PDF (P) para - BioTecnologia

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PDF (P) para - BioTecnologia
M.A.Malajovich – Biopop - 2006
Dra. MARIA ANTONIA MALAJOVICH - [email protected]
COORDENADORA DE BIOTECNOLOGIA
INSTITUTO DE TECNOLOGIA ORT DO RIO DE JANEIRO
AS LEVEDURAS E A PANIFICAÇÃO: MONTAGEM EXPERIMENTAL E EXPERIMENTAÇÃO
As atividades práticas são necessárias?
Ciência e tecnologia estão cada vez mais presentes em nossas vidas. No entanto, os
educadores observam que parece estar aumentando no mundo o desinteresse dos alunos em
relação às matérias científicas. Pode-se explicar o paradoxo argumentando que há um excesso de
conteúdos ou então, de conteúdos difíceis. Mas não se pode esquecer que dedicam-se numerosas
horas de aula à transmissão de conceitos teóricos muitas vezes fora do alcance do aluno,
subestimando uma dimensão fundamental do aprendizado de ciência e tecnologia, que é a atividade
experimental.
A maior parte da ciência atual responde a problemas práticos. Porém, segundo dados
publicados, só 5% das escolas públicas e 31 % das escolas privadas do Ensino Fundamental do
Brasil dispunham em 2003 de laboratórios de ciências. Nessas condições, sem estímulo, sem
laboratório, sem material, como pode um Professor desenvolver atividades práticas?
Numerosos trabalhos mostram que se bem isso é possível em Física e também em Química,
resulta mais difícil em Biologia. No Instituto de Tecnologia ORT do Rio de Janeiro, dentro da filosofia
institucional do "aprender fazendo", e tendo como contexto o ensino de Biotecnologia, relevamos o
desafio desenvolvendo atividades práticas para serem realizadas em sala de aula, com material da
vida cotidiana.
Seja em nossos cursos de ciência e tecnologia, seja nos cursos de atualização para
docentes, observamos que aos Professores não interessa a chamada "receita de bolo", isto é, um
procedimento rígido factível de ser repetido de ano em ano, sempre com os mesmos resultados.
Interessa sim uma montagem experimental simples, suficientemente flexível como para testar
diferentes variáveis e, inclusive, realizar um pequeno projeto de pesquisa.
Para exemplificar esta abordagem da experimentação no ensino de ciências e tecnologia,
escolhemos como tema AS LEVEDURAS E A PANIFICAÇÃO. O Professor encontrará subsídios
teóricos nos quadros 1 e 2: “A História da Panificação”, e “A levedura Saccharomyces cerevisiae”.
Nosso objetivo é mostrar como uma montagem experimental simples permite desenvolver diferentes
atividades em função do tempo, da idade dos alunos e do interesse despertado pelo tema.
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M.A.Malajovich – Biopop - 2006
QUADRO 1: A HISTÓRIA DA PANIFICAÇÃO
A arte da panificação surgiu entre 5000 e 7000 AC em diferentes lugares da Ásia e da América. Os
primeiros pães eram tortas planas de cereais moídos com água, postas a cozer sobre pedras quentes. Alguém
deve ter observado que a textura do pão melhorava quando a massa era deixada em repouso por um tempo. O
passo seguinte ocorreu ao se conservar sem cozinhar uma pequena parte da massa para acrescentá-la na
preparação seguinte. A partir desse momento, a preparação do pão esteve baseada na "fermentação natural",
devendo cada padeiro obter e conservar o seu fermento ("pé de massa").
Entre 1854 e 1870, os estudos de Pasteur sobre o rol dos microrganismos nas fermentações
revolucionaram a ciência (derrubando a teoria da abiogênese) e a tecnologia (produção de vinhos e cervejas,
pasteurização). Os microrganismos crescem se tiverem os nutrientes adequados. As leveduras, por exemplo, se
nutrem dos açúcares da farinha, produzindo dióxido de carbono (CO2) que se expande aprisionado entre as
proteínas (glúten), causando o aumento do volume da massa. Com o conhecimento adquirido sobre os
microrganismos e as fermentações, os processos fermentativos industriais passam a serem conduzidos de outro
modo.
