Slavs and Tatars 79. 89. 09.

Transcrição

Slavs and Tatars 79. 89. 09.
Slavs and Tatars
79.89.09.
(Eslavos e Tártaros)
79.
89.
09.
Eslavos e Tártaros, letreiro, Eastside Projects, 2011
Slavs
and
Tatars
Slavs and Tatars
79.89.09.
(Eslavos e Tártaros)
Slavs and Tatars
79.89.09.
(Eslavos e Tártaros)
Somente a Solidariedade e a
Paciência Garantirão Nossa Vitória
79. 89. 09. volta o olhar para três datas chave: 1979, 1989
e 2009 para melhor entender o mundo em que vivemos.
Coincidindo com as celebrações do vigésimo aniversário
da queda do Comunismo na Europa Oriental, a crise
financeira de 2009 marcou outra mudança significativa,
tanto no campo das idéias quanto do bolso, espera­se.
Embora seja difícil interpretar o presente ou o passado
recente, a história não hesita em colocar a crise financeira
do início do século XXI no mesmo patamar que a queda
do Comunismo no final do século XX. E talvez nós
pudéssemos entender melhor a gravidade do
acontecimento anterior, o colapso do comunismo em
1989, se os EUA tivessem sido divididos em, digamos,
cinquenta repúblicas, assim como a União Soviética se
desmanchou em várias nações independentes.
1979 pode parecer menos evidente para alguns: no
entanto, a Revolução Iraniana daquele ano serviu como
presságio de muitas das maiores (e menores) questões
geopolíticas com que o mundo se depara hoje.
Considerado por grupos de especialistas em política nos
EUA e na Europa como o segundo mais importante
evento do século XX, depois da Revolução Russa de
1917, a Revolução Iraniana de 1979 serviu de estopim
para a maior narrativa geopolítica do final do século XX
e começo do século XXI: o islamismo revolucionário.
Da mesma maneira que os acontecimentos de 1917
definiram o mundo pelos 70 e poucos anos subsequentes,
a chegada de uma teocracia Islâmica, pela primeira vez
em mais de um milênio, através de uma revolução, talvez
uma das últimas verdadeiramente popular e modernista
do século XX, definiu os 30 anos subsequentes a ela. Os
debates quanto à compatibilidade do islamismo com a
modernidade, a viabilidade de uma forma política do
islamismo e mesmo conceitos como o martírio chamaram
a atenção do mundo não­muçulmano pela primeira vez
em 1979, e têm, para o bem ou para o mal, ocupado as
ondas aéreas desde então.
Marguerite Duras (esquerda), Ruhollah Khomeini (direita)
Enquanto isso em
Neauphle-le-Château …
Depois de mais de uma década de exílio na Turquia e
no Iraque, Khomeini passou algum tempo no
Neauphle­le­Château, um subúrbio bem arborizado
fora de Paris, onde de acordo com lenda urbana ele
muitas vezes encontrava Marguerite Duras no
supermercado local. Lá eles discutiam que tipo de
Mohammad Reza Pahlavi, o Shah do Irã com a Imperatriz Farah (esquerda), uma estátua do
Shah derrubada em 1979 (direita)
Pavão de pau pequeno
Talvez nada cristalize melhor a velocidade com que o
Shah caiu do que a celebração dos 2.500 anos da
monarquia iraniana, conhecida como o Trono do Pavão
em 1971. Sem poupar extravagância, uma cidade de
tendas ar­condicionada foi erigida no sítio de Persépolis,
a capital cerimonial do Império Aquemênida, perto de
Shiraz no sul do Irã. Maxim’s de Paris ficou em cargo da
alimentação — que incluía pavão assado recheado com
foie gras — Limoges forneceu o aparelho de jantar e
Lanvin, os uniformes para a casa imperial. 250 limusines
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Mercedes Benz vermelhas transportavam centenas de
presidentes, primeiros ministros e realeza, no que se
mostrou como a música do cisne, o último grito mortal,
da dinastia Pahlavi.
Em um período de oito anos, o Shah estaria fugindo
do país, Khomeini retornaria de seu exílio em
Neauphlele­Château, a crise dos reféns no Irã levaria o
governo Carter ao fim e a primeira teocracia muçulmana
em mais de mil anos passaria a existir.
massa comprar.
Há algo estranhamente comovente em Duras, a
proto­feminista, proto­comunista, lado a lado com
Khomeini, um homem considerado por muitos, algo
como um anti­feminista e anti­comunista exemplar.
Carter sendo jogado aos tubarões (esquerda), retorno triunfante de Khomeini a Teerã (direita)
Fora / Dentro
A derrota do presidente Carter por Ronald Reagan
com grande margem eleitoral foi em grande parte
causada pelos 444 dias da crise dos reféns no Irã. A
inabilidade de Carter em resolver a crise fez com que
ele se mostrasse um líder fraco. Talvez o mais
estranho de tudo tenha sido o momento escolhido
para a liberação dos reféns – uma hora depois do
discurso de posse de Ronald Reagan como presidente,
no dia 20 de Janeiro de 1981.
A “coroação” de Khomeini poderia ser deduzida
muito antes de sua consolidação no poder, nos
primeiros tempos da Revolução Iraniana. Seu
retorno, abordo de um Boeing da Air France – sem
contar o fato de que o próprio piloto o escoltou das
escadas à pista – tinha significativo poder simbólico,
dando ao final uma legitimidade dourada ao homem
que havia sido publicamente condenado pela
monarquia, cujo filho havia sido assassinado pela
polícia secreta do Shah, e que havia estado exilado por
mais de quinze anos.
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Slavs and Tatars
79.89.09.
(Eslavos e Tártaros)
79.89.09.
Slavs and Tatars
(Eslavos e Tártaros)
Uma demonstração anti-Irã em Washington DC, 1979
Reféns americanos de olhos vendados, do lado de fora da embaixada, 1979
444 Dias: Crise dos reféns americanos
Quando estudantes universitários iranianos invadiram a
Embaixada americana e tomaram cinquenta e dois
americanos como reféns por exatamente 444 dias, essa foi a
primeira vez em que uma força desigual e não­comunista
havia desafiado os EUA e os EUA se encolheram. Uma
amizade se tornava então uma amarga rivalidade
melodramática, com todos os ingredientes de um filme de
Hollywood – na realidade, Oliver Stone tentou muitas vezes
fazer um filme sobre o assunto e Peter Brooks explorava a
idéia de uma ópera inspirada no episódio – este
acontecimento definiu o tom das relações entre esses dois
países durante os trinta anos subsequentes.
Sou borracha, você é cola…
A raiva teve papel importante na relação entre os dois
países. Muitas pessoas caracterizam a relação entre EUA e
Irã como a de um casal de idosos, que dormem em camas
diferentes, mas parecem não conseguir reunir forças
suficientes para tomar uma decisão final de se divorciar ou
de viver juntos em paz.
Ted Koppel, âncora do Nightline, de 1979 a 2005
Pequenos passos em direção ao ciclo
de notícias vinte e quarto horas
Foi a partir da crise dos reféns americanos de 1979–81 que
o programa Nightline da ABC, um pioneiro audacioso do
noticiário noturno no cenário da televisão americana, foi
lançado. Com a intenção de competir com o The Tonight
Show Starring Johnny Carson, da NBC, o Nightline foi
inicialmente chamado A Crise do Irã ­ América Tomada como
Refém: Dia XXX. O que era para ser um evento único, uma
“interrupção” especial no noticiário noturno,
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acabou durando por todo o período da crise dos reféns.
Durante um período tão prolongado, claro, nada que
merecesse nota acontecia, mas isso assustadoramente serviu
como presságio do ciclo de notícias vinte e quatro horas que
se estabeleceria nos anos de 1990, com o julgamento de O. J.
Simpson. A programação continua até hoje, mas sem a
relevância e o impacto de que desfrutava sob o comando de
Ted Koppel.
Posto Shell, Houston, Texas
O posto de gasolina como
um Salão Geopolítico
Estranhamente, o lugar onde um americano de origem
iraniana tem maior chance de ouvir que volte ao lugar de
onde veio é um posto de gasolina. Talvez os caipiras tenham
mesmo um melhor entendimento de geopolítica e do
papel que as matérias brutas, tais como o petróleo, tem
nas relações entre os EUA e o Irã?
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Slavs and Tatars
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(Eslavos e Tártaros)
Slavs and Tatars
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(Eslavos e Tártaros)
‘Barbara Ann’ dos Beach Boys, imagem promocional (esquerda) e single (direita)
Barbara Ann
Após a Revolução Iraniana, muitos imigrantes iranianos
se refugiaram nos EUA. A relativa juventude do país e o
ambiente para negócios convinham aos iranianos que são
extraordinariamente mercantis. No entanto, muitos
americanos de origem iraniana não conseguiam encaixar
suas crenças pró­americanas com o que para eles era uma
música classicamente americana para se sentir bem da
mais genuína das bandas americanas, The Beach Boys.
