecido ou
numa possível perda de controlo. Ela baseia-se também no enorme constrangimento de ter de
abdicar de uma situação que tem um papel central nas suas vidas, que serve um propósito
interior, que pode muitas vezes, até aqui, ter estado camuflado mesmo para a própria
pessoa.
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SUPOSTOS “BENEFÍCIOS” DAS PERTURBAÇÕES ALIMENTARES
Torna-se assim fundamental perceber qual, ou quais, os propósitos que a perturbação
alimentar tem vindo a servir na vida da pessoa. O que terá ela de abdicar, ao libertar-se
desta perturbação, e que lhe é, de alguma forma “importante” ou “positivo”? Quais são os
“benefícios”, que julga que o seu problema lhe tem trazido, e dos quais tem receio de abrir
mão?
De seguida, encontram-se alguns desses supostos benefícios, que vão sendo
descobertos na prática clínica, e que são destacados na literatura (Dolhanty, 1998).
* EFEITO “TRANQUILIZADOR”
No âmbito das perturbações alimentares, a ingestão é muitas vezes descrita como
uma forma rápida de “aliviar tensões”, “descontrair”, “fazer uma pausa aos problemas e ao
ritmo alucinante do dia-a-dia”. Para algumas destas pessoas, é também referida como a única
forma de acederem a um momento de prazer nas suas vidas, mesmo que depois disso sejam
invadidas por sentimentos de angústia ou aversão.
“Acabo por não querer pensar no que vem depois. A minha vida é tão vazia que se não me
permitisse cometer estes excessos, ela deixava de ter sentido”;
“É o único momento em que me sinto acarinhada, mesmo que tudo de seguida desapareça ”;
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* REFORÇO SOCIAL
Quando o feedback que a pessoa recebe dos que a rodeiam, funciona como um
poderoso reforço para a manutenção da sua perturbação alimentar.
Esta situação pode acontecer quer através daqueles que desconhecem o seu
problema, quando revelam que têm por si uma grande admiração – elogiando a sua
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capacidade para comer pouco, o seu esforço para emagrecer ou para ir ao ginásio quase todos
os dias, quer através daqueles que sabem da sua existência, em consequência do carinho e da
atenção que lhe dão. O receio de poder perder esse carinho e atenção, bem como os elogios,
provocam elevado receio e resistência à recuperação.
Mas, mesmo quando a atenção recebida, é percebida como “negativa”, como por
exemplo, quando discutem com ela para comer, ou policiam todas as suas refeições e as idas
à casa de banho, ter de abdicar disso pode ser igualmente assustador.
“É muito difícil imaginar que depois não terei ninguém atrás de mim, a preocupar-se
comigo”; “E quem é que eles terão para se preocupar?”
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* PROTECÇÃO DA UNIÃO FAMILIAR
Quando o problema alimentar está servir para desviar a atenção de outros problemas
relacionais ou familiares. Se estiverem todos centrados no seu problema, podem ignorar
outras dificuldades, como por exemplo os conflitos entre pai e mãe, ou entre marido e
mulher. A pessoa pode mesmo sentir que o seu problema está a funcionar como a “cola” que
mantém a família unida, e que se desaparecer, poderá significar uma desagregação familiar.
No caso de um casal, toda a relação poderá centrar-se no problema alimentar, não
havendo mais nada em comum para partilhar, à excepção do próprio problema, e desta
forma, se permanecer doente, poderá manter o seu casamento.
“Percebi que era eu que estava a manter o relacionamento dos meus pais, e por mais que
desejasse ficar bem, o que eu mais queria era que toda a família ficasse junta”
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* PROTECÇÃO CONTRA O FRACASSO
Quando o problema alimentar admite que toda a vida permaneça “pendurada”, numa
“espera” infindável. Quando devido a ele, foram deixados para trás importantes objectivos de
vida, quer a nível académico, profissional ou pessoal. A escola pode ter sido abandona
precocemente, a progressão na carreira “congelada”, ou o sonho antigo de viver sozinha,
substituído pela realidade de viver com os pais. A ideia inicial, de esperar ter o “peso certo”
para levar esses objectivos em frente, ficou cada vez mais distante, pois o crescente aumento
de tempo, energia e saúde que tinha de dedicar ao seu problema, incapacitaram-na de
prosseguir esses projectos. Por inexperiência, de lidar com os desafios do dia-a-dia, poderá
recear que a recuperação lhe traga difíceis funções e responsabilidades, e se veja
confrontada com possíveis situações de fracasso. E permanecendo com o problema alimentar,
não enfrenta a oportunidade de falhar nas tarefas que seria chamada a desempenhar, se
estivesse recuperada.
“Fico aterrorizada ao imaginar que se fosse enfermeira poderia pôr a vida de alguém em
risco. Se trocasse uma medicação, a pessoa podia morrer.Nem me quero imaginar com tanta
responsabilidade em mãos”;
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* EVITAMENTO SEXUAL
Perante o surgimento de uma perturbação alimentar, é frequente assistir-se a uma
diminuição ou cessação da actividade sexual. Mas, quando essa diminuição ou cessação surge
associada a um historial de abuso, a perturbação alimentar pode transformar-se numa forma
de protecção face a qualquer contacto intimo, e possível sofrimento.
Nestes casos, a eminência da recuperação pode provocar um elevado receio na
mulher, podendo esta pensar, que é esperado que reaviva a sua resposta sexual. Ela poderá
temer que com o ganho de peso, o seu corpo se torne mais feminino e sexualmente atraente,
retome a menstruação e possibilite-a de engravidar, situações que teme bastante. E todos
estes problemas, podem para ela ser associados a uma perda de controlo sobre o seu corpo,
não apenas no que respeita ao ganho de peso, como também no que respeita à sua
intimidade, podendo esta passar a ser partilhada com outra pessoa.
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O mesmo pode acontecer a uma pessoa que coma compulsivamente, provocando um
acentuado ganho de peso, que no seu entender, facilitará uma maior protecção da sua
sexualidade.
“Sinto-me bem mais protegida. E tenho a certeza que assim ninguém olha para mim”;
Testemunho de cliente
* EVITAMENTO DE MEMÓRIAS OU SENTIMENTOS
Uma perturbação alimentar parece assumir-se “eficaz” no que respeita ao evitamento
de memórias ou sentimentos dolorosos. Ora vejamos: o peso extremamente baixo, ao criar
um estado de “dormência” ou “sonolência” cognitiva e emocional, mantém por si, os
sentimentos e as memórias a uma distância “segura”; o ciclo bulímico, e as suas
complicações, representam por si, uma poderosa distracção de outras preocupações; e o
vómito, parece ser para alguns, uma forma de “purificação” de sentimentos, “ajudando a
aliviar” intensas emoções.
Se considerarmos uma pessoa que sofreu um abuso, por exemplo, conseguimos
perceber, que ao manter-se num ciclo bulímico, e focar toda a sua atenção na comida, tende
a conseguir manter as memórias traumáticas a uma distância mais “segura”. Mas, à medida
que vai atingindo um peso mais saudável, comendo normalmente ou interrompendo o ciclo
ingestão/purgação, as memórias que até aqui se mantinham distantes, tendem a aproximarse e a intensificar-se. E se estas recordações foram para si insuportáveis, isso poderá consistir
numa poderosa resistência à recuperação.
Também os sentimentos negativos podem ser extremamente assustadores, ou mesmo
insuportáveis, quando uma pessoa não está habituada a lidar com eles. Ter que os enfrentar,
num processo de recuperação, torna-se extremamente difícil, e em alguns casos, as pessoas
chegam mesmo a expressar que se sentem pior do que quando começaram o tratamento. Mas
tal situação é positiva, e reveladora de que estão a enfrentar e a processar os seus
sentimentos negativos, até então desconhecidos.
“Deixar-me estar com o que vou sentindo é angustiante e inquietante”;
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* MANTER O CONTROLO
Embora as pessoas com perturbações alimentares se sintam frequentemente sem
qualquer controlo sobre o seu corpo e sobre a sua vida, sentem que a perturbação é a sua
única hipótese de exercer controlo, e que desistir dela, significa desencadear um descontrolo
total.
Embora também, todo o ciclo de comportamentos disruptivos possa falhar em
fornecer um sentido de auto-eficácia, abandoná-lo, pode representar uma desistência da
procura dessa auto-eficácia, o que se revela assustador. Apesar de sentirem, que com a
perturbação alimentar, são controladas pela sua vontade, na recuperação, terão de renunciar
a essa vontade e passar a serem controladas pelas exigências e expectativas de outros. Podem
também recear, que ao desistirem da perturbação, estejam a desistir das suas próprias
necessidades e sentimentos, e até temer que a fome possa surgir exagerada e
descontroladamente. Desta forma, a perturbação parece-lhes ser o único meio de negação, e
de controlo das suas necessidades físicas e emocionais, que tanto detestam.
Por último, uma outra forma de sentirem que têm as rédeas na mão, enquanto têm a
perturbação alimentar, é o sentimento de familiaridade e previsibilidade da sua vida. É, por
assim dizer, o “inimigo conhecido”. Imaginarem-se com a sua “vida de volta”, pode ser
aterrador. Não poderem prever o que o futuro trará, sem a perturbação alimentar: “E se
falhar nessas tarefas desconhecidas?” , antes a doença que conhece, do que o território
desconhecido da recuperação.
“O controlo para mim é algo muito importante”,
“Quando falho, para me sentir menos culpada e para atenuar o descontrolo, provoco o
vómito” ; “Fui sempre assim toda a vida, tentando controlar tudo, e não conseguindo
controlar rigorosamente nada”;
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* AUTO-CONCEITO
Conseguir um corpo magro pode desencadear sentimentos de orgulho e realização
individual, e ser uma fonte de auto-estima, de “ser especial e único”, chegando mesmo a ser
uma forma de se identificar e definir enquanto pessoa. Nas pessoas com perturbações
alimentares, devido à sua auto-avaliação desajustada, e/ou inteiramente focada na imagem
corporal, ser magra, ou trabalhar-se para isso, podem ser as únicas formas de se sentir bem
consigo mesma.
Ter uma perturbação alimentar, pode mesmo ser para algumas destas pessoas, a
única identidade que julgam ter, e quando confrontadas com a possibilidade de recuperação,
recearem intensamente uma espécie de destruição e extinção da sua própria vida.
“Não me conheço fora da Bulimia. Já assim sou há 15 anos e não sei se poderei algum dia
abdicar inteiramente dela. Será como apagar uma grande parte da minha vida ”
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CONCLUSÃO
Face ao exposto, e embora possamos compreender que as perturbações do
comportamento alimentar cumpram, de alguma forma, propósitos importantes na vida de
quem delas sofre, não podemos admitir que sejam assumidas como formas de estar, ou viver.
Relembramos que estamos perante doenças graves, que acarretam sérias consequências
físicas, psicológicas e sociais, e que podem mesmo conduzir à morte.
Procuramos neste trabalho, identificar e esclarecer alguns dos propósitos escondidos
que surgem mais frequentemente em consulta, e alertar para a necessidade de os ter em
conta, sempre que surjam casos clínicos desta natureza. Sempre no sentido de lhes promover
uma resposta mais adequada e eficaz, pois torna-se claro que se descobrirmos as reais
necessidades que a perturbação alimentar está a responder, mais adequadamente poderemos
dirigir a nossa intervenção.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
American Psychiatric Association [APA]. (2002). Manual de diagnóstico e estatística
das perturbações mentais. 4ª Edição Texto Revisto. Lisboa: Climepsi Editores.
Dolhanty M. A., J. (1998). Giving Up An Eating Disorder: What Else Might You Be
Giving Up?. IN http://www.nedic.ca/.
National Institute of Mental Health [NIMH]. (2001). Eating Disorders. Facts About
Eating Disorders and the Search for Solutions. IN http://www.nimh.nih.gov/index.shtml.
National Eating Disorders Association [NEDA]. (2004). Factors that may Contribute to
Eating Disorders. IN www.nationaleatingdisorders.org.
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National Eating Disorders Association [NEDA]. (2005a). What is na Eating Disorder.
Some Basics Facts. IN www.nationaleatingdisorders.org.
National Eating Disorders Association [NEDA]. (2005b). Binge Eating Disorder. IN
www.nationaleatingdisorders.org.
