Univap 22 jac.p65

Transcrição

Univap 22 jac.p65
REVISTA UNIVAP
Universidade do Vale do Paraíba
Ficha Catalográfica
Revista Univap - Ciência - Tecnologia - Humanismo. V.1, n.1 (1993) São José dos Campos: Univap, 1993v. : il. ; 30cm
.
Semestral com suplemento.
ISSN 1517-3275
1 - Universidade do Vale do Paraíba
A REVISTA Univap tem por objetivo divulgar conhecimentos, idéias e resultados, frutos de
trabalhos desenvolvidos na Univap - Universidade do Vale do Paraíba, ou que tiveram
participação de seus professores, pesquisadores e técnicos e da comunidade científica.
Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva de seus autores. A publicação total
ou parcial dos artigos desta revista é permitida, desde que seja feita referência completa à
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Cardozo Bertti - (12) 3922-1168 / Editoração Eletrônica: Glaucia Fernanda Barbosa Gomes - Univap (12) 3947-1036 / Impressão: Jac Gráfica
e Editora - (12) 3928-1555 / Publicação: Univap/2005
Baptista Gargione Filho
Reitor
SUMÁRIO
Antonio de Souza Teixeira Júnior
Vice-Reitor e Pró-Reitor de Integração Universidade Sociedade
v. 12
Ana Maria C. B. Barsotti
Pró-Reitora de Assuntos Estudantis
PALAVRA DO REITOR. ..................................................................................... 5
Ailton Teixeira
Pró-Reitor de Administração e Finanças
Elizabeth Moraes Liberato
Pró-Reitora de Avaliação
Élcio Nogueira
Pró-Reitor de Graduação
Fabiola Imaculada de Oliveira
Pró-Reitora de Pós-Graduação Lato Sensu
Luiz Antônio Gargione
Pró-Reitor de Planejamento e Gestão
n. 22
dez. 05
ISSN 1517-3275
EDITORIAL. .......................................................................................................... 7
A FUNDAÇÃO VALEPARAIBANA DE ENSINO (FVE) E A
UNIVERSIDADE DO VALE DO PARAÍBA (UNIVAP) ............................... 9
CARREIRAS NEGRAS/CARREIRAS BRANCAS: QUANDO RAÇA E
CLASSE SE ENCONTRAM
André Augusto Brandão, Mani Tebet A. de Marins ......................................... 1 3
AS SOCIEDADES DE CONTROLE DE GILLES DELEUZE
Luis Fernando Zulietti ......................................................................................... 2 3
Maria Cristina Goulart Pupio Silva
Pró-Reitora de Assuntos Jurídicos
O ESPAÇO E AS INTER-RELAÇÕES INSTITUCIONAIS E
COMUNITÁRIAS
Maria da Fátima Ramia Manfredini
Pró-Reitora de Cultura e Divulgação
A. S. Cristiane de Carvalho, Elizabeth M. Liberato ....................................... 3 2
João Luiz Teixeira Pinto
Diretor Geral do Campus Villa Branca - Jacareí
Francisco José de Castro Pimentel
Diretor da Faculdade de Direito do Vale do Paraíba
Francisco Pinto Barbosa
Diretor da Faculdade de Engenharia, Arquitetura e
Urbanismo
Frederico Lencioni Neto
Diretor da Faculdade de Educação
Marcio Magini
Diretor da Faculdade de Ciência da Computação
SÃO JOSÉ DOS CAMPOS, SEU TERRITÓRIO, POSTURAS E LEIS:
UMA CONTRIBUIÇÃO À DISCUSSÃO DO CONTROLE DO USO E
DA OCUPAÇÃO DO SOLO URBANO
Bernadete de Fátima Gonçalves ........................................................................ 4 1
SÃO JOSÉ DOS CAMPOS DE 1980 A 1990, NA PERSPECTIVA DE
GOTTDIENER
Cristiane Paiva, Dayana Nogueira, Hamilton Freitas, Laura Peloso, Mário
Moreira ................................................................................................................ 4 8
ESTUDO DA POBREZA NO VALE DO PARAÍBA
Renato Amaro Zângaro
Diretor da Faculdade de Ciências da Saúde
Domiciano Marcos de Magalhães, Friedhilde M. K. Manolescu ................... 5 7
Samuel Roberto Ximenes Costa
Diretor da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas
IMPACTOS ESPACIAIS DA TRANSFORMAÇÃO NA ESTRUTURA
PRODUTIVA
Vera Maria Almeida Rodrigues Costa
Diretora da Faculdade de Comunicação e Artes
Dayana Nogueira ................................................................................................ 6 9
Marcos Tadeu Tavares Pacheco
Diretor do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento
RELIGIOSIDADE POPULAR, O SAGRADO E A MODERNIDADE:
RELAÇÕES EM UMA SOCIEDADE EM TRANSFORMAÇÃO
Maria Valdelis Nunes Pereira
Diretora do Instituto Superior de Educação
Adriano Lopes Saraiva, Josué da Costa Silva ................................................... 7 7
COORDENAÇÃO GERAL
Antonio de Souza Teixeira Júnior
PLANOS NACIONAIS E PLANOS DIRETORES URBANOS: AS
DIRETRIZES DA SAÚDE PARA O MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS
CAMPOS
REVISÃO DE TEXTO
Glória Cardozo Bertti
Vera Lúcia Ignácio Molina ................................................................................. 8 5
DIGITAÇÃO E FORMATAÇÃO
Glaucia Fernanda Barbosa Gomes
CONSELHO EDITORIAL
Alexandro Oto Hanefeld
Amilton Maciel Monteiro
Antonio de Souza Teixeira Júnior
Antônio dos Santos Lopes
Cláudio Roland Sonnenburg
Élcio Nogueira
Elizabeth Moraes Liberato
Francisco José de Castro Pimentel
Francisco Pinto Barbosa
Frederico Lencioni Neto
Heitor Gurgulino de Souza
Jair Cândido de Melo
Luiz Carlos Scavarda do Carmo
Marcos Tadeu Tavares Pacheco
Maria da Fátima Ramia Manfredini
Maria Tereza Dejuste de Paula
Paulo Alexandre Monteiro de Figueiredo
Rosângela Taranger
Samuel Roberto Ximenes Costa
Vera Maria Almeida Rodrigues Costa
O MÉTODO SOCIOLÓGICO DE ÉMILE DURKHEIM
Luis Fernando Zulietti ...................................................................................... 104
A OFICINA DE APRENDIZAGEM NO ESPAÇO ESCOLAR:
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Maria Tereza Dejuste de Paula, Sonia Sirolli ................................................. 109
NOVAS COMPETÊNCIAS EM INFORMAÇÃO TECNOLÓGICA: A
EXPERIÊNCIA DO SENAI-RS JUNTO AO SERVIÇO BRASILEIRO DE
RESPOSTA TÉCNICA - SBRT
Alexandro Oto Hanefeld, Enilda Terezinha dos Santos Hack, Geverson Lessa
dos Santos, Silvia Rossana Caballero Poledna ............................................... 113
NEON DIMER BINDING: AN AB INITIO CALCULATION
Alexandre Martins Dias ................................................................................... 120
NORMAS GERAIS PARA A PUBLICAÇÃO DE TRABALHOS NA
REVISTA UNIVAP ........................................................................................... 123
PALAVRA DO REITOR
Morreu o vienense, radicado nos Estados Unidos, Peter Drucker, em Novembro de 2005.
As pessoas competentes são importantes e constituem a maior vantagem competitiva
das empresas e das nações.
Esta foi, em síntese, a tese sempre defendida por Peter Drucker.
A competência individual deve ser continuamente aumentada, de modo a manter-se atualizada e a crescer seu nível de produtividade.
O sucesso das empresas reside na sua sabedoria de empregar gente competente e
propiciar-lhe ambiente de trabalho com grande liberdade e indução à criatividade.
A maior produtividade, e conseqüente progresso da empresa, é o resultado da sua gestão inteligente e descentralizada.
Trabalhar para o progresso da empresa significa que cada um de seus servidores atue
em uníssono com os demais, tendo em vista a eficácia do seu setor e que cada setor atue
como a empresa.
Conseguir esta identidade de pessoas e setores em prol dos objetivos da empresa é a
tarefa maior do empresário eficiente. O sucesso será conseqüência da gestão integradora da
empresa.
O pensamento da Peter Drucker coincide com o se Stuart Mill, que sintetiza a essência
da vida como a combinação da atuação, focada na eficácia dos resultados, com plena liberdade de dar expansão a sua criatividade.
O ser humano precisa sentir-se útil e, em conseqüência, produtivo, para o que, muitas
vezes, sacrifica a sua liberdade, ao menos parcialmente, mas o faz conscientemente, desde
que lhe proporcionem condições de trabalhar prazerosamente.
É sempre instrutivo lembrar como evoluiu a economia ao longo dos anos, sempre em
função do conhecimento, até a atual era do conhecimento:
a) a revolução industrial concentrou todo o conhecimento na evolução da máquina;
b) a revolução da produtividade (Taylor) fez do trabalho executado o destinatário da aplicação do conhecimento;
c) a revolução gerencial, a partir de meados do século 20, aplicou o conhecimento novo
na contínua evolução do já conhecido.
Vivemos hoje a era do conhecimento, na qual o mais fundamental são as pessoas e não
o sistema ou a empresa.
Gestores e empresários devem sobretudo entender que a empresa depende dos seus
funcionários e, na sua seleção e aperfeiçoamento, devem ser concentrados os esforços de
melhora: os empregados não são robôs, mas pessoas que têm família, amizades, emotividade,
saúde e disposição criativa para o trabalho.
A linha de montagem da produção industrial, alma do fordismo, ainda presente em mui-
tas empresas, elimina o talento e elege a rotina como regra, exigindo que cada operário trabalhe mais rápido, executando atividades repetitivas.
A não necessidade do talento gerou uma profusão de humanóides robotizados propiciando a contínua substituição, do homem pelas máquinas, mostrando que se não há talento
envolvido, pode não haver também necessidade de gente na produção.
Mais importante que trabalhar mais é trabalhar de modo mais inteligente, o que leva à
necessidade crescente de pessoas capacitadas para programar a automação e, da mesma
forma, de dominar novas especialidades profissionais, que vão surgindo em decorrência do
progresso.
Peter Drucker alerta os empresários e governos de que há necessidade crescente de
pessoas bem educadas, com boa formação geral e adequação profissional, para serem eficazes e atuarem como seres livres e criativos, num mundo globalizado e altamente competitivo.
Cada vez mais, a igualdade real, prevista nas Constituições de todos os países, só será
assegurada pela educação de qualidade, cujo domínio é, por sua vez, repetimos, a maior
vantagem competitiva dos países desenvolvidos.
E país desenvolvido é bem representado por suas universidades, livres, criativas, que
formam gente também livre e criativa. E que dão origem às inovações, estas por sua vez
resultantes de ações não perfeitamente conhecidas, mas que parecem depender de interações
como as espelhadas nos artigos aqui presentes.
Baptista Gargione Filho, Prof. Dr.
Reitor da Univap
EDITORIAL
Está ocorrendo muita ênfase no desenvolvimento da Biotecnologia e, de um modo geral,
nas “ciências da vida”. Novas firmas são abertas todos os dias e ganhos resultantes das
inovações vêm se acentuando.
Nos EUA, 70% das autorizações de novos produtos provêm de desenvolvimentos ligados
às “ciências da vida”.
“O Brasil possui um sistema imaturo de inovação, tem razoável competência acadêmica
em Biotecnologia, porém, pouca industrialização e baixa transferência de tecnologia da
academia para as empresas”, sintetiza o grupo de pesquisadores, conduzido por Marília
Coutinho e outros, do NUPES – Núcleo de Pesquisas sobre Ensino Superior da USP.
A Biotecnologia é o resultado da incorporação do conhecimento e instrumental
desenvolvidos pelas pesquisas em Física, Química, Matemática e Ciência da Computação à
Biologia, mormente no decorrer do século 20.
Longe vai o desprezo de Rutherford pela Biologia e um pouco também pela Química, ao
declarar que “a única ciência é a Física, o resto são colecionadores de borboletas”. Apesar
desta declaração, o prêmio Nobel outorgado a Rutherford não foi em Física, mas sim em
Química, em 1908.
As nações enriquecem porque têm potencial de recursos humanos disponíveis e em
condições de se adaptar a novas contingências, captando o progresso por todos os meios e
estabelecendo um sistema capaz de produzir, vender, distribuir, oferecer garantias e assistência
técnica, mantendo estoques para reposição de partes e peças. As empresas sabem como
produzir e comercializar, mas nem sempre mantêm setores de P&D para as inovações de
produtos e processos. Como resultado, elas têm vida breve, muitas vezes, ou são absorvidas
por outras, mais espertas.
Quantas empresas desapareceram no decorrer da segunda metade do século 20?
Vejamos algumas, em São Paulo:
Light and Power; Panair; Mappin Stores; I.R.F. Matarazzo; Cia. Paulista de Estradas de
Ferro; Cooperativa Agrícola de Cotia; Banco de São Paulo; Banco Comercial do Estado de
São Paulo; Banco Comércio Indústria; Banco Santos; Banco Econômico; Banco Bandeirantes;
Banco Noroeste do Estado de São Paulo; Metal Leve.
O que aconteceu com essas empresas?
Por que Petrobras, Votorantim, Embraer, Vale do Rio Doce se agigantaram e são casos
de sucesso?
É bem possível que a resposta esteja na sua capacidade de adequação, absorvendo
novas tecnologias, adotando métodos modernos de gestão, tornando-se competitivas e
capazes de comprar as concorrentes e seguir rumo ao sucesso. Até quando?
Talvez a resposta seja: enquanto seus gestores souberem reunir pessoas competentes
e permitir-lhes serem criativas.
A Fundação Valeparaibana de Ensino – FVE é um exemplo de sucesso, como
mantenedora da Univap, da mesma forma que esta.
Vejamos os pontos mais marcantes que balizaram a sua trajetória.
Criada em 24 de agosto de 1963, a Fundação foi incorporando diversos cursos, por ela
mantidos, sempre com vistas à condição de futura universidade, o que se verificou em 1º de
abril de 1992.
A criatividade da FVE, a partir de 1992, foi impressionante, denotando uma visão de
futuro notável, mantendo-se fiel à definição, contida no Art. 207, da Constituição da República,
de que, como universidade, a Univap goza de autonomia didático-científica, administrativa,
financeira e patrimonial e deve obedecer o princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa
e extensão.
E, dentro da estrita obediência ao texto legal, a FVE criou na Univap um sistema de
pesquisa e desenvolvimento com a presença ativa de doutores em diferentes núcleos de
P&D, com resultados relevantes, publicando artigos em revistas indexadas de tradição,
sobretudo em setores ligados às ciências da vida, com forte ligação com mestrados diversos
e doutorado em Engenharia Biomédica.
Da mesma forma, no que se refere à Extensão, a FVE vem incentivando as atividades
de prestação de serviços, visando à inclusão social, além de atividades ligadas ao
desenvolvimento econômico-empresarial, com parcerias de cooperação técnico-científica, a
partir de convênios. Com esta visão, assumiu a gestão de duas incubadoras tecnológicas, em
parceria com PMSJC, SEBRAE, CIESP e Petrobras, além de construir e fazer funcionar seu
campus, com área de 6 milhões de m2; como um Parque tecnológico, com um edifício-sede
de área total de 19.000 m2, que já abriga 12 empresas, todas dotadas de tecnologias portadoras
de futuro, muitas das quais em áreas ligadas às ciências da vida.
Os artigos aqui publicados, por pesquisadores da Univap e de outras instituições,
estabelecem interações relevantes para o entendimento de diferentes problemas e de suas
possíveis soluções. É esta crença que nos habilita a todos a prosseguir sempre, procurando
esclarecer e definir metas que nos ajudem a bem desfrutar a nossa maior herança: a vida.
Antonio de Souza Teixeira Júnior, Prof. Dr.
Pró-Reitor de Integração Universidade - Sociedade
e Vice-reitor da Univap
A FUNDAÇÃO VALEPARAIBANA DE ENSINO (FVE) E A
UNIVERSIDADE DO VALE DO PARAÍBA (UNIVAP)
A Fundação Valeparaibana de Ensino (FVE), com sede à
Praça Cândido Dias Castejón, 116, Centro, na cidade de
São José dos Campos, Estado de São Paulo, inscrita no
Ministério da Fazenda sob o nº 60.191.244/0001-20, Inscrição Estadual 645.070.494-112, é uma instituição filantrópica e comunitária, que não possui sócios de qualquer natureza, com seus recursos destinados integralmente à educação, instituída por escritura pública de 24
de agosto de 1963, lavrada nas Notas do Cartório do 1º
Ofício da Comarca de São José dos Campos, às folhas
93 vº/96 vº, do livro 275.
A Universidade do Vale do Paraíba (Univap), mantida pela
FVE, tem como área de atuação prioritária o Distrito
Geoeducacional, DGE-31. Sua missão é a promoção da
educação para o desenvolvimento da Região do Vale do
Paraíba e Litoral Norte (DGE-31).
Até o presente, a Univap possui os seguintes Campi:
a) Campus Centro, em São José dos Campos, situado à
Praça Cândido Dias Castejón, 116, e à Rua Paraibuna,
75.
b) Campus Urbanova, situado à Av. Shishima Hifumi, 2911.
c) Campus Urbanova/Jacareí, com acesso pela Av.
Shishima Hifumi, 2911.
d) Campus Aquarius, em São José dos Campos, situado
à Rua Dr. Tertuliano Delphim Júnior, 181.
e) Campus Villa Branca, localizado em Jacareí, na Estrada
Municipal do Limoeiro, 250.
f) Campus Platanus, localizado em Campos do Jordão,
na Av. Frei Orestes Girardi, 3.
g) Unidade Caçapava,na Estrada Municipal Borda da
Mata, 2020.
A Educação Superior, objetivo da Univap, abrange os
cursos e programas a seguir descritos:
1) Graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e que tenham
sido classificados em processo seletivo.
2) Pós-graduação, compreendendo programas de
Mestrado, Doutorado, Especialização e outros,
abertos a candidatos diplomados em cursos de graduação e que atendam aos requisitos da Univap.
3) Extensão, abertos a candidatos que atendam aos
requisitos estabelecidos pela UNIVAP.
4) Educação a distância, com uso de novas tecnologias
de comunicação.
5) Formação tecnológica, com formação de tecnólogos
em nível de 3º grau.
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
A FVE é também mantenedora, tendo em vista a educação integral dos futuros alunos da Univap, de cursos de
Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e
ainda de Formação Profissional e Técnica.
A Univap, em seu Projeto Institucional, centra-se:
1)
2)
3)
4)
numa função política, capaz de colocar a educação
como fator de inovação e mudanças na Região do
Vale do Paraíba e Litoral Norte - o DGE-31;
numa função ética, de forma que, ao desenvolver a
sua missão, observe e dissemine os valores positivos que dignificam o homem e a sua vida em sociedade;
numa proposta de transformação social, voltada
para a Região do Vale do Paraíba e Litoral Norte;
no comprometimento da comunidade acadêmica com
o desenvolvimento sustentável do País e, em
especial, com a Região do Vale do Paraíba e Litoral
Norte, sua principal área de atuação.
A Univap está em permanente interação com agentes
sociais e culturais que com ela se identificam. Como decorrência da demanda de seus cursos ou dos serviços
que presta, estabelece convênios com instituições
públicas e privadas, no Brasil e no Exterior. Estes
convênios resultam na cooperação técnica e científica,
na qualificação de seus recursos humanos e tecnológicos, na viabilização de estágios acadêmicos e na
prestação de serviços. A história da Univap, enraizada
na trajetória da Região do Vale do Paraíba e Litoral Norte,
traz consigo a marca da participação comunitária, a partir
do compromisso que tem com a sociedade regional,
alicerçado na tradição, na busca da excelência acadêmica,
na qualidade de seu ensino, no diálogo com a comunidade
e no exercício da tríplice função constitucional de
assegurar a indissociabilidade da pesquisa institucional,
ensino e extensão.
Como atividades de extensão, destacam-se, na UNIVAP,
aquelas relativas à Comunidade Solidária, que têm por
objetivo mobilizar ações que contribuam para a alfabetização e melhoria da qualidade de vida de populações
carentes. Dentro deste Programa, foram realizadas
atividades nas áreas de Saúde, Higiene, Cidadania, Educação e Lazer, em Santa Bárbara (BA), Beruri (AM),
Teotônio Vilela (AL), Nova Olinda (CE), Coreaú (CE),
Carnaubal (CE), São Benedito (CE), Groaíras (CE), Atalaia
do Norte (AM), Pão de Açúcar (AL) e, no Vale do Paraíba,
nas cidades de Monteiro Lobato, São Bento do Sapucaí,
Paraibuna, São Francisco Xavier e São José dos Campos.
9
Todas as pesquisas institucionais da Universidade estão centradas em seu Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento (IP&D), o qual executa programas e projetos e
congrega pesquisadores de todas as áreas da Univap,
envolvidos em atividades de pesquisa, desenvolvimento e extensão. Em seus oito núcleos de pesquisa, nas
áreas sócio-econômica, genômica, instrumentação
biomédica, espectroscopia biomolecular, estudos e desenvolvimentos educacionais, ciências ambientais e
tecnologias espaciais, computação avançada, biomédicas, atrai e dá condições de trabalho a pesquisadores
de grande experiência, do País e do exterior. Os alunos
têm condições de participar, com os professores, de
pesquisas, executando tarefas criativas, motivadoras, que
propiciam a formulação de modelos e de simulações,
trabalhando com equipamentos de primeira linha, e isto
faz a diferença entre a memorização e a compreensão.
Bolsas de estudo vêm sendo oferecidas a alunos e
pesquisadores, quer pela Univap, quer por instituições
como CAPES, CNPq, FINEP e FAPESP.
O esforço da Univap em construir, no Campus Urbanova,
uma Universidade com instalações especiais para cada
área de atuação, com atenção especial aos laboratórios,
tem por objetivo um ensino de qualidade, compatível com
as exigências da sociedade atual.
A Univap, para o ano letivo de 2005, fiel ao lema de que
“o saber amplia a visão do homem e torna o seu caminhar
mais seguro”, oferece à comunidade da Região do Vale
do Paraíba e Litoral Norte o seguinte Programa, de seus
diversos cursos, que vão desde a Educação Infantil à
Pós-Graduação, passando inclusive pelo Colégio Técnico Industrial e pela Faculdade da Terceira Idade.
CURSOS DE GRADUAÇÃO
-
Administração de Empresas e Negócios
Arquitetura e Urbanismo
Biomedicina
Ciência da Computação
Ciências Biológicas
Ciências Contábeis
Ciências Econômicas
Ciências Sociais
Direito
Educação Física
Enfermagem
Engenharia Aeroespacial
Engenharia Ambiental
Engenharia Biomédica
Engenharia Civil
Engenharia da Computação
Engenharia de Materiais
Engenharia Elétrica
-
Farmácia
Fisioterapia
Geografia
História
Jornalismo
Letras
Matemática
Normal Superior
Nutrição
Odontologia
Pedagogia
Publicidade e Propaganda
Rádio e TV
Secretariado Executivo
Serviço Social
Terapia Ocupacional
Turismo
CURSOS DE PÓS-GRADUAÇÃO
- Doutorado
-
- Especialização - Lato-Sensu
Engenharia Biomédica
- Mestrado
-
10
Bioengenharia
Ciências Biológicas
Engenharia Biomédica
Planejamento Urbano e Regional
-
Administração e Planejamento da Educação
Computação Aplicada
Comunicação Empresarial
Dentística Restauradora
Direito Processual
Gestão Ambiental
Gestão Empresarial
Neurologia Funcional
Odontopediatria
Psicopedagogia
Saúde da Família
Terapia Familiar
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
São José dos Campos
Com cerca de 600.000 habitantes, São José dos Campos
é o município com maior população na sua região, sendo
que seu grande desenvolvimento começou realmente com
a construção da Rodovia Presidente Dutra e do Centro
Técnico Aeroespacial (CTA). Além disso, a localização
estratégica e privilegiada entre São Paulo e Rio de Janeiro e a topografia apropriada para a construção de grandes
indústrias possibilitaram que a cidade crescesse vertiginosamente na década de 70, passando a ser uma das
áreas mais dinâmicas do Estado e a terceira maior taxa de
crescimento da década de 80. De 1993 para cá, a cidade
passou por grandes transformações, alcançando avanços na área da saúde, desenvolvimento econômico, educação, criança e adolescente, saneamento básico e obras.
O comércio de São José dos Campos é bastante desenvolvido e vive um período de extensão, com vários centros de compras e grandes supermercados e Shopping
Centers. Com mais de 800 indústrias, 4.000 estabelecimentos comerciais e superando 7.000 prestadores de
serviço, o perfil industrial de São José dos Campos tem
dois lados distintos: o centralizado nas áreas aeroespacial
e aeronáutica, como a Embraer, e outro diversificado, com
indústrias, como a General Motors, Johnson & Johnson,
Petrobras, Rhodia, Monsanto, Kodak, Panasonic, Hitachi,
Bundy, Ericsson, Eaton e outras. É o quarto município
do Estado de São Paulo em arrecadação e ICMS, atrás
apenas da capital, Santo André e Campinas.
São José dos Campos possui, como resultado da atuação
de suas indústrias, dos estabelecimentos comerciais e
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
dos organismos que desenvolvem tecnologias de ponta,
mão-de-obra de altíssimo nível. Entre esses órgãos destacam-se o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(INPE), o Centro Técnico Aeroespacial (CTA), com seus
Institutos: ITA - Instituto Tecnológico de Aeronáutica,
IAE - Instituto de Atividades Espaciais, IFI - Instituto de
Fomento e Coordenação Industrial e o IEAv - Instituto
de Estudos Avançados.
Com uma vida cultural bastante intensa, o município conta
com uma Fundação Cultural e vários espaços culturais,
como o Museu Municipal, galerias de arte, centros de
exposição, casas de cultura, Teatro municipal, Cine-Teatro Benedito Alves da Silva, Cine-Teatro Santana e o
Teatro Univap Prof. Moacyr Benedicto de Souza,
cinemas, emissoras de rádio FM e AM, Central Regional
da TV Globo, jornais diários com circulação regional,
além dos da capital, e várias Bibliotecas Escolares,
Universitárias e de Pesquisa, como a da UNIVAP, a do
INPE e a do ITA.
A Univap constitui, além do CTA e do INPE, o maior
centro de ensino e pesquisa do município. Da Pré-Escola
à Universidade, além de Cursos de Pós-Graduação e da
Terceira Idade, a Univap mantém o IP&D - Instituto de
Pesquisa e Desenvolvimento, que garante a incorporação da pesquisa na comunidade acadêmica da UNIVAP,
permitindo a indissociabilidade entre o ensino e a pesquisa. A Univap tem estado aberta à interação com empresas e instituições do município, notadamente as de
ensino e pesquisa, entre elas o INPE e o CTA-ITA, de
onde são provenientes o reitor, pró-reitores e vários professores.
11
12
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
Carreiras Negras/Carreiras Brancas: Quando Raça e
Classe se Encontram
André Augusto Brandão *
Mani Tebet A. de Marins **
Resumo: Este trabalho foi construído a partir do Censo Étnico-racial realizado na Universidade
Federal Fluminense com o objetivo de conhecer o perfil racial dos alunos dos cursos de graduação
da instituição. A partir daí criamos um banco de dados que organizou as variáveis sócio-econômicas apreendidas no questionário aplicado. No trabalho que propomos investigamos de forma
comparada os dois cursos com maior presença de alunos negros e os dois cursos com maior presença de alunos brancos. Traçamos um perfil de ambos e comprovamos que os negros são mais presentes nos cursos com menor nível de disputa no vestibular e com menor possibilidade de retorno
financeiro futuro. Mostramos, ainda, que existe um padrão sócio-econômico que se articula à
distribuição de negros e brancos pelos cursos da universidade.
Palavras-chave: Negros, ensino superior, desigualdade.
Abstract: Using data collected from a survey carried out among undergraduate students at Universidade Federal Fluminense, this article seeks to analyze the racial profile of such students. Two
undergraduate courses were examined in more detail: one with a majority of black students and one
with a majority of white students. Results show that black students consistently seek careers that
are easy to access in the scholastic exams and with possible lower pays in the labor market. Moreover,
the study shows the existence of a clear relationship between a social and economical pattern and
the distribution of black and white students among the university courses.
Key words: Blacks, higher education, inequality.
1. INTRODUÇÃO
Não restam dúvidas sobre o caráter normativo
que as ciências humanas ganharam na modernidade. No
caso específico dos discursos produzidos sobre as relações entre grupos de cor ou raça no Brasil, as interpretações científicas compuseram no decorrer de nossa história afirmações que condicionaram uma “imaginação nacional” (1) que, por sua vez, esteve na base da produção de
políticas públicas ou na negação da necessidade de algumas destas.
Um dos consensos “científicos” que vigiu por
décadas e foi fundamental para articular representações
societárias mais amplas diz respeito à inexistência de uma
“linha de cor” no Brasil. Nesta perspectiva, as fronteiras
de cor ou raça entre nós seriam permeáveis ou mesmo
apagadas pelo fato de que – no extremo oposto da máxi*
Professor da ESS-UFF, Pesquisador do PENESB-UFF,
Doutor em Ciências Sociais.
** Graduanda da ESS-UFF, Bolsista do CNPq.
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
ma norte-americana – uma gota de sangue branco produz uma classificação na qual o indivíduo pode ser
alocado em qualquer ponto do que poderíamos denominar como um “espaço cromático”. Assim, do negro ao
branco passaríamos por inúmeras categorias indicadoras
de mestiçagem (moreno, mulato, pardo, mestiço etc).
Desta afirmação se constroem outras também
muito importantes. Uma delas é a noção de que o Brasil
teria destruído a ordem estamental que alicerçou o período escravista e construído uma sociedade de classes –
no sentido weberiano do conceito (2) – onde não proliferavam grupos aproximados pela raça. Estaríamos, portanto, em uma sociedade de classes, na qual, pela impossibilidade de discriminação racial dado à mestiçagem, não
se formariam barreiras impeditivas à mobilidade social
que tivessem como critério um elemento imutável como o
fenótipo do indivíduo (PIERSON, 1971) (3).
Marvim Harris, outro pioneiro dos estudos sobre relações raciais no Brasil corrobora a afirmação acima ao indicar
que seria a classe e não a raça que levaria à ações de discriminação, preconceito ou hierarquização (HARRIS, 1974) (4).
13
Sintetizando estas “imagens”, Thales de Azevedo
em livro publicado pela primeira vez pela Unesco (AZEVEDO, 1955) afirma que as classificações de cor tupiniquins se
baseiam em um cálculo complexo, em que entram o fenótipo,
os aspectos sociais, culturais e educacionais. O que mais
uma vez aponta para múltiplas imprecisões que desfazem
possibilidades de agregações tipicamente raciais.
Há algumas décadas vemos que as ciências humanas no Brasil estão produzindo outras afirmações e,
portanto, novas possibilidades para a “imaginação” nacional, para a auto-representação societária e para a
própria agenda das políticas públicas.
Desde os estudos de Hasenbalg (1979) e de Silva
(1978), descobrimos através de relatos quantitativos
irrefutáveis, baseados em dados oficiais, que existe uma
inequívoca “linha de cor” no Brasil. Tal desigualdade se
mostra em todos os indicadores sociais disponíveis.
Obviamente estes estudos quantitativos não estavam
investigando diretamente as relações primárias, subjetivas e lúdicas, mas pode se deduzir que estas não constituíam nenhum paraíso, exatamente porque nas relações
de mercado ou de acesso às políticas públicas a desigualdade quantitativamente verificada entre brancos por
um lado e pretos e pardos por outro, eram enormes (5).
A linha de cor que transcendia o “mito” da cordialidade, da harmonia ou da não discriminação entre os
brasileiros de “cores” diferentes, somente pôde ser encontrada por que estes estudos lançaram mão de recursos quantitativos de escopo macro-social. Ou seja, estudos generalizáveis para o conjunto do território nacional
(até mesmo porque muitas vezes construídos a partir de
bancos de dados censitários) tendo por base informações “inquestionáveis” produzidas não por militantes
passionais, mas sim por técnicos do governo federal.
Destes estudos em diante, vários outros surgiram
e reafirmaram no tempo a perspectiva de que nos índices
de acesso às políticas sociais e de beneficiamento com
estas, mas também nas diferenças de ocupação, posição
na ocupação e renda, brancos e negros se encontram
muito distantes.
De fato, Hasenbalg (1979) mostrou a existência
no Brasil de um “ciclo de desvantagens cumulativas”
que se coloca em todas as fases da trajetória de vida dos
negros, desta forma:
“...não apenas o ponto de partida dos negros
é desvantajoso a herança do passado), mas ...
em cada estágio da competição social, na educação e no mercado de trabalho, somam-se
novas discriminações que aumentam tal desvantagem.” (HASENBALG, 1979, p. 67)
14
Neste sentido, seguindo as indicações de Hasenbalg
(1979) e Hasenbalg & Silva (1988), podemos afirmar que a
discriminação racial possui uma específica funcionalidade,
no sentido de proporcionar maiores potencialidades de ganhos materiais e simbólicos para os “brancos”, ao diminuir
as perspectivas dos negros no mercado de bens materiais e
simbólicos. Existem suficientes evidências empíricas para
corroborar a idéia de que a discriminação racial no Brasil
está ligada de forma muito precisa à luta por melhores
posicionamentos na estrutura hierarquizada da sociedade.
(HASENBALG; SILVA, 1988). Assim, negros sofrem um
conjunto de desvantagens sócio-econômicas cumulativas
que se consubstanciam em bem-estar e qualidade de vida
em média inferior àquelas dos brancos.
Trata-se aqui de uma desvantagem competitiva
que é produzida e mantida pela discriminação racial. Mais
especificamente, os negros, em maior número proporcional que os brancos: nascem em áreas pouco desenvolvidas, se originam de famílias mais pobres, possuem dificuldades de realização escolar em todos os níveis de
ensino e ainda se concentram em atividades ocupacionais
desqualificadas e de baixo rendimento.
Neste sentido, acreditamos que a questão racial
constitui uma variável fundamental para a compreensão
da lógica de produção e reprodução da pobreza e da
exclusão social no Brasil. A raça, portanto, se relaciona
diretamente com a distribuição dos indivíduos na hierarquia social.
A partir disto, verificamos que os níveis de segregação racial são indicadores de variáveis sócio-econômicas, tais como: local de residência e condições de habitação, acesso ao emprego formal e informal, acesso a
determinadas categorias ocupacionais, níveis educacionais, renda e mobilidade social. Assim, como afirma
Hasenbalg (1991, p. 265), a “raça ou filiação racial deve
ser tratada como uma variável ou critério que tem um
peso determinante na estruturação das relações sociais,
tanto no sentido objetivo quanto subjetivamente”.
Mais recentemente, Pastore & Silva (2000) mostraram o quanto a educação é fundamental para a continuidade da desigualdade entre brancos e negros (considerando neste grupo a soma dos autodeclarados pretos
e pardos) e para a manutenção da “linha de cor”.
Estes autores pesquisaram como os processos
de mobilidade social no Brasil se diferenciam por “cor”.
Afirmam que a faixa de escolaridade e o status ocupacional
do pai aparecem como fatores fundamentais que
condicionam a escolaridade e o status ocupacional do
filho. A concentração dos negros em patamares inferiores de escolaridade sobredetermina, portanto, a situação
desprivilegiada deste grupo racial no conjunto das posi-
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
ções de ocupação e renda e conseqüentemente, impacta
suas possibilidades de mobilidade social ascendente.
Pastore & Silva (2000) agregam as mais de 300 categorias ocupacionais definidas pela PNAD/IBGE de 1996 em
6 grupos assim definidos: Baixo-inferior (trabalhadores rurais não qualificados - pescadores, agricultores autônomos
etc); Baixo-superior (trabalhadores urbanos não qualificados - empregados domésticos, ambulantes, trabalhadores
braçais, serventes, vigias etc); Médio-inferior (trabalhadores qualificados e semiqualificados - motoristas, pedreiros,
mecânicos, carpinteiros etc); Médio-médio (trabalhadores
não-manuais – auxiliares administrativos, profissionais de
escritório, pequenos proprietários etc); Médio-superior (profissionais de nível médio e médios proprietários - administradores e gerentes, encarregados, chefes no serviço público etc); Alto (profissionais de nível superior e grandes proprietários - empresários, professores de ensino superior, advogados, médicos, oficiais militares etc).
Investigando, a partir destes dados de 1996, os
homens entre 35 e 49 anos por cor ou raça, os autores
verificam que as rotas médias de mobilidade entre brancos
e negros são idênticas até o tipo Médio-inferior. A partir
deste ponto, enquanto os filhos de brancos, em maioria,
permanecem sempre no mesmo grupo ocupacional do pai,
os filhos de negros, em maioria, caem para grupos
ocupacionais inferiores. Mais precisamente, os filhos de
pais brancos que atuavam no tipo Médio-médio ficam em
maioria neste mesmo tipo; já os filhos de pais negros que
atuavam neste tipo, aparecem em maioria no tipo Médioinferior. O mesmo verificamos nos tipos Médio-superior e
Alto. A maioria dos filhos de pais brancos mantém a posição ocupacional respectiva e a maioria dos filhos de pais
negros ficam na categoria ocupacional Médio-inferior.
A contundência destas informações merecem que
as vejamos de forma numérica. Em 1996, considerando a
amostra citada acima, enquanto somente 29,04% dos filhos de brancos do tipo Baixo-inferior estão neste tipo ou
no tipo Baixo-superior, entre os filhos de pardos esta taxa
é de 35,71 %, chegando a 39,24% entre os filhos de pretos.
Na outra ponta, 38,54% dos filhos de pai do tipo
Alto permanecem neste tipo quando adultos. Entre os filhos de pretos estes são 18,18% e entre os filhos de pardos 17,89%. No que tange ao tipo Médio-superior, 51,73%
dos filhos de pais brancos deste grupo aí permanecem ou
migram para o tipo Alto. Já entre os filhos de pais pretos,
estes são 30,75% e entre os filhos de pais pardos 35,95%.
Ou seja, pretos e pardos que possuem pais em grupo de
status ocupacional Alto têm muito mais possibilidades que
os brancos de uma mobilidade social descendente.
Tomando os dados da PNAD de 1996 de forma mais
“fotográfica”, Pastore & Silva (2000, p. 88) afirmam que nesR. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
ta data, estavam nos tipos Baixo-inferior e Baixo-superior
36,4% dos brancos, 48,4% dos pretos e 53,7% dos pardos.
Já nos tipos Médio-inferior, Médio-médio e Médio-inferior
estavam 54,9% dos brancos, 49,4% dos pretos e 44,5% dos
pardos. Por último, no grupo Alto, estavam 8,7% dos brancos, 1,9% dos pretos e 2,2% dos pardos.
Tais diferenças se relacionam diretamente com as
performances de escolaridade. Como mostram Pastore &
Silva (2000, p. 93), 64,8% dos filhos de pais brancos do
tipo Alto chegam a 12 anos e mais de escolaridade. Entre
os filhos de negros com a mesma posição ocupacional,
somente alcançam os 12 anos e mais de estudos 24,3%.
Na outra ponta, entre os filhos de brancos do grupo ocupacional Baixo-superior, um total de 19,8% chega
aos 12 anos e mais de estudos. Já entre os filhos de negros
somente 6,7% chegam a este patamar de escolaridade.
Assim, os autores concluem que “... o núcleo duro
das desvantagens que pretos e pardos parecem sofrer se
localiza no processo de aquisição educacional”
(PASTORE; SILVA, 2000, p. 96).
Nesta mesma direção, outro estudo recente aponta
em detalhes a magnitude das desigualdades de realização educacional entre os dois grupos de cor ou raça.
Segundo o trabalho de Henriques (2001) – que se apóia
nos dados produzidos pela PNAD do IBGE – em fins dos
anos 1990 a diferença de anos de escolaridade média
entre um negro e um branco, ambos com 25 anos de idade, era de 2,3 anos de estudo, o que corresponde a uma
elevada desigualdade, à medida que, a média de escolaridade dos adultos, em geral, no Brasil não ultrapassa os 6
anos. O mais significativo, porém, é que tal padrão de
desigualdade no que tange aos anos médios de estudo
tem se mantido estável há décadas.
Henriques (2001), verifica que, tomando os nascidos
em 1929 e os nascidos em 1974 e desagregando-os entre os
grupos branco e negro, encontramos uma situação onde:
“... a escolaridade média de ambas as raças
cresce ao longo do século, mas o padrão
de discriminação racial, expresso pelos anos
de escolaridade entre brancos e negros,
mantém-se absolutamente estável entre as
gerações.” (HENRIQUES, 2001, p. 27)
Henriques (2001) nos mostra ainda que se tomarmos o ano de 1999, em todos os índices ligados à
escolarização, a população negra apresenta performances
inferiores à população branca. Os analfabetos entre 15 e
25 anos no Brasil correspondem a 5% da população total,
no entanto são 7,6% da população negra e somente 2,6%
da população branca. Considerando o analfabetismo de
15
todos os maiores de 15 anos no Brasil encontramos uma
taxa de 13,3% para os brancos 19,8% para os negros. As
crianças entre 7 e 13 anos que não freqüentam a escola
seriam 3,6% no Brasil, mas 2,4% entre os brancos e o dobro (4,8%) entre os negros.
As pessoas entre 11 e 17 anos que ainda não
completaram a 4ª série do ensino fundamental correspondem a 27,4% na população total, mas somente a 17,1%
na população branca, enquanto chega a 37,5% na população negra. A lista de desigualdades continua: 73,2%
das pessoas entre 18 e 25 anos no Brasil não completaram o ensino secundário, mas entre os brancos na mesma faixa etária este número é de 63,1%, já entre os negros
alcança 84,4%. Por último, o ingresso ao ensino superior
é alcançado por somente 7,1% dos brasileiros entre 18 e
25 anos, mas entre os brancos nesta faixa de idade o
acesso à universidade chega à 11,2%,enquanto que entre os negros não passa de 2,3%.
Henriques (2001) lembra também que
“... todos os níveis de escolaridade dos adultos negros em 1999 são inferiores aos indicadores dos adultos brancos em 1992. Destaca-se em particular, a taxa de analfabetismo de pessoas com mais de 15 anos: em
1999 essa taxa era de 19,8% entre os negros, sendo que em 1992 era de 10,6% entre
os brancos. Observamos, portanto, que à
medida que avançamos nos níveis de escolaridade formal da população adulta, as posições relativas entre brancos e negros são
crescentemente punitivas em direção aos
negros.” (HENRIQUES, 2001, p. 31-32)
Mas existe ainda um outro ponto fundamental que
acentua as desigualdades demonstradas por Henriques
(2001). Trata-se do fato de que o pequeno percentual de
negros que acessam o ensino superior se concentram em
maior quantidade nas carreiras que tendem a oferecer menores possibilidades de retorno financeiro futuro, enquanto
que os brancos se concentram nas carreiras que em geral
redundam em maiores possibilidades de renda.
Exatamente por isso, resolvemos investigar o perfil dos alunos de dois cursos superiores oferecidos por
uma instituição federal de ensino superior situada na
Região Metropolitana do Rio de Janeiro, a Universidade
Federal Fluminense. Escolhemos para análise o curso com
maior percentual de brancos e o curso com maior
percentual de negros (considerando a soma de pretos e
pardos), estes são respectivamente medicina e
arquivologia.
Para a produção deste estudo contamos com o
banco de dados do “Censo Étnico-racial da UFF e da
UFMT” (BRANDÃO; TEIXEIRA, 2003) realizado pelo Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira
(PENESB-UFF), em 2003 (6) (vide Tabela 1).
2. O PERFIL DOS ALUNOS
Inicialmente devemos observar que o curso mais
“branco” se encontra entre os mais disputados no concurso vestibular da UFF em 2003. Mais especificamente
o curso de Medicina é o mais concorrido entre todos os
oferecidos por esta instituição federal. O contrário ocorre com o curso mais “negro”. Arquivologia era o penúltimo na relação candidato-vaga neste ano.
Tabela 1 - Distribuição percentual dos alunos nos cursos selecionados, no conjunto da UFF e da população do
Estado do Rio de janeiro, segundo a cor ou raça
Fonte: Censo Étnico-Racial da UFF e da UFMT (2003) e Censo Demográfico Brasileiro (2000).
A Tabela 1 mostra a configuração de cor ou raça
nos cursos selecionados e no total da UFF. Como vemos,
mesmo a distribuição total dos alunos aponta para uma
super-representação dos brancos e para uma acentuada
sub-representação dos alunos pretos e pardos quando
comparados com o conjunto da população do Estado.
No entanto, os brancos estão ainda mais super-representados no curso mais disputado e se mostram sub-repre16
sentados no curso menos disputado. Exatamente o contrário
ocorre com os negros. É necessário apontar, porém, que no
geral a sub-representação dos pardos na UFF é da ordem de
13,89%, enquanto que a dos pretos ultrapassa os 50%.
A partir de agora passamos a comparar características selecionadas dos dois cursos com o perfil da própria universidade (Tabelas 2 a 15).
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
Tabela 2 - Distribuição percentual dos alunos por curso, segundo o tipo de escola freqüentada no ensino médio
Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003).
De início, é bastante aparente que ter freqüentado escolas privadas no ensino médio constitui um fator
importante para o acesso a esta universidade pública,
pois nada menos que 64,02% dos alunos da UFF cursaram este nível de ensino especificamente neste tipo de
instituição. Para além disto, como podemos verificar, os
alunos do curso mais “branco” são em muito maior medida oriundos de escolas privadas que os alunos do curso
mais “negro”. De fato, se tomarmos os números gerais
como parâmetro, veremos que no curso de Medicina, o
percentual de oriundos de escola privada ultrapassa o já
elevado número correspondente ao total da UFF, enquanto que no curso de Arquivologia ocorre rigorosamente o
contrário. Vale ressaltar a contundente informação de que
somente 19,81% dos alunos de Medicina cursaram a rede
pública de ensino médio.
Tabela 3 - Distribuição percentual dos alunos por curso, segundo a escolaridade do pai
Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003).
Tabela 4 - Distribuição percentual dos alunos por curso, segundo a escolaridade da mãe
Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003).
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17
As Tabelas 3 e 4 corroboram as proposições de
Bourdieu (1999) acerca da noção de “capital cultural em estado incorporado” e também comprovam as já comentadas indicações de Pastore e Silva (2000), acerca do impacto que a
escolaridade da família exerce sobre o status dos filhos.
nunca freqüentaram a escola e entre os que acessaram
ou concluíram o ensino fundamental e médio. Estão, no
entanto, super-representados entre os que iniciaram ou
concluíram o ensino superior. Exatamente o contrário
ocorre com os pais dos alunos do curso mais “negro”.
Assim, vemos que na totalidade da UFF mais de
50% dos alunos possuem um pai que acessou o ensino
superior. Os percentuais de distribuição destes vão diminuindo na mesma ordem em que diminuem os graus de
escolarização tomados em blocos. Assim, 25,97% dos
alunos têm pais que acessaram o ensino médio e 20,95%
que acessaram o ensino fundamental. Como vemos, somente 0,77% dos alunos da UFF possuem pais que nunca freqüentaram a escola.
A análise da Tabela 4 nos leva a resultados idênticos aos encontrados para a Tabela 3. De fato, poderíamos repetir para as mães dos alunos as mesmas afirmações que produzimos para os pais. A única diferença seria que no total da UFF e também nos dois cursos, as
mães apresentam uma performance de escolaridade um
pouco inferior àquela dos pais (7).
Quando comparamos os dois cursos em análise,
vemos uma gigantesca clivagem. Enquanto que a maior
concentração de pais dos alunos de Medicina se encontra entre os que acessaram o ensino superior (75,75%),
entre os pais dos alunos de Arquivologia, a maior concentração está no âmbito do ensino fundamental (49,64%).
De fato, quando comparamos as três colunas da tabela 3
vemos que no curso de Medicina os pais dos alunos são
em larga medida mais bem situados na hierarquia de
escolarização, quando comparados aos pais dos alunos
de Arquivologia. Vemos ainda que tomado como
parâmetro o total da UFF, os pais dos alunos do curso
mais “branco” estão sub-representados entre os que
Por fim, vale lembrar mais uma vez a questão relativa ao “capital cultural em estado incorporado”. Segundo
Bourdieu (1999 e outros), a trajetória escolar de um indivíduo depende substancialmente de um conjunto de disposições que são forjadas na própria relação familiar. Tratase de um tipo de capital cultural que é incorporado de
forma mesmo insensível pelos agentes sociais. À medida
que a escola valoriza imensamente os efeitos deste capital
para selecionar e premiar os discentes, este adquire uma
enorme importância e, em conjunto com outros fatores,
explica até mesmo a distribuição dos alunos entre carreiras
mais e menos concorridas. Não é por acaso, portanto, que
os pais e mães dos alunos do curso de Arquivologia estão
em posição muito pior que os dos alunos de Medicina no
que tange à estrutura de escolaridade.
Tabela 5 - Distribuição percentual dos alunos por curso, segundo a condição de trabalho anterior
Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003).
No que tange à questão das atividades de trabalho anterior, verificamos que a grande maioria dos alunos
da UFF não trabalhou antes de cursar a universidade.
Porém, os alunos de Arquivologia mostram uma trajetória mais sujeita às pressões materiais, à medida que exer-
ciam atividades de trabalho com freqüência maior que o
total da UFF, enquanto que o inverso ocorre com os alunos de Medicina. A diferença entre os que nunca trabalharam é de aproximadamente 24 pontos percentuais entre os dois cursos.
Tabela 6 - Distribuição percentual dos alunos por curso, segundo a condição de trabalho atual
Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003).
18
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Comparando as Tabelas 5 e 6, verificamos que ao
chegar à universidade um número significativo de alunos ingressa no mercado de trabalho. Assim, se os que
haviam trabalhado antes eram 20,39 %, os que não trabalham agora que chegaram à universidade são 43,89 %.
De qualquer modo, a maioria dos alunos da UFF
não exercia atividades de trabalho por ocasiãoda realização do Censo Étnico-racial em 2003. Mas, quando desa-
gregamos este dado geral entre os dois cursos estudados, mais uma vez nos deparamos com diferenças
abissais, à medida que somente 19,81% dos alunos de
Medicina exercem atividades de trabalho, enquanto os
alunos que trabalham da Arquivologia são 59,33% do
total. Trata-se de uma distância de aproximadamente 40
pontos percentuais que reafirma as diferenças de perfil
dos alunos do curso mais “branco” e do mais “negro”
desta universidade.
Tabela 7 - Distribuição percentual dos alunos por curso, segundo a renda familiar
Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003).
A análise da tabela acima nos coloca frente a um
contundente e expressivo contraste que sinaliza a intensa desigualdade na educação superior brasileira. Na primeira linha da tabela, ou seja, aquela relativa a até um
salário mínimo de renda mensal, encontramos no total
dos alunos somente 0,95%. Este percentual, no entanto,
triplica quando olhamos a coluna referente ao curso de
Arquivologia (2,99%). No oposto disto, entre os alunos
de Medicina, nenhuma família se localiza nesta faixa que
remete a patamares de pobreza extrema.
Se considerarmos agora as famílias situadas entre
1 e 5 salários mínimos de renda, verificamos que no total
da UFF este percentual é de 26, 99%. No que tange ao
curso de Arquivologia estas mesmas faixas de renda comportam 60,83% das famílias dos alunos, ou seja, mais do
que o dobro da freqüência encontrada para o total. Já na
Medicina este percentual cai para 8,63%, o que significa
uma freqüência cerca de três vezes menor que o geral.
Analisando agora as famílias mais bem situadas
no espectro de renda, ou seja, tomando as faixas acima
de 20 salários mínimos, veremos que as desigualdades
se mantêm. O percentual total da UFF é de 19,47%, enquanto que na Arquivologia encontraremos somente
3,73% das famílias neste patamar – o que significa um
percentual cerca de quatro vezes menor do que a soma
de todos os alunos da UFF. Por outro lado, na Medicina
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o percentual encontrado nestas faixas é aproximadamente o dobro (40,10%) do existente no conjunto desta instituição.
Mais do que nunca os dados se impõem com muita
força. Indiscutivelmente, através das tabelas apresentadas, vemos de forma transparente uma desigualdade interna à UFF na variável renda familiar por curso. Não por
acaso, aqueles que têm acesso aos cursos mais “disputados” são aqueles mais bem situados na estrutura de
renda familiar e são também em maior quantidade de cor
ou raça “branca”. Na mesma direção, não é uma “ordem
natural das coisas” que explica o fato de que os cursos
menos disputados são aqueles com mais alunos oriundos de famílias da base da pirâmide de renda e com maior
quantidade de pretos e pardos.
Todas as variáveis discutidas acima (trabalho anterior, trabalho atual, escolaridade do pai e da mãe, tipo
de escola freqüentada no ensino médio e renda familiar)
mostram que não há uma aleatoriedade no campo da escolha e do acesso aos cursos de uma instituição federal
de ensino superior. Com as próximas tabelas, vamos
desconstruir mais uma vez qualquer argumentação que
aponte aleatoriedade no perfil dos cursos universitários
no que tange à cor ou raça dos alunos (vale ressaltar que
analisaremos somente os dados referentes aos alunos
de cor ou raça “branca”, “preta” e “parda”).
19
Tabela 8 - Distribuição percentual dos alunos do curso de Arquivologia por cor ou raça,
segundo o tipo de escola freqüentada no ensino médio
Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003).
Tabela 9 - Distribuição percentual dos alunos do curso de Medicina por cor ou raça,
segundo o tipo de escola freqüentada no ensino médio
Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003).