Eles confundiram ‘Barbara Ann’ com …
Mural de Shahid Beheshti no centro de Teerã, 1928–1981
Shahid Beheshti
A raiva, é claro, também está presente do lado iraniano.
Na praça Haft­eh Tir, no centro de Teerã, onde as
manifestações após a realização das eleições presidenciais
de 2009 que foram contestadas aconteceram, um mural
celebrava Shahid Beheshti, um líder revolucionário morto
em um atentado a bomba em 1981. Abaixo do seu retrato, em
Farsi:
America as mah asahbani bash va az een asabaniyat bemeer!
América fique com raiva de nós e morra por causa dessa raiva!
“Bomb Irã” de Vince Vance e os Valiants, imagem promocional (esquerda) e single (direita)
Bomb Iran
… ‘Bomb Irã’, uma paródia composta durante a crise dos
reféns por Vince Vance e os Valiants que casualmente
também foram os criadores da faixa ‘Yackity Yak, Bomb
Iraq’ de 2003, produzida às vésperas da invasão americana de
2003. Ao invés de:
Fui dançar em busca de romance
Vi Barbara Ann e decidi fazer uma investida
Barbara Ann
Bar bar bar bar Barbara Ann
Seguia assim:
Fui a uma mesquita,
Vou jogar umas pedras
Conte ao Ayatollah,
‘Vou te meter numa caixa!’
Bombardear o Irã.
Bomb, bomb, bomb, Bombardear o Irã
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E:
Nosso país tem um sentimento
Acertar o telhado pra valer, Bombardear o Irã
Bomb, bomb, bomb, Bombardear o Irã
Ou:
O velho tio Sam está esquentando
Momento de transformar o Irã em um estacionamento
Bombardear o Irã
Bomb, bomb, bomb, Bombardear o Irã
Multidão se reúne para ouvir o discurso de Khomeini
Fitas caseiras do Islamismo Modernista
Durante os quatorze anos de exílio de Khomeini, seus
sermões e discursos foram contrabandeados para o Irã via
fitas cassetes de áudio e distribuídas por todo o país. O
equivalente iraniano dos samizdat, as cópias caseiras de
literatura dissidente, furtivamente distribuídas por toda
a União Soviética, as fitas de Khomeini tiveram papel
significativo tanto na mobilização das massas quanto para
dar energia a classe média desiludida durante os anos de
1970.
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Slavs and Tatars
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(Eslavos e Tártaros)
Slavs and Tatars
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(Eslavos e Tártaros)
Dervixe Qaderi do Kurdistão
O Metafísico
versus o Material
A Revolução Iraniana é a primeira e única revolução da
era moderna a avançar uma agenda metafísica. As
revoluções estão fadadas a falhar: como qualquer um que
esteja remotamente familiarizado com as Revoluções
Francesa ou Russa pode atestar. Uma coisa é cumprir
certas promessas – não importa o quão elevadas, seja um
governo do proletariado, a abolição da monarquia, etc. –
e outra bem diferente quando o que é prometido –
salvação, redenção e similares – são inteiramente
independentes do mundo material.
Isso levanta a questão: É um golpe de gênio ou
bobagem bombástica definir o sucesso de tal maneira que
não se possa medi­lo nessa vida?
Qaderi Dervish do Kurdistão
Um adepto do Shah (acima), um adepto de Khomeini (abaixo) e slogans do movimento pró­Verde — Onde está meu voto? Vida longa a Moussavi!
E Morte ao regime que engana o seu povo – em cédulas contemporâneas (inserções)
Dinheiro: 1979/2009
O dinheiro tem muitas vezes sido usado como uma
plataforma para a desobediência civil. Adeptos do Shah
mostravam a moeda iraniana com o seu retrato para
demonstrar seu apoio, enquanto adeptos da oposição de
Khomeini substituíam o retrato do Shah pelo de Khomeini.
Hoje, a moeda continua sendo usada como meio de
protesto. Cédulas normalmente encontradas no Irã, como as
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de 20.000 rial ou 2.000 toman e 50.000 rial ou 5.000 toman,
o equivalente às notas de dois e cinco dólares americanos,
respectivamente, são muitas vezes encontradas com slogans
do protesto presidencial de 2009 escritas: ‘Onde está meu
voto?’, ‘ Vida longa a Moussavi’, ‘Morte ao regime que
engana o seu povo’.
Teocracia = Estado de Deus = Misticismo
República = Estado do Homem
= Materialismo
A agitação recente no Irã, seguindo as eleições
presidenciais de 2009, na verdade, pode ser atribuída às
próprias origens e nome do país. O nome em si – a
República Islâmica do Irã – são duas filosofias de
governo divergentes e praticamente mutuamente
excludentes: o estado de Deus encontrado em uma
teocracia e o estado do homem encontrado na república.
Somente depois que o trauma da guerra Irã – Iraque
terminou e o país voltou a ter uma sensação de
normalidade é que essa tensão veio à tona, inicialmente
com o governo reformista do presidente Khatami.
Hoje, a clivagem continua a crescer e deslegitima a
República Islâmica. Os reformistas (Moussavi,
Rafsanjani) querem levar o país em direção a um modelo
republicano onde exista uma mínima noção de prestação
de contas ao eleitorado, enquanto os linhas duras
(presidente Mahmoud Ahmadinejad, Supremo Líder
Ayatollah Khamenei) fortificaram sua crença em uma
teocracia purista que não necessita da participação ou
prestação de contas pública.
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Slavs and Tatars
79.89.09.
(Eslavos e Tártaros)
Slavs and Tatars
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(Eslavos e Tártaros)
Entre 79. 89. 09., edição 47 de 100, 2009
Escolha de não escolher
Eslavos e Tártaros criou Entre 79.89.09. para ativamente
escolher não escolher, seja entre Ocidente e Oriente, o
político e o pessoal, ou o analítico e o afetivo. Cada edição
apresenta diferentes formas de auto exclusão para o dervixe.
Este diz:
UM DERVIXE CERTA VEZ DISSE: ENTRE A ALIENA­
ÇÃO OCIDENTAL E A SUBMISSÃO ORIENTAL,
VOU TIRAR: UMA SONECA
Alguns outros incluem: UM CIGARRO, UMA COCA,
UMA BOLSA DA HERMES, etc.
Imam Ali pintado em reservatório de água, próximo a Chak­Chak, Irã
Os Anti-modernistas
não são Anti-modernos
Em seu livro Les Antimodernes (2005), Antoine Compagnon
descreve os verdadeiros modernistas não como utópicos que
olham apenas para frente (e.g. Vladimir Mayakovsky, F. T.
Marinetti), mas como “anti­modernistas”, aqueles
visionários um tanto conflitantes, profundamente afetados
pela passagem da era pré­moderna. Como Sartre disse a
respeito de Baudelaire, aqueles que vão adiante, mas com um
olho no espelho retrovisor.
Walter Benjamin usa uma analogia parecida no seu Anjo da História,
lançado para frente, de costas para o futuro, mas voltado para o
passado, assim como a língua malgaxe que, ao contrário da concepção
positivista de tempo das línguas Ocidentais, usa palavras como
“atrás” para descrever o futuro e “em frente” para transmitir a ideia
de passado.
A Revolução Iraniana de 1979 foi uma revolução anti­modernista
em todos os sentidos.
Mulher em cerimônia Ashura, Avenida Shariati, Teerã, 2009 Entre 79. 89. 09., edição 47 de 100, 2009
Dinheiro-moeda-registros,
Estilo Moharram
Enquanto parece ser um consenso no Ocidente que a
Revolução Iraniana foi uma revolução reacionária, pode­se
olhar para ela por trás, como foi, ou de cabeça para baixo.
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Restabelecer uma teocracia Islâmica no final do século XX,
uma forma de governo que não existia há mais de mil anos,
poderia, em si, ser considerado um ato radical.
Continuidade da Revolução... até o Fim da Pilhagem
Imperialismo Anti-Imperialista
Muito similar à Revolução Russa, a Revolução Iraniana de
1979 foi uma ideologia revolucionária libertadora, que
posteriormente foi exportada para além de suas fronteiras.
É uma dinâmica bastante interessante: forças e influências
estrangeiras são expulsas antes da própria ideologia tomar os
ares dessas mesmas forças estrangeiras. Nesse caso, vários
elementos da Revolução Iraniana posteriormente se
espalharam por todo o mundo Muçulmano.
