Fortuna Crítica da Intercom - PORTCOM

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Fortuna Crítica da Intercom - PORTCOM
Fortuna Crítica da Intercom
Timoneiros
Coleção Fortuna Critica da INTERCOM
Consultoria: Adolpho Queiroz, Marialva Barbosa, Rosa Maria Dalla Costa
Coordenadores: Aline Strelow, Iury Parente Aragão, Osvando J. de Morais, Sônia Jaconi e
Tyciane C. Vaz
DIRETORIA EXECUTIVA - TRIÊNIO 2014 – 2017
Presidência – Marialva Carlos Barbosa (UFRJ)
Vice-Presidência – Ana Silvia Lopes Davi Médola (UNESP)
Diretoria Financeira – Fernando Ferreira de Almeida (METODISTA)
Diretoria Administrativa – Sonia Maria Ribeiro Jaconi (METODISTA)
Diretoria Científica – Iluska Maria da Silva Coutinho (UFJF)
Diretoria Cultural – Adriana Cristina Omena dos Santos (UFU)
Diretoria de Projetos – Tassiara Baldissera Camatti (PUCRS)
Diretoria de Documentação – Ana Paula Goulart Ribeiro (UFRJ)
Diretoria Editorial – Felipe Pena de Oliveira (UFF)
Diretoria de Relações Internacionais – Giovandro Marcus Ferreira (UFBA)
Diretoria Regional Norte – Allan Soljenítsin Barreto Rodrigues (UFAM)
Diretoria Regional Nordeste – Aline Maria Grego Lins (UNICAP)
Diretoria Regional Sudeste – Nair Prata Moreira Martins (UFOP)
Diretoria Regional Sul – Marcio Ronaldo Santos Fernandes (UNICENTRO)
Diretoria Regional Centro-Oeste – Daniela Cristiane Ota (UFMS)
Conselho Fiscal
Elza Aparecida de Oliveira Filha (UP)
Luiz Alberto Beserra de Farias (USP)
Osvando José de Morais (UNESP)
Raquel Paiva (UFRJ)
Sandra Lucia Amaral de Assis Reimão (USP)
Conselho Curador – quadriênio 2013-2017
Presidente – José Marques Melo
Vice-presidente – Manuel Carlos Chaparro
Secretária – Cicilia Peruzzo
Conselheiro – Adolpho Carlos Françoso Queiroz
Conselheira – Anamaria Fadul
Conselheiro – Antonio Carlos Hohlfeldt
Conselheiro – Gaudêncio Torquato
Conselheira – Margarida Kunsch
Conselheira – Maria Immacolata Vassallo de Lopes
Conselheira – Sonia Virginia Moreira Secretaria Executiva Intercom
Gerente Administrativo – Maria do Carmo Silva Barbosa
Web Designer – Genio de Paulo Alves Nascimento
Assistente de Comunicação e Marketing – Jovina Gomes Fonseca
Fortuna Crítica da Intercom
Timoneiros
Direção Editorial
Felipe Pena de Oliveira
Presidência
Muniz Sodré (UFRJ)
Conselho Editorial – Intercom
Alex Primo (UFRGS)
Alexandre Barbalho (UFCE)
Ana Sílvia Davi Lopes Médola (UNESP)
Christa Berger (UNISINOS)
Cicília M. Krohling Peruzzo (UMESP)
Erick Felinto (UERJ)
Etienne Samain (UNICAMP)
Giovandro Ferreira (UFBA)
José Manuel Rebelo (ISCTE, Portugal)
Jeronimo C. S. Braga (PUC-RS)
José Marques de Melo (UMESP)
Juremir Machado da Silva (PUCRS)
Luciano Arcella (Universidade d’Aquila, Itália)
Luiz C. Martino (UnB)
Marcio Guerra (UFJF)
Margarida M. Krohling Kunsch (USP)
Maria Teresa Quiroz (Universidade de Lima/Felafacs)
Marialva Barbosa (UFF)
Mohammed Elhajii (UFRJ)
Muniz Sodré (UFRJ)
Nélia R. Del Bianco (UnB)
Norval Baitelo (PUC-SP)
Olgária Chain Féres Matos (UNIFESP)
Osvando J. de Morais (UNESP)
Paulo B. C. Schettino (UFRN/ASL)
Pedro Russi Duarte (UnB)
Sandra Reimão (USP)
Sérgio Augusto Soares Mattos (UFRB)
Fortuna Crítica da Intercom
Timoneiros
Vol. 7 – Coleção Fortuna Crítica
Osvando J. de Morais
Clarissa Josgrilberg Pereira
Iury Parente Aragão
(Orgs.)
São Paulo
Intercom
2014
Coleção Fortuna Crítica Vol. 7 –
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Copyright © 2014 dos autores dos textos, cedidos para esta edição à Sociedade
Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – INTERCOM
Editor
Osvando J. de Morais
Projeto Gráfico e Diagramação
Mariana Real e Marina Real
Capa
Mariana Real e Marina Real
Revisão
Carlos Eduardo Parreira
Ficha Catalográfica
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros / Organizadores,
Osvando J. de Morais, Clarissa Josgrilberg Pereira, Iury
Parente Aragão. – São Paulo: INTERCOM, 2014. Coleção
Fortuna Crítica; vol. 7
314 p. ; 23 cm
ISBN: 978-85-8208-073-3
Inclui bibliografias.
1. Comunicação. 2. Comunidade. 3. Intercom. 4. História. 5.
Cultura. 6. História da Comunicação. 7. Crítica. 8. Biobibliografia.
9. Ex-presidentes. 10. Diretoria. 11. Memória. I. Morais, Osvando
J. de. II. Pereira, Clarissa Josgrilberg. III. Aragão, Iury Parente.
IV. Título.
CDD-079.09
CDD-302.23
Todos os direitos desta edição reservados à:
Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – INTERCOM
Rua Joaquim Antunes, 705 – Pinheiros
CEP: 05415 – 012 – São Paulo – SP – Brasil – Tel: (11) 2574 – 8477 /
3596 – 4747 / 3384 – 0303 / 3596 – 9494
http://www.intercom.org.br – E-mail: [email protected]
Sumário
Prefácio ...................................................................................................... 11
Ofelia Elisa Torres Morales
Prólogo....................................................................................................... 13
Esnél José Fagundes
Introdução ................................................................................................. 17
Clarissa Josgrilberg Pereira
Iury Parente Aragão
1. Marialva Barbosa: Comunicação e história .......................................... 19
Igor Sacramento
Herica Lene
Leticia Cantarela Matheus
2. Rosa Maria Cardoso Dalla Costa: Uma profissional de
múltiplas habilidades ................................................................................ 47
Elza Oliveira Filha
3. Osvando José De Morais: – Quixote? – Sísifo? Ou simplesmente,
além de Brasileiro Cordial... Professor Teimoso? ...................................... 65
Paulo B. C. Schettino
4. Moacir Barbosa: Para além de títulos e livros ....................................... 79
Maria Érica de Oliveira Lima
5. Ana Carolina Temer: Uma Timoneira forte e sensível que
escuta as ondas e sente o vento! ................................................................. 89
Simone Antoniaci Tuzzo
6. Maria Ataide Malcher: Uma timoneira comprometida
com a Comunicação ................................................................................ 113
Jane A. Marques
Fernanda Chocron Miranda
Suzana Cunha Lopes
Suellen Miyuki Alves Guedes
7. Paula Casari Cundari: Reflexões e iniciativas voltadas para
a comunicação regional ........................................................................... 141
Maria Alice Bragança
Paula Regina Puhl
8. Iluska Coutinho: Azul da cor do mar televisivo
e outras cores ........................................................................................... 159
Jhonatan Mata
9. Maria Cristina Gobbi: Protagonismo Acadêmico .............................. 177
Paulo Vitor Giraldi Pires
10. José Carlos (Zeca) Marques: uma história de paixão por
Comunicação e Esporte .......................................................................... 197
Ary José Rocco Jr
11. Fernando Ferreira de Almeida: A prática e o ensino
da Comunicação ...................................................................................... 219
João Carlos Picolin
12. Raquel Paiva: A comunidade em questão ......................................... 241
Guilherme Moreira Fernandes
Marcello Gabbay
13. Edgard Rebouças: Engajamento e labor ........................................... 263
Rose Mara Vidal de Souza
14. Paula Puhl: Carreira permeada por discursividade nas
narrativas escritas e audiovisuais ............................................................. 275
Poliana Lopes
15. Valério Cruz Brittos: Perfil acadêmico .............................................. 285
César Bolaño
Joanne Mota
16. Nélia del Bianco: Múltiplas funções e uma única paixão,
o rádio ..................................................................................................... 299
Eliane Muniz
Maria Moraes Luz
Prefácio
Ofelia Elisa Torres Morales1
PREFÁCIO
Este livro surge inspirado no reconhecimento de uma geração
de pesquisadores das ciências da comunicação que marcou,
pela sua determinação profissional, curiosidade investigativa
e pluralidade visionária, o universo comunicacional brasileiro contemporâneo.
Trata-se de uma comunidade dinâmica que muito contribuiu
na consolidação de diversas instituições de pesquisa na área.
Uma delas, a INTERCOM, experimentou a efervescência
transformadora de um grupo comunicacional de cientistas
“timoneiros” que, com seu espírito inovador, trouxe dinamismo no campo de estudos midiáticos, identificando-se nuances e diversidades, não somente de temáticas e visões, como
também, revelando variedade regional significativa.
Como os timoneiros que indicam os caminhos seguros no alto
mar, a relevância de cada um dos especialistas revelados nesse
1.
Pós-Doutora em Comunicação Social pela Cátedra UNESCO
da Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo –
UMESP. Doutora em Jornalismo pela Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo ECA-USP. Mestre em Rádio
e Televisão pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade
de São Paulo ECA-USP. Graduada em Ciências da Comunicação
– Habilitação Cinema, Rádio e Televisão pela Universidade de
Lima, Peru.
Prefácio
11
projeto editorial é expressiva, principalmente, pelo incentivo no aprofundamento
de linhas de investigação e estudos, assim como na orientação e formação de novos
pesquisadores na área comunicacional. A inspiração ética e a dignidade profissional
são traços das identidades dos produtores de ciência apresentados nessa publicação.
A convivência de ideais em comum, no sentido de mergulhar no amplo oceano de expressões que a comunicação traz, é um elo dos “timoneiros”. O cerne
da questão é a busca pela densidade do conhecimento científico, partindo do
pluralismo acadêmico e da crítica investigativa, presente nos intelectuais referenciados nesse projeto editorial. Mostra disso, é a multiplicidade de objetos de
estudo e correntes interpretativas identificadas nas opções de vida no campo das
descobertas científicas de cada um deles.
Orientando, guiando e buscando novos horizontes, a repercussão dos investigadores “timoneiros” não somente impacta nos cursos de graduação e pós-graduação nos quais eles desenvolvem suas atividades acadêmicas, mas, sobretudo,
nas novas gerações, criando núcleos de pesquisa e desenvolvimento regional em
áreas estratégicas da comunicação. Da mesma forma, seus trabalhos na academia aliam teoria e prática, nos diversos projetos de ensino, pesquisa e extensão,
desenvolvidos por muitos desses estudiosos. As produções intelectuais, realizadas pelo grupo comunicacional identificado como “timoneiros”, expressam
rigor científico, reforçando, assim, a legitimidade dos discursos da ciência desenvolvidos no país e, dessa forma, fortalecendo a ampliação e repercussão da
comunicação nos cenários nacionais e internacionais.
Nesse sentido, a publicação apresenta múltiplas perspectivas de saberes midiáticos, a partir dos olhares de uma geração, inspirada nos ensinamentos do
mestre José Marques de Melo, exemplo de vida e dedicação profissional. Ao longo de seu desenvolvimento, o livro reúne textos reveladores de cada pensador,
formando um grupo comunicacional representativo pelo seu esforço, pujança e
determinação. A estrutura desses artigos, registrados por autores conhecedores
das trajetórias desses “timoneiros”, combinam o registro biográfico e a análise do
posicionamento investigativo dos mesmos, revelando-se, também, a importância de suas experiências profissionais no mercado da comunicação. O presente
projeto editorial destaca, de forma abrangente, o perfil pessoal e profissional de
cada um dos integrantes desse grupo emblemático de pesquisadores expressivos,
assim como seus cenários e produções investigativas, mostrando sua essência
identitária, revigorando e potencializando a construção do conhecimento científico, nos contextos democráticos contemporâneos.
É ampliando esses horizontes que os “timoneiros” navegantes vão ao encontro de
novos caminhos na imensidão do mar, desbravando aventuras midialógicas, orientando e revelando a complexidade dos universos midiáticos. Salve, navegantes timoneiros!
12
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Prólogo
Esnél José Fagundes1
PRÓLOGO
O projeto Coleção Fortuna Crítica foi idealizado com o
objetivo de registrar a produção intelectual de autores no espaço em que um homenageado é editorado por outro profissional da área da comunicação. É de se admirar a responsabilidade dos editores que em poder de um conhecimento
adquirido por meio da leitura dos textos dos homenageados
se dispuseram e ousaram elaborar um novo texto expondo
sua linha de pensamento sem perder o senso crítico e ético
profissional. Ter a coragem de se expor e analisar a obra de
outro colega merece sem sombra de dúvidas o respeito de
todos.
Por outro lado, deve-se reconhecer também a mesma ousadia
e coragem a disponibilidade dos autores em colocar nas mãos
de seus pares os seus textos para serem averiguados, explorados e criticados.
O projeto Coleção Fortuna Crítica destaca-se na medida em
que somos conhecedores de que para escrever o autor necessita de “farta dose de entrega, de abandono, de devassamento, e
1.
Doutor em Ciências da Comunicação pela ECA/USP; Formado
em Relações Públicas pela Universidade Federal do Paraná, professor do Departamento de Comunicação da Universidade Federal do Maranhão.
Prólogo
13
impõe um combate contínuo contra o orgulho, o desespero e a solidão, destino
que faz dos escritores, quase sempre, seres suscetíveis e irrequietos, que carregam
sonhos além de suas forças”2, mesmos aqueles que escrevem cientificamente.
Dentre os objetivos da obra destacam-se o de inventariar a produção acadêmica da vanguarda literária produzida pela INTERCOM, com o propósito
de disponibilizar às novas gerações referências biográficas e bibliográficas que
permitam o resgate das ideias dos autores abordados.
Outro dos objetivos daqueles que organizam esta coletânea sempre foi que o
público interessado na produção literária de comunicação conhecesse as obras e
o perfil de vários autores e como estes são percebidos por outros pesquisadores
da área. Assim, como a área de comunicação tem muitas interfaces optou-se por
organizar a obra em temas que estivessem interligados.
Portanto, este projeto possui uma vasta importância para a área da comunicação uma vez que privilegia quem lê o resultado deste embate sadio entre autor
e editor.
Previamente, sabiam os organizadores que seriam necessários vários volumes
para atender às produções da literatura de comunicação dos últimos anos. Esse
conhecimento sempre ficou evidente no próprio projeto da coletânea.
Outro ponto de suma importância desta coletânea é que existe um resgate
de obras que muitas vezes ficam em zonas sombrias impostas pelo mercado
editorial, pela crítica, pela vaidade de muitos colegas e principalmente pela dificuldade de circulação que os livros ainda enfrentam.
Os textos reunidos neste volume perpassam por áreas distintas, porém se
imbricam de forma a dar ao leitor uma visão clara do pensamento de autores
consagrados, discutidos e criticados nas esferas profissional e acadêmica, permitindo desta forma que ao ler todos ou apenas alguns dos textos o leitor perceba
que por mais variados que sejam os assuntos se complementam.
Esta edição expõe de maneira clara e sistemática recentes desenvolvimentos
no campo da teoria e prática da comunicação no Brasil, e assim torna-se capaz
de abrir novas perspectivas para os que se interessam pela área. Escrito por renomados autores discutem os efeitos da comunicação nas áreas profissionais e
acadêmica. Percebem-se claramente as constantes e aceleradas mudanças que
invadiram a área da comunicação, nestes últimos anos, e que continuam maravilhando e às vezes apavorando os estudiosos da área.
Neste volume da Coleção Fortuna Crítica encontramos os mais variados temas relacionados à comunicação como a questão histórica que trabalha a co-
2.
14
CASTELLO, José. Inventário das sombras. 3ª Ed. Rio de Janeiro; Record, 2006
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
municação nos tempos das novas tecnologias, suas interfaces, correlações e evolução; a influência do jornalismo na sociedade e o tratamento, pela imprensa,
dos conflitos sócios, políticos e econômicos, numa visão imparcial; os estudos
de conteúdo e suas perspectivas em tempos de tecnologia; a radiodifusão suas
normas, evolução e a participação da sociedade; as questões sempre atuais sobre
comunicação, cidadania, ética e a mídia; o jornalismo esportivo as suas características e a evolução do processo midiático como ferramenta para o exercício da
cidadania, dentre outros.
Longe de uma interpretação romântica da área homenageados e editores
demonstram nesta edição a luta travada nas arenas profissional e acadêmica,
enfatizando a velha e conhecida discussão sobre teoria e prática.
O maior valor desta coletânea está em permitir a reflexão da área da comunicação por meio da veracidade da nossa produção literária.
Prólogo
15
Introdução
Clarissa Josgrilberg Pereira
Iury Parente Aragão
INTRODUÇÃO
Segundo os dicionários, “timoneiro” é quem dá a direção
e o ritmo aos navegadores. Dessa forma, este livro, como
o próprio nome sugere, busca identificar e homenagear os
pesquisadores da vanguarda da INTERCOM, os quais têm
trazido grande contribuição para a área da comunicação, essencialmente, pelo incentivo e dedicação às novas gerações
de estudantes.
Mais que uma homenagem, a presente obra expõe sobre a
linha de pesquisa de cada um dos personagens, assim como
suas produções e contribuições acadêmicas, reunindo importantes informações e referências para os novos pesquisadores
da área da comunicação.
A proposta desse livro, assim como de todo o projeto Fortuna Crítica, é fazer um levantamento a respeito das reflexões
de importantes pensadores brasileiros da comunicação, compondo riquíssima fonte de pesquisa para os estudantes do
campo.
Neste livro, todos os perfis foram escritos por orientandos e/
ou colegas de profissão que tiveram contato direto com cada
um dos personagens homenageados e, por isso, conhecem de
perto cada pesquisa, cada trabalho e cada traço da personalidade e da trajetória deles, o que, certamente, reflete em toda
a contribuição dada às pesquisas da comunicação. Aliás, em
todo o projeto Fortuna Crítica os traços biográficos foram
Introdução
17
levados em consideração, o que mostra não só a relação do indivíduo com o que
produz, mas também o lado humanístico da ciência.
Os personagens aqui homenageados refletem diversificadas regiões do país,
nos permitindo inferir que esta obra traz o ritmo do velejo da comunicação
de grande parte do território brasileiro. Os dezesseis homenageados: Marialva
Barbosa, Rosa Dalla Costa, Osvando Morais, Moacir Barbosa, Ana Carolina Temer, Maria Ataide, Paula Cundari, Iluska Coutinho, Maria Cristina Gobbi, José
Carlos Marques, Fernando Ferreira de Almeida, Raquel Paiva, Edgard Rebuças,
Paula Puhl, ValérioBrittos e Nelia del Bianco, representam Rio de Janeiro, Brasília, Paraná, São Paulo, Pará. Rio Grande do Norte, Goiás, Espírito Santo, Rio
Grande do Sul e Minas Gerais.
Ao resgatar o pensamento de estudiosos que estão à frente, como verdadeiros
timoneiros da comunicação e que objetivam fortalecer essa área como um campo autônomo de pesquisa, estamos certos de que tal iniciativa recrutará cada
vez mais marinheiros que queiram velejar nesse mar de águas revoltas, que, no
entanto, oferece possibilidades de muitos portos.
Boa leitura!
18
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Marialva Barbosa:
Comunicação e história
Igor Sacramento1
Herica Lene2
Leticia Cantarela Matheus3
1º
CAPÍTULO
Marialva Carlos Barbosa nasceu no dia 19 de junho de 1954.
Viveu sua infância e adolescência em Piedade, bairro do subúrbio
carioca, mas estudou no Colégio III-XIV Goiás no Encantado,
um bairro vizinho. Em seguida, por um breve período, estudou
na Escola Piedade. Cursou o antigo ginásio na Escola Estadual
José do Patrocínio, em Inhaúma, e concluiu os estudos na Escola
Normal Carmela Dutra, em Madureira. Nessa época, ela já tinha
se mudado de Piedade para o Jardim América. Em 1973, aos 17
anos, ingressou no curso de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense. Nesse momento, a opção pelo Jornalismo se tornou mais certa. Marialva foi aluna de professores como
Muniz Sodré, Nilson Lage e Antonio Teodorio de Barros.
Logo após concluir o curso, em 1979, ela passou num concurso para uma vaga de professora auxiliar. Nessa época, pa-
1.
Doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ e bolsista de pós-doutorado pela mesma instituição.
2.
Doutora em Comunicação pela UFRJ, mestre em Comunicação
pela UFF e professora do curso de Comunicação da Universidade
Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB.
3.
Doutora em Comunicação pela UFF e professora da Faculdade
de Comunicação Social e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UERJ.
Marialva Barbosa: Comunicação e história
19
ralelamente à dedicação ao ensino, ela trabalhou como repórter na Rádio Tupi
(1975 – 1976) e no jornal Última Hora (1977 – 1979) e como gerente de
marketing e relações públicas na Sul América Seguros e na Telerj (1979-1991).
Em 1989, Marialva iniciou o mestrado em História. Com dissertação intitulada “Operários do Pensamento: Visões de Mundo dos Tipógrafos do Rio
de Janeiro (1880-1920)”, ela dava início ao estabelecimento de interfaces entre
os campos da Comunicação e o da História, iniciativa e programa de pesquisa
que a define como investigadora. O trabalho, apresentado em 1992, desvenda
o cotidiano e o universo do trabalho dos tipógrafos a partir diversos textos, especialmente aqueles publicados pelo jornal O Gráfico. Os textos abordam temas
acerca das péssimas condições de trabalho, da falta de higiene nas oficinas, das
doenças que acometiam os operários e das necessidades de organização social
do grupo. Um dos objetivos da pesquisadora na dissertação foi mostrar como
as práticas e as condições cotidianas daqueles operários forneciam elementos
indispensáveis para os tipógrafos se pensarem como um grupo, estabelecerem
elos de identidade e formarem reivindicações.
Para a sua tese de doutorado, “Imprensa, poder e público: os diários do
Rio de Janeiro (1880-1920)”, a pesquisadora analisa as mudanças ocorridas nos
principais jornais diários da cidade no período – Jornal do Commercio, O Paiz,
Jornal do Brasil, Correio da Manhã e Gazeta de Notícias, apontando para os
modos como os jornais passaram ocupar mais espaço na vida dos mais diferentes grupos sociais, letrados e iletrados. Essa diversidade de público foi possível,
porque a palavra impressa inseria-se como um forte elemento de normatização
da sociedade, e os jornais passavam a ganhar expressiva credibilidade no modo
de simbolização dos acontecimentos do mundo. Marialva, a partir da noção de
circuito social da comunicação, esboçada por Robert Darnton (1990), investiga
não apenas a estrutura administrativa e econômica dos períodos, mas também
o que eles eram em aspectos formais e editoriais, como trabalhavam os profissionais envolvidos, como eles se popularizavam e chegavam ao público. Em
2000, ela publicou a sua tese em formato de livro, sob o título Os donos do Rio:
imprensa, poder e público.
Em 1994, Marialva foi aprovada no concurso para professora titular do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense. Nesse
momento, Marialva Barbosa já vinha despontando como uma das importantes
pesquisadoras do campo da Comunicação no Brasil e uma das principais especialistas em História da Comunicação. Em 1996, se tornou chefe do Departamento de Comunicação Social e, nessa condição, estruturou a proposta de um
curso de mestrado em Comunicação, Imagem e Informação. A proposta foi
aprovada, e o curso entrou em funcionamento em 1997.
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Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Entre 1998 e 1999, ela realizou pós-doutorado no Centre National des Recherches Scientifiques. Sua pesquisa, intitulada “Meios de comunicação, memória e tempo: a construção da redescoberta do Brasil”, abriu uma nova área
de investigação na trajetória intelectual de Marialva: as construções memoráveis
e temporais pelos meios de comunicação. Tomando como objeto empírico os
jornais e programas de televisão sobre as comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil, Marialva explicou o processo de presentificação do passado
realizado pelas narrativas midiáticas. No retorno às atividades na UFF, ela se
empenhou no projeto de criação de um curso de doutorado em Comunicação,
Imagem e Informação, que foi aprovado pela Capes em 2002, tendo início em
2003.
Como professora da UFF, ela escreveu obras de grande valia para os estudos históricos da comunicação no Brasil. Cabem destacar “Percursos do Olhar:
Comunicação, Narrativa e Memória”, “História Cultural da Imprensa – Brasil
(1900-2000)” e “História Cultural da Imprensa – Brasil (1800-1900)”. Em
2010, Marialva se aposentou na UFF. Atuou entre 2010 e 2011 como professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Linguagens da Universidade Tuiuti Paraná (UTP). Em 2012, foi aprovada, novamente, num concurso para professor titular. Atualmente, ela é professora titular de Jornalismo
da Escola de Comunicação da UFRJ e vice-presidente da Intercom. Desenvolve
com bolsa do CNPq a pesquisa “Comunicação, História, Testemunhos e Valor:
Modos de comunicação e escravos do século XIX” e prepara a publicação do
livro com os resultados desta investigação, enquanto aguarda a publicação de
“História da Comunicação no Brasil”. Numa proposta inédita, ela não considera apenas os sistemas midiáticos, mas também os orais, manuscritos e escritos,
para narrar histórias da comunicação no país.
Neste texto, em ordem cronológica, dispomos uma síntese dos principais
conceitos desenvolvidos pela autora ao longo de sua trajetória.
Jornalismo
Marialva Barbosa (2005a e 2005b) registra que o jornalismo como a história
conta histórias. No primeiro caso, o passado seja remoto ou recente, próprio ou
de outrem, é o relato. A história é uma história (HELLER apud BARBOSA,
2005a, p.3). Também o jornalismo é uma história, já que se valendo de um
sentido de tempo presente, conta histórias em relação ao aqui agora.
Contar uma história, acrescenta Heller (apud BARBOSA, 2005), significa
estar no mundo. É dessa forma que se organiza a informação a respeito do munMarialva Barbosa: Comunicação e história
21
do em que o evento ocorreu, podendo-se a partir dessa organização informar de
modo coerente sobre o que, como e por que o evento ocorreu daquela forma.
Barbosa coloca que, se o jornalismo faz exatamente esse exercício, no desvendamento de sua ação interpretativa, o pesquisador deve recuperar na sua análise a
questão da narratividade ou, como enfatiza Paul Ricouer (1995), reflexões em
torno do tempo de contar e do tempo contado. Ao relatar um acontecimento
ou ao transformar um evento em acontecimento, a partir de sua publicização,
o jornalismo instaura – tal como o texto ficcional também o faz – o mundo
contado.
Esse mundo contado é estranho ao locutor (no caso o jornalista) e ao ouvinte. O jornalista presente no palco do acontecimento relata o que viu ou ouviu,
mas não é ele em si mesmo construtor da ação. É através da sua narrativa que o
leitor se insere no mundo das coisas contadas. Por outro lado, a perspectiva de
locução marca na narrativa, pelo emprego dos tempos verbais, a diferença entre
o tempo do ato (o que ocorreu) e o tempo do texto (tempo contado). Esta é
uma das razões pela qual o jornalismo utiliza invariavelmente nos textos informativos tempos verbais que marcam a defasagem da ação em relação à produção
do texto (passado simples, por exemplo).
A ação descrita pelo jornalista no presente é, por outro lado, retrospectiva,
fazendo com que o passado se prolongue no aqui agora. Comentando os fatos
passados, o jornalismo retém esses mesmos fatos no presente, ainda que seja
fundamental acrescentar nos textos do mundo contado marcas que distinguem
a verdade da ficção: os documentos (tudo o que está revestido de uma função
de registro e fixação do real presumido, tal como os testemunhos, os textos de
todas as ordens, os monumentos e também os vestígios inscritos em inúmeros
objetos), por exemplo.
O texto jornalístico, portanto, é uma narrativa que recupera um tempo vivenciado por um outrem, narrado por um locutor, que instaura o tempo das
coisas contadas. Esse mesmo narrador seleciona de um conjunto de acidentes
uma história completa e una, ou “tece a intriga”, diz Barbosa utilizando a expressão cara a Paul Ricoeur (1994).
Pressupor, portanto, a questão da narrativa nos estudos de jornalismo é, diz
Barbosa (2005a e 2005a), instaurar uma discussão fundamental em torno da
questão da temporalidade e das convenções narrativas formadas em regimes de
historicidades precisos. O que o jornalismo pretende é compor um texto que
reproduz o que se passa no mundo.
Os jornalistas, ao produzirem um discurso digno de ser publicado, isto é,
oficializado, constroem também distinção em relação a outros grupos (BARBOSA, 2004b, p.2). Como produtores de discursos, a eles é dado o direito de
22
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
falar de fatos, eventos, ocorrências que não foram registrados em sua presença,
sendo pois considerados produtores de um discurso credível. Suas palavras são
aceitas como verdadeiras. E se a igreja, o Estado, a ciência puderam ao longo de
séculos falar do passado, sendo seus discursos considerados críveis, aos jornalistas hoje é dado o estatuto de produção do discurso do presidente acreditado
como verídico.
O relato jornalístico é revestido da característica de crível antes de qualquer
outra presunção. Quando se descobre que um relato foi inventado, a notícia
assume a proporção de um verdadeiro escândalo. Não existe possibilidade de
invenção da realidade no mundo do jornalismo, em função de ser atribuída aos
produtores desse discurso à outorga de poder realizar, somente, um discurso
tido como verídico (BARBOSA, 2005b, p.109).
História
Ao abordar o conceito de História, Marialva Barbosa (2004c) destaca que
a operação historiográfica deve ser pensada como um processo, no qual estão
envolvidos não apenas os grandes nomes, as grandes datas, os grandes feitos singulares, mas, sobretudo, os particularismos, as repetições, os vestígios, os restos
que o passado legou ao presente. E, sobretudo, os anônimos.
É a partir de restos e vestígios que chegam do passado ao presente também
que se pode recontar as histórias que envolvem prioritariamente as ações comunicacionais do passado. Muitas vezes nessas ações, o objetivo último é prefigurar os sistemas de comunicação existentes em dado momento e lugar. Nesse
instante, a história que afinal é comunicação, se torna história da comunicação
(BARBOSA, 2007b).
A História, para ela, é comunicação. “Se considerarmos que toda história
refere-se ao fracasso ou ao sucesso de homens que vivem e trabalham juntos em
sociedades ou nações, com pretensão ou ao verdadeiro ou ao verossímil, a história é, na verdade, o fragmento ou o segmento de um mundo da comunicação”
(BARBOSA, 2007, p. 3). São os atos comunicacionais dos homens do passado
o que se pretende recuperar como verdade absoluta ou como algo capaz de ser
acreditada como verídico. É, nesse sentido, que Barbosa afirma que a história é
sempre um ato comunicacional.
Ela destaca a questão da interpretação como o principal postulado da historiografia: não se trata de recuperar o que de fato ocorre (até porque o que de fato ocorre não pode jamais ser recuperado), mas interpretar – a partir da subjetividade do
pesquisador – as razões de uma determinada ação social (BARBOSA, 2005b, p. 3).
Marialva Barbosa: Comunicação e história
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Em sua concepção, só haverá entendimento se a história puder ser seguida
por aquele que a lê, a decifra e a interpreta. Mas as histórias só merecem ser narradas e seguidas se a sua temática se referir a interesses e a qualidades humanas.
Há sempre um nexo com os sentimentos nas histórias que contamos.
Com isso, Barbosa não quer retirar da história o seu estatuto de ciência,
construído como um lugar emblemático de sua fala e fundamental para o desenvolvimento da disciplina histórica. Também não nega toda a discussão que
governou o século XX e que procurou construir novos parâmetros e novas bases
para a disciplina, privilegiando a estrutura e a conjuntura nos tempos de longa
duração.
Marialva Barbosa (2007b, p.15; 2009, p.10) diz que construir a história da
comunicação é, pois, fazer mesmo movimento da “escrita da história” (CERTEAU, 1982). É perceber a história como processo complexo, no qual estão
engendradas relações sociais, culturais, falas e não ditos. Compete ao historiador
perguntar pelos silêncios e identificar no que não foi dito uma razão de natureza
muitas vezes política.
Pensar historicamente pressupõe contextualizar os espaços sociais numa cadeia de fatos, eventos, ocorrências, costumes, instituições que se conformam
como um fluxo (antes e depois).
Barbosa (2004c) insere a produção de uma história da comunicação dentro de um campo claramente configurado e que se denomina história cultural.
Difícil de ser definida, sendo muitas vezes confundida com história das ideias
ou dos pensadores ou outras vezes com história das práticas culturais, a história
cultural deve, na definição de Roger Chartier (1990), identificar o modo como
em diferentes lugares e momentos uma dada realidade é construída, pensada e
dada a ler.
Quando enfatiza a expressão “dada a ler”, Chartier coloca em relevo a questão da interpretação, fundamental na operação historiográfica. Barbosa (2004c)
destaca que é preciso perceber que qualquer história é reinterpretação, reinvenção, reescritura. Não há possibilidade de recuperação do passado tal como ele se
deu: o passado é inteligível nas fimbrias das narrativas que ele mesmo compôs.
O que o historiador faz é um ato ficcional, não no sentido de que aquilo que
descreve não tenha se dado, mas considerando sempre o grau de invenção, composição, interpretação, inserção do sujeito pesquisador que compõe a história a
ser interpretada. Não há possibilidade de isenção diante de qualquer construção
humana (Ibid.).
Barbosa (2009, p. 10) segue a metodologia proposta por Robert Darnton
(1990), que propõe a realização de uma história social e cultural da comunicação impressa. Assim, o estudo dos meios de comunicação no seu sentido histó24
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
rico deve envolver todo o processo de sua construção e este movimento termina
na interpretação dos leitores. Ao escrever a história da imprensa, destaca ela, é
fundamental visualizar a invenção criadora do público no instante em que realizam o processo de recepção e também caracterizar práticas que se apropriam
de modo diferente dos materiais que circulam em determinadas sociedades,
identificando-se as diferenças.
Fazer história da comunicação, em sua visão, é estudar um corpus específico
de textos ou de textualidades, considerando também a relação dos leitores com
esses objetos culturais.
Assim, Barbosa (2004c; 2007b; 2011) faz uma proposta teórica e metodologicamente para a construção de uma história da comunicação: em primeiro
lugar, levar em conta as premissas da escrita da história e, em segundo lugar,
considerar as especificidades de estar se lidando com textos e textualidades.
Seguindo o modelo proposto por Robert Darnton (1995), Marialva Barbosa
(2009, p.10; 2011, p. 23-24) afirma que é preciso desvendar, quando se fala em
história da comunicação, quem escrevia nesses jornais, como procuravam se
popularizar – ou seja, que estratégias, apelos e valores esses veículos invocavam
no seu discurso -, como funcionavam essas empresas e de que forma esses textos
chegavam ao público. Percorrido esse caminho é preciso ver ainda como os leitores entendiam os sinais na página impressa, quais eram os efeitos sociais dessa
experiência. Por outro lado, as inovações devem ser pensadas não apenas como
circunstancias de natureza política, econômica e tecnológica, mas, sobretudo,
na relação direta com o público.
Ela defende ainda como um aspecto que pode ser altamente positivo para a
pesquisa histórica: a imersão do pesquisador no seu objeto. Longe de postular
um distanciamento artificial, porque construído sobre parâmetros de uma ideia
de ciência há muito tempo desconsiderada, o pesquisador deve se inserir no seu
próprio relato. Isso porque em qualquer pesquisa está presente a subjetividade
do sujeito que a constrói. Fazer história neste sentido, enfatiza, é construir a
nossa própria história.
A história, portanto, não fala do passado, mas do presente, tal como a operação de memória. O que ela possibilita é uma dada reconstrução desse passado,
feita através de um diálogo que ajuda, sobretudo, a entender melhor o presente.
Barbosa destaca que a história não fala do tempo de ontem, mas possibilita
apenas a sua reconstrução.
Fazer uma história que envolva os meios de comunicação, conclui ela, não
é apenas informar ou analisar o que esses meios publicavam; não é tão somente
discorrer sobre as estratégias discursivas dessa imprensa; não é também se limitar a alinhar os grandes nomes e os grandes feitos dos homens de imprensa. É
Marialva Barbosa: Comunicação e história
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dar conta de um processo comunicacional que envolve sempre o que foi produzido, quem produziu, porque produziu, para quem produziu. Como eram essas
mensagens produzidas; como circulavam esses impressos; que materialidades
possuíam; que atores estavam envolvidos ao longo do processo. E, por último, a
quem eram destinadas. Mas não basta completar esse circuito com o momento
em que esses impressos chegavam aos leitores.
É preciso mais: é preciso compreender e perceber de que forma esse público
realizava a interpretação de um texto que sempre chega ao mundo e a ele volta
no momento em que produz compreensão. Nesse instante, gera um outro texto,
uma apropriação crítica, uma transformação (BARBOSA, 2009, p.17).
Sistemas de comunicação
Marialva Barbosa vem consolidando no Brasil a história dos sistemas de comunicação (BARBOSA, 1997 e 2010). Tal projeto compreende a iniciativa de
não se limitar a dar voz aos produtores das mensagens, mas também aos sujeitos
sociais concretos que receberam e se apropriaram delas de diferentes maneiras,
participando, assim, da produção de sentido. Essa perspectiva tem no trabalho
de Robert Darnton forte inspiração. Em 1982, o jornalista e historiador norte-americano elaborou o modelo do “circuito das comunicações” para entender
os modos como os livros surgem e se espalham na sociedade: do autor ao leitor, passando pelo editor (se o livreiro não assume esse papel), pela impressora,
pelo carregador, pelo livreiro e chegando ao leitor. Os sentidos produzidos no
processo são concebidos como rotas que passam da ideia para escrever à letra
imprensa e que podem permitir uma nova ideia. Nessa concepção, a história do
livro diz respeito a cada fase do processo e o processo como um todo, em todas
as suas variações no espaço e no tempo e suas relações com outros sistemas: o
econômico, o social, o político e o cultural.
Desse modo, Darnton parte do pressuposto de que somente uma visão holística
do livro como um meio de comunicação pode evitar as fragmentações de sua história em especialidades esotéricas (a história dos autores, dos editores, dos livreiros,
dos carregadores, dos leitores). Para ele, a história do livro se faz da conjunção de
todas essas histórias. Sendo assim, não bastaria somente investigar as materialidades (o o que da questão), mas principalmente considerar os atores envolvidos
na produção, na circulação e na recepção dos livros (o quem, portanto) e os seus
propósitos, ações e projetos. Desse modo, também é possível analisar os agentes e
os sentidos envolvidos nos sistemas midiáticos – sejam eles jornais, revistas, livros,
filmes, programas de televisão – como partes de circuitos comunicacionais.
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Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Em seu trabalho, Barbosa visualiza o processo da comunicação como um
sistema, no qual têm importância o conteúdo e o produtor da mensagem, bem
como a forma como o leitor/espectador entende, nos limites de sua cultura, os
sinais desse sistema. Considerando o texto histórico também como um artefato
literário, a comunicação enumera os pressupostos teórico-metodológicos indispensáveis para a construção de uma história dos sistemas de comunicação.
Essa proposta se inscreve no campo de estudos da história da cultura renovada pelos contatos com os estudos sobre os processos de produção social dos sentidos. Privilegia-se o estudo das mídias contemporâneas através da delimitação
dos seus circuitos sociais de produção, circulação, consumo e agenciamento de
produtos, experiências estéticas e processos culturais. Tem como objetivo principal definir os processos da produção de sentido no mundo contemporâneo,
através de seus efeitos, seus suportes, vetores e mediadores. Uma história dos
sistemas de comunicação, portanto, deve articular a mensagem aos produtores e
receptores, visualizando a face desse receptor, as formas como realizavam leituras
diferenciadas e, sobretudo, a singularidade ao se apropriarem dessas mensagens.
A comunicação é um processo que envolve a produção da mensagem, a sua
emissão e a sua apropriação por alguém que é, acima de tudo, um sujeito histórico concreto. Visualizar a história dos sistemas de comunicação é perceber todo
esse circuito e só assim realizar uma reinterpretação que possibilite recuperar
formas culturais inscritas num passado.
Qualquer compreensão desse sistema depende, também, fundamentalmente
da forma como esta comunicação chega ao leitor/espectador. Nenhum processo
comunicacional existe fora do suporte que lhe confere legibilidade. Para Marialva, estabelecer a complexidade dos estudos dos objetos de comunicação como
um sistema, ao mesmo tempo histórico e cultural, exige, pois, que se considere
o texto/emissão, o objeto que o comunica e o ato que o apreende. Sensacionalismo
Marialva Barbosa deslocou o conceito de sensacionalismo de uma concepção
normativa sobre o jornalismo, preferindo a ideia de jornalismo de sensações.
Embora ela faça uso do termo sensacionalismo, ele não remete, em sua obra, a
um gênero jornalístico de “baixa” qualidade ou mesmo como desvio de sua suposta função iluminadora, mantendo sempre o cuidado de rejeitar classificação
de ordens discursivas em compartimentos para estanques.
Para ela, o sensacionalismo é uma prática de comunicação que se dá quando
repórteres, redatores e editores optam por configurar e encadear as narrativas
Marialva Barbosa: Comunicação e história
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jornalísticas de modo a acentuar seus mecanismos narrativos que acionam as
sensações no leitor-espectador. Caracteriza-se pelo uso de recursos de expressão
– tanto pelo conteúdo, mas principalmente pela forma – que mobilizam asco,
arrepio, susto, excitação, choro, despertando sentimentos como medo, surpresa,
piedade, dor, ira etc. Trata-se de um jornalismo sensorial, herdeiro de formas
populares de comunicação, ligadas ao universo oral.
Chamamos habitualmente de jornalismo sensacionalista um tipo de notícia que apela às sensações, que provoca emoção, que indica uma relação
de proximidade como fato reconstruído exatamente a partir de uma memória dessas sensações (BARBOSA, 2007a, p.122).
Sua concepção de sensacionalismo tem como base o princípio de Martín-Barbero segundo o qual o popular sobreviveu e sobrevive integrado aos produtos massivos, como um movimento de longa duração daquilo que Barbero
(2001) chama de matriz cultural do popular. Não há, portanto, em Barbosa,
fronteiras nítidas entre as culturas “alta” e “baixa”, considerando que elas circulam pela sociedade, como em Bakhtin (1996).
Evidentemente que, quando estamos considerando o jornalismo como
sensacionalista, ou melhor, de sensações, não o fazemos apenas porque
esses textos apelam para as sensações físicas e psíquicas. As sensações a
que nos referimos encontram-se na relação da leitura com o extraordinário, com o excepcional, aproximando esse tipo de notícia do inominável.
São sensações contidas nas representações arquetípicas do melodrama e
que continuam subsistindo nos modos narrativos dessas tipologias de
notícias. Tal como os gostos e anseios populares – formados na longa
duração – também as sensações desse tipo de narrativa mesclam os dramas cotidianos – os melodramas – em estruturas narrativas que apelam
ao imaginário que navega entre sonho e realidade (BARBOSA, 2007a,
p.123, grifo original).
O interesse de Barbosa pelo tema do sensacionalismo foi despertado quando
em sua pesquisa de doutorado em História Social, defendida em 1996 na Universidade Federal Fluminense, ela descobriu que os jornais só se popularizaram
graças às “notas sensacionais”, na virada do século XIX para o XX, no Rio de
Janeiro. A partir daquele momento, surgem inclusive periódicos totalmente voltados para os escândalos e os crimes, como “Manhã”, de 1925, e “Crítica”, de
1928, ambos fundados por Mário Rodrigues.
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Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Esses diários integram uma cultura popular mais ampla, que excede as fronteiras do jornalismo, ao mesmo tempo tão inflamada por ele. Eles ajudam a
construir mitos urbanos, e se tornam importantes simuladores da experiência
cotidiana, na medida em que o sensorial materializa a experiência narrativa ao
fazê-la retornar ao plano da oralidade. Pelo sensacionalismo, a relação com o
ambiente urbano e com a comunicação se torna concreta, atrelada ao corpo.
Marialva recupera o jornalismo de sensações de um limbo desviante que
o mantêm como um objeto “menor” na Comunicação e o traz à superfície da
história como um dos pilares do jornalismo, ao lado do jornalismo político,
responsável pela ampliação do público leitor. Radicalizando, é possível extrair
da obra de Barbosa que o jornalismo deve ao sensacionalismo a formação do
seu público.
É justamente da análise do jornalismo de sensações que a autora encontra os
primeiros desafios que a demarcação de fronteiras entre realidade e ficção frequentemente impede os pesquisadores de avançar. Ao elaborar seus princípios
norteadores sobre a narrativa, adotando uma concepção de Ricouer que trata
a formação da intriga como um exercício da imaginação produtora, Barbosa
expande essa compreensão para todo o seu pensamento sobre a comunicação e
rompe a fronteira entre verdade e ficção, por meio da construção da verossimilhança. Assim, o tratamento dado ao sensacionalismo em suas análises alcança
outra dimensão.
O irracional é a marca principal dessas narrativas. Entretanto, como pertence ao mundo do jornalismo, é necessário mesclar o ficcional e o imemorial
como dados de uma pretensa realidade objetiva (BARBOSA, 2007a, p.128).
Memória e usos do passado
A questão da memória, nas suas múltiplas conceituações e apropriações, tem
sido um tema frequente nos estudos de Marialva Barbosa desde a década de 1990.
Na sua interseção com a problemática do jornalismo, enfatiza ela, a questão da memória possibilita uma série de reflexões que ajuda a compreender as inter-relações
fundamentais entre imprensa e poder. Afinal, ao ser portadora de um discurso válido que pode ser transformado em documento para o futuro, a mídia se configura
como um dos “senhores da memória” da sociedade (BARBOSA, 2004, p.1).
Para a pesquisadora (2004a; 2004c; 2005a; 2005b), falar de memória é se
referir a quatro problemas fundamentais: ela é sempre uma ação do presente.
Nessa ação estão envolvidas escolhas, ou seja, pressupõe a dialética lembrança e
esquecimento. É se referir às disputas em torno da fixação das chamadas memóMarialva Barbosa: Comunicação e história
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rias válidas, o que enseja necessariamente a questão do poder. E, por último, é
também construir uma ideia de projeto. A memória é projetiva, no sentido que
se direciona sempre a uma ideia de futuro.
Apropriação seletiva do passado, apoiada num feixe de subjetividades, do
qual o tempo faz parte, a memória coloca em destaque, em seu caráter plural,
também a noção de agentes de memórias, de pluralidade de funções e de significações. A memória é uma construção e não um dado, destaca ela. Seletiva
reconstrução do passado, baseada em ações subsequentes, não localizadas nesse
passado, em percepções e em novos códigos, é através da memória que se delineia, simboliza e classifica do mundo. O passado é, pois, universo de significados, disputados conflitivamente no presente.
Ao explicar as diferenças entre memória e história, Barbosa (2004c) ressalta
que: memória é um conceito tecido nas disputas e diálogos com que inúmeros
autores desde o século XIX tentam dar conta da complexa teorização em torno de uma problemática importante para diversos campos do conhecimento.
História, por outro lado, define-se por ser um campo de conhecimento, uma
disciplina, uma prática, uma escrita com função simbolizadora que permite a
sociedade situar-se, abrindo espaço para o próprio passado (ibid., p.107).
Em seus estudos, Barbosa dialoga com inúmeros autores que se ocuparam
nos últimos 100 anos em tecer esse conceito em toda a sua complexidade: os
estudos pioneiros de Sigmund Freud (1889; 1899; 1925), passando pela conceituação de Henri Bérgson (1959); a percepção de memória na sua dimensão
social realizada por Maurice Halbawchs (1990); sem falar em outros pesquisadores que mais recentemente não deixaram de se referir à memória, acrescentando outros postulados fundamentais. Neste sentido, Barbosa (2004a, p.107-108)
destaca a obra de Pierre Nora (1979) e seu conceito polêmico e, ao mesmo tempo, desafiador, de “lugares de memória”; os estudos de Michel Pollack (1989); as
aproximações entre memória e identidade, realizadas por Gérard Namer (1987)
e Jöel Candau (1998); as reflexões em torno da relação memória e poder, das
memórias silenciadas e esquecidas em contraposição às memórias publicizadas
e oficializadas, realizadas por Jacques Le Goff (1990), Georges Duby (1989) e
Andréas Huyssen (2000), entre outros. Barbosa (2004c, p.108) afirma que toda
a conceituação realizada em torno da questão da memória se configura extremamente importante para os pesquisadores da comunicação. Não apenas porque
a mídia trabalha quotidianamente com a dialética fundamental da memória,
lembrança e esquecimento, ao valorizar alguns elementos em detrimento de
outros, os meios de comunicação reconstroem de maneira seletiva o presente,
contribuindo hoje a história desse presente e fixando para o futuro o que deve
ser lembrado e o que precisa ser esquecido.
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Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Retendo assuntos que, em princípio, guardariam alguma identificação com
o leitor, ressalta ela, os meios de comunicação selecionam o mundo a partir de
critérios subjetivos, classificando-o para seu público. Desorganizando a realidade e apresentando o mundo como um amontoado de fatos desconexos, sem
nenhuma lógica racional interna, colocam lado a lado, crimes, ganhadores de
prêmios milionários, espetáculos populares, jogos inesquecíveis, disputas políticas e as turbulências do mercado econômico.
Ao selecionar fatos para os leitores, em detrimento de outros que passam
à categoria do esquecimento, dão ao público a impressão de que ele participa
daquele mundo. E os jornalistas fazem a memória, na medida em que é papel
da mídia reter assuntos que, guardando identificação com o leitor, precisam ser
permanentemente atualizados. Ao selecionar temas que devem ser lembrados e
ao esquecer outros, produzem, a partir de critérios altamente subjetivos, uma
espécie de classificação do mundo para o leitor (BARBOSA, 2004c, p.1-2).
O jornal retém em sua estrutura assuntos que, em princípio, guardariam
alguma identificação com o leitor. Entretanto, como não se pode informar a
totalidade, seleciona e hierarquiza as informações tomando por base critérios
subjetivos. A própria distribuição das notícias em eixos centrais de análise, onde
informações em rubricas específicas produzem uma classificação permanente do
mundo social para o leitor, mostra esta tendência.
Ao produzir o acontecimento como ruptura algo que emerge na duração – a
partir de um modelo de normalidade ou anormalidade considerado a priori, os
meios de comunicação tornam-se espécies de “senhores da memória” da sociedade, sendo detentores do poder de fixar o presidente para um futuro próximo
ou distante. Ao legitimar o acontecimento, divulgando-o e tirando-o de zonas
de sombras e de silêncio, impõem uma visão de mundo que atua outorgando
poder (BARBOSA, 2004a, p.108-109).
Acontecimento
Marialva Barbosa (2002) discute esse conceito que envolve abordagens na
história, na filosofia e nas ciências sociais e qual o papel dos meios de comunicação na construção ou constituição de acontecimentos, dialogando com
vários autores (BRAUDEL, 1978; KOSELLECK, 1990; LACOUTRE, 1990;
BURKE, 1992; WHITE, 1994; RICOUER, 1994; e NORA, 1979).
Ela registra que múltiplas definições emergiram desde o início dos anos
1970, quando as reflexões sobre o acontecimento se desenvolveram e se aprofundaram. De um lado, os estruturalistas debatiam as relações entre estrutura e
Marialva Barbosa: Comunicação e história
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acontecimento, que na história ganha, por vezes, definições imprecisas: estruturas históricas profundas, de um lado, fatos de superfície, de outro; história
“acontecimental” e história fundamental profunda.
Em um texto de 1974, o historiador francês Pierre Nora (apud BARBOSA,
2002) distinguiu o que chama acontecimento moderno e localizou seu aparecimento nos últimos 30 anos do século XIX. Para ele, a sensação de que o presente
já é possuído de um sentido histórico, existente na contemporaneidade, produz
a percepção de que existiria uma circulação generalizada dessa percepção histórica no presente, o que culminaria com um fenômeno novo: o acontecimento.
A partir daí, houve um movimento duplo: de um lado, os positivistas procurando fazer do acontecimento passado a matéria-prima da história, que, assim,
se tornaria responsável pelo encadeamento desses acontecimentos e, de outro,
os mídias promovendo um verdadeiro retorno da história, na medida em que
nas sociedades contemporâneas seria por intermédio deles que o acontecimento
marcaria a sua presença. O texto de Nora registra um momento singular de
apagamento da memória do acontecimento do “ofício dos historiadores” e, ao
mesmo tempo, o liga aos meios de comunicação (BARBOSA, 2002, p. 181).
Nas ciências sociais, paralelamente ao campo da história, desenvolveram-se
uma série de estudos buscando a conceituação de acontecimento a partir de
uma explicação construtivista. A ideia central nas pesquisas construtivistas é
que os meios de comunicação não descrevem a realidade objetiva, existente em
si mesma, mas que a constroem. Assim, o mundo configurado pelas notícias é
sempre uma realidade construída.
Barbosa (2002) considera, pois, que o acontecimento não se resume a uma
simples ocorrência espacial e temporal. Não comporta em si mesmo uma significação determinada e não fixa, a priori, a descrição que se faz de um evento. Ao
ser editado, selecionado, escolhido, o acontecimento midiático recebe sentidos
atribuídos pelos chamados operadores da mídia. Nessa perspectiva, portanto,
os acontecimentos públicos seriam produtos ou resultados das atividades, das
práticas rotineiras e das estratégias de um certo número de atores sociais.
Perceber que a mídia eleva um fato a categoria de acontecimento parece importante, mas Barbosa destaca que, sem dúvida, o mais relevante é caracterizar o próprio
acontecimento contemporâneo: imprevisível, dramático, violento. Quais as razões
dessa configuração? Sem dúvida, é resultado de uma lenta estruturação cultural e de
fatos sociais reais: a emergência de um jornalismo especializado, o debate cultural
em torno de um assunto presentificado, uma nova apreensão temporal do mundo
contemporâneo e a configuração do imaginário social, entre tantas outras nuanças.
O acontecimento tem, registra a pesquisadora, um sentido de ruptura com relação aos meios de comunicação. Barbosa (2004b) explica que os jornalistas, produ32
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
zindo um discurso digno de ser publicado, isto é, oficializado, constroem distinção
em relação a outros grupos. Produzem o acontecimento como algo que emerge na
duração, a partir do pressuposto de que este fugiria aos padrões de normalidade.
O acontecimento como ruptura seria algo que produziria no público uma
espécie de estranhamento. Passaria a ser nesta ótica tudo aquilo que se materializa via publicização dos meios de comunicação. Mas não é só a escolha do
fato que transforma o acontecimento em algo seletivo, já que a ação mesma de
narrar pressupõe uma seleção. Não é possível a qualquer narrativa apreender
tudo o que se produz em torno do narrador, uma vez que a percepção é sempre
seletiva e a atenção reflexiva.
Ela explica que o narrador escolhe os elementos do seu relato, mesmo quando pretende que nada lhe escape. O conjunto de unidades registradas será sempre um subconjunto do que realmente se passou. Assim, os meios de comunicação registram, de preferência, fatos que os jornalistas estão convencidos de
terem visto ou compreendido e decompõem o tempo vivido em uma sequência
de unidades individualizadas.
Cada unidade individualizada do tempo vivido corresponde a uma mudança
que o espectador percebe em torno de si mesmo, a uma passagem de um estado
a outro, a uma descontinuidade em relação ao momento anterior, resultado do
aparecimento ou desaparecimento de algo ou da rearrumação dos elementos
que estão à volta. A mudança que o público percebe a sua volta é o acontecimento, no sentido que se dá a esta palavra na literatura histórica.
Mas para que haja acontecimento não basta a presença do espectador. É
preciso que haja a mudança e que ela seja acessível a uma pluralidade de espectadores virtuais, capazes de comunicar reciprocamente os resultados de suas
recepções. E são os meios de comunicação que tornam essa mudança acessível.
Para ser percebida é preciso que seja perceptível. Para isso é necessário que o
acontecimento se produza no espaço visível do público. E são mais uma vez os
meios de comunicação que tornam o acontecimento visível.
Barbosa (2004b) explica que a narrativa do acontecimento, entretanto, não
é apenas a descrição das mudanças que se percebeu. O jornalista confere significação àquilo que fala, mesmo quando não existe propósito deliberado para isso.
Acontecimento seria, assim, não a mudança perceptível no tempo e no espaço,
mas a descontinuidade construída a partir de um modelo de normalidade e
anormalidade construído.
Do ponto de vista da caracterização temporal, embora o acontecimento seja
atual, evidencia um tempo de natureza cíclica. Os fatos narrados hoje são repetidos
amanhã, ainda que envolvendo outros personagens, outros lugares. O tempo da
narrativa jornalística mostra uma repetição sistemática da quebra de normalidade.
Marialva Barbosa: Comunicação e história
33
Cerimônias e comemorações
Marialva Barbosa também discutiu em seus estudos a questão da relação
dos meios de comunicação com as cerimônias e comemorações, fazendo reflexões relacionadas principalmente à televisão. Ao reproduzir o mundo sob
a forma de narrativa, diz Barbosa (2004a), a televisão está construindo a memória do presente para um futuro. Por outro lado, ao incluir na sua programação momentos de interrupção para as chamadas emissões ao vivo que se
reatualizam sem cessar – as chamadas cerimônias midiáticas –, evocando como
contraponto o passado imemorial, está se constituindo em um outro lugar de
memória: a memória do passado possível em relação a um presente em permanente atualização.
Ao construir comemorações reatualiza o passado, mas por uma ótica que
inclui não apenas o presente, mas, sobretudo, o futuro. A memória, portanto,
se configura na televisão não apenas nas notícias do quotidiano, mas nas comemorações e nas cerimônias midiáticas.
Citando Dayan (1996), diz que o primeiro lugar de materialização de uma
dada memória da sociedade, organizada como memória dominante pelos meios
de comunicação, são as chamadas cerimônias televisivas.
Nessas emissões procede-se a uma espécie de suspensão do tempo e a inclusão do público como comunidade interpretativa. Cria-se uma espécie de sentimento de comunhão entre aqueles que partilham a experiência de visualizar a
mesma emissão, em conjunto com outros que também veem o desenrolar dos
acontecimentos que se atualizam sem cessar, naquele mesmo momento e lugar,
graças à ação da mídia.
Mas essas transmissões são também, segundo ela, arquivos memoráveis construídos para um futuro possível e também a mídia recorre a elas sempre que necessita relembrar um passado memoriável. Por outro lado, é preciso considerar
que a cerimônia transmitida ao vivo pela televisão possui todas as características
de um ritual. Os personagens, por outro lado, situam-se entre o real e o fictício,
solicitando do público a crença coletiva. Cria-se, portanto, em torno dessas
cerimônias uma série de artifícios narrativos, nos quais a escolha de imagens, o
apagamento do contexto, a repetição dos efeitos e a lentidão dos movimentos
dos personagens assumem papel central. Cria-se uma espécie de festa coletiva,
nos quais os rituais são extremamente importantes e para os quais se pede também a participação do público, também ator da cerimônia.
Outro aspecto a ser considerado é o da simultaneidade das transmissões, em
tempo real. Inaugura-se assim um regime de imprevisibilidade, criando uma
permanente expectativa em relação ao próprio desenrolar dos acontecimentos.
34
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Essa atualização permanente produz memórias fluidas, voláteis desses acontecimentos, ao mesmo tempo em que as emissões apelam a todo instante para a
memória: ao mesmo tempo em que mudam as imagens do ao vivo, intercalam-se essas imagens com arquivos de um passado pertencente ao personagem
central da emissão.
Assim, constroem-se dois arquivos para o presente e a para o futuro e os
meios de comunicação se constituem não apenas em arquivos para o futuro,
mas em arquivos permanentes do presente. E a narrativa não é mais apenas a
mescla do ficcional com o informacional, mas a narrativa histórica do imediato.
Após relatar com minúcias os detalhes daquele acontecimento singular que
produz a interrupção do fluxo narrativo convencional, a própria emissão vai
preparando o seu esquecimento e preparando o público para voltar ao ritmo
e ao quotidiano de suas existências. A narrativa começa a fazer uso do recurso
do flash-back e das sínteses que resumem as horas de transmissão em eventos
considerados significativos.
Gradativamente esses restos, vestígios, espécies de relíquias fabricadas não
são apresentados como cenas diretas. Assume o controle da emissão as performances de estúdio, até que gradativamente sai de cena. E a mesma televisão que
produziu a cerimônia também produz o seu esquecimento, através dessas estratégias narrativas que apelam à síntese ou à idealização de momentos construídos
como clímax. Construída como evento memorável, a cerimônia é depois direcionada para o esquecimento.
As comemorações são outro tipo de evento midiático que coloca em relevo
a questão da memória. Espécies de marcos que reatualizam o passado, são um
importante instrumento utilizado pela prática jornalística, para construir uma
dada memória da sociedade. Se a narrativa jornalística é marcada pela identidade com o instante é preciso, também, criar mecanismos em que se elimine o
déficit existente em relação ao passado.
Presentificando o passado, a retórica jornalística da comemoração estabelece
em relação ao acontecimento, difundido como informação e como espetáculo,
a materialização de uma dada memória através da montagem de uma verdadeira
indústria da comemoração.
Para isso mistura-se o presente e o passado, razão pela qual tornam-se os
meios de comunicação verdadeiros guardiões das comemorações contemporâneas e construtores de uma dada materialização da memória. As comemorações
fazem parte de um processo de construção de poder, no qual o interesse político
de dominar o tempo assume papel fundamental. Possibilita também a construção do acontecimento e a sua valoração pública, o que leva os detentores deste
poder a serem publicamente proprietários de sua criação.
Marialva Barbosa: Comunicação e história
35
Não se pode esquecer também o caráter comercial desses eventos. Transformada em produto, a comemoração é uma comercialização lucrativa, ao mesmo
tempo em que se torna integradora do sagrado e do profano. As festas comemorativas possuem, pois, essas duas dimensões: a praça pública subversiva, profana
e a dimensão sagrada dos atos oficiais. E são essas duas dimensões que são veiculadas pelos meios que se tornam, assim, na contemporaneidade guardiões da
única memória válida da sociedade.
Para Marialva Barbosa (2006a), as comemorações talvez sejam o momento
mais emblemático como aparecem não apenas essas expectativas de futuro na
construção dos meios de comunicação, como também a política deliberada do
esquecimento como figuração da memória.
Ela é construída como acontecimento, restabelecendo a lógica narrativa no
qual o passado pode ser utilizado concomitantemente ao presente e moldando
uma realidade diferente daquela da transmissão direta, que por si só não cria
este tipo de identificação. Mas na presentificação do passado ocorrida nos jogos
comemorativos, os meios de comunicação apresentam também uma expectativa
de futuro.
Dando visibilidade as comemorações, os meios de comunicação desenvolveram a ideia de passado como fato incomum, transformando-o em algo que
pertence ao regime do excepcional. Conectando o passado ao presente, por outro lado, tornam-se guardiãs do fluxo temporal, atrelado a pratica do instante.
Os promotores dos gestos comemorativos assumem explicitamente uma função
política, reafirmando-se, simbolicamente, como herdeiros do passado.
Mas cada gesto comemorativo aponta para o futuro, reforçando a ideia de
integração. Isso ocorreu, por exemplo, nas comemorações dos 500 anos do Brasil, em 2000, quando a Rede Globo se instaurou como verdadeira guardiã do
ato celebratório e responsável direto pelo discurso de redescoberta e integração
do Brasil, através da criação e da divulgação de gestos comemorativos. A televisão aparecia na construção discursiva como a única capaz de integrar um país
com a extensão de um continente.
Barbosa destaca que cada comemoração se inscreve numa tensão entre dois
pontos: um responde a uma preocupação de sociabilidade, de construção ou de
afirmação de uma identidade e outro é de natureza pedagógica, cuja preocupação é transmitir, fazer conhecer e incitar. Cada comemoração é, pois, misto de
sociabilidade e de pedagogia.
A mídia ao ser criadora da comemoração e, nesse sentido, inventora de um
passado memorial toma para si o papel de promotora da identidade nacional e
local e o sentido pedagógico do gesto comemorativo.
36
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Narrativa
O conceito de narrativa com o qual Marialva Barbosa opera deriva de sua
filiação fenomenológica em Paul Ricoeur e não se confunde com a questão de
gênero. Não se trata de identificar quais textualidades podem ou não ser caracterizadas como narrativas, como “molduras do discurso” (BARBOSA, 2004a,
p.2). Em Barbosa, narrativa é um operador teórico substitutivo ao conceito
de discurso, com a finalidade de dar conta das tessituras linguísticas (verbais
e não-verbais) no mundo social. Sua opção conceitual se deve à necessidade
de acentuar o aspecto temporal da comunicação, garantindo coerência no seu
sistema de pensamento.
Esse conceito faz emergir a questão do tempo nos objetos preferenciais de
Barbosa, entre eles, a narrativa televisual. O ato de narrar integra o tempo da
narração e o tempo histórico. O conceito também permite à autora acentuar
três de suas principais preocupações: a ação do público, a dimensão ficcional do
discurso e a presença da história, como atualização de múltiplos passados, nos
meios de comunicação. Portanto, não existe, em Barbosa, uma função narrativa
específica do discurso. A narrativa se encontra como metáfora para vida, assim
como em Ricoeur.
Por isso, outro conceito chave para compreender a concepção da autora de
narrativa é o de experiência, pois “o que está em cena é o lugar de fala do sujeito
e a sua própria experiência frente ao mundo” (BARBOSA, 2004a, p.2). Essa
concepção deriva, evidentemente, de Benjamim, mas também de Ricoeur. Para
ela, a narrativa “produz a transição entre a experiência que precede a construção
do texto e a que lhe é posterior e só ganha sentido quando passa a figurar nesse
novo mundo.” (BARBOSA, 2007c, p.12) Dessa maneira, inspirada na tríplice
mimese de Ricoeur (1994), Barbosa toma a narrativa como modelo para o processo comunicacional, mantendo forte compromisso antiestruturalista. Para ela,
narrativa é o processo de comunicação, no qual fica evidenciada a ação do público ao fazer o texto retornar ao mundo social. Ao produzir sentido sobre o texto,
o público lhe dá nova vida e novo ciclo comunicacional, nunca idêntico ao
anterior, como no modelo do espiral em Ricoeur, isto é, do arco hermenêutico.
Através da narrativa re-atualizamos permanentemente nossa experiência
solitária e muda. Mas isso só se dá se houver a re-configuração textual
através da experiência temporal. Assim, falar em narrativa pressupõe se
referir a uma forma que é trans-cultural e que coloca em evidência o
caráter temporal da experiência humana (RICOEUR, 1994: 85 apud
BARBOSA, 2007c, p.11).
Marialva Barbosa: Comunicação e história
37
Segundo a autora, essa unificação entre tempo e narrativa se dá por uma
operação mimética. Nesse sentido, o texto se torna a ponte entre o vivido e o
narrado (RICOEUR, 1987). Segundo ela:
Produzimos inúmeras definições do ato de narrar, transformando-o em
gêneros plurais, fez com que se produzisse também uma dicotomia básica entre os textos: de um lado, as narrativas que têm pretensão à verdade (o discurso da ciência e do Jornalismo, por exemplo) e de outro, as
narrativas ficcionais, sejam as que utilizam a linguagem escrita (literatura), sejam as que utilizam a imagem (filmes, fotografia, telenovelas, etc.)
(BARBOSA, 2006b, p. 2).
Barbosa não rejeita os gêneros, mas não é a preocupação com as classificações
o que vigora em seu pensamento quando ela trata da narrativa. Por coerência
teórica, ela privilegia os modos de ver, as formas comunicacionais e a ação do
público sobre o texto, que são sua interpretação e sua apropriação, isto é, a produção de sentido. Mais uma vez, evidencia-se o parentesco entre comunicação
e história através do viés narrativo na obra de Barbosa.
A necessidade de evitar as classificações discursivas é radicalizada no apagamento das fronteiras entre verdade e ficção, especialmente caro à autora ao
tratar da importância das narrativas televisuais na cultura brasileira.
A narrativa da TV particulariza objetivos, causas e acasos reunidos numa
unidade temporal de uma ação total e completa (RICOEUR, 1994:
9-20). Mas qualquer narrativa coloca em cena a intriga, o novo, o inédito, o não dito, as peripécias, os acasos, articulando a ação humana no
tempo (BARBOSA, 2007b, p. 4).
As narrativas televisuais são inscritas no cotidiano do público de modo ritualizado numa rotina diária, mesclando referências ficcionais à experiência prática.
Essa intensa narratividade atende a uma necessidade de expressão dos sentimentos e da vida privada. A televisão se traduz não apenas numa tecnologia de
comunicação, mas possui seu significado completado pelos usos que se fazem
dela, especialmente como utensílio doméstico. Segundo Barbosa, o fato de a televisão ter sido absorvida no âmbito privado foi fundamental para definir como
o público se relacionaria com esse meio (BARBOSA, 2007b, p.7).
Uma característica importante acentuada nas reflexões de Barbosa sobre as
narrativas televisuais diz respeito à oralidade, como expressividade prioritária
que é materializada tanto na imagem quanto nos ambientes que reproduzem
38
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
cenas de experiências orais primárias. Mesmo nos telejornais, “os locutores-jornalistas apresentam-se sempre em duplas, reproduzindo um diálogo no qual o
público é peça fundamental. Falam olhando diretamente para o telespectador
que é imaginado na cena” (BARBOSA, 2007c, p.137).
Além disso, a televisão é onde se encontra a simultaneidade plena entre do
tempo levado para contar e do tempo contado, articulado pela narrativa. Assim,
os acontecimentos podem ser narrados durante sua própria produção, tendo
a televisão com um dos agentes engajados na ação que ela mesma participa e
apresenta, assumindo assim o papel de narradora da experiência.
Tempo
A categoria do tempo exerce três funções na obra de Marialva Barbosa. Além
de recurso metodológico, opera como ponte possível entre Comunicação e História, e se constitui num problema sensível em relação aos fenômenos midiáticos.
O primeiro ponto que se deve ter em mente é que as reflexões de Barbosa
sobre o tempo partem de sua preocupação com o excessivo presentismo nos
estudos em torno da comunicação, vinculado, na maior parte das vezes, a uma
perspectiva de fundo que se pauta pela lógica da pós-modernidade. Tal perspectiva teria resultado, na Comunicação, em explicações frequentemente rasas em
relação aos fenômenos relativos aos processos de comunicação, compostas, principalmente, por teses tautológicas que explicam as mudanças pela mudança.
Como antídoto contra esse efeito teórico, Marialva Barbosa foi buscar na
História Cultural, especialmente nos fundamentos da École des Annais, uma
concepção que lhe permita repartir metodologicamente o tempo social em processos históricos de curta, média e longa duração. Assim, as explicações mais
imediatistas para os fenômenos comunicacionais, focadas nas transformações
visíveis, não são invalidadas pela a pesquisadora, mas redimensionadas como
versões possíveis e necessariamente parciais, de modo a proteger o conhecimento de princípios monocausais.
O que Barbosa coloca em cena são, portanto, outras estratificações para essas explicações, segundo as quais alguns dos níveis causais são mais duradouros, perdurando por médios e longos tempos. Esse princípio de organização
do pensamento científico de Barbosa parte de sua plena consciência e domínio
sobre a lógica das permanências, isto é, das continuidades na história. Em Barbosa, os modos de comunicação não se transformam exclusivamente de forma
acelerada no fluxo na história, mas também permanecem em longos processos
de continuidade e de lentas transformações imperceptíveis ao pesquisador que
Marialva Barbosa: Comunicação e história
39
insiste em construir objetos a partir recortes estreitos de tempo. Portanto, o
refinamento metodológico introduzido pela professora Marialva no campo da
Comunicação torna sua obra teoricamente complexa e densa, especialmente ao
tratamento que ela confere ao tempo.
No que concerne especificamente à história da comunicação, sua perspectiva
sobre o tempo se apresenta como a opção teórica mais fértil. Sua proposta é
relativizar o princípio da origem que governa os estudos históricos em comunicação. A ideia de gênese serve, segundo ela (BARBOSA, 2008a e 2010), a um
tipo de escrita da história que se confunde com os mitos fundadores.
A concepção metodológica tripartite do tempo é uma ponte mais nítida
entre Comunicação e História, na qual a professora transita, porém não a única. Se o tempo social e a relação do homem com o tempo constituem objetos
privilegiados da História, não se poderia buscar referência em outro campo que
não o historiográfico. Mas esse parentesco íntimo entre os processos de comunicação e o processo histórico é sintetizado por Marialva na questão da narrativa,
outra chave de leitura fundamental em sua obra, sob a inspiração da fenomenologia de Paul Ricoeur. A narrativa é o processo de produção de sentido que
evidencia a relação entre comunicação e história, a partir da dimensão temporal
da existência. Os homens inscrevem suas ações, significativas, na duração.
A sobrevivência de atos de comunicação, que são afinal vestígios da história,
dá-se pelo encadeamento entre passado, presente e futuro expresso na narrativa.
Além disso, os modos de narrar se encontram submetidos à própria historicidade. É o que Ricoeur chama de tempo contado e tempo do contar.
Por fim, o último aspecto bastante relevante e que igualmente tensiona comunicação e história é a questão do acontecimento. Se a narrativa une epistemologicamente Comunicação e História, o acontecimento marca as diferenças
entre as duas ciências na medida em que os critérios acontecimentais de uma de
outra são diferentes, o recorte temporal dos acontecimentos históricos e midiáticos ou jornalísticos, na forma da notícia, por exemplo, podem ser até antagônicos, embora a narrativa reenvie o acontecimento à dimensão significante, como
textualidade mas também como peripécia dos “textos” do processo histórico.
Mais do que uma chave de leitura para sua obra, é possível afirmar que o tempo é, para Barbosa, um conceito fundante da Comunicação. E, na sua reflexão,
essa categoria analítica se apresenta de forma especialmente cara nos estudos sobre
o jornalismo e sobre a cultura das múltiplas mídias em geral. “O jornalismo, particularmente, está situado em uma tensão permanente entre o mundo e o tempo.
Os acontecimentos ganham sentido pela apropriação e interpretação dos grandes
sistemas de mediação, movimento obrigatório para chegar ao público que, assim,
forma opinião e uma representação do mundo” (BARBOSA, 2007c: 79).
40
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Segundo ela, o “tempo-mídia” instaura uma noção de simultaneidade que
potencializa a ação do indivíduo à distância, amplificando o presente, ao mesmo
tempo em que lhe confere o aspecto de transitoriedade absoluta. Nesse sentido,
constrói-se a ilusão de uma temporalidade direta, como imagem do real.
A virtualidade foi acrescentada à lógica da interatividade que produz ilusão de ter a imagem em tempo real e o poder de modificá-lo por controle
direto. Com isso, cria-se a certeza de ser capaz de construir não apenas o
futuro, mas o presente, já que este pode ser modificado, a partir de um
ato de vontade. A interatividade tem, pois, uma relação intrínseca com
as novas lógicas temporais (BARBOSA, 2007c, p. 83).
Outro aspecto levantado por Barbosa é o caráter ritualístico do consumo das
mídias. Desde o rádio, na década de 1920, até se consolidar com a televisão,
Barbosa aponta para o funcionamento da mídia como uma espécie de relógio
contemporâneo, cujo tempo particularizado rege a vida cotidiana. “Jantamos
antes ou depois do jornal das oito, saímos para o trabalho antes ou depois do
noticiário da manhã e marcamos nossos encontros após a emissão das telenovelas” (BARBOSA, 2007c: 84).
Oralidade e letramento
Ao analisar a relação dos escravos com o mundo dos impressos do século
XIX, em suas mais recentes pesquisas, Marialva Barbosa (2009) considera os
processos de transição da oralidade à escrita e de transformações decorrentes
da passagem de uma oralidade primária (ONG, 1982) para uma secundária e a
entrada no mundo do letramento. Também Paul Zumthor (1993) reconhece da
mesma maneira esta oralidade secundária e primária, mas ajunta uma terceira
oralidade: a mista. Cada uma delas correspondendo a situações culturais diferentes. A primária seria aquela existente em sociedades sem qualquer contato
com a escrita. Mas outros tipos de oralidade coexistem dentro do grupo social
com a escrita. Dá o nome de oralidade mista, quando a influência do escrito é
externa, parcial; a segunda se constitui a partir da escritura no entorno, debilitando os valores da voz no uso e no imaginário. Já a oralidade mista precede a
existência de uma cultura escrita; a oralidade segunda de uma cultura erudita
(em que toda a expressão está mais ou menos condicionada pelo escrito).
O projeto de pesquisa de Marialva engloba, ainda, reflexões sobre modos
de comunicação orais, escritos, letrados, impressos, no mundo comunicacional
Marialva Barbosa: Comunicação e história
41
de misturas do século XIX e questões relativas aos processos cognitivos existentes em sociedades e culturas de oralidade primária e das transformações que
ocorrem a partir da introdução da escrita/impressão. No projeto, ela coloca
importantes questões: “Os escravos eram leitores de primeira, segunda e terceira
natureza e, sobretudo, eram sujeitos imersos em novos modos de comunicação.
É necessário tentar reconstruir os contextos dessas leituras e escrituras. Como
aprendiam a ler e a escrever? Por que aprendiam a ler e a escrever? Qual era o
significado de saber ler e escrever nessa sociedade? Será que a leitura e a escrita
não eram meramente vistas como mais uma habilidade? O que era saber escrever nesta sociedade? Saber escrever textos complexos ou apenas assinar o nome?
O que era saber ler nessa mesma sociedade? Conseguir decifrar signos isolados
ou saber formular um sentido a partir da leitura?” (BARBOSA, 2011).
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Marialva Barbosa: Comunicação e história
45
Rosa Maria Cardoso Dalla Costa:
Uma profissional de múltiplas habilidades
Elza Oliveira Filha1
2º
CAPÍTULO
O ser humano é determinado pelas condições históricas e
sociais nas quais nasce e vive. O ensinamento de Karl Marx,
aprofundado por reflexões e pesquisas desenvolvidas por inúmeros pensadores/as posteriores, prevalece como uma verdade. No entanto, mesmo determinado pelo próprio meio, o
ser humano atua e faz a História, escolhe e toma decisões
capazes de alterar aspectos da sua vida e da sociedade. Suas
relações sociais, seu trabalho, suas atitudes moldam cenários
diferenciados rompendo com o determinismo estreito que
poderia parecer definitivo.
A trajetória da professora Rosa Maria Cardoso Dalla Costa,
diretora Cultural da INTERCOM nas gestões 2008-2011 e
2011-2014, pode ser descrita neste universo de determinações e opções transformadoras. Nascida em Santo André, no
ABC paulista no início da década de 1960, ela acompanhou
de perto – em seu local de origem e no auge da juventude – as
mobilizações que contribuíram de forma decisiva para mudar
a face do Brasil: as greves operárias do final dos anos 70, o
surgimento do Partido dos Trabalhadores, a força das comunidades eclesiais de base (CEBs). Todo seu percurso posterior
1.
Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale
do Rio dos Sinos. Professora na Universidade Positivo.
Rosa Maria Cardoso Dalla Costa: Uma profissional de múltiplas habilidades
47
mostra um engajamento que remete ao conceito marxista de práxis: ela mantém
permanente o propósito de articular produção intelectual, docência e ativismo
nas organizações – incluindo a INTERCOM.
Filha única de um casal de feirantes, que enxergava na educação de qualidade a alternativa de garantia de um futuro melhor, Rosa Maria teve oportunidade
de estudar em um dos melhores colégios católicos da região, o Sagrado Coração
de Jesus e, mais tarde, graduar-se em Jornalismo pela Universidade Metodista de
São Paulo. Ali, entre os anos de 1980 a 1984, teve o privilégio de conviver com
grandes nomes do pensamento comunicacional brasileiro, um segmento acadêmico que lutava então por seu reconhecimento e legitimação: Carlos Eduardo
Lins e Silva, Ismar de Oliveira Soares, Regina Festa, Fernando Santoro, José
Manoel Morán e Luiz Roberto Alves foram alguns de seus professores.
A acadêmica Rosa Maria dividia seu tempo entre os estudos de jornalismo, as atividades como professora e funcionária administrativa da Secretaria de
Educação do Estado de São Paulo e uma intensa militância, ligada sobretudo
às CEBs e ao nascente PT. Esta aproximação com os movimentos sociais foi
marcante e definidora de suas opções profissionais; assim como a experiência
de educadora – iniciada aos 14 anos como professora do Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização). O resultado destas atuações da adolescência e
juventude forjou caminhos e fomentou inquietações que são inspiradoras de
projetos de pesquisa e definem uma postura específica, diretamente identificada
com os segmentos populares da sociedade.
Em 1987 ocorreu a mudança para o Paraná. Em um primeiro momento
residindo em Francisco Beltrão, na região Sudoeste do Estado, Rosa Dalla Costa desenvolveu um trabalho de educação de lideranças sindicais rurais, que se
estendia por toda a região Sul e alcançava o Mato Grosso. Um ano depois,
transferiu-se para Curitiba onde atuou como jornalista em algumas redações, ao
mesmo tempo em que continuava dando aulas e prosseguia a formação acadêmica no curso de Mestrado em Educação da Universidade Federal do Paraná. A
dissertação, “A Dimensão Pedagógica do telejornal Aqui Agora”, foi defendida
em 1993, com orientação da professora Acácia Zeneida Kuenzer.
O próximo passo foi o doutorado na França, para onde se mudou na companhia do marido, também doutorando, e de dois filhos pequenos. O doutorado
foi desenvolvido entre os anos de 1995 e 1999, com orientação de Geneviève
Jacquinot, da Universidade Paris 8 Vincennes-Saint-Denis. Intitulada Le role des
Journaux télévisés au Brésil: une étude de réception chez les ouvriers de la ville de
Curitiba, a tese aprofundou a linha de estudos voltada para a recepção de produções televisivas. Entre 2008 e 2009, Rosa Maria desenvolveu seu pós-doutorado
na Maison des Sciences de l’Homme, novamente em Paris.
48
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Os estudos formais, no entanto, ganharam uma derivação no período mais
recente: em 2012 a pós-doutora completou uma nova graduação, em Direito,
pela Associação de Ensino Novo Ateneu de Curitiba – prova de sua constante
busca por conhecimento e da amplitude de suas áreas de interesse.
A atuação profissional está, há 14 anos, vinculada diretamente à Universidade Federal do Paraná, na qual a professora Rosa Maria ingressou em 1998, no
curso de Comunicação Social. Hoje, além de ministrar disciplinas nesta graduação, ela trabalha nos programas de pós-graduação em Educação e em Comunicação Social da UFPR, onde orientou duas dezenas de dissertações de mestrado
e tem duas teses de doutorado atualmente em processo de orientação.
Grande impulso à Diretoria Cultural
Primeira paranaense2 a integrar a diretora da Sociedade Brasileira de Estudos
Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM), Rosa Dalla Costa assumiu
a Diretoria Cultural da entidade durante o Congresso Nacional realizado em
Natal, em setembro de 2008. Na opinião da própria professora, aquela gestão se
caracterizou por uma efetiva divisão de tarefas entre os diretores, operando com
uma conotação mais institucional e favorecendo a ampliação das atividades,
inclusive da Diretoria Cultural.
