Univap 22 jac.p65
Transcrição
Univap 22 jac.p65
REVISTA UNIVAP Universidade do Vale do Paraíba Ficha Catalográfica Revista Univap - Ciência - Tecnologia - Humanismo. V.1, n.1 (1993) São José dos Campos: Univap, 1993v. : il. ; 30cm . Semestral com suplemento. ISSN 1517-3275 1 - Universidade do Vale do Paraíba A REVISTA Univap tem por objetivo divulgar conhecimentos, idéias e resultados, frutos de trabalhos desenvolvidos na Univap - Universidade do Vale do Paraíba, ou que tiveram participação de seus professores, pesquisadores e técnicos e da comunidade científica. Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva de seus autores. A publicação total ou parcial dos artigos desta revista é permitida, desde que seja feita referência completa à fonte. CORRESPONDÊNCIA Univap - Av. Shishima Hifumi, 2.911 - Urbanova CEP: 12244-000 – São José dos Campos - SP - Brasil Tel.: (12) 3947-1036 / Fax: (12) 3947-1211 E-mail: [email protected] Av. Shishima Hifumi, 2911 - Urbanova CEP: 12244-000 - São José dos Campos - SP Fone: (12) 3947-1000 - www.univap.br Campus Centro: Praça Cândido Dias Castejón, 116 - Centro São José dos Campos - SP - CEP: 12245-720 - Tel.: (12) 3928-9800 Rua Paraibuna, 75 - Centro São José dos Campos - SP - CEP: 12245-020 - Tel.: (12) 3928-9800 Campus Urbanova: Avenida Shishima Hifumi, 2911 - Urbanova São José dos Campos - SP - CEP: 12244-000 - Tel.: (12) 3947-1000 Campus Villa Branca: Estrada Municipal do Limoeiro, 250 - Jd. Dora Jacareí - SP - CEP: 12300-000 - Tel.: (12) 3958-4000 Campus Aquarius: Rua Dr. Tertuliano Delphim Junior, 181 - Jardim Aquarius São José dos Campos - SP - CEP: 12246-080 - Tel.: (12) 3923-9090 Campus Platanus: Avenida Frei Orestes Girardi, 3 - Bairro Fracalanza Campos do Jordão - SP - CEP: 12460-000 - Tel.: (12) 3664-5388 Campus Caçapava: Estrada Municipal Borda da Mata, 2020 Caçapava - SP - CEP: 12284-820 - Tel.: (12) 3655-4646 http: //www.univap.br Supervisão Gráfica: Profa. Maria da Fátima Ramia Manfredini - Pró-Reitoria de Cultura e Divulgação - Univap / Revisão: Profa. Glória Cardozo Bertti - (12) 3922-1168 / Editoração Eletrônica: Glaucia Fernanda Barbosa Gomes - Univap (12) 3947-1036 / Impressão: Jac Gráfica e Editora - (12) 3928-1555 / Publicação: Univap/2005 Baptista Gargione Filho Reitor SUMÁRIO Antonio de Souza Teixeira Júnior Vice-Reitor e Pró-Reitor de Integração Universidade Sociedade v. 12 Ana Maria C. B. Barsotti Pró-Reitora de Assuntos Estudantis PALAVRA DO REITOR. ..................................................................................... 5 Ailton Teixeira Pró-Reitor de Administração e Finanças Elizabeth Moraes Liberato Pró-Reitora de Avaliação Élcio Nogueira Pró-Reitor de Graduação Fabiola Imaculada de Oliveira Pró-Reitora de Pós-Graduação Lato Sensu Luiz Antônio Gargione Pró-Reitor de Planejamento e Gestão n. 22 dez. 05 ISSN 1517-3275 EDITORIAL. .......................................................................................................... 7 A FUNDAÇÃO VALEPARAIBANA DE ENSINO (FVE) E A UNIVERSIDADE DO VALE DO PARAÍBA (UNIVAP) ............................... 9 CARREIRAS NEGRAS/CARREIRAS BRANCAS: QUANDO RAÇA E CLASSE SE ENCONTRAM André Augusto Brandão, Mani Tebet A. de Marins ......................................... 1 3 AS SOCIEDADES DE CONTROLE DE GILLES DELEUZE Luis Fernando Zulietti ......................................................................................... 2 3 Maria Cristina Goulart Pupio Silva Pró-Reitora de Assuntos Jurídicos O ESPAÇO E AS INTER-RELAÇÕES INSTITUCIONAIS E COMUNITÁRIAS Maria da Fátima Ramia Manfredini Pró-Reitora de Cultura e Divulgação A. S. Cristiane de Carvalho, Elizabeth M. Liberato ....................................... 3 2 João Luiz Teixeira Pinto Diretor Geral do Campus Villa Branca - Jacareí Francisco José de Castro Pimentel Diretor da Faculdade de Direito do Vale do Paraíba Francisco Pinto Barbosa Diretor da Faculdade de Engenharia, Arquitetura e Urbanismo Frederico Lencioni Neto Diretor da Faculdade de Educação Marcio Magini Diretor da Faculdade de Ciência da Computação SÃO JOSÉ DOS CAMPOS, SEU TERRITÓRIO, POSTURAS E LEIS: UMA CONTRIBUIÇÃO À DISCUSSÃO DO CONTROLE DO USO E DA OCUPAÇÃO DO SOLO URBANO Bernadete de Fátima Gonçalves ........................................................................ 4 1 SÃO JOSÉ DOS CAMPOS DE 1980 A 1990, NA PERSPECTIVA DE GOTTDIENER Cristiane Paiva, Dayana Nogueira, Hamilton Freitas, Laura Peloso, Mário Moreira ................................................................................................................ 4 8 ESTUDO DA POBREZA NO VALE DO PARAÍBA Renato Amaro Zângaro Diretor da Faculdade de Ciências da Saúde Domiciano Marcos de Magalhães, Friedhilde M. K. Manolescu ................... 5 7 Samuel Roberto Ximenes Costa Diretor da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas IMPACTOS ESPACIAIS DA TRANSFORMAÇÃO NA ESTRUTURA PRODUTIVA Vera Maria Almeida Rodrigues Costa Diretora da Faculdade de Comunicação e Artes Dayana Nogueira ................................................................................................ 6 9 Marcos Tadeu Tavares Pacheco Diretor do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento RELIGIOSIDADE POPULAR, O SAGRADO E A MODERNIDADE: RELAÇÕES EM UMA SOCIEDADE EM TRANSFORMAÇÃO Maria Valdelis Nunes Pereira Diretora do Instituto Superior de Educação Adriano Lopes Saraiva, Josué da Costa Silva ................................................... 7 7 COORDENAÇÃO GERAL Antonio de Souza Teixeira Júnior PLANOS NACIONAIS E PLANOS DIRETORES URBANOS: AS DIRETRIZES DA SAÚDE PARA O MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS REVISÃO DE TEXTO Glória Cardozo Bertti Vera Lúcia Ignácio Molina ................................................................................. 8 5 DIGITAÇÃO E FORMATAÇÃO Glaucia Fernanda Barbosa Gomes CONSELHO EDITORIAL Alexandro Oto Hanefeld Amilton Maciel Monteiro Antonio de Souza Teixeira Júnior Antônio dos Santos Lopes Cláudio Roland Sonnenburg Élcio Nogueira Elizabeth Moraes Liberato Francisco José de Castro Pimentel Francisco Pinto Barbosa Frederico Lencioni Neto Heitor Gurgulino de Souza Jair Cândido de Melo Luiz Carlos Scavarda do Carmo Marcos Tadeu Tavares Pacheco Maria da Fátima Ramia Manfredini Maria Tereza Dejuste de Paula Paulo Alexandre Monteiro de Figueiredo Rosângela Taranger Samuel Roberto Ximenes Costa Vera Maria Almeida Rodrigues Costa O MÉTODO SOCIOLÓGICO DE ÉMILE DURKHEIM Luis Fernando Zulietti ...................................................................................... 104 A OFICINA DE APRENDIZAGEM NO ESPAÇO ESCOLAR: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Maria Tereza Dejuste de Paula, Sonia Sirolli ................................................. 109 NOVAS COMPETÊNCIAS EM INFORMAÇÃO TECNOLÓGICA: A EXPERIÊNCIA DO SENAI-RS JUNTO AO SERVIÇO BRASILEIRO DE RESPOSTA TÉCNICA - SBRT Alexandro Oto Hanefeld, Enilda Terezinha dos Santos Hack, Geverson Lessa dos Santos, Silvia Rossana Caballero Poledna ............................................... 113 NEON DIMER BINDING: AN AB INITIO CALCULATION Alexandre Martins Dias ................................................................................... 120 NORMAS GERAIS PARA A PUBLICAÇÃO DE TRABALHOS NA REVISTA UNIVAP ........................................................................................... 123 PALAVRA DO REITOR Morreu o vienense, radicado nos Estados Unidos, Peter Drucker, em Novembro de 2005. As pessoas competentes são importantes e constituem a maior vantagem competitiva das empresas e das nações. Esta foi, em síntese, a tese sempre defendida por Peter Drucker. A competência individual deve ser continuamente aumentada, de modo a manter-se atualizada e a crescer seu nível de produtividade. O sucesso das empresas reside na sua sabedoria de empregar gente competente e propiciar-lhe ambiente de trabalho com grande liberdade e indução à criatividade. A maior produtividade, e conseqüente progresso da empresa, é o resultado da sua gestão inteligente e descentralizada. Trabalhar para o progresso da empresa significa que cada um de seus servidores atue em uníssono com os demais, tendo em vista a eficácia do seu setor e que cada setor atue como a empresa. Conseguir esta identidade de pessoas e setores em prol dos objetivos da empresa é a tarefa maior do empresário eficiente. O sucesso será conseqüência da gestão integradora da empresa. O pensamento da Peter Drucker coincide com o se Stuart Mill, que sintetiza a essência da vida como a combinação da atuação, focada na eficácia dos resultados, com plena liberdade de dar expansão a sua criatividade. O ser humano precisa sentir-se útil e, em conseqüência, produtivo, para o que, muitas vezes, sacrifica a sua liberdade, ao menos parcialmente, mas o faz conscientemente, desde que lhe proporcionem condições de trabalhar prazerosamente. É sempre instrutivo lembrar como evoluiu a economia ao longo dos anos, sempre em função do conhecimento, até a atual era do conhecimento: a) a revolução industrial concentrou todo o conhecimento na evolução da máquina; b) a revolução da produtividade (Taylor) fez do trabalho executado o destinatário da aplicação do conhecimento; c) a revolução gerencial, a partir de meados do século 20, aplicou o conhecimento novo na contínua evolução do já conhecido. Vivemos hoje a era do conhecimento, na qual o mais fundamental são as pessoas e não o sistema ou a empresa. Gestores e empresários devem sobretudo entender que a empresa depende dos seus funcionários e, na sua seleção e aperfeiçoamento, devem ser concentrados os esforços de melhora: os empregados não são robôs, mas pessoas que têm família, amizades, emotividade, saúde e disposição criativa para o trabalho. A linha de montagem da produção industrial, alma do fordismo, ainda presente em mui- tas empresas, elimina o talento e elege a rotina como regra, exigindo que cada operário trabalhe mais rápido, executando atividades repetitivas. A não necessidade do talento gerou uma profusão de humanóides robotizados propiciando a contínua substituição, do homem pelas máquinas, mostrando que se não há talento envolvido, pode não haver também necessidade de gente na produção. Mais importante que trabalhar mais é trabalhar de modo mais inteligente, o que leva à necessidade crescente de pessoas capacitadas para programar a automação e, da mesma forma, de dominar novas especialidades profissionais, que vão surgindo em decorrência do progresso. Peter Drucker alerta os empresários e governos de que há necessidade crescente de pessoas bem educadas, com boa formação geral e adequação profissional, para serem eficazes e atuarem como seres livres e criativos, num mundo globalizado e altamente competitivo. Cada vez mais, a igualdade real, prevista nas Constituições de todos os países, só será assegurada pela educação de qualidade, cujo domínio é, por sua vez, repetimos, a maior vantagem competitiva dos países desenvolvidos. E país desenvolvido é bem representado por suas universidades, livres, criativas, que formam gente também livre e criativa. E que dão origem às inovações, estas por sua vez resultantes de ações não perfeitamente conhecidas, mas que parecem depender de interações como as espelhadas nos artigos aqui presentes. Baptista Gargione Filho, Prof. Dr. Reitor da Univap EDITORIAL Está ocorrendo muita ênfase no desenvolvimento da Biotecnologia e, de um modo geral, nas “ciências da vida”. Novas firmas são abertas todos os dias e ganhos resultantes das inovações vêm se acentuando. Nos EUA, 70% das autorizações de novos produtos provêm de desenvolvimentos ligados às “ciências da vida”. “O Brasil possui um sistema imaturo de inovação, tem razoável competência acadêmica em Biotecnologia, porém, pouca industrialização e baixa transferência de tecnologia da academia para as empresas”, sintetiza o grupo de pesquisadores, conduzido por Marília Coutinho e outros, do NUPES – Núcleo de Pesquisas sobre Ensino Superior da USP. A Biotecnologia é o resultado da incorporação do conhecimento e instrumental desenvolvidos pelas pesquisas em Física, Química, Matemática e Ciência da Computação à Biologia, mormente no decorrer do século 20. Longe vai o desprezo de Rutherford pela Biologia e um pouco também pela Química, ao declarar que “a única ciência é a Física, o resto são colecionadores de borboletas”. Apesar desta declaração, o prêmio Nobel outorgado a Rutherford não foi em Física, mas sim em Química, em 1908. As nações enriquecem porque têm potencial de recursos humanos disponíveis e em condições de se adaptar a novas contingências, captando o progresso por todos os meios e estabelecendo um sistema capaz de produzir, vender, distribuir, oferecer garantias e assistência técnica, mantendo estoques para reposição de partes e peças. As empresas sabem como produzir e comercializar, mas nem sempre mantêm setores de P&D para as inovações de produtos e processos. Como resultado, elas têm vida breve, muitas vezes, ou são absorvidas por outras, mais espertas. Quantas empresas desapareceram no decorrer da segunda metade do século 20? Vejamos algumas, em São Paulo: Light and Power; Panair; Mappin Stores; I.R.F. Matarazzo; Cia. Paulista de Estradas de Ferro; Cooperativa Agrícola de Cotia; Banco de São Paulo; Banco Comercial do Estado de São Paulo; Banco Comércio Indústria; Banco Santos; Banco Econômico; Banco Bandeirantes; Banco Noroeste do Estado de São Paulo; Metal Leve. O que aconteceu com essas empresas? Por que Petrobras, Votorantim, Embraer, Vale do Rio Doce se agigantaram e são casos de sucesso? É bem possível que a resposta esteja na sua capacidade de adequação, absorvendo novas tecnologias, adotando métodos modernos de gestão, tornando-se competitivas e capazes de comprar as concorrentes e seguir rumo ao sucesso. Até quando? Talvez a resposta seja: enquanto seus gestores souberem reunir pessoas competentes e permitir-lhes serem criativas. A Fundação Valeparaibana de Ensino – FVE é um exemplo de sucesso, como mantenedora da Univap, da mesma forma que esta. Vejamos os pontos mais marcantes que balizaram a sua trajetória. Criada em 24 de agosto de 1963, a Fundação foi incorporando diversos cursos, por ela mantidos, sempre com vistas à condição de futura universidade, o que se verificou em 1º de abril de 1992. A criatividade da FVE, a partir de 1992, foi impressionante, denotando uma visão de futuro notável, mantendo-se fiel à definição, contida no Art. 207, da Constituição da República, de que, como universidade, a Univap goza de autonomia didático-científica, administrativa, financeira e patrimonial e deve obedecer o princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. E, dentro da estrita obediência ao texto legal, a FVE criou na Univap um sistema de pesquisa e desenvolvimento com a presença ativa de doutores em diferentes núcleos de P&D, com resultados relevantes, publicando artigos em revistas indexadas de tradição, sobretudo em setores ligados às ciências da vida, com forte ligação com mestrados diversos e doutorado em Engenharia Biomédica. Da mesma forma, no que se refere à Extensão, a FVE vem incentivando as atividades de prestação de serviços, visando à inclusão social, além de atividades ligadas ao desenvolvimento econômico-empresarial, com parcerias de cooperação técnico-científica, a partir de convênios. Com esta visão, assumiu a gestão de duas incubadoras tecnológicas, em parceria com PMSJC, SEBRAE, CIESP e Petrobras, além de construir e fazer funcionar seu campus, com área de 6 milhões de m2; como um Parque tecnológico, com um edifício-sede de área total de 19.000 m2, que já abriga 12 empresas, todas dotadas de tecnologias portadoras de futuro, muitas das quais em áreas ligadas às ciências da vida. Os artigos aqui publicados, por pesquisadores da Univap e de outras instituições, estabelecem interações relevantes para o entendimento de diferentes problemas e de suas possíveis soluções. É esta crença que nos habilita a todos a prosseguir sempre, procurando esclarecer e definir metas que nos ajudem a bem desfrutar a nossa maior herança: a vida. Antonio de Souza Teixeira Júnior, Prof. Dr. Pró-Reitor de Integração Universidade - Sociedade e Vice-reitor da Univap A FUNDAÇÃO VALEPARAIBANA DE ENSINO (FVE) E A UNIVERSIDADE DO VALE DO PARAÍBA (UNIVAP) A Fundação Valeparaibana de Ensino (FVE), com sede à Praça Cândido Dias Castejón, 116, Centro, na cidade de São José dos Campos, Estado de São Paulo, inscrita no Ministério da Fazenda sob o nº 60.191.244/0001-20, Inscrição Estadual 645.070.494-112, é uma instituição filantrópica e comunitária, que não possui sócios de qualquer natureza, com seus recursos destinados integralmente à educação, instituída por escritura pública de 24 de agosto de 1963, lavrada nas Notas do Cartório do 1º Ofício da Comarca de São José dos Campos, às folhas 93 vº/96 vº, do livro 275. A Universidade do Vale do Paraíba (Univap), mantida pela FVE, tem como área de atuação prioritária o Distrito Geoeducacional, DGE-31. Sua missão é a promoção da educação para o desenvolvimento da Região do Vale do Paraíba e Litoral Norte (DGE-31). Até o presente, a Univap possui os seguintes Campi: a) Campus Centro, em São José dos Campos, situado à Praça Cândido Dias Castejón, 116, e à Rua Paraibuna, 75. b) Campus Urbanova, situado à Av. Shishima Hifumi, 2911. c) Campus Urbanova/Jacareí, com acesso pela Av. Shishima Hifumi, 2911. d) Campus Aquarius, em São José dos Campos, situado à Rua Dr. Tertuliano Delphim Júnior, 181. e) Campus Villa Branca, localizado em Jacareí, na Estrada Municipal do Limoeiro, 250. f) Campus Platanus, localizado em Campos do Jordão, na Av. Frei Orestes Girardi, 3. g) Unidade Caçapava,na Estrada Municipal Borda da Mata, 2020. A Educação Superior, objetivo da Univap, abrange os cursos e programas a seguir descritos: 1) Graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e que tenham sido classificados em processo seletivo. 2) Pós-graduação, compreendendo programas de Mestrado, Doutorado, Especialização e outros, abertos a candidatos diplomados em cursos de graduação e que atendam aos requisitos da Univap. 3) Extensão, abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos pela UNIVAP. 4) Educação a distância, com uso de novas tecnologias de comunicação. 5) Formação tecnológica, com formação de tecnólogos em nível de 3º grau. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. A FVE é também mantenedora, tendo em vista a educação integral dos futuros alunos da Univap, de cursos de Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e ainda de Formação Profissional e Técnica. A Univap, em seu Projeto Institucional, centra-se: 1) 2) 3) 4) numa função política, capaz de colocar a educação como fator de inovação e mudanças na Região do Vale do Paraíba e Litoral Norte - o DGE-31; numa função ética, de forma que, ao desenvolver a sua missão, observe e dissemine os valores positivos que dignificam o homem e a sua vida em sociedade; numa proposta de transformação social, voltada para a Região do Vale do Paraíba e Litoral Norte; no comprometimento da comunidade acadêmica com o desenvolvimento sustentável do País e, em especial, com a Região do Vale do Paraíba e Litoral Norte, sua principal área de atuação. A Univap está em permanente interação com agentes sociais e culturais que com ela se identificam. Como decorrência da demanda de seus cursos ou dos serviços que presta, estabelece convênios com instituições públicas e privadas, no Brasil e no Exterior. Estes convênios resultam na cooperação técnica e científica, na qualificação de seus recursos humanos e tecnológicos, na viabilização de estágios acadêmicos e na prestação de serviços. A história da Univap, enraizada na trajetória da Região do Vale do Paraíba e Litoral Norte, traz consigo a marca da participação comunitária, a partir do compromisso que tem com a sociedade regional, alicerçado na tradição, na busca da excelência acadêmica, na qualidade de seu ensino, no diálogo com a comunidade e no exercício da tríplice função constitucional de assegurar a indissociabilidade da pesquisa institucional, ensino e extensão. Como atividades de extensão, destacam-se, na UNIVAP, aquelas relativas à Comunidade Solidária, que têm por objetivo mobilizar ações que contribuam para a alfabetização e melhoria da qualidade de vida de populações carentes. Dentro deste Programa, foram realizadas atividades nas áreas de Saúde, Higiene, Cidadania, Educação e Lazer, em Santa Bárbara (BA), Beruri (AM), Teotônio Vilela (AL), Nova Olinda (CE), Coreaú (CE), Carnaubal (CE), São Benedito (CE), Groaíras (CE), Atalaia do Norte (AM), Pão de Açúcar (AL) e, no Vale do Paraíba, nas cidades de Monteiro Lobato, São Bento do Sapucaí, Paraibuna, São Francisco Xavier e São José dos Campos. 9 Todas as pesquisas institucionais da Universidade estão centradas em seu Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento (IP&D), o qual executa programas e projetos e congrega pesquisadores de todas as áreas da Univap, envolvidos em atividades de pesquisa, desenvolvimento e extensão. Em seus oito núcleos de pesquisa, nas áreas sócio-econômica, genômica, instrumentação biomédica, espectroscopia biomolecular, estudos e desenvolvimentos educacionais, ciências ambientais e tecnologias espaciais, computação avançada, biomédicas, atrai e dá condições de trabalho a pesquisadores de grande experiência, do País e do exterior. Os alunos têm condições de participar, com os professores, de pesquisas, executando tarefas criativas, motivadoras, que propiciam a formulação de modelos e de simulações, trabalhando com equipamentos de primeira linha, e isto faz a diferença entre a memorização e a compreensão. Bolsas de estudo vêm sendo oferecidas a alunos e pesquisadores, quer pela Univap, quer por instituições como CAPES, CNPq, FINEP e FAPESP. O esforço da Univap em construir, no Campus Urbanova, uma Universidade com instalações especiais para cada área de atuação, com atenção especial aos laboratórios, tem por objetivo um ensino de qualidade, compatível com as exigências da sociedade atual. A Univap, para o ano letivo de 2005, fiel ao lema de que “o saber amplia a visão do homem e torna o seu caminhar mais seguro”, oferece à comunidade da Região do Vale do Paraíba e Litoral Norte o seguinte Programa, de seus diversos cursos, que vão desde a Educação Infantil à Pós-Graduação, passando inclusive pelo Colégio Técnico Industrial e pela Faculdade da Terceira Idade. CURSOS DE GRADUAÇÃO - Administração de Empresas e Negócios Arquitetura e Urbanismo Biomedicina Ciência da Computação Ciências Biológicas Ciências Contábeis Ciências Econômicas Ciências Sociais Direito Educação Física Enfermagem Engenharia Aeroespacial Engenharia Ambiental Engenharia Biomédica Engenharia Civil Engenharia da Computação Engenharia de Materiais Engenharia Elétrica - Farmácia Fisioterapia Geografia História Jornalismo Letras Matemática Normal Superior Nutrição Odontologia Pedagogia Publicidade e Propaganda Rádio e TV Secretariado Executivo Serviço Social Terapia Ocupacional Turismo CURSOS DE PÓS-GRADUAÇÃO - Doutorado - - Especialização - Lato-Sensu Engenharia Biomédica - Mestrado - 10 Bioengenharia Ciências Biológicas Engenharia Biomédica Planejamento Urbano e Regional - Administração e Planejamento da Educação Computação Aplicada Comunicação Empresarial Dentística Restauradora Direito Processual Gestão Ambiental Gestão Empresarial Neurologia Funcional Odontopediatria Psicopedagogia Saúde da Família Terapia Familiar R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. São José dos Campos Com cerca de 600.000 habitantes, São José dos Campos é o município com maior população na sua região, sendo que seu grande desenvolvimento começou realmente com a construção da Rodovia Presidente Dutra e do Centro Técnico Aeroespacial (CTA). Além disso, a localização estratégica e privilegiada entre São Paulo e Rio de Janeiro e a topografia apropriada para a construção de grandes indústrias possibilitaram que a cidade crescesse vertiginosamente na década de 70, passando a ser uma das áreas mais dinâmicas do Estado e a terceira maior taxa de crescimento da década de 80. De 1993 para cá, a cidade passou por grandes transformações, alcançando avanços na área da saúde, desenvolvimento econômico, educação, criança e adolescente, saneamento básico e obras. O comércio de São José dos Campos é bastante desenvolvido e vive um período de extensão, com vários centros de compras e grandes supermercados e Shopping Centers. Com mais de 800 indústrias, 4.000 estabelecimentos comerciais e superando 7.000 prestadores de serviço, o perfil industrial de São José dos Campos tem dois lados distintos: o centralizado nas áreas aeroespacial e aeronáutica, como a Embraer, e outro diversificado, com indústrias, como a General Motors, Johnson & Johnson, Petrobras, Rhodia, Monsanto, Kodak, Panasonic, Hitachi, Bundy, Ericsson, Eaton e outras. É o quarto município do Estado de São Paulo em arrecadação e ICMS, atrás apenas da capital, Santo André e Campinas. São José dos Campos possui, como resultado da atuação de suas indústrias, dos estabelecimentos comerciais e R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. dos organismos que desenvolvem tecnologias de ponta, mão-de-obra de altíssimo nível. Entre esses órgãos destacam-se o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o Centro Técnico Aeroespacial (CTA), com seus Institutos: ITA - Instituto Tecnológico de Aeronáutica, IAE - Instituto de Atividades Espaciais, IFI - Instituto de Fomento e Coordenação Industrial e o IEAv - Instituto de Estudos Avançados. Com uma vida cultural bastante intensa, o município conta com uma Fundação Cultural e vários espaços culturais, como o Museu Municipal, galerias de arte, centros de exposição, casas de cultura, Teatro municipal, Cine-Teatro Benedito Alves da Silva, Cine-Teatro Santana e o Teatro Univap Prof. Moacyr Benedicto de Souza, cinemas, emissoras de rádio FM e AM, Central Regional da TV Globo, jornais diários com circulação regional, além dos da capital, e várias Bibliotecas Escolares, Universitárias e de Pesquisa, como a da UNIVAP, a do INPE e a do ITA. A Univap constitui, além do CTA e do INPE, o maior centro de ensino e pesquisa do município. Da Pré-Escola à Universidade, além de Cursos de Pós-Graduação e da Terceira Idade, a Univap mantém o IP&D - Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento, que garante a incorporação da pesquisa na comunidade acadêmica da UNIVAP, permitindo a indissociabilidade entre o ensino e a pesquisa. A Univap tem estado aberta à interação com empresas e instituições do município, notadamente as de ensino e pesquisa, entre elas o INPE e o CTA-ITA, de onde são provenientes o reitor, pró-reitores e vários professores. 11 12 R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. Carreiras Negras/Carreiras Brancas: Quando Raça e Classe se Encontram André Augusto Brandão * Mani Tebet A. de Marins ** Resumo: Este trabalho foi construído a partir do Censo Étnico-racial realizado na Universidade Federal Fluminense com o objetivo de conhecer o perfil racial dos alunos dos cursos de graduação da instituição. A partir daí criamos um banco de dados que organizou as variáveis sócio-econômicas apreendidas no questionário aplicado. No trabalho que propomos investigamos de forma comparada os dois cursos com maior presença de alunos negros e os dois cursos com maior presença de alunos brancos. Traçamos um perfil de ambos e comprovamos que os negros são mais presentes nos cursos com menor nível de disputa no vestibular e com menor possibilidade de retorno financeiro futuro. Mostramos, ainda, que existe um padrão sócio-econômico que se articula à distribuição de negros e brancos pelos cursos da universidade. Palavras-chave: Negros, ensino superior, desigualdade. Abstract: Using data collected from a survey carried out among undergraduate students at Universidade Federal Fluminense, this article seeks to analyze the racial profile of such students. Two undergraduate courses were examined in more detail: one with a majority of black students and one with a majority of white students. Results show that black students consistently seek careers that are easy to access in the scholastic exams and with possible lower pays in the labor market. Moreover, the study shows the existence of a clear relationship between a social and economical pattern and the distribution of black and white students among the university courses. Key words: Blacks, higher education, inequality. 1. INTRODUÇÃO Não restam dúvidas sobre o caráter normativo que as ciências humanas ganharam na modernidade. No caso específico dos discursos produzidos sobre as relações entre grupos de cor ou raça no Brasil, as interpretações científicas compuseram no decorrer de nossa história afirmações que condicionaram uma “imaginação nacional” (1) que, por sua vez, esteve na base da produção de políticas públicas ou na negação da necessidade de algumas destas. Um dos consensos “científicos” que vigiu por décadas e foi fundamental para articular representações societárias mais amplas diz respeito à inexistência de uma “linha de cor” no Brasil. Nesta perspectiva, as fronteiras de cor ou raça entre nós seriam permeáveis ou mesmo apagadas pelo fato de que – no extremo oposto da máxi* Professor da ESS-UFF, Pesquisador do PENESB-UFF, Doutor em Ciências Sociais. ** Graduanda da ESS-UFF, Bolsista do CNPq. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. ma norte-americana – uma gota de sangue branco produz uma classificação na qual o indivíduo pode ser alocado em qualquer ponto do que poderíamos denominar como um “espaço cromático”. Assim, do negro ao branco passaríamos por inúmeras categorias indicadoras de mestiçagem (moreno, mulato, pardo, mestiço etc). Desta afirmação se constroem outras também muito importantes. Uma delas é a noção de que o Brasil teria destruído a ordem estamental que alicerçou o período escravista e construído uma sociedade de classes – no sentido weberiano do conceito (2) – onde não proliferavam grupos aproximados pela raça. Estaríamos, portanto, em uma sociedade de classes, na qual, pela impossibilidade de discriminação racial dado à mestiçagem, não se formariam barreiras impeditivas à mobilidade social que tivessem como critério um elemento imutável como o fenótipo do indivíduo (PIERSON, 1971) (3). Marvim Harris, outro pioneiro dos estudos sobre relações raciais no Brasil corrobora a afirmação acima ao indicar que seria a classe e não a raça que levaria à ações de discriminação, preconceito ou hierarquização (HARRIS, 1974) (4). 13 Sintetizando estas “imagens”, Thales de Azevedo em livro publicado pela primeira vez pela Unesco (AZEVEDO, 1955) afirma que as classificações de cor tupiniquins se baseiam em um cálculo complexo, em que entram o fenótipo, os aspectos sociais, culturais e educacionais. O que mais uma vez aponta para múltiplas imprecisões que desfazem possibilidades de agregações tipicamente raciais. Há algumas décadas vemos que as ciências humanas no Brasil estão produzindo outras afirmações e, portanto, novas possibilidades para a “imaginação” nacional, para a auto-representação societária e para a própria agenda das políticas públicas. Desde os estudos de Hasenbalg (1979) e de Silva (1978), descobrimos através de relatos quantitativos irrefutáveis, baseados em dados oficiais, que existe uma inequívoca “linha de cor” no Brasil. Tal desigualdade se mostra em todos os indicadores sociais disponíveis. Obviamente estes estudos quantitativos não estavam investigando diretamente as relações primárias, subjetivas e lúdicas, mas pode se deduzir que estas não constituíam nenhum paraíso, exatamente porque nas relações de mercado ou de acesso às políticas públicas a desigualdade quantitativamente verificada entre brancos por um lado e pretos e pardos por outro, eram enormes (5). A linha de cor que transcendia o “mito” da cordialidade, da harmonia ou da não discriminação entre os brasileiros de “cores” diferentes, somente pôde ser encontrada por que estes estudos lançaram mão de recursos quantitativos de escopo macro-social. Ou seja, estudos generalizáveis para o conjunto do território nacional (até mesmo porque muitas vezes construídos a partir de bancos de dados censitários) tendo por base informações “inquestionáveis” produzidas não por militantes passionais, mas sim por técnicos do governo federal. Destes estudos em diante, vários outros surgiram e reafirmaram no tempo a perspectiva de que nos índices de acesso às políticas sociais e de beneficiamento com estas, mas também nas diferenças de ocupação, posição na ocupação e renda, brancos e negros se encontram muito distantes. De fato, Hasenbalg (1979) mostrou a existência no Brasil de um “ciclo de desvantagens cumulativas” que se coloca em todas as fases da trajetória de vida dos negros, desta forma: “...não apenas o ponto de partida dos negros é desvantajoso a herança do passado), mas ... em cada estágio da competição social, na educação e no mercado de trabalho, somam-se novas discriminações que aumentam tal desvantagem.” (HASENBALG, 1979, p. 67) 14 Neste sentido, seguindo as indicações de Hasenbalg (1979) e Hasenbalg & Silva (1988), podemos afirmar que a discriminação racial possui uma específica funcionalidade, no sentido de proporcionar maiores potencialidades de ganhos materiais e simbólicos para os “brancos”, ao diminuir as perspectivas dos negros no mercado de bens materiais e simbólicos. Existem suficientes evidências empíricas para corroborar a idéia de que a discriminação racial no Brasil está ligada de forma muito precisa à luta por melhores posicionamentos na estrutura hierarquizada da sociedade. (HASENBALG; SILVA, 1988). Assim, negros sofrem um conjunto de desvantagens sócio-econômicas cumulativas que se consubstanciam em bem-estar e qualidade de vida em média inferior àquelas dos brancos. Trata-se aqui de uma desvantagem competitiva que é produzida e mantida pela discriminação racial. Mais especificamente, os negros, em maior número proporcional que os brancos: nascem em áreas pouco desenvolvidas, se originam de famílias mais pobres, possuem dificuldades de realização escolar em todos os níveis de ensino e ainda se concentram em atividades ocupacionais desqualificadas e de baixo rendimento. Neste sentido, acreditamos que a questão racial constitui uma variável fundamental para a compreensão da lógica de produção e reprodução da pobreza e da exclusão social no Brasil. A raça, portanto, se relaciona diretamente com a distribuição dos indivíduos na hierarquia social. A partir disto, verificamos que os níveis de segregação racial são indicadores de variáveis sócio-econômicas, tais como: local de residência e condições de habitação, acesso ao emprego formal e informal, acesso a determinadas categorias ocupacionais, níveis educacionais, renda e mobilidade social. Assim, como afirma Hasenbalg (1991, p. 265), a “raça ou filiação racial deve ser tratada como uma variável ou critério que tem um peso determinante na estruturação das relações sociais, tanto no sentido objetivo quanto subjetivamente”. Mais recentemente, Pastore & Silva (2000) mostraram o quanto a educação é fundamental para a continuidade da desigualdade entre brancos e negros (considerando neste grupo a soma dos autodeclarados pretos e pardos) e para a manutenção da “linha de cor”. Estes autores pesquisaram como os processos de mobilidade social no Brasil se diferenciam por “cor”. Afirmam que a faixa de escolaridade e o status ocupacional do pai aparecem como fatores fundamentais que condicionam a escolaridade e o status ocupacional do filho. A concentração dos negros em patamares inferiores de escolaridade sobredetermina, portanto, a situação desprivilegiada deste grupo racial no conjunto das posi- R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. ções de ocupação e renda e conseqüentemente, impacta suas possibilidades de mobilidade social ascendente. Pastore & Silva (2000) agregam as mais de 300 categorias ocupacionais definidas pela PNAD/IBGE de 1996 em 6 grupos assim definidos: Baixo-inferior (trabalhadores rurais não qualificados - pescadores, agricultores autônomos etc); Baixo-superior (trabalhadores urbanos não qualificados - empregados domésticos, ambulantes, trabalhadores braçais, serventes, vigias etc); Médio-inferior (trabalhadores qualificados e semiqualificados - motoristas, pedreiros, mecânicos, carpinteiros etc); Médio-médio (trabalhadores não-manuais – auxiliares administrativos, profissionais de escritório, pequenos proprietários etc); Médio-superior (profissionais de nível médio e médios proprietários - administradores e gerentes, encarregados, chefes no serviço público etc); Alto (profissionais de nível superior e grandes proprietários - empresários, professores de ensino superior, advogados, médicos, oficiais militares etc). Investigando, a partir destes dados de 1996, os homens entre 35 e 49 anos por cor ou raça, os autores verificam que as rotas médias de mobilidade entre brancos e negros são idênticas até o tipo Médio-inferior. A partir deste ponto, enquanto os filhos de brancos, em maioria, permanecem sempre no mesmo grupo ocupacional do pai, os filhos de negros, em maioria, caem para grupos ocupacionais inferiores. Mais precisamente, os filhos de pais brancos que atuavam no tipo Médio-médio ficam em maioria neste mesmo tipo; já os filhos de pais negros que atuavam neste tipo, aparecem em maioria no tipo Médioinferior. O mesmo verificamos nos tipos Médio-superior e Alto. A maioria dos filhos de pais brancos mantém a posição ocupacional respectiva e a maioria dos filhos de pais negros ficam na categoria ocupacional Médio-inferior. A contundência destas informações merecem que as vejamos de forma numérica. Em 1996, considerando a amostra citada acima, enquanto somente 29,04% dos filhos de brancos do tipo Baixo-inferior estão neste tipo ou no tipo Baixo-superior, entre os filhos de pardos esta taxa é de 35,71 %, chegando a 39,24% entre os filhos de pretos. Na outra ponta, 38,54% dos filhos de pai do tipo Alto permanecem neste tipo quando adultos. Entre os filhos de pretos estes são 18,18% e entre os filhos de pardos 17,89%. No que tange ao tipo Médio-superior, 51,73% dos filhos de pais brancos deste grupo aí permanecem ou migram para o tipo Alto. Já entre os filhos de pais pretos, estes são 30,75% e entre os filhos de pais pardos 35,95%. Ou seja, pretos e pardos que possuem pais em grupo de status ocupacional Alto têm muito mais possibilidades que os brancos de uma mobilidade social descendente. Tomando os dados da PNAD de 1996 de forma mais “fotográfica”, Pastore & Silva (2000, p. 88) afirmam que nesR. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. ta data, estavam nos tipos Baixo-inferior e Baixo-superior 36,4% dos brancos, 48,4% dos pretos e 53,7% dos pardos. Já nos tipos Médio-inferior, Médio-médio e Médio-inferior estavam 54,9% dos brancos, 49,4% dos pretos e 44,5% dos pardos. Por último, no grupo Alto, estavam 8,7% dos brancos, 1,9% dos pretos e 2,2% dos pardos. Tais diferenças se relacionam diretamente com as performances de escolaridade. Como mostram Pastore & Silva (2000, p. 93), 64,8% dos filhos de pais brancos do tipo Alto chegam a 12 anos e mais de escolaridade. Entre os filhos de negros com a mesma posição ocupacional, somente alcançam os 12 anos e mais de estudos 24,3%. Na outra ponta, entre os filhos de brancos do grupo ocupacional Baixo-superior, um total de 19,8% chega aos 12 anos e mais de estudos. Já entre os filhos de negros somente 6,7% chegam a este patamar de escolaridade. Assim, os autores concluem que “... o núcleo duro das desvantagens que pretos e pardos parecem sofrer se localiza no processo de aquisição educacional” (PASTORE; SILVA, 2000, p. 96). Nesta mesma direção, outro estudo recente aponta em detalhes a magnitude das desigualdades de realização educacional entre os dois grupos de cor ou raça. Segundo o trabalho de Henriques (2001) – que se apóia nos dados produzidos pela PNAD do IBGE – em fins dos anos 1990 a diferença de anos de escolaridade média entre um negro e um branco, ambos com 25 anos de idade, era de 2,3 anos de estudo, o que corresponde a uma elevada desigualdade, à medida que, a média de escolaridade dos adultos, em geral, no Brasil não ultrapassa os 6 anos. O mais significativo, porém, é que tal padrão de desigualdade no que tange aos anos médios de estudo tem se mantido estável há décadas. Henriques (2001), verifica que, tomando os nascidos em 1929 e os nascidos em 1974 e desagregando-os entre os grupos branco e negro, encontramos uma situação onde: “... a escolaridade média de ambas as raças cresce ao longo do século, mas o padrão de discriminação racial, expresso pelos anos de escolaridade entre brancos e negros, mantém-se absolutamente estável entre as gerações.” (HENRIQUES, 2001, p. 27) Henriques (2001) nos mostra ainda que se tomarmos o ano de 1999, em todos os índices ligados à escolarização, a população negra apresenta performances inferiores à população branca. Os analfabetos entre 15 e 25 anos no Brasil correspondem a 5% da população total, no entanto são 7,6% da população negra e somente 2,6% da população branca. Considerando o analfabetismo de 15 todos os maiores de 15 anos no Brasil encontramos uma taxa de 13,3% para os brancos 19,8% para os negros. As crianças entre 7 e 13 anos que não freqüentam a escola seriam 3,6% no Brasil, mas 2,4% entre os brancos e o dobro (4,8%) entre os negros. As pessoas entre 11 e 17 anos que ainda não completaram a 4ª série do ensino fundamental correspondem a 27,4% na população total, mas somente a 17,1% na população branca, enquanto chega a 37,5% na população negra. A lista de desigualdades continua: 73,2% das pessoas entre 18 e 25 anos no Brasil não completaram o ensino secundário, mas entre os brancos na mesma faixa etária este número é de 63,1%, já entre os negros alcança 84,4%. Por último, o ingresso ao ensino superior é alcançado por somente 7,1% dos brasileiros entre 18 e 25 anos, mas entre os brancos nesta faixa de idade o acesso à universidade chega à 11,2%,enquanto que entre os negros não passa de 2,3%. Henriques (2001) lembra também que “... todos os níveis de escolaridade dos adultos negros em 1999 são inferiores aos indicadores dos adultos brancos em 1992. Destaca-se em particular, a taxa de analfabetismo de pessoas com mais de 15 anos: em 1999 essa taxa era de 19,8% entre os negros, sendo que em 1992 era de 10,6% entre os brancos. Observamos, portanto, que à medida que avançamos nos níveis de escolaridade formal da população adulta, as posições relativas entre brancos e negros são crescentemente punitivas em direção aos negros.” (HENRIQUES, 2001, p. 31-32) Mas existe ainda um outro ponto fundamental que acentua as desigualdades demonstradas por Henriques (2001). Trata-se do fato de que o pequeno percentual de negros que acessam o ensino superior se concentram em maior quantidade nas carreiras que tendem a oferecer menores possibilidades de retorno financeiro futuro, enquanto que os brancos se concentram nas carreiras que em geral redundam em maiores possibilidades de renda. Exatamente por isso, resolvemos investigar o perfil dos alunos de dois cursos superiores oferecidos por uma instituição federal de ensino superior situada na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, a Universidade Federal Fluminense. Escolhemos para análise o curso com maior percentual de brancos e o curso com maior percentual de negros (considerando a soma de pretos e pardos), estes são respectivamente medicina e arquivologia. Para a produção deste estudo contamos com o banco de dados do “Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT” (BRANDÃO; TEIXEIRA, 2003) realizado pelo Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira (PENESB-UFF), em 2003 (6) (vide Tabela 1). 2. O PERFIL DOS ALUNOS Inicialmente devemos observar que o curso mais “branco” se encontra entre os mais disputados no concurso vestibular da UFF em 2003. Mais especificamente o curso de Medicina é o mais concorrido entre todos os oferecidos por esta instituição federal. O contrário ocorre com o curso mais “negro”. Arquivologia era o penúltimo na relação candidato-vaga neste ano. Tabela 1 - Distribuição percentual dos alunos nos cursos selecionados, no conjunto da UFF e da população do Estado do Rio de janeiro, segundo a cor ou raça Fonte: Censo Étnico-Racial da UFF e da UFMT (2003) e Censo Demográfico Brasileiro (2000). A Tabela 1 mostra a configuração de cor ou raça nos cursos selecionados e no total da UFF. Como vemos, mesmo a distribuição total dos alunos aponta para uma super-representação dos brancos e para uma acentuada sub-representação dos alunos pretos e pardos quando comparados com o conjunto da população do Estado. No entanto, os brancos estão ainda mais super-representados no curso mais disputado e se mostram sub-repre16 sentados no curso menos disputado. Exatamente o contrário ocorre com os negros. É necessário apontar, porém, que no geral a sub-representação dos pardos na UFF é da ordem de 13,89%, enquanto que a dos pretos ultrapassa os 50%. A partir de agora passamos a comparar características selecionadas dos dois cursos com o perfil da própria universidade (Tabelas 2 a 15). R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. Tabela 2 - Distribuição percentual dos alunos por curso, segundo o tipo de escola freqüentada no ensino médio Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003). De início, é bastante aparente que ter freqüentado escolas privadas no ensino médio constitui um fator importante para o acesso a esta universidade pública, pois nada menos que 64,02% dos alunos da UFF cursaram este nível de ensino especificamente neste tipo de instituição. Para além disto, como podemos verificar, os alunos do curso mais “branco” são em muito maior medida oriundos de escolas privadas que os alunos do curso mais “negro”. De fato, se tomarmos os números gerais como parâmetro, veremos que no curso de Medicina, o percentual de oriundos de escola privada ultrapassa o já elevado número correspondente ao total da UFF, enquanto que no curso de Arquivologia ocorre rigorosamente o contrário. Vale ressaltar a contundente informação de que somente 19,81% dos alunos de Medicina cursaram a rede pública de ensino médio. Tabela 3 - Distribuição percentual dos alunos por curso, segundo a escolaridade do pai Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003). Tabela 4 - Distribuição percentual dos alunos por curso, segundo a escolaridade da mãe Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003). R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. 17 As Tabelas 3 e 4 corroboram as proposições de Bourdieu (1999) acerca da noção de “capital cultural em estado incorporado” e também comprovam as já comentadas indicações de Pastore e Silva (2000), acerca do impacto que a escolaridade da família exerce sobre o status dos filhos. nunca freqüentaram a escola e entre os que acessaram ou concluíram o ensino fundamental e médio. Estão, no entanto, super-representados entre os que iniciaram ou concluíram o ensino superior. Exatamente o contrário ocorre com os pais dos alunos do curso mais “negro”. Assim, vemos que na totalidade da UFF mais de 50% dos alunos possuem um pai que acessou o ensino superior. Os percentuais de distribuição destes vão diminuindo na mesma ordem em que diminuem os graus de escolarização tomados em blocos. Assim, 25,97% dos alunos têm pais que acessaram o ensino médio e 20,95% que acessaram o ensino fundamental. Como vemos, somente 0,77% dos alunos da UFF possuem pais que nunca freqüentaram a escola. A análise da Tabela 4 nos leva a resultados idênticos aos encontrados para a Tabela 3. De fato, poderíamos repetir para as mães dos alunos as mesmas afirmações que produzimos para os pais. A única diferença seria que no total da UFF e também nos dois cursos, as mães apresentam uma performance de escolaridade um pouco inferior àquela dos pais (7). Quando comparamos os dois cursos em análise, vemos uma gigantesca clivagem. Enquanto que a maior concentração de pais dos alunos de Medicina se encontra entre os que acessaram o ensino superior (75,75%), entre os pais dos alunos de Arquivologia, a maior concentração está no âmbito do ensino fundamental (49,64%). De fato, quando comparamos as três colunas da tabela 3 vemos que no curso de Medicina os pais dos alunos são em larga medida mais bem situados na hierarquia de escolarização, quando comparados aos pais dos alunos de Arquivologia. Vemos ainda que tomado como parâmetro o total da UFF, os pais dos alunos do curso mais “branco” estão sub-representados entre os que Por fim, vale lembrar mais uma vez a questão relativa ao “capital cultural em estado incorporado”. Segundo Bourdieu (1999 e outros), a trajetória escolar de um indivíduo depende substancialmente de um conjunto de disposições que são forjadas na própria relação familiar. Tratase de um tipo de capital cultural que é incorporado de forma mesmo insensível pelos agentes sociais. À medida que a escola valoriza imensamente os efeitos deste capital para selecionar e premiar os discentes, este adquire uma enorme importância e, em conjunto com outros fatores, explica até mesmo a distribuição dos alunos entre carreiras mais e menos concorridas. Não é por acaso, portanto, que os pais e mães dos alunos do curso de Arquivologia estão em posição muito pior que os dos alunos de Medicina no que tange à estrutura de escolaridade. Tabela 5 - Distribuição percentual dos alunos por curso, segundo a condição de trabalho anterior Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003). No que tange à questão das atividades de trabalho anterior, verificamos que a grande maioria dos alunos da UFF não trabalhou antes de cursar a universidade. Porém, os alunos de Arquivologia mostram uma trajetória mais sujeita às pressões materiais, à medida que exer- ciam atividades de trabalho com freqüência maior que o total da UFF, enquanto que o inverso ocorre com os alunos de Medicina. A diferença entre os que nunca trabalharam é de aproximadamente 24 pontos percentuais entre os dois cursos. Tabela 6 - Distribuição percentual dos alunos por curso, segundo a condição de trabalho atual Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003). 18 R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. Comparando as Tabelas 5 e 6, verificamos que ao chegar à universidade um número significativo de alunos ingressa no mercado de trabalho. Assim, se os que haviam trabalhado antes eram 20,39 %, os que não trabalham agora que chegaram à universidade são 43,89 %. De qualquer modo, a maioria dos alunos da UFF não exercia atividades de trabalho por ocasiãoda realização do Censo Étnico-racial em 2003. Mas, quando desa- gregamos este dado geral entre os dois cursos estudados, mais uma vez nos deparamos com diferenças abissais, à medida que somente 19,81% dos alunos de Medicina exercem atividades de trabalho, enquanto os alunos que trabalham da Arquivologia são 59,33% do total. Trata-se de uma distância de aproximadamente 40 pontos percentuais que reafirma as diferenças de perfil dos alunos do curso mais “branco” e do mais “negro” desta universidade. Tabela 7 - Distribuição percentual dos alunos por curso, segundo a renda familiar Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003). A análise da tabela acima nos coloca frente a um contundente e expressivo contraste que sinaliza a intensa desigualdade na educação superior brasileira. Na primeira linha da tabela, ou seja, aquela relativa a até um salário mínimo de renda mensal, encontramos no total dos alunos somente 0,95%. Este percentual, no entanto, triplica quando olhamos a coluna referente ao curso de Arquivologia (2,99%). No oposto disto, entre os alunos de Medicina, nenhuma família se localiza nesta faixa que remete a patamares de pobreza extrema. Se considerarmos agora as famílias situadas entre 1 e 5 salários mínimos de renda, verificamos que no total da UFF este percentual é de 26, 99%. No que tange ao curso de Arquivologia estas mesmas faixas de renda comportam 60,83% das famílias dos alunos, ou seja, mais do que o dobro da freqüência encontrada para o total. Já na Medicina este percentual cai para 8,63%, o que significa uma freqüência cerca de três vezes menor que o geral. Analisando agora as famílias mais bem situadas no espectro de renda, ou seja, tomando as faixas acima de 20 salários mínimos, veremos que as desigualdades se mantêm. O percentual total da UFF é de 19,47%, enquanto que na Arquivologia encontraremos somente 3,73% das famílias neste patamar – o que significa um percentual cerca de quatro vezes menor do que a soma de todos os alunos da UFF. Por outro lado, na Medicina R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. o percentual encontrado nestas faixas é aproximadamente o dobro (40,10%) do existente no conjunto desta instituição. Mais do que nunca os dados se impõem com muita força. Indiscutivelmente, através das tabelas apresentadas, vemos de forma transparente uma desigualdade interna à UFF na variável renda familiar por curso. Não por acaso, aqueles que têm acesso aos cursos mais “disputados” são aqueles mais bem situados na estrutura de renda familiar e são também em maior quantidade de cor ou raça “branca”. Na mesma direção, não é uma “ordem natural das coisas” que explica o fato de que os cursos menos disputados são aqueles com mais alunos oriundos de famílias da base da pirâmide de renda e com maior quantidade de pretos e pardos. Todas as variáveis discutidas acima (trabalho anterior, trabalho atual, escolaridade do pai e da mãe, tipo de escola freqüentada no ensino médio e renda familiar) mostram que não há uma aleatoriedade no campo da escolha e do acesso aos cursos de uma instituição federal de ensino superior. Com as próximas tabelas, vamos desconstruir mais uma vez qualquer argumentação que aponte aleatoriedade no perfil dos cursos universitários no que tange à cor ou raça dos alunos (vale ressaltar que analisaremos somente os dados referentes aos alunos de cor ou raça “branca”, “preta” e “parda”). 19 Tabela 8 - Distribuição percentual dos alunos do curso de Arquivologia por cor ou raça, segundo o tipo de escola freqüentada no ensino médio Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003). Tabela 9 - Distribuição percentual dos alunos do curso de Medicina por cor ou raça, segundo o tipo de escola freqüentada no ensino médio Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003). Já havíamos verificado que poucos alunos de Medicina eram oriundos de escolas públicas de ensino médio, enquanto que mais da metade dos alunos de Arquivologia vinham de tal origem. Vejamos agora como este dado geral se distribui entre os grupos de cor ou raça. De início, nos dois cursos encontramos uma mesma configuração: a maior freqüência de origem em escolas públicas é dos pretos, seguidos dos pardos e dos brancos, respectivamente. Na Medicina, os brancos apresentam menor percentual de origem na escola pública do que o total do curso. O contrário ocorre com os pretos e pardos. Já na Arquivologia mantém-se a sub-representação dos bran- cos na origem em escola pública e aparece uma pequena sub-representação dos pardos. Entre os pretos, mais uma vez, observamos freqüência maior do que no total. No geral, porém, em ambos os cursos os alunos pardos estão mais próximos dos brancos do que dos pretos no que tange a esta origem em escola pública. Na Medicina os pardos apresentam uma distância de 15,53 pontos percentuais em relação aos brancos e de 18,06 em relação aos pretos. Na Arquivologia a distância é de 4,68 pontos percentuais em relação aos brancos e de 18,38 em relação aos pretos. Assim, no que tange à origem em escola pública, os pardos apresentam performance mais semelhante à dos brancos. Tabela 10 - Distribuição percentual dos alunos do curso de Arquivologia por cor ou raça, segundo a escolaridade do pai Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003). 20 R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. Tabela 11 - Distribuição percentual dos alunos do curso de Medicina por cor ou raça, segundo a escolaridade do pai Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003). Verificando a escolarização dos pais dos alunos da Arquivologia percebemos uma maior concentração dos pretos nas faixas correspondentes ao ensino fundamental, com 69,23% estando este percentual acima do total do curso em aproximadamente 19 pontos percentuais. Já os pardos, embora estejam também acima do total do curso, mostram menor super-representação (aproximadamente 6 pontos). No que diz respeito aos pais dos alunos brancos, estes são menos freqüentes neste nível do que o total do curso. ensino fundamental completo, contra a sub-representação de pardos em 1,89 e de brancos em 0,28 pontos percentuais. Nas duas últimas faixas de escolarização, os pais dos alunos brancos são mais freqüentes que os dos alunos pretos (que nem mesmo aparecem) e os dos alunos pardos (7,45%), ficando assim acima do total do curso em exatos 10,76 pontos percentuais. Vale ressaltar, por último, que no curso de Medicina os pais dos alunos pardos estão mais próximos dos brancos do que dos pretos no que tange ao acesso ao ensino superior (distância de 23,93 pontos percentuais em relação aos primeiros e de 44,46 em relação aos segundos). No entanto o inverso ocorre com os pais dos alunos de Arquivologia, em que os pardos estão em 18,11 pontos percentuais distantes dos brancos nestas duas faixas e 7,84 pontos distantes dos pretos. No que diz respeito ao curso de Medicina, podemos ver que os pretos estão super-representados em 43,94 pontos percentuais entre aqueles que possuem pais com até o No que tange às faixas de escolarização relativas ao ensino superior, verificamos que há uma maior freqüência dos pais dos alunos brancos, seguidos dos pais dos alunos pardos, porém somente os primeiros ultrapassam o total do curso (em aproximadamente 2 pontos percentuais). Enquanto que os pais dos alunos pretos estão sub-representados em nada menos que 50,75 pontos. Tabela 12 - Distribuição percentual dos alunos do curso de Arquivologia por cor ou raça, segundo a escolaridade da mãe Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003). R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. 21 Tabela 13 - Distribuição percentual dos alunos do curso de Medicina por cor ou raça, segundo a escolaridade da mãe Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003). O mesmo desenho de desigualdades encontrado no caso da escolaridade dos pais dos alunos pode ser verificado também para o caso das mães. A única diferença substancial corresponde ao fato de que estas apresentam entre os alunos brancos e pardos uma freqüência menor que os pais nas faixas mais altas; no entanto, no que tange aos alunos pretos, as mães destes apresentam em média um melhor posicionamento na escolarização que os pais. A situação das mães dos alunos pardos repete-se nos dois cursos estudados aqui, o que fora encontrado para os pais dos alunos. Ou seja, no que tange às duas faixas mais altas de escolaridade, os pardos se encontram mais próximos dos brancos na Medicina e mais próximos dos pretos na Arquivologia. Tabela 14 - Distribuição percentual dos alunos do curso de Arquivologia por cor ou raça, segundo a renda familiar Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003). Tabela 15 - Distribuição percentual dos alunos do curso de Medicina por cor ou raça, segundo a renda familiar Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003). 