Programa Nacional de Saneamento em Moçambique

Transcrição

Programa Nacional de Saneamento em Moçambique
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Nota
Programa de
Águas e
Saneamento
Uma parceria internacional
com o objectivo de ajudar os
pobres a terem acesso
contínuo a um abastecimento
melhorado de água e
serviços de saneamento
Programa Nacional de
Saneamento em Moçambique:
Pioneiro no Saneamento
Suburbano
Região de África
A água, o saneamento e a higiene são
componentes vitais para o desenvolvimento
sustentável e para a redução da pobreza.
Em toda a África, líderes políticos e
especialistas do sector estão a gerar uma
nova dinâmica nestas áreas tão importantes.
Esta Nota de Campo, em conjunto com
outras da mesma série, é uma contribuição
atempada para esse trabalho. Pretende
essencialmente ajudar os políticos, os líderes
e profissionais nas suas actividades. Como
Embaixador da Água para África, convidado
pelo Banco Africano para o Desenvolvimento
e com o apoio da Equipa Africana de
Trabalho para o Sector de Águas e da
Conferência Ministerial Africana para o
Sector de Águas (AMCOW), chamo a vossa
atenção para esta nota.
Salim Ahmed Salim
Embaixador da Água para África
Construção de lajes de betão para latrinas.
Sumário
Entre 1985 e 1998 o programa nacional de saneamento em Moçambique produziu mais de
230.000 lajes para latrinas, beneficiando mais de 1.3 milhões de pessoas num país a emergir
após décadas de uma destrutiva guerra civil. Este trabalho ganhou reconhecimento internacional
devido a duas razões essenciais. Primeiro, tratava-se de um programa pioneiro no saneamento
suburbano de larga escala e atingiu uma proporção significativa da população suburbana do
país. Em segundo lugar, a latrina de laje curva e a plataforma sua variante, eram tecnicamente
inovadoras e desde então foram largamente reproduzidas em todo o mundo.
Contudo, a sustentabilidade a longo prazo desta abordagem (particularmente os elevados
subsídios financiados externamente) foi questionada e as políticas nacionais de saneamento
foram completamente mudadas durante finais da década 90. As novas políticas não
produziram de imediato dispositivos viáveis e o programa nacional de saneamento entrou
rapidamente em declínio.
Os factores por detrás do sucesso e declínio do programa fornecem lições valiosas. As
experiências de Moçambique poderão ajudar outros países a desenhar programas a uma
escala semelhante, mas com maior ênfase na promoção e menor dependência de subsídios
financiados externamente.
de pesquisa para conceber uma latrina que fosse
tecnicamente mais sólida, que pudesse ser usada de forma
alargada no país e que fosse acessível para a maior parte
das famílias suburbanas.
A pesquisa revelou que a maior parte dos agregados
poderia abrir uma fossa, tipicamente com 1.1 metros de
diâmetro e que, para efeitos de privacidade a maioria estaria
satisfeita com uma cerca sem cobertura – o maior problema
era cobrir a fossa. Daí que o pessoal do projecto de pesquisa
concebeu a laje abobadada da latrina, descrita em
maior detalhe mais adiante, tendo-a experimentado
com sucesso num dos subúrbios da zona de Maputo. Este
projecto de pesquisa foi o que deu origem ao
programa de saneamento.
Em África Existe
Sempre Algo
de Novo
PLINY
Historial
Desenvolvimento do
Programa Nacional
de Saneamento
Moçambique é uma das nações menos desenvolvidas
do mundo, com mais de 50% da sua população a viver
em pobreza absoluta. A sua situação piorou ao longo
das últimas três décadas, essencialmente como
resultado de uma destrutiva guerra civil que durou desde a
independência em 1975 até 1992. A guerra destruiu a maior
parte da infra-estrutura social e económica do país. Muitos
milhares de pessoas morreram, 1.5 milhões tornaram-se
refugiadas e 3.5 milhões refugiadas internamente,
principalmente para zonas suburbanas sem saneamento e
com grande pobreza. A seca e factores económicos
contribuíram também para os problemas de Moçambique.