Já havíamos verificado que poucos alunos de
Medicina eram oriundos de escolas públicas de ensino
médio, enquanto que mais da metade dos alunos de
Arquivologia vinham de tal origem. Vejamos agora como
este dado geral se distribui entre os grupos de cor ou
raça. De início, nos dois cursos encontramos uma mesma
configuração: a maior freqüência de origem em escolas
públicas é dos pretos, seguidos dos pardos e dos brancos, respectivamente.
Na Medicina, os brancos apresentam menor
percentual de origem na escola pública do que o total do
curso. O contrário ocorre com os pretos e pardos. Já na
Arquivologia mantém-se a sub-representação dos bran-
cos na origem em escola pública e aparece uma pequena
sub-representação dos pardos. Entre os pretos, mais
uma vez, observamos freqüência maior do que no total.
No geral, porém, em ambos os cursos os alunos
pardos estão mais próximos dos brancos do que dos
pretos no que tange a esta origem em escola pública. Na
Medicina os pardos apresentam uma distância de 15,53
pontos percentuais em relação aos brancos e de 18,06 em
relação aos pretos. Na Arquivologia a distância é de 4,68
pontos percentuais em relação aos brancos e de 18,38 em
relação aos pretos. Assim, no que tange à origem em
escola pública, os pardos apresentam performance mais
semelhante à dos brancos.
Tabela 10 - Distribuição percentual dos alunos do curso de Arquivologia por cor ou raça, segundo a escolaridade do pai
Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003).
20
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Tabela 11 - Distribuição percentual dos alunos do curso de Medicina por cor ou raça, segundo a escolaridade do pai
Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003).
Verificando a escolarização dos pais dos alunos
da Arquivologia percebemos uma maior concentração
dos pretos nas faixas correspondentes ao ensino fundamental, com 69,23% estando este percentual acima do
total do curso em aproximadamente 19 pontos
percentuais. Já os pardos, embora estejam também acima
do total do curso, mostram menor super-representação
(aproximadamente 6 pontos). No que diz respeito aos
pais dos alunos brancos, estes são menos freqüentes
neste nível do que o total do curso.
ensino fundamental completo, contra a sub-representação
de pardos em 1,89 e de brancos em 0,28 pontos percentuais.
Nas duas últimas faixas de escolarização, os pais
dos alunos brancos são mais freqüentes que os dos alunos pretos (que nem mesmo aparecem) e os dos alunos
pardos (7,45%), ficando assim acima do total do curso
em exatos 10,76 pontos percentuais.
Vale ressaltar, por último, que no curso de Medicina os pais dos alunos pardos estão mais próximos dos
brancos do que dos pretos no que tange ao acesso ao
ensino superior (distância de 23,93 pontos percentuais
em relação aos primeiros e de 44,46 em relação aos segundos). No entanto o inverso ocorre com os pais dos
alunos de Arquivologia, em que os pardos estão em 18,11
pontos percentuais distantes dos brancos nestas duas
faixas e 7,84 pontos distantes dos pretos.
No que diz respeito ao curso de Medicina, podemos
ver que os pretos estão super-representados em 43,94 pontos percentuais entre aqueles que possuem pais com até o
No que tange às faixas de escolarização relativas
ao ensino superior, verificamos que há uma maior freqüência dos pais dos alunos brancos, seguidos dos pais dos
alunos pardos, porém somente os primeiros ultrapassam o
total do curso (em aproximadamente 2 pontos percentuais).
Enquanto que os pais dos alunos pretos estão sub-representados em nada menos que 50,75 pontos.
Tabela 12 - Distribuição percentual dos alunos do curso de Arquivologia por cor ou raça, segundo a escolaridade da mãe
Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003).
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
21
Tabela 13 - Distribuição percentual dos alunos do curso de Medicina por cor ou raça, segundo a escolaridade da mãe
Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003).
O mesmo desenho de desigualdades encontrado no caso da escolaridade dos pais dos alunos pode ser
verificado também para o caso das mães. A única diferença substancial corresponde ao fato de que estas apresentam entre os alunos brancos e pardos uma freqüência
menor que os pais nas faixas mais altas; no entanto, no
que tange aos alunos pretos, as mães destes apresentam
em média um melhor posicionamento na escolarização
que os pais.
A situação das mães dos alunos pardos repete-se
nos dois cursos estudados aqui, o que fora encontrado
para os pais dos alunos. Ou seja, no que tange às duas
faixas mais altas de escolaridade, os pardos se encontram mais próximos dos brancos na Medicina e mais próximos dos pretos na Arquivologia.
Tabela 14 - Distribuição percentual dos alunos do curso de Arquivologia por cor ou raça, segundo a renda familiar
Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003).
Tabela 15 - Distribuição percentual dos alunos do curso de Medicina por cor ou raça, segundo a renda familiar
Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003).
22
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
As tabelas anteriores expressam a renda familiar
dos grupos de cor ou raça dos alunos dos cursos de
Arquivologia e Medicina. Neste último vemos que entre
os autodeclarados brancos encontramos uma freqüência maior que os demais e mesmo maior que o total do
curso, entre os que se localizam em famílias com renda
acima de 20 salários mínimos. Quando, porém, observamos a faixa de renda de 1 a 5 salários mínimos, percebemos uma maior presença de alunos pretos super-representados em larga medida. Os pardos estão também superrepresentados, mas em pequena escala. Já os brancos
estão sub-representados em cerca de 1 ponto percentual.
Na Arquivologia, verificamos que, na faixa de renda de 20 a 50 salários mínimos (8), há um percentual maior
de brancos (5,88%) acima 2,11 pontos percentuais do
total do curso. Neste patamar de renda os pretos nem
sequer aparecem e os pardos chegam a somente 1,06%
(2,71 pontos percentuais abaixo do total deste curso).
Já na faixa de renda de 1 a 5 salários mínimos se
constata uma maior freqüência dos pardos (77,66%) sendo estes super-representados em 13,84 pontos
percentuais. Entre os pretos a super-representação é de
5,41 pontos percentuais. Entre os autodeclarados brancos o percentual é de 52,10, configurando uma sub-representação de 11,72 pontos.
Os alunos dos três grupos de cor ou raça são
originários de famílias mais pobres, como já esperávamos, no curso de Arquivologia em comparação com o de
Medicina. No entanto, mesmo no curso com maior presença negra e com menor nível de disputa no vestibular,
os brancos são significativamente mais ricos que os pretos e pardos. Por último, devemos apontar que os pardos estão mais próximos dos brancos na Medicina e mais
próximos dos pretos na Arquivologia.
3. CONCLUSÃO
Em praticamente todos os indicadores utilizados
na análise que envidamos neste artigo, encontramos uma
insistente regularidade: os pretos apresentam as
performances que indicam maiores dificuldades de realização escolar, seguidos dos pardos e dos brancos. Isto
vale para ambos os cursos.
É claro que os pretos e pardos que conseguem
acessar o curso de Medicina (poucos indivíduos em números absolutos) devem estar mais bem situados sócioeconomicamente do que os alunos de Arquivologia (de
qualquer grupo de cor ou raça), mas não se igualam a
posição de seus colegas brancos.
Como já anunciávamos no título deste pequeno
trabalho, parece que a raça e a classe se encontram aqui.
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
O curso mais “branco” da UFF reúne alunos mais bem
situados sócio-economicamente do que o curso mais “negro”. No caso por nós estudado, ou seja, o acesso a um
curso muito disputado e a outro pouco disputado de
uma instituição pública de ensino superior, o que mais
importa: a classe ou a raça?
Vejamos. Se a classe fosse o condicionante mais
importante, deveria existir uma relativa homogeneidade
entre os indicadores pertinentes aos três grupos de cor ou
raça em ambos os cursos. O que definitivamente não ocorre. Ou, antes disso, deveria existir uma configuração na
qual o curso com o maior nível de disputa agregasse maior
percentual de alunos bem posicionados na estrutura social (independente da cor destes), e um curso com menor
disputa deveria agregar tão somente um número maior de
alunos “despossuídos” e não de alunos negros.
Voltando ao que Hasenbalg já apontava desde os
anos de 1970, para além da pobreza como ponto de partida, os negros enfrentam a cada dia a operação do racismo na sociedade brasileira. Tal enfrentamento produz uma
espiral de desvantagens materiais, simbólicas e subjetivas que somente podem ser debeladas por políticas concretas no campo das ações afirmativas.
Este aspecto subjetivo apontado por Hasenbalg
(1991) diz respeito ao solapamento das expectativas e
anseios dos negros, à medida que é construído um estereótipo racial que aponta “o local adequado” para estes
na sociedade. Mais especificamente, o acúmulo de desigualdades sócio-econômicas numa sociedade que se afirma como uma “democracia racial” tem como efeito promover um verdadeiro massacre subjetivo sobre os negros. Trata-se, portanto, de um processo no qual este
grupo racial, além do enfrentamento cotidiano das práticas discriminatórias, precisa encontrar caminhos de operação frente à violência simbólica que esconde tais práticas. Neste contexto, o referencial teórico de Pierre
Bourdieu nos parece importante, principalmente o seu
conceito de habitus.
Peça fundamental no esquema teórico proposto
por este sociólogo, o habitus constitui uma matriz de
ações e representações que é gerado pelas experiências
familiares primeiras dos indivíduos em sua vida social, o
que compreende as primeiras relações com as condições
materiais de existência. A partir daí, o habitus torna-se
princípio da “percepção e da apreensão de toda experiência ulterior”. (BOURDIEU, 1983, p. 64). Assim, determinadas condições materiais de existência originam habitus
que são o produto do meio socialmente estruturado e das
condições de existência apreendidas2 Trata-se de um “sistema de estruturas interiorizadas” que atua entre as estruturas sociais e as práticas dos sujeitos.
23
O habitus refere-se à história do agente social
(que nunca poderá ser unicamente individual). Referese, portanto, a princípios formados desde a primeira relação familiar e que se atualizam no desenvolvimento da
trajetória social, estabelecendo representações acerca do
que pode e deve ser almejado. Assim, as aspirações,
motivações, interesses e escolhas possuem este fundo
que se instaura na relação entre as práticas individuais e
as condições coletivas de realização destas.
gualdade racial que produz, não será debelado somente
por palavras. Estas deverão ser a ponta de lança das
reivindicações por igualdade e justiça na direção da
efetivação de políticas concretas; mas somente a
efetivação e a plena operação destas poderão alterar a
forma de inserção dos negros nos vários circuitos materiais e subjetivos da sociedade e, assim, retirar toda a
base falsa – mas extremamente eficaz ao nível do senso
comum – de sustentação da ideologia racista.
Em última instância, o habitus conforma as ações,
porém, como é produto de relações sociais determinadas, tende a reproduzir estas relações que o geram. A
possibilidade de uma ação social ocorrer se encontra
estruturada, sem no entanto ser “uma obediência às regras... ou uma previsão consciente” de metas a alcançar
(ORTIZ, 1983, p. 15).
4. NOTAS
A partir disto podemos inferir que indivíduos que
viveram uma trajetória longe de pressões materiais imediatas desenvolvem um habitus onde o tempo (e o gasto de
tempo) tem um significado muito diferente em relação a
outros indivíduos que desde suas primeiras experiências
se relacionam com urgências materiais de sobrevivência.
Esta questão explica a dificuldade dos jovens pobres e
negros em “perder tempo” na escola, o que leva ao problema da evasão escolar; o que fica bastante claro nas estatísticas acerca de anos médios de estudo por cor.
As condições materiais de pobreza e exclusão social às quais os afrodescendentes, muito mais do que os
brancos (como os dados sócio-econômicos demonstram)
são submetidos, produzem um habitus que tende a colaborar com a reprodução da própria situação de
pauperização e exclusão, que se consubstanciam na dificuldade de mobilidade social ascendente ao nível da ocupação e da renda. A imagem utilizada por Bourdieu (1989,
p. 87) é, neste ponto, bastante elucidativa: trata-se da
tensão entre “o que a história fez deles e o que ela lhes
pede para fazer.”
A legitimidade de uma certa ordem social, mesmo
de uma ordem segregadora do ponto de vista racial, tem
seu funcionamento extremamente facilitado pelo fato de
que se realiza quase automaticamente no mundo objetivo.
Por isso são tão necessários os trabalhos científicos que possam “desnaturalizar” e “desfatalizar” o mundo social e seus condicionamentos no campo fugidio
das relações raciais no Brasil e servir de base para a luta
pela implantação de políticas públicas capazes de modificar as configurações no plano objetivo para que a partir
daí, uma vez mudada a “ordem das coisas”, possam ser
diferentemente pensadas as coisas da ordem.
Enfim, o racismo brasileiro, e a conseqüente desi-
24
(1) Sobre a idéia de nação como comunidade imaginada ver Anderson (1989).
(2) A classe social na perspectiva de Max weber
corresponde a um grupo cuja possibilidade de entrada
de novos indivíduos é aberta, ou seja, os membros são
aqueles que alcançam determinados padrões de proximidade que se constroem e se atualizam socialmente e não
são fixos. Uma sociedade de classes seria caracterizada
pela inexistência de mecanismos formais que impedissem o trânsito dos indivíduos pela estrutura de distribuição dos ganhos sociais (WEBER, 2000).
(3) Esta obra foi publicada originalmente nos Estados Unidos, pela Universidade de Chicago em 1942.
(4) Esta obra foi publicada originalmente nos Estados Unidos em 1964.
(5) Um importante indicador de nossas relações
raciais não paradisíacas nas áreas mais subjetivas da existência social encontra-se no que podemos denominar
como casamentos inter-raciais. Telles (2003), utilizando
dados do censo de 1991, mostra que naquele ano somente 23,1% dos casais brasileiros (formados em qualquer
tipo de união consensual) agrupavam indivíduos de cor
ou raças diferentes.
(6) As análises preliminares deste censo foram
publicadas em Brandão & Teixeira (2003).
(7) Atualmente verificamos uma progressiva vantagem das mulheres em relação aos homens no que tange às taxas de escolarização. Todavia esta tendência não
se configura nas gerações que correspondem aos pais e
mães dos alunos da UFF.
(8) É importante destacar que não existem, neste
curso, famílias com renda mensal superior a 50 salários
mínimos.
(9) As práticas sociais oriundas do habitus se relacionam assim com o passado interiorizado e, portanto, reproduzem as estruturas objetivas de ação e representação.
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
5. BIBLIOGRAFIA
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Paulo: Ática, 1989.
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brésilienne. Paris: Unesco, 1955.
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das condições de vida na década de 90. Rio de Janeiro:
IPEA, 2001. [Texto para discussão nº 807].
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Janeiro: IBGE, 2001.
ORTIZ, R. Bourdieu: Sociologia. São Paulo: Ática, 1983.
BOURDIEU, P. Sociologia. São Paulo: Ática, 1983.
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1989.
_______. A miséria do mundo. Petrópolis: Vozes, 1998.
_______. Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1999.
HARRIS, M. Padrões raciais nas Américas. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1974.
HASENBALG, C. Discriminação e desigualdades raciais
no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
PASTORE, J.; SILVA, N. do V. Mobilidade social no
Brasil. São Paulo: Macron Books, 2000.
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contacto racial. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1971.
SILVA, N. do V. White-non White income diferentials:
Brazil 1960. PHD Thesis: University of Michigam, 1978.
TELLES, E. Racismo à brasileira. Rio de Janeiro: RelumeDumara, 2003.
WEBER, M. Economia e sociedade. Brasília: UNB, 1998. 2v.
HASENBALG, C. Notas sobre a pesquisa das
desigualdades raciais e bibliografia selecionada. In:
LOVELL, Peggy. Desigualdade Racial no Brasil
Contemporâneo. Belo Horizonte: UFMG/CEDEPLAR, 1991.
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
25
As Sociedades de Controle de Gilles Deleuze
Luis Fernando Zulietti *
Resumo: Para Deleuze a filosofia não é uma potência. As religiões, os Estados, o capitalismo, a
ciência, o direito, a opinião, a televisão são potências, mas não a filosofia.A filosofia pode ter grandes
batalhas interiores (idealismo – realismo etc.), mas são batalhas visíveis. Não sendo uma potência, a
filosofia não pode empreender uma batalha contra as potências; em compensação, trava contra elas
uma guerra sem batalha, uma guerra de guerrilha. Não pode falar com elas, nada tem a lhes dizer,
nada a comunicar, e apenas mantém conversações. Como as potências não se contentam em ser
exteriores, mas também passam por cada um de nós, é cada um de nós que, graças à filosofia, encontrase incessantemente em conversações e em guerrilha consigo mesmo.
Palavras-chave: Sociedade, controle, filosofia, idealismo, realismo.
Abstract: According to Deleuze philosophy isn’t potency. Religions, States, capitalism, science, law,
opinion and television are potencies, but not philosophy. Philosophy can have big interior battles
(idealism – realism etc.) but they are visible ones. Not being potency, philosophy cannot undertake
a battle against potencies, but on the other hand it fights a war without battles, a war of guerrilla.
It cannot speak to them, because it has nothing to say to them, nothing to communicate, but it only
keeps conversations. Potencies do not get satisfied to be exterior and they also pass through each
of us. Therefore, thanks to philosophy, we are constantly in conversation and on guerrilla with
ourselves.
Key words: Society, control, philosophy, idealism, realism.
1. INTRODUÇÃO
“Um pouco de possível, senão eu sufoco...” Com
estas palavras, Gilles Deleuze definiu o que teria levado
Michel Foucault, na última fase da sua obra e vida, a se
lançar de forma tão inesperada à descoberta dos processos de subjetivação. Um grande pensador precisa do
inesperado como do ar, para respirar e viver; o pensamento, esclarece Deleuze, jamais foi questão de teoria,
mas de vida.
A obra de Gilles Deleuze pode ser colocada por
inteiro sob o signo destes comentários. Na sua própria
busca do inesperado, ele não parou de surpreender: os
filósofos, pela maneira audaciosa com que amou e usou
os grandes nomes da tradição (Espinosa, Nietzsche,
Bérgson); os não filósofos, pelo vigor de seus conceitos
prediletos (diferença, multiplicidade, acontecimento); os
psicanalistas, pela irreverência com que forjou (em associação com Guattari) a concepção de um inconsciente
produtivo; os artistas, pela originalidade com que cruzou a pintura, a literatura, o cinema...
*
26
Professor da Univap.
Mas em que consiste, afinal, a força secre: o que
pode o pensamento contra todas as forças, quem, ao nos
atravessarem, nos querem fracos, tristes, servos e tolos?
Deleuze não cessou de dar a essa pergunta inquietante
uma resposta alegre: criar. Sua obra é uma prodigiosa criação e renovação de conceitos, e o conceito, apesar de
sua irrelevância no comércio do mundo, nada tem de inocente. Inspira novas maneiras de ver, ouvir e sentir – portanto, de viver. Assim, a filosofia nunca é abstrata: inventa
e implica um estilo de vida, uma maneira de viver, uma
ética; ou, mais radicalmente, uma estética, estética da existência ou arte de si mesmo. A vida como obra de arte, o
filósofo como grande estilista do agora (PELBART, 1992).
2. HISTÓRICO
Para Deleuze (1992, pp. 219 e 220), “Foucault situou as sociedades disciplinares nos séculos XVIII e
XIX; atingem seu apogeu no início do século XX. Elas
procedem à organização dos grandes meios de
confinamento. O indivíduo não cessa de passar de um
espaço fechado a outro, cada um com suas leis: primeiro
a família, depois a escola (“você não está mais na sua
família”), depois a caserna (“você não está mais na escola”), depois a fábrica, de vez em quando o hospital, eventualmente a prisão, que é o meio de confinamento por
excelência”. “Mas as disciplinas, por sua vez, também
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
conheceriam uma crise, em favor de novas forças que se
instalavam lentamente e que se precipitariam depois da
Segunda Guerra Mundial: sociedades disciplinares é o
que já não éramos mais, o que deixávamos de ser”.
“Encontramo-nos numa crise generalizada de todos os meios de confinamento, prisão, hospital, fábrica,
escola, família. A família é um “interior”, em crise como
qualquer outro interior, escolar, profissional etc. Os ministros competentes não param de anunciar reformas supostamente necessárias. Reformar a escola, reformar a
indústria, o hospital, o exército, a prisão; mas todos sabem que essas instituições estão condenadas, num prazo mais ou menos longo. Trata-se apenas de gerir sua
agonia e ocupar as pessoas, até a instalação das novas
forças que se anunciam. São as sociedades de controle
que estão substituindo as sociedades disciplinares”.
3. OS CORPOS DÓCEIS
A sociedade disciplinar é uma das inúmeras formas de organização social que o ser humano pode construir. Antes dela tínhamos outra. Depois dela, temos outra. Foucault aponta em Vigiar e Punir algo da anterior,
mas sobre a posterior, ele apenas começa a constatar que
já estávamos em outro momento, mas não chega a elaborar nova teoria. Deleuze, que admira e acompanha o trabalho de Foucault, é quem nos propõe a sociedade de
controle que abordaremos. O que nos é válido para o
momento é ter a certeza de que discursos e seus resultados são sempre produzidos. Não há estado inato de qualquer discurso no homem, e se atualmente nos deparamos com um discurso de controle é porque assim ele foi
produzido e pode, da mesma forma, ser transformado.
Portanto, o maior intuito destas linhas é o de iniciar uma
reflexão sobre a sociedade disciplinar na qual estávamos presos para pensar a sociedade de controle pela
qual, segundo Deleuze, estamos sendo levados. Do buraco da toupeira e dos anéis da serpente. “Não se deve
perguntar qual o regime é mais duro ou mais tolerável,
pois é em cada um deles que se enfrentam as liberações e
sujeições” (DELEUZE, 1992).
Delimitamos a sociedade disciplinar sendo iniciada no século XVII e percorrendo os anos até o século
XX, sendo que sua forma de funcionar foi sendo aos
poucos estabelecida. “A formação da sociedade disciplinar está ligada a um certo número de amplos processos
históricos no interior dos quais ela tem lugar: econômicos jurídico-políticos, científicos, enfim. De uma maneira
global, pode-se dizer que as disciplinares são técnicas
para assegurar a ordenação das multiplicidades humanas. É verdade que não há nisso nada de excepcional,
nem mesmo de característico: a qualquer sistema de poder se coloca o mesmo problema. Mas o que é próprio
das disciplinas é que elas tentam definir em relação às
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
multiplicidades uma tática de poder que responde três
critérios: tornar o exercício do poder o menos custoso
possível (economicamente, pela parca despesa que acarreta; politicamente, por sua discrição, sua fraca
exteriorização, sua relativa invisibilidade, o pouco de resistência que suscita); fazer com que os efeitos desse
poder social sejam levados a seu máximo de intensidade
e estendidos tão longe quanto possível, sem fracasso,
nem lacuna; ligar enfim esse crescimento “econômico”
do poder e o rendimento dos aparelhos no interior dos
quais se exerce (sejam os aparelhos pedagógicos, militares, industriais, médicos), em suma fazer crescer ao mesmo tempo a docilidade e a utilidade de todos os elementos do sistema. Esse triplo objetivo das disciplinas responde a uma conjuntura histórica bem conhecida. É por
um lado, a grande explosão demográfica do século XVIII:
aumento da população flutuante (fixar é um dos primeiros objetivos da disciplina; é um processo de
antinomadismo); mudança da escala quantitativa dos
grupos que importa controlar ou manipular (do começo
do século XVII às vésperas da Revolução Francesa, a
população escolar se multiplicou, como sem dúvida a
população hospitalizada; o exército em tempo de paz contava no fim do século XVIII mais de 200.000 homens). O
outro aspecto da conjuntura é o crescimento do aparelho de produção, cada vez mais extenso e complexo, cada
vez mais custoso também e cuja rentabilidade urge fazer
crescer. O desenvolvimento dos modos disciplinares de
proceder responde a esses dois processos ou antes sem
dúvida à necessidade de ajustar sua correlação”.
(FOUCAULT, 1987, pp. 179 e 180). Trabalharemos aqui
com os exemplos maiores de sua captura. Temos com
isso o que Foucault chama de corpos dóceis, aqueles
que podem ser submetidos, aperfeiçoados e dominados
– o que inclui praticamente toda humanidade inserida
nesta sociedade. Manter os corpos “docilizados”, disciplinados, adestrados é a forma de controle. Adestrar com
o intuito de dominar e, o que não deveria surpreender,
mas inevitavelmente apavora, promover produção para
o sistema. Tanto mais obediente quanto mais útil.
Através de métodos de controle minucioso das
operações do corpo impõe-se uma relação de docilidadeutilidade aos indivíduos. Estes métodos são as chamadas
disciplinas. Através das disciplinas estabelece-se uma
mecânica do poder: ter domínio sobre o corpo alheio para
que opere como se espera, com as técnicas, segundo a
rapidez e a eficácia que se determina. “A disciplina fabrica
assim corpos submissos e exercitados, corpos “dóceis”.
A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em
termos políticos de obediência). Em uma palavra: ela
dissocia o poder do corpo; faz dele por um lado uma “aptidão”, uma “capacidade” que ela procura aumentar; e inverte por outro lado a energia, a potência que poderia
resultar disso, e faz dela uma relação de sujeição estrita. Se
27
a exploração econômica separa a força e o produto do
trabalho, digamos que a coerção disciplinar estabelece no
corpo o elo coercitivo entre uma aptidão aumentada e uma
dominação acentuada (FOUCAULT, 1987, p. 119).
O adestramento é realizado tendo as instituições
como meio de funcionamento. Disciplina e Instituição
estão sempre vinculadas na sociedade disciplinar. Sem
as Instituições não havia como controlar e elas se reproduzem aos montes durante este período: prisões, hospitais, escolas (internatos), indústrias, famílias. Elas transmitem a lei e criam leis próprias de funcionamento também, cerceando e vigiando o indivíduo em seus menores
atos. No entanto, “A disciplina não pode se identificar
com uma instituição nem com um aparelho; ela é um tipo
de poder, uma modalidade para exercê-lo, que comporta
todo um conjunto de instrumentos, de técnicas, de procedimentos, de níveis de aplicação, de alvos; ela é uma
‘física’ ou uma ‘anatomia’ de poder, uma tecnologia.” E
pode ficar a cargo seja de instituições “especializadas”
(as penitenciárias, ou as casas de correção do século
XIX), seja de instituições que dela se servem como instrumento essencial para um fim determinado (as casas de
educação, os hospitais), seja de instâncias preexistentes
que nela encontram maneira de reforçar ou de reorganizar seus mecanismos internos de poder (um dia se precisará mostrar como as relações infrafamiliares, essencialmente na célula pais-filhos, se “disciplinares”, absorvendo desde a era clássica esquemas externos, escolares,
militares, depois médicos, psiquiátricos, psicológicos, que
fizeram da família o local de surgimento privilegiado para
a questão disciplinar do normal e do anormal), seja de
aparelhos que fizeram da disciplina seu princípio de funcionamento interior (disciplinação do aparelho administrativo a partir da época napoleônica), seja enfim de aparelhos estatais que têm por função não exclusiva, mas
principalmente fazer reinar a disciplina na escala de uma
sociedade (a polícia)” (FOUCAULT, 1987, pp. 177 e 178).
Temos exemplos que vão do uso da caligrafia ao
uso do esporte como formas de adestramento. Todos os
detalhes dos movimentos corporais são percorridos. Escrever, por exemplo, só com a mão direita. “Um corpo
bem disciplinado forma o contexto da realização do mínimo gesto. Uma boa caligrafia, por exemplo, supõe uma
ginástica – uma rotina cujo rigoroso código abrange o
corpo por inteiro, da ponta do pé à extremidade do indicador. Um corpo disciplinado é a base de um gesto eficiente” (FOUCAULT, 1987, p. 130).
Segundo Ciscato (2004, pp. 2 e 4) corpos submissos e exercitados (dóceis) aumentam a força do corpo.
Esta força precisa ser vista como uma força que aumenta
em termos de utilidade e, portanto, em termos econômicos, ao mesmo tempo em que é diminuída, já que em
termos políticos é apenas a obediência que é visada.
28
Dissocia-se o poder do corpo: o corpo passa a ser uma
aptidão, uma capacidade a ser aumentada. Faz-se desta
potência uma relação de sujeição estrita.
Em um subcapítulo denominado A arte das distribuições, Foucault fornece alguns bons exemplos de como
a organização desta sociedade era feita e como podemos
visualizá-la com maior clareza:
1) A disciplina exige a cerca (princípio de clausura):
Disciplina provém em primeiro lugar da arte de
distribuições dos indivíduos no espaço. Prisões: como mais evidentes. Escolas: como mais
discretos (uso do internato). Quartéis: criação
de vários. Manufaturas e depois as Indústrias
(segunda metade do século XVIII – 1780 a
1850): parecem conventos, fortalezas, cidades
fechadas. Articular-se o domínio com a produção. O propósito é o de retirar o máximo de
vantagens e evitar inconvenientes.
2) Princípio da localização imediata (quadriculamento): cada indivíduo no seu lugar e em cada
lugar um indivíduo. Evitam-se grupos e aglomerações. É preciso saber onde e como encontrar
os indivíduos. Vigiar, apreciar, medir. Procedimentos para conhecer, dominar e organizar.
3) Regra das localizações funcionais: codificar espaços arquitetonicamente para facilitar as vigilâncias (médica, militar, fiscal, econômica...).
Mesmo em um hospital estas instâncias estavam presentes (vide a divisão de leitos). Nasce da disciplina um espaço útil do ponto de
vista médico.
4) A posição na fila, o lugar que alguém ocupa em
uma classificação (elementos intercambiáveis).
Divisão e classificação dos alunos, marca de
lugares. Espaços mistos reais regem as posições de móveis e indivíduos, espaços ideais
projetam caracterizações, estimativas, hierarquias. A constituição de quadros vivos que
transformam as multidões confusas, inúteis e
perigosas em multiplicidades organizadas. Organizar o múltiplo e impor ordem.
A tática disciplinar situava-se, portanto, sobre o
eixo que liga o singular e o múltiplo. Temos aí a base para
uma microfísica do poder que poderia ser chamado celular.
Foucault resume bem este sistema: “De um modo geral
todas as instâncias de controle individual funcionam num
duplo modo: o da divisão binária e da marcação (louconão louco; perigoso-inofensivo; normal-anormal); e o da
determinação coercitiva, da repartição diferencial (quem é
ele; onde deve estar; como caracterizá-lo; como reconhe-
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
cê-lo; como exercer sobre ele, de maneira individual, uma
vigilância constante etc.)” (FOUCAULT, 1987, p. 165).
Com isso, temos base para visualizar o modelo do
Panóptico proposto por Bentham. Foucault tem uma definição maravilhosa para este modelo: “O Panóptico é uma
máquina de dissociar o par ver-ser visto: no anel periférico, se é totalmente visto, sem nunca ver; na torre central,
vê-se tudo, sem nunca ser visto” (FOUCAULT, 1987,
p.167). O Panóptico é isto: uma construção arquitetural
proposta por Bentham para prisões e na qual o preso é
olhado por um vigia que se encontra em uma torre elevada
ao centro das celas individuais que estariam configuradas
lado a lado formando um círculo. O que ele permite é que o
preso possa estar sempre sendo observado sem poder
olhar para seu vigia. Da torre vêem-se todas as celas com
clareza e, portanto, todos os movimentos realizados pelos
presos. Das celas não se vêem nem os presos situados
próximos nem o vigia. De forma que não há necessidade
de se ter alguém de fato exercendo a vigilância o tempo
todo, pois se o preso não tem como saber se está ou não
sendo monitorado, não tem como agir. “É visto e não vê;
objeto de uma informação, nunca sujeito de uma comunicação” (FOUCAULT, 1987, p. 166).
No entanto, já podemos perceber que o modelo
Panóptico não ficou restrito a um projeto para a arquitetura de prisões, mas reflete toda a cultura disciplinar. O
indivíduo é vigiado, adestrado e punido quase que permanentemente. E as instituições são as reprodutoras
deste sistema que está em função da otimização da produção e da evitação de transtornos maiores com a massa. “O Panóptico (...) tem um papel de amplificação; se
organiza o poder, não é pelo próprio poder, nem pela
salvação imediata de uma sociedade ameaçada: o que
importa é tornar mais fortes as forças sociais – aumentar
a produção, desenvolver a economia, espalhar a instrução, elevar o nível da moral pública; fazer crescer e multiplicar” (FOUCAULT, 1987, p. 172).
Nesta sociedade que não é a do espetáculo, mas a
da vigilância, temos um mecanismo pouco custoso em
termos financeiros, máximo de efeitos de poder e de extensão dos domínios deste poder e crescimento econômico. Em suma, faz-se crescer ao mesmo tempo a
docilidade e a utilidade de todos os elementos do sistema (FOUCAULT, 1987, p. 180).
3.1 Sobre as Sociedades de Controle
Deleuze nos aponta que uma mudança aconteceu,
sendo que seu estabelecimento tem início talvez logo após
a segunda guerra – isto porque o processo já havia sido
iniciado - e indo aos poucos tomando conta da configuração social. É certo que entramos em sociedades de “controle”, que já não são exatamente disciplinares. Foucault é
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
com freqüência considerado como o pensador das sociedades de disciplina e de sua técnica principal, o
confinamento (não só o hospital e a prisão, mas a escola,
a fábrica, a caserna). Porém, de fato, ele é um dos primeiros
a dizer que as sociedades disciplinares são aquilo que
estamos deixando para trás, o que já não somos. Estamos
entrando nas sociedades de controle, que funcionam não
mais por confinamento, mas por controle contínuo e comunicação instantânea” (DELEUZE, 1992, pp. 215 e 216).
Segundo Ciscato (2004, pp. 4 e 5), algumas transformações foram estabelecidas e dentre elas temos as
instituições em crise. Inicia-se a implantação de novos
tipos de soluções, educação e tratamentos no lugar da
sociedade disciplinar, da educação aos moldes do internato e dos tratamentos médico-hospitalares restritos às
reservas da sede institucional. Sugestões governamentais para reformas das instituições são tentadas aos montes, mas todos sabem: elas estão condenadas. É a sociedade de controle substituindo a sociedade disciplinar.
Assim como a empresa substitui a fábrica, a formação permanente tende a substituir a escola. Com a
sociedade disciplinar, tínhamos os indivíduos indo da
escola à caserna, da caserna à fabrica, situados “entre
confinamentos”. Com a sociedade de controle, o “entre”
está também agenciado. Não há “entre”. Na sociedade
de controle nunca se termina nada. A empresa, a formação, o serviço, agem como “deformadores universais”.
Das fábricas geograficamente situadas e
arquiteturalmente analisadas passamos às empresas dividas, habitando inúmeros espaços ao mesmo tempo.
Quem sabe onde fica situada a Nike, a Adidas, a Reebok
etc.? Em todo lugar. Em nenhum lugar. São os anéis da
serpente. Atualmente o capitalismo não é dirigido para a
produção que é relegada à periferia do terceiro mundo. É
um capitalismo de sobreprodução. Sem compra de matéria prima e fábrica localizada. Quer vender serviços e comprar ações. Capitalismo dirigido para o produto e não
para a produção. Ocorrendo da passagem do capitalismo
industrial ao capitalismo pós-industrial, só para se ter
uma idéia, entre outras. Conforme Ciscato (2004, p. 5):
a) Capitalismo Industrial
· Dominante capital nacional;
· Dominante industrialização;
· Dominante industrialização;
· Poder disciplinar;
· Estados nacionais influenciando os parâmetros
do desenvolvimento econômico;
· Instituição do Estado de bem-estar como política acomodadora do trabalho, da pobreza extrema, marginalização;
· Geopolítica;
· Pirataria ecológica.
29
b) Capitalismo Pós-Industrial
· Dominante capital de firmas transnacionais e
oligopólios mundiais;
· Dominante capital financeiro;
· Poder de controle mundializado;
· Fim da influência dos Estados nacionais nas
decisões econômicas, declínio do Estado-nação;
· Desmantelamento do Estado de bem-estar: fim
do sistema de proteção social, pobreza e desemprego, precarização do trabalho, pobreza
extrema, exclusão;
· Intensificação da exploração;
· Geoeconomia;
· Expansão da pirataria ecológica;
· Acelerada degradação de existência.
“O capitalismo pós-industrial traz ao mundo modificações importantes: 1- dispensa o Estado de bem-estar;
2- acentua o processo de fragmentação dos operários enquanto classe; 3- transforma a relação salarial, que se estende agora a uma escala mundial, tornando frágil a relativa força que os operários gozavam na era fordista; 4- produz uma força de trabalho flutuante e móvel que tende a
acentuar a segmentação social e a decompor as estreitas
relações entre a fábrica e o território que unifica as categorias populares. Portanto, desenhado pelo capitalismo, o
novo contexto da economia-mundo se caracteriza pela grande concentração e transnacionalização do capital, pelo jogo
do mercado financeiro, pelo desenvolvimento desigual,
pela produção do desemprego, pela proletarização de enorme contingente de trabalhadores (nações inteiras) e pela
acumulação flexível. Esta é a realidade da modernização
capitalista planetária” (KEIL, 2004, p. 4).
As instituições disciplinares não são mais espaços analógicos distintos que convergem ao proprietário.
São figuras cifradas, deformáveis e transformáveis. O
mercado passa a se dar por tomada de controle e a
corrupção ganha nova potência. O marketing é a forma
de controle social.
Segundo Cobra (1995, p. 28), as novas condições
do Marketing Global impõem mercados representados
por blocos de países e a mística do consumidor indivíduo. O marketing passa a ser suportado por bancos de
dados – data bases que passam a acompanhar o indivíduo desde o nascimento até à morte. Lembra ainda Raimar,
citando Daniel Bell, que o ponto-chave de todo processo evolutivo será um deslocamento dos tradicionais fatores de produção, capital e trabalho, para um novo tipo
de recurso econômico, ou seja, a informação. E assim, os
“capitalistas” da era pós-industrial serão os donos da
informação tanto da aparelhagem que processa e armazena (o hardware), quanto dos sistemas que comandam
os fluxos de sua comunicação (o software). O homem
30
não é mais o homem confinado, mas o homem endividado. “É verdade que o capitalismo manteve como constante a extrema miséria de três quartos da humanidade,
pobres demais para a dívida, numerosos demais para o
confinamento: das fronteiras, mas também a exploração
dos guetos e favelas” (DELEUZE, 1992, p. 224).
Conforme Ciscato (2004, p. 5), Deleuze propõe uma
espécie de novo capitalismo já que o do século XIX é de
concentração para produção e propriedade, é o do capitalista como proprietário dos meios de produção e outros
bens (moradia etc). Estamos no início de alguma coisa.
Deleuze vai ainda mais longe e nos deixa entrever
que mesmo a sociedade de controle estaria em uma espécie de crise e algo já estaria sendo internamente transformado. Não sabemos ainda do que se trata, mas não parece estar no campo de uma quebra e sim de um aceleramento
do processo.
Estamos em um tempo em que os discursos, as
produções intelectuais e artísticas, as tentativas de escapar à mercantilização do conhecimento são sucessivamente agenciados pelo sistema capitalista. A produção
de um discurso que vise um rompimento é quase que
imediatamente agenciada. Pensamentos de esquerda, críticas ao capitalismo, Marx e comunismo são falas que
tendem a ser ridicularizadas. Caem no campo do ridículo
em um sistema em que a aparente abertura à pluralidade
de discursos nos faz pensadores medíocres. Ou o pensamento é rapidamente agenciado ou é jogado ao campo
do ridículo ou da loucura. Negar o capitalismo hoje é
isto. Não porque de fato o seja ridículo ou louco, mas
porque é isto que se produz no discurso vigente. Deleuze
nos aponta a corda bamba em que estamos. “Os anéis de
uma serpente são ainda mais complicados que os buracos de uma toupeira” (DELEUZE, 1992, p. 226).
A partir destas linhas, ficamos com a questão: a
psicanálise na sociedade disciplinar pode ter servido,
por alienação de alguns daqueles que a realizavam, ao
sistema disciplinar. É uma das críticas que faz Foucault: a
fala no consultório como modo de dominar o sujeito no
seu dizer de si, de suas fantasias, de suas práticas sexuais etc. Lacan (1997), no seminário 7, nos alerta também
para este tipo de uso que foi feito pelos psicanalistas da
teoria psicanalítica. Um uso agenciado, a serviço do
mantimento de um sistema em que se desejava adestrar e
dominar os mínimos detalhes dos corpos e dos pensamentos humanos a fim de um controle social e aumento
de produção de capital. Sabemos bem que não é a favor
de um sistema que tem como base a aniquilação do sujeito que a psicanálise busca seu lugar no mundo contemporâneo. A ingenuidade não nos é mais permitida. É preciso saber dos anéis da serpente.
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DELEUZE, G. Conversações. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992.
CISCATO, M. A. Algo do Contemporâneo com
Foucault e Deleuze. Disponível em: <http://
maciscato.sites.vol.com.br/macl.html>. Acesso em: 23
nov. 2004.
FOUCAULT, M. Vigiar e Punir: nascimento da prisão.
Petrópolis: Vozes, 1987.
COBRA, M. Ensaio de Marketing Global. Marcos
Cobra,1995.
KEIL, I. M. O Paradoxo dos Direitos Humanos.Disponível
em <http://biblioteca.bib.vnrc.edu.ar/completos/
cooredor/corredel/comi-a/[email protected]>. Acesso
em: 26 nov. 2004.
COBRA, M. Administração de Marketing. 2. ed. São
Paulo: Atlas,1992.
LACAN, J. Seminário, livro 7. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1997.
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
31
O Espaço e as Inter-relações Institucionais e Comunitárias
A. S. Cristiane de Carvalho *
Elizabeth M. Liberato **
Resumo: O foco deste trabalho é refletir sobre alguns aspectos da prática desenvolvida pela instituição FUNDHAS - Fundação Hélio Augusto de Souza, localizada em S. José dos Campos. Pretende-se verificar as contribuições relevantes da Instituição e a repercussão na comunidade, bem
como a articulação da Unidade CAIC D. Pedro (Centro de Atenção Integral à Criança) com a rede
de serviços comunitários, como a Unidade Básica de Saúde, Secretaria de Desenvolvimento Social,
Escola e Liderança Comunitária. Busca-se, assim, assinalar a importância dos vínculos de trabalho da FUNDHAS com a comunidade da região sul e com a rede de serviços comunitários.
Palavras-chave: Espaço, rede de relações, Instituição.
Abstract: This paper purpose is to reflect on some aspects regarding work performance of FUNDHAS
– Hélio Augusto de Souza Foundation that is located in São José dos Campos. It is intended to verify
the institution’s relevant contributions and their effects for the community. Also, this paper will
analyze the articulation of CAIC D. Pedro (Children’s Integral Attention Center) with the community
services network such as Basic Health Unit, Social Development Secretary, Community school and
leadership. By means of this the paper looks for highlighting the importance of FUNDHAS work for
São José dos Campos south region community and with the community services network.
Key words: Space, net of relations, Institution.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho se propõe a refletir sobre alguns aspectos da prática institucional desenvolvida pela
FUNDHAS – “Fundação Hélio Augusto de Souza”, uma
instituição sem fins lucrativos, com personalidade jurídica própria, criada em 28/4/87, pela Prefeitura de São José
dos Campos.
A instituição atende cerca de 7.000 crianças e adolescentes, de diversos bairros da cidade, na faixa etária
de 7 a 18 anos, em seus Programas/Projetos que visam o
desenvolvimento integral da criança e do adolescente.
Para embasá-lo teoricamente, o estudo irá tratar
da noção de espaço, de redes de relações, de espaço
institucional, assim como de espaço profissional do Serviço Social.
1. A INSTITUIÇÃO FUNDHAS
A FUNDHAS – Fundação Hélio Augusto de Souza, tem sua sede à Rua Santarém, 560, Parque Industrial São José dos Campos – SP. É uma Instituição sem fins
lucrativos com personalidade jurídica própria. Foi criada
pela Prefeitura do município de São José dos Campos
nos termos das Leis Municipais nº 3227/87, de 28 de abril
de 1987 e nº 3570/89, de 1º de setembro de 1989.
Pretende-se, com este trabalho, ter como foco o
espaço de trabalho da Unidade CAIC D. Pedro da
FUNDHAS, o que esta representa e suas repercussões
nos bairros D. Pedro I e II, região sul, as articulações com
a comunidade local e a ligação com a rede de serviços
comunitários, ressaltando a importância do estreitamento
e fortalecimento dos vínculos de trabalho da Instituição
com a comunidade.
O município de São José dos Campos, considerado, em âmbito nacional, um importante pólo industrial e
tecnológico, está localizado no eixo Rio-São Paulo, na
região valeparaibana. Segundo o Censo de 2000, conta
com uma população de 539.313 habitantes, com distribuição, por faixa etária, representada por 113.084 habitantes entre 7 e 17 anos.
* Assistente Social.
** Pró-Reitora de Avaliação e Professora da Univap.
E-mail: [email protected]
A FUNDHAS atende crianças e adolescentes a
partir de critérios que analisam a condição sócio-econômica familiar. Os Programas desenvolvidos pela instituição visam criar condições para o desenvolvimento inte-
32
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
gral de crianças e adolescentes no plano físico, social,
emocional, cognitivo, cultural e profissionalizante, por
meio do trabalho integrado de uma equipe multidisciplinar
totalmente adequado ao Estatuto da Criança e do Adolescente.
1.1 Programas
São programas da FUNDHAS:
· Programa Direito de Ser Criança,
tribuir para o desenvolvimento integral da criança e adolescente.
O trabalho do Serviço Social compreende:
· Atuação integrada com o gestor da unidade/
bloco/projeto;
· Articulação com a rede de serviços: busca o
fortalecimento institucional das organizações,
na troca de experiências e de capacitação sistematizadas;
· Programa Adolescente,
· CEPHAS – Centro de Educação Profissional
“Prof. Hélio Augusto de Souza”.
1.2 Projetos Intersecretarias
· Projeto Adole-Ser,
· Projeto Aquarela,
· Projeto UAI: Unidade de Atendimento Inicial /
COFACI – Centro de Orientação às Famílias de
Adolescentes em Situação de Custódia e
Internação,
· Projeto Agente Jovem Joseense,
· PETI – Programa de Erradicação do Trabalho
Infantil.
1.3 Unidade CAIC D. Pedro
· Tipos de Abordagem: atendimento individual;
atendimento familiar; visita domiciliar; discussão de caso no plantão multidisciplinar;
· Abordagem Grupal: busca favorecer experiências de convívio grupal que propiciem a socialização e a prática coletiva;
· Estágio Supervisionado: tem por objetivo garantir espaço na Instituição para a supervisão
ao aluno estagiário no processo de ensinoaprendizagem do exercício da profissão do Serviço Social;
· Trabalho com famílias: visa o estreitamento da
relação entre as famílias atendidas e a instituição. Esse trabalho ocorre por meio da representação de pais no Conselho Curador; Grupo
Multifamília; busca a integração família e instituição. São realizadas reuniões bimestrais e abordagem individual com as famílias.
A FUNDHAS CAIC D. Pedro recebeu este nome
por estar localizada em uma área de 29.694,85 metros quadrados, pertencente ao CAIC – Centro de Atenção Integral à Criança, e tem uma área construída de aproximadamente 3200 metros quadrados; as atividades foram iniciadas em 5 de Setembro de 1992.
2. O ESPAÇO
Compartilhando o gerenciamento de várias atividades, o CAIC, atualmente, conta com uma escola de ensino fundamental, Unidade Básica de Saúde, FUNDHAS,
Supervisão de Esportes, Instituto Materno-Infantil (Creche), Programa para Terceira Idade, parceria com o
SINDUSCON (Sindicato dos construtores) e SENAI.
A reflexão sobre espaço toma por embasamento
teórico Santos que afirma: “[...] a essência do espaço é
social. O espaço não pode ser apenas formado pelas coisas, os objetos geográficos, naturais e artificiais cujo
conjunto nos dá a natureza. O espaço é tudo isso, mais
a sociedade: cada fração da natureza abriga uma fração
da sociedade atual” (SANTOS, 1997, p. 1).
A Unidade CAIC D. Pedro integra a Divisão Criança,
com o Programa Direito de Ser Criança (DSC) e tem capacidade de atender 150 crianças, na faixa etária de 12 a 14 anos.
1.4 O Serviço Social na FUNDHAS
O objetivo do Serviço Social na FUNDHAS é conR. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
“O espaço impõe a cada coisa um determinado feixe de relações, porque cada coisa ocupa um lugar dado” (CAILLOIS, apud SANTOS, 1998, p. 81).
Assim, pensar a instituição FUNDHAS, representada pela Unidade CAIC D. Pedro, significa visualizar o
espaço em que ela está inserida, na região sul da cidade
de São José dos Campos, no bairro D. Pedro I, onde essa
Unidade corresponde não só a um equipamento com
determinada localização geográfica, mas vai além e en33
volve a comunidade e suas diversas formas de interação.
mas cada unidade leva em conta o lugar que ocupa no
espaço a sua infra-estrutura. Explicita Santos:
Assim, para Santos:
Cada homem vale pelo lugar onde está: o
seu valor como produtor, consumidor, cidadão, depende de sua localização no território. Seu valor vai mudando, incessantemente, para melhor ou para pior, em função das
diferenças de acessibilidade (tempo, freqüência, preço), independentes de sua própria condição (SANTOS, 1998, p. 81).
No espaço, cada coisa ocupa um lugar dado, com
valores e significado diferente, cada lugar está em constante mudança, devido à dinâmica social. O movimento
social é que propicia as transformações, as mudanças e
as múltiplas possibilidades de interação.
Para que haja tal interação, é necessário que se
tenha “algo” interagindo, são os chamados elementos
do espaço, os quais Santos define como:
Os homens, as firmas, as instituições, o
chamado meio ecológico e as infra-estruturas; ... Os homens são elementos do espaço, seja na qualidade de fornecedores
de trabalho, seja na de candidatos a isso.
As firmas têm como função essencial a
produção de bens, serviços e idéias. As
instituições por seu turno produzem normas, ordens e legitimações. O meio ecológico é o conjunto de complexos territoriais
que constituem a base física do trabalho
humano. As infra-estruturas são o trabalho humano materializado e geografizado na
forma de casas, plantações, caminhos, etc
(SANTOS, 1997, p. 6).
Ao trazer essas definições de Santos para a realidade institucional, vê-se que para a instituição existir se
faz necessário um espaço territorial e toda infra-estrutura
para que de fato ela se materialize, mas é necessário também o trabalho humano. Assim, destaca-se, na FUNDHAS,
os profissionais como prestadores de serviços no desempenho de suas funções. Considerando que a FUNDHAS é
uma instituição, e as instituições podem ser “consideradas como conjunto de normas, padrões, leis, valores e
práticas que regem as relações entre os homens, as instituições são como uma das instâncias fundamentais da
sociedade” (SOUZA, 1984, p. 41), também ela possui suas
normas, estatuto, regimento interno e critérios de elegibilidade para seu funcionamento institucional.
Pode-se refletir sobre a instituição FUNDHAS,
cuja sede mantém relação direta com todas as unidades,
34
Dessa forma, cada lugar atribui a cada elemento constituinte do espaço um valor particular. Em um mesmo lugar, cada elemento
está sempre variando de valor, porque, de
uma forma ou de outra, cada elemento do
espaço – homens, firmas, instituições, meio
– entram em relação com os demais, e essas
relações são em grande parte ditadas pelas
condições do lugar (SANTOS, 1997, p. 10).
A instituição leva em conta, também, a demanda
que atende e a equipe profissional que realiza o trabalho.
Cada unidade tem características próprias e peculiares,
cada equipe de trabalho diferencia-se das demais, assim
como cada profissional tem sua maneira de atuar que lhe
é própria. Percebe-se que “ao mesmo tempo em que os
elementos do espaço se tornam mais intercambiáveis, as
relações entre eles se tornam também mais íntimas e muito mais extensas” (SANTOS, 1997, p. 7).
À medida que ocorrem as relações entre a sede da
FUNDHAS e suas unidades, e entre as próprias unidades, as relações se fortalecem, se tornam mais estreitas,
favorecendo o vínculo de toda instituição.
As mudanças ocorrem a todo instante, umas mais
rápidas, outras em processos lentos e gradativos, mas é
preciso levar em conta essas mudanças nos diversos
aspectos: político, econômico, cultural e espacial. Para
Santos: “As mudanças atingem contextos, pois não há
mudança que não seja contextual: a coisa, o fato, o homem apenas existem e valem dentro de uma relação”
(SANTOS, 1997, p. 81). Portanto, quando se faz referência à FUNDHAS, deve-se destacar que é uma instituição
que está em constante mudança para se adequar à realidade do município e à demanda que é atendida, em busca
do estreitamento e fortalecimento das relações, para a
melhoria contínua do seu trabalho.
O contexto leva em conta o movimento do todo.
Pelo movimento conjunto do todo é que se pode valorizar
cada parte e analisá-la. Esse movimento leva às múltiplas
possibilidades de interação. Nesse entendimento, a análise da unidade CAIC D. Pedro como uma parcela desse
todo mostra que essa unidade dá sua contribuição na formação da criança e do adolescente, da mesma forma como
cada uma das unidades que compõem a instituição. Essa
interação faz da FUNDHAS uma instituição que vem sendo respeitada pela qualidade e consistência dos serviços
prestados, servindo ao município com competência.
Cada local/espaço geográfico tem uma história,
que vai se modelando com o passar do tempo, com as
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
transformações que o homem nele produz, modelando e
reconstruindo uma nova história, pelas relações do homem com o meio. Santos ressalta:
O que nos interessa é o fato de que a cada
momento histórico cada elemento muda
seu papel e a sua posição no sistema temporal e no sistema espacial e, a cada momento, o valor de cada qual deve ser tomado da sua relação com os demais elementos
e com o todo (SANTOS, 1997, p. 9).
Para analisar a unidade CAIC D. Pedro, desde
sua fundação, há doze anos, comparando-a aos dias de
hoje, após diversas mudanças, deve-se considerar que
foram necessárias adequações em sua infra-estrutura;
houve uma grande evolução em seu desenvolvimento, a
começar pela ampliação da capacidade de atendimento,
reflexo da expansão da instituição.