22 R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. As tabelas anteriores expressam a renda familiar dos grupos de cor ou raça dos alunos dos cursos de Arquivologia e Medicina. Neste último vemos que entre os autodeclarados brancos encontramos uma freqüência maior que os demais e mesmo maior que o total do curso, entre os que se localizam em famílias com renda acima de 20 salários mínimos. Quando, porém, observamos a faixa de renda de 1 a 5 salários mínimos, percebemos uma maior presença de alunos pretos super-representados em larga medida. Os pardos estão também superrepresentados, mas em pequena escala. Já os brancos estão sub-representados em cerca de 1 ponto percentual. Na Arquivologia, verificamos que, na faixa de renda de 20 a 50 salários mínimos (8), há um percentual maior de brancos (5,88%) acima 2,11 pontos percentuais do total do curso. Neste patamar de renda os pretos nem sequer aparecem e os pardos chegam a somente 1,06% (2,71 pontos percentuais abaixo do total deste curso). Já na faixa de renda de 1 a 5 salários mínimos se constata uma maior freqüência dos pardos (77,66%) sendo estes super-representados em 13,84 pontos percentuais. Entre os pretos a super-representação é de 5,41 pontos percentuais. Entre os autodeclarados brancos o percentual é de 52,10, configurando uma sub-representação de 11,72 pontos. Os alunos dos três grupos de cor ou raça são originários de famílias mais pobres, como já esperávamos, no curso de Arquivologia em comparação com o de Medicina. No entanto, mesmo no curso com maior presença negra e com menor nível de disputa no vestibular, os brancos são significativamente mais ricos que os pretos e pardos. Por último, devemos apontar que os pardos estão mais próximos dos brancos na Medicina e mais próximos dos pretos na Arquivologia. 3. CONCLUSÃO Em praticamente todos os indicadores utilizados na análise que envidamos neste artigo, encontramos uma insistente regularidade: os pretos apresentam as performances que indicam maiores dificuldades de realização escolar, seguidos dos pardos e dos brancos. Isto vale para ambos os cursos. É claro que os pretos e pardos que conseguem acessar o curso de Medicina (poucos indivíduos em números absolutos) devem estar mais bem situados sócioeconomicamente do que os alunos de Arquivologia (de qualquer grupo de cor ou raça), mas não se igualam a posição de seus colegas brancos. Como já anunciávamos no título deste pequeno trabalho, parece que a raça e a classe se encontram aqui. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. O curso mais “branco” da UFF reúne alunos mais bem situados sócio-economicamente do que o curso mais “negro”. No caso por nós estudado, ou seja, o acesso a um curso muito disputado e a outro pouco disputado de uma instituição pública de ensino superior, o que mais importa: a classe ou a raça? Vejamos. Se a classe fosse o condicionante mais importante, deveria existir uma relativa homogeneidade entre os indicadores pertinentes aos três grupos de cor ou raça em ambos os cursos. O que definitivamente não ocorre. Ou, antes disso, deveria existir uma configuração na qual o curso com o maior nível de disputa agregasse maior percentual de alunos bem posicionados na estrutura social (independente da cor destes), e um curso com menor disputa deveria agregar tão somente um número maior de alunos “despossuídos” e não de alunos negros. Voltando ao que Hasenbalg já apontava desde os anos de 1970, para além da pobreza como ponto de partida, os negros enfrentam a cada dia a operação do racismo na sociedade brasileira. Tal enfrentamento produz uma espiral de desvantagens materiais, simbólicas e subjetivas que somente podem ser debeladas por políticas concretas no campo das ações afirmativas. Este aspecto subjetivo apontado por Hasenbalg (1991) diz respeito ao solapamento das expectativas e anseios dos negros, à medida que é construído um estereótipo racial que aponta “o local adequado” para estes na sociedade. Mais especificamente, o acúmulo de desigualdades sócio-econômicas numa sociedade que se afirma como uma “democracia racial” tem como efeito promover um verdadeiro massacre subjetivo sobre os negros. Trata-se, portanto, de um processo no qual este grupo racial, além do enfrentamento cotidiano das práticas discriminatórias, precisa encontrar caminhos de operação frente à violência simbólica que esconde tais práticas. Neste contexto, o referencial teórico de Pierre Bourdieu nos parece importante, principalmente o seu conceito de habitus. Peça fundamental no esquema teórico proposto por este sociólogo, o habitus constitui uma matriz de ações e representações que é gerado pelas experiências familiares primeiras dos indivíduos em sua vida social, o que compreende as primeiras relações com as condições materiais de existência. A partir daí, o habitus torna-se princípio da “percepção e da apreensão de toda experiência ulterior”. (BOURDIEU, 1983, p. 64). Assim, determinadas condições materiais de existência originam habitus que são o produto do meio socialmente estruturado e das condições de existência apreendidas2 Trata-se de um “sistema de estruturas interiorizadas” que atua entre as estruturas sociais e as práticas dos sujeitos. 23 O habitus refere-se à história do agente social (que nunca poderá ser unicamente individual). Referese, portanto, a princípios formados desde a primeira relação familiar e que se atualizam no desenvolvimento da trajetória social, estabelecendo representações acerca do que pode e deve ser almejado. Assim, as aspirações, motivações, interesses e escolhas possuem este fundo que se instaura na relação entre as práticas individuais e as condições coletivas de realização destas. gualdade racial que produz, não será debelado somente por palavras. Estas deverão ser a ponta de lança das reivindicações por igualdade e justiça na direção da efetivação de políticas concretas; mas somente a efetivação e a plena operação destas poderão alterar a forma de inserção dos negros nos vários circuitos materiais e subjetivos da sociedade e, assim, retirar toda a base falsa – mas extremamente eficaz ao nível do senso comum – de sustentação da ideologia racista. Em última instância, o habitus conforma as ações, porém, como é produto de relações sociais determinadas, tende a reproduzir estas relações que o geram. A possibilidade de uma ação social ocorrer se encontra estruturada, sem no entanto ser “uma obediência às regras... ou uma previsão consciente” de metas a alcançar (ORTIZ, 1983, p. 15). 4. NOTAS A partir disto podemos inferir que indivíduos que viveram uma trajetória longe de pressões materiais imediatas desenvolvem um habitus onde o tempo (e o gasto de tempo) tem um significado muito diferente em relação a outros indivíduos que desde suas primeiras experiências se relacionam com urgências materiais de sobrevivência. Esta questão explica a dificuldade dos jovens pobres e negros em “perder tempo” na escola, o que leva ao problema da evasão escolar; o que fica bastante claro nas estatísticas acerca de anos médios de estudo por cor. As condições materiais de pobreza e exclusão social às quais os afrodescendentes, muito mais do que os brancos (como os dados sócio-econômicos demonstram) são submetidos, produzem um habitus que tende a colaborar com a reprodução da própria situação de pauperização e exclusão, que se consubstanciam na dificuldade de mobilidade social ascendente ao nível da ocupação e da renda. A imagem utilizada por Bourdieu (1989, p. 87) é, neste ponto, bastante elucidativa: trata-se da tensão entre “o que a história fez deles e o que ela lhes pede para fazer.” A legitimidade de uma certa ordem social, mesmo de uma ordem segregadora do ponto de vista racial, tem seu funcionamento extremamente facilitado pelo fato de que se realiza quase automaticamente no mundo objetivo. Por isso são tão necessários os trabalhos científicos que possam “desnaturalizar” e “desfatalizar” o mundo social e seus condicionamentos no campo fugidio das relações raciais no Brasil e servir de base para a luta pela implantação de políticas públicas capazes de modificar as configurações no plano objetivo para que a partir daí, uma vez mudada a “ordem das coisas”, possam ser diferentemente pensadas as coisas da ordem. Enfim, o racismo brasileiro, e a conseqüente desi- 24 (1) Sobre a idéia de nação como comunidade imaginada ver Anderson (1989). (2) A classe social na perspectiva de Max weber corresponde a um grupo cuja possibilidade de entrada de novos indivíduos é aberta, ou seja, os membros são aqueles que alcançam determinados padrões de proximidade que se constroem e se atualizam socialmente e não são fixos. Uma sociedade de classes seria caracterizada pela inexistência de mecanismos formais que impedissem o trânsito dos indivíduos pela estrutura de distribuição dos ganhos sociais (WEBER, 2000). (3) Esta obra foi publicada originalmente nos Estados Unidos, pela Universidade de Chicago em 1942. (4) Esta obra foi publicada originalmente nos Estados Unidos em 1964. (5) Um importante indicador de nossas relações raciais não paradisíacas nas áreas mais subjetivas da existência social encontra-se no que podemos denominar como casamentos inter-raciais. Telles (2003), utilizando dados do censo de 1991, mostra que naquele ano somente 23,1% dos casais brasileiros (formados em qualquer tipo de união consensual) agrupavam indivíduos de cor ou raças diferentes. (6) As análises preliminares deste censo foram publicadas em Brandão & Teixeira (2003). (7) Atualmente verificamos uma progressiva vantagem das mulheres em relação aos homens no que tange às taxas de escolarização. Todavia esta tendência não se configura nas gerações que correspondem aos pais e mães dos alunos da UFF. (8) É importante destacar que não existem, neste curso, famílias com renda mensal superior a 50 salários mínimos. (9) As práticas sociais oriundas do habitus se relacionam assim com o passado interiorizado e, portanto, reproduzem as estruturas objetivas de ação e representação. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. 5. BIBLIOGRAFIA ANDERSON, B. Nação e consciência nacional. São Paulo: Ática, 1989. AZEVEDO, T. Les elites de couleur dans une ville brésilienne. Paris: Unesco, 1955. BRANDÃO, A.; TEIXEIRA, M. De P. (orgs). Censo étnico-racial da UFF e da UFMT. Niterói: EDUFF, 2003. HASENBALG, C.; SILVA, N. do V. Estrutura social, mobilidade e raça. Rio de Janeiro: Vértice, 1988. HENRIQUES, R. Desigualdade racial no Brasil: evolução das condições de vida na década de 90. Rio de Janeiro: IPEA, 2001. [Texto para discussão nº 807]. IBGE. Censo Demográfico Brasileiro. 2000. Rio de Janeiro: IBGE, 2001. ORTIZ, R. Bourdieu: Sociologia. São Paulo: Ática, 1983. BOURDIEU, P. Sociologia. São Paulo: Ática, 1983. _______. O poder simbólico. São Paulo: Bertrand Brasil, 1989. _______. A miséria do mundo. Petrópolis: Vozes, 1998. _______. Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1999. HARRIS, M. Padrões raciais nas Américas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974. HASENBALG, C. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1979. PASTORE, J.; SILVA, N. do V. Mobilidade social no Brasil. São Paulo: Macron Books, 2000. PIERSON, D. Brancos e pretos na Bahia: estudo de contacto racial. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1971. SILVA, N. do V. White-non White income diferentials: Brazil 1960. PHD Thesis: University of Michigam, 1978. TELLES, E. Racismo à brasileira. Rio de Janeiro: RelumeDumara, 2003. WEBER, M. Economia e sociedade. Brasília: UNB, 1998. 2v. HASENBALG, C. Notas sobre a pesquisa das desigualdades raciais e bibliografia selecionada. In: LOVELL, Peggy. Desigualdade Racial no Brasil Contemporâneo. Belo Horizonte: UFMG/CEDEPLAR, 1991. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. 25 As Sociedades de Controle de Gilles Deleuze Luis Fernando Zulietti * Resumo: Para Deleuze a filosofia não é uma potência. As religiões, os Estados, o capitalismo, a ciência, o direito, a opinião, a televisão são potências, mas não a filosofia.A filosofia pode ter grandes batalhas interiores (idealismo – realismo etc.), mas são batalhas visíveis. Não sendo uma potência, a filosofia não pode empreender uma batalha contra as potências; em compensação, trava contra elas uma guerra sem batalha, uma guerra de guerrilha. Não pode falar com elas, nada tem a lhes dizer, nada a comunicar, e apenas mantém conversações. Como as potências não se contentam em ser exteriores, mas também passam por cada um de nós, é cada um de nós que, graças à filosofia, encontrase incessantemente em conversações e em guerrilha consigo mesmo. Palavras-chave: Sociedade, controle, filosofia, idealismo, realismo. Abstract: According to Deleuze philosophy isn’t potency. Religions, States, capitalism, science, law, opinion and television are potencies, but not philosophy. Philosophy can have big interior battles (idealism – realism etc.) but they are visible ones. Not being potency, philosophy cannot undertake a battle against potencies, but on the other hand it fights a war without battles, a war of guerrilla. It cannot speak to them, because it has nothing to say to them, nothing to communicate, but it only keeps conversations. Potencies do not get satisfied to be exterior and they also pass through each of us. Therefore, thanks to philosophy, we are constantly in conversation and on guerrilla with ourselves. Key words: Society, control, philosophy, idealism, realism. 1. INTRODUÇÃO “Um pouco de possível, senão eu sufoco...” Com estas palavras, Gilles Deleuze definiu o que teria levado Michel Foucault, na última fase da sua obra e vida, a se lançar de forma tão inesperada à descoberta dos processos de subjetivação. Um grande pensador precisa do inesperado como do ar, para respirar e viver; o pensamento, esclarece Deleuze, jamais foi questão de teoria, mas de vida. A obra de Gilles Deleuze pode ser colocada por inteiro sob o signo destes comentários. Na sua própria busca do inesperado, ele não parou de surpreender: os filósofos, pela maneira audaciosa com que amou e usou os grandes nomes da tradição (Espinosa, Nietzsche, Bérgson); os não filósofos, pelo vigor de seus conceitos prediletos (diferença, multiplicidade, acontecimento); os psicanalistas, pela irreverência com que forjou (em associação com Guattari) a concepção de um inconsciente produtivo; os artistas, pela originalidade com que cruzou a pintura, a literatura, o cinema... * 26 Professor da Univap. Mas em que consiste, afinal, a força secre: o que pode o pensamento contra todas as forças, quem, ao nos atravessarem, nos querem fracos, tristes, servos e tolos? Deleuze não cessou de dar a essa pergunta inquietante uma resposta alegre: criar. Sua obra é uma prodigiosa criação e renovação de conceitos, e o conceito, apesar de sua irrelevância no comércio do mundo, nada tem de inocente. Inspira novas maneiras de ver, ouvir e sentir – portanto, de viver. Assim, a filosofia nunca é abstrata: inventa e implica um estilo de vida, uma maneira de viver, uma ética; ou, mais radicalmente, uma estética, estética da existência ou arte de si mesmo. A vida como obra de arte, o filósofo como grande estilista do agora (PELBART, 1992). 2. HISTÓRICO Para Deleuze (1992, pp. 219 e 220), “Foucault situou as sociedades disciplinares nos séculos XVIII e XIX; atingem seu apogeu no início do século XX. Elas procedem à organização dos grandes meios de confinamento. O indivíduo não cessa de passar de um espaço fechado a outro, cada um com suas leis: primeiro a família, depois a escola (“você não está mais na sua família”), depois a caserna (“você não está mais na escola”), depois a fábrica, de vez em quando o hospital, eventualmente a prisão, que é o meio de confinamento por excelência”. “Mas as disciplinas, por sua vez, também R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. conheceriam uma crise, em favor de novas forças que se instalavam lentamente e que se precipitariam depois da Segunda Guerra Mundial: sociedades disciplinares é o que já não éramos mais, o que deixávamos de ser”. “Encontramo-nos numa crise generalizada de todos os meios de confinamento, prisão, hospital, fábrica, escola, família. A família é um “interior”, em crise como qualquer outro interior, escolar, profissional etc. Os ministros competentes não param de anunciar reformas supostamente necessárias. Reformar a escola, reformar a indústria, o hospital, o exército, a prisão; mas todos sabem que essas instituições estão condenadas, num prazo mais ou menos longo. Trata-se apenas de gerir sua agonia e ocupar as pessoas, até a instalação das novas forças que se anunciam. São as sociedades de controle que estão substituindo as sociedades disciplinares”. 3. OS CORPOS DÓCEIS A sociedade disciplinar é uma das inúmeras formas de organização social que o ser humano pode construir. Antes dela tínhamos outra. Depois dela, temos outra. Foucault aponta em Vigiar e Punir algo da anterior, mas sobre a posterior, ele apenas começa a constatar que já estávamos em outro momento, mas não chega a elaborar nova teoria. Deleuze, que admira e acompanha o trabalho de Foucault, é quem nos propõe a sociedade de controle que abordaremos. O que nos é válido para o momento é ter a certeza de que discursos e seus resultados são sempre produzidos. Não há estado inato de qualquer discurso no homem, e se atualmente nos deparamos com um discurso de controle é porque assim ele foi produzido e pode, da mesma forma, ser transformado. Portanto, o maior intuito destas linhas é o de iniciar uma reflexão sobre a sociedade disciplinar na qual estávamos presos para pensar a sociedade de controle pela qual, segundo Deleuze, estamos sendo levados. Do buraco da toupeira e dos anéis da serpente. “Não se deve perguntar qual o regime é mais duro ou mais tolerável, pois é em cada um deles que se enfrentam as liberações e sujeições” (DELEUZE, 1992). Delimitamos a sociedade disciplinar sendo iniciada no século XVII e percorrendo os anos até o século XX, sendo que sua forma de funcionar foi sendo aos poucos estabelecida. “A formação da sociedade disciplinar está ligada a um certo número de amplos processos históricos no interior dos quais ela tem lugar: econômicos jurídico-políticos, científicos, enfim. De uma maneira global, pode-se dizer que as disciplinares são técnicas para assegurar a ordenação das multiplicidades humanas. É verdade que não há nisso nada de excepcional, nem mesmo de característico: a qualquer sistema de poder se coloca o mesmo problema. Mas o que é próprio das disciplinas é que elas tentam definir em relação às R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. multiplicidades uma tática de poder que responde três critérios: tornar o exercício do poder o menos custoso possível (economicamente, pela parca despesa que acarreta; politicamente, por sua discrição, sua fraca exteriorização, sua relativa invisibilidade, o pouco de resistência que suscita); fazer com que os efeitos desse poder social sejam levados a seu máximo de intensidade e estendidos tão longe quanto possível, sem fracasso, nem lacuna; ligar enfim esse crescimento “econômico” do poder e o rendimento dos aparelhos no interior dos quais se exerce (sejam os aparelhos pedagógicos, militares, industriais, médicos), em suma fazer crescer ao mesmo tempo a docilidade e a utilidade de todos os elementos do sistema. Esse triplo objetivo das disciplinas responde a uma conjuntura histórica bem conhecida. É por um lado, a grande explosão demográfica do século XVIII: aumento da população flutuante (fixar é um dos primeiros objetivos da disciplina; é um processo de antinomadismo); mudança da escala quantitativa dos grupos que importa controlar ou manipular (do começo do século XVII às vésperas da Revolução Francesa, a população escolar se multiplicou, como sem dúvida a população hospitalizada; o exército em tempo de paz contava no fim do século XVIII mais de 200.000 homens). O outro aspecto da conjuntura é o crescimento do aparelho de produção, cada vez mais extenso e complexo, cada vez mais custoso também e cuja rentabilidade urge fazer crescer. O desenvolvimento dos modos disciplinares de proceder responde a esses dois processos ou antes sem dúvida à necessidade de ajustar sua correlação”. (FOUCAULT, 1987, pp. 179 e 180). Trabalharemos aqui com os exemplos maiores de sua captura. Temos com isso o que Foucault chama de corpos dóceis, aqueles que podem ser submetidos, aperfeiçoados e dominados – o que inclui praticamente toda humanidade inserida nesta sociedade. Manter os corpos “docilizados”, disciplinados, adestrados é a forma de controle. Adestrar com o intuito de dominar e, o que não deveria surpreender, mas inevitavelmente apavora, promover produção para o sistema. Tanto mais obediente quanto mais útil. Através de métodos de controle minucioso das operações do corpo impõe-se uma relação de docilidadeutilidade aos indivíduos. Estes métodos são as chamadas disciplinas. Através das disciplinas estabelece-se uma mecânica do poder: ter domínio sobre o corpo alheio para que opere como se espera, com as técnicas, segundo a rapidez e a eficácia que se determina. “A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos “dóceis”. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência). Em uma palavra: ela dissocia o poder do corpo; faz dele por um lado uma “aptidão”, uma “capacidade” que ela procura aumentar; e inverte por outro lado a energia, a potência que poderia resultar disso, e faz dela uma relação de sujeição estrita. Se 27 a exploração econômica separa a força e o produto do trabalho, digamos que a coerção disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma aptidão aumentada e uma dominação acentuada (FOUCAULT, 1987, p. 119). O adestramento é realizado tendo as instituições como meio de funcionamento. Disciplina e Instituição estão sempre vinculadas na sociedade disciplinar. Sem as Instituições não havia como controlar e elas se reproduzem aos montes durante este período: prisões, hospitais, escolas (internatos), indústrias, famílias. Elas transmitem a lei e criam leis próprias de funcionamento também, cerceando e vigiando o indivíduo em seus menores atos. No entanto, “A disciplina não pode se identificar com uma instituição nem com um aparelho; ela é um tipo de poder, uma modalidade para exercê-lo, que comporta todo um conjunto de instrumentos, de técnicas, de procedimentos, de níveis de aplicação, de alvos; ela é uma ‘física’ ou uma ‘anatomia’ de poder, uma tecnologia.” E pode ficar a cargo seja de instituições “especializadas” (as penitenciárias, ou as casas de correção do século XIX), seja de instituições que dela se servem como instrumento essencial para um fim determinado (as casas de educação, os hospitais), seja de instâncias preexistentes que nela encontram maneira de reforçar ou de reorganizar seus mecanismos internos de poder (um dia se precisará mostrar como as relações infrafamiliares, essencialmente na célula pais-filhos, se “disciplinares”, absorvendo desde a era clássica esquemas externos, escolares, militares, depois médicos, psiquiátricos, psicológicos, que fizeram da família o local de surgimento privilegiado para a questão disciplinar do normal e do anormal), seja de aparelhos que fizeram da disciplina seu princípio de funcionamento interior (disciplinação do aparelho administrativo a partir da época napoleônica), seja enfim de aparelhos estatais que têm por função não exclusiva, mas principalmente fazer reinar a disciplina na escala de uma sociedade (a polícia)” (FOUCAULT, 1987, pp. 177 e 178). Temos exemplos que vão do uso da caligrafia ao uso do esporte como formas de adestramento. Todos os detalhes dos movimentos corporais são percorridos. Escrever, por exemplo, só com a mão direita. “Um corpo bem disciplinado forma o contexto da realização do mínimo gesto. Uma boa caligrafia, por exemplo, supõe uma ginástica – uma rotina cujo rigoroso código abrange o corpo por inteiro, da ponta do pé à extremidade do indicador. Um corpo disciplinado é a base de um gesto eficiente” (FOUCAULT, 1987, p. 130). Segundo Ciscato (2004, pp. 2 e 4) corpos submissos e exercitados (dóceis) aumentam a força do corpo. Esta força precisa ser vista como uma força que aumenta em termos de utilidade e, portanto, em termos econômicos, ao mesmo tempo em que é diminuída, já que em termos políticos é apenas a obediência que é visada. 28 Dissocia-se o poder do corpo: o corpo passa a ser uma aptidão, uma capacidade a ser aumentada. Faz-se desta potência uma relação de sujeição estrita. Em um subcapítulo denominado A arte das distribuições, Foucault fornece alguns bons exemplos de como a organização desta sociedade era feita e como podemos visualizá-la com maior clareza: 1) A disciplina exige a cerca (princípio de clausura): Disciplina provém em primeiro lugar da arte de distribuições dos indivíduos no espaço. Prisões: como mais evidentes. Escolas: como mais discretos (uso do internato). Quartéis: criação de vários. Manufaturas e depois as Indústrias (segunda metade do século XVIII – 1780 a 1850): parecem conventos, fortalezas, cidades fechadas. Articular-se o domínio com a produção. O propósito é o de retirar o máximo de vantagens e evitar inconvenientes. 2) Princípio da localização imediata (quadriculamento): cada indivíduo no seu lugar e em cada lugar um indivíduo. Evitam-se grupos e aglomerações. É preciso saber onde e como encontrar os indivíduos. Vigiar, apreciar, medir. Procedimentos para conhecer, dominar e organizar. 3) Regra das localizações funcionais: codificar espaços arquitetonicamente para facilitar as vigilâncias (médica, militar, fiscal, econômica...). Mesmo em um hospital estas instâncias estavam presentes (vide a divisão de leitos). Nasce da disciplina um espaço útil do ponto de vista médico. 4) A posição na fila, o lugar que alguém ocupa em uma classificação (elementos intercambiáveis). Divisão e classificação dos alunos, marca de lugares. Espaços mistos reais regem as posições de móveis e indivíduos, espaços ideais projetam caracterizações, estimativas, hierarquias. A constituição de quadros vivos que transformam as multidões confusas, inúteis e perigosas em multiplicidades organizadas. Organizar o múltiplo e impor ordem. A tática disciplinar situava-se, portanto, sobre o eixo que liga o singular e o múltiplo. Temos aí a base para uma microfísica do poder que poderia ser chamado celular. Foucault resume bem este sistema: “De um modo geral todas as instâncias de controle individual funcionam num duplo modo: o da divisão binária e da marcação (louconão louco; perigoso-inofensivo; normal-anormal); e o da determinação coercitiva, da repartição diferencial (quem é ele; onde deve estar; como caracterizá-lo; como reconhe- R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. cê-lo; como exercer sobre ele, de maneira individual, uma vigilância constante etc.)” (FOUCAULT, 1987, p. 165). Com isso, temos base para visualizar o modelo do Panóptico proposto por Bentham. Foucault tem uma definição maravilhosa para este modelo: “O Panóptico é uma máquina de dissociar o par ver-ser visto: no anel periférico, se é totalmente visto, sem nunca ver; na torre central, vê-se tudo, sem nunca ser visto” (FOUCAULT, 1987, p.167). O Panóptico é isto: uma construção arquitetural proposta por Bentham para prisões e na qual o preso é olhado por um vigia que se encontra em uma torre elevada ao centro das celas individuais que estariam configuradas lado a lado formando um círculo. O que ele permite é que o preso possa estar sempre sendo observado sem poder olhar para seu vigia. Da torre vêem-se todas as celas com clareza e, portanto, todos os movimentos realizados pelos presos. Das celas não se vêem nem os presos situados próximos nem o vigia. De forma que não há necessidade de se ter alguém de fato exercendo a vigilância o tempo todo, pois se o preso não tem como saber se está ou não sendo monitorado, não tem como agir. “É visto e não vê; objeto de uma informação, nunca sujeito de uma comunicação” (FOUCAULT, 1987, p. 166). No entanto, já podemos perceber que o modelo Panóptico não ficou restrito a um projeto para a arquitetura de prisões, mas reflete toda a cultura disciplinar. O indivíduo é vigiado, adestrado e punido quase que permanentemente. E as instituições são as reprodutoras deste sistema que está em função da otimização da produção e da evitação de transtornos maiores com a massa. “O Panóptico (...) tem um papel de amplificação; se organiza o poder, não é pelo próprio poder, nem pela salvação imediata de uma sociedade ameaçada: o que importa é tornar mais fortes as forças sociais – aumentar a produção, desenvolver a economia, espalhar a instrução, elevar o nível da moral pública; fazer crescer e multiplicar” (FOUCAULT, 1987, p. 172). Nesta sociedade que não é a do espetáculo, mas a da vigilância, temos um mecanismo pouco custoso em termos financeiros, máximo de efeitos de poder e de extensão dos domínios deste poder e crescimento econômico. Em suma, faz-se crescer ao mesmo tempo a docilidade e a utilidade de todos os elementos do sistema (FOUCAULT, 1987, p. 180). 3.1 Sobre as Sociedades de Controle Deleuze nos aponta que uma mudança aconteceu, sendo que seu estabelecimento tem início talvez logo após a segunda guerra – isto porque o processo já havia sido iniciado - e indo aos poucos tomando conta da configuração social. É certo que entramos em sociedades de “controle”, que já não são exatamente disciplinares. Foucault é R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. com freqüência considerado como o pensador das sociedades de disciplina e de sua técnica principal, o confinamento (não só o hospital e a prisão, mas a escola, a fábrica, a caserna). Porém, de fato, ele é um dos primeiros a dizer que as sociedades disciplinares são aquilo que estamos deixando para trás, o que já não somos. Estamos entrando nas sociedades de controle, que funcionam não mais por confinamento, mas por controle contínuo e comunicação instantânea” (DELEUZE, 1992, pp. 215 e 216). Segundo Ciscato (2004, pp. 4 e 5), algumas transformações foram estabelecidas e dentre elas temos as instituições em crise. Inicia-se a implantação de novos tipos de soluções, educação e tratamentos no lugar da sociedade disciplinar, da educação aos moldes do internato e dos tratamentos médico-hospitalares restritos às reservas da sede institucional. Sugestões governamentais para reformas das instituições são tentadas aos montes, mas todos sabem: elas estão condenadas. É a sociedade de controle substituindo a sociedade disciplinar. Assim como a empresa substitui a fábrica, a formação permanente tende a substituir a escola. Com a sociedade disciplinar, tínhamos os indivíduos indo da escola à caserna, da caserna à fabrica, situados “entre confinamentos”. Com a sociedade de controle, o “entre” está também agenciado. Não há “entre”. Na sociedade de controle nunca se termina nada. A empresa, a formação, o serviço, agem como “deformadores universais”. Das fábricas geograficamente situadas e arquiteturalmente analisadas passamos às empresas dividas, habitando inúmeros espaços ao mesmo tempo. Quem sabe onde fica situada a Nike, a Adidas, a Reebok etc.? Em todo lugar. Em nenhum lugar. São os anéis da serpente. Atualmente o capitalismo não é dirigido para a produção que é relegada à periferia do terceiro mundo. É um capitalismo de sobreprodução. Sem compra de matéria prima e fábrica localizada. Quer vender serviços e comprar ações. Capitalismo dirigido para o produto e não para a produção. Ocorrendo da passagem do capitalismo industrial ao capitalismo pós-industrial, só para se ter uma idéia, entre outras. Conforme Ciscato (2004, p. 5): a) Capitalismo Industrial · Dominante capital nacional; · Dominante industrialização; · Dominante industrialização; · Poder disciplinar; · Estados nacionais influenciando os parâmetros do desenvolvimento econômico; · Instituição do Estado de bem-estar como política acomodadora do trabalho, da pobreza extrema, marginalização; · Geopolítica; · Pirataria ecológica. 29 b) Capitalismo Pós-Industrial · Dominante capital de firmas transnacionais e oligopólios mundiais; · Dominante capital financeiro; · Poder de controle mundializado; · Fim da influência dos Estados nacionais nas decisões econômicas, declínio do Estado-nação; · Desmantelamento do Estado de bem-estar: fim do sistema de proteção social, pobreza e desemprego, precarização do trabalho, pobreza extrema, exclusão; · Intensificação da exploração; · Geoeconomia; · Expansão da pirataria ecológica; · Acelerada degradação de existência. “O capitalismo pós-industrial traz ao mundo modificações importantes: 1- dispensa o Estado de bem-estar; 2- acentua o processo de fragmentação dos operários enquanto classe; 3- transforma a relação salarial, que se estende agora a uma escala mundial, tornando frágil a relativa força que os operários gozavam na era fordista; 4- produz uma força de trabalho flutuante e móvel que tende a acentuar a segmentação social e a decompor as estreitas relações entre a fábrica e o território que unifica as categorias populares. Portanto, desenhado pelo capitalismo, o novo contexto da economia-mundo se caracteriza pela grande concentração e transnacionalização do capital, pelo jogo do mercado financeiro, pelo desenvolvimento desigual, pela produção do desemprego, pela proletarização de enorme contingente de trabalhadores (nações inteiras) e pela acumulação flexível. Esta é a realidade da modernização capitalista planetária” (KEIL, 2004, p. 4). As instituições disciplinares não são mais espaços analógicos distintos que convergem ao proprietário. São figuras cifradas, deformáveis e transformáveis. O mercado passa a se dar por tomada de controle e a corrupção ganha nova potência. O marketing é a forma de controle social. Segundo Cobra (1995, p. 28), as novas condições do Marketing Global impõem mercados representados por blocos de países e a mística do consumidor indivíduo. O marketing passa a ser suportado por bancos de dados – data bases que passam a acompanhar o indivíduo desde o nascimento até à morte. Lembra ainda Raimar, citando Daniel Bell, que o ponto-chave de todo processo evolutivo será um deslocamento dos tradicionais fatores de produção, capital e trabalho, para um novo tipo de recurso econômico, ou seja, a informação. E assim, os “capitalistas” da era pós-industrial serão os donos da informação tanto da aparelhagem que processa e armazena (o hardware), quanto dos sistemas que comandam os fluxos de sua comunicação (o software). O homem 30 não é mais o homem confinado, mas o homem endividado. “É verdade que o capitalismo manteve como constante a extrema miséria de três quartos da humanidade, pobres demais para a dívida, numerosos demais para o confinamento: das fronteiras, mas também a exploração dos guetos e favelas” (DELEUZE, 1992, p. 224). Conforme Ciscato (2004, p. 5), Deleuze propõe uma espécie de novo capitalismo já que o do século XIX é de concentração para produção e propriedade, é o do capitalista como proprietário dos meios de produção e outros bens (moradia etc). Estamos no início de alguma coisa. Deleuze vai ainda mais longe e nos deixa entrever que mesmo a sociedade de controle estaria em uma espécie de crise e algo já estaria sendo internamente transformado. Não sabemos ainda do que se trata, mas não parece estar no campo de uma quebra e sim de um aceleramento do processo. Estamos em um tempo em que os discursos, as produções intelectuais e artísticas, as tentativas de escapar à mercantilização do conhecimento são sucessivamente agenciados pelo sistema capitalista. A produção de um discurso que vise um rompimento é quase que imediatamente agenciada. Pensamentos de esquerda, críticas ao capitalismo, Marx e comunismo são falas que tendem a ser ridicularizadas. Caem no campo do ridículo em um sistema em que a aparente abertura à pluralidade de discursos nos faz pensadores medíocres. Ou o pensamento é rapidamente agenciado ou é jogado ao campo do ridículo ou da loucura. Negar o capitalismo hoje é isto. Não porque de fato o seja ridículo ou louco, mas porque é isto que se produz no discurso vigente. Deleuze nos aponta a corda bamba em que estamos. “Os anéis de uma serpente são ainda mais complicados que os buracos de uma toupeira” (DELEUZE, 1992, p. 226). A partir destas linhas, ficamos com a questão: a psicanálise na sociedade disciplinar pode ter servido, por alienação de alguns daqueles que a realizavam, ao sistema disciplinar. É uma das críticas que faz Foucault: a fala no consultório como modo de dominar o sujeito no seu dizer de si, de suas fantasias, de suas práticas sexuais etc. Lacan (1997), no seminário 7, nos alerta também para este tipo de uso que foi feito pelos psicanalistas da teoria psicanalítica. Um uso agenciado, a serviço do mantimento de um sistema em que se desejava adestrar e dominar os mínimos detalhes dos corpos e dos pensamentos humanos a fim de um controle social e aumento de produção de capital. Sabemos bem que não é a favor de um sistema que tem como base a aniquilação do sujeito que a psicanálise busca seu lugar no mundo contemporâneo. A ingenuidade não nos é mais permitida. É preciso saber dos anéis da serpente. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DELEUZE, G. Conversações. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992. CISCATO, M. A. Algo do Contemporâneo com Foucault e Deleuze. Disponível em: <http:// maciscato.sites.vol.com.br/macl.html>. Acesso em: 23 nov. 2004. FOUCAULT, M. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1987. COBRA, M. Ensaio de Marketing Global. Marcos Cobra,1995. KEIL, I. M. O Paradoxo dos Direitos Humanos.Disponível em <http://biblioteca.bib.vnrc.edu.ar/completos/ cooredor/corredel/comi-a/[email protected]>. Acesso em: 26 nov. 2004. COBRA, M. Administração de Marketing. 2. ed. São Paulo: Atlas,1992. LACAN, J. Seminário, livro 7. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. 31 O Espaço e as Inter-relações Institucionais e Comunitárias A. S. Cristiane de Carvalho * Elizabeth M. Liberato ** Resumo: O foco deste trabalho é refletir sobre alguns aspectos da prática desenvolvida pela instituição FUNDHAS - Fundação Hélio Augusto de Souza, localizada em S. José dos Campos. Pretende-se verificar as contribuições relevantes da Instituição e a repercussão na comunidade, bem como a articulação da Unidade CAIC D. Pedro (Centro de Atenção Integral à Criança) com a rede de serviços comunitários, como a Unidade Básica de Saúde, Secretaria de Desenvolvimento Social, Escola e Liderança Comunitária. Busca-se, assim, assinalar a importância dos vínculos de trabalho da FUNDHAS com a comunidade da região sul e com a rede de serviços comunitários. Palavras-chave: Espaço, rede de relações, Instituição. Abstract: This paper purpose is to reflect on some aspects regarding work performance of FUNDHAS – Hélio Augusto de Souza Foundation that is located in São José dos Campos. It is intended to verify the institution’s relevant contributions and their effects for the community. Also, this paper will analyze the articulation of CAIC D. Pedro (Children’s Integral Attention Center) with the community services network such as Basic Health Unit, Social Development Secretary, Community school and leadership. By means of this the paper looks for highlighting the importance of FUNDHAS work for São José dos Campos south region community and with the community services network. Key words: Space, net of relations, Institution. INTRODUÇÃO O presente trabalho se propõe a refletir sobre alguns aspectos da prática institucional desenvolvida pela FUNDHAS – “Fundação Hélio Augusto de Souza”, uma instituição sem fins lucrativos, com personalidade jurídica própria, criada em 28/4/87, pela Prefeitura de São José dos Campos. A instituição atende cerca de 7.000 crianças e adolescentes, de diversos bairros da cidade, na faixa etária de 7 a 18 anos, em seus Programas/Projetos que visam o desenvolvimento integral da criança e do adolescente. Para embasá-lo teoricamente, o estudo irá tratar da noção de espaço, de redes de relações, de espaço institucional, assim como de espaço profissional do Serviço Social. 1. A INSTITUIÇÃO FUNDHAS A FUNDHAS – Fundação Hélio Augusto de Souza, tem sua sede à Rua Santarém, 560, Parque Industrial São José dos Campos – SP. É uma Instituição sem fins lucrativos com personalidade jurídica própria. Foi criada pela Prefeitura do município de São José dos Campos nos termos das Leis Municipais nº 3227/87, de 28 de abril de 1987 e nº 3570/89, de 1º de setembro de 1989. Pretende-se, com este trabalho, ter como foco o espaço de trabalho da Unidade CAIC D. Pedro da FUNDHAS, o que esta representa e suas repercussões nos bairros D. Pedro I e II, região sul, as articulações com a comunidade local e a ligação com a rede de serviços comunitários, ressaltando a importância do estreitamento e fortalecimento dos vínculos de trabalho da Instituição com a comunidade. O município de São José dos Campos, considerado, em âmbito nacional, um importante pólo industrial e tecnológico, está localizado no eixo Rio-São Paulo, na região valeparaibana. Segundo o Censo de 2000, conta com uma população de 539.313 habitantes, com distribuição, por faixa etária, representada por 113.084 habitantes entre 7 e 17 anos. * Assistente Social. ** Pró-Reitora de Avaliação e Professora da Univap. E-mail: [email protected] A FUNDHAS atende crianças e adolescentes a partir de critérios que analisam a condição sócio-econômica familiar. Os Programas desenvolvidos pela instituição visam criar condições para o desenvolvimento inte- 32 R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. gral de crianças e adolescentes no plano físico, social, emocional, cognitivo, cultural e profissionalizante, por meio do trabalho integrado de uma equipe multidisciplinar totalmente adequado ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 1.1 Programas São programas da FUNDHAS: · Programa Direito de Ser Criança, tribuir para o desenvolvimento integral da criança e adolescente. O trabalho do Serviço Social compreende: · Atuação integrada com o gestor da unidade/ bloco/projeto; · Articulação com a rede de serviços: busca o fortalecimento institucional das organizações, na troca de experiências e de capacitação sistematizadas; · Programa Adolescente, · CEPHAS – Centro de Educação Profissional “Prof. Hélio Augusto de Souza”. 1.2 Projetos Intersecretarias · Projeto Adole-Ser, · Projeto Aquarela, · Projeto UAI: Unidade de Atendimento Inicial / COFACI – Centro de Orientação às Famílias de Adolescentes em Situação de Custódia e Internação, · Projeto Agente Jovem Joseense, · PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil. 1.3 Unidade CAIC D. Pedro · Tipos de Abordagem: atendimento individual; atendimento familiar; visita domiciliar; discussão de caso no plantão multidisciplinar; · Abordagem Grupal: busca favorecer experiências de convívio grupal que propiciem a socialização e a prática coletiva; · Estágio Supervisionado: tem por objetivo garantir espaço na Instituição para a supervisão ao aluno estagiário no processo de ensinoaprendizagem do exercício da profissão do Serviço Social; · Trabalho com famílias: visa o estreitamento da relação entre as famílias atendidas e a instituição. Esse trabalho ocorre por meio da representação de pais no Conselho Curador; Grupo Multifamília; busca a integração família e instituição. São realizadas reuniões bimestrais e abordagem individual com as famílias. A FUNDHAS CAIC D. Pedro recebeu este nome por estar localizada em uma área de 29.694,85 metros quadrados, pertencente ao CAIC – Centro de Atenção Integral à Criança, e tem uma área construída de aproximadamente 3200 metros quadrados; as atividades foram iniciadas em 5 de Setembro de 1992. 2. O ESPAÇO Compartilhando o gerenciamento de várias atividades, o CAIC, atualmente, conta com uma escola de ensino fundamental, Unidade Básica de Saúde, FUNDHAS, Supervisão de Esportes, Instituto Materno-Infantil (Creche), Programa para Terceira Idade, parceria com o SINDUSCON (Sindicato dos construtores) e SENAI. A reflexão sobre espaço toma por embasamento teórico Santos que afirma: “[...] a essência do espaço é social. O espaço não pode ser apenas formado pelas coisas, os objetos geográficos, naturais e artificiais cujo conjunto nos dá a natureza. O espaço é tudo isso, mais a sociedade: cada fração da natureza abriga uma fração da sociedade atual” (SANTOS, 1997, p. 1). A Unidade CAIC D. Pedro integra a Divisão Criança, com o Programa Direito de Ser Criança (DSC) e tem capacidade de atender 150 crianças, na faixa etária de 12 a 14 anos. 1.4 O Serviço Social na FUNDHAS O objetivo do Serviço Social na FUNDHAS é conR. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. “O espaço impõe a cada coisa um determinado feixe de relações, porque cada coisa ocupa um lugar dado” (CAILLOIS, apud SANTOS, 1998, p. 81). Assim, pensar a instituição FUNDHAS, representada pela Unidade CAIC D. Pedro, significa visualizar o espaço em que ela está inserida, na região sul da cidade de São José dos Campos, no bairro D. Pedro I, onde essa Unidade corresponde não só a um equipamento com determinada localização geográfica, mas vai além e en33 volve a comunidade e suas diversas formas de interação. mas cada unidade leva em conta o lugar que ocupa no espaço a sua infra-estrutura. Explicita Santos: Assim, para Santos: Cada homem vale pelo lugar onde está: o seu valor como produtor, consumidor, cidadão, depende de sua localização no território. Seu valor vai mudando, incessantemente, para melhor ou para pior, em função das diferenças de acessibilidade (tempo, freqüência, preço), independentes de sua própria condição (SANTOS, 1998, p. 81). No espaço, cada coisa ocupa um lugar dado, com valores e significado diferente, cada lugar está em constante mudança, devido à dinâmica social. O movimento social é que propicia as transformações, as mudanças e as múltiplas possibilidades de interação. Para que haja tal interação, é necessário que se tenha “algo” interagindo, são os chamados elementos do espaço, os quais Santos define como: Os homens, as firmas, as instituições, o chamado meio ecológico e as infra-estruturas; ... Os homens são elementos do espaço, seja na qualidade de fornecedores de trabalho, seja na de candidatos a isso. As firmas têm como função essencial a produção de bens, serviços e idéias. As instituições por seu turno produzem normas, ordens e legitimações. O meio ecológico é o conjunto de complexos territoriais que constituem a base física do trabalho humano. As infra-estruturas são o trabalho humano materializado e geografizado na forma de casas, plantações, caminhos, etc (SANTOS, 1997, p. 6). Ao trazer essas definições de Santos para a realidade institucional, vê-se que para a instituição existir se faz necessário um espaço territorial e toda infra-estrutura para que de fato ela se materialize, mas é necessário também o trabalho humano. Assim, destaca-se, na FUNDHAS, os profissionais como prestadores de serviços no desempenho de suas funções. Considerando que a FUNDHAS é uma instituição, e as instituições podem ser “consideradas como conjunto de normas, padrões, leis, valores e práticas que regem as relações entre os homens, as instituições são como uma das instâncias fundamentais da sociedade” (SOUZA, 1984, p. 41), também ela possui suas normas, estatuto, regimento interno e critérios de elegibilidade para seu funcionamento institucional. Pode-se refletir sobre a instituição FUNDHAS, cuja sede mantém relação direta com todas as unidades, 34 Dessa forma, cada lugar atribui a cada elemento constituinte do espaço um valor particular. Em um mesmo lugar, cada elemento está sempre variando de valor, porque, de uma forma ou de outra, cada elemento do espaço – homens, firmas, instituições, meio – entram em relação com os demais, e essas relações são em grande parte ditadas pelas condições do lugar (SANTOS, 1997, p. 10). A instituição leva em conta, também, a demanda que atende e a equipe profissional que realiza o trabalho. Cada unidade tem características próprias e peculiares, cada equipe de trabalho diferencia-se das demais, assim como cada profissional tem sua maneira de atuar que lhe é própria. Percebe-se que “ao mesmo tempo em que os elementos do espaço se tornam mais intercambiáveis, as relações entre eles se tornam também mais íntimas e muito mais extensas” (SANTOS, 1997, p. 7). À medida que ocorrem as relações entre a sede da FUNDHAS e suas unidades, e entre as próprias unidades, as relações se fortalecem, se tornam mais estreitas, favorecendo o vínculo de toda instituição. As mudanças ocorrem a todo instante, umas mais rápidas, outras em processos lentos e gradativos, mas é preciso levar em conta essas mudanças nos diversos aspectos: político, econômico, cultural e espacial. Para Santos: “As mudanças atingem contextos, pois não há mudança que não seja contextual: a coisa, o fato, o homem apenas existem e valem dentro de uma relação” (SANTOS, 1997, p. 81). Portanto, quando se faz referência à FUNDHAS, deve-se destacar que é uma instituição que está em constante mudança para se adequar à realidade do município e à demanda que é atendida, em busca do estreitamento e fortalecimento das relações, para a melhoria contínua do seu trabalho. O contexto leva em conta o movimento do todo. Pelo movimento conjunto do todo é que se pode valorizar cada parte e analisá-la. Esse movimento leva às múltiplas possibilidades de interação. Nesse entendimento, a análise da unidade CAIC D. Pedro como uma parcela desse todo mostra que essa unidade dá sua contribuição na formação da criança e do adolescente, da mesma forma como cada uma das unidades que compõem a instituição. Essa interação faz da FUNDHAS uma instituição que vem sendo respeitada pela qualidade e consistência dos serviços prestados, servindo ao município com competência. Cada local/espaço geográfico tem uma história, que vai se modelando com o passar do tempo, com as R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. transformações que o homem nele produz, modelando e reconstruindo uma nova história, pelas relações do homem com o meio. Santos ressalta: O que nos interessa é o fato de que a cada momento histórico cada elemento muda seu papel e a sua posição no sistema temporal e no sistema espacial e, a cada momento, o valor de cada qual deve ser tomado da sua relação com os demais elementos e com o todo (SANTOS, 1997, p. 9). Para analisar a unidade CAIC D. Pedro, desde sua fundação, há doze anos, comparando-a aos dias de hoje, após diversas mudanças, deve-se considerar que foram necessárias adequações em sua infra-estrutura; houve uma grande evolução em seu desenvolvimento, a começar pela ampliação da capacidade de atendimento, reflexo da expansão da instituição. Para Santos, A história é uma totalidade em movimento, um processo dinâmico cujas partes colidem continuamente para produzir cada novo momento. O movimento da sociedade é sempre compreensivo, global, totalizado, mas a mudança ocorre em diferentes níveis e em diferentes tempos: a economia, a política, as relações sociais, a paisagem e a cultura mudam constantemente, cada qual segundo uma velocidade e direção próprias – sempre, porém, inexoravelmente vinculadas umas às outras (SANTOS, 1997, p. 53). Ao analisar a história da FUNDHAS, considerando a unidade CAIC D. Pedro como uma parcela dessa totalidade, nota-se que está inserida num processo dinâmico, em constante movimento, que leva à produção de novos movimentos, decorrendo daí as transformações e novas relações. lações que ainda pretende estabelecer. Segundo Fernandes (1990), Rede é uma unidade que concentra as suas atenções sobre outras unidades equivalentes, num conjunto ilimitado, em que se relacionam umas com as outras em numerosos sentidos e direções, [...] cada uma é um centro voltado para si e interagindo com outras unidades; entendido como a totalidade das unidades ligadas entre si por um certo tipo de relações, bem definidas e não necessariamente equivalentes; [...] (FERNANDES, 1990, p. 25). No intuito de identificar a rede de relações que a FUNDHAS vem estabelecendo não se poderia deixar de entender os tipos de redes existentes: a rede primária e a rede secundária. A primeira é constituída por um conjunto de indivíduos que se comunicam entre si com base em laços pessoais; constitui o conjunto das relações afetivas que se estabelecem com os parentes, os amigos, os vizinhos. “A rede secundária define-se a partir de uma tarefa, um ideal, uma Instituição: é o conjunto das pessoas reunidas numa ação comum ou num quadro institucionalizado, [...]” (FERNANDES, 1990, p. 26). A rede é um lugar de reflexão e de ação para um trabalho social, que articula o privado e o individual com as condições objetivas. A FUNDHAS, tomando por base Fernandes, se enquadra como uma rede secundária, mas tem-se que considerar que a rede primária é fundamental nas relações com a rede secundária. O autor afirma que “As redes primárias participam, mais do que elas próprias imaginam, da dinâmica social, para transformar ou para a manter, na sua interação com as instituições sociais que a rede recobre” (FERNANDES, 1990, p. 27). Percebe-se a inter-relação que existe entre as redes, tão necessárias à dinâmica social da FUNDHAS que trabalha com crianças, adolescentes e suas famílias, em seu espaço institucional. 3. REDE DE RELAÇÕES 4. O ESPAÇO INSTITUCIONAL A partir do espaço geográfico da unidade CAIC D. Pedro, no bairro D. Pedro I, busca-se ir além e analisar as relações existentes nesse espaço geográfico, porque “É somente a relação que existe entre as coisas que nos permite realmente conhecê-las e defini-las. Fatos isolados são abstrações e o que lhe dá concretude é a relação que mantém entre si” (SANTOS, 1997, p. 14). A reflexão sobre espaço institucional se embasa teoricamente em Souza que aponta: “As instituições representam um conjunto articulado de saberes (normas, valores, ideologia), [...] e que são produzidos a partir das relações que se estabelecem entre os homens na produção da existência material” (SOUZA, 1984, p. 44). Essa relação, a que Santos se refere, destaca a rede de relações que a FUNDHAS estabelece com Secretarias, Conselhos, Rede Municipal de serviços, Rede de escolas, convênio com empresas, parcerias e outras re- Segundo Karsch “O termo Instituição denomina formações sócio-organizacionais, governamentais ou particulares, onde se efetiva o exercício profissional do assistente social” (KARSCH, 1989, p. 136). R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. 35 A FUNDHAS, enquanto Instituição social, se configura como espaço onde o profissional do Serviço Social desenvolve sua prática voltada para o atendimento à criança, ao adolescente e sua família. seguinte, conhecer a característica e a dinâmica do Estado.” E continua: “O Estado tem também uma interferência básica em toda a dinâmica dessas instituições e organizações” (SOUZA, 1984, p. 46). Souza afirma que “Entender as instituições, por conseguinte, é entender o processo histórico que as produziu. Conforme foi dito, as instituições surgem sempre a partir de determinadas demandas” (SOUZA, 1984, p. 42). É o que permeia a prática cotidiana do assistente social, na qual o Estado exerce influência através da definição das políticas sociais e das negociações políticas, que direcionam as instituições e as ações profissionais. As instituições têm por finalidade implantar as políticas sociais e aos profissionais cabe o papel, muitas vezes, de reproduzir essas políticas. Alerta Montaño: “Ou o Assistente Social se mantém realizando tarefas instrumentais simples, subordinadas (...) ou, por outro lado, o Serviço Social participa ativamente (...) desenvolvendo atividades mais complexas, as que demandam destrezas e qualificações mais sofisticadas” (MONTAÑO, 1997, p. 123). Assim, o resgate da história da Instituição FUNDHAS mostra que o trabalho desenvolvido por ela, no atendimento à criança e ao adolescente no município, iniciou-se na década de 70. Em 1972, recebeu o nome de “Clubinho” e era desenvolvido pelo Departamento de Educação da Prefeitura do município. Em 1975, recebeu o nome de “Programa de Menores” com a implantação de um trabalho social sistematizado. Em 1979, foi instituído o COSEMT – “Centro de Orientação Sócio-Educativa ao Menor Trabalhador”. Em função do crescimento deste Centro, e com a mudança administrativa, foi criada, em 15 de Dezembro de 1987, a FUNDHAS – Fundação de atendimento à criança e ao adolescente “Prof. Hélio Augusto de Souza”, maior projeto social do município, que hoje vem se expandindo, havendo necessidade de ampliação para atender a uma crescente demanda. A FUNDHAS, com a sua equipe de trabalho, na qual o assistente social tem papel preponderante, realiza um trabalho com a criança e o adolescente, buscando atendê-los a partir das suas necessidades especiais e/ou emergenciais, respeitando sua condição de sujeitos de direitos, visando seu desenvolvimento e proteção integral. A instituição realiza, também, o trabalho com famílias, que objetiva o estreitamento da relação com as famílias atendidas, para que, conhecendo o contexto familiar, se possa desenvolver uma ação eficaz. O profissional do Serviço Social realiza a intermediação entre a Instituição e as famílias atendidas, e, como afirma Souza: Na FUNDHAS, o Serviço Social participa no desenvolvimento das políticas do Estado e do Município. O assistente social deve buscar, como Montaño (1997) afirma, manter-se como um ator necessário, não só na execução de ações, mas envolver-se no planejamento, na investigação da realidade do usuário, na avaliação e no estabelecimento de vínculos com a população. Destaca-se o momento institucional da FUNDHAS, que está passando por um processo de transição para adequação ao atendimento à família de forma global, que envolve uma série de discussões com a Rede Municipal de serviços e com a Secretaria de Desenvolvimento Social. Para tanto, a Instituição precisa se estruturar, fortalecer as parcerias com a Rede, para que de fato o objetivo que o município almeja alcançar com essa proposta diferenciada de atendimento à família possa ser atingido com maior eficácia. Existem dificuldades com relação ao atendimento global da família, porém trata-se de uma proposta que deverá trazer resultados no futuro, ampliando o espaço de atuação da FUNDHAS. A organização se coloca como intermediadora entre os bens e serviços procurados e a população que os procura. E, na organização, o Serviço Social é, em geral, o serviço que informa, encaminha, estimula, anima e orienta a população em função das exigências necessárias à aquisição desses bens e serviços. Como tal, ele é a intermediação da intermediação (SOUZA, 1984, p. 39). 5. O ESPAÇO PROFISSIONALDOASSISTENTE SOCIAL Para entender as inter-relações nesse espaço institucional se faz necessário entender a dinâmica do Estado, pois, para Souza (1984, p. 49): “Compreender a dinâmica de determinadas instituições supõe, por con- Na FUNDHAS, o assistente social tem um papel fundamental no atendimento às famílias, na maioria com baixo poder aquisitivo, com prole numerosa, que apresentam diversos problemas sociais, as quais buscam a 36 Ao pensar em espaço profissional do assistente social, considerando que ele é o intermediador entre a população e os serviços oferecidos pela Instituição, repassadora da transmissão de idéias, normas e valores, entende-se que o Serviço Social se instala como serviço complementar, atendendo às chamadas “deficiências” apresentadas pela população, por vezes necessidades sócioeconômicas e de alcance de bem-estar social. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. inserção de seus filhos nos programas da Instituição. Afirma Karsch: Nas formações organizacionais, o assistente social executa atividades de suporte às funções que garantem a obtenção da finalidade institucional, e faz a sua parte na administração das carências que a sociedade desenvolve. Simultaneamente, participa da administração interna do trabalho dividido e organizado, produzindo e efetuando intermediações através de relacionamentos (KARSCH, 1989, p. 104). São esses relacionamentos que são referidos pelo embasamento teórico de Souza: O Assistente Social está entre os agentes institucionais e, assim, o produto da sua ação deve ser entendido também como produto das inter-relações entre os demais agentes e atores. Neste sentido, a dinâmica dessas inter-relações fala sobre a própria significação da prática do Serviço Social (SOUZA, 1984, p. 45). A prática exercida pelo assistente social é fundamental e não pode ser entendida isoladamente, mas deve levar em conta a dinâmica das relações no contexto institucional. Como diz Karsch, “O desempenho hábil nos relacionamentos faz do Assistente Social o profissional complementar na tomada de decisões, o suporte articulador indispensável para entendimentos, negociações, tratados, combinações e ajustamentos” (KARSCH, 1989, p. 106). Com a sua prática profissional, segundo Souza, “O Assistente Social intervém nas relações sociais não simplesmente por se relacionar com uma população, mas por se relacionar alterando as relações dessa população com os grupos sociais que têm uma situação e uma posição de dominação na sociedade” (SOUZA, 1984, p. 45) O assistente social, ao realizar suas intervenções, busca o crescimento individual e do grupo familiar, possibilitando às famílias um processo de reflexão sobre seu cotidiano, sobre suas relações com o sistema social, visando criar um espaço mobilizador de relações intergrupais que permeiam uma ação cujos efeitos possam ser transformadores; acredita-se que “o Serviço Social tem no homem, enquanto protagonista de sua própria história e por isso mesmo capaz de transformá-la, o princípio de suas relações”(FILGUEIRAS et al.,1995, p. 170). R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. Por isso, a prática profissional do assistente social na instituição não deve ser uma prática assistencialista, mas uma prática consciente, que suscite na demanda atendida a possibilidade de transformação social. Como diz Montaño (1997), uma prática que rompa com os mecanismos de controle, direcionando-a na busca de novos espaços de trabalho, que tornem efetivas as práticas de Serviço Social que priorizem a inserção social. 6. ARTICULAÇÕES COM A COMUNIDADE Na FUNDHAS, ao pensar em relações, direcionase o estudo à reflexão sobre a rede de relações que a unidade CAIC D. Pedro vem estabelecendo com a comunidade da região sul, tendo em vista a importância da Instituição diretamente articulada à comunidade. “A importância de uma comunidade segue daí: ela evidencia um “nós” necessário para a constituição de cada ser humano, que atesta que vidas privadas não surgem a partir de dentro, mas a partir de fora, isto é, em público” (JOVCHELOVITCH, 1995, p. 70). No intuito de identificar as articulações da unidade CAIC D. Pedro com a comunidade nos bairros D. Pedro I e D. Pedro II, realizou-se um levantamento com representantes dos segmentos comunitários como a Unidade Básica de Saúde, a Secretaria de Desenvolvimento Social, Escola e Liderança Comunitária, com os quais se estabeleceu contato por meio de seus dirigentes, ou representantes, envolvidos na rede de relações Instituiçãocomunidade, apresentando-lhes a questão: “O que a FUNDHAS representa para a comunidade?” Contribuíram para esse estudo: A presidente da Associação de Moradores do Bairro D. Pedro II. A presidente da Sociedade Amigos de Bairro do D. Pedro I. A diretora e a orientadora eEducacional da EMEF “D. Pedro de Alcântara”. A assistente social da Secretaria de Desenvolvimento Social – Centro de Orientação Social D. Pedro I. Duas enfermeiras da Unidade Básica de Saúde CAIC D. Pedro I. O administrador do CAIC. Todos os representantes têm conhecimentos da comunidade, suas experiências variam de 5 a 15 anos de atuação. As entrevistas foram gravadas, com anuência 37 do entrevistado, para posterior transcrição. Para obter um melhor aproveitamento do conteúdo colhido, foi realizada uma análise de conteúdo; “[...] a análise de conteúdo se apresenta como uma proposta metodológica dinâmica que se faz permanentemente por meio de uma interação contínua com o analista” (MARTINELLI, 1999, p. 61); também pode ser entendida como “[...] técnica de compreensão, interpretação e explicação das formas de comunicação (escrita, oral, icônica) (MARTINELLI, 1999, p. 73). Dando seqüência ao estudo, como forma de ordenar e organizar os dados para que pudessem ser analisados, iniciou-se pela classificação, sabendo-se que “[...] a classificação é uma forma de discriminar e selecionar as informações obtidas, a fim de reuni-las em grupos, de acordo com interesse da pesquisa.” (RUDIO, 1991, p. 99). Em seguida foi feita a codificação dos dados que, segundo Rudio, É o processo pelo qual se coloca uma determinada informação (ou, melhor, o dado que ela oferece) na categoria que lhe compete, atribuindo-se cada categoria a um item e dando-se, para cada item e para cada categoria, um símbolo. Este símbolo pode ser apresentado na forma de palavra ou, bem preferivelmente, na forma de linguagem numérica. (RUDIO, 1991, p. 100). Assim, foram elencadas quatro categorias de análise: a. A importância da FUNDHAS para a comunidade; b. Características da comunidade; c. Maior integração com a família e d. Capacidade de atendimento da Instituição. O conteúdo transcrito das entrevistas mostra que essas categorias foram consideradas as mais expressivas. A partir destas categorias, foi realizada a análise, cujos resultados foram sintetizados para efeito de ilustração neste artigo, transcrevendo-se algumas frases das entrevistas que expressam o conteúdo das falas. cado de trabalho, serve para tirar as crianças da rua, para resgatar os valores de convívio, porque a maioria das crianças não têm com quem ficar; elas ficam na escola e outra parte na FUNDHAS” (EMEF “D. Pedro de Alcântara”). “Eu tive a chance de conhecer o trabalho da FUNDHAS, trabalhar com a FUNDHAS e ver a seriedade do trabalho com criança e adolescente, sempre batalhei com a família a importância do filho estar numa Unidade da FUNDHAS, das oportunidades que a FUNDHAS oferece. A FUNDHAS sinceramente não deveria ser só a nível de São José dos Campos, deveria ser copiada por todas as cidades do Vale do Paraíba, Estado e até mesmo do Brasil” (SDS-SUL – COS D. Pedro I). b. Características da Comunidade: “A nossa comunidade é muito carente, é uma das mais carentes da região Sul, nós não temos lazer e a FUNDHAS é uma integração”(Associação de Moradores D. Pedro II). “O ideal é que fosse para toda população; nesse bairro há uma carência muito grande, a população quase toda é de baixa renda, não pode pagar um curso, a FUNDHAS é o ideal para essas crianças” (UBS – CAIC D. Pedro I). c. Maior integração com a família: “A FUNDHAS é um ganho para a comunidade sem dúvida; o que precisamos é estar estreitando mais esses laços, estar pensando uma forma de atingir, realizar um trabalho mais próximo aos pais, para estar resgatando esses valores de cultura e educação” (EMEF “D. Pedro de Alcântara”). “O trabalho da FUNDHAS é formar um novo cidadão. O trabalho é maravilhoso e não é só com a criança, mas com a família também. Vocês resgatam esse cidadão para ter futuro, mas naquele meio em que ele vive precisaria trabalhar a família como um todo. Tem coisas que a FUNDHAS faz pela criança, mas é preciso trabalhar a família de forma global” (UBS – CAIC D. Pedro I). d. Capacidade de atendimento da Instituição: a.Aimportância da FUNDHAS para a comunidade: “Este trabalho é muito importante, tirando as crianças da rua e dando mais oportunidades de esporte, lazer e cultura; é fundamental o trabalho da FUNDHAS que realiza um trabalho social para a comunidade. A comunidade só tem a ganhar com o trabalho que é desempenhado” (Administração CAIC). “A importância para a comunidade é que eles vêem a FUNDHAS como uma porta de saída para entrar no mer- 38 “Acredito que é preciso investir mais na FUNDHAS, criando novos núcleos, porque a FUNDHAS tem um papel muito importante na educação das crianças e adolescentes, passando a eles valores morais, que atualmente estão meio esquecidos, e que deveriam ser transmitidos pela família” (Presidente da SAB D. Pedro I). “A FUNDHAS é de suma importância, pena que não tenha condições de abranger toda a demanda; nós sabemos da lista de espera, também sabemos de pessoas R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. que acabaram passando o tempo, passando da idade, e não foram chamadas. O ideal seria que esse serviço ampliasse a possibilidade de atendimento” (SDS-SUL – COS D. Pedro I). “A comunidade do D. Pedro tem uma população jovem, seria muito bom se pudesse atender mais pessoas, porque eu acho muito importante esse trabalho da FUNDHAS e vejo realmente que há necessidade de ampliar, para mais crianças serem atendidas” (UBS – CAIC D. Pedro I). 7. ANÁLISE A partir do estudo realizado, percebe-se que a FUNDHAS é um espaço e uma Instituição importante para a comunidade; seu trabalho é reconhecido e valorizado, é visto como um trabalho de proteção e de formação para a criança e adolescente, por ser um lugar seguro para sua permanência no período alternativo à escola, tirando-os da rua e oferecendo oportunidades de lazer e cultura. Os entrevistados referem-se à formação nos aspectos moral, educacional e profissional, pois a FUNDHAS oferece, com seus Programas/Projetos, a formação integral à criança e ao adolescente, para o exercício pleno da cidadania. A FUNDHAS é um projeto social modelo para outros Municípios e Estados, pela importância e eficácia do trabalho, e tem uma aceitação positiva na comunidade e no Município. A FUNDHAS tem uma importância fundamental, principalmente nessa comunidade onde a população é, em sua maioria, de baixa renda, carente nos mais diversos aspectos: cultural, financeiro, educacional e moral. A FUNDHAS vem ao encontro das necessidades e representa um ganho para essa comunidade. A FUNDHAS não consegue abranger toda a demanda, principalmente nessa comunidade, onde grande parcela da população é jovem. Foi apontada a necessidade de ampliação para que mais crianças e adolescentes possam ser atendidos. A Instituição está redirecionando seu trabalho para fortalecer a integração com a família, estreitar e fortalecer o vínculo entre Instituição, família e comunidade, para resgatar valores de cultura, educação e trabalhar a família de forma global. Ao analisar as articulações da unidade CAIC D. Pedro com a comunidade, nota-se que a Instituição está bem articulada com a comunidade da região Sul, tem buscado fortalecer essas parcerias com o Encontro FUNDHAS e Escola, Encontro FUNDHAS e Rede de Serviços da Região Sul, Projeto Gibiteca – que é uma locadora de gibis R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. para a comunidade que funciona na unidade CAIC D. Pedro; estabeleceu parceria com o Coral Alegretto, com o grupo da terceira idade “Por do Sol”, com o Centro Cultural D. Pedro I, em que as crianças e adolescentes têm aulas de dança de rua e com a Administração do CAIC; à medida que essas relações se tornarem mais estreitas, a comunidade será cada vez mais beneficiada. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com o estudo dos espaços geográfico e institucional e a rede de relações que estabelecem, constata-se que existe uma inter-relação entre Instituição e comunidade; a unidade CAIC D. Pedro tem buscado fortalecer as parcerias com a comunidade. Ao verificar o espaço em que a Unidade Caic D. Pedro se encontra, conclui-se que ela vai além de ser um elemento com determinada localização geográfica, pois está em constante interação com a comunidade, num processo dinâmico, o chamado movimento social, que propicia as possibilidades de interação e as transformações. A FUNDHAS tem uma importância significativa nessa comunidade, é vista como um trabalho de proteção e de formação para a criança e adolescente e representa um ganho para a comunidade, mas não consegue abranger toda a demanda, havendo a necessidade de ampliação de sua capacidade de atendimento. A Instituição precisa ampliar as parcerias com a Rede Municipal de serviço, no que se refere ao atendimento à família, para que os objetivos almejados possam ser atingidos com maior eficácia. A Instituição, como elemento do espaço, necessita, para sua existência material, do espaço territorial, de infra-estrutura e do trabalho humano. Ao estudar o espaço profissional do Serviço Social na FUNDHAS, pode-se ressaltar que o assistente social é um profissional essencial na estrutura organizacional e de trabalho da Instituição. É preciso levar em conta, ainda, a demanda que é atendida, bem como as relações que se mantém nesse espaço, como essas relações se fortalecem, se tornam mais estreitas e favorecem o vínculo de toda instituição. Como proposta para o fortalecimento das relações e participação da comunidade, poderiam ser promovidos eventos, tais como “Casa Aberta”, trazendo a comunidade mais próxima à realidade da Instituição, ou eventos comemorativos e atividades de esporte, de recreação e oficinas culturais. 39 Ao concluir, espera-se que esse trabalho possa contribuir para a ampliação do conhecimento sobre a Instituição e seus Programas/Projetos e para a avaliação das ações que se constituem espaço de prática profissional do Serviço Social. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FERNANDES, M. M. L. B. Leitão. Sobre a rede: olhar de novo um problema velho. Debates Sociais, CBCISS, Rio de Janeiro, v. 26, n.48/49, 1999. FILGUEIRAS, C. E. S. M; OLIVEIRA, M. B; LEMES, R. M. P; SOARES, T. P. A contradição entre o discurso profissional e a prática do assistente social – In: Caderno de Comunicações: O Serviço Social frente ao Projeto Neoliberal em defesa das políticas públicas e da democracia. 8º congresso Brasileiro de Assistência Social. Bahia: julho 1995. JOVCHELOVITCH, S. Vivendo a vida com os outros: intersubjetividade espaço público e representações sociais.In: GUARESHI; JOVCHELOVITCH, S. (Orgs) Texto em Representações Sociais. São Paulo: Cortez, 1995. v. 2. 40 KARSCH, U. M. S. O Serviço Social na era dos serviços. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1989. MARTINELLI, M. L. (org.). Pesquisa qualitativa, um instigante desafio. São Paulo: Veras Editora, 1999. MONTAÑO, C. E. O Serviço Social frente ao neoliberalismo. Mudanças na sua base de sustentação funcional-ocupacional. Revista Serviço Social e Sociedade, São Paulo, v.18, n. 53, 1997. RUDIO, F. V. Introdução ao Projeto de Pesquisa Científica. 16 ed. Petrópolis: Vozes, 1991. SANTOS, M. O Espaço do Cidadão. 4. ed. São Paulo: Nobel, 1998. _______. Espaço & Método. 4. ed. São Paulo: Nobel, 1997. _______ . Pensando o Espaço do Homem. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1986. SOUZA, M. L. de. Serviço Social e Instituição: a questão da participação. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1984. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. São José dos Campos, seu Território, Posturas e Leis: Uma Contribuição à Discussão do Controle do Uso e da Ocupação do Solo Urbano Bernadete de Fátima Gonçalves * Resumo: O presente trabalho refere-se ao estudo da legislação de uso e ocupação do solo do município de São José dos Campos, no período de 1860 a 2002. Trata-se de averiguar os impactos ocorridos no território, tanto diretos como indiretos, quais são as suas áreas de uso, expansão, ocupação e, conseqüentemente, as transformações espaciais que ocorreram, através da leitura e entendimento das posturas e leis estabelecidas no período. Palavras-chave: Planejamento urbano, zoneamento, legislação, segregação espacial. Abstract: This paper studies the occupation and land use legislation in São José dos Campos Municipality in the period from 1860 to 2002. Through the reading and understanding the established laws within this period, it is analyzed the impacts over the territory either direct or indirect such as areas for use, expansion, occupation and consequently the resulted space transformations. Key words: Urban land planning, zoning, urban laws, space segregation. O CONTEXTO Era prática no Brasil colonial a constituição de povoados, aldeias e vilas através da concessão de sesmarias. Uma das primeiras atividades de planejamento urbano de modo formal ou strictu sensu no Brasil é o plano para Belo Horizonte de 1875, contudo, no âmbito da província de São Paulo, já por volta dos anos de 1860 procurava-se por meio de posturas emanadas da Câmara estabelecer um rígido controle da ocupação dos espaços da cidade. Sabe-se que esse controle era mais do que tudo oriundo de uma vontade de estabelecer tanto o controle da apropriação dos solos, já então mercadoria, e oportunidade de gerar e reproduzir riqueza, quanto e especialmente forma de exercer o controle social por meio da separação dos diversos segmentos sociais no urbano. De uma maneira geral, é possível inferir que essas posturas – e diga-se a bem da verdade que estas eram editadas quase que a cada ano – iam, à medida que eram editadas, incorporando em seu texto reflexos dos hábitos e transformações sócio-culturais por que ia passan* Mestranda em Planejamento Urbano e Regional PLUR, Univap, 2005. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. do a província. Em especial, essas posturas refletiam o desejo de parecer organizado e civilizado como na Europa, assim como o jogo de forças pela disputa em apropriar-se das riquezas expressas na posse do solo. Desde então, até nossos dias, desenvolveram-se diversas formas de posturas públicas e leis com o intuito de regular o crescimento das cidades e de estabelecer o controle do acesso às maiores vantagens relativas que foram se constituindo no urbano por meio do controle do uso e da ocupação dos solos. Um outro objetivo, não menos importante, que se percebe expresso nas leis, foi o de imprimir uma aparência boa e de qualidade no urbano através das obrigações referentes ao alinhamento, a correta disposição das construções nos lotes e da mais adequada distribuição e localização das atividades no solo urbano. Dessa forma, foram se estabelecendo gradativamente respostas espaciais para a organização de uma sociedade cada vez mais baseada na produção industrial onde a segregação é cada vez mais uma estratégia do que um efeito. Assim, toma-se a parte, ou seja, um dos instrumentos de ordenação do território, pelo todo, e organizase – ainda que saibamos que é uma ordem falaciosa – o território com um projeto de ordenação, sem adequação ao ambiente, sem uma estrutura de paisagem. Procura-se em verdade estabelecer os valores do solo urbano, e ga41 rantir as melhores vantagens relativas mesmo que para isso perdas sejam necessárias, desde que os ganhos imobiliários diretos ou indiretos compensem. ASEGREGAÇÃO SÓCIO-ESPACIAL COMO PRODUTO E MEIO DAAPLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO É possível identificar, inseridos no texto da legislação, desde os períodos mais remotos, dispositivos de ordenação do uso e da ocupação do solo com flagrante intenção de segregação sócio-espacial. Seja no que se refere exclusivamente às exigências de dimensionamento mínimo das parcelas de solo a serem ocupadas – o lote – seja no que se refere aos próprios usos admissíveis em cada zona ou mesmo com relação às restrições mal disfarçadas na modalidade de diversidades restritivas dentro de uma mesma zona. Característica essa, de segregação e valorização diferenciada do solo, típica e já muito estudada, do “zoneamento” como instrumento de “planejamento urbano” no Brasil, e que vem a se confirmar e explicitar mais uma vez no caso do município ora estudado. A citação a seguir explicita bem os fatores de segregação e a valorização diferenciada no espaço urbano presentes no zoneamento implantado: “Ao nos determos um pouco mais no desenho da distribuição espacial das zonas de uso determinadas pela lei, verificamos que além de todos aqueles fatores de segregação espacial bem ao gosto do funcionalismo, seja separando os usos em incompatíveis ou indesejáveis, seja ‘organizando’ a distribuição espacial da população segundo faixas de renda, parece ter havido uma seleção criteriosa de sítios para as localizações, procurando indicar aqueles com relevo mais adequado no sentido de mais suaves e os topos das colinas, traçando os perímetros de modo a sempre evitar a ocupação dos fundos de vales, que estariam protegidos por zonas não edificantes, destacando-se também a preocupação em resguardar da ocupação a orla do platô central, para coletivizar o cenário do banhado. De outro lado, percebe-se também a intenção de reforçar a ocupação do eixo da rodovia Presidente Dutra, criando um grande corredor industrial, resguardando a cidade do corredor de circulação e transporte da rodovia e resguardando para a cidade as áreas de colina suave que se debruçam em direção à várzea do Paraíba defronte para os contrafortes da Mantiqueira” (SANTOS, 2002, p. 44). 42 Esta lei, que vigorou até o início de 1980, sofreu alterações referentes na maioria das vezes à inclusão de novos loteamentos em determinadas zonas de uso, e a ampliação e modificação dos perímetros das zonas de uso. O sítio urbano de São José dos Campos, situado entre os principais centros dinâmicos da economia do País, São Paulo e Rio de Janeiro, devido a fatores econômicos quanto militares e, pelas condições locais favoráveis, com importante via de circulação e transporte em direção ao planalto brasileiro, e pelo pessoal técnico graduado nas instituições militares e nas indústrias aqui instaladas, resultou de certa forma, numa divisão territorial do trabalho que foi sendo redefinida na base da ciência e da tecnologia, vinculada à nova produção industrial e aos seus centros de pesquisa e desenvolvimento, como condição necessária para a acelerada reestruturação do território. O incentivo fiscal para instalação de indústrias desde os anos 20 e a ampliação do parque industrial entre os anos de 1950 e 1970 foram reforçados na Lei nº. 1606, em que foram estabelecidas as áreas para a implantação de indústrias, áreas essas definidas a partir da Rodovia Presidente Dutra, por onde se permitia a integração nacional como previsto no plano de metas do governo federal. Ainda que no ano de 1974 o governo federal, propusesse uma política urbana no II PND, direcionada para uma visão econômica mais localizada e setorial, definindo áreas de intervenção com uma política nacional de desenvolvimento urbano que conduziria as ações sobre o urbano até os anos 80, a cidade de São José dos Campos recebeu investimentos governamentais para instalação da indústria petroquímica, tecnologia militar, bélica e de aeronáutica, incentivo às instituições de pesquisas e estudos científicos e tecnológicos e também para a área de telecomunicações e microeletrônica. São José dos Campos situado nessa área de contenção apresentava uma situação de crescimento em ritmo acelerado desde a inauguração da Rodovia Presidente Dutra, na década de 50. Nos anos 70, o quadro urbano das principais cidades brasileiras e em especial as do Estado de São Paulo, com intensa produção industrial, foi acompanhado de problemas sociais devido à intensificação dos fluxos migratórios, segregação espacial e favelização descontrolada, aumento de poluição e degradação do meio ambiente e retenção especulativa de terras que provocaram enormes vazios urbanos, aumentando com isso os custos de urbanização (CANO; SENEGHINI, 1991). Nesse processo de crescimento industrial e de intensificação dos fluxos migratórios que ocorriam no R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. País, São José dos Campos, como pólo atrativo que era, preparou uma indução da configuração espacial do seu tecido habitacional de baixa renda, amparada pela Lei nº. 1606, em seu artigo 4 º, onde se previa a implantação de grandes conjuntos habitacionais aos moldes do BNH. A Lei nº. 1606 aborda também a preservação da área central do banhado através da Zona Especial, “esquecendo-se” de incluir aí a continuidade dessa área central, reservando como área de extensão urbana a área de várzea existente ao longo do Jardim das Indústrias e em direção ao Rio Paraíba. Como controle ambiental, é muito pouco o que se vê na lei, talvez porque as questões ambientais eram assunto relativamente novas até então. Somente após a reunião em Estocolmo/72, este assunto passou a ser relevante e chegou até a nortear planos municipais. As questões ambientais eram tratadas com relação às instalações industriais consideradas nocivas ou perigosas, indicando a localização destas fora da área de expansão urbana proposta, sem fazer considerações, aí, se essas áreas fora da zona de expansão urbana seriam ou não constituídas de algum potencial paisagístico. Não havia, também, obrigatoriedade de que as indústrias poluidoras apresentassem projetos de sistema de controles dos poluentes emitidos, mas apenas transferia-se quaisquer desses inconvenientes para outro local do município. Entendemos que assim agindo a administração municipal na época não impediria a continuidade de instalação industrial, criando restrições, mas que, de certa maneira, buscava-se uma qualidade ambiental desejada. A ocupação do território de São José dos Campos é fortemente marcada pela indústria, pois, de uma organização sócio-espacial agrária sem muita expressão, passa, a partir do final dos anos 20, por um processo de modificação em sua dinâmica sócio-econômica moldando uma organização sócio-espacial em que a indústria parece ter desenhado a cidade. E as leis e decretos que se estabeleceram vão moldando, estruturando e reestruturando a cidade industrial que se firmava. A cidade que crescia revelava um déficit habitacional, devido ao desenvolvimento industrial acelerado que ocorria, não havendo na época uma política habitacional para acompanhar o “boom” industrial. A administração municipal, na época, impossibilitada de atender à demanda habitacional em curto prazo, buscou entendimento com grupos privados, para o investimento na área habitacional, período em que grupos estrangeiR. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. ros se apresentaram para a execução e implantação de vários conjuntos habitacionais em São José dos Campos. Os empreendimentos aqui executados, normalmente próximos às Zonas Industriais - ZI ou na Zona de predominância industrial - ZpI, acompanhando a localização industrial, onde havia a concentração de trabalho para as classes de média e baixa rendas, eram situados em grandes áreas, sendo os conjuntos habitacionais horizontais. Ao final dos anos de 70, após um período em que os procedimentos para a construção de edificações e para o uso e a ocupação do solo do município ficavam regidos por um conjunto de três leis: Lei de Uso e Ocupação do Solo-Zoneamento, Lei de Arruamento e LoteamentoParcelamento, e o Código de Edificações, passa-se a uma nova maneira de apresentar a legislação urbanística. Os aspectos referentes ao parcelamento e ao zoneamento ficavam, a partir de agora, reunidos em uma única lei a qual passou a receber a denominação de Lei de Uso e Ocupação do Solo, sendo que as construções continuavam a ser regidas pelo Código de Obras, agora denominado Código de Edificações. Essas duas leis passaram a ser o objeto efetivo de planejamento urbano no município, uma vez que procuravam organizar a distribuição e localização das atividades e usos, o padrão dos parcelamentos, os requisitos mínimos exigidos para as edificações, inclusive como condição para autorização de funcionamento, e também os aspectos de proteção ambiental, de reserva e localização de espaços públicos livres coletivos urbanos e de interesse paisagístico. A Lei nº. 2263/80, que dispõe sobre o parcelamento, uso e ocupação do solo do município, e outras providências, é o resultado de um processo que se inicia em 1978. Essa lei dividiu o município em zona urbana, zona de expansão urbana e o território restante como zona rural. As zonas urbanas e de expansão urbana foram subdivididas em quinze zonas de uso sendo elas: ZR-1 de uso exclusivamente residencial; ZR-2 de uso exclusivamente residencial de densidade média; ZC de uso misto de densidade média alta, subdividida em ZC-1 de uso predominante residencial e de serviços, ZC-2 de uso misto de densidade média, ZC-3 de uso diversificado de alta densidade e ZC-4 de uso misto de densidade média alta; ZE de uso especial com características próprias e subdivididas em ZE-1 de fundo de vale, de uso diversificado e institucional, ZE-2 de uso de transporte de pessoas, de mercadorias e equipamentos, ZE-3 de Banhado, de uso exclusivamente recreacional, cultural, esportivo e turístico, ZE-4 de caráter institucional, com equipamento de caráter cultural, esportivo, de saúde e de educação, ZE-5 43 do CTA e EMBRAER, e ZE-6 de uso para unidades habitacionais de caráter social e industrial para implantação de distritos industriais; e ZI de uso industrial, com características especificadas e subdivididas em ZI-3 de uso predominantemente industrial, de potencial poluidor médio-baixo, sujeito a controle pelos órgãos competentes, e ZI-4 de uso exclusivamente industrial, de potencial poluidor médio-alto, com sistema de controle específico contra poluição determinado pelos órgãos competentes. obrigatoriedade, apresentando ainda como exigência lugar, tipo, condições, manuseio e equipamentos a serem utilizados, para a liberação de sua instalação no município. Já no ano de 1986, ocorreu um fato de grande importância, a retração do perímetro da zona urbana, com a finalidade de reduzir as áreas disponíveis com infra-estrutura e no aguardo para especulação imobiliária; procurava-se aí conter a implantação de loteamentos em áreas desprovidas de infra-estrutura mínima e necessária. Estas obrigações, que permitiam ou não a ocupação por determinada atividade, em determinado local dentro ou fora do perímetro do sítio urbano, eram de certa forma uma organização que ia determinando zonas de ocupação em função da atividade desenvolvida, surgindo aí referências ao zoneamento inicial da cidade, conforme estabelecido no Código de Posturas de 1885. A Lei nº. 3721/90 surge para substituir a de nº. 2263/80 que estava em vigência havia dez anos. Na nova lei aparecem as zonas residencial, mista, especial, industrial e a de proteção ambiental. Essa lei sofre várias modificações, sendo a de maior efeito no que tange à ocupação a que trata da anistia às construções clandestinas. De certa forma, estas leis vão à contramão dos conceitos de zoneamento, tido como instrumento ordenador e regulador dos usos diferenciados social e economicamente existentes no território. No contexto nacional, o avanço da informática e automação, no final dos anos 90, devido às crises mundiais que ocorreram as quais desencadearam aperto na economia com redução da produção industrial e aumento de desemprego, amplia a atividade de prestação de serviços e informações, através da terceirização, em especial no ramo das tecnologias em informática. Assim, a cidade de São José dos Campos vai aos poucos mudando e se reorganizando para a nova atividade, de forte predominância industrial a ser agora também prestadora de serviços, o que de certa maneira vai estimulando a economia local. AS POSTURAS, AS LEIS E O TERRITÓRIO As primeiras leis de posturas datam dos anos de 1860, nos artigos 1º a 14º do Capítulo 1º do Código de Posturas de 19 de maio de 1862. É onde se percebe desde cedo a preocupação em ordenar o sítio urbano, através do controle sanitário, com imposições de certa regularidade pelo alinhamento, o que nos leva a observar que essas imposições eram norteadas pela definição dos procedimentos e requisitos para execução de estradas e arruamentos que iam desenhando e definindo a cidade. Os padrões de alinhamento, tanto das edificações como dos caminhos e estradas, eram dados pela Câmara. As ocupações fabris também passavam por essa 44 Nota-se a preocupação com o meio ambiente nas questões relativas às atividades desenvolvidas pelas unidades fabris, tais como poluição atmosférica, contaminação dos recursos hídricos seja através do lençol freático ou através do leito com a deposição de lixos. É aí também que fica delimitado o sítio urbano, norteado pelo Rio Paraíba, Estrada de Ferro, área do Banhado e Córrego do Lavapés. A partir dessa delimitação da área urbana estabelece-se o que está fora e o que está dentro dos limites da cidade. As ruas que não foram contempladas dentro desse limite urbano seriam encaixadas desde que fosse solicitado e obedecesse à legislação quanto às dimensões, orientação e alinhamentos previstos. O que se pode verificar foi que desde cedo o alinhamento era primordial para a formação da cidade, sendo que o realinhamento deveria ser feito a cada quatro anos, como fator essencial para manter a harmonia e o embelezamento; definia-se dessa forma os espaços da cidade, donde vão surgindo os espaços públicos e estes vão se diferenciando dos espaços particulares. As disposições de controle de limpeza, embelezamento, ordenação, direcionamento e alinhamento do sítio urbano são sempre citadas a cada novo Código de Postura que é feito, reforçando sempre o que estava disposto nos artigos anteriores em que esses assuntos são tratados. É no ato nº. 110 de 10 de março de 1932 que aparece o zoneamento formalmente instituído como instrumento de controle e uso do espaço. Passados sessenta e nove anos desde a publicação do Código de Postura de 1885, o Código de Obras é instituído através da Lei nº. 281, para regulamentar as disposições a respeito de arruamentos, loteamentos, construções e demolições. É com o Código de Obras de 1954 que definitivamente é instituído o zoneamento de modo bastante detalhado, estabelecendo o direcionamento e o controle do uso e ocupação do solo no município. O município é então dividido em três zonas: Urbana, suburbana e rural, e, destas, as zonas urbana e suburbana subdivididas em outras cinco zonas: Industrial, Comercial, Residencial, Sanatorial R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. e Aeronáutica. Assim, “percebe-se o ideário modernista e funcionalista de organização do espaço urbano, segundo funções e localizações bem definidas e separadas, procurando com isso a eficiência, a eficácia e o maior rendimento – às vezes chamado de otimização de recursos e de infra-estrutura, às vezes de relação custo-benefício – do espaço urbano” (SANTOS, 2002, p. 36). A cada artigo percebe-se essa preocupação em separar usos e atividades, como por ocasião da proibição de sanatórios e/ou congêneres destinados a manter pessoas de moléstia contagiosa nas zonas industrial, comercial e residencial, e ainda por ocasião da proibição da instalação de hospitais, colégios, internatos e indústrias na zona comercial. Ainda com referência a indústrias, as que praticavam qualquer atividade perigosa deveriam ser instaladas em zona rural ou suburbana. Essas preocupações faziam-se presentes inclusive em função de uma forte tendência à expansão da atividade industrial que já se verificava no município. Através do Decreto nº. 286/59, ficaram estabelecidas as regras específicas para o parcelamento do solo urbano e do solo rural, e, mais à frente, no Decreto de nº. 657/60, constavam as exigências para a aprovação de loteamentos com a obrigatoriedade de instalações de infra-estrutura, tais como redes de água, de esgoto, energia etc. Até o final da década de 60 nota-se um crescimento significativo na área urbana, principalmente devido à legalidade estabelecida pelo poder público que permitia a construção de casas geminadas em lotes de 100,00 a 250,00 m², de custos mais baixos, com otimização da infra-estrutura implantada, ocorrendo com isso um adensamento na área urbana com esse padrão de uso e ocupação do solo. O Código de Obras de 1954, o Decreto nº. 286/59 e o Decreto de nº. 657/60 eram os instrumentos que norteavam o crescimento, a ocupação e o uso do solo do município até ser elaborado o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI), em 1970, que foi executado em decorrência do Decreto Estadual nº. 28.399/57, em que se previa que as dotações orçamentárias para Estâncias Hidrominerais estavam condicionadas às discriminações contidas no referido PDDI. O PDDI de 1970 é composto por um conjunto de recomendações de legislação para o controle urbano, resultando em leis, dentre elas a de zoneamento, que foram promulgadas antes da aprovação daquele. A partir de um diagnóstico dos “aspectos do meio físico, da dinâmica sócio-econômica, dos padrões de ocupação e uso do solo, e da acessibilidade e circulação, foi traçado um cenário de tendências preferenciais para o desenvolvimento do município, e que, como não poderia deiR. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. xar de ser, identificando uma intensa dinâmica industrial e a conseqüente demanda por áreas para o seu atendimento como o aspecto de relevância com relação aos cuidados com o uso e a ocupação do solo” (SANTOS, 2002, p. 41). O zoneamento vai se configurando como o instrumento principal de ordenação do território e através dele procura-se um controle do uso e ocupação do solo. Esse uso e ocupação do solo passa então a ser regulamentado em 1971, pela Lei nº. 1606, que subdivide o município em três áreas: urbana, de expansão urbana e rural. As áreas urbana e de expansão urbana foram classificadas em nove zonas de uso predominantes. A zona de predominância comercial-ZpC abrangia dois perímetros, um constituído pelo centro antigo, descendo a encosta em direção norte, transpondo a estrada de ferro até próximo ao rio Paraíba do Sul, e outro perímetro abrangia o topo do platô central em direção sul. Nota-se entre estes dois perímetros uma interrupção configurando um setor que poderíamos chamar de centro expandido, a zona comercial onde era permitida a maioria das atividades urbanas, pequenas oficinas, excetuando-se apenas as atividades industriais. A zona especial-ZE, com quatro perímetros, abrigava os serviços especiais, os edifícios públicos junto à área central, as áreas já ocupadas com edificação junto à falésia do banhado, as vias estruturais partindo do centro, algumas vias centrais de tráfego de passagem, onde já estavam se caracterizando os corredores de uso, além de abrigar a área do banhado. Com maior adensamento de atividades comerciais e administrativas, configurando um anel no centro antigo, fica instituída a zona central-ZC. A zona de predominância habitacional-ZpH, de forma geral era de uso residencial individual, consultórios e escritórios em edifícios individuais, comércio varejista e serviços é subdividida em zona de predominância habitacional A e zona de predominância habitacional B. A ZpHA é constituída por dois perímetros, um correspondente ao setor de uso predominantemente residencial de caráter mais elitista, pois era proibida a habitação coletiva em série, e outro da zona predominantemente comercial, ocupando o platô central em direção sul até o vale do córrego do Vidoca; o segundo perímetro desta subzona constitui-se de uma área remanescente entre a indústria Johnson & Johnson e a área de propriedade da indústria Ford do Brasil em um outro platô na região sudoeste. Os três perímetros da ZpHB localizavam-se, um em direção norte em terrenos planos próximo ao rio Paraíba do Sul, envolvendo parte da zona de predominância comercial, e outro em direção leste, formando uma 45 faixa que acompanha os eixos da Rodovia Presidente Dutra e da Rede Ferroviária Federal S.A. e um terceiro e último em direção sul, fazendo limite com parte da zona predominantemente comercial -centro expandido-, zona predominantemente residencial A e o córrego do Vidoca. Na zona de predominância industrial-ZpI, permitiam-se todas as atividades urbanas, excetuando-se apenas as indústrias classificadas como nocivas e ou perigosas, definindo-se como perigosas aquelas que produzissem mau cheiro, ruídos incômodos, poluíssem as águas ou colocasse em risco a saúde dos habitantes. Ficava a ZpI constituída por seis perímetros, os quais procuravam abrigar as áreas com morfologia de relevo favorável e ainda disponíveis junto ao eixo da Rodovia Presidente Dutra, as áreas lindeiras à Rodovia dos Tamoios e ao Centro Técnico Aeroespacial, uma área linear acompanhando a estrada velha Rio - São Paulo em direção a Jacareí e uma área ao norte junto ao rio Paraíba do Sul e a estrada SP 50 em direção a Campos do Jordão. A ZI compreendendo sete perímetros, objetivava abrigar as áreas das indústrias já instaladas e uma faixa ao longo do eixo da Rodovia Presidente Dutra em seu lado direito em direção a Caçapava. As zonas de predominância recreacional e especial não tiveram os perímetros definidos por este decreto, em que ficou estabelecido que a delimitação da zona especial fosse estabelecida por decreto e que nesta deveriam se localizar os edifícios públicos e os serviços especiais, que viessem a requerer áreas consideráveis ou localização específica. Quanto à zona de predominância recreacional, que deveria compreender as áreas verdes e livres destinadas à recreação com o objetivo específico de criar as condições físicas para o desenvolvimento da recreação, seria também demarcada por decreto. A zona central, com atividades comerciais e administrativas com um adensamento mais intenso, tinha algumas restrições ao gabarito das edificações, à delimitação para permissão de construções em determinadas vias e exigências quanto ao número de vagas para estacionamento de veículos dentre outras. As características de ocupação e uso para cada zona ou subzonas estavam estabelecidas na Lei nº. 1606/71, em que ficavam definidas as taxas de ocupação, os recuos, as densidades, as atividades permitidas e/ou toleradas em casos especiais, e as condições especiais para as edificações na área central. A segregação espacial, o que de todo modo é implícito ao zoneamento, se percebe de forma mais acentuada nas áreas destinadas às implantações industriais, localizando zonas para estes fins junto à Rodovia Presidente Dutra em terrenos com relevo particularmente suave, con- 46 tando sempre com a presença de água e sem cobertura vegetativa significativa e distante preferencialmente das áreas predominantemente residenciais. Na zona de predominância industrial seriam permitidos além das atividades industriais de pequeno e médio porte, que seguiam os mesmos padrões de ocupação da zona industrial, os usos residenciais e comerciais, os quais deveriam obedecer a uma dimensão mínima de lote de 200,00 m², permitindo-se a construção geminada em série. Criava-se, dessa maneira, para essas zonas, um tecido misto para uma população com uma faixa de renda mais baixa ou mesmo para atendimento aos trabalhadores da indústria. Nas zonas de predominância comercial permitiase uma grande diversidade de usos, caracterizando-se como uma grande zona mista, onde caberiam desde habitação individual e coletiva, edifícios públicos, comércio e serviços, até atividades prestadoras de serviços de grande porte, como os centros atacadistas, e de recreação. Os lotes nestas áreas deveriam possuir dimensão mínima de 360,00 m², com frente mínima de 12,00 m. Ainda hoje é possível identificar lotes com essas dimensões na zona comercial ou centro expandido. Nas disposições para ocupação e uso na zona de predominância residencial é que vamos encontrar uma sofisticação um pouco maior, iniciando-se com a sua subdivisão em duas subzonas. Essa subdivisão pretendia instituir dois padrões habitacionais diferenciados, sendo um deles para uma faixa de renda média – ZpHB - e o outro para uma faixa de renda mais alta – ZpHA. A diferenciação poderia ser sentida pela própria localização dessas duas subzonas na área urbana, sendo que aquela prevista para a renda mais alta localizava-se em uma área de continuidade do platô central próximo ao banhado, o que garantia, portanto, de um lado, visuais privilegiados, e de outro a confinando entre a zona do centro expandido e o córrego do Vidoca. As dimensões mínimas dos lotes nesta subzona, que deveriam respeitar um mínimo de 450,00 m² de área, bem como as taxas de ocupação e de usos, contribuíram mais ainda para criar um padrão imobiliário só acessível pela alta renda. A outra subzona, aquela prevista para as faixas de renda média, localizava-se a sudoeste, em área bem distante das facilidades e infra-estruturas existentes, apesar de sua relativa acessibilidade junto ao eixo da Rodovia Presidente Dutra. O padrão dos lotes exigia uma área mínima de 300,00 m², com taxa de ocupação de 2/5 e taxa de uso igual a duas vezes a área do lote, permitindo, portanto, um adensamento maior, com gabarito em torno seis pavimentos. Permitia-se também para esta subzona as habitações geminadas em série, conforme o mesmo padrão para R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. a zona de predominância industrial. BIBLIOGRAFIA Por fim, destacamos como de especial relevância o art. 23 que obrigava a reserva de faixa não edificante de 15,00 m às margens de águas correntes e dormentes de faixas de domínio público ocupadas com ferrovias, rodovias e dutos de qualquer natureza. BECKER, B.; EGLER, C. Brasil: uma potência regional na economia-mundo. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994. p. 267. CONSIDERAÇÕES FINAIS A cidade conta na sua história com mudanças na ordenação de seu território ao longo desses anos sem a participação expressiva de sua comunidade nas discussões dos problemas e na identificação das soluções. Somente no início da década de 90 é que se intensifica a participação popular em alguns planos e projetos para o município. O que percebemos na elaboração deste trabalho é que as leis sempre trouxeram impactos no território, seja na forma de seu uso, seja na ocupação, na sua organização com reflexo na organização do trabalho, além de refletir as deliberações políticas da sociedade. A legislação pertinente ao espaço destinado à produção tecnológica reflete bem a organização de trabalho que foi se estabelecendo desde a década de 50 até os dias de hoje, por ocasião da implantação dos centros de pesquisa aeronáutica nacional, passando mais tarde pela multinacional, posteriormente pela terceirização e até mais recente pela produção através da montagem de componentes num espaço livre que expressa o capitalismo em rede. Na cidade de São José dos Campos percebemos alguns problemas urbanos em conseqüência, dentre outros fatores, das excessivas modificações na legislação da ordenação para ocupação e uso do território, como também dos padrões e modelos adotados para sua elaboração. Destaca-se como fator de inadequação dos instrumentos de planejamento a ausência da participação efetiva da comunidade no processo. Esse processo resulta numa morfologia sócio-espacial, em que se reforça a segregação, a concentração da população em determinadas zonas, a proliferação de loteamentos clandestinos, moradias precárias, déficit de infra-estrutura básica etc. Além dos efeitos de uma crise em que as origens aparecem no período da industrialização acelerada da década de 70, gerando urbanização, fluxo migratório, déficit habitacional, degradação ambiental, violência urbana, frutos de uma ideologia de planejamento funcionalista, em que a participação sequer se faz presente. Pode-se, portanto, afirmar que as transformações ocorridas no território, além da legislação de ordenação, retratam uma ocupação espacial que representa a manifestação concreta de uma estrutura social vivenciada. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. CANO, W.; SENEGHINI, C. U. Urbanização, desenvolvimento econômico e entidades regionais: reflexões sobre a experiência paulista. In: FUNDAP. A Nova organização regional do Estado de São Paulo: Subsídios para um modelo de gestão. São Paulo: FUNDAP, 1991. p. 23-33. CHUSTER, V. O zoneamento em São José dos Campos: 1971 a 1977. 1999. 232 f. Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e Regional) - Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento da Universidade do Vale do Paraíba, São José dos Campos, 1999. Lei nº 281 Institui o Código de Obras de São José dos Campos, 11 de Janeiro de 1954. Lei nº 1606 Dispõe sobre o uso e ocupação do solo no município de São José dos Campos, PMSJC – 13 de Setembro de 1971. Lei nº 2263 Dispõe sobre o parcelamento o uso e ocupação do solo no município de São José dos Campos, PMSJC – 4 de Janeiro de 1980. Lei nº 3721 Dispõe sobre o parcelamento o uso e ocupação do solo no município de São José dos Campos e dá outras providências, PMSJC – 25 de Janeiro de 1990. Lei nº 165 Dispõe sobre o parcelamento o uso e ocupação do solo no município de São José dos Campos, PMSJC – 4 de Janeiro de 1999. PLANO DIRETOR DE DESENVOLVIMENTO INTEGRADO. Coord. Lauro Bastos Birkholz,. CEPU USPCentro de Estudos e Pesquisas Urbanísticas/PMSJC, 1958. PLANO DIRETOR DE DESENVOLVIMENTO INTEGRADO. Coord. SERET Arquitetos Associados S.A. Consultoria Jorge Wilheim Arquitetos Associados, São Paulo/ PMSJC, 1971. PLANO DIRETOR DE DESENVOLVIMENTO INTEGRADO. Um Plano da Cidade para a Cidadania. Coord. Emmanuel Antonio dos Santos, São Paulo, PMSJC, 1995. SANTOS, E. A. As paisagens do Plano e os Planos da paisagem: da paisagem no planejamento ao planejamento com a paisagem. 2002. 206 f. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002. 47 São José dos Campos de 1980 a 1990, na Perspectiva de Gottdiener Cristiane Paiva * Dayana Nogueira* Hamilton Freitas* Laura Peloso* Mário Moreira* Resumo: No período de 1980 a 1990, o município de São José dos Campos apresentou um aumento populacional considerável, num contexto de recessão econômica, em função da reestruturação econômica promovida pela inserção tecnológica na produção industrial. Esta acelerada urbanização refletiu-se na organização do espaço urbano, que, na visão de Gottdiener, revela-se na interação entre os agentes sociais na busca do lucro, que são beneficiados pela ação do Estado. Palavras-chave: Expansão urbana, agentes sociais, Gottdiener. Abstract: In the period from 1980 to 1990, São José dos Campos, a city in São Paulo State, presented a considerable population increase in a scenario of economic crisis due to the economy reorganization promoted by technological development in industrial production. This accelerated urbanization reflected in the urban space organization. According to Gottdiener, urban space reveals the interaction among the social agents who search for profit and are benefited by the State’s action. Key words: Urban increasing, social agents, Gottdiener. 1. INTRODUÇÃO Gottdiener (1997) acrescenta o físico-territorial às três instâncias que Castells (1981) preconiza: a econômica, a política-institucional e a ideológica, que se relacionam dialeticamente no tempo. O objetivo deste trabalho é apresentar, na ótica de Gottdiener, que descreve e explica o processo pelo qual o espaço é produzido e é produtor: a evolução do processo de urbanização do município de São José dos Campos, nas décadas de 1980 a 1990. 2. O ESPAÇO SEGUNDO GOTTDIENER Segundo Gottdiener, a produção da cidade permite a reprodução do capital com a apropriação de mais valia. Considera que há grupos de interesses diversos no jogo de poder que se articulam em rede para promover a acumulação capitalista na cidade e, assim, definirem as áreas nobres que receberão investimentos. Para Gottdiener (1997), o espaço é uma das instâncias da sociedade onde ocorre a acumulação capitalista, que se realiza pela produção e produto do espaço enquanto mercadoria. Ou seja, a produção da cidade permite a reprodução do capital com a apropriação de mais valia. Neste sentido, o espaço molda a sociedade e esta se refletirá no espaço. No espaço físico, se manifestará o conflito de classes dialeticamente à acumulação de capital, em que a geração de riqueza se reproduzirá concomitantemente à de pobreza. No espaço urbano, apresentam-se dois circuitos de acumulação de capital: a produção de bens duráveis e o setor imobiliário. Ele entende que o conflito de classes, assalariado e capitalista, prerrogativa do marxismo, também se dá acerca do espaço, sendo o espaço almejado por todas as classes, portanto, o conflito, além de econômico, é sócio-espacial. Do mesmo modo que Marx interpreta o conflito entre o capitalista e o assalariado, em que o que os diferencia é a posse dos meios de produção, Gottdiener diz que a terra também se torna um conflito, ao passo que existe uma diferenciação entre quem a possui e quem não possui, além da sua localidade na cidade. * Mestrando(a) em Planejamento Urbano e Regional PLUR, Univap, 2005. A produção do espaço, para o mesmo autor, é fruto da relação dialética entre as instâncias da socieda- 48 R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. de e o espaço. Da mesma maneira que a sociedade molda o espaço, o espaço influencia a sociedade, o que o diferencia de Castells que compreendia o espaço como uma estrutura onde ocorrem os conflitos e que o espaço é um reflexo do modo de reprodução do trabalho, ou seja, o espaço para Castells se dá numa relação causal; e para Gottdiener o espaço se dá numa relação dialética. Este autor considera que há grupos de interesses diversos no jogo de poder que se articulam em rede para promover a acumulação capitalista na cidade e, assim, definirem as áreas nobres que receberão investimentos. Nesse sentido, o mercado imobiliário também é responsável pela direção que a elite toma na cidade. O setor de produtividade rege o lucro imobiliário no qual os diferentes investimentos possibilitam a lucratividade do espaço urbano. A terra permite o lucro, aumentando a acumulação capitalista. O Estado, com suas ações, alia-se à atuação dos agentes do setor de propriedade privada (bancos, construtoras e imobiliárias) articulando-se em redes, para definir as formas espaciais urbanas e, por fim, aumentar a acumulação capitalista do espaço urbano. Neste período os investimentos do Estado em infra-estrutura beneficiaram a região. O município foi referência nacional como centro de tratamento de tuberculose de 1930 a 1950, preservado na arquitetura dos sanatórios, que resistem ao tempo e à degradação, como Vicentina Aranha, Vila Samaritana, Maria Imaculada e Adhemar de Barros. Embora a implantação das primeiras indústrias tenha sido em 1920, favorecida pela concessão de incentivos fiscais municipais, a fase industrial se intensifica na década de 1950, com a inauguração da Rodovia Presidente Dutra (1951). A instalação de grandes indústrias passaria, então, a comandar o desenvolvimento da cidade e o processo de urbanização. O crescimento urbano pode ser verificado na Fig. 1 com uma explosão demográfica a partir de 1960, quando se instalam na cidade as indústrias de grande porte e instituições de pesquisa. As instâncias da sociedade (que englobam os sistemas econômicos, político, ideológico e espacial), os agentes em ação (imobiliárias, construtoras etc) em coalizão com o Estado estruturam o espaço para Gottdiener. A maneira como o autor compreende o espaço urbano é mais complexa e pode ser percebida na realidade do urbano. 3. O MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS Devido à sua localização estratégica, a região do Vale do Paraíba apresenta um histórico de importância nacional durante a economia cafeeira, cujo apogeu possibilitou vultosos investimentos em infra-estrutura que, por conseguinte, desencadeou a gênese da industrialização nacional. A região tornou-se o locus do projeto geopolítico moderno durante o governo militar, que possibilitou a construção de um complexo militar-industrial com a implantação do Centro Técnico Aeroespacial (CTA), a ENGESA e a AVIBRÁS (BECKER; EGLER, 1994). Localizado nesta região, o município de São José dos Campos é considerado de porte médio, servido por importantes rodovias, tais como Presidente Dutra, Carvalho Pinto, D. Pedro I e Tamoios. Historicamente, a economia do município baseava-se na cultura do algodão para atender às indústrias têxteis e, em seguida, pela cultura cafeeira que promoveu o crescimento econômico da região e do País, até 1930. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. Fig. 1 - Distribuição da população em São José dos Campos (1940-2000) Fonte: SEADE. Apesar da estagnação da economia no País nas décadas de 1980 e 1990, São José dos Campos teve um aumento no número de indústrias em 107%. Nessa época, o processo industrial diversificou-se com a inovação tecnológica, com a produção de equipamentos eletrônicos, material fotográfico, produtos químicos, farmacêuticos, calçados, combustíveis, aviões e foguetes espaciais. O desenvolvimento econômico do município pode ser observado na Fig. 2 que aponta um crescimento do valor adicionado fiscal de 60,4% no período de 1993 a 2000. 49 Tabela 2 - Índices sócio-econômicos de São José dos Campos Fig. 2 - Valor adicionado fiscal total do município (1993-2001). Fonte: SEADE. A busca contínua de inovações e o avanço tecnológico, associados com a globalização, resultam em terceirizações, que geram impacto nas indústrias da região, especialmente em São José dos Campos. Como resultado da implantação das novas tecnologias no setor industrial, a força de trabalho tem se deslocado para outros setores da economia (vide Tabela 1), bem como um contingente considerável tem migrado para a informalidade. Tabela 1 - Distribuição percentual do pessoal ocupado por setor Fonte: PMSJC. Este deslocamento da força de trabalho tem evidenciado uma tendência de mudança no perfil sócio-econômico dos trabalhadores no município. Castells (1999) aponta para uma ‘era da informação’, exigindo novas qualificações e até provocando mais redução de postos de trabalho. Os indicadores sociais refletem esse momento. O Índice de Gini (vide Tabela 2), que avalia a desigualdade e exclusão social - tendo o máximo igual a um -, mostra uma concentração de renda em poder da minoria. Observa-se ainda o aumento da pobreza em 12,2% e chama a atenção o aumento de 26,3% do número de crianças em lares com renda inferior a meio salário mínimo, o que evidencia a crise de moradia local. 50 Fonte: SEADE – Pochmann e Amorim (2003) – Atlas Desenvolvimento Humano. 4. A POLÍTICA ECONÔMICA NO PERÍODO DE 1980 A 1990 No contexto econômico internacional, durante o governo Ronald Reagan (1980–1988), consolidou-se a política econômica norte-americana baseada em taxa de juros alta, déficits gigantescos na conta corrente e diminuição de impostos. Os investimentos estrangeiros financiavam o déficit público em detrimento da diminuição das exportações norte-americanas, e o controle na emissão das moedas debelou a inflação da década anterior. Era a falência do modelo econômico keynesiano e a adoção do modelo neoliberal, que propunha uma menor intervenção do Estado na economia. Para aumentar o lucro é necessário cortar custos, tanto no governo quanto nas empresas. Isso se traduziu numa redução do tamanho do Estado, que passou a desestatizar a economia, retirar barreiras alfandegárias, flexibilizar as leis trabalhistas, limitar seus gastos, entre outros, atendendo aos interesses do grande capital. Neste contexto de forte crise, a ideologia neoliberal foi posta em prática pela hegemonia dos agentes detentores de poder, como o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o BIRD (Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento), através das normas ditadas com base no Consenso de Washington (1989), para os países reformar suas economias. O Brasil chega ao fim da década de 1970 como a oitava economia mundial, com um setor industrial forte e bastante diversificado. Esse quadro se constituiu deviR. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. do aos investimentos do governo em infra-estrutura com financiamento externo. A partir de 1980, o País se depara com a crise, decorrente do aumento no preço do petróleo e, por conseguinte, da elevação das taxas de juros que acarretaram na ampliação da dívida externa (herança do governo militar). A década de 1980 é marcada pela exorbitante taxa de inflação anual de 1.783% (ARAÚJO, 2000) e pela crescente emissão de títulos da dívida imobiliária, que aqueceram o mercado imobiliário e a construção civil. A próxima década é determinada por estratégias governamentais de abertura comercial e financeira, com políticas como a redução dos impostos de importação. O Plano Real surge objetivando controlar a inflação ou o aumento nos preços dos produtos internos, e assim conquista a opinião popular. Entretanto, o presidente Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) adota políticas de estímulo à importação gerando déficit externo; com base na idéia de abertura econômica do País em face da internacionalização do capital. Para amenizar esse déficit externo, o governo privatizou os ativos públicos e para atrair capital de curto prazo, as taxas de juros são elevadas. O País começa a sofrer as conseqüências dessas políticas, enfrentando a recessão, observada no aumento considerável do desemprego que já se verificava na década anterior. Uma das estratégias do governo FHC foi o incentivo à entrada de empresas brasileiras no mercado mundial, a desregulamentação financeira e a internacionalização do sistema bancário. 5. IDEOLOGIA E PLANEJAMENTO EM SÃO JOSÉ DOS CAMPOS Em um cenário geopolítico marcado pelo final da 2ª Guerra Mundial e pelo início da Guerra fria, o município de São José dos Campos passou a sediar o Centro Técnico Aeronáutico (1951), evidenciado na proposta militar de promover o Estado nacional em potência regional com o domínio da tecnologia de ponta. Tornava-se evidente o interesse do Estado de obter domínio tecnológico de ponta. Planejado para ser um instituto de formação especializada, tornou-se o embrião para a industria aeronáutica, bélica e aeroespacial. Em 1961, foi criada a Avibrás, referência da nascente industria bélica e aeronáutica, e o GOCNAE, que deu origem ao INPE (Instituto de Pesquisas Espaciais). A década de 1970 foi marcada pelo forte crescimento das industrias de defesa que se instalaram na cidade (Embraer, Engesa e Avibrás), fornecendo material bélico e aeronaves de uso militar para o Oriente Médio. Destaca-se a Embraer, Empresa Brasileira de Aeronáutica (1969) e constituída como empresa estatal de capital misto, privatizada em 1994. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. Mesmo no período recessivo do início dos anos 80, a cidade continuava a crescer com base no capital industrial. Isso decorreu dos investimentos estatais e da moderna tecnologia das unidades fabris, beneficiadas pelas políticas de fomento à exportação. No final dos anos 80 e início dos 90, a indústria brasileira entra definitivamente no ajuste global do modelo neoliberal, com bruscos cortes nos investimentos estatais e ajustamento tecnológico no setor privado. Com o desmantelamento da indústria bélica e a falência de outras indústrias, ocorre um aumento no desemprego na região. O município se ressente com o grande volume de desemprego, necessitando de execução de políticas públicas ou privadas que redirecionem o perfil de ocupação. Proliferam-se micro e pequenas empresas e percebese um aumento substancial da ocupação no setor de comércio e serviços. Esse fenômeno dividiu a produção do município ainda mais, pois não se verifica aumento de faturamento nestes setores. Uma medida adotada nesse período foi a lei complementar nº 001 de 1990, que dispõe sobre a instalação de atividades econômicas de pequeno porte e de âmbito doméstico em edificações residenciais. No entanto, devese obedecer alguns requisitos, entre os quais: as atividades devem ser desenvolvidas em residências isoladas ou agrupadas horizontalmente; não perturbar o sossego público, obedecendo à legislação vigente quanto ao volume de ruídos, odores, e outros. A Fig. 3 ilustra a evolução das indústrias no município, mostrando um crescimento acelerado a partir da década de 60. Apesar da estagnação da economia no País, nas décadas de 1980 e 1990, São José dos Campos teve um aumento no número de indústrias em 107%. Nessa época o processo industrial diversificou-se, com a inovação tecnológica, produção de equipamentos eletrônicos, material fotográfico, produtos químicos, farmacêuticos, calçados, combustíveis, aviões e foguetes espaciais. Fig. 3 - Evolução da quantidade de indústrias em São José dos Campos - SP Fonte: PMSJC. 51 A industrialização no município continuou fomentando a economia joseense em função da inserção da tecnologia que diversificou a produção industrial, num período de estagnação econômica no País. Entre as décadas de 1980 e 1990, alternaram-se no poder executivo oito prefeitos com ideologia partidária de postura conservadora. Contudo, esse quadro foi rompido com a eleição para prefeita de Ângela Guadagnin (1993 – 1996), com viés progressista, do Partido dos Trabalhadores. Sua gestão participativa pode ser verificada, por exemplo, nos programas sociais e na aprovação de loteamentos destinados à classe de baixa renda e na consecução do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PPDI) em 1994. No entanto, na gestão seguinte, com o prefeito Emanuel Fernandes (1997 – 2004) do partido PSDB, embora tenha dado continuidade às obras da gestão anterior, constata-se em sua administração alterações na lei de uso e ocupação do solo. 5.1 A Legislação no Espaço Urbano A lei de zoneamento, como instrumento de ordenação, adota a subdivisão do território em zonas de uso e regula o parcelamento, o uso e a ocupação, visando a organização do espaço para diferentes atividades urbanas e orientação do desenvolvimento urbano, propiciando a distribuição equilibrada da população, das atividades econômicas e dos equipamentos no território do município, entre outros. Portanto, é um instrumento que, teoricamente, teria o atributo de organização do espaço urbano, mas que na sua origem trata-se de um instrumento ideológico que atende a interesses econômicos. No município, a lei de zoneamento foi sendo alterada com o decorrer do tempo: leis de zoneamento de nos 1.606/71, 2.263/80 e 3.721/90. Em São José dos Campos, a lei de zoneamento é um instrumento que contemplou em alguns momentos ora interesses mercantis, ora do capital industrial, financeiro, da classe média e elite, criando áreas individualizadas e segregadas. Tais leis foram alteradas e áreas antes industriais se tornaram de uso residencial, ou vice-versa, de acordo com os interesses dos diversos grupos detentores de poder. Os exemplos desse modelo podem ser ilustrados com a transferência, em 1982, da Ericsson S.A., da Avenida Deputado Benedito Matarazzo para o distrito de Eugênio de Melo. Em seu lugar, em 1986, instalouse o Center Vale Shopping. Outro exemplo é a instalação do Vale Desconto Shopping (atual Vale Sul Shopping), em 1994, nas antigas instalações da São Paulo Alpargatas. Vale ressaltar que na elaboração da legislação de 52 uso e ocupação do solo, não houve efetiva participação popular, mas de alguns segmentos organizados da sociedade civil, como a ACONVAP (Associação de Construtoras do Vale do Paraíba e Litoral Norte), em função de seus interesses imobiliários em determinadas regiões. 5.2 O Espaço Urbano e a Ideologia A ideologia da elite, juntamente com o mercado imobiliário, rege a expansão da cidade, entendendo por ideologia as ações tomadas pela elite e que são colocadas e vistas como ações benéficas para toda a população, como, por exemplo, a percepção de cidade como apenas uma parcela do município onde são realizadas as melhorias em infra-estrutura e planejamento urbano, preferencialmente onde estão as classes dominantes. Conforme Gottdiener, o espaço é um gerador de riqueza direto, portanto o conflito, além de social, também é espacial. A elite também luta pelo espaço, e, no caso da cidade de São José dos Campos, esta se concentrou no setor oeste da cidade. Sendo assim, os investimentos em infra-estrutura, de comércio e de serviços também são deslocados com fim de atender essa demanda que comanda juntamente com o setor imobiliário e o poder público o crescimento do município. Observa-se que o Estado sofre influências da classe dominante, através das alterações na legislação urbanística, pois “existe uma forte relação das Leis de Zoneamento com o deslocamento da classe de alta renda desde o início do século na cidade de São José dos Campos (...) O que se observa em São José dos Campos é e sempre será a colocação aos interesses e soluções específicos da elite local” (FERNANDES, 2002). Prova dessa afirmação são as obras de embelezamento e de acessibilidade nas áreas de concentração da elite. O mercado imobiliário, conforme Gottdiener, também é responsável pela direção que a elite toma nas cidades, como a expansão para a zona oeste em São José dos Campos onde um dos fatores estimuladores foi a doação do terreno da Univap (Universidade do Vale do Paraíba) que influenciou a implantação de infra-estrutura na região e possibilitou uma melhor acessibilidade. Um dos aspectos da escolha da melhor localização na cidade é o deslocamento para áreas de importância na cidade. 5.3 Os Agentes Sociais e a Questão Habitacional De acordo com o PDDI - Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (1994), e as pesquisas até então, com relação às diversas situações de moradia, deve-se destacar aquelas situadas na periferia da área urbana, localizadas na região mais central e na área rural, que não tem direito à cidade com as benfeitorias na área ocupada pela classe média R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. e elite. Tratando-se de assentamentos habitacionais precários, sem regularização urbanística e/ou fundiária, excluídos do processo de urbanização da cidade, incluem-se aí os loteamentos irregulares, as favelas, os cortiços e outros, que fazem parte da cidade real (incluindo o informal) em contraposição à cidade legal (formal). “O direito à cidade não pode ser concebido como um simples direito de visita ou de retorno às cidades tradicionais. Só pode ser formulado como direito à vida urbana, transformada, renovada” (LEFEBVRE, 2001). A implementação de uma política habitacional que possibilite o acesso democrático à cidade deve ser associada à política de desenvolvimento urbano abrangente e, para tanto, faz-se necessário trabalhar com a cidade real e não só com a cidade legal. Percebe-se que nos programas habitacionais falta uma melhor articulação entre a política urbana e a política habitacional, o que vem a agravar cada vez mais o problema da falta de habitação, que, de acordo com o IBGE - Censo 2000, chega a mais de seis milhões de moradias no Brasil. A falta da participação de toda a sociedade em priorizar as ações e planos do governo retrata a crise habitacional que vive nosso País, com o aumento de favelas, lotes clandestinos, cortiços e muitos vivendo de favor nas casas de seus familiares ou amigos. Na elaboração de uma nova política habitacional municipal era fundamental que esta avançasse em relação aos padrões impostos pelo BNH e posteriormente pela CEF e outros órgãos, que não consideraram os aspectos sócio-culturais na proposição de programas habitacionais, além da gestão centralizada emanada de Brasília e operacionalizada pelas COHABs e secretarias estaduais e órgãos municipais de habitação. Ainda não há uma articulação entre política urbana e política habitacional, que se reforça pela ausência de canais para a participação popular na gestão dos recursos e da política habitacional. A elite está sempre operante e atenta para sufocar decisões que venham buscar a justiça social e a inclusão das classes menos favorecidas com o intuito de manter a ordem econômica, política e espacial que lhe interessa no município. Para que se reverta a situação atual com relação às políticas habitacionais, é importante que esta seja concebida dentro da realidade local com toda a participação popular, garantindo empreendimentos onde se encontram as classes de baixa renda. Na década de 80, a política habitacional continuou focando a classe média e alta. As obras do empreendimento do bairro Urbanova aconteceram nesta époR. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. ca, na região oeste da cidade, que deveria abrigar unidades residenciais distribuídas para todas as faixas econômicas. Entretanto, este empreendimento converteu-se em loteamentos privilegiados, sendo favorecido com a infraestrutura básica. Para fortalecer este interesse, foi doada uma gleba para que fosse instalado na região oeste a Universidade do Vale do Paraíba, como foi dito anteriormente, consolidando o setor de crescimento da área nobre, visada por interesses especulativos e pela elite dominante. Ainda na década de 80, houve uma explosão de loteamentos na região sul, norte e leste do município, cada vez mais distantes da parcela da cidade, considerada central (ocupada pela elite), criando um grande número de vazios na malha urbana, objetivando a especulação imobiliária. Nesta época, a lei 2263/80 empliou o perímetro urbano, restringindo a instalação de grandes indústrias e o parcelamento do solo, mantendo a exigência a cargo do empreendedor de toda a infra-estrutura, o que onerou o custo final dos lotes urbanizados. Assim, limitou-se drasticamente a oferta de lotes populares no mercado. Em 1981, tentou-se amenizar o problema do déficit habitacional com legislação, dispondo sobre a criação de loteamentos especiais, diminuindo os encargos de infra-estrutura e vinculando a aprovação desses loteamentos à garantia de que fossem vendidos exclusivamente à população de renda de até três salários mínimos. A indústria da construção civil e os demais agentes imobiliários não tiveram interesse nesse projeto, mantendo a situação habitacional precária. Nesta época surgiram vários loteamentos na zona rural, próximos ao perímetro urbano e sem qualquer infraestrutura, que eram denominados de chácaras de recreio, com lotes de 1000 a 2000 m2, e que foram subdivididos para fins residenciais urbanos, e que se transformaram em lotes clandestinos, ocupados por população de baixa renda. Por outro lado, verifica-se a grande influência dos agentes imobiliários e das grandes construtoras, pois, em menos de um mês após a aprovação da lei que proibia a verticalização no Bairro Vila Ema, é promulgada a lei nº 3096 de 1986 que incentiva “a construção de edifícios na ZE-9, região próxima ao Ribeirão Vidoca” (SOUZA, 2000), próxima ao bairro Vila Ema. Esta lei dispensava para a ZE9 as exigências mínimas de alturas máximas de 35 metros, anteriormente fixada pela lei nº 2490/81, estipulando novos coeficientes para a referida zona: 4 para edificações destinadas ao uso residencial e 3 para a de uso comercial. Com isso, esta lei promoveu a atração de construtoras de maior porte para o município, com capacidade e tecnologia para construção de edifícios de alto padrão. Na década de 90, cresce o número de loteamentos 53 para a classe média preferencialmente localizados na região oeste. Os possíveis loteamentos para a classe de alta renda na região sul, Quinta das Flores, que estavam sendo oferecidos, foram desprezados e o mercado imobiliário tomou a direção da zona oeste como vetor de empreendimentos, que era o interesse da sociedade de elite. 5.4 A Questão dos Loteamentos em São José dos Campos Na década de 80 ressalta-se a quantidade de loteamentos aprovados com 25.567 lotes totalizando 15 milhões de metros quadrados, colocados à venda em todas as regiões de São José dos Campos. Nesta década, chama a atenção a aplicação em investimentos no setor imobiliário, num período de recessão na economia com reflexos no setor primário de produção. A Tabela 3 mostra a quantidade de loteamentos, por região, e o Mapa 1, a expansão urbana, ambos para as décadas de 80 a 90, em São José dos Campos. Tabela 3 - Loteamentos aprovados por região (1980 a 1990) Na década de 90 foram aprovados 33 loteamentos distribuídos em 9 para a classe social A, 2 para a B, 22 para a C e nenhum para a classe D, mesmo sendo este tipo de loteamento previsto nas leis de zoneamento do município (Nº 3721/90 e LC 165/97). Os loteamentos aprovados para a classe social C, destinados à população de baixa renda, aconteceram no período de 1995 e 1996, época do governo social de Ângela Guadagnin. Por outro lado, o maior número de lotes aprovados na década de 90 foram para a classe de alta renda, correspondendo a 53,3% da quantidade total. Este fenômeno pode ser entendido pela abordagem de Gottdiener (1997) ao tratar do espaço e da acumulação de capital, registrando que “em tempos difíceis [...] o bem imóvel tende a atrair investimentos mesmo nas épocas em que as atividades de produção primária não o atraem”. O autor aponta o papel do mercado imobiliário no processo de acumulação de capital, na forma de investimento. Acrescenta que há várias formas de investir na terra, “e exatamente qualquer um que disponha de uma reserva de dinheiro, independentemente da posição de classe, pode participar do mercado imobiliário. Isto não quer dizer, porém, que todos aqueles que investem na terra obtenham lucro” (GOTTDIENER, 1997). Fonte: Secretaria de Planejamento e Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de São José dos Campos. Mapa 1 - Expansão Urbana de São José dos Campos - SP - (1980 - 1990) 54 R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS A classe de alta renda ou elite, conforme assinala Fernandes (2002), definiu a direção para a zona oeste, que vai sendo influenciada pelos agentes do mercado imobiliário, com o apoio do poder público através dos investimentos em benfeitorias e na construção de importantes eixos viários, como o Anel Viário. Conclui-se que, de acordo com as propostas de Gottdiener, existe uma forte interação e dependência entre as instâncias política, econômica, ideológica e físicoterritorial (espacial) na construção do espaço intra-urbano e no entendimento da sua dinâmica. No caso de São José dos Campos, esse quadro foi claramente constatado através do mapa da expansão urbana para o período estudado. Verificou-se que, na década de 80, foram preenchidos vazios nas zonas leste, sul e norte, onde a porcentagem média de expansão urbana foi de 29,2%, enquanto que na zona oeste houve um menor crescimento das glebas aprovadas para loteamento de 12,4%. Já na década de 90, verificou-se um crescimento periférico no município e direções opostas, destacando-se a zona leste (bairros com pouca infra-estrutura) destinada às classes sociais menos favorecidas, e a zona oeste, (bairros com considerável infra-estrutura), destinada às classes dominantes. Constata-se, desse modo, a ação dos empreendedores, da elite e do Estado, com vistas em manter a dominação espacial de equipamentos e a valorização imobiliária. A concentração de bairros residenciais de alta renda, em setores específicos da malha urbana, tende a atrair consigo o comércio e serviços principais que venham a atender a esta população. Esta situação contribui para o processo de especulação imobiliária, uma vez que promove uma supervalorização da área, que passa a contar com uma proximidade e facilidade de acesso a serviços e comércio de grande porte. O próprio poder público contribui com o processo de segregação nas cidades, ao concentrar os investimentos em infra-estrutura nas áreas habitadas pela população de mais alta renda e ao transferir muitos de seus prédios administrativos para estas regiões. 7. BIBLIOGRAFIA ATLAS DE DESENVOLVIMENTO HUMANO. http://www.pnud.org.br/ Disponível em: index.php?lay=inst&id=atla. Acesso em: 6 jun. 2004. CARLOS, A. F. A. Espaço e Indústria. São Paulo: Contexto, 2001. CASTELLS, M. A questão urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. CASTELLS, M. Fim de Milênio: a era da informação: economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e Terra, 1999. CHUSTER, V. O zoneamento em São José dos Campos: 1971 a 1997. 2000. Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e Regional) - Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento, Universidade do Vale do Paraíba, São José dos Campos, 2000. IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas Censo Demográfico 2000. Disponível em: www.ibge.gov.br. Acesso em: 15 jun. 2004. FERNANDES, M. T. M. Macrosegregação residencial: o deslocamento das áreas residenciais da classe de alta renda em São José dos Campos. 2002. Dissertação ( Mestrado em Planejamento Urbano e Regional) - Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento da Universidade do Vale do Paraíba, São José dos Campos, 2002. GOTTDIENER, M. A produção social do espaço urbano. São Paulo: EDUSP, 1997. LEFEBVRE, H. O Direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001. MARICATO, E. Brasil, cidades: uma alternativa para a crise urbana. Petrópolis: Vozes, 2001. PLANO DIRETOR: São José dos Campos, Um Plano da Cidade para a Cidadania, Secretaria de Planejamento e Meio Ambiente da Prefeitura de São José dos Campos, 1994. PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Disponível em: http:// www.undp.org.br/atlas/PR/Press_Release_4.doc. Acesso em: 18 jun. 2004. POCHMANN, M.; AMORIM, R. (orgs) Atlas da Exclusão Social no Brasil. São Paulo: Cortez, 2003. PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS. Lei de Zoneamento e Parcelamento do Uso do Solo Urbano. São José dos Campos: Secretaria de Planejamento e Meio Ambiente/PMSJC, 1997. ARAÚJO, T. B. de. Brasil nos anos noventa: opções estratégicas e dinâmica regional. Estudos urbanos e regionais, n. 2, 2000. _______. São José em Dados. São José dos Campos: Secretaria de Planejamento e Meio Ambiente/PMSJC, 2001. BECKER, B.; EGLER, C. Brasil: Uma nova potência regional na Economia- Mundo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994. _______. Indústrias. São José dos Campos: Secretaria de Planejamento e Meio Ambiente/PMSJC, 2001. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. 55 _______. Cidade Viva: Banco de Dados Geográficos. CD-ROM, 2003. SEADE. Base de dados. Disponível em: http:// www.seade.gov.br. Acesso em: 6 jun. 2004. _______. Publicação eletrônica [mensagem pessoal]. Loteamentos clandestinos na Região Norte e Leste de São José dos Campos. Mensagem recebida por [email protected]. Acesso em: 15 jun. 2005. SOUZA, A. A. M. de. Um estudo do crescimento vertical da cidade de São José dos Campos-SP. 2000. Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e Regional) – Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento da Universidade do Vale do Paraíba, São José dos Campos, 2000. SANTOS, M. Espaço e Método. São Paulo: Nobel, 1997. PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS. Secretaria de Planejamento e Meio Ambiente. São José dos Campos, Dados 2000. Disponível em: http:/ /www.sjc.sp.gov.br/html/sec_spma.htm. Acesso em: 26 abr. 2004. 56 R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. Estudo da Pobreza no Vale do Paraíba Domiciano Marcos de Magalhães * Friedhilde M. K. Manolescu ** Resumo: O estudo da pobreza no Vale do Paraíba procurou demonstrar a situação de cada município perante a região. Para cumprir o objetivo de analisar a situação de pobreza na região, houve a necessidade de considerar a questão histórica da economia tanto nacional, como regional. Os momentos econômicos nacionais no período entre 1970 e 2000 tiveram grande influência sobre a incidência de pobreza nos municípios. A pobreza na região vista através da renda, bem como pelas necessidades básicas insatisfeitas, denota a correlação entre o modelo de desenvolvimento econômico e situação de pobreza. Com a finalidade de demonstrar a pobreza permitindo a distinção entre os municípios que apresentam melhores ou piores situações, foi realizado um mapeamento onde foram utilizados indicadores de renda das pessoas e também das condições de atendimento pelos governos locais, das necessidades básicas de sobrevivência. Ao buscar uma explicação para as causas da pobreza, entram na discussão as teses individualista e estruturalista que divergem entre o livre mercado e a intervenção governamental. Quanto à forma de atuação das políticas voltadas para a proteção social, procurou-se chegar a um denominador comum entre focalização e universalização, analisando também a história do sistema de proteção social nacional. A situação de pobreza na região obteve uma sensível melhora nas três últimas décadas, no entanto ainda sofre com o modelo de desenvolvimento econômico concentrador que, além de causar o entrave no desenvolvimento dos municípios menores, mantém os problemas relativos à grande aglomeração nos municípios mais desenvolvidos. Tal fato denota, não apenas a pobreza relativa no confronto entre os municípios, traduzida no desequilíbrio regional, mas também a face urbana da pobreza vista através da pobreza absoluta, resultado da desigualdade social. Palavras-chave: Pobreza, desenvolvimento econômico regional, proteção social. Abstract: The poverty study in the Paraíba Valley looked for demonstrating each municipality situation within the region. To accomplish the objective of this analysis, it was needed to considerate the economy history either national or regional. The economic national moments in the period from 1970 to 2000 had great influence over the municipalities’ poverty incidence. The poverty in the region seen through the income as well as the non-satisfied basic necessities demonstrates the correlation between economic development model and poverty situation. Aiming to demonstrate the poverty allowing the distinction between the municipalities that present better or worse indexes, a mapping was elaborated using people income indicators and also over the performance of local governments’ attendance to basic needs for survival. In searching for an explanation to poverty causes it is brought up the individual and structural thesis that diverges between the free market and the governmental intervention. In relation to the way the social protection politics are performed, it was tried to achieve a common denominator between focalization and universalization, also analyzing the history of the national social protection system. The regional poverty situation got a sensible improvement in the last three decades, nevertheless it still suffers with the concentrating economic development model that besides avoiding the development to minor municipalities it keeps the problems related to great agglomeration in the more developed cities. This not only denotes the relative poverty in confrontation among municipalities, revealed in regional social unbalance, but also the poverty urban face seen through the absolute poverty resulted from the unequal social aspect. Key words: Poverty, regional economic development, social protection. * Mestrando em Planejamento Urbano e Regional PLUR, Univap, 2005. ** Professora da Univap. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. 57 1. INTRODUÇÃO 2. ESTUDO DA POBREZA A pobreza é um problema que requer discussões e ações para sua erradicação em âmbito global, nacional, regional e local. Com o intuito de tentar ao menos minimizar a situação de pobreza de pessoas que estejam envolvidas com os diversos tipos de carências, torna-se necessário, num primeiro momento, a identificação dos fatores que influenciam direta ou indiretamente a vida dessas pessoas e que podem ser considerados causas da pobreza. Segundo Romão (in Camargo e Giambiagi, 2000), há dois critérios para identificar a pobreza; um de caráter objetivo e o outro de caráter subjetivo. Os critérios objetivos baseiam-se em certos aspectos relacionados com a situação do indivíduo tais como a renda, situação ocupacional, condições de habitação e saneamento. Já os critérios subjetivos dizem respeito a opiniões ou sentimentos das pessoas. A desigualdade social no Brasil é um fato amplamente divulgado, porém, também é fato sua perpetuação como resultado do modelo de desenvolvimento econômico. O desenvolvimento sustentado é o que procura conciliar o econômico com o social, porém, o que se observa, é que no Brasil, apesar de ser inegável o desenvolvimento alcançado também na área social, este ficou muito aquém do que poderia representar, não fossem a desigualdade de renda e os desequilíbrios regionais. O critério objetivo envolve duas variantes operacionais importantes: a que enfoca a pobreza do ponto de vista relativo e a que considera apenas do ângulo absoluto. Sob o prisma relativo a pobreza é enfatizada na comparação situacional do indivíduo em termos da posição que ocupa na sociedade em relação a seus “semelhantes”. Os pobres são os que se situam na camada inferior da distribuição de renda em comparação com os membros mais bem aquinhoados da sociedade nessa distribuição. O conceito absoluto implica o estabelecimento de padrões mínimos de necessidades, ou níveis de subsistência, abaixo dos quais as pessoas são consideradas pobres. Esse padrão de vida mínimo (em termos de requisitos nutricionais, moradia, vestuário etc.) em geral é avaliado a preços de mercado e a renda necessária para custeá-lo é calculada. São consideradas pobres as pessoas que têm rendimentos abaixo de uma linha de pobreza previamente determinada. O estudo da pobreza na região do Vale do Paraíba procura demonstrar, além da desigualdade existente entre os municípios, a situação de pobreza absoluta que atinge tanto os municípios mais desenvolvidos, como os mais pobres. A pobreza vista como a incapacidade de o indivíduo usufruir direitos básicos ou minimamente necessários, pode refletir quão injusta é a sociedade, ao considerar os recursos existentes e os acessos tanto a bens de extrema necessidade como a possibilidade de participação política na sociedade. O estado de pobreza condensa diversos problemas os quais denotam a condição de exclusão social das pessoas. O pobre mora na periferia, tem dificuldades de atendimento a necessidades básicas, tais como nutricionais, saúde, educação, transporte; além de ser difícil o seu acesso à participação social, seja através do lazer ou das decisões da Comunidade. A evolução da pobreza no Vale do Paraíba nas últimas três décadas demonstra a melhora nos índices de pobreza de renda para todos os municípios, porém a quantidade de pobres ainda é grande. Este estudo, além de mapear a pobreza, procurou analisar o que pode ser feito em termos de políticas públicas para a minimização do problema. A descrição das formas de intervenção (programas e projetos) e tipos de políticas demonstrou a estrutura do Sistema de Proteção Social brasileiro; e as discussões sobre os tipos de políticas questionam a capacidade de o governo erradicar a pobreza. 58 2.1 Mensuração da Pobreza Medir o nível de pobreza de uma dada sociedade envolve dois passos básicos: A definição de quem é considerado pobre e a escolha dos indicadores sintéticos que irão descrever a situação de pobreza. A situação da pobreza pode ser sintetizada através de indicadores que a demonstrem por meio das condições de atendimento a necessidades básicas ou da renda. Do ponto de vista da renda, determinam-se as linhas de pobreza através da definição de cestas de consumo ou de acordo com a proporção do salário mínimo. Já as necessidades básicas podem ser sintetizadas em indicadores que avaliem as condições de habitação, saneamento básico, saúde, educação etc. Quando se deseja medir a pobreza em populações inteiras, o enfoque mais adequado é o dos rendimentos das pessoas, e o método é a construção de linhas de pobreza, fronteiras classificatórias que separam os pobres dos não pobres (HOFFMANN, 1998). Para medir a pobreza sob o enfoque dos rendimentos, temos a linha de indigência calculada conforme o custo das necessidades alimentares e a linha de pobreza definida de acordo com o custo das necessidades básicas. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. A linha de indigência corresponde à estrutura de custos de uma cesta alimentar, definida regionalmente, que cubra as necessidades de consumo calórico mínimo de um indivíduo. A linha de pobreza, além das necessidades de consumo calórico mínimo, inclui um mínimo de outros gastos essenciais, como vestuário, habitação e transportes. te e útil a fim de colaborar com o delineamento de políticas públicas que visem à diminuição da desigualdade regional e também à minimização da condição de pobreza das pessoas. Por isso torna-se necessário situar, no tempo, a evolução da pobreza na região, bem como verificar as atuais condições para que cada município atue na direção de sua erradicação. 3.1 Caracterização da Área de Estudo O método de definir a linha de indigência/pobreza pela estrutura de consumo surgiu como uma alternativa à utilização da proporção do salário mínimo. Basicamente, trata-se de definir uma cesta básica de alimentos, de acordo com a estrutura de consumo e preços regionais. Definindo-se o custo desta cesta, considera-se indigente a população cuja renda familiar per capita não alcance o valor desta cesta alimentar; e como pobres, as pessoas que não atingem a renda necessária para adquirir a cesta de alimentos mais os bens não alimentares básicos (moradia, transporte etc). 3. ANÁLISE DA POBREZA NO VALE DO PARAÍBA O estudo da pobreza na região se torna importan- O Vale do Paraíba, para fins do estudo da pobreza, engloba todos os municípios da Região Administrativa de São José dos Campos (Quadro 1 e Mapa 1 - anexo). Fazem parte da região, trinta e nove municípios, distribuídos no Vale do Paraíba, Serra da Mantiqueira e região litorânea. O Vale do Paraíba liga as metrópoles de São Paulo e do Rio de Janeiro através de trinta e dois municípios que se agrupam em torno do Rio Paraíba do Sul. O Vale é cercado pela Serra da Mantiqueira, ao norte, e pela Serra do Mar, ao sul. Na Serra da Mantiqueira, a Região possui três municípios e na Serra do Mar e região litorânea outros quatro municípios. Quadro 1 – Composição da Região Administrativa de São José dos Campos Fonte: SEADE, 2002. 3.2 Mapeamento da Pobreza no Vale do Paraíba calizados os municípios mais ou menos pobres. Com a finalidade de demonstrar a evolução da pobreza na região, no período de 1970 a 2000, foi feito o mapeamento dos índices de pobreza, através de um Sistema de Informações Geográficas. O sistema utilizado (SPRING), desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), funcionou como uma ferramenta de produção de mapas. Primeiramente foi mapeada a incidência da pobreza, que consiste no percentual de pobres existente em cada município. Foram consideradas pobres as pessoas cuja renda era inferior a meio salário mínimo. Os mapas gerados têm como objetivo a espacialização das informações, considerando todos os municípios da região de modo a classificá-los de acordo com a apresentação dos melhores ou piores índices de pobreza e ainda permitir, através do efeito visual, a localização dos municípios perante a região, ou seja, onde estão loR. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. Os mapas de incidência da pobreza para os anos de 1970, 1980, 1991 e 2000 demonstram a evolução do percentual de pobres nos municípios nas três últimas décadas; para tanto classificam os municípios em seis faixas de abrangência de acordo com o percentual de pobres relativo à população total: municípios que apresentaram percentual de pobres até 20%, de 20% a 25%, de 25% a 30%, de 30% a 35%, de 35% a 45% e acima de 45% (vide Mapas 2 a 5, anexos). 59 A classificação nestas faixas, juntamente com a comparação consecutiva dos mapas, permite a observação da evolução da pobreza desde 1970 a 2000. Utilizadas as mesmas faixas de abrangência para os quatro mapas, pode-se visualizar o deslocamento (troca de faixa) ou estabilidade de cada um dos municípios quanto à melhora ou piora em termos de pobreza de renda. A visualização através destas faixas permite ainda a contextualização dos municípios da região de forma a notar a homogeneidade ou não da situação de pobreza dentro da mesma região de governo ou por áreas de localização geográfica, considerando a classificação pelo percentual de pobres e observando qual município se localiza entre os que comportam os maiores ou menores indicadores de pobreza. Após o mapeamento da incidência da pobreza através dos percentuais de pessoas com renda insuficiente, foram elaborados os mapas relativos à situação na região, das condições de renda dos pobres perante a Linha de Pobreza, medida através dos índices de insuficiência média de renda e também a desigualdade de renda entre os pobres, através do grau de desigualdade na população com renda insuficiente. 3.2.1 Medida da Pobreza através do Percentual de Pessoas com Renda Insuficiente (1970, 1980, 1991 e 2000) A pobreza na região para o ano de 1970 reflete uma situação homogênea em termos dos percentuais de pobreza se considerados seus altos índices, porém, já destacava os municípios de São José dos Campos, Jacareí, Taubaté, São Sebastião, Cruzeiro e Guaratinguetá com a menor incidência de pobreza. Esta menor incidência de pobreza, apresentada para os municípios em questão, confirma a influência do desenvolvimento econômico para a minimização das situações de carência da população em geral. Apesar de a pobreza não ter uma justificativa aceitável, em 1970, a situação que se pode visualizar na região reflete a situação nacional em que o percentual de pobres nas regiões metropolitanas era de 65,3%, nas regiões urbanas não metropolitanas 65,3% e nas regiões rurais 78,6%. Ainda não havia sido consolidado o sistema de políticas sociais nacional de modo que o acesso à proteção social era permitido apenas aos trabalhadores formais de algumas categorias específicas e quem tinha a sorte de participar de projetos assistencialistas da Legião Brasileira de Assistência (LBA), cuja função era a proteção à maternidade e à infância, o amparo aos velhos e desvalidos. Em 1970, das cidades do Vale do Paraíba (mapa 2), apenas Jacareí e São José dos Campos apresentavam percentuais de pobreza abaixo de 50% do total de suas 60 populações, sendo que contavam com 43,24% e 42,44% de pobres, respectivamente. Em 1980 (Mapa 3), houve uma considerável melhora na qualidade de vida da população, com a diminuição dos níveis de pobreza da região, sendo que apenas os municípios de Areias, Cunha, Lagoinha, Natividade da Serra, Monteiro Lobato e Silveiras apresentaram percentuais de pobreza da população maiores que 50%. Os municípios de Bananal, Igaratá, Lavrinhas, Queluz, Santo Antônio do Pinhal, São Bento do Sapucaí, São José do Barreiro e São Luiz do Paraitinga apresentaram uma média em torno de 48% de pobres; o restante dos municípios, ao apresentarem uma média de 24% de pobres em sua população, obtiveram um grande avanço em relação a 1970 quando todos os municípios apresentavam em média 70% de pobres. O desenvolvimento econômico nacional (de 1970 para 1980) favoreceu a todos os municípios da região no tocante ao impacto sobre os índices de pobreza. Houve uma queda média no percentual de pessoas abaixo da linha de pobreza nos municípios da região de estudo, de trinta e nove pontos percentuais (39%), sendo que, entre os mais desenvolvidos, a queda (média) foi de sessenta e oito por cento (68%). O chamado período do milagre brasileiro (década de 70), em que o produto interno bruto (PIB) cresceu numa média de 8,6% ao ano, permitiu a queda nos indicadores de pobreza, sendo que foi observado o aumento da renda para todas as classes de rendimento (ROCHA, 2003). Mesmo considerando que os indicadores de incidência da pobreza diminuíram para todos os municípios, vale lembrar que para os mais desenvolvidos esta queda foi maior. Ao observar que os municípios mais desenvolvidos foram os que mais se beneficiaram da redução da pobreza na década, pode-se considerar que houve aumento da desigualdade na região tendo em vista que o fenômeno de desconcentração da indústria não chegou até os municípios menores de modo a reduzir a participação dos pobres na população total. No ano de 1991 (Mapa 4), os seguintes municípios apresentam percentual de pobres acima de 50 % da população: Areias (72%), Bananal, Cunha e Silveiras (64%), Lagoinha (65%), Lavrinhas (54%), Natividade da Serra (60%), Queluz, Redenção da Serra (53%), São José do Barreiro (57%). Vale destacar que, exceto São Bento do Sapucaí, Santo Antônio do Pinhal, Campos do Jordão, Igaratá e Tremembé, todos os outros municípios da região tiveram aumento do nível de pobreza em 1991, referente à década anterior. Para este ano, o mapa apresenta uma disposição com certa homogeneidade, destacando R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. bem municípios localizados ao longo da rodovia Presidente Dutra, com menores percentuais de pobreza, municípios do Litoral Norte (com São Sebastião apresentando menor índice) e municípios do Vale Histórico e Serra do Mar com os maiores índices. (32,73%) enquanto os municípios mais desenvolvidos – municípios sede das regiões de governo mais Jacareí e São Sebastião – apresentaram queda média de 23,77%, com menor queda para São Jospe dos Campos (5,28%) e maior para Cruzeiro (34,64%). O impacto da estagnação econômica nacional (de 1980 para 1991) foi maior nos municípios mais desenvolvidos – sedes das regiões de governo mais Jacareí e São Sebastião –, pois neles observou-se aumento médio da incidência da pobreza da ordem de 45% (com maior aumento para Taubaté + 71,02%, seguida de Jacareí, + 62,85%, e São José dos Campos, + 54,50%). Já nos municípios menos desenvolvidos, a incidência pôde ser observada através do aumento médio deste índice de pobreza em torno de 14,62% (com menor aumento para Monteiro Lobato, + 0,14%, e maior para Areias, + 37%). Ao relacionar a população total dos municípios com os percentuais de pobres pode-se visualizar a representatividade de cada município tanto na população total como nos índices de pobreza. Desta forma, consegue-se agrupar os municípios que apresentam situação desproporcional na comparação da população com a quantidade de pobres . Seguindo a tendência nacional, é justificável então o fato de as economias mais industrializadas sofrerem maior impacto referente à estagnação econômica, tendo em vista a maior complexidade de suas estruturas urbanas, provocadas principalmente pela grande aglomeração de pessoas alavancada pelas maiores oportunidades de emprego e condições de vida. Em 2000 (Mapa 5), a média geral da pobreza nos municípios da Região Administrativa de São José dos Campos foi de 29% (percentual de pobres). Das nove cidades que apresentaram percentuais abaixo de 20% de pobres, destacam-se Campos do Jordão, Ilhabela e Guaratinguetá, que, inclusive, demonstraram melhora mais significativa em relação ao ano de 1980. Vale lembrar que os municípios de Campos do Jordão(14,2%), São José dos Campos (15,6%) e Taubaté(15,2%) obtiveram os menores índices de pobreza no período. Os quatro municípios do Litoral Norte abrigam 11% da população total do Vale do Paraíba; porém quando apresentam a classificação dos pobres representando 13,20% do total dos pobres da região é caracterizada uma desproporção. Mesma desproporção é notada para a maioria dos municípios, com exceção para Tremembé, Campos do Jordão, Guaratinguetá, Jacareí, Taubaté, São José dos Campos, São Sebastião e Caçapava. Estes oito municípios apresentam menor percentual relativo de pobres que percentual relativo de população total consideradas as totalizações para o vale. Por serem os municípios mais desenvolvidos, concentram as melhores oportunidades de trabalho e condições de desenvolvimento humano apesar de também concentrarem a maioria dos pobres da região. 4. CONCLUSÃO Com este trabalho conclui-se: Outra observação importante é que alguns municípios não recuperaram seus índices de pobreza aos patamares do ano de 1980, situação à qual se enquadram os municípios São José dos Campos, Taubaté, Jacareí, São Sebastião, Pindamonhangaba, Lorena e Piquete. 1) A proporção de pobres para os municípios do Vale do Paraíba decresceu, passando da média de 68,97% de pobres em 1970 para 28,59% em 2000. A evolução dos índices de pobreza demonstrou melhoria para todos os municípios, porém em patamares bem distintos, contrastando, ao final do período, municípios com baixa proporção de pobres em torno de 14 % com outros que apresentaram percentuais próximos ou acima de 50% de pobres. Apresentaram os mais altos índices de pobreza os seguintes municípios: Areias (49%), Cunha (51%), Lagoinha, Natividade da Serra (44%), Queluz (41%), Redenção da Serra (40%), São José do Barreiro (45%) e Silveiras (43%). Porém, em relação a 1991, a pobreza diminuiu até nestes municípios, pois apresentavam em 1991 índices que variavam de 53 a 72% de pobres. 2) A pobreza na região diminuiu mais por causa das mudanças do sistema de proteção social nacional do que de uma política de desenvolvimento regional. A desigualdade de renda diminuiu ao longo do período, porém esta diminuição se mostrou mais significativa para os municípios com maiores percentuais de pobreza, ou seja, os menos desenvolvidos. O impacto da política econômica nacional (de 1991 para 2000) sobre a incidência da pobreza nos municípios mais pobres pode ser observado através da queda média deste índice de pobreza em torno de (27,69%) com menor queda para Cunha (20,56%) e maior para Lagoinha A mensuração da pobreza pela renda permite visualizar através dos mapas temáticos (Mapas 2, 3, 4 e 5) a situação da pobreza em cada município da região, inclusive podendo classificá-los da seguinte forma: R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. 61 a) Pobreza da população decorrente da pobreza do município, em que são notados municípios com alta incidência de pobreza e posição relativamente baixa em relação ao total de pobres da região. Ocorre nos municípios menores geralmente com população abaixo de 20.000 habitantes e com baixa densidade demográfica. Tais municípios não se desenvolveram economicamente, tendo dificuldade quanto à geração de renda que melhoraria as condições de vida de seus munícipes. b) Pobreza da população decorrente da desigualdade existente no município. Municípios em que contrastam elevados graus de riqueza com situações diversas de pobreza, decorrente dos variados tipos de desigualdades. Tais municípios apresentam baixa incidência de pobreza e alta contribuição para a pobreza absoluta regional, ou seja, comportam grande número de pobres apesar de apresentarem os menores índices de pobreza em relação à população total. 3) O agrupamento dos municípios de forma homogênea inicialmente pode ser estruturado pela sua comparação, tendo em vista a representação de suas populações e incidência da pobreza na população total do Vale. Tal comparação permite a divisão da seguinte forma: Municípios que apresentam percentuais de pobres menores que os percentuais da população total relativos à população total do Vale e municípios que apresentam percentuais de pobres maiores que os percentuais da população total relativos à população total do Vale. Por conseguinte permite a classificação em vários grupos: 3.1 Municípios que apresentam percentuais de pobres menores que os percentuais da população total relativos à população total do Vale (localizados ao longo da rodovia Presidente Dutra): São José dos Campos, Taubaté, Jacareí, Guaratinguetá, Caçapava, São Sebastião, Campos do Jordão e Tremembé. Municípios em sua maioria com população acima de 50.000 habitantes (exceção para Campos do Jordão – 44.000, e Tremembé – 33.000 habitantes), mais próximos da capital, com os menores percentuais de pobreza (Mapa 5). Estes oito municípios representam 63 % da população e 53 % dos pobres totais do Vale em 2000. 3.2 Municípios que apresentam percentuais de pobres maiores que os percentuais da população total relativos à população total do Vale: 3.2.1 Municípios localizados ao longo da rodovia Presidente Dutra e Litoral Norte: Caraguatatuba, Cruzeiro, Lorena, Pindamonhangaba, Ubatuba. Municípios com população acima de 50.000 habitantes, com percentuais de pobreza de 20 a 25% da população total. Os cinco municípios representavam 20 % da população e 26% dos pobres totais do Vale em 2000. 62 3.2.2 Municípios localizados próximos ao município sede da região de governo: Aparecida, Cachoeira Paulista, Igaratá, Ilhabela, Jambeiro, Paraibuna, Piquete e Santa Branca. Municípios em sua maioria com população entre 10 e 35.000 habitantes (exceção para Jambeiro – 4.000 e Igaratá – 8.000 habitantes), e que apresentaram índices de pobreza de 25 a 30% da população total em 2000. 3.2.3 Municípios localizados no eixo que vai da Serra do Mar até Bananal e bolsão de pobreza da Serra da Mantiqueira: Areias, Bananal, Cunha, Lagoinha, Lavrinhas, Monteiro Lobato, Natividade da Serra, Queluz, Redenção da Serra, Roseira, Santo Antônio do Pinhal, São Bento do Sapucaí, Silveiras, São José do Barreiro e São Luiz do Paraitinga. Municípios em sua maioria com população entre 4 a 10.000 habitantes (exceção para Cunha com 23.000 habitantes), que apresentaram índices de pobreza acima de 30% da população total em 2000 e taxas de urbanização, em sua maioria, menores que 50%. Classificados como os municípios com as piores condições de pobreza, representavam apenas 5,7% da população e 11% dos pobres totais do Vale em 2000. Quanto ao nível de atendimento dos serviços básicos, o maior problema na região está relacionado com o provimento do esgotamento sanitário principalmente nos municípios do Litoral, onde o nível de atendimento não chega a 40% dos domicílios e em alguns municípios menos desenvolvidos. O provimento de água encanada apresentou uma média de 95% para os municípios da região, porém novamente os municípios do litoral ficaram abaixo da média com percentuais em torno de 70% dos domicílios. A coleta de lixo apresentou bons indicadores em todos os municípios. Os dados sobre a renda per capita comprovam novamente as diferenças entre os municípios da região divididos por subáreas de localização, onde são notados municípios com renda per capita acima da observada no Estado de São Paulo e municípios com renda muito baixa. Analisando a evolução da renda per capita dos municípios da região de 1991 para 2000, observa-se que as maiores taxas de crescimento da renda ocorreram nos municípios considerados mais pobres, tais como Bananal, Arapeí, Monteiro Lobato etc. Porém, em 2000, ainda havia na região municípios cuja renda per capita não atingia nem a metade da renda per capita do Estado, inclusive municípios entre os quais as taxas apresentaram maior evolução, tais como Arapeí, Lagoinha e Natividade da Serra. 4) O desequilíbrio regional se perpetua por causa do modelo de desenvolvimento econômico concentrador de investimentos apenas nos municípios mais desenvolvidos. A atração dos investimentos para os municípios que já possuem mercados bem estruturados causou um R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. esvaziamento dos municípios menores, não permitindo o seu desenvolvimento. O processo de industrialização no Vale do Paraíba se concentrou nas cidades localizadas mais próximas à Capital do Estado ao longo da Rodovia Presidente Dutra (importante canal de escoamento para a produção) e tem como pólo regional a cidade de São José dos Campos. A cidade se constituiu em pólo regional pelo fato de ter recebido a partir da década de 50, diversos investimentos do governo federal na área da tecnologia, o que serviu de incentivo para o grande atrativo tanto populacional, como de investimentos. A cidade de São José dos Campos e outras cidades localizadas ao longo da Rodovia Presidente Dutra (Jacareí, Caçapava, Taubaté, Lorena, Guaratinguetá e Cruzeiro) se tornaram atrativos para a migração, causando um esvaziamento (ou não desenvolvimento) das outras cidades do Vale em termos populacionais e conseqüentemente das economias locais. 5) A orientação deste estudo indica a necessidade de propostas por parte dos governos das instâncias superiores, pois a maioria dos municípios não conseguirá, com recursos próprios, tornar-se atrativa para os investimentos da iniciativa privada. Os investimentos deverão visar à questão social se pautando pela busca da diminuição da desigualdade, tanto entre as economias municipais quanto à desigualdade entre os cidadãos em termos absolutos. Quanto à busca da diminuição das desigualdades na região, com certeza os municípios mais pobres dependem de subsídios que demonstrem o esforço do governo estadual com a finalidade de provê-los de infra-estrutura mínima para atendimento à sua população com vistas na diminuição da pobreza. As necessidades são notadas de acordo com os dados apresentados, percebendo-se carências nos diversos setores, tais como saneamento básico, saúde e educação. Para o efetivo combate à pobreza, a forma recomendada é a articulação entre programas e políticas sociais que visam ao alívio da pobreza e os que podem contribuir com a superação da pobreza. No primeiro caso - o de alívio da pobreza – há a necessidade de focalização sobre os grupos mais vulneráveis, pois tem um caráter mais imediato, e deverá considerar a urgência de minimizar as graves carências da população visando prover as necessidades básicas de sobrevivência; principalmente as que influenciam nas condições de saúde, tais como ações que combatam a mortalidade infantil e a fome. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. Já no segundo caso - o da superação da pobreza – trata-se de políticas voltadas para a construção de um novo modelo de desenvolvimento econômico, que priorize o crescimento econômico com eqüidade social e no qual as políticas econômicas assumam também a dimensão de políticas sociais. As ações públicas na área social passam a ter de buscar a articulação entre aquelas de curto prazo, de caráter mais imediatista, focalizadas nos grupos identificados como os mais despossuídos, e aquelas de longo prazo, de caráter permanente, universalizantes, voltadas para a eqüidade do acesso dos cidadãos aos direitos sociais, independentemente do nível de renda e da inserção no mercado de trabalho. 6) Considerando que a região sofre os impactos das políticas econômicas nacionais, vale destacar que para a distribuição de recursos e implementação de projetos federais ou estaduais, tanto a caracterização das condições de atendimento com serviços básicos (saneamento, educação, saúde) para cada município, como a caracterização de subáreas homogêneas contribuirá para atuação no sentido de buscar o desenvolvimento com a implementação de programas adequados à região. A análise da pobreza e das tendências referentes à atuação de governo através de políticas sociais poderá auxiliar os planejadores no desenvolvimento de programas que visem à minimização da pobreza e também chamar a atenção para a necessidade da diminuição das desigualdades entre os municípios através de investimentos que aqueçam as economias locais, com vistas em um desenvolvimento econômico homogêneo da região, o que permitirá um esforço conjunto em busca da erradicação da pobreza. REFERÊNCIAS ACTIONAID: As faces da pobreza no Brasil: programa de trabalho. Rio de Janeiro, Actionaid. 2000. ATLAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO NO BRASIL, Rio de Janeiro: Fundação João Pinheiro, 2002. BARROS, R. P.; HENRIQUES, R.; MENDONÇA, R. Desigualdade e Pobreza no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 15, 2000. BARROS, R. P.; HENRIQUES, R.; MENDONÇA, R.. Pobreza e Política Social. São Paulo: Konrad-adenauerstiftung, 2000. BARROS, R.P.. Evolução recente da pobreza e da desigualdade: Marcos preliminares para a política social no Brasil. Brasília: UNB, [Seminário nº 01/00, 2000]. 63 BORGES, L. S. Mapa da pobreza urbana de São José dos Campos/SP-2000. Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e Regional) – Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento, Universidade do Vale do Paraíba, 2003. Cadernos do Fórum São Paulo Século XXI. Pensando São Paulo. São Paulo: Assembléia Legislativa do Estado, 2000. CAMARA, G.; SOUZA, R. C. M.; FREITAS, U. M.; GARRIDO. SPRING: Integrating remote sensing and GIS by object-oriented data modelling. J Computes & Graphics,v. 20. São José dos Campos, May-Jun 1996. CAMARGO, J. M.; GIAMBIAGI, F. Distribuição de Renda no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2000. CAMARGO, J. M. Gastos Sociais: Focalizar versus Universalizar. IPEA políticas sociais – acompanhamento e análise 2003. CASTELLS, M.; MAJER, R. V. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. CODIVAP. Caracterização e avaliação dos conhecimentos existentes sobre a região do Vale do Paraíba e diagnósticos resultantes. Pindamonhangaba: Codivap, 1972. COSTA, E. V. Da Monarquia à República: momentos decisivos. São Paulo: Grijalbo,1977. DEÁK, C.; SCHIFFER, S. R. O processo de urbanização no Brasil. São Paulo: Edusp, 1982. DEL GROSSI, M. E.; SILVA, J. G. da; TAKAGI, M. Evolução da pobreza no Brasil, 1995/99. Campinas: UNICAMP, nov. 2001. [Texto para discussão nº 104 IE] DRAIBE, S. M. O sistema brasileiro de proteção social – o legado desenvolvimentista e a agenda recente de reformas. Campinas: Cadernos de Pesquisas, Unicamp, n. 32, 1998. DUPAS, G. Economia Global e Exclusão Social. São Paulo: Paz e Terra, 2001. ENGELS, F. A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Global, 1986. ESPECIAL Responsabilidade Social. Revista Carta Capital. São Paulo: Edição Especial, Dez. 2003. FERNANDES, F. A Revolução Burguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. Fórum São Paulo Governo Presente. Região Administrativa de SJC. São Paulo: Assembléia Legislativa, 2000. 64 FUNDAÇÃO SISTEMA ESTADUAL DE ANÁLISE DE DADOS. Índice Paulista de Responsabilidade Social. São Paulo: SEADE, 2002. GONÇALVES, M. F.; BRANDÃO, C. A.; GALVÃO, A. C. Regiões e Cidades, cidades nas regiões. O desafio urbanoregional. São Paulo: Editora UNESP: ANPUR, 2003. HOBSBAWM, E. Os Trabalhadores: Estudos sobre a história do operariado: Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. HOFFMANN, R. Distribuição de Renda, Medidas de Desigualdade e Pobreza. São Paulo: Edusp, 1998. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Perfil dos municípios brasileiros: gestão pública 2001 / Coordenação de População e Indicadores Sociais. - Rio de Janeiro: IBGE, 2002. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Sistema de Recuperação de informações Georreferenciadas (Estatcart). Rio de Janeiro: IBGE, 2003. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA . Base de Informações Municipais. Rio de Janeiro: IBGE, 2003. INSTITUTO DE ESTUDOS DO TRABALHO E SOCIEDADE. Dados sobre a pobreza através da renda. OSCIP MJ - 08000.017265/2000-67. Rio de Janeiro: IETS, 2003. INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS APLICADAS. Relatório sobre o Desenvolvimento Humano no Brasil 1996. Brasília: IPEA/PNUD, 1996. INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS APLICADAS. Redes Urbanas Regionais: Sudeste. IPEA, IBGE, UNICAMP/IE/NESUR, SEADE. Brasília: IPEA,2001. [Série Caracterização e Tendências da Rede Urbana do Brasil] KASSOUF, A. L. et al. Análise das políticas e programas sociais no Brasil. Brasília: OIT / Programa IPEC América do Sul, 2004. LAVINAS, L; CARLEIAL, L. M. da F.; NABUCO, M. R. Reestruturação do Espaço Urbano e Regional no Brasil. São Paulo: Editora Hucitec ANPUR 1993. Lei nº 10.219 -Programa Nacional de Renda Mínima vinculada à educação – “Bolsa-Escola”, Lei nº 10.219, Brasília, 2001. Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). Lei no 9.720, Brasília: 1998. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. LOPES, J. R. B. Brasil 1993: Um estudo socioeconômico da indigência e da pobreza urbana. Campinas: Caderno de Pesquisa, Unicamp, n. 25, 1993. LOPES, J. R. Políticas sociais e o reordenamento institucional e público em regiões de desenvolvimento da sociedade brasileira. Taubaté: NIPPC- UNITAU 2004. MAGALHÃES, V. Diferenças entre os conceitos de Política Social. Revista Primeira Leitura, São Paulo, v., n., p., 2003. PLANO Regional do Macro Eixo Paulista. São Paulo: Secretaria de Economia e Planejamento do Estado, 1978. PLUM, W. Discussão sobre a pobreza das massas nos princípios da industrialização. Bonn: Friedrich-ebertStiftung,1979. POCHMANN, M. O emprego na Globalização. São Paulo: Bomtempo, 2001. POCHMANN, M.; AMORIM, R. Atlas da Exclusão Social no Brasil. São Paulo: Cortez, 2003. RELATÓRIO da Pobreza no Brasil. Brasília: Congresso Nacional, 1999. SANTOS, M. Espaço e Método. São Paulo: Nobel, 1997. SCHUARTZMAN, S. Os paradoxos da pobreza no Brasil. Disponível em http://www.google.com. Acesso em 2001. _______. As causas da pobreza. Rio de Janeiro: FGV, 2004. SILVA, E. R. da; SCHWARZER, H. Proteção social, aposentadorias, pensões e gênero no Brasil. Brasília: IPEA, 2002. [Texto para discussão nº 934] SINGER, P. A Crise do milagre: Interpretação crítica da economia brasileira. São Paulo: Paz e Terra, l989. _______. Desenvolvimento econômico e Evolução Urbana Nacional. São Paulo, 1977. _______. Globalização e Desemprego, Diagnósticos e Alternativas. São Paulo: Contexto, 2001. SPOSATI, A. Vida Urbana e Gestão da Pobreza. São Paulo: Cortez,1998. SPOSITO, M. E. Capitalismo e Urbanização. São Paulo: Contexto, 1999. RICO, E. M. Avaliação de Políticas Sociais:Uma questão em debate. São Paulo: Cortez ,2001. THEODORO, M.; DELGADO, G. Política Social: Universalização ou Focalização – Subsídios para o debate. Brasília: IPEA, 2003. [IPEA, políticas sociais – acompanhamento e análise] ROCHA, S. Pobreza no Brasil, afinal, de que se trata? São Paulo: FGV, 2003. VALADARES, L.; COELHO, M. P. Governabilidade e Pobreza no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. SALAMA, P.; VALIER, J. Pobrezas e Desigualdades no 3º Mundo. São Paulo: Nobel, 1997. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. 65 ANEXO Mapa 1- Localização do Vale do Paraíba Mapa 2 - Percentual de pobres no município 1970 (Linha de pobreza de meio salário mínimo per capita) Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IETS, 2003. 66 R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. Mapa 3 - Percentual de pobres no município 1980 (Linha de pobreza de meio salário mínimo per capita) Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IETS, 2003. Mapa 4 - Percentual de pobres no município 1991 (Linha de pobreza de meio salário mínimo per capita) Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IETS, 2003. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. 67 Mapa 5 - Percentual de pobres no município 2000 (Linha de pobreza de meio salário mínimo per capita) Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IETS 2003. Nota: os dados para os municípios Arapeí, Canas e Potim foram extraídos do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2000, da Fundação João Pinheiro. 68 R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. Impactos Espaciais da Transformação na Estrutura Produtiva Dayana Nogueira * Resumo: As questões apontadas neste artigo tentam explicar, em parte, as mudanças processadas na rede urbana regional brasileira nas últimas décadas, que passou a ter como principal característica o crescimento de um número significativo de cidades médias que estão, muitas delas, compondo regiões metropolitanas ou aglomerações urbanas e concentrando parcela crescente da população. Esse processo é aqui analisado com base nas transformações da estrutura produtiva decorrentes, em grande medida, do processo de reestruturação produtiva. Palavras-chave: Estrutura produtiva, reestruturação produtiva, hierarquia urbana. Abstract: The questions pointed in this article try to explain, in part, the processed changes in the Brazilian regional urban net in the last decades, that started to have as main characteristic the growth of a significant number of medium cities that are, many of them, composing metropolitan regions or urban agglomerations and concentrating the increasing parcel of the population. This process, in this article, is analyzed with basis on the transformations of the productive structure, in which major part, are resulted from the process of the productive reorganization. Key words: Productive system, productive reorganization, urban hierarchy. 1. INTRODUÇÃO O período da “Revolução Tecnológica”, de acordo com Santos (1997), causou a mais profunda transformação espacial nos países subdesenvolvidos. Também chamado de “Terceira Revolução Industrial” (SINGER, 2001), este período se consolida, a partir da década de 70, quando se destacam as grandes indústrias e as grandes corporações. É o período da implementação de novas tecnologias, processos informatizados, da robotização e do suporte inovador das telecomunicações no processo industrial. Esta nova era da tecnologia aparece como uma condição essencial para o crescimento. Na Inglaterra, este período encontrou as condições necessárias ao seu surgimento, como o grau de desenvolvimento técnico e condições de acumulação de capital. Spósito (1991) aponta que a revolução industrial, ocorrida na segunda metade do século XVIII, foi muito mais do que decorrência simples da descoberta da máquina a vapor (1769) e dos teares mecânicos de fiação (1767 a 1801), mas devido ao próprio processo de produção que já estava em transformação desde o século XVI. Como observa Carlos (2001), a máquina chegou, * Mestranda em Planejamento Urbano e Regional - PLUR, Univap, 2005. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. não com o objetivo de aliviar o trabalho do homem, mas para baratear as mercadorias, gerando a intensificação do trabalho e transformando o trabalhador em uma parte da máquina. Este processo de evolução continuou com vários modelos industriais, como o de Frederick Taylor, em que a organização científica do trabalho e do controle dos tempos de sua execução era o eixo central do processo (Taylorismo). Com a implementação das linhas de montagens (Fordismo), em que os trabalhadores permaneciam fixos em seus postos de trabalho e os materiais ou peças chegavam até eles através de linhas transportadoras, as operações tornam-se simples e repetitivas, exigindo baixa qualificação e especialização da mão-de-obra. A revolução tecnológica no setor industrial e a globalização trazem a exigência da qualificação e da especialização que passam a ser fatores de sucesso e surgem as terceirizações, reduzindo o tamanho das indústrias e provocando sua evasão para outros centros produtivos regionais. Os avanços tecnológicos trazem consigo uma substituição progressiva da força de trabalho, aumentando o número de desempregados, que outrora eram denominados de “exército industrial de reserva”. Como resultado deste processo tem havido um deslocamento da força de trabalho para os setores do comércio e servi69 ços, e outro contingente tem migrado para o terceiro setor e a informalidade (SINGER, 2001). Junto com a redução do número de postos de trabalho e com o conseqüente aumento do desemprego, os problemas urbanos são ampliados e agravados, tais como, aumento dos lotes clandestinos, ocupação em áreas de riscos e de proteção ambiental, problemas de saneamento básico, além da modificação do perfil sócioeconômico dos municípios e, para muitos cidadãos, como destaca Lefebvre (2001), comprometendo-lhes o direito à cidade e a negação de seu espaço. Nesse processo, o setor terciário teve um significativo crescimento, induzido pelo desenvolvimento da produção industrial, do emprego e do crescimento da população regional, principalmente a partir da década de 1980. Como observa Gonçalves (1998), as transformações surgidas com as novas tecnologias geram mudanças industriais e espaciais. O primeiro caso é dado com a reestruturação industrial que tem como chave a flexibilidade do novo sistema de produção. Esse processo rebate-se no espaço ao provocar alterações sobre as tendências locacionais de empresas e no surgimento de uma nova divisão espacial do trabalho. 2. IMPACTOS ESTRUTURAIS DAS MUDANÇAS TECNOLÓGICAS Com a Terceira Revolução Científica e Tecnológica alteram-se os padrões de localização das empresas ligadas à alta tecnologia (2), em que o desenvolvimento destas depende de fatores locacionais como mão-de-obra qualificada, presença de centros de ensino e pesquisa e infra-estrutura adequada ao setor. A partir desse processo, a atividade produtiva redistribui-se espacialmente, redefinindo o dinamismo econômico das regiões. (1) centros de P&D. Com a maturidade do processo produtivo, a indústria poderia se deslocar para a periferia já que passaria a adotar a produção em massa, necessitando de mão-de-obra menos qualificada e com baixa remuneração. Como destaca Gonçalves (1998), o contexto produtivo da Terceira Revolução Científico-Tecnológica coloca à prova a capacidade de explicação da Teoria do Ciclo Produto, como pode ser observado em algumas das críticas feitas a ela: Sternberg (1996, apud Gonçalves, 1998, p. 18) e Scott e Storper (1988, apud Gonçalves, 1998, p. 18) criticam o padrão invariável de evolução atribuída a todos os setores e a pequena contribuição para o porquê da localização no início do ciclo. Sayer (1986 apud Gonçalves, 1998, p. 18) pondera que a introdução de métodos de produção novos, como o just-in-time, diminui a necessidade de a indústria madura aumentar a escala de produção e procurar local de trabalho barato. Walker (1985, apud Gonçalves, 1998, p. 18) afirma que várias exceções inibem generalizações e condena o determinismo técnico como modo de análise. Uma outra tentativa de explicação da localização das indústrias de alta tecnologia é a “Sinergia de um Conjunto de Fatores”. É identificada uma lista de fatores que são necessários para o desenvolvimento destes setores, entretanto, os fatores são enfatizados de forma diferente pelos autores e de acordo com o caso de estudo. De acordo com a Teoria Clássica de Localização , o custo de transporte, a distância aos centros consumidores e fornecedores de matérias-primas seriam os principais definidores da localização de uma firma. Insumos como trabalho e informação são considerados como ubiqüidades, tendo, portanto, sua importância reduzida. Sternberg (apud Gonçalves, 1998) apresentou a abordagem do “ambiente inovativo”, em que a interação entre atores (firmas, instituições de P&D, setor financeiro e governo local), com o auxílio da proximidade espacial, explicaria a origem do processo de inovação regional. Essa teoria apresenta várias limitações ao descrever apenas as inovações conduzidas por firmas pequenas, tratar pouco das fases posteriores de inovação e apresentar pouca evidência empírica. Entretanto, tem a vantagem de considerar as condições regionais para o surgimento das inovações. A teoria clássica ainda é importante para os setores produtivos baseados em recursos naturais, entretanto, há um consenso de que ela não consegue explicar os fatores locacionais para os setores de alta tecnologia. A Teoria da Organização Industrial ou Especialização Flexível é apresentada em 1996 por Sternberg (1996), mas sua concepção se dá em Scott e Storper (1988) e Storper e Walker (1989). Dentre as tentativas teóricas para explicar o padrão locacional da indústria de alta tecnologia está a Teoria do Ciclo Produto. De acordo com esta teoria, na fase de inovação haveria uma tendência de localização da indústria em regiões com oferta de trabalho qualificado e Segundo esta teoria, a mudança da forma de organização industrial e a liberdade locacional adquirida com as inovações permitem que as novas indústrias intensivas em P&D escolham arbitrariamente o sítio de localização. Assim sendo, a teoria se concentra nas “dinâmicas de (3) 70 R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. organização industrial, especialmente na divisão do trabalho e na conseqüente estrutura de transações entre firmas, e no mercado de trabalho local” (GONÇALVES, 1998). Quando uma empresa é desintegrada verticalmente, o aumento das transações externas às firmas faz com que estas busquem uma maior proximidade no intuito de reduzir os custos das intensas relações inter-industriais. Esse processo acaba por estimular ainda mais a desintegração com a redução do custo de busca e recontratação. O crescimento localizado também é estimulado com as economias de aglomeração geradas a partir da concentração de trabalhadores. Entretanto, existe a possibilidade de surgirem deseconomias como a organização sindical e custos sociais oriundos de um intenso povoamento de uma determinada região sem um respectivo planejamento da parte do poder público. Um dos aspectos negativos dessa abordagem é o fato de diminuir a importância da intervenção estatal para promover o desenvolvimento regional por colocar as indústrias como “produtoras” de regiões e não apontar os fatores que determinam a localização arbitrária das indústrias, ficando a questão locacional em aberto (DINIZ, 1991). Apesar das várias abordagens e críticas, pode-se afirmar que há um relativo consenso quanto a alguns fatores que explicam a origem e o desenvolvimento das regiões de alta tecnologia: ...política industrial, tecnológica, regional, de educação e de defesa, conjunto de trabalhadores qualificados, coincidências históricas (pessoas-chave, por exemplo), acesso a mercados, espírito empreendedor, amenidades, disponibilidade de grandes empresas, interconexões entre empresas intensivas em P&D e os fatores passíveis de serem orientados politicamente como infra-estrutura básica de transportes e de pesquisa e o capital de risco (GONÇALVES, 1998, p. 22). Como agentes do processo de criação da indústria de alta tecnologia, os novos empresários podem ser vistos como spin-offs locais quando um indivíduo que trabalha numa firma, instituição de ensino ou de pesquisa encontra boas vantagens para montar uma firma, uma vez que, sendo um indivíduo qualificado, a tecnologia está incorporada a ele. Esse processo pode ser estimulado por grandes empresas com o intuito de ter fornecedores que invistam em inovações (GONÇALVES, 1998), como fez a Embraer, na região de São José dos Campos, ao incentivar seus ex-funcionários a instalarem pequenas e médias empresas que vieram compor o seu quadro de subcontratadas. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. Além dos novos empresários, Gonçalves (1998) aponta as instituições de ensino e pesquisa - por criarem economias de aglomeração pela transferência de pessoas e de conhecimento - e o governo - ao cuidar da infraestrutura física, presença de instituições, redução de impostos e disponibilização de linhas de capital de risco, por exemplo - como principais agentes do processo inovativo e da criação da indústria de alta tecnologia. 2.1 Aglomeração da Indústria de Alta Tecnologia Os ambientes de aglomeração de alta tecnologia, através de agentes como governos, instituições de ensino e pesquisa e empresas de base tecnológica, são propícios para a realização de pesquisas que possam ser transferidas para o setor produtivo e contribuam para o desenvolvimento regional. Os arranjos institucionais que concentram empresas de alta tecnologia recebem diferentes nomes com base em suas características. É chamada de Pólo Tecnológico uma aglomeração de empresas de base tecnológica, que usam recursos disponíveis nas instituições de ensino e pesquisa e podem se estruturar de modo formal ou informal. Quando há um planejamento e as empresas estão fisicamente reunidas num loteamento urbanizado e sob administração de uma entidade, passa a receber o nome de Parque Tecnológico. Caso a economia da região ou cidade dependa de sua capacidade científica ou tecnológica usa-se a expressão Tecnópole. Por fim, a Incubadora é um ambiente “que abriga empreendedores por determinado tempo, facilitando a transposição de barreiras administrativas, mercadológicas e técnicas de empresas nascentes ou que se transferem para a incubadora” (GONÇALVES, 1998, p. 24). 2.2 Desenvolvimento Regional e Mudanças Tecnológicas Nesse processo de desconcentração, a indústria de alta tecnologia é a que detém uma maior liberdade locacional. Entretanto, para sua instalação é necessária a presença de toda uma infra-estrutura de pesquisa e tecnologia que não está distribuída homogeneamente no País. Assim, o processo histórico de concentração industrial, com desigualdade de potencial de pesquisa e de renda, impede a dispersão da indústria de alta tecnologia. Como observa Gonçalves (1998, p. 39), “todas as evidências demonstram que a indústria de alta tecnologia reforça os limites do processo de reversão da polarização que atenua as desigualdades impostas pelo desenvolvimento regional concentrado”. Mas, deve ser observado que, mesmo diante desse contexto, surgem novas concentrações localizadas que não estão nas grandes cidades. Nos centros urbanos de porte médio existem eco71 nomias de aglomeração e vantagens locacionais adequadas ao desenvolvimento da alta tecnologia, sendo que são neles que estão localizadas as principais experiências de pólos e parques tecnológicos no Brasil (vide Tabela 1). Tabela 1 - Principais Pólos e Parques Tecnológicos no Brasil *Refere-se ao ano de criação do Parque Tecnológico ou, no caso do Pólo, do órgão gestor. Fonte: Elaboração própria com base em Gonçalves (1998) e Censo (2000). 3. REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVAE O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Nos anos 90, processa-se no Brasil uma reestruturação produtiva que, segundo Castro (2001), avançou principalmente no sentido da adoção de métodos modernos de gestão, busca de padrões e gabaritos contemporâneos de produtividade e qualidade, diversificação de produtos com aumento dos investimentos em tecnologia e deslocamento de fábricas para áreas com boa infraestrutura, mão-de-obra e matérias-primas baratas, benefícios fiscais e acesso fácil a grandes mercados. No campo do emprego esse fenômeno promoveu uma intensa redução do contingente de operários industriais. Essa destruição de ocupações é amenizada com a convivência de diferentes gerações de tecnologia e pelo fato de as mudanças introduzidas na organização do trabalho mesclarem-se com as antigas estruturas de cargos e salários. A terciarização, resultado do processo de reestruturação produtiva, tem seus efeitos no território, contribuindo para o surgimento de novas formas hierár72 quicas urbanas ou consolidando as já existentes. O processo de industrialização teve o papel de indutor do desenvolvimento econômico durante o século XX, mas se observou uma reestruturação econômica que se iniciou nos anos 50 e tomou vulto a partir dos anos 80. Contemporaneamente, uma outra transformação está em andamento, agora mais associada ao aumento das atividades de serviços, fenômeno este que se intensificou nas últimas duas décadas do século XX, mas que, enquanto tendência, já vinha se insinuando atrelado ao desenvolvimento industrial desde a década de 1950. Kon (1999) discute o papel das atividades secundárias enquanto indutoras do desenvolvimento para as quais se dirigiriam inicialmente o capital e a mão-de-obra oriundas do meio rural. Nos países subdesenvolvidos, ou em desenvolvimento, após a II Guerra Mundial o imigrante rural dirige-se primeiramente ao setor Terciário, para atividades que não exigem alta qualificação (em alguns casos, o subemprego). Quando adquire maior preparo, pode vir a deslocar-se para o setor Secundário. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. Esse movimento de centralização produtiva e financeira na atividade industrial ganhou intensidade e velocidade após a II Guerra Mundial, e teor como repercussão a distribuição das atividades e da população impulsionada por centros regionais de desenvolvimento. Através da exportação de capital e de uma nova Divisão Internacional do Trabalho, conservando, porém uma desigualdade estrutural já consolidada anteriormente, resultante do monopólio do conhecimento científico e técnico, novas áreas do globo se industrializaram (NPIs - Novos Países Industrializados). Dessa maneira, com a continuidade dos avanços tecnológicos nos transportes e comunicações do pós-guerra, o aparato produtivo das empresas é deslocado para o exterior, para a produção de mercadorias acabadas. Posteriormente, a partir dos anos 60, decorrente dos avanços advindos nas áreas da microeletrônica e da tecnologia da informatização, o processo de produção foi sendo cada vez mais internacionalizado, com o desenvolvimento de cada componente do produto, de cada parte do processo, em uma diferente região mundial. A capacidade de multiplicação das atividades, sob o impulso da industrialização ocorreu de forma concentrada localmente em pólos econômicos, num processo cumulativo, gerando economias de aglomeração. Essa concentração favoreceu a modernização da economia, ao diluir os gastos e os riscos quando as atividades reúnem um fundo comum. Após a II Guerra Mundial, o processo de concentração e centralização de capital exigiu uma reestruturação na administração e no controle das empresas transnacionais, implicando a necessidade da criação de uma rede de empresas de serviços auxiliares que fundamentassem novas formas de organização, configurando uma crescente complementaridade da produção de bens e serviços (atividades financeiras, de contabilidade, de informação, de assessoria jurídica etc.). Quando se passou do paradigma fordista para a produção flexível do modelo toyotista, resultou na dinâmica de rápida elevação da demanda por serviços, sendo que produtores de bens e serviços tiveram de adotar estratégias que visassem à obtenção de inovação tecnológica e adaptação. O desenvolvimento desigual entre algumas regiões é considerado, em parte, como sendo uma conseqüência da reorganização de certas firmas industriais em face da demanda declinante para sua produção e da pressão competitiva, que encorajam a obtenção de melhorias na produtividade do trabalho. As atividades de serviços, em suas formas mais sofisticadas, como serviços industriais, de profissionais liberais, financeiros e de formas superiores de entretenimento foram concentrados em grandes áreas metropolitanas. A teoria das localidades centrais, elaborada por Walter Christaller, em 1933, diz respeito à hierarquia urbana. Segundo sua proposição, existiriam elementos reguladores sobre número, tamanho e distribuição das cidades (apud KON, 1999). Independente de seus respectivos tamanhos, todo núcleo de povoamento é considerado uma localidade central, equipado de funções centrais. Essas funções seriam as de distribuição de bens e serviços para a população externa à localidade, residindo em sua área de mercado ou influência. A centralidade de uma localidade seria dada pela importância dos bens e serviços – funções centrais – oferecidos. Quanto maior fosse o número de suas funções, maior seria a centralidade, sua área de influência e o número de pessoas por ela atendida (Christaller, apud KON, 1999). No contexto das reflexões sobre a “nova hierarquia urbana”, Sassen (1991) defende que, com o processo de globalização da economia concomitante com a dispersão espacial das atividades econômicas, as cidades mundiais passaram a funcionar em quatro caminhos: ... these cities now function in four new ways: first, as highly concentrated command points in the organization of the world economy; second, as key locations for finance and for specialized service firms, which have replaced manufaturing as the leading economic sectors; third, as sites of production, including the production of innovations, in these leading industries; and fourth, as markets for the products and innovations produced (SASSEN,1991, p. 3). As cidades mundiais descritas pela autora (4) funcionam segundo uma nova estratégia independente de seu passado de centros internacionais de comércio, passando por um processo de mudança interna em sua organização espacial e na estrutura social de cada cidade. Desse modo, elas passaram a deter sofisticadas redes de infra-estrutura de serviços para apoiar instituições financeiras e ramos altamente especializados da indústria e do comércio direcionados para o atendimento das demandas de consumidores exigentes. Ainda segundo Sassen (1991), São Paulo tem passado por processos semelhantes aos das cidades por ela analisadas. De acordo com Rezende e Lima (apud SOUZA, R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. 73 2002), São Paulo ocuparia o lugar de uma cidade mundial de hierarquia inferior, sugerindo que as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo poderiam se unir e formar uma grande região urbana global, dando origem a um complexo como forma de “assumir uma posição de destaque na rede de cidades mundiais”. 4. ANOVA HIERARQUIA URBANA O processo nacional de reestruturação produtiva tem implicações sobre o desenvolvimento regional no sentido de reforçar o processo de concentração econômico-populacional nos grandes centros urbanos brasileiros. De acordo com Andrade e Serra (1998), tais implicações territoriais, entre outros fatores, estariam sendo fundamentadas: - pelo aumento da importância das economias externas às firmas nos critérios de localização reinantes na chamada produção flexível, que exige proximidade entre fornecedores (just in time), existência de mão-de-obra altamente qualificada, assim como de sofisticados serviços produtivos, fatores encontrados quase exclusivamente nos grandes centros urbanos nacionais; - pela escolha de uma política de desenvolvimento regional orientada pela eficiência, em prejuízo do conteúdo de eqüidade na distribuição da riqueza nacional; - pela perda da capacidade de investimentos diretos e deterioração dos mecanismos de incentivos, impostos pela política de privatização e pelo tamanho dos compromissos orçamentários com as gigantescas dívidas interna e externa; e - por um planejamento de uma infra-estrutura viária valorizando o escoamento de exportáveis, em detrimento de uma orientação que visa permitir a complementaridade do parque industrial nacional. O crescimento das cidades tem ampliado a divisão de funções urbanas entre algumas cidades e ampliado a atração que alguns centros exercem sobre o território. Nas regiões mais dinâmicas registra-se o fenômeno de cidades articuladas, onde dois ou três núcleos urbanos formam um conjunto com forte grau de complementaridade, dividindo a polarização, espacialidade também denominada aglomeração urbana (IPEA, 2000a). Nas regiões menos dinâmicas, ou estagnadas, o perfil da rede urbana apresenta-se quase sempre com poucos, ou mesmo um único, centros urbanos com importância relativa quanto à centralidade, e que tiveram diminuído seu papel polarizador, à medida que a melhoria 74 da infra-estrutura de transportes gerou facilidades de acesso às regiões metropolitanas ou aglomerações urbanas e aos centros mais importantes e dinâmicos, mesmo que mais distantes (IPEA, 2000a). De acordo com IPEA (2000b), a definição da hierarquia das redes urbanas vem apontar as áreas que manifestam atratividade por períodos longos e que tendem à manutenção. O principal indicador é o crescimento populacional associado com outros como tamanho da população, nível de centralidade, grau de urbanização, PEA (População Economicamente Ativa), densidade demográfica e participação no total do VAF (Valor Adicionado Fiscal). Mudanças nos processos de produção contribuíram para as alterações processadas nas redes urbanas. Dentre essas mudanças Mérenne-Schoumaker (apud Kon, 1999) apontam: - Avanço nas telecomunicações; - Maior mobilidade das pessoas; - Generalização dos serviços; - Redução dos custos de transporte; - Serviços de alto nível prestados às empresas. Segundo Kon (1999), as mudanças têm-se processado de modo a tornar a hierarquia urbana cada vez mais vinculada ao contexto econômico internacional onde “a estrutura da rede urbana aparece de forma menos piramidal” devido ao aumento das relações de complementaridade e às sinergias que vão se desenvolvendo entre os mesmos níveis hierárquicos. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS É no contexto de crise econômica e social associada a uma transformação da natureza, dos agentes e da localização do crescimento que as indústrias enfrentam graves dificuldades, como o esgotamento do mercado e das fontes dos ganhos de produtividade, e assistem ao surgimento das indústrias de alta tecnologia. Mutações, geralmente ligadas ao uso generalizado da informática e dos mais variados meios de comunicação, afetam o processo de produção em praticamente todos os setores da economia. Diante desse novo quadro, o padrão de acumulação passa a ser caracterizado pela busca de modos de produção mais flexíveis, interconectados, e mercados de trabalho fragmentados. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. Os impactos espaciais dessas mudanças são mais bem compreendidos pelas mudanças observadas na organização da hierarquia urbana. Grandes pólos industriais tradicionais entraram em declínio, ao mesmo tempo em que as novas formas de produção encontraram menos restrições na localização de suas atividades. Há um intenso desenvolvimento dos centros urbanos intermediários, relacionado aos circuitos do capitalismo mundial. Este processo ocorre a partir da interiorização do desenvolvimento. Entretanto, há fatores que ainda impedem que esse processo ocorra com maior intensidade e que estão relacionados com os imperativos da organização industrial e à qualidade dos mercados de trabalho. Desse modo é que São Paulo mantém sua posição hierárquica sobre a vida econômica nacional. Se ela perde relativamente o seu poder industrial, aumenta o seu papel de regulação graças à concentração da informação, dos serviços e da tomada de decisões. É a conjugação desses três dados que permite à metrópole paulistana renovar o seu comando em todo o território brasileiro. Desse modo, onipresente no espaço nacional, mediante uma ação instantânea e diretora, pode-se falar numa verdadeira “dissolução da metrópole, já que ela está em toda parte” (SANTOS; SILVEIRA, 2001). CASTRO, A. B. Reestruturação da Indústria Brasileira nos Anos 90: Uma Interpretação. Revista de Economia Política,São Paulo, jul./set. 2001. BONELLI, R. Ensaios sobre Política Econômica e Industrialização no Brasil. Rio de Janeiro, CNI I SENAI, 1998. CARLOS, A. F. São Paulo hoje: as contradições no processo de reprodução do espaço. Scripta Nova Revista electrónica de Geografia y Ciências Sociales, n. 88, maio 2001. CASTELLS, M. Mudança tecnológica, reestruturação econômica e a nova divisão espacial do trabalho. Espaço e Debates, n. 17, p. 5-23, 1986. DINIZ, C. C. Dinâmica regional da indústria no Brasil: início de desconcentração, risco de reconcentração. Belo Horizonte: UFMG/FACE, 1991. [Tese ao concurso de professor titular] EGLER, C. A. G.. Configuração e dinâmica da Rede Urbana. Disponível em: http://www.laget.igeo.ufrj.br/ egler/pdf/Redeur.pdf. Acesso em 10 set. 2005. GONÇALVES, E. Possibilidades e limites para o desenvolvimento da indústria de alta tecnologia em Juiz de Fora. Dissertação de Mestrado, Belo Horizonte: UFMG, 1998. 7. NOTAS (1) A Terceira Revolução Científica e Tecnológica se dá com as transformações que vêm ocorrendo a partir de meados do século XX, decorrentes dos avanços na eletrônica que impulsionaram a informática e as comunicações. Esse processo modificou, além de todos os setores econômicos, aspectos da vida social e política. (2) A expressão “alta tecnologia” diz respeito ao processo de produção que tem como insumo principal o conhecimento e a informática (CASTELLS, 1986). (3) A Teoria Clássica de Localização teve origem com Alfred Weber (Uber den standort des industrien, 1909), e foi desenvolvida posteriormente pela economia neoclássica. IPEA. Caracterização e tendências da Rede Urbana do Brasil: redes urbanas regionais: Sudeste. Brasília: IPEA, 2000a. IPEA. Configuração e tendências da Rede Urbana. Brasília: IPEA, 2000b. KON, A. Novas territorialidades: transformações nas hierarquias econômicas regionais. Revista Pesquisa & Debate, São Paulo, v. 10, n. 1(15), p. 42-76, 1999. LEFEBVRE, H. O Direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001. SANTOS, M. Espaço e Método. São Paulo: Nobel, 1997. SANTOS, M.; SILVEIRA, M. L. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001. (4) Londres, Tóquio e Nova Iorque. 8. BIBLIOGRAFIA ANDRADE, T. A.; SERRA, R. V. O recente desempenho das cidades médias no crescimento populacional urbano brasileiro. Rio de Janeiro: IPEA, 1998. [Texto para discussão nº 554] SASSEN, S. The Global City: New York, London, Tokyo. Princeton: Princeton University, 1991. SCOTT, A. J.; STORPER, M. Indústria de alta tecnologia e desenvolvimento regional: uma crítica e reconstrução teórica. Espaço e Debates, São Paulo, n. 25, p. 30-44, 1988. SINGER, P. Globalização e desemprego: diagnósticos e alternativas. São Paulo: Contexto, 2001. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. 75 SOUZA, C. C. A. de. Área Metropolitana de Belo Horizonte versus Área Metropolitana de Curitiba: um estudo comparativo dos fatores de atração.2002. Dissertação (Mestrado): Cedeplar/UFMG, Belo Horizonte, 2002. SPÓSITO, M. E. Capitalismo e urbanização. São Paulo: Contexto, 1991. 76 STERNBERG, R. Regional growth theories and high tech regions. International Journal of Urban and Regional Research, v. 20, n.3, p. 518-538, 1996. STORPER, M.; WALKER, R. The capitalist imperative: Territory, technology, and industrial growth. New York; Oxford: Blackwell, 1989. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. Religiosidade Popular, o Sagrado e a Modernidade: Relações em uma Sociedade em Transformação Adriano Lopes Saraiva * Josué da Costa Silva ** Resumo: A partir dos conceitos sobre a modernidade e a manifestação do sagrado e do profano discute-se neste artigo o modo de vida de populações ribeirinhas e sua religiosidade representada na forma de festas religiosas, buscando estabelecer as bases para a compreensão deste universo sob o prisma das transformações orquestradas pela modernidade e pelo modo de ver e perceber o mundo das populações ribeirinhas. São utilizados os conceitos sagrado, profano, modernidade e modo tradicional de vida das comunidades da região ribeirinha de Porto Velho, Estado de Rondônia. Palavras-chave: Religiosidade popular, sagrado e o profano, modernidade, populações ribeirinhas. Abstract: Starting from the concept of modernity and the manifestation of sacred and profane, this article discuss the way of life of communities living alongside river and their religiosity represented by religious feasts, seeking to establish the bases for a comprehension of this universe by the point of view of the transformations generated by the modernity and by the way of seeing and perceiving the world of the communities cited above. Using as concepts the sacred, the profane, the modernity and the traditional way of live of communities of the region alongside river in Porto Velho, Rondônia State. Key words: Popular religiosity, sacred and profane, modernity, communities living alongside river. 1. INTRODUÇÃO O modo de vida do Ocidente no atual momento é representado por um deslocamento para império da razão e da racionalidade instrumental, características marcantes e apregoadas pela modernidade. A partir deste contexto é necessário discutir algumas situações inerentes às Ciências Humanas e que fazem parte de um contexto local e regional; que são dois modos de ser no mundo, o sagrado e o profano, bem como o momento no qual estão inseridos estes modos. Dessa forma, refletir a religiosidade e o sagrado num contexto da modernidade não se constitui um problema pessoal e nem de um projeto individual de pesquisa, posto que estes itens fazem parte da condição huma* Mestrando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente – PGDRA/UNIR. Membro do Grupo de Estudos sobre Cultura e Modo de Vida Amazônico – GEP Cultura/CEDSA. E-mail: [email protected] ** Prof. Adjunto do Dep. de Geografia da UNIR. Coordenador do Grupo de Estudos sobre Cultura e Modo de Vida Amazônico – GEP Cultura/CEDSA. E-mail: [email protected] R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. na. Afinal, o conceito de cultura e religiosidade popular tem sua origem no culto e está presente em todas as civilizações, permitindo as mais diversas análises; contribuindo para entender as relações do homem com suas crenças e o modo de relacionar-se em sociedade. Para que se possa compreender com mais facilidade a carga emocional contida nas promessas, festas religiosas, romarias e procissões, dentre outras manifestações que materializam a fé, faz-se mister um estudo pormenorizado da religiosidade popular. Oscar Beozzo, por exemplo, defende a substituição da expressão “religiosidade popular” por “práticas religiosas das classes populares”, do qual, salvo melhor juízo, julga-se lícito discordar, pois o autor insiste em tê-la como exclusivo “patrimônio de classes sociais exploradas e oprimidas” (BEOZZO, 1982, p. 745), desconsiderando que as manifestações de religiosidade popular independem de classe social. Sejam as práticas do catolicismo oficial, sejam as manifestações de religiosidade popular, ambas se sustentam em alicerce comum: a noção do sagrado. A clivagem do “sagrado”, no entanto, é o “nó górdio” não só dos que elaboram as doutrinas que nortearão qualquer ortodoxia religiosa, mas também do estudioso das 77 religiões. Efetuar esse processo de clivagem é sem dúvida difícil. Até meados do século XIX caracterizava-se a noção de “popular” como “a de tudo que representasse o supersticioso, o grosseiro, curioso, vulgar” (CESAR, 1976, p. 7), ou seja, estava adjunto ao termo um caráter de certa forma pejorativo. De qualquer forma, a designação de “popular” é normalmente empregada em relação às classes sociais subalternas, ou aos indivíduos que ocupam uma posição periférica na organização espacial de uma dada sociedade. Refere-se, dessa forma, às manifestações de memória coletiva, aí incluídas a linguagem e a religiosidade. Partindo de uma realidade como a região ribeirinha de Porto Velho, Estado de Rondônia, buscam-se elementos capazes de dar sustentação ao debate estabelecido por este trabalho, visto que estudar a realidade amazônica se constitui um objeto de reflexão privilegiada para qualquer área das Ciências. E quando falamos de sagrado e de religiosidade, fazemos isso no sentido de que não se trata de algo inexistente, impossível, distante ou mesmo separado do que poderia ser pensado como o “resto” da experiência humana, e sim como um fato real, presente e que é revestido de grande importância no modo de vida das populações da Amazônia, visto que o sagrado não é mais místico do que lógico, estético ou político. Inclui todas estas dimensões, mas não se reduz a nenhuma delas. Assim, como outros conceitos, o sagrado também é um produto da criação humana, isto o caracteriza não como um equívoco ou uma crença sem fundamento, mas o legitima e o torna válido como parte do universo mental do homem. O homem que vive na Amazônia tem dentro de suas práticas religiosas mais comuns o catolicismo. Neste universo amazônico é muito comum a crença em superstições e mitos que fazem parte do cotidiano das comunidades situadas à margem dos rios, como as lendas da cobra grande, da mãe da mata, do curupira, e nas crenças como o mau olhado e os encantamentos. Essa é uma religiosidade que tem como um dos pontos fortes a devoção aos santos católicos e da reunião da comunidade em momentos específicos para celebrarem seus padroeiros, transformando-se em eventos que se caracterizam pela realização de festas religiosas ou festejos, como são popularmente chamados na região ribeirinha. Dessa maneira, as comunidades ribeirinhas passam grande parte do ano ora envolvidas com a preparação, ora com a realização ou participação nesses acontecimentos religiosos. No decorrer do artigo nossa discussão se pautará em dois pontos principais: as festas religiosas e as manifestações do sagrado e do profano, relacionando esses eventos com as concepções de modernidade, visto que 78 os conceitos propagados pela modernidade nos dizem que do mundo foram retiradas as concepções sagradas de senti-los e percebê-los, colocando a ciência e o racionalismo como elementos fundamentais na relação do homem com o mundo em que habita. O propósito deste artigo é discutir se este modo de ver o mundo está presente nas comunidades ribeirinhas ou se a modernidade com toda a sua mudança relega as populações ribeirinhas a outro contexto, destinando a estas apenas suas conseqüências e malefícios. 2. O SIGNIFICADO DA MODERNIDADE De modo geral, afirma-se que a modernidade surgiu com o Renascimento e foi definida em relação à Antigüidade, como no debate entre os Antigos e os Modernos. Do ponto de vista da teoria sociológica alemã do final do século XIX e do começo do século XX, do qual derivamos grande parte de nosso sentido atual do termo, a modernidade contrapõe-se à ordem tradicional, implicando a progressiva racionalização e diferenciação econômica e administrativa do mundo social. Na definição de Giddens, modernidade “[...] refere-se ao estilo, costume de vida ou organização social que emergiu da Europa a partir do séc. XVII e que ulteriormente se tornaram mais menos mundiais em sua influência.” (1991, p. 11). Dessa forma a modernidade é construída a cada instante, com a superação de cada etapa histórica, buscando implantar novos conceitos e novos modos de vida. Nesse contexto, Harvey nos diz: “a modernidade, por conseguinte, não apenas envolve uma implacável ruptura com todas e quaisquer condições históricas precedentes, como é caracterizada por um interminável processo de rupturas e fragmentações internas inerentes.” (1993, p. 22). A modernidade é, em suma, a superação do velho, para que possa nascer o novo. Deve ser entendida como uma busca permanente de superação dos velhos valores e de construção de uma outra sociedade. E essa superação passou por vários aspectos da sociedade, desde a estética e a produção da arte, transitando na política e na organização da sociedade, na forma como o homem organiza sua vida, o viver urbano e as conseqüências de se viver na cidade e a mudança operada no modo de produção e na forma de acumulação e de gerar lucro. A modernidade trouxe consigo uma grande fragmentação da sociedade, pois operou a organização do capitalismo industrial e na forma que o homem se relaciona com o outro e com seu universo mental. Este modo de vida pautado no caráter industrial e capitalista acarretou graves distinções na sociedade, na R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. criação de classes sociais e na organização de movimentos que se opunham a esta organização; e, claro, a brutal retirada de parcelas da população que não fazem parte do modo de produção orquestrado pela modernidade. Fala-se de mudança e de ruptura, no entanto estas mudanças não se operam na sociedade, elas se configuram dentro de pequenos grupos; o que vem formando em grande medida um grupo de excluídos. Permanecendo no aspecto social, a modernidade ainda colaborou na transformação de identidades sociais, indo mais fundo e contribuindo para sua fragmentação; formando assim toda uma geração dita moderna que não tem dentro de si aspectos que os integram como sujeitos. Isso é refletido na cultura e no universo mental dos grupos humanos, uma vez que esta fragmentação vem descaracterizando a forma de ver e sentir o mundo, todas as mudanças advindas deste processo de ruptura enfraquecem em grande medida as culturas locais, as populações tradicionais e as manifestações da cultura popular; reduzindo estes fenômenos a reflexos de modos de vida que estão em vias de deixar de existir. Dessa forma, como falar de modernidade dentro de um contexto amazônico e ribeirinho? Como analisar tais conceitos e saber se são benéficos ou maléficos para as populações ribeirinhas? No contexto atual, a modernidade deveria colaborar para a superação de toda a fragmentação que se operou historicamente. Por óbvio, o termo modernidade não tem um significado único. A modernidade, em todo o tempo, sempre traz o novo, que surge para a superação do velho, como já se destacou anteriormente. A modernidade pode trazer à tona os valores antigos para assim buscarmos entendimentos que irão colaborar para a inserção do homem nos diversos contextos, frutos destes processos históricos. 3. FALANDO DO SAGRADO NO CONTEXTO DA MODERNIDADE Há inúmeras definições e referências ao sagrado; vários autores e pesquisadores já se debruçaram sobre o tema nos trazendo grande material de análise; um dos grandes pesquisadores sobre a temática é Mircea Eliade (1988), que vai nos dizer que só o sagrado é realidade de uma maneira absoluta, porque age eficazmente, criando e fazendo durar as coisas; influenciando em grande medida para a forma como o homem organiza sua vida. O sagrado manifesta-se por intermédio da “hierofania” (ELIADE, 1992, 1998), significa dizer que algo de sagrado revela-se na realidade vivida pelo homem. Além disso, Eliade (1998, p. 297) nos explica que a manifestação do sagrado é imposta ao homem, o que implica dizer que o R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. homem que vive nessa realidade não a percebe, ele apenas a vive, ele faz parte dela e dela retira suas crenças. Outro teórico que analisou esse fenômeno do sagrado e do profano foi Èmile Durkheim, que o caracterizam como uma qualidade individual tratada como se fosse dotada de poderes sobrenaturais e divinos. Qualquer coisa, sensível ou supra-sensível pode ser classificada como sagrado (assim como profana), variando de religião para religião. Sagrado e profano são dissociados, mas mantêm uma relação de complementação, posto que onde há a manifestação do sagrado, lá o profano também terá uma manifestação; é uma relação sentida e avaliada pelo indivíduo através de sua religiosidade e de seu universo mental. O que nas palavras de Durkheim pode ser entendida como “... uma divisão bipartida do universo conhecido e conhecível em dois gêneros que compreendem tudo o que existe, mas que se excluem radicalmente...” (1989, p. 72). Tal distinção entre coisas sagradas e profanas seria uma das principais características de todas as religiões, por conta de que, dentro do universo das crenças e das religiões, haverá em grande medida a divisão em dois aspectos, comumente chamados de sagrado e de profano. (DURHKEIM, 1989, p. 492). Esta oposição marca, por exemplo, a percepção do sagrado subordinado por um Deus único e absoluto, reduzível ao âmbito da fé, característica do catolicismo oficial da população brasileira. Esta redução coloca o fenômeno do profano como algo a ser vivenciado longe do “criador”, mesmo que tal fenômeno seja inerente ao sagrado a situação a qual o profano está subordinado é a seu esquecimento e desprezo. Situação muita bem retratada pelo trabalho da geógrafa Zeny Rosendahl, quando nos diz que “... a palavra sagrado tem o sentido de separação e definição, em manter separadas as experiências envolvendo uma divindade, de outras experiências que não envolvam, consideradas profanas” (1999a, p.231). Na atualidade, sobram elementos para se pensar o que foi historicamente uma liberação e uma dignificação, um avanço ou um retrocesso, no que tange ao entendimento do fenômeno do sagrado, visto que o modo de vida moderno leva ao empobrecimento da realidade e da distinção da experiência do campo religioso, reduzindo-o a uma superstição ou crença popular, desprovida de importância e significados. O ser absoluto e a crença nos modismos advindos dos meios de comunicação de massa, levam em grande medida a uma coisificação de “Deus”. Colocando e estabelecendo conceitos e ações que são frutos da ação humana e não da crença e da religiosidade dos grupos sociais. A figura de Deus desponta dentro de um contexto como este, colocando o sagrado em segundo plano, visto que as formas que os indivíduos têm de acreditar advêm da conduta e do comportamento apregoado pelo sistema religioso oficial, ou seja, esse sistema remete o sagrado e o 79 profano para um plano inferior. Este fato nos leva a uma discussão acerca da secularização das crenças e da própria religião. A idéia de um Deus e de uma religião vista sob o ponto de vista da ciência e do modo de produção capitalista coloca o “reino de Deus” substituído pelo “reino dos homens”; em certa medida tal fato irá colaborar para a formação de uma antítese ao sagrado. No âmbito das crenças, essa secularização vem operando de forma poderosa, trazendo para o grande público novas formas de religião ou mesmo outras maneiras de se chegar ao sagrado. É o que nos coloca Leila Amaral (2000) quando nos apresenta o ocultismo, a espiritualidade, o oráculo e demais formas de estar em contato com o sagrado. Todas essas formas muito próximas aos sujeitos e difundidas no meio da população com discursos voltados à cura e ao encontro dos questionamentos que levam os indivíduos à busca incessante de respostas às perguntas clássicas da filosofia e da própria existência do homem. O mundo moderno, secularizado, está repleto de ídolos e deuses não divinos. Mas esta crítica não questionou a economia geral da salvação, nem muito menos a monetarização da fé, ou seja, a lógica que dá sustento tanto à religião quanto à ideologia moderna do trabalho, do progresso e do desenvolvimento. O mundo pautado no trabalho e na acumulação descartou a religião, e com ela o sagrado, porque dentro dos ciclos de desenvolvimento do capitalismo o aspecto religioso foi colocado de lado em função de uma ideologia que buscava a consolidação do projeto da modernidade. (SANTOS, 2001) popular existente nas comunidades amazônicas, é necessário, antes, buscarmos fundamentos para trazer à tona a grande diversidade das crenças e religiosidades existentes no Brasil. Um aspecto importante está ligado à definição de “popular”, visto que já é por demais polêmica ter tal definição, outro aspecto é definir religiosidade popular de uma forma tal que se obtenha unanimidade. Nesse sentido a própria noção de religião popular foi objeto de inúmeras tentativas de definição e de contestações freqüentemente renovadas, chegando até a dar a impressão de um recomeço indefinido dos mesmos equívocos. Porém, ao nos aprofundarmos, encontramos outras noções, designando os grandes componentes da noçãomãe: preces, devoções, peregrinações. Neste caso, torna-se menos complexo um delineamento do termo religiosidade popular, não pelo que ele representa, mas, ao contrário, pelo que não representa, já que está ligado ao universo mental dos grupos humanos. Ademais, a religiosidade popular não é corpo eclesial nem corpo doutrinário, configurando-se em uma religiosidade dotada de razoável independência da hierarquia eclesiástica; incluindo nesse contexto toda a documentação oficial da Igreja e todos os teólogos elaboradores da doutrina. Independência essa ao caráter sistemático do catolicismo oficial, materializada em uma explosão quase íntima ao “sagrado”, humanizando-o, sentindo-o próximo, testando-o e sentindo sua força por métodos criados, não pelo clero, mas pelos próprios devotos, métodos esses que são transmitidos, em sua grande totalidade, oralmente. Em suma, o vivido em oposição ao doutrinal. Dessa forma, a modernidade, o sagrado e suas manifestações ficaram submersos e inibidos, mas não desapareceram, deixaram de ter grande importância para dar lugar a outros tipos de espetáculos, à fábrica, à bolsa de valores e demais fenômenos do capitalismo organizado, como a oposição da cultura de massas e a recusa do contexto social (SANTOS, 2001, p. 85). De toda maneira, a divisão do mundo de forma julgadora e valorativa em profano e sagrado, muito bem destacada por Durkheim, vem de uma das grandes características do sagrado: o fato de este fenômeno ter diversos significados, como transcendental, misterioso e divino. E também porque o sagrado vem colocar ao indivíduo aquilo que ele não consegue definir e nem muito menos nomear, é algo inacessível, ainda que seja parte do universo das crenças e da religiosidade dos grupos sociais colaborando para a manutenção da fé do sujeito dentro de sua comunidade, localidade ou mesmo de toda a sociedade. Diante destes aspectos surge o questionamento: Que fundamentos e razões levam o catolicismo oficial a conviver com as mais variadas formas de religiosidade popular? As causas são várias e diversas, e têm como pano de fundo a implantação da fé católica em Portugal e as condições de seu domínio americano. Inúmeros grupos étnicos implantaram no território português, aberto ao mar e vizinho à África, um vasto caleidoscópio cultural, onde uma religiosidade de caráter híbrido plasmouse ao longo dos séculos, tendo como principais vertentes o catolicismo, o islamismo e as práticas fetichistas africanas, todas permeadas de rituais, feitiçarias e superstições. Somando-se a isto a predominância do caráter rural, tem-se o quadro de uma religiosidade plural, muito mais afeita ao misticismo e à continuidade das crenças pagãs do que próxima a uma religiosidade análoga aos padrões desejados pelas instituições católicas. 4. A RELIGIOSIDADE POPULAR NO CONTEXTO DAS COMUNIDADES AMAZÔNICAS No ambiente amazônico esta relação se deu seguindo os seguintes aspectos e características: Para tecermos comentários sobre a religiosidade [...] A interação dos elementos religiosos 80 R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. processou-se de modo desigual e por etapas que dependeram de fatores diversos, porém específicos ao ambiente amazônico, ou sejam – os recursos econômicos da floresta tropical, a organização das sociedades tribais, as técnicas primitivas de exploração do meio, a influência dos missionários, o caráter do catolicismo ibérico em confronto com a ideologia do aborígine e, finalmente, as características da sociedade mestiça de índios e brancos que emergiu e se desenvolveu na atual sociedade rural contemporânea. (GALVÃO, 1976, p. 7) As manifestações de religiosidade popular vão permear o imaginário do povo brasileiro em suas relações com o sobrenatural, formando-se em nosso país um catolicismo extra-oficial, de caráter pragmático, popular e tributário de superstições tomadas a outras religiões. A este irá se opor ao catolicismo romano, baseado nos preceitos do Clero, na figura da Santíssima Trindade, na figura do indivíduo e nos sacramentos. Já os santos católicos, cada um com sua “especialidade”, serão os companheiros de jornada nesta vida, auxiliando ou impedindo projetos e sendo por conseqüência “recompensados” pelos fiéis com festas, romarias, pagamentos de promessas e procissões, ou então “punidos”, seja com blasfêmias, seja com o não atendimento dos pedidos, seja com “castigos” advindos no não cumprimento das promessas. Dentro da realidade amazônica vamos ter uma religiosidade permeada por vários aspectos. Somados aos que já foram comentados temos o fator indígena e as crenças do caboclo. Estes aspectos, por si só, já são capazes de dar novas características às crenças e ao modo como o homem se relaciona com o sagrado. Nas comunidades amazônicas temos desde os mistérios das encantarias, da pajelança, dos rituais até os momentos efervescentes das festas religiosas e o imaginário das entidades míticas do mundo da natureza. Essa maneira de se relacionar com o sagrado e com o universo das crenças não representa apenas o produto da amalgamação de duas tradições, a ibérica e a do indígena, estas duas fontes são formadoras da religião do ribeirinho da Amazônia, ressaltando que o componente ambiente físico é grande responsável por este fenômeno. (GALVÃO, 1976) Estamos nos referindo às sociedades tradicionais, que têm uma relação com o sagrado e o mundo das crenças caracteristicamente diferente das sociedades modernas. O que nas palavras de Giddens quer dizer que “nas culturas tradicionais, o passado é honrado e os símbolos são valorizados porque contêm e perpetuam a experiência de gerações.” (1991, p. 44). R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. Ainda neste sentido, podemos fundamentar nossos argumentos no tocante às populações tradicionais levando em conta que o mundo do ribeirinho amazônico é orientado pela construção de uma rede de significados manifestos nos símbolos e mitos da paisagem habitada. Nesse momento cabe uma discussão sobre este modo de vida, visto que Antônio Carlos Diegues (1996), com o seu livro “O Mito Moderno da Natureza Intocada”, nos apresenta conceitos que podem ilustrar a realidade descrita neste trabalho. Já que analisar populações ribeirinhas é estar se deparando com um modo de vida tradicional, que possui características próprias como: [...] modo de vida, dependência e até simbiose com a natureza, os ciclos naturais e os recursos naturais renováveis; conhecimento aprofundado da natureza e de seus ciclos que se reflete na elaboração de estratégias de uso e de manejo dos recursos naturais, noção de território ou espaço onde o grupo social reproduz-se econômica e socialmente; importância das atividades de subsistência, ainda que a produção de mercadorias possa estar mais ou menos desenvolvida, o que implica uma relação com o mercado; reduzida acumulação de capital; importância dada à unidade familiar, doméstica ou comunal e às relações de parentesco ou compadrio para o exercício das atividades econômicas, sociais e culturais; importância das simbologias, mitos e rituais associados à caça, à pesca e atividades extrativistas; a tecnologia utilizada é relativamente simples, de impacto limitado sobre o meio ambiente (DIEGUES, 1996, p. 87-88). No contexto das populações tradicionais ribeirinhas a religiosidade é latente. As crenças e os valores religiosos perpassam as instituições oficiais, uma vez que a Igreja não se faz presente na grande maioria das comunidades. Fato muito bem ilustrado por Galvão (1976, p. 3): As instituições religiosas [...] traduzem os padrões sócio-culturais característicos do ambiente regional. Organizado na base do pequeno grupo local, o povoado, o sítio [...], o catolicismo do caboclo é marcado por acentuada devoção aos santos padroeiros da localidade e a um pequeno número de “santos de devoção” identificados à comunidade. (Grifo nosso) E esta devoção é marcada por rituais que são conduzidos por membros da própria comunidade que possuem características que os distinguem dos demais; nor81 malmente são os líderes, as pessoas mais antigas do local ou mesmo aqueles que detêm mais “posses” (recursos econômicos). Assim, percebemos uma estreita relação entre o universo das crenças e das devoções com o modo de vida das populações ribeirinhas e, diante do contexto da modernidade, elas, enquanto populações tradicionais, ainda sustentam este modo de se relacionar com o sagrado, levando em conta que estes aspectos derivam de uma herança indígena e ibérica; resultando daí uma colcha de retalhos extremamente rica e que caracteriza as populações residentes nas áreas ribeirinhas da Amazônia. 