Contudo, mesmo durante a guerra, o governo
considerou o saneamento como uma prioridade e encorajou
as pessoas a construírem as suas próprias latrinas. Este facto
causou um rápido aumento da cobertura mas, na ausência
de apoio técnico, a maior parte das pessoas construíram
latrinas tradicionais sem condições de saneamento e que
corriam o risco de colapso. Como resposta, o governo
instituiu, em 1979 e com ajuda de apoio externo, um projecto
Dispositivos Institucionais
Em 1982, o Conselho Municipal da Cidade de Maputo
adoptou a abordagem do projecto de pesquisa e começou
a reproduzi-la em outras partes da cidade. Em 1985, este
programa foi transformado no Programa Nacional de
Saneamento a Baixo Custo (PNSBC).
Quando o PNSBC começou, Moçambique tinha uma
grande carência de profissionais qualificados. Os existentes
estavam concentrados na cidade de Maputo, daí que o
gabinete principal de gestão e tomada de decisões do
PNSBC estivesse também aí localizado. Moçambique é
contudo um país muito vasto com uma fraca infra-estrutura
de transportes, daí que foi necessário estabelecer outras
unidades em cidades e vilas ao longo de todo o país. Em
1987 o PNSBC tinha já criado 38 unidades de produção
em todo o país e tinha actividades em todas as capitais
provinciais e em muitos dos grandes distritos. Esta estratégia
ajudou a levar o programa para mais perto dos seus
beneficiários. A produção aumentou 25.000 lajes por ano
e foi também criado um programa rural, embora a
concentração do programa continuasse a ser
predominantemente nas zonas suburbanas.
Inicialmente o PNSBC estava localizado no Instituto
Nacional de Planeamento Físico, de onde mais tarde se
transferiu para o Instituto de Desenvolvimento Rural.
Manteve igualmente uma estreita ligação com duas outras
instituições: o Departamento de Meio Ambiente e Higiene
do Ministério da Saúde, que providenciava alguma educação
sobre saúde relacionada com a construção de latrinas; e o
Departamento de Águas e Saneamento, que era
responsável pelo abastecimento de água e saneamento
dos centros urbanos a nível nacional.
Tampas dos orifícios das lajes para as latrinas.
2
estável, mas as
perspectivas da
sua
absorção
em instituições
governamentais
existentes parecia
pouco provável.
Após
longos
atrasos o PNSBC
foi, em 1996,
trans-ferido para
o gabinete de
saneamento a
baixo
custo
dentro da Direcção Nacional
de Águas (DNA).
No final dos
MOCAMBIQUE
anos
90
as
agências externas
de assistência
começaram a
preocupar-se
cada vez mais
com a sustentabilidade do
programa. O
P N U D,
a
p r i n c i p a l
agência de assistência, começou a programar
a sua retirada do PNSBC. Simultaneamente,
estas agências facilitaram o desenvolvimento de
uma Estratégia de Saneamento Rural e
Suburbano de Baixo Custo, 1999-2003, com três
objectivos principais:
A nível provincial o PNSBC estava representado pelas
Unidades Provinciais de Planeamento Físico, pertencentes
ao Instituto de Desenvolvimento Rural. Estas unidades
supervisionavam as unidades de produção e providenciavam
ligações às fontes de financiamento a nível provincial.
O PNSBC era apoiado por várias agências externas,
particularmente o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD). O trabalho de saneamento foi
financiado a partir de três fontes: agências externas de
assistência (essencialmente apoio para pessoal, equipamento,
custos de produção das lajes e alguns custos correntes);
membros dos agregados familiares (compra e transporte das
lajes, construção); e o governo central (financiamento parcial
do subsídio para as lajes, pessoal e outros custos). Nas últimas
fases de desenvolvimento do programa, a contribuição relativa
de cada uma das partes era a seguinte: 57% das agências
externas de assistência; 33% dos membros dos agregados
familiares; 10% do governo.