Para Santos,
A história é uma totalidade em movimento,
um processo dinâmico cujas partes colidem continuamente para produzir cada
novo momento. O movimento da sociedade é sempre compreensivo, global,
totalizado, mas a mudança ocorre em diferentes níveis e em diferentes tempos: a economia, a política, as relações sociais, a paisagem e a cultura mudam constantemente,
cada qual segundo uma velocidade e direção próprias – sempre, porém,
inexoravelmente vinculadas umas às outras (SANTOS, 1997, p. 53).
Ao analisar a história da FUNDHAS, considerando a
unidade CAIC D. Pedro como uma parcela dessa totalidade,
nota-se que está inserida num processo dinâmico, em constante movimento, que leva à produção de novos movimentos, decorrendo daí as transformações e novas relações.
lações que ainda pretende estabelecer.
Segundo Fernandes (1990),
Rede é uma unidade que concentra as suas
atenções sobre outras unidades equivalentes, num conjunto ilimitado, em que se
relacionam umas com as outras em numerosos sentidos e direções, [...] cada uma é
um centro voltado para si e interagindo
com outras unidades; entendido como a
totalidade das unidades ligadas entre si
por um certo tipo de relações, bem definidas e não necessariamente equivalentes;
[...] (FERNANDES, 1990, p. 25).
No intuito de identificar a rede de relações que a
FUNDHAS vem estabelecendo não se poderia deixar de
entender os tipos de redes existentes: a rede primária e
a rede secundária. A primeira é constituída por um conjunto de indivíduos que se comunicam entre si com base
em laços pessoais; constitui o conjunto das relações
afetivas que se estabelecem com os parentes, os amigos,
os vizinhos. “A rede secundária define-se a partir de
uma tarefa, um ideal, uma Instituição: é o conjunto das
pessoas reunidas numa ação comum ou num quadro
institucionalizado, [...]” (FERNANDES, 1990, p. 26). A rede
é um lugar de reflexão e de ação para um trabalho social,
que articula o privado e o individual com as condições
objetivas.
A FUNDHAS, tomando por base Fernandes, se
enquadra como uma rede secundária, mas tem-se que considerar que a rede primária é fundamental nas relações
com a rede secundária. O autor afirma que “As redes primárias participam, mais do que elas próprias imaginam, da
dinâmica social, para transformar ou para a manter, na sua
interação com as instituições sociais que a rede recobre”
(FERNANDES, 1990, p. 27). Percebe-se a inter-relação que
existe entre as redes, tão necessárias à dinâmica social da
FUNDHAS que trabalha com crianças, adolescentes e suas
famílias, em seu espaço institucional.
3. REDE DE RELAÇÕES
4. O ESPAÇO INSTITUCIONAL
A partir do espaço geográfico da unidade CAIC
D. Pedro, no bairro D. Pedro I, busca-se ir além e analisar
as relações existentes nesse espaço geográfico, porque
“É somente a relação que existe entre as coisas que nos
permite realmente conhecê-las e defini-las. Fatos isolados são abstrações e o que lhe dá concretude é a relação
que mantém entre si” (SANTOS, 1997, p. 14).
A reflexão sobre espaço institucional se embasa
teoricamente em Souza que aponta: “As instituições representam um conjunto articulado de saberes (normas,
valores, ideologia), [...] e que são produzidos a partir das
relações que se estabelecem entre os homens na produção da existência material” (SOUZA, 1984, p. 44).
Essa relação, a que Santos se refere, destaca a
rede de relações que a FUNDHAS estabelece com Secretarias, Conselhos, Rede Municipal de serviços, Rede de
escolas, convênio com empresas, parcerias e outras re-
Segundo Karsch “O termo Instituição denomina
formações sócio-organizacionais, governamentais ou
particulares, onde se efetiva o exercício profissional do
assistente social” (KARSCH, 1989, p. 136).
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
35
A FUNDHAS, enquanto Instituição social, se configura como espaço onde o profissional do Serviço Social desenvolve sua prática voltada para o atendimento à
criança, ao adolescente e sua família.
seguinte, conhecer a característica e a dinâmica do Estado.” E continua: “O Estado tem também uma interferência básica em toda a dinâmica dessas instituições e organizações” (SOUZA, 1984, p. 46).
Souza afirma que “Entender as instituições, por
conseguinte, é entender o processo histórico que as produziu. Conforme foi dito, as instituições surgem sempre a
partir de determinadas demandas” (SOUZA, 1984, p. 42).
É o que permeia a prática cotidiana do assistente
social, na qual o Estado exerce influência através da definição das políticas sociais e das negociações políticas,
que direcionam as instituições e as ações profissionais.
As instituições têm por finalidade implantar as políticas
sociais e aos profissionais cabe o papel, muitas vezes,
de reproduzir essas políticas. Alerta Montaño: “Ou o
Assistente Social se mantém realizando tarefas instrumentais simples, subordinadas (...) ou, por outro lado, o Serviço Social participa ativamente (...) desenvolvendo atividades mais complexas, as que demandam destrezas e qualificações mais sofisticadas” (MONTAÑO, 1997, p. 123).
Assim, o resgate da história da Instituição
FUNDHAS mostra que o trabalho desenvolvido por ela,
no atendimento à criança e ao adolescente no município,
iniciou-se na década de 70. Em 1972, recebeu o nome de
“Clubinho” e era desenvolvido pelo Departamento de
Educação da Prefeitura do município. Em 1975, recebeu o
nome de “Programa de Menores” com a implantação de
um trabalho social sistematizado. Em 1979, foi instituído
o COSEMT – “Centro de Orientação Sócio-Educativa ao
Menor Trabalhador”. Em função do crescimento deste
Centro, e com a mudança administrativa, foi criada, em 15
de Dezembro de 1987, a FUNDHAS – Fundação de atendimento à criança e ao adolescente “Prof. Hélio Augusto
de Souza”, maior projeto social do município, que hoje
vem se expandindo, havendo necessidade de ampliação
para atender a uma crescente demanda.
A FUNDHAS, com a sua equipe de trabalho, na qual
o assistente social tem papel preponderante, realiza um trabalho com a criança e o adolescente, buscando atendê-los
a partir das suas necessidades especiais e/ou emergenciais,
respeitando sua condição de sujeitos de direitos, visando
seu desenvolvimento e proteção integral.
A instituição realiza, também, o trabalho com famílias, que objetiva o estreitamento da relação com as
famílias atendidas, para que, conhecendo o contexto familiar, se possa desenvolver uma ação eficaz. O profissional do Serviço Social realiza a intermediação entre a
Instituição e as famílias atendidas, e, como afirma Souza:
Na FUNDHAS, o Serviço Social participa no desenvolvimento das políticas do Estado e do Município.
O assistente social deve buscar, como Montaño (1997)
afirma, manter-se como um ator necessário, não só na
execução de ações, mas envolver-se no planejamento,
na investigação da realidade do usuário, na avaliação e
no estabelecimento de vínculos com a população.
Destaca-se o momento institucional da FUNDHAS,
que está passando por um processo de transição para
adequação ao atendimento à família de forma global, que
envolve uma série de discussões com a Rede Municipal
de serviços e com a Secretaria de Desenvolvimento Social.
Para tanto, a Instituição precisa se estruturar, fortalecer as parcerias com a Rede, para que de fato o objetivo que o município almeja alcançar com essa proposta
diferenciada de atendimento à família possa ser atingido
com maior eficácia. Existem dificuldades com relação ao
atendimento global da família, porém trata-se de uma proposta que deverá trazer resultados no futuro, ampliando
o espaço de atuação da FUNDHAS.
A organização se coloca como
intermediadora entre os bens e serviços
procurados e a população que os procura.
E, na organização, o Serviço Social é, em
geral, o serviço que informa, encaminha,
estimula, anima e orienta a população em
função das exigências necessárias à aquisição desses bens e serviços. Como tal,
ele é a intermediação da intermediação
(SOUZA, 1984, p. 39).
5. O ESPAÇO PROFISSIONALDOASSISTENTE SOCIAL
Para entender as inter-relações nesse espaço
institucional se faz necessário entender a dinâmica do
Estado, pois, para Souza (1984, p. 49): “Compreender a
dinâmica de determinadas instituições supõe, por con-
Na FUNDHAS, o assistente social tem um papel
fundamental no atendimento às famílias, na maioria com
baixo poder aquisitivo, com prole numerosa, que apresentam diversos problemas sociais, as quais buscam a
36
Ao pensar em espaço profissional do assistente
social, considerando que ele é o intermediador entre a
população e os serviços oferecidos pela Instituição,
repassadora da transmissão de idéias, normas e valores,
entende-se que o Serviço Social se instala como serviço
complementar, atendendo às chamadas “deficiências” apresentadas pela população, por vezes necessidades sócioeconômicas e de alcance de bem-estar social.
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
inserção de seus filhos nos programas da Instituição.
Afirma Karsch:
Nas formações organizacionais, o assistente social executa atividades de suporte
às funções que garantem a obtenção da
finalidade institucional, e faz a sua parte
na administração das carências que a sociedade desenvolve. Simultaneamente,
participa da administração interna do trabalho dividido e organizado, produzindo
e efetuando intermediações através de relacionamentos (KARSCH, 1989, p. 104).
São esses relacionamentos que são referidos pelo
embasamento teórico de Souza:
O Assistente Social está entre os agentes
institucionais e, assim, o produto da sua
ação deve ser entendido também como
produto das inter-relações entre os demais
agentes e atores. Neste sentido, a dinâmica dessas inter-relações fala sobre a própria significação da prática do Serviço Social (SOUZA, 1984, p. 45).
A prática exercida pelo assistente social é fundamental e não pode ser entendida isoladamente, mas deve
levar em conta a dinâmica das relações no contexto
institucional.
Como diz Karsch, “O desempenho hábil nos relacionamentos faz do Assistente Social o profissional complementar na tomada de decisões, o suporte articulador
indispensável para entendimentos, negociações, tratados,
combinações e ajustamentos” (KARSCH, 1989, p. 106).
Com a sua prática profissional, segundo Souza,
“O Assistente Social intervém nas relações sociais não
simplesmente por se relacionar com uma população, mas
por se relacionar alterando as relações dessa população
com os grupos sociais que têm uma situação e uma posição de dominação na sociedade” (SOUZA, 1984, p. 45)
O assistente social, ao realizar suas intervenções,
busca o crescimento individual e do grupo familiar, possibilitando às famílias um processo de reflexão sobre seu
cotidiano, sobre suas relações com o sistema social, visando criar um espaço mobilizador de relações intergrupais
que permeiam uma ação cujos efeitos possam ser transformadores; acredita-se que “o Serviço Social tem no homem,
enquanto protagonista de sua própria história e por isso
mesmo capaz de transformá-la, o princípio de suas
relações”(FILGUEIRAS et al.,1995, p. 170).
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
Por isso, a prática profissional do assistente social na instituição não deve ser uma prática assistencialista, mas uma prática consciente, que suscite na demanda atendida a possibilidade de transformação social. Como
diz Montaño (1997), uma prática que rompa com os mecanismos de controle, direcionando-a na busca de novos espaços de trabalho, que tornem efetivas as práticas
de Serviço Social que priorizem a inserção social.
6. ARTICULAÇÕES COM A COMUNIDADE
Na FUNDHAS, ao pensar em relações, direcionase o estudo à reflexão sobre a rede de relações que a
unidade CAIC D. Pedro vem estabelecendo com a comunidade da região sul, tendo em vista a importância da
Instituição diretamente articulada à comunidade. “A importância de uma comunidade segue daí: ela evidencia
um “nós” necessário para a constituição de cada ser humano, que atesta que vidas privadas não surgem a partir
de dentro, mas a partir de fora, isto é, em público”
(JOVCHELOVITCH, 1995, p. 70).
No intuito de identificar as articulações da unidade CAIC D. Pedro com a comunidade nos bairros D. Pedro
I e D. Pedro II, realizou-se um levantamento com representantes dos segmentos comunitários como a Unidade
Básica de Saúde, a Secretaria de Desenvolvimento Social, Escola e Liderança Comunitária, com os quais se estabeleceu contato por meio de seus dirigentes, ou representantes, envolvidos na rede de relações Instituiçãocomunidade, apresentando-lhes a questão: “O que a
FUNDHAS representa para a comunidade?”
Contribuíram para esse estudo:
A presidente da Associação de Moradores do
Bairro D. Pedro II.
A presidente da Sociedade Amigos de Bairro
do D. Pedro I.
A diretora e a orientadora eEducacional da
EMEF “D. Pedro de Alcântara”.
A assistente social da Secretaria de Desenvolvimento Social – Centro de Orientação Social
D. Pedro I.
Duas enfermeiras da Unidade Básica de Saúde CAIC D. Pedro I.
O administrador do CAIC.
Todos os representantes têm conhecimentos da
comunidade, suas experiências variam de 5 a 15 anos de
atuação. As entrevistas foram gravadas, com anuência
37
do entrevistado, para posterior transcrição.
Para obter um melhor aproveitamento do conteúdo colhido, foi realizada uma análise de conteúdo; “[...] a
análise de conteúdo se apresenta como uma proposta
metodológica dinâmica que se faz permanentemente por
meio de uma interação contínua com o analista”
(MARTINELLI, 1999, p. 61); também pode ser entendida
como “[...] técnica de compreensão, interpretação e explicação das formas de comunicação (escrita, oral, icônica)
(MARTINELLI, 1999, p. 73).
Dando seqüência ao estudo, como forma de ordenar e organizar os dados para que pudessem ser analisados, iniciou-se pela classificação, sabendo-se que “[...] a
classificação é uma forma de discriminar e selecionar as
informações obtidas, a fim de reuni-las em grupos, de acordo com interesse da pesquisa.” (RUDIO, 1991, p. 99).
Em seguida foi feita a codificação dos dados que,
segundo Rudio,
É o processo pelo qual se coloca uma determinada informação (ou, melhor, o dado
que ela oferece) na categoria que lhe compete, atribuindo-se cada categoria a um
item e dando-se, para cada item e para cada
categoria, um símbolo. Este símbolo pode
ser apresentado na forma de palavra ou,
bem preferivelmente, na forma de linguagem numérica. (RUDIO, 1991, p. 100).
Assim, foram elencadas quatro categorias de análise: a. A importância da FUNDHAS para a comunidade; b. Características da comunidade; c. Maior
integração com a família e d. Capacidade de atendimento da Instituição. O conteúdo transcrito das entrevistas mostra que essas categorias foram consideradas
as mais expressivas.
A partir destas categorias, foi realizada a análise,
cujos resultados foram sintetizados para efeito de ilustração neste artigo, transcrevendo-se algumas frases das
entrevistas que expressam o conteúdo das falas.
cado de trabalho, serve para tirar as crianças da rua, para
resgatar os valores de convívio, porque a maioria das crianças não têm com quem ficar; elas ficam na escola e outra
parte na FUNDHAS” (EMEF “D. Pedro de Alcântara”).
“Eu tive a chance de conhecer o trabalho da
FUNDHAS, trabalhar com a FUNDHAS e ver a seriedade
do trabalho com criança e adolescente, sempre batalhei
com a família a importância do filho estar numa Unidade
da FUNDHAS, das oportunidades que a FUNDHAS oferece. A FUNDHAS sinceramente não deveria ser só a
nível de São José dos Campos, deveria ser copiada por
todas as cidades do Vale do Paraíba, Estado e até mesmo
do Brasil” (SDS-SUL – COS D. Pedro I).
b. Características da Comunidade:
“A nossa comunidade é muito carente, é uma das
mais carentes da região Sul, nós não temos lazer e a
FUNDHAS é uma integração”(Associação de Moradores D. Pedro II).
“O ideal é que fosse para toda população; nesse
bairro há uma carência muito grande, a população quase
toda é de baixa renda, não pode pagar um curso, a FUNDHAS
é o ideal para essas crianças” (UBS – CAIC D. Pedro I).
c. Maior integração com a família:
“A FUNDHAS é um ganho para a comunidade
sem dúvida; o que precisamos é estar estreitando mais
esses laços, estar pensando uma forma de atingir, realizar
um trabalho mais próximo aos pais, para estar resgatando esses valores de cultura e educação” (EMEF “D.
Pedro de Alcântara”).
“O trabalho da FUNDHAS é formar um novo cidadão. O trabalho é maravilhoso e não é só com a criança, mas com a família também. Vocês resgatam esse cidadão para ter futuro, mas naquele meio em que ele vive
precisaria trabalhar a família como um todo. Tem coisas
que a FUNDHAS faz pela criança, mas é preciso trabalhar a família de forma global” (UBS – CAIC D. Pedro I).
d. Capacidade de atendimento da Instituição:
a.Aimportância da FUNDHAS para a comunidade:
“Este trabalho é muito importante, tirando as crianças da rua e dando mais oportunidades de esporte,
lazer e cultura; é fundamental o trabalho da FUNDHAS
que realiza um trabalho social para a comunidade. A comunidade só tem a ganhar com o trabalho que é desempenhado” (Administração CAIC).
“A importância para a comunidade é que eles vêem
a FUNDHAS como uma porta de saída para entrar no mer-
38
“Acredito que é preciso investir mais na
FUNDHAS, criando novos núcleos, porque a FUNDHAS
tem um papel muito importante na educação das crianças
e adolescentes, passando a eles valores morais, que atualmente estão meio esquecidos, e que deveriam ser transmitidos pela família” (Presidente da SAB D. Pedro I).
“A FUNDHAS é de suma importância, pena que
não tenha condições de abranger toda a demanda; nós
sabemos da lista de espera, também sabemos de pessoas
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
que acabaram passando o tempo, passando da idade, e
não foram chamadas. O ideal seria que esse serviço ampliasse a possibilidade de atendimento” (SDS-SUL – COS
D. Pedro I).
“A comunidade do D. Pedro tem uma população jovem, seria muito bom se pudesse atender mais pessoas, porque eu acho muito importante esse trabalho da FUNDHAS e
vejo realmente que há necessidade de ampliar, para mais crianças serem atendidas” (UBS – CAIC D. Pedro I).
7. ANÁLISE
A partir do estudo realizado, percebe-se que a
FUNDHAS é um espaço e uma Instituição importante
para a comunidade; seu trabalho é reconhecido e valorizado, é visto como um trabalho de proteção e de formação para a criança e adolescente, por ser um lugar seguro
para sua permanência no período alternativo à escola,
tirando-os da rua e oferecendo oportunidades de lazer e
cultura. Os entrevistados referem-se à formação nos aspectos moral, educacional e profissional, pois a
FUNDHAS oferece, com seus Programas/Projetos, a formação integral à criança e ao adolescente, para o exercício pleno da cidadania.
A FUNDHAS é um projeto social modelo para
outros Municípios e Estados, pela importância e eficácia
do trabalho, e tem uma aceitação positiva na comunidade e no Município.
A FUNDHAS tem uma importância fundamental,
principalmente nessa comunidade onde a população é,
em sua maioria, de baixa renda, carente nos mais diversos aspectos: cultural, financeiro, educacional e moral.
A FUNDHAS vem ao encontro das necessidades e representa um ganho para essa comunidade.
A FUNDHAS não consegue abranger toda a demanda, principalmente nessa comunidade, onde grande
parcela da população é jovem. Foi apontada a necessidade de ampliação para que mais crianças e adolescentes
possam ser atendidos.
A Instituição está redirecionando seu trabalho para
fortalecer a integração com a família, estreitar e fortalecer
o vínculo entre Instituição, família e comunidade, para
resgatar valores de cultura, educação e trabalhar a família de forma global.
Ao analisar as articulações da unidade CAIC D.
Pedro com a comunidade, nota-se que a Instituição está
bem articulada com a comunidade da região Sul, tem buscado fortalecer essas parcerias com o Encontro FUNDHAS
e Escola, Encontro FUNDHAS e Rede de Serviços da Região Sul, Projeto Gibiteca – que é uma locadora de gibis
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
para a comunidade que funciona na unidade CAIC D. Pedro;
estabeleceu parceria com o Coral Alegretto, com o grupo
da terceira idade “Por do Sol”, com o Centro Cultural D.
Pedro I, em que as crianças e adolescentes têm aulas de
dança de rua e com a Administração do CAIC; à medida
que essas relações se tornarem mais estreitas, a comunidade será cada vez mais beneficiada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o estudo dos espaços geográfico e institucional e a rede de relações que estabelecem, constata-se
que existe uma inter-relação entre Instituição e comunidade; a unidade CAIC D. Pedro tem buscado fortalecer
as parcerias com a comunidade.
Ao verificar o espaço em que a Unidade Caic D.
Pedro se encontra, conclui-se que ela vai além de ser um
elemento com determinada localização geográfica, pois
está em constante interação com a comunidade, num processo dinâmico, o chamado movimento social, que propicia as possibilidades de interação e as transformações.
A FUNDHAS tem uma importância significativa
nessa comunidade, é vista como um trabalho de proteção e de formação para a criança e adolescente e representa um ganho para a comunidade, mas não consegue
abranger toda a demanda, havendo a necessidade de
ampliação de sua capacidade de atendimento.
A Instituição precisa ampliar as parcerias com a
Rede Municipal de serviço, no que se refere ao atendimento à família, para que os objetivos almejados possam
ser atingidos com maior eficácia.
A Instituição, como elemento do espaço, necessita, para sua existência material, do espaço territorial, de
infra-estrutura e do trabalho humano.
Ao estudar o espaço profissional do Serviço Social na FUNDHAS, pode-se ressaltar que o assistente
social é um profissional essencial na estrutura
organizacional e de trabalho da Instituição.
É preciso levar em conta, ainda, a demanda que é
atendida, bem como as relações que se mantém nesse espaço, como essas relações se fortalecem, se tornam mais estreitas e favorecem o vínculo de toda instituição.
Como proposta para o fortalecimento das relações e participação da comunidade, poderiam ser promovidos eventos, tais como “Casa Aberta”, trazendo a comunidade mais próxima à realidade da Instituição, ou
eventos comemorativos e atividades de esporte, de recreação e oficinas culturais.
39
Ao concluir, espera-se que esse trabalho possa
contribuir para a ampliação do conhecimento sobre a
Instituição e seus Programas/Projetos e para a avaliação
das ações que se constituem espaço de prática profissional do Serviço Social.
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40
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_______ . Pensando o Espaço do Homem. 2. ed. São
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SOUZA, M. L. de. Serviço Social e Instituição: a questão
da participação. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1984.
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
São José dos Campos, seu Território, Posturas e Leis:
Uma Contribuição à Discussão do Controle do Uso e da
Ocupação do Solo Urbano
Bernadete de Fátima Gonçalves *
Resumo: O presente trabalho refere-se ao estudo da legislação de uso e ocupação do solo do
município de São José dos Campos, no período de 1860 a 2002. Trata-se de averiguar os impactos
ocorridos no território, tanto diretos como indiretos, quais são as suas áreas de uso, expansão,
ocupação e, conseqüentemente, as transformações espaciais que ocorreram, através da leitura e
entendimento das posturas e leis estabelecidas no período.
Palavras-chave: Planejamento urbano, zoneamento, legislação, segregação espacial.
Abstract: This paper studies the occupation and land use legislation in São José dos Campos
Municipality in the period from 1860 to 2002. Through the reading and understanding the
established laws within this period, it is analyzed the impacts over the territory either direct or
indirect such as areas for use, expansion, occupation and consequently the resulted space
transformations.
Key words: Urban land planning, zoning, urban laws, space segregation.
O CONTEXTO
Era prática no Brasil colonial a constituição de
povoados, aldeias e vilas através da concessão de
sesmarias.
Uma das primeiras atividades de planejamento urbano de modo formal ou strictu sensu no Brasil é o plano para
Belo Horizonte de 1875, contudo, no âmbito da província de
São Paulo, já por volta dos anos de 1860 procurava-se por
meio de posturas emanadas da Câmara estabelecer um rígido controle da ocupação dos espaços da cidade.
Sabe-se que esse controle era mais do que tudo
oriundo de uma vontade de estabelecer tanto o controle
da apropriação dos solos, já então mercadoria, e oportunidade de gerar e reproduzir riqueza, quanto e especialmente forma de exercer o controle social por meio da
separação dos diversos segmentos sociais no urbano.
De uma maneira geral, é possível inferir que essas
posturas – e diga-se a bem da verdade que estas eram
editadas quase que a cada ano – iam, à medida que eram
editadas, incorporando em seu texto reflexos dos hábitos e transformações sócio-culturais por que ia passan*
Mestranda em Planejamento Urbano e Regional PLUR, Univap, 2005.
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
do a província. Em especial, essas posturas refletiam o
desejo de parecer organizado e civilizado como na Europa, assim como o jogo de forças pela disputa em apropriar-se das riquezas expressas na posse do solo.
Desde então, até nossos dias, desenvolveram-se
diversas formas de posturas públicas e leis com o intuito
de regular o crescimento das cidades e de estabelecer o
controle do acesso às maiores vantagens relativas que
foram se constituindo no urbano por meio do controle
do uso e da ocupação dos solos.
Um outro objetivo, não menos importante, que se
percebe expresso nas leis, foi o de imprimir uma aparência boa e de qualidade no urbano através das obrigações
referentes ao alinhamento, a correta disposição das construções nos lotes e da mais adequada distribuição e localização das atividades no solo urbano.
Dessa forma, foram se estabelecendo gradativamente respostas espaciais para a organização de uma
sociedade cada vez mais baseada na produção industrial
onde a segregação é cada vez mais uma estratégia do que
um efeito. Assim, toma-se a parte, ou seja, um dos instrumentos de ordenação do território, pelo todo, e organizase – ainda que saibamos que é uma ordem falaciosa – o
território com um projeto de ordenação, sem adequação
ao ambiente, sem uma estrutura de paisagem. Procura-se
em verdade estabelecer os valores do solo urbano, e ga41
rantir as melhores vantagens relativas mesmo que para
isso perdas sejam necessárias, desde que os ganhos imobiliários diretos ou indiretos compensem.
ASEGREGAÇÃO SÓCIO-ESPACIAL COMO PRODUTO E MEIO DAAPLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO
É possível identificar, inseridos no texto da legislação, desde os períodos mais remotos, dispositivos de
ordenação do uso e da ocupação do solo com flagrante
intenção de segregação sócio-espacial. Seja no que se
refere exclusivamente às exigências de dimensionamento
mínimo das parcelas de solo a serem ocupadas – o lote –
seja no que se refere aos próprios usos admissíveis em
cada zona ou mesmo com relação às restrições mal
disfarçadas na modalidade de diversidades restritivas
dentro de uma mesma zona.
Característica essa, de segregação e valorização
diferenciada do solo, típica e já muito estudada, do
“zoneamento” como instrumento de “planejamento urbano” no Brasil, e que vem a se confirmar e explicitar
mais uma vez no caso do município ora estudado.
A citação a seguir explicita bem os fatores de segregação e a valorização diferenciada no espaço urbano
presentes no zoneamento implantado:
“Ao nos determos um pouco mais no desenho da distribuição espacial das zonas de
uso determinadas pela lei, verificamos que
além de todos aqueles fatores de segregação espacial bem ao gosto do funcionalismo, seja separando os usos em incompatíveis ou indesejáveis, seja ‘organizando’ a distribuição espacial da população segundo
faixas de renda, parece ter havido uma seleção criteriosa de sítios para as localizações,
procurando indicar aqueles com relevo mais
adequado no sentido de mais suaves e os
topos das colinas, traçando os perímetros
de modo a sempre evitar a ocupação dos
fundos de vales, que estariam protegidos por
zonas não edificantes, destacando-se também a preocupação em resguardar da ocupação a orla do platô central, para
coletivizar o cenário do banhado. De outro
lado, percebe-se também a intenção de reforçar a ocupação do eixo da rodovia Presidente Dutra, criando um grande corredor
industrial, resguardando a cidade do corredor de circulação e transporte da rodovia e
resguardando para a cidade as áreas de
colina suave que se debruçam em direção à
várzea do Paraíba defronte para os contrafortes da Mantiqueira” (SANTOS, 2002, p. 44).
42
Esta lei, que vigorou até o início de 1980, sofreu
alterações referentes na maioria das vezes à inclusão de
novos loteamentos em determinadas zonas de uso, e a
ampliação e modificação dos perímetros das zonas de uso.
O sítio urbano de São José dos Campos, situado
entre os principais centros dinâmicos da economia do
País, São Paulo e Rio de Janeiro, devido a fatores econômicos quanto militares e, pelas condições locais favoráveis, com importante via de circulação e transporte em
direção ao planalto brasileiro, e pelo pessoal técnico graduado nas instituições militares e nas indústrias aqui
instaladas, resultou de certa forma, numa divisão
territorial do trabalho que foi sendo redefinida na base
da ciência e da tecnologia, vinculada à nova produção
industrial e aos seus centros de pesquisa e desenvolvimento, como condição necessária para a acelerada
reestruturação do território.
O incentivo fiscal para instalação de indústrias
desde os anos 20 e a ampliação do parque industrial entre
os anos de 1950 e 1970 foram reforçados na Lei nº. 1606,
em que foram estabelecidas as áreas para a implantação de
indústrias, áreas essas definidas a partir da Rodovia Presidente Dutra, por onde se permitia a integração nacional
como previsto no plano de metas do governo federal.
Ainda que no ano de 1974 o governo federal, propusesse uma política urbana no II PND, direcionada para
uma visão econômica mais localizada e setorial, definindo áreas de intervenção com uma política nacional de
desenvolvimento urbano que conduziria as ações sobre
o urbano até os anos 80, a cidade de São José dos Campos recebeu investimentos governamentais para instalação da indústria petroquímica, tecnologia militar, bélica e
de aeronáutica, incentivo às instituições de pesquisas e
estudos científicos e tecnológicos e também para a área
de telecomunicações e microeletrônica.
São José dos Campos situado nessa área de contenção apresentava uma situação de crescimento em ritmo acelerado desde a inauguração da Rodovia Presidente Dutra, na década de 50.
Nos anos 70, o quadro urbano das principais cidades brasileiras e em especial as do Estado de São Paulo, com intensa produção industrial, foi acompanhado de
problemas sociais devido à intensificação dos fluxos migratórios, segregação espacial e favelização descontrolada, aumento de poluição e degradação do meio ambiente e retenção especulativa de terras que provocaram
enormes vazios urbanos, aumentando com isso os custos de urbanização (CANO; SENEGHINI, 1991).
Nesse processo de crescimento industrial e de
intensificação dos fluxos migratórios que ocorriam no
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
País, São José dos Campos, como pólo atrativo que era,
preparou uma indução da configuração espacial do seu
tecido habitacional de baixa renda, amparada pela Lei nº.
1606, em seu artigo 4 º, onde se previa a implantação de
grandes conjuntos habitacionais aos moldes do BNH.
A Lei nº. 1606 aborda também a preservação da
área central do banhado através da Zona Especial, “esquecendo-se” de incluir aí a continuidade dessa área
central, reservando como área de extensão urbana a área
de várzea existente ao longo do Jardim das Indústrias e
em direção ao Rio Paraíba.
Como controle ambiental, é muito pouco o que se
vê na lei, talvez porque as questões ambientais eram assunto relativamente novas até então. Somente após a
reunião em Estocolmo/72, este assunto passou a ser relevante e chegou até a nortear planos municipais.
As questões ambientais eram tratadas com relação às instalações industriais consideradas nocivas ou
perigosas, indicando a localização destas fora da área de
expansão urbana proposta, sem fazer considerações, aí,
se essas áreas fora da zona de expansão urbana seriam
ou não constituídas de algum potencial paisagístico.
Não havia, também, obrigatoriedade de que as
indústrias poluidoras apresentassem projetos de sistema de controles dos poluentes emitidos, mas apenas
transferia-se quaisquer desses inconvenientes para outro local do município.
Entendemos que assim agindo a administração
municipal na época não impediria a continuidade de instalação industrial, criando restrições, mas que, de certa
maneira, buscava-se uma qualidade ambiental desejada.
A ocupação do território de São José dos Campos
é fortemente marcada pela indústria, pois, de uma organização sócio-espacial agrária sem muita expressão, passa,
a partir do final dos anos 20, por um processo de modificação em sua dinâmica sócio-econômica moldando uma
organização sócio-espacial em que a indústria parece ter
desenhado a cidade. E as leis e decretos que se estabeleceram vão moldando, estruturando e reestruturando a
cidade industrial que se firmava.
A cidade que crescia revelava um déficit
habitacional, devido ao desenvolvimento industrial acelerado que ocorria, não havendo na época uma política
habitacional para acompanhar o “boom” industrial.
A administração municipal, na época, impossibilitada de atender à demanda habitacional em curto prazo, buscou entendimento com grupos privados, para o investimento na área habitacional, período em que grupos estrangeiR. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
ros se apresentaram para a execução e implantação de vários conjuntos habitacionais em São José dos Campos.
Os empreendimentos aqui executados, normalmente próximos às Zonas Industriais - ZI ou na Zona de predominância industrial - ZpI, acompanhando a localização
industrial, onde havia a concentração de trabalho para as
classes de média e baixa rendas, eram situados em grandes áreas, sendo os conjuntos habitacionais horizontais.
Ao final dos anos de 70, após um período em que
os procedimentos para a construção de edificações e para
o uso e a ocupação do solo do município ficavam regidos
por um conjunto de três leis: Lei de Uso e Ocupação do
Solo-Zoneamento, Lei de Arruamento e LoteamentoParcelamento, e o Código de Edificações, passa-se a uma
nova maneira de apresentar a legislação urbanística.
Os aspectos referentes ao parcelamento e ao
zoneamento ficavam, a partir de agora, reunidos em uma
única lei a qual passou a receber a denominação de Lei
de Uso e Ocupação do Solo, sendo que as construções
continuavam a ser regidas pelo Código de Obras, agora
denominado Código de Edificações.
Essas duas leis passaram a ser o objeto efetivo de
planejamento urbano no município, uma vez que procuravam organizar a distribuição e localização das atividades e usos, o padrão dos parcelamentos, os requisitos
mínimos exigidos para as edificações, inclusive como condição para autorização de funcionamento, e também os
aspectos de proteção ambiental, de reserva e localização
de espaços públicos livres coletivos urbanos e de interesse paisagístico.
A Lei nº. 2263/80, que dispõe sobre o parcelamento,
uso e ocupação do solo do município, e outras providências, é o resultado de um processo que se inicia em 1978.
Essa lei dividiu o município em zona urbana, zona de expansão urbana e o território restante como zona rural.
As zonas urbanas e de expansão urbana foram
subdivididas em quinze zonas de uso sendo elas: ZR-1
de uso exclusivamente residencial; ZR-2 de uso exclusivamente residencial de densidade média; ZC de uso misto de densidade média alta, subdividida em ZC-1 de uso
predominante residencial e de serviços, ZC-2 de uso misto de densidade média, ZC-3 de uso diversificado de alta
densidade e ZC-4 de uso misto de densidade média alta;
ZE de uso especial com características próprias e subdivididas em ZE-1 de fundo de vale, de uso diversificado e
institucional, ZE-2 de uso de transporte de pessoas, de
mercadorias e equipamentos, ZE-3 de Banhado, de uso
exclusivamente recreacional, cultural, esportivo e turístico, ZE-4 de caráter institucional, com equipamento de
caráter cultural, esportivo, de saúde e de educação, ZE-5
43
do CTA e EMBRAER, e ZE-6 de uso para unidades
habitacionais de caráter social e industrial para implantação de distritos industriais; e ZI de uso industrial, com
características especificadas e subdivididas em ZI-3 de
uso predominantemente industrial, de potencial poluidor
médio-baixo, sujeito a controle pelos órgãos competentes, e ZI-4 de uso exclusivamente industrial, de potencial
poluidor médio-alto, com sistema de controle específico
contra poluição determinado pelos órgãos competentes.
obrigatoriedade, apresentando ainda como exigência lugar, tipo, condições, manuseio e equipamentos a serem
utilizados, para a liberação de sua instalação no município.
Já no ano de 1986, ocorreu um fato de grande importância, a retração do perímetro da zona urbana, com a
finalidade de reduzir as áreas disponíveis com infra-estrutura e no aguardo para especulação imobiliária; procurava-se aí conter a implantação de loteamentos em áreas
desprovidas de infra-estrutura mínima e necessária.
Estas obrigações, que permitiam ou não a ocupação por determinada atividade, em determinado local dentro ou fora do perímetro do sítio urbano, eram de certa
forma uma organização que ia determinando zonas de
ocupação em função da atividade desenvolvida, surgindo aí referências ao zoneamento inicial da cidade, conforme estabelecido no Código de Posturas de 1885.
A Lei nº. 3721/90 surge para substituir a de nº.
2263/80 que estava em vigência havia dez anos. Na nova
lei aparecem as zonas residencial, mista, especial, industrial e a de proteção ambiental.
Essa lei sofre várias modificações, sendo a de maior efeito no que tange à ocupação a que trata da anistia às
construções clandestinas. De certa forma, estas leis vão à
contramão dos conceitos de zoneamento, tido como instrumento ordenador e regulador dos usos diferenciados
social e economicamente existentes no território.
No contexto nacional, o avanço da informática e
automação, no final dos anos 90, devido às crises mundiais que ocorreram as quais desencadearam aperto na economia com redução da produção industrial e aumento de
desemprego, amplia a atividade de prestação de serviços
e informações, através da terceirização, em especial no
ramo das tecnologias em informática. Assim, a cidade de
São José dos Campos vai aos poucos mudando e se reorganizando para a nova atividade, de forte predominância
industrial a ser agora também prestadora de serviços, o
que de certa maneira vai estimulando a economia local.
AS POSTURAS, AS LEIS E O TERRITÓRIO
As primeiras leis de posturas datam dos anos de
1860, nos artigos 1º a 14º do Capítulo 1º do Código de
Posturas de 19 de maio de 1862. É onde se percebe desde
cedo a preocupação em ordenar o sítio urbano, através
do controle sanitário, com imposições de certa regularidade pelo alinhamento, o que nos leva a observar que
essas imposições eram norteadas pela definição dos procedimentos e requisitos para execução de estradas e
arruamentos que iam desenhando e definindo a cidade.
Os padrões de alinhamento, tanto das edificações
como dos caminhos e estradas, eram dados pela Câmara.
As ocupações fabris também passavam por essa
44
Nota-se a preocupação com o meio ambiente nas
questões relativas às atividades desenvolvidas pelas
unidades fabris, tais como poluição atmosférica, contaminação dos recursos hídricos seja através do lençol
freático ou através do leito com a deposição de lixos.
É aí também que fica delimitado o sítio urbano,
norteado pelo Rio Paraíba, Estrada de Ferro, área do Banhado e Córrego do Lavapés. A partir dessa delimitação
da área urbana estabelece-se o que está fora e o que está
dentro dos limites da cidade. As ruas que não foram contempladas dentro desse limite urbano seriam encaixadas
desde que fosse solicitado e obedecesse à legislação quanto às dimensões, orientação e alinhamentos previstos.
O que se pode verificar foi que desde cedo o alinhamento era primordial para a formação da cidade, sendo que o realinhamento deveria ser feito a cada quatro
anos, como fator essencial para manter a harmonia e o
embelezamento; definia-se dessa forma os espaços da
cidade, donde vão surgindo os espaços públicos e estes
vão se diferenciando dos espaços particulares.
As disposições de controle de limpeza, embelezamento, ordenação, direcionamento e alinhamento do sítio
urbano são sempre citadas a cada novo Código de Postura
que é feito, reforçando sempre o que estava disposto nos
artigos anteriores em que esses assuntos são tratados.
É no ato nº. 110 de 10 de março de 1932 que aparece o zoneamento formalmente instituído como instrumento de controle e uso do espaço. Passados sessenta e
nove anos desde a publicação do Código de Postura de
1885, o Código de Obras é instituído através da Lei nº.
281, para regulamentar as disposições a respeito de
arruamentos, loteamentos, construções e demolições.
É com o Código de Obras de 1954 que definitivamente é instituído o zoneamento de modo bastante detalhado, estabelecendo o direcionamento e o controle do
uso e ocupação do solo no município. O município é então
dividido em três zonas: Urbana, suburbana e rural, e, destas, as zonas urbana e suburbana subdivididas em outras
cinco zonas: Industrial, Comercial, Residencial, Sanatorial
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
e Aeronáutica. Assim, “percebe-se o ideário modernista
e funcionalista de organização do espaço urbano, segundo funções e localizações bem definidas e separadas,
procurando com isso a eficiência, a eficácia e o maior
rendimento – às vezes chamado de otimização de recursos e de infra-estrutura, às vezes de relação custo-benefício – do espaço urbano” (SANTOS, 2002, p. 36).
A cada artigo percebe-se essa preocupação em
separar usos e atividades, como por ocasião da proibição de sanatórios e/ou congêneres destinados a manter
pessoas de moléstia contagiosa nas zonas industrial, comercial e residencial, e ainda por ocasião da proibição da
instalação de hospitais, colégios, internatos e indústrias
na zona comercial. Ainda com referência a indústrias, as
que praticavam qualquer atividade perigosa deveriam ser
instaladas em zona rural ou suburbana. Essas preocupações faziam-se presentes inclusive em função de uma
forte tendência à expansão da atividade industrial que já
se verificava no município.
Através do Decreto nº. 286/59, ficaram estabelecidas
as regras específicas para o parcelamento do solo urbano e
do solo rural, e, mais à frente, no Decreto de nº. 657/60,
constavam as exigências para a aprovação de loteamentos
com a obrigatoriedade de instalações de infra-estrutura, tais
como redes de água, de esgoto, energia etc.
Até o final da década de 60 nota-se um crescimento significativo na área urbana, principalmente devido à
legalidade estabelecida pelo poder público que permitia a
construção de casas geminadas em lotes de 100,00 a 250,00
m², de custos mais baixos, com otimização da infra-estrutura implantada, ocorrendo com isso um adensamento na
área urbana com esse padrão de uso e ocupação do solo.
O Código de Obras de 1954, o Decreto nº. 286/59 e
o Decreto de nº. 657/60 eram os instrumentos que
norteavam o crescimento, a ocupação e o uso do solo do
município até ser elaborado o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI), em 1970, que foi executado em decorrência do Decreto Estadual nº. 28.399/57, em
que se previa que as dotações orçamentárias para Estâncias Hidrominerais estavam condicionadas às discriminações contidas no referido PDDI.
O PDDI de 1970 é composto por um conjunto de
recomendações de legislação para o controle urbano,
resultando em leis, dentre elas a de zoneamento, que foram promulgadas antes da aprovação daquele.
A partir de um diagnóstico dos “aspectos do meio
físico, da dinâmica sócio-econômica, dos padrões de ocupação e uso do solo, e da acessibilidade e circulação, foi
traçado um cenário de tendências preferenciais para o desenvolvimento do município, e que, como não poderia deiR. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
xar de ser, identificando uma intensa dinâmica industrial e
a conseqüente demanda por áreas para o seu atendimento
como o aspecto de relevância com relação aos cuidados
com o uso e a ocupação do solo” (SANTOS, 2002, p. 41).
O zoneamento vai se configurando como o instrumento principal de ordenação do território e através dele
procura-se um controle do uso e ocupação do solo. Esse
uso e ocupação do solo passa então a ser regulamentado
em 1971, pela Lei nº. 1606, que subdivide o município em
três áreas: urbana, de expansão urbana e rural.
As áreas urbana e de expansão urbana foram classificadas em nove zonas de uso predominantes. A zona de
predominância comercial-ZpC abrangia dois perímetros,
um constituído pelo centro antigo, descendo a encosta
em direção norte, transpondo a estrada de ferro até próximo ao rio Paraíba do Sul, e outro perímetro abrangia o topo
do platô central em direção sul.
Nota-se entre estes dois perímetros uma interrupção configurando um setor que poderíamos chamar
de centro expandido, a zona comercial onde era permitida
a maioria das atividades urbanas, pequenas oficinas, excetuando-se apenas as atividades industriais.
A zona especial-ZE, com quatro perímetros, abrigava os serviços especiais, os edifícios públicos junto à
área central, as áreas já ocupadas com edificação junto à
falésia do banhado, as vias estruturais partindo do centro, algumas vias centrais de tráfego de passagem, onde
já estavam se caracterizando os corredores de uso, além
de abrigar a área do banhado.
Com maior adensamento de atividades comerciais e administrativas, configurando um anel no centro
antigo, fica instituída a zona central-ZC.
A zona de predominância habitacional-ZpH, de
forma geral era de uso residencial individual, consultórios e escritórios em edifícios individuais, comércio varejista e serviços é subdividida em zona de predominância
habitacional A e zona de predominância habitacional B.
A ZpHA é constituída por dois perímetros, um correspondente ao setor de uso predominantemente residencial
de caráter mais elitista, pois era proibida a habitação coletiva em série, e outro da zona predominantemente comercial, ocupando o platô central em direção sul até o
vale do córrego do Vidoca; o segundo perímetro desta
subzona constitui-se de uma área remanescente entre a
indústria Johnson & Johnson e a área de propriedade da
indústria Ford do Brasil em um outro platô na região sudoeste. Os três perímetros da ZpHB localizavam-se,
um em direção norte em terrenos planos próximo ao rio
Paraíba do Sul, envolvendo parte da zona de predominância comercial, e outro em direção leste, formando uma
45
faixa que acompanha os eixos da Rodovia Presidente
Dutra e da Rede Ferroviária Federal S.A. e um terceiro e
último em direção sul, fazendo limite com parte da zona
predominantemente comercial -centro expandido-, zona
predominantemente residencial A e o córrego do Vidoca.
Na zona de predominância industrial-ZpI, permitiam-se todas as atividades urbanas, excetuando-se apenas
as indústrias classificadas como nocivas e ou perigosas,
definindo-se como perigosas aquelas que produzissem
mau cheiro, ruídos incômodos, poluíssem as águas ou
colocasse em risco a saúde dos habitantes.
Ficava a ZpI constituída por seis perímetros, os
quais procuravam abrigar as áreas com morfologia de
relevo favorável e ainda disponíveis junto ao eixo da
Rodovia Presidente Dutra, as áreas lindeiras à Rodovia
dos Tamoios e ao Centro Técnico Aeroespacial, uma área
linear acompanhando a estrada velha Rio - São Paulo em
direção a Jacareí e uma área ao norte junto ao rio Paraíba
do Sul e a estrada SP 50 em direção a Campos do Jordão.
A ZI compreendendo sete perímetros, objetivava
abrigar as áreas das indústrias já instaladas e uma faixa
ao longo do eixo da Rodovia Presidente Dutra em seu
lado direito em direção a Caçapava.
As zonas de predominância recreacional e especial
não tiveram os perímetros definidos por este decreto, em
que ficou estabelecido que a delimitação da zona especial
fosse estabelecida por decreto e que nesta deveriam se
localizar os edifícios públicos e os serviços especiais, que
viessem a requerer áreas consideráveis ou localização específica. Quanto à zona de predominância recreacional,
que deveria compreender as áreas verdes e livres destinadas à recreação com o objetivo específico de criar as condições físicas para o desenvolvimento da recreação, seria
também demarcada por decreto.
A zona central, com atividades comerciais e administrativas com um adensamento mais intenso, tinha algumas restrições ao gabarito das edificações, à delimitação para permissão de construções em determinadas vias
e exigências quanto ao número de vagas para estacionamento de veículos dentre outras.
As características de ocupação e uso para cada zona
ou subzonas estavam estabelecidas na Lei nº. 1606/71, em
que ficavam definidas as taxas de ocupação, os recuos, as
densidades, as atividades permitidas e/ou toleradas em casos especiais, e as condições especiais para as edificações
na área central. A segregação espacial, o que de todo modo
é implícito ao zoneamento, se percebe de forma mais acentuada nas áreas destinadas às implantações industriais, localizando zonas para estes fins junto à Rodovia Presidente
Dutra em terrenos com relevo particularmente suave, con-
46
tando sempre com a presença de água e sem cobertura
vegetativa significativa e distante preferencialmente das
áreas predominantemente residenciais.
Na zona de predominância industrial seriam permitidos além das atividades industriais de pequeno e médio
porte, que seguiam os mesmos padrões de ocupação da
zona industrial, os usos residenciais e comerciais, os quais
deveriam obedecer a uma dimensão mínima de lote de 200,00
m², permitindo-se a construção geminada em série.
Criava-se, dessa maneira, para essas zonas, um
tecido misto para uma população com uma faixa de renda
mais baixa ou mesmo para atendimento aos trabalhadores da indústria.
Nas zonas de predominância comercial permitiase uma grande diversidade de usos, caracterizando-se
como uma grande zona mista, onde caberiam desde habitação individual e coletiva, edifícios públicos, comércio
e serviços, até atividades prestadoras de serviços de grande porte, como os centros atacadistas, e de recreação.
Os lotes nestas áreas deveriam possuir dimensão mínima
de 360,00 m², com frente mínima de 12,00 m. Ainda hoje é
possível identificar lotes com essas dimensões na zona
comercial ou centro expandido.
Nas disposições para ocupação e uso na zona de
predominância residencial é que vamos encontrar uma
sofisticação um pouco maior, iniciando-se com a sua subdivisão em duas subzonas. Essa subdivisão pretendia
instituir dois padrões habitacionais diferenciados, sendo um deles para uma faixa de renda média – ZpHB - e o
outro para uma faixa de renda mais alta – ZpHA.
A diferenciação poderia ser sentida pela própria
localização dessas duas subzonas na área urbana, sendo
que aquela prevista para a renda mais alta localizava-se
em uma área de continuidade do platô central próximo ao
banhado, o que garantia, portanto, de um lado, visuais
privilegiados, e de outro a confinando entre a zona do
centro expandido e o córrego do Vidoca. As dimensões
mínimas dos lotes nesta subzona, que deveriam respeitar
um mínimo de 450,00 m² de área, bem como as taxas de
ocupação e de usos, contribuíram mais ainda para criar
um padrão imobiliário só acessível pela alta renda. A outra subzona, aquela prevista para as faixas de renda média, localizava-se a sudoeste, em área bem distante das
facilidades e infra-estruturas existentes, apesar de sua
relativa acessibilidade junto ao eixo da Rodovia Presidente Dutra. O padrão dos lotes exigia uma área mínima
de 300,00 m², com taxa de ocupação de 2/5 e taxa de uso
igual a duas vezes a área do lote, permitindo, portanto,
um adensamento maior, com gabarito em torno seis pavimentos. Permitia-se também para esta subzona as habitações geminadas em série, conforme o mesmo padrão para
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
a zona de predominância industrial.
BIBLIOGRAFIA
Por fim, destacamos como de especial relevância
o art. 23 que obrigava a reserva de faixa não edificante de
15,00 m às margens de águas correntes e dormentes de
faixas de domínio público ocupadas com ferrovias, rodovias e dutos de qualquer natureza.
BECKER, B.; EGLER, C. Brasil: uma potência regional
na economia-mundo. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
1994. p. 267.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A cidade conta na sua história com mudanças na
ordenação de seu território ao longo desses anos sem a
participação expressiva de sua comunidade nas discussões
dos problemas e na identificação das soluções. Somente no
início da década de 90 é que se intensifica a participação
popular em alguns planos e projetos para o município.
O que percebemos na elaboração deste trabalho é
que as leis sempre trouxeram impactos no território, seja
na forma de seu uso, seja na ocupação, na sua organização com reflexo na organização do trabalho, além de refletir as deliberações políticas da sociedade.
A legislação pertinente ao espaço destinado à produção tecnológica reflete bem a organização de trabalho
que foi se estabelecendo desde a década de 50 até os dias
de hoje, por ocasião da implantação dos centros de pesquisa aeronáutica nacional, passando mais tarde pela
multinacional, posteriormente pela terceirização e até mais
recente pela produção através da montagem de componentes num espaço livre que expressa o capitalismo em rede.
Na cidade de São José dos Campos percebemos
alguns problemas urbanos em conseqüência, dentre outros fatores, das excessivas modificações na legislação
da ordenação para ocupação e uso do território, como
também dos padrões e modelos adotados para sua elaboração. Destaca-se como fator de inadequação dos instrumentos de planejamento a ausência da participação
efetiva da comunidade no processo.
Esse processo resulta numa morfologia sócio-espacial, em que se reforça a segregação, a concentração da
população em determinadas zonas, a proliferação de
loteamentos clandestinos, moradias precárias, déficit de
infra-estrutura básica etc. Além dos efeitos de uma crise em
que as origens aparecem no período da industrialização acelerada da década de 70, gerando urbanização, fluxo migratório, déficit habitacional, degradação ambiental, violência
urbana, frutos de uma ideologia de planejamento
funcionalista, em que a participação sequer se faz presente.
Pode-se, portanto, afirmar que as transformações
ocorridas no território, além da legislação de ordenação,
retratam uma ocupação espacial que representa a manifestação concreta de uma estrutura social vivenciada.
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
CANO, W.; SENEGHINI, C. U. Urbanização,
desenvolvimento econômico e entidades regionais:
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e Desenvolvimento da Universidade do Vale do Paraíba,
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Lei nº 1606 Dispõe sobre o uso e ocupação do solo no
município de São José dos Campos, PMSJC – 13 de
Setembro de 1971.
Lei nº 2263 Dispõe sobre o parcelamento o uso e
ocupação do solo no município de São José dos Campos,
PMSJC – 4 de Janeiro de 1980.
Lei nº 3721 Dispõe sobre o parcelamento o uso e ocupação
do solo no município de São José dos Campos e dá outras
providências, PMSJC – 25 de Janeiro de 1990.
Lei nº 165 Dispõe sobre o parcelamento o uso e ocupação
do solo no município de São José dos Campos, PMSJC
– 4 de Janeiro de 1999.
PLANO DIRETOR DE DESENVOLVIMENTO
INTEGRADO. Coord. Lauro Bastos Birkholz,. CEPU USPCentro de Estudos e Pesquisas Urbanísticas/PMSJC, 1958.