5. FALANDO DO CULTO AOS SANTOS E DA MANIFESTAÇÃO DO SAGRADO E DO PROFANO Desde a chegada dos portugueses na costa brasileira e sua entrada no interior do país com o intuito de conquista, exploração e dominação do território, existe registro de festividades religiosas e de devoção aos santos. José Ramos Tinhorão (2000) descreve com riqueza de detalhes o ritual religioso da primeira missa e o contato dos portugueses recém-chegados com os indígenas. A partir daí a inserção do catolicismo e de seus preceitos começou a ser disseminado naquela terra nova. A vinda de missões jesuítas que datam do século XVII para a Amazônia e o contato com os indígenas, com suas crenças e suas devoções, somado a fenômenos que mais tarde vieram a contribuir para o atual formato da religiosidade praticada na região ribeirinha - como é o caso das correntes migratórias do início do fim do século XIX e início do XX - colaboram para originar uma forma de catolicismo que dá ênfase ao culto dos santos, às festas de santos e grupos organizados para realizar tais eventos. Nessa realidade temos os santos padroeiros como figuras de relevada importância dentro do universo das devoções das comunidades; dessa forma, a figura de Deus e Jesus Cristo como entidades sagradas não se destacam tanto como dentro do contexto de populações urbanas. A figura da Virgem Maria assume a imagem de Nossa Senhora que nas comunidades ribeirinhas aparece revestida sob a identidade de santas de devoção de grupos de mulheres e de algumas praticantes de cultos místicos como as benzedeiras e rezadeiras, bem como as parteiras tradicionais que se pegam em oração às suas santas de devoção na hora da realização de seu ofício, o parto. A devoção aos santos e a realização de festas têm características peculiares, posto que existem os santos de devoção que são individuais e existem os santos padroeiros da comunidade. A devoção individual a um santo leva o ribeirinho a prestar suas homenagens de forma isolada; já os santos padroeiros entram no calendário festivo das comunidades. Passam a ser comemorações 82 coletivas de uma crença que perpassa apenas um indivíduo, chegando a congregar toda a comunidade em torno daquele santo. Alguns destes santos, representados por suas imagens, fazem o papel de protetores ou patronos de alguns ofícios desenvolvidos pela comunidade; São Sebastião como santo dos pescadores é bom exemplo desta devoção (GALVÃO, 1976). A imagem de um santo possui grande importância para uma comunidade, visto que “[...] acredita-se que determinadas imagens tenham poderes especiais, capacidades de milagres e de maravilhas que outras idênticas não possuem” (GALVÃO, 1976, p. 29-30). A imagem de Nossa Senhora Aparecida padroeira do Brasil é revestida de uma áurea de misticismo e poderes especiais a ela atribuídos; da mesma forma é na região ribeirinha, as imagens de madeira ou de outro material, tornamse as protagonistas das festividades e para elas são voltadas as crenças e as adorações. Na região ribeirinha do rio Madeira, as populações denominam estas festividades tanto como festas de santo como também de festejos religiosos, dessa forma utilizaremos neste trabalho ambas as denominações. Assim, os festejos se caracterizam por serem manifestações de fé, de agradecimento por benefícios alcançados e renovação dos pedidos feitos à imagem do santo protetor. Podemos considerar que as festas de santo são promessas coletivas que visam o bem-estar da comunidade. Dessa forma “acredita-se firmemente que, se o povo não cumprir com sua obrigação ao santo, isto é, festejálo na época apropriada, ele abandonará a proteção que dispensa. Aqueles que custeiam as despesas das festas têm a convicção que o santo retribuirá esse sacrifício” (GALVÃO, 1976, p. 31). Outra característica que merece destaque é que o ribeirinho cumpre suas promessas por meio de rituais, traduzidos muitas vezes na forma de festas religiosas, almoços comunitários, missas, procissões, novenas, bailes etc. Dessa forma, cada evento deste possui sua própria história e razão de existência, forma única de ser organizado, e sua representatividade para a comunidade varia de grupo para grupo. Nas comemorações dos festejos o sagrado e o profano estão presentes, no entanto diluídos nos vários momentos da festa. A organização do festejo e os vários momentos que dele fazem parte é que vão caracterizar estes dois momentos. O sagrado e o profano são destacados por Eliade (1992, 1998) como modos distintos de ser no mundo, capazes de promover mudanças espaciais. Nesse sentido, Rosendahl (1999b) contextualiza a questão do sagrado e do profano como formador e modificador do espaço, seja de uma comunidade ou de uma cidade. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. O momento da festa religiosa é efetivamente um espaço religioso que não separa o mundo em sagrado e profano; nela tudo é potencialmente sagrado, ainda que não seja eqüitativamente, já que certos lugares, certos tempos e objetos o são mais que os outros. Para Rosendahl (1997, p.125) “o espaço sagrado se revela não somente através de uma hierofania, mas também por rituais de construção e, nesse caso, os rituais representam repetições de hierofanias primordiais conhecidas”. Outro aspecto fundamental é que as festas de santo se constituem em uma das características das populações que congregam da fé católica, pautando-se no caráter socializador, posto que com a realização destes eventos o grupo se encontra, realiza mais atividades em conjunto. O que é destacado por MAFFESOLI (1998, p.112) quando diz que é o “estar-junto à toa” que tem sua importância nas coletividades dos momentos específicos das festas. A partir daí encontramos algumas características essenciais do grupo que se fundamenta, antes tudo, no sentido partilhado. O que nas sociedades modernas não é observado, posto que não há interação comumente entre os estranhos, vemos nas populações tradicionais e nos momentos dos festejos: a comunidade celebrando como um todo (GIDDENS, 1991). O estar-junto é um dado fundamental, pois ele consiste numa espontaneidade vital que assegura a uma cultura sua força e sua solidez específica; dessa forma os elementos que constituem essa cultura solidificam o modo de vida do ribeirinho, já que a festa é ritual, divertimento, mas também modo de ação e resistência do ribeirinho. po unidade e os reunindo em torno de um ritual que reflete o modo como o grupo vê o ambiente no qual está inserido, bem como o seu modo de organizar e traçar as estratégias de permanência do grupo enquanto ribeirinho. O que pode, em certa medida, transparecer como respostas simbólicas e religiosas às mudanças e secularização do sagrado produzido pelos novos valores sociais em voga na sociedade moderna. Tais práticas surgem como maneiras de resistir e manter relações e identidades sociais diante de novas práticas e valores sociais. As festas religiosas realizadas nestas comunidades são exemplificações de uma história cultural na qual há uma impregnação no universo cultural do grupo. Nestes casos os rituais aparecem como manifestações marcadas por atividades coletivas, pela qualidade e quantidade de danças, pelas inúmeras representações e pela celebração em torno da imagem do santo protetor. São verdadeiros encontros de uma unidade primeira, criação que se cria através do seu próprio criador, desde as origens e nas várias histórias culturais. Os festejos religiosos ultrapassam a si mesmos como unidades temporais para religar o visível e o invisível, aquilo que está dentro e fora de um tempo, sempre buscando estabelecer laços comunitários, de identidade étnica e tradição dentro das mais variadas relações de poder. 7. REFERÊNCIAS AMARAL, L. Carnaval da alma – comunidade, essência e sincretismo na Nova Era. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. 6. ANOTAÇÕES CONCLUSIVAS Refletir sobre a modernidade é antes de tudo um exercício de entendimento do modo de vida ligado à cidade, ao trabalho, ao mundo capitalista e ao modo de produção industrial. E nesse contexto falar de religiosidade popular de populações ribeirinhas e da manifestação do sagrado e do profano, reveste-se de significativa importância, visto que essas populações desde os primórdios da história encontram-se à margem desse modo de produção. O universo da religiosidade parece muito tímido em relação à modernidade e suas características, no entanto, é importante buscar os elos de ligação que este processo de mudança e do chamado “projeto da modernidade” trouxe para os grupos sociais que compõem a sociedade. O universo do sagrado e do profano, que desemboca nas festas religiosas, não se caracteriza apenas por prestar homenagens a santos do catolicismo, mas também por servir de momentos de confraternização coletiva entre várias famílias e comunidades, trazendo ao gruR. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. BEOZZO, J. O. Religiosidade popular. Revista Eclesiástica Brasileira. v. 36, n. 168, dez. 1982. BRANDÃO, C. R. Os deuses do povo – um estudo sobre a religião popular. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1986. CESAR, W. O que é popular no catolicismo popular. Revista Eclesiástica Brasileira. v. 36, n. 141, mar. 1976. DIEGUES, A. C. O mito moderno da natureza intocada. São Paulo: HUCITEC, 1996. DURKHEIM, É. As formas elementares de vida religiosa: o sistema totêmico na Austrália. São Paulo: Paulinas, 1989. ELIADE, M. O sagrado e o profano: a essência das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 1992. _________. Tratado de história das religiões. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. 83 GALVÃO, E. Santos e visagens: um estudo da vida religiosa de Itá, Baixo Amazonas. 2. ed. São Paulo, Ed. Nacional; Brasília, INL, 1976. GIDDENS, A. As conseqüências da modernidade. São Paulo: Universidade Paulista, 1991. HARVEY, D. Condição pós-moderna. 2.ed. São Paulo: Loyola, 1993. MAFFESOLI, M. O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa. 2.ed. Trad. Maria de Lurdes Menezes. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998. ROSENDAHL, Z. O espaço, o sagrado e o profano. In: ROSENDAHL, Z.; CORRÊA, R. (org.) Manifestação da Cultura no Espaço. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1999a. p. 231-247. 84 _______. Hierópolis: O sagrado e o urbano. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1999b. _______. O Sagrado e o espaço. In: CASTRO, I.E. de C.; GOMES, P.da C. G.; CORRÊA, R. L. (org.).Explorações Geográficas: percursos no fim de Século. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. p. 119-153. _______. Diversidade, religião e política. I Espaço e Cultura. UERJ, Rio de Janeiro, nº. 11/12, p. 27-32. Jan./ Dez. 2001. SANTOS, B. de S. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2001. TINHORÃO, J. R. As festas no Brasil colonial. São Paulo: Ed. 34, 2000. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. Planos Nacionais e Planos Diretores Urbanos: as Diretrizes da Saúde para o Município de São José dos Campos Vera Lúcia Ignácio Molina * Resumo: Este artigo reconstrói, por meio da pesquisa documental e da análise temática, as relações de ingerência dos planejamentos ou planos nacionais e os planos diretores urbanos de São José dos Campos, no período que se estende de 1970 a 1996, no que se refere às políticas de saúde. Entre os aspectos relevantes encontram-se a ausência de diretrizes para a saúde, a não definição de diretrizes, programas e ações de saúde nos Planos Preliminar/1961 e Setorial/1971, e nem definição dos espaços urbanos para a alocação dos serviços de saúde, mas, mesmo assim, o Governo Local instala o Departamento de Saúde Pública (1970) e inicia a organização da Rede Municipal de Saúde em cumprimento ao Plano de Ação Econômica do Governo (Castelo Branco, 1964-1967), ao Programa Estratégico de Desenvolvimento (Costa e Silva, 1967-1969) e ao Plano Nacional de Desenvolvimento I (Médice, 19691974). Dá-se ampliação do FAMME, do Convênio INAMPS/PMSJC, e a organização de Unidades Médicas e Odontológicas entre 1979 e 1982. Estes programas foram sugeridos pelo Plano Nacional de Desenvolvimento II (Geisel, 1974-1979 e Figueiredo, 1979-1985). A implantação do SUS (1988) indica a obrigação de os municípios organizarem o COMUS e as Conferências Municipais de Saúde, o que foi realizado em São José dos Campos. Retoma-se, neste momento, a questão da Política de Saúde. O PDI I vem contemplar o setor de Saúde, com a definição de metas, programas e ações para os próximos 10 anos e confirmação das exigências da CF/1988. Conclui-se que muito se caminhou no sentido da formulação da Política de Saúde. Dentro do possível, os princípios filosóficos e organizativos da Política de Saúde foram cumpridos e indicam grandes conquistas, mas, na prática, a luta pela autonomia dos recursos materiais e para as decisões políticas permanece até 1996, no nível do discurso, uma vez que a descentralização torna-se tutelada e se perpetuam o controle e a seletividade. Palavras-chave: Gestão em saúde, planejamento, políticas de saúde. Abstract: This article reconstructs through the documentary research and thematic analysis the intervention aspects of the national planning or plans and São José dos Campos urban plan in the period from 1970 to 1996 regarding health politics. Among the relevant aspects there are the lack of guidelines for health, the non-definition of health guidelines, programs and activities in the 1961 Preliminary and 1971 Sectorial Plans and the health urban space non-definition to allocate health services, but, even so, the local government creates the Public Health Department (1970) and starts organizing the municipal health network in accordance with the Government Economic Action Plan (Castelo Branco, 1964-1967), the Strategic Development Plan (Costa e Silva, 1967-1969) and the National Development Plan I (Médice, 1969-1974). FAMME is extended through an agreement with INAMPS/PMSJC and the Medical and Odontological Units are organized from 1979 to 1982. These programs were suggested in the National Development Plan II (Geisel, 19741979 and Figueiredo, 1979-1985). The SUS creation (1988) obligates the municipalities to organize the COMUS and the Municipal Health conferences that took place in São José dos Campos. At this moment, the health politics subject is retaken. The PDI I covers the health sector defining goals, programs and activities for the next 10 years and confirms the CF/1988 requirements. It is concluded that a long way has been taken towards health politics formulation. Within the possibilities, the Health Politics philosophical and organizing principles were accomplished and showed big conquests, but in practice the battle for material resource autonomy and for politic decisions remain until 1996 in the speech level since the decentralization becomes tutored and the control and selectivity are perpetuated. Key words: Health management, planning, health politics. * Professora da Univap e da UNESP. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. 85 INTRODUÇÃO As evidências empíricas têm apontado algumas das limitações impostas aos planos de desenvolvimento pelos planejamentos econômicos estabelecidos pelo Estado Brasileiro, notadamente durante o regime militar de 1964 a 1984, quando a cultura do planejamento parece favorecer o ato de intervenção racional como único instrumento viabilizador do desenvolvimento econômico. Questões como educação, habitação e saúde são, neste período, resolvidas pelo Governo Central, retirando dos Estados e Municípios autonomia para geri-los e gerenciálos, em concordância com seus projetos políticos e programas de governo. A cultura do planejamento emerge na sociedade brasileira pelos idos dos anos 30 quando Getúlio Vargas, durante o período conhecido como Estado Novo, e como conseqüência de uma nova concepção do Estado (RIBEIRO; CARDOSO, 1994), faz uso da técnica e da ideologia do planejamento para propor a renovação, modernização e nacionalização dos espaços urbanos. Utilizando a técnica e a ideologia do planejamento, a cidade do Rio de Janeiro ganha o seu Plano Diretor e, posteriormente, as cidades de São Paulo e de Recife também conquistam a racionalização de seus espaços urbanos, já que a ocupação do solo é decidida, agora, pelos Planos Diretores, que definem o lugar onde os projetos urbanos e sociais serão fixados (RIBEIRO; CARDOSO, 1994). Estando o planejamento presente no processo de formação da sociedade urbano-industrial brasileira, dos anos 30 até o presente momento, decidindo as políticas urbanas, sociais e os programas e as ações dos diversos setores da organização social, parece oportuno questionar sobre as interfaces entre os planos/planejamentos locais e os nacionais e as políticas de saúde propostas pelo Estado Brasileiro. Oliveira (1984) e Ianni (1987) são os autores que indicam com clareza o significado e o desenvolvimento dos planos nacionais (ou plano do Estado, programa capitalista, programação indicativa, como preferem outros autores); Ribeiro e Cardoso (1994) também indicam alguns paradigmas e algumas experiências de planejamentos urbanos no Brasil, na linha de reflexão que trata o planejamento como mecanismos de subordinação das classes populares, usados pelas classes dominantes. Foi nos anos sessenta, tendo o Plano de Metas como marco histórico do uso de estratégias racionalizadas, que a idéia de planejamento se colocou de forma imperiosa como uma das atribuições do Estado para controlar a sociedade civil, inibindo a participação dos seus diferentes segmentos e fortalecendo a participação dos burocratas. O Estado Brasileiro, nestas últimas décadas, tem feito uso do planejamento para impor diferentes pacotes sobre a sociedade civil, para tratar as demandas sociais como uma questão política e para determinar as diversas atividades econômicas. No período que vai de 1950 a 1996, os planos nacionais, e no seu interior as políticas de saúde, são também recomendados pelo Conselho da OEA, já que os projetos, programas e ações de saúde são tidos como essenciais e complementares a qualquer programa de desenvolvimento. Este é o pensamento internacional que se impõe à sociedade brasileira. PLANEJAMENTO E POLÍTICAS DE SAÚDE O planejamento implementa a política do grupo hegemônico uma vez que as ações intervencionistas conduzem àquelas medidas que mantêm o status quo, reforçando as peculiaridades do capitalismo (OLIVEIRA, 1984; IANNI, 1987). ESTADO, SOCIEDADE E PLANEJAMENTO Os planos tornam-se necessários quando as sociedades industrializadas ou em fase de desenvolvimento apresentam demandas crescentes de diferentes ordens e a capacidade do sistema torna-se insuficiente. As demandas sociais acabam gerando as condições históricas necessárias aos atos de intervenção técnica e políticoideológica do Estado, com a intenção de racionalizar a reprodução ampliada do capital. Os planejamentos podem ser pensados considerando o Estado como o aparelho dotado de conteúdo inerente aos interesses da classe dominante; e a concepção de política, nesta perspectiva, acolhe a competição entre possíveis históricos não equivalentes. 86 O planejamento da política de saúde, uma política setorial do planejamento estatal, elaborado nos meandros dos Governos Federal, Estadual e Municipal, é pensado como capaz de resolver os obstáculos organizacionais e, desta maneira, facilitar a satisfação das demandas sociais daquele momento, pois se racionalizam as prioridades e os recursos humanos e materiais. A política social, enquanto um conjunto de medidas encontradas pelo Estado para, a seu modo, resolver os problemas sociais, é inserida no planejamento para propor o bem-estar social pela regulação do sistema econômico, fazendo uso de práticas comuns às sociedades capitalistas contemporâneas, os seja a implantação de uma rede de seguridade. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. De um lado, a política social inserida no planejamento estatal, seja ela qual for, demonstra as disputas efetivas quando se processam as decisões, quando se discute a repartição dos custos e benefícios sociais ou as relações entre os agentes do processo, seus interesses e formas pelas quais se inserem na ordem social. De outro, os embates econômico e político pressionam o Estado a intensificar a seleção de políticas e práticas sociais. As políticas sociais, e particularmente as políticas de saúde, são assumidas pelos gestores como possibilidades de redução das desigualdades sociais, à medida que se expande a rede de serviços de saúde. Mesmo assim, as políticas de saúde, incorporadas ao planejamento urbano, têm estabelecido um sistema de exclusão político-social, mais do que a inclusão das vastas camadas populares (SILVA, 1986; FALEIROS, 1986), já que os planejamentos não definem, com a clareza necessária, os recursos humanos e materiais suficientes à manutenção de uma infra-estrutura viável à rede de serviços de saúde que correspondam às expectativas e aos canais de participação popular. O planejamento de políticas setoriais de saúde, mesmo excluindo vastas camadas da população e ocultando a capacidade de participação política de seus usuários, tem servido para emprestar uma face humanista aos seus gestores. A inadequação entre as propostas do planejamento, especialmente as referentes à saúde, e as ações/ práticas de saúde, resulta num contínuo processo de exclusão político-social, ocultamento da capacidade de participação política e endeusamento dos gestores das políticas de saúde, pela possibilidade de redução das desigualdades sociais, as quais, por fim, se vêem, durante a execução, com a falta de recursos humanos e materiais. Muitas são as explicações sobre as razões desta inadequação (BROWNE E GEISSE, s/d). Entre elas é possível arrolar a falta de perspectivas dos administradores, a escassez de recursos e a instabilidade política, mas existem outras que se encontram fora do processo de decisão como, por exemplo, a educação dos planejadores, responsável pela sua acomodação às benesses do cargo que ocupam na área de planejamento. ticular as de saúde, não elimina a necessidade de planejamento, o que fortalece a racionalização e a ordenação dos serviços públicos e envolve a centralização, mesmo que se ampliem os direitos sociais e o nível de participação dos cidadãos. Descentralizar sem garantias de colocar as informações à disposição dos cidadãos, sem ter a sociedade civil organizada e sem dispor de canais e formas de participação eficientes é, na verdade, retornar à centralização (ARRETCHE, 1995; JACOBI, 1993; BROWNE; GEISSE, s/d). O acesso aos serviços, dificultado por questões burocráticas, deterioração e desprestígio das instituições e pelo aumento da população usuária, coloca o processo de descentralização em risco. A prática do incrementalismo dificulta também esse processo, pois os mecanismos inovadores e os organismos reformistas reafirmam estruturas centralizadoras (JACOBI, 1993; BROWNE; GEISSE, s/d). Os governos, em qualquer um de seus níveis, são chamados a iniciarem a institucionalização da inclusão dos cidadãos no processo decisório e eliminarem aquelas formas particulares de participação (ARRETCHE, 1995; ROSALAVALLON, 1993; TANZI, 1995, apud ARRETCHE, 1995), para fazerem frente ao processo de descentralização. Os programas e as estratégias de descentralização propõem um rearranjo das estruturas político-institucionais. A sociedade brasileira é permeada de uma cultura de planos/planejamentos. Entende-se que facilitam o alcance do desenvolvimento econômico pela racionalização das políticas. Na história recente (1956 a 1996), o governo federal elaborou e colocou em prática dez planos de intervenção no espaço nacional. Entre eles, encontram-se do mais liberal ao mais coerente com a realidade histórica e, daí, aos mais autoritários. A maioria foi substituída tão rapidamente, que não se consegue avaliar quais seriam os resultados se fossem implementados. O Estado, ao tomar para si a responsabilidade de promover políticas sociais descentralizadas, responde à centralização, à medida que as políticas sociais relacionam-se com a reprodução ampliada do capital e desprestigiam as instâncias de representação (JACOBI, 1993; ARRETCHE, 1995). Bierrenbach (1987) elabora uma análise interessante sobre os planos nacionais de 1956 a 1978, indicando os impasses econômicos determinantes na sua elaboração e decidindo o motivo do mínimo interesse concedido aos serviços sociais. Ribeiro e Cardoso (1994), interessados em propor um paradigma para futuros planejamentos urbanos, revisam e classificam os planejamentos existentes no período de 1930 a 1980. Estes são os autores selecionados para orientar a reflexão das interfaces entre os planos nacionais e os três planos de desenvolvimento urbano elaborados para São José dos Campos, naquilo que se refere à política social de saúde. A descentralização das políticas sociais, e em par- Se em nível federal são 10 os planos nacionais R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. 87 implementados entre 1956 e 1996 por 11 presidentes (Fig. 1), em nível local há três planos sendo implementados por 11 elites políticas. Claro que a importância não se centra na quantidade de planos e gestores, mas os números apontam uma descontinuidade em nível nacional, alterando as formas de intervenção nos municípios. A alternância das elites no poder local evidencia tanto os diferentes rumos dados às diretrizes gerais estabelecidas nos planos de desenvolvimento urbano do município, quanto as intervenções no espaço urbano, na implementação de políticas e ações distantes das diretrizes dos planos locais para atender aos interesses do governo central. Os planos de intervenção no espaço nacional divergem em sua fundamentação político-ideológica e em sua preocupação com a política setorial da saúde. De 1956 a 1970, o cenário nacional se vê orientado por quatro planos, dos quais dois são considerados de tendên- cia democrática com bases ideológicas diversas, o Plano de Metas e o Plano Trienal. O Plano de Metas tornou-se conhecido como o primeiro instrumento sistematizado para direcionar atividades geradoras do desenvolvimento. A luta pelo desenvolvimento e a segurança nacional ampliada para a defesa do mundo ocidental o fundamentam ideologicamente. Quanto às preocupações com o social, são inexistentes, a não ser que se considere o treinamento de pessoas como medida social. Durante este período, o município de São José dos Campos não conta com qualquer plano que direcione as atividades humanas no seu espaço. É um período em que a preocupação com o espaço urbano tem início com o convênio estabelecido entre a prefeitura local e o Centro de Pesquisa e Estudos Urbanísticos (CPEU) /FAU/USP, em princípios de 1958. Deste convênio define-se o Plano Preliminar/ 1961 que evolui para o Plano Diretor Integrado/1971. Fig. 1 - Gestores e Planos (1956-1996). OBS.: Os * indicam a substituição dos eleitos pelos vices e destes pelo Presidente da Câmara dos Vereadores, quando se trata dos prefeitos locais; em relação ao governo central indica a substituição por perda de mandato, no caso de Fernando Collor, e, no caso do Sarney, se deu pela morte de Tancredo Neves. O CPEU e a equipe do Escritório Técnico de Planejamento/SJC propõem, também, aos prefeitos locais, a criação de um Consórcio de Desenvolvimento Integral do Vale Paraíba/1963 - CODIVAP - para a execução de 88 obras e serviços visando o desenvolvimento. Para garantir a execução e implementação dos estudos realizados pelo CODIVAP, foram acionados a cooperação de ordem estadual e federal, o apoio dos administradores R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. locais e das Câmaras de Vereadores e os estudos realizados pelo SVP e pelo próprio CPEU. Parece ser uma atitude política isolada e local, mas uma reflexão mais atenta para o espaço brasileiro permite identificar que neste período muitos outros municípios, alguns importantes da Região do Vale Paraíba, adotam o planejamento como forma de enfrentar o desenvolvimento local e regional. A região já era considerada estratégica para o Estado de São Paulo, como prova a existência e os objetivos do Serviço do Vale Paraíba (SVP)/SP. Esta preocupação acentua-se na década de 50, quando o governo federal o percebe como zona de interesse estratégico dedicando-lhe uma atenção especial, quando se fortalecem e se redirecionam os objetivos do agora SVP. O planejamento dos Serviços do Vale Paraíba (SVP ex-SMVP, 1946), em 1960, tem como objetivos: a) a conservação dos recursos naturais e a sua utilização harmônica e integral; b) a reformulação da política atual de exploração agropecuária e florestal; c) a implantação de indústrias básicas de interesse regional; d) o disciplinamento do crédito; e) a melhoria das condições sociais e assistenciais; f) a educação e o ensino (Prefeitura Municipal, PDI/1971, p.18). O SVP assume, a partir de sua reorientação, a responsabilidade de orientar o zoneamento urbano-industrial; melhorar os planos de habitação, que com o surto da industrialização passaram a exigir prioridade de crédito; evitar a crise de energia com a instalação da usina de Caraguatatuba e facilitar o desenvolvimento da rede escolar. No que diz respeito à Saúde, o SVP não ultrapassa a identificação das condições sanitárias insatisfatórias das zonas urbana e rural do Vale Paraíba e a insuficiência dos serviços públicos, graças à pouca capacidade financeira dos municípios. Além disto, a saúde só tem lugar na relação dos objetivos e, assim mesmo, em penúltimo lugar. Nenhuma proposição prática para as demandas sociais, nessa área, é colocada devido ao surto de industrialização. O Plano Trienal é tido como aquele que melhor se aproximou da realidade brasileira, tanto em nível R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. institucional como administrativo. Reconhece as disparidades regionais, a burocratização exagerada, a ausência de uma política bancária, os efeitos negativos da concentração de renda. É o primeiro plano que identifica, de forma clara, a preocupação com o social, quando prioriza a distribuição de renda, o combate à inflação, as medidas sanitárias preventivas de baixo custo e o saneamento básico. Enquanto o governo Goulart acende uma discussão política efervescente, no município de São José dos Campos a discussão se dá em relação à necessidade de um planejamento regional que dê conta de questões comuns aos diferentes municípios do Vale Paraíba; a necessidade de um Consórcio de Desenvolvimento Integrado do Vale Paraíba - CODIVAP - para ganhar força junto aos governos federal e estadual e assim conseguir verbas com maior facilidade e, ao mesmo tempo, vencer as resistências do prefeito municipal recém-empossado, Dr. José Marcondes Pereira, ao planejamento do espaço do município. O CODIVAP é o primeiro consórcio para o Desenvolvimento regional. Foi apresentado pelo município de São José dos Campos como tese no VI Congresso Nacional dos Municípios realizado em junho de 1963. Entre os problemas arrolados como prioritários encontram-se a saúde e os serviços públicos, e para resolvê-los acionava o governo “(...)através de concessão de crédito preferencial àquelas atividades que se realizem consoante o plano. Assim, seriam concedidos, prioritariamente, créditos às indústrias, planos de habitação e serviços públicos que se enquadrassem no planejamento” (PMSJC/PS/PDI/1971). Com tantas discussões e dificuldades, o primeiro plano para o espaço urbano do município de São José dos Campos - Plano Preliminar/61 - iniciado em 1958 na gestão do Prefeito Elmano Ferreira Veloso, fica pronto em 1960 e começa a orientar o espaço joseense em 1961, assim permanecendo até 1970. O documento focaliza as necessidades políticas locais na implementação, sem, contudo, fazer qualquer alusão à saúde, seja em termos de espaços físicos destinados a programas e ações, seja em termos de diretrizes que norteiem as decisões futuras. A grande preocupação do Plano Preliminar/61 é com a área central e nela o centro cívico. No período que se estende de 1964 a 1970, dois outros planos nacionais, o Plano de Ação Econômica do Governo - PAEG - e o Programa Estratégico de Desenvolvimento - PED - iniciam a centralização das decisões políticas. O poder local garante a preparação de um segundo plano, inicialmente como Estudos e Planos 89 Setoriais, e que evolui para o Plano Diretor Integrado/ 1971 - Lei n.o 1623/71. O PAEG e o PED inauguram a coordenação do espaço nacional sob a guarda do regime revolucionário. O PAEG é utilizado como instrumento de legitimação e, para tanto, conta com representantes das diversas camadas sociais no Conselho Consultivo de Planejamento. A política de Produtividade Social relaciona os componentes sociais aos componentes de produção. Tem-se o Estado como guardião do capitalismo (KUENZER; CALAZANS; GARCIA, 1990). Sem um diagnóstico abrangente da realidade, com a setorização do social e com o social subordinado ao econômico, o plano é implementado com a intenção de restituir o clima de tranqüilidade ao País. O PED recomenda a transição da economia de substituição de importações para uma economia diversificada, o combate à inflação e o fortalecimento da empresa privada. Este é o conceito de desenvolvimento no governo Costa e Silva. No PAEG, a Política Social de Saúde orienta a instalação de centros comunitários e a normalização de iniciativas públicas e privadas. No que toca à área de saneamento básico, a proposta é aumentar a rede de abastecimento de água e esgoto, e na área de Previdência Social é reformular a base organizacional. No PED, a dimensão do social aparece por meio das diretrizes que sintetizam a “Meta-Homem”. A saúde se apresenta em três grandes linhas: assistência médicosanitário-hospitalar, saneamento básico e combate às doenças transmissíveis. A Política Previdenciária cumpre a tarefa de unificar os antigos institutos no Instituto Nacional de Previdência Social -INPS. O social é a tônica do Plano Trienal. Já nos dois planos subseqüentes, PAEG e PED, a dimensão do social, e particularmente a política de saúde, encontra-se presente como medida intervencionista e setorizada para colaborar com o desenvolvimento econômico. De um lado é a subordinação do social ao econômico, de outro favorecer o social é diminuir as tensões sócio-políticas. O compromisso com o social, presente no Plano Trienal, alcança o município na atitude, em princípio particular, do prefeito Dr. Marcondes, em colocar à disposição da população os serviços da Farmácia Comunitária e a Casa da Criança. Até os anos setenta nada mais do que isto é realizado. O município torna-se, em 1970, área de Segurança Nacional dada a presença, em seu território, do Centro Técnico Aeroespacial, do Instituto Nacional de Pesqui- 90 sas Espaciais e da Empresa Brasileira de Aeronaves; e também devido à sua localização geográfica, próxima ao Porto de São Sebastião, fronteira com o Estado de Minas Gerais e localizada entre os dois eixos econômicos: Rio de Janeiro e São Paulo. Como município de Segurança, o poder local de São José dos Campos era assumido por prefeitos nomeados pelo governo central. Durante as gestões do Dr. Sérgio Sobral de Oliveira e do Eng. Ednardo J. de Paula Santos encontrava-se em vigor o Plano Diretor Integrado/71 (PDI/71). O documento trata, basicamente, da transformação física do espaço urbano, sugerindo uma legislação de ocupação do solo sem, no entanto, tratar das questões da saúde pública. Embora o PDI/71 deixe de lado as questões referentes à saúde, é sob as administrações nomeadas pelo governo central que o município coloca à disposição de seus habitantes o Fundo de Assistência Médica e Medicamentosa (FAMME), o Departamento de Saúde Pública, as primeiras Unidades Básicas de Saúde e o Pronto Socorro “Dr. Carlino Rossi”. Estrutura-se, desta forma, a Rede Municipal de Serviços de Saúde. Pode-se presumir, sem correr grandes riscos, que a Rede Municipal de Serviços de Saúde sintoniza-se com a centralização política iniciada com o PAEG e PED e continuada com os dois Planos Nacionais de Desenvolvimento (I PND, 1969, e II PND, 1979). Deste período, década de 70, data a criação do Sistema Nacional de Saúde com a tarefa de integrar as ações estatais; cria-se o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Política Social (SINDAS,1978), para reorganizar as atividades finais e o Instituto Nacional de Assistência Médica de Previdência Social (INAMPS), para coordenar as atividades médicas. A importância dada à saúde, pelos equipamentos sociais colocados à disposição e pelos serviços instalados, tanto em nível federal como local, relaciona-se com o desenvolvimento econômico. É o intervencionismo estatal no setor da saúde. Melhoram-se os seus serviços, mas inibe-se a emergência da cidadania, mesmo a chamada cidadania de sobrevivência (SPÍNOLA, 1992; SANTOS, 1979). Os índices de miséria continuaram elevados. Os índices de desigualdade social não foram diminuídos. Não se pode chamar as instalações de serviços e equipamentos sociais como Política Social de Saúde, já que não se reconhece como tal a implementação de medidas meramente compensatórias. Pelo fato de essas medidas não redistribuírem renda e nem privilégios, e não efetivarem o acesso dos cida- R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. dãos aos serviços públicos, elas não devem ser consideradas como Política Social de Saúde. Estas são algumas das razões que levam Oliveira (1984) a reconhecer o Estado Brasileiro como um Estado Malfeitor. A preocupação é ofertar serviços para assim financiar, por fundos públicos, a reprodução da força de trabalho. No período que se estende de 1978 a 1992, São José dos Campos contou com oito prefeitos municipais. Todos eles tinham à sua disposição o mesmo planejamento de desenvolvimento urbano: o Plano Diretor Integrado/71 (PDI/71). A alteração das elites de poder, assunto que será tratado mais adiante, vai favorecer o privilegiar da política setorial definida pelos governos federal e estadual, facilitando desta maneira a arrecadação dos recursos necessários, sem que estas diretrizes estivessem contidas no Plano Diretor Integrado/71 (PDI/71). O documento Plano Setorial/Plano Diretor Integrado (PS/PDI/71) não contém políticas para a saúde. Ele prioriza a transformação física do centro urbano. Em nível nacional, o I PND legou os programas do PIS e do PASEP que visavam, como proposta social, assegurar a participação do trabalhador na renda nacional, e priorizou, também, mediante a criação de pólos de desenvolvimento, a descentralização econômica e a articulação regional. O II PND, reorganização da intervenção do Estado na Saúde, manteve os programas sociais como forma de remuneração indireta e deslocou a Previdência Social para o Ministério da Previdência e Assistência Social. O II PND influi na forma do espaço nacional à medida que utiliza os conceitos de concentração de investimentos em pontos estratégicos do espaço e de controle da administração municipal. É o início da ingerência do governo federal sobre as prefeituras municipais, tanto “por via do controle financeiro (...), mas também pelo sistema de planejamento” (SERRA, 1991). O resultado é a negação da racionalidade à autoridade local. A racionalidade encontra-se na esfera federal, e “passa a ser monopólio dos donos do poder” (SERRA, 1991), e a “(...)centralização das decisões é necessária, pois os diversos agentes econômicos e políticos poderão não obedecer às diretrizes do ‘plano’ ” (SERRA, 1991, p. 148). Como resultado da ingerência do governo federal sobre os municípios, os Planos Regionais e os Planos Locais ou Setoriais, também chamados de Planos Diretores, refletem os conceitos desenvolvidos nos Planos Nacionais - centralismo, hierarquismo, ausência de participação popular - as propostas da área na qual se instala R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. o município; como deveriam ser cumpridas as recomendações dos Planos Regionais e as três condições obrigatórias, que são a: “(...)criação de um órgão executivo do plano, atuação do Conselho de Desenvolvimento Regional junto às esferas dos governos estadual e federal e aos próprios municípios da região; [e]interesse dos municípios e da população da região, no sentido de implantar as diretrizes do plano, gerando cooperação e apoio a nível comunitário” (SERRA, 1991, p. 135), os municípios brasileiros foram coagidos a elaborar os seus planos diretores. As cooperações e apoios das esferas estadual e federal eram facilitadas para aqueles municípios cujos Planos Diretores cumprissem as diretrizes dos Planos Nacionais. O poder local, ao solicitar empréstimos junto aos órgãos oficiais para a execução do Plano Diretor, termina por aceitar a ingerência desses órgãos em cada uma das etapas do plano. Os chamados Planos Regionais tornam-se esforços conscientes de construção do sistema de planejamento integrado, procurando incluir as grandes diretrizes referentes às áreas de concentração e de desconcentração em nível estadual e metropolitano. Reconhecem e intervêm no planejamento municipal ao fazerem recomendações em nível local. O Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado/ 95 (PDDI/95), que racionaliza o espaço do município de São José dos Campos, embora não especifique nem detalhe as áreas do território, ordena os aglomerados e os investimentos sobre eles em conformidade com a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU) (Ministério do Interior: Resolução n.º 0003/1979). As políticas setorizadas, a preocupação com a região do Vale Paraíba, a insistência num macroplanejamento, o fortalecimento de uma Secretaria de Planejamento com um setor de pesquisa de alta qualidade, são alguns indicadores da presença da PNDU sobre a política de planejamento do município de São José dos Campos. Em se tratando de serviços de saúde colocados à disposição da população local, o primeiro governo Bevilacqua (1978, I Gestão) fez os melhores investimentos garantindo a ampliação da Rede Municipal de Saúde, mesmo interrompido por duas vezes: a primeira pela sua saída para disputar uma eleição para o legislativo, a segunda quando o vice-prefeito, Francisco Ricci, retira-se do cenário por desentendimentos políticos e viabiliza o 91 acesso ao poder local do então presidente da câmara dos vereadores, José Luiz de Almeida. A Secretaria Municipal de Saúde, a partir daquele momento, passa a contar com uma estrutura física e uma organização de serviços que se estende do Pronto-Socorro a Unidades de Atendimento à Saúde Bucal espalhadas por todas as regiões do município. Em especial, este governo dá atenção à saúde do escolar, instituindo 44 unidades médicas e 44 unidades odontológicas. É dele também a assinatura do primeiro Convênio INAMPS/Prefeitura Municipal de São José dos Campos. Parece que, embora o PDI/71 não estabelecesse diretrizes norteadoras para a política social de saúde, a continuidade do Plano Nacional de Desenvolvimento - I PND e II PND - e a intervenção do Estado no setor em nível nacional, com programas de serviços de saúde já apontados, direciona o poder local na Atenção à Saúde. O advogado Robson Marinho, depois de uma excelente campanha e consagrado nas urnas por maioria absoluta, chega ao poder local como o realizador das demandas sociais. Antes de completar um ano de sua gestão é substituído pelo vice, o assistente social Hélio Augusto de Souza, para concorrer à Câmara Federal dos Deputados e compor o conjunto de deputados constituintes. O viceprefeito, conhecido por seu comprometimento com o social, mantém acesa a esperança de se verem priorizadas as demandas sociais, mas falece durante o primeiro ano de seu mandato. O governo local é assumido pelo presidente da câmara de vereadores, Dr. Antônio José Mendes de Faria, que embora do mesmo partido político, o PMDB, prioriza outras políticas sociais. No programa de saúde, consta como sendo desse período o Convênio com o Sistema Unificado de Saúde (SUS), exigência federal; a reativação do Centro Cirúrgico do Pronto Socorro Municipal e a inauguração do Centro do Adolescente da Unidade Central de Saúde “Maria José Rodrigues” (Prefeitura Municipal: “Manual de Recursos e Equipamentos Sociais/1989-1992”; PDDI/95; Relatórios Oficiais/95). O governo Sarney, com o l.º Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República, inaugura os governos civis para a sociedade brasileira, sem contudo romper com a fundamentação político-ideológica que norteia os governos militares. O compromisso com o social, presente no discurso durante toda a campanha presidencial, na prática mascara a desigualdade social ao favorecer os pobres, ocupando espaços que, por direito, são da sociedade civil. As equipes de planejamento das políticas sociais, educação e saúde, começam a ser esvaziadas, o que 92 não diminui a prevalência do econômico sobre todos os demais aspectos. Inserido neste contexto encontram-se os governos de Robson Marinho/Hélio Augusto de Souza e Antônio José Mendes de Faria (1983-1988). A inserção do governo local num cenário político que continua reproduzindo a prioridade pelo econômico talvez justifique a ausência de projetos e programas de saúde inovadores, como se discursava durante a campanha política. A Fundação Hélio Augusto de Souza FUNDHAS - (Leis Municipais: 3227/87 e 3570/89) é o projeto que mais deslancha nesta época. Seu objetivo básico é atender crianças e adolescentes do município, oferecendo programas de natureza sócio-educativa e ocupacional. A chegada de Fernando Collor à Presidência da República inaugura um novo momento na história do Brasil. É o primeiro governo civil desde 1961, eleito por voto popular. É o candidato que elabora uma ferrenha oposição ao governo Sarney e que consegue “(...)preencher o espaço dito de centro-direita com as mesmas armas do populismo, logrando sólida implantação entre os eleitores de baixa renda e baixa escolaridade (além, é claro, do eleitorado do interior, de modo geral” (LAMOUNIER, 1989, p. 143). Ao sair Collor (1989-1992) vencedor encontra uma grave conjuntura econômica e passa a sofrer uma vertiginosa perda de autoridade que o impede de corresponder às expectativas de um eleitorado ávido por mudanças. O Plano de Reconstrução Nacional (PRN) não chega a ser de fato implementado. De um lado, as equipes de planejamento são esvaziadas, e, de outro, tem início o declínio da cultura de planejamento, que vingou por tantos anos. O mesmo ocorre com o Plano de 5 Metas proposto por Fernando Henrique Cardoso, o que indica enfraquecimento da cultura de planejamento na Sociedade Brasileira, dando lugar as outras formas de racionalização das necessidades de sobrevivência da sociedade. Em 1993, São José dos Campos conta com uma nova elite de poder: a Dr.ª Ângela Moraes Guadagnin, do Partido dos Trabalhadores, ascende ao poder local renovando todos os membros do primeiro e segundo escalões do governo. A elite de poder encontra vários obstáculos junto à câmara de vereadores para a aprovação dos projetos políticos apresentados à comunidade joseense durante a campanha eleitoral. Não foi muito fácil governar de forma petista, insistindo na democracia e na participação popular, sem contar com maioria no poder legislativo. O governo Guadagnin se esforça para preparar e R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. aprovar um Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI/95) para o município de São José dos Campos. O PDDI/95 apresenta um diagnóstico que, se não completo sobre a realidade joseense, é atualizado, com diretrizes, políticas, programas e projetos para cada política setorial. Isto, no entanto, não basta. O documento não esclarece a origem dos recursos materiais e humanos, o tempo de implementação, assim como não informa a qual secretaria caberá a responsabilidade de cada projeto, e quais serão as penalidades para o não cumprimento dos programas e projetos. Durante a preparação do documento do PDDI/95, e sem contar com qualquer orientação estabelecida no PDI/71, o governo Guadagnin melhora a Rede Municipal de Saúde, instalando novos serviços, estendendo os anteriores e oferecendo uma cobertura maior. São José dos Campos, ao contar com um Plano Diretor Integrado (PDI/71), que orienta o espaço urbano por aproximadamente 22 anos, mostra por quais razões ele acaba não dando conta e permitindo intervenções sobre o espaço por decisões do momento político. Com o esvaziamento das equipes de planejamento, fortalecido a partir do governo Collor, entra-se na fase de desaceleração tanto dos planos/planejamentos como da centralização político-econômica. A ruptura com o governo militar, a chegada da Constituição Federal em 1988, as novas Constituições Estaduais, e a aprovação das Leis Orgânicas dos Municípios propõem um novo caminho para o desenvolvimento: a descentralização e a participação popular. Na saúde, a Constituição/1988, o Decreto 99438/ 1990 e a Lei Orgânica/1990 tomam como caminho a efetivação do Conselho Municipal de Saúde em São José dos Campos - COMUS -. Esta situação se instala em todo o território nacional, nem sempre da mesma forma, já que as condições locais são levadas em consideração. O COMUS/SJC, segundo o Decreto 7043/90, “(...) tem como objetivo básico o estabelecimento, acompanhamento, controle e avaliação da Política Municipal de Saúde na conformidade da Lei Orgânica do Município, constituindo-se no órgão colegiado máximo (Decreto 7043/90:capítulo II, artigo 3.º) (grifos nossos). O COMUS/SJC será composto de representantes de movimentos e entidades, trabalhadores e representantes governamentais, interessados na questão de saúde do Município” (capítulo III - artigo 3.º). R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. O COMUS/SJC deveria observar, de forma simplificada, as seguintes diretrizes básicas e prioritárias (capítulo IV - artigo 6.º; anexo 4): “garantir a saúde mediante políticas sociais; constituir uma rede organizada, regionalizada e hierarquizada de ações e serviços; assegurar o desenvolvimento e a complementaridade entre as dimensões preventivas e sociais; e descentralizar efetivamente as ações de saúde”. Com os Conselhos - Nacional e Municipais - a Política de Saúde toma o rumo da descentralização e favorece a participação popular. Parece confirmar o pressuposto das relações entre políticas sociais e necessidades sociais. As necessidades sociais, derivadas do sistema produtivo capitalista, impulsionam as demandas sociais e estas acabam levando o Estado a cumprir alguns de seus compromissos sociais, gerar bem-estar social, produzindo políticas sociais descentralizadas. A sociedade brasileira adentra a década de 90 com um processo de descentralização da Política de Saúde, que representa a recuperação da racionalidade da decisão local (plano econômico) e a possibilidade de ampliação dos direitos e da participação dos cidadãos (plano político-administrativo) (JACOBI, 1993). A sociedade encontra-se diante de novas regras de convivência entre o poder e a população local. As responsabilidades dos cidadãos também são outras, já que muitos exemplos de descentralização têm significado re-privatização, fortalecimento do poder central / local e a criação de entraves à participação por ineficiência de canais (BORJA apud JACOBI, 1993). Os cidadãos devem estar atentos para que os canais de participação nem dificultem nem desprestigiem a representação, mas, ao contrário, sejam facilitadores das ações dos diferentes grupos na obtenção de poderes públicos. O COMUS inaugura uma política de saúde descentralizada e participativa. Não se garante a redução das desigualdades sociais, objeto das políticas sociais. Ainda falta muito para que sejam eliminadas as incertezas dos cidadãos de terem garantido o acesso aos serviços de saúde. PLANOS DIRETORES URBANOS PARA SÃO JOSÉ DOS CAMPOS São José dos Campos conta, em sua história, com três planos. O Plano Preliminar/61 (PP/61), realizado no período de 1958 a 1961 (gestão de Elmano Ferreira Veloso) e implantado em 1962, durante o governo do Dr. José Marcondes Pereira. O Plano Setorial (PS), de 1961 a 1964, posteriormente denominado Plano Diretor Inte93 grado/71 (PDI), elaborado a partir dos dados e informações contidos no Plano Preliminar, implementado com a Lei N.º 1623/1971 e que gerenciou o espaço urbano do município de São José dos Campos até 1994. O Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI/95), iniciado em 1990 e que vai orientar o uso do espaço urbano por 10 anos, foi aprovado pela câmara dos vereadores e a lei sancionada pela prefeita Dr.ª Angela M. Guadagnin. O Plano Preliminar/61 começou a ser preparado em 4 de abril de l958, logo após a assinatura de um convênio entre a Secretaria de Viação e Obras Públicas do Estado de São Paulo (SVOP/SP), o Centro de Pesquisa e Estudos Urbanísticos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (CPEU/FAU) e a Prefeitura Municipal de São José dos Campos. A orientação técnica ficou sob a responsabilidade do CPEU/FAU, e durante o desdobramento dos estudos e recomendações do próprio CPEU/FAU, a prefeitura local criou um Escritório Técnico de Planejamento, que assumiu algumas das responsabilidades técnicas, tanto deste Plano Preliminar como do Plano Diretor Integrado/ 1971. Os encargos financeiros ficaram sob a responsabilidade da SVOP/SP. O convênio previa a preparação de um Plano Preliminar que desse conta de ordenar o desenvolvimento caótico do município. Esse plano representa a primeira etapa no processo de planejamento do município de São José dos Campos. As demais etapas previstas são (Prefeitura Municipal/PP/196l:0138-IV.3.1): Plano Preliminar para a Zona Rural, Plano de Desenvolvimento Econômico para o Município, Planejamento das Instituições Sociais do Município e Plano Diretor, com a setorização das zonas urbanas e rurais, sistema de zoneamento, sistema de vias principais, sistema de distribuição, projetos para a distribuição e prestação de serviços públicos. O documento - Plano Preliminar/1961- é composto de uma Introdução, que reconstrói a história do Mmnicípio; do Levantamento Básico para o Planejamento; do Plano Preliminar e, por fim, da Implantação do Plano. Os levantamentos incluem a formação e desenvolvimento de São José dos Campos, além de elementos geográficos e cartográficos; cadastro imobiliário e equipamentos; estudos de circulação, o econômico e demográfico; pesquisa social, incluindo serviços de saúde e legislação urbanística do Município. A preocupação do prefeito Elmano Ferreira Veloso com o espaço urbano, durante sua gestão, parece colocar em prática as diretrizes político-ideológicas propostas para a sociedade brasileira no final dos anos 50: tratar a rede urbana enquanto instrumento e objeto de desen- 94 volvimento. É a ingerência do Estado Federal mediante as metas do Plano de Metas (JK/1956-1960). O município, para disciplinar o espaço e combater a especulação imobiliária, passa a contar com um instrumento aprovado em 1959, e moldado na Lei n.o 5261 do município de São Paulo. Reconhece-se que o instrumento utilizado é uma forma de ingerência estadual no poder local. O Plano Preliminar/61, com o zoneamento de massa, delimita as áreas urbanas e as de expansão urbana e seus usos. Fatores de ordem geográfica e climática, sociais, econômicos e políticos foram considerados para o dimensionamento de 4 setores residenciais, 6 setores para as indústrias (728 hectares foram deixados para as indústrias incômodas) e 4 setores para as áreas verdes. Os planejadores do Plano Preliminar/61 dividem as zonas residenciais em setores e unidades de vizinhança (Bairros), justificando ser este o princípio que permite o “(...)planejamento da cidade como organismo poli-nucleados, com diversos centros e sub-centros, (...)” (PMSJC/PP/1961). A Zona de Expansão Urbana foi composta pelas áreas desabitadas, quase 50% da zona residencial total prevista. A possibilidade de o município tornar-se um futuro centro metropolitano, ponto de convergência de interesses regionais, exigiu dos planejadores a “(...)obstaculização de um local para sediar todos os serviços administrativos Municipais, Estaduais e Federal, além da Câmara Municipal, escritórios de autarquias e algumas instituições culturais. Este conjunto irá constituir o Centro Cívico de São José dos Campos” (PMSJC/PP/1961), na área da Praça Afonso Pena, que foi reservada e declarada de utilidade pública, pois já se entendia nesta ocasião que a consecução seria demorada e muito depois de outras prioridades terem sido resolvidas com o planejamento do espaço. Com o andamento dos trabalhos, as comissões chegam a concluir que as pesquisas até então realizadas poderiam fundamentar um planejamento integral de desenvolvimento, requerido pelos Municípios da Região do Vale Paraíba. Alguns obstáculos políticos que arrastavam as conclusões dos trabalhos e, ainda, a interrupção das pesquisas sob a coordenação do CPEU/FAU, por terem concluído sobre a necessidade do Planejamento Regio- R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. nal, apontam para uma mudança dos rumos firmados pelo Convênio/1958. De 1961 a 1964 executa-se o Plano Diretor Integrado de São José dos Campos - PLANOS SETORIAIS, Documento “Estudos e Planos Setoriais” (Prefeitura Municipal de S.J. dos Campos/1971). É, na verdade, a última etapa prevista pelo Plano Preliminar, que vai orientar o uso do espaço urbano do município de 1972 a 1994, e que se transforma na Lei n.º 1623/1971. O período de execução dos estudos e planos setoriais é bastante turbulento. O Prefeito eleito, Dr. José Marcondes Pereira, demora a dar importância política ao Plano de Desenvolvimento Urbano do Município, fato que vem a ser alterado somente com a apresentação e conseqüente aclamação da tese de um consórcio no VI Congresso Nacional dos Municípios, em 1963. A equipe do CPEU opta por acelerar o Planejamento Regional e Planejamento Rural, secundarizando, desta maneira, os trabalhos necessários ao cumprimento das etapas indicadas no Plano Preliminar. Dificuldades na organização de um setor no poder local, que assumisse a coordenação dos trabalhos, complicam o processo de planejamento. Surge, então, a idéia de um Escritório Técnico de Planejamento que assume o processo entregando em 1971 o relatório final intitulado “Estudos e Planos Setoriais (1961-1964)”(Prefeitura Municipal, Arquiteto Brenno Cyrino Nogueira/ PDI, 1971, p.12). O segundo plano, pensado por uma equipe local, inclui um novo diagnóstico da realidade, um estudo de bairros incluindo os equipamentos sociais, o planejamento de um conjunto de setores habitacionais, trabalho realizado pelos alunos do 6.o ano/FAU/1962, orientações para o uso da área central, transformação da estrutura física: sistema viário, criação de espaços abertos, reorganização locacional e volumétrica dos edifícios, e a identificação das áreas a serem desapropriadas para a transformação da estrutura física da área central. O Plano propõe como programa uma legislação de ocupação do solo e organização da circulação e remanejamento viário e ocupacional, sem a qual não se viabilizaria a transformação física da área e a centralização das atividades terciárias, centralização das funções ligadas à Administração Pública Municipal, Estadual e Federal. Prevê, também, espaços para o Centro Cívico (proposição do Plano Preliminar), para a cultura, habitação e equipamentos sociais. Mesmo não existindo propostas concretas para a saúde, seja no Plano Preliminar ou no Plano Setorial, também chamado de Plano Diretor Integrado para São José dos Campos, é apresentado um conjunto de serviços R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. colocados à disposição da população pelo governo do município e, segundo os próprios gestores da saúde e noticiados pela imprensa, notadamente pelo Jornal “O Vale Paraibano”, considerado o único na época de grande circulação local, os serviços de saúde estavam orientados pelo PDI/SJC/1971 e pelo CODIVAP/1971. Além destas informações, outros dados sobre os serviços de saúde, abaixo relatados, foram conseguidos das seguintes fontes: Prefeitura Municipal de São José dos Campos/Secretaria de Desenvolvimento Social/Supervisão de Apoio às Entidades Sociais: “Manual de Recursos e Equipamentos Sociais de S.J. dos Campos”: 1989 a 1995; Prefeitura Municipal de São José dos Campos: “Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado de São José dos Campos/1995”; Prefeitura Municipal de São José dos Campos /Correspondências. Durante o governo do Dr. José Marcondes Pereira, a Farmácia Comunitária e a Casa da Criança são os dois serviços colocados à disposição da comunidade local. No período em que o município se encontrava sob intervenção federal, tanto o prefeito Dr. Sérgio Sobral de Oliveira (1970-74) como o Eng. Ednardo de Paula Santos (1975-79) colocam à disposição dos joseenses os seguintes serviços, que compunham a então chamada Rede Municipal de Saúde: Unidade Central de Saúde (FAMME), em 1971, destinada a prestar assistência médico-odontológica e ofertar medicamentos a servidores municipais e seus dependentes; Departamento de Saúde Pública, em 1976; as primeiras Unidades Básicas de Saúde - UBS - (Bonsucesso, São Francisco Xavier, Jardim Satélite, Torrão de Ouro e Alto da Ponte), em 1976; UBS de Eugênio de Melo, em 1977; Pronto-Socorro Municipal “Dr. Carlino Rossi”, em 1978, administrado pela Santa Casa de Misericórdia de São José dos Campos; Unidades Médico-Odontológicas Escolares em 10 escolas municipais, durante o ano de 1979. Entrando na década de 80, mas ainda orientado pelas diretrizes do Plano Diretor Integrado - PDI/71- e pelas diretrizes do CODIVAP, o poder municipal coloca à disposição os seguintes serviços de saúde: 10 Unidades de Atendimento à Saúde (UAS) e mais 1 UBS, em 1980; instala a Secretaria de Saúde e Promoção Humana, em 1981. No período de 1981 a 1982, implantam-se outras unidades básicas de saúde possibilitando que a Secretaria de Saúde dispusesse da seguinte estrutura: Pronto-Socorro Municipal, FAMME, 2 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), 12 Unidades Básicas de Saúde (UBSs), 18 Unidades de Atendimento à Saúde (UASs), 44 Unidades Médicas Escolares e 44 Unidades Odontológicas; ao final de 1982, assina-se o primeiro Convênio INAMPS/PMSJC. 