Em meados dos anos 90, tornou-se claro que era
necessária uma reorganização institucional. Na ausência de
uma política clara para o sector de águas, as tarefas e
responsabilidades dos vários órgãos governamentais não
estavam claramente definidas e a coordenação entre esses
órgãos era fraca, particularmente na ligação entre o
saneamento suburbano e outros serviços tais como o
abastecimento de água e habitação. O próprio PNSBC era
constituído essencialmente por pessoal técnico, sendo dada
pouca atenção a questões mais amplas da gestão do projecto
ou saúde e higiene. Todos estes factores afectaram a
coordenação da construção de latrinas com a promoção da
higiene e a avaliação da ilegibilidade para latrinas gratuitas.
A natureza autónoma e o financiamento externo do
programa também puseram em causa o seu futuro a longo
prazo. O próprio PNSBC tinha pessoal bem qualificado e
A laje abobadada e as suas variantes
A laje é uma abóbada de betão não armado, de 1.5 m de diâmetro e 50 mm de espessura com uma elevação central de 85 mm.
Possui uma tampa de betão que se ajusta bem ao orifício da laje, de forma a controlar a entrada e a saída de insectos e reduzir
problemas de maus cheiros. Necessita-se apenas de 3/4 de um saco de cimento para a construção da laje.
Inicialmente havia três opções para as latrinas se adaptarem aos vários tipos de terrenos:
S1: Uma laje simples de 1.5 m de diâmetro
S2: Laje mais blocos para alinhar a fossa no caso de solos não estabilizados
S3: Laje e blocos para uma fossa elevada em casos de altos níveis freáticos.
As opções S2 e S3 necessitam de mais 2¼ de sacos de cimento para os blocos de betão que são colocados sem cobertura de
cimento, com excepção para as fiadas superiores, de forma a que os líquidos se possam introduzir no solo enquanto que os sólidos se
decompõem na fossa.
À medida que o programa progredia, a variedade de opções técnicas aumentou e incluiu uma laje de 1.2 m de diâmetro, uma
opção de descarga de água e uma laje quadrada de 0.6 X 0.6 m conhecida como a plataforma sanitária (sanplat), que se poderia
ajustar a qualquer latrina não melhorada já existente. Entretanto as opções S2 e S3 foram raramente usadas.
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O programa estabeleceu também um critério para
determinar que utentes de certos grupos vulneráveis iriam
beneficiar de lajes gratuitas. Estes grupos incluem idosos,
deficientes, mulheres grávidas e malnutridas, mães com
crianças malnutridas e agregados que têm mulheres como
chefes de família e que tenham crianças. Contudo, na
prática este sistema não funcionou: ou as pessoas pagaram
pelas lajes ou então não receberam nenhuma.
O PNSBC também apoiou o estabelecimento de sanitários
e casas de banho públicas em alguns mercados situados em
Maputo, providenciando 40% do capital inicial. Este sistema
funcionava numa base de pague-e-use e providenciava um
retorno de 17-24% ao ano. Cobrava-se aos utentes entre
US$0.09 e $0.17 dependendo do serviço usado.
• Descentralizar as operações para um conjunto
de parceiros
• Mudar o papel do Governo: da implementação, para a
criação de um ambiente facilitador
• Envolver o sector privado e as ONGs na implementação.
Estes objectivos, embora salutares, resultaram no rápido
declínio do programa nacional do PNSBC, por razões que
serão explicadas mais adiante.
Desenvolvimento Técnico
As constatações do projecto inicial de pesquisa,
conduziram ao desenvolvimento de uma laje abobadada
de betão não armado, com 1.5 metros de diâmetro, que
poderia ser usada para construir uma latrina simples sem
ventilação. Desenvolveu-se também um sistema de produção
de lajes adequado para pequenas oficinas locais.
Trabalhadores formados produziam lajes em quintais abertos
usando procedimentos simples de construção. Estes estaleiros
vendiam as lajes directamente aos membros dos agregados
familiares, que eram responsáveis pelo transporte para as
suas casas e pela construção das estruturas superiores. A
maioria destes agregados utilizava materiais locais tais como
capim, madeira e argila.
Quando a fossa de uma latrina enche, a laje pode ser
retirada e transferida para outra fossa. A fossa antiga é
coberta com areia na qual normalmente as pessoas plantam
árvores; não existe nenhuma prática estabelecida de
vazamento de fossas dado que o PNSBC se concentrou em
ajudar as pessoas a construir latrinas, prestando assim pouca
atenção ao vazamento das fossas quando cheias. Alguns
agregados familiares pobres das zonas suburbanas têm
espaço suficiente nos seus terrenos para abrir uma nova
fossa quando a primeira enche, mas o problema do que
fazer quando a segunda fossa enche ainda não foi abordado.