National Eating Disorders Association [NEDA]. (2010). Fact Sheet on Eating Disorders.
IN www.nationaleatingdisorders.org.
Sampaio, D., Bouça, D., Carmo, I., Jorge, Z. (1999). Doenças do Comportamento
Alimentar – Manual para o clínico geral. Edições ASA.
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12:30 – 13:00
O contributo da avaliação e da intervenção psicológica na Cirurgia
Plástica
Catarina Castro
RESUMO:
Este trabalho tem como objectivo salientar a importância da intervenção psicológica junto da
cirurgia plástica. Estas duas valências complementam-se e podem beneficiar bastante uma da
outra, pois mudanças no corpo estão directamente associadas a mudanças psicológicas e viceversa, pelo que, uma abordagem terapêutica que contemple as dimensões biopsicossociais do
individuo através de uma equipa multidisciplinar deve ser privilegiada de modo a assegurar o
êxito do tratamento e a sua manutenção a longo prazo, contribuindo para a melhoria de
saúde, qualidade de vida, bem-estar, aumento de auto-estima e satisfação com os resultados
obtidos através da cirurgia.
PAPEL DA PSICOLOGIA
O que a intervenção psicológica tem para oferecer à Cirurgia Plástica?
A literatura refere como relação entre estas duas disciplinas o ênfase dado às noções de autoestima e imagem corporal (Adamson, Hershberg & Shane, 1976). Ter uma aparência
socialmente aceitável pode ter impacto nas relações interpessoais, sentimento de autovalorização e de adaptação social (Bersheid & Gangestad, 1982). Estudos indicam que pessoas
mais atraentes têm mais oferta de trabalho e mais oportunidades a nível promocional
(Marlowe, Schneider & Nelson, 1996). Percepções subjectivas de atractividade, de melhoria
de sentimentos de confiança e melhoria no desempenho profissional têm sido relatadas após
cirurgia (Edgerton, Langman, Schmidt & Sheppe, 1982; Pertschuk & Whitaker, 1982). Num
estudo qualitativo realizado por Ferraz e Serralta (2007), verificou-se que a Cirurgia Plástica
Estética melhorou as vidas das entrevistadas, melhorou a deformidade física, as relações
interpessoais e sexuais, aumentou a auto-estima e estimulou a harmonia interna entre mente
e corpo.
Estes pacientes não têm doença nem lesões, o objectivo do tratamento não é simplesmente
voltar à aparência “normal” ou prévia, mas sim, melhorar uma aparência física que já se
encontra dentro dos padrões “normais”(Sarwer, Pruzinsky, Cash, Goldwyn, Persing &
Whitaker, 2006).
O papel do psicólogo que colabora com Cirurgião Plástico é determinar o tipo de cirurgia que
é pedida, a personalidade do paciente, a extensão da deformidade anatómica e como é que
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essa deformidade é sentida pelo paciente (Jacobson, Meyer & Edgerton, citado por Deaton &
Langman, 1986).
Uma avaliação inicial fornece respostas às perguntas dos cirurgiões acerca das motivações dos
pacientes, expectativas, personalidade, reacções ao stress e a capacidade para perceber os
riscos e procedimentos envolvidos na cirurgia. O Cirurgião Plástico simultaneamente avalia a
viabilidade e a necessidade de cirurgia assim como a forma como deve ser feita. O trabalho
conjunto do Cirurgião Plástico com o Psicólogo contribui para analisar quais os doentes que
provavelmente irão sentir-se insatisfeitos com as cirurgias (Deaton & Langman, 1986).
O resultado de uma triagem pré-cirurgica não é uma dicotomia cirurgia versus não- cirurgia.
Em vez disso, este processo resulta numa variedade de formas de tratamento, que requerem
a participação do Cirurgião Plástico e do Psicólogo em vários estadios. Depois de uma
avaliação pré-cirurgica, as opções de tratamento que surgem incluem:
a) Decidir não fazer a cirurgia devido à existência de psicopatologia (ex: paciente paranóico);
b) Decidir não fazer a cirurgia porque o cirurgião plástico acredita que a operação não terá
efeito na melhoria anatómica (ex: pessoa com inexistente ou mínimo defeito);
c) Usar a intervenção psicológica como substituta da cirurgia plástica (ex: intervenções
psicológicas que consistem em minimizar o sentimento de necessidade de cirurgia);
d) Adiar a cirurgia, dependendo do resultado do tratamento psicológico ou psiquiátrico;
e) Aconselhamento psicológico para preparar o paciente para a cirurgia (ex: preparação para
as mudanças na imagem corporal e para possíveis defeitos residuais, preparação para a dor e
temporários estados de imobilidade em alguns casos);
f) Tratamento de suporte durante o processo (ex: focado na aceitação de algumas rotinas,
diminuição da ansiedade, suportar a dor);
g) Psicoterapia pós-operatória para ajudar o paciente a consolidar os benefícios psicológicos
da cirurgia (Jacobson et al, citado por Deaton & Langman, 1986).
A avaliação psicológica e a triagem de pacientes interessados na cirurgia plástica é
importante pelo menos por duas razões. Primeiro, pode ajudar a determinar que pacientes é
que têm motivações pré-operatórias e expectativas pós-operatórias realistas. Segundo, é
essencial para identificar pacientes que têm condições psiquiátricas que podem ser contraindicadas para o tratamento. Uma avaliação compreensiva e em perspectiva dos pacientes
pode ajudar a identificar futuros problemas. Tendo em vista o pior cenário, estes pacientes
uma vez insatisfeitos, podem usar violência contra cirurgião ou levantar acções judiciais
(Sarwer et al, 2006).
Condições como a perturbação depressiva major, esquizofrenia não controlada e abuso de
substâncias são relativamente fáceis de identificar e contra-indicar para o tratamento, assim
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como a interacção com alguns tratamentos farmacológicos. No entanto, a relação entre
psicopatologia menos severa, como a depressão moderada ou ansiedade, e os resultados pósoperatórios é menos clara. Pacientes nestas condições devem ser avaliados caso a caso. A
Perturbação Dismórfica Corporal e as Perturbações Alimentares estão sobre-representadas
nesta população, sendo necessário fazer o despiste. Cerca de 7% a 15% dos pacientes que
procuram a cirurgia plástica sofrem de Perturbação Dismorfica Corporal (Aouizerate, Pujol,
Grabot et al, 2003). Uma investigação recente verificou que 19% dos pacientes da Cirurgia
Plástica reportaram história de doença mental, percentagem muito maior do que os pacientes
que não são da cirurgia plástica (4%), 18% dos pacientes da cirurgia plástica reportaram usar
medicação psiquiátrica e apenas 5% dos pacientes que não são da cirurgia plástica o
reportaram (Sarwer, Zanville, LaRossa et al, 2004).
As motivações para a cirurgia devem ser avaliadas numa consulta inicial. Deve ser percebido
se as motivações são internas (submeter-se à cirurgia para melhorar a auto-estima) ou
externas (submeter à cirurgia para obter promoção no trabalho ou arranjar namorado). Para
aceder a esta informação deve-se perguntar ao paciente porque está interessado em fazer a
cirurgia neste momento. Esta distinção entre motivações internas e externas não é fácil, no
entanto, pessoas com motivações internas são mais recomendadas para cirurgia (Edgerton,
Langman & Pruzinsky, citado por Sarwer et al, 2006). Pelo menos três estudos sugeriram que
estar motivado para uma cirurgia para agradar ao parceiro está associado a um pobre
resultado pós-operatório (Wright & Wright, citado por Sarwer et al, 2006).
As expectativas pós-operatórias têm sido categorizadas como cirúrgicas, psicológicas e
sociais. As expectativas cirúrgicas acedem a conceitos específicos sobre a aparência física.
Expectativas psicológicas incluem potenciais melhorias no final do tratamento relativamente
ao funcionamento psicológico. As expectativas sociais têm a ver com benefícios sociais após
cirurgia (Pruzinsky, 1996). Alguns estudos verificaram que expectativas irrealistas estão
associadas a um mau resultado pós-operatório (Napoleleon, citado por Sarwer et al, 2006). No
entanto, pacientes com motivações internas e expectativas realistas podem ficar muito
satisfeitos com o resultado.
É importante avaliar as relações parentais dos pacientes assim como algumas experiências
que possam estar associadas à forma como percepcionam o seu corpo. Deve ser feita uma
avaliação cognitiva-comportamental aos pacientes interessados em se submeterem à cirurgia.
Esta avaliação deve explorar pensamentos, comportamentos e experiências que contribuíram
para a insatisfação que sentem relativamente à aparência e para a decisão de se submeterem
à intervenção. Deve ser explorada esta decisão e suas respostas comportamentais, as suas
preocupações acerca da aparência e as consequências esperadas.
No final da avaliação devem ser partilhados os resultados com o paciente, que inclui a
recomendação para cirurgia ou não. Pode ser recomendado fazer psicoterapia numa primeira
fase com o intuito de serem trabalhadas a imagem corporal, pensamentos e comportamentos
que mantêm a insatisfação com o corpo, auto-estima e auto-confiança (Sarwer et al, 2006).
Deve ser feito acompanhamento psicológico após intervenção com o objectivo de ajudar a
suportar e vivenciar o desconforto, acompanhar o processo de recuperação, diminuição da
ansiedade inerente a todo o processo, auxiliar na capacidade de suportar emoções e
sensações desconfortáveis. Posteriormente deve ser verificada a adaptação à sua nova
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imagem (choque/impacto, não reconhecimento de si mesmo) reacções de terceiros e
expectativas superadas, deve ser reavaliada a insatisfação corporal, bem como a existência
de psicopatologia (ver tabela).
Pré –Intervenção
Pós-Intervenção
- Motivação Interna ou Externa?
- Motivação só estética ou
também funcional?
- Verificar se esta relacionado
com situação de vida actual/
acontecimento actual - Porquê
agora? Quando começou a pensar
nisso?
- Desejos e fantasias;
- Expectativas reais?
- Sentimentos;
- Consciência dos riscos e
procedimentos que envolvem a
cirurgia?
- Verificar passado de cirurgias;
- Historial de Problemas
Psiquiátricos/Psicológicos
- Estado Psicológico actual
(verificar existência de
psicopatologia)
- Tendências suicidas (verificar
possibilidade de boicotar pósoperatorio)
- Apoio Familiar (verificar se não
se submetem a cirurgia às
escondidas)
- Ajudar a suportar e vivenciar
desconforto (edemas, pruridos,etc);
- Acompanhar processo de recuperação se
necessário;
- Diminuição da ansiedade inerente a
todo o processo;
- Exercícios de relaxamento;
- Bio e neurofeedback;
- Implementar atitude optimista;
- Auxiliar na capacidade de suportar
emoções e sensações desconfortáveis.
2ª Sessão
Aplicação de Testes Psicológicos
No dia da retirada dos pontos:
- É a primeira vez que se olham ao
espelho e se deparam com uma nova
imagem que ainda não é o resultado
final, desejado
- Acompanhamento no impacto/choque
da sua nova imagem
- Acompanhamento no processo de não
reconhecimento de si mesmo.
3ª Sessão
Devolução do Relatório
Feedback dos resultados
- Verificar adaptação à nova imagem,
reacções de terceiros, expectativas
superadas, etc.
- Psicopatologia?
- Analisar insatisfação Corporal.
- Potenciar satisfação com a cirurgia.
- Trabalhar imagem corporal se
necessário (CBT).
1ª Sessão
(Entrevista)
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Os critérios de exclusão para a cirurgia:
Candidatos que têm expectativas irrealistas;
Que ficaram insatisfeitos com procedimentos anteriores
Que são alvo de pressões externas, dos outros, para alterarem a sua aparência;
A quem foi diagnosticada doença mental ou sintomatologia que está directamente
relacionada com a cirurgia que irá realizar.
Candidatos a quem foi diagnosticada doença mental deve-se intervir na doença ou
perturbação. Candidatos em que o cirurgião acredita que a operação não irá trazer grandes
resultados, que o defeito é mínimo ou que existe distorção da imagem corporal devem ser
acompanhados psicologicamente. Podem surgir casos em que será necessário preparar o
paciente para a cirurgia e em que se verifica que o paciente beneficiará de acompanhamento
psicológico antes de se submeter a cirurgia. Nestes casos devem ser feitos exercícios de
relaxamento, preparação para as mudanças na imagem corporal e preparação para a dor e
todo o processo pós-operatório.