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(Eslavos e Tártaros)
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Síria, Líbano, Afeganistão, Curdistão, Iraque, Palestina, (em sentido horário do topo esquerdo para a direita)
Com a mão em muitos quibes
Como resultado desse imperialismo anti­imperialista, trinta
anos depois da Revolução Iraniana, podemos ver vários
princípios sendo exauridos, forçados, debatidos e namorados
por todo o Oriente Médio. De fato, uma das razões pelas
quais existem tantos defensores de uma grande negociação
entre os EUA e o Irã, no coração do acordo de Nixon com a
China nos anos de 1970, é que o Irã tem papel significativo
nos assuntos de pelo menos seis de seus vizinhos: na Síria
apóia o regime Assad e o Hamas; no Líbano, a criação e
apoio financeiro ao Hezbollah; no Afeganistão, apoiou a
Aliança do Norte e tem sido inimigo de longa data do
Taliban. Também financia vários membros do governo
Karzai; na questão curda, um quarto da população curda vive
dentro das fronteiras do Irã; no Iraque, de sessenta a setenta
por cento da população é xiita e fortemente influenciada pelo
Irã; e finalmente, na Palestina, o Irã tem recebido crescente
reconhecimento pela postura linha­dura contra Israel e seu
apoio financeiro ao Hamas e ao Hezbollah.
Imã Abolfazl (esquerda), Imã Hossein (direita)
Monocelhas Muçulmanos? Bom
Uma exportação um pouco menos bem sucedida, no
entanto, é a monocelha. No Irã, o triunvirato de
sobrancelhas, cílios e olhos é um traço definitivo de beleza.
Os retratos dos imãs xiitas — Hossein e Abolfazl — têm
como característica sobrancelhas fortes e salientes como um
sinal de virilidade e coragem. Até hoje, no Irã, uma
monocelha pode ajudar a obter favores com o sexo oposto ...
Os doze imãs do Xiismo Twlever, com Ali ao centro, Hossein à esquerda e Abolfazl à direita.
O décimo segundo imã, ou imã oculto, está a estrema esquerda, com seu rosto apagado
Martírio
Por exemplo, uma “exportação” bem sucedida foi o papel do
martírio, um pilar fundamental da identidade Xiita, em
contraste com a maioria muçulmana de identidade sunita. A
noção de injustiça histórica ou vitimização subjacente ao
martírio continua tendo papel significativo na fé xiita e na
origem da separação dos sunitas.
Todos os anos, durante o mês sagrado de Moharram, os
xiitas lamentam a decapitação do Imã Hossein, um dos doze
imãs, pelas mãos do califa omíada sunita Yazid na batalha de
Kerbala (680 AD). Durante a guerra Irã–Iraque, o Irã
conseguiu definir a guerra como mais uma luta contra a
tirania, uma representação moderna da Batalha de Kerbala,
e mandou milhares de jovens, algumas vezes adolescentes,
para defender a pátria mãe contra os invasores (o Iraque de
Saddam, mas também seus contra os invasores (o Iraque de
Saddam, mas também seus apoiadores no Ocidente). Apesar
da inimizade contemporânea entre sunitas e xiitas, o papel
do martírio foi recentemente apropriado pelos sunitas,
particularmente os Wahhabis, como justificativa para vários
ataques suicidas pelo mundo.
Há uma escola do pensamento, primeiramente
desenvolvida pelo eminente iraniologista do século XX
Henry Corbin, que vê o xiismo, com a sua proeminente
ênfase na angeologia e tradição dos pensadores
Neo­Platônicos, como algo um tanto similar ao catolicismo.
Ele mesmo um teosofista, Corbin remete o papel único dos
anjos, teoria da iluminação e o neo­platonismo de volta ao
Suhrevardi, o místico xiita e fundador da escola de
iluminação ishrâq do século XI. Similarmente ao Irã, o
martírio também é muitas vezes invocado na identidade
histórica da Polônia: como o histórico de independência
perpetuamente recebida e perdida assim como em
acontecimentos específicos tais como o massacre Katyn.
Ex­ Governador de Massachussettes e candidato presidencial Democrata Michael Dukakis, 1988
Monocelha Gentio? Mau
… enquanto que no Ocidente, como qualquer um que tenha
passado algum tempo com monocelha na escola pode
atestar, não se ganha pontos com as garotas ... ou garotos,
tampouco.
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(Eslavos e Tártaros)
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(Eslavos e Tártaros)
Mundo Iraniano, wikipedia
Um Mundo Iraniano
A ideia de um Irã renascente não é um fenômeno isolado ou
meramente contemporâneo. A influência linguística,
religiosa e cultural iraniana ou persa tem tido significativo
papel por mais de um milênio e se expande por várias das
repúblicas da ex União Soviética: O povo do Tajiquistão fala
uma forma moderna do persa ou farsi; aproximadamente
vinte por cento da população do Uzbequistão são Tajiquis;
metade do povo do Afeganistão fala Dari, um dialeto afegão
persa; o Azerbaijão é o único outro país esmagadoramente
xiita no mundo, além do Irã, com o qual ele divide várias
figuras culturais e históricas. Durante o século XIX, os
persas perderam grande parte do Cáucaso para o Império
Russo em sucessivas guerras e várias figuras importantes da
história azerbaijana — Nizami e Akhundov — escreveram
em Farsi. Se muitos desses países olham para a Rússia em
termos econômicos ou políticos, culturalmente e/ou
religiosamente, é para o Irã que eles se orientam.
Parque das Esculturas Frieze, 2010
Monocelha — Hot
Para o Parque das Esculturas Frieze em 2010, Eslávos e
Tártaros exibiu Um Manifesto Monocelha, com o herói
épico persa Roustam, do Shahnameh de Ferdowsi, marcado
com um sinal HOT! de um lado e...
Parque das Esculturas Frieze, 2010
O templo sagrado de Hazrat Imamzadeh Hossein, Qazvin, Irã
Monocelha — Not
Beto, da Vila Sésamo, marcado com o sinal NOT! do outro
lado. A monocelha é um epifinômeno através do qual
podemos desmistificar o senso comum em torno do conflito
entre Ocidente e Oriente. Se no Ocidente, a monocelha
tem sido associada ao comportamento delinquente
(Inglaterra ) ou lobisomens (França), no Oriente Médio e no
Cáucaso, a monocelha é sinal de virilidade e sofisticação. Ou
seja, se nas porções sul da Eurásia, a monocelha é hot, nos
EUA e Europa, claramente ela é not.
Chanfrada, Ostentação Brutal
Imagine caminhar pelos palácios do Shah ou templos xiitas,
onde todo o interior é composto de mosaicos de espelhos,
cada quadrado com aproximadamente dois centímetros, sem
deixar nenhuma parte da parede visível, seria perdoável
pensar que estamos dentro de uma butique Swarovski de
4000 D.C. ou um cenário de um remake de Kubrick.
Esses mosaicos de espelho representam mais uma
exportação interessante, mesmo que menos notada,
da Revolução Iraniana.
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(Eslavos e Tártaros)
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(Eslavos e Tártaros)
Resista em Resistir a Deus, mosaico de espelhos, Slavs and Tatars, 2009
Resista em Resistir a Deus
Em 2009, Slavs and Tatars criou uma peça que, quando
vista frontalmente, parecia mais um padrão decorativo de
espelho ... mas de um certo ângulo, um texto aparecia, um
tanto quanto misticamente: Resista em Resistir a Deus.
Palácio Golestan, Teerã; padrões geométricos; Templo de Zeinab, Damascus; padrões geométricos (em sentido horário do topo esquerdo para a direita
Chanfrada, Ostentação Brutal
Os padrões geométricos, nos quais os mosaicos de espelho
são baseados, chegaram com as invasões árabes do Irã que
introduziram o Islamismo no século VII. Madeira ou
cerâmica eram o meio escolhido pelos árabes. Os persas,
sempre dispostos a se diferenciar de seus vizinhos árabes,
usaram espelhos como uma opção chanfrada e brutal.
Slavs and Tatars está particularmente interessado no
potencial revolucionário de algumas artes. No caso do Irã,
o mosaico de espelhos é o melhor exemplo da complexidade
por trás do tipo específico de imperialismo anti­imperial da
República Islâmica. Hoje, ela exporta essa arte como a
materialização estética de sua própria ideologia às mesquitas
e templos xiitas e por toda a região como o Templo Zeynab
em Damascus.
O espelho como uma ferramenta, usado por Golhamhossein Shadizarnagh
Espelho, espelho, na parede...
chão, teto, em todo lugar
O verdadeiro meio de mise en abyme, os mosaicos de espelho
requerem o uso de um espelho para a própria execução do
projeto.
