leia na íntegra. - Centro Cultural Virtual / SeráQuê?

Transcrição

leia na íntegra. - Centro Cultural Virtual / SeráQuê?
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Paulo José Baeta Pereira
Tese apresentada ao Instituto de Artes da
Universidade Estadual de Campinas,
para obtenção do Título de Doutor em Artes
Área de Concentração: Dança
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Elisabeth Bauch Zimmermann
CAMPINAS
2010
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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA
BIBLIOTECA DO INSTITUTO DE ARTES DA UNICAMP
P414r
Pereira, Paulo José Baeta.
Reconectando Corpo e Alma: Sobre o Processo de
Improvisação e Criação em Dança. / Paulo José Baeta Pereira. –
Campinas, SP: [s.n.], 2010.
Orientador: Profª. Drª. Elisabeth Bauch Zimmermann.
Tese(doutorado) - Universidade Estadual de Campinas,
Instituto de Artes.
1. Improvisação (Dança) 2. Criação. 3. Corpo. 4. Imagem.
5.
Simbolismo.
I.
Zimmermann,
Elisabeth
Bauch.
II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes.
III. Título.
(em/ia)
Título em inglês: “Reconnecting Body and Soul: On the Process of
Improvisation and Creation on Dance.”
Palavras-chave em inglês (Keywords): Improvisation (Dance) ; Creation ; Body ;
Image ; Symbolism.
Titulação: Doutor em Artes.
Banca examinadora:
Profª. Drª. Elisabeth Bauch Zimmermann.
Prof. Dr. Antonio Fernando da Conceição Passos.
Prof. Dr. Ernesto Giovanni Boccara.
Prof. Dr. Carlos Alberto Gohn.
Prof. Dr. Paulo Sérgio Malheiros dos Santos.
Prof. Dr. Emílio César.
Profª. Drª. Marilia Vieira Soares.
Prof. Dr. Adilson Nascimento de Jesus.
Data da Defesa: 06-08-2010
Programa de Pós-Graduação: Artes.
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Dedico este trabalho às minhas filhas Mahi e Dakshina,
que, mesmo vivendo distantes, são os corações presentes
de minha vida e meu trabalho. Que suas vidas continuem
dançando.
Dedico também este processo a Elisabeth Bauch
Zimmermann, por todo o apoio que me deu. Mais que a
criação de uma tese, este trabalho tornou-se um caminho
de conhecimento vivo. Sem sua ajuda eu sei que não
teria tido a confiança de arrematá-lo.
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AGRADECIMENTOS
À minha mãe, pela presença imprescindível e ao meu pai cuja alma, mesmo distante,
continua me apoiando, agradeço eternamente.
Aos meus irmãos e irmãs, pelo apoio sobretudo nos momentos mais difíceis deste processo,
especialmente à Juliana, por sua paciência comigo no dia a dia do nosso trabalho, agradeço
afetuosa e profundamente.
Ao Bernhard Von Waldkirch, que foi e continua sendo um pioneiro da história da arte, que
representa e ama com todo seu fervor.
A Johannes Jansson e Marta Ciccionesi, pelo constante impulso de nossa criatividade nas
artes cênicas e visuais.
A todos os meus amigos, colegas de trabalho e alunos por toda a dedicação que têm por
mim, meu sincero agradecimento.
À Laura Baeta, pela sua maestria em criação visual, na conclusão da minha tese.
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Não há corpo sem alma,
nenhum corpo que não seja uma forma de alma.
Sri Aurobindo
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RESUMO
No decorrer de minha experiência como bailarino, coreógrafo e professor de dança,
e como psicólogo clínico e analista junguiano, trabalhei tanto com crianças e adolescentes
como com adultos. Sempre me tocou o quanto a linguagem do corpo brota a partir de
imagens internas e se nutre delas, e o quanto a percepção e expressão dessas imagens são
indispensáveis para o nosso desenvolvimento como indivíduos. Assim, meu objetivo aqui
será explorar as características destas duas áreas de expressão e pesquisa – o movimento e a
linguagem imagética.
Focalizarei nesta tese a criatividade e expressão espontânea da dança através da
improvisação. Como embasamento teórico, apresentarei e analisarei por um lado, dois
métodos de improvisação de dança criados por Rolf Gelewski, e os conceitos básicos de
movimento segundo Rudolf Laban, que deram origem à estruturação do movimento na dança
moderna europeia. Por outro lado, exporei minhas experiências com a música e as artes
visuais, sobretudo no campo da dança.
Movimentar-se a partir de imagens visuais e de imagens internas, desenhar a partir de
improvisações de movimento e usar o desenho livre como registro do processo de percepção
auditiva e como agente estimulador da improvisação na dança foram as técnicas principais
que sempre utilizei em meu trabalho de dança, tanto pedagogicamente como no processo de
criação artística.
Em seguida, apresentarei o meu processo de criação em dois espetáculos de
Improvisação de Dança. O primeiro realizou-se na Suécia e o segundo na Suíça. Como
conclusão deste projeto apresentarei um espetáculo solo de improvisação, combinando tanto
uma retrospectiva dos trabalhos apresentados, como abordando um material novo, para assim
caracterizá-lo como uma relação com o imprevisível.
Palavras-Chave: Improvisação, Criação, Corpo, Imagem, Simbolismo
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ABSTRACT
Throughout my experience as a Dancer, Choreographer, Dance Teacher, as well as
a Clinical Psychologist and a Jungian Analyst, I have worked in both areas with children,
adolescents and adults. I have always been touched by how much the body language grows
from inner images and nourishes itself out of them, also by how much the perception and
expression of those images are indispensable for our development as individuals. Therefore,
my aim in this study will be to explore the characteristics of both areas of expression and
research – the movement and the imagetic language.
The material of this thesis will be specially focused on creativity and the spontaneous
expression of dance through improvisation. As a theoretical basis, I will present and analyze
the methods of dance improvisation developed by Rolf Gelewski, and the basic concepts of
movement according to Rudolf Laban, which originated the movement structuring in modern
European dance. Secondly, I will present my own experience with music and visual arts,
especially in my work with dance.
The techniques I have always used in my dance work, both pedagogically and in the
process of artistic creation were moving through visual images and inner images, drawing
from movement improvisation and using spontaneous drawing as a register of the process of
auditive perception and as a stimulus agent of the dance improvisation.
To follow, I will present my process of creation within two Dance Improvisation
performances. The first one was performed in Sweden and the other one in Switzerland. This
thesis will be concluded with the performance of a Solo Dance Improvisation, where I will
combine a retrospective of the work developed in this study with a presentation of some new
material. This characterizes the process as a relationship to the unexpected.
Key Words: Improvisation, Creation, Body, Image, Symbolism
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SUMÁRIO
ABERTURA ...........................................................................................................
1. INTRODUÇÃO......................................................................................................
1.1O QUADRO DE BLAKE.............................................................................
1.2WILLIAM BLAKE..........................................................................................
1.3UMA
PENDULAÇÃO
FECUNDANTE
ENTRE
DANÇA
PSICOLOGIA....................................................................................................
1.4UM CÔMODO COM MUITAS PORTAS...................................................
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2. REFLEXÕES SOBRE A DANÇA................................................................... 9
2.1O CORPO........................................................................................................ 11
2.2VIDA E MOVIMENTO................................................................................ 17
2.3OS ELEMENTOS BÁSICOS DO MOVIMENTO: ESPAÇO, TEMPO E
ENERGIA.......................................................................................................... 19
2.3.1 ESPAÇO................................................................................................. 21
2.3.2 TEMPO.................................................................................................. 24
2.3.3 ENERGIA.............................................................................................. 27
2.3.4 A MÚSICA COMO ENERGIA MOTORA...................................... 28
2.4SOBRE A IMPROVISAÇÃO NA DANÇA................................................. 32
2.4.1 A ESTRUTURA BÁSICA DO TRABALHO................................... 38
2.5A DIMENSÃO SIMBÓLICA NA DANÇA EM RELAÇÃO AO
ESPAÇO............................................................................................................ 43
3. REFLEXÕES SOBRE A IMAGEM...............................................................
3.1HISTÓRICO PESSOAL.................................................................................
3.2O JOGO DA CAIXA DE AREIA.................................................................
3.3DESENHOS E PINTURAS..........................................................................
3.4A IMAGINAÇÃO ATIVA.................................................................................
3.4.1
PRELÚDIO......................................................................................
3.4.2
UMA IMERSÃO COMPLETA.......................................................
3.4.3
O PROCESSO GRUPAL................................................................
3.4.4
A TÉCNICA....................................................................................
3.4.5
A ANÁLISE DO MATERIAL COLHIDO......................................
xvii
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3.4.6
CODA.............................................................................................. 61
4. IMAGEM E DANÇA........................................................................................ 63
5. TRABALHANDO COM IMAGENS NA AULA DE DANÇA – ALGUMAS
EXPERIÊNCIAS.................................................................................................... 67
5.1DESENHAR O FLUXO DA MÚSICA......................................................... 67
5.2USANDO GRÁFICOS PARA A VISUALIZAÇÃO DA ESTRUTURA
MUSICAL.......................................................................................................... 69
5.3USO DE MATERIAL VISUAL COMO MOTIVO OU ESTÍMULO PARA
A IMPROVISAÇÃO......................................................................................... 71
6 APRESENTAÇÃO DE DANÇA – DIVERTIMENTO SACRO – EM
BRÖSARP (SUÉCIA).......................................................................................... 77
6.1 SURGIMENTO E PRIMEIRA ETAPA....................................................... 77
6.2 O CONCERTO EM ESTOCOLMO.............................................................. 79
6.3 O ESPETÁCULO EM BRÖSARP................................................................ 79
6.3.1 A MÚSICA............................................................................................. 80
6.3.2 O CENÁRIO E O FIGURINO......................................................... 81
6.3.3 A APRESENTAÇÃO.............................................................................. 83
6.4 O FILME......................................................................................................... 85
7 APRESENTAÇÃO DE DANÇA NA EXPOSIÇÃO DE JAWLENSKY NO
MUSEU DE ARTE DE ZURIQUE (SUIÇA)................................................. 89
7.1 UM OLHAR BREVE NA OBRA DE JAWLENSKY.................................. 89
7.2 OS QUADROS E A APRESENTAÇÃO DE DANÇA................................. 95
7.3 A ESCOLHA MUSICAL................................................................................. 99
8 CONCLUSÃO....................................................................................................... 101
9 BIBLIOGRAFIA................................................................................................... 105
10 CRÉDITOS DAS FIGURAS................................................................................. 111
11 ANEXOS................................................................................................................ 113
12 DVD: DIVERTIMENTO SACRO (em anexo)
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DESENHO 1 – WILLIAM BLAKE
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2
1 INTRODUÇÃO
1.1 O QUADRO DE BLAKE
Antes mesmo de definir o tema desta dissertação uma amiga presenteou-me com uma
cópia da gravura reproduzida na página anterior, como inspiração para o trabalho. Mal sabia
ela naquele momento – e nem eu – que essa gravura se tornaria um fio condutor do processo
criador. Trata-se da reprodução de uma gravura de William Blake,1 intitulada: The re-union
of the Soul and the Body (A re-união da Alma e do Corpo). Este título, que vemos escrito
abaixo do quadro, na caligrafia do próprio Blake, me fez relembrar um sonho de infância. Eu
tinha sete anos.
Estava dormindo em minha cama, essas camas de criança com grades
laterais. O céu estava azul, de um azul claro intenso. Havia nuvens brancas,
densas e muito bem definidas. Uma dessas nuvens desceu até minha cama
e me carregou para o céu azul. Era o fim do mundo. Tudo era muito bonito,
e a nuvem estava muito confortável. Mas eu tive medo. No processo de
acordar eu pedi à nuvem para descer e buscar minha família também.
Vejo aqui a marca do começo de uma peregrinação nesta terra, a busca infatigável da
reunião, daquilo que o ocidente chama de alma e corpo. Foi aos sete anos que entrei para a
escola. Não tinha frequentado o jardim de infância, pois isso não era comum naquela pequena
cidade onde eu vivia. Minha infância, até este ponto, passou-se em casa e brincando nas ruas
e na natureza. A primeira separação daquele ambiente seguro, definitivamente marcado pela
presença de minha mãe (porque meu pai trabalhava o dia todo fora de casa), cumpriu muito
provavelmente uma função na escolha feita pelo inconsciente destas imagens do sonho.
Agora, quase cinco décadas depois, num momento de mudança na minha vida, este quadro
aparece.
1.2 WILLIAM BLAKE
É-me impossível relembrar quando foi a primeira vez que vi um trabalho de Blake. O
PÁGINA ANTERIOR (Desenho 1): Estampa de L. Schiavonetti segundo o desenho de William Blake, em:
Robert Blair, The Grave, London, 1808.
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que sei é que a intensidade de movimento e a dramaticidade dos gestos me impressionaram
profundamente. Mais tarde, um amigo me presenteou com um pequeno livro, impresso em
1927, com as ilustrações de Blake para o Livro de Jó, intitulado “Illustrations of The Book of
Job” (BLAKE, 1927). A conexão com ele não parou aí. Alguns anos atrás, enquanto morava
em Zurique, como um acontecimento raro em minha vida, fui a Londres por um fim de
semana exclusivamente para ver na Tate Gallery a maior retrospectiva organizada até então
da obra de Blake. É tudo isto apenas coincidência?
1.3 UMA PENDULAÇÃO FECUNDANTE ENTRE DANÇA E PSICOLOGIA
Para entender melhor o rio subterrâneo deste trabalho, achei relevante dar aqui
algumas informações biográficas que definiram minha vida profissional. Minha vida, desde
o embarque na fase adulta, foi marcada pela oscilação entre a dança e a psicologia, como diz
Highwater.
Não me lembro exatamente onde e quando minha intriga com a dança
começou. Mas eu tenho uma forte impressão que enquanto criança eu
descobri a dança não em filmes ou no palco, mas dentro de meu próprio
corpo, pois movimento foi sempre um poder intrínseco em minha vida.
É bem provável que eu tenha dançado bem antes de começar a falar.2
(HIGHWATER, 1992:9.)
Foi com estas palavras que Jamake Highwater iniciou o prefácio de seu livro: Dança:
Rituais de Experiência. Estas palavras poderiam ter sido minhas, pois elas exprimem
exatamente a minha própria experiência. Quando criança, sempre gostei de jogos corporais,
tanto sozinho como em grupo. Eu passava horas a fio treinando certas habilidades com bola,
corda, arco e flecha, que eu mesmo construía, ou outro objeto qualquer. Minha infância livre
me possibilitou bastante tempo e espaço para isto. E fui sempre fascinado pela dramatização,
pelo canto, por apresentações em público, música e ritmo. Mas foi apenas com 17 anos de
idade, paralelamente aos estudos escolares, que ingressei em um grupo de teatro infantil
como ator, e em função disto, dei início ao aprendizado do balé clássico. Eu nunca tinha
pensado antes em aprender dança de maneira formal.
Seguindo um fluxo normal, ingressei na universidade. Minha escolha caiu sobre a
Todas as citações extraídas de obras em línguas estrangeiras, presentes neste trabalho, foram por mim traduzidas.
2
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psicologia. Mas continuei minha atuação como ator e meus estudos de balé. Foi então que
descobri a Dança Contemporânea e decidi interromper os estudos de psicologia para dedicarme inteiramente a ela. Tive a impressão de ter me encontrado. Senti-me inteiramente em meu
elemento.
Mudei-me para Salvador para integrar o Grupo de Dança Contemporânea da UFBA,
sob a direção de Rolf Gelewski. Como bailarino do grupo tive a oportunidade de frequentar,
como complementação curricular, aulas específicas do curso de formação de bailarinos e
professores do Departamento de Dança da referida universidade.
Dez anos mais tarde, como uma virada em minha vida, decidi retomar os estudos de
psicologia, com a intenção clara de me aprofundar na Psicologia Analítica. Isto me levou a
Zurique. Mas, para ingressar como aluno da formação de analistas no C. G. Jung InstitutZurich (Instituto C. G. Jung de Zurique), eu tive que concluir primeiro minha formação
básica como psicólogo, inscrevendo-me para tal na Universidade de Zurique. Nesta época
eu raramente dançava em público, mas continuava a ensinar dança. Foi então, no próprio
curso de psicologia, que a primeira tentativa de conectar a dança e a psicologia tomou forma.
O título do meu Trabalho de Licenciatura (nome dado nesta universidade ao trabalho de
conclusão do curso básico) foi Zur Psychologie des Tanzes (PEREIRA, 1985 / Sobre a
Psicologia da Dança), sob a orientação do Professor Doutor Detlev von Uslar, responsável
pelo departamento de Psicologia Antropológica e grande estudioso da Psicologia Analítica.
Meus próximos passos me levaram para a Índia, para viver e trabalhar em um projeto
internacional chamado “Auroville” (www.auroville.org). Lá o foco principal das minhas
atividades moveu-se novamente para a dança. Ensinei dança para crianças e adultos e
participei na criação da “Auroville Dance Company”, onde além de principal responsável
pelo treinamento técnico, atuei também como bailarino e como coreógrafo.
Com o passar dos anos amadureceu em mim a necessidade de completar os estudos
junguianos, deixados inacabados com minha mudança para a Índia. Voltei a Zurique, mas o
trabalho com a dança não pôde mais parar. Este novo período de estudos acadêmicos levoume também a dançar publicamente e ensinar dança na Suíça, Alemanha, Suécia, Estados
Unidos e Brasil. O trabalho pedagógico em dança sofreu grandes mudanças em conexão
com o meu próprio processo de vida, também sob a influência dos estudos de psicologia
analítica. Retomei a reflexão sobre a interação e a inter-relação destes meus dois campos
de interesse no meu trabalho de conclusão de curso no Instituto C. G. Jung de Zurique, que
intitulei: Reconnecting Body and Soul – Reflections on the Dynamics of Image and Movement
(PEREIRA. 2002 / Reconectando Corpo e Alma – Reflexões sobre a Dinâmica de Imagem e
Movimento).
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E aqui estou agora, em um momento ainda mais decisivo da minha vida, quando,
depois de muitos anos fora, retorno à minha terra natal, às minhas raízes, para dar continuidade
a esta mesma pesquisa, na busca deste ponto simbólico “onde a alma e o corpo se reúnem”.
A intenção deste trabalho de tese é tocar mais de perto e mais fundo este “rio subterrâneo” do
processo criador, refletir e buscar elucidações da dinâmica intrínseca à dança como expressão
artística e a função que cumpre neste processo a linguagem imagética do inconsciente.
1.4 UM CÔMODO COM MUITAS PORTAS
Quero tomar este evento como o ponto inicial, a partir do qual desenvolverei minhas
reflexões sobre a improvisação na dança, particularmente em sua conexão com o processo
imagético e o material visual. Minha intenção é introduzir, através destas reflexões, de uma
maneira aberta e criativa, uma visão analítica do processo de improvisação na dança e, como
consequência disto, elaborar algumas aplicações práticas para o trabalho com a dança e do
uso corporal nas artes cênicas, tanto no processo da criação artística como na sua dimensão
pedagógica. Além disso, pretendo também elaborar, no nível conceitual, as contribuições
mútuas e as relações intrínsecas à dança criativa e a psicologia analítica.
Desde que meu trabalho se definiu claramente nestes dois campos de ação,
independentemente um do outro, a seguinte questão me foi colocada com frequência: “Qual
é a relação que existe para você entre a psicologia e a dança?”; ou mais precisamente:
“Você pretende se tornar um Terapeuta da Dança?”. A esta última questão respondi sempre
categoricamente: “não”, para evitar ser engavetado em uma categoria que, a partir de minha
experiência rica em ambos os domínios, penso ser, antes de tudo, restringente. A dança contém
sim um enorme potencial terapêutico. Sempre vi isto em meu trabalho, tanto comigo mesmo
como com meus alunos, crianças, adolescentes ou adultos. Ao mesmo tempo, observei, no
trabalho analítico clínico, como o trabalho corporal ampliou enormemente a minha percepção
do ser humano. A linguagem corporal, natural e espontânea, uma vez tendo sido desenvolvida
e aprimorada, torna-se um veículo extremamente sutil, sobretudo ao lidar com processos
inconscientes. Pois o corpo, como veremos mais adiante, presta-se com precisão à expressão
daquilo que ainda não conhecemos, ou que se esconde exatamente debaixo da soleira da
porta. Minha intenção com esta pesquisa é explorar a riqueza do trabalho criativo com o
corpo, com o movimento, com a dança, aproveitando a contribuição da Psicologia Analítica
na sua percepção da imagem como linguagem espontânea do inconsciente. Pois toda criação,
para citar Klee, é um “tornar visível”, um revelar. (RIEDEL, 1988: 12)
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Tendo isto em consideração, vejo algumas portas a serem abertas no decorrer deste
trabalho. Uma é “Improvisação na Dança”, desdobrando seus aspectos característicos. Outra
é o “Mundo das Imagens”, que nos conduzirá a outros domínios. Lançarei mão das diversas
experiências que tive nestes dois campos:
• Dançar sobre pinturas, tanto nas minhas apresentações públicas, como no trabalho
pedagógico.
• Desenhar como um motivo ou mesmo como estímulo para a resposta motora na aula
de improvisação em dança.
• Trabalho com imagens internas tanto no desenvolvimento da consciência corporal
como inspiração no trabalho criativo em dança.
• Trabalho com a técnica terapêutica do “Jogo de Caixa de Areia”, desenvolvido por Dora
Kalff (KALFF, 1966), com pinturas e desenhos na situação analítico-terapêutica.
• Estágios em Psiquiatria, em instituições que enfatizam o aspecto terapêutico das artes
plásticas em pacientes esquizofrênicos.
Uma terceira porta espera ser aberta, relacionada com um trabalho de amplificação, tanto
no processo analítico como no processo criativo de dança, busca um relacionamento com o
dinamismo autônomo do processo inconsciente das imagens, chamado “Imaginação Ativa”.
Eu tratarei este tópico separadamente, devido à especificidade deste instrumento de trabalho,
ao lidar com imagens como linguagem do inconsciente.
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2 REFLEXÕES SOBRE A DANÇA
Aquilo se move e aquilo não se move;
Aquilo está longe e ao mesmo tempo perto;
Aquilo está dentro de tudo isto e também está fora de tudo isto.3
Isha Upanishad
O que dizer de um grande bailarino, que transforma o corpo em espírito,
que faz um gesto comum virar um ritual poderoso? A dança transforma
biologia em uma metáfora do corpo espiritual da mesma maneira que a
poesia transforma palavras comuns em formas que permitem significados
que as palavras normalmente não podem exprimir. (HIGHWATER, 1992:
218.)
Uma vez, em uma palestra sobre Religiões Comparadas no Instituto Jung de Zurique,
o Professor Henking (então diretor do Museu de Etnologia da Universidade de Zurique) falava
sobre a experiência do numinosum. (Numinosum é um termo usado para definir a experiência
do sagrado / JUNG, 1978: # 6). Ele se lembrou então de um espetáculo de dança de Harald
Kreutzberg em uma praça pública da cidade de Berna, na Suíça. Este espetáculo acontecera
na década de 1960. Curiosamente havia entre os ouvintes da palestra uma mulher que também
estivera presente naquele espetáculo, que por sinal fora um dos últimos de Kreutzberg.