O acompanhamento das situações acima descritas baseia-se e inclui o Modelo CognitivoComportamental para trabalhar a Imagem Corporal. Este modelo foi desenvolvido por Cash
em 1996 (Sarwer et al, 2006) para pessoas que têm uma auto-imagem (a forma como
percepcionam o seu corpo) negativa. É um programa constituído por 8 fases para as pessoas
aprenderem a gostar da sua aparência. O programa tem a duração de aproximadamente 5
meses. As sessões têm uma periodicidade semanal até ao 4º mês e quinzenal no 5ª mês. A
tabela em baixo refere-se ao resumo do trabalho feito em cada uma das fases do programa
(Cash, 2008).
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Programa CBT para a Imagem Corporal
Fase 1
Fase 2
Fase 3
Fase 4
Fase 5
Fase 6
Descobrir pontos fortes e pontos fracos relativamente à imagem
corporal.
Testes de avaliação da imagem corporal.
Definição de objectivos para a mudança.
Psicoeducação – informação detalhada sobre a natureza da imagem
corporal e o que pode causar uma imagem corporal negativa.
São identificadas causas históricas pessoais (eventos, situações) que
contribuíram ou contribuem para uma auto-imagem negativa.
Processo de auto-descoberta que inclui actividades de exposição
(olhar ao espelho, etc) e a auto-biografia acerca do desenvolvimento
da sua imagem corporal.
Diário da Imagem Corporal – aprender a monitorizar experiencias e
identificar gatilhos que provocam sofrimento e que activam “a
conversa interna com o corpo”. Identificar que emoções surgem e
que comportamentos estão associados. Este diário é usado
sistematicamente durante todo o programa.
Relaxamento do corpo e da mente para gerir emoções disfóricas de
imagem corporal. Competências úteis para capacitar as pessoas a
aprenderem como controlam ou reduzem a sua disforia numa
variedade de situações percepcionadas como problemáticas.
Identificar crenças ou esquemas cognitivos sobre a aparência que
alimentam o sofrimento em relação à imagem corporal
experienciada. P.e. “As pessoas gostam menos de mim por causa da
minha aparência” ou “As pessoas atraentes conseguem tudo na vida.”
Aprender como estes esquemas cognitivos operam na sua vida diária podem questiona-los e discuti-los.
Envolve mais mudança.
Capacitar as pessoas a identificar erros ou distorções cognitivas na
sua “conversa interna com o seu corpo” e fornecer estratégias para
as mudar.
Detalhar estratégias de comportamento específicas com vista a
alterar comportamentos de evitamento relacionados com uma
imagem corporal negativa – o evitamento de certas actividades,
situações ou determinadas pessoas que provocam sofrimento.
Identificar e modificar rituais de preocupação com a aparência, como
verificações constantes ao espelho ou hábitos excessivos
relativamente à aparência.
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Fase 7
Fase 8
Participantes comprometem-se a participar em actividades que
promovem uma auto-imagem positiva e melhorada. P.e. actividades
de exercício físico e saúde, desfrutar da sua aparência em vez de se
esconderem.
Reavaliar a imagem corporal e dar feedback sobre as mudanças.
Estabelecimento de objectivos para continuar a mudança.
Prevenção de recaída – aprendem a identificar e a preparar situações
futuras que poderão pôr e sua imagem corporal em risco.
Aprender como manter uma relação com o corpo mais confiante,
prazerosa e positiva.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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body in surgery. In J. G. Howells (Ed.), Modern perspectives in the psychiatric aspects of
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Cash, T. F., (2008). The Body Image Workbook. Oakland: New Harbinger Publications, Inc.
Deaton, A. V. & Langman, M. I. (1986). The contribution of psychologists to the treatment of
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Ferraz, S. B. & Serralta F. B. (2007). O impacto da cirurgia plástica na auto-estima. Estudos e
Pesquisas em Psicologia, Vol. 7, No. 3, pp. 100-112.
Marlowe C. M., Schneider, S. L. & Nelson S. E. Gender Ana atractiveness biases in hiring
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Pertschuk, M. J., & Whitaker, L. A. (1982). Social and psychological effects of craniofacial
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Pruzinsky T. Cosmetic plastic surgery and body image: critical factors in patient assessment.
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Uma bússola em psicoterapia: a Mentalização
14:00 – 14:30
Luis Gonçalves
RESUMO
Esta apresentação pretende definir e situar a capacidade de mentalizar como abordagem
integrativa, multidisciplinar e preventiva de sofrimento psicológico. Procurar-se-á também
distingui-la de outros conceitos associados, enfatizando a sua especificidade e contributo
decisivo para o desenvolvimento conjunto de psicoterapeutas e clientes. Por último,
enquadrar-se-á a capacidade de mentalizar na perturbação borderline da personalidade,
apresentando-se em seguida a MBT (MENTALIZATION based therapy) como forma eficaz de
conceptualização e intervenção nesta população.
Palavras-chave: mentalização, mente, vinculação, significado, regulação, borderline,
espelhamento.
O QUE É A MENTALIZAÇÃO
T: “The mind can be a scary place.”
P: “Yes, and you wouldn’t want to go in there alone!”
Quanto ao conceito, mentalizar é a capacidade de observar em si próprio e nos outros uma
mente própria em termos de estados subjectivos, emoções, desejos e crenças (Bateman e
Fonagy, 2004).
Encara-se a mentalização como ver-se a si próprio do exterior e aos outros do interior;
constatam-se estados mentais do próprio e dos outros; percebem-se aspectos não
compreensíveis e “tem-se a mente na mente”. Esta capacidade leva então a que se aumente
a atenção para estados mentais do próprio e nos outros e incremente a consciência de várias
perspectivas, principalmente em situações de activação emocional. É que a mentalização tem
uma contribuição saliente ao facilitar a expressão, identificação e regulação das emoções.
Tem a sua origem nas Teorias da Vinculação e na Psicanálise, tendo três papéis de destaque:
é um factor comum num vasto leque de abordagens teóricas (psicanálise, CBT, terapia
cognitiva, psicoterapia interpessoal ou terapia centrada no cliente), participando também na
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abordagem ao trauma, depressão, consumo de substâncias, terapia familiar e educação
parental; no autismo (visto como a incapacidade permanente de mentalizar devido a défices
neurobiológicos – mindblindness) e na conceptualização e intervenção da perturbação
borderline (em que vinculações inseguras com os cuidadores levaram a ansiedade, vazio,
depressão, desconfiança ou frustração nas relações interpessoais). Vemos então que
mentalizar é um conceito multidisciplinar:
TABELA 1. CARACTERÍSTICAS DA MENTALIZAÇÃO
Características
Aspectos
Conteúdo dos estados mentais
Necessidades, desejos, emoções,
pensamentos, alucinações, etc.
Objecto
Próprio vs outros
Estrutura temporal
Passado, presente ou futuro
Extensão
Estreita (estado mental presente) vs larga
(contexto autobiográfico)
Nível de representação
Explícita (narrativa) vs implícita (intuitiva)
(Allen, Fonagy e Bateman, 2008)
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MENTALIZAR IMPLICITAMENTE E EXPLICITAMENTE
Implícita
Explícita
Percebida
interpretada
Não consciente
Consciente
Não verbal
Verbal
Não reflectida
Reflectida
Ex: espelhar
Ex: explicar
(ALLEN, FONAGY e BATEMAN, 2008)
ALGUMAS CURIOSIDADES…
A mentalização requer atenção nos estados mentais de outros, o que nem sempre é fácil,
podendo até ser doloroso ou tornar-se excessivo (hipervigilante ou paranóide). Tal como no
autismo, a psicopatia está associada geneticamente a défices de base neurobiológica. Assim,
um psicopata apresenta uma ruptura parcial da capacidade de mentalizar, fazendo uma
leitura da mente sem empatia ou emoção.
De acordo com um estudo de Kim-Cohen e seus colaboradores em 2003, cerca de 75% dos
adultos com desordens psiquiátricas tinham um transtorno diagnosticável antes dos 18 e 50%
tinham uma desordem antes dos 15. Concluíram então que a maior parte dos distúrbios da
idade adulta deve ser vista como a extensão de distúrbios juvenis.
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TABELA 2. MENTALIZAÇÃO E TERMOS SEMELHANTES
Termo
Diferenças
Mentalizar
Foca-se nos estados mentais do próprio e dos
outros e interpreta o comportamento
respectivo
Mindfulness
Foca-se no presente e não está limitado aos
estados mentais
Leitura da mente
Aplica-se a outros e foca-se na cognição
Teoria da mente
Assenta no desenvolvimento cognitivo e
fornece suporte conceptual para mentalizar
Metacognição
Foca-se primariamente na cognição do
próprio
Mindblindness
Contrário de mentalizar e muito presente no
autismo
Empatia
Foca-se nos outros e enfatiza estados
emocionais
Inteligência emocional
Relaciona-se com o mentalizar da emoção no
próprio e outros
Insight
Conteúdo mental que é resultado do
processo de mentalizar
(ALLEN, FONAGY e BATEMAN, 2008)
Combinando Mindfulness e Mentalização, chegamos ao termo mindfulness da mente (Allen,
2006b). Na realidade, uma parte considerável da mentalização está contida na investigação
do mindfulness, concretamente, “atenção receptiva a estados psicológicos” e “sensibilidade
para processos psicológicos a decorrer” (Brown e Ryan, 2003).
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INTERVENÇÕES QUE PROMOVEM A MENTALIZAÇÃO
Ter uma atitude exploratória e curiosa, querendo “perceber melhor”;
Fornecer uma experiência de base segura que facilite a exploração do paciente dos
seus estados mentais (próprios e do terapeuta);
Promover um nível de activação emocional confortável para o paciente;
Construir um processo de “espelhamento”, em que as emoções do terapeuta são
responsivas e contigentes a cada situação; em que emoções “marcadas” representam
o estado mental do paciente em direcção a ele mesmo;
Apresentar intervenções simples e objectivas;
Levar a um equilíbrio entre a exploração de estados mentais próprios e dos outros;
Motivar os pacientes a ver as experiências pessoais e interpessoais de várias
perspectivas;
Revelar momentos em que o terapeuta não está a ver o que fazer a seguir, pedindo a
ajuda do paciente no progresso terapêutico;
Trabalhar com a transferência de forma a ajuda o paciente a perceber como a sua
mente influencia a relação terapêutica;
Validar a experiência do paciente antes de invocar perspectivas alternativas;
Desafiar as ideias sem factos do paciente sobre as atitudes, emoções ou crenças do
terapeuta;
Fazer auto-revelações, de modo sensato, sobre a relação do terapeuta com o
paciente;
Partilhar em que pensa o terapeuta de forma a permitir ao paciente corrigir alguma
mentalização incorrecta do terapeuta;
Sublinhar as falhas de mentalização que o próprio terapeuta pode ter e fomentar a
sua correcção em sessão;
Admitir erros e explorar activamente a contribuição do terapeuta para as reacções
adversas do paciente.
(ALLEN, FONAGY e BATEMAN, 2008)
A ter em atenção
Reparar se ocorrem certas palavras como “só”, “claramente, “óbvio” ou “apenas”;
O terapeuta deve ser activo em vez de passivo;
O terapeuta deve fazer movimentos contrários:
o - Quando o paciente está excessivamente instrospectivo, convidá-lo a
considerar outra mente.
o - Quanto este está demasiado focado nos outros, convidá-lo a focar-se na
própria mente.
O terapeuta deve considerar-se normal e não um perito: mesmo que seja um
especialista em psicoterapia, não o é em relação à mente do paciente!
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A MENTALIZAÇÃO NA POPULAÇÃO BORDERLINE
Segundo Fonagy e Target (2002), a capacidade de mentalizar começa a formar-se a partir das
primeiras relações da criança. Assim, o tipo de vinculação que esta estabelece com os
cuidadores vai contribuir para o modo como começa a representar emoções, comportamentos
e pensamentos. Este processo gradual surge através da resposta dos pais aos seus
comportamentos e manifestações emocionais. É como se ganhassem sentido e coerência
internamente através das respostas externas dos cuidadores, sendo estes uma espécie de
“espelho” para a criança.