Navab Safavi, líder revolucionário 1924–1955 e o Lenin de Gerasimov (inserção)
1917 versus 1979
É necessário um tanto de acrobacia intelectual, ou mesmo
ansiedade emocional para buscar inspiração ou influência na
sua antítese. Por exemplo, a Revolução Iraniana importou
integralmente muito de sua linguagem visual da Revolução
Russa, embora o resultado tenha sido um regime teocrático
que contrasta totalmente com o ateísmo da Revolução Russa.
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(Eslavos e Tártaros)
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(Eslavos e Tártaros)
Klutsis (esquerda), propaganda anti­Shah (direita)
Khamenei e Khomeini representados em murais em Teerã (esquerda), Stalin e Lenin, com o texto:
O espírito do grande Lenin e seu estandarte vitorioso hoje nos inspiram na Grande Guerra Patriótica (direita)
Amai o vosso Predecessor
Odiai o vosso Sucessor
Reminiscência de Stalin que gostava de ser ilustrado com
Lenin, da mesma forma, Seyed Ali Khamenei, o atual Líder
Supremo do Irã, muitas vezes é ilustrado ao lado de seu
predecessor, o atualmente falecido Ayatollah Ruhollah
Khomeini, o pai da Revolução Iraniana.
Tanto para Khamenei quanto para Stalin, o gesto ajuda a
reforçar uma chegada ao poder questionável e assim sua
legitimidade como herdeiros de uma legacia revolucionária
dos respectivos fundadores revolucionários, Khomeini e
Lenin.
As Crianças
Imaculadas de Klutsis
É reconfortante, depois de tudo, ver que os tomadores de
decisão da teocracia têm a mente aberta o suficiente para ser
inspirados pela sua antítese, a esquerda ateísta da Rússia. O
sentimento anti­EUA tem sido uma chamada unificadora da
República Islâmica desde o primeiro dia. Não compartilhada
pelo povo iraniano em si, o jingle fácil do
anti­americanismo é tocado periodicamente até hoje em
qualquer momento oportuno. O caso do Irã mostra que o
velho ditado é verdadeiro: o inimigo (URSS) do seu
inimigo (EUA) é seu amigo.
Montazeri e Khomeini 1987 (esquerda), Khamenei e Khomeini hoje (direita)
O quê deve ser feito? de Shariati, Chernyshevsky e Lenin
Montazeri, o Trotsky do Irã?
Ambos os cenários — na URSS e no Irã — envolviam
um embate polêmico pelo poder com um terceiro que foi
marginalizado pouco antes da sucessão de poder. Se no caso
da URSS esse terceiro era Trotsky, no caso da República
Islâmica do Irã, é o reformador moderado Ayatollah
Montazeri cuja morte em dezembro de 2009, enquanto
estava sob regime de prisão domiciliar, que deu início a um
novo ciclo de protestos contra o regime.
As intrigas da exclusão de Montazeri são dignas de
um romance sobre a Guerra Fria, embora tenha
consideravelmente menos violência do que a história de
Trotsky possa ter tido. Considerado por muito tempo
como o sucessor de Khomeini, Montazeri foi colocado
em regime de prisão domiciliar por mais de vinte anos
depois de um protesto contra a execução sumária de
milhares de prisioneiros políticos e de questionar a
necessidade de um ‘velayat­faqih’ ou Supremo Líder.
Como se as semelhanças entre os dois países não fossem
estranhas o suficiente, não é uma incrível coincidência que
tanto Stalin quanto Khamenei tenham um braço paralisado,
o esquerdo no caso de Stalin e o direito de Khamenei?
O filósofo: Ali Shariati
Quando Khomeini retornou ao Irã, muito do esforço de
base para a revolução já havia sido feito: ele deixou o país
como um clérigo religioso, idolatrado apenas pelas classes
religiosas e retornou como um herói nacional. Talvez
ninguém tenha sido mais instrumental nessa transformação
do que Ali Shariati que ajudou a tornar o Islamismo mais
palatável à florescente classe média do Irã e provocou um
renascimento da combinação entre Xiismo e o pensamento
anticolonial liberacionista, entre jovens iranianos com
educação. Considerado como o filósofo iraniano mais
importante do século XX, Shariati estudou com Sartre e
Louis Massignon em Paris nos anos de 1960, traduziu
Franz Fanon em persa, e foi, até a sua morte sob
circunstancias misteriosas em Londres em 1977, o líder da
oposição contra o Shah.
O quê deve ser feito de Shariati toma seu título tanto do
romance seminal revolucionário russo do fim do século XIX
de Chernyshevsky quanto do texto de Lenin, Что Делать
(Chto Delat/ O quê deve ser feito).
Slavs and Tatars
79.89.09.
(Eslavos e Tártaros)
Slavs and Tatars
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(Eslavos e Tártaros)
Westoxification (ou Occidentosis): n. sensação de estar contaminado, manchado, ou corrompido pelo Ocidente
Qarbzahdegi
Termo primeiramente criado no livro homônimo de Jalal
Al­e­Ahmad, Qarbzahdegi refere­se à perda da identidade
cultural iraniana através da adoção e imitação de modelos
Ocidentais e critérios de educação, arte e cultura Ocidentais.
Peter o Grande (esquerda) forçou os Boyars (direita) a cortar suas barbas em um esforço de “ocidentalizar” o país
Ali Shariati restaurou o conceito com a sua crítica e oposição
à transformação do Irã em um mercado passivo para os
produtos ocidentais e em uma peça da geopolítica ocidental.
Barbas? Banidas
De acordo com uma teoria política popular, as sementes de
uma revolução são remendadas quando um dado líder não
mais se assemelha ao seu povo. Então, de acordo com essa
lógica, a Revolução Russa não começou em 1917, nem com
as tentativas abortadas de 1905, mas no começo do século
Mahmoud Ahmadinejad, Ali Larijani, Mir­Hossein Mousavi (da esquerda para a direita)
Veja, Ma: Sem Gravata!
Ali Shariati ajudou a aproximar esquerdistas e nacionalistas
do Islamismo e, crucialmente, deu a Khomeini e aos
islâmicos espaço no qual operar e finalmente para
marginalizar seus oponentes, os mesmos esquerdistas e
nacionalistas. A proibição da gravata no Irã oferece um raro
insight ao pluralismo das principais facções da Revolução
Iraniana no momento em que aconteceu. A Revolução foi
primeira e principalmente uma luta nacional, contra a
monarquia e contra o que era percebido como a perda da
soberania cultural e mesmo nacional. Uma mistura díspar
20
de marxistas, nacionalistas e islamistas mobilizou o povo
iraniano contra Shah, mas uma vez que seu regime caiu, os
islamistas, liderados por Khomeini, rapidamente
preencheram o vácuo de poder e marginalizaram os outros
grupos, incluindo o infame Mojaheddin, que no início tinha
oferecido seu próprio coquetel de marxismo e islamismo.
A proibição da gravata é uma pequena área da política em
que a esquerda e a direita se encontravam e concordavam:
para a esquerda, a gravata era um símbolo do capitalismo e
para a direita, da decadência ocidental.
Reza Shah baniu o uso de véus em 1936
Véus? Vedado
Similarmente, em 1936, em um esforço para emular
Ataturk, Reza Shah, o pai de Reza Pahlavi, o Shah deposto,
baniu o uso de véus em público.
XVIII quando Peter o Grande voltou de sua viagem à
Europa e decidiu cobrar um imposto sobre a nobreza russa,
os Boyars, se eles não cortassem suas indecorosas barbas
definitivamente “Orientais” para parecer mais com a
nobreza européia ocidental.
Slavs and Tatars
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(Eslavos e Tártaros)
Slavs and Tatars
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(Eslavos e Tártaros)
Uma mulher chama a atenção do exército do Shah antes da revolução enquanto mulheres com seus véus se afastam de um homem, pós­revolução.
Pré-Revolução /
Pós-Revolução
Mural na Hemmat Highway, Teerã
Realismo Social: Mártires
Um jornalista britânico vivendo em Teerã comentou na
época que exigir que mulheres iranianas saíssem de suas
casas sem seus véus era equivalente a exigir que mulheres
britânicas saíssem de casa de topless.
Nenhum outro caso pode evidenciar isso melhor do que o
de Mazi Mostaffi, de vinte e um anos, que tentou completar
o fatwa contra Salman Rushdie, em uma missão conjunta
com o Hezbollah libanês, mas morreu de diarréia a
caminho. Parece que mesmo mal sucedidos, mártires
incontinentes conseguem seus quinze metros de fama.