Professor Henking disse que a praça estava amontoada de gente. Na última peça, Kreutzberg
dançou a “Morte”. Ao fim da dança um silêncio total tomou conta da audiência. Por alguns
minutos, ele disse, ninguém se moveu. E ele concluiu sua narrativa dizendo que Kreutzberg
muito provavelmente não havia previsto tal reação, que acontecera espontaneamente a partir
da “afinação” em vários níveis tanto nele, como na audiência, como entre os dois.
Uma das pioneiras da dança moderna no ocidente, no início do século passado,
foi a americana Ruth St. Denis. Em sintonia com as revoluções na arte em seu tempo, sua
abordagem na dança era característica por suas dimensões interiores. Ela escreveu: “Nossa
dança é uma escultura viva de nós mesmos” (ST. DENIS, 1997: 20). E também: “Dançar é
relacionar-se com a totalidade do Universo” (ST. DENIS, 1997: 27). A relação intrínseca
entre dança e vida, entre o homem e o cosmos é uma espécie de denominador comum entre
todos os grandes bailarinos e coreógrafos. Merce Cunningham, bailarino, coreógrafo dos
That moves and That moves not; That is far and the same is near; That is within all this and also is outside
all this. (AUROBINDO, 1986: 2)
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mais renomados do século passado, deixou claras contribuições no desenvolvimento da
dança contemporânea que ele formulou de uma maneira muito concreta e viva:
Para mim, parece evidente que dançar é um exercício espiritual em forma
física, e que o que é visto, é o que é. E eu não acredito que seja possível
ser “simples demais”. O que o bailarino faz é a coisa mais realista de todas
as coisas possíveis, e achar que um homem de pé numa colina poderia
estar fazendo qualquer outra coisa além de unicamente estar de pé, é criar
uma separação – separação da vida, do sol nascendo e se pondo, da chuva
que cai das nuvens e te obriga a entrar num boteco para um cafezinho,
de cada coisa que sucede cada coisa. Dançar é uma ação visível da vida.
(CUNNINGHAM, 1977: 67.)
Seria muito difícil chegar a uma definição concisa de dança, especialmente em um
tempo como o nosso, onde diversidade é a palavra chave. A dança preenche hoje, mais do que
nunca, as mais diversas funções em nossas vidas. O sentido varia de acordo com os contextos
culturais de onde brota e onde está inserida. Comentar consistentemente sobre o lugar e o
papel da dança no mundo hoje seria um trabalho imenso, que vai muito além do nosso objetivo
aqui. Eu quero unicamente chamar a atenção de vocês para a grande diversidade de suas
formas, expressões e funções hoje em dia. Um aspecto, porém, permanece como uma questão
aberta para mim: O que aconteceu com o valor sagrado da dança? Ou estamos buscando
conscientemente outro valor, outro jeito, mais integral e mais convincente de experimentá-la?
Lembro aqui o movimento forte que aconteceu em Monte Verita, no sul da Suíça, no início
do século passado, que enfatizou a integração da dança com a natureza e o relacionamento
natural com o corpo. E pensar que já faz um século que isto aconteceu. Foi aí que nasceu
a dança moderna europeia com Rudolf Von Laban, Mary Wigman, Susanne Perrottet, Kurt
Jooss, Rosalia Chladek, Harald Kreutzberg, para mencionar os mais importantes. Para onde
foi tudo isto? O que aconteceu com aquela concentração de energia e explosão criativa?
A meu ver, como é comum em tais movimentos de revolução de consciência, houve uma
diluição e diversificação deste potencial, espalhando-se e influenciando o mundo todo. E me
parece que temos hoje um movimento global – em minha opinião, de uma natureza ainda
inconsciente e bastante coletiva – em direção a uma redescoberta do sagrado no profano.
O redimensionamento do corpo na dança e no teatro; de um tempo para cá, sua função e
significado na vida moderna apontam nesta direção.
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2.1
O CORPO
Conta a estória (Aitareya Upanishad) que uma vez os deuses quiseram
descer e habitar um corpo terreno. Várias formas animais (a vaca, o cavalo)
lhes foram apresentadas uma após a outra, mas eles não estavam satisfeitos,
nenhuma foi considerada adequada para sua habitação. Finalmente a
figura humana (com sua personalidade consciente) lhes foi oferecida e
eles imediatamente declararam que esta era de fato a forma perfeita que
precisavam... E eles entraram nela. (GUPTA, 1972: 8.)
Na dança o corpo é o instrumento. Tudo acontece dentro dele e através dele. Ele
expressa o que foi experimentado; ele o forma. Através do corpo ele se torna visível e através
dele pode também ser refinado e feito transparente. Nolini Kanta Gupta, o autor do texto
acima, acrescenta:
O corpo humano é a morada dos deuses... Mas o mais significante nisto
é que não são apenas os deuses que moram nele: todos os seres, todas as
criaturas se amontoam aí, até mesmo as profanas e não divinas. (GUPTA,
1972: 80.)
Ele nos dá aqui uma imagem da dimensão cósmica do corpo, da complexidade que
está condensada nele. Uma vez um participante de um dos meus cursos intensivos de dança
comentou sua experiência com o trabalho, que diz respeito a esta qualidade de densidade do
corpo. Ele disse:
O que mais me impressionou no curso todo foi o próprio corpo, o fato
de que ele é uma coisa que não dá para esconder. A gente se veste, por
exemplo, mas não consegue escondê-lo. Não dá para nos escondermos nele
e consequentemente também nos escondermos dos outros.
Esta experiência de sentir-se exposto é uma etapa importante no processo de tornar-se
consciente. Esta qualidade do corpo de dar expressão ao que somos significa uma porta aberta,
tanto para dentro quanto para fora. É exatamente esta experiência de estar exposto que nos
conecta, tanto com os aspectos divinos quanto com os não divinos, com os lados de luz e de
sombra que coexistem em nós. Esta é uma experiência frequente e indispensável, sempre que
nos aventuramos em um trabalho criativo com o corpo. Lama Anagarika Govinda (o primeiro
ocidental a ser aceito como um lama tibetano) diz isto em uma imagem bela e forte:
O corpo é por assim dizer o palco situado entre o céu e a terra, no qual se
encena o drama anímico-cósmico. Para o conhecedor, o iniciado, ele é o palco
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sagrado de uma peça religiosa inimaginavelmente profunda. (GOVINDA,
1966: 173.)
Não precisamos buscar longe. Basta pensar, por exemplo, na expressão das emoções
e dos sentimentos no dia a dia. Há sempre um grande espectro de emoções e sentimentos
constantemente ativo em cada um de nós. Nós somos movidos continuamente por imagens
interiores ou exteriores, pessoas, eventos, objetos, e assim por diante. Na maior parte do
tempo não nos damos conta das nossas reações a estes estímulos, mas eles sempre acham
um meio de expressão, e na maioria das vezes, através de uma linguagem corporal. Um
gesto ou uma mímica, a tensão ou o relaxamento do corpo ou de partes dele, um sorriso,
um piscar de olhos, uma mudança na qualidade da respiração, estão entre reações comuns
que encontramos. As reações mais extremas serão encontradas provavelmente nos sintomas
psicossomáticos. Ao observar seu próprio processo, em conexão com o trabalho em suas
Memórias, Jung disse:
Escrever minhas memórias de infância tornou-se uma necessidade. Se eu
deixo de fazê-lo por um dia só, aparecem imediatamente sintomas físicos
desagradáveis. Assim que eu retomo o trabalho eles desaparecem, e minha
cabeça fica lúcida. (JUNG, 1963: vi.)
Emoções e sentimentos são constantemente percebidos e registrados pelo corpo, e
através dele comunicados aos outros.
E este é apenas um aspecto. Qualquer outro domínio do nosso ser deixará
constantemente suas impressões no corpo e encontrará suas expressões nele ou através dele.
Parece-me, portanto, muito correto dizer, como Anagarika Govinda, que o corpo é o lugar
onde o drama anímico-cósmico acontece.
Esta reflexão nos faz também levar em consideração o quão difícil é estabelecer uma
separação clara entre corpo e alma. A psique humana é uma totalidade unificada que inclui o
corpo. Podemos mesmo dizer que nós somos corpo, e não apenas que vivemos nele ou com
ele.
Em culturas arcaicas o corpo e o cosmos não eram vistos como independentes um do
outro. Nelas, tanto a influência do cosmos no homem quanto à influência do homem no cosmos
era uma realidade inquestionável. Com o despertar e o estabelecimento da mente racional,
este sentido de união foi mudado, categoricamente, e pode-se dizer, quase completamente
rompido. O corpo tornou-se uma espécie de escravo da mente, cada vez mais, à medida
que os hábitos do homem se distanciaram das leis e ciclos da natureza. Podemos dizer que
12
segundo a consciência do homem moderno, ele não vive mais no corpo, mas com um corpo.
Ao mesmo tempo em que hoje conhecemos muitíssimo sobre a estrutura e o funcionamento
do corpo, nos achamos cada vez mais distantes do seu funcionamento instintivo.
Outro aspecto importante nas culturas da antiguidade – encontrado em certas culturas
até hoje – era o sentido de incrustação do individual no coletivo. Sua relação com o corpo
correspondia e era influenciada por isto. A complexidade da vida moderna parece ter-nos
distanciado ainda mais do corpo como uma realidade evidente e indispensável, como uma
parte característica e inseparável de nós mesmos. A crença cega na medicina alopática – uma
substituição para o sacerdote ou shaman das culturas antigas – gera uma falta de consideração
quase total das qualidades de auto-cura do corpo, atribuindo a ele, quase que exclusivamente,
a imagem de um portador potencial de doenças. Charles H. Taylor, no prefácio do livro The
Body: an Encyclopedia of Archetypal Symbolism (O Corpo: uma Enciclopédia de Simbolismo
Arquetípico) nos apresenta uma formulação clara deste momento:
Na cultura ocidental contemporânea, o corpo humano é o foco de uma atenção
fascinante, até mesmo de uma preocupação obsessiva. Esta fascinação se
manifesta nas imagens visuais da arte do século XX, na propaganda, e na
fotografia, estendendo-se desde idealizações sedutoras até a pornografia
explicita. Aplicamos recursos enormes de tecnologia moderna, saúde pública
e ciência médica para adiar ou reparar doenças físicas, idade avançada e
degeneração. Um dos objetivos principais da mudança dos estilos de vida
e das intervenções cirúrgicas é prolongar a experiência ou a ilusão de
juventude. Ainda assim, nossa obsessão com o corpo é confrontada com o
fato inescapável, de que nesta vida nossa consciência reside numa forma
física, que deve no fim retornar ao pó. (ELDER, 1996: vii.)
Mas isto é tudo? O corpo está simplesmente sujeito a esta realidade fatal, ou há ainda
algo mais esperando para ser descoberto? Existe uma chance de transformação enquanto ainda
vivemos nesta forma humana? Nós lemos e ouvimos sobre santos no Oriente e no Ocidente,
que tiveram seus corpos diretamente afetados por seus processos interiores. A história nos
conta do perfume de flores exalando das feridas de um Santo, outros como Nicolaus Von
Flue na Suíça viveram por muitos anos sem comer. Um Santo no Sul da Índia fechou-se
num quarto e se dissolveu em luz. O que aconteceu ali? O efeito somático que Jung sentiu
enquanto confrontado com a urgência interior de anotar suas memórias é uma experiência
muito mais próxima de nossa realidade corriqueira. Mas em minha opinião, ela aponta na
mesma direção. A busca em nós não pode ser parada. Mais do que nunca, a sombra da morte
parece espreitar por entre as dobras do tempo. Evitamos o confronto, evitamos diariamente
a questão que nos arranha por dentro, porque ela é simplesmente grande demais para a nossa
13
consciência atual. Mas isto não quer dizer que ela não exista. A ciência moderna é um reflexo
disto. Escrutinamos a célula e o átomo até suas partículas mínimas com todos os meios
técnicos que temos à nossa disposição. O que é que estamos procurando? Uma fagulha do
espírito na matéria, o ponto de união de corpo e alma? Ao mesmo tempo, buscamos tão longe
quanto possível o interior do universo aberto. O que acontecerá quando o mais próximo de
nós – nas células de nosso corpo – e o mais longe – que se encontra bem além das estrelas
– for percebido, um dia, como uma única e mesma coisa? Qual é o significado do corpo em
todo este processo? Ele passará por mudanças e continuará existindo como tal?
Se somos formados por esta matéria, é porque esta matéria tem sua plenitude
própria e sua própria dimensão – onde encontramos a semente que termina
em uma não-árvore? Esta semente de matéria, simbolizada por este corpo,
tem que ter seu sentido e sua chave. (SATPREM, 1976: 6.)
Sri Aurobindo, o grande pensador indiano do século passado, nos fala disso em uma linguagem
poética:
De muitas faces porém é a Alma cósmica;
Um toque pode alterar a frente fixa do destino.
Uma virada súbita pode vir, um caminho aparecer.
Uma Mente maior pode ver uma Verdade maior.
Ou talvez achemos quando todo o resto tiver falhado
Escondido em nós mesmos a chave da mudança perfeita.4
(AUROBINDO, 1972: 256.)
No editorial do livro O Corpo mencionado acima, Annmari Ronnberg re-introduz este
tema, acrescentando mais nuances a ele, relacionando o corpo com a natureza, salientando o
significado mais profundo da consciência ecológica crescente em nossos dias.
Muitas vozes estão chamando nossa atenção para a natureza e o corpo. Atrás
da linguagem dura dos vícios, doenças, ou poluição da terra, podemos ainda
descobrir instruções novas de como viver. Sem a sabedoria da natureza nossa
cultura não pode sobreviver. Estamos sendo desafiados a ver o corpo natural
não mais como separado de alma e espírito, exatamente como a ciência
4
But many-visaged is the cosmic Soul;
A touch can alter the fixed front of Fate.
A sudden turn can come, a road appear.
A greater Mind may see a greater Truth,
Or we may find when all the rest has failed
Hid in ourselves the key of perfect change.
14
moderna começou a descobrir que uma imagem em nossa mente pode afetar
o corpo e provocar cura. (ELDER, 1996: xvi.)
E ela continua, fazendo menção ao poeta e pintor inglês William Blake:
Talvez a voz do Diabo em William Blake “Marriage of Heaven and Hell”
(Casamento do Céu e do Inferno) conheça a verdade... sobre o corpo,
quando ele diz: “O homem não tem um Corpo distinto de sua Alma; pois isto
chamado Corpo é uma porção de Alma distinguida pelos cinco Sentidos, as
aberturas principais da Alma nesta existência”. (ELDER, 1996: xvi.)
Afinal, lembremos Jung, que nos abriu os olhos para a dimensão do potencial criativo
escondido em nosso lado de sombra. E relembrando também a experiência decisiva de
Beuys com a escultura de Lembruck (Quadro 1): “Schütze de Flame!” (Proteja a chama! /
BROCKHAUS, 1997: 81), quero concluir este capítulo com mais algumas linhas poéticas de
Sri Aurobindo, evocações da mesma chama.
Ó raça, compelida pela força, movida pelo destino, nascida da terra,
Ó aventureiros mesquinhos em um mundo infinito
E prisioneiros de uma humanidade anã,
Por quanto tempo percorrerás os rastos circulantes da mente
Ao redor do teu pequeno self e coisas miseráveis?
Mas não para pequenezas imutáveis foste planejado,
Nem para a repetição vã foste construído;
Foste feito da substância do Imortal;
Tuas ações podem ser passos rápidos reveladores,
Tua vida um molde cheio de mudanças para deuses crescentes.
Um Vidente, um Criador forte, está dentro,
A Grandeza imaculada se prepara sobre os teus dias,
Poderes estupendos estão encerrados nas células da Natureza.5
(AUROBINDO, 1972: 320.)
5
O Force-compelled, Fate-driven earth-born race,
O petty adventurers in an infinite world
And prisoners of a dwarf humanity,
How long will you tread the circling tracks of mind
Around your little self and petty things?
But not for a changeless littleness were you meant,
Not for vain repetition were you built;
Out of the Immortal’s substance you were made;
Your actions can be swift revealing steps,
Your life a changeful mould for growing gods.
A Seer, a strong Creator, is within,
The immaculate Grandeur broods upon your days,
Almighty powers are shut in Nature’s cells.
15
QUADRO 1 – LEHMBRUCK
16
2.2
VIDA E MOVIMENTO
Encontramos na mitologia indiana a ideia de que o universo originou-se do ritmo dos
pés dançantes do Deus Shiva. O mundo em que vivemos, a própria vida, e o que somos –
interior ou exteriormente – nada mais é que a expressão continuamente evolutiva em dança
do mundo interno de um Deus. Se atrás de cada processo criativo existe uma imagem original,
o que será que moveu Shiva a dançar?
A ideia, de que o mundo foi concebido pela dança de um Deus, é fácil de aceitar, se
considerarmos a conexão íntima que existe entre vida e movimento. A prova mais simples disso
é que tudo o que vive se movimenta. Movimento é uma das qualidades essenciais da vida. A
evidência mais óbvia disto é que o sinal de morte é a parada completa das funções corporais,
que se manifestam e se caracterizam pela ausência de movimento. O Isha Upanishad, um
dos livros sagrados que constituem a base da Cultura Indiana, vê a imagem de movimento na
própria origem da criação:
Aquele que não se move é mais rápido do que a Mente, Este os
Deuses não alcançam, pois isto progride sempre adiante. Este, parado,
ultrapassa os que estão correndo. Neste o Mestre da Vida estabelece
as Águas.6 (AUROBINDO,1986: 2.)
Uma das palavras para água em Sânscrito é Apah. De acordo com os Vedas, um dos
significados de Apah é “aquilo que se move continuamente, mesmo quando parece parado”.
É interessante notar que um dos simbolismos principais para água é “vida” ou “energia de
vida”. Já é um conhecimento geral, hoje em dia, que o átomo é composto de partículas de
energia em um movimento de interação constante. Consequentemente, tudo o que vemos
existe em movimento e através do movimento. Todo o universo parece ser uma interação
constante de corpos em movimento. Olhando assim vemos que estamos muito perto do mito
de criação mencionado acima.
Em correspondência a isto, cada um de nossos movimentos está necessariamente em
uma conexão direta com tudo o que vive. Se observarmos bem, encontraremos em cada um
dos movimentos que fazemos um paralelo com alguma lei da natureza. Tomemos por exemplo
o movimento de abrir: abrir nossa mão para pegar ou segurar ou receber alguma coisa, ou
abrir os nossos olhos quando acordamos, ou abrir nossa boca quando bocejamos. Fazendo
One unmoving that is swifter than Mind, That the Gods reach not, for It progresses even in front. That,
standing, passes beyond others as they run. In That the Master of Life establishes the Waters.
6
17
isto estamos simplesmente nos conectando com todos os movimentos de abrir da natureza ou
da vida. Uma das matérias em meus estudos de dança contemporânea foi “Forma”. Em uma
destas aulas estávamos explorando movimentos de abrir e de fechar, baseados em formas
abertas e fechadas. O professor disse então:
Imaginem que enquanto vocês fazem o movimento de vocês, vocês estão se
conectando instintivamente com tudo no universo que neste exato momento
está abrindo e fechando. E isto vai do mais sutil até o mais concreto.
Uma porta escancarou-se para mim naquele momento. Eu entendi outra dimensão do
movimento. Meu movimento pessoal foi instantaneamente carregado de uma qualidade
impessoal, arquetípica. Evidentemente, o simples fato de pensar nisto nos permite uma
percepção mais ampla do movimento, aplicando-lhe mais qualidade. Mas, quanto à sua
dimensão inconsciente, como Jung deixou bem claro, não basta a compreensão intelectual. É
necessário também “entender com o valor do sentimento” (JUNG, 1979, # 58). É aqui onde
a dança oferece a chance para esta experiência. Porque na dança temos o “movimento por
causa do movimento”. (TERPIS, 1946: 14)
Lisa Ullmann, que desenvolveu um trabalho pedagógico maravilhoso de dança criativa com
crianças, escreve:
Encontramos movimento em cada atividade humana. Porque acreditamos
então que exatamente a dança pode contribuir alguma coisa para a preparação
para a vida (...) que é a proposição de cada processo educacional? Na dança
nos imergimos no processo da ação do movimento por si mesma, que em
outras atividades, por exemplo, no esporte ou no trabalho, nossa concentração
é dirigida para o resultado prático de nossa ação. (...) Um dos objetivos da
dança na educação, e em minha opinião o mais importante, é ajudar o ser
humano a encontrar uma relação corporal com o todo da existência. (LABAN,
1988: 125.)
É aqui que eu vejo o potencial enorme da dança como um caminho de auto-exploração
e auto-desenvolvimento, e dito mais precisamente, um instrumento apropriado no processo
de individuação.
Um dos elementos que contribui para a experiência do valor-sentimento em qualquer
processo é a imagem produzida pelo inconsciente, porque ela traz em si um potencial
energético. Na dança, pelo fato de nos darmos ao “movimento pelo movimento”, a conexão
com estas imagens torna-se uma consequência natural do processo.
18
2.3
OS ELEMENTOS BÁSICOS DO MOVIMENTO: ESPAÇO, TEMPO, ENERGIA
Se falamos de dança, somos forçados a lidar com sua estrutura objetiva, ou podemos
dizer, com a anatomia do movimento. Como um movimento se constitui? Um movimento
só pode existir, se os três elementos – espaço, tempo e energia7 – estão presentes. Em outras
palavras, não se pode conceber um movimento sem um destes três elementos. Eles constituem
uma unidade indivisível e podem ser considerados como variáveis interdependentes, no que
concerne o movimento. No entanto, tendemos frequentemente no trabalho em dança, ou
quando analisamos movimento, a focalizar em cada um deles separadamente. Cada um tem
sua própria estrutura e propriedades bem definidas. Juntos eles constituem o esqueleto da
linguagem do movimento ou a gramática do movimento. Podemos dizer que a dança, vista
no seu aspecto motor ou instrumental, não é nada mais que a interação dinâmica de espaço,
tempo e energia. Por isso todo treinamento de dança que pretende ser completo tem que lidar
com eles, com suas complementaridades e oposições, seus potenciais e possibilidades. Cada
forma ou estilo de dança se baseia nestes princípios básicos, cada um incorporando uma
combinação ou variação específica da interação destes elementos.
Rudolf von Laban, o pai da Dança Moderna Europeia, já no início do século passado,
em um período de uma enorme revolução nas artes, começou “a pesquisar o movimento sob
um novo ponto de vista e a por em prática o conhecimento adquirido” (LABAN, 1988: 11).
Ele foi, podemos dizer, “um cientista do movimento”. Seus estudos meticulosos e sua análise
do movimento deram origem a um sistema pedagógico muito bem estruturado. Ele organizou
as diferentes possibilidades de combinação de espaço, tempo e energia em um sistema
complexo, que provou ser de amplo uso, tanto para o processo de ensinar e aprender dança
– na escola ou no palco – como para a observação científica do movimento, por exemplo,
no campo da Psicologia do Trabalho ou da Terapia do Movimento. Ele abria um caminho
amplo e concreto para a compreensão, estudo, desenvolvimento e aplicação do movimento
não somente na dança como também na vida do dia a dia.
Irmgard Bartenieff foi uma aluna de Laban, que desenvolveu seu trabalho pedagógico
e terapêutico nos Estados Unidos, baseado na sua “análise do movimento”. No prefácio de
seu livro Movimento do Corpo – integrando-se com o ambiente ela nos dá uma apresentação
maravilhosa e bastante elucidativa do seu trabalho hoje.
Quando o trabalho e a gramática de Laban se desenvolveram com colegas
e alunos, era aplicado primeiramente à criação, apresentação e ensino da
7
Usa-se também comumente o termo força com o mesmo significado.
19
dança e educação física. Hoje, no entanto, a Análise de Laban tem aplicações
muito mais amplas. Para psiquiatras, psicólogos, antropólogos, etnólogos,
sociólogos, e outros profissionais da área, a comunicação não-verbal do corpo
pode ser incorporada a outros recursos para refinar o lidar com mudanças
de distinções e medidas. O terapeuta de dança pode ajudar os pacientes a
experienciar mudanças sutis nos movimentos de seus corpos e compreender as
implicações psicológicas delas. Artistas usam as técnicas de análise de Laban
como um instrumento adicional tanto na observação como na execução de
seus trabalhos. Isto é, relacionando os próprios corpos às qualidades que eles
percebem nos modelos e nas imagens, eles podem transmitir estas qualidades
através do seu tipo de arte. (BARTENIEFF, 1990: viii.)
E ela continua, especificando o papel que o trabalho com a dança pode ter em nossas
vidas em geral:
A dança é considerada frequentemente como uma categoria separada
de experiências de movimento, de tal forma que ela fica excluída
desnecessariamente do treino e experiência das outras disciplinas. A estrutura
da análise de Laban não mantém uma separação tão definida. Há diferenças
de intenção, escolha e graus de uso corporal, mas os componentes de todos os
movimentos do corpo são os mesmos. Desde que a dança ofereça combinações
dos componentes em intensidades aumentadas, qualquer estudante de
movimento corporal por qualquer razão pode incorporar as observações das
análises de dança. (BARTENIEFF, 1990: viii.)
Mais tarde ela descreve a maneira de desenvolver este trabalho:
Laban observou o processo do movimento em todos os aspectos da vida: das
artes marciais aos padrões espaciais na maneira Sufi de tecer tapetes, trabalhos
manuais em fábricas, padrões rítmicos em danças folclóricas, artesanatos e
o comportamento de pessoas com distúrbios mentais. Era o próprio processo
que compelia sua atenção, não apenas os pontos finais ou objetivos da ação,
e ele, com seus colegas, transformou as observações do movimento em
um método de experimentação, observação e documentação refinadamente
preciso, de modo que as implicações funcionais e expressivas do movimento
do corpo tornaram-se cada vez mais aparentes. (BARTENIEFF, 1990: ix.)
E aqui, na formulação de Lisa Ullmann, outra colaboradora de Laban, vimos as ideias
básicas da sua análise do movimento, sobre as quais eu pretendo desenvolver mais adiante
neste trabalho:
A estrutura de trabalho da dança requer o domínio de:
20
• Energia muscular ou força, que é necessária para oferecer resistência à gravidade,
incluindo esforço e seu oposto;
• A velocidade de nossas ações no tempo, incluindo aceleração e seu oposto;
• O desdobramento de nossos movimentos em caminhos definidos no espaço,
incluindo a variedade de direções e seus opostos;
• As diferentes possibilidades de combinar Força – Tempo – Espaço, e também
a fluidez e a continuidade das formas de movimento, incluindo sua fixação e as
pausas resultantes (LABAN, 1988: 100).
2.3.1 ESPAÇO
No que se refere ao ESPAÇO, Laban desenvolveu o conceito da “Cinesfera” a partir da
cruz tridimensional, que define o espaço físico (Diagrama 1 / BARTENIEFF, 1990: 25).
O ponto central da cruz corresponde, na Cinesfera, ao ponto físico central em nosso
corpo, que segundo Klauss Vianna,8 se localiza aproximadamente quatro dedos abaixo do
umbigo. E Laban explica:
Onde quer que o corpo se mova ou permaneça, ele é rodeado pelo espaço.
Imediatamente ao redor do corpo há a “Cinesfera”, uma esfera de movimento,
cuja periferia podemos atingir esticando nossos membros, sem mudar nosso
ponto de apoio – ou o lugar onde o peso do corpo está apoiado. A parede
interna imaginária deste espaço de movimento pode ser tocada por nossas
mãos e pés, e todos os pontos são alcançáveis. (LABAN, 1988: 100.)
Quando a posição no espaço é mudada, o espaço pessoal se movimenta no espaço
coletivo. “De fato nunca saímos de nossa Cinesfera, mas a carregamos conosco como um
invólucro” (LABAN, 1988: 100). Se nós quisermos alcançar para fora da Cinesfera a partir
de seu centro encontraremos, além das direções principais que definem a cruz tridimensional,
um grande número de diagonais, que são combinações cada vez mais variadas das três direções
básicas: frente - trás, cima-baixo, direito-esquerda. Baseado no conceito da Cinesfera e
seguindo estes diagramas, Laban diferencia os “movimentos centrais”, que acontecem perto
ou em volta do centro do corpo, dos “movimentos periféricos”, que se alongam ou se alargam
para dentro do espaço ao redor do corpo.
8
Informação verbal direta em trabalho com ele.
21
DIAGRAMA 1 – (BARTENIEFF, 1990)
22
Há uma dimensão psicológica básica nesta diferenciação: é a relação entre meu próprio
espaço e o espaço dos outros, entre o espaço pessoal e o espaço coletivo. E isto não diz respeito
apenas ao espaço físico. Há aí sem dúvida uma dimensão psicológica interna; pois, visto mais
amplamente, isto se relaciona, reflete e expressa à maneira como me “movimento” na vida,
no mundo. É uma tendência natural de uma pessoa introvertida, ou usando uma linguagem
menos técnica, de uma pessoa tímida, de ocupar pouco espaço, e o oposto se observa em uma
pessoa extrovertida, expansiva. Costuma-se dizer de uma pessoa extrovertida, que “ela é
muito espaçosa”. A tendência de uma pessoa tímida ao entrar em uma festa, em um lugar que
não lhe é familiar, é permanecer nas periferias e buscar pontos de referência ou mesmo apoios
físicos (uma coluna, uma mesa, uma parede). Isto fica ainda mais evidente ao entrar em um
espaço amplo e quase vazio. Observamos isto nos alunos de dança ao entrarem na sala de
aula, sobretudo pela primeira vez. Temos aqui um exemplo claro do significado psicológico
da nossa relação com o espaço. O expor-se publicamente é evidenciado nesta reação. O
quadro clínico psiquiátrico da “Agorafobia” representa justamente uma exacerbação deste
sentimento de insegurança extrema em relação ao espaço aberto. É onde o próprio elemento
ESPAÇO, enquanto o VAZIO (em sânscrito: AKHASH) se torna ameaçador. E é justamente
neste aspecto “vazio” do espaço que se encontra a sua dimensão criadora.
A mesma pessoa da situação citada acima reagiria provavelmente de maneira bastante
distinta ou mesmo oposta se estivesse sozinha neste mesmo espaço ou em um ambiente
que lhe fosse familiar. Isto é uma expressão direta de como eu me relaciono com os outros,
com o coletivo, e provavelmente também com a vida. Várias pessoas ao me procurarem
pela primeira vez à procura de informação sobre o meu trabalho com a dança dizem que
adoram dançar sozinhas em seus quartos, mas que não sabem se seriam capazes de fazer o
mesmo junto com outros, em uma aula, por exemplo. E podemos esperar a reação contrária
de uma pessoa com o temperamento oposto. Na interpretação de desenhos usados como
testes projetivos a maneira como a pessoa usa o espaço do papel é uma das indicações mais
evidentes e facilmente identificável desta dimensão da personalidade. Uma pessoa tímida e
que consequentemente tem dificuldade em se “projetar” na vida tende a fazer figuras pequenas
com relação ao tamanho do papel e a posicioná-los nos cantos ou nas beiradas dele. Uma
pessoa expansiva tenderia a desenhá-las grandes, ocupando a página toda e mesmo fazê-las
maiores do que cabem no papel.
Apresentei aqui dois aspectos opostos na personalidade para tornar o conceito mais
palpável. Mas a relação entre o espaço pessoal e o coletivo tem muitas outras dimensões. A
principal delas é a relação com o centro. Ela implica uma disposição natural – consciente
ou inconsciente – de relacionar-se com o próprio centro. Quanto melhor alguém se
23
relaciona consigo mesmo (e isto implica em conexão com seu centro) tanto mais natural
e espontaneamente ele interagirá com o centro do espaço, saberá relacionar sua Cinesfera
com o espaço coletivo, e tão mais fácil lhe será mover dentro de um espaço previamente
delimitado.
Outra maneira de lidar com o espaço é fixando o centro da cruz tridimensional não no
centro do próprio corpo (da Cinesfera), mas no centro do espaço dado. Estamos falando aqui
naturalmente de um espaço claramente definido. A combinação destas três dimensões duas
a duas, definirá três superfícies diferentes, as quais Laban chamou de PORTA (eixos cimabaixo/direita-esquerda), RODA (eixos cima-baixo/frente-atrás) e MESA (eixos frente-atrás/
direita-esquerda) – (Diagrama 2 / BARTENIEFF, 1990: 31). Cada uma destas superfícies
dividirá o espaço em duas metades:
1 ) frente/atrás
2 ) direita/esquerda
3 ) cima/baixo
Esta é uma das estruturas básicas levadas em consideração no palco clássico. Ela
é muito útil em trabalhos de grupo, porque define uma estruturação do espaço igualmente
válida para todos os que o utilizam.
Além disso. esta estruturação toca em motivos arquetípicos. Voltarei ao tema quando
lidarmos com a dimensão simbólica do movimento e do espaço.
2.3.2 TEMPO
No movimento em geral e na dança em especial, a dimensão TEMPO é considerada
sobretudo no seu aspecto mensurável. Vemos tempo como uma adição ou combinação ou
sequência de medidas definidas de tempo. Vivemos em um tempo medido. E é exatamente
pelo fato de podermos medi-lo e, consequentemente, estruturá-lo – imprimindo certo controle
consciente em algo que em sua essência é muito maior do que a dimensão consciente pode
abarcar – que ele é normalmente visto sob este prisma. Mas o tempo tem também e antes de
tudo as qualidades de continuidade, fluxo e infinito. Aqui, da mesma forma como com o espaço,
nos deparamos com seus dois aspectos: o pessoal e o coletivo. Quanto mais nos conectamos
com a dimensão de continuidade do tempo, tanto mais entramos no tempo pessoal, no nosso
próprio ritmo interno. O que é curioso é que tocamos aí também uma dimensão coletiva mais
profunda, o próprio princípio de continuidade da vida. O tempo como tal é experienciado
24
DIAGRAMA 2 – (BARTENIEFF, 1990)
25
como uma unidade em si, sem começo nem fim, no qual a vida e a existência se desdobram.
Continuidade é então um aspecto da dimensão infinita do tempo. Se esperamos ansiosamente
por alguém que está atrasado para um encontro, percebemos a mesma duração de tempo de
uma maneira completamente diferente de quando estamos calmamente ocupados com uma
atividade com a qual estamos identificados. A Dança Butoh, nascida como uma revolução na
dança no Japão no século XX, por exemplo, se relaciona fortemente com esta dimensão do
tempo.
O tempo medido estabelece uma estrutura para o funcionamento e a interação coletivos.
Mas aqui também em sua origem ele espelha leis ou princípios cósmicos de estruturação e
organização. Na base de qualquer ritmo está implícita uma pulsação, uma batida básica,
como a pulsação de nossos corações, a alternação de dia e noite, a transformação regular
das estações, os ciclos da lua, a pulsação das estrelas. Tecidos nisto temos as miríades de
padrões rítmicos de eventos naturais, dos mais minúsculos até os não mesuráveis, e nós, seres
humanos, como parte deste concerto percussivo cósmico. Um padrão rítmico em uma peça de
dança, assim como em qualquer movimento eventual de nossas mãos enquanto falamos, nada
mais é do que um espelhamento ou uma variação de um destes motivos. E as possibilidades
de variação são infinitas – provido que o fogo continue a queimar dentro da matéria, como
Beuys o experimentou, na obra de Lehmbruck.
Esta conexão íntima entre ritmo e vida é facilmente perceptível enquanto ouvimos os
tambores da Nigéria. Ela se torna muito mais sutil e refinada na linguagem da tabla indiana.
Nas canções rituais dos Monges Tibetanos ela se transforma em um movimento cíclico
profundo. Mas eu vi o mesmo impulso em minha própria filha na idade de três ou quatro
anos, enquanto sentada no pinico no banheiro de nossa casa. Por aproximadamente meia hora
ela estava imersa em canções que ela criava espontaneamente, inventando e contando estórias
através delas, e se acompanhando com uma batida regular, que executava no chão com um
pedaço de pau. O ritmo está presente em tudo na vida. Neste exato momento, enquanto
escrevo estas linhas, ouço o barulho de uma máquina vindo de fora. Há um pulsar nele, e o
ritmo varia de acordo com a velocidade. Vemos ritmo no jeito como estruturamos o nosso
dia, na maneira como nossos livros estão colocados nas prateleiras da estante, nos padrões
das janelas do prédio do outro lado da rua, no jeito de caminharmos. Observe como você está
vestido, observe sua respiração, observe as palavras que você está lendo agora. Ritmo é a
pulsação de vida e uma parte indispensável de sua estrutura natural. Portanto o aspecto mais
elementar no trabalho de dança se baseia no ritmo. Começamos por caminhar, por exemplo,
e todo o resto pode se desenvolver a partir daí. Precisamos apenas observar e deixar que o
movimento siga seu próprio fluxo. Quanto melhor conseguirmos nos conectar com nosso
26
próprio pulso, mais fácil será nos conectarmos com uma estrutura pré-determinada, de uma
coreografia, por exemplo.
2.3.3 ENERGIA
Mais evidentemente do que com tempo e espaço, ENERGIA é o aspecto do movimento
que nos conecta mais diretamente com a vida. O elemento energia no movimento do corpo,
como mencionado acima, está relacionado com a resistência à gravidade. Em outras palavras,
visto de um ponto de vista mais profundo e mais amplo, ele se relaciona com a motivação
de viver. É uma porção da própria energia de vida se manifestando em nós, mobilizando,
sobretudo, os impulsos físicos, os instintos e os sentimentos. Estamos aqui, portanto, numa
relação direta com a dimensão inconsciente de nossa psique.
Outro aspecto característico da energia no movimento é a respiração. Jose Limon,
um dos expoentes da Dança Moderna Americana no século passado, fala em seu livro An
Unfinished Memoir (Uma Memória Inacabada) sobre o trabalho com sua professora Doris
Humphrey:
Com sua voz suave porém autoritária e sua maneira naturalmente serena
Humphrey nos ensinava tanto teoria como prática. Com uma lucidez espantosa
ela nos explicava os princípios nos quais se baseavam seus exercícios técnicos
– suspensão de respiração, queda e recuperação, tensão e relaxamento, frase
respiratória, ritmo respiratório: sempre a respiração (LIMON, 1999: 17).
Doris Humphrey foi uma das pioneiras da Dança Moderna Americana. Para ela,
a dança era uma expressão viva e imediata das dinâmicas entre vida e morte, o processo
contínuo de vida, crescimento, morte e renascimento. A respiração é o elemento que permeia
todo o processo. Gostaria de me conectar aqui com a gravura de William Blake da “Re-união
da alma e do corpo”. O ponto de união da Alma e do Corpo nela é a boca. Em certas culturas
antigas (mesmo no cristianismo medieval) encontramos a crença de que, quando alguém
morre, a alma deixa o corpo pela boca. Suponho que haja aqui uma conexão com a expressão
usada quando alguém morre: “Ele respirou seu último sopro” ou “um último suspiro e
morreu”. Encontramos em algumas casas antigas de madeira de certas regiões da Suíça uma
janela pequena, num dos lados, bem no alto, abaixo da cumeeira. Esta janela só é aberta
quando alguém desta casa morre. Sua função é permitir à alma deixar sua morada. Vendo o
corpo como nossa morada, podemos considerar esta janela como uma alusão à boca.
27
Na cultura indiana, a palavra sânscrita para respiração é prana. M. P. Pandit nos dá a
seguinte definição de prana: “Vida, força vital numa visão geral; especialmente é o primeiro dos
cinco pranas” (PANDIT, 1992: 191). Em consequência disto, dos dois processos principais da
Hatha Yoga (a yoga do corpo), considera-se o pranayama como o mais avançado. O primeiro
processo são as asanas ou posturas fixas do corpo, que visam sobretudo o desenvolvimento
da concentração, saúde, força e flexibilidade do corpo. O segundo são os pranayamas, ou
exercícios respiratórios para a purificação e o domínio da energia de vida no corpo. Pandit
define Pranayama como a “direção regulada e o controle das correntes de energia vital no
corpo, através de exercícios de respiração; controle da respiração ou força vital” (PANDIT,
1992: 191). De acordo com B. K. S. Iyengar, “Yoga é uma ciência pragmática sem tempo,
desenvolvida durante milhares de anos, que lida com o bem-estar físico, moral, mental e
espiritual do homem como um todo”. E ele continua: “O primeiro livro a sistematizar esta
prática foi o tratado clássico Os Yoga Sutras (ou aforismos) de Patanjali datando de 200 A.C.”
(IYENGAR, 1986: 21). Nele Patanjali coloca pranayama como a quarta das oito “etapas da
Yoga para a busca da alma” (IYENGAR, 1986: 21). O processo visado nestas oito etapas
corresponde, a meu ver, ao “processo de individuação” descrito por Jung em seus estudos
da estrutura psicológica do homem (JUNG, 2002: # 490). A última etapa é o samadhi ou o
estado de união com o Espírito Supremo que permeia o universo. Iyengar, comentando sobre
as três últimas etapas, escreve que eles “conduzem o yogue9 para os recessos mais íntimos
de sua alma. O yogue não olha para o céu para encontrar Deus. Ele sabe que Ele está dentro,
sendo conhecido como o Antaratma (o Si Interior). (...) Estas últimas etapas são chamadas
antaratma sadhana ou a busca da alma”. (IYENGAR, 1986: 21)
2.3.4 A MÚSICA COMO ENERGIA MOTORA
Na dança, frequentemente, a modulação de energia ou a inspiração para o movimento
é tomada da música. No Lexikon der Kunst (Dicionário da Arte / Band 5: 25), encontramos
a seguinte explicação para “dança”: “uma das formas mais antigas de expressão da
humanidade, na maioria das vezes em conexão com música”. Muitos bailarinos modernos,
desde os pioneiros do século passado até hoje, criaram obras coreográficas no silêncio.
Alguns o fizeram justamente para romper um padrão de dependência da música, pesquisando
e afirmando assim a autonomia da dança. Outros o fizeram simplesmente por um impulso
9
A pessoa que pratica a Yoga
28
criativo, a partir da “música interna” implícita no silêncio ou no corpo de cada um de nós.
Temos o exemplo de John Cage e Merce Cunnigham, que em sua obra Points in Space
(Pontos no Espaço / VAUGHAN, 1997: 231), decidiram criar um deles a música e o outro
a coreografia, sem interagir um com o outro. A música e a dança foram apresentadas juntas
pela primeira vez somente no dia de première. Tudo era cronometrado.
Tais experimentações, porém, não diminuem e nem invalidam a relação íntima que
existe entre o som e o movimento. Muitas das canções folclóricas que encontramos nas
mais diversas culturas originaram-se de atividades grupais ou coletivas como o plantio ou a
colheita, rituais de passagem, nascimento ou morte. Um movimento repetitivo ou rítmico nos
motiva a cantar, assim como uma canção nos instiga a movimentar o corpo.
Meu trabalho de improvisação na dança se baseia, sobretudo, nesta conexão íntima.
No entanto, a música não tem aqui meramente a função de um acompanhante ou de um
condicionador do movimento. Meu interesse se encontra antes de tudo na sua qualidade de
energia. Eu trabalho com músicas de estilos, culturas e épocas as mais diversas possíveis.
Isto oferece uma grande variação de estímulos para o movimento. Mas não se trata apenas de
propor uma variedade de estímulos. O som – e a música em especial – tem um poder incrível
de nos transportar instantaneamente para regiões internas, evocando tanto memórias pessoais
como impessoais ou coletivas. Na linguagem da psicologia analítica podemos dizer que ele
mobiliza tanto o inconsciente pessoal como o coletivo, com sua estrutura arquetípica. Ele
evoca imagens, sentimentos, emoções, sensações físicas, ou simplesmente estimula o instinto
de movimento em nós. Por isso o desenvolvimento da habilidade de ouvir é de tamanha
importância neste processo.
A imagem de “limpar tubos” me ocorre frequentemente em minhas aulas de dança
como um motivo pedagógico. Qualquer treinamento de dança, a meu ver, cumpre esta função,
segue mesmo que não intencionalmente esta imagem. Trabalhamos na conscientização, no
desenvolvimento ou aprimoramento de diferentes tipos de conexão (tubos): de mim com
o meu corpo, com o espaço em que me encontro neste dado momento, com o ambiente
humano em que estou inserido, a conexão entre as diferentes partes do meu ser, pensamentos,
emoções, sentimentos, intuição, o corpo, a alma, entre aspectos conscientes e inconscientes de
nossa psique. A faculdade do ouvir é um destes canais, que por sinal se encontra comumente
bastante danificado na atualidade. Peter Michael Hamel escreve em seu livro Durch die Musik
zum Selbst (A Busca de Si Mesmo pela Música):
Estamos rodeados de música; dirigindo, fazendo compras, comendo,
celebrando algo, conversando, ao acordar, ao dormir, tomando o café da
29
manhã, fazendo amor, etc. Ouvimos música? Quase nunca! Mas ela toca...
toca-se sempre música, mas não a percebemos mais. Nossos ouvidos estão
danificados, os barulhos tornaram o nosso ouvir insensitivo e impreciso
(HAMEL, 1980: 15SS.).
O primeiro passo então é de nos re-conectarmos com a capacidade de ouvir, de abrirnos totalmente à música. E para citar Hamel novamente:
Ouvimos música profusamente, mas quando o fazemos, ouvimos em categorias.
Nossa experiência de ouvir está condicionada. Os sons são percebidos fora
dos ouvidos, registrados como imagens superficiais ou identificados com
conteúdos de sentimentos e estados de humor pré-formados ou pré-fabricados
conforme a educação recebida. Conhecemos muito bem o tipo de clichê de
identificação ou o nosso estilo de música favorito... (HAMEL, 1980:16).
O segundo passo é ouvir sem preconceitos ou ideias ou expectativas pré-estabelecidas.
A realização deste passo prova ser muito mais difícil do que é de se esperar. Rolf Gelewski,
com quem aprendi a arte da improvisação na dança, nos propunha a seguinte orientação, que
publicou mais tarde em seu livro Estruturas Sonoras 1:
Se você quer escutar música, você deve criar um silêncio absoluto em sua
cabeça, não seguindo ou aceitando pensamento algum, e ser inteiramente
concentrado, como uma espécie de tela que recebe, sem movimento ou
barulho, a vibração da música. Esta é a única maneira, não há outra, a única
maneira de ouvir música e de entendê-la (GELEWSKI, 1973: 11).
Este controle completo de si e a maestria sobre os pensamentos é, sem dúvida, uma
tarefa muito difícil. Mas a imagem da membrana (tela) me impressionou profundamente e
evocou outra imagem: Quanto mais calmos estivermos ao ouvir uma música, mais claramente
sua energia e sua essência será percebida por nós, e tanto mais fácil será deixá-la fluir para
dentro de uma movimentação espontânea.
À medida que formos capazes de desenvolver – ou re-estabelecer – esta capacidade
integral de ouvir, nos veremos confrontados com uma nova experiência da música. Seu
impacto sobre nós mudará correspondentemente. Estaremos muito mais vulneráveis à energia
intrínseca a cada peça musical, independentemente de sua procedência cultural, período de
composição, ou se pertence a um repertório erudito, popular ou folclórico, se vem do oriente
ou do ocidente etc. Certos aspectos até então não percebidos tornam-se proeminentes; a
qualidade do som e a estrutura da música será percebida com mais clareza, abrindo-nos para
30
possibilidades e associações até então não reveladas para nós. A relação entre música e vida,
e consequentemente entre música e movimento, sua afinidade e íntima correspondência uma
com a outra – que será sem dúvida diferente em cada pessoa – poderá ser experienciada. Em
seu livro Der toenende Mensch (A Pessoa Sonora) Aleks Pontviks descreve o impacto que
tal ouvir pode exercer sobre nós:
A predisposição na psique para o fenômeno do som contém, por assim dizer,
latente em si a tendência a projetar a pessoa que ouve para dentro de uma
dimensão própria do som, a elevá-lo ao seu nível diário de consciência e
a trazê-lo mais perto do nível do som. O que acontece é provavelmente
– no caso de tal estado poder ser atingido por uma maneira específica de
ouvir – uma “retirada” da pessoa “para fora de si mesma”, no sentido de
um “movimento em uma direção que não é contida nas três dimensões do
espaço convencional”; a pessoa se tornará consciente do tempo como espaço.
Ela experimenta este “tornar-se consciente”, com a qual ela se identifica, no
entanto, mais na música do que em si mesmo (PONTVIK, 1962: 47SS.).
A descrição de Pontvik se aproxima muito da maneira como eu abordo a música no
meu trabalho de improvisação na dança. A música como uma forma de energia nos projeta
no tempo como uma quarta dimensão do espaço. O espaço é simultaneamente incluído
na experiência de imersão na música como uma dimensão do tempo. O resultado disto é
naturalmente o movimento. A pessoa que dança em correspondência a esta energia modifica
e forma o espaço como uma sequência temporal e processual, e atribui ao tempo através de
seus movimentos uma dimensão espacial. Torna-se evidente então o que foi dito acima, que
espaço, tempo e energia são os componentes essenciais de cada movimento existente ou
percebido.
O uso de música como força movedora, ou aspecto motivador do movimento,
obviamente coloca uma exigência na qualidade da escolha musical. A variedade mencionada
anteriormente sugere ou permite uma ampla variedade de estímulos conscientes e inconscientes.
Na escolha do material musical, minha experiência comprovou, que alcançamos melhores
resultados seguindo nossa própria intuição do que agindo com ideias pré-concebidas. A
inclusão de sugestões espontâneas – como um aluno que trás inesperadamente um CD como
sugestão para a aula, ou uma peça musical que você ouviu em um concerto na noite anterior
e que muito o marcou – deveria sempre ser considerado como um material potencial para o
processo em andamento. Uma vez focalizados em um trabalho criativo, tocamos um fluxo
energético inconsciente que se torna ativado, e que constela reações à dimensão consciente
do processo. É o mesmo fenômeno que encontramos como base da formação dos sonhos. A
31
diferença aqui é que há um foco, como um sulco, no lado consciente, que canaliza e filtra
os sinais vindos do inconsciente. Visto assim este processo se aproxima bastante e pode até
mesmo ser tratado como um tipo de imaginação ativa.10 Resumindo, eu vejo a relação entre a
música e o movimento como uma expressão viva da conexão entre alma e corpo.
2.4
SOBRE A IMPROVISAÇÃO NA DANÇA
Toda ideia boa e todo trabalho criativo brotam da imaginação, e têm sua
origem naquilo que nos contentamos de chamar de fantasia infantil. Não
somente o artista, mas qualquer indivíduo criativo deve tudo que possui
de mais precioso na vida à fantasia. O princípio dinâmico da fantasia é
“brincar”, que é característico na criança, e como tal parece inconsistente com
o princípio do trabalho sério. Mas sem esse brincar com a fantasia nenhum
trabalho criativo jamais pode nascer. A nossa dívida ao jogo da imaginação é
incalculável. (JUNG, 1991: #88)
Esta apresentação de Jung do valor incalculável do papel da imaginação em nossas
vidas é precisamente o que chamo a atenção constantemente em minhas aulas de improvisação
de dança. Tudo o que foi dito antes de tornar-nos vazios como uma etapa preparatória para a
improvisação diz respeito a isso. O papel da imaginação no processo da improvisação ficará
mais claro no capítulo sobre a imaginação ativa. Meu principal professor de Improvisação na
Dança, Rolf Gelewski, costumava dizer-nos para “dançar como crianças”. O que ele queria
dizer com isso, na minha compreensão, é de fato o que Jung diz no texto acima. Ele chamava
nossa atenção para tentar cada vez esquecer todas as informações assimiladas fisicamente,
mentalmente, emocionalmente, e embarcar com um novo elã no movimento, e experimentálo e pesquisá-lo e (“enjoy”) deleitar-se nele com a curiosidade “científica” e prazerosa que
uma criança normalmente tem no movimento.
De modo a dar ao leitor um ponto de referência concreto para as reflexões deste
processo gostaria de apresentar neste capítulo alguns aspectos da Improvisação na Dança que
encontro relevantes no meu trabalho. Antes de mais nada gostaria de acentuar a importância do
instante no processo de improvisar. O que é relevante não é o produto final, mas a experiência
momentânea. E esta experiência implica a totalidade que somos. Momento e experiência se
tornam um.
Mas falar de Improvisação na Dança pode levantar algumas questões: O que há de
A Imaginação Ativa é um método criado por C. G. Jung para lidar com as imagens do inconsciente. Ver
bibliografia: Chodorow (1997).
10
32
especial nisso? Qualquer um pode fazê-lo? Trata-se apenas de movimentarmos do jeito que
queremos? É uma forma de Arte? É arte? Pode-se aprendê-la? Como?
Acho que muitas destas questões foram respondidas pelo material dos capítulos
anteriores. O que falta é apresentar a estrutura de como trabalhar com ela ou em direção a
ela.
Quanto mais dou aulas, menos planejadas elas se tornam. Isto é uma consequência
lógica, se considerarmos o que falei anteriormente sobre a relevância do momento. Chegamos
mais perto da essência da improvisação. Evidentemente, os anos de experiência cumprem um
papel importante, porque eles resultam em um tesouro de vida cada vez mais disponível.
Em meu caso, isto compreende todas as minhas experiências com movimento até o presente
momento, incluindo tanto o trabalho coreográfico como o pedagógico, a atuação como
bailarino e como ator.
Mas, independente disso, a preparação das aulas constitui usualmente um processo
meticuloso, imaginando e formulando uma grande gama de possibilidades de exploração
do movimento, normalmente a partir ou em torno de um tema principal escolhido para o
dia. Além disso, há os diferentes cursos, workshops e projetos dos quais participei movido
por fascinação, curiosidade e também necessidade de aprender e continuar progredindo
profissionalmente. Com isso, quero chamar a atenção do leitor para a necessidade de exporse processualmente ao assunto. Sobretudo nesta área de trabalho, o principal aprendizado
acontece fazendo.
Aprendemos também a improvisar a vida? Bem...
Quanto à improvisação na dança, trabalho sobretudo em três dimensões. Uma é a
exploração dos elementos do movimento, tratada antes no Capítulo 2.3: Espaço, Tempo e
Energia. Outra é a focalização em nosso principal elemento de movimento: o Corpo. E a
terceira é o trabalho com ou a partir da música.
Gostaria de fazer menção aqui a dois livros de Rolf Gelewsky: Ver, Ouvir, Movimentarse (GELEWSKI, 1973) e Estruturas Sonoras 1 (GELEWSKI, 1973a).
Ver, Ouvir, Movimentar-se apresenta dois métodos de improvisação na dança,
descrevendo cada fase de cada um dos métodos, passo a passo. Ambos os métodos se baseiam
no uso de material musical. O primeiro parte da exploração gradativa dos movimentos do
corpo, com uma complexidade crescente, apoiada na exploração da estrutura da peça musical,
do seu aspecto mais simples até o mais elaborado. A análise musical proposta acontece,
porém, exclusivamente através do ouvir direto e concreto da peça musical, e não a partir
de um conhecimento prévio da teoria musical convencional. O segundo método começa
com uma improvisação completamente livre sobre uma peça musical, e se desenvolve para
33
dentro de uma improvisação estruturada em conexão com aspectos estruturais, tanto do
movimento quanto da música com a qual se está trabalhando, para terminar novamente com
outra improvisação completamente livre. Esta última improvisação livre acontece como o
resultado da tomada de consciência por experimentação das estruturas pertinentes, de sua
assimilação e, finalmente, do desprender-se delas, de seu abandono. Resumindo, temos três
etapas:
- conscientização da estrutura da peça musical,
- assimilação da mesma por audição e movimentação do corpo,
- abnegação (abandono) de qualquer vinculação à estrutura.
Em Ver, Ouvir, Movimentar-se Rolf Gelewski formula os dois objetivos que ele
almeja.
O objetivo direto deste método consta de um preparo básico do aluno para
o trabalho como dançarino e como coreógrafo, preparo realizado especialmente pelo treinamento e desenvolvimento de sua sensibilidade, criatividade,
inteligência e capacidade de reação e combinação, e ainda através de sua
informação musical-cultural. O objetivo indireto situa-se mais na dimensão
do humano, no sentido do crescimento e evolução do aluno como indivíduo:
consiste na ligação dinâmica da consciência com regiões não-conscientes do
ser e assim na unificação e intensificação dele. (GELEWSKI, 1973: 16)
O primeiro método conduz à improvisação estruturada e pode ser considerado
como um processo preparatório ao trabalho coreográfico. O segundo método leva então à
improvisação livre. Apesar de uma confrontação do aluno consigo mesmo já acontecer no
primeiro método, ela se intensifica e se torna mais evidente no segundo.
A seguir, baseado nos métodos desenvolvidos por Rolf Gelewski, apresentarei uma
formulação própria das fases de desenvolvimento de um processo de improvisação na dança,
que sirva melhor aos propósitos deste trabalho.
1ª. Fase:
Ouvir a música uma ou duas vezes em uma posição relaxada (deitado (audição)
ou sentado). Concentrar-se exclusivamente no aspecto de
continuidade da música.
2ª Fase:
Realizar com apenas uma parte do corpo um único movimento
(movimento) durante toda a música. Concentrar-se novamente na continuidade
de seu desdobramento. Pode-se determinar de antemão a posição
inicial e final do movimento, assim como o próprio movimento a
34
ser executado. A originalidade do movimento não importa no
caso. Pode ser útil e é até mesmo aconselhável utilizar uma das
seis direções básicas do espaço: ( de cima para baixo, ou o inverso /
da direita para a esquerda, ou o inverso / de trás para frente,
ou o inverso).
3ª. Fase:
(audição )
Ouvir a música tantas vezes quanto necessário à apreensão clara
de seu desdobramento orgânico11 básico.
4ª. Fase:
(movimento)
Como na 2ª. Fase; sendo que aqui se realizará tantas unidades de
movimentos, quantas partes principais existem na música. A
Definição do movimento se dará a uma simples parada ou a
uma mudança clara de sua direção.
5ª. Fase:
(audição)
Ouvir a música tantas vezes quanto necessário para identificar
as unidades secundárias da música.
6ª. Fase:
Semelhante à 2ª. Fase; traduzir a estrutura ouvida em unidades (movimento)
de movimento. Ampliar o movimento ampliando o espaço utilizado e
incluindo o corpo todo. A principal tarefa desta fase
continua sendo a correspondência às partes identificadas na
música.
7ª. Fase:
(movimento)
Cada pessoa deve fixar uma determinada sequência de movimento em correspondência ao desdobramento identificado na
5ª. Fase. Estes movimentos serão em grande parte derivados
Das explorações da 6ª. Fase. As sequências de movimento
serão então executadas com a música.
Um exemplo poderia ser: No caso de uma música de 6 partes:
1ª. Parte - Movimento de um braço para cima.
A palavra “orgânico” é usada aqui para salientar que se trata de uma estrutura que se
identifica na música pelo ouvir, e não necessariamente de um desdobramento musical
teórico, tal como compasso ou frase musical.
11
35
2ª. Parte - Movimentar os braços em círculo, como as asas de
um moinho de vento.
3ª. Parte - Um movimento contínuo para frente com todo o
corpo.
4ª. Parte - Girar.
5ª. Parte - Caminhar em linhas curvas pelo espaço.
6ª. Parte - Desenvolver uma série de movimentos livres,
redondos e contínuos, utilizando todo o corpo.
Cada movimento ou série de movimentos começa com a
posição final do corpo no movimento anterior e no lugar
onde o anterior terminou.
8ª. Fase:
(audição)
Ouvir mais uma vez a música concentrando-se em detalhes de
sua estrutura, como, por exemplo, certa escala melódica
ou uma sucessão de pausas (intervalos), temas rítmicos ou
melódicos, motivos, pontos altos, terminações, repetições,
acentos, variações, contrastes, etc.
9ª. Fase:
(movimento)
As unidades de movimento aqui não são mais fixadas de
antemão. Reagir, improvisando livremente, a um ou mais dos
aspectos identificados anteriormente.
10ª. Fase:
(audição)
Ouvir a música procurando identificar determinados aspectos
que tenham uma importância central nela ou que a caracterizem
como um todo: a atmosfera dominante, o desenvolvimento
dinâmico ou formal-lógico, o caráter expressivo, a simbologia,
a vivência subjetiva individual, aspectos de comunicação mais
importantes etc.
11ª. Fase:
(movimento)
Realizar uma improvisação utilizando isoladamente elementos
identificados na fase anterior.
12ª. Fase:
(movimento)
Depois de um pequeno intervalo, que pode ser preenchido com
um exercício de relaxamento, improvisar completamente livre.
Procurar reagir à música em sua integralidade. É importante que
36
esta reação aconteça com coragem, disposição e entrega de si
no movimento.
Observações:
1. Tanto as fases de audição quanto as de movimento devem ser repetidas tantas vezes
quantas se fizerem necessárias para o cumprimento da tarefa a que se propõem. A
única exceção se dá na 1ª. Fase, em que a música é ouvida apenas uma ou duas
vezes.
2. Pode-se trabalhar todas as 12 fases usando uma mesma peça musical, durante uma só
aula ou estendendo-se por mais de uma. É também proveitoso trabalhar fases isoladas
do método, inclusive usando várias peças musicais para uma mesma fase, como um
trabalho de exploração.
3. Estas 12 fases poderiam igualmente constituir a estrutura básica de um curso.
Nesse caso, sua exploração se estenderia por várias aulas. Cada fase contém em si
um potencial de trabalho muito rico, que – dependendo de como é usado – pode
desdobrar-se bastante diferenciadamente.
Acho importante acentuar que, na maioria dos casos, uma execução livre e ao
mesmo tempo estável de uma dança inteira só se alcança depois de um trabalho intensivo e
diversificado com muitas repetições das fases do método sobre músicas as mais diversas, o
que pode estender-se pelo período de alguns anos.
E permanecerá sempre um processo, sem meta fixa e sem fim. Trata-se, antes de tudo,
de um pedaço do caminho que conduz a nós mesmos, à totalidade de nosso ser, o qual temos
que percorrer. Cada processo significa ora uma vivência intensa e assim um grande passo
adiante, ora um desvio ou uma estagnação. Esta troca é parte necessária da dinâmica do que
é vivo. A orientação deve ser clara; o processo dinâmico do seu desenvolvimento, porém, é
sempre descontínuo e não retilíneo.
O segundo livro, Estruturas Sonoras 1 (GELEWSKI, 1973a) foi desenvolvido em
conexão com o primeiro. Ele compreende 25 gráficos para 25 peças musicais, cujas gravações
fazem parte da publicação. Estes gráficos ilustram, visualizam a estrutura musical das peças,
fornecendo um apoio visual para o processo de audição dos dois métodos mencionados
acima.
37
Estou surpreso que nestes 35 anos de trabalho pedagógico com a dança, em contato
direto com músicos e especialistas da dança de várias partes do mundo, nunca tenha me
deparado com um trabalho semelhante. Ele é muito simples tanto em sua base como em
sua estrutura. Reproduzo na página seguinte (Gráfico 1) o gráfico número 18 do seu livro
(GELEWSKI, 1073a), que visualiza o “Minuet I e II” da “Partita Nr. 1 por piano” de Johann
Sebastian Bach, numa interpretação de Glenn Gould.12
Menciono aqui estes dois livros, porque o processo apresentado neles constitui a base
do meu trabalho em dança com música.
A seguir apresentarei uma estrutura básica de trabalho com o movimento – aspectos
daquilo que chamo de “a gramática e o vocabulário do movimento”. Esta estrutura se
desenvolveu a partir dos anos (e continua desenvolvendo-se) e representa o esqueleto do meu
trabalho com a dança. Ele reúne um vasto material da pedagogia do movimento, que pode
ser encontrado, talvez com formulações, explicações, combinações ou definições diferentes
nos vários livros que encontramos hoje sobre a improvisação na dança, dança espontânea
ou criativa, ou dança educacional. De modo algum é minha intenção cobrir todo o espectro
desta linguagem mas, antes de mais nada, dar uma referência concreta para o trabalho com
dança e movimento discutido até então. O uso deste material dependerá enormemente do tipo
(grupo) de pessoas com quem estarei trabalhando: bailarinos, atores, estudantes de dança,
não bailarinos, psicólogos, músicos, adultos, crianças, adolescentes etc.
2.4.1 A ESTRUTURA BÁSICA DO TRABALHO
a) Usando o Corpo
I – Movimentos no lugar
. movimentos com o corpo todo ou com partes isoladas dele
. movimentos com ou a partir do centro do corpo, ou com ou a partir de suas
extremidades
. exploração das possibilidades naturais de movimentação do corpo, como:
“dobrar, inclinar, girar, torcer, rolar, enrolar, fechar, reunir, abrir, expandir, sacudir, tremer,
congelar, contrair, soltar, relaxar etc.”
12
Extraído do disco Bach: The six partitas - Glenn Gould da Columbia, M2L293.
38
GRÁFICO 1 – (GELEWSKI, 1973a)
39
II – Locomoção
. exploração das diversas possibilidades do corpo de mover-se no espaço, como:
“caminhar, correr, pular, saltitar, girar, rodopiar, rolar, engatinhar, deslizar, etc.” Acho
importante salientar aqui que cada uma destas ações pode ser executada em uma infinidade
de maneiras diferentes uma da outra.
b) Usando o Espaço
I – Níveis
. movimentos no nível baixo (ou próximo ao chão). No corpo de pé, ele corresponde
ao nível das pernas.
. movimentos no nível médio. No corpo de pé, ele corresponde à região do torso.
. movimentos no nível alto. No corpo de pé, ele corresponde à região acima dos
ombros. Aqui estão incluídos todos os movimentos de sair do chão.
II – Direções
. para cima e para baixo.
. para a direita e para a esquerda.
. para frente e para trás.
. em todas as diagonais, a partir do centro do corpo ou de um centro definido no
espaço.
III – Caminhos
. retos e curvos
. simples e complexos
. simétricos ou assimétricos (sobretudo em trabalhos em grupo).
IV – Zonas
. O conceito de zonas é bem claramente definido quando o espaço possui uma frente
40
definida, como no caso do “palco italiano”. Mas ele pode ser também aplicado a partir da
frente pessoal definida pelo posicionamento do corpo no espaço.
. espaço frontal
. espaço médio
. espaço posterior
V – Uso do espaço
. pequeno ou grande
. centro, cantos, periferia
. concentrado ou espalhado (mais evidente em trabalhos em grupo).
VI – Figuras
. circulo
. quadrado, triângulo, ou outras formas geométricas
. linhas abertas ou fechadas
. espirais
. etc.
VII – Forma do corpo (espaço subjetivo)
. aberto ou fechado
. simétrico ou assimétrico
. curvo ou reto
c) Usando o Tempo
I – Fluidez (foco no aspecto infinito e indivisível do tempo).
II – Pulsação (batida regular)
A – Exploração
. no corpo (batida do coração, respiração)
41
. na natureza: dia e noite, estações, fases da lua etc.
. usando os sentidos (visual, auditivo, tátil,) identificando um padrão regular
definido.
B – Execução (explorar diferentes velocidades, texturas etc.).
. caminhando
. batendo palmas
. fazendo sons com diferentes partes do corpo
. através de movimentos do corpo
. usando instrumentos de percussão ou objetos
. seguindo a pulsação de uma peça musical
III – Ritmo
(O trabalho com o Ritmo compreende um domínio em si, bastante extenso e complexo.
Uma exploração mais completa extrapolaria o propósito desta tese. Citarei a seguir uma lista
de possibilidades básicas de sua exploração no movimento do corpo).
. repetição ou imitação: um grupo de pessoas sentadas em círculo; uma pessoa executa
um motivo rítmico com palmas e os outros o repetem. Sugiro, para fins didáticos, que a
estrutura do ritmo original siga uma contagem ou duração básica (quatro tempos, por ex.).
Deixá-lo aleatório torna sua apreensão e consequentemente sua repetição muito mais difícil.
. o mesmo de cima, porém ao mesmo tempo caminhando em círculo sob uma batida
regular.
. a mesma coisa, porém utilizando diferentes maneiras de executar o ritmo: com
diferentes partes do corpo, utilizando instrumentos percussivos, objetos, movimento, sons
do corpo etc.
. perguntas e respostas: um motivo rítmico é respondido por outro. Sugiro, como
anteriormente, que se mantenha uma duração constante para a pergunta e a resposta. Em um
nível mais adiantado, isto poderá mudar.
. variação de um motivo rítmico (individualmente ou em grupo).
. exploração rítmica a partir de uma peça musical, de um material visual, de poemas,
canções etc.
d) Usando a Música
42
I – Trabalho de Audição
. em um estado de relaxamento “vazio”
. concentrado em uma imagem ou motivo determinado
. acompanhada de um movimento muito lento
. desenhando
. com o foco na estrutura da peça musical
II – Improvisação livre
. reação direta e espontânea
. depois de trazer à consciência aspectos objetivos da peça musical, como: “compositor,
período de composição, contexto cultural, caráter da peça, instrumentação, estrutura básica
etc.”
. baseada no impacto subjetivo causado pela peça musical após um trabalho de audição
ou improvisação sobre ela
. usando imagens evocadas interiormente pela peça musical
III – Improvisação Estruturada
. em correspondência à peça musical como uma unidade indivisível
. em correspondência às frases musicais ou à estrutura básica identificada na peça
. a partir de elementos específicos diversos da peça musical, como: “ritmo, melodia
dinâmica, instrumentação etc.”
Gostaria de relembrar aqui o que foi dito anteriormente sobre a vantagem de utilizar um
material musical variado. É importante, do ponto de vista tanto artístico quanto pedagógico,
dar atenção tanto à qualidade interior, quanto à riqueza artística e à clareza estrutural da peça
musical.
2.5 A DIMENSÃO SIMBÓLICA NA DANÇA EM RELAÇÃO AO ESPAÇO
Encontramos nas Artes Plásticas certas formas básicas, estruturas e proporções que
exprimem ou estão diretamente relacionadas com padrões arquetípicos. Na música, cada
tonalidade tem um significado diferente, como podemos ver no “Cravo Bem Temperado” de
43
J. S. Bach.13 Podemos ver um estudo feito tanto em Goethe (1953) como em Rudolf Steiner
(1931) sobre correspondências sutis entre forma e cor. Atrás de tudo isto está a dimensão
das artes como uma expressão de camadas mais fundas da alma humana. E sua linguagem é
simbólica. Jung diz, sobre o símbolo, que ele contém e comunica mais do que a consciência
pode abarcar (JUNG, 1991: # 169). Nós encontramos o mesmo na dança. A dança é em si
mesmo uma forma de arte e correspondentemente tem a propriedade de conectar-nos com
dimensões inconscientes de nós mesmos e da vida. Olhando estruturalmente encontramos
certos padrões de movimento que nos conectam imediatamente com manifestações
essenciais da vida, atribuindo-lhes uma qualidade impessoal e arquetípica. Este pode ser
um vasto campo de pesquisa, pois cada movimento nosso contém em si a semente de um
padrão arquetípico. Portanto, vou mencionar aqui apenas alguns que em minha opinião são
fundamentais, porque incorporam o sentido de nascimento, de nossa orientação no mundo
físico, de morte, e consequentemente também de transformação. Estes são os movimentos de
abrir e de fechar, os movimentos a partir do centro do corpo nas seis direções definidas pela
cruz tridimensional (para cima, para baixo, para a direita, para a esquerda, para trás,
para frente) e o girar. Qualquer movimento nosso, seja na dança ou na vida diária, implicará
um destes padrões. Não nos é possível mover fora deles. E eles contêm necessariamente um
significado psicológico.
O movimento de abrir é nascimento, o abrir-se para o desconhecido e inesperado,
tornar-se vulnerável, exposto, mas também criar a possibilidade de comunicação,
desenvolvimento, desabrochar, expansão, conectando o dentro com o fora.
Fechar contém morte, mas também proteção, retirar-se, reunir-se, concentração,
estabelecer limites, volta para o centro, conectando o fora com o dentro.
O movimento para cima é verticalidade, crescimento, movimento em direção à luz,
em direção ao sol, a busca de consciência. É primavera, é nascimento, o anseio da matéria
pelo espírito, o “lingam” do Shiva como poder criador.
O movimento para baixo é queda, soltar, soltar-se, abandono, entrega. É outono,
volta à terra, morte, mas também ir para o fundo, ir fundo, conectar-se com o inconsciente .
É também nutrir e dar nascimento. É a chuva como benção.
Conectar baixo e cima é conectar terra e céu, escuridão e luz, matéria e espírito.
Erick Neumann criou o conceito de “Eixo Ego-Self” (Eu e si mesmo), no qual o centro
consciente do indivíduo se conecta com sua dimensão arquetípica sem perder sua identidade,
ao contrário, fortalecendo-a através do reconhecimento de sua função na estrutura geral e
BACH, J. S., Das Wohltemperierte Klavier, Teil 1 BWV 846-869, Teil 2 BWV 870-893, by Wanda Landoswka, Cembalo, Germany, RCA, 1972
13
44
na harmonia dinâmica global do ser (NEUMANN, 1980: 18). Na dança, o movimento na
vertical é o principal fator de expressão do dinamismo da ação. É morrendo e renascendo que
o processo da vida encontra sua continuidade, e é caindo e erguendo-se que a dança exprime
melhor esta dinâmica. Este era o motivo principal por trás de todo o trabalho coreográfico de
Doris Humphey.
O movimento para a direita relaciona-se com a adaptação ao que é coletivamente
aceito, ao consciente, à capacidade de ação, de manipulação, e de tomar decisões.
O movimento para a esquerda relaciona-se com o desajeitado e o não convencional,
com nossos aspectos não desenvolvidos, com o inconsciente, o criativo, o intuitivo, e o
receptivo.
O movimento para trás significa um voltar-se para si mesmo, um retirar-se, regressão,
movimento de volta ao passado, à origem. É também um tomar distância para reunir forças,
é colocar-se na retaguarda, voltar-se para o inconsciente.
O movimento para frente representa assertividade, confrontação, agressividade,
progressão, busca de objetivo, de cumprimento e de realização. Pode significar assumir a
frente, a liderança, tornar-se consciente.
O movimento de girar é o dinamismo da vida por excelência. É o desenvolvimento
da energia criativa, centrando e irradiando. Ele representa ao mesmo tempo o mover-se para
fora de si e em direção a si mesmo, assim como estar centrado. É um gerador de força e
energia. É a roda, o “chakra”, como os Dervixes voadores, estes “loucos de Deus” que, sem
deixar o lugar, giram para fora de si, para achar-se novamente em outro centro dentro de si.
É o giro dos átomos, da terra, das galáxias, do universo. É a criação, é a destruição, e é a
transformação.
45
46
3
REFLEXÕES SOBRE A IMAGEM
3.1
HISTÓRICO PESSOAL
Desde criança gostava de desenhar. Lembro daqueles blocos de anotações que
tínhamos na escola para desenhar ou fazer poemas. Eu sempre gostava muito de desenhar.
Aos 13 anos comecei a trabalhar com uma professora aprendendo a técnica da pintura
a óleo. Apesar de a professora ser muito conservadora, tive uma boa introdução aos recursos
técnicos.
Aos dezessete anos participei do II Festival de Inverno da Universidade Federal de
Minas Gerais. A organização deste evento marcou o início de uma época muito importante
para o desenvolvimento das artes no Brasil.
Nas seções de pintura, além de alguns desenhos ao ar livre, tive a oportunidade de ser
conduzido por bons professores avant garde para os estudos de formas, abstração, estilização
e a outras abordagens modernas, completamente novas no Brasil. Eu sabia muito pouco
sobre arte moderna, mas imediatamente esta captou minha atenção e meu interesse. Após
este festival e nos anos que seguiram continuei pintando sozinho, por conta própria. Queria
estudar Artes Plásticas, mas fui convencido por meus pais a estudar algo com o que pudesse
garantir minha sobrevivência. Comecei então a estudar Psicologia, mas meus amigos mais
próximos se tornaram artistas.
Mais tarde trabalhei muitos anos na área de diagramação e layout de revistas e livros.
A pintura foi deixada de lado, e apenas desenhava em raras ocasiões. Porém, exposições de
artes e livros de artes tornaram-se algo familiar para mim. O meu interesse nas artes visuais
desenvolveu-se consideravelmente. Ir para a Suíça naturalmente abriu um amplo leque de
possibilidades para outras explorações deste interesse.
Através dos estudos no Instituto C. G. Jung comecei a olhar as imagens também sob
a perspectiva analítica, ou seja, como espelho da psique ou como expressão momentânea
do inconsciente e, consequentemente, comecei a ver nelas o valor psicoterapêutico. Além
disso, gostaria de mencionar o impacto que me causaram os seminários que usavam o cinema
como meio de transmissão de conhecimento. Entre eles os que mais me impressionaram
foram os seminários conduzidos por Ian Baker sobre mitologia grega e Ingela Romare sobre
a imagem no cinema. Mitologias são imagens do inconsciente coletivo. O cinema usa o
médium das imagens do movimento. Pessoalmente, achava mais fácil relacionar-me com
um mito e identificar-me com seus caracteres assistindo uma peça apresentada pelo teatro de
47
Londres do que lendo o mito num livro. Aí surge “o poder da imagem” como Romare dizia
que para ela como cineasta e analista junguiana constituía um principal impacto do cinema.
Alguns conceitos junguianos como o complexo paterno e materno, projeção, transferência,
sombra, anima e animus, Self e arquétipo tornavam-se mais facilmente compreensíveis para
mim observando-os em filmes e peças teatrais. Naturalmente, a dimensão criativa do trabalho
conta muito, e também a capacidade do docente de apresentá-lo. Sentia-me identificado com
a explicação de Romare ao falar de sua própria experiência: “O que mais me toca no cinema
é a imagem, e a imagem é um dos principais temas de estudo da psicologia junguiana”.
3.2 O JOGO DA CAIXA DE AREIA
Quando iniciei meu Programa Infantil no Instituto Jung de Zurique, meu interesse foi
imediatamente conectado com o trabalho do Jogo da Caixa de Areia desenvolvido pela Dora
Kallf (KALLF, 1966). Participei, então, de um seminário sobre este assunto e percebi a riqueza
de seu valor terapêutico. Iniciei assim um ano de análise com Ruth Ammann (AMMANN,
1991) com a finalidade exclusiva de desenvolver a experiência desta prática.
Quando comecei meu trabalho com clientes em Psicologia Analítica, o Jogo da Caixa
de Areia tornou-se naturalmente uma das técnicas mais apropriadas para mim. Em minha
formação, desenvolvi o trabalho tanto de adultos como de crianças e adolescentes e vários
deles faziam constantemente o uso do Jogo da Caixa de Areia no processo analítico. As
crianças tinham uma conexão natural e muito mais fácil dessa forma. Desde o início do meu
trabalho com eles, percebi a extrema eficácia deste material na expressão do inconsciente,
material que, por sinal, era o mesmo com que trabalhava a questão dos sonhos com os outros
clientes. As crianças raramente falam sobre seus sonhos nas sessões de análise. Mas na Caixa
de Areia elas têm acesso às suas fantasias muito mais rápida e livremente do que os adultos. E,
de acordo com a Kallf, a conexão com o Jogo de Areia (esta técnica) dispensa interpretação.
Deixamos a pintura e o processo a ativar na pessoa. Na orientação de várias supervisões no
meu caso, aprendi outros jeitos de lidar com este processo, como por exemplo, “conversando
em voz alta”, enquanto pudesse observar o trabalho, e assim formular as reflexões e
questões sugeridas dentro das imagens da caixa de areia. Mas raramente conectei-me a uma
interpretação, a não ser que ela espontaneamente evidenciasse minha percepção. Identificome totalmente com a visão de Dora Kallf, que vê a imagem com um efeito curador. E eu o vi
constantemente concentrado com a minha prática.
Uma criança veio para mim com um sintoma de enurese. Nas suas primeiras imagens
48
da caixa de areia ele usou muita água. Em uma das caixas ele manteve a areia totalmente
molhada. Em poucas sessões seguintes sua mãe me informou que o seu sintoma tinha
desaparecido. Consequentemente ele também parou de usar água nas imagens da caixa de
areia, ou apenas de vez em quando em situações contidas.
Dois aspectos se fundiram no processo do Jogo da Caixa de Areia, que são responsáveis
por este efeito. Um é o poder de cura da imagem, o outro é o poder criador da ação lúdica.
Chamo atenção para isto devido à proximidade deste processo à improvisação na dança. A
dimensão de brincar é de máxima importância no processo de improvisação.
Havia uma importância no trabalho de sonhos, em que “as imagens de areia individuais
apenas representam etapas em um longo processo de transformação psíquica” (AMMANN,
1991: 3). Me interessei muito por observar quantos “scripts” diferentes surgiam das caixas
apresentadas. Temos vários canais do inconsciente fluindo simultaneamente. Podemos ver
isso claramente nos motivos das imagens, no material usado, nas miniaturas ou na maneira
usada na areia.
Gostaria de mostrar uma imagem de uma caixa de areia de um menino de sete anos.
Ela me impressionou profundamente, pela conexão com o motivo arquetípico representado.
Uma das razões está conectada pelo uso da distribuição do espaço. O centro da pintura está
definida tanto verticalmente como horizontalmente (Foto 1).
A pintura representa um leão no centro de um círculo de animais. É importante
observarmos que encontramos todos os tipos de animais existentes: de terra, de ar e de
água. O leão, considerado como o rei dos animais, foi colocado no topo e no centro da
caixa de areia. Mas o que chama a atenção à qualidade especial desta imagem não está
visível. Enquanto este menino construiu este morro, ele escondeu dentro dele uma tartaruga.
A percepção desta imagem me relembrou a estória da segunda encarnação de Vishnu, da
mitologia indiana (Desenho 2). Deuses e demônios estavam disputando a sua capacidade
suprema como responsáveis pelo cosmos, sacudindo ou girando o leite do oceano, usando
assim a cobra do mundo como corda, e a montanha Mandara como bastão. Mas a montanha
começou a afundar. Afim de não ter um desastre geral e para se manter a função desta tarefa,
Vishnu assumiu a forma de uma tartaruga, mergulhando no oceano de leite e sustentou a
montanha nas suas costas.
Conhecendo a situação familiar deste menino, é muito pouco provável que ele já
tenha conhecido esta estória. A relevância analítica desta caixa de areia para esta criança
adota outra dimensão, que emerge de maneira espontânea no inconsciente. Foi isso o que
me surpreendeu: a riqueza humana nestas imagens usando um material tão simples, como
animais de plásticos sendo usados como um brinquedo em uma caixa de areia. É inegável
49
FOTO 1 – CAIXA DE AREIA
DESENHO 2 – (BELLINGER, 2001)
50
a capacidade criativa, se nos dispomos a abrir nossa possibilidade de nos relacionarmos
criativamente desta maneira lúdica e espontânea de nosso ser. Assim é também o tema da
improvisação.
3.3
DESENHOS E PINTURAS
Apesar de estarmos usando ambas as formas de expressão visual – jogo da caixa de
areia, desenho e pintura – meus clientes raramente fizeram pinturas. Desenhos, porém, foram
usados extensivamente pelas crianças. Em especial, um menino de dez anos desenvolveu
comigo seu processo analítico por mais de dois anos. Usou assim mais de setenta desenhos
livres. Aqui também pude identificar várias séries, de acordo com seus temas. Segundo
minha observação, os dois principais temas foram: “Diferenciação do Caos” (Desenho
3) e “A Jornada do Herói” (Desenho 4). Mesmo sendo uma criança – muitos junguianos
não estão habituados a falar de individuação no processo de uma criança – eu identifiquei
em seus vários desenhos uma definição clara de seu processo de individuação. Eles são:
buscando o caminho, confrontando suas forças opostas, a busca de sua definição como herói,
a representação do Si-Mesmo.
Este menino criou ao mesmo tempo uma grande variedade de imagens em caixa de
areia. Isto me ajudou a observar, vendo a riqueza de seu material criativo, que estes trabalhos,
mesmo diferentes, tocavam igualmente no seu processo inconsciente coletivo. Nos desenhos
ele conectou, acima de tudo, a procura de sua própria identidade, e consequentemente o
potencial básico de sua energia. Na caixa de areia exprimiu a dimensão social de seu processo
interno. Nos desenhos, podemos perceber que seu foco
51
DESENHO 3
52
DESENHO 4
53
está mais extremamente conectado com o seu nível subjetivo. Nas caixas de areia suas
imagens exprimem tanto seu aspecto subjetivo como objetivo.
Em seus desenhos, mais evidentemente do que na caixa de areia, ele estava
confrontando e descobrindo as dimensões e aspectos dele mesmo, antes de reconhecer seu
próprio processo. Duvido até mesmo de que sua compreensão mental já estivesse conectada
com ele. A dimensão de suas imagens representou uma imersão em diferentes camadas de seu
domínio, revelando monstros, dinossauros, dragões, guerreiros, soldados, veículos, criaturas
imaginárias, tudo o que representa, afinal, uma diversidade humana de seu potencial interior.
O fato de ele ter encarado tudo isto, dando uma expressão clara e definida em seus desenhos
é, em si, uma maneira de tornar-se consciente e conectar-se com todas as imagens e com seu
poder energético e vivo. Isto significa também sua capacidade de conectar internamente seu
processo criativo, curador e transformador.
3.4
A IMAGINAÇÃO ATIVA
3.4.1 PRELÚDIO
Um produto é criado, que é influenciado
tanto pelo consciente como pelo inconsciente,
incorporando a luta do inconsciente pela luz,
e a luta do consciente pela substância.
(JUNG,1975, #168)
O ponto é que você começa com uma imagem... Contemple-a e observe
cuidadosamente como a figura começa a desdobrar-se ou a mudar. Não tente
fazer algo dela. Não faça nada a não ser observar quais são as suas mudanças
espontâneas. Qualquer figura mental que você contempla deste jeito vai
mudar mais cedo ou mais tarde através de uma associação espontânea que
causa uma pequena alteração da figura. Você deve cuidadosamente evitar
saltar impacientemente de um assunto para outro. Agarre-se àquela imagem
que você escolheu e espere até que ela mude por si mesma. Observe todas
estas mudanças e eventualmente entre você mesmo para dentro do quadro, e
se por acaso for uma figura falante, diga então o que você tem a dizer a esta
figura e ouça o que ele ou ela tem para dizer. (JUNG, 1973)
Neste trecho de uma carta ao Sr. O., datada de 7 de Maio de 1947, Jung dá uma
explanação concisa do processo de imaginação ativa, como ele o concebeu. Joan Chodorow,
54
na introdução do livro Jung on Active Imagination (Jung sobre a Imaginação Ativa), em
que coleta e reúne os escritos mais relevantes de Jung sobre o assunto, descreve de uma
maneira muito viva o modo como Jung desenvolveu este método de lidar com imagens do
inconsciente a partir de sua própria luta interna.
Jung descobriu a imaginação ativa durante os anos 1913-16. Em seguida ao
rompimento com Freud em 1912-13, ele estava desorientado e experimentou
um tempo de intensa reviravolta interna... Ele sofreu de letargia e medos;
seus humores ameaçavam tomar conta dele. Ele teve que encontrar um
caminho, um método para curar-se a partir de dentro. Como ele não sabia o
que fazer, ele decidiu conectar-se com os impulsos e imagens do inconsciente.
(CHODOROW, 1977: 1)
Ela procede descrevendo como ele procedeu.
Por exemplo, um dia sentado à sua escrivaninha, ele pensava em seus medos
e começou a explorar a estranha paisagem interna, onde ele encontrou a
primeira de uma longa série de figuras internas. Estas fantasias aparentavam
personificar seus medos e outras emoções poderosas. Com o passar do tempo,
ele se deu conta, de que quando ele conseguia traduzir suas emoções em
imagens, ele se sentia internamente acalmado e seguro. Ele percebeu então
que sua tarefa era encontrar as imagens contidas nas emoções... O processo
conduziu-o a uma descarga enorme de energia, assim como a percepções,
que lhe deram uma orientação nova. (CHODOROW, 1977: 2)
E ela apresenta mais tarde a seguinte conclusão, de enorme importância para a
compreensão histórica da psicologia junguiana.
Muitos dos conceitos fundamentais da psicologia analítica de Jung vêm de suas
experiências com a imaginação ativa. (...) Ele nos lembra que a imaginação
ativa é um processo inato, natural. Apesar de poder ser aprendido, não é
tanto uma técnica, mas muito mais uma necessidade interna. (CHODOROW,
1977: 2-3)
Durante os quatro anos finais de minha formação como analista junguiano no
Instituto C. G. Jung de Zurique, tive a oportunidade de participar de um grupo de vivência em
imaginação ativa, formado exclusivamente por analistas recém formados e por candidatos
em formação no instituto. O trabalho, que cobria diversas facetas, era conduzido por FranzXaver Jans, um analista do Instituto Jung de Zurique, com muitos anos de experiência em
imaginação ativa e um dos especialistas no assunto.
55
3.4.2 UMA IMERSÃO COMPLETA
Antes de mais nada, como vemos acima nas citações de Jung e de Chodorow, não
podemos nos submeter a tal treinamento sem uma imersão completa de nós mesmos no
processo. Isto significa um trabalho interno intenso, no qual a prima matéria não é nada mais
do que nós mesmos, o que somos como indivíduos naquele exato momento, potencialmente
ou manifestamente. Jans escreve em seu livro Das Tor zur Rueckseite des Herzens (O Portal
para o Lado de Trás do Coração):
Minha experiência existencial humana deveria se manifestar na Imaginação
Ativa, e desta maneira encarnar-se em um acontecimento concreto, no
qual eu enquanto pessoa estou completamente incluído. Ao passar por este
acontecimento a pessoa será confrontada com as dimensões opostas de sua
experiência intra-psíquica e desafiada a tomar uma posição. (JANS, 1994:
125)
E ele conclui sua reflexão com uma observação, igualmente apontada por Chodorow,
e que também ouvi da boca de vários analistas em seminários sobre o tema: “Portanto é
necessário um Ego forte, de modo a nos expormos a tal procedimento, pois senão corre-se o
perigo de uma inundação pelos conteúdos do inconsciente”. (JANS, 1994: 125)
3.4.3 O PROCESSO GRUPAL
Outro aspecto importante do trabalho, quando realizado em grupo, como foi o nosso
caso, é o processo grupal. Quem já está familiarizado em lidar com materiais oriundos
diretamente do inconsciente sabe o quanto eles são facilmente contaminadores. Cientes
disso, desenvolvemos uma atenção especial para com os sinais de interferência inter-pessoal
e aprendemos a lidar com ela de uma maneira construtiva, no que concerne ao grupo e a cada
um dos indivíduos envolvidos. Isto requer dos participantes um senso claro de limites e a
necessidade de permanecer conectado com o próprio centro. Ao mesmo tempo, os indivíduos
desenvolvem um tipo de transparência um para com o outro, que se baseia em um sentimento
indispensável de confiança e confidencialidade. O uso de certas estruturas básicas e uma
espécie de ritual não convencional, que pode se inspirar em rituais tradicionais de culturas
e religiões diversas, ajudam a criar o continente necessário para o estabelecimento desta
confiança.
56
3.4.4
A TÉCNICA
O terceiro aspecto é o aprendizado da técnica, com seus potenciais diversos e as
possibilidades que contém e oferece. Na abordagem de Jung, segundo Chodorow, “a
imaginação ativa tem duas partes ou etapas. Primeiro ‘deixar o inconsciente emergir’;
segundo, ‘entender-se com o inconsciente.’” (CHODOROW, 1997: 10) Ela apresenta, em
seguida, as diferentes etapas de trabalho nas abordagens de Marie-Louise von Franz, Janet
Dallet e Robert Johnson. Mas conclui: “Cada autor tanto reflete como estende a descrição em
duas partes de Jung. Olhando conjuntamente para eles me lembro de que há muitas maneiras
de abordar a imaginação ativa. Talvez, no sentido mais profundo, cada um de nós deve
encontrar sua maneira própria”. (CHODOROW, 1998: 11)
Jans (1994, p. 128-136) estrutura seu trabalho com a imaginação ativa em sete etapas,
as quais apresento resumidamente a seguir.
1. Definição e Depuração dos Motivos Interiores e da Atitude Pessoal: Precisamos estar
seguros se estamos prontos “para nos confrontarmos com os poderes numinosos dentro
das profundezas da nossa alma. Este processo pode ser doloroso, porque transformação
está sempre conectada com soltar e liberar, afim de que a nossa própria verdade possa ser
encontrada.” Para que isto aconteça sem perigo precisamos ser capazes de permanecer
conscientemente centrados.
2. Parar Internamente: “Eu me distancio interiormente do carrossel do ego e dos
acontecimentos do mundo, vou para o meu centro. (...) Eu dou um passo para fora do
tempo e do espaço e me torno um observador da vida. (...) Este sustentar internamente
exclui qualquer atribuição de valor, avaliação, julgamento e consideração.” Isto implica,
no entanto, em uma conexão concreta e sensível, no decorrer do trabalho, com o fluxo de
energia no corpo, nos sentimentos, na vontade e na mente.
3. Deixar Vir: Esta etapa corresponde à primeira fase proposta por Jung: “deixar o inconsciente
aflorar.” A pessoa, no processo de uma observação desapegada, simplesmente registra o
que está acontecendo. “A atitude básica do “deixar vir” é como a de um agricultor, que
deixa crescer, e não como a de um caçador, que quer ter.” Jans fala aqui de “animismo”.
Como nos sonhos, contos de fadas, mitos e lendas, aqui também plantas, animais, objetos
e elementos e seres da natureza podem falar e comunicar-se.
57
4. Escolher e Entrar Ativamente no Acontecimento Interior: É aqui que o processo de
imaginação assume uma conotação ativa. A partir da posição de observador a gente
escolhe um ponto, momento ou lugar onde, de acordo com uma necessidade ou urgência
interior, entra-se ativamente para dentro da situação que está acontecendo, dá-se um
passo para dentro da paisagem interior. Para que isto aconteça é necessário que o mundo
imaginativo no qual estamos neste momento represente para nós uma dimensão “real”,
uma realidade manuseável. Jans chama a atenção para a correspondência que pode
acontecer entre um acontecimento na imaginação ativa (nesta fase) e acontecimentos na
vida real. Os dois níveis podem interagir. Assim um problema modificado ou resolvido
no processo imaginativo trará suas consequências na vida real. Esta é exatamente uma
das características do trabalho de imaginação ativa e o que define a sua efetividade. Nesta
exploração encontramos problemas não apenas de ordem pessoal, mas também familiar,
ancestral e coletivos.
5. A Conclusão Ativa ou o Retorno à “Praça do Mercado”: Do mesmo modo que escolhemos
conscientemente o momento de entrar no acontecimento interior, é necessário saber
quando e como sair dele. Como Jans o coloca: “O sentido desta atividade não é afundar
no mundo interior da phantasia vera (fantasia pura) e negligenciar os deveres que nos
esperam no mundo exterior. Por isso (...) eu desvio vagarosamente o olhar interior da
imagem do mundo interior e me oriento mais uma vez em direção à realidade externa.”
6. Dar Expressão à Experiência Interior: Isto pode ser feito por meio de pintura, modelagem,
improvisação de movimento ou musical, em caixa-de-areia ou por outros meios, de acordo
com a inclinação da pessoa. O que é importante é que a experiência encontre sua expressão
em uma forma externa. No processo de dar uma forma, (como quando escrevemos um
sonho), outras coisas podem ainda surgir e tornar-se claras, que ainda não o estavam até
este ponto. Acontecem conexões internas, um sentido pode ser revelado, ou uma questão
levantada. Pelo processo de colocá-lo para fora por um meio criativo, atribuímos a ele
uma forma que pode ser confrontada e comprovada. O imaginado ancora-se então na
realidade exterior.
7. A Consequência Ética: Jans chamou a atenção para a ênfase que Jung sempre colocou
sobre o sentido de responsabilidade para com a vida, para com o mundo e para com
a humanidade. E isso não começa amanhã ou em algum ponto distante, mas aqui, no
58
limiar do portal para o lado de trás do coração, tão logo deixamos a dimensão interior,
tão preciosa para nós, saindo de nossos sonhos, fantasias e sensações internas. Para citar
Jans:
Há um velho princípio da alquimia mística que diz: Isto que está fora, é como
aquilo que está dentro; isto que está acima, é como aquilo que está abaixo;
isto que está na frente, é como aquilo que está atrás; isto que está à direita, é
como aquilo que está à esquerda. (JANS, 1994: 123)
É nossa tarefa tocar a nossa nota na sinfonia da criação. Senão ela fica incompleta. O
que esta nota é, cabe a cada um descobrir.
3.4.5
ANÁLISE DO MATERIAL COLHIDO
Outro aspecto prático do trabalho consiste na análise do material desenvolvido a
partir da imaginação ativa. No trabalho com Jans, a sexta etapa foi feita principalmente
escrevendo, pintando ou desenhando. Portanto a interpretação de imagens tornou-se uma
parte imprescindível da sétima etapa, em especial a relação com a dimensão simbólica
do espaço. Foi aí que notei um paralelo claro com a dança. As regras e consequentemente
o simbolismo do espaço, segundo meu aprendizado e prática tanto na dança como na
psicologia analítica, são os mesmos nestas duas formas de expressão. E se tomamos
como referência a citação de Jans acima, de que isto que está fora é como isto que está
dentro, somos diretamente confrontados com a correspondência dos espaços externo e
interno, do espaço pessoal com o espaço coletivo.
Em uma série de palestras conduzidas no Instituto C. G. Jung de Zurique, Jans
trabalhou com Rudolf Michel no desenvolvimento do esquema de análise do espaço de
Gruenwald. (RIEDEL, 1988: 31)
O modelo deles continuou sendo desenvolvido pela analista Ingrid Riedel, e o
resultado foi publicado em seu livro. (RIEDEL, 1988: 39).
Em todo o decorrer do processo de imaginação ativa, Jans dá grande importância
à relação com o centro. Ele procura então sua expressão no espaço externo, analisando
o material resultante do trabalho. E mais ainda, continua pesquisando a correspondência
do espaço objetivo – seja ele uma folha de papel ou o espaço delimitado em que nos
encontramos em um dado momento – com o espaço interno, levando em consideração, no
material colhido, aquilo que se relaciona diretamente com o vasto tesouro da humanidade,
59
que Jung chamou de Inconsciente Coletivo. É muito comum o aparecimento de formas
mandálicas como expressão deste momento.
DIAGRAMA 3
DIAGRAMA 4
60
3.4.6 CODA
Depois destas observações e representações esquemáticas gostaria de terminar este
ensaio convidando o leitor a mergulhar em um mundo de imagens, permitindo-se ser lançado
para dentro de si mesmo neste poema do poeta sufi Rumi.
DESDOBRE SEU PRÓPRIO MITO
Quem levanta cedo para descobrir o momento em que a luz começa?
Quem nos encontra aqui girando, enlouquecidos, como átomos?
Quem chega a uma fonte, sedento e vê a lua refletida nela?
Quem, como Jacó, cego de tristeza e idade,
Cheira a camisa de seu filho perdido e pode ver de novo?
Quem desce o balde no poço e traz para cima um profeta flutuante?
Ou como Moisés procura pelo fogo
E encontra aquilo que queima dentro do nascer do sol?
Jesus entra sorrateiramente numa casa para escapar de inimigos,
E abre uma porta para o outro mundo.
Salomão abre um peixe, e encontra um anel de ouro.
Omar entra violentamente para matar o profeta e sai abençoado.
Cace um veado e termine por toda parte!
Uma ostra abre sua boca para engolir uma gota.
Agora aí está uma pérola.
Um andarilho vagueia por ruínas vazias.
De repente ele está rico.
Mas não se satisfaça com poemas e estórias, que contam,
Como as coisas aconteceram com outros.
Desdobre seu próprio mito, sem explicações complicadas,
De modo que todo mundo entenderá a passagem,
Nós abrimos você.
Comece a caminhar em direção a Shams.
Suas pernas vão ficar pesadas e cansadas.
Aí então vem o momento de sentir as asas que cresceram em você,
Levantando.14
14
UNFOLD YOUR OWN MYTH
Who gets up early to discover the moment light begins?
Who finds us here circling, bewildered, like atoms?
Who comes to a spring thirsty and finds the moon reflected in it?
Who, like Jacob blind with grief and age,
smells the shirt of his lost son and can see again?
Who lets a bucket down and brings up a flowing prophet?
61
Or like Moses, goes for fire
and finds what burns inside the sunrise?
Jesus slips into a house to escape enemies,
and opens a door to the other world.
Solomon cuts open a fish, and there’s a gold ring.
Omar storms in to kill the prophet and leaves with blessings.
Chase a deer and end up everywhere!
An oyster opens his mouth to swallow one drop.
Now there’s a pearl.
A vagrant wanders empty ruins.
Suddenly he’s wealthy.
But don’t be satisfied with poems
and stories of how things
have gone with others.
Unfold your own myth,
without complicated explanation,
so everyone will understand the passage,
We have opened you.
Start walking toward Shams.
Your legs will get heavy
and tired. Then comes a moment
of feeling the wings you’re grown,
lifting.
62
4 IMAGEM E DANÇA
Se admitimos que atrás de todo processo criativo existe uma imagem originadora,
então que imagem poderia ter movido a dança de Shiva? Cada corpo é uma forma de alma.
Como se apresenta a face que se manifesta e se transforma constantemente em cada face que
vemos nas ruas, e que está de fato escondida atrás do espelho de minha própria alma?
... fácil é a descida ao Averno:
Noite e dia a porta do inferno se mantém aberta
Mas refazer os passos e retornar para fora, ao céu aberto,
Esse é o desafio, o mais duro dos trabalhos.
(Virgilio, Eneida, VI, 126-129)
Há um movimento de ascensão e um movimento de descida na gravura de Blake.
E há um ponto central de conexão, a boca – uma janela – um limiar entre o interior e o
exterior. Inalamos e exalamos. Ele inala e exala. Ele é inalado e é exalado. A respiração flui
continuamente para dentro e para fora, reafirmando o fluxo da vida. O alimento que comemos
se transforma, surgindo em nós como palavra. Onde ocorre essa transformação? Onde é que
a alma e o corpo se encontram e são um só?
Há um ponto mutante, que nos conduz de instante em instante. So aham, em Sânscrito,
pode ser traduzido como “eu sou Isso”. Isso que é para sempre, em cada coisa e em tudo.
Aquilo se move e aquilo não se move;
Aquilo está longe e ao mesmo tempo perto;
Aquilo está dentro de tudo isto e também está fora de tudo isto.
(Isha Upanishad, 5 / AUROBINDO, 1986: 2)
Sabendo ou não, querendo ou resistindo, somos constantemente movidos por esse
ponto. Sua atração magnética não deixa nada permanecer fixo na criação.
Akash em Sânscrito significa ao mesmo tempo “éter”, o primeiro dos cinco elementos15
e “espaço”, que contém o universo inteiro. É interessante que em nossa visão ocidental, desde
ao menos Empédocles no século IV a.C., os elementos foram reduzidos a quatro. O éter,
como substância, é muito sutil para se enquadrar em nosso sistema. Mas na visão indiana
o éter é o primeiro dos elementos. Como vazio, ele não pode ser tocado, ou sentido pelos
sentidos materiais. Ele só pode ser experienciado. Como espaço, ele é o continente potencial
15
Os outros são: vento (Vayu), fogo (Agni), água (Apah), terra (Pritvi)
63
de cada coisa e de tudo. Juntando os dois aspectos, temos o “espaço vazio” que é à base de
qualquer criação ou processo criativo.
No Ayurveda (a medicina tradicional indiana, enraizada nos antigos Vedas), cada um
dos cinco elementos acha-se conectado com um dos cinco sentidos. Akash é relacionado à
audição e por conseguinte ao som. Podemos encontrar em muitas culturas o mito da criação
apresentando o som ou a palavra como sendo a origem de tudo. O Evangelho de João começa,
em seu Prólogo, identificando Cristo como a palavra ou força criativa de todas as coisas.
No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus.
Ele estava, no princípio, com Deus e todas as coisas foram feitas por ele, e
sem ele nada do existe foi feito. (BÍBLIA, João 1, 1-3)
Na Índia, outro mito da criação diz que todas as coisas se originaram do som primordial
AUM (ou OM). Será essa força original do som que torna a música um meio tão poderoso de
mover os seres humanos? Será a música a linguagem da alma por excelência?
Meu trabalho com música em dança, e especialmente na improvisação de dança, baseiase na presunção de que isso seja verdade. Abrir nossos corpos e abrir-nos completamente ao
som significa, em sua essência, conectar-nos a esse espaço vazio dentro de nós mesmos.
Qualquer coisa que se manifeste nesse espaço é uma imagem, ou contém em si uma imagem,
ou revela uma imagem. Quando nos deixamos mover em resposta a um som – seja audível
ou apenas percebido interiormente ou intuído – nossos movimentos são necessariamente
a reflexão, a expressão, o resultado, a incorporação ou a personificação de uma imagem.
Podemos não percebê-la, mas ela está certamente aí. Quanto mais pudermos desenvolver a
capacidade de mergulharmo-nos integralmente no som e de darmo-nos ao movimento, tanto
mais evidente isso se tornará, tanto mais claro será o contato com a imagem. Uma parte de
nossa alma é, então, revelada no corpo. É um momento de re-ligação entre corpo e alma.
Desejo esclarecer aqui dois aspectos. Um é que eu percebo movimento e som como
uma só coisa. Trabalhei com músicos que pensam do mesmo modo. Cada som é movimento,
assim como cada movimento é som. Portanto, quando falo aqui acerca de som, não me refiro
necessariamente a uma peça tocada, mas estou falando sobre a música que continuamente
soa dentro de nós, nas coisas e no universo.
Outro aspecto a ser esclarecido é a definição de imagem. Geralmente o termo “imagem”
refere-se ao seu caráter visual. Mas eu uso imagem no sentido da Urform (forma original),
como Jawlenski costumava referir (AFFENTRANGER, 2000: 189) ou como as Urbilder
(imagens originais), como Jung denomina os arquétipos (JUNG, 2002: # 4ss). Isso significa
64
antes de tudo o potencial energético do inconsciente, que frequentemente se expressa na
forma de uma figura. A figura é uma representação da imagem. Mas a imagem pode se revelar
como uma sensação corporal, como um sentimento ou emoção, como um gesto. Um pássaro
de repente pousa na soleira de minha janela, move sua cabeça de um lado para outro e sai
voando. Na fração de segundo que ele prende meu olhar, um processo ocorre dentro de mim.
Imagens são ativadas: memórias, anseios, desejos, e com certeza também algumas sensações
corporais. O estado físico e psíquico em que me encontro nesse momento exerce um papel
decisivo no processo de ativação das imagens, um processo que não podemos congelar, ou
pelo menos não inteiramente.
Essa é, conforme Jung, uma qualidade intrínseca do inconsciente. Mas podemos
desenvolver a sensibilidade para nos conectarmos melhor com esse nível, como também
ocorre no trabalho com os sonhos. Trabalhar com sonhos não nos garante a faculdade de
decidir que sonhos queremos sonhar. Mas desenvolve nossa sensibilidade no sentido de nos
relacionarmos melhor com eles, com sua linguagem, com sua mensagem genuína, com suas
conexões com nossa vida cotidiana.
Na improvisação de dança podemos tornar-nos mais sensitivos em relação à conexão
com o corpo e o fluxo de seus movimentos. A intenção é entrar em sintonia com o momento
exato do acontecimento, até o ponto exato onde estamos internamente e no corpo. Isto permite
a experiência do fluxo interior. Aqui novamente temos um paralelo com a situação do sonho.
No sonho vivencia-se um fluxo de imagens. Há um registro e uma decodificação visual. Mas
em conexão com o movimento de nosso corpo, devido ao estado seletivo de nossa psique,
não pode ser percebido o tempo todo. Vejo uma correspondência com o que Joan Chodorow
formulou: “Sendo adultos, ou crianças, conscientes ou não, a atividade imaginativa continua
durante todo o tempo” (CHODOROW, 1997: 6).
A próxima formulação, feita por Ingrid Riedl em seu livro Bilder (Imagens), chama a
atenção para o momento da experiência e percepção da imagem, conectando-a com o fluxo
da vida: “Imagens representando símbolos trazem de volta experiências de segurança ou
também de abandono, do passado para o presente, e conectam esses com algum aspecto do
futuro”. (RIEDEL, 1988: 20)
65
66
5
TRABALHANDO COM IMAGENS NAAULA DE DANÇA – ALGUMAS
EXPERIÊNCIAS
Vivi às bordas da insanidade,
querendo conhecer razões,
batendo em uma porta.
Ela se abre.
Eu estava batendo do lado de dentro.
(BARKS, 1997: 36)
O que buscamos já está dentro. Sri Aurobindo escreve: “Nada pode ser ensinado pelo
que já não esteja escondido como conhecimento potencial na alma em desenvolvimento do
ser” (AUROBINDO, 1986: 54).
A improvisação na dança é uma maneira maravilhosa, direta e dinâmica de fazer
a conexão com nossa dimensão interna e de dar-lhe uma expressão viva. Esta expressão
não significa necessariamente um produto final, é sobretudo uma experiência do processo.
Ela nos oferece a chance de ativar o fluxo interno de imagens e permite que algumas delas
emerjam à superfície, aquelas que no momento estão mais carregadas energeticamente. Esta
é a intenção constante por trás do meu trabalho de dança. Ao apropriar-me desse material
visual, além do uso da música, que já mencionei, percebi que trabalho com pinturas, palavras,
poemas, objetos ou outros elementos concretos é uma grande ajuda. Vou apresentar neste
capítulo alguns exemplos de como utilizo pinturas e materiais visuais em minhas aulas de
dança.
5.1
DESENHAR O FLUXO DA MÚSICA
O procedimento que vou descrever aprendi diretamente com Rolf Gelewski. Ele o
desenvolveu como suporte para processo de audição de músicas e como oportunidade para
a liberação da fluidez do movimento. Assim, desenhando uma linha livre sobre um papel é
muito mais simples do que movimentar o corpo livremente através do espaço.
Procedimento I: audição intensificada
Parte I: Cada participante deve ter uma folha de papel e uma caneta. Uso normalmente
67
uma caneta esferográfica de ponta média, usando preferencialmente papel A3. A tarefa é
desenhar livremente enquanto estiver ouvindo a música. A regra do jogo é simplesmente:
a – começar com a primeira nota musical
b – terminar com a última
c – nunca levantar a caneta do papel.
Se seguirmos as regras, o resultado será normalmente uma linha contínua. Mas cada
pessoa estará livre para fazer o que quiser. A questão importante é o fluxo do movimento
sobre o papel, a partir do movimento do braço e da mão. Minha experiência colocou em
evidência a intensificação do processo de audição. O desenho resultante é o registro motor
da própria audição.
Parte II: Colocando os papeis e canetas de lado, cada um escolhe uma posição, para se
mover com a música. O próximo passo é desenhar com a mão, como se estivéssemos segurando
uma caneta, mas não no papel e sim no espaço tridimensional. Para tornar a experiência
mais concreta, peço aos participantes, após terminarem o desenho, que se coloquem fora do
espaço, num canto, e observem ou contemplem o desenho que acabaram de fazer.
Um passo mais difícil é desenhar não somente com a mão, mas com todo o corpo.
Cada pedaço do corpo é a ponta da caneta, ou, em outras palavras, representa a tinta do corpo
rabiscando o espaço vazio, mais do que poderíamos sentir na realidade.
Variações:
A – Fixar os papeis no chão. Estando sentados, e com uma caneta na mão, começamos
a música desenhando no papel. Deixando o tronco e os braços mais livres, saímos o desenho
do papel, podendo desenhar no ar, dançando livremente. E assim por diante voltamos com o
desenho no papel e retomamos com o desenho no ar.
B – Desenvolvendo a variação anterior, cada pessoa pode mover-se no espaço aberto,
onde cada um pode deixar seu lugar, desenhando livremente no ar, e poder desenhar o papel
de outra pessoa. Especialmente com as crianças eu daria a imagem de aviões diferentes e
diferentes aeroportos. Neste caso é bom manter os papeis fixados no chão.
C – A terceira variação é duas ou mais pessoas compartilhando um mesmo papel. Se
tivermos mais de dois ou mais trabalhando juntos, o papel deveria ser maior do que formato
68
A3. Essa tarefa mobiliza a alegria e a diversão e também é uma ótima possibilidade de entrar
numa movimentação totalmente livre.
Há muitas maneiras de criar, mas deixarei a tarefa à criatividade de cada leitor.
Procedimento II: Foco na estrutura da música
Fazemos como na Parte I do procedimento anterior, mas com a atenção voltada
para a estrutura básica da peça musical. Completamos, então, a instrução de que as linhas
do desenho poderiam ser retas ou curvas. Cada vez que a música muda, uma nova fase
começa (de acordo com o que ouvimos). Podemos começar então uma linha nova numa nova
direção. Isto criará naturalmente um ângulo, que interromperá a linha. No fim teremos um
gráfico representando a estrutura da música. A peça musical escolhida deve apresentar uma
estrutura identificável, especialmente quando estamos trabalhando com pessoas iniciantes
ou inexperientes. Quanto mais avançamos, tanto mais complexa a estrutura musical pode
ser. Um exemplo muito bom de uma peça claramente estruturada é a As Quatro Estações de
Vivaldi. No começo eu escolho peças curtas ou apenas uma parte de uma peça mais longa.
5.2
MUSICAL
USANDO GRÁFICOS PARA A VISUALIZAÇÃO DA ESTRUTURA
Rolf Gelewski (GELEWSKI, 1973) desenvolveu gráficos definidos de várias peças
musicais. Partindo deste trabalho comecei a criar variações livres, como no procedimento II
descrito acima. O gráfico 2 é uma criação livre sobre o movimento Allegro do Outono das
“Quatro Estações” de Vivaldi. As linhas curvas representam o primeiro motivo da música.
As linhas retas representam o segundo motivo. A única linha curva desenrolada como um
balão, no meio do gráfico, é uma evolução do primeiro motivo, abrindo-se para o segundo
motivo. As linhas cheias indicam que a frase musical é forte, e as linhas pontilhadas se
referem às partes suaves.
O gráfico 3 mostra outra versão da mesma coisa, em que uso cores para reforçar o
sentido das formas. Aqui também o desenho confirmou o recurso claramente definido para
conectar a audição da música com o corpo e o movimento. O melhor é quando desenhamos o
gráfico com o dedo, enquanto ouvimos a música. Esse movimento é simples, mas na medida
em que nos ajuda na identificação da estrutura musical, favorece a ativação do movimento na
69
pessoa.
Outra possibilidade de execução da música é desenhar com as canetas coloridas
enquanto ouvimos. Os gráficos representados assim são justamente a expressão livre que eu
mostrei no gráfico 2.
A mesma estrutura musical pode ser desenhada de maneira muito diferente, que
podemos explorar com os participantes.
GRÁFICO 2
GRÁFICO 3
70
5.3 USO DE MATERIAL VISUAL COMO MOTIVO OU ESTÍMULO PARA A
IMPROVISAÇÃO
Em minha opinião não há nada mais intimamente conectado ao motivo instintivo
do corpo do que o som, entretanto nossas imagens internas são movidas e estimuladas por
todos os sentidos. O uso de material visual pode constituir um médium direto e poderoso
ao conectar nossa consciência com nosso inconsciente, ajudando as imagens a se ativarem.
O uso da reprodução das peças de arte como inspiração do movimento é algo que usei com
meu treino de dança com Rolf Gelewski. O que decide é o poder expressivo das peças de
arte escolhidas. Com os trabalhos de sonhos, Caixa de Areia e Imaginação Ativa eu aprendi
a dar atenção ao fluxo da energia expressa através de uma sucessão de imagens. No processo
de nos relacionarmos com este fluxo, temos que deixar a atenção conectada aos eventos
espontâneos que mostram a definição da psique, mantendo o fluxo da vida. Isto significa uma
interação constante entre escolha e decisão. Inspirado pela Imaginação Ativa apresentada por
Jans (JANS, 1994: 125), propus três desenvolvimentos deste trabalho na aula de dança.
EXPLORAÇÃO I
Na primeira aula de dança trouxe alguns exemplos da Dance Magazine (uma revista
de dança). Minha razão foi motivá-los e inspirá-los ao movimento. Primeiramente, escolhi ao
acaso algumas de minha coleção de revistas de dança. Propus a cada um encontrar em uma
das revistas uma imagem que o inspirasse a utilizá-la com seu movimento. Pedi aos alunos
que contemplassem cuidadosamente a pintura, com o máximo de simplicidade, vazio e sem
intenção, deixando-a agir sobre si, criando um diálogo silencioso sobre eles. Depois foram
pedidos para escolher um ponto ou parte da pintura, por onde pudessem “entrar” ou “sair” dela.
Fazendo isso, eu lhes disse que colocaria uma peça musical para eles improvisarem. Com a
música eles poderiam “entrar” na pintura a partir do ponto ou parte da imagem escolhida. Era
permitido que se movimentassem. Cada um deveria tentar explorar a dança com a imagem.
Se sua decisão interna fosse ficar quieto, ou movimentar-se rápido, movimentar-se apenas
com uma parte do corpo, correr, rolar no chão, ou qualquer outra coisa, era o que podia ser
feito. Ao fim da música o sinal do movimento seria concluir e “sair” da pintura.
Apesar de termos trabalhado com música, poderíamos ter feito o mesmo sem ela. E
quanto às peças musicais que utilizei, optei por temas e ritmos mais lentos, para ajudar os
alunos a se conectarem mais diretamente ao seu timing, dinâmica, emoção e instinto para
71
movimentar-se sem, sobretudo, se fixarem em um estilo muito impessoal.
EXPLORAÇÃO II
Na segunda vez sugeri aos alunos que observassem uma pintura de Jawlensky, a
Urform (1918, Ilustração 3). Eu os pedi para escolherem quatro pontos ou partes da pintura:
1. Onde quero entrar nela?
2. Onde eu quero movimentar nela, ou onde quero estar na pintura?
3. Onde eu não quero estar nela?
4. Onde eu quero sair dela?
Eu escolhi quatro dos Temas de Apoio do Jans em seu trabalho sobre a Imaginação
Ativa (JANS, 1994: 125).
Deixando em seguida estas instruções, sugeri aos alunos primeiro olharem
concentradamente para as pinturas, a fim de estabelecerem um diálogo com elas e definirem
seus quatro pontos. Depois disso coloquei uma música para ser improvisada. Seguimos os
mesmos critérios da Exploração I. Aqui também, como falamos antes, poderíamos trabalhar
em uma improvisação de dança sem música.
Em ambas as explorações concluímos o trabalho com uma conversa aberta ao
grupo. Foi sugerido que cada um apresentasse seus quatro pontos escolhidos. Para finalizar,
compartilhamos em pequenos grupos, ou dois a dois, as experiências, impressões, opções,
dúvidas, podendo assim concluir as opiniões de cada grupo.
EXPLORAÇÃO III
Sugeri na aula seguinte que todos fôssemos juntos a uma exposição de arte. Neste
período, o Museu Rietberg de Zurique,16 especializado em Arte Asiática, apresentou uma
coleção de estátuas budistas da China, sobretudo de imagens de Buda e de Bodisatva.
Fomos juntos à exposição no mesmo dia da nossa aula de dança. Cada um observou a
exposição à sua maneira e ao seu tempo e ritmo. Trocamos ideias e observações que fluíram
espontaneamente.
16
Morávamos neste período em Zurique, na Suíça.
72
Para a aula de dança escolhi um material musical, que correspondia à minha impressão
e percepção da atmosfera desta exposição. Levei acima de tudo peças musicais da China, do
Japão, da Índia e do Tibet. Escolhi também peças ocidentais e de períodos diferentes, todas
com o foco da atenção orientado para o tema da interioridade.
Começamos a aula, compartilhando nossas impressões. Em seguida, sugeri cada
um a escolher a parte principal de sua imaginação: uma peça, um detalhe dela, a atmosfera
geral, algumas imagens na memória desenvolvida durante a exposição, um sentimento, uma
experiência evocada etc., usando-a como material para movimentar-se. Este foi o nosso
aquecimento interior. Cada um precisou começar devagar, dando tempo para o corpo e a
alma se afinarem.
Numa situação terapêutica ou de auto-experimentação eu teria desenvolvido muito
mais as observações internas. Na aula de dança meu foco foi sugerir a evocação das imagens
no movimento, e ao fazê-lo, ter a chance de consolidar a experiência formalmente. Esse
processo se desenvolveu no ritmo de cada um. O hábito de adaptação ao ritmo individual é
sempre requisitado a um grupo – eu toquei sucessivamente várias peças musicais. Sugeri que,
na improvisação, deixassem as músicas se desenvolverem em suas estórias, ou ao contrário,
deixassem as estórias entrarem na música e traduzi-las em movimento. Chamei a atenção
para deixarem o processo continuar evoluindo. Depois da improvisação, pedi a cada um que
olhasse sucessivamente e identificasse cada uma das peças que os tinha mais tocado. De
acordo com a necessidade deles, recoloquei algumas das músicas a serem improvisadas.
Depois de um resultado da classe – o sorriso das estátuas foi a maior impressão de
todas – um dos participantes me mandou um cartão (Quadro 2) com uma reprodução de
“João Batista” de Leonardo da Vinci, e dois poemas de Rainer Maria Rilke. Isto tornou claro
para mim que o tema continuava se movendo dentro deles e que deveríamos explorar isso
mais. Eu lhes imprimi então um dos poemas de Rilke – o que me tocou mais nas imagens da
exposição. Na aula seguinte distribui o poema e expliquei sua conexão com a aula. E lhes pedi
para lerem o poema algumas vezes e observarem seu impacto. Em seguida eu lhes propus
que observassem quais elementos os tocaram mais: impressão geral, parte do poema, uma
imagem sugerida, ou imagens, sentenças, palavras, uma palavra etc., e que se movimentassem
a partir daí. A continuidade do processo foi ainda mais valiosa. Ao começarmos a improvisar,
entramos naturalmente dentro do processo da Imaginação Ativa. Assim nós trabalhamos sem
música.
Devido ao forte impacto do trabalho na classe, decidi dar um passo a mais. Eu lhes
propus que criassem uma pequena coreografia (ou uma improvisação estruturada) a partir
disso, como solo ou, dependendo de seus interesses, como trabalho de grupo. A exploração
73
deste material foi de muita riqueza, com as possibilidades de criar formas muito definidas. O
trabalho de grupo surpreendeu-nos fortemente como um elemento de conexão.
QUADRO 2 – LEONARDO DA VINCI
74
Aqui segue o poema.
BUDA NA GLÓRIA
O centro dos centros, a semente das sementes,
Amêndoa, que se fecha e suaviza,
Este mundo inteiro aberto em todas as estrelas,
É teu fruto-carne: te abençoamos.
Veja, tu sentes, como nada depende em ti;
No infinito está sua concha,
E nela o forte suco existe e espreme,
E de fora ajuda-se em uma radiação,
Pois bem alto serão teus sóis
Totalmente e brilhantemente rodopiados.
Afinal em ti já iniciou-se
O que completa o sol.17
17
(RILKE, 1987: 220)
BUDDHA IN GLORY
Center of all centers, core of cores,
almond, that closes in and sweetens,
This entire world out to all the stars
is your fruit-flesh: we greet you.
Look, you feel how nothing any longer
clings to you; your husk is in infinity,
and there the strong juice stands and presses.
And from outside a radiance assissts it,
for high above, your suns in full splendor
have wheeled blazingly around.
Yet already there’s begun inside you
what lasts beyond the suns.
75
76
6 A APRESENTAÇÃO DE DANÇA – DIVERTIMENTO SACRO – EM BRÖSARP
(SUÉCIA)
6.1SURGIMENTO E PRIMEIRA ETAPA
O desenvolvimento deste processo em conexão com a dança criativa começou vários
anos atrás. Conheci pela primeira vez uma das peças musicais de Johannes Jansson. Surgiu
durante um encontro cultural da Auroville International, no Sul da Suécia,18 do qual eu
participava nesta época como presidente do Auroville International Switzerland. Sabendo do
meu trabalho com a dança, Johannes sugeriu-me improvisar uma de suas peças já gravadas.
Este acontecimento o impressionou, e isso marcou um forte interesse em trabalharmos juntos.
Ele mora na Suécia, e eu, na época, em Auroville (no Sul da Índia). Auroville é um projeto
internacional (www.auroville.org), em que eu vivia e trabalhava regularmente. Johannes a
visitava anualmente. Assim fui entrando em contato, mais frequentemente, com suas novas
peças musicais.
Em 1993, ele me propôs elaborar uma coreografia sobre uma de suas peças, que ele iria
compor para um trio – LIN-Ensemble19 – que havia encomendado como um concerto-portrait.
Tendo aceitado, começamos imediatamente a trabalhar, com Marta Cicionesi (sua mulher)
como figurinista e cenarista. Johannes e Marta já trabalhavam juntos havia vários anos em
projetos de ópera, dança e teatro. Este foi para mim o principal projeto de que participei,
onde os três elementos – música, cenário/figurino, dança – se compuseram igualmente com
a mesma força e criatividade, e muito bem equilibrados. Cada um de nós três tínhamos a sua
base e a sua função definida.
O meu primeiro encontro no processo foi com Marta. Experimentamos materiais e
ideias de um figurino e elementares básicos do cenário. Algo que ficou decidido para o nosso
trabalho foi uma corda a ser pendurada do teto, a partir de onde iniciamos a primeira parte
da dança.
Para definirmos o desenvolvimento da composição musical, marcamos nosso primeiro
encontro na Suécia, em junho daquele ano. Tendo composto e enviado a cada um dos músicos
a partitura da peça, nos encontramos o trio, Johannes, Marta e eu, e começamos o trabalho.
18
Em 1985.
LIN-Ensemble é um trio formado na Suécia e na Dinamarca por JOHN EHDE (violoncelo), ERIK KALTOFT (piano) e JENS SCHOU (clarineta).
19
77
Durante o primeiro ensaio do trio, sugeri a Johannes e aos músicos que eu improvisasse
simultaneamente. Minha intenção seria deixar meu corpo mover-se espontaneamente, sem
nenhuma interferência momentânea, sem decisões já pré-concebidas ou já estruturadas em
minha cabeça. Esta seria a primeira apresentação musical auditiva daquela peça até então não
ouvida, nem mesmo por Johannes. Minha proposta foi uma grande surpresa tanto para ele
como para os músicos. Aceitaram e aconteceu. Marta filmou grande parte deste acontecimento
(Filme 1). Vimos o filme depois e percebemos que seria um excelente material de trabalho
para todos nós.
FILME 1: MARTA CICCIONESI
78
6.2O CONCERTO EM ESTOCOLMO
Devido à nossa distância física (Auroville/Índia e Ravlunda/Suécia), além de algumas
cartas entre nós, pude trabalhar pouco com o Divertimento Sacro. Esperava a conclusão da
música e o trabalho do LIN. Minha grande surpresa aconteceu, quando Marta e Johannes
vieram para Auroville na passagem de 1998. Eles me mostraram em DVD a cópia completa
do concerto do Divertimento Sacro. O LIN-Ensemble apresentou-o na World Premiere,
em Estocolmo, em Setembro de 1997. E a apresentação do concerto contou com alguns
momentos da improvisação da Karin Schmidt, uma bailarina sueca. Não esperava que esta
dança, com muita qualidade, mas completamente diferente do que eu já havia imaginado
e planejado, tivesse sido apresentada neste concerto. E o que havia acontecido com o que
havíamos planejado e preparado?
Foi então que Johannes e Marta me apresentaram a nova visão do projeto. A peça final
se compunha de quatro movimentos, com uma duração de aproximadamente 45 minutos. Ao
terem desenvolvido o trabalho musical, Johannes e LIN optaram por rever a música como
dois projetos: um como concerto e o outro como espetáculo de dança, situando a estrutura de
cada uma das artes, cada uma mostrando sua precisão e riqueza. Foi muito justo.
Assim a coreografia de Karin, apresentada no concerto, assumiu uma característica
de uma movimentação reduzida e lenta, como uma câmera lenta. Sua movimentação se
conectava com o estilo do Butoh. Marta desenvolveu apenas o figurino, deixando todo o foco
do cenário para o espetáculo de dança. A coreografia de Karin se apresentava no segundo
movimento, saindo de cena no começo do quarto movimento, que era o mais longo. No
final ela reaparece e conclui juntamente com eles. Quanto ao nosso espetáculo de dança,
esperavam que eu ficasse em cena durante toda a música, sem intervalo, mantendo a conexão
apenas com a mesma coreografia já preparada e visualizada por Karin.
6.3O ESPETÁCULO EM BRÖSARP
Durante minha vivência em Auroville20 nestes últimos dez anos meu foco principal
foi o trabalho de dança. Meu começo foi como professor de dança criativa (moderna,
contemporânea e improvisação), primeiramente com leigos. Mais tarde desenvolvi um grupo
de dança (Auroville Dance Group) e comecei a dar aulas de dança criativa e teatro para as
20
De 1986 a 1998.
79
crianças da escola normal de Auroville (Transition School).
Auroville sendo um projeto internacional, conectado com umas duas mil pessoas, de
uns quarenta países diferentes, é muito rico e exigente. Trabalhei lá como professor de dança,
coreógrafo e bailarino, mas também frequentemente como designer dos cenários, figurinos
e iluminação. Meus principais espetáculos como coreógrafo do grupo de dança (Anexos)
foram:
- The Golden Light (Paulo / 1988)
- Selvis’s 5 Elements (Paulo e Joy / 1988)
- The Invondation and the Call (Paulo e Aryamani / 1989)
- Renaissance Piece (Paulo / 1991)
- Dance Evening (Paulo / 1991)
- Savitri (Paulo / 1997-1998).
Além da coreografia, a criação dos elementos básicos, como cenário, figurino,
iluminação e a música estiveram em minha responsabilidade. As execuções foram ações dos
artistas, mas os temas e as ideias foram meus.
Apresento tudo isso para situar a grande diferença que houve no processo do
Divertimento Sacro. Tornamo-nos um “time”, quanto à nossa elaboração de cada uma das
diferentes áreas artísticas. Johannes criou a sua música, Marta o cenário e Figurino, Karin sua
coreografia e a dança, Rumi e Marta fizeram a iluminação e os filmes, e eu a minha coreografia
e a dança. Mesmo com a nossa distância, continuamos trabalhando interconectados, mas
também independentes. Os elementos essenciais se imprimiam reciprocamente na inspiração
de cada um. Preciso dizer que a essência final da organização do espetáculo em Brösarp foi
definida por Marta e Johannes. A organização da abertura do Centro Cultural de Brösarp:
Dansscenen Neon foi uma decisão deles.
6.3.1 A MÚSICA
A ideia da criação original surgiu de Johannes. Isto veio do pedido de LIN-Ensemble
para compor uma música para eles. Baseado na nossa ideia de trabalharmos juntos, Johannes
perguntou se eu me interessaria em dançar no concerto deles. Como LIN já havia participado
em outros de seus concertos usando máscaras ou outros elementos de apresentações teatrais,
eles admitiram a possibilidade de uma dança fazer parte deste mesmo tema. Porém, verem
minha improvisação a partir do material filmado por Marta no primeiro dia do seu ensaio
lhes provocou um impacto extremamente forte. Em consequência, decidiram não misturar a
80
mesma força destas duas áreas artísticas: musica como audição e dança como apresentação.
Eles, como músicos, preferiram manter a presença essencial da música como concerto, sem
interferir na ação da dança, como totalidade elaborada. A apresentação da dança da Karin
foi vista para eles, no concerto, como um adendo. Quanto ao meu trabalho com a música
do Johannes, essa sua ideia continuou com novas perspectivas. Para ele, sua criação do
Divertimento Sacro desenvolveu-se muito diretamente inspirado nas improvisações, que eu
já havia experimentado em suas músicas anteriores. A minha improvisação inicial com o LIN
marcou-o decisivamente e modificou sua criação da peça final. Para Johannes e LIN, seu
processo como músicos foi concluído na apresentação e gravação do concerto em Estocolmo.
Agora, a dança!
6.3.2 O CENÁRIO E O FIGURINO
Desde janeiro de 1998 pude concentrar-me no trabalho da improvisação. Nossa
apresentação estava planejada para 17 a 19 de julho de 1998. Em junho transferi-me para
Ravlunda, onde passei a trabalhar diretamente com a Marta em seu ateliê. Uma semana
depois, Karin (originalmente de Estocolmo) juntou-se a nós. Nosso “time” estava completo.
A definição do figurino foi a mais rápida. Marta estava já decidida de antemão. O
figurino feito para a Karin ficou mantido como tinha sido na apresentação do concerto de
Estocolmo. Ela parecia a figura de uma deusa mitológica. Seu vestido se completava com uns
elementos curiosamente elaborados. Tudo se compôs em cinco partes:
- seu vestido era feito de seda vermelha fina, como uma espécie de macacão.
- nas costas, havia um tipo de capa que cobria um pedaço das suas costas e totalmente
o braço e a mão esquerda, feita de uma rede muito fina de metal prateada, maleável, mas
firme e claramente definida.
- Espalhada em pedaços desta tela havia um série de lampadinhas, comparadas com
as luzes de um arvores de natal, que resplandeciam.
- Em sua cabeça havia uma boina em uma forma cônica, também irregular e de cor
preta.
- Seu último adereço completava-se com um pino de dois metros de altura que ela
segurava. Ele podia ser um dardo, uma espada, ou um bastão. Era de um metal prateado,
correspondente a um parafuso em espiral fino.
O meu figurino foi concluído rapidamente com minha chegada em Ravlunda. Eu
estava quase nu (Fotos 2). Quanto às nossas personagens, não estabelecemos nenhuma
81
FOTOS 2 – MARTA CICCIONESI
82
estrutura lógica ou claramente explicativa. Como o próprio Johannes me escreveu: “É um
despertar de um chamado interno em toda a peça e também significa ser um símbolo da
ressurreição da ideia épica.” Isto ficou para mim cada vez mais definido tanto em relação
ao desenvolvimento dos movimentos em função da música e também em conexão com os
figurinos. Eu usava uma tanga preta e fui pintado com tinta vermelha nas costas, ao longo da
coluna vertebral, e na sola dos pés. Isto me deu a sensação de representar “a figura humana
original”.
Quanto aos cenários, foi usada apenas uma corda pendurada no teto, durante o
primeiro movimento. Durante o espetáculo, a partir do segundo movimento até o final, Marta
projetou um filme em uma tela no fundo do palco. As imagens do filme eram abstratas e com
movimentos constantes, muito lentos e a cores. A única estrutura que marcava uma imagem
objetiva foi a primeira cena do filme, mantido com a câmera fixa, projetando uma areia clara,
caindo diretamente no centro de uma arena circular. Ela se parecia com uma arena romana.
Isto durou vários minutos. Este material visual marcou nossa presença e nossa movimentação
todo o tempo.
Marta e Rumi já haviam iniciado o filme antes de eu ter chegado. No período em que
estávamos ensaiando puderam completá-lo. A elaboração do nosso trabalho criativo entre o
movimento e as imagens foi um elemento marcante para a nossa apresentação.
O espaço organizado pelo centro cultural Dansscenen Neon era uma sala de
aproximadamente oito metros de largura e aproximadamente trinta metros de comprimento.
Sua finalidade era a de ser um espaço multidimensional para teatro, espetáculos de dança,
filmes, cursos de artes cênicas, etc. Nosso espetáculo marcou a abertura deste espaço.
Para a apresentação esta sala foi dividida em três partes. A parte do meio foi o palco
para dançarmos. A parte da frente, definida com a tela, marcou o fundo do palco, de onde o
filme poderia ser projetado. A parte de trás era o espaço do público com cadeiras em nível de
arquibancadas. O espaço disponível à nossa apresentação era um cubo negro vazio e aberto
para o público.
6.3.3 A APRESENTAÇÃO
Começamos em blackout. No escuro a corda preta pendurada foi firmada no teto,
onde me pendurei. Minha dança no primeiro movimento da música consistiu em mover-me
pendurado. Nos últimos segundos da primeira parte da música, toquei com as minhas mãos
no chão, para provocar um giro do corpo, terminando em um blackout. Em seguida a corda
83
foi retirada. No lugar onde eu estava me agachei em forma de feto. Este foi, na verdade, o
sentido de todo o movimento na primeira parte. Eu era um corpo de bebê em formação dentro
do útero materno. O estar pendurado provocava a sensação desta imagem. Não significa
para mim apenas o corpo de uma criança comum, mas o “sentido original do ser humano em
formação”.
O segundo movimento foi marcado com a entrada da Karin. Ela surgiu do fundo
do público, entrando com suas luzinhas acesas. Movimentou-se calmamente em direção
ao espaço do palco. Inicialmente não me movi; aos poucos, lentamente, fui escorregando,
rolando e engatinhando no chão.
Esta foi a segunda etapa do meu processo. Tendo nascido, é como se fosse o período
do bebê – um ser criança ou um ser cósmico. A figura de Karin – uma deusa ou uma grande
mãe – marcava a relação do infante nascente, deste ser que podia crescer e se desenvolver.
Ela o contornava, mas o foco dele era totalmente em si mesmo.
Durante o terceiro movimento ocorreu a conexão entre os dois. Foi quando eu me ergui
e os dois olhares se marcaram. Nossos movimentos foram abertos, inter-relacionados, mas
ainda muito contidos, lentos, como que se situando. É como se a mãe esperasse o momento
da criança – deste homem – poder se lançar ao mundo, à vida. Ela ainda o olhava ou o
contemplava com atenção. Ao fim deste terceiro movimento ele virou-se, seu olhar só, como
que independente, situando-se, e ela afastou-se, indo para trás.
A partir daí, no quarto movimento, Karin foi lentamente se afastando e saiu de cena.
Este foi o movimento mais longo da peça. Meu movimento se desenvolveu em todos os
sentidos: amplitude, rapidez, uso do espaço, riqueza rítmica e de expressão, dinâmica. A
presença da figura humana tornou-se clara. Em suas palavras Johannes me disse:
Este último movimento é o mais longo e também a parte mais importante do
trabalho (em relação aos outros movimentos). Ele representa, tanto o final da
transfiguração, como também a parte principal do material de trabalho musical
que pode ser exposto. É um despertar de um chamado interno em toda a peça e
também é um símbolo da ressurreição da ideia épica.
Ao final do movimento, quando a música se prepara para a conclusão, é também o
momento em que Karin retorna a cena. Nosso movimento começa em uma diagonal, partindo
de um círculo, para terminarmos nos lançando num caminho paralelo na direção do público.
É nosso sentido de conexão com o mundo, a vida, a existência, cada um de nós em sua função
específica, madura, desenvolvida, presente, real.
84
6.4 O FILME
O filme foi originalmente um conceito de Marta. Ela trabalhou diretamente com Rumi
Geiger e, juntos, foram os dois diretores do processo. Desde que cheguei a Ravlunda para
os nossos ensaios, Marta me falou de sua intenção de fazer um filme sobre o Divertimento
Sacro. Seguindo o trabalho de nossa apresentação, ela me perguntou se eu estava interessado
em participar do filme, pois não queria fazê-lo sem a minha participação. Para mim, como
bailarino, este convite representou uma motivação e interesse profundos. Karin já havia
aceitado a proposta.
Como material disponível para o filme, tínhamos a filmagem do concerto em Estocolmo
e o que eles já haviam preparado e apresentado para o cenário de nossa apresentação. Os
espetáculos também foram filmados (Filme 2). Mas, a maior parte do filme foi feito ao vivo,
à luz do dia (Fotos 3).
Marta e Rumi foram os criadores. Karin e eu fomos os atores-bailarinos. O que é
relevante para mim, neste trabalho da tese, é a minha participação neste tema do movimento
e da imagem. O filme reduziu-se a 17’30’’ do Divertimento Sacro (Filme 3). O enredo e
o contexto do filme foram muito diferentes de nossa apresentação original do espetáculo.
Mas o sentido essencial foi o mesmo, sendo que a música de Johannes foi enriquecida. Eles
ampliaram e enriqueceram o tema original. A nossa participação teve uma presença original,
mas o processo completo da criação ganhou uma dimensão simbólica, tocando dimensões
bem maiores do que cada um de nós poderia abarcar.
85
FILME 2: RUMI GEIGER
86
FILME 3: RUMI GEIGER e MARTA CICCIONESI
87
88
7 APRESENTAÇÃO DE DANÇA NA EXPOSIÇÃO DE JAWLENSKY NO
MUSEU DE ARTE DE ZURIQUE (SUÍÇA)
Outro evento que marcou minha vida profissional como coreógrafo e bailarino foi
a Apresentação de Dança Improvisada que fiz no Museu de Arte de Zurique (Kunsthaus
Zürich), em Novembro de 2000. Ela aconteceu em conexão com a exposição “Jawlensky
in der Schweiz 1914 – 1921, Begegnung mit Arp, Hodler, Janco, Klee, Lehmbruck, Richter,
Taeuber-Arp” (Jawlensky na Suíça 1914 – 1921, encontro com Arp, Janco, Klee, Lehmbruck,
Richter, Taeuber-Arp). Denominamos a apresentação “Tanzimprovisation zu Bildern von
Jawlensky und Musik von Bach, Ysaye, Kurtag” (Improvisação de Dança sobre Quadros de
Jawlensky e Música de Bach, Ysaye, Kurtag). Mas o ponto de partida e a inspiração central
para a dança foi o trabalho de Jawlensky. Eu dancei em uma das salas da exposição, rodeado
pelo público e pelas pinturas.
7.1
UM OLHAR SUSCINTO SOBRE A OBRA DE JAWLENSKI
Janelas são aberturas para imagens.
Quadros são aberturas da visão.
Erich Schäfer
O foco desta exposição de Jawlensky foi seu período de vida na Suíça. De origem
russa, Jawlensky foi forçado a deixar a Rússia com a revolução cultural. Estabeleceu-se
então na Alemanha. Em 1914, com o início da I Guerra Mundial ele saiu de lá para a Suíça.
Estabeleceu-se primeiro em St. Prex. Em 1917 ele decidiu mudar-se com a família para
Zurique, onde o cenário artístico era efervescente, especialmente o Dadaísmo. Mas devido
a problemas de saúde, mudou-se seis meses mais tarde para Ascona, onde viveu até 1921,
quando voltou para a Alemanha. Este “período suíço” marcou uma tendência introvertida em
sua criação e consequentemente uma reviravolta. Ele deu início aí, quase simultaneamente, a
quatro séries que prosseguiram paralelamente.
A primeira delas foi Variações (Variationen) que ele também chamou de Canções sem
Palavras (Lieder ohne Worte), provavelmente uma alusão ao conjunto homônimo de peças
para piano de Mendelsohn. Esta série originou-se da vista que tinha de sua janela em St.
Prex. Em suas próprias palavras: “Minha alma tinha sido tão ofuscada pelos acontecimentos
89
da vida, que me sentia feliz de poder sentar-me à janela, a fim de coletar meus sentimentos
e pensamentos” (AFFENTRANGER, 2000: 50). A primeira pintura desta série é um registro
fiel do que ele via de sua janela. Ele a denominou: O Caminho, Mãe de todas as Variações
(Der Weg, Mutter aller Variationem / Quadro 3). Angelika Affentranger-Kirchrath escreve
sobre seu processo com esta série no catálogo da exposição:
O olhar para fora da janela tornou-se logo de pouca importância para
Jawlensky e reduziu-se finalmente a um simples ponto de referência para
a sua escolha do motivo, ao estímulo de sua fantasia imagética. Suas
pinturas não são mais uma reprodução da realidade externa, mas o registro
sismográfico do estado de sua alma (AFFENTRANGER, 2000: 31).
E ela completa: “Ele, ao mesmo tempo, tomou para dentro dele a visão que o olhar para
fora da janela lhe oferecia. Cada variação abre uma janela para o estado momentâneo de sua
alma” (AFFENTRANGER, 2000: 50). Relevante nesta série foi o fato de que “ele não investe
mais toda a energia em um só quadro, mas numa série de trabalhos” (AFFENTRANGER,
2000: 39). “E fazendo isto ele se desliga radicalmente da crença na singularidade da Obraprima (Masterpiece) abordagem esta não encontrada em artista algum de sua geração”.
(AFFENTRANGER, 2000: 41).
As outras três séries foram Rostos (Gesichte) ou Cabeças (Köpfe), como ele as chamava.
O começo de cada série refletia a abertura a uma dimensão interna ainda não explorada. Do
ponto de vista da dinâmica interna, é interessante observar que ele não parava com a série
anterior ao iniciar uma nova, mas trabalhava em todas elas simultaneamente, permitindo que
cada uma exaurisse seu fluxo energético próprio. Ele as nomeou (pela ordem cronológica de
seus começos): Cabeças Místicas (Mystische Köpfe), Faces do Salvador (Heilandsgesichte),
e Cabeças Abstratas (Abstrabte Köpfe). A primeira destas séries ainda traz características
de um estilo portretista, que era um elemento forte no trabalho anterior de Jawlensky . Mas,
aqui, ele começa sua busca pela “Face Interior”, que vai muito além da dimensão pessoal. Os
títulos que ele lhes atribui falam por si só: Cabeça Grande de Mulher (Grosser Frauenköpfe)
ou Jovem de Ascona (Asconer Mädchen), e também Anjo Caído (Gefallener Engel) e
Meditação (Meditation). Nas séries seguintes, ele se desprende completamente de qualquer
traço pessoal. Contemplando-as, notamos que a “Face Interior” se manifestou para ele. As
séries tornam-se então um processo contínuo de restabelecimento do contato e provavelmente
também a busca de sua expressão “apropriada”. Com “apropriada” quero dizer a afinação
com a especificidade, originalidade e exclusividade de cada momento.
É isto o que considero como a característica essencial e indispensável de um processo
90
QUADRO 3 – JAWLENSKY
91
de improvisação, sobretudo como forma de expressão artística. Como o fluxo de nossas vidas,
o instante não se repete. Nas palavras de Heráclito: “Nunca pisamos duas vezes no mesmo
rio” (DIELS, 1954: 87).
Nestas séries, os nomes dados por Jawlensky indicam claramente a dimensão interna
do trabalho: Calar-se (Schweigen), Introspecção (Einkehr), Espera Dolorosa (Schmerzliches
Warten / Quadro 4) ou No amor é eterno, o que é espiritual (In der Liebe ist ewig, was geistig
ist.). Affentranger-Kirchrath escreve: “eles são a expressão de uma introversão absoluta. (...)
O que guiou o interesse de Jawlensky era não tanto as diferenças nas faces, pintadas sempre
de novo, mas muito mais os momentos de conexão que conduziam à aproximação de uma
face arquetípica. É apenas a soma das faces que caracteriza a face.” E ela cita F. Guattari e G.
Deleuze: “A Face é Cristo” (AFFENTRANGER, 2000: 108).
A última série do seu período suíço foi a Cabeças abstratas (Abstrakte Köpfe).
Ele intitulou a primeira pintura da série: Forma Original (Urform / Quadro 5). Cito
novamente Affentranger-Kirchrath: “Apesar de As Faces do Salvador (Heiladsgesichte)
terem sido fortemente despersonalizadas por Jawlensky, elas ainda são movidas por uma
expressão emocional, que as torna inconfundíveis. Na Forma Original (UrForm) a face é
concebida formalmente. (...) Mas a face se torna o lugar onde o microcosmo do homem e o
macrocosmo da criação se encontram” (AFFENTRANGER, 2000: 189). E nas palavras do
próprio Jawlensky: “Em minha opinião a face não é apenas a face, mas todo o Cosmo. (...) O
Universo está manifestado na face” (AFFENTRANGER, 2000: 194). Ele considerava a face
nesta série como um receptáculo, que em suas palavras, “se fecha para baixo, se abre para
cima e se encontra no meio” (AFFENTRANGER, 2000: 189).
O trabalho de Jawlensky nestas séries é um exemplo claro de imaginação ativa no
processo de criação artística. E uma consequência natural dele, no decorrer dos anos, é que
o que vemos nas pinturas é uma expressão direta de seu processo interior. Seu movimento
de fora da janela para dentro dele mesmo, e os passos seguintes levando-o da face pessoal
para a arquetípica, que contém e expressa o Cosmo. Em minha opinião, encontramos aqui
um exemplo claro do que C. G. Jung concebeu como o “processo de individuação”. Neste
processo seu trabalho tornou-se “uma ponte (...) entre o homem e Deus” (AFFENTRANGER,
2000: 214). Affentranger–Kirchrath escreve no fim do livro: “Este desenvolvimento não
significa uma regressão na ausência pré-consciente mágica de tempo.
Jawlensky era muito consciente de seu tempo. Mas ele conseguiu fundi-lo, tendo
passado e presente como um continuum” (AFFENTRANGER, 2000: 214).
92
QUADRO 4 – JAWLENSKY
93
QUADRO 5 – JAWLENSKY
94
7.2
OS QUADROS E A APRESENTAÇÃO DE DANÇA
Havia apenas uma entrada, uma abertura ampla, na sala onde dancei. Comecei a
apresentação me posicionando silenciosamente em frente a uma série de seis estudos faciais
de Jawlensky (Desenhos 5), que se encontravam expostos próximo à entrada da sala. Deixeime impressionar, cada vez de novo, evitando pensamentos pré-formados, pelo conjunto ou
por algum deles, ou mesmo por um detalhe (fosse ele formal ou uma impressão subjetiva
momentânea) em um deles. Uma vez internalizada esta impressão, me posicionava dentro da
moldura definida pela entrada da sala e esperava pela primeira nota da Sarabanda da Partita
Nº 2 para violino solo, de J. S. Bach21 para começar a mover-me.
DESENHO 5 – JAWLENSKY
21
As peças musicais foram executadas ao vivo pela violinista suíça Claudia Dora (Fotos 3).
95
FOTOS 3 – MARKUS BÜHLER LOOKAT
96
A primeira pintura com a qual eu estabelecia contato era o quadro de Jawlensky “Der
Weg” (O Caminho), ao qual ele atribuiu o subtítulo “A Mãe de todas as Variações”. Era o
primeiro, à esquerda da entrada. “Entrando” nele, eu “tomava o caminho” e me movimentava
em direção ao canto oposto da sala, onde eu me deparava
com a série Variações, feitas a partir deste quadro inicial, que representava “a vista a partir
de sua janela”. Terminada a Sarabanda, eu escolhia uma forma específica em um deles como
motivo para a posição inicial da próxima improvisação. Ela se desenvolvia sobre uma peça de
Eugen Ysaye, a Sonata N° 2 para violino solo. Seu primeiro movimento (Obsessão: Prelúdio)
me levava a mover-me livre e dinamicamente através do espaço inteiro, estabelecendo
contato com o conjunto das obras ali expostas e em especial com aquelas, onde meus olhos se
detinham espontaneamente. E assim eu prosseguia de um quadro a outro através dos quatro
movimentos da sonata. Nesta sala havia além das obras de Jawlensky alguns quadros de
Ferdinand Hodler (Quadro 6) e de Paul Klee (Quadro 7).
QUADRO 6 - FERDINAND HODLER
QUADRO 7 - PAUL KLEE
97
O ponto alto da apresentação foi a improvisação sobre a Chaconne de Bach (também
da Partita N°2). A riqueza e intensidade desta peça musical, juntamente com todas as
impressões já coletadas dos quadros até aquele momento, se transformaram aí em um fluxo
de movimentação ricamente expressivo, ao mesmo tempo intenso, sutil e detalhado. Foi o
momento em que a dimensão interna das obras ali expostas puderam ser experienciadas e
expressas como um sopro através e além da forma. Esta é a imagem que me ficou daqueles
momentos (Fotos 4).
FOTOS 4 – MARKUS BÜHLER LOOKAT
98
7.3
A ESCOLHA MUSICAL
Inspirados pela Chaconne de Bach, optamos escolher peças musicais para violino
solo, em todo o espetáculo. A música foi tocada ao vivo. A violinista estava de pé, em um
dos cantos da sala em que eu dançava, e isto acrescentou um terceiro elemento de interação.
Na escolha das peças, não houve nenhuma intenção de “ilustrar” as pinturas ou de criar
uma conexão lógica entre elas e o material musical. Procuramos antes por compositores
em cuja obra podíamos encontrar uma conexão interna com a obra de Jawlensky. Outro
critério que se desenvolveu durante nossa procura foi o de estabelecer uma relação entre o
período anterior a Jawlensky com a época em que ele viveu e hoje. Atrás deste critério está
o reconhecimento de que o trabalho de Jawlensky alcança muito além da dimensão apenas
pessoal e histórico-temporal, alcançando uma dimensão coletiva e um nível arquetípico de
inspiração e expressão. Nossa escolha caiu sobre Bach, Ysaye e Kurtag.
99
100
8
CONCLUSÃO
Tu que permeias todos os mundos abaixo,
Ainda assim repousas acima,
Mestre de todos que trabalham e dirigem e conhecem,
Servidor do Amor!
Tu que não desdenhas ser o verme
E nem mesmo o torrão de terra,
Por isso sabemos por esta humildade
Que tu és Deus.22
SRI AUROBINDO
Onde começa este processo? A imagem de Blake reúne o homem surgindo ou
sustentado por baixo e a mulher descendo no espaço acima. Há um espaço reunindo-se no
centro e irradiando-se. A energia flui de seus lábios. Cada dia nossa vida flui. Movemos e
improvisamos constantemente, se pensamos mesmo ou não. Vivemos. Nosso corpo abarca a
dimensão de nossa substância e desdobra-se constantemente no fundo de nosso imaginário.
Nossos baús são infinitos. Precisamos apenas nos admitir e aceitá-los. Respirar, sussurrar,
falar, tocar o corpo, ouvir, suspirar é uma conexão constante de nossas imagens. Pelo que
vimos nessa tese, a dança espontânea em nosso trabalho de improvisação é uma riqueza
marcante de nosso processo interno e concreto.
No Capítulo 2 foi onde apresentei o sentido básico da estrutura analítica da dança
– espaço, tempo, energia – a partir do movimento básico de Rudolf Laban; nossa pedra
fundamental deste trabalho. Em uma parte deste capítulo me identifiquei com o tema
“Filosofia da Dança”, como Rolf Gelewski costumava chamar uma das matérias de suas
aulas na Escola de Dança da UFBA. Eu os chamei aqui “Reflexões”. Além da análise do
movimento, completei o sentido do nosso instrumento: o corpo, e também o elemento que
Thou who pervadest all the worlds below,
Yet sitst above,
Master of all who work and rule and know,
Servant of Love!
22
Thou who disdainest not the worm to be
Nor even the clod,
Therefore we know by that humility
That thou art God.
(AUROBINDO, 1994: 63)
101
para mim é primordial em nosso trabalho de dança: a sensibilidade e estrutura do material
musical. O eixo central deste capítulo foi a apresentação do método de improvisação, segundo
Gelewski.
Nos Capítulos 3 e 4 elaborei minha relação com imagens, como inspiração e material
concreto do meu trabalho de dança, pedagógico e criativo. No Capítulo 5 apresentei algumas
sugestões de minhas aulas de dança espontânea e de improvisação, usando alguns destes
materiais acima mencionados.
A parte final desta tese (Capítulos 6 e 7) consistiu em uma explicação textual e visual
dos dois espetáculos de dança, que mais me marcaram com estes temas criativos conectados
com a utilização e expressão de imagens.
Os materiais do nosso inconsciente continuam à nossa disposição. Eles são muito
exigentes e frequentemente bastante incômodos. Mas somos criativos, não temos outro
caminho. “Isso se move e Isso não se move”, diz o Isha Upanishad. Os alquimistas já sabiam
que o processo é árduo e muito imprevisível, mas fornece a nossa possibilidade de tocarmos
o ouro, e de nos transformarmos. Por isso espero que este material aqui apresentado seja fruto
de novas pesquisas, de materiais pedagógicos e de criações artísticas.
102
FOTO 5 – FREDERIK BEEFTINK
103
104
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BACH, J. S. Das Wohltemperierte Klavier, Teil 1 BWV 846-869, Teil 2 BWV 870-893, by
WANDA LANDOWSKA, Pleyel-Cembalo. (disco) RCA, NA 25067-R, Alemanha: 1972.
BACH, J. S. Bach: The Six Partitas – Gleen Gould. (disco) Columbia, M2L293.
SITES
www.auroville.org
www.scenograf.nu
www.linensemble.dk
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CRÉDITOS DAS FIGURAS
PÁGINA 1 Desenho 1: Estampa de L. Schiavonetti segundo o desenho de WILLIAM BLAKE; In: Robert Blair, The Grave, London, 1808.
PÁGINA 16 Quadro 1: Pintura de Wilhelm Lehmbruck. Kopf eines Denkers (mit Hand),
1918 (Affentranger-Kirchrath, 2000).
PÁGINA 22 Diagrama 1: Estrutura tridimensional de Laban, segundo Bartenieff (1990:
25, 29 e 32).
PÁGINA 25 Diagrama 2: Três superfícies planas na estrutura tridimensional de Laban
(Bartenieff, 1990: 31).
PÁGINA 39 Gráfico 1: Gráfico 18 do livro Estruturas Sonoras 1 de Rolf Gelewski
(1973a).
PÁGINA 50 Foto 1: Criação de uma Caixa de Areia como trabalho terapêutico feito por
uma criança. Foto: Paulo J. B. Pereira (2001).
PÁGINA 50 Desenho 2: Gravura de mitologia indiana (Bellinger, 2001: 534).
PÁGINA 52 Desenho 3: Feito por uma criança, como parte de uma psicoterapia.
PÁGINA 53 Desenho 4: idem
PÁGINA 60 Diagrama 3: Esquema de análise do espaço segundo Grünwald, traduzido
pelo autor segundo Riedel (1988: 31).
PÁGINA 60 Diagrama 4: Simbolismo do espaço no modelo de Rudolf Michel. Traduzido
pelo autor segundo Riedel (1988: 39).
PÁGINA 70 Gráfico 2 e 3: Gráfico de uma das peças musicais (13) usadas no livro
Estruturas Sonoras 1 de Rolf Gelewski (1973a).
PÁGINA 74 Quadro 2: Leonardo da Vinci; cópia de um cartão, sem os dados atrás.
PÁGINA 78 Filme 1: Improvisação original do Divertimento Sacro no primeiro ensaio
do LINensamble, em HAVANAG-DINAMARCA (1993). Filme: Marta
Ciccionesi.
PÁGINA 82 Fotos 2: Marta Ciccionesi, feita para divulgação do Divertimento Sacro em
Brösarp-Suécia (1998).
PÁGINA 86 Filme 2: Apresentação do Divertimento Sacro em BRÖSARP-SUÉCIA
(1998). Filme: Rumi Geiger.
PÁGINA 87 Filme 3: Divertimento Sacro
Música: Johannes Jansson (1996). LINensemble:Jens Schou (Clarineta), John
Ehde (Violoncelo), Erik Kaltoft (Piano).
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Gravado no Museu de Estocolmo em 1997, pela Radio P2 da Suécia e
produzido por Gunilla Saulesco. Dança e Coreografia: Karin Schmidt e Paulo
Pereira. Luz: Olof Söderberg. Filmagem: Rumi Geiger. Direção: Rumi Geiger
e Marta Ciccionesi. Ideia, Cenário e Figurino: Marta Ciccionesi. Produzido
por FILM I SKANE.
PÁGINA 91 Quadro 3: Alexej von Jawlensky (Affentranger-Kirchrath, 2000: 28).
PÁGINA 93 Quadro 4: Alexej von Jawlensky (Affentranger-Kirchrath, 2000: 188).
PÁGINA 94 Quadro 5: Alexej von Jawlensky (Affentranger-Kirchrath, 2000: 119).
PÁGINA 95 Desenho 5: Alexej von Jawlensky (Affentranger-Kirchrath, 2000: 121 e
122).
PÁGINA 96 Fotos 3: Markus Bühler Lookat (fotógrafo / Suiça), na apresentação da palestra
de abertura da exposição de Jawlensky no Museu de Zurique (2000).
PÁGINA 97 Quadro 6: Ferdinand Hodler (Affentranger-Kirchrath, 2000: 83).
PÁGINA 97 Quadro 7: Paul Klee (Affentranger-Kirchrath, 2000: 60).
PÁGINA 98 Fotos 4: Markus Bühler Lookat (fotógrafo / Suiça), feitas na exposição de
Jawlensky no Museu de Zurique, para divulgação da apresentação de dança
(2000).
PÁGINA 103 Foto 5: Frederik Beeftink (fotógrafo / França); no meu espetáculo de
dança improvisada no Congresso Internacional Re-creating the World: The
Transformation Power of Arts and Play in the Psychotherapy. EvksinogradBulgária: Setembro 2003. (Cenário com Desenho de Ventsislav Zankov /
Bulgária).
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ANEXOS
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THE GOLDEN LIGHT
Música: Igor Wakhevitch
Poema: Sri Aurobindo
Coreografia: Paulo J. B. Pereira
Bailarinos: Grupo de Aurovilianos
Fevereiro de 1988 - Auroville - Índia
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OS 5 ELEMENTOS DE SELVI
Criação e Direção: Joy e Paulo
Coreografia: Paulo Pereira
Bailarinos: Grupo de Aurovilianos
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THE INVOCATION AND THE CALL
Música: Igor Wakhevitch
Coreografia: Aryamani e Paulo J. B. Pereira
Fevereiro de 1989 - Auroville - Índia
Baseado em textos de:
Rig-Veda, Egito, Grécia Antiga, Tamil Nadu, A Mãe, Sri Aurobindo
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SAVITRI
Música: Sunil Bhattacharya
Poema: Sri Aurobindo
Bailarinos: Companhia de Dança de Auroville
Agosto 1997 - Auroville - Índia
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