Surge assim como fundamental a criação e manutenção de, pelo menos, uma relação com
vinculação segura e estável para que a mentalização da criança se possa formar
adequadamente. Pelo contrário, se os pais não conseguem “pensar” sobre a experiência
mental da criança, estão a impedir a criação de um sentido de identidade própria pelo filho.
As experiências internas acabam por ser simbolizadas de forma muito limitada e
desorganizada, criando uma necessidade enorme de procura de “sentido” da vivência
psicológica no mundo exterior e que pode levar a experiências destrutivas como consumos,
procrastinação, auto-mutilações, acting-out ou drop-out da terapia.
Quando o meio envolvente é inseguro, ameaçador e caótico, a criança tem de se focar no
meio externo pelas consequências emocionais e físicas que lhe pode provocar. Não há
recursos disponíveis para a criação de um modo interno que seja separado do mundo exterior.
Em casos de abuso, a realidade física tem o papel central, já que a criança concebe o seu
mundo interior como incoerente, perigoso e não confiável. Em resumo, não existe
representação interna das experiências mas sim a experiência em si.
Em dados casos, a criança acabará até por limitar ou inibir a sua capacidade de mentalização
devido ao sofrimento associado ao contacto com os estados mentais de “cuidadores” que lhe
tenham provocado dor. Poderá também estar hipervigilante relativamente aos estados
mentais dos outros, procurando até sinais que a ajudem a antecipar futuros abusos físicos e
psicológicos, abandonos ou eventos negativos. No entanto, a ausência de um modo interno de
organizar a vivência favorece a repetição dos eventos traumáticos. Existem diversas causas
para a vinculação deficiente como limitações parentais, aspectos neurológicos, traumas e
outras experiências negativas (Fonagy e Target, 2002).
Ainda de acordo com os mesmos autores, os clientes borderline apresentam um défice na
capacidade de mentalizar. Vejamos então a origem dessa incapacidade:
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A TRANSMISSÃO INTERGERACIONAL DE VINCULAÇÃO INSEGURA E MENTALIZAÇÃO
DEFICITÁRIA
Insegurança parental na vinculação <-> Baixa capacidade
parental de mentalizar
Interacções com a criança
sem mentalização
Vinculação insegura
Capacidade reduzida de
mentalizar na infância
(ALLEN, FONAGY e BATEMAN, 2008)
IMPACTO DE UM AMBIENTE NÃO VALIDANTE
Desregulação
afectiva
Relações não
mentalizadas
Mentalização
deficitária
(ALLEN, FONAGY e BATEMAN, 2008)
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A INTERVENÇÃO BASEADA NA MENTALIZAÇÃO
A recuperação da capacidade de mentalizar nas relações próximas é um factor comum de
muitas intervenções com pacientes borderline. O grande objectivo da MBT é então
desenvolver um processo terapêutico em que se construa a percepção do paciente da sua
própria mente e da dos outros.
Este deve descobrir como pensa e sente sobre si próprio e sobre os outros, como isso conduz o
seu comportamento e de que forma os erros de compreensão do próprio e dos outros levam a
acções que serão tentativas de recuperar a estabilidade e criar sentido a situações e emoções
que vê como incompreensíveis (Bateman e Fonagy, 2004, 2006). E para que isso aconteça, o
terapeuta deve facultar uma base segura ao paciente a partir da qual este possa explorar
vários eventos desconfortáveis e dolorosos da sua vida, passada e presente, muitos dos quais
achará difícil ou mesmo impossível de pensar sem a presença de um companheiro de
confiança que faculte suporte, apoio, empatia e orientação (Bowlby, 1988).
A intervenção com MBT apresenta três fases:
1) Verificação da capacidade de mentalização através da história do paciente, em termos de
relações significativas e que necessitem de mentalização significativa em resposta a emoções
intensas. Esta avaliação permite a clarificação das relações interpessoais mais importantes e
suas ligações com os problemas do paciente;
2) Construção de uma forte aliança terapêutica a partir da mentalização. O terapeuta foca-se
na mente do paciente enquanto dá a sua própria perspectiva sobre os estados desta. Quando
existem diferenças de opinião, são exploradas em sessão, tendo em vista oportunidades de
aprendizagem e aumento de flexibilidade. Desta forma, fomenta-se a curiosidade necessária
para responder à ambiguidade das relações próximas;
3) A última etapa tem o seu início após os 12 meses de terapia, enfatizando os aspectos
interpessoais e sociais do comportamento do paciente, consolidando trabalho anterior e
trabalhando a questão da perda ligada ao fim do processo terapêutico. Por último, é
desenvolvido colaborativamente um plano de follow-up (Bateman e Fonagy, 2006).
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Algumas questões que avaliam a mentalização
Olhando para trás, tem ideia da razão que levou os seus pais a ter esse
comportamento consigo?
E isso foi algo que aconteceu mais vezes?
Que achavam os seus outros familiares sobre essa situação?
Em relação a essa perda, como se sentiu na altura e em que medida essas emoções
têm mudado com o tempo?
Será que aquilo que se passou consigo está na base de como é actualmente?
Algumas questões que estimulam a mentalização (no cliente)
Qual a razão que terá levado o seu colega a comportar-se assim consigo?
Talvez tenha sentido que eu o julguei?
Estará essa sua dificuldade actual relacionada com os castigos que a sua mãe lhe
dava?
O que acha que o seu chefe pretende de si ao dar-lhe esse cargo?
O que achará o seu filho de si quando discute à frente dele com o seu marido?
Algumas questões que estimulam a mentalização (no terapeuta)
O que se está a passar agora na sessão?
Porque estará o cliente a falar deste evento neste momento?
Que estará a levar o cliente a chegar atrasado às sessões?
Porque estarei tão tenso nesta sessão?
Que terá acontecido em sessão para que o cliente tenha começado a sorrir tanto?
Evidências da sua eficácia
Os estudos realizados demonstram que a MBT é eficaz a curto e longo prazo quando aplicada
tanto em programas em contexto hospitalar como fora dele, o que contribui para a validade
externa desta abordagem. Em maior detalhe, existem reduções significativas no período de
internamento, quantidade de fármacos e tentativas de suicídio, assim como incremento das
competências sociais, interpessoais e ocupacionais nestes pacientes (Bateman, Fonagy 2006).
A ter em atenção!
Reparar se ocorrem certas palavras como “só”, “claramente”, “óbvio” ou “apenas”;
O terapeuta deve ser activo em vez de passivo: os pacientes borderline têm
conhecimentos mas não acreditam;
O terapeuta deve fazer movimentos contrários:
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- Quando o paciente está excessivamente introspectivo, convidá-lo a
considerar outra mente.
o - Quanto este está demasiado focado nos outros, convidá-lo a focar-se na
própria mente.
O terapeuta deve considerar-se normal e não um perito: mesmo que seja um
especialista em psicoterapia, não o é em relação à mente do paciente!
o
Finalizando, para quê mentalizar?
Permite-nos determinar em quem confiar e quando podemos “relaxar”;
Permite-nos criar e manter relações seguras mutuamente satisfatórias;
Promove a autoconsciência fundamental para a aceitação do próprio e para a
regulação emocional (o botão de pausa);
Contribui para a resiliência, aumentando a capacidade para construir significado e
recursos a partir da adversidade;
Estimula a esperança, responsabilidade pelo próprio comportamento, tomada de
iniciativa e auto-aceitação;
Aumenta a flexibilidade, a descentração e a capacidade em usar o humor em
situações diárias de vida;
Favorece a expressão, identificação e regulação emocionais.
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BIBLIOGRAFIA:
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Disorders: DSM-IV. 4th ed. Washington: Author.
Barlow D. (Ed.). (2001). Clinical handbook of psychological disorders: A step-by-step
treatment manual. (3rd ed.). New York: Guilford Press.
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Bowlby J. (1988). A Secure Base: Clinical Applications of Attachment Theory. London:
Routledge.
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14:30 – 15:00
Dizer adeus, o caminho a percorrer
Helena Gomes / Tânia da Cunha
RESUMO:
No presente trabalho pretende-se reflectir sobre as causas da reacção de persistência, os
efeitos sintomáticos na pessoa que persiste, algumas técnicas usadas em contexto
psicoterapêutico que facilitam “dizer adeus”, bem como o papel do terapeuta neste processo.
Palavras-Chave: Persistência; Assuntos pendentes; Luto; Terapia Gestalt.
Abstract: This paper seeks to reflect on the causes of persistence reaction, the symptomatic
effects on the person that persists, some techniques used in psychotherapeutic context that
facilitate "say goodbye" as well as the therapist's role in this process.
Keywords: Persistence; Outstanding issues; Mourning; Gestalt Therapy.
INTRODUÇÃO
Ao longo do nosso percurso como psicoterapeutas temos nos deparado com a dificuldade
por parte de alguns clientes em dizer adeus a uma série de pessoas e situações da sua vida,
bem como acompanhado o processo doloroso que pode consistir uma despedida. Esta
despedida pode estar relacionada com o fim de um relacionamento que derivou da morte,
divórcio, fim de um amor, ou de outro modo.
Algumas pessoas prendem-se a um momento que foi muito bom, por muito breve que
tenha sido e isso impossibilita-as de avançar, existe sempre a esperança de que esse
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momento volte. Por vezes esse bloqueio ocorre com receio de que resulte numa maior
consciencialização de tudo aquilo que se pretende esquecer e que causa sofrimento.
Temos constatado que as pessoas tendem a manter-se numa espécie de teia que as
bloqueia de seguir em frente, acumulando muitas situações inacabadas de grande intensidade
emocional, a este processo atribuímos a designação de Persistência.
CAUSAS DA REACÇÃO DE PERSISTÊNCIA
A dor de uma perda pode ser tão dolorosa, tão semelhante ao pânico, que a pessoa
recorre a formas de se defender contra a investida emocional do sofrimento. Está inerente o
medo de que ao se entregar totalmente à dor, será devastada para nunca mais emergir para
estados emocionais comuns outra vez (Sanders 1999 citado por Melo, 2004).
Segundo Stephen Tobin (1971), a reacção de adaptação à perda de uma pessoa amada é
um período de tristeza bastante longo, seguido por um interesse renovado em coisas e
pessoas vivas. A reacção de adaptação à perda de uma pessoa desprezada seria
supostamente um alívio. A reacção de “persistência” serve para inibir as emoções pela perda e
manter presente a fantasia.
Para o autor, uma reacção de persistência implica a presença de assuntos inacabados
entre duas pessoas, muito antes de o relacionamento terminar. Entende-se por assunto
inacabado a inibição de uma emoção que foi vivenciada, uma ou mais vezes durante o
relacionamento.
Numa primeira análise importa perceber como as pessoas impedem-se a si próprias de
fechar as situações. De acordo com a Gestalt Terapia, grande parte das pessoas começa na
infância a suprimir emoções dolorosas através da contracção crónica da musculatura e inibindo
a respiração. Esta cristalização das emoções no corpo e ausência de expressão das mesmas
desencadeia uma consciência sensorial limitada, facilitando a dificuldade de terminar situações
emocionais.
Nesta linha de raciocínio, Tobin (1971), enfatiza que mesmo tendo consciência das suas
emoções, as pessoas são capazes de reprimir as suas emoções. Imaginemos um painel de
controlo, o que a mente faz é accioná-lo no sentido de bloquear por exemplo a expressão da
zanga, do amor ou da tristeza. Este continuo de desconexão entre mente e corpo pode
despoletar dor física, tensão e ansiedade.
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FACTORES DE PERSISTÊNCIA APÓS O FIM DE UMA RELAÇÃO
Os assuntos inacabados podem ocorrer entre pai e filho, entre marido e mulher, entre
amantes, entre amigos ou quaisquer duas pessoas que tiveram um relacionamento longo e
intenso. Implica uma situação em que um indivíduo ainda traz consigo muitas emoções não
expressas acumuladas. Podem ser antigos ressentimentos, frustrações, dores e culpas ou até
mesmo amor e apreço não expostos.
A presença destas emoções que não foram expressas, não possibilita fechar o
relacionamento, até porque muitas vezes a pessoa não está mais presente para ouvi-las. Uma
das formas que isso pode ser feito é a pessoa expressar em fantasia os seus sentimentos em
relação ao outro que partiu.