Por exemplo, a partir de 2010 a diretoria assumiu a tarefa de organização do
Prêmio Luiz Beltrão, uma das mais importantes promoções da INTERCOM
que anualmente homenageia duas pessoas físicas (maturidade acadêmica e liderança emergente) e duas instituições (grupo inovador e instituição paradigmática), em solenidade que ocorre como parte da programação dos congressos
nacionais. Este evento, realizado no mês de setembro, é o coroamento de um
trabalho iniciado muitos meses antes quando abre-se o período de apresentação
de candidaturas para as quatro modalidades. Todo sócio da INTERCOM pode
indicar pessoas e/ou instituições e o prêmio é definido por um júri composto
pelo presidente e ex-presidentes da INTERCOM, e pelos vencedores da categoria maturidade acadêmica nos anos anteriores.
As tarefas de receber indicações, enviar as justificativas dos proponentes para
todos os membros do júri, recolher e computar os votos, comunicar o resultado
aos ganhadores e garantir suas presenças no congresso nacional, além organizar
2.
Embora nascida em São Paulo, Rosa Maria desenvolveu sua carreira acadêmica no Paraná e pode ser considerada uma legítima curitibana, tal seu apego à cidade.
Rosa Maria Cardoso Dalla Costa: Uma profissional de múltiplas habilidades
49
a festa de premiação, são cumpridas pela Diretoria Cultural. Nos últimos anos,
as solenidades têm contado com apresentações de vídeos sobre os agraciados,
conferindo maior brilho às homenagens.
Em 2012, quando se comemorou 35 anos de fundação da INTERCOM
e 15 do Prêmio Luiz Beltrão, foi lançado o livro “Paradigmas Brasileiros em
Ciências da Comunicação”, tendo com organizadores José Marques de Melo,
Rosa Maria Dalla Costa e Jovina Fonseca. A obra destaca as instituições que
receberam a homenagem, ao longo dos anos, completando os dois volumes
dedicados aos pesquisadores agraciados: “Teoria da Comunicação – Paradigmas
Brasileiros”. Para a diretora Cultural da entidade, o prêmio representa o amadurecimento teórico metodológico da pesquisa nacional em uma das áreas mais
complexas da sociedade contemporânea.
A personalidade ou grupo contemplado com o prêmio incorpora o reconhecimento da comunidade científica por todos aqueles que de alguma forma fazem parte do contexto no qual este homenageado se insere. Todo este
processo evidencia o caráter diferenciado do Prêmio Luiz Beltrão, que prestigia os expoentes da área, a partir dos critérios de qualidade dos seus pares,
dos seus leitores e de um corpo de jurados com aguçado espírito crítico e
de conhecimento da comunicação social (DALLA COSTA, 2012b, p. 47).
Semelhante rito de envio de trabalhos e recolhimento de votos é feito anualmente em outra promoção da Diretoria Cultural: os prêmios estudantis3. Os
trabalhos são selecionados, em uma primeira fase, pelos coordenadores de Grupos de Pesquisa das várias Divisões Temáticas da INTERCOM, entre os papers
apresentados no congresso nacional. No início do ano seguinte, uma comissão
de cinco sócios da entidade, representando as diversas regiões brasileiras, é indicada para compor o júri de cada uma das categorias. “Os júris são trocados anualmente para dar oportunidade de participação a um maior número de sócios”,
explica a diretora Rosa Maria, acrescentando que, nesta fase, são escolhidos os
três melhores trabalhos concorrentes em cada prêmio. Finalmente, durante o
congresso nacional da INTERCOM, ocorre a última etapa: um júri acadêmico,
integrado por cinco diferentes pesquisadores, acompanha a defesa oral dos trabalhos pré-selecionados e define os vencedores.
3.
50
São quatro modalidades: Prêmio Freitas Nobre, para alunos de doutorado; Francisco
Morel, para os de mestrado; Lígia Averbuck, para os estudantes de especialização e Vera
Giangrande para os de graduação.
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Ainda nos congressos nacionais acontece, desde 2010, a premiação do Concurso Cartum Universitário que recebe, anualmente, mais de uma centena de
trabalhos de estudantes do Brasil e de Portugal. Trata-se de uma promoção conjunta da INTERCOM e do Museu Nacional de Imprensa, localizado no Porto,
em Portugal. As duas entidades indicam os membros do júri e os trabalhos
abrangem categorias de charge, cartum, tiras em quadrinhos e caricaturas.
Em 2012 uma novidade foi acrescida aos prêmios coordenados pela Diretoria Cultural: uma parceria entre a Globo Universidade e a INTERCOM
possibilitou o lançamento de uma premiação especial para a melhor tese de
doutorado sobre teledramaturgia defendida no País.
Também em parceria com a Rede Globo, realiza-se anualmente um Seminário organizado em conjunto pelas diretorias Cultural e Científica que leva
ao Rio de Janeiro um conjunto de pesquisadores de várias regiões brasileiras
que tem a televisão como objeto de estudo. A cada ano, uma nova temática
integra a programação do evento que conta com palestras e visitas às dependências da Globo.
No Paraná, há quatro anos ocorre um evento na mesma linha, fruto de um
acordo entre a Diretoria Cultural da INTERCOM e o Grupo Rede Paranaense
de Comunicação (GRPCom). Professores e estudantes de pós-graduação têm
oportunidade de conhecer as instalações da TV Paranaense (afiliada da Rede
Globo) e conversar com funcionários da emissora, em especial os da central de
jornalismo, sobre os trabalhos desenvolvidos.
Finalmente o Café INTERCOM – que soma mais de uma dezena de encontros realizados em variados estados nos últimos dois anos – completa o leque
de atividades da Diretoria Cultural. A promoção foi iniciada em São Paulo
e, estimulada pela diretora, expandiu-se para todo o País. A proposta é reunir professores, pesquisadores e estudantes de comunicação para eventos como
lançamentos de livros, palestras etc. “O objetivo é manter a atividade da INTERCOM durante o ano todo, e não somente nos congressos regionais e no
nacional. Temos conseguido organizar os cafés, sempre com a colaboração dos
diretores regionais da entidade e de voluntários, em todas as regiões brasileiras e
em um número significativo de estados”, comemorou a professora Rosa Maria.
Um exemplo edificante ocorre em Pernambuco, onde o professor Rogério Luiz
Covaleski (da UFPE) não apenas promoveu uma série de edições do Café INTERCOM PE, como editou um livro – “Café INTERCOM UFPE, Caderno
1”- com os textos das palestras proferidas nos encontros, que foi lançado durante o Congresso Nacional de Fortaleza em 2012. O segundo número deve estar
pronto para o congresso de Manaus em 2013.
Rosa Maria Cardoso Dalla Costa: Uma profissional de múltiplas habilidades
51
Produção acadêmica
O trabalho voluntário dos diretores da INTERCOM é intenso e muitas vezes
desgastante, mas os ocupantes dos diversos cargos da entidade – na condição
de docentes e pesquisadores – preservam e mesmo ampliam suas atividades de
produção acadêmica. Não apenas por força dos mecanismos de avaliação institucionais, mas incentivados pela própria INTERCOM, que favorece as trocas
intelectuais e os contatos com instâncias de pesquisa em todo o País e no exterior.
Na sequência deste texto, a produção intelectual da professora Rosa Maria
Dalla Costa será apresentada, de forma resumida, em três distintos tópicos com
base nos objetos e/ou temáticas que têm merecido maior atenção e reflexão por
parte da autora: o ensino das teorias da comunicação, as teorias da recepção e a
educomunicação.
Esta visita parcial aos textos será limitada às publicações em português, o que
deixa de fora importantes contribuições como um número da revista acadêmica
francesa Distances et savoirs, organizada por Rosa Maria em conjunto com Laan
Mendes de Barros e que traz um panorama do ensino a distância no Brasil, reunindo artigos de vários pesquisadores.
A opção pelo recorte bibliográfico em torno dos três eixos mencionados
acima, por outro lado, deixa igualmente de fora outros textos produzidos com
temáticas diferenciadas. Por exemplo, o capítulo sobre a história institucional
da pesquisa em comunicação no País, publicado no volume 3 da coleção “Panorama da Comunicação e das Telecomunicações no Brasil” (2012), organizado
por José Marques de Melo e Daniel Castro. Neste estudo, a professora Rosa
Dalla Costa faz um resgate histórico do percurso do ensino e da pesquisa na área
da comunicação no Brasil, sempre vinculando os processos nacionais com os
dos demais países latino-americanos. O foco do texto é a institucionalização da
pesquisa que vai se desenvolver ligada, direta ou indiretamente, às regulamentações profissionais e educacionais da área, bem como ao próprio aprimoramento e expansão do setor econômico das comunicações. São ressaltadas também
as associações científicas organizadas pelos pesquisadores, cujo crescimento é
expressivo a partir da década de 1990. “A criação dessas entidades reflete e ao
mesmo tempo é consequência da multiplicação dos cursos de graduação e de
pós-graduação da área, bem como da sua maior profissionalização” (DALLA
COSTA, 2012a, p.70).
Nas considerações finais do texto, a teórica destaca que a história da institucionalização da pesquisa em comunicação no Brasil acompanha a evolução política no País nos últimos 60 anos: “Uma sociedade que sempre teve a luta pela
liberdade política e individual como uma das suas aspirações tem sua produção
52
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
acadêmica determinada pela constante inquietação” (idem, p.73). Neste curto
espaço de pouco mais de meio século, o Brasil e vários países latino-americanos
passam de uma sociedade majoritariamente rural e analfabeta, na qual uma
minoria tinha acesso aos meios de comunicação, para uma sociedade conectada
à internet e às mais avançadas tecnologias da informação e da comunicação, demandando a formação de profissionais e regulamentações jurídicas para o setor.
A pesquisa em comunicação se institucionaliza nesta ebulição de aspirações, projetos, legislações e desafios. Neste contexto é fortemente
influenciada pelos movimentos sociais e populares e entidades que os
apoiam, como a Igreja, por exemplo, que nos anos mais críticos da Ditadura Militar, abrigou muitos pesquisadores, abrindo espaço para suas
discussões e debates. Sofre as consequências de regulamentações precárias, de falta de apoio financeiro para projetos e grupos de pesquisa e
conquista maturidade e consistência (DALLA COSTA, 2012a, p.74).
Ao destacar o reconhecimento internacional que os pesquisadores brasileiros adquiriram, sobretudo nas últimas décadas, Rosa Dalla Costa não deixa
de enxergar os desafios para as entidades da área “tais como a diminuição dos
desequilíbrios regionais, o aprofundamento teórico e o aperfeiçoamento de metodologias que deem conta de um objeto assim tão complexo como o da comunicação, o apoio de políticas públicas que reconheçam o papel estratégico da
comunicação na sociedade do século XXI e a busca permanente por autonomia”
(DALLA COSTA, 2012a, p.75). O diagnóstico preciso demonstra a maturidade da pensadora e sua (auto)consciência teórica.
Teorias da Comunicação
Desde que iniciou sua carreira docente no ensino superior, em 1989 na Universidade Estadual de Ponta Grossa, a 120 quilômetros de Curitiba, a professora
Rosa Maria trabalha com a disciplina Teoria da Comunicação. Na Universidade
Federal do Paraná, há quase 15 anos ela ministra a cadeira para turmas das três
habilitações que integram o Departamento de Comunicação: Jornalismo, Publicidade e Propaganda e Relações Públicas.
Uma das produções que a própria pesquisadora identifica como entre suas
principais obras é justamente um livro, de caráter didático, elaborado em conjunto com alunos da disciplina. A proposta inicial do volume “Teoria da Comunicação na América Latina: da herança cultural à construção de uma identidade
Rosa Maria Cardoso Dalla Costa: Uma profissional de múltiplas habilidades
53
própria” (Editora UFPR, 2006) foi apresentada em 1998 quando os estudantes
matriculados foram estimulados a desenvolver pesquisas a respeito de algum
autor importante das diversas correntes teóricas da comunicação que eram apresentadas em sala de aula, seguindo uma ordem cronológica. Durante o ano
letivo, os acadêmicos mostraram os resultados de suas pesquisas e foram construindo um acervo inicial de informações:
Sem a pretensão de dar conta da totalidade do que foi produzido na área
da comunicação, procurou-se fazer um levantamento de autores indispensáveis, segundo critérios de um professor de teoria da comunicação
de um curso de graduação, à compreensão do pensamento comunicacional (DALLA COSTA, 2006, p. 8).
Foram considerados mais expressivos os autores de obras relevantes em suas
áreas, com destaque nas escolas a que pertenceram, capazes de influenciar estudiosos das gerações seguintes e ainda os que participaram em associações científicas, como a INTERCOM. Um ano depois, a atividade da disciplina transformou-se em um projeto de pesquisa registrado na UFPR e contando com dois
alunos pesquisadores: Daniele Siqueira e Rafael Costa Machado, que assinam o
livro em coautoria com a professora Rosa Maria. O trabalho durou seis anos e
reuniu um grande volume de informações a respeito de 31 importantes nomes
da pesquisa comunicacional desde o início do século XX. O livro está dividido
em duas partes:
A primeira reúne os principais pesquisadores ligados a escolas clássicas como
o funcionalismo, a Escola de Frankfurt e o estruturalismo, que representam as
primeiras sistematizações teóricas sobre o fenômeno da comunicação de massa
e exercem influência nas pesquisas desenvolvidas na América Latina a partir da
segunda metade do século XX (DALLA COSTA, 2006, p. 9).
Cada autor mereceu uma biografia resumida e a compilação de suas principais ideias no âmbito da pesquisa em comunicação. As correntes teóricas foram
apresentadas em ordem cronológica, assim como os autores no interior de cada
linha de pesquisa. Um capítulo à parte reuniu os autores que não podiam ser
enquadrados em nenhuma escola específica.
A segunda parte do livro é composta pelos autores da América Latina, com
uma separação entre autores hispano-americanos e brasileiros, e seguindo a
mesma lógica de apresentação: biografia resumida, principais ideias e obras.
Tanto na parte dedicada às escolas clássicas como na que se debruça sobre a pesquisa latino-americana, textos adicionais como os dedicados a
54
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Herbert Marcuse e Jürgen Habermas ou o quadro explicativo sobre o
Culturalismo complementam o conteúdo principal. Para interligar as
duas partes em que se divide o livro e os teóricos nele reunidos; situar
o aluno-leitor em relação ao contexto teórico-metodológico no qual se
insere cada pesquisador abordado e, ao mesmo tempo, justificar a seqüência desta apresentação, foram inseridos ainda textos que explicam
as características gerais das diferentes correntes teóricas, bem como uma
introdução específica para a segunda parte do trabalho, que reúne autores latino-americanos (DALLA COSTA, 2006, p. 9-10).
O livro tem sido empregado, desde seu lançamento, como complemento
didático por professores de Teoria da Comunicação em várias instituições. O
fato de mapear correntes teóricas e autores, em especial os latino-americanos,
oferecendo um conjunto de informações devidamente contextualizadas a respeito de cada pensador e de suas mais importantes reflexões, torna o volume
uma contribuição valiosa para os docentes. O trabalho evidencia a capacidade
da professora Rosa Maria desenvolver, ao mesmo tempo, o processo de pesquisa, de docência e de expansão da reflexão sobre a comunicação, em um esforço
por articular teoria e prática – e aqui enxerga-se um bom exemplo de práxis.
Na apresentação do livro, a autora ressalta o rigor metodológico e teórico
que o campo da comunicação exige para seu estudo:
A comunicação é um conceito amplo e complexo que pode ser estudado
das mais diferentes formas e sob a luz de diversas perspectivas teóricas.
Esta amplitude, entretanto, não a torna menos instigante – pelo contrário. A comunicação é uma das características determinantes da sociedade
humana, seja do ponto de vista antropológico, técnico ou social. Sua
história está diretamente ligada à história da humanidade, a capacidade
do homem de representação e de raciocínio, de desenvolvimento técnico
e de organização política e cultural (DALLA COSTA, 2006, p. 7).
A lista de autores brasileiros, que engloba 12 nomes, foi feita com objetivo
de destacar os pioneiros no estudo da comunicação no País “e aqueles cujas
obras representam as primeiras publicações nacionais da área estudadas nos cursos de graduação na década de 1980” (idem, p. 129). Todos desenvolveram
reflexões adequadas ao contexto socioeconômico e cultural local, contribuindo
para o reconhecimento internacional dos trabalhos brasileiros da área. Muitos pesquisadores mais recentes ficaram de fora da seleção pela impossibilidade
efetiva de contemplar todos os nomes importantes que ajudaram a consolidar
Rosa Maria Cardoso Dalla Costa: Uma profissional de múltiplas habilidades
55
uma “comunidade científica nacional que não para de gerar novas produções”
(DALLA COSTA, 2006, p. 130).
A preocupação com o ensino da Teoria da Comunicação gerou, ademais,
uma pesquisa, publicada em 2008, na qual a professora Rosa Maria mapeia conteúdos e referências bibliográficas utilizadas pelos professores da disciplina em
várias instituições de Curitiba, inovando ao colocar o próprio ensino da comunicação como objeto de estudo. De acordo com ela, os cursos de Comunicação
Social, embora tenham história recente no Brasil, são complexos em especial
pelo seu caráter inter e multidisciplinar.
Sempre no limite entre o técnico, específico e o teórico, abrangente, incorporam questões gerais do ensino superior, como a dicotomia entre
teoria e prática, público e privado, e questões específicas como a sistematização e incorporação de novas linguagens decorrentes de novos meios
introduzidos no mercado ou de novas representações advindas da ação
dos meios na trama social (DALLA COSTA, 2008a, p. 154).
Nas considerações finais do trabalho, a autora aponta algumas dificuldades
constatadas no ensino da disciplina identificando, como um primeiro elemento,
a visão fragmentada e incompleta a respeito dos estudos de Teoria da Comunicação, “ora entendidos como estudo da comunicação humana, ora como estudo
da comunicação de massa, ora como estudos de linguagem ou de aspectos sociológicos da comunicação, como a relação da ideologia e o poder, ou o consumo
e a representação da realidade” (idem, p. 169). A pesquisa constatou também
uma ausência de estudos sobre a especificidade da Teoria da Comunicação na
América Latina e a utilização de bibliografia desatualizada.
Inserida que está no atual estágio de desenvolvimento da pesquisa brasileira em comunicação, que por sua vez, se relaciona com as profundas
mudanças do ensino superior e suas implicações locais no mercado de
trabalho, esta análise demonstra que teoria e prática permanecem distantes uma da outra. O ensino da Teoria da Comunicação nos cursos
de graduação pode aumentar ou diminuir esse fosso. O desafio está em
descobrir até onde as pesquisas da área se conectam, elas próprias, com a
realidade e dão conta de explicar de que forma nela atua o fenômeno da
comunicação (DALLA COSTA, 2008a, p. 171-172).
56
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Pesquisas de recepção
Em sua dissertação de mestrado e na tese de doutorado, a teórica Rosa Dalla
Costa desenvolveu estudos de recepção. Fiel às suas origens em um bairro operário do ABC, ela localizou as duas pesquisas em comunidades periféricas de
Curitiba, tendo como foco telespectadores/trabalhadores. A dissertação de mestrado – “A Dimensão Pedagógica do telejornal Aqui Agora” – teve como objeto
uma experiência de telejornalismo popular da Rede SBT entre 1991 e 1997,
que alcançou grandes índices de audiência em alguns momentos, ameaçando
a Rede Globo. O telejornal “Aqui e Agora” tinha como pautas centrais o noticiário policial, mas uma das seções do noticiário que mais fez sucesso – e foi
analisada como uma das dimensões pedagógicas do programa pela dissertação
– foi a relativa à defesa do consumidor.
Em março de 1991 havia entrado em vigor no País o Código de Defesa
do Consumidor como um instrumento inovador nas relações entre empresas,
prestadores de serviço e consumidores. Os dispositivos da nova legislação eram
diariamente reafirmados em reportagens do “Aqui e Agora” – que lançou o atual
deputado Celso Russomano como especialista na área e projetou seu nome na
política. Na época da pesquisa de mestrado da professora Rosa Maria o telejornal estava no auge de seus índices de aceitação pública e parecia indicar uma
nova alternativa ao telejornalismo brasileiro.
Na tese de doutorado defendida na França – Le role des Journaux télévisés au
Brésil: une étude de réception chez les ouvriers de la ville de Curitiba – o objeto
de estudo foi o Jornal Nacional da Rede Globo, que se mantém na liderança de
audiência desde a década de 1970 e é apontado, até hoje, como um modelo bem
sucedido do telejornalismo brasileiro.
Os aportes das teorias de recepção foram compartilhados pela professora
com vários de seus orientandos nos programas de pós-graduação, que realizaram pesquisas dentro nesta abordagem. A própria pesquisadora publicou,
em 2008, o artigo “Estudos de Recepção: uma metodologia de análise dos
meios de comunicação e a cultura escolar”, no qual promove uma reflexão
interligada de duas das suas áreas de especialidade: os estudos de recepção e a
educomunicação.
Vivemos em uma sociedade determinada pela presença desses meios
[de comunicação] e tecnologias, que ditam opiniões, costumes, necessidades de consumo e modelos de felicidade e de prazer. À escola – que
prepara os indivíduos para serem autônomos e sujeitos ativos dessa
sociedade – cabe inserir a discussão desses meios em seu cotidiano,
Rosa Maria Cardoso Dalla Costa: Uma profissional de múltiplas habilidades
57
que também é caracterizado pela maneira como alunos e professores
recebem e interpretam as mensagens midiáticas (DALLA COSTA,
2008b, p. 96).
De acordo com a autora, os estudos de recepção representam a principal
contribuição dos pesquisadores latino-americanos para a Teoria da Comunicação e esta perspectiva tem sido uma das mais utilizadas nos estudos que trafegam na interface comunicação e educação.
Ao mapear, historicamente, o emprego educativo dos meios de comunicação ela constata: “Se é correto afirmar que cada nova tecnologia de comunicação e de informação traz consigo uma expectativa educacional, em países nos
quais os indicadores sociais apontam a fragilidade do sistema de ensino, esta
expectativa é ainda maior” (DALLA COSTA, 2008b, p. 98). E acrescenta um
raciocínio presente em outros escritos – entre os quais o volume sobre Teorias
da Comunicação na América Latina: no contexto socioeconômico-político dos
países latino-americanos do pós-guerra, destaca-se uma ligação direta entre a
explosão do fenômeno da comunicação de massa e o modelo capitalista de produção, que buscava conquistar o mercado consumidor e percebeu o poder de
convencimento dos meios eletrônicos junto a populações com elevados índices
de analfabetismo.
No mesmo texto, a pesquisadora discute os conflitos teórico-metodológicos
que permearam os estudos da comunicação ao longo de várias décadas, como
um reflexo da disputa ideológica entre os blocos capitalista e socialista de um
mundo dividido pela guerra fria. No plano das teorias da comunicação, este
conflito opõe a Escola de Frankfurt e o Funcionalismo norte-americano, panorama que começa a ser alterado apenas no final da década de 1970, quando os
militares são removidos do poder em vários países do continente.
A própria evolução das Teorias da Comunicação começa a apontar para
a complexidade do processo comunicacional e supera o dualismo e o
radicalismo retórico entre Funcionalismo versus Teoria Crítica. No continente latino-americano, os estudos de Jesús Martín-Barbero sobre as
mediações culturais e a influência dos estudos culturais ingleses passam
a fundamentar as novas pesquisas em comunicação, que privilegiam a
recepção (DALLA COSTA, 2008b, p. 101-102).
A recepção passa a ser compreendida como um processo e os estudos da
área “permitem uma melhor compreensão do papel dos meios de comunicação
58
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
na sociedade, quer se trate de sua organização política e social, da apropriação individual de sentido ou da construção de um novo imaginário coletivo”
(DALLA COSTA, 1999, p.67, apud DALLA COSTA, 2008b, p.106). No
entendimento da autora, e com base em diversificadas referências bibliográficas, os estudos de recepção devem incluir uma análise do polo emissor, da
mensagem e do receptor.
Ainda no artigo, é apresentado um resumo de algumas pesquisas de recepção realizadas em escolas de Curitiba e Região Metropolitana, desenvolvidas na
linha Cultura, Escola e Ensino do Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade Federal do Paraná. “De uma maneira geral, a grande questão
que se coloca é a de analisar como a escola (professores e alunos) está lidando
com a presença hegemônica dos meios de comunicação de massa na sociedade
brasileira e de que maneira esta presença se manifesta nas suas práticas cotidianas
e interfere ou não no processo de ensino e aprendizagem” (DALLA COSTA,
2008b, p. 110).
Educomunicação
Responsável pela orientação de pelo menos duas dezenas de dissertações de
mestrado na interface entre comunicação e educação, a professora Rosa Dalla
Costa é uma entusiasta desta área de pesquisa e defende a sistematização destes
estudos e “seu arcabouço conceitual para a compreensão do papel dos meios de
comunicação na sociedade e o seu sentido cada vez mais presente no cotidiano
escolar” (DALLA COSTA, 2008b, p.115).
Estão igualmente atrelados ao binômio comunicação/educação os principais projetos de pesquisa nos quais a professora desenvolve atividades. Alguns
deles: “A indústria cultural e a produção de programas educativos”, iniciado
durante os estudos de pós-doutorado, em 2008, tem como objetivo analisar a
produção de programas educativos pela indústria cultural brasileira, seus autores, suas características e sua relação com o desenvolvimento econômico dessas
empresas; “Fundamentos teórico-metodológicos da inter-relação comunicação
educação”, que faz um estudo teórico da relação comunicação e educação, os
conceitos que a definem e suas principais implicações teórico-metodológicas
na pesquisa da área; “Comunicação e Educação Popular”, que analisa as experiências de comunicação-educação realizadas pelos movimentos populares
e sociais de Curitiba e Região Metropolitana, partindo de um diagnóstico das
práticas de educomunicação sob diversos aspectos, do papel desempenhado
Rosa Maria Cardoso Dalla Costa: Uma profissional de múltiplas habilidades
59
pelos educomunicadores, ao sentido dado às mensagens pelos receptores das
mensagens veiculadas4.
Em conjunto com dois orientandos que participaram destes grupos de pesquisa, Elizandra Jackiw e Luis Otávio Dias, Rosa Dalla Costa assina o artigo
“TV Multimídia e sua relação com a comunicação, a escola e a juventude”,
publicado em 2011. O texto reconhece o papel fundamental que os jovens assumiram no campo da comunicação na contemporaneidade e destaca que os
professores admitem a necessidade de aproximar os meios de comunicação de
suas aulas, sobretudo com a incorporação das linguagens audiovisuais. “O que
se percebe é que, enquanto nossos alunos, em especial os das gerações mais jovens, chegam à escola carregados de emoção, de imaginação e de interatividade,
a prática adotada no campo do ensino ainda se prende a uma racionalidade
científica que acaba expulsando este sujeito que convive com os fenômenos midiáticos em todas as outras esferas da sua vida” (DALLA COSTA, 2011a, p. 78).
Os autores reforçam a necessidade de todas as práticas realizadas no espaço
escolar serem pautadas pela comunicação e pelo diálogo, não apenas entre os
atores, mas também entre os conteúdos, as disciplinas e as teorias. Os alunos
estão inseridos hoje em um amplo universo digital que transforma as maneiras
de comunicação por meio da leitura e da escrita, e ainda a produção e o armazenamento das informações. Ao estudar a incorporação de tevês multimídias
nas escolas públicas paranaenses, percebe-se que “a introdução das tecnologias
no ensino convencional, além de contribuir para a autonomia do estudante e
a eficiência do processo de ensino e aprendizagem, também exige a redefinição
do papel do professor quanto à sua responsabilidade na escola atual” (DALLA
COSTA, 2011a, p. 84).
A discussão do papel do professor neste novo ambiente escolar é feita, ainda,
pela pesquisadora francesa Geneviève Jaquinot-Delaunay, entrevistada pela professora Rosa Dalla Costa – de quem foi orientadora do doutorado. A entrevista
foi publicada originalmente na revista Comunicação & Educação, ano XII, n.3,
set/dez 2007 e republicada no livro “Educomunicação: construindo uma nova
área de conhecimento,” organizado por Adílson Citelli e Maria Cristina Costa.
4.
60
O vínculo da teórica com os movimentos populares não se restringe às atividades de
pesquisa. A professora muitas vezes presta consultoria ou atua efetivamente em atividades de educomunicação, demonstrando uma inquietação com a realidade de uma sociedade que requer mudanças para ser justa (será esta busca por justiça a mola propulsora
do esforço para concluir a formação em Direito?).
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Penso que os professores e educadores deveriam ser formados de maneira diferente, precisariam aprender a ser flexíveis, disponíveis e abertos a
um ambiente tecnológico que eles devem administrar tanto no plano
técnico como no dos usos. É necessário que compreendam que não se
pode dissociar o fenômeno midiático do conjunto do processo de desenvolvimento social. Quanto aos antigos professores... é indispensável que
admitam essa conversão... ou que peçam aposentadoria! (JAQUINOT-DELAUNAY apud DALLA COSTA, 2011b, p. 224-225).
Uma das pioneiras na integração escola/televisão na França, na segunda metade da década de 1960, Jaquinot descreve sua vasta experiência no desenvolvimento de projetos e programas educativos para a tevê em seu país e em nações
africanas, antes de ingressar na pesquisa e no ensino, em 1985. Ela lamenta que
na escola francesa, depois de um período inicial de aproximação entre a atividade docente e os meios de comunicação, houve um movimento contrário, “uma
espécie de esquizofrenia do audiovisual educativo” (idem, p.221). A partir da
década de 1990, com a expansão das novas tecnologias de comunicação e informação, a escola deixa de ser instância de legitimação e entra em concorrência
com os meios de grupos de pertencimento.
Diante desses fenômenos e para fazer frente às lógicas de mediatização
dos modos de transmissão das informações e dos saberes, e resistir a uma
concepção empresarial da comunicação e da educação, os dois setores
de atividades começam a se aproximar e a compreender que não podem
passar um sem o outro [...] as coisas começam a mudar em relação ao
que chamamos crise da escola, que corresponde a uma disjunção sempre
maior entre certa concepção elitista de cultura e uma desvalorização da
cultura de massa; sem levar em conta o que uma nova corrente sociológica considera não mais como indústrias culturais mais ou menos alienantes, mas como novas práticas e representações do mundo, ou seja,
as médiacultures (JAQUINOT-DELAUNAY apud DALLA COSTA,
2011b, p. 222-223).
Ao definir a sociedade pós-moderna como caminhando para um tipo de
hedonismo cotidiano em que “o que é primordial, é o sentimento de vida, a
sensação de viver” (idem, p. 223), a professora lembra que os jovens, muitas
vezes, são identificados como bárbaros pelos adultos, por terem outros hábitos e
uma outra linguagem. De acordo com ela, os meios de comunicação “têm papel
determinante nas novas práticas culturais, mas não são os únicos responsáveis.
Rosa Maria Cardoso Dalla Costa: Uma profissional de múltiplas habilidades
61
A escola não soube integrar os novos interesses e as novas maneiras de aprender”
(p.224).
Este é, justamente, um aspecto essencial nas reflexões e na atuação dos pesquisadores e professores que adotam a perspectiva da educomunicação, uma
expressão que, segundo Citelli (2001, p.7) “não apenas indica a existência de
uma nova área que trabalha na interface comunicação e educação, mas também
sinaliza para uma circunstância histórica, segundo a qual os mecanismos de
produção, circulação e recepção do conhecimento e da informação se fazem
considerando o papel de centralidade da comunicação”.
Considerações
Dois orientandos da professora Rosa Maria Dalla Costa, um de doutorado
e outro de mestrado, foram convidados a escrever breves depoimentos a respeito das suas experiências de trabalho e convivência com a diretora Cultural da
INTERCOM. Luis Otávio Dias, que defendeu sua dissertação de mestrado em
2012, afirmou:
Como é bom se deparar com pessoas iluminadas! É um momento ímpar, marcante, que fez, faz e continua fazendo a diferença, por diversos
motivos. Assim foi o meu encontro com a professora Rosa Maria Cardoso Dalla Costa, como minha orientadora no mestrado em Educação
da UFPR.A professora Rosa fez valer o significado da palavra orientação
na medida certa, sempre comprometida em ensinar e mostrar as oportunidades que o universo acadêmico pode nos proporcionar. Generosa, ao
apontar os caminhos para o crescimento intelectual, mas também severa
e perfeccionista nos compromissos que a relação aluno/professor exige.
Graças a ela, por exemplo, pude expandir a minha rede de contatos com
profissionais de diversas áreas, professores doutores, muitos deles, minhas referências. Grandes nomes que serviram de inspiração para o meu
projeto de mestrado na área da Educomunicação e para os artigos que
apresentei em congressos e os publiquei (DIAS, 2013).
A doutoranda Iris Yae Tomita, que está com sua pesquisa em andamento,
escreveu:
Mil Rosas Marias em uma: é assim que podemos ver a professora Rosa.
Sempre com mil afazeres, mil compromissos, mil atividades concentra62
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
das em uma só pessoa. Em cada uma das atividades, trabalha com toda
a atenção para fazer o melhor e deposita todo seu profissionalismo, mas
sempre com um toque de carinho e dedicação. Num momento em que
as fronteiras tornam-se cada vez mais tênues, a professora Rosa faz seu
papel acadêmico misturar-se com a afetuosidade pessoal, sem perder de
vista todo compromisso profissional. Ter a orientação da professora Rosa
é ter o privilégio de ter alguém segurando as mãos. Sua generosidade
acadêmica é como a de um anfitrião que abre as portas de sua biblioteca
e compartilha seus conhecimentos como quem compartilha um bom
momento de um café. Entre as mil Rosas, temos uma Rosa única, uma
Rosa nota mil (TOMITA, 2013).
Estes depoimentos ilustram a competência e seriedade profissional da professora Rosa Maria Dalla Costa e indicam uma outra característica enaltecida
por todos que têm o privilégio de conviver com ela: a postura acolhedora e
carinhosa com a qual cerca familiares, amigos/as, colegas de trabalho, alunos/
as – seja por meio da elaboração de delícias culinárias em sua bem equipada
cozinha, da confecção de alguma peça artesanal em uma de suas várias habilidades neste segmento ou em inúmeros outros gestos de afeto que encantam e
dão sentido à vida.
Referências
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construindo uma nova área de conhecimento. São Paulo: Paulinas, 2011.
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63
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DALLA COSTA, Rosa Maria. A escola, o fenômeno midiático e o processo de
evolução social: Geneviève Jaquinot-Delaunay. In CITELLI, Adílson e COSTA, Maria Cristina Castilho. Educomunicação: construindo uma nova área
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MELO, José Marques, DALLA COSTA, Rosa Maria e FONSECA Jovina
(orgs). Paradigmas brasileiros em ciências da comunicação. São Paulo: Intercom, 2012b.
TOMITA, Iria Yae. Depoimento pessoal, 2013.
64
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Osvando José De Morais:
– Quixote? – Sísifo? Ou simplesmente,
além de Brasileiro Cordial... Professor
Teimoso?
Paulo B. C. Schettino1
3º
CAPÍTULO
O que se seguirá é fruto de meu intento em reproduzir neste texto literário que me encontro a produzir um elemento
da linguagem cinematográfica que já para mais de cem anos
introduziu a narrativa dupla em paralelismo que a princípio
curvava-se à dependência do verbal quando necessitava usar
como recurso cartelas com palavras escritas, chamadas Intertítulos, com os dizeres: Enquanto isso, para ações simultâneas – de um lado cá estarei eu me projetando nas palavras
que ao verter transformam-se em minha narração e, do outro
lado alternadamente cedo a palavra à narração em primeira
pessoa de minha personagem.
Falar sobre o cidadão brasileiro Osvando José de Morais conforme me foi solicitado aceitei prontamente a tarefa, pois,
a princípio, depois de anos de convívio com o preclaro me
coube uma tarefa de fácil execução. Ledo engano! Esquecera-me das sábias palavras do poeta ao dizer que a alma de
outrem é outro universo sobre a qual, no fundo, somente
podemos aventar algumas suposições a partir de algumas semelhanças com o que imaginamos. Mas, resolver a questão,
1.
Doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade de
São Paulo. Professor da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN).
Osvando José De Morais: – Quixote? – Sísifo?
Ou simplesmente, além de Brasileiro Cordial... Professor Teimoso?
65
como??? Após anos de convívio achei e ousei afirmar que eu poderia dizer que
o conheço melhor que ninguém. Novamente, ledo e lerdo engano! Com efeito!
Pessoa tinha razão, e em um átimo percebi que me enganara. Mas como, se me
parece tão fácil produzir uma biografia, como as tantas que faz mais de muitos
e muitos anos viram best sellers, além de rentáveis, a ponto de se constituir em
um subgênero literário? De repente sobreveio a famosa e desejada inspiração,
que segundo outro poeta mais popular ainda tratar-se de uma ‘luz que chega de
repente com a rapidez de uma estrela cadente que acende a mente e o coração’.
Lembrei-me do uso que se faz de textos preexistentes de modo geral daqueles
reconhecidos como universais da cultura que justo por essa razão dispensam
pagamento de direitos autorais. Voltei-me como faz um grande contingente
de escritores para os livros bíblicos e tive o insight para iniciar minha viagem
em torno do indivíduo Osvando ao recordar o ensinamento que a “árvore se
conhece pelos seus frutos”. Daí ter feito minha opção de Narrador e decidido,
ao invés de enveredar pelo interior de sua pessoa – viagem inócua e invasiva –
tentar a reconstrução de sua personalidade a partir de suas obras, que visíveis e
à disposição de quem se interessar, conformam e narram o herói e sua história a
escrever por meio de suas ações.
Que é oriundo dos Goiás, com ascendência dispersa pelas Gerais e que migrou, nos anos da década de 1970 para o estado de São Paulo pode-se verificar facilmente em seu currículo da plataforma Lattes, pesquisador acadêmico
humanista que se tornou após transitar anos a fio pelas salas de aulas e pelos
corredores das faculdades de Letras e de Comunicação da Universidade de São
Paulo – SP. Antes passara pelo vetusto Caetano de Campos passo inicial de
trânsito quando envereda pela metamorfose de cidadão goiano à paulista e paulistano. Interior e capital de seu estado de adoção foram cenários de suas ações
na trajetória de um jovem e ingênuo e despreparado chegante e migrante vindo
do interior do coração do Brasil.
- Corte. Para um hiato preenchido para a lembrança, anos mais tarde, de ter
vivenciado sua emoção ante a cena protagonizada pelo grande ator Mamberti
quando se emociona ao atingir “o coração do Brasil” (nos Goiás, é claro) vivida
pela personagem de Antonio Callado em seu livro “Quarup” agora personagem
do cineasta Ruy Guerra em seu filme “Kuarup” que Osvando manuseava. Todo
o sentimento de Mamberti fluindo da tela e invadindo o operador técnico a
ponto de quase perder a compostura profissional exigida pelo trabalho que o
jovem goiano de origem exercia. Sim, pois já estudante universitário das Letras
uspianas, também se meteu no fazer cinematográfico. Já bem antes participara
das confluências de Letras e Cinema também vivenciando a intertextualidade
de Clarice Lispector e Suzana Amaral provocadas pela personagem de ambas
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Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
– Macabéia – do também de ambas “A Hora da Estrela”, livro e filme cinematográfico, respectivamente.
Mas, não nos percamos no labirinto que esse relato teima em ser. É hora de
ceder a palavra para a nossa personagem principal: o cidadão brasileiro Osvando!
Deixemos que ele nos dê a sua versão.
Nasci em um 10 de outubro na cidade de Anicuns, Município do Estado
de Goiás, onde cursei o primeiro grau. Filho de pais mineiros, tive uma
infância tipicamente rural, envolvido na realidade interiorana goiana, tal
qual a espelhada na Literatura de ambos os Estados. Com uma avó contadora de “causos”, fui um misto do menino de engenho e do seu amigo
de infância, o moleque Ricardo, retraduzidos do universo de José Lins
do Rego pelo compositor Milton Nascimento em sua longa e descritiva
letra da canção Morro Velho.
Ah! Como bem me recordo do sentimento profundo que porejava visível e
latejante no moleque Osvando provocado pela emoção sentida da copiosa letra
narrativa do bardo mineiro. Revia seu “tipo inesquecível” da velha avó matriarca
que deixara para trás ainda viva perdida nos espaços gerais dos Goiás cuidada
pelo tio solteirão, os jovens pais finados ainda jovens, os irmãos e as tias e tios
que tinha em profusão, os irmãos dispersos após a morte dos pais acolhidos
nas casas dos parentes nem sempre acolhedores, e, principalmente, aquela gana
descrita pelo mestre Lins do Rego corporificada na sua “Moleque Ricardo” – a
necessidade de cair no mundo. E lembrava suas leituras posteriores ao sentir reverberar em sua cabeça o som insistente a reproduzir a voz do irmão de Ricardo:
– “Cardo! Cardo! Não vai pro mundo que o mundo te come!”.
Porém o que se deu, o próprio Osvando continua a nos contar quando declara peremptoriamente para nós a sua opção primeira – o fascinante universo
das Letras:
Transferi-me para a cidade de São Paulo em 1980. Matriculei-me na
EEPSG “Caetano de Campos”, onde concluí o 2º grau, período em que
se definiu em mim uma tendência natural para as disciplinas das Ciências Humanas, em detrimento das Exatas; daí a tendência aos estudos das
Letras. Após completar o curso do ensino médio, ingressei na FFLCH
– Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de
São Paulo – USP, fato que transformou a vida de um garoto notadamente interiorano em um esboço, inda que tênue, de vida voltada para as Letras e ambientada às preocupações de uma vida acadêmica, cujos anseios
Osvando José De Morais: – Quixote? – Sísifo?
Ou simplesmente, além de Brasileiro Cordial... Professor Teimoso?
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convergiam para a pesquisa de tudo que estivesse ligado às Literaturas.
Durante o curso de Graduação, transitei pelos Departamentos de Línguas Clássicas e Vernáculas e pelo de Línguas Orientais, pois ingressara
no Curso de Português/Russo, e no segundo semestre de 1991concluí
o curso de Bacharel em Letras, colando grau em 22 de janeiro de 1992.
O seu interesse pelo Cinema a princípio como entretenimento imiscuído
aos seus estudos literários universitários de maneira involuntária começa a crescer cada vez mais, e aos poucos começa a se esboçar em sua cabeça algo que
somente mais tarde irá identificar e tornar-se-á definitivo como um dos campos
de sua futura investigação científica ainda sequer sonhada: a Intertextualidade
descoberta paulatinamente entre os textos verbais e imagéticos. Dá-nos a conhecer em viva voz essa sua premonitória passagem/travessia.
Paralelamente aos meus estudos universitários, ainda ao final da década
de 1980, participei da fundação da 786 / Sete-Oito-Meia Produções Vídeo Cinematográficas Ltda., empresa especializada em assessoria e execução de finalizações e trucagens para filmes cinematográficos de curta, média e longas-metragens. Desta fase destacam-se entre outros, os trabalhos
executados para os filmes: “A Hora da Estrela”, “Anjos do Arrabalde”, “A
Dança dos Bonecos”, “O Milagre das Águas” e “Kuarup”, entre outros.
Foi fundamental o trânsito nas Literaturas para a minha contribuição
em produtos cinematográficos apoiados em trabalho de adaptação de
obras importantes da Literatura Brasileira – principalmente no caso do
filme “A Hora da Estrela”, realizado pela diretora, então iniciante, Suzana
Amaral, longa-metragem que propõe a releitura da última obra em vida,
talvez a mais popular, da escritora Clarice Lispector.
Como a humildade é inerente ao caráter do humanista Osvando, como testemunha ocular de parte de sua história que aqui me propus a narrar, devo dizer
do respeito profissional e do carinho mútuo que ambos, Osvando e Suzana,
estão a manter e dispensar entre si desde então e que perdura até hoje. E sobre
o seu sadio orgulho e satisfação de ter trabalhado a relação entre Quarup e Kuarup, prefiro que ele fale com suas próprias palavras.
No caso específico de “Kuarup”, filme do diretor Ruy Guerra, resultado de um trabalho de adaptação para roteiro cinematográfico da obra
“Quarup” de Antonio Callado, a minha vivência da região dos cerrados
encontrou ressonância em vários episódios, envolvendo os povos indíge-
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Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
nas, o cenário do sertão goiano e, principalmente, a mítica do coração do
Brasil, tudo transposto com rara delicadeza para as telas do cinema. Importante dizer que é, para mim, motivo de orgulho ter, de certo modo,
inda que pequena a participação, ter contribuído para o último grande
filme que encerrou um ciclo da história do Cinema Brasileiro ao anteceder o período negro, não só para o Cinema, também para as Artes e
Literaturas em geral, que teria início em terras brasileiras no alvorecer da
década de noventa – a última do século passado.
Osvando também faz questão de destacar a sua atuação profissional em um
filme muito importante quase “feito em casa” para um seu vizinho de apartamento e amigo muito querido, laços que se estenderiam a toda família do doce
Carlão, como era chamado carinhosamente no círculo formado por seus amigos
e familiares, recentemente falecido.
Embora os trabalhos acima mencionados fossem mais adequados à minha formação em Literatura Brasileira, foi-me também muito prazeroso
participar de uma produção cujo texto apoiava-se em um roteiro original, como foi o caso do filme escrito e dirigido pelo cineasta Carlos
Reichenbach – “Anjos do Arrabalde – as professoras”.
A cada novo trabalho, novos desafios enfrentados com um misto de coragem
e atrevimento não se furtando a experimentação de novos caminhos que propiciava em sua mente laboriosa aproximar ainda mais as relações entre os dois
universos em que se especializava – o literário apreendido nas aulas e o imagético na prática do fazer cinematográfico que animal jovem e vivo empreendia
sua metamorfose ao trocar de suporte para as imagens sonhadas e as narrativas
desnoveladas.
Em 1990, adaptei e roteirizei, a partir de um texto infantil americano, o
curta-metragem infantil homônimo “A Árvore Rabugenta”, utilizando,
pela primeira vez, a técnica da captação de imagem em suporte eletrônico. Traduziu-se em experiência fundamental a possibilidade de transcriar a partir de imagens literárias, resultando em expressivo corpus visual
materializado no produto final do vídeo. Importante como experiência
processar a mudança de suporte para uma imagem implicando em alterações nos processos técnicos de edição, buscando o sequenciamento no
eixo narrativo.
Osvando José De Morais: – Quixote? – Sísifo?
Ou simplesmente, além de Brasileiro Cordial... Professor Teimoso?
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É agora, que perseguindo o percurso narrativo de nosso herói tomaremos
ciência por meio de suas próprias palavras, com satisfação nossa daqui e a personagem falando metalinguisticamente de lá como teria sucedido e com sucesso a
interação dos dois mundos em que vivia cindido, dividido, após a fissão frutificada na derivação de duas veredas palmilhadas em paralelo. Agora, finalmente a
fusão ou a integralização das funções aparentemente diferenciadas que exercia,
tal qual as personagens literárias Jeckil e Hyde de Stevenson, ou as cinematográficas de Eva, que em final feliz hollywoodiano veem suas “máscaras” reunidas
em uma só. Nosso herói Osvando, a personagem principal de nossa narrativa,
irá finalmente encontrar apoio, e que apoio!, em seu professor para ousar levar
para o nicho das Letras o universo mais do que proscrito, proibido mesmo, da
Televisão. Tarefa impossível não fosse o apoio recebido de seus professores para
tamanha ousadia.
No segundo semestre de 1992, ingressei no programa de Pós-graduação
da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo
– USP, departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, com um projeto
orientado, inicialmente, pelo Prof. Dr. Alfredo Bosi, que por motivo de
saúde sugeriu a transferência da orientação para o Prof. Dr. João Adolfo
Hansen, na área de concentração em Literatura Brasileira, nível de Mestrado. O projeto centrou-se na tradução intersemiótica do romance Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, idealizada e realizada por Walter George Durst para a televisão como produto final um audiovisual em
formato de minissérie composto de 25 episódios. O trabalho da gênese da
escrita do roteiro literário televisivo, empreendido por Durst, passou a ser
o principal foco de interesse da longa pesquisa que foi necessária para o
cotejamento dos dois textos literários: o romance, como texto de partida
e o roteiro televisivo, como texto de chegada, que antecede as imagens.
O roteiro literário de um produto audiovisual, seja cinematográfico ou
televisivo, pode ser considerado como um texto de passagem, ponte entre
as imagens literárias e a concretização do visual na tela.
É sabido que por mais que o autor se esconda ou procure disfarçar termina
por deixar traços seus em suas personagens afinal o material utilizado nas construções de narrativas é parte constituinte do universo interior do narrador. Tanto é que somente ao se conhecer a pessoa Clarice Lispector é possível perceber
em sua tão esdrúxula criatura Macabéia nuanças e reflexos como pegadas de sua
criadora e autora. Também é de conhecimento a partir de fonte insuspeitada
que somente ao contar sua circunstância o narrador se torna universal.
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Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Desse modo, é impossível que fosse diferente com o Osvando, filho misto
das gerais das Minas e dos Goiás, as veredas e veios e caminhos por ele palmilhados haveriam mais dia menos dias de confluírem para o mar de Guimarães
Rosa. Não deu outra! Vê-se por sua escolha de objeto de pesquisa de Mestrado
e conforme veremos a seguir também de Doutorado.
Defendi, em 02/06/97, a dissertação de Mestrado intitulada “Grande
Sertão: Veredas – O Romance Transformado. Abordagens do processo
e a técnica de Walter George Durst na construção do roteiro televisivo.”, tendo como banca examinadora os professores doutores: Marcello
Giovanni Tassara, Mariarosaria Fabris, João Adolfo Hansen (orientador),
obtendo a média de 10,0 (dez inteiros). À vista do resultado, e tendo
cumprido todas as exigências regimentais do Curso de Pós-Graduação
da Universidade de São Paulo -USP, foram acrescentados os conceitos
Com Distinção e Louvor.
Em 2000 ocorre a edição de seu livro intitulado “Grande Sertão: Veredas
– O Romance Transformado” – EDUSP/FAPESP, com lançamento em 13 de
dezembro de 2000 – São Paulo – Centro Cultural Maria Antônia – USP. O
Prefácio, generosamente produzido por Alfredo Bosi.
Ave pregoeira de Rosa em que transformara, por sua vez, participa do
II Seminário Internacional Guimarães Rosa, de 27 a 31 de agosto de 2001,
na PUC-Minas, em Belo Horizonte, MG, quando apresenta a comunicação
“Da Tradução Interlingüal à Tradução Intersemiótica do Romance GRANDE SERTÃO: VEREDAS para a Televisão: Abordagens e Aproximações à
Semiótica da Cultura”, além de constar na programação do evento também
com o oportuno lançamento do Livro “Grande Sertão: Veredas – O Romance
Transformado”.
O nosso herói achou o seu veio e mergulha de cabeça no universo rosiano a ponto de se transformar em autoridade em “Grande Sertão: Veredas”
mergulhado que se encontra nas águas profundas do “sertão que virou mar”,
aquele mesmo que conhecera na infância e reconhecera nas letras de Rosa.
Apaixona-se por Riobaldo e Diadorim e seu amor impossível, as guerras dos
jagunços, a música das palavras... e os “causos” que insistiam em reverberar a
fala de sua avó – identificação total. E prossegue em sua vereda calcando seus
passos lembrados sobre as pegadas deixadas por Rosa – agora transformado
em seu mentor à moda virgiliana para um temeroso e respeitador iniciado
dantesco – por favor: atente ao sentido. Era inevitável que acontecesse o que
a seguir nos faz saber
Osvando José De Morais: – Quixote? – Sísifo?
Ou simplesmente, além de Brasileiro Cordial... Professor Teimoso?
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Em 11 de setembro de 2002 defendi Tese de Doutoramento junto a
Escola de Comunicações e Artes – ECA, da Universidade de São Paulo – USP, com o tema Imagens em Grande Sertão: Veredas – Da palavra
impressa no romance à imagem eletrônica-televisiva – Semiótica da Imagem.
Obtive o título de Doutor a partir da aprovação da Banca Examinadora
assim constituída: Prof.ª Dr.ª Mariarosaria Fabris (orientadora), Profs.
Drs. Marcello Giovanni Tassara, Mauro Wilton de Sousa, Aurora Fornoni Bernardini e Boris Schnaiderman.
O ano 2003 foi fabuloso destacando-se a publicação do texto “Da Tradução
Interlingual à Tradução Intersemiótica do Romance Grande Sertão: Veredas”,
no livro “Veredas de Rosa II”, de Lélia Pereira Duarte. A obra, editada pela
PUC-Minas de Belo Horizonte, e o texto encontra-se da página 606 até a página 611. O mesmo material que se tornara capítulo de livro fora apresentado
– constando dos anais – no 2º Seminário Internacional Guimarães Rosa, realizado em Belo Horizonte/MG.
Volta a participar, em 2004, agora na 3ª edição do Seminário Internacional
“Guimarães Rosa”, em Belo Horizonte. Para essa edição, preparou a comunicação “Imagens e Palavras: matrizes operadoras da reconstrução visual de Grande
Sertão: Veredas”. O resumo do trabalho encontra-se publicado na página 158
dos anais do Congresso.
A comunicação transformada em artigo, sob o título “Imagens e Palavras:
Matrizes Operadoras da reconstrução visual do romance Grande Sertão: Veredas” tornou-se capítulo do livro “Veredas de Rosa III”, de Lélia Parreira Duarte.
A obra foi publicada pela PUC Minas.
Corte para sua participação durante o 1º e 2º Semestres de 2005 de reuniões
preparatórias do grupo de estudos da Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa
da Universidade de Sorocaba (UNISO), com objetivo de produzir a solicitação
perante a CAPES/MEC de credenciamento de Curso de Pós-Graduação Multidisciplinar. Em paralelo, participa da criação e coordenação do Curso de Pós-Graduação lato sensu, nível de Especialização – “Literaturas & Audiovisual”,
em parceria com o Prof, Dr. Paulo Braz Clemencio Schettino, na Universidade
de Sorocaba (UNISO). Em março de 2006, deu-se início à primeira turma.
Acontecem também no início de 2006, no âmbito da Universidade de Sorocaba (UNISO), sob sua batuta, a criação e a coordenação dos eventos abaixo destacados, com participação, como convidados externos, de professores-doutores
de expressão nacional objetivando atrair juízos favoráveis à instituição e apoio
ao credenciamento do novo Programa de Mestrado: I Seminário Avançado de
Comunicação e Cultura; e, I Simpósio Regional Mídia, Comunicação e Cultura.
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Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Ainda no decorrer do ano da graça de 2006, também ainda no seu 1º semestre, graças aos esforços por ele envidados e pela influência e apoio recebido
de seus convidados, contrariando o representante da Área de Ciências Aplicadas I – Marcius Freire, a direção do CTC/CAPES houve por bem aprovar
a solicitação do novo curso da Universidade de Sorocaba (UNISO). Com as
seguintes alterações: mudança de Mestrado Multidisciplinar para Mestrado
Acadêmico na Área de Ciências Aplicadas I – Comunicação; Coordenação por
Acadêmico titulado Doutor em Ciências da Comunicação; autorização para
funcionamento a partir do 2º semestre de 2006. Essa foi a gênese do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Comunicação e Cultura, nível de Mestrado da Universidade de Sorocaba (UNISO). Essas foram as contribuições
de Osvando, tendo assumido a Coordenação do Programa por duas gestões
consecutivas, sendo que as linhas de pesquisa escolhidas para Orientação de
Projetos de Pesquisa foram: “Teorias da Comunicação e da Cultura” e “Análises
de Processos e Produtos Midiáticos”.
Também, no ano da graça de 2006, foi aprovado, pelo colegiado do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Comunicação da Universidade de
Brasília-UNB, seu projeto de pesquisa de Pós-Doutoramento, na Grande Área
de Ciências Sociais Aplicadas, Área da Comunicação, Subárea da Teoria da Comunicação – um ano depois, interrompido em face das crescentes obrigações e
compromissos assumidos frente ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura, nível Mestrado, da Universidade de Sorocaba.
E assim se passaram sete e não dez anos, como um dia cantou em tom de
bolero a “favorita da Marinha”.
Hoje, em 2013, informei ao biografado a minha intenção de escrever sobre ele e a sua trajetória de vida pelo viés profissional e acadêmico. Não que a
resultante de meu texto pretendesse ser uma “biografia autorizada”, coisa que
jamais faria por achar seus similares mais que obscenos, não mais que pura contrafação – uma ação entre amigos em que o lesado é o leitor. Apenas indaguei
quais seriam os pontos principais que destacaria ao olhar para trás volvendo o
olhar para esses sete apolíneos anos. Após titubear apenas por instantes me fez
saber do orgulho sadio de ter colocado filhos acadêmicos no mundo. “– Não
deixe de falar deles!”, reafirmou enfaticamente a sua satisfação, de um modo ou
d’outro, por ter colaborado na formação particular de cada um de seus agora
“orientados” – seja de TCC, de Iniciação Científica ou de Mestres que ajudou
a colocar no mundo.
Retornando ao insight recebido quando do início da produção deste texto –
caso tenha esquecido, lembramos: “A árvore se conhece pelos frutos”. E, é por
isso que atendendo ao seu pedido destacamos como hors concours, dado nossa
Osvando José De Morais: – Quixote? – Sísifo?
Ou simplesmente, além de Brasileiro Cordial... Professor Teimoso?
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personagem professor professar ser o Aluno a razão de ser da Escola e estar
em segundo plano o exercício de toda profissão de Magistério, o registro de
Orientação de Pesquisa Acadêmica, stricto sensu, que proporcionou a formação
e titulação de Mestres, elencados a seguir por ordem de ‘saída do forno’:
A) Lucas Augusto Giavoni. “A Fórmula 1 e as Teorias da Comunicação:
Transformações Culturais. 2012”. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura) – Universidade de Sorocaba, Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo. Orientador: Osvando José de Morais.
B) Raquel Brosco. “Teorias da Comunicação: Cultura, Memória e Transcendência pelo Foto-Realismo de Gerhard Richter – Aura e Ruína do
Século XX Alemão”. 2012. Dissertação (Mestrado em Comunicação
e Cultura) – Universidade de Sorocaba. Orientador: Osvando José de
Morais.
C) Cesar Augusto Dionísio. “Teoria comunicacional auditiva e a ocularidade da cultura do Impresso: De como o livro se amplifica em audiolivro”.
2011. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura) – Universidade de Sorocaba. Orientador: Osvando José de Morais.
D) Mariana Domitila Padovani Martins. “Comunicação, Cultura e Sociabilidade: imagem pessoal do jovem no Orkut e liberdade paradoxal
nas redes sociais”. 2011. Dissertação (Mestrado em Comunicação e
Cultura) – Universidade de Sorocaba. Orientador: Osvando José de
Morais.
E) Caio Fausto de Almeida Giannone. “Videogame, a Teoria do Meio e a
Comunicação: novos meios, novos ambientes, novas habilidades – análise de DJFFNY, um encanador e a(s) identidade(s)”. 2011. Dissertação
(Mestrado em Comunicação e Cultura) – Universidade de Sorocaba.
Orientador: Osvando José de Morais.
F) Giovani de Arruda Campos. “Teorias da Comunicação e Interatividade: conceitos, modelos e tecnologias na cultura da informação”. 2011.
Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura) – Universidade de
Sorocaba. Orientador: Osvando José de Morais.
G) Rosângela Araújo Pires Vig. “O Processo Comunicativo da Arte: Uma
Abordagem da Estética Cubista em Guernica”. 2010. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura) – Universidade de Sorocaba. Orientador: Osvando José de Morais.
74
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
H) Cyro Augusto Pachicoski Couto. “Comunicação do Medo: Os Ataques do
PCC. 2009”. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura) – Universidade de Sorocaba. Orientador: Osvando José de Morais.
I) Eduardo Cerqueira Roberto. “A Nova Resistência: Rock Antropofágico
nos Meios Alternativos de Sorocaba”. 2009. Dissertação (Mestrado em
Comunicação e Cultura) – Universidade de Sorocaba. Orientador: Osvando José de Morais.
J) Milton Pimentel Martins. “Comunicação, Propaganda Política e Ideologia nos Tempos de João Goulart”. 2009. Dissertação (Mestrado em
Comunicação e Cultura) – Universidade de Sorocaba. Orientador: Osvando José de Morais.
K) Robson José dos Santos. “Shopping Center – Uma Cidade dentro da Cidade”. 2009. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura) – Universidade de Sorocaba. Orientador: Osvando José de Morais.
L) Patrícia Aparecida Amaral. “Telejornalismo no Cerrado – a busca pela
audiência na primeira afiliada da Rede Globo (Rede Integração/MG”).
2008. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura) – Universidade de Sorocaba. Orientador: Osvando José de Morais.
M) Susi Berbel Monteiro. “A Indústria cultural e os meios de comunicação
de massa amplificando a persona”. 2008. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura) – Universidade de Sorocaba. Orientador: Osvando José de Morais.
N) Silvio Cesar Silva. “A representação do malandro em ‘A grande família’: das relações ideológicas e culturais à comunicação de massa”. 2006.
Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura) – Universidade de
Sorocaba. Coorientador: Osvando José de Morais.
O) Maria Soledade Ferreira. “A leitura crítica do ‘Grotesco’ e do ‘Silêncio’ no romance ‘Vidas Secas’ de Graciliano Ramos”. 2005. Dissertação
(Mestrado em Literatura e Crítica Literária) – Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, Secretaria de Educação do Governo do Estado de
São Paulo. Orientador: Osvando José de Morais.
P) Pedro Santos da Silva. “Afonso Henriques de Lima Barreto e o Mito da
Brasilidade”. 2004. Dissertação (Mestrado em Literatura e Crítica Literária)
– Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Secretaria de Educação do
Governo do Estado de São Paulo. Orientador: Osvando José de Morais.
Osvando José De Morais: – Quixote? – Sísifo?
Ou simplesmente, além de Brasileiro Cordial... Professor Teimoso?
75
Q) Vera Helena Saad Rossi. “Discursos possíveis de Clarice Lispector (As
entrevistas de uma escritora jornalista”). 2004. Dissertação (Mestrado
em Literatura e Crítica Literária) – Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo. Orientador: Osvando José de Morais.
R) Berilo Luigi Deiró Nosella. “A Narrativa no Drama Pirandelliano: uma
análise dialética do fenômeno ‘forma’”. 2004. Dissertação (Mestrado em
Literatura e Crítica Literária) – Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. Coorientador: Osvando José de Morais.
Satisfeito foi o desejo de nosso herói em alardear a contribuição prestada à
formação de seus ‘filhos acadêmicos’, agora Mestres metamorfoseados em vetores a disseminar o que apreenderam de seu ecletismo manifesto na liberdade
com que passeia e flui nos caminhos/métodos das diferentes veredas percorridas
por seus pupilos – a sabor do interesse de cada um pelo tema de seu interesse.
Agora vamos nós mesmos assinalando e destacando os pontos luminosos que
acreditamos havermos encontrado quando palmilhamos a trajetória de nosso
biografado.
Como Primeiro Destaque apontamos para a sua formação acadêmica que
mesclando graduação em Letras – Mestrado também em Letras com “Distinção
e Louvor” (FFLCH-USP) e seu enveredar-se pela COMUNICAÇÃO – Doutoramento em Ciências da Comunicação (ECA-USP) nos fornece subsídios para
comprovar a sua capacitação para que ao longo do exercício profissional de Professor pudesse ministrar disciplinas de Leitura e Produção de Textos para alunos
dos cursos de habilitação profissional em Publicidade e Propaganda, Rádio-TV,
Relações Públicas e Jornalismo nas diversas instituições de ensino superior por
onde andou: FKB-Itapetininga, ESAMC/ESPM-Campinas e Santos, PUCSP
– Graduação e Pós-Graduação em Letras, UNISO/Sorocaba – Graduação e Pós-Graduação em Comunicação e Cultura, ECA/USP – Faculdade de Jornalismo.
Como Segundo Destaque, já que somos testemunha-ocular da história,
chamamos a atenção do leitor para a participação ativa de nosso herói, em todos
os passos: na criação; luta pelo credenciamento junto a CAPES; condução como
timoneiro e luta pela consolidação do programa – autêntico labor sisífico ou
quixotesco – na função inglória de 1º Coordenador do Programa de Pós-Graduação, stricto sensu, nível de Mestrado em Comunicação e Cultura da Universidade de Sorocaba (UNISO), em um longo período de tempo jacóniano: agosto
de 2006 a julho de 2012. “Quem há de dizer...”, como cantou o poeta gaúcho,
das armadilhas, alçapões, rasteiras, de que foi vítima o nosso herói! E, “quem há
de dizer da dor que mora...”, como também disse um outro poeta... no coração
76
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
de nosso herói vilmente atraiçoado que labutando e aspirando pela luminosa
Raquel lhe foi imposta a pálida Lia. Emulando o herói bíblico apaixonado, este
nosso como aquele teria dado mais sete anos...
Terceiro Destaque para o exercício, em segundo mandato, do cargo de
Direção Editorial da Sociedade de Estudos Interdisciplinares de Comunicação – INTERCOM, junto à sua Diretoria Nacional. Voltou-se por inteiro à
produção de Livros, por imposição do cargo ocupado na Direção Nacional da
INTERCOM, estudando conteúdos dos autores e pesquisando a melhor forma
a escolher para o melhor resultado do produto final. Osvando sem saber, talvez,
jamais imaginara que estava se tornando um Editor de livros de “mão cheia”, e
que em futuro próximo ousaria e tomaria para si a competência da reedição da
“História da Imprensa”, obra máxima de Nelson Wernek Sodré. Duas primas
obras: o texto revisitado e reeditado de Werneck Sodré, e a primorosa edição
realizada por Osvando.
Quarto Destaque para a criação e gestão de Editora Universitária (EDUNISO), editora da Universidade de Sorocaba (UNISO). Responsável pela editoração dos livros em catálogo da editora (desde o primeiro), e por edições seguintes
em parceria com outras editoras universitárias. Trabalho insano: pesquisar editoras e seus regulamentos; afunilar a pesquisa para a especificidade de intentar uma
editora universitária; análise comparativa dos propósitos que particularizam e
tornam singular uma editora de livros que se propõe à divulgação dos resultados
acadêmicos de uma instituição de ensino superior; o acuro e esmero na produção final do livro; as pessoas – estudantes em sua maioria – de que se cercou e
instruiu, profissionalizando-os através da práxis e, principalmente, nas análises
teóricas dispendidas nas reuniões de trabalho – outros filhos acadêmicos que
colocou no mundo e indicou um caminho/método de realização profissional.
Quinto Destaque para a participação na criação e atuação como Coordenador de Programa de Pós-Graduação no projeto apresentado ao PROCAD
– Programa Nacional de Cooperação Acadêmica, em atendimento ao Edital
Procad N° 01/ 2007, CAPES.
Com o tema central: Teoria da Comunicação, proposto pela Universidade
Federal da Bahia/Faculdade de Comunicação/Programa de Pós-Graduação em
conjunto com os Programas de Pós-Graduação das Instituições participantes:
UFBA (coordenadoria geral), PUC-RS, UNB, UNISO. Responsável pela produção do primeiro livro que resultou fruto das reuniões, encontros, seminários
entre os participantes do programa nos quatro cantos do país – Porto Alegre/
RS, Sorocaba/SP, Brasília/BR, e Salvador/BA.
Sexto Destaque pela iniciativa de chamar e sediar o primeiro encontro dos
Coordenadores de Programas de Pós-Graduação em Comunicação do Estado
Osvando José De Morais: – Quixote? – Sísifo?
Ou simplesmente, além de Brasileiro Cordial... Professor Teimoso?
77
de São Paulo com vistas à criação do Fórum Permanente dos Programas de Pós-graduação em Comunicação do Estado de São Paulo. O fracasso em termos
de continuidade muito se deveu a uma intensa guerra de egos encontradiça nos
meios acadêmicos – porém isso pouco ou nada tem de interesse. O que importa
foi o chamamento lançado pelo nosso biografado em sua certeza no intento
primeiro: a necessidade de colaboração entre programas e acadêmicos do estado
de São Paulo.
Sétimo Destaque além de Programa de Pós-Graduação stricto sensu, apontamos para a criação também de Cursos de Pós-Graduação, lato sensu, nível
de Especialização e Cursos de Extensão Universitária; incluindo destaque para
nossas publicações (individuais e de outrem); e para a atividade de produção
e realização de Eventos – desde Palestras, Seminários Avançados, Simpósios,
e Congressos; dispersos e nominados na cronologia aberta ao público de seu
currículo exposto na plataforma Lattes.
Paremos por aqui. Qual uma nau de velas pandas lançada em mar alto, Osvando sem medo ou temor, cada vez mais “livreiro”, cada vez mais envolto nas
discussões sobre a Comunicação e a Cultura, por sua vez mais experimentado
após enfrentar disputas como as que acima apenas em parte desvelamos, continua: mais maduro, muito mais sábio – inda que humilde, muito, mas muito
mais mesmo, e cada vez mais... humano.
Quixote, Sísifo, Brasileiro Cordial, Humanista por fé, Professor por opção...
Osvando J. de Morais!
78
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Moacir Barbosa:
Para além de títulos e livros
Maria Érica de Oliveira Lima1
4º
CAPÍTULO
Introdução
Em maio de 2006 fiz concurso para professor adjunto no Departamento de Comunicação Social (DECOM) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Depois de doze
anos morando no estado de São Paulo, onde cursei da Graduação, Jornalismo, na PUC-Campinas, até o Doutorado, em
Comunicação Social na Universidade Metodista de São Paulo,
era chegada a hora de voltar para o Nordeste, e de preferência
para o Ceará, meu estado natal, ou mais próximo possível. Foi
daí que o Rio Grande do Norte surgiu em minha vida.
A primeira oportunidade da volta, da feliz volta quando finalmente fui aprovada no concurso cuja banca foi presidida
pelo professor Doutor Moacir Barbosa – homem sério, organizado, concentrado e que muito bem soube conduzir o
processo, juntamente com os professores Gerson Martins, na
época ainda da UFRN, depois solicitou permuta a UFMS
1.
Professora associada do Departamento de Comunicação Social (DECOM) e do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Mídia (PPgEM) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Contato: [email protected]. Presidente da Rede de Pesquisadores
em Folkcomunicação (2013-2015) www.redefolkcom.org
Moacir Barbosa: Para além de títulos e livros
79
para ficar mais junto de sua família, e o professor doutor e membro externo
Alfredo Viseu (UFPE). Portanto, foi em maio de 2006 que tive o primeiro contato, distante, porém muito profissional, em processo de avaliação, com o professor Moacir Barbosa. Na época fazia o mesmo concurso o professor Doutor
José Carlos Aronchi que também foi aprovado e que infelizmente, depois de um
ano e meio de UFRN, por questões de família e adaptação teve de nos deixar.
O professor Aronchi desenvolvia um trabalho maravilhoso com os alunos de
Rádio e Televisão em busca da profissionalização e criação de novos programas
no cenário local. Juntamente com o professor Moacir Barbosa foi grande incentivador e apoiador durante os preparativos do Congresso Brasileiro de Ciências
da Comunicação – INTERCOM 2008 – que aconteceu na UFRN, Departamento de Comunicação Social e que sem dúvida ficou para a história. Tenho
certeza, na área de Comunicação na UFRN, o DECOM talvez não organize
outro Congresso tão singular, grandioso, relevante e de visibilidade nacional e
internacional, como foi o INTERCOM 2008.
A convite do professor Moacir também fui integrante da comissão local e
a partir daí travamos importantes batalhas internas para que o evento pudesse
acontecer. Na época, 2008, a UFRN faria 50 anos de existência e, portanto, teve
muito apoio por parte da Reitoria ter no seu calendário de comemoração um
Congresso da envergadura do INTERCOM. Mas nem tudo era racional, lógico
e civilizado no âmbito acadêmico, principalmente no DECOM cujo humor,
inveja, infantilidade e até mesmo ingenuidade insistia prevalecer entre meia
dúzia de professores que foram contra o Congresso.
Durante o anúncio de que o DECOM fora convidado a realizar o INTERCOM, cuja finalidade única era promover a discussão, a reflexão, a divulgação
das pesquisas em Comunicação, e principalmente, motivar o DECOM a continuar escrevendo sua história, motivar alunos, professores, situar a cidade de Natal no cenário nacional de importantes eventos, movimentar a economia local,
etc., tivemos que ouvir, durante meses, movimentações de boicote nas reuniões
departamentais, comentários sem fundamentos, fofocas infundadas, e muito
pouca adesão por parte dos colegas. Contudo, os que aderiram fizeram um belíssimo e importante trabalho que, sem dúvida, marcou um período de sua vida
profissional. Aos demais, o desígnio da frustração, da falta de perspectiva de
olhar para o futuro com tranquilidade e o apedeutismo – sem dúvida marcaram
o íntimo dos que nos infernizaram... pois tudo mudaria depois, naturalmente.
É preciso lembrar que há vida para além dos muros acadêmicos, a instituição
não é nossa propriedade extensiva, ao contrário, enquanto servidor público,
temos de servir pensando em prol do bem comum. Que as relações pudessem
ser no mínimo diplomáticas, justas e racionais entre os pares.
80
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Neste sentido, o professor Moacir Barbosa muito sofreu neste período. Diria
que padeceu antes, durante e depois. Bem sei que não foi fácil para ele, principalmente, ter o compromisso de assumir nacionalmente a coordenação geral
local do INTERCOM 2008, com mais de quatro mil inscritos, ter de administrar e levantar apoio de verbas, patrocínio, etc., já sabendo da dificuldade econômica que o Brasil tem em apoiar, mediante agências de fomentos, o campo
das ciências e da educação. Sem dúvida, o mais incongruente ainda era a falta
de anuência dos pares, que travestidos de opiniões democráticas e guardiões da
liberdade de expressão e pensamento, eram contrários ao Congresso sem saber o
do que estavam falando. Muito primordial foi o apoio do nosso então chefe de
departamento, professor Newton Avelino, homem de visão, grande apoiador do
INTERCOM de 2008, e que hoje se encontra a desfrutar de sua aposentadoria.
Mas enfim, posso dizer que o exercício do Congresso INTERCOM 2008
foi, sem dúvida, o precursor para instaurar a maturidade no DECOM. Atualmente, contamos com um Programa de Pós-Graduação em Estudos da Mídia
(PPgEM), e temos outras visões de pesquisa e ensino. Novos e outros professores de várias partes do Brasil passaram a integrar o quadro de docentes permanente, trazendo, assim, a diversidade, riqueza de experiências e know how.
Nupérrimo, o DECOM da UFRN já realizou e apoia eventos importantes de
âmbito nacional e internacional sem que ninguém mais seja irritadamente contrário ao entusiasmo e à efervescência de proporcionar aos alunos a capacidade
do renovado conhecimento.
Ao professor Moacir Barbosa, especialmente, lanço a minha gratidão de ter
sido, durante três anos, o tutor a acompanhar meu trabalho em âmbito do DECOM e avaliar com natureza técnica e certame o meu processo de estágio probatório. Agradeço também à Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares
da Comunicação – INTERCOM – pela indicação e confiança de expressar aqui
passagens e fragmentos em forma de deferência ao seu ex-Diretor secção Nordeste, que sem dúvida, contribuiu para a história da entidade científica.
Perfil
Nesta parte do ensaio acerca da pessoa e do profissional Moacir Barbosa de
Sousa, é importante biografá-lo para, assim, sabermos um pouco mais deste
particular professor e pesquisador que nasceu na cidade de Catende, Pernambuco, em 1º de agosto de 1948. Filho de Maria Barbosa de Sousa, dona de casa e
doméstica, e de Raul Duarte de Sousa, funcionário público federal. Casou com
Maria Auxiliadora Lira de Sousa, professora aposentada da Universidade FedeMoacir Barbosa: Para além de títulos e livros
81
ral da Paraíba, da área de Geografia. Teve três filhos, Ramadir Lira de Sousa,
professor de Música e Maestro no Instituto Federal de Ciências e Tecnologia
do Acre – IFAC – Mestre em Etnomusicologia pela UFBA; Ramayana Lira
de Sousa, professora de Cinema na Unisul, Florianópolis; pós-doutorado na
Universidade de Leeds, Inglaterra e o caçula Ramady Lira de Sousa, Publicitário
e professor substituto no curso de Comunicação da UFRN, Mestre em Comunicação pela UFPB.
O professor Moacir começou sua carreira em emissoras de Rádio da cidade
do Natal (Emissora de Educação Rural, nos anos 1960 – atual Rádio Rural, da
Rede Canção Nova – cargos: operador de som, programador musical, locutor)
e João Pessoa (Rádio Arapuan, anos 1970 – cargos: redator de notícias, programador musical e operador de som. Rádio Tabajara – anos 1970 – cargos:
programador musical e produtor de programas. Rádio Correio da Paraíba –
anos 1960/70 – cargos: noticiarista, programador musical e técnico de som).
Registro profissional como radialista – nº 4100, DRT-PB.
Além do Rádio, o professor Moacir é muito apreciador e estudioso do Cinema. Aos 18 anos, em Natal, foi presidente do Cine Clube Tirol, entidade pioneira do cine clubismo na região. Sonorizou o curta-metragem “O Coqueiro”
(1976), em Super-8, do cineasta paraibano Alex Santos, premiado em Festival
da SUDENE. Participou do “inacabado” “Arribação”, em 16 mm, também de
Alex Santos.
Em 1979, produziu, fotografou e editou “A Praça é do Povo”, em Super-8,
dirigido por Jorge Carlos, em Rio Branco, no Acre. De 1977 a 1979, de 1981 a
1984 e de 1987 a 1989, dirigiu o setor de Extensão Cultural da Universidade Federal do Acre, Rio Branco, quando organizou e coordenou, com o patrocínio da
Funarte, Salões de Artes Plásticas, Festivais de Música (FAMP – Festival Acreano
de Música Popular) e Festivais de Cinema na bitola Super-8. Nos anos 1970/80,
ministrou oficinas de história do cinema nos Festivais de Areia, Paraíba.
Atualmente ocupa a cadeira número 7, da Academia Paraibana de Cinema,
entidade fundada em 2009. Foi professor da Universidade Federal da Paraíba
onde exerceu cargos de chefe de departamento e coordenador do curso de graduação em Comunicação Social. Tem experiência na área de Radiodifusão, atuando também no campo da história da mídia, tecnologias digitais, jornalismo,
cinema, publicidade e propaganda, língua portuguesa/inglesa e literatura anglo-americana. Publicou os livros “Palavras Cruzadas” (poesia concreta – 1986);
“Dicionário de rádio e som” (1992); “Do Gramofone ao satélite – evolução
do rádio paraibano” (2005) e “Tecnologia da Radiodifusão de A a Z” (2010).
Capítulos de livros como: “Mídia Cidadã” (Rádios Comunitárias: a luz no fim
do túnel?); “Rádio brasileiro: episódios e personagens” (As primeiras transmis82
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
sões de rádio na Paraíba); “Mercado e Comunicação na sociedade digital” (O
tamanho do fosso: a distância entre o mercado e a academia”); Rádio (“Antônio
Maria o ‘tomba’ cardisplicente”). Pesquisador da história da mídia radiofônica, das tecnologias digitais, som e indústria fonográfica, presidiu comissão de
elaboração da habilitação Publicidade e Propaganda e presidente de avaliação
concursos públicos. Fez parte da Comissão Assessora do Enade INEP-MEC) e
da Comissão Elaboradora dos Referenciais dos cursos de Graduação do MEC.
Também o professor Moacir foi avaliador institucional e de cursos do INEP-MEC. Atualmente aposentou em 25 de agosto de 2013 como Professor Associado III da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Departamento de
Comunicação Social).
Formação
A formação do professor Moacir Barbosa o revela em sua erudição entre
idiomas, literatura, personagens imortalizados pelo cinema. Graduado em Letras (Língua Inglesa e literatura anglo-americana) pela Universidade Federal do
Acre, tem Mestrado em Letras pela Universidade Federal da Paraíba com dissertação sobre o vampirismo na obra do escritor norte-americano Edgar Allan
Poe “Blood, Horror and Morbidity – a study of vampirism in the literary world
of EAP”, orientado pelo professor doutor Michael Harold Smith. Segundo o
autor, a obra não é um estudo do vampirismo em si, com dráculas dotados de
caninos pontiagudos sugando o sangue das vítimas, mas um estudo psicológico
dos personagens que se relacionam vampirescamente em algumas das obras do
escritor norte-americano Edgar Allan Poe. Esse estudo demonstra a singularidade do professor e pesquisador Moacir Barbosa. Fluente em língua inglesa e de
humor também inglês – sério, porém brincalhão ao mesmo tempo – creio que
poucos conhecem dessa sua especialidade que fascina jovens, cinema, literatura,
artes plásticas, música, rádio, televisão, etc.
Com Doutorado em Ciências da Comunicação, área de Rádio e Televisão,
pela Universidade de São Paulo, com a tese “Evolução do rádio paraibano”, teve
como orientador o professor Doutor Antônio Luis Cagnin, um estudo pioneiro
sobre as origens do rádio paraibano.
Outra característica peculiar à carreira do professor Moacir foi sua dedicação e vocação à gestão pública interna. Sabemos que nem todos os docentes
possuem esse perfil, apesar de muitos equivocadamente acreditarem no poder a
partir daí; mas ser gestor é, acima de tudo, na Universidade pública brasileira,
um paradoxo aos que imaginam ou sonham com o poder. Moacir foi chefe de
Moacir Barbosa: Para além de títulos e livros
83
departamento em dois mandatos na Universidade Federal da Paraíba, e coordenador de curso em quatro mandatos nas universidades federais da Paraíba e Rio
Grande do Norte. Por essa quantidade se imagina o quanto de trabalho ofereceu
à gestão, e mais: o quanto do domínio e conhecimento da burocracia acadêmica
ele tem... Quanta paciência do professor Moacir Barbosa!
Na pesquisa, com experiência na área de radiodifusão, atua nos seguintes temas: radiodifusão, história da mídia sonora, indústria fonográfica, tecnologias,
jornalismo, marketing e história do cinema. E ele tem atuação importante como
Diretor Regional Nordeste da INTERCOM, e é associado do Fórum Nacional
dos professores de Jornalismo, Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo, Associação Paraibana de Imprensa e Sindicato dos Radialistas da Paraíba.
Entrevista
Recentemente pensei na melhor forma de ilustrar um pouco mais nosso
homenageado. Também de conhecê-lo a partir de uma perspectiva menos formal do que a partir de títulos, livros, cargos, pesquisas. Como se sairia Moacir
numa rápida e curiosa entrevista? Inspirada talvez em “Caras” ou “Contigo”!
São essas entrevistas que mais gostamos de ler, pelo menos os seres mais surpreendentes gostam, pois sabemos muito mais do outro em sua particularidade,
circunstância. No caso do Moacir, melhor ainda, pois se revelou ágil, bem
humorado, econômico, certeiro e com aquele gostinho de que a entrevista poderia ter rendido muito mais perguntas. Para vocês, um pouco mais do nosso
homenageado:
Maria Érica: Você teve irmãos? Quantos e onde estão?
Infelizmente (ou felizmente) meus pais não conseguiram ir além de mim. Durante algum tempo isso foi uma grande dúvida existencial, até pensei em psicoterapia, mas vi que era frescura, pois a sobrevivência do dia-a-dia se sobrepunha
a isso, e aqui estou intacto ainda.
ME: Quantos netos têm? Filhos de quem?
Até a presente data, uma netinha de 13 anos, filha do primogênito.
ME: Quantos animais de estimação? E quais?
São 5 adoráveis criaturinhas: dois cães (uma cocker spaniel – Nina – com QI
abaixo de zero – mas mesmo assim muito amada – e um pinscher super inteligente e amigo – Balú) e três gatos (Luc – intelectual, daí o nome em homena84
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
gem ao Luc Besson – Neko e Chaninha – coitada). Provavelmente vai chegar
mais um felino, a Lucrécia, irmã do Luc).