A transformação de uma prática empírica em uma indústria ocorreria poucos anos mais tarde quando
dois emigrantes húngaros, Charles e Max Fleischmann abrem a primeira fábrica de fermento (Cincinnatti, USA,
1868). A partir desse momento já não é necessário o "pé de massa"; basta comprar o fermento para ter sempre
um pão de boa qualidade. Os irmãos Fleischmann registram sua invenção, obtendo uma patente em 1876.
Em 1945 começou a ser comercializado um fermento seco que não precisa de refrigeração e se ativa
com água morna; a última novidade data de 1984 e se trata de um fermento seco instantâneo que pode misturarse diretamente sem reativação.
QUADRO 2: A LEVEDURA Saccharomyces cerevisiae
Saccharomyces cerevisiae é um fungo microscópico que se desenvolve tanto em condições aeróbias
como anaeróbias. Em presença de oxigênio, a levedura transforma a glicose em gás carbônico e água,
liberando uma quantidade de energia que será utilizada no próprio metabolismo celular. Em ausência de
oxigênio, a levedura fermenta transformando açúcar em gás carbônico e álcool e liberando uma quantidade
menor de energia. Denominados respectivamente respiração e fermentação, estes processos são a base da
produção de vários alimentos e bebidas.
Respiração:
6 C6H12O6 + 6 O2
glicose
oxigênio
6 H2O
água
+
6 CO2
+ energia
dióxido
de carbono
Fermentação:
C6H12O6
glicose
2 C2H5OH
etanol
+
2 CO2
+ energia
dióxido
de carbono
O termo "fermento biológico" se aplica às culturas puras de Saccharomyces cerevisiae vendidas no
comércio, para conferir um sabor próprio e aumentar o volume e a porosidade de pães e outros produtos de
confeitaria. Não deve ser confundido com o fermento químico (geralmente bicarbonato de sódio)
No Brasil se comercializam várias marcas de fermento biológico (fresco ou seco): Itaiquara, Dr. Oetker,
Fermix, Fleischmann etc. O fermento fresco aparece como uma massa prensada homogênea e pastosa de cor
creme claro; sua consistência é firme apesar de conter 70% de água. O fermento seco ativo se encontra em pó,
grânulos ou cilindros de tamanho variável e contém 12% de água; deve ser reativado em água morna. Existe
também um fermento seco ativo instantâneo que não precisa de reativação.
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A montagem experimental
A massa do pão é formada por farinha, água, açúcar e fermento biológico. Dentro da massa,
as leveduras fermentam o açúcar, produzindo etanol e dióxido de carbono. O gás fica preso entre as
fibras de proteína (glúten) da farinha e o volume da massa aumenta. A energia liberada na reação é
parcialmente utilizada pela levedura que se multiplica. A pequena quantidade de álcool produzida na
fermentação irá evaporar no cozimento da massa.
Uma montagem simples, realizada com materiais acessíveis, permite mostrar a ação das
leveduras em sala de aula (Figura 1). Basta colocar um mingau espesso de farinha de trigo, açúcar,
água e leveduras em uma garrafa de refrigerante ou de água mineral, cortada adequadamente. Uma
régua de papel milimetrado colada do lado de fora permite medir o aumento da altura da massa
(Figura 2).
Figura 1: O material necessário
Figura 2: A montagem do experimento
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Em algumas escolas ou em suas casas, as crianças aprendem a fazer pão e sabem que
devem aguardar várias horas até que a massa cresça. No entanto, o processo pode ser acelerado.
Quando os ingredientes da massa estão em determinadas quantidades, o volume da massa triplica
em aproximadamente 30 minutos, sendo visíveis as bolhas de gás na parede da garrafa e na
superfície da massa (Figura 3).
Figura 3: Os resultados
De acordo com nossa experiência estas quantidades são:
•
•
•
•
2 copos de café de farinha de trigo,
2 colheres de chá de açúcar,
1 colher de chá de levedura seca instantânea,
6 colheres de sopa de água.
Assíduos espectadores de filmes de terror, crianças e adolescentes costumam ficar inquietos
com a rapidez do fenômeno, "até quando vai seguir assim?". Quando a camada de glúten da
superfície rasga e deixa sair o gás, a massa "colapsa" com a conseguinte algazarra da turma.