As pessoas também adquirem ganhos secundários por não se soltarem. A título de
exemplo, a reacção de adaptação ao divórcio seria, cada pessoa expressar os sentimentos que
ainda tivesse, que cada um seguisse o seu caminho, mas em vez disso, a maioria das pessoas
divorciadas continuam a persistir num tipo de guerrilha, particularmente em situações de
questões de poder paternal relativo às crianças.
Outro factor que dificulta a despedida é a indisponibilidade para experienciar a dor e
sentirem que se libertaram, ou seja, o medo de sentir dor: dor da separação, do vazio ou da
saudade. Outras vezes, evitam dizer adeus porque sentem que libertarem-se, nomeadamente
de um ente querido morto, é uma desonra para eles.
Alguns autores (Ferreira, Leão & Andrade, 2008) expõem que no luto por morte do cônjuge
existe, a necessidade de aprender novos papéis, sem o apoio da pessoa com quem se
costumava contar. O luto é uma vivência de crise, e engloba alterações no nível de planos,
hábitos, costumes, circunstâncias e comportamentos. A falta do cônjuge traz sensações
subjectivas de insegurança, incapacidade e desprotecção.
CONSEQUÊNCIAS DA PERSISTÊNCIA
Ao depararem-se com a perda de alguém à qual a pessoa se sente próxima, são
suscitados sentimentos e manifestações corporais, como dor, tristeza, choro fácil, respiração
permeada por suspiros, apatia. (Eizirik, Michels & Gazal, 1998; Lira, 2005; Parkes, 1998 cit. por
Ferreira, Leão & Andrade, 2008).
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Assim sendo, os sintomas físicos e emocionais podem ser uma consequência da
persistência. As pessoas que apresentam muita dificuldade ou chegam mesmo a recusar-se
em dizer adeus, normalmente exibem sintomas emocionais. Há pessoas que por não
completarem o processo de luto, tornam-se cronicamente deprimidas de modo atenuado.
Permanecem num estado de apatia, melancolia e manifestam pouco interesse pela vida.
Outra consequência emocional comum da reacção de persistência é a atitude de
lamentação permanente e de auto-compaixão em relação a si próprio. Uma atitude de
culpabilizar e de se queixar da pessoa que partiu. Uma condição diferente é a pessoa que se
culpabiliza e sente-se culpada.
Outra forma das pessoas se protegerem da realidade neste casos é negarem o significado
da perda, aparente que esta é menos significativa do que na realidade, através de afirmações
como "ele não era um bom pai" ou "não éramos assim tão chegados” (Melo, 2004).
De acordo com Bowlby (s.d., cit.por Worden, 1991, cit. por Melo, 2004), mais cedo ou mais
tarde, a maioria dos indivíduos que evita o sofrimento consciente, acabam por cair em alguma
forma de depressão.
É ainda observado um outro sintoma relacionado com a inabilidade de estabelecer
relações de maior proximidade e intimidade. Alguém que vive fantasiando sobre o passado,
não permanece com as pessoas que estão “aqui e agora”.
ALGUMAS TÉCNICAS USADAS EM CONTEXTO PSICOTERAPÊUTICO QUE FACILITAM
“DIZER ADEUS”
Numa primeira fase, é fundamental no trabalho com alguém que apresenta resistência no
processo de dizer adeus, que este tome consciência da sua resistência ou persistência e, de
como a usa.
O dar-se conta é a capacidade que cada ser humano tem para perceber o que está a
acontecer dentro de si mesmo e do mundo que o rodeia. Por outras palavras, a capacidade de
compreender e entender aspectos de si mesmo e situações ou qualquer outra circunstância ou
acontecimento que suceda no seu mundo.
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O trabalho com assuntos pendentes é uma possibilidade de facilitar o processo saudável
de “dizer adeus”. Quando falamos de assuntos pendentes são realçados todos aqueles
sentimentos e emoções não resolvidos, que a pessoa ainda não se atreveu a expressar ou não
teve oportunidade de expressá-los no momento em que surgiram ou tomou consciência deles.
Perls (1976) sublinhou que os ressentimentos são os assuntos pendentes mais comuns e
importantes, e os que mais impedem terminar com uma situação ou relação. Nas relações de
intimidade o que ocorre é que depois de certo tempo se vão acumulando os ressentimentos e
as decepções não expressadas.
Para trabalhar os assuntos pendentes fazemos uma espécie de encontro com a pessoa
com a qual o paciente se encontra enganchado. Pedimos que expresse os sentimentos que
guarda por essa pessoa e que não conseguiu ainda expressar: zanga, dor, ressentimento,
amor, etc. Uma vez que a pessoa sente que já não tem mais coisas a expressar, perguntamos
se sente preparado para despedir-se. Se assim for, começa o processo de despedida. Pelo
tom de voz, pela postura podemos ver se realmente pode dizer adeus ou se ainda não está
preparado.
Os efeitos benéficos das despedidas em geral são duradouros e a pessoa vai adquirindo
maior interesse pela vida e pelas pessoas que a rodeiam. A energia desbloqueada com a
expressão dos assuntos pendentes faz com que a pessoa reapareça com uma vitalidade nova
e mais criativa.
PAPEL DO TERAPEUTA NO PROCESSO DE “DIZER ADEUS”
Salienta-se que a perda não provoca apenas dor ou tristeza, pode também ser
acompanhada por sentimentos de alívio, ira, vingança e culpa.
Com frequência nega-se o doloroso sentimento despoletado pela perda, pois é tentador
fugir da dor. O terapeuta no processo de despedida ou luto tem um papel fundamental de
apoio. Este apoio pode implicar simplesmente “estar presente” como ser humano,
testemunhando os acontecimentos, sentindo e demonstrando compaixão, ainda que mantendo
limites.
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Segundo Zinker (1997) ser testemunha de alguém, neste contexto, significa:
Permanecer com o processo da pessoa e ouvir.
Não pressionar por resultados.
Mostrar respeito pelo que estiver presente.
Ver a utilidade e mesmo a beleza do modo de o outro expressar o seu luto
Permitir-se ser um terreno firme no qual o outro possa estar.
A presença do terapeuta e seu testemunho permite que o outro veja o seu próprio
processo, em vez de fugir de si mesmo, que tenha awareness da dor e da sensação
de desamparo.
O terapeuta relembra, reconhece, fortalece, conforta e testemunha, raramente afirma a sua
própria sabedoria ou o seu heroísmo.
Parece não existir um processo certo ou errado para o luto. Alguns autores reconhecem
aspectos do luto como a negação, aceitação, raiva e tristeza.
CONCLUSÃO
Em última análise, o luto pode ser entendido como o processo psicológico para elaborar a
perda de um “objecto” significativamente emocional para alguém. As experiências de perda
acontecem dentro de estruturas básicas da nossa sociedade, com casais, amizades, famílias e
equipes de trabalho. De acordo com Zinker (1997) o espírito humano é nutrido nos
relacionamentos e sofre as suas perdas também por intermédio deles. A perda não segue
regras nem lógica.
Podemos ter um luto pela perda de um emprego, a perda de uma casa, um amigo com o
qual nos zangamos, de um filho que se autonomiza. Habitualmente falamos de processo de
luto quando a perda é “para sempre”, devido a uma separação, um divórcio ou mesmo a morte
de um ente querido, mas tal não tem de se verificar.
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Retrieved February 24, 2011 from https://dspace.ist.utl.pt/bitstream/2295/165439/1/Luto.pdf.
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Press
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15:00 – 15:30
Mudança em Psicoterapia e a utilização de imagens mentais como
ferramenta para a activação emocional
António Norton
RESUMO:
Este artigo pretende reflectir sobre a mudança em psicoterapia, realçando a importância da
utilização das estratégias imagéticas.
Será feita uma breve exposição do uso das estratégias imagéticas em várias correntes da
psicoterapia, com especial destaque para a Psicoterapia de Focagem Emocional.
Palavras chave: Psicoterapia, Mudança, Imagens mentais.
IMAGENS MENTAIS... QUAL A SUA RELEVÂNCIA PARA A PSICOTERAPIA?
Durante o período do domínio do Comportamentalismo não fazia qualquer sentido falar de
imagens mentais. Tal era considerado uma divagação de carácter especulativo e contrária a
qualquer exigência e rigor objectivo e científico. A psicoterapia visava a mudança do
comportamento, através do ensaio de novos comportamentos, usando reforços e punições.
Com a revolução cognitiva surgiu outra liberdade e aceitação perante outras visões da
mudança em psicoterapia. A mudança deixou de ser unicamente exterior para passar a
admitir a abertura ao universo interior. Mudar não significa mudar apenas o comportamento,
mas vivênciar interiormente as emoções que pautam essa mudança.
Mas porque razão é importante recorrer à mudança interior? Não bastará mudar os
comportamentos, de uma forma objectiva e pragmática?
Por vezes, a mudança exterior, por sí só, conduz a mudanças de percepção e de vivência
emocional. Mudando determinados hábitos, invertendo determinados ciclos disfuncionais é
possível mudar interiormente, porém estas estratégias de carácter mais
comportamentalista, sem estarem aliadas ou alicerçadas numa vivência emocional da
mudança acabam, muitas vezes, por ser insuficientes e limitadas. Muitas vezes é necessária a
mudança interior... Mudando o interior, construindo outra preparação emocional, o
confronto com as exigências do exterior terá outro impacto.
Quando o sujeito clínico confronta-se com as suas inseguranças, os seus medos, os seus
fantasmas, as suas emoções, os seus assuntos inacabados, as suas divisões interiores e
reencontra a sua auto-estima, a sua segurança interior, quando o processo terapêutico
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permite outro nível de reconstrução da auto-estima, então “o mundo lá fora” será encarado
com outra segurança e confiança e a mudança do comportamento terá outro sucesso.
MUDAR INTERIORMENTE...
Mudar interiomente significa ter outra vivência emocional perante determinados estímulos.
Significa aceder a outros padrões emocionais funcionais e adaptativos perante a exposição a
determinadas situações quer internas, ligadas a memórias, quer externas, ligadas a pessoas,
objectos, contextos...
Mudar interiormente significa falar de emoções... Para facilitar a mudança interior no sujeito
clínico temos de chegar às emoções. E como chegamos às emoções em Psicoterapia? Primeiro
é importante perceber onde encontrá-las...
Existem dois canais de comunicação ou de apreensão das emoções: Um canal exterior e outro
interior.
O canal exterior é constituido por dois tipos de comportamento: O comportamento verbal e o
comportamento não verbal.
Quando falamos de comportamento verbal do sujeito clínico falamos de discurso verbal, do
uso das palavras, da escolha das palavras, da enfase com que as palavras são ditas, da
cadência do discurso, das pausas no discurso, das paragens abruptas, enfim de tudo o que é
possível apreender através da observação atenta e cuidada das particularidades do discurso
verbal.
Quando falamos de comportamento não verbal no sujeito clínico estamos a falar de gestos, da
posição que o sujeito clínico escolhe para se sentar, dos tiques que tem durante a sessão, da
expressão facial, do tremer do seu corpo, da expressão do seu olhar, enfim de tudo o que é
possível apreender através da observação do comportamento não verbal.
Relativamente ao canal interior, este é formado justamente pelas imagens mentais que
povoam, ilustram e coloram as emoções. Falar do canal interior é portanto falar de imagens
mentais.
Portanto, podemos encontrar emoções no sujeito clínico através das suas palavras, dos seus
gestos e das suas imagens mentais, sejam elas memórias, fantasias, sonhos, e.t.c.
Mas para se darem mudanças interiores, não basta perceber onde se encontram as
emoções... É importante provocar a sua activação, de modo a permitir a ressonância
emocional no sujeito clínico, ressonância essa, fundamental para a sua mudança interior.
Resumindo até agora as principais ideias defendidas: A mudança em psicoterapia implica
mudança interior,ou seja, chegar às emoções, através dos canais exterior e interior, activar
as emoções e permitir a sua ressonância emocional.
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Onde entra o destaque das imagens mentais? Ou, por outras palavras, a que se deve a sua
importância, defendida neste artigo?
Para falar sobre a sua importância talvez seja relevante falar sobre as limitações dos canais
exteriores.