ME: Quantos anos morou no Acre?
12 anos.
ME: Quantos anos morou na Paraíba?
Ao todo mais de 30 anos.
ME: Há quanto tempo mora em Natal?
8 anos.
ME: Quais os seus hobbies?
Cinema e música (erudita, por favor).
ME: Qual a comida favorita?
Agora que estou num regime depois das crises de apneia obstrutiva do sono,
deixei de ser um gourmetido.
ME: Principal qualidade?
Tentativas (quase sempre fracassadas) de fazer humor (pelo menos tento ser
bem-humorado).
ME: Quais seus defeitos?
Todo nascido em Leão se acha o máximo...
ME: O que mais admira no ser humano?
Quem tem bom humor, sem ser um Chico Anysio da vida. ME: Qual ou quais foram os grandes desafios na vida?
Resistir e resistir.
ME: Livro de cabeceira?
Como diz o matuto: tem uma ruma na mesinha ao lado da rede (durmo em
rede – não na net, entenda-se, mas naquele grande pedaço de pano pendurado
de um lado ao outro do quarto ou sala). No momento concluo a leitura da vida
de Dolores Duran, a cantora dor de cotovelo, um excelente trabalho de Rodrigo
Faour.
ME: Que artes tocam o coração e o emocionam?
Música, música, música (a erudita, como já disse acima).
Moacir Barbosa: Para além de títulos e livros
85
ME: Quais projetos não realizados e gostaria de tê-los feito?
Ter uma rádio com o padrão das Rádios Cultura Brasil (AM) e Cultura (FM),
da Fundação Padre Anchieta, de São Paulo.
ME: Que projeto ainda pretende realizar?
Viver mais um pouco.
ME: Quais ensinamentos para a nova geração de radialistas e jornalistas?
Conhecimento, ética, bom senso, e bom gosto.
ME: O que acha dos filhos terem seguido as mesmas carreiras sua e da sua
esposa Auxiliadora – também professora universitária?
Tem hora que eu penso “coitados”, mas vejo que decidiram tendo como modelo
o que eu e mãe deles passavam e praticavam na frente deles. E decidiram pelo
caminho da honestidade e da ética, sem jamais ferir alguém, por méritos próprios; isso nos orgulha em termos sido o modelo.
ME: Quais manias?
Cinemaníaco (passada para a filha do meio, que acaba de fazer pós-doutorado
em Leeds, Inglaterra, em cinema).
ME: É um homem de poucos amigos ou não?
Seletivo, e por isso mesmo, poucos.
ME: Como considera seu humor?
Sujeito a chuvas e trovoadas.
ME: Tem fé? Tem religião? É praticante?
Como disse um certo filósofo americano (citando aqui um colunista da Folha
de S. Paulo, que não recordo agora quem foi): “I don’t believe in God, that
bastard!”.
ME: Quais surpresas você teve no mundo?
Já vi muita coisa e acho que vou ver mais ainda.
ME: Quais decepções você viu no mundo?
A desigualdade e a pobreza.
ME: Tem medo da morte?
Tenho mais medo da sua representação, aquela figura esquelética vestida de
andrajos pretos com uma foice no ombro.
86
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
ME: No Brasil, o que mais lhe incomoda?
A hipocrisia, a falsidade e a cara de pau dos políticos, principalmente dessa laia
no poder.
ME: O que foi superado por você?
A morte de minha cadela Hannah, anos atrás, uma pastor-alemão inteligentíssima. Tivemos de fazer eutanásia devido à avançada idade e a gravidade da
doença.
ME: O que não consegue superar?
A hipocrisia, a falsidade e a cara de pau dos políticos...
ME: O que acha do provérbio romano: “quando não houver vento, reme” e
da frase de Seneca: “O homem que sofre antes de ser necessário, sofre mais
que o necessário”.
Respondo com um provérbio inglês: “don’t cross bridges until you reach them”.
ME: Quais filmes marcaram sua vida?
Não teria espaço suficiente, mas aqui vão alguns, sem ordem de importância (a
propósito, são parte de um livro que estou escrevendo com um grande amigo
de João Pessoa): “O Poderoso Chefão 1”, “Assim Caminha a Humanidade”,
“Homem que Matou o Facínora”, “Sonhos”, “Os Incompreendidos”, “Um dia
um gato”... (Todos os filmes de Ingmar Bergman).
ME: Melhores diretores?
Pelos sobrenomes, sem ordem de importância, alguns: Kurosawa, Truffaut,
Glauber, Ford, Stevens (a lista é só de defuntos).
ME: Cidade que mais gostou de conhecer? Por quê?
Gosto sempre mais daquela em que estou no momento.
ME: O que é ser professor da universidade pública no Brasil?
Tem uma canção cafonérrima dos anos 50 homenageando as mães (coisa que a
indústria fonográfica deixou de produzir): “ser mãe é desdobrar fibra por fibra
o coração”.
ME: O que é o tempo para você?
Meu background existencialista.
ME: O que é ser pesquisador?
Acima de tudo, ser curioso, perfeccionista e disciplinado.
Moacir Barbosa: Para além de títulos e livros
87
ME: Somos meros reprodutores/copiadores do pensamento?
Depende de sua (nós) genialidade.
ME: Ainda assiste TV aberta? O que?
Não. Odeio. Principalmente aos domingos à tarde. Acho que preciso de psicoterapia, pois o domingo à tarde me é traumático.
ME: Ainda lê jornal? Que editoria e assunto? Qual jornal?
Sim, os eletrônicos. Política, Cultura, Humor e Economia.
ME: Como se dá com a tecnologia?
Agradeço a ela muita coisa boa na atualidade (e maldigo em outras).
Considerações finais
Quando recebi o convite da Sociedade Brasileira – INTERCOM – para
escrever um texto acerca do professor Moacir Barbosa, não hesitei em fazê-lo, primeiro, pelo carinho sem interesse que o tenho; segundo, pelo respeito e
admiração ímpar a quem muito fez à Universidade pública e também demais
extensões no campo do ensino. Onde quer que esteja – veja bem, ele já passou
pelo Acre, Paraíba, Rio Grande do Norte – ele tem muita história a contar e
certamente essas páginas não conseguiram traduzir todo o seu trabalho e suas
características.
Contudo, foi uma alegria saber um pouco mais do colega de Universidade
professor Moacir Barbosa. É bom descobrir as pessoas ao ponto de nos surpreenderem tão positivamente, tão especialmente. Poderia ter feito um ensaio
mais técnico, mais “acadêmico”, recheado de citações de seus livros, análises,
referenciais... mas pensei: gostaria de homenageá-lo jornalisticamente, de fazer
um texto mais livre, aberto, descritivo nos fatos e narrativo nos importantes
acontecimentos.
Ao professor Moacir, desejamos anos vindouros de contribuição junto à pesquisa. Avante!
88
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Ana Carolina Temer:
Uma Timoneira forte e sensível que
escuta as ondas e sente o vento!
Simone Antoniaci Tuzzo1
5º
CAPÍTULO
A timoneira Ana Carolina Rocha Pessoa Temer nasceu na
Bahia, mas viveu em vários Estados Brasileiros numa infância inquieta e de mudanças constantes que lhe propiciaram a
possibilidade da diversidade, marca que ela cultiva até hoje e
a torna uma cidadã do Brasil.
Cursou o primário e parte do antigo ginásio em Salvador/
BA, onde também cursou a Escola de Ballet do Teatro Castro
Alves e iniciou o aprendizado do Francês. Concluiu o ginásio, o antigo científico e o curso superior no Rio de Janeiro,
onde dedicou parte do seu tempo ao curso técnico de Desenho de Propaganda e ao curso técnico de fotografia.
Ingressou na Universidade Federal do Rio de Janeiro em
1977 para cursar Jornalismo, onde desenvolveu atividades ligadas às representações estudantis e aos grupos de estudo dos
autores clássicos da sociologia e do jornalismo.
1.
Simone Antoniaci Tuzzo é Doutora em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora Efetiva do Programa
de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de
Goiás. Neste texto também colaboraram os pesquisadores: Monica
Nunes, que escreveu a resenha do livro: Notícias & Serviços nos telejornais da Rede Globo; Jullena Normando que escreveu a resenha
sobre o livro: Para Entender as Teorias da Comunicação; e Cládio
Marcos que foi responsável pela resenha do livro: A televisão em
busca da Interatividade. E-mail: [email protected]
Ana Carolina Temer: Uma Timoneira forte e
sensível que escuta as ondas e sente o vento!
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Como professora das Faculdades Integradas do Triângulo, Ana fez o curso de Especialização em Sociologia, oferecido pelo Departamento de Ciências
Sociais da Universidade Federal de Uberlândia. Dois trabalhos realizados no
curso resultaram em artigos científicos: “O Espírito do Capitalismo”, sobre o
pensamento de Max Weber publicado na Revista Pensando a Sociedade; e “O
Romance Folhetim como produto da Indústria Cultural”, publicado na Revista
Ícone, das Faculdades Integradas do Triângulo.
O passo seguinte foi o mestrado no Instituto Metodista de Ensino Superior
– que no decorrer do curso se transformaria em Universidade Metodista de São
Paulo – UMESP. Nesse período Ana estreitou sua amizade e sua admiração pelo
trabalho do professor José Marques de Melo, que se tornaria seu orientador para
a Dissertação de Mestrado e também para a Tese de Doutorado, que Ana cursou
no período de 1999 a 2001.
Ana Carolina é Professora Efetiva do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Goiás – UFG e participa de diversos
Grupos de pesquisa, como “O Jornalismo de serviço entre o consumo e a cidadania”, “Bases teóricas para o Jornalismo como atividade de comunicação”,
“Bases epistemológicas para uma leitura crítica da mídia”.
Por seus méritos e pelo reconhecimento da sociedade, Ana Carolina recebeu dois
importantes títulos, Medalha do Mérito Legislativo Pedro Ludovico Teixeira, outorgado pela Assembleia Legislativa do Estado de Goiás em 2008 e a Medalha Maria
Immacolata Vassalo de Lopes – 30 anos INTERCOM, outorgado pela Sociedade
Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação-INTERCOM em 2007.
No mundo do trabalho, Ana começou como estagiária na Agência de Publicidade Reidnger & JG, no Jornal do Brasil e no Jornal “O Globo”, onde foi
repórter do segundo caderno do Jornal “Última Hora”.
Trabalhou na Editora Bloch durante oito anos, e quando o grupo recebeu
concessões de canais de Televisão, migrou rapidamente para a TV, mas já com
a decisão de mudar de cidade. Antes de concretizar a mudança, uma rápida
passagem também na revista Figurino Moderno, da Editora Vecchi. Em Uberlândia/ Minas Gerais trabalhou no Jornal “Primeira Hora”, e em seguida na TV
Triângulo, hoje TV Integração – emissora afiliada à Rede Globo, como editora
da primeira edição do “praça TV”, o TN (Triângulo Notícias) que depois passou a chamar-se MG-TV.
Também trabalhou na Diretoria de Comunicação da Universidade Federal
de Uberlândia, onde desenvolveu atividades como produção de vídeos institucionais e o projeto da TV Universitária, que entrou no ar em 1996.
Em 1990 foi convidada para ser professora no Curso de Comunicação Social
das Faculdades Integradas do Triângulo – que depois viria a se transformar no
90
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Centro Universitário do Triângulo; mas manteve também as atividades na TV
Universitária tanto na produção quanto na apresentação de programas.
Em 1998 assumiu a Coordenação do Curso de Comunicação Social – habilitação Jornalismo, do Centro Universitário do Triângulo, em Uberlândia,
Minas Gerais.
Em 2006 assume a função de Professora Adjunta do Curso de Comunicação
Social com Habilitação em Jornalismo da Universidade Federal de Goiás. No
mesmo ano, assumiu a função de Professora Efetiva do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Goiás.
Como produtora incansável, possui em seu currículo dezenas de artigos
completos publicados em Periódicos; capítulos de livros; trabalhos completos
ou resumos publicados em anais de Congresso; apresentações de trabalhos em
eventos; Produção de vários programas de rádio e atuação como palestrante e
ministrante de cursos de curta duração.
Participação efetiva em Bancas de Qualificação ou Tese de Doutorado; Dissertação de Mestrado e Trabalhos de Conclusão de Curso de Graduação. Dezenas de participações em Bancas de avaliação de concursos públicos, projetos,
júri de exposições e comissões julgadoras para os mais diversos concursos culturais e acadêmicos.
Em seu currículo também estão registradas as participações em dezenas de
eventos acadêmicos no Brasil e em vários países do mundo.
Ana também é responsável pela orientação de vários trabalhos de Pós-graduação Stricto Sensu, Cursos de Especialização e Trabalhos de Conclusão de Curso
de Graduação.
Durante o Mestrado Ana teve uma produção intensa, mantendo uma ligação ampla com as Teorias da Comunicação e as Teorias do Jornalismo e procurando avançar nos conhecimentos destas áreas, sobretudo quando aplicadas ao
estudo da Televisão e do Telejornalismo.
Assim, investe em análises a partir de diferentes ângulos, deste a pesquisa
histórica com base marxista que marcou o seu trabalho de Mestrado, até a análise funcionalista que é a base do trabalho de doutorado. Em ambos os casos, o
elemento em comum é a visão crítica desta mídia e, sobretudo, da amplitude da
influência da televisão no Brasil e dos limites do telejornalismo.
Neste sentido, além do professor Marques de Melo, seu orientador, são autores influentes no seu trabalho Muniz Sodré e Ciro Marcondes Filho, além de
autores ligados a Escola Estruturalista Francesa e ao Interacionismo Simbólico.
Suas pesquisas são sempre marcadas pela busca de taxionomias da área de
Comunicação e do Jornalismo, pela conceituação teórica, pela própria conceituação do Jornalismo e pelas definições de aspectos básicos ligados a esta
Ana Carolina Temer: Uma Timoneira forte e
sensível que escuta as ondas e sente o vento!
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atividade – como a análise dos gêneros e formatos jornalísticos, sua estrutura
e formatação, e a própria definição de notícia, como elemento definidor do
caráter e da responsabilidade social do jornalismo. Neste percurso, vem buscando definir um modelo de análise dos processos da comunicação centrada na
análise dos gêneros a partir da sua construção simbólica como um tipo ideal,
em uma perspectiva de que os gêneros são elementos complexos inseridos em
um processo de organização e reorganização constante do processo midiático e
jornalístico. Essa busca envolve também entender diferentes modelos de jornalismo – como o Jornalismo de Serviço e o Jornalismo Diversional, e o próprio
uso e conceituação dos gêneros nos estudos sobre a Mídia. Este contexto de análise abriu espaço para um olhar sobre os programas televisivos que, não sendo
essencialmente jornalísticos, utilizam sua linguagem, formatos ou recursos – os
chamados produtos híbridos.
Trabalha com um grupo de Epistemologia da Comunicação, onde desenvolve trabalhos sobre a relação entre a Comunicação Mediada e o Jornalismo
e busca a fundamentação teórica para aprofundar o Estudo dos Gêneros como
ferramenta de análise da Mídia. É pesquisadora no Projeto de Pesquisa Casadinho/Procad entre a Universidade Federal de Goiás e a Universidade Federal
do Rio de Janeiro, onde está realizando Estágio de Pós-Doutorado na área de
Comunicação.
Este artigo versará, sobretudo, sobre as ideias dos cinco livros de autoria,
coautoria ou organizados por Ana Carolina, quais sejam:
1) TEMER, Ana Carolina Rocha Pessoa. Notícias & Serviços nos telejornais
da Rede Globo. Rio de Janeiro: Sotese, 2002.
2) TEMER, Ana Carolina Rocha Pessoa e NERY, Vanda Cunha Albieri. Para
entender as Teorias da Comunicação. Uberlândia: Edufu – Editora da
Universidade Federal de Uberlândia, 2009.
3) TEMER, Ana Carolina Rocha Pessoa e TONDATO, Márcia Perencin. A
televisão em busca da interatividade: uma análise dos gêneros não ficcionais. Brasília: Casa das Musas, 2009.
4) TEMER, Ana Carolina Rocha Pessoa (Organizadora). Mídia, Cidadania e
Poder. Goiânia: Facomb/UFG/Funape, 2011.
5) TEMER, Ana Carolina Rocha Pessoa; TONDATO, Márcia Perencin e
TUZZO, Simone Antoniaci. Mulheres do Sol e da Lua: A televisão e a
mulher no trabalho. Goiânia: Ed. Da PUC Goiás, 2012.
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Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
1. Telejornalismo brasileiro no início do século XXI2
A história do telejornalismo brasileiro começou em 1950. Um dia após Assis
Chateaubriand inaugurar a primeira emissora de televisão no país, o primeiro
telejornal “Imagens do Dia” foi ao ar, em 19 de setembro através das irradiações da PRF-3-TV-TUPI de São Paulo. Apresentado por Ruy Resende e Paulo
Salomão, “Imagens do Dia” tinha perfil bastante distinto dos telejornais da atualidade. As notícias eram, em sua maioria, apenas lidas ao vivo pelos apresentadores, com a transmissão de poucos filmes. O estilo radiofônico de apresentar
os principais fatos do dia foi uma das características dos primeiros telejornais
brasileiros.
Meio século depois, o jornalismo de televisão pouco se assemelha a “Imagens
do Dia”. A modernização dos equipamentos de captação, de edição e de reprodução de imagens permitiu a dinamização do trabalho jornalístico. O processo
de produção das notícias passa por uma série de etapas até ser transmitido aos
telespectadores. Da pauta ao produto final, o trabalho envolve muitos profissionais. É neste contexto que se insere a obra de Ana Carolina Temer, intitulada
“Notícias e serviços: nos telejornais da Rede Globo”, resultado de sua pesquisa
de doutorado na Universidade Metodista de S. Paulo sob a orientação de José
Marques de Melo.
Com a proposta de analisar o telejornalismo veiculado nacionalmente por
uma das maiores emissoras de televisão brasileira, a Rede Globo, a autora apresenta-nos um trabalho de fôlego sobre especificidades das notícias transmitidas
para os milhares de lares brasileiros por quatro telejornais– Bom Dia Brasil,
Jornal Hoje, Jornal Nacional e Jornal da Globo – veiculados nacionalmente em
quatro horários distintos no ano 2000.
Segundo Temer, o trabalho objetiva entender o telejornalismo brasileiro e,
em especial, o telejornalismo da Rede Globo de Televisão, cuja importância
pode ser observada a partir de fatores históricos, sociais e econômicos, que levaram a televisão de sinal aberto brasileira a desenvolver um padrão de qualidade
comparável ao de países do primeiro mundo, representando ao mesmo tempo
a condição de única via de acesso às notícias e ao entretenimento para grande
parte da população.
2.
Resenha do livro: Notícias e Serviços nos telejornais da Rede Globo, escrita por Mônica Rodrigues Nunes. Doutora em Comunicação pela Universidade Metodista de São
Paulo. Professora da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: monicanunes_br@
yahoo.com.br
Ana Carolina Temer: Uma Timoneira forte e
sensível que escuta as ondas e sente o vento!
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A autora se norteia na análise das notícias, matérias “de serviço” e de “interesse humano”, buscando determinar os critérios que orientam a elaboração das
pautas e os fatores que determinam o formato final dos telejornais.
Para isso, faz uso de grande arcabouço teórico e metodológico para apresentar ao leitor uma análise minuciosa do que foi noticiado pelos quatro telejornais
durante duas semanas consecutivas de transmissão – de 24 de julho a cinco de
agosto de 2000 – contabilizando 44 edições: 10 do Bom Dia Brasil, 12 do Jornal
Hoje, 12 do Jornal Nacional e 10 do Jornal da Globo. A amostra contabilizou
898 matérias que foram classificadas por categorias, gêneros, origem, assunto e
tipologia proposta.
Para entender que tipo de matéria ocupa o espaço dos telejornais, Temer
acompanhou, durante uma semana na Central Globo de Jornalismo de São
Paulo, o processo de seleção do material jornalístico, ou seja, a rotina de produção de dois dos telejornais analisados – Jornal Hoje e Jornal da Globo. A descrição desta observação, além de apontar o movimento de tomada de decisão
do que foi ao ar naquele período, também descreve as funções desempenhadas
pelos profissionais envolvidos na produção dos telejornais, as fases de construção das notícias até a transmissão.
Com objetivo de analisar comparativamente os telejornais estudados, a autora realizou análise de conteúdo do material: quantitativa e qualitativa. Na primeira, foram destacados a periodicidade, a repetição dos tipos, dos assuntos, dos
formatos e de abordagens. Na segunda, apontada as diferenças e as semelhanças
dos conteúdos das mensagens, buscando entender a intenção do discurso, as
contradições e as falhas na elaboração dos produtos jornalísticos.
A análise de conteúdo identificou, entre outros, os assuntos e os gêneros e
formatos predominantes em cada telejornal; a relação informação/opinião, o
tempo médio de cada formato. Como exemplo, a ausência de opinião no Jornal
Hoje e o uso deste gênero no Bom Dia Brasil com a apresentação de comentários, sobretudo, para notícias sobre economia. O estudo dos telejornais também
possibilitou traçar o perfil editorial, apontar características específicas como linguagem e identidade visual de cada um deles.
Outro ponto relevante da obra refere-se ao capítulo que situa historicamente
o objeto estudado: telejornalismo brasileiro, Rede Globo e seus telejornais. O
texto busca detalhar etapas do desenvolvimento da televisão aberta brasileira,
vista por muitos como o principal veículo de informação.
Ao finalizar o trabalho a autora faz uma reflexão sobre o trabalho desenvolvido nos telejornais transmitidos nacionalmente pela Rede Globo. Para Temer, os
produtos veiculados são prisioneiros de seu tempo, em uma busca que envolve
ineditismo e imediatismo, procurando transmitir a ideia de que o noticiário
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Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
mostra a história em movimento no mesmo momento em que acontece. “Assim
torna-se prisioneiro do tempo em um duplo sentido: prisioneiro de sua capacidade de produção, limitada pelo relógio e pela disponibilidade de recursos e é
prisioneiro do tempo em função da pouca disponibilidade de reflexão” (p.261).
A valorização do factual é outro ponto analisado por Temer. A busca pela rapidez na divulgação da informação e o pequeno espaço para análise e discussão
do que é veiculado não contribui na construção dos sentidos do acontecimento
social. Neste sentido, a autora afirma que o telejornalismo da Rede Globo não
encontra condições para priorizar as funções sociais da comunicação. Enquanto
jornalismo está, ao mesmo tempo, entre o retrocesso e a vanguarda, entre o
medo de ser ultrapassado e a obrigação de ser o mais rápido, entre a necessidade
da ação e o medo da reflexão.
Uma década após a publicação desta obra, o modelo e o processo de produção dos telejornais, praticado nas emissoras brasileiras, já sofreu alterações. Um
exemplo é o uso frequente de recursos como a internet, servindo como ferramenta para publicar complementos do que foi noticiado, espaço para publicação de materiais inéditos e ferramenta de interatividade com telespectadores.
Entretanto, isso não diminui o valor e a importância de “Notícias e Serviços”,
por se tratar de um espelho da realidade da produção de notícias, realizada pela
Rede Globo, através dos seus telejornais veiculados nacionalmente, no início
deste século.
2. Para entender as Teorias da Comunicação3
Para entender as Teorias da Comunicação é uma obra valiosa para estudantes, pesquisadores e interessados em compreender o caminho teórico das
Teorias da Comunicação. O livro, que se propõe a auxiliar os iniciantes nesta
área com aspectos introdutórios sobre o estudo da comunicação, apresenta as
diferenças entre comunicação e comunicação de massa, as pesquisas em comunicação e as discussões sobre o campo da comunicação para, daí, agrupar em
sete paradigmas os estudos da área. Ao final da leitura agradável e envolvente,
rica em exemplos e com clara preocupação em tornar a compreensão fácil, o
3.
Resenha do livro: Para entender as teorias da comunicação, escrita por Jullena Santos
de Alencar Normando. Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Goiás.
Coordenadora dos cursos de Publicidade e Propaganda e Jornalismo da Faculdade Sul-Americana (FASAM), em Goiânia. E-mail: [email protected]
Ana Carolina Temer: Uma Timoneira forte e
sensível que escuta as ondas e sente o vento!
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leitor terá tido contato com as principais correntes, autores e ideias. Esta obra é,
sem dúvidas, um tesouro.
No contexto atual, em que o acesso às informações é uma das características
marcantes do nosso tempo. Pensar, então, sobre a capacidade de transmitir informações e nas consequências da interferência dos meios de comunicação de
massa é essencial para compreender nossa época. Esta é uma tarefa complexa,
que pressupõe referências, parâmetros, paradigmas e teorias que se proponham
a compreender o alcance, a penetração, as influências e limitações dos meios de
comunicação.
Para tentar esclarecer os aspectos que envolvem as interações mediadas aparecem os estudos sobre a Comunicação de Massa que buscam decifrar, ou, pelo
menos, explicar, as relações sociais, técnicas e tecnológicas que esses meios estabelecem na sociedade. Nesse cenário surgem os estudos que, mais tarde, serão
chamados de “Teoria da Comunicação”.
Em meados do século XX, com o advento e popularização dos meios de comunicação, aparecem as primeiras pesquisas que centram sua atenção nos meios
de comunicação. Pelas características específicas deste objeto, os estudos não se
caracterizam como um conjunto homogêneo. Pelo contrário, as pesquisas e teorias vão se tornar cada vez mais diversas na medida em que os estudos avançam.
O propósito da obra de Temer e Nery (2009) é reunir os conceitos mais
utilizados nos estudos sobre comunicação considerando a literatura sobre Teoria
da Comunicação no Brasil. As autoras esclarecem que a teoria não se opõe à
prática, antes, ela a reflete, pensa e discute. “Teoria e prática complementam-se,
alimentam-se mutuamente, são dependentes entre si” (p. 11). Assim, enfatizam
que jornalismo, publicidade, relações públicas, radicalismo e outras habilitações
da Comunicação Social não são comunicação em si, mas atividades práticas
que partem dos conhecimentos e instrumentos desenvolvidos pelos estudos em
comunicação.
A Comunicação é entendida com um processo que envolve interação, ação
comum, manipulação de ideias e necessidade social. Nesse sentido, consideram
que foi por meio da comunicação que o ser humano se desenvolveu, estabelecendo relações sociais, comerciais, atribuindo significados e valores a si mesmos
e aos objetos ao seu redor. Assim, qualquer indivíduo inserido em um processo
social “está em comunicação” (p.14).
Vários são os conceitos possíveis para a comunicação e, para avançar nesta questão, as autoras destacam a diferença entre informação e comunicação.
Informação envolveria o processo de envio de mensagem se a obrigatoriedade
de retorno, ao passo que a comunicação seria um processo bilateral, que envolva alguém que emitiu a ideia e outro alguém que compreendeu o que foi
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Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
emitido. A informação seria, portanto, a matéria-prima da comunicação. E a
comunicação seria partilhar, tornar comum, uma relação de reciprocidade entre
os envolvidos.
Outra distinção relevante é feita entre os conceitos de comunicação social
e meios de comunicação. O primeiro seria o campo de estudos, já os meios de
comunicação os veículos e empresas que atuam na transmissão de conteúdos e
informações para grandes números de indivíduos.
Pensar a comunicação pode ser uma forma de analisar a evolução do ser humano. O uso da língua permitiu aos nossos antepassados a evolução da situação
pré-humana para a condição humana. Assim, a capacidade da sociedade comunicar-se também evolui. Desde o período pré-histórico, passando pela Grécia
antiga, pelo Renascimento e a Reforma Protestante, a comunicação e o uso da
linguagem possibilitaram grande impacto em várias áreas do conhecimento e
desenvolvimento humano.
A necessidade de refletir sobre a comunicação é notada a partir do século
XVIII, quando a tentativa de distinguir entre informar, persuadir e entreter
mostrou-se ser uma tarefa complexa. Com o desenvolvimento das tecnologias
da comunicação, novos desafios apareceram para os estudiosos da área que, por
vezes, aceitam definir os estudos sobre comunicação como “o estudo sistemático
de todos os meios, formas de informação ou comunicação socialmente desenvolvidas” (p. 23).
Os avanços tecnológicos da era capitalista (a prensa mecânica e o telégrafo)
alteraram a forma e a velocidade com as quais as informações poderiam circular. Essas mudanças culminaram no surgimento da sociologia e do pensamento
positivista e os conceitos de sociedade de massa que servem de subsídios para a
análise dos meios de comunicação.
As autoras traçam a linha do tempo dos estudos da comunicação desde o
início do século XVII apresentando as principais mudanças sociais e os pensamentos dos autores em cada época.
A discussão sobre o campo de pesquisa em comunicação mobiliza pesquisadores na tentativa de compreender a ação da comunicação, a ação profissional e
as consequências dos conteúdos na sociedade. A partir das experiências dos pesquisadores e do contexto em que os estudos são desenvolvidos aparecem abordagens diferenciadas. Escolas, linhas de pensamento e saberes diversos caracterizam
os estudos em comunicação: uma área heterogênea em que estudos evoluem e os
conceitos “mudam” de uma escola ou linha de pensamento para outra.
Para explicar o universo amplo e complexo que envolve os estudos em comunicação, as autoras apresentam os sete paradigmas mais abordados quando se
trata de compreender as teorias da comunicação: o Funcionalista Pragmático, o
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Matemático Informacional, o Crítico Radical, o Culturológico, o Midiológico
Tecnológico, o Linguístico Semiológico e o Conflitual Dialético.
O primeiro deles, o Funcionalista Pragmático baseia-se no positivismo,
valoriza as pesquisas administrativas e empiristas e propõe um paralelo entre
o corpo social e o corpo humano que busca entender a sociedade a partir das
trocas e relações sociais. É nesse paradigma que encontramos os pensadores da
Escola de Chicago e da Escola Americana Positivista. Os primeiros lançam
as bases do Interacionismo Simbólico, perspectiva que compreende a sociedade
como constituída simbolicamente pela comunicação. Nesse sentido, as pessoas
se relacionariam por meio de símbolos e os símbolos estruturariam, portanto, o
processo de comunicação. Os segundos preocupam-se com os efeitos e resultados dos meios de comunicação surgidos no século XX. Fazem parte desta Escola
os pesquisadores Paul Lazersfeld, Kurt Lewin e Harold Lasswell que participaram das chamadas três fases da Escola Americana: a Pesquisa em Comunicação
de Massa, centrada em pesquisas comerciais que buscavam soluções práticas
para os produtores dos veículos de comunicação; a Corrente Funcionalista
preocupada com a comunicação dentro do processo social e os Estudos de Efeitos de Longo Prazo que se centrava nas consequências das práticas profissionais
no conteúdo das informações e com a influência dos meios de comunicação.
Estão nesse paradigma as Teorias das Influências Seletivas que, a partir
das experiências empíricas sobre os meios de comunicação de massa, questiona
a validade da Teoria Hipodérmica; A Abordagem Sistêmica que vinculava a
noção de conjunto social ao sistema orgânico considerando uma constante interação entre as partes; O Funcionalismo que traz para a discussão o conceito
de função a partir da análise dos processos sociais como sistema que trabalha
para manter o funcionamento da sociedade; A Hipótese do Uso e das Gratificações, decorrente da teoria funcionalista, considera que a adoção de um modelo de conduta ou de uma atitude é resultado de alguma gratificação, alguma
recompensa ou experiência agradável e a Escola de Palo Alto que entendia a
comunicação como processo permanente que integra comportamentos verbais
e não verbais num conjunto integrado.
O segundo paradigma, o Matemático Informacional, valorizava as pesquisas
matemáticas e as experiências laboratoriais. Era uma tentativa dos profissionais
das ciências exatas de compreender e agilizar os processos de trocas de informações. Assim, o foco era reduzir o processo comunicativo a sentenças matemáticas e não valorizar as consequências desse processo. Compõem esse paradigma a
Teoria da Informação, de Claude Elwool Shannon e Warren Weaver e a teoria
Cibernética, de Norbert Wiener. A primeira entende a comunicação como esquema linear em que sempre existe uma fonte que produz a mensagem, um
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Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
codificador que converte a mensagem em sinal, um canal por onde o sinal passa
até chegar ao receptor, ou decodificador que converte o sinal em mensagem que
pode ser compreendida pelo destinatário. Já a Cibernética trabalha a ideia de
uma sociedade futura baseada na informação. Nessa sociedade, é fundamental
que não haja barreiras para que a informação possa circular de forma livre.
Assim, ela é, por definição, “incompatível com controle, com censura, com
desigualdades de acesso à informação” (p.83).
O Paradigma Crítico Radical, terceiro na exposição das autoras, liga-se à
filosofia clássica alemã. Esta perspectiva aproxima a pesquisa sociológica e as
reflexões filosóficas sobre cultura, ética, psicologia e psicanálise freudiana de
modo a se opor às duas correntes anteriores. Figuram neste paradigma os pensadores da Escola de Frankfurt, importante marco nos trabalhos sobre os meios
de comunicação no contexto da crítica ao sistema capitalista; a Hipótese da
Espiral do Silêncio que descreve a questão das minorias silenciosas nas sociedades democráticas caracterizadas pela comunicação de massa e a Teoria da Ação
Comunicativa de Jürgen Habermas que considera que a razão comunicativa
seja uma forma de interação social em que “os planos de ação dos indivíduos são
coordenados pelo intercâmbio de atos comunicativos” (p. 96).
O Paradigma Culturológico, formado pela Escola Francesa, pela Escola
Britânica dos Estudos Culturais e pelas Indústrias de Conteúdo, parte de um
referencial teórico semelhante ao da Teoria Crítica ao se basear nos conceitos
neomarxistas de hegemonia. Também considera os estudos da antropologia cultural e da análise estrutural para compreender como os conteúdos da cultura
de massa interferem na vida social e doméstica das pessoas. A Escola Francesa
desenvolve seus estudos a partir da proposta de estudar as relações entre a sociedade global e as comunicações de massa, com a interferência dos meios de
comunicação nas estruturas sociais. Edgar Morin é importante teórico desse
grupo. O interesse dessa Escola é compreender a influência da Comunicação de
Massa na vida cultural e na estrutura social: “A cultura de massa é vista como a
cultura resultante ou a cultura possível de um mundo industrializado e marcado
pelo capital e pela produção industrial, que transforma a cultura em mercadoria” (p. 101). Assim, a comunicação é vista como uma indústria de conteúdos
em que a lógica preponderante é a lógica do capital, numa perspectiva menos
radical do que a da corrente anterior. Nesse sentido, comunicar “não serve só
para comunicar” (p. 104), a comunicação passa a ser entendida como motor
das relações sociais que envolve a produção, o consumo, o intercâmbio e a reprodução. A Escola Britânica dos Estudos Culturais percebe as mudanças na
visão de cultura e considera a comunicação de massa como capaz de reiterar
valores ideológicos da cultura hegemônica, no entanto, constata que os meios
Ana Carolina Temer: Uma Timoneira forte e
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de comunicação não têm poder de manipular e provocar mudanças radicais no
comportamento do receptor. Os grupos minoritários entram em foco quando se
busca compreender a capacidade de ação e reação dos grupos sociais, inclusive
no ambiente doméstico.
O quinto paradigma apresentado pelas autoras é o Paradigma Midiológico
Tecnológico que engloba os estudos de McLuhan e a Escola Canadense e os
estudos sobre o Ciberespaço e as Novas Formas de Sociabilidade. A Escola Canadense, marcada pelos conceitos de Marshall McLuhan, partia do princípio
de que as transformações tecnológicas são a principal força de transformação
social. A Escola entende que “as sociedades humanas são moldadas pelos meios
através dos quais se comunicam” (p.114) e faz uma releitura histórica a partir
dos impactos gerados pelas tecnologias na percepção do mundo. Os avanços
tecnológicos e a popularização da Internet motivaram estudos sobre o Ciberespaço e as Novas Formas de Sociabilidade. As novas tecnologias permitem,
hoje, novas formas de interação, novos comportamentos e novos processos de
sociabilidade. Partindo do pressuposto de que novas possibilidades de comunicação marcam o fim da modernidade e iniciam uma nova “era digital” marcada
pelas tecnologias de comunicação que definem o ciberespaço como, não apenas
um espaço da convergência de todos os meios de comunicação, mas “um mundo cujos valores se aproximam mais do imaginário, da ludicidade e do sonho”
(p.119). Pensadores como Pierre Levy, Alvin Toffler, Daniel Bell e Edward Shils,
mesmo com abordagens diferentes, contribuem para os estudos desta corrente
de pensamento. Com foco nas vivências sociais – e virtuais – aparecem os estudos de Mafessoli, para quem as novas formas da mídia e suas representações
“são um ‘fenômeno extremo’” (p.120). Guy Debord aponta para uma sociedade
configurada a partir das representações definidas considerando os interesses do
sensacionalismo e do espetáculo. Outros autores preocupam-se com a saturação
das informações nas sociedades marcadas pela industrialização e pela comunicação de massa que acabam por gerar “consequências como o hedonismo e o
consumismo” (p. 122).
O Paradigma Linguístico Semiótico parte das teorias do estudo da mensagem e do uso da língua e dos signos. Nesta perspectiva, a vida humana seria uma
constante elaboração e reelaboração de signos. O início da Linguística Estrutural se deu com Ferdinand Saussure que postulou uma ciência geral dos signos.
De maneira clara e detalhada as autoras apresentam a separação entre língua
e fala; significante e significado; o processo de significação, as diferenças entre
paradigma e sintagma e os conceitos de denotação e conotação até chegar à Semiótica. A ciência dos signos de Charles Sanders Peirce é detalhadamente apresentada como a ciência de todas as linguagens na medida em que compreende
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Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
o signo em sentido amplo. Os ramos da semiótica (a gramática especulativa, a
lógica crítica e a retórica crítica) são apresentados evidenciando as diferenças nos
objetivos dos estudos de cada um. Além dessa distinção, elas discorrem sobre
o conceito de signo; a tríade: signo – objeto – interpretante; o objeto, o interpretante e a divisão do signo; o processo de semiose, a classificação dos signos
(ícone, índice e símbolo) e o nível do signo. Terminam essa parte explicando os
modelos comunicativos, em referência à Umberto Eco e Paolo Fabbri: o modelo
Semiótico-Informacional e o modelo Semiótico-Textual.
O último paradigma apresentado pressupõe que os donos dos meios de
produção mantém o controle (direto ou indireto) dos meios de produção e
difusão de informação. Com base marxista, o Conflitual Dialético abrange a
Escola Latino Americana e os estudos em Folkcomunicação. O pensamento comunicacional na América Latina iniciou-se a partir de pesquisas isoladas,
geralmente ligadas às outras áreas das ciências sociais. As autoras destacam a
dependência cultural que marcaram o desenvolvimento dos estudos e descrevem a origem do Centro Internacional de Estudos Superiores de Comunicação para a América Latina – o Ciespal, com sede Equador e de outros órgãos
de pesquisa em comunicação. Os estudos preocupavam-se com os fluxos de
informação, o imperialismo cultural (dos países ditos desenvolvidos) e com a
adequação e o desenvolvimento de metodologias de pesquisa adequadas para a
realidade na América Latina. Esta é uma Escola marcada pela “mestiçagem” (p.
168) em que se destacam autores como Luiz Ramiro Beltrán, Eliseo Verón, Antônio Pasqualli, Armand Mattelart, Paulo Freire e José Marques de Melo. Esses
pensadores, de maneira geral, “trabalham a partir de uma crítica às teorias da
opinião pública, visto como um discurso de classe hegemônica e uma estratégia
para manter o consenso” (p.170). A Folkcomunicação é considerada a primeira
teoria brasileira da comunicação. Criada por Luiz Beltrão na década de 1960,
ela busca analisar os impactos midiáticos nas manifestações culturais das classes subalternas. Por definição, entende-se a folkcomunicação como “processo
de intercâmbio de informações e manifestações, opiniões, ideias e atitudes de
massa por meio de agentes e meios ligados direta ou indiretamente, ao folclore”
(BELTRÃO apud TEMER e NERY, p. 172). Os estudos nessa área se destacam
pela característica mediadora entre a cultura popular e a cultura de massa, com
ênfase nos fluxos bidirecionais e nos processos de sedimentação simbólica.
Ao final desse rico percurso teórico, as autoras ponderam que “compreender a comunicação de massa está sujeito a leis que ao mesmo tempo derivam e
exprimem a sua natureza única” (p. 177) e que em uma época de avanços tecnológicos marcam as relações sociais, é certo que novos debates e desafios serão
lançados aos pesquisadores em comunicação. Nesse sentido, é importante olhar
Ana Carolina Temer: Uma Timoneira forte e
sensível que escuta as ondas e sente o vento!
101
em retrospectiva para perceber o caminho por onde passamos e tentar vislumbrar possibilidades na compreensão da comunicação de massa.
3. Além do Controle Remoto: uma tela quase interativa4
A televisão é ao mesmo tempo um aparelho eletroeletrônico, um poderoso meio de comunicação além do canal criador de um gênero jornalístico de
destaque no mundo. A televisão é um aparelho que vem sendo aperfeiçoado
sistematicamente ao longo dos anos. Da velha TV da marca Colorado que exibia imagem em preto e branco após três ou quatro minutos após ser ligada,
quando finalmente surgia um ponto luminoso no meio do tubo de imagem até
as modernas TVs de LED dos dias atuais foram mudanças inimagináveis. Este
aparelho vem sendo reinventado pelos inúmeros avanços tecnológicos. Desde
2012, por exemplo, a Smart TV da Samsung oferece um moderno sistema com
comando de voz e sensor de movimento para as mãos. Novidades desenvolvidas
em outras áreas, como os games, que vêm sendo incorporadas aos novos conceitos de mega TVs. Se a interatividade é ainda uma possibilidade remota para
os telespectadores brasileiros da TV aberta ou fechada, as inovações da técnica
vão de certa forma tentando compensar esta dificuldade, ou criando quase uma
espécie de meta utópica, dos veículos de comunicação televisiva do Brasil. O
público é envolto num discurso ideológico ladeado pelos fascinantes recursos
de imagem e som, a alta definição, a beleza retratada em diversos aspectos, os
efeitos de edição, as trilhas sonoras, a iluminação entre outros mecanismos explorados neste poderoso instrumento.
O aparelho se modernizou e o veículo de comunicação também. A televisão,
desde a sua chegada ao Brasil, em setembro de 1950, com a inauguração do
primeiro canal de televisão no país, quando Assis Chateaubriand fundou a TV
Tupi em São Paulo, sofreu radicais transformações. Em março de 1985, o Brasil
começa a operar com o seu primeiro satélite, o Brasil-Sat. A primeira TV por
assinatura no Brasil surgiu em 1990 nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.
A TV Digital no Brasil teve início no dia 2 de dezembro de 2007, inicialmente
na cidade de São Paulo, pelo padrão SBTVD (Sistema Brasileiro de Televisão
4.
102
Resenha do livro: A televisão em busca da interatividade: uma análise dos gêneros não
ficcionais, escrita por Cládio Marcos, Radialista e Jornalista, mestrando em Comunicação pela Universidade de Brasília (UNB) pela linha Jornalismo e Sociedade. E-mail:
[email protected]
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Digital), um dos mais completos e avançados do mundo. Não bastasse, a Rede
Globo de Televisão e NHK do Japão iniciaram em 2013 testes com a nova tecnologia de televisão batizada de Ultra HD. Os técnicos brasileiros e japoneses
gravaram desfiles das escolas de samba durante o carnaval do Rio de Janeiro no
padrão 8K. A revolução em qualidade de transmissão televisiva traz agora um
novo sistema que capta imagens 16 vezes mais nítidas que as atuais.
Uma verdadeira revolução em imagens e percepção dos telespectadores com
aparelhos com telas cada vez maiores, o que aguça ainda mais o fascínio do público. Como gênero jornalístico a televisão também vem explorando diversas potencialidades da notícia produzida especialmente com os recursos audiovisuais. Na
definição de Temer e Tondato: “gênero são categorias a partir das quais podemos
agrupar trabalhos semelhantes, que refletem um momento da sociedade, auxiliando a produção e leitura desses trabalhos” (TEMER; TONDATO, 2009, p. 29).
A partir da categoria telejornalismo podemos definir várias subcategorias
como: o Telejornal, o Documentário, as séries de Reportagens Especiais, a Entrevista, os Programa de Debates ou mesmo o Talk-show. Em todas elas o jornalismo está presente atendendo as exigências de cada formato e a linha editorial
de cada emissora, seja pública ou privada. Outras subcategorias são menos frequentes, mas, não menos importantes como é o caso do plantão ou ainda das
famosas retrospectivas de fim de ano. Além da categoria “Informação” podemos
enumerar “Educação”, “Publicidade” e “Entretenimento”, entre outras como as
principais em destaque atualmente na programação das emissoras brasileiras.
Mas divertir o público tem merecido uma atenção especial das grandes emissoras do país e sobretudo, despertado o interesse dos pesquisadores brasileiros nas
últimas décadas.
Programas voltados para o entretenimento como o Big Brother Brasil e outros formatos deste fascinante veículo são o tema do livro “A Televisão em busca da interatividade: uma análise dos gêneros não ficcionais” das professoras
da Universidade Federal de Goiás Ana Carolina Pessoa Temer e Márcia Perencin
Tondato.
O livro de 184 páginas sobre “Os novos tubos de iconoscópios” é dividido
em três partes. Na primeira delas, as autoras situam o leitor quanto o conceito
de gênero, categorias e formatos com destaque para os Gêneros não ficcionais.
Há uma infinidade tão grande de gêneros televisivos atualmente que o desafio
para as empresas de comunicação é permanente e cada vez maior. A conquista de
grandes índices de audiência torna-se uma via de mão-dupla: quanto mais tempo
o telespectador passa em frente à televisão, mais exigente ele se torna. A partir de
uma contextualização histórica as autoras mostram que a televisão é sinônimo de
modernidade em todo o mundo. A partir do fim da Segunda Guerra Mundial os
Ana Carolina Temer: Uma Timoneira forte e
sensível que escuta as ondas e sente o vento!
103
Estados Unidos redirecionam parte da sua produção industrial para os eletroeletrônicos impulsionando seu crescimento nos quatro cantos do planeta.
Temer e Tondato aprofundam a discussão e afirmam que a televisão, enquanto meio de comunicação, transforma a lógica da realidade onde os acontecimentos já não têm mais necessidade de existir porque as imagens existem sem
eles. A constante dramatização e a intencional confusão entre o que é real e o
que é ficcional funciona como uma “estratégia para conquistar e manter cativa
a audiência”. Elas destacam este processo como uma tentativa de minimizar a
“necessidade dos receptores de preencher suas vidas com mais emoção e mais
encantamento”. A interação face a face se torna uma prática cada vez mais escassa na sociedade atual como sinalizou John B. Thompson (2004)5.
De acordo com as autoras, com a limitação da interatividade surge o que
elas vão conceituar como “interatividade simulada”. Produtos em que há uma
preponderância da função fática em que se forja uma pretensa ligação emissor-receptor que induz o público a uma noção de conversa, quando na verdade sabemos que se trata de uma comunicação unilateral. Para reforçar esta atmosfera,
a televisão se utiliza de uma série de recursos comunicacionais como o formato
de diálogos, perguntas ou ainda consultas simuladas ao público. A meta é conquistar e manter a audiência.
Nesse sentido, as autoras também dedicam uma atenção especial para a
construção da Rede Globo como uma emissora campeã de audiência além da
influência do gênero ficcional telenovela na programação da TV brasileira. Este
último formato, merece atenção especial com uma contextualização histórica
da Telenovela no Brasil, a apropriação de formatos e a gigantesca popularidade
do gênero no país. O entretenimento vai conquistando seu espaço, abrindo caminho para os brothers que virão anos mais tarde. Os programas televisivos que
buscavam a participação do público via ligação telefônica – a exemplo dos que
ocorria nas emissoras de rádio –, como No Limite, Você Decide, Intercine e Linha
Direta (TV Globo), O Aprendiz (TV Record) foram uma espécie de teste para
o público até que finalmente o modelo de reality show fosse importado para a
programação brasileira. Big Brother Brasil, mais tarde chamado apenas de Big
Brother ou simplesmente pela sigla BBB, se tornou um fenômeno de audiência
e faturamento publicitário no país.
Na segunda parte as autoras discutem os programas de auditório, fazem um
retrospecto da evolução da televisão no Brasil, que desde a década de 1980, ado-
5.
104
Ideia retirada do livro “A Mídia e a Modernidade: Uma Teoria Social da Mídia”, 6ª
Edição, John B. Thompson (2004).
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
tou a política de importar programas e formatos de programas. Nesta análise, o
foco central é o programa Big Brother além de outros formatos de não ficção na
programação atual da TV aberta no Brasil. Sobre este reality, as autoras destacam que “assim como nas telenovelas e nas séries, este programa híbrido é eficaz
porque representa situações humanas elementares, como o amor, a raiva, o ódio,
o ciúme, a paixão, só para citar o campo amoroso”. (Ibid., p. 24).
Aliás, programas importados na TV brasileira não são uma novidade. O
registro deste cenário está também na música através do rock nacional. Como
diria o cantor e compositor Renato Russo: “Nos empurraram com os enlatados.
Dos U.S.A., de nove as seis”6.
Temer e Tondato procuram com um olhar crítico e analítico sobre o reality show Big Brother Brasil onde um grupo de pessoas estranhas se prestam a
enfrentar diante das câmeras, em tese, 24 horas por dia, os desafios de relacionamento e as competições do programa em busca do prêmio milionário em
dinheiro em que apenas um sai vencedor. Também no foco da análise estão
outros formatos da TV brasileira como os programas não ficcionais como o
Linha Direta em que a narrativa de crimes reais ganhava novos contornos a
partir de uma superprodução de relatos roteirizados. O programa jornalístico,
de prestação de serviço e entretenimento Mais Você. Até um modelo único,
criado pela própria Rede Globo como forma de autopromoção e valorização
do seu cast de estrelas de primeira grandeza com a reprise se trechos de programas, falhas de gravação e entrevistas de bastidores, o chamado metalinguístico
Vídeo Show. Os programas voltados ao público feminino também são analisados neste livro.
A partir de uma abordagem centrada em embasamentos teóricos consistentes as pesquisadoras buscam respostas para diversos pontos de questionamento
como a proliferação sistemática de inúmeros gêneros de entretenimento na televisão brasileira. O livro destaca também que a falta de conteúdo, para atender
o telespectador cada vez mais exigente, é um problema recorrente das emissoras
brasileiras. Para as autoras, “esta falta de conteúdo promoveria então a busca de
conteúdos na forma mais pura da cotidianidade, e, já que os relatos estão vazios,
6.
Na música “Geração Coca-Cola” da banda Legião Urbana, sucesso dos anos 80, o
compositor Renato Russo fazia a crítica ao número excessivo de produções americanas
dubladas e reproduzidas integralmente na programação nacional: “Quando nascemos
fomos programados. A receber o que vocês. Nos empurraram com os enlatados. Dos U.S.A.,
de nove as seis”. Esta estrofe final fazia alusão ao horário predominante destes programas
exibidos na TV brasileira naquele período.
Ana Carolina Temer: Uma Timoneira forte e
sensível que escuta as ondas e sente o vento!
105
uma vez que vivemos uma condição cada vez maior de segmentação das experiências, exige-se uma superexposição das situações, possibilitada por dezenas
de mini câmeras espalhadas pelas casas dos realities, deslocamento de equipes
móveis para acompanhamento dos grupos competidores pelas ruas das grandes
metrópoles, cenário dos acontecimentos divulgados/veiculados” (Ibid., p. 83).
Até mesmo as transmissões esportivas são destaque nesta obra. Para Temer
e Tondato, “mas como não poderia deixar de ser, é nos aspectos visuais que
a transmissão dos jogos de futebol faz uso dos recursos mais sofisticados da
televisão. É comum na maior parte das emissoras também a utilização de um
reforço visual na forma de legenda que informa o placar e o tempo decorrido do
jogo, além de dados complementares – como qual jogador vai substituir outro
– quando se torna necessário”. Na terceira e última parte, Temer e Tondato revelam, contudo seu otimismo quanto ao futuro da TV brasileira quando apontam
perspectivas para o futuro do veículo. “Neste contexto, o futuro aponta para a
continuação dos gêneros e formatos consagrados, entremeados pela repetição
exaustiva de modelos copiados ou adaptados, em ações em que predominam a
lei do mínimo esforço e máximo de público”. (Ibid., p. 166). Esse é um livro
fundamental para estudantes de comunicação, profissionais e demais estudiosos
que queiram aprofundar seus conhecimentos sobre a que há por trás e a partir
daquilo que é exibido na televisão brasileira. Além do controle remoto, podemos dizer que há uma tela quase interativa.
4. Mídia, Cidadania e Poder
“Mídia, Cidadania e Poder” é um livro organizado por Ana Carolina, que
também assina o capítulo “Os telejornais da Rede Globo e a posse presidencial”,
em especial numa referência às coberturas de posse dos presidentes Luiz Inácio
Lula da Silva e Dilma Rousseff.
Os seis capítulos que compõem a obra foram produzidos pelos professores da
Linha de Pesquisa Mídia e Cidadania do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Goiás – UFG, além de pesquisadores convidados, a fim de que fosse possível concretizar o objetivo de se fazer uma obra de múltiplos olhares sobre a relação entre a mídia, o poder e a construção da cidadania.
O fio condutor do livro é a comunicação, pois, ao se falar em mídia há que
se considerar a comunicação a partir dos meios eletroeletrônicos de transmissão
de informação, quais sejam, o jornalismo/imprensa, televisão, rádio, internet.
Contudo, o olhar multifacetado dos pesquisadores que, apesar de trabalharem
dentro de uma mesma relação de mídia e cidadania, desenvolvem pesquisas
106
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
independentes, faz com que essa obra seja um espaço de questionamentos, reflexões e possibilidades de compreensão desta relação.
O primeiro capítulo é produzido por Jairo Ferreira e Ana Paula da Rosa,
com o título “Midiatização e poder – A construção de imagens na circulação
intermidiática”, o artigo aborda as relações de poder no âmbito dos processos de
midiatização das imagens. A perspectiva hipotética adotada é de que a midiatização diz respeito à unificação e diferenciação dos mercados discursivos a partir
de três dimensões que se afetam mutuamente: processos comunicacionais, contextos sociais e dispositivos midiáticos. Para falar desta perspectiva, os autores
formularam uma pergunta central: quais são as relações de poder envolvidas
no processo de transformação das imagens em sínteses dos acontecimentos? O
artigo está estruturado em três partes, a midiatização como objeto; a construção
de imagens como uma problemática de poder; interferências sobre midiatização
e poder.
O segundo capítulo foi produzido por Magno Medeiros e se intitula: “Mídia e poder – Dinâmica conflituosa do sujeito-desejante”. Segundo o autor, o
capítulo busca reverter a situação de predomínio da emissão, resgatando o valor
e o ponto de vista do receptor-sujeito, sem isolá-lo de seu contexto psicossocial.
Nessa visão, a recepção deve ser entendida como um contraditório espaço
de trocas, onde o sujeito-receptor não pode mais ser considerado um indivíduo
passivo, como receptáculo vazio ou como vítima dos meios, em especial a televisão, mas ao contrário, deve ser encarado como um sujeito ativo do processo
de comunicação que interage, interpreta e reelabora informações e imagens. Enfim, um sujeito inserido profundamente num processo de comunicação, sempre
contraditório e complexo, cujo poder maior está circunscrito à dinâmica conflituosa do desejo.
O terceiro capítulo: “Mídia, cidadania e poder político” foi escrito pela pesquisadora Simone Antoniaci Tuzzo e é fruto de uma pesquisa realizada com os
dois principais jornais impressos da Cidade de Goiânia, Jornal Diário da Manhã
e Jornal O Popular, que teve como objetivo verificar a presença de notícias sobre
o Governador Eleito no Estado de Goiás – Marconi Perillo durante a sua campanha de primeiro e segundo turno nas eleições de 2010.
O objetivo foi a análise de formação da Opinião Pública a partir do trabalho
de imprensa e dos canais de comunicação, considerando que não há formação
da opinião pública sem informação. O capítulo apresenta, sobretudo, a estratégia de comunicação adotada pelo candidato Marconi Perillo dentro da análise
do tripé público, veículo e linguagem, com o uso exaustivo das mídias sociais
em complemento ao uso das mídias impressas e eletrônicas já consagradas como
TV, rádio e jornal impresso.
Ana Carolina Temer: Uma Timoneira forte e
sensível que escuta as ondas e sente o vento!
107
Luiz Signates foi o autor do quarto capítulo, intitulado “O poder simbólico e o conflito das liberdades”, que apresenta uma análise da situação de fala
do jornalista, nas condições de institucionalização sistêmica da comunicação.
Trata-se de um estudo sobre o jornalismo como um lugar de disputa do poder
e das consequências que isso traz para o conflito entre a liberdade de expressão
e a liberdade de imprensa.
Na visão do autor, a liberdade de imprensa não constitui apenas uma modalidade específica de liberdade de expressão. Ao contrário, apropriada pelos
interesses sistêmicos das empresas de comunicação, esta liberdade passou a ser
um privilégio, passível de ser utilizado a serviço dos propósitos empresariais na
área da comunicação, em suas relações com o Estado e a economia. E vai além,
colocando em questionamento até que ponto o jornalista não possui hoje menos
liberdade de expressão que o cidadão comum que dispõe de mecanismos como
as redes sociais para discorrer sobre fatos e opiniões e, muitas vezes, o jornalista
torna-se mais reprimido. Ou seja, o poder simbólico, mesmo que enraizado na
linguagem, no próprio modo de reprodução do mundo da vida, constitui operador de silenciamentos, na medida em que se institucionaliza sistematicamente.
Ana Carolina Temer é autora do quinto capítulo: “Os telejornais da Rede Globo e a Posse Presidencial”, que discorre sobre a negação do conflito e a espetacularização como estratégia discursiva. Ana faz um estudo sobre o telejornalismo
e a política no País a partir do olhar da televisão, numa relação entre a televisão
brasileira e a política nacional, ou mesmo a cobertura política via telejornalismo.
O texto traz um estudo aprofundado sobre o telejornalismo brasileiro, do
surgimento à implantação do que ela chama de Padrão Globo de informação,
num texto que trata desde a chegada da televisão ao Brasil, mapeando os principais telejornais desde a década de 1950, até os dias atuais, passando por transformações de liderança, concorrência, conflitos, e a forte relação entre o Estado
e a mídia. Um capítulo crítico e reflexivo, mas, sobretudo, histórico.
O sexto e último capítulo que compõe o livro foi escrito pela pesquisadora
Márcia Perencin Tondato e se intitula: “Identidades múltiplas – Meios de comunicação e a atribuição de sentido no âmbito do consumo”. No texto Márcia
afirma que vivemos em um tempo de identidade múltiplas, em um ambiente
dominado pela mídia, em que o próprio homem se transforma em mercadoria
como estratégia de inserção. Mas o que a autora pretende discutir é como essas
identidades são construídas e constituídas neste ambiente, lembrando que o
indivíduo é um receptor ativo, sujeito de suas escolhas.
A autora destaca a cidadania, afirmando que participar da sociedade midiática
e ser consumidor de bens e serviços transformam-se em atividades culturais, naturalizando demandas hegemônicas, inserindo o indivíduo-sujeito na cidadania.
108
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
O livro “Mídia, Cidadania e Poder”, por sua relevância, tornou-se obra integrante das leituras obrigatórias do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Goiás – UFG.
5. Mulheres, Gêneros e Televisão – Enfim juntos!
“Mulheres do Sol e da Lua – A televisão e a mulher no trabalho” foi um livro
escrito por Ana Carolina em parceria com as pesquisadoras Simone Tuzzo e
Márcia Tondato. A possibilidade de trabalhar com os temas: Mulheres, Gêneros
e Televisão faz dessa obra algo muito especial para a pesquisadora Ana Carolina
Temer. É como se, depois de várias publicações tudo tivesse um encaixe e as
ideias pudessem ser colocadas em uma obra só, desde seu trabalho com televisão, passando pelas teorias da comunicação, articulando os pensamentos com a
construção da cidadania e a interatividade.
O trabalho desenvolvido para o livro e para um vídeo documentário com
o mesmo título é resultado de um projeto de pesquisa realizado dentro da
linha de pesquisa Mídia e Cidadania do Programa de Pós Graduação em Comunicação da Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia da Universidade
Federal de Goiás com o apoio do CNPq, que foi inicialmente intitulado “Influências da mídia na inserção da mulher no mercado informal de trabalho:
mulher, cidadania e consumo”. A proposta deste estudo incluía aprofundar a
análise da influência da mídia na relação entre cidadania, mulher e trabalho,
tendo como foco principal perceber de que maneira e em que medida os
programas femininos – ou Revistas Femininas na Televisão – influenciam no
processo de inserção das mulheres sem formação acadêmica e/ou profissionalizante, no mercado de trabalho informal. A proposta desta pesquisa incluía
aprofundar a análise da influência da mídia na relação entre cidadania, mulher
e trabalho, tendo como método a Análise de Conteúdo, e os Estudos de recepção. Para essa pesquisa especificamente, o grupo de mulheres de interesse
foi identificado entre as proprietárias de bancas/barracas principalmente nas
Feiras da Lua e do Sol, mas também em outras feiras congêneres, que são espaços predominantemente femininos e já tradicionais na cidade de Goiânia.
Essas feiras atraem um grande número de consumidores, mas especialmente
mulheres – inclusive sacoleiras e revendedoras de diferentes produtos – que
afluem às Feiras da Lua, do Sol e outras feiras em busca de produtos com o
custo acessível principalmente em moda feminina, acessórios diversos, artesanato e produtos de alimentação tanto para consumo imediato quanto para
“levar para casa”.
Ana Carolina Temer: Uma Timoneira forte e
sensível que escuta as ondas e sente o vento!
109
A proposta central é identificar como alguns elementos presentes nos discursos dos chamados Programas Femininos – ou Revistas Femininas na Televisão,
veiculados em diferentes horários da televisão brasileira de sinal aberto, são utilizados pelas mulheres residentes em Goiânia, na área circunvizinha ou área de influência, para desenvolver atividades artesanais ou semi-industrializadas que permitam a sua inserção e sua permanência nas chamadas feiras (e, principalmente,
a Feira da Lua e do Sol) e outros espaços de comercialização, ou ainda, obter
informações que as ajudem a ingressar e/ou se manter no mercado de trabalho
informal, particularmente nos setores vinculados à culinária, moda e beleza.
A amplitude da pesquisa envolveu tanto aspectos quantitativos quanto qualitativos, mas sempre buscando compreender quais são as informações divulgadas
pela televisão de uma forma geral e pelas Revistas Femininas em particular, que
são absorvidas e efetivamente utilizadas pelas mulheres que trabalham nestes locais. Buscou-se entender principalmente se estes programas conclamam a mulher
a ganhar seu próprio dinheiro e contribuir com o orçamento familiar, eventualmente incentivando-as a atuar no mercado informal, e de que forma isso interfere
na vida destas mulheres. A partir deste ponto, buscou-se também entender como
a imagem construída da mulher independente financeiramente se reflete na busca
por atividades ligadas à informalidade e nos aspectos práticos de suas atividades.
Revistas Femininas veiculadas pela Televisão apontam ou insinuam que produtos ou atividades artesanais ou semi-industriais podem ser comercializados e
representar fonte de renda. Como ocorre a recepção dos elementos presentes nos
discursos desses programas, e como eles resultam em atividades que interferem ou
criam condições para que este grupo particular de mulheres se insira de forma ativa
na busca por uma renda própria e pelos direitos pessoais e profissionais, no exercício da cidadania e na prática do consumo, são questões que norteiam este trabalho.
Em termos mais abrangentes, a pesquisa buscou analisar como a mídia influencia nas relações de trabalho e na consolidação da cidadania entre as mulheres, tendo como problemas norteadores três questões:
1. As Revistas Femininas veiculadas pela televisão brasileira de sinal aberto
efetivamente contribuem para inserir a mulher, com deficiência na formação acadêmica e/ou profissionalizante, no mercado de trabalho informal?
2. Como as informações veiculadas nestas revistas interferem nas relações econômicas, profissionais, sociais, de cidadania e de consumo destas mulheres?
3. O desenvolvimento de um produto – programa de televisão – específico
para este público pode contribuir para melhorar as condições de trabalho e práticas cidadãs?
110
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
No decorrer da pesquisa, como deve acontecer nos estudos que efetivamente se baseiam em descobertas e não apenas na intenção de provar hipóteses aparentemente irrefutáveis, algumas relações surpreendentes obrigaram os
pesquisadores a rever a proposta inicial de estudos, e ficou clara a necessidade
de se incluir nesta análise questões não pensadas inicialmente na proposta
do trabalho, mas que vieram à tona nas entrevistas e depoimentos do grupo
analisado.
De fato, durante parte das entrevistas foi ressaltada a importância de outros
produtos/programas veiculados na televisão, em especial as telenovelas e o telejornalismo. Desta forma, ainda que a primeira parte da pesquisa se desenvolvesse conforme o previsto na proposta original, uma segunda fase destes estudos
mostrou-se necessária. Da mesma forma, os dados obtidos entre as pesquisadas
também obrigaram os pesquisadores a se aprofundar nas questões relativas à
faixa de renda das entrevistadas.
Apesar destas informações em alguns aspectos surpreendentes foram mantidos os objetivos propostos na pesquisa inicial, o que inclui entender como as
mulheres goianienses que participam – possuem barracas/bancas na Feira da
Lua além de outras feiras voltadas para comercialização de confecções (Feira
do Sol, Feira Hippie, Feira da Praça Universitária etc.), roupas e artesanatos,
elaboram a relação com o trabalho, o emprego e a vida em sociedade? Quais
valores são relacionados à independência financeira da mulher? Como elas se
percebem atuando na informalidade? Qual a credibilidade dos programas femininos para esse público? Como as mulheres recebem as dicas e sugestões dos
programas femininos?
Para responder essas questões, o trabalho foi desenvolvido em várias etapas: a
primeira, referente à análise de conteúdo dos programas femininos na televisão,
com ênfase nas informações e discursos veiculados por estes programas. A segunda um estudo de recepção mediante entrevistas estruturadas e semiestruturadas, o que incluiu cerca de quinze visitas às Feiras do Sol, da Lua e outras feiras
com perfil similar. Uma última etapa, decorrente dos resultados obtidos, levou
novamente as pesquisadoras a reverem os conteúdos da televisão, analisando criticamente aspectos descritos pelas entrevistadas. Fechando o ciclo da pesquisa,
o material foi organizado e debatido pela equipe, e a partir desta discussão foi
elaborado esse livro e um vídeo sobre a feira.
Embora não prevista inicialmente, a volta dos pesquisadores ao ponto de
origem da pesquisa – a análise do conteúdo da mídia – significou também o
fechamento de um ciclo, e permitiu o melhor entendimento da importância
deste veículo na vida das empreendedoras que participam das feiras goianas.
Ana Carolina Temer: Uma Timoneira forte e
sensível que escuta as ondas e sente o vento!
111
Maria Ataide Malcher:
Uma timoneira comprometida com a
Comunicação
Jane A. Marques1
Fernanda Chocron Miranda2
Suzana Cunha Lopes3
Suellen Miyuki Alves Guedes4
6º
CAPÍTULO
1.
Mestre e Doutora em Ciências da Comunicação pela ECA-USP,
Professora do curso de Graduação em Marketing e do curso de
Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte, ambos da Universidade de São Paulo. Professora convidada para o
quadro permanente do Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia da Universidade Federal do Pará.
2.
Mestre em Ciências da Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia da UFPA e pesquisadora da Universidade Aberta do Brasil. Atua no Laboratório
de Pesquisa e Experimentação em Multimídia da Assessoria de
Educação a Distância da UFPA e integra o Grupo de Pesquisa em
Audiovisual e Cultura (GPAC), certificado pelo CNPq.
3.
Mestre em Ciências da Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia da UFPA e pesquisadora da Universidade Aberta do Brasil. Atua no Laboratório
de Pesquisa e Experimentação em Multimídia da Assessoria de
Educação a Distância da UFPA e integra os Grupos de Pesquisa
em Audiovisual e Cultura (GPAC) e em Comunicação, Ciência e
Meio Ambiente (Preserv-ação), ambos certificados pelo CNPq.
4.
Graduanda do curso de Comunicação Social – Habilitação em Publicidade e Propaganda da UFPA e bolsista de Iniciação Científica do
CNPq. pelo projeto Ciência e Comunicação na Amazônia (CIECz).
Atua no Laboratório de Pesquisa e Experimentação em Multimídia
da Assessoria de Educação a Distância da UFPA e integra o Grupo de
Pesquisa em Audiovisual e Cultura (GPAC), certificado pelo CNPq.
Maria Ataide Malcher: Uma timoneira
comprometida com a Comunicação
113
“Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar. Não sou eu quem
me navega, Quem me navega é o mar. É ele quem me carrega, como nem
fosse levar. É ele quem me carrega, como nem fosse levar”5
Nós sabíamos que escrever a fortuna crítica de Maria Ataide Malcher seria
um grande desafio. Para nós que a encontramos em diferentes momentos de sua
trajetória, é complexo expressar de forma sucinta sua contribuição para a área da
Comunicação, principalmente porque talvez muito de sua obra esteja registrada
apenas na memória dos amigos e orientandos que aprendem mais de perto com
ela em cada conversa, olhar e até no seu silêncio. Assim, neste capítulo, focaremos suas principais publicações, destacando a abrangência de inter-relações
de temas e pesquisadores com os quais a professora tem dialogado durante sua
trajetória acadêmica.
Começamos pela sua inserção na Academia. A professora Maria Ataide
graduou-se em 1991, em Ciência da Informação, na Universidade Federal Fluminense (UFF), onde ingressara em 1988. Ao término desse curso fez especialização em Sistemas de Informação em Saúde, na Fundação Oswaldo Cruz
(Fiocruz). A habilidade adquirida na sistematização de dados é uma das particularidades que a distingue, capacitando-a a trabalhar informações com muita
agilidade e competência, em distintos temas e áreas.
Sempre atenta às oportunidades que a vida de pesquisadora proporciona, em
1996, aceitou o convite para integrar o grupo de pesquisadores que compunham
o Núcleo de Pesquisa em Telenovela (NPTN), da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP). Por uma década, Maria Ataide
dedicou-se a colaborar com as pesquisas que estavam sendo desenvolvidas pelos
pesquisadores, atendendo, prioritariamente, aos professores da ECA-USP e de
outras instituições nacionais e internacionais que buscavam informações para os
seus estudos. Com seu apoio, muitos projetos de estudos foram desenvolvidos,
e pesquisadores produziram artigos, dissertações, teses, publicações e relatórios,
qualificando a telenovela, além de outros produtos ficcionais televisivos, como
objeto de estudos acadêmicos.
Nesse ambiente de muito trabalho e também de muitas oportunidades, Maria Ataide iniciou seus estudos de Mestrado em 1998, no Programa de Pós-
5.
114
Timoneiro, música de Hermínio Bello de Carvalho e Paulinho da Viola, gravada em
1996, no CD Bebadosamba.
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
-Graduação em Ciências da Comunicação da ECA-USP. Sua pesquisa inseriu-se
na linha de estudos sobre telenovela, sob a orientação da professora Anamaria
Fadul. A dissertação intitulada “A Legitimação da Telenovela e o Gerenciamento de Sua Memória” foi defendida em 2001 e resultou em obra publicada que
comentaremos adiante. O trabalho foi premiado pela INTERCOM em seu
XXIV Congresso Nacional em 2002, realizado em Salvador (BA), como a melhor dissertação do ano anterior.
Em 2002, Maria Ataide ingressou no Doutorado, na linha de pesquisa em
ficção televisiva na ECA-USP, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Lourdes
Motter, também especialista no tema. No ano anterior, 2001, o acervo do
NPTN foi consumido durante um incêndio que lavrou no andar superior do
prédio central da ECA-USP e atingiu duramente o local onde estavam organizados e catalogados todos os documentos e arquivos do Núcleo – materiais
impressos, digitais, de áudio e vídeo, também os equipamentos. Assim, até o
final de seu Doutorado, Maria Ataide dividiu sua atenção entre a recuperação
do acervo e a reintegração do NPTN, que tem grande parte de sua história e
acervo registrados na tese da pesquisadora, intitulada “O Protagonismo da Dramaturgia na TV Brasileira”. A tese, defendida em 2005, também resultou em
livro, publicado pela INTERCOM, e em outros trabalhos produzidos sobre o
tema que serão referenciados neste texto.
Após uma década de dedicação à ECA-USP e, especialmente, ao NPTN,
Maria Ataide lançou-se a um novo desafio, ingressando, em 2006, na Universidade Federal do Pará (UFPA), como docente do quadro permanente do então
Departamento de Comunicação Social, atual Faculdade de Comunicação, no
Instituto de Letras e Comunicação. Rapidamente adaptou-se ao clima tropical
e à chuvarada vespertina de Belém do Pará. Apaixonada pelo rio e pelo verde da
paisagem do norte, fez desse ambiente seu lócus para construção e compartilhamento de sonhos, liderando em pouco tempo grupos e projetos de pesquisa
dentro e fora da região Norte, em sua maioria apoiados pelas principais agências
de fomento do país.
Em outubro de 2007, assumiu a coordenação do Projeto Academia Amazônia, vinculando-o regimentalmente à Faculdade de Comunicação, em 2008,
com o objetivo de constituí-lo um ambiente de ensino, pesquisa e extensão para
o trabalho de formação de base dos discentes da graduação e da pós-graduação
no que concerne à produção audiovisual voltada à divulgação científica, por
meio de parcerias com diferentes unidades de pesquisa dentro e fora da UFPA.
Em 2010, Maria Ataide também assumiu a concepção e coordenação do Laboratório de Pesquisa e Experimentação em Multimídia, vinculado à Assessoria
de Educação a Distância da UFPA. Nesse espaço, também tem se dedicado à
Maria Ataide Malcher: Uma timoneira
comprometida com a Comunicação
115
pesquisa e experimentação de conteúdos e linguagens comunicacionais diversos
com finalidades educacionais e científicas, sempre envolvendo alunos de graduação e pós-graduação em práticas reflexivas e reflexões práticas.
Interagindo com as particularidades dos processos comunicacionais nessa região propôs, em conjunto com outros professores da UFPA, a criação do
Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia (PPGCOM),
aprovado pela CAPES em 2010 e coordenado pela Professora Maria Ataide
desde então. Com duas turmas já formadas, o Programa tem se distinguido pelas produções que têm sido publicadas, e por iniciativas que envolvem o corpo
discente na efetiva consolidação do programa, potencializando os esforços de
produção de conhecimento no Norte do país.
Desde sua chegada à região, Maria Ataide também exerce a função de Coordenadora Regional da INTERCOM Norte, que hoje é reconhecida na estrutura
organizacional da instituição uma Diretoria Regional. À frente dessa função,
que tem exercido com vigor, Maria Ataide vem orientando seus esforços para
reverter a posição de isolamento do Norte em relação às demais regiões brasileiras na área da Comunicação. Desde a primeira edição de um congresso regional
da INTERCOM no Norte, em 2007, a professora Maria Ataide persiste em um
incansável trabalho de articulação de pesquisadores e estudantes da região como
um todo, de modo que esses eventos favoreçam transformações na realidade das
pesquisas comunicacionais nos estados do Norte.
Envolvendo pesquisadores e, sobretudo, estudantes de graduação e pós-graduação na produção científica e experimental, a gestão Maria Ataide promoveu, nos últimos anos, um significativo aumento da participação acadêmica do
Norte nos eventos nacionais. Tais investimentos favoreceram uma visibilidade
até então não experimentada pela região, possibilitando seu reconhecimento no
universo acadêmico. Em 2012, o Grupo Comunicacional de Belém, integrado
e liderado pela professora Maria Ataide, foi indicado ao Prêmio Luiz Beltrão,
na categoria Grupo Inovador, no XXXV Congresso Nacional de Ciências da
Comunicação, em Fortaleza (CE), constituindo-se o primeiro grupo do Norte
do Brasil a conquistar tal premiação.
Recentemente, em 2013, Maria Ataide assumiu a coordenação do Grupo
de Pesquisa Mídia, Culturas e Tecnologias Digitais na América Latina da INTERCOM, após aproximação com os estudos latino-americanos na área da Comunicação a partir de participação no GP, liderado desde 2008 pela professora
Maria Cristina Gobbi.
Para apresentar as publicações que marcam a trajetória de Maria Ataide dividimos sua obra em três grandes temas: ficção televisiva, pesquisa e produção
audiovisual e comunicação da ciência. Dentro dessas linhas de pesquisa, pro116
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
curamos ressaltar, no conjunto da obra, as contribuições mais expressivas com
impacto na área acadêmica e nos grupos de professores e orientandos, que são
pesquisadores e, sobretudo, parceiros, como ela os define.
Ficção televisiva
“E quanto mais remo mais rezo, pra nunca mais se acabar, essa viagem que
faz. O mar em torno do mar. Meu velho um dia falou, com seu jeito de
avisar: – Olha, o mar não tem cabelos, que a gente possa agarrar”
Iniciando-se na pesquisa científica no campo da ficção televisiva e marcada pelo
seu trabalho no Núcleo de Pesquisa em Telenovela (NPTN) da ECA-USP, foi natural o interesse pela divulgação e disseminação das pesquisas em andamento no
Núcleo. Logo no ano seguinte a sua entrada no NPTN, a timoneira Maria Ataide,
ainda em gestação, participa ativamente do lançamento do “Catálogo do Grupo de
Trabalho Ficção Televisiva Seriada”, produção assinada em coautoria com os pesquisadores que trabalhavam no Núcleo (BACCEGA; MOTTER; MALCHER,
1997). A publicação reporta-se aos cinco anos de história e produção desse Grupo de Trabalho (GT) na INTERCOM, ao qual ela se filiou desde seu ingresso
no NPTN. Esse Catálogo é derivado de artigo apresentado, em coautoria com as
professoras doutoras Solange Martins Couceiro de Lima e Maria Lourdes Motter,
no XX Congresso Nacional da INTERCOM, que aconteceu na cidade de Santos
(SP), em 1997. No artigo, as pesquisadoras relatam o fortalecimento da telenovela
como objeto de estudo, resgatando algo além da crítica existente, que considerava
as obras ficcionais televisivas como meros produtos de cultura de massa, menosprezando o fato de ocuparem “lugar de honra na grade de programação das emissoras”.
O ingresso no curso de Mestrado alargou o interesse de Maria Ataide pela
produção ficcional televisiva, e tanto individualmente quanto com pesquisadores e/ou parceiros, dedicou-se intensamente à sistematização de materiais que
pudessem ser recuperados por pesquisadores na construção de uma linha de
pesquisa, gerenciando as produções desse gênero televisivo e seus derivados (minisséries, seriados etc.) de modo a fomentar a institucionalização desse produto
como objeto de estudo (MALCHER, 1999).
Nessa mesma linha, há contribuições em artigos apresentados nos Congressos da INTERCOM que registram a telenovela como um dos formatos do gênero ficcional de maior relevância dentre os produtos da cultura e do campo
de estudos da ficção televisiva, além de serem reconhecidos como forte mediação entre produtores e consumidores (MALCHER, 2000; 2001; 2002; LIMA;
Maria Ataide Malcher: Uma timoneira
comprometida com a Comunicação
117
MOTTER; MALCHER, 2000; LOBO, MALCHER, 2004). Nessas publicações, Maria Ataide também registra a contribuição do NPTN para o processo
de legitimação dos estudos nessa área, incluindo as características de formato,
forma de leitura e de uso.
Outros dois registros que não podemos deixar de recuperar é a sistematização dos primeiros onze anos de trabalhos apresentados no GT de Ficção Televisiva Seriada, da INTERCOM (LOBO; MALCHER, 2004) e a continuidade
desse trabalho exposta no ano seguinte (LOBO; MALCHER, 2005) nesse mesmo GT. Esses documentos registram a consolidação desse grupo de pesquisa,
destacando a emergência de interesses temáticos e metodológicos, ao longo de
168 (cento e sessenta e oito) trabalhos apresentados, bem como a emergência de
interesse por diferentes formatos (minissérie, série, seriados), apesar de o maior
interesse estar direcionado à telenovela como objeto de estudo.
Há, ainda, trabalhos direcionados para produções ficcionais específicas, por
exemplo, o trabalho em coautoria com Luciane Vale que destaca a minissérie
“Aquarela do Brasil”6 como registro documental, mostrando a importância do
resgate histórico da época áurea do rádio no Brasil (MALCHER; VALE, 2000).
Em outro artigo a pesquisadora, também em coautoria, aborda a existência de
protagonistas não comumente presentes nas telenovelas, pois representam pessoas de classes inferiores e da raça negra, como é o caso do texto “Cidade dos
Homens”7 e “Turma do Gueto”8 (MALCHER; MOTTER; VIDAL, 2004).
Nesse trabalho, as autoras indicam que na ficção televisiva cabem outros personagens como protagonistas, distinguindo-os dos personagens padrões, em geral
das classes média e alta, mais comumente encontrados nessas produções.
A importância do gênero telenovela também foi objeto de trabalho apresentado
no Congresso da Federação das Associações Lusófonas de Ciências da Comunica-
6.
Minissérie escrita por Lauro César Muniz, direção geral de Jayme Monjardim, Carlos Magalhães, Marcelo Travesso, direção de produção de Ruy Mattos, produzida pelo Núcleo Jayme
Monjardim. Exibida pela TV Globo, às 22h30, de 22 de agosto a 1 de dezembro de 2000.
Total de 60 capítulos. PROJETO MEMÓRIA DAS ORGANIZAÇÕES GLOBO, 2003.
7.
Apresentada em quatro episódios, sob coordenação de Guel Arraes, produzido pela O2
Filmes. Exibida pela TV Globo, às 23h, de 15 a 18 de outubro de 2002. PROJETO
MEMÓRIA DAS ORGANIZAÇÕES GLOBO, 2003.
8.
Seriado escrito por Netinho de Paula e Laura Malin, direção geral de Pedro Siaretta e
Cláudio Callao, produzido por Casablanca. Exibida pela Rede Record, em episódios
de 45 minutos, de 4 de novembro de 2002 a 20 de setembro de 2004, totalizando 5
temporadas. REDE RECORD, 2013.
118
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
ção – Lusocom, em 2004, em coautoria com Motter, intitulado “Portugal / Brasil: a telenovela no entre-fronteiras”, que resultou em capítulo de livro publicado
posteriormente (MOTTER; MALCHER, 2005). As autoras analisam a presença
massiva das telenovelas brasileiras já existente em Portugal e o início da importação
de telenovelas portuguesas para exibição no Brasil, assim como investigam como
esse produto passou a ser incorporado no cotidiano e na cultura desses países.
Destacamos, ainda, dois livros que integram as produções de Maria Ataide:
o primeiro, derivado de sua dissertação de Mestrado e o outro de sua tese de
Doutorado, intitulados respectivamente: “A Memória da Telenovela: legitimação e gerenciamento” (MALCHER, 2003) e “Teledramaturgia: agente estratégico na construção da TV aberta brasileira” (MALCHER, 2010).
No primeiro, Maria Ataide apresenta a constituição do processo de legitimação da ficção televisiva como objeto de estudo na área das Ciências da Comunicação, destacando os trabalhos desenvolvidos no NPTN da ECA/USP, e colocando-os no mesmo patamar de outros estudos que abordam comunicação e cultura de
massa. Após o lamentável incêndio que destruiu parte desse núcleo de estudos,
muitos documentos se perderam e não estão mais disponíveis para consulta, nem
nos arquivos das emissoras de televisão, o que torna essa obra importante registro
Maria Ataide Malcher: Uma timoneira
comprometida com a Comunicação
119
histórico. Diante disso, mais do que um resgate de memória da telenovela no
Brasil, Maria Ataide discute a institucionalização desse produto ficcional na mídia
televisiva, destaca a contribuição do acervo que existia no NPTN da ECA-USP,
considerando o acúmulo de capital científico (BOURDIEU, 1989) de seus pesquisadores, e sinaliza para a legitimação desse campo de estudo, que engloba diferentes formatos da ficção televisiva e não só as telenovelas.