PLANO DIRETOR DE DESENVOLVIMENTO
INTEGRADO. Coord. SERET Arquitetos Associados
S.A. Consultoria Jorge Wilheim Arquitetos Associados,
São Paulo/ PMSJC, 1971.
PLANO DIRETOR DE DESENVOLVIMENTO
INTEGRADO. Um Plano da Cidade para a Cidadania. Coord.
Emmanuel Antonio dos Santos, São Paulo, PMSJC, 1995.
SANTOS, E. A. As paisagens do Plano e os Planos da
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Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002.
47
São José dos Campos de 1980 a 1990, na Perspectiva de
Gottdiener
Cristiane Paiva *
Dayana Nogueira*
Hamilton Freitas*
Laura Peloso*
Mário Moreira*
Resumo: No período de 1980 a 1990, o município de São José dos Campos apresentou um aumento
populacional considerável, num contexto de recessão econômica, em função da reestruturação
econômica promovida pela inserção tecnológica na produção industrial. Esta acelerada urbanização refletiu-se na organização do espaço urbano, que, na visão de Gottdiener, revela-se na
interação entre os agentes sociais na busca do lucro, que são beneficiados pela ação do Estado.
Palavras-chave: Expansão urbana, agentes sociais, Gottdiener.
Abstract: In the period from 1980 to 1990, São José dos Campos, a city in São Paulo State, presented
a considerable population increase in a scenario of economic crisis due to the economy reorganization
promoted by technological development in industrial production. This accelerated urbanization
reflected in the urban space organization. According to Gottdiener, urban space reveals the interaction
among the social agents who search for profit and are benefited by the State’s action.
Key words: Urban increasing, social agents, Gottdiener.
1. INTRODUÇÃO
Gottdiener (1997) acrescenta o físico-territorial às
três instâncias que Castells (1981) preconiza: a econômica, a política-institucional e a ideológica, que se relacionam dialeticamente no tempo.
O objetivo deste trabalho é apresentar, na ótica
de Gottdiener, que descreve e explica o processo pelo
qual o espaço é produzido e é produtor: a evolução do
processo de urbanização do município de São José dos
Campos, nas décadas de 1980 a 1990.
2. O ESPAÇO SEGUNDO GOTTDIENER
Segundo Gottdiener, a produção da cidade permite a reprodução do capital com a apropriação de mais
valia. Considera que há grupos de interesses diversos
no jogo de poder que se articulam em rede para promover
a acumulação capitalista na cidade e, assim, definirem as
áreas nobres que receberão investimentos.
Para Gottdiener (1997), o espaço é uma das instâncias da sociedade onde ocorre a acumulação capitalista,
que se realiza pela produção e produto do espaço enquanto mercadoria. Ou seja, a produção da cidade permite a
reprodução do capital com a apropriação de mais valia.
Neste sentido, o espaço molda a sociedade e esta
se refletirá no espaço. No espaço físico, se manifestará o
conflito de classes dialeticamente à acumulação de capital, em que a geração de riqueza se reproduzirá concomitantemente à de pobreza. No espaço urbano, apresentam-se dois circuitos de acumulação de capital: a produção de bens duráveis e o setor imobiliário.
Ele entende que o conflito de classes, assalariado
e capitalista, prerrogativa do marxismo, também se dá
acerca do espaço, sendo o espaço almejado por todas as
classes, portanto, o conflito, além de econômico, é sócio-espacial. Do mesmo modo que Marx interpreta o conflito entre o capitalista e o assalariado, em que o que os
diferencia é a posse dos meios de produção, Gottdiener
diz que a terra também se torna um conflito, ao passo que
existe uma diferenciação entre quem a possui e quem não
possui, além da sua localidade na cidade.
* Mestrando(a) em Planejamento Urbano e Regional PLUR, Univap, 2005.
A produção do espaço, para o mesmo autor, é
fruto da relação dialética entre as instâncias da socieda-
48
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
de e o espaço. Da mesma maneira que a sociedade molda
o espaço, o espaço influencia a sociedade, o que o diferencia de Castells que compreendia o espaço como uma
estrutura onde ocorrem os conflitos e que o espaço é um
reflexo do modo de reprodução do trabalho, ou seja, o
espaço para Castells se dá numa relação causal; e para
Gottdiener o espaço se dá numa relação dialética.
Este autor considera que há grupos de interesses
diversos no jogo de poder que se articulam em rede para
promover a acumulação capitalista na cidade e, assim,
definirem as áreas nobres que receberão investimentos.
Nesse sentido, o mercado imobiliário também é responsável pela direção que a elite toma na cidade.
O setor de produtividade rege o lucro imobiliário
no qual os diferentes investimentos possibilitam a
lucratividade do espaço urbano. A terra permite o lucro,
aumentando a acumulação capitalista. O Estado, com suas
ações, alia-se à atuação dos agentes do setor de propriedade privada (bancos, construtoras e imobiliárias) articulando-se em redes, para definir as formas espaciais
urbanas e, por fim, aumentar a acumulação capitalista do
espaço urbano.
Neste período os investimentos do Estado em infra-estrutura beneficiaram a região.
O município foi referência nacional como centro
de tratamento de tuberculose de 1930 a 1950, preservado
na arquitetura dos sanatórios, que resistem ao tempo e à
degradação, como Vicentina Aranha, Vila Samaritana,
Maria Imaculada e Adhemar de Barros.
Embora a implantação das primeiras indústrias
tenha sido em 1920, favorecida pela concessão de incentivos fiscais municipais, a fase industrial se intensifica
na década de 1950, com a inauguração da Rodovia Presidente Dutra (1951). A instalação de grandes indústrias
passaria, então, a comandar o desenvolvimento da cidade e o processo de urbanização.
O crescimento urbano pode ser verificado na Fig.
1 com uma explosão demográfica a partir de 1960, quando se instalam na cidade as indústrias de grande porte e
instituições de pesquisa.
As instâncias da sociedade (que englobam os sistemas econômicos, político, ideológico e espacial), os agentes em ação (imobiliárias, construtoras etc) em coalizão
com o Estado estruturam o espaço para Gottdiener. A maneira como o autor compreende o espaço urbano é mais
complexa e pode ser percebida na realidade do urbano.
3. O MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS
Devido à sua localização estratégica, a região do
Vale do Paraíba apresenta um histórico de importância
nacional durante a economia cafeeira, cujo apogeu possibilitou vultosos investimentos em infra-estrutura que,
por conseguinte, desencadeou a gênese da industrialização nacional. A região tornou-se o locus do projeto
geopolítico moderno durante o governo militar, que possibilitou a construção de um complexo militar-industrial
com a implantação do Centro Técnico Aeroespacial
(CTA), a ENGESA e a AVIBRÁS (BECKER; EGLER, 1994).
Localizado nesta região, o município de São José
dos Campos é considerado de porte médio, servido por
importantes rodovias, tais como Presidente Dutra, Carvalho Pinto, D. Pedro I e Tamoios.
Historicamente, a economia do município baseava-se na cultura do algodão para atender às indústrias
têxteis e, em seguida, pela cultura cafeeira que promoveu
o crescimento econômico da região e do País, até 1930.
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
Fig. 1 - Distribuição da população em São José dos
Campos (1940-2000)
Fonte: SEADE.
Apesar da estagnação da economia no País nas
décadas de 1980 e 1990, São José dos Campos teve um
aumento no número de indústrias em 107%. Nessa época, o processo industrial diversificou-se com a inovação
tecnológica, com a produção de equipamentos eletrônicos, material fotográfico, produtos químicos, farmacêuticos, calçados, combustíveis, aviões e foguetes espaciais.
O desenvolvimento econômico do município pode
ser observado na Fig. 2 que aponta um crescimento do
valor adicionado fiscal de 60,4% no período de 1993 a 2000.
49
Tabela 2 - Índices sócio-econômicos de
São José dos Campos
Fig. 2 - Valor adicionado fiscal total do município
(1993-2001).
Fonte: SEADE.
A busca contínua de inovações e o avanço
tecnológico, associados com a globalização, resultam em
terceirizações, que geram impacto nas indústrias da região, especialmente em São José dos Campos.
Como resultado da implantação das novas
tecnologias no setor industrial, a força de trabalho tem
se deslocado para outros setores da economia (vide Tabela 1), bem como um contingente considerável tem migrado para a informalidade.
Tabela 1 - Distribuição percentual do pessoal ocupado
por setor
Fonte: PMSJC.
Este deslocamento da força de trabalho tem evidenciado uma tendência de mudança no perfil sócio-econômico dos trabalhadores no município.
Castells (1999) aponta para uma ‘era da informação’, exigindo novas qualificações e até provocando mais
redução de postos de trabalho.
Os indicadores sociais refletem esse momento. O
Índice de Gini (vide Tabela 2), que avalia a desigualdade
e exclusão social - tendo o máximo igual a um -, mostra
uma concentração de renda em poder da minoria.
Observa-se ainda o aumento da pobreza em 12,2%
e chama a atenção o aumento de 26,3% do número de
crianças em lares com renda inferior a meio salário mínimo, o que evidencia a crise de moradia local.
50
Fonte: SEADE – Pochmann e Amorim (2003) –
Atlas Desenvolvimento Humano.
4. A POLÍTICA ECONÔMICA NO PERÍODO DE 1980
A 1990
No contexto econômico internacional, durante o
governo Ronald Reagan (1980–1988), consolidou-se a
política econômica norte-americana baseada em taxa de
juros alta, déficits gigantescos na conta corrente e diminuição de impostos. Os investimentos estrangeiros financiavam o déficit público em detrimento da diminuição
das exportações norte-americanas, e o controle na emissão das moedas debelou a inflação da década anterior.
Era a falência do modelo econômico keynesiano e a adoção do modelo neoliberal, que propunha uma menor intervenção do Estado na economia.
Para aumentar o lucro é necessário cortar custos,
tanto no governo quanto nas empresas. Isso se traduziu
numa redução do tamanho do Estado, que passou a
desestatizar a economia, retirar barreiras alfandegárias,
flexibilizar as leis trabalhistas, limitar seus gastos, entre
outros, atendendo aos interesses do grande capital.
Neste contexto de forte crise, a ideologia neoliberal
foi posta em prática pela hegemonia dos agentes detentores de poder, como o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o BIRD (Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento), através das normas ditadas com
base no Consenso de Washington (1989), para os países
reformar suas economias.
O Brasil chega ao fim da década de 1970 como a
oitava economia mundial, com um setor industrial forte e
bastante diversificado. Esse quadro se constituiu deviR. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
do aos investimentos do governo em infra-estrutura com
financiamento externo.
A partir de 1980, o País se depara com a crise, decorrente do aumento no preço do petróleo e, por conseguinte, da elevação das taxas de juros que acarretaram na
ampliação da dívida externa (herança do governo militar).
A década de 1980 é marcada pela exorbitante taxa
de inflação anual de 1.783% (ARAÚJO, 2000) e pela crescente emissão de títulos da dívida imobiliária, que aqueceram o mercado imobiliário e a construção civil.
A próxima década é determinada por estratégias
governamentais de abertura comercial e financeira, com
políticas como a redução dos impostos de importação. O
Plano Real surge objetivando controlar a inflação ou o
aumento nos preços dos produtos internos, e assim conquista a opinião popular. Entretanto, o presidente Fernando
Henrique Cardoso (1994-2002) adota políticas de estímulo
à importação gerando déficit externo; com base na idéia de
abertura econômica do País em face da internacionalização
do capital. Para amenizar esse déficit externo, o governo
privatizou os ativos públicos e para atrair capital de curto
prazo, as taxas de juros são elevadas.
O País começa a sofrer as conseqüências dessas
políticas, enfrentando a recessão, observada no aumento considerável do desemprego que já se verificava na
década anterior. Uma das estratégias do governo FHC
foi o incentivo à entrada de empresas brasileiras no mercado mundial, a desregulamentação financeira e a
internacionalização do sistema bancário.
5. IDEOLOGIA E PLANEJAMENTO EM SÃO JOSÉ
DOS CAMPOS
Em um cenário geopolítico marcado pelo final da
2ª Guerra Mundial e pelo início da Guerra fria, o município de São José dos Campos passou a sediar o Centro
Técnico Aeronáutico (1951), evidenciado na proposta
militar de promover o Estado nacional em potência regional com o domínio da tecnologia de ponta. Tornava-se
evidente o interesse do Estado de obter domínio
tecnológico de ponta. Planejado para ser um instituto de
formação especializada, tornou-se o embrião para a
industria aeronáutica, bélica e aeroespacial. Em 1961, foi
criada a Avibrás, referência da nascente industria bélica
e aeronáutica, e o GOCNAE, que deu origem ao INPE
(Instituto de Pesquisas Espaciais). A década de 1970 foi
marcada pelo forte crescimento das industrias de defesa
que se instalaram na cidade (Embraer, Engesa e Avibrás),
fornecendo material bélico e aeronaves de uso militar
para o Oriente Médio. Destaca-se a Embraer, Empresa
Brasileira de Aeronáutica (1969) e constituída como empresa estatal de capital misto, privatizada em 1994.
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
Mesmo no período recessivo do início dos anos
80, a cidade continuava a crescer com base no capital
industrial. Isso decorreu dos investimentos estatais e da
moderna tecnologia das unidades fabris, beneficiadas
pelas políticas de fomento à exportação.
No final dos anos 80 e início dos 90, a indústria
brasileira entra definitivamente no ajuste global do modelo neoliberal, com bruscos cortes nos investimentos estatais e ajustamento tecnológico no setor privado. Com o
desmantelamento da indústria bélica e a falência de outras
indústrias, ocorre um aumento no desemprego na região.
O município se ressente com o grande volume de
desemprego, necessitando de execução de políticas públicas ou privadas que redirecionem o perfil de ocupação. Proliferam-se micro e pequenas empresas e percebese um aumento substancial da ocupação no setor de comércio e serviços. Esse fenômeno dividiu a produção do
município ainda mais, pois não se verifica aumento de
faturamento nestes setores.
Uma medida adotada nesse período foi a lei complementar nº 001 de 1990, que dispõe sobre a instalação
de atividades econômicas de pequeno porte e de âmbito
doméstico em edificações residenciais. No entanto, devese obedecer alguns requisitos, entre os quais: as atividades devem ser desenvolvidas em residências isoladas
ou agrupadas horizontalmente; não perturbar o sossego
público, obedecendo à legislação vigente quanto ao volume de ruídos, odores, e outros.
A Fig. 3 ilustra a evolução das indústrias no município, mostrando um crescimento acelerado a partir da década de 60. Apesar da estagnação da economia no País,
nas décadas de 1980 e 1990, São José dos Campos teve um
aumento no número de indústrias em 107%. Nessa época
o processo industrial diversificou-se, com a inovação
tecnológica, produção de equipamentos eletrônicos, material fotográfico, produtos químicos, farmacêuticos, calçados, combustíveis, aviões e foguetes espaciais.
Fig. 3 - Evolução da quantidade de indústrias em
São José dos Campos - SP
Fonte: PMSJC.
51
A industrialização no município continuou fomentando a economia joseense em função da inserção da
tecnologia que diversificou a produção industrial, num
período de estagnação econômica no País.
Entre as décadas de 1980 e 1990, alternaram-se no
poder executivo oito prefeitos com ideologia partidária
de postura conservadora. Contudo, esse quadro foi rompido com a eleição para prefeita de Ângela Guadagnin
(1993 – 1996), com viés progressista, do Partido dos Trabalhadores. Sua gestão participativa pode ser verificada,
por exemplo, nos programas sociais e na aprovação de
loteamentos destinados à classe de baixa renda e na consecução do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PPDI) em 1994.
No entanto, na gestão seguinte, com o prefeito
Emanuel Fernandes (1997 – 2004) do partido PSDB, embora tenha dado continuidade às obras da gestão anterior, constata-se em sua administração alterações na lei de
uso e ocupação do solo.
5.1 A Legislação no Espaço Urbano
A lei de zoneamento, como instrumento de ordenação, adota a subdivisão do território em zonas de uso
e regula o parcelamento, o uso e a ocupação, visando a
organização do espaço para diferentes atividades urbanas e orientação do desenvolvimento urbano, propiciando a distribuição equilibrada da população, das atividades econômicas e dos equipamentos no território do
município, entre outros. Portanto, é um instrumento que,
teoricamente, teria o atributo de organização do espaço
urbano, mas que na sua origem trata-se de um instrumento ideológico que atende a interesses econômicos.
No município, a lei de zoneamento foi sendo alterada com o decorrer do tempo: leis de zoneamento de nos
1.606/71, 2.263/80 e 3.721/90.
Em São José dos Campos, a lei de zoneamento é
um instrumento que contemplou em alguns momentos
ora interesses mercantis, ora do capital industrial, financeiro, da classe média e elite, criando áreas individualizadas e segregadas. Tais leis foram alteradas e áreas antes
industriais se tornaram de uso residencial, ou vice-versa,
de acordo com os interesses dos diversos grupos detentores de poder. Os exemplos desse modelo podem ser
ilustrados com a transferência, em 1982, da Ericsson S.A.,
da Avenida Deputado Benedito Matarazzo para o distrito de Eugênio de Melo. Em seu lugar, em 1986, instalouse o Center Vale Shopping. Outro exemplo é a instalação
do Vale Desconto Shopping (atual Vale Sul Shopping),
em 1994, nas antigas instalações da São Paulo Alpargatas.
Vale ressaltar que na elaboração da legislação de
52
uso e ocupação do solo, não houve efetiva participação
popular, mas de alguns segmentos organizados da sociedade civil, como a ACONVAP (Associação de Construtoras do Vale do Paraíba e Litoral Norte), em função de
seus interesses imobiliários em determinadas regiões.
5.2 O Espaço Urbano e a Ideologia
A ideologia da elite, juntamente com o mercado
imobiliário, rege a expansão da cidade, entendendo por
ideologia as ações tomadas pela elite e que são colocadas e vistas como ações benéficas para toda a população, como, por exemplo, a percepção de cidade como
apenas uma parcela do município onde são realizadas as
melhorias em infra-estrutura e planejamento urbano, preferencialmente onde estão as classes dominantes.
Conforme Gottdiener, o espaço é um gerador de
riqueza direto, portanto o conflito, além de social, também é espacial. A elite também luta pelo espaço, e, no
caso da cidade de São José dos Campos, esta se concentrou no setor oeste da cidade. Sendo assim, os investimentos em infra-estrutura, de comércio e de serviços também são deslocados com fim de atender essa demanda
que comanda juntamente com o setor imobiliário e o poder público o crescimento do município.
Observa-se que o Estado sofre influências da classe dominante, através das alterações na legislação urbanística, pois “existe uma forte relação das Leis de
Zoneamento com o deslocamento da classe de alta renda
desde o início do século na cidade de São José dos Campos (...) O que se observa em São José dos Campos é e
sempre será a colocação aos interesses e soluções específicos da elite local” (FERNANDES, 2002). Prova dessa
afirmação são as obras de embelezamento e de acessibilidade nas áreas de concentração da elite.
O mercado imobiliário, conforme Gottdiener, também é responsável pela direção que a elite toma nas cidades, como a expansão para a zona oeste em São José dos
Campos onde um dos fatores estimuladores foi a doação
do terreno da Univap (Universidade do Vale do Paraíba)
que influenciou a implantação de infra-estrutura na região e possibilitou uma melhor acessibilidade. Um dos
aspectos da escolha da melhor localização na cidade é o
deslocamento para áreas de importância na cidade.
5.3 Os Agentes Sociais e a Questão Habitacional
De acordo com o PDDI - Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (1994), e as pesquisas até então, com
relação às diversas situações de moradia, deve-se destacar
aquelas situadas na periferia da área urbana, localizadas na
região mais central e na área rural, que não tem direito à
cidade com as benfeitorias na área ocupada pela classe média
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
e elite. Tratando-se de assentamentos habitacionais precários, sem regularização urbanística e/ou fundiária, excluídos
do processo de urbanização da cidade, incluem-se aí os
loteamentos irregulares, as favelas, os cortiços e outros,
que fazem parte da cidade real (incluindo o informal) em
contraposição à cidade legal (formal).
“O direito à cidade não pode ser concebido como
um simples direito de visita ou de retorno às cidades
tradicionais. Só pode ser formulado como direito à vida
urbana, transformada, renovada” (LEFEBVRE, 2001).
A implementação de uma política habitacional que
possibilite o acesso democrático à cidade deve ser associada à política de desenvolvimento urbano abrangente
e, para tanto, faz-se necessário trabalhar com a cidade
real e não só com a cidade legal.
Percebe-se que nos programas habitacionais falta
uma melhor articulação entre a política urbana e a política
habitacional, o que vem a agravar cada vez mais o problema
da falta de habitação, que, de acordo com o IBGE - Censo
2000, chega a mais de seis milhões de moradias no Brasil.
A falta da participação de toda a sociedade em
priorizar as ações e planos do governo retrata a crise
habitacional que vive nosso País, com o aumento de favelas, lotes clandestinos, cortiços e muitos vivendo de
favor nas casas de seus familiares ou amigos.
Na elaboração de uma nova política habitacional
municipal era fundamental que esta avançasse em relação aos padrões impostos pelo BNH e posteriormente
pela CEF e outros órgãos, que não consideraram os aspectos sócio-culturais na proposição de programas
habitacionais, além da gestão centralizada emanada de
Brasília e operacionalizada pelas COHABs e secretarias
estaduais e órgãos municipais de habitação.
Ainda não há uma articulação entre política urbana e política habitacional, que se reforça pela ausência
de canais para a participação popular na gestão dos recursos e da política habitacional. A elite está sempre
operante e atenta para sufocar decisões que venham
buscar a justiça social e a inclusão das classes menos
favorecidas com o intuito de manter a ordem econômica,
política e espacial que lhe interessa no município. Para
que se reverta a situação atual com relação às políticas
habitacionais, é importante que esta seja concebida dentro da realidade local com toda a participação popular,
garantindo empreendimentos onde se encontram as classes de baixa renda.
Na década de 80, a política habitacional continuou focando a classe média e alta. As obras do empreendimento do bairro Urbanova aconteceram nesta époR. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
ca, na região oeste da cidade, que deveria abrigar unidades residenciais distribuídas para todas as faixas econômicas. Entretanto, este empreendimento converteu-se em
loteamentos privilegiados, sendo favorecido com a infraestrutura básica. Para fortalecer este interesse, foi doada
uma gleba para que fosse instalado na região oeste a Universidade do Vale do Paraíba, como foi dito anteriormente,
consolidando o setor de crescimento da área nobre, visada por interesses especulativos e pela elite dominante.
Ainda na década de 80, houve uma explosão de
loteamentos na região sul, norte e leste do município, cada
vez mais distantes da parcela da cidade, considerada central
(ocupada pela elite), criando um grande número de vazios
na malha urbana, objetivando a especulação imobiliária.
Nesta época, a lei 2263/80 empliou o perímetro
urbano, restringindo a instalação de grandes indústrias
e o parcelamento do solo, mantendo a exigência a cargo
do empreendedor de toda a infra-estrutura, o que onerou
o custo final dos lotes urbanizados. Assim, limitou-se
drasticamente a oferta de lotes populares no mercado.
Em 1981, tentou-se amenizar o problema do déficit
habitacional com legislação, dispondo sobre a criação
de loteamentos especiais, diminuindo os encargos de
infra-estrutura e vinculando a aprovação desses
loteamentos à garantia de que fossem vendidos exclusivamente à população de renda de até três salários mínimos. A indústria da construção civil e os demais agentes
imobiliários não tiveram interesse nesse projeto, mantendo a situação habitacional precária.
Nesta época surgiram vários loteamentos na zona
rural, próximos ao perímetro urbano e sem qualquer infraestrutura, que eram denominados de chácaras de recreio,
com lotes de 1000 a 2000 m2, e que foram subdivididos para
fins residenciais urbanos, e que se transformaram em lotes
clandestinos, ocupados por população de baixa renda.
Por outro lado, verifica-se a grande influência dos
agentes imobiliários e das grandes construtoras, pois, em
menos de um mês após a aprovação da lei que proibia a
verticalização no Bairro Vila Ema, é promulgada a lei nº
3096 de 1986 que incentiva “a construção de edifícios na
ZE-9, região próxima ao Ribeirão Vidoca” (SOUZA, 2000),
próxima ao bairro Vila Ema. Esta lei dispensava para a ZE9 as exigências mínimas de alturas máximas de 35 metros,
anteriormente fixada pela lei nº 2490/81, estipulando novos coeficientes para a referida zona: 4 para edificações
destinadas ao uso residencial e 3 para a de uso comercial.
Com isso, esta lei promoveu a atração de construtoras de
maior porte para o município, com capacidade e tecnologia
para construção de edifícios de alto padrão.
Na década de 90, cresce o número de loteamentos
53
para a classe média preferencialmente localizados na região oeste. Os possíveis loteamentos para a classe de
alta renda na região sul, Quinta das Flores, que estavam
sendo oferecidos, foram desprezados e o mercado imobiliário tomou a direção da zona oeste como vetor de empreendimentos, que era o interesse da sociedade de elite.
5.4 A Questão dos Loteamentos em São José dos Campos
Na década de 80 ressalta-se a quantidade de
loteamentos aprovados com 25.567 lotes totalizando 15
milhões de metros quadrados, colocados à venda em todas as regiões de São José dos Campos. Nesta década,
chama a atenção a aplicação em investimentos no setor
imobiliário, num período de recessão na economia com
reflexos no setor primário de produção.
A Tabela 3 mostra a quantidade de loteamentos,
por região, e o Mapa 1, a expansão urbana, ambos para
as décadas de 80 a 90, em São José dos Campos.
Tabela 3 - Loteamentos aprovados por região (1980 a 1990)
Na década de 90 foram aprovados 33 loteamentos
distribuídos em 9 para a classe social A, 2 para a B, 22
para a C e nenhum para a classe D, mesmo sendo este
tipo de loteamento previsto nas leis de zoneamento do
município (Nº 3721/90 e LC 165/97).
Os loteamentos aprovados para a classe social C,
destinados à população de baixa renda, aconteceram no
período de 1995 e 1996, época do governo social de
Ângela Guadagnin. Por outro lado, o maior número de
lotes aprovados na década de 90 foram para a classe de
alta renda, correspondendo a 53,3% da quantidade total.
Este fenômeno pode ser entendido pela abordagem de Gottdiener (1997) ao tratar do espaço e da acumulação de capital, registrando que “em tempos difíceis [...]
o bem imóvel tende a atrair investimentos mesmo nas
épocas em que as atividades de produção primária não o
atraem”. O autor aponta o papel do mercado imobiliário
no processo de acumulação de capital, na forma de investimento. Acrescenta que há várias formas de investir
na terra, “e exatamente qualquer um que disponha de
uma reserva de dinheiro, independentemente da posição
de classe, pode participar do mercado imobiliário. Isto
não quer dizer, porém, que todos aqueles que investem
na terra obtenham lucro” (GOTTDIENER, 1997).
Fonte: Secretaria de Planejamento e Meio Ambiente
da Prefeitura Municipal de São José dos Campos.
Mapa 1 - Expansão Urbana de São José dos Campos - SP - (1980 - 1990)
54
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A classe de alta renda ou elite, conforme assinala
Fernandes (2002), definiu a direção para a zona oeste,
que vai sendo influenciada pelos agentes do mercado
imobiliário, com o apoio do poder público através dos
investimentos em benfeitorias e na construção de importantes eixos viários, como o Anel Viário.
Conclui-se que, de acordo com as propostas de
Gottdiener, existe uma forte interação e dependência entre as instâncias política, econômica, ideológica e físicoterritorial (espacial) na construção do espaço intra-urbano e no entendimento da sua dinâmica. No caso de São
José dos Campos, esse quadro foi claramente constatado através do mapa da expansão urbana para o período
estudado. Verificou-se que, na década de 80, foram preenchidos vazios nas zonas leste, sul e norte, onde a porcentagem média de expansão urbana foi de 29,2%, enquanto que na zona oeste houve um menor crescimento
das glebas aprovadas para loteamento de 12,4%. Já na
década de 90, verificou-se um crescimento periférico no
município e direções opostas, destacando-se a zona leste (bairros com pouca infra-estrutura) destinada às classes sociais menos favorecidas, e a zona oeste, (bairros
com considerável infra-estrutura), destinada às classes
dominantes.
Constata-se, desse modo, a ação dos empreendedores, da elite e do Estado, com vistas em manter a dominação espacial de equipamentos e a valorização imobiliária. A concentração de bairros residenciais de alta renda,
em setores específicos da malha urbana, tende a atrair consigo o comércio e serviços principais que venham a atender a esta população. Esta situação contribui para o processo de especulação imobiliária, uma vez que promove
uma supervalorização da área, que passa a contar com
uma proximidade e facilidade de acesso a serviços e comércio de grande porte. O próprio poder público contribui
com o processo de segregação nas cidades, ao concentrar
os investimentos em infra-estrutura nas áreas habitadas
pela população de mais alta renda e ao transferir muitos de
seus prédios administrativos para estas regiões.
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abr. 2004.
56
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
Estudo da Pobreza no Vale do Paraíba
Domiciano Marcos de Magalhães *
Friedhilde M. K. Manolescu **
Resumo: O estudo da pobreza no Vale do Paraíba procurou demonstrar a situação de cada município
perante a região. Para cumprir o objetivo de analisar a situação de pobreza na região, houve a necessidade de considerar a questão histórica da economia tanto nacional, como regional. Os momentos
econômicos nacionais no período entre 1970 e 2000 tiveram grande influência sobre a incidência de
pobreza nos municípios. A pobreza na região vista através da renda, bem como pelas necessidades
básicas insatisfeitas, denota a correlação entre o modelo de desenvolvimento econômico e situação de
pobreza. Com a finalidade de demonstrar a pobreza permitindo a distinção entre os municípios que
apresentam melhores ou piores situações, foi realizado um mapeamento onde foram utilizados indicadores de renda das pessoas e também das condições de atendimento pelos governos locais, das necessidades básicas de sobrevivência. Ao buscar uma explicação para as causas da pobreza, entram na discussão as teses individualista e estruturalista que divergem entre o livre mercado e a intervenção governamental. Quanto à forma de atuação das políticas voltadas para a proteção social, procurou-se chegar
a um denominador comum entre focalização e universalização, analisando também a história do sistema
de proteção social nacional. A situação de pobreza na região obteve uma sensível melhora nas três
últimas décadas, no entanto ainda sofre com o modelo de desenvolvimento econômico concentrador
que, além de causar o entrave no desenvolvimento dos municípios menores, mantém os problemas
relativos à grande aglomeração nos municípios mais desenvolvidos. Tal fato denota, não apenas a
pobreza relativa no confronto entre os municípios, traduzida no desequilíbrio regional, mas também a
face urbana da pobreza vista através da pobreza absoluta, resultado da desigualdade social.
Palavras-chave: Pobreza, desenvolvimento econômico regional, proteção social.
Abstract: The poverty study in the Paraíba Valley looked for demonstrating each municipality
situation within the region. To accomplish the objective of this analysis, it was needed to considerate
the economy history either national or regional. The economic national moments in the period from
1970 to 2000 had great influence over the municipalities’ poverty incidence. The poverty in the
region seen through the income as well as the non-satisfied basic necessities demonstrates the
correlation between economic development model and poverty situation. Aiming to demonstrate
the poverty allowing the distinction between the municipalities that present better or worse indexes,
a mapping was elaborated using people income indicators and also over the performance of local
governments’ attendance to basic needs for survival. In searching for an explanation to poverty
causes it is brought up the individual and structural thesis that diverges between the free market
and the governmental intervention. In relation to the way the social protection politics are performed,
it was tried to achieve a common denominator between focalization and universalization, also
analyzing the history of the national social protection system. The regional poverty situation got a
sensible improvement in the last three decades, nevertheless it still suffers with the concentrating
economic development model that besides avoiding the development to minor municipalities it
keeps the problems related to great agglomeration in the more developed cities. This not only
denotes the relative poverty in confrontation among municipalities, revealed in regional social
unbalance, but also the poverty urban face seen through the absolute poverty resulted from the
unequal social aspect.
Key words: Poverty, regional economic development, social protection.
*
Mestrando em Planejamento Urbano e Regional PLUR, Univap, 2005.
** Professora da Univap.
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
57
1. INTRODUÇÃO
2. ESTUDO DA POBREZA
A pobreza é um problema que requer discussões
e ações para sua erradicação em âmbito global, nacional,
regional e local. Com o intuito de tentar ao menos minimizar
a situação de pobreza de pessoas que estejam envolvidas com os diversos tipos de carências, torna-se necessário, num primeiro momento, a identificação dos fatores que
influenciam direta ou indiretamente a vida dessas pessoas
e que podem ser considerados causas da pobreza.
Segundo Romão (in Camargo e Giambiagi, 2000),
há dois critérios para identificar a pobreza; um de caráter
objetivo e o outro de caráter subjetivo. Os critérios objetivos baseiam-se em certos aspectos relacionados com a
situação do indivíduo tais como a renda, situação
ocupacional, condições de habitação e saneamento. Já
os critérios subjetivos dizem respeito a opiniões ou sentimentos das pessoas.
A desigualdade social no Brasil é um fato amplamente divulgado, porém, também é fato sua perpetuação
como resultado do modelo de desenvolvimento econômico. O desenvolvimento sustentado é o que procura
conciliar o econômico com o social, porém, o que se observa, é que no Brasil, apesar de ser inegável o desenvolvimento alcançado também na área social, este ficou muito
aquém do que poderia representar, não fossem a desigualdade de renda e os desequilíbrios regionais.
O critério objetivo envolve duas variantes
operacionais importantes: a que enfoca a pobreza do ponto de vista relativo e a que considera apenas do ângulo
absoluto. Sob o prisma relativo a pobreza é enfatizada na
comparação situacional do indivíduo em termos da posição que ocupa na sociedade em relação a seus “semelhantes”. Os pobres são os que se situam na camada inferior
da distribuição de renda em comparação com os membros
mais bem aquinhoados da sociedade nessa distribuição.
O conceito absoluto implica o estabelecimento de padrões mínimos de necessidades, ou níveis de subsistência, abaixo dos quais as pessoas são consideradas pobres. Esse padrão de vida mínimo (em termos de requisitos nutricionais, moradia, vestuário etc.) em geral é avaliado a preços de mercado e a renda necessária para
custeá-lo é calculada. São consideradas pobres as pessoas que têm rendimentos abaixo de uma linha de pobreza previamente determinada.
O estudo da pobreza na região do Vale do Paraíba
procura demonstrar, além da desigualdade existente entre os municípios, a situação de pobreza absoluta que
atinge tanto os municípios mais desenvolvidos, como os
mais pobres.
A pobreza vista como a incapacidade de o indivíduo usufruir direitos básicos ou minimamente necessários, pode refletir quão injusta é a sociedade, ao considerar os recursos existentes e os acessos tanto a bens de
extrema necessidade como a possibilidade de participação política na sociedade.
O estado de pobreza condensa diversos problemas os quais denotam a condição de exclusão social das
pessoas. O pobre mora na periferia, tem dificuldades de
atendimento a necessidades básicas, tais como
nutricionais, saúde, educação, transporte; além de ser
difícil o seu acesso à participação social, seja através do
lazer ou das decisões da Comunidade.
A evolução da pobreza no Vale do Paraíba nas
últimas três décadas demonstra a melhora nos índices de
pobreza de renda para todos os municípios, porém a quantidade de pobres ainda é grande. Este estudo, além de
mapear a pobreza, procurou analisar o que pode ser feito
em termos de políticas públicas para a minimização do
problema.
A descrição das formas de intervenção (programas e projetos) e tipos de políticas demonstrou a estrutura do Sistema de Proteção Social brasileiro; e as discussões sobre os tipos de políticas questionam a capacidade de o governo erradicar a pobreza.
58
2.1 Mensuração da Pobreza
Medir o nível de pobreza de uma dada sociedade
envolve dois passos básicos: A definição de quem é considerado pobre e a escolha dos indicadores sintéticos
que irão descrever a situação de pobreza.
A situação da pobreza pode ser sintetizada através de indicadores que a demonstrem por meio das condições de atendimento a necessidades básicas ou da renda. Do ponto de vista da renda, determinam-se as linhas
de pobreza através da definição de cestas de consumo
ou de acordo com a proporção do salário mínimo. Já as
necessidades básicas podem ser sintetizadas em indicadores que avaliem as condições de habitação, saneamento básico, saúde, educação etc.
Quando se deseja medir a pobreza em populações
inteiras, o enfoque mais adequado é o dos rendimentos
das pessoas, e o método é a construção de linhas de
pobreza, fronteiras classificatórias que separam os pobres dos não pobres (HOFFMANN, 1998). Para medir a
pobreza sob o enfoque dos rendimentos, temos a linha
de indigência calculada conforme o custo das necessidades alimentares e a linha de pobreza definida de acordo com o custo das necessidades básicas.
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
A linha de indigência corresponde à estrutura de
custos de uma cesta alimentar, definida regionalmente,
que cubra as necessidades de consumo calórico mínimo
de um indivíduo.
A linha de pobreza, além das necessidades de consumo calórico mínimo, inclui um mínimo de outros gastos essenciais, como vestuário, habitação e transportes.
te e útil a fim de colaborar com o delineamento de políticas públicas que visem à diminuição da desigualdade
regional e também à minimização da condição de pobreza
das pessoas. Por isso torna-se necessário situar, no tempo, a evolução da pobreza na região, bem como verificar
as atuais condições para que cada município atue na
direção de sua erradicação.
3.1 Caracterização da Área de Estudo
O método de definir a linha de indigência/pobreza
pela estrutura de consumo surgiu como uma alternativa
à utilização da proporção do salário mínimo. Basicamente, trata-se de definir uma cesta básica de alimentos, de
acordo com a estrutura de consumo e preços regionais.
Definindo-se o custo desta cesta, considera-se indigente a população cuja renda familiar per capita não alcance
o valor desta cesta alimentar; e como pobres, as pessoas
que não atingem a renda necessária para adquirir a cesta
de alimentos mais os bens não alimentares básicos (moradia, transporte etc).
3. ANÁLISE DA POBREZA NO VALE DO PARAÍBA
O estudo da pobreza na região se torna importan-
O Vale do Paraíba, para fins do estudo da pobreza,
engloba todos os municípios da Região Administrativa
de São José dos Campos (Quadro 1 e Mapa 1 - anexo).
Fazem parte da região, trinta e nove municípios, distribuídos no Vale do Paraíba, Serra da Mantiqueira e região
litorânea.
O Vale do Paraíba liga as metrópoles de São Paulo
e do Rio de Janeiro através de trinta e dois municípios
que se agrupam em torno do Rio Paraíba do Sul. O Vale
é cercado pela Serra da Mantiqueira, ao norte, e pela
Serra do Mar, ao sul. Na Serra da Mantiqueira, a Região
possui três municípios e na Serra do Mar e região litorânea outros quatro municípios.
Quadro 1 – Composição da Região Administrativa de São José dos Campos
Fonte: SEADE, 2002.
3.2 Mapeamento da Pobreza no Vale do Paraíba
calizados os municípios mais ou menos pobres.
Com a finalidade de demonstrar a evolução da
pobreza na região, no período de 1970 a 2000, foi feito o
mapeamento dos índices de pobreza, através de um Sistema de Informações Geográficas. O sistema utilizado
(SPRING), desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), funcionou como uma ferramenta de produção de mapas.
Primeiramente foi mapeada a incidência da pobreza, que consiste no percentual de pobres existente em
cada município. Foram consideradas pobres as pessoas
cuja renda era inferior a meio salário mínimo.
Os mapas gerados têm como objetivo a espacialização das informações, considerando todos os municípios da região de modo a classificá-los de acordo com a
apresentação dos melhores ou piores índices de pobreza
e ainda permitir, através do efeito visual, a localização
dos municípios perante a região, ou seja, onde estão loR. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
Os mapas de incidência da pobreza para os anos
de 1970, 1980, 1991 e 2000 demonstram a evolução do
percentual de pobres nos municípios nas três últimas décadas; para tanto classificam os municípios em seis faixas
de abrangência de acordo com o percentual de pobres
relativo à população total: municípios que apresentaram
percentual de pobres até 20%, de 20% a 25%, de 25% a
30%, de 30% a 35%, de 35% a 45% e acima de 45% (vide
Mapas 2 a 5, anexos).
59
A classificação nestas faixas, juntamente com a
comparação consecutiva dos mapas, permite a observação da evolução da pobreza desde 1970 a 2000. Utilizadas as mesmas faixas de abrangência para os quatro mapas, pode-se visualizar o deslocamento (troca de faixa)
ou estabilidade de cada um dos municípios quanto à
melhora ou piora em termos de pobreza de renda.
A visualização através destas faixas permite ainda a contextualização dos municípios da região de forma
a notar a homogeneidade ou não da situação de pobreza
dentro da mesma região de governo ou por áreas de localização geográfica, considerando a classificação pelo
percentual de pobres e observando qual município se
localiza entre os que comportam os maiores ou menores
indicadores de pobreza.
Após o mapeamento da incidência da pobreza através dos percentuais de pessoas com renda insuficiente,
foram elaborados os mapas relativos à situação na região, das condições de renda dos pobres perante a Linha
de Pobreza, medida através dos índices de insuficiência
média de renda e também a desigualdade de renda entre
os pobres, através do grau de desigualdade na população com renda insuficiente.
3.2.1 Medida da Pobreza através do Percentual de
Pessoas com Renda Insuficiente (1970, 1980, 1991 e 2000)
A pobreza na região para o ano de 1970 reflete
uma situação homogênea em termos dos percentuais de
pobreza se considerados seus altos índices, porém, já
destacava os municípios de São José dos Campos,
Jacareí, Taubaté, São Sebastião, Cruzeiro e Guaratinguetá
com a menor incidência de pobreza. Esta menor incidência de pobreza, apresentada para os municípios em questão, confirma a influência do desenvolvimento econômico para a minimização das situações de carência da população em geral.
Apesar de a pobreza não ter uma justificativa aceitável, em 1970, a situação que se pode visualizar na região
reflete a situação nacional em que o percentual de pobres
nas regiões metropolitanas era de 65,3%, nas regiões urbanas não metropolitanas 65,3% e nas regiões rurais 78,6%.
Ainda não havia sido consolidado o sistema de políticas
sociais nacional de modo que o acesso à proteção social
era permitido apenas aos trabalhadores formais de algumas categorias específicas e quem tinha a sorte de participar de projetos assistencialistas da Legião Brasileira de
Assistência (LBA), cuja função era a proteção à maternidade e à infância, o amparo aos velhos e desvalidos.
Em 1970, das cidades do Vale do Paraíba (mapa 2),
apenas Jacareí e São José dos Campos apresentavam
percentuais de pobreza abaixo de 50% do total de suas
60
populações, sendo que contavam com 43,24% e 42,44%
de pobres, respectivamente.
Em 1980 (Mapa 3), houve uma considerável melhora na qualidade de vida da população, com a diminuição
dos níveis de pobreza da região, sendo que apenas os
municípios de Areias, Cunha, Lagoinha, Natividade da
Serra, Monteiro Lobato e Silveiras apresentaram
percentuais de pobreza da população maiores que 50%.
Os municípios de Bananal, Igaratá, Lavrinhas, Queluz,
Santo Antônio do Pinhal, São Bento do Sapucaí, São José
do Barreiro e São Luiz do Paraitinga apresentaram uma
média em torno de 48% de pobres; o restante dos municípios, ao apresentarem uma média de 24% de pobres em
sua população, obtiveram um grande avanço em relação a
1970 quando todos os municípios apresentavam em média
70% de pobres.
O desenvolvimento econômico nacional (de 1970
para 1980) favoreceu a todos os municípios da região no
tocante ao impacto sobre os índices de pobreza. Houve
uma queda média no percentual de pessoas abaixo da
linha de pobreza nos municípios da região de estudo, de
trinta e nove pontos percentuais (39%), sendo que, entre
os mais desenvolvidos, a queda (média) foi de sessenta
e oito por cento (68%). O chamado período do milagre
brasileiro (década de 70), em que o produto interno bruto
(PIB) cresceu numa média de 8,6% ao ano, permitiu a
queda nos indicadores de pobreza, sendo que foi observado o aumento da renda para todas as classes de rendimento (ROCHA, 2003).
Mesmo considerando que os indicadores de incidência da pobreza diminuíram para todos os municípios,
vale lembrar que para os mais desenvolvidos esta queda
foi maior.
Ao observar que os municípios mais desenvolvidos foram os que mais se beneficiaram da redução da
pobreza na década, pode-se considerar que houve aumento da desigualdade na região tendo em vista que o
fenômeno de desconcentração da indústria não chegou
até os municípios menores de modo a reduzir a participação dos pobres na população total.
No ano de 1991 (Mapa 4), os seguintes municípios apresentam percentual de pobres acima de 50 % da
população: Areias (72%), Bananal, Cunha e Silveiras
(64%), Lagoinha (65%), Lavrinhas (54%), Natividade da
Serra (60%), Queluz, Redenção da Serra (53%), São José
do Barreiro (57%). Vale destacar que, exceto São Bento
do Sapucaí, Santo Antônio do Pinhal, Campos do Jordão,
Igaratá e Tremembé, todos os outros municípios da região tiveram aumento do nível de pobreza em 1991, referente à década anterior. Para este ano, o mapa apresenta
uma disposição com certa homogeneidade, destacando
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
bem municípios localizados ao longo da rodovia Presidente Dutra, com menores percentuais de pobreza, municípios do Litoral Norte (com São Sebastião apresentando menor índice) e municípios do Vale Histórico e Serra
do Mar com os maiores índices.
(32,73%) enquanto os municípios mais desenvolvidos –
municípios sede das regiões de governo mais Jacareí e
São Sebastião – apresentaram queda média de 23,77%,
com menor queda para São Jospe dos Campos (5,28%) e
maior para Cruzeiro (34,64%).
O impacto da estagnação econômica nacional (de
1980 para 1991) foi maior nos municípios mais desenvolvidos – sedes das regiões de governo mais Jacareí e São
Sebastião –, pois neles observou-se aumento médio da
incidência da pobreza da ordem de 45% (com maior aumento para Taubaté + 71,02%, seguida de Jacareí, +
62,85%, e São José dos Campos, + 54,50%). Já nos municípios menos desenvolvidos, a incidência pôde ser observada através do aumento médio deste índice de pobreza em torno de 14,62% (com menor aumento para
Monteiro Lobato, + 0,14%, e maior para Areias, + 37%).
Ao relacionar a população total dos municípios
com os percentuais de pobres pode-se visualizar a
representatividade de cada município tanto na população total como nos índices de pobreza. Desta forma, consegue-se agrupar os municípios que apresentam situação desproporcional na comparação da população com a
quantidade de pobres .
Seguindo a tendência nacional, é justificável então o fato de as economias mais industrializadas sofrerem maior impacto referente à estagnação econômica, tendo em vista a maior complexidade de suas estruturas urbanas, provocadas principalmente pela grande aglomeração de pessoas alavancada pelas maiores oportunidades de emprego e condições de vida.
Em 2000 (Mapa 5), a média geral da pobreza nos
municípios da Região Administrativa de São José dos
Campos foi de 29% (percentual de pobres). Das nove
cidades que apresentaram percentuais abaixo de 20% de
pobres, destacam-se Campos do Jordão, Ilhabela e
Guaratinguetá, que, inclusive, demonstraram melhora
mais significativa em relação ao ano de 1980. Vale lembrar que os municípios de Campos do Jordão(14,2%),
São José dos Campos (15,6%) e Taubaté(15,2%) obtiveram os menores índices de pobreza no período.
Os quatro municípios do Litoral Norte abrigam
11% da população total do Vale do Paraíba; porém quando apresentam a classificação dos pobres representando 13,20% do total dos pobres da região é caracterizada
uma desproporção. Mesma desproporção é notada para
a maioria dos municípios, com exceção para Tremembé,
Campos do Jordão, Guaratinguetá, Jacareí, Taubaté, São
José dos Campos, São Sebastião e Caçapava. Estes oito
municípios apresentam menor percentual relativo de pobres que percentual relativo de população total consideradas as totalizações para o vale. Por serem os municípios mais desenvolvidos, concentram as melhores oportunidades de trabalho e condições de desenvolvimento
humano apesar de também concentrarem a maioria dos
pobres da região.
4. CONCLUSÃO
Com este trabalho conclui-se:
Outra observação importante é que alguns municípios não recuperaram seus índices de pobreza aos patamares do ano de 1980, situação à qual se enquadram os
municípios São José dos Campos, Taubaté, Jacareí, São
Sebastião, Pindamonhangaba, Lorena e Piquete.
1) A proporção de pobres para os municípios do
Vale do Paraíba decresceu, passando da média de 68,97%
de pobres em 1970 para 28,59% em 2000. A evolução dos
índices de pobreza demonstrou melhoria para todos os
municípios, porém em patamares bem distintos, contrastando, ao final do período, municípios com baixa proporção de pobres em torno de 14 % com outros que apresentaram percentuais próximos ou acima de 50% de pobres.
Apresentaram os mais altos índices de pobreza
os seguintes municípios: Areias (49%), Cunha (51%),
Lagoinha, Natividade da Serra (44%), Queluz (41%), Redenção da Serra (40%), São José do Barreiro (45%) e
Silveiras (43%). Porém, em relação a 1991, a pobreza diminuiu até nestes municípios, pois apresentavam em 1991
índices que variavam de 53 a 72% de pobres.
2) A pobreza na região diminuiu mais por causa
das mudanças do sistema de proteção social nacional do
que de uma política de desenvolvimento regional. A desigualdade de renda diminuiu ao longo do período, porém
esta diminuição se mostrou mais significativa para os
municípios com maiores percentuais de pobreza, ou seja,
os menos desenvolvidos.
O impacto da política econômica nacional (de 1991
para 2000) sobre a incidência da pobreza nos municípios
mais pobres pode ser observado através da queda média
deste índice de pobreza em torno de (27,69%) com menor
queda para Cunha (20,56%) e maior para Lagoinha
A mensuração da pobreza pela renda permite
visualizar através dos mapas temáticos (Mapas 2, 3, 4 e
5) a situação da pobreza em cada município da região,
inclusive podendo classificá-los da seguinte forma:
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
61
a) Pobreza da população decorrente da pobreza
do município, em que são notados municípios com alta
incidência de pobreza e posição relativamente baixa em
relação ao total de pobres da região. Ocorre nos municípios menores geralmente com população abaixo de 20.000
habitantes e com baixa densidade demográfica. Tais municípios não se desenvolveram economicamente, tendo
dificuldade quanto à geração de renda que melhoraria as
condições de vida de seus munícipes.
b) Pobreza da população decorrente da desigualdade existente no município. Municípios em que contrastam elevados graus de riqueza com situações diversas de pobreza, decorrente dos variados tipos de desigualdades. Tais municípios apresentam baixa incidência
de pobreza e alta contribuição para a pobreza absoluta
regional, ou seja, comportam grande número de pobres
apesar de apresentarem os menores índices de pobreza
em relação à população total.
3) O agrupamento dos municípios de forma homogênea inicialmente pode ser estruturado pela sua comparação, tendo em vista a representação de suas populações e incidência da pobreza na população total do Vale.
Tal comparação permite a divisão da seguinte forma:
Municípios que apresentam percentuais de pobres menores que os percentuais da população total relativos à
população total do Vale e municípios que apresentam
percentuais de pobres maiores que os percentuais da
população total relativos à população total do Vale. Por
conseguinte permite a classificação em vários grupos:
3.1 Municípios que apresentam percentuais de
pobres menores que os percentuais da população total
relativos à população total do Vale (localizados ao longo
da rodovia Presidente Dutra): São José dos Campos,
Taubaté, Jacareí, Guaratinguetá, Caçapava, São Sebastião, Campos do Jordão e Tremembé. Municípios em sua
maioria com população acima de 50.000 habitantes (exceção para Campos do Jordão – 44.000, e Tremembé – 33.000
habitantes), mais próximos da capital, com os menores
percentuais de pobreza (Mapa 5). Estes oito municípios
representam 63 % da população e 53 % dos pobres totais
do Vale em 2000.
3.2 Municípios que apresentam percentuais de
pobres maiores que os percentuais da população total
relativos à população total do Vale:
3.2.1 Municípios localizados ao longo da rodovia
Presidente Dutra e Litoral Norte: Caraguatatuba, Cruzeiro, Lorena, Pindamonhangaba, Ubatuba. Municípios com
população acima de 50.000 habitantes, com percentuais
de pobreza de 20 a 25% da população total. Os cinco
municípios representavam 20 % da população e 26% dos
pobres totais do Vale em 2000.
62
3.2.2 Municípios localizados próximos ao município sede da região de governo: Aparecida, Cachoeira
Paulista, Igaratá, Ilhabela, Jambeiro, Paraibuna, Piquete e
Santa Branca. Municípios em sua maioria com população
entre 10 e 35.000 habitantes (exceção para Jambeiro – 4.000
e Igaratá – 8.000 habitantes), e que apresentaram índices
de pobreza de 25 a 30% da população total em 2000.
3.2.3 Municípios localizados no eixo que vai da
Serra do Mar até Bananal e bolsão de pobreza da Serra da
Mantiqueira: Areias, Bananal, Cunha, Lagoinha,
Lavrinhas, Monteiro Lobato, Natividade da Serra, Queluz,
Redenção da Serra, Roseira, Santo Antônio do Pinhal,
São Bento do Sapucaí, Silveiras, São José do Barreiro e
São Luiz do Paraitinga. Municípios em sua maioria com
população entre 4 a 10.000 habitantes (exceção para Cunha com 23.000 habitantes), que apresentaram índices de
pobreza acima de 30% da população total em 2000 e taxas
de urbanização, em sua maioria, menores que 50%. Classificados como os municípios com as piores condições
de pobreza, representavam apenas 5,7% da população e
11% dos pobres totais do Vale em 2000.