Relativamente ao comportamento verbal:
O discurso verbal, muitas vezes é confortável, racional, estruturado, equilibrado, preparado,
defendido, estratégico, ensaiado. Por vezes, pouca activação emocional produz...
Muitas vezes, é uma zona de conforto para o sujeito clínico. Mesmo que ocorram falhas no
discurso, quebras, lapsos de memória ou outros micromarcadores emocionais (Greenberg et
al, 2004) muitas vezes estes micromomentos não permitem uma activação emocional intensa.
Ou seja, surgem estas falhas no discurso, o possível significado emocional dessas falhas é
trabalhado, mas rapidamente o sujeito clínico entra novamente em “piloto automático”, com
baixa ressonância emocional.
Segundo Lusebrink (1990), quando os eventos são codificados na forma de linguagem, tornamse abstractos e perdem o seu impacto sobre a nossa experiência (Singer & Pope,1974,1978).
Quanto ao comportamento não verbal, pode ser muito rico em termos de informações que dá
ao terapêuta, mas muitas vezes é um microdesconforto que se provoca...Rapidamente o
sujeito clínico, recupera o seu aparente conforto. O terapeuta pode reparar que o sujeito
clínico quando está a falar, por exemplo sobre o seu pai, cerra o punho. Pode lhe devolver o
que está a ver e pedir para ele prestar atenção a tal e perceber o que sente quando fala do
seu pai,mas por vezes, após este momento de alguma ressonância emocional volta o discurso
verbal e a baixa ressonância emocional.
Perante as limitações que,por vezes se encontram na tentativa de activação emocional
utilizando as informações fornecidas pelos canais verbal e não verbal surge a opção válida de
explorar as possibilidades fornecidas pelas imagens mentais.
Imagens mentais são representações internas de aspecto concreto, ou seja, são semelhantes a
experiências sensoriais mas ocorrem na ausência das condições estimulatórias que
genuinamente provocariam estas últimas (Richardson, 1964,1983).
Segundo Sheikh e Jordan (1983) as imagens mentais permitem a expressão de uma gama mais
ampla de conteúdos que a possibilitada pela linguagem verbal, além de permitir suplantar
limitações verbais em certos tipos de população.
O uso da imagética, do foco na imagem mental permite um maior contacto com um lado mais
íntimo, mais reservado e mais emocional. Permite um encontro mais profundo com as
emoções, conduzindo, muitas vezes, a uma maior activação emocional, fundamental para a
intensificação da distonia, chave da mudança terapêutica.
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Uma das vantagens do trabalho com imagens é a sua riqueza plástica. Perante uma imagem
mental o terapêuta poderá fazê-la encolher , aumentar, aproximar, distanciar. Alterando
componentes da imagem é possível alterar e induzir mudanças emocionais significativas.
Grande parte da literatura está voltada para aspectos visuais (Pinker e Kosslyn, 1983;
Richardson, 1983), mas as imagens mentais também podem ser analisadas sobre outras
modalidades sensoriais (Bandler & Grinder, 1982; Lusebrink, 1990; Richardson, 1969, 1983).
Existem várias estratégias que podem ser usadas através das imagens mentais:
-Plasticidade (Aumentar, encolher, distanciar, aproximar)
-Exploração dos cinco sentidos (cada imagem tem cores, cheiros, sabores, sons,
texturas... Todas estas informações e a exploração do que pode ser apreeendido por
uma imagem poderá contribuir para a activação emocional.
-Captação do seu significado (Cada imagem mental contém uma cognição sobre o
sujeito clínico, os outros e o seu mundo...Tal exploração é muitas vezes rica)
-Sensação corporal (Aceder a imagens mentais, permite activações emocionais que se
manifestam visceralmente no corpo, as informações que daí podem advir são algo
muito valioso no processo terapêutico).
Algumas utilizações das imagens mentais em várias correntes da Psicoterapia
Desde os primórdios da Psicoterapia que as imagens mentais tiveram um papel de destaque.
Freud (1900) e Breuer exploraram as imagens traumáticas dos seus sujeitos clínicos,
recorrendo à indução hipnótica.
Freud e Jung ( 1961) e os seus seguidores sempre se serviram da interpretação das imagens
mentais oniricas, para chegar ao Inconsciente, através da análise dos sonhos.
As terapias de natureza Cogntivo-Comportamental (CBT) utilizam algumas estratégias
imagéticas com grandes resultados do ponto de vista estatístico. Algumas das mais utilizadas
são:
Dessensibilização sistemática (Wolpe, 1978), onde o sujeto clínico é convidado a imaginar
estimulos que lhe provocam cada vez maior ansiedade, enquanto o seu corpo produz uma
contra-resposta de relaxamento profundo.
Modelagem coberta (Kazdin, 1978) , onde o sujeito clínico procura imaginar o seu modelo a
realizar eficazmente um determinado comportamento ou o sujeito clínico imagina-se a
realizar, passo a passo um comportamento seleccionado.
A terapia ACT, com principios na Terapia de Mindfullness, desenvolve no sujeito clínico uma
atitude de aceitação passiva perante as imagens mentais, as emoções e as cognições que
surgem resultantes de um determinado problema.
A terapia EMDR usa estratégias imagéticas para recriar imageticamente um lugar seguro, para
rememorar um acontecimento traumático e todo o trabalho em EMDR vive da vivência interior
do sujeito durante o processo de estimulação bilateral.
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A terapia de Focagem Emocional( Greenberg et al,2004) utiliza várias estratégias imagéticas
para promover a ressonância emocional no sujeito clínico, aqui ficam algumas:
Focagem (Gendlin, 1981) – Consiste numa técnica usada quando o sujeito clínico tem uma
sensação vaga, difusa e pouco clara, uma sensação vaga de ansiedade, ou um sentimento
desconfortável por qualquer coisa ou por alguém. O sujeito é convidado a simplesmente
fechar os olhos e a permancer alerta perante o que ainda não se formou na sua mente
(Leijssen,1990). Remete para um estado semelhante ao da meditação ou ao estado de
“mindfulness” (Linenhan, 1993), (Segal, Williams e Teasdale, 2001). Mas a sua mente não está
vazia, mas sim focada num objecto interno especifico que poderá ser uma doença, um outro
significativo, um emprego, na sua essência algo relacionado com a sensação difusa).
O objectivo último é o de permitir uma mudança na sensação difusa, justamente encotrando
a imagem mental, a palavra e necessidade que se encontra nesta sensação difusa.
Criar um espaço interno (Gendlin, 1981)- Está técnica é usada quando o sujeito clínico
apresenta dificuldades na regulação das suas emoções, podendo apresentar um excessivo
distanciamento emocional ou uma intensa sobrecarga de emoções. É pedido para imaginar um
espaço interno, um lugar seguro, real ou criado para o momento e um objecto contentor,
como por exemplo uma caixa, um armário, onde se poderão colocar temporariamente os
vários problemas enumerados previamente. Esta estratégia permite reequilibrar a regulação
emocional, ajudando o sujeito clínico a voltar ao aqui e agora terapêutico.
Desenrolar evocativo sistemático (Rice & Saperia,1984)-Esta éuma estratégia imagética usada
quando o sujeito clínico refere surpresa perante reacções emocionais inesperadas presentes
num determinado contexto. É pedido ao sujeito para fechar os olhos e para voltar ao
acontecimento onde se desencadeou a reacção emocional e para o relatar com o maior
detalhe possível como se estivesse a observar um filme.
Estas são apenas algumas técnicas que utilizam as estratégias imagéticas para promover a
activação emocional e a mudança em psicoterapia. Existem muitas outras aplicações das
estratégias imagéticas.
Por último gostaria de reflectir sobre o avanço do emprego das estratégias imagéticas. Cada
vez mais existe um interesse pela interioridade, pela viagem interior, pela procura da
compreensão do próprio. Estamos perante a mudança de uma paradigma, de uma visão do
mundo. Passámos do exterior para o interior, do comportamento físico e observável para a
subjectividade intima da experiência emocional.
Finalizo com algumas questões em aberto: Qual a direcção que a Psicoterapia vai tomar nos
próximos anos? Que novas correntes de Psicoterapia surgirão aliadas ao emprego das imagens
mentais? E que papel terão as imagens mentais no futuro da Psicoterapia?
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Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1900).
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16:00 – 16:30
Ansiedade da morte e imortalidade simbólica no contexto
psicoterapêutico
Irina António / Isabel Policarpo
A ansiedade faz parte da nossa existência, de facto enquanto estamos vivos sentimos sempre
uma certa ansiedade perante tudo aquilo que é desconhecido, e particularmente perante a
morte.
Pese embora a morte e o morrer se encontrem de forma dissimulada na nossa sociedade, a
morte é inevitável. Ela pertence a todas as idades e condições, e está na origem de muitos
sintomas e doenças psíquicas, como a ansiedade, as insónias, a depressão, as doenças
psicossomáticas, bem como diferentes medos e obsessões.
A morte é um fenómeno complexo e interligado com o fenómeno da vida. Quando se fala de
morte, esta pode não ser tão somente física, mas também intelectual – no estado psicótico,
ou social – na perda do contacto com pessoas significativas ou na perda do estatuto, ou ainda
espiritual – quando há perda de ideais e/ou mudança de valores e princípios. Algumas fontes
de investigação sobre a morte definem o sofrimento psicológico como a morte psíquica: com
a morte da pessoa, portadora de uma “antiga” maneira de estar, abre-se uma oportunidade
para nascer uma “nova” pessoa.
Se a morte é a única certeza que temos na vida, importa saber como lidam os psicólogos
com a morte, um aspecto que pode ser relevante na prática clínica, uma vez que muitos são
os autores que entendem que o medo da morte é universal e que qualquer medo simboliza,
no fundo, o medo da morte.
Falar sobre a morte, seja do outro ou a de si próprio é uma tarefa difícil na actualidade, mas
nem sempre foi assim (Ariès, 1975). Só nos últimos séculos a morte e o morrer ganharam uma
conotação francamente negativa, sendo concebidas como fracasso e como inimigos.
Com a melhoria das condições de vida e com os avanços da medicina, a esperança de vida
aumentou e a morte foi sendo empurrada para idades mais avançadas, criando-se a ideia de
que a medicina será capaz de resolver todos os problemas.
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Vivemos assim como se fossemos imortais, mantemos a morte afastada e escondida nos
hospitais, mas por vezes ela impõe-se e torna-se presente, o que nos obriga a nomeá-la e a
pensá-la. O medo da morte é algo que a maioria das pessoas apenas experiência quando as
circunstâncias de vida a colocam perante a morte de alguém que lhe é próximo ou quando lhe
é diagnosticada uma doença grave.
O medo ou ansiedade perante a morte pode ser definido como um medo mais ou menos
concreto ou difuso, daquilo que rodeia o acto próximo e imediato de morrer, e daquilo que
eventualmente ocorrerá para além da morte.
Trata-se de um medo que vamos adquirindo ao longo do processo de socialização. O homem,
ao contrário dos outros animais, tem consciência do fim da vida. O conhecimento de que
vamos morrer obriga-nos a confrontarmo-nos com o nosso medo de sermos finitos. A morte
constitui-se como uma fonte de ansiedade, stress e medo, sendo considerada pela maioria dos
autores como um medo universal.
A nossa maior angústia consiste em deixarmos de ser e existir, ou seja a ansiedade perante a
morte e o homem aprendeu a lidar com ela, criando formas simbólicas que lhe permitem
estender-se cronologicamente para além da sua existência (Lifton, 1979).
Assim, perante a consciência da nossa finitude surgiu a necessidade de preservar e
desenvolver o sentido de continuidade e de duração após a morte, ou seja o desejo de
imortalidade simbólica. Este conceito corresponde ao sentimento que todos temos de fazer
parte de algo maior, com mais significado, com mais duração, do que simplesmente a nossa
própria existência.
De acordo com Lifton o desejo de imortalidade simbólica é uma necessidade básica e
universal do ser humano. A necessidade de continuidade com os vários elementos da vida,
para além do tempo e do espaço, relaciona-se com o desejo e o sentimento de continuar a
viver após a morte. Os diversos modos de imortalidade simbólica conectam-nos com o
presente e com o passado, ligando-nos aos que já partiram e aqueles que vão ficar quando
morrermos e que nos irão relembrar. Esta busca de imortalidade simbólica assegura que a
nossa identidade continuará a viver mesmo após o desaparecimento do corpo físico.