Recuperação de custos
O gráfico demonstra a subida e a queda da venda de
latrinas durante a duração do programa e revela uma clara
correlação entre os subsídios e o nível de vendas.
Quando o programa começou em Maputo, as lajes
abobadadas das latrinas eram vendidas aos agregados
familiares a um custo de produção de US$22. O programa
não providenciava nenhum sistema de micro-crédito ou
possibilidade de pagamento em prestações; as lajes tinham
que ser pagas em dinheiro no momento do levantamento.
A primeira subida significante na venda de lajes teve
lugar em 1984 a seguir à abertura do primeiro centro
regional na Beira, à formalização do PNSBC no seio do
Governo e ao apoio externo de grande escala. Contudo, a
partir de 1988, as vendas caíram acentuadamente devido
à subida dos preços de bens básicos tais como o cimento.
O governo respondeu retirando o imposto de circulação
sobre as lajes e introduzindo um subsídio que reduziu
o preço de venda das lajes em 80% baixando-o para
US$4.50. O Governo não introduziu estes subsídios como
25000
Número de latrinas
(Fonte: Saywell e Hunt, 1999, modificado)
Total das vendas anuais de latrinas 1980-1999
30000
20000
15000
10000
5000
0
1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
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resultado de uma avaliação da procura e vontade de
pagamento por parte das pessoas; apenas assumiu que as
pessoas não tinham capacidade para pagar a totalidade
dos serviços. Os membros dos agregados continuavam a
ter que construir as partes superiores das suas infraestruturas daí que, na totalidade, um agregado pagava
cerca de um terço do custo total da latrina. A introdução de
subsídios gerou uma subida gradual nas vendas, que
aceleraram a partir de 1992, após a subida do subsídio e o
estabelecimento de mais centros regionais.
À medida que o tempo passava, as agências externas
de assistência assim como o governo, começaram a ver os
méritos dos subsídios de forma diferente e o governo
adoptou uma abordagem mais virada para o mercado na
qual os utentes pagariam o custo total.
Um relatório datado de 1997 sobre a capacidade
financeira indicava que uma grande parte da população
suburbana não tinha posses e necessitava de um grande
subsídio para adquirir uma latrina melhorada. Entre a
população em melhores condições, a maior parte das
pessoas tinha capacidade para pagar o preço subsidiado e
uma boa proporção poderia mesmo pagar o preço total,
mas não estava disposta a fazê-lo (provavelmente devido
à ausência de actividades de promoção).
Estas constatações e a clara correlação entre o volume
de vendas e o grau do subsídio, alimentaram as
preocupações existentes entre o pessoal do programa de
que, no quadro da estratégia proposta, de maior
participação do sector privado e subsídios mínimos, muitas
pessoas não iriam pagar pelas lajes. Contudo, o subsídio
para as lajes terminou em 1997 e o custo para os utentes
aumentou em mais de quatro vezes. Durante os dois anos
que se seguiram, as vendas das lajes padrão de 1.5 m de
diâmetro caíram em cerca de 80%.
animadores comunitários que eram formados
especificamente para a tarefa. Foram contratados
eventualmente mais de 80 animadores, número considerado
pequeno para um país tão extenso. Embora os termos de
referência não fossem ainda claros, as tarefas consistiam
em promover o programa em geral e promover um
comportamento higiénico em certas comunidades alvo. As
mensagens cobriam quatro aspectos centrais; lavagem das
mãos; captação e tratamento da água; despejo de lixo; e
uso, operação e manutenção das latrinas. O programa de
promoção tinha como objectivo ser adaptado a cada zona
suburbana, respondendo a uma avaliação participativa das
necessidades existentes e envolver uma grande variedade
de actividades e meios de informação. Contudo, na prática
foram distribuídos por todo o país posters genéricos cujas
mensagens vieram na sua maioria de Maputo, tendo sido
pouco utilizados outros meios de comunicação.