Cavalo, Kermanshah (esquerda), As Uvas de Wrath, Qazvin (direita)
Os Indecisos
Um grande impulso na colheita bolchevique
Realismo Social: Proletariado
Enquanto a URSS celebrou o proletariado por via de um
retrato genérico, de um trabalhador anônimo, a República
Islâmica do Irã, um produto de sua era, opta pelo pathos
através de um retrato excessivo de mártires individuais.
George Bernard Shaw disse uma vez que a única maneira de
22
alguém sem talento ou beleza se tornar famoso era o
martírio. Infelizmente, parece que a guerra Irã­Iraque e os
programas de reality tv fizeram sua parte para baixar ainda
mais os requisitos.
A julgar pela arte pública, o Irã parece mais a Disneylândia
ou um campo nem tão pequeno de mini­golfe. A arte
pública e esculturas estão entre as expressões de identidade
que mais mostram o seu país. Por isso, enquanto a União
Soviética adotou o realismo social, com esculturas
monumentais em homenagem ao herói proletário, a
República Islâmica do Irã negocia com o realismo mágico.
Nenhuma estátua de clérigos religiosos do passado é
encontrada, nem mesmo imagens mais simples tais como
ícones de figuras literárias. A esquerda secular joga lama
nos clérigos da história que em algum dado momento
acabaram todos colaborando com as forças coloniais,
enquanto a direita religiosa acusa os tipos Ferdowsi e Omar
Khayyam de equívoco religioso. Por isso, um mundo de
fantasia idílica de veados, pombas, cavalos, leões e uvas é
encontrado em seu lugar. Nada é tão politicamente seguro
quanto plantas ou animais, pois não possuem ideologia. Esta
é realmente uma terceira via que faria até Blair e Clinton se
retraírem.
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Slavs and Tatars
79.89.09.
(Eslavos e Tártaros)
Slavs and Tatars
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(Eslavos e Tártaros)
la ilaha illa allah = existe apenas um deus, Allah. Imagem iraniana inspirada pelo uso das massas no logo da Solidarnoś!
Solidarnosc Iraniana
A situação atual no Irã, depois das eleições presidenciais
contestadas de 2009, deixou muitas pessoas pensando sobre
os paralelos com a Polônia dos anos de 1980.
Para citar apenas um exemplo: as marchas silenciosas em
Teerã onde 100 mil pessoas marcharam através da cidade em
silêncio foram tiradas de uma das páginas do livro de história
da Polônia e da luta da Solidarnoś!"#ontra o comunismo.
Muitos líderes dos protestos iranianos estão se espelhando
na Polônia e no período da Solidarnoś!"-0"busca de
inspiração para trazer mudanças graduais e pacíficas, de
dentro do sistema. O regime do Irã provavelmente não cairá
da noite para o dia, mas como o regime comunista que caiu
na Polônia, em um período de cinco a dez anos.
A capa do Tygodnik Solidarnosc, 2 de Junho de 1989
‘Parem de Chorar e
Comecem a Trabalhar…’
O texto de Marek postado no site do Teerã Bureau oferece
um olhar ácido e divertido sobre como a Polônia vê os
acontecimentos contemporâneos no Irã.
PZPR (Partido Polonês dos Trabalhadores Unidos)? NÃO, OBRIGADO
Solidarnosc
O nome completo do movimento Solidariedade era
Niezależny Samorządny Związek Zawodowy ‘Solidarnoś!$"
ou o Sindicato Independente e Auto­governado
%&'()*+,)-*+*-$."/"0ovimento que ajudou a levar o
comunismo na Polônia e em todo o Bloco Oriental a sua
24
Estou escrevendo da Polônia. Nós dividimos as mesmas
experiências do passado com nosso estúpido e sangrento regime
comunista. Felizmente, agora somos livres.
Tenho o Irã no coração, porque já estive lá duas vezes e tenho
muitos amigos próximos nesse país maravilhoso.
queda começou como um sindicato no estaleiro Gdańsk
em 1980 e foi liderado por Lech W+1ęsa. As greves da
Solidariedade nunca exigiam o fim do comunismo em si, mas
sim melhoramentos relativamente táticos, mas concretos: nas
condições de vida, carga horária, alimentação, etc.
Adoro eles, mas devo dizer uma coisa. Notei que o espírito
iraniano é emotivo demais. Quando um dia o povo venceu a luta
com os basijis nas ruas, eles começaram a pensar que a liberdade
estava logo ali na próxima esquina. Agora, essas mesmas pessoas
estão chorando após uma derrota. Isso me deixa com raiva.
Lutar pela liberdade é sempre um caminho longo. É impossível
alcança­la apenas nas ruas, em sete meses. Vocês devem ter uma
estratégia de alguns anos e um líder esperto e ativo como Lech
Wa1ęsa.
Parem de chorar e comecem a trabalhar, façam panfletos,
imprensa clandestina, convençam os trabalhadores e o povo das
cidades pequenas etc., de que há centenas de métodos. Sei que é
um trabalho duro, mas minha experiência na Polônia me diz –
não há outra maneira. Vocês precisam merecer a liberdade.
Adoro o Irã e tenho certeza de que vocês serão livres
rapidamente, talvez em cinco anos. Mas primeiro parem de
reclamar.
Marek / 15 de fevereiro de 2010 2:49 AM Tehranbureau.com
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(Eslavos e Tártaros)
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Bandeira da Solidariedade no topo de Hala Arena, Poznań
1989: Mais meticuloso
do que punk
A Polônia talvez não seja o lugar mais ‘sexy’ ou violento,
mas sua abordagem metódica, aborrecida e sistemática ao
comunismo se mostrou muito mais efetiva do que as
alternativas ‘sexy’ e violentas de seus vizinhos.
Através de greves e desobediência civil, a Polônia se
desenquadrou com sucesso do regime comunista que
contava com todo o apoio militar da URSS.
Bucareste, Varsóvia, Berlim, Bucareste, 1989 (sentido horário do topo esquerdo para a direita)
Terceira peregrinação do Papa João Paulo II à Polônia e o Papa com Lech Wa!ęsa e Primeiro Ministro Tadeusz
Mazowiecki (inserção)
João Paulo II
1989/Radical Chic
Em 2009, houve celebração do aniversário de vinte anos dos
eventos de 1989 por toda a Europa. Quando pensamos na
queda do comunismo na Europa Oriental, imagens icônicas
de violência ou drama muitas vezes nos vêm à memória, tais
como as massas no Muro de Berlim ou estátuas de Lenin
26
sendo destruídas ou a ex-#234'"*-"5-+26-7#2."Apesar da
necessidade de imagens ícones ou “sexy” por parte do
público e da mídia, muitas vezes é na sombra e não sob os
holofotes que a verdadeira mudança acontece.
Outro fator ‘não­sexy’, muitas vezes ignorado, mas muito
importante no sucesso da Solidarnoś!"foi o papel da Igreja
(não exatamente à rigor nos círculos intelectuais do
Ocidente). Nomeado Papa em 1978, João Paulo II, preparou
imediatamente os poloneses para uma longa mudança
pacífica do sistema, de dentro. Durante todas as negociações
com o governo nos anos de 1980, a Igreja Católica atuou
como um intermediário ou juiz neutro e confiável entre o
governo comunista e o movimento Solidarnoś!.
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(Eslavos e Tártaros)
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Correspondência Improvável
Em uma carta aberta ao Papa, Khomeini respondeu às
preocupações de João Paulo II quanto à relação entre Irã e
os Estados Unidos que se deteriorava após a crise dos
reféns.
5 de maio de 1980
Em nome de Deus, Clemente e Misericordioso
Vossa Excelência Papa João Paulo II,
Anatole Lunacharsky
Construindo Deus
Houve diversas tentativas de incorporar a religião ao
comunismo, a mais interessante delas é Construindo Deus
de Anatole Lunacharsky (1875–1933). Uma proposta de
acomodar sentimentos religiosos ao ponto de vista do
comunismo, Criando Deus de Lunacharsky criou uma nova
nova religião, compatível com a ciência e não baseada nas
crenças supernaturais. Lenin ficou enfurecido com essa ideia
e considerou a posição de Lunacharsky extremamente
prejudicial, e que supostamente transformava o Marxismo
em um reformismo liberal suave.