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Viktor Frankl foi um dos primeiros autores a constatar o quão importante é a questão do
sentido da vida. As pessoas que conseguem projectar-se no futuro e que têm um “para que”
viver conseguem na sua maioria suportar as situações adversas da vida.
É importante que o terapeuta tome consciência da sua própria ansiedade da morte.
Efectivamente, no contacto com ansiedade de morte do cliente, o terapeuta também pode
sentir sensações de impotência e a ansiedade, bem como sentimentos de falta de segurança.
É importante que o terapeuta crie e forme o seu próprio “sistema explicativo”, isso ajuda-o a
encontrar um ponto de orientação no trabalho com questão da morte do cliente, facilitando
ainda o encontro dos pontos de vista. Neste sentido, o movimento de abertura na direcção da
tomada de consciência e, mais importante, da aceitação do medo da morte, ajuda a baixar
ansiedade e promove a aproximação a outros temas do mundo interno, que podem ter ficado
bloqueados pela ansiedade. Na formação do “sistema explicativo” o conceito da imortalidade
simbólica, com as suas cinco categorias pode ser bastante útil.
Segundo Yalom, o sistema de orientação do terapeuta, permite controlar melhor o material
apresentado pelo cliente, ao mesmo tempo que alimenta a auto-segurança do terapeuta e
desperta no cliente uma sensação de confiança. O terapeuta não se “sente inundado” pelo
tema, e mais importante, transmite ao paciente a mensagem de que não existem temas tabu
- qualquer assunto pode ser discutido, todas as preocupações do cliente são no fundo
partilhadas por todos os seres humanos.
Nesta investigação estamos interessados em avaliar de que forma os psicólogos lidam com a
sua ansiedade de morte e as estratégias que desenvolvem para atingir a imortalidade
simbólica. Em última instância, a resposta a estas questões permite-nos perceber em que
medida estamos preparados para trabalhar com a ansiedade de morte dos nossos clientes.
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Interacção Terapeutas-Clientes e mudança narrativa: estudo de caso
16:30 – 17:00
Inês Franco Alexandre
INTRODUÇÃO
1.1. A PERSPECTIVA CONSTRUCIONISTA SOBRE O PROCESSO TERAPÊUTICO
A abordagem construcionista perspectiva o indivíduo como estando em contínua relação com
o meio que o rodeia, utilizando os recursos sociais e culturais na construção da significados
sobre si e sobre o mundo. A prática terapêutica é entendida, nesta perspectiva, como uma
construção conjunta entre terapeutas e clientes, um processo conversacional que permite aos
indivíduos adaptar-se e integrar-se através da construção de novos significados (e.g. Anderson
e Goolishian, 1992). Nesta abordagem, a comunicação torna-se um dos principais focos de
estudo e há uma mudança de atenção dos processos individuais para os relacionais.
1.2.IDENTIDADE E NARRATIVA
A identidade corrresponde, numa perspectiva construccionista, à nossa descrição de nós
mesmos, construída e moldada através das relações que estabelecemos com os outros. Alguns
autores consideram que a coerência e continuidade no tempo nos são dadas através de uma
estrutura narrativa, que estará presente no discurso que fazemos de nós próprios e dos outros
(e.g. Lax, 1992; Bruner, 2002/2004; Gonçalves, 2001; Botella, Herrero, Pacheco e Corbella,
2002; Mac Adams, 2001; White & Epston, 1990).
As pessoas dão significado às suas vidas e às suas relações com os outros transformando em
história a sua experiência (White & Epston, 1990). É no contar e recontar desta história, aos
outros e a nós mesmos, que ela se vai construindo.
OBJECTIVOS
Os principais objectivos deste estudo são:
- Desenvolver o método de análise estrutural das narrativas como ferramenta de
avaliação da mudança terapêutica
- Utilizar o método de análise conversacional para estudar a interacção entre
terapeutas e clientes
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- Explorar a relação entre os objectivos dos terapeutas e a mudança narrativa dos
clientes
METODOLOGIA
Neste estudo propomos a análise qualitativa de um caso de terapia de casal.
A análise do caso é feita a dois níveis: análise estrutural das narrativas dos clientes; análise
da interacção entre terapeutas e clientes.
3.1. NARRATIVAS: RECOLHA E ANÁLISE
As narrativas do casal foram recolhidas em dois momentos: antes de iniciado o processo
terapêutico e depois de terminada a primeira fase (após seis sessões). A recolha das
narrativas dos clientes foi realizada através de uma entrevista não estruturada, sendo
colocada apenas uma pergunta inicial em que era pedido ao casal que falasse sobre a sua
história (passado, presente e futuro) e sobre os acontecimentos relevantes que terão
contribuído para fazer da família o que ela é actualmente.
Foi pedido ao casal que um dos elementos fosse o narrador da história, podendo o outro
elemento intervir sempre que o desejasse.
Neste estudo, foi realizada uma análise estrutural das narrativas produzidas. Esta análise
permite uma percepção global sobre a história narrada. As narrativas são divididas em trechos
de discurso que correspondem a um objectivo final, ou ponto final (por exemplo, quando os
clientes contam como se conheceram, ou como surgiu um problema) (Feixas e Botella, 2003).
Cada trecho é classificado enquanto contendo uma estrutura progressiva, regressiva ou
estável (negativa ou positiva), relativamente ao seu ponto final (Feixas e Botella, 2003;
Gergen, 2009). Caso se considere que na narrativa apresentada o foco da história é no avanço
(relativamente ao seu ponto final, à sua meta, ao seu objectivo), esta é classificada como
progressiva. Caso, pelo contrário, o foco da história seja no declínio, em relação ao seu ponto
final, a narrativa é classificada como regressiva. No caso de não haver nem avanço nem
declínio, a narrativa é classificada como estável. Assim, é possível definir uma linha temporal
composta por períodos de progressão, regressão e estabilidade ou longo do tempo, que
constituirá a percepção global dos clientes sobre a sua história de vida.
Os trechos discursivos são ainda classificados quanto à atribuição que o narrador faz sobre o
ponto final (interna, externa ao cônjuge, ou externa/outros factores) e quanto à posição do
sujeito narrador (activa, passiva ou não definida).
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3.2. INTERACÇÃO TERAPEUTA CLIENTES: RECOLHA E ANÁLISE DAS SESSÕES DE
TERAPIA
As três sessões de terapia deste casal foram gravadas em DVD. Posteriormente, foram
transcritos excertos de dez minutos de todas as sessões para análise. Adicionalmente, foi
transcrito e analisado o momento apontado pelo casal como tendo sido o mais importante no
seu processo de mudança (recolhido através de entrevista ao casal no final da terapia).
Através da análise conversacional das sessões foi possível extrair os principais objectivos dos
terapeutas, as estratégias discursivas utilizadas para os concretizar e o tipo de respostas dos
clientes às acções discursivas dos terapeutas.
CONCLUSÕES
A análise das sessões referentes ao processo inicial, permitiu constatar uma evolução do tipo
de processo terapeutas-clientes: nas primeiras sessões verifica-se que os terapeutas utilizam
muitas estratégias que têm, de uma forma geral, a função de escuta activa ou de
transformação muito apoiada em material dos clientes. São utilizadas muitas formulações,
reguladores e perguntas, tratando-se assim de estratégias conversacionais características da
formação de alianças e empatia relacional terapeuta-cliente. Ao longo das seis sessões
verifica-se um crescendo no número de opiniões por parte dos terapeutas, ou de outras
estratégias que têm a função de oposição e contradição dos clientes, estratégias que se
pretendem mais activas e de transformação mais directa e externa ao casal.
Ao longo das sessões, observa-se que a maior parte das respostas dos clientes são esperadas,
mas que também aumenta o número de respostas não esperadas (ou se esperadas, com
continuação do registo de queixa de um elemento sobre o outro) quando os objectivos dos
terapeutas são, de alguma forma, de contraposição dos clientes. A última sessão é
paradigmática, uma vez que grande parte dos objectivos implica estratégias de confronto dos
clientes por parte dos terapeutas. As respostas da cliente são quase sempre não esperadas,
não correspondendo ao pedido e objectivos dos terapeutas, e desconfirmando o seu discurso.
É de salientar que, tanto Madalena quanto Hugo, na última entrevista, referem esta sessão
como tendo sido a mais importante em termos de transformação no casal, apesar de
verificarmos a resistência de Madalena em aceitar o pedido dos terapeutas. Estes dados
levam-nos a pensar sobre a importância de estratégias mais activas e de confronto dos
clientes na produção de transformações, sem no entanto esquecer a necessidade de,
concomitantemente, mostrar aos clientes que estes são aceites e compreendidos.
Relativamente à estrutura, verificamos que na última narrativa do casal existe um ponto de
viragem entre a estrutura regressiva do período anterior e o período presente. Este ponto
parece especialmente importante, tanto no elemento masculino como no feminino, sobretudo
na postura activa dos dois elementos na estrutura progressiva actual. A criação de
acentuações entre os períodos regressivos e os progressivos pode ser importante para criar
posturas de acção na resolução dos problemas.
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Uma vez que as grandes estruturas narrativas disponíveis culturalmente são utilizadas pelos
indivíduos para dar significado à sua experiência e para se sentirem parte integrante da
sociedade, a análise estrutural das narrativas dos clientes torna-se não só teoricamente
relevante mas revela-se também como uma boa ferramenta de avaliação do progresso da
mudança, permitindo uma perspectiva global do ponto de vista dos próprios clientes. Pode
ainda ser utilizada como meio de comunicação entre terapeutas e clientes sobre o tema da
mudança terapêutica, possibilitando aos clientes uma diferente perspectiva sobre a sua
evolução.
A análise conversacional das sessões de terapia permite aos terapeutas uma análise dos
micro-processos comunicacionais envolvidos no acto terapêutico e a sua relação com os
processos de mudança.
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Botella, Herrero, Pacheco e Corbella (2002). In L. Angus & J. McLeod (Eds.). The Handbook of
Narrative ad Psychotherapy. London: Sage
Bruner, J. (2002). The Narrative Creation of Self. In L. Angus & J. McLeod (Eds.). The
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Bruner, J. (2004). Life as narrative. Social Research. Vol 71: No3
Elliott, R. Slatick, E. and Urman, M. (2001) Qualitative Change Process Research on
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Feixas, G. & Botella, L. (2005). Las Técnicas Subjectivas. In C. Rosset (Ed.). Evaluación
Psicológica: Concepto, proceso y aplicación en las áreas del desarrollo y de la inteligencia.
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Gergen, K. (2009). An Invitation to Social Construction. London: Sage
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Gonçalves, Henriques e Machado (2002). L. Angus & J. McLeod (Eds.). The Handbook of
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Lax, W. D. (1992) Postmodern thinking in a clinical practice. In S. McNamee & K. Gergen
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Wagner J, Elliott R. (????) The Simplified Personal Questionnaire. Unpublished
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17:00 – 17:30
Perfeito, quanto sofres? A necessidade de atingir padrões de
excelência como estratégia de coping na personalidade narcísica
Nuno Mendes Duarte
Have no fear of perfection - you'll never reach it.
Salvador Dali
Ao longo da nossa prática clínica, independentemente de critérios de diagnóstico, existem
determinadas características dos nossos pacientes que nos confrontam com a dúvida sobre a
adaptabilidade do estilo de funcionamento dos mesmos. Neste artigo, dedico-me a uma breve
revisão sobre o perfeccionismo e o seu impacto na perturbação narcísica de personalidade,
reflectindo algumas propostas de intervenção específicas que derivam da prática clínica.
O perfeccionismo tem sido definido como um desejo privado de atingir a perfeição, um
impulso para atingir objectivos irrazoáveis e sem mácula, no fundo um esforço para ser
perfeito e evitar qualquer erro ou falha (Powers et al. 2004). Grande parte dos estudos
anteriores consideravam o perfeccionismo um construto unidimensional, na medida em que se
focam em cognições auto-dirigidas, apenas com referências implícitas a outras dimensões.
Segundo diversos estudos, o perfeccionismo adaptativo está positivamente correlacionado
com factores de personalidade como conscienciosidade, abertura à experiência e extroversão.