O programa promocional utilizava tanto a língua
portuguesa como as línguas locais, e reconhecia que a
audiência alvo era maioritariamente analfabeta. O trabalho
centrava-se nas comunidades onde existia pouca procura
de latrinas melhoradas e/ou onde as unidades de produção
tinham sido recentemente estabelecidas.
Uma avaliação realizada em 1997 constatou que o
trabalho dos animadores tinha conduzido a um aumento
na procura de lajes em algumas cidades. Quando o
programa de saneamento rural começou em 1996, visando
consolidar os esforços de um programa anterior, o papel
dos animadores foi alargado. A intenção era de lhes atribuir
a responsabilidade total pela gestão do projecto, incluindo
o fabrico dos componentes das latrinas. O desenho do
programa reflectia também a natureza mais homogénea
das comunidades rurais. Contudo, na prática este plano
forçou demasiado as capacidades dos animadores e o
programa rural não prosseguiu como planeado.
Promoção da higiene e saneamento
Participação da Comunidade
Esta não foi uma das áreas mais fortes do programa.
Até 1994, as pessoas tomavam conhecimento do programa
de saneamento através de conversas ou quando se
apercebiam duma unidade de produção local. Em 1994, o
programa introduziu um elemento de promoção usando
A participação da comunidade não jogou um papel
muito importante no programa nacional de saneamento.
Havia poucas organizações comunitárias ou grupos de
utentes envolvidos porque as zonas suburbanas eram muito
diversificadas em termos étnicos e um passado de guerra
Extrapolações do Custo
Quanto é que iria custar estender o programa de saneamento a todo Moçambique, nas mesmas condições? Embora seja difícil
extrapolar os custos urbanos para uma população dispersa nas zonas rurais (a própria componente rural do programa nacional, tal
como indicado no texto não progrediu), podem-se calcular alguns dados aproximados da seguinte forma:
O custo total por latrina era da ordem de US$50 (incluindo US$22 para a própria laje). No ano 2000, segundo a Avaliação da
Global Water and Sanitation existiam cerca de dois milhões de famílias que ainda necessitavam de saneamento em Moçambique. Daí
que a cobertura total iria custar cerca de US$100 milhões, dos quais US$40 milhões seriam fornecidos pelos próprios agregados caso
estes pagassem o preço total das suas lajes e os restantes US$60 milhões seriam cobertos pelo governo e/ou apoio externo. Este
último valor elevar-se-ia a US$90 milhões caso fosse providenciado um subsídio elevado.
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civil e a situação de emergência não ajudaram a criar um
ambiente em que houvesse uma procura de serviços por
parte das pessoas. Nos casos em que havia participação,
esta ocorria através do transporte das lajes pelas pessoas
(algumas vezes de forma comunitária), escavação das fossas
e construção das estruturas superiores. As mulheres
também trabalhavam como animadoras, administradoras
e até certo ponto como trabalhadoras de produção.
tornou-se uma das mais reconhecidas e copiadas lajes de
latrina no mundo. A latrina mais pequena, a quadrada
plataforma sanitária (sanplat), que surgiu a partir da laje
abobadada original, foi também largamente copiada e usada
em todo o mundo. Os agregados familiares podem ajustar
estes componentes às latrinas antigas ou novas da forma
que quiserem. Este conceito de padronizar os componentes
das latrinas em vez de toda uma latrina é igualmente usado
por muitos outros programas de saneamento.
A política do programa de adoptar e promover apenas
um tipo de laje, simplificou também a tarefa de ensinar os
técnicos, tornando mais fácil a criação de unidades de
produção e a partir daí expandir a cobertura. Nos últimos
anos tornou-se mais comum os programas de saneamento
oferecerem às pessoas a escolha de diferentes tipos de
latrinas, como forma de maximizar o número de pessoas
que podem beneficiar delas com base em preferências
individuais. Os funcionários do programa de Moçambique
consideraram esta opção, mas acharam que o programa
seria expandido de forma mais eficiente a nível nacional
usando um desenho padrão – o mesmo princípio que Henry
Ford seguiu ao inventar o automóvel de produção em série.
Razões do
Sucesso do Programa
Os resultados alcançados pelo programa nacional de
saneamento foram impressionantes. Tal sucesso pode ser
atribuído a vários factores.