Recebi sua carta que expressava preocupação quanto às tensas
relações entre o Irã Islâmico e os Estados Unidos. Expresso
minha gratidão pela sua boa vontade e gostaria de informá­lo
de que nosso nobre e combatente povo considera o rompimento
das relações um bom presságio; eles fizeram uma comemoração
alegre e iluminada na ocasião. Agradeço vossa Excelência por
rezar a Deus, Todo Poderoso, em nome de nossa nação
combatente. No entanto, peço a vossa Excelência que não se
preocupe com a erupção das novas e empobrecidas relações e
grandes perigos mencionados naquela carta, já que a nação
Muçulmana do Irã receberá bem qualquer situação que possa
surgir por causa do rompimento de vínculos e não tem medo dos
perigos mais graves advertidos naquela carta.
O verdadeiro perigo para a nossa nação está no dia em que
relações (internacionais) similares àquelas que são preferidas
pelo regime traidor anterior forem restabelecidas, coisa que se
Deus quiser, não acontecerá. Considerando a influência
espiritual de vossa Excelência entre os crentes cristãos, peço a
vossa Excelência que avise ao governo dos EUA das
conseqüências de sua opressão, crueldade, saques, e que
aconselhe o Sr. Carter, que está fadado à derrota, que trate as
nações que desejam independência absoluta das potências
globais com base em princípios humanitários. Ele deve ser
aconselhado a observar as diretrizes de Jesus Cristo e a não
expor a si mesmo e a Administração dos EUA à difamação.
Rezo a Deus, Todo Poderoso, que garanta prosperidade aos
oprimidos no mundo todo e ruptura das mãos dos opressores.
Ruhollah Mousavi Khomeini
O ultimo parágrafo — onde Khomeini lembra o Papa de
que se Carter fosse um verdadeiro cristão, suas ações
seriam completamente diferentes — transmite a confiança
inabalável de Khomeini na sua posição e seu tom de
desprezo pelos EUA.
Uma das imagens ícone do movimento Solidarność: trabalhadores em greve no estaleiro Gdańsk
300.000 pessoas participaram das famosas marchas brancas depois do atentado ao Papa João Paulo II em maio de 1981
Deixe que as Estrelas fiquem no Céu,
Foices, nos Campos e
Martelos, nas Fábricas
Stalin disse uma vez que tentar comunizar os poloneses era
como tentar encilhar uma vaca. Diferente do status na maior
parte dos regimes comunistas, a Igreja permaneceu ativa
28
durante toda a era comunista polonesa: sem nunca ser
banida, a Igreja era tolerada pelo governo, como parte da
realpolitik.
Somente Solidariedade e Paciência
“Os eslavos sempre tiveram uma abordagem diferente do
tempo, abordagem que é mais em longo prazo do que se vê
no Ocidente. Esse foi o caso específico durante o
comunismo. Os eslavos não perdem tempo. No dicionário
eslavo de sinônimos, não há um símbolo do dólar em
duração. Tempo não é dinheiro porque sempre houve muito
do primeiro, mas nunca muito do segundo. Por meio século,
os dois nem mesmo ocuparam a mesma latitude e
longitude” – do manifesto Eslavos e Tártaros,
primeiramente publicado em 032c, 2008
No entanto, agora há muito dinheiro em certos países
Eslavos, o tempo continua um tanto resistente ao
capitalismo liberal atrasado.
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(Eslavos e Tártaros)
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A bandeira Polska Walcząca (es:uerda) e emblema Solidarnoś! Walczaca (direita)
Polska Walczaca
A história moderna da Polônia tem sido de independência
constantemente recebida e depois perdida. As letras P e W
de Polska Walcząca, ou Resistência Polonesa, um símbolo da
resistência polonesa na Segunda Guerra, se tornaram em
um golpe de clarividência uma âncora para as origens do
movimento Solidarnoś!8"297":2+,-9;+"+9'7"0+)7";+rde.
Quando a Solidarnoś!"foi proibida por lei marcial em
1981, Solidarnoś!"Walczaca, uma organização polonesa
anticomunista clandestina e um dos grupos dissidentes da
Solidarnoś!"0+)7"radicais, foi fundada.
Solidarnoś!"Walczaca trocou o P por um S e restabeleceu
a águia com a coroa como símbolo da Polônia
pré­comunista.
Praga, 1989
A igreja móvel na Polônia
Confessionários Ambulantes
Durante as greves de estaleiro, a igreja vinha até os
protestantes para apoiá­los em oração.
30
Levou 10 Anos, 10 Meses,
10 Semanas, 10 Dias …
Por ter alcançado marcos constantes e concretos de maneira
não­violenta, a Solidarnoś!"*+"Polônia forneceu um impulso
contínuo crucial aos movimentos anticomunistas de toda a
Europa Oriental. A URSS estava obviamente à beira da
falência devido a vários fatores, incluindo a baixa nos preços
do petróleo e a invasão do Afeg+9)7;4'":2-"#27;ava muito. A
Polônia serviu como um espinho persistente ao seu lado,
expondo suas fr+:2ezas durante a maior parte da década.
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>E7(+F'7"-"GH,;+,'7?
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>E7(+F'7"-"GH,;+,'7?
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Adam Michnik na primeira tiragem de Solidarnoś!"/ Gazeta Wyborcza. Lech W+1ęsa usando um boné ad­hoc da Solidarnoś!">)97-,34'?
O Pensador: Adam Michnik
Adam Michnik foi um dos líderes da oposição democrática
ilegal na Polônia, conselheiro da Solidarnoś!"9'7"+9'7"*-"
1980. Hoje, Michnik é editor chefe da Gazeta Wyborcza,
literalmente ‘jornal do voto’, que teve origem como o jornal
clandestino da Solidarnoś!."=+zeta Wyborcza é agora o
maior jornal diário na Polônia, e um dos mais saudáveis no
atual clima de incerteza na mídia.
Protestantes ateiam fogo no jornal comunista Trybuna Ludu durante uma manifestação nas escadarias da Igreja da Sagrada Cruz em Varsóvia em 1989.
As instalações de impressão da Solidarnoś!"-0"=*+ń7<8"ABCD8">)97-,34'?
Jovens poloneses lêem sobre as greves no Gazeta Wyborcza e um ativista prepar+"20"@+99-,">)97-,34'?
Desobediência Civil
‘Poderia se contar com o absurdo do sistema vigente; o que
era necessário nesse meio tempo era a recusa à mentira e a
vontade de mostrar coragem cívica.’
— Leszek K'1+<owski , historiador e filósofo polonês
32
Corpo de Auto-Adminstração
Seu Destino em Suas Mãos
Como resultado da “recusa à mentira” dos poloneses, as
primeiras eleições semi­livres nos países do Bloco Oriental
desde a Segunda Guerra Mundial aconteceram sem recurso
à violência.
33
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(Eslavos e Tártaros)
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Poster ícone da Solidarnoś!"I+ra levar o voto às ruas em 4 de junho de 1989.
Wasz Prezydent
Nasz Premier
‘Wasz Prezydent, Nasz Premier Minister’ (literalmente
“Seu Presidente, nosso Primeiro Ministro”) foi um dizer
f+0'7'":2-"#+I;2,'2"'"-7IO,);'"*'"#'0I,'0-;)0-9;'"-9;,-"
a Solidarnoś!"-"'",egime. A Solidarnoś!"N)#'2"#'0"0+)7"*-"
nov-9;+"I',"#-9;'"*+7"#+*-)ras, mas aceitou que o
Presidente Jaruzelski mantiv-77-"7-2"#+,J'"#'0'"I,-7)*-9;-"
7-"+"'I'7)34'"I2*-77-"-7#'(L-,"'"S,)0-),'"Q)9)7;,o.
"""""T27#+,"I',"U27;)3+"+@7;ra;+"-",-;P,)#+"'2",-7Ionsabilidade
deI')7"*'"+#ontecido muitas vezes resulta em recriminações
intermináveis. Os líderes da Solidarnoś!"-7;aF+0"*)7I'7;'7"
Poster ícone da Solidarnoś!"I+ra levar o voto às ruas em 4 de junho de 1989.
34
Adam Michnik, centro, em uma reunião da Solidarność
Antes de Aprender a Correr
Precisamos Aprender a Engatinhar
4 de Junho de 1989
A data no calendário foi de um momento decisivo.