Estes resultados também suportam as conceptualizações de construtos que indicam que os
sujeitos que possuem padrões elevados procuram atingir elevados níveis de desempenho e
que parecem ter associadas características de competência e foco no êxito
(conscienciosidade), originalidade e imaginação (abertura à novidade) e assertividade
associada a emocionalidade eufórica (extroversão).
Para a compreensão das correlações entre a adaptabilidade do perfeccionismo e os estilos de
vinculação adultos relacionados com ansiedade (modelo de self) e evitamento (modelo do
outro) (Bartholomew e Horowitz), podemos debruçar-nos sobre a análise de Ulu e Tezer
(2010) segundo a qual, os indivíduos que apresentam perfeccionismo desadaptativo possuem
modelos de funcionamento negativos relativos a si próprios e aos outros e os seus estilos de
vinculação são ansiosos e evitantes, respectivamente.
Assim, estes estudos colocam-nos perante uma questão importante relativamente ao
perfeccionismo desadaptativo, pois quando surge um desafio, os indivíduos com este
funcionamento irão relatar falta de confiança, medo de falharem, sentimentos de abandono
ou rejeição porque têm a percepção que assim que forem descobertos os outros os irão
ignorar. Outro exemplo claro que decorre do perfeccionismo desadaptativo associa-se aos
indivíduos que nunca, ou raramente, estão satisfeitos com o seu desempenho, mesmo quando
indicadores objectivos denotam que deveriam estar bastante satisfeitos com os resultados.
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Esta luta desenfreada por cumprirem objectivos inalcançáveis determina que as tendências
de acção destes indivíduos estejam orientadas para satisfazer necessidade de produtividade
em detrimento da necessidade de tranquilidade.
Ulu e Teze (2010) acrescentam que a diferença principal entre perfeccionismo adaptativo e
desadaptativo reside na forma como o primeiro está mais orientado para o self e a melhoria
de competências do mesmo, e o segundo tem uma componente interpessoal, que implica as
expectativas dos outros significativos e o receio de sofrer com as críticas dos mesmos.
Resumindo o perfeccionismo desadaptativo parece obedecer à máxima “Se eu for perfeito, os
outros vão gostar de mim”.
Outros estudos ajudam-nos a compreender variáveis adicionais relativamente ao
perfeccionismo adaptativo ou desadaptativo. Uma destas variáveis é a auto-crítica, vista
aqui, como a tendência a focarmo-nos nos aspectos negativos do nosso auto-conceito, da
nossa vida, e do feedback que recebemos dos outros. A auto-crítica está associada a três
dimensões fundamentais: orientada para si próprio, orientada para os outros, prescrita
socialmente. Estes resultados que numa primeira análise poderão parecer estranhos, apontam
a possibilidade de estarmos perante um construto que poderá ser proveniente de diferentes
fontes (falhas do self, falhas dos outros, ou ser criticado pelos outros) como justificação para
as diferentes dimensões que o constituem (Hewitt&Flett, 1991).
Juntamente com a auto-crítica existe um outro conceito importante que nos pode ajudar a
compreender o perfeccionismo, e que envolve a existência da tendência que qualquer pessoa
tem para melhorar e tentar superar-se em cada desafio que a vida lhe coloca, aquilo a que
podemos chamar auto-melhoria. Tanto a auto-crítica como a auto-melhoria podem combinarse entre si de formas adaptativas ou desadaptativas (Sedikides&Luke, 2007). Quando as duas
se combinam para melhorar o nosso funcionamento temos acesso a uma componente bastante
adaptativa. Conseguimos facilmente depreender que quando nos confrontamos com uma
situação em que a realidade nos dá feedback indisputável e através da qual temos de nos
confrontar com as nossas próprias limitações activamos auto-crítica moderada, para nova
regulação através de auto-melhoria ajustada ao feedback fornecido. Se por alguma razão
recebemos feedback crítico sobre quem somos, iremos sentir alguma emoção dolorosa que
obriga a que nos questionemos sobre o que nos foi dito. Se sabemos que incide sobre algum
traço modificável vamos transformar esta auto-crítica numa hipótese de melhoria, na qual
redunda, por exemplo, uma maior percepção de controlo sobre o futuro. Ainda outro exemplo
da capacidade adaptativa resultante da auto-melhoria e da auto-crítica surge na sequência de
um momento de humor elevado, ou ao recordarmos uma experiência de sucesso, em que
procuramos feedback apurado que nos permita saber o que podemos melhorar ainda mais,
mesmo que esse feedback inclua algum tipo de crítica ou visão das nossas limitações. Nestes
três casos a auto-melhoria e a auto-crítica, emparelhadas, resultam de forma adaptativa
através de um sentido de controlo mais forte, elevação da percepção de auto-eficácia e
aumento da satisfação com a vida.
Ao possuirmos uma visão mais abrangente do perfeccionismo e das suas características
adaptativas e desadaptativas possuímos agora elementos para nos debruçarmos sobre a
relação deste com a perturbação narcísica da personalidade. Segundo Young (2003), os
pacientes com perturbação narcísica da personalidade possuem um de três modos de
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funcionamento (criança sozinha, auto-engrandecimento, auto-apaziguamento desligado) que
utilizam de forma predominante e que está relacionado com a existência de perfeccionismo.
Tendencialmente, o modo de auto-engrandecimento requer admiração por parte dos outros e
tende a ser muito crítico dos outros. Sabemos da literatura que comportamentos
competitivos, retaliar com zanga a desprezo percebido e querer ter sempre razão são alguns
exemplos de mecanismos compensatórios pois, no fundo, estes pacientes sentem-se
inferiorizados e insultados. Tipicamente é neste modo que os narcísicos funcionam e o que
verificamos é a sua tendência para se comportarem de forma abusiva, competitiva, grandiosa
e orientada para a busca de estatuto. Neste modo de funcionamento, eles tendem a mostrar
superioridade e desejam admiração. Importa diferenciar que o perfeccionismo está
normalmente relacionado com três dimensões: perfeccionismo orientado para o próprio;
perfeccionismo orientado para outros e perfeccionismo prescrito socialmente (Hewitt&Flett,
1991) e que os pacientes com perturbação narcísica da personalidade se caracterizam por
níveis mais elevados de perfeccionismo orientado para os outros e perfeccionismo prescrito
socialmente (McCown e Carlson, 2004). Desta forma, compreendemos que os seus mecanismos
de coping, tal como, procurar reconhecimento e estatuto sejam particularmente salientes no
que concerne às suas percepções de desempenho.
Se pensarmos na forte necessidade dos pacientes narcísicos se sentirem admirados por outros,
da sua resposta comportamental quando existem comparações sociais que desafiam a sua
superioridade auto-percebida (Bogart et. al, 2004) e da percepção positiva do self que
possuem acompanhada por uma percepção negativa dos outros (Griffin e Bartholomew, 1994),
encontramos um dos obstáculos ao desenvolvimento de uma relação terapêutica equilibrada,
que poderá ser sentido como uma ruptura de aliança por qualquer psicoterapeuta.
De acordo com esta breve revisão ficamos com a sensação de que poderá existir nos pacientes
narcísicos uma componente de desempenho, que os tem ajudado certamente em situações
escolares ou profissionais, e que constitui uma das suas fortes estratégias de recurso para
lidar com um modo de vulnerabilidade que têm dificuldade em admitir para si próprios. A
ausência de egodistonia relativamente à existência de vulnerabilidade pode resultar numa
situação de baixo insight e motivação para a mudança, que colocará em causa, algumas
vezes, a permanência na relação terapêutica.
Surpreendentemente, alguns estudos informam-nos que o narcisismo é benéfico para a saúde
mental desde que acompanhado por medidas elevadas de auto-estima, e que está,
inclusivamente, negativamente correlacionado com tristeza, solidão e depressão (Sedikides
et. al., 2004). Uma outra explicação que acompanha esta ideia, no que concerne ao
desempenho, demonstra que se conseguirem racionalizar eventuais falhas nas tarefas
executadas não hesitam em desistir. Mas enquanto estão motivados para atingir um objectivo,
eles conseguem mais facilmente lidar com experiências de falha para continuarem na busca
do seu sucesso (Wallace, 2009).
A questão que se coloca é que, por vezes, este comportamento pode ser adaptativo o que
poderá constituir um indicador de que nem sempre o narcisismo é inevitavelmente
disfuncional, particularmente no que concerne às questões de desempenho. Se pensarmos
que a atitude narcísica altamente orientada para o desempenho está ligada às autopercepções elevadas, então podemos concluir que eles perseguem objectivos de auto-
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melhoria, em parte, porque acreditam que está ao seu alcance e, por isso, acima da maioria
das pessoas.
Se recuarmos um pouco no que já foi dito e ao assumirmos que o perfeccionismo e o
narcissismo resultam de estruturas anti-simbióticas, observamos que no perfeccionismo, a
auto-crítica impede a auto-melhoria. Mas, nos pacientes narcísicos, a auto-melhoria impede a
auto-crítica, ou seja, neste caso não existe espaço para a crítica porque o paciente está
constantemente orientado para a auto-melhoria.
Ao observamos, de perto, este aparente paradoxo relativamente à relação entre auto-crítica,
auto-melhoria e consequências adaptativas, a verdade é que os estudos indicam que os
pacientes narcísicos são mais atreitos a variações de humor e à emergência de afectos
disfóricos como resposta a stressores interpessoais. Em termos relacionais procuram controlar
as relações sociais com a ilusão “os outros existem para mim” (Sedikides, Campbell, Reeder,
Elliot, and Gregg, 2002) e são mais atraídos por parceiros que demonstrem admiração ao
invés de intimidade, favorecendo, em consequência, jogos amorosos que envolvam baixos
níveis de compromisso. Segundo Wallace (2008), os pacientes narcísicos exibem um
sentimento de auto-importância exagerado, carregam consigo uma visão arrogante de que são
únicos, não conseguem empatizar com outros e possuem uma grande necessidade de
admiração. O facto de associarem ao seu desempenho grande parte das suas conquistas, e de
depositarem nos que os rodeiam a culpa pelas falhas, conduz a dificuldades no
estabelecimento de relações grupais sustentadas.
Esta é uma questão fundamental para a compreensão de como desenvolver uma abordagem
terapêutica com um paciente narcísico. Naturalmente, a emergência de qualquer instância de
desafio numa tarefa terapêutica será, provavelmente, encarada com facilidade pelo
paciente, excepto se estiverem em causa relacionamentos interpessoais ou de comparação
social. Entre muitas estratégias de intervenção com pacientes narcísicos existe uma que me
parece particularmente relevante neste contexto: a confrontação empática sempre que o
paciente desvalorizar o terapeuta (Young, 2003). O princípio de metacomunicação que deverá
assistir esta situação é de que o terapeuta assinale o comportamento do paciente, ao mesmo
tempo que demonstra entendimento pelas razões que sustêm a emergência daquele
comportamento e faz notar que o mesmo tem consequências nefastas para o relacionamento
interpessoal. Em suma, o terapeuta deverá tornar explícito o impacto que o modo de autoengrandecimento tem nas pessoas que rodeiam o paciente, para permitir a manutenção das
relações interpessoais e a proximidade empática do paciente narcísico.
Concluo com esta ideia para ressalvar, neste ponto, a importância das reacções internas do
terapeuta. É natural que o paciente seja bastante hábil em termos de algum desempenho
específico, como vimos atrás, o que poderá conduzir a um aumento de competição
psicoterapeuta-paciente ou subjugação do psicoterapeuta à acção controladora do paciente.
Ao tomar consciência deste impacto, o terapeuta deverá moldar o seu modo de intervenção
para permitir ao paciente ter acesso a uma noção de limites, empatia e desenvolvimento de
uma instância reflexiva sobre si próprio e as suas acções. Parece-me que o terapeuta estará a
promover um modo de funcionamento saudável em que auto-melhoria e auto-crítica passarão
a actuar em conjunto. Esta transformação no sentido de um perfeccionismo adaptativo,
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poderá permitir ao paciente narcísico a (re) construção de uma visão de generosidade sobre o
seu desempenho, mais orientado para o contacto com um self mais rico, e não para uma visão
competitiva do perfeccionismo orientado para os outros.
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