O modelo de implementação
A natureza do programa, que se baseava na oferta,
adaptava-se às circunstâncias do momento. O programa
foi estabelecido numa altura em que Moçambique se
encontrava numa fase de transição pós-guerra, passando
de uma situação de emergência para uma fase de
desenvolvimento a longo prazo e as pessoas tinham poucas
expectativas quanto às possibilidades de escolha no
desenvolvimento de infra-estruturas básicas e serviços.
Um ponto forte fundamental do programa foi a sua
simplicidade, que permitiu um sucesso logístico considerável
na produção e venda de 25.000 lajes por ano. A produção
descentralizada resolveu os problemas de transporte por
longas distâncias, trazendo o programa para perto das
comunidades alvo.
Recursos financeiros
Um forte apoio externo foi crucial para os sucessos do
PNSBC. O programa tinha recursos para escolher, formar e
manter pessoal qualificado, o que resultou numa força de
trabalho bem motivada e estável. Igualmente, o programa
conseguiu vender as lajes a uma taxa altamente subsidiada,
chegando mesmo a oferecer gratuitamente lajes a certos
grupos vulneráveis. Embora controverso e desafiado pelas
agências externas de assistência, o uso de subsídios revelouse indubitavelmente crucial para o alto nível de vendas.
Constrangimentos e
declínio do programa
Estrutura do Programa
O estabelecimento de uma unidade central
especializada para gerir o programa, combinada com a
produção descentralizada em unidades por todo o país,
provou ser uma abordagem eficaz em termos logísticos.
Contudo, este arranjo visava uma produção e distribuição
eficientes e prestou pouca atenção à sustentabilidade ou à
integração numa instituição governamental já estabelecida.
Após um considerável impacto na cobertura a nível
nacional de latrinas urbanas, desde 1985 até finais de
1990, o programa passou por uma grande mudança
nos últimos anos e a sua actividade decresceu
acentuadamente. Contribuíram para o seu declínio uma
série de factores:
Tecnologia
Logo no início do programa os trabalhadores fizeram
esforços consideráveis para pesquisar e desenvolver um
desenho eficaz e adequado para a latrina. Cedo se
aperceberam que as pessoas não queriam na sua totalidade
uma latrina padrão; elas queriam cavar as suas próprias
fossas e fazer as suas próprias estruturas superiores tal como
achassem apropriado. Porém, apreciavam o desenho padrão
da laje da latrina. O Programa desenvolveu a laje
abobadada, que provou ser apropriada e popular para um
grande número de pessoas das zonas suburbanas. De facto,
Mudanças políticas e institucionais
Nos primeiros anos do programa, as agências externas
de assistência apoiavam o ênfase do governo em resultados
quantitativos; as questões institucionais difíceis que
afectavam a sustentabilidade a longo prazo não eram
abordadas com a devida atenção. Contudo, no final dos
anos 90 desenvolveu-se uma nova política nacional de
águas e saneamento. Esta política coloca maior ênfase na
sustentabilidade dos dispositivos institucionais sem depender
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Problemas operacionais
das agências externas de assistência, mas fazendo uma
utilização cada vez maior do sector privado. É irónico o
facto de esta política ter sido substancialmente desenvolvida
e promovida por agências externas de assistência, enquanto
que os funcionários governamentais não estavam muito
convencidos da necessidade de mudança e muitos referiamse à nova política como sendo imposta a partir de fora.
A política foi formalmente adoptada e está a ser
implementada embora em pequena escala: um conjunto
de operadores privados estabeleceu unidades de produção
de lajes ao redor de Maputo com o apoio do PNSBC sob a
forma de equipamento e formação. Contudo, as próprias
disposições institucionais governamentais não foram ainda
corrigidas para reflectirem as novas prioridades e os
funcionários do PNSBC só estão a ser absorvidos muito
lentamente e com dificuldade pela Direcção Nacional de
Águas. A coordenação continua fraca e as agências
governamentais estabelecidas não têm um forte sentido
de propriedade sobre o programa. A nível provincial, o
declínio do sistema centralizado deixou o sector de
saneamento incerto quanto à forma de avançar com o
antigo programa nacional de saneamento.