No caminho da experimentação
A montagem experimental básica permite realizar numerosos experimentos diferentes. Em
um nível fundamental se insistirá na noção de controle e na necessidade de mudar uma variável de
cada vez. No nível intermediário será possível trabalhar com maior número de dados e com
representações gráficas. Já em um nível avançado, se desenvolverão pequenos projetos de índole
tecnológica. Três dos experimentos que consideramos adequados para cada um destes níveis são
exemplificados a seguir:
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Nível
Experimentos
Fundamental
1.
Melhorar a experiência introduzindo um controle (sem levedura).
2.
Multiplicar a quantidade de material, deixando que cada grupo faça a mesma
experiência*.
3.
Deixar que cada grupo faça sua experiência, comparando os resultados obtidos
mudando drasticamente uma variável (por exemplo, com açúcar e sem açúcar). **
1.
Comparar os valores obtidos com diferentes marcas de levedura fresca, ou de
levedura seca.
2.
Estudar o incremento da altura da massa, ao longo do tempo***, em função da
temperatura.
3.
Estudar o incremento da altura da massa, ao longo do tempo, em função da
quantidade de levedura, de açúcar ou de sal. ****
1.
Comparar o incremento da altura da massa, ao longo do tempo, quando se colocam
diversos tipos de farinha de trigo (marcas diferentes ou normal e integral, por
exemplo)
2.
Comparar o incremento da altura da massa, ao longo do tempo, quando se utilizam
farinhas de diversas origens (trigo, milho, centeio, soja etc.). *****
3.
Determinar qual a quantidade de farinha de trigo que se deve acrescentar à farinha
de centeio para se obter um bom crescimento da massa.
Intermediário
Avançado
(*) Se todos os grupos agirem do mesmo modo, os resultados serão muito parecidos e poderá ser introduzida a noção de
reprodutibilidade.
(**) As leveduras não fermentam o amido porque não têm as enzimas necessárias para hidrolisá-lo. Não entanto elas
fermentam a glicose liberada lentamente por uma α-amilase do grão de cereal. Para acelerar o processo se acrescenta na
massa um pouco de açúcar (sacarose), outro carboidrato fermentescível.
(***) A medida do incremento da altura da massa ao longo do tempo (por exemplo, de cinco em cinco minutos) fornece dados
suficientes para montar uma tabela e fazer uma representação gráfica.
(****) Sugestão relativa às quantidades (de levedura, ou de açúcar ou de sal) para a montagem do experimento: nada
(controle), 1/2 colher de chá, 1 colher de chá, 2 colheres de chá, 4 colheres de chá.
(*****) Nem todos os grãos contêm a mesma quantidade de glúten; deste dependem a elasticidade e plasticidade da massa.
O cálculo da quantidade de material necessário (farinha, levedura) para as experiências se vê
facilitado pela informação do quadro 3: "Equivalências Úteis".
Determinar as condições da experiência, montar um protocolo, elaborar e discutir os
resultados são algumas das etapas do processo de aprendizado. A simplicidade da montagem é o
ponto de partida para a experimentação. O limite? Cabe aos Professores e Alunos nos dar uma
resposta.
QUADRO 3: EQUIVALÊNCIAS ÚTEIS
2,5 colheres de chá de levedura seca = 1 cubo de fermento fresco = 2 colheres de chá de levedura seca instantânea.
25 g de farinha de trigo = 1 copo de café (50 cm3)
100 g de farinha = 1 copo de 200 cm3
1 colher de sopa = 10 cm3
BIBLIOGRAFIA
KAMEL A. Quando? Editorial. O Globo, 7/03/2006
AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA) www.anvisa.gov.br
GIL-PÉREZ D. et al. (Eds.). ¿Cómo promover el interés por la cultura científica? Una propuesta didáctica
fundamentada para la educación científica de jóvenes de 15 a 18 años. Santiago, Chile: OREALC/UNESCO,
2005.
MALAJOVICH M. A. Biotecnologia. Rio de Janeiro, Axcel Books do Brasil, 2004
WELCOME TO BREADWORLD http://www.breadworld.com/index.cfm
WYMER P. Practical Microbiology and Biotechnology for Schools. London, Macdonald & Co.Ltd, 1987
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