Quanto ao nível de atendimento dos serviços
básicos, o maior problema na região está relacionado com
o provimento do esgotamento sanitário principalmente
nos municípios do Litoral, onde o nível de atendimento
não chega a 40% dos domicílios e em alguns municípios
menos desenvolvidos. O provimento de água encanada
apresentou uma média de 95% para os municípios da
região, porém novamente os municípios do litoral ficaram abaixo da média com percentuais em torno de 70%
dos domicílios. A coleta de lixo apresentou bons indicadores em todos os municípios.
Os dados sobre a renda per capita comprovam
novamente as diferenças entre os municípios da região
divididos por subáreas de localização, onde são notados
municípios com renda per capita acima da observada no
Estado de São Paulo e municípios com renda muito baixa.
Analisando a evolução da renda per capita dos
municípios da região de 1991 para 2000, observa-se que as
maiores taxas de crescimento da renda ocorreram nos municípios considerados mais pobres, tais como Bananal,
Arapeí, Monteiro Lobato etc. Porém, em 2000, ainda havia
na região municípios cuja renda per capita não atingia nem
a metade da renda per capita do Estado, inclusive municípios entre os quais as taxas apresentaram maior evolução,
tais como Arapeí, Lagoinha e Natividade da Serra.
4) O desequilíbrio regional se perpetua por causa
do modelo de desenvolvimento econômico concentrador
de investimentos apenas nos municípios mais desenvolvidos. A atração dos investimentos para os municípios
que já possuem mercados bem estruturados causou um
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
esvaziamento dos municípios menores, não permitindo o
seu desenvolvimento.
O processo de industrialização no Vale do Paraíba
se concentrou nas cidades localizadas mais próximas à
Capital do Estado ao longo da Rodovia Presidente Dutra
(importante canal de escoamento para a produção) e tem
como pólo regional a cidade de São José dos Campos. A
cidade se constituiu em pólo regional pelo fato de ter
recebido a partir da década de 50, diversos investimentos do governo federal na área da tecnologia, o que serviu de incentivo para o grande atrativo tanto
populacional, como de investimentos.
A cidade de São José dos Campos e outras cidades localizadas ao longo da Rodovia Presidente Dutra
(Jacareí, Caçapava, Taubaté, Lorena, Guaratinguetá e
Cruzeiro) se tornaram atrativos para a migração, causando um esvaziamento (ou não desenvolvimento) das outras cidades do Vale em termos populacionais e conseqüentemente das economias locais.
5) A orientação deste estudo indica a necessidade de propostas por parte dos governos das instâncias
superiores, pois a maioria dos municípios não conseguirá, com recursos próprios, tornar-se atrativa para os investimentos da iniciativa privada. Os investimentos deverão visar à questão social se pautando pela busca da
diminuição da desigualdade, tanto entre as economias
municipais quanto à desigualdade entre os cidadãos em
termos absolutos.
Quanto à busca da diminuição das desigualdades
na região, com certeza os municípios mais pobres dependem de subsídios que demonstrem o esforço do governo
estadual com a finalidade de provê-los de infra-estrutura
mínima para atendimento à sua população com vistas na
diminuição da pobreza. As necessidades são notadas de
acordo com os dados apresentados, percebendo-se carências nos diversos setores, tais como saneamento básico, saúde e educação.
Para o efetivo combate à pobreza, a forma recomendada é a articulação entre programas e políticas sociais que visam ao alívio da pobreza e os que podem contribuir com a superação da pobreza.
No primeiro caso - o de alívio da pobreza – há a
necessidade de focalização sobre os grupos mais vulneráveis, pois tem um caráter mais imediato, e deverá considerar a urgência de minimizar as graves carências da população visando prover as necessidades básicas de sobrevivência; principalmente as que influenciam nas condições de saúde, tais como ações que combatam a mortalidade infantil e a fome.
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
Já no segundo caso - o da superação da pobreza
– trata-se de políticas voltadas para a construção de um
novo modelo de desenvolvimento econômico, que priorize
o crescimento econômico com eqüidade social e no qual
as políticas econômicas assumam também a dimensão de
políticas sociais.
As ações públicas na área social passam a ter de
buscar a articulação entre aquelas de curto prazo, de caráter mais imediatista, focalizadas nos grupos identificados como os mais despossuídos, e aquelas de longo
prazo, de caráter permanente, universalizantes, voltadas
para a eqüidade do acesso dos cidadãos aos direitos
sociais, independentemente do nível de renda e da inserção no mercado de trabalho.
6) Considerando que a região sofre os impactos
das políticas econômicas nacionais, vale destacar que
para a distribuição de recursos e implementação de projetos federais ou estaduais, tanto a caracterização das
condições de atendimento com serviços básicos (saneamento, educação, saúde) para cada município, como a
caracterização de subáreas homogêneas contribuirá para
atuação no sentido de buscar o desenvolvimento com a
implementação de programas adequados à região.
A análise da pobreza e das tendências referentes
à atuação de governo através de políticas sociais poderá
auxiliar os planejadores no desenvolvimento de programas que visem à minimização da pobreza e também chamar a atenção para a necessidade da diminuição das desigualdades entre os municípios através de investimentos que aqueçam as economias locais, com vistas em um
desenvolvimento econômico homogêneo da região, o que
permitirá um esforço conjunto em busca da erradicação
da pobreza.
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R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
65
ANEXO
Mapa 1- Localização do Vale do Paraíba
Mapa 2 - Percentual de pobres no município 1970 (Linha de pobreza de meio salário mínimo per capita)
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IETS, 2003.
66
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
Mapa 3 - Percentual de pobres no município 1980 (Linha de pobreza de meio salário mínimo per capita)
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IETS, 2003.
Mapa 4 - Percentual de pobres no município 1991 (Linha de pobreza de meio salário mínimo per capita)
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IETS, 2003.
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
67
Mapa 5 - Percentual de pobres no município 2000 (Linha de pobreza de meio salário mínimo per capita)
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IETS 2003.
Nota: os dados para os municípios Arapeí, Canas e Potim foram extraídos do
Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2000, da Fundação João Pinheiro.
68
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
Impactos Espaciais da Transformação na Estrutura
Produtiva
Dayana Nogueira *
Resumo: As questões apontadas neste artigo tentam explicar, em parte, as mudanças processadas
na rede urbana regional brasileira nas últimas décadas, que passou a ter como principal característica o crescimento de um número significativo de cidades médias que estão, muitas delas, compondo regiões metropolitanas ou aglomerações urbanas e concentrando parcela crescente da
população. Esse processo é aqui analisado com base nas transformações da estrutura produtiva
decorrentes, em grande medida, do processo de reestruturação produtiva.
Palavras-chave: Estrutura produtiva, reestruturação produtiva, hierarquia urbana.
Abstract: The questions pointed in this article try to explain, in part, the processed changes in the
Brazilian regional urban net in the last decades, that started to have as main characteristic the
growth of a significant number of medium cities that are, many of them, composing metropolitan
regions or urban agglomerations and concentrating the increasing parcel of the population. This
process, in this article, is analyzed with basis on the transformations of the productive structure, in
which major part, are resulted from the process of the productive reorganization.
Key words: Productive system, productive reorganization, urban hierarchy.
1. INTRODUÇÃO
O período da “Revolução Tecnológica”, de acordo com Santos (1997), causou a mais profunda transformação espacial nos países subdesenvolvidos. Também
chamado de “Terceira Revolução Industrial” (SINGER,
2001), este período se consolida, a partir da década de 70,
quando se destacam as grandes indústrias e as grandes
corporações. É o período da implementação de novas
tecnologias, processos informatizados, da robotização e
do suporte inovador das telecomunicações no processo
industrial. Esta nova era da tecnologia aparece como uma
condição essencial para o crescimento.
Na Inglaterra, este período encontrou as condições necessárias ao seu surgimento, como o grau de
desenvolvimento técnico e condições de acumulação de
capital. Spósito (1991) aponta que a revolução industrial,
ocorrida na segunda metade do século XVIII, foi muito
mais do que decorrência simples da descoberta da máquina a vapor (1769) e dos teares mecânicos de fiação
(1767 a 1801), mas devido ao próprio processo de produção que já estava em transformação desde o século XVI.
Como observa Carlos (2001), a máquina chegou,
* Mestranda em Planejamento Urbano e Regional - PLUR,
Univap, 2005.
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
não com o objetivo de aliviar o trabalho do homem, mas
para baratear as mercadorias, gerando a intensificação
do trabalho e transformando o trabalhador em uma parte
da máquina. Este processo de evolução continuou com
vários modelos industriais, como o de Frederick Taylor,
em que a organização científica do trabalho e do controle
dos tempos de sua execução era o eixo central do processo (Taylorismo).
Com a implementação das linhas de montagens
(Fordismo), em que os trabalhadores permaneciam fixos
em seus postos de trabalho e os materiais ou peças chegavam até eles através de linhas transportadoras, as operações tornam-se simples e repetitivas, exigindo baixa
qualificação e especialização da mão-de-obra.
A revolução tecnológica no setor industrial e a
globalização trazem a exigência da qualificação e da especialização que passam a ser fatores de sucesso e surgem as terceirizações, reduzindo o tamanho das indústrias e provocando sua evasão para outros centros produtivos regionais.
Os avanços tecnológicos trazem consigo uma
substituição progressiva da força de trabalho, aumentando o número de desempregados, que outrora eram
denominados de “exército industrial de reserva”. Como
resultado deste processo tem havido um deslocamento
da força de trabalho para os setores do comércio e servi69
ços, e outro contingente tem migrado para o terceiro setor e a informalidade (SINGER, 2001).
Junto com a redução do número de postos de
trabalho e com o conseqüente aumento do desemprego,
os problemas urbanos são ampliados e agravados, tais
como, aumento dos lotes clandestinos, ocupação em
áreas de riscos e de proteção ambiental, problemas de
saneamento básico, além da modificação do perfil sócioeconômico dos municípios e, para muitos cidadãos, como
destaca Lefebvre (2001), comprometendo-lhes o direito à
cidade e a negação de seu espaço.
Nesse processo, o setor terciário teve um significativo crescimento, induzido pelo desenvolvimento da produção industrial, do emprego e do crescimento da população regional, principalmente a partir da década de 1980.
Como observa Gonçalves (1998), as transformações surgidas com as novas tecnologias geram mudanças industriais e espaciais. O primeiro caso é dado com a
reestruturação industrial que tem como chave a flexibilidade do novo sistema de produção. Esse processo rebate-se no espaço ao provocar alterações sobre as tendências locacionais de empresas e no surgimento de uma
nova divisão espacial do trabalho.
2. IMPACTOS ESTRUTURAIS DAS MUDANÇAS
TECNOLÓGICAS
Com a Terceira Revolução Científica e Tecnológica
alteram-se os padrões de localização das empresas
ligadas à alta tecnologia (2), em que o desenvolvimento
destas depende de fatores locacionais como mão-de-obra
qualificada, presença de centros de ensino e pesquisa e
infra-estrutura adequada ao setor. A partir desse processo, a atividade produtiva redistribui-se espacialmente,
redefinindo o dinamismo econômico das regiões.
(1)
centros de P&D. Com a maturidade do processo produtivo, a indústria poderia se deslocar para a periferia já que
passaria a adotar a produção em massa, necessitando de
mão-de-obra menos qualificada e com baixa remuneração.
Como destaca Gonçalves (1998), o contexto produtivo da Terceira Revolução Científico-Tecnológica
coloca à prova a capacidade de explicação da Teoria do
Ciclo Produto, como pode ser observado em algumas
das críticas feitas a ela:
Sternberg (1996, apud Gonçalves, 1998, p.
18) e Scott e Storper (1988, apud Gonçalves, 1998, p. 18) criticam o padrão invariável de evolução atribuída a todos os setores e a pequena contribuição para o porquê
da localização no início do ciclo. Sayer (1986
apud Gonçalves, 1998, p. 18) pondera que a
introdução de métodos de produção novos, como o just-in-time, diminui a necessidade de a indústria madura aumentar a escala de produção e procurar local de trabalho barato. Walker (1985, apud Gonçalves,
1998, p. 18) afirma que várias exceções inibem generalizações e condena o determinismo técnico como modo de análise.
Uma outra tentativa de explicação da localização
das indústrias de alta tecnologia é a “Sinergia de um Conjunto de Fatores”. É identificada uma lista de fatores que
são necessários para o desenvolvimento destes setores,
entretanto, os fatores são enfatizados de forma diferente
pelos autores e de acordo com o caso de estudo.
De acordo com a Teoria Clássica de Localização
, o custo de transporte, a distância aos centros consumidores e fornecedores de matérias-primas seriam os principais definidores da localização de uma firma. Insumos
como trabalho e informação são considerados como ubiqüidades, tendo, portanto, sua importância reduzida.
Sternberg (apud Gonçalves, 1998) apresentou a
abordagem do “ambiente inovativo”, em que a interação
entre atores (firmas, instituições de P&D, setor financeiro e governo local), com o auxílio da proximidade espacial, explicaria a origem do processo de inovação regional.
Essa teoria apresenta várias limitações ao descrever apenas as inovações conduzidas por firmas pequenas, tratar
pouco das fases posteriores de inovação e apresentar
pouca evidência empírica. Entretanto, tem a vantagem de
considerar as condições regionais para o surgimento das
inovações.
A teoria clássica ainda é importante para os setores
produtivos baseados em recursos naturais, entretanto, há
um consenso de que ela não consegue explicar os fatores
locacionais para os setores de alta tecnologia.
A Teoria da Organização Industrial ou Especialização Flexível é apresentada em 1996 por Sternberg
(1996), mas sua concepção se dá em Scott e Storper (1988)
e Storper e Walker (1989).
Dentre as tentativas teóricas para explicar o padrão locacional da indústria de alta tecnologia está a Teoria do Ciclo Produto. De acordo com esta teoria, na fase
de inovação haveria uma tendência de localização da indústria em regiões com oferta de trabalho qualificado e
Segundo esta teoria, a mudança da forma de organização industrial e a liberdade locacional adquirida com
as inovações permitem que as novas indústrias intensivas em P&D escolham arbitrariamente o sítio de localização. Assim sendo, a teoria se concentra nas “dinâmicas de
(3)
70
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
organização industrial, especialmente na divisão do trabalho e na conseqüente estrutura de transações entre firmas, e no mercado de trabalho local” (GONÇALVES, 1998).
Quando uma empresa é desintegrada verticalmente,
o aumento das transações externas às firmas faz com que
estas busquem uma maior proximidade no intuito de reduzir
os custos das intensas relações inter-industriais. Esse processo acaba por estimular ainda mais a desintegração com a
redução do custo de busca e recontratação.
O crescimento localizado também é estimulado com
as economias de aglomeração geradas a partir da concentração de trabalhadores. Entretanto, existe a possibilidade de surgirem deseconomias como a organização
sindical e custos sociais oriundos de um intenso povoamento de uma determinada região sem um respectivo planejamento da parte do poder público.
Um dos aspectos negativos dessa abordagem é o
fato de diminuir a importância da intervenção estatal para
promover o desenvolvimento regional por colocar as indústrias como “produtoras” de regiões e não apontar os
fatores que determinam a localização arbitrária das indústrias, ficando a questão locacional em aberto (DINIZ, 1991).
Apesar das várias abordagens e críticas, pode-se
afirmar que há um relativo consenso quanto a alguns
fatores que explicam a origem e o desenvolvimento das
regiões de alta tecnologia:
...política industrial, tecnológica, regional, de
educação e de defesa, conjunto de trabalhadores qualificados, coincidências históricas
(pessoas-chave, por exemplo), acesso a mercados, espírito empreendedor, amenidades,
disponibilidade de grandes empresas,
interconexões entre empresas intensivas em
P&D e os fatores passíveis de serem orientados politicamente como infra-estrutura
básica de transportes e de pesquisa e o capital de risco (GONÇALVES, 1998, p. 22).
Como agentes do processo de criação da indústria de alta tecnologia, os novos empresários podem ser
vistos como spin-offs locais quando um indivíduo que
trabalha numa firma, instituição de ensino ou de pesquisa encontra boas vantagens para montar uma firma, uma
vez que, sendo um indivíduo qualificado, a tecnologia
está incorporada a ele. Esse processo pode ser estimulado por grandes empresas com o intuito de ter fornecedores que invistam em inovações (GONÇALVES, 1998),
como fez a Embraer, na região de São José dos Campos,
ao incentivar seus ex-funcionários a instalarem pequenas e médias empresas que vieram compor o seu quadro
de subcontratadas.
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
Além dos novos empresários, Gonçalves (1998)
aponta as instituições de ensino e pesquisa - por criarem
economias de aglomeração pela transferência de pessoas e de conhecimento - e o governo - ao cuidar da infraestrutura física, presença de instituições, redução de impostos e disponibilização de linhas de capital de risco,
por exemplo - como principais agentes do processo
inovativo e da criação da indústria de alta tecnologia.
2.1 Aglomeração da Indústria de Alta Tecnologia
Os ambientes de aglomeração de alta tecnologia,
através de agentes como governos, instituições de ensino e pesquisa e empresas de base tecnológica, são propícios para a realização de pesquisas que possam ser
transferidas para o setor produtivo e contribuam para o
desenvolvimento regional.
Os arranjos institucionais que concentram empresas de alta tecnologia recebem diferentes nomes com
base em suas características. É chamada de Pólo
Tecnológico uma aglomeração de empresas de base
tecnológica, que usam recursos disponíveis nas instituições de ensino e pesquisa e podem se estruturar de modo
formal ou informal. Quando há um planejamento e as
empresas estão fisicamente reunidas num loteamento
urbanizado e sob administração de uma entidade, passa
a receber o nome de Parque Tecnológico. Caso a economia da região ou cidade dependa de sua capacidade científica ou tecnológica usa-se a expressão Tecnópole.
Por fim, a Incubadora é um ambiente “que abriga empreendedores por determinado tempo, facilitando a transposição de barreiras administrativas, mercadológicas e
técnicas de empresas nascentes ou que se transferem
para a incubadora” (GONÇALVES, 1998, p. 24).
2.2 Desenvolvimento Regional e Mudanças Tecnológicas
Nesse processo de desconcentração, a indústria
de alta tecnologia é a que detém uma maior liberdade
locacional. Entretanto, para sua instalação é necessária a
presença de toda uma infra-estrutura de pesquisa e
tecnologia que não está distribuída homogeneamente no
País. Assim, o processo histórico de concentração industrial, com desigualdade de potencial de pesquisa e de
renda, impede a dispersão da indústria de alta tecnologia.
Como observa Gonçalves (1998, p. 39), “todas as
evidências demonstram que a indústria de alta tecnologia
reforça os limites do processo de reversão da polarização
que atenua as desigualdades impostas pelo desenvolvimento regional concentrado”. Mas, deve ser observado
que, mesmo diante desse contexto, surgem novas concentrações localizadas que não estão nas grandes cidades.
Nos centros urbanos de porte médio existem eco71
nomias de aglomeração e vantagens locacionais adequadas ao desenvolvimento da alta tecnologia, sendo que
são neles que estão localizadas as principais experiências
de pólos e parques tecnológicos no Brasil (vide Tabela 1).
Tabela 1 - Principais Pólos e Parques Tecnológicos no Brasil
*Refere-se ao ano de criação do Parque Tecnológico ou, no caso do Pólo, do órgão gestor.
Fonte: Elaboração própria com base em Gonçalves (1998) e Censo (2000).
3. REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVAE O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Nos anos 90, processa-se no Brasil uma reestruturação produtiva que, segundo Castro (2001), avançou
principalmente no sentido da adoção de métodos modernos de gestão, busca de padrões e gabaritos contemporâneos de produtividade e qualidade, diversificação de
produtos com aumento dos investimentos em tecnologia
e deslocamento de fábricas para áreas com boa infraestrutura, mão-de-obra e matérias-primas baratas, benefícios fiscais e acesso fácil a grandes mercados. No campo do emprego esse fenômeno promoveu uma intensa
redução do contingente de operários industriais. Essa
destruição de ocupações é amenizada com a convivência de diferentes gerações de tecnologia e pelo fato de as
mudanças introduzidas na organização do trabalho mesclarem-se com as antigas estruturas de cargos e salários.
A terciarização, resultado do processo de
reestruturação produtiva, tem seus efeitos no território,
contribuindo para o surgimento de novas formas hierár72
quicas urbanas ou consolidando as já existentes.
O processo de industrialização teve o papel de
indutor do desenvolvimento econômico durante o século XX, mas se observou uma reestruturação econômica
que se iniciou nos anos 50 e tomou vulto a partir dos
anos 80. Contemporaneamente, uma outra transformação está em andamento, agora mais associada ao aumento das atividades de serviços, fenômeno este que se intensificou nas últimas duas décadas do século XX, mas
que, enquanto tendência, já vinha se insinuando atrelado ao desenvolvimento industrial desde a década de 1950.
Kon (1999) discute o papel das atividades secundárias enquanto indutoras do desenvolvimento para as
quais se dirigiriam inicialmente o capital e a mão-de-obra
oriundas do meio rural. Nos países subdesenvolvidos,
ou em desenvolvimento, após a II Guerra Mundial o imigrante rural dirige-se primeiramente ao setor Terciário,
para atividades que não exigem alta qualificação (em alguns casos, o subemprego). Quando adquire maior preparo, pode vir a deslocar-se para o setor Secundário.
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
Esse movimento de centralização produtiva e financeira na atividade industrial ganhou intensidade e velocidade após a II Guerra Mundial, e teor como repercussão a distribuição das atividades e da população impulsionada por centros regionais de desenvolvimento.
Através da exportação de capital e de uma nova
Divisão Internacional do Trabalho, conservando, porém
uma desigualdade estrutural já consolidada anteriormente, resultante do monopólio do conhecimento científico
e técnico, novas áreas do globo se industrializaram (NPIs
- Novos Países Industrializados). Dessa maneira, com a
continuidade dos avanços tecnológicos nos transportes e comunicações do pós-guerra, o aparato produtivo
das empresas é deslocado para o exterior, para a produção de mercadorias acabadas.
Posteriormente, a partir dos anos 60, decorrente
dos avanços advindos nas áreas da microeletrônica e da
tecnologia da informatização, o processo de produção
foi sendo cada vez mais internacionalizado, com o desenvolvimento de cada componente do produto, de cada
parte do processo, em uma diferente região mundial.
A capacidade de multiplicação das atividades, sob
o impulso da industrialização ocorreu de forma concentrada localmente em pólos econômicos, num processo
cumulativo, gerando economias de aglomeração. Essa
concentração favoreceu a modernização da economia,
ao diluir os gastos e os riscos quando as atividades reúnem um fundo comum.
Após a II Guerra Mundial, o processo de concentração e centralização de capital exigiu uma reestruturação
na administração e no controle das empresas
transnacionais, implicando a necessidade da criação de
uma rede de empresas de serviços auxiliares que fundamentassem novas formas de organização, configurando
uma crescente complementaridade da produção de bens
e serviços (atividades financeiras, de contabilidade, de
informação, de assessoria jurídica etc.).
Quando se passou do paradigma fordista para a
produção flexível do modelo toyotista, resultou na dinâmica de rápida elevação da demanda por serviços, sendo
que produtores de bens e serviços tiveram de adotar
estratégias que visassem à obtenção de inovação
tecnológica e adaptação.
O desenvolvimento desigual entre algumas regiões é considerado, em parte, como sendo uma conseqüência da reorganização de certas firmas industriais em
face da demanda declinante para sua produção e da pressão competitiva, que encorajam a obtenção de melhorias
na produtividade do trabalho.
As atividades de serviços, em suas formas mais sofisticadas, como serviços industriais, de profissionais liberais, financeiros e de formas superiores de entretenimento
foram concentrados em grandes áreas metropolitanas.
A teoria das localidades centrais, elaborada por
Walter Christaller, em 1933, diz respeito à hierarquia urbana. Segundo sua proposição, existiriam elementos reguladores sobre número, tamanho e distribuição das cidades
(apud KON, 1999).
Independente de seus respectivos tamanhos, todo
núcleo de povoamento é considerado uma localidade
central, equipado de funções centrais. Essas funções
seriam as de distribuição de bens e serviços para a população externa à localidade, residindo em sua área de mercado ou influência. A centralidade de uma localidade seria dada pela importância dos bens e serviços – funções
centrais – oferecidos. Quanto maior fosse o número de
suas funções, maior seria a centralidade, sua área de influência e o número de pessoas por ela atendida
(Christaller, apud KON, 1999).
No contexto das reflexões sobre a “nova hierarquia urbana”, Sassen (1991) defende que, com o processo de globalização da economia concomitante com a dispersão espacial das atividades econômicas, as cidades
mundiais passaram a funcionar em quatro caminhos:
... these cities now function in four new
ways: first, as highly concentrated
command points in the organization of the
world economy; second, as key locations
for finance and for specialized service
firms, which have replaced manufaturing
as the leading economic sectors; third, as
sites of production, including the
production of innovations, in these leading
industries; and fourth, as markets for the
products and innovations produced
(SASSEN,1991, p. 3).
As cidades mundiais descritas pela autora (4) funcionam segundo uma nova estratégia independente de
seu passado de centros internacionais de comércio, passando por um processo de mudança interna em sua organização espacial e na estrutura social de cada cidade.
Desse modo, elas passaram a deter sofisticadas redes de
infra-estrutura de serviços para apoiar instituições financeiras e ramos altamente especializados da indústria e do
comércio direcionados para o atendimento das demandas de consumidores exigentes. Ainda segundo Sassen
(1991), São Paulo tem passado por processos semelhantes aos das cidades por ela analisadas.
De acordo com Rezende e Lima (apud SOUZA,
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
73
2002), São Paulo ocuparia o lugar de uma cidade mundial
de hierarquia inferior, sugerindo que as cidades do Rio
de Janeiro e São Paulo poderiam se unir e formar uma
grande região urbana global, dando origem a um complexo como forma de “assumir uma posição de destaque na
rede de cidades mundiais”.
4. ANOVA HIERARQUIA URBANA
O processo nacional de reestruturação produtiva
tem implicações sobre o desenvolvimento regional no
sentido de reforçar o processo de concentração econômico-populacional nos grandes centros urbanos brasileiros. De acordo com Andrade e Serra (1998), tais implicações territoriais, entre outros fatores, estariam sendo
fundamentadas:
- pelo aumento da importância das economias externas às firmas nos critérios de localização reinantes na chamada produção flexível, que exige
proximidade entre fornecedores (just in time),
existência de mão-de-obra altamente qualificada, assim como de sofisticados serviços produtivos, fatores encontrados quase exclusivamente nos grandes centros urbanos nacionais;
- pela escolha de uma política de desenvolvimento regional orientada pela eficiência, em prejuízo
do conteúdo de eqüidade na distribuição da riqueza nacional;
- pela perda da capacidade de investimentos diretos e deterioração dos mecanismos de incentivos, impostos pela política de privatização e pelo
tamanho dos compromissos orçamentários com
as gigantescas dívidas interna e externa; e
- por um planejamento de uma infra-estrutura viária
valorizando o escoamento de exportáveis, em detrimento de uma orientação que visa permitir a
complementaridade do parque industrial nacional.
O crescimento das cidades tem ampliado a divisão
de funções urbanas entre algumas cidades e ampliado a
atração que alguns centros exercem sobre o território. Nas
regiões mais dinâmicas registra-se o fenômeno de cidades
articuladas, onde dois ou três núcleos urbanos formam
um conjunto com forte grau de complementaridade, dividindo a polarização, espacialidade também denominada
aglomeração urbana (IPEA, 2000a).
Nas regiões menos dinâmicas, ou estagnadas, o
perfil da rede urbana apresenta-se quase sempre com
poucos, ou mesmo um único, centros urbanos com importância relativa quanto à centralidade, e que tiveram
diminuído seu papel polarizador, à medida que a melhoria
74
da infra-estrutura de transportes gerou facilidades de
acesso às regiões metropolitanas ou aglomerações urbanas e aos centros mais importantes e dinâmicos, mesmo
que mais distantes (IPEA, 2000a).
De acordo com IPEA (2000b), a definição da hierarquia das redes urbanas vem apontar as áreas que manifestam atratividade por períodos longos e que tendem
à manutenção. O principal indicador é o crescimento
populacional associado com outros como tamanho da
população, nível de centralidade, grau de urbanização,
PEA (População Economicamente Ativa), densidade
demográfica e participação no total do VAF (Valor Adicionado Fiscal).
Mudanças nos processos de produção contribuíram para as alterações processadas nas redes urbanas.
Dentre essas mudanças Mérenne-Schoumaker (apud
Kon, 1999) apontam:
- Avanço nas telecomunicações;
- Maior mobilidade das pessoas;
- Generalização dos serviços;
- Redução dos custos de transporte;
- Serviços de alto nível prestados às empresas.
Segundo Kon (1999), as mudanças têm-se processado de modo a tornar a hierarquia urbana cada vez
mais vinculada ao contexto econômico internacional onde
“a estrutura da rede urbana aparece de forma menos piramidal” devido ao aumento das relações de complementaridade e às sinergias que vão se desenvolvendo entre
os mesmos níveis hierárquicos.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É no contexto de crise econômica e social associada a uma transformação da natureza, dos agentes e da
localização do crescimento que as indústrias enfrentam
graves dificuldades, como o esgotamento do mercado e
das fontes dos ganhos de produtividade, e assistem ao
surgimento das indústrias de alta tecnologia.
Mutações, geralmente ligadas ao uso generalizado da informática e dos mais variados meios de comunicação, afetam o processo de produção em praticamente
todos os setores da economia.
Diante desse novo quadro, o padrão de acumulação passa a ser caracterizado pela busca de modos de
produção mais flexíveis, interconectados, e mercados de
trabalho fragmentados.
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
Os impactos espaciais dessas mudanças são mais
bem compreendidos pelas mudanças observadas na organização da hierarquia urbana. Grandes pólos industriais tradicionais entraram em declínio, ao mesmo tempo
em que as novas formas de produção encontraram menos restrições na localização de suas atividades.
Há um intenso desenvolvimento dos centros urbanos intermediários, relacionado aos circuitos do capitalismo mundial. Este processo ocorre a partir da
interiorização do desenvolvimento.
Entretanto, há fatores que ainda impedem que esse
processo ocorra com maior intensidade e que estão relacionados com os imperativos da organização industrial e
à qualidade dos mercados de trabalho. Desse modo é
que São Paulo mantém sua posição hierárquica sobre a
vida econômica nacional. Se ela perde relativamente o
seu poder industrial, aumenta o seu papel de regulação
graças à concentração da informação, dos serviços e da
tomada de decisões. É a conjugação desses três dados
que permite à metrópole paulistana renovar o seu comando em todo o território brasileiro. Desse modo,
onipresente no espaço nacional, mediante uma ação instantânea e diretora, pode-se falar numa verdadeira “dissolução da metrópole, já que ela está em toda parte”
(SANTOS; SILVEIRA, 2001).
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7. NOTAS
(1) A Terceira Revolução Científica e Tecnológica
se dá com as transformações que vêm ocorrendo a partir
de meados do século XX, decorrentes dos avanços na
eletrônica que impulsionaram a informática e as comunicações. Esse processo modificou, além de todos os setores econômicos, aspectos da vida social e política.
(2) A expressão “alta tecnologia” diz respeito ao
processo de produção que tem como insumo principal o
conhecimento e a informática (CASTELLS, 1986).
(3) A Teoria Clássica de Localização teve origem
com Alfred Weber (Uber den standort des industrien,
1909), e foi desenvolvida posteriormente pela economia
neoclássica.
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R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
Religiosidade Popular, o Sagrado e a Modernidade:
Relações em uma Sociedade em Transformação
Adriano Lopes Saraiva *
Josué da Costa Silva **
Resumo: A partir dos conceitos sobre a modernidade e a manifestação do sagrado e do profano
discute-se neste artigo o modo de vida de populações ribeirinhas e sua religiosidade representada
na forma de festas religiosas, buscando estabelecer as bases para a compreensão deste universo sob
o prisma das transformações orquestradas pela modernidade e pelo modo de ver e perceber o
mundo das populações ribeirinhas. São utilizados os conceitos sagrado, profano, modernidade e
modo tradicional de vida das comunidades da região ribeirinha de Porto Velho, Estado de Rondônia.
Palavras-chave: Religiosidade popular, sagrado e o profano, modernidade, populações ribeirinhas.
Abstract: Starting from the concept of modernity and the manifestation of sacred and profane, this
article discuss the way of life of communities living alongside river and their religiosity represented
by religious feasts, seeking to establish the bases for a comprehension of this universe by the point
of view of the transformations generated by the modernity and by the way of seeing and perceiving
the world of the communities cited above. Using as concepts the sacred, the profane, the modernity
and the traditional way of live of communities of the region alongside river in Porto Velho, Rondônia
State.
Key words: Popular religiosity, sacred and profane, modernity, communities living alongside river.
1. INTRODUÇÃO
O modo de vida do Ocidente no atual momento é
representado por um deslocamento para império da razão e da racionalidade instrumental, características
marcantes e apregoadas pela modernidade. A partir deste contexto é necessário discutir algumas situações inerentes às Ciências Humanas e que fazem parte de um
contexto local e regional; que são dois modos de ser no
mundo, o sagrado e o profano, bem como o momento no
qual estão inseridos estes modos.
Dessa forma, refletir a religiosidade e o sagrado
num contexto da modernidade não se constitui um problema pessoal e nem de um projeto individual de pesquisa, posto que estes itens fazem parte da condição huma*
Mestrando em Desenvolvimento Regional e Meio
Ambiente – PGDRA/UNIR. Membro do Grupo de
Estudos sobre Cultura e Modo de Vida Amazônico –
GEP Cultura/CEDSA.
E-mail: [email protected]
** Prof. Adjunto do Dep. de Geografia da UNIR. Coordenador do Grupo de Estudos sobre Cultura e Modo
de Vida Amazônico – GEP Cultura/CEDSA.
E-mail: [email protected]
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
na. Afinal, o conceito de cultura e religiosidade popular
tem sua origem no culto e está presente em todas as
civilizações, permitindo as mais diversas análises; contribuindo para entender as relações do homem com suas
crenças e o modo de relacionar-se em sociedade.
Para que se possa compreender com mais facilidade a carga emocional contida nas promessas, festas
religiosas, romarias e procissões, dentre outras manifestações que materializam a fé, faz-se mister um estudo
pormenorizado da religiosidade popular.
Oscar Beozzo, por exemplo, defende a substituição da expressão “religiosidade popular” por “práticas religiosas das classes populares”, do qual, salvo
melhor juízo, julga-se lícito discordar, pois o autor insiste
em tê-la como exclusivo “patrimônio de classes sociais
exploradas e oprimidas” (BEOZZO, 1982, p. 745),
desconsiderando que as manifestações de religiosidade
popular independem de classe social.
Sejam as práticas do catolicismo oficial, sejam as
manifestações de religiosidade popular, ambas se sustentam em alicerce comum: a noção do sagrado. A
clivagem do “sagrado”, no entanto, é o “nó górdio” não
só dos que elaboram as doutrinas que nortearão qualquer ortodoxia religiosa, mas também do estudioso das
77
religiões. Efetuar esse processo de clivagem é sem dúvida difícil. Até meados do século XIX caracterizava-se a
noção de “popular” como “a de tudo que representasse
o supersticioso, o grosseiro, curioso, vulgar” (CESAR,
1976, p. 7), ou seja, estava adjunto ao termo um caráter de
certa forma pejorativo.
De qualquer forma, a designação de “popular” é
normalmente empregada em relação às classes sociais
subalternas, ou aos indivíduos que ocupam uma posição periférica na organização espacial de uma dada sociedade. Refere-se, dessa forma, às manifestações de memória coletiva, aí incluídas a linguagem e a religiosidade.
Partindo de uma realidade como a região ribeirinha de Porto Velho, Estado de Rondônia, buscam-se elementos capazes de dar sustentação ao debate estabelecido por este trabalho, visto que estudar a realidade amazônica se constitui um objeto de reflexão privilegiada para
qualquer área das Ciências.
E quando falamos de sagrado e de religiosidade,
fazemos isso no sentido de que não se trata de algo
inexistente, impossível, distante ou mesmo separado do
que poderia ser pensado como o “resto” da experiência
humana, e sim como um fato real, presente e que é revestido de grande importância no modo de vida das populações da Amazônia, visto que o sagrado não é mais místico do que lógico, estético ou político. Inclui todas estas
dimensões, mas não se reduz a nenhuma delas. Assim,
como outros conceitos, o sagrado também é um produto
da criação humana, isto o caracteriza não como um equívoco ou uma crença sem fundamento, mas o legitima e o
torna válido como parte do universo mental do homem.
O homem que vive na Amazônia tem dentro de
suas práticas religiosas mais comuns o catolicismo. Neste universo amazônico é muito comum a crença em superstições e mitos que fazem parte do cotidiano das comunidades situadas à margem dos rios, como as lendas
da cobra grande, da mãe da mata, do curupira, e nas crenças como o mau olhado e os encantamentos. Essa é uma
religiosidade que tem como um dos pontos fortes a devoção aos santos católicos e da reunião da comunidade
em momentos específicos para celebrarem seus padroeiros, transformando-se em eventos que se caracterizam
pela realização de festas religiosas ou festejos, como são
popularmente chamados na região ribeirinha. Dessa maneira, as comunidades ribeirinhas passam grande parte do
ano ora envolvidas com a preparação, ora com a realização
ou participação nesses acontecimentos religiosos.
No decorrer do artigo nossa discussão se pautará
em dois pontos principais: as festas religiosas e as manifestações do sagrado e do profano, relacionando esses
eventos com as concepções de modernidade, visto que
78
os conceitos propagados pela modernidade nos dizem
que do mundo foram retiradas as concepções sagradas
de senti-los e percebê-los, colocando a ciência e o
racionalismo como elementos fundamentais na relação
do homem com o mundo em que habita.
O propósito deste artigo é discutir se este modo
de ver o mundo está presente nas comunidades ribeirinhas ou se a modernidade com toda a sua mudança relega as populações ribeirinhas a outro contexto, destinando a estas apenas suas conseqüências e malefícios.
2. O SIGNIFICADO DA MODERNIDADE
De modo geral, afirma-se que a modernidade surgiu com o Renascimento e foi definida em relação à Antigüidade, como no debate entre os Antigos e os Modernos. Do ponto de vista da teoria sociológica alemã do
final do século XIX e do começo do século XX, do qual
derivamos grande parte de nosso sentido atual do termo,
a modernidade contrapõe-se à ordem tradicional, implicando a progressiva racionalização e diferenciação econômica e administrativa do mundo social.
Na definição de Giddens, modernidade “[...] refere-se ao estilo, costume de vida ou organização social
que emergiu da Europa a partir do séc. XVII e que ulteriormente se tornaram mais menos mundiais em sua influência.” (1991, p. 11).
Dessa forma a modernidade é construída a cada instante, com a superação de cada etapa histórica, buscando
implantar novos conceitos e novos modos de vida. Nesse
contexto, Harvey nos diz: “a modernidade, por conseguinte, não apenas envolve uma implacável ruptura com todas
e quaisquer condições históricas precedentes, como é caracterizada por um interminável processo de rupturas e
fragmentações internas inerentes.” (1993, p. 22).
A modernidade é, em suma, a superação do velho,
para que possa nascer o novo. Deve ser entendida como
uma busca permanente de superação dos velhos valores
e de construção de uma outra sociedade. E essa superação passou por vários aspectos da sociedade, desde a
estética e a produção da arte, transitando na política e na
organização da sociedade, na forma como o homem organiza sua vida, o viver urbano e as conseqüências de se
viver na cidade e a mudança operada no modo de produção e na forma de acumulação e de gerar lucro. A
modernidade trouxe consigo uma grande fragmentação
da sociedade, pois operou a organização do capitalismo
industrial e na forma que o homem se relaciona com o
outro e com seu universo mental.
Este modo de vida pautado no caráter industrial e
capitalista acarretou graves distinções na sociedade, na
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
criação de classes sociais e na organização de movimentos que se opunham a esta organização; e, claro, a brutal
retirada de parcelas da população que não fazem parte
do modo de produção orquestrado pela modernidade.
Fala-se de mudança e de ruptura, no entanto estas mudanças não se operam na sociedade, elas se configuram
dentro de pequenos grupos; o que vem formando em
grande medida um grupo de excluídos.
Permanecendo no aspecto social, a modernidade
ainda colaborou na transformação de identidades sociais, indo mais fundo e contribuindo para sua fragmentação; formando assim toda uma geração dita moderna que
não tem dentro de si aspectos que os integram como
sujeitos. Isso é refletido na cultura e no universo mental
dos grupos humanos, uma vez que esta fragmentação
vem descaracterizando a forma de ver e sentir o mundo,
todas as mudanças advindas deste processo de ruptura
enfraquecem em grande medida as culturas locais, as
populações tradicionais e as manifestações da cultura
popular; reduzindo estes fenômenos a reflexos de modos de vida que estão em vias de deixar de existir.
Dessa forma, como falar de modernidade dentro
de um contexto amazônico e ribeirinho? Como analisar
tais conceitos e saber se são benéficos ou maléficos para
as populações ribeirinhas?
No contexto atual, a modernidade deveria colaborar para a superação de toda a fragmentação que se operou historicamente. Por óbvio, o termo modernidade não
tem um significado único. A modernidade, em todo o tempo, sempre traz o novo, que surge para a superação do
velho, como já se destacou anteriormente. A modernidade
pode trazer à tona os valores antigos para assim buscarmos entendimentos que irão colaborar para a inserção
do homem nos diversos contextos, frutos destes processos históricos.
3. FALANDO DO SAGRADO NO CONTEXTO DA
MODERNIDADE
Há inúmeras definições e referências ao sagrado;
vários autores e pesquisadores já se debruçaram sobre o
tema nos trazendo grande material de análise; um dos
grandes pesquisadores sobre a temática é Mircea Eliade
(1988), que vai nos dizer que só o sagrado é realidade de
uma maneira absoluta, porque age eficazmente, criando e
fazendo durar as coisas; influenciando em grande medida para a forma como o homem organiza sua vida.
O sagrado manifesta-se por intermédio da
“hierofania” (ELIADE, 1992, 1998), significa dizer que algo
de sagrado revela-se na realidade vivida pelo homem. Além
disso, Eliade (1998, p. 297) nos explica que a manifestação
do sagrado é imposta ao homem, o que implica dizer que o
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
homem que vive nessa realidade não a percebe, ele apenas
a vive, ele faz parte dela e dela retira suas crenças.
Outro teórico que analisou esse fenômeno do sagrado e do profano foi Èmile Durkheim, que o caracterizam como uma qualidade individual tratada como se fosse dotada de poderes sobrenaturais e divinos. Qualquer
coisa, sensível ou supra-sensível pode ser classificada
como sagrado (assim como profana), variando de religião para religião. Sagrado e profano são dissociados,
mas mantêm uma relação de complementação, posto que
onde há a manifestação do sagrado, lá o profano também
terá uma manifestação; é uma relação sentida e avaliada
pelo indivíduo através de sua religiosidade e de seu universo mental. O que nas palavras de Durkheim pode ser
entendida como “... uma divisão bipartida do universo
conhecido e conhecível em dois gêneros que compreendem tudo o que existe, mas que se excluem radicalmente...” (1989, p. 72). Tal distinção entre coisas sagradas e
profanas seria uma das principais características de todas as religiões, por conta de que, dentro do universo
das crenças e das religiões, haverá em grande medida a
divisão em dois aspectos, comumente chamados de sagrado e de profano. (DURHKEIM, 1989, p. 492).
Esta oposição marca, por exemplo, a percepção
do sagrado subordinado por um Deus único e absoluto,
reduzível ao âmbito da fé, característica do catolicismo
oficial da população brasileira. Esta redução coloca o
fenômeno do profano como algo a ser vivenciado longe
do “criador”, mesmo que tal fenômeno seja inerente ao
sagrado a situação a qual o profano está subordinado é
a seu esquecimento e desprezo. Situação muita bem retratada pelo trabalho da geógrafa Zeny Rosendahl, quando
nos diz que “... a palavra sagrado tem o sentido de separação e definição, em manter separadas as experiências
envolvendo uma divindade, de outras experiências que
não envolvam, consideradas profanas” (1999a, p.231).
Na atualidade, sobram elementos para se pensar o
que foi historicamente uma liberação e uma dignificação,
um avanço ou um retrocesso, no que tange ao entendimento do fenômeno do sagrado, visto que o modo de vida
moderno leva ao empobrecimento da realidade e da distinção da experiência do campo religioso, reduzindo-o a uma
superstição ou crença popular, desprovida de importância
e significados. O ser absoluto e a crença nos modismos
advindos dos meios de comunicação de massa, levam em
grande medida a uma coisificação de “Deus”. Colocando
e estabelecendo conceitos e ações que são frutos da ação
humana e não da crença e da religiosidade dos grupos
sociais. A figura de Deus desponta dentro de um contexto
como este, colocando o sagrado em segundo plano, visto
que as formas que os indivíduos têm de acreditar advêm
da conduta e do comportamento apregoado pelo sistema
religioso oficial, ou seja, esse sistema remete o sagrado e o
79
profano para um plano inferior.
Este fato nos leva a uma discussão acerca da secularização das crenças e da própria religião. A idéia de
um Deus e de uma religião vista sob o ponto de vista da
ciência e do modo de produção capitalista coloca o “reino de Deus” substituído pelo “reino dos homens”; em
certa medida tal fato irá colaborar para a formação de uma
antítese ao sagrado. No âmbito das crenças, essa secularização vem operando de forma poderosa, trazendo para
o grande público novas formas de religião ou mesmo
outras maneiras de se chegar ao sagrado. É o que nos
coloca Leila Amaral (2000) quando nos apresenta o ocultismo, a espiritualidade, o oráculo e demais formas de
estar em contato com o sagrado. Todas essas formas
muito próximas aos sujeitos e difundidas no meio da população com discursos voltados à cura e ao encontro
dos questionamentos que levam os indivíduos à busca
incessante de respostas às perguntas clássicas da filosofia e da própria existência do homem.
O mundo moderno, secularizado, está repleto de
ídolos e deuses não divinos. Mas esta crítica não questionou a economia geral da salvação, nem muito menos
a monetarização da fé, ou seja, a lógica que dá sustento
tanto à religião quanto à ideologia moderna do trabalho,
do progresso e do desenvolvimento. O mundo pautado
no trabalho e na acumulação descartou a religião, e com
ela o sagrado, porque dentro dos ciclos de desenvolvimento do capitalismo o aspecto religioso foi colocado de
lado em função de uma ideologia que buscava a consolidação do projeto da modernidade. (SANTOS, 2001)
popular existente nas comunidades amazônicas, é necessário, antes, buscarmos fundamentos para trazer à
tona a grande diversidade das crenças e religiosidades
existentes no Brasil.
Um aspecto importante está ligado à definição de
“popular”, visto que já é por demais polêmica ter tal
definição, outro aspecto é definir religiosidade popular
de uma forma tal que se obtenha unanimidade. Nesse
sentido a própria noção de religião popular foi objeto de
inúmeras tentativas de definição e de contestações
freqüentemente renovadas, chegando até a dar a impressão de um recomeço indefinido dos mesmos equívocos.
Porém, ao nos aprofundarmos, encontramos outras noções, designando os grandes componentes da noçãomãe: preces, devoções, peregrinações.
Neste caso, torna-se menos complexo um delineamento do termo religiosidade popular, não pelo que ele
representa, mas, ao contrário, pelo que não representa, já
que está ligado ao universo mental dos grupos humanos.
Ademais, a religiosidade popular não é corpo eclesial nem
corpo doutrinário, configurando-se em uma religiosidade
dotada de razoável independência da hierarquia eclesiástica; incluindo nesse contexto toda a documentação
oficial da Igreja e todos os teólogos elaboradores da doutrina. Independência essa ao caráter sistemático do catolicismo oficial, materializada em uma explosão quase íntima
ao “sagrado”, humanizando-o, sentindo-o próximo, testando-o e sentindo sua força por métodos criados, não
pelo clero, mas pelos próprios devotos, métodos esses
que são transmitidos, em sua grande totalidade, oralmente. Em suma, o vivido em oposição ao doutrinal.
Dessa forma, a modernidade, o sagrado e suas
manifestações ficaram submersos e inibidos, mas não
desapareceram, deixaram de ter grande importância para
dar lugar a outros tipos de espetáculos, à fábrica, à bolsa
de valores e demais fenômenos do capitalismo organizado, como a oposição da cultura de massas e a recusa do
contexto social (SANTOS, 2001, p. 85). De toda maneira,
a divisão do mundo de forma julgadora e valorativa em
profano e sagrado, muito bem destacada por Durkheim,
vem de uma das grandes características do sagrado: o
fato de este fenômeno ter diversos significados, como
transcendental, misterioso e divino. E também porque o
sagrado vem colocar ao indivíduo aquilo que ele não
consegue definir e nem muito menos nomear, é algo inacessível, ainda que seja parte do universo das crenças e
da religiosidade dos grupos sociais colaborando para a
manutenção da fé do sujeito dentro de sua comunidade,
localidade ou mesmo de toda a sociedade.
Diante destes aspectos surge o questionamento:
Que fundamentos e razões levam o catolicismo oficial a
conviver com as mais variadas formas de religiosidade
popular? As causas são várias e diversas, e têm como
pano de fundo a implantação da fé católica em Portugal e
as condições de seu domínio americano. Inúmeros grupos étnicos implantaram no território português, aberto
ao mar e vizinho à África, um vasto caleidoscópio cultural, onde uma religiosidade de caráter híbrido plasmouse ao longo dos séculos, tendo como principais vertentes o catolicismo, o islamismo e as práticas fetichistas
africanas, todas permeadas de rituais, feitiçarias e superstições. Somando-se a isto a predominância do caráter rural, tem-se o quadro de uma religiosidade plural,
muito mais afeita ao misticismo e à continuidade das crenças pagãs do que próxima a uma religiosidade análoga
aos padrões desejados pelas instituições católicas.
4. A RELIGIOSIDADE POPULAR NO CONTEXTO
DAS COMUNIDADES AMAZÔNICAS
No ambiente amazônico esta relação se deu seguindo os seguintes aspectos e características:
Para tecermos comentários sobre a religiosidade
[...] A interação dos elementos religiosos
80
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
processou-se de modo desigual e por etapas que dependeram de fatores diversos,
porém específicos ao ambiente amazônico, ou sejam – os recursos econômicos da
floresta tropical, a organização das sociedades tribais, as técnicas primitivas de exploração do meio, a influência dos missionários, o caráter do catolicismo ibérico em
confronto com a ideologia do aborígine e,
finalmente, as características da sociedade
mestiça de índios e brancos que emergiu e
se desenvolveu na atual sociedade rural
contemporânea. (GALVÃO, 1976, p. 7)
As manifestações de religiosidade popular vão
permear o imaginário do povo brasileiro em suas relações com o sobrenatural, formando-se em nosso país um
catolicismo extra-oficial, de caráter pragmático, popular e
tributário de superstições tomadas a outras religiões. A
este irá se opor ao catolicismo romano, baseado nos preceitos do Clero, na figura da Santíssima Trindade, na
figura do indivíduo e nos sacramentos.
Já os santos católicos, cada um com sua “especialidade”, serão os companheiros de jornada nesta vida,
auxiliando ou impedindo projetos e sendo por conseqüência “recompensados” pelos fiéis com festas, romarias, pagamentos de promessas e procissões, ou então
“punidos”, seja com blasfêmias, seja com o não atendimento dos pedidos, seja com “castigos” advindos no
não cumprimento das promessas.
Dentro da realidade amazônica vamos ter uma religiosidade permeada por vários aspectos. Somados aos
que já foram comentados temos o fator indígena e as
crenças do caboclo. Estes aspectos, por si só, já são
capazes de dar novas características às crenças e ao modo
como o homem se relaciona com o sagrado. Nas comunidades amazônicas temos desde os mistérios das encantarias, da pajelança, dos rituais até os momentos efervescentes das festas religiosas e o imaginário das entidades
míticas do mundo da natureza. Essa maneira de se relacionar com o sagrado e com o universo das crenças não
representa apenas o produto da amalgamação de duas
tradições, a ibérica e a do indígena, estas duas fontes
são formadoras da religião do ribeirinho da Amazônia,
ressaltando que o componente ambiente físico é grande
responsável por este fenômeno. (GALVÃO, 1976)
Estamos nos referindo às sociedades tradicionais,
que têm uma relação com o sagrado e o mundo das crenças caracteristicamente diferente das sociedades modernas. O que nas palavras de Giddens quer dizer que “nas
culturas tradicionais, o passado é honrado e os símbolos são valorizados porque contêm e perpetuam a experiência de gerações.” (1991, p. 44).
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
Ainda neste sentido, podemos fundamentar nossos argumentos no tocante às populações tradicionais
levando em conta que o mundo do ribeirinho amazônico
é orientado pela construção de uma rede de significados
manifestos nos símbolos e mitos da paisagem habitada.
Nesse momento cabe uma discussão sobre este modo de
vida, visto que Antônio Carlos Diegues (1996), com o
seu livro “O Mito Moderno da Natureza Intocada”, nos
apresenta conceitos que podem ilustrar a realidade descrita neste trabalho. Já que analisar populações ribeirinhas é estar se deparando com um modo de vida tradicional, que possui características próprias como:
[...] modo de vida, dependência e até
simbiose com a natureza, os ciclos naturais e os recursos naturais renováveis;
conhecimento aprofundado da natureza
e de seus ciclos que se reflete na elaboração de estratégias de uso e de manejo dos
recursos naturais, noção de território ou
espaço onde o grupo social reproduz-se
econômica e socialmente; importância das
atividades de subsistência, ainda que a
produção de mercadorias possa estar mais
ou menos desenvolvida, o que implica uma
relação com o mercado; reduzida acumulação de capital; importância dada à
unidade familiar, doméstica ou comunal e
às relações de parentesco ou compadrio
para o exercício das atividades econômicas, sociais e culturais; importância das
simbologias, mitos e rituais associados à
caça, à pesca e atividades extrativistas; a
tecnologia utilizada é relativamente simples, de impacto limitado sobre o meio
ambiente (DIEGUES, 1996, p. 87-88).