Contrariamente ao previsto, a descentralização da
gestão, uma opção institucional actualmente adoptada em
todo o mundo, tem sido pouco eficaz em Moçambique. A
razão deste facto é simplesmente que existem muito poucos
gestores competentes e com experiência a nível provincial
e municipal para assumirem a responsabilidade das tarefas
que lhes foram atribuídas no quadro da descentralização.
Por outro lado, em Maputo a unidade central pôde contar
com os melhores funcionários existentes no país.
O programa vendia lajes às famílias que viviam perto dos
centros de produção, mas as famílias que viviam mais longe
enfrentavam dificuldades consideráveis – o transporte constituía
um problema em muitos lugares e uma laje de cimento com
1.5 metros de diâmetro não é fácil de manusear.
Ao concentrar-se exclusivamente na venda de lajes, o
programa não acompanhou nem avaliou a utilização real
das lajes. Daí que não se tenha quantificado o seu uso no
seio das famílias nem os seus benefícios para a saúde.
Existiam problemas específicos em zonas alagadiças tais
como em Niassa onde, por exemplo, muitas lajes eram
simplesmente colocadas por cima de fossas situadas em
terrenos alagadiços que contaminavam as águas
subterrâneas ou inundavam os quintais. A ausência de um
bom sistema de monitorização resultou no facto de que o
programa não resolveu estes problemas de forma
satisfatória: por exemplo, não está claro se a opção técnica
S3 foi ou não bem sucedida.
Lições
Uma abordagem baseada
na oferta poderá ainda ser
apropriada em certas circunstâncias
Nos últimos anos o sector de águas e saneamento a
nível internacional afastou-se das abordagens baseadas
na oferta e adoptou filosofias orientadas para a procura
que realçam a importância da gestão comunitária, escolha
feita pelo utente e recuperação de custos. Os programas
centralizados implementados pelo governo encontram-se
neste momento fora de moda no seio dos pensadores e
planeadores do desenvolvimento.
Contudo, em Moçambique, em meados dos anos 80, a
guerra civil e as consequências destruidoras dos deslocamentos
e da pobreza, resultaram no facto de que era simplesmente
impossível adoptar um programa de saneamento orientado
para a procura. Existiam muito poucos profissionais fora da
capital, Maputo. Na realidade não existia nenhum sistema
de promoção da higiene ou de apoio às comunidades. A
prioridade era ajudar tantas pessoas quantas fosse possível a
melhorarem o seu saneamento o mais rapidamente possível,
particularmente nas zonas de grandes concentrações
suburbanas para as quais muitas das pessoas pobres se
deslocaram. Foi por essa razão que o programa centralizado
e subsidiado de produção de latrinas, gerido por uma unidade
central forte a partir da cidade capital, era apropriado. Existem
muitos outros lugares em África nos quais esta abordagem
pode ainda estar a ser aplicada, mesmo em 2002.
Dependência de subsídios
e assistência externa
O financiamento de agências externas de assistência
foi reduzido consideravelmente e teve um grande impacto
nas actividades do programa a nível nacional. O maior
impacto foi no número de lajes vendidas, conforme ilustrado
no gráfico. Porém, esta redução de apoio afectou igualmente
os dispositivos institucionais do programa. Não havia
nenhuma organização moçambicana que dominasse o
trabalho do programa ou que tivesse planeado uma
transição viável de uma situação de forte apoio externo
para uma nova situação. A responsabilidade pelas
instalações de produção de lajes recaíram sobre a Direcção
Provincial de Águas e Saneamento (DAS). Muitos dos
trabalhadores de produção abandonaram o seu trabalho,
dado que não eram pagos com regularidade e a venda de
lajes é neste momento quase nula.
De acordo com a nova política, os produtores do sector privado
têm que promover as suas lajes da melhor forma possível a
título individual. No entanto, este não é um dos seus pontos
fortes. Sem um forte apoio externo, o próprio governo não
prosseguiu com um programa sistemático de promoção.