Primeiramente, no Irã, na noite anterior, Ayatollah Ruhollah
Khomeini morreu, servindo de marco distinto, talvez um
tanto deI,)0-9;e8"I+ra a Revolução Iraniana. O que havia
começado como uma rev'(234'",-+(0-9;-"I'I2(+,"-0"
1978–79, havia resultado em um regime autocrático e
'I,-77ivo quando da morte de Khomeini. Na China, na
a aF+93+,"-"94'"'(L+,"I+ra trás. O Primeiro Ministro
Tadeusz Mazowiecki criou o termo ‘gruba kreska’ ou ‘a
linha g,'77+$"#'0'"+"()9L+"I,ov-,@)+("9+"+,-)+8"I+ra conter o
I';-9#)+("*-",evanches8"I,';egendo assim o Presidente
Jaruzelski e outras autoridades com29)7;+7"*-"I-rseguição
I',"I+rte do novo governo. Muitas facções mais radicais da
'I'7)34'"'I27-ram­se à Solidarnoś!8"0-70'"7-9;+*'7"R"
mesma mesa com autoridades comunistas, argumentando
I',"20+"mudança total de regime ou nada.
mesma data, um movimento estudantil foi brutalmente
esmagado na Praça Tiananmen. Nessa encruzilhada da
estrada, a Polônia tinha dois caminhos claros à sua frente. Ao
invés de seJ2),"9+"*),-34'"*'"K,4"'2"*+"5L)9+8"'I;'2"I-(+"
terceira, um caminho desconhecido, que gar+9;)+"I,'gresso
e continuidade sobre o radicalismo.
No Ocidente8"#'0I,'0-;)0-9;'"M"muitas vezes visto como
uma fraqueza, mas no Oriente, é consider+*'"20"I'*-,"
construtivo vital e uma demonstração de força. Obviamente,
'"I+I-("*+"NM8"9-77-"#+7'"+"#atólica, tev-"I+I-(")0I'rtante
em conv-9#-,"+"I'I2(+34o, que havia sido brutalmente
reI,)0)*+8"*'7"@-9-NO#)'7"*'"I-rdão também.
"""""/"I,PI,)'"Q)cL9)<"I+77'2"FH,)'7"+9'7"9+"I,)74'"
(1968–69, 1981–84, 1985–86) devido a suas ações
anti­governistas. Nas discussões de mesa redonda, ele
sentou­se frente a frente com os exatos generais (Jaruzelski
e Kiszczak) que o haviam co9*-9+*'"R"I,)74o.
Naquele momento ele disse: ‘Eu estaria mentindo se
dissesse que não queria vingança. Qualquer um que tenha
sofrido essa humilhação quer vingança em algum nível.
Conheço todas as mentiras. V)"I-77'+7"7-,-0"0'rtas. Mas
também sei que o revanchismo não tem fim.’
35
Slavs and Tatars
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(Eslavos e Tártaros)
79.89.09.
(Eslavos e Tártaros)
Dziwny jest ten świat
gdzie jeszcze wciąż miesci się!"#$%$!&'(
i dziwne jest to że od tylu lat
)&'owiekiem g(*+&#!)&'owiek
Dziwny ten świat świat ludzkich spraw
czasem aż wstyd przyzna, się
a jednak często jest ze ktoś
-'o"$.!&'/.!&(0#1(!2(3!1(3!45żem
6$)&!%7+&#!+50*$1!woli jest więcej
i mocno wierzę w to że ten świat
nie zginie dzięki nim
nadsz$+'!17ż czas najwyższy czas
nienawiś,!&4#-&)&/,!"!-50#$
Protestantes com um banner, Jaruzelski falando para a nação (inserção)
Não há Liberdade
Sem Solidariedade
Embora a Perestroika estivesse a caminho, é importante que
não se subestime as conquistas da Solidarnoś!"*-"(evar o
governo comunista, que tinha a força da segurança do estado
Slavs and Tatars
e um arsenal militar extensivo ao seu dispor, abaixo
pacificamente.
Estranho é esse mundo
Onde ainda há tanta maldade
E é estranho que por tantos anos
Os homens tenham tido tanto desprezo um pelo
outro
Estranho é esse mundo de assuntos humanos
Às vezes se tem vergonha de admitir
Mas acontece frequentemente que alguém
Com uma palavra ruim mate como com uma
faca
8(-!9:!.(#-!;$--5(-!)5.!05(-!#42$4<=$E eu acredito fortemente nisso que esse mundo
>?5!-$!()(0(*:!gra<as a eles
Já é tempo
De destruirmos o ódio em nós mesmos
Cz-71+V"X)-0-9, ‘Estranho é esse mundo’
O público levou seus stereo systems, como um precursor do telefone celular hoje onipresente
em shows, para gravar a música.
Festival Jarocin
Se no Irã pré­revolucionário as pessoas se juntavam para
ouvir Khomeini ou Shariati, na Polônia, com certeza o ritmo
era mais rápido com o rock ’n’ roll trazendo as massas.
Organizado em 1980, o Festival Jarocin foi um dos primeiros
festivais de música rock e punk no Bloco Oriental. Os fãs
levavam aparelhos de som portáteis não para ouvir, mas para
gravar a música ao vivo e poder reviver as músicas mais tarde
em suas casas, com amigos e familiares. Talvez a melhor
analogia às fitas de Khomeini, no entanto, seja o Kultura,m
periódico publicado por imigrantes poloneses em Paris.
36
Contrabandeados para a Polônia como as fitas de Khomeini,
no Irã, o ofereceu uma crítica literária indireta da situação
política no país, com textos de Witold Gombrowicz e
Cz-71aV"Q)1'7W8"muito similares aos filmes de diretores
iranianos como Abbas Kiarostami, Mahmad Makhmalbaf ou
Jafar Panahi.
Cz-71aw Niemen, um cantor polonês que muitas vezes
apresentou poesia com música pop, também era um defensor
de olhar para dentro de si mesmo para mudar a realidade:
37
Slavs and Tatars
79.89.09.
(Eslavos e Tártaros)
Slavs and Tatars
79.89.09.
(Eslavos e Tártaros)
Uma tentativa oficial de diminuir o número de católicos no censo para refletir a Polônia de maneira mais precisa
O emblema da República Islâmica do Irã, um ‘Allah’ estilizado (acima), o símbolo aquemênida do Zoroatrismo (abaixo)
Apostasia: Polônia
Hoje, entre algumas pessoas na Polônia, apostasia — a
renúncia de sua religião — está ganhando popularidade
como forma de desobediência civil contra o crescente papel
da Igreja Católica. Desde o nascimento, muitas pessoas, até
poloneses judeus, são automaticamente contadas como
cristãs para o censo oficial. Algumas foram batizadas
38
Apostasia: Irã
simplesmente por tradição ou por medo de não fazer parte.
Uma nova geração está tentando definir a identidade
polonesa fora da homogeneidade da segunda metade do
século XX e mais próxima ao que era no começo do século
XX: uma nação mais cosmopolita e diversificada.
No Irã, a apostasia também está sendo usada como uma
forma de desobediência civil. Com um longo histórico
anterior a chegada do islamismo no século VII, muitos
iranianos, tanto jovens quanto idosos, estão se voltando ao
Zoroatrismo, a religião da Pérsia pré­islâmica. Sua doutrina
principal se resume a uma máxima relativamente simples
“bons pensamentos, boas palavras, boas ações” como uma
forma de protesto contra o absolutismo do regime islâmico.
Por ser a primeira religião monoteísta do mundo, várias
doutrinas das três maiores fés abraâmicas (Judaísmo,
Cristianismo e Islamismo) encontram suas origens no
Zoroatrismo.
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Slavs and Tatars
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(Eslavos e Tártaros)
Slavs and Tatars
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(Eslavos e Tártaros)
Szlachta poloneses vestem longas túnicas em um esforço para parecer mais Orientais
Sarmatismo
As genealogias funcionam de maneira tal que têm uma taxa
de sucesso tentacular: a investigação das duas datas chave —
1979 e 1989 — ao fim floresceu em forma de um estranho
patrimônio histórico abrangendo quatro séculos, envolvendo
dois países e suas singulares buscas por autodeterminação.
Em mais um exemplo do progressivo potencial de
mascarar a política, a nobreza polonesa do século XVII
atribuía uma noção romântica às suas origens, ostentando
longos casacos com bordas de pele, levando sempre consigo
um sabre (chamado de karabela) e montados a cavalo.
Sarmatismo — o estilo de vida, cultura e ideologia da
szlachta (nobreza) polonesa – foi inspirada pela crença de
que a nobreza polonesa descendia de uma tribo iraniana há
muito perdida do Mar Negro. Uma mistura de nativismo,
orientalismo e uma tentativa de se distinguir de sua
contraparte Ocidental, o Sarmatismo influenciou valores,
moda, cultura e a orientação política do Commonwealth,
oferecendo um motivo romântico a um império
relativamente esclarecido: onde casamentos inter­religiosos
(entre tártaros muçulmanos poloneses e católicos) eram
permitidos e (tártaros poloneses) muçulmanos tinham
representação no Sejm (Parlamento). Muçulmanos tártaros
poloneses até hoje apresentam um modelo progressivo
pouco conhecido de islamismo – com educação mista e salas
de oração integradas – dentro das fronteiras da Europa.