95 No período de 1983 a 1988 (governo Robson R. Marinho, Hélio Augusto de Souza e Antônio José M. de Faria), inaugura-se a UPA de Saúde Mental, assina-se o convênio AIS/PMSJC e o convênio com o SUS (1988), transforma-se a UPA Morumbi e Vila Paiva em UBS, inaugura-se o Centro do Adolescente da Unidade Central de Saúde “Maria José Rodrigues” e a UBS Vila Tatetuba e reativa-se o Centro Cirúrgico do PSM. No período de 1989 a 1992 (governo Joaquim V. Bevilacqua e Pedro Ives Simão), ocorre a implantação do SUS, a ampliação de atendimento primário (ampliação e construção de novas UBSs) e de atendimento secundário (melhorias dos recursos humanos e materiais). Em setembro de 1994, a prefeita Ângela Moraes Guadagnin encaminha à câmara dos vereadores do município o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI, 1995, 165 p.) para São José dos Campos, conduzido sob a coordenação da Secretaria de Planejamento e Meio Ambiente, que deverá orientar o desenvolvimento do município nos próximos 10 anos. O PDDI/95 foi elaborado em quatro etapas. No 2.º semestre/1988 realizou-se o levantamento sócio-econômico; em 1990, os dados coletados para o censo escolar mostram os principais aspectos físicos e urbanísticos do processo de desenvolvimento do município e foram utilizados para o PDDI/95; em 1991, com a assessoria da UNESP/Rio Claro, organiza-se o Plano Preliminar. Em 1993, o governo local analisa o Plano Preliminar da gestão anterior, aprofunda a análise de alguns aspectos, entre eles “ (...)a Carta das Unidades Territoriais que indica a Capacitação do Solo para todo o território do Município e a proposta de Macrozoneamento” (PMSJC/PDDI/95, p. 10). O PDDI/95 caracteriza-se por: “ (...) Abordar o Município sob dois enfoques: o regional e o local, em termos de sua estrutura interna; diagnosticar a situação de todos os setores nos meios urbano e rural e estabelecer as interrelações setoriais; resgatar as aspirações das comunidades locais; determinar os objetivos e diretrizes para o desenvolvimento do município; (...)” (PMSJC, PDDI/1995, p. 10). Entre as diretrizes gerais do PDDI/95 encontra-se a participação popular na formação, implementação e avaliação das políticas públicas; o movimento dos bens e serviços essenciais à vida digna; uma abordagem multi e interdisciplinar e a oferta de um lugar social digno para assegurar uma vida física e mental sadia a todos. 96 Diferentemente dos dois planos anteriores (PP/61 e PDI/71), no PDDI/95 a saúde faz parte das chamadas políticas setoriais e encontra-se alocada na Secretaria de Desenvolvimento Social - SDS - já que é dela a competência de intervenção nas questões sociais. Distanciando-se do assistencialismo, reconhecendo a política social como dever do Estado e como a ação direcionada a viabilizar justiça social, reconhecendo a estrutura e a organização da sociedade como fontes da concentração de renda e da exclusão social, “ (...)a Secretaria de Desenvolvimento Social adota políticas setoriais e estabelece dois eixos básicos da direção do trabalho social na gestão democrática e popular: a) o incentivo à organização e participação popular, de forma que a população ocupe e forje cada vez mais a criação de canais de participação (...); b) a adoção da assistência social como prerrogativa (...) garantindo a qualidade da prestação de serviços à população usuária, conforme critérios previstos na Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS –” (PMSJC/PDDI/1995, p. 92). Em se tratando da Política Setorial de Saúde, o PDDI/95 a entende como um indicador da organização social e econômica de um País, resultante das ações destinadas a garantir as condições de bem-estar físico, mental e social das pessoas, do acesso aos bens e serviços essenciais, do acesso às necessidades básicas como alimentação, moradia, saneamento básico, meio ambiente, trabalho, renda, educação, transporte e lazer. Todo o diagnóstico, as políticas, os projetos e as ações de saúde explicitados no PDDI/95 fundamentamse na Constituição Federal, seção II, na Lei 8080 de 19/9/ 1994 e na Lei Orgânica do Município de São José dos Campos de 5/4/90. A Secretaria Municipal de Saúde de São José dos Campos tem como base a “ (...)implantação definitiva do SUS, o que iniciou com a real absorção do INAMPS e a municipalização dos serviços estaduais, garantindo acesso, gratuidade e melhoria na qualidade e oferta de serviços (...), investindo no gerenciamento, em programas de saúde e na participação popular” (PMSJC/PDDI/1995, p. 106). A saúde, enquanto direito inalienável de todos e dever do Poder Público, é assegurada no artigo 270 da Lei Orgânica do Município de São José dos Campos, mediante: R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. “ (...), II. Acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde em todos os níveis; III. Atendimento integral do indivíduo, abrangente à promoção, preservação e recuperação de sua saúde; IV. Atendimento e orientação para a defesa da vida a partir da concepção” (PMSJC/PDDI/1995, p. 106). O PDDI/1995 (art.55), ainda na política setorial de saúde, esclarece as suas Diretrizes dos Programas e Projetos da Saúde: desenvolver a descentralização das unidades orçamentárias e financeiras em nível regional; remodelar as estruturas física e de suprimentos; desenvolver recursos humanos e sistemas informatizados e investir no planejamento ascendente. O PDDI/95 levanta os seguintes problemas da Secretaria da Saúde de São José dos Campos, identificados como insuficiência e ineficiência para garantir o direito à saúde da população: falta de recursos financeiros (mesmo que na administração da prefeita Ângela M. Guadagnin sejam destinados 20% do orçamento, considerado um dos mais altos do País), ineficiência gerada por questões da administração municipal e por questões internas à Secretaria da Saúde como falta de recursos humanos e de participação popular. O artigo n.º 58 do PDDI/SJC/95 define como programas da política municipal de saúde a ampliação das Unidades Básicas de Saúde; e como diretrizes dos projetos da Rede Física de Saúde a serem desenvolvidos nos próximos dez anos: a instalação de uma UBS, cobrindo uma população de 10.000 habitantes, uma UBS desenvolvendo ações de vigilância incluindo aproximadamente 10.000 a 20.000 habitantes; uma Unidade de Especialidade de Saúde e uma Unidade de Pronto Atendimento de maior complexidade; um Hospital Geral ou Regional para uma população de 100.000 a 250.000 habitantes, um Hospital Municipal de referência e a construção de um Centro de Zoonoses para as ações preventivas e curativas de vigilância. Embora se considere que a participação poderia ser melhor, contudo a sua fragilidade, tanto na administração municipal geral como na da saúde, não a leva a deliberar sobre questões de saúde. No sentido de tornar o compromisso da administração petista uma realidade, o PDDI/95 reconhece e fortalece os três mecanismos básicos possíveis de desenvolver a participação popular: Os Núcleos de Saúde Comunitária - NUSAC’s que podem ter seus representantes nos Conselhos Gestores de Unidade - CGU’S. Os “ (...)NUSAC’s discutem seus problemas de Saúde e levam suas idéias e encaminhamento de solução através dos CGU’s e/ou UBS’s (...). O NUSAC é composto por pessoas da comunidade” (PDDI/1995, p. 117). Os Conselhos Gestores de Unidade - CGU’s - que “ (...)são grupos de pessoas da comunidade que se encontram na Unidade e participam diretamente da Administração Central, de forma paritária e tripartide, juntamente com a chefia da mesma. (...)” (PDDI/1995, p. 117); e o Conselho Municipal de Saúde - COMUS - o qual “ (...)é formado por representantes de Instituições, Associações, Sindicatos e outros segmentos da Sociedade, num total de 28 membros, sendo 14 representantes de usuários, 7 dos prestadores de serviços e 7 da administração pública é, portanto, tripartide e paritário. (...)” (Prefeitura Municipal/PDDI/1995, p. 117). R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. Conclui-se que os três planos são gerais e tecnoburocráticos, com escassa participação popular e sem linhas de ação concretas, como afirmam alguns especialistas como Ianni; Lamparelli; Lafer. Cada um deles traz, evidentemente, as características da equipe de trabalho e as linhas político-ideológicas de cada elite de poder local, o que será objeto de discussão mais adiante, quando serão discutidas as relações entre os planos municipais e as políticas sociais de saúde. PLANOS DIRETORES URBANOS DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS E SEUS PARADIGMAS Planejamento, como se vê, centraliza no governo federal as decisões políticas geradoras do desenvolvimento, secundarizando as chamadas áreas sociais. A centralidade das questões do desenvolvimento consome boa parte das últimas três décadas. O governo Sarney marca-se pela promulgação da Constituição de 1988, cujo avanço é identificado pela formalidade da descentralização, particularmente no que concerne ao setor da Saúde. É durante o governo Collor que tem início a desaceleração da área de planejamento e uma reestruturação da estrutura do Estado. Em ambas ocasiões, os movimentos sociais na área da saúde fizeram pressões significativas, mediante a organização tanto dos profissionais da saúde, como dos usuários do sistema. As conquistas destes movimentos encontram-se presentes nas Constituições Federal e Estadual e nas Leis Orgânicas Municipais: Conselhos de Saúde, Conferências de Saúde e as propostas de descentralização do Sistema de Saúde. 97 É interessante lembrar que a tendência histórica das conferências nacionais de saúde se funda, de um lado, numa política de saúde que seja assumida como política de governo; de outro, numa descentralização e numa participação popular que sejam compromissos públicos e de organização do sistema. A III Conferência Nacional de Saúde, realizada em momento de grande mobilização democrática (1963), já inseria a descentralização como eixo das suas recomendações. A VIII Conferência Nacional de Saúde realizada em 1986, no apogeu da retomada do regime democrático, contexto diferente da III, consolidou a proposta de um Sistema Nacional de Saúde e lançou princípios e diretrizes de compromisso público e de organização, entre eles o controle pela sociedade e a descentralização. A seguir os princípios e o controle foram incorporados e ampliados nos debates da Assembléia Nacional Constituinte, dando origem ao Sistema Único de Saúde - SUS. Por mais que se tenha obtido êxito nas questões relativas à Saúde nos últimos 60 anos, nem sempre a saúde do cidadão foi o objeto central das discussões e projetos políticos. O projeto de desenvolvimento econômico leva o Estado a se preocupar com o espaço urbano para, tornando-o saudável, acomodar a modernização. Vários foram os modelos ou padrões praticados pelo Estado no sentido de favorecer a saúde do espaço urbano. Não parece ousado afirmar, neste momento, que a centralização das decisões políticas, tendo o desenvolvimento econômico como meta, leva o Estado Brasileiro a priorizar a “saúde dos espaços urbanos”, em detrimento da saúde de seus cidadãos. Pelas análises realizadas, até o momento, dos planos de desenvolvimento urbano de São José dos Campos, não parece precipitado e nem empirista afirmar que os dois primeiros (PP/61 e PDI/71) foram elaborados em conformidade com o padrão tecnoburocratismo desenvolvimentista, tal como proposto por Ribeiro e Cardoso (1994), já que assume o urbano como um problema do desenvolvimento, e adota as idéias de racionalização administrativa e de geografia humana para enfrentar o problema que se apresenta. O PDDI/95, que em princípio poderia ser classificado como Reforma Urbana Redistributiva, classifica-se como Reforma Urbana Modernizadora, uma vez que sua concepção desenvolvimentista fundamenta o diagnóstico e organiza um discurso produtor dos problemas urbanos e habitacionais. Mas, como o objeto da intervenção é o próprio poder, já que os obstáculos são os entraves políticos, pode ser classificado, também, no técnicoburocratismo desenvolvimentista (RIBEIRO; CARDOSO, 1994). O político é o ordenador das ações políticas, cen- 98 tralizando a idéia de um sistema nacional de planejamento, o que exige a organização e racionalização da ação pública sobre as cidades. O CNDU, o IBGE, o IBAM e o IAB são resultados destas ações centralizadoras. Na leitura do documento que contém o Plano Preliminar/61 de São José dos Campos, é clara a idéia de seus propositores quanto aos obstáculos políticos-administrativos encontrados durante o processo de planejamento: a não aceitação imediata da necessidade de um planejamento do espaço urbano pelo prefeito Dr. Marcondes, quando assume o poder local e recebe como herança as comissões de trabalho e a equipe do CPEU/ FAU; e as dificuldades políticas colocadas pelos vereadores, sejam na aprovação de uma legislação facilitadora do uso do solo, sejam as solicitações do executivo das reformas da estrutura administrativa ou, ainda, nas solicitações das desapropriações necessárias às transformações da área central. As melhores evidências, contudo, são a solicitação das comissões de estudos mais profundos, que viabilizassem informações necessárias a um planejamento integral requerido por um município do alcance de São José dos Campos, como também a organização e atualização da máquina administrativa para facilitar a tomada de decisões quanto ao orçamento municipal e quanto aos planos executivos futuros (PMSJC/ PLANO PRELIMINAR, 1961). Pela leitura do Relatório do Escritório Técnico de Planejamento sobre os Estudos e Planos Setoriais/Plano Diretor Integrado/1971, o discurso centra-se, primeiro, na importância de um planejamento para eliminar a situação caótica em que se encontrava o município, apontando os bons resultados pelo Vale de Tenessee/Estados Unidos, obtidos mediante o instrumento de intervenção - o planejamento. Em segundo lugar, a equipe do CPEU/FAU sugere a necessidade de um Planejamento Regional e um Planejamento Rural e elabora o CODIVAP, um consórcio que, entre outras tarefas, possibilitaria decisões regionais e divisão dos custos do processo de elaboração e implementação. Este fato indica a relevância dada a uma intervenção centralizada e regionalizada no espaço urbano com o intuito de resolver os problemas que se apresentavam naquele momento histórico, e dirimir os obstáculos emergentes no seio do poder político, que atrapalhavam o desenvolvimento econômico. Os diferentes planos, organizados pelos diferentes governos brasileiros de 1960 para cá, federais, estaduais e municipais, têm em comum o fato de terem sido executados nos meandros da burocracia estatal, de priorizarem o econômico em detrimento do social, de con- R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. centrarem investimentos para a criação da infra-estrutura necessária ao desenvolvimento. Na maioria deles, a saúde é alocada na programação setorial, não merecendo, como deveria, nenhuma atenção especial por parte dos decisores, os técnicos da burocracia estatal. Circunscrevem limites de ação, determinam a população alvo, mas não deixam claro quem assumirá os custos sociais e os ônus do processo. Embora as decisões sobre o que deve ser feito no futuro sejam anunciadas, as fontes de onde sairão os recursos humanos e materiais não o são. As intervenções são expressas, mas as ações não correspondem a elas. O Relatório do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado/95 (PDDI/95) permite uma melhor análise, uma vez que o próprio documento encontra-se em ótimas condições de leitura e seqüência lógica de suas fases objetivos, objeto de estudo, conhecimento da realidade e execução, que facilita essa análise. O PDDI/95 parece não fazer uso de um único padrão de intervenção. Com certeza a ordem social não deixa de ser a base de legitimidade dos discursos e ações, e o objeto de ação continua sendo a sociedade, mediante os diversos canais colocados à disposição, os Conselhos Gestores de Unidade, os Núcleos de Saúde Comunitária e o Conselho Municipal de Saúde. O objeto de intervenção é a conscientização e a humanização da sociedade, pois os obstáculos ao desenvolvimento social precisam ser removidos. O Macrozoneamento Regional, proposto nos anos 90, e o alerta constante de vincular as diretrizes ao regional são exemplos de práticas urbanas constantes no PDDI/95 e que acabam por configurar o modelo lebretiano (RIBEIRO; CARDOSO, 1994), para o qual as intervenções urbanas racionalizadas serão realizadas à medida que se conhecem as condições de vida do povo (Itens 3.3.7 a 3.4.11: diagnósticos/PDDI/95). O PDDI/95 traduz a expressão de “esquerda” do padrão desenvolvimentista, uma vez que trata de elaborar um diagnóstico sobre os problemas urbanos (Itens 3.4: educação, saúde, habitação e 3.3: ocupação urbana/ PDDI/95) e de propor uma terapêutica. Assim, a Habitação e a Cidade são os pontos essenciais das reformas de base propostas pelo padrão modernizador (RIBEIRO; CARDOSO, 1994). O objeto da intervenção é o espaço nacional mediante políticas públicas centralizadoras, racionalizadas e redistributivas. Adota-se um discurso de esquerda, mas modernizador, e planejam-se intervenções técnicas, racionalizadas e centralizadas, mantendo uma visão terapêutica, mesmo abrindo canais que facilitem a participação popular. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. O PDDI/95, ao reconhecer uma estratégia política para articular as entidades de classe e os movimentos populares, no caso da saúde os CGUs, os NUSACs e o COMUS, e ainda elaborar diagnósticos para todas as políticas setoriais, centrado nas desigualdades e nos direitos sociais, adota o padrão de intervenção, definido por Ribeiro & Cardoso (1994) como redistributivo. O eixo do discurso são os excluídos e a política das camadas populares (PDDI/Participação Popular/95). O objeto de intervenção é a propriedade privada da terra, o uso do solo urbano e a participação direta das camadas populares na gestão da cidade. O campo de atuação é o jurídico. Propõe-se a produção de novos direitos sociais por meio dos movimentos sociais. A estratégia para o desenvolvimento é a conscientização e não a casa (PDDI/ Políticas Públicas Setoriais/95). O PDDI/95 evitou ser um planejamento elaborado exclusivamente pelo governo municipal sem a participação dos diferentes segmentos da sociedade civil. Evitou desta maneira ser impositivo, alcançar de um lado maior racionalidade e, de outro menor, rejeição/divergência. O PDDI/95 reconhece que a participação no processo geral e na política setorial de saúde ainda é frágil e insuficiente para dar legitimidade e aceitação de demandas sociais não solucionadas. Abre canais de participação e recomenda para os futuros administradores a grande necessidade de promover a mobilização popular e contar com as camadas populares na implementação das políticas que lhes forem prioritárias. A base de legitimidade de qualquer plano/planejamento, quando entendido como instrumento de mobilização, num Estado Democrático, é o apoio popular dado a ele, pois é em nome dos interesses da população que os governos asseguram a sua própria manutenção. A efetivação do planejamento das políticas de saúde é uma resposta há muito esperada pelos melhores elementos das carreiras técnicas dos serviços de assistência médica. Estas exigências continuam a se esbarrar em situações cristalizadas e interesses investidos, que acabam por impedir sua efetivação (RAMOS apud IYDA, 1994). O planejamento, independente do padrão que o norteia, é uma ferramenta efetiva, faz uso, não apenas de métodos e técnicas baseados na análise, mas também de suposições, intenções ou sentimentos. Como os interesses políticos estão presentes e os técnicos de planejamento se deixam influir por seus próprios valores ou pelos dos grupos com os quais trabalham, a dimensão político-ideológica é, na maioria de vezes, prioridade em relação à técnica e ao método. 99 CONCLUSÃO Conclui-se que: l.º) As possibilidades de ocorrência de pontuações entre os planos nacionais e os planos/planejamentos locais de desenvolvimento do município no que concerne à Política Setorial de Saúde são, na verdade, ingerências do governo federal sobre os municípios brasileiros, no período que se estende de 1964 a 1988; 2.º) Os dois primeiros planos/planejamentos elaborados pelo e para o município de São José dos Campos, Plano Preliminar/61 e Plano Setorial/Plano Diretor Integrado/71 (este transformado em Lei Municipal), não definem uma Política Municipal de Saúde, não orientam programas e ações de saúde e nem definem espaços urbanos para alocação desses serviços; 3.º) Entre 1964 a 1976, ao se pensar em Política de Saúde, deveria-se partir, basicamente, dos serviços de saúde destinados à periferia urbana ofertados por instituições de benemerência, uma vez que programas e ações de saúde não eram motivos de pautas políticas. A Política de Saúde era resultante de ações de benemerência, sem instituições municipais envolvidas e sem qualquer orientação formal sobre quais serviços seriam prioritários; 4.º) Foi justamente no período em que o município de São José dos Campos encontrava-se sob intervenção (1970-1978) é que a Rede Municipal de Saúde foi instalada (1977 e 1978), sugerindo mais uma ingerência do governo militar no cumprimento da Política Nacional de Saúde, como consta dos planos nacionais em vigência, do que uma Política Municipal de Saúde, já que o PDI/71 não contempla esse setor; 5.º) Em São José dos Campos cinco são os períodos marcantes quando se refere à colocação de serviços locais de saúde à disposição da comunidade: 5.1. o período de intervenção (1970 - 1978), durante o qual se institucionalizam os serviços de saúde no município: criação do Departamento de Saúde Pública e a instalação da Rede Municipal de saúde; 5.2. a primeira gestão do prefeito Joaquim Vicente Bevilacqua, reconhecida como a fase de proliferação dos serviços de saúde; são deste período as unidade médicas e odontológicas, a ampliação do FAMME e o convênio INAMPS/PMSJC; 5.3. o governo Robson R. Marinho, incluindo os períodos de Hélio Augusto de Souza e Anto- 100 nio José M. de Farias, em que há desaceleração dos programas e ações de saúde. Duas são as hipóteses explicativas do refluxo: a primeira considera eficiente e eficaz a Política de Saúde e os serviços - ações - programas herdados de seu antecessor; a segunda refere-se ao fato de a preocupação política estar concentrada em outra política setorial em detrimento da política de saúde; 5.4. é na II gestão de Bevilacqua e no governo Pedro Yves (1989-1992) que se tem a implantação do SUS e a instalação do projeto de Municipalização da Saúde. É deste período o funcionamento dos Conselhos (COMUS, NUSACs e CGUs) e duas das quatro Conferências Municipais de Saúde. O Planejamento Ascendente é colocado em prática. Retoma-se a Política de Saúde; 5.5. a atual gestão municipal (1993: governo do PT). Sem contar ainda com um Planejamento de Desenvolvimento que contemple o setor de saúde (o PDDI foi aprovado em fins de 1995), a Política de Saúde é projeto de campanha política. O avanço está na elaboração do PDDI/95, que define metas, programas e ações para os próximos 10 anos a partir de um diagnóstico bastante completo sobre o município. Há continuidade das políticas. O compromisso de campanha reflete-se na implantação de programas como o Hospital/Dia, Saúde da Mulher, Saúde do Trabalhador, Projeto Casulo, Saúde Mental e a abertura de novos espaços destinados aos serviços e ações de saúde. Acredita-se que o avanço do Sistema de Saúde do Município de São José dos Campos, em particular, não se insere exclusivamente numa proposta progressista de se fazer política de saúde. O avanço se deu também graças ao Movimento Sanitário e à conquista de três instrumentos legais: a Constituição Federal/1988, as Leis Orgânicas Municipais e os Decretos que regulamentam os Conselhos Nacional e Municipais de Saúde. São estes instrumentos, aliados aos projetos políticos da elite de poder local, que passam a orientar e a facilitar as novas decisões políticas para o setor. Não se pode afirmar que o avanço dado pelo COMUS (Decreto N.º 7043/90) garanta, de um lado, a real participação dos cidadãos na definição de uma política de saúde e, de outro, o acesso real aos diversos serviços locais oferecidos. Avaliar os serviços locais de saúde, a descentrali- R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. zação e o nível de participação popular nos Conselhos de Saúde são algumas questões que podem e devem ser desenvolvidas num outro estudo. Nesse sentido, alguns trabalhos já foram realizados em outros municípios. Um deles é o de Bodstein (1993). Neste estudo, a autora reúne textos sobre a prestação de serviços para demonstrar que o nível local é um espaço privilegiado para a constituição dos atores, para a construção da cidadania, para a expressão de conflitos, consensos e referenciais concretos para a programação e avaliação da atenção à saúde. Nesta primeira etapa de reconstrução da formulação das políticas de saúde por meio dos Planos Diretores Urbanos (PP/61; PDI/71; PDDI/95), foi possível identificar as diretrizes definidas, os equipamentos disponíveis aos seus serviços e a implantação e desenvolvimento da Rede Municipal de Saúde. Foi também possível perceber as recomendações definidas nos Planos Nacionais e que passaram a ser consideradas e praticadas pelo poder local, independente dos projetos políticos da elite nesse poder. No período que se estende de 1976 a 1995, estivessem ou não definidas as diretrizes para a saúde no Plano Diretor Urbano (PDI/71), mas atendendo às recomendações do governo federal, - a chamada política intervencionista no setor da saúde -, o poder local coloca à disposição da comunidade, trabalhadores ocupados ou não no mercado de trabalho formal, uma Rede Municipal de Saúde que conta com 12 UASs, 44 UBSs, 44 UOs, 1 UPA de Saúde Mental, a assinatura dos Convênios com o SUS e com a AIS, a reativação do Centro Cirúrgico do Pronto Socorro Municipal e o início da implantação do SUS. Verifica-se total inadequação do PDI/71 no referente à questão da saúde no Município de São José dos Campos e às exigências sociais do momento histórico. Este município possui, na década de 80, uma realidade sócio-econômica e política muito diversa daquela do início dos anos 70. De um lado, as altas taxas inflacionárias atingem o município, as altas taxas de desemprego, o fechamento de grandes indústrias e as densas manifestações sindicais. De outro, o município desloca-se para o setor de serviços, aumenta o número de favelados e, no que diz respeito à saúde, o retorno de epidemias, como o sarampo e a tuberculose, reacende a discussão sobre a qualidade dos serviços locais de saúde e a carência dos recursos para o setor. Um outro momento que merece destaque é a organização do PDDI/95. O seu conteúdo se apresenta como inovador e progressista, não pelo fato de ter sido R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. construído em suas últimas etapas por uma elite de poder que se dizia democrática e popular, mas pelo avanço no plano jurídico-político com a aprovação da Constituição de 1988, que passa a recomendar aos municípios a organização de Conselhos Municipais, fóruns de participação popular e oferece a eles um papel mais relevante nas decisões sobre a saúde, graças ao processo de descentralização. Assim, o PDDI/95 traz em seu bojo diretrizes que norteiam a política de saúde como direito do cidadão e responsabilidade do Estado. Respeitando as exigências constitucionais fortalece o COMUS/90, as Conferências Municipais de Saúde, os Conselhos Gestores de Unidades, garantindo a participação dos reais interessados nestes fóruns. BIBLIOGRAFIA ARRETCHE, M. T. S. Descentralização, Democracia, Reforma do Estado e Bem-Estar: conceitos que não se eqüivalem. São Paulo, FUNDAP, 1995, mimeo, 21p. BIERRENBACH, M. I. Política e Planejamento Social (1956 - 1978). 3. ed. São Paulo: Cortez, 1987. 120p. BODSTEIN, R. (org.). Serviços Locais de Saúde: Construção de Atores e Políticas. Rio de Janeiro: RelumeDumará, 1993. 189 p. BONDUKI, N. (org.). Habitat: As Práticas Bem Sucedidas em Habitação, Meio Ambiente e Gestão Urbana nas Cidades Brasileiras. São Paulo: Livros Studio Nobel, 1996, 267p. BROWNE, E.; GEISSE, G. Planificación para los Planificadores o para el Cambio Social? In: CASTELLS, M. Imperialismo Y Urbanización En América Latina. Buenos Aires: SIAP, 1973, p. 315-338. FALEIROS, V. de P. A Política social do Estado Capitalista: as funções da previdência e da assistência social. São Paulo: Cortez, 1986. IANNI, O. Estado e Planejamento Econômico no Brasil (1930-1970). São Paulo: Civilização Brasileira, 1987, 71p. IYDA, M. Cem anos de São Paulo: a cidadania negada. São Paulo: UNESP, 1994. JACOBI, P. Movimentos Sociais e Políticas Públicas: demandas por saneamento básico e saúde. 2.ed. São Paulo, 1974-1984. São Paulo: Cortez, 1993, 174p. KUENZER, A. et. al. Planejamento e Educação no Brasil. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1990, 88 p. 101 LAFER, C. O Planejamento no Brasil: observações sobre o Plano de Metas. 1956-1961, In: LAFER, B. Planejamento no Brasil. 3.ed. São Paulo: Perspectiva, s/d. SÃO JOSÉ DOS CAMPOS. Relatório final da Comissão Mista para estudo de um sistema integrado de saúde em São José dos Campos. 1979. LAMOUNIER, B. Partidos e Utopias: o Brasil no limiar dos anos 90. São Paulo: Loyola, 1989. 150p. SÃO JOSÉ DOS CAMPOS. Decreto-Lei n. 7043 de 31 de maio de 1990. Dispõe sobre aprovação do Regimento Interno do Conselho Municipal de Saúde de São José dos Campos. LAMPARELLI, Celso. Uma contribuição para o método de planejamento e seu ensino. São Paulo: EDAP, 1964, mimeo, s/p. OLIVEIRA, F. de. A Economia da Dependência Imperfeita. Rio de Janeiro: Graal, 1984. SÃO JOSÉ DOS CAMPOS. Secretaria Municipal de Saúde. Resolução n. 01/90. Dispõe sobre a regulamentação da I Conferência Municipal de Saúde de São José dos Campos. 1990. RIBEIRO, L. C.; CARDOSO, A. L. Planejamento Urbano no Brasil: paradigmas e experiências. Revista Espaço e Debates, São Paulo. n. 37, p.77-89, 1994. SÃO JOSÉ DOS CAMPOS. Decreto-Lei 7125 de 27 de setembro de 1990. Institui a I Conferência Municipal de Saúde. 1990. SERRA, G. Urbanização e centralismo autoritário. São Paulo: Nobel-EDUSP, 1991. SÃO JOSÉ DOS CAMPOS. Decreto-Lei 7789 de setembro de 1992. Dispõe sobre a convocação da II Conferência Municipal de Saúde de São José dos Campos. 1992. SILVA, P. L. B. Políticas governamentais e perfis de intervenção: reflexões acerca da análise da intervenção estatal. Revista de Administração Pública, ano 20, n. 2, abr.-jun. 1986. TEIXEIRA, S. F. (org.). Reforma Sanitária: em busca de uma teoria. São Paulo: ABRASCO/Cortez, 1995, p. 27-133. SÃO JOSÉ DOS CAMPOS. Decreto-Lei n. 8537 de 28 de setembro de 1994. Dispõe sobre a convocação da III Conferência Municipal de Saúde de São José dos Campos. 1994 DOCUMENTOS OFICIAIS SÃO JOSÉ DOS CAMPOS. Decreto-Lei n. 8976 de março de 1996. Dispõe sobre a convocação da III Conferência Municipal de Saúde de São José dos Campos. 1996. BRASIL. Decreto-lei n. 99.438 de 7 de agosto de 1990. Dispõe sobre a organização e atribuições do Conselho Nacional de Saúde e dá outras providências. SÃO JOSÉ DOS CAMPOS. Regimento Interno da I Conferência Municipal de Saúde de São José dos Campos. 1990. BRASIL. Norma Operacional Básica. SUS, 1996. SÃO JOSÉ DOS CAMPOS. Regimento Interno da II Conferência Municipal de Saúde de São José dos Campos. 1992. FUNDAÇÃO PEDROSO HORTA. Proposta de Governo. 1982. SÃO JOSÉ DOS CAMPOS. Secretaria Municipal de Saúde. Plano Diretor de Saúde 1992-1993, Módulo I. SÃO JOSÉ DOS CAMPOS. Secretaria Municipal de Saúde. Plano Diretor de Saúde 1992-1993, Módulo II: Atividades, programas e propostas desenvolvidos no período de 1989 - 1992. SÃO JOSÉ DOS CAMPOS. Departamento de Saúde Pública. 1980. que tipo de documento???? SÃO JOSÉ DOS CAMPOS. Departamento de Saúde Pública. 1976-1978. 102 SÃO JOSÉ DOS CAMPOS. Regimento Interno da III Conferência Municipal de Saúde de São José dos Campos. 1994. SÃO JOSÉ DOS CAMPOS. Regimento Interno da IV Conferência Municipal de Saúde de São José dos Campos. 1996. SÃO JOSÉ DOS CAMPOS. Síntese das propostas elaboradas nas 9 pré-conferências regionais com a participação de 412 pessoas e de 300 delegados.1994. SÃO JOSÉ DOS CAMPOS. Secretaria Municipal de Saúde. Conselho Municipal de Saúde. Relatório Final: O sistema único de saúde que queremos. s/d. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. SÃO JOSÉ DOS CAMPOS. Secretaria Municipal de Saúde. Conselho Municipal de Saúde. Documento Tese.1992. SÃO JOSÉ DOS CAMPOS. Secretaria Municipal de Saúde. Regimento Interno e Documento Guia. IV Conferência Municipal de Saúde. 1996. SÃO JOSÉ DOS CAMPOS. Secretaria Municipal de Saúde. Relatório IV Conferência Municipal de Saúde. 1996. SÃO JOSÉ DOS CAMPOS. Secretaria Municipal de Saúde. Conselho Municipal de Saúde (COMUS): Regimento Interno dos Conselhos Gestores de Unidades (CGUS). 1995. SÃO JOSÉ DOS CAMPOS. Secretaria Municipal de Saúde. O Modelo Técnico Assistencial de São José dos Campos. III Conferência Municipal de Saúde. 1994. SÃO JOSÉ DOS CAMPOS. Secretaria Municipal de Saúde. Relatório Sumário de trabalho (1989-1990). 1990. SÃO JOSÉ DOS CAMPOS. Secretaria Municipal de Saúde. Avaliação dos resultados alcançados quando das deliberações da conferência passada (18/1/94). 1996. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. 103 O Método Sociológico de Émile Durkheim Luis Fernando Zulietti * Resumo: Durkheim parte da idéia fundamental de Comte de que a sociedade deve ser vista como um organismo vivo. Também concorda com o pressuposto de que as sociedades apenas se mantêm coesas quando, de alguma forma, compartilham sentimentos e crenças comuns. Entretanto, critica Comte na sua perspectiva evolucionista, pois entende que os povos que sucedem os anteriores não necessariamente são superiores, apenas são diferentes em sua estrutura, seus valores, seus conhecimentos, sua forma organizacional. Entende que a seqüência das sociedades adapta-se melhor à analogia de uma árvore cujos ramos se orientam em sentidos opostos que uma linha geométrica evolucionista. Também Spencer foi alvo de críticas porquanto Durkheim que, de forma geral, estendeu esta crítica a uma série de outros pensadores. Segundo Durkheim muitos sociólogos trabalhavam, não sobre o objeto em si, mas de acordo com a idéia preestabelecida acerca do fenômeno. Assim, ele entendia que a perspectiva de análise de Spencer não definia sociedade e sim contemplava sua visão particular de como efetivamente eram as sociedades. Também ponderou como ser possível encontrar a fórmula suprema da vida social quando ainda se ignoravam as diferentes espécies de sociedades, suas principais funções e suas leis. Como então empreender em um estudo da sua evolução quando não se sabe exatamente o que são e a que vieram? Palavras-chave: Idéia, método sociológico, sociedade, visão. Abstract: Durkheim starts her analysis from Comte´s fundamental idea that the society must be seen as an organism. She also agrees to the pretext that the societies are kept associated only when, by any way, they share common feelings and beliefs. However, she criticizes Comte’s evolutionist perspective, as she understands that the peoples that follow after the former ones are not necessarily superior. They are only different in structure, values, knowledge, and organizational form. She understands that societies’ sequence is better adapted to a tree analogy whose branches are oriented to opposite sides of a geometric evolutionist line. Durkheim criticized Spencer too as in a general form she extended the critics to other thinkers. According to Durkheim, many sociologists worked not on the object itself but on pre-established idea over the phenomenon. Therefore, she understood that Spencer’s analysis perspective didn’t define society but showed his own point of view on how societies were like effectively. Also she pondered as possible to find the supreme formula of social living when different society species were ignored as well as their functions and laws. How could one undertake an evolution study when one doesn’t know exactly what the societies were like and what they had come for? Key words: Idea, sociological method, society, vision. 1. INTRODUÇÃO A obra de Durkheim se caracteriza pelo ataque persistente a um número limitado de problemas, dos quais o de destaque foi o estabelecimento da Sociologia numa base empírica, tentando dar mais precisão à concepção do método sociológico e demonstrar sua aplicação na investigação empírica. Outro problema era encarar o surgimento do individualismo na sociedade moderna. No entanto, as idéias do individualismo liberal na França estavam um tanto distantes da realidade, e sistematicamente atacadas por * Professor da Univap 104 grupos direitistas, que as viam como sinais de decadência “da estrutura cultural”. Um terceiro problema é sua preocupação com as fontes e a natureza da autoridade moral. E também a preocupação pelas implicações práticas do conhecimento científico social. Essa última preocupação marcava a concepção de Durkheim, para quem o sociólogo é como um médico, distinguindo entre a saúde e doença, diagnosticando causas e tratamento. O autor preocupou-se com a definição de um campo específico às ciências sociais; “a vida social não é outra coisa que o meio moral, ou melhor, o conjunto de diversos meios morais que cercam o indivíduo” (DURKHEIM apud RODRIGUES, 1993, p. 18). A Sociologia constitui uma R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. ciência entre outras “positivas”, que através do estudo metódico procura estabelecer leis, através da experimentação. Essas leis são “produzidas mecanicamente por causas necessárias” (GIDDENS, 1978, p. 23). Os fatos sociais têm de ser tratados como coisas, ou seja, os fenômenos sociais pertencem ao âmbito da natureza, o que indica que a sociedade tem existência objetiva, independendo da existência de determinados indivíduos. Fatos sociais são externos ao indivíduo e exercem coerção sobre eles. O indivíduo é apenas um elemento de uma totalidade maior, mas essa totalidade não se reduz à soma desses indivíduos. A Sociologia estuda as propriedades que derivam da associação de indivíduos em sociedade e os fatos sociais têm de ser explicados em relação a outros fatos sociais (“o social só se explica pelo social”). Durkheim espera explicar o social pelo social – há algo de particular na sociedade, exigindo uma nova esfera de conhecimento, a Sociologia. Isso implica um “rompimento com as antigas formas de conhecimento, o que significa um distanciamento da filosofia” (ORTIZ, 1989, p. 10). A inversão dos métodos, do dedutivo para o indutivo, marca a posição de Durkheim, rompendo com o pensamento filosófico, fundando uma ciência positiva, partindo da realidade. Se Comte e Spencer são propulsores da Sociologia, por outro lado, continuam como filósofos: para o primeiro o social é a realização da idéias de humanidade; e, para o segundo, a sociedade é a realização da idéias de corporação. Durkheim torna-se o divisor de águas (“o herói fundador”). O papel do indivíduo e sua relação com a sociedade é mais bem compreendida dentro desse esforço para delimitar um campo da Sociologia, pois a ação do indivíduo é mediatizada pelas forças sociais. Durkheim contestava essa filosofia moral tradicional, nas duas versões vigentes: a representada por Spencer, que se preocupava com o indivíduo na busca dos próprios interesses na troca econômica, produzindo solidariedade na divisão do trabalho. Mas, a troca contratual, para nosso autor, pressupõe uma estrutura moral dentro da qual é ordenada e, portanto, não pode explicá-la. A outra corrente a ser contestada era a expressa, entre outros, por Comte: a solidariedade exige a existência de um consensus universal, donde se conclui que o enfraquecimento do consenso (dado pela individualização) acarreta um declínio da coesão social. Em A Divisão do Trabalho Social, as conclusões contrastam com esse pano de fundo. O consenso moral é apenas um tipo de coesão social característico das sociedades mais simples, e é chamada solidariedade mecânica, que foi gradualmente substituída pela solidariedade orgânica, uma coesão baseada nas relações de troca, dentro de uma divisão diferenciada do trabalho. Segundo Machado Neto (1998), no texto Preponderância progressiva da solidariedade orgânica (do liR. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. vro A Divisão do Trabalho Social), Durkheim se utiliza mais freqüentemente da expressão “estrutura social”, que depois foi largamente difundida por Radcliffe-Brown (1978). Como também pretendo fazer uma breve história da difusão dessas idéias Durkheimianas pela Inglaterra, escolhi um trecho desse texto que bem demonstra como o conceito é manipulado por Durkheim: “Existe pois uma estrutura social de determinada natureza, à qual corresponde a solidariedade mecânica. O que a caracteriza é que ela é um sistema de segmentos homogêneos e semelhantes entre si. (...) Inteiramente diferente é a estrutura das sociedades onde a solidariedade orgânica é preponderante. Elas são constituídas (...) por um sistema de órgãos diferentes, cada um dos quais tem um papel especial e se forma de partes diferenciadas” (In RODRIGUES (org.), 1993, p. 90). O que caracteriza a estrutura são sistemas em relação na própria sociedade, não importa se esses são “segmentos homogêneos” ou “órgãos diferentes” (1). 2. AS REGRAS DO MÉTODO SOCIOLÓGICO Para Durkheim, a reflexão é anterior à ciência, porém, ao utilizar de maneira metódica esta reflexão, o homem passa a regular sua conduta a partir das noções que utiliza para compreender as coisas e não a partir da coisa em si. Em lugar de observar as coisas, descrevê-las, compará-las, contentamo-nos em tomar consciência de nossas idéias, analisá-las, combiná-las. Em lugar de ciências das realidades, nada mais fazemos do que análise ideológica.(...) Não há dúvida de que tal análise não exclui necessariamente toda e qualquer observação. Pode-se apelar para os fatos com o fim de confirmar as noções ou as conclusões que dele tiramos. Mas os fatos não intervêm então de maneira secundária, a título de exemplos ou de provas confirmatórias; não são objetos de ciência. Esta vai então das idéias para as coisas, e não das coisas para as idéias (DURKHEIM, 1990, p. 13-14). Ele considera que os conceitos não podem tomar o lugar das coisas, pois os mesmos somente têm como objetivo “harmonizar nossas ações com o mundo que nos cerca; são formados pela prática e para a prática. (...) Constituem elas, ao contrário, como que um véu interposto entre as coisas e nós, e que no-la mascaram tanto mais quanto julgamos transparente o véu” (DUKHEIM, 1990, p. 14). Segundo Dukheim (1990), este modo de proceder é uma inclinação natural do homem e dominou também a própria ciência natural em sua origem. A Sociologia, para Durkheim tratava de conceitos, não de coisas. Daí a sua crítica ao evolucionismo de Comte, que estaria assentado sobre as idéias, não sobre os fatos. O que existe, a única coisa que realmente é oferecida à observação, são sociedades particulares que nascem, se 105 desenvolvem, morrem, independentemente umas das outras. Se as mais recentes fossem ainda continuação daquelas que as precederam, cada tipo superior poderia ser considerado como a simples repetição do tipo imediatamente inferior, acrescido de alguma coisa; seria possível, então, alinhálas, por assim dizer, umas após outras, confundindo as que se encontram no mesmo grau de desenvolvimento, e a série assim formada seria encarada como representativa da humanidade. Mas os fatos não se apresentam com esta simplicidade extrema. Um povo que substitui o outro não é um simples prolongamento do anterior com o acréscimo de alguns caracteres novos; é diferente, ora tem propriedades a mais, ora a menos; constitui uma nova individualidade e todas as individualidades distintas, sendo heterogêneas, não podem se fundir numa mesma série contínua, nem sobretudo numa série única. Pois a seqüência de sociedades não poderia ser figurada por uma linha geométrica; ela se parece antes com uma árvore cujos ramos se dirigem em direções divergentes (DURKHEIM, 1990, p. 17-18). Uma outra crítica feita por Durkheim se dirige à teoria formulada por Spencer, que estabeleceu como característica básica de uma sociedade a cooperação (cooperação de caráter privado, predominante em sociedades industriais, e de caráter público, em sociedades militares). De acordo com Durkheim, ele também teria se deixado levar por prenoções e não observado as coisas em si. “...A definição é apresentada como a expressão de um fato imediatamente visível, que basta constatar através da observação, uma vez que é formulada como um axioma já no início da ciência. E toda via é impossível saber por simples inspeção se realmente a cooperação forma o todo da vida social. Tal afirmação só se tornaria cientificamente legítima passando-se em revista todas as manifestações da existência coletiva, e fazendo-se ver que todas elas constituem formas diversas da cooperação. Assim, uma certa maneira de conceber a realidade de novo se substitui a esta realidade” (DURKHEIM, 1990, p. 19). Os fatos que Spencer inscreve em sua sociologia são, para Durkheim, apenas uma forma de ilustrar suas prenoções. O mesmo acontece no que ele vai chamar de “ramos especiais da Sociologia”: a moral e a economia política. Segundo ele, ...toma-se como base da moral a maneira pela qual ela se prolonga nas consciências individuais e nelas repercute – isto é, aquilo que não lhe constitui senão o cume. (DURKHEIM, 1990, p. 21). No que se refere à economia política, não é ...a partir da observação das condições de que depende a coisa que estuda que vai reconhecer a existência dos fatos; pois senão teria começado por expor as experiências das quais tirou esta conclusão. 106 (DURKHEIM, 1990, p. 21-22). É assim que ele diz ser necessário ir à coisa para daí então deduzir os conceitos, realizando assim o método indutivo. Ele exemplifica com o modo como é construída a noção de valor: Se o valor fosse estudado como uma realidade, ver-se-ia o economista, em primeiro lugar, indicar segundo que traços reconhecer a coisa que responde por esse nome, classificar-lhe as espécies, procurar por meio de induções metódicas as causas em função das quais variam, comparar finalmente esses diversos resultados para chegar a desvendar uma formulação geral. A teoria não poderia, pois, existir senão quando a ciência já tivesse sido levada assaz avante (DURKHEIM, 1990, p. 22). Durkheim afirma que muito do que é tido como ciência não é nada mais nada menos que arte, pois o cientista não se atém à coisa em si, mas às idéias que ela suscita. Para ele ...estas especulações abstratas não constituem ainda uma ciência, uma vez que, na verdade, têm por objeto determinar, não em que consiste a regra suprema da moral, e sim o que deve ser tal regra. Assim é que, para ele, as leis econômicas e da moral tidas como naturais são meros “conselhos de sabedoria prática”, não podendo ser chamada cada uma delas de lei natural porque não são constatadas indutivamente. Os fenômenos sociais, para Durkheim, devem ser tratados como coisas, ou seja: “...tratá-los na qualidade de data que constituem o ponto de partida da ciência. (...) Não nos é dada a idéia que os homens formulam a respeito do valor; esta é inacessível, e o que nos é dado são os próprios valores que se trocam realmente no decorrer das relações econômicas. Não é esta ou aquela concepção do ideal moral; é o conjunto de regras que determinam efetivamente a conduta. Não é a idéia do útil ou da riqueza; são todos os detalhes da organização econômica. (...) Não sabemos a priori que idéias estão na origem das diversas correntes entre as quais se reparte a vida social, nem se tais idéias existem; somente depois de ter subido até suas fontes, poderemos saber de onde provêm”. Por isso que, para Durkheim, é necessário que os fenômenos sejam estudados de fora, isto é, do exterior, ...destacados dos indivíduos conscientes que formulam representações a seu respeito (DURKHEIM, 1990, p. 24). Assim procedendo, o cientista poderá alcançar a objetividade dos fatos. Daí decorre a importância do postulado estabelecido por Durkheim: O caráter convencional de uma prática ou de uma instituição não deve jamais ser pressuposto. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. Apesar da crítica que é feita a Durkheim no sentido de que sua teoria não contempla a mudança, vemos que a mudança é admitida, porém dentro de certas condições. Com efeito, a coisa é reconhecida principalmente pelo sintoma de não poder ser modificada por intermédio de um simples decreto da vontade. Não que seja refratária a qualquer modificação. Mas não é suficiente exercer a vontade para produzir uma mudança, é preciso além disso um esforço mais ou menos laborioso, devido à resistência que nos opõe e que, outrossim, nem sempre pode ser vencida. Ora, já vimos que os fatos sociais apresentam esta propriedade. Longe de ser um produto de nossa vontade, eles a determinam a partir do exterior; constituem como que moldes dentro dos quais somos obrigados a plasmar nossas ações. Esta necessidade é muitas vezes de tal ordem que não temos jeito de escapar a ela. Mas, ainda mesmo que chegássemos a triunfar, a oposição encontrada seria suficiente para nos advertir de que estamos em presença de algo que não depende de nós. Considerando, então, os fenômenos sociais como coisas, não fazemos mais do que nos conformar com a natureza que apresentam (DURKHEIM, 1990, p. 25). Durkheim compara as reformas propostas por ele à Sociologia àquelas experimentadas pela Psicologia, que também era baseada nas idéias formuladas a respeito das sensações que os indivíduos experimentavam, não nas sensações em si. Mesmo reconhecendo esta similaridade, ele diferencia os fatos psíquicos dos fatos sociais: “...os fatos psíquicos são naturalmente encarados como estados do indivíduo, do qual não se parecem sequer separáveis. Interiores por definição, julga-se impossível tratá-los como exteriores, a não ser violentando-lhes a natureza. (...) Os fatos sociais, pelo contrário, apresentam de modo muito mais natural e imediato todos os caracteres de coisa. (...) Os fatos sociais são talvez mais difíceis de interpretar porque são mais complexos, mas são também mais fáceis de atingir. A Psicologia, pelo contrário, não tem apenas dificuldade em elaborá-los, mas também em apreendê-los” (DURKHEIM, 1990, p. 26-27). 3. O MÉTODO Após enunciar essa diferenciação, Durkheim estabelece as regras através das quais os fatos sociais seriam alcançados: 1. É preciso afastar sistematicamente todas as prenoções. – Durkheim sugere que todas as prenoções sejam abandonadas em nome da verdadeira ciência, mas reconhece, contudo, ser esta uma tarefa difícil, “...porque o sentimenR. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. to afetivo freqüentemente intervém na questão. (...) O objeto em si e as idéias que a seu respeito formulamos nos tocam de perto e tomam assim tal autoridade que não suportam contradição. Toda opinião que as atrapalhe é tratada como inimiga. (...) O próprio fato de as submeter, assim como os fenômenos que exprimem, a uma fria e seca análise, revolta certos espíritos. (...) O sentimento é objeto de ciência, não é critério de verdade científica. De resto, não existe ciência que, em seus primórdios, não tenha encontrado resistências análogas” (DURKHEIM, 1990, p. 29). 2. Nunca tomar por objeto de pesquisa senão um grupo de fenômenos previamente definidos por certos caracteres exteriores que lhe são comuns, e compreender na mesma pesquisa todos aqueles que correspondem a esta definição: “...chamaremos crime todo ato que recebe uma punição, e fazemos do crime assim definido o objeto de uma ciência especial, a criminologia. Observamos, também, no interior de todas as sociedades conhecidas, uma sociedade parcial, reconhecível pelo sinal exterior de ser formada por indivíduos consanguíneos em sua maioria, e unidos entre si por laços jurídicos. (...) Chamaremos família todo agrupamento dessa espécie...” (DURKHEIM, 1990, p. 31). Durkheim diz ser imprescindível definir o objeto estudado porque em Sociologia é comum a referência a coisas sem uma definição rigorosa do que se tratam. Este procedimento é necessário a fim de eliminar as ambigüidades. Como exemplo, ele cita um autor, Garofalo, que define como crime apenas uma espécie de crime, encontrada numa determinada sociedade. Para Durkheim, seria necessário localizar o crime em cada sociedade estudada, entendendo-o não como algo atrelado às regras de moralidade vigente, mas consideradas no contexto em que ocorre, seja uma sociedade “civilizada” ou “primitiva”. Isto é o que leva, de acordo com Durkheim, à consideração de que os “selvagens” são desprovidos de quaisquer regras de moralidade. Parte da idéia de que nossa moral é a moral que é evidentemente desconhecida dos povos primitivos, ou que não existe entre eles senão em estado rudimentar. Definição arbitrária, porém. Apliquemos nossa regra e tudo se modifica. Para decidir se um preceito é moral ou não, examinaremos se apresenta ou não sinal exterior de moralidade; este consiste numa sanção repressiva difusa, isto é, numa condenação formulada pela opinião pública que vinga a violação do preceito. Todas as vezes que estivermos diante de um fato apresentando tal caráter, não temos o direito de lhe negar a qualificação de moral; pois é prova de que sua natureza é igual à dos outros fatos morais (DURKHEIM, 1990, p. 35-36). 107 Para Durkheim, tais regras podem ser encontradas tanto nas sociedades consideradas “superiores” como nas “inferiores”. À acusação de que estaria derivando o crime da punição, Durkheim rebate dizendo: “é claro que a punição não cria o crime, mas é pela punição que o crime se revela exteriormente a nós, e, por conseguinte, é dela que se deve partir se quisermos chegar a compreendê-lo. (...) a menos que o princípio de causalidade não passe de vã palavra, quando determinados caracteres são encontrados de maneira idêntica e sem nenhuma exceção em todos os fenômenos de uma certa ordem, podemos estar seguros de que se ligam estreitamente à natureza destes últimos e deles são solidários”. 3. ...quando um sociólogo empreende a exploração de uma ordem qualquer de fatos sociais, deve se esforçar por considerá-los naquele aspecto em que se apresentam isolados de suas manifestações individuais (DURKHEIM, 1990, p. 39). Para Durkheim, tanto a ciência como o conhecimento vulgar partem da sensação, pois é dela que se originam todas as idéias, sejam científicas ou não. O que diferencia o saber científico do saber comum é o modo como vai ser elaborada esta matéria comum.”...A sensação é tanto mais objetiva quanto mais fixo for o objeto ao qual se liga; pois a condição de toda objetividade é a existência de um ponto de apoio constante e idêntico, ao qual a representação se possa ligar, e que permita eliminar tudo o que ela apresenta de variável e portanto de subjetivo. Se os únicos pontos de apoio dados são, eles mesmos variáveis, se são perpetuamente diferentes cm relação a si mesmo, fica faltando toda medida comum e não temos nenhum meio de distinguir, em nossas impressões, o que depende do exterior ou o que vem de nós mesmos. (...) Fora dos atos individuais que suscitam, os hábitos coletivos se exprimem por meio de formas definidas: regras jurídicas, morais, provérbios populares, fatos de estrutura social etc. Como estas formas existem de maneira permanente, como não mudam com as diversas aplicações que delas são feitas, constituem um objeto fixo, uma medida constante que está sempre à disposição do observador e que não deixa lugar às impressões subjetivas e às observações pessoais” (DURKHEIM, 1990, p. 38-39). CONSIDERAÇÕES FINAIS Para Durkheim a sociedade prevalece sobre o indivíduo. A sociedade é um conjunto de normas de ação, pensamento e sentimento que não existem apenas na consciência dos indivíduos, mas que são construídas exteriormente, isto é, fora das consciências individuais. Na vida em sociedade o homem se defronta com regras de conduta que não foram diretamente criadas por ele, mas que existem e são aceitas na vida em sociedade, devendo ser seguidas por todos. Sem essas regras a sociedade não existiria, e é por isso que os indivíduos de- 108 vem obedecer a elas. Em toda sociedade existem leis que organizam a vida em conjunto. O indivíduo isolado não cria leis nem pode modificá-las. São as gerações de homens que vão criando e reformulando coletivamente as constituições etc. Durkheim afirma que os fatos sociais são diferentes dos fatos estudados por outras ciências por terem origem na sociedade e não na natureza, como nas ciências naturais, ou no indivíduo como na Psicologia. Durkheim chama de reino social, o lugar onde estes fatos se desenvolvem. NOTA (1) É preciso não confundir estrutura social com morfologia social, pois essa, para Durkheim é uma das três divisões da Sociologia (Morfologia Social, Fisiologia Social e Sociologia Geral), é um a ciência que estuda a “base geográfica dos povos em suas relações com a organização social; estudo da população, seu volume, densidade e distribuição geográfica” (In Rodrigues [org]: p. 45). A noção de “organização social”, ao contrário, pode ser tomada como equivalente a de estrutura social, pois é usada praticamente no mesmo sentido no mesmo texto; a diferença é que idéia de estrutura social carrega uma noção de funcionalidade mais explícita, já que trata de relações entre os segmentos ou órgãos que funcionam para a manutenção da coesão social. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARBAGE, A. P.; SOUZA, R. S. O método sociológico de Émile Durkheim. Disponível em: http:// gestor.adm.ufrgs.br/adp/durkheim_adp014_2000_1.htm1 Acesso em: 27 jun. 2005. DURKHEIM, E.; MAUSS, M. Algumas formas primitivas de classificação: contribuição para o estudo das representações coletivas, In: MAUSS, M.Ensaios de Sociologia. São Paulo: Perspectiva, 1981. DURKHEIM, E. Regras relativas à observação dos fatos sociais”. In :__________. As regras do método sociológico. São Paulo: Nacional. Biblioteca Universitária. Série 2. Ciências Sociais; v. 44, p.13-39, 1990. DURKHEIM, E. As formas elementares da vida eeligiosa: o sistema totêmico na Austrália. São Paulo: Paulinas, 1989. GIDDENS, A. As idéias de Durkheim. São Paulo: Cultrix, 1978. MACHADO NETO, A. L. Sociologia Jurídica. São Paulo: Saraiva, 1998. ORTIZ, R. Durkheim: arquiteto e fundador. RBCS, n. 11, v. 4, 1989. RODRIGUES, J. A. (org). Durkheim. São Paulo: Ática, 1993. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. A Oficina de Aprendizagem no Espaço Escolar: Algumas Considerações Maria Tereza Dejuste de Paula * Sonia Sirolli * Resumo: É objetivo deste trabalho discutir características da oficina como um recurso para o ensino/aprendizagem na escola. A oficina oferece condições para o desenvolvimento da aprendizagem ativa, em grupo e orientada para um produto. Sua realização exige cuidados como o planejamento a partir dos interesses dos alunos e a avaliação dos resultados. Palavras-chave: Oficina, aprendizagem, aprendizagem ativa. Abstract: This paper objective is to discuss the workshop characteristics as a resource for the teaching-learning process at school. The workshop offers conditions for the active learning development, in groups and oriented for a product. To implement the workshop it is needed careful planning based on the learners’ interests and the results evaluation. Key words: Workshop, learning, active learning. INTRODUÇÃO A escola tem sido solicitada a garantir aprendizagens que atendam às exigências de formação para a sociedade do conhecimento e contribuam para o desenvolvimento das potencialidades de cada aluno. Modos de ensino tradicionais que favorecem o acúmulo de informações, a passividade do aluno e centram-se no ensino, estão sendo questionados, buscando-se outros que possam favorecer a atividade do aluno, a criatividade e o processamento das informações. Em algumas reflexões, como a de Calvo (1997), que focalizou a América Latina, ressalta-se que predominam ainda nesta região os modos tradicionais de ensino com posturas de indiferença por parte do professor às interações e fatores que influenciam a capacidade de motivação e de aprendizagem dos alunos. Ressalta-se também que os progressos nesse campo são lentos e os ambientes de aprendizagem não são usados de modo a favorecer as relações dos alunos com os mestres, com os outros alunos e com o conhecimento. apontadas são a oficina de aprendizagem e a aula oficina. A primeira é descrita como uma modalidade de seminário que atendeu a crianças do terceiro e quarto anos básicos de escolas de setores pobres do Chile que apresentavam atraso escolar, buscando o reforço do ensino escolar, a elevação da auto-estima, da sociabilidade e criatividade. A segunda é descrita como uma estratégia didática da escola ativa. No Brasil, a oficina tem sido uma estratégia utilizada em diferentes espaços de aprendizagem, inclusive na escola. A literatura nacional registra, entretanto, poucas contribuições para o tema da oficina na escola. É objetivo deste estudo descrever algumas das características e potencialidades da oficina como um modo de organizar a aprendizagem dos alunos na escola. AOFICINADEAPRENDIZAGEMNOESPAÇOESCOLAR Têm havido esforços para implementar novas maneiras de entender e desenvolver as situações de aprendizagem. No mesmo estudo acima citado, Calvo (1997, p. 8) assinala experiências consideradas inovadoras na América Latina no sentido de modificarem as relações do professor com o aluno e de levarem em conta “experiências, interações, contextos e saberes dos diversos atores dos processos de aprendizagem”. Duas experiências Diferentes características são associadas à oficina de aprendizagem. A oficina é descrita, em alguns contextos, como uma experiência de trabalho ativo; envolve trabalho coletivo na forma de participação dos integrantes com suas experiências, opiniões e argumentações; é experiência de trabalho criativo (as experiências dos participantes, a reflexão e as discussões ajudam a encontrar soluções novas); é experiência de trabalho vivencial e sistemático (MINISTÉRIO DE EDUCACIÓN, 1998). * Professora da Univap. A oficina desenvolvida no espaço escolar é também descrita como um recurso que possibilita ao aluno R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. 109 construir o seu conhecimento por meio de ações educativas desenvolvidas, em um espaço de tempo compacto definido, e planejadas pelo professor para atender a objetivos específicos previamente estabelecidos. Na oficina, o aluno deve realizar atividades com o grupo, e o professor atua como um facilitador. O aluno na oficina adquire maiores conhecimentos ou gera um produto a partir das contribuições dos demais participantes, dentro de um período determinado, e com atividades previamente planejadas (FLECHSIG; SCHIEFELBEIN, 2004). Como uma atividade dentro da escola, os objetivos da oficina podem focalizar o desenvolvimento de competências visadas à série e ao curso e contribuir para o desenvolvimento de algum aspecto específico das unidades de conteúdos do curso ou série para os quais a oficina será proposta, somando esforços para atingir o perfil de aluno que a escola busca formar, declarado em seu projeto político pedagógico. A escolha da temática da oficina deve partir dos interesses dos alunos, das orientações do projeto pedagógico da escola e considerar, também, as propostas dos Parâmetros Curriculares Nacionais. É fundamental, na oficina, a participação de todos os alunos, o que permitirá a construção do conhecimento a partir da contribuição de todos. Essa característica pode concorrer para que todos se beneficiem por meio das contribuições oriundas dos diferentes estágios cognitivos dos outros participantes do grupo como apontado por Vygotsky (OLIVEIRA, 1995). O contato dos participantes com os materiais e atividades dá suporte às ações e interações dos alunos uns com os outros e com o professor. O conceito de oficina é muito conhecido, especialmente no âmbito dos artistas, e tem sido apropriado pela escola como um recurso para aproximar a sala de aula do cotidiano. No século XXI as oficinas ainda são um desafio para o espaço escolar. Um desafio que precisa contar com o conhecimento, experiência e vivência do professor ou facilitador para que o seu planejamento atinja de modo pleno os objetivos que justificam o seu uso no espaço escolar: aprendizagem significativa e permanente , isto é, agregada às rotas cognitivas e emocionais dos alunos. PRINCÍPIOS DIDÁTICOS DA OFICINA Na oficina, pode-se considerar que três princípios didáticos (FLECHSIG; SCHIEFELBEIN, 2004) são levados em conta: - aprendizagem orientada para a produção de um resultado relativamente preciso, que seja do interesse dos participantes; - aprendizagem em grupo, ou aprendizagem que se produz graças a uma troca de experiências entre os participantes; - aprendizagem ativa, a aprendizagem é parte do desenvolvimento da prática, especialmente de processos e produtos. AMBIENTE DEAPRENDIZAGEM O ambiente de aprendizagem de uma oficina educativa deve contar com amplos recursos para as atividades e aprendizagem dos participantes e estar estruturado de forma flexível. Deve-se assegurar que cada participante tenha liberdade para fazer contribuições. Muitos materiais devem estar à disposição dos alunos da oficina, tais como manuais, dicionários, livros, revistas, internet e outros que se relacionem ao tema desenvolvido. O local onde a oficina se processa deve ser adequado às atividades previstas. Pode ser na sala de aula, no pátio, em um parque, em um museu, em uma praça. PAPEL DO ALUNO E DO PROFESSOR AS ORIGENS DA OFICINA Tradicionalmente, o conceito de oficina foi gerado a partir da idéia de que ela existe quando um grupo tem uma determinada formação, propõe-se a melhorá-la e se organiza para consegui-lo de maneira colegiada. No início do século XX, as oficinas foram uma das primeiras alternativas ao método de ensino-aprendizagem expositivo ou tradicional e buscaram trazer algo da “realidade” à sala de aula. O conceito evoluiu para seminário educativo, “workshop”, atelier, denominando uma forma de aprendizagem organizada preferencialmente para construir aprendizagem significativa (FLECHSIG; SCHIEFELBEIN, 2004). 110 Na oficina, cada participante é um ator responsável pela sua própria aprendizagem e deve estar ativo. Para Flechsig e Schiefelbein (2004) cada participante em uma oficina deve ser responsável por criar informação para a formulação do resultado, por organizar o processo de aprendizagem e por difundir os resultados. O professor, por sua vez, é um facilitador e deve se encarregar de organizar a preparação e a realização da oficina, determinando as atividades que serão nela desenvolvidas, as competências que serão trabalhadas e selecionando os materiais necessários. Exerce o papel de moderador nos debates, sendo um mediador da aprendizagem dos alunos. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. A ESTRUTURAÇÃO DA APRENDIZAGEM NA OFICINA alunos: 1- O que você aprendeu na oficina? Sendo um ambiente de aprendizagem ativo e participativo, a oficina permite o desenvolvimento de objetivos de aprendizagem complexos como a resolução de problemas. Todas as atividades da oficina devem contribuir para os objetivos visados. Cada atividade deve ser planejada de modo a oferecer informações ou desenvolver ações relevantes ligadas aos objetivos. O professor deve elaborar atividades participativas para permitir que os alunos desenvolvam atividades na prática. O formato e a seqüência das atividades da oficina devem ser determinados a partir dos objetivos e dos tópicos a serem desenvolvidos. Dessa maneira, tanto se pode começar com uma atividade aplicada para depois apresentar informações, quanto se pode iniciar com informações e depois atividades de aplicação. Ao final de cada atividade, é recomendável uma realimentação feita de modo coletivo para que os alunos possam compartilhar percepções, descobertas e observações a respeito da atividade e para determinar como esta se relaciona com seus conhecimentos atuais e experiências. 2- Houve atividades desenvolvidas nesta oficina que foram proveitosas e agradáveis a você? Se houve, cite-as. 3- O professor ajudou você no que diz respeito à sua aprendizagem? De que forma? 4- De que forma você contribuiu para os resultados desta oficina? 5- Na sua opinião, o que contribuiu para o sucesso ou para o fracasso da oficina? CONSIDERAÇÕES FINAIS A oficina é um recurso capaz de favorecer a aprendizagem ativa. Sua criação exige, do docente, criatividade e planejamento cuidadoso. Segundo Honsberger e George (2004) os pontos principais para a elaboração de uma oficina são: - desenvolver os objetivos; - determinar a duração da oficina; O professor deve planejar uma variedade de atividades participativas para os alunos, como, por exemplo: apresentações; pequenas palestras; estudos de caso; simulações de papéis; atividades de resolução de problemas; dramatização; painéis; discussões em grupos; tempestade de idéias; pequenos grupos de trabalho; uso de perguntas fechadas (sim, não) para obter informações; uso de perguntas abertas (como, por quê) para promover discussões ou desenvolver idéias; debates; vídeos; uso do retroprojetor para trabalhar imagens, desenvolvimento de material áudio-visual, dentre outras. AVALIAÇÃO REFLEXIVA A avaliação é importante para a aprendizagem participativa e a construção coletiva do conhecimento. O professor tanto pode ir avaliando durante a realização da oficina através da observação e de perguntas, quanto pode fazer uma avaliação ao final da oficina para verificar os resultados e possíveis necessidades de modificação para aplicações futuras da mesma oficina. A avaliação pelos participantes é de inestimável valor, pois, com base nela, podem ser feitos ajustes necessários e correções na estrutura da oficina. Apresenta-se uma sugestão de instrumento para avaliação ao final da oficina (oral ou por escrito) pelos R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. - identificar os conhecimentos, habilidades e atitudes que o grupo precisa atingir; - escolher atividades apropriadas para o professor-facilitador e para o grupo, por meio das quais seja possível atingir os objetivos; - planejar as atividades da oficina e definir materiais de apoio para cada atividade; - planejar uma variedade de atividades participativas: apresentações, estudos de caso, simulação de papéis, atividades de resolução de problemas, dentre outras; - planejar a avaliação das atividades e do aprendizado. O professor ou facilitador não deve se esquecer de: - pesquisar com antecedência o tema a ser abordado; - consultar manuais e pessoas que tenham experiência no assunto da oficina; - focalizar o conteúdo no que foi estabelecido 111 para aquele espaço de tempo ao invés de tentar cobrir tudo sobre o tema; - fazer um esboço da oficina e planejar a sincronização das atividades; - reservar um tempo flexível para discussão; responder perguntas pode ser mais importante para o grupo do que novas informações; - fazer uma pausa a cada 1h e 30 min ou a cada 2h; - ter estratégias prontas para reduzir o tempo exigido para uma atividade ou para preencher um tempo disponível não esperado; - ser sensível às necessidades do grupo; - alternar aprendizado interativo e apresentações formais de material; - sempre permitir mais tempo do que imagina que a tarefa levará. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CALVO, G. Ensino e aprendizagem: em busca de novos caminhos. Programa de promoção da reforma educativa na América Latina e Caribe. n.6 Junho de 1997. Disponível em: http://www.preal.cl . Acesso em 23 out. 2004. FLECHSIG, K-H; SCHIEFELBEIN, E. Veinte modelos didácticos para América Latina. Disponível em: <http:/ /www.educoas.org/portal/bdigital/contenido/interamer/ interamer_72/Schiefelbein-Chapter20New.pdf>. Acesso em nov. 2004. HONSBERGER, J.; GEORGE, L. Facilitando oficinas: da teoria à prática. Canadian International Development Agency. Manual eletrônico. Disponível em: <http:// w w w. a i d s a l l i a n c e . o r g / a p o i o o n g / r e s o u r c e s / 0201087p01.pdf>. Acesso em nov. 2004. MINISTÉRIO DE EDUCACIÓN. Guia metodologica. Material de apoyo para la gestión del centro de padres y apoderados. n. 1 Santiago de Chile, 1998. OLIVEIRA, M. K. Vygotysk - aprendizado e desenvolvimento sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1995. 109 p. 112 R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. Novas Competências em Informação Tecnológica: a Experiência do SENAI-RS junto ao Serviço Brasileiro de Resposta Técnica – SBRT Alexandro Oto Hanefeld * Enilda Terezinha dos Santos Hack ** Geverson Lessa dos Santos *** Silvia Rossana Caballero Poledna **** Resumo: O presente artigo tem como objetivo principal descrever a experiência do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial - Departamento Regional do Rio Grande do Sul (SENAI-RS) na implementação compartilhada do Serviço Brasileiro de Resposta Técnica - SBRT, apresentando seu efeito-demonstração e a importância para o aumento da competitividade das empresas, enquanto facilitador da construção de um processo de desenvolvimento sustentável. O detalhamento do processo estratégico de modernização deste serviço, através da utilização da metodologia do SBRT, que disponibiliza respostas técnicas na Internet, constitui a metodologia empregada. A principal contribuição do presente estudo consiste em identificar as novas tendências do microempresário no setor industrial e verificar estratégias de recepção, coleta e análise da demanda, com a finalidade de oferecer produtos customizados, conduzindo à efetiva resolução das demandas dos usuários. A experiência do SBRT/SENAI-RS evidencia também o funcionamento de um mecanismo de fidelização de clientes, aumento de competitividade e prospecção de necessidades do mercado, valorizando a gestão de informação tecnológica como elemento de agregação de valor e estímulo ao desenvolvimento. Para tanto, após a introdução, serão apresentadas considerações sobre o escopo SBRT para, na seção terceira, discutir a conexão com novos perfis do profissional que atua na área de informação tecnológica. Palavras-chave: Informação tecnológica, Serviço Brasileiro de Resposta Técnica, profissional da área de informação. * Coordenador do Núcleo de Informação do Sistema FIERGS/SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM INDUSTRIAL – Departamento Regional do Rio Grande do Sul (SENAI-RS). Doutorando de Economia pela UFRGS. E-mail: [email protected] ** Bibliotecária do Núcleo de Informação do Sistema FIERGS/SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM INDUSTRIAL – Departamento Regional do Rio Grande do Sul (SENAI-RS). E-mail: [email protected] *** Mestre em Ciência e Tecnologia Agroindustrial e Engenheiro Agrícola. Bolsista do Serviço Brasileiro de Resposta Técnica – SBRT/SENAI-RS. E-mail: [email protected] **** Engenheiro Químico e Especialista de Tratamento de Efluentes Líquidos, Sólidos e Gasosos. Bolsista do Serviço Brasileiro de Resposta Técnica – SBRT/SENAI-RS. E-mail: [email protected] R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. 113 Abstract: This article aims to describe the experience of the National Industrial Apprenticeship Service – Rio Grande do Sul Regional Department (SENAI-RS) in the shared implementation of the Brazilian Technical Response Service (SBRT), through presenting its demonstration effect and its importance in the companies’ competitiveness increase as an auxiliary in the construction of a sustainable development process. The methodology consists in detailing this service strategic process of modernization using the SBRT, an online technical question answering resource. The main contribution of this study is to identify new trends of industrial micro-entrepreneurs and to check strategies of reception, collection, and analysis of demand, aiming to offer customized products for the clients and to give support to their requirements. The SBRT/SENAI-RS experience also demonstrates strategies customer loyalty, competitiveness increase, and antecipation of the market needs, giving more value for the technological information management as a value-adding element and an important tool for their development. For that purpose, this article introduction is followed by considerations on the SBRT scope, in order to discuss, in the third section, the connection with new profiles of the professionals who work in the technological information field. Key words: Technological information, Brazilian Technical Response Service, information area professional. INTRODUÇÃO A globalização de mercados financeiros, a consolidação de potenciais tecnológicos, representados pelas grandes empresas, entre outros fatores, são elementos que evidenciam crescentemente a informação como fator estratégico de competitividade para as empresas. As micro e pequenas empresas – MPEs, predominantemente, têm acesso menos facilitado às informações, configurandose como estruturas mais frágeis diante do mercado caracterizado pela competição globalizada. 114 de atividades vinculadas à propriedade intelectual e aos bens intangíveis. Coadunando com tal quadro, Crawford pondera, de forma sintética: “Avanços tecnológicos permitem a aceleração e o maior volume no tratamento massificado das informações e no seu processamento, análise e transmissão. O paradigma da informação – que, com base na tecnologia vem substituir o modelo Taylorista e Fordista. A informação e o conhecimento substituem o capital físico e financeiro, tornando-se uma das maiores vantagens competitivas nos negócios, e a inteligência criadora constitui-se na riqueza da nova sociedade.” (CRAWFORD, 1994). O dinamismo do perfil do profissional que trabalha com informação é bastante intenso e, por igual, recorrente. A Federação Internacional de Informação e Documentação (FID), já em 1991, criou o Grupo de Interesse Específico sobre Papéis, Carreiras e Desenvolvimento do Moderno Profissional da Informação (SIG FID/MIP), envolvendo profissionais das áreas de Biblioteconomia, Arquivologia, Museologia e Administração, realizando uma pesquisa mundial entre esses profissionais para identificar seu perfil. Segundo Arruda, Marteleto e Souza (2000), essa pesquisa desponta a tecnologia como propulsora das principais modificações no perfil desses profissionais, seguida por elementos de gestão organizacional e do trabalho. Este fato, simultaneamente, destaca o capital humano e proporciona mudanças quanto à função da informação no ambiente produtivo e força os empreendedores e empresários a ter uma visão diferenciada de perceber a importância dos Serviços de Informação, que pressupõem também um novo paradigma quanto à função do típico “Profissional da Informação” – o Bibliotecário. Desta feita, verificamos que o novo perfil do bibliotecário está focado na capacidade deste em gerenciar a informação e trabalhar de forma que a informação tenha valor agregado e seja encarada como um produto capaz de garantir a competitividade para as instituições, sobretudo as empresas. Atualmente, o que era antes proporcionado para o indivíduo por ocasião da leitura e da escrita é proporcionado pelo advento de novas tecnologias, que se disseminaram muito fortemente na área da educação (1). O cotidiano da sociedade contemporânea passa a conviver com o uso intensivo de informações e com o gerenciamento Com base nestas considerações, o presente trabalho tecerá, na primeira seção, comentários alusivos ao Serviço Brasileiro de Respostas Técnicas – SBRT, e a inserção do SENAI-RS em tal rede de competências múltiplas, trazendo à tona aspectos estratégicos e operacionais e estatísticas que abarcam resultados preliminares obtidos com a participação no referido Serviço. A R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. segunda seção abarca o novo perfil do profissional ligado à área de informação e como o SENAI-RS está trabalhando, de forma estritamente vinculada à experiência de trabalho junto ao SBRT. Subseqüentemente, considerações finais sinalizam para a importância da atuação renovada dos profissionais que lidam com informação. 1. O SENAI-RS E O SERVIÇO BRASILEIRO DE RESPOSTA TÉCNICA (SBRT) O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial do Rio Grande do Sul atua no campo da educação e tecnologia, conta com 131 pontos de educação profissional, 17 agências de treinamento e 8 Centros Tecnológicos (Automotivo, Calçado, Couro, Mobiliário e Madeira, Polímero, Mecatrônica, Mecânica de Precisão e o Centro Nacional de Tecnologias Limpas) (SENAI-RS, 2004). Os Centros Tecnológicos do SENAI-RS objetivam realizar pesquisa aplicada, absorver, gerar e transferir conhecimentos tecnológicos diretamente ao setor produtivo, o que se dá através de uma gama de serviços como:cursos, assessoria e consultoria em tecnologia de produtos e processos, desenvolvimento de ensaios e análises laboratoriais e a prestação de serviços de informação tecnológica. O SENAI-RS, mediante carta convite FVA/TIB CNPq/2002, passou a integrar o SBRT. São entidades participantes da rede, como provedores de respostas técnicas: Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais CETEC, Instituto de Tecnologia do Paraná - TECPAR, Rede de Tecnologia da Bahia – RETEC/BA, Rede de Tecnologia do Rio de Janeiro - REDETEC, Universidade de Brasília UnB/CDT e Universidade de São Paulo USP/ Disque-Tecnologia. Como instituições que apóiam o SBRT, temos o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia - IBICT, Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas - SEBRAE, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq e os programas TIB/CNPq do Ministério da Ciência e Tecnologia do Governo do Brasil. O projeto, cumpre ressaltar, faz parte de programa estratégico do Ministério da Ciência e Tecnologia. O SBRT, que iniciou sua operacionalização em meados de 2003, é um serviço de informação tecnológica que foi desenvolvido em bases dinâmicas com o uso intensivo da web e de operação em rede, com o objetivo de facilitar o rápido acesso das empresas às soluções tecnológicas de baixa complexidade e em áreas específicas, bem como promover a difusão do conhecimento e contribuir para com o processo de transferência de tecnologia, especialmente, para a micro, pequena e média empresa, conforme consta em seus materiais de divulgação. Foi oficialmente lançado no último trimestre de 2004, já com a metodologia de gestão definida e equipes R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. treinadas, capacitadas e alinhadas estratégica e operacionalmente. Seu funcionamento está pautado na valorização do uso de tecnologias da informação, uma vez que os atendimentos do SBRT ocorrem preponderantemente através de um portal da Internet, o qual se configura como receptáculo de demandas e elemento de integração entre ofertantes e demandantes de tecnologia (2). Através deste projeto capitaneado pelo Ministério de Ciência e Tecnologia – MCT, o SENAI-RS obteve a oportunidade de implementar o Serviço de Resposta Técnica como um dos serviços de Informação Tecnológica em toda sua Rede de Informação. 1.1 Aspectos estratégicos e operacionais do SBRT e o SENAI-RS Lidar com informações e processá-las de forma adequada é uma necessidade recorrente para as pessoas e organizações. Atualmente, esta importância encontra-se reforçada, à medida que as empresas têm de ter respostas de forma cada vez mais ágil para responder de forma eficiente e eficaz aos estímulos de demanda, garantindo competitividade. A informação é marcada por quatro elementos básicos: velocidade, conectividade, intangibilidade e criatividade. A informação tecnológica, neste contexto, passa a ser vista como agregadora de valor, algo que tem custo de elaboração e preço para disponibilização. Dito de outra forma, ela é um PRODUTO e, como tal, tem valor no mercado (HACK; HANEFELD, 2004). A Resposta Técnica, portanto, deve ser percebida como uma informação tecnológica estratégica. O demandante de informação tecnológica – seja uma empresa de qualquer porte, um empreendedor ou uma entidade representativa tal como sindicatos ou associações - quando se reporta a uma instituição como o SENAI-RS para atender a uma demanda de resposta técnica, o faz porque precisa de uma proposição a um produto, processo ou gestão que seja Confiável, entregue num Prazo Curto e a um Custo Baixo. A Fig. 1, a seguir, sintetiza esta dinâmica. Fig. 1 - Dinâmica de funcionamento da resposta técnica. Fonte: Hack; Hanefeld, 2004. A importância de desenvolver competências que trabalhem diretamente com a informação como matériaprima, atendendo os avanços da tecnologia induz à refle- 115 xão sobre a necessidade de estruturar um novo perfil para o Profissional da Informação que forneça as variáveis que possibilitem atender a esta nova situação, contemplando formas de ação renovadas. Tendo sido feita, ex ante, a definição estratégica da participação do SENAI-RS neste relevante projeto – referendada pelo Departamento Nacional do SENAI, a primeira ação efetiva (que partiu da alta gerência e gerências intermediárias do SENAI-RS) foi concernente à motivação, apoiando o esforço de realização deste serviço e apoiando as atividades de implementação do serviço. Foi realizada a capacitação dos profissionais da informação da Rede de Informação do SENAI-RS, em adesão aos demais parceiros da rede, na metodologia nos moldes do SBRT – Serviço Brasileiro de Resposta Técnica, capacitação formal e momentos de avaliação das Respostas Técnicas que já se encontravam no Portal. A esta etapa que se configurou em adesão ao projeto e de motivação para participação, seguiram-se atividades de implementação. Foi oferecido treinamento em técnicas de pesquisa em bases de dados na Internet e repasse de ferramentas de busca, replicando no Rio Grande do Sul metodologia desenvolvida pelo SBRT. Também foram levados a cabo estudos de identificação de demandas, proposição e negociação e solução e realizados atendimentos às demandas de respostas técnicas através do banco de competências e especialistas da rede SENAI-RS. Tratando do caso gaúcho, no que tange a aspectos operacionais, as demandas chegam no SENAI-RS advindas do Portal SBRT, fax, e-mail, telefone ou consulta local. Elas são imediatamente identificadas pelos moderadores (especialistas que se encontram no Departamento Regional) e distribuídas para execução da resposta pelos bibliotecários e técnicos das unidades do SENAIRS. O bibliotecário é responsável pelo refinamento da demanda, ou seja, pelo processo de análise da demanda que, sendo necessário, inclui um refinamento da demanda (contato com o cliente). A Fig. 2, a seguir, mostra o funcionamento de um serviço de resposta técnica. Fig. 2 - Funcionamento do serviço de resposta técnica. Fonte: Hack; Hanefeld, 2004. Faz-se, em seguida, um estudo prévio do contexto da questão e prepara-se um roteiro de perguntas, perguntas estas que objetivam refletir sobre o problema e esclarecer a real necessidade de informação. O esforço inicial em captar corretamente a necessidade de informação do cliente é de fundamental importância para a apresentação de uma solução que atenda às suas expectativas. A solução da demanda, dependendo da complexidade, pode ser formulada pelo próprio bibliotecário, através de pesquisa no acervo, pesquisa na web ou repassada para o especialista responder. Após, o formulário padrão do Serviço Brasileiro de Resposta Técnica é preenchido e enviado aos moderadores, os quais, por seu turno, providenciam o encaminhamento ao cliente e a publicação da Resposta Técnica no Portal. Tendo, portanto, as metodologias de gestão bem 116 definidas, o Serviço Brasileiro de Resposta Técnica - não só no SENAI, mas em todas as instituições parceiras da Rede - tem um resultado imediato e efetivo junto ao seu público-alvo, sobretudo as micro e pequenas empresas, evidenciando resultados preliminares animadores e que revalidam a importância deste serviço. As estatísticas constantes da subseção seguinte representam uma amostra destes resultados e de seu alcance. 1.2 Resultados preliminares da atuação do SENAI-RS Conforme estatística realizada desde a implantação do SBRT até o dia 9 de maio de 2005, demonstrada pela Figura 3, verifica-se que do total de 503 respostas técnicas elaboradas pela rede, 19,09% das solicitações, ou seja, o equivalente a 96 respostas técnicas, foram publicadas pelo SENAI/RS. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. Pela Tabela 2, a seguir, podem ser obtidas inferências acerca do crescimento médio mensal de solicitações, respondidas pelo SBRT tanto em nível nacional (geral), como especificamente pelo SENAI/RS. Tabela 2 - Crescimento mensal de respostas técnicas publicadas pelo SBRT em geral e pelo SENAI/RS. Fig. 3 - Respostas técnicas publicadas pelo SENAI/RS, em relação ao total do SBRT, desde sua implantação até o dia 9/5/2005. Fonte: SENAI/RS. Através da Tabela 1, a seguir, nota-se que boa parte (45,83%) das demandas atendidas pelo SENAI/RS foi originada por clientes do próprio Estado do Rio Grande do Sul, seguido respectivamente pelos de Santa Catarina (20,83%) e Rio de Janeiro (6,25%). Tabela 1 - Respostas técnicas publicadas pelo SENAI/ RS, desde a implantação do SBRT até o dia 9/5/2005, conforme Unidade Federativa de origem Fonte: SENAI/RS. Através da Fig. 4, é possível verificar que os segmentos demandados apresentam-se bastante diversificados, sendo o de maior representação, no SBRT em geral, o setor da Agricultura e Pecuária com 28,51%, seguido pelo de Alimentos e Bebidas com 20,48% e o de Serviços Industriais com 13,65%. De maneira semelhante, os segmentos mais atendidos especificamente pelo SENAI/RS foi o da Agricultura e Pecuária com 22,34%, seguido pelo de Serviços Industriais com 21,28% e o de Alimentos e Bebidas com 18,09%. Fig. 4 - Respostas técnicas publicadas pelo SBRT em geral e somente pelo SENAI/RS, desde a implantação até o dia 9/5/2005, conforme os segmentos de maior interesse. Fonte: SENAI/RS. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. Fonte: SENAI/RS. Estes dados permitem verificar a intensificação do uso do serviço por parte dos usuários, ao longo dos quatro últimos meses. Os bibliotecários cumprem papel importante nestas demandas atendidas, por serem mediadores do processo, dentro da área de informação tecnológica da rede SENAI-RS. Os dados apresentados não são absolutos, representando um recorte temporal dos atendimentos realizados pelo SENAI-RS. É mister destacar, entretanto, que tais dados denotam o resultado consolidado da efetiva participação acumulada do SENAI-RS na rede SBRT nos últimos meses. O dinamismo dos atendimentos é uma característica que confere peculiar importância e operacionalidade ao SBRT, remetendo a um perfil renovado do bibliotecário e dos profissionais vinculados às respostas técnicas. 2. NOVO PERFIL PARA O BIBLIOTECÁRIO: DINAMISMO CONTUMAZ 2.1 Características do profissional da área de informação O paradigma vigente provocou, de forma inequívoca, alterações no próprio mercado de trabalho, em que o capital humano e a valorização das capacidades dos indivíduos vinculadas a ativos intangíveis – caso do conhecimento, em particular – passaram a assumir indubitavelmente tratamento diferenciado (HANEFELD, 2004b). Conforme o SENAI.DN (1999) são características desejáveis ao profissional da informação que vai elaborar a Resposta Técnica: conhecer o setor industrial para o qual está direcionado o Núcleo/Unidade, no que se refere aos procedimentos, tecnologias e mercado do setor em questão; ser capaz de compreender e utilizar tanto o jargão técnico do setor industrial a que atende quanto de se comunicar com pessoas de diferentes níveis hierárquicos e/ou com diferentes níveis de formação dentro da empresa; ter a capacidade de sintetizar conceitos e teori117 as e de resumir informações, visando torná-las inteligíveis para o cliente; ter autonomia na execução de seus projetos; ser uma pessoa voltada para a busca de soluções rápidas e estar sempre pronto para ouvir e avaliar diferentes opiniões, dentro de uma perspectiva de trabalho em equipe. Adicionalmente, outros aspectos do perfil do bibliotecário – muitos deles subjacentes à sua própria formação - merecem ser destacados, quais sejam: atenção às técnicas biblioteconômicas e documentais; atitudes gerenciais pró-ativas; tratamento e disseminação de informação, independente do suporte físico; espírito crítico e bom senso; atendimento real e/ou virtual aos clientes; profundo conhecimento dos recursos informacionais disponíveis e das técnicas de tratamento da documentação com domínio das tecnologias mais avançadas; domínio de línguas estrangeiras; fusão entre as abordagens qualitativas e quantitativas; estudo das necessidades de informação dos clientes e avaliação dos recursos dos sistemas de informação; relação coerente entre informação e sociedade; planejamento e gerenciamento de sistemas de informação; preocupação na análise, comunicação e uso da informação; intenso processo de educação continuada; ativa participação nas políticas sociais, educacionais, científicas e tecnológicas. Neste último grupo estão imbricados elementos que traduzem um perfil renovado para o bibliotecário. A partir da experiência do SBRT, que trabalha com o fornecimento de respostas técnicas – as quais são estilizadas como sendo fundamentalmente atendimentos tecnológicos de baixa complexidade – é possível identificar características desejáveis que objetivam perceber a informação tecnológica como um elemento de agregação de valor. Como tal, é necessário um processo de sensibilização e mudança de comportamento e atitude frente à nova realidade. viabiliza um atendimento de qualidade e com excelente capilaridade. Os bibliotecários, neste processo, assumem papel relevante. Complementarmente às atribuições ou competências detalhadas na subseção anterior, as habilidades de comunicação, organização e de negociação necessárias ao bibliotecário, visto como um “profissional da informação” conforme as necessidades atuais, estão centradas principalmente na facilidade de comunicação (verbal, escrita e no uso das telecomunicações e-mail, fax e telefone), capacidade em organizar informações digitais e saber interagir e negociar com o usuário. Como requisito específico, necessita-se principalmente obter embasamento e conhecer a utilização de critérios de uso de páginas web para atender à demanda. O que deve assumir maior peso relativo em relação à Resposta Técnica é a capacidade do profissional da informação de selecionar, avaliar e transformar a informação para que esta se torne útil, ou seja, ser um facilitador, buscar soluções para as demandas que advenham das empresas e/ou empreendedores. E esta é a percepção vivida atualmente entre os bibliotecários da rede SENAI-RS, que somam treze profissionais Tudo isto somado às demais atribuições clássicas do bibliotecário, que reconhecemos e revalidamos a sua importância. No SENAI-RS foi adotada a metodologia desenvolvida pelo SBRT para a gestão e atendimento de respostas técnicas. À luz da percepção do potencial de agregação de valor que a informação tecnológica e seus serviços e atividades conexas oportunizam, tem-se trabalhado buscando a sensibilização dos colaboradores do seu quadro, vinculados à área de informação, no sentido de aprimorar crescentemente o sentido de entender, atender e encantar o cliente. CONSIDERAÇÕES FINAIS 2.2 Competências do bibliotecário associadas ao SBRT, no SENAI-RS As competências abarcadas na subseção anterior são indispensáveis e subjacentes ao profissional vinculado à área de informação, em especial quando tratamos de bibliotecários. No SENAI-RS, os contatos principais para atuação em rede são os responsáveis pelos Núcleos de Informação, os quais são os elementos de ligação e mediação com todo o banco de especialistas do SENAI-RS. O Departamento Regional, através da Unidade de Negócios em Serviços Tecnológicos - UNET, representa o nó principal da rede, dentro do SENAI-RS, perante os demais parceiros da rede SBRT, ou seja, através da UNET são mediados e gerenciados todos os atendimentos que são direcionados ao SENAI-RS. Portanto, o contato da UNET com as suas unidades operacionais 118 Através do presente trabalho foi apresentada, de forma sumária, a atuação do SENAI-RS dentro do Serviço Brasileiro de Resposta Técnica – SBRT, projeto pautado, em essência, em uma atuação em rede através de distintas instituições brasileiras com reconhecida atuação na área de ciência, tecnologia e inovação, dentre os quais se encontra o SENAI-RS na condição de provedor de respostas técnicas. As estatísticas apresentadas oportunizaram dimensionar a atuação do SENAI-RS dentro desta rede estratégica de fornecimento de respostas técnicas customizadas. Não obstante sinalizarem para sua validade, atestando a certeza do governo federal em ter proposto – no ano de 2002 - e viabilizado subseqüentemente a implantação e implementação de um projeto absolu- R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. tamente alinhado, oportunizaram provocar inferências acerca do perfil dos profissionais diretamente envolvidos com a área de informação tecnológica. Dentro deste prisma renovado, novas atribuições passam a desafiar esses profissionais, incitando assumirem atribuições inovadoras ou, de outra forma, formas diferentes de tratar situações semelhantes. As novas atribuições sinalizam para uma postura absolutamente próativa, onde o bibliotecário passa a voltar-se cada vez mais ao mercado. À medida que o faz, encontra crescentemente entre seus clientes não apenas alunos e professores como usuários de sua biblioteca, mas sim clientes. Estes clientes, inseridos em uma sociedade carente de informações qualificadas e ancorados em um mundo marcado pela globalização em suas mais diversas formas de manifestação, deve encontrar neste novo bibliotecário um profissional focado em negócios e perfeitamente sensível a conceitos, valores e metodologias vinculadas à produtividade e competitividade. O insight mais significativo a ser retirado deste trabalho consiste em sensibilizar o capital humano existente nas organizações voltado à área de informação tecnológica quanto à importância de perceber as oportunidades existentes além do espaço físico das bibliotecas. Seu papel diante do paradigma vigente, típico da economia baseada no conhecimento, é de importância ímpar. A informação tecnológica, enquanto instrumento de vinculação entre o conhecimento vinculado à multiplicidade de competências acumuladas nas instituições que a provêem e a dimensão de mercado requer que o profissional de informação tenha um papel essencial de intermediação, prescindido pelos empreendedores e empresários. Isto sempre em paralelo à atenção dedicada aos alunos, usuários recorrentes das bibliotecas. NOTAS (1) Em estudo recente de HANEFELD (2004a), são abordadas especificamente as teorias tecnológicas aplicadas à educação, sustentando-se justamente a relevância de se proceder a uma consubstanciada revisão nas formas de atuação dos profissionais frente às novas tecnologias. (2) O portal, viabilizado preponderantemente com o apoio do Governo do Brasil, por interveniência do Ministério da Ciência e Tecnologia, pode ser acessado em http://www.sbrt.ibict.br. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. REFERÊNCIAS AMARAL, S. A. do. Marketing: Abordagem em unidades de informação. Brasília: Thesaurus, 1998, p. 244. ARRUDA, M. da C. C.; MARTELETO, R. M.; SOUZA, D. B. Educação, trabalho e o delineamento de novos perfis profissionais: o bibliotecário em questão. Ciência da Informação, Brasília, v. 29, n. 3, set./dez. 2000, p.14-24. BLATTMANN, U. Bibliotecário na posição de arquiteto da informação em ambiente web. Disponível em: < http:/ /www.ced.ufsc.br/~ursula/papers/arquinfo.html> Acesso em: 4 maio. 2005. CASTRO, C. A. Profissional da informação: perfis e atitudes desejadas. Informação & Sociedade, João Pessoa, vol. 10, n. 1, 2000. CRAWFORD, R. Na era do capital humano. São Paulo: Atlas, 1994. HACK, E.; HANEFELD, A. O.. Metodologia de Respostas Técnicas. Porto Alegre: SENAI-RS, 2004. HANEFELD, A. O. As teorias tecnológicas aplicadas à educação: uma oportunidade ao desenvolvimento. Revista Univap, São José dos Campos - SP, v. 11, p. 16-24, 2004a. HANEFELD, A. O. Capital humano e mercado de trabalho: contribuições no contexto da globalização. Estudos & Debate, Lajeado - RS, v. 11, n. 2, p. 15-32, 2004b. SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM INDUSTRIAL – SENAI/RS. Relatório SENAI-RS 2003; ensinando a realizar. Porto Alegre,2004. SERVIÇO BRASILEIRO DE RESPOSTA TÉCNICA – SBRT. Disponível em: <http://www.sbrt.ibict.br>. Acesso em: 5 mai 2005. VALENTIM, M. L. P. O moderno profissional da informação: formação e perspectiva profissional. R. Bibl. Ci.Inf., Florianópolis, n. 9, jun. 2000. Disponível em: <http://www.encontrosbibli.ufsc.br/Edicao_9/ marta.html>. Acesso em: 5 maio 2005. VIEIRA, A. da S. Desenvolvimento de um novo profissional para um novo tempo. R. da Esc. de Bibl. da UFMG, Belo Horizonte, v. 18, n. 1, 1993, p. 111-113. 119 Neon Dimer Binding : an ab initio Calculation Alexandre Martins Dias * Resumo: Usando o método Hartree Fock Restrito (RHF) e a teoria de Perturbação de Segunda Ordem de Moller-Plesset (MP2) para sistemas de camada fechada, com um conjunto de funções de base do tipo TZV (Triple Zeta Valence), como implementado no programa ab initio GAMESS, versão 4.0, para cálculos de estrutura eletrônica, este estudo apresenta o cálculo da curva de potencial para o estado fundamental da molécula Ne2. Os resultados proporcionam uma boa predição da energia de ligação da molécula. Palavras-chave: Ne2, GAMESS, ab initio, RHF, MP2. Abstract: Using Restricted Hartree Fock (RHF) method and Second Order Moller-Plesser Disturbance theory (MP2) for closed layer systems with a set of basis functions like Triple Zeta Valence (TZV) as implemented in the version 4.0 ab initio GAMESS program for electronic structure calculations, this study presents a potential curve calculation for the ground state of the Ne2 molecule. The results provide a good prediction about the molecule linking energy. Key words: Ne2, GAMESS, ab initio, RHF, MP2. 1. INTRODUCTION Diatomic molecules of noble gases have been studied from several points for empirical and ab initio calculations (TANAKA; YOSHINO, 1972; COHEN; SCHNEIDER, 1974). The interest in these molecules were due to the fact that they constitute a class of molecules for laser applications (MICHELS; HOBBS; WRIGTH, 1978). Recently, new ab initio potentials for neon dimer have been obtained in the studies of molecular global simulations, condensed phase and tests of the several basis sets for weakly interacting system (EGGENBERGER et al., 1994; NASRABAD, 2003). Ab initio calculations (CLEMENTI, 1965) showed 1 that ground ∑ +g state of dimer Ne2 with configuration (1 σ u ) 2(1 σ g) 2 (2 σ g ) 2(2 σ u) 2(1 π g ) 4(1 π u ) 4 (3 σ g) 2 (3 σ u ) 2 , dissociates into two ground states Ne (1σ2 2σ22π6) atoms with the total energy -257.0940 Eh (hartrees). Calculations based on MS-Xa (not frozen core approximation) (KONOWALOW et al., 1972), LCAO-MOSCF (GILBERT; WAHL, 1967) and VCM-Xa (LEITE et al., 1981; DIAS, 1981; DIAS; ROSATO, 1982) methods have not shown the van der Waals minimum for this molecule. * Professor e Coordenador da Faculdade de Ciência da Computação da UNIFENAS - Alfenas - MG. E-mail: [email protected] 120 The ab initio calculation performed in this work is a trial to predict the binding of the Ne2 dimer, since that recent calculations (EGGENBERGER et al., 1994; NASRABAD, 2003) have been performed for this purpose. 2. CALCULATION REPORTS These ab initio calculations were performed by RHF with 2nd order Moller-Plesset (MP2) computation methods, as implemented into GAMESS (SCHMIDT et al., 1993) package, for Windows PC computers optimized by Alex A. Granovsky in Moscow State University, using Triple Zeta Valence(TZV) with one d function basis set, initial orbitals generated by Huckel guess routine with molecule in D2H point symmetry group and MP2 applied to the last orbital. Figure 1 shows the potential curve obtained in this work. The separated atom limit energy reached the value of -257.090146 Eh. The minimum for total energy of molecule has been evaluated as -257.090273 Eh at Re = 5.6 au (bohr) or 2.968 Å, assumed as the equilibrium internuclear distance of the ground state of the molecule. Then, the binding, obtained as the difference between the separated atom limit and the minimum of the potential curve, is 0.000127 Eh or 0.00346 eV. Experimental results related by Herzberg (HUBER; HERZBERG, 1979) and Ira N. Levine (1991) shown 0.00013 Eh or 0.0035 eV for binding energy to the equilibrium R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. internuclear distance at Re = 5.85 au or 3.1 Å. Recent calculations (NASRABAD, 2003), using extensive (av45z) basis set, result in a more deep binding energy than experimental value at Re = 3.097 Å related to the HFlimit of separated atoms. Table 2 shows the numerical values for the total energies from VCM-Xα, MS-Xα and LCAO-MO-SCF methods for the same internuclear separations. These values are plotted in Figure 2, showing repulsive potential curves. Table 2 - Total energies for the ground state of Ne2 Molecule for different internuclear separation, in hartree units Fig. 1 - Potential curve for the ground state of Ne2 molecule from RHF+MP2 calculations. a) VCM-Xα (LEITE et al., 1981; DIAS, 1981; DIAS; ROSATO, 1982). b) MS-Xα with not frozen core approximation (KONOWALOW et al., 1972). c) LCAO-MO-SCF (GILBERT; WAHL, 1967). Table 1 sums up the numerical values for these ab initio calculations and several others results obtained by different methods for comparison. Table 1 - Total energies for ground state of Ne2 molecule. All energies in hartree units and internuclear Re distance in atomic units Fig. 2 - Potential curves for ground state of Ne2 molecule from VCM-Xα, MS-Xα and LCAO-MO-SCF methods. 3. FINAL REMARKS a) This work. b) VCM-Xα (KONOWALOW et al., 1972; GILBERT; WAHL, 1967; LEITE et al., 1981). c) MS-Xα (NASRABAD, 2003). d) LCAO-MO-SCF (CLEMENTI, 1965). R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. It is well known from early calculations with the Restricted Hartree-Fock methods (WAHL, 1964), that it is not easy to exhibit the binding for these class of molecules and only half of the binding was obtained from the extensive CI calculations (DAS; WAHL, 1966). 121 The small value of the binding for this molecule is the main reason for the difficulties in theoretical calculations, because of the exactness necessary by the calculations with approximated methods, but the results obtained in this work have shown an attractive potential curve compared with the repulsive curves of the others methods. In Figure 2, we observe that VCM-Xα and MSXα methods present similar potential curves. It is due to the muffin-tin approximations used for charge density into some space regions of the molecule geometry adopted in VCM calculations and MS methods, but we observe that VCM-Xα leads to the separated atom limit energy close to the Hartree-Fock limit (CLEMENTI, 1965). The results obtained for the RHF + MP2 energies for the ground state of the Ne2 molecule in this work, with TZV basis set as implemented into GAMESS package, essentially shows weakly bound Ne atoms. The separated atom limit energy obtained is in good agreement to the HF limit (CLEMENTI, 1965), and the binding of molecule subject of this work is close to the experimental value. We know that the ground state of Ne2 molecule has the same number of electron pairs in p ligand orbitals and π non-ligand orbitals, producing unstable state (HUBER; HERZBERG, 1979). 4. REFERENCES CLEMENTI, E. Ab initio Computations in Atoms and Molecules. IBM J. Res. Dev., v. 9, p. 2, 1965. COHEN, J. S.; SCHNEIDER, B. Ground and excited states of the Ne2 and Ne2+: I. Potential curves with and without spin-orbit coupling. J. Chem. Phys., v. 61, p. 3230, 1974. DAS, G.; WAHL, A. C. Extended Hartree-Fock Wavefunctions: Optimized Valence Configurations for H2 and Li2, Optimized Double Configurations for F2. J. Chem. Phys., v. 44, p. 87, 1966. DIAS,A. M. Estudo do Estado Fundamental e do Estado Excitado 1 GILBERT, T. L.; WAHL, A. C. Single-configuration wavefunctions and Potential curves for the Ground States of He2, Ne2 and Ar2. J. Chem. Phys., v. 47, p. 3425, 1967. HUBER, K. P.; HERZBERG, G. Molecular Spectra and Molecular Structure: I. Constant of Diatomic Molecules, New York: Van Nostrand, 1979. KONOWALOW, D. D.; WEINBERGER, P.; CALAIS, J. L.; CONNOLY, J. W. D. Self-consistent-field Xa cluster calculations for the ground state Ne2 molecule. Chem. Pys. Lett., v. 16, p. 81, 1972. LEITE, J. R.; FAZZIO, A.; LIMA, M. A. P.; DIAS, A. M.; ROSATO, A.; SEGRE, E. The Variational Cellular Method for Quantum Mechanical Applications: Calculations of the Ground and Excited States of F2 and Ne2 Molecules. Int. J. of Quantum Chem., v. 15, p. 401-408, 1981. LEVINE, I. N. Quantum Chemistry, 4th ed., New Jersey: Prentice-Hall Inc., 1991. MICHELS, H. H.; HOBBS, R. H.; WRIGTH, L. A. Electronic structure of the noble gas dimmer ions: I. Potential energy curves and spectroscopy constants. J. Chem. Phys., v. 69, p. 5151, 1978. NASRABAD, A. E. Global Simulation of the Noble Gases an Their Binary Mixtures. Koln. 2003. Thesis (Inaugural-Dissertation zur Erlangung Doktorgrades). Universitat zu Koln. 2003. SCHMIDT, M. W.; BALDRIDGE, K. K.; BOATZ, J. A.; ELBERT, S. T.; GORDON, M. S.; JENSEN, J. H.; KOSEKI, S.; MATSUNAGA, N.; NGUYEN, K. A.; SU, S. J.; WINDUS, T. L.; DUPUIS, M.; MONTGOMERY, J. A. General Atomic and Molecular Electronic Structure System. J. Comput. Chem., v. 14, p. 1347-1363, 1993. ∑ u+ da molécula Ne2 pelo Método CelularVariacional. TANAKA,Y; YOSHINO, K. Absorption spectra of Ne 2 1981. Dissertação (Mestrado em Ciências). ITA. 1981. DIAS, A. M.; ROSATO, A. Calculation of the Ground and Excited States of the Ne2 Molecule by the Variational Cellular Method. Rev. Bras. de Física, v. 12, n. 2, p. 315-345, 1982. 122 EGGENBERGER, R.; GERBER, S.; HUBER, H.; WELKER, M. A new ab initio potential for the neon dimmer an its applications in molecular dynamics simulations of the condensed phase. Mol. Physics., v. 82, n. 4, p. 689-699, 1994. and NeHe molecules in the vacuum-UV region. J. Chem. Phys., v. 57, p. 2964, 1972. WAHL, A. C. Analytic Self-consistent Field Wavefunctions and Computed Properties for Homonuclear Diatomic Molecules. J. Chem. Phys., v. 41, p. 2600, 1964. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. NORMAS GERAIS PARA A PUBLICAÇÃO DE TRABALHOS NA REVISTA UNIVAP A Revista Univap é uma publicação de divulgação científica da Universidade do Vale do Paraíba (Univap), que procura cumprir com a sua tríplice missão de ensino, pesquisa e extensão. Assim, a pesquisa na Univap tem, dentre suas funções, a de formar elites intelectuais, sem as quais não há progresso. Esta publicação incentiva as pesquisas e procura o envolvimento de seus professores e alunos em pesquisas e cogitações de interesse social, educacional, científico ou tecnológico. Aceita artigos originais, não publicados anteriormente, de seus docentes, discentes, bem como de autores da comunidade científica nacional e internacional. Publica artigos, notas científicas, relatos de pesquisa, estudos teóricos, relatos de experiência profissional, revisões de literatura, resenhas, nas diversas áreas do conhecimento científico, sempre a critério de sua Comissão Editorial e de acordo com o formato dos artigos aqui publicados. Solicita-se o cumprimento das instruções a seguir para o preparo dos trabalhos. 1. Os originais devem ser apresentados em papel branco de boa qualidade, no formato A4 (21,0cm x 29,7cm) e encaminhados completos, definitivamente revistos, com no máximo 15 páginas, digitados em espaço 1,5 entre as linhas, com duas colunas. Recomenda-se o uso de caracteres Times New Roman, tamanho 12, em 2 vias, acompanhado de suporte eletrônico disquete ou CDROM em Word e, se possível, enviar a cópia para o email [email protected]. Somente em casos muito especiais serão aceitos trabalhos com mais de 15 páginas. Os títulos das seções devem ser em maiúsculas, numerados seqüencialmente, destacados com negrito. Não se recomenda subdivisões excessivas dos títulos das Seções. 2. Língua. Os artigos devem ser escritos, preferencialmente, em Português, aceitando-se também textos em Inglês e Espanhol. No caso do uso das línguas Portuguesa e Espanhola, devem ser anexado um resumo em Português (ou Espanhol) e em Inglês (Abstract). 3. Os trabalhos devem obedecer à seguinte ordem: informações referentes às instituições a que pertence(m) e às qualificações, títulos, cargos ou outros atributos. - Resumo. Com no máximo 250 palavras, o resumo deve apresentar o que foi feito e estudado, seu objetivo, como foi feito (metodologia), apresentando os resultados, conclusões ou reflexões sobre o tema, de modo que o leitor possa avaliar o conteúdo do texto. NBR6028 - Abstract. Versão do resumo para a língua Inglesa. Caso o trabalho seja escrito em Inglês, o Abstract deve ser traduzido para o Português (Resumo). - Palavras-chave (Key words). Apresentar de duas a cinco palavras-chave sobre o tema. - Texto. Corpo do artigo estruturado em introdução, desenvolvimento e conclusão. No caso de divisão de seções, sua ordenação deve seguir o sistema de numeração progressiva (NBr6024), com subtítulos de caráter informativo. - Citações dentro do texto. As citações com mais de 3 linhas devem ser destacadas com recuo da margem esquerda 4 cm, com letra menor que a do texto utilizado e sem aspas. Ex.: Na criança, bons hábitos posturais são importantes para evitar sobrecargas anormais em ossos em crescimento e alterações adaptativas em músculos e tecido mole. (KISNER; COLBY, 1998). Nas citações são utilizadas sobrenome e data, apresentadas em maiúsculas dentro do parênteses e em minúsculas fora do parênteses. Ex.: 1. Segundo Spector (2003), “A discussão dos resultados é a parte mais livre da tese, onde o autor tem maior latitude para demonstrar o seu domínio do tema e o valor do estudo.” Ex.: 2. A discussão dos resultados é a parte mais livre da tese, onde o autor tem maior latitude para demonstrar o seu domínio do tema e o valor do estudo (SPECTOR, 2003). - Título (e subtítulo, se houver). Deve estar de acordo com o conteúdo do trabalho, conforme os artigos aqui apresentados. - Referências Bibliográficas: devem ser apresentadas no final do trabalho, em ordem alfabética de sobrenome do(s) autor(es), como nos seguintes exemplos: - Autor(es). Logo abaixo do título, apresentar nome(s) do(s) autor(es) por extenso, sem abreviaturas. Com asterisco, colocado logo após o nome completo do autor ou autores, remeter a uma nota de rodapé relativa às a) Livro: SOBRENOME, Nome. Título da obra. Local de publicação: Editora, data. Exemplo: PÉCORA, Alcir. Problemas de redação. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. 123 b) Capítulo de livro: SOBRENOME, Nome. Título do capítulo. In: SOBRENOME, Nome (org.). Título do livro. Local de publicação: Editora, data. Página inicial-final. Exemplo: LACOSTE, Yves. Liquidar a geografia... liquidar a idéia nacional? In: VESENTIN, José William (org.). Geografia e ensino: textos críticos. Campinas: Papirus, 1989. p.31-82. c) Artigo de periódico: SOBRENOME, Nome. Título do artigo. Título do periódico, local de publicação, volume do periódico, número do fascículo, página inicial-página final, mês(es). Ano. Exemplo: ALMEIDA JÚNIOR, M. A economia brasileira. Revista Brasileira de Economia, São Paulo, v. 11, n. 1, p. 26-28, jan./fev. 1995. d) Dissertações, Teses e Trabalhos Acadêmicos: SOBRENOME, Nome. Título da dissertação (ou tese). Local. Número de páginas (Categoria, grau e área de concentração). Instituição em que foi defendida. data. Exemplo: BRAZ, A. L. Efeito da luz na faixa espectral do visível em adultos sadios. 2002. 1 disco laser. Dissertação (Mestrado em Bioengenharia) - Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento, Universidade do Vale do Paraíba, São José dos Campos, 2002. e) Outros casos: Consultar as Normas da ABNT para Referências Bibliográficas (NBR6023). Ou acessar o site: http://www.univap.br/cultura/abnt.htm 4. As figuras (desenhos, gráficos, ilustrações, fotos) e tabelas devem apresentar boa qualidade e serem acompanhados de legendas breves e claras. Indicar no verso das ilustrações, escritos a lápis, o sentido da figura, o nome do autor e o título abreviado do trabalho. As figuras devem ser numeradas seqüencialmente com números arábicos e iniciadas pelo termo Fig., devendo ficar na parte inferior da figura. Exemplo: Fig. 4 - Gráfico de controle de custo. (fonte 10). As tabelas também devem ser numeradas seqüencialmente, com números arábicos, e colocadas na parte superior da tabela. Exemplo: Tabela 5 - Cronograma da Pesquisa. As figuras e tabelas devem ser impressas juntamente com o original e quando geradas no computador deverão estar gravadas no mesmo arquivo do texto original. Fotografias, desenho artístico, mapas etc., devem ser de boa qualidade e em preto e branco. 124 5. O encaminhamento do original para publicação deve ser feito acompanhado do disquete ou CD-ROM e com a indicação do software e versão usada. 6. O Corpo Editorial avaliará sobre a conveniência ou não da publicação do trabalho enviado, bem como poderá indicar correções ou sugerir modificações. A cada edição, o Corpo Editorial selecionará, dentre os trabalhos considerados favoráveis para publicação, aqueles que serão publicados imediatamente. Os não selecionados serão novamente apreciados na ocasião das edições seguintes. 7. Os conteúdos e os pontos de vista expressos nos textos são de responsabilidade de seus autores e não apresentam necessariamente as posições do Corpo Editorial da Revista Univap. 8. Originais. A Revista não devolverá os originais dos trabalhos e remeterá, gratuitamente, a seus autores, três exemplares do número em que forem publicados. 9. O Corpo Editorial se reserva o direito de introduzir alterações nos originais, com o objetivo de manter a homogeneidade e a qualidade da publicação, respeitando, porém, o estilo e a opinião dos autores. 10. Endereços. Deverá ser enviado o endereço completo de um dos autores para correspondência. Os trabalhos deverão ser enviados para: UNIVERSIDADE DO VALE DO PARAÍBA - UNIVAP PRÓ-REITORIA DE INTEGRAÇÃO UNIVERSIDADE/ SOCIEDADE Conselho Editorial da Revista Univap Av. Shishima Hifumi, 2.911 - Bairro Urbanova São José dos Campos - SP 12244-000 Telefone: (12) 3947.1036 Fax: (12) 3947.1211 E-mail: [email protected] R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.
Documentos relacionados
revista univap
Diretor da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas Vera Maria Almeida Rodrigues Costa Diretora da Faculdade de Comunicação e Artes Marcos Tadeu Tavares Pacheco Diretor do Instituto de Pesquisa e De...
Leia mais