No contexto das populações tradicionais ribeirinhas a religiosidade é latente. As crenças e os valores
religiosos perpassam as instituições oficiais, uma vez que
a Igreja não se faz presente na grande maioria das comunidades. Fato muito bem ilustrado por Galvão (1976, p. 3):
As instituições religiosas [...] traduzem os
padrões sócio-culturais característicos do
ambiente regional. Organizado na base do
pequeno grupo local, o povoado, o sítio
[...], o catolicismo do caboclo é marcado
por acentuada devoção aos santos padroeiros da localidade e a um pequeno número de “santos de devoção” identificados à
comunidade. (Grifo nosso)
E esta devoção é marcada por rituais que são conduzidos por membros da própria comunidade que possuem características que os distinguem dos demais; nor81
malmente são os líderes, as pessoas mais antigas do local ou mesmo aqueles que detêm mais “posses” (recursos econômicos). Assim, percebemos uma estreita relação entre o universo das crenças e das devoções com o
modo de vida das populações ribeirinhas e, diante do
contexto da modernidade, elas, enquanto populações tradicionais, ainda sustentam este modo de se relacionar
com o sagrado, levando em conta que estes aspectos
derivam de uma herança indígena e ibérica; resultando
daí uma colcha de retalhos extremamente rica e que caracteriza as populações residentes nas áreas ribeirinhas
da Amazônia.
5. FALANDO DO CULTO AOS SANTOS E DA MANIFESTAÇÃO DO SAGRADO E DO PROFANO
Desde a chegada dos portugueses na costa brasileira e sua entrada no interior do país com o intuito de
conquista, exploração e dominação do território, existe
registro de festividades religiosas e de devoção aos santos. José Ramos Tinhorão (2000) descreve com riqueza
de detalhes o ritual religioso da primeira missa e o contato dos portugueses recém-chegados com os indígenas.
A partir daí a inserção do catolicismo e de seus preceitos
começou a ser disseminado naquela terra nova.
A vinda de missões jesuítas que datam do século
XVII para a Amazônia e o contato com os indígenas, com
suas crenças e suas devoções, somado a fenômenos que
mais tarde vieram a contribuir para o atual formato da religiosidade praticada na região ribeirinha - como é o caso
das correntes migratórias do início do fim do século XIX e
início do XX - colaboram para originar uma forma de catolicismo que dá ênfase ao culto dos santos, às festas de
santos e grupos organizados para realizar tais eventos.
Nessa realidade temos os santos padroeiros como
figuras de relevada importância dentro do universo das
devoções das comunidades; dessa forma, a figura de
Deus e Jesus Cristo como entidades sagradas não se
destacam tanto como dentro do contexto de populações
urbanas. A figura da Virgem Maria assume a imagem de
Nossa Senhora que nas comunidades ribeirinhas aparece
revestida sob a identidade de santas de devoção de grupos de mulheres e de algumas praticantes de cultos místicos como as benzedeiras e rezadeiras, bem como as parteiras tradicionais que se pegam em oração às suas santas
de devoção na hora da realização de seu ofício, o parto.
A devoção aos santos e a realização de festas têm
características peculiares, posto que existem os santos
de devoção que são individuais e existem os santos padroeiros da comunidade. A devoção individual a um santo leva o ribeirinho a prestar suas homenagens de forma
isolada; já os santos padroeiros entram no calendário
festivo das comunidades. Passam a ser comemorações
82
coletivas de uma crença que perpassa apenas um indivíduo, chegando a congregar toda a comunidade em torno
daquele santo. Alguns destes santos, representados por
suas imagens, fazem o papel de protetores ou patronos
de alguns ofícios desenvolvidos pela comunidade; São
Sebastião como santo dos pescadores é bom exemplo
desta devoção (GALVÃO, 1976).
A imagem de um santo possui grande importância
para uma comunidade, visto que “[...] acredita-se que
determinadas imagens tenham poderes especiais, capacidades de milagres e de maravilhas que outras idênticas não possuem” (GALVÃO, 1976, p. 29-30). A imagem
de Nossa Senhora Aparecida padroeira do Brasil é
revestida de uma áurea de misticismo e poderes especiais a ela atribuídos; da mesma forma é na região ribeirinha, as imagens de madeira ou de outro material, tornamse as protagonistas das festividades e para elas são voltadas as crenças e as adorações.
Na região ribeirinha do rio Madeira, as populações denominam estas festividades tanto como festas
de santo como também de festejos religiosos, dessa forma utilizaremos neste trabalho ambas as denominações.
Assim, os festejos se caracterizam por serem manifestações de fé, de agradecimento por benefícios alcançados
e renovação dos pedidos feitos à imagem do santo protetor. Podemos considerar que as festas de santo são
promessas coletivas que visam o bem-estar da comunidade. Dessa forma “acredita-se firmemente que, se o povo
não cumprir com sua obrigação ao santo, isto é, festejálo na época apropriada, ele abandonará a proteção
que dispensa. Aqueles que custeiam as despesas das
festas têm a convicção que o santo retribuirá esse sacrifício” (GALVÃO, 1976, p. 31).
Outra característica que merece destaque é que o
ribeirinho cumpre suas promessas por meio de rituais,
traduzidos muitas vezes na forma de festas religiosas,
almoços comunitários, missas, procissões, novenas, bailes etc. Dessa forma, cada evento deste possui sua própria história e razão de existência, forma única de ser
organizado, e sua representatividade para a comunidade
varia de grupo para grupo.
Nas comemorações dos festejos o sagrado e o
profano estão presentes, no entanto diluídos nos vários
momentos da festa. A organização do festejo e os vários
momentos que dele fazem parte é que vão caracterizar
estes dois momentos. O sagrado e o profano são destacados por Eliade (1992, 1998) como modos distintos de
ser no mundo, capazes de promover mudanças espaciais. Nesse sentido, Rosendahl (1999b) contextualiza a
questão do sagrado e do profano como formador e
modificador do espaço, seja de uma comunidade ou de
uma cidade.
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
O momento da festa religiosa é efetivamente um
espaço religioso que não separa o mundo em sagrado e
profano; nela tudo é potencialmente sagrado, ainda que
não seja eqüitativamente, já que certos lugares, certos tempos e objetos o são mais que os outros. Para Rosendahl
(1997, p.125) “o espaço sagrado se revela não somente
através de uma hierofania, mas também por rituais de
construção e, nesse caso, os rituais representam repetições de hierofanias primordiais conhecidas”.
Outro aspecto fundamental é que as festas de
santo se constituem em uma das características das populações que congregam da fé católica, pautando-se no
caráter socializador, posto que com a realização destes
eventos o grupo se encontra, realiza mais atividades em
conjunto. O que é destacado por MAFFESOLI (1998,
p.112) quando diz que é o “estar-junto à toa” que tem
sua importância nas coletividades dos momentos específicos das festas. A partir daí encontramos algumas características essenciais do grupo que se fundamenta,
antes tudo, no sentido partilhado. O que nas sociedades
modernas não é observado, posto que não há interação
comumente entre os estranhos, vemos nas populações
tradicionais e nos momentos dos festejos: a comunidade
celebrando como um todo (GIDDENS, 1991). O estar-junto é um dado fundamental, pois ele consiste numa espontaneidade vital que assegura a uma cultura sua força
e sua solidez específica; dessa forma os elementos que
constituem essa cultura solidificam o modo de vida do
ribeirinho, já que a festa é ritual, divertimento, mas também modo de ação e resistência do ribeirinho.
po unidade e os reunindo em torno de um ritual que reflete
o modo como o grupo vê o ambiente no qual está inserido,
bem como o seu modo de organizar e traçar as estratégias
de permanência do grupo enquanto ribeirinho.
O que pode, em certa medida, transparecer como
respostas simbólicas e religiosas às mudanças e secularização do sagrado produzido pelos novos valores sociais em voga na sociedade moderna. Tais práticas surgem
como maneiras de resistir e manter relações e identidades sociais diante de novas práticas e valores sociais.
As festas religiosas realizadas nestas comunidades são exemplificações de uma história cultural na qual
há uma impregnação no universo cultural do grupo. Nestes casos os rituais aparecem como manifestações
marcadas por atividades coletivas, pela qualidade e quantidade de danças, pelas inúmeras representações e pela
celebração em torno da imagem do santo protetor. São
verdadeiros encontros de uma unidade primeira, criação
que se cria através do seu próprio criador, desde as origens e nas várias histórias culturais. Os festejos religiosos ultrapassam a si mesmos como unidades temporais
para religar o visível e o invisível, aquilo que está dentro
e fora de um tempo, sempre buscando estabelecer laços
comunitários, de identidade étnica e tradição dentro das
mais variadas relações de poder.
7. REFERÊNCIAS
AMARAL, L. Carnaval da alma – comunidade, essência
e sincretismo na Nova Era. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
6. ANOTAÇÕES CONCLUSIVAS
Refletir sobre a modernidade é antes de tudo um
exercício de entendimento do modo de vida ligado à cidade, ao trabalho, ao mundo capitalista e ao modo de
produção industrial. E nesse contexto falar de religiosidade popular de populações ribeirinhas e da manifestação do sagrado e do profano, reveste-se de significativa
importância, visto que essas populações desde os
primórdios da história encontram-se à margem desse modo
de produção.
O universo da religiosidade parece muito tímido
em relação à modernidade e suas características, no entanto, é importante buscar os elos de ligação que este
processo de mudança e do chamado “projeto da
modernidade” trouxe para os grupos sociais que compõem a sociedade.
O universo do sagrado e do profano, que desemboca nas festas religiosas, não se caracteriza apenas por
prestar homenagens a santos do catolicismo, mas também por servir de momentos de confraternização coletiva entre várias famílias e comunidades, trazendo ao gruR. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
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R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
Planos Nacionais e Planos Diretores Urbanos: as Diretrizes
da Saúde para o Município de São José dos Campos
Vera Lúcia Ignácio Molina *
Resumo: Este artigo reconstrói, por meio da pesquisa documental e da análise temática, as relações de
ingerência dos planejamentos ou planos nacionais e os planos diretores urbanos de São José dos
Campos, no período que se estende de 1970 a 1996, no que se refere às políticas de saúde. Entre os
aspectos relevantes encontram-se a ausência de diretrizes para a saúde, a não definição de diretrizes,
programas e ações de saúde nos Planos Preliminar/1961 e Setorial/1971, e nem definição dos espaços
urbanos para a alocação dos serviços de saúde, mas, mesmo assim, o Governo Local instala o Departamento de Saúde Pública (1970) e inicia a organização da Rede Municipal de Saúde em cumprimento ao
Plano de Ação Econômica do Governo (Castelo Branco, 1964-1967), ao Programa Estratégico de
Desenvolvimento (Costa e Silva, 1967-1969) e ao Plano Nacional de Desenvolvimento I (Médice, 19691974). Dá-se ampliação do FAMME, do Convênio INAMPS/PMSJC, e a organização de Unidades
Médicas e Odontológicas entre 1979 e 1982. Estes programas foram sugeridos pelo Plano Nacional de
Desenvolvimento II (Geisel, 1974-1979 e Figueiredo, 1979-1985). A implantação do SUS (1988) indica
a obrigação de os municípios organizarem o COMUS e as Conferências Municipais de Saúde, o que foi
realizado em São José dos Campos. Retoma-se, neste momento, a questão da Política de Saúde. O PDI I
vem contemplar o setor de Saúde, com a definição de metas, programas e ações para os próximos 10 anos
e confirmação das exigências da CF/1988. Conclui-se que muito se caminhou no sentido da formulação
da Política de Saúde. Dentro do possível, os princípios filosóficos e organizativos da Política de Saúde
foram cumpridos e indicam grandes conquistas, mas, na prática, a luta pela autonomia dos recursos
materiais e para as decisões políticas permanece até 1996, no nível do discurso, uma vez que a
descentralização torna-se tutelada e se perpetuam o controle e a seletividade.
Palavras-chave: Gestão em saúde, planejamento, políticas de saúde.
Abstract: This article reconstructs through the documentary research and thematic analysis the
intervention aspects of the national planning or plans and São José dos Campos urban plan in the
period from 1970 to 1996 regarding health politics. Among the relevant aspects there are the lack
of guidelines for health, the non-definition of health guidelines, programs and activities in the 1961
Preliminary and 1971 Sectorial Plans and the health urban space non-definition to allocate health
services, but, even so, the local government creates the Public Health Department (1970) and starts
organizing the municipal health network in accordance with the Government Economic Action
Plan (Castelo Branco, 1964-1967), the Strategic Development Plan (Costa e Silva, 1967-1969)
and the National Development Plan I (Médice, 1969-1974). FAMME is extended through an
agreement with INAMPS/PMSJC and the Medical and Odontological Units are organized from
1979 to 1982. These programs were suggested in the National Development Plan II (Geisel, 19741979 and Figueiredo, 1979-1985). The SUS creation (1988) obligates the municipalities to organize the COMUS and the Municipal Health conferences that took place in São José dos Campos. At
this moment, the health politics subject is retaken. The PDI I covers the health sector defining goals,
programs and activities for the next 10 years and confirms the CF/1988 requirements. It is concluded
that a long way has been taken towards health politics formulation. Within the possibilities, the
Health Politics philosophical and organizing principles were accomplished and showed big
conquests, but in practice the battle for material resource autonomy and for politic decisions
remain until 1996 in the speech level since the decentralization becomes tutored and the control
and selectivity are perpetuated.
Key words: Health management, planning, health politics.
* Professora da Univap e da UNESP.
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
85
INTRODUÇÃO
As evidências empíricas têm apontado algumas
das limitações impostas aos planos de desenvolvimento
pelos planejamentos econômicos estabelecidos pelo Estado Brasileiro, notadamente durante o regime militar de
1964 a 1984, quando a cultura do planejamento parece
favorecer o ato de intervenção racional como único instrumento viabilizador do desenvolvimento econômico.
Questões como educação, habitação e saúde são, neste
período, resolvidas pelo Governo Central, retirando dos
Estados e Municípios autonomia para geri-los e gerenciálos, em concordância com seus projetos políticos e programas de governo.
A cultura do planejamento emerge na sociedade
brasileira pelos idos dos anos 30 quando Getúlio Vargas,
durante o período conhecido como Estado Novo, e como
conseqüência de uma nova concepção do Estado (RIBEIRO; CARDOSO, 1994), faz uso da técnica e da ideologia do planejamento para propor a renovação, modernização e nacionalização dos espaços urbanos. Utilizando
a técnica e a ideologia do planejamento, a cidade do Rio
de Janeiro ganha o seu Plano Diretor e, posteriormente,
as cidades de São Paulo e de Recife também conquistam
a racionalização de seus espaços urbanos, já que a ocupação do solo é decidida, agora, pelos Planos Diretores,
que definem o lugar onde os projetos urbanos e sociais
serão fixados (RIBEIRO; CARDOSO, 1994).
Estando o planejamento presente no processo de
formação da sociedade urbano-industrial brasileira, dos
anos 30 até o presente momento, decidindo as políticas
urbanas, sociais e os programas e as ações dos diversos
setores da organização social, parece oportuno questionar sobre as interfaces entre os planos/planejamentos
locais e os nacionais e as políticas de saúde propostas
pelo Estado Brasileiro.
Oliveira (1984) e Ianni (1987) são os autores que
indicam com clareza o significado e o desenvolvimento
dos planos nacionais (ou plano do Estado, programa
capitalista, programação indicativa, como preferem outros autores); Ribeiro e Cardoso (1994) também indicam
alguns paradigmas e algumas experiências de planejamentos urbanos no Brasil, na linha de reflexão que trata o
planejamento como mecanismos de subordinação das
classes populares, usados pelas classes dominantes.
Foi nos anos sessenta, tendo o Plano de Metas
como marco histórico do uso de estratégias racionalizadas, que a idéia de planejamento se colocou de forma
imperiosa como uma das atribuições do Estado para controlar a sociedade civil, inibindo a participação dos seus
diferentes segmentos e fortalecendo a participação dos
burocratas.
O Estado Brasileiro, nestas últimas décadas, tem
feito uso do planejamento para impor diferentes pacotes
sobre a sociedade civil, para tratar as demandas sociais
como uma questão política e para determinar as diversas
atividades econômicas.
No período que vai de 1950 a 1996, os planos
nacionais, e no seu interior as políticas de saúde, são
também recomendados pelo Conselho da OEA, já que os
projetos, programas e ações de saúde são tidos como
essenciais e complementares a qualquer programa de
desenvolvimento. Este é o pensamento internacional que
se impõe à sociedade brasileira.
PLANEJAMENTO E POLÍTICAS DE SAÚDE
O planejamento implementa a política do grupo
hegemônico uma vez que as ações intervencionistas conduzem àquelas medidas que mantêm o status quo, reforçando as peculiaridades do capitalismo (OLIVEIRA, 1984;
IANNI, 1987).
ESTADO, SOCIEDADE E PLANEJAMENTO
Os planos tornam-se necessários quando as sociedades industrializadas ou em fase de desenvolvimento apresentam demandas crescentes de diferentes ordens
e a capacidade do sistema torna-se insuficiente. As demandas sociais acabam gerando as condições históricas
necessárias aos atos de intervenção técnica e políticoideológica do Estado, com a intenção de racionalizar a
reprodução ampliada do capital.
Os planejamentos podem ser pensados considerando o Estado como o aparelho dotado de conteúdo
inerente aos interesses da classe dominante; e a concepção de política, nesta perspectiva, acolhe a competição
entre possíveis históricos não equivalentes.
86
O planejamento da política de saúde, uma política
setorial do planejamento estatal, elaborado nos meandros dos Governos Federal, Estadual e Municipal, é pensado como capaz de resolver os obstáculos organizacionais e, desta maneira, facilitar a satisfação das demandas sociais daquele momento, pois se racionalizam as
prioridades e os recursos humanos e materiais.
A política social, enquanto um conjunto de medidas encontradas pelo Estado para, a seu modo, resolver
os problemas sociais, é inserida no planejamento para
propor o bem-estar social pela regulação do sistema econômico, fazendo uso de práticas comuns às sociedades
capitalistas contemporâneas, os seja a implantação de
uma rede de seguridade.
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
De um lado, a política social inserida no planejamento estatal, seja ela qual for, demonstra as disputas
efetivas quando se processam as decisões, quando se
discute a repartição dos custos e benefícios sociais ou
as relações entre os agentes do processo, seus interesses e formas pelas quais se inserem na ordem social.
De outro, os embates econômico e político pressionam o Estado a intensificar a seleção de políticas e
práticas sociais. As políticas sociais, e particularmente
as políticas de saúde, são assumidas pelos gestores como
possibilidades de redução das desigualdades sociais, à
medida que se expande a rede de serviços de saúde.
Mesmo assim, as políticas de saúde, incorporadas ao planejamento urbano, têm estabelecido um sistema de exclusão político-social, mais do que a inclusão
das vastas camadas populares (SILVA, 1986; FALEIROS,
1986), já que os planejamentos não definem, com a clareza necessária, os recursos humanos e materiais suficientes à manutenção de uma infra-estrutura viável à rede de
serviços de saúde que correspondam às expectativas e
aos canais de participação popular.
O planejamento de políticas setoriais de saúde,
mesmo excluindo vastas camadas da população e ocultando a capacidade de participação política de seus usuários, tem servido para emprestar uma face humanista
aos seus gestores.
A inadequação entre as propostas do planejamento, especialmente as referentes à saúde, e as ações/ práticas de saúde, resulta num contínuo processo de exclusão político-social, ocultamento da capacidade de participação política e endeusamento dos gestores das políticas de saúde, pela possibilidade de redução das desigualdades sociais, as quais, por fim, se vêem, durante a
execução, com a falta de recursos humanos e materiais.
Muitas são as explicações sobre as razões desta
inadequação (BROWNE E GEISSE, s/d). Entre elas é possível arrolar a falta de perspectivas dos administradores,
a escassez de recursos e a instabilidade política, mas
existem outras que se encontram fora do processo de
decisão como, por exemplo, a educação dos planejadores,
responsável pela sua acomodação às benesses do cargo
que ocupam na área de planejamento.
ticular as de saúde, não elimina a necessidade de planejamento, o que fortalece a racionalização e a ordenação
dos serviços públicos e envolve a centralização, mesmo
que se ampliem os direitos sociais e o nível de participação dos cidadãos.
Descentralizar sem garantias de colocar as informações à disposição dos cidadãos, sem ter a sociedade civil
organizada e sem dispor de canais e formas de participação
eficientes é, na verdade, retornar à centralização (ARRETCHE,
1995; JACOBI, 1993; BROWNE; GEISSE, s/d).
O acesso aos serviços, dificultado por questões
burocráticas, deterioração e desprestígio das instituições
e pelo aumento da população usuária, coloca o processo
de descentralização em risco. A prática do incrementalismo dificulta também esse processo, pois os mecanismos inovadores e os organismos reformistas reafirmam estruturas centralizadoras (JACOBI, 1993;
BROWNE; GEISSE, s/d).
Os governos, em qualquer um de seus níveis, são
chamados a iniciarem a institucionalização da inclusão
dos cidadãos no processo decisório e eliminarem aquelas formas particulares de participação (ARRETCHE,
1995; ROSALAVALLON, 1993; TANZI, 1995, apud
ARRETCHE, 1995), para fazerem frente ao processo de
descentralização. Os programas e as estratégias de
descentralização propõem um rearranjo das estruturas
político-institucionais.
A sociedade brasileira é permeada de uma cultura
de planos/planejamentos. Entende-se que facilitam o alcance do desenvolvimento econômico pela racionalização das políticas. Na história recente (1956 a 1996), o
governo federal elaborou e colocou em prática dez planos de intervenção no espaço nacional. Entre eles, encontram-se do mais liberal ao mais coerente com a realidade histórica e, daí, aos mais autoritários. A maioria foi
substituída tão rapidamente, que não se consegue avaliar quais seriam os resultados se fossem implementados.
O Estado, ao tomar para si a responsabilidade de
promover políticas sociais descentralizadas, responde à
centralização, à medida que as políticas sociais relacionam-se com a reprodução ampliada do capital e
desprestigiam as instâncias de representação (JACOBI,
1993; ARRETCHE, 1995).
Bierrenbach (1987) elabora uma análise interessante sobre os planos nacionais de 1956 a 1978, indicando os impasses econômicos determinantes na sua elaboração e decidindo o motivo do mínimo interesse concedido aos serviços sociais. Ribeiro e Cardoso (1994), interessados em propor um paradigma para futuros planejamentos urbanos, revisam e classificam os planejamentos
existentes no período de 1930 a 1980. Estes são os autores selecionados para orientar a reflexão das interfaces
entre os planos nacionais e os três planos de desenvolvimento urbano elaborados para São José dos Campos,
naquilo que se refere à política social de saúde.
A descentralização das políticas sociais, e em par-
Se em nível federal são 10 os planos nacionais
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
87
implementados entre 1956 e 1996 por 11 presidentes (Fig.
1), em nível local há três planos sendo implementados
por 11 elites políticas. Claro que a importância não se
centra na quantidade de planos e gestores, mas os números apontam uma descontinuidade em nível nacional,
alterando as formas de intervenção nos municípios.
A alternância das elites no poder local evidencia
tanto os diferentes rumos dados às diretrizes gerais
estabelecidas nos planos de desenvolvimento urbano
do município, quanto as intervenções no espaço urbano, na implementação de políticas e ações distantes das
diretrizes dos planos locais para atender aos interesses
do governo central.
Os planos de intervenção no espaço nacional divergem em sua fundamentação político-ideológica e em
sua preocupação com a política setorial da saúde. De
1956 a 1970, o cenário nacional se vê orientado por quatro planos, dos quais dois são considerados de tendên-
cia democrática com bases ideológicas diversas, o Plano
de Metas e o Plano Trienal.
O Plano de Metas tornou-se conhecido como o
primeiro instrumento sistematizado para direcionar atividades geradoras do desenvolvimento. A luta pelo desenvolvimento e a segurança nacional ampliada para a
defesa do mundo ocidental o fundamentam ideologicamente. Quanto às preocupações com o social, são
inexistentes, a não ser que se considere o treinamento de
pessoas como medida social.
Durante este período, o município de São José dos
Campos não conta com qualquer plano que direcione as
atividades humanas no seu espaço. É um período em que a
preocupação com o espaço urbano tem início com o convênio estabelecido entre a prefeitura local e o Centro de Pesquisa e Estudos Urbanísticos (CPEU) /FAU/USP, em princípios de 1958. Deste convênio define-se o Plano Preliminar/
1961 que evolui para o Plano Diretor Integrado/1971.
Fig. 1 - Gestores e Planos (1956-1996).
OBS.: Os * indicam a substituição dos eleitos pelos vices e destes pelo Presidente da Câmara dos Vereadores,
quando se trata dos prefeitos locais; em relação ao governo central indica a substituição por perda de mandato, no
caso de Fernando Collor, e, no caso do Sarney, se deu pela morte de Tancredo Neves.
O CPEU e a equipe do Escritório Técnico de Planejamento/SJC propõem, também, aos prefeitos locais, a
criação de um Consórcio de Desenvolvimento Integral
do Vale Paraíba/1963 - CODIVAP - para a execução de
88
obras e serviços visando o desenvolvimento. Para garantir a execução e implementação dos estudos realizados pelo CODIVAP, foram acionados a cooperação de
ordem estadual e federal, o apoio dos administradores
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
locais e das Câmaras de Vereadores e os estudos realizados pelo SVP e pelo próprio CPEU.
Parece ser uma atitude política isolada e local, mas
uma reflexão mais atenta para o espaço brasileiro permite
identificar que neste período muitos outros municípios,
alguns importantes da Região do Vale Paraíba, adotam o
planejamento como forma de enfrentar o desenvolvimento local e regional. A região já era considerada estratégica para o Estado de São Paulo, como prova a existência e
os objetivos do Serviço do Vale Paraíba (SVP)/SP.
Esta preocupação acentua-se na década de 50,
quando o governo federal o percebe como zona de interesse estratégico dedicando-lhe uma atenção especial,
quando se fortalecem e se redirecionam os objetivos do
agora SVP.
O planejamento dos Serviços do Vale Paraíba
(SVP ex-SMVP, 1946), em 1960, tem como objetivos:
a) a conservação dos recursos naturais e a sua
utilização harmônica e integral;
b) a reformulação da política atual de exploração
agropecuária e florestal;
c) a implantação de indústrias básicas de interesse regional;
d) o disciplinamento do crédito;
e) a melhoria das condições sociais e assistenciais;
f) a educação e o ensino (Prefeitura Municipal,
PDI/1971, p.18).
O SVP assume, a partir de sua reorientação, a responsabilidade de orientar o zoneamento urbano-industrial;
melhorar os planos de habitação, que com o surto da industrialização passaram a exigir prioridade de crédito; evitar a
crise de energia com a instalação da usina de Caraguatatuba
e facilitar o desenvolvimento da rede escolar.
No que diz respeito à Saúde, o SVP não ultrapassa a identificação das condições sanitárias insatisfatórias
das zonas urbana e rural do Vale Paraíba e a insuficiência
dos serviços públicos, graças à pouca capacidade financeira dos municípios. Além disto, a saúde só tem lugar
na relação dos objetivos e, assim mesmo, em penúltimo
lugar. Nenhuma proposição prática para as demandas
sociais, nessa área, é colocada devido ao surto de industrialização.
O Plano Trienal é tido como aquele que melhor
se aproximou da realidade brasileira, tanto em nível
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
institucional como administrativo. Reconhece as
disparidades regionais, a burocratização exagerada, a
ausência de uma política bancária, os efeitos negativos
da concentração de renda. É o primeiro plano que identifica, de forma clara, a preocupação com o social, quando
prioriza a distribuição de renda, o combate à inflação, as
medidas sanitárias preventivas de baixo custo e o saneamento básico.
Enquanto o governo Goulart acende uma discussão política efervescente, no município de São José dos
Campos a discussão se dá em relação à necessidade de
um planejamento regional que dê conta de questões comuns aos diferentes municípios do Vale Paraíba; a necessidade de um Consórcio de Desenvolvimento Integrado do Vale Paraíba - CODIVAP - para ganhar força
junto aos governos federal e estadual e assim conseguir
verbas com maior facilidade e, ao mesmo tempo, vencer
as resistências do prefeito municipal recém-empossado,
Dr. José Marcondes Pereira, ao planejamento do espaço
do município.
O CODIVAP é o primeiro consórcio para o Desenvolvimento regional. Foi apresentado pelo município de
São José dos Campos como tese no VI Congresso Nacional dos Municípios realizado em junho de 1963. Entre
os problemas arrolados como prioritários encontram-se
a saúde e os serviços públicos, e para resolvê-los acionava o governo
“(...)através de concessão de crédito preferencial
àquelas atividades que se realizem consoante o
plano. Assim, seriam concedidos, prioritariamente,
créditos às indústrias, planos de habitação e serviços públicos que se enquadrassem no planejamento” (PMSJC/PS/PDI/1971).
Com tantas discussões e dificuldades, o primeiro
plano para o espaço urbano do município de São José
dos Campos - Plano Preliminar/61 - iniciado em 1958 na
gestão do Prefeito Elmano Ferreira Veloso, fica pronto
em 1960 e começa a orientar o espaço joseense em 1961,
assim permanecendo até 1970. O documento focaliza as
necessidades políticas locais na implementação, sem,
contudo, fazer qualquer alusão à saúde, seja em termos
de espaços físicos destinados a programas e ações, seja
em termos de diretrizes que norteiem as decisões futuras.
A grande preocupação do Plano Preliminar/61 é com a
área central e nela o centro cívico.
No período que se estende de 1964 a 1970, dois
outros planos nacionais, o Plano de Ação Econômica do
Governo - PAEG - e o Programa Estratégico de Desenvolvimento - PED - iniciam a centralização das decisões
políticas. O poder local garante a preparação de um segundo plano, inicialmente como Estudos e Planos
89
Setoriais, e que evolui para o Plano Diretor Integrado/
1971 - Lei n.o 1623/71.
O PAEG e o PED inauguram a coordenação do
espaço nacional sob a guarda do regime revolucionário.
O PAEG é utilizado como instrumento de legitimação e,
para tanto, conta com representantes das diversas camadas sociais no Conselho Consultivo de Planejamento. A
política de Produtividade Social relaciona os componentes sociais aos componentes de produção. Tem-se o Estado como guardião do capitalismo (KUENZER;
CALAZANS; GARCIA, 1990). Sem um diagnóstico
abrangente da realidade, com a setorização do social e
com o social subordinado ao econômico, o plano é
implementado com a intenção de restituir o clima de tranqüilidade ao País.
O PED recomenda a transição da economia de
substituição de importações para uma economia
diversificada, o combate à inflação e o fortalecimento da
empresa privada. Este é o conceito de desenvolvimento
no governo Costa e Silva.
No PAEG, a Política Social de Saúde orienta a instalação de centros comunitários e a normalização de iniciativas públicas e privadas. No que toca à área de saneamento básico, a proposta é aumentar a rede de abastecimento de água e esgoto, e na área de Previdência Social
é reformular a base organizacional.
No PED, a dimensão do social aparece por meio
das diretrizes que sintetizam a “Meta-Homem”. A saúde
se apresenta em três grandes linhas: assistência médicosanitário-hospitalar, saneamento básico e combate às
doenças transmissíveis. A Política Previdenciária cumpre a tarefa de unificar os antigos institutos no Instituto
Nacional de Previdência Social -INPS.
O social é a tônica do Plano Trienal. Já nos dois
planos subseqüentes, PAEG e PED, a dimensão do social, e particularmente a política de saúde, encontra-se presente como medida intervencionista e setorizada para
colaborar com o desenvolvimento econômico. De um lado
é a subordinação do social ao econômico, de outro favorecer o social é diminuir as tensões sócio-políticas.
O compromisso com o social, presente no Plano
Trienal, alcança o município na atitude, em princípio particular, do prefeito Dr. Marcondes, em colocar à disposição da população os serviços da Farmácia Comunitária e
a Casa da Criança. Até os anos setenta nada mais do que
isto é realizado.
O município torna-se, em 1970, área de Segurança
Nacional dada a presença, em seu território, do Centro
Técnico Aeroespacial, do Instituto Nacional de Pesqui-
90
sas Espaciais e da Empresa Brasileira de Aeronaves; e
também devido à sua localização geográfica, próxima ao
Porto de São Sebastião, fronteira com o Estado de Minas Gerais e localizada entre os dois eixos econômicos:
Rio de Janeiro e São Paulo.
Como município de Segurança, o poder local de
São José dos Campos era assumido por prefeitos nomeados pelo governo central. Durante as gestões do Dr.
Sérgio Sobral de Oliveira e do Eng. Ednardo J. de Paula
Santos encontrava-se em vigor o Plano Diretor Integrado/71 (PDI/71). O documento trata, basicamente, da
transformação física do espaço urbano, sugerindo uma
legislação de ocupação do solo sem, no entanto, tratar
das questões da saúde pública.
Embora o PDI/71 deixe de lado as questões referentes à saúde, é sob as administrações nomeadas pelo
governo central que o município coloca à disposição de
seus habitantes o Fundo de Assistência Médica e
Medicamentosa (FAMME), o Departamento de Saúde
Pública, as primeiras Unidades Básicas de Saúde e o Pronto Socorro “Dr. Carlino Rossi”. Estrutura-se, desta forma, a Rede Municipal de Serviços de Saúde.
Pode-se presumir, sem correr grandes riscos, que
a Rede Municipal de Serviços de Saúde sintoniza-se com
a centralização política iniciada com o PAEG e PED e
continuada com os dois Planos Nacionais de Desenvolvimento (I PND, 1969, e II PND, 1979).
Deste período, década de 70, data a criação do
Sistema Nacional de Saúde com a tarefa de integrar as
ações estatais; cria-se o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Política Social (SINDAS,1978), para reorganizar as atividades finais e o Instituto Nacional de
Assistência Médica de Previdência Social (INAMPS),
para coordenar as atividades médicas.
A importância dada à saúde, pelos equipamentos
sociais colocados à disposição e pelos serviços instalados,
tanto em nível federal como local, relaciona-se com o desenvolvimento econômico. É o intervencionismo estatal no setor
da saúde. Melhoram-se os seus serviços, mas inibe-se a
emergência da cidadania, mesmo a chamada cidadania de
sobrevivência (SPÍNOLA, 1992; SANTOS, 1979).
Os índices de miséria continuaram elevados. Os
índices de desigualdade social não foram diminuídos.
Não se pode chamar as instalações de serviços e equipamentos sociais como Política Social de Saúde, já que
não se reconhece como tal a implementação de medidas
meramente compensatórias.
Pelo fato de essas medidas não redistribuírem renda e nem privilégios, e não efetivarem o acesso dos cida-
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
dãos aos serviços públicos, elas não devem ser consideradas como Política Social de Saúde. Estas são algumas
das razões que levam Oliveira (1984) a reconhecer o Estado Brasileiro como um Estado Malfeitor. A preocupação é ofertar serviços para assim financiar, por fundos
públicos, a reprodução da força de trabalho.
No período que se estende de 1978 a 1992, São
José dos Campos contou com oito prefeitos municipais.
Todos eles tinham à sua disposição o mesmo planejamento de desenvolvimento urbano: o Plano Diretor Integrado/71 (PDI/71). A alteração das elites de poder, assunto que será tratado mais adiante, vai favorecer o privilegiar da política setorial definida pelos governos federal
e estadual, facilitando desta maneira a arrecadação dos
recursos necessários, sem que estas diretrizes estivessem
contidas no Plano Diretor Integrado/71 (PDI/71).
O documento Plano Setorial/Plano Diretor Integrado (PS/PDI/71) não contém políticas para a saúde.
Ele prioriza a transformação física do centro urbano. Em
nível nacional, o I PND legou os programas do PIS e do
PASEP que visavam, como proposta social, assegurar a
participação do trabalhador na renda nacional, e priorizou,
também, mediante a criação de pólos de desenvolvimento, a descentralização econômica e a articulação regional.
O II PND, reorganização da intervenção do Estado na Saúde, manteve os programas sociais como forma
de remuneração indireta e deslocou a Previdência Social
para o Ministério da Previdência e Assistência Social.
O II PND influi na forma do espaço nacional à
medida que utiliza os conceitos de concentração de investimentos em pontos estratégicos do espaço e de controle da administração municipal. É o início da ingerência
do governo federal sobre as prefeituras municipais, tanto “por via do controle financeiro (...), mas também pelo
sistema de planejamento” (SERRA, 1991). O resultado é a
negação da racionalidade à autoridade local.
A racionalidade encontra-se na esfera federal, e
“passa a ser monopólio dos donos do poder” (SERRA,
1991), e a
“(...)centralização das decisões é necessária, pois os diversos agentes econômicos
e políticos poderão não obedecer às diretrizes do ‘plano’ ” (SERRA, 1991, p. 148).
Como resultado da ingerência do governo federal
sobre os municípios, os Planos Regionais e os Planos
Locais ou Setoriais, também chamados de Planos Diretores, refletem os conceitos desenvolvidos nos Planos
Nacionais - centralismo, hierarquismo, ausência de participação popular - as propostas da área na qual se instala
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
o município; como deveriam ser cumpridas as recomendações dos Planos Regionais e as três condições obrigatórias, que são a:
“(...)criação de um órgão executivo do plano, atuação do Conselho de Desenvolvimento Regional junto às esferas dos governos estadual e federal e aos próprios
municípios da região; [e]interesse dos municípios e da população da região, no sentido de implantar as diretrizes do plano,
gerando cooperação e apoio a nível comunitário” (SERRA, 1991, p. 135),
os municípios brasileiros foram coagidos a elaborar os
seus planos diretores. As cooperações e apoios das esferas estadual e federal eram facilitadas para aqueles
municípios cujos Planos Diretores cumprissem as diretrizes dos Planos Nacionais.
O poder local, ao solicitar empréstimos junto aos
órgãos oficiais para a execução do Plano Diretor, termina
por aceitar a ingerência desses órgãos em cada uma das
etapas do plano.
Os chamados Planos Regionais tornam-se esforços conscientes de construção do sistema de planejamento integrado, procurando incluir as grandes diretrizes referentes às áreas de concentração e de
desconcentração em nível estadual e metropolitano. Reconhecem e intervêm no planejamento municipal ao fazerem recomendações em nível local.
O Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado/
95 (PDDI/95), que racionaliza o espaço do município de
São José dos Campos, embora não especifique nem detalhe as áreas do território, ordena os aglomerados e os
investimentos sobre eles em conformidade com a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU) (Ministério do Interior: Resolução n.º 0003/1979).
As políticas setorizadas, a preocupação com a
região do Vale Paraíba, a insistência num macroplanejamento, o fortalecimento de uma Secretaria de Planejamento com um setor de pesquisa de alta qualidade, são
alguns indicadores da presença da PNDU sobre a política
de planejamento do município de São José dos Campos.
Em se tratando de serviços de saúde colocados à
disposição da população local, o primeiro governo
Bevilacqua (1978, I Gestão) fez os melhores investimentos garantindo a ampliação da Rede Municipal de Saúde,
mesmo interrompido por duas vezes: a primeira pela sua
saída para disputar uma eleição para o legislativo, a segunda quando o vice-prefeito, Francisco Ricci, retira-se
do cenário por desentendimentos políticos e viabiliza o
91
acesso ao poder local do então presidente da câmara dos
vereadores, José Luiz de Almeida.
A Secretaria Municipal de Saúde, a partir daquele
momento, passa a contar com uma estrutura física e uma
organização de serviços que se estende do Pronto-Socorro a Unidades de Atendimento à Saúde Bucal espalhadas por todas as regiões do município. Em especial,
este governo dá atenção à saúde do escolar, instituindo
44 unidades médicas e 44 unidades odontológicas. É dele
também a assinatura do primeiro Convênio INAMPS/Prefeitura Municipal de São José dos Campos.
Parece que, embora o PDI/71 não estabelecesse
diretrizes norteadoras para a política social de saúde, a
continuidade do Plano Nacional de Desenvolvimento - I
PND e II PND - e a intervenção do Estado no setor em
nível nacional, com programas de serviços de saúde já
apontados, direciona o poder local na Atenção à Saúde.
O advogado Robson Marinho, depois de uma excelente
campanha e consagrado nas urnas por maioria absoluta,
chega ao poder local como o realizador das demandas
sociais. Antes de completar um ano de sua gestão é substituído pelo vice, o assistente social Hélio Augusto de
Souza, para concorrer à Câmara Federal dos Deputados e
compor o conjunto de deputados constituintes. O viceprefeito, conhecido por seu comprometimento com o social, mantém acesa a esperança de se verem priorizadas
as demandas sociais, mas falece durante o primeiro ano
de seu mandato.
O governo local é assumido pelo presidente da
câmara de vereadores, Dr. Antônio José Mendes de Faria, que embora do mesmo partido político, o PMDB,
prioriza outras políticas sociais. No programa de saúde,
consta como sendo desse período o Convênio com o
Sistema Unificado de Saúde (SUS), exigência federal; a
reativação do Centro Cirúrgico do Pronto Socorro Municipal e a inauguração do Centro do Adolescente da Unidade Central de Saúde “Maria José Rodrigues” (Prefeitura Municipal: “Manual de Recursos e Equipamentos
Sociais/1989-1992”; PDDI/95; Relatórios Oficiais/95).
O governo Sarney, com o l.º Plano Nacional de
Desenvolvimento da Nova República, inaugura os governos civis para a sociedade brasileira, sem contudo romper com a fundamentação político-ideológica que norteia
os governos militares.
O compromisso com o social, presente no discurso durante toda a campanha presidencial, na prática mascara a desigualdade social ao favorecer os pobres, ocupando espaços que, por direito, são da sociedade civil.
As equipes de planejamento das políticas sociais, educação e saúde, começam a ser esvaziadas, o que
92
não diminui a prevalência do econômico sobre todos os
demais aspectos. Inserido neste contexto encontram-se
os governos de Robson Marinho/Hélio Augusto de Souza e Antônio José Mendes de Faria (1983-1988).
A inserção do governo local num cenário político
que continua reproduzindo a prioridade pelo econômico
talvez justifique a ausência de projetos e programas de
saúde inovadores, como se discursava durante a campanha política. A Fundação Hélio Augusto de Souza FUNDHAS - (Leis Municipais: 3227/87 e 3570/89) é o
projeto que mais deslancha nesta época. Seu objetivo
básico é atender crianças e adolescentes do município,
oferecendo programas de natureza sócio-educativa e
ocupacional.
A chegada de Fernando Collor à Presidência da
República inaugura um novo momento na história do
Brasil. É o primeiro governo civil desde 1961, eleito por
voto popular. É o candidato que elabora uma ferrenha
oposição ao governo Sarney e que consegue
“(...)preencher o espaço dito de centro-direita com as mesmas armas do populismo,
logrando sólida implantação entre os eleitores de baixa renda e baixa escolaridade
(além, é claro, do eleitorado do interior, de
modo geral” (LAMOUNIER, 1989, p. 143).
Ao sair Collor (1989-1992) vencedor encontra uma
grave conjuntura econômica e passa a sofrer uma vertiginosa perda de autoridade que o impede de corresponder
às expectativas de um eleitorado ávido por mudanças. O
Plano de Reconstrução Nacional (PRN) não chega a ser
de fato implementado. De um lado, as equipes de planejamento são esvaziadas, e, de outro, tem início o declínio
da cultura de planejamento, que vingou por tantos anos.
O mesmo ocorre com o Plano de 5 Metas proposto por
Fernando Henrique Cardoso, o que indica enfraquecimento da cultura de planejamento na Sociedade Brasileira, dando lugar as outras formas de racionalização das
necessidades de sobrevivência da sociedade.
Em 1993, São José dos Campos conta com uma
nova elite de poder: a Dr.ª Ângela Moraes Guadagnin, do
Partido dos Trabalhadores, ascende ao poder local renovando todos os membros do primeiro e segundo escalões do governo. A elite de poder encontra vários obstáculos junto à câmara de vereadores para a aprovação
dos projetos políticos apresentados à comunidade
joseense durante a campanha eleitoral. Não foi muito fácil governar de forma petista, insistindo na democracia e
na participação popular, sem contar com maioria no poder legislativo.
O governo Guadagnin se esforça para preparar e
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
aprovar um Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI/95) para o município de São José dos Campos.
O PDDI/95 apresenta um diagnóstico que, se não completo sobre a realidade joseense, é atualizado, com diretrizes, políticas, programas e projetos para cada política
setorial. Isto, no entanto, não basta.
O documento não esclarece a origem dos recursos materiais e humanos, o tempo de implementação,
assim como não informa a qual secretaria caberá a responsabilidade de cada projeto, e quais serão as penalidades para o não cumprimento dos programas e projetos.
Durante a preparação do documento do PDDI/95,
e sem contar com qualquer orientação estabelecida no
PDI/71, o governo Guadagnin melhora a Rede Municipal
de Saúde, instalando novos serviços, estendendo os
anteriores e oferecendo uma cobertura maior.
São José dos Campos, ao contar com um Plano
Diretor Integrado (PDI/71), que orienta o espaço urbano
por aproximadamente 22 anos, mostra por quais razões
ele acaba não dando conta e permitindo intervenções
sobre o espaço por decisões do momento político.
Com o esvaziamento das equipes de planejamento, fortalecido a partir do governo Collor, entra-se na fase
de desaceleração tanto dos planos/planejamentos como
da centralização político-econômica. A ruptura com o
governo militar, a chegada da Constituição Federal em
1988, as novas Constituições Estaduais, e a aprovação
das Leis Orgânicas dos Municípios propõem um novo
caminho para o desenvolvimento: a descentralização e a
participação popular.
Na saúde, a Constituição/1988, o Decreto 99438/
1990 e a Lei Orgânica/1990 tomam como caminho a
efetivação do Conselho Municipal de Saúde em São José
dos Campos - COMUS -. Esta situação se instala em todo
o território nacional, nem sempre da mesma forma, já que
as condições locais são levadas em consideração.
O COMUS/SJC, segundo o Decreto 7043/90,
“(...) tem como objetivo básico o estabelecimento, acompanhamento, controle e avaliação da Política Municipal de Saúde na
conformidade da Lei Orgânica do Município, constituindo-se no órgão colegiado
máximo (Decreto 7043/90:capítulo II, artigo 3.º) (grifos nossos). O COMUS/SJC
será composto de representantes de movimentos e entidades, trabalhadores e representantes governamentais, interessados na questão de saúde do Município”
(capítulo III - artigo 3.º).
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
O COMUS/SJC deveria observar, de forma
simplificada, as seguintes diretrizes básicas e prioritárias
(capítulo IV - artigo 6.º; anexo 4): “garantir a saúde mediante políticas sociais; constituir uma rede organizada,
regionalizada e hierarquizada de ações e serviços; assegurar o desenvolvimento e a complementaridade entre
as dimensões preventivas e sociais; e descentralizar efetivamente as ações de saúde”.
Com os Conselhos - Nacional e Municipais - a
Política de Saúde toma o rumo da descentralização e favorece a participação popular. Parece confirmar o pressuposto das relações entre políticas sociais e necessidades sociais.
As necessidades sociais, derivadas do sistema
produtivo capitalista, impulsionam as demandas sociais
e estas acabam levando o Estado a cumprir alguns de
seus compromissos sociais, gerar bem-estar social, produzindo políticas sociais descentralizadas.
A sociedade brasileira adentra a década de 90 com
um processo de descentralização da Política de Saúde,
que representa a recuperação da racionalidade da decisão local (plano econômico) e a possibilidade de ampliação dos direitos e da participação dos cidadãos (plano
político-administrativo) (JACOBI, 1993).
A sociedade encontra-se diante de novas regras
de convivência entre o poder e a população local. As
responsabilidades dos cidadãos também são outras, já
que muitos exemplos de descentralização têm significado re-privatização, fortalecimento do poder central / local e a criação de entraves à participação por ineficiência
de canais (BORJA apud JACOBI, 1993). Os cidadãos devem estar atentos para que os canais de participação
nem dificultem nem desprestigiem a representação, mas,
ao contrário, sejam facilitadores das ações dos diferentes grupos na obtenção de poderes públicos.
O COMUS inaugura uma política de saúde descentralizada e participativa. Não se garante a redução
das desigualdades sociais, objeto das políticas sociais.
Ainda falta muito para que sejam eliminadas as incertezas dos cidadãos de terem garantido o acesso aos serviços de saúde.
PLANOS DIRETORES URBANOS PARA SÃO JOSÉ
DOS CAMPOS
São José dos Campos conta, em sua história, com
três planos. O Plano Preliminar/61 (PP/61), realizado
no período de 1958 a 1961 (gestão de Elmano Ferreira
Veloso) e implantado em 1962, durante o governo do Dr.
José Marcondes Pereira. O Plano Setorial (PS), de 1961
a 1964, posteriormente denominado Plano Diretor Inte93
grado/71 (PDI), elaborado a partir dos dados e informações contidos no Plano Preliminar, implementado com a
Lei N.º 1623/1971 e que gerenciou o espaço urbano do
município de São José dos Campos até 1994. O Plano
Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI/95), iniciado em 1990 e que vai orientar o uso do espaço urbano
por 10 anos, foi aprovado pela câmara dos vereadores e
a lei sancionada pela prefeita Dr.ª Angela M. Guadagnin.
O Plano Preliminar/61 começou a ser preparado
em 4 de abril de l958, logo após a assinatura de um convênio entre a Secretaria de Viação e Obras Públicas do
Estado de São Paulo (SVOP/SP), o Centro de Pesquisa e
Estudos Urbanísticos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (CPEU/FAU) e
a Prefeitura Municipal de São José dos Campos.
A orientação técnica ficou sob a responsabilidade do CPEU/FAU, e durante o desdobramento dos estudos e recomendações do próprio CPEU/FAU, a prefeitura local criou um Escritório Técnico de Planejamento, que
assumiu algumas das responsabilidades técnicas, tanto
deste Plano Preliminar como do Plano Diretor Integrado/
1971. Os encargos financeiros ficaram sob a responsabilidade da SVOP/SP.
O convênio previa a preparação de um Plano Preliminar que desse conta de ordenar o desenvolvimento
caótico do município. Esse plano representa a primeira
etapa no processo de planejamento do município de São
José dos Campos. As demais etapas previstas são (Prefeitura Municipal/PP/196l:0138-IV.3.1): Plano Preliminar
para a Zona Rural, Plano de Desenvolvimento Econômico para o Município, Planejamento das Instituições Sociais do Município e Plano Diretor, com a setorização das
zonas urbanas e rurais, sistema de zoneamento, sistema
de vias principais, sistema de distribuição, projetos para
a distribuição e prestação de serviços públicos.
O documento - Plano Preliminar/1961- é composto
de uma Introdução, que reconstrói a história do Mmnicípio;
do Levantamento Básico para o Planejamento; do Plano
Preliminar e, por fim, da Implantação do Plano.
Os levantamentos incluem a formação e desenvolvimento de São José dos Campos, além de elementos
geográficos e cartográficos; cadastro imobiliário e equipamentos; estudos de circulação, o econômico e
demográfico; pesquisa social, incluindo serviços de saúde e legislação urbanística do Município.
A preocupação do prefeito Elmano Ferreira Veloso
com o espaço urbano, durante sua gestão, parece colocar em prática as diretrizes político-ideológicas propostas para a sociedade brasileira no final dos anos 50: tratar
a rede urbana enquanto instrumento e objeto de desen-
94
volvimento. É a ingerência do Estado Federal mediante
as metas do Plano de Metas (JK/1956-1960). O município, para disciplinar o espaço e combater a especulação
imobiliária, passa a contar com um instrumento aprovado em 1959, e moldado na Lei n.o 5261 do município de
São Paulo. Reconhece-se que o instrumento utilizado é
uma forma de ingerência estadual no poder local.
O Plano Preliminar/61, com o zoneamento de massa, delimita as áreas urbanas e as de expansão urbana e
seus usos. Fatores de ordem geográfica e climática, sociais, econômicos e políticos foram considerados para o
dimensionamento de 4 setores residenciais, 6 setores para
as indústrias (728 hectares foram deixados para as indústrias incômodas) e 4 setores para as áreas verdes.
Os planejadores do Plano Preliminar/61 dividem
as zonas residenciais em setores e unidades de vizinhança (Bairros), justificando ser este o princípio que permite o
“(...)planejamento da cidade como organismo poli-nucleados, com diversos centros
e sub-centros, (...)” (PMSJC/PP/1961).
A Zona de Expansão Urbana foi composta pelas
áreas desabitadas, quase 50% da zona residencial total
prevista.
A possibilidade de o município tornar-se um futuro centro metropolitano, ponto de convergência de interesses regionais, exigiu dos planejadores a
“(...)obstaculização de um local para sediar
todos os serviços administrativos Municipais, Estaduais e Federal, além da Câmara Municipal, escritórios de autarquias e
algumas instituições culturais. Este conjunto irá constituir o Centro Cívico de São
José dos Campos” (PMSJC/PP/1961),
na área da Praça Afonso Pena, que foi reservada e declarada de utilidade pública, pois já se entendia nesta ocasião que a consecução seria demorada e muito depois de
outras prioridades terem sido resolvidas com o planejamento do espaço.
Com o andamento dos trabalhos, as comissões
chegam a concluir que as pesquisas até então realizadas
poderiam fundamentar um planejamento integral de desenvolvimento, requerido pelos Municípios da Região
do Vale Paraíba.
Alguns obstáculos políticos que arrastavam as
conclusões dos trabalhos e, ainda, a interrupção das
pesquisas sob a coordenação do CPEU/FAU, por terem
concluído sobre a necessidade do Planejamento Regio-
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
nal, apontam para uma mudança dos rumos firmados pelo
Convênio/1958.