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Placa na entrada do Cemitério Dulab em Teerã onde mais de 2.000 poloneses estão enterrados (esquerda) e desenho do soldado Wojtek,
o urso iraniano adotado pela 22ª Divisão de Transportes (Abastecimento de Artilharia) do 2º Exército Polonês (direita)
Esfahan —
Cidade de Crianças Polonesas
Durante a II Guerra Mundial, em um dos muitos episódios
esquecidos da guerra, mais de 200.000 poloneses de campos
na Sibéria e no Cazaquistão se refugiaram e reabilitaram no
Irã. A paisagem verdejante e a hospitalidade abundante do
Irã pareciam de outro mundo para um povo que viveu os
horrores do stalinismo. Tão díspar quanto essa herança
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comum aos dois povos é a natureza de seus presentes:
quando um iraniano que estava passando jogou comida
embrulhada em toalhas para os refugiados poloneses
exaustos, esses se encolheram e cobriram suas faces,
tomando­a por pedras por engano.
Amizade entre as Nações
A contribuição de “Amizade entre as Nações: Showbiz
Polonês Xiita, Slavs and Tatars para a décima Bienal
Sharjah, comemora essa herança através de um projeto
multi­plataforma, ao mesmo tempo uma pesquisa de
arquivo e afetiva e um trabalho original. Ao contrário do uso
soviético rígido do termo, Amizade entre as Nações redime
o gesto performático do presente, de um povo a outro, não
apenas para o futuro, mas também vindo do passado.
Decorrente de uma tradição pagã que celebrava a
colheita anual, o ‘pajak’ (aranha) polonês é, como o mosaico
de espelhos, uma arte para a qual Slavs and Tatars se
voltou pelo seu potencial revolucionário, como um
testemunho da diligência meticulosa e da natureza delicada
do compromisso crucial com o precedente polonês da
desobediência civil.
Durante o outono, um ‘pajak’ era tradicionalmente
confeccionado de acordo com o costume local — o uso de
junco ou palha mais uma demonstração da natureza efêmera
dessas construções — e era pendurado no teto para invocar
bons rendimentos nas plantações.
Slavs and Tatars
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(Eslavos e Tártaros)
Slavs and Tatars
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de Slavs and Tatars
EP13
Esta publicação foi lançada como parte da instalação Eslavos
e Tártaros na Eastside Projects, 25 de fevereiro – 16 de abril
de 2011.
É parte integrante de Again, A Time Machine, uma
exposição itinerante comissionada por Book Works,
Londres em pareceria com Eastside Projects, Birmingham;
The Showroom, Londres; Motto, Berlim; Spike Island,
Bristol e White Columns, Nova Iorque
Publicado por Book Works e Eastside Projects
Distribuído por Book Works
Editado por Gavin Everall e Jane Rolo
Design de James Langdon
Impresso por Sharman and Company Ltd
Copyright © Eslavos e Tártaros. Todos os direitos são
reservados.
Again, A Time Machine é financiada por Bolsas de Arte,
Conselho de Arte da Inglaterra e a Fundação Henry Moore.
A comissão de Eslavos e Tártaros é generosamente
patrocinada pelo Instituto Cultural Polonês em Londres, a
Fundação de Patrimônio do Irã e a Fundação Sharjah —
Bienal Sharjah outubro de 2011.
ISBN 978 1906012 35 9
Book Works
19 Holywell Row, Londres EC2A 4JB
www.bookworks.org.uk
Tel. +44 (0)207 247 2203
Eastside Projects
86 Heath Mill Lane, Birmingham B9 4AR
www.eastsideprojects.org
Tel. +44 (0)121 771 1778
A coroa é recolocada na águia como era a bandeira da Polônia pré­comunista
A Águia Recebe
sua Tradição de Volta
A coroa é recolocada na águia e a PPL se torna a República
da Polônia.
“Minha obsessão tem sido a de que deveríamos fazer uma
revolução que não pareça com a Francesa ou a Russa, mas
mais com a Americana, no sentido de que seja por alguma
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79.89.09.
(Eslavos e Tártaros)
79.89.09. é um projeto multi­plataforma que re­imagina
uma solidariedade iraniana e polonesa, construída com
partes iguais através de pesquisa de arquivo e trabalho
original, incluindo uma contribuição para dois números
consecutivos de 032c, uma edição impressa, Resista em
Resistir a Deus, e uma palestra de mesmo nome apresentada
na Galeria Triunfo de Moscou, Motto/Corner College de
Zurique, Academia Rietveld de Amsterdam, como parte de
uma palestra de abertura do Studium Generale, o MoMA
da Varsóvia, a série de palestras Construtivas na Fundação
Universidade Bruce High Quality em NY, nas Embaixadas
Nórdicas de Berlim como parte do Correct Me If I’m
Critical, Space Studios em Londres, e a Bienal Belleville em
Paris.
Este jornal é especialmente produzido para Again, A Time
Machine no Eastside Projects, junto com Somente Solidar­
iedade e Paciência Garantirão nossa Vitória, um projeto de
mural, e Dear 1979, Please Meet 1989, uma instalação de
leitos de rios e um arquivo de livros iranianos e poloneses.
Créditos fotográficos: Abbas/Magnum, Richard Avedon,
Kaveh Golestan, Wojciech Kryński, Krzysztof Miller/
YJ-9#U+"=+W-;+8"&;+9)71+V"Q+,<'V7<)Z[+,;+"+9*"=+W-;+
Wyborcza. Book Works tentou rastrear todos os donos dos
direitos, mas nem sempre foi possível. Pedimos desculpas
por qualquer omissão e, caso notificada, ela será reparada
em qualquer das edições futuras.
Eslavos e Tártaros gostaria de agradecer: Jörg Koch (032c,
Berlim), Anna Dyulgerova, Ruth Addison (Galeria Triunfo,
Moscou), Beatrice Gross, Fundação Universidade Bruce
High Quality, Adnan Yildiz, Embaixadas Nórdicas
(Berlim), Aléxis Zavialoff (Motto, Zurique), Agnieszka
Kurant, Gabriëlle Schleijpen (Academia Rietveld/DAI),
Suzanne Cotter, da equipe da Bienal Sharjah, Sebastian
Cichocki (Muzeum Sztuki Nowoczesnej, Warszawa), Danil
Perushev e Askar Ramazanov (Theory and Practice,
Moscou), Joanna
Warsza (Fundação Laura Palmer), Ive Stevenheydens e
Andrea Cinel (Argos, Bruxelas), Paul Pieroni (Space,
Londres), Ryszard Antolak, Agata Jastrząbek, Padre
Andrzej Kolodziejczyk (La Chapelle du Bas Belleville,
Paris), Padre Marian Wojciechowski (Igreja Dominicana,
Bruxelas), Joanna Lopat, Vincent de Jong, Hediyeh
Tehrani,
Seifollah Samadian, Patrycja Kwas (Gazeta Wyborcza),
Robert Soltyk, Agata Araszkiewicz, Roxana Fazeli, Bahman
Kiarostami, Sylwia Szymaniak, Rita e Marc Janssen, Amir
Shariat, Maryam Alaghband, Fundação Patrimônio Irã,
Bahman Moshar, Gohar Homayounpour, Mehdi Safavi,
Maria Baibakova, Wim Waelput, Hamid Dabashi,
Peter Chelkowski, Lynn Gumpert, Shiva Balaghi, Pablo
Helguera e da equipe da Fundação Bienal de Artes Visuais
do Mercosul.
Onde está meu voto?
Vida longa a Moussavi!
Morte ao regime que engana o seu povo
coisa. Uma revolução por uma constituição, não por um
paraíso. Uma revolução anti­utópica. Porque utopias levam a
guilhotina e a campos de concentração” – Adam Michnik
em uma entrevista com Roger Cohen, The New York Times.
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Slavs and Tatars
79.89.09.
(Eslavos e Tártaros)
Corpo de Auto­Administração (de Amizade entre as Nações: Showbiz Polonês Xiita), serigrafia, costura, 2011
Levou 30 Anos, 30 Meses,
30 Semanas, 30 Dias …
Na virada do ano, no início de 2011, os acontecimentos em
todo o Oriente Médio lembraram os mais endurecidos de
1989, os de coração mais mole e de fala mais macia, de 1848.
Enquanto regimes autocráticos da Argélia a Bahrein tremem,
os precedentes bem sucedidos da Tunísia e em particular o
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Egito foram impossivelmente adotados pela mais estranha lista
de candidatos (dos Estados Unidos da América à República
Islâmica do Irã) numa demonstração de que o sucesso tem
muitos pais (mesmo que em briga), mas o fracasso tem apenas
um órfão.

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