Ao ingressar no Doutorado, Maria Ataide continuou nessa linha de pesquisa
e o segundo livro que citamos – “Teledramaturgia: agente estratégico na construção da TV aberta brasileira” (MALCHER, 2010) – é decorrente dessa perspectiva de estudo. Na opinião do professor José Marques de Melo, no momento
da publicação de sua segunda obra, Maria Ataide não seria mais estreante, já
que no livro anterior, a pesquisadora “descortinou o universo do melodrama”
(MARQUES DE MELO, 2010, p. 6).
Em complemento à publicação da dissertação de Mestrado, essa obra recupera e analisa 1.022 registros dos que integravam, até aquele momento, o universo
nacional de produções televisivas ficcionais. A pesquisadora aborda primeiramente a importância do lazer em determinadas dimensões sociais, evidenciando
a necessidade desse fator na vida contemporânea em uma sociedade massiva. A
obra apresenta, ainda, um panorama da chegada da televisão no país, contextualizando a realidade da época, além de resgatar os primórdios da teledramaturgia e
sua dinâmica de estruturação, focalizando os anos de 1950 a 2005.
Ainda segundo Marques de Melo (2010, p. 7), a obra demonstra o envolvimento ao mesmo tempo discreto e extremamente profundo com a telenovela brasileira que marcou a trajetória de Maria Ataide, deixando pistas e caminhos favoráveis aos investigadores de televisão no Brasil, sobretudo, para “aqueles que desejam
conhecer melhor a fisionomia da indústria nacional do entretenimento massivo”.
Maria Ataide também tem grande contribuição no que se refere à sistematização de produções acadêmicas em ficção televisiva, pois atuou como colaboradora,
de 1999 a 2007, do periódico “Comunicação & Educação”, editado pela ECA-USP, em seção específica, onde constava a “Bibliografia sobre telenovela brasileira”.
Pesquisa e produção audiovisual
“Timoneiro nunca fui, que eu não sou de velejar. O
leme da minha vida, Deus é quem faz governar. E
quando alguém me pergunta: como se faz pra nadar?
Explico que eu não navego, quem me navega é o mar”.
120
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Mesmo parecendo uma ousada proposta de estudo, ao mergulharmos nas
publicações de Maria Ataide, em especial as que têm sido desenvolvidas em sua
recente trajetória no Norte do país, percebemos que a pesquisadora persiste em
registrar e analisar criticamente essa tal fisionomia dos diferentes cenários midiáticos que delineiam o Brasil, e de modo especial o estado do Pará, como um
primeiro lócus de observação estabelecido na Amazônia.
Ao chegar ao Pará, Maria Ataide criou o Grupo de Pesquisa em Audiovisual
e Cultura (GPAC), certificado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq). A partir das discussões e pesquisas desenvolvidas no GPAC, a pesquisadora tem delineado sua contribuição no que concerne ao estudo do audiovisual e da cultura, em uma perspectiva que vai da
compreensão do audiovisual como meio e linguagem até os imbricamentos de
ordem histórico-sócio-cultural que os constituem e podem ser observados desde
a esfera da produção à da recepção.
Resgatando as trilhas abertas no NPTN da ECA-USP, Maria Ataide passa a
se dedicar nos últimos anos a entender os complexos cenários midiáticos encontrados na Amazônia como parte integrante da América Latina, que, segundo a
pesquisadora, “abriga diferentes modos de vida ainda desconhecidos para seus
próprios moradores” (MALCHER; MIRANDA, 2012, p. 186).
A partir de artigos assinados, em sua maioria em conjunto com orientandos
de iniciação científica e mestrado, a pesquisadora tem se debruçado sobre cenários complexos da região amazônica, seja envolvida em levantamento de dados
primários e secundários a partir da pesquisa de campo e observação in loco das
diferentes realidades vividas, como também em pesquisas e compilação de dados já existentes, mas dispersos sobre temáticas que carecem de sistematização
para o aprofundamento da pesquisa com o olhar da Comunicação.
O capítulo de livro “Mirada sobre o cenário midiático amazônico” (RODRIGUES; MALCHER, 2012), publicado no livro “História, comunicação e
biodiversidade na Amazônia”, apresenta um mapeamento considerável da disposição dos meios de comunicação massiva na região amazônica. Longe de ser
um levantamento exaustivo e final, a perspectiva dos autores do trabalho é de
que a contribuição maior está na sistematização de informações para aprofundamentos futuros tanto no nível quantitativo quanto no qualitativo.
Diferente das demais regiões do Brasil, no Norte não há registros claros,
mesmo em institutos de pesquisa oficiais como o IBGE, que nos permitam visualizar ou responder a questões básicas sobre onde e de que maneira a televisão
– sem mencionar os demais meios de comunicação massivos – está presente no
Pará. São muitas as lacunas existentes nos mapeamentos relativos, por exemplo,
Maria Ataide Malcher: Uma timoneira
comprometida com a Comunicação
121
ao Arquipélago do Marajó, assim como há variações entre os números apresentados por diferentes pesquisas9.
Diante disso, Maria Ataide apresenta no artigo “Mapeamento da TV aberta
no Marajó: história, realidades e perspectivas” dados primários sobre o cenário
da TV aberta, a partir do levantamento de informações sobre a presença desse
meio de comunicação em cada um dos 16 municípios que compõem essa parte
do estado do Pará. Nessa publicação, Malcher e Rodrigues (2012) compartilham o desenho metodológico (SCHMITZ, 2008) traçado durante o levantamento, composto de entrevistas em profundidade com profissionais que atuam
9.
122
Segundo informações do site Donos da Mídia, o Pará possui 203 veículos de comunicação, entre jornais, rádios, TV. De acordo, porém, com o levantamento feito por Ronaldo de Oliveira Rodrigues (2012) em dissertação desenvolvida no âmbito do PPGCOM
da UFPA, orientado pela professora Maria Ataide, o número de veículos seria 210.
Desse total, 12 são emissoras de televisão (MALCHER et al., 2013).
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
nas retransmissoras de TV, além de depoimentos de atores sociais que acompanharam a chegada dos primeiros equipamentos ao arquipélago marajoara.
Na trajetória de Maria Ataide, também existem publicações que versam sobre a história da televisão no estado do Pará e que também se configuram como
esforços iniciais de registro e análise crítica do processo de chegada e implantação da telinha. Entre os dados que chamam a atenção e demonstram o amplo
campo de atuação no Norte do país no que concerne aos estudos de TV, haja
vista a discrepância entre essa região e o restante do Brasil desde a implantação
desse meio de comunicação: “Em 1960, dez anos depois da chegada da TV no
Brasil, o acesso era zero no norte do Brasil, enquanto no sudeste, o percentual
alcançava os 12%” (MALCHER, 2011, p. 7).
No capítulo de livro “TV pública no Pará” (MALCHER, 2011), Maria
Ataide reflete sobre os principais aspectos que delinearam a implantação da
televisão no estado e discute o papel das emissoras públicas no Brasil, a partir
da experiência da TV Cultura do Pará que integra a Fundação Paraense de
Rádio Difusão (FUNTELPA), que “se constitui como agente estratégico para
a cultura paraense e se destaca por ser responsável por mais de 20% da produção de conteúdo oferecido na grade” (MALCHER, 2011, p. 22). No texto, a provocação da autora para os leitores é refletir sobre a existência de uma
emissora pública de TV no Norte do país, que mesmo com a implantação do
sistema de redes que fragilizou a produção local de conteúdo, concentrada
agora quase que exclusivamente na região Sudeste, conseguiu manter uma
significativa produção de programas com temáticas locais para sua grade de
programação.
Outro aspecto da realidade midiática que tem sido foco de observação de
Maria Ataide, especialmente a partir de 2009, é o processo de implantação da
TV digital no Brasil, assim como a discussão sobre produção de conteúdos interativos e voltados à disponibilização em multiplataforma.
Maria Ataide apresenta em sua produção livros, capítulos, orientações concluídas e artigos qualificados que discutem a partir da perspectiva vivenciada
pelo Norte do país, o processo de implantação do sistema digital de televisão.
No capítulo “TV digital no Pará”, que integra o e-book organizado pelas professoras Maria Cristina Gobbi e Maria Teresa Miceli Kerbauy, intitulado “TV
Digital: informação e conhecimento”, Maria Ataide em coautoria com Miranda
apresenta uma primeira sistematização e reflexão crítica da cobertura midiática que ocorreu no momento da assinatura do sinal digital por três emissoras
da capital paraense, em agosto de 2009. A partir de uma análise de conteúdo
das matérias jornalísticas da mídia impressa e televisiva sobre a consignação do
sinal, as pesquisadoras verificam “uma visão reducionista voltada a um único
Maria Ataide Malcher: Uma timoneira
comprometida com a Comunicação
123
aspecto: a imagem de alta definição” e destacam as implicações que o distanciamento da discussão sobre o processo de implantação da TV digital pode causar,
sobretudo, nessa região “não é um fato transformador em si, não produzirá o
‘desenvolvimento’ e tampouco, por si só, decretará a inserção do Norte nas
novas possibilidades tecnológicas” (MALCHER; MIRANDA, 2010, p. 236).
Nessa perspectiva, há vários artigos da pesquisadora, assinados com discentes, que discutem essas questões e apresentam os resultados das reflexões e
experimentações que têm sido desenvolvidas sobre a temática, como é o caso
do artigo “ABC Digital: exercício de reflexão e experimentação no contexto
de implantação da TV Digital”, apresentado no Congresso Nacional da INTERCOM, realizado em Caxias do Sul (RS), em 2010. “É possível perceber
a carência de um debate ampliado a respeito da TV Digital, envolvendo as
regiões do Brasil de forma inclusiva, sobretudo a região Norte” (MALCHER;
MIRANDA; COSTA, 2010, p. 2).
No artigo, Maria Ataide e colaboradoras narram a experiência do processo empírico de elaboração do programa de TV
do gênero utilitário e caráter experimental,
intitulado “ABC Digital”, que envolveu
um grupo de alunos de graduação na experimentação e teste de possíveis soluções na
linguagem audiovisual para as mudanças
no formato de inserção de anúncios publicitários, modelagem de conteúdo e utilização dos recursos de interatividade da nova
TV – considerando os níveis propostos por
Fernando Crocomo (2007). Com base na
experiência apresentada no artigo, observamos que a perspectiva de Maria Ataide
como docente é de que é fundamental o
envolvimento “dos estudantes de comunicação, que nesse contexto, como produtores de conteúdos, têm necessidade
fundamental de experimentar as potencialidades da nova TV” (MALCHER;
MIRANDA; COSTA, 2010, p. 1). As autoras explicam que “o foco central foi
estabelecido para as possibilidades de uso que mais transformariam, e acreditamos, transformarão o cotidiano dos brasileiros e principalmente dos produtores e usuários desse novo sistema digital” (MALCHER; MIRANDA; COSTA,
2010, p. 5-6).
124
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
A partir dessa publicação fica clara a atuação da pesquisadora não apenas no
estudo teórico da Televisão como meio e linguagem, mas também na formação
de recursos para compreensão e desenvolvimento prático da produção televisiva, nos mais diferentes níveis de atuação (produção, direção, roteiro, videografismo, finalização, veiculação etc.). O desafio tem sido formar recursos humanos
que atuem de forma efetiva nas duas faces do processo – teórico e prático – considerando a necessidade imediata de formação de profissionais-pesquisadores
aptos a falar pela própria região e definir os melhores rumos para a implantação
da TV digital no Norte do país. Nos últimos anos, a produção científica de
Maria Ataide cresceu exponencialmente não apenas no que concerne à produção bibliográfica, mas também nas categorias de produção técnica e artística/
cultural, tendo em vista o envolvimento direto da pesquisadora na elaboração
dos mais diferentes produtos midiáticos voltados à educação e comunicação da
ciência como veremos adiante.
Outra publicação de destaque na produção de Maria Ataide é a “Coleção
TV Digital”, lançada em 2011 pela INTERCOM, e que tem como objetivo
gerar publicações curtas e de fácil leitura, a partir de textos escritos por renomados pesquisadores que têm discutido os diversos aspectos que delineiam
a implantação da TV digital no Brasil (BRITTOS et al., 2011). O objetivo
era esclarecer/informar sobre os diferentes aspectos da convergência da TV
analógica para a digital e introduzir os leitores nas discussões sobre essa nova
TV, estimulando-os a busca por mais conhecimento. O primeiro volume da
coleção, cujo título é “Para Entender a TV digital: tecnologia, economia e
sociedade no século XXI”, foi assinado por Valério Cruz Brittos e Denis Gerson Simões, à época pesquisadores da Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(UNISINOS), de Porto Alegre (RS).
Entre outros objetivos da “Coleção TV Digital” está a transcodificação das
informações sobre o novo meio, tanto que a publicação tem um formato de impressão como o de livros de bolso, bastante procurado por alunos de graduação.
A publicação se configura também como um exemplo do constante exercício
de Maria Ataide de exercitar e promover a comunicação da ciência, a partir das
proposições de Santos (2009), que considera que a produção do conhecimento
na contemporaneidade só se completa a partir do momento em que se transforma em sabedoria de vida para a sociedade em geral.
Os esforços da pesquisadora voltados diretamente para a comunicação da
ciência e divulgação científica são apresentados na sequência.
Maria Ataide Malcher: Uma timoneira
comprometida com a Comunicação
125
Comunicação da ciência
“Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar. Não sou eu quem
me navega, quem me navega é o mar. É ele quem me carrega, como nem
fosse levar. É ele quem me carrega,
como nem fosse levar”.
Como mencionado, outro tema que marca a produção e atuação de Maria
Ataide é a comunicação da ciência. O interesse em discutir estratégias para sistematizar, registrar e publicizar o conhecimento científico tem origem em sua
formação de base em Ciência da Informação, uma das marcas de sua trajetória,
segundo o professor Marques de Melo (2010, p. 7), pois “enveredou pelo universo das ciências da comunicação, sem rejeitar sua ascendência informacional”.
No processo de transição para a área da Comunicação durante o Mestrado, essa
formação se mostrou fundamental para o mergulho e compreensão da trajetória
do Núcleo de Pesquisa da Telenovela ECA-USP, e fez com que participasse de diversas estratégias para organizar e analisar o conhecimento até então produzido.
Em 2007, publicou juntamente com outros pesquisadores, uma coleção sobre Turismo, editada pelo Ministério do Turismo, para a qual colaborou na
sistematização e organização de livros destinados à formação de técnicos. O
conteúdo apresenta aspectos específicos da área como hotelaria e hospitalidade,
ecoturismo, ética, meio ambiente, geografia e cartografia, quanto aspectos mais
genéricos – cultura, cidadania, comunicação e linguagem.
Porém, como a própria professora Maria Ataide relata, é na mudança para a
Região Norte que ela percebe a comunicação da ciência além de uma atividade
da rotina do pesquisador, como uma temática de pesquisa na área da Comunicação. Assim, em 2008, ela inicia na UFPA o projeto de pesquisa Ciência e
Comunicação na Amazônia (CIECz), mediante fomento do CNPq.
Envolvendo bolsistas de iniciação científica, a professora começou a empreender
esforços na pesquisa e elaboração de estratégias comunicacionais voltadas para a divulgação de pesquisas científicas desenvolvidas na Amazônia. Em exercícios permanentes de reflexão teórica aliada à prática comunicacional, Maria Ataide instigou os
alunos a experimentarem conteúdos, formatos e linguagens, norteados pela discussão
contemporânea de ciência, a partir principalmente do referencial de Boaventura de
Souza Santos (2007; 2009), que prevê “No processo de Comunicação da Ciência,
não se trata de colocar em igualdade os cientistas e os não cientistas em uma utopia
utópica” (SANTOS apud MALCHER; LOPES, 2013, p. 80, tradução nossa).
No início do CIECz, um dos produtos comunicacionais que possibilitava essa
experiência era o “Minuto da Universidade”, programete audiovisual de 60 segun126
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
dos já tradicional, criado em 1999 pela produtora audiovisual da UFPA, a Academia Amazônia que, como citado, foi coordenada pela Professora Maria Ataide nos
últimos seis anos. O objetivo do “Minuto” era divulgar as ações de ensino, pesquisa
e extensão da UFPA para a população em geral, mediante veiculação semanal em
canal aberto de televisão (PINHO; MALCHER, 2011). Os alunos participavam
desde a seleção dos projetos a serem divulgados, passando por toda a produção
audiovisual até a edição e finalização dos programas, atividades durante as quais
a professora constantemente estimulava os participantes a avaliar e reconstruir as
produções. Desde 2011, o programa teve a veiculação interrompida para reestruturação do programa e prospecção de novos patrocinadores e apoiadores.
Em 2010, outro projeto de produção audiovisual convergiu seus interesses
com a proposta téorico-prática do CIECz. Em parceria com a Universidade do
Estado do Pará (UEPA), Maria Ataide e seus bolsistas de iniciação científica
conceberam e iniciaram a produção do programete “Caminhos da UEPA”, com
o objetivo de publicizar as ações dos diversos cursos, projetos e grupos de pesquisa da instituição. Com 90 segundos de duração, nas linguagens radiofônica
e audiovisual, o “Caminhos da UEPA” também era veiculado em canais abertos
de rádio e TV, além de ser postado no site da UEPA. Até 2013, foram produzidas 80 edições do programa nas duas linguagens, que também contaram com
a participação de graduandos e mestrandos em todo o processo de produção e
finalização, sem mencionar os esforços e apoio dos pesquisadores e da Assessoria
de Comunicação da UEPA.
Além da produção midiática voltada à comunicação da ciência, por meio
do CIECz, Maria Ataide também trabalhou em parceria com pesquisadores de
várias áreas de conhecimento na elaboração e publicação de materiais de divulgação ou recursos educativos. Assim, em 2008 e 2009, com fomento do CNPq,
a professora atuou na organização de dois guias sobre legislação ambiental (SÁ
et al., 2008; SÁ et al., 2009), publicados pela editora do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da UFPA, e outro guia (CARVALHO JR.; LUZ; MALCHER,
2008) publicado pela Editora da Universidade. Os materiais foram produzidos
conjuntamente com os pesquisadores do “Projeto Custos e Benefícios” da sub-rede RECUPERA10, do Subprograma de Ciência e Tecnologia do PPG711. O diá-
10. A referida rede intitulada RECUPERA – Manejo e Recuperação de Recursos Naturais
em Paisagens Antropizadas na Amazônia Oriental é composta por outros quatro projetos de pesquisa.
11. Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil, lançado durante a
Rio 92 pelo Ministério do Meio Ambiente em parceria com o CNPq.
Maria Ataide Malcher: Uma timoneira
comprometida com a Comunicação
127
logo com diferentes áreas, segundo Maria Ataide, é uma grande oportunidade
para compreender o processo comunicacional e o papel da área da Comunicação na ciência contemporânea:
Pensar a comunicação apenas como forma de comunicar o produzido
pelos pesquisadores de um determinado campo é um dos primeiros erros, já que o processo de construção do conhecimento, de forma integrada, necessita ser socializado em todas as suas etapas para que se tenha
com isso a sintonia das ações, principalmente quando se fala em atuações
em redes” (MALCHER et al., 2010).
Na mesma perspectiva, Maria Ataide participou em 2009 de uma coleção
de livros sobre a realidade fundiária do estado do Pará (VIDAL; MALCHER,
2009; MARQUES; MALCHER, 2009a, 2009b, 2009c), fruto de estudos de
pesquisadores do Instituto de Terras do Pará (ITERPA). A sistematização de temas como varredura fundiária, regularização territorial, territórios quilombolas,
dentre outros, é uma grande contribuição aos diversos públicos de interesse: seja
governo, agricultores, bem como à própria instituição que atua como responsável na execução da política agrária do Pará.
Como experienciado nas produções do GPAC, desde o primeiro ano do
CIECz, a produção de artigos em coautoria com orientandos sempre foi uma
prática da professora Maria Ataide. “Além disso, a interação com outros campos
do conhecimento, contribui para que desenvolvam as competências exigidas
durante a graduação” (DE PAULA; CAVALCANTE; MALCHER, 2008, p. 9).
A experiência de produção midiática sobre ciência e o contato com pesquisadores de outras instituições de ensino e dos institutos de pesquisa da Amazônia,
renderam oito bolsistas de iniciação científica – sendo três já com mestrado
concluído e dois em fase de conclusão da Graduação Sanduíche pelo Programa
Ciência sem Fronteiras – que participaram e ainda acompanham o projeto, uma
formação teórica e prática que sempre puderam compartilhar, apresentando artigos nos principais congressos regionais e nacionais da área da Comunicação,
como os trechos que destacamos a seguir: “constatamos que a divulgação científica é parte fundamental desse diálogo, encarada pelo autor como fator essencial
para a aproximação ciência-sociedade, permitindo assim que esta realize seu
próprio processo de construção do conhecimento” (MIRANDA; MALCHER,
2010, p. 5). “Entendendo que a ciência não é a detentora de verdades absolutas
e não está pronta e acabada, vivenciamos constantemente os processos tanto
de construção, quanto de reconstrução do conhecimento” (GUEDES; MALCHER, 2012, p. 5). “Percebemos o quanto é necessário construir estratégias
128
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
comunicacionais que pensem no desenvolvimento da região e construção da
cidadania” (REALE; MALCHER, 2011, p. 12).
A partir de 2009, o contato com os pesquisadores do Programa de Educação
a Distância na UFPA aproximou Maria Ataide de novas perspectivas para a
comunicação da ciência. Envolvendo novamente a prática comunicacional e a
reflexão teórica foram desenvolvidos produtos multimidiáticos que registraram
o histórico da educação a distância no Pará, a partir de depoimentos de vários
agentes que construíram essa história e do levantamento de conteúdos educativos que marcam as primeiras iniciativas nessa modalidade de ensino. Com
base nesse material, foi lançado o livro “Educação sem Fronteiras na Amazônia:
trajetórias e perspectivas da educação a distância na UFPA”, acompanhado de
quatro DVDs que contêm documentário, entrevistas em áudio e em vídeo, materiais educativos, fotos, entre outros conteúdos além da versão multimídia do
livro (LEITE; MALCHER; SEIXAS; DE PAULA, 2010).
Essa obra marcou o início da aproximação de Maria Ataide com o grupo
de pesquisadores e agentes da educação a distância na UFPA e que, em 2010,
se consolidou com a criação do Laboratório de Pesquisa e Experimentação em
Multimídia da Assessoria de Educação a Distância, coordenado desde então pela
pesquisadora. Nesse Laboratório, Maria Ataide, em conjunto com uma equipe
de alunos da graduação e da pós-graduação, já desenvolveu diversos projetos
voltados para a experimentação de linguagens e formatos favoráveis à comunicação do conhecimento científico de maneira transformadora e democrática.
Dentre os projetos, podemos destacar um, em específico, que foi concebido e hoje é utilizado exatamente com
estas finalidades: visibilizar o conhecimento produzido na UFPA e disponibilizá-lo para diferentes usos seja em
sala de aula ou em pesquisas. A partir
de fomento da CAPES, foi desenvolvido o Repositório Institucional UFPA
Multimídia. Diferentemente de outros
repositórios institucionais que têm ênfase em materiais bibliográficos (teses,
dissertações, livros, entre outros), o
UFPA Multimídia reúne produções em
formatos multimidiáticos que também
são frutos de pesquisa na UFPA, como
Maria Ataide Malcher: Uma timoneira
comprometida com a Comunicação
129
videoaulas, catálogos fotográficos, depoimentos gravados, aulas em apresentação de slides, debates em áudio sobre temas diversos, entre outros conteúdos
(MALCHER et al., 2012).
Para desenvolver um banco de fácil acesso e busca foi necessário estudar e
reconfigurar o sistema de catalogação que repositórios de materiais bibliográficos geralmente utilizam. Informações específicas de recursos multimídia, como
duração da peça, extensão do arquivo e a própria ficha técnica, foram incorporadas à catalogação a fim de disponibilizar o máximo de informações sobre
esses materiais e facilitar a busca e recuperação das informações no repositório:
“Mesmo ainda sendo vista por alguns como uma produção estritamente técnica, esses conteúdos fazem parte da produção do nosso tempo já que os meios de
comunicação massivos ou não e as tecnologias digitais fazem parte e são expressões de nossa cultura” (MALCHER et al., 2012, p. 10).
Atualmente, o UFPA Multimídia reúne mais de 300 conteúdos nos diferentes formatos multimídia produzidos por pesquisadores de diversas áreas de
conhecimento que entendem, assim como Maria Ataide, que a comunicação
da ciência está muito além de uma simples prestação de contas com a sociedade, mas envolve o desejo de fazer com que o seu trabalho como professores
e pesquisadores da Universidade seja significativo para transformar realidades,
promover uma educação ampla e gerar cidadania (MALCHER; COSTA; LOPES, 2013).
Assim, de uma prática rotineira de pesquisa, a comunicação da ciência se
tornou objeto de estudo e permanente experimentação e reflexão para Maria
Ataide em todos os projetos que desenvolve, seja como tema principal, seja
baseando concepções e objetivos. Em publicações mais recentes, Maria Ataide
tem investido no compartilhamento de algumas dessas reflexões sobre a comunicação da ciência como tema de pesquisa na área da Comunicação, o que tem
resultado na orientação de trabalhos científicos em nível de iniciação científica
e mestrado, pois entende que “a comunicação é inerente ao processo de construção de conhecimento científico na contemporaneidade” (COSTA; MALCHER; LOPES, 2013, no prelo).
A reflexão teórica sobre comunicação da ciência passa pela defesa da necessidade de compreendermos a complexidade da comunicação como processo social responsável por estabelecer e reconfigurar as relações entre os
sujeitos e as instituições. Tão importante quanto o estudo do que se constituem os processos comunicacionais é a reflexão da ciência contemporânea
como prática não alheia à cultura, o que significa, portanto, que os diversos
conhecimentos científicos construídos estão articulados aos contextos sociais
130
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
do pesquisador. Assim, “compreender a ciência e a cultura como integrantes
de um mesmo processo (de construção de conhecimento) facilita que percebamos que também a comunicação é intrínseca a esse processo” (LOPES;
COSTA; MALCHER, 2013, p. 14).
Nessa perspectiva, Maria Ataide também tem se dedicado a colaborar na
organização de uma série “Comunicação, Cultura e Amazônia”, com docentes
do programa de pós-graduação (PPGCOM), que tem por objetivo registrar a
aproximação da área da Comunicação com temas pertinentes à Amazônia: “propomos que o foco investigativo recaia sobre as inúmeras questões que formam o
ambiente amazônico em suas múltiplas ações comunicativas e, portanto, culturais” (LIMA; MALCHER, 2010, In: AMARAL FILHO; CASTRO; SEIXAS,
2010). Maria Ataide e docentes cadastrados nesse programa concentraram-se
nos capítulos que integram o primeiro volume.
Em 2011, no entanto, “a proposta reuniu produções de diferentes pesquisadores dedicados a compreender a complexidade que envolve as questões
comunicacionais nesta região” (MALCHER, SEIXAS, LIMA, AMARAL FILHO, 2011), evitando a endogenia. No momento, a terceira edição encontra-se em fase de finalização, reunindo artigos de pesquisadores de diversas
partes do país, pois “se pretende aberto às diferentes vozes, com o objetivo
maior de divulgar reflexões que tenham como campo prioritário o das ciências da comunicação” (LIMA et al., 2010, in: AMARAL FILHO; CASTRO;
SEIXAS, 2010).
Maria Ataide Malcher: Uma timoneira
comprometida com a Comunicação
131
Considerações
“A rede do meu destino, parece a de um pescador. Quando retorna vazia,
vem carregada de dor. Vivo num redemoinho. Deus bem sabe o que ele faz.
A onda que me carrega, ela mesma é quem me traz”.
Entendemos que os esforços de Maria Ataide direta ou indiretamente estão
voltados a compreender a área da Comunicação, tanto a partir da perspectiva teórico-prática de produção do campo, quanto a partir da atuação da área em diálogo
com outros campos. Um empreendimento de pesquisa publicado em 2012 como
capítulo no Panorama da Comunicação e das Telecomunicações do IPEA foi o
levantamento da “Memória da História do Campo Comunicacional no Norte do
Brasil”. Nesse texto, Maria Ataide reúne informações sobre o desenvolvimento
dos cursos de graduação e pós-graduação em Comunicação na Região Norte,
assim como mostra o movimento recente de participação de pesquisadores e estudantes em fóruns de comunidades científicas nacionais e internacionais da área.
De modo geral, nas mais diversas linhas de atuação, podemos considerar, ao
final dessa análise pela trajetória de Maria Ataide, que seu desafio principal tem
sido se aproximar e refletir sobre cenários desconhecidos para os próprios moradores da Região Norte e reforçar a necessidade de olhar e produzir conhecimento
na e para a própria Amazônia. Trata-se de uma construção de conhecimento que
se dá a partir de um olhar de dentro para fora, possibilitando observar os aspectos
comunicativos que constituem as realidades regionais e que não necessariamente
se encaixam ou cabem nos modelos teóricos e de análise externos à região.
Por isso, como Maria Ataide explicita em diversos textos, também é urgente a
formação de recursos humanos na e para a região, no sentido de potencializar esforços de pesquisa das realidades comunicacionais que se fazem presentes no Norte do país para encontrar respostas para muitos questionamentos que incomodam
os estudiosos da área, e mesmo para pensar em novas inquietações que podem
reconfigurar a forma como produzir conhecimento na área da Comunicação.
Sobre a pesquisa na Amazônia, Mello (2007, p. 15) nos fala do dilema
amazônico e a condição duplamente periférica da região, que ainda hoje, se
encontra subordinada – sobretudo em aspectos econômicos e políticos – aos
interesses estrangeiros, subordinação iniciada no período em que o Brasil era
colônia de Portugal; bem como a um colonialismo interno brasileiro nas suas
diversas facetas, incluindo, a legitimada pelos próprios moradores da região.
Na perspectiva de trabalho identificada na trajetória de Maria Ataide, e partindo da contribuição de Mello (2007), é possível considerar que o Brasil pouco
sabe sobre si e parece ter pouco interesse em ampliar esse conhecimento. E isso
132
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
não porque se tenha uma postura tacanha da população das demais regiões em
relação ao Norte do país, por exemplo. Mas porque, como demonstra o professor paraense, além do colonialismo estrangeiro, a região vivencia ainda um
colonialismo interno em relação às demais partes do país que a veem apenas
como almoxarifado de reservas naturais.
Assim, dentre os desafios estimulados e vivenciados por Maria Ataide está o
de pensar uma Universidade voltada à formação de recursos humanos para que
estes atuem na “re-invenção da própria Amazônia”, tal como nos sugere Mello
(2007). Para isso, porém, a própria universidade precisa repensar seus conceitos
e estrutura e reconhecer o processo de construção do conhecimento como elemento norteador do processo de transformação social.
Nesse sentido, em diálogo estreito com Martín-Barbero (2004; 2009), observamos ainda o esforço de Maria Ataide na tentativa de registrar e legitimar
uma consciência histórica necessária à compreensão das peculiaridades da região
seja em qualquer área do conhecimento, pois como demonstra Pacheco (2010),
parte do que se escreveu e ainda se escreve sobre a Amazônia não condiz com
o que realmente constituiu a formação da região. Daí a necessidade imperativa
apontada por Mello (2007) de formar recursos que tenham certa fundamentação empírica, sem a qual nenhum pesquisador conseguirá ter uma visão realista
da região e muito menos romper com o olhar estrangeiro geralmente lançado.
Na Amazônia, é preciso trabalhar em ritmo acelerado de formação de pesquisadores ao mesmo tempo em que áreas do conhecimento como a Comunicação precisam se fortalecer. Como definiu o professor e pesquisador da UFPA,
Cristóvam Wanderley Picanço Diniz, ao considerar as condições de produção
e o número de pesquisadores que trabalham na Amazônia, “se faz nesta região, muito mais com muito menos”. É essa a realidade que, dia após dia, tem
inspirado Maria Ataide Malcher e também seus discípulos e parceiros que se
contagiam com o envolvimento e entusiasmo da pesquisadora, que como boa
timoneira agrega tripulantes no seu barco e, compartilhando conhecimento,
amplifica suas redes de relacionamentos para conduzi-los no mesmo balanço
das ondas que a fazem navegar...
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BONIN, Jiani Adriana; ROSÁRIO, Nísia Martins do (Orgs.). Perspectivas
metodológicas em comunicação: desafios na prática investigativa. João Pessoa,
PB: Editora Universitária da UFPB, 2008, p. 83-102.
140
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Paula Casari Cundari:
Reflexões e iniciativas voltadas para
a comunicação regional
Maria Alice Bragança1
Paula Regina Puhl2
7º
CAPÍTULO
Paulista radicada no Rio Grande do Sul, cidadã do mundo
e defensora intransigente do jornalismo de qualidade e da
liberdade de expressão, Paula Casari Cundari destaca como
um dos momentos mais importantes de sua trajetória profissional a implantação do Curso de Comunicação Social:
habilitações Jornalismo e Publicidade e Propaganda na Universidade Feevale, de Novo Hamburgo, RS, do qual foi coordenadora de 1999 a 2002.
Diretora de Projetos da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM), na gestão
2008-2011, atualmente é professora da Universidade Feevale, onde também exerce a função de diretora de relações
internacionais desde 2003, atuando principalmente nos seguintes temas: jornalismo, comunicação, direito, liberdade
de expressão, comunicação internacional e relações internacionais.
1.
Mestrado em Comunicação Social pela PUCRS. Professora do
Curso de Jornalismo da Universidade Feevale.
2.
Doutorado em Comunicação Social pela PUCRS. Professora do
Curso de Comunicação Social e no Curso Superior de Tecnologia
em Produção Audiovisual na Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul.
Paula Casari Cundari: Reflexões e iniciativas voltadas para a comunicação regional
141
Graduada em Comunicação Social: Habilitação em Jornalismo pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) em 1978 e em Direito pela Faculdade
de Direito de São Bernardo do Campo em 1995, ela vai pontuar sua produção
acadêmica pela defesa de um diálogo entre esses dois campos de conhecimento
para o debate de questões que dizem respeito à liberdade de imprensa e ao direito à informação. É a partir do cruzamento dos olhares entre Comunicação e
Direito que se constrói a tese de doutorado “Limites da liberdade de expressão:
Imprensa e Judiciário”, orientada pelo prof. Dr. Antonio Hohlfeldt e defendida
em 2007 na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
O mestrado foi concluído em 1984 na Universidade Metodista de São Paulo, com
a dissertação “Assis Chateaubriand e a implantação da televisão no Brasil”, orientada
pelo prof. Dr. José Marques de Melo. De 1977 a 1986, foi professora da Faculdade de
Comunicação Social e Coordenadora do Laboratório de Línguas da UMESP.
De 2009 a 2012, participou do projeto de pesquisa “Mídia em Foco”, que
buscava investigar as mídias contemporâneas na constituição das identidades.
Em 2008, atuou no projeto “As mídias locais e a justiça”, da linha de pesquisa
“Mídia, cultura e tecnologia”. Atua na linha de pesquisa “Jornalismo e Convergência dos Meios”, que tem como objetivo promover estudos avançados em
jornalismo e convergência de meios.
A postura defendida com relação ao papel do jornalismo, o carisma e o carinho
com os acadêmicos, na Feevale, lhe trouxeram o reconhecimento como paraninfa
do Curso de Comunicação Social: Jornalismo em 2004, 2005, 2007, 2009, 2010,
2011 e 2012 e professora homenageada do Curso de Comunicação Social: Jornalismo, Relações Públicas e Publicidade e Propaganda em 2003 e 2006.
Como uma das organizadoras, ao lado dos professores Paula Puhl, Cintia
Carvalho e Cristiano Max Pinheiro, foi responsável pela realização, em 2010,
do XI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul, que teve como
tema: Comunicação, Cultura e Juventude, na Universidade Feevale em Novo
Hamburgo. E, em 2005, participou também da comissão que organizou o 3º
Encontro Nacional da Rede Alfredo de Carvalho, também na Feevale.
Em 2010, coordenou a área dedicada ao Direito da Comunicação da Enciclopédia da INTERCOM, participando também da redação dos seguintes
verbetes: “Censura”, “Dever de informar”, “Direito à informação”, “Direito de
ser informado”, “Direito de informação”, “Direito de resposta”, “Direito social
à informação” e “Liberdade de imprensa”3.
3.
142
Enciclopédia Intercom de Comunicação. São Paulo: Sociedade Brasileira de Estudos
Interdisciplinares da Comunicação, 2010.
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Em defesa do diálogo entre jornalismo e direito
Defendida em 2007, na Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul (PUCRS), em Porto Alegre, a tese de doutorado “Limites da liberdade de expressão:
Imprensa e Judiciário no ‘Caso Editora Revisão’”, buscou conhecer a compreensão da imprensa e do Poder Judiciário sobre os limites da liberdade de expressão, tomando por base a Decisão Judicial sobre o “Caso Editora Revisão”,
considerado paradigmático para as áreas do Jornalismo e do Direito.4 Através
da interlocução entre esses dois poderes responsáveis pelo acesso social à informação, a autora visou refletir sobre as perspectivas adotadas sobre os limites à
livre expressão. O trabalho teve como questão de pesquisa a identificação das
semelhanças e divergências das duas áreas com relação ao tema5.
A partir dessa tese de doutorado, Paula Casari Cundari centra suas reflexões
e produção teórica na defesa de um diálogo entre as áreas do jornalismo e do Direito, principalmente em questões que envolvam a liberdade de expressão e a
liberdade de imprensa. Para ampliar a discussão sobre essa problemática busca
construir um espaço de debate com artigos realizados em conjunto com colegas,
professores do Curso de Comunicação da Universidade Feevale, ou acadêmicos,
orientandos do final do curso de Jornalismo. A apresentação dos textos em encontros da Rede Alfredo de Carvalho (Rede ALCAR) e da Sociedade Brasileira
de Pesquisa em Comunicação (INTERCOM) é utilizada, assim, como forma
4.
CUNDARI, P. C. Limites da liberdade de expressão: Imprensa e Judiciário no
“Caso Editora Revisão”. Tese (Doutorado em Comunicação e Informação), 2007.
Porto Alegre: FAMECOS, PUCRS, 2007.
5.
O estudo embasou-se nos estudos norte-americanos da Comunicação e seus desdobramentos, na teoria da Escola de Chicago e na hipótese de agendamento, formulada por
Maxwell McCombs (1972), apresentada nas leituras de Clóvis de Barros Filho (1995),
Nelson Traquina (2001) e de Antonio Hohlfeldt (2001). Além disso, a tese faz uma revisão histórica sobre as transformações do conceito de liberdade de expressão, a partir dos
clássicos até os estudos atuais sobre a constitucionalização do direito à informação, com
base em John Milton (1644,1999), Stuart Mill (1859, 1978), Barbosa Lima Sobrinho
(1977, 1980), Freitas Nobre (1968, 1998), Darcy Arruda Miranda (1994), Alberto
André (2000), José Marques de Melo (1973, 2003a, 2003b) e Norberto Bobbio (1999,
2002, 2003). O entendimento do Poder Judiciário fundamentou-se na edição especial
sobre o caso da Revista de Jurisprudência, feita em 2004 pelo Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul. As inferências resultantes da análise de conteúdo da Decisão Judicial
foram interpretadas com base em Freitas Nobre (1998), Alberto André (2000), Nilson
Lage (2001) e Nelson Traquina (2001).
Paula Casari Cundari: Reflexões e iniciativas voltadas para a comunicação regional
143
de ampliar o debate. É fruto desse entendimento o artigo “Olhares cruzados: As
relações entre imprensa e Judiciário: O caso da Editora Revisão”, apresentado,
em 2007, no 5º Congresso Nacional de História da Mídia em São Paulo6.
Como participante ativa da Rede Alcar, apresenta, em 2008, no 6º Encontro
Nacional da História da Mídia no Brasil, o artigo “Da proibição das prensas à
mediação pelo Judiciário: Os 200 anos da liberdade de expressão na Imprensa
brasileira”7. Desenvolvido a partir de um recorte de seu estudo para o doutorado, revisitando autores como André (1992, 2000) e Nobre (1998) e atualizando a reflexão a partir de Leyser (1999) e Cundari (2007), o artigo examina os
limites da liberdade de expressão na imprensa brasileira, a partir de uma abordagem interdisciplinar da Comunicação e do Direito, e da constatação, na época,
da grande frequência com que o Judiciário vinha sendo acionado para mediar
contendas entre sociedade civil e mídia, inclusive mídia versus mídia. O debate
reuniu itens para o aprofundamento da discussão sobre as mudanças na legislação da imprensa, usando como ponto de partida o relatório da ONG Artigo 19
(ARTICLE 19, 2007, p. 3)8, registrando também como momentos relevantes
para uma reflexão a comemoração dos 200 anos da imprensa no Brasil e as
celebrações dos 20 anos da Constituição Brasileira, os 60 anos da Declaração
Universal dos Direitos Humanos, da ONU, e os 100 anos da Associação Brasileira de Imprensa.
Seguindo os mesmos pressupostos da tese de doutorado, a principal ideia
defendida no artigo era de que os olhares cruzados da imprensa e do Judiciário
em questões conceituais fundamentais, como a liberdade de expressão e seus
limites, apontassem para uma compreensão maior sobre as garantias do direi-
6.
CUNDARI, P. C.; BRAGANCA, M. A. Olhares cruzados: As relações entre Imprensa
e Judiciário: O caso da Editora Revisão. Anais... In: Congresso Nacional de História
da Mídia, 5, 2007. São Paulo: INTERCOM, 2007. Um desenvolvimento desse texto é
apresentado no 1º Encontro do Núcleo Gaúcho de História da Mídia, “Olhares Cruzados: Imprensa, Judiciário e os limites da liberdade de expressão” em 2008, na PUCRS,
em Porto Alegre.
7.
CUNDARI, P. C.; BRAGANCA, M. A. Da proibição das prensas à mediação pelo
Judiciário: Os 200 anos da liberdade de expressão na Imprensa brasileira. Anais... In:
Encontro Nacional da História da Mídia no Brasil (Rede Alfredo de Carvalho), 6,
2008. Niterói, RJ: Universidade Federal Fluminense, 2008.
8.
ARTICLE 19. Declaração final da missão ao Brasil sobre a situação da liberdade
de expressão. Campanha Global pela Liberdade de Expressão. São Paulo/Londres, ago.
2007. Disponível em: <www.article19.org>.
144
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
to à informação e o meio que viabiliza esse direito, o Jornalismo. O estudo
concluiu que a censura prévia assumia uma nova configuração no Brasil. Da
censura exercida pelo Estado, ou seus representantes, registrada nos primórdios
da Imprensa brasileira, ela passava a apresentar-se a partir de iniciativas da sociedade civil, ou setores dessa, que recorriam a ações do Poder Judiciário. Tomando
como base o relatório da Artigo 19, concordava que no país a existência de um
grande número de leis esparsas regulando temas específicos da Comunicação
havia “criado uma situação de incerteza legal, na qual prevalecem interpretações
divergentes e disposições duvidosas que abrem espaço para abusos contra a liberdade de expressão” (ARTICLE 19, 2007, p. 3, grifo nosso).
O texto ressaltava que, reunidos os diversos olhares sobre o tema, como a
Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Federação Nacional dos Jornalistas
(FENAJ), a Associação Nacional dos Jornais (ANJ), os ombudsmen da mídia
e representantes do Poder Judiciário, além de autores que tratam do assunto,
encontrava-se uma concordância quanto à defesa irrestrita da liberdade de imprensa e liberdade de expressão e à necessidade de adequação da legislação que
as garantem e regulam seus limites. O artigo também defendia que, a partir de
uma compreensão interdisciplinar entre a área da Comunicação e do Direito,
houvesse uma fundamentação maior sobre as questões colocadas em discussão,
aprofundando o conhecimento sobre a legislação internacional que trata do
tema, conforme recomendava a Artigo 19.
Desdobramentos do debate sobre legislação: o sigilo de fonte
Ainda com a preocupação de fazer uma reflexão unindo contribuições das
áreas do Jornalismo e do Direito, reunindo colegas do Curso de Comunicação
nessa tarefa, a autora apresenta, em 2009, no X Seminário Internacional de
Comunicação, na PUCRS, em Porto Alegre, o artigo “Sigilo da fonte: Um
debate necessário”.9 O texto defendia que, com o fim da Lei de Imprensa,
revogada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 30 de abril daquele ano,
e a desregulamentação da profissão de jornalista10, havia se criado um campo
9.
CUNDARI, P. C.; BRAGANCA, M. A. Sigilo da Fonte: Um debate necessário. In: Seminário Internacional de Comunicação, 10, 2009. Anais... Porto Alegre. Porto Alegre:
PUCRS, 2009.
10. Apenas no ano de 2013, em 12 de novembro, é que a Proposta de Emenda Constitucional 206/2012, a PEC do Diploma, já aprovada no Senado em dois turnos de
Paula Casari Cundari: Reflexões e iniciativas voltadas para a comunicação regional
145
para dúvidas sobre a abrangência do direito de sigilo da fonte. Lembrava
que a Constituição garante o sigilo da fonte diante do exercício profissional,
pelo artigo 5º, inciso XIV, afirmando que: “É assegurado a todos o acesso à
informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício
profissional”. E, dessa forma, assegurando o sigilo profissional para psicólogos,
médicos e advogados.
O artigo refletia sobre o fato de que, com o fim da exigência de diploma
de formação específica para o exercício do jornalismo, votada pelo STF em
2009, havia a possibilidade de que qualquer brasileiro que se apresentasse como
jornalista pudesse invocar o sigilo de fonte na Justiça em sua defesa. Questionava, assim, que, com o fim da exigência do diploma e a desregulamentação da
profissão, quem poderia determinar o que é exercício profissional do jornalismo
e, dessa forma, a quem caberia esse sigilo. Com relação a essa questão, o texto
apontava também para a existência de um vácuo jurídico no caso de jornalistas
que escrevem em blogs ou mantêm outro tipo de trabalho independente.
Compreendendo a questão como complexa e, por isso, merecedora de uma
análise apurada a partir do campo da Comunicação e do Direito, que permitisse
uma abordagem ampla do tema, o artigo defendia a clarificação da abrangência
do direito de sigilo de fonte, invocado, às vezes, de forma polêmica. Buscando
um exemplo para essas afirmações, o texto citava um caso de grande repercussão na imprensa brasileira na época envolvendo a então ministra da Casa Civil
Dilma Rousseff e a “Folha de S. Paulo”. A quebra do sigilo de fonte havia sido
defendida pelo próprio ombudsman do jornal, Carlos Eduardo Lins da Silva.
Em 5 de julho daquele ano, ele criticou em sua coluna a posição do jornal no
episódio da reprodução da suposta ficha criminal da ministra, sugerindo a quebra do sigilo da fonte. Lins da Silva defendeu que, se “Folha” quisesse mesmo
esclarecer o assunto, deveria identificar a fonte que lhe enviou eletronicamente
votação, teve parecer favorável da Comissão de Constituição, Justiça e de Cidadania
da Câmara dos Deputados. Antes de ser submetida ao plenário da Câmara em dois
turnos de votação, precisa ainda passar pela análise de mérito de uma Comissão Especial. (COMISSÃO especial para analisar a PEC do Diploma deve ser constituída
na próxima semana. FENAJ, 28 nov. 2013. Disponível em: <http://www.fenaj.org.br/
materia.php?id=4014>. Em 2009, por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu, pela inconstitucionalidade da exigência do diploma de jornalismo e registro
profissional no Ministério do Trabalho como condição para o exercício da profissão
de jornalista (SUPREMO decide que é inconstitucional a exigência de diploma para
o exercício do jornalismo. Supremo Tribunal Federal, 17 jun. 2009. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=109717)>.
146
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
a suposta ficha criminal da então ministra, pois, assim, o público teria como
avaliar a sua credibilidade11.
A censura à imprensa volta a ser preocupação no artigo “Dano moral e
censura, debate sobre os processos contra uma charge na imprensa gaúcha”
apresentado também em 2009 no XXXII Congresso Brasileiro de Ciências da
Comunicação em Curitiba, no Paraná12.
Em abril de 2010, a reflexão se volta sobre a censura em época de eleições. O
artigo “As práticas jornalísticas e a legislação eleitoral” é apresentado no encontro
regional da Rede Alcar em Porto Alegre.13 Considerando a possibilidade de os
jornais da atualidade enfrentarem uma “censura prévia togada”14 e, além disso,
um maior nível de exigência do leitor, que tem ao seu dispor inúmeras opções
midiáticas, surgiu o interesse em tratar o assunto a partir de uma perspectiva
que unisse reflexões das áreas da Comunicação e do Direito. O texto teve, assim,
como um dos seus objetivos o interesse em compreender os limites impostos aos
conteúdos jornalísticos pela legislação eleitoral, analisando casos que pudessem
revelar aspectos da relação dos conteúdos jornalísticos com a interpretação da
legislação eleitoral e definições dessa lei para os meios de comunicação.
11. Publicada com destaque na capa da “Folha” em 5 de abril de 2009, a suposta ficha
criminal teve sua autenticidade e o jornal admitiu não poder assegurar a veracidade do
material. Dilma apresentou, então, dois laudos técnicos que apontaram “manipulações
tipográficas” e “fabricação digital” na ficha criminal publicada pelo jornal. Apesar disso,
a “Folha” manteve o discurso de que, com o material disponível, não poderia identificar
uma eventual fraude.
12. CUNDARI, P. C.; BRAGANCA, M. A.; SILVA, Rafael R. Dano moral e censura, debate sobre os processos contra uma charge na imprensa gaúcha. Anais... In: Congresso
Brasileiro de Ciências da Comunicação: Desafios da Pós-Graduação em Comunicação:
Perspectivas e análises, 32, 2009. Curitiba: Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM), 2009.
13. CUNDARI, P. C.; BRAGANÇA, M. A.; SCHIRRMANN, Lucélia. As práticas jornalísticas e a legislação eleitoral. In: Encontro Gaúcho da Rede Alcar, 2010. GT História
da Comunicação Midiática. Anais... Porto Alegre: PUCRS, 2010.
14. É classificada no artigo como “censura prévia togada” aquela praticada pelo Poder Judiciário em suas diferentes instâncias. Essa forma de censura pode ser determinada
judicialmente a qualquer momento – algo comum quando estão em pauta os interesses
políticos – proibindo a veiculação de determinados conteúdos jornalísticos, tanto para
proteger os direitos de personalidade (honra, imagem, intimidade e privacidade), quanto para não ferir a legislação eleitoral e outras tutelas legais.
Paula Casari Cundari: Reflexões e iniciativas voltadas para a comunicação regional
147
Apoiando-se na interlocução entre Comunicação e Direito, a discussão proposta buscou suporte teórico, entre outros autores, nas obras de Carlos Eduardo Lins da Silva (2002), Neusa Demartini Gomes (2000), Edilsom Pereira de
Farias (2000) e Francisco Gaudêncio Torquato do Rego (1985)15. Com base no
estudo da evolução da legislação eleitoral brasileira, a pesquisa apontou para a
relevância da lei eleitoral 9.504/1997, sob o argumento de que foi a partir da
criação dessa que o processo eleitoral brasileiro tem se modernizado.
O texto destacou a preocupação do legislativo em manter constantemente a
lei eleitoral atualizada. Dessa forma, as falhas, brechas e omissões da lei verificadas em uma eleição são analisadas, corrigidas e supridas para o pleito seguinte.
Em 2010, quando a pesquisa foi feita, a legislação eleitoral havia sido atualizada
com a Lei nº. 12.034, de 29 de setembro de 2009. Conforme o artigo, o ponto
forte da lei citada era a liberação do uso da internet nas campanhas eleitorais, em
especial nas redes sociais, que antes eram proibidas e geradoras de grande polêmica. Registrava, também, que, na época, embora a lei eleitoral não definisse
o que caracterizaria a propaganda eleitoral antecipada e publicidade antecipada
– e sim apenas o que não caracteriza propaganda eleitoral antecipada – ela trazia
uma orientação mais ou menos satisfatória para os interessados: candidatos,
partidos, profissionais e meios de comunicação social. Esses, conforme registra
o artigo, não estavam devidamente orientados no processo eleitoral de 2008.
Para exemplificar essa constatação é apresentado um estudo de caso sobre as
entrevistas, concedidas na época, por Marta Suplicy para a “Folha de S. Paulo”
e a revista “Veja São Paulo”. Afirma o texto que, na véspera da eleição de 2008,
a legislação eleitoral foi atualizada novamente, eliminando as desorientações
que geravam autocensura e ensejavam representações eleitorais. Ao concluir, o
artigo destaca a relevância do livre fluxo das informações, ressalvando os abusos,
e defende que os meios de comunicação social devam atuar com competência
e ética. Ressalta, porém, que, apesar dos abusos, observando que o sistema jurídico brasileiro de defesa dos direitos políticos, envolvendo os meios de comunicação, deve funcionar a posteriori, por ser inconstitucional qualquer forma de
censura prévia.
Ainda em 2010, a autora analisa a relação entre censura prévia e direito à
informação no artigo “Censura prévia x direito à informação: O caso do jornal
15. FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos – a honra, a intimidade, a vida
privada versus a liberdade de expressão e informação (Porto Alegre: Sérgio Antônio
Fabris Editor, 2000); GOMES, Neusa Demartini. Formas persuasivas de comunicação política (Porto Alegre: Edipucrs, 2000).
148
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
O Estado de S. Paulo”16. O caso é registrado a luz do direito à informação,
relacionando teorias das áreas do Direito e da Comunicação, com destaque para
as questões relacionadas à liberdade de expressão e de imprensa e ao direito
constitucional à informação. Entre outros autores, recorre a aportes de Castanho de Carvalho (2003)17 e a premissas estabelecidas na tese de doutorado
de 2007. O texto aborda a “institucionalização” recorrente de censura prévia
por meio do Poder Judiciário, tendo como estudo de caso a censura imposta
ao “Estadão”, proibido de publicar matérias sobre a operação “Boi Barrica” da
Polícia Federal. É analisado o período de 31 de julho de 2009 a 1º de fevereiro
de 2010, quando o jornal rejeitou o arquivamento da ação judicial movida por
Fernando Sarney, da qual resultou a censura prévia. O artigo também examina declarações de representantes do Supremo Tribunal Federal, dando conta
da existência de censura governamental, censura estatal ou censura judicial,
termos utilizados pelos próprios ministros do STF.
Durante o período examinado, sob censura prévia, impedido de divulgar
notícias sobre a Operação “Boi Barrica”, o “Estadão” publicou, diariamente,
um calendário informando ao leitor sobre todos os passos do processo e suas repercussões, pois a decisão judicial se restringe apenas ao noticiário sobre aquela
operação. Dessa forma, os leitores podiam acompanhar o desenrolar do processo e a denúncia do envolvimento da São Luís Factoring, do grupo Mirante,
em ilegalidades, denúncia sempre repetida a cada nova notícia sobre o tema. O
artigo cita Castanho de Carvalho (2003, p. 22), para quem, no passado, “[...]
era o Estado impondo o silêncio aos órgãos da imprensa, à custa de processos monstruosos, violências físicas e todo o tipo de instrumentos de censura”.
Questiona a partir dessa citação se tal imposição ocorreria apenas no passado,
ressaltando que o caso do “Estadão” é emblemático e caracteriza censura por
determinação judicial.
De acordo com a autora, hoje em dia, não se discutiria apenas a invasão do
Estado nas liberdades individuais, mas, principalmente, o conflito entre essas liberdades. De acordo com o artigo, na maioria das ações judiciais que envolvem
a imprensa, está presente o conflito normativo, ou colisão de princípio, entre
16. CUNDARI, P. C.; BRAGANÇA, M. A. Censura prévia x direito à informação: O caso
do jornal O Estado de S. Paulo. In: Congresso de Ciências da Comunicação na Região
Sul, 11, 2010. Anais... Novo Hamburgo: Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos
Interdisciplinares da Comunicação, 2010.
17. CARVALHO, Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de. Liberdade de informação e o
direito difuso à informação verdadeira. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
Paula Casari Cundari: Reflexões e iniciativas voltadas para a comunicação regional
149
liberdade de expressão (informação/imprensa) versus proteção aos direitos da
personalidade. O exercício regular de direitos está assegurado no art. 188, da
Constituição Federal: “[...] não constituem atos ilícitos: I – os praticados em
legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido”18.
O texto chama a atenção para o fato de haver uma considerável jurisprudência a respeito, que considera “a veiculação de informação jornalística que
não desborda da narrativa do fato, consubstanciada na liberdade de informação da imprensa, não é de se considerar ofensiva à honra pessoal, descabendo
reconhecer-se o dever de indenizar” (Ap. Cív. n. 70007177728, TJRS). Dessa
forma, de acordo com a autora, a ponderação entre os princípios conduz ao
equilíbrio necessário para o exercício de informar: “A imprensa encontra limites
nas garantias individuais asseguradas na Constituição Federal, sendo certo que
possui o direito de realizar a cobertura de ação policial contra terceiro, em via
pública, indevida a proibição de que fosse fotografado o acontecimento” (Emb.
Infring. 70006980593, TJRS).
A partir dessa compreensão, o artigo ressalta que, quando notícias sobre
fatos de interesse público encontram restrição por medida cautelar, como o
ocorrido com a Operação “Boi Barrica” e o “Estadão”, fica caracterizada a violação do direito de informação. Defende, assim, que essa interdição precisa da
atenção da sociedade, bem como a supervisão de pesquisadores, com o objetivo
de evitar a instalação de mecanismos dissimulados de censura, sob a aparência
de determinações judiciais.
Retomando a compreensão de que o acesso irrestrito à liberdade de expressão
é garantido a todos e que qualquer sanção a excessos deve ocorrer a posteriori e nunca de forma preventiva, defende o artigo que o julgamento de mérito do processo
era de fundamental importância. Salienta, ainda, que o direito das pessoas envolvidas em assuntos de interesse público – direito de personalidade – não pode se
sobrepor ao direito social à informação da forma como ocorre com o “Estadão”.
O texto salienta que, ao exigir o julgamento do mérito, o “Estadão” denunciava a censura. O artigo lembra que o processo não chegou a ser examinado em
relação ao mérito, o que foi reconhecido, na época, pelo ministro Cesar Peluso:
“[...] foi julgado o pedido de liminar e não o mérito da questão”. Esse fato expunha, assim, a relevância da questão. Ao exigir o julgamento do mérito da questão,
o “Estadão” fazia uso do direito constitucional, não se satisfazendo com a simples
retirada de liminar. Dessa forma, a decisão e os efeitos jurídicos decorrentes causarão impacto social, servindo de referência para casos semelhantes.
18. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988.
150
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Ao concluir, o artigo destaca que a pesquisa possibilitou a reflexão sobre essa
e outras tensões permanentes entre a imprensa e o Poder Judiciário, levando ao
questionamento sobre a necessidade de uma legislação que proteja a sociedade
da censura prévia. Afinal, lei que trata do acesso à informação prevalece em
relação às normas restritivas e o jornalismo demanda garantias constitucionais
de liberdade de expressão e opinião. O texto também manifestava a concordância com o posicionamento do ministro Celso de Mello, que defendeu que
“[...] o poder cautelar (exercido nas instâncias inferiores do Judiciário) é o novo
nome da censura no Brasil”. Essa censura, conforme o texto, ocorre, também,
pela falta de uma decisão normativa, regulando e restringindo as ações de grupos e oligarquias, como no caso Dácio Vieira x Sarney.
Em 2011, a censura exercida pelo Poder Judiciário é debatida no artigo “A
‘censura togada’ e o direito à informação”19, apresentado no VIII Encontro
Nacional de História da Mídia, no Unicentro, em Guarapuava, no Paraná. O
texto argumentava que a censura judicial excessiva marca o panorama nacional
relacionado à liberdade de expressão e ao direito à informação nesta primeira
década do século XXI, ressaltando como o caso mais notório a decisão judicial
que colocou o “Estadão” sob censura prévia.
A censura prévia ao “Estadão” havia já sido tema de artigo no ano anterior
e, apesar dos posicionamentos e protestos, mantinha-se. Ao comemorar 136
anos em 4 de janeiro daquele ano, o “Estadão” contabilizava 132 de “vida independente”. Os proprietários do Grupo Estado descontam os cinco anos de
censura em que o jornal esteve “sob a ocupação da ditadura de Getúlio Vargas”
e contabilizaram, também, os outros períodos de mordaça: no governo de Artur
Bernardes na Revolução de 1924, pelo regime militar de 1964 e a censura prévia imposta pelo desembargador Dácio Vieira.
Conforme citação feita no artigo de relatório do Comitê de Proteção aos
Jornalistas, o Brasil estava entre os vários países da América Latina onde a censura estaria em ascensão20. O texto também menciona um relatório do Google,
revelando que as autoridades brasileiras haviam pedido a remoção de conteúdos
dos servidores da empresa em 398 ocasiões nos primeiros seis meses de 2010,
número duas vezes maior que o do segundo país listado, a Líbia. Com base
19. CUNDARI, P. C.; BRAGANÇA, M. A. A ‘censura togada’ e o direito à informação. In:
Encontro Nacional de História da Mídia, 8, 2011. GT de Jornalismo. Anais... Guarapuava, PR: Unicentro, 2011.
20. COMITÊ DE PROTEÇÃO AOS JORNALISTAS – CPJ. Ataques à imprensa 2010.
Dossiê. Disponível em: <http://www.cpj.org/>. Acesso em dezembro de 2013.
Paula Casari Cundari: Reflexões e iniciativas voltadas para a comunicação regional
151
nessas informações e constatações, o artigo propunha-se a descrever e refletir
sobre o que se tem denominado como “censura togada” e suas implicações com
relação ao direito à informação, retomando a análise, principalmente, do caso
do “Estadão”, impedido de publicar informações sobre uma operação da Polícia
Federal, a Faktor, mais conhecida como “Boi Barrica”. Em dia 29 de janeiro de
2010, o advogado Manuel Alceu Affonso Ferreira havia apresentado ao Tribunal
de Justiça do Distrito Federal uma manifestação em que sustentava a preferência
do jornal pelo prosseguimento da ação, a fim de que seu mérito fosse julgado.
Como conclusões, o artigo destacava que, apesar de formalmente garantido,
o direito social à informação, compreendido como o direito das pessoas receberem informações e saberem o que está acontecendo, enfrenta obstáculos de
natureza política, ideológica, econômica e cultural no Brasil. Argumenta que,
por esse motivo a medida judicial imposta ao “Estadão”, proibido de divulgar
notícias sobre a investigação da Polícia Federal envolvendo a Família Sarney,
caracteriza um caso exemplar e incompatível com a normalidade da vivência
democrática. O texto defende que o acompanhamento desse processo judicial
se faz necessário, pois as posições tomadas terão impacto sobre casos análogos e
ele vai expor o pensamento e a atitude dos juízes, considerados como os guardiões da liberdade individual e dos jornalistas como os portadores necessários do
direito de comunicar as ideias e as informações (LECLERC; THÉOLLEYRE,
2007, p.17)21.
A autora ressalta que pode se observar que “[...] a nova onda regional de
censura está ligada ao abuso governamental no uso de recursos legais e normativos”. Dessa forma, constitui-se em um desafio para toda a sociedade liberal-democrática encontrar um equilíbrio nesse campo. Ela ressalta que a Constituição
Brasileira reconhece e assegura o direito à comunicação no Brasil relativamente
a todos os contextos. Dessa forma, o que a Constituição está a esperar é que a
“sociedade e o Estado a façam letra viva para todos”. Citando Ferreira (1997, p.
283), salienta que isso se refere à aplicação dos princípios em caráter universal e
não somente em relação a algumas situações e em privilégios de outros22.
Ainda em 2011, a autora volta ao tema do direito à informação para examinar o caso Wikileaks – considerado na época o maior vazamento de conversas confidenciais entre diplomatas dos Estados Unidos, com a divulgação de
21. LECLERC, Henri; THÉOLLEYRE, Jean-Marc. As mídias e a justiça: Liberdade de
imprensa e respeito ao direito. Bauru, SP: Edusc, 2007.
22. FERREIRA, Aluízio. Direito à informação, direito à comunicação. São Paulo: Celso
Bastos/Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1997.
152
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
250.000 despachos confidenciais – em trabalho apresentado no GP Teorias do
Jornalismo, no XI Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento componente do XXXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação
(INTERCOM).23
O artigo afirma que o caso WikiLeaks merecia uma análise sobre o seu significado, além de possibilitar reflexões sobre os princípios do direito de informar
e ser informado. Por isso, defendia o interesse de estudar o caso à luz do direito
à informação. Seguindo pesquisas anteriores, busca relacionar teorias das áreas
do Direito e da Comunicação, com base nas reflexões realizadas anteriormente
em Cundari (2007), Cundari e Bragança (2008, 2010) e retomando autores utilizados no percurso iniciado com a tese de doutorado, Leyser (1999), Traquina
(2001), Karam (2004) e Leclerc e Théolleyre (2007), e que foram se constituindo em um marco teórico eficiente para o pretendido cruzamento de olhares entre as duas áreas. O texto reafirma que esse cruzamento de olhares entre Direito
e Comunicação pode trazer novos aportes ao exame de questões relacionadas à
liberdade de expressão e de imprensa e ao direito constitucional à informação no contexto do compartilhamento instantâneo da informação via internet.
Conforme ressalta a autora, no artigo, a internet trouxe vulnerabilidades
para o controle de informações. Citando o editor investigativo do Guardian,
David Leigh, para quem “Julian Assange foi pioneiro nisso e é algo que todos
teremos que aprender a fazer”24, ela aponta que o caso WikiLeaks trouxe como
ensinamento a consciência de que tecnologia da internet se desenvolveu a tal
ponto que imensos bancos de dados estão sendo criados, com uma quantidade
de informação sem precedentes. Essa abundância de dados acaba por facilitar
os vazamentos. Dessa forma, conforme Paula Casari Cundari, é importante que
os jornalistas aprendam a trabalhar com esses bancos de dados e retirar deles
informações úteis.
A autora defende que a democratização da informação por meio da internet
necessita de reflexões, que possibilitem relativizar o papel de profissionais de
formação tecnológica no processo de produção de notícias, como o criador do
23. CUNDARI, P. C.; BRAGANÇA, M. A. Vazamentos e vulnerabilidades: o Caso Wikileaks à luz do direito à informação. In: Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 34. XI Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação. GP Teorias do
Jornalismo. Anais... Recife: Universidade Católica de Pernambuco, 2011.
24. FREITAS, Guilherme; GUEDES, Luisa. Assange Revisitado: Segredos do WikiLeaks.
Observatório de Imprensa, n. 631, 01 mar. 2011. Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/ news/view/segredos-do-wikileaks>.
Paula Casari Cundari: Reflexões e iniciativas voltadas para a comunicação regional
153
WikiLeaks, Julian Assange. Concorda dessa forma com o editor do Guardian,
David Leigh, para quem “é preciso uma grande equipe para editar essas informações por que vazamento sem edição não significa nada” (LEIGH, 2011)25.
De acordo com a autora, o episódio WikiLeaks favorece o debate de outros
aspectos fundamentais para as práticas jornalísticas, enfatizando fragilidades
como a situação vivenciada no Brasil desde 2009 – a partir da revogação da
Lei nº 5.250/67, com a ausência de dispositivo legal que discipline o sigilo das
fontes, por exemplo. Ao finalizar, a autora reafirma o desejo de que o estudo
apresentado sobre o caso WikiLeaks possa “[...] contribuir com subsídios para
análise, no momento em que se discute um novo marco regulatório para a mídia
em nosso país, colocando em pauta questões relevantes, como: autenticidade,
motivações e consequências na democratização das informações por meio da
internet”.
A trajetória de pesquisa de Paula Casari Cundari, através dos artigos publicados e da participação em grupos de trabalho e discussão da INTERCOM e
da Rede Alfredo de Carvalho, contribui para o delineamento de um processo de
debate entre as áreas da Comunicação e do Direito. Durante essa caminhada,
produz como contribuições uma importante reflexão sobre a liberdade de expressão e de imprensa e seus limites, a censura no Brasil e a reunião de um marco teórico, articulando autores tanto da área do Direito como da Comunicação,
que podem ser apropriados por pesquisas futuras na mesma direção. Trata-se
de contribuição relevante à medida que o tema da liberdade de imprensa e da
censura judicial mantém-se infelizmente atual no Brasil.
De acordo com pesquisa feita pelo Comitê para a Proteção dos Jornalistas,
divulgada no ano de 2013, o país está entre os dez do mundo onde a liberdade
de imprensa corre perigo. De acordo com o documento: “Os querelantes tipicamente procuram ordens judiciais para impedir que jornalistas publiquem
qualquer outra informação sobre eles e para retirar do ar materiais disponíveis
on-line. No primeiro semestre de 2012, de acordo com o Google, os tribunais
brasileiros e outras autoridades enviaram à empresa 191 ordens judiciais para a
remoção de conteúdo”.
Denominado Ataques à imprensa, o relatório anual do CPJ (Comitê para
a Proteção aos Jornalistas) registra o crescimento do número de assassinatos de
jornalistas e uma “legislação restritiva que coloca em risco o jornalismo independente”. A pesquisa traz a lista “Países em Risco”, em que o Brasil superou
25. LEIGH, David e HARDING, Luke. WikiLeaks y Assange, un relato trepidante sobre cómo se fraguó la mayor filtración de la historia. Barcelona: Deusto, 2011.
154
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
os índices e, em 2012, registrou dados que o tornou o quarto país mais letal do
mundo para a imprensa. O texto afirma que: “seis dos sete jornalistas mortos
nos últimos dois anos haviam noticiado a respeito de corrupção oficial ou crime
e todos, com exceção de um, trabalhavam em áreas interioranas. O sistema judiciário brasileiro não conseguiu acompanhar o ritmo”. A pesquisa levou em consideração seis indicadores: mortes, prisões, legislação restritiva, censura estatal,
impunidade nos ataques contra a imprensa e quantidade de jornalistas exilados.
Diante desse quadro, estudos que se propõem a debater sobre a liberdade
de expressão e liberdade de imprensa são mais do que atuais, são fundamentais.
Referências
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imprensa corre risco. Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF), 18 fev. 2013. Disponível em: <http://www.sjpdf.org.br/noticias-teste/1009-censura-judicial-coloca-brasil-em-lista-de-paises-onde-a-liberdade-de-imprensa-corre-risco>. Acesso em dezembro de 2013.
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CARVALHO, Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de. Liberdade de informação e o direito difuso à informação verdadeira. Rio de Janeiro: Renovar,
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CUNDARI, P. C. Limites da liberdade de expressão: Imprensa e Judiciário
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Paula Casari Cundari: Reflexões e iniciativas voltadas para a comunicação regional
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O caso do jornal O Estado de S. Paulo. In: Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul, 11, 2010. Anais... Novo Hamburgo: Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, 2010.
CUNDARI, P. C.; BRAGANCA, M. A. Da proibição das prensas à mediação
pelo Judiciário: Os 200 anos da liberdade de expressão na Imprensa brasileira.
Anais... In: Encontro Nacional da História da Mídia no Brasil (Rede Alfredo
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CUNDARI, P. C.; BRAGANCA, M. A. Olhares cruzados: As relações entre
Imprensa e Judiciário: O caso da Editora Revisão. Anais... In: Congresso Nacional de História da Mídia, 5, 2007. São Paulo: INTERCOM, 2007. Um
desenvolvimento desse texto é apresentado no 1º Encontro do Núcleo Gaúcho
de História da Mídia, Olhares Cruzados: Imprensa, Judiciário e os limites da
liberdade de expressão em 2008, na PUCRS, em Porto Alegre.
CUNDARI, P. C.; BRAGANCA, M. A. Sigilo da Fonte: Um debate necessário.
In: Seminário Internacional de Comunicação, 10, 2009. Anais... Porto Alegre.
Porto Alegre: PUCRS, 2009.
CUNDARI, P. C.; BRAGANÇA, M. A. Vazamentos e vulnerabilidades: o Caso
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CUNDARI, P. C.; BRAGANÇA, M. A.; SCHIRRMANN, Lucélia. As práticas
jornalísticas e a legislação eleitoral. In: Encontro Gaúcho da Rede Alcar, 2010.
GT História da Comunicação Midiática. Anais... Porto Alegre: PUCRS, 2010.
CUNDARI, P. C.; BRAGANCA, M. A.; SILVA, Rafael R. Dano moral e censura, debate sobre os processos contra uma charge na imprensa gaúcha. Anais...
In: Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação: Desafios da Pós-Graduação em Comunicação: Perspectivas e análises, 32, 2009. Curitiba: Sociedade
Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM), 2009.
CUNDARI, Paula. C. Limites da liberdade de expressão: Imprensa e Judiciário no “Caso Editora Revisão”. Tese (Doutorado em Comunicação e Informação), 2007. Porto Alegre: FAMECOS, PUCRS, 2007. Disponível em:
<http://tede.pucrs.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=673>. Acesso em
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156
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Enciclopédia Intercom de Comunicação. São Paulo: Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, 2010.
FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos – a honra, a intimidade,
a vida privada versus a liberdade de expressão e informação (Porto Alegre:
Sérgio Antônio Fabris Editor, 2000); GOMES, Neusa Demartini. Formas persuasivas de comunicação política (Porto Alegre: Edipucrs, 2000).
FERREIRA, Aluízio. Direito à informação, direito à comunicação. São Paulo: Celso Bastos/Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1997.
FREITAS, Guilherme; GUEDES, Luisa. Assange Revisitado: Segredos do WikiLeaks. Observatório de Imprensa, n. 631, 01 mar. 2011. Disponível em:
<http://www.observatoriodaimprensa.com.br/ news/view/segredos-do-wikileaks>.
LECLERC, Henri; THÉOLLEYRE, Jean-Marc. As mídias e a justiça: Liberdade de imprensa e respeito ao direito. Bauru, SP: Edusc, 2007.
LEIGH, David e HARDING, Luke. WikiLeaks y Assange, un relato trepidante sobre cómo se fraguó la mayor filtración de la historia. Barcelona:
Deusto, 2011.
Paula Casari Cundari: Reflexões e iniciativas voltadas para a comunicação regional
157
Iluska Coutinho:
Azul da cor do mar televisivo e outras cores
Jhonatan Mata1
8º
CAPÍTULO
Atualmente exercendo as funções de professora associada da
Universidade Federal de Juiz de Fora, atuando como líder
do grupo de pesquisa Jornalismo, Imagem e Representação,
Membro da Diretoria da INTERCOM (Diretora Regional
Sudeste) e Diretora Editorial da SBPJor, a timoneira de mares capixabas Iluska Coutinho inicia sua carreira acadêmica em 1990, quando ingressa no curso de Comunicação da
Universidade Federal do Espírito Santo- UFES.
Na instituição, a então estudante de jornalismo transita por
diversas áreas, atuando em estágios de radiojornalismo, as-
1.
Jornalista e Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de
Juiz de Fora (UFJF). Doutorando da Universidade Federal do Rio
de Janeiro- UFRJ, na linha “Mídia e Mediações Socioculturais”.
Autor do livro “Um telejornal pra chamar de seu: identidade, inserção e representação popular no telejornalismo local” (Insular,
2013). Integra o grupo de pesquisa Comunicação, Identidade e
Cidadania, cadastrado no CNPq e o grupo de Pesquisa Telejornalismo (UFJF). Tem experiência na área de Comunicação, com
ênfase em Televisão, atuando principalmente nos seguintes temas:
telejornalismo local, narrativa, história da TV, identidade, participação popular e personagem. Atua nas especializações em Jornalismo Multiplataforma (UFJF) e Mídias na Educação (Capes/UAB).
Finalista do Prêmio Francisco Morel 2009 (INTERCOM).
Iluska Coutinho: Azul da cor do mar televisivo e outras cores
159
sessoria de comunicação, como representante estudantil e monitora em curso
de extensão em Comunicação Popular. Iluska foi uma das primeiras estudantes
de iniciação científica da UFES a apresentar trabalho em um evento científico,
na função de bolsista. Aqui já se percebe a preocupação da pesquisadora com
questões envolvendo a participação popular e a análise do interesse público no
campo da comunicação, que nortearão toda a sua trajetória no ensino de jornalismo. Com a orientação do professor Victor Gentilli, a estudante elabora o
trabalho de conclusão de curso intitulado “O fascínio da mídia: o estudo sobre
a tentação de virar notícia”.
Ancorada nas reflexões de Cremilda Medina ao apontar o surgimento das
colunas de notas na imprensa europeia, no século XVII, Coutinho ressalta que
já naquela época, as colunas seriam vistas como propagadoras de um mundo de
sonhos presentes na vida burguesa. Ideia que a autora adapta em seu trabalho,
para dizer que as colunas sociais, ao divulgar um mundo muitas vezes inacessível para a maior parte dos leitores, contribuem para alimentar o fascínio que a
mídia provoca nas pessoas. A serviço desse fascínio existe toda uma rede de profissionais de marketing, publicidade, relações públicas e um número cada vez
maior de jornalistas no papel de assessores de imprensa. O “exército da imagem
pública”, como poderia ser chamado, tem a função principal de garantir que
seu cliente/patrão tenha a mídia como aliada na difusão de ideias, interesses,
produtos, serviços, ideologias ou simplesmente do próprio ego.
Já graduada, a jornalista atua, de 1993 a 1997, com repórter, produtora,
apresentadora e editora de telejornalismo da TV Tribuna em Vitória e, posteriormente, em Brasília. A experiência de trabalhar diariamente com pautas
prioritariamente políticas, bem como exercitar o ofício, nas funções de pauteira, repórter e âncora do telejornal “Brasília na Tribuna” trariam contribuições significativas para o ensino e a pesquisa em telejornalismo nos anos
subsequentes.
É ainda na capital federal que Iluska Coutinho realiza, de 1996 a 1999, o
mestrado em Comunicação e Cultura, na Universidade de Brasília- UNB. “Colunas jornalísticas de notas: representação na imprensa – O caso Victor Hugo,
A Gazeta/ES” é o título da dissertação de mestrado, defendida sob orientação
do professor Carlos Chagas. A dissertação trata basicamente do agendamento e
influência das colunas jornalísticas de notas sobre os campos do jornalismo impresso e da política. A pesquisa empírica se refere à Coluna Victor Hugo, publicada no jornal A Gazeta-ES, e evidenciou a existência de relações de força entre
as colunas e as demais editorias e seções do jornal. Além de suscitar tomadas de
posição no espaço público as colunas desempenham, para a autora, um papel
de representação parlamentar dentro do jornalismo, encarado também como
160
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
parlamento de papel. O trabalho investiga o poder de representação das colunas
como um espaço privilegiado dentro do chamado campo do jornalismo.
Definida por seu editor, Luiz Trevisan como uma coluna de fatos, a proposta foi evidenciar ainda a negociação e/ou jogo contínuo e cotidiano entre
os produtores de notícia com assinatura e, portanto, com caráter diferencial no
todo jornal impresso e os atores do espaço público político capixaba. Para efeito
de delimitação do campo de estudo, optou-se por estudar as relações entre os
parlamentares da Assembleia Legislativa do Espírito Santo, trinta deputados ao
todo, e os produtores da Coluna Victor Hugo, além dos jornalistas encarregados
da cobertura de rotina da referida casa legislativa. Essa opção residiu no fato de
que a coluna seria recebida, preferencialmente, por esses atores da cena pública
capixaba e, em um segundo momento, a partir dos desdobramentos e repercussões de uma articulação primária, absorvida pelos leitores em geral. As reflexões
tecidas neste período dão origem ao primeiro livro de Coutinho, “Colunismo
e Poder: Representação nas páginas de jornal”. (Rio de Janeiro: Sotese, 2005).
Para Coutinho, desde a frase já popularizada “o que importa não é fato e
sim a versão”, os jornais despertam fascínio nos indivíduos de todas as classes
sociais, sejam eles leitores ou não. A inserção de seu nome ou de sua história nas
páginas desse veículo de comunicação impressa funciona como uma promessa
cumprida de reconhecimento público, visibilidade e destaque entre os leitores.
A serviço desse fascínio existe toda uma rede de profissionais de marketing, publicidade, relações públicas e um número cada vez maior de jornalistas no papel
de assessores de imprensa. O “exército da imagem pública”, expressão crucial
dos trabalhos de Coutinho tem a função principal de garantir que seu cliente/
patrão tenha a mídia como aliada na difusão de ideias, interesses, produtos, serviços, ideologias ou simplesmente do próprio ego. Com o objetivo de garantir a
inserção do nome, depoimento de determinado indivíduo e/ou empresa no espaço jornalístico dos veículos de comunicação tradicionais – rádio, TV, jornais
e revistas – são traçadas estratégias que não raro incluem tomadas de posição ou
mudanças de atitude com giro em direção às lentes e câmeras da mídia e de seus
profissionais. Como anteviu Eça de Queiroz, quase traduzindo um hábito característico da sociedade contemporânea, indivíduos têm a expectativa de “saltar
da multidão” ou nas palavras do próprio escritor “para aparecer nos jornais há
assassinos que assassinam”.
O “fascínio da mídia” apontado por Iluska Coutinho tem nuances múltiplas e vertiginosas. Isso porque, de acordo com a pesquisadora, mais do que
simplesmente ver sua imagem em um espelho, estar nos jornais é ser mostrado
e refletido para milhares de leitores, é existir para uma série de indivíduos com
os quais não se mantêm uma relação interpessoal. Como uma espécie de espeIluska Coutinho: Azul da cor do mar televisivo e outras cores
161
lho social, os jornais se apresentam cada vez mais como objeto de fascínio dos
leitores. Estar em suas páginas é existir para o universo público como um fato,
ou mais que isso, como um acontecimento. Ansiosas por se verem refletidas, as
pessoas fazem dos jornais, e em especial das colunas jornalísticas, uma meta a
ser atingida e inauguram um novo tipo de narcisismo, muito mais público, o
fascínio da mídia.
Ser notícia nos jornais diários passa a ser um referencial, algumas vezes até
estratégico, de indivíduos e instituições, uma verdadeira tensão para milhares
de pessoas. Esse “desejo” surge na medida em que as pessoas querem ver suas
imagens refletidas e contemplar-se multiplicadas com o auxílio das rotativas.
Aplicando os pressupostos das correntes da psicologia a essa situação, poderíamos dizer que, mais do que a busca da autocontemplação, através dos jornais os
leitores anseiam por reconhecimento público, possibilitado na medida em que
esses veículos estariam operando como elementos mediadores e orientadores do
indivíduo moderno.
Dessa forma, seria possível analisar a imprensa, e a sedução de seus conteúdos jornalísticos, como um novo fetiche moderno. Coutinho recorre a Sigmund
Freud para delimitar a questão do “fascínio da mídia”. Este identificava no
“mito fetichizado” quatro funções essenciais: mítica, cosmológica, sociológica e
pedagógica. Guardadas as devidas diferenças, ao tentar transpor essas categorias
para a análise das relações jornais-indivíduos no mundo moderno, poderíamos
identificar as quatro operações no processo de leitura e agregação de valor ao
produto jornal impresso. Além de inserir o indivíduo no campo da mitologia,
ao oferecer a eterna noção de que há um desconhecimento diário que precisa
ser sanado com a leitura, sempre, da próxima edição (função mitológica), os
jornais apresentam e indicam aos indivíduos uma “visão de mundo” e acabam
por cumprir a chamada função cosmológica.