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A promoção da higiene e a disponibilidade
dos componentes das latrinas são igualmente cruciais
Compreende-se tardiamente que o programa nacional de saneamento de
Moçambique era fraco na promoção da higiene, comparativamente aos seus
aspectos técnicos e logísticos. O rápido declínio do programa a seguir à retirada
dos subsídios indica que as pessoas eram principalmente motivadas pelos preços
baixos e não por um entendimento mais profundo dos aspectos higiénicos. A
experiência de muitos outros países sugere que é fundamental educar as pessoas
sobre a higiene, para que elas próprias passem a desejar melhorar a sua saúde
através de um saneamento melhorado. Esse conhecimento, combinado com outros
factores tais como a privacidade e a conveniência, origina a procura de latrinas.
Contudo, gerar a procura constitui apenas um meio e não um fim. De forma
a corresponder à procura, os componentes das latrinas devem estar disponíveis
para venda às pessoas. Neste aspecto o programa Moçambicano funcionou bem,
com um pequeno número de componentes padrão de latrinas (lajes curvas e
mais tarde a sanplat) disponível para compra. Vários outros grandes programas
de saneamento descobriram que a falta de componentes das latrinas constituía
uma limitação à adopção das latrinas. Em Moçambique esta limitação foi contornada
através do sistema de gestão centralizada e padronizada da produção.
Water and Sanitation
Program-Africa Region (WSP-AF)
The World Bank, Hill Park,
Upper Hill, P.O. Box 30577,
Nairobi, Kenya
Telefone: (254-2) 260300, 260400
Fax: (254-2) 260386
Correio Electrónico:
[email protected]
Sítio na Internet: www.wsp.org
As políticas de financiamento devem ser sensíveis
às condições específicas de cada país
Nos primeiros anos do programa nacional de saneamento, o Governo de
Moçambique, assim como as agências externas de assistência reconheceram
que a população era extremamente pobre e necessitava de ajuda urgente no
saneamento. Assim, ambos concordaram com uma abordagem subsidiada e
orientada para a oferta, com os fundos para os subsídios a serem fornecidos
pelas agências externas. Mais tarde, as agências externas mudaram de opinião
e lideraram as mudanças na política nacional de águas e saneamento, retirando
finalmente o apoio prestado, uma vez que o programa não correspondia às
novas políticas. Esta retirada de financiamento originou o colapso da estrutura
institucional e da produção física do programa.
Parece que, ao longo deste processo, as agências externas tinham um maior
poder de decisão do que o próprio Governo de Moçambique – uma relação não
satisfatória do ponto de vista de ambas as partes. O governo estava inicialmente
enfraquecido devido aos anos de guerra civil. Mas a sustentabilidade a longo
prazo do programa poderia ter sido melhorada através do trabalho de organizações
governamentais existentes e através da provisão de alguns subsídios por via de
orçamentos regulares governamentais. Depois, estas organizações poderiam ter
sido ajudadas a desenvolver-se à medida que o tempo passava, enquanto que
os subsídios poderiam ter sido retirados gradual e cuidadosamente ao longo de
muitos anos, em vez de subitamente. É fácil mudar a política no papel – explicar
tal mudança às populações e ajudá-las a lidar com isso é que é muito mais difícil.
Referências
• Saywell, D. e C. Hunt “Programas de saneamento revisitados” WELL
Tarefa 161. WELL, UK www.lboro.ac.uk/well/resources/well-studies/fullreports-pdf/task0161.pdf
Agradecimentos
Escrito por: Jeremy Colin
Editor da Série: Jon Lane
Editor Assistente: John Dawson
Publicação de: Vandana Mehra
Fotografia de: WEDC/Darren Saywell
Elaboração de: Write Media
Impressão de: PS Press Services Pvt. Ltd.
Tradução para Português de: Lino S. Jamisse
Revisão da Tradução de: Catarina Fonseca
Agosto de 2002
O Programa de Água e Saneamento
constitui uma parceria internacional
que visa ajudar os pobres a terem
acesso contínuo a serviços melhorados
de abastecimento de água e
saneamento. Os principais parceiros
financiadores deste Programa são os
Governos da Austrália, Áustria, Bélgica,
Canadá, Dinamarca, França,
Alemanha, Luxemburgo, Holanda,
Noruega, Suécia, Suíça, Reino Unido,
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