De 1961 a 1964 executa-se o Plano Diretor Integrado de São José dos Campos - PLANOS SETORIAIS,
Documento “Estudos e Planos Setoriais” (Prefeitura
Municipal de S.J. dos Campos/1971). É, na verdade, a
última etapa prevista pelo Plano Preliminar, que vai orientar o uso do espaço urbano do município de 1972 a 1994,
e que se transforma na Lei n.º 1623/1971.
O período de execução dos estudos e planos
setoriais é bastante turbulento. O Prefeito eleito, Dr. José
Marcondes Pereira, demora a dar importância política ao
Plano de Desenvolvimento Urbano do Município, fato
que vem a ser alterado somente com a apresentação e
conseqüente aclamação da tese de um consórcio no VI
Congresso Nacional dos Municípios, em 1963.
A equipe do CPEU opta por acelerar o Planejamento Regional e Planejamento Rural, secundarizando,
desta maneira, os trabalhos necessários ao cumprimento
das etapas indicadas no Plano Preliminar. Dificuldades
na organização de um setor no poder local, que assumisse a coordenação dos trabalhos, complicam o processo
de planejamento. Surge, então, a idéia de um Escritório
Técnico de Planejamento que assume o processo entregando em 1971 o relatório final intitulado “Estudos e Planos Setoriais (1961-1964)”(Prefeitura Municipal, Arquiteto Brenno Cyrino Nogueira/ PDI, 1971, p.12).
O segundo plano, pensado por uma equipe local,
inclui um novo diagnóstico da realidade, um estudo de
bairros incluindo os equipamentos sociais, o planejamento
de um conjunto de setores habitacionais, trabalho realizado pelos alunos do 6.o ano/FAU/1962, orientações para
o uso da área central, transformação da estrutura física:
sistema viário, criação de espaços abertos, reorganização locacional e volumétrica dos edifícios, e a identificação das áreas a serem desapropriadas para a transformação da estrutura física da área central.
O Plano propõe como programa uma legislação
de ocupação do solo e organização da circulação e
remanejamento viário e ocupacional, sem a qual não se
viabilizaria a transformação física da área e a centralização das atividades terciárias, centralização das funções
ligadas à Administração Pública Municipal, Estadual e
Federal. Prevê, também, espaços para o Centro Cívico
(proposição do Plano Preliminar), para a cultura, habitação e equipamentos sociais.
Mesmo não existindo propostas concretas para a
saúde, seja no Plano Preliminar ou no Plano Setorial, também chamado de Plano Diretor Integrado para São José
dos Campos, é apresentado um conjunto de serviços
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
colocados à disposição da população pelo governo do
município e, segundo os próprios gestores da saúde e
noticiados pela imprensa, notadamente pelo Jornal “O
Vale Paraibano”, considerado o único na época de grande circulação local, os serviços de saúde estavam orientados pelo PDI/SJC/1971 e pelo CODIVAP/1971.
Além destas informações, outros dados sobre os
serviços de saúde, abaixo relatados, foram conseguidos
das seguintes fontes: Prefeitura Municipal de São José
dos Campos/Secretaria de Desenvolvimento Social/Supervisão de Apoio às Entidades Sociais: “Manual de
Recursos e Equipamentos Sociais de S.J. dos Campos”:
1989 a 1995; Prefeitura Municipal de São José dos Campos: “Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado de
São José dos Campos/1995”; Prefeitura Municipal de São
José dos Campos /Correspondências.
Durante o governo do Dr. José Marcondes Pereira,
a Farmácia Comunitária e a Casa da Criança são os dois
serviços colocados à disposição da comunidade local.
No período em que o município se encontrava
sob intervenção federal, tanto o prefeito Dr. Sérgio Sobral
de Oliveira (1970-74) como o Eng. Ednardo de Paula Santos (1975-79) colocam à disposição dos joseenses os seguintes serviços, que compunham a então chamada Rede
Municipal de Saúde: Unidade Central de Saúde
(FAMME), em 1971, destinada a prestar assistência médico-odontológica e ofertar medicamentos a servidores
municipais e seus dependentes; Departamento de Saúde
Pública, em 1976; as primeiras Unidades Básicas de Saúde - UBS - (Bonsucesso, São Francisco Xavier, Jardim
Satélite, Torrão de Ouro e Alto da Ponte), em 1976; UBS
de Eugênio de Melo, em 1977; Pronto-Socorro Municipal “Dr. Carlino Rossi”, em 1978, administrado pela Santa
Casa de Misericórdia de São José dos Campos; Unidades Médico-Odontológicas Escolares em 10 escolas municipais, durante o ano de 1979.
Entrando na década de 80, mas ainda orientado pelas diretrizes do Plano Diretor Integrado - PDI/71- e pelas
diretrizes do CODIVAP, o poder municipal coloca à disposição os seguintes serviços de saúde: 10 Unidades de Atendimento à Saúde (UAS) e mais 1 UBS, em 1980; instala a
Secretaria de Saúde e Promoção Humana, em 1981.
No período de 1981 a 1982, implantam-se outras unidades básicas de saúde possibilitando que a Secretaria de
Saúde dispusesse da seguinte estrutura: Pronto-Socorro
Municipal, FAMME, 2 Unidades de Pronto Atendimento
(UPAs), 12 Unidades Básicas de Saúde (UBSs), 18 Unidades
de Atendimento à Saúde (UASs), 44 Unidades Médicas Escolares e 44 Unidades Odontológicas; ao final de 1982, assina-se o primeiro Convênio INAMPS/PMSJC.
95
No período de 1983 a 1988 (governo Robson R.
Marinho, Hélio Augusto de Souza e Antônio José M. de
Faria), inaugura-se a UPA de Saúde Mental, assina-se o
convênio AIS/PMSJC e o convênio com o SUS (1988),
transforma-se a UPA Morumbi e Vila Paiva em UBS, inaugura-se o Centro do Adolescente da Unidade Central de
Saúde “Maria José Rodrigues” e a UBS Vila Tatetuba e
reativa-se o Centro Cirúrgico do PSM.
No período de 1989 a 1992 (governo Joaquim V.
Bevilacqua e Pedro Ives Simão), ocorre a implantação do
SUS, a ampliação de atendimento primário (ampliação e
construção de novas UBSs) e de atendimento secundário (melhorias dos recursos humanos e materiais).
Em setembro de 1994, a prefeita Ângela Moraes
Guadagnin encaminha à câmara dos vereadores do município o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado
(PDDI, 1995, 165 p.) para São José dos Campos, conduzido sob a coordenação da Secretaria de Planejamento e
Meio Ambiente, que deverá orientar o desenvolvimento
do município nos próximos 10 anos.
O PDDI/95 foi elaborado em quatro etapas. No 2.º
semestre/1988 realizou-se o levantamento sócio-econômico; em 1990, os dados coletados para o censo escolar
mostram os principais aspectos físicos e urbanísticos do
processo de desenvolvimento do município e foram utilizados para o PDDI/95; em 1991, com a assessoria da
UNESP/Rio Claro, organiza-se o Plano Preliminar. Em 1993,
o governo local analisa o Plano Preliminar da gestão anterior, aprofunda a análise de alguns aspectos, entre eles
“ (...)a Carta das Unidades Territoriais que indica a Capacitação do Solo para todo o território do Município e a proposta de
Macrozoneamento” (PMSJC/PDDI/95, p. 10).
O PDDI/95 caracteriza-se por:
“ (...) Abordar o Município sob dois
enfoques: o regional e o local, em termos de
sua estrutura interna; diagnosticar a situação de todos os setores nos meios urbano
e rural e estabelecer as interrelações
setoriais; resgatar as aspirações das comunidades locais; determinar os objetivos e
diretrizes para o desenvolvimento do município; (...)” (PMSJC, PDDI/1995, p. 10).
Entre as diretrizes gerais do PDDI/95 encontra-se
a participação popular na formação, implementação e
avaliação das políticas públicas; o movimento dos bens
e serviços essenciais à vida digna; uma abordagem multi
e interdisciplinar e a oferta de um lugar social digno para
assegurar uma vida física e mental sadia a todos.
96
Diferentemente dos dois planos anteriores (PP/61
e PDI/71), no PDDI/95 a saúde faz parte das chamadas
políticas setoriais e encontra-se alocada na Secretaria de
Desenvolvimento Social - SDS - já que é dela a competência de intervenção nas questões sociais.
Distanciando-se do assistencialismo, reconhecendo a política social como dever do Estado e como a ação
direcionada a viabilizar justiça social, reconhecendo a
estrutura e a organização da sociedade como fontes da
concentração de renda e da exclusão social,
“ (...)a Secretaria de Desenvolvimento Social adota políticas setoriais e estabelece dois
eixos básicos da direção do trabalho social
na gestão democrática e popular: a) o incentivo à organização e participação popular, de forma que a população ocupe e forje
cada vez mais a criação de canais de participação (...); b) a adoção da assistência social como prerrogativa (...) garantindo a qualidade da prestação de serviços à população usuária, conforme critérios previstos na
Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS
–” (PMSJC/PDDI/1995, p. 92).
Em se tratando da Política Setorial de Saúde, o
PDDI/95 a entende como um indicador da organização
social e econômica de um País, resultante das ações destinadas a garantir as condições de bem-estar físico, mental e social das pessoas, do acesso aos bens e serviços
essenciais, do acesso às necessidades básicas como alimentação, moradia, saneamento básico, meio ambiente,
trabalho, renda, educação, transporte e lazer.
Todo o diagnóstico, as políticas, os projetos e as
ações de saúde explicitados no PDDI/95 fundamentamse na Constituição Federal, seção II, na Lei 8080 de 19/9/
1994 e na Lei Orgânica do Município de São José dos
Campos de 5/4/90.
A Secretaria Municipal de Saúde de São José dos
Campos tem como base a
“ (...)implantação definitiva do SUS, o que
iniciou com a real absorção do INAMPS e
a municipalização dos serviços estaduais,
garantindo acesso, gratuidade e melhoria
na qualidade e oferta de serviços (...), investindo no gerenciamento, em programas
de saúde e na participação popular”
(PMSJC/PDDI/1995, p. 106).
A saúde, enquanto direito inalienável de todos e
dever do Poder Público, é assegurada no artigo 270 da Lei
Orgânica do Município de São José dos Campos, mediante:
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
“ (...), II. Acesso universal e igualitário às
ações e serviços de saúde em todos os níveis; III. Atendimento integral do indivíduo,
abrangente à promoção, preservação e recuperação de sua saúde; IV. Atendimento e
orientação para a defesa da vida a partir da
concepção” (PMSJC/PDDI/1995, p. 106).
O PDDI/1995 (art.55), ainda na política setorial de
saúde, esclarece as suas Diretrizes dos Programas e
Projetos da Saúde: desenvolver a descentralização das
unidades orçamentárias e financeiras em nível regional;
remodelar as estruturas física e de suprimentos; desenvolver recursos humanos e sistemas informatizados e
investir no planejamento ascendente.
O PDDI/95 levanta os seguintes problemas da
Secretaria da Saúde de São José dos Campos, identificados como insuficiência e ineficiência para garantir o direito à saúde da população: falta de recursos financeiros
(mesmo que na administração da prefeita Ângela M.
Guadagnin sejam destinados 20% do orçamento, considerado um dos mais altos do País), ineficiência gerada
por questões da administração municipal e por questões
internas à Secretaria da Saúde como falta de recursos
humanos e de participação popular.
O artigo n.º 58 do PDDI/SJC/95 define como programas da política municipal de saúde a ampliação das
Unidades Básicas de Saúde; e como diretrizes dos projetos da Rede Física de Saúde a serem desenvolvidos nos
próximos dez anos: a instalação de uma UBS, cobrindo
uma população de 10.000 habitantes, uma UBS desenvolvendo ações de vigilância incluindo aproximadamente 10.000 a 20.000 habitantes; uma Unidade de Especialidade de Saúde e uma Unidade de Pronto Atendimento de
maior complexidade; um Hospital Geral ou Regional para
uma população de 100.000 a 250.000 habitantes, um Hospital Municipal de referência e a construção de um Centro de Zoonoses para as ações preventivas e curativas
de vigilância.
Embora se considere que a participação poderia
ser melhor, contudo a sua fragilidade, tanto na administração municipal geral como na da saúde, não a leva a
deliberar sobre questões de saúde. No sentido de tornar
o compromisso da administração petista uma realidade,
o PDDI/95 reconhece e fortalece os três mecanismos básicos possíveis de desenvolver a participação popular:
Os Núcleos de Saúde Comunitária - NUSAC’s que podem ter seus representantes nos Conselhos
Gestores de Unidade - CGU’S. Os
“ (...)NUSAC’s discutem seus problemas de
Saúde e levam suas idéias e encaminhamento de solução através dos CGU’s e/ou
UBS’s (...). O NUSAC é composto por pessoas da comunidade” (PDDI/1995, p. 117).
Os Conselhos Gestores de Unidade - CGU’s - que
“ (...)são grupos de pessoas da comunidade
que se encontram na Unidade e participam
diretamente da Administração Central, de
forma paritária e tripartide, juntamente com a
chefia da mesma. (...)” (PDDI/1995, p. 117);
e o Conselho Municipal de Saúde - COMUS - o qual
“ (...)é formado por representantes de Instituições, Associações, Sindicatos e outros segmentos da Sociedade, num total
de 28 membros, sendo 14 representantes
de usuários, 7 dos prestadores de serviços e 7 da administração pública é, portanto, tripartide e paritário. (...)” (Prefeitura
Municipal/PDDI/1995, p. 117).
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
Conclui-se que os três planos são gerais e
tecnoburocráticos, com escassa participação popular e
sem linhas de ação concretas, como afirmam alguns especialistas como Ianni; Lamparelli; Lafer. Cada um deles
traz, evidentemente, as características da equipe de trabalho e as linhas político-ideológicas de cada elite de
poder local, o que será objeto de discussão mais adiante,
quando serão discutidas as relações entre os planos
municipais e as políticas sociais de saúde.
PLANOS DIRETORES URBANOS DE SÃO JOSÉ DOS
CAMPOS E SEUS PARADIGMAS
Planejamento, como se vê, centraliza no governo
federal as decisões políticas geradoras do desenvolvimento, secundarizando as chamadas áreas sociais. A
centralidade das questões do desenvolvimento consome boa parte das últimas três décadas. O governo Sarney
marca-se pela promulgação da Constituição de 1988, cujo
avanço é identificado pela formalidade da
descentralização, particularmente no que concerne ao
setor da Saúde. É durante o governo Collor que tem
início a desaceleração da área de planejamento e uma
reestruturação da estrutura do Estado.
Em ambas ocasiões, os movimentos sociais na
área da saúde fizeram pressões significativas, mediante a
organização tanto dos profissionais da saúde, como dos
usuários do sistema. As conquistas destes movimentos
encontram-se presentes nas Constituições Federal e
Estadual e nas Leis Orgânicas Municipais: Conselhos de
Saúde, Conferências de Saúde e as propostas de
descentralização do Sistema de Saúde.
97
É interessante lembrar que a tendência histórica
das conferências nacionais de saúde se funda, de um
lado, numa política de saúde que seja assumida como
política de governo; de outro, numa descentralização e
numa participação popular que sejam compromissos públicos e de organização do sistema. A III Conferência
Nacional de Saúde, realizada em momento de grande
mobilização democrática (1963), já inseria a
descentralização como eixo das suas recomendações. A
VIII Conferência Nacional de Saúde realizada em 1986,
no apogeu da retomada do regime democrático, contexto
diferente da III, consolidou a proposta de um Sistema
Nacional de Saúde e lançou princípios e diretrizes de
compromisso público e de organização, entre eles o controle pela sociedade e a descentralização. A seguir os
princípios e o controle foram incorporados e ampliados
nos debates da Assembléia Nacional Constituinte, dando origem ao Sistema Único de Saúde - SUS.
Por mais que se tenha obtido êxito nas questões
relativas à Saúde nos últimos 60 anos, nem sempre a
saúde do cidadão foi o objeto central das discussões e
projetos políticos. O projeto de desenvolvimento econômico leva o Estado a se preocupar com o espaço urbano
para, tornando-o saudável, acomodar a modernização.
Vários foram os modelos ou padrões praticados pelo Estado no sentido de favorecer a saúde do espaço urbano.
Não parece ousado afirmar, neste momento, que a
centralização das decisões políticas, tendo o desenvolvimento econômico como meta, leva o Estado Brasileiro
a priorizar a “saúde dos espaços urbanos”, em detrimento da saúde de seus cidadãos.
Pelas análises realizadas, até o momento, dos planos de desenvolvimento urbano de São José dos Campos, não parece precipitado e nem empirista afirmar que
os dois primeiros (PP/61 e PDI/71) foram elaborados em
conformidade com o padrão tecnoburocratismo
desenvolvimentista, tal como proposto por Ribeiro e Cardoso (1994), já que assume o urbano como um problema
do desenvolvimento, e adota as idéias de racionalização
administrativa e de geografia humana para enfrentar o
problema que se apresenta.
O PDDI/95, que em princípio poderia ser classificado como Reforma Urbana Redistributiva, classifica-se como
Reforma Urbana Modernizadora, uma vez que sua concepção desenvolvimentista fundamenta o diagnóstico e
organiza um discurso produtor dos problemas urbanos e
habitacionais. Mas, como o objeto da intervenção é o próprio poder, já que os obstáculos são os entraves políticos,
pode ser classificado, também, no técnicoburocratismo
desenvolvimentista (RIBEIRO; CARDOSO, 1994).
O político é o ordenador das ações políticas, cen-
98
tralizando a idéia de um sistema nacional de planejamento, o que exige a organização e racionalização da ação
pública sobre as cidades. O CNDU, o IBGE, o IBAM e o
IAB são resultados destas ações centralizadoras.
Na leitura do documento que contém o Plano Preliminar/61 de São José dos Campos, é clara a idéia de
seus propositores quanto aos obstáculos políticos-administrativos encontrados durante o processo de planejamento: a não aceitação imediata da necessidade de um
planejamento do espaço urbano pelo prefeito Dr.
Marcondes, quando assume o poder local e recebe como
herança as comissões de trabalho e a equipe do CPEU/
FAU; e as dificuldades políticas colocadas pelos vereadores, sejam na aprovação de uma legislação facilitadora
do uso do solo, sejam as solicitações do executivo das
reformas da estrutura administrativa ou, ainda, nas solicitações das desapropriações necessárias às transformações da área central.
As melhores evidências, contudo, são a solicitação das comissões de estudos mais profundos, que
viabilizassem informações necessárias a um planejamento integral requerido por um município do alcance de São
José dos Campos, como também a organização e atualização da máquina administrativa para facilitar a tomada de
decisões quanto ao orçamento municipal e quanto aos
planos executivos futuros (PMSJC/ PLANO PRELIMINAR, 1961).
Pela leitura do Relatório do Escritório Técnico de
Planejamento sobre os Estudos e Planos Setoriais/Plano
Diretor Integrado/1971, o discurso centra-se, primeiro,
na importância de um planejamento para eliminar a situação caótica em que se encontrava o município, apontando os bons resultados pelo Vale de Tenessee/Estados
Unidos, obtidos mediante o instrumento de intervenção
- o planejamento.
Em segundo lugar, a equipe do CPEU/FAU sugere a necessidade de um Planejamento Regional e um Planejamento Rural e elabora o CODIVAP, um consórcio que,
entre outras tarefas, possibilitaria decisões regionais e
divisão dos custos do processo de elaboração e
implementação. Este fato indica a relevância dada a uma
intervenção centralizada e regionalizada no espaço urbano com o intuito de resolver os problemas que se apresentavam naquele momento histórico, e dirimir os obstáculos emergentes no seio do poder político, que atrapalhavam o desenvolvimento econômico.
Os diferentes planos, organizados pelos diferentes governos brasileiros de 1960 para cá, federais, estaduais e municipais, têm em comum o fato de terem sido
executados nos meandros da burocracia estatal, de
priorizarem o econômico em detrimento do social, de con-
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
centrarem investimentos para a criação da infra-estrutura necessária ao desenvolvimento. Na maioria deles, a
saúde é alocada na programação setorial, não merecendo, como deveria, nenhuma atenção especial por parte
dos decisores, os técnicos da burocracia estatal.
Circunscrevem limites de ação, determinam a população alvo, mas não deixam claro quem assumirá os
custos sociais e os ônus do processo. Embora as decisões sobre o que deve ser feito no futuro sejam anunciadas, as fontes de onde sairão os recursos humanos e
materiais não o são. As intervenções são expressas, mas
as ações não correspondem a elas.
O Relatório do Plano Diretor de Desenvolvimento
Integrado/95 (PDDI/95) permite uma melhor análise, uma
vez que o próprio documento encontra-se em ótimas
condições de leitura e seqüência lógica de suas fases objetivos, objeto de estudo, conhecimento da realidade
e execução, que facilita essa análise.
O PDDI/95 parece não fazer uso de um único padrão de intervenção. Com certeza a ordem social não deixa de ser a base de legitimidade dos discursos e ações, e
o objeto de ação continua sendo a sociedade, mediante
os diversos canais colocados à disposição, os Conselhos Gestores de Unidade, os Núcleos de Saúde Comunitária e o Conselho Municipal de Saúde.
O objeto de intervenção é a conscientização e a
humanização da sociedade, pois os obstáculos ao desenvolvimento social precisam ser removidos. O
Macrozoneamento Regional, proposto nos anos 90, e o
alerta constante de vincular as diretrizes ao regional são
exemplos de práticas urbanas constantes no PDDI/95 e
que acabam por configurar o modelo lebretiano (RIBEIRO; CARDOSO, 1994), para o qual as intervenções urbanas racionalizadas serão realizadas à medida que se conhecem as condições de vida do povo (Itens 3.3.7 a 3.4.11:
diagnósticos/PDDI/95).
O PDDI/95 traduz a expressão de “esquerda” do
padrão desenvolvimentista, uma vez que trata de elaborar um diagnóstico sobre os problemas urbanos (Itens
3.4: educação, saúde, habitação e 3.3: ocupação urbana/
PDDI/95) e de propor uma terapêutica. Assim, a Habitação e a Cidade são os pontos essenciais das reformas de
base propostas pelo padrão modernizador (RIBEIRO;
CARDOSO, 1994).
O objeto da intervenção é o espaço nacional mediante políticas públicas centralizadoras, racionalizadas e
redistributivas. Adota-se um discurso de esquerda, mas
modernizador, e planejam-se intervenções técnicas, racionalizadas e centralizadas, mantendo uma visão terapêutica,
mesmo abrindo canais que facilitem a participação popular.
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
O PDDI/95, ao reconhecer uma estratégia política
para articular as entidades de classe e os movimentos
populares, no caso da saúde os CGUs, os NUSACs e o
COMUS, e ainda elaborar diagnósticos para todas as
políticas setoriais, centrado nas desigualdades e nos
direitos sociais, adota o padrão de intervenção, definido
por Ribeiro & Cardoso (1994) como redistributivo. O eixo
do discurso são os excluídos e a política das camadas
populares (PDDI/Participação Popular/95).
O objeto de intervenção é a propriedade privada
da terra, o uso do solo urbano e a participação direta das
camadas populares na gestão da cidade. O campo de
atuação é o jurídico. Propõe-se a produção de novos
direitos sociais por meio dos movimentos sociais. A estratégia para o desenvolvimento é a conscientização e
não a casa (PDDI/ Políticas Públicas Setoriais/95).
O PDDI/95 evitou ser um planejamento elaborado
exclusivamente pelo governo municipal sem a participação dos diferentes segmentos da sociedade civil. Evitou
desta maneira ser impositivo, alcançar de um lado maior
racionalidade e, de outro menor, rejeição/divergência.
O PDDI/95 reconhece que a participação no processo geral e na política setorial de saúde ainda é frágil e
insuficiente para dar legitimidade e aceitação de demandas sociais não solucionadas. Abre canais de participação e recomenda para os futuros administradores a grande necessidade de promover a mobilização popular e
contar com as camadas populares na implementação das
políticas que lhes forem prioritárias.
A base de legitimidade de qualquer plano/planejamento, quando entendido como instrumento de
mobilização, num Estado Democrático, é o apoio popular
dado a ele, pois é em nome dos interesses da população
que os governos asseguram a sua própria manutenção.
A efetivação do planejamento das políticas de saúde é uma resposta há muito esperada pelos melhores elementos das carreiras técnicas dos serviços de assistência
médica. Estas exigências continuam a se esbarrar em situações cristalizadas e interesses investidos, que acabam
por impedir sua efetivação (RAMOS apud IYDA, 1994).
O planejamento, independente do padrão que o
norteia, é uma ferramenta efetiva, faz uso, não apenas de
métodos e técnicas baseados na análise, mas também de
suposições, intenções ou sentimentos. Como os interesses políticos estão presentes e os técnicos de planejamento se deixam influir por seus próprios valores ou pelos dos grupos com os quais trabalham, a dimensão político-ideológica é, na maioria de vezes, prioridade em
relação à técnica e ao método.
99
CONCLUSÃO
Conclui-se que:
l.º) As possibilidades de ocorrência de pontuações entre os planos nacionais e os planos/planejamentos locais de desenvolvimento do município no que
concerne à Política Setorial de Saúde são, na verdade,
ingerências do governo federal sobre os municípios brasileiros, no período que se estende de 1964 a 1988;
2.º) Os dois primeiros planos/planejamentos elaborados pelo e para o município de São José dos Campos, Plano Preliminar/61 e Plano Setorial/Plano Diretor
Integrado/71 (este transformado em Lei Municipal), não
definem uma Política Municipal de Saúde, não orientam
programas e ações de saúde e nem definem espaços urbanos para alocação desses serviços;
3.º) Entre 1964 a 1976, ao se pensar em Política de
Saúde, deveria-se partir, basicamente, dos serviços de
saúde destinados à periferia urbana ofertados por instituições de benemerência, uma vez que programas e ações
de saúde não eram motivos de pautas políticas. A Política de Saúde era resultante de ações de benemerência,
sem instituições municipais envolvidas e sem qualquer
orientação formal sobre quais serviços seriam prioritários;
4.º) Foi justamente no período em que o município
de São José dos Campos encontrava-se sob intervenção
(1970-1978) é que a Rede Municipal de Saúde foi instalada (1977 e 1978), sugerindo mais uma ingerência do governo militar no cumprimento da Política Nacional de Saúde, como consta dos planos nacionais em vigência, do
que uma Política Municipal de Saúde, já que o PDI/71
não contempla esse setor;
5.º) Em São José dos Campos cinco são os períodos marcantes quando se refere à colocação de serviços
locais de saúde à disposição da comunidade:
5.1. o período de intervenção (1970 - 1978), durante o qual se institucionalizam os serviços de
saúde no município: criação do Departamento de Saúde Pública e a instalação da Rede
Municipal de saúde;
5.2. a primeira gestão do prefeito Joaquim Vicente
Bevilacqua, reconhecida como a fase de proliferação dos serviços de saúde; são deste
período as unidade médicas e odontológicas,
a ampliação do FAMME e o convênio
INAMPS/PMSJC;
5.3. o governo Robson R. Marinho, incluindo os
períodos de Hélio Augusto de Souza e Anto-
100
nio José M. de Farias, em que há desaceleração dos programas e ações de saúde. Duas
são as hipóteses explicativas do refluxo: a
primeira considera eficiente e eficaz a Política de Saúde e os serviços - ações - programas herdados de seu antecessor; a segunda
refere-se ao fato de a preocupação política
estar concentrada em outra política setorial
em detrimento da política de saúde;
5.4. é na II gestão de Bevilacqua e no governo
Pedro Yves (1989-1992) que se tem a implantação do SUS e a instalação do projeto de
Municipalização da Saúde. É deste período o
funcionamento dos Conselhos (COMUS,
NUSACs e CGUs) e duas das quatro Conferências Municipais de Saúde. O Planejamento Ascendente é colocado em prática. Retoma-se a Política de Saúde;
5.5. a atual gestão municipal (1993: governo do
PT). Sem contar ainda com um Planejamento
de Desenvolvimento que contemple o setor
de saúde (o PDDI foi aprovado em fins de
1995), a Política de Saúde é projeto de campanha política. O avanço está na elaboração
do PDDI/95, que define metas, programas e
ações para os próximos 10 anos a partir de
um diagnóstico bastante completo sobre o
município. Há continuidade das políticas.
O compromisso de campanha reflete-se na implantação de programas como o Hospital/Dia, Saúde da Mulher, Saúde do Trabalhador, Projeto Casulo, Saúde Mental e a abertura de novos espaços destinados aos serviços e ações de saúde.
Acredita-se que o avanço do Sistema de Saúde
do Município de São José dos Campos, em particular,
não se insere exclusivamente numa proposta progressista de se fazer política de saúde. O avanço se deu também
graças ao Movimento Sanitário e à conquista de três
instrumentos legais: a Constituição Federal/1988, as Leis
Orgânicas Municipais e os Decretos que regulamentam
os Conselhos Nacional e Municipais de Saúde. São estes instrumentos, aliados aos projetos políticos da elite
de poder local, que passam a orientar e a facilitar as novas decisões políticas para o setor.
Não se pode afirmar que o avanço dado pelo
COMUS (Decreto N.º 7043/90) garanta, de um lado, a real
participação dos cidadãos na definição de uma política
de saúde e, de outro, o acesso real aos diversos serviços
locais oferecidos.
Avaliar os serviços locais de saúde, a descentrali-
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
zação e o nível de participação popular nos Conselhos
de Saúde são algumas questões que podem e devem ser
desenvolvidas num outro estudo.
Nesse sentido, alguns trabalhos já foram realizados em outros municípios. Um deles é o de Bodstein
(1993). Neste estudo, a autora reúne textos sobre a prestação de serviços para demonstrar que o nível local é um
espaço privilegiado para a constituição dos atores, para
a construção da cidadania, para a expressão de conflitos,
consensos e referenciais concretos para a programação
e avaliação da atenção à saúde.
Nesta primeira etapa de reconstrução da formulação das políticas de saúde por meio dos Planos Diretores
Urbanos (PP/61; PDI/71; PDDI/95), foi possível identificar as diretrizes definidas, os equipamentos disponíveis
aos seus serviços e a implantação e desenvolvimento da
Rede Municipal de Saúde.
Foi também possível perceber as recomendações
definidas nos Planos Nacionais e que passaram a ser
consideradas e praticadas pelo poder local, independente dos projetos políticos da elite nesse poder.
No período que se estende de 1976 a 1995, estivessem ou não definidas as diretrizes para a saúde no
Plano Diretor Urbano (PDI/71), mas atendendo às recomendações do governo federal, - a chamada política
intervencionista no setor da saúde -, o poder local coloca à disposição da comunidade, trabalhadores ocupados ou não no mercado de trabalho formal, uma Rede
Municipal de Saúde que conta com 12 UASs, 44 UBSs,
44 UOs, 1 UPA de Saúde Mental, a assinatura dos Convênios com o SUS e com a AIS, a reativação do Centro
Cirúrgico do Pronto Socorro Municipal e o início da implantação do SUS.
Verifica-se total inadequação do PDI/71 no referente à questão da saúde no Município de São José dos
Campos e às exigências sociais do momento histórico.
Este município possui, na década de 80, uma realidade
sócio-econômica e política muito diversa daquela do início dos anos 70. De um lado, as altas taxas inflacionárias
atingem o município, as altas taxas de desemprego, o
fechamento de grandes indústrias e as densas manifestações sindicais. De outro, o município desloca-se para o
setor de serviços, aumenta o número de favelados e, no
que diz respeito à saúde, o retorno de epidemias, como o
sarampo e a tuberculose, reacende a discussão sobre a
qualidade dos serviços locais de saúde e a carência dos
recursos para o setor.
Um outro momento que merece destaque é a organização do PDDI/95. O seu conteúdo se apresenta
como inovador e progressista, não pelo fato de ter sido
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
construído em suas últimas etapas por uma elite de poder que se dizia democrática e popular, mas pelo avanço
no plano jurídico-político com a aprovação da Constituição de 1988, que passa a recomendar aos municípios a
organização de Conselhos Municipais, fóruns de participação popular e oferece a eles um papel mais relevante
nas decisões sobre a saúde, graças ao processo de
descentralização.
Assim, o PDDI/95 traz em seu bojo diretrizes que
norteiam a política de saúde como direito do cidadão e
responsabilidade do Estado. Respeitando as exigências
constitucionais fortalece o COMUS/90, as Conferências
Municipais de Saúde, os Conselhos Gestores de Unidades, garantindo a participação dos reais interessados
nestes fóruns.
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R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
103
O Método Sociológico de Émile Durkheim
Luis Fernando Zulietti *
Resumo: Durkheim parte da idéia fundamental de Comte de que a sociedade deve ser vista como um
organismo vivo. Também concorda com o pressuposto de que as sociedades apenas se mantêm
coesas quando, de alguma forma, compartilham sentimentos e crenças comuns. Entretanto, critica
Comte na sua perspectiva evolucionista, pois entende que os povos que sucedem os anteriores não
necessariamente são superiores, apenas são diferentes em sua estrutura, seus valores, seus conhecimentos, sua forma organizacional. Entende que a seqüência das sociedades adapta-se melhor à
analogia de uma árvore cujos ramos se orientam em sentidos opostos que uma linha geométrica
evolucionista. Também Spencer foi alvo de críticas porquanto Durkheim que, de forma geral, estendeu esta crítica a uma série de outros pensadores. Segundo Durkheim muitos sociólogos trabalhavam, não sobre o objeto em si, mas de acordo com a idéia preestabelecida acerca do fenômeno.
Assim, ele entendia que a perspectiva de análise de Spencer não definia sociedade e sim contemplava sua visão particular de como efetivamente eram as sociedades. Também ponderou como ser
possível encontrar a fórmula suprema da vida social quando ainda se ignoravam as diferentes
espécies de sociedades, suas principais funções e suas leis. Como então empreender em um estudo
da sua evolução quando não se sabe exatamente o que são e a que vieram?
Palavras-chave: Idéia, método sociológico, sociedade, visão.
Abstract: Durkheim starts her analysis from Comte´s fundamental idea that the society must be seen
as an organism. She also agrees to the pretext that the societies are kept associated only when, by
any way, they share common feelings and beliefs. However, she criticizes Comte’s evolutionist
perspective, as she understands that the peoples that follow after the former ones are not necessarily
superior. They are only different in structure, values, knowledge, and organizational form. She
understands that societies’ sequence is better adapted to a tree analogy whose branches are oriented
to opposite sides of a geometric evolutionist line. Durkheim criticized Spencer too as in a general
form she extended the critics to other thinkers. According to Durkheim, many sociologists worked
not on the object itself but on pre-established idea over the phenomenon. Therefore, she understood
that Spencer’s analysis perspective didn’t define society but showed his own point of view on how
societies were like effectively. Also she pondered as possible to find the supreme formula of social
living when different society species were ignored as well as their functions and laws. How could
one undertake an evolution study when one doesn’t know exactly what the societies were like and
what they had come for?
Key words: Idea, sociological method, society, vision.
1. INTRODUÇÃO
A obra de Durkheim se caracteriza pelo ataque persistente a um número limitado de problemas, dos quais o
de destaque foi o estabelecimento da Sociologia numa
base empírica, tentando dar mais precisão à concepção do
método sociológico e demonstrar sua aplicação na investigação empírica. Outro problema era encarar o surgimento
do individualismo na sociedade moderna. No entanto, as
idéias do individualismo liberal na França estavam um tanto distantes da realidade, e sistematicamente atacadas por
* Professor da Univap
104
grupos direitistas, que as viam como sinais de decadência
“da estrutura cultural”. Um terceiro problema é sua preocupação com as fontes e a natureza da autoridade moral. E
também a preocupação pelas implicações práticas do conhecimento científico social. Essa última preocupação
marcava a concepção de Durkheim, para quem o sociólogo é como um médico, distinguindo entre a saúde e doença, diagnosticando causas e tratamento.
O autor preocupou-se com a definição de um campo específico às ciências sociais; “a vida social não é outra coisa que o meio moral, ou melhor, o conjunto de diversos meios morais que cercam o indivíduo” (DURKHEIM
apud RODRIGUES, 1993, p. 18). A Sociologia constitui uma
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
ciência entre outras “positivas”, que através do estudo
metódico procura estabelecer leis, através da experimentação. Essas leis são “produzidas mecanicamente por causas necessárias” (GIDDENS, 1978, p. 23). Os fatos sociais
têm de ser tratados como coisas, ou seja, os fenômenos
sociais pertencem ao âmbito da natureza, o que indica que
a sociedade tem existência objetiva, independendo da existência de determinados indivíduos. Fatos sociais são externos ao indivíduo e exercem coerção sobre eles. O indivíduo é apenas um elemento de uma totalidade maior, mas
essa totalidade não se reduz à soma desses indivíduos. A
Sociologia estuda as propriedades que derivam da associação de indivíduos em sociedade e os fatos sociais têm de
ser explicados em relação a outros fatos sociais (“o social
só se explica pelo social”).
Durkheim espera explicar o social pelo social – há
algo de particular na sociedade, exigindo uma nova esfera
de conhecimento, a Sociologia. Isso implica um “rompimento com as antigas formas de conhecimento, o que significa um distanciamento da filosofia” (ORTIZ, 1989, p.
10). A inversão dos métodos, do dedutivo para o indutivo,
marca a posição de Durkheim, rompendo com o pensamento filosófico, fundando uma ciência positiva, partindo
da realidade. Se Comte e Spencer são propulsores da Sociologia, por outro lado, continuam como filósofos: para o
primeiro o social é a realização da idéias de humanidade; e,
para o segundo, a sociedade é a realização da idéias de
corporação. Durkheim torna-se o divisor de águas (“o herói fundador”). O papel do indivíduo e sua relação com a
sociedade é mais bem compreendida dentro desse esforço para delimitar um campo da Sociologia, pois a ação do
indivíduo é mediatizada pelas forças sociais.
Durkheim contestava essa filosofia moral tradicional, nas duas versões vigentes: a representada por
Spencer, que se preocupava com o indivíduo na busca
dos próprios interesses na troca econômica, produzindo
solidariedade na divisão do trabalho. Mas, a troca
contratual, para nosso autor, pressupõe uma estrutura
moral dentro da qual é ordenada e, portanto, não pode
explicá-la. A outra corrente a ser contestada era a expressa, entre outros, por Comte: a solidariedade exige a existência de um consensus universal, donde se conclui que
o enfraquecimento do consenso (dado pela individualização) acarreta um declínio da coesão social. Em A Divisão do Trabalho Social, as conclusões contrastam com
esse pano de fundo. O consenso moral é apenas um tipo
de coesão social característico das sociedades mais simples, e é chamada solidariedade mecânica, que foi gradualmente substituída pela solidariedade orgânica, uma
coesão baseada nas relações de troca, dentro de uma
divisão diferenciada do trabalho.
Segundo Machado Neto (1998), no texto Preponderância progressiva da solidariedade orgânica (do liR. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
vro A Divisão do Trabalho Social), Durkheim se utiliza
mais freqüentemente da expressão “estrutura social”, que
depois foi largamente difundida por Radcliffe-Brown (1978).
Como também pretendo fazer uma breve história da difusão dessas idéias Durkheimianas pela Inglaterra, escolhi
um trecho desse texto que bem demonstra como o conceito é manipulado por Durkheim: “Existe pois uma estrutura
social de determinada natureza, à qual corresponde a solidariedade mecânica. O que a caracteriza é que ela é um
sistema de segmentos homogêneos e semelhantes entre
si. (...) Inteiramente diferente é a estrutura das sociedades
onde a solidariedade orgânica é preponderante. Elas são
constituídas (...) por um sistema de órgãos diferentes, cada
um dos quais tem um papel especial e se forma de partes
diferenciadas” (In RODRIGUES (org.), 1993, p. 90). O que
caracteriza a estrutura são sistemas em relação na própria
sociedade, não importa se esses são “segmentos homogêneos” ou “órgãos diferentes” (1).
2. AS REGRAS DO MÉTODO SOCIOLÓGICO
Para Durkheim, a reflexão é anterior à ciência, porém, ao utilizar de maneira metódica esta reflexão, o homem
passa a regular sua conduta a partir das noções que utiliza
para compreender as coisas e não a partir da coisa em si.
Em lugar de observar as coisas, descrevê-las,
compará-las, contentamo-nos em tomar consciência de
nossas idéias, analisá-las, combiná-las. Em lugar de ciências das realidades, nada mais fazemos do que análise ideológica.(...) Não há dúvida de que tal análise não exclui
necessariamente toda e qualquer observação. Pode-se apelar para os fatos com o fim de confirmar as noções ou as
conclusões que dele tiramos. Mas os fatos não intervêm
então de maneira secundária, a título de exemplos ou de
provas confirmatórias; não são objetos de ciência. Esta
vai então das idéias para as coisas, e não das coisas para
as idéias (DURKHEIM, 1990, p. 13-14).
Ele considera que os conceitos não podem tomar o
lugar das coisas, pois os mesmos somente têm como objetivo “harmonizar nossas ações com o mundo que nos cerca; são formados pela prática e para a prática. (...) Constituem elas, ao contrário, como que um véu interposto entre as
coisas e nós, e que no-la mascaram tanto mais quanto julgamos transparente o véu” (DUKHEIM, 1990, p. 14).
Segundo Dukheim (1990), este modo de proceder
é uma inclinação natural do homem e dominou também a
própria ciência natural em sua origem. A Sociologia, para
Durkheim tratava de conceitos, não de coisas. Daí a sua
crítica ao evolucionismo de Comte, que estaria assentado sobre as idéias, não sobre os fatos.
O que existe, a única coisa que realmente é oferecida
à observação, são sociedades particulares que nascem, se
105
desenvolvem, morrem, independentemente umas das outras. Se as mais recentes fossem ainda continuação daquelas que as precederam, cada tipo superior poderia ser considerado como a simples repetição do tipo imediatamente inferior, acrescido de alguma coisa; seria possível, então, alinhálas, por assim dizer, umas após outras, confundindo as que
se encontram no mesmo grau de desenvolvimento, e a série
assim formada seria encarada como representativa da humanidade. Mas os fatos não se apresentam com esta simplicidade extrema. Um povo que substitui o outro não é um
simples prolongamento do anterior com o acréscimo de alguns caracteres novos; é diferente, ora tem propriedades a
mais, ora a menos; constitui uma nova individualidade e
todas as individualidades distintas, sendo heterogêneas,
não podem se fundir numa mesma série contínua, nem sobretudo numa série única. Pois a seqüência de sociedades
não poderia ser figurada por uma linha geométrica; ela se
parece antes com uma árvore cujos ramos se dirigem em
direções divergentes (DURKHEIM, 1990, p. 17-18).
Uma outra crítica feita por Durkheim se dirige à
teoria formulada por Spencer, que estabeleceu como característica básica de uma sociedade a cooperação (cooperação de caráter privado, predominante em sociedades
industriais, e de caráter público, em sociedades militares).
De acordo com Durkheim, ele também teria se deixado levar por prenoções e não observado as coisas em si.
“...A definição é apresentada como a expressão de um fato imediatamente visível, que
basta constatar através da observação, uma
vez que é formulada como um axioma já no
início da ciência. E toda via é impossível
saber por simples inspeção se realmente a
cooperação forma o todo da vida social. Tal
afirmação só se tornaria cientificamente legítima passando-se em revista todas as
manifestações da existência coletiva, e fazendo-se ver que todas elas constituem formas diversas da cooperação. Assim, uma
certa maneira de conceber a realidade de
novo se substitui a esta realidade”
(DURKHEIM, 1990, p. 19).
Os fatos que Spencer inscreve em sua sociologia
são, para Durkheim, apenas uma forma de ilustrar suas
prenoções. O mesmo acontece no que ele vai chamar de
“ramos especiais da Sociologia”: a moral e a economia política. Segundo ele, ...toma-se como base da moral a maneira
pela qual ela se prolonga nas consciências individuais e
nelas repercute – isto é, aquilo que não lhe constitui senão o cume. (DURKHEIM, 1990, p. 21). No que se refere à
economia política, não é ...a partir da observação das condições de que depende a coisa que estuda que vai reconhecer a existência dos fatos; pois senão teria começado
por expor as experiências das quais tirou esta conclusão.
106
(DURKHEIM, 1990, p. 21-22). É assim que ele diz ser necessário ir à coisa para daí então deduzir os conceitos, realizando assim o método indutivo. Ele exemplifica com o modo
como é construída a noção de valor:
Se o valor fosse estudado como uma realidade,
ver-se-ia o economista, em primeiro lugar, indicar segundo que traços reconhecer a coisa que responde por esse
nome, classificar-lhe as espécies, procurar por meio de
induções metódicas as causas em função das quais variam, comparar finalmente esses diversos resultados para
chegar a desvendar uma formulação geral. A teoria não
poderia, pois, existir senão quando a ciência já tivesse
sido levada assaz avante (DURKHEIM, 1990, p. 22).
Durkheim afirma que muito do que é tido como
ciência não é nada mais nada menos que arte, pois o
cientista não se atém à coisa em si, mas às idéias que ela
suscita. Para ele ...estas especulações abstratas não constituem ainda uma ciência, uma vez que, na verdade, têm
por objeto determinar, não em que consiste a regra suprema da moral, e sim o que deve ser tal regra. Assim é
que, para ele, as leis econômicas e da moral tidas como
naturais são meros “conselhos de sabedoria prática”,
não podendo ser chamada cada uma delas de lei natural
porque não são constatadas indutivamente.
Os fenômenos sociais, para Durkheim, devem ser
tratados como coisas, ou seja:
“...tratá-los na qualidade de data que constituem o ponto de partida da ciência. (...)
Não nos é dada a idéia que os homens
formulam a respeito do valor; esta é inacessível, e o que nos é dado são os próprios valores que se trocam realmente no
decorrer das relações econômicas. Não é
esta ou aquela concepção do ideal moral;
é o conjunto de regras que determinam efetivamente a conduta. Não é a idéia do útil
ou da riqueza; são todos os detalhes da
organização econômica. (...) Não sabemos
a priori que idéias estão na origem das
diversas correntes entre as quais se reparte a vida social, nem se tais idéias existem;
somente depois de ter subido até suas fontes, poderemos saber de onde provêm”.
Por isso que, para Durkheim, é necessário que os
fenômenos sejam estudados de fora, isto é, do exterior, ...destacados dos indivíduos conscientes que formulam representações a seu respeito (DURKHEIM, 1990, p. 24). Assim
procedendo, o cientista poderá alcançar a objetividade dos
fatos. Daí decorre a importância do postulado estabelecido
por Durkheim: O caráter convencional de uma prática ou
de uma instituição não deve jamais ser pressuposto.
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
Apesar da crítica que é feita a Durkheim no sentido
de que sua teoria não contempla a mudança, vemos que a
mudança é admitida, porém dentro de certas condições.
Com efeito, a coisa é reconhecida principalmente pelo
sintoma de não poder ser modificada por intermédio de um
simples decreto da vontade. Não que seja refratária a qualquer modificação. Mas não é suficiente exercer a vontade
para produzir uma mudança, é preciso além disso um esforço
mais ou menos laborioso, devido à resistência que nos opõe
e que, outrossim, nem sempre pode ser vencida. Ora, já vimos
que os fatos sociais apresentam esta propriedade. Longe de
ser um produto de nossa vontade, eles a determinam a partir
do exterior; constituem como que moldes dentro dos quais
somos obrigados a plasmar nossas ações. Esta necessidade
é muitas vezes de tal ordem que não temos jeito de escapar a
ela. Mas, ainda mesmo que chegássemos a triunfar, a oposição encontrada seria suficiente para nos advertir de que
estamos em presença de algo que não depende de nós. Considerando, então, os fenômenos sociais como coisas, não
fazemos mais do que nos conformar com a natureza que apresentam (DURKHEIM, 1990, p. 25).
Durkheim compara as reformas propostas por ele
à Sociologia àquelas experimentadas pela Psicologia, que
também era baseada nas idéias formuladas a respeito das
sensações que os indivíduos experimentavam, não nas
sensações em si. Mesmo reconhecendo esta similaridade, ele diferencia os fatos psíquicos dos fatos sociais:
“...os fatos psíquicos são naturalmente encarados como estados do indivíduo, do
qual não se parecem sequer separáveis.
Interiores por definição, julga-se impossível tratá-los como exteriores, a não ser violentando-lhes a natureza. (...) Os fatos
sociais, pelo contrário, apresentam de
modo muito mais natural e imediato todos
os caracteres de coisa. (...) Os fatos sociais são talvez mais difíceis de interpretar
porque são mais complexos, mas são também mais fáceis de atingir. A Psicologia,
pelo contrário, não tem apenas dificuldade em elaborá-los, mas também em apreendê-los” (DURKHEIM, 1990, p. 26-27).
3. O MÉTODO
Após enunciar essa diferenciação, Durkheim estabelece as regras através das quais os fatos sociais seriam alcançados:
1. É preciso afastar sistematicamente todas as prenoções.
– Durkheim sugere que todas as prenoções sejam abandonadas em nome da verdadeira ciência, mas reconhece,
contudo, ser esta uma tarefa difícil, “...porque o sentimenR. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
to afetivo freqüentemente intervém na questão. (...) O objeto em si e as idéias que a seu respeito formulamos nos
tocam de perto e tomam assim tal autoridade que não suportam contradição. Toda opinião que as atrapalhe é tratada como inimiga. (...) O próprio fato de as submeter, assim
como os fenômenos que exprimem, a uma fria e seca análise, revolta certos espíritos. (...) O sentimento é objeto de
ciência, não é critério de verdade científica. De resto, não
existe ciência que, em seus primórdios, não tenha encontrado resistências análogas” (DURKHEIM, 1990, p. 29).
2. Nunca tomar por objeto de pesquisa senão um grupo
de fenômenos previamente definidos por certos
caracteres exteriores que lhe são comuns, e compreender na mesma pesquisa todos aqueles que correspondem
a esta definição:
“...chamaremos crime todo ato que recebe
uma punição, e fazemos do crime assim definido o objeto de uma ciência especial, a
criminologia. Observamos, também, no interior de todas as sociedades conhecidas,
uma sociedade parcial, reconhecível pelo
sinal exterior de ser formada por indivíduos
consanguíneos em sua maioria, e unidos
entre si por laços jurídicos. (...) Chamaremos família todo agrupamento dessa espécie...” (DURKHEIM, 1990, p. 31).
Durkheim diz ser imprescindível definir o objeto estudado porque em Sociologia é comum a referência a coisas
sem uma definição rigorosa do que se tratam. Este procedimento é necessário a fim de eliminar as ambigüidades. Como
exemplo, ele cita um autor, Garofalo, que define como crime
apenas uma espécie de crime, encontrada numa determinada sociedade. Para Durkheim, seria necessário localizar o
crime em cada sociedade estudada, entendendo-o não como
algo atrelado às regras de moralidade vigente, mas consideradas no contexto em que ocorre, seja uma sociedade “civilizada” ou “primitiva”. Isto é o que leva, de acordo com
Durkheim, à consideração de que os “selvagens” são desprovidos de quaisquer regras de moralidade.
Parte da idéia de que nossa moral é a moral que é
evidentemente desconhecida dos povos primitivos, ou que
não existe entre eles senão em estado rudimentar. Definição
arbitrária, porém. Apliquemos nossa regra e tudo se modifica.
Para decidir se um preceito é moral ou não, examinaremos se
apresenta ou não sinal exterior de moralidade; este consiste
numa sanção repressiva difusa, isto é, numa condenação
formulada pela opinião pública que vinga a violação do preceito. Todas as vezes que estivermos diante de um fato apresentando tal caráter, não temos o direito de lhe negar a qualificação de moral; pois é prova de que sua natureza é igual à
dos outros fatos morais (DURKHEIM, 1990, p. 35-36).
107
Para Durkheim, tais regras podem ser encontradas tanto nas sociedades consideradas “superiores”
como nas “inferiores”. À acusação de que estaria derivando o crime da punição, Durkheim rebate dizendo: “é
claro que a punição não cria o crime, mas é pela punição
que o crime se revela exteriormente a nós, e, por conseguinte, é dela que se deve partir se quisermos chegar a
compreendê-lo. (...) a menos que o princípio de causalidade não passe de vã palavra, quando determinados
caracteres são encontrados de maneira idêntica e sem
nenhuma exceção em todos os fenômenos de uma certa
ordem, podemos estar seguros de que se ligam estreitamente à natureza destes últimos e deles são solidários”.
3. ...quando um sociólogo empreende a exploração de
uma ordem qualquer de fatos sociais, deve se esforçar
por considerá-los naquele aspecto em que se apresentam isolados de suas manifestações individuais
(DURKHEIM, 1990, p. 39).
Para Durkheim, tanto a ciência como o conhecimento
vulgar partem da sensação, pois é dela que se originam todas
as idéias, sejam científicas ou não. O que diferencia o saber
científico do saber comum é o modo como vai ser elaborada
esta matéria comum.”...A sensação é tanto mais objetiva quanto mais fixo for o objeto ao qual se liga; pois a condição de
toda objetividade é a existência de um ponto de apoio constante e idêntico, ao qual a representação se possa ligar, e que
permita eliminar tudo o que ela apresenta de variável e portanto de subjetivo. Se os únicos pontos de apoio dados são,
eles mesmos variáveis, se são perpetuamente diferentes cm
relação a si mesmo, fica faltando toda medida comum e não
temos nenhum meio de distinguir, em nossas impressões, o
que depende do exterior ou o que vem de nós mesmos. (...)
Fora dos atos individuais que suscitam, os hábitos coletivos
se exprimem por meio de formas definidas: regras jurídicas,
morais, provérbios populares, fatos de estrutura social etc.
Como estas formas existem de maneira permanente, como
não mudam com as diversas aplicações que delas são feitas,
constituem um objeto fixo, uma medida constante que está
sempre à disposição do observador e que não deixa lugar às
impressões subjetivas e às observações pessoais”
(DURKHEIM, 1990, p. 38-39).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para Durkheim a sociedade prevalece sobre o indivíduo. A sociedade é um conjunto de normas de ação,
pensamento e sentimento que não existem apenas na
consciência dos indivíduos, mas que são construídas
exteriormente, isto é, fora das consciências individuais.
Na vida em sociedade o homem se defronta com regras
de conduta que não foram diretamente criadas por ele,
mas que existem e são aceitas na vida em sociedade,
devendo ser seguidas por todos. Sem essas regras a sociedade não existiria, e é por isso que os indivíduos de-
108
vem obedecer a elas. Em toda sociedade existem leis que
organizam a vida em conjunto. O indivíduo isolado não
cria leis nem pode modificá-las. São as gerações de homens que vão criando e reformulando coletivamente as
constituições etc. Durkheim afirma que os fatos sociais
são diferentes dos fatos estudados por outras ciências
por terem origem na sociedade e não na natureza, como
nas ciências naturais, ou no indivíduo como na Psicologia. Durkheim chama de reino social, o lugar onde estes
fatos se desenvolvem.
NOTA
(1) É preciso não confundir estrutura social com
morfologia social, pois essa, para Durkheim é uma das três
divisões da Sociologia (Morfologia Social, Fisiologia Social e
Sociologia Geral), é um a ciência que estuda a “base geográfica dos povos em suas relações com a organização social;
estudo da população, seu volume, densidade e distribuição
geográfica” (In Rodrigues [org]: p. 45). A noção de “organização social”, ao contrário, pode ser tomada como equivalente
a de estrutura social, pois é usada praticamente no mesmo
sentido no mesmo texto; a diferença é que idéia de estrutura
social carrega uma noção de funcionalidade mais explícita, já
que trata de relações entre os segmentos ou órgãos que funcionam para a manutenção da coesão social.
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R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
A Oficina de Aprendizagem no Espaço Escolar:
Algumas Considerações
Maria Tereza Dejuste de Paula *
Sonia Sirolli *
Resumo: É objetivo deste trabalho discutir características da oficina como um recurso para o
ensino/aprendizagem na escola. A oficina oferece condições para o desenvolvimento da aprendizagem ativa, em grupo e orientada para um produto. Sua realização exige cuidados como o planejamento a partir dos interesses dos alunos e a avaliação dos resultados.
Palavras-chave: Oficina, aprendizagem, aprendizagem ativa.
Abstract: This paper objective is to discuss the workshop characteristics as a resource for the
teaching-learning process at school. The workshop offers conditions for the active learning
development, in groups and oriented for a product. To implement the workshop it is needed careful
planning based on the learners’ interests and the results evaluation.
Key words: Workshop, learning, active learning.
INTRODUÇÃO
A escola tem sido solicitada a garantir aprendizagens que atendam às exigências de formação para a sociedade do conhecimento e contribuam para o desenvolvimento das potencialidades de cada aluno. Modos de
ensino tradicionais que favorecem o acúmulo de informações, a passividade do aluno e centram-se no ensino,
estão sendo questionados, buscando-se outros que possam favorecer a atividade do aluno, a criatividade e o
processamento das informações. Em algumas reflexões,
como a de Calvo (1997), que focalizou a América Latina,
ressalta-se que predominam ainda nesta região os modos tradicionais de ensino com posturas de indiferença
por parte do professor às interações e fatores que influenciam a capacidade de motivação e de aprendizagem dos
alunos. Ressalta-se também que os progressos nesse campo
são lentos e os ambientes de aprendizagem não são usados de modo a favorecer as relações dos alunos com os
mestres, com os outros alunos e com o conhecimento.
apontadas são a oficina de aprendizagem e a aula oficina. A primeira é descrita como uma modalidade de seminário que atendeu a crianças do terceiro e quarto anos
básicos de escolas de setores pobres do Chile que apresentavam atraso escolar, buscando o reforço do ensino
escolar, a elevação da auto-estima, da sociabilidade e
criatividade. A segunda é descrita como uma estratégia
didática da escola ativa.
No Brasil, a oficina tem sido uma estratégia utilizada em diferentes espaços de aprendizagem, inclusive
na escola. A literatura nacional registra, entretanto, poucas contribuições para o tema da oficina na escola.
É objetivo deste estudo descrever algumas das
características e potencialidades da oficina como um
modo de organizar a aprendizagem dos alunos na escola.
AOFICINADEAPRENDIZAGEMNOESPAÇOESCOLAR
Têm havido esforços para implementar novas maneiras de entender e desenvolver as situações de aprendizagem. No mesmo estudo acima citado, Calvo (1997, p.
8) assinala experiências consideradas inovadoras na
América Latina no sentido de modificarem as relações do
professor com o aluno e de levarem em conta “experiências, interações, contextos e saberes dos diversos atores
dos processos de aprendizagem”. Duas experiências
Diferentes características são associadas à oficina de aprendizagem. A oficina é descrita, em alguns contextos, como uma experiência de trabalho ativo; envolve
trabalho coletivo na forma de participação dos integrantes com suas experiências, opiniões e argumentações; é
experiência de trabalho criativo (as experiências dos participantes, a reflexão e as discussões ajudam a encontrar
soluções novas); é experiência de trabalho vivencial e
sistemático (MINISTÉRIO DE EDUCACIÓN, 1998).
* Professora da Univap.
A oficina desenvolvida no espaço escolar é também descrita como um recurso que possibilita ao aluno
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
109
construir o seu conhecimento por meio de ações
educativas desenvolvidas, em um espaço de tempo compacto definido, e planejadas pelo professor para atender
a objetivos específicos previamente estabelecidos. Na
oficina, o aluno deve realizar atividades com o grupo, e o
professor atua como um facilitador. O aluno na oficina
adquire maiores conhecimentos ou gera um produto a
partir das contribuições dos demais participantes, dentro de um período determinado, e com atividades previamente planejadas (FLECHSIG; SCHIEFELBEIN, 2004).
Como uma atividade dentro da escola, os objetivos da oficina podem focalizar o desenvolvimento de
competências visadas à série e ao curso e contribuir para
o desenvolvimento de algum aspecto específico das unidades de conteúdos do curso ou série para os quais a
oficina será proposta, somando esforços para atingir o
perfil de aluno que a escola busca formar, declarado em
seu projeto político pedagógico.
A escolha da temática da oficina deve partir dos
interesses dos alunos, das orientações do projeto pedagógico da escola e considerar, também, as propostas dos
Parâmetros Curriculares Nacionais.
É fundamental, na oficina, a participação de todos os alunos, o que permitirá a construção do conhecimento a partir da contribuição de todos. Essa característica pode concorrer para que todos se beneficiem por
meio das contribuições oriundas dos diferentes estágios
cognitivos dos outros participantes do grupo como apontado por Vygotsky (OLIVEIRA, 1995). O contato dos
participantes com os materiais e atividades dá suporte às
ações e interações dos alunos uns com os outros e com
o professor.
O conceito de oficina é muito conhecido, especialmente no âmbito dos artistas, e tem sido apropriado
pela escola como um recurso para aproximar a sala de
aula do cotidiano.
No século XXI as oficinas ainda são um desafio
para o espaço escolar. Um desafio que precisa contar com
o conhecimento, experiência e vivência do professor ou
facilitador para que o seu planejamento atinja de modo
pleno os objetivos que justificam o seu uso no espaço
escolar: aprendizagem significativa e permanente , isto é,
agregada às rotas cognitivas e emocionais dos alunos.
PRINCÍPIOS DIDÁTICOS DA OFICINA
Na oficina, pode-se considerar que três princípios didáticos (FLECHSIG; SCHIEFELBEIN, 2004) são
levados em conta:
- aprendizagem orientada para a produção de um
resultado relativamente preciso, que seja do
interesse dos participantes;
- aprendizagem em grupo, ou aprendizagem que
se produz graças a uma troca de experiências
entre os participantes;
- aprendizagem ativa, a aprendizagem é parte do
desenvolvimento da prática, especialmente de
processos e produtos.
AMBIENTE DEAPRENDIZAGEM
O ambiente de aprendizagem de uma oficina
educativa deve contar com amplos recursos para as atividades e aprendizagem dos participantes e estar
estruturado de forma flexível. Deve-se assegurar que cada
participante tenha liberdade para fazer contribuições.
Muitos materiais devem estar à disposição dos alunos
da oficina, tais como manuais, dicionários, livros, revistas, internet e outros que se relacionem ao tema desenvolvido. O local onde a oficina se processa deve ser adequado às atividades previstas. Pode ser na sala de aula,
no pátio, em um parque, em um museu, em uma praça.
PAPEL DO ALUNO E DO PROFESSOR
AS ORIGENS DA OFICINA
Tradicionalmente, o conceito de oficina foi gerado a partir da idéia de que ela existe quando um grupo
tem uma determinada formação, propõe-se a melhorá-la e
se organiza para consegui-lo de maneira colegiada.
No início do século XX, as oficinas foram uma
das primeiras alternativas ao método de ensino-aprendizagem expositivo ou tradicional e buscaram trazer algo
da “realidade” à sala de aula. O conceito evoluiu para
seminário educativo, “workshop”, atelier, denominando
uma forma de aprendizagem organizada preferencialmente para construir aprendizagem significativa (FLECHSIG;
SCHIEFELBEIN, 2004).
110
Na oficina, cada participante é um ator responsável pela sua própria aprendizagem e deve estar ativo.
Para Flechsig e Schiefelbein (2004) cada participante em
uma oficina deve ser responsável por criar informação
para a formulação do resultado, por organizar o processo
de aprendizagem e por difundir os resultados.
O professor, por sua vez, é um facilitador e deve
se encarregar de organizar a preparação e a realização da
oficina, determinando as atividades que serão nela desenvolvidas, as competências que serão trabalhadas e
selecionando os materiais necessários. Exerce o papel de
moderador nos debates, sendo um mediador da aprendizagem dos alunos.
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
A ESTRUTURAÇÃO DA APRENDIZAGEM NA
OFICINA
alunos:
1- O que você aprendeu na oficina?
Sendo um ambiente de aprendizagem ativo e
participativo, a oficina permite o desenvolvimento de
objetivos de aprendizagem complexos como a resolução
de problemas. Todas as atividades da oficina devem contribuir para os objetivos visados. Cada atividade deve
ser planejada de modo a oferecer informações ou desenvolver ações relevantes ligadas aos objetivos.
O professor deve elaborar atividades participativas para permitir que os alunos desenvolvam atividades na prática.
O formato e a seqüência das atividades da oficina
devem ser determinados a partir dos objetivos e dos tópicos a serem desenvolvidos. Dessa maneira, tanto se
pode começar com uma atividade aplicada para depois
apresentar informações, quanto se pode iniciar com informações e depois atividades de aplicação.
Ao final de cada atividade, é recomendável uma realimentação feita de modo coletivo para que os alunos possam compartilhar percepções, descobertas e observações
a respeito da atividade e para determinar como esta se relaciona com seus conhecimentos atuais e experiências.
2- Houve atividades desenvolvidas nesta oficina
que foram proveitosas e agradáveis a você?
Se houve, cite-as.
3- O professor ajudou você no que diz respeito à
sua aprendizagem? De que forma?
4- De que forma você contribuiu para os resultados desta oficina?
5- Na sua opinião, o que contribuiu para o sucesso ou para o fracasso da oficina?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A oficina é um recurso capaz de favorecer a aprendizagem ativa. Sua criação exige, do docente, criatividade
e planejamento cuidadoso. Segundo Honsberger e George
(2004) os pontos principais para a elaboração de uma
oficina são:
- desenvolver os objetivos;
- determinar a duração da oficina;
O professor deve planejar uma variedade de atividades participativas para os alunos, como, por exemplo:
apresentações; pequenas palestras; estudos de caso;
simulações de papéis; atividades de resolução de problemas; dramatização; painéis; discussões em grupos;
tempestade de idéias; pequenos grupos de trabalho; uso
de perguntas fechadas (sim, não) para obter informações;
uso de perguntas abertas (como, por quê) para promover
discussões ou desenvolver idéias; debates; vídeos; uso
do retroprojetor para trabalhar imagens, desenvolvimento de material áudio-visual, dentre outras.
AVALIAÇÃO REFLEXIVA
A avaliação é importante para a aprendizagem
participativa e a construção coletiva do conhecimento.
O professor tanto pode ir avaliando durante a realização
da oficina através da observação e de perguntas, quanto
pode fazer uma avaliação ao final da oficina para verificar os resultados e possíveis necessidades de modificação para aplicações futuras da mesma oficina.
A avaliação pelos participantes é de inestimável
valor, pois, com base nela, podem ser feitos ajustes necessários e correções na estrutura da oficina.
Apresenta-se uma sugestão de instrumento para
avaliação ao final da oficina (oral ou por escrito) pelos
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
- identificar os conhecimentos, habilidades e atitudes que o grupo precisa atingir;
- escolher atividades apropriadas para o professor-facilitador e para o grupo, por meio das quais
seja possível atingir os objetivos;
- planejar as atividades da oficina e definir materiais de apoio para cada atividade;
- planejar uma variedade de atividades participativas: apresentações, estudos de caso, simulação de papéis, atividades de resolução de
problemas, dentre outras;
- planejar a avaliação das atividades e do aprendizado.
O professor ou facilitador não deve se esquecer de:
- pesquisar com antecedência o tema a ser abordado;
- consultar manuais e pessoas que tenham experiência no assunto da oficina;
- focalizar o conteúdo no que foi estabelecido
111
para aquele espaço de tempo ao invés de tentar
cobrir tudo sobre o tema;
- fazer um esboço da oficina e planejar a sincronização das atividades;
- reservar um tempo flexível para discussão; responder perguntas pode ser mais importante para
o grupo do que novas informações;
- fazer uma pausa a cada 1h e 30 min ou a cada 2h;
- ter estratégias prontas para reduzir o tempo exigido para uma atividade ou para preencher um
tempo disponível não esperado;
- ser sensível às necessidades do grupo;
- alternar aprendizado interativo e apresentações
formais de material;
- sempre permitir mais tempo do que imagina que
a tarefa levará.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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caminhos. Programa de promoção da reforma educativa
na América Latina e Caribe. n.6 Junho de 1997. Disponível
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112
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
Novas Competências em Informação Tecnológica:
a Experiência do SENAI-RS junto ao Serviço Brasileiro de
Resposta Técnica – SBRT
Alexandro Oto Hanefeld *
Enilda Terezinha dos Santos Hack **
Geverson Lessa dos Santos ***
Silvia Rossana Caballero Poledna ****
Resumo: O presente artigo tem como objetivo principal descrever a experiência do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial - Departamento Regional do Rio Grande do Sul (SENAI-RS) na
implementação compartilhada do Serviço Brasileiro de Resposta Técnica - SBRT, apresentando
seu efeito-demonstração e a importância para o aumento da competitividade das empresas, enquanto facilitador da construção de um processo de desenvolvimento sustentável. O detalhamento
do processo estratégico de modernização deste serviço, através da utilização da metodologia do
SBRT, que disponibiliza respostas técnicas na Internet, constitui a metodologia empregada. A
principal contribuição do presente estudo consiste em identificar as novas tendências do
microempresário no setor industrial e verificar estratégias de recepção, coleta e análise da demanda, com a finalidade de oferecer produtos customizados, conduzindo à efetiva resolução das demandas dos usuários. A experiência do SBRT/SENAI-RS evidencia também o funcionamento de um
mecanismo de fidelização de clientes, aumento de competitividade e prospecção de necessidades
do mercado, valorizando a gestão de informação tecnológica como elemento de agregação de
valor e estímulo ao desenvolvimento. Para tanto, após a introdução, serão apresentadas considerações sobre o escopo SBRT para, na seção terceira, discutir a conexão com novos perfis do profissional que atua na área de informação tecnológica.
Palavras-chave: Informação tecnológica, Serviço Brasileiro de Resposta Técnica, profissional da área
de informação.
*
Coordenador do Núcleo de Informação do Sistema
FIERGS/SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM INDUSTRIAL – Departamento Regional do
Rio Grande do Sul (SENAI-RS). Doutorando de
Economia pela UFRGS.
E-mail: [email protected]
** Bibliotecária do Núcleo de Informação do Sistema
FIERGS/SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM INDUSTRIAL – Departamento Regional do
Rio Grande do Sul (SENAI-RS).
E-mail: [email protected]
*** Mestre em Ciência e Tecnologia Agroindustrial e
Engenheiro Agrícola. Bolsista do Serviço Brasileiro de Resposta Técnica – SBRT/SENAI-RS.
E-mail: [email protected]
**** Engenheiro Químico e Especialista de Tratamento
de Efluentes Líquidos, Sólidos e Gasosos. Bolsista do Serviço Brasileiro de Resposta Técnica –
SBRT/SENAI-RS.
E-mail: [email protected]
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
113
Abstract: This article aims to describe the experience of the National Industrial Apprenticeship
Service – Rio Grande do Sul Regional Department (SENAI-RS) in the shared implementation of the
Brazilian Technical Response Service (SBRT), through presenting its demonstration effect and its
importance in the companies’ competitiveness increase as an auxiliary in the construction of a
sustainable development process. The methodology consists in detailing this service strategic process
of modernization using the SBRT, an online technical question answering resource. The main
contribution of this study is to identify new trends of industrial micro-entrepreneurs and to check
strategies of reception, collection, and analysis of demand, aiming to offer customized products for
the clients and to give support to their requirements. The SBRT/SENAI-RS experience also
demonstrates strategies customer loyalty, competitiveness increase, and antecipation of the market
needs, giving more value for the technological information management as a value-adding element
and an important tool for their development. For that purpose, this article introduction is followed
by considerations on the SBRT scope, in order to discuss, in the third section, the connection with
new profiles of the professionals who work in the technological information field.
Key words: Technological information, Brazilian Technical Response Service, information area
professional.
INTRODUÇÃO
A globalização de mercados financeiros, a
consolidação de potenciais tecnológicos, representados pelas grandes empresas, entre outros fatores, são elementos que evidenciam crescentemente
a informação como fator estratégico de competitividade para as empresas. As micro e pequenas
empresas – MPEs, predominantemente, têm acesso menos facilitado às informações, configurandose como estruturas mais frágeis diante do mercado
caracterizado pela competição globalizada.
114
de atividades vinculadas à propriedade intelectual e aos
bens intangíveis. Coadunando com tal quadro, Crawford
pondera, de forma sintética:
“Avanços tecnológicos permitem a aceleração e o maior volume no tratamento
massificado das informações e no seu
processamento, análise e transmissão. O
paradigma da informação – que, com base
na tecnologia vem substituir o modelo
Taylorista e Fordista. A informação e o conhecimento substituem o capital físico e financeiro, tornando-se uma das maiores
vantagens competitivas nos negócios, e a
inteligência criadora constitui-se na riqueza da nova sociedade.” (CRAWFORD, 1994).
O dinamismo do perfil do profissional que
trabalha com informação é bastante intenso e, por
igual, recorrente. A Federação Internacional de
Informação e Documentação (FID), já em 1991,
criou o Grupo de Interesse Específico sobre Papéis, Carreiras e Desenvolvimento do Moderno
Profissional da Informação (SIG FID/MIP), envolvendo profissionais das áreas de Biblioteconomia,
Arquivologia, Museologia e Administração, realizando uma pesquisa mundial entre esses profissionais para identificar seu perfil. Segundo Arruda,
Marteleto e Souza (2000), essa pesquisa desponta a tecnologia como propulsora das principais
modificações no perfil desses profissionais, seguida por elementos de gestão organizacional e
do trabalho.
Este fato, simultaneamente, destaca o capital humano e proporciona mudanças quanto à função da informação
no ambiente produtivo e força os empreendedores e empresários a ter uma visão diferenciada de perceber a importância dos Serviços de Informação, que pressupõem também
um novo paradigma quanto à função do típico “Profissional
da Informação” – o Bibliotecário. Desta feita, verificamos
que o novo perfil do bibliotecário está focado na capacidade deste em gerenciar a informação e trabalhar de forma que
a informação tenha valor agregado e seja encarada como
um produto capaz de garantir a competitividade para as
instituições, sobretudo as empresas.
Atualmente, o que era antes proporcionado para o indivíduo por ocasião da leitura e da
escrita é proporcionado pelo advento de novas
tecnologias, que se disseminaram muito fortemente na área da educação (1). O cotidiano da sociedade contemporânea passa a conviver com o uso
intensivo de informações e com o gerenciamento
Com base nestas considerações, o presente trabalho tecerá, na primeira seção, comentários alusivos ao
Serviço Brasileiro de Respostas Técnicas – SBRT, e a
inserção do SENAI-RS em tal rede de competências múltiplas, trazendo à tona aspectos estratégicos e operacionais e estatísticas que abarcam resultados preliminares obtidos com a participação no referido Serviço. A
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
segunda seção abarca o novo perfil do profissional ligado à área de informação e como o SENAI-RS está trabalhando, de forma estritamente vinculada à experiência de
trabalho junto ao SBRT. Subseqüentemente, considerações finais sinalizam para a importância da atuação renovada dos profissionais que lidam com informação.
1. O SENAI-RS E O SERVIÇO BRASILEIRO DE RESPOSTA TÉCNICA (SBRT)
O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial do
Rio Grande do Sul atua no campo da educação e tecnologia,
conta com 131 pontos de educação profissional, 17 agências de treinamento e 8 Centros Tecnológicos (Automotivo,
Calçado, Couro, Mobiliário e Madeira, Polímero,
Mecatrônica, Mecânica de Precisão e o Centro Nacional
de Tecnologias Limpas) (SENAI-RS, 2004). Os Centros
Tecnológicos do SENAI-RS objetivam realizar pesquisa
aplicada, absorver, gerar e transferir conhecimentos
tecnológicos diretamente ao setor produtivo, o que se dá
através de uma gama de serviços como:cursos, assessoria
e consultoria em tecnologia de produtos e processos, desenvolvimento de ensaios e análises laboratoriais e a prestação de serviços de informação tecnológica.
O SENAI-RS, mediante carta convite FVA/TIB
CNPq/2002, passou a integrar o SBRT. São entidades
participantes da rede, como provedores de respostas técnicas: Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais CETEC, Instituto de Tecnologia do Paraná - TECPAR,
Rede de Tecnologia da Bahia – RETEC/BA, Rede de
Tecnologia do Rio de Janeiro - REDETEC, Universidade
de Brasília UnB/CDT e Universidade de São Paulo USP/
Disque-Tecnologia. Como instituições que apóiam o
SBRT, temos o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia - IBICT, Serviço Brasileiro de Apoio
às Micro e Pequenas Empresas - SEBRAE, Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq e os programas TIB/CNPq do Ministério da Ciência e Tecnologia do Governo do Brasil. O projeto, cumpre
ressaltar, faz parte de programa estratégico do Ministério
da Ciência e Tecnologia.
O SBRT, que iniciou sua operacionalização em meados de 2003, é um serviço de informação tecnológica que
foi desenvolvido em bases dinâmicas com o uso intensivo
da web e de operação em rede, com o objetivo de facilitar
o rápido acesso das empresas às soluções tecnológicas
de baixa complexidade e em áreas específicas, bem como
promover a difusão do conhecimento e contribuir para
com o processo de transferência de tecnologia, especialmente, para a micro, pequena e média empresa, conforme
consta em seus materiais de divulgação.
Foi oficialmente lançado no último trimestre de
2004, já com a metodologia de gestão definida e equipes
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
treinadas, capacitadas e alinhadas estratégica e
operacionalmente. Seu funcionamento está pautado na
valorização do uso de tecnologias da informação, uma vez
que os atendimentos do SBRT ocorrem preponderantemente através de um portal da Internet, o qual se configura como receptáculo de demandas e elemento de integração
entre ofertantes e demandantes de tecnologia (2). Através
deste projeto capitaneado pelo Ministério de Ciência e
Tecnologia – MCT, o SENAI-RS obteve a oportunidade
de implementar o Serviço de Resposta Técnica como um
dos serviços de Informação Tecnológica em toda sua
Rede de Informação.
1.1 Aspectos estratégicos e operacionais do SBRT e o
SENAI-RS
Lidar com informações e processá-las de forma adequada é uma necessidade recorrente para as pessoas e organizações. Atualmente, esta importância encontra-se reforçada, à medida que as empresas têm de ter respostas de
forma cada vez mais ágil para responder de forma eficiente e
eficaz aos estímulos de demanda, garantindo
competitividade. A informação é marcada por quatro elementos básicos: velocidade, conectividade, intangibilidade
e criatividade. A informação tecnológica, neste contexto,
passa a ser vista como agregadora de valor, algo que tem
custo de elaboração e preço para disponibilização. Dito de
outra forma, ela é um PRODUTO e, como tal, tem valor no
mercado (HACK; HANEFELD, 2004).
A Resposta Técnica, portanto, deve ser percebida
como uma informação tecnológica estratégica. O demandante de informação tecnológica – seja uma empresa de
qualquer porte, um empreendedor ou uma entidade representativa tal como sindicatos ou associações - quando se
reporta a uma instituição como o SENAI-RS para atender a
uma demanda de resposta técnica, o faz porque precisa de
uma proposição a um produto, processo ou gestão que
seja Confiável, entregue num Prazo Curto e a um Custo
Baixo. A Fig. 1, a seguir, sintetiza esta dinâmica.
Fig. 1 - Dinâmica de funcionamento da resposta técnica.
Fonte: Hack; Hanefeld, 2004.
A importância de desenvolver competências que
trabalhem diretamente com a informação como matériaprima, atendendo os avanços da tecnologia induz à refle-
115
xão sobre a necessidade de estruturar um novo perfil
para o Profissional da Informação que forneça as variáveis que possibilitem atender a esta nova situação, contemplando formas de ação renovadas.
Tendo sido feita, ex ante, a definição estratégica
da participação do SENAI-RS neste relevante projeto –
referendada pelo Departamento Nacional do SENAI, a
primeira ação efetiva (que partiu da alta gerência e gerências intermediárias do SENAI-RS) foi concernente à motivação, apoiando o esforço de realização deste serviço e
apoiando as atividades de implementação do serviço.
Foi realizada a capacitação dos profissionais da informação da Rede de Informação do SENAI-RS, em adesão
aos demais parceiros da rede, na metodologia nos moldes do SBRT – Serviço Brasileiro de Resposta Técnica,
capacitação formal e momentos de avaliação das Respostas Técnicas que já se encontravam no Portal.
A esta etapa que se configurou em adesão ao projeto e de motivação para participação, seguiram-se atividades
de implementação. Foi oferecido treinamento em técnicas
de pesquisa em bases de dados na Internet e repasse de
ferramentas de busca, replicando no Rio Grande do Sul
metodologia desenvolvida pelo SBRT. Também foram levados a cabo estudos de identificação de demandas, proposição e negociação e solução e realizados atendimentos às
demandas de respostas técnicas através do banco de competências e especialistas da rede SENAI-RS.
Tratando do caso gaúcho, no que tange a aspectos operacionais, as demandas chegam no SENAI-RS
advindas do Portal SBRT, fax, e-mail, telefone ou consulta local. Elas são imediatamente identificadas pelos moderadores (especialistas que se encontram no Departamento Regional) e distribuídas para execução da resposta pelos bibliotecários e técnicos das unidades do SENAIRS. O bibliotecário é responsável pelo refinamento da
demanda, ou seja, pelo processo de análise da demanda
que, sendo necessário, inclui um refinamento da demanda (contato com o cliente). A Fig. 2, a seguir, mostra o
funcionamento de um serviço de resposta técnica.
Fig. 2 - Funcionamento do serviço de resposta técnica.
Fonte: Hack; Hanefeld, 2004.
Faz-se, em seguida, um estudo prévio do contexto da questão e prepara-se um roteiro de perguntas, perguntas estas que objetivam refletir sobre o problema e
esclarecer a real necessidade de informação. O esforço
inicial em captar corretamente a necessidade de informação do cliente é de fundamental importância para a apresentação de uma solução que atenda às suas expectativas. A solução da demanda, dependendo da complexidade, pode ser formulada pelo próprio bibliotecário, através de pesquisa no acervo, pesquisa na web ou repassada para o especialista responder. Após, o formulário padrão do Serviço Brasileiro de Resposta Técnica é preenchido e enviado aos moderadores, os quais, por seu turno, providenciam o encaminhamento ao cliente e a publicação da Resposta Técnica no Portal.
Tendo, portanto, as metodologias de gestão bem
116
definidas, o Serviço Brasileiro de Resposta Técnica - não
só no SENAI, mas em todas as instituições parceiras da
Rede - tem um resultado imediato e efetivo junto ao seu
público-alvo, sobretudo as micro e pequenas empresas,
evidenciando resultados preliminares animadores e que
revalidam a importância deste serviço. As estatísticas
constantes da subseção seguinte representam uma amostra destes resultados e de seu alcance.
1.2 Resultados preliminares da atuação do SENAI-RS
Conforme estatística realizada desde a implantação do SBRT até o dia 9 de maio de 2005, demonstrada
pela Figura 3, verifica-se que do total de 503 respostas
técnicas elaboradas pela rede, 19,09% das solicitações,
ou seja, o equivalente a 96 respostas técnicas, foram
publicadas pelo SENAI/RS.
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
Pela Tabela 2, a seguir, podem ser obtidas
inferências acerca do crescimento médio mensal de solicitações, respondidas pelo SBRT tanto em nível nacional
(geral), como especificamente pelo SENAI/RS.
Tabela 2 - Crescimento mensal de respostas técnicas
publicadas pelo SBRT em geral e pelo SENAI/RS.
Fig. 3 - Respostas técnicas publicadas pelo SENAI/RS,
em relação ao total do SBRT, desde sua implantação
até o dia 9/5/2005.
Fonte: SENAI/RS.
Através da Tabela 1, a seguir, nota-se que boa
parte (45,83%) das demandas atendidas pelo SENAI/RS
foi originada por clientes do próprio Estado do Rio Grande do Sul, seguido respectivamente pelos de Santa
Catarina (20,83%) e Rio de Janeiro (6,25%).
Tabela 1 - Respostas técnicas publicadas pelo SENAI/
RS, desde a implantação do SBRT até o dia 9/5/2005,
conforme Unidade Federativa de origem
Fonte: SENAI/RS.
Através da Fig. 4, é possível verificar que os segmentos demandados apresentam-se bastante diversificados, sendo o de maior representação, no SBRT em geral, o setor da Agricultura e Pecuária com 28,51%, seguido pelo de Alimentos e Bebidas com 20,48% e o de
Serviços Industriais com 13,65%. De maneira semelhante, os segmentos mais atendidos especificamente pelo
SENAI/RS foi o da Agricultura e Pecuária com 22,34%,
seguido pelo de Serviços Industriais com 21,28% e o de
Alimentos e Bebidas com 18,09%.
Fig. 4 - Respostas técnicas publicadas pelo SBRT em
geral e somente pelo SENAI/RS, desde a implantação até o
dia 9/5/2005, conforme os segmentos de maior interesse.
Fonte: SENAI/RS.
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
Fonte: SENAI/RS.
Estes dados permitem verificar a intensificação
do uso do serviço por parte dos usuários, ao longo dos
quatro últimos meses. Os bibliotecários cumprem papel
importante nestas demandas atendidas, por serem mediadores do processo, dentro da área de informação
tecnológica da rede SENAI-RS.
Os dados apresentados não são absolutos, representando um recorte temporal dos atendimentos realizados pelo SENAI-RS. É mister destacar, entretanto, que
tais dados denotam o resultado consolidado da efetiva
participação acumulada do SENAI-RS na rede SBRT nos
últimos meses. O dinamismo dos atendimentos é uma
característica que confere peculiar importância e
operacionalidade ao SBRT, remetendo a um perfil renovado do bibliotecário e dos profissionais vinculados às
respostas técnicas.
2. NOVO PERFIL PARA O BIBLIOTECÁRIO: DINAMISMO CONTUMAZ
2.1 Características do profissional da área de informação
O paradigma vigente provocou, de forma inequívoca, alterações no próprio mercado de trabalho, em que
o capital humano e a valorização das capacidades dos
indivíduos vinculadas a ativos intangíveis – caso do conhecimento, em particular – passaram a assumir
indubitavelmente tratamento diferenciado (HANEFELD,
2004b). Conforme o SENAI.DN (1999) são características
desejáveis ao profissional da informação que vai elaborar a Resposta Técnica: conhecer o setor industrial para
o qual está direcionado o Núcleo/Unidade, no que se
refere aos procedimentos, tecnologias e mercado do setor em questão; ser capaz de compreender e utilizar tanto
o jargão técnico do setor industrial a que atende quanto
de se comunicar com pessoas de diferentes níveis hierárquicos e/ou com diferentes níveis de formação dentro da
empresa; ter a capacidade de sintetizar conceitos e teori117
as e de resumir informações, visando torná-las inteligíveis para o cliente; ter autonomia na execução de seus
projetos; ser uma pessoa voltada para a busca de soluções rápidas e estar sempre pronto para ouvir e avaliar
diferentes opiniões, dentro de uma perspectiva de trabalho em equipe.
Adicionalmente, outros aspectos do perfil do bibliotecário – muitos deles subjacentes à sua própria formação - merecem ser destacados, quais sejam: atenção
às técnicas biblioteconômicas e documentais; atitudes
gerenciais pró-ativas; tratamento e disseminação de informação, independente do suporte físico; espírito crítico e bom senso; atendimento real e/ou virtual aos clientes; profundo conhecimento dos recursos informacionais
disponíveis e das técnicas de tratamento da documentação com domínio das tecnologias mais avançadas; domínio de línguas estrangeiras; fusão entre as abordagens
qualitativas e quantitativas; estudo das necessidades
de informação dos clientes e avaliação dos recursos dos
sistemas de informação; relação coerente entre informação e sociedade; planejamento e gerenciamento de sistemas de informação; preocupação na análise, comunicação e uso da informação; intenso processo de educação
continuada; ativa participação nas políticas sociais, educacionais, científicas e tecnológicas.
Neste último grupo estão imbricados elementos
que traduzem um perfil renovado para o bibliotecário. A
partir da experiência do SBRT, que trabalha com o fornecimento de respostas técnicas – as quais são estilizadas
como sendo fundamentalmente atendimentos
tecnológicos de baixa complexidade – é possível identificar características desejáveis que objetivam perceber a
informação tecnológica como um elemento de agregação
de valor. Como tal, é necessário um processo de
sensibilização e mudança de comportamento e atitude
frente à nova realidade.
viabiliza um atendimento de qualidade e com excelente
capilaridade. Os bibliotecários, neste processo, assumem
papel relevante.
Complementarmente às atribuições ou competências detalhadas na subseção anterior, as habilidades de
comunicação, organização e de negociação necessárias
ao bibliotecário, visto como um “profissional da informação” conforme as necessidades atuais, estão centradas
principalmente na facilidade de comunicação (verbal,
escrita e no uso das telecomunicações e-mail, fax e telefone), capacidade em organizar informações digitais e
saber interagir e negociar com o usuário. Como requisito
específico, necessita-se principalmente obter
embasamento e conhecer a utilização de critérios de uso
de páginas web para atender à demanda.
O que deve assumir maior peso relativo em relação
à Resposta Técnica é a capacidade do profissional da
informação de selecionar, avaliar e transformar a informação para que esta se torne útil, ou seja, ser um facilitador,
buscar soluções para as demandas que advenham das
empresas e/ou empreendedores. E esta é a percepção vivida atualmente entre os bibliotecários da rede SENAI-RS,
que somam treze profissionais Tudo isto somado às demais atribuições clássicas do bibliotecário, que reconhecemos e revalidamos a sua importância.
No SENAI-RS foi adotada a metodologia desenvolvida pelo SBRT para a gestão e atendimento de respostas técnicas. À luz da percepção do potencial de agregação de valor que a informação tecnológica e seus serviços e atividades conexas oportunizam, tem-se trabalhado buscando a sensibilização dos colaboradores do
seu quadro, vinculados à área de informação, no sentido
de aprimorar crescentemente o sentido de entender, atender e encantar o cliente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
2.2 Competências do bibliotecário associadas ao SBRT,
no SENAI-RS
As competências abarcadas na subseção anterior são indispensáveis e subjacentes ao profissional vinculado à área de informação, em especial quando tratamos de bibliotecários. No SENAI-RS, os contatos principais para atuação em rede são os responsáveis pelos
Núcleos de Informação, os quais são os elementos de
ligação e mediação com todo o banco de especialistas do
SENAI-RS. O Departamento Regional, através da Unidade de Negócios em Serviços Tecnológicos - UNET, representa o nó principal da rede, dentro do SENAI-RS,
perante os demais parceiros da rede SBRT, ou seja, através da UNET são mediados e gerenciados todos os atendimentos que são direcionados ao SENAI-RS. Portanto,
o contato da UNET com as suas unidades operacionais
118
Através do presente trabalho foi apresentada, de
forma sumária, a atuação do SENAI-RS dentro do Serviço Brasileiro de Resposta Técnica – SBRT, projeto pautado, em essência, em uma atuação em rede através de
distintas instituições brasileiras com reconhecida atuação na área de ciência, tecnologia e inovação, dentre os
quais se encontra o SENAI-RS na condição de provedor
de respostas técnicas.
As estatísticas apresentadas oportunizaram
dimensionar a atuação do SENAI-RS dentro desta rede
estratégica de fornecimento de respostas técnicas
customizadas. Não obstante sinalizarem para sua validade, atestando a certeza do governo federal em ter proposto – no ano de 2002 - e viabilizado subseqüentemente a implantação e implementação de um projeto absolu-
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
tamente alinhado, oportunizaram provocar inferências
acerca do perfil dos profissionais diretamente envolvidos com a área de informação tecnológica.
Dentro deste prisma renovado, novas atribuições
passam a desafiar esses profissionais, incitando assumirem atribuições inovadoras ou, de outra forma, formas
diferentes de tratar situações semelhantes. As novas atribuições sinalizam para uma postura absolutamente próativa, onde o bibliotecário passa a voltar-se cada vez
mais ao mercado. À medida que o faz, encontra
crescentemente entre seus clientes não apenas alunos e
professores como usuários de sua biblioteca, mas sim
clientes. Estes clientes, inseridos em uma sociedade carente de informações qualificadas e ancorados em um
mundo marcado pela globalização em suas mais diversas
formas de manifestação, deve encontrar neste novo bibliotecário um profissional focado em negócios e perfeitamente sensível a conceitos, valores e metodologias
vinculadas à produtividade e competitividade. O insight
mais significativo a ser retirado deste trabalho consiste
em sensibilizar o capital humano existente nas organizações voltado à área de informação tecnológica quanto à
importância de perceber as oportunidades existentes além
do espaço físico das bibliotecas.
Seu papel diante do paradigma vigente, típico da
economia baseada no conhecimento, é de importância
ímpar. A informação tecnológica, enquanto instrumento
de vinculação entre o conhecimento vinculado à
multiplicidade de competências acumuladas nas instituições que a provêem e a dimensão de mercado requer que
o profissional de informação tenha um papel essencial
de intermediação, prescindido pelos empreendedores e
empresários. Isto sempre em paralelo à atenção dedicada
aos alunos, usuários recorrentes das bibliotecas.
NOTAS
(1) Em estudo recente de HANEFELD (2004a), são
abordadas especificamente as teorias tecnológicas aplicadas à educação, sustentando-se justamente a relevância de se proceder a uma consubstanciada revisão nas
formas de atuação dos profissionais frente às novas
tecnologias.
(2) O portal, viabilizado preponderantemente com
o apoio do Governo do Brasil, por interveniência do Ministério da Ciência e Tecnologia, pode ser acessado em
http://www.sbrt.ibict.br.
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
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ARRUDA, M. da C. C.; MARTELETO, R. M.; SOUZA, D.
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BLATTMANN, U. Bibliotecário na posição de arquiteto
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CASTRO, C. A. Profissional da informação: perfis e
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CRAWFORD, R. Na era do capital humano. São Paulo:
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educação: uma oportunidade ao desenvolvimento. Revista
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HANEFELD, A. O. Capital humano e mercado de trabalho:
contribuições no contexto da globalização. Estudos &
Debate, Lajeado - RS, v. 11, n. 2, p. 15-32, 2004b.
SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM
INDUSTRIAL – SENAI/RS. Relatório SENAI-RS 2003;
ensinando a realizar. Porto Alegre,2004.
SERVIÇO BRASILEIRO DE RESPOSTA TÉCNICA –
SBRT. Disponível em: <http://www.sbrt.ibict.br>. Acesso
em: 5 mai 2005.
VALENTIM, M. L. P. O moderno profissional da
informação: formação e perspectiva profissional. R. Bibl.
Ci.Inf., Florianópolis, n. 9, jun. 2000. Disponível em:
<http://www.encontrosbibli.ufsc.br/Edicao_9/
marta.html>. Acesso em: 5 maio 2005.
VIEIRA, A. da S. Desenvolvimento de um novo
profissional para um novo tempo. R. da Esc. de Bibl. da
UFMG, Belo Horizonte, v. 18, n. 1, 1993, p. 111-113.
119
Neon Dimer Binding : an ab initio Calculation
Alexandre Martins Dias *
Resumo: Usando o método Hartree Fock Restrito (RHF) e a teoria de Perturbação de Segunda
Ordem de Moller-Plesset (MP2) para sistemas de camada fechada, com um conjunto de funções de
base do tipo TZV (Triple Zeta Valence), como implementado no programa ab initio GAMESS, versão
4.0, para cálculos de estrutura eletrônica, este estudo apresenta o cálculo da curva de potencial
para o estado fundamental da molécula Ne2. Os resultados proporcionam uma boa predição da
energia de ligação da molécula.
Palavras-chave: Ne2, GAMESS, ab initio, RHF, MP2.
Abstract: Using Restricted Hartree Fock (RHF) method and Second Order Moller-Plesser
Disturbance theory (MP2) for closed layer systems with a set of basis functions like Triple Zeta
Valence (TZV) as implemented in the version 4.0 ab initio GAMESS program for electronic structure
calculations, this study presents a potential curve calculation for the ground state of the Ne2 molecule.
The results provide a good prediction about the molecule linking energy.
Key words: Ne2, GAMESS, ab initio, RHF, MP2.
1. INTRODUCTION
Diatomic molecules of noble gases have been
studied from several points for empirical and ab initio
calculations (TANAKA; YOSHINO, 1972; COHEN;
SCHNEIDER, 1974). The interest in these molecules were
due to the fact that they constitute a class of molecules
for laser applications (MICHELS; HOBBS; WRIGTH,
1978). Recently, new ab initio potentials for neon dimer
have been obtained in the studies of molecular global
simulations, condensed phase and tests of the several
basis sets for weakly interacting system (EGGENBERGER
et al., 1994; NASRABAD, 2003).
Ab initio calculations (CLEMENTI, 1965) showed
1
that ground
∑ +g state of dimer Ne2 with configuration
(1 σ u ) 2(1 σ g) 2 (2 σ g ) 2(2 σ u) 2(1 π g ) 4(1 π u ) 4 (3 σ g) 2 (3 σ u ) 2 ,
dissociates into two ground states Ne (1σ2 2σ22π6) atoms
with the total energy -257.0940 Eh (hartrees).
Calculations based on MS-Xa (not frozen core
approximation) (KONOWALOW et al., 1972), LCAO-MOSCF (GILBERT; WAHL, 1967) and VCM-Xa (LEITE et al.,
1981; DIAS, 1981; DIAS; ROSATO, 1982) methods have
not shown the van der Waals minimum for this molecule.
* Professor e Coordenador da Faculdade de Ciência da
Computação da UNIFENAS - Alfenas - MG.
E-mail: [email protected]
120
The ab initio calculation performed in this work is
a trial to predict the binding of the Ne2 dimer, since that
recent calculations (EGGENBERGER et al., 1994;
NASRABAD, 2003) have been performed for this purpose.
2. CALCULATION REPORTS
These ab initio calculations were performed by
RHF with 2nd order Moller-Plesset (MP2) computation
methods, as implemented into GAMESS (SCHMIDT et
al., 1993) package, for Windows PC computers optimized
by Alex A. Granovsky in Moscow State University, using
Triple Zeta Valence(TZV) with one d function basis set,
initial orbitals generated by Huckel guess routine with
molecule in D2H point symmetry group and MP2 applied
to the last orbital.
Figure 1 shows the potential curve obtained in
this work. The separated atom limit energy reached the
value of -257.090146 Eh. The minimum for total energy of
molecule has been evaluated as -257.090273 Eh at Re = 5.6
au (bohr) or 2.968 Å, assumed as the equilibrium
internuclear distance of the ground state of the molecule.
Then, the binding, obtained as the difference between
the separated atom limit and the minimum of the potential
curve, is 0.000127 Eh or 0.00346 eV.
Experimental results related by Herzberg (HUBER;
HERZBERG, 1979) and Ira N. Levine (1991) shown 0.00013
Eh or 0.0035 eV for binding energy to the equilibrium
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
internuclear distance at Re = 5.85 au or 3.1 Å. Recent
calculations (NASRABAD, 2003), using extensive
(av45z) basis set, result in a more deep binding energy
than experimental value at Re = 3.097 Å related to the HFlimit of separated atoms.
Table 2 shows the numerical values for the total
energies from VCM-Xα, MS-Xα and LCAO-MO-SCF
methods for the same internuclear separations. These
values are plotted in Figure 2, showing repulsive potential
curves.
Table 2 - Total energies for the ground state of Ne2
Molecule for different internuclear separation,
in hartree units
Fig. 1 - Potential curve for the ground state of Ne2
molecule from RHF+MP2 calculations.
a) VCM-Xα (LEITE et al., 1981; DIAS, 1981; DIAS; ROSATO,
1982).
b) MS-Xα with not frozen core approximation (KONOWALOW
et al., 1972).
c) LCAO-MO-SCF (GILBERT; WAHL, 1967).
Table 1 sums up the numerical values for these
ab initio calculations and several others results obtained
by different methods for comparison.
Table 1 - Total energies for ground state of Ne2
molecule. All energies in hartree units and internuclear
Re distance in atomic units
Fig. 2 - Potential curves for ground state of Ne2
molecule from VCM-Xα, MS-Xα and LCAO-MO-SCF
methods.
3. FINAL REMARKS
a) This work.
b) VCM-Xα (KONOWALOW et al., 1972; GILBERT; WAHL,
1967; LEITE et al., 1981).
c) MS-Xα (NASRABAD, 2003).
d) LCAO-MO-SCF (CLEMENTI, 1965).
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
It is well known from early calculations with the
Restricted Hartree-Fock methods (WAHL, 1964), that it
is not easy to exhibit the binding for these class of
molecules and only half of the binding was obtained from
the extensive CI calculations (DAS; WAHL, 1966).
121
The small value of the binding for this molecule is
the main reason for the difficulties in theoretical
calculations, because of the exactness necessary by the
calculations with approximated methods, but the results
obtained in this work have shown an attractive potential
curve compared with the repulsive curves of the others
methods. In Figure 2, we observe that VCM-Xα and MSXα methods present similar potential curves. It is due to
the muffin-tin approximations used for charge density
into some space regions of the molecule geometry
adopted in VCM calculations and MS methods, but we
observe that VCM-Xα leads to the separated atom limit
energy close to the Hartree-Fock limit (CLEMENTI, 1965).
The results obtained for the RHF + MP2 energies
for the ground state of the Ne2 molecule in this work,
with TZV basis set as implemented into GAMESS
package, essentially shows weakly bound Ne atoms.
The separated atom limit energy obtained is in good
agreement to the HF limit (CLEMENTI, 1965), and the
binding of molecule subject of this work is close to the
experimental value.
We know that the ground state of Ne2 molecule
has the same number of electron pairs in p ligand orbitals
and π non-ligand orbitals, producing unstable state
(HUBER; HERZBERG, 1979).
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LEITE, J. R.; FAZZIO, A.; LIMA, M. A. P.; DIAS, A. M.;
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R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
NORMAS GERAIS PARA A PUBLICAÇÃO
DE TRABALHOS NA REVISTA UNIVAP
A Revista Univap é uma publicação de divulgação
científica da Universidade do Vale do Paraíba (Univap),
que procura cumprir com a sua tríplice missão de ensino,
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as quais não há progresso. Esta publicação incentiva as
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seqüencialmente, destacados com negrito. Não se
recomenda subdivisões excessivas dos títulos das
Seções.
2. Língua. Os artigos devem ser escritos,
preferencialmente, em Português, aceitando-se também
textos em Inglês e Espanhol. No caso do uso das línguas
Portuguesa e Espanhola, devem ser anexado um resumo
em Português (ou Espanhol) e em Inglês (Abstract).
3. Os trabalhos devem obedecer à seguinte ordem:
informações referentes às instituições a que pertence(m)
e às qualificações, títulos, cargos ou outros atributos.
- Resumo. Com no máximo 250 palavras, o resumo deve
apresentar o que foi feito e estudado, seu objetivo, como
foi feito (metodologia), apresentando os resultados,
conclusões ou reflexões sobre o tema, de modo que o
leitor possa avaliar o conteúdo do texto. NBR6028
- Abstract. Versão do resumo para a língua Inglesa.
Caso o trabalho seja escrito em Inglês, o Abstract deve
ser traduzido para o Português (Resumo).
- Palavras-chave (Key words). Apresentar de duas a
cinco palavras-chave sobre o tema.
- Texto. Corpo do artigo estruturado em introdução,
desenvolvimento e conclusão. No caso de divisão de
seções, sua ordenação deve seguir o sistema de
numeração progressiva (NBr6024), com subtítulos de
caráter informativo.
- Citações dentro do texto. As citações com mais de 3
linhas devem ser destacadas com recuo da margem
esquerda 4 cm, com letra menor que a do texto utilizado
e sem aspas.
Ex.:
Na criança, bons hábitos posturais são
importantes para evitar sobrecargas
anormais em ossos em crescimento e
alterações adaptativas em músculos e
tecido mole. (KISNER; COLBY, 1998).
Nas citações são utilizadas sobrenome e data,
apresentadas em maiúsculas dentro do parênteses e
em minúsculas fora do parênteses.
Ex.: 1. Segundo Spector (2003), “A discussão dos
resultados é a parte mais livre da tese, onde o autor
tem maior latitude para demonstrar o seu domínio do
tema e o valor do estudo.”
Ex.: 2. A discussão dos resultados é a parte mais livre
da tese, onde o autor tem maior latitude para
demonstrar o seu domínio do tema e o valor do estudo
(SPECTOR, 2003).
- Título (e subtítulo, se houver). Deve estar de acordo
com o conteúdo do trabalho, conforme os artigos aqui
apresentados.
- Referências Bibliográficas: devem ser apresentadas
no final do trabalho, em ordem alfabética de sobrenome
do(s) autor(es), como nos seguintes exemplos:
- Autor(es). Logo abaixo do título, apresentar nome(s)
do(s) autor(es) por extenso, sem abreviaturas. Com
asterisco, colocado logo após o nome completo do autor
ou autores, remeter a uma nota de rodapé relativa às
a) Livro: SOBRENOME, Nome. Título da obra. Local
de publicação: Editora, data. Exemplo: PÉCORA,
Alcir. Problemas de redação. 4.ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1992.
R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
123
b) Capítulo de livro: SOBRENOME, Nome. Título do
capítulo. In: SOBRENOME, Nome (org.). Título do
livro. Local de publicação: Editora, data. Página
inicial-final. Exemplo: LACOSTE, Yves. Liquidar a
geografia... liquidar a idéia nacional? In: VESENTIN,
José William (org.). Geografia e ensino: textos críticos.
Campinas: Papirus, 1989. p.31-82.
c) Artigo de periódico: SOBRENOME, Nome. Título
do artigo. Título do periódico, local de publicação,
volume do periódico, número do fascículo, página
inicial-página final, mês(es). Ano. Exemplo:
ALMEIDA JÚNIOR, M. A economia brasileira.
Revista Brasileira de Economia, São Paulo, v. 11, n.
1, p. 26-28, jan./fev. 1995.
d) Dissertações, Teses e Trabalhos Acadêmicos:
SOBRENOME, Nome. Título da dissertação (ou tese).
Local. Número de páginas (Categoria, grau e área de
concentração). Instituição em que foi defendida. data.
Exemplo: BRAZ, A. L. Efeito da luz na faixa espectral
do visível em adultos sadios. 2002. 1 disco laser.
Dissertação (Mestrado em Bioengenharia) - Instituto
de Pesquisa e Desenvolvimento, Universidade do
Vale do Paraíba, São José dos Campos, 2002.
e) Outros casos: Consultar as Normas da ABNT para
Referências Bibliográficas (NBR6023). Ou acessar o
site: http://www.univap.br/cultura/abnt.htm
4. As figuras (desenhos, gráficos, ilustrações, fotos) e
tabelas devem apresentar boa qualidade e serem
acompanhados de legendas breves e claras. Indicar no
verso das ilustrações, escritos a lápis, o sentido da figura,
o nome do autor e o título abreviado do trabalho. As
figuras devem ser numeradas seqüencialmente com
números arábicos e iniciadas pelo termo Fig., devendo
ficar na parte inferior da figura. Exemplo: Fig. 4 - Gráfico
de controle de custo. (fonte 10). As tabelas também
devem ser numeradas seqüencialmente, com números
arábicos, e colocadas na parte superior da tabela.
Exemplo: Tabela 5 - Cronograma da Pesquisa. As figuras
e tabelas devem ser impressas juntamente com o original
e quando geradas no computador deverão estar gravadas
no mesmo arquivo do texto original. Fotografias,
desenho artístico, mapas etc., devem ser de boa
qualidade e em preto e branco.
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5. O encaminhamento do original para publicação deve
ser feito acompanhado do disquete ou CD-ROM e com a
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6. O Corpo Editorial avaliará sobre a conveniência ou
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cada edição, o Corpo Editorial selecionará, dentre os
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