Por outro lado, como mecanismo de fornecimento do real, ou de seus índices, os jornais também legitimam e validam determinada ordem social e política
vigente, levando a termo também a função sociológica. No momento em que
legitimam determinados tipos de comportamento e/ou relação pessoal, quando
fornecem modelos de conduta ou ainda ao desempenhar as chamadas funções
formativas e/ou de conscientização junto aos leitores, os jornais estariam respondendo pela chamada função pedagógica. Dentro dos jornais, algumas seções
se destacam na relação de fascínio e quase entrega dos leitores em referência ao
veículo, ou melhor, ao que é veiculado nele. É o caso dos noticiários políticos
e econômicos e especialmente das colunas. Registrando altos índices de leitura,
e por isso mesmo afirmando-se como palco privilegiado para os indivíduos, as
colunas acabam por fascinar e seduzir os leitores.
162
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
O ano de 2000 data a aprovação de Coutinho para o Doutorado em Comunicação Social na Universidade Metodista de São Paulo, UMESP, orientada pela
professora Sandra Reimão, com período sanduíche na Columbia University, sob
orientação de James William Carey. A tese, que reflete a contínua preocupação
da pesquisadora com os “modelos de conduta” observados anteriormente tem
como título: “Dramaturgia do telejornalismo: a estrutura narrativa das notícias
em televisão” e representa um dos mais importantes estudos da pesquisadora,
publicado, posteriormente, em formato de livro pela Editora Mauad- X (Rio de
Janeiro, 2012).
Uma CPI da corrupção, irregularidades no judiciário, o afundamento de
uma plataforma de petróleo. Estes e outros cenários e personagens estão inseridos na “Dramaturgia do telejornalismo”, título e conceito-chave da obra da
pesquisadora. No livro, a autora aponta para uma estrutura narrativa característica do drama nas notícias televisivas, favorecida por uma tendência intrínseca
ao veículo, à sua forma de ordenamento das informações: a serialidade. Tendo
como conceito base a concepção de “drama” proposta por Aristóteles, a autora
observa, demarca e anuncia, por meio da análise dos telejornais de rede e regionais, uma distribuição de “papéis” e consequente categorização de personagens
em vilões, mocinhos e heróis estereotipados, cuja frequência vai além das obras
ficcionais.
De acordo com a pesquisa, na estruturação de notícias e reportagens ancoradas numa narrativa dramática, tanto em nível local quanto nacional, as ações se
desenrolam na medida em que nos são dados a conhecer os personagens e ainda outros elementos daquela estória, tais como cenário, contextos, referências
temporais. Tais fatores permitem observar fronteiras – se não demarcadas – ao
menos próximas entre telejornalismo e show, com a conversão de tecnologia
e tradição em estratégias comerciais ou editoriais que tentam posicionar cada
edição no campo do “jornalismo”.
Para Coutinho, embora diante das definições clássicas de jornalismo possa
soar como heresia, não figura como algo forçoso o paralelo entre notícia e drama
caracterizando uma “dramaturgia do telejornalismo brasileiro”. A convergência
não apenas é possível como pode ser considerada um modelo hegemônico nos
telenoticiários nacionais veiculados em rede, tanto os de caráter público quanto
naqueles veiculados em televisões de âmbito privado.
Em um primeiro momento a dramaturgia dos telejornais, no modelo veiculado em rede, foi evidenciada pela existência de conflito narrativo como
característica central em todas as matérias veiculadas. Seria através desses
conflitos, quase sempre ressaltados no texto dos apresentadores de cada programa, na chamada cabeça de locutor, que a(s) narrativa(s) do telejornal se
Iluska Coutinho: Azul da cor do mar televisivo e outras cores
163
organizaria(m). A estruturação do noticiário televisivo em torno de problemas, ações e disputas guardaria semelhanças com o que classificamos como
um drama cotidiano.
A forma de contar uma história em nossos telejornais, especialmente o padrão ou roteiro para construção de uma matéria com texto, som e imagem,
seria o segundo aspecto dessa dramaturgia, constatado por meio da análise de
edições do Jornal Nacional e Jornal da Cultura e, posteriormente, por edições
de telejornais locais da Zona da Mata de Minas Gerais. A identificação da existência de personagens no texto noticioso, de maneira latente ou manifesta, e
ainda o papel representado por cada um deles na representação dos fatos foram
investigados durante a pesquisa, tomando sempre como matriz os modelos e
estereótipos comumente presentes em obras dramáticas, ficcionais. Assim, os
conflitos que se desenvolveriam em tela teriam como elemento comum a busca
de sua resolução, através das ações dos personagens da estória, da narrativa. É a
partir deste conflito ou de uma intriga que se desenrolam as ações, na medida
em que nos são dados a conhecer os personagens e ainda os outros elementos
daquela estória, tais como cenário, contextos, referências temporais.
Nos telejornais esse “marco inicial”, de apresentação inicial do conflito,
ocorre no texto de abertura das matérias, interpretado pelos locutores-apresentadores como uma espécie de “convite” ao acompanhamento de cada VT ou
matéria. Talvez por isso, no jargão profissional, esse elemento de composição do
telejornal receba o nome de “chamada” ou “cabeça de apresentação”.
As ações, os personagens e ainda a oferta de uma mensagem moral são também componentes essenciais de uma narrativa dramática, Podemos delimitar,
sem medo, uma espécie de cast de “personagens” que são apresentados nas notícias televisivas. Aliás, é interessante a observação de Coutinho de que, essa
nomenclatura se tornou comum mesmo no jargão profissional. Nos telejornais
analisados durante a pesquisa percebemos que alguns papéis concentram a “atuação” dos personagens nos VT’s estudados, ofertando tipos mais frequentes:
mocinhos, vilões e vítimas. Essa predominância tem, segundo Coutinho, estreitas ligações com o fato de que as narrativas trazem em si os registros ou conexões
com a já tradicional luta Bem-Mal e, na medida do possível, utilizam-se da
estória narrada para reforçar valores morais e de conduta.
Para além dos personagens, a utilização exacerbada dos recursos audiovisuais
como “sobe som” e “vinhetas” poderia ser considerada como a representação,
ou imitação, do canto como elemento integrante desta “receita dramática”. Por
sua vez, o tom emocional dos textos em geral, com destaque para aqueles lidos
pelo apresentador e, sobretudo para seu encadeamento ou paginação da edição
exibida, garantem o apelo do espetáculo, aqui noticioso.
164
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
A preferência e/ou opção editorial por determinados temas para garantir o
encadeamento do programa ao longo do tempo de exibição, bloco após bloco,
permite classificarmos o produto telejornal como uma grande narrativa. Modelo e referência teórica fundamental neste trabalho, é precisamente a partir dessa
perspectiva que a autora pretende compreender a narrativa. Para Coutinho, ela
é vista “como uma construção textual que valoriza a estrutura e o elemento
dramáticos” (2003, p.107). Nesse sentido, recusa-se a oposição simplista entre
narrativa e drama, uma vez que a imitação da ação também se constrói essencialmente por meio da representação convertida em um texto. No caso da
televisão e do telejornalismo, observaremos os textos e construções narrativas
presentes na imagem, nas falas de repórteres e entrevistados, nas músicas e nos
encadeamentos de todos esses elementos por meio da edição.
Sem deixar de lado a preocupação com a contextualização histórica de cada
conceito trabalhado, Coutinho elucida que a finalidade principal da narrativa,
concebida desde o princípio como forma de ensinamento presente em fábulas,
dramas e parábolas é trazer uma lição de moral, um exemplo de vida, uma
avaliação. Para que a lição se efetive, a narrativa – também no telejornal – se organiza através da criação de uma expectativa, seguida pelo surgimento ou explicitação de um conflito, tentativas de solução do problema e desfecho, positivo
ou negativo. Os chamados percursos narrativos seriam organizados a partir das
ações de um personagem com um objetivo a cumprir, meta a alcançar. Iluska
Coutinho ressalta que existem modelos narrativos utilizados no encadeamento
da história no telejornal. O primeiro está relacionado com a narrativa clássica de um drama, oferecendo ao telespectador a apresentação, o conflito e seu
desenvolvimento, com uma tentativa de solução do mesmo, seu desfecho. O
segundo modelo está mais relacionado com o jornalismo de boas notícias, com
a celebração de acontecimentos vitoriosos. Seja numa proposta de catarse, de
apologia à angústia ou de celebração, em alguns momentos o telejornalismo,
nesta perspectiva, estaria na fronteira entre informação e entretenimento, numa
tensão constante entre o bem e o mal a cada edição.
O conceito de verdade e sua utilização no jornalismo também norteiam as
reflexões de Coutinho, dando origem a artigos e capítulos em livros. Um dos
problemas centrais na filosofia, tanto no ramo da gnoseologia quanto no que
se refere aos aspectos epistemológicos, a questão da verdade é também, para a
jornalista, um dos pontos centrais de definição da qualidade e/ou validade do
trabalho de jornalistas. Ao enveredar-se pelos caminhos da “verdade”, como no
capítulo “A verdade tecida nas narrativas do telejornalismo” (do livro “Comunicação: redes, jornalismo, estética e memória”, Mauad-X, 2013), Coutinho
reflete sobre o conceito a partir de suas raízes filosóficas, com especial atenção
Iluska Coutinho: Azul da cor do mar televisivo e outras cores
165
para seu significado nas línguas originárias, para relacioná-lo à sua forma de
utilização no processo de produção da notícia.
A própria noção de notícia nos oferece pistas relevantes para o estudo do
valor Verdade no jornalismo. A notícia é comumente definida “o relato, não
o fato” (LUSTOSA, 1996, p.17). Assim poderíamos partir do princípio que o
conteúdo oferecido pelo jornal em suas páginas não seria a “verdade absoluta”,
em um paralelo com o conceito filosófico, mas a expressão da verdade, um
relato verdadeiro de uma situação delimitada. Uma vez que como produto as
matérias jornalísticas se referem a fatos isolados, muitas vezes descontextualizados, segundo críticas frequentes, elas se afastariam da verdade filosófica, que
não aceita visões atômicas. Em direção contrária do conceito discutido anteriormente, as pautas jornalísticas delimitam e recortam a realidade a ser enunciada.
Para além dos problemas decorrentes do “fracionamento” do mundo nas
páginas de jornal, há ainda a questão da interpretação. Afinal, como nos lembra
Hilton Japiassu, “os fatos não falam” (JAPIASSU, 1994, p.09). Assim, o que
vemos impresso nos jornais não é a voz dos fatos, mas de pessoas que participaram deles ou ainda que foram espectadoras dos acontecimentos, também
uma categoria carregada de julgamentos e intencionalidades. Apesar da defesa
apaixonada por alguns, especialmente aqueles imersos na realidade profissional,
da imparcialidade e/ou da objetividade da informação jornalística, há muito
estas duas categorias assumem um outro papel na análise do produto oferecido
pelos jornalistas. Assim, ao considerar a verdade jornalística como representação da realidade, estamos estabelecendo uma interpretação, aplicada ao fazer
profissional, das categorias filosóficas. E, nestes casos, é importante ressaltar os
riscos inerentes de transformação do “desvelamento” em uma distorção dos fatos, especialmente quando, no ritmo industrial de produção das notícias, há
problemas na apuração das informações. Como proposta de se constituir em
expressão da verdade, o Jornalismo tenta apagar as marcas do enunciador, de sua
produção, numa estratégia que traria legitimidade e credibilidade ao discurso
jornalístico. Assim, ele é apresentado aos leitores como o relato de uma verdade
pragmática e factual, possível de comprovação.
Como discurso que se insere na dimensão pragmática, que ganha forma
enquanto linguagem e se concretiza no ato da leitura, realiza o acontecimento
do fato no instante de sua apreensão. Desta forma se concretiza o dito popular:
“o que importa não é o fato e sim a versão”.
O estudo de diferentes “versões” dos fatos aparece, nas pesquisas de Coutinho, com o privilégio pelo jornalismo de televisão. O telejornalismo é a palavra-chave presente na quase totalidade de suas análises, tecidas não apenas a duas
mãos como também em conjunto com jornalistas com muitos anos acumulados
166
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
de experiência e prática em jornalismo de TV no Brasil e no mundo, como
Alfredo Vizeu, Flávio Porcello, João Carlos Correia, dentre outros. Para além
dos pesquisadores com vasta experiência de “navegação”, timoneiros pelos mares da pesquisa em televisão nas academias e no mercado, cumpre ressaltar o
generoso espaço divido por Coutinho com jovens pesquisadores de graduação
e pós-graduação, em projetos de pesquisa, ensino e extensão, com foco comum
na reflexão crítica que precisa ser adotada em relação ao jornalismo de televisão
e nas narrativas, sons e silêncios que a TV adota.
Merecem destaque, neste panorama, as obras “A sociedade do telejornalismo” (Vozes, 2008), “O Brasil (é)ditado” (Insular, 2012), “40 anos de telejornalismo em rede nacional: olhares críticos” (Insular, 2009) e “60 anos de telejornalismo no Brasil: história, análise e crítica” (Insular, 2010). Neste último livro,
além de organizadora Iluska Coutinho lança, em parceria com Jhonatan Mata,
seu olhar sobre a cidadania audiovisual e a natureza pública dos telejornais. O
artigo “Dos personagens à incorporação do público: uma análise sobre o lugar
do cidadão no telejornalismo”.
Para além das discussões sobre o caráter público dos telejornais, nesse texto
buscou-se compreender como o público tem sido construído ao longo dos estudos da Comunicação, e relacionar essas reflexões sobre o(s) interlocutor(es) do
telejornalismo em particular. Longe da pretensão de realizar um levantamento
intensivo, que busque dar conta da totalidade de concepções acerca do tema, a
proposta é dialogar com os olhares de alguns autores sobre o público e a audiência, a partir de nosso ângulo preferencial de análise: os processos de comunicação via telejornalismo. Jean-Pierre Esquenazi avalia que o caráter instável
do conceito de público teria levado alguns pesquisadores a optar pela expressão
sociologia da recepção, que ele considera menos ambígua. Por avaliar que essa
caracterização é insuficiente, o autor propõe que sigamos a pista dos públicos:
“as comunidades provisórias que os formam, a diversidade das respectivas reações e identidades é, no fundo, o que procuramos conhecer” (ESQUENAZI,
2006, p. 6). Ao tentar traçar uma sociologia dos públicos o autor evidencia o
que qualifica como uma relação de dependência entre as escolhas teóricas dos
pesquisadores e sua definição de públicos.
Na perspectiva desta reflexão há um interesse particular por aquelas concepções que de acordo com Esquenazi definiriam o público a partir das interações
sociais, em nosso caso especialmente a que se estabeleceria entre telejornalismo
e seus espectadores, os cidadãos. Esse grupo de estudos, de viés construcionista,
teria como característica comum principal o entendimento dos aspectos contextuais e culturais do ato de recepção. É o caso da proposta de Verón de compreensão das gramáticas de produção e também de reconhecimento midiáticos.
Iluska Coutinho: Azul da cor do mar televisivo e outras cores
167
O autor propõe que avaliemos na contemporaneidade a adequação de termos
como receptores, públicos, audiências. Segundo ele esses conceitos, assim como
as formas de medição/compreensão dos públicos, estariam em crise também
entre os responsáveis pela produção midiática, de um telejornal, por exemplo.
Uma das razões para essa “desorientação” poderia ser a crise na aceitação
da janela como metáfora da televisão “de grande público”. Se nesse modelo de
TV/público o mundo era exibido a partir de uma localização nacional, tendo
o Estado-Nação como centro da narrativa, e de sua interpretação, viveríamos
um momento em que sob o ponto de vista da produção, essa centralidade corresponde à “[...] uma configuração complexa de coletivos definidos como exteriores à instituição televisão, mas atribuídos ao mundo não midiatizado do
destinatário” (VERÓN, 2009, p. 17). Na avaliação do autor não haveria mais
clareza quanto à “forma de entrada” no universo dos leitores e das audiências,
que anteriormente tinha como padrão o perfil socioeconômico-demográfico.
Essas variáveis de caráter objetivo acabavam por serem interpretadas e garantir
uma espécie de imagem ou impressão prévia acerca do seu papel no processo comunicativo, entendido como prática cultural. Para o autor as lógicas do vínculo
social não se fazem mais a partir das estratégias ou locais convencionais.
Nessa perspectiva a proposta de Vera França e Roberto Almeida, retomada
por Coutinho, de relacionar os acontecimentos, jornalísticos em particular, e a
constituição de um público parece ser particularmente proveitosa a partir de sua
articulação pelo conceito de experiência. Ao entender o acontecimento como
uma forma de acionamento de quadros de sentido, e interpretação da realidade,
os autores defendem que a veiculação das notícias, entendidas como (narração
do) acontecimento materializado em um telejornal, por exemplo, convocaria
os indivíduos a se posicionarem sobre a temática, e a partir dela no mundo.
Seria ao experimentar coletivamente um fenômeno, no caso dos telejornais o
(re)conhecimento do que seria relevante na cidade ou nação, que se constituiriam os públicos. A compreensão da audiência ou do público de um telejornal
implicaria uma percepção também compartilhada, de informações, atitudes e
emoções que seriam resultantes ou não da publicização de determinadas narrativas. A partir da contribuição de Quere ou autores propõem que se considere
o público em agente e paciente das experiências, narradas pelos telejornais no
caso de nossa reflexão.
Essa compreensão reforça as avaliações de Esquenazi e Hartley, entre outros autores, acerca da dificuldade e imprevisibilidade dos públicos. E, se na
sociologia dos emissores, como também se refere aos estudos de newsmaking,
haveria o estabelecimento de padrões e/ou critérios para ordenar ao menos aparentemente, a imprevisibilidade envolvida nos processos de produção da no168
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
tícia, os envolvidos com a produção de televisão “imaginam públicos para os
quais se dirigem emissões que são vendidas aos anunciantes” (HARTLEY apud
ESQUENAZI, 2006, p.77). Além disso, ao assistir os telejornais, foco de nossa
reflexão, cada membro do público se saberia parte de uma “multidão invisível”,
ou de uma “comunidade imaginada”.
De forma mais específica no que se refere aos estudos do telejornalismo, é
importante recuperar a hipótese da audiência presumida, tal como formulada
por Alfredo Vizeu (2005). Segundo a tese do autor, as imagens que os jornalistas
constroem da audiência vão orientar todo o processo de construção da notícia,
incluindo as operações de seleção, narração e edição, resultando em produtos
finais que são socialmente (re)conhecidos como as notícias de um telejornal, ou
“o que de mais importante aconteceu no Brasil e no mundo”, para usar a expressão já padrão do editor chefe do Jornal Nacional, William Bonner.
A partir da contribuição de Tönnies (2006, p. 86), que estabelece como pré-condição para a formação do público, a existência de um vínculo de confiança,
estima e respeito, entre veículo (telejornal) e receptor (telespectadores, no caso
de nossa análise), interessa-nos compreender as estratégias utilizadas no telejornalismo para garantir essa relação de pertencimento mútuo. Nossa hipótese é
que o telejornal “simularia” ao narrar/construir o mundo uma espécie de diálogo com o público, por quem desejaria ser aceito.
A partir das discussões acerca do público, e de sua relação com os telejornais, e da proposta de refletir vínculos estabelecidos entre (tele)jornalistas e sua
audiência, apresenta-se, nesse texto as evidências do que poderia ser entendido
como a incorporação do telespectador, das vozes dos cidadãos na narrativa telejornalística. Para isso dois componentes da dramaturgia mereceram destaque
na análise realizada: os personagens e a lição moral oferecida. Os dados foram
construídos em diálogo com as promessas da televisão (JOST, 2004), e do telejornalismo em particular.
Tanto no telejornalismo local quanto no veiculado em rede nacional de televisão, o grupo mais numeroso entre os falantes dos telejornais é o de cidadãos
comuns, identificados nesse texto pela expressão “populares”, embora em um
tempo reduzido de cidadania midiática. A diferença fundamental percebida
entre os programas que tratam da cidade/região e da nação diz respeito ao papel que cabe ao público na edição dos telejornais. Se nos telejornais locais a
população assume um papel mais ativo, de protagonismo nas histórias tecidas
audiovisualmente, e por vezes utiliza-se de emissoras de TV para reivindicar
seus direitos, há nos telejornais de rede uma espécie de despolitização das vozes.
Assim, se em nível local há um público mais participativo, nacionalmente
o cidadão que emerge oferece quase sempre um relato emocionado, a partir de
Iluska Coutinho: Azul da cor do mar televisivo e outras cores
169
sua experiência de vida, que na maioria das vezes legitima o discurso proferido
por repórteres e apresentadores. Apesar de seguirem o mesmo modelo narrativo,
a escalação dos papéis que cabem aos cidadãos é diferenciada nos telejornais
locais e naqueles veiculados em rede nacional. Nos primeiros os telespectadores
assumem em geral papéis positivos; são mocinhos e heróis que por meio de
suas experiências bem sucedidas ajudam a construir a(s) identidade(s) local(is)
e, muitas vezes, a da própria emissora. Ainda que nos limites de certa forma
padronizados na edição telejornalística, os telespectadores inseridos nas narrativas televisivas são cidadãos ativos. Além disso, é muitas vezes por meio de seus
depoimentos, das vozes dos populares incorporadas ao telejornal que são oferecidas as lições morais ao final das matérias veiculadas. Dessa forma as emissoras
locais acabam por reforçar uma relação de parceria, e proximidade com seu
público, que poderia ter “um telejornal para chamar de seu”.
A preocupação de Coutinho com as audiências e suas identidades permanece na organização do livro “O Brasil (é)ditado” (Insular, 2012), que inaugura a
Coleção Jornalismo Audiovisual. A ideia da coleção surgiu em encontros científicos que reuniram em 2012 os integrantes da Rede Nacional de Pesquisadores em Telejornalismo da Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo
(SBPJor). Ao analisar o “espaço público telejornalístico”, a autora salienta que
na esfera pública midiatizada a disputa passa a ser por visibilidade, possibilidade
de presença ainda que simbólica. Nessa perspectiva, o consenso não seria resultado de debates ou argumentações características da esfera pública burguesa,
mas seria “fabricado”, ou narrado, especialmente pela televisão e, nela, pelos
telejornais.
Em referência ao título do livro, o Brasil (é)ditado especialmente nas edições dos telejornais, e por meio delas se reconhece. Dessa forma, ao colocar em
cena determinados temas e/ou atores de determinada sociedade os telejornais
acionam uma esfera pública mediatizada. Coutinho salienta que nesse elogio do
grande público, tal qual postula Dominique Wolton ao definir as relações entre
público e TV, há sempre duas dimensões em cena: técnica e social.
Por meio das duas dimensões constitutivas da televisão, técnica e social e/
ou da esfera pública midiatizada, individual e coletiva, seriam tecidos os laços
entre o telejornal e audiência. Uma espécie de laço social tecido a distância, da
institucionalização de uma maneira possível, acreditada, de narrar o mundo, o
noticiário de TV também construiria seus públicos.
Nesse sentido, o público telejornalístico poderia ser entendido como o conjunto de destinatários das mensagens veiculadas a cada edição. Mais que isso, ao se
expor aos telejornais, os espectadores se reuniriam em esferas públicas comunicacionais que tencionariam, ainda que potencialmente, a relação emissoras-público.
170
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
De acordo com esse entendimento, o público dos telejornais seria produzido
pelas imagens e textos veiculados pelos meios de comunicação. Princípio orientador da produção dos noticiários seriam os cidadãos, convertidos em audiência, que os legitimariam constituindo a circulação de seus discursos, matérias,
promessas em uma forma de vontade social. Essas estratégias de aproximação se
evidenciam também nas dimensões técnicas ou estéticas dos telejornais, em seus
cenários, por exemplo. Índice desse momento seria a retirada da bancada como
elemento cênico e estruturante da cena nos telejornais. Sem interposição das
bancadas entre o público e os apresentadores dos telejornais, a convocação seria
reforçada, como uma espécie de convite enunciado a cada edição.
Tais constatações nascem nas pesquisas compartilhadas por Coutinho com
a pesquisadora Renata Vargas, no grupo de pesquisa Jornalismo, Imagem e Representação, da Universidade Federal de Juiz de Fora. Ao pensar numa efetiva
incorporação do público nos noticiários televisivos, Iluska Coutinho coloca que,
inicialmente, é possível perceber tendências nessa direção, a partir do estímulo
ao envio de pautas, imagens, por meio da criação de perfis para programas jornalísticos e apresentadores nas redes sociais. Nesse caso a rede mundial de computadores poderia ser considerada uma extensão potencial dos telejornais, livres
dos limites de tempo de veiculação e da disputa por simultaneidade, e mais que
isso por uma possibilidade de ausculta das reações do público, registradas em
pageviews, comentários, compartilhamentos e (re)edições ou (re)apropriações
postadas em canais de vídeo online gratuitos.
Nas observações da autora, essa estratégia de aproximação entre o telejornal
e seu público ocorreria em duas instâncias ou direções: a dessacralização do fazer profissional, por meio do maior domínio das técnicas de gravação e edição
de vídeos pelo cidadão comum, e por outro, até em função do tensionamento
resultante do primeiro aspecto, uma maior abertura de espaço ou inserção popular. Coutinho percebe nos últimos anos um maior investimento nas matérias
televisivas quanto à utilização do povo fala, que projetaria o cidadão comum na
trama, ainda que em termos quantitativos no que se refere à ampliação de seu
tempo de fala. Desse modo, nos telejornais locais o vínculo seria mais territorial,
com proximidade real em relação aos temas e conflitos noticiados. Do outro
lado, os noticiários nacionais trazem o público inserido a partir de laços mais
afetivos e mesmo virtuais.
A análise desses laços afetivos e/ou territoriais entre a televisão e seu(s)
público(s) ganha nova perspectiva a partir de 2010, quando Coutinho se propõe a estudar o jornalismo nas emissoras públicas de TV, por meio do projeto
“Avaliação do Telejornalismo na TV Brasil – Monitoramento do cumprimento
dos direitos à comunicação e à informação”.
Iluska Coutinho: Azul da cor do mar televisivo e outras cores
171
Constituída em dezembro de 2007 a TV Brasil, primeira emissora pública de
TV em nosso país, apresentou em sua carta de princípios a busca por oferecer
ao telespectador uma programação diferenciada, de forma a complementar e
ampliar a oferta de conteúdos, jornalísticos inclusive, representava também uma
possibilidade, ou ao menos promessa, da realização de um novo modelo de telejornalismo. Como evidência de seu compromisso com o direito à informação, a
TV Brasil teria priorizado desde o início a produção de dois telejornais diários,
que seriam pautados pela difusão de notícias de interesse público, com observação das premissas de isenção e de pluralidade de opiniões como garantia de
qualidade. O projeto de avaliação propõe-se a monitorar a efetivação desse compromisso nas edições dos telejornais da emissora. Em outras palavras, busca-se
por meio do acompanhamento sistemático da produção veiculada pela emissora,
avaliar em que níveis e com qual grau de qualidade interesse público e os direitos
à Comunicação são de fato incorporados no telejornalismo da TV Brasil.
Na função atual de Membro da Diretoria da INTERCOM (Diretora Regional Sudeste) e Diretora Editorial da SBPJor e coordenando o projeto “O
telejornalismo nas emissoras públicas brasileiras: TV Brasil e Rede Minas”, financiado pelo CNPq, Iluska tem papel destacado na gestão das pesquisas em
Comunicação no país.
Merecem destaque ainda suas atividades em diversos grupos de Pesquisa, na
Faculdade de Comunicação da UFJF (com foco no ensino e pesquisa do jornalismo), nas orientações de iniciação cientifica, especializações e de Mestrado,
tendo sido coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da
UFJF, de 2010 a 2013. Em suas aulas, é nítida a preocupação com a leitura
crítica dos meios, bem como as múltiplas relações entre teorias e práticas do
jornalismo, com atenção especial para a produção de notícias e reportagens de
qualidade.
A pesquisadora se propõe atualmente a monitorar, em conjunto com o grupo de pesquisa da UFJF, a efetivação do jornalismo público nas edições dos telejornais da TV Brasil e da Rede Minas. Além do acompanhamento sistemático
da produção veiculada pelas duas emissoras, pretende-se avaliar em que níveis e
com qual grau de qualidade interesse público e os direitos à Comunicação são
de fato incorporados nos produtos de telejornalismo que são objeto da investigação, e assim contribuir para o desenvolvimento de uma epistemologia do
telejornalismo público brasileiro, conforme se discrimina no projeto. Por meio
da realização de pesquisas de recepção e do desenvolvimento acadêmico e teste
junto a telespectadores juizforanos o projeto ainda pretende contribuir para a
narrativa audiovisual contemporânea ao ofertar eventuais novos modelos e formatos a partir dos resultados de investigação e experimentação.
172
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
As reflexões estabelecidas neste projeto e também no projeto anterior deram origem ao livro mais recente organizado por Coutinho, cujo título é “A
informação na TV pública” (Insular, 2013). Fruto de uma pesquisa de mais
de três anos, a obra é uma produção conjunta entre pesquisadores parceiros e
vinculados ao Grupo de Pesquisa “Jornalismo, Imagem e Representação” da
Universidade Federal de Juiz de Fora. A publicação apresenta os resultados de
uma pesquisa, iniciada em 2010, a partir de uma demanda, e diálogo, com o
Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Era necessário
contar com olhares, da sociedade e de pesquisadores, para avaliar o telejornalismo da TV Brasil. A pesquisa teve continuidade em 2011 com o apoio do CNPq
(edital Universal).
Coutinho alerta que, embora as emissoras de televisão no Brasil sejam majoritariamente de exploração comercial, é certo que os noticiários de televisão
cumprem uma função pública fundamental no que diz respeito ao direito à
informação, e mesmo processo de (auto)reconhecimento de seus telespectadores como brasileiros. Aqui a televisão também se constitui em um importante
instrumento de informação, de acesso ao mundo por meio de seus sons, textos e imagens exibidas na tela. Essa é a premissa fundamental, quase crença,
do telejornalismo, gênero televisivo que pertence à categoria Informação, e de
muitos que têm esse tipo de programa como sua principal forma de orientação
no mundo. A jornalista recorre a Eugênio Bucci ao defender que a televisão,
mais que um veículo, atuaria como uma ideologia capaz de integrar diferentes
expectativas, desejos, e ainda aliviar tensões em um imaginário nacionalmente
construído. A importância da TV como meio de informação se tornaria ainda
maior no Brasil em função dos altos índices de analfabetismo e subdesenvolvimento, sendo sua influência maior em situações de pobreza, econômica e cultural. Seria a TV, segundo o autor, e nesta os telejornais, que definiriam no Brasil
os limites do espaço público, entendido nesses termos não como uma esfera
argumentativa, tal como na conceituação habermasiana, mas como um espaço
de visibilidade.
Dessa forma, a constituição em 2007 de uma emissora pública de televisão
no Brasil acenaria com a possibilidade, ou promessa de rompimento desse modelo de exploração comercial e busca exclusiva pela audiência. Isso porque, na
medida em que não estaria condicionado pela busca por audiência, o telejornalismo na TV pública poderia investir em formatos e conteúdos diferenciados,
eventualmente funcionando como uma espécie de padrão de qualidade na oferta de informação jornalística aprofundada na mídia televisiva.
Para Coutinho, o setor de radiodifusão funciona para a maior parte da sociedade como uma caixa-preta, cujo entendimento é impossível de decodificação,
Iluska Coutinho: Azul da cor do mar televisivo e outras cores
173
já que poucos têm a senha de acesso e um número ainda menor é capaz de traduzir o código cifrado. Esse tipo de zona de sombras contrasta com os esforços
do Estado brasileiro em promover o debate público das questões de Governo,
e de uma série de decisões políticas como a que determinou a criação do Portal
da Transparência, em 2004, e, mais recentemente, a instituição da Lei de Acesso
à Informação, de 2012. Essas estratégias têm disponibilizado para o cidadão
comum dados que possibilitam acompanhar e fiscalizar as ações dos órgãos públicos, empoderando de fato a sociedade civil, que tem assim acesso direto a
informações estratégicas sobre o uso dos recursos públicos.
No campo da radiodifusão contudo, ainda que este se constitua em um
serviço público por excelência, persiste um campo pouco (re)conhecido pelos
cidadãos, o que talvez possa ser explicado pelo histórico de operação de canais
de rádio e TV pela iniciativa privada. Certo é que, apesar de a Constituição
brasileira ter um capítulo sobre Comunicação social e garantir o direito à livre
expressão e à comunicação, observa-se que, de fato, ainda é pouco o que se tem
realizado no sentido de possibilitar uma maior democratização da produção de
conteúdos na televisão do país.
Diversos autores e ativistas do campo da democratização das comunicações
no Brasil têm debatido e buscado salientar as características diferenciais de um
canal efetivamente público de Comunicação. Apesar disso, há ainda a ausência
de lastro de significado para o que seria uma TV pública no país, onde ela é
comumente entendida como sinônimo de TV estatal, em função até da forma
tradicional de operação das emissoras educativas. Ao contrário dessa concepção,
para Coutinho uma emissora pública de televisão tem como uma de suas características paradigmáticas a independência, tanto do governo, o que a diferenciaria dos canais estatais, quanto do chamado mercado, em relação de alteridade
com as TVs de exploração comercial.
Além disso, a TV Brasil (na verdade a EBC) conta, tal como nas emissoras
públicas americana e britânica, PBS e BBC, respectivamente, com um conselho
curador, responsável por zelar pela qualidade da programação da emissora e
ainda por aprovar a implantação de novos projetos e a prestação de contas da
emissora. Para auxiliar o Conselho Curador no trabalho de acompanhamento
da programação da TV Brasil foram realizados ao longo de 2010 convênios com
instituições públicas de ensino e pesquisa. O trabalho de acompanhamento e
análise da produção jornalística da TV pública coube à Universidade Federal de
Juiz de Fora, em projeto iniciado em junho de 2010 e coordenado por Iluska
Coutinho.
Nas palavras de Coutinho, a implantação de uma emissora de TV pública se
constituiu em uma alternativa concreta para a prática de um jornalismo orienta174
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
do pelo exercício dos direitos à informação e comunicação por telespectadores.
Em linhas gerais, foram esses os contornos que delinearam os projetos, ao longo
dos quais foram construídos procedimentos e parâmetros para a avaliação do
que se estabelece como Telejornalismo Público. Isso porque, se com a TV Brasil
se inaugurava no país a oferta de televisão efetivamente pública, tornou-se importante ao longo desse processo de monitoramento e análise, elaborar instrumentos e balizas de qualidade. Compreendendo que o jornalismo em emissoras
públicas deveria estar orientado de forma genuína pelos princípios de estímulo
à educação e cidadania, buscou-se aferir por meio da observação e análise sistemática de seus programas telejornalísticos em que níveis e com qual grau de
qualidade o interesse público e os direitos à Comunicação estavam, de fato,
incorporados ao telejornalismo da emissora pública brasileira.
O desapego às amarras do esquema da distinção “forma-conteúdo” do telejornalismo “comercial”, a oferta de conteúdos voltados para as diferentes comunidades e a promoção de melhor compreensão da realidade e a representação dos
cidadãos nas reportagens são as premissas seguidas atualmente para Coutinho ao
analisar o Telejornalismo Público. A este caberia o papel de “explicar profundamente a sociedade”, sua política, seus interesses e sua pluralidade de opiniões.
A questão da diferença é tema frequente em Coutinho, configurando-se
como aspecto que deveria caracterizar o telejornalismo público. Especialmente
no que se refere ao público, os “cenários de projeção identitária” deveriam ser
construídos em relação de alteridade com o modelo veiculado nas emissoras
comerciais, com espaços para efetiva participação do espectador nas produções.
Dentre os parâmetros de qualidade na TV Brasil, Iluska Coutinho elenca a
incorporação de temáticas e agendas não representadas na mídia comercial, a
polifonia de vozes na narrativa, o tempo dedicado a cada temática nas edições.
Os estudos acerca da pluralidade de vozes que aparecem nos telejornais da
TV Brasil partiram de pressupostos teóricos de análise dramatúrgica na construção do discurso jornalístico do telejornalismo brasileiro. A aparição de vozes
variadas na elaboração e veiculação das notícias, o volume com o qual elas aparecem e o papel desempenhado por elas nesta construção são relevantes quando
se traz à tona a relação estabelecida entre os telejornais e os espectadores.
Em um momento histórico que teria como marcas o hibridismo e a multiplicidade de identidades, focos de estudo de Coutinho, um dos grandes desafios da televisão e, sobretudo do telejornalismo, seria investir na preservação
de traços e alianças locais e nacionais, processo que sofre tensionamentos por
ocorrer em um mundo no qual a globalização é fenômeno indiscutível. Nesse
processo, diferentes enunciadores, por meio de narrativas audiovisuais, tentam
reconstruir o tempo-espaço das cidades e do país.
Iluska Coutinho: Azul da cor do mar televisivo e outras cores
175
Rejeitando em seus estudos a sedutora proposta da “crítica pela crítica” da
televisão e de seus repertórios metodológicos – que em muito contribuíram
para o estabelecimento de novos olhares sobre a televisão – é relevante elucidar o enquadramento privilegiado nas reflexões de Iluska Coutinho. Seu olhar
atento e generoso se volta com atenção especial para as narrativas audiovisuais
que a televisão efetivamente produz em direção a evocar/simular a inserção do
público. Seriam essas narrativas audiovisuais que os espectadores assistiriam e
experimentariam, projetando identidades e representações do “povo na TV”,
sempre com diferentes mediações (técnicas, políticas, estéticas...) nas mais de
seis décadas de presença da televisão no Brasil e, especificamente, nas mais de
duas décadas de pesquisas de Coutinho. A preocupação com o “brasileiro” veiculada pela “TV Brasil” é um importante eixo de estruturação proposto pelo
atual modelo de análise da professora, que defende que, ao atuar como forma
de ordenamento do mundo social e de reconhecimento pelos indivíduos na
sociedade brasileira, os telejornais deveriam abrir espaço para uma sorte maior
de representação de diferentes grupos identitários. Neste contexto, as minorias
não deveriam figurar apenas em pautas específicas, nas na cobertura cotidiana,
deixando de lado o (pré)domínio de uma identidade padrão, sobretudo num
país “miscigenado” – étnica e discursivamente.
176
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Maria Cristina Gobbi:
Protagonismo Acadêmico
Paulo Vitor Giraldi Pires1
“Sou uma aprendiz. Toda minha experiência pode ser
sintetizada em um conjunto de palavras: paixão pelo
que faço!” 2
9º
CAPÍTULO
Maria Cristina Gobbi é paulistana de berço, com um coração
plural e espírito jovem. Nascida em 7 de setembro de 1959,
integra a geração de cientistas da comunicação que protagonizam o ‘grito de independência’ pelo desenvolvimento
e consolidação do pensamento comunicacional na América
Latina. É uma matemática nas aventuras da comunicação.
Uma mulher midiática, interconectada, online para a vida.
1.
É Jornalista diplomado, Mestre em Comunicação Midiática (FAAC
UNESP/Bauru) e Especialista em Linguística e Educação (UNICID). Atua como Analista de Comunicação da Assessoria de Imprensa da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). É
docente da Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Estácio de Sá – Faculdade de Ciências Sociais e Tecnológicas (FACITEC), em Brasília (DF). Colabora com o Grupo de Estudos e Reflexão da Comissão Episcopal Pastoral para a Comunicação. Membro
dos Grupos de Pesquisa Pensamento Comunicacional Latino-Americano e Comunicação Digital e Interfaces Culturais na América
do CNPq. Desenvolve pesquisa em Mídias, Religião e Políticas de
Comunicação e Cultura. Aluno do Doutorado em Comunicação da
Universidade de Brasília (UNB). E-mail: [email protected]
2.
Entrevista concedida por GOBBI, Maria Cristina. Entrevista I.
[abr. 2011]. Entrevistadores: Paulo Vitor Giraldi Pires e Allexandre Silva. Bauru, 2011.
Maria Cristina Gobbi: Protagonismo Acadêmico
177
Este breve perfil de seu itinerário acadêmico introduz ao pensamento comunicacional crítico e amplo da pesquisadora. Na academia, Gobbi, como é
conhecida entre os colegas, se destaca por sua capacidade de intercâmbio entre
as ciências exatas e sociais aplicadas e por propor o olhar multidisciplinar na
investigação dos objetos de estudos que contemplam os cenários Latino-Americanos da pesquisa em Comunicação. É bacharel em matemática com ênfase
em Processamento de Dados, com certificação obtida em 1985, pelo Centro
Universitário Fundação Santo André. Dedicou mais de 20 anos à logística, à
estatística, aos computadores e à cátedra da informática.
Na década de 1990, já acumulava várias atividades profissionais como o
ensino da matemática. Teve que deixar as aulas para acompanhar o crescimento
dos filhos. Nesta época, montou sua própria empresa de assessoria na área de
processamento de dados, na qual atendia grandes clientes. Em 1997, voltou a
lecionar e nunca mais parou.
A experiência com os números e a lógica possibilitam, hoje, sua interação e
diálogo na pesquisa com as mídias e as tecnologias digitais, criando uma linha
de compreensão do processo comunicacional por meio da matemática. Milita
nos estudos direcionados a análise do desenvolvimento dos setores midiáticos
e diversificados espaços de produção na América Latina. Percorre um caminho
híbrido, árido e ao mesmo tempo de muitas possibilidades existentes entre a
comunicação digital, interfaces culturais e cidadania.
O despertar para as ciências sociais veio acompanhado da percepção de ampliar o cenário de sua vida profissional além do universo das máquinas. Uma
breve especialização em informática levou a professora a buscar o mestrado.
Não encontrando em sua área de formação e, motivada por uma amiga, decidiu
cursar a Pós-Graduação em Comunicação. O desafio estava lançado!
A partir daí, um novo tempo começa a florescer na trajetória de Maria Cristina que entrava de cabeça nas aventuras dos estudos comunicacionais. Como
ela mesma retrata, surge então o desafio de “levar para a lógica matemática o humanismo da comunicação e vice-versa”. Eis que o destino cruza o seu caminho
com o do professor José Marques de Melo, personagem importante que apostou
nos potenciais da pesquisadora.
Em contato com os estudos teóricos comunicacionais realizados na América
Latina, mudou de foco e postura. Orientada por Marques de Melo, obteve o
título de Mestre em Comunicação Social, em 1999, com a pesquisa “Na trilha
juvenil da mídia impressa: identificação, perfil e análise dos suplementos para
jovens veiculados nos jornais diários do Brasil”.
Caminhos cruzados. Nascia aí uma parceria frutífera e amizade verdadeira.
São resultados de mais quinze anos de trabalho. O pensamento ágil e dinâmico de
178
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Cristina somado aos talentos e inovação do comunicador Marques de Melo
resultaram até agora em 17 livros que
difundem e ampliam o Pensamento
Comunicacional Latino-Americano.
Diversas iniciativas em prol da pesquisa em comunicação no Brasil trazem o contributo desses dois ícones
da academia. Podem ser considerados
“empreendedores da comunicação”
pelo determinismo na difusão do Colóquio Internacional sobre a Escola
Latino-americana de Comunicação
(CELACOM), criado em 1997. São
anos de estudos ininterruptos dedicados a Cátedra UNESCO para a fundamentação teórico-prática da Escola
Latino-Americana de Comunicação
(ELACOM).
Ao mesmo tempo em que cada um constrói seu próprio percurso científico,
eles se encontram pelo caminho. Gobbi possui grande admiração pela militância de Marques de Melo. Em 2001, ela foi responsável por escrever a primeira
biografia do professor intitulada “Grandes nomes da comunicação: a trajetória
comunicacional de José Marques de Melo”. Outras obras foram publicadas,
posteriormente, nas quais a autora resgata e organiza o potencial crítico de seu
orientador e amigo. Foi coordenadora do Acervo do Pensamento Comunicacional Latino-Americano “José Marques de Melo” e do Portal Luiz Beltrão de
Ciências da Comunicação.
O empenho e a criatividade dessas duas gerações de pesquisadores da comunicação, incentivadas por Marques de Melo, são responsáveis por documentar e historiar
os caminhos da pesquisa, seus personagens e pensadores no cenário latino. Outro
desafio estava lançado a Maria Cristina pelo professor JMM: cursar o doutorado.
Desafio aceito! O doutoramento obtido por Gobbi, em 2002, trouxe valiosa
contribuição à área, no qual desenvolveu um estudo intitulado “Escola Latino-Americana de Comunicação: o legado dos pioneiros”. Este feito deu a ela oportunidade de projeção internacional como pesquisadora, sendo considerada sua
obra, referência para a pesquisa em comunicação na América Latina.
A ousadia e perspicácia da pesquisadora a conduziram ao pós-doutorado, concluído em 2008, no Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina
Maria Cristina Gobbi: Protagonismo Acadêmico
179
da Universidade de São Paulo/PROLAM-USP, que resultou no livro “A batalha
pela hegemonia comunicacional na América Latina: 30 anos de Alaic”. Foi orientada pela renomada professora Margarida Kunsch, livre-docente na ECA-USP.
Trajetória promissora
Com uma trajetória acadêmica bem jovem, já assumiu importantes funções.
Atuou por doze anos como professora titular da Universidade Metodista de
São Paulo (UMESP), ministrando disciplinas de graduação e pós-graduação em
comunicação. Também lecionou em entidades como a Faculdade Editora Nacional (FAEC), Centro Universitário Alcântara Machado (UNIFIAM), Universidade Católica de Santos (UNISANTOS), Universidade Presidente Antônio
Carlos (UNIPAC), Universidade de Sorocaba (UNISO), entre outras.
Desde 2009, coordena o Prêmio Luiz Beltrão de Ciências da Comunicação,
realizado anualmente pela Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares
da Comunicação (INTERCOM). No período de 2008 a 2011, foi diretora-suplente da Cátedra UNESCO-UMESP de Comunicação para o Desenvolvimento Regional, coordenadora dos Projetos Experimentais.
Durante oito anos, editou o “Jornal Brasileiro de Ciências da Comunicação –
JBCC”, uma de suas atribuições no trabalho que exerceu na Cátedra UNESCO,
por onze anos. Além do trabalho à frente do JBCC, Gobbi atuou em outros meios
de comunicação como a Revista Imprensa, o Jornal da Rede Alfredo de Carvalho e a
Revista Acadêmica do Grupo Comunicacional de São Bernardo do Campo.
Após anos de experiência acumulados e um currículo admirável, em 2011, Gobbi assumiu a cadeira de titular de docência na disciplina de Teorias da Comunicação.
Teve aprovação com nota máxima no concurso público da Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) de Bauru (SP), onde também coordena o Programa de Pós-Graduação em Televisão Digital, é docente da Pós-Gradução
em nível Mestrado e Doutorado em Comunicação na mesma universidade.
A prospecção de suas produções científicas se difunde por meio dos grupos
de pesquisas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq). Coordena os grupos “Pensamento Comunicacional Latino-Americano”
e “Comunicação Digital e Interfaces Culturais na América Latina”. Integra o GT
“Mídia, Culturas e Tecnologias Digitais na América Latina” da INTERCOM,
onde estabelece diálogo com pesquisadores de diversas partes do continente latino.
Entre 2010 e 2013 foi bolsista do Instituo de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA), onde integrou um amplo estudo sobre a comunicação em todo o país,
publicado em três volumes. Com o objetivo de ampliar suas relações com a pes180
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
quisa para além das fronteiras, é sócia das entidades INTERCOM (Sociedade
Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação); ALAIC (Asociación
Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación); SBPJor (Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo), ABEC (Associação Brasileira de Editores Científicos) e ABED (Associação Brasileira de Educação a Distância).
O reconhecimento de seus trabalhos e dedicação na pesquisa pode ser ilustrado pelos inúmeros prêmios e homenagens que já conquistou. Principalmente
vindos de entidades como a Universidade Metodista e a INTERCOM.
Quadro 1 – Prêmios e Homenagens à Maria Cristina Gobbi
Reconhecimento dos serviços prestados a comunicação
Categoria
Prêmio Luiz Beltrão 2014
Reconhecimento Institucional
Entidade
Ano
INTERCOM
2014
Cátedra UNESCO
2011
de Comunicação
Reconhecimento Institucional
Dedicação e Profissionalismo
Honra ao Mérito - Reconhecimento aos inestimáveis serviços prestados
Homenagem pelos 10 anos de dedicação e
profissionalismo
Homenagem Especial à Coordenadora do Prêmio Luiz Beltrão de Ciências da Comunicação
(10 anos)
UNESP-Bauru
UMESP
2010
2009
INTERCOM
2008
UMESP
2008
INTERCOM
2007
12º Expocom - 3º Lugar - Jornalismo
INTERCOM
2005
UMESP
2005
INTERCOM
2004
UMESP
2004
INTERCOM
2003
IV Prêmio Metodista de Jornalismo - 2º Lugar
Expocom - 1º Lugar Agência Experimental Núcleo de Pesquisa em Jornalismo
III Prêmio Metodista de Jornalismo - 1º Lugar
Expocom - 1º Lugar Agência Experimental Núcleo de Pesquisa em Jornalismo
Fonte: Quadro elaborado pelo autor em julho de 2014.
Maria Cristina Gobbi: Protagonismo Acadêmico
181
Dizem que ela não gosta de homenagens, mas são merecidas. Por outro lado,
as experiências no ramo acadêmico e os serviços prestados a pesquisa rendeu-lhe
o cargo de consultora e avaliadora das condições de ensino do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), órgão ligado ao Ministério da
Educação. É a atual diretora administrativa da Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação (SOCICOM).
Difusora do Pensamento Latino-americano
Apaixonada pelas diversidades e riquezas culturais, Gobbi traz em sua identidade acadêmica algo bem peculiar, o amor pela América Latina. Sua trajetória
na pesquisa em comunicação é tecida entre os versos e as prosas do Pensamento
Comunicacional Latino-americano (PCLA). Com um posicionamento crítico,
idealista e de capacidade midiática, integra a geração de estudiosos que vem
abrindo caminhos e referenciando a pesquisa latino-americana de comunicação
para o fortalecimento das identidades culturais nacionais e regionais.
Sua projeção intelectual se dá pela capacidade de organizar e historiar o desenvolvimento da pesquisa comunicacional latino-americana. Dedica especial
atenção a sistematização de dados que referenciam e reúnem informações da
trajetória de teóricos e estudiosos deste cenário. Ao longo de mais de vinte anos,
escreve e organiza livros que tratam dos estudos comunicacionais na América
Latina. Destaca-se entre eles:
Quadro 2 – Livros/organizações de Maria Cristina Gobbi
Principais publicações entre 2001 a 2013
Título
Pensar e comunicar a América Latina
Pensamento Comunicacional Latino-Americano através da Literatura
Televisão Digital: informação e conhecimento
Teoria da Comunicação: Antologia de Pensadores Brasileiros
Ciências da Comunicação no Brasil Democrático
A batalha pela hegemonia comunicacional na América Latina: 30
anos de Alaic
Teoria da comunicação: antologia de pesquisadores brasileiros
182
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Ano
2013
2013
2010
2010
2008
2008
2004
Pensamento comunicacional latino-americano: da pesquisa-denúncia ao pragmatismo utópico
Comunicação latino-americana: o protagonismo feminino
Matrizes Comunicacionais Latino-americanas: marxismo e cristianismo
Mídia em debate: da história midiática às mediações da ciência
Contribuições brasileiras ao pensamento comunicacional latino-americano: Décio Pignatari, Muniz Sodré e Sérgio Capparelli
Grandes nomes da comunicação: a trajetória comunicacional de
José Marques de Melo
Gêneses do pensamento comunicacional latino-americano – O
protagonismo das instituições pioneiras: Ciespal, Icinform, Ininco
2004
2003
2002
2002
2001
2001
2000
Fonte: Quadro elaborado pelo autor em dezembro de 2013.
Pelo quadro é possível constatar a diversidade dos escritos que trazem a colaboração de Gobbi. Suas produções permeiam temas que vão desde as Teorias
da Comunicação, mídias, televisão digital, religião, cultura, Ciências da Comunicação, História da Comunicação até as nuances da literatura. Livros que
tornaram-se referência para a comunidade acadêmica, “cujo objetivo principal
é inventariar, resgatar e avaliar as tendências do conhecimento comunicacional
produzido na América Latina” (GOBBI, 2001, p. 269).
Uma de suas obras pioneiras retrata os 30 anos da Associación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación (ALAIC). O livro intitulado “A batalha pela hegemonia comunicacional na América Latina: 30 anos de Alaic” é
um marco valioso para os estudos da comunicação, ao resgatar a trajetória de
uma das mais importantes entidades de fomento à pesquisa no cenário latino,
a ALAIC.
Constituído de uma rica bagagem histórica, o texto inclui personagens da
comunicação que tornam o conteúdo da obra ainda mais interessante. Em um
primeiro momento, a autora se deteve em recuperar fatos relevantes das três décadas de atuação da ALAIC, sem deixar de propor uma releitura dos caminhos
percorridos pela entidade, suas contribuições e desafios.
Em outra parte do livro, é apresentada uma sólida análise dos Grupos de
Trabalho (GTs) realizados entre 1998 e 2006 nos congressos, a autora mapeou
mais de 1.576 textos, num recorte quantitativo e, por conseguinte, qualitativo,
culminando nas 278 preciosas páginas do livro que unem diferentes contextos e
cenários da comunicação na América Latina.
Maria Cristina Gobbi: Protagonismo Acadêmico
183
No prefácio da obra, a professora Margarida Kunsch (2008), destacou a
importância da pesquisa, que abriu caminhos e aportes para os estudos comunicacionais latinos. Para ela, o livro surgiu
[...] em um momento oportuno quando comemoramos os 30 anos de
existência da nossa entidade. Certamente, este trabalho da Cristina ficará
registrado como exemplo para as futuras gerações de que vale a pena
acreditar em ideais, mesmo que se vislumbrem como utópicos (KUNSCH apud GOBBI, 2008, p. 16).
Também, o professor José Marques de Melo, referência na comunicação,
introduz com chave de ouro a obra, atestando o valor das análises apresentadas por Gobbi. O estudo abre possibilidades dela percorrer os caminhos e
teorizar os cenários Latino-Americanos da pesquisa em Comunicação. E isso,
ela vem fazendo com êxito, ao trilhar nos estudos sobre o pensamento comunicacional na AL.
Naquele momento, Gobbi (2008, p. 242) já profetizava um novo tempo
para a pesquisa em comunicação na América Latina que estaria marcado por
inúmeros desafios e embates.
[...] A nossa área está cercada por reptos que eclodem em cenários diversificados, necessitando de consolidação e legitimação. Os espaços nos
centros articulados de pesquisa, como a Alaic, oferecem a institucionalização necessária para que possamos intercambiar e contemplar especificidades, quer do campo ou da área.
A visão da autora vem se concretizando. Graças ao seu empenho na pesquisa,
o Brasil conta com uma das mais completas estudiosas do time de pesquisadores
das Ciências da Comunicação na América Latina. Ela transmuta da posição de
docente e intelectual para, através de sua atuação acadêmica, configurar um
elemento de transformação cultural por meio da compreensão dos movimentos
comunicacionais latino-americanos.
Atualizando o pensamento de Gobbi sobre a ALAIC – objeto de seus estudos, verificamos que ela continua apostando nos potenciais da pesquisa em
comunicação no contexto latino. De acordo com a autora, as gerações comunicacionais das décadas de 1960 e 1970 tiveram a oportunidade de testemunhar
transformações por que estava passando toda a América Latina e poucos puderam protagonizar as mudanças.
184
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
O estudo comprova o quanto a criação e depois a sistematização dos
grupos de trabalho foram importantes para que a entidade pudesse, de
forma concreta, estimular, articular e difundir a produção dos novos conhecimentos gerados (GOBBI, 2008, p. 124).
Então, as contribuições da ALAIC, fundada em 1978, permitem a compreensão
dos problemas gerados pela emergente indústria midiática e busca propor soluções
que atendam as especificidades do continente. Os conceitos de nação, nacionalismo, espaço, lugar, fronteira, identidade têm influenciado a construção de novos
modos de pensar a experiência comunicacional, principalmente a produzida na Europa e nos Estados Unidos e trazida para a América Latina, através de pesquisadores
que retornavam de seus estudos no período. Como observa Gobbi (2008, p. 193),
faz-se necessário o conhecimento sobre as instituições de pesquisa e suas
contribuições que tornaram possíveis esboçar uma identidade latino-americana em comunicação, reavaliando o conhecimento produzido
por elas frente aos processos de globalização. A partir das várias leituras que realizamos é possível afirmar que a Alaic nasceu para ser uma
entidade capaz de congregar pesquisadores; permitir uma comunicação
plural e representativa na América Latina; apoiar, incrementar, promover
melhorias e difundir as pesquisas na área da Comunicação na região; e
capacitar recursos humanos para esse mote de investigação.
Neste tempo, Gobbi passou a atuar em diversas áreas da construção e análise
do conhecimento nacional como, por exemplo, na Cátedra UNESCO, entidade criada a fim de discutir o processo de comunicação na AL e através da qual
colaborou para a percepção das necessidades específicas comunicativas da região
na busca de políticas de construção de meios que atentem a essas necessidades.
Intercâmbio do saber
É vasto o contributo do referencial teórico de Gobbi, que reflete a amplitude
de suas pesquisas na difusão do conhecimento e ideias. Sua produção bibliográfica conta com mais de 115 artigos publicados, 43 livros e assina 62 capítulos em
coletâneas. Além de 8 textos em revistas. Possui diversos trabalhos publicados em
anais de congressos nacionais e internacionais. Paralelo aos inúmeros escritos, tem
participação ativa e efetiva em congressos, colóquios, seminários e eventos científicos dentro e fora do Brasil, ministrando cursos e palestras.
Maria Cristina Gobbi: Protagonismo Acadêmico
185
Quadro 3 – Produções científicas (artigos, resumos, livros/organizações)
Publicações de 1998 a 2013
Natureza
Trabalhos Completos em Anais/ Congressos
Artigos Completos em periódicos
Resumos
Resumos Expandidos
Capítulos de Livros
Livros
Textos em jornais/revistas
TOTAL
Convites
65
115
49
9
62
43
8
351
Fonte: Dados do Currículo Lattes da professora, Março de 20133.
Com base nos números apresentados, é possível visualizar a capacidade produtiva de Gobbi. Além dos escritos individuais, tem organizado livros e coletâneas que reúnem a contribuição de muitos estudiosos da comunicação. As
dezenas de obras publicadas referenciam as pesquisas realizadas no âmbito da
América Latina. Ela une seu potencial como escritora ao talento de um renomado grupo de pesquisadores nacionais e internacionais. O resultado surpreende.
Qualidade, diversidade e amplitude dos estudos.
Os caminhos da pesquisa escolhidos por Gobbi, a conduzem pelas interfaces
da dinâmica e diversidade científica dos estudos em comunicação na AL. Os objetos estudados concentram-se nas mídias como rádio, televisão, internet, passando pelas nuances da cultura, cidadania e abraçando as tecnologias digitais.
Trabalhando atualmente nos Programas de Pós-Graduação em Comunicação e Televisão Digital, Gobbi mantém o foco nos estudos Latino-americanos
que lhe possibilitam temas como mídia, cultura e tecnologias digitais na América Latina, o que lhe abre espaço e campo de pesquisa para a cultura popular,
tecnologias aplicadas e videojogos. Seus estudos tratam da Comunicação Cidadã nos espaços situados em Regiões Midiáticas e a Gestão da Informação e Comunicação para Televisão Digital. A partir daí, observa-se então a pluralidade de
3.
186
Dados do Currículo Lattes de Maria Cristina Gobbi. Disponível em: http://lattes.cnpq.
br/2302756561160804. Acesso em: 01 de dez. 2013.
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
temas que nascem das pesquisas orientadas pela professora e àquelas que estão
sob a sua incumbência.
Orienta projetos de pesquisa nas áreas teórica e prática de curso de graduação e dissertações nos Programas Pós-Graduação em Comunicação (mestrado e
doutorado) e no mestrado profissional em Televisão Digital (PPGCOM-PPGTVD), norteadas nas seguintes linhas: Comunicação Cidadã nos espaços situados em Regiões Midiáticas, Gestão e Políticas de Informação e da Comunicação
Midiática, Informação e Conhecimento. Nesta recente trajetória acadêmica, foram muitos os alunos orientados pela professora.
O mais curioso é ouvir dela a seguinte frase: “na pesquisa há espaço para
todas as ideias e projetos”. Isso encanta e motiva os estudantes na descoberta
de seus objetivos de pesquisa. Seus alunos são carinhosamente chamados por
ela de “bonitos e bonitas”. Tal proximidade entre professor e aluno faz com que
os trabalhos acadêmicos ganhem uma leveza e humanidade. Cada vez chegam
mais e mais orientandos. E ela gosta!
Quadro 4 – Orientação de Trabalhos de Conclusão de Curso da
Graduação, Especialização/Aperfeiçoamento, Mestrado
Natureza
Orientandos (as)
Curso de Aperfeiçoamento/ Especialização
23
Iniciação Científica
23
Graduação
35
Mestrado (incluindo em andamento)
27
Outras
4
TOTAL
112
Fonte: Dados do Currículo Lattes da professora, Março de 20134.
Gobbi também recebe inúmeros convites para participar em Bancas de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), Qualificação, Defesa de Mestrado e Doutorado. Sempre que possível, está disposta em contribuir com os colegas.
4.
Dados do Currículo Lattes de Maria Cristina Gobbi. Disponível em: http://lattes.cnpq.
br/2302756561160804. Acesso em: 01 de dez. 2013.
Maria Cristina Gobbi: Protagonismo Acadêmico
187
Quadro 5 – Participação em Bancas de Graduação, Especialização,
Mestrado e Doutorado (Qualificação e Defesa)
Natureza
Curso de Aperfeiçoamento/Especialização
Graduação
Qualificação de Mestrado
Qualificação de Doutorado
Defesa de Mestrado
Defesa de Doutorado
TOTAL
Convites
38
72
9
4
58
8
189
Fonte: Dados do Currículo Lattes da professora, Março de 2013.
A professora Gobbi gosta de dizer que as bancas são ricas oportunidades de
intercâmbio de conhecimento e novos aprendizados. Pode-se dizer que a partilha dos saberes, das experiências e ideias é algo peculiar da pesquisadora. De
fato, ela compreendeu bem o sentido de fazer ciência: difundir conhecimento.
Matemática comunicativa
As possibilidades do fazer comunicação a encanta. Em tom de brincadeira,
ela diz que “a comunicação é um processo lógico, ilógico são as pessoas que a
fazem”5. Para Gobbi, entender o processo comunicacional e chegar aos resultados aos quais ele se propõe, é necessário entender que “[...] todo processo
comunicativo é permeado por uma lógica, elos que garantam a cientificidade
das teorias e propiciam uma prática com qualidade” 6.
Com conhecimentos profundos sobre o fazer comunicacional na América
Latina, a autora tem visão ampla sobre este processo no cenário nacional e no
contexto latino americano, afirmando que “não dá para pensar uma comunica-
5.
Entrevista concedida por GOBBI, Maria Cristina. Entrevista I. [abr. 2011]. Entrevistadores: Paulo Vitor Giraldi Pires e Allexandre Silva. Bauru, 2011.
6.
Ibid, 2011.
188
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
ção que possa ser realizada de Norte a Sul, é necessário fazer adaptações, modificar, verificar e superar obstáculos” (GOBBI, 2011).
Em partes, esta percepção deve-se ao recente trabalho realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) – quando com mais quatro doutores
e estudantes realizaram profundo estudo denominado “Panorama da Comunicação e das Telecomunicações no Brasil”.
A pesquisa de carácter quantitativo e qualitativo mapeou o processo de comunicação nacional e suas peculiaridades. Apontou as tendências brasileiras na área,
tendo como escopo comparativo o cenário Latino-Americano, refletido nos indicadores sobre o ensino universitário, a educação a distância, a formação aplicada
nos espaços midiáticos, sistematizando o conhecimento acadêmico e o utilitário,
especificamente a partir da segunda década do século XXI. Para Gobbi (2011),
[...] é preciso tornar essa plataforma uma realidade nacional. O grande
desafio é que o sinal digital chegue de forma acessível aos mais distantes
locais [...] possibilitando a participação cidadã, quer pela interatividade,
portabilidade ou mesmo por todos os desdobramentos que esta tecnologia propicia.
Comungando dos fundamentos teóricos e metodológicos criados a partir das
produções Latino Americanas em comunicação, é uma entusiasta ao acreditar
que estes servem de novos aportes aos alunos e complementam os estudos europeus e americanos, mas que é preciso “divulgar, discutir e produzir”. Gobbi também acredita que a valorização da pesquisa no cenário nacional está intimamente
ligada a autoestima do pesquisador, apostando naquilo que se propõe a fazer.
Para o fortalecimento da comunicação nacional e do pensamento latino-americano, a pesquisadora acredita ser necessário o compartilhamento de informações, sendo “[...] importante que os pesquisadores saiam de suas ilhas,
participem de eventos, publiquem, em outras palavras, que divulguem suas produções como fazem outras áreas do conhecimento” (GOBBI, 2011).
Múltiplos olhares: mídias, cultura e tecnologias
Os estudos desenvolvidos por Gobbi contemplam um cenário desafiador
e instigante. Suas análises estabelecem profundo diálogo entre mídia, cultura,
tecnologias e gestão da informação. Porém, diante dessas temáticas a pesquisadora busca resgatar o compromisso social da comunicação propondo o debate
da cidadania pelos meios.
Maria Cristina Gobbi: Protagonismo Acadêmico
189
A comunicação para a cidadania privilegia o exercício de reflexão crítica nas
regiões midiáticas. Considerando a complexidade do sistema nacional de comunicação, ela visualiza a necessidade do reconhecimento dos setores midiáticos
no comprometimento com a cidadania. Para a autora, “a comunicação é um dos
pilares essenciais nos processos democráticos” (2013, p. 5).
Debruça sobre objetos como a imprensa local, as manifestações de cultura
popular, a produção midiática gerada no interior e, a partir, dos veículos de comunicação, seus atores-produtores, bem como o novo território alcançado pelas produções em mídia digital. Tem buscado neste contexto, estabelecer paralelo entre
tecnologias, práticas de inclusão e cidadania. Para Gobbi (2013, p. 1), não se pode
[...] perder de vista que as tecnologias da informação e da comunicação
são instrumentos capazes de permitir maior flexibilidade no desenvolvimento de novas práticas de aprendizagem e de vivências educacionais.
Talvez esteja neste ponto um dos desafios de utilização da tecnologia a
serviço da inclusão e da cidadania digital.
A autora vislumbra a possibilidade das tecnologias poderem auxiliar nas
transformações sociais. Por isso, se lança na análise de cenários que contemplam
as indústrias de imprensa, rádio, televisão, cinema e vídeo, internet e tecnologias
emergentes. Por outro lado, diz respeito aos serviços comerciais da publicidade,
relações públicas, agências noticiosas, bancos de dados, entretenimento, tele-educação, focalizando suas relações de poder (privado, estatal, multinacional) e
suas estratégias de interação cidadã.
A ideia debatida por Gobbi abrange os espaços gerados a partir das políticas
públicas que tratam dos direitos à comunicação e o regime de propriedade intelectual. Portanto, para ela se faz necessária “reflexão crítica das políticas públicas
brasileiras nos campos da comunicação e da informação, identificando os obstáculos e incentivos ao exercício universal do direito à informação, à comunicação
e à cidadania” (2013, p. 1).
A facilidade com que a autora transita entre o universo das tecnologias e a
cidadania, especificamente em se tratando de acesso à informação e à comunicação, demonstra sua capacidade de dialogar com a realidade social por de trás
deste cenário. Gobbi faz crítica pontual ao dizer que o desenvolvimento tecnológico, oferece “o acesso de muito, mas não de todos” (2013, p. 2).
Uma conhecedora das plataformas midiáticas e dos computadores, que vem estudando a evolução da web. Porém suas análises vão além do pragmatismo crítico para
uma abordagem sócio-política sobre o uso/acesso das tecnologias. Gobbi (2013, p. 4)
observa um cenário promissor, contudo repleto de desafios. Para a autora,
190
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
[...] podemos dizer que as tecnologias conjuntamente com sua evolução
tecnológica, especialmente com o incremento da internet, ultrapassam
todos os limites de possibilidades de inserção e de pluralidade de acesso,
sem restrições de cultura, de língua, de posições políticas e de padrões de
vida. A web não separa por sexo, cor, raça ou religião. Não existe barreira
capaz de deter a grande rede de comunicação.
Com base nesta constatação que Gobbi observa que um dos maiores desafios
das tecnologias da internet é a inclusão social, já que ainda não atinge a todos,
mas somente quem tem condições e recursos de acesso. A autora defende o uso
das tecnologias da informação e da comunicação como instrumentos capazes de
favorecer novas práticas de aprendizagem e de vivências educacionais. Ou seja,
a utilização da tecnologia a serviço da inclusão e da cidadania digital.
O questionamento apontado é embasado no contexto em que se apresenta
uma revolução dos métodos e das metodologias no processo de ensino-aprendizagem. A autora chama de “geração tecnológica-digital”, aos alunos de hoje,
que nasceram no ambiente de descoberta e da participação.
O que precisamos é a adoção das tecnologias digitais, que não significam necessariamente novos e modernos equipamentos, mas o desenvolvimento de ambiente de aprendizagem, com o uso real dos conceitos de
interatividade entre estudantes e professores. Onde a troca e a aprendizagem sejam um todo contínuo e intercambiável (GOBBI, 2013, p. 9).
Na atual conjuntura, Gobbi se arrisca a lançar um novo conceito de educação. Também se incluindo nesta realidade como professora, ela alerta: “Precisamos sair da geração do aprender e fazer, para essa que aprende fazendo”
(GOBBI, 2013, p.10).
As contribuições da autora sobre a temática comunicação e cidadania podem
ser consideradas bem atuais e com caráter futurístico, não tão distante. A visão
profética de Gobbi alerta para a real necessidade do uso das tecnologias para as
transformações sociais, “construindo novos modelos de produção e distribuição
das riquezas de criação e reprodução da cultura do país” (GOBBI, 2013, p.13).
Nadando em outros mares, desde 2008, Gobbi vem tecendo análises sobre
o estágio de implantação da Televisão Digital na América Latina. Neste cenário,
com outros pesquisadores, tem contribuído para reflexões sobre os processos
desenvolvidos e as perspectivas de futuro. A autora acredita que os avanços das
tecnologias da comunicação, como a Televisão Digital deve ter única meta: uma
sociedade mais igualitária, sustentável e democrática. Portanto, trata-se de um
Maria Cristina Gobbi: Protagonismo Acadêmico
191
desafio a ser superado para que os diversos setores acadêmicos e profissionais
possam contribuir para o desenvolvimento da vida social.
Fazendo uso de uma plataforma promissora e de crescente adesão, nasce o
primeiro e-book “Televisão Digital: informação e conhecimento” organizado
por Maria Cristina Gobbi e Maria Teresa Miceli Kerbauy, publicado em 2008,
pela Editora Cultura Acadêmica, torna-se também uma referência nesta temática. A obra é dividida em 15 capítulos e traz a colaboração de 20 autores, entre
eles, estudiosos renomados que discutem a televisão digital. Os conteúdos estão
organizados em duas partes: I – Cultura, Diversidade e Tecnologias; II – Processos, Experiências e Embates.
O debate é iniciado por Gobbi (2008, p.55) no primeiro capítulo que trata
dos “Nativos digitais: autores da sociedade tecnológica”, no qual questiona as
transformações ocorridas com a chegada do virtual, sendo necessário rever os
conceitos antigos das relações.
Na verdade, podemos afirmar que não há somente uma revolução tecnológica, as tecnologias digitais de comunicação estão mudando a própria
cultura e as formas de encarar o mundo. As relações individuais assumem
patamares ampliados nas comunidades virtuais, onde as inter-relações de
confiança e colaboração permitem a sobrevivência de inúmeros grupos
em rede, experimentando de forma “virtual” o conceito de sociabilidade,
num aparente antagonismo conceitual.
A autora amplia a discussão sobre as mídias digitais trazendo para a realidade da convivência entre as pessoas em um contexto totalmente virtualizado.
Na visão de Gobbi, todo este cenário que se apresenta é um aporte de novas
possibilidades. “De fato, é uma nova forma de rever antigos conceitos. Ou nos
adaptamos e aprendemos utilizá-las ou estaremos fadados ao esquecimento”
(GOBBI, 2008, p. 55).
Esta publicação ofertada à comunidade acadêmica (disponível online)
é resultado de reflexões de qualidade propostas pelo primeiro Programa de
Pós-Graduação em Televisão Digital da UNESP-Bauru, coordenado pelos
professores Juliano Maurício de Carvalho e Maria Cristina Gobbi – vice-coordenadora. O mestrado profissional (Stricto Sensu) foi criado em 2008 e
aprovado pela CAPES. Iniciativas como o Simpósio Internacional de Televisão
Digital (SIMTVD) integram as atividades desenvolvidas pelo Programa, no
qual a professora Gobbi está como coordenadora adjunta e presidente do Comitê Científico.
192
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
A vida com poesia
O sucesso acadêmico de Gobbi descritos nestas páginas não veio por acaso.
É resultado de muitos esforços. Ela reconhece que chegou até aqui por sua determinação e lutas. Conta com o apoio de mestres que passaram por sua vida e,
principalmente, amparada pelo carinho recebido de sua família e amigos.
“Paixão pelo que faz” define bem o lema de atuação da professora. Determinação, regada com muito bom humor, somam ao seu perfil. Ela não esconde o
desejo por novos conhecimentos e pelas possibilidades que o mundo acadêmico
oferece. É uma mulher determinada. Expressa no olhar sua energia e sinergia.
Não se detém diante dos desafios. Sempre rodeada de bons amigos e admiradores. É considerada por muitos de seus alunos como a “madrinha” dos iniciantes
na pesquisa. É chamada carinhosamente como a “princesinha do Pará”, por seu
constante diálogo com os estudos naquela região.
Filha da Sra. Eunice, casada com Sidney, mãe de Luís Fernando, Juliana e
Deborah, também é uma avó dedicada aos netos Gabriel, Pedro e a pequena
Malu. Entre os compromissos com a pesquisa, as aulas na universidade, congressos, viagens; não abre mão de cuidar do seu bem mais precioso, sua família.
Mas, ao falar da professora Gobbi, não se pode esquecer as marcas de sua essência: a humildade e a fé.
Sua infância foi regada de carinho e amor recebido dos pais. Cresceu num
ambiente familiar humilde, com dois irmãos, sua mãe Eunice e o pai, que faleceu quando ainda era pequena. Traz consigo os valores que aprendeu em casa:
Tive uma infância simples, mas feliz. Meu pai já me ensinava desde
cedo que a mulher deveria sempre ocupar lugar de destaque e para isso
deveria estudar muito para ser independente financeiramente (GOBBI, 2009, p. 12).
Aos poucos foi conquistando sua independência, honrando a data de seu
nascimento, 7 de setembro. Com a morte do pai, sua mãe teve que ir para o
mercado de trabalho e ela e os irmãos para a escola. Tempos difíceis na vida da
família que passou por necessidades de alimentação, roupa e até material escolar
para estudarem.
Um rumo novo foi dado! A Chácara dos Padres, comunidade da Igreja Católica, na cidade de São Paulo, que oferecia atividades de lazer e de formação,
acolheu Cristina e seus irmãos. Ali, ela aprendeu sua primeira profissão: pintar
santinhos e de botões de roupa. Foi assim, em meio ao estudo e as tarefas da chácara, que cresceu. Traz consigo a sabedoria de sua mãe: ter fé em tudo o que faz.
Maria Cristina Gobbi: Protagonismo Acadêmico
193
Os anos se passaram! A jovem Maria Cristina caminhou rumo ao seu destino. Seu primeiro emprego com registro em carteira foi como auxiliar de escritório de uma empresa. Passou por escrevente da prefeitura de Diadema (SP),
gerente de uma grande rede de supermercados, secretária de fabricação, analista
de suporte técnico, entre outras atividades.
Mas sua grande paixão estava na sala de aula. O desejo da busca por novos conhecimentos e a partilha do saber inquietava seu coração. Descobriu seu
potencial: aprender e ensinar. Seus alunos, ‘as bonitas e os bonitos’, somam
ao percurso protagônico da professora Gobbi. Sem eles, não teria sentido ela
continuar.
A trajetória acadêmica de Maria Cristina Gobbi já possui novos capítulos
que ainda poderão ser lidos e apreciados pelas futuras gerações. Aqui foi retratado o início da vida da pesquisadora que tem muito a oferecer para os estudos de
comunicação. Vale a pena ficar atento e seguir os passos desta ‘profetisa midiática’. Entre os erros e acertos, prevalece a paixão da professora em fazer da vida
uma eterna poesia. Com amor e respeito, tudo se torna possível. Eis diante de
você, uma voz a ser estudada, conhecida e ampliada.
Uma história para encerrar
A convite de um amigo fui assistir uma aula da professora Gobbi na UNESP,
em Bauru (SP). Era início do primeiro semestre do ano de 2010. O assunto não
podia ser outro. Ela falou do Pensamento Comunicacional na América Latina.
Surpreendeu-me a forma com que ela desenvolveu a temática. De um jeito
cativante. Fiquei encantado. Eu não a conhecia, mas me tratou como fôssemos
grandes amigos.
Ao final da aula, comentei sobre meu interesse pela pesquisa em mídia e
religião. Ela logo foi me indicando leituras e referências bibliográficas. Colocou-se à disposição para me ajudar. Voltei para casa pensativo e feliz. Aqui recordo
a frase do Pequeno Príncipe: “Você se tornará responsável por tudo aquilo que
cativar”. Só não sabia a professora que ela tinha me cativado. Então, teria que
assumir essa responsabilidade.
Decidi a partir daquele dia, seguir os passos da professora Gobbi. Nos congressos, seminários e eventos nos quais ela estava, lá também eu estava. Em cada reencontro, a mesma atenção e generosidade. Comecei a ler seus livros, artigos e me
aproximar de suas reflexões sobre as temáticas da comunicação na América Latina.
Um ano se passou. Tomei a decisão de participar do processo seletivo para o
mestrado. Mas logo me veio a dúvida: quem vai me orientar? Não pensei duas
194
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
vezes. E resolvi procurar a professora Gobbi e falar do meu interesse. Sorrindo,
ela me respondeu: envia o teu projeto e vamos conversar! Para mim aquela já era
a resposta: sim eu te aceito!
Quase aprovado no mestrado. Quando chego para a entrevista com a banca
examinadora, sou surpreendido. Fico sabendo que a professora Gobbi já tinha
entregue o aceite da orientação. Eu tinha a minha orientadora! A partir dali, eu
respondia: sou orientando da professora Gobbi. Para a alegria de muitos e inveja
boa de outros.
Foi assim. Iniciamos uma parceria na pesquisa. Produzimos diversos artigos
juntos. Mas o melhor foram os momentos de conversa a caminho da sala de
aula, nos intervalos na lanchonete, nas viagens para os Congressos. Aprendi
muito com suas aulas e ainda aprendo. A conclusão do meu mestrado não trouxe apenas a titulação de mestre. Não me possibilitou apenas novos conhecimentos. Tive a alegria de caminhar ao lado de uma profissional incrível, uma mestra em inteligência e humildade. Ela é amiga, tem coração generoso e sensível.
Como dizia Cora Coralina: “O saber a gente aprende com os mestres e os livros.
A sabedoria, se aprende é com a vida e com os humildes”.
Que desafio falar de alguém que admiramos! Em nome de muitos colegas,
quero dizer o “nosso muito obrigado” a professora Gobbi. Que seu talento e
dedicação na pesquisa continuem nos motivando. Que o mundo possa conhecer o protagonismo de uma pesquisadora que vai além dos horizontes do fazer
ciência. Estamos diante de uma mulher de muitas possibilidades. Acreditem!
“Eu sou aquela mulher a quem o tempo muito ensinou. Ensinou a amar
a vida e não desistir da luta, recomeçar na derrota, renunciar a palavras e
pensamentos negativos. Acreditar nos valores humanos e ser otimista”
Cora Coralina).
Referências
GOBBI, Maria, C. A institucionalização do Celacom. In: Matrizes Comunicacionais Latino-Americanas: Marxismo e Cristianismo. MARQUES DE
MELO, José; GOBBI, Maria Cristina; Kunsch, Waldemar Luiz; (Orgs.). São
Bernardo do Campo: Umesp, 2001. pg. 269.
GOBBI, Maria, C. Memorial. A lógica do universo pela Matemática e as
escolhas possibilitadas pela Comunicação. São Bernardo. 2009
Maria Cristina Gobbi: Protagonismo Acadêmico
195
GOBBI, Maria, C.; KERBAUY, Maria Teresa, M. (Orgs.) Televisão Digital:
informação e conhecimento. São Paulo. Cultura Acadêmica, 2008.
GOBBI, Maria, C. A batalha pela hegemonia comunicacional na América
Latina: 30 anos da Alaic. São Bernardo do Campo: Cátedra Unesco/Metodista,
2008
GOBBI, Maria, C. Perfil Acadêmico. Bauru, Programa de Pós-Graduação da
FAAC, 29 de abril de 2011. Entrevista aos estudantes Paulo Giraldi e Allexandre Silva.
GOBBI, Maria, C. Tecnologias Educacionais: inclusão e cidadania. Artigo
apresentado pela autora na IV Conferência Sul-Americana e IX Conferência
Brasileira de Mídia Cidadã, realizada em Curitiba (PR), agosto de 2013.
196
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
José Carlos (Zeca) Marques:
uma história de paixão por
Comunicação e Esporte
Ary José Rocco Jr1
10º
CAPÍTULO
O Prof. Dr. José Carlos (Zeca) Marques é um dos expoentes
da área de Comunicação no Brasil. Sua atuação acadêmica
e profissional tem se pautado, ao longo dos anos, pela luta
para que as pesquisas na área de Comunicação e Esporte sejam reconhecidas por sua qualidade técnica e pelo seu valor intelectual. O objetivo deste artigo é analisar a atuação
profissional de José Carlos Marques nas diversas instituições
em que atuou e nas várias entidades com as quais colaborou.
Também é nossa intenção apresentar ao leitor as obras mais
significativas da trajetória acadêmica de Marques. Não pretendemos, com isso, analisar toda a brilhante produção de
José Carlos, mas sim permitir com que nossos leitores conhe-
1.
Coordenador do GP Comunicação e Esporte do DT 6 – Interfaces
Comunicacionais da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom). Docente do Mestrado Profissional em Administração do Esporte da Universidade Nove de Julho
(UNINOVE/SP) e de Marketing Esportivo e Jornalismo Esportivo da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São
Paulo (EEFE/USP). Doutor em Comunicação e Semiótica pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Mestre
em Administração pela PUC/SP, administrador público e jornalista.
Diretor da Asociación Latinoamericana de Gerencia Deportiva (ALGEDE). E-mail: [email protected]; [email protected].
José Carlos (Zeca) Marques: uma história de paixão por Comunicação e Esporte
197
çam e entendam todos os momentos mais representativos dessa produção. É
nosso objetivo, também, mostrar a importância do pesquisador para a constituição da área de Comunicação e Esporte como área valorizada dentro do campo
da Comunicação, capaz de atrair, hoje, uma grande leva de novos pesquisadores
interessados em trabalhar com a área.
1. Muito mais que um “timoneiro”, um “desbravador”: o perfil de
José Carlos (Zeca) Marques
A trajetória acadêmica e profissional de José Carlos Marques, o Zeca, é pautada pela coerência e pela “batalha” em torno dos ideais que considera justo e
adequado para aquilo que se propôs a trabalhar. O pesquisador tem se notabilizado, desde que iniciou sua vida na academia, a lutar pelo engrandecimento da
área da Comunicação, de forma geral, e das pesquisas no campo da Comunicação e Esporte, de forma mais particular.
Nos últimos quinze anos, José Carlos Marques tem brindado a todos com
vasta produção de textos, artigos, ensaios, trabalhos apresentados em congressos, palestras, conferências e diversos outros formatos de divulgação de suas
ideias e pesquisas. Sua produção está concentrada, em especial, na grande área
das Ciências Sociais Aplicadas, com temas que se encaixam nas mais diversas
subáreas da Comunicação, como o Jornalismo, a Teoria da Comunicação, a
Análise Linguística e várias outras.
José Carlos Marques é, atualmente, docente do Programa de Pós-Graduação
em Comunicação da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista (UNESP/Bauru), onde integra o Departamento de
Ciências Humanas da mesma instituição.
Concluiu seu doutorado em Ciência da Comunicação pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), em 2003. Defendeu,
de forma brilhante, a tese “O futebol ao rés-do-chão (A crônica e a coluna em
tempos de Copa do Mundo)”. No trabalho, Marques, em verdadeira viagem
pelo melhor do jornalismo esportivo brasileiro, traça um panorama abrangente
da crônica brasileira sobre esporte, com a seleção de escritores e jornalistas que
fizeram do jornal um meio de publicação de textos em que o relato meramente
jornalístico, informativo e objetivo dá lugar a manifestações subjetivas, fabulosas e ficcionais.
Já em seu mestrado, José Carlos havia demonstrado seu interesse pela “tabelinha” crônica esportiva x jornalismo esportivo. O autor brindou a todos nós,
com aquele que talvez seja seu trabalho mais marcante, com uma profunda
198
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
análise da obra do imortal Nelson Rodrigues e sua visão muito crítica e peculiar sobre o mundo do futebol brasileiro. “O óbvio ululante do futebol, o
Sobrenatural de Almeida e outros temas” é o resultado do mestrado defendido
pelo autor em 1998, no Programa de Comunicação e Semiótica da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).
Uma das principais obras de referência de Zeca Marques, o livro “O futebol
em Nelson Rodrigues” (2ªed., São Paulo: EDUC, 2012) é o principal tributo
do maravilhoso trabalho de pesquisa realizado pelo autor, que mergulhou no
universo muito particular daquele que é considerado para muitos, inclusive para
Zeca, como o maior cronista que já retratou o futebol em todas as suas nuances. A grandeza da obra valeu ao seu autor a merecida indicação para o Prêmio
Jabuti, um dos mais importantes da literatura brasileira. José Carlos é, ainda,
licenciado em Letras (Português Francês) pela Universidade de São Paulo.
Hoje, Zeca Marques desenvolve, ainda, pesquisas nas áreas de teorias da
comunicação, jornalismo e literatura, e comunicação organizacional. É líder do
GECEF/UNESP (Grupo de Estudos em Comunicação Esportiva e Futebol) e
integrante do LUDENS/USP (Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Futebol e modalidades Lúdicas).
A colaboração de José Carlos ao mundo da comunicação não está restrita à
sua produção acadêmica e científica. Seu perfil: sério, para o trabalho e para desenvolver projetos especiais, e descontraído e humano, para gerenciar pessoas e
aglutinar indivíduos em torno de determinadas atividades específicas; trouxe até
Marques diversas funções e atividades que colaboraram, no decorrer dos anos,
para o crescimento da área da Comunicação no país.
Durante o biênio 2007-2008, por exemplo, foi Coordenador do Núcleo
de Pesquisa (NP) Comunicação Científica da INTERCOM, entidade da qual
atualmente é o Diretor Administrativo, reeleito para o triênio 2011-2014. José
Carlos atua ainda como Coordenador Nacional do INTERCOM Jr. e editor da
Revista Iniciacom.
A versatilidade de Zeca Marques faz com que ele participe, hoje, de diversos
conselhos editoriais de veículos de divulgação acadêmica e atue de forma destacada em várias outras atividades que engrandecem e fortalecem o campo da
Comunicação no Brasil.
Especialmente dentro da área de Comunicação e Esporte, José Carlos Marques tem se notabilizado por trabalhos acadêmicos com vasta qualidade intelectual e acadêmica. Não bastasse isso, sua competente atuação política, dentro
da própria INTERCOM, permitiu à área a sua consolidação como um Grupo
de Pesquisa próprio, composto por acadêmicos sérios e com excelente produção
científica. Um verdadeiro “batalhador” pela área de Comunicação e Esporte.
José Carlos (Zeca) Marques: uma história de paixão por Comunicação e Esporte
199
2. “Viva sua Paixão”: uma análise da obra de José Carlos (Zeca)
Marques
Rigor conceitual e metodológico, combinação perfeita entre literatura e
jornalismo, mergulho nas origens barrocas de nosso esporte, visão estruturada
dos diversos autores que trazem ao esporte uma ótica social em suas análises,
criatividade em seus trabalhos e uma “pitada”, na dose certa, de humor. Em um
parágrafo, de forma rápida, seria assim que eu definiria o trabalho de José Carlos
(Zeca) Marques.
Porém, restringir sua colaboração ao universo da comunicação em cinco
linhas é não enaltecer, de forma adequada, a sua real representatividade intelectual e acadêmica.
A produção de Zeca Marques é rica e variada. Algumas características, já
mencionadas no início deste texto, marcam grande parte de sua obra. Para melhor ilustrar o pensamento do autor, elegi alguns trabalhos, com a ajuda do
próprio José Carlos, que melhor representam as diversas facetas do nosso homenageado. As obras selecionadas não compreendem a totalidade das ideias de
Marques. Servem, porém, para elencar os principais momentos da diversa vida
acadêmica do autor até o presente momento. Para um melhor entendimento de
como evoluiu a construção literária da vida acadêmica de Zeca Marques, apresentaremos seus trabalhos mais representativos em ordem cronológica.
José Carlos Marques, o futebol e Nelson Rodrigues
A primeira grande obra de José Carlos Marques que veio a público, como já
mencionado na apresentação do autor, foi o livro “O futebol em Nelson Rodrigues”, lançado originariamente pela EDUC, em 2000.
A obra foi resultado da dissertação de mestrado do autor, defendida em
1998, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. “O óbvio ululante do
futebol, o Sobrenatural de Almeida e outros temas” foi o pontapé inicial para o
livro, lançado dois anos depois, em que Marques construiu uma análise profunda e criativa das crônicas esportivas do grande Nelson Rodrigues.
Matthew Shirts (2000, p.12), jornalista e cientista social norte-americano,
foi muito feliz no prefácio original da obra de José Carlos quando afirma que
Marques “lança mão de poderoso arsenal teórico para abordar duas manifestações culturais tidas até há pouco como ‘menores’: o futebol e a crônica esportiva”.
A frase de Shirts dá uma ideia da dimensão do desafio proposto por Zeca
em sua primeira grande obra literária e acadêmica. Muito embora o futebol seja
uma das grandes manifestações culturais do Brasil, seu estudo ainda não foi
200
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
devidamente abraçado pela academia. Naquela época, ano 2000, muito menos.
Estudar o esporte no país, com seriedade e rigor científico, era, e ainda é tarefa
árdua e de grande dificuldade. Os pesquisadores desta área, não raras às vezes,
sofrem preconceitos de seus colegas que trabalham, em suas opiniões próprias,
temas mais nobres e pertinentes cientificamente falando.
“O futebol em Nelson Rodrigues” representa, assim, não somente uma obra
de grande valor acadêmico e literário. O livro pode ser considerado o pontapé inicial da atuação acadêmica e administrativa de José Carlos Marques em
prol do fortalecimento da então incipiente área de estudos de Comunicação
e Esporte. O rigor metodológico do autor, sua seriedade no tratamento e nas
análises das crônicas esportivas de Nelson e sua forte base conceitual em estudos
relacionados ao caráter social e cultural do esporte; fizeram de Marques um dos
exemplos de que estudar e pesquisar esporte pode ser algo sério e de enorme
valor acadêmico e científico. A trajetória do “desbravador” se iniciava de forma
maiúscula.
A obra do autor contribui sobremaneira, assim, para dissipar muito da luz
do preconceito que outros acadêmicos e pesquisadores insistiam em apontar
para todo aquele que insistisse em pesquisar o esporte nos fóruns e eventos da
área da Comunicação.
Ainda no prefácio da primeira edição de “O futebol em Nelson Rodrigues”,
Shirts demonstra toda sua perspicácia ao apontar um elemento que será marcante em toda a trajetória acadêmica de José Carlos Marques. O jornalista norte-americano (SHIRTS, 2000, p.12) aponta que Zeca faz aquilo que deveria ser
o papel da área de línguas, literatura e ciências humanas: “a busca daquilo que
faz do Brasil um país tão singular”.
A busca constante dos elementos que tornam o Brasil um país tão singular é uma das características mais marcantes de toda a trajetória acadêmica de
José Carlos. A valorização das raízes culturais de nosso país é algo que Marques
defende com “unhas e dentes”. O autor não se rende, assim, em todas as suas
obras, a argumentos típicos relacionados à dominação cultural e a simples transposição de modelos estrangeiros ou de “senso-comum” para a nossa realidade.
Outro elemento que engrandece a obra “O futebol em Nelson Rodrigues”
também é muito bem apontado por Matthew Shirts. O norte-americano escreve, com muita propriedade, que
[...] José Carlos começa o seu livro com um belo resumo das principais
teorias sobre o papel dos esportes na cultura moderna. De Huizinga a
DaMatta, passando por outros, menos conhecidos, o autor vai nos inteirando do assunto de forma concisa e indolor. Aliás esta é uma das caracJosé Carlos (Zeca) Marques: uma história de paixão por Comunicação e Esporte
201
terísticas mais sedutoras dessa obra: ela consegue lançar mão de conceitos
complexos sem sobrecarregar o leitor (SHIRTS, 2000, p.12).
No que diz respeito ao “belo resumo das principais teorias sobre o papel dos
esportes na cultura moderna”, afirmo, sem medo de errar e ratificando aquilo
que Shirts destacou que José Carlos Marques dá um verdadeiro show.
O autor estabelece um verdadeiro diálogo didático, raramente visto, com os
grandes autores que trabalharam a conceituação do esporte na sociedade moderna. Estão todos ali, os principais teóricos do esporte, presentes na obra de
Marques, construindo uma magistral escada conceitual que permite ao leitor
entender, em sua plenitude, como evoluiu a relação de nossa sociedade ocidental com os esportes em toda a sua plenitude. A estruturação teórica da obra é
tão brilhante, e de tão fácil entendimento, que provoca no leitor o sentimento
destacado pelo jornalista norte-americano: o da sedução.
José Carlos, em toda a sua obra “O futebol em Nelson Rodrigues”, seduz seu
leitor não somente para seu texto, muito bem escrito. Seduz, também, para suas
ideias, plena de convicções pessoais, muito bem alicerçadas em uma brilhante
redação que convida a um mergulho profundo na análise das crônicas sobre
futebol do escritor pernambucano.
Fugindo do óbvio-ululante, Marques começa a livrar a todos nós, pesquisadores da área de Comunicação e Esporte, do complexo de vira-latas. Um
verdadeiro gol de placa na literatura sobre futebol em nosso país.
Outra característica marcante de toda a produção de José Carlos, que já se
anunciou de forma brilhante em “O futebol em Nelson Rodrigues”, foi o grande flerte do autor com as teorias literárias do neobarroco. O vertiginoso mergulho que Marques fez ao barroco para analisar as crônicas de Nelson Rodrigues
reflete o imenso amor de Zeca aos valores culturais, às coisas do Brasil.
O sentimento de brasilidade é tão intenso e marcante na obra de José Carlos
que Matthew Shirts, ele próprio um estrangeiro, fica encantado com o fato. Para
o jornalista norte-americano,
[...] a análise da obra de Nelson (feita por Zeca) vai nos apresentando o
cronista sob ângulos nunca antes pensado por nós. Passamos a conhecer
um Nelson Rodrigues ao mesmo tempo latino-americano e muito brasileiro e (isto eu já sabia) sempre genial. (SHIRTS, 2000, p.13).
Apesar da aparente complexidade, a obra “O futebol em Nelson Rodrigues”
é de fácil leitura e compreensão. Reside aí outro mérito de José Carlos Marques.
O autor apresenta uma série de conceitos sobre esporte, literatura, a crônica
202
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
propriamente dita, o neobarroco e vários outros temas com simplicidade, o que
demonstra o amplo domínio que Zeca tem sobre as áreas com as quais dialoga.
A criatividade do autor também ajuda na sedução dos leitores. O título de
cada um dos capítulos da obra demonstra isso: Introdução – “Nelson Rodrigues
dá bom dia”; “Quem é a bola?”, pergunta a grã-fina do Maracanã (diálogos entre futebol e cultura no Brasil); O Scratch em campo para o início do Match (e
o surgimento da crônica esportiva brasileira); A grossa babá elástica e bovina (as
crônicas de futebol de Nelson Rodrigues e o espaço neobarroco); “O Videoteipe
é burro!” (a superação da objetividade em nossa crônica esportiva); Complexo
de Vira-latas, Abutres, Hienas e Chacais (ou a metalinguagem da crônica anunciada); e, Considerações Finais (trila o apito o árbitro).
José Carlos Marques comete a ousadia de dialogar diretamente com Nelson
Rodrigues. Utilizado várias das expressões criadas e popularizadas pelo dramaturgo pernambucano, Zeca convida o leitor, de forma criativa e sedutora, a
mergulhar no universo da crônica esportiva de Nelson. O prazer da leitura em
estado pleno. “Viva sua Paixão!”.
As linguagens da sedução e o futebol: José Carlos Marques
e as narrativas do esporte
O segundo grande trabalho de Marques que julgo importante destacar é o
texto “A crônica de esportes no Brasil: algumas reflexões, que fez parte do livro
Imprensa e sociedade brasileira”, organizado pelos professores Célio José Losnak e
Maximiliano Martin Vicente. A ideia da obra, publicada em 2011, surgiu um ano
antes na XII Jornada Multidisciplinar, evento que reuniu diversos professores na
Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) da UNESP, em Bauru.
No livro, a imprensa é vista como um produto social, resultante de vários
vetores de forças: econômicas, políticas, culturais, tecnológicas e profissionais,
em diferentes momentos do passado e também do presente.
José Carlos Marques colabora fazendo uma sólida defesa da crônica como
gênero literário, e também jornalístico, ideal para o relato do esporte, em especial o mais popular deles, o futebol. Numa viagem histórica, o autor resgata
momentos antológicos dos primórdios do jornalismo esportivo brasileiro. O
futebol começava a despertar o interesse das emergentes elites sociais das grandes cidades do país e o rádio e a televisão, enquanto veículos de comunicação
de massa, ainda se configuravam como elementos de uma realidade distante no
universo urbano brasileiro.
As informações esportivas, e do futebol em especial, chegavam ao público
através das páginas dos principais veículos impressos das grandes cidades. Com
José Carlos (Zeca) Marques: uma história de paixão por Comunicação e Esporte
203
a ausência do som e da imagem, a crônica, explica Zeca Marques, se converteu
no elemento essencial para a completa descrição de tudo aquilo que acontecia
nas principais partidas que começavam a atrair a atenção do grande público.
José Carlos mostra ao leitor, de forma didática e com muita naturalidade,
as razões pelas quais a crônica se ajustou de maneira confortável na editoria de
esportes dos jornais do Brasil.
Marques (2011a) aponta que, em nosso país, de uma maneira muito particular, convivem duas formas deste gênero literário/jornalístico tão apaixonante:
a crônica em sua acepção medieval (como relato cronológico dos acontecimentos) e a crônica em sua acepção moderna (como um texto que propõe um comentário gracioso sobre o cotidiano).
Outra contribuição fantástica no texto de José Carlos Marques (2011) é,
de forma sutil e pedagógica, aproximar os papéis da crônica e o do esporte na
formação da sociedade moderna pós-Revolução Industrial. O autor chama a
atenção, com muita propriedade intelectual, para o fato de que ambos, a crônica
no universo literário e o esporte no campo do lazer das massas, contribuíram
para manter a coesão da sociedade em um novo mundo fragmentado trazido
pela sociedade que se industrializava e urbanizava rapidamente.
O momento mais elevado do ensaio “A crônica de esportes no Brasil” está na
construção que o autor faz da apropriação do gênero literário pelo jornalismo
esportivo no Brasil. O autor mostra, passo a passo, como os relatos do esporte
em nosso país foram se apropriado da crônica para uma melhor construção do
imaginário do grande público leitor.
Para uma melhor explicação desta conexão, nada melhor do que o próprio
trecho da obra onde Marques (2011a, p.12) demonstra isso:
A crônica jornalística é, em essência, uma informação interpretativa e valorativa de feitos noticiosos, atuais ou atualizados, de onde se narra algo
ao mesmo tempo em que se julga o que é narrado. [...] No Brasil, esse
mesmo tipo de texto corresponde ao que chamamos de “relato do jogo”,
ou seja, a descrição dos principais lances de uma partida, em ordem cronológica. [...] No caso dos jornais brasileiros, esses relatos não são “textos
de autor”, ou seja, não contêm marcas enunciativas que denotem abertamente a subjetividade de quem escreve, já que procuram a informação
mais objetiva e imparcial.
Por fim, e de forma não menos brilhante, o autor apresenta, de forma magistralmente justificada, as razões pelas quais os principais veículos de comunicação impresso do país, em época de grandes eventos esportivos, fazem uso
204
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
de colunistas de outras editorias para comentar Copas do Mundo ou Jogos
Olímpicos.
Ao argumentar que esse artificio tem “o intuito justamente de oferecer uma
outra visão sobre o futebol – diferente das ideias comuns presentes nas análises
dos jornalistas esportivos” (MARQUES, 2011a, p. 15), José Carlos realça a importância do esporte para a sociedade brasileira. Um novo golpe no complexo
de “vira-latas” dos pesquisadores da área.
Para justificar seu raciocínio, Marques ilustra a importância da crônica, gênero
adaptado ao jornalismo esportivo brasileiro, com um renomado elenco de cronistas que já emprestaram seus textos, nos principais jornais diários do país, para
encantar seus leitores ao escrever sobre futebol. Apenas para citar alguns nomes
com os quais o autor dialoga, cito Mário Filho, Nelson Rodrigues, Armando Nogueira, Sérgio Porto, João Saldanha, José Roberto Torero e Xico Sá, entre outros.
Um ano antes, em 2010, em artigo escrito para a Revista Logos, José Carlos
Marques já havia analisado, de forma bastante detalhada, a presença de cronistas de outras editorias nas páginas esportivas dos principais jornais diários do
Brasil. “A função autor e a crônica esportiva no Brasil: representações da Copa
do Mundo em alguns jornais paulistas e cariocas” é o título do trabalho, que
explica as razões pelas quais, a partir da década de 1990, em função de uma
maior competição mercadológica entre as grandes empresas de comunicação,
essa “invasão” de cronistas fora do universo do esporte se intensifica.
José Carlos transforma a união entre literatura e esporte, ou mais precisamente entre a crônica e o futebol, em algo sério, acadêmico e delicioso de se ler.
Marques não se contentou apenas em trazer a crônica como elemento de
reafirmação da cultura nacional para o futebol. Em outra obra, José Carlos uniu
o esporte mais popular do país, identificador do Brasil como nação, com a
linguagem cinematográfica e todo o simbolismo que ela pode trazer para o imaginário do público.
Em 2011, em parceria com a Profa. Dra. Sandra Turtelli, José Carlos Marques organiza o livro “Futebol, cinema e cia.: ensaios”. A obra, resultado do curso de extensão universitária “Cinema e Futebol” organizado por Sandra Turtelli
na UNESP de Bauru em 2009, convidou vários pesquisadores, não especialistas
em cinema ou audiovisual, a escrever sobre filmes que tenham o esporte como
seu tema principal.
Aqui, Zeca nos brinda com sua dupla atuação: por um lado, colabora na organização da obra que oferece ao leitor 13 ensaios em que cada autor fornece, dentro
de sua área de atuação, o seu olhar para a compreensão do fenômeno esportivo e o
cinema; e, por outro, brinda a todos nós com o texto de sua autoria “Conversa de
bar: narrativas e história oral em ‘Boleiros’, de Ugo Giorgetti” (2011b).
José Carlos (Zeca) Marques: uma história de paixão por Comunicação e Esporte
205
Se “O futebol em Nelson Rodrigues” é a obra de José Carlos Marques
mais conhecida, por seu valor literário e por sua importância acadêmica,
“Futebol, cinema e cia.: ensaios” pode ser entendida como o trabalho do
autor de maior relevância política para que a área de Comunicação e Esporte
tenha, hoje, sua importância devidamente reconhecida no universo acadêmico da Comunicação.
Alguns elementos contribuíram para essa relevância política do livro de Zeca
Marques organizado em parceria com Sandra Turtelli. Primeiro, a obra mostra, de forma clara, a versatilidade das possibilidades de leituras do esporte em
sua união com uma das linguagens da comunicação mais popular: a cinematográfica. Os autores selecionados pela dupla Turtelli-Marques transitam com
propriedade, em seus ensaios, pela sociologia, historiografia, política, filosofia,
antropologia e comunicação.
Depois, o texto do próprio José Carlos (2011b), que fecha a obra, “Conversa de bar: narrativas e história oral em “Boleiros”, de Ugo Giorgetti” é um
verdadeiro “tapa com luva de película” a todos que criticavam a legitimidade
do campo do saber em Comunicação e Esporte, enquanto área de pesquisa definida e com características próprias. O autor demostra, com seu ensaio, que a
área pode justificar sua constituição como universo de pesquisa, capaz de atrair
pesquisadores sérios, com competência metodológica e conceitual.
Penso que a intenção de Marques tenha sido meramente acadêmica, e o foi.
Porém, hoje, alguns anos à frente dos fatos, ao olhar para trás, identifico a importância política dessa obra do nosso homenageado.
Os pesquisadores de Comunicação e Esporte viviam um momento difícil, de
afirmação política da área enquanto constituição de um grupo de acadêmicos
que pudessem ser aceitos pelos seus pares, como um conjunto homogêneo, sério
e dotado de relevância científica para ser aceito como tal.
A máxima sempre propalada, de forma depreciativa e preconceituosa, entre
os demais pesquisadores dos fóruns de comunicação, quando mencionavam
seus colegas da área de Comunicação e Esporte, era a de que as pesquisas e os
trabalhos destes acadêmicos eram sempre meros “papos de boteco”.
A afirmação, além de demonstrar um completo desconhecimento do trabalho realizado pelos pesquisadores de Comunicação e Esporte, dificultava, em
sua essência, o desenvolvimento de um grupo, formalmente aceito nos fóruns
da área, que pudesse ser constituído com uma temática própria, facilitando a
colaboração entre os autores da área.
O ensaio “Conversa de bar: narrativas e história oral em ‘Boleiros’, de Ugo
Giorgetti”, de José Carlos Marques, mesmo que de forma involuntária e inconsciente, funcionou como uma provocação política. O autor, de forma rigorosa206
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
mente acadêmica, respondeu a todos àqueles que enxergam, ou enxergavam, as
pesquisas na área de comunicação e esporte como “papo de boteco”.
Evidentemente, a obra tem grande relevância acadêmica. Marques retomou,
de forma muito coerente, todos os elementos que traduzem sua obra. O elogio
ao “paulitanismo” do filme; o amor às coisas do local, em oposição à fragmentação do global; o barroco manifesto na tradição da história oral; o apego ao
relato que engrandece o futebol, por vezes, o tornando bem maior do que ele é
no imaginário das pessoas.
Porém, ao optar por mergulhar na história oral e nos elementos de sua valorização enquanto método científico, José Carlos (2011b, p.195-196) deu à
“conversa de bar” um status acadêmico.
O método da história oral consiste basicamente em registrar, em áudio
ou em audiovisual, depoimentos e entrevistas de pessoas que testemunham acontecimentos e fatos dos quais tiveram algum tipo de participação. Trata-se de registro vivo de aspectos ligados ao cotidiano de dado
momento histórico.
A seriedade acadêmica com que o autor tratou a conversa de bar entre os
“boleiros”, personagens do filme do diretor Ugo Giorgetti, soou como um desafio à comunidade de pesquisadores da área de Comunicação.
E Marques se deu muito bem na empreitada. Dentro e fora “das quatro
linhas” da pesquisa acadêmica, José Carlos contribuiu decisivamente, à época, para a (re)consolidação do Grupo de Pesquisa em Comunicação e Esporte
dentro da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação,
a INTERCOM.
Como já mencionado, além de sua importância política, do ponto de vista
acadêmico, “Conversa de bar: narrativas e história oral em ‘Boleiros’, de Ugo
Giorgetti”, é um grande trabalho. Seu autor trouxe para a “tabelinha” futebol e
crônica, um terceiro elemento, a história oral. A vertente barroca de Marques,
no fundo, fez com que o pesquisador se interesse profundamente pelos diversos
formatos narrativos que levam à construção do imaginário do futebol no grande
público. É esse o grande e especial interesse de José Carlos Marques.
A história oral cumpriu, neste ensaio, o mesmo papel que a crônica exerceu
nas obras anteriormente analisadas. O autor trabalhou, com a mesma perfeição
das obras anteriores, com a conceituação da metodologia e com suas manifestações na construção feita por cada um dos “boleiros” do filme.
Para quem não assistiu à película de Ugo Giorgetti, “Boleiros, era uma vez
o futebol”, de 1998, retrata uma série de encontros de um grupo de jogadores
José Carlos (Zeca) Marques: uma história de paixão por Comunicação e Esporte
207
aposentados, de diferentes idades, num bar, ao final da tarde, para rememorar
casos e histórias do passado. José Carlos Marques é, no fundo, um grande apreciador da memória. Nos trechos finais do ensaio, ainda que de forma inconsciente, Zeca assume esse apreço pelos relatos e pela pesquisa em esporte.
O autor afirma, dentro das conclusões de seu trabalho, que “Boleiros”, o
filme, “[...] assumiu o risco de colocar o futebol em debate no cenário cultural
brasileiro, este pouco afeito a aceitar tal modalidade como tema de representação ou discussão”. Parodiando o próprio José Carlos, ouso afirmar que Marques
assumiu o risco de colocar o futebol em debate no cenário das pesquisas em
comunicação do país, esta pouco afeita a aceitar tal modalidade como tema de
estudo e investigação acadêmica séria.
No parágrafo final de seu ensaio, José Carlos atesta, com convicção, típica de
uma profissão de fé, que “[...] precisamos contar histórias para nos mantermos
vivos”. Poucas frases sintetizam tão bem a obra de um autor, quanto a apresentada nas linhas finais do trabalho do pesquisador. Independente da linguagem
utilizada – a crônica, o cinema ou a história oral -, o que interessa, na visão de
José Carlos, é o imaginário que se origina dos relatos percebidos pela audiência.
Marques é, antes de tudo, um exímio contador de histórias. Nenhum outro
tema, na sociedade ocidental capitalista rende tantas histórias, com diversas versões de um mesmo fato quanto o esporte, em geral, e o futebol, em particular.
Daí a admiração de José Carlos Marques pelo barroco, seu gosto pela crônica, seu apreço pela história oral, sua simpatia pelo cinema e seu amor indelével
pelo futebol e por todo o inesgotável imaginário que o cerca.
Mas afinal, o que é o esporte? José Carlos Marques explica
como ninguém
Nutro profunda admiração pela obra de José Carlos Marques. Porém, se tivesse que escolher aquele trabalho que mais me encanta, sem dúvida nenhuma
apontaria “O que é o esporte? As contribuições seminais de Johan Huizinga e
Roger Caillois resignificadas por Roland Barthes” (MARQUES, 2011c). O texto
faz parte do livro Processos Midiáticos e Produção de Sentido, organizado pelo
Prof. Dr. Mauro de Souza Ventura e publicado em 2011 pela Cultura Acadêmica.
No ensaio “O que é o esporte?”, Marques dialoga com assombrosa facilidade
com diversos e renomados intelectuais que, em algum momento de sua vida
profissional e acadêmica, se dedicaram a escrever sobre o esporte e seu relacionamento com a sociedade. Estão todos lá, direta ou indiretamente: o holandês
Johan Huizinga, os franceses Roland Barthes e Roger Caillois, o italiano Umberto Eco, o também francês Pierre Bourdieu e o brasileiro Roberto DaMatta.
208
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
José Carlos brinca com todos eles com uma desenvoltura lúdica, poucas vezes observada nos jogos envolvendo pesquisadores e seus objetos de estudo. Sim,
digo jogo, porque Marques desenvolve seu raciocínio por meio de múltiplas
possibilidades de associação. O fim do ensaio, impossível de se determinar durante sua leitura, traz um quê de ludicidade e de incerteza para o leitor. Porém,
no final, o resultado é conhecido de todos: um verdadeiro deleite no prazer da
leitura, algo em geral raro para textos acadêmicos.
Considero a obra obrigatória para qualquer tipo de profissional e/ou pesquisador que deseje trabalhar com esporte. O ensaio de José Carlos deixa claro, de
forma límpida e transparente, todos os conceitos que diferenciam jogo e esporte. Além disso, mostra as diferentes definições de esporte defendidas por cada
um dos grandes teóricos da área. Podemos definir o texto, sem nenhum grande
exagero, como uma verdadeira aula de Teoria Geral do Esporte. Viva sua Paixão!
José Carlos Marques não está preocupado em analisar ou entender os efeitos
financeiros dos grandes eventos esportivos em nossa sociedade ocidental pós-moderna. O autor pretende compreender o esporte em sua essência. Busca
identificar a importância e o papel do esporte em nossa cultura. Tudo o que
presenciamos hoje, com o esporte transformado em negócio, em espetáculo, é
apenas reflexo de uma relação antiga, que vem se modificando desde o momento em que o esporte se institucionalizou, pós-Revolução Industrial. O ensaio de
José Carlos deixa claro esse posicionamento do autor.
O ensaio é brilhantemente didático. Nele, os profissionais e pesquisadores
do esporte encontram argumentos para defender posicionamentos polêmicos
diante do universo das práticas esportivas. Afinal, automobilismo, modalidade
na qual o piloto depende sobremaneira da performance da máquina, é esporte?
A tourada, parte integrante do universo cultural dos países ibéricos, é esporte?
Você não acha, amigo leitor, que eu responderei, aqui, a essas perguntas, certo?
Leia o ensaio “O que é o esporte? As contribuições seminais de Johan Huizinga
e Roger Caillois resignificadas por Roland Barthes”, de José Carlos Marques,
que as respostas a essas e muitas outras perguntas sobre esporte estão todas ali.
Obrigatório.
Assim como ocorreu em “Conversa de bar: narrativas e história oral em
‘Boleiros’, de Ugo Giorgetti”, também em “O que é o esporte?”, Zeca Marques
utiliza o ensaio para se posicionar politicamente frente aos seus demais colegas
da academia que militam na área da comunicação.
Por diversas vezes, José Carlos provoca de forma direta os pesquisadores da
área que, como já mencionei, acreditam que trabalhar esporte é trabalhar um
tema de natureza menor. Marques desafia, também, os profissionais do jornalismo esportivo. Para ilustrar esse fato, destaco a frase em que Zeca afirma:
José Carlos (Zeca) Marques: uma história de paixão por Comunicação e Esporte
209
A leitura das obras aqui elencadas (no ensaio) poderia evitar o desconhecimento e o despreparo que parte da imprensa esportiva brasileira
demonstra ao tratar do fenômeno desportivo nos meios de comunicação
[...]. Em outra instância, a aceitação do esporte a partir dos textos aqui
citados também serviria para que nossa comunidade acadêmica percebesse a importância e a significância do esporte no seio da sociedade de
massa, forjada a partir do século XIX após a Revolução Industrial (MARQUES, 2011c, p. 158).
Para finalizar sua “quase” profissão de fé, José Carlos conclui seu ensaio de
forma antológica e magistral. Ele resume, em pouco menos de um parágrafo,
tudo aquilo que pensa da relação do esporte com a comunicação, seja do ponto
de vista acadêmico, seja do ponto de vista político.
Talvez pudéssemos concluir este ensaio indagando-nos se o esporte [...]
seria para Barthes algo não anterior, mas posterior à cultura [...]. O esporte, como ele atesta magistralmente, é feito para relatar o contrato
humano. Que alguns profissionais dos meios de comunicação ao lado de
parte da academia brasileira possam ao menos aceitar a contribuição do
mestre francês (MARQUES, 2011c, p. 171).
“O que é esporte?” dialoga com outro texto importante de José Carlos Marques, “A criança difícil do século algumas configurações do esporte no velho e
no novo milênio”, escrito para o volume 8 da Revista Comunicação, Mídia e
Consumo, também em 2011.
Porém, neste ensaio, José Carlos Marques (2011d) faz uma crítica àqueles
que entendem que os negócios em torno do esporte são um fenômeno recente,
pós-queda do Muro de Berlim, em 1990. Zeca defende a tese de que, desde o
seu nascimento, em sua vertente moderna e institucionalizada, pós-Revolução
Industrial, o esporte traz em seu bojo a ótica do capitalismo, da disciplina, da
racionalização da eficiência produtiva.
Com muita propriedade, José Carlos elenca uma série de autores que colocam sua conceituação sobre o esporte, “a criança difícil do século”. O autor
faz, aqui, uma verdadeira crítica a todos aqueles que defendem a ideia de que
o esporte, algumas décadas atrás, apresentava um viés romântico, de “amor à
camisa” por parte de seus praticantes, em especial os de natureza profissional.
Os ensaios de José Carlos Marques não pretendem, em sua essência, estabelecer uma verdade absoluta sobre o que é o esporte? Porém, apresentam pistas
concretas para que você, leitor, estabeleça a sua própria definição.
210
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
José Carlos Marques e sua importância para Comunicação
e Esporte no Brasil
Paralelamente à sua atividade acadêmica, com produção marcada por ensaios, textos, artigos e livros, Zeca Marques desempenhou, como já mencionado, importante papel político na (re)construção da área de Comunicação e
Esporte, enquanto Grupo de Pesquisa, dentro da própria INTERCOM.
Quando a área finalmente retomou seu caminho, com o ressurgimento do
GP, José Carlos passou a atuar, também, como elemento aglutinador das ideias e
dos trabalhos dos diversos pesquisadores de referência na área de Comunicação
e Esporte. A ação de Marques, na organização de duas obras fundamentais para
a área, contribuiu para o crescimento e fortalecimento acadêmico do GP de
Comunicação e Esporte dentro da INTERCOM.
As obras que merecem ser destacadas são: “Esportes na Idade Mídia: diversão, informação e educação”, organizada por José Carlos Marques em conjunto
com Osvando J. de Morais, em 2012. A segunda “Comunicação e esporte: reflexões”, também organizada por Marques em 2012, desta vez em parceria com
outros três integrantes do GP de Comunicação e Esporte da INTERCOM, os
professores Anderson Gurgel, Ary José Rocco Jr e Márcio de Oliveira Guerra.
A primeira obra, “Esportes na Idade Mídia: diversão, informação e educação”, foi organizada por José Carlos Marques, como já mencionei em parceria
com o Prof. Dr. Osvando J. de Morais, para celebrar o tema central do Congresso Nacional da INTERCOM, em Fortaleza, Ceará, no ano de 2012. Naquele
ano, não sem a forte oposição de um grupo de seus associados, a direção da INTERCOM decidiu que o tema central de todos os seus Congressos Regionais e
de seu Congresso Nacional seria “Esporte na Idade Mídia: diversão, informação
e educação”.
Neste livro foram reunidos trabalhos participantes do XXXV Ciclo de Estudos da INTERCOM. Com apresentação de Osvando J. de Morais e prefácio
de José Carlos Marques, a obra traz ainda textos de renomados pesquisadores
internacionais e nacionais, que pesquisam Comunicação e Esporte. O “timaço” de intelectuais, convidados por Marques e Morais, apresentou nomes de
destaque como: Miguel de Moragas, Pablo Alabarces, Salomé Marivoet, Victor
Andrade de Melo, Édison Gastaldo, Ronaldo Helal, Márcio Guerra, Kati Caetano, Luciano Klöckner, Rodrigo Adams, Nélia Del Bianco, Monique Rodrigues, Ana Carolina Temer, Iluska Coutinho, Vera Toledo e Rosa Dalla Costa.
A obra acabou por se constituir em um verdadeiro marco acadêmico na área de
Comunicação e Esporte, dentro da própria INTERCOM. Um golaço de Zeca
Marques. Viva sua Paixão!
José Carlos (Zeca) Marques: uma história de paixão por Comunicação e Esporte
211
Especialmente para esta obra, José Carlos reservou o ensaio “Falta de Fair
Play ou excesso de virtuose? Breves reflexões sobre o comportamento de Cristiano Ronaldo e Neymar no futebol atual”. Na obra, Marques promove uma
discussão que muito lhe agrada: a oposição existente entre a racional organização empresarial do esporte e seu aspecto extremamente lúdico, nada racional,
puramente emocional.
A prática do futebol profissional, desde o final do Século XX, passou a
caracterizar-se por uma racionalização crescente, em função da organização empresarial dos clubes, da regulamentação profissional dos setores
técnicos envolvidos (as equipes hoje dispõem de uma infinidade de profissionais que lhe dão suporte, como fisiologistas, nutricionistas, psicólogos, terapeutas, preparadores físicos, diretores etc.), do desenvolvimento
de novos esquemas táticos, do maior rigor na preparação dos atletas, entre outros aspectos – o que fez diluir em parte a essência lúdica da prática
esportiva, como apontou o historiador holandês Johan Huizinga (em
sua célebre obra “Homo Ludens”). No entanto, e sem prejuízo desses aspectos profissionalizantes, o futebol contemporâneo ainda representaria
um terreno fértil para a busca do prazer e a efetivação do impulso lúdico
(MARQUES, 2012, p.179).
Marques (2012) promove o embate entre o rigor e a complexidade de regras e
regulamentos, presentes no esporte de alta competição, e o prazer lúdico que alguns atletas experimentam no exercício de sua profissão, como o português Cristiano Ronaldo e o brasileiro Neymar. José Carlos elenca, em seu ensaio, momentos nos quais os dois jogadores, dentro do exercício de sua atividade profissional
em suas equipes, “regressaram ao paraíso” da brincadeira em sua prática esportiva.
O mais interessante da discussão promovida pelo autor é o papel da mídia. Ao
analisar o comportamento dos dois jogadores, em momentos em que deixam aflorar o prazer lúdico de “jogar bola”, fazendo uso de sua habilidade técnica e virtuosismo incomuns, os veículos de comunicação de massa frequentemente acusam os
atletas “de agirem com falta de ética e de fair play” (MARQUES, 2012).
Conhecedor como poucos das teorias e dos teóricos que analisam o esporte
em seu contexto social, Marques (2012) demonstra sua autoridade sobre o tema
ao promover o confronto simbólico envolvendo: de um lado, os estudos sociológicos sobre o esporte que apontam elementos como o drible e a irreverência
dos atletas como “fatores de valorização estética” do futebol; do outro, aspectos
“disciplinadores e civilizatórios” promovidos pela racionalidade imposta aos jogadores pela ordem profissional da prática esportiva.
212
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Para defender o “primeiro” time, o preferido de José Carlos, o autor escala
autores do porte de Gilberto Freyre, Roberto DaMatta e Anatol Rosenfeld. Na
outra equipe, fundamental para Marques, mas não a sua preferida, Zeca lança
mão de teóricos do naipe dos sociólogos Nobert Elias e Pierre Bourdieu. Em um
confronto tão equilibrado e para decidir a “partida” a favor de suas preferências,
Marques (2012) convoca o cineasta italiano Pier Paolo Pasolini. Em 1970, relata José Carlos, o italiano “afirmou que as equipas sul-americanas praticariam
um ‘futebol de poesia’, enquanto as europeias, um ‘futebol de prosa’” (MARQUES, 2012, p.181).
Outro ponto alto deste ensaio de Zeca Marques é a comparação que o autor
faz do contraste existente entre as visões europeia e brasileira das manifestações
de irreverência, quase malandragem, dos dois personagens do mundo do futebol trabalhado pelo pesquisador em sua obra.
Para além da sublimação da malandragem, Cristiano Ronaldo e Neymar
são responsáveis por fazer sobreviver os aspectos lúdicos das práticas arcaicas relacionadas ao jogo – agora normatizadas e estruturadas como
esporte. Desse modo, o espírito provocador e irreverente de ambos, se
por um lado demonstra a falta de fair play quando lido à luz da norma
esportiva canônica eurocêntrica, por outro lado pode ser visto como elemento inerente à prática do jogo. Para o público padrão europeu, a falta
de fair play de ambos é reprovável e indigna; para o público brasileiro
padrão (seria, em certa medida, também para o público português?), o
excesso de virtuosismo dos dois é motivo de distinção e euforia (MARQUES, 2012, p.183).
José Carlos Marques (2012) reitera sua admiração pelo jeito brasileiro de
ser, manifesto na quase malandragem dos atletas estudados, na ludicidade de
suas ações, na habilidade técnica presente na prática do futebol, na “poesia” de
Pasolini. Mais uma vez, o barroco se manifesta na obra de Marques.
Em “Falta de Fair Play ou excesso de virtuose? Breves reflexões sobre o comportamento de Cristiano Ronaldo e Neymar no futebol atual”, José Carlos já
demonstra que o Grupo de Pesquisa em Comunicação e Esporte já é algo consolidado no universo da INTERCOM.
O posicionamento político, em prol da consistência teórica e acadêmica dos
pesquisadores da área, assume outros contornos. Com a escolha do Esporte
como tema central dos Congressos da INTERCOM para 2012, mercê também
da atuação política de José Carlos Marques como Diretor Administrativo da
entidade, o pesquisador não tem mais a necessidade de defender a sobrevivência
José Carlos (Zeca) Marques: uma história de paixão por Comunicação e Esporte
213
da área de Comunicação e Esporte. A credibilidade dos pesquisadores do Grupo
de Pesquisa já estava conquistada.
Com isso, Marques passa a se movimentar no intuito de promover o desenvolvimento e crescimento do campo de saber Comunicação e Esporte. Não por
acaso, seu ensaio termina com um convite: “esse ethos do jogador de futebol
(confronto entre o virtuosismo lúdico e a racionalidade da profissão) é algo que
carece de maior investigação e cuidado – noções que este trabalho procurou pôr
em discussão de forma embrionária e preliminar” (MARQUES, 2012, p.185).
Viva sua Paixão!
A segunda coletânea, “Comunicação e esporte: reflexões”, foi organizada por
Zeca Marques, em 2012. Para essa obra, José Carlos contou na organização da
obra com a parceria, como já mencionado, de outros três integrantes do GP de
Comunicação e Esporte da INTERCOM, os professores Anderson Gurgel, Ary
José Rocco Jr e Márcio de Oliveira Guerra.
A obra, além de sua qualidade acadêmica, tem forte representatividade simbólica para todos os integrantes do GP de Comunicação e Esporte. O livro significa, do ponto de vista prático e político, o fim do processo de consolidação do
GP dentro da INTERCOM. Processo em que Zeca Marques teve importante
atuação, dentro e fora das “quatro linhas” da pesquisa acadêmica.
“Comunicação e esporte: reflexões” foi lançado pelo Grupo de Pesquisa Comunicação e Esporte no Congresso Nacional da INTERCOM, em Fortaleza
(CE), em 2012. O trabalho, como já foi mencionado, teve como base o mesmo tema do evento nacional da INTERCOM. O livro é a terceira coletânea
elaborada pelos integrantes do GP e inaugurou a repaginada Coleção GPs da
entidade, destinada a tornar pública a produção dos sócios e demais nucleados
da INTERCOM.
A publicação celebrou os primeiros 15 anos de atividade do GP Comunicação
e Esporte, inaugurado em 1997, quando debutou no Congresso Nacional da INTERCOM, realizado na cidade de Santos (SP). A história do grupo, com suas idas
e vindas, está intimamente ligada à atuação acadêmica de José Carlos Marques.
Antes desta obra, o GP de Comunicação e Esporte já havia lançado dois
volumes dentro da antiga coleção NPs da INTERCOM. O primeiro, em 2005,
intitulado “Comunicação e esporte: tendências”, organizado por Zeca Marques,
em parceria com os primeiros coordenadores do NP, Sérgio Carvalho e Vera
Regina T. Camargo. A obra também é marcada por forte simbolismo para a área
de Comunicação e Esporte. O livro marca a transição da coordenação do NP de
pesquisadores ligados a cursos de Educação Física e Esporte, Sérgio Camargo e
Vera Regina T. Camargo, para acadêmicos ligados à área de Comunicação, no
caso o próprio José Carlos Marques.
214
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
A segunda coletânea, organizada somente por Zeca, foi lançada pelo NP em
2007. “Comunicação e esporte: diálogos possíveis” reflete o momento em que
o grupo de pesquisadores em Comunicação e Esporte lutava pela sobrevivência.
A obra representa o momento em que os acadêmicos da área viram seu NP sucumbir e ser incorporado como uma seção de um NP maior, o de Comunicação
Científica, coordenado por José Carlos Marques.
A autonomia do grupo só foi reestabelecida em 2009, agora com o nome de
Grupo de Pesquisa (GP) em Comunicação e Esporte. Dentro deste processo,
de idas e vindas, a atuação acadêmica e política de José Carlos Marques foi essencial para a sobrevivência do Grupo e sua posterior emancipação definitiva.
Durante todo este período de nascimento, desenvolvimento e crescimento
do Grupo de Pesquisa, Zeca Marques foi, e é, presença constante e obrigatória.
Muito do poder de reação do grupo em momentos adversos encontrou na força
acadêmica e política de José Carlos o seu bastião. Marques verdadeiramente
acredita no que faz e isso fica claro para todos os demais integrantes do grupo.
Viva sua Paixão!
Hoje, com o grupo já consolidado e contando com um prestígio maior junto
à direção da INTERCOM, mercê também da atuação de José Carlos Marques
como dirigente da entidade, nosso homenageado tem atuado como um aglutinador de pesquisadores mais jovens interessados em conhecer e frequentar o GP.
A terceira coletânea do grupo “Comunicação e esporte: reflexões” mostra a
transição do período de incertezas, no qual o GP lutava por sua sobrevivência,
para o momento de consolidação e crescimento, que ora vivemos, no qual a
manutenção não é mais a questão central da atuação do Grupo. Atualmente,
o Grupo, e seus pesquisadores, vivem um momento em que as pesquisas na
área de Comunicação e Esporte já são vistas com respeito e credibilidade. É
este, além da inquestionável qualidade literária e acadêmica de seus trabalhos, o
maior legado até o momento da atuação de Zeca Marques.
Considerações Finais
A obra de José Carlos Marques fala por si só da qualidade acadêmica e da seriedade profissional de seu autor. Porém, muito mais do que sua produção, a área de
Comunicação e Esporte deve muito do seu status atual à postura política de Zeca.
O rigor conceitual e metodológico de seus trabalhos, sua visão estruturada
de seus projetos de pesquisa e sua criatividade acadêmica colocam a obra de
Marques em um elevado patamar dentro do universo da academia brasileira,
especialmente no campo da Comunicação.
José Carlos (Zeca) Marques: uma história de paixão por Comunicação e Esporte
215
Os trabalhos acadêmicos de José Carlos contribuíram, e ainda contribuem,
para que o Esporte dentro da Comunicação seja, hoje, reconhecido como uma
área séria e que pode oferecer à sociedade excelentes projetos de interesse inclusive, e especialmente, social.
Porém, e acho importante destacar esse aspecto novamente, a atuação política em prol da área de Comunicação e Esporte é algo que deve ser sempre louvado e referenciado. José Carlos Marques foi fundamental para o renascimento
do Grupo de Pesquisa da área. Um verdadeiro “desbravador”.
Zeca soube ter paciência e determinação para, no tempo certo, convencer
a comunidade acadêmica da área de Comunicação, da importância do esporte
e das relações que se estabelecem entre o rico universo da comunicação e desse
que talvez seja um dos elementos culturais mais marcantes da nossa sociedade,
o esporte.
Assim, e sei que represento aqui todos os pesquisadores do Grupo de Pesquisa de Comunicação e Esporte da INTERCOM, gostaria de, publicamente,
agradecer ao nosso homenageado. Valeu, Zeca! Obrigado por viver a sua paixão!
Referências
MARQUES, J. C. O futebol em Nelson Rodrigues. São Paulo: EDUC, 212 p,
2000.
MARQUES, J. C. “A função autor e a crônica esportiva no Brasil: representações da Copa do Mundo em alguns jornais paulistas e cariocas”. Logos (UERJ.
Impresso), v. 17, p. 39-50, 2010.
MARQUES, J. C. “A crônica de esportes no Brasil: algumas reflexões”. In:
LOSNAK, Célio José; VICENTE, Martin Maximiliano (Org.). Imprensa e sociedade brasileira. São Paulo: Cultura Acadêmica, p. 85-102, 2011a.
MARQUES, J.C. “Conversa de bar: narrativas e história oral em ‘Boleiros’, de
Ugo Giorgetti”. In: MARQUES, J. C. (Org.); TURTELLI, Sandra (Org.). Futebol, cinema e cia.: ensaios. 1. ed. São Paulo: Cultura Acadêmica, p. 189-202,
2011b.
MARQUES, J. C. “O que é o esporte? As contribuições seminais de Johan
Huizinga e Roger Caillois resignificadas por Roland Barthes”. In: Ventura, M.
S. (Org.). Processos Midiáticos e Produção de Sentido. São Paulo: Cultura Acadêmica, v. 1, p. 157-172, 2011c.
216
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
MARQUES, J. C. “A criança difícil do século algumas configurações do esporte
no velho e no novo milênio”. Comunicação, Mídia e Consumo (São Paulo.
Impresso), v. 8, p. 93-112, 2011d.
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José Carlos (Zeca) Marques: uma história de paixão por Comunicação e Esporte
217
Fernando Ferreira de Almeida:
A prática e o ensino da Comunicação
João Carlos Picolin1
11º
Eu sou um homem da prática. Eu gosto de trabalhar
com comunicação. Foi assim no mercado e é assim na
universidade. (ALMEIDA, 2014, p. 23).
CAPÍTULO
Conheci Fernando Ferreira de Almeida no início do semestre
letivo de 1993, quando eu ingressava no curso de Jornalismo
da UNIMEP (Universidade Metodista de Piracicaba), então
coordenado por ele. Figura carismática e cativante ensinava
fotografia com brilho nos olhos. E que professor! Haja vista
que suas aulas são inesquecíveis. Basta perguntar aos seus alunos e ex-alunos.
Nascido em Rio Claro, em 26 de agosto de 1955, Fefeu,
como é conhecido por todos, passou a maior parte da sua
infância entre a Vila Operária, onde morava com os pais, e
1.
Bacharel em Comunicação Social nas habilitações de Jornalismo
(UNIMEP, 1996) e de Publicidade e Propaganda (UNIMEP,
1999). Mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo (2002). Professor e Coordenador do Curso
de Publicidade e Propaganda do Claretiano – Faculdade de Rio
Claro. Colaborador da agência I.C.E. Propaganda como redator
publicitário. Assessor nas áreas de comunicação e marketing da
Fundação Claret para a Rádio Claretiana FM e TV Claret.
Fotos: arquivo pessoal de Fernando Ferreira de Almeida
Fernando Ferreira de Almeida: A prática e o ensino da Comunicação
219
na Vila Aparecida, onde viviam seus avós. Casado com Catarina, com quem
tem três filhos, Diogo, Marina e Marcela, ele faz parte da segunda geração da
sua família no Brasil. Seus avós vieram da Ilha da Madeira, em Portugal. O pai,
Armando de Almeida, era encanador na extinta Companhia Paulista de Estrada de Ferro. A mãe, Maria Conceição Ferreira de Almeida, cuidava da casa e,
sempre que podia, também trabalhava como manicure, com bordado, e fazendo
bolo para casamento.
Fefeu iniciou seus estudos na escola Barão de Piracicaba, onde fez o jardim
da infância. Depois, estudou no colégio Monsenhor Martins e no colégio Vocacional. “No vocacional ficou mais claro que a minha área é a prática” (ALMEIDA, 2014, p. 1). E, de fato, ele é um homem da prática, do fazer, como
veremos nesta breve descrição da sua atividade em Comunicação. “Também
ali aprendi muito com projetos integrados, que envolviam disciplinas de áreas
diferentes. Isso viria a me inspirar nos trabalhos que fiz como gestor de cursos”
(ALMEIDA, 2014, p. 2).
Ouvia todos os dias, depois da escola, o programa “As historinhas do vovô
Simão”, na rádio Clube de Rio Claro. “Eles tocavam os disquinhos com as
aventuras escritas por Walt Disney. Eu adorava”, revela (ALMEIDA, 2014, p.
2). Lia muitas revistas, gostava de Machado de Assis e Casemiro de Abreu,
de quem teve até que declamar uma poesia na escola. Chegou a se arriscar na
música, aprendendo a tocar flauta-doce e acordeom e representando a escola
no concurso “A mais bela voz estudantil”, cantando sucessos de Tim Maia e de
Nelson Ned.
Mas, o encaminhamento para a área de comunicação não se deu logo. Por
oportunidades no mercado de trabalho e por tendências profissionais que sempre acontecem em períodos específicos, optou por fazer colégio técnico na área
de Mecânica. De fato, era a certeza de um emprego logo depois de formado e
uma excelente porta para a entrada em um curso de Engenharia.
No segundo ano do curso, percebeu que não era o que gostava de fazer,
apesar de todas as vantagens que a formação iria lhe proporcionar. Decidiu
terminar o segundo grau no Colégio Puríssimo e mudar radicalmente de foco
profissional: para a Medicina. Chegou a fazer cursinho e se preparar para o vestibular. Fez a inscrição e, pouco antes da prova, voltou a perceber que seguia pelo
mesmo caminho de quando havia optado pela Mecânica: uma oportunidade de
trabalho seguro, sem levar em consideração o que realmente gostava de fazer.
“Posso falar por experiência própria, a gente tem que fazer o que gosta”, diz de
forma enfática (ALMEIDA, 2014, p. 4).
Foi quando soube do vestibular da UNIMEP. Na universidade, fez uma consulta ao catálogo de cursos, excluindo de imediato as áreas de exatas e biológicas.
220
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Viu-se no perfil estabelecido para o curso de Comunicação Social e decidiu
analisar a profissão.
Em 1977, prestou o vestibular para o curso com formação polivalente, o que
o permitiria atuar como jornalista, publicitário ou radialista. Uma nova mudança ocorreria em 1978. O Ministério da Educação (MEC) veio reconhecer
o curso e estava extinguindo as formações polivalentes. Então, o MEC propôs
reconhecer a formação polivalente até a turma de 1977 e que o curso passasse
a ser de Publicidade e Propaganda a partir de 1978. No final daquele ano, a
turma teve que optar: ou ficaria no novo curso de Publicidade e Propaganda,
ou iria para o curso de Relações Públicas, também oferecido pela universidade
na época. De uma turma de 120 alunos, a grande maioria foi cursar Relações
Públicas por sentir maior segurança da profissão naquele momento. “Eu optei
por aquilo que havia pesquisado, e o que estava mais próximo era Publicidade.
Minha turma terminou o curso com oito alunos”, revela (ALMEIDA, 2014, p.
7). Em 1979, formou-se publicitário.
Da atividade prática ao trabalho acadêmico
A possibilidade de estar em contato direto com o público e a facilidade de
comunicação foram elementos determinantes para que Fefeu optasse pelo curso
de Comunicação Social.
O início da sua carreira profissional se deu numa autarquia pública em Rio Claro. Fazia algumas atividades na área de contabilidade e trabalhava com atendimento ao público. Também era o responsável por elaborar alguns boletins de comunicação interna e ajudar a organizar alguns eventos promovidos pelos funcionários.
Durante o curso de Comunicação Social, teve contato com o laboratório
audiovisual e logo se interessou pelos equipamentos e seus funcionamentos.
Chegou, inclusive, a trabalhar como voluntário no laboratório, o que foi determinante para o seu ingresso na carreira acadêmica.
Até 1979, viveu e trabalhava em Rio Claro e estudava em Piracicaba. Nesse
mesmo ano, através do professor Nelson Bertolini, teve a primeira oportunidade de trabalho efetivamente na área. Na época, a família Dedini, muito tradicional na cidade de Piracicaba, estava agrupando suas empresas para integralizar
a administração dos seus negócios. Foi quando a empresa criou o departamento
de comunicação e marketing. Fefeu trabalhou ali por nove meses fazendo pesquisa, organizando eventos e trabalhando na comunicação interna da empresa.
Em 1980, decidiu buscar novas oportunidades no mercado. Iniciou um trabalho na Globo, empresa de consultoria pessoal, em Campinas. Era um ramo
Fernando Ferreira de Almeida: A prática e o ensino da Comunicação
221
de atividade ainda recente na época. Tinha ido buscar uma vaga na sua área de
formação, mas sua facilidade de comunicação e de lidar com o público acabou
fazendo com que a empresa de consultoria o contratasse para prestar serviços
ali mesmo.
Nesse mesmo ano, encontrou com o amigo Salomão Jacob Junior, que trabalhava no Jornal de Hoje, de Campinas. Ele fez uma proposta para que Fefeu
trabalhasse no departamento comercial do jornal. De propriedade da família
Quércia, o jornal era bastante moderno para o seu tempo, já com impressão
offset e uma qualidade gráfica melhor que a dos jornais mais tradicionais da
cidade. Então, Fefeu começou a trabalhar com publicidade no jornal.
Através de outro amigo, o professor Carlos Avila, ficou sabendo que haveria
um concurso para técnico do laboratório audiovisual da UNIMEP. Era a atividade que ele mais se identificava e que já havia experimentado como voluntário
nos tempos em que trabalhava na Dedini. Na verdade, acumulava o trabalho na
empresa durante o dia, e, por iniciativa própria, queria aprender mais sobre os
equipamentos fazendo o trabalho voluntário durante a noite.
Em 1981, Fefeu fez a inscrição para o concurso, fez os testes e ficou em segundo lugar. Sua experiência em lidar com o público foi determinante para que
assumisse a vaga, já que teria que trabalhar em contato direto com os professores
e com os alunos. Nesse mesmo ano, foi efetivado como funcionário da UNIMEP e iniciou uma trajetória na universidade que duraria 25 anos.
Três anos mais tarde, teve a oportunidade de trabalhar no Planalsucar, um
programa de melhoramento da cana de açúcar, vinculado ao Instituto do Açúcar de do Álcool, realizando diversas atividades na área de comunicação, principalmente a fotografia para a revista do instituto. Nesse período, acumulava as
atividades como técnico do laboratório do curso de Comunicação Social e as
atividades do Planalsucar.
No ano de 1985, teve a primeira oportunidade como docente. A convite do
chefe do departamento de Comunicação Social da UNIMEP, professor Antonio Cerveira de Moura, e da coordenadora do curso, professora Maria Cristina
Schmidt, assumiu a disciplina de Fotografia nos cursos de Jornalismo e de Publicidade e Propaganda.
Essa mudança, dando início à sua carreira como docente, Fefeu dedica à sua
experiência profissional. “Foi a experiência prática que tinha com as atividades
que desenvolvia profissionalmente e o trabalho direto com os alunos que me
credenciaram para dar aula. Por isso, posso dizer: foi a prática que me levou para
o ensino” (ALMEIDA, 2014, p. 9).
A experiência bem sucedida na disciplina de Fotografia, o levou a assumir
também as disciplinas de Rádio e de TV e ainda as orientações de projetos
222
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
desenvolvidos pelos alunos. O aumento no leque de disciplinas o obrigou a
deixar a função de técnico do laboratório. Até maio de 1990, Fefeu trabalhava
durante o dia no Planalsucar e ministrava aulas em praticamente todas as noites
na UNIMEP.
Depois de deixar as atividades do Planalsucar, começou a trabalhar num plano de marketing para uma rede de drogarias, a convite do seu ex-aluno Osvaldo
Luiz Baptista. O trabalho durou dois anos e meio. A partir de 1991, começou a
se dedicar exclusivamente à carreira acadêmica.
O mestrado
Por ser um homem da prática, como gosta de se definir, Fefeu só começou a
fazer o seu mestrado sete anos após o início da sua carreira docente.
Ele já era Chefe do Departamento de Comunicação Social na UNIMEP
quando começou a cursar disciplinas como aluno especial do programa de Multimeios da UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas), em 1991.
A experiência como docente e como técnico do laboratório de audiovisual
sempre motivou a busca por estudar e contribuir para o ensino da Comunicação. Nessa primeira tentativa de fazer o mestrado, o foco do seu trabalho estava
no ensino da fotografia, em virtude da disciplina que ministrava na UNIMEP.
A ideia era buscar elementos que pudessem contribuir em como trabalhar
os aspectos relacionados ao conteúdo e ao ensino da fotografia nos cursos de
Comunicação, focando a história da fotografia e sua ligação com a arte para
depois identificar sua aplicação nas habilitações de Publicidade e Propaganda,
de Jornalismo e de Rádio e TV.
A possibilidade de uma bolsa de estudos a partir de um intercâmbio entre
as universidades metodistas o estimulou a continuar o mestrado na UMESP
(Universidade Metodista de São Paulo), dessa vez como aluno regular.
Como estava em regime de dedicação exclusiva na UNIMEP, cursou as disciplinas sem fazer publicações até o prazo para defender sua dissertação, que na
época era de 4 anos.
Sob a orientação do professor Onésimo de Oliveira Cardoso, que era o coordenador do programa de pós-graduação da UMESP, manteve o foco no ensino da fotografia. Em 1997, Fefeu participou do Primeiro Encontro Lusófono de Ciências
da Comunicação – LUSOCOM, que aconteceu em Lisboa, Portugal. Na ocasião,
ele apresentou o texto “A necessidade da formação” na mesa temática Sociedade da
Informação, apontando aspectos sobre a importância da formação do profissional
de fotografia, seguindo aquilo que vinha pesquisando para o mestrado.
Fernando Ferreira de Almeida: A prática e o ensino da Comunicação
223
Entretanto, próximo da sua qualificação, houve uma mudança no programa
de pós-graduação da universidade e, por causa das novas linhas de pesquisa,
mudou de orientador, que passou a ser o professor José Salvador Faro; e também
o tema do seu trabalho, porque se aprofundava muito na área da educação e de
metodologias de ensino.
O professor José Marques de Melo havia assumido a coordenação do programa de pós-graduação em Comunicação da UMESP. Nesse momento, sugeriu a
Fefeu que fizesse um estudo de caso focado na fotografia.
Ele aceitou o desafio e iniciou um novo trabalho em 1998, dessa vez abordando a fotografia como documento a partir de um estudo de caso sobre Thomaz Farkas2.
Partindo da ideia que a fotografia é um documento que extrapola a técnica
e carrega significados, trazendo consigo as características e o olhar daquele que
faz o clique e, a partir da sua impressão e registro, captura uma expressão para
perpetuá-la no plano real, é que Fefeu trabalha a sua dissertação de mestrado.
Analisando os trabalhos de Thomaz Farkas, constata que toda sua produção
não está no sujeito que vê o mundo como um cidadão comum, mas a de um profissional que tenta mostrar ao mundo aquilo que não poderá presenciar jamais.
Intitulada “Fotografia-documento: a contribuição de Thomaz Farkas”, a dissertação resgata a tese de Boris Kossoy sobre a atividade fotográfica, que envolve
os temas fotografados, os autores e a tecnologia empregada para o registro fotográfico.
Ao longo de 176 páginas, Fefeu trabalha com essas três temáticas, tanto do
ponto de vista conceitual, quanto da prática fotográfica, resgatando historicamente a fotografia, os processos tecnológicos que envolvem a produção fotográfica e a participação decisiva do profissional da fotografia, constatando-os no
trabalho de Thomaz Farkas como o respaldo para garantir o registro que melhor
irá representar a realidade dos fatos e, a partir daí, transformar a imagem captada num documento real dos acontecimentos do mundo.
2.
224
Fotógrafo, cineasta, diretor de fotografia, produtor, pesquisador, professor e empresário, Thomaz Farkas (1924-2011) é reconhecido em todo o mundo como um dos principais expoentes da fotografia moderna brasileira. É de origem húngara, mas mudou-se
para o Brasil ainda criança. Seu pai era proprietário da Fotóptica. Ao longo de sua carreira, foi um dos mais expressivos membros do Foto Cine Clube Bandeirante, teve seu
trabalho exposto em importantes museus do Brasil e do mundo, foi professor na Escola
de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e é considerado por muitos um
dos precursores da nova linguagem do fotojornalismo brasileiro.
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
“É através da fotografia que a humanidade tem conhecido visualmente outras culturas e assistido às transformações da sociedade quase ao mesmo tempo
de seus acontecimentos” (ALMEIDA, 2000, p. 25). Na visão de Fefeu, na atualidade as redes sociais intensificaram e deram mais velocidade a esse fenômeno.
“Hoje, nas mídias sociais, o que mais chama a atenção, o que mais te provoca, é
a imagem. Qualquer coisa que você vai fazer na internet, antes você coloca uma
imagem” (ALMEIDA, 2014, p. 21).
Depois de analisar diversos autores e suas abordagens sobre o conceito, a
concepção, a produção, o emprego de tecnologias e a cultura fotográfica, Fefeu
aponta que
não importa a reflexão que se faça, a fotografia aparece sempre como
um documento a ser estudado, seja do ponto de vista da semiótica, da
estética, da teoria crítica, do avanço tecnológico, do autor e sua formação
(cultural, de cidadão e profissional) (ALMEIDA, 2000, p. 29).
E sobre as pessoas que têm a fotografia como profissão, a partir dos estudos
realizados, lança uma questão interessante e pertinente até os dias atuais sobre o
papel do profissional fotógrafo: “Sem repertório cultural, como representar aquele
que não pode estar presente para testemunhar o fato?” (ALMEIDA, 2000, p. 79).
Além de inventariar as exposições e publicações de que Thomaz Farkas havia
participado até o momento da realização da dissertação, em 1998, bem como
relatar seu trabalho como profissional, pesquisador e docente nas áreas de cinema e de fotografia, a partir de Ivan Lima o trabalho faz uma referência às
diferenças entre temas abordados, como a fotografia política, a fotografia social,
a fotografia internacional e a fotografia de futebol, temas recorrentes nos trabalhos de Thomaz Farkas.
Ao abordar o fotógrafo Thomaz Farkas e sua obra, destaca que ele é considerado um dos precursores da fotografia moderna no país por registrar o fato e
os acontecimentos de forma a romper com o formato pictórico. E o caracteriza
como um fotógrafo documentarista a partir da exposição de uma série de fotos
produzidas por Thomaz Farkas, analisando o tema e a técnica com base nas
características de seu autor.
Por fim, conclui que “toda fotografia é um documento e que o domínio da
técnica de fotografar é fundamental para o registro iconográfico. A trajetória do
autor é fator condicional para identificar o valor do documento visual” (ALMEIDA, 2000, p. 112).
Portanto, além do estudo de caso, o trabalho tem uma importante contribuição para entender o registro fotográfico como documento histórico, além de
Fernando Ferreira de Almeida: A prática e o ensino da Comunicação
225
colocar em cena a importância do profissional de fotografia e da sua capacidade
de lançar seu olhar sobre o fato e dele tirar o registro histórico.
Trazendo esta perspectiva para os dias atuais, Fefeu é enfático ao dizer que
“clicou, virou história”. Entretanto, destaca que nem todos estão atentos a este
fenômeno fotográfico aplicado à instantaneidade das redes sociais.
Profissional ou não, o que eu tenho visto hoje é a aplicação literalmente
liberal de diversas imagens que se usa e que se dá a interpretação que se
quer, e que depois não dá mais tempo de corrigir e correr atrás. É preciso
ter muito cuidado (ALMEIDA, 2014, p. 21).
As novas tecnologias permitiram que todos tenham acesso à produção fotográfica. Neste sentido, independente do papel do profissional de fotografia, o
foco permanece no autor da foto, como ocorreu nos protestos que tomaram as
ruas do país em 2013.
Essas pessoas querem mostrar que estiveram lá; querem contar a sua história dentro da história. Ainda que com equipamentos limitados, eles
mostram aquilo que estão vendo. E isso também é história, e tudo o que
mostraram traz consigo parte daquilo que eles são (ALMEIDA, 2014,
p. 22).
A INTERCOM
É impossível não associar a imagem de Fefeu à imagem da INTERCOM
(Sociedade Brasileira dos Estudos Interdisciplinares da Comunicação). São 21
anos ininterruptos na diretoria da entidade, presente nos principais congressos promovidos por ela, representando-a em outras associações e participando
ativamente nas discussões sobre o ensino de Comunicação no país a partir dos
espaços construídos para esse debate.
Esta relação teve início em 1991, quando Fefeu teve o primeiro contato com
a INTERCOM. Naquele ano, a UNIMEP sediou o Simpósio Regional de Pesquisa em Comunicação (SIPEC), evento que antecedeu os congressos regionais
da INTERCOM até 2005. Como Chefe do Departamento de Comunicação da
UNIMEP, foi responsável por organizar, junto com a sua equipe, as atividades
do simpósio, em parceria com a INTERCOM.
Entretanto, a filiação aconteceu somente no ano seguinte, quando, junto
com um grupo de professores da UNIMEP, apresentou um trabalho sobre a
226
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
história da imprensa em Piracicaba, durante o congresso nacional da INTERCOM, sediado naquele ano na UMESP. Nesse trabalho, ficou responsável pelo
estudo da fotografia e da publicidade na imprensa piracicabana.
No ano seguinte, o professor Adolpho Queiroz se lançou candidato à presidência da INTERCOM e convidou Fefeu para que fosse candidato a tesoureiro
da entidade. Na época, a eleição era feita para cada cargo da diretoria. Eleito
primeiro Tesoureiro, Fefeu assumiu a tesouraria da entidade em 1993. Desde
então, não deixou mais a função.
Participou das gestões de Adolpho Queiroz (1994/1995), Maria Immacolata Vassallo de Lopes (1996/1997), José Salvador Faro (1998/1999), Cicilia
Maria Krohling Peruzzo (2000/2002), Sonia Virginia Moreira (2003/2005),
José Marques de Melo (2006/2008) e Antônio Carlos Hohlfeldt (2009/atual).
Eu fiquei porque acho que todos os presidentes que me convidaram para
fazer parte da diretoria entenderam que eu tenho o perfil para isso. O
que eu posso dizer, é que eu gosto do que faço e faço o que gosto com
dedicação. Acho que isso deve ter dado confiança para que os presidentes
me convidassem. E, com isso, acabei dedicando 21 anos da minha vida à
Intercom (ALMEIDA, 2014, p. 17).
Como já comprovamos aqui, Fefeu é um homem da prática, do fazer. E seu
primeiro teste à frente da função acabou o envolvendo como Coordenador do
Curso de Comunicação da UNIMEP. É que, em 1994, a universidade assumiu
a responsabilidade de sediar o evento nacional. Então, Fefeu teve que assumir
também a coordenação local do evento junto com a sua equipe.
Desse evento, do qual tive a oportunidade de participar como aluno, é
importante destacar que foi a primeira vez que alunos de graduação puderam
inscrever trabalhos na Exposição de Pesquisas Experimentais de Comunicação
(EXPOCOM). Essa abertura passa a ser um divisor de águas para a entidade,
que hoje conta com a presença e a participação ativa dos alunos de graduação.
A EXPOCOM foi uma iniciativa do professor José Marques de Melo e foi liderada pelo professor Paulo Rogério Tarsitano, com a coordenação local de Fefeu.
E os reflexos foram imediatos. “Com a entrada dos alunos de graduação, foi um
congresso grande para a época, porque tivemos aproximadamente 700 inscritos.
Até então, o número de participantes girava em torno de 300 a 500 pessoas”
(ALMEIDA, 2014, p. 11).
A participação do aluno de graduação nos eventos da INTERCOM é uma
das principais referências do trabalho de Fefeu, haja vista seu envolvimento com
o INTERCOM JUNIOR e com a EXPOCOM. Aliás, Fefeu foi quem planejou
Fernando Ferreira de Almeida: A prática e o ensino da Comunicação
227
o INTERCOM JUNIOR, que teve início durante a gestão da professora Sonia
Virginia Moreira. Além de montar o projeto, coordenou as atividades dando
forma ao que é hoje o INTERCOM JUNIOR.
Os alunos participavam com produção científica junto com seus professores. Com o Intercom Junior, valorizamos a presença do aluno, do futuro
pesquisador, do futuro aluno de pós-graduação. Incentivamos a pesquisa
na graduação e demos espaço para que futuros pesquisadores viessem a
fazer parte definitivamente da Intercom (ALMEIDA, 2014, p. 11).
Fefeu também participou diretamente da mudança nos formatos dos eventos regionais em 2005. Com o fim dos SIPECS e o início dos congressos com
a coordenação central da INTERCOM, a estrutura mudou completamente,
aumentando a participação de pesquisadores, de professores, de alunos de pós-graduação e de alunos de graduação.
Uma das mudanças destacadas por Fefeu é a necessidade dos trabalhos da
EXPOCOM passarem pelo evento regional para se habilitarem ao evento nacional. “A tendência é melhorar o nível da produção dos cursos regionalmente. Isso
também estimula o aluno a apresentar o trabalho no congresso. Ele está entre
os melhores da sua região e poderá representá-la nacionalmente” (ALMEIDA,
2014, p. 19).
Neste novo formato, os eventos ganharam novos números em relação aos
participantes. Em regiões como o Sul e o Sudeste, por exemplo, as inscrições
ultrapassam mil pessoas, com destaque para a participação direta dos alunos de
graduação.
Hoje, quem faz o congresso da Intercom é o aluno de graduação. Ele
é ativo, ele participa, ele se envolve com a organização e a realização
do evento. Hoje, ele [...] faz o evento acontecer, se envolvendo com a
realização das atividades a partir da universidade que sedia o evento (ALMEIDA, 2014, p. 12).
Outra importante contribuição de Fefeu está no debate sobre o ensino da
comunicação, que abordaremos mais adiante. Mas é importante ressaltar aqui,
como atividade a partir da INTERCOM, que ele teve envolvimento direto com
a criação do ENSICOM (Encontro de Ensino da Comunicação) durante a gestão da professora Cicilia Maria Krohling Peruzzo, dividindo a coordenação da
atividade com o professor Robson Bastos da Silva. Também foi um dos articuladores para a retomada desta atividade durante o primeiro mandato do professor
228
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Antônio Carlos Hohlfeldt. E este tem sido o principal trabalho de Fefeu, além
da diretoria financeira.
Além de coordenar o ENSICOM, também representa a INTERCOM junto
à Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação (SOCICOM) para tratar de questões relacionadas às diretrizes curriculares
da área de Comunicação.
Toda projeção acadêmica no ensino da comunicação, e se tenho algum
reconhecimento neste sentido, eu devo aos espaços que a Intercom me
proporcionou, não só pelo trabalho burocrático da diretoria financeira,
mas por me permitir discutir e aprofundar sobre esta temática com outros professores (ALMEIDA, 2014, p. 20).
Desde a sua primeira edição, em 2005, Fefeu faz parte do conselho editorial do Jornal INTERCOM, um periódico quinzenal que traz as principais
informações sobre o campo da comunicação no Brasil e no exterior, tais como
eventos da área, publicações e discussões sobre temáticas emergentes para a comunicação social, por exemplo. Ao longo da sua trajetória na INTERCOM,
Fefeu também participou de diversas publicações, das quais destaco aqui:
t o livro “Comunicação e mudanças sociais”, organizado em conjunto com
o professor Adolpho Queiroz e que traz os principais textos debatidos durante o congresso da INTERCOM, em 1994. A proposta, como aponta
no prefácio, é apresentar os resultados sobre as discussões a respeito das
inter-relações entre o processo democrático e a presença política com a participação da mídia. Essa literatura revela as contradições das relações entre o
poder político e a mídia, enfocando temas como: a informação como cultura, consumo cultural, meios de comunicação e sociabilidade, comunicação
de massa e violência e estratégias para o estudo da comunicação frente às
mudanças sociais, entre outros.
t o livro “Comunicação para a cidadania”, organizado em conjunto com a
professora Cicilia Maria Krohling Peruzzo e que reúne os textos debatidos
durante XXV Ciclo de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, evento
que ocorreu durante o congresso da INTERCOM realizado em Salvador,
em 2002. Dividido em duas partes, o livro traz importantes reflexões e
coloca em debate questões relacionadas ao trabalho da grande mídia junto
à sociedade contemporânea e a comunicação para o desenvolvimento da
cidadania.
Fernando Ferreira de Almeida: A prática e o ensino da Comunicação
229
t o livro “A mídia impressa, o livro e as novas tecnologias”, também organizado em conjunto com a professora Cicilia Maria Krohling Peruzzo. A
obra reúne os principais textos das palestras proferidas durante o congresso
da INTERCOM realizado em Belo Horizonte, em 2003. Dividido em três
capítulos, o livro aborda a mídia impressa em tempos de rede, a sociedade
tecnológica, as mudanças culturais, as questões relacionadas à autoria e à
propriedade intelectual, o livro e as práticas de leitura.
t o livro “Unidade e diversidade na Comunicação”, organizado pelos professores José Marques de Melo e Adolpho Queiroz, do qual Fefeu é um dos
coautores. O livro traz um balanço da gestão 2006/2008 da INTERCOM,
resgatando os avanços conquistados em diversas áreas e apontando caminhos para avanços futuros. Os temas vão desde o fortalecimento do campo científico, com as diversas mudanças ocorridas, como a transformação
dos Núcleos de Pesquisa em instâncias indutoras de estudos que atuam de
forma integrada e coletiva no sentido da produção de conhecimento com
relevância para a sociedade, ao processo da informatização da entidade, passando pelas publicações, pelos serviços à comunidade, os intercâmbios e às
relações externas, entre outras importantes temáticas.
Finalmente, existe o trabalho burocrático da sua diretoria, pela qual passam
as atividades de todas as outras diretorias e que faz valer os congressos, materializa as publicações, permite a informatização da entidade, a digitalização do seu
acervo, a manutenção das suas sedes etc.
Nos últimos 21 anos, Fefeu esteve envolvido diretamente com todas as
transformações pela qual a entidade passou. Ele ressalta que a INTERCOM
alcançou o status de poder representar a Comunicação no país por ter havido
um sentido de continuidade do qual ele se considera parte do processo. E não é
para menos. Juntamente com o Presidente da entidade, é pela sua diretoria que
passam e que passaram os projetos que hoje dão sentido à INTERCOM.
E Fefeu reconhece a importância do seu trabalho para a INTERCOM e a
importância da INTERCOM para sua atividade na área da Comunicação.
Embora eu não tenha uma projeção como pesquisador, com muitas
publicações, eu tenho uma participação direta na viabilização daquilo
que hoje ocorre na Intercom, inclusive como espaço para publicação de
diversos pesquisadores. Embora meu trabalho seja muito burocrático,
eu tenho espaço para discutir o ensino da comunicação, os projetos da
Expocom, os projetos do Intercom Junior, enfim, a formação dos futuros
pesquisadores (ALMEIDA, 2014, p. 16).
230
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
O ensino de Comunicação
Desde o início da sua carreira acadêmica, Fefeu trabalhou a maior parte do
tempo com disciplinas laboratoriais e orientação de projetos. Nas três universidades em que atuou (UNIMEP, Faculdades Integradas Claretianas e UMESP),
Fefeu ministrou aulas de Fotografia, Fotografia Publicitária, Fotojornalismo,
Produção Publicitária em Cinema e TV, Produção Publicitária em Rádio, Linguagem Cinematográfica, Teledifusão e Cinema. Também foi responsável pela
orientação de diversos projetos experimentais e de trabalhos de conclusão de
curso. Sua experiência o levou a ser convidado para participar de bancas de
conclusão de curso de graduação em diversas universidades.
E foi justamente o trabalho como professor que motivou Fefeu a entender e
pesquisar sobre projetos pedagógicos.
Porque eu queria entender o papel que a minha disciplina ocupava dentro do curso. Como professor de uma disciplina específica, saber qual era
a minha contribuição para a formação do profissional de comunicação.
É quando percebo que eu sou responsável por uma parte da formação do
aluno, mas não por ela completamente (ALMEIDA, 2014, p. 9).
Com essa perspectiva, Fefeu começou a participar de diversos trabalhos voltados para a área da gestão de cursos, fazendo com que se aprofundasse e ampliasse sua atenção para o ensino da Comunicação, tornando-o uma referência
na área pelo conhecimento e pela experiência acumulada ao longo das últimas
três décadas:
Gestão de Curso, Departamento e Faculdade
t Chefe Departamento de Comunicação Social e Artes – UNIMEP – fevereiro de 1991 a 28 fevereiro de 1992
t Coordenador do Curso de Comunicação Social da UNIMEP – 1992-1999
t Coordenador do Curso de Publicidade e Propaganda da UNIMEP – 19951997
t Coordenador do Curso de Rádio e TV da UNIMEP – 1996-2000
t Diretor da Faculdade de Comunicação da UNIMEP – 1999-2002
Fernando Ferreira de Almeida: A prática e o ensino da Comunicação
231
t Coordenador do Curso de Comunicação Mercadológica da UMESP –
2003-2007
t Coordenador do Curso Publicidade e Propaganda da UMESP – 2007-atual
Antes de apontar as outras atividades, é importante ressaltar a participação
de Fefeu na organização e estruturação dos laboratórios dos cursos de Comunicação Social da UNIMEP em dois momentos, um como técnico de laboratório
e outro já na gestão dos cursos de comunicação:
t Como Técnico de Recursos Audiovisuais, participou na elaboração e construção dos laboratórios de Rádio, TV e de fotografia, para o curso de Comunicação Social – habilitações em Relações Públicas, Publicidade e Propaganda e Jornalismo. Em atendimento à resolução MEC 02/84 – 1984-1985
t Como Coordenador de Curso, participou da Elaboração do projeto e das
instalações do Complexo Laboratorial do Curso de Comunicação Social e
suas habilitações (Hemeroteca, Salas de Redação, Estúdios de Rádio e TV,
Laboratório e Estúdio Fotográfico) – 1993-1995
Conselhos
t Conselho da Faculdade de Comunicação – UNIMEP – 2000-2006
t Conselho do Curso de Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo
– UNIMEP – 2000
t Conselho do Curso de Comunicação Social – Habilitação em Radialismo
– UNIMEP – 2000
t Conselho do Curso de Comunicação Social – Habilitação em Rádio e TV
– Área Específica – UNIMEP – 2003-2004
t Conselho da Faculdade de Comunicação – UMESP – 2007-atual
Comitês e Comissões
t
Comissão Especial para a criação de Dependência Curricular – UNIMEP – 1996.
t Comissão organizadora do Salão Universitário de Humor UNIMEP –
1997-2005.
232
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
t Comissão organizadora do Salão Universitário Latino Americano de humor
de Piracicaba – 1998-2005.
t Comissão de Estudo para Operacionalização da TV Universitária – UNIMEP – 1998.
t Comissão Especial para propor diretrizes orientadoras para o oferecimento
de Cursos Sequenciais – UNIMEP – 1999.
t Comissão Organizadora do “Isto é UNIMEP” – 2000-2002.
t Comitê de Avaliação Institucional – UNIMEP – 2000-2002.
t Comissão Permanente do CONSEPE – UNIMEP – 2000-2003.
t Comissão Especial para analisar e apresentar recomendações para formulação de diretriz institucional – UNIMEP – 2000.
t Grupo de Trabalho para Avaliação da Estrutura da Universidade – UNIMEP – 2001.
t Conselho Deliberativo do Serviço Municipal de Tecnologias Educacionais
– Prefeitura Municipal de Piracicaba – 2001.
t Avaliador das condições de Ofertas de Cursos – Comunicação Social e suas
Habilitações – Ministério da Educação – 2000-2005.
t Comitê científico da revista Período – Faculdade de Publicidade, Propaganda e Turismo da UMESP – 2003.
t Comissão de Política de Pessoal Docente – UMESP – 2003-2004.
t Comitê Gestor de Estúdios das Faculdades de Jornalismo e Relações Públicas; Comunicação Multimídia e Publicidade e Propaganda e Turismo
– UMESP – 2004-2006.
t Comissão para apresentar proposta para desenvolvimento da TV Universitária – UNIMEP – 2004.
t Conselho da Faculdade de Comunicação – Representação Docente – UNIMEP – 2005-2006.
t Comissão Própria de Avaliação – CPA – Representação Docente – UMESP
– 2008-atual.
t Comissão Assessora de Política de Pessoal Docente – UMESP – 2009-2012.
t Grupo de Trabalho para revisão e proposta para os projetos Pedagógicos
Fernando Ferreira de Almeida: A prática e o ensino da Comunicação
233
dos Cursos de Comunicação Social – Habilitações: Cinema Digital, Mídias
Digitais e Rádio e TV – UMESP – 2009.
t Comissão Assessora de Graduação – CONSUN – UMESP – 2012-atual.
t Comitê Assessor de Políticas de Cooperação Internacional e Mobilidade de
Estudantes da graduação e pós-graduação – UMESP – 2012-atual.
t Diretor de Ensino da Diretoria Executiva da APP (Associação dos Profissionais de Propaganda) – 2013-atual.
Na Intercom
t Diretor Financeiro – 1993-atual.
t Conselho Editorial do Jornal INTERCOM – 2005-atual.
t Coordenador Nacional do INTERCOM JUNIOR – 2005-2009.
t Coordenador do Seminário sobre o Ensino de Graduação em Comunicação Social da INTERCOM (ENSICOM) – 2012-atual.
Publicações que envolvem os trabalhos de gestão, em comitês e em
comissões
t Diretrizes para o Projeto Pedagógico do Curso de Comunicação Social e
suas Habilitações na UNIMEP -1991-1992.
t Projeto Pedagógico do Curso de Comunicação Social Radialismo – Rádio
e TV da UNIMEP – 1992-1993.
t Projeto Pedagógico do Curso de Comunicação Social da UNIMEP e as
Habilitações: Publicidade e Propaganda, Jornalismo e Radialismo-RTV –
2000.
t Projeto de Monitoria – Documentário – julho 2003.
t Relatório da Avaliação Institucional da Faculdade de Publicidade e Propaganda e Turismo da UMESP – Outubro 2004.
t Projeto Pedagógico do Curso de Comunicação Social – Habilitação em
Comunicação Mercadológica da UMESP – 2005.
234
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
t Prática Pedagógica do Ensino Integrado – Faculdade de Comunicação –
UMESP – 2008.
t Projeto Pedagógico do Curso de Comunicação Social – Habilitação em
Publicidade e Propaganda – UMESP – 2008.
t Relatório Geral Autoavaliação Institucional Segundo Ciclo – Período 20062008 – UMESP – 2008.
t Relatório Parcial Autoavaliação Institucional – Junho de 2008 a Março de
2009 – UMESP – 2009.
t Relatório Anual – Acompanhamento do Processo de Autoavaliação Institucional – Ano 2009 – UMESP – 2010.
t Relatório Geral – Autoavaliação Institucional – Terceiro Ciclo – Período
2008–2010 – UMESP – 2011.
t Relatório Anual Acompanhamento do Processo de Autoavaliação Institucional – Ano 2011 – UMESP – 2012.
t Relatório Geral Autoavaliação Institucional – Quarto Ciclo – Período
2010–2012 – UMESP – 2013.
Na verdade, Fefeu foi buscar na prática o
entendimento sobre os projetos pedagógicos.
Esse processo teve início nos anos 80, quando
a UNIMEP propôs uma ampla avaliação dos
seus cursos. A proposta da avaliação esbarrou
na necessidade da existência de projetos de curso, com perfil de egresso e objetivos claramente
estabelecidos. “O que a gente tinha na época
era uma grade curricular e os ementários. Isso
não é projeto” (ALMEIDA, 2014, p. 10).
Nesse processo, Fefeu participou de diversos debates e se aproximou de diversos departamentos da universidade, principalmente o
de Educação. Os constantes encontros com
professores dessa área para debater a estruturação dos projetos pedagógicos também se
refletem na formação de Fefeu para o ensino
da comunicação e que chama de “um período
de muita aprendizagem”.
Fernando Ferreira de Almeida: A prática e o ensino da Comunicação
235
A vivência no cenário acadêmico, tanto da docência, como no trabalho de
gestor, vem orientando a atenção de Fefeu quanto ao ensino da Comunicação,
sua prática e sua qualidade. Em 2003, Fefeu publicou o texto “Projeto Pedagógico e Currículo” no livro “Retrato do ensino em Comunicação no Brasil”,
organizado pelos professores Cicilia Maria Krohling Peruzzo e Robson Bastos
da Silva. Este artigo foi atualizado e reeditado no livro “Comunicação brasileira no Século XXI – INTERCOM: Ação, Reflexão”, organizado pelo professor
J.B. Pinho. Nele, Fefeu faz uso da sua experiência para apontar caminhos e
facilitar a construção de projetos pedagógicos para cursos de Comunicação. No
início do texto, Fefeu diz que “trata da utopia da formação e transformação do
aluno em um profissional que possa atuar no mercado de trabalho com competência ética, humanística e técnica” (ALMEIDA, 2003, p. 147).
Ao tratar como utópica essa proposta de formação, Fefeu traz à tona a necessidade de uma formação que vai além da reprodução das técnicas de mercado.
Trata-se, na verdade, de um curso que estimule a criatividade e o experimento
para propor novas práticas ao mercado, fazendo cumprir o papel da universidade na formação dos futuros profissionais.
E não é isso que a gente tem visto. Desde aquela época, já havia uma
preocupação neste sentido. O que nos leva a questionar o papel da universidade quando não trata com profundidade as questões éticas, a experimentação, a proposta de novas técnicas, de novas práticas. Fazer tudo
dentro do quadrado, dá mais segurança, mas tudo será sempre igual”
(ALMEIDA, 2014, p. 22).
Para trazer à realidade essa utopia, Fefeu propõe no texto a consulta à Lei
de Diretrizes de Base da Educação, às Diretrizes Curriculares da área de Comunicação, à legislação e ao mercado de trabalho, promovendo uma aproximação
com a sociedade no segmento de atuação profissional e com as entidades de
classe do setor, realizando seminários que envolvam profissionais e pessoas interessadas no curso.
De acordo com ele, a partir das consultas e dos debates sobre o curso, envolvendo a missão educativa da instituição de ensino, é que se chega ao perfil
desejado para o egresso. Na visão de Fefeu, a delimitação desse perfil, a clareza
do tipo de profissional que se deseja formar, bem como da pessoa que representa
esse profissional, é que se tem parâmetros para a discussão dos objetivos do curso e, consequentemente, dos conteúdos a serem trabalhados nele.
Para além dessa contribuição, Fefeu tem trabalhado diretamente na coordenação do ENSICOM, procurando promover discussões que possam contribuir
236
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
para a formação do profissional de comunicação com qualidade. “Esse é um
espaço para se apresentar as experiências para que a gente possa avançar na questão da proposta de projetos, na avaliação dos cursos e na qualidade do ensino de
comunicação” (ALMEIDA, 2014, p. 18).
Uma proposta atual de Fefeu, neste sentido, é a aproximação do INTERCOM JUNIOR e da EXPOCOM com o ENSICOM. Ao longo dos últimos
anos, Fefeu trabalhou diretamente nestes três espaços da INTERCOM. Participou da criação, implantou e foi o primeiro coordenador do INTERCOM
JUNIOR, abrindo espaço para a pesquisa desenvolvida por alunos na graduação
através dos trabalhos de conclusão de curso, de projetos de iniciação científica e
de projetos integrados acadêmicos. Também está envolvido com as atividades da
EXPOCOM desde a sua primeira edição. Já foi coordenador local, participou
diretamente da reestruturação da exposição durante a gestão do professor José
Marques de Melo e, atualmente, tem participado como jurado virtual e como
membro da banca de avaliação dos trabalhos. Tem aproveitado esta experiência
para analisar os papers e os produtos no sentido de identificar como os cursos de
Comunicação têm trabalhado conceitualmente os conteúdos teórico-aplicados,
a capacidade de análise, interpretação e desenvolvimento de materiais de comunicação a partir dos conceitos aplicados, a perspectiva de inovação e experimentalismo dos trabalhos e a leitura dos processos comunicacionais.
Avaliando, assistindo e lendo os materiais produzidos por alunos de Comunicação de todo o país nos últimos anos, Fefeu vem articulando um trabalho
de diagnóstico sobre o cenário do ensino de Comunicação no país e pretende
materializá-lo em breve. Para isso, pretende, a partir do ENSICOM, propor
atividades articuladas com as coordenações do INTERCOM JUNIOR e da
EXPOCOM, por entender que são os dois espaços que caracterizam a forma
que os cursos dão às diretrizes curriculares e que revelam o perfil que cada uma
das instituições trabalha para seus egressos.
A Expocom e o Intercom Junior são a materialização de tudo o que discutimos no Ensicom, sua preocupação com o projeto do curso, sua parte
teórica, aplicada e prática. Ao alinhar as discussões sobre o ensino da
comunicação com os resultados dos projetos apresentados pelas universidades, entendo que poderíamos identificar eventuais problemas, corrigir
rotas e até melhorar os mecanismos de avaliação e a qualidade dos cursos.
E essa avaliação pode ser uma forma de avançar, de apurar onde estão as
dificuldades e a própria Intercom dar uma resposta para isso, como, por
exemplo, na capacitação de professores e na capacitação de gestores de
curso (ALMEIDA, 2014, p. 17).
Fernando Ferreira de Almeida: A prática e o ensino da Comunicação
237
Do trabalho acadêmico à prática
A contribuição de Fefeu para os estudos de comunicação está na sua dedicação ao ensino que vai além da prática cotidiana da docência. Primeiramente,
como diretor financeiro da INRTERCOM nos últimos 21 anos, num trabalho
que não se resume à atividade burocrática de contas e finanças, mas da sua presença ativa nas discussões sobre os rumos da entidade que representa a Comunicação Social no país. Depois, está no sentido de estudar, diagnosticar, analisar
e debater as atividades ligadas ao ensino de Comunicação em todo o país. O seu
trabalho voltado à construção dos projetos pedagógicos e o compartilhamento
do seu conhecimento no debate do futuro do ensino da comunicação, o caracteriza como um importante timoneiro da área, porque tem sido determinante
para indicar os caminhos e ajudar na condução dos cursos de Comunicação. Por
isso, o seu trabalho acadêmico se caracteriza hoje na prática que tem orientado
o ensino de comunicação no país.
Vinte anos depois do primeiro contato que tive com Fefeu na UNIMEP, tive
a oportunidade de fazer a entrevista que orientou este breve relato da sua trajetória pessoal e acadêmica. No mesmo estilo, com o mesmo brilho nos olhos ao
tratar da Comunicação, Fefeu se mostra um professor, profissional, pesquisador
e comunicólogo no gerúndio.
Referências
ALMEIDA, Fernando Ferreira de; QUEIROZ, Adolpho. Comunicação e mudanças sociais. Piracicaba: Ponto Final/Intercom, 1999. 144p.
ALMEIDA, Fernando Ferreira de. Fotografia-documento: a contribuição de
Thomaz Farkas. São Bernardo do Campo, 2000.
ALMEIDA, Fernando Ferreira de; PERUZZO, Cicilia Maria Krohling (Orgs.).
A mídia impressa, o livro e as novas tecnologias. Coleção Intercom de Comunicação, n. 15. São Paulo: Intercom, 2002. 178p.
ALMEIDA, Fernando Ferreira de. Projeto pedagógico e currículo. In: Retrato
do ensino em Comunicação no Brasil. PERUZZO, Cicilia Maria Krohling;
BASTOS DA SILVA, Robson. São Paulo: Intercom, 2003. p.147-152.
ALMEIDA, Fernando Ferreira de; PERUZZO, Cicilia Maria Krohling (Orgs.).
Comunicação para a cidadania. São Paulo: Intercom, 2003. 296p.
238
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
ALMEIDA, Fernando Ferreira de. Perfil e trajetória acadêmica. Rio Claro, 09
de janeiro de 2014. Entrevista concedida a João Carlos Picolin.
MARQUES DE MELO, José; QUEIROZ, Adolpho. Unidade e diversidade
na comunicação. São Paulo: Intercom, 2008. 66p.
MORAIS, Osvando J. de (Org.). Procedimentos Intercom – roteiro, métodos,
técnicas. Coleção Memórias da Intercom, Série Documentos, v.1. São Paulo:
Intercom, 2010. 270p.
Fernando Ferreira de Almeida: A prática e o ensino da Comunicação
239
Raquel Paiva:
A comunidade em questão
Guilherme Moreira Fernandes1
Marcello Gabbay2
12º
CAPÍTULO
Nota Introdutória
Com a tentativa de englobar as múltiplas facetas de Raquel
Paiva, optamos por dividir este texto em quatro partes. Na
primeira apresentaremos a trajetória profissional e acadêmica da professora e pesquisadora, na segunda apresentaremos
suas principais publicações. A terceira e a quarta parte foram
reservadas para a análise cognitiva e crítica de seu legado intelectual, sendo uma reservada exclusivamente para suas interferências teóricas na Comunicação Comunitária e a última
refletindo interfaces com a comunicação massiva.
1.
Doutorando em Comunicação e Cultura pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Jornalista e Mestre em Comunicação pelo PPGCOM
da Universidade Federal de Juiz de Fora. Diretor Administrativo
da Rede de Estudos e Pesquisa em Folkcomunicação, nas gestões
(2011-2013) e (2013-2015).
2.
Mestre e Doutor em Comunicação pelo PPGCOM da UFRJ.
Pesquisador do Laboratório de Estudos em Comunicação Comunitária (LECC-UFRJ).
Raquel Paiva: A comunidade em questão
241
Raquel Paiva: trajetória acadêmica e profissional3
Raquel Paiva de Araújo Soares, ou simplesmente Raquel Paiva, é uma das
principais referências do campo teórico da Comunicação Social, especialmente
na área da Comunicação Comunitária. Professora da Escola de Comunicação
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO-UFJF), Raquel Paiva tem 13
livros publicados e mais de meia centena de artigos em capítulos de livros e periódicos nacionais e internacionais, além de um livro traduzido para o italiano
e a tradução para o português de “Para além da interpretação: o significado da
hermenêutica para a filosofia” (Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1999) do filósofo e político italiano Gianni Vattimo.
Alexandre Barbalho (2010, p. 384) ao traçar o perfil intelectual da professora aponta como significativo o fato de ela ter morado e estudado em diversas cidades brasileiras, em sua infância e juventude, sendo elas: Juazeiro-BA,
Pindamonhangaba-SP, Recife-PE, Natal-RN, Boa Vista-RR e Juiz de Fora-MG.
Foi na cidade mineira de Juiz de Fora que Raquel Paiva começou sua vida
acadêmica e profissional. Entre os anos de 1978 e 1981 cursou Jornalismo na
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Já nesta época demonstrou interesse pela vida acadêmica, participando de bolsas de monitoria sob a orientação do
exigente professor José Luiz Ribeiro, que recorda com entusiasmo do período.
Raquel Paiva foi uma aluna que se tornou colega. Foi minha monitora e
ela recorda da exigência e precisão dos trabalhos. Foi formada na têmpera
que forja valores intangíveis. Um temperamento de forte personalidade
e altivez na realização de suas metas. Eu diria uma autêntica guerreira.
Deixou a FACOM e continuou numa estrada de seriedade e firmeza.
Sua obra nos auxilia e seu exemplo nos deixa o orgulho de ter sido seu
professor e continuar amigo (RIBEIRO, 2013).
No ano de sua formatura ingressou como jornalista no recém-fundado “Tribuna de Minas”, hoje com 32 anos, sendo o principal jornal impresso da cidade. Neste veículo de comunicação, Paiva trabalhou como repórter e editora de
setembro de 1981 até dezembro de 1984. Entre as inúmeras reportagens, fica o
registro da memória da participação de Juiz de Fora no Golpe Militar de 1964,
3.
242
Nesta seção contamos com a colaboração da Profa. Cristina Brandão colhendo os depoimentos de José Luiz Ribeiro, Geraldo Muanis e Paulo César Magella e do Prof.
Flávio Lins que realizou o texto e a entrevista com a jornalista Ana Goulart.
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
na série desenvolvida pela Tribuna 20 anos depois4. O jornalista Geraldo Muanis recorda a participação de Paiva na fundação do periódico.
Conheci a Raquel Paiva ainda nos corredores da Universidade Federal
de Juiz de Fora, alunos que éramos do então Departamento de Comunicação da Faculdade de Direito. Estava um período à sua frente, mas
iniciamos a carreira juntos, fundadores que fomos da “Tribuna de Minas” em setembro de 1981. Tenho grande admiração pela Raquel, pois
além de profissional correta, de texto conciso e que sempre primou pelo
respeito às fontes e busca da correção, também carrega consigo os princípios morais e éticos. Começou como Repórter de Cidade e desde o
início chamou atenção por seu talento e dedicação, tornando-se logo
um dos principais nomes entre os jornalistas de Juiz de Fora. De longe
acompanho sua bem sucedida trajetória acadêmica, certo de que, com
sua inteligência e mergulho nos estudos, sedimentará cada vez mais seu
respeitoso nome como pesquisadora (MUANIS, 2013).
O jornalista Paulo César Magella, que também participou da fundação do
jornal e atualmente é o editor geral da Tribuna, relembra da importância de
Paiva no periódico.
Conheci Raquel na redação da Tribuna, ainda no antigo prédio, na Academia de Comércio. Chamou minha atenção pela beleza, que ainda se
mantém, pelo talento e, sobretudo, pelo trato com os colegas. A despeito
da sua capacidade de trabalho e competência no seu desenvolvimento,
jamais abriu mão dos amigos e dos colegas. Sempre foi generosa e dedicada. Quando saiu, criou um vácuo na nossa redação, mas preencheu o
mundo acadêmico com seu talento, hoje nacionalmente reconhecido.
Falar de Raquel exige muitos adjetivos, mas é sempre bom pelo que ela
significa para nós da Tribuna. O Jornal, agora perto dos 32 anos, tem
orgulho de tê-la na sua galeria (MAGELLA, 2013).
Além do talento nato, Raquel Paiva também chamava atenção por sua beleza. A facilidade de Raquel em transitar pelas mais diversas tribos também
chama atenção da jornalista Ana Goulart que também participou da fundação
do periódico. Segundo Ana Goulart: “por ter um lado bastante intelectualizado,
4.
Sobre a série de reportagem ver COUTINHO e FELZ, 2004.
Raquel Paiva: A comunidade em questão
243
não perdia, por isso, seu glamour e sua simpatia, ou seja, não era uma pessoa
fechada em si mesma”. Ela já acreditava que a jovem jornalista iria longe, “engajada e, desde aquela época, apresentando um perfil que, imaginava, ia desaguar
no mundo acadêmico, nunca deixou de frequentar as rodas de boteco com a
turma da redação” (GOULART, 2013).
Ana, naquele período, repórter de cidade e também editora da página de
moda da Tribuna, conta que Raquel sempre foi muito bonita, bem-humorada
e “não se fez de rogada quando a convidei para posar para minha página”. Era
um editorial sobre óculos escuros, que contou com fotos de Valéria Frossard.
Na falta absoluta de modelos, as belas jornalistas Raquel Paiva e Ana Goulart
fizeram bonito posando com as novidades do momento. Ana acredita que foi o
episódio mais pitoresco que viveu com Raquel.
Fotógrafa: Valéria Frossard. Modelos: Ana Goulart e Raquel Paiva (1981)
Em 1984 Raquel Paiva deixa a função de jornalista da “Tribuna de Minas”
e passa a desempenhar a função Coordenadora da Assessoria de Imprensa do
Centro Regional de Saúde da Secretaria do Estado da Saúde de Minas Gerais
(SES-MG) permanecendo no cargo até 1986. Neste período, conforme Barbalho (2010, p. 384), Paiva atuou no movimento sindical e participou da diretoria
244
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Juiz de Fora e foi diretora cultural
da Associação da Mulher Juiz-forana.
Paralelo à atividade jornalística, Paiva iniciou sua carreira docente em 1984
após ser aprovada em concurso público para professor auxiliar da Faculdade
de Comunicação Social da UFJF. Em 1985 a professora realizou dois cursos
de pós-graduação lato sensu. O primeiro no Centro Internacional de Estudios
Supeiores de Comunicación (CIESPAL), em Quito no Equador, quando teve o
primeiro contato teórico com a Comunicação Comunitária. E o segundo no
Latin America Eletronic Media Exchange Programa da Arizona State University,
nos Estados Unidos. O período em que esteve em Quito ainda ecoa no imaginário da professora, conforme relato em 2009.
[Era] uma jovem recém-formada em comunicação social, iniciando a
carreira profissional e acadêmica. Ingressar no Ciespal em meados do
anos 80 significava muito mais que apenas realizar um curso de especialização [...] significava o acesso a um mapa-múndi até então desconhecido.
Significava fazer conexões com outras culturas, significava discutir conteúdos e práticas. Naquela conjuntura, apenas esta esperança já bastaria
para justificar ida a Quito, num momento de difusão e consolidação
de um modelo de comunicação etnocêntrico. Por esta razão, definitivamente, estudar no Ciespal nos anos 80 significava ter acesso a um outro formato de bibliografia [...] uma bibliografia comprometida com a
mudança social, com um viés que conjugava a comunicação com vida
política. Este novo momento se distanciava bastante da marca estruturalista que rondava as escolas de comunicação na época, divididas entre
acompanhar a pauta americana ou europeia das pesquisas na área e suas
supostas preocupações em atender a cotento a instância profissionalizante. A conexão profunda da comunicação com o quotidiano das populações, aliada a preocupações emancipatórias via educação e política,
marcou definitivamente quem esteve no Ciespal naqueles anos (PAIVA,
2009, p. 338-339).
Podemos ainda afirmar que a gênese do pensamento da Comunicação Comunitária de Paiva também esteve vinculada a sua passagem no Ciespal, como
reconhece a pesquisadora.
É importante salientar que, após 24 anos de Ciespal, a minha trajetória
profissional e pessoal se confunde com as temáticas com as quais tive naquele período. O livro “O Espírito Comum”, que representa o esforço de
Raquel Paiva: A comunidade em questão
245
reflexão epistemológica sobre o campo da comunicação alternativa, popular, comunitária ou contra-hegemonica completou 12 anos, estando
na terceira edição. Em especial, é preciso fazer menção, como prosseguimento e aplicação deste período, à existência do Laboratório de Estudos
em Comunicação Comunitária (LECC), que tem formado um número
significativo de pesquisadores em seguimentos diversos e participado dos
projetos mais criativos e inovadores de comunicação alternativa no Rio
de Janeiro, como a Escola de Comunicação Popular, com a formação
de repórteres populares para jovens moradores das favelas da cidade,
em parceria com o Observatório de Favelas. As interações que o LECC
consegue realizar com os movimentos de produção de comunicação e
cultura popular marcam definitivamente a sua vinculação com o Ciespal
e constitui a herança maior que eu possa demonstrar daquele período
(PAIVA, 2009, p. 341-342).
A inquietação teórica proporcionada nos estudos no exterior levou Raquel
Paiva a realizar, entre 1988 e 1991, o mestrado no Programa de Pós-Graduação
em Comunicação e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Histeria e Comunicação de Massa” foi o tema de sua pesquisa orientada por Muniz
Sodré. Após a defesa da dissertação de mestrado, Raquel Paiva transferiu-se da
Faculdade de Comunicação Social da UFJF para a Escola de Comunicação da
UFRJ, deixando a cidade de Juiz de Fora e fixando residência no Rio de Janeiro.
Em 1992 inicia, também com orientação de Muniz Sodré, seu doutoramento. Em 1995 realizou “bolsa sanduíche” na Università degli Studi di Torino, na
Itália, com orientação do filósofo e membro do Parlamento europeu Gianni
Vattimo, e em 1997 defende a tese “O espírito comum – mídia, globalismo e
comunidade”. Em 1998, a editora Vozes publicou em livro a tese de Paiva e em
2000 a Mauad editou a pesquisa realizada no mestrado.
Em março de 1998 Paiva credenciou-se como docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da UFRJ e, no período de março de
2003 a agosto de 2005 ficou à frente da coordenação do programa. A gestão de
Paiva no PPGCOM-UFRJ foi fundamental para a recuperação do prestígio do
programa junto à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(Capes), sendo a gênese para a conquista do conceito 6 junto a Capes na avaliação
trienal de 2010, à ocasião o único curso com tal excelência. Em 2011 a ECO-UFRJ recebeu o prêmio Luiz Beltrão, na categoria de Instituição Paradigmática,
da Sociedade de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM), no
discurso de agradecimento do prêmio, ao comentar a importância do PPGCOM-UFRJ, o professor Maurício Lissovsky destacou a importância da gestão de Paiva:
246
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
A tradição da Escola não seria suficiente para explicar o que somos hoje.
Não há avanço na pesquisa e no ensino sem inovação e renovação. Há
pouco mais de oito anos, iniciou-se um processo de renovação do programa, com a introdução de mecanismos mais acurados de avaliação,
credenciamento sistemático de professores, reforma dos currículos e concentração em duas linhas de pesquisa (“Mídia e Mediações Sociais”, uma,
e “Tecnologias da Comunicação e Estética”, a outra). Um processo que
teve início com a Profa. Raquel Paiva, que agora assume a diretoria científica da Intercom, cuja gestão foi crucial para a instituição compreender
que a excelência acadêmica deve ser um objetivo a ser perseguido permanentemente. Não é um horizonte idealizado, mas uma ação cotidiana,
multifacetada, coletiva e democrática (LISSOVSKY, 2012, p. 116-117).
O trabalho desenvolvido frente a ECO-PÓS foi reconhecido pelos pares e
em 2005 Raquel Paiva foi contemplada com o Prêmio Luiz Beltrão da INTERCOM na categoria Liderança Emergente. Já em 2007 recebeu da INTERCOM
a medalha Maria Immacolata Lopes pelo trabalho “Telenovela e Pastiche” produzido em coautoria com Muniz Sodré.
Raquel Paiva também deixou sua marca nas associações científicas. Entre
2001 e 2003 foi secretária geral da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (COMPÓS), na gestão liderada por Vera França
(presidente) e Maria Helena Weber (vice-presidente). Entre 2005 e 2008, no
terceiro mandado de José Marques de Melo como presidente da INTERCOM,
Paiva ocupou o cargo de diretora cultural, entre as inúmeras ações desenvolvidas neste período, destaca-se a criação do “Café INTERCOM”, cuja primeira
edição foi realizada na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Raquel Paiva
retorna à diretoria da INTERCOM no segundo mandato do professor Antônio
Hohlfeldt, no período de 2011-2014, desta vez como diretora científica.
Ainda na INTERCOM, no período de 2001 a 2005, Paiva coordenou o
Núcleo de Pesquisa “Comunicação e Cultura de Minorias”, que em seus cinco
anos de existência produziu uma sólida reflexão sobre o universo das minorias
e a relação midiática. Foram apresentadas 173 papers neste NP, sendo 22 em
2001 (Campo Grande-MS), 54 em 2002 (Salvador-BA), 35 em 2003 (Belo
Horizonte-MG), 32 em 2004 (Porto Alegre-RS) e 30 em 2005 (Rio de Janeiro-RJ). A partir de 2006 o grupo se extinguiu e parte dos pesquisadores nucleados
foi para os núcleos “Comunicação e Culturas Urbanas” e “Comunicação para a
Cidadania” (este existente desde 2001).
Certamente um dos maiores legados da professora Raquel Paiva foi a criação
do Laboratório de Estudos em Comunicação Comunitária (LECC), na UFRJ,
Raquel Paiva: A comunidade em questão
247
em 1998. Os três pilares da universidade (ensino, pesquisa e extensão) foram
pensados de forma equilibrada no planejamento inicial do LECC. No fim de
2013 a professora anunciou a criação do Instituto Nacional de Comunicação
Comunitária, formado pelo LECC e por dois outros laboratórios vinculados
a Programas de Pós-graduação: o Laboratório de Investigação em Comunicação Comunitária e Publicidade Social (LACCOPS), vinculado ao programa
de Pós-graduação em Mídia e Cotidiano da Universidade Federal Fluminense
e dirigido pela professora Patrícia Saldanha; e o Laboratório de Pesquisas e Estudos em Comunicação Comunitária e Saúde Coletiva, ligado ao Programa de
Pós-graduação em Estudos da Mídia da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte e coordenado pelo professor Juciano Lacerda. Saldanha foi orientada por
Paiva em sua dissertação de mestrado defendida na UFRJ em 2003.
Registra-se também que a professora é bolsista de produtividade do CNPq,
nível A1.
Produção Intelectual de Raquel Paiva
Raquel Paiva possui uma vasta e importante publicação científica. Seu currículo cadastrado na plataforma Lattes registra 42 trabalhos completos publicados em periódicos nacionais e internacionais, 14 livros publicados ou organizados, 25 capítulos de livro, 27 textos em jornais de notícias/revistas, 36 trabalhos
completos publicados em anais de eventos, além de 19 outras produções bibliográficas entre prefácios, posfácios, apresentações de livro e traduções. Acreditamos que não é necessário retomarmos toda esta listagem, visto que a mesma
pode ser conferida na plataforma Lattes. Realizamos uma seleta envolvendo as
principais publicações, que apresentaremos nessa seção de forma resumida e
sistemática e aprofundaremos nas duas próximas partes.
Livros integrais
a) O espírito comum: comunidade, mídia e globalismo. 1ª edição 1998 (Petrópolis-RJ, Ed. Vozes), 2ª edição 2003 (Rio de Janeiro-RJ, Ed. Mauad). 1ª
reimpressão da 2ª edição foi realizada em 2007.
A segunda edição apresenta como acréscimo um prefácio assinado por Gianni Vattimo, orientador de Paiva à ocasião do estágio de doutoramento realizado
na Itália. Este livro é o resultado da tese de doutoramento defendida em 1997.
Livro-referência para estudantes de todos os níveis e leitura obrigatória para a
disciplina de Comunicação Comunitária, tendo influenciado a adoção da disciplina em diversos cursos de graduação nas faculdades brasileiras.
248
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
b) Histeria na Mídia: a simulaç@o da sexualidade na era digital. Rio de
Janeiro: Mauad, 2000.
O livro é o resultado da dissertação de mestrado defendida por Paiva em
1991. Resulta de um esforço interdisciplinar entre os estudos de mídia e comunicação e a Psicanálise e traz prefácio assinado pelo renomado psicanalista
Wilson Chebabi.
c) O Império do Grotesco. Rio de Janeiro: Mauad, 2002. (1ª reimpressão em 2004).
Livro em coautoria com Muniz Sodré e marca o retorno do pesquisador à
temática do grotesco. Em 1972 o professor Sodré publicou pela Vozes o livro “A
comunicação do grotesco: um ensaio sobre a cultura de massa no Brasil”, sendo
o autor-referência neste campo de estudo. Graças à iniciativa de Raquel Paiva,
apropriou-se do tema a partir de observação teórica e empírica atualizada, os
dois autores ampliaram o mote definindo grotesco e categoria estética a partir
de referências encontradas em jornais e revistas e analisou o império na literatura, no cinema e na televisão. Livro de fácil e prazerosa leitura é recomendado
para estudantes de graduação e pós-graduação, especialmente para disciplinas
ligadas à Estética e Comunicação de Massa.
d) Cidade dos Artistas: cartografia da televisão e da fama no Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro: Mauad, 2004.
Outra parceria com Muniz Sodré. O livro traz depoimentos de Joaquim
Ferreira dos Santos (colunista social do jornal O Globo), Liege Monteiro (promotora de eventos), Ana Cláudio de Souza (editora da revista Quem Acontece) e
de Francisco Milani (ator), com o intuito de perceber a realidade encarada por
esses profissionais, perceber o território carioca e, por fim, analisar o efeito de
gentrificação proporcionada pela TV. Assim como “O império do grotesco”,
“Cidade dos Artistas” foi escrito de forma prazerosa e direta. Considerado uma
referência na aplicação de estudo etnográfico da Comunicação, também é indicado tanto para estudantes como para demais curiosos da cartografia da televisão e da fama no Rio de Janeiro. Em 2008 o livro foi traduzido para o italiano
com o título “Telenovela Rio – Cartografia della televisione e della fama nella città
do Rio de Janeiro” (Città di Castello, Bulzoni Editore).
e) Política: palavra feminina. Rio de Janeiro: Mauad X, 2008.
Instigante pesquisa desenvolvida pelo Laboratório de Estudos em Comunicação Comunitária – LECC, relacionando a Comunicação Comunitária pelo
Raquel Paiva: A comunidade em questão
249
viés da proposta de intervenção nos discursos sociais e na produção de mídia
trafegando na correlação de gênero com a política partidária.
Livros organizados
a) Estratégias de Cultura da Comunicação. Brasília: ED. UNB, 2002.
Livro organizado com Luiz Gonzaga Motta, Maria Helena Weber e Vera
França. O livro consta na seleção dos dez melhores artigos (entre os 120 apresentados) do 10º Encontro da Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação em Comunicação (Compós). O evento em questão aconteceu em
Brasília, na UNB, em 2001. Motta foi o coordenador geral do evento na UNB
e França, Weber e Paiva formavam o trio da diretoria executiva da Compós.
b) Ética, Cidadania e Imprensa. Rio de Janeiro: Mauad, 2002.
O livro reúne dez artigos produzidos por experientes pesquisadores (sendo
dois estrangeiros) com o foco em discutir a ética na mídia em um momento em
que o discurso generalista sobre a “ética” era muito produzido.
c) Livro da XI Compós: Estudos de Comunicação. Porto Alegre: Sulinas, 2003.
Livro organizado pela então diretoria da Compós (França, Weiber e Paiva) e
por Liv Sovik (coordenadora do Encontro da Compós na UFRJ). O livro reúne
os melhores artigos do encontro da Compós de 2002.
d) Comunicação e Cultura das Minorias. São Paulo: Paulus, 2005.
Organizado com o professor Alexandre Barbalho. O livro reúne artigos apresentados do NP de Comunicação e Cultura das Minorias da INTERCOM.
Destacamos o texto “Por um conceito de minoria” de Muniz Sodré, texto-palestra de Sodré, ao NP, que não foi inserido nos Anais dos eventos.
e) Ícones da sociedade midiática: da aldeia de McLuhan ao planeta de Bill
Guedes. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007.
Livro organizado em parceria com José Marques de Melo. O livro representa
parte do trabalho desenvolvido por Paiva como Diretora Cultural da INTERCOM na gestão presidida por Marques de Melo (2005-2008). O livro apresenta homenageia os patronos dos prêmios estudantis da INTERCOM (Vera
250
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Giangrande, Ligia Averbuck, Francisco Morel e Freitas Nobre) e apresenta os
estudantes agraciados na edição de 2006.
f ) O retorno da Comunidade: os novos caminhos do social. Rio de Janeiro:
Mauad X, 2007.
Importante coletânea comemorativa aos dez anos do livro “O Espírito Comum”. Traz importantes textos dos principais pesquisadores da Comunicação
Comunitária na América Latina. O destaque do livro é a primeira parte, intitulada “Epistemologia da Comunidade” com textos de Roberto Esposito, Davide
Tarizzo e Gianni Vattimo. Os textos de Esposito e o de Vattimo foram traduzidos por Paiva. As reflexões complementam e atualizam o caminho inicialmente
retratado na obra de estreia da professora e também se configura como leitura
obrigatória aos interessados na disciplina de Comunicação Comunitária.
g) Comunidade e Contra-hegemonia: rotas de Comunicação Alternativa.
Rio de Janeiro: Mauad X, 2008.
Livro organizado com Cristiano Henrique Ribeiro dos Santos e publicado
com apoio da Faperj. O livro comemora os dez anos de atividade do Laboratório de Estudos em Comunicação Comunitária – LECC e traz importantes reflexões dos membros, desde os seniores aos estudantes de mestrado e doutorado
vinculados ao LECC.
h) Mídia e Poder: ideologia, discurso e subjetividade. Rio de Janeiro: Mauad
X, 2008.
Livro organizado com os professores João Freire Filho e Eduardo Granja
Coutinho. Coletânea de estudos produzidos no PPGCOM-UFRJ, trazendo
textos de Jesús Martín-Barbero e Muniz Sodré.
Seleta de artigos
a) Estratégias de Comunicação e Comunidade Gerativa
In: PERUZZO, Cicilia M. Krohling (org.). Vozes Cidadãs: aspectos teóricos e análises de experiência de comunicação popular e sindical na América
Latina. São Paulo: Angellara, 2004. p. 57-74.
O livro organizado por Peruzzo, a partir de uma seleção com textos apresentados nos “Congresos de la Associación latinoamericana de Investigadores de la
Raquel Paiva: A comunidade em questão
251
Comunicación – ALAIC” no GT “Medios Comunitarios y Ciudadanía” (hoje denominado de “Comunicación Popular, Comunitaria y Ciudadanía5”, é também
uma ótima referência para os estudos de Comunicação Comunitária. No texto
destacado, Paiva avança no conceito de “comunidade”, anteriormente definido
n’O Espírito Comum, cria a denominação “comunidade gerativa”.
b) Telenovela e Pastiche. Com Muniz Sodré
In: MORAIS, Osvando (org.). Tendências atuais em pesquisa em Comunicação no Brasil. São Paulo: Intercom, 2008. Coleção Verde Amarela. Vol. 3:
Os rios fúlgidos. p. 61-73.
Trabalho originalmente apresentado do NP de Ficção Seriada da INTERCOM em 2007 (Santos) foi o vencedor da Medalha Maria Immacolata Lopes
da INTERCOM, em comemoração aos 30 anos da entidade.
c) Comunicação para a cidadania
In: MARQUES DE MELO, José. O campo da Comunicação no Brasil.
Petrópolis-RJ: Vozes, 2008. p. 169-176.
Importante livro de Marques de Melo, especialmente para alunos de graduação. O livro objetiva mapear a cartografia do campo da comunicação e apresentar, de forma didática, as disciplinas consolidadas e as emergentes. Coube a
Paiva escrever sobre a “comunicação para a cidadania”, denominada, em muitos
currículos, como Comunicação Comunitária. O texto retratada a história da
disciplina.
d) Pesquisa em Comunicação Comunitária: há lugar para a empiria?
In: BARBOSA, Marialva e MORAIS, Osvando. Quem tem medo da Pesquisa Empírica? São Paulo: Intercom, 2011. p. 105-121.
O livro em questão se propõe a discutir o tema do congresso da INTERCOM do ano de 2011, que teve como sede a cidade do Recife-PE. No texto,
Paiva realiza um passeio pelas Teorias da Comunicação (em especial o Funcionalismo norte-americano e a Escola de Frankfurt), apresenta um viés filosófico
baseado em Gianni Vattimo para contextualizar epistemologicamente a pesquisa em Comunicação Comunitária.
5.
252
Atualmente o grupo é coordenado pela professora colombiana Esmeralda Villegas.
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
e) Novas formas de conhecimento no cenário de visibilidade total: a comunidade do afeto.
In: Revista Matrizes: revista do programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade de São Paulo. V. 6, nº1-2, 2012. p. 63-75.
O texto em questão faz parte do dossiê “Novas Perspectivas em Teorias da Comunicação”. O texto apresenta o mais recente conceito formulado por Paiva, o da “comunidade do afeto”. Há uma simbiose entre os conceitos de “comunidade” cunhado
em 1997 (em “O Espírito Comum”), a sequência que foi a “comunidade gerativa” e,
neste momento, o conceito trabalhado pela autora que é o de “comunidade do afeto”.
f ) Comunicação, Comunidade e Esporte. Com João Paulo Malerba e Marcello Gabbay
In: XXXV CONGRESSO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO. Intercom. Forteleza: Unifor, 2012. p. 1-13.
Trabalho apresentado no GP de Comunicação e Esporte no INTERCOM
de Fortaleza (2012). O trabalho expõe a temática mais recente discutida pela
professora. Paiva no começo reflete sobre a questão da mobilidade urbana apontando a bicicleta como um privilegiado meio de transporte, além do ciclismo
como modalidade esportiva. Em 2013 a professora ofereceu uma disciplina no
PPGCOM-UFJF sobre esta temática.
g) Afeto e mobilidade nas megacidades: o comum e as alternativas de comunicação. Com Muniz Sodré
In: BARBOSA, Marialva e MORAIS, Osvando. Comunicação em tempo de
redes sociais: afetos, emoções e subjetividades. São Paulo: Intercom, 2013. p. 45-57.
O livro em questão debate o tema do congresso da INTERCOM de 2013,
na cidade de Manaus-AM. No texto escrito com Sodré, Paiva retoma a questão
da mobilidade nas megacidades paralelamente à questão da comunidade afetiva.
São estes os dois temas em voga no trabalho da pesquisadora.
“O Espírito Comum” e os desdobramentos no torno do comunitário
O Espírito Comum
O texto resultante da tese de doutorado de Raquel Paiva, coorientada por
Muniz Sodré e pelo filósofo italiano Gianni Vattimo, concluída em 1997, reúne
Raquel Paiva: A comunidade em questão
253
esforços em torno do conceito de comunidade em meio ao crescente foco lançado sobre movimentos, iniciativas e veículos ditos comunitários nas maiores
capitais brasileiras, fenômeno resultante de cerca de duas décadas de ativismo
dentro e fora das faculdades de Comunicação em todo o país e da abertura info-tecnológica possibilitada pelo fim da ditadura militar em 1986 e pela estabilização da economia brasileira em 1994.
Este é possivelmente o livro referência para as disciplinas de Comunicação
Comunitária em todo Brasil, disseminado pelos emergentes cursos de instituições particulares e públicas graças a ação de mestrandos, doutorandos e grupos
de estudos e pesquisa das principais sociedades acadêmicas que absorveram o
livro em suas rotinas universitárias.
O posicionamento do livro dentro do fenômeno da globalização econômica
e cultural o colocava na pauta das grandes discussões latino-americanas. Em
busca das definições para o conceito de comunidade, Paiva percorre um trajeto
menos cronológico e mais conceitual, que resgata o tradicional texto do sociólogo alemão Ferdinand Tönnies, do final do século XIX, em sua distinção conceitual entre comunidade e sociedade. A “comunidade de espírito”, baseada nos
laços de amizade e pensamento, instiga a autora a revirar nas ciências humanas
e sociais, na psicologia, filosofia, e na sociologia, os rastros do tão misterioso
“espírito comum”. A autora finalmente posiciona o conceito de comunidade no
campo comunicacional, e retoma a compreensão de possibilidades de comunidade com uma aplicação prática e cotidiana.
A tensão entre global e local aponta para a pertinência do conceito de comunidade. A nova ordem mundial que desloca os centros de poder dos Estados-Nação para as instâncias de convivência e relação social cotidianas, como a
família, o trabalho e a mídia, acentua o elo fundamental entre a forma comunitária e os fenômenos comunicacionais.
Diante da constatação de uma moralidade construída pela ordem mercadológica e midiática, Paiva sugere que o vínculo comunitário estaria hoje mais ligado ao sentimento de afeto, amor e a territorialidade do que a antigos aspectos
ligados à linhagem, consanguinidade ou ao contrato social. No entanto, a médio
prazo, o comunitário passa a atuar como uma “via mediadora” institucionalizada, ainda que filosoficamente autônoma em relação às estruturas institucionais
do mercado, numa estratégia proposital de inserção política prática no jogo de
representações sociais. Pois é em meio ao surgimento das novas tecnologias de
comunicação e informação e de supervalorização da técnica e do dispositivo comunicacional que a comunicação comunitária se afirma como uma modalidade
possivelmente contra-hegemônica apta a participar politicamente do resgate do
sentido do território na estrutura social vigente.
254
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Dessa forma, Paiva vem questionar como sustentar um projeto comunitário
em meio à atomização societária reinante nas grandes cidades. Em resposta, ela
sugere que o papel da comunicação comunitária seria, por meio da instauração
de uma forma relacional dialógica e inserida no real histórico, alterar a lógica
societal e pôr em jogo uma possível inversão de coisas, dissonante em relação à
realidade e à moral priorizadas pela construção narrativa dominante nas grandes mídias. Neste sentido, a linguagem seria um dos bens mais importantes da
comunidade, formadora de “um elo espiritual, por meio do qual os indivíduos
se acham em condições de expressas seus pensamentos, repassar fundamentos,
vivificar as normas, enfim, eternizar o grupo” (PAIVA, 2003, p. 92). Porém, é
por meio da concretude da linguagem que poderemos definir um grupo, uma
comunidade, um território.
As variadas formas de idealização da comunidade vão muito além da teoria
tönnesiana. Passando por textos de Nietzsche, Blanchot, Hegel, Schleiermacher
e Freud, sugerindo, em comum, que o comunitarismo busca ensejar possíveis
unidades de referência, proteção e abrigo a determinado agrupamento.
No esforço de buscar compreender a função da comunidade no contexto
contemporâneo, suscitado por questões como a globalização e certa potência
comunicacional, Paiva sugere três possibilidades de comunidade: 1) a institucional, que valoriza a existência de organismos e formas de poder locais; 2) a
comunidade como unidade de gerência e pressão, que valoriza a postura política
dos agrupamentos diante do poder público; e 3) a cooperativista, baseada em
um espírito de cogestão de iniciativas, principalmente, em função de instituições já existentes.
De modo geral, dentre as mais importantes orientações intelectuais lançadas
por este livro, ressaltam-se os aspectos ligados ao estudo do vínculo comunitário, que aponta para a emergência da solidariedade como uma “estratégia de
ação” prática e concreta dirigida a se opor as formas de isolamentos simbólicos
ou mesmo econômico-sociais. O vínculo espiritual – que diz respeito enfim ao
conjunto de linguagem e leis, cultura – que configura o comunitário é realizado
pelos próprios indivíduos componentes do grupo.
Conclusivamente, Paiva elenca aspectos mais concretos relacionados à prática da comunicação comunitária, como a adaptação ou invenção de linguagens
próprias; a autonomia e apropriação criativa em relação aos aparatos técnicos;
as formas de vinculação no interior da comunidade, e a relação dialógica com
os agentes externos, possibilitando a irradiação de propostas e reivindicações
coletivas.
Raquel Paiva: A comunidade em questão
255
Minorias Flutuantes
Em 2001, portanto quatro anos após o lançamento de “O Espírito Comum”,
Raquel Paiva apresenta um texto no XXIV Congresso da INTERCOM, em
Campo Grande-MS intitulado “Minorias flutuantes: novos aspectos da contra-hegemonia”. Movido pela apropriação subversiva em tomo de sua tese, que atribuía, de mais a mais, ao espírito comum um aspecto afirmativo e por vezes revolucionário, este novo texto vem delinear a função contra-hegemônica de grupos
minoritários, entendendo-se esta qualificação a partir da posição no campo de
batalha dos discursos. Se no último capítulo de “O Espírito Comum” Paiva sinalizava novos contornos comunitários diante da Internet, aqui ela classifica como
“minorias flutuantes” as estratégias de manifestação afirmativa no campo do discurso por parte de grupos, comunidades ou associações que fazem do ambiente
midiático sua arena maior de expressão. A autora alerta que tais movimentos
tendem a se adequar ao novo tempo “midiológico”. É o caso do Greenpeace, do
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), dentre outras organizações de
classe e de interesse que fazem uso da arena, do tempo e da linguagem midiáticas
para abrir frentes temporárias e contundentes de manifestação.
Ainda rumo a um apropriamento prático da tese de 1997, uma sequência de
livros coletivos ajudará a organizar os debates em tomo do comunitário, especialmente ligados aos grupos de pesquisa interinstitucionais, nas reuniões anuais
da INTERCOM e da Compós. A parceria com o professor Alexandre Barbalho,
da Universidade Estadual do Ceará, em 2005, rendeu a publicação “Comunicação e Cultura das Minorias”, em que a temática das minorias é retomada. Se
por um lado as novas mídias e a fragmentação do processo comunicacional propiciariam uma suporta democratização da fala, por outro, a nova ordem tomava
cada vez mais escorregadias as regras de legitimação e aceitação do outro. Paiva
sublinhava as formas contemporâneas e fluidas de coerção e violência social,
seja por meio da hegemonia técnica e simbólica sobre a produção e circulação
de discursos, seja pela ação policial sobre veículos comunitários nas grandes
cidades da América Latina, fato que vinha em crescimento naquela primeira
década do século XXI. A noção de minorias flutuantes assentava o fato de que
o ambiente e a linguagem midiáticos definem de maneira decisiva as formas
de atuação comunitárias; e, por outro lado, lançava o olhar sobre o conceito
de vinculação social como mecanismo de mobilização efetiva no interior dos
grupos, uma nova forma de manifestação politizada contra-hegemônica, que
recoloca em pauta o valor do território.
Aí a autora lança os primeiros indícios do conceito que já vinha delineando.
Em oposição a uma forma negativizada da comunidade, pautada pela violência
256
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
e, por certo aprisionamento dentro de um modus operandi midiatizado, surge
a “comunidade gerativa”, a forma de vinculação pautada pelo bem comum e
pelo florescimento harmônico com o contexto histórico e social de nosso tempo.
Comunicação e Comunidade Gerativa
A comunidade gerativa surge em meio a um contexto de descentralização
do poder e falência de uma lógica política ancorada no modelo assistencialista;
é um fenômeno que se define no hiato deixado pela transposição de um modelo
societal da proximidade e da perenidade para outro marcado pela volatilidade.
Ao longo de cerca de sete anos, Raquel Paiva se empenhou no exercício de
reinterpretação do conceito de comunidade, primeiramente revisitando autores
que vinham desde a teoria crítica alemã, passando pelas práticas na União Cristã
Brasileira de Comunicação Social, nas décadas de 1970, 1980 e 1990, e os filósofos contemporâneos, destacadamente Roberto Esposito, Jean-Luc Nancy, Giorgio
Agamben, e Richard Rorty, dentre outros. O resgate da teoria tönnesiana, num
primeiro momento, veio recolocar em pauta a vinculação social, a preocupação
com o território e com a memória cultural. Assim, a comunidade gerativa inclui a
aura da transformação, mas também do pertencimento afetivo. Como efeito concreto, vislumbra-se a emergência de novas versões da memória coletiva capazes de
gerar associação e politização por meio de dispositivos de fala comunitária.
Toda concepção universalista de verdade, todo juízo finalista, todo modelo
determinista é, por natureza, incompatível com a comunidade gerativa. Neste
sentido, a noção de comunidade gerativa vem dar conta de novas funções da
comunicação comunitária. Ao invés de reproduzir certa ânsia burocrática e institucionalista das grandes corporações comunicacionais, o projeto comunitário
se empenhará na geração de um valor comum, na potência do estar-junto, o que
a médio prazo será capaz de sedimentar ou reformular as concepções coletivas
de identidade, linguagem, visões de mundo, verdades, memórias, problemas e
inclinação para o futuro; mesmo porque o gerativo vem designar um fenômeno
essencialmente local, territorial ou, ao menos, de princípio territorializante, e
paralelo em relação à linguagem consensualista das grandes mídias.
Para isso, o deslocamento do foco para formas alternativas de comunicação
comunitária acabaria sendo a tônica de pesquisadores influenciados pela aura do
gerativo. Uma série de dissertações e teses vinculadas do Laboratório de Estudos
em Comunicação Comunitária, dirigido por Raquel Paiva, apropriou o termo,
especialmente a partir do texto de 2004 intitulado “Estratégias de comunicação
e comunidade gerativa”, incluído na coletânea originária do grupo de trabalho
“Médios Comunitários y Ciudadania” da Asociación Latinoamericana de InvestiRaquel Paiva: A comunidade em questão
257
gadores de la Comunicación (ALAIC), e organizada por Cicilia Peruzzo. O resultado foi uma série de pesquisas que vislumbram o projeto comunitário expresso
por meio do teatro, da música popular, da ocupação das ruas, do grafite, da
mobilização na Internet e demais formas alternativas de comunicação.
Assim, entende-se por comunidade gerativa todo processo comunicacional
radicalmente alternativo e capaz de gerar ou alimentar a geração de valor comunitário, cuja qualidade vinculativa se volta ao interesse comum, expresso por
meio de um repertório simbólico e de linguagem partilhados e amparado nos
discursos de solidariedade e identificação.
Comunidade do Afeto
Finalmente, os caminhos reflexivos levaram Paiva a delinear o que seriam
as novas formas de contato. Questões já refletidas em alguns aspectos do livro
que, em 2007, comemorava os dez anos de “O Espírito Comum”, o retomo
do comunitário aconteceria em um contexto de crescimento de antigas e novas
incertezas (falências nos recursos naturais, nos modelos de bem estar, reestruturação das grandes mídias, superpopulação, etc). Em 2012, no XXI Encontro
da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação,
Compós, realizado em Juiz de Fora, Raquel Paiva apresentou seu mais recente
experimento teórico, o texto intitulado “Novas formas de comunitarismo no
cenário da visibilidade total: a comunidade do afeto”.
Posicionando-se em um momento de transição, cuja nebulosidade toma difícil qualquer análise social mais precisa, Paiva assume que os modelos vigentes
no capitalismo financeiro já não dão conta de toda miríade de manifestações comunicacionais e comunitárias possíveis e modelos futuros podem ser decididos
e planejados. Neste contexto, o entendimento de comunidade deve também
passar por um exercício reinterpretativo, a fim de deslocar este termo de seu
lugar estritamente racionalizado e político – no sentido burocrático, institucionalista – para o que Paiva denominará a partir de agora de “comunidade do
afeto” ou “comunidade de espírito”.
Trata-se a princípio de uma estrutura comunitária não mais fundada no
velho esquema segundo o qual o dever e a tarefa para com o outro seriam o
elemento de ligação, mas sim em formas de vinculação em que o afeto, a simpatia, a igualdade de interesses e de partilha serão os principais dispositivos de
definição dos contatos.
Entendendo que a fala comunitária atua no movimento que pretende se
deslocar do campo das ausências e silêncios para o das emergências – numa
apropriação do discurso sociológico do escritor português Boaventura Souza
258
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Santos – Raquel Paiva descola a potência vinculativa comunitária do antigo
modelo ligado ao engajamento político tradicional para o a partilha de sensações, o que não descaracteriza a forma comunicacional do comunitário como
algo de significativo no interior do jogo social. É preciso, antes, descortinar as
características e o perfil desta nova forma de ajuntamento e como ela se manifesta afirmativamente no campo comunicacional; que questões éticas ela sugere;
e como ela reinterpreta as tecnologias de comunicação disponíveis.
Nota Final: Interfases comunicacionais do Pensamento de Paiva
Como foi relatado na segunda parte deste artigo, o pensamento de Raquel
Paiva não se resume apenas à Comunicação Comunitária stricto sensu, visto que
a obra da pesquisadora é ampla. Em “Histeria na mídia” Raquel faz um profundo levantamento teórico das obras de Freud, Lacan e Boudrillard e traz o conceito de “histeria” desde as aplicações antigas até a época atual. Foi na nosografia
que Paiva encontrou o conceito capaz de retratar o professo de “dependência”,
“empatia” e “sedução” que a mídia causa no espectador. No primeiro momento,
era justamente o conceito de “sedução” que Paiva pretendia aplicar aos estudos
midiáticos, contudo, foi na ampliação social do sentido de histeria que ela encontrou a explicação para as operações de manipulação simbólica vigentes na
contemporaneidade, especialmente na televisão e na recente mídia digital.
Conforme Paiva (2000, p. 83) a preocupação centra-se na tentativa se responder se a histeria (doença clínica da representação no ambiente rígido da repressão sexual) pode definir determinados fenômenos e mecanismos da cultura
contemporânea. Para isso, a professora reinterpretou o termo para as análises
dos (excessos de) discursos midiáticos, em época de imersão técnica e suas operações de manipulações simbólicas.
O aprofundamento da “histeria” dos discursos midiáticos foi o foco dos dois
livros que escreveu com coautoria com Muniz Sodré. Em “O Império do Grotesco”, os autores realizam uma genealogia do termo e trazem a aplicação para a
literatura, o cinema e a televisão. Já em “Cidade dos Artistas”, os autores trazem
o termo “gentrificação” aplicado à televisão e mostra como a Rede Globo transformou o imaginário da cidade do Rio de Janeiro, por meio do fascínio da fama
entre os diversos estratos sociais.
Recentemente, dois aspectos lançados por Paiva vêm sendo significativamente apropriados no campo da Comunicação Comunitária, o termo “comunidade
gerativa”, originário do capítulo publicado em Peruzzo (2004), como forma
de ampliar as formas do comunitário para além dos dispositivos tradicionais
Raquel Paiva: A comunidade em questão
259
de comunicação, que ao longo das décadas de 1970 e 1980 ocuparam a atenção do mundo acadêmico, como rádios, jornais e canais de TV independentes.
O “gerativo” permite vislumbrar a potência comunitária em todo movimento
cultural, artístico, esportivo que promova a vinculação em torno de um bem
comum. De forma derivada, a “comunidade do afeto” complexifica esta ideia e
agrega as dinâmicas do sensível, do imaginário, dos afetos e afecções.
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Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Edgard Rebouças:
Engajamento e labor
Rose Mara Vidal de Souza1
13º
CAPÍTULO
José Edgard Rebouças nasceu em Vitória, capital do Espírito
Santo em março de 1966. Filho de Otávio Rebouças e Elisete Rebouças, que migraram do Ceará para a região sudeste
nos anos de 1950. Três dos seus cinco irmãos nasceram no
Nordeste e dois em Vitória. Com quatro homens e duas mulheres, o patriarca dos Rebouças trabalhou como eletricista
e pescador para garantir o sustento da prole. Dona Elisete
ajudava na renda da família como costureira, que após os 40
anos, deu a luz ao caçula temporão Edgard Rebouças.
Dona Elisete demonstrou que a vontade de aprender nunca é
tardia e depois dos 50 anos passou para o vestibular no curso
de Artes. Criado em uma família de classe média, Edgard
sempre estudou em escolas públicas. No início da década de
1980 estudava no ensino médio o curso técnico em Edificações pela Escola Técnica do Espírito Santo. Graças a esta
formação, de 1984 a 1987, o jovem Rebouças trabalhou no
setor da construção e na Prefeitura de Vitória, como fiscal de
1.
Doutoranda e Mestre em Comunicação Social pela Universidade
Metodista de São Paulo, jornalista, diretora de Cultura do Politicom, Membro Renoi, pesquisadora assistente da Cátedra da
UNESCO no Brasil/ UMESP, pesquisadora Observatório da Mídia –UFES. [email protected]
Edgard Rebouças: Engajamento e labor
263
obras, o que lhe deu um primeiro contato com o mundo profissional e com os
meandros do serviço público.
Paralelamente a seus estudos o jovem Rebouças se juntaria a três amigos para
reestruturar o cineclube da Escola Técnica, um dos muitos cineclubes locais,
cujo projeto inicial havia sido fechado no auge da ditadura militar. O quarteto
almejava ser do time de grandes cineastas e assim, por intermédio do destino,
se aproximaram do mundo das comunicações pelo curso de Jornalismo da Universidade Federal do Espírito Santo- UFES, já que na época não existia, e ainda
não existe, faculdade de cinema no estado. Em 1986 Edgard ingressava no curso
de Comunicação Social da UFES.
Em meados dos anos 1980, Vitória começava a deixar de ser uma cidade
esquecida na BR-101 entre o Rio e Salvador para começar a ganhar uma dimensão econômica de destaque no cenário nacional. E com a chegada dos grandes
projetos industriais, chegou também uma nova população ávida de atividades
culturais. Com isso, artistas plásticos, atores, escritores e cineclubistas locais
foram obrigados a ampliar seus círculos de debates e atividades. Por iniciativa
do governo estadual, foi criado o Centro Cultural Carmélia Maria de Souza, o
primeiro no estado, que contava com um cinema, uma galeria de artes, uma
biblioteca, um teatro e um centro de vivência. Também com o apoio da prefeitura da Vitória, foi revitalizado um abandonado armazém de café na antiga
zona boêmia da cidade; e para lá se direcionaram as atenções da cultura local.
Com a atividade como cineclubista, Edgard ganhou uma bolsa de estudos na
Aliança Francesa de Vitória, onde fazia um curso regular e projetava filmes das
décadas de 1950, 1960 e 1970 todas as sextas-feiras para um público cativo de
intelectuais e estudantes.
Antes de se formar em bacharel em Comunicação Social em 1990, Rebouças
estagiou no antigo Departamento Estadual de Cultura (DEC) sendo um dos
colaboradores do setor de audiovisual. O responsável era o cineasta Toninho
Neves e a convite dele, Edgard foi trabalhar desta vez na TV Educativa, no
programa Telecontos Capixabas, onde assumiu a função de assistente de direção.
Após esta experiência, Edgard continuou na TV Educativa, porém mudou de
função e passou a exercer o papel de comentarista de cinema e vídeo no Fanzine,
programa cultural destinado ao público jovem nas tardes de sábado.
Em paralelo, Rebouças ainda coeditava com mais dois colegas o jornal Videcom, que ajudara a fundar com o objetivo de oferecer aos usuários das então
incipientes locadoras de vídeos dicas de lançamentos e clássicos do cinema. Ele
ainda trabalhou em campanhas políticas como diretor de programas de televisão. Após se formar em 1990, Rebouças manteve suas atividades de documentarista e conseguiu um contrato imediato como crítico de cinema e de televisão
264
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
no principal jornal da Vitória – A Gazeta -, onde já trabalhava eventualmente
cobrindo férias e licenças dos jornalistas, e como produtor e repórter da TV
Capixaba/Bandeirantes.
Em 1990, quando o jovem jornalista havia acabado de se formar, por já ter
um certo engajamento com as questões que envolvem a profissão, foi eleito
membro da Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas do Espírito Santo,
onde exerceu a função de secretário até sua licença entre 1992 e 1993, para o
mestrado na Universidade de Grenoble, e tendo sido reeleito em 1994, quando
assumiu o cargo de presidente da Comissão pelos três anos seguintes.
Em 1998 foi eleito para a diretoria do sindicato, quando representou o
estado junto à Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), se ocupando dos
programas de Qualidade de Ensino nos cursos de Comunicação e do projeto
de instalação do Canal Comunitário de Vitória. No final de 2003 voltou às
atividades sindicais, sendo eleito para a diretoria executiva, com o cargo de diretor de formação. Entre suas atividades estava a de fazer um acompanhamento
dos cursos de Jornalismo e de pós-graduação no estado, propondo cursos de
aperfeiçoamentos e debates com a categoria sobre a qualificação profissional.
Outra atividade ligada ao cargo que ocupava era o de membro indicado para o
Conselho de Acompanhamento da Programação de Rádio e Televisão, ligado à
Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.
Em 1992, pediu demissão da TV Capixaba/Bandeirantes e foi trabalhar
como redator de Política no jornal “A Tribuna”, de onde também se afastou para
realizar seu mestrado, retornando para continuar a mesma função até 1995.
Também no retorno a Vitória, Rebouças foi trabalhar na TV Gazeta/Globo, na
produção e pauta do novo programa jornalístico/cultural Jogo Aberto, que ocupava diariamente o horário do meio-dia. Seu principal referencial profissional
naquele momento era o colega Ademir Ramos, que viria a falecer prematuramente poucos anos depois.
O novo desafio profissional foi na área de educação. Por ter experiência em
jornal e televisão e por ter feito seu mestrado, recebeu o convite do antigo colega
de faculdade Omar Carrasco para compor o quadro de professores de primeira
turma do curso de Comunicação das Faculdades Associadas do Espírito Santo – Faesa. Assumiu várias disciplinas, o que contribuiu para os seus estudos.
As primeiras disciplinas ministradas foram “Teorias e Métodos de Pesquisa em
Comunicação I e II”. Com isso, ele reviu todos os fundamentos da metodologia
e pode também entender como aplicá-las às teorias e práticas comunicacionais
tanto em sala de aula como na sua atividade de pesquisa. Em 1996 e 1997,
colaborou como professor de Teorias da Comunicação no curso de Radialismo
da Escola Técnica Federal do Espírito Santo. Ainda na Faesa, trabalhou nas
Edgard Rebouças: Engajamento e labor
265
disciplinas de “Rádio, TV e Teledifusão”, “Elaboração de Projeto de TCC” e
“Comunicação Regional”, rendendo orientação para a iniciação científica de
vários estudantes e muitos Projetos de Conclusão de Curso.
Deu aulas de disciplinas que não eram ligadas a sua formação: “Realidade
Brasileira e Regional”, “Educação e Comunicação” e “Novas Tecnologias em
Educação”. Graças a essas disciplinas, desenvolveu um projeto de pesquisa para
criar a habilitação em Educomunicação. Dessa forma, uniria os dois campos, o
de Educação e Comunicação, mas por causa da falta de compreensão dos profissionais de ambos os campos, o projeto foi engavetado. Em 2003, retomaram
o projeto, criando a II Semana de Educação e Comunicação na Faesa, mas também não teve continuidade por causa de visões conservadoras.
Diante das várias atribuições de ensino e pesquisa, Rebouças sentiu-se obrigado
a abandonar o jornalismo diário no jornal A Tribuna e na TV Gazeta, mas ao longo
do período continuou atuando na área fazendo assessorias de imprensa na própria
Faesa e no Consórcio de Preservação das Bacias dos Rios Santa Maria e Jucu.
Junto com as atividades de graduação, atuou também na Faculdade de Direito de Vitória, foi professor do curso de pós-graduação em “Gestão, Planejamento e Avaliação de Projetos Sociais”, sendo responsável pela disciplina “Novas
Tecnologias Aplicadas a Projetos Sociais”. Na Faesa, criou e lecionou no curso
de pós-graduação de “Gestão em Assessoria da Comunicação”. A instituição
organizava anualmente o Prêmio TCC e, em suas quatro edições, foi orientador
de três trabalhos vencedores na área de Comunicação.
Mais especificamente no campo da pesquisa, Edgard Rebouças se aproximou dos pesquisadores em Comunicação no Brasil por meio do II Colóquio
França-Brasil, ocorrido em Paris em 1993, abrindo acesso para o Grupo de Trabalho de Economia Política, da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM). Apresentou um resumo de sua pesquisa
de mestrado “Modelo de Participação Social na Regulamentação dos Programas
de Televisão”, o que gerou muitos debates e a mesma foi publicada no primeiro
livro do GT.
Rebouças recebeu muitos convites para ingressar no doutorado e continuar
com a pesquisa, mas recusou para ficar mais perto do jornalismo. Voltou a participar do congresso da INTERCOM em 1995, quando iniciou sua vida na academia, apresentando duas pesquisas “Modelos de regulamentação/regulação da
televisão”, no III Colóquio Brasil-França, e no GT de Economia Política, onde
defendeu o texto “Proposta de participação social na elaboração de uma política
de comunicação social para o Espírito Santo”. No ano posterior, também participou do INTERCOM Londrina com duas pesquisas, uma de autoria própria
“Exploração da infovia de fibra ótica urbana na Grande Vitória” e outra em co266
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
autoria com a professora Maria Lúcia da Silva “Por uma pedagogia da comunicação e uma comunicação pedagógica”. Essa última foi apresentada também em
um encontro internacional de Educação e Comunicação em Havana, no final
de 1995. Na época, já em sua segunda viagem à ilha, teve contato com o modelo
cubano de educação e cultura, o qual acabou inspirando-o e incentivando-o.
Em 1997 participou de outro evento no exterior, o 1º Encontro Lusófono
de Ciências da Comunicação, em Lisboa. O trabalho apresentado foi “Os desafios da televisão brasileira para o próximo milênio”, texto encomendado para a
revista portuguesa Tendéncias XXI. Como o texto ficou didático foi muito aproveitado por professores brasileiros em cursos de Comunicação. No mesmo ano,
a pesquisa foi apresentada de forma mais aprofundada no Grupo de Trabalho de
Televisão do INTERCOM e publicado em um livro organizado pelo professor
Sérgio Mattos em 1999. Participou também do III Congresso Internacional
de Jornalismo de Língua Portuguesa, apresentando a pesquisa “A imprensa no
Brasil e sua relação com o poder Judiciário”. Em 1998, seu paper foi aceito para
a sessão de Comunicação e Cultura do congresso da Acfas (Association Francophone pour le Savoir), em Quebec. Foi seu primeiro contato com pesquisadores
canadenses.
No final de 1998 passou no doutorado de Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo. Teve como orientadora a professora Anamaria
Fadul. Teve aulas com Isaac Eptein, José Marques de Melo, Cicilia Peruzzo,
Sandra Reimão, José Salvador Faro, Jacques Vigneron, Wilson Bueno e outros.
Participou da Cátedra UNESCO de Comunicação e Desenvolvimento como
editor associado e entrevistador internacional da revista Pensamento Comunicacional Latino Americano. Foi na universidade que recebeu incentivo dos professores para continuar com a pesquisa referente ao Canadá. Preparou o projeto
para concorrer ao General Governor Awards, oferecido pelo governo canadense.
Venceu o concurso e recebeu uma bolsa para passar seis meses no Canadá. Posteriormente, foi convidado a ser pesquisador-visitante na Université du Québec
à Montréal (UQAM). Na universidade, deu seminários sobre cultura, política,
economia e comunicações para o mestrado.
Depois de voltar para o Brasil, retornou ao Canadá em 2002 para um colóquio pan-americano com a pesquisa “As estratégias e as políticas de comunicações na América Latina diante dos interesses do mercado internacional em
comunicação e cultura”. Nesse mesmo ano, participou da organização do 1º
Colóquio Interamericano Brasil-Canadá, realizado na Universidade do Estado
da Bahia. Também participou da organização do livro referente ao evento.
Em fevereiro de 2003 defendeu a tese “Grupos de pressão e de interesse nas
políticas e estratégias de comunicações: um estudo dos casos dos atores sociais no
Edgard Rebouças: Engajamento e labor
267
Brasil e no Canadá”, tendo recebido a menção de melhor tese do ano no Programa
de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo.
Convidado a ser responsável pelo Prêmio INTERCOM, estabeleceu contato
com várias pesquisas do país. Depois de eleito como membro do Conselho Fiscal e de assumir a coordenação do Núcleo de Pesquisa de Política e Estratégias
da Comunicação, deixou a coordenação do Prêmio INTERCOM.
Durante o ano de 2004, se envolveu na campanha “Quem financia a baixaria é contra a cidadania”. Organizou o Dia Nacional contra a Baixaria na TV
em outubro, com a proposta básica de sugerir aos telespectadores desligarem as
TVs durante a tarde de um domingo, fazendo com que os índices de audiência
caíssem naquele dia. Desenvolveu também debates sobre a regulamentação da
publicidade infantil, além de coordenar um grupo de estudo a Comissão dos
Direito Humanos na Câmara dos Deputados sobre o tema. Recebeu convites
para participar de dois livros em Portugal e na Espanha.
Foi convidado em 2005 pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação
da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE para disputar uma bolsa de
pós-doutorado. Assim que saiu o resultado, Rebouças pediu demissão de onde
trabalhava há 10 anos para se aprofundar nas pesquisas. Na UFPE participou da
orientação de vários mestrados e de banca de qualificação. Em 2006 passou no
concurso para professor efetivo na área de Ética nas Comunicações e Indústrias
Midiáticas, e já dava aulas para os cursos de Comunicação Social da UFPE,
tanto para a graduação como para a pós-graduação. Desenvolveu pesquisas em
“Mídia e Processos Sociais”.
Naquele ano, passou três meses como professor visitante na Universidade de
Grenoble, com uma bolsa Erasmus Mundus Scholarship, International Consortium for Media, Communication and Cultural Studies. Já em 2008 ganhou o prêmio Faculty Research, Foreign Affairs and International Trade Canada para realizar pesquisa naquele país sobre a regulamentação da publicidade para crianças.
Ficou em Pernambuco até 2009, quando, foi redistribuído para a Universidade Federal do Espírito Santo como professor adjunto. Ainda manteve vínculos com a UFPE como professor colaborador do Programa de Pós-Graduação
em Comunicação até 2013. Naquela universidade orientou nove dissertações de
Mestrado e uma de Doutorado:
t Raimunda Aline Lucena Gomes. A comunicação como direito humano:
um conceito em construção.
t Rudson Pinheiro Soares. Estratégia de inserção da Globo Nordeste em
Pernambuco.
268
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
t Bruno Nogueira. Estratégias de divulgação das gravadoras alternativas
da indústria fonográfica nacional.
t Bruno Marinoni Ribeiro de Sousa. Sistema Verdes Mares de Comunicação e indústria cultural brasileira ou Das técnicas modernas para sereias
concorrerem em ambientes oligopolizados.
t Verônica de Fátima Pereira Lemos. Glocal, global e local na publicidade:
o exemplo do caso HSBC.
t Rosário de Pompéia Macêdo de Barros. Do poder político às indústrias
culturais: sistema Jornal do Commercio de comunicação.
t Mariana Martins de Carvalho. Conceituação da complementaridade
dos sistemas público, privado e estatal nas comunicações.
t Fabiola Mendonça de Vasconcelos – Coronelismo eletrônico ou indústria cultural? uma análise das empresas de radiodifusão do deputado
federal Inocêncio Oliveira.
t Patrícia dos Santos da Cunha. Observatórios de mídia como instrumento de controle social.
t Ana Maria da Conceição Veloso. Gênero, poder e resistência: as mulheres nas indústrias culturais em 11 países.
Entre 2008 e 2011 foi colaborador da INTERCOM, assumindo o cargo de Diretor de Relações Internacionais, eleito em 2008. Em seu mandato,
esforçou-se no processo de maior internacionalização dos estudos em Comunicação do país, que não se limitasse apenas aos colóquios binacionais – em
sua gestão foram realizados eventos com China, França, Argentina, Estados
Unidos, México e Espanha. Dessa forma, seu maior legado foi uma inserção
mais forte da INTERCOM institucionalmente – com mesas específicas – nos
eventos da International Communication Association (ICA), em Boston, e da
International Association for Media and Communication Research (IAMCR),
em Istambul.
Ao longo de sua trajetória acadêmica, tem participado como membro do
corpo editorial dos periódicos “Revista Eletrônica Mídia e Cotidiano”, “Journal
of African Cinemas”, “Memória em Movimento”, “Technologies de l’information
et société”, “Contracampo”, “Comunicação”, “Veredas, Estudos de Sociologia”,
“Eptic On-Line”, “Eco-Pós”, “INTERCOM” e “Global Media Journal”.
Na UFES, em 2009, começou a dar aulas para as turmas de graduação de
Jornalismo e de Publicidade e Propaganda e a coordenar o grupo de pesquisa
Edgard Rebouças: Engajamento e labor
269
“Observatório da Mídia: direitos humanos, políticas e sistemas”, do qual havia
criado na UFPE e ainda faz parte. Desde seu retorno para Vitória, se empenhou
na estruturação do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Territorialidades, projeto aprovado pela Capes em dezembro de 2013
Entre 2010 e 2012 foi consultor colaborador da China Internacional Media
Research Centre (CMCC). Já em 2011, esteve envolvido com o Instituto Alana
(Brasil) e com o Groupe de Recherche Interdisciplinaire sur la Communication
(Canadá). Posteriormente, fez parte dos Conselhos, Comissões e Consultoria
na Reitoria da UFES como Membro Titular Permanente de Avaliação Docente
do Centro de Artes. Em 2012 ganhou novamente o prêmio Faculty Research,
Foreign Affairs and International Trade Canada para a realização de mais uma
pesquisa, desta vez em Ottawa, sobre a participação da sociedade nas comissões
reais sobre comunicações ao longo do século XX.
No início de 2013, por sua militância e nas pesquisas sobre mídia e direitos
humanos, foi indicado como representante da UFES no Conselho Estadual de
Direitos Humanos, tendo atuando efetivamente nos processos de mediação das
manifestações do maio-junho-julho de 2013.
Em agosto do mesmo ano recebeu o convite do Ministério da Educação
para assumir o cargo de Coordenador-geral de Mídias e Conteúdos Digitais, na
Secretaria de Educação Básica. Seria a oportunidade de colocar em prática as
ideias que vinha alimentando há tantos anos, com a publicação do artigo “Não
é pecado usar a comunicação para a educação” na revista “Você”, da UFES, em
1993; e do projeto frustrado do curso de Educomunicação na Faesa no final
dos anos 1990. No entanto, a experiência não foi frutífera como ele esperava.
Mesmo com a responsabilidade sobre a “TV Escola”, o “Portal do Professor” e
os repositórios do “Banco Internacional de Objetos Educativos” (BIOE) e do
“Domínio Público”. A concepção de gestão do serviço público que Rebouças
defendia não se afinava com o modelo que vinha sendo adotado no MEC. Pediu
exoneração do cargo em fevereiro de 2014, deixando encaminhados os processos de criação do Canal da Educação na TV digital aberta e a criação da Rede de
Nacional de Rádios e TVs Universitárias.
Ao retornar para a UFES, reassumiu as disciplinas de Legislação e Ética na
Comunicação nas graduações de Publicidade e de Jornalismo e iniciou a disciplina de “Indústrias Culturais e Midiáticas” no curso de Pós-Graduação em
Comunicação e Territorialidades. Ele também retomou os projetos de pesquisa
e ação do Observatório da Mídia, principalmente as oficinas de “Capacitação
de Jornalistas para a Promoção e o Respeito aos Direitos Humanos” e de “Educação para a Mídia”, bem como os estudos de “Monitoramento da Publicidade
Direcionada a Crianças” e de “Cartografia da Mídia no Espírito Santo”.
270
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Pensamento
A trajetória do pensamento comunicacional de Edgard Rebouças pode ser traçada tendo como base alguns conceitos-chaves como: democratização da mídia,
políticas de comunicações, indústrias culturais e midiáticas, atores sociais como
grupo de pressão e ética no jornalismo e na publicidade. Seus textos, cursos,
seminários e palestras publicados e apresentados em vários países retratam uma
junção de seus perfis como professor, jornalista e militante dos direitos sociais.
Uma preocupação também muito presente em seus trabalhos é com a fundamentação conceitual de suas posições, pois muitas vezes se viu sendo levado para as
armadilhas do discurso ou do engajamento – em alguns momentos necessários
para marcar posições – que não dão consistência a argumentos científicos.
Diante disso, em um de seus textos do Grupo de Trabalho de Políticas de
Comunicação da INTERCOM, propõe algumas metodologias para o estudo
na aérea das políticas nacionais e internacionais de comunicações. Segundo ele
(2000, p.12), “o que queremos é que os pesquisadores saiam de seus nichos
acadêmicos e convidem a sociedade a participar do debate, lembrando-se do
seu papel como sentinela dos fenômenos sociais, sendo que para isso não precisa
encarnar a figura do cão raivoso”. É importante que exista uma aproximação
da academia com a sociedade, já que esta, na maioria das vezes, não está a par
dos processos intelectuais das universidades, sejam elas públicas ou privadas.
Além disso, esses pesquisadores colaboram também para a democratização da
informação.
A maioria das pesquisas feitas nessa área é de interesse social. Porém, fora da
academia, os interesses comercial e empresarial prevalecem, e isso não é explorado pelos estudiosos. Nem políticos, governantes, empresários e muito menos a
sociedade têm acesso aos estudos que estão mais dirigidos para a análise crítica
das tecnologias próprias do setor das comunicações: esses estudos não estão
sendo levados a eles.
Rebouças aponta que os pesquisadores devem ficar atentos quanto à cientificidade de seus trabalhos, tomando cuidado para que a polêmica envolvida não
se torne mais relevante que a ideologia do mesmo. É preciso que os problemas
complexos sejam melhor esclarecidos, principalmente aqueles que não recebem
muita atenção de pesquisadores, com muito aprofundamento, não ficando somente em teorias e que tenham indicações de propostas a fim de solucioná-los.
No geral, em seus textos, Edgard Rebouças apresenta opções metodológicas, no
que se refere à política das comunicações, para propor um trabalho de pesquisa
melhor desenvolvido. Isso porque ele acredita que esses estudos necessitam de
uma base teórica e uma metodologia consistente:
Edgard Rebouças: Engajamento e labor
271
Há ainda um dilema a ser discutido por pesquisadores e epistemólogos
para uma melhor fundamentação teórica dos conceitos relativos às políticas de comunicações, ele reside no fato de tal problemática estar cercada
de um lado pelas políticas culturais e de outro pelas políticas industriais
[...] devemos lembrar que os debates e considerações específicos do campo da Comunicação só começaram entre os anos 40 e 50 (2000, p.4).
Ele ainda continua explicando sobre as políticas culturais em relação às políticas comunicacionais:
A influência das políticas culturais no âmbito das políticas de comunicações ocorre sobre as questões relativas ao conteúdo, como podemos
acompanhar nas discussões a respeito da qualidade da programação das
emissoras de TV, da quantidade de horas destinadas nas rádios para a
música nacional etc. [...] Não podemos esquecer ainda o contexto da
produção e da distribuição de bens simbólicos e de capital (2000, p.4).
Pesquisadores não podem seguir comparações menos rígidas: devem observar vários fatores significantes (e semelhantes). Em relação aos países e políticas,
alguma estrutura, seja ela estatal, deverá ser semelhante, mesmo que seja a socioeconômica, por exemplo. Outro fator pertinente que serve como indicador de
semelhanças são as estratégias que envolvem a discussão de políticas nacionais
de comunicações, pois oferece uma grande referência de comparação:
O que caracteriza uma proximidade dos modelos de estabelecimentos
de políticas nacionais de comunicações são as peculiaridades que decorrem das relações que provocam entre cada governo e as demais esferas
de poder, como empresários, congressistas, partidos, igrejas, associações,
sindicatos e grandes grupos de mídia. A falta de uma regulamentação
mais clara e aberta aos interesses da sociedade também se apresenta como
variável de destaque (2000, p.9).
Volta-se a frisar que é preciso tomar cuidado para que a pesquisa não se torne algo monótono, com teorias por teorias. Contudo, quanto maior o suporte
teórico utilizado, maior a importância e a profundidade nessa análise.
Esse tipo de estudo comparativo, principalmente aquele ligado às ciências
sociais, teve sua relevância a partir do final da Segunda Guerra, apesar de já estarem devidamente organizados desde o século XIX. A partir da Segunda Guerra, buscam-se semelhanças e diferenças entre os processos culturais, políticos,
272
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
econômicos e sociais dos países, haja vista que ocorreu uma mudança de ordem
global, envolvendo principalmente relações geopolíticas e políticas externas.
Aplicando a metodologia de comparação a certos estudos, o pesquisador
pode usá-lo para iniciar um trabalho de observação que pertença a políticas
nacionais de comunicação do país que desejar. Lista-se uma série de procedimentos e estratégias de observação para o estudo, com questionamentos
específicos aliados a métodos e técnicas para responder à pergunta-chave da
pesquisa. É importante que o estudo de caso deva ser apresentado como uma
ferramenta de pesquisa, não como uma técnica nem como método. Porém,
não deve ser usado apenas com um suporte para a coleta de dados, para isso
podem ser utilizadas as entrevistas sistematizadas, a observação direta ou indireta sobre documentos, livros, periódicos. Entre muitas características, o
pesquisador tem que ser capaz de formular boas perguntas e aceitar discutir
as opiniões a respeito das informações conseguidas. Essas características são
necessárias também a qualquer comunicador social, visto que está em contato
direto com a comunidade e têm que tomar cuidado para não se influenciar
com noções pré-concebidas, preconceituosas ou favorecendo somente um
ponto de vista ideológico. O estudo de caso interpretativo é o ideal para uma
observação sobre políticas nacionais de comunicações. Ele trabalha com descrições mais ricas e consistentes, além de sua complexidade e orientação teórica. Por fim, Rebouças afirma:
[...] não podemos esquecer que uma pesquisa que envolve os fenômenos
relativos às estruturas sociais, como é o caso dos sistemas de comunicações, deve refletir sobre os problemas já levantados por inúmeros pesquisadores das Ciências Sociais, mas adaptando-os à realidade que nos
interessa (2000, p.14).
Uma das abordagens desenvolvidas na obra de Edgard Rebouças que gera
mais desdobramentos é a em que ele argumenta e fundamenta sobre o que
chama de “discurso escudo dos ‘donos’ da mídia contra a ‘censura’ e em defesa
da ‘liberdade de expressão’”. Em um texto publicado em um livro editado pelo
Ministério da Justiça, quando debate sobre a Classificação Indicativa da programação televisiva, ele mostrou como o empresariado do setor levanta falsamente
a bandeira da isenção, usando de mecanismos de persuasão para tentar convencer a sociedade de que deve permanecer como mero espectador do processo, de
que o Estado é autoritário, e que só pensam no bem estar da população. Sendo
que em momento algum revelam os reais interesses existentes por trás de todo
esse discurso: os comerciais e políticos.
Edgard Rebouças: Engajamento e labor
273
Sua tese de doutoramento sobre o lobby nas políticas de comunicações no
Brasil e no Canadá, tendo antes estudado em seu mestrado os modelos francês e
americano, mostrou que tal comportamento não é exclusivo do Brasil. O excesso de poder em mãos dos empresários da mídia, a omissão da classe política, a
passividade da sociedade e a desarticulação da academia são, segundo Rebouças,
sintomas, causas e efeitos de muito do que há de errado no sistema social; em
que os interesses privados têm peso muito maior do que os interesses públicos.
Um ponto de destaque na atuação e pensamento comunicacional de Edgard
Rebouças é o rigor metodológico que também transmite a seus orientandos de
mestrado e doutorado. É possível ver a marca da linearidade da narrativa com
a problemática e a fundamentação conceitual dos argumentos explorados por
seus orientandos. As preocupações com o viés de possível transformação social
das conclusões de cada dissertação ou tese também estão presentes.
Referências
REBOUÇAS, Edgard. Por uma perspectiva comparativa eficiente no estudo
de políticas e sistemas nacionais e internacionais de comunicações. XXIII
Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Intercom: 2000. Disponível em: http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/b9a9b33d269e1533f393c242ca19f074.pdf. Acesso em 28 de julho de 2014.
274
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Paula Puhl:
Carreira permeada por discursividade
nas narrativas escritas e audiovisuais
Poliana Lopes1
14º
CAPÍTULO
Apaixonada por telejornalismo e teledramaturgia (para cinema e televisão), a jornalista Paula Regina Puhl sempre
permeou sua carreira acadêmica relacionando produção audiovisual com história, cultura, identidade e pertencimento. A pesquisadora aponta a sua participação na elaboração
e implementação do Mestrado Acadêmico em Processos e
Manifestações Culturais da Universidade Feevale, em 2009,
como um dos momentos mais importantes de sua trajetória
profissional. Paula foi coordenadora do curso entre 2009 e
2013, no qual também ministrou as disciplinas de “Teorias
Investigativas em Processos e Manifestações Culturais”, “A
informação e a Comunicação em Processos Culturais” e “Literatura, Cinema e História: interdiscursividade”.
Diretora da Região Sul (2011-2014) da INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, atualmente é professora nos cursos no Curso de
Comunicação Social e no Curso Superior de Tecnologia em
Produção Audiovisual na Pontifícia Universidade Católica do
1.
Mestre em Processos e Manifestações Culturais (Universidade Feevale/2011), Especialista em História, Comunicação e Memória
do Brasil Contemporâneo (Universidade Feevale/2007) e Jornalista (Unisinos/2001).
Paula Puhl: Carreira permeada por discursividade
nas narrativas escritas e audiovisuais
275
Rio Grande do Sul (PUC-RS), onde também desenvolve atividades relacionadas
ao jornalismo televisual junto ao laboratório convergente, chamado Editorial J.
É líder do projeto de pesquisa “A construção das identidades pelo Telejornalismo
local: mapeamento e análise”, aprovado pela Fapergs – Pesquisador Gaúcho. Também Pertence ao Grupo Interinstitucional de Pesquisa em Telejornalismo (GIPTELE) e é pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Estudos Olímpicos da PUCRS.
Participou do corpo editorial dos periódicos Gestão e Desenvolvimento (Novo
Hamburgo, de 2004 a 2013) e foi parecerista das revistas: Eco-Pós (2009), Comunicação, Mídia e Consumo (São Paulo, desde 2009), Em Questão (UFRGS,
desde 2011), Animus (Santa Maria, desde 2011), Revista Latinoamericana de
Ciencias de la Comunicación (desde 2011) e Iniciacom – Revista Brasileira de
Iniciação Científica em Comunicação Social (desde 2012).
Em 2003 concluiu na PUC-RS o Doutorado em Comunicação Social com
a tese “Discursividade no filme Hamlet: uma interpretação hermenêutica”.
Orientada por Roberto José Ramos, desenvolveu, a partir da análise do discurso, a relação entre teatro, literatura e cinema.
A produção da minissérie “Agosto”, a partir do livro de Rubem Fonseca, foi
o tema da dissertação do Mestrado em Comunicação Social defendida em 2001
na PUC-RS. Intitulada “Agosto, de Rubem Fonseca: a narrativa literária e a
televisiva”, a pesquisa foi orientada por Dino Del Pino.
Também na PUC-RS, em 1998, formou-se em Comunicação Social: Jornalismo. Orientada por Maria Beatriz Rahde, defendeu o trabalho de conclusão
“O Universo Imagístico de Mônica e os Azuis”.
Na Universidade Feevale, coordenou a Especialização em História, Comunicação e Memória do Brasil Contemporâneo entre 2008 e 2009 (na qual também foi professora), foi coordenadora do Curso de Comunicação – habilitações
Publicidade e Propaganda, Relações Públicas e Jornalismo de 2003 a 2006,
nos quais lecionou as disciplinas relacionadas com televisão e imagem, como
“Telejornalismo I, Telecinejornalismo, Comunicação Visual”, entre outras. Na
mesma instituição, participou da implantação da TV Feevale (canal 15 da NET
Novo Hamburgo), inaugurada em 17 de outubro de 2002.
Por três vezes teve seu trabalho junto a Universidade Feevale reconhecido pelos
alunos, sendo paraninfa do curso de Comunicação Social em 2006, 2007 e 2012.
O discurso nas telas
Como resultado do Doutorado em Comunicação Social concluído em
2003, apresentou a tese “Discursividade no filme Hamlet: uma interpretação
276
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
hermenêutica”, na qual se propôs a analisar a discursividade em níveis verbais e não verbais da personagem Hamlet, no filme Hamlet (1948), a partir
de corpus de nove cenas, separadas por três temas dominantes da narrativa
– Vingança, Suposta Loucura e Morte. Para análise, usou como metodologia
a Tríplice Análise da Hermenêutica de Profundidade de John B. Thompson
(Análise Sócio-histórica, Análise Formal ou Discursiva e a Interpretação e Re-Interpretação). Também optou pelo teórico Roland Barthes, do qual usou
quatro categorias – Imagem, Cultura, Poder e Discurso – em conjunto com a
Crítica Estilística de José Martin, o que permitiu aprofundar a caracterização
da personagem na narrativa.
O estudo está dividido em três capítulos. O primeiro faz um panorama a
respeito da obra de William Shakespeare (autor da peça Hamlet, de 1600, que
inspirou o filme), seguida de referencial teórico sobre o Cinema como meio
de comunicação de massa e a utilização de clássicos shakespearianos para a
construção de filmes. Ele também apresenta a obra cinematográfica analisada, criada por Laurence Olivier e baseada em Hamlet, além das implicações
do Cinema na sociedade, assim como sua linguagem específica. O segundo
capítulo apresentou o referencial teórico (Barthes e Martin), a metodologia da
Hermenêutica de Profundidade e a escolha da pesquisa qualitativa. Ao final, o
terceiro capítulo inclui a análise do filme, constando a descrição verbal e nãoverbal das cenas escolhidas, assim como a aplicação das categorias barthesianas
e da Crítica Estilística.
Produção audiovisual – das narrativas literárias ao telejornalismo
Analisar as diferenças entre o texto televisivo e o literário e o que sucede
quando as obras literárias são adaptadas para a televisão foi o objetivo principal
da dissertação “Agosto, de Rubem Fonseca: a narrativa literária e a televisiva”,
defendida em 2001 pela autora no Mestrado em Comunicação Social da PUCRS. Partindo do ponto de vista do jornalismo, ela revisou “aspectos teóricos
que envolvem a noção de narrativa, especialmente os que se relacionam à perspectiva e à focalização narrativa, quando a serviço da representação do real e
do ficcional” (2003, p.7). A pesquisa foi realizada a partir de uma abordagem
analítica do romance “Agosto”, de Rubem Fonseca, em comparação à análise da
versão televisiva produzida pela Rede Globo de Televisão.
Produções ficcionais contemporâneas sempre permearam os estudos da
autora, em paralelo a outros projetos. Entre os diversos artigos apresentados
em congressos e publicados em periódicos nacionais, destacam-se “Marcas e
Paula Puhl: Carreira permeada por discursividade
nas narrativas escritas e audiovisuais
277
vestígios de narrativas televisuais na abertura da telenovela O Astro”2, “Cordel
Encantado: a telenovela encantada com a literatura popular”3 e “Memórias Juvenis: a influência do cinema no cotidiano dos jovens nos anos 604”.
Relacionados à mídia eletrônica, também publicou “Os desafios sobre noticiar e utilizar a tecnologia na televisão: uma análise da coluna Conecte do Jornal
da Globo5” e “O aprendizado do Telejornalismo em sala de aula: experiências
com a resenha televisual6”.
Paula é autora e coautora de mais de dez capítulos de livros publicados por
editoras nacionais e regionais, com foco em estudos sobre produções audiovisuais e jornalismo de televisão, como os capítulos mais recentes de 2013: “As
apropriações midiáticas e os atores sociais na cobertura convergente das manifestações pela TV Folha”, escrito em colaboração com Maria Clara Aquino
Bittencourt para a obra intitulada “#telejornalismo: nas ruas e nas telas”, organizado por Flávio Porcello, Alfredo Vizeu e Iluska Coutinho do grupo de
telejornalismo da INTERCOM, publicado pela editora Insular e “Nuances da
experiência narrativa contemporânea: a franquia Tron e a fronteira digital”, feito em parceria com Maria Clara Aquino Bittencourt e Thiago Falcão que faz
parte do livro “Cinema em Choque: diálogos e rupturas”, organizado por Carlos Gerbase e Cristiane Freitas e publicado pela editora Sulina.
Também organizou duas obras pela editora da Universidade Feevale: “Contexto e Práticas de Comunicação Social” (2008)7, sobre o ensino da Comunica-
2.
PUHL, P. R.; TIETZMANN, R. Marcas e vestígios de narrativas televisuais na abertura
da telenovela O Astro. Intercom (São Paulo. Online), v. 36, p. 167-186, 2013.
3.
PUHL, P. R.; LOPES, Poliana. Cordel Encantado: a telenovela encantada com a literatura popular. Comunicação, Mídia e Consumo (São Paulo. Impresso), v. 8, p. 35-63,
2011.
4.
PUHL, P. R.; SILVA, C. E.. Memórias Juvenis: a influência do cinema no cotidiano dos
jovens nos anos 60. Revista FAMECOS (Impresso), v. 38, p. 93-99, 2009.
5.
PUHL, P. R.; ARAÚJO, Willian Fernandes; DONATO, Aline. Os desafios sobre noticiar e utilizar a tecnologia na televisão: uma análise da coluna Conecte do Jornal da
Globo. Comunicação, Mídia e Consumo (São Paulo. Impresso), v. 10, p. 35-55, 2013.
6.
PUHL, P. R.. O aprendizado do Telejornalismo em sala de aula: experiências com a
resenha televisual. In: Barbosa, Marialva; Morais, Osvando J. de. (Org.). Comunicação
Cultura e Juventude. 1ed.São Paulo: Intercom, 2010, v. 24, p. 267-284.
7.
Disponível em: <https://aplicweb.feevale.br/site/files/documentos/pdf/27846.pdf>.
Acesso em julho de 2014.
278
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
ção, e “Processos Culturais e suas manifestações” (2012), financiado pelo PROSUP/CAPES8, no qual constam estudos desenvolvidos pelos bolsistas Capes e
seus respectivos orientadores.
A relação com a comunidade acadêmica
Em paralelo as atividades discentes, a autora dedicou-se a diversas linhas de
pesquisa relacionando cultura, hábitos sociais, história, mídia e produção jornalística à comunidade em que estava inserida – Novo Hamburgo (RS), cidade
onde fica a Universidade Feevale.
A linha de pesquisa “A construção das identidades pelo Telejornalismo local:
mapeamento e análise”, iniciada em 2009, buscou verificar a relação entre a
construção das identidades da população a partir do telejornalismo, com foco
em Novo Hamburgo (RS). A partir do estudo, tornar-se-ia possível compreender e analisar o nível do sentimento de pertença e o lugar de segurança de uma
população que não reconhece o telejornalismo local como lugar de referência.
Tendo a Hermenêutica de Profundidade (THOMPSON, 1995) como metodologia, a pesquisa trabalhou com autores que discutem identidade e analisam
a produção de programas telejornalísticos para verificar a importância e a abrangência da televisão a partir do contexto e da inserção dessa mídia no Estado e,
a partir deste ponto, buscar o levantamento do desenvolvimento do Jornalismo em Novo Hamburgo para analisar a cultura da imagem no município. A
partir de um mapeamento do cenário do telejornalismo local (em TV fechada
e aberta) seriam obtidos dados a serem cruzados com outros estudos sobre telejornalismo feitos no Estado, buscando consolidar um grupo de pesquisa em
telejornalismo local gaúcho.
Identidade, Novo Hamburgo e Hermenêutica de Profundidade voltaram à
pauta na pesquisa “O processo de construção de identidades: um estudo sobre
a influência do cinema em Novo Hamburgo”. O estudo, realizado entre 2008
e 2011, examinou a inserção do cinema na localidade entre sua emancipação,
em 1927, e o início dos anos 1960, com o objetivo de verificar a construção das
múltiplas identidades. Além da aplicação da metodologia da Hermenêutica de
Profundidade na fonte principal da pesquisa – o Jornal “O 5 de abril”, o primei-
8.
Disponível em: <http://www.feevale.br/Comum/midias/6019aa37-19ba-4451-98b4c86c7dadadc9/Processos%20Culturais%20e%20suas%20Manifesta%C3%A7%C3%
B5es.pdf>.Acesso em julho de 2014.
Paula Puhl: Carreira permeada por discursividade
nas narrativas escritas e audiovisuais
279
ro jornal do município – o grupo envolvido usou da História Oral ao realizar
entrevistas com pessoas que vivenciaram a chegada, o auge e a decadência do
cinema em Novo Hamburgo para a construção do contexto sócio-histórico.
Entre 2008 e 2010, a pesquisa “Representações musicais e mídia sonora
na construção de identidades ligadas ao espaço geográfico: a nação, a região, a
cidade” analisou identidades através de suas representações musicais, veiculadas
através do rádio e da indústria fonográfica entre as décadas de 19309 e 196010. A
partir do pressuposto de que identidade é o sentimento e ideia de pertencimento a um grupo que se representa através de uma série de símbolos11, a pesquisa
buscou abordar discussões que envolvem a construção de identidades ligadas ao
espaço geográfico, através da música popular. Ao analisar as músicas que se tornaram representações nacionais (ou que dialogaram com estas representações) e
estudar a circulação das mídias que divulgavam estas músicas na cidade de Novo
Hamburgo (RS). A aplicação da metodologia da história oral permitiu construir
fontes que, somadas às fontes musicais e as imagens dos ídolos nacionais que as
produziram, permitiram a análise acerca das identidades.
Ao considerar o lazer um agente de construção de diferentes identidades, a
pesquisa “O doce nada fazer – um estudo sobre o lazer e identidade (s) em Novo
Hamburgo”, desenvolvida entre 2006 e 2008, analisou a construção de múltiplas identidades a partir do lazer preferencialmente realizado pelos diferentes
grupos presentes na sociedade local na segunda metade do século XX. O foco
no lazer deve-se ao fato de que na sociedade analisada, o trabalho é entendido
como um valor em si mesmo, enquanto atividades alheias a este são vistas como
perda de tempo. No período analisado, a opção de atividade para as horas livres
incluía os pares e ocorria em associações como clubes de bolão, tênis, tiro, entre
outros e eram registradas pela imprensa local em imagens e na memória dos
envolvidos. A pesquisa e os relatos evidenciaram que estas atividades foram um
dos fatores construtores das identidades de diferentes grupos locais.
9.
A década de 1930 marca os primeiros anos da emancipação de Novo Hamburgo (ocorreu em 1927) e também foi o período de desenvolvimento e massificação de aparelhos
de rádio e vitrolas tanto em nível nacional quanto em regional.
10. A década de 1960 marca a emergência de uma produção midiática sonora regional.
Além disso, foi o período de uma série de transformações em relação à política e à música popular brasileira. É importante frisar que a partir de 1968 a esfera política passou
a atuar de forma cada vez mais intensa na determinação e censura e na circulação de
mídias sonoras.
11. Entre esses símbolos podem figurar ídolos da mídia e músicas e/ou estilos musicais.
280
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Entre 2006 e 2008 dedicou-se também a pesquisa “O processo de construção
de identidades em Novo Hamburgo a partir das convergências e das divergências
das mídias”, através da qual buscou analisar o processo de construção de identidades em Novo Hamburgo a partir das convergências e divergências das mídias.
Antes, entre 2004 e 2005, a pesquisa “Mídia e resgate histórico” investigou a
realidade dos veículos de comunicação na região do Vale do Sinos, visando ao
mapeamento dos veículos, o que permitiu uma maior visibilidade do mercado
regional da comunicação e suas principais características, incluindo o uso de novas tecnologias. Este levantamento converge com a pesquisa “Mapeamento das
Comunidades Virtuais do Vale do Sinos” (2003 a 2005), que fez o mapeamento
da formação das comunidades virtuais12 na mesma região e traçou o perfil de seus
membros em função de suas motivações e das mediações tecnológicas utilizadas.
Ao relacionar a Comunicação com outras áreas, firmou parcerias com outros
pesquisadores para a produção de artigos. Um exemplo é o trabalho feito com
a professora Cristina Ennes da Silva, Doutora em História pela PUC-RS, que
resultou em diversos artigos unindo Comunicação e História apresentados em
seminários e congressos e publicados em revistas acadêmicas.
Da graduação a pós-graduação
Desde o seu curso de graduação, Paula buscou se aperfeiçoar para se dedicar
à docência. Desde o segundo ano da Faculdade participou de projetos de pesquisa como bolsista de iniciação científica, tendo bolsas da PUC-RS e Cnpq e
também começou a participar de congressos acadêmicos.
Anos mais tarde em 2005, foi coordenadora local do 3º Encontro da Rede
Alcar (Rede Alfredo de Carvalho), hoje Encontro de História da Mídia, que
ocorreu na Universidade Feevale naquele ano. O evento reuniu pesquisadores
da comunicação brasileira e internacional com intuito de discutir a história da
mídia regional, com a intenção de estimular a pesquisa científica na área. Em
2010 a pesquisadora também coordenou o INTERCOM Sul, evento que contou com mais de 1200 participantes de graduação e de pós-graduação.
12. O projeto considerou comunidades virtuais “um conjunto de pessoas que entram em
contato por meio de algum aparato tecnológico devido a um interesse em comum,
momentâneo ou permanente”, conforme apontam pensadores da cibercultura como
Derrick de Kerkhove, Federico Casalegno, Pierre Lèvy, Jean Baudrillard, Edgar Morin,
Michel Maffesoli e Marshall McLuhan, entre outros.
Paula Puhl: Carreira permeada por discursividade
nas narrativas escritas e audiovisuais
281
Paula também dedica-se a orientação de estudantes de graduação e pós-graduação na instituição. No Mestrado Acadêmico em Processos e Manifestações Culturais, orientou projetos interdisciplinares (que envolviam áreas do
conhecimento como História, Comunicação, Literatura e afins) relacionados às
representações e as práticas sociais nos processos culturais, tendo como principal
proposta investigar as representações e as práticas culturais a partir de estudos
sobre Identidade, Memória, Discursividade e Linguagem.
Também participou como coorientadora e avaliadora em projetos de pesquisa em diferentes níveis, da graduação ao Doutorado, e em diversas instituições.
Entre os temas, jornalismo (impresso, rádio e televisão), produção teledramatúrgica (séries, telenovela e filmes), comportamento e hábitos culturais, identidade e representação, teorias da Comunicação, entre outros.
O resultado destes anos de trabalho em sala de aula e projetos de pesquisa –
que resultaram em inúmeros artigos e capítulos de livros publicados – é reflexo do
interesse de Paula em valorizar a produção cultural, a formação de identidades e
o sentimento de pertencimento, sempre visando à transmissão do conhecimento,
seja na elaboração de novas linhas de pensamento ou na formação de novos profissionais qualificados, tanto para o mercado quanto para o mundo acadêmico.
Referências
PUHL, Paula R.; BITTENCOURT, M. C. A.; FALCÃO, Thiago. Nuances
da experiência narrativa contemporânea: a franquia Tron e a fronteira digital.
In: GERBASE, Carlos; GUTFREIND, Cristiane Freitas. (Orgs.). Cinema em
Choque: diálogos e rupturas. 1ed. Porto Alegre: Sulina, 2013, v. 1, p. 61-86.
PUHL, Paula Regina; BITTENCOURT, M. C. A.. As apropriações midiáticas e os
atores sociais na cobertura convergente das manifestações pela TV Folha. In: PORCELLO, Flávio; VIZEU, Alfredo; COUTINHO, Iluska. (Org.). #telejornalismo:
nas ruas e nas telas. 1ed. Florianópolis: Insular, 2013, v. 2, p. 65-86.
PUHL, P. R.; ARAÚJO, Willian Fernandes; DONATO, Aline. Os desafios sobre noticiar e utilizar a tecnologia na televisão: uma análise da coluna Conecte do Jornal da Globo. Comunicação, Mídia e Consumo (São Paulo. Impresso),
v. 10, p. 35-55, 2013.
PUHL, P. R.; TIETZMANN, Roberto. Marcas e vestígios de narrativas televisuais na abertura da telenovela O Astro. Intercom (São Paulo. Online), v. 36,
p. 167-186, 2013.
282
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
PUHL, Paula Regina; SARAIVA, J. I. A.; MONTARDO, S. P.; FREITAS, E.
C.; CONTE, D.; PRODANOV, Cléber Cristiano; DONATO, Aline; ARAÚJO, Willian Fernandes; AGUIAR, Rafael Hofmeister de; MOSER, V (Orgs.).
Processos Culturais e suas manifestações. Novo Hamburgo: Editora Feevale,
2012. 1. ed. 190p. Disponível em: http://bit.ly/TXvA2J. Acesso em julho de
2014.
PUHL, Paula Regina; LOPES, Poliana. Cordel Encantado: a telenovela encantada com a literatura popular. Comunicação, Mídia e Consumo (São Paulo.
Impresso), v. 8, p. 35-63, 2011.
PUHL, Paula Regina. O aprendizado do Telejornalismo em sala de aula: experiências com a resenha televisual. In: BARBOSA, Marialva; MORAIS, Osvando
J. de. (Org.). Comunicação Cultura e Juventude. 1ed. São Paulo: Intercom,
2010, v. 24, p. 267-284.
PUHL, Paula Regina; SILVA, C. E. . Memórias Juvenis: a influência do cinema no cotidiano dos jovens nos anos 60. Revista FAMECOS (Impresso), v. 38,
p. 93-99, 2009.
PUHL, Paula Regina (Org.). Contexto e Práticas de Comunicação Social.
Novo Hamburgo: Editora Feevale, 2008. 1. ed. 184p. Disponível em: http://
bit.ly/1nFpzlj. Acesso em julho de 2014.
PUHL, Paula Regina. Discursividade no filme Hamlet: uma interpretação
hermenêutica. 2003. Tese (Doutorado em Comunicação Social) – Programa de
Pós-Graduação em Comunicação Social, Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul, PUCRS, Porto Alegre, 2003. Disponível em http://bit.ly/
SXgDNl. Acesso em julho de 2014.
Paula Puhl: Carreira permeada por discursividade
nas narrativas escritas e audiovisuais
283
Valério Cruz Brittos:
Perfil acadêmico
César Bolaño1
Joanne Mota2
15º
CAPÍTULO
O objetivo deste texto é traçar um breve perfil intelectual
de Valério Cruz Brittos, autor fundamental do campo da
Comunicação no Brasil, não apenas, como se indicará, da
Economia Política da Comunicação (EPC), pela qual ficou
mais conhecido. Dados os limites de tempo e espaço com
que nos defrontamos, optamos por uma breve descrição da
trajetória intelectual de Brittos, seguida da apresentação
de uma sistematização, puramente quantitativa, dos dados
referentes à sua produção intelectual acadêmica disponível no seu CV Lattes. Trata-se, no agregado, de um estudo
preliminar, que define um universo de análise e uma certa
periodização, se não definitivos, certamente úteis para desdobramentos posteriores.
1.
César Bolaño é Professor Doutor da Universidade Federal de
Sergipe (UFS) e presidente da Associação Latino-Americana de
Investigadores da Comunicação (ALAIC).
2.
Joanne Mota é mestranda do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação da Universidade Federal de Sergipe (PPGCOM-UFS).
Valério Cruz Brittos: Perfil acadêmico
285
Trajetória intelectual
Mas a mudança no modo de ver televisão não pode ser interpretada isoladamente. Seguindo o referencial teórico aqui eleito, que vê o receptor
ativo e desloca o foco da análise para as mediações, a tendência à individualização na recepção televisiva, mesmo que propiciado pela multiplicidade de canais do cabo, não é efeito direto da imposição das indústrias
culturais, inscrevendo-se num quadro geral de sobreposição do privado
sobre o público (BRITTOS, 1996, p.9).
A formação acadêmica inicial de Valério Brittos foi na cidade gaúcha de Pelotas, onde nasceu. Diplomou-se em Comunicação, com habilitação em Jornalismo, em 1987, pela Universidade Católica, e em Direito, em 1986, pela UFPel.
Em que pese essa dupla formação, profissionalmente, sua dedicação sempre foi
ao campo da Comunicação, seja como jornalista, de início, seja como professor,
seja como pesquisador, ao longo de toda sua curta, mas intensa carreira. Além
das duas graduações, realizou ainda um curso de especialização em Ciência Política, na UFPel, entre 1991 e 1993, que deu origem à monografia “PTB e anti-PTB: duas forças em disputa”.
Seria interessante, mas não é o objetivo deste texto, procurar eventuais
traços da formação jurídica no seu trabalho acadêmico, marcado por um profundo compromisso ético em favor do serviço público e da democratização da
comunicação. A fé católica, aliada a uma posição política decididamente de
esquerda e uma perspectiva teórica marxista, certamente favoreceu a consolidação de uma visão de mundo generosa, comprometida com a transformação
social em favor das maiorias nacionais e num sentido socialista. Um socialismo democrático, fruto da ação política no interior do Estado de direito, de
acordo com as melhores e mais radicais tradições reformistas do pensamento
social brasileiro.
Se quisermos tirar alguma conclusão do que foi dito até aqui, o que se observa são duas linhas de reflexão que se complementam: por um lado, uma
preocupação geral, consistente, com temas relativos à política, aos direitos e aos
problemas sociais e, por outro, um interesse no plano do local, das relações de
proximidade, inspirado talvez também pela experiência profissional de repórter
e editor de política – sempre comprometido com questões sociais, culturais e
políticas – adquirida em redações de jornais e de emissoras de rádio e televisão
no Rio Grande do Sul e em Brasília.
No final da década de 1980, realizou um trabalho de vanguarda como
correspondente e editor do interior do estado na Rádio Bandeirantes AM, de
286
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
integração da notícia e do esporte (COUTO, 2012). Em paralelo, trabalhou
como colunista no Jornal da Manhã de Pelotas. Entre 1987 e 1989, foi repórter
político no Jornal Correio do Brasil. Nesse mesmo período atuou como repórter especial da Agência Texto de Notícias, de Brasília. Entre 1988 e 1990, foi
repórter político na Sucursal Brasília do Jornal Zero Hora. Em 1992, de volta
ao Rio Grande do Sul, foi convidado para chefiar o setor de telejornalismo da
RBS TV Pelotas. Entre 1993 e 1994 atuou como assessor de imprensa na Câmara dos Vereadores de Pelotas, mesmo período em que conduzia um espaço
de comentários na Rádio Alfa FM, onde mediou intensos debates sobre cultura,
comportamento e modernidade.
O programa “Valério Brittos, Repórter”, realizado na Rádio Cultura de
Pelotas, entre 1991 e 1993, retomava, em outras condições, a experiência de
alguns anos antes, entre 1985 e 1987, do programa “Valério Brittos em Três
Tempos”, na mesma rádio. Entre 1991 e 1996, colaborou ainda como articulista político no Jornal Panorama. Assim, a vitoriosa trajetória intelectual
desenvolvida nos meios universitários a partir dos anos 1990 vinha calçada na
tripla formação acima referida e numa importante experiência como jornalista
profissional3.
O fato é que as duas vertentes referidas se encontrarão na dissertação de
mestrado, “Recepção e TV a cabo: a mediação da identidade local pelotense”,
defendida junto ao programa de pós-graduação em comunicação da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, sob a orientação da Dra. Dóris
Haussen. Trata-se da grande contribuição do autor ao pensamento comunicacional, anterior a sua adesão ao paradigma da Economia Política da Comunicação, que se dará logo em seguida, insinuando-se já em alguns parágrafos do livro
derivado da dissertação, publicado em 2001 pela Editora UNISINOS, com o
título “Recepção e TV a cabo: a força da cultura local”. O marco teórico então
adotado foi o dos chamados Estudos Culturais Latino-americanos.
O interessante, neste caso, é notar que a opção por estudar a recepção da
TV a cabo no plano local, cingindo suas ferramentas intelectivas àquelas fornecidas pelos referidos Estudos Culturais, tanto explicita o caráter inovador da
3.
Mesmo depois, como renomado professor da Universidade do Vale do Rio dos
Sinos, prosseguirá apaixonado pelo jornalismo, orientando ou coordenando a produção de seus alunos, em rádio, jornal ou TV, ou atuando ele próprio como articulistas em diferentes veículos, seja o Observatório da Imprensa, com artigos de
referência em nível nacional, seja na revista do Instituto Humanitas UNISINOS,
entre outros.
Valério Cruz Brittos: Perfil acadêmico
287
sua proposta – afastada reconhecidamente do padrão corrente do marco teórico
adotado de estudo da recepção de programas individuais, em especial a telenovela – como expõe os limites do referencial teórico. Não será por acaso que, em
meio ainda à redação final do trabalho, tendo tomado contato com a Economia
Política da Comunicação e da Cultura, decidirá abandonar o referencial anterior para sempre. Não sem antes oferecer uma contribuição inovadora.
Não é possível avançar mais aqui nesta questão, que exigiria retomar o diálogo da EPC com os Estudos Culturais Latino-americanos, mas fica a hipótese,
a ser desenvolvida posteriormente: o Valério Brittos que aderiu de forma tão
entusiástica à EPC – a ponto de tornar-se um dos seus autores de referência
em nível internacional – era, naquele momento, um trabalhador-jornalista experiente e um intelectual maduro que já havia dado uma contribuição fundamental – e até hoje insuficientemente reconhecida – ao campo acadêmico da
Comunicação.
Não lhe ocorreu, no entanto, trabalhar na interface entre as duas perspectivas, preferindo, a partir de então, voltar-se inteiramente à EPC, cujo estudo se dedicará, com a extrema dedicação que o caracterizava, durante todo
o período do doutoramento, que realizou na Universidade Federal da Bahia,
entre 1998 e 2001, sob a orientação do Dr. Sérgio Mattos. A tese, “Capitalismo contemporâneo, mercado brasileiro de televisão por assinatura e expansão
transnacional”, avança, com outras ferramentas, sobre o mesmo tema no qual
fora pioneiro em seu livro anteriormente citado. Lamentavelmente, seu precoce falecimento nos priva da possibilidade de uma retomada por ele próprio da
questão, articulando as duas perspectivas. Quem por ventura venha a fazê-lo,
revisando sua contribuição, certamente reconhecerá a sua posição única nessa
área de fronteira. A epígrafe selecionada para esta parte sinaliza bem o sentido
de uma tal articulação.
No campo específico da EPC, constitui o terceiro trabalho de fôlego do
que se poderia chamar a “escola brasileira”, considerando-se anteriores os dois
livros de César Bolaño, “Mercado Brasileiro de Televisão”, de 1988, e “Indústria
Cultural, Informação e Capitalismo”, publicado em 2000, fruto da tese de doutorado defendida em 1993. Trata-se, portanto, de um trabalho fundacional, que
avança em relação aos anteriores, tanto na construção teórica, como no modelo
de análise, adequado ao estudo da TV segmentada. A segunda edição, ampliada,
de “Mercado Brasileiro de Televisão”, de 2004, já incorpora avanços trazidos
pelo estudo de Brittos e inclusive um trecho escrito a quatro mãos, inaugurando
a parceria Bolaño-Brittos, que marcará a EPC brasileira na primeira década dos
anos 2000, culminando com os dois livros, publicados pela Editora Paulus em
2005 e 2007, respectivamente “Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia”,
288
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
que a dupla coordena e organiza, e “A televisão brasileira na era digital: exclusão,
esfera pública e movimentos estruturantes”.
Entre 1998 e 1999 começam a aparecer os primeiros trabalhos de Brittos,
publicados ou apresentados em congressos, no campo específico da EPC. O
único citado em seu primeiro livro, “Recepção e TV a cabo, en passant,” na
página 170, foi um artigo apresentado em 1999, no congresso da Sociedade
Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM), no
Rio de Janeiro, intitulado “A oligopolização do mercado brasileiro de televisão
por assinatura”, o grande tema da tese de doutorado, que replica uma parte
chave do primeiro livro de Bolaño, evidenciando uma coincidência no desenvolvimento das duas formas de TV (de massa e segmentada), ainda não notada
até então. A oligopolização da TV segmentada, por sua vez, marca uma nova
fase no desenvolvimento da televisão brasileira, que Valério denominará “fase
da multiplicidade da oferta”, conceito desenvolvido em vários artigos da mesma
época e adotado também por Bolaño na segunda edição, acima referida, de
“Mercado Brasileiro de Televisão”.
A tese, defendida em 2001, nunca chegaria a ser publicada como livro por
uma opção consciente do autor que, ao invés de promover os necessários ajustes
com esse objetivo, preferiu realizar esse trabalho de revisão e atualização visando
não a um livro, mas a uma série de importantes artigos, que estão sendo agora
reunidos por seu parceiro mais frequente, conhecedor do conjunto da sua obra.
Na segunda metade da década de 2000, a produção acadêmica do autor é
marcada pela produção de um grande volume de trabalhos (artigos publicados
ou apresentados em eventos, capítulos de livros e muitos textos de divulgação). Muitos foram feitos em parceria com vários autores, especialmente com
seus alunos do programa de pós-graduação da Universidade do Vale do Rio
dos Sinos, onde fundou o grupo Comunicação, Economia Política e Sociedade
(CEPOS) que, ao lado do Observatório de Economia e Comunicação da Universidade Federal de Sergipe (OBSCOM), formava o eixo dinâmico da EPC
brasileira, que ganhara importante visibilidade com a criação do portal EPTIC
e da revista EPTIC Online, em 1999.
A edição da revista ficará a cargo de Valério Brittos de janeiro de 2003 até
o seu falecimento. A criação, em 2002, da União Latina de Economia Política
da Informação, da Comunicação e da Cultura (ULEPICC) foi consequência
do trabalho de articulação acadêmica realizado pela rede EPTIC e pelos grupos
de EPC da ALAIC e da INTERCOM. Brittos esteve no centro de todo esse
processo e inclusive da criação do grupo de EPC de breve duração da COMPÓS, do qual foi o grande coordenador. Essa ação de criação institucional e
de divulgação, ao lado do trabalho de formação de quadros, no programa de
Valério Cruz Brittos: Perfil acadêmico
289
pós-graduação da UNISINOS, além de uma intensa atividade de organização
livros e eventos, facilitarão a expansão da EPC brasileira e a sua legitimação ao
longo da primeira década do século XXI.
Produção acadêmica
A pesquisa faz parte do nosso cotidiano. Ela está em tudo que fazemos e
sem ela nada fica completamente bom (BRITTOS, 2008).
A tabela 1 apresenta uma boa sistematização da produção do autor, baseada
no CV Lattes atualizado pelo próprio autor até 2011. Depois disso, outros trabalhos foram e ainda seguem sendo publicados, que não constam neste estudo.
Os números são expressivos mas não serão tratados nos limites deste artigo. Na
verdade, como dito acima, este é apenas um estudo preliminar que terá desdobramentos. Por ora, deixamos ao leitor que tire suas próprias conclusões.
Tabela 1: Produção intelectual acadêmica de Valério Brittos (1998-2012)
I. ARTIGOS COMPLETOS PUBLICADOS EM PERIÓDICOS
Solo
Em parceria com César Com outros
Bolaño
parceiros
Total
ATÉ 1998
12
-
-
12
DE 1999 a 2005
29
6
7
42
DE 2006 a 2012
2
12
24
38
Total
43
18
31
92
II. LIVROS PUBLICADOS/ORGANIZADOS OU EDIÇÕES
Solo
ATÉ 1998
-
Em parceria com César Com outros
Bolaño
parceiros
-
-
Total
-
DE 1999 A 2005
3
1
2
6
DE 2006 A 2012
5
2
5
12
Total
8
3
7
18
290
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
III. CAPÍTULOS DE LIVROS PUBLICADOS
Solo
Em parceria com César Com outros
Bolaño
parceiros
Total
ATÉ 1998
2
-
-
2
DE 1999 A 2005
6
2
2
10
DE 2006 A 2012
8
5
19
32
Total
16
7
21
44
IV. TEXTOS EM JORNAIS DE NOTÍCIAS/REVISTAS
Solo
Em parceria com César Com outros
Bolaño
parceiros
Total
ATÉ 1998
1
-
1
2
DE 1999 A 2005
3
1
8
12
DE 2006 A 2012
18
3
181
202
Total
23
4
193
216
V. TRABALHOS COMPLETOS PUBLICADOS EM ANAIS
Solo
Em parceria com César Com outros
Bolaño
parceiros
Total
ATÉ 1998
9
-
-
9
DE 1999 A 2005
12
3
3
18
DE 2006 A 2012
2
10
20
32
Total
33
13
23
59
VI. RESUMOS EXPANDIDOS PUBLICADOS EM ANAIS
Solo
Em parceria com César Com outros
Bolaño
parceiros
Total
ATÉ 1998
-
-
-
-
DE 1999 A 2005
-
-
-
-
DE 2006 A 2012
-
-
1
1
-
-
1
1
Total
VII. RESUMOS PUBLICADOS EM ANAIS
Solo
ATÉ 1998
DE 1999 a 2005
Em parceria com César Com outros
Bolaño
parceiros
Total
-
-
-
-
14
2
3
19
DE 2006 a 2012
5
7
19
31
Total
20
9
22
50
Valério Cruz Brittos: Perfil acadêmico
291
VIII. APRESENTAÇÕES DE TRABALHO
Solo
Em parceria com César Com outros
Bolaño
parceiros
Total
ATÉ 1998
5
-
-
5
DE 1999 a 2005
17
4
3
24
DE 2006 a 2012
50
7
26
83
Total
72
11
29
112
IX. OUTRAS PRODUÇÕES BIBLIOGRÁFICAS
Solo
Em parceria com César Com outros
Bolaño
parceiros
Total
ATÉ 1998
-
-
-
-
DE 1999 a 2005
2
-
-
-
DE 2006 a 2012
7
-
8
15
Total
9
-
8
15
X. TRABALHOS TÉCNICOS
Solo
Em parceria com César Com outros
Bolaño
parceiros
Total
ATÉ 1998
-
-
-
-
DE 1999 a 2005
4
-
1
5
DE 2006 a 2012
65
1
9
75
Total
69
1
10
80
XI. ENTREVISTAS, MESAS REDONDAS, PROGRAMAS E COMENTÁRIOS
NA MÍDIA
Solo
Em parceria com César Com outros
Bolaño
parceiros
Total
ATÉ 1998
-
-
-
-
DE 1999 A 2005
-
-
-
-
DE 2006 A 2012
121
3
1
125
Total
121
3
1
125
Fonte: elaboração própria a partir de dados do currículo disponível na Plataforma Lattes, da CAPES/CNPq.
Complementamos a informação com os dados da tabela 2, referentes às
orientações, que serão importantes para futuros estudos. Neste caso, conservamos o total de 70 orientações, sem incluir aquelas inconclusas, que seriam
292
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
assumidas por outros professores da UNISINOS, alguns em estado avançado de
elaboração quando o processo foi subitamente interrompido pelo seu prematuro falecimento. Tampouco é possível avançar aqui além da apresentação destes
dados, pois isso exigiria uma pesquisa qualitativa, com aplicação de entrevistas
e questionários, que ultrapassariam os limites de tempo e espaço com que nos
defrontamos aqui.
Tabela 2: Orientações efetuadas por Valério Brittos,
concluídas até 2012
PÓS-DOUTORADO
DOUTORADO
MESTRADO
GRADUAÇÃO
ATÉ 1998
-
-
-
2
DE 1999 A
2005
-
1
4
22
DE 2006 A
2012
1
5
10
17
Total
1
6
14
49
Fonte: elaboração própria a partir de dados do currículo disponível na Plataforma Lattes, da CAPES/CNPq.
Na tabela 3 apresentamos uma classificação inicial da produção do autor,
seguindo os descritores definidos por ele próprio, atendendo, os seus interesses intelectuais e de pesquisa que, evidentemente, variam no tempo. Uma
visão de conjunto mais acurada exigiria outra classificação, mais homogênea,
o que não é possível nos limites deste trabalho. Em todo caso, ficam explicitados os grandes temas a que o autor se dedicou ao longo de toda a sua vida
produtiva.
Valério Cruz Brittos: Perfil acadêmico
293
Tabela 3: Classificação da produção segundo descritores definidos
pelo autor
Solo
t Comunicação e
Capitalismo (27)
t Economia Política de
Comunicação (8)
t Políticas de Comunicação (16)
t Processos midiáticos
ATÉ 1998
(13)
t Tecnologia da Informação e Comunicação (22)
t Televisão (19)
t Teoria da Comunicação (30)
DE 1999
A 2005
294
t Comunicação e
Capitalismo (81)
t Economia Política de
Comunicação (78)
t Multiplicidade da
Oferta (6)
t Políticas de Comunicação (67)
t Processos midiáticos
(79)
t Tecnologia da Informação e Comunicação (41)
t Televisão (36)
t Teoria da Comunicação (86)
Em parceria com
César Bolaño
Com outros parceiros
––
t -Comunicação e Capitalismo (1)
t Políticas de Comunicação (1)
t Processos midiáticos (1)
t Tecnologia da Informação e Comunicação (1)
t Teoria da Comunicação
(1)
t Comunicação e
Capitalismo (22)
t Economia Política
de Comunicação
(20)
t Políticas de Comunicação (19)
t Processos midiáticos (15)
t Tecnologia da
Informação e Comunicação (9)
t Teoria da Comunicação (23)
t Comunicação e Capitalismo (29)
t Economia Política de
Comunicação (17)
t Políticas de Comunicação (26)
t Processos midiáticos
(27)
t Tecnologia da Informação e Comunicação (9)
t Televisão (12)
t Teoria da Comunicação
(29)
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
DE 2006
A 2012
t Comunicação e
Capitalismo (47)
t Convergência
(29)
t Audiovisual (67)
t Cultura (11)
t Comunicação e
Capitalismo (163)
t Digitalização (9)
t Convergência (3)
t Economia Política
de Comunicação
t Digitalização (162)
(45)
t Economia Política de
Comunicação (149) t Indústria Cultural
(31)
t Multiplicidade da
t Indústrias CultuOferta (49)
rais (27)
t Políticas de Comunit Padrão Tecnoestécação (161)
tico (18)
t Processos midiáticos
t Políticas de Co(163)
municação (43)
t Rádio (49)
t Tecnologia da Infor- t Processos midiáticos (45)
mação e Comunicat Rádio (4)
ção (106)
t Tecnologia da
t Televisão (118)
Informação e Cot Teoria da Comunicamunicação (17)
ção (163)
t Televisão (33)
t Teoria da Comunicação (47)
t Audiovisual (74)
t Comunicação e Capitalismo (312)
t Convergência (176)
t Cultura (32)
t Digitalização (24)
t Economia Política de
Comunicação (287)
t Educação (1)
t Indústria Cultural (33)
t Música (4)
t Padrão Tecnoestético
(18)
t Políticas de Comunicação (310)
t Processos midiáticos
(312)
t Rádio (24)
t Tecnologia da Informação e Comunicação
(79)
t Televisão (49)
t Teoria da Comunicação
(312)
Fonte: elaboração própria a partir de dados do currículo disponível na Plataforma Lattes, da CAPES/CNPq.
Considerações finais
O que foi dito parece bastante inconclusivo. Na verdade, o que se pretendeu
aqui foi apresentar elementos de um plano de estudos que se encontra em pro-
Valério Cruz Brittos: Perfil acadêmico
295
cesso neste momento. Insistimos, por um lado, sobre a importância do trabalho
de Brittos não apenas para o campo da EPC, mas também para os chamados
Estudos Culturais latino-americanos e apresentamos alguns elementos importantes para entender a sua contribuição, a saber, a dupla ou tripla formação, a
significativa experiência profissional no campo do jornalismo e o forte compromisso ético e político. Apresentamos, ademais, os dados gerais da sua produção
acadêmica, organizada segundo uma periodização que julgamos esclarecedora
da trajetória que teremos a oportunidade de estudar mais a fundo em futuro
próximo.
Referências
BOLANO, César Ricardo Siqueira. Mercado Brasileiro de Televisão. Aracaju:
Editora UFS, 1988 [segunda edição ampliada: São Paulo: EDUC, 2004].
BOLANO, César Ricardo Siqueira. Indústria Cultural, Informação e Capitalismo. São Paulo: Hucitec, 2000.
BOLANO, César Ricardo Siqueira; BRITTOS, Valério Cruz. Rede Globo: 40
anos de poder e hegemonia. São Paulo: Paulus, 2005.
BOLANO, César Ricardo Siqueira. A televisão brasileira na era digital: exclusão, esfera pública e movimentos estruturantes. São Paulo: Paulus, 2007.
BRITTOS, Valério Cruz. PTB e anti-PTB: duas forças em disputa. Pelotas,
1993. Monografia (Especialização em Ciência Política) – ISP, UFPel.
BRITTOS, Valério Cruz. TV a cabo: a dispersão da audiência. In: Sociedade
em Debate, v. 2, n. 4, UFPel, dez. 1996, p. 17-23.
BRITTOS, Valério Cruz. Recepção e TV a cabo: a mediação da identidade
cultural pelotense. Porto Alegre, 1996. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) – Faculdade de Comunicação, PUCRS.
BRITTOS, Valério Cruz.. Recepção e TV a cabo: a força da cultura local. São
Leopoldo: UNISINOS, 2000.
BRITTOS, Valério Cruz. A oligopolização do mercado brasileiro de televisão
por assinatura. Trabalho apresentado no XXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (INTERCOM), Rio de Janeiro, 1999.
296
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
BRITTOS, Valério Cruz. Capitalismo contemporâneo, mercado brasileiro
de televisão por assinatura e expansão transnacional. Salvador, 2001. Tese de
Doutorado em Comunicação e Cultura Contemporânea, UFBa.
BRITTOS, Valério Cruz. Entrevista ao Portal Eptic. Disponível em: http://
alturl.com/ta5mb, 2008 Acessado em: 08.05.2014.
BRITTOS, Valério Cruz. Currículo Lattes. Disponível em: http://alturl.com/
menh3. Acessado em: 09.05.2014.
COUTO, Karen Schneider. Rádio, Programação e Audiência: estratégias
de atração do público jovem em emissoras do segmento de jornalismo em
Porto Alegre. Publicado em: http://alturl.com/9g4t8, 2012. Acessado em:
10.05.2014.
Valério Cruz Brittos: Perfil acadêmico
297
Nélia del Bianco:
Múltiplas funções e uma única
paixão, o rádio
Eliane Muniz1
Maria Moraes Luz2
16º
CAPÍTULO
Dinâmica e incentivadora. Duas palavras que descrevem com
precisão a jornalista, docente, consultora e pesquisadora Nélia Rodrigues Del Bianco. Nélia, como gosta de ser chamada, busca incessantemente superar a dicotomia entre teoria
e prática, principalmente no que se refere ao rádio, grande
paixão da vida dela.
Formada em Jornalismo pela Universidade de Goiás (UFG),
começou sua carreira como repórter e depois editora do ra-
1.
Assessora de imprensa da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB) e mestre em Comunicação pela Universidade de
Brasília. Está entre os três primeiros orientandos de mestrado da
professora Nélia Del Bianco. Desenvolveu a dissertação intitulada
“O Jornalismo nos limites da liberdade: uma análise da cobertura
da imprensa sobre os casos de religiosos acusados de subversivos
pelo regime militar”. É também docente em diferentes disciplinas
no curso de Jornalismo.
2.
Jornalista, assistente social, mestre em Comunicação pela Universidade de Brasília (UNB), com orientação de Nélia Del Bianco.
Professora adjunta da Universidade Paulista (Unip), campus Brasília. Já prestou consultoria com Nélia para a Secretaria de Saúde
do Distrito Federal, programa Vozes em Sintonia, cujo objetivo
era capacitar agentes de saúde e radialistas comunitários sobre
DST/Aids.
Nélia del Bianco: Múltiplas funções e uma única paixão, o rádio
299
diojornal da Rádio Difusora de Goiânia, em 1981, onde trabalhou até 1987.
Durante esses anos de radiojornalista, Nélia prestou concurso para a UFG e
atuou nessa instituição de 1985 a 1993, como professora assistente, lecionando
disciplinas sobre o meio rádio.
Como se não bastasse ser jornalista e professora, Nélia ficou entre Goiânia e
Brasília de 1988 a 1991, para concluir o mestrado em Comunicação da Universidade de Brasília (UNB), o qual finalizou com a apresentação da dissertação “O
rádio populista: análise da atuação do rádio como mediador nas relações entre
classes populares e o governo do Distrito Federal”.
Em 1993, Nélia escolheu definitivamente Brasília para a acolher. Ingressou
como professora adjunta IV da UNB e iniciou seus trabalhos como docente
dos graduandos em Comunicação Social, de disciplinas sobre radiodifusão. No
mesmo ano que ingressou nessa instituição, a docente assumiu o cargo de coordenadora do curso, função exercida até 1995, e de vice-diretora da Faculdade de
Comunicação (FAC), até 1997. De 1994 a 2003, foi a executora de convênios
da FAC com órgãos públicos como Ministério da Saúde e Secretaria de Educação à Distância do Ministério da Educação (MEC), para execução de produtos
de rádio educativos, produção esta realizada até a atualidade.
E mais uma vez Nélia ficou dividida entre duas cidades, de 2000 a 2004, a
jornalista viveu na ponte aérea entre Brasília e São Paulo, para cursar o doutorado na Universidade de São Paulo (USP), onde defendeu a tese “Radiojornalismo em mutação – A influência tecnológica e cultural da Internet na transformação da noticiabilidade no rádio”.
Com o término do doutorado, em 2004, Nélia passa a lecionar também para
os mestrandos e doutorandos do Programa de Pós-Graduação em Comunicação
da UNB, primeiramente na Linha de Pesquisa “Jornalismo e Sociedade” e desde 2007 em “Políticas de Comunicação e Cultura”, mesmo ano que assumiu a
direção da FAC, cargo exercido até 2011.
A docente também integrou a diretoria da Sociedade Brasileira de Estudos
Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM), como vice-presidente, de
2008 e 2011, ano que assumiu a diretoria de documentação, cargo que exerce
até o fim deste ano. Na INTERCOM, ela ainda coordenou o Grupo de Trabalho (GT) de Rádio, de 1995 a 2000, com tão brilhante atuação que o GT
ganhou o Prêmio Luiz Beltrão de Ciências da Comunicação em 2000, na categoria grupo inovador. E em 2009, a pesquisadora recebeu o Prêmio Luiz Beltrão
na categoria Liderança Emergente, assim que chegou do pós-doutorado pela
Universidade de Sevilha, Espanha.
De 2005 a 2011, Nélia coordenou projetos de pesquisa sobre a implantação
do rádio digital no Brasil, com mapeamento das condições técnicas das emissoras
300
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
brasileiras para receber a nova tecnologia. E em 2010, a pesquisadora fundou, juntamente com os pesquisadores Sônia Virgínia Moreira e Carlos Eduardo Escho,
o Observatório da Radiodifusão Pública na América Latina (www.observatorioradiodifusao.net.br), espaço público on-line, de tipo thinktank, que promove discussões, análises e diagnósticos referentes aos avanços e impasses na estruturação e
manutenção dos sistemas de radiodifusão pública na América Latina.
Nélia já publicou 15 artigos em periódicos nacionais e internacionais, 17
trabalhos e quatro resumos em anais de eventos, 25 capítulos e/ou organização
de livros, sendo o último com o título “O Rádio Brasileiro na Era da Convergência”, lançado em 2012. São publicações sobre a condição do rádio na sociedade contemporânea, tendências e perspectivas da programação radiofônica e
o impacto das inovações tecnológicas na configuração de conteúdos e formatos
do rádio. A pesquisadora totaliza mais de 70 atividades de orientação de doutorado, mestrado, graduação, consultorias, coordenação e organização de eventos,
assim como representação brasileira em projetos e encontros internacionais, tais
como o programa de extensão “Itinerário da China: comunicação, educação
e cultura”, da INTERCOM, realizado em 2007, em parceria com a Câmara
Brasil – China de Desenvolvimento Econômico e com cooperação de universidades chinesas: Communication of China (Pequim), Fudan (Shangai), Shenzen
e Macau. Nélia também já foi membro do Conselho Consultivo do Programa
de Cooperação para Qualificação de Estudantes de Jornalismo da Agência de
Notícias dos Direitos da Infância (ANDI) e do Conselho Consultivo da Rádio
Digital do Ministério das Comunicações, representando a UNB neste.
Mesmo com a vasta experiência em rádio, Nélia também já orientou trabalhos de áreas diversas por acreditar no potencial do aluno e na ideia inovadora
do mesmo. A pesquisadora já prestou consultorias com seus discentes, dando
total autonomia aos mesmos e mantém contato permanente com os egressos.
Pelas informações supracitadas, percebe-se o dinamismo da docente que não
se contenta em ficar isolada na universidade, sempre buscando conhecimento
na práxis.
O dilema do sistema de rádio digital no Brasil e no mundo
O rádio é, sem dúvidas, o foco principal das pesquisas da professora Nélia
Del Bianco. Com experiência, conhecimento e leveza, Nélia tornou-se uma das
raras especialistas no assunto. Praticamente grande parte dos seus escritos aborda a história e as mudanças ocorridas no rádio e no radiojornalismo a partir do
surgimento das novas tecnologias, com ênfase na Era Digital. Os seus textos
Nélia del Bianco: Múltiplas funções e uma única paixão, o rádio
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transmitem ao leitor a paixão que ela tem pelo rádio, meio de comunicação que
há décadas luta pela sobrevivência.
No Brasil, sabe-se que o rádio ainda é um meio bastante relevante, sobretudo para aqueles que moram em regiões longínquas ou mesmo nas cidades do
interior, onde novas técnicas ainda não conseguiram chegar ou não funcionam
bem. Nos grandes centros urbanos, o rádio permanece firme, embora enfrente
dificuldades financeiras e diminuição de audiência, devido às migrações da publicidade e do público, atualmente, para a internet.
Mesmo diante desses desafios e diferentemente do que muitos pensavam, o
rádio tem resistido aos meios de comunicação concorrentes, como a televisão
e a internet. Mais do que isso, tem sofrido um processo de transformação tão
grande, afetando inclusive a sua essência, tornando-se um meio multimídia.
Hoje é possível acompanhar uma programação radiofônica ao vivo pela internet, semelhante a um programa de televisão. É possível também interagir por
meio das redes sociais e intervir no conteúdo da programação radiofônica sugerindo não apenas músicas, mas pautas, ou mais, dando informações como
se o ouvinte fosse um jornalista daquele meio, a exemplo dos programas sobre
trânsito, em que o público participa informando sobre o fluxo de carros nas vias
de suas respectivas cidades.
Diante da fragmentação da audiência é necessário buscar o ouvinte onde
estiver. E a melhor forma de atraí-lo é pelo conteúdo significativo que
apresente vínculos com o local, a comunidade, o entorno do seu cotidiano. Esse é o grande diferencial do rádio: o sentido de proximidade, o
localismo (DEL BIANCO, 2012, p. 35).
Historicamente, a essência do rádio girou em torno da instantaneidade e do
mistério. As mudanças da sua natureza, no entanto, podem ser entendidas como
uma maneira de sobrevivência na atualidade. Com a internet e as redes sociais,
torna-se impossível o rádio manter essas características. Pelo contrário, é preciso
adaptar-se às novas tecnologias para manter o seu público que, geralmente, é tão
fiel. A instantaneidade, surgida desde a profissionalização do rádio, é rompida a
partir do momento em que se torna possível recuperar informações transmitidas
por meio de podcasts ou downloads de programas radiofônicos. Já o mistério,
quando se conhece a face daquela voz que transmite as informações do outro
lado do aparelho receptor. Ao romper com o mistério se rompe também com o
que sempre foi o encanto do rádio: o desconhecido rosto daquela voz. Rádio é
técnica sim, mas mais que tudo é voz. Não precisa ser bela, mas agradável aos
ouvidos, capaz de despertar no ouvinte a curiosidade, a imaginação e a fideli302
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
dade ao programa. As novas gerações, pela prática, não mais conhecerão essas
características do rádio, que farão parte agora apenas dos registros históricos.
Nélia Del Bianco chama o rádio de “o primo mais pobre dos meios de comunicação”, especialmente, por não ter investimentos publicitários e, consequentemente, recursos financeiros. Esta dificuldade não é nova. Desde a sua
origem, o rádio sempre enfrentou desafios. Quando surgiu, em meados dos
anos 1920, foi pouco valorizado. Só teve investimento publicitário uma década
depois. Por duas décadas, viveu o auge que só ele possuía, fascinando os diferentes públicos, de crianças às pessoas idosas, atingindo todas as classes sociais, pois
não precisa ser letrado para ouvir rádio. Porém, com o surgimento da televisão
logo sofreu sua segunda ameaça. A publicidade que demorou dez anos para
investir no rádio migrou para a TV. O público direcionou-se para as imagens
em detrimento do despertar da imaginação que o rádio causava. Dizia-se que
era o fim do rádio, mas ele sobreviveu à queda de investimento publicitário e de
audiência. Foi adaptando-se às novas técnicas que surgiam, modificando suas
estruturas e sua forma de transmitir informações. Aderiu aos computadores, aos
CDs, mds, ao telefone celular. Tornou-se mais dinâmico e moderno.
A internet modernizou ainda mais o rádio, embora, inicialmente, também
tenha sido vista como uma ameaça. Esta tecnologia tem obrigado o rádio a novas adaptações. Percebendo a importância desta rede de informações, a maioria
das rádios hoje pode ser acessada também por meio da internet, que proporcionou, ainda, a criação de novas rádios, nas quais o ouvinte pode criar, inclusive,
sua própria programação musical, de acordo com o estilo que mais gosta. O
rádio mais uma vez enfrenta um novo desafio, mas sobrevive diante das mudanças adequando-se a elas ou mesmo beneficiando-se delas. “Diante das novas
mídias, as tradicionais, normalmente, não morrem, ao contrário, adaptam-se e
continuam evoluindo” (DEL BIANCO, 2008, p. 2).
Entre os meios de comunicação, o rádio tem uma longa trajetória marcada
por altos e baixos. Acumula uma riqueza histórica registrada menos nos livros
e mais nas lembranças. Tem superado dificuldades das mais diferentes formas e
continua a ser um importante instrumento de informação e de encanto também.
Mas as transformações no rádio estão longe de terminar. Pouco antes do começo do novo milênio, outra novidade surgiu: o rádio digital. Trata-se de uma
realidade em muitos países desenvolvidos. O Brasil, embora lentamente, segue
esse mesmo rumo.
Nélia Del Bianco está entre os raros pesquisadores da Comunicação que
dominam o assunto. A maioria de suas publicações versa sobre a questão, tornando-a referência no debate sobre a implantação do rádio digital no Brasil.
Segundo a pesquisadora (2003, p.7), quando o digital chegar poderá haver
Nélia del Bianco: Múltiplas funções e uma única paixão, o rádio
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maior profissionalização da programação, modernização dos métodos de gerenciamento e diversificação do negócio do rádio. Para Nélia (2003, p. 7), “tudo
indica que as emissoras terão que se estruturar melhor para oferecer não somente programação de qualidade à audiência compatível com a qualidade de som de
CD, como também serviços adicionais de dados com informação qualificada”.
A autora acredita que
a distribuição de áudio digital veio para ficar. Mais do que isso é uma
estratégia de revitalização, é um meio de garantir a sobrevivência num
cenário de competição com as novas mídias emergentes. É certo que o
rádio jamais terá centralidade entre os diversos meios eletrônicos como
foi no passado, mas ainda sobreviverá sendo complementar às demais
mídias (DEL BIANCO, 2003, p. 8).
A expectativa com relação ao rádio digital é de que ele ofereça melhor qualidade de áudio. A AM terá qualidade, em termos de som, de uma rádio FM. Esta
por sua vez terá o som equivalente a de um CD, ambas sem interferências nas
transmissões de sinais. Além disso, as pessoas poderão ter acessos a diferentes
informações como previsão do tempo, nome da música ou do cantor que está
ouvindo. A autora (2003, p. 2) afirma que “a transformação do sinal de analógico em bits (informação numérica) provoca talvez a mudança mais radical experimentada pelo rádio desde a invenção do transistor e da frequência modulada”.
Para a implantação do rádio digital no Brasil, dois modelos estão em fase de
estudos e testes: o americano, In-Band On Channel (IBOC), e o europeu Digital Radio Mondiale (DRM). A Europa tem outro padrão denominado Digital
Audio Broadcasting (DAB) e o Japão possui o Services Digital Broadcasting – Terrestre narrowband (ISDB-Tn), que não foi testado no Brasil. Todos os modelos,
de acordo com Nélia Del Bianco, possuem aspectos positivos e negativos.
O DAB, por exemplo, permite que seis emissoras partilhem a mesma frequência e transmissor, reduzindo, assim, custos de transmissão. Por outro lado,
não pode funcionar nas frequências das emissoras analógicas AM e FM, ao mesmo tempo em que as emissoras comerciais não aceitariam partilhar o mesmo
transmissor, pois não garantiria diferencial técnico. De acordo com a pesquisadora, esse sistema existe na Alemanha há quinze anos, mas ainda tem muitos
desafios pela frente.
A Alemanha transmite em DAB desde 1999 e alcança 80% da população,
oferecendo cerca de 80 programas (rádios) para cerca de 500 mil receptores. O professor Hans Keinsteuber, da Universidade de Hamburgo, ao
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Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
participar da 7ª Bienal Internacional do Rádio no México em 2008, disse
que, embora esse número de aparelhos seja grandioso, a cifra representa
apenas 1% dos receptores ativos de rádio no país. Ou seja, apenas 1% de
penetração entre os ouvintes. Diante dessa situação, segundo o professor,
a Alemanha já pensa em desativá-lo (DEL BIANCO, 2010, p. 7).
Já na Espanha, o rádio digital não conseguiu alcançar a meta estabelecida
de 80% do território e não há receptores com um preço acessível à população.
Além disso, de acordo com a autora (2010, p. 8), as emissoras pagam 15 mil
euros mensalmente “à empresa Abertis, gestora privada do multiplex, que transmite sinal de 18 programas rádios digitais em toda a Espanha”. Trata-se de um
valor relativamente alto para emissoras educativas, culturais e comunitárias no
Brasil. Nélia critica ainda o fato de as emissoras digitais espanholas não divulgarem conteúdo novo, conforme estabelece a lei de concessão de canais.
A experiência do rádio digital na Inglaterra é considerada por Nélia como
um caso bem sucedido devido, sobretudo, à diversidade de programação e à
acessibilidade aos aparelhos receptores por um preço razoável, uma média de
15 libras.
Levantamento do World DAB de 2008 revela que 32% dos adultos no país
possuem um rádio DAB, o que equivale a um em cada três britânicos. Um
quinto da audiência ouve rádio digital. Há mais de 6,5 milhões de aparelhos
receptores digitais no Reino Unido (DEL BIANCO, 2010, p. 8).
Outro padrão produzido na Europa chama-se Digital Radio Mondiale
(DRM). Para a pesquisadora, trata-se de uma perspectiva promissora, pois está
aberta para as ondas curtas, médias e longas da AM e cobre transmissões para
bandas abaixo de 30 MHz. Em 2009, surgiu o DRM + e tem sido usado pelas
emissoras europeias que não querem adotar o DAB.
O DRM+ tem sido apontado como uma alternativa importante para as
emissoras europeias que não querem operar em DAB por várias razões
como área de cobertura, custos e o desejo de permanecer no controle
de suas operações de transmissão sem terceirização. Mais do que isso, o
DRM+ é apresentado como a solução para rádios locais, ultra locais e
emissões em comunidades pequenas (DEL BIANCO, 2010, p. 12-13).
Nos Estados Unidos o padrão adotado denomina-se In-Band On Channel
(IBOC) ou HD Radio. Em funcionamento desde 2003, 1,8 mil rádios das 13
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mil emissoras existentes no país assumiram este padrão. O IBOC torna possível a convivência entre canais analógicos e digitais e as emissoras não precisam
mudar sua infraestrutura. Porém, têm que pagar um licenciamento anual. Além
disso, de acordo com Nélia (2010, p. 11), “a nova tecnologia ainda não conquistou a confiança dos consumidores”, por duas razões relevantes: o consumidor
para ter acesso ao rádio digital precisa mudar de aparelho. Segundo Del Bianco,
o aparelho mais barato custa em média 80 dólares. Além disso, o consumidor
não se sente atraído pelo conteúdo transmitido pela rádio. “Apenas metade das
estações oferece mais de duas ou três programações diferentes no mesmo canal digital que, muitas vezes, não é diferente das frequências analógicas” (DEL
BIANCO, 2010, p. 11)
Quadro 1 – Síntese das vantagens e desvantagens dos sistemas
digitais de rádio, de acordo com as publicações da professora
Nélia Del Bianco
Vantagens
t Padrão norte-americano, capaz de
transmitir de modo simultâneo
sinais analógicos e digitais, dentro
da canalização analógica atual.
Este sistema proporciona a transição gradual para o rádio digital.
t Não há necessidade de atribuir
novas frequências, mantendo o
status das atuais emissoras;
In-Band
On Channel (IBOC) t É possível utilizar a infraestrutura
existente, desde torres e transmissores, sendo necessário adquirir
novo excitador de radiodifusão
digital e alguns equipamentos e
periféricos.
t Qualidade de som do HD na
faixa FM tem sido descrito como
equivalente a do CD.
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Desvantagens
t É preciso trocar o aparelho que
custa em média 80 dólares.
t Falta de atrativos no conteúdo.
t Programação semelhante a da
analógica.
t Críticas com relação à qualidade
do som.
t Não podem ser usados para receber estações vindas do exterior.
Não há compatibilidade com o
DAB e o DRM.
t Outro aspecto é a tecnologia
proprietária, o codec do sistema
HD Rádio é da empresa iBiquity. Para usá-lo é preciso pagar
pelo licenciamento. Situação
diretamente oposta a modelos
como DRM e DAB que possuem código aberto.
t Não funciona simultaneamente
nas atuais emissoras analógicas
AM e FM.
Digital
Audio
Broadcasting (DAB)
t Sistema europeu que atribui uma
faixa de frequência exclusiva para
o padrão digital. A difusão é feita
por um transmissor multiplex,
gerenciado por um operador de
rede que pode ser privado. Seis
estações diferentes partilham o
mesmo transmissor, antena, faixa
de frequências e, consequentemente, a mesma área de cobertura
de sinal.
t Falta de receptores acessíveis à
população.
t Ausência de investimento em
uma programação nova.
t Custos altos de implantação.
t Manutenção e o retorno de mercado ainda não é significativo.
t Falta de unificação dos padrões
disponíveis. Há o DAB + e o
multimídia DMB, uma plataforma de áudio e televisão digital
móvel.
t Críticas com relação à qualidade
do som.
t Sistema digital aberto do mundo
para ondas AM (curtas, médias
e longas) que cobre transmissões
para bandas abaixo de 30MHz.
Digital
Radio
Mondiale
(DRM)
t Administrado por um consórcio
constituído por 100 membros, entre eles associações, universidades,
fabricantes, operadoras e emissoras t Recepção desse padrão no interior de edifícios depende muito
estatais europeias.
do tipo de construção.
t A AM tem som equivalente a de
um CD.
t Permite redução no uso da potência dos transmissores.
t Permite a utilização de novos
conteúdos integrados num mesmo
aparelho receptor.
Nélia del Bianco: Múltiplas funções e uma única paixão, o rádio
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t Desenvolvido no Japão pela NHK
Science & Technical Research Laboratories na década de 1990. É um
sistema derivado do ISDB-T wide
band para transmissão de televisão
digital e que tem semelhanças
com o Eureka 147 DAB por ser
multiplexado, ou seja, tem vários t Recente, o ISDB-Tn ainda é
Services
uma incógnita para muitos, em
canais numa mesma frequência e
Digital
especial por sua complexa ligação
ainda usa a chamada Banda L para
Broadcastcom o sistema de transmissão
transmissão.
ing – TerTV digital e também por utilizar
t O ISDB-Tn tem qualidade de
restrial nara chamada Banda L, a mesma do
som equivalente ao do CD.
rowband
Eureka 147, que não atende às
(ISDB-Tn) t É possível transmitir simultaneespecificidades da estrutura da
amente para receptores móveis e
radiodifusão brasileira.
portáteis que usam sinal de rádio
enquanto se transmite um sinal de
HDTV. O sistema japonês, ainda
em fase de testes, admite também
transmissão de texto, áudio e
imagens paradas para os aparelhos
de rádio.
No Brasil, o debate gira em torno do DRM e do padrão americano IBOC.
Em junho de 2012, durante o 26º Congresso Brasileiro de Radiodifusão, o
secretário de Serviços de Comunicação Eletrônica do Ministério das Comunicações disse que até o final daquele ano seria tomada uma decisão quanto ao
modelo a ser adotado. O fato é que há mais de doze anos se discute a implantação do rádio digital no país. Entretanto, pouco se sabe a respeito. Segundo Del
Bianco a discussão evoluiu desde 2010, com a criação do Sistema Brasileiro de
Rádio Digital (SBRD), por meio da Portaria nº 290 do Ministério das Comunicações.
Trata-se de uma norma que aponta características a serem consideradas
no processo de escolha. E o segundo avanço está na decisão do Ministério das Comunicações em realizar novos testes técnicos (2011-2012),
em parceria com emissoras executantes dos diferentes serviços de radiodifusão e o Inmetro, para verificar o desempenho dos diferentes modelos
(DRM e IBOC). Pela primeira vez se terá uma avaliação comparativa de
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Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
desempenho entre os formatos de digitalização, contribuindo para que
a escolha possa ter maior grau de acerto (DEL BIANCO, 2012, p. 33).
A pesquisadora afirma que dois grupos de interesse têm acompanhado as
discussões sobre a implantação da rádio digital no Brasil: os empresários e segmentos da sociedade civil.
[...] de um lado os empresários manifestam suas preferências, antecipando-se a qualquer possibilidade de debate público sobre a questão; e de
outro, setores da sociedade civil pressionando o Ministério das Comunicações para que estabeleça parâmetros de adoção de um padrão técnico de
digitalização que contemple a diversidade de exploração e financiamento
do sistema de radiodifusão. Esses segmentos entendem que adoção de
uma tecnologia não pode ser fator de aprofundamento de diferenças de
padrões técnicos, de produção e financiamento de emissoras ou mesmo
de exclusão de modelos de exploração com finalidade educativa, cultural,
institucional e comunitária (DEL BIANCO, 2010, p. 13).
A autora recorda, especialmente, a situação das rádios comunitárias que podem não ser contempladas com a nova tecnologia devido à legislação que as
rege. Isto porque as rádios comunitárias não têm recursos. Vivem do apoio cultural e da ajuda da comunidade. Sem verbas, fica difícil de investir em um novo
formato e até mesmo competir no que diz respeito à qualidade de programação.
Fica pendente a situação das comunitárias já legalizadas. Sem uma política governamental dificilmente as comunitárias poderão se integrar à
nova ordem tecnológica pelas condições de sua origem, em geral, vinculadas às associações e instituições que não possuem recursos financeiros
(DEL BIANCO, online, p. 4-5).
Del Bianco (2012, p. 18) aponta alguns critérios para a construção de políticas públicas para o rádio digital, que levem em consideração não somente a
economia e a política, mas também a cultura, a dimensão do consumo. Para a
autora, as políticas públicas precisam assegurar
a manutenção da gratuidade do acesso ao rádio; a transmissão de áudio
com qualidade em qualquer situação de recepção; adaptabilidade do padrão ao parque técnico instalado; coevolução e coexistência com o analógico; aparelhos receptores de baixo custo; adoção de uma tecnologia não
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proprietária e com potencial para integração com outras mídias; interatividade real time e multiprogramação (DEL BIANCO, 2010, p. 17).
Ao mesmo tempo, Del Bianco manifesta esperança em seus textos quanto à
democratização das emissoras de rádio, atualmente nas mãos de políticos e de
entidades religiosas, que pouco investem na qualidade da programação e dos
conteúdos.
Aqueles que continuarem arraigados a um modo antigo de fazer rádio
– sem compromisso com a audiência e direcionado apenas à promoção
política ou religiosa – vão perder espaço para os que souberem oferecer informação e serviço de qualidade. Nesse cenário que se avizinha, a
competição entre emissoras tenderá a acirrar. Tudo indica que emissoras
cabeças de rede via satélite, sob controle dos 20% dos radiodifusores independentes, poderão ameaçar a sobrevivência dos que se acomodaram
em posições obsoletas (DEL BIANCO, 2003, p. 8).
A rotina produtiva no rádio na Era Digital
As novas tecnologias não transformam apenas as estruturas físicas e o conteúdo do rádio, elas mudam também a forma de se produzir a informação. Para
cada nova técnica que surge, há um jeito novo ou diferente de se fazer notícia.
Esta é outra abordagem presente nas pesquisas da professora Nélia Del Bianco.
A autora foca nas mudanças e impactos causados pelas novas técnicas nas rotinas produtivas, sobretudo no rádio.
Na contemporaneidade, a Internet desafia a produção de notícias no rádio. Ao servir para a redação como um canal de acesso em tempo real a
um número incalculável de fontes, agências de notícias, portais e jornais
online, a Internet provoca a reorganização das rotinas produtivas do radiojornalismo, especialmente em emissoras especializadas em jornalismo com programação de fluxo contínuo informativo (DEL BIANCO,
2004, p.1).
Del Bianco remonta à história do rádio ao lembrar que durante muitos anos,
foi usada no radiojornalismo a prática do gilett press. “O método consistia em
selecionar algumas notícias, grifar o que era mais interessante e depois fazer uma
leitura ao microfone” (DEL BIANCO, 2004, p.3). Esta prática fez parte do coti310
Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
diano da produção de notícias por décadas. Pode-se dizer que ainda hoje é usada
por rádios que têm menos condições de contratar profissionais para apurarem
e produzirem informações, como as rádios comunitárias. Dessa forma, o rádio
alimenta o ouvinte com notícias do passado ou já divulgadas por outro meio. A
autora recorda, ainda, que essa prática começou a ser abandonada em meados
dos anos 1940, período marcado pela profissionalização do rádio no Brasil.
Com a adoção do teletipo nas redações na década de 40, o modo de
produção do radiojornalismo baseado na leitura dos jornais impressos
ao microfone foi substituído por um modelo calcado nos padrões estéticos das agências internacionais de notícia. O noticiário Repórter Esso
marcou essa mudança ao adotar como principal fonte de informação a
agência de notícias United Press (DEL BIANCO, 2004, p.4).
O uso do transistor, a partir de 1960, trouxe ainda mais alterações na prática
de produção de notícias, pois a nova técnica foi capaz de aproximar o rádio
do ouvinte. “Com o transistor, o rádio ganhou portabilidade, permitindo a
individualização da audiência” (DEL BIANCO, 2008, p. 5). Foi neste período,
que segundo a autora, o radiojornalismo passou a se fundamentar em valores-notícias como a atualidade, o imediatismo e a instantaneidade. Tempos depois,
foi criado o transmissor-receptor permitindo ao jornalista transmitir as informações ao vivo. Com a chegada do celular, parecia já não mais haver limites
técnicos para a área. Porém, quase que simultaneamente aparece a Internet,
trazendo profundas alterações no modo de se fazer notícia. Ela permite o acesso
rápido às informações, ao mesmo tempo em que impõe o mesmo ritmo para a
transmissão das mesmas. Além da velocidade, a Internet proporciona a cooperação entre usuários, a interatividade, uma comunicação mais horizontal, entre
tantos outros benefícios.
Entre os desafios, Del Bianco fala sobre a qualidade do conteúdo produzido
pelos jornalistas de um modo geral, pois com a fácil acessibilidade à informação,
o jornalista muitas vezes não se desloca do seu ambiente para apurar e checar a
notícia. Limita-se a construir a informação com base no que é divulgado na rede.
Ao constituir-se num ambiente onde os jornalistas se movem em busca de informação, onde exercem a tarefa de escolher entre centenas de
acontecimentos aqueles que merecem o status de notícia, a internet pode
debilitar o processo de checagem, enfraquecendo o jornalismo de verificação, a medida que permite fácil acesso às matérias e às declarações
(DEL BIANCO, 2004, p. 4).
Nélia del Bianco: Múltiplas funções e uma única paixão, o rádio
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O jornalista, principalmente o que atua nas rádios, cria sua pauta de acordo
com os acontecimentos do dia veiculados na net. Assume uma postura ativa ao
selecionar o que deve ou não ser notícia, diferentemente dos anos anteriores
em que esperava chegar a sua mesa sugestões de pautas, por meio das agências
de notícias ou releases. Com a internet é possível visualizar o que acontece no
mundo em um intervalo curto de tempo e dizer às pessoas, na mesma velocidade, sobre o que elas devem pensar. Entretanto, Del Bianco (2008, p. 9) chama a
atenção para algumas transformações da internet no meio radiofônico, como a
“redução de modalidades próprias de apuração da informação até mesmo pelas
vantagens oferecidas como redução de custos e de pessoal”. Ao comparar com
a era analógica, a pesquisadora constata que “o indicador dessa mudança está
na redução do quadro de repórteres verificado nas emissoras especializadas”.
Muitas emissoras de rádio não têm condições de manter uma equipe como na
era analógica, sobretudo as educativas e comunitárias. A redução também é
consequência do tipo de jornalista que se tem hoje nas redações: o multimídia.
Enquanto em épocas passadas, o jornalista podia assumir um único papel, seja
como repórter, revisor ou editor, na atualidade ele tem que saber fazer de tudo.
Um repórter de rádio, por exemplo, ao cobrir uma entrevista coletiva, precisa
escrever, revisar, gravar, editar e enviar o áudio para a emissora. É um profissional que acumula funções.
Outra consequência da internet no âmbito do rádio, paradoxalmente, é a
permanência do velho modo de se fazer jornalismo, semelhante ao gilett press. É
difícil hoje saber se de fato uma notícia foi apurada ou se ele está apenas lendo
o que foi publicado na internet.
Quando um redator noticiarista entra ao vivo lendo uma nota extraída
da Internet dá a impressão ao público de que se trata de matéria apurada por ele. A narrativa falada transfere credibilidade para o conteúdo
da notícia como uma qualidade do discurso radiofônico. No entanto, a
matéria pode ser resultado da consolidação de informação extraída da
Internet e, muitas vezes, confundida com conteúdo próprio ao ser apresentada na linguagem do rádio e focada na política editorial da emissora
(DEL BIANCO, 2004, p.11).
Esse modo de fazer notícia implica no uso das mesmas fontes pelos jornalistas, ou seja, ao produzir as notícias, todos recorrem aos mesmos sites ou agências
de notícias. “Muito da tendência à homogeneização deve-se ao comportamento
dos jornalistas de atribuírem maior grau de credibilidade às agências de notícias
oriundas da mídia tradicional” (DEL BIANCO, 2008, p. 10).
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Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros
Logo, são muitos os desafios que o rádio terá que enfrentar. Apesar disso, pode-se dizer que não tão cedo ele deixará de existir, isto porque ele está
constantemente se adequando às novas técnicas. Para Del Bianco (2008, p.
2), se um meio não consegue se adaptar a uma nova técnica, ele corre o risco
de desaparecer. Como foi possível perceber nos estudos da autora, este não é
o caso, pois há anos o rádio e o modo de se fazer notícias radiofônicas sofrem
transformações.
Nélia é bastante otimista com relação às mudanças trazidas pelas novas tecnologias, seja no âmbito das rotinas produtivas ou nas estruturas do rádio. A
autora retoma McLuhan ao dizer que “para compreender as mudanças impulsionadas pelas tecnologias da informação um dos caminhos é não olhar o presente pelo retrovisor” (2008, p. 9). Para a pesquisadora, a ambiência tecnológica
não aprisiona, mas “fornece ao homem uma ‘janela’ para perceber o mundo”.
De acordo com o pensamento da autora, não há como o rádio ficar alheio às
mudanças tecnológicas. O futuro do rádio não está no isolamento, mas “num
ambiente onde o consumo de mídias se dá de forma casada com atividades
(trabalho, estudos, lazer) e com a audiência simultânea de outros meios” (DEL
BIANCO, 2012, p. 35).
Referências
DEL BIANCO, Nélia Rodrigues. As forças do passado moldam o futuro.
BOCC. Biblioteca Online de Ciências da Comunicação, Universidade da Beira
Interior, 2008.
DEL BIANCO, Nélia Rodrigues. A Internet como fator de mudança no jornalismo. INTERCOM (São Paulo), São Paulo, v. 27, n.1, p. 133-147, 2004.
DEL BIANCO, Nélia Rodrigues. E tudo vai mudar quando o Digital chegar.
BOCC. Biblioteca Online de Ciências da Comunicação, Universidade da Beira
Interior, 2003.
Del BIANCO, Nélia Rodrigues. O Futuro do Rádio no Cenário da Convergência Frente às Incertezas Quanto aos Modelos de Transmissão Digital.
Eptic (UFS), v. XI, p. 03-18, 2010.
DEL BIANCO, Nélia Rodrigues. O Rádio Brasileiro na Era da Convergência. 1. ed. São Paulo: Intercom, 2012. v. 5. 359 p.
Nélia del Bianco: Múltiplas funções e uma única paixão, o rádio
313
DEL BIANCO, Nélia Rodrigues. Radiojornalismo em Mutação na Era Digital. In: XXVII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2004, Porto
Alegre -RS. Intercom 2004, 2004. v. 01. p. 87.
DEL BIANCO, Nélia Rodrigues. Remediação do radiojornalismo na era da
informação. BOCC. Biblioteca Online de Ciências da Comunicação, Universidade da Beira Interior